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MARINÊS SORATTO
A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO DA ESCOLA PARA OS
ESTUDANTES INDÍGENAS DO ENSINO MÉDIO DA
RESERVA FRANCISCO HORTA BARBOSA –
DOURADOS/MS
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
Campo Grande - MS
2007
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ii
MARINÊS SORATTO
A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO DA ESCOLA PARA OS
ESTUDANTES INDÍGENAS DO ENSINO MÉDIO DA
RESERVA FRANCISCO HORTA BARBOSA –
DOURADOS/MS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Mestrado em Educação da
Universidade Católica Dom Bosco como parte dos
requisitos para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Área de Concentração: Diversidade Cultural e
Educação Escolar indígena
Orientador: Profa. Dra. Adir Casaro Nascimento.
UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO
Campo Grande
2007
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iii
Ficha catalográfica
Soratto, Marinês
S713c A construção do sentido da escola para os estudantes indígenas do ensino
médio da Reserva Francisco Horta Barbosa – Dourados/MS / Marinês Soratto;
orientação Adir Casaro Nascimento. 2007
132 f. + anexo
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica Dom Bosco, Campo.
Grande, Mestrado em educação, 2007.
Inclui bibliografia
1. Educação indígena 2. Estudantes indígenas 3.Educação – Dissertação
I. Nascimento, Adir Casro.II.Título
CDD-370.1934
Bibliotecária responsável: Clélia T. Nakahata Bezerra CRB 1/757
iv
A CONSTRUÇÃO DO SENTIDO DA ESCOLA PARA OS
ESTUDANTES INDÍGENAS DO ENSINO MÉDIO DA
RESERVA FRANCISCO HORTA BARBOSA –
DOURADOS/MS
MARINÊS SORATTO
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________
Profa. Dra. Adir Casaro Nascimento
_________________________________________
Prof. Dr. Antônio Jacó Brand
_________________________________________
Profa Dra. Antonella Maria Imperatriz Tassinari
v
... Aos meus pais, pelo amor, carinho e
incentivo sempre em minha vida.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço...
... as pessoas que vivenciaram a construção deste estudo e de certo modo fazem parte dele.
Em especial...
A comunidade indígena da Reserva Francisco Horta Barbosa;
Aos estudantes indígenas do Ensino Médio da Escola Estadual Guateka Marçal de Souza
pela disponibilidade de participar da construção deste estudo;
A Neide Ferranti, Diretora EE Guateka Marçal de Souza pela acolhida e o apoio dado
nas pesquisas de campo, que ousou sem medir esforços em me acompanhar, o que fez tudo
se tornar mais fácil;
Ao Daniel Barbosa, secretário da EE Guateka – Marçal de Souza;
A Zélia Kruger, coordenadora da EE Guateka – Marçal de Souza;
A CAPES pela bolsa de estudos que proporcionou os meios para que esta pesquisa fosse
realizada;
A professora Adir Casaro Nascimento, por mais uma orientação, paciência, compreensão e
dedicação neste trabalho. Pelos anos de ensino e aprendizado que me fizeram crescer... e
hoje ser base da minha formação enquanto educadora;
Aos professores do Mestrado: Antônio Brand... José Lícionio... Marina Vinha...
Aos Técnicos da Gestão de Processos em Educação Escolar Indígena, pelo apoio todo
tempo ... Maria José... Eliane... Sônia... Paredes... Miriam... Alcery... Fábio...
vii
As professoras e coordenadoras do Curso Normal em Nível Médio Formação de
Professores Guarani/Kaiowá Ára Verá, pela oportunidade de trabalho e amizade... em
especial a Shirley e a Veronice;
Aos amigos que vão... e que ficam... entre eles a Lia e a Cláudia, pela amizade e
companheirismo e pelas longas viagens, estudos e noites maus dormidas ...
Aos meus irmãos ... Paulo... e Nani ... pelo apoio e a impaciência de ver este trabalho
pronto;
Ao meu namorado, Thiago Bortoletto pelo incentivo, compreensão e carinho nas
intermináveis horas de estudos.
viii
SORATTO, Marinês. A construção do sentido da escola para os estudantes
indígenas do Ensino Médio da Reserva Francisco Horta Barbosa Dourados/MS.
Campo Grande, 2007. 132 p. Dissertação (Mestrado) Universidade Católica Dom
Bosco.
RESUMO
Esta dissertação insere-se na linha de pesquisa Diversidade Cultural e Educação
Indígena do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Católica Dom
Bosco / UCDB. A pesquisa teve como objetivo compreender como foi construído o
sentido de escola para os estudantes indígenas do Ensino Médio, da Reserva
Francisco Horta Barbosa – Dourados/MS, tendo em vista os sentidos por eles
estabelecidos. O encaminhamento da pesquisa passou por dois momentos
específicos, porém complementares: no primeiro momento foi realizado um estudo
bibliográfico, baseado nas áreas de conhecimento de Educação, Antropologia e
História, sobre educação escolar e educação escolar indígena, tendo como eixo
norteador a cultura. No segundo momento foi realizado um estudo documental da
Escola Estadual Intercultural Guateka – Marçal de Souza, localizada na aldeia
Jaguapirú e a coleta de dados com os Estudantes do Ensino Médio. A coleta de
dados foi realizada através de questionários, entrevistas, observações e histórias de
vida, buscando contemplar o objetivo deste estudo. A pesquisa evidencia que a
construção do sentido de escola para os estudantes está ligada ao contexto histórico
e as transformações sociais, políticas e econômicas da aldeia vivenciadas num
espaço de fronteiras. Pode-se dizer que o sentido da escola para os estudantes
indígenas do Ensino Médio parece responder a um desafio padrão, todos vêem na
escola o espaço de formação para contribuir para desenvolvimento social e
econômico da comunidade, buscando capitalizar bens materiais e ter ascensão
social. A construção do sentido da escola é um processo contínuo, sempre em
reelaboração, produzido historicamente e no dia a dia dos estudantes, fruto das
incertezas e contradições “do que eu sou” e o “que eu quero ser”.
PALAVRAS-CHAVE: Escola indígena – estudantes indígenas – identidade
ix
SORATTO, Marinês. The construction of sense school for Indians students of
Second Grade in Francisco Horta Barbosa Reserve – Dourados/MS. Campo Grande,
2007. p. 132. Dissertation (Master’s Degree) Catholic University Dom Bosco.
ABSTRACT
This dissertation insert in line of research Cultural Diversity and Indian Education
of Master’s Degree Program Education Catholic University Dom Bosco/UCDB.
This research had have objective how was built the sense of the school for indian
students of second grade in Francisco Horta Barbosa Reserve Dourados/MS
Brazil, be contemplating the senses stablished by them. The forwarding research
passed by two specifical moments, by the way, complementals: in the first moment
was realized a bibliographic study, based in Education area of knowledge,
Antropology and History, about school education and indian school education, with
orientation focal point the culture. In the second moment was realized a documental
study of State School Intercultural Guateka Marçal de Souza, located on The
Jaguapiru Hamlet and information collected with students on second grade. The
information was collected through questionary, interviews, observations and
histories, to looking for to contemplate the objective this study. The research
evidences that construction of school sense for the students is associated to
historical context and social, politics and economicals transformation in grasp of the
life experience on frontier spaces. It can says that the sense of the school for the
indian students on second grade likes to answer a standard challenge, where all of
them see in the school the space of formation to contribute with social and
economical development of community, seeking to capitalize durable goods and to
have social ascension. The construction of school sense is a continuous process,
ever in elaboration, had been produced historically and day by day for students,
resulted of incertitude and contradictions about “Who Am I?” and “What I want to
be?”.
KEY-WORDS: Indian school; indian students; identify
x
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa do Estado de Mato Grosso do Sul com a localização do
município de Dourados ..........................................................................................
61
Figura 2 – Mapa de Dourados com localização da Reserva Indígena Francisco
Horta Barbosa.........................................................................................................
61
Figura 3 – Mapa da Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa (Reduzido)....... 67
Figura 4 – Mapa da Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa (Satélite)..........
67
Figura 5 Foto da Escola Estadual de Ensino Médio Intercultural Guateka
Marçal de Souza.....................................................................................................
80
xi
LISTA DE TABELAS OU QUADROS
Tabela 1 Distribuição das dissertações e teses sobre educação indígena por
área disciplinar........................................................................................................
22
Tabela 2 – Trabalhos defendidos (1978 - 2002).................................................... 23
Tabela 3 Localização das escolas na Reserva Indígena e distância da Escola
Pólo.........................................................................................................................
66
Tabela 4 – Número de alunos por série e etnia......................................................
70
Tabela 5 - Número de alunos por etnia e gênero................................................... 70
xii
LISTA DE ANEXOS
ANEXO 01 – Lista de alunos matriculados........................................................... 131
xiii
SIGLAS E ABREVIAÇÕES
CAPES – Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior
CEB – Câmara de Educação Básica
CNE – Conselho Nacional de Educação
CEE/MS – Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul
CTI – Centro de Trabalho Indigenista
CPI – Comissão Pró-índio
CEDI – Centro Ecumênico de Documentação e Informação
CEU – Centro de Educação Unificado
CIMI – Conselho Indigenista Missionário
EJA – Educação de Jovens e Adultos
EM – Ensino Médio
EEMI – Escola Estadual de Ensino Médio Indígena
FUNAI – Fundação Nacional do Índio
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais ISA Instituto Sócio
Ambiental
ISA – Instituto Sócio-ambiental
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC – Ministério da Educação e do Desporto
MECA – Missão Evangélica Caiuá
MOVA – Movimento de Alfabetização / Programa de Alfabetização - Brasil Alfabetizado
xiv
NEPPI – Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas
OPAN – Operação Anchieta (Operação Amazonas Nativa)
PNE – Plano Nacional de Educação
RCNE/INDÍGENA – Referencial Nacional Curricular para as Escolas Indígenas
SED/MS – Secretaria de Estado de Educação do Mato Grosso do Sul
SEMED – Secretaria Municipal de Educação
SIL – Summer Institute of linguistcs / Sociedade Internacional de Lingüística
SPI – Sistema de Proteção ao Índio
UnB – Universidade de Brasília
UNI – União das Nações Indígenas
UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
xv
Vivemos num tempo atónito que ao debruçar-se
sobre si próprio descobre que os seus pés são um
cruzamento de sombras, sombras que vêm do
passado que ora pensamos não sermos, ora
pensamos não termos ainda deixado de ser,
sombras que vêm do futuro que ora pensamos
sermos, ora pensamos nunca virmos a ser.
Boaventura de Sousa Santos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................16
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO,
ESCOLA
E
DIFERENÇA........................................................................36
1.1 Educação e escola ...................................................................................................36
1.2 Identidade e diferença.............................................................................................39
CAPITULO II
EDUCAÇÃO
ESCOLAR
INDÍGENA
NO
BRASIL.......................................................46
2.1 Escola indígena: espaço de “fronteira” ...................................................................46
2.2 Trajetória da Educação Escolar Indígena................................................................50
CAPÍTULO III
A
EDUCAÇÃO
ESCOLAR
NA
RESERVA
FRANCISCO
HORTA
BARBOSA..........60
3.1. Contexto histórico: 1931 aos dias atuais................................................................60
3.2 - A Escola Estadual de Ensino Médio Intercultural Guateka – Marçal de Souza...69
CAPITULO IV
O
SENTIDO
DA
ESCOLA
PARA
OS
ESTUDANTES
INDÍGENAS
DO
ENSINO
MÉDIO.............................................................................................................................73
4.1 O sentido da escola para os estudantes ...................................................................75
4.2 História de Vida e a Escola.....................................................................................93
4.3 Na construção: o sentido da escola .......................................................................115
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................119
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...............................................................................123
DOCUMENTOS ESCRITOS.........................................................................................128
FONTES ORAIS..............................................................................................................130
16
INTRODUÇÃO
Ingressei no curso de Pedagogia em 2000, na Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul UFMS, onde tive a oportunidade de trabalhar com a questão indígena por
meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica - PIBIC
1
, em 2001. Neste
momento foi como se eu estivesse entrado em outro mundo, pois me encontrei diante do
“estranho”, do “desconhecido”, do “novo”; tudo parecia muito “exótico”. Descobri, neste
meio, que desconhecia a mim mesmo.
Pensava, até então, não ter preconceitos com qualquer tipo de diferença,
principalmente em relação aos índios, os quais achavam que nem existiam mais, pois era
uma realidade muito distante para mim.
De repente me deparei com um preconceito que eu desconhecia. Segundo
Oliveira (2002, p.40), “A situação em questão evidencia uma aprendizagem do preconceito
1
O estudo no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica, vinculado a UFMS/PIBIC/CNPQ,
intitulado Projeto de Pesquisa Educação Básica no Mato Grosso do Sul: eqüidade e qualidade na relação
entre o nacional, internacional e regional, teve como objetivos Analisar as políticas educacionais no que
concerne aos conceitos de eqüidade e qualidade e como ocorre sua implementação nas escolas indígenas e
Observar a construção dos conceitos de eqüidade e qualidade na construção do currículo e na prática docente
em escolas indígenas. A pesquisa e os relatórios foram desenvolvidos sob orientação da Professora Drª Adir
Casaro Nascimento Departamento de Educação Campus de Dourados / UFMS - no período de
Agosto/2001 a Julho/2003.
17
racial e cultural, tecida na vivência cotidiana e nos contatos com os valores culturais
dominantes, dentro e fora da escola”.
Considerar-me como diferente foi um processo que tive que enfrentar e, assim,
rever com “outros olhos” os meus conceitos e preconceitos, desconstruir e construí-los
novamente. Como diria Fleuri (2003, p. 01), tive que “sair-fora das próprias certezas” para
compreender a minha “diferença” dentro da “diferença”, ou seja, tive que “aprender a
saber quem sou para dizer quem é o outro. Lembrando Backes (2006)
2
“[...] Nós somos
resultados de um processo de colonização”.
Para Bhabha (1998, p. 111) o “[...] discurso colonial é apresentar o colonizado
como uma população de tipos degenerados com base na origem racial de modo a justificar
a conquista e estabelecer sistemas de administração e instrução”.
Hoje, minha preocupação, na condição de educadora, consiste em saber como
as diferenças étnicas e culturais são produzidas e como são trabalhadas nas escolas. Que
valores são ressaltados?
Sempre estudei em escolas de ensino público e nelas, de um modo geral, as
diferenças sempre foram trabalhadas na perspectiva da igualdade, ressaltando que todos
“somos iguais”.
Nesse sentido, me parece que a diferença deva ser trabalhada no sentido de
respeitar as especificidades e particularidades de cada grupo, dentro do seu contexto social,
cultural e econômico, buscando compreender e superar a situação de desigualdade,
respeitando e valorizando as diferenças.
Comecei a fazer leituras sobre os estudos de cultura e identidade e sentia-me
cada vez mais deslocada de mim mesma. Em conversas com minha orientadora, sentia-me
2
BACKES, José Licínio. A construção da autonomia em tempos pós-coloniais. Fala proferida na
disciplina: Interculturalidade, Educação Escolar Indígena e Sustentabilidade, do Programa de Mestrado em
Educação da Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, em 19/06/2006. Campo Grande, MS: junho, 2006.
18
cada vez mais “desorientada”, ela me conformava dizendo que esse era um processo
normal, de “desconstrução das minhas certezas” e que eu teria que enfrentar. Na verdade
tinha medo de assumir outras posições, até mesmo de deixar de ser quem eu era. Neste
sentido Hall (1999, p.12-13), citado por Fleuri, fala que “[...] o sujeito previamente vivido
como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto
não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-
resolvidas”.
Tendo como ponto de partida o estudo realizado Educação Escolar Indígena,
as políticas públicas para o setor e a escola (SORATTO, 2001-2003) na Escola Indígena
Municipal Tengatuí Marangatú
3
, localizada na Aldeia Jaguapirú Reserva Indígena
Francisco Horta Barbosa/Dourados MS, que deu ênfase na construção do currículo e na
prática docente da escola, esta pesquisa tem como expectativa observar com o olhar da
comunidade indígena como é construído o sentido de escola.
O estudo realizado, (SORATTO, 2001-2003), evidenciou que os conceitos de
eqüidade e qualidade postos pelos Organismos Internacionais, em termos de Declaração
Mundial para Todos
4
, procuram articular estratégias imediatistas, distanciando-se de
pensar o que cada comunidade tem como valor e necessidade enquanto povo situado em
outra tradição cultural.
Considerando a legislação posta, que rompe com toda uma história de longa
duração voltada para a colonização, integração cultural e assimilação, a expectativa era que
as escolas indígenas seriam capacitadas para gerar, através dos preceitos de eqüidade,
3
Tengatuí Marangatú – é uma palavra de origem Guarani que significa “Local de Ensino Eterno”.
4
Declaração Mundial sobre Educação para Todos - Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem -
Aprovada pela Conferência Mundial sobre Educação para Todos - Satisfação das Necessidades Básicas de
Aprendizagem, realizada em Jomtien, Tailândia 5 a 9 de março de 1990, onde foi aprovado o Plano de Ação
para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem com a finalidade de atingir os objetivos
estabelecidos na referida Declaração.
19
qualidade no ensino, ancoradas em categorias como diferença, autonomia e
interculturalidade.
No contato com a comunidade escolar (alunos, professores, gestores
administrativos e pedagógicos), observei o distanciamento entre os planos discursivos e a
prática escolar na aldeia, principalmente a dificuldade em reconhecer a escola em sua real
situação (étnica, lingüística, histórica e política). As falas dos atores entrevistados
apontaram que o maior desafio persiste em adotar estratégias para uma pedagogia
diferenciada.
Conforme estudos feitos por Forquin (1993), as dificuldades persistem em
não romper com o conceito cristalizado de cultura escolar sob o paradigma do modelo
ocidental.
Diante de estudos realizados, surgiram algumas inquietações como: qual
seria o sentido da escola para a comunidade indígena? O que a escola representa para a
comunidade que busca a escola diferenciada, não diferenciada, indígena ou não-indígena?
Conforme dados do Instituto Sócio-Ambiental ISA em 2005, estima-se que
no Brasil existam cerca de 220 povos, que falam mais de 180 línguas diferentes e totalizam
aproximadamente 370 mil indivíduos. A maior parte dessa população distribui-se por
milhares de aldeias, situadas no interior de 582 Terras Indígenas, de norte a sul do
território nacional
5
.
dados da Fundação Nacional do Índio – FUNAIinformam que hoje vivem
cerca de 460 mil índios, distribuídos entre 225 sociedades indígenas, que perfazem cerca
de 0,25% da população brasileira. Cabe esclarecer que este dado populacional considera
tão-somente aqueles indígenas que vivem em aldeias, havendo estimativas de que, além
destes, há entre 100 e 190 mil vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas
5
Fonte: INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Povos Indígenas no Brasil. Disponível em:
<http://www.socioambiental.org>. Acesso em: 09 set. 2006.
20
urbanas. Segundo a FUNAI há, também, 63 referências de índios ainda não contatados,
além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena
junto ao órgão federal indigenista
6
.
Com referência aos dados acima, podemos notar diferenças nos números
apresentados entre um órgão e outro. Segundo o ISA, “[...] como não há Censo Indígena no
Brasil, os cômputos globais têm sido feitos seja pelas ancias governamentais (FUNAI
ou FUNASA), pela Igreja Católica (CIMI) ou pelo ISA com base numa colagem de
informações heterogêneas, que apontam para estimativas globais que oscilam entre 350 e
mais de 550 mil”.
No Brasil, dados do Censo Escolar 2005/Ministério da Educação MEC
apontam a existência de 2.324 escolas funcionando nas terras indígenas, com mais de 164
mil e 18 estudantes. Segundo os dados, são 1.083 escolas estaduais, 1.219 escolas
municipais e 22 escolas particulares, atendendo a Educação Infantil, Ensino Fundamental,
Ensino Médio e a Educação de Jovens e Adultos – EJA
7
.
No Censo de 2002, foram declaradas 1.724 escolas indígenas. Em 2003, esse
número passou para 2.079, um aumento de 21% em relação ao ano anterior.
Comparando os dados citados acima, nota-se que cresce significativamente o
número de escolas dentro de áreas indígenas e também as reivindicações feitas pelas
comunidades indígenas para que sejam criadas novas escolas, com Ensino Fundamental
completo, Ensino Médio e novas modalidades de ensino, como a Educação de Jovens e
Adultos.
Em áreas onde o Ensino Fundamental não é completo ou não tem o Ensino
Médio, os estudantes vão estudar em escolas urbanas.
6
Fonte: FUNAI. O Índio hoje. Disponível em: <http://www.funai.gov.br>. Acesso em: 12 out. 2006.
7
Fonte: Dados do Ministério da Educação. Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena. Brasília,
01 de março de 2006.
21
Para melhor compreensão do tema, foi feito um levantamento dos estudos
referente à percepção do sentido de escola para a comunidade indígena, na ótica dos índios.
Num primeiro momento procurei fazer o “Estado da Arte” dos estudos realizados sobre
essa temática.
Em consultas ao Banco de teses do Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal em
Nível Superior – CAPES
8
, fiz um levantamento prévio dos resumos referentes às pesquisas
voltadas para a temática “escola indígena”. Entre Dissertações de Mestrado e Teses de
Doutorado, foram encontradas trinta pesquisas, sendo vinte e uma delas desenvolvidas no
mestrado e nove no doutorado, envolvendo diversas áreas de conhecimentos como:
Educação, Antropologia, Sociologia, História, Políticas Educacionais, Tópicos Específicos
em Educação, Educação Indígena.
Os resumos pesquisados estão centrados mais na compreensão dos conceitos de
escola diferenciada, remetendo-se para a sua especificidade sócio-cultural e intercultural e
apontam a escola como espaço de socialização, solidariedade intra-societárias e de
expressão de etnicidade.
Entre outras pesquisas do Banco de Dados da CAPES que investigam os
desafios e as possibilidades que as escolas têm em consolidar um projeto de educação
diferenciada, tendo como eixo norteador a diversidade cultural, verifica-se que a escola é
um projeto da comunidade indígena, que dela se apropriam enquanto instrumento de luta
por seus interesses e autonomia; mas essas evidências não são produzidas a partir da
percepção dos próprios índios e sim, da percepção de quem está “de fora”, como
estudiosos e pesquisadores da temática abordada.
8
Fonte: CAPES. Disponível em: < http://www.capes.gov.br>. Acesso em: 12 dez. 2005.
22
São muito comuns os estudos sobre o conceito de cultura e suas relações com a
escola indígena. As análises remetem aos processos educacionais vivenciados no dia-a-dia
dos povos indígenas e na legislação vigente para educação escolar indígena. São
enfatizadas novas formas de ensinar e repensar a educação escolar indígena, preservação
da cultura, questão curricular específica e diferenciada pautadas nos princípios de equidade
e qualidade.
No caderno de Pesquisas Em Aberto (2003) do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais INEP, cujo tema se refere a Experiências e desafios na formação
de professores indígenas no Brasil, Grupioni (2003) traz um inventário comentado de
dissertações e teses sobre educação escolar indígena no Brasil que compreende o período
de 1978 a 2002.
Nos dados apresentados, o pesquisador reuniu 74 teses e dissertações
defendidas em diversas áreas do conhecimento, sendo que na área da educação se
concentra a maior parte de teses e dissertações defendidas, contabilizando 37 pesquisas:
Tabela 1 – Distribuição das dissertações e teses sobre educação indígena por área disciplinar:
Área de
Pós-graduação
Mestrado Doutorado Total
Educação 30 07 37
Lingüística 09 04 13
Antropologia 10 02 12
Semiótica - 03 03
Educação Matemática 02 01 03
Geografia - 01 01
Psicologia - 01 01
Letras - 01 01
Educação Física 01 - 01
Sociologia - 01 01
Ciências Sociais 01 - 01
Total 53 21 74
Fonte: GRUPIONI (2003, p. 198).
23
O autor faz menção, além dos dados da tabela, de quatro trabalhos defendidos
no exterior. Ressalto aqui, no entanto, que esses são dados até o período de 2002 e mesmo
assim, alguns trabalhos não foram registrados pelo autor como também não foram
registrados no Banco de Teses da Capes, como por exemplo: Rossato (2002), Manfroi
(2002), entre outros trabalhos que foram defendidos neste ano e posteriormente como
Troquez (2006).
No percurso apresentado pelo pesquisador da educação indígena como tema de
pesquisa, fica evidente a evolução dos trabalhos defendidos no período de 1978 a 2002:
Tabela 2 – Trabalhos defendidos (1978 - 2002):
1978 1981 1990 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
1 1 2 2 1 4 6 8 8 4 11 11 10 5
Fonte: GRUPIONI (2003, p. 199)
Os trabalhos pioneiros, registrados pelo pesquisador, na área da educação
indígena foram realizados na pós-graduação da Universidade de Brasília UnB. O
primeiro foi a dissertação de mestrado defendida por Nancy Antunes Tsupal, no
Departamento de Educação, em 1978. Três anos depois, a antropóloga Eneida Côrrea de
Assis defendeu a sua dissertação de mestrado em Antropologia, em 1981 (GRUPIONI,
2003).
Grupioni (2003, p. 200) lembra que:
[...] um número significativo de trabalhos dialoga com uma produção
governamental recente, composta por textos que apresentam diretrizes e
referenciais para a educação indígena, lançados pelo governo federal nos
últimos anos, no marco de uma nova política pública para este setor.
Esses documentos são analisados, interpretados e confrontados com
situações etnográficas e experiências de intervenção particulares.
Nas pesquisas foi possível observar que as escolas em Terras Indígenas são
sempre mencionadas como processos fragilizados, reforçando que a legislação tenha
obtido significativos avanços, embora as escolas estejam num processo lento e em
24
construção, marcadas pelas rotinas pedagógicas da escola tradicional. Mencionam,
também, análises do processo de construção da escola indígena feito pelas comunidades
indígenas, através de conceitos como autonomia, identidade, alteridade e do respeito à
diferença.
Conforme Lopes da Silva (2001, p. 13) constata-se:
[...] uma grande diversidade de situações e de concepções indígenas
divergentes quanto ao que deva ser a escola e ao papel que ela deve
representar no presente e no futuro de cada um dos povos ou
comunidades indígenas onde exista.
Portanto, nos estudos realizados, nota-se que a escola é sempre vista na ótica
de quem está “de fora”, das políticas educacionais e das políticas indigenistas,
referenciando suas conseqüências sociais, econômicas e culturais ao longo do processo
histórico, lutas e reivindicações.
Nota-se, também, que os estudos voltados para o tema “escola indígena”, na
ótica das populações indígenas, ainda são poucos, como, por exemplo, NASCIMENTO
(2002), ROSSATO (2002), MANFROI (2002)
9
, principalmente os que buscam
compreender o sentido da escola para a população indígena, lembrando que ainda são
poucos os Programas de Pós-Graduação em Educação abertos aos estudos sobre a questão
indígena.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os povos indígenas
tiveram reconhecida sua forma de organização social, costumes, língua, crenças, tradições
e direitos originários sobre a terra. No que se refere à educação, assegura às sociedades
indígenas o respeito a sua diferença, ao uso da ngua materna e dos processos próprios de
aprendizagem. Na seqüência, outros dispositivos orientam para uma educação escolar
específica e diferenciada como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
9
Os pesquisadores citados trazem a escola na concepção dos índios, deixando que as falas expressem o
significado.
