123
“Os dois grandes guardiões da propriedade no arcabouço da normatividade jurídica são: a
desapropriação (garantia de indenizabilidade) e as chamadas ações possessórias ou
interditos possessórios.
A desapropriação protege o bem em si mesmo como valor econômico, e as ações
possessórias, fazendo o papel de sentinelas avançadas do sistema, dão pronta garantia à
simples relação factual entre homem, possuidor, e a propriedade, pela simples razão de
aquele homem parecer o proprietário... Quanto às ações possessórias, ou interditos
possessórios, assemelham-se a um grande cobertor estendido pelo Estado em torno da
posse, que o direito define como aparência da propriedade. Essas ações são de três espécies,
cada uma delas envolvendo momentos distintos do confronto entre o destituído, os “sem-
terra”, e aquele que, tendo a posse, é ou parece ser o proprietário.
No primeiro momento, é considerada a mera ameaça, conferindo-se a quem se diga
ameaçado (o aparente dono da terra ou o grileiro) a medida judicial de interdito proibitório,
uma ordem dada pelo juiz para impedir que se toque na posse; no segundo momento, leva-
se em conta o fato possível de que a posse (ou propriedade) já vinha sendo tocada, turbada,
diz a lei, e aí o direito concede ao dono da terra, ou ao grileiro, a ação de manutenção na
posse, meio judicial de impedir as ocupações não consumadas; no terceiro e último
momento, dá-se a medida de reintegração de posse, que, como o próprio nome diz, tem a
força de reverter os fatos já consumados, servindo na hipótese das ocupações, para o
despejo da comunidade.
Vê-se pois, que a vontade da lei, que juizes e tribunais aplicam no concreto dos conflitos de
posse, é evitar a ocupação ou, se consumada, a de despejar prontamente os ocupantes. Por
isso, para tornar essa vontade mais forte e eficaz, sempre que os atos de ocupação datem de
menos de um ano e um dia a lei autoriza os juizes a concederem a manutenção ou
reintegração de posse liminarmente, sem ouvir a outra parte, isto é, os ocupantes”.
(Baldez, 1986 – Op. Cit. p. 10-16 – grifos meus)
Assim, em ocupações recentes (menos de um ano e um dia) os proprietários
solicitam a liminar de reintegração de posse e sumariamente os ocupantes são despejados.
(sintomaticamente os ocupantes dizem eliminar). Como norma geral, é necessária a
presença de forte aparato policial para a desocupação, pois a resistência acaba ocorrendo
pela necessidade de não ter para onde ir. Destaca-se que a ação chama-se reintegração de
posse, quando quem está na posse são os ocupantes. Como já dito na parte 1, o que circula,
no caso da terra, é o título de propriedade e não a terra, pois não tem valor ou uso e sim o
papel, que é título de propriedade.
As ações possessórias ocorrem tanto nas ocupações cotidianas e individuais das
favelas como nas coletivas. No caso das favelas, não tem sido líquido e certo que o pedido
seja julgado procedente. Em 1979 um pedido de reintegração de posse foi indeferido
porque o proprietário havia autorizado, em 1912, a ocupação da área por um dos moradores
(Favela do Coroados da Vila Prudente). No caso das ocupações esses pedidos têm sido