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BRASIL NOVO, COMPOSTO POR VILLA-LOBOS NOS ANOS DE
1937-1945:
matéria de estudos historiográficos.
SILVA, Marcos Vicente Almeida.
marcosvicenteluthier@hotmail.com
COSTA, Rosemeire Marcedo. (Orientadora)
Graduada em Pedagogia. Mestre em História da Educação/UFS
Profª do curso Pedagogia da Universidade Tiradentes.
rosemeire_marcedo@yahoo.com.br
A música, eu considero um principio, como um
indispensável alimento da alma humana. Por
conseguinte, um elemento e fator imprescindível
à educação da juventude.
Heitor Villa-Lobos
RESUMO:
Neste estudo é discutido o projeto educacional de Villa-Lobos que tinha como
missão, ensinar a população ouvir a moderna música brasileira.Sua primeira iniciativa foi à
introdução do Canto Orfeônico em todas as escolas públicas e particulares de primeiro e
segundo graus do Distrito Federal. Através desta investigação, buscamos ressaltar a
participação do maestro como educador e defensor deste Projeto Nacional, enfatizando alguns
pontos importantes como, a contribuição de Villa-Lobos para a divulgação e o
desenvolvimento desta prática musical no Brasil no período de 1937 a 1945
.
PALAVRAS-CHAVE:
Educação musical, Canto Orfeônico, Villa- Lobos, método.
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INTRODUÇÃO
Este artigo discute o projeto educacional de Villa-Lobos, no Brasil de 1937-1945. A
partir do ano de 1931, o ensino de Canto Orfeônico passou a ser adotado nos colégios
secundários brasileiros, resultado da apresentação de um projeto defendido por Heitor Villa-
Lobos (1887/1959) ao presidente Getúlio Vargas, baseado em uma vertente nacionalista.
Identificaremos a posição ocupada pelo Canto Orfeônico no Brasil, buscando o papel da
música na formação de uma consciência nacional, conhecendo a trajetória artística de Villa-
Lobos e compreendendo a Era Vargas por meio do projeto nacionalista do compositor.
Esse Plano de Educação tinha como missão, ensinar a população ouvir a moderna
música brasileira. Sua primeira iniciativa foi à introdução do Canto Orfeônico em todas as
escolas públicas e particulares de primeiro e segundo graus do Distrito Federal.
Nas décadas de 1930 a 1950, o ensino do Canto Orfeônico se expandiu nos colégios
do Brasil. É importante ressaltar que o momento em que o ensino de Canto Orfeônico
prosperou nos currículos das escolas brasileiras, era também um momento repleto de
importantes mudanças nos meios políticos, como é o caso do Governo Provisório de Getúlio
Vargas, entre 1930 a 1937, e do período do Estado Novo, entre 1937 a 1945.
Em 1946, este ensino sofreu uma reformulação, o que remete a uma continuidade
incondicional da disciplina à política getulista, e neste artigo discutiremos esta relação entre o
Canto Orfeônico e o Estado Novo.
Após o Estado Novo o ensino de música prossegue, tendo alguns episódios que
merecem atenção especial, como a Lei Orgânica do Ensino de Canto Orfeônico, Decreto-lei
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nº. 9.494 - de 22 de julho de 1946. Esse documento foi assinado pelo então Presidente Eurico
Gaspar Dutra, que regularizava o processo avaliativo do Canto Orfeônico nas escolas
secundárias, que até então era isento de avaliação formal.
Questões como: para que serve o ensino do Canto Orfeônico na escola? Quais as
finalidades do Canto Orfeônico como disciplina escolar? Quais as práticas realizadas para
atingir tais objetivos? Quais as condições do ensino de Canto Orfeônico na escola? Quais os
conteúdos utilizados para atingir tais objetivos? Podem ser respondidas através da Lei
Orgânica que instituiu o ensino do Canto Orfeônico.