25
LDBEN/9394/96 –, o Parecer 14/99/CNE, a Resolução CEB 03/99 e o Plano
Nacional de Educação Lei 10.102/2001 que dão garantia legal, jurídica e técnica
para atender as especificidades de cada comunidade.
Em análise referente à legislação para a Educação Escolar Indígena, é de
entendimento que, hoje, os povos indígenas têm direito garantido a escola específica e
diferenciada, respeitando a diversidade em relação às suas diferenças étnicas, lingüísticas,
culturais, tradições e costumes que constitui cada grupo
10
.
Rossatto (2002, p. 48, Grifos da autora) em Os resultados da escolarização
entre os Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul. “Será o letrao ainda um dos nossos?”
mostra que “[...] Nos últimos anos tornou-se quase um ‘chavão’ entre os índios a idéia de
estudar para poder competir no mercado de trabalho”. Pode-se entender, com esta
afirmação, que a educação escolar, de um modo geral, em todas as sociedades e, também,
para as comunidades indígenas, é vista como uma necessidade de subsistência e garantia de
emprego.
Seguindo essa idéia, parece se confirmar que a escola na aldeia torna-se uma
porta de entrada para o mundo capitalista, para o individualismo, para a negação da
identidade e necessidade de ser aceito no mundo do não-índio. Diante disso, ou seja, dentro
de uma sociedade específica, com características próprias, verifica-se a necessidade de ver
qual é e como foi construído o sentido de escola para os estudantes indígenas. Neste
sentido podemos considerar que:
[...] A escola, como instituição não-indígena, porém, sendo assumida
pelas comunidades indígenas, apresenta condições que favorecem a sua
constituição como este espaço de trânsito, troca e articulação de novas
alternativas em uma sociedade profundamente fragmentada,
confrontando-se com inúmeros desafios novos. (BRAND, 1999, p.06).
10
A palavra grupo é utilizada neste estudo como uma categoria fundamental da diferenciação social da etnia
(Poutgnat, 1998, p.26). O termo grupo étnico são agrupamentos minoritários que reivindicam uma
ascendência comum e compartilham uma língua e uma cultura comuns (Poutgnat, 1998, p.95).
26
A escola, como espaço de educação formal, surgiu desde os primeiros contatos
ocidentais com as populações indígenas. Conforme Méliá (1979), a escola para os povos
indígenas está ligada à história da igreja no Brasil.
Segundo o autor (Idem, 1979, p.60), “... Enquanto a sociedade nacional a
alfabetização como a condição essencial para dar educação ao índio [...], a sociedade
indígena, se não está demasiadamente deturpada, quereria usar a alfabetização como
simples técnica suplementar [...] resolver os problemas trazidos pelo contato”.
Nesta perspectiva cabe fazer análises considerando a escola como espaço de
contato, onde as “diferenças interétnicas emergem e adquirem novos contornos”
(TASSINARI, 2001). Pode-se, também entender a escola como um espaço de diálogo que
entrecruzam diversos caminhos formando uma “rede de significados”. Seguindo essa
abordagem, Tassinari (2001, p.50) argumenta que:
[...] não é possível definir a escola como uma instituição totalmente
alheia. Por outro lado, também não se pode compreendê-la como
completamente inserida na cultura e no modo de vida indígena. Ela é
como uma porta aberta para outras tradições de conhecimentos, por onde
entram novidades que são usadas e compreendidas de formas variadas.
Diante dessas discussões, conforme estudos realizados (SORATTO 2002;
2003), permanecem ainda na escola questões relacionadas a formas fragmentadas e
estruturais seguindo um modelo de escola tradicional não-índia. Manfrói (2002, p.49)
aponta que “... o papel da escola permanece perpassado pelo conflito entre as perspectivas
dos indígenas e as perspectivas desenhadas e impostas pelo entorno regional”.
Com efeito, trata-se de entender a escola a partir do sentido que os índios lhe
atribuem, como parte do cotidiano da comunidade, na qual emergem e constroem as
diferenças étnicas e reforçam sua condição de ser índio.
27
Ressalta Albuquerque
11
(2002, p.04), que é importante:
[...] lembrar que o índio não está maisnas aldeias; está na cidade, está
em relação com o mundo, com o Outro, com sociedades que m suas
formas próprias de organização. Eles pertencem a sociedades que estão
se (re)construindo, no conflito, na tensão do inevitável contato. Trabalhar
com educação escolar indígena significa aos não índios, deixar-se afetar
também pelo modo de ser índio; somente essa atitude de abrir-se à
verdade do Outro é que possibilitará um trabalho em cooperação,
abrindo-se para o devir do movimento contínuo que recria a vida em sua
intensidade, em cada tempo-espaço em que a educação escolar está se
constituindo.
Tendo em vista mundos diferentes, levando em consideração graus de
interação com a sociedade índia e não-índia, como povos situados em outra tradição
cultural, com valores e projetos de vida específicos, este estudo tem como objetivo
identificar como são construídos os sentidos da escola para estudantes indígenas do Ensino
Médio da Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa – Dourados/MS
12
.
Para a realização do estudo busca-se:
1. Identificar o sentido da escola para os estudantes indígenas
do Ensino Médio, das etnias: Guarani, Kaiowá e Terena;
2. Identificar como foi construído o sentido da escola para os
estudantes indígenas do Ensino Médio, tendo em vista a sua trajetória de vida e
o “entorno regional”.
Para atender os objetivos propostos o encaminhamento da pesquisa passou por
dois momentos específicos, porém, complementares, para orientar as análises da realidade
observada através de depoimentos de jovens indígenas da Reserva Indígena Horta Barbosa
de Dourados/MS.
11
ALBUQUERQUE, Judite Gonçalves. O Papel da Antropologia, da Lingüística e da Pedagogia na
Educação Escolar Indígena (2002). Artigo apresentado no Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação
- Formação de Professores. Brasília 2002.
12
O projeto apresentado na seleção do mestrado tinha como objetivo pesquisar os jovens indígenas do
Ensino Médio. Em estudos exploratórios foi observado que esse é um conceito ocidental que representam
faixas etárias (infância, adolescência, juventude, adulto), hoje utilizadas nas comunidades indígenas de forma
fragmentada, pois um adolescente ou jovem de treze ou quatorze anos que se casa, na concepção da
comunidade indígena, deixa de ser jovem ou adolescente.
28
No primeiro momento foi feito estudos através de referenciais bibliográficos
e documentais.
Os referenciais bibliográficos são baseados em diversas áreas de
conhecimentos como Educação, Antropologia e História. O estudo das relações entre
escola, diferença, sociedade e cultura foram referenciados por Dayrell (2001), Dauster
(2001), Fleuri (2002; 2003) Silva (2000). Para a temática escola indígena o referencial
bibliográfico foi baseado em: Tassinari (2001), Lopes da Silva (2001) Albuquerque (2002),
Meliá (1979; 1999), Brand (1999), Nascimento (2000; 2002; 2005).
Para melhor compreensão da realidade a ser observada na Reserva Francisco
Horta Barbosa Dourados/MS, dentro do seu contexto sócio-cultural, as interpretações
foram referendadas em Brand (1999; 2002; 2003), Rossato (2002), Marques (1999),
Troquez (2006).
Também foram consultados documentos oficiais para a Educação Escolar
Indígena em âmbito Federal, Estadual e Municipal.
No segundo momento, foi realizada a coleta dos depoimentos e histórias de
vida de estudantes indígenas da Reserva Indígena Franscisco Horta Barbosa
Dourados/MS, na Escola Estadual Intercultural Guateka Marçal de Souza, localizada na
aldeia Jaguapirú.
A Reserva é próxima à cidade de Dourados, com fácil acesso. Todos os dias
professores, funcionários da FUNASA, FUNAI vão para a aldeia e retornam no final do
dia. Também uma linha de ônibus que faz o trajeto Dourados/Itaporã várias vezes ao
dia.
Diante das circunstâncias geográficas da localização da aldeia, não houve a
necessidade de ficar um período isolada na mesma, tendo em vista que as pessoas
29
(moradores da comunidade indígena e pessoas que trabalham na aldeia) vão e voltam da
aldeia para cidade com muita freqüência.
Meus primeiros trabalhos acadêmicos com a questão indígena foram realizados
nesta aldeia, em 2001. Na época, a escola atendia até a quarta série. Lembro-me de várias
conversas do diretor e das coordenadoras dizendo que queriam que a escola atendesse o
Ensino Fundamental completo. Hoje, na aldeia, além do Ensino Fundamental também é
oferecido à comunidade o Ensino Médio, Educação de Jovens e Adultos e o Programa de
alfabetização Brasil Alfabetizado, conhecido como MOVA (Movimento de
Alfabetização).
Depois, tive a oportunidade de voltar na Reserva Indígena com outros
trabalhos, como professora na Rede Estadual de Ensino, no Curso Normal em Nível Médio
Formação de Professores Guarani/Kaiowá Ára Verá
13
em 2004, e, como Técnica em
educação da Gestão de Processos em Educação Escolar Indígena da Secretaria de Estado
de Educação, em 2006.
Diante do contato já estabelecido com a comunidade e os professores da escola
em outros estudos, pensava que, para este estudo, o procedimento seria linear. Chegaria à
escola, coletaria os depoimentos dos estudantes, voltaria para casa para fazer as análises
dos depoimentos.
Comecei as visitas na escola, então fui perceber que não seria tão fácil
quanto pensava. Ficava olhando para as salas de aulas, para os alunos, a direção, a
13
O Curso Normal em Nível Médio Formação de Professores Guarani/KaioÁra Verá (espaço-tempo
iluminado) trata-se de uma ação cujo objetivo é formar professores indígenas Guarani/Kaiowá em nível
médio, com habilitação para a educação nas comunidades indígenas, educação nas séries iniciais do ensino
fundamental e Educação Infantil. No início de 1999, a alternativa apresentada foi o curso PROFORMAÇÃO
– Programa de Formação de Professores leigos em exercício, oferecido pelo MEC. Alguns professores
indígenas aderiram a este curso, mas não era a solução que a maioria estava esperando. Assim, em junho
daquele mesmo ano, iniciou a primeira etapa presencial de estudos intensivos, do curso do magistério
específico, formando, em dezembro de 2003, 70 professores. Atualmente este Curso está inserido no Centro
Estadual de Formação de Professores Indígenas de MS, em formação com a 3ª turma de professores
indígenas.
30
coordenação, enfim, a rotina da escola e me perguntava: por onde vou começar? Que
perguntas devo fazer? Essa realidade martelava na minha cabeça o tempo inteiro, pois para
uma boa pesquisa é fundamental um bom instrumento de trabalho de campo. Foi quando
decidi começar com um questionário, buscando identificar os estudantes e fazer algumas
questões sobre a escola.
Os questionários serviram como um mapeamento do universo de investigação,
apontando para quem eram os sujeitos a serem investigados: número de alunos, idade,
sexo, etnia, o posicionamento dos sujeitos dentro da sua configuração étnica, cultural e
identitária.
Em relação à escola as respostas no questionário apresentaram-se vagas e
dispersas. Mais uma vez meu desespero: o que eu precisaria perguntar? O que fazer com as
respostas? Novas orientações, novas leituras e voltei para a escola com outras expectativas
para a coleta de informações e de dados, os quais serviram como um estudo exploratório
para o começo deste trabalho.
Meus primeiros questionamentos surgiram dos comentários feitos pelos
estudantes na escola como, por exemplo: passar no vestibular, fazer o cursinho pré-
vestibular oferecido pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, às
disciplinas de Terena e Guarani na grade curricular...
Em meio a esse quadro, retomei as investigações com novas entrevistas. Foi
quando percebi que os questionamentos elaborados, na maioria das vezes, ficavam no
óbvio e quase sempre os estudantes apontavam para o que o pesquisador queria ouvir.
Conformei-me com Silveira (2002, p. 126), dizendo que “[...] é nesse terreno movediço
entre o esperado e o inesperado, entre a repetição e a inovação, que resvalam as
31
entrevistas”, mas também, percebi que o encaminhamento das entrevistas não estava
permitindo ao entrevistado ficar “à vontade” para as respostas.
Neste sentido enfatiza Silveira (2002, p. 139-140):
[...] a situação da entrevista um jogo interlocutivo em que um/a
entrevistador/a ‘quer saber algo’, propondo ao/à entrevistado/a uma
espécie de exercício de lacunas a serem preenchidas... Para esse
preenchimento, os/as entrevistados/as saberão ou tentarão se reinventar
como personagens, mas não personagens sem autor, e sim, personagens
cujo autor coletivo sejam as experiências culturais, cotidianas, os
discursos que os atravessaram e ressoam em suas vozes.
Quando comecei a transcrever as entrevistas percebi que teria que retomar e
mudar o “foco” das perguntas. Conforme Barbero (1987, p.11), citado por Siewerdt e
Fleuri (2003, p. 140), em seu artigo Mídia e mediações culturais na escola, tive que “[...]
mudar o lugar das perguntas (dos meios às mediações), para tornar investigáveis os
processos de constituição da massa por fora da chantagem culturalista que os converte
inevitavelmente em processo de degradação cultural”.
As primeiras entrevistas aconteceram na escola, onde havia professores,
coordenadores, alunos; depois, com o tempo fui à casa dos estudantes, sempre
acompanhada por um professor, pela diretora ou pela coordenadora do Ensino Médio, para
que os estudantes se sentissem seguros. Nas casas, dificilmente os estudantes se
encontravam sozinhos; estavam com filhos, marido, avós, vizinhança.
A principio percebi que ficavam muito curiosos com o meu trabalho,
relacionavam o meu estudo com o trabalho na Secretaria de Estado de Educação.
Explicava do que se tratava, mesmo assim, quando iniciava as entrevistas eles reclamavam
da escola, da falta de estrutura, de material, de condições para estudar.
Quando retornei, com outras perguntas e intenções, comecei a observar a rotina
da escola: o movimento dos estudantes, dos professores, da comunidade presente na escola
para, depois, retomar as entrevistas buscando captar, em depoimentos mais “abertos”, o
32
sentido da escola. Voltando ao texto de Siewerdt e Fleuri (2003, p. 128) mudando mídia
por escola, podemos ver o seguinte:
[...] podem ser encontradas nas mediações que, constituídas pelas
próprias consciências dos sujeitos interpelados pela cultura e pela
ideologia acabam se materializando num espaço de negociações pela
hegemonia cultural entre produtores e consumidores da mídia. E, com
efeito, são essas mediações que nos permitem localizar e interpretar os
sentidos e os significados que os sujeitos atribuem à relação que
estabelecem com esses meios.
Seguindo a idéia dos autores, que se reportam à mídia como um produto a ser
consumido, aqui, com os novos depoimentos, comecei a enxergar que, de certo modo, a
escola é vista como um produto, que é consumida pelos alunos. Por que isso? Como isso é
produzido?
Para melhor compreender esse sentido de escola foi fundamental ouvir e
registrar a história de vida e nela identificar como foi construído o sentido da escola em
suas vidas.
Na escolha das histórias de vida foram adotados alguns critérios, pois o tempo
destinado ao estudo foi limitado e, se abríssemos a todos os estudantes, levaríamos anos
para concluir a investigação. Primeiro pensei que deveriam representar as três etnias
(Guarani, Kaiowá e Terena) e também os três anos do Ensino Médio; segundo fossem
pessoas com histórias distintas e visões diferentes sobre a escola.
As histórias foram coletadas após uma leitura rigorosa das entrevistas com
aqueles estudantes índios que apresentaram algumas características que considerei
importante para esse trabalho. Entre elas: idade, lugar nas relações de poder na
comunidade, etnia, estado civil, ter filhos ou não, fizessem parte de movimentos indígenas.
Os estudantes contaram sobre a infância, a escola, os pais, a perspectiva de futuro...
33
Justificando a opção por histórias de vida, trago o questionamento de Vieira
(1999a, p.51): “[...] Como entender o entendimento dos actores se acreditamos que ele é
construído e, portanto, fruto do passado – sem recorrer à história?”.
Segundo o autor (VIEIRA, 1999a, p.50) “[...] A história de vida de uma pessoa,
para além de todas as subjectividades individuais e da idiossincrasia de alguns factos,
acaba por ser social e não apenas singular”.
Nos primeiros depoimentos os estudantes falavam sobre qual é o sentido da
escola para eles, o que queriam com a escola, mas ficava o questionamento: como esse
sentido foi construído? Desse modo, a história de vida contribuiu para compreender como
foram produzidos os significados que eles atribuem à escola e daqueles que interagem com
eles.
Segundo Vieira (1999a, p.50) “[...] A história de vida acontece num contexto
espaço-temporal e a tecnologia, a conjuntura e a mentalidade vigentes acabam por
constranger, marcar ou influenciar de modo semelhante toda uma geração de determinado
contexto”.
Portanto, depois de percorrer vários caminhos para realização da pesquisa ficou
claro que, primeiro foi preciso “observar” para descrever, segundo “sentir” para perguntar
e, em terceiro, “ouvir” para transcrever. assim foi possível compreender como é
construído o sentido da escola para estudantes indígenas.
Diante das idéias expostas acima, Vieira (1999a, p.59) lembra que a:
[...] mentalidade é um sistema de referências de um grupo: é um estado
de espírito comum a um dado grupo social. Este sistema de referências
leva um indivíduo que comungue do mesmo ethos (Bateson, 1958:286 e
Geertz, 1989) a ver as coisas de determinada maneira, a ter atitudes e
condutas de acordo com esta percepção de mundo.
A compreensão dos depoimentos foi orientada através do referencial teórico-
metodológico, que tem como eixo a cultura, para descrever como foi construído o sentido
34
da escola para os estudantes indígenas, referendados por autores como: Bhabha (1998) e
Skliar (2003), retratando as espacialidades sobre o “outro”, considerando que estudantes
são corpos distintos, marcados por diferentes trajetórias históricas, culturais, psicológicas e
sociais ao longo de suas vidas (VIEIRA, 1999b).
O estudo apresenta quatro capítulos assim organizados:
CAPITULO I Educação, escola e diferença este capítulo busca
compreender os conceitos de educação, escola e diferença como um espaço “sócio-
cultural”, apontando a escola como um campo complexo, de tensões e conflitos, onde as
diferenças emergem e se manifestam.
CAPITULO II - Educação Escolar Brasileira: Escola indígena este capítulo
busca compreender a escola indígena como espaço de fronteira, tendo em vista o diálogo
com a sociedade indígena e não-indígena.
CAPITULO III A educação escolar na Reserva Francisco Horta Barbosa
faz um levantamento histórico dos primeiros processos de escolarização dentro desta área
indígena, que teve início por vota de 1931, até os dias atuais. A seguir, trata da
implementação do Ensino Médio na reserva, e especificamente da Escola Estadual
Intercultural Guateka – Marçal de Souza.
CAPITULO IV O sentido da escola para os estudantes indígenas do Ensino
Médio neste capítulo o estudo propõe entender o sentido da escola para os estudantes
indígenas através de depoimentos e de histórias de vidas descritas na sua trajetória social e
cultural.
As reflexões feitas através de depoimentos e histórias de vida evidenciam que a
construção do sentido da escola é um processo contínuo, sempre em reelaboração,
produzido no dia-a-dia dos estudantes, fruto das incertezas e contradições do que sou e o
35
que eu quero ser. Para os estudantes, é na escola que eles depositam suas expectativas de
futuro e onde vão conseguir dar as respostas para suas vidas.
36
CAPÍTULO I
EDUCAÇÃO, ESCOLA E DIFERENÇA
1.1 Educação e escola
Tendo em vista que a educação é uma prática social e histórica que pode ser
compreendida dentro do seu contexto, ela tem sido objeto de grande preocupação,
principalmente nos processos de mudanças sociais, políticas e econômicas que atravessam
determinadas sociedades, épocas e culturas.
Este capítulo busca compreender o conceito de educação, escola e diferença
abordando a escola como um espaço “sócio-cultural” (DAYRELL, 2001) e de “fronteiras
entre diferentes” (FLEURI, 2003).
Podemos entender a educação como um processo social e histórico produzido
pela humanidade, relacionada a uma cultura e valores determinados pela sociedade em que
cada grupo ou comunidade convive. Segundo Brandão (1986, p. 9-10) “Existe a educação
de cada categoria de sujeitos de um povo; ela existe em cada povo, ou entre povos que se
encontram”.
37
Os estudos de Brandão (1986) mostram que a educação existe onde não
escola, portanto pode-se entender que educação é a transferência do saber, educação é
aprender e ensinar durante toda a vida, diariamente, ressignificando-se com o passar do
tempo.
Nesse processo de ensinar e aprender há relações de símbolos – signos e
significados que dão sentido à vida e aos valores de cada contexto, o que podemos dizer
que são intenções de uma cultura. Cada grupo desenvolve situações, métodos que,
envolvidos num processo de socialização, se distinguem e identificam-se entre si.
No espaço escolar o encontro de diferentes educações, com diferentes
modos de vida, valores e significados que passam a fazer parte do cotidiano da escola.
Assim, a escola passa a ser um espaço de encontro entre “diferentes”, e, segundo Dayrell
(2001, p. 148) “[...] é essencialmente um espaço de relações grupais”.
O contexto escolar é um espaço de representações e de reprodução, em que se
vivenciam diferenças entre: sexo, idade, status, cultura, religiões, saberes e valores,
estabelecendo conflitos de interesses e conflitos de poder. Neste aspecto, Fleuri (2002, p.
13) ressalta que “a escola constitui-se em território de enfrentamentos invisíveis, onde as
diferenças são marcadas por aspectos visíveis [...]”.
Em meio a esse quadro, Dayrell (2001, p. 138) ressalta que “[...] todos
procuram a escola com as mesmas expectativas e necessidades”, e, de formas
diferenciadas, a escola torna-se parte do projeto de futuro dos alunos.
O conhecimento transmitido e construído na escola gira em torno do contexto
social, político e cultural em que a sociedade está inserida, e que vão de acordo com os
valores e significados buscando atender os anseios individuais ou coletivos de cada grupo.
38
Segundo Vieira (1999a, p.21), “... a escola ensina um pensamento, mas é
essencialmente uma estrutura cognitiva e valorativa feita, a qual se pretende reproduzir
através de sintaxes próprias”.
A escola, enquanto uma instituição de ensino, vai de acordo com as áreas de
conhecimentos da produção humana, portanto, é possível dizer, conforme Juarez Dayrell
(2001, p.159), que a escola é “... uma instituição dinâmica, polissêmica, fruto de um
processo de construção social”.
Nesta perspectiva, Forquin (1993, p.167) salienta que:
[...] a escola é também um mundo social”, que tem suas características
de vida próprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginário,
seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio
de produção e de gestão de símbolos.
O espaço escolar é um lugar complexo em que diferentes grupos comunicam-
se entre si. Pode-se dizer, então, que a diferença se constrói sobre tensões, na relação entre
um e outro.
Para Dauster (2001, 70), “... a escola é uma instituição privilegiada, na medida
em que possibilita o contato entre atores com diferentes visões de mundo, podendo
promover o seu encontro e a troca de significados e vivências”.
No espaço escolar são vivenciadas diferenças culturais, ou seja, a escola é um
contexto que vivencia diversos contextos, como por exemplo, do grupo doméstico/familiar
de cada um.
Para Fleuri (2003, p.65), “[...] o espaço educativo é perpassado por múltiplas
relações entre padrões culturais diferentes que tecem uma gama complexa de teias de
significações. Com padrões culturais específicos e diferentes, é a substância da educação
intercultural”.
39
Diante desta idéia, a criança que sai de casa para a escola, tem diferentes
práticas e representações no seu contexto familiar que chamamos aqui de cultura
doméstico-familiar que, ao chegar ao contexto escolar, vai ser partilhada com outros
valores e significados, interagindo em outras culturas que não a sua.
De acordo com Fleuri (2003, p. 71, Grifos do autor):
A cultura escolar, conforme os conceitos analisados por Candau, estaria
associada ao currículo-formal, aos conteúdos-objeto a serem trabalhados
no processo ensino aprendizagem, ao que é explícita e intencionalmente
proposto pela escola como finalidade de aprendizagem. A escola acentua
o caráter de uma cultura didatizada, referida aos conteúdos cognitivos e
simbólicos que são selecionados, organizados, normatizados e constituem
o objeto de uma transmissão deliberada no contexto escolar.
A escola é um espaço/tempo onde as diferenças emergem, se manifestam e
também se ocultam. Também é um espaço aberto e múltiplo, permeado por diversas
culturas, identidades, línguas, crenças e valores que geram tensões e conflitos, que é
constantemente questionada e desafiada.
Em meio a esse quadro, pensar a escola como um espaço sócio-cultural e de
fronteiras, exige, primeiramente, analisar como as coisas acontecem, emergem, dão sentido
e significado às relações que são estabelecidas em cada grupo.
1.2 Identidade e diferença
Para entender a diferença é preciso pensar e compreender o sujeito a partir da
posição histórica e social dentro do seu contexto real. Deste modo deveríamos pensar o
“outro” na ótica em que também sou o “outro”, sou “diferente”.
40
Talvez esse seja o grande desafio da educação hoje: deslocar-se para outros
contextos, os quais estão presentes no cotidiano escolar, e fazer o diálogo entre um e o
outro, sem anular as diferenças.
Penso que essa é uma questão que a escola deveria adotar para dentro da sua
cultura escolar como Proposta Político-Pedagógica e como formação humana do sujeito.
Skliar (2003, p.97) constata que “Toda questão humana deveria ser pensada a partir da
perspectiva das diferentes espacialidades. E, outra vez, seu reverso pode ser verdade: não
nada das espacialidades e nas espacialidades que possa ser explicado senão através
do humano”.
Ocorre, em muitos casos, que esse “outro” é tudo o que eu não quero ser. O
outro sempre é um “outro” construído, imaginado, negativizado. Como fazer o diálogo
entre as diferenças étnicas, lingüísticas e raciais? Entre diferentes culturas? Como valorizar
a diferença se esta é vista como inferior?
Assumimos diferentes posições, que vai de acordo com o tempo e espaço que
nos encontramos e atribuímos uma carga de valores e significados que nos diferenciam e
ressignificam-se continuamente.
Santomé (2005, p.168) fala que a:
[...] cultura de cada povo o traduz outra coisa que seus constructos
conceituais, seus sistemas simbólicos, seus valores, crenças, pautas de
comportamento, etc. [...] toda cultura específica supõe o ‘acervo de saber
de onde se abastecem de interpretações os participantes na comunicação
ao entender-se entre si, sobre algo no mundo’ (Habermas, 1990, p. 99).
Se nos separamos pelas nossas diferenças, devemos considerar que, ao mesmo
tempo, estamos (inter)ligados, pertencemos a um mesmo lugar e a um mesmo mundo,
apenas divididos em grupos que se identificam de acordo com seus costumes, suas crenças,
seus valores e sua visão de mundo, que essência e significado a sua vida. Pode-se dizer
41
que nesta troca de valores, símbolos e intenções é que se estabelece a cultura de cada
grupo.
