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Universidade de Brasília
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
A EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA NO ENSINO
FUNDAMENTAL: DISCUSSÕES SOBRE A PRÁXIS DE
PROFESSORAS QUE ENSINAM MATEMÁTICA
NO INTERIOR DE GOIÁS
Harryson Júnio Lessa Gonçalves
Orientador: Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz
Brasília
2005
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HARRYSON JÚNIO LESSA GONÇALVES
A Educação Estatística no Ensino Fundamental:
Discussões sobre a Práxis de Professoras que Ensinam
Matemática no Interior de Goiás
Dissertação apresentada à Faculdade de Educação da
Universidade de Brasília como requisito necessário à
obtenção do título de Mestre em Educação, Área de
Concentração: Magistério – Formação e Trabalho
Pedagógico, sob a orientação do Prof. Dr. Cristiano
Alberto Muniz.
Brasília
2005
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Universidade de Brasília
Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação
Mestrado em Educação
A EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA NO ENSINO FUNDAMENTAL:
DISCUSSÕES SOBRE A PRÁXIS DE PROFESSORAS QUE ENSINAM
MATEMÁTICA NO INTERIOR DE GOIÁS
Harryson Júnio Lessa Gonçalves
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz – Orientador
Universidade de Brasília
Programa de Pós-Graduação em Educação
Prof
a
Dr
a
Celi Aparecida Espasandin Lopes
Universidade Cruzeiro do Sul – SP
Programa de Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática
Prof. Dr. Antônio Villar Marques de Sá
Universidade de Brasília
Programa de Pós-Graduação em Educação
Prof
a
Dr
a
Ana Lúcia Braz Dias – Suplente
Central Michigan University – USA
Graduate Programs – Department Mathematics
Brasília, 11 de abril de 2005.
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos professores Drª Ana Lúcia Braz
Dias, Dr. Antônio Villar Marques de Sá, Dr. Cristiano
Alberto Muniz e Dr. José Antônio Elias Damasceno (in
memorian), por terem acreditado no meu trabalho e,
assim, possibilitado minha constituição enquanto
professor-pesquisador.
Dedico-o, também, à minha mãe, Marlene Lessa, à
minha irmã, Rozilene Gonçalves, e ao meu grande amigo
Gilmar Campos Júnior, por se fazerem presentes durante
todo o processo de construção desta dissertação.
AGRADECIMENTOS
Inicialmente, a Deus.
Ao meu querido orientador, prof. Cristiano, pela acolhida.
Aos meus familiares, Marlene (mãezinha), Rozilene, Gilmar, Guga, Pollyanna, Pituco,
Horácio e Ronald, por terem sempre me apoiado.
Aos meus grandes amigos: Walter, pelas nossas longas discussões teóricas e
existenciais; Cida, pelas suas revisões e ajudas no português; Bel, pelos seus abraços
calorosos e acolhedores; Andreya, por sempre estar presente, mesmo longe fisicamente;
Raquel, pelo apoio no início da pesquisa.
Às professoras que se dispuseram em participar da pesquisa.
Aos meus colegas do mestrado, turma 2003, por terem contribuído com minha
construção teórica e me dado força para prosseguir. Em especial, ao meu grupo de trabalho:
Enam (minha irmãzinha de orientador), Cleide e Rodolfo.
À minha amiga de pesquisa, Rosália Policarpo, pelo apoio e contribuições.
Aos membros das bancas de qualificação e de defesa, profª Lúcia Resende, prof.
Villar, profª Celi Lopes e profª Ana Lúcia, pelos comentários e sugestões.
À profª Cileda Coutinho (PUC/SP), pelas sugestões de leitura para o projeto de
doutorado que muito acrescentaram na elaboração da dissertação.
Ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de
Brasília. Em especial, às adoráveis Juliane e Ana Paula.
Aos demais professores do Programa profª Benigna Villas Boas, prof. Jacques
Velloso, profª Regina Vinhaes e profª Albertina Martinez, pela dedicação e seriedade com que
conduzem seus trabalhos.
Aos colegas do GEPEM-DF e da SBEM-DF, pelas contribuições referentes à
Educação Matemática. Em especial, às professoras Carmyra Batista, Erondina Silva, Márcia
Regina, Sandra Baccarin, Regina Pina, Nina Cláudia, Sueli Brito e Nilza Bertoni.
Às Faculdades Integradas IESGO, pela compreensão e colaboração. Em especial, aos
meus colegas de trabalho (e amigos): Geraldo Eustáquio, Ana Clédina, Olgamir Amância e
Vivian Lasca.
Por fim, à CAPES, pelo apoio financeiro prestado a este projeto.
Não há receitas já prontas para servir em
todas as circunstâncias, mas existem idéias,
experiências e inovações que podem
ser utilizadas – com a condição
de que aprendamos a
escutar e a refletir
juntos.
Koïchiro Matsuura,
Diretor-Geral da Unesco
RESUMO
A pesquisa discute o ensino de noções estocásticas no Ensino Fundamental. Para tanto,
a pesquisa-ação foi a opção metodológica da investigação. Nela, analisei o problema: quais
construções e processos são identificados na práxis de professoras que ensinam Matemática
no Ensino Fundamental em relação ao ensino de noções estocásticas na escola? A construção
metodológica da pesquisa constituiu-se por dois grandes momentos de ação: no primeiro
momento, vivencio o cotidiano de uma professora de 4ª série em uma escola pública
municipal de Formosa, interior de Goiás, buscando conhecer um pouco da realidade do ensino
de Matemática, em especial, a presença de conceitos estocásticos no contexto da sala de aula.
No segundo momento, desenvolvo um curso de extensão para professores que ensinam
Matemática no Ensino Fundamental de Formosa/GO. No curso, discutimos, com base na
realidade dos professores, o ensino de noções estocásticas na escola, objetivando perceber
suas construções diante destes conteúdos. Para analisar os resultados, utilizei a estratégia da
análise de conteúdo, conseqüentemente constituí sistema com três categorias centrais. Na
primeira categoria, Organização do Trabalho Pedagógico no Contexto da Educação
Estatística, percebe-se que estes professores têm dificuldade em lidar com o jogo no ensino de
noções estocásticas, reduzindo muitas vezes o processo à utilização do livro didático,
contrariando, assim, as recomendações referentes ao ensino-aprendizagem da Estocástica, ou
seja, que ele deva ocorrer de forma ativa e experimental. O currículo é percebido por
professores como elenco de conteúdos a serem ministrados, em que são tratados de forma
estanque e linear, não se constituindo na perspectiva do currículo em rede. Desse modo, o
ensino da estocástica, quando presente na prática, torna-se mecânico e descontextualizado.
Contudo, estes professores, ao se depararem com orientações teórico-metododológicas sobre
o currículo em rede, desenvolveram prática mais coerente diante do ensino de noções
estocásticas. Na segunda categoria, Desenvolvimento Profissional das Professoras em
Educação Estatística, discute-se as representações sociais identificadas no discurso das
professoras referentes ao ensino de noções estocásticas, em que muitas das professoras
investigadas acabam reduzindo o processo de ensino à transmissão/transferência de
conhecimento, não se posicionando como mediadores no processo de construção do
conhecimento matemático dos alunos. Na terceira e última categoria, Obstáculos Didáticos e
Epistemológicos no Ensino de Noções Estocásticas, percebe-se que noções de acaso,
aleatoriedade e probabilidade apresentam-se como obstáculos epistemológicos enfrentados
pelas professoras. Como fatores que geram obstáculos didáticos, encontrei o curto espaço de
tempo para cumprimento dos conteúdos propostos pelo livro didático, a desmotivação dos
alunos, a dificuldade das professoras em lidarem com a interdisciplinaridade, a falta de tempo
para planejamentos adequados, devido à longa jornada de trabalho das professoras e a falta de
análise dos esquemas mentais dos alunos no processo de ensino da Matemática. Assim, a
pesquisa contribuiu como espaço de formação continuada dos professores, pois por meio dela
professores discutiram e constituíram uma prática mais crítica no ensino de noções
estocásticas.
Palavras-chave: Formação de Professores; Educação Estatística; Educação Estocástica;
Estocástica; Ensino da Estocástica.
ABSTRACT
This study investigates the teaching of stochastic notions at the Elementary school
using the methodology of action-research. It analyses the constructions and processes
identified in the praxis of elementary school teachers – their classroom practice and their
reflections and discussions on that practice.,. The design of the study comprises two major
phases of action: at the first moment, I participated in the daily routine of a fourth-grade
teacher in a public school in the city of Formosa, state of Goiás, Brazil, aiming at constructing
knowledge about the reality of mathematics teaching at such a school, in particular in what
concerns the role of stochastic concepts in that teaching. At the second moment, I carried out
an inservice course for elementary and middle school teachers of that city, in which we
discussed the teaching of stochastics in the context of those teachers’ classroom practice and
reality, aiming at identifying their constructions relating to those concepts. To analyze the
results, I used the methodology of content analysis, with which I constructed three main
categories. At the first category: The arrangement of pedagogyc work at the stochastic
education context, it has been noticed that the teachers have dificults when they must work
with plays at the teaching of stochastic notions, limiting many times the method to only use
the textbook, this way, they deny the recommendations that the teaching must happens in an
active and experimental way relating to the stochastic teaching. The curriculum is noticed by
the teachers like a list of contents that must be administed, and they have been treated in a
linear and impervious way, and it doesn´t consist at the real perspective of the curriculum.
This way, when the stocastics teaching is contemplated it become mechanic and out of the
context. Although, when these teachers turn up themselves with theoretical and methodologyc
orientations about the curriculum, they develop a pratice more cohesive in front of the
stochastic notions teaching. At the second category, The Professional Development of
Education Estatistic Teachers, it was discussed the social representation introduced by the
teachers relating to the stochastic notions teaching, where many of the investigated teachers
limited the method of teaching to transmission/transference of knowledge, didn´t put
themselves like intermediary in the process of mathematics knowledge construction of
students. At the third, and last category, Didatic and Epistemologic Obstacles at the teaching
of stochastic notions, it´s noticed that notions, of chance, aleatoric and probability signalizein
this group like epistemologics obstacles confronted by the teachers. And like factors that
generate didatics obstacles, I found a little time to execute the didatic book, the students
desmotivation, the teachers dificult, when they try to work with the interdisciplination, the
little time that they have to plan their classes, cause of their long work journey and absence of
mental scheme analysis of the students in the process of teaching mathematics. The study
contributed to the establishment of a venue for lifelong learning of teachers. Those who
participated in the study became more critical of their practice and constituted accordingly
critical changes to their the teaching of stochastics.
Keywords: Academic Teachers Formation; Estatistics Education; Stochastics Education;
Stochastics; Stochastics Teaching.
PREFÁCIO
Nesta dissertação de mestrado, apresento discussão teórico-metodológica sobre o ensino
e a construção de noções estocásticas no Ensino Fundamental. Este tema surge a partir da minha
história tanto pessoal, quanto profissional, gerando, assim, um continuum de fatos que me
impulsionaram a pesquisar e escrever este trabalho. Tentarei, de forma sucinta, levantar alguns
desses fatos que julgo importantes para elaboração de minhas idéias junto ao objeto de pesquisa.
Quando me recordo do tempo de escola básica, infelizmente, não trago boas
lembranças daquela época: era a tabuada que me perseguia, não conseguia memorizá-la e, por
isso, sempre me tiravam pontos; não conseguia resolver uma conta de divisão com mais de
um algarismo no divisor. Quando cheguei na álgebra, por volta da 6
a
série, tudo se complicou;
não via sentido em nada que estava estudando. Lembro-me, como se fosse ontem, quando tive
de estudar polinômios, 7
a
série, eu achava um terror, passei de ano “raspando”; minha
preocupação central era passar de ano. Na 8
a
série, adorei estudar equação do 2
o
grau, era bem
divertido, pois bastava decorar as fórmulas para se conseguir resolver os exercícios de
maneira mecânica (e, principalmente, as provas). No Ensino Médio, antigo 2
o
grau, tudo ficou
mais fácil, pois, mesmo sem compreender a aplicabilidade dos conteúdos, eu conseguia
entender as atividades sugeridas pelos professores.
Esse cenário retrata muito bem um contexto histórico do ensino da Matemática,
chamado de “Movimento da Matemática Moderna” – anos 70 e 80. Segundo Pires, esse
modelo “inscreveu-se, muito claramente, numa política de formação a serviço da
modernização econômica” (1995, p. 14), ou seja, em nome do avanço da economia, buscou-se
por esse movimento tornar o ensino da Matemática e das ciências mais eficazes. Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática – PCN:
Ao aproximar a Matemática escolar da Matemática pura, centrando o ensino nas
estruturas e fazendo uso de uma linguagem unificadora, a reforma deixou de
considerar um ponto básico que viria se tornar seu maior problema: o que se propunha
estava fora do alcance dos alunos, em especial daqueles das séries iniciais do Ensino
Fundamental. (BRASIL/MEC/SEF, 1997, p. 21)
Essa análise feita pelos PCN retrata a angústia por mim vivida durante minha trajetória
desprazerosa frente à Matemática que me era apresentada na educação básica.
Durante essa fase, não me recordo de estudar Probabilidades, nem Estatística, nem
Análise Combinatória, apesar de na época esses temas serem vistos como conteúdos
programáticos do Ensino Médio.
Ao concluir o Ensino Médio, comecei a cursar graduação em Análise de Sistemas e as
disciplinas que mais me chamavam a atenção eram as da Matemática – como Cálculo
Diferencial e Integral, Cálculo Numérico, Lógica Matemática. Nesse momento, em meio a
essas várias disciplinas, fui apresentado à Estatística e aos cálculos de Probabilidade.
Tristemente afirmo, somente no Ensino Superior vivenciei uma forma prazerosa de aprender
Matemática, chegando, assim, a grande frustração: a “escola excludente” em que estudei
durante 12 anos de minha vida me negou a oportunidade de ver e sentir uma Matemática bela
e viva. Foi nesse instante que resolvi ser professor, desisti de ser analista de sistemas no 4
o
período do curso.
Fiz minha matrícula em um curso pós-secundário de magistério para os anos iniciais
do Ensino Fundamental (em nível médio), em que conheci melhor o que é ser professor. Foi
nessa ocasião que tive meu segundo contato com a Estatística, por meio da disciplina
Estatística Aplicada à Educação. Esta objetivava nos fundamentar na realização de leitura de
gráficos e tabelas indicadores estatísticos da educação brasileira – não prevendo, assim, outras
possibilidades desta disciplina, como a pesquisa e o ensino da Estatística.
Ao concluir o curso, comecei a entregar currículos nas escolas particulares de São
Gonçalo/RJ, local onde morava, a fim de começar a exercer minha profissão. Foi quando uma
escola comunitária me fez a proposta de ensinar Matemática no curso supletivo
1
para alunos
das séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, devido à carência de
profissionais formados na área. Mesmo não possuindo formação específica, resolvi assumir de
forma desafiadora a regência das turmas. Na ocasião, eu, inexperiente e recém-formado (em
curso magistério de nível médio), tinha apenas um semestre (com aulas semanais
reduzidíssimas) para trabalhar todos os conteúdos de Matemática referentes ao ano letivo do
ensino regular. Tudo era diferente do que eu havia estudado: estavam em uma mesma turma
alunos de 14 e de 48 anos, donas-de-casa, empresários, desempregados e até traficantes.
Havia, também, aqueles alunos que sabiam bastante e outros que tinham dificuldades, não
conseguiam compreender os conteúdos. Foi quando resolvi selecionar os conteúdos a serem
trabalhados, tendo como referência a necessidade dos alunos. Por exemplo, perguntava-me:
para que estudar função logarítmica se eles não sabiam nem calcular uma porcentagem ou
realizar uma divisão? Em meio a essa minha leitura crítica diante do currículo, julguei
necessário trabalhar Estatística e Probabilidades no Ensino Médio. Essa experiência no curso
supletivo
2
foi rica para construção da minha identidade de educador matemático.
Resolvi, então, retornar ao Ensino Superior devido, principalmente, à necessidade de
fundamentar minha prática. Optei por cursar Pedagogia na Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, onde a cada aula sentia na pele a construção de minha práxis pedagógica.
No segundo ano de curso, tive de deixar tudo, meu emprego e meus estudos, pois
minha família se mudou para Brasília e meu salário de professor não me garantia
sustentabilidade no Rio de Janeiro.
Ao chegar em Brasília, logo fui aprovado no concurso público para professores de
séries iniciais do Ensino Fundamental da Prefeitura Municipal de Águas Lindas de Goiás,
região do entorno do Distrito Federal. Lecionei durante um ano em turmas de 3
a
e 4
a
séries
1
Hoje chamado de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
desse nível de ensino. No entanto, resolvi desligar-me da prefeitura devido à longa distância
da escola para minha casa – levava duas horas de ônibus para chegar à escola.
No mesmo período, recebi uma proposta tentadora para ser professor de Matemática
da rede pública do Estado do Goiás, onde trabalhei com alunos de 1
o
e 2
o
anos do Ensino
Médio. Foi uma experiência bastante compensadora; frente à precariedade da escola (falta de
material e apoio pedagógico, além do baixo salário), fiz um bom trabalho junto aos meus
alunos. Pena que só pude permanecer no Estado por seis meses, pois o Governo dispensou
todos os contratados em função de nomeação de concursados.
Resolvi, então, prestar o vestibular para a Universidade de Brasília (UnB), só que
agora surgiu a dúvida: Pedagogia ou Matemática? Optei, então, por concluir meu curso de
Pedagogia, tendo planos de logo em seguida cursar Matemática.
No segundo ano dessa graduação, conheci o coordenador de meu curso – Prof. Dr.
José Antônio Elias Damasceno. Perante as efervescentes discussões sobre o novo currículo do
curso de Pedagogia da UnB e após ter cursado a disciplina Educação Matemática com aquele,
recebi o convite de fazer parte do seu projeto de pesquisa, intitulado “Concepções
Probabilísticas de Estudantes e Professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental”, como
bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic – UnB/CNPq).
Inicialmente, fiquei receoso sobre a aceitação do convite, pois me achava inexperiente como
pesquisador em Educação, porém, querendo aprender sobre a Estocástica na escola, resolvi
aceitá-lo.
Encaminhamos nosso projeto de pesquisa para fins de aprovação junto à comissão do
Pibic, obtendo como resultado parecer positivo. De repente, meu orientador, professor e amigo
Damasceno, descobre ser portador de um tumor que lhe exigiria séria cirurgia. Mesmo
convalescente, o forte homem resolveu não parar seu trabalho de produção científica e, assim,
2
Continuo a utilizar o termo supletivo, em detrimento de Educação de Jovens e Adultos (EJA), por acreditar que
o supletivo possui concepção bastante reduzida em relação à concepção proposta pela EJA.
semanalmente marcava reuniões com intuito de avançarmos nosso estudo teórico. Devido à
gravidade da doença, nos encontrávamos na casa de sua mãe. Durante nossos encontros, percebia
que ele ficava preocupado com o prosseguimento da pesquisa no período pós-operatório, por isso
pediu-me diversas vezes para procurar a professora doutora Ana Lúcia Braz Dias, da
Universidade Católica de Brasília (UCB), caso ele ficasse muito tempo sem poder me orientar.
Chegou o dia de sua cirurgia: todos da Faculdade de Educação aguardavam notícias e,
felizmente, o resultado foi positivo. Na tarde do seu segundo dia de recuperação, visitei-o; foi
grande a minha alegria ao vê-lo e, mesmo sem poder falar muito, percebi que ele, naquele
momento, sentiu meu carinho e admiração.
Na mesma noite, recebi um telefonema informando que o professor Damasceno não tinha
resistido e havia acabado de falecer. Fiquei abalado com a notícia. Lembrava-me a todo instante
dos nossos encontros e de quando olhava para mim e, fumando seu cigarro, dizia: “Júnio, agora
que saí da coordenação de graduação, terei tempo para começar a pesquisar. Estou com 40 anos
e tenho muito a contribuir com a Educação. Sinto-me angustiado por ter saído do doutorado e
ainda não ter começado a produzir. Apesar de estar doente, e não saber ao certo o que será de
mim, estou bastante esperançoso, pois tenho minha amiga Ana Lúcia, professora da
Universidade Católica de Brasília com que tenho grande afinidade tanto pessoal, quanto
profissional, fazendo parte do meu projeto de pesquisa; tenho minha primeira orientanda do
mestrado, Ana Porto – às vezes acho que ela vai desistir de mim, pois temos grandes discussões,
acredito eu construtivas, sobre a Educação Matemática. Quanto a você, meu jovem orientando
que logo quero ver no mestrado, acredito no seu potencial, quero poder ajudá-lo no seu processo
de formação enquanto professor-pesquisador”.
Frente àquelas sábias palavras, que estavam borbulhando em minha memória, e à notícia
de seu falecimento, resolvi, então, não decepcioná-lo e dar prosseguimento ao seu projeto – era
uma questão de honra e gratidão.
Após procurar a chefe do Departamento de Métodos (FE/UnB), professora Sandra, e
solicitar providências quanto a minha situação, fui encaminhado ao professor Villar, doutor
que na ocasião investigava o lúdico e o jogo no processo educativo. Ao ler meu projeto, ele
não hesitou em me aceitar como seu orientando de iniciação científica. Foi um ano de muito
trabalho e pesquisa junto a escolas públicas do Distrito Federal, investigando sobre as
concepções probabilísticas de estudantes do 2
o
ciclo do Ensino Fundamental. O processo não
foi simples, pois tínhamos bastante dificuldades: ora era a metodologia estabelecida a priori,
ora a falta de produção sobre o tema, ora a angústia por não ter mais o Damasceno conosco.
Infelizmente, o projeto do Damasceno – de âmbito maior – não teve prosseguimento.
Ao terminar o período de vigência da bolsa, resolvi retornar para a escola básica. E
trabalhei como coordenador pedagógico em uma escola privada do Distrito Federal.
Ao mesmo tempo, estando no último período do curso de Pedagogia, retomei minhas
pesquisas em Educação Matemática e, por conseqüência, me matriculei na disciplina
Matemática para Início de Escolarização 2, com a professora Solange Amato. Minhas
indagações sobre o ensino da Estocástica nas séries iniciais voltaram a me perseguir. Percebia
as recomendações do MEC sobre o Tratamento da Informação, mas via os professores
perdidos diante desses conhecimentos; percebia, também, a escassez de produções em
português sobre a temática, que bem poderiam subsidiar a prática dos professores. Sentia
necessidade de estudos mais avançados e aprofundados na área, pois a graduação já não mais
me proporcionava avanços. O que fazer então? Iria dar aulas na rede pública? Ou faria a
seleção do mestrado, buscando mergulhar na minha temática?
Resolvi fazer as duas coisas: me inscrevi para o concurso da Secretaria de Educação
do Distrito Federal (professor nível 1 – séries iniciais do Ensino Fundamental) e me inscrevi,
também, para a seleção para o Mestrado em Educação da UnB. Para minha surpresa, fui
aprovado nos dois processos seletivos, sendo que a Secretaria de Educação não convocou os
professores aprovados no concurso daquele ano; assim, me voltei para o Mestrado em
Educação da UnB.
Fui, então, apresentado ao orientador do programa, professor Cristiano Muniz, doutor
pesquisador sobre o ensino da Matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Fiquei
muito satisfeito, pois já havia lido alguns de seus textos e ouvido falar bastante de sua
competência nessa área investigativa. Era o que eu precisava: alguém competente e
sintonizado com a discussão nacional, e internacional, sobre o ensino da Matemática, que
compreendia com clareza as teorias da Educação Matemática e que estava interessado em
discutir o ensino da Estocástica nas séries iniciais do Ensino Fundamental.
Mesmo assim, tendo ao lado alguém tão competente para me orientar na pesquisa,
sentia-me inseguro, pois minha formação era em Pedagogia e, mesmo sabendo que a
Educação Matemática é uma área interdisciplinar, sentia o peso de não possuir formação
específica em Matemática, principalmente, por estar pesquisando sobre Estatística,
Probabilidades e Combinatória, conteúdos por vezes ausentes da escola básica.
Certo dia, navegando pela Internet, encontrei informações sobre um projeto da UCB,
chamado “Pró-Estocástica: Estudos do Raciocínio Estocástico e Delineamento de
Intervenções Favoráveis à sua Aplicação”, coordenado pela prof
a
Dr
a
Ana Lúcia Braz Dias.
Bingo! Encontrei o que precisava para complementar meus estudos: um projeto sobre a
temática específica – e melhor, coordenado pela professora amiga do Damasceno. Procurei-a
e comecei a participar do seu projeto como colaborador; encontrei, também, a minha hoje
amiga Rosália, que cursava o mestrado pela UCB, na mesma temática que a minha. Juntos,
começamos a estudar, construir textos e participar de congressos. Esse grupo foi de grande
importância para minha motivação e segurança na pesquisa. No projeto, buscávamos discutir
questões como a formação do educador matemático das séries iniciais em Estocástica;
definíamos o campo conceitual da Estocástica; filosofia das Probabilidades; levantávamos
discussões filosóficas sobre o acaso, assim como sua legitimação científica; entre outros
pontos teórico-metodológicos sobre uma possível Educação Estocástica.
Participava, também, de outro grupo de estudos da Faculdade de Educação da
Universidade de Brasília (FE/UnB), coordenado pelo professor Cristiano, chamado Grupo de
Estudos e Pesquisas em Educação Matemática (Gepem/DF). Nesse grupo, participavam os
mais diversos pesquisadores da Educação Matemática do Distrito Federal. Meu crescimento
era evidente com a minha participação nesses dois grupos.
Um outro momento que julgo de extrema importância para a construção de meu
conhecimento foi a participação no IX Seminário IASI de Estatística Aplicada: “Estatística na
Educação e Educação em Estatística”, em julho de 2003, no Rio de Janeiro, onde
discutíamos questões sobre a então chamada Educação Estatística. Nesse evento, em que
pude conhecer alguns dos pesquisadores nacionais e internacionais que têm abordado a
temática, assim como professores da Universidade de Granada na Espanha, que muito têm
produzido sobre o tema.
Agora, juntamente com o professor Cristiano, meu orientador, e as contribuições da
professora Ana Lúcia, minha virtual e extra-oficial co-orientadora, buscarei no decorrer desse
trabalho contribuir com a práxis dos professores que ensinam Matemática no Ensino
Fundamental e com a produção de conhecimento em Educação Matemática e Educação
Estatística na discussão sobre o ensino de noções estocásticas.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 24
CAPÍTULO I – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA 27
CAPÍTULO II – OBJETIVOS DE PESQUISA 33
1. Objetivos Práticos Ação/Intervenção 34
1.1. Objetivo Geral
34
1.2. Objetivo Específico
34
2. Objetivos de Conhecimento 35
2.1. Objetivo Geral 35
2.2. Objetivo Específico 35
CAPÍTULO III – RELEVÂNCIA DO ESTUDO 37
1. Relevância do Ensino da Estocástica para o Sujeito Contemporâneo 37
2. Relevância desse Estudo para a Consolidação da Educação Estatística 42
CAPÍTULO IV – PONTO DE PARTIDA CONCEITUAL 47
1. Aprendizagem da Estocástica – Perspectiva da Psicologia 48
1.1. Trabalho de Piaget e Inhelder (1951)
48
1.2. Trabalho de Fischbein (1975) 50
1.3. Trabalho de Cohen e Hansel (1955)
51
1.4. Trabalho de David Green (1982) 52
2. Ensino da Estocástica – Perspectiva da Educação Matemática 53
CAPÍTULO V – CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA 62
1. Abordagem Metodológica – Opção pela Pesquisa Qualitativa
63
2. Apontamentos sobre a Pesquisa-Ação
66
3. O Processo Metodológico 68
3.1 Momento de Ambientalização Inicial 69
3.2 Curso de Extensão 70
3.3 Discussões com o Orientador 75
3.4 Relatos de Experiências das Professoras 75
CAPÍTULO VI – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 76
1. Análise de Conteúdo 76
2. Sistema de Categorização
78
3. Organização do Trabalho Pedagógico no Contexto da Educação Estatística
80
3.1 Percepções sobre o Jogo no Ensino de Noções Estocásticas 82
3.2 Percepções sobre o Currículo de Matemática e o Livro Didático 89
3.3 Percepções sobre Materiais Didáticos Pedagógicos 102
4. Desenvolvimento Profissional das Professoras em Educação Estatística 105
5. Obstáculos Didáticos e Epistemológicos no Ensino de Noções Estocásticas 115
CAPÍTULO VII – CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA PARA O ENSINO DE NOÇÕES
ESTOCÁSTICAS NO ENSINO FUNDAMENTAL 124
PALAVRAS FINAIS 132
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS 136
ANEXO A 143
ANEXO B
144
LISTA DE FIGURAS
1. Esquema Coutinho (2001) – Modelagem 58
2. Esquema Coutinho (2002) – Probabilidade Geométrica 58
3. Percurso da Pesquisa 62
4. Boneco Metodológico 68
5. Fotografia Grupo de Professoras com o pesquisador – Dia 17/08/2004
72
6. Fotografia Grupo de Professoras com o pesquisador – Dia 17/08/2004
72
7. Casinhas da Atividade das Professoras 93
8. Casinhas com Tabela das Atividades Apresentadas pelas Professoras 94
9. Gráfico Apresentado na Atividade das Professoras 94
10. Tabela Apresentada na Atividade das Professoras 99
11. Tabela com Marcações da Atividade Apresentada pelas Professoras 100
LISTA DE SIGLAS
1. Capes – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
2. CMU – Central Michigan University
3. CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
4. Enem – Encontro Nacional de Educação Matemática
5. Fundescola – Fundo de Fortalecimento da Escola
6. Gepem – Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática do Distrito Federal
7. Gestar – Programa de Gestão e Aprendizagem Escolar
8. Iase – International Association for Statistical Education
9. Iasi – Inter American Statistical Institute
10. Icme – Internation Congress of Mathematics Education
11. Icots – International Association for Statistical Education
12. IEM – Investigações em Educação Matemática
13. Iesgo – Instituto de Ensino Superior de Goiás
14. ISI – International Statistical Institute
15. MEC – Ministério da Educação
16. Nctm – National Council of Teachers of Mathematics
17. ONU – Organização das Nações Unidas
18. PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
19. PDE – Plano de Desenvolvimento da Escola
20. Pibic – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
21. Pnld – Plano Nacional do Livro Didático
22. PUC – Pontifícia Universidade Católica
23. Sbem – Sociedade Brasileira de Educação Matemática
24. SEF – Secretaria de Ensino Fundamental (MEC)
25. UCB – Universidade Católica de Brasília
26. UEG – Universidade Estadual de Goiás
27. UnB – Universidade de Brasília
28. Unesp – Universidade Estadual Paulista
29. Unesco – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
30. Unicamp – Universidade Estadual de Campinas
INTRODUÇÃO
Nesta dissertação de mestrado, apresento investigação realizada com professoras que
ensinam Matemática no Ensino Fundamental. Optei por realizar o estudo em um município
localizado no interior de Goiás – Formosa. Na pesquisa, analisei a práxis de 15 professoras
que se encontravam em regência de turmas nas mais diversas séries do Ensino Fundamental,
visando a perceber as construções e os processos desencadeados por estas, diante do ensino de
noções de Análise Combinatória, Probabilidades e Estatística na escola. Portanto, utilizei
como orientação metodológica a pesquisa-ação. Assim, organizo o trabalho em oito capítulos.
No primeiro capítulo, intitulado Delimitação do Objeto de Pesquisa, discuto e
problematizo algumas das dificuldades enfrentadas por professores diante do ensino de
noções estocásticas no Ensino Fundamental. Assim, delimito o problema de pesquisa e as
questões que norteiam a investigação.
No segundo capítulo, intitulado Objetivos de Pesquisa, descrevo os objetivos a serem
alcançados na investigação. Portanto, os apresento como objetivos práticos (natureza
interventiva) e objetivos de conhecimento, com base nas especificidades deste tipo de
investigação apontadas por Thiollent (1996). No entanto, não pretendo com isso dicotomizar
os objetivos traçados, mas, sim, melhor delineá-los para inserção em campo.
No terceiro capítulo, intitulado Relevância do Estudo, justifico o trabalho sob duas
perspectivas. Na primeira perspectiva, Relevância do Ensino da Estocástica para o Sujeito
Contemporâneo, discuto a respeito da importância do desenvolvimento do raciocínio
estocástico para o sujeito no contexto da pós-modernidade, para tanto centralizo a discussão
em Kuhn (1975/1994), Morin (2002) e Santos (2000). Na segunda perspectiva, Relevância
desse Estudo para Consolidação da Educação Estatística, com base no histórico do
25
movimento de educadores matemáticos e educadores estatísticos para inclusão da Educação
Estatística no currículo escolar, fundamento a importância do trabalho para consolidação da
Educação Estatística no currículo brasileiro e para a constituição da área de pesquisa no
Brasil.
No quarto capítulo, Ponto de Partida Conceitual, apresento alguns dos principais
estudos a que tive acesso durante a pesquisa que fundamentam conceitualmente o trabalho.
Portanto, opto por explanar o tema sob duas perspectivas. Na primeira, Aprendizagem da
Estocástica, utilizo como referência os estudos ligados à Psicologia, como os de Piaget e
Inhelder (1951), de Green (1982). Na segunda perspectiva, Ensino da Estocástica, utilizo
como referência os estudos apresentados por educadores matemáticos e educadores
estatísticos, como os de Lopes (1998; 2003), de Batanero (2001), de Coutinho (2001), entre
outros autores.
No quinto capítulo, Construção Metodológica, descrevo a metodologia utilizada para a
construção do trabalho. Discuto questões sobre a subjetividade do pesquisador em campo,
justifico o trabalho com a orientação metodológica da pesquisa-ação, assim como descrevo as
diversas ações empregadas em campo para construção da pesquisa.
No sexto capítulo, Análise e Discussão dos Resultados, apresento e discuto os
principais resultados encontrados em campo. Portanto, opto por utilizar a análise de conteúdo
e, conseqüentemente, o sistema de categorização a posteriori. Estabeleço as seguintes
categorias de análise para discutir os resultados da pesquisa:
Organização do Trabalho Pedagógico no Contexto da Educação Estatística
Percepções sobre o Jogo no Ensino de Noções Estocásticas
Percepções sobre o Currículo de Matemática e o Livro Didático
Percepções sobre Materiais Didático-Pedagógicos
26
Desenvolvimento Profissional das Professoras em Educação Estatística
Obstáculos Didáticos e Epistemológicos no Ensino de Noções Estocásticas
No sétimo capítulo, Contribuições da Pesquisa para o Ensino de Noções Estocásticas
no Ensino Fundamental, traço alguns dos possíveis indicativos da realidade enfrentada por
professores que ensinam matemática na escola de Ensino Fundamental, suas possibilidades de
construções e organização do trabalho pedagógico, além de seus possíveis obstáculos
epistemológicos e didáticos no ensino.
Assim, fecho esta dissertação com minhas Palavras Finais, apresentando os principais
desafios e perspectivas enfrentadas por mim, em meu processo de constituição enquanto
pesquisador em Educação Matemática.
CAPÍTULO I – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA
Segundo Gil, “na acepção científica, problema é qualquer questão não resolvida e que
é objeto de discussão, em qualquer domínio do conhecimento” (1999, p. 49). Nesse sentido,
sinalizo a atual inserção do ensino de noções de análise combinatória, estatística e
probabilidades no currículo brasileiro como algo passível de diversas discussões,
principalmente, referentes a questões metodológicas e de formação do professor.
Os mundos natural e sociocultural são repletos de fenômenos e práticas dadas ao
acaso, a própria natureza da existência humana está mergulhada num quadro de incertezas e
contradições. Reflexões amplas, considerando essas incertezas, tornam-se exigência à atual
Matemática Escolar, principalmente tendo em vista o comprometimento dessa com a
constituição do cidadão crítico. É necessário que estudantes e professores tenham clareza de
que os modelos deterministas não podem ser aplicados a todas as situações.
Com base no Novo Aurélio Século XXI: dicionário da língua portuguesa (HOLANDA,
2002), o termo estocástico, com mesma origem da palavra estoque, deriva-se do grego
stochastikós. Assim, possui duplo sentido: o primeiro refere-se a “cravar com a ponta da
espada” – tendo sua gênese na fusão do francês antigo estochier, estoquier, “dar estocadas”,
“cravar”, com o neerlandês stôken, “cravar” –; o segundo sentido origina-se do inglês stock,
referindo-se a questão da armazenagem, guardar algo prevendo o futuro. Desse modo, o termo
nos remete a idéia tanto de Estatística, quanto de Probabilidades.
Para Francisco Borba (2002), em seu Dicionário de Uso do Português do Brasil,
estocástico refere-se ao estudo que tem por objetivo a aplicação de cálculo de probabilidade a
dados estatísticos. Segundo Lopes (1998), o termo tem sido utilizado na Europa para designar
o ensino de Probabilidades e Estatística, quando apresentado de forma interligada.
28
Com base nestas análises, aproximo-me do conceito que utilizo neste trabalho: modelo de
pensamento que possibilita ao sujeito perceber a possibilidade de um fato aleatório ocorrer por meio
da percepção das mais diversas dimensões que podem interferir nesta ocorrência.
Neste trabalho, considero também o termo Educação Estatística, representando discussões
pedagógicas relacionadas com o ensino e a aprendizagem que vise à construção e ao
desenvolvimento do raciocínio estocástico – em Educação Matemática este processo se apresenta
pelas construções conceituais em Análise Combinatória, Probabilidades e Estatística. Assim, a
Educação Estatística
busca ultrapassar a metodologia pedagógica arraigada na repetição de conceitos, que não
levam em conta o contexto histórico-sócio-cultural do indivíduo procurando uma forma de
construir indivíduos conscientes de sua identidade (FRICKE; VEIT, 2003, paginação
irregular).
Considero ser a Estocástica ferramenta essencial para a constituição desse sujeito – cidadão
crítico e reflexivo –, pois esta leva em consideração as incertezas como parte integrante do
conhecimento humano.
Com isso, não nego a importância da Matemática Determinista para constituição das
estruturas lógicas do pensamento, mas, sim, pressuponho nova perspectiva de abordagem da
Matemática Escolar, que leve em consideração a aleatoriedade e as incertezas para o processo de
constituição do sujeito.
No entanto, essa nova perspectiva não pode ficar reduzida a conteúdos de Estatística e
Probabilidades a serem trabalhados pelos livros didáticos ou por exercícios mecânicos e
descontextualizados, mas, sim, como nova concepção de conhecimento, que respeite o contexto
histórico-cultural do sujeito. Isso exige nova postura na formação do professor que irá atuar no
Ensino Fundamental, o que implica nova postura diante dos fenômenos naturais e sociais, gerando a
necessidade de mobilização de noções estocásticas até então desprezadas pelo currículo escolar.
29
Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática
1
(PCN), em consonância com as
Normas para o Currículo e a Avaliação em Matemática Escolar – Standards, do National
Council of Teachers of Mathematics, recomendam que desde os anos iniciais do Ensino
Fundamental sejam trabalhados conteúdos de Estatística e Probabilidades (NCTM, 1991;
BRASIL/MEC/SEF, 1997). Nos PCN, essas recomendações configuram-se como bloco de
conteúdos denominado Tratamento da Informação:
Integrarão este bloco estudos relativos a noções de estatística, de probabilidade e de
combinatória. Evidentemente, o que se pretende não é o desenvolvimento de um
trabalho baseado na definição de termos ou fórmulas envolvendo tais assuntos (p. 56).
No entanto, percebo um caótico cenário escolar: os professores que hoje atuam no
Ensino Fundamental se vêem na situação de ter de ensinar temáticas que muitas vezes a
educação básica lhes negou. Os conteúdos de Estatística, Probabilidades e Análise
Combinatória, quando tratados pela escola, foram vistos de forma fragmentada e
descontextualizada – geralmente no 2
o
ano do Ensino Médio.
Com base no depoimento de alguns professores, pressuponho que eles se sentem
despreparados para abordar este tema na escola, acabando por usar como referência central de
sua prática pedagógica os livros didáticos. Além desta limitação, os professores seguem-nos
de forma acrítica e completamente teórica, contrariando, assim, as recomendações referentes
ao ensino de noções estocásticas dos PCN, quando discutem que o ensino destes tópicos deve
explorar situações variadas com estratégias experimentais, desafiadoras, investigativas e
argumentativas (BRASIL/MEC/SEF, 1998).
Acredito que as dificuldades dos professores nem sempre são relativas,
exclusivamente, à Estatística e à Probabilidade, mas, sim, a outros conceitos matemáticos que
esses conteúdos implicam. Dias (2004), discutindo o ensino de Probabilidades para
1
Adotei a sigla PCN neste trabalho para referir-me aos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática.
30
professores dos anos finais do Ensino Fundamental, aponta duas dificuldades do trabalho
pedagógico com esses conceitos: a primeira, refere-se à novidade que a inserção desses
tópicos no currículo representa, fazendo que o professor tenha de quebrar hábitos e, assim,
buscar novas informações e atividades para desenvolver na sala de aula; a segunda situação
refere-se à formação desses professores para lidar com o ensino desses conceitos específicos,
uma vez que “os professores provenientes das licenciaturas em matemática às vezes têm
alguma formação básica em probabilidade e estatística, mas geralmente não têm formação nas
questões relacionadas ao ensino destes conceitos” (paginação irregular). Dias avança dizendo
que muitos desses professores não têm nem mesmo formação nos conceitos elementares de
Probabilidades e Estatística.
Considerando esse quadro preocupante, revela-se a necessidade de estudos e pesquisas
referentes à Educação Estatística no campo da Educação Matemática, visando à
implementação e consolidação dessa no currículo escolar brasileiro. Entendo esse processo
como elemento indispensável para a formação do cidadão em uma sociedade complexa e,
conseqüentemente, na configuração de percepção crítica, analítica e reflexiva das inúmeras
informações que nos são apresentadas cotidianamente. Lopes aponta que “talvez o trabalho
crítico e reflexivo com a Estocástica possa levar o estudante a repensar seu modo de ver a
vida, o que contribuirá para a formação de um cidadão mais liberto das armadilhas do
consumo” (1998, p. 36).
Visto isso, apresento grande impasse: de um lado, os Parâmetros Curriculares
Nacionais de Matemática e os currículos oficiais recomendam, e às vezes exigem, que se
aborde a Estocástica como mais um conteúdo matemático (Tratamento da Informação) a ser
trabalhado pela escola; por outro lado, percebo a necessidade de que a inclusão dessa
Matemática no currículo deva transcender a questão dos conteúdos e se configurar como
perspectiva de abordar a Matemática Escolar de maneira comprometida com a formação do
31
cidadão inserido em uma matriz paradigmática emergente; e, ainda, percebo nos próprios
professores a insegurança de lidarem com esta temática na escola.
Então, como estabelecer nova postura para a realidade escolar, se o professor em sua
trajetória escolar e acadêmica lidava com modelos lineares e fragmentados de construção do
conhecimento matemático? Será que impondo os conteúdos a serem abordados pelos
professores iremos de fato viabilizar a construção de um trabalho pedagógico eficiente? Ou
apenas oferecendo oficinas sobre a temática resolveremos o problema nas escolas? Como os
professores acham que esse problema pode ser resolvido? Assim, neste trabalho analisarei a
seguinte questão de pesquisa:
Quais construções e processos são identificados na práxis de professoras que ensinam
Matemática no Ensino Fundamental em relação ao ensino de noções estocásticas na escola?
Para tratar este problema de pesquisa, utilizei abordagem qualitativa de pesquisa em
Educação, tendo a pesquisa-ação como opção metodológica e considerando esses resultados
como análises preliminares de futura Engenharia Didática
2
a ser realizada no doutorado.
A investigação deu-se em dois momentos articulados entre si:
Primeiro momento: vivenciei o cotidiano de uma professora de 4ª série em uma
escola pública municipal de Formosa, interior de Goiás, buscando conhecer um
pouco da realidade do ensino da Matemática, em especial, a presença de conceitos
estocásticos no contexto da sala de aula.
Segundo momento: ofereci curso de extensão para professores que ensinam
Matemática no Ensino Fundamental de Formosa/GO. No curso, discutimos, com
2
A Engenharia Didática é uma metodologia de pesquisa utilizada em Educação Matemática; discutirei este tema
em capítulo posterior.
32
base na realidade dos professores, o ensino de noções estocásticas na escola,
objetivando perceber suas construções diante destes conteúdos.
Para que pudesse analisar a questão de pesquisa supracitada, guiei-me pelas seguintes
questões norteadoras:
Como professoras que ensinam Matemática abordam pedagogicamente noções de
Análise Combinatória, Probabilidades e Estatística no Ensino Fundamental
pautadas em tópicos da Educação Matemática?
Como o ensino de noções estocásticas pode contribuir para o desenvolvimento de
práxis centrada em uma postura investigativa?
Quais dificuldades e avanços são percebidos nas professoras diante do ensino de
noções estocásticas?
Assim, apresento no próximo capítulo os objetivos de pesquisa, conforme
especificidade deste tipo de investigação.
CAPÍTULO II – OBJETIVOS DE PESQUISA
Neste capítulo, serão apresentados os objetivos desta pesquisa. Para tanto, por se tratar
de uma pesquisa-ação, tratei os objetivos segundo peculiaridades desse tipo de investigação e
respeitando as orientações traçadas por Thiollent.
Para Thiollent (1996), “uma outra condição necessária [à pesquisa-ação] consiste na
elucidação dos objetivos e, em particular, da relação existente entre os objetivos de pesquisa e
os objetivos de ação” (p. 17-18). Ou seja, uma das especificidades deste tipo de investigação
consiste no relacionamento desses dois tipos de objetivos: objetivos práticos (ação), de
natureza interventiva da pesquisa, e objetivos de conhecimento, de natureza epistemológica,
que visam à construção do conhecimento acadêmico-científico.
Deste modo, a relação existente entre esses dois tipos de objetivos é variável
(THIOLLENT, 1996). Essa relação pode ser mais instrumental, quando a pesquisa tem
propósito limitado, voltado para a ação/intervenção do fenômeno pesquisado. Pode ser,
também, mais voltada para a tomada de consciência dos sujeitos implicados na atividade
pesquisada. Ou, como no caso desta investigação, mais direcionada para a produção do
conhecimento que não seja útil apenas para a coletividade considerada na investigação local,
ou seja, “trata-se de um conhecimento a ser cotejado com outros estudos e suscetível de
generalizações no estudo de problemas sociológicos, educacionais ou outros, de maior
alcance” (THIOLLENT, 1996, p. 19).
Assim, a ênfase dos objetivos na pesquisa-ação pode ser dada em um desses três
aspectos: resolução de problemas, tomada de consciência ou produção de conhecimento, e no
caso desta pesquisa, por se tratar de investigação de mestrado, a ênfase será prestada à
produção de conhecimento, ou seja, nos objetivos de conhecimento.
34
1. OBJETIVOS PRÁTICOS - AÇÃO/INTERVENÇÃO
Com base em Thiollent (1996), os objetivos práticos servem para contribuir para o
melhor equacionamento do problema considerado como central na pesquisa, como
levantamento de “soluções” e proposta de ações correspondentes à “solução” para auxiliar o
pesquisador na sua atividade transformadora/interventiva da situação.
1.1
OBJETIVO GERAL
Implementar/implantar a discussão, entre professoras que ensinam Matemática no
interior de Goiás, referente ao ensino de noções estocásticas na perspectiva da Educação
Matemática.
1.2
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Desencadear nas professoras-participantes processo de construção da identidade de
professora-pesquisadora, tendo como práxis investigativa o seu próprio
conhecimento cotidiano, considerando esse como síntese dialética entre a teoria e a
prática.
Proporcionar às professoras-participantes prática pedagógica coerente frente ao
ensino de noções estocásticas, não como mais conteúdos a serem trabalhados pela
escola, mas, sim, como construção de forma mais ampla e estratégica de pensar as
incertezas do mundo.
35
Promover intercâmbio entre universidade e escola básica, especificamente, entre
pesquisador/estudante de pós-graduação e professoras que ensinam Matemática no
Ensino Fundamental.
2. OBJETIVOS DE CONHECIMENTO
Os objetivos de conhecimentos servem para “obter informações que seriam de difícil
acesso por meio de outros procedimentos, aumentar nosso conhecimento de determinadas
situações” (THIOLLENT, 1996, p. 18). Esses objetivos representam a natureza
epistemológica do estudo.
2.1 OBJETIVO GERAL
Analisar construções e processos ocorridos na práxis pedagógica de professoras que
ensinam Matemática no Ensino Fundamental, diante de sua inserção em discussões referentes
ao ensino de noções estocásticas.
2.2
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Analisar quais abordagens pedagógicas as professoras desenvolvem, pautadas em
tópicos da Educação Matemática, na construção do conhecimento matemático
aplicado ao ensino de noções estocásticas.
Analisar como o ensino de noções estocásticas pode contribuir para o
desenvolvimento da práxis centrada em postura investigativa.
36
Analisar as dificuldades e os avanços vivenciados na organização e no
desenvolvimento do trabalho pedagógico das professoras ao abordarem algumas
noções estocásticas.
A partir desses objetivos apresentados, discutirei no próximo capítulo algumas
discussões teóricas que justificam o presente estudo.
CAPÍTULO III – RELEVÂNCIA DO ESTUDO
Neste capítulo, apresento breve discussão buscando referendar a relevância desta
investigação científica no campo da Educação. Para tanto, discutirei esta relevância sob duas
perspectivas. Na primeira, denominada Relevância do Ensino da Estocástica para o Sujeito
Contemporâneo, minha discussão tem como referência os conceitos de pós-modernidade
(SANTOS, 2000) e complexidade (MORIN, 2002). Na segunda perspectiva, denominada
Relevância desse Estudo para Consolidação da Educação Estatística, discuto basicamente a
construção histórica do movimento de educadores estatísticos e de educadores matemáticos na
implementação do ensino da Estocástica no currículo escolar.
1. RELEVÂNCIA DO ENSINO DA ESTOCÁSTICA PARA O SUJEITO CONTEMPORÂNEO
Para melhor compreender a necessidade da inclusão desses conceitos na escola,
precisamos perceber as novas exigências do mundo contemporâneo e, para isso, discutirei,
com base na história da Filosofia, sobre conhecimento científico e seus paradigmas.
Falar em paradigma não representa falar em modelos de forma simplificada ou como
modismo, mas, sim, discutir a postura epistemológica do sujeito inserida em uma matriz
paradigmática frente ao conhecimento humano.
Com base em definições de Kuhn (1975/1994), percebo que paradigmas são
conjugações científicas que se inserem em determinada matriz de conhecimento que as
legitimam. Ou seja, os conceitos, as metodologias e as técnicas não estão alheios no universo;
eles pertencem a uma rede de crenças e valores determinados por dada comunidade científica.
Por exemplo: um estudo sobre o currículo escolar sempre estará subordinado a um modelo
38
exemplar, e assim normativo, de conhecimento científico que subjaz a determinado modelo de
sociedade e de homem.
Segundo Marcondes, “uma crise de paradigmas caracteriza-se assim como uma
mudança conceitual, ou uma mudança de mundo, conseqüência de uma insatisfação com os
modelos anteriormente predominantes de explicação” (2002, p. 15). De acordo com Kuhn,
(1975/1994), quando o paradigma entra em crise podem ocorrer as chamadas revoluções
científicas, que são mudanças radicais do paradigma. Existem, ainda em Kuhn, causas
internas e externas para essas crises. As causas internas são geradas a partir de acontecimentos
teóricos e metodológicos nas teorias que ocorrem dentro do próprio paradigma, assim como
do esgotamento dos modelos tradicionais de explicação oferecidos por essas teorias, levando a
busca de novas perspectivas. As causas externas estão relacionadas às mudanças que ocorrem
na própria sociedade e na cultura de uma dada época, fazendo que os modelos tradicionais
deixem de ser satisfatórios, gerando a necessidade do surgimento de teorias mais adequadas
que as anteriores.
Na história da Ciência e da Filosofia, percebo nas revoluções científicas dos séculos
XVI e XVII
1
um dos períodos mais significativos e marcantes de crise de paradigmas. O
surgimento da “nova Ciência” representou muito mais do que a construção de nova teoria
científica nos campos da Astronomia e da Física, significou nova postura epistemológica
frente ao conhecimento científico vigente já há aproximadamente vinte séculos. Marcondes
aponta que essa crise:
equivale a uma crise não apenas científica (...), mas sobretudo uma crise metodológica
que afeta uma concepção tradicional de método científico, bem como uma crise de
visão de mundo, de concepção de natureza e do lugar do homem enquanto
microcosmo, nesta natureza, o macrocosmo. (2002, p. 18)
1
O surgimento da “nova Ciência” representa o modelo de sistema solar heliocêntrico, formulado por Nicolau Copérnico em
seu De Revolutionibus Orbium Coelestium e publicado postumamente em 1543, e se opõe ao modelo geocêntrico de cosmo
da tradição aristotélica, formulado por Cláudio Ptolomeu (100-178) na Antigüidade Clássica.
39
Essas mudanças representaram a superação de uma visão de mundo restrita e ordenada
hierarquicamente – concepção de cosmo aristotélica. Sendo assim, essas mudanças afetaram
não só a esfera epistemológica da época, mas também os planos ético, político e estético
daquela sociedade, desencadeando aí o pensamento da modernidade.
Porém, como estabelecer estes fundamentos da nova Ciência, onde encontrar as bases
para estas teorias científicas? Não é mais possível recorrer à tradição clássica, ao saber
adquirido, às instituições, uma vez que precisamente estes estão sendo questionados,
já que as teorias que defendiam foram postas por terra. É, portanto, no próprio
indivíduo, em sua natureza sensível e racional, que estes pensadores vão buscar os
fundamentos para as novas teorias científicas. É com base na razão subjetiva que se
construirá a nova concepção de conhecimento. (MARCONDES, 2002, p.19)
Um dos problemas da modernidade era o de estabelecer fundamentos dessa “nova Ciência”,
e somente no século XVIII – chamado de “Século das Luzes”, pois o real deveria tornar-se claro,
transparente à razão – o pensamento modernista se consolida epistemologicamente.
O exercício da reflexão filosófica equivale, em larga escala, a revelar ao próprio
homem sua natureza racional, a purificá-lo das crenças e preconceitos obscurantistas
que lhe foram incutidos pela tradição. Equivale também a retomar o caráter originário
do pensamento e da racionalidade, de modo a adotá-lo como ponto de partida seguro
de um novo processo de conhecimento que produzirá, este sim, teorias válidas.
(MARCONDES, 2002, p. 19)
Nesse contexto, ocorre o que Santos (2000), em seu livro Introdução a uma Ciência Pós-
Moderna, denomina de primeira ruptura epistemológica: o senso comum era visto como opinião,
forma de conhecimento falso com que era preciso romper para que se tornasse possível o
conhecimento racional, válido e científico. É nessa perspectiva que a Ciência se constrói – contra
o senso comum –, utilizando para tanto três atos epistemológicos fundamentais: a ruptura, a
construção e a constatação. Essa é a base do pensamento modernista.
A modernidade, que Morin (2002) chama de o grande paradigma do ocidente,
caracteriza-se como “paradigma cartesiano que separa o sujeito e o objeto, cada qual na esfera
própria: a filosofia e a pesquisa reflexiva, de um lado, a ciência e a pesquisa objetiva, de outro” (p.
26).
40
Morin (2002) nos apresenta três problemas essenciais do conhecimento, no paradigma
cartesiano:
DISJUNÇÃO E
ESPECIALIZAÇÃO FECHADA
“De fato, a hiperespecialização impede tanto a percepção do global (que
ela fragmenta em parcelas), quanto do essencial (que ela dissolve).
Impede até mesmo tratar corretamente os problemas particulares, que
podem ser propostos e pensados em seu contexto” (p. 41)
REDUÇÃO E DISJUNÇÃO
“A inteligência parcelada, compartimentada, mecanicista, disjuntiva e
reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntivos,
fraciona os problemas, separa o que está unido, torna unidimensional o
multidimensional. É uma ciência míope que acaba por ser normalmente
cega. Destrói no embrião as possibilidades de julgamento corretivo ou da
visão a longo prazo.” (p. 42)
FALSA RACIONALIDADE
“(...) a falsa racionalidade, isto é, a racionalidade abstrata e
unidimensional, triunfa sobre as terras. Por toda parte e durante décadas,
soluções presumivelmente racionais trazidas por peritos convencidos de
trabalhar para a razão e para o progresso e de não identificar mais que
superstições nos costumes e nas crenças das populações, empobrecerão
ao enriquecer, destruíram ao criar.” (p. 44)
Em síntese, a modernidade configurou-se como uma lógica, uma retórica e uma
ideologia. Uma lógica que no campo sociológico denominou-se de capitalismo; no campo
filosófico, chamado de positivismo; no religioso, secularização ou profanação do sagrado; no
antropológico, homem dimensional como sujeito autônomo e semi-absoluto; no político,
Estado da democracia formal para defender a liberdade; no epistemológico, razão
instrumental; e no científico, primazia da tecnologia que, como manifestação da utilidade das
ciências positivas, se colocará acima dos valores morais (ROJO, 1997).
Esse paradigma torna-se então saturado/esgotado, gerando, assim, a crise e, por
conseguinte, o surgimento da pós-modernidade
2
. A ruptura com o paradigma da modernidade
é considerada por Santos como dupla ruptura epistemológica, em que se rearticulam os
discursos acadêmicos/eruditos com o empíricos/senso comum, “existência de condições sociais
e teóricas que permitam recuperar todo o pensamento que não se deixou pensar (...) e que foi
sobrevivendo em discursos vulgares, marginais, subculturais” (SANTOS, 2000, p. 36). Abre-
2
Há posições diferentes em relação à pós-modernidade, muitos julgam que ainda estamos vivendo a crise da modernidade, sem que tenha
havido ainda uma ruptura epistemológica; outras posições, consoantes com a minha proposta, defendem que já rompemos com o
paradigma da modernidade.
41
se, assim, espaço para nova leitura de pensamento científico em um novo paradigma de uma
sociedade percebida como complexa.
Morin (2002) traz grande contribuição quando da sua leitura sobre a complexidade
nesse novo paradigma. Nenhuma área de conhecimento dá conta, sozinha, da problemática
posta pela realidade; somente a consideração dos movimentos de articulações conceituais e
procedimentais entre elas podem nos melhor instrumentalizar para o enfrentamento dessa
problemática. Um dos pontos essenciais de sua teoria é sobre a relação entre o todo e as
partes – o global.
O global é mais que o contexto, é o conjunto das diversas partes ligadas a ele de modo
inter-retroativo ou organizacional. (...) O todo tem qualidades ou propriedades que não
são encontradas nas partes, se estas estiverem isoladas umas das outras, e certas
qualidades ou propriedades podem ser inibidas pelas restrições provenientes do todo.
(MORIN, 2002, p. 37)
Ou seja, cada parte só tem sentido quando percebida em sua relação com as demais partes e
com o todo, evitando, assim, fragmentações e reducionismos.
Um outro ponto importante de análise, na perspectiva moriniana, é sobre a consciência
das incertezas do real: “o conhecimento é a navegação em um oceano de incertezas, entre
arquipélagos de certezas” (MORIN, 2002, p. 86). Segundo Morin, para enfrentarmos as
incertezas, as imprevisibilidades a longo prazo, precisamos lidar com o binômio desafio e
estratégia: o primeiro é a consciência da aposta contida numa dada decisão, lidar com tomada
de decisão num cenário de incertezas é sempre um desafio; o segundo, a estratégia, diz
respeito a “um cenário de ação que examina as certezas e as incertezas da situação, as
probabilidades, as improbabilidades” (p. 90). No entanto, a estratégia deve prevalecer sobre o
programa:
O programa estabelece uma seqüência de ações que devem ser executadas sem
variação em um ambiente estável, mas, se houver modificação das condições externas,
bloqueia-se o programa. [N]a estratégia (...) o cenário pode e deve ser modificado
de acordo com as informações recolhidas, os acasos, contratempos ou boas
oportunidades encontradas ao longo do caminho. (MORIN, 2002, p. 90)
42
Dessa forma, percebo a grande contribuição que o ensino da Estocástica pode dar ao
sujeito na sua relação com o mundo e com o conhecimento. As Probabilidades e a Estatística,
não tratadas como meros conteúdos escolares descontextualizados e mecânicos, contribuem
para a construção de estratégias pelo sujeito no enfrentamento das incertezas do mundo pós-
moderno. Ubiratan D’Ambrósio (1998) amplia a discussão para o nível social e político, sobre
a importância da Estocástica na escola, numa sociedade complexa:
A instrumentalização para a vida depende, numa democracia, de uma preparação para
a participação política, para bem votar e para acompanhar os procedimentos políticos.
Para isso há necessidade de algumas capacidades de analisar e interpretar dados
estatísticos, de noções de economia e da resolução de situações de conflitos e de
decisão. Assim, não podem faltar, no currículo, estudos de Estatística e probabilidade,
economia e situações de conflito (Teoria dos Jogos). (p. 16)
2. RELEVÂNCIA DESSE ESTUDO PARA A CONSOLIDAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA
A partir dessas considerações iniciais, traço alguns apontamentos sobre o movimento
internacional de professores que têm-se preocupado com o ensino de Estatística e
probabilidades na escola.
Segundo Carvalho (2001, apud LOPES, 2003), em 1949, a Unesco, em conjunto com
outros órgãos da ONU, constituiu um Comitê para a Educação no Instituto Internacional de
Estatística (ISI), que, até o fim da década de 70, treinou e formou profissionais técnicos que
auxiliaram na produção de estatísticas mais precisas sobre os países. Após esse trabalho, tal
Comitê passou a se preocupar com a Educação Estatística nas escolas básicas, pois, quanto
mais cedo se desse o ensino da Estocástica, melhor seria para que as pessoas
compreendessem, de forma eficaz, as informações estatísticas.
43
Assim, segundo Lopes (2003), o ISI (International Statistical Institute) criou a Iase
(International Association for Statistical Education), objetivando implementar e consolidar a
Educação Estatística no mundo. A partir daí, essa associação passou a organizar a Icots
(International Conference on Teaching Statistics), realizando a Icots I, em Sheffied
(Inglaterra); a Icots II, em Victoria (Canadá), em 1986; a Icots III, em Dunedin (Nova
Zelândia), em 1990; a Icots IV, em Marrakech (Marrocos), em 1994; a Icots V, em
Cingapura, em 1998; a Icots VI, em Cape Town (África do Sul), em 2002, em que o tema
central foi a Literacia Estatística
3
– “alguns teóricos utilizam esse termo, desde a década de
90, preocupados com o excesso de informações no qual todos estamos imersos” (p. 57). Com
a intenção de variar os continentes que realizam a conferência, a próxima conferência (Icots 7)
será realizada no Brasil, em julho de 2006.
A Iase também organiza reuniões chamadas de “Round Table Meetings”, destinadas a
atender grupos menores de especialistas, tendo a última ocorrida em 2000, Tóquio. A
localização desses eventos é definida pelos pesquisadores em Educação Matemática, pois o
evento ocorre onde é sediado o Icme (International Congress of Mathematics Education).
Nos estudos em Educação Estatística, encontramos, em suas linhas de pesquisa,
investigações sobre currículos da escola básica e da universidade, formação de professores, erros
e dificuldades dos estudantes e novas tecnologias. Segundo Shaughnessy (1992), essas pesquisas
têm-se apresentado sob duas perspectivas: uma da Psicologia e outra da Educação Matemática.
Na perspectiva psicológica, os pesquisadores apresentam-se como observadores e descritores do
que acontece quando os sujeitos se deparam com situações que exigem raciocínio estocástico,
revelando esquemas mentais no processo de conceitualização – por exemplo: Piaget e Inhelder,
1951; Fischibein, 1975; Green, 1982. Os pesquisadores em Educação Matemática apresentam-se
como interventores da prática educativa, uma vez que objetivam melhorar o trabalho pedagógico
3
Segundo Celi Lopes (2000, p. 59), “Literacia Estatística é entendida como a capacidade de interpretar argumentos
estatísticos em jornais de notícias e informações diversas”.
44
com a Estocástica – por exemplo: Lopes, 2003; Coutinho, 2001. As investigações realizadas
atualmente pelos educadores matemáticos e estatísticos têm sofrido várias influências das
pesquisas de psicólogos cognitivistas (SHAUGHNESSY, 1992).
Atividades, mesmo que ainda discretas, têm-se manifestado no Brasil: nas universidades –
algumas dissertações de mestrado e teses de doutorado, por exemplo: Lopes (1998; 2004) e
Coutinho (1994; 2001).
A discussão referente à Educação Estatística no Brasil tem ocorrido de forma mais
acentuada nos espaços científicos relacionados com a própria Estatística, organizados por
estatísticos ou professores de Estatística. Como exemplo disso, temos o encontro ocorrido em
outubro de 1997 na Unesp de Marília, onde alguns professores de Estatística da instituição
juntaram-se para discutir os principais problemas que envolvem o ensino e a aprendizagem da
disciplina; este encontro teve seqüência no ano seguinte. Com preocupação semelhante, em julho
de 1999, foi organizada em Florianópolis-SC, na Universidade Federal de Santa Catarina, a
Conferência Internacional sobre Experiências e Perspectivas do Ensino de Estatística, em que
diversos pesquisadores nacionais e internacionais discutiram suas experiências sobre o ensino da
Estocástica nos mais diversos níveis e segmentos educativos (WODEWOTZKI; JACOBINI,
2004).
Wodewotzki e Jacobini apontam que, seguindo tendência mundial, diversos eventos
científicos estão sendo organizados no Brasil relacionados com pesquisas em Estatística. Como
exemplo disso, os autores apontam que na 47
a
Reunião Anual da Região Brasileira da Sociedade
Internacional de Biometria, ocorrida na cidade de Rio Claro em maio de 2002, houve seção
temática referente ao ensino de Estatística dentre as oito seções propostas e várias comunicações
científicas foram apresentadas.
Destaque ao ensino e à aprendizagem de Estatística têm sido dado nos eventos
internacionais relacionados com a Estatística Aplicada. Como exemplo, em junho de 2003,
45
ocorreu no Rio de Janeiro, organizado pelo Instituto Interamericano de Estatística, o IX
Seminário Internacional “Estatística na Educação e Educação em Estatística”. Neste, foram
apresentadas 37 comunicações científicas e 24 pôsteres.
Contudo, “diferentemente do que ocorre nas discussões específicas da própria
Estatística, não encontramos o mesmo entusiasmo em relação ao ensino da disciplina nos
eventos relacionados com a Educação Matemática” (WODEWOTZKI; JACOBINI, 2004, p.
237). No VI e VII Encontros Nacionais de Educação Matemática (Enem), ocorridos em 1998
e em 2001, respectivamente, estiveram ausentes das conferências, dos debates e das palestras
discussões específicas relativas à Educação Estatística. Situação semelhante ocorre na XI
Conferência Interamericana de Educação Matemática, realizada na cidade Blumenau-SC em
2003, em que apenas cinco das 104 comunicações científicas tiveram como foco a Educação
Estatística.
A situação torna-se mais preocupante quando, ao analisarmos as comunicações e as
oficinas apresentadas nesses três congressos, verificamos que elas foram conduzidas,
nos diferentes eventos, quase que exclusivamente pelos mesmos pesquisadores, o que
nos leva à interpretação de que, no âmbito da Educação Matemática, são poucos os
estudiosos preocupados com a Educação Estatística. (WODEWOTZKI; JACOBINI,
2004, p. 238)
Entretanto, constituiu-se durante o VII Enem (2001) grupo de trabalho dirigido
exclusivamente para as discussões relativas ao tema, intitulado GT12: Ensino de
Probabilidades e Estatística.
Considero que ainda temos muito que avançar em nossas pesquisas em Educação
Estatística. Talvez esse fato esteja relacionado com a recente inclusão dessa temática em
nosso currículo de Ensino Fundamental
4
, enquanto que em vários países, como no caso da
Espanha, esses assuntos já eram tratados há bastante tempo.
4
Oficialmente, a Estocástica é recomendada para o Ensino Fundamental apenas a partir de 1997, pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), salvo alguns currículos estatuais que já previam a temática nesse nível de ensino. Sobre esse
assunto, recomendo a leitura da dissertação de mestrado de Celi Lopes, Unicamp, 1998.
46
Nesse contexto, acredito ser esta pesquisa de grande relevância para a consolidação da
Educação Estatística, tanto em nível nacional, quanto internacional, contribuindo para a
qualidade do ensino de noções estocásticas nas escolas brasileiras, principalmente, quando
remete a discussão na perspectiva da Educação Matemática e trás à tona a discussão do lúdico
no contexto do ensino de noções estocásticas.
Avançando na discussão, no próximo capítulo apresento alguns temas e conceitos
teóricos necessários à discussão proposta por este trabalho.
CAPÍTULO IV – PONTO DE PARTIDA CONCEITUAL
Para que pudesse avançar nos estudos e imergir na pesquisa de campo propriamente
dita, utilizei algumas discussões teórico-práticas de autores que elucidaram meu olhar frente
ao objeto de pesquisa. Porém, as discussões teóricas de outros autores não se esgotarão neste
capítulo, outros pontos aparecerão em capítulos futuros representado, assim, um continuum do
meu processo de construção teórica e um não encarceramento da teoria em um só capítulo.
As construções deram-se por meio de leituras e discussões referentes a teorias e
estudos em Educação, Pedagogia, Educação Matemática e Educação Estatística ocorridas em
grupos de pesquisa (como o Gepem/DF
1
e o IEM
2
) e em discussões promovidas pelas
disciplinas cursadas
3
no Programa de Pós-Graduação em Educação. Fizeram parte, também,
desta construção, as mini-investigações feitas sobre o objeto de pesquisa e as participações em
eventos
4
, em que discuti a temática com pesquisadores de outros estados e regiões. Acresce-
se a isso os contatos com meu orientador, prof. Cristiano, com a prof
a
Ana Lúcia Dias
(CMU/USA) e com a prof
a
Cileda Coutinho (PUC-SP), em função de suas orientações para o
projeto de doutorado; além das demais sugestões de leitura feitas pelos membros da banca de
qualificação, prof
a
Lúcia Resende, prof
a
Celi Lopes e prof. Antônio Villar.
Apresentarei agora algumas considerações referentes às produções específicas
relativas a aprendizagem e ao ensino da Estocástica. Opto por dividir esta parte em dois
1
O Gepem/DF (Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática do Distrito Federal) reúne diversos pesquisadores
para estudos e discussões sobre Educação Matemática; o grupo reúne-se quinzenalmente nas dependências da Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília. Atualmente, o grupo é coordenado pelo prof. Dr. Cristiano Alberto Muniz.
2
O IEM (Investigação em Educação Matemática) era um grupo de estudos, pesquisas e práticas pedagógicas composto por
professores e estudantes da Universidade Católica de Brasília, coordenado pela prof
a
Dr
a
Ana Lúcia Braz Dias. Nesse
grupo, foi desenvolvido projeto denominado “Pró-Estocástica: Estudos do Raciocínio Estocástico e Delineamento de
Intervenções Favoráveis à sua Aplicação”, em que se objetivava discutir e produzir sobre o ensino e a aprendizagem da
Probabilidade e da Estatística na escola básica e no Ensino Superior. Atualmente, o grupo encontra-se extinto.
3
Disciplinas cursadas: Organização do Trabalho Pedagógico, Pesquisa em Educação, Laboratório de Pesquisa, Formação dos
Profissionais da Educação e Educação Matemática.
4
Participai do IX Seminário IASI de Estatística Aplicada: “Estatística na Educação e Educação em Estatística” (Rio de
Janeiro-RJ); da I Jornada Latino-Americana e do II Colóquio Brasileiro “Pluralidade e Realidade Latino-Americana:
48
momentos: no primeiro, discuto sobre a aprendizagem de noções estocásticas (perspectiva da
Psicologia) e no segundo, sobre o ensino destes conceitos (perspectiva da Educação
Matemática). Porém, ressalto que os dois momentos são articulados, sendo a divisão opção
didática para explanar sobre o tema neste referencial teórico.
1. APRENDIZAGEM DA ESTOCÁSTICA PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA
Nesta seção, tratarei das principais pesquisas realizadas sobre o assunto, afim de
melhor delimitar o tema. Serão analisados os trabalhos de J. Piaget e Inhelder (1951), E.
Fischbein (1975), J. Cohen e M. Hansel (1975) e D. Green (1982).
1.1 TRABALHO DE PIAGET E INHELDER (1951)
Os pesquisadores em Psicologia Piaget e Inhelder (1951) concluíram que o conceito de
Probabilidades se desenvolve gradualmente no sujeito à medida que ele consegue estabelecer
relações entre certas operações mentais. Mais especificamente, eles distinguem três períodos
do desenvolvimento do pensamento probabilístico: a primeira é anterior a 7-8 anos e
caracterizada-se pela ausência de operações propriamente ditas, isto é, de composições
reversíveis. O raciocínio em jogo permanece, então, pré-lógico e é regulado por sistemas
intuitivos, sem inclusão hierárquica, sem conservação da totalidade e sem rigor nas possíveis
inferências, por meio de articulação progressiva das relações intuitivas, conduzem passo a
passo ao estágio operatório. De 7-8 anos a 11-12 anos, um segundo período é caracterizado
pela construção de grupos operatórios de ordem lógica e de grupos numéricos, mas sobre
plano essencialmente concreto, isto é, relativo a suas relações reais. Enfim, aos 11-12 anos,
Desafios à Mudança em Educação” (Brasília-DF); do IV Encontro de Pesquisa em Educação da Região Centro-Oeste
(Campo Grande-MS); do 3
o
Telecongresso Internacional de Educação de Jovens e Adultos (Brasília-DF).
49
inicia-se um terceiro período caracterizado pelo pensamento formal, isto é, pela possibilidade
de relacionar um a outros ou vários sistemas de operações concretas de uma só vez e de
traduzi-los em termos de implicações hipotético-dedutivas, isto é, da lógica de proposições.
Tomemos um exemplo sobre a quantificação de probabilidades para melhor ilustrar o
que precede. Duas coleções de fichas são apresentadas ao sujeito, algumas marcadas com uma
cruz e outras não. Trata-se aí de escolher a coleção com a qual ele terá mais chance de obter
uma ficha com uma cruz, retirando uma ao acaso. Esta atividade é mais ou menos complexa
de acordo com a razão entre o número de fichas marcadas e o número de fichas não marcadas
para a coleção. As crianças do primeiro período têm, geralmente, dificuldade em resolver
problemas deste tipo; elas obtêm maior sucesso quando sabem que em cada uma das duas
coleções têm o mesmo número de casos favoráveis ou de casos desfavoráveis. No entanto, as
crianças do segundo período enfrentam, geralmente, pouca dificuldade em amalgamar os
casos favoráveis (parte A) e os casos desfavoráveis (parte A') em um todo (B = A + A’). Mas
elas não conseguem resolver o problema quando há um número diferente de casos favoráveis
e desfavoráveis. No caso em que há proporcionalidade, utilizam, sobretudo, os métodos
empíricos e não os formais. As crianças consideram os casos favoráveis e desfavoráveis
alternativamente e tentam encontrar diferenças entre os dois. A partir de 12 anos, o conjunto
de questões dá lugar a uma solução geral e rápida, "os tateios" para as questões de
proporcionalidade.
Os autores concluem, então, que as noções de probabilidade fundamentais só se
constroem no estágio formal. Para eles, isso se explica pelo fato de que as operações formais
são psicologicamente operações de segunda ordem ou operações que portam sobre outras
operações precedentes (que são as operações concretas).
50
1.2 TRABALHO DE FISCHBEIN (1975)
Fischbein estudou a evolução do pensamento probabilístico do ponto de vista das suas
inter-relações com a intuição, seguindo abordagem diferente daquela de Piaget. Para ele, as
crianças do pré-escolar (antes dos sete anos) já manifestam intuições probabilísticas, mas com
distorções características, por exemplo, a crença de que o jogador pode controlar os
resultados. De acordo com o autor, as crianças desta idade têm este tipo de intuição
probabilística porque elas ainda não têm estrutura conceitual adequada. Mesmo após ter
tentado ensiná-las a idéia de razão, estas crianças fazem pouco progresso deste ponto de vista.
A partir de 7-8 anos, o ensino parece produzir seus efeitos. No que se refere às crianças que
estão no estágio das operações concretas (9-10 anos), Fischbein constata que se elas não
receberam instrução apropriada, podem apenas resolver problemas envolvendo comparações
de razões em situações em que o número de casos favoráveis e de casos desfavoráveis são
iguais (suas estimativas são baseadas numa comparação binária). Com o ensino, as respostas
das crianças de 9-10 anos podem ser significativamente moderadas em problemas que não
podem ser reduzidos a comparações binárias. Esta descoberta é importante, pois lança dúvidas
no trabalho de Piaget e Inhelder, que estabelece que a proporcionalidade é operação formal
característica. Sobre as crianças do estágio das operações formais, Fischbein aponta que
quando um material experimental consiste de uma jarra de bolas, as crianças de 12 anos
respondem corretamente, mesmo nos casos em que eles têm de comparar razões com termos
desiguais. Essa descoberta foi prevista na teoria de Piaget. O que adicionamos a ela é o fato de
que mesmo crianças de 9-10 anos podem responder corretamente a esta situação, se tiverem
ensino apropriado.
51
1.3 TRABALHO DE COHEN E HANSEL (1955)
Embora seja um trabalho razoavelmente antigo, uma experiência interessante
elaborada por Cohen e Hansel é a seguinte: (1) uma garota lançou oito vezes uma moeda e
obteve "cara" oito vezes; o que você acha que ela obterá na próxima vez? (2) Jean e Jacques,
dois capitães de times escolares devem escolher o seu lado do campo lançando uma moeda no
início do jogo. Nos oito jogos anteriores foi Jean que ganhou. Quem você acha que será
favorecido pela sorte desta vez?
Em relação à primeira questão, os pesquisadores observaram que: quase a metade dos
sujeitos estimam que após terem obtidos "cara" oito vezes seguidas, na próxima vez deverá
ser “coroa”; em revanche, os outros sujeitos respondem “cara” invocando muitas razões,
como por exemplo o fato de que a garota é hábil e que vai conseguir prolongar a seqüência de
"cara".
Vejamos agora algumas explicações dadas pelos sujeitos para justificar suas respostas
às questões precedentes:
Sorte: “Jean parece estar com a sorte do seu lado e eu tenho certeza de que ele vai
ganhar”;
Determinismo: “a moeda cairá novamente sobre ‘cara’ porque o vento deve soprar
para que seja sempre assim”;
Magia: “Jean pensa que vai ganhar e de fato ganhará; mudança: Jean ganhou oito
vezes e agora é a vez de Jacques”;
Independência: “quando uma moeda é lançada para cima, mesmo as pessoas mais
inteligentes não podem dizer de que lado ela vai cair”.
52
1.4 TRABALHO DE DAVID GREEN (1982)
Um problema similar ao de Cohen e Hansel foi utilizado por David Green (1982), que
desenvolveu teste para avaliação de conceitos probabilísticos e estatísticos com uma amostra de
4.000 estudantes ingleses. Em seguida, por análises estatísticas, Green eliminou boa parte das
questões do teste original, ficando com conjunto de 18 questões que formavam uma escala de
Guttman a quatro níveis (nível 0, nível 1, nível 2 e nível 3); esta escala hierarquiza as questões das
mais fáceis às mais difíceis, assim pode-se atribuir um nível de pensamento probabilístico a um
estudante.
Tomemos a questão abaixo como amostra do trabalho desenvolvido:
"Uma moeda comum foi lançada cinco vezes e 'cara' aparece todas as vezes. Escolha a frase correta abaixo:
a) Na próxima vez, a moeda tem mais chance de cair sobre 'cara';
b) Na próxima vez, a moeda tem mais chance de cair sobre 'coroa';
c) Na próxima vez, 'cara' tem as mesmas chances que 'coroa';
d) Não sei.”
Green observou dois tipos de respostas a esta questão:
O sujeito observa a ocorrência repetida de um evento, o que o leva a atribuir maior
probabilidade ao outro evento (negative recency tendancy ou ruína do jogador).
O sujeito considera que o resultado que saiu cinco vezes vai continuar a sair e esta
opinião é reforçada se o indivíduo pensa que a moeda está "truncada" (positive recency).
Estas duas respostas já haviam sido identificadas por Fischbein (1975).
Damasceno (1990), educador brasileiro, em seus estudos de mestrado pela Universidade
de Laval, realizou estudo semelhante ao de Green, analisando qualitativamente as concepções
probabilísticas de estudantes canadenses de 10 a 16 anos, por meio das próprias questões
elaboradas por Green.
53
2. ENSINO PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Ao discutir o ensino de noções estocásticas, devemos lembrar que a construção
conceitual destes temas deve sempre vir atrelada ao papel social da escola de formar o
cidadão que atue ativamente na sociedade contemporânea.
A Combinatória, a Probabilidade e a Estatística inter-relacionam-se, proporcionado uma
filosofia do azar de grande alcance para a compreensão do mundo atual e capacitam
pessoas a enfrentarem tomadas de decisões, quando somente dispõem de dados
afetados pela incerteza, situações comuns em nosso cotidiano. (LOPES, 2003, p. 63)
Assim, ensinar estes conceitos na escola requer do professor consciência da
importância destes temas para o sujeito hoje, em que a sua relação com o mundo supera a sua
própria capacidade de lidar com as certezas, transcendendo, assim, para o âmbito das
incertezas, o que exige uma percepção do acaso. Nesta idéia, o professor que ensina
Matemática, ao trabalhar com Probabilidades e Estatística, faz que o aluno aprecie não apenas
a Matemática “do certo e do errado”, mas que aprecie, também, a Matemática do “talvez”
(DAMASCENO, 1995).
Dessa forma, Probabilidades e Estatística tornam-se exigência na complexa sociedade
atual, nos levando, assim, à noção de literacia estatística. A palavra literacia,
etimologicamente, vem do latim littera (letra), com o sufixo cy, que representa qualidade,
estado, condição, fato de ser. Ou seja,
literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever. Implícita
nesse conceito está a idéia de que a escrita traz conseqüências sociais, culturais, políticas,
econômicas, cognitivas, lingüísticas, quer para o grupo social em que seja introduzida,
quer para o indivíduo que aprenda a usá-la. (SOARES, 2003, p. 17)
No Brasil, optou-se por utilizar o termo letramento representado o resultado da ação
de ensinar ou de aprender a ler – “o estado ou a condição que adquire um grupo social ou
54
um indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita” (p. 18). Porém, em Portugal
tem-se utilizado o termo literacia entendida como “utilização social da competência
alfabética” (p. 19). Assim, educadores matemáticos transpuseram o termo literacia estatística
para a Educação Matemática.
A literacia estatística requer que a pessoa seja capaz de reconhecer e classificar dados
como quantitativos e qualitativos, discretos ou contínuos, e saiba como o tipo de dado
conduz a um tipo específico de tabela, gráfico, ou medida estatística. Precisa saber ler
e interpretar tabelas e gráficos, entender as medidas de posição e dispersão, usar as
idéias de aleatoriedade, chance e probabilidade para fazer julgamento sobre eventos
incertos e relacionar a amostra com a população. Espera-se, ainda, que o indivíduo
saiba como julgar e interpretar uma relação entre duas variáveis. Pode-se notar que
isso é muito mais do que possuir competências de cálculo, é preciso adquirir hábitos
para compreender a leitura e a interpretação numérica necessária para o exercício
pleno da cidadania com responsabilidade social na tomada de decisão. (LOPES, 2004,
p. 188)
Assim, a noção de literacia estatística é o que daria sentido a práxis dos professores que
ensinam Matemática no Brasil no que se refere à Educação Estatística; ir além da própria idéia de
Tratamento da Informação – nomenclatura pela qual a Análise Combinatória, as Probabilidades e
a Estatística aparecem nos currículos brasileiros. Pois, lembrando Lopes (2003),
a aquisição de habilidades relativas a literacia estatística requer o desenvolvimento do
pensamento estatístico, o qual permite que a pessoa seja capaz de utilizar idéias
estatísticas e atribuir um significado à informação estatística. (p. 188)
Lopes (2003), em sua tese de doutorado, faz algumas recomendações sobre o ensino da
Estocástica na escola. Na Combinatória, o trabalho deve estar centrado na resolução de problemas,
com origens diversificadas, em que algumas propostas o aluno possa obter a solução diretamente,
pelo princípio da contagem, e em outras apresentar possibilidade aos alunos de identificação de
categorias pelas quais a situação-problema possa ser classificada adequadamente. Nessa idéia, o
professor deverá construir propostas que envolvam combinações diversas em que o contexto, a
situação, definirá qual procedimento a ser adotado pelo aluno para a resolução do problema.
55
Dubois (1984, apud LOPES, 2003) propõe, para auxiliar na resolução de problemas de
Combinatória, quatro modelações diferentes, porém relacionadas entre si:
(...) deve-se proceder à seleção de uma amostra a partir de um conjunto de elementos,
recorrendo-se à árvore de possibilidades; depois, à colocação de objetos em caixas ou urnas,
podendo-se manipular materiais que auxiliem a interpretação do problema; em seguida à
participação em subconjuntos de um conjunto de objetos, que já exige uma linguagem
matemática mais formal e, por último, à decomposição de um número natural. (LOPES,
2003, p. 64)
Sobre o ensino de Probabilidades, iniciarei a discussão fazendo alguns apontamentos
referentes à Filosofia da Probabilidade, para tanto, apresentarei algumas das concepções/abordagens
referentes a probabilidades:
Clássica ou Laplaciana: idealizada por Laplace, por meio de sua obra Teoríe Analytique
des Probabilités, em 1812, que define a probabilidade como proporção entre o número
de casos favoráveis em relação ao número total de casos possíveis, desde que todos os
resultados sejam admitidos como igualmente prováveis a ocorrer: idéia de
eqüiprobabilidade. (CARVALHO; OLIVEIRA, 2002);
Geométrica: “Não é possível por exemplo, calcular a probabilidade de que um ponto
selecionado ao acaso a partir de uma região (por exemplo, de um círculo) se localize
numa determinada sub-região incluída neste círculo (por exemplo, um triângulo). Para o
fazer é necessário estender o conceito de probabilidade ao acaso de experiências
aleatórias nas quais os resultados possíveis constituam conjuntos contínuos.”
(GUIMARÃES, 1997, apud GONÇALVES, 2004, p. 53). Nessa abordagem, mantém-se
as propriedades relacionadas à definição clássica;
56
Freqüentista: “Nesta abordagem, não se aplicam a obrigatoriedade de simetria e
eqüiprobabilidade aos experimentos aleatórios, porém é necessário que haja uma
repetição de um número significativo de vezes de um experimento e que seus resultados
mostrem sinais de estabilização”. (GONÇALVES, 2004, p. 53);
Subjetivista: Analisar a confiança que um indivíduo expressa sobre a veracidade de um
fenônemo, levando em conta sua própria experiência ou conhecimento sobre o tema da
situação em estudo. Assim, diferentes pessoas podem atribuir diferentes valores de
probabilidades para um mesmo sucesso. (CARVALHO; OLIVEIRA, 2002);
Formal ou Axiomática: “A probabilidade formal impregnada da teoria axiomática sugiu
em oposição às restrições mantidas na concepção clássica de Laplace: a
eqüiprobabilidade para os casos favoráveis e número finito de elementos na posição do
espaço amostral. Apoiado na teoria de conjuntos, este autor elege E como espaço
amostral associado a um experimento aleatório, A como um subconjunto formado pelos
sucessos de E. A função P definida por A é uma medida de probabilidade de E se: Todo
sucesso S A corresponde um número P(S), tal que 0 < P(S) < 1. A probabilidade do
sucesso certo é dado por P(E)=1. A probabilidade de um sucesso impossível é dado por
P(E)=0”. (CARVALHO; OLIVEIRA, 2002, paginação irregular).
Alguns autores apontam orientações metodológicas sobre o ensino de Probabilidades na
escola. Trutan (1994, apud CARVALHO; OLIVEIRA, 2002) mostra, por meio de experimento
envolvendo um dado, que há pelo menos três perspectivas diferentes de se ensinar probabilidades:
simétrica, experimental e subjetiva. Na perspectiva simétrica, surge somente uma probabilidade
simétrica de se obter face seis (1/6). Na perspectiva experimental, em um dado lançado 100
57
vezes, encontramos uma probabilidade experimental de obter a face seis. Na perspectiva subjetiva,
considera-se a probabilidade subjetiva de se sair a face seis, justificando a razão da escolha. Essas
perspectivas fornecem uma variedade de respostas e, segundo Trutan, tais variações fornecerão
oportunidades educacionais valiosas na compreensão da inter-relação entre as três formas de
Probabilidade, bem como da natureza do modelo matemático.
Para Dias (2004), a experimentação com fenômenos aleatórios proporciona ao aluno
experiência difícil de adquirir em sua relação com o cotidiano. A falta de experiência parece ser a
causa de algumas intuições incorretas no ensino de probabilidades. Constituir experimentos na sala
de aula pode confrontar estas intuições incorretas e formar base para a construção de novos
conhecimentos, que sejam consoantes com a teoria da Probabilidade.
Coutinho (2002) aponta a modelagem como instrumento eficaz para aprendizagem de
probabilidade num enfoque experimental, pois esta permite ao aluno construir o significado do
conceito que lhe é apresentado.
A modelagem é um processo que surge a partir da observação e descrição de uma
experiência concreta, de uma realidade local, passando por processo de abstração por meio do
reconhecimento de características pertinentes até chegarmos à sua representação final, pelo modelo
que melhor explique o conjunto de características escolhidas para representar a realidade
(GONÇALVES, 2004). Este processo compreende a modelagem de uma situação, “mobilizando”
três domínios existentes:
DOMÍNIO DA
REALIDADE
“A partir da situação real a modelar, o sujeito passa a observá-la, extraindo algumas
de suas características fundamentais” (p. 16)
DOMÍNIO
P
SEUDO-CONCRETO
“Este domínio começa na descrição da realidade, objetivando mobilizar
conhecimentos teóricos que possam influenciar na situação” (p. 17)
DOMÍNIO
TEÓRICO
“Neste domínio, o sujeito passa a representar formalmente ou simbolicamente a
situação, reconhecendo e explicitando suas propriedades teóricas” (p. 17)
Coutinho (2002, paginação irregular) apresenta o esquema a seguir para representar
esta passagem de domínios, necessária ao desenrolar de uma modelização:
58
Domínio da realidade
(experiência concreta).
Ação
Domínio pseudoconcreto
(experiência mental)
Abstração
Domínio teórico.
(representação formal)
Figura 1: Esquema Coutinho (2001) - Modelagem
Para melhor compreensão deste processo, explicito a seguir o esquema apresentado
por Coutinho (2002, paginação irregular):
Domínio Pseudoconcreto
Situação Aleatória da Realidade
Observação e descrição
em linguagem corrente
Formulação de um protocolo
experimental e dos critérios de
classificação dos resultados em
termos de “sucesso” e “fracasso”
Composição de uma urna
de Bernoulli
Reconhecimento da configuração de
um experimento de Bernoulli e da
configuração do modelo de urna
Experimento aleatório, obtido a partir da simplificação e da abstração
dos objetos: protocolo experimental e identificação dos dois resultados
possíveis.
Domínio da Realidade
Figura 2: Esquema Coutinho (2002) – Probabilidade Geométrica
59
Assim, vimos um trabalho desenvolvido por meio da modelagem como necessário à
organização do trabalho pedagógico em Educação Estatística, pois possibilita ao aluno
(...) reconhecer e selecionar as características do fenômeno que são pertinentes ao
funcionamento do processo de modelagem. Com isso, este aluno estará apto a
reconhecer essas características em outros fenômenos passíveis de serem
representados por um mesmo modelo, estabelecendo categorias que podemos
entender como classes de equivalência (conjunto de fenômenos passíveis de serem
representados por um mesmo modelo teórico). (COUTINHO, GONÇALVES, 2003,
paginação irregular)
A construção do conceito de probabilidades é feita a partir da compreensão de suas
três noções básicas: percepção do acaso; idéia de experiência aleatória; e noção de
probabilidade (COUTINHO, 2001; BATANERO; GODINO, 2002).
Batanero e Godino (2002) traçam algumas orientações de como ajudar as crianças no
desenvolvimento do raciocínio probabilístico:
Proporcionar ampla variedade de experiências que permitam observar os fenômenos
aleatórios e diferenciá-los dos deterministas;
Estimular a expressão de predições sobre o comportamento destes fenômenos e os
resultados, assim como sua probabilidade;
Organizar a coleta de dados de experimentação, de modo que os alunos tenham
possibilidade de contrastar suas predições com os resultados produzidos e revisar suas
crenças;
Ressaltar o caráter imprevisível de cada resultado isolado, assim como a variabilidade
das pequenas amostras, mediante a comparação de resultados de cada criança ou por
pares;
Ajudar a apreciar o fenômeno da convergência, mediante a acumulação de resultados
de toda a turma, e comparar a confiabilidade de pequenas e grandes amostras.
60
Al riais podem ser utilizados para o estudo dos fenômenos aleatórios
ATANERO, 2001): dados, bolas em urnas, roletas, baralho de cartas, entre outros.
m como
a formu
o escolar:
guns mate
(B
Lopes (2003) orienta que o desenvolvimento do pensamento probabilístico exige
consciência do acaso na vida cotidiana das pessoas e no conhecimento científico, assi
lação e comprovação de conjecturas sobre o comportamento de fenômenos aleatórios
e o planejamento e realização de experiências nas quais se estude o comportamento de dados
que leve em conta o azar. Com base nestas considerações, pode-se organizar situações
didáticas que envolvam a observação de experimentos, com registros e análises,
possibilitando a integração entre a Probabilidade e a Estatística. Nessa conjunção, ter-se-á o
desenvolvimento do raciocínio estocástico.
Sobre o ensino de Estatística na escola, Batanero (2001) nos remete a algumas
reflexões com relação a seus fins no currícul
Que os alunos possam compreender e apreciar o papel da Estatística na sociedade,
incluindo os diferentes campos de aplicação e o modo pela qual a Estatística tem
contribuído para seu desenvolvimento;
statística pode responder, as formas básicas
Batanero e Godino (2002) também apresentam orientações relativas ao ensino de
Estatística para crianças:
Que os alunos compreendam e valorizem o método estatístico, isto é, perceber tipos
de questões a que o uso inteligente da E
de raciocínio estatístico, suas potencialidades e limitações.
Envolver as crianças no desenvolvimento de projetos simples, que as façam recorrer
a dados de sua própria realidade, partindo de observações, enquetes e medidas;
61
Conscientizar as crianças de que cada dado isolado forma parte de um todo
(distribuição dos dados) e que há perguntas que não podem contestá-la com apenas
um dado, senão com uma distribuição de dados;
bre os dados ou comparar vários
Conscientizar as crianças das tendências e variabilidade dos dados e como estes
podem ser usados para responder perguntas so
conjuntos de dados;
la e sobre a qual estão as condições para que a amostra possa
Visualizar progressivamente que os dados recolhidos são uma amostra de uma
população mais amp
representar os dados de toda a população;
m tabelas e gráficos, cuidando
das qualidades estética e matemática destes, de modo que possam estar
A pa estratégia
etodológica utilizada na construção da pesquisa de campo.
Incentivar as crianças a representarem seus dados e
corretamente representados. Orientá-los como um gráfico pode enganar.
rtir dessas discussões teóricas, apresento no próximo capítulo a
m
CAPÍTULO V – CONSTRUÇÃO METODOLÓGICA
Neste capítulo, apresento o projeto metodológico utilizado para esta pesquisa, assim
como discussões sobre a abordagem de pesquisa utilizada, a orientação metodológica
escolhida, o delineamento das fases desta pesquisa, além de minha pretensão de Engenharia
Didática em estudos posteriores. Opto por não apresentar apenas o produto final da
metodologia, mas sim por elucidar o processo de pesquisa e seus desvios de percurso.
Inicialmente, apresento a figura abaixo, que representa o meu percurso de pesquisador
diante da Educação Estatística.
Ob
j
etivo
s
Prático
s
Ação/Intervenção
Dissertação de Mestrado
Doutorado em
Educação Matemática
Ob
j
etivos de
Conhecimentos
Projeto de Pesquisa
(Mestrado em Educação)
PROGRAMA DE PÓS
-
GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Figura 3: Percurso da Pesquisa
63
1. ABORDAGEM METODOLÓGICA OPÇÃO PELA PESQUISA QUALITATIVA
Falar hoje em uma metodologia de pesquisa em Educação requer explicitação acerca
da concepção de conhecimento por parte do pesquisador. Para tanto, discutirei nesse momento
como se desenvolverá esse estudo, visto que ele está inserido em perspectiva pós-moderna
1
de
Ciência; sendo assim, torna-se coerente com esta proposta uma abordagem qualitativa de
pesquisa. Consonante com González Rey (2002), percebi na abordagem qualitativa
oportunidade de acesso às várias dimensões do objeto, inclusive a algumas dimensões
inacessíveis pela abordagem quantitativa. Ainda em González Rey (2002, p. 7), torna-se
necessário que “os pesquisadores qualitativos apontem as mudanças nas representações gerais
do objeto da Ciência; essas mudanças têm se desenvolvido a partir de diferentes pontos de
partida”. Sendo assim, devido à complexidade do meu problema, percebi a necessidade de
repensar meu foco de análise; para tanto, a opção por abordagem qualitativa do objeto de
estudo torna-se evidente, visto que busca tratar o objeto nas várias dimensões de sua
complexidade, evitando, assim, reducionismos e fragmentações. Em González Rey,
indefinições são geradas frente ao desenvolvimento da pesquisa qualitativa, com isso
conduzindo o pesquisador à associação de alguns dos aspectos gerais do objeto de estudo a
posições metodológicas particulares, fazendo que o pesquisador planeje suas ações em função
da complexidade de seus objetivos.
Três grandes pontos tornam-se essenciais nessa discussão metodológica: o primeiro
diz respeito à articulação do conhecimento empírico com o conhecimento científico; o
segundo, à dicotomia teoria e prática frente à produção do conhecimento; e o terceiro refere-
se à minha subjetividade frente ao objeto de estudo e análise.
1
Em capítulo anterior, explicitei essa perspectiva, quando da discussão sobre paradigmas e conhecimento científico.
64
Na discussão do primeiro ponto, reportarei-me a Santos (2000) quando este aponta que
na dupla ruptura epistemológica
2
torna-se evidente a necessidade de se articular o
desnivelamento dos discursos: “(...) os primeiros discursos são os discursos vulgares, (...) os
discursos do senso comum; os segundos são os discursos (...) agasalhados de muita roupa, os
discursos eruditos” (p. 42-43). Por isso, nessa pesquisa terei a preocupação em comungar os
dois discursos, buscando não sobrepor o científico-acadêmico ao empírico
3
. Uma concepção
pós-moderna deve abarcar a totalidade desses discursos, conjugando dialeticamente esses
conhecimentos, “empírico” e “científico-acadêmico”, para que a síntese dessa construção seja,
de fato, o próprio “conhecimento científico” contextualizado no mundo real, e assim possa
atender às efetivas necessidades de uma sociedade complexa.
Meu segundo ponto de discussão diz respeito à dicotomização teoria e prática, ou
seja, um distanciamento entre o que está sendo “dito” e o que está sendo, ou pode vir a ser,
“feito”. Santos (2000) discute essa problemática apresentando a superação da dicotomia
contemplação/ação como outra orientação para a dupla ruptura epistemológica – talvez isso se
dê devido ao desnivelamento dos discursos originado pela modernidade. Buscarei na
metodologia construir uma práxis dialética com a teoria e a prática, me comprometendo, para
tanto, com o conhecimento do cotidiano escolar produzido nas relações explícitas e implícitas
que ocorrem na realidade educacional.
Não pretendo rotular/classificar tipos de conhecimentos, mas sim reafirmar minha
perspectiva pós-moderna de produção de conhecimento científico; não percebo sentido em
construir estudo sobre determinada temática se esta encontra-se distanciada da realidade do
pensar e agir dos professores brasileiros, também não quero negar nossa vasta produção
2
O termo “dupla ruptura epistemológica”, utilizado por Santos (2000), está melhor explicitado no capítulo 3 deste trabalho e,
sumariamente, significa a ruptura paradigmática do século XX com a modernidade, fazendo emergir, assim, a pós-modernidade.
3
Chamo de discurso científico-acadêmico o discurso científico inserido em uma matriz paradigmática moderna, em que este
se torna distante do conhecimento empírico em nome do racionalismo.
65
acadêmica, porém objetivo articulá-la dialeticamente, e dialogicamente, com os conhecimento
produzido cotidianamente pelos professores da escola básica.
Um outro ponto de reflexão referente à minha orientação de abordagem qualitativa diz
respeito à subjetividade do pesquisador frente ao objeto investigativo. Não posso mais falar
em pesquisa científica, numa perspectiva pós-moderna, acreditando na neutralidade científica
do pesquisador e na sua objetividade frente à análise de objeto. Conforme apresentado no
início desse trabalho, quando da historicidade do objeto, percebo que esse estudo se encontra
entrelaçado com minha trajetória de vida, tanto no aspecto pessoal, quanto profissional. Além
de pesquisador, sou professor de início de escolarização em pleno processo de constituição,
assim como os demais professores-participantes desse estudo. Mesmo substanciando um olhar
para esses professores e suas práticas, estarei percebendo, também, meu próprio processo de
constituição, diretamente relacionado com a minha história, minha relação com o mundo e
com o conhecimento. Segundo Jacques Ardoíno, o processo de autorização, quando o
pesquisador torna-se seu próprio autor, “leva-o juntamente com outros a formarem, na
incompletude, um grupo-sujeito no qual interagem os conflitos e os imprevistos da vida
democrática” (apud BARBIER, 2002, p. 19). Visto isso, ao falar do ensino da Estocástica na
perspectiva da Educação Matemática, meu objeto de estudo, estou falando também de
constituição do sujeito inserido num mundo repleto de incertezas, em que uma consciência do
acaso se torna premissa elementar. No entanto, estou, ainda, rompendo com valores e atitudes
ligadas a uma matriz paradigmática cartesiana de conceber o mundo real. Por isso, eu,
enquanto pesquisador-professor, estarei transportando para minha produção não só análise do
processo de constituição DAQUELAS professoras-participantes da pesquisa, mas, sim, de
TODOS NÓS, enquanto educadores matemáticos frente às incertezas de um mundo
complexo.
66
2. APONTAMENTOS SOBRE A PESQUISA-AÇÃO
A partir dessas reflexões sobre a abordagem qualitativa de pesquisa, assim como a
complexidade do objeto de estudo – ensino da Estocástica nos anos iniciais –, optei por
caracterizar esta investigação como uma pesquisa-ação. Para isso, utilizarei os seguintes
autores, visando a melhor nortear o planejamento de minhas ações: Joe L. Kincheloe (1997),
Michel Thiollent (1996) e René Barbié (2002).
Para compreender melhor a pesquisa-ação, apresentarei abreviadamente alguns pontos
de discussão que me chamaram a atenção sobre minha abordagem metodológica. Thiollent
define pesquisa-ação como “linha de pesquisa associada a diversas formas de ação coletiva
que é orientada em função da resolução de problemas ou de objetivos de transformação”
(1994, p. 7). Entendo essa ação-coletiva como a interação dialética e dialógica entre o
pesquisador, o professor-participante e o currículo. Por essa definição, posso legitimar a
pesquisa-ação como metodologia apropriada para abordar meu estudo, tendo em vista a
problemática de inclusão da Estocástica no currículo dos anos iniciais, pois percebo essa
problemática como latente no interior das escolas brasileiras frente as novas recomendações
dos Parâmetros Curriculares Nacionais referente ao Tratamento da Informação, problemática
essa que só se superaria por meio de ação coletiva de educadores, visando à resolução de
problemas e, assim, a transformação.
Percebo em Barbier (2002) uma preocupação para que não concebamos a pesquisa-
ação apenas como simples transfiguração metodológica de produção científica, mas sim como
verdadeira maneira de conceber e fazer pesquisa em Ciências Humanas. O autor também me
chama a atenção para a multireferencialidade gerada pela complexidade dessa abordagem,
fazendo que o pesquisador percorra pelos diversos campos do conhecimento; segundo ele: “o
pesquisador desempenha, então, seu papel profissional numa dialética que articula
67
constantemente a implicação e o distanciamento, a afetividade e a racionalidade, o simbólico
e o imaginário, a mediação e o desafio, a autoformação e a heteroformação, a ciência e a arte”
(p. 18).
Posso apontar algumas características para a pesquisa-ação, segundo Kincheloe
(1997): a primeira é que a pesquisa-ação deve recusar as noções positivistas de racionalidade,
de verdade e de objetividade, os métodos e questões de pesquisas são sempre políticos em
suas característica; a segunda característica refere-se a importância da consciência do
pesquisador de que sua ação é revestida de compromissos e valores tanto seus, quanto dos
outros, assim como da cultura dominante; a terceira característica é a de que o pesquisador
crítico da ação deve estar consciente da construção da consciência profissional; uma outra
característica é o fato de que o pesquisador crítico da ação deve descobrir quais aspectos de
ordem social dominante que o impede de atingir seus objetivos emancipatórios; e uma última
característica é a de que pesquisa-ação deve estar sempre relacionada à prática – ela existe
para melhorar/transformar a prática.
A pesquisa-ação, segundo Thiollent (1996) surge como metodologia alternativa de
pesquisa em Educação, visando a superar a desilusão dos educadores frente às metodologias
convencionais, cujos resultados, apesar da aparente precisão, ficam distantes dos problemas
urgentes da situação atual da Educação. Ampliando essa idéia, Kincheloe (1997) chama a atenção
da importância de nós, educadores, nos apropriarmos da pesquisa-ação como forma de
avançarmos na nossa visão crítica pós-moderna da reforma escolar e, assim, usá-la como
“estratégia pedagógica para ajudar os professores a libertarem-se da prisão do pensamento
modernista” (1997, p. 179). O mesmo autor considera a pesquisa-ação como ato democrático,
pois “permite aos professores ajudar a determinar as condições de seu próprio trabalho” (p. 180),
além disso possibilita aos professores “(...) organizarem-se em comunidades de pesquisadores
dedicados a experiências emancipatórias para eles mesmos e para seus alunos” (p. 180).
68
3. O PROCESSO METODOLÓGICO
Inicialmente, represento a metodologia por meio de linguagem gráfica que
denominarei de boneco metodológico, dando, assim, visão do todo e das várias relações
existentes entre as partes; em seguida, apresento descrição dessas partes que compõem o todo.
Relato de
Experiências
Possibilidade
de Engenharia
Didática
Discussões com o
Orientador
Momento de
Ambientalização
Inicial
Curso de
Extensão
Construção
Teórica
Figura 4: Boneco Metodológico
Apresento agora discussão visando a apresentar as várias partes que compõem o
boneco metodológico, assim como o seu processo de configuração ocorrido durante a
pesquisa de campo. Com base na Teoria da Complexidade (MORIN, 2002), reforço a idéia de
que cada parte só tem sentido quando percebida a sua relação com as demais partes que
compõem o todo, assim como a relação dessa parte com o próprio todo em si. É esta
69
perspectiva dialética entre as partes e o todo que dará sentido à minha investigação – o global.
Lembro, ainda, que este todo sempre será uma parte de outro todo, rompendo, com isso, a
idéia de linearidade, fragmentação e terminalidade na construção do conhecimento científico.
3.1 MOMENTO DE AMBIENTALIZAÇÃO INICIAL
Apesar de morar no Distrito Federal, trabalho na cidade de Formosa/GO, a
aproximadamente 90Km de distância de minha residência. Vou e volto todos os dias à cidade para
dar aulas, por isso, optei por realizar a pesquisa na própria cidade em que trabalho, além do que a
precariedade do sistema escolar do Município e o distanciamento destas escolas da comunidade
acadêmico-científica, chamou-me bastante atenção para realizar a pesquisa na região.
Inicialmente, estava apenas prevista na pesquisa a investigação baseada na experiência
com uma professora, Momento de Ambientalização Inicial (ver boneco metodológico). No
entanto, ao término desta fase, ao avaliar a minha atuação em campo, julgamos (eu e meu
orientador) necessário ampliar a pesquisa e constituir um grupo de estudo em Educação
Estatística com outros professores que ensinam Matemática da região, visando a corroborar
alguns dados encontrados na pesquisa. Devido ao curto espaço de tempo para conclusão do
trabalho de campo, optei por configurar esta fase como curso de extensão a ser realizado na
própria cidade com professores em exercício que ensinam Matemática.
Neste primeiro momento, chamado Momento de Ambientalização Inicial, vivenciei a
realidade de uma escola pública localizada no interior de Goiás. Visitei semanalmente,
durante quatro meses (março a junho/2004), uma turma de 4
a
série de uma escola pública da
rede municipal de Formosa/GO. A escola localizava-se em um bairro de periferia de Formosa,
(explicitar algumas características da escola). O registro das atividades deste momento deu-se
por anotações em diário de campo.
70
Assim, analisei a prática pedagógica de Andréia
4
, professora com dez anos de
experiência na rede pública municipal. Andréia possuía formação em Magistério (nível
médio) e em Pedagogia, sendo esta última obtida pelo convênio firmado entre a Prefeitura do
Município e a Universidade Estadual de Goiás (UEG).
Participava de suas aulas, geralmente de quatro horas seguidas, e, ao término da aula,
discutíamos (avaliávamos) durante 40 minutos sobre sua prática em sala de aula. Neste
momento, não houve muita intervenção direta na prática pedagógica de Andréia, porém nas
discussões sempre procurava desestabilizar as crenças e práticas da professora.
3.2. CURSO DE EXTENSÃO
Neste momento da pesquisa, ofereci curso de extensão de 60 horas, realizado nas
dependências das Faculdades Integradas Iesgo, espaço gentilmente cedido pela direção, sendo
este formalizado pela própria instituição. O curso, intitulado A Educação Estatística nos Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, foi dirigido a professores que ensinavam Matemática da
região e que estavam em regência de turma. Fez-se uma propaganda do curso na instituição e
os interessados procuravam a instituição para efetuar sua inscrição e assinar declaração,
atestando que estavam cientes de que o curso fazia parte de uma pesquisa de mestrado e de
que autorizavam divulgar seus nomes, imagens e produções.
Obtive no curso a participação de 15 professoras que ensinavam matemática tanto nos
anos iniciais (com formação em Magistério ou Pedagogia), quanto dos anos finais (com
formação em Matemática) do Ensino Fundamental. No entanto, optei por analisar apenas dez
destas professoras. Eram elas:
4
Todos os nomes utilizados para os sujeitos da pesquisa serão nomes fictícios, visando a não comprometer suas
identidades.
71
Eliza
Formação: Magistério
Professora: Anos Iniciais (Escola Particular)
Cinco anos de experiência no Magistério
Moradora de Formosa
Lana
Formação: Magistério
Professora: Anos Iniciais (Escola Particular)
Três anos de experiência no Magistério
Moradora de Formosa
Claudete
Formação: Estudante de Matemática
Professora: Anos Finais (Escola Pública)
Um ano de experiência no Magistério
Moradora de Formosa
Sara
Formação: Estudante de Matemática
Professora: Anos Finais (Escola Pública)
Um ano de experiência no Magistério
Moradora de Formosa
Élida
Formação: Estudante de Matemática
Professora: Anos Finais (Escola Pública)
Um ano de experiência no Magistério
Moradora de Formosa
Dilma
Formação: Magistério e Estudante de Normal
Superior
Professora: Anos Iniciais (Escola Pública)
Sete anos de experiência no Magistério
Moradora de Cabeceiras-GO
Eliane
Formação: Licenciada em Matemática
Professora: Anos Finais (Escola Pública)
Cinco anos de experiência no Magistério
Moradora de Formosa
Vivian
Formação: Magistério e Pedagogia
Coordenadora – Anos Iniciais (Escola
Particular)
15 anos de experiência no Magistério
Moradora de Formosa
Evanice
Formação: Estudante de Matemática
Professora: Anos Finais (Escola Pública)
Um ano de experiência no Magistério
Moradora de Formosa
Liane
Formação: Magistério
Professora: Anos Iniciais (Escola Pública)
Três anos de experiência no Magistério
Moradora de Formosa
Apresento agora duas fotos do grupo, tiradas no dia 17 de agosto de 2003, ao final do
encontro:
72
Figura 5: Fotografia do grupo de professoras com o pesquisador – dia 17/08/2004
Figura 6: Fotografia do grupo de professoras com o pesquisador – dia 17/08/2004
O curso ocorreu durante dois meses, agosto e setembro/2004, com dois encontros
semanais de quatro horas cada. Ao todo foram dez encontros, totalizando 40 horas, mais 20
horas de aplicação das atividades em sala de aula. Destas 20 horas, cada professora deveria
apresentar no grupo pelo menos uma experiência ocorrida em suas turmas com o ensino de
Análise Combinatória, Probabilidades e Estatística. Todos os encontros foram registrados
integralmente em VHS.
O curso foi estruturado em três momentos articulados entre si. No primeiro momento,
discutimos sobre o ensino da Matemática, com base em textos escolhidos por mim, em
73
virtude da demanda das discussões do grupo. Ou seja, à medida que avançávamos nas
discussões, eu prestava atenção à fala das professoras, desse modo, novos temas emergiam
para os próximos encontros, assim eu selecionava outros textos de fácil acesso para que elas
pudessem realizar a leitura (ver anexo a relação dos textos trabalhados). Optei por sempre
deixar uma das professoras responsável por apresentar o texto e estimular a discussão, deste
modo, não ficava a discussão teórica centralizada em mim. No segundo momento, as
professoras agrupadas planejavam algumas práticas sobre noções estocásticas passíveis de
aplicação em turmas de Ensino Fundamental e as demonstravam/aplicavam no próprio grupo.
No terceiro momento, idealizado somente a partir do 6
o
encontro, eu selecionava algumas
atividades desafiadoras e interessantes sobre noções estocásticas e as aplicava no grupo. Não
havia controle rigoroso do tempo, deixávamos as discussões e as atividades fluírem de acordo
com a disposição da turma.
Discutimos as seguintes questões norteadoras no grupo:
1
o
Encontro – Por que ensinar noções estocásticas no Ensino Fundamental? O que
dizem os Parâmetros Curriculares de Matemática sobre o Tratamento
da Informação? (a partir da discussão sobre a Estocástica no Ensino
Fundamental e seus relatos sobre a prática pedagógica linear e
fragmentada, estabeleci a segunda questão norteadora)
2
o
Encontro – O que é e como trabalhar com o currículo de Matemática em rede?
(depois de compreendida a noção de que o ensino de Matemática deve
transcender a conteúdos estanques, surge a próxima questão com
referência à dúvida de como lidar metodologicamente com o currículo
de matemática em rede)
3
o
Encontro – O que é e como trabalhar com a resolução de problemas? (depois de
avançarmos a discussão sobre a resolução de problemas com base no
74
texto de Muniz, surge a necessidade de ampliarmos a idéia para a noção
de situação-problema)
4
o
Encontro – O que é e como trabalhar com a resolução de situações-problema?
(após estarmos motivados a trabalhar a Matemática por meio de
situações-problema, surge a necessidade de levantarmos algumas
orientações metodológicas a respeito do ensino da Estocástica)
5
o
Encontro – Como ensinar probabilidades? (agora, após discutimos sobre algumas
orientações prestadas sobre as probabilidades, sentimos a necessidade
de falarmos sobre o lúdico na sala de aula)
6
o
Encontro –A Matemática pode ser trabalhada por abordagem lúdica? (articulamos
o lúdico à possibilidade do aluno de matematizar, ao ser matemático
existente em cada criança; assim, surge o novo tema para o próximo
encontro)
7
o
Encontro – São as crianças pequenos matemáticos? (discutimos sobre a capacidade
do aluno de matematizar e sobre o papel do professor nestas
construções, inclusive sobre análise de esquemas mentais do aluno pela
mediação do professor que ensina Matemática)
8
o
e 9
o
Encontros – Quais atividades podem ser interessantes para o ensino de noções
estocásticas? (deixamos um pouco de lado questões teóricas e fomos
verificar as construções práticas das professoras)
10
o
Encontro – Como foi o nosso trabalho? O que aprendemos? (no último encontro,
fizemos avaliação do nosso trabalho)
Porém, durante os encontros, os temas discutidos perpassavam por vários outros
encontros e surgiam outros novos temas. Como por exemplo, na discussão sobre currículo
75
de Matemática em rede, falamos, também, sobre resolução de situação-problema, conceito em
ação, campos conceituais.
3.3 DISCUSSÕES COM O ORIENTADOR
Este momento foi de análise de minhas ações na pesquisa de campo, em que,
juntamente com o orientador, discutíamos os procedimentos e métodos utilizados no curso
fazendo surgir novas possibilidades e aplicações para os encontros posteriores.
O orientador teve, também, papel de desestabilizar o meu olhar referente ao grupo,
fazendo seus comentários, de natureza externa, à prática em que eu estava imerso.
3.4. RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DAS PROFESSORAS
Sempre reservávamos um momento durante os encontros para o relato de experiências
das professoras ocorridas em suas turmas. Conforme já apresentei, estes relatos fazem parte
da carga horária total do curso, equivalem a 20h. Elas sempre apresentavam o que havia
ocorrido de positivo na atividade aplicada na turma, assim como as dificuldades apresentadas.
Durante os relatos, surgiam sugestões e comentários dos demais integrantes do grupo,
contribuindo, assim, com a prática pedagógica da professora relatora.
Apresentarei no próximo capítulo os resultados obtidos a partir desta construção
metodológica e com base nos objetivos de pesquisa. Para tanto, utilizo a análise de conteúdo
como forma de organização a discussão dos resultados.
CAPÍTULO VI – ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Neste capítulo, apresento breve discussão sobre o sistema escolhido para organização
e discussão dos resultados encontrados na pesquisa.
Apresento e discuto, também, alguns dos resultados encontrados na pesquisa de
campo. Busco, ainda, neste capítulo re-articular estes resultados empíricos com falas de
outros autores em Educação Matemática e Educação Estatística.
1. ANÁLISE DE CONTEÚDO
Utilizei a análise de conteúdo como estrutura de análise e interpretação dos dados
percebidos em campo. A análise de conteúdo consiste em se classificar em categorias
elementos de um texto ou de uma comunicação que se quer analisar na pesquisa qualitativa
(DENCKER; VIÁ, 2001).
Na análise de conteúdo, o ponto de partida é a mensagem – verbal (oral ou escrita),
silenciosa, gestual, figurativa, documental ou diretamente provocada –, pois esta expressa um
significado e um sentido que não pode ser entendido como ato isolado. Assim, torna-se
indispensável considerar que a relação que vincula a mensagem está, diretamente, atrelada às
condições contextuais de seus sujeitos, condições estas que envolvem evoluções históricas da
humanidade e situações socioculturais e econômicas nos quais estes estão inseridos,
resultando, assim, em mensagens (expressões verbais) carregadas de componentes cognitivos,
afetivos, valorativos e historicamente mutáveis (FRANCO, 2003).
As unidades de análise referem-se à forma pela qual organizamos os dados para efeito
de tratamento dos dados na pesquisa qualitativa (ALVES-MAZZOTTI, 2002); classificam-se
77
em unidades de registro e unidades de contexto. Utilizei como unidades de registro as falas
produzidas pelas professoras durante os encontros, assim como meus registros de observações
em campo (representadas por caixas pontilhadas, vide exemplo página 84). Assim, neste
estudo, uma unidade de registro refere-se aos fragmentos da realidade que representam
elementos significativos daquela realidade (salas de aulas de Formosa), ora estes fragmentos
são representados por trechos de falas dos sujeitos da pesquisa, ora são representados pelas
minhas anotações de campo (diário de campo).
Além das unidades de registros, devemos definir as unidades de contexto, situando
uma referência mais ampla e precisando o contexto do qual faz parte a mensagem (GOMES,
1975). Assim, neste trabalho, temos duas unidades de contexto conjunturais às unidades de
registro explicitadas por dois momentos:
O primeiro momento da pesquisa foi realizado em uma escola pública municipal de
Formosa/GO, com uma professora da 4
a
série, entre os meses de abril e junho de
2004. Nesse momento, busquei (re)conhecer a realidade de uma escola pública de
Formosa, assim como perceber a prática de uma professora em séries iniciais diante
do ensino de noções estocásticas na sala de aula. Assim, a pesquisa caracteriza-se
por traços de etnografia da sala de aula;
O segundo momento ocorreu por meio de um curso de extensão, realizado nas
dependências das Faculdades Integradas Iesgo (Formosa/GO). O curso, intitulado A
Educação Estatística nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, contou com a
participação de 15 professoras e nele refletimos sobre o ensino da Matemática,
tendo como referência a realidade escolar destas professoras e, conseqüentemente,
construímos novas práticas pedagógicas relativas ao ensino de Análise
Combinatória, Probabilidades e Estatística. O curso contou, também, com a
78
participação de algumas professoras dos anos finais do Ensino Fundamental, que
muito contribuíram com a discussão. Neste momento, a pesquisa caracteriza-se
mais como pesquisa-ação na busca de mudança da realidade, da presença da
Educação Estatística na sala de aula via formação continuada de professores.
Franco (2003) nos aponta que a unidade de contexto deve ser tratada e considerada
como a unidade básica para compreensão da codificação da unidade de registro e corresponde
ao segmento da mensagem, cujas dimensões, superiores às da unidade de registro, são
excelentes para o entendimento do significado da unidade de registro.
2. SISTEMA DE CATEGORIZAÇÃO
Como base na especificidade da análise de conteúdo, estruturei este estudo por um
sistema de categorização dos dados obtidos. Para Franco:
A categorização é uma operação de classificação de elementos constituitivos de um
conjunto, por diferenciação seguida de um reagrupamento baseado em analogias, a
partir de critérios definidos. (2003, p. 51)
Utilizei a categorização como meio de se analisar os dados pela sua melhor adequação
à minha concepção de pesquisa qualitativa, porém gostaria de ressaltar que as categorias não
são estanques entre si, complementam-se por relações dialéticas e dialógicas, formando rede
conceitual. Assim, as categorias dão dinamicidade às interpretações e sentido à construção
final do trabalho. Lembrando González Rey:
O desenvolvimento de categorias é um momento essencial no tipo de pesquisa
qualitativa (...), pois, se afirmamos que a pesquisa representa um processo de
constante produção de pensamento, este não pode avançar sem os momentos de
integração e generalização que representam as categorias. (2002, p. 119)
79
Para Franco (2003) e Gomes (1994), existem dois caminhos para construção das
categorias de análise. No primeiro caminho, categorias criadas a priori, as categorias e seus
respectivos indicadores, são predeterminadas em função da busca de respostas específicas do
pesquisador. O segundo caminho, muito utilizado na pesquisa qualitativa, refere-se à
construção de categorias não definidas a priori, em que estas “emergem da ‘fala’, do discurso,
do conteúdo das respostas e implicam constante ida e volta do material de análise à teoria”
(FRANCO, 2003, p. 53). Assim, trabalhar com este sistema aberto de categoria (a posteriori)
exige maior bagagem teórica do pesquisador. Para este trabalho, guiei-me pelo segundo
caminho, que acredito torna-se o mais adequado para meu tipo de investigação. Ou seja, o
sistema de categoria foi constituído a posteriori, a partir da íntima e profunda relação analítica
do pesquisador com os dados produzidos.
Apoiado por Alves-Mazzotti (2002), percebi que à medida que os dados estavam
sendo coletados tentei identificar temas e relações, constituindo interpretações e gerando
novas questões e/ou aperfeiçoando as anteriores, o que, por sua vez, me levou a buscar novos
dados, complementares ou mais específicos, que testaram minhas interpretações, num
processo de “sintonia fina” que foi até a análise final.
Tomei algumas orientações de Franco (2003), sobre as implicações da categorização a
posteriori do ponto de vista operacional como referência para a construção das categorias
deste trabalho:
Tendência de se criar grande quantidade de categorias;
Tendência de se abrir uma categoria para cada resposta, o que fragmenta o discurso
e prejudica a análise das convergências;
Tendência de se tornar redundante grande quantidade de dados e prejudicar a
análise do todo.
80
Assim, organizo os resultados desta pesquisa em três grandes categorias:
Organização do Trabalho Pedagógico no Contexto da Educação Estatística
Percepções sobre o Jogo no Ensino de Noções Estocásticas
Percepções sobre o Currículo de Matemática e o Livro Didático
Percepções sobre Materiais Didático-Pedagógicos
Desenvolvimento Profissional das Professoras em Educação Estatística
Obstáculos Didáticos e Epistemológicos no Ensino de Noções Estocásticas
3. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA
Nesta categoria, foram analisadas as formas com que as professoras organizam o trabalho
pedagógico quando ensinam noções estocásticas no Ensino Fundamental, tomando como foco de
análise a práxis pedagógica destas. Para falar desta práxis, remeti-me a três pontos de análise. O
primeiro refere-se às observações ocorridas durante o primeiro momento da pesquisa, vivências
com a professora Andréia na escola pública de Formosa/GO. O segundo ponto está relacionado às
falas das professoras ocorridas no grupo sobre sua práxis, seus relatos de experiências. E o
terceiro ponto refere-se às simulações de atividades desenvolvidas pelas professoras no grupo, em
que representam suas construções diante o ensino de noções estocásticas.
Analisei, também, a articulação da práxis destas professoras com a Didática da
Matemática, com base nos estudos realizados no grupo referentes a temas da Educação
Matemática (Currículo de Matemática em Rede, Matemática Lúdica, Resolução de Problema e de
Situação-Problema). Deste modo, considerarei a Didática da Matemática como integrante desta
categoria que foi denominada de Organização do Trabalho Pedagógico no Contexto da
Educação Estatística.
81
Para Villas Boas (1993), a expressão organização trabalho pedagógico admite dois
significados. O primeiro é o desenvolvido pela escola, cujo objetivo é a
transmissão/assimilação do saber sistematizado, em que concorrem todas as ações escolares,
não reduzido às atividades desenvolvidas em sala de aula, entre professor e alunos, mas
incluindo a organização global do poder na escola, os eventos socioculturais, os conselhos de
classe, as reuniões de pais, a estrutura administrativa etc. Deste modo, justifica-se porque
todas estas iniciativas escolares afetam direta ou indiretamente a formação dos alunos. O
segundo significado restringe-se à interação professor-aluno, em sala de aula.
Freitas (1995), reforça esta idéia, apresentando dois níveis para a organização do
trabalho pedagógico:
a) como trabalho pedagógico que, no presente momento histórico, costuma
desenvolver-se predominantemente em sala de aula; b) como organização global do
trabalho pedagógico da escola, como projeto político-pedagógico da escola. (p. 94)
A organização do trabalho pedagógico pode ser percebida como o processo pelo qual o
professor realiza a gestão dos seus espaços de aprendizagem e de ensino, entendendo estes
espaços não apenas o da sala de aula, mas sim todos que envolvem o projeto político-
pedagógico da escola.
Dessa forma, analiso nesta categoria as atividades docentes desenvolvidas pelas
professoras no grupo – suas participações e relatos de experiências – frente ao ensino da
Estocástica, que é meu objeto de estudo. Entendendo que “a atividade docente é práxis”
(PIMENTA, 2002, p. 83), buscarei compreender algumas construções explicitadas na práxis
das professoras no grupo.
Percebo, com base em Marx e Engels (1986, apud PIMENTA, 2002), que práxis é a
atitude (teórico-prática) humana de transformação da natureza e da sociedade. Não é
suficiente conhecer e interpretar o mundo (teórico), é preciso transformá-lo (práxis). Ou
82
seja, “a atividade humana se caracteriza como produto da consciência, a qual prefigura as
finalidades da ação (atividade teórica)” (PIMENTA, 2002, p. 88). Deste modo, reconheço a
práxis como relação dialética entre teoria e prática, especificamente humana, em que o sujeito
age transformando a realidade e, assim, transforma-se.
Analiso, nesta categoria, a práxis pedagógica destas professoras no grupo,
identificando suas construções no ensino de noções estocásticas nos dois níveis da
organização do trabalho pedagógico (sala de aula e global): suas percepções sobre currículo,
seus processos mediadores, os recursos didáticos pedagógicos, a avaliação e o planejamento.
3.1 PERCEPÇÕES SOBRE O JOGO NO ENSINO DE NOÇÕES ESTOCÁSTICA
Diversas recomendações referentes ao ensino da Estocástica apontam que esta deva
ocorrer de forma ativa e experimental (NCTM, 1991; BRASIL/MEC/SEF, 1997;
BATANERO, 2001). Utilizando simulações para que o aluno construa conceitos e noções
estocásticas. Deste modo, percebo o jogo como ferramenta importante na mediação do
conhecimento matemático referente às noções estocásticas, pois possibilita ao aluno
experimentar situações dadas ao acaso. Ou seja, o jogo proporciona a relação do aluno com os
elementos de seu contexto cultural, possibilitando a efetiva construção do conhecimento
matemático das noções estocásticas.
Ao se considerar o jogo como elemento mediador no ensino da Matemática, deixamos
de lado uma perspectiva de ensino que nega conhecimentos culturais aluno, que despreza sua
criatividade e que, conseqüentemente, destrói qualquer possibilidade do aluno de
matematizar. Por isso, D’Ambrósio (1990) defende a necessidade de recuperação de todos os
valores da Matemática na Educação, a fim de mudar o quadro do fracasso do ensino. Para ele,
uma perspectiva concreta é o desenvolvimento de estudos na área da etnomatemática, em
83
que a produção cultural seja considerada projetos pedagógicos e pesquisas. A
Etnomatemática, conceito ainda em construção, possui composição etimológica centrada nos
seguintes pontos: etno + matema + tica, em que temos: etno = contexto cultural; matema =
explicar, compreender e tica = arte ou técnica. Ou seja, “matemática antropológica, como um
programa de pesquisa partindo da realidade cultural e chegando, através da psicologia
cognitiva e com um sólido fundamento cultural, à ação pedagógica” (MUNIZ, 2002, p. 36).
Ainda em Muniz, no brincar, o sujeito é ser sociocultural que utiliza estratégias
matemáticas pessoais, espontâneas, podendo utilizar e desenvolver a sua Matemática
informal, oral, oprimida, não estandardizada, escondida, ou seja, sua Matemática Popular.
Porém, acrescenta o autor, quando o brincar está ausente do espaço escolar, a criança
transforma-se em “aluno”, um ser que age de acordo com as expectativas do professor –
acabando, assim, com o ser matemático cultural do aluno, transformando-o em mero
reprodutor de fórmulas.
Essa ausência do jogo ficou latente na pesquisa, quando percebi que a prática
pedagógica das professoras se encontrava engessada em tempos letivos e em conteúdos
matemáticos. Segundo as próprias professoras, o livro tornava-se o centro do processo, pois
não dá tempo trabalhar de maneira diferenciada em sala, perdendo-se, assim, o espaço para
atividades experimentais e jogos no ensino da Estocástica.
“Quando para ensinar alguma coisa a gente tem que sair dali (do ensino tradicional), por
exemplo, fazer um momento de brincadeira ou ensinar um determinado conteúdo com jogos,
a sensação que tenho é de que não vai dar tempo, principalmente, porque é cobrado que tem
que ser dado aquilo ali”.
(12/08/04 – Sara, professora das séries finais, licencianda em Matemática, menos de um ano
de experiência)
A fala de Sara, no início dos nossos encontros, representa a dificuldade que
professores possuem diante dos conteúdos programáticos, percebendo a aprendizagem
84
apenas nos registros do caderno do aluno ou no livro didático. O lúdico ainda fica de fora do
discurso do professor e, tristemente, muitas vezes de sua prática pedagógica.
Por vezes, o professor que ensina Matemática não consegue perceber o jogo como
ferramenta mediadora na construção do conhecimento matemático. Talvez isso se dê porque o
jogo possui dimensão bastante abstrata, dificultando, assim, ao professor analisar os processos
que são desencadeados pelo aluno em relação à aprendizagem matemática. A prática de
muitos professores ainda encontra-se aprisionada a paradigmas tradicionais de ensino, em que
ocorrem supervalorizações dos produtos (resultados da aprendizagem) em detrimento dos
processos de aprendizagem. Isso, muitas vezes, ofusca a visão do professor, gerando
impossibilidade de análise do desenvolvimento do conhecimento matemático existente no
jogo.
Brougère (2002) aponta que o jogo não se caracteriza por comportamento específico, mas
utiliza comportamentos provenientes de outras situações, levando-o à consideração do jogo como de
“segundo plano”. Talvez nesta afirmação esteja a noção de que o valor educativo do jogo está
justamente nas construções matemáticas do aluno decorrentes desse segundo plano – plano das
idéias, dos conceitos, do imaginário, das hipóteses, da não realidade material –, o que por estar em
nível tão abstrato torna complicado para o professor penetrar neste universo metafísico.
Conforme já havia apontado, em Educação Estatística, o jogo torna-se essencial à prática
pedagógica do professor. Ele possibilita o desenvolvimento das noções de aleatoriedade, chance,
acaso, possível e impossível. Por exemplo, numa partida de dominó os alunos estabelecem
estratégias matemáticas altamente complexas com base nas chances implicadas em dada jogada,
distinguem eventos aleatórios de determinísticos, desenvolvem a noção de acaso. Porém, uma
mediação pedagógica mal-sucedida do professor nos jogos pode cristalizar concepções errôneas de
probabilidades, como: “hoje estou com sorte, vou ganhar”, “tenho cinqüenta por cento de chance de
ganhar”.
85
Na discussão do dia 31 de agosto, as professoras analisaram que, à medida que
envelhecemos, deixamos de lado o jogo, a brincadeira, o brinquedo, enfim, descartamos
progressivamente o lúdico de nossas vidas. Acabamos por esquecer que o lúdico se torna
essencial à existência do sujeito criativo e, assim, transformador da realidade; deste modo, o
educador deixa de ser brincante.
O lúdico, por se tratar de manifestação humana, deve torna-se uma das dimensões do
processo pedagógico, que não pode estar desarticulado da prática do professor de Matemática.
Para isso, a formação inicial e continuada de professores em Educação Matemática deve ter
compromisso de resgate do lúdico nos professores, para que estes possam brincar, jogar,
cantar, dançar etc., ou seja, atingir uma segunda dimensão de não realidade que o lúdico pode
proporcionar. Isso significou fazer que estes se sintam mais capazes de perceber e vivenciar
esta alegria no seu dia-a-dia e, assim, tornarem-se mais professores.
Mas, para isso, várias representações devem ser reconstruídas. No encontro do dia 31
de agosto, quando da discussão sobre Matemática Lúdica, as professoras apontaram algumas
dificuldades em relação à utilização do jogo na sala de aula.
“Engraçado é que às vezes a gente faz um jogo ou uma brincadeira e os alunos perguntam:
– Você não vai dar aula, não!”
(31/08/04 – Eliane, professora das Séries Finais, licenciada em Matemática, cinco anos de
experiência)
Os próprios alunos, principalmente os dos anos finais, já estão condicionados que a
aula seja um ritual em que o professor “explica o conteúdo”, “passa exercícios de fixação” e,
em seguida, “estabelece os exercícios para casa”. Muitas vezes, outras propostas são
desconsideradas do processo.
No primeiro momento da pesquisa, a professora Andréia, em conversa informal,
relatou situação semelhante. Ela estava trabalhando em Ensino Religioso alguns temas
86
como amor, solidariedade, fraternidade, amizade etc. De repente, um aluno perguntou: “-
Professora, a gente não vai ter aula hoje?”. A professora relatou ter ficado bastante
decepcionada com a situação e pensando sobre o crime que estamos cometendo com estas
crianças. Com isso, percebo que os próprios alunos trazem esta representação de que a aula é
aquela em que se utiliza o quadro e o giz, o livro, o caderno, os conteúdos programáticos etc.,
em que o lúdico perde seu espaço.
Para continuar discussão sobre as dificuldades percebidas pelas professoras para
ensinar por meio do jogo, resgato a fala da Sara:
“Às vezes, é tão difícil brincarmos ou jogarmos com os alunos, alguns já estão tão acostumados com
o tradicional que quando propomos algo diferente eles ficam parados (...), nem saem do lugar (...).
Eles já estão tão mal acostumados que quando falamos em atividades de grupo, jogo ou brincadeira,
eles ficam meios que apáticos”.
(31/08/04 – Sara, professora das séries finais, licencianda em Matemática, menos de um ano de
experiência)
Assim, nesta fala percebo que o trabalho pedagógico diferenciado com o jogo não é
fácil, pois os alunos já estão “formatados” pela/para a escola, numa perspectiva tradicional.
Parece que a escola não é lugar de brincar e quando o professor propõe entrar no “mundo
lúdico” destes alunos ele está sendo profano em sua proposta. No grupo, esta situação de
apatia dos alunos em relação a atividades lúdicas ficou mais evidente entre as professoras dos
anos finais do que as dos anos iniciais.
“Algumas vezes, eu percebo nos meninos maiores, de 5
a
a 8
a
, que o jogo é coisa de criança(...). Na 5
a
,
série isso é muito engraçado, porque eles dizem ‘tia, isso é coisa de criança’(...). Quer dizer chamam
de ‘tia’ e consideram ‘coisa de criança’ (risos)”.
(31/08/04 – Claudete, professora das séries finais, licenciada em Matemática, menos de um ano de
experiência)
Talvez, o, geralmente, adolescente de 5
a
a 8
a
séries já esteja se distanciando da
infância e, por isso, não queira mais jogar, nem brincar, ou se condicionando a distanciar-se
87
do brincar na escola. Ou, talvez, o problema esteja na formação do professor dos anos finais
em relação ao trabalho com o lúdico. Percebi bastante esta situação quando das construções
de aulas das professoras dos anos finais, em que estas tinham dificuldades em explorar jogos e
brincadeiras nas aulas que estavam planejando. Quando perguntei o que eles faziam quando
uma criança não queria participar, obtive as seguintes respostas que ilustram bem algumas
atitudes destes professores:
“No meu caso, eu sempre falo ‘vamos participar, porque vocês serão avaliados’”.
(31/08/04 – Evanice, professora das séries finais, licenciada em Matemática, um ano de experiência)
“Pra mim, o que se tem que fazer é mostrar a importância da atividade(...). Quando eles percebem,
todos participam”.
(31/08/04 – Dilma, professora de 2
a
série, Magistério, sete anos de experiência)
Não pretendo generalizar esta discussão sobre a formação de professores dos anos
iniciais ou finais, porém percebi maior dificuldade das professoras dos anos finais diante de
sua formação pedagógica, reforçando o fato de os alunos não quererem brincar devido à
própria relação do professor com o lúdico e com o próprio conhecimento matemático. Por
exemplo, na primeira fala, a professora demonstra utilizar a avaliação como mecanismo de
coerção para que o aluno participe das atividades. Será isso viável em uma atividade lúdica,
em que o objetivo é se chegar à alegria, à brincadeira, à aprendizagem? Porém, a fala de
Dilma, e de outras apresentadas no grupo, demonstra preocupação em envolver a turma em
suas atividades, fazendo-a se sentir responsável pela aula. Ou seja, não considerar a aula como
algo da professora, mas sim como algo de responsabilidade de todos (professora e alunos);
desta forma, consegue-se envolver todos na organização e participação das atividades lúdicas.
A fala de Vivian, baseada em sua longa experiência no Magistério, sintetiza bem o que
percebi no grupo:
88
“Eu trabalhei como coordenadora numa escola que tinha de 1
a
a 8
a
séries e percebi que o professor de
1
a
a 4
a
tem mais facilidade de contextualizar a Matemática do que os professores de Matemática (5
a
a 8
a
) (...) um grande dilema que enfrentamos é que o pedagogo não tem formação específica nos
conteúdos, tem que estudar bastante para ensinar Matemática(...). Quando eu era coordenadora(...)
percebia que os professores de Matemática achavam necessário apenas saber o conteúdo e para
garantir que a aprendizagem acontecesse aplicava prova.”
(24/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
A fala apresenta indícios de que a organização do trabalho pedagógico do professor
possa estar relacionada com sua formação inicial. Muitas vezes, os conhecimentos
pedagógicos tornam-se frágeis (geralmente, nos cursos de licenciaturas em Matemática),
outras vezes, são os conhecimentos específicos em Matemática que se fragilizam (cursos de
Magistério e licenciaturas em Normal Superior e em Pedagogia), o que dificultando um
trabalho coerente com o lúdico nos anos finais do Ensino Fundamental. Principalmente,
quando nos referimos ao ensino de noções estocásticas, pois, muitas vezes, o tratamento
destes temas nos cursos de formação inicial torna-se frágil ou ausente dos currículos. Quando
vistos nos cursos de formação, pouco se há pouca abordagem pedagógica destes temas.
Assim, acredito que qualquer projeto de formação inicial ou continuada de professores em
Educação Estatística deva considerar o resgate do lúdico no processo de constituição destes
professores que ensinam Matemática. Atividades que valorizem a construção conceitual destes
professores com abordagem que propicie o uso dos mais diversos jogos e brincadeiras,
enfatizando inclusive disposições e utilizações destes, tornam-se exigência em tais projetos.
Principalmente, os jogos que lidam com construções das noções estocásticas, tendo em vista as
questões culturais existentes em alguns jogos (como jogos de azar – baralho, dominó etc. – mal
vistos, por alguns), a aleatoriedade presente nos jogos (resultados dependentes do acaso) e as
construções de conceitos estocásticos (espaço amostral, combinações etc. – conceitos geralmente
frágeis nos professores que ensinam Matemática).
89
3.2 PERCEPÇÕES SOBRE O CURRÍCULO DE MATEMÁTICA E O LIVRO DIDÁTICO
Algo que ficou bastante latente também foi a percepção que grande parte das
professoras possuíam sobre o currículo de Matemática. Os conteúdos matemáticos eram
vistos de forma estanque e como “caminhos a serem percorridos”, um atrás do outro, numa
concepção linear e fragmentada de construção do conhecimento matemático. Nesta
perspectiva, para as professoras, os conceitos estocásticos configuram-se no currículo como
mais um bloco de conteúdo não integrado aos demais e descontextualizado da realidade do
aluno. Contudo, estas representações começaram a ser desconstruídas, conforme percebido na
própria práxis destas professoras durante a intervenção.
Estas representações referentes ao currículo de Matemática acabam tendo relação
direta com os dois grandes movimentos existentes no ensino da Matemática: Matemática
Moderna e Educação Matemática Crítica.
A Matemática Moderna nasceu como um movimento educacional inscrito numa
política de modernização econômica e foi posta na linha de frente por se considerar
que, juntamente com a
área de Ciências Naturais, ela se constituía via de acesso
privilegiada para o pensamento científico e tecnológico. (BRASIL/MEC/SEF, 1997,
p. 21)
Nesse período vivido entre as décadas de 60 e 70, “o ensino passou a ter preocupações
excessivas com abstrações internas à própria Matemática, mais voltada à teoria do que à
prática” (BRASIL/MEC/SEF, 1997, p. 21). Nesta época, vivenciávamos a tendência
pedagógica tecnicista no Brasil, em que o professor possuía visão restrita do processo
pedagógico, supervalorizando as técnicas de ensino e, conseqüentemente, os rigorosos
planejamentos. A ênfase do trabalho pedagógico estava no produto final, nos resultados a
serem alcançados, ficando o processo pedagógico em segundo plano. A avaliação era vista
como classificatória, enfocada nas medidas educacionais – buscava-se medir e comparar a
90
aprendizagem do aluno. A formação do professor reduzia-se à dimensão técnica de sua
competência. O currículo era visto como fragmentado. Deste modo, o papel do professor com
esta formação resumia-se em ensinar os algoritmos oficiais da Matemática, na perspectiva de
transmitir/transferir conhecimentos.
No fim da década de 80 e início dos anos 90, tomados pela conscientização do
fracasso da Matemática Moderna, educadores matemáticos começam a repensar os processo
de aprendizagem e de ensino da Matemática na escola. Este movimento tem-se configurado
até os dias atuais, denominando-se de Educação Matemática Crítica.
A partir daí, a formação do professor começa a considerar outras dimensões da
competência do professor estética, política e ética, além da dimensão técnica. Deste modo,
começa, também, a se considerar os conhecimentos culturais dos alunos nas discussões referentes ao
processo educativo da Matemática, surgindo, então, a discussão sobre a etnomatemática.
O currículo, até então concebido pela Matemática Moderna (fragmentado e linear),
começa a ser concebido por perspectiva pós-moderna, visto como sistema aberto e com o
conhecimento articulando-se com uma rede (cada nó da rede representa um conteúdo, que
está relacionado com outros conteúdos, outros nós). Esta concepção de currículo favorece a
organização do trabalho pedagógico do professor que ensina Matemática para o
desenvolvimento do pensamento lógico-matemático contextualizado, pois nesta idéia “o
currículo não será visto como uma ‘pista de corrida’, determinada a priori, e sim como uma
passagem de transformação pessoal” (DOLL JR., 1997, p. 20), um trabalho coletivo em que o
foco central é a aprendizagem, a construção do conhecimento contextualizado e significativo
para o aluno. “Nessa estrutura, os métodos tradicionais de avaliação tornam-se irrelevantes”
(p. 20), pois ela passa a ser vista por perspectiva comunal e dialética, percebendo-se como
parte integrante do processo de aprendizagem.
91
Segundo Pires (1995), na perspectiva do currículo de Matemática em rede, o planejamento
escolar assume “as características de um projeto, incorporando, essencialmente, as dimensões de
futuro e de possibilidade, inerentes ao ato de projetar” (p. 172). Muniz (2004) complementa essa
idéia apontando que os Temas Transversais, a Pedagogia de Projetos e a Modelagem no Ensino são
elementos que contribuem para a construção do currículo em rede e ajudam na construção de
currículo mais dinâmico e menos fragmentário. Assim, para a inserção de noções estocásticas no
currículo do Ensino Fundamental, torna-se necessário tratamento destes temas não mais como
fragmentos de conteúdos desarticulados entre si, mas sim inclusão pela perspectiva articulada e
contextualizada do próprio conhecimento matemático, perpassando pelos diversos temas que
configuram a construção do saber matemático que compõe a realidade sociocultural do aluno.
A partir daí, o papel do professor torna-se a ser o de mediador no processo educativo:
aquele que idealiza e planeja as situações de aprendizagem, que acompanha o
desenvolvimento de cada aluno, por meio de análise dos esquemas mentais construídos e
considerando o erro como estratégia didática (não visualizando apenas o que o aluno
aprendeu, mas também o que ele deixou de aprender).
As professoras podem entender o currículo ainda na perspectiva da Matemática
Moderna. O próprio currículo da Secretaria Municipal de Educação reforça esta idéia de
fragmentação para os professores, pois não possui orientações para o trabalho pedagógico do
professor, dispondo apenas elencos de conteúdos separados por disciplinas e bimestres e por
não possuir projetos ou programas de formação continuada que atendam a realidade cotidiana
das professoras. Para fins de ilustrar esta situação, transcrevo parte do currículo de
Matemática das escolas públicas do município.
92
CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS
4ª SÉRIE
MATEMÁTICA
1º Bimestre
Sistema de numeração / número, numeral, algarismo / conjunto dos números (significativos, não significativos) / Ordem, classe / Números
representados por 9 algarismo / Introdução de classe dos milhões, composição e decomposição de um número nas unidades das diversas ordens /
Valor relativo e absoluto / Sucessor e antecessor / Números ordinais / Sistema de numeração romana / Operações fundamentais: adão e
subtração, conceitos, termos, prova real, problemas / Propriedades / Expressão numérica da adição e subtração.
Formas geométricas, espaciais, planos e contornos, situações problemas.
2º Bimestre
Multiplicação / Conceito, termos, prova, propriedade, multiplicação por 10, 100, 1000 / Expressões numéricas da adição, subtração e
multiplicação / Múltiplos / Problemas / Divisão: conceito, termo, prova, utilizar em diferentes situações problemas / Divisão por 10, 100, 1000 /
Expressões numéricas envolvendo as quatro operações / Divisores de um número divisível por 2, 3, 5, 10.
Situações problemas
3º Bimestre
Números fracionários / Transformação de um número misto em fração imprópria e vice-versa. Adição, subtração, multiplicação e divisão,
números decimais: adição e subtração, multiplicação e porcentagem.
4º Bimestre
Geometria: reta, posição de uma reta / Perímetro das figuras planas, área do quadrado, área do retângulo.
Sistema de medidas: comprimento, massa, capacidade.
Assim, continuam as orientações para as demais séries e disciplinas. Não há recomendações
sobre o tratamento de noções estocásticas na sala de aula, o que do meu ponto de vista não bastaria.
A professora Andréia relatou que, no início do ano, ela e as demais colegas apenas reescrevem o
que o currículo diz e entregam na coordenação como seu planejamento anual e vai seguindo-o em
todos os bimestres. A professora informou não trabalhar com a Análise Combinatória,
Probabilidades e Estatística, porque não constam no elenco de conteúdos a serem abordados, ou
seja, os percebe somente como “conteúdos a serem ensinados”.
Andréia, ao ser questionada sobre como trabalha situações-problema, relatou
considerar o item situações problemas
1
, constante no currículo, como conteúdo matemático a
1
Opto por utilizar o termo situações-problema, conforme Muniz (2004), porém nesta parte do texto utilizo o termo situações
problemas por se tratar da forma como é apresentada no currículo da Secretaria Municipal de Educação de Formosa.
93
ser trabalhado, e possuía aulas específicas de resolução de situações-problema. Lembrando
que a resolução de situações-problema é referendada como estratégia de se trabalhar com a
Matemática, possibilitando que o aluno construa os conceitos matemáticos de forma
contextualizada e significativa. Inclusive, Lopes (2003) aponta o ensino da Análise
Combinatória deve estar centrado na resolução de problemas de origens diversas, conforme já
mencionado anteriormente nos apontamentos sobre o ensino da Estocástica, assim como pode
ser considerada como meio de tratar o currículo de Matemática na perspectiva de rede,
mobilizando no aluno diversos conceitos matemáticos em uma única atividade.
Um exemplo disso está na situação-problema construída/desenvolvida por um grupo
no dia 31 de agosto, em aproximadamente uma hora de planejamento, em que a situação-
problema proposta por mim era a elaboração de atividade de Estatística ou Probabilidades
para qualquer uma das séries iniciais do Ensino Fundamental. Lana (professora dos anos
iniciais, três anos de experiência) foi quem apresentou a atividade, auxiliada pelo grupo.
As professoras simularam que estariam em uma turma de 2
a
série, em que os alunos
deveriam ter realizado pesquisa, para saber quantas crianças estudavam em suas casas.
O grupo construiu dez casinhas com cartolinas coloridas e colaram no quadro. Cada
casinha servia para registrar o resultado da quantidade de crianças que estudava na casa das
crianças. Lana ia perguntando e registrando no quadro os resultados da seguinte forma
(primeiro o nome da criança e depois a quantidade de crianças na porta da casinha):
Figura 7: Casinhas da Atividade das Professoras
2
Alice
1
Ana
5
Cleo
1
Júnior
4
Lucas
4
Lilian
3
João
(...)
94
Ou seja, a primeira casinha representa que na casa da aluna Alice possui duas crianças
que estudam.
Em seguida, Lana construiu no quadro uma tabela em que tabulou os resultados
segundo as séries em que as crianças estudavam.
(...)
Alice Ana Cleo Júnior João Lilian Lucas
1 5
1
2 3 4 4
1
a
Série
1 1 1 1
2
a
Série
1 2 2 1 1
3
a
Série
1 1 1
4
a
Série
2 1 1 1
Figura 8: Casinhas com Tabela das Atividades Apresentadas pelas Professoras
Ou seja, na casinha da Alice, das duas crianças que estudavam, uma criança cursa a 1
a
série e outra a 3
a
série.
Após isso, Lana representou em os dados da tabela graficamente, elaborou, com uso
de fichas, umas fichas que ia colando no quadro representando cada criança.
1
a
SÉRIE 2
a
SÉRIE 3
a
SÉRIE 4
a
SÉRIE
Figura 9: Gráfico Apresentado na Atividade das Professoras
95
Na atividade, Lana preocupou-se em explorar a nomenclatura das figuras geométricas
constantes na atividade, fazendo pergunta à turma: “– Vocês sabem que figura geométrica é
essa?” (noções de triângulo e de retângulo). Disse que na construção do gráfico o professor
deve-se preocupar com a regularidade do gráfico, desenvolvendo a noção de simetria. Falou,
também, que vale a pena explorar até a noção de reta horizontal e vertical, inclusive ressaltar
na tabela e no gráfico a diferença entre linha e coluna. Lana explorou, ainda, a leitura e
interpretação dos dados, questionando a turma: “– Quem tem mais crianças estudando em
casa? Quem tem menos? Qual a série que tem mais crianças estudando?” Desta forma Lana,
demonstrou preocupação em explorar alguns conceitos matemáticos adjacentes à atividade
desenvolvida. Aqui, vimos como o currículo de Matemática em rede pode ser vivenciado na
práxis pedagógica via ensino de noções estocásticas.
Após a apresentação, os próprios grupos que assistiram a apresentação fizeram alguns
comentários e o que mais me chamou a atenção foi o de que se a atividade for para a 3
a
ou 4
a
séries poder-se-ia trabalhar com intervalos nas séries, por exemplo: ao invés de 1
a
, 2
a
, 3
a
e 4
a
séries, representar estes espaços como Educação Infantil, 1
a
a 4
a
séries, 5
a
a 8
a
séries, Ensino
Médio e Ensino Superior. Assim, trabalhar-se-ia a noção de estatística com intervalos. A
atividade possibilita, também, a passagem de um tipo de representação para outra, como por
exemplo, a alocação dos dados em desenhos, em seguida sua representação em tabela e, em
seguida, para a construção do gráfico de colunas, possibilitando, assim, a percepção da
criança nas várias formas de se representar a informação.
No município de Formosa, a Secretaria Municipal de Educação adotou o livro
didático da coleção “Vivência e Construção – Matemática”, do prof. Luiz Roberto Dante
(2003), para todas as escolas da rede. O livro possui o conceito Recomendado com Distinção
pela avaliação do Plano Nacional do Livro Didático de 2004 (Pnld/2004), do Ministério da
Educação. Segundo o próprio MEC, em seu Guia de Livros Didáticos – 1
a
a 4
a
séries, na
96
coleção, os conteúdos são articulados entre si, em estágios progressivos de sistematização,
valoriza-se as relações da Matemática com outras áreas do saber.
A metodologia adotada introduz os conteúdos por meio de situações-problema bem
contextualizadas e, em geral, aborda assuntos do dia-a-dia do aluno, que é
estimulado a participar ativamente do processo de aquisição do conhecimento
matemático. O elenco variado de problemas que inclui questões abertas, atividades
de recorte e colagem, jogos e desafios contribui para o desenvolvimento de
competências em matemática (BRASIL/MEC/SEF, 2004, p. 54)
O livro possui, segundo o próprio autor, lógica de dispor os conceitos matemáticos em
espiral e contextualizados. Apresenta temas e textos multi e interdisciplinares – como de
Geografia, Ciências, História, Língua, Ecologia,... – para possibilitar a construção de
conceitos matemáticos na criança, além de articular bem os temas transversais à matemática.
O livro de Dante (2003) já inclui os temas de Análise Combinatória, Probabilidades e
Estatística – com base nas recomendações dos PCN.
Porém, a professora relatou, no dia 15 de abril, não gostar de trabalhar com o livro de
Dante, porque os alunos encontravam dificuldades. Na fala dela, percebi que talvez estas
dificuldades não estariam somente nos alunos, mas talvez na própria forma como a professora
percebia a Matemática Escolar e, sobretudo, com livro que está mais próximo de uma perspectiva
de currículo em rede, para a qual a professora não foi formada. Andréia optava sempre por utilizar
em suas aulas as atividades do livro “Eu Gosto de Matemática – 4
a
Série” de Célia Passos e
Zeneide Silva, Editora Nacional. O livro, segundo minhas análises preliminares, dispõe os
conteúdos por capítulos estanques e com contextualização frágil. Inclusive, o livro é um pouco
antigo (1999), podendo ter sido elaborado numa proposta mais próxima ao paradigma da
Matemática Moderna, já mencionado no tópico anterior. No entanto, acredito que ele se torna
mais apropriado para quem pretende trabalhar a Matemática como fazendo parte de um elenco de
disciplinas e como conteúdos programáticos a serem seguidos, conforme sugerido pelo
currículo da Secretaria Municipal de Educação de Formosa.
97
Deste modo, reafirmo que a forma como o professor concebe o currículo está
diretamente relacionada à forma como ele vai organizar o seu trabalho pedagógico. Assim,
percebi nas aulas da professora Andréia que ela estabelecia o conteúdo, no singular, que
ministraria em sua aula e não desviava sua percepção a outros conteúdos matemáticos
presentes nas atividades.
Por exemplo, no dia 15 de abril, a professora deu ,aula sobre ponto, reta e plano. A
professora pedia para que os alunos dessem saltos (pulos) em uma pista de corrida e marcassem
seus saltos, as paradas entre um salto e outro representavam os pontos, ligando estes pontos
(paradas entre os saltos), chegavam à noção de reta, e fechando estas duas retas à noção de plano.
Porém, em sua atividade a professora perdia a oportunidades de tratar outros conceitos
matemáticos presentes nas atividades, como Figuras Geométricas, Medidas, Probabilidades,
Estatísticas, entre outros, e com outras áreas do conhecimento humano, tais como Esporte,
Ciências etc. Também perdida a oportunidade de articular aqueles temas com o contexto dos
alunos, como é concebido no currículo em rede. Senti que Andréia ficou bastante frustrada com o
desinteresse da turma e, no dia seguinte (16 de abril), começamos a conversar sobre a situação.
Foi quando mostrei que o currículo deveria ser percebido com uma rede, em que ela deveria não
só se preocupar com a sistematização dos conteúdos, o produto dos alunos, mas sim que ela
deveria se preocupar com os processos de construções conceituais.
Percebi que professores dos anos iniciais vêem a Matemática como algo sublime e
soberano, não percebendo que o conhecimento matemático espresente no cotidiano. Isso os
leva a dificuldades de articular em suas atividades pedagógicas a contextualização da Matemática
e explorar, de fato, o processo de construção conceitual dos alunos em Educação Matemática.
Esta idéia de fragmentação do currículo de Matemática, que dificulta a consideração
do ensino de noções estocásticas, ficou muito evidente durante o segundo momento da
pesquisa, quando as professoras, nos primeiros encontros, demonstravam certa resistência
98
em planejar as atividades, pois acreditavam que para planejar deveriam estar com os livros
didáticos em mãos e não tinham autonomia para construir suas próprias atividades. Buscavam
sempre “receitas” nos livros didáticos. Este quadro começou a mudar após a discussão sobre o
currículo em rede, as professoras deixaram de lado as atividades do livro didático e
começaram a construir atividades criativas e dinâmicas sobre o ensino da Estocástica na
escola, apesar de suas dificuldades neste campo conceitual.
Entre as várias atividades construídas no grupo, apresentarei algumas que demonstram
a criatividade e autonomia das professoras nas suas propostas didáticas.
A primeira foi elaborada/planejada no encontro do dia 31 de agosto e apresentada no
dia 03 de setembro, quando se formou um grupo de professoras de diversas séries (anos
iniciais e finais) e elaboraram aula para alunos de 4
a
série (explicitarei as atividades com base
nas anotações de meu caderno de campo).
O grupo procurou explorar a idéia de espaço amostral
2
. Quem apresentou o trabalho
foi a professora Élida (professora dos anos finais).
Inicialmente, Élida questionou sobre a noção do próprio jogo de loteria, perguntando:
– Quantas pessoas vocês conhecem que jogam na loteria?
– Muitas! (alguns responderam)
– Quantas pessoas vocês já viram ganhar?
– Eu, nenhuma, eu já ouvi falar de uma,...
– Será que ganhar na loteria é sorte? É isso que pretendemos trabalhar nesta aula de hoje...
– Vamos pegar um dado, que tipo de figura geométrica é esta? (Élida mostrou um dado)
– Um quadrado (uma professora, mesmo sabendo que era um cubo, disse responder quadrado, porque
dependendo da série esta seria a resposta possível, uma confusão entre figura plana e figura
espacial)
– Então, o que é um quadrado? (disse Élida)
– Figura com quatro lados
3
(respondeu outra professora).
Élida foi ao quadro e desenhou duas figuras geométricas (quadrado e retângulo) e
mostrou que o quadrado possui os quatro lados iguais, enquanto no retângulo, apesar de
2
O espaço amostral é o conjunto das diversas possibilidades de um evento aleatório ocorrer.
3
Segundo tal conceito, o losango seria também um quadrado.
99
possuir quatro faces, nem todas as faces são iguais. Mostrou que o quadrado é a face do cubo
e o retângulo uma das faces do paralelepípedo. Assim, perguntou:
– Por que o dado tem que ser um cubo e não um paralelepípedo? Vocês já viram um dado de
paralelepípedo?
Ela mostrou que o cubo é “mais justo”
4
para ser o dado, pois as chances são iguais e
no paralelepípedo há algumas faces com mais chance e outra com menos chance, tornando-o
injusto. Poderia-se, inclusive, criar regras em que o jogo com dados de paralelepípedo
tornaria-se mais justo com base em cálculos de probabilidades.
– Quantas faces nós temos no cubo?
– Seis faces (respondeu uma professora)
– E em uma moeda, nós temos quantas faces?
– Duas faces (respondeu outra professora)
Ela chamou duas professoras para jogarem o dado e a moeda, fazendo, assim, um
experimento. Com base em alguns resultados, foi construído um espaço amostral, explorando
a idéia de aleatoriedade. Construiu uma tabela para registrar a atividade:
FACES DO
DADO
LADOS DA
MOEDA
5
1 2 3 4 5 6
COROA
(K)
1K 2K 3K 4K 5K 6K
CARA
(C)
1C 2C 3C 4C 5C 6C
Figura 10: Tabela Apresentada na Atividade das Professoras
Por exemplo: o evento 2C representa a face 2 no dado e o lado CARA na moeda.
Ela começou a explorar inicialmente a idéia da linguagem.
4
O termo “mais justo” é entendido como eqüiprobabilidade, mesma chance para todos as possibilidades.
5
A moeda não tem face, mas sim lados por se tratar de um cilindro.
100
– Pode sair número 1 e coroa?
– Pode sair número 6 e cara?
– Pode sair cara e número 7?
(...)
Em seguida, foi explorada a idéia de partes e todo, quantificação de probabilidades.
– Qual o número de possibilidades que nós temos?
– 12
– Qual a chance de tirar um número par e coroa?
Ela foi marcando na tabela as possibilidades:
FACES DO
DADO
LADOS DA
MOEDA
1 2 3 4 5 6
COROA
(K)
1K 2K 3K 4K 5K 6K
CARA
(C)
1C 2C 3C 4C 5C 6C
Figura 11: Tabela com Marcações da Atividade Apresentada pelas Professoras
– São três chances em 12 possibilidades.
– Então, vamos registrar, vamos registrar por fração, porque a fração representa o todo e as partes.
Na fração, o número debaixo (denominador) vai representar o todo e o número acima (numerador)
as partes que eu estou considerando.
Registrou três doze avos.
3
12
Foi ressaltada a necessidade de se explorar as noções de fração, devido às relações de
razão e proporção existentes em atividade com probabilidades. Ressaltou-se, também, a
necessidade de se treinar anteriormente os experimentos, devido à aleatoriedade dos eventos.
Assim, ela continuou explorando a quantificação de fração.
101
Em atividades que envolviam noções de probabilidades, percebi que os professores
não estão habituados com tal conceito não-fracionário, ou seja, de razão.
A outra atividade bastante interessante foi elaborada no encontro do dia 24 de agosto e
apresentada no dia 2 de setembro. A atividade foi apresentada por Eliane (professora dos anos
finais).
Num pote, feito com garrafa “pet” transparente, colocou-se 12 bolas de gude: 6
amarelas, 5 azuis e 1 colorida. Ela foi questionando sobre a questão do possível, do
impossível, do certo, do incerto, mais chances e menos chances, registrando sempre no
quadro as atividades em forma de fração:
AMARELO AZUL COLORIDO
6
12
5
12
1
12
Como na aula de Élida, Eliane buscou explorar alguns conceitos de fração:
simplificação e equivalências, devido à relação de razão e proporção existente na atividade.
– Se eu tirar uma bolinha, qual fração pode representar esta minha ação?
1 .
12
Ela fez cada professora retirar uma bolinha, com reposição
6
, enquanto registrava no
quadro os resultados para se verificar qual teria mais chance de sair. O experimento teve o
seguinte resultado:
AMARELO = 4 AZUL = 3 COLORIDO = 1
6
Ao se tirar uma bolinha e registrar o evento, deve-se colocá-la novamente no saco para que a razão seja sempre igual a 12.
102
Apesar de haver mais chance de se sair azul, a diferença é pouca entre as quantidades,
por isso se obteve mais amarelas. Isso se deve à aleatoriedade do evento. Segundo Eliane, este
tipo de atividade se torna oportunidade de construir noções de evento aleatório. Inclusive,
numa avaliação da atividade, o grupo comentou que em uma atividade desta natureza é
melhor criar uma diferença maior entre a quantidade de bolinhas de acordo com as cores.
Estas atividades, apesar de serem apenas algumas das construções destas professoras,
representam que as atividades para o ensino da estocástica devem estar atreladas a outros
conceitos matemáticos na perspectiva do currículo em rede.
3.3 PERCEPÇÕES SOBRE MATERIAIS DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS
Um outro ponto passível de discussão, que interfere na organização do seu
trabalho pedagógico no contexto da Educação Estatística, é a própria falta de materiais
didático-pedagógicos nas escolas.
“Muitas vezes, até queremos fazer mais, porém falta material didático nas escolas. Alguns
professores até tiram do bolso para comprar material. Isso acontece até em algumas escolas
particulares”.
(12/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Isso ficou bastante evidente nas discussões do grupo, posto que a falta de material
na escola, dificulta o trabalho pedagógico do professor. Andréia, na escola pública
municipal, tinha bastante cuidado em não desperdiçar o material que havia conseguido
no início do ano (cola, lápis de cor, giz de cera, cartolinas, papel A4, papel pardo,
isopor). A professora procurava reciclá-los ao máximo para não ficar sem eles antes do
fim do ano. As tintas guache eram misturadas em água. Geralmente, estes materiais
103
eram utilizados, prioritariamente, nas aulas de artes (confecção de brinquedos, maquetes
etc.), porém, havia pouca articulação destas atividades com a Matemática.
Apesar de no grupo algumas professoras relatarem que quase não havia jogos
didático-pedagógicos em suas escolas, percebi na escola de Andréia uma gama de jogos
que o professor poderia utilizar no ensino da Estocástica. Porém, Andréia não os
utilizava, porque não sabia jogar ou, quando os utilizava, era apenas para lazer, sem
nenhuma intervenção pedagógica; com isso, ela reduzia a possibilidade de situação de
mobilização de conceitos de Estocástica na sua práxis. Acredito ser esta questão uma
situação de competência do professor, no entanto, merece ser considerada nesta
pesquisa. Observei os seguintes jogos na escola que poderiam ser usados como
estratégicos para o ensino de noções estocásticas: Jogo de Dominó, Jogo de Dama, Jogo
de Xadrez, Jogo de Trilha, Bingo.
Além destes jogos e materiais pedagógicos, a escola possuía outros, mais
comumente utilizados no ensino da Matemática, como dominó de fração, blocos lógicos,
material dourado, bolas, bambolê etc. Porém, não percebi dados, roletas e baralhos, em
que os conceitos estocásticos estão mais fortemente presentes.
Fiquei bastante impressionado com a variedade de jogos didático-pedagógicos
existentes e perguntei a Andréia como a escola havia adquirido aqueles materiais. Ela
explicou-me que a escola faz parte do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE),
programa do Governo Federal, em que a escola possui metas a atingir no ano e, assim,
recebe verbas para aquisição destes jogos didático-pedagógicos. Além dessas metas, os
professores têm de participar de um programa de formação continuada, Programa Gestão
da Aprendizagem Escolar (Gestar), cujos encontros ocorrem todas as terças-feiras à
tarde, em formato de oficinas, nas áreas temáticas de Língua Portuguesa e Matemática.
104
O PDE é um projeto do Fundescola
7
destinado ao aperfeiçoamento e gestão das
escolas públicas e à melhoria da qualidade. O PDE é firmado por meio de convênio com
secretarias municipais e estaduais de educação com o Ministério da Educação, em que
cada escola realiza diagnóstico de sua situação e a partir desta análise institucional traça
objetivos, metas, estratégias e planos de ação a serem alcançados – elaborando seu
próprio PDE. Assim, as escolas recebem recursos técnicos e financeiros para cumprirem
seus PDE. Para a escola receber o financiamento para o cumprimento de seu PDE, seus
professores têm de participar do Gestar, programa de formação continuada para
professores. O programa utiliza estratégias da educação a distância e atende somente
professores dos anos iniciais, em sua primeira fase de implantação. O objetivo principal
do Gestar é elevar o desempenho escolar do estudante nas disciplinas de Língua
Portuguesa e Matemática. Neste, os professores recebem rico material, chamado de
Cadernos de Teoria e Prática (TP), que são trabalhados localmente, nas prefeituras,
pelos formadores (tutores).
A cidade de Formosa/GO tem um formador para área de Matemática e outro para
Língua Portuguesa. Geralmente, os formadores são professores da rede, que recebem
formação específica, selecionados/indicados pela prefeitura. A intenção é que as
atividades trabalhadas nos módulos estejam articuladas com as aulas dos professores
(cursistas do Gestar), auxiliando-os na sua prática pedagógica. A perspectiva
apresentada pelo Gestar é de currículo de Matemática em rede e está de acordo com as
recomendações dos PCN.
Andréia relatou participar do Gestar, porque a direção da escola exige, no entanto
demonstrou toda sua insatisfação e a fragilidade do Projeto em Formosa. Diz que os
7
O Fundescola, Fundo de Fortalecimento da Escola, é um programa do Departamento de Projetos Educacionais da Secretaria
de Educação Fundamental do Ministério da Educação (SEIF/MEC), desenvolvido em parceria com as secretarias estaduais
e municipais de educação das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Conta com a participação, como autores e
coordenadores, dos professores doutores Nilza Bertoni, Cristiano Muniz e Ana Lúcia Braz Dias.
105
professores só recebem para trabalhar 20 horas (pela manhã, no caso de Andréia) e não
são remunerados para irem ao curso à tarde. Segundo a própria professora, a Prefeitura
coloca-se como se estivesse fazendo um favor aos professores, desmotivando, assim, os
docentes – não demonstra o GESTAR como programa de valorização profissional. A
professora relatou, também, que gosta muito dos encontros de Língua Portuguesa,
inclusive aplica as atividades desenvolvidas nos encontros em sua turma. Porém, nos
encontros de Matemática não consegue entender bem as propostas e, por isso, não as
aplica em sala. Disse que estas não condizem com a realidade dela em sala, talvez isso
esteja relacionado com o próprio currículo da Prefeitura, linear e fragmentado, e os
professores teriam medo de sair da seqüência previamente estabelecida. Então, o Gestar,
apesar de ser um projeto bastante importante para a organização do trabalho do
professor em Educação Estatística em Formosa, pouco tem contribuído para a prática
destes professores, no que se refere ao ensino da Matemática no município de
Formosa/GO, uma vez que não há por parte do município projeto de informação
curricular e de valorização financeira do profissional.
4. DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DAS PROFESSORAS EM EDUCAÇÃO ESTATÍSTICA
Nesta categoria, analisei, por meio das falas das professoras e de suas ações no
grupo, os processos de constituição destas professoras enquanto profissionais de
Educação que ensinam Matemática, com ênfase no ensino de noções estocásticas. Ou
seja, para que haja desenvolvimento, tem de haver aprendizagem (VIGOTSKI, 2000).
Deste modo, discuti nesta categoria as aprendizagens percebidas nas/pelas professoras
alicerçadas por esta pesquisa-ação. As influências destas aprendizagens em relação a
suas práticas em sala de aula – suas descontruções, construções e reconstruções em
relação ao ensino e à aprendizagem da Matemática.
106
Nesta categoria, foram analisados, também, indícios que manifestam algumas
representações sociais das professoras em relação à Matemática, sua aprendizagem e seu
ensino – não só as representações sociais dessas professoras, mas também dos pais,
direção, coordenação e de outros agentes que participam do processo educativo e que
estarão presentes nestas falas. Considerei as cobranças que estas recebem, a forma com
que são percebidos os processos de aprendizagem do aluno, suas estratégias didático-
pedagógicas, enfim, manifestações que implicam representações referentes à Matemática
Escolar associada à constituição do profissional que ensina Matemática. Vi as
representações como algo complexo e dinâmico, portando associado ao processo de
formação continuada do professor.
Assim, irei além da análise de concepções tradicionais de formação do professor,
entendendo a formação na perspectiva do desenvolvimento profissional. Porém, tenho
clareza que muitos trabalhos hoje sobre a formação continuada de professores trazem a idéia
de desenvolvimento profissional como o cerne desta formação.
No entanto, existem algumas especificidades que devem ser consideradas sobre
formação e desenvolvimento profissional, para que se tenha clareza do meu foco de análise
neste trabalho.
Para Ponte (1998), muitas vezes, a formação está atrelada à idéia de se freqüentar
cursos, apresentando certo movimento de fora para dentro, atendendo, principalmente,
àquilo em que o professor é carente. Enquanto isso, no desenvolvimento profissional, o
movimento é de dentro para fora, cabendo ao professor as decisões fundamentais relativas
às questões que quer considerar, aos projetos que quer empreender e ao modo como os quer
executar. Não está reduzida a idéia de freqüentar cursos, mas possui múltiplas formas que
incluem, além de cursos, atividades como projetos, leituras, trocas de experiências,
reflexões, etc. Não centraliza o processo nas carências do professor, mas, sim, nas suas
107
potencialidades. Não se configura de forma compartimentada, por assuntos ou por
disciplinas, considera o professor como um todo nos seus aspectos cognitivos, afetivos e
relacionais. Finalmente, a formação parte invariavelmente da teoria e freqüentemente não
chega a sair dela, ao passo que o desenvolvimento profissional tende a considerar a teoria e
a prática de forma interligada, na forma de práxis pedagógica.
O desenvolvimento profissional é perspectivado, deste modo, como um processo
complexo em que o professor intervém como um todo – e não apenas numa ou outra
faceta – inserido no contexto escolar, com a sua problemática interna e ligações com o
exterior. Numa sociedade em mudança e, conseqüentemente, numa escola em mudança, o
professor terá de se ver a si mesmo permanentemente como um aprendiz, como um agente
activo no seu local de trabalho e como um interveniente disposto a colaborar com os
colegas, seja quanto à prática lectiva, seja em relação a problemas educacionais mais
amplos. (SARAIVA; PONTE, 2003, paginação irregular)
Assim, concordando com Saraiva e Ponte (2003), compreendo o desenvolvimento
profissional capaz de tornar os professores mais aptos a conduzir o ensino de
Matemática, adaptado às necessidades e interesses de cada aluno e a contribuir para
qualidade da Educação, tornando-os realizados profissionalmente e pessoalmente. Para
tanto, o ensino de noções estocásticas está inserido neste processo.
Neste trabalho, sob orientação do trabalho de Lopes (2003), centralizei o foco do
processo no hábito contínuo de reflexão, que provocou o desenvolvimento profissional
das professoras participantes. E é isso que pretendo analisar nesta categoria – o processo
de constituição das professoras no grupo, percebendo-as em processo de formação, na
perspectiva do desenvolvimento profissional, frente ao ensino de noções estocásticas.
Para esta análise, tenho que atentar, também, para as representações que estas
professoras possuem sobre a Matemática, seu ensino e sua aprendizagem. São estas
representações que dão movimento para o desenvolvimento profissional em formação de
professores. Segundo Moscovici (1978, apud PERNANBUCO, 2004),
108
a representação social é um corpus organizado de conhecimentos e uma das
atividades psíquicas graças às quais os homens tornam inteligível a realidade física e
social, inserem-se num grupo ou numa ligação cotidiana de trocas, e liberam os
poderes da imaginação (paginação irregular).
Para Pernambuco (2004), a Teoria das Representações Sociais oferece
instrumental teórico-metodológico de grande valor para o estudo sobre o pensamento e
as condutas de pessoas e grupos, pois permite a compreensão dos sistemas simbólicos
que, afetando os grupos sociais e as instituições, também afetam as interações cotidianas
na sociedade como um todo e/ou em determinados segmentos dessa sociedade.
Assim, segundo Campos e Chamon (2002), as representações sociais são
percebidas como formas de conhecimento elaboradas e partilhadas socialmente, que
possuem objetivo prático e servem à construção de realidade comum a um conjunto
social. Por se tratar de formas de conhecimento prático, inserem-se entre as correntes
que estudam o conhecimento do senso comum e a atividade do sujeito na elaboração das
representações sociais, sem esquecer que ele é um ser social.
Neste sentido, as representações sociais são campos socialmente estruturados,
que apresentam o poder de criação e de transformação da realidade social. As
representações sociais, como produtos sociais, têm sempre de ser remetidas às condições
sociais que as engendraram, ou seja, ao contexto de produção (CAMPOS; CHAMON,
2002). Assim, neste trabalho, analiso algumas das representações sociais percebidas na
investigação referentes ao ensino da Estocástica e que muito podem contribuir para a
Educação Estatística na perspectiva da Educação Matemática.
Segundo Avelato (1999, apud CAMPOS; CHAMON, 2002), existem dois
principais processos formadores das representações sociais:
109
OBJETIVAÇÃO
Tem como característica a concretização, a atribuição de formas física ou não, mas
claras, delimitadas, facilitadoras de “materialização”, da “visualização” do novo
conceito.
ANCORAGEM
Refere-se à integração do novo conceito a esquemas, idéias, acontecimentos,
relações etc., existentes – por meio da ancoragem, o não-familiar ganha espaço no
universo já conhecido, ocupando a posição que lhe cabe e integrando-se aos
esquemas habituais.
Entre as representações perceptíveis nas professoras, posso destacar algumas que
julgo essenciais para projetos de formação inicial e continuada de professores, inseridos
na perspectiva do desenvolvimento profissional.
Algo que ficou bastante evidente durante a pesquisa foi a representação do
professor de que ensinar Matemática é meramente processo de transmissão de
conhecimento, perdendo, assim, a oportunidade de levar o aluno a construir seu próprio
conhecimento matemático de forma significativa.
Um exemplo disto ocorreu no primeiro momento da pesquisa, dia 15 de abril de
2004, quando a professora em sua aula de Matemática escreveu no quadro os seguintes
problemas, copiando-os de um livro didático:
Formosa, 15 de abril de 2004
Resolva os problemas:
Arnaldo nasceu em 1.959. Quantos anos ele completou em 1993? Sabendo que o filho de Arnaldo nasceu quando ele tinha 25 anos, em
que ano o filho dele nasceu?
Ana possui R$ 720,00 na caderneta de poupança e Celso, R$ 698,00. Quantos reais os dois juntos conseguiram poupar?
Em um único dia, 1.972 pessoas foram a um certo cinema; dessas pessoas, 984 foram no período vespertino e o restante no período
noturno. Quantas pessoas foram ao cinema no período noturno?
Uma bicicleta custa R$ 282,00. Se ela foi comprada à vista terá trinta e seis reais de desconto. Qual é o preço dessa bicicleta?
O que me chamou bastante atenção foi a forma acrítica com que a professora
selecionou os problemas, sua preocupação era apenas de ensiná-los a resolver um problema
110
matemático, sem ter atenção ao contexto. Um exemplo disso está no último problema, em que se
aponta que o valor da bicicleta é de R$ 282,00 e, em seguida, se pergunta qual o valor da bicicleta,
sem a necessidade de se calcular o desconto, pois o problema não informa que a compra foi à
vista.
A professora aguardou todos os alunos copiarem e explicou a forma de se resolver cada
um, não oportunizando aos alunos a matematizarem
8
. Inclusive, quando algum aluno estava
tentando resolver a atividade durante a sua explicação, a professora falava para parar de escrever e
prestar a atenção nas explicações, senão ele não conseguiria resolver os exercícios.
Neste exemplo, fica evidente a representação que a professora possui de que ensinar
Matemática é transmitir conteúdos matemáticos, percebendo o aluno como uma tábula rasa.
Poderia ter avançado na pesquisa e analisado o porquê destas construções sociais do professor
com base em suas histórias de vida, porém não foi possível em função do curto espaço de tempo.
Contudo, diante de relatos informais da professora fica clara a sua relação negativa com a
Matemática durante sua vida escolar. Várias vezes, Andréia relatou ter tido professores de
Matemática “carrascos”, que geravam traumas em relação à disciplina e que a fizeram não gostar
dela. Isso fica claro quando, no dia 16 de abril de 2004, a professora precisava entregar cópia de
seus documentos na secretaria da escola e aproveitou a oportunidade de me mostrar o seu
histórico escolar do curso de Pedagogia, falando “Tá vendo como eu sempre fui ruim em
Matemática? Eu sempre passei raspando”. No histórico aparecia 5,0 como nota na disciplina
Metodologia de Ensino da Matemática, esclarecendo que esta é a nota mínima para aprovação.
Seriam estes os professores que hoje atuam nas escolas, professores que reconhecem não
gostar da Matemática. Infelizmente, os cursos de formação inicial e continuada não conseguem
reconstruir estas representações sociais dos professores em relação à Matemática, restando a estes
transferirem estas representações sociais negativas com a Matemática para seus alunos, criando,
8
Entendo matematizar como a possibilidade do aluno de trabalhar autonomamente, construindo um modelo matemático.
111
assim, um mal-estar diante da disciplina na escola. Durante a pesquisa, tentei desconstruir esta
relação negativa da professora com a Matemática, o que explicitarei em momento posterior em
outra categoria de análise.
Lana, no segundo momento da pesquisa, relata sua grande preocupação com o ensino da
Matemática e, até mesmo, com o sentido da disciplina na escola enquanto conhecimento
científico. Com base em sua experiência na escola e com seu compromisso com o ensino da
Matemática, relata:
“Vários professores ensinam, mas não sabem o que estão ensinando, (...), muitos dizem ‘vou dar esta
matéria e pronto’, porém muitos não sabem o porquê daquele conteúdo na escola”
(12/08/04 - Lana, Professora de Série Iniciais, Magistério, três anos de experiência)
Neste relato/desabafo, percebo o quanto professores ainda não possuem consciência
clara sobre a importância da Matemática para o aluno. Essa percepção teria como gênese a
formação precária sobre o “por que ensinar?” – uma construção/concepção crítica de
currículo. Ou seja, uma formação que conceba o professor que ensina Matemática num
âmbito mais global de organização do trabalho pedagógico, numa visão crítica de currículo,
que transcenda a idéia de “formação para a sala de aula”, dimensão técnica, e que tenha
convicção de seu papel enquanto educador na formação do cidadão.
Nesta discussão do grupo, ficou presente a idéia de que professores ensinam
Matemática ora para o vestibular, ora para que outro professor (séries futuras) não critique o
trabalho deles – dizendo que a professora anterior não ensinou nada – e que esta idéia deve ser
mudada. Isso nos remete à reflexão de que o ensino da Matemática deve estar diretamente
atrelado à formação do cidadão e que o trabalho pedagógico envolvendo noções estocásticas
tornam-se exigências ao processo. Porém, isso envolve conscientização das necessidades do
conhecimento matemático para o aluno e sua relação com o mundo, que saiba tomar decisões,
e, assim, se constituir enquanto sujeito social. Nesta pesquisa, foi bastante discutido com as
112
professores, principalmente no segundo momento, a necessidade/exigência atual de um
trabalho com as noções estocásticas desde os anos iniciais. Principalmente, quando se pensar
em um processo de formação do cidadão crítico e autônomo em suas tomadas de decisões,
inserido em uma sociedade complexa e pós-moderna.
Um outro ponto, que me chamou atenção na análise, refere-se à idéia de que ensinar
Matemática está diretamente relacionada a “cumprir em tempo hábil o livro didático”,
conforme já discutido na categoria anterior. Percebi relação muito forte das professoras com o
livro didático – se não o seguir o pai cobra, a direção cobra, a coordenadora cobra etc. –,
chegando a considerá-lo como o centro do currículo, não como um recurso didático-
pedagógico.
Por um lado, surge nesta idéia a possibilidade de que a Educação Matemática se faça
presente no processo de formação, em virtude da qualidade hoje percebida nos livros
didáticos – devido às rigorosas avaliações do Ministério da Educação pelo Pnld
9
. Porém, o
livro didático faz que estas professoras se sintam sem autonomia diante de um trabalho
diferenciado e criativo com a Matemática, perpassando por condição de proletarização dos
professores – ter de cumprir apenas o que foi estabelecido externamente (direção,
coordenação, o livro etc.). Vivian confirma este fato, dizendo:
“O grande problema que percebo é o livro didático. Sei que alguns conteúdos matemáticos estão nas
atividades de ciências e outras disciplinas. Mas, a gente tem que seguir o livro, senão não dá tempo
(...) quando no início do ano a gente vai fazer o planejamento, o planejamento é o próprio livro
didático”.
(19/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Esta representação sobre o livro didático ser o centro do currículo tem implicações
muito claras para pais e para direções de escolas. Percebi este fato, principalmente, nos
discursos dos professores de escolas particulares, que adotam livros caríssimos ou os
9
Plano Nacional do Livro Didático, discutido na categoria anterior.
113
sistemas apostilados, “famosos pacotões de ensino”. Quando estávamos discutindo sobre a
importância de se trabalhar brincadeiras e jogos com a criança, Vivian confirmou a situação
do livro com a seguinte intervenção:
“Aí entra uma pergunta: e o nosso livro didático? O pai da escola particular vai e pergunta se não
vai usar o livro e ele tem toda a razão, pois o livro é caríssimo (...)”.
(19/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Então, cabe investimento na utilização do livro didático de maneira diferenciada pela
escola, dispensando, assim, tal dispêndio.
Outro ponto muito triste é saber que esta representação sobre o livro didático é algo
incorporado até mesmo pelas próprias crianças, devido à cobrança dos pais:
“Estes dias, eu fui substituir uma professora e resolvi fazer uma atividade de revisão de
Matemática, porque sempre precisa, né! Quando eu estava passando a atividade, um aluno quase me
bateu: ‘Professora, você tem que usar o livro, senão minha mãe briga comigo!’ Fiquei chocada com
aquilo.”
(19/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Novamente, reporto-me à formação inicial e continuada, acreditando que esta possua
papel bastante decisivo para o desenvolvimento profissional dos professores em Educação
Matemática. A formação deveria, portanto, ir além de ensinar metodologias, mas sim
construir, desconstruir e reconstruir representações sociais em relação à Matemática, sua
aprendizagem e seu ensino. Entendo este processo como de (Re)Educação Matemática de
professores que ensinam Matemática. Foi esse o meu norte durante os encontros.
Logo no início, quando discutíamos no grupo sobre a importância do trabalho com a
Estocástica na escola, percebia que as professoras se sentiam inseguras em relação ao
tratamento destes conceitos. Quando da discussão sobre Determinismo e Estocástica no
ensino da Matemática, elas ficavam pensativas e questionavam bastante estas construções,
mostrando a própria dificuldade delas em lidarem com as incertezas no ensino da Matemática.
114
“Como o professor vai trabalhar de outra forma se ele aprendeu desta forma.”
(12/08/04 – Eliza, Professora de Séries Iniciais, Magistério, 5 anos de experiência)
Eliza, angustiada em nossa discussão, desabafa esta situação quando discutíamos que
aprendemos uma Matemática Determinística
10
, com respostas exatas para tudo e, de repente,
nos encontramos em uma situação em que devemos aprender a lidar com o acaso e a
aleatoriedade. Esta é uma situação muito confusa, pois estes conceitos não são construídos de
maneira pragmática, mas, sim, por meio de mudanças da matriz paradigmática do sujeito
diante do conhecimento e de sua relação com o mundo.
Vivian no mesmo encontro relatava que, ao substituir uma professora, resolveu
trabalhar com algo referente a Probabilidades e Estatística, notou que as dificuldades com
estas noções estavam mais nela própria do que nos alunos.
“É interessante que eu fui substituir uma professora na escola, lá eles adotam o livro do Dante, e ele
já trabalha muito com isso (probabilidade e estatística), então para mim foi uma dificuldade, eu
acho que a maior dificuldade foi para eu entender probabilidade do que eles (os alunos) já estavam
bastante acostumados, então, até para mim, quando a gente se depara com alguma novidade nos
preocupamos como vamos ensinar isso, mas eles (os alunos) vão entender, aí você percebe que
quando você entra na Probabilidade eles estão somando, estão multiplicando, eles tem que usar
todos aqueles conteúdos que chamamos de tradicionais da Matemática e de uma forma bem mais ...
tirando aquela questão da tabuada, ‘decorar a tabuada para que se aprenda a multiplicar’, eles (os
alunos) vão descobrindo maneiras de chegar naquele resultado.”
(19/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Assim, as noções de acaso, aleatoriedade e probabilidades considero como obstáculos
dos professores, que qualquer processo de formação inicial ou continuada deva contemplar,
tendo em vista, principalmente, que estes obstáculos interferem diretamente na construção da
prática pedagógica dos professores diante do ensino de noções estocásticas.
No primeiro encontro com o grupo, as próprias professoras relataram que se sentiram
assustadas e desafiadas com o tema que seria abordado, relatavam que raramente ouviram
115
falar daqueles assuntos. Todas as professoras dos anos finais disseram que só estudaram na
formação superior (curso de Matemática), aprendendo apenas alguns conceitos básicos sem,
no entanto, ser dada atenção a questões metodológicas. Para as professoras dos anos iniciais,
algumas disseram que lembravam de ter visto algo no Ensino Médio
11
, mas bem precário,
porém a grande maioria disse nunca ter estudado Probabilidades, Estatística e Análise
Combinatória na escola.
Esta pesquisa, por se tratar de uma pesquisa-ação, possibilitou o contato destas
professoras com algumas noções estocásticas, bem como proporcionou a oportunidade delas
de construírem estas noções de maneira diferenciada, com atividades que envolviam jogos e
experimentos. Deste modo, acredito ter contribuído com o processo de constituição destas
professoras, no ensino da Estocástica, principalmente, em sua relação com o conhecimento na
matriz paradigmática da pós-modernidade.
5. OBSTÁCULOS DIDÁTICOS E EPISTEMOLÓGICOS NO ENSINO DE NOÇÕES ESTOCÁSTICAS
Nesta categoria, discuto as principais dificuldades percebidas nas/pelas professoras
em relação aos conceitos estocásticos (Obstáculos Epistemológicos) e sobre o ensino destes
conceitos nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental (Obstáculos Didáticos). A
referência para esta análise estará calcada nos relatos de experiências destas professoras com
suas turmas, nas suas falas, enquanto construíam suas próprias noções estocásticas, e nas
dificuldades apresentadas durante as construções no grupo.
Gaston Bachelard, em seu livro A Formação do Espírito Científico, publicado em
1938, foi quem descreveu inicialmente sobre a noção de obstáculos epistemológicos. Para
Bachelard (1996), a evolução do pensamento pré-científico para um nível científico dar-se
10
Matemática determinística refere-se aos conceitos matemáticos independentes da aleatoriedade, não são
116
contra um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o
que no próprio conhecimento é obstáculo ao espírito. Assim,
esses obstáculos não se constituem na falta de conhecimento, mas pelo contrário, são
conhecimentos antigos, cristalizados pelo tempo, que resistem à instalação de novas
concepções que ameaçam a estabilidade intelectual de quem detém esse
conhecimento. (PAIS, 2001, p. 39)
Bachelard (2003) nos fala de sua convicção de que é em termos de obstáculos que o
problema do conhecimento científico deve ser colocado, visando ao progresso da ciência. São
nestes obstáculos que está o cerne do próprio ato de conhecer em si, que aparecem por uma
espécie de imperativo funcional, lentidões e conflitos.
A noção de obstáculos epistemológicos foi introduzida na Didática da Matemática em
1976 por Brousseau. Essa noção pode ser utilizada tanto para analisar a gênese histórica de
um conhecimento como o ensino, quanto na evolução espontânea do aluno. Ou seja, podem-
se pesquisar os obstáculos epistemológicos a partir de análise histórica ou a partir de
dificuldades resistentes entre os alunos, procurando confrontá-las (IGLIORI, 2002).
Igliori aponta que Brousseau introduz a noção do termo em Didática da Matemática
como sendo aquele obstáculo ligado à resistência de um saber mal adaptado, no
sentido de Bachelard, e o vê como um meio de interpretar alguns dos erros
recorrentes e não aleatórios, cometidos pelos estudantes, quando lhes são ensinados
alguns tópicos da Matemática. (2002, p. 99)
Para Brousseau, segundo Igliori (2002), o obstáculo é constituído como conhecimento
com os objetos, os métodos de apreensão, as relações, com as evidências, as ramificações
imprevistas. Ele resistirá, tentará adaptar-se localmente, modificar-se, otimizar-se num campo
reduzido, seguindo processo de acomodação.
Existem três tipos de obstáculos que se apresentam no sistema didático (IGLIORI, 2002):
influenciados pelo acaso, possibilitando, assim, precisões de resultados.
117
O
RIGEM
O
NTOGENÉTICA
São aqueles que se processam a partir de limitações de ordem do tipo
neurofisiológicas, entre outras, do sujeito, em seu desenvolvimento.
ORDEM
DIDÁTICA
Dependem somente das escolhas realizadas para um sistema
educativo.
ORDEM
E
PISTEMOLÓGICA
São aqueles que não se podem nem se devem escapar, pois são
constitutivos do conhecimento dado.
Para Pais (2001), no plano pedagógico (em meu entender de ordem didática) é mais
pertinente utilizar o termo Obstáculos Didáticos; segundo ele, essa tem sido a posição elaborada na
Educação Matemática.
“Os obstáculos didáticos são conhecimentos que se encontram relativamente estabilizados
no plano intelectual e que podem dificultar a evolução da aprendizagem do saber escolar” (PAIS,
2001, p. 44). É preciso compreender como ocorre a reorganização dos conhecimentos matemáticos
para que estes entrem em harmonia com os demais já existentes, sendo esse o momento em que os
obstáculos se manifestam.
A generalização pode-se tornar obstáculo epistemológico para construção do conhecimento
científico, assim como a generalização dos conceitos pelo professor tornar-se obstáculo didático na
escola. Para Pais, este problema surge quando ocorre tentativa apressada de generalizar uma idéia
que está ainda presa ao entendimento pré-reflexivo.
Igliori (2002), com base em Glorian, tece algumas considerações sobre os obstáculos, sendo
estas oportunas para este trabalho:
As concepções que ocasionam obstáculos no ensino da Matemática são raramente
espontâneas, mas advinda do ensino e das aprendizagens anteriores;
Os mecanismos produtores de obstáculos são também produtores de conhecimentos
novos e fatores de progresso;
11
Geralmente, estes conteúdos eram vistos de forma fragmentada apenas no 2
o
ano do Ensino Médio.
118
O obstáculo está relacionado a um nó de resistência mais ou menos forte segundo os
alunos, o ensino percebido, pois o obstáculo epistemológico se desmembra
freqüentemente em obstáculos de outras origens, notadamente o didático.
Deste modo, evidencia-se que as práticas educativas em Educação Matemática são,
geralmente, promotoras de obstáculos epistemológicos e didáticos na construção conceitual
em Matemática. Assim, surge esta categoria de análise, tentando explicitar como este
fenômeno ocorre na construção conceitual de noções estocásticas no Ensino Fundamental.
No início dos encontros, era grande a resistência que as professoras tinham em
constituir atividades experimentais e contextualizadas no grupo. Quando se sugeria algo
diferente, elas sempre recorriam ao livro didático, porém à medida que avançamos nas
discussões elas se constituíam com mais autonomia em sua práxis pedagógica.
“Quando o professor faz seu trabalho bem planejado, deixa seu material bem organizado, facilita
bastante, é melhor para controla. Eu, por exemplo, sempre deixava alguma coisa pra fazer na sala, isso era
um fator que gerava certa bagunça dos alunos”.
(12/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Esta bagunça apontada na fala de Vivian está relacionada com a própria insegurança
do professor, quando ocorrem as atividades que envolvam conceitos probabilísticos e, assim,
noção de acaso. De repente, o professor pode falar que há bastante chance de um resultado,
mas no experimento aquilo não ocorrer. Isso faz que professores se sintam “sem chão”,
inseguros diante dos alunos. No entanto, tentei mostrar que, como a Estocástica lida com as
incertezas, na prática pedagógica do professor as incertezas tornam-se “o chão” deste
professor. Estas incertezas são alicerces do próprio ensino de Probabilidades, de modo que
nas atividades práticas o professor transcende o modelo simétrico (teórico) e ancora-se no
modelo experimental, podendo lidar, então, como abordagens tanto laplacianas, quanto
119
frenqüenciais
12
. No entanto, percebi na pesquisa que estas atividades envolvem uma série de
concepções que dependem da superação de obstáculos epistemológicos das professoras, sendo
estes referentes a noções de Acaso, Aleatoriedade e Probabilidades.
“Nós temos grandes dificuldades nesse tipo de trabalho, pois não há um controle dos experimentos, devido à sua
aleatoriedade(...) talvez isso é que se tenha que mostrar para o aluno(...) idéia de acaso e de aleatoriedade, mas isso
é que é o mais difícil para nós (...) temos que ter bastante atenção com a forma que vamos registrar os dados, a
construção das tabelas, para que os alunos não venham a se confundir(...) até nós mesmos.”
(02/09/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
A fala da Vivian representa bem o desafio enfrentado pelas professoras diante dos seus
próprios obstáculos epistemológicos em Educação Estatística. Discussões filosóficas e
matemáticas sobre estas questões tornam-se exigência na formação de professores hoje.
A não-superação destes obstáculos epistemológicos pelos professores pode gerar
ensino mecânico, descontextualizado e fragmentado na escola, pois os professores acabam
perdendo a capacidade de perceber os conceitos estocásticos presentes no cotidiano. A fala de
Vivian reflete esta situação:
“A todo momento, a criança faz escolhas, ela faz combinações, é o dia-a-dia dela, e nós não levamos
isto para sala de aula, mas a todo momento da vida dela ela está fazendo isto, a própria vida requer
isto dela.”
(12/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Assim, torna-se urgente nos projetos de formação de professores discussões e
reflexões sobre acaso, aleatoriedade e azar, além dos conceitos matemáticos e estatísticos de
processos estocásticos.
Discutirei agora alguns dos obstáculos didáticos percebidos na prática pedagógica das
professoras. Para isso, escolhi algumas falas das professoras, unidades de análise, que
representam a síntese da discussão ocorrida no grupo.
12
Conceitos já discutidos no capítulo 3 – Ponto de Partida Teórico.
120
O primeiro obstáculo didático percebido refere-se à questão da falta de motivação dos
alunos no desenvolvimento de atividades práticas. Ou seja, algumas professoras evitam
desenvolver atividades que envolvam construções conceituais de forma prática e experimental,
como a utilização de jogos e brincadeiras, devido à falta de motivação dos alunos. Esta falta de
motivação faz que os alunos fiquem agitados, dificultando, assim, o trabalho das professoras, o
que se torna um obstáculo na construção conceitual de noções estocásticas.
“(...) a única dificuldade que tenho enfrentado são com quatro alunos que vieram de outra escola.
Parece que não estavam acostumados a trabalhar desta forma com a antiga professora, eles
parecem estar desmotivados, ficando muito agitados; eles dão trabalho, atrapalham os outros,
batem nos outros meninos. Os outros são tranqüilos, o problema são estes quatro, inclusive tem uns
gêmeos que(...) nossa, é difícil. A gente tem que ser insistente.”
(17/08/04 – Dilma, Professora de Séries Iniciais, Magistério, 7 anos de experiência)
Porém, no grupo, Vivian aponta que um bom planejamento pode contribuir com a
prática do professor, conforme sua fala apresentada no 1
o
quadro da página 120, ela
acrescenta ainda:
“Sei que a indisciplina é um fator que muitas vezes dificulta um trabalho diferenciado do professor,
mas eu já vejo assim (...) (a disciplina) é uma conquista. Quando o professor somente usa o quadro e
giz, é claro que quando ele resolve fazer um trabalho diferente os alunos ficam agitados, fazem
bagunça, temos que ter paciência e ensiná-los a lidar com estas atividades (...) lembrando que o
estudo deve ser uma brincadeira dirigida, não é deixando a criança lá ela fazendo o que quer, sei que
é muito mais trabalhoso, mas é algo mais gratificante, pois o aluno aprende sem você precisar ficar
ali só falando.”
(17/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Para se superar a falta de motivação dos alunos, chamada pelas professoras de indisciplina
dos alunos, temos de recorrer ao próprio costume de planejar com detalhes as aulas de Matemática,
conforme aponta Vivian em sua fala com base em seu considerável tempo de experiência. Contudo,
não compreendendo este planejamento como programa, mas, sim, como projeto
13
de aula do
professor. Um outro ponto importante que muito pode contribuir para superação destes obstáculos
13
A diferença entre o termo projeto e programa já foi discutida no capítulo 2.
121
seria a prática do professor de se testar as atividades antes de levá-las para a sala de aula, dessa
forma poderia ocorrer, também, melhor construção do raciocínio estocástico pelo professor –
superando-se, assim, alguns obstáculos epistemológicos citados anteriormente.
Lopes (1998) aponta a Estocástica como possibilitadora de ensino que proporcione
abordagem interdisciplinar na escola e, assim, que rompa com abordagem linear. Concordo
plenamente com a pesquisadora. Contudo, percebi nesta pesquisa que “a dificuldade do professor
em de lidar com o conhecimento de forma interdisciplinar” pode ser um obstáculo didático a ser
considerado no ensino de noções estocásticas.
“A gente, muitas vezes, tem aquele negócio, acabou a aula de Português, fecha aquele caderno lá, o
caderno agora é de Matemática, não tem nada haver agora é isso.”
(17/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Assim, a dificuldade do professor em perceber o conhecimento em uma perspectiva
interdisciplinar pode proporcionar ensino de Estocástica descontextualizado e não
significativo para o aluno, caracterizando-se, assim, um obstáculo didático em Educação
Estatística.
Mesmo sendo o livro didático elemento que contribui para a formação do professor e
fazendo que o ensino de noções estocásticas se faça presente no processo, o livro didático,
muitas vezes, reduz a autonomia do professor no ensino destas noções no que se refere a um
ensino experimental. Percebi esta situação nas professoras de escolas particulares. Vivian foi
uma das que mais ressaltava esta dificuldade enfrentada pelo professor, devido ao tempo
letivo de se cumprir todas as atividades presentes no livro didático. Isso fica evidente na fala
de Vivian já anunciada nos primeiros quadros das páginas 111 e 112 no fragmento abaixo:
Assim, em relação à dificuldade das professoras em utilizar atividades experimentais
no ensino de noções estocásticas, destaca-se a questão do tempo letivo para cumprimento
122
do livro didático. Isso faz que o ensino fique restrito à utilização do livro, reduzindo-se,
também, o processo de construção conceitual à visão laplaciana de probabilidades
(geralmente, a mais encontrada nos livros).
“Infelizmente, é bastante difícil um trabalho diferente com a Matemática, falta tempo. Tava estes dias
conversando com minha irmã: além de professora, a gente tem que ser mãe e mulher.”
(19/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Além da questão do tempo letivo para cumprimento do livro didático, a própria
jornada de trabalho das professoras dificulta a construção de uma prática pedagógica coerente
em Educação Estatística. Esta jornada é vista como precária pelas as professoras; ficam sem
tempo para coordenação e planejamento adequado das atividades. Muitas têm de levar
atividades para serem planejadas em casa, sacrificando, assim, momentos de lazer e
familiares, sem remuneração alguma, inseridas num processo de proletarização do Magistério.
Um outro ponto interessante encontrado neste trabalho que sinalizo como possível
obstáculo didático a professores no ensino de noções estocásticas é a dificuldade destes em
analisar as diversas estratégias desenvolvidas pelos alunos na resolução de problemas.
“a gente tem que analisar os esquemas mentais individuais utilizados na resolução de problemas.
Alguns professores consideram como uma perda de tempo(...) demora muito”
(19/08/04 – Vivian, Coordenadora, Pedagoga, 15 anos de experiência)
Muitos professores ainda reduzem o ensino da Matemática a analisar o produto final
do aluno, de acordo apenas com os algoritmos oficiais da Matemática. Desta forma, acabam
desconsiderando outras possibilidades dos alunos na construção de seu próprio conhecimento
matemático o que dificulta a construção de conceitos estocásticos por estes.
Para Vergnaud, o esquema pode ser entendido como:
123
(...) a organização invariante do comportamento para uma classe de situações dada. É
nos esquemas que se devem pesquisar os conhecimentos-em-ação do sujeito, isto é, os
elementos cognitivos que fazem com que a ação do sujeito seja operatória. (1998, p.2)
No entanto, observei esta noção de formação de conceitos ausente do discurso das
professoras, como se ensinar Matemática se reduzisse à transferência de conhecimentos,
percebendo o aluno como uma “tábula rasa” a ser escrita com os algoritmos oficiais da
Matemática.
“Ah! Então cada aluno tem um esquema diferente... resolve de forma diferente? Por isso é que é bom
trabalhar em grupo”
(19/08/04 – Eliza, Professora de Séries Iniciais, Magistério, cinco anos de experiência)
No próximo capítulo apresentarei algumas das contribuições da pesquisa para o ensino
de noções estocásticas com base nos resultados percebidos na pesquisa de campo.
CAPÍTULO VII – CONTRIBUIÇÕES DA PESQUISA PARA O ENSINO DE
NOÇÕES ESTOCÁSTICAS NO ENSINO FUNDAMENTAL
Ensinar hoje torna-se tarefa bastante complexa para a escola, devido, principalmente, à
nova relação estabelecida entre o professor e o conhecimento, com o advento da Sociedade da
Informação. Cotidianamente, o sujeito (professores e/ou alunos) é bombardeado por inúmeras
informações, oriundas de diversas fontes, como jornais, revistas, propagandas, televisão,
Internet etc., nem sempre fontes confiáveis. Porém, este mesmo sujeito tem de tomar decisões
rápidas e eficazes que lhe garantam sua participação ativa e autônoma nesta sociedade
complexa.
Deste modo, o ensino de noções estocásticas torna-se exigência para a escola inserida
em uma perspectiva pós-moderna, que considera as incertezas e o erro como condição
humana. Algumas das ferramentas que a escola pode proporcionar, por meio da Educação
Matemática e da Educação Estatística, aos seus alunos para o tratamento destas incertezas é o
reconhecimento de “situações aleatórias”
1
, que se fazem presentes no contexto sociocultural
destes alunos. Isso pode-se dar por meio da construção de conceitos de Análise Combinatória,
Probabilidades e Estatística desde as séries iniciais ou até mesmo antes, conforme aponta
Lopes (2004) em sua tese de doutorado. Porém, estas construções conceituais devem ocorrer
articuladas com o cotidiano dos alunos e, antes de tudo, do cotidiano dos professores que
ensinam Matemática no Ensino Fundamental – minha principal preocupação neste trabalho.
Assim, devido à relevância desta temática, realizei esta pesquisa com professoras que
ensinam Matemática no interior de Goiás, tentando conhecer melhor a sua prática pedagógica
diante do ensino de noções estocásticas no Ensino Fundamental. Contudo, traço algumas
1
Aleatório no sentido de desconhecer ou não poder controlar as variáveis que determinam um dado fenômeno.
125
considerações referentes ao ensino destas noções com base em meus objetivos de pesquisa.
Estas discussões vêm como considerações relativas àquele tema, não como resultados de
pesquisa, tendo em vista que estes resultados já foram apresentados no capítulo anterior.
Percebo que os conhecimentos referentes ao ensino e à aprendizagem da Matemática
das professoras que participaram da investigação ainda estão muito aquém do esperado por
educadores matemáticos, principalmente no que se refere ao ensino de noções estocásticas.
Exige-se, portanto, maior atenção aos projetos de formação inicial e continuada de
professores, no que se refere à construção destas ferramentas tão necessárias à prática
pedagógica destes professores.
Isso nos leva a acreditar que projetos de formação inseridos numa perspectiva de
desenvolvimento profissional, em que a realidade do professor se faça presente no contexto da
formação, torna-se tão urgente à prática destes profissionais. Pois, somente por meio desta
formação centrada na experiência cotidiana destes professores é que poderíamos desconstruir
algumas das representações sociais destes referentes ao ensino da estocástica na escola.
Na pesquisa, percebi que estes professores acreditam que ensinar Matemática é
transmitir/transferir conhecimentos para os alunos, sendo esta construção social ainda muito
presente na fala das professoras – discurso tradicional do processo educativo. Porém, numa
perspectiva de novos paradigmas da Educação Matemática, entendo que “saber ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção” (FREIRE, 1996, p. 47), é possibilitar ao aluno constituir-se enquanto “ser
matemático” preparado para enfrentar os desafios impostos por uma sociedade complexa,
fazer que o aluno se sinta sujeito na construção de seu conhecimento. Deste modo, romper
com esta representação social ainda presente no discurso de muitos professores é algo
importante para a implementação da Estocástica nos currículos brasileiros.
126
Uma outra representação muito forte encontrada na pesquisa é a de que estes
professores ainda acreditam que ensinar Matemática deveria estar relacionado com o preparo
do aluno para o vestibular ou para as séries futuras, perdendo a oportunidade de fazer que os
alunos realmente tenham aprendizagem mais significativa. Estes desviam o foco da
aprendizagem matemática para um processo de memorização de fórmulas prontas para serem
aplicadas nas atividades do livro didático – ou seja, ensino mecânico.
Uma outra discussão, emergida por esta pesquisa, é a questão de rompimento com a
fragmentação e linearidade pela qual esses professores percebem o currículo de Matemática,
avançando para a perspectiva da rede, ponto esse necessário à prática pedagógica dos
professores no ensino de noções estocásticas. Assim, esta investigação aponta que não
bastaria apenas discussão teórica sobre o currículo de Matemática em rede, mas, sim,
apontamentos práticos e metodológicos referentes a este tipo de abordagem para o professor.
Isso ficou bastante perceptível na pesquisa quando discutida esta temática, posto que as
professoras se sentiram mais seguras no tratamento das noções estocásticas a partir do
rompimento com a noção de currículo inserida na matriz paradigmática da modernidade, em
que o conhecimento é visto de forma mecanicista, supervalorizando as partes em detrimento
do todo, conforme apontamentos de Doll Jr. (1997) e Morin (2002). Os conteúdos referentes
às noções estocásticas possuem característica específica que precisam dos demais conceitos
matemáticos para que de fato ocorra a aprendizagem. Isso não é tão simples, pois exige destes
professores nova relação com o processo ensino-aprendizagem na Matemática. Assim,
discussões amplas referentes ao currículo de Matemática em rede fazem-se indispensáveis
para a prática pedagógica dos professores que hoje ensinam Matemática.
Discussões referentes à resolução de problemas e de situação-problema precisam ser
ampliadas, oferecendo mecanismos para que os professores possam possibilitar ao aluno a
oportunidade de construir seu conhecimento matemático de forma significativa. Apesar das
127
várias recomendações relativas à resolução de problemas como motriz no ensino da
matemática (BRASIL/MEC/SEF, 1997; MUNIZ, 2004; NCTM, 1991), durante a pesquisa,
cheguei à conclusão de que muitos destes professores ainda vêem o processo de ensino-
aprendizagem como transmissão de conhecimentos, em que os conceitos estocásticos acabam
sendo trabalhados de forma descontextualizada. Isso faz que os alunos não percebam a
Matemática no seu cotidiano. Ao avançar nas discussões referentes a este tema no grupo,
verifiquei maior autonomia dos professores na construção de práticas pedagógicas no ensino
de noções estocásticas. Muitos deles concebiam a tarefa de ensinar matemática como a
resolução de exercícios matemáticos, não possibilitando ao aluno matematizarem, construírem
o conhecimento matemático com base em modelos matemáticos, verem estes como desafios.
Ainda, a pesquisa revela o jogo como tema bastante importante em discussões
relativas ao ensino de noções estocásticas, principalmente no que se refere à coerente
utilização destes na construção do raciocínio estocástico. Na pesquisa, pode-se observar que
professores ainda possuem dificuldades em lidar com jogos como mediador na construção do
conhecimento matemático, principalmente, quando estes jogos envolvem noções de acaso e
de aleatoriedade, devido a obstáculos de diferentes naturezas que estes professores possuem.
Deste modo, planejamentos detalhados da utilização destes jogos e sua utilização
anteriormente pelo professor tornariam-se essenciais para amenizar estas dificuldades. Isso é
confirmado, também, por perceber que algumas vezes até existem materiais na escola, no
entanto, professores têm dificuldades em utilizá-los pedagogicamente.
Muitos das professoras-participantes vêem o livro didático como o currículo propriamente
dito e não como recurso didático na construção do conhecimento matemático. Algumas utilizam
este como “pista de corrida”, não possibilitando alternativas para construção do conhecimento
matemático. No ensino de noções estocásticas, meu objeto de estudo, este cenário pode ocorrer
porque professores têm dificuldades em lidar com as próprias noções de Análise Combinatória,
128
Probabilidades e Estatísticas. Ou também, conforme observado, principalmente em professores de
escola particular participantes, devido às cobranças da escola (coordenação e direção) e dos pais
para cumprimento integral do livro didático por questões econômicas, pois, conforme relato das
próprias professoras pesquisadas, se uma escola resolve adotar um livro didático, este deve ser
utilizado todo, já que é bastante caro.
Com isso, não se nega a importância do livro didático no processo de ensino-
aprendizagem de noções estocásticas, pelo contrário, o livro didático garante que a Educação
Estatística se faça presente no processo e é por meio dele que professores abordam algumas
noções estocásticas em suas turmas, por vezes é nele que professores constróem seus próprios
conceitos estocásticos. Além do que “se com o livro didático o ensino no Brasil é sofrível,
sem ele será incontestavelmente pior [...] sem ele o ensino brasileiro desmoronaria. Tudo se
calca no livro didático” (FREITAG; MOTTA; COSTA; 1989, p. 128). Assim, atenção
especial deve ser prestada por especialistas responsáveis pela construção e pela avaliação
destes materiais tão utilizados pelas escolas, devido à sua relevância no processo de formação
e de organização do trabalho pedagógico do professor no ensino de noções estocásticas.
Algo também merecedor de bastante atenção são os obstáculos que estes professores
possuem, podendo ser estes de natureza epistemológica e didática. Os obstáculos epistemológicos
são aqueles pertencentes à própria natureza de um dado conhecimento (PAIS, 2001; IGLIORI,
2002). Assim, na pesquisa, identifica-se como obstáculo de natureza epistemológica a própria
conceitualização de acaso e aleatoriedade. Professores têm dificuldades em lidar com estes
conceitos, talvez devido à própria matriz paradigmática (paradigma da modernidade) em que
estava inserida a formação escolar e inicial obtida por estes.
Lembrando Santos (1989) e Morin (2002), no grande paradigma do ocidente –
paradigma modernidade – ocorre valorização das certezas em detrimentos das incertezas.
Neste, a construção do conhecimento está calcada na perspectiva linear e fragmentada,
129
perdendo-se, assim, a idéia de conhecimento visto como “todo”, como uma rede, em que as
partes estão articuladas e interconectadas com outras partes e que só têm sentido quando
percebidas fazendo parte de um todo. Deste modo, o conhecimento é visto como verdades,
não como provisório e passível a novas construções e re-construções, conforme a perspectiva
pós-moderna. Incluir o estudo de noções estocásticas nos anos iniciais seria possibilidade de
inserção de novos paradigmas no currículo atual, por meio de conteúdos mais integrativos.
Assim, acredito que professores acabam sentindo-se despreparados para o ensino de
noções estocásticas, devido às dificuldades encontradas na elaboração destes conceitos que
exigem construção reflexiva sobre a idéia de acaso e aleatoriedade. Apesar da complexidade
existente nestes conceitos, sucintamente e com base no dicionário Houaiss (2004), entendo
que o acaso diz respeito à própria imprevisibilidade existente na constituição do mundo
objetivo e aleatoriedade diz respeito ao aleatório, eventos que dependem do acaso que vão
além da natureza determinística. Esses conceitos implicam novas perspectivas ontológicas
relativas à própria forma dos professores conceberem a realidade que os cerca, constituindo o
desenvolvimento da literacia estatística e, assim, de cidadãos atuantes autonomamente na
sociedade.
Com base nesta fragilidade apresentada pelos professores, relativa aos conceitos de
acaso e de aleatoriedade, surgem às próprias noções matemáticas de Probabilidades e Análise
Combinatória e noções de Estatística como outro obstáculo epistemológico, talvez ontológico,
percebido na pesquisa e que dificulta o trabalho dos professores. Pois, sem a construção
conceitual de acaso e aleatoriedade dificilmente os professores conseguem constituir
significativamente os conceitos matemáticos e estatísticos que envolvem estas noções.
Aprendendo apenas a resolver exercícios mecanicamente sem articulação com seu contexto
sociocultural, transforma-se o ensino de noções estocásticas em reproduções de fórmulas, não
articulado ao processo de formação do cidadão autônomo.
130
Os obstáculos de natureza didática são os relativos às escolhas ocorridas no sistema
educativo, no cotidiano do professor (PAIS, 2001; IGLIORI, 2002). Assim, neste trabalho,
identifico os seguintes obstáculos didáticos presentes na prática pedagógica de professores
que ensinam noções estocásticas no Ensino Fundamental:
Motivação: Professores ao trabalharem com atividades experimentais sentem dificuldade
em lidar com a motivação dos alunos. Entendo esta como falta de aderência da turma ao
conhecimento, fazendo que muitos destes reduzam o processo de ensino de noções
estocásticas ao ensino teórico. Sem motivação, o ambiente educativo fragiliza-se,
constituindo um espaço relacional caótico, denominado pela escola como “indisciplina”
ou “falta de controle da turma” pelo professor;
Interdisciplinaridade: O ensino de noções estocásticas, pela própria natureza dos
conceitos envolvidos, aponta para abordagem pedagógica interdisciplinar. No entanto,
alguns professores têm dificuldades em articular o conhecimento matemático e estatístico
com outras áreas do conhecimento;
Livro Didático: Muitas vezes, devido à exigência de cumprimento integral do livro
didático pelas escolas e pais, professores optam por não tratarem o ensino de noções
estocásticas na perspectiva experimental, seguindo seqüencialmente os capítulos do livro
didático, reduzindo o ensino destas noções a abordagem teórica;
Jornada de Trabalho do Professor: Alguns destes professores reduzem o ensino de
noções estocásticas a abordagem teórica por não dispor de tempo, em sua própria jornada
de trabalho, para planejamentos adequados de suas atividades;
131
Esquemas Mentais: Alguns professores ainda concebem o ensino de Matemática como
transmissão de conteúdos matemáticos, numa perspectiva da Matemática Moderna
(BRASIL/MEC/SEF, 1997), não entendendo este ensino como construção de conceitos
que devem estar articulados ao contexto sociocultural do aluno e norteado pela formação
de um cidadão autônomo. Para isso, torna-se necessário ao professor não analisar apenas
os produtos, conhecimentos adquiridos pelos alunos, mas, sim, o processo de construção
e desenvolvimento destes conhecimentos. Nesta idéia, surge a necessidade de se analisar
o processo de construção conceitual dos alunos por meio de seus esquemas mentais,
entendendo os esquemas como “a organização invariante do comportamento para uma
classe de situações dada” (VERGNAUD, 1998, p.2). Porém, alguns professores, por não
compreenderem o ensino da Matemática nesta perspectiva, não conseguem atentar-se a
analisar os esquemas mentais dos alunos, dificultando, assim, a construção e o
desenvolvimento conceitual dos alunos referentes às noções estocásticas. Tais
professores, não tendo a construção de esquemas como foco do processo de construção
do conhecimento matemático, deixam de realizar mediações pedagógicas, consideradas
essenciais na aprendizagem de noções estocásticas.
Assim, estas são algumas das contribuições que emergiram desta pesquisa de mestrado
relativas ao ensino de noções estocásticas no Ensino Fundamental, em que busco contribuir com o
processo de constituição da práxis pedagógica de professores que hoje estão na escola ensinando
Matemática.
PALAVRAS FINAIS
Segundo André (2000), a média de trabalhos defendidos nos programas de pós-
graduação em Educação sobre formação de professores no Brasil no período de 1990 a 1998,
considerando o total de trabalhos, é de apenas 6,6% do total. Desses estudos, 72% tratam do
tema formação inicial; 17,8%, do tema formação continuada; e 10,2%, de questões relativas à
identidade e profissionalização docente. Apesar de saber que este quadro possa ter sido
alterado nos últimos anos, acredito que ainda temos muito que produzir em relação à
formação de professores nas escolas brasileiras.
Com base nesta discussão de André, considero esta pesquisa relevante para as
discussões referentes à formação continuada de professores que ensinam Matemática em
nosso País. Sabendo disso, encaro esta Dissertação de Mestrado como parada formal em meus
estudos para renovar-me e adquirir mais forças para prosseguir a pesquisa em nível de
doutorado.
Realizar esta pesquisa representou grande passo em meu processo de constituição
enquanto educador-pesquisador e formador de professores, pois percebi o desafio que é
realizar investigação desta natureza (pesquisa-ação) em um espaço tão curto do tempo,
mestrado (24 meses).
Contudo, conforme já apresentado, tenho a clareza de que este trabalho faz parte de
uma investigação de âmbito maior, em que pretendo incorporar e construir novos saberes
necessários para a implementação e consolidação da Educação Estatística no currículo
brasileiro.
Para tanto, nesse estudo ulterior pretendo utilizar a Engenharia Didática (PAIS, 2001;
MACHADO, 2002) como estratégia metodológica para construção da pesquisa, conforme já
133
havia apontado no capítulo V. No doutorado, meu objeto de estudo será o ensino de
probabilidades e já tenho tentado delimitar algumas possíveis questões que pretendo utilizar
na investigação, surgidas a partir deste estudo. São elas:
Como tratar noções de probabilidade geométrica nos anos finais do Ensino
Fundamental?
Quais obstáculos epistemológicos e didáticos professores de Matemática, das séries
finais, possuem em relação à Probabilidade e seu ensino?
Quais noções professores apresentam sobre acaso e aleatoriedade? E quais
perspectivas teóricas destas noções são apresentadas pela/na Filosofia?
Como alguns cursos de formação inicial de professores de Matemática têm tratado
pedagogicamente o tema?
Uma questão que também levarei para o doutorado seria o próprio mapeamento dos
conceitos a serem abordados com adolescentes dos anos finais, inclusive, quais abordagens
pedagógicas podem ser trabalhadas neste segmento nas duas perspectivas da Filosofia das
Probabilidades: Clássica e Freqüêncial. Por isso, no doutorado tenho a intenção de avançar
meus estudos em um
Programa de Doutorado em Educação Matemática.
Avaliando a construção metodológica desta dissertação, percebi que a pesquisa-ação
exige tempo considerável do pesquisador para amadurecimento em campo, tendo em vista,
principalmente, que seus objetivos só se delineiam com a inserção do pesquisador na
realidade a ser pesquisada.
Um outro ponto que me chamou bastante atenção sobre a pesquisa-ação foi a própria
dificuldade que encontrei para registrar os dados que emergiam durante a pesquisa. Pois,
devido à complexidade em que a realidade se constitui e ao total envolvimento do
134
pesquisador na construção desta realidade, parar para anotar as diversas informações que
rapidamente são apresentadas, geralmente, torna-se tarefa bastante difícil para o pesquisador
durante a investigação de campo. Para resolver esta questão, optei por registrar todos os
encontros integralmente em VHS, entretanto perdi algumas informações devido à má
qualidade sonora das filmagens.
Infelizmente, não consegui avançar em um de meus objetivos específicos, qual seja
Analisar como o ensino de noções estocásticas pode contribuir para o desenvolvimento da
práxis centrada em uma postura investigativa”, devido ao curto espaço de tempo da pesquisa
para análise da práxis das professoras. Contudo, acredito que esta análise possa ocorrer em
estudos posteriores.
Algo que me chamou atenção foi que grande parte das professoras que ensinavam
Matemática nos anos finais e que participaram do curso não possuíam a escolaridade mínima
exigida, licenciatura em Matemática, mesmo existindo na cidade duas instituições que
ofereciam formação superior na área. Após conversas com professores da região de Formosa
e consultas na Prefeitura Municipal, descobri que este quadro é comum nos municípios
goianos próximos ao Distrito Federal, pois, devido aos baixos salários na região e à falta de
planos de carreira específicos, os professores já formados em cursos de graduação optam por
lecionar no Distrito Federal – a distância aproximada entre Formosa e Planaltina (cidade mais
próxima localizada no DF) é de apenas 40Km – em função da realidade salarial. Isso me
tranqüilizou bastante, pois acredito que essa situação faz parte de uma realidade educacional
do nosso País.
Algo que não consegui avançar neste estudo foi uma discussão dos resultados mais
bem articulada com autores da área, ora pela precariedade de produção dos trabalhos
referentes ao ensino de noções estocásticas, ora pelo tempo escasso destinado para
investigação. Entretanto, esta pesquisa possui, também, natureza etnográfica (descritiva),
135
pois, conforme já apontado, torna-se primeira etapa de uma Engenharia Didática – análises
preliminares – de minha tese de doutorado.
Este trabalho torna-se grande conquista para minha formação não só acadêmica, mas
também pessoal – ou melhor existencial –, principalmente, por ter-me feito refletir sobre
questões que muitas vezes estão à nossa frente e não paramos para analisar – como a própria
condição humana. Fez-me entender a complexidade com que a realidade se apresenta e a
própria natureza provisória e subjetiva desta realidade. Fez-me apreender estes pontos como
imbricados na condição existencial do ser humano e, por isso, tornou-me mais humano e
sujeito na construção de minha própria realidade.
É neste contexto que concebo a idéia de continuidade na minha formação para a
pesquisa científica no campo da Educação Matemática.
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143
ANEXO A: Declaração de Conclusão de Curso
144
ANEXO B: Relação dos Textos Lidos Durante os Encontros
“O Ensino da Estocástica na Escola: Olhares e Possibilidades” – Harryson
Júnio Lessa Gonçalves (mimeo)
“Currículo de Matemática em Rede” (Projeto GESTAR) – Cristiano
Alberto Muniz (mimeo)
“Situação-Problema como Força Motriz da Aprendizagem Matemática”
(Projeto GESTAR) – Cristiano Albert Muniz (mimeo)
“Resolver Problema não Basta: É Necessário Ampliar a Noção de
Problema para Situação-Problema” (Projeto GESTAR) – Cristiano Albert
Muniz (mimeo)
“Ensino de Probabilidade” (Projeto GESTAR) – Ana Lúcia Braz Dias
(mimeo)
Vídeo “Matemática Lúdica” – UnB
“Pequenos Matemáticos” – Reportagem Jornal Correio Braziliense
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