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ALDO AMBRÓZIO
ANALÍTICA DAS RELAÇÕES DE PODER INERENTES AO PROCESSO
DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA ARACRUZ CELULOSE S.A.,
NA DÉCADA DE 1990.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Administração do Centro de Ciências Jurídicas e
Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo,
como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre
em Administração, na área de concentração em
Tecnologias de Gestão e Subjetividades.
Orientador: Profª Drª Vânia Maria Manfroi.
VIRIA
1
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2005
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Ambrózio, Aldo, 1976-
A496a Analítica das relações de poder inerentes ao processo de
reestruturação produtiva da Aracruz Celulose S. A. na década de 1990 /
Aldo Ambrózio. – 2005.
140 f.
Orientadora: Vânia Maria Manfroi.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas.
1. Sociedades comerciais - Reorganização. 2. Gestão de empresas. 3.
Tecnologia e administração. 4. Subjetividade. 5. Empresas - Espírito Santo
(Estado) - 1990. 6. Aracruz Celulose (Firma). I. Manfroi, Vânia Maria. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Jurídicas e
Econômicas. III. Título.
CDU: 65
2
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ALDO AMBRÓZIO
ANALÍTICA DAS RELAÇÕES DE PODER INERENTES AO PROCESSO
DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA ARACRUZ CELULOSE S.A.,
NA DÉCADA DE 1990.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração do Centro de Ciências Jurídicas e
Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre
em Administração, na área de concentração em Tecnologias de Gestão e Subjetividades.
Aprovada em 24 de março de 2005
COMISSÂO EXAMINADORA
Profª Drª Vânia Maria Manfroi
Universidade Federal do Espírito Santo
Orientadora.
_____________________________________________________________
Prof° Dr° Romualdo Dias
Universidade Estadual Paulista
_____________________________________________________________
Profª Drª Leila Domingues Machado
Universidade Federal do Espírito Santo
3
A Vânia, pelo rigor das orientações que propiciaram a realização
deste trabalho, além da amizade que sempre marcou nossa relação.
A Érico, pela amizade e carinho com que me ajudou em parte do
meu trabalho e de minha vida.
A Rosa, por ter suportado meu humor e neuroses durante nosso
convio juntos e, principalmente na confecção deste trabalho.
A Romualdo, por ter me propiciado o encontro com as leituras que
foram fundamentais para a forma como passei a encarar a realidade.
A Mônica, Leila e Ronney pelas dicas na qualificação.
A Reinaldo, por oferecer-me os elementos para a compreensão do
Capitalismo contemporâneo.
A Laécio, por toda a amizade e carinho dedicados a minha pessoa.
A Izolina e Pedro, por terem me dado a vida.
4
“Disparo contra o sol, sou forte, sou por acaso;
Minha metralhadora cheia de mágoas, eu sou um
cara.”
Cazuza.
“Ao deixar a esfera da circulação simples ou da troca
de mercadorias, à qual o livre-cambista vulgar toma
de empréstimo sua concepção, idéias e critérios para
julgar a sociedade baseada no capital e no trabalho
assalariado, parece-nos que algo se transforma na
fisionomia dos personagens do nosso drama. O antigo
dono do dinheiro marcha agora à frente, como
capitalista; segue-o o proprietário da força do
trabalho, como seu trabalhador. O primeiro, com um
ar importante, sorriso velhaco e ávido de negócios; o
segundo, tímido, contrafeito, como alguém que
vendeu sua própria pele e apenas espera ser
esfolado.”
Karl Marx.
5
RESUMO
Observa-se que a partir da década de 1980 um movimento global de reestruturação dos aparelhos
produtivos varreu o mundo ocidental conduzindo as empresas de base global e também uma série
de outras organizações de menor porte a seguirem esse direcionamento que trazia como imperativo
principal a necessidade da constante mudança e renovação das bases produtivas para satisfazer as
exigências do mercado. O modelo de organização da indústria automobilística Toyota Company
serviu de matriz para a maioria desses projetos de modificações de estruturas produtivas para dotá-
las de maior flexibilidade e agilidade no intuito de satisfazer as exigências do mercado que era
apresentado pelas doutrinas neoliberais como uma entidade transcendente que selecionava as
organizações mais aptas na disputa pela sobrevivência. A unidade produtiva da Aracruz Celulose
S.A. localizada no distrito de Barra do Riacho (INCEL) no município de Aracruz do estado do
Espírito Santo passou por essa mesma problemática de modificações no decorrer da década de
1990. Efetuou com este objetivo de alcançar maior agilidade e flexibilidade de seu processo
produtivo um projeto audacioso onde suas estruturas produtivas passaram por pungentes
modificações entre as quais a conversão dos departamentos, que eram a forma como a estrutura era
organizada, em processos e também a informatização de todas as rotinas de trabalho por meio de
uma modificação da base técnica na qual os operadores efetuavam suas operações. Nessas
transformações necessitou-se que uma modificação dos perfis apresentados pelos operadores dessa
indústria viesse a ser consumada. Iniciou-se, assim, um intenso programa de treinamento na
segunda fase da reestruturação para que a mão de obra dessa fábrica se atualizasse em termos
técnicos e também adquirisse atitudes que propiciassem um maior engajamento de suas atividades
com o objetivo maior direcionado pelos gestores de buscar taxas de lucratividade cada vez mais
crescentes. No programa de treinamento criado para este fim foram utilizados de forma abundante
os recursos disciplinares descritos por Michel Foucault: buscou-se por meio do exame classificar os
operadores em termos de habilidades técnicas e também em termos de posicionamento político,
além de, com este recurso, criarem-se uma base de dados individual que fornecia dados precisos de
cada operador para a avaliação das gerências; buscou-se por meio da sanção normalizadora dosar as
recompensas e castigos no intuito de promover a aceitação das novas normalizações das rotinas de
trabalho e, por meio da criação de uma pirâmide de olhares característica da vigilância hierárquica,
permitir a observação de todos os espaços e todas as ações realizadas no interior da fábrica da
INCEL. O resultado desses investimentos políticos disciplinares foi uma brutal produção de
subjetividades aliada às modificações da base técnica da fábrica INCEL, onde os posicionamentos
políticos contrários a essas modificações foram cerceados pelo trabalho conjunto do exame (na
identificação) e da sanção normalizadora (punição). Desenhou-se assim uma relação intrínseca
entre as tecnologias de gestão utilizadas no processo de reestruturação produtiva e as subjetividades
que emergiram deste processo.
Palavras chave: Aracruz Celulose; reestruturação produtiva; tecnologias de gestão, disciplinas e
produção subjetiva.
6
ABSTRACT
It is observed that starting from the decade of 1980 a global movement of restructuring of the
productive apparels swept the western world driving the companies of global base and also a series
of other organizations of smaller load she that direction that brought as main imperative the need of
the constant change and renewal of the productive bases to satisfy the demands of the market
proceed. The model of organization of the automobile industry Toyota Company served as head
office for most of those projects of modifications of productive structures to endow them of larger
flexibility and agility in the intention of satisfying the demands of the market that it was presented
by the neoliberal doctrines as a transcendent entity that it selected the most capable organizations in
the dispute for the survival. Aracruz Cellulose's productive unit located S.A. in the district of Barra
do Riacho (INCEL) in the municipal district of Aracruz of Espírito Santo state it went by that same
problem of modifications in elapsing of the decade of 1990. It made with this objective of reaching
larger agility and flexibility of their production process a daring project where their productive
structures went by painful modifications among which the conversion of the departments, that were
the form as the structure was organized, in processes and also the informatization of all of the work
routines through a modification of the technical base in the which the operators made their
operations. In those transformations it was needed that a modification of the profiles presented by
the operators of that industry came to be consummated. Would began, like this, an intense training
program in the second phase of the restructuring so that the hand of work of that factory was
updated in technical terms and it also acquired attitudes to propitiate a larger engagement of their
activities with the larger objective addressed more and more by the managers of looking for
profitability taxes growing. In the training program created for this end were used in an abundant
way the resources discipline described by Michel Foucault: it was looked for through the exam to
classify the operators in terms of technical abilities and also in terms of political positioning,
besides, with this resource, they be created an individual base of data that it supplied necessary data
of each operator for the evaluation of the managements; it was looked for through the sanction
normalization to dose the rewards and punishments in the intention of promoting the acceptance of
the new normalizations of the work routines and, through the creation of a pyramid of glances
characteristic of the hierarchical surveillance, to allow the observation of all of the spaces and all of
the actions accomplished inside the factory of INCEL. The result of those political investments
discipline was a brutal allied production of subjectivities to the modifications of the technical base
of the factory INCEL, where the contrary political positioning the those modifications were
reduced by the united work of the exam (in the identification) and of the sanction normalization
(punishment). Would draw, like this, one intrinsically relation between the management
technologies utilized on the production restructuring and the subjectivities that was emerge of that
process.
Key Words: Aracruz Celulose; productive restructuring; management technologies; disciplines and
subjective production.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 9
1. TRANSIÇÃO DE REGIME DE ACUMULAÇÃO.......................................................... . 18
1.1. DA HEGEMONIA DO CAPITAL INDUSTRIAL À HEGEMONIA DO CAPITAL
ESPECUATIVO PARASITÁRIO............................................................................................... 19
1.2. DO FORDISMO AO TOYOTISMO ................................................................................... 28
1.3. DO ESTADO KEYNESIANO AO ESTADO NEOLIBERAL............................................ 50
2. ANALÍTICA DAS RELAÇÕES DE PODER..................................................................... 63
2.1. A OBRA DE FOUCAULT................................................................................................... 63
2.2. DISCIPLINAS E BIOPOLÍTICAS...................................................................................... 66
3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........................................................................ 87
4. O CASO ARACRUZ............................................................................................................. 94
4.1. CARACTERIZAÇÃO DO FUNCIONAMENTO ATUAL DA UNIDADE DA ARACRUZ
CELULOSE S.A. DE BARRA DO RIACHO (INCEL).......................................................... 94
4.2. HISTÓRICO DA IMPLEMENTÃO DA EMPRESA..................................................... 98
4.3. ALISE DAS ENTREVISTAS........................................................................................109
4.3.1. A REESTRUTURAÇÃO VISTA A PARTIR DO FUNCIONAMENTO DAS
DISCIPLINAS.............................................................................................................................110
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 132
6. REFENCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 135
7. APÊNDICE A......................................................................................................................... 138
8. APÊNDICE B......................................................................................................................... 139
8
INTRODUÇÃO
O objetivo buscado por este trabalho de dissertação é analisar as profundas imbricações entre as
transformações econômicas que moldam os regimes produtivos e as formas de existir manifestadas
pelos terrenos subjetivos encontrados pela força de trabalho para sobreviver a esses processos. O
lócus específico onde se deu a pesquisa foi a empresa Aracruz Celulose S.A., escolhida pelo fato de
tal organização ter passado por uma fase de intensa reestruturação de seus processos
organizacionais e de seus instrumentos de produção durante a década de 1990 que é o recorte
temporal que contemplamos em nossa pesquisa.
Para conseguir arrolar essas relações entre estruturas econômicas e formações subjetivas tentamos
criar um itinerário que contemplasse, de um lado, o que de significativo ocorreu nas últimas
décadas do século XX em termos de economia política para tentar encontrar a partir de tais
transformações o motivo da realização da reestruturão e, de outro buscar na obra do Filósofo
Michel Foucault o aparato teórico que nos permitisse perceber as modificações econômicas como o
motor de toda uma gama de desterritorializações e reterritorializações
1
no terreno vel e
inconstante do existir.
Seguindo esse raciocínio constatamos que a partir de meados da década de 60 do século passado o
processo de expansão e circulação do capital sofreu algumas mudanças significativas.
1
Os termos territorialização e reterritorialização não são exatamente do uso de Michel Foucault, o que Foucault
afirmou é parecido, ou seja, ser a subjetividade um produto de relações de poder móveis e flexíveis que abrangeriam
todo o corpo social. Os filósofos que se utilizaram de tais termos foram Gille Deleuze e Felix Guattari em seu livro
“O Anti-édipo: capitalismo e esquisofrenia”. Nos referimos aos termos por permitirem dar à subjetividade, que em
Foucault é concebida como produzida, a característica plástica de ser algo em constante construção e reconstrução
como as relações de poder inscritas nas relações sociais.
9
Um processo de autonomização do Capital a Juros
2
se iniciaria e ganharia vulto o suficiente para
subordinar todo o processo de funcionamento do Capital Industrial. Este processo de
autonomização e hegemonização do Capital a Juros que ao generalizar sua forma específica de
circulação
3
produziu na realidade a impressão de toda renda ser oriunda de um determinado Capital
contribuiu para o surgimento do Capital Fictício
4
e em termos analíticos em relação a sua
proporção o Capital Especulativo Parasitário o qual ampliando enormemente o seu montante em
relação ao Capital Produtivo, passou a ditar autonomamente as regras da produção e circulação.