Homi Bhabha (1998) menciona, em o Local da Cultura, a existência de muitos
locais de cultura num mesmo local, ou seja, para o autor, o local da cultura não direciona,
necessariamente, para um espaço territorial, ou seja, a cultura pode ser preservada, mesmo
sem um local próprio:
É na emergência dos interstícios a sobreposição e o deslocamento de
domínios da diferença – que as experiências intersubjetivas e coletivas de
nação [nationness], o interesse comunitário ou o valor cultural são
negociados.
Bhabha (1998) defende um novo conceito de cultura, considerando como
híbrido, dinâmico, transnacional gerando o trânsito entre nações e tradutório, criando
novos significados para símbolos culturais. Este conceito está ligado à questão da
sobrevivência, quando os deslocamentos põem em choque diferenças culturais.
Portanto, entende-se que cultura é tudo o que é vivido no dia-a-dia das pessoas,
é aquilo que significado e sentido a vida de um grupo. Cada pessoa possui instrumentos
que se identificam e o identificam com a cultura em que vive.
Como descrever a cultura de um grupo, como identificá-la? A cultura tem
traços, símbolos e significados que são identificados pelas pessoas que partilham o mesmo
grupo. Mesmo em casos onde se diga que “aquele povo não tem mais cultura” as pessoas
se identificam entre si e comungam os valores comuns.
Todo indivíduo é passível de mudanças, de novos olhares, é um ser que vive
em constante transformação em busca do novo. Dentro dessa análise, Ramos (1988, p. 91)
salienta que “[...] O que conta é o modo de ser, a visão de mundo, a atitude para com a
vida, a sociedade, o universo, e isso não se destrói tão facilmente”.
42
As relações são construídas e estabelecidas através da mediação, ou seja, a
presença do outro é importante para a construção do conhecimento. Em uma cultura, o
conhecimento é mediado entre seus membros, no entanto, devem-se estar atento às
relações de poder que prevalecem dentro do grupo, ou seja, perceber quem é quem em um
determinado contexto.
Lembrando Brandão (1985), a história reporta à vida e à cultura, portanto pode-
se dizer que cultura é aquilo que eu sou e da onde eu vim. Seguindo a idéia do autor,
(1985, p. 167, Grifos do autor):
A cultura não é apenas o propriamente simbólico, o semântico, reino do
espírito e da linguagem. Ela está, ao contrário, na lógica simbólica que
constitui a própria possibilidade da relação, qualquer que seja seu campo
de trocas: pessoas (como parentesco e nas relações de poder), pessoas e
bens (pessoas através de bens e bens através de pessoas) e símbolos.
Portanto, a cultura (...) é aquilo que há de operativamente significante em
qualquer dimensão social de trocas e de transformações.
É importante lembrar que dentro do processo histórico as culturas passam por
transformações como em qualquer sociedade, por isso é dinâmica, mas também sempre
está ligada ao passado. Conforme Cunha (1987, p. 88, Grifos do autor):
[...] a noção que se depreende é que a tradição cultural serve, por assim
dizer, de ‘porão’, de reservatório onde se irão buscar, a medida das
necessidades no novo meio, traços culturais isolados do todo, que
servirão essencialmente como sinais diacríticos para uma identificação
étnica. A tradição cultural seria, assim manipulada para novos fins, e não
uma instância determinante.
Conforme estudos de Williams (1976, p.16), citado por Thomaz Thadeu da
Silva (1995, p.14) "[...] a cultura significa uma forma completa de vida, material,
intelectual e espiritual incluindo o comportamento simbólico da vida cotidiana de uma
sociedade".
43
Portanto, entende-se que a cultura tem a ver com o que nos tornamos e como
nos identificamos dentro de um contexto. Neste sentido podemos dizer que as identidades
são construídas dentro do grupo e de acordo com a cultura.
Nesta ótica, Woodward (2000, p. 17) evidencia que: “[...] É por meio dos
significados produzidos pelas representações que damos sentido a nossa experiência e
aquilo que somos”. A identidade, segundo a autora (2000), é o meio pelo qual damos
sentidos às práticas e relações sociais, definindo quem é incluído e quem é excluído,
portanto a diferença é produzida por meios simbólicos, posições e classificações.
Assim pode-se dizer que a identidade é o meio pelo qual damos sentido à
prática e às relações sociais, definindo quem pertence a e quem não pertence a. Segundo
Silva (2000, p.52) “[...] Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer
distinções entre o que fica dentro e o que fica fora”. A identidade está sempre ligada a uma
forte separação entre “nós” e “eles”.
Seguindo a idéia do autor, (idem, 2000, p. 74), “[...] A identidade é
simplesmente aquilo que se é: ‘sou brasileiro’, ‘sou negro’, ‘sou heterossexual’, ‘sou
jovem’, ‘sou homem’. [...] Nessa perspectiva, a identidade tem como referência a si
própria: ela é auto-contida e auto-suficiente”.
Na mesma linha de raciocínio do autor “[...] a diferença é concebida como uma
entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à identidade, a diferença é aquilo
que o outro é: ‘ela é italiana’, ‘ela é branca’, ‘ela é homossexual’, ‘ela é velha’, ‘ela é
mulher’ [...]”. Neste sentido o autor ressalta que “[...] A diferença, tal como a identidade,
simplesmente existe”.
Nas palavras de Vieira (1999a, Grifos meus):
A identidade constrói-se por referência à alteridade, em relação ao outro
que se percepciona e nos a imagem de nós mesmos. A identidade e
alteridade constroem-se neste processo de interação onde o indivíduo
44
percorre o caminho entre o nós e o outro que vai descobrindo. O
indivíduo acede à consciência de si, por diferenciação dos outros e
assimilando a identidade do grupo que designa e identifica como seu.
Diante desse enfoque Kreutz (1999, p. 92), evidencia que: “[...] a construção de
uma identidade supõe sempre a alteridade, permitindo auto-descrever-se dentro de um
grupo que lhe dá referência para a ação e permitindo entender a realidade mediada pela
diferenciação”.
Diferença não pela fala, mas diante de suas particularidades e diversidades que
caracterizam seu modo de vida, construindo sua identidade no processo histórico.
Retomando a idéia de Poutignat (1998), a identidade pode ser alimentada por signos
diferentes através de recursos simbólicos como a ngua, a religião, o território, a tradição
cultural, utilizada para se fazer ser entre ele e o nós.
Assim, podemos entender que a identidade é construída e transformada na
interação de grupos sociais, através de processos de exclusão e inclusão, que estabelecem
grupos que compartilham determinados valores que dão significados a vida que pertencem.
Vieira (1998), em seu artigo no jornal A Página, escreve que “[...] a identidade não é um
facto ou uma estrutura estática, mas antes um processo dinâmico onde os outros interagem
conosco, com o nós, com o eu, e os reconstroem”.
Lembrando que a escola é um espaço aberto e múltiplo, permeado por várias
culturas, identidades, línguas, crenças e valores. Muitas vezes a diferença aparece como
uma categoria para legitimar a desigualdade e não como uma categoria para afirmar a sua
identidade e a sua cultura.
Pensar educação escolar neste contexto exige analisar como as coisas
acontecem, emergem, dão sentido e significado às coisas e às relações que são
estabelecidas em cada grupo. Ou seja, compreender historicamente como as diferenças
foram, são e continuam sendo construídas neste espaço.
45
As reivindicações que se tem feito nos últimos tempos é entender como as
relações foram e são estabelecidas em cada contexto, ou seja, o “como” e o “por quê”?
Neste aspecto a diferença deve ser entendida a partir de um determinado contexto e da
construção histórica e social do sujeito, da sua relação com o mundo e da interpretação que
este faz da realidade.
46
CAPITULO II
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL
2.1 Escola indígena: espaço de “fronteira”
Nos dias atuais o desafio que se coloca é pensar em escola indígena como
espaço de fronteiras, espaço de diálogo e interação entre diferentes sociedades. Conforme
Tassinari (2001, p.47):
[...] a escola indígena, como todo processo de ensino, também constitui
fonte intermitente de intercâmbio entre prática/teoria. É também espaço
de encontro entre dois mundos, duas formas de saber ou, ainda, múltiplas
formas de conhecer e pensar o mundo: as tradições de pensamento
ocidentais, que geram o próprio processo educativo nos moldes escolares,
e as tradições indígenas, que atualmente demandam a escola.
Quando pensamos escola como espaço de fronteira devemos observar que as
escolas indígenas ou áreas indígenas vivem em constantes conflitos, tensões e
contradições. São espaços em construção, ressignificados, de acordo com a cultura,
expectativas e anseios de um povo. Lembrando Poutignat (1998, p. 160) “[...] a fronteira
47
que os separa dos outros é determinada por forças agindo do interior e do exterior e ela é
constantemente redefinida pela interação desses mecanismos internos e externos”.
Bhabha (1998, p. 21) ressalta que:
O
s embates de fronteira acerca da diferença cultural m tanta
possibilidade de serem consensuais quanto conflituosos; podem
confundir nossas definições de tradição e modernidade, realinhar as
fronteiras habituais entre o público e o privado, o alto e o baixo, assim
como desafiar as expectativas de desenvolvimento e progresso.
Neste enfoque Rossato (2003, p. 09) situa a escola como espaço de negociação
cultural “[...] ao ser apropriada pelos índios, é ressignificada segundo seus próprios
interesses, parâmetros e suas lógicas diferenciadas e específicas”.
Embora as escolas sejam modelos ocidentais, imposta para a população
indígena, passando por processos de civilização, de integração e de assimilação, hoje, é
uma necessidade dentro das áreas indígenas, ainda que, existem situações de tensões e
conflitos entre culturas.
Brand ressalta que (1999, p.18) “[...] A luta política por uma escola
diferenciada vem umbilicalmente ligada à luta maior por um futuro para seus projetos de
vida, num mundo cada vez mais globalizado”.
Como diria Lopes da Silva (2001, p.24):
[...] abre-se a questão da especificidade da escola ou do que nela tem
lugar nesse processo mais amplo de transformação cultural e criação de
novas formas de organização sociopolíticas e de reflexão, por meio das
quais as populações indígenas atuais dialogam com a história.
O espaço escolar é atravessado por símbolos (língua, cultura, território,
crenças, valores) que marcam oposições entre Eles e Nós e, segundo Poutignat (1998, p.
154), quando fala de fronteiras étnicas, elas “[...] podem manter-se, reforçar-se, apagar-se
ou desaparecer-se. Elas podem tornar-se mais flexíveis ou mais rígidas”. Tassinari (2001,
p. 64), observa que devemos “... refletir sobre a escola indígena enquanto espaço de
48
interação e contato entre populações, onde fluxo de pessoal e conhecimento e onde as
diferenças sociais são construídas”.
Neste contexto é importante questionar qual o sentido da escola nas
comunidades indígenas? Qual o significado de escola? Como esse sentido/significado foi
construído?
Em meio a esse quadro a autora (TASSINARI, 2001) define a escola indígena
como espaço de fronteira, espaço de troca e trânsito entre dois mundos, ressaltando que é
um espaço de incompreensões e de redefinição identitária. Neste enfoque a autora destaca
três abordagens com as quais podem ser analisadas as escolas indígenas:
1 – Como espaço ocidental que ameaça a sobrevivência indígena;
2 – Espaço ressignificado de acordo com a cultura indígena;
3 – Escolas como espaço de contato, onde as diferenças interétnicas emergem e
adquirem novos contornos (TASSINARI, 2001, p.56).
Neste enfoque, devemos entender que o contato em que se fala neste estudo
não se refere apenas à sociedade envolvente próxima às reservas indígenas, mas também a
globalização, que hoje nos conecta com o mundo.
Segundo Garcia (2003, p.48), a globalização:
[...] Refere-se a fenômenos, processos em cursos, realidades e tendências
muito diversas que afetam diferentes aspectos da cultura, as
comunicações, a economia, o comércio, as relações internacionais, a
política, o mundo do trabalho, as formas de entender o mundo e a vida
cotidiana, os quais, como podemos ver, portam um significado pouco
preciso.
Entendemos que nesse espaço de fronteiras as diferenças são manifestadas e
construídas. Weiguel (2003, p.6) diz que a escola, “... como todo espaço socialmente
construído, é um espaço aberto, onde as práticas nele empreendidas produzem efeitos
49
resultantes de um feixe de relações – que poderíamos denominar de negociações – entre as
forças sociais envolvidas”.
A escola indígena, segundo a legislação, deve satisfazer os anseios da
comunidade, estar de acordo com o modo de ser indígena, com a cultura e a identidade do
grupo, com projetos e valores de vida específicos.
As características da escola indígena, conforme o Referencial Curricular para
as Escolas Indígenas, devem ser: comunitária, intercultural, bilíngüe ou multilingüe,
específica e diferenciada.
O conceito de escola indígena diferenciada e específica:
[...] deve ser concebida e planejada como reflexo das aspirações
particulares de cada povo indígena e com autonomia em relação a
determinados aspectos que regem o funcionamento e orientação da escola
não-indígena (RCNEI, 1998, p.25).
Segundo o antropólogo Miguel Fritz (2001, p.68), a interculturalidade é poder
vivenciar diferentes culturas, ou seja, “... No se trata de crear diferencias, sino de
reconecerlas; no como algo negativo, sino como un hecho dado. Estas diferenças
culturales, no se pueden esconder, ni acallar. Más bien hay tematizarlas, para poder
conocerlas y así ir valorándolas”.
Na mediação entre o reconhecimento das diferenças é que a interculturalidade
existe, como algo inacabado da vida, que vai se fazendo num processo de realizações e
mudanças constantes, no contato com o outro, com os ensinamentos e aprendizados que
aos poucos vão fazendo parte do nosso cotidiano.
Entendemos que para uma educação intercultural, frente à diversidade
existente, aos conflitos e tensões que se fazem a partir da necessidade de cada povo, a
educação escolar indígena deve dar conta de estabelecer a relação entre a cultura indígena
e não índia.
50
A educação existe em vários contextos e de diversas maneiras no interior de
diversas culturas. Com efeito, Kreutz (1999, p.82-83) diz que “... se pretendermos realçar a
inter-relação dinâmica entre culturas com as recomendações e ajustes constantes que isso
implica, o conceito de interculturalidade fica mais adequado”.
A escola está sempre voltada para um projeto de futuro, portanto cabe entender
o que os estudantes indígenas têm como expectativa e projeto de futuro para a comunidade
ou o que cada estudante indígena espera da escola e como essa expectativa individual foi
construída.
2.2 Trajetória da Educação Escolar Indígena
Feita as considerações acima sobre o conceito de educação escolar indígena
como espaço de fronteira, neste item será enfatizada a escola para as comunidades
indígenas dentro da sua trajetória histórica, política e social, buscando entender a sua
diferença pautada na especificidade de cada povo, através das lutas e movimentos antes da
Constituição Federal de 1988 e as conquistas legais pós 1988.
Lembrando Meliá (2001, p.64), que “la escuela es un pedacito solamente de la
educación indígena, no és toda la educación indígena” e que por isso existe uma diferença
fundamental entre educação indígena e educação escolar indígena
14
, muitas vezes
confundida, causando transtornos como: querer modificar seu jeito de viver e impor
maneiras diferentes no seu modo de vida.
A primeira, educação indígena, deve-se considerar que todos os povos
indígenas possuem mecanismos próprios de transmissão de conhecimentos e socialização
de seus membros (Parecer CNE 14/99).
14
Estudo realizado em MELIÁ.B. Educação Indígena e alfabetização. São Paulo: Loyola, 1979.
51
Portanto, a educação indígena:
[...] diz respeito ao aprendizado de processos e valores de cada grupo,
bem como aos padrões de relacionamento social introjetado na vivência
cotidiana dos índios com suas comunidades. [...] a educação indígena
designa a maneira pela qual os membros de uma dada sociedade
socializam as novas gerações, objetivando a continuidade de valores e
instituições consideradas fundamentais. (Parecer CNE 14/99, p. 40).
Para Meliá (1979, p. 12) “[...] Educação Indígena é ensinar e aprender cultura,
durante toda a vida e em todos os aspectos” e que, “[...] Descrever a educação indígena no
Brasil seria quase descrever o dia-a-dia de todas as aldeias, de todas as comunidades
indígenas, que simplesmente vivendo estão se educando” (p.18). Pode-se dizer que a
educação se faz na família, pelo ensinamento dos pais, na comunidade ao longo da vida.
E a segunda, a educação escolar indígena, é construção de um processo
histórico, simultâneo à colonização do país. Hoje, pode-se dizer que a escola para as
comunidades indígenas é uma necessidade pós-contato
15
, que vai de imposição de modelos
educacionais culo XVI até metade do século XX onde a educação esteve pautada
pela catequização, pela civilização e pela integração forçada dos índios à sociedade
nacional, passando por processos integracionista e assimilacionista a idéia de integração
firmou-se na política indigenista brasileira, desde o período colonial até o final dos anos
80, visando eliminar toda a diferença étnica entre os povos indígenas.
Somente a partir da década de 70 essa visão começou a mudar. Diante de
mobilizações sociais e políticas, num panorama de luta por direitos humanos, começou a se
pensar em uma escola indígena, capaz de reconhecer o respeito à especificidade e a
diferença de cada povo.
Percebe-se que as escolas indígenas perpassam muitas visões, sendo que em
determinados momentos torna-se um espaço de afirmação de seus valores, sua cultura e
15
Cf. Parecer CNE 14/99, p. 40.
52
sua identidade, marcado por contexto de negação e exclusão e em outros, uma necessidade
para lidar com o entorno regional.
Segundo Brand (1999) “[...] o entorno regional são setores da sociedade
nacional que têm interesses específicos junto às comunidades indígenas, ou, ainda, que são
objeto de interesse por parte das mesmas. É no entorno regional que se dá o enfrentamento,
onde decorre grande parte de suas expectativas de futuro”.
A escola indígena tem hoje garantido o direito a sua diferença dentro dos
processos de socialização no qual estão inseridos pensados a partir da sua concepção de
mundo e organização política, religiosa, econômica, territorial e social o qual se
diferencia das sociedades ocidentais.
A história da Educação Escolar Indígena, segundo Ferreira (2001), está
dividida em quatro fases: 1) Brasil Colônia onde esteve a cargo exclusivo de
missionários Jesuítas; 2) Criação do Sistema de Proteção aos Índios SPI –, em 1910, se
estendendo à FUNAI e ao Summer Institute of Linguistcs – SIL – e outras missões
religiosas; 3) Surgimento de organizações não governamentais e movimentos indígenas
iniciados durante as décadas de 60 e 70, passando pelo período militar; 4) Década de 80, na
qual se iniciam os movimentos e organizações dos próprios índios e, posteriormente, vão
ter seus direitos garantidos com a Constituição Federal de 1988.
Na primeira fase, as escolas nas aldeias chegaram juntamente com os
portugueses no Brasil que trouxeram também todo um arsenal europeu, escolas, costumes,
religiões que aqui impuseram como "correto" para os povos indígenas que aqui habitavam.
Com a chegada dos jesuítas ao Brasil, as escolas nas aldeias tinham por missão
evangelizar e catequizar os povos indígenas, ensinando rezas, cânticos, costumes
53
ocidentais que não faziam parte dos valores e crenças indígenas. Com isso era negada a
cultura dos povos indígenas.
Em meio a esse quadro, Ramos (1988, p. 90) evidencia que "A avalanche do
processo histórico da conquista abalou enormemente os povos indígenas, transformou suas
culturas, mas não os eliminou".
Na segunda fase, foi criado, em 1910, o SPI com intuito de proteção dos povos
indígenas, terras e demarcação de territórios, o qual, posteriormente, vai ser substituído
pela FUNAI, em 1967. Em 1991 o Decreto Presidencial 26/91 passou as atribuições
referentes à educação escolar indígenas para o Ministério da Educação e Cultura – MEC.
Na terceira fase, registram-se os conflitos gerados na década de 70 em torno
das mobilizações e reivindicações dos direitos indígenas, trazendo mais tarde
conseqüências favoráveis às comunidades indígenas.
Segundo NASCIMENTO (2000, p. 67):
Diante dessa situação, surgem manifestações de religiosos, cientistas,
sertanistas e da imprensa, denunciando a violação dos direitos indígenas.
Paralelamente às denuncias esses organismos passam a refletir sobre suas
ações, e passam a valorizar as culturas e a orientar os índios na luta pelos
direitos aos seus territórios e à autodeterminação.
Isso aconteceu e acontece com o apoio e a orientação de alguns órgãos, dentre
eles: a OPAN OPERAÇÃO ANCHIETA –, criada em 1969, pelos jesuítas, passando a
ser uma organização leiga com a denominação de OPERAÇÃO AMAZONAS NATIVA;
O CIMI CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO –, setor progressista da Igreja
Católica, criado em 1972; o CTI CENTRO DE TRABALHO INDIGENISTA criado
em 1979. Em fins da década de 60 e começo da de 70, surgiram ainda a CPI – COMISSÃO
PRÓ-ÍNDIO no Acre e o CEDI CENTRO ECUMÊNICO DE DOCUMENTAÇÃO E
54
INFORMAÇÃO –, formado por segmentos progressistas de diversas igrejas, dentre elas a
católica, a luterana, a anglicana e a metodista
16
.
Na última fase, início dos anos 80, as manifestações e reivindicações pelo
reconhecimento da diferença foram se tornando cada vez mais fortes e intensas e a escola
indígena foi ganhando espaço na sociedade brasileira em favor dos seus direitos.
Na cada de 80 surge a União Nacional Indígena – UNI com intuito de
articular e organizar movimentos em favor das questões indígenas, frente à mobilização
também de professores indígenas no norte do país, em luta pelo reconhecimento de uma
educação específica e diferenciada, gerando grandes disputas.
Em 1988, pela primeira vez na história, com a Constituição Federal Brasileira
os povos indígenas têm o direito de viverem as suas diferenças, ou seja, o direito à sua
identidade étnica negada durante quase 500 anos.
A Constituição Federal de 1988 estabelece no art. 210 que “[...] Serão fixados
conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica
comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”.
No art. 215 “[...] O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a
difusão das manifestações culturais”. E no art. 231 “[...] São reconhecidos aos índios sua
organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens”.
16
Hoje inúmeras organizações não indígenas no Brasil. Algumas foram fundadas por missionários, outras
por antropólogos ou especialistas que trabalham com povos indígenas. As organizações citadas neste trabalho
foram obtidas em estudos feitos por: Nascimento (2000, p. 67 – 68).
55
Desde então outros dispositivos legais e técnicos são formulados em favor de
uma escola diferenciada, específica e bilíngüe.
Em 1991, o Decreto Presidencial nº 26, retira as responsabilidades da FUNAI e
atribui ao Ministério da Educação e Cultura MEC a coordenação das ações para a
Educação Escolar Indígena no país, determinando que fossem desenvolvidas pelas
Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, em consonância com o MEC.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN 9394/96 que
orienta e especifica a educação brasileira, no que diz respeito à educação escolar indígena,
no art.78, afirma que a educação para os povos indígenas deve ser intercultural e bilíngüe e
o art. 79 prevê que a União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino através
dos estados ou municípios.
Em 1998, o MEC, em atendimento ao que lhe compete, lançou o
RCNE/Indígena para subsidiar as práticas pedagógicas e elaboração de projetos em escolas
indígenas, ou seja, a forma de melhorar a qualidade do ensino e da formação dos alunos
indígenas.
O Referencial Curricular foi elaborado com função formativa, para subsidiar a
prática educativa de professores e profissionais da educação em áreas indígenas, atendendo
os anseios e expectativas de cada comunidade.
Frente a todo o avanço em consonância com a legislação brasileira, o
documento procura respeitar diferenças existentes entre as próprias comunidades indígenas
procurando contribuir na prática efetiva dos discursos legais.
A estrutura do RCNE/Indígena reúne fundamentos políticos, históricos e
antropológicos de uma proposta de educação indígena diferenciada e que venha atender
aos projetos de futuro de cada comunidade.
56
As novas propostas de escola indígena têm como objetivo fortalecer a luta
pelas autodeterminações dos povos indígenas e a de outros povos. Neste sentido o
RCNE/Indígena (1998, p. 70) enfatiza que "... busca-se melhor garantir os objetivos reais
de existência da escola naquele lugar, para aquelas pessoas, reintegrando as ações do
ensino às aprendizagens, evitando suas descontinuidades e rupturas”. Com isso o
Referencial propõe, mediante o que vem garantido por lei, possibilitar ao aluno sua
identificação e a relação com o espaço onde vive e com isso construir ideais e princípios de
vida a partir do seu contexto.
O RCNE/Indígena tem como pretensão fornecer subsídios para a prática
pedagógica de professores índios e não índios, que estão diretamente ligados às ações de
implementação e desenvolvimento das escolas indígenas, tendo por finalidade o
reconhecimento da: Multietnicidade, pluralidade e diversidade; Educação e conhecimentos
indígenas; Autodeterminação e Educação intercultural, comunitária, específica e
diferenciada.
Em 1999, o Parecer 14/99 aprovado em 1999, propõe ao Conselho Nacional de
Educação CNE normas para o funcionamento e normatização do currículo em escolas
indígenas. O documento ressalta a:
[...] necessidade de regularizar juridicamente essas escolas,
contemplando as experiências bem-sucedidas e reorientando outras para
que elaborem projetos pedagógicos, regimentos, calendários, currículos,
materiais didático-pedagógicos e conteúdos programáticos adaptados às
particularidades étnico-culturais e lingüísticas próprias a cada povo
indígena. (Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação, p. 44).
Neste sentido entende-se que não basta apenas estudar uma pedagogia
indígena, mas reconhecer o "outro" dentro do seu grupo, da sua especificidade e da sua
diferença cultural.
57
O Parecer 14/99, mediante a Constituição Federal de 88, reconhece as
diferenças etnoculturais e lingüísticas na sociedade brasileira, destacando a necessidade de
promover uma educação intercultural que venha contribuir para a formação de um cidadão
crítico. Diante disso evidencia que:
[...] Conhecer, valorizar e aprender com essas diferenças é condição
necessária para o convívio construtivo, a comunicação e articulação de
segmentos sociais que, apesar de diversos e mantendo suas
especificidades, sejam capazes de uma convivência definida por
democracia efetiva, tolerância e paz. (Parecer 14/99, p.45)
Posteriormente, em 18/10/1999, em consonância com o Parecer 14/99, é
publicada a Resolução 03/99/CEB que fixa as diretrizes nacionais para o funcionamento
das escolas indígenas. A Resolução estabelece no art. 1º:
[...] no âmbito da Educação Básica a estrutura e funcionamento das
escolas indígenas, reconhecendo-lhes a condição de escolas com normas
e ordenamento jurídico próprios e fixando as diretrizes curriculares do
ensino intercultural e bilíngüe, visando à valorização plena das culturas
dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade
étnica.
No art. 2º:
[...] constituirão elementos básicos para a organização, a estrutura e o
funcionamento da escola indígena: sua localização em terras habitadas
por indígenas [...]; exclusividade de atendimento a comunidades
indígenas; ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades
atendidas [...]; organização escolar própria.
É possível perceber que o documento dá autonomia para as comunidades
indígenas decidirem no bojo de suas discussões que tipo de escola querem para si e para o
seu povo, ou seja, o documento regulamenta o que está posto na Constituição Federal de
1988.
