específico de Salvador, o impacto provocado pelo fim da escravidão pode ser
considerado nulo.
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E com a República, a Bahia, profundamente anti-
republicana, com autoridades, elites e povo permanecendo fechados em torno
do Império, vê reduzidas as possibilidades de influência política no novo
regime.
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Pois bem. Em que pesem algumas observações em contrário, parece
razoável concordarmos com a tese da insularidade político-econômica da
Bahia no “longo século” XIX.
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Primo, porque quando falamos de isolamento,
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Segundo Jefferson Bacelar, a “Abolição não promoveu grandes transformações sócio-
econômicas em Salvador, permanecendo a mesma fiel à sua antiga função de porto e cidade
comercial. Por não terem sido processadas grandes mudanças na sua estrutura produtiva,
verificou-se a manutenção do antigo sistema ocupacional, sem alteração das posições e
esquemas pretéritos. O único avanço consistiu exclusivamente no fato do escravo tornar-se
livre, e conseqüentemente desligado das vinculações imanentes à sociedade escravista”
(Bacelar, 1989, p.72). E não poderia ter sido muito diferente. Em Salvador quase já não
havia escravos em 1888 e no Recôncavo eles também já não eram tantos. Há mais de trinta
anos havia sido proibido o tráfico e a decadente economia do açúcar alimentava com seus
escravos os cafezais. A professora Kátia Mattoso, comparando dados populacionais, evidencia
a redução progressiva da população escrava, na Bahia, ao longo do século XIX. Por exemplo,
entre 1808 e 1872, o total de escravos no conjunto da população baiana reduz-se em quase
um terço, caindo de 35,3% para 12,2% (Mattoso, 1988). E a partir da década de 1870, a
redução da população escrava acentuou-se ainda mais. Começava a haver assalariamento no
trabalho urbano. No trabalho doméstico, os agregados de todo o tipo davam conta do serviço
com perfeição. Os ares abolicionistas de então já não recomendavam, como de bom tom, ser
proprietário de escravos. Quando chega o 13 maio, entre os 120 mil habitantes de Salvador,
apenas 3 mil eram escravos (Risério, 2000).
71
Aliás, à exceção de Pernambuco com sua Faculdade de Direito, as idéias e a propaganda
anti-monárquicas não empolgaram o Nordeste escravocrata. Na Bahia, proclamada a
República, o Presidente da Província, a unanimidade dos membros, liberais e conservadores,
da Assembléia Legislativa, a Câmara de Vereadores, a Associação Comercial da Bahia e até o
Comandante das Armas – por sinal, irmão do Marechal Deodoro da Fonseca – reagiram,
dispondo-se a resistir em defesa do regime monárquico. Entre as camadas populares, a
reação foi idêntica. Há, inclusive, notícias da tentativa de criação de uma “guarda negra
composta pelos beneficiados pela Lei Áurea, a qual se propunha assegurar a estabilidade do
regime [monárquico] contra ‘qualquer possível golpe’” (Falcon, 1978, p. 103).
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Alguns estudos, no entanto, argumentam contra a idéia da decadência baiana no século
XIX. Manoel Pinto de Aguiar, nas suas clássicas Notas sobre o ‘Enigma Baiano’ ao considerar
o século XIX como um todo afirma que “mantivemos, ao longo do século dos oitocentos, uma
posição satisfatória em relação ao crescimento do resto da nação” (Aguiar, 1977, p. 128). Já
Clemente Mariani, como Pinto de Aguiar, também integrante da “geração do enigma”,
assume posição mais cautelosa. Insiste na tese de que a Bahia continuou a representar a
base da “rudimentar economia brasileira” mas não deixa de observar que, “com o avanço do
Século XIX, a situação econômica da Bahia” começa “relativamente, a declinar”, reflexo,
segundo ele, do deslocamento do eixo econômico do Brasil para a região Sul com suas
plantações de café (Mariani, 1977, p. 61). Também Vilmar Faria, em trabalho bem mais
recente, sustenta a posição de que a Bahia continuou a manter uma importância, tanto
política quanto econômica, “quando o centro dinâmico da economia exportadora consolidou-
se na região Sudeste do país”. O estudo credita à Bahia um papel de relevo na cena
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