Acompanharíamos, com estas alterações na forma da circulação e expansão do Capital, algumas
modificações significativas no funcionamento das economias ditas centrais.
No plano produtivo vimos ocorrer uma transição de regime de acumulação. O dito fordismo foi
substituído por meio de extensos programas de reestruturação produtiva pelo toyotismo com a
finalidade de agilizar o giro do capital
5
na tentativa de adequação do funcionamento do Capital
Produtivo ao Capital Especulativo Parasitário.
No plano político vimos ser substituído o modelo de atuação estatal orientado pelas teorias
keynesianas pelo modelo neoliberal, cuja função semelhantemente à ocorrida no plano produtivo,
foi adequar o funcionamento do Estado às exigências específicas da acumulação ditada pelo Capital
Especulativo Parasitário.
Tais transições no plano produtivo e no plano político se deram nos países de economia central
entre as décadas de 1960 e 1980. Mas, no caso específico do Brasil, por se tratar de uma economia
periférica no Sistema Capitalista Mundial, estas tendências gerais não ocorreram nos mesmos
recortes temporais das economias centrais.
2
Segundo Carcanholo & Nakatani (1999) o Capital Industrial seria constituído por três formas funcionais
específicas: O Capital-Dinheiro (D); o Capital-Produtivo (M) e o Capital-Mercadoria (M’). Tais formas funcionais
exemplificariam uma descrição bem abstrata do processo de produção capitalistas. Em uma abordagem mais próxima
da realidade, segundo os autores perceberíamos uma autonomização destas três formas funcionais, assim, o Capital-
Dinheiro se converteria em Capital a Juros; o Capital-Produtivo se converteria em Capital Produtivo e o Capital-
Mercadoria se converteria em Capital Mercantil. Ainda, segundo os autores, durante o período do pós-guerra, o
Capital Produtivo subordinaria as outras duas formas autonomizadas à sua lógica de funcionamento. Mas, após
década de 1970 seria o Capital a Juros travestido de Capital Especulativo Parasitário é que estaria ditando as regras
da produção capitalista, mas tal processo será descrito posteriormente quando abordarmos a transição de regime de
acumulação.
3
Segundo Marx (2002) a forma de circulação do Capital a Juros seria D – D’, onde D’= D + ΔD.
4
“Capital” oriundo das remunerações dos Títulos de Dívida pública e das ações de empresas privadas negociados em
bolsas de valores.
5
Se trata do intervalo de tempo entre o investimento inicial do capitalista ao trocar o dinheiro pela matéria-prima e
pela força de trabalho e o retorno do dinheiro para os bolsos do capitalista após ter vendido a mercadoria produzida
pelo processo produtivo.
10
Foi durante a crise internacional do regime de acumulação fordista e do modo de regulamentação
Keynesiano em meados da década de 1960 que estes modelos de gestão do sistema produtivo e do
Estado foram implementados tardiamente no Brasil e no caso do modo de regulamentação
Keynesiano de maneira incompleta por o Estado brasileiro não ter assumido a forma do Estado do
Bem Estar como nos Estados de economia central.
Para entendermos um pouco melhor a afirmação do parágrafo anterior faz-se necessário investir por
um momento nossa análise na história econômica brasileira.
O Brasil como afirmado no parágrafo oito sempre possuiu sua economia integrada de forma
periférica ao Sistema Capitalista Mundial. Podemos visualizar tal fenômeno em todas as suas fases
de desenvolvimento econômico
6
.
Na fase dita agro-exportadora, que se estendeu do descobrimento à década de 1930, a economia
brasileira fornecia alguns produtos de natureza agrícola ou mineral de interesse do mercado
europeu em determinados ciclos: num período a cana-de-açúcar, num período o ouro, num período
o algodão e, por fim, num período o café. Situação mantida pelas elites que se beneficiavam deste
modelo de desenvolvimento até o próprio tornar-se inoperante pelas duas Grandes Guerras e pela
crise econômica de 1929.
Assim, entre 1930 e 1961 o país se industrializou sob o comando de governos de caráter
nacionalista num processo de substituição de importações. Podemos até afirmar que neste curto
lapso da história econômica brasileira a tendência de subordinação internacional foi amenizada pelo
fato de o país ter apresentado algumas tendências positivas em termos econômicos que o levaram a
se destacar na economia mundial: referimos-nos à criação de um mercado interno, urbanização das
principais regiões econômicas e como resultado dos dois itens anteriores apresentação de altas
taxas de crescimento de seu Produto Interno Bruto (PIB).
Mas, com a crise de tal modelo de industrialização entre os anos 1962 e 1967 e a entrada, no plano
político, dos governos militares em 1964, a tendência de subordinação foi reconstituída e ocorreu
como afirmado nos parágrafos acima a entrada das multinacionais do setor automobilístico no país
6
As referências que consultamos para esta apresentação da história econômica brasileira foram respectivamente:
Furtado (1997; 1983; 2002); Prado Júnior (1997; 1998) e Tavares (1986; 1999).
11
garantindo a introdução do fordismo de uma forma tardia justamente por o modelo apresentar
sinais de desgaste nos países centrais.
O país impulsionado com a adoção por meio da contribuição do Estado do regime de acumulação
fordista obteve taxas elevadíssimas de crescimento no lapso compreendido entre os anos 1968 e
1979 período conhecido como do Milagre Econômico quando então o modelo também
colapsou e iniciou-se toda uma década de crises e tendências inflacionárias estratosféricas que
acompanharam toda a década de 1980 e metade da década de 1990.
Durante este ínterim ocorreu no plano político a reinserção do país ao regime democrático e foram
tentadas diversas vezes soluções para debelar o surto inflacionário que durante um certo período
1985 a 1994 e uma série de planos econômicos Plano Cruzado (1986), Plano Bresser (1987),
Plano Verão (1989), Plano Collor (1990) – não conseguiram debelar o surto inflacionário.
Somente em meados da década de 1990 com a implementação do Plano Real é que tivemos o surto
inflacionário debelado.
Mas, juntamente com a erradicação do surto inflacionário, a implementação do Plano Real em
1994, com forte inspiração neoliberal, também caracterizou no plano político a adequação do
Estado brasileiro aos ditames do Capital Especulativo Parasitário. Novamente assistimos tal
adaptação de forma retardada temporalmente em relação aos países de economia central que
iniciaram tal processo durante a década de 1980 também em resposta ao surto inflacionário
gerado pela falência do modelo Keynesiano em meados da década de 1970.
O curioso do caso brasileiro foi o fato da adaptação do regime de acumulação ter se dado no Brasil
via medidas tomadas pelo Estado, como todo o processo de industrialização precedente. Assim, o
Estado brasileiro à medida que defendeu através dos meios de comunicação de massa (mass media)
a implementação do modelo neoliberal com o objetivo de substituir o Estado de inspiração
Keynesiana ligado ao capital produtivo anterior por um Estado que se preocupasse com a defesa
dos interesses da classe rentista, também defendeu através dos mesmos meios a necessidade de uma
transição no regime de acumulação que se orientava pelo modelo fordista.
Desta forma durante a década de 1990 fomos testemunhas de profundas alterações no
direcionamento do modo de regulamentação, onde o Estado de inspiração Keynesiana foi
12
substituído pelo Estado neoliberal, e do regime de acumulação onde as estruturas produtivas
nacionais passaram por forte processo de reestruturação para se adequarem ao modelo toyotista em
oposição ao modelo fordista que lhes direcionava o funcionamento anterior.
A Aracruz Celulose, que em sua implementação durante os governos militares, possuiu um parque
produtivo e um regime organizacional modelado segundo os ditames fordistas passou, dada as
transformações organizacionais e políticas no quadro mundial e nacional, por uma profunda
reestruturação produtiva durante a década de 1990.
Tal reestruturação nos interessou como objeto de estudo pelo fato de ter trazido novos elementos
para as contradições entre a força de trabalho e a gestão do capital que mereceram nossa atenção.
Como exposto nos parágrafos acima os programas de reestruturação procuraram adequar o
funcionamento das organizações à lógica do Capital Especulativo Parasitário.
Nesta adequação o que se pretendia era restabelecer, ou às vezes ampliar, a lucratividade dessas
organizações em tempos de não crescimento ou até mesmo de queda da demanda. Isto implicou
uma série de medidas no que tange ao gerenciamento da organização da produção que levaram a
uma ampliação da exploração da força de trabalho.
Referimos-nos a um achatamento do salário real oriundo de um corte dos rendimentos indiretos
7
, a
uma intensificação do trabalho por meio de incorporação de atividades de manutenção e supervisão
na tarefa normal de operação, enfim, a uma série de medidas tomadas pelas organizações para
tentarem retirar o máximo de mais valia da força de trabalho com o intuito de aplacar a sede intensa
de valor do Capital Especulativo Parasitário
8
.
A adoção de tais medidas nos países de economia central que como dissemos anteriormente
antecedeu tal adoção no Brasil – foi acompanhada por um confronto direto do capital personificado
7
Como rendimentos indiretos queremos nos referir a ganhos de base social como salário família, auxílio moradia,
plano de saúde, enfim a uma série de benefícios que em geral foram retirados dos trabalhadores quando dos
processos de reestruturação produtiva como medida de redução de custos.
8
Segundo Chesnais (1996) o modelo gerencial que fundamenta tal adaptação em nível da gestão da organização
como um todo é a Governança Corporativa. Tal modelo submete a gestão da organização aos ditames do Capital
Especulativo Parasitário por duas razões principais: submetendo as decisões administrativas ao crivo da assembléia
de acionistas e, como corolário do primeiro fator, exigindo da produção o máximo de lucratividade possível para que
a parcela de dividendos dos acionistas possa ser ampliada. Percebe-se portanto que toda a empresa passa a funcionar
segundo os ditames da classe rentista formada pelos acionistas que são as personificações do Capital Especulativo
Parasitário.
13
na figura dos empresários cujos interesses eram justificados pelos governos e pela força de trabalho
personificada na figura dos trabalhadores.
Os trabalhadores dos países de economia central tendiam a repudiar tais medidas de forma brutal
por meio de diversas manifestações contrárias; inclusive a mais direta, que é a greve. Descrições de
tais movimentos podem ser encontradas em Coriat (1994) e Gounet (2002) que apresentaram a
rejeição dos trabalhadores da Toyota e da Nissan principais indústrias automobilísticas do Japão
– à nova organização do trabalho e Antunes (2003) que comentou o duro embate entre os sindicatos
ingleses e os Governos Neoliberais de Thatcher e Major que tentaram implementar as condições de
trabalho oriundas do modelo Toyota juntamente com as medidas de desmantelamento do Estado do
Bem-estar keynesiano.
No caso da empresa em estudo, contrariamente ao acontecido no restante do mundo, nenhum sinal
de embate radical foi promovido pelos seus trabalhadores que com as medidas tomadas na
reestruturação tiveram uma brutal alteração de sua rotina de trabalho isto em termos técnicos e
também em termos organizativos – e também, como nas demais organizações pelo mundo, tiveram
grande parte de seus benefícios indiretos suprimidos
9
.
Tais elementos que animaram a contradição entre a força de trabalho e o capital na Aracruz
Celulose levaram-nos a questionar a possibilidade de perfis tão distintos de trabalhadores como o
são o regulado pelo modelo fordista-keynesiano e o toyotista-neoliberal poderem se transpor num
curto lapso mesmo que a reestruturação como um todo tenha se dado durante oito anos, 1990 a
1998, o processo de adaptação se deu em apenas um ano sem que nenhuma oposição radical
viesse a ser manifestada.
Detendo-se sobre estes elementos estranhos à contradição imanente ao modo de produção
capitalista tentamos encontrar motivos que explicassem tal estado de coisas analisando as
estratégias tomadas pela gerência no momento da reestruturão e seus possíveis impactos nas
operações da força de trabalho.
9
Se for considerada a classe trabalhadora como um todo, pode-se afirmar que a queda dos rendimentos se deu até na
remuneração direta devido ao fato de os trabalhadores que passaram a ser lotados nas empreiteiras não perceberem a
mesma condição de remuneração despendida pela Aracruz.
14
Muitas questões surgiram quando este caminho de análise por nós foi seguido e, a necessidade de
um olhar mais atencioso sobre as formações subjetivas da força de trabalho tornou-se
extremamente necessário.
Foi assim que a obra do Filósofo Michel Foucault nos serviu de apoio para os nossos
questionamentos demarcando o caminho que deveria ser seguido para que pudéssemos
compreender o porquê da não homologia de fenômenos no que tange às manifestações da classe
trabalhadora quando da passagem por experiências de reestruturação produtiva.
E o apoio fornecido pela obra de Michel Foucault foi justamente em apresentar um conceito de
subjetividade que permitisse pensá-la como algo móvel, plástico e produzido pelas relações sociais
que marcam os corpos ao se relacionarem com as redes de exercício de poder que compõem nossas
sociedades capitalísticas, ou seja, pensar a subjetividade como um processo em constante
construção, impulsionado por forças que nos rodeiam e o como algo acabado e dado à priori no
sentido de uma interioridade.