O Plano Nacional de Educação Lei 10.172 aprovado em 2001 pelo
Conselho Nacional de Educação, elaborado para universalizar o ensino em diversos níveis,
no que diz respeito à educação escolar indígena, sob coordenação geral e apoio financeiro
do MEC, procura fortalecer e garantir a consolidação, o aperfeiçoamento e o
58
reconhecimento das experiências na construção de uma educação diferenciada e de
qualidade em curso nas áreas indígenas.
No Mato Grosso do Sul, em 1992, é criado por meio da Secretaria de Estado de
Educação o Núcleo de Educação Escolar Indígena, com funções executivas operacionais, o
qual iniciou os primeiros contatos com as várias etnias e professores índios e não-índios
atuantes nas aldeias do Estado.
O Conselho Estadual de Educação por meio da Deliberação nº 4.324, em
03/08/1995, aprovou o documento Diretrizes Gerais para Educação Escolar Indígena,
apresentando diretrizes para a elaboração do currículo, da avaliação, do calendário escolar
e política de formação de recursos humanos para as escolas indígenas.
Em 1999, foi criada na Secretaria de Estado de Educação, pelo Decreto
9.607 de 24/08/99, a Coordenadoria de Políticas Específicas em Educação, a qual se
vincula a Gestão de Processos em Educação Escolar Indígena.
Em 2002 foi aprovada a Deliberação CEE/MS nº 6767, de 25/10/02, através do
Sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul, que fixa normas para a organização
estrutura e funcionamento das Escolas Indígenas, para oferta da Educação Escolar
Indígena, mediante fundamentos na Lei nº 9.394/96, na Resolução nº 03/99/CEB, no
Decreto Estadual 10.734/02, na Lei 10.172/01, considerando os termos da indicação
CPLN/CEE/MS nº 038/02, aprovada em Sessão Plenária.
No art. a deliberação 6767/02 diz que, são objetivos da Escola Indígena
garantir os meios para a sistematização e valorização dos conhecimentos costumes e as
tradições, bem como propiciar condições para o acesso aos conhecimentos específicos e
aos universais; contribuir para reorganização das comunidades; garantir participação
59
coletiva na definição e planejamento do futuro da comunidade; assegurar a
interculturalidade, a multilinguagem, a produção e a disseminação do conhecimento.
A deliberação visa que a escola indígena desenvolva atividades de acordo com
sua proposta pedagógica, compatível com seu regimento escolar, formulado
gradativamente pela escola e povo indígena, tendo por base as Diretrizes Curriculares
Nacionais referentes a cada etapa da Educação básica, bem como à legislação de ensino e
demais legislações.
Diante do relato acima, mediante a legislação brasileira, hoje, os povos
indígenas têm direito, garantido por lei, a uma escola específica e diferenciada, que esteja
de acordo com as expectativas e anseios das comunidades indígenas, respeitando os
valores, as diferenças étnicas, lingüísticas, culturais, tradições e costumes que constitui
cada grupo.
60
CAPÍTULO III
A EDUCAÇÃO ESCOLAR NA RESERVA FRANCISCO HORTA BARBOSA
3.1. Contexto histórico: 1931
17
aos dias atuais
A Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa
18
está localizada no município de
Dourados-MS, com uma área de 3.560 hectares, dividida entre as aldeias Jaguapirú e
Bororó, nas proximidades da Rodovia Dourados/Itaporã, Km 05, com uma população de
10.396 habitantes
19
das etnias: Guarani/kaiowá (que se autodenominam Kaiowá),
Guarani/Nhandeva (se autodenominam Guarani), Terena, alguns mestiços originários das
três etnias e alguns não-índios casados com indígenas [BRAND (1997); ROSSATO
(2002); TROQUEZ (2006)]
20
.
17
Conforme estudos realizados em Rossato (2002) e Troquez (2006), em 1931 iniciou os primeiros contatos
de escolarização na Reserva Francisco Horta Barbosa, através do missionário Dr. Nelson de Araújo, com
atividades de alfabetização.
18
Segundo Troquez (2006, p. 32) “De 1915 a 1928, o SPI ‘reservou’ aos Kaiowá e aos Guaranis do antigo
sul de Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul) oito áreas de terras no cone sul do estado. Porém a reserva
indígena de Dourados foi criada em 1917, e só obteve titulo definitivo em 1965”.
19
Fonte: FUNASA Fundação Nacional de Saúde. Distritos Sanitários. Disponível em:
<
http://www.funasa.gov.br>. Acesso em: 20 jun. 2006.
20
Ver também Brand (1997).
61
Figura 1 - Mapa do Estado de Mato Grosso do
Sul com a localização do município de Dourados
Figura 2 – Mapa de Dourados com localização da
Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa.
Fonte
:
NEPPI Núcleo de Estudos e Pesquisas das Populações Indígenas. Disponível em:
<http://www.neppi.org>. Acesso em: 13 mar. 2007.
Conforme estudos realizados por Troquez (2006), a Reserva Indígena
Francisco Horta Barbosa, criada em 1917, foi reservada aos índios Kaiowá, pois este era o
grupo predominante na região. Na época, já havia índios Guarani e Terena no local;
segundo Troquez (2006, p. 34) “[...] os Kaiowá foram os primeiros a serem aldeados em
Dourados, os Terena e Guarani que estavam na região vieram para a reserva logo em
seguida sob a orientação do SPI”.
Na Reserva Indígena de Dourados as “famílias extensas” não são como
antigamente, por conta da reconfiguração territorial e das influências interétnicas.
Explica Brand (2003, p.1) que:
“A família extensa é a unidade social básica da sociedade
kaiowá/guarani, sobre a qual se apóiam seus líderes político-religiosos.
Com a dispersão, seus integrantes não encontravam mais as condições
necessárias para manterem inúmeras práticas religiosas coletivas,
especialmente as relacionadas aos rituais de iniciação dos meninos,
kunumi pepy, e de batismo das plantas, avaty kyry”.
As casas construídas de sapé, chamadas de casas tradicionais, estão sendo
substituídas por casas de alvenaria ou casas populares oferecidas pelo Governo do Estado.
MARACAJU
CAARA
FÁTIMA DO SUL
DEODAPÓLIS
RIO BRILHANTE
DOURADOS
RES. IND. FRANCISCO HORTA BARBOSA
62
Quase todas são numeradas e cercadas. No fundo da aldeia ainda encontram-se casas feitas
de sapé.
As estradas são largas e substituem os caminhos ou “trieiros”, para os carros
terem acessos às casas. Antigamente era uma estrada principal que cortava a aldeia,
utilizada apenas pelo ônibus que transportava alunos para a escola e pelos carros da
FUNASA, FUNAI circularem dentro da aldeia e de professores que vinham da cidade para
trabalhar na reserva.
Hoje, na reserva mercearias, igrejas, escolas, bares, bicicletarias, casas de
alvenaria, “casas tradicionais”, “casas de reza”...
A história dos estudantes atravessa essas mudanças, muitas vezes esquecidas,
mas que fazem parte das lembranças e da construção da identidade de cada um.
Algumas mudanças merecem preocupações da comunidade, como os filhos que
não seguem mais os conselhos” dos pais, não participam mais da vida cotidiana de
antigamente. Podemos dizer que o ritmo do cotidiano ocidental está presente na vida
cotidiana da aldeia. Podemos citar, por exemplo, que o tempo ocidental impôs algumas
regras: horários, escola, igreja, reuniões, programas, currículos e empregos.
A economia da Reserva Indígena é composta por trabalhos não assalariados e
assalariados. O trabalho não assalariado são as plantações de mandioca e milho, que depois
são levadas para a cidade para serem comercializadas. Carrinhos de picolé, mercearias e
venda de artesanato. Muitos saem para trabalhar em fazendas da região, usinas de álcool,
coleta de feijão etc., caracterizados como empregos sazonais.
O trabalho assalariado inclui: professores indígenas que dão aula nas escolas da
comunidade
21
. Profissionais da Saúde, como auxiliar de enfermagem, que trabalham no
21
Os professores são habilitados pelo Magistério Regular, Curso Normal em Nível Médio Formação de
Professores Guarani/Kaiowá – Projeto Ara Verá e Instituições de Nível Superior.
63
Posto de Saúde e no Hospital da Missão Caiuá. Secretária da FUNAI, empregada
doméstica, entre outros, aonde as pessoas vão para a cidade de Dourados trabalhar.
Os primeiros contatos de escolarização na Reserva Indígena Francisco Horta
Barbosa tiveram inicio, em 1931
22
, com os missionários da Missão Evanlica Caiuá
MECA –, que chegaram a Dourados por volta de 1929. Os missionários da Missão Caiuá
instalaram a primeira escola de alfabetização indígena da região, destinada aos adultos,
conhecida como “Escola Diária”, que funcionou, em princípio, dentro da reserva indígena,
no posto do SPI
23
.
Por volta de 1938, a Missão Caiuá criou a “Escola Primária”, que passou a
funcionar na sua sede, próxima a aldeia Jaguapirú. A Escola Primária surgiu com a criação
do orfanato Nhanderoga
24
, criado para abrigar crianças indígenas que ficaram órfãs por
causa de uma epidemia de febre amarela na aldeia que matou vários adultos
25
.
Na época as escolas mais próximas da Reserva eram a “Escola da Missão” e
Escola Municipal Pedro Palhano, localizada à beira da rodovia Dourados-Itaporã (fim da
duplicação), onde funciona desde 1947 oferecendo as primeiras séries do Ensino
Fundamental. A EM Pedro Palhano é uma extensão da escola rural Escola Municipal Dr.
Camilo H. da Silva. Até hoje essa escola atende alunos da reserva.
Segundo Troquez (2006), por volta dos anos 50, havia também o ensino de 1ª a
série que funcionava na Escola Rural Mista Farinha Seca, também conhecida como
“Escola do Raul”. Segundo dados coletados pela pesquisadora esta “... escola ficava na
22
Segundo Troquez (2006, p. 64) citando Carvalho (2004, p. 78), “[...] por volta dos anos 30, os missionários
utilizaram os espaços existentes na sede do Posto Francisco Horta Barbosa (Posto do SPI), para a realização
de aulas, escolas e cultos dominicais”.
23
Cf. Rossato (2002, p.66).
24
Nhanderoga – na língua guarani significa nossa casa.
25
Dados obtidos em (2006, p. 60) - TROQUEZ, M.C.C. Professores índios e transformações socioculturais
em um cenário multiétnico: a reserva indígena de Dourados (1960 – 2005). Dissertação de Mestrado.
64
aldeia Bororó, no pátio da casa do seu Raul (índio Guarani, braçal do SPI), onde
atualmente está o “Campo do Raul”
26
.
Em 1954 a escola passou a se chamar “Escola Primária General Rondon” e em
1973, passa a ser uma escola municipal, em parceria com a Missão Caiuá. Neste período, a
escola teve apoio do SPI Serviço de proteção ao Índio e do SIL Summer Institute of
Linguistics
27
.
Segundo Ferreira (2001, p.77), o SIL “... garantiria também a integração
eficiente dos índios à sociedade nacional, uma vez que os valores da sociedade ocidental
seriam traduzidos nas línguas nativas e expressos de modo a se adequar às concepções
indígenas”.
Os estudos realizados por Rossato (2002) mostram que o SIL chegou ao Brasil
a partir de 1956, com apoio (convênios) do SPI, depois manteve convênios com a FUNAI
até 1990.
O que se sabe é que por muito tempo a escola serviu às políticas de Estado,
buscando estratégias para assimilação de outra cultura (cultura ocidental), língua nacional
(português), preparação para o “mundo civilizado”, ou seja, para um mundo globalizado
que visa a homogeneização. Segundo estudos realizados por Lopes da Silva (2001), a
finalidade do Estado brasileiro era integrar os índios à sociedade envolvente através da
escolarização. De acordo com Rossato (2002), pelo menos até os anos de 1970 “As escolas
de Missões tiveram um papel importante neste contexto assimilicionista/integracionista,
26
Ver mais detalhes em Troquez (2006).
27
ROSSATO, V. L. Os resultados da escolarização entre os Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul.
“Será o letrao ainda um dos nossos?”. UCDB/Campo Grande. (Dissertação de Mestrado) 2002, p. 47, SIL
Summer Institut of Linguistic
“... é
uma instituição evangélica norte-americana que se propõe [...]
sistematizar as línguas indígenas para posterior tradução da Bíblia e, com isso, facilitar a conversão dos
índios e civilização”.
65
cujas políticas oficiais foram assumidas competentemente pelos missionários, desde a
época colonial
28
”.
Em 1980, através do Decreto Municipal 002, de 24/01/80, é criada a Escola
Municipal de grau Francisco Meireles, quando também é implantada a 5º série na
Missão Evanlica Caiuá. Atualmente, a escola funciona com o ensino fundamental
completo. A escola está situada em terras vizinhas da Reserva Indígena de Dourados e até
hoje atende estudantes do Ensino Fundamental da Reserva Indígena de Dourados,
conhecida como a Escola da Missão.
Mais tarde, por volta de 1974 a 1976, com a mudança da sede da FUNAI, da
aldeia Jaguapirú para a aldeia Bororó (sede atual), foram construídas a Escola Francisco
Hibiapina e Escola Araporã as primeiras professoras foram índias guarani para
substituir a antiga “Escola Rural Mista Farinha Seca”.
No ano de 1990, a FUNAI possuía 03 escolas funcionando na reserva:
Agustinho, Ará Porã e Francisco Hibiapina, as quais estão em funcionamento nos dias
atuais, mantidas pela Secretaria Municipal de Educação de Dourados.
Após esta data, com o Decreto 26/91 e a Portaria Iterministerial 559/91
que retirou da FUNAI incumbência exclusiva de conduzir processos de educação escolar
junto às comunidades indígenas e atribuiu ao MEC a responsabilidade e a coordenação das
ações referentes à educação escolar indígena, as escolas Agustinho, Ará Porã e Francisco
Hibiapina passaram a ser extensões da Escola Municipal Tengatuí Marangatú – Pólo,
criada pelo Decreto 013, de 13/02/1992, conhecida também como CEU Centro de
Educação Unificada.
Sabe-se que, as escolas dentro da reserva, foram mantidas pelo SPI, depois pela
FUNAI, com parcerias com o município de Dourados.
28
Cf.Rossato (2002, p.46).
66
As Escolas Agustinho e Araporã deixaram de ser extensão da Escola Municipal
Tengatuí Marangatú Pólo, em 2004, passando para a denominação Escola Municipal
Indígena, através do Decreto Municipal 2.442/04, que cria a categoria de Escola
Indígena no Sistema Municipal de Dourados-MS.
A Escola Municipal Tengatuí Marangatú – Pólo, hoje tem três extensões:
Francisco Hibiapina, Y’Verá e a Sala Marangatú.
A Escola Municipal Tengatuí Marangatú-Pólo está localizada geograficamente,
mais ou menos, a 800 metros da Rodovia Dourados/Itaporã km 05, na Aldeia Jaguapirú.
A localização das escolas existentes na Reserva Indígena são apresentadas na
tabela a seguir, tendo como ponto de referência a Escola Municipal Tengatuí Marangatú
Pólo, podendo ser observadas também no mapa – Figura 4 e 5, na página seguinte:
Tabela 3 Localização das escolas e distância da Escola Pólo
ESCOLA ALDEIA
PONTO DE REFERENCIA
(Escola Municipal Indígena
Tengatuí Marangatú)
Extensão Francisco Hibiapina Aldeia Jaguapirú 300 m
Escola Estadual Guateka
Marçal de Souza
Aldeia Jaguapirú 300 m
Extensão Y’Verá Aldeia Jaguapirú 4 Km
Escola Municipal Ará Porã Aldeia Bororó 5 Km
Escola Municipal Agustinho Aldeia Bororó 6 Km
Extensão Marangatú Passo Piraju 8 Km
Escola Municipal Francisco
Meireles
Missão Caiuá 12 Km
Escola Panambizinho Aldeia Panambizinho 26 Km
67
Figura 3 – Mapa da Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa (reduzido)
Fonte: Wenceslaw, 1990, p.128.
Figura 4 – Mapa da Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa (satélite)
Fonte: MAPAS. Disponível em: http://maps.google.com.br. Acesso em: 18 abr. 2007.
Legenda:
1 – Extensão Y’ Verá
2 – Escola Municipal Agustinho
3 – Escola Municipal Ará Po
4 – Posto de Saúde
5 – Escola Municipal Tengatuí Marangatú – Pólo
6 – Extensão Francisco Hibiapina
7 – Escola Estadual Ensino Médio Intercultural Guateka – Marçal de Souza
8 – Posto da FUNAI
9 – Escola Municipal Francisco Meireles
68
A Escola Estadual de Ensino Médio Intercultural Guateka Marçal de Souza
fica ao lado da Extensão Francisco Hibiapina e em frente da Escola Municipal Tengatuí
Marangatú.
Embora a legislação atribua ao Estado a responsabilidade da Educação Escolar
Indígena no Ensino Fundamental o atendimento escolar no município de Dourados,
assim como em outros municípios do Estado, tem sido da competência dos municípios,
com exceção dos Guató, situados em Corumbá, onde o Município tem parceria com o
Estado por meio de Termo de Cooperação Mútua
29
.
A partir de 1999, a Escola Municipal Tengatuí Marangatú – Pólo, trabalha com
um Projeto de Ensino Diferenciado para atender os alunos da etnia Guarani/Kaiowá,
falantes da língua. Conforme Soratto (2005, p. 10)
30
:
Na proposta de ensino diferenciado 2000, o trabalho em sala de aula é
desenvolvido através do Projeto "TEKOHA
31
" (território), as áreas de
conhecimento são: história e geografia divididas em subáreas (artes,
ciências, matemática, linguagem e educação física) ministradas na língua
Guarani/Kaiowá.
De forma direta ou indireta outros meios de escolarização foram adentrando a
aldeia, como a Educação de Jovens e Adultos EJA, autorizado como extensão de uma
escola urbana, Escola Estadual Abigail Borralho, desde de 1999. A extensão funciona no
período noturno, no prédio da Escola Municipal Tengatuí Marangatú.
Outras políticas educativas do Governo Federal estão presentes na reserva
indígena, como o Programa Brasil Alfabetizado, criado em 2003, conhecido em Mato
Grosso do Sul como MOVA-MS Alfabetizado Movimento de Alfabetização existente
29
Fonte: Secretaria de Estado de Educação/MS.
30
SORATTO, M.; NASCIMENTO, A.C. Educação Escolar Indígena no contexto de uma pedagogia
intercultural um estudo de caso na Tengatuí Marangatú. Artigo apresentado no VI Elesi Encontro sobre
Leitura e Escrita em Sociedades Indígenas. 15º Congresso de Leitura do Brasil. Campinas, 05 a 08 de Julho
de 2005.
31
Palavra de origem Guarani tema escolhido pelos professores que significa lugar onde eu vivo, seja ele
relacionado a minha casa, ao trabalho, a escola, é o lugar do qual faço parte, o meu espaço.
69
em vários segmentos da sociedade para atender alunos indígenas, quilombolas,
camponeses, sistemas prisionais, idosos, entre outros, com objetivo de erradicar o
analfabetismo no Estado.
Em 2001, a Secretaria de Estado de Educação SED/MS –, implantou na
Reserva de Dourados, o Ensino Médio Indígena para atender a comunidade. Inicialmente o
curso funcionou como uma extensão da Escola Estadual Vilmar Vieira Matos, em parceria
entre a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul SED/MS e a Secretaria
Municipal de Educação de Dourados – SEMED.
Em princípio, as aulas eram ministradas na Escola Municipal Francisco
Meireles; posteriormente foi construída a escola, com sede própria, próxima à extensão
Francisco Hibiapina, Escola Municipal Tengatuí Marangatú – Pólo e o Posto da FUNAI.
Em julho de 2005, o Ensino Médio deixou de ser extensão integrando-se à
Escola Estadual de Ensino Médio Intercultural Guateka Marçal de Souza, criada através
do Decreto Estadual 11.867, de 02/06/2005, com sede na Aldeia Jaguapirú/Dourados-MS.
3.2 - A Escola Estadual de Ensino Médio Intercultural Guateka – Marçal de Souza
A Escola Estadual de Ensino Médio Intercultural Guateka – Marçal de Souza
32
,
está localizada na aldeia Jaguapirú Reserva Indígena Francisco Horta Barbosa
Dourados/MS
33
e atende aos estudantes das etnias Terena, Guarani e Kaiowá. Estão
regularmente matriculados 56 alunos, sendo que 12 alunos são desistentes. A escola atende
02 estudantes não indígenas.
32
A palavra Guateka representa as iniciais das etnias Guarani, Terena e Kaiowá. Esta escola foi criada
através do decreto 11.867 de 02 de junho de 2005 na sede da Aldeia Jaguapiru/Dourados-MS. A escola já
funcionava neste local como extensão da Escola Estadual Vilmar Vieira de Matos.
33
Atualmente há oito escolas de Ensino Médio no Estado, atendidas pela Secretaria de Estado de Educação –
SED/MS, para as populações Guarani e Terena. Para a etnia Guarani são três escolas localizadas nos
municípios de Amambaí, Caarapó e Dourados. Para a etnia Terena são cinco escolas localizadas nos
municípios de Aquidauna, Miranda, Sidrolândia e Nioaque.
70
Tabela 4 – Número de alunos por série e etnia
Kaiowá Guarani Terena Branco Total
1º Ano
11 10 06 02 29
Desistente
05 04 01 01 11
Kaiowá Guarani Terena Branco Total
2º Ano
01 04 08 - 13
Kaiowá Guarani Terena Branco Total
3º Ano
02 07 05 - 14
Desistente
- - 01 - 01
TOTAL Kaiowá Guarani Terena Branco Total
Matriculados
14 21 19 02
56
Freqüentando
09 17 17 01
44
Fonte: Escola Estadual de EM Intercultural Guateka – Marçal de Souza - 2006
Na tabela acima, nota-se que a maioria dos estudantes concentra-se no primeiro
ano.
A idade dos estudantes varia entre 15 a 24 anos, no primeiro ano, de 16 a 21
anos, no segundo ano, e de 19 a 25 anos, no terceiro ano, com exceção de uma aluna, com
37 anos, mulher, Guarani e liderança na aldeia.
Em relação à etnia e gênero, podemos perceber na tabela abaixo que um
maior número de mulheres freqüentando o Ensino Médio.
Tabela 5 - Número de alunos por etnia e gênero
GÊNERO
Kaiowá Guarani Terena Branca TOTAL
Mulheres
04 13 10 01
28
Homens
05 04 07
- 16
Fonte: Escola Estadual de EM Intercultural Guateka – Marçal de Souza - 2006
A dinâmica da escola: o horário da aula é das 13 h as 17 h, mas os alunos
chegam sempre mais tarde e às vezes saem mais cedo. Se chover, eles não vão à aula, mas
71
alguns passam pela escola em dias de chuva para avisar a direção ou coordenação que “[...]
hoje eu não vim porque estava chovendo”.
Em outros momentos, as mulheres que têm filhos, saem nas segundas-feiras
mais cedo, para buscar leite. As que moram perto deixam o leite em casa e retornam para
escola, as que moram longe saem no intervalo e não retornam mais. Também tem o dia da
cesta básica, em que eles saem mais cedo para buscar cesta básica ou neste dia faltam à
aula.
Toda segunda-feira é feita a distribuição do leite pela empresa Camby na aldeia
Jaguapirú e Bororó. Aproximadamente no dia 14 de cada mês são distribuídas cestas
básicas, fornecidas pelo Estado do Mato Grosso do Sul. E, aproximadamente, no dia 28 de
cada mês também são distribuídas cestas básicas nas aldeias Jaguapirú e Bororó, porém
essas fornecidas pela FUNASA.
Conforme fala proferida pela coordenadora da escola:
Co
34
as mães né, as que têm filhos, vem e fala: - olha hoje eu faltei porque
meu filho estava doente, a gente percebe que é por isso. Pelos mesmos
problemas que nós faltamos, elas também faltam né. Aqui tem o dia da
cesta, o dia do leite. Então no dia que é da distribuição da cesta quem é
mãe não vem, porque tem que pegar a cesta básica e o leite também. Eu
acho muito interessante neles é que muitos vêm aqui me avisar, porque
aqui quando chove não vem ninguém. Esses dias eu achei muito
interessante, uma menina do primeiro ano chegou e falou assim: - Zélia
vim te avisar que hoje eu não venho, eu não vim na escola. Eu falei: - ué,
mais você esta aí. Ela disse: - é, mais eu não vim. Eu vim de carroça com
minha mãe, eu já vou embora. O outro eu encontrei e perguntei; - você
não vai pra aula não? Ele respondeu: - não professora, hoje eu não vim,
eu só vim buscar o leite. Ai eles pegam o leite e vão embora.
A maioria dos alunos do ensino médio estudou em outras escolas da cidade,
outros vieram da Escola Municipal Francisco Meireles, conhecida como a Escola da
Missão.
34
Coordenadora da Escola Estadual de EM Intercultural Guateka – Marçal de Souza desde 2005.
72
Os estudantes vêm para a escola de bicicleta e/ou a pé. Alguns vêm de moto.
Lembrando que, três alunos dos 56 matriculados, são da Aldeia Panambizinho, que fica
mais ou menos 26 Km da aldeia Jaguapirú, e os alunos vêm para a EEMI Guateka
Marçal de Souza estudar porque lá não tem o Ensino Médio, como explica o aluno Gi/K:
Ai eu querer assim, porque eu não falto na escola, eu to direto aqui na
escola, eu gosto muito dessa escola [...] porque na minha aldeia, difícil e
estudar lá por que não ensino médio [...] aqui tem escola [...] no primeiro
ano, segundo, terceiro ano por ai [...]
Diante das considerações feitas sobre o processo de escolarização na Reserva
Indígena Francisco Horta Barbosa, este estudo se propõe, no próximo capítulo, aapresentar
e comentar os dados coletados para compreender como foi construído o sentido da escola
para os estudantes indígenas do ensino médio, dentro da sua trajetória social e cultura
pessoal construída ao longo da história de vida.
73
CAPITULO IV
O SENTIDO DA ESCOLA PARA OS ESTUDANTES INDÍGENAS DO ENSINO
MÉDIO
Em se tratando da diferença étnica, cultural e lingüística, este estudo propõe
compreender a construção do sentido da escola para os estudantes indígenas do ensino
médio no seu mundo subjetivo, da consciência, da intuição e dos valores percebidos
através da descrição da trajetória social e da cultura pessoal no contexto de suas histórias
de vida (VIEIRA, 1999a).
A coleta de informações foi feita por meio de entrevistas e de relatos de
histórias de vida, como foi construído o sentido da escola para os estudantes indígenas do
Ensino Médio, considerando a sua história de vida a partir das relações de contato e das
relações estabelecidas com o entorno.
Em um primeiro momento, tendo como objetivo a pesquisa exploratória, foi
aplicado um questionário para todos os estudantes para mapear o universo de investigação:
74
idade, sexo, série, endereço, etnia. Posteriormente, foram realizadas as entrevistas com
26% dos 56 alunos matriculados.
Alguns critérios foram adotados para entrevistar os estudantes como: sexo,
etnia, estado civil e série.
As primeiras entrevistas aconteceram de modo aleatório, com os alunos que
estavam presentes na escola. Neste dia chovia muito e havia muitas ausências. Na
continuação das entrevistas, em outros momentos, procurei abordar os mesmos estudantes
entre um e outro que foram fazendo parte da investigação. Alguns estudantes se recusaram
a dar entrevistas (entendi como vergonha, medo de não saber responder e dúvidas sobre o
que eu faria depois com suas falas).
Por último, buscando contemplar o objetivo deste estudo, foi coletada a história
de vida de quatro estudantes, entrevistados anteriormente, visando obter mais informações
que ajudassem a compreender a construção do sentido de escola em suas vidas.
As entrevistas foram gravadas com gravador digital. Percebi muitas vezes,
durante as conversas, que o gravador inibia os estudantes, fazendo com que pensassem no
quê e como falariam. Embora muitas vezes, também o gravador, causasse curiosidade.
Deve-se considerar que o gravador é um terceiro elemento a ser observado nas
interlocuções entre entrevistados e entrevistador, pois causa intimidade, curiosidade e/ou
resistência.
Durante o período de estudo de campo muitas perguntas organizadas “a priori”
deixaram de fazer sentido, outras se fizeram necessárias ao longo do processo. Como diz
Alves (2002, p. 23) “[...] É preciso criar uma nova organização de pensamento e novos
processos a partir daquelas lógicas, e mesmo não lógicas, perguntando até se são ou não
precisam ser lógicas”.
75
Um outro elemento a ser considerado são as expressões, os gestos, a entonação
da voz, os sentimentos, que não são captados pelo gravador. Esses são elementos que dão
vivacidade às falas e que não podem ser transcritos no texto; no entanto, a leitura das falas
apresentadas no texto é enfatizada de acordo com o entendimento do leitor.
As transcrições foram feitas na íntegra, com algumas intervenções, como, por
exemplo, correções na grafia de algumas palavras, entendendo ser mais reveladora dos
discursos e do posicionamento dos entrevistados.
Foram entrevistadas, além dos estudantes, a Coordenadora Pedagógica e a
Diretora da Escola Guateka Marçal de Souza. Além das entrevistas gravadas e histórias de
vida, também foram registrados observações e conversas informais, não programadas, para
descrever o cotidiano dos estudantes.
4.1 O sentido da escola para os estudantes
Nos primeiros contatos com os estudantes, as observações apontaram para a
força dos discursos colonialistas sobre a construção de suas identidades. Ao mesmo tempo
em que acusam a força desse discurso em suas trajetórias, revelam a sua assimilação em
seus discursos (BAKHTIN, 1992). Reclamam de como são tratados perante a sociedade
não índia:
Ed/T
35
[...] o fato não de parecer com índio, mas de perguntar onde você mora
e falar, tipo, você mora na reserva indígena né, tipo isso, isso muda,
é o fato principal. (Grifos meus)
35
Será usado a inicial do nome do estudante, seguido da etnia a qual pertence. As letras G, K e T serão
usadas para representar as etnias. G: para Guarani, K para Kaiowá e T para Terena. Ed pertence à etnia
Terena. Solteiro. Estuda no 2º ano do Ensino Médio. Nasceu em 25/04/1989. Sexo: M.
76
Na fala do estudante pode-se perceber que a força desse discurso está
relacionada ao lugar em que ele se encontra, principalmente no diz respeito ao que o outro
pensa sobre ele.
Segundo Vietta (2001):
[...] o problema não está propriamente em ser diferente, mas está na
forma como isto é coletivamente compreendido e vivenciado, ou seja, na
maneira como interagimos com a diferença. Habitualmente ela toma um
caráter dicotômico: o certo e o errado; o que facilmente é transformado
em hierarquia: o diferente está aquém do modelo constituído e é visto
como algo menor, digno de pena, ou algo ameaçador e que deve ser
afastado.
As experiências e o contato que tiveram ao estudar em escolas da cidade
demonstraram o quanto ainda são discriminados pelo fato de serem índios e/ou morarem
na aldeia.
A fala do estudante Sd
36
retrata como são vistos na sociedade não-índia e
também como se manifestam a esse tipo de comportamento:
Sd/T
[...] por que eles consideram o índio uma pessoa silvícola . E uma
pessoa selvagem que vêem pra pessoas assim. Então as pessoas se
consideram índio aqui por causa que o pai é índio, a mãe é índia. Se
dependesse da cultura acho que não tem ninguém mais índio aqui
dentro. Então pra ter uma identidade mesmo, mas a maioria ta
tirando identidade do branco. Eu tenho as duas. (Grifos meus)
O sentido que os estudantes estabelecem à escola se constrói a partir de um
“estereótipo” atribuído ao índio como inferior. Persiste a idéia, ainda, de que precisam se
integrar/assimilar à sociedade não índia.
Conforme Bhabha (1998, p. 116) “[...] O fetiche ou estereótipo acesso a
uma “identidade” baseada tanto na dominação e no prazer quanto na ansiedade e na defesa,
pois é uma forma de crença múltipla e contraditória em seu reconhecimento da diferença e
da recusa da mesma”.
36
Sd pertence à etnia Terena. Solteiro. Estuda no 2º ano do Ensino Médio. Nasceu em 25/05/1989. S: M.
77
Na atualidade, nessa aldeia, uma grande quantidade de “mestiços”
37
: são
filhos de Terena com Guarani, Guarani com Kaiowá, Kaiowá com Terena, de não-índios
com as respectivas etnias citadas.
Sobre a complexidade dessa questão, Gruzinski (2001, p.42) explica que:
[...] a mistura dos seres humanos e dos imaginários é chamada de
mestiçagem, sem que saiba exatamente o que o termo engloba, e sem que
nos interroguemos sobre as dinâmicas que ele designa. Misturar, mesclar,
almagamar, cruzar, interpretar, superpor, justapor, interpor, imbricar,
colar, fundir etc., são muitas as palavras que se aplicam à mestiçagem e
afogam sob uma profusão de vocábulos e imprecisão das descrições e a
indefinição do pensamento.
Em uma ocasião uma estudante que se considera Terena, diz que é neta de
baiano, tem e Guarani e o pai Terena. Na conversa a estudante comenta que não são
mais tradicionais
38
. Perguntei a ela o que entendia por ser tradicional. A estudante
respondeu:
Gl/T
39
[...] indígena, indígena mesmo? Não. Já é misturado. Porque o vô do meu
pai era guarani, paraguai né. E da minha mãe baiano e a minha vó que era
terena. Ai nos já não somos mais índios né, já tá tudo misturado.
(Grifos meus)
Na seqüência, perguntei então, o que ela era e a estudante afirmou: “[...]
Terena... É a mistura que deixa a gente sem saber que lado puxou mais, né”.
Entende-se, neste sentido, que uma identidade, seja ela individual ou coletiva, é
construída e ressignificada na interação com os grupos sociais, através de processos de
exclusão e inclusão, que compartilham certos valores que dão significado a vida que
pertencem. Lembrando Hall (2000, p. 104) a identidade “[...] é um desses conceitos que
operam “sob rasura”, no intervalo entre a invenção e a emergência [...]”. É [...] “fundada na
fantasia, na projeção e idealização (2000, p. 106)”.
37
A palavra “mestiço” é usada pela comunidade para identificar filhos originários de duas etnias.
38
A palavra “tradicional” é usada pela comunidade para dizer que praticam a língua, danças, etc. Caso
contrário, eles dizem que não são tradicionais, embora morem na aldeia, vivenciem o cotidiano e mantenham
formas específicas da alimentação, de religiosidade...
39
Gl pertence à etnia Terena. Solteira. Estuda no 2º ano do Ensino Médio. Nasceu em 28/10/1985. Sexo: F.
78
Etnicamente a estudante se afirma como Terena, apesar de se ver como uma
mestiça, por isso não é tradicional, no sentido de ser pura e essencialista ou de manter os
costumes e valores da etnia.
Neste caso, pode-se dizer que uma identidade multirreferencializada,
conseqüência dos contatos interétnicos nos espaços de fronteiras. Segundo Poutgnat (1998,
p. 188):
[...] as fronteiras étnicas persistem apesar do fluxo de pessoas que as
atravessam. [...] Mas acarretam processos sociais de exclusão e de
incorporação pelos quais categorias discretas são mantidas, apesar das
transformações na participação e na pertença no decorrer de histórias de
vidas individuais.
Isso ocorre nesta região, geralmente com os Terena, pelo fato das pessoas
dizerem que “vocês não são mais índios”, principalmente quando comparados às outras
etnias presentes na aldeia (Kaiowá e Guarani) que mantêm padrões culturais diferenciados,
talvez mais visíveis aos olhos da sociedade não índia.
A respeito dessas falas, pode-se entender que o “indígena” é visto como um
estereótipo. Por um lado, o estereótipo que o “outro” (não-índio) faz do índio e por outro
lado o estereótipo que o indígena faz de si mesmo, como se pode perceber na fala do
estudante Ed, quando ele fala sobre a escola:
Ed/T
[...] ter um futuro para mim porque além de ser índio né, tem que ... se ...
que índio também é capaz de estudar de ter um futuro, ter um
emprego né, é isso que eu acho. [...] Além de ser índio, por que tipo
você chega na cidade sofre por discriminação, preconceito. (Grifos
meus)
Nas interpretações das falas dos estudantes do ensino médio, nota-se que a
escola é a possibilidade para ser como o Outro. É o que o permite combater o estereótipo
que ele criou de si mesmo em função de discursos coloniais de ser inferior, incapaz, como
mostra a fala do estudante “que índio também é capaz de estudar e ter um futuro”.
Para Bhabha (1998, p. 110) o estereótipo:
79
[...] é um modo de representação complexo, ambivalente e contraditório,
ansioso na mesma proporção que é afirmativo, exigindo não apenas que
ampliemos nossos objetivos críticos e políticos mas que mudemos o
próprio objeto de análise.
Esse discurso também parece ser de querer assemelhar-se com o “outro”, de
esforçar-se para ser como o “outro ocidental”. Na fala do estudante que “índio também é
capaz de estudar, de ter um futuro”, é possível perceber segundo Skliar (2003, p. 99) que:
A perda do mapa da mesmidade é, sobretudo, a perda da cópia de uma
espacialidade habitual: a mesmidade ocupando o centro, correndo por
suas fronteiras cada vez mais para fora e concentrando tudo e todos na
periferia, nas bordas, naquilo que se supõe ser marginal, ser excluído, ser
expulso. E a periferia, as bordas, o marginal, o excluído, cuja única
razão de sua existência deveria ser esforçar-se para entrar, para
estar incluído, para estar no centro, para ocupá-lo e assim ser,
finalmente, como os demais (Grifos meus).
A escola neste contexto pode ser entendida como um espaço de relações de
poder. Para Brand (s/d, p.06) o papel da escola é um “[...] espaço polifônico, onde se cruza
as expectativas e os interesses múltiplos e por vezes contraditórios, vivenciado pela
comunidade indígena”.
Em muitos casos, a escola que freqüentam, torna-se um “estereótipo” de escola
indígena, onde os conteúdos curriculares ou a sua estrutura diferenciada
40
, ao invés de
reforçar os valores e a identidade da comunidade indígena, acabam ocasionando
desconforto e desigualdade por não se adequar ao contexto dos estudantes indígenas.
Neste sentido, alguns estudantes falam que gostariam que a escola fosse
diferente, como qualquer outro modelo clássico de escola (qualidade na estrutura).
Conforme a fala do estudante:
Sd/T
[...] gostaria que ela tivesse uma estrutura melhor porque, tem dias assim
como ta ventando como hoje, fica difícil de estudar né. Você não pode
abrir o caderno que suja, você não pode vim com uma roupa limpa
40
Conforme o Plano Estadual de Educação (2004) assegura no art. 11 até o final da década ‘[“...] a
construção das escolas indígenas contemplando o projeto arquitetônico específico de cada etnia”. No entanto
percebe-se que esses modelos, pensados para comunidades indígenas, não garante a qualidade do ensino,
muito menos a preservação da identidade cultural dos povos indígenas, principalmente quando não tem uma
estrutura com qualidade que não passe vento, chuva, poeira.
80
porque suja, você pode até limpar, até passar um pano mas quando você
sai o vento traz a poeira a mesma coisa, tudo de novo. Bom então eu
gostaria que ela tivesse mais estrutura né, uma água, banheiro, essas
coisas que a gente... lanche, que a gente tem que ta indo na outra
escola aqui do lado buscando. (Grifos meus)
A coordenadora da escola explica o porquê da reclamação dos alunos:
Co
[...] o que eles reclamam, todos, é porque todas as escolas da cidade são
bonitas e a deles é feia? Porque isso aqui é um descaso com eles, num
ponto eu acredito que eles têm razão, porque na época do poeirão não
tem condição. A Santa [Faxineira] chega, faxina tudo, porque depois que
nós passamos a ter a Santa a nossa escola melhorou, a gente vive assim
limpa, porque antes dela isso aqui era uma vergonha, um lixo. Ela chega,
limpa tudo, daqui a pouquinho ta tudo sujo de novo. Então eles se sentem
desvalorizados, porque a gente vem para uma escola suja desse jeito.
Uma outra coisa, tem muito, tem a falta da água aqui é um problema
seriíssimo, não tem banheiro. Na nossa escola não tem banheiro, não
temos água, olha as que têm são esses filtros ai, mas não tem água para
eles lavarem as mãos, não tem banheiro. Essa escola aqui do lado desde
junho que está sem água, então quando quatro e meia, três horas, todo
mundo vai embora. Difícil manter, tem dias que não tem condições,
quando ta calor demais, como que nós vamos segurar eles aqui sem
banheiro e sem água pra tomar. Então isso ai é uma outra coisa que é
muito difícil pra eles né.
O prédio da escola é construído de pau-a-pique
41
, sem tapamentos das frestas
entre as madeiras, com três salas de aula e uma sala pequena para coordenação e direção.
Figura 5 – Foto da Escola Estadual de Ensino Médio Intercultural Guateka – Marçal de Souza
Foto: Daniel Barbosa
41
A escola foi construída com recursos do FUNDESCOLA. A opção pela estrutura da escola foi feita pela
comunidade.
81
Os banheiros, a merenda e a água são utilizados da Extensão Francisco
Hibiapina que fica ao lado, mais ou menos a 10 metros de distância, da EE Ensino Médio
Intercultural Guateka – Marçal de Souza.
A estrutura da escola é vista como inferior pelos estudantes, por não seguir um
modelo padrão de escola, ou seja, uma construção de alvenaria, embora o modelo
arquitetônico da escola com toras de eucalipto tratado e cobertura de sapé, na época, foi
opção da comunidade indígena.
Vejo neste caso que, quando a construção é feita pelas “mãos” da comunidade,
é atribuído um valor significativo, seja qual for o modelo e o material utilizado, ao
contrário de um modelo pronto, idealizado de escola para comunidades indígenas.
Pensar o sentido da escola, para os estudantes indígenas, no contexto da escola,
exige compreender como os significados e os sentimentos são produzidos, tendo em vista a
sua relação com a comunidade, o contato, o entorno e a interpretação que fazem da escola.
Para Gl/T a escola é:
[...] é onde a gente aprende as coisas que a gente não aprende em casa né,
a gente aprende a maioria na escola e ... também é uma base pra gente
entrar na faculdade né.
Quando a gente tira nota baixa uma vontade de parar de estudar, você
pensa em desistir, mais ... agora eu fui perceber assim que quando a
gente desiste é um ano a menos que a gente aprende ... então agora o que
eu quero é só estudar.
A escola [...] assim é a base da educação né [...] ela tenta passar pra gente
o que os pais não passou né [...] e o que a gente não sabia a gente aprende
na escola e assim pra comunidade indígena é um privilégio ter uma
escola assim, por que muitos alunos desistiu por causa da distancia né,
por não ter transporte pra levar pra cidade, então isso aqui, essa escola
ajudou bastante [...].
Um estudante diz que quer escola para:
Gi/K
[...] Assim, pra ajuda, quando termina faculdade né, tem emprego e ajuda
com qualquer coisa, tirar... aluga casa, comprar carro pra ele, ai cria
filhos, fica bom, fica de boa ai. Ai isso mesmo, trabalho emprego pra
ele.
82
Percebe-se, nas falas, que o sentido da escola para os estudantes está
relacionado à garantia de ser alguém na vida, tendo emprego e status dentro da aldeia. Isso
se deve, talvez, por ver amigos, pais, parentes, que, através da “escola”, tenham obtido um
emprego como professor, agente de saúde, auxiliar de enfermagem, e, com isso, mantêm
uma forma de vida diferenciada da dos demais, como, por exemplo, casa boa
42
, carro,
celular, roupas boas...
Diante das condições econômicas desfavoráveis, os estudantes vêem na escola
a possibilidade de ter uma vida melhor e conquistar aquilo que desejam.
Outra estudante indígena Cl/T
43
, diz que “[...] mesmo sendo indígena eu
também preciso da... da escola pra pode entrar no mercado de trabalho”.
Ao contrário, como em outros casos, fica também a imagem dos que não tem
estudo, ou seja, os que não passaram pela escola são os que trabalham em usinas de
álcool, o que é muito presente na vida dos índios do estado do Mato Grosso do Sul, fazer
“bicos”, trabalhar em fazendas, coletar feijão... E isso, os estudantes dizem que não querem
para eles.
Isso é possível perceber na fala de uma estudante que tem parentes que
estudaram e diante disso mantém um padrão de vida diferenciado:
Io
/ G
44
Bom meu primo é enfermeiro né. Pelo jeito que eu vejo ele vive bem né,
assim ganhando. Que nem pra mim, faze um curso, pra mim ser
professora aqui dentro, eu não vou conseguir porque eu não falo a língua.
Ai assim pra mim ficou mais fácil fazer de auxiliar de enfermagem
mesmo que nem eu te falei.
Na família da estudante El/G
45
, ela é a única que estuda e os irmãos não
conseguiram terminar os estudos, relata que:
42
Casa boa apresentada aqui no texto pelos estudantes indígenas como uma casa de alvenaria, que ele possa
forrar; uma casa diferente da estrutura tradicional indígena.
43
Cl pertence à etnia Terena. Casada. Estuda no 3º ano do Ensino Médio. Nasceu em 13/11/1985. Sexo: F.
44
Io pertence à etnia Guarani. Solteira. Estuda no 2º ano do Ensino Médio. Nasceu em 14/04/1988. Sexo: F.
83
[...] Eles falaram que a escola não daria valor, ai eu falei pra eles não tem
dessa, a escola mais valor do que vocês trabalhar assim no sol. A
escola um curso que vai ser, que vai te ajudar. A escola é pra isso.
(Grifos meus)
Nos depoimentos observa-se que o sentido da escola, em muitos casos, centra-
se em ser um espaço onde a educação é vista como uma necessidade de subsistência, em
que buscam perspectivas de melhoria de vida, ou seja, querem ou entendem que a escola é
uma oportunidade diferente em suas vidas.
Neste sentido Si / G
46
, fala que a escola é:
[...] pra mim subi mais né. Assim nos estudos né, porque é só eu e o meu
irmão mais velho né. Porque a gente dando assim... um passo mais a
frente né. É só eu e o meu irmão da família inteira que a gente ta mais pra
frente.
A escola é um local privilegiado pela comunidade. Quem tem estudo “está à
frente”. A possibilidade para conseguir melhorar de vida, de ter um emprego, cursar uma
faculdade.
Segundo a coordenadora da escola:
[...] eles vêem na escola uma escada, um degrau pra eles arrumarem
um trabalho melhor e eles não passarem necessidade, não passarem
fome, não passarem frio, sabe? Então muitos querem ser professor
porque aqui dentro os professores têm uma vida diferente, porque o
professor se veste melhor, muitos têm carro, quase todos tem moto, um
ou outro tem bicicleta, mas a maioria tem carro ou moto. E eles têm um
bom salário, então os alunos me dizem quero ser igual, eu quero ser
“professor”. Ontem mesmo teve um que veio aqui e falou assim pra mim:
“- daqui quatro anos eu venho pra dar aula aqui”. Ele se formou aqui no
Ensino Médio, e ele quer ser professor. Eles pensam: “eu vou comprar
uma moto”. Pensam assim, então o que eles passam assim pra gente é
que a escola é um meio deles progredir. (Grifos meus)
[...] não sei se são os pais, família ou se eles se espelham nesses que
estão ai no mercado de trabalho. Nunca eu atentei pra perguntar, pra
conversar com eles a respeito disso.
Nas falas dos estudantes, a seguir, pode-se perceber que esta visão sobre a
escola como um lugar onde vai ajudar a arrumar um emprego, é influenciada pelos pais,
desde pequenos:
45
El pertence à etnia Guarani. Solteira. Estuda no 3º ano do Ensino Médio. Nasceu em 22/11/1988. Sexo: F.
46
Si pertence à etnia Guarani. Solteira. Estuda no 1º ano do Ensino Médio. Nasceu em 19/05/1989. Sexo:F.
84
Gs/G
47
Porque os pais da gente fala: vocês tem que estudar, estudar para ter um
emprego bom, não sei o que, e ficar trabalhando na sombra e tal. Mas
acho que não para por ai né, mesmo com emprego a gente continua
estudando, mas eu acho que nunca para.
Ja
/ K
48
A minha mãe fala que ela não quer o futuro que ela teve, assim passar
pela situação que ela passou né. Ela quer um futuro melhor. [...] Ah, ela
fala assim que quando ela era mais nova não tinha ônibus, a escola muito
longe. A aldeia era mato e era perigoso para ela ir para escola. Era
muito difícil a vida deles.
Para um estudante kaiowá:
Gi/K
49
Eu pensei cada dia meu futuro ... eu moro na aldeia Jaguapirú e a minha
mãe mora no Pananbizinho né. Ai eu pensei só meu futuro, vim na
escola, estuda né. Sempre eu ajudo o professor também. Eu fico assim,
ajuda com palavra guarani e também daqui da reserva cheio de
provocação de estudante. Queria tirar eu daqui da aldeia.
[...] eu sempre pensei meu futuro direto, de conseguir uma faculdade
algum dia. Até agora eu deixei minha mãe e meu pai, deu muito
conselho pra mim. Ai quando pessoa tem quatorze ano, quinze ano
casou já, na aldeia Panambi, e ... eu estou agora com dezenove anos e
eu sou jovem ainda para isso, eu tenho muita coisa meu futuro. Eu
estudava no Panambi, eu estudava a noite... da supletivo, quando chove
eu fui na escola direto ... e molhava todo meu material, eu tinha terra e
meu pai ... Capitão Valdomiro ele, é tiraram a terra meu pai, e ai material
todo molhado, meu lápis tudo sumiu, material, e hoje eu penso meu
futuro agora mesmo. Eu lembrei tudo palavra minha pai minha mãe,
eu que um dia nos vai ficar um dia de boa por ai ...( grifos meus).
Ai eu estudava na aldeia pra meu pai, deixou pra estuda, dfalou pode
estudar, você vai conseguir seu futuro daí. Ai eu consegui até agora, ai
meu pai fala pra mim quando vai na escola sem merenda, sem comida, eu
não importo nada, porque você vai estudar para estudar, estuda
mesmo, porque pessoa só estuda mesmo. Eu pensei palavra meu pai,
minha mãe por ai, até agora mesmo.
A expressão do estudante “ter um futuro” diz respeito a ter um trabalho
assalariado e não braçal. A preocupação do futuro parece ser individual, não inclui um
projeto de melhoria da comunidade ou vida de seu povo. A escola aparece, nos discursos,
como um caminho de possibilidades, para alcançarem o que querem.
47
Gs pertence à etnia Guarani. Casada. Estuda no 3º ano do Ensino Médio. Nasceu em 31/08/1987. Sexo: F
48
Ja pertence à etnia Kaiowá. Solteira. Estuda no 2º ano do Ensino Médio. Nasceu em 08/02/1990. Sexo: F.
49
Gi pertence à etnia kaiowá. Solteiro. Estuda no 3º ano do Ensino Médio. Nasceu em 01/05/1986. Sexo: M.
85
Na seqüência o estudante diz que vem à escola para “ficar de boa por aí”.
Questionei o estudante Gi/K o que é “ficar de boa”:
Ficar um dia de boa para terminar meu estudo, minha faculdade. E tem
um monte, biologia que eu o sabe, fazer vestibular o ano que vem, eu
falei mais pra frente eu estudar, que o mais menor da ... Eu falei com meu
tio pra ele colocar a filha dele na escola, melhor estudar, quem o
estuda não tem emprego, quem estuda pessoa, tem emprego, eu
pensei sobre meu caminho, meu futuro ... (Grifos meus)
O estudante Gi/K fala muito em “conselho”. O conselho faz parte da pedagogia
indígena. É um tipo de conversa que os pais têm com os filhos. Os estudos de Pereira
(1999, p. 344) em Imagens Kaiowá do sistema social e seu entorno, explica que:
O conselho assume o papel central no processo de reprodução dos
valores e costumes de geração em geração, é o conselho bom que
mobiliza as disposições favoráveis à convivência saudável, mas estas
disposições são, ao mesmo tempo, estéticas, pois viver bem é viver de
maneira bela e, por isso, o conselho bom é, ao mesmo tempo, bonito.
É através do conselho que os mais novos aprendem com os mais velhos os
ensinamentos indígenas. Pode-se dizer que o conselho é uma orientação para a vida.
Seguindo a explicação do estudante o “conselho” é:
Gi / K
É assim, pra respeitar mais velho, respeitar professor. Para presta atenção
na aula, respeitá também secretaria de educação, tudo pessoa velha. E pra
ajuda... um dia vai ter casa boas da escola... um dia vai ter salário...
faculdade e agora vai... meu pai cada dia me ajudo... compro material,
caneta, lápis e daí falou você vai consegui, se Deus quisé você vai
consegui esse estudo.
Neste sentido, explica Pereira (1999, p. 344) que “[...] A ausência de conselhos
implica a perda da família, as pessoas se perdem, se dispersam; o conselho bom promove o
levantamento das pessoas e dos grupos nos quais elas se incluem e atuam socialmente
enquanto pessoas plenas, segundo a concepção kaiowá”.
Uma pauta presente na fala dos estudantes diz respeito à língua indígena, que é
uma questão conflitiva e tensional na escola. Entende-se, em alguns casos, que a língua
86
indígena também é vista como um “entrave” para os estudantes indígenas. É inferiorizada,
principalmente por não ser valorizada na sociedade não índia.
Cria-se no imaginário que a escola é o lugar onde eles aprenderão conteúdos e
a falar bem o português para serem integrados aos não índios, ou seja, ser como o “outro”
é. Os estudantes querem uma escola que dê, a eles, condições para competir no mercado de
trabalho, passar no vestibular, escrever bem o português...
Nesta questão da língua indígena, é possível perceber a ambivalência dos
discursos dos estudantes indígenas em que a língua é desvalorizada por não ser prestigiada
na sociedade não índia e, ao mesmo tempo, está sendo valorizada, por ser requisito para
concursos e cursos de formação específicos em áreas indígenas.
Na grade curricular da escola constam duas disciplinas: língua Terena e língua
Guarani. Os alunos dizem que hoje está sendo bom porque os concursos voltados para as
populações indígenas em Mato Grosso do Sul pedem a língua materna (indígena), exceto
para os Terena que não falam mais a língua, lembrando que isso ocorre na região de
Dourados, onde a grande maioria dos Terena não falam mais a língua indígena
50
.