De acordo com o Artigo 1º desta Lei Orgânica, sua finalidade era formar professores
de Canto Orfeônico, propiciando aos estudiosos meios de aquisição de cultura voltada para o
Canto Orfeônico e incentivar a mentalidade cívico-musical destes educadores. Para tanto,
havia um tipo de estabelecimento específico qual seja, o conservatório. Este era destinado
para o ensino nas escolas pré-primárias e de grau secundário.
Quanto à formação desses educadores, ficava definido que somente os diplomas e
certificados expedidos pelos conservatórios oficiais e reconhecidos dariam o direito ao
exercício do magistério do Canto Orfeônico, ainda assim, quando devidamente registrados no
competente órgão do Ministério da Educação e Saúde.
Os estabelecimentos de ensino de Canto Orfeônico eram responsáveis em promover
entre os alunos a organização e o desenvolvimento de atividades, como: revistas, jornais,
clubes e grêmios independentes; organizar arquivo, museus, bibliotecas, publicações
especializadas, gabinete de pesquisa de folclore e pedagógicos, bem como laboratórios de
voz, destinados a trabalhos de correção de voz e pesquisas de fonética.
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A Lei 9.949 de 1946 estabeleceu ainda que para o curso de formação de professor
eram admitidos alunos a partir dos dezesseis anos, sendo obrigatório apresentar certificado de
conclusão do segundo ciclo em conservatório de música, ou de curso de preparação nos
conservatórios de Canto Orfeônico e tinham que se submeterem a provas de aptidão musical.
O curso de especialização e preparação para formação de professores de Canto
Orfeônico possuía um currículo abrangente e muito rico em conteúdos, como as seguintes
disciplinas: didática do Canto Orfeônico, fisiologia da voz, polítonia coral, prosódia musical,
organologia e orgonografia, prática do Canto Orfeônico, teoria do Canto Orfeônico,
coordenação orfeônica escolar, formação musical, didática de ritmo, história da educação
musical, folclórica, cultura pedagógica, educação esportivas e outras. Estas disciplinas
possuem um capítulo a parte que revela as definições e os objetivos de cada uma delas e sua
importância no ensino de Canto Orfeônico.
Durante a primeira metade do século XX, havia uma idéia de formar uma nação apta
a viver com as novas tendências do mundo, recorrentes do avanço tecnológico. Este discurso
sempre esteve presente nos congressos e periódicos educacionais. Discutia-se a necessidade
de saber que tipo de povo deveria habitar um país que se mostrava ciente destas novas
tendências mundiais. Este ideal formador compôs a concepção de uma educação dita
moderna, defendida por importantes personagens na educação brasileira, como os “auto-
intitulados” renovadores da Escola Nova
1
, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Questões
como a importância do trabalho, do estudo, da Pátria e da harmonia social tornava-se
essenciais para o crescimento da nação. Estes ideais desembocaram no ensino de Música nos
colégios brasileiros, que já havia sido difundido com sucesso em países europeus.
1
A Escola Nova se constituiu num movimento que proclama novos valores e idéias para a educação oriundos do
pragmatismo norte-americano e europeu.
5
Lemos Júnior (2005) afirma que: o caráter nacionalista ao qual a educação deveria
estar vinculada, pautava-se na necessidade de formar cidadãos que valorizassem a nação. Este
sentimento nacionalista desenvolveu-se também na arte que buscava, por meio do resgate de
elementos do folclore, a relação entre a expressão estética e a identidade cultural do país. A
vertente nacionalista se desenvolveu no ensino do Canto Orfeônico sob duas temáticas: a
primeira na relação desta disciplina com o elemento folclórico e a segunda através do caráter
cívico
2
.
Através da investigação, buscamos ressaltar a participação de Villa-Lobos como
educador e defensor do Projeto Nacional do Canto Orfeônico, enfatizando alguns dos pontos
centrais que envolveram o ensino de Música e Canto Orfeônico nas décadas de 1930 e 1940.