Nesta perspectiva, a subjetividade no pensamento foucaultiano é pensada como uma dobra das
relações sociais que amarram os corpos em exercícios de poder presentes nas mesmas como a
apresenta Gilles Deleuze (1988, p. 104) ao fazer uma leitura do conceito de subjetividade na obra
de Michel Foucault,
Um “entre lugar” entre um lado de dentro e um lado de fora ... “lado de fora que não é
um limite fixo, mas uma matéria móvel, animada de movimentos peristálticos, de pregas
e de dobras que constituem um lado de dentro: nada além do lado de fora, mas
exatamente o lado de dentro do lado de fora.
Utilizando-se deste conceito de subjetividade e analisando o aparente paradoxo entre os fenômenos
de manifestação da força de trabalho nos países de economia central e as manifestações da força de
trabalho da INCEL é que encontramos nosso problema de pesquisa e traçamos nossos objetivos
para realizá-la.
A pergunta que então baseou nossas inquietações sobre o tema foi: como as relações de poder
presentes no modelo da reestruturação contribuíram para a produção de subjetividades necessárias
aos novos arranjos do sistema produtivo?
Com tal questionamento, esperávamos, em linhas gerais, analisar o impacto das transformações
sofridas pela Aracruz Celulose S.A. durante a reestruturação produtiva e administrativa
15
implementada durante a década de 1990 no ambiente de trabalho dos seus funcionários tentando
identificar correlações entre as mudanças estruturais e administrativas e as mudanças no perfil
assumido pela força de trabalho elencando os dispositivos de poder utilizados na estratégia geral da
reestruturação.
Análise genérica que pôde ser fragmentada em investigações mais específicas nas quais
pretendemos:
Descrever as transformações significativas na economia política de nossa
contemporaneidade as quais fundamentaram os movimentos de reestruturação produtiva;
Analisar de forma detalhada quais foram os impactos das mudanças no ambiente de
trabalho, tomando atenção especial nas possíveis modificações do perfil assumido pela
força de trabalho, e;
Identificar os dispositivos de poder presentes na legitimação do processo de reestruturação
produtiva.
Para realizar este itinerário, discutimos no primeiro capítulo as transformações econômico-políticas
que se fizeram presentes no período pós década de 1980, dando atenção especial: às modificações
ocorridas na relação entre as formas funcionais do Capital; às alterações no regime de acumulação
ocorridas como adaptação deste às modificações entre as hierarquias nas formas funcionais do
Capital e às modificações no modo de regulamentação que também se fizeram para acompanhar
aquelas modificações nas formas funcionais.
No segundo capítulo apresentamos a analítica das relações de poder de Michel Foucault;
caracterizando num primeiro momento o período específico em que Foucault discute as relações de
força que caracterizam as relações de poder para, num segundo momento, discutirmos os
mecanismos de poder específicos das disciplinas e biopolíticas.
No terceiro capítulo discorremos sobre os procedimentos metodológicos que orientaram nossa
pesquisa.
Para, por fim, no quarto capítulo efetuarmos o estudo do caso da unidade da Aracruz Celulose de
Barra do Riacho (INCEL).
16
CAPÍTULO 1
TRANSIÇÃO DE REGIME DE ACUMULAÇÃO
17
Este capítulo tem por finalidade analisar as transformações no regime de acumulação
10
e sua
conseqüente transformação do modo de regulamentação procurando encontrar um fundamento
específico em termos de funcionamento do Modo Capitalista de Produção que justifique as
mudanças na superfície percebidas como transições de acumulação e regulamentação.
Seguindo tal raciocínio, acompanhamos as transformações nos conceitos e práticas dos regimes de
acumulação entre fins da década de 1970 e início da década de 1990 e percebemos serem profundas
as reorientações na forma e na regulamentação do regime.
Quanto à forma o que assistimos foi a substituição em nível microeconômico do regime de
acumulação via produção em massa para a acumulação flexível
11
, ou na taxonomia mais utilizada, a
transição do regime fordista para o regime toyotista ou ohnista. Quanto à regulamentação
assistimos em nível macroeconômico a transição do modo de regulamentação estatal keynesiano
para o neoliberal.
Afirmamos que tais transições de superfície são reflexos das mudanças de hegemonia dos tipos de
capital que orientam o sentido geral da acumulação.
Neste transitar entre as décadas de 1970 e 1990 o acontecido foi a tomada de hegemonia do
Capital Especulativo Parasitário em relação aos Capitais Produtivo e Comercial que regiam o
período anterior.
10
Usamos a linguagem da Escola da Regulamentação para descrevermos a trajetória do sistema capitalista no
decorrer das décadas de 1980 e 1990. A construção dessa Escola se deu a partir dos trabalhos dos economistas
franceses Lipietz (1986), Aglietta (1979) e Boyer (1986), mas, não utilizamos os referidos autores diretamente,
usamos como é visto no decorrer do texto, o trabalho de Harvey (2003) que se utiliza da linguagem dessa escola. No
pensamento exposto por essa Escola o sistema capitalista é entendido como formado por um regime de acumulação e
um modo de regulamentação. O regime de acumulação seria responsável pela definição de uma certa organização do
trabalho e a criação de instrumentos de controle da variação dos preços no intuito de estabelecer uma base segura
para a acumulação capitalista. O modo de regulamentação social garantiria que as regras e leis necessárias ao
funcionamento do regime de acumulação fossem internalizadas pelos indivíduos que compõem o corpo social, a
descrição de David Harvey (2003, p. 117) é bem explícita nestes termos,
Um regime de acumulação “descreve a estabilização, por um longo período, da alocação do produto líquido entre
consumo e acumulação; ele implica alguma correspondência entre a transformação tanto das condições de produção
como das condições de reprodução de assalariados”. Um sistema particular de acumulação pode existir porque “seu
sistema de reprodução é coerente”. O problema, no entanto, é fazer os comportamentos de todo tipo de indivíduos
capitalistas, trabalhadores, funcionários públicos, financistas e todas as outras espécies de agentes-econômicos
assumirem alguma modalidade de configuração que mantenha o regime de acumulação funcionando. Tem de haver,
portanto, “uma materialização do regime de acumulação, que toma a forma de normas, hábitos, leis, redes de
regulamentação etc. que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência apropriada entre comportamentos
individuais e o esquema de reprodução. Esse corpo de regras e processos sociais interiorizados tem o nome de modo
de regulamentação”.
11
Expressão utilizada e defendida por David Harvey no livro Condição pós-moderna.
18
Destarte, para acompanhar tais transições, traçaremos o seguinte itinerário: primeiramente
conceituaremos a transição de hegemonia entre as formas funcionais do Capital; posteriormente
acompanharemos as modificações no regime de acumulação, apresentando, caracterizando e
contrastando os regimes de acumulação específicos; finalizaremos, por fim, com a transição do
modo de regumamentação keynesiano para o neoliberal.
1.1. Da hegemonia do Capital Industrial à hegemonia do Capital Especulativo
Parasitário.
Referindo-nos a Karl Marx (2002, p. 181) encontramos que o movimento realizado pelo valor
12
para adquirir a capacidade de se expandir e assim tornar-se capital apresenta uma forma específica
de circulação, acompanhemos,
A forma completa desse processo é, por isso, D M D’, em que D’ = D + ΔD, isto é
igual a soma de dinheiro originalmente adiantada mais um acréscimo. A esse acréscimo
ou o excedente sobre o valor primitivo chamo de mais-valia (valor excedente). O valor
originalmente antecipado não se mantém na circulação, mas nela altera a própria
magnitude, acrescenta uma mais-valia, valoriza-se. E este movimento transforma-o em
capital.
Esta forma específica de circulação, porém, representa um modelo geral e com elevado nível de
abstração que tenta capturar a especificidade genérica da circulação e expansão do Capital.
O Capital nesta descrição encontra-se em um nível de abstração bem elevado e, portanto, distante
da realidade concreta vivenciada no dia a dia da produção capitalista. O motivo para este
distanciamento é a quase nula possibilidade de um único capitalista exercer as duas fases peculiares
da circulação, ou seja, trocar o dinheiro por mercadoria e posteriormente trocar a mercadoria pelo
dinheiro acrescido por um incremento.
Assim, no intuito de se aproximar um pouco mais da realidade concreta, Karl Marx (2002, p. 186)
identificou três espécies específicas de Capital com formas idiossincráticas de circulação as quais
proporcionariam um vislumbre mais aproximado com a realidade concreta do funcionamento da
acumulação capitalista,
Comprar para vender, ou, mais precisamente, comprar para vender mais caro, D M
D’, parece ser certamente forma particular de uma espécie de capital, o capital mercantil.
Mas também o capital industrial é dinheiro, que se converteu em mercadoria e, com a
venda da mercadoria, se reconverte em mais dinheiro. Fatos que ocorrem fora da esfera
12
Aqui é preciso ficar bem claro que para Marx (2002) só é Capital o valor que adquire a capacidade de expandir-se
ao passar pela circulação, ou seja, pode ser considerado Capital aquele valor que ao passar pelo processo de
circulação retorne acrescido de um certo excedente em relação à proporção na qual iniciou o processo.
19
de circulação, no intervalo entre a compra e a venda, não acarretam nenhuma mudança a
essa forma de movimento. No capital que rende juros patenteia-se finalmente abreviada
a circulação D – M D’, com seu resultado sem o estágio intermediário, expressando-se
concisamente em D D’, dinheiro igual a mais dinheiro, valor que ultrapassa a si
mesmo.
É importante destacar aqui a especificidade da circulação dessas três formas funcionais distintas de
circulação do Capital
13
: Capital Mercantil (D – M – D’); Capital Industrial (D - M ... (p)
14
... M’ -
D’) e Capital a Juros (D – D’).
As formas Capital Mercantil e Capital a Juros, nesta primeira aproximação realizada por Marx
(2002) teriam certo grau de autonomia umas em relação às outras e em relação ao Capital
Industrial; inclusive por historicamente Karl Marx apud Reinaldo A. Carcanholo e Paulo Nakatani
(1999, p. 9) identificar serem as mesmas mais antigas que o Capital Industrial que representa a
forma específica do estabelecimento da sociedade capitalista,
As formas - o capital comercial e o capital gerador de juros - são mais antigas que a
oriunda da produção capitalista, o capital industrial, a forma fundamental das relações de
capital regentes da sociedade burguesa e com referência à qual as outras formas se
revelam derivadas ou secundárias.
Mas, com o alvorecer da sociedade burguesa, a forma Capital Industrial teria subjugado as outras
duas formas funcionais à sua lógica específica de circulação, ou seja, transformado o tipo
idiossincrático de cada uma delas em fases de sua própria circulação, vejamos o raciocínio de Karl
Marx apud Reinaldo A. Carcanholo e Paulo Nakatani (1999, p. 9),
E é por isso que o capital industrial, no processo do seu nascimento, tem primeiro de
subjugar aquelas formas e convertê-las em funções derivadas ou especiais de si mesmo.
Encontra, ao formar-se e ao nascer, aquelas formas mais antigas. [...] Onde a produção
capitalista se desenvolveu na amplitude de suas formas e se tornou o modo dominante de
produção, o capital produtor de juros está sob o domínio do capital industrial, e o capital
comercial é apenas uma figura do capital industrial, derivada do processo de circulação.
Ambos têm de ser antes destruídos como formas autônomas e antes submetidos ao
capital industrial.
Sendo assim, aceitando a afirmação de Marx da subjugação das formas Capital a Juros e Capital
Mercantil pelo Capital Industrial, podemos desdobrar as formas específicas de seu ciclo de
circulação se utilizando das formas do Capital a Juros e do Capital Mercantil que antes, operando
autonomamente, precediam-no historicamente.
13
Falamos aqui de formas funcionais porque o Capital se utiliza das mesmas para se materializar e conseguir a
capacidade de expandir-se. O Capital assim, na visão de Marx (2002) não possuiria uma forma única, concreta,
melhor dizendo, uma essência, o Capital seria uma entidade que assumiria algumas formas específicas de tempo em
tempo no intuito de expandir-se.
14
Referente ao processo de produção.
20
Logo, tendo como ponto de partida o ciclo de circulação do Capital Industrial – D - M ... (p) ... M’ -
D’ teríamos o “D” sendo representado pelo Capital a Juros, o “M” sendo representado pelo
Capital Produtivo e o M’ sendo representado pelo Capital Mercantil; as três cumprindo, destarte,
funções específicas para tornarem mais eficaz a acumulação e expansão capitalista.
O Capital circulando por este ciclo assumiria: a forma “D”, para cumprir a função de dinheiro e
neste momento seria representado pelo Capital a Juros; a forma “M” onde se converteria em
Capital Produtivo, ou seja, composto de força de trabalho e meios de produção, para cumprir a
função de produção e a forma M’, na qual a mercadoria impregnada de mais-valia extraída da
fase produtiva, assumiria a forma de Capital Mercantil para cumprir a função de comercialização,
realizando assim, a mais-valia acumulada no momento da produção, como nos mostram Reinaldo
A. Carcanholo e Paulo Nakatani (1999, p. 7),
O valor-capital assume a forma de capital-dinheiro, para cumprir as funções do dinheiro,
isto é, meio geral de compra e meio de pagamento. Depois da compra, converte-se nos
elementos materiais do capital produtivo. A expressão D - M indica a metamorfose (ou
conversão) do capital da sua forma capital-dinheiro para capital-produtivo. Sob a forma
de meios de produção e força de trabalho, o capital deve cumprir as funções produtivas,
isto é, a criação do valor e da mais -valia. Posteriormente, o valor-capital assume a
forma de capital-mercadoria (já impregnada de mais-valia) para cumprir as funções de
mercadoria: os produtos que o constituem devem ser vendidos.
Convém destacarmos que, neste tipo específico de circulação representado pelo Capital Industrial
no qual o Capital para se expandir assume as formas Capital a Juros, Capital Produtivo e Capital
Mercantil, o Capital a Juros e o Capital Mercantil não possuem a capacidade de gerarem a mais-
valia.
As formas funcionais do Capital são arranjadas neste modelo, para tentarem maximizar o processo
de produção e realização da mais-valia. Consegue-se com esse arranjo um desempenho melhorado
comparado ao fato de o Capital Produtivo ter de realizar sozinho todas as funções necessárias à
expansão.
Mas, a mais-valia só é gerada na fase produtiva da circulação do Capital. Assim, o que ocorre é que
a mais-valia é gerada no momento que o Capital assume a forma produtiva para posteriormente ser
repartida proporcionalmente com as outras formas funcionais como nos expõem Reinaldo A.
Carcanholo e Paulo Nakatani (1999, p. 8),
Dos três, o único capital autonomizado capaz de produzir diretamente a mais-valia é o
capital produtivo. Deve compartilhar esse excedente-valor com as outras duas formas
funcionais autonomizadas: o capital comercial e o capital a juros. E o faz, até certo
21
ponto, de bom grado, na medida em que estes cumprem funções úteis para a circulação
do capital industrial. Sem a existência destes dois, a magnitude de valor constituída pelo
capital produtivo não seria capaz de produzir a mais-valia na mesma medida.
Neste contexto no qual o Capital a Juros comparece como um elo em um arranjo, em que a
especificidade de sua circulação maximiza o resultado global da acumulação do capital, podemos
dizer que este cumpre também uma função produtiva e, portanto não pode ser reconhecido como
parasitário apesar do fato de sobreviver da mais-valia gerada por outro Capital como asseveram
Reinaldo A. Carcanholo e Paulo Nakatani (1999, p. 9),
Apesar do capital a juros (também o capital comercial) se apropriar de parte da mais
-valia sem produzi-la, ele o é parasitário uma vez que contribui para que o capital
produtivo o faça. Permite até que o capital, em seu conjunto, seja mais eficiente. O
capital a juros se subordina à lógica do capital industrial. Durante determinado estágio
de desenvolvimento do capital, o capital produtivo é o dominante, subordinando à sua
lógica tanto o capital a juros como o capital comercial.
Mas, o curioso e problemático do Capital a Juros é que quando sua forma específica de circulação
(D D’) se generaliza por toda a sociedade, a impressão criada é a de que toda renda regular e
perene faça parte do rendimento de algum Capital a Juros, como afirmam Reinaldo A. Carcanholo
e Paulo Nakatani (1999, p. 10) “O desenvolvimento, a expansão, a existência generalizada do
capital a juros no capitalismo desenvolvido transforma todo tipo de rendimento regular em uma
receita que parece provir de um capital a juros”.
Dessa forma, certas operações que se alastraram com o desenvolvimento do capitalismo, como a
negociação da dívida dos Estados e das empresas na forma de títulos, passaram a ser encaradas
como geradoras de valor provenientes de um Capital a Juros, mesmo não o sendo.
Foi este estágio de desenvolvimento do capitalismo que deu origem ao Capital Fictício. O Capital
Fictício seria representado justamente pela conversão de algum Capital Dinheiro em títulos da
dívida pública (títulos públicos) ou privada (debêntures), títulos de propriedade de alguma
sociedade mercantil (ações), além de operações nos ditos mercados futuros nos quais assume a
propriedade de mercadorias que ainda não foram produzidas ou se estabelece outros convertores
para dívidas em operações como a de swap.
O aspecto dramático do Capital Fictício é que apesar de não representar necessariamente um
Capital, sua posse – no caso a propriedade de um título por alguém – dá ao proprietário o direito de
exigir parte da mais valia gerada na fase produtiva da circulação do Capital e, por o mesmo não
22
exercer nenhuma função auxiliar à produção, sua remuneração
15
é completamente de caráter
parasitário como defendem Reinaldo A. Carcanholo e Paulo Nakatani (1999, p. 14),
A remuneração do capital fictício está constituída pelos juros auferidos e pelos
chamados ganhos de capital obtidos nos mercados especulativos. O capital fictício
obtém tais remunerações através de transferência de excedente-valor produzido por
outros capitais ou por não-capitais. Isso significa que o capital fictício é um capital não
produtivo, da mesma maneira que o capital a juros. No entanto, enquanto este cumpre
uma função útil e indispensável à circulação do capital industrial e nessa medida,
embora improdutivo, não pode ser considerado parasitário, o capital fictício é total e
absolutamente parasitário.
François Chesnais (1996, p. 241) ao tratar esse aspecto da acumulação capitalista contemporânea
possui a mesma perspectiva que Carcanholo e Nakatani (1989) quando assevera que,
Os capitais que se valorizam na esfera financeira nasceram – e continuam nascendo – no
setor produtivo [...]. A esfera financeira alimenta-se da riqueza criada pelo investimento
e pela mobilização de uma força de trabalho de múltiplos níveis de qualificação. Ela
mesma não cria nada. Representa a arena onde se joga um jogo de soma zero: o que
alguém ganha dentro do circuito fechado do sistema financeiro, outro perde.
E, como se não bastasse, além do fato de usufruir parasitariamente da mais-valia gerada na
produção, este Capital possui movimento independente em relação ao Capital Produtivo, ou seja,
não é a circulação do Capital Industrial que subjuga sua lógica de funcionamento, mas sim, ele
próprio quem estabelece as regras de seu movimento como afirmam Reinaldo A. Carcanholo e
Paulo Nakatani (1999, p. 14), “O capital fictício, tem um movimento independente do capital
industrial e seu crescimento se explica por diferentes circunstâncias”.
Sendo assim, a taxa de crescimento desse Capital não se dá segundo as necessidades específicas da
produção e sim, segundo suas próprias regras de expansão apesar do fato de sua remuneração ser
oriunda da esfera produtiva.
Não é difícil de visualizar, em tal situação, que a desconexão entre as necessidades de expansão
causaria um crescimento diferenciado das taxas entre essas formas idiossincráticas de Capital. E,
observando as diferenças entre as suas maneiras de circular
16
, também não é difícil perceber qual
15
A remuneração dos títulos de qualquer espécie se através de uma quantia fixa paga semestralmente ou
anualmente relativa a uma taxa de juros sob o valor de face do título (juros) e uma quantia variável oriunda das
flutuações do seu preço nos mercados de capitais (ganho de capital). No caso das ações, sua remuneração se por
uma quantia variável recebida anualmente como parcela dos lucros distribuídos (dividendo) e outra parcela também
variável oriunda da variação de seu preço nos mercados de capitais (ganho de capital) (GITMAN, 2002).
16
A circulação do Capital Fictício, observada do caráter individual e isolado do detentor de algum direito de
apropriação que o represente, é idêntica à circulação do Capital a Juros, ou seja, D D’, em outras palavras, o
Capital expande-se sem a necessidade de materializar-se em algum elemento necessário à produção. Se comparar-
mos essa maneira de circular com a do Capital Industrial (D - M ... (p) ... M’ - D’), podemos perceber claramente,
levando-se em consideração o ponto de vista do investidor capitalista, como a primeira forma apresenta-se preferível
à forma de circulação do Capital Industrial. Destarte, não é de se admirar que as taxas de crescimento dos volumes
de Capital tenham crescido muito mais velozmente para o Capital Fictício que para o Capital Industrial.
23
forma de Capital apresentaria a maior taxa de crescimento; crescimento esse que acabaria
aumentando em proporções cada vez mais intensas os estoques de Capital Fictício.
Quando então, o volume de Capital Fictício atingiu um nível insuportável para a esfera produtiva o
mesmo converteu-se em Capital Especulativo Parasitário, conceito criado por Reinaldo A.
Carcanholo e Paulo Nakatani (1999, p. 15), acompanhemos sua teorização,
Dessa maneira, o capital especulativo parasitário é o próprio capital fictício quando ele
ultrapassa em volume os limites suportados normalmente pela reprodução do capital
industrial. Sua característica básica está no fato de que ele não cumpre nenhuma função
na lógica do capital industrial. É um capital que não produz mais-valia ou excedente-
valor e não favorece nem contribui para a sua produção. No entanto, ele se apropria de
excedente e o exige em magnitude crescente. Sua lógica é a apropriação desenfreada da
mais-valia, ou melhor, do lucro (o lucro especulativo).
O momento primeiro em que iniciou-se esta hipertrofia do Capital Fictício tornando-o na
conceituação de Caracanholo e Nakatani (1999) Capital Especulativo Parasitário foi a quebra em
1971 de forma unilateral pelos Estados Unidos do acordo de Bretton Woods, como afirma François
Chesnais (1996, p. 248),
A morte desse sistema [referindo-se ao sistema monetário internacional representado
pelo acordo de Bretton Woods], em 1971, levou, por etapas, não somente ao
desaparecimento de qualquer ancoragem internacional das moedas, como também à
transformação do mercado de câmbio em um espaço onde moedas e ativos financeiros
estão dissoluvelmente imbricados.
As moedas dos países capitalistas avançados que até então encontravam no dólar norte-americano
um padrão fixo de conversibilidade, passaram a possuir suas cotações nos mercados cambiais
determinadas conforme qualquer outra mercadoria, ou seja, seus preços de compra e venda
passaram a ser determinados conforme as variações entre as pressões compradoras e vendedoras na
negociação das mesmas nos mercados cambiais, conforme assevera François Chesnais (1996, p.
248),
Hoje em dia, todas as moedas, inclusive o dólar [...], voltaram a se confundir entre os
ativos financeiros, cuja valorização resulta da circulação (venda e compra, tomada e
concessão de empréstimo) e das variações de seu valor relativo. Essa circulação dá-se
nos mercados de câmbio, que são, ao lado dos mercados de “produtos derivados”, o
segmento mais importante por seu volume, o mais imprevisível em seus movimentos e o
mais devastador em seus efeitos econômicos.
Se quisermos encontrar um motivo interno aos Estados Unidos segundo Chesnais (1996) que
justificaria a quebra do acordo que manteve o sistema financeiro mundial sob regulamentações
firmes por um longo período, devemos nos concentrar na hipertrofia do endividamento interno e
externo americano que se iniciou entre os anos 1965-1971.
24
Após a reconstrução da Europa em fins da década de 1950 e o aparecimento de novas economias
industrializadas, ficou claro a partir da década de 1960 que havia um excesso de oferta de
mercadorias no mercado mundial.
Sendo assim, os Estados Unidos – que após o acordo de Bretton Woods haviam se tornado o centro
econômico/financeiro do sistema capitalista com o intuito de evitar uma crise geral do sistema
começou a financiar sozinho este excesso de mercadorias que fluíam dos demais países
industrializadosprincipalmente o Japão e a Alemanha – para o seu território.
Esse excesso foi financiado via elevados déficits no balanço de pagamentos norte-americano que,
por ventura, eram financiados via uma política monetária frouxa aumentando a quantidade de
moeda em posse do público para que se pudesse realizar a criação de Bônus do Tesouro
17
no
apelo de atrair capital estrangeiro para que a relação deficitária com o restante do mundo fosse
coberta pela entrada desses capitais oriundos da emissão de títulos.
Tendência essa de endividamento que fez por agravar-se com o financiamento da Guerra do
Vietnã pelos mesmos mecanismos.
Destarte, o excesso de moeda em posse do público acabou gerando um surto inflacionário nos anos
posteriores a 1965 o que levou a uma certa desconfiança dos demais países centrais da
possibilidade dos Estados Unidos manterem a taxa de conversão do dólar com o ouro nos termos
do acordo.
Desse modo, com esta desconfiança, muitos países portadores do lar norte-americano
principalmente Japão e Alemanha – começaram a converter seus montantes desta moeda em ouro o
que acabou levando ao quase esvaziamento das reservas americanas desse metal guardadas no Fort
Nox.
Assim, em setembro de 1971 quando muito pouco do ouro de suas reservas restava, os Estados
Unidos resolveram dar fim unilateralmente ao Acordo de Bretton Woods, passando a partir de
então as cotações das moedas a variarem conforme as flutuações dos mercados cambiais. François
Chesnais (1996, p. 250) apresenta de forma sucinta tais acontecimentos,
17
Trata-se da transformação do volume do endividamento em uma série de títulos que são vendidos nos mercados
financeiros externos para que com a arrecadação do dinheiro possa se cobrir o déficit do balanço de pagamentos. Tal
fenômeno é também conhecido como securitização da dívida pública.
25
O principal fator interno, de exclusiva responsabilidade dos EUA, foi a explosão da
dívida federal, conjugada a um déficit crescente na balança de pagamentos. A criação
desenfreada de meios monetários para financiar a emissão de bônus do Tesouro tornou
insustentável a manutenção da paridade dólar-ouro. A partir de 1965, o duplo déficit do
orçamento e dos pagamentos externos, agravado pelo financiamento da guerra do
Vietnã, traduziu-se por emissões de dólares, cuja conversão ao ouro era pleiteada
imediatamente pelos outros países. As reservas de Fort Nox estavam se esvasiando.
A partir de então, um sítio de especulação passou a se formar com a compra e venda de moedas nos
mercados cambiais, fazendo do mercado cambial uma possibilidade de se obter lucros
explicitamente financeiros.
Outro evento importante para destacarmos o período de hegemonização do Capital Especulativo
Parasitário foi, como iniciada a exposição, a criação a partir da década de 1970, primeiramente
pelos Estados Unidos e depois seguida pelos demais países de economia central, de uma economia
do endividamento nascida das desregulamentações que acompanharam o fim do acordo de Bretton
Woods como aponta François Chesnais (1996, p. 251),
Sem freios, graças ao desmoronamento das barreiras que o sistema de Bretton Woods
erguera provisoriamente, os instrumentos de liquidez criados pelo governo americano
para financiar a dívida pública deram início à economia do endividamento (a debt
economy
18
). Desde meados da década de 1970, ela se tornou parte integrante das
características estruturais da economia americana, primeiro, e depois de muitos outros
países, entre os quais a França.
O impacto da criação da economia do endividamento na formação de ambientes propícios para o
crescimento da massa monetária que representa o Capital Especulativo Parasitário se deu na
medida em que este movimento proporcionou o crescimento dos euromercados nos quais eram
movimentados os eurodólares como assevera François Chesnais (1996, p. 251), “[...] a economia de
endividamento americana também alimentou o florescimento dos euromercados, primeiro elo no
nascimento dos todo-poderosos mercados financeiros de hoje”.
A criação dos euromercados durante a década de 1950 nasceu de práticas de alguns bancos ingleses
que começaram a trabalhar com a movimentação de lares no intuito de se proteger da queda da
libra esterlina nesta década.
Os primeiros clientes com os quais os bancos ingleses começaram a trabalhar foram as
multinacionais norte-americanas que, em processo de internacionalização, durante esta época,
utilizavam os serviços dos bancos ingleses.
18
Economia do Endividamento.
26
Neste movimento, as multinacionais foram seguidas pelos bancos americanos, também em fase de
internacionalização, que encontraram em terreno inglês regulamentações menores que em seu
território. Surgiu assim a movimentação dos eurodólares
19
como descreve François Chesnais (1996,
p. 252),
O verdadeiro ponto-de-partida dos euromercados parece ter sido dado, na época, pelo
comportamento dos bancos britânicos. Cada vez mais incomodados com a queda da libra
esterlina, eles começaram a trabalhar em dólares, chamados “eurodólares” por serem
originários de operações de débito/crédito de contas gerenciadas fora do país que os
emitia, os EUA. Essas contas foram inicialmente as das multinacionais americanas, e
logo dos bancos norte-americanos, que estavam se encaminhando para a
internacionalização de suas atividades.
De movimentações tímidas durante a década de 1950 em torno de dois bilhões de dólares e
início da década de 1960 em torno dos quatro e meio bilhões de dólares este mercado de
eurodólares cresceu a taxas assombrosas desde então, alcançando a marca dos cento e sessenta
bilhões de dólares em 1973 para, a partir daí, dobrar de tamanho a cada três anos até a estabilização
do crescimento em 1981 e a retomada com as medidas dos governos neoliberais como afirma
François Chesnais (1996, p. 253),
Em 1952, o mercado dos eurodólares movimentava aproximadamente 2 bilhões de
dólares; em 1960, em valores líquidos, ainda não ultrapassava 4,5 bilhões. Pouco mais
de doze anos depois, às vésperas da alta do preço do petróleo em 1973, esse montante
atingia 160 bilhões de dólares. A partir de 1973, a massa movimentada dobra a cada três
anos, até 1981, depois segue-se um período de estagnação até retomar o crescimento,
sob o impulso da liberalização monetária e financeira dos governos neoliberais.
As relações entre dívida pública, euromercados e liberalizações se deram na medida em que o
endividamento público crescente a partir de 1960 alimentou a criação de eurodólares no mercado
europeu cuja massa monetária crescente exigiu dos governos a liberalização de sua movimentação.
Com esta liberalização criou-se o terceiro ninho de obtenção de lucros especulativos que foram os
mercados bolsistas internacionais sustentados em sua grande parte pela movimentação dos
eurodólares; neles é que são negociadas as ações das sociedades anônimas conjuntamente com os
títulos devidablica e privada.
Tivemos assim, a criação de três ambientes específicos onde o Capital Especulativo Parasitário
passou a executar seu tipo particular de circulação e se expandir de forma relativamente autônoma
em relação à produção: os mercados cambiais; os mercados de obrigações e os mercados de ações e
derivativos.
19
Chama-se eurodólar por o mesmo circular em território diferente do qual foi criado.
27
Esta condição representa a hegemonia do Capital Especulativo Parasitário na definição da lógica da
acumulação na fase posterior à década de 1980, na qual os mercados financeiros começaram a
direcionar, de forma pungente, a acumulação capitalista, tendo como reflexo, a necessidade de uma
reorganização do regime de acumulação e também o estabelecimento de um novo modo de
regulamentação, como veremos nos doispicos seguintes.
1.2. Do Fordismo ao Toyotismo.
O modelo de organização da produção hegemônico entre as décadas de 1940 e 1970, tratava-se do
modelo fordista. Tal modelo possuiu como grandes país fundadores o engenheiro norte americano
Frederick Winslow Taylor e o empresário Henry Ford.
A Taylor que iniciou seus estudos da organização do trabalho em 1881 coube a função de
implementar, através do que se denominou posteriormente Administração Científica, uma
reformulação no que tangia à organização do trabalho. É de sua autoria a separação drástica entre a
concepção (savoir faire) e a execução do trabalho na linha produtiva assim como auxiliado pelos
trabalhos da família Gilbreth
20
um controle rigoroso dos tempos e movimentos do trabalho através
de medições precisas das tarefas executadas pelos trabalhadores; função que passou a ser exercida
magistralmente pelos supervisores.
Antes da implementação de seu modo de gerenciamento – estamos nos referindo à primeira década
do século XX as duas etapas a que ele dividiu a realização do trabalho se encontravam unidas e
de posse do próprio trabalhador que as internalizava durante um longo período de cinco a sete
anos – de treinamento sob a orientação dos sindicatos
21
, ou seja, eram os próprios trabalhadores que
possuíam o controle da concepção e organização do trabalho como descrevem Fernando C. Prestes
20
Notadamente os trabalhos de Frank e Lilian Gilbreth relativos à aplicação da Administração Científica em sua
empresa de construção civil reunidos sob o nome de The Writting of the Gilbreths, Spriegel and Myers (MOTTA;
VASCONCELOS, 2002, p. 33).
21
Tal análise de que eram os sindicatos norte-americanos que detinham o monopólio da transmissão do “como” fazer
o trabalho na época que Taylor iniciou os seus estudos sobre organização pode ser encontrada em Peter Drucker
(1999, p. 16). Analisando este fato ele afirma: “Eles [ao se referir aos sindicatos] exigiam um aprendizado de cinco a
sete anos, mas não tinham treinamento sistemático, nem estudo do trabalho. Não era permitido anotar nada [...]. A
afirmação de Taylor, de que o trabalho podia ser estudado, analisado e dividido em uma série de movimentos
repetitivos simples cada um dos quais devia ser executado de uma maneira certa, no seu melhor tempo e com suas
ferramentas corretas era de fato um ataque frontal aos sindicatos”. Por mais perigoso que seja adotar uma análise
de Drucker dada sua ênfase durante todo o texto em glorificar Taylor, chegando até em passagens seguintes de
transformá-lo em socialista a questão dos sindicatos ocuparem um lócus central na transmissão do trabalho parece
ser aceitável.
28
Motta e Isabella F. G. de Vasconcelos (2002, p. 30) ao demarcarem o ambiente laborativo da aetas
pré-Taylor,
Nessas indústrias, artesãos e operários especializados eram empregados e exerciam a sua
técnica por meio do sistema de empreitada [...]. Por meio do sistema de empreitada, os
empreendedores (proprietários das fábricas) transferiam para os profissionais e artesãos
autônomos a responsabilidade de montar o sistema produtivo em suas fábricas. O
profissional subcontratado assumia o risco e a responsabilidade pela produção e era pago
com base nos resultados obtidos.
Taylor, então, no intuito de desqualificar esses saberes laborativos
22
que se centravam na
corporeidade dos trabalhadores e com isso diminuir a pressão política dos mesmos no ambiente
fabril, desenvolveu o seu novo método onde a concepção ficaria de posse da gerência científica
formada pelos engenheiros planejadores e, o somente a execução, ficaria a cargo dos
trabalhadores e, ainda, vigiada por uma série de supervisores que ditavam o ritmo e a forma da
produção com base nos dados dos planejadores.
Essa visão negativa da organização autônoma da produção por parte dos trabalhadores fica bem
evidenciada na forma como ele visualizava o ambiente de trabalho das fábricas antes da
implementação de seu modelo. Visão que qualificava o ambiente laborativo como impregnado de
uma intensa vadiagem no trabalho (soldering), como fica bem expressa em suas palavras,
Trabalhar menos, isto é, trabalhar deliberadamente devagar, de modo a evitar a
realização de toda a tarefa diária, fazer cera, soldering, como se diz neste país, handing it
out, como se chama na Inglaterra, can caen como é pronunciado na Escócia, é o que está
generalizado nas indústrias e, principalmente, em grande escala, nas empresas de
construção (TAYLOR, 1960, p. 16).
A indolência natural dos homens é grave; todavia a maior causa de prejuízo, para
trabalhadores e patrões, é a indolência sistemática, quase generalizada, em todos os tipos
comuns de administração e que decorre das conclusões que chegaram os operários e da
crença que eles nutrem de que agindo assim estão servindo aos seus interesses
(TAYLOR, 1960, p. 22).
Este ambiente criado por Taylor direcionado a produzir uma cisão entre uma esfera e outra da
realização do trabalho foi responsável pelo aparecimento de um hiato entre o trabalho prescrito nos
manuais pela gerência científica e o trabalho realizado pelos trabalhadores. Tal hiato deveria então
ser diminuído através do adestramento
23
científico que consistia na repetição a título de treinamento
22
A hipótese de que Taylor tinha como finalidade, além de aumentar o volume da produção, a desqualificação dos
saberes laborativos dos trabalhadores é desenvolvida por Gounet (2002) fundamentando-se para isso na idéia
corrente que circulava pelos movimentos operários mundiais afirmando que quem conseguia organizar a produção
também poderia organizar e gerir o Estado. Dessa hipótese podemos perceber uma finalidade política forte do
modelo taylorista que se opõe a idéia vulgarmente defendida por Drucker (1997) de haver somente finalidade
econômica nos projetos de Taylor e ainda esta finalidade estar voltada para melhorar as condições materiais dos
trabalhadores e não dos empresários.
23
Por mais dura que possa parecer a palavra adestramento em se tratando de pessoas, por várias vezes Taylor a
emprega em seu mais importante tratado “Princípios de Administração Científica” publicado em 1911, ouçamos o
29
de todos os movimentos necessários ao aprendizado de uma determinada tarefa no intuito de
encontrar segundo o método heurístico a forma única ou cientificamente correta de executar o
trabalho: one best way (MOTTA; VASCONCELOS, 2002).
É importante observarmos que nessa transição de formas de se conceber e organizar o trabalho
fabril a execução se tornou extremamente simples, repetitiva e embrutecedora. Todo o trabalho
passou a ser prescrito em seus mínimos detalhes pela gerência científica, roubando assim do
trabalhador toda a parte criativa envolvida no mesmo, como se não bastasse a perda do controle
do seu ritmo e forma.
Trabalhar nas fábricas geridas pela Administração Científica passou a ser tão somente a repetição
de certo número de tarefas simples precisamente informadas pelos manuais e fichas de trabalho
criados pela gerência científica e ditados pela supervisão conforme os desejos dos proprietários
destas empresas.
Por tal fato, o modelo de gerenciamento do trabalho criado por Taylor nas duas primeiras décadas
do Século XX teve dificuldade de ser implementado nas empresas antes do Pós-Guerra como nos
informa David Harvey (2003, p. 123),
O taylorismo também enfrentou fortes resistências nos anos 20, e alguns comentadores,
como Richard Edwards (1979), insistem que a oposição dos trabalhadores infligiu uma
grande derrota à implantação dessas técnicas na maioria das indústrias, apesar do
domínio capitalista dos mercados de trabalho, do fluxo contínuo de mão-de-obra e da
capacidade de mobilizar exércitos de reserva da América rural (e, por vezes, negra).
Traçada a contribuição de Taylor para a construção do regime de acumulação fordista, passaremos
para contemplação das contribuições do próprio Ford. Em termos temporais, é bom lembrar que
ambos os autores forjaram seus conceitos nas primeiras duas décadas do Século XX, no caso
específico de Ford, o início das operações de sua fábrica de automóveis datam de 1903 como nos
informa Thomas Gounet (2002, p. 18),
A data básica é 1913, quando Henry Ford, à frente de uma empresa que leva seu nome,
formada dez anos antes, cria aquilo que se denominou fordismo. É uma nova
organização na produção e no trabalho, destinada a fabricar seu veículo, o modelo T, por
um preço relativamente baixo, de forma que fosse comprado em massa.
O que é atribuído a Ford nesse processo de construção do modelo hegemônico de gestão do
processo de produção anterior ao modelo Toyota consistiu na fixação dos trabalhadores e dos
autor: “[...] se você e seu operário se tornaram tão adestrados que juntos fazem dois pares de sapatos por dia,
enquanto seu competidor e o operário dele fazem somente um par, é claro que, depois de ter vendido os dois pares de
sapatos, você poderá pagar ao seu operário mais do que seu concorrente que produz somente um par, cabendo a
você, ainda, lucro maior do que a seu competidor (TAYLOR, 1960, p. 15).
30
meios de produção e na movimentação do produto durante o processo produtivo. Conseguiu tal
feito ao criar uma esteira rolante por sobre a qual seu famoso “Ford Bigode” ou “Modelo T” era
movimentado enquanto os trabalhadores fixados em um determinado espaço restrito ao longo da
linha iriam executando sobre a carcaça do autovel os processos de transformação como ilustra
Ricardo Antunes (2003, p. 37),
Uma linha rígida de produção articulava os diferentes trabalhos, tecendo nculos entre
as ações individuais das quais a esteira fazia as interligações, dando o ritmo e o tempo
necessários para a realização das tarefas .
Porém, outras transformações em nível de organização do espaço produtivo, além da linha de
produção e a parcerização do trabalho oriunda dos ensinamentos de Taylor, foram realizadas por
Ford conforme nos indica Thomas Gounet
24
(2002, p. 18-19),
1. Para responder a um consumo amplo, Ford atira-se à produção em massa. Isso
significa racionalizar ao extremo as operações efetuadas pelos operários e combater
os desperdícios, principalmente de tempo. Apenas a produção em massa pode reduzir
os custos de produção e, portanto, o preço de venda do carro.
2. A primeira racionalização é o parcelamento das tarefas, na mais pura tradição
taylorista. Em vez de fazer um veículo inteiro, um operário faz apenas um número
limitado de gestos, sempre os mesmos, repetidos ao infinito durante sua jornada de
trabalho[...]Acontece a desqualificação dos operários.
3. [...]Cria-se[...]a linha. Uma esteira rolante desfila, permitindo aos operários,
colocados um ao lado do outro, realizar as operações que lhes cabem. Além de ligar
os trabalhos individuais sucessivos, a linha fixa uma cadência regular de trabalho,
controlável pela direção da empresa [...]
4. Para reduzir o trabalho do operário a alguns gestos simples e evitar o desperdício de
adaptação do componente ao automóvel, Ford tem a idéia de padronizar as
peças...Mas para obter esse resultado e ter componentes exatos, Ford [...] se atira à
integração vertical, ou seja, ao controle direto de um processo de produção, de cima a
baixo.
5. Depois dessas transformações, Ford pôde automatizar suas fábricas.
Em conjunto tais medidas representaram uma economia fenomenal no tempo de fabricação dos
automóveis. Thomas Gounet (2002, p. 19) nos dá uma idéia desta economia ao contrastar o modelo
24
Womack et al (1992, p. 12 ), apresenta uma descrição próxima da de Gounet (2002), embora um pouco menos
detalhada, ele resume as intervenções da fábrica fordista em três pontos:
1. da intercambialidade e a facilidade de ajustar as peças entre si;
2. a linha de montagem móvel, que consistia em duas tiras de lâmina de metal, sob as
rodas nos dois lados do carro, deslocando-se ao longo de toda a fábrica”;
3. de “levar a idéia da divisão do trabalho a suas últimas conseqüências”,
da quase completa integração vertical.
31
de produção desenvolvido por Ford e o modelo artesanal que existia anteriormente e que
continuava a ser utilizado pelos seus concorrentes,
A antiga organização da produção precisava de 12:30 horas para montar um veículo.
Com o taylorismo, ou seja, apenas com o parcelamento das tarefas, a racionalização das
operações sucessivas e a estandardização dos componentes, o tempo cai para 5:50 horas.
Em seguida, graças ao treinamento, para 2:38 horas. Em janeiro de 1914, Ford introduz
as primeiras linhas automatizadas. O veículo é produzido em 1:30 hora, ou seja, pouco
mais de oito vezes mais rápido que no esquema artesanal usado pelos concorrentes.
o se faz necessário um grande esforço do pensamento para imaginar o quantum de economia em
termos de custo que este aumento da velocidade da fabricão do automóvel, mantendo inalterados
os demais fatores de produção, trouxe para a produção da indústria automobilística, num primeiro
momento, e para todo o setor industrial posteriormente quando o modelo foi transposto para os
outros ramos industriais, por meio da visível intensificação da extração da mais-valia da força de
trabalho que a organização fordista veio realizar.
Produção em massa passou a ser então o maior benefício de toda a gama de inovações apresentadas
por Ford. Produção onde ganhos cada vez maiores, em termos de custo do produto, poderiam ser
angariados com o aumento das quantidades produzidas, ou seja, neste tipo de organização da
produção, a economia e os ganhos de produtividade eram conseguidos por meio do aumento do
volume dos lotes de mero restrito de produtos, conforme nos apresenta Taiichi Ohno (1997, p.
107),
Fazer grandes lotes de uma única peça – isto é, produzir uma grande quantidade de peças
sem uma troca de matriz é ainda hoje uma regra de consenso de produção. Esta é a
chave do sistema de produção em massa de Ford. A indústria automotiva americana tem
mostrado continuamente que a produção em massa planejada tem o maior efeito na
redução de custos.
o inegáveis – apesar de Ford ter se apropriado de muitos desenvolvimentos de antecessores – os
desenvolvimentos introduzidos por Ford como geradores de benefícios em termos do aumento da
lucratividade da indústria.
Entretanto, estes não são os maiores feitos vinculados ao sistema de produção que leva o nome de
sua pessoa, o maior mérito referente ao mesmo foi ter identificado uma profunda relação entre os
produtos fabricados por sua fábrica e as pessoas que deveriam comprá-lo, ou seja, Ford pressentiu a
necessidade de uma adequação entre a produção em massa, de onde grandes lucros poderiam ser
auferidos, com as economias de escala e as subjetividades que também teriam que ser de massa
para que todo o sistema pudesse funcionar coerentemente.
32
David Harvey (2003, p. 121) nos apresenta de forma clara tal afirmação ao especificar as
contribuições de Ford na composição do modo de acumulação que recebeu seu nome,
O que havia de especial em Ford (e que, em última análise, distingue o fordismo do
taylorismo) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa
significa consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma
nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova
psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, reacionalizada,
modernista e populista.
Assim, para assegurar o consumo de massa e um tipo específico de reprodução da força de
trabalho, Ford adotou o salário de cinco dólares e a jornada de trabalho diária de oito horas
vinculadas com a necessidade de o trabalhador apresentar as características racionais adequadas
para utilizar tais benefícios em 1914. David Harvey (2003, p. 122) descreve em detalhes as
intenções de Ford ao propor tais modificações na jornada de trabalho e na remuneração,
O propósito do dia de oito horas e cinco dólares em parte era obrigar o trabalhador a
adquirir a disciplina necessária à operação do sistema de linha de montagem de alta
produtividade. Era também dar aos trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para
que consumissem os produtos produzidos em massa que as corporações estavam por
fabricar em quantidades cada vez maiores. Mas isso presumia que os trabalhadores
soubessem como gastar seu dinheiro adequadamente. Por isso, em 1916, Ford enviou um
exército de assistentes sociais aos lares dos seus trabalhadores “privilegiados” (em larga
medida imigrantes) para ter certeza de que o “novo homem” da produção em massa
tinha o tipo certo de probidade moral, de vida familiar e de capacidade de consumo
prudente (isto é, não alcoólico) e “racional” para corresponder às necessidades e
expectativas da corporação.
A clara preocupação de Ford em desejar modelar de forma precisa o tipo de homem que deveria
integrar a sociedade de massa que o seu modelo de produção viria abastecer a partir do Pós-Guerra
nos permite perceber indícios de que no reino da produção o tecidas coisas bem mais
profundas do que os produtos que povoam as vitrines das lojas, é neste reino que são demarcados
liames fundamentais na definição de nossas formas de ser, sendo assim, o fordismo, por possuir tais
pretenes, consegue ser muito mais que um simples sistema de produção como nos mostra David
Harvey (1992, p. 131),
[...] o fordismo do pós-guerra tem de ser visto menos como um mero sistema de produção
em massa do que como um modo de vida total. Produção em massa significa padroniação
do produto e consumo de massa, o que implica toda uma nova estética e mercadificação
da cultura.
Ambições que Thomas Gounet (2002, p. 20) não verá com bons olhos ao que tange à futura força
de trabalho que será produzida por tal regime,
O que ele [se referindo a Ford] não diz é que, para receber seus 5 dólares, o trabalhador
deve dar provas de boa conduta, ou seja: não ser mulher, não beber, destinar seu dinheiro
à família ... A empresa cria um serviço social para controlar a situação nas casas dos
33
beneficiários do prêmio Ford e, nos primeiros anos, ele recusará os 5 dólares a 28% do
pessoal.
Assim, dados os fatores descritos acima com relação ao regime de acumulação fordista privar o
trabalhador da concepção, organização e controle do trabalho e exigir como contraponto ao
aumento da produção um também aumento do consumo o mesmo sofreu em seu nascedouro
alguns enfrentamentos e dificuldades.
David Harvey (2003, p. 123 e 124) nos apresenta tais dificuldades,
Houve, ao que parece, dois principais impedimentos à disseminação do fordismo nos
anos entre guerras. Para começar, o estado das relações de classe no mundo capitalista
dificilmente era propício à fácil aceitação de um sistema de produção que se apoiava
tanto na familiarização do trabalhador com longas horas de trabalho puramente
rotinizado, exigindo poucas habilidades manuais tradicionais e concedendo um controle
quase inexistente ao trabalhador sobre o projeto, o ritmo e a organização do processo
produtivo [...]. A segunda barreira importante a ser enfrentada estava nos modos e
mecanismos de intervenção estatal. Foi necessário conceber um novo modo de
regulamentação para atender aos requisitos da produção fordista; e foi preciso o choque
de 30 para que as sociedades capitalistas chegassem a alguma nova concepção da forma
e do uso dos poderes do Estado.
E tais dificuldades foram superadas após o Pós-Guerra quando então, a força de trabalho
começou a se moldar ao novo perfil pelo fato do regime de acumulação fordista ter se espalhado
por todas as indústrias automobilísticas, além de outros ramos industriais onde fosse possível a
produção em massa e também, com a criação do Estado Keynesiano, um modo de regulamentação
adequado ter sido oferecido a este regime de acumulação.
A partir dessa época, dados os resultados positivos alcançados em termos de produtividade
devido ao aumento da exploração da força de trabalho e a posição conquistada pelos Estados
Unidos entre os países capitalistas ocidentais, o regime fordista consistiu-se no modelo hegemônico
de produção entre as décadas de 1940 e 1970 e assim, passou a ser implementado na totalidade dos
países capitalistas, mesmo que, nos então subdesenvolvidos, tal implementação tenha ocorrido a
partir da crise de tal modelo durante as décadas de 1960 e 1970 (GOUNET, 2002).
É importante ainda lembrar que tal modelo foi ancorado em nível macroeconômico pelos
investimentos maciços do Estado sob a orientação Keynesiana, e levou o mundo ocidental a um
grande e próspero período de crescimento contínuo, onde: de um lado, o Estado garantia com seus
investimentos no setor privado e na assistência – na forma do Estado do Bem Estar – uma expansão
da demanda agregada resultando de imediato em acréscimos substantivos no consumo; as empresas
com uma política de bons salários e com a orientação da prodão em massa garantiam além da
34
oferta de grandes quantidades de produtos padronizados, ainda, condições para que seus
trabalhadores consumissem os produtos por eles elaborados; e, os trabalhadores, se empenhavam
por aceitar e se dedicar à forma massante e embrutecedora de trabalho proporcionando os ganhos
na lucratividade como nos apresenta David Harvey (2003, p. 125),
[...] o crescimento fenomenal da expansão de pós-guerra dependeu de uma série de
compromissos e reposicionamentos por parte dos principais atores dos processos de
desenvolvimento capitalista. O Estado teve de assumir novos (Keynesianos) papéis e
construir novos poderes institucionais; o capital corporativo teve de ajustar as velas em
certos aspectos para seguir com mais suavidade a trilha da lucratividade segura; e o
trabalho organizado teve de assumir novos papéis e funções relativos ao desempenho
nos mercados de trabalho e nos processos de produção.
Tal período de crescimento contínuo da economia capitalista em nível mundial – condição sine qua
non para o bom funcionamento do sistema fordista, que, os ganhos de produtividade ficavam
atrelados aos aumentos substantivos dos volumes de produção – encontraria seu Termidor no início
da década de 1970.
Os enormes gastos estatais para basilar o compromisso fordista acabaram gerando problemas sérios
nas finanças dos Estados sob orientação Keynesiana em meados da década de 1960, problemas
estes consubstanciados num excesso de liquidez acompanhado de um período de surto
inflacionário.
Esse excesso de divisas causador dessas dificuldades foi oriundo de uma política monetária frouxa
que foi utilizada na segunda metade da década de 1960 para garantir a estabilidade da economia em
enfrentamento a quatro questões principais: um aumento da concorrência mundial dado o
surgimento de novos mercados nascidos dos produtos dos países periféricos de industrialização pós
Segunda Grande Guerra; a rigidez de todo sistema em termos de investimentos em capital fixo e na
elaboração da produção; a rigidez também dos compromissos entre o grande capital, o governo e a
classe trabalhadora e principalmente a necessidade da garantia de enorme liquidez na economia
para sustentar os aumentos contínuos da produção em massa. David Harvey (2003, p. 135) ilustra
de forma clara esses problemas que começaram a solapar o compromisso fordista,
De modo geral, o período de 1965 a 1973 tornou cada vez mais evidente a incapacidade
do fordismo e do Keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo. Na
superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas por uma palavra: rigidez.
Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de
longo prazo em sistemas de produção em massa que impediam muita flexibilidade de
planejamento e presumiam crescimento estável em mercados de consumo invariantes.
Havia problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho [...].
E toda tentativa de superar esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente
invencível do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora [...]. A rigidez
dos compromissos do Estado foi se intensificando à medida que programas de
35
assistência (seguridade social, direitos de pensão etc.) aumentavam sob a pressão de
manter a legitimidade num momento em que a rigidez da produção restringia expansões
da base fiscal para gastos públicos. O único instrumento de resposta flexível estava na
política monetária, na capacidade de imprimir moeda em qualquer montante que
parecesse necessário para manter e economia estável. E, assim, começou a onda
inflacionária que acabaria por afundar a expansão do pós-guerra.
Como bem ilustra Harvey (2003) a política monetária frouxa acabou gerando uma onda
inflacionária nos países centrais em fins da década de 1960 cuja receita keynesiana não conseguia
debelar. Tal estado de coisas somado às crises do petróleo que se iniciaram em princípios da década
de 1970 acabaram gerando um grande período de recessão entre os anos 1973-1975 levando, então,
as corporações a buscarem modelos de organização da produção que fugissem à fixidez do modelo
fordista de prodão em massa,
A forte deflação de 1973-1975 indicou que as finanças do Estado estavam muito além
dos recursos, criando uma profunda crise fiscal e de legitimação. [...] Ao mesmo tempo,
as corporações viram-se com muita capacidade excedente inutilizável (principalmente
fábricas e equipamentos ociosos) em condições de intensificação da competição. Isso as
obrigou a entrar num período de racionalização, reestruturação e intensificação do
controle do trabalho (caso pudessem superar ou cooptar o poder sindical). A mudança
tecnológica, a automação, a busca de novas linhas de produto e nichos de mercado, a
dispersão geográfica para zonas de controle mais fácil, as fusões e medidas para acelerar
o tempo de giro do capital passaram ao primeiro plano das estratégias corporativas de
sobrevivência em condições gerais de deflação. [...] No espaço social criado por todas
essas oscilações e incertezas, uma série de novas experiências nos domínios da
organização industrial e da vida social e política começou a tomar forma. Essas
experiências podem representar os primeiros ímpetos da passagem para um regime de
acumulação inteiramente novo, associado com um sistema de regulamentação política e
social bem distinta (HARVEY, 2003, p. 140).
Podemos caracterizar o período vivenciado pelas economias centrais durante a década de 1970
como uma década em que se aumentavam cada vez mais as quantidades produzidas do lado da
oferta e, dados os problemas da contenção do surto inflacionário, a demanda necessitava ser freada,
que, sob a orientação monetarista que assumiu o controle das políticas econômicas como
ilustraremos no tópico 3, os processos inflacionários deveriam ser contidos via recessão.
Logo, as empresas necessitavam encontrar formas de continuar aumentando seus ganhos de
produtividade e consequentemente a sua taxa de lucratividade sem que houvessem aumentos no
volume de sua produção.
Proposição difícil de ser solucionada em um regime de produção cujo suporte principal dos ganhos
de produtividade assentava-se nas economias de escala. Mas, durante a década de 1950 no Japão,
Taiichi Ohno, que havia sido formado na escola norte-americana, havia se debruçado sobre o
mesmo problema que consistia em: “Quais são as necessidades essenciais da empresa sob
36
condições de crescimento lento? Em outras palavras, como podemos aumentar a produtividade
quando a quantidade de produção não está aumentando?” (OHNO 1997, p. 35).
Situação um pouco paradoxal dentro dos ensinamentos tayloristas/fordistas, mas que Taiichi Ohno
soube responder com extrema criatividade e competência na formulação do que ficou conhecido
como Modelo Toyota de produção.
Esse modelo, porém não pode ser atribuído diretamente a Ohno sem que analisemos as condições
históricas da sociedade japonesa do pós-guerra que apresentaram as dificuldades e restrições sob
quais Onho investiu sua criatividade.
O Japão recém derrotado na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) se encontrava em princípios da
década de 1950 com sua infra-estrutura nacional em vias de reconstrução, daí, oriundo desta
necessidade pungente, toda política nacional estar voltada para a solução deste problema estrutural.
Neste contexto, as indústrias de base (aço, ferro, cimento, etc.) e de bens de capital (máquinas e
equipamentos) eram que ganhavam a maior parcela dos incentivos por parte do governo como
afirma Benjamin Coriat (1994, p. 40),
[...] é preciso partir do fato de que na primeira metade dos anos 50, período no qual o
método Kan-Ban nasceu, o Japão, após o tempo das imensas destruições provocadas
pela guerra e pela derrota, havia retomado o caminho da industrialização mas, no
essencial, as prioridades eram então relativas à reconstrução de um aparelho de produção
nos grandes setores de base da economia: carvão, siderurgia, máquinas e bens de
produção.
À produção automobilística restavam poucos incentivos por parte do governo japonês e também
podemos acrescentar o fato de o mercado para carros não estar em melhores condições dado o fato
de a guerra e a conseqüente política de esforço de poupança nacional adotada pelo Estado Japonês
ter afetado bastante a demanda por produtos oriundos desta indústria como demonstra Benjamin
Coriat (1994, p. 40),
[...] o número de veículos a motor fabricados em 1950 era de apenas 32.000, e ainda, a
maior parte destes veículos era constituída por caminhões destinados aos canteiros de
obras públicas. Em 1955, o montante de produção para o Japão inteiro é ainda irrisório:
atinge exatamente 69.000 unidades! É uma década mais tarde, aproximadamente em
meados dos anos 60, que o Japão conhecerá uma onda de verdadeira motorização.
É desta restrição quanto à demanda que podemos observar a necessidade de se conceber um
modelo de gerir a produção que aumentasse a produtividade sem se utilizar dos ensinamentos
tayloristas/fordistas das economias de escala.
37
No que tange às condições relativas à própria fábrica da Toyota, Coriat (1994) descreve quatro
grandes fases nas quais princípios e regras fundamentais foram sendo maturadas e tornando-se
ensinamentos essenciais na construção do modelo Toyotista.
A primeira fase se estendeu do ano 1947 ao ano 1950. Correspondeu à importação no setor
automobilístico das inovações técnico-organizacionais herdadas da experiência xtil. Dataram
desta fase a incorporação do princípio de autonomação e a sua conseente exigência da
multifuncionalidade no que tange à execução de funções e na operação de máquinas por parte dos
trabalhadores.
A segunda fase correspondeu ao pequeno ínterim entre os anos 1949 e 1950. Dataram desta fase
três eventos cruciais para o desenvolvimento do sistema que foram: a crise financeira no ano de
1949 que levou a empresa à beira da falência e a colocou na dependência de um grupo bancário
japonês; o movimento grevista durante o ano de 1950 que resultou na demissão de 1600
funcionários e do próprio presidente-fundador Kiichiro Toyoda e a Guerra da Coréia que gerou
uma série de encomendas em pequenas séries com prazo fixados penalizando a empresa em multas
caso não atendidas, isto devido às restrições impostas pelo banco que concedeu os empréstimos que
evitaram a falência da empresa.
A terceira fase se estendeu durante toda a década de 1950. Correspondeu à importação na
fabricação automobilística de técnicas de gestão dos estoques dos supermercados norte-americanos.
Esta fase marca o nascimento e incorporação do todo Kan-Ban; que inicialmente teria sido
aplicado no departamento de montagem da fábrica principal, se estendeu posteriormente até a nova
fábrica de Motomachi onde Taiichi Ohno era o diretor em 1959 e, chegou em 1962 quando
Taiichi Ohno então assumiu a diretoria da fábrica principal – a abranger todos os estabelecimentos
essenciais da Toyota.
A quarta fase, que se estendeu entre os anos 1962 e 1973, marcou a extensão do todo Kan-Ban
aos subcontratantes e aos fornecedores ao mesmo tempo em que o sistema sofria vários
desenvolvimentos e aperfeiçoamentos no interior da empresa.
38
Como podemos perceber com a análise das condições históricas pelas quais o Japão passou na fase
que seguiu à Segunda Guerra Mundial, as investidas de Onho surgiram como respostas a essas
condições, e não como invenções de uma mente superior.
A mecânica do sistema passou a responder a características específicas da demanda e da
concorrência que a indústria automobilística japonesa teve de se confrontar para continuar
sobrevivendo.
Essa mecânica do modelo Toyota ou, se adotarmos o nome de seu criador, Ohinista, segundo
CORIAT (1994) se assenta em dois pilares principais: o princípio da autonomação e auto-ativação
e o todo de produção Just in Time juntamente com o método Kan-Ban. Ou, como o próprio
Taiichi Onho (1997, p. 25) afirma,
A base do Sistema Toyota de Produção é a absoluta eliminação do desperdício. Os dois
pilares necessários à sustentação do sistema são:
Just-in-time
Autonomação, ou automação com um toque humano.
O princípio da autonomação importado da fase (período que precedeu à Segunda Guerra Mundial)
em que a Toyota era uma empresa do ramo têxtil consistiu na criação de máquinas dotadas de uma
certa autonomia referente às paradas quando algum padrão de trabalho irregular fosse identificado.
No caso dos teares da instria têxtil, os mesmos possuíam dispositivos automáticos que permitiam
sua parada automática caso alguma anomalia fosse identificada em seu funcionamento, Taiichi
Ohno (1997, p. 28 e p.91) demonstra de maneira clara a origem do princípio e sua funcionalidade,
A idéia [ao se referir ao princípio de autonomação] surgiu com a invenção de uma
máquina de tecer auto-ativada por Toyoda Sakichi (1967-1930), fundador da Toyota
Motor Company. O tear parava instantaneamente se qualquer um dos fios da urdidura ou
da trama se rompesse. Porque um dispositivo que podia distinguir entre condições
normais e anormais foi inserido na máquina, produtos defeituosos não eram produzidos.
A autonomação surgiu das idéias e prática de Toyoda Sakichi. O tear auto-ativado do
tipo Toyota que ele inventou, era rápido e equipado com um dispositivo para parar
automaticamente a máquina quando qualquer um dos fios rompesse ou o fio da trama
finalizasse.
Ohno ao importar esse princípio para as máquinas do setor automobilístico, dotando-as também de
dispositivos automáticos de paradas em situações de criação de produtos defeituosos, estendeu tal
princípio para a organização de todo o processo de trabalho nas oficinas, onde, quando eram
identificados padrões de trabalho que produzissem peças defeituosas, a equipe engajada em tal
situação fornecia uma ordem de parada para toda a linha. A este princípio estendido à organização
do trabalho Ohno denominou auto-ativação como afirma Benjamin Coriat (1994, p. 52),
39
O princípio de tais dispositivos, introduzidos primeiramente na concepção das máquinas
têxteis, será largamente reutilizado no conjunto das linhas de produção automobilística.
Esse ponto é absolutamente notável, pois se refere tanto aos dispositivos mecânicos
introduzidos no coração das máquinas quanto aos dispositivos organizacionais que
dizem respeito à execução do trabalho humano. Estes últimos são então designados
como procedimentos de auto-ativação.
O que se destaca como importante quando se analisa a aplicação destes princípios similares em
termos de conteúdo é a sua conseqüência sobre o perfil e o número da mão-de-obra empregada nas
oficinas.
À medida que as máquinas eram dotadas de dispositivos de parada automática, não necessitando,
portanto da atenção do operador quanto a esta função, tornava-se possível colocar várias máquinas
sob a responsabilidade de um único operador. E, à medida que os próprios operadores deveriam ter
noção de quando emitir uma ordem de parada da linha em uma situação de trabalho que gerasse
peças defeituosas, outras funções além da operação se incorporavam a sua atividade tais como:
qualidade, manutenção e supervisão.
Derivados desses dois principais efeitos podemos identificar uma intensificação do trabalho dos
operadores quando da aplicação destestodos de gestão da produção e também a possibilidade da
redução do número de trabalhadores sem conseqüente redução no volume da produção como o
próprio Taiichi Ohno (1997, p. 69-70) declara ao se pronunciar sobre as pretensões dos gestores ao
implementar o sistema,
No Sistema Toyota de Produção, pensamos a economia em termos de redução da força
de trabalho e de redução de custos. A relação entre esses dois elementos fica mais clara
se considerarmos uma política de redução da mão-de-obra como um meio para conseguir
a redução de custos, que é a mais crítica das condições para a sobrevivência e o
crescimento de uma empresa.
Ou quando se refere especificamente ao efeito do princípio da autonomação sobre o significado da
gestão,
A autonomação também muda o significado da gestão. Não será necessário um operador
enquanto a máquina estiver funcionando normalmente. Apenas quando a máquina ra
devido a uma situação anormal é que ela recebe atenção humana. Como resultado, um
trabalhador pode atender diversas máquinas, tornando possível reduzir o número de
operadores e aumentar a eficiência da produção (ONHO, 1997, p. 28).
Assim, podemos observar que um caminho contrário ao tomado por Taylor e posteriormente
também adotado por Ford no que tange à divisão do trabalho às suas tarefas mais elementares e à
fixação de um único homem para cada posto de trabalho é seguido por Ohno que, além de aglutinar
algumas funções no nível da operação que eram delegadas à supervisão no modelo fordista, ainda
40
vai confiar a cada trabalhador vários postos de trabalho. Em consonância com este sentido que é
possível segundo Benjamin Coriat (1994, p. 53) a partir dos anos 1950,
[...] uma via própria, japonesa, de organização do trabalho e de gestão da produção se
põe em curso de se afirmar. Seu traço central distintivo, em relação à via taylorista
norte-americana, é que em lugar de proceder através da destruição dos saberes operários
complexos e da decomposição em gestos elementares, a via japonesa vai avançar pela
desespecialização dos profissionais para transformá-los não em operários parcelares,
mas em plurioperadores, em profissionais polivalentes, em trabalhadores
multifuncionais.
O método Kan-Ban e sua conseqüência imediata, que consiste na possibilidade da execução da
produção sem grandes estoques intermediários de matéria-prima (método de produção just-in-time),
foram importados por Ohno do funcionamento da distribuição das mercadorias nos supermercados
norte-americanos como afirma Taiichi Ohno (1997, p. 45),
Do supermercado pegamos a idéia de visualizar o processo inicial numa linha de
produção como um tipo de loja. O processo final (cliente) vai até o processo inicial
(supermercado) para adquirir as peças necessárias (gêneros) no momento e na
quantidade que precisa. O processo inicial imediatamente produz a quantidade recém
retirada (reabastecimento das prateleiras). Esperávamos que isso nos ajudasse a atingir a
nossa meta just-in-time e, em 1953, implantamos o sistema na nossa oficina na fábrica
principal.
O funcionamento do método consiste na inversão da orientação do fluxo da produção que era
utilizada no sistema fordista. No lugar da produção ser empurrada no sentido “postos de trabalho
anteriores-postos de trabalho posteriores”, ela passa a ser puxada no sentido “postos de trabalho
posteriores-postos de trabalho anteriores” como observa Benjamin Coriat (1994, p. 56),
[...] o trabalhador do posto de trabalho posterior (aqui tomado como “cliente”) se
abastece, sempre que necessário, de peças (“os produtos comprados”) no posto de
trabalho anterior (a seção). Assim sendo, o lançamento da fabricação no posto anterior
só se faz para realimentar a loja (a seção) em peças (produtos) vendidas.
Para se conseguir manter o fluxo de peças intermediárias de posto a posto no sentido já descrito, é
mantido um fluxo de informações por intermédio de caixas que partem dos postos posteriores
contendo pequenos cartões tais cartões que são os Kan-Ban’s cujo conteúdo especifica as
quantidades e as caracterizações das peças a serem produzidas aos postos anteriores que ficarão
encarregados de produzir as quantidades das peças com as especificações descritas nos cartões e
reenviar as caixas com as peças pedidas aos postos posteriores,
assim caixas” Kan-Ban vazias que circulam no sentido posto posterior-posto
anterior e que contêm instruções para encomendas de peças, e “caixas” Kan-Ban
carregadas de peças fabricadas que circulam no sentido habitual posto anterior-posto
posterior, e que correspondem às entregas das peças demandadas (CORIAT, 1994, p.
57).
41
O fluxo de informações que vai no sentido “posto posterior-posto anterior” e o fluxo de peças
gerado por aquele que vai no sentido “posto anterior-posto posterior é realizado em uma
intensidade e abrangência até se conseguir manter no departamento que opera segundo a este
princípio a produção nos diversos postos que o compõem de exatamente aquilo que se está sendo
requisitado, conseguindo-se assim a produção com estoque zero que se denominou método de
produção Just-in-time.
Coma aplicação do método Kan-Ban e a conseqüente possibilidade da produção ser realizada
segundo os critérios do Just-in-time, mais duas rupturas foram realizadas em relação aos
ensinamentos do sistema fordista. Uma no que tange à mudança no direcionamento do fluxo da
produção e outra no que tange à manutenção de estoques intermediários no sentido de evitarem
paradas na produção.
Para concluir a exposição das modificações em aspectos da organização do trabalho e do fluxo da
produção, só nos falta analisar o sistema de monitoramento do regime de acumulação Toyotista que
juntamente com o corolário da implementação dos dois métodos anteriores autonomação e just-
in-time ,que é a fábrica mínima, tornam possível uma distinção brutal de tal regime quando
comparado com o fordismo.
O sistema de monitoramento é conhecido como Andon. Uma descrição detalhada deste sistema é
dada por Taiichi Ohno (1997, p.130) que o define como sendo,
[...] o quadro indicador de parada da linha pendurado acima da linha de produção, é um
controle visual. A luz indicadora de problema funciona como segue: quando as
operações estão normais, a luz verde está ligada. Quando um operário deseja ajustar
alguma coisa na linha e solicita ajuda, ele acende uma luz amarela. Se uma parada na
linha for necessária para corrigir um problema, a luz vermelha é acesa. Para eliminar
completamente as anormalidades, os operários não devem ter receio de parar a linha.
Pela definição de Taicchi Ohno é possível descrever perfeitamente o funcionamento de tal
dispositivo. Sobre cada linha existe um quadro e neste quadro os operadores da linha vão
demonstrando a situação do andamento da produção: andamento normal, luz verde; defeitos ou
necessidade de ajustamentos, luz amarela e necessidade de parar a linha, luz vermelha.
A partir de um rápido vislumbre dessa disposição óptica poderíamos concluir que a mesma permite
que os gestores percebam o andamento do sistema produtivo com um simples olhar para os quadros
ou painéis por sobre as linhas de produção.
42
Mas, além desse controle visual rápido e preciso, Thomas Gounet (2002, p. 29) vai identificar
outras funções deste sistema de monitoramento ao denominá-lo gerenciamento by stress,
Em toda a cadeia de produção há sinais luminosos com três luzes: verde, tudo em ordem;
laranja
25
, super-aquecimento, a cadeia avança em velocidade excessiva; vermelha,
um problema, é preciso parar a produção e resolver a dificuldade. Alguém poderia
acreditar que o objetivo é acender em todos os setores um verde tranqüilizador. Nada
disso! Se a luz está verde é sinal de que existem problemas latentes, que não aparecem.
É preciso então acelerar o fluxo. Assim, a cadeia estará no limite da ruptura. Os
problemas aparecerão. A empresa poderá remediá-los e elevar a produtividade. É preciso
portanto que os sinais oscilem permanentemente entre o verde e o laranja, o que
significa uma elevação constante do ritmo de produção.
Como podemos perceber, a partir da afirmação de Gounet (2002), a maneira de utilizar o sistema
Andon transcende a sua imediata utilidade de proporcionar uma rápida percepção da situação do
ambiente fabril em termos do fluxo da produção. Alternando as luzes de cor verde e laranja é
conseguido um aumento constante do ritmo do fluxo da produção que cada vez que se eleva mostra
problemas que corrigidos podem levar a um aumento ainda maior. A partir, então, de tais aumentos
vai se tornando possível cada vez mais se produzir com capacidade menor. Em uma palavra:
aumento da produção pelo aumento do giro.
Outros quesitos que foram necessários ajustar na fábrica de estilo fordista, disseram respeito ao
layout da maquinaria e do pessoal, porque para pôr em funcionamento os princípios oriundos dos
pilares a que o sistema Toyota foi alicerçado, seriam necessárias modificações no layout e nas
formas com as quais as operações eram realizadas no interior da fábrica para que se conseguisse
reduzir ao máximo as perdas de tempo com as trocas de fluxo de materiais de um setor para o
outro, reduzir a um mínimo os desperdícios e também que as tarefas ganhassem a dinâmica de
serem adaptáveis pelos próprios operadores realizando uma relação mais modulável às
eventualidades do processo produtivo.
Tais objetivos são aglutinados em um método singular denominado “linearização da produção” que
segundo Benjamin Coriat (1994, p. 61) possue o objetivo de fornecer as condições materiais para a
realização da produtividade através da flexibilidade, acompanhemos o seu raciocínio,
Complementares do just-in-time, as técnicas de linearização da produção são a
materialização (do ponto de vista das engenharias de organização) do objetivo de
produtividade através da flexibilidade.
o identificados por Benjamin Coriat (1994, p. 61) três séries de dispositivos essenciais para se
r em funcionamento os princípios que alicerçam otodo da linearização da produção,
25
Estamos interpretando a referência da cor laranja feita por Gounet (2002) como sendo a mesma da referência da
cor amarela feita por Ohno (1997).
43
- Conceber instalações em forma de “U”, permitindo a linearização das linhas de
produção;
- mobilizar trabalhadores pluriespecializados (multifuncional-workers trabalhadores
multifuncionais);
- recalcular permanentemente os padrões de operação alocados aos trabalhadores.
A primeira série de dispositivos ou pré-requisitos consiste na disposição da maquinaria utilizada na
produção na forma de um “U”, ou seja, a entrada e a saída da linha onde algum componente é
fabricado coincidem permitindo que um único trabalhador execute uma série variada de operões
que serão determinadas ao sabor das flutuações da demanda, como nos mostra Benjamin Coriat
(1994, p. 61),
Um mesmo trabalhador, sempre e por princípio ocupado com várias máquinas, é então
destinado a uma série variável de operações estabelecidas a partir da natureza do volume
das encomendas endereçadas à firma.
Tal disposão em “U” procura tornar proscritas três layouts clássicos dos ensinamentos
fordistas/tayloristas: o layout em “Gaiolas de pássaro”; o layout em “Ilhas Separadas e o layout
em linha.
O primeiro, oriundo das especificações tayloristas da execução de uma única tarefa ou um pequeno
mero de tarefas por cada homem, organiza a prodão dispondo várias máquinas idênticas numa
forma triangular ou quadrangular e inserindo no interior desta espécie de “gaiola um único
trabalhador, que dado este tipo de arrumação realiza sempre as mesmas operações de forma
repetitiva, como especifica Benjamin Coriat (1994, p. 62) ao descrever o layout,
[...] esta designação [se referindo ao layout em Gaiolas de Pássaro] pretende evidenciar
que o trabalhador está ali: “prisioneiro” de