Para o estudante:
Ed/T
[...] primeiro lugar a estrutura e algumas matérias que eu sou meio contra
assim. Tipo, não é porque eu sou índio, mas tem língua terena, língua
guarani que a gente estuda né, aqui, eles falam que a gente vai precisa
sim. Eu sou contra isso. [...] porque a gente estuda aqui, e a gente vai
pra cidade é muito diferente, é bem diferente, é mais puxado. (Grifos
meus)
Na fala abaixo, a estudante fala sobre a importância de conhecer sua cultura,
mas que, em muitos casos, como, por exemplo, vestibular e concursos, os conhecimentos
tradicionais não são enfocados e valorizados:
50
Os Povos Terenas localizados na Região do Pantanal, com exceção da Terra Indígena Buriti, preservam a
língua materna (Aruak).
87
Cl / T
A escola indígena, assim a importância da nossa cultura (não entendível)
também buscar a diferença entre a cultura e como usar as duas né, saber
diferenciar uma da outra.
É assim porque, é por exemplo, eu acho que assim, tem que valorizar a
cultura sim, só que ... lá fora eles não vão pedir isso pra gente. Na
faculdade não vai estar na língua nossa, não vai estar pedindo isso,
pedindo aquilo. E s temos uma aula lá, de Terena, por exemplo, ela é
... a gente quase não tem ... porque o professor quase não vai ... então eu
acho que tem que colocar outra coisa no lugar daquilo. (Grifos meus)
Albuquerque (1999, p.3) ressalta que ainda “[...] É tão forte a idéia da excelência do
conhecimento ocidental, que ela exerce uma espécie de fascínio mesmo entre os índios, em
detrimento dos próprios conhecimentos”.
Para a estudante Gs/G, que não sabe falar a língua guarani, o ensino na escola “[...]
vai... eu acho que a língua Guarani vai ajudar eu me identificar com outras pessoas”. Mas
lembra que é muito difícil aprender a falar a língua indígena:
Meu pai me ensinou várias vezes, mas eu não consigo pegar sabe?[...]
a minha mãe quis que ele ensinasse, que ele não quis que nós
aprendesse por causa que depois que nós crescesse, sabe assim não íamos
falar direito sabe, e eu ... é ... como posso dizer ... falar as coisas tudo
errada, por exemplo, chamar a mãe, a minha mãe, de por exemplo a mãe
dela, meu pai de ela, minha mãe de ele, porque tem muitas crianças que
cresce falando a língua, depois fala o português tudo errado, que eu
acho que ele não devia ter feito isso, devia ter ensinado a gente falar o
português, o guarani. Eu acho muito importante, porque agora mesmo né,
apareceu uns cursos né, daí eu pretendia fazer, que daí eu acho que
não vou conseguir porque, por causa que a gente vai ter que fazer um
texto na língua da gente né e só os Terena que não vão fazer esse texto na
língua deles né, vão fazer em português e eu queria saber porque os
Terena pode fazer na ngua portuguesa e os Guarani/Kaiowá na língua
deles, sendo que eles também falam a língua né.
[...] tem vários cursos que aparece aqui na aldeia e ... eu assim sou bem
difícil de aprender a língua sabe porque ... se meu pai me ensinasse desde
pequena eu acho que eu, eu falaria. que agora, assim depois de
grande, assim, eu sou bem difícil de poder pegar, de poder aprender a
língua.
A busca e o interesse pela língua indígena não parece estar relacionada com a
construção da identidade indígena, mas sim aos concursos específicos que exigem o
domínio da língua indígena.
88
Alguns estudantes acham que a língua indígena na escola é desnecessária, pois
“não vão aprender nada mesmo”. Justificam que a língua deveria ter sido ensinada em casa
pelos pais...
Hoje, entende-se que a escola na aldeia está situada entre duas culturas
distintas, em constante conflito, com conceitos, valores e princípios de vida diferentes.
Conforme o estudante:
Ed/T
[... ] que nem aqui a gente tem aulas de Guarani e de Terena né, e eu, na
minha opinião eu não apoio isso, porque eu acho que as vezes tira de uma
matéria que é de importância pra colocar outra, porque na minha opinião
não é importante, porque eu acho que esse negócio de... que um monte de
gente fala: mantê a cultura, mantê a cultura, eu acho que mantê a
cultura... mas acho que mantê a cultura vai deixar o índio preso,
porque o... pra você estudar aqui, depois você sair pra fora vonão
vai quase precisa da língua terena e da guarani que é mais falada
aqui, você vai ter que saber um pouco de biologia, sociologia, essas
coisas. E aqui, acho que eles deixa um pouquinho de lado essas matérias,
que eu acho pra mim é importante. pra mim não é importante esse
negócio de, que nem aqui, quando eles falam né, eu debato direto neles
com esse negócio de que eles fizeram nessa escola pra manter a cultura,
ai eu digo direto: Olha o que quê aconteceu com esse negócio de manter
a cultura, hoje a gente ta passando mal no vento, mal na chuva, tá. E é
isso que eu falo. [...] eu gostaria que fosse as mesmas matérias, tá, as
mesmas coisas, um professor pra determinada matéria, por que aqui a
gente tem um professor pra três matérias, certo. Então eu gostaria que
fosse assim, porque confunde muito a cabeça da gente um professor pra
três matérias, até. Uma hora ele entra... eu acho que o psicológico da
gente fica meio bagunçado. (Grifos meus)
A questão da língua indígena dentro da Reserva é muito complexa. Enquanto
uns não aprenderam em casa porque os pais são pertencentes a etnias diferentes e, por
conta disso, não falam a língua indígena, ou mesmo porque não foi ensinado para se evitar
os erros de português, outros, onde a língua é preservada pela família, busca-se aprender o
português para lidar com o entorno regional, como prossegue na fala do estudante:
Gi/K
[...] tenho vontade de aprender o português. [...] eu aprendi mesmo na
cidade onde eu estudava ai eu aprendi português, agora eu estudei outra
disciplina e ai eu aprendi português, mais ou menos por ai. [...] porque
aula de português, tem dificuldade de aula de português. Pra mim
aprende mais por ai [ ...]
89
Diante das políticas de homogeneização a língua é um dos processos de
comunicação que pode perder seu valor cultural enquanto língua materna de um grupo, em
específico quando esse grupo faz parte de uma cultura diferenciada.
A construção do sentido da escola passa por aquilo que é considerado como
inferior, como a não valorização da língua indígena, costumes tradicionais, rezas, danças.
Na maioria das vezes entende-se, na fala dos estudantes, que não precisam dos
conhecimentos tradicionais porque não são valorizados na sociedade não índia.
No caso da estudante que fala a língua:
Ci/G
51
[...] (Não entendível) por que eu já sei falar na minha língua, sou Kaiowá
e falo a minha língua, eu falo e escrevo. Eu acho que fora, quando a
gente for fazer vestibular não cai esse tipo de coisa né.
Quando os estudantes falam sobre o sentido da escola, trazem em suas falas a
questão do casamento:
El / G
52
A escola é melhor importante pra minha vida né. Eu nunca pensei em
desistir da aula. Eu nunca pensei assim, quando eu estudo, eu nunca
pensei em casar, a maioria pra mim é essa escola né. (Grifos meus)
Gi/K
na aldeia Panambizinho tudo tem quinze ano, tudo caso já... Depois
arrependeu pra não estudar, não mais pra estuda né. Eu pensei meu pai e
minha mãe, deu muito conselho pra mim. Eu vou segui meu futuro por
ai...
Na verdade eu pensei assim... tudo futuro... do pessoas assim de futuro de
mulher, de homem, de criança. Eu pensei assim menina de quatorze ano
que sofre muito, porque ele não estuda... depois arrepende ... por que
pessoa casa também da Aldeia Panambizinho assim, foi sem futuro
sem nada assim casa, ai depois arrepende e sofre muito. Marido e
mulher sofre. (Grifos meus)
Em relação ao casamento, constata-se que, entre os indígenas, é muito comum
se casar muito cedo. Nas observações percebi que ser ou não casado não interfere em vir
51
Ci pertence à etnia Guarani. Casada. Estuda no 3º ano do Ensino Médio. Nasceu em 14/11/1987. S: F.
52
El pertence à etnia Guarani. Solteira. Estuda no 3º ano do Ensino Médio. Nasceu em 22/11/1988. S: F.
90
para escola. Um dado interessante observado algum tempo com os Guaranis, e agora
novamente com os estudantes do Ensino Médio, é que muitas vezes não percebemos se são
casados ou não. Eles mantêm um distanciamento muito grande entre o casal e somente
depois de algum tempo, por algum motivo, ficamos sabendo que são casados.
Segundo a coordenadora da escola, que veio confirmar essa realidade, no
terceiro ano quase todos são casados e ela veio saber agora. Identificam as pessoas casadas
quando têm filhos, porque justificam a falta à aula por conta dos filhos, por terem que levá-
los no médico, porque buscam leite etc, caso contrário, isso não é percebido. Na fala da
coordenadora muitos desistem de estudar quando casam.
Pode-se dizer que o sentido da escola para os estudantes é entendido como um
caminho que garante condições para uma vida melhor, um emprego onde ele não tenha que
trabalhar na roça, salário fixo... Pode-se dizer que esses são discursos tecidos em
comparação ao “lá fora”.
Como, por exemplo, a estudante que diz que o significado da escola é para
garantir um futuro:
Ci/K
Significa muitas coisas pra mim. Garantir o futuro da gente aqui na
aldeia.
[...] a gente que estuda .... a gente que mora aqui na aldeia, por causa que,
nós aqui da aldeia não tem muita oportunidade de estudar lá fora. fora
é muita coisa, não muita coisa... muita matéria, mas tem ... a gente tem
que comprar as coisas e lá(EE Guateka) não, lá a gente tem tudo de graça
e aqui a gente não tem como pagar ... (Grifos meus)
Diante do comentário, questionei a estudante que, se fosse diferente, ela
estudaria fora, a estudante respondeu: “[...] Não, eu preferia ficar aqui, porque aqui eu
estudei desde criança...”.
O que se pode observar é que o sentido da escola é construído em meio às
diferenças sociais e econômicas, visando uma melhora de vida, desejo de ser como o
Outro. Para Skliar (2003, p.102) esses discursos:
91
Causam obsessão à falta de lugares, os não-lugares, a insistência em um
aparente único espaço, a reunião ordenada daquilo que parece estar
disperso, a negação de outros espaços que não sejam os mesmos, que não
sejam a sistemática expansão do mesmo. (Grifos meus)
Em meio a esse quadro, o sentido da escola é explicado como:
El /G
[...] para estudar, para você se formar e muitas coisas pra mim a escola
[...] Melhorar de vida ... assim, conseguir um emprego, porque [...] É.
hoje em dia sem estudo você não arranja emprego.
Gi/K
Assim, pra ajuda, quando termina faculdade né, tem emprego e ajuda
com qualquer coisa, tirar... aluga casa, comprar carro pra ele, ai cria
filhos, fica bom, fica de boa ai. Ai isso memo, trabalho emprego pra
ele.
[...] Eu queria fazer o meu direito assim, quando meu pai tinha pequeno
ele foi lá no meu familiar e mato metade outro familiar, outro dia foi lá e
mato outro meu familiar ai ele foi e apoio tudo capitão né. Ai eu falei vou
tirar meu direito né, vou ajuda meu povo comigo, pra salva... Meu primo
daqui um mês, ta casado, e dois ano na cadeia, nem FUNAI, nem capitão,
nem liderança tira ele... ai eu pensei em tirar meu direito, porque quem
tem direito qualquer lugar você tira, fica sua família, seu familiar, tira
qualquer lugar, qualquer lugar você tira. Meu tio também falou você
ganha também salário e qualquer familiar seu ficando preso por ai você
tira ... direito do índio, do indígena.
A escola é importante pra mim ... pra aprende pra estuda, ler, passa
lição, passa direto... ai vai ter formatura para turma do terceiro ano... ai
começa faculdade ... Na faculdade eu quero meu direito, eu vou fazer o
vestibular primeiro, ai eu vou fazer direito pra salva todo Kaiowá,
Guarani e Terena também.
Nos discursos acima, entendemos como Simon (1995, p.68, Grifos do autor)
que:
O processo de escolarização está implicado na formação de regimes
discursivos que definem aquilo que conta como recurso material ou
social e, ao mesmo tempo, produzem, organizam e regulam idéias e
concepções sobre quais ações são possíveis e legítimas. Como tal, as
escolas constituem locais de política cultural, organizadas através de
modos de produção semiótica que empregam variadas tecnologias
culturais para representar, exibir e facilitar a medição de asserções de
conhecimento sobre o mundo e sobre nós mesmos/as.
Observa-se nos depoimentos dos estudantes que a escola é o lugar onde eles
depositam suas expectativas de futuro, ou seja, onde seus ideais poderão ser possíveis:
Ed / T
92
[...] tipo sem estudo hoje a gente não consegue nada né, tipo pra ser um
gari assim hoje em dia precisa de estudo.
[...] acho que nem todos falam, pra garantir um futuro... porque... sem o
estudo hoje é muito difícil você consegui as coisas. Até porque com o
avanço da tecnologia você pra consegui um trabalho de gari, vamos
supor, você tem que ter a oitava série. Se você não tiver a oitava série
você não consegue, então se você tem que ter a oitava série, então
imagina se você fosse querer prosseguir mais pra frente, mais... então
por isso acho que tem que estudar né, que a escola tem que... que a escola
garante um futuro.
Io / G
É porque hoje em dia a gente não arruma um emprego assim bom se a
gente não tem estudo né? Por isso é que eu acho muito importante. [...]
aqui dentro ... aqui dentro tem muito já, porque mais tarde aqui pode
sê que tenha vaga assim mas só que eles pega mais o que fala a língua né.
Eu sou guarani mas eu não consigo falar a língua, porque desde pequena
o pai não falou com nós . [...] Ele só falou o português e nós só
aprendia o português... [...]ele quer agora que nós aprende... ele não falou
porque não quis mesmo né, porque desde pequeno tem que ensinar pra
você aprende.
Ro / T
53
pra aprende mais... de arrumar um emprego mais ou menos fixo... sei
né, que dá pra gente ganhar bem. Acho que vai me ajuda bastante,
pra ajuda meus pais financeiramente, pra não trabalha no corte de
cana.
Va / G
54
Importância porque prepara a gente pra vida né. Prepara pra arranja um
emprego... bom, mais educação com os pais, com a família, entrar em
contato com o mundo também né. Prepara assim para uma vida melhor.
[...] meu irmão mesmo parou na quinta série e vai mais é pra usina agora.
E minha irmã parou porque ela casou. De vez em quando ela vinha
aqui a noite, mas dos filhos, e deu problema né, ficou doente. Ai ela
não veio mais.
[...] a minha mãe sempre briga comigo quando eu não quero vim na
escola. Ela fala pra mim: “- que não vai depender de mim, vai depender
de você mesmo”.Então eu sempre sigo o conselho dela de vim pra escola,
mas de vez em quando mesmo eu... eu não ligo muito pra ela, mas depois
eu paro penso, ai eu sempre venho. Que nem hoje mesmo eu não ia vim,
ai ela brigou comigo né, ai eu falei que ia na cidade com ela faze compra,
ai ela me falou: você me pede algumas coisas que eu traço pra você, ela
falou. Ai eu falei então tá. A minha irmã chegou da aula, da missão né, ai
falou se eu ia vim, eu falei que não né. Daí meu irmão chegou ai nós
conversamos um pouco e ai me deu na minha cabeça de vim na aula. Eu
peguei e vim, já cheguei uma hora e pouco.
53
Ro pertence a etnia Terena. Solteira. Estuda no 2º ano do Ensino Médio. Nasceu em 21/05/1987. Sexo: F.
54
Va pertence a etnia Guarani. Solteiro. Estuda no 1º ano do Ensino Médio. Nasceu em 21/08/1988. Sexo:M.
93
Os depoimentos acima identificam o sentido da escola para os estudantes
indígenas através dos seus projetos de futuro, dos pais, da cultura, do contato interétnico,
de ter um emprego e da perspectiva por melhores condições de vida.
O sentido da escola é produzido através de discursos colonialistas, onde se
considera o índio e a sua cultura como inferiores. Nota-se muito presente, ainda, a idéia de
ser como o “outro” (não índio), ter habilidades e conhecimentos ocidentais posto pelo
contexto histórico vivido.
Como diz Woodward (2000, p. 17) “[...] Os discursos e sistemas de
representações constroem os lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e
a partir dos quais podem falar”.
Os discursos são, muitas vezes, ambivalentes, frutos de tensões e conflitos
construídos ao longo de suas histórias de vida. As experiências de vida, o preconceito, a
necessidade de uma vida melhor, os conflitos interétnicos, fazem os estudantes indígenas
desejar “ser alguém” que não seja anulado pela sociedade não índia. Neste sentido, a escola
é a possibilidade de ser como o outro e visível aos olhos da sociedade não índia. O que
reforça a política integracionista da “escola para índios”.
4.2 História de Vida e a Escola
A opção por histórias de vida implica na compreensão do entendimento
individual do sujeito, dos posicionamentos e posições que este assume em relação à escola.
Neste item serão abordadas as histórias de vida de quatro estudantes indígenas
do Ensino Médio, à luz da sua própria perspectiva, buscando compreender, na sua
subjetividade, como foi construído o sentido da escola em suas vidas.
94
De acordo com Silva (2000, p. 55) a subjetividade:
[...] sugere a compreensão que temos sobre o nosso eu. [...] envolve
nossos sentimentos e pensamentos mais pessoais. [...] inclui dimensões
inconscientes do eu, o que implica a existência de contradições.
Para tanto, pode-se dizer que nas conversas mais espontâneas é que as
vivências e os sentimentos, aqui descritos, aparecem.
As histórias de vida apresentadas, neste estudo, relatam situações e
experiências distintas de como foi produzido o sentido da escola para estudantes indígenas
da mesma comunidade com diferenças sociais, políticas e econômicas.
As histórias de vida são apresentadas em forma de descrição, buscando não
interferir no texto. As análises são feitas depois das histórias de vida dos estudantes,
conforme referencial teórico-metodológico.
4.2.1 Estudante Gs/G
4.2.1.1 Percurso Biográfico
Gs pertence à etnia Kaiowá, mora na Aldeia Jaguapirú, como diz a estudante
“[...] nasci em casa e cresci aqui na Aldeia”. Gs tem vinte e um anos, é casada e não tem
filhos.
Atualmente mora na aldeia com o marido, estão terminando de construir a casa
de alvenaria. O quintal da casa é cercado, tem plantações de mandioca, milho e cana.
Segundo a estudante é ela e o marido que cuidam das plantações.
Iniciou seus estudos na Escola Municipal Tengatuí Maranguatú onde estudou
até a quarta série, depois foi para a Escola Municipal Francisco Meireles onde concluiu o
Ensino Fundamental.
95
Em 2003 começou a estudar na Escola Guateka e atualmente cursa o terceiro
ano do Ensino Médio e está se preparando para prestar o vestibular.
4.2.1.2. A infância
Sobre a sua infância a estudante fala que:
[...] não tem muitas recordações sabe. Eu acho que minha vida foi bem...
é... não foi tipo assim como eu queria. Mas eu ajudava minha mãe, meu
pai na roça. Eu não saia brincar com minhas amigas. [...] Meu pai não
deixava. Às vezes minha mãe deixava só que meu pai era muito chato.
[...] tipo assim, a única que não saia de casa era eu, porque as outras
crianças saia brincar. Se eu saia ele batia. Meu pai era mais ciumento,
minha mãe não. Ele não deixava... por isso que eu sai de casa.
O momento em que a estudante saiu de casa foi o momento em que ela se
casou. Se fosse diferente:
Se eu tivesse uma vida como os outros assim, tem de tudo... não. Porque
pro meu pai tem que trabalhar.
Trabalhava pra fora. Numa imobiliária... eu fazia curso... ai tipo assim eu
cansei.
Gs lembra de quando começou a estudar, morava longe e ela e o irmão mais
novo tinham que ir a pé:
Ah, pra mim foi um pouco difícil. Porque assim onde nós morava, era
mato né. Eu morava mais pro fundo, mas pra baixo. Ai eu fui
crescendo, pra estudar né, a estrada era mato, mato sabe. Ainda até
uma vez aconteceu comigo e com meu irmão. Acho que eu tinha uns seis
a sete anos e meu irmão uns cinco. E um homem seguiu a gente, eu era
mais esperta né. Daí nós vinha vindo pra escola. Daí ele veio e parou né,
pediu pra gente parar né, daí a gente parou. Eu tinha um colega grande
né, que aquele dia ele não foi na escola, ai ele parou e falou pra nós:
vocês não podem continuar pra frente por causa que tem policia lá, tão
trancando. que meu irmão ficou com medo ai nós fomos por outra
estradinha né. Naquela estradinha era um... tipo um... não era estrada,
era tipo um trieiro. Daí ele falou vocês vão ter que ir por aqui, daí nós foi
por ai. Daí ele veio atrás e parou de novo e falo assim... que tinha
mato pra e mato pra lá... e ele queria que a gente entrasse porque
tinha uma bolacha e não sei o quê. Eu fiquei meio assim né, aí meu irmão
grudo na bicicleta do homem, eu peguei e falei pro meu irmão assim:
Oh, eu vô conta até três aí nós saí correndo.
96
A minha mãe sempre falava comigo né: vai direto pra escola, não para
pra ninguém, se pará alguém é pra saí correndo... não é coisa boa.
Ai depois daquilo nunca mais fui pra escola sozinha. Toda vez que
chegava na escola meu pai que trazia. Levava e buscava. A gente morava
lá no fundo do lado da pedreira.
Desde pequena começou a aprender o trabalho de casa:
Ajudava a plantar rama, milho. Conforme fui crescendo cuidava da casa
também. Lavava roupa de todos, fazia comida, limpava casa.
Em 2003 começou a trabalhar em uma imobiliária na cidade, mas diz que teve
que sair do serviço para continuar estudando:
[...] eu trabalhei um ano numa imobiliária e pagava conta em banco,
saia pagar as coisas por aí, era um pouco difícil, eu tinha medo né, por
causa que assim, tinha medo de não fazer do jeito certo né... e ... se eu
pensasse bem eu podia estar trabalhando ainda .... que assim né,
atrapalhava no meu estudo também por causa que eu tinha que trabalhar
o dia inteiro e eu estudava a tarde, fazia o primeiro ano.
Foi uma tia minha que trabalhava como empregada doméstica né, até
hoje ela trabalhando ainda. Eu quis sempre arruma um serviço pra
ajuda em casa, ai um dia ela falô pra mim que tinha uma mulher
precisando né, pra trabalha e tal! Ai eu peguei e fui, ai a mulher gostou
de mim, ai eu trabalhava de doméstica, limpava, lavava. Ai depois eu
comecei a trabalha com a nora dela, que daí eu passei a trabalha numa
imobiliária, ai acho que trabalhei 1 ano e 2 meses, daí eu sai porque não
tava dando pra mim trabalha, eu ia de mane as vezes saia 2 horas.
Antes da Neide ser a diretora lá, eu chegava na escola 2 horas, 1 hora,
porque da outra né, eu conversava com ela e tal, ai eu tinha a minha
justificação.
Depois que Neide entro...
Depois que eu casei que eu sai, né. Depois que eu casei, comecei a chega
tarde no serviço... e ela não gostou, e começo a xaropné, eu não
gosto disso. Gosto assim que conversa comigo, ai eu peguei e sai né. Sai
assim por sai sabe, não conversei com ela, e ela não me pago nem nada.
[...] eu tirava minhas coisas em casa quando precisava, em quinze em
quinze dia pagava [...] era bom eu gostava do meu serviço, ai depois
que eu casei meu esposo não deixo eu trabalha e tal, ai eu sai.
Com o salário que recebia a estudante disse que:
Comprava as coisas pra casa. Quem trabalhava era eu, porque meu pai
não tinha emprego.
97
4.2.1.3. Os pais
Atualmente seu pai é guarda noturno na Escola Estadual Guateka e sua mãe
dona de casa:
Meu pai começou esse ano (2006). Antes ele trabalhava com artesanato,
ele mesmo fazia e saia pra vender.
Ao todo são oito irmãos, todos estudam com exceção de uma de quatro anos.
Gs é a mais velha e está terminando o ensino médio.
Os pais a colocaram na escola:
Acho que porque, assim, porque tem que ter uma vida melhor. Tem que
ter... assim como eles não tiveram oportunidade de trabalho, pra gente ter
oportunidade de trabalho. Eu acho que é isso.
Mas pro meus irmãos eles falam bastante, porque eu sempre visito minha
mãe. Eu tenho um irmão de dezessete anos, meu pai sempre fala para ele
dar valor no estudo. Que ele vai poder trabalhar pra fora...
Desde de pequena o pai e a mãe vem incentivando. A mãe falava que não
teve oportunidade de estuda [...] que não podia desperdiça, e cresci com
isso sabe, falando que tinha que estuda.
Meu pai sempre falava pra nos que tinha que estuda, porque um dia ia
precisa, agente não arranjava emprego se não tivesse um estudo bom, e
era aquelas coisera de pai...
4.2.1.4. A escola
Gs estudou na Escola Municipal Tengatuí Marangatú do pré até a série.
Depois, da a série, começou a estudar na Missão, na Escola Municipal Francisco
Meireles.
É, na Tengatuí foi um pouco difícil, acho que reprovei uns dois anos, ai
depois daqui nunca mais [...] porque daí tinha transporte, agente
mudou pra na beira do asfalto, e aqui é mais melhor ainda né, porque
fico mais perto ainda.
Quer escola por que:
98
[...] quero ter um futuro pra mim, e eu acho que assim, se eu não estudar
o que vai ser da minha vida mais pra frente. Com um estudo bom eu
vou pode arrumar um emprego melhor pra mim. (Grifos meus)
Em 2003 começou o Ensino Médio na Escola Estadual de Ensino Médio
Intercultural Guateka – Marçal de Souza.
Fiz o primeiro, o segundo e agora o terceiro. se eu saísse da escola
(hum) eu pensava em parar, que daí eu falei não, eu já to né, to
quase perto, daí eu tive que sair do serviço e continuar estudando. Eu até
achei que não ia passar de na... de série por causa que eu faltava bastante,
por causa que eu tava trabalhando e por causa que eu ficava trabalhando
até umas duas ou três horas por ai. Ai quando eu vinha já não dava tempo
de ir na escola. As vezes chegava cansada e as vezes eu ia até sem
almoçar para escola, mas ai. Eu acho que o estudo é muito
importante pra gente arrumar um emprego, um serviço bom, na
sombra, num ta esfregando chão essas coisas né, que até pra isso
tem que ter um estudo básico. (Grifos meus)
Em relação à escola diz que:
[...] pra mim eu acho que é importante por causa que fica mais fácil para
arrumar um emprego e ai a gente assim .. é ... porque agora emprego
ta difícil até pra quem tem estudo bom ... é ta difícil ...
Eu acho que a escola ali prepara. Eu acho que prepara assim, para mim
não falta nada porque eu acho que ta bem assim, ta bem... ta ensinando
bem, porque eles dão aula assim é falando como vai ser na frente,
conteúdo que vai cair pra frente, e eu acho que num, que pra mim ta
bom assim ...
[...] é diferente assim um pouco assim na ... nas nguas, sabe porque,
porque aqui a gente estuda mais assim, como eu vou dizer, como falar
com a pessoa e como se comunicar e tal, porque assim, se a gente sair pra
fora, pra longe né, ir para uma outra aldeia, por exemplo fazer uma
pesquisa né, porque tem muito da outra aldeia que não falam o português
né, ai eu acho que assim ... não é tão diferenciado assim ... que um
pouco ....
[...] eu acho que ... assim a nossa ... o ensino aqui da nossa escola pra
mim mesmo eu acho que é o mesmo da cidade né, porque por exemplo o
Vargas
55
né, eles estudam a língua também. É o que os meus colegas
que foram pra dizem, mas é, eu não sei porque eu nunca estudei né.
Eles falam
56
. Mas aqui na nossa escola, nós estuda, tem o Guarani e o
Terena, o Kaiowá, a questão indígena que também que fala sobre a nossa
comunidade, a comunidade dos brancos [...]
55
Escola Estadual Presidente Vargas. Esta escola está situada no Centro de Dourados, uma das maiores
escolas da cidade. Atende clientela de todos os bairros e do centro da cidade.
56
Segundo a Professora Neide Ferranti, diretora da Escola Estadual Intercultural de Ensino Médio Guateka –
Marçal de Souza, as aulas de Guarani são oferecidas para o público em geral, e não especificamente nos
conteúdos para os estudantes da escola.
99
Expectativa em relação à escola:
Eu pretendo continuar estudando porque eu acho que não para por ali,
você terminar o ensino médio e falar: ah! Já terminei, já tenho um estudo
completo e tal, eu acho que não é assim. Porque por mais que você
termine, tem um emprego, tem que continuar estudando né, porque que
nem eu falo pro meus irmãos né, e pra minha mãe e meu pai também, a
gente estuda, estuda, estuda tanto, arruma um emprego, mas a gente não
para de estudar, tem que continuar fazendo um, outras coisas, sabe. Eu
falo assim pro meu pai: a gente fica velhinho estudando mas não para de
estudar.
A estudante Gs cresceu num lar onde, desde pequena, teve que aprender os
afazeres domésticos.
Em sua fala observa-se certo tipo de “revolta”, pela vida que teve na infância,
por não ser como as outras crianças que saiam para brincar, por ter que trabalhar desde
pequena em casa e na roça.
Também fala das dificuldades que ela e o irmão tinham em chegar até escola,
por morarem longe. Mesmo assim os pais sempre a incentivaram a ir para escola.
O contato e a experiência no trabalho, onde começou como doméstica, fez com
que a estudante visse na escola uma possibilidade de arrumar um outro tipo de trabalho
como diz a estudante “[...] pra gente arrumar um emprego, um serviço bom, na sombra,
num ta lá esfregando chão, essas coisas [...]”.
O sentido da escola para a estudante vem sendo construído desde a infância,
pelos pais que querem que a filha tenha um trabalho garantido, “na sombra”, talvez uma
vida diferente do que eles tiveram. Na fala da estudante: “o que vai ser da minha vida sem
estudo”, é possível observar que o sentido da escola é atribuído a ter oportunidade de
emprego, onde ela possa garantir um futuro quecondições de ter melhores condições de
vida.
100
4.2.2 Estudante Cl/T
4.2.2.1 Percurso Biográfico
Cl nasceu em fazenda, pertence a etnia terena. Depois que a estudante nasceu,
seus pais vieram para a Aldeia:
Bom nasci, nasci mesmo na fazenda né. Meu pai e minha mãe morava na
fazenda né, só que daí depois eles vieram pra cá.
Eu nasci ai meu pai e minha mãe vieram pra cá. Ai minha mãe
ficava aqui com nós e meu pai voltava pra trabalhar na fazenda.
Ao todo são sete irmãos. É casada, tem um filho de três anos. Seu marido
trabalha na Avipal (Frigorífico), na cidade de Dourados.
Sua casa fica próxima ao asfalto (BR), em direção à escola.
Atualmente a estudante cursa o terceiro ano, pensa em fazer uma faculdade e se
formar.
4.2.2.2. A infância
A estudante lembra que na sua infância: “[...] Tomava banho de rio, jogava
bola [...] O rio é ali em baixo”.
Na infância lembra que dançava para apresentações culturais na aldeia: “[...]
Dançava no dia dos índios, aquela coisa assim”. Hoje essas apresentações culturais, como
eles chamam, ainda acontecem e são realizadas com outra turma.
Bom minha cultura praticamente esqueceu né. Então, minha mãe é
terena e meu pai também. que meu fala a língua né, e não ensinou
a gente nem a minha mãe ensinou nós. Então a língua a gente não sabe,
dança. A dança de menina eu dançava quando eu era pequena na casa
de reza.
Iniciou os estudos na Escola Municipal Tenguatuí:
101
Com sete anos na Tengatuí. Até a quarta série foi na Tengatuí e da quinta
a oitava eu fui pra Missão. Ai no Ensino Médio eu vim pra cá.
A sua primeira professora foi a tia:
[...] a minha professora foi a tia Clara
57
, ela já me ensinava em casa.
Então não foi aquela coisa de chegar assim de surpresa.
Hoje, nos tempos livres a estudante diz que: “[...] Vou na minha mãe. Fico em
casa assistindo, lendo. Brincando com meu bebê”.
4.2.2.3. Os Pais
Sobre os pais:
Minha mãe e meu pai. Minha mãe trabalha de doméstica e meu pai
trabalha juntando material de reciclagem.
Porque os pais colocaram na escola:
Por que eles querem que eu tenha o que eles não tiveram. Não tiveram
profissão, meu pai e minha mãe não conseguiram sair da segunda série.
A estudante disse que ela ensinou seus pais a ler e escrever: “[...] Agora sabem
ler e escrever, comigo. Eu ensinei eles”.
Aprendeu as coisas que sabe hoje “[...] Em casa, na escola, em revista, jornais e
tv. A estudante diz que lê bastante: “[...] Leio, meu pai traz. Ai eu pego e leio.
4.2.2.4. A escola
Cl iniciou os estudos com sete anos de idade. Aa quarta série estudou na
Escola Municipal Tengatuí Marangatú e da quinta série à oitava estudou na Missão, na
57
Os nomes das pessoas citadas pelos entrevistados serão substituídos por nomes fictícios, com objetivo de
preservar sua privacidade.
102
Escola Municipal Francisco Meireles e o Ensino Médio iniciou na Escola Estadual
Guateka – Marçal de Souza.
A estudante fala que a escola:
Prepara eu né, pro mercado de trabalho e também ai ... assim é
importante a escola indígena é .... (Pausa. Filho chorando)
A escola indígena, assim a importância da nossa cultura (não entendível)
também buscar a diferença entre a cultura e como usar as duas né, saber
diferenciar uma da outra.
É, preparar a gente sim ... aqui da minha casa quem mais estuda sou eu ...
Os outros meus irmãos ... o que mais estudou ta na sétima.
Uma é dona de casa ... que mais estudou ...
O meu irmão estudou até a quarta série. Ele faz diária por ai ...
Podia até prestar concurso público que tem dentro da aldeia, que tem
que ter no mínimo a oitava série ... que ele não tem ... apara
zelador, assim ... tem que ter ... então ...
Mostra vontade de cursar nível superior:
Quero ter uma faculdade, mas vamos ver né. Gostaria de cursar o curso
de medicina. Eu queria bastante, só que não tenho condições ... eu queria
fazer medicina. É o que eu quero mesmo, mas como não tenho eu vou
fazer outra coisa.
Ah! Porque falta médico, não tem médico e as crianças ficam doente e
morrem né, por falta de médico, por isso ...
A estudante cresceu numa família onde o pai e a mãe não sabiam ler nem
escrever; ela teve que ensinar. Segundo a estudante, quem mais estuda na família é ela.
O sentido da escola para a estudante é construído por influência dos pais,
lembrando que o pai da estudante junta material reciclado e a mãe trabalha de doméstica. A
estudante fala que os pais “[...] querem que eu tenha o que eles não tiveram. Não tiveram
profissão, meu pai e minha mãe não conseguiram sair da segunda série”.
103
Também a influência da tia, que é professora, mostra ter um padrão de vida
diferente, que foi possível conseguir através da escola, ou seja, através da escola conseguiu
ter uma “profissão”.
Os irmãos, que não estudaram, não têm um emprego garantido, e que para
sobreviver tem que fazer “bicos”.
Para a estudante, o sentido da escola é a preparação para o mercado de
trabalho, prestar concurso (ter um salário fixo) e cursar uma faculdade. É a necessidade de
ter uma estabilidade, cursar uma faculdade, ter uma profissão e condições para uma vida
melhor dentro da aldeia.
4.2.3. Estudante MR/G
4.2.3.1. Percuso biográfico
MR é a estudante mais velha do Ensino Médio. Atualmente trabalha no Projeto
Saberes da Terra – SED e é dona de casa. Também iniciou este ano (2006) o Curso Normal
em Nível Médio – Formação de Professores Guarani/Kaiowá – Ará Verá
58
.
A estudante nasceu e cresceu na Reserva Indígena de Dourados:
Eu sou filha única da minha mãe. Não tenho irmãos. E no meu
crescimento foi assim eu aprendi a cuidar de uma criança órfã desde os
nove anos de idade. Eu já cuidava de um bebê de seis meses de idade que
a minha mãe abandonou e essa criança ficou comigo. Eu era a única
menina maior que poderia estar cuidando. E meu avô como tinha assim
aquele que tinha esse costume, eu tenho esse costume também. Eu me
considero como ele porque ele tinha muito amor nas crianças que
ficavam órfã e que, por exemplo, se ele não tinha criança ele pegava essa
criança para cuidar. E essa criança ficou sem mãe e sem pai, e então meu
finado avô pegou e disse assim: não, a minha filha vai cuidar. Que era
58
O curso Normal em Nível Médio Formação de Professores Guarani/Kaio Ará Verá iniciou suas
atividades em julho/1999, em anexo a Escola Estadual Vilmar Vieira Matos, buscando atender as
reivindicações de lideranças e professores indígenas do Estado. Atualmente o curso está iniciando a 3ª turma,
funcionando junto com o Centro Estadual de Formação de professores indígenas, criado em 05/07/2006,
através do decreto 12.118.
104
sou eu né. Ela tem nove anos de idade e ela vai cuidar do bebe. Hoje essa
criança tem vinte e sete anos e eu cuidei dessa criança desde pequena.
Sou professora, dona de casa e eu trabalho com as mulheres indígenas. A
gente faz um trabalho dentro da aldeia e fora da aldeia. E a gente faz
parte da comissão dos direitos indígenas, a qual onde es a Léia do
Marangatú, de Dourados, de Amambaí.
Sou professora de jovens e adultos
59
. É na língua materna, é... na
educação indígena e arte indígena.
4.2.3.2. Os Pais
Perguntei a estudante quem são seus pais, o que faziam, para melhor
compreensão da vida dentro da aldeia:
Meus pais eu não conheci. Minha mãe é mãe solteira, filha do seu
Euclídes
60
e então eu fui criada pelos meus avós. A minha aé Kaiowá,
ela é parente do Pai Chiquito que é do Panambizinho né, que é um
grande líder também, conhecido.
Criada pelos avós desde pequena, ela explica quem eram seus avós:
Meu avô era o irmão do Mário de Souza
61
. Eliza
62
são minhas primas,
Leda
63
. No entanto que a gente temos muitas famílias aqui dentro da
aldeia, parentes. O Renato também é meu parente. Ichi! Tem vários
parentes aqui dentro. [...] Meu tio era liderança, assim... era grupo
familiar e esse grupo familiar tinha um líder que era o Mário. A luta
está no sangue mesmo.
A estudante fala como a escola foi fazendo parte da sua vida, da educação
familiar, do casamento e dos dias atuais:
Olha eu só fui pra escola por causa que a... entrou o meu tio Mário
dizendo que vocês tem que mandar seus filhos para escola.
59
A estudante atualmente trabalha no Projeto Saberes da Terra (Projeto do MEC em parceria com a
Secretaria de Estado de Educação) como professora da língua indígena.
60
Nome fictício.
61
Nome fictício.
62
Nome fictício.
63
Nome fictício.
105
4.2.3.3 Os filhos
Em relação aos filhos, a estudante relata que os colocou na escola:
Olha, isso é uma das nossas brigas e vai continuando ser a nossa briga.
Por quê? Porque hoje, veja bem, s temos pouquíssimas terra, aqui é
uma favela. Uma periferia da cidade. Nem se fala mais lote, fala
periferia da cidade. Daqui a cinco dez anos... E vou buscar
subsistência aonde? A terra são poucas, nós estamos lutando
incansavelmente, mas enquanto isso... enquanto a gente luta desse lado, a
gente não devemos deixar a peteca cair do outro lado. Jovem hoje um
grande problema, eles não tem o que fazer... eles... então é a única
opção pra pode sobreviver, pra eles pode é... é, não aprender o outro lado
enquanto é adolescente [...] porque se a gente deixar as meninas
mocinhas vão se prostituir. Na escola também ensina isso, é em nosso
costume também ensinar isso. Mas a gente vemos que está assim muito
perto um do outro esses problemáticos que existe dentro da nossa aldeia
e... e hoje a gente não tem uma outra opção, então pelo menos a gente
manda na escola. Agora se tivesse uma opção diferente, como você vai
ficar aqui trabalhando porque a terra é grande. Tudo bem, porque a terra
é tudo pra nós, pra sobreviver, sendo pro índio e pro não índio, sabe no
geral né. Sabe pro ser humano a terra é tudo. Mas a gente não tem terra
pra planta, então vai sobreviver do que? Então a gente pretende estudar e
estudar e voltando pra nossa comunidade. Estudou fora, estudou e se
formou, volta pra sua comunidade e ajuda, é pra isso. Porque a gente
temos dificuldade em questão de enviar documentos, elaborar
documentos, levar, ver se estar certo. Qual caminho devemos tomar,
pelo menos pra uma orientação?. (Grifos meus)
O questionamento feito pela estudante evidencia que a escola é o caminho para
responder às suas necessidades.
Em outros estudos e conversas com pessoas mais velhas, como, por exemplo,
professores, pessoas que trabalham na educação, lembra o fato de não saber falar o
português e com o tempo a língua dominante, neste caso, passa a substituir a língua
materna. Hoje isso é visível nos mais jovens que não dominam a língua:
Meus filhos hoje vem de uma criação um pouco mais diferente, em
torno da nossa aldeia, assim eu falo assim entorno, ela está muito perto
da cidade. O português veio quando era bebezinho, já tiveram contato
mais cedo que eu né. Então eles já aprenderam mais a falar português, a
gente perdemos isso dtambém depois que meu faleceu, que meu
que era o principal ali e depois que ele faleceu ai nós ficamos assim, mais
um pouco assim distante da nossa língua né, materna,
Olha, na escola, eu no meu caso eu vejo assim, um pouco de rejeição
ainda porque isso na cabeça dos jovens, como eu acabei de falar, nossos
106
filhos vem duma criação diferente e eles estão... eles estavam
resistindo, mas aos poucos eles foram aceitando isso é a prioridade, se eu
vou trabalhar numa escola, eu preciso dominar a minha língua materna,
não que isso quer dizer que eu tenho que deixar de dominar o português...
mas que hoje também né, os nossos jovens que estão na escola, eles estão
vendo que isso é prioridade, que está fazendo falta pra muitas pessoas.
Eles estão, tem meninos que terminou a faculdade, que querem ingressar
na escola indígena, como que ele vai pode passar, sem dominar a língua
materna, dizer, sem conversar. Isso está sendo prioridade ... aqui tem
porque ainda não acordaram.
4.2.3.4 A escola
MR fala que foi a escola com 12 anos de idade. Tinha vontade de conhecer a
escola e estudar:
Eu tinha por causa que aquela época a gente é... tudo que é novo você
quer descobrir. Quando é criança aquele monte de curiosidade, poxa o
que será aquele monte de criança vão fazer na escola. Eu via meus
vizinhos, alguns que vinha lá pro lado de sardinha, vinham passando
correndo, uma banda de meninada. Eu queria saber o que é que eles
estavam fazendo na estrada, aquelas meninas, eu queria ser igual elas. É
por curiosidade. Ai eu falava pra minha que eu chamava de mãe: mãe
deixa eu ir pra escola. Ela falava: não, imagina, você não pode, menina
não anda sozinha na estrada. É muito perigoso, então colocava aquilo na
cabeça da gente. Naquela época aqui tinha muita mata ainda e a gente
tinha muito medo de sair mesmo. que depois o meu tio, como ele era
líder daquele grupo, líder familiar que chama, então ele [...] que são
grupo familiar e ai vinha né, os outros meus tios, ai vinha eu que é do
lado do meu avô, então era um grupo enorme. É grupo de famílias
mesmo, famílias grande. Ai meu tio entrou em contato com meu avo ai
falou é bom vocês mandarem, ai meu avô ficou meio assim, pensou será
que se eu mandar, quem sabe alguém não vai dar um ensinamento errado
sabe, vai valer a pena. E nisso meu tio falou: não, é bom você mandar
porque eu estou mandando as minhas filha, que era a Edna e a Leni. Elas
estavam mais adiantada e ai eu fui. Ai eu fui, primeiro dia que eu cheguei
eu não sabia falar português, era tudo português. É diferente, é a mesma
coisa de todo mundo falando inglês ao mesmo tempo, a gente não
entende nada. entendi que eles faziam esses sinal assim com a mão,
isso ai eu entendia alguma coisa. Isso tinha algumas pessoas que era
mineira daquela escola, elas dominavam guarani, duas pessoas. E eles
passavam né, eles traduziam. E assim fui aprendendo. Aos doze anos de
idade eu aprendi a falar português. Antes eu não falava nada, nada
mesmo.
A estudante conta sobre o ritual que acontece entre os grupos guarani quando a
menina fica mocinha. Hoje é muito raro na aldeia:
107
Eu fiquei dentro de um quarto durante 45 dias e fiquei... depois eles me
tiraram de dentro, pra ser trabalhadeira, uma pessoa assim, pra depois
que eles morressem eu continuar com o mesmo que eles tinham.
É uma forma de educação que eles tinham, ai quando eu sai de né,
depois de 45 dias, ai depois de um tempo eles arranjam um marido, pra
mim né, por exemplo.
Com o casamento MR parou de estudar:
Eu casei com quatorze anos. Eles me arrumaram um marido pra mim. Eu
não conhecia meu marido e eles arrumaram um marido pra mim.
Com dezessete anos eu fiquei viúva. Fiquei... é eu não conhecia meu
marido, meus pais fez eu casar, depois de três meses eu passei a gostar do
meu marido. O casamento foi feito entre os pais: Ai eles falaram entre
eles: olha a minha filha serve para o seu filho, ai falaram olha esse é seu
marido e agora você pode ir embora com ele. Depois de três meses eu
gostei dele. Com ele eu tive dois filhos, quando eu tava grávida do
segundo filho meu é meu marido faleceu. É então eu fiquei viúva. Ai
depois com dezenove anos eu casei de novo, é... meu avô não gostou, ele
queria que eu ficasse criando meus filhos até pro resto. que
também eu tinha uma outra visão, porque eu estudei, com doze
anos de idade eu fui pra escola. Quando eu comecei a estudar ele fez eu
casar ai fiquei um pouquinho fora e voltei aos dezoito anos eu voltei mais
um ano pra escola, eu sempre gostei de estudar, eu gostava muito de ir na
escola.
Na fala da estudante, pode-se perceber que, pelo pouco tempo que foi à escola,
isso já teve uma mudança no seu modo de pensar, na sua educação.
MR foi à primeira vez a escola na Missão Evangélica Caiuá:
Eu nem sei se era pré ou primeira. Eu sei que eu entrei numa sala que
tinha um monte de menina tudo da minha idade. Eu entrei e vi cada
meninona da minha idade, que a gente não sabia o que tava fazendo lá.
Eu sei que eu gostava muito da brincadeira do cipó que a gente ia pra
mata brincar com cipó, isso era a maior diversão pra nós.
Não, ai eu estudei de pedaço em pedaço. Entrei um ano e depois me
afastei. Depois entrei outro ano, daí tive filho, casei e depois voltei e
acabei completando, terminando aos... quando eu tinha vinte e sete anos
de idade... aos vinte e seis eu operei do menino que hoje tem dez anos e
ai depois eu voltei a estudar de novo da 5ª a 8ª.
A estudante está concluindo o Ensino Médio e recentemente foi aprovada no
Curso Normal em Nível Médio – Formação de Professores Indígenas – Ára Verá. A
estudante parou e recomeçou os estudos várias vezes. MR diz que busca a escola pela:
108
A necessidade... de muitas coisas. Por que, veja bem é... eu mesmo, eu
ando muito nesses movimentos e eu vi a necessidade que eu tinha que
ajudar meu povo. Por que a gente precisa elaborar um documento, a
gente tem tanta dificuldade por isso à gente tem que estudar, pra elaborar
documentos do não índio, porque os dos índios eu tenho já, os que os
meus avós me ensinou e mostra e vou buscando até hoje, porque a cada
dia o conhecimento se renova né, ele nunca fica velho né, ele aumenta
né. [...] A escola hoje, eu aprendi muita coisa que eu não aprendi anos
atrás, mas não é tarde pra mim [...]
A estudante mostra um sentido de construção de escola diferente dos outros
estudantes, tendo em vista sua trajetória de vida, experiências e a militância na comunidade
indígena.
Mesmo fazendo o Ensino Médio Indígena da escola da Reserva, a estudante
optou em fazer o Curso de Formação de professores Guarani/Kaiowá:
Eu quis fazer porque é a busca de conhecimento, a busca de
conhecimento mais aprofundado que tem coisa que eu não sabia e que to
tentando buscar e que através dela que eu vou ter acesso. Por quê?
Porque tem a pessoa que possa me ajudar, eu vou ter mais tempo pra
mim aprender a desenvolver meu trabalho dentro da aldeia, porque na
escola normal, assim do não índio eu o vou ter tempo e vou deixar
meu povo de lado e vou me dedicar só pra mim, e só pro meu
interesse. Então eu tive que deixar meu povo de lado... agora no Ára
Verá não, o Ára Verá abre esse espaço. No mês em que não estou em sala
de aula, eu estou na comunidade buscando conhecimento e esse lá a
gente vamo explorar dentro da sala de aula.
[...] é... hoje nós não podemos deixar pra estudar só o nosso. Mas os dois
tem que andar junto, o do não índio e do índio, eles tem que andar
junto, porque hoje não tem mais como. A gente não pode deixar uma,
não isso aqui é mais importante e isso aqui é prioridade. Então a gente
tem que levar os dois juntos, o conhecimento anda junto numa forma
diferente da interpretação. Cada um interpreta na sua realidade. Por
exemplo o do não índio... eu preciso saber o do não índio e do índio
também, então pra mim ter uma base, pra mim levar e poder ajudar meu
povo a caminhar e levar.
Nós temos várias lideranças, caciques que eles, eles tem um
conhecimento enorme, mas na hora de relatar no papel... essa é a
estratégia hoje, o que nós devemos aprender, a estratégia hoje é nós
temos que levar tanto... nós aprendemos a usar o papel, então nós temos
aprender a brigar através do papel também. Não da força física, mas
que a luta tem que ser pelo papel mesmo. Então a gente tem muita
dificuldade. E no Ára Verá eles ensinam de uma forma indígena, não de
uma forma do não índio. Então que eu busquei é... interpretação de
texto, um pouquinho de diferente na realidade do índio, no Àra Verá,
agora na escola do não índio, então você coloca os dois juntos ai você tira
uma conclusão que eles andam junto, é igual, só que de uma forma
diferente.
109
A estudante fala da escola como alternativa de aprendizado, valorização e
conscientização. No entanto relata que as coisas que sabe, o que faz, foi a família que lhe
ensinou, principalmente seu avô por quem foi criada:
[...] olha primeiramente com meu ae minha família que tem me dado
essa oportunidade de sobreviver, por causa que foi meu pai e mãe pra
mim. Minha família primeiramente que me deu todo esse apoio pra mim
aprender a respeita como a gente tem que a viver com as pessoas. É... o
básico foi a família, a estrutura que hoje eu tenho tudo veio da família,
sabe. De ser uma pessoa que luta pela... pelo povo, foi tudo a família, os
parentes, tio. Então sempre quando eu via, quando tinha seis anos de
idade, tinha meu avo que gostava muito de nós. Ele fazia eu dormir no
colo e eu escutava ele conversar com meu tio Marçal. Meu tio Marçal
sempre incentiva ele: olha meu irmão, eu to sendo perseguido, posso ser
morto, não sei se vou ficar aqui. Olha se eu for embora vocês tem que
agarrar essa luta... foi uma luta que a gente tem hoje e eu to aqui com
conselho do meu tio. Ele já morreu, mas eu levantei. E quando um morre
então levanta... se um morreu então levanta tudo. Então eu tenho hoje
esse espírito de solidariedade... tudo o que tenho hoje foi com a minha
família. Minha família me ensinou a ser trabalhadeira, a trabalhar pelos
seus filhos, a ser obediente. Foi a minha família que me deu isso ai.
Para a estudante, o sentido da escola foi construído junto a sua trajetória de
vida, com a influência do tio (liderança), o casamento, os costumes indígenas, a
necessidade de saber ler e escrever, a necessidade de lidar com a sociedade não-índia e a
expectativa para uma vida melhor.
Seu primeiro contato com a escola foi através da intervenção do tio (liderança),
dizendo que as crianças deveriam ir para a escola. Este foi o primeiro passo para a
construção do sentido da escola para a estudante.
A escola apresentou novas possibilidades de vida; mesmo com a interferência
na cultura, na língua, nos costumes, a estudante diz que através da escola que é possível
ampliar os conhecimentos, não indígena, mas também o do não-índio, cada um
interpretado na sua realidade.
110
Com o tempo a escola foi fazendo parte da vida da estudante, tornando-se,
hoje, uma segunda opção para subsistência dentro da aldeia, tendo em vista que a primeira
opção seria a terra, mas como é muito pouca hoje, a expectativa de subsistência está na
escola.
Para a estudante o sentido da escola está na necessidade de subsistência. A
escola é entendida como uma opção de sobrevivência e a necessidade de lidar com o
entorno regional, construído junto à luta pela terra e à expectativa por melhores condições
de vida dentro da aldeia, tanto para a estudante como para a comunidade.
4.2.4 Estudante Sd/T
4.2.4.1 Percurso Biográfico
Sd pertence à etnia Terena, nasceu no Hospital da Missão e cresceu na aldeia
Jaguapirú. O estudante é solteiro, tem dezesseis anos. Mora com os pais e ajuda nos
serviços de casa.
Tem condições de vida econômica favorável dentro da aldeia.
Começou a estudar com seis anos, na Missão, na Escola Municipal Francisco
Meireles, onde terminou o ensino fundamental, depois foi estudar na cidade de Dourados,
na Escola Estadual Presidente Vargas onde estudou um bimestre. Logo saiu para estudar na
Escola Guateka – Marçal de Souza onde está cursando o segundo ano do Ensino Médio.
4.2.4.2 A infância
Sobre a infância o estudante fala:
Eu nasci no Hospital Evangélico, no caso aqui fora da aldeia. A minha
infância foi normal. Foi como todas a outras, tipo assim convivi e estudei
tudo aqui dentro. Tenho muitos amigos aqui, foi bem legal. Eu acho que
111
é um ambiente bem tranqüilo aqui, acho que mais tranqüilo do que na
cidade, mas foi bem legal ter crescido aqui.
Ah, quando eu era criança desde pequeno eu ajudo meu pai. Ajudava na
mercearia, agora to ajudando meu pai na lavoura e tal. Tem um gado ali
eu que cuido.
[...] essa aldeia aqui é a melhor de todas pra morar né. Tem hospital
perto, a cidade de Dourados é bem perto. Eu acho que a única lembrança
que eu tenho é que a minha infância foi muito boa aqui.
As condições sociais e econômicas do estudante dão acesso e condições para
oportunidades que outros estudantes não tiveram ou não têm.
O estudante fala sobre o seu trabalho:
Trabalhei na pecuária também. A gente tinha um sítio em Rio Brilhante
ai a gente, eu trabalhei lá, trabalhei bastante tempo lá.
O sitio era nosso. Ai meu pai vendeu pra gente fica mexendo aqui. A
gente vendeu lá porque tinha que... por causa que ficava difícil, longe é...
e o acesso aé, tem que gasta bastante pra ir até lá. Tem ir e voltar
quase todo dia, por isso que ficou difícil daí vendemos pra mexe aqui
dentro mesmo.
4.2.4.3 Os pais
Conforme o estudante: “[...] Meu pai mexe na... trabalha na lavoura e minha
mãe trabalha numa mercearia que a gente tem”.
A mercearia fica ao lado da BR, junto à casa da família.
Sobre ir a escola, Sd diz:
Quando a gente é pequeno a gente faz o que os pais falam, no caso eles
falavam que era para a gente aprender. E é verdade, pra gente aprender.
Bom eu acho que primeiramente pra mim não ser uma pessoa sem estudo
né, a maioria das crianças que a gente por ai são sem estudo. Quando
cresce não tem um futuro bom pela frente. As coisas tem que conseguir
com muita luta, muito esforço, muito cansaço. Então eu acho que eles
colocaram eu, tipo assim, pra ter um conhecimento, uma profissão, pra
não precisar trabalhando no sol por ai pra conseguir as coisas.
Pensando no meu bem né.
Das quatro histórias de vida que foram coletadas, a única onde os pais foram
entrevistados é nesta, devido o fato do estudante ser solteiro e ainda dependente da família.
112
Os pais são responsáveis por ele, diferentes das outras histórias de vida, onde são casados e
os pais não têm mais responsabilidade sobre os filhos.
A mãe de Sd/T estudou até a quinta série e fala sobre a escola:
Ah... É muito bom. Pra aprender, estudar, ter alguma coisa. [...] ter uma
profissão. Ter um emprego bom. Estudar e fazer uma faculdade boa. Eu
não estudei, não fui mais pra frente né. E eu sempre converso com eles,
pra eles estudarem.
Para a mãe do estudante a escola hoje não faz falta:
Olha pra mim até agora não né, mas pra eles eu quero que eles estuda. Eu
não tiro a oportunidade que eles têm agora. A gente dá o maior apoio pra
eles né.
Segundo o pai, que estudou até a segunda série:
A gente faz de tudo pra eles estudar. Eu não tive a oportunidade de
estudar. Naquela época os pais da gente não incentivava. A gente tinha
que trabalhar.
Hoje em dia pra tudo precisa de um estudo.
Eu não quero que eles passa o que eu passei. Ah... eu passei muita
dificuldade. Quando eu cheguei aqui era tudo mato a escola era longe.
Hoje não, tem tudo aqui na aldeia. Os pais da gente não ligava pra
mandar os filhos pra escola.
É eu não tive estudo, só que tenho visão lá na frente.
A influência dos pais na construção do sentido de escola para o estudante é
muito presente, devido às dificuldades enfrentadas no trabalho. A escola é vista pelos pais
como uma oportunidade dos filhos não ter que passar as mesmas dificuldades para alcançar
alguma coisa.
A mãe diz que tem vontade de estudar:
Tenho. Mas depois que a gente casa, tem filho... porque eu trabalho aqui
das sete a seis da tarde.
Sobre a escola a mãe fala:
Eu espero que ele faça uma faculdade. Eu não posso decidir por ele né.
As vezes eu quero que ele faz uma coisa mais ele quer outra. Eu queria
que ele fizesse pedagogia né, mas ele quer fazer medicina.
113
Na fala do estudante, reflexo do que os pais falam sobre a escola:
Eu acho muito... porque antigamente né, na época deles eles não tiveram
a mesma oportunidade que eu estou tendo agora e acho que eles não
querem que eu tenha o mesmo futuro deles de trabalhar no batente.
Sempre depender daquilo é... querendo assim que acho um serviço mais
leve né. Eu acho que é por isso, devido a falta de oportunidade que eles
tiveram na época deles eles me colocaram na escola.
Falam direto, eles cobram muito assim, sempre que dias de nota assim,
eles vim conferir se eu estou indo bem ou não. Eles dizem que a
oportunidade que eles não tiveram, eles querem que eu estude, que eles
não estudaram que eles falam que é ruim pra eles. Na época deles eles
não tinham muita chance porque eles tinham que ajudar os pais deles.
Meu pai entrou na época da colonização, na época aqui era tudo mato
ainda e na derrubada ele ajudava meu avô.
O estudante a escola como uma oportunidade. Entende que a escola é onde
ele pode ter melhores condições de vida (financeiras).
4.2.4.4 A escola
O estudante começou a estudar com seis anos de idade na Escola Municipal
Francisco Meireles, ou, como dizem, na Escola da Missão, onde se recorda com saudades:
Eu ia com a minha tia, que ela trabalhava aqui daí ela me levava na
escola. As vezes eu ia de bicicleta, as vezes ela me levava. Foi bem legal.
É que tinha um bosque, ahoje tem um bosque . A gente brincava
de esconde-esconde, essas coisas. Brincava de ... várias coisas.
Através da escola vai conseguir algo melhor:
Hoje em dia a maioria das coisas depende do estudo da gente. Pra você
ser um gari, você tem que ter estudo. A tecnologia está muito
avançada. Você tem sempre estar se adaptando com a tecnologia. Sempre
tentando é aprender mais, adquirir mais conhecimento. Acho que é por
isso.
[...] eu pretendo fazer uma faculdade, ter uma formação, sem precisar
depender de outras coisas pra mim garantir um futuro... Eu quero garantir
esse futuro de acordo com esse conhecimento que eu to adquirindo agora
na escola. Ter uma formação, ser uma pessoa formada e tal.
Quer escola:
114
[...] primeiro eu acho que a escola pra mim é importante, por isso que eu
venho. Sei lá, pra mim é uma fonte de ensino, pra mim não ficar pra trás.
Se eu não estudar outros meus amigos que estudam, ai eu vou ficar pra
trás, então eu também quero... eu não quero depender de tudo dos meus
pais. Eu quero estudar, ver se eu consigo achar um emprego.
Expectativa em relação à escola:
Bom tipo, tipo assim é que nem eu falo, conhecimento ninguém tira
conhecimento da gente. Eu quero adquirir muito mais conhecimento, eu
espero que ela me ajude a isso. Eu prestar um vestibular, formar. Não ser
uma pessoa assim.... trabalhando sim, mas eu quero ter uma formação,
me especializar em alguma coisa. Isso a escola vai me ajudar muito. Por
que pra você prestar um vestibular tal, você não presta um vestibular sem
ter um estudo completo.
[...] eu até agora to dependendo do meu pai ainda, moro junto com ele,
ele me dá roupa, essas coisas e eu acho que pra mim a escola vai garantir
que eu seja independente mais rápido, porque todo mundo fala
independência depois dos dezoito anos, mas não basta você ter dezoito
anos pra ser independente, você tem que ter um trabalho, pra você,
tem que ter sua própria casa, sua própria condução, sua própria família
né, que você constituiu. Agora pra mim a escola vai garantir, eu acho que
vai garantir isso, porque eu levo muito a sério meu estudo. E eu quero
prestar um vestibular, consegui um serviço, que não seja no pesado ta,
isso ai é... que eu quero consegui minha casa, eu mesmo construir ela.
Ter minha família, ter minha condução, ter meu trabalho, tudo certinho.
Acho que esse é meu projeto de futuro.
Sobre as coisas que sabe fazer, o estudante fala que:
Bom eu aprendi um pouco em casa, um pouco na escola. E eu acho que a
vida. Toda hora ela ensina uma coisa nova pra gente né. Eu acho que isso
com o passar do tempo, convivendo em casa na escola ou saindo pra fora.
Eu acho que assim que a gente tem esse aprendizado, que a gente
consegue aprender as coisas, vivendo e aprendendo né.
O sentido da escola para o estudante foi construído através dos pais
incentivando-o desde pequeno a estudar. Para os pais a escola vai dar a oportunidade de ter
o que não tiveram, como, por exemplo, uma faculdade, um estudo para ter um bom
emprego.
Essa construção também decorre das relações cotidianas, da competitividade e
da necessidade do estudo para lidar com o mundo a sua volta, econômico, político e
tecnológico.
115
O sentido da escola para o estudante é ter um futuro, uma profissão, trabalho
sossegado e ter condições melhores de vida.
Neste sentido a construção do sentido da escola para o estudante aparece mais
numa visão individualista, para satisfazer suas expectativas de futuro: cursar uma
faculdade, ter um emprego, uma casa, um carro, uma família.
4.3 Na construção: o sentido da escola
Tendo em vista que a escola é um lugar de encontro entre diferentes, um
espaço de conflito e tensão, as “histórias de vida” nos permitem inferir a construção dos
sentidos do “para quê escola”, na ótica dos estudantes indígenas do Ensino Médio.
Nas histórias de vidas apresentadas, os estudantes pertencem a famílias
grandes
64
(ou pelo menos foram criados por famílias grandes), com distinções sócio-
econômicas e diferentes representações na comunidade.
Através das distinções sócio-econômicas e das diferentes representações na
comunidade é possível perceber a construção do sentido de escola sob diferentes posições
e percepções. Como, por exemplo, comparando a fala da estudante Gi/K que tinha que
trabalhar para ajudar a sustentar a casa e com o dinheiro que ganhava “[...] Comprava as
coisas pra casa. Quem trabalhava era eu, porque meu pai não tinha emprego [...]”, percebe-
se que constrói a partir de um ponto de vista diferente do estudante que não tem a mesma
obrigação e/ou responsabilidade, como é o caso de Sd/T, que trabalha com os pais desde
pequeno na lida com o gado e na mercearia e tem um padrão de vida diferenciado dos
demais.
64
O termo famílias grandes utilizadas no texto é utilizado para expressar famílias com grande número de
filhos, famílias numerosas, prole, agregação, ou família extensa.
116
Desse modo, pode-se se perceber que o sentido é construído a partir do
posicionamento do sujeito, de onde ele se encontra, das suas experiências e vivências. No
relato de Sd/T a escola é para garantir sua independência “[...] eu até agora to dependendo
do meu pai ainda, moro junto com ele, ele me dá roupa, essas coisas e eu acho que pra mim
a escola vai garantir que eu seja independente mais rápido [...] você tem que ter um
trabalho, pra você, tem que ter sua própria casa, sua própria condução, sua própria
família [...]”.
Simon (1995, p. 63) fala que:
[...] reconheçamos que as pessoas não vivem suas vidas no interior de
campos discursivos unificados. Isto é, a textura da vida cotidiana torna
disponível uma multiplicidade de localizações no interior das quais
formas específicas de sociabilidade, com diferentes graus de importância
afetiva, são construídas [...].
Foi possível observar na falas dos estudantes que os pais sempre incentivaram
os filhos a estudar para terem melhores condições de vida –“ter um futuro”. Vieira (1999,
p. 59) explica que “[...] a mentalidade é construída por todas as experiências da vida social,
pelos adultos com quem se interage desde criança, [...] enfim, pela educação em geral e
pela participação num coletivo que tem hábitos e juízos elaborados”.
As referências dos estudantes são os pais, os irmãos, as pessoas próximas que,
para subsistência, fazem trabalho braçal. Como diz Cl T:
[...] meu pai e minha mãe não conseguiram sair da segunda série.
[...] Os outros meus irmãos... o que mais estudou ta na sétima.
[...] Uma é dona de casa [...].
[...] O meu irmão estudou até a quarta série. Ele faz diária por ai [...]
Podia até prestar concurso público que tem dentro da aldeia, que tem
que ter no mínimo a oitava série [...].
A partir das referências da estudante, começam a “olhar para o horizonte do
outro” (MANFRÓI, 2002) a desejar um outro lugar. E, no imaginário dos estudantes, a
escola é a possibilidade de chegar a esse lugar onde vão ter “melhores condições de vida”,
diferentes das vivenciadas pelos pais e irmãos.
117
Na educação familiar, pode-se perceber, conforme a fala dos estudantes, que os
pais ensinavam aos filhos o que achavam que eles deveriam aprender na educação e
costumes tradicionais, alguns com mais intensidade, outros com menos. Como, por
exemplo, no caso da língua indígena que, em algum momento, os pais deixaram de ensinar
aos filhos porque poderia atrapalhar o português, ou também, deixaram de ensinar os
costumes tradicionais considerando que não precisariam ensinar aos filhos do mesmo
modo como foram ensinados.
Diante dessa idéia e das relações com o entorno, os valores passam pela
ressignificação cultural (ROSSATO, 2002), atribuindo novos significados à cultura de
origem.
Entende-se que as experiências escolares foram as mesmas. Todos passaram
pela escola da Missão (EM Francisco Meireles), pelo menos da a série. A escola da
Missão tem objetivos e metodologia voltada para a evangelização e integração da
população indígena. Em outros momentos do período de escolarização os estudantes
freqüentaram as escolas da aldeia ou da cidade.
A pesquisa mostra que a construção do sentido da escola para os estudantes do
Ensino Médio é um processo de significação e de valores construído em meio às
contradições, que, muitas vezes, vêm de encontro com a falta de lugares, os não-lugares.
Segundo Skliar (2003, p. 102) apoiado em Marc Augé (1999), o não-lugar é “[...] um lugar
oposto àquele espaço do outro que está necessariamente fora e cuja aparente exterioridade
não é outra coisa senão a tentativa de dominar sua instabilidade e sua ambigüidade como
objeto (de conhecimento) social”.
118
Os não-lugares estão no “ser alguém”, “ter um futuro”, “aprender o português”,
“ascensão social”, “status”, “ter emprego”, “prestígio na comunidade”... Como segue nas
falas dos estudantes:
Gi/K
[...] arrumar um emprego, um serviço bom, na sombra, num ta
esfregando chão essas coisas [...]
MR/G
A necessidade... de muitas coisas [...]
Sd/T
[...] não ser uma pessoa sem estudo
[...] ter uma profissão. Ter um emprego bom. Estudar e fazer uma
faculdade boa.
Cl/T
Prepara eu né, pro mercado de trabalho [...]
Os não-lugares são entendidos, aparentemente, como um único espaço que
início a novos interesses e necessidades (SKLIAR, 2003).
O sentido da escola para os estudantes indígenas se constrói num espaço de
conflitos e contradições, diante do contato interétnico e das suas experiências de vida.
Constroem no imaginário uma escola “salvadora” e de possibilidades, que faz ser alguém
frente à comunidade indígena e ter espaço na sociedade não índia.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da configuração étnica, política e social da Reserva Francisco Horta
Barbosa – Dourados/MS, esta pesquisa buscou compreender como foi construído o sentido
de escola para os estudantes indígenas, tendo em vista os sentidos por eles estabelecidos.
Dentro da complexidade do tema, a pesquisa procurou abordar e esclarecer que
cada pessoa está permeada por signos e símbolos que lhes dão a razão de ser. Portanto, é
importante lembrar que o sentido da escola deve ser entendido no diálogo com a diferença,
levando em conta uma cultura específica atravessada pela complexidade do mundo
moderno.
As dificuldades encontradas para a realização deste estudo foram em captar,
dos estudantes indígenas, “como” esses sentidos são construídos. Os diálogos e
depoimentos muitas vezes se distanciavam do objetivo proposto, obrigando muitas vezes, a
retomada dos depoimentos e das conversas...
Os procedimentos metodológicos definidos “a priori” foram se desconstruindo
ao longo do processo, sendo construído e elaborado novamente no contato com os
estudantes indígenas do Ensino Médio.
120
Segundo Vieira (1999, p. 35) “[...] o trabalho de campo é um processo quase
místico e, na sua essência, praticamente impossível de ser ensinado”.
A abertura teórica dada pelos estudos culturais possibilitou estabelecer o
diálogo com a realidade pesquisada, dentro da dinamicidade e da complexidade vivida em
cada momento. A perspectiva dos estudos culturais busca ampliar o diálogo com a
diferença e estudar o sujeito no tempo e espaço.
Há que se considerar que os estudantes não são acostumados a serem “objetos”
de pesquisa, como acontece com freqüência entre os professores, caciques, lideranças,
famílias, que, em muitas ocasiões, têm um discurso pronto, elaborado. Pude perceber,
durante os estudos de campo, que os estudantes não se sentiam como “alvos” de pesquisa.
A preocupação deste estudo foi buscar, por meio de entrevistas e histórias de
vida, compreender como foi construído o sentido de escola para os estudantes do Ensino
Médio, considerando a história de contato e as relações com o entorno.
Para tanto, foi feito um levantamento histórico de como se deu o processo de
escolarização dentro da reserva indígena, o qual se iniciou junto com a MECA, que tem
atividades na aldeia até os dias atuais, passando pelo SPI, a FUNAI e o Município de
Dourados.
Atualmente as escolas de Ensino Fundamental são assumidas pela Secretaria
Municipal de Educação do Município de Dourados e o Ensino Médio pela Secretaria de
Estado de Educação. Outras instituições, com projetos educacionais ou parcerias com o
município e Estado, estão presentes na reserva como, por exemplo, Ongs e Universidades.
A construção do sentido de escola para os estudantes está ligada ao contexto
histórico e às transformações sociais, políticas e econômicas da aldeia, vivenciadas num
espaço de fronteiras.
121
Os estudantes mostram, em primeiro lugar, a escola como mecanismo de
ascensão social, ou seja, para “ter um emprego”, “ser alguém na vida”, ter um futuro” e
“melhorar a qualidade de vida”...
A influência dos pais é muito forte nesta construção. Incentivam os filhos,
desde pequenos, a estudarem para ter um padrão de vida diferente do que vivem, ou
viveram, que ofereça condições econômicas mais favoráveis, tendo em vista o lugar que
ele ocupa na comunidade, principalmente quando não é um lugar prestigiado.
As dificuldades enfrentadas pelos pais, de terem que trabalhar em fazendas das
redondezas, também trabalhar vendendo milho e mandioca de porta em porta, catar
material reciclado ou vender artesanato na beira do asfalto nas cidades vizinhas, faz com
que os filhos passem a “desejar” uma vida diferenciada dos pais.
Em segundo, a economia dentro da reserva é um fator que mostra que quem
passa pela escola tem um padrão de vida diferente, assalariado, ao contrário de quem não
passou pela escola, que tem que trabalhar nas usinas, fazendas, fazendo “bicos” entre
outros tipos de mão-de-obra.
E, por último, o sentido da escola para os estudantes indígenas é construído
junto às influências de contato dentro da Reserva (pois não são povos isolados e sim, povos
em contato com o mundo) e da necessidade de lidar com as exigências do mundo moderno:
da escrita, do avanço tecnológico, do celular, entre outros.
Pode-se dizer que o sentido da escola para os estudantes indígenas do Ensino
Médio parece responder a um desafio padrão. Embora cada um tenha suas expectativas de
vida, necessidades e diferentes representações na comunidade, todos vêem na escola o
espaço de formação para contribuir para o desenvolvimento social e econômico da
comunidade, buscando capitalizar bens materiais e ter ascensão social.
122
Para os estudantes, é na escola que eles depositam suas expectativas de futuro e
onde vão conseguir dar as respostas para suas vidas.
A construção do sentido da escola é um processo contínuo, sempre em
reelaboração, produzido historicamente e no dia-a-dia dos estudantes, fruto das incertezas e
contradições “do que eu sou” e do “que eu quero ser”. Diante disso, o sentido da escola
para os estudantes do Ensino Médio não deve ser entendido na sua dimensão, mas nas
interseções (FLEURI, 2003).
Feito o estudo sobre a construção do sentido da escola para os estudantes
indígenas do Ensino Médio, fica o seguinte questionamento: tendo em vista dois mundos
diferentes, considerando a interação com a sociedade índia e não índia, com povos situados
em outra tradição cultural, com projetos de vida e valores específicos tão diferentes, será
que a escola responde as expectativas de vida e de futuro desses estudantes? E o sentido da
escola continua o mesmo?
123
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______, Plano Nacional de Educação. Brasília: MEC, 2001.
129
CEE/ MS. Deliberação 4324, de 03/08/1995. Aprova o documento sobre Educação
Esclar Indígena.
______. Decreto Estadual Nº 10.734, de 18/04/2002. Cria a categoria de Escola Indígena,
no âmbito da Educação Básica no Sistema Estadual de Ensino e dá outras providências.
______. Deliberação 6363, de 19/10/2001. Dispõe sobre o funcionamento da Educação
Básica, no sistema Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul.
______. Deliberação Nº 6767, de 25/10/2002. Fixa as normas para a organização, estrutura
e funcionamento das Escolas Indígenas pertencentes ao Sistema Estadual de Ensino de
Mato Grosso do Sul.
______. Plano Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul. Campo Grande – MS, 2004.
130
FONTES ORAIS
Cilene Batista Rolim
Cleudimara Reginaldo
Éder Felipe Valério
Elaine Cabreira da Silva
Gildo Perito Severino
Gisele Fernandes de Souza
Gláucia Rosa Morales
Ione Gabriel Aêdo
Jaqueline Gonçalves Porto
Maria Regina de Souza
Rogena Ramos
Salvador Freitas Martins
Sideny Freitas Martins
Simone Reginaldo da Silva
Sonia Freitas
Vanilson Martins de Souza
Vanusa Aquino Vargas
Zélia Peres de Souza Kruger
131
ANEXO 01 – Lista de alunos matriculados
ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA DE ENSINO MÉDIO INTERCULTURAL GUATEKA
– MARÇAL DE SOUZA
LISTA DE ALUNOS
SÉRIE/
TURMA
NOME DATA DE
NASCIMENTO
ETNIA
1 A
ADE VERA
27/01/1984 KAIOWA
1 A
ADENILSON MARTINS
24/05/1990 KAIOWA
1 A
ANDREIA PAULO
22/01/1989 KAIOWA
1 A
DEBORA FERNANDES ORTIZ
23/07/1988 KAIOWA
1 A EDILMARA FELIPE VALÉRIO 20/06/1991 TERENA
1 A
EDINEIA MACHADO DA SILVA
28/06/1984 GUARANI
1 A
EMERSON ALVES MACHADO
12/05/1988 TERENA
1 A ENA CLAUCIA OLIVEIRA ALVES 24/05/1990 GUARANI
1 A FERNANDO AUGUSTO PONTES MAMEDE 23/03/1990 TERENA
1 A GILDO PERITO SEVERINO 01/05/1984 KAIOWA
1 A
IDIETIUI VIEIRA HILTON
03/01/1991 KAIOWA
1 A INEIA ARCE GONCALVES 28/01/1989 KAIOWA
1 A IZAK MACHADO ROCHA 03/06/1991 KAIOWA
1 A
JEDNEY REGINALDO MARTINS
16/02/1988 GUARANI
1 A JOSILAINE MACHADO 10/07/1982 TERENA
1 A
JOZIEL GABRIEL AÊDO
14/05/1991 GUARANI
1 A JULIANA ECHEVERRIA DOS SANTOS 18/12/1984 BRANCA
1 A
JULIETE DOS SANTOS ECHEVERRIA
21/07/1989 BRANCA
1 A MAICO OLIVEIRA CABREIRA 04/05/1990 KAIOWA
1 A MARILDO DA SILVA PEDRO 15/09/1991 KAIOWA
1 A MARY ROSA MORALES 25/07/1990 TERENA
1 A ODEIR FERNANDES 26/07/1989 GUARANI
1 A REGIANE GONÇALVES 20/07/1989 KAIOWA
1 A ROBSON DA SILVA 11/11/1988 TERENA
1 A SIMONE REGINALDO DA SILVA 19/05/1989 GUARANI
1 A TANIA PORTO BENITES 02/08/1989 GUARANI
1 A VANILSON MARTINS DE SOUZA 21/08/1988 GUARANI
1 A VANUSA AQUINO VARGAS 18/12/1989 GUARANI
1 A
WALTER BRUNO SOUZA
10/02/1991 GUARANI
2 A ANA CLAÚDIA DE SOUZA 17/02/1987 GUARANI
2 A CLAUDINEI FERREIRA GARCIA 28/01/1987 GUARANI
2 A EDER FELIPE VALÉRIO 25/04/1989 TERENA
2 A ELVIS ORTIZ DE SOUZA 21/06/1989 TERENA
2 A GLAUCIA ROSA MORALES 28/10/1985 TERENA
2 A GRAZIELA AQUINO DA SILVA 06/08/1984 TERENA
2 A IONE GABRIEL AÊDO 14/04/1988 GUARANI
2 A JAQUELINE GONÇALVES PORTO 08/02/1990 KAIOWA
2 A JONADABE LEÃO 16/05/1986 TERENA
2 A MARINALVA GABRIEL AÊDO 30/04/1990 GUARANI
2 A ROGENA RAMOS 21/05/1987 TERENA
2 A SIDNEY FREITAS MARTINS 23/05/1989 TERENA
2 A VANESSA REGINALDO 30/04/1985 TERENA
132
ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO
ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA DE ENSINO MÉDIO INTERCULTURAL GUATEKA
– MARÇAL DE SOUZA
LISTA DE ALUNOS
SÉRIE/
TURMA
NOME DATA DE
NASCIMENTO
ETNIA
3 A CILENE BATISTA ROLIM 14/11/1987 KAIOWA
3 A CLAUDEMIR DUARTE OLIVEIRA 16/11/1983 KAIOWA
3 A CLEUDIMARA REGINALDO 13/11/1985 TERENA
3 A ELAINE CABREIRA DA SILVA 22/11/1988 GUARANI
3 A
FLAVIA CACERES DA SILVA
08/10/1989 TERENA
3 A ETI DA SILVA SOUZA 20/04/1988 GUARANI
3 A GISELI FERNANDES DE SOUZA 31/08/1987 GUARANI
3 A JOZIMAR FRANCISCO LILI 06/02/1986 TERENA
3 A MARIA ELISE MACHADO 16/10/1981 TERENA
3 A MARIA REGINA DE SOUZA 11/11/1969 GUARANI
3 A MYDIANE AQUINO VARGAS 14/08/1986 GUARANI
3 A NILCÉIA MACHADO 25/08/1982 TERENA
3 A ROBISON RODRIGUES 21/08/1982 GUARANI
3 A YARA DE SOUZA RODRIGUES 21/12/1988 GUARANI
OBS.: OS ALUNOS EM NEGRITO SÃO TRANSFERIDOS OU DESISTENTES.
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