8
substantivo, conciso ou contido – se essas fórmulas venham para danificar a sua idéia, desequilibrar o
que pretende construir. Aplica no sonho e na matéria o poder do imaginoso, é fantástico na
descoberta de novas e belas construções, extraordinário no detalhe, insuperável nas cores e luzes.
Encontrou soluções esmeraldinas, até mesmo para as imagens e fotografias desgastadas pelo uso
contumaz. Não é fácil, não, nada é truque, principalmente porque “chega um momento em que a vida é
distância, e tudo é tarde.”.
A descoberta dessa poesia atualizada, didática e exemplar, obriga juntar os sonetos num só
pacote, para que a leitura dos mesmos em conjunto transmita a mesma sensação de felicidade e
alegria. Apesar de Abgar Renault obedecer nos sonetos à forma tradicional, sem exceder-se, em
algumas poesias nota-se a mesma cumplicidade honesta, tanto em emoção quanto na temática. Os
sonetos são reflexos de coisas, situações, crenças, ideologias e fatos muito pessoais ou
extraordinários. Não que haja neles uma unidade, nem isso é necessário para atestar a beleza e
qualidade, mas há sim uma forte identidade, cumplicidade irmã, intimidade impublicável, parentesco
excessivamente familiar. Uma sala, um espelho quase sempre presentes guardam íntima versatilidade
e desavergonhada pureza, um “silêncio de sombras entre folhas”.
Enquanto pode foge da "esfinge que ontem, na estrada de Tebas, fitou em mim os seus olhos
e me dissolveu". Simplesmente não quer ser comparado, prefere a invisibilidade a ver sua obra
poética "reduzida a esta rala poesia, a esta ou nenhuma poesia sem surpresa e sem mistério, a este coração nu, direto,
elementar, irreversível...", conduzida a excessivo debate, desgastantes comparações, debitada a
compulsões teóricas, em respeito à opção de caminhar outro trilho que não o puramente literário.
Agora que se computa um centenário de nascimento à sua biografia, o que fazem os guardiões da
mina poética deixada por Abgar Renault, que não a expõe toda se a cultura luso-brasileira, a poesia
latino-americana assim o exige? Não se sabe...
O fato é que Abgar Renault, embora tenha conseguido e leveza dos anjos, não conseguiu
tornar-se invisível, se é que tentou. Numa peça encaixada em "A outra face da lua" (Livraria José
Olympio Editora/Pró-memória/INL 1983), intitulada "Prefácio de desculpas" – que aqui vai inteira –
ele, o poeta mesmo, nos deixou um itinerário, o mapa de uma derrota, algo em que confessa a
dificuldade sentimental que tem em exercer plenamente a poesia:
Perdoai-me a soberba de haver-me sonhado vosso irmão,
sem ver nem ouvir estéril vácuo nas minhas palavras,
que não soube nunca encher meu grave coração.
Perdoai os versos incomunicáveis do chão de lavas
e de pedras em que vivo. Perdoai o vinho, o sal, o pão
sem fé que meu corpo e minha alma receberam gratuitamente.
Perdoai perdidamente a voz esquiva e outrora,
que entre os esbeltos cantos de profundas vozes
se compôs de tristeza essencial e de vaga alegria malcontente,
se ergueu, e se apagou de pobreza e de fadiga.
Perdoai-me se me esqueci a mim sentado entre vós,
como um de vós, e não reconheci meu destino tão comum,
e procurei dar-lhe forma impossível, sem o hálito de fogo que anima a elementar argila.
Perdoai, em mim, a quem se viu um dia sem destino nenhum.
Vós, poetas, não sabeis o amargo de ser ou não ser poeta
quando o mundo em dor se alarga e em água se reduz e cintila,