A prática do Canto assumiu um caráter disciplinador e sociabilizador, atendendo a
um dos objetivos gerais da escola. O ensino do canto, de certa forma, esteve vinculado a uma
prática social, útil à vida e à convivência em grupo. As grandes festas e concentrações
orfeônicas formadas por estudantes secundaristas serviram como finalidade sociabilizadora da
escola.
Desta forma, explicaremos por meio de pesquisas e levantamentos bibliográficos de
autores que discutiram o Canto Orfeônico, enfocando a contribuição de Villa-Lobos para a
divulgação e o desenvolvimento desta prática musical no Brasil no período de 1937 a 1945.
Com a conclusão deste artigo, pretendemos mostrar que a educação musical não deve
ser uma disciplina sem importância comparada as demais diferentes áreas do conhecimento,
isto porque a música também possui seu corpo de disciplinas, geralmente ligadas à educação.
2
O caráter cívico se atrela ao sentimento patriótico, mas não no sentido estético e cultural como no elemento
folclórico, mas sim no sentido sócio-cultural.
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Neste artigo utilizamos como fontes, além do decreto de Lei Orgânica de Canto
Orfeônico, foram utilizadas algumas obras de pesquisadores que abordam o ensino musical no
Brasil, a atuação de Villa-Lobos como educador e o seu plano de educação musical, autores
como: Barreto (1938), Azevedo (1958), Jung (1961), Patai (1974), Wisik (1982), Mariz
(1983), Cardim (2003), Libâneo (2003), Lemos Júnior (2005), Heitor (2006).
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1. O SURGIMENTO DO ORFEÃO
Segundo Lemos nior (2005) a origem do orfeão ocorreu na França ainda no
século XIX, com o apoio de Napoleão III. O Canto Orfeônico consistia na formação de
grupos vocais “a capella”, ou seja, sem acompanhamento de instrumentos musicais. Esta
prática distinguia-se do tradicional coral devido a seu caráter simples e desprovido de senso
estético, voltado a um público leigo. A nomenclatura seria uma homenagem ao mitológico
Orfeu, uma divindade grega que era capaz de emocionar qualquer ser vivo com sua lira.
Como consta na enciclopédia virtual Wikipédia: na mitologia grega, Orfeu era poeta e
músico, filho da musa Calíope. Era o mais talentoso músico que viveu. Quando tocava sua
lira, os pássaros paravam de voar para escutar e os animais selvagens perdiam o medo. As
árvores se curvavam para pegar os sons no vento. Ele ganhou a lira de Apolo, alguns dizem
que Apolo era seu pai.
De acordo com as pesquisas realizadas por Lemos Júnior (2005) no Brasil os
primeiros relatos sobre o uso do orfeão apontam para Carlos Alberto Gomes Cardim que
instituiu em 1910 essa modalidade de ensino musical em uma escola pública de São Paulo.
Além de Gomes Cardim, outros músicos tiveram participação importante para o
desenvolvimento dos orfeões no estado paulista, como é o caso de João Gomes Junior,
professor da escola normal
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de São Paulo que, ao lado de Gomes Cardim, elaborou um
método para o ensino de música na escola, intitulado método analítico.
3
A escola normal equivale nos dias atuais ao curso de magistério, objetivando a formação de professores para o
ensino primário (1ª a 4ª série do ensino fundamental).
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O conceito de "método analítico" na pedagogia musical tornara-se conhecido, no
século XIX, sobretudo através da obra Guide de la méthode élémentaire et analytique de
musique et de chant, divisé en deux parties (Paris, 1821-1824), de Guillaume-Louis Wilhem
(1781-1842), o grande nome do movimento orfeônico francês. No Brasil, o conceito une-se à
orientação pedagógica geral seguida nas Escolas Modelo de São Paulo, pela passagem do
século. No prefácio desta obra O Ensino da música pelo Methodo Analytico, os seus autores
esclarecem os motivos da adoção do método também na educação musical. A justificativa da
adaptação à música de um método defendido, sobretudo para o ensino da língua baseou-se na
similaridade vista entre a sica e a linguagem. Mesmo que o Canto Orfeônico não tenha se
expandido nas escolas brasileiras nas décadas de 1910 e 1920, o ensino de Música esteve
presente nas três primeiras décadas do século XX, principalmente nas escolas primária e
normal. No entanto, no ensino secundário, este estava ausente dos programas escolares.
A Música é a disciplina que mais analogia tem com a linguagem ella é a linguagem da
alma, a linguagem do coração. Manifestamos o nosso pensamento por meio da palavra
falada, ou escripta do mesmo modo que com a palavra musical o compasso, escrevendo
ou entoando, entretemos a nossa vida de relação. Na linguagem temos os symbolos
formando as palavras e as palavras formando as proposições e na música temos os signaes
formando os compassos e os compassos constituindo a phrase e a phrase compondo o
pensamento musical. Ressalta a paridade entre essas duas disciplinas; não é possível, pois,
disparidade em methodo. Havendo tanta analogia entre a musica, a leitura e a linguagem,
rebusquemos alguns factos destas disciplinas, partindo, assim, de uma questão debatida,
discutida e vivenciada, para uma questão que se procura divulgar. (Gomes e Cardim, 1914)
Lemos Júnior (2005) afirma que: somente no início da década de 1930 o ensino de
Canto Orfeônico tornou-se oficialmente uma disciplina obrigatória no ensino secundário, mais
especificamente para o curso ginasial, graças à atuação de Villa-Lobos junto ao Governo
Brasileiro, que além de apresentar as diretrizes do ensino do Canto Orfeônico na escola,
preocupou-se com a formação de professores qualificados para tal empreitada.
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2. O NACIONALISMO DE VILLA-LOBOS NO ESTADO NOVO
Segundo Libâneo (2003), durante o Estado Novo (1937-1945), regime ditatorial de
Vargas, oficializou-se o dualismo educacional: ensino secundário para as elites e ensino
profissionalizante para as classes populares. As leis orgânicas ditadas nesse período, por meio
de exames rígidos e seletivos, tornavam o ensino antidemocrático, ao dificultarem ou
impedirem o acesso das classes populares não ao ensino propedêutico
4
, de nível médio,
como também ao ensino superior. O processo de democratização do país só foi retomado com
a deposição de Vargas em 1945.
Libâneo (2003) nos revela que a intenção de Gustavo Capanema, Ministro da
Educação no governo Vargas, era elaborar inicialmente uma lei geral de ensino, para depois
propor um plano de educação com o objetivo de orientar e controlar (racionalidade de
controle político-ideológico) as ações educativas no país.
Wisik (1982) em sua obra relata sobre as questões nacionalistas musicais em Villa-
Lobos e Mário de Andrade são sempre mais complicadas enquanto criadores. Villa-Lobos
porque isto se formou musicalmente no meio dos chorões seresteiros e sambistas do Rio de
Janeiro e quanto a Mário, homem dividido entre um modo socrático-platônico e um modo
dionisíaco-nietzscheano, embora apresente nos seus textos programáticos traços daquela
resistência aos aspectos polimorfos da cultura popular.
4
Aquele que o objetiva a habilitação profissional, o término, mas busca a preparação para a continuidade dos
estudos.
10
O programa do nacionalismo musical tem um caráter centralizador e paternalista,
alimentado pela ilusão de imprimir homogeneidade à cultura nacional e de cauterizar a ferida
das tensões sociais.
É importante frisar que o nacionalismo brasileiro estava adotando sem saber a última
solução platônica
5
para a questão da cultura frente ao avanço crescente da indústria cultural.
que as discussões que apontam A República de Platão incidindo sobre o lugar político-
pedagógico da música lançam luz sobre os rumos do nacionalismo musical no Brasil desde o
Ensaio sobre a música brasileira aa atuação de Villa-Lobos no Estado Novo, regendo as
grandes concepções cívico-autoritárias, copidescada
6
pelo Departamento de Imprensa e
Propaganda do Estado Novo.
Desta forma o Estado autoritário aparece então como uma espécie de socorro para o
número erudito perdido em meio ao campo da Arte inteiramente revirado pela nova economia
política da cultura capitalista, marcada pelo mercado dos objetos em série. Respaldada por
Getúlio Vargas, a contra-ofensiva orfeônica de Villa-Lobos (ligada a uma antiga tradição
tendente a fazer da música o elemento de unificação e de imantação da sociedade em torno do
Estado, como se desde A República de Platão), buscava reconquistar ativamente para a
“grande arte” o seu prestigioso papel de portadora do sentido da totalidade, perdido no vórtice
galopante da “crise” moderna.
Critica ou não, Mariz (1983) afirma que: Villa-Lobos nunca foi um professor na
expressão da palavra. Ensinou esporadicamente, mas não teve tempo e talvez paciência para
ministrar classes com regularidade. No entanto, podemos considerá-lo um bom educador e
5
Relativo a Platão ou á sua filosofia idealista. Puramente ideal, alheio a interesses ou gozos materiais.
6
Redação adaptada, reescrita, para publicar (em livro, jornal, etc).
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sua ação entusiasta teve papel preponderante na implantação do Canto Orfeônico no Brasil.
Em 1931 foi incumbido de organizar e dirigir a Superintendência de Educação Musical e
Artística - SEMA, que seria o primeiro passo para a criação, do Conservatório Nacional do
Canto Orfeônico, em 1942. Antes porém, realizou várias demonstrações públicas com massas
corais até 40.000 vozes. O Orfeão dos Professores surgiu do seu curso de pedagogia de
música e Canto Orfeônico e, em 1932, promoveu pela vez no Brasil uma série de concertos
sinfônicos para a juventude, realizados no Teatro Municipal do Rio, sob a regência de Walter
BurleMarx, nos quais eram interpretadas músicas simples, precedidas de comentários
explicativos.
A Superintendência que reunia cerca de 200 professores que ministravam o ensino da
Música e Canto Orfeônico nas escolas de diversos níveis. Entre as realizações de Villa-Lobos
dentro do SEMA destaca-se a atuação em defesa do Canto Orfeônico, por meio das
concentrações orfeônicas promovidas durante o Governo de Getúlio Vargas. Após cinco
meses na instituição, foi realizada uma demonstração pública com uma massa coral de 18.000
vozes, constituídas por alunos de escolas primárias, das escolas técnico-secundárias, do
Instituto de Educação e do Orfeão de Professores.
Em 1943, o Maestro Villa-Lobos deixou a superintendência do Distrito Federal e
fundou o Conservatório Nacional do Canto Orfeônico, de âmbito federal, com a finalidade de
formar professores e de orientar o ensino musical em todo o país. Mantendo uma posição de
destaque no ensino de Canto Orfeônico do país, sendo citado em diversos livros didáticos da
disciplina, como por exemplo, na obra Noções de Música e Canto Orfeônico, voltado para a
série do curso ginasial, de Maria Elisa Leite Freitas, no ano de 1941, que apresenta Villa-
Lobos como uma das maiores glórias da música nacional.
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O autor também nos revela que Villa-Lobos elaborou uma obra sólida para a melhor
concretização de seus projetos: um guia prático, em seis volumes, com prefácio de Afrânio
Peixoto, depois ampliados para doze volumes, alguns editados, de peças para piano solo,
sem pretensões a obra de concerto e que teve grande aceitação. O Conservatório Nacional do
Canto Orfeônico oferecia três tipos de cursos e contava com alguns nomes representativos do
magistério, musical brasileiro na época: Lorenzo Fernandez, Andrade Muricy, Basílio Iteberê,
Vieira Brandão, Iberê Gomes Grosso e outros. Villa-Lobos não lecionava uma disciplina
especificamente, mas seguia todas, pois visitava as aulas, fazia perguntas e orientava.
De acordo com Lemos Júnior (2005) no início da década de 1930, o Canto Orfeônico
passou a ser contemplado nas leis e decretos federais para o ensino secundário. A
nacionalização do Canto Orfeônico, conforme o Projeto Nacional ocorreu inicialmente na
reforma de ensino de Francisco Campos em 1931, resultado da intervenção do maestro Heitor
Villa-Lobos em prol da educação musical e, em particular, do Canto Orfeônico na escola.
Com esta reforma, o Governo Federal procurou expandir e tornar o ensino do Canto
Orfeônico obrigatório na escola, não apenas no ensino secundário, mas também no primário.
No entanto, as discussões e as idéias a respeito do ensino de Música já se encontravam
presentes no cenário nacional desde o início do século. Todos os músicos e educadores que
defenderam e divulgaram o ensino de Música na escola foram também responsáveis pela
implantação, por meio de leis e decretos federais, do ensino de Música e Canto Orfeônico na
escola na década de 1930.
Antônio Heitor (2006), nos dá uma importante contribuição, conceituando a
diferença entre coro e orfeão. A palavra Coro (do grego 'khorós', «coro de dança», pelo latim
'choru-', «dança em coro», quer dizer: agrupamento de pessoas que atuam juntas, cantando em
uníssono ou a rias vozes; música para ser cantada por este conjunto de pessoas; em teatro,
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grupo de atores que declamam (e/ou cantam) em conjunto; conjunto de pessoas que executam
danças; (igrejas) balcão destinado ao canto; em sentido figurado, conjunto de vozes ou sons;
em religião, uma das nove hierarquias dos anjos, e a palavra Orfeão (do francês "orphéon"):
em música, agrupamento cujos membros se dedicam ao canto coral; em música, escola de
canto.
Nota-se que o termo orfeão ajusta-se perfeitamente à idéia de multidões, não sendo
necessário aos seus componentes conhecimentos profundos de técnica musical. Baseado nesta
premissa, o Canto Orfeônico foi adotado como uma idéia plausível para aplicação nas escolas
brasileiras. Orfeão e Coro distinguiam-se então pela relação entre o popular e o erudito, e
Heitor Villa-Lobos soube divulgar e estender este projeto em prol de uma educação musical
do povo brasileiro.
Lemos Júnior (2005) nos faz refletir que essa preocupação conceitual, demonstrava
uma intenção de aproximar os orfeões da realidade escolar, já que seria impossível realizar
certos exercícios e técnicas musicais em turmas tão grandes e heterogêneas. Por esse motivo,
Villa-Lobos aceitou essa função da Música na escola, pois se por um lado estas aulas não
mantinham como objetivo principal a formação de músicos profissionais, por outro, seria um
meio eficaz de popularizar a Música, fazendo com que o aluno fizesse parte do espetáculo por
meio de execuções de canções populares e hinos patrióticos, sendo excluídas as canções
eruditas do tradicional coral.
Com isso o orfeão deveria tornar-se uma ligação entre a arte popular e a arte elevada.
E dessa forma delimitava-se um dos principais objetivos do Canto Orfeônico como disciplina
escolar: aumentar o padrão artístico dos alunos, fazendo-os compreender e apreciar a arte
elevada verdadeira arte.
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Tais fatos levavam o maestro Heitor Villa-Lobos em 1930, apresentar seu projeto de
reformulação do ensino de Música para as escolas paulistas e, posteriormente, brasileiras.
Nesta proposta, apresentava os benefícios da Música para os estudantes dos níveis primário,
secundário e normal. No entanto, o ensino de Música se encontrava presente nas salas de
aula desde o início do período republicano, sendo que, na maioria das vezes, a preocupação
maior era com as escolas normais e primárias. É neste sentido, que neste artigo consta
algumas considerações relevantes sobre o ensino de Música durante o início do século XX,
uma vez que estas discussões iriam tornar-se essenciais para o projeto nacional do Canto
Orfeônico.
E foi exatamente um ano após a Proclamação da República, em São Paulo, que
podemos observar a inserção da disciplina nos currículos das escolas normais, como nos
revela Jardim (2003).
Música é incluída no currículo da Escola Normal para garantir a integralidade dos estudos,
como processo importantíssimo de reprodução do pensamento e da possibilidade de
expressão dos sentidos. No decreto de 1890 ficava estabelecido que o curso da Escola
Normal compreendia a matéria Música, e que, além do ensino das matérias das respectivas
cadeiras, o ensino normal seria completado pelas seguintes aulas: música, solfejo e canto
coral durante o 2º ano.
Azevedo (1958) nos diz que o ensino de música relacionava-se aos ideais higienista,
principalmente no momento em que a Música era apresentada como medicina para o espírito,
aliviando o cansaço causado pelas disciplinas que requeriam um maior esforço intelectual.
Neste sentido, a Música assumia uma função de equilíbrio na escola, ou seja, para um melhor
desenvolvimento do aluno, era necessário oferecer disciplinas que trabalhassem com
atividades prazerosas, além daquelas de caráter científico. Possivelmente de forma
comparativa aos países europeus.
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Assim, a educação musical no Brasil passava pelas duas finalidades do ensino
vivenciadas anteriormente na Europa: a de “higiene moral” e a do estímulo à cidadania”.
Para isso, tornava-se imprescindível um ensino para as massas, necessário para a formação de
uma República em busca de uma identidade nacional.
A presença marcante de alguns intelectuais como Fernando de Azevedo, Lourenço
Filho e Anísio Teixeira no mercado editorial, assim como nas gestões dos sistemas de
instrução pública e até mesmo na formulação de políticas educacionais, fez com que as idéias
da chamada escola nova fossem propagadas por todo o país. Tais intelectuais se preocupavam
com o ensino de Música, tanto para as escolas primárias como para as secundárias.
No texto de Fernando de Azevedo, o sentido de renovação da coletividade aparece
demonstrando novamente a afirmação de uma educação em busca da sociabilidade entre os
estudantes. A Música, em especial, deveria apoderar-se da alma da criança, educando o ritmo,
a desenvoltura dos movimentos e da “(...) solidariedade rítmica dos bailados e cantos corais,
como, em geral, de todos os exercícios em conjunto” (Azevedo, 1958, p.129).
Segundo Lemos Júnior (2005) tal disseminação da formação de uma cultura nacional
se deu através das artes, da educação, da imprensa e do Governo. Essa relação com o
nacionalismo não era uma exclusividade da música, uma vez que artistas das mais diversas
áreas se empenhavam em divulgar a arte nativa brasileira, cultura indígena e folclórica:
Tarsila do Amaral, Anita Malfati e Di Cavalcanti na pintura; Mário de Andrade, Oswald de
Andrade e Manuel Bandeira na Literatura, e outros, que também estiveram empenhados no
resgate da cultura brasileira.
A arte modernista alcançou certa projeção em São Paulo, especialmente a de Villa-
Lobos, que manteve grande receptividade de público e crítica naquela capital após a Semana
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de Arte Moderna. Este impacto causado por Villa-Lobos rendeu-lhe uma bolsa para estudar
na França. Quando voltou ao Brasil, no ano de 1930, o consagrado compositor deparou-se
com uma realidade musical bem diferente daquela que ele havia vivenciado na Europa. Se por
um lado notava um público numeroso para a Música, por outro percebia que este público se
encontrava aprisionado e manipulados ao sabor das conveniências dos empresários. Isso levou
Villa-Lobos a apresentar à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo um plano de
educação musical. Após a Revolução de outubro de 1930, ano em que Getúlio Vargas
assumiu a presidência da República, Villa-Lobos manteve ativas suas tentativas de
reconstrução da educação musical brasileira, utilizando em seu discurso um forte apelo
nacionalista, associado à música brasileira de raiz (canções folclóricas).
Ainda segundo o autor, em 12 de janeiro de 1932, Villa-Lobos entregava ao
presidente Getúlio Vargas um memorial que tratava do meio artístico brasileiro, sob a
finalidade educativa. Neste documento, Heitor Villa-Lobos problematizava a questão artística
do Brasil no âmbito educacional, comparando-a novamente com as experiências realizadas
em outros países. Além disso, o maestro apresentava a Música como a melhor e mais eficaz
propaganda do Brasil para o exterior.
Para Barreto (1938) o problema levantado por Villa-Lobos e a forma apresentada
para a sua solução exaltação ao nacionalismo, pareciam ser as melhores justificativas para a
realização do seu projeto. Elevar a arte a um símbolo de potencial da Nação se tornava o
principal argumento utilizado pelo maestro para conseguir atingir seus objetivos. Ele
sintetizava e defendia aquilo que já era realidade na Europa: o vínculo do ensino de Música
com uma função útil para a formação da cidadania, desejada pela educação moderna.
A expansão em âmbito nacional do ensino do Canto Orfeônico teve sua origem na
década de 1930, e sempre com o apoio dos representantes da Escola Nova. Na Reforma de
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ensino de 1932, de autoria de Anísio Teixeira, na capital do país, a Música e as demais Artes
tinham lugar destacado dentro dos currículos escolares. Na Universidade do Distrito Federal,
havia o curso de Formação de Professores Secundários de Música e Canto Orfeônico, com
várias Cadeiras culturais e pedagógicas. Villa-Lobos atuava como professor daquela
universidade nas cadeiras de conteúdos musicais.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação musical não deve ser vista uma disciplina sem importância comparada as
demais disciplinas do conhecimento, isto porque a música também possui seu corpo de
disciplinas, geralmente ligadas à educação.
A idéia de trabalhar cantando era uma grande preocupação do governo getulista que
estava relacionada ao trabalho. E a música serviria como uma forma de compensação do
trabalho.
Assim como Vargas, Villa-Lobos também pretendia atingir os operários, estes eram
freqüentemente convidados a participar das concentrações orfeônicas promovidas pelo
maestro, durante as décadas de 1930 e 1940.
Portanto, a finalidade do Canto Orfeônico não foi apenas o de promover a aquisição
da habilidade de entoar canções, mas o de proporcionar melhor compreensão da música e
aumento de satisfações, baseados em apreciação e execução. A apreciação, incluída,
forçosamente em cada detalhe do ensino de música, teve o poder de motivá-lo, estimulando o
espírito de análise e observação e, por isso, aperfeiçoando a execução. Tudo isso em prol do
aumento do interesse em compreender e em sentir a música.
O ideário nacionalista de Vargas, assim como o Canto Orfeônico, estava vinculado
ao ensino de massa, pois era este o objetivo do Estado Novo, que o envolvimento massivo
do povo brasileiro nas grandes manifestações cívicas ao som de hinos de exaltação à Pátria e
o Canto tinha uma conotação nacionalista, folclórica e higienista, com o intuito de formar
cidadãos que valorizassem a nação.
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Com isso, podemos afirmar que a união dos ideais de Vargas e Villa-Lobos resultou
na implantação deste bem organizado e elaborado plano de educação musical.
Assim, concluímos que o canto orfeônico de Villa-Lobos associada aos ideais de Vargas,
difundiu idéias nacionalistas por meio de mecanismos de construção de sentido, como pode ser
visto através de suas obras, mecanismos que se mostraram eficientes como elementos de
doutrinação ideológica.
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BIBLIOGRAFIA
AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins: a nova política da educação no Brasil.
Subsídios para uma história de quatro anos. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1958.
BARRETO, Ceição de Barros . Côro orfeão. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1938.
CARDIM, C. A. G.; GOMES, J. O Ensino de música pelo methodo analytico. 2003.
Disponível em http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/CM18-04.htm. Acesso em:
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LEMOS JÚNIOR, Wilson. Canto Orfeônico: Uma investigação acerca do ensino de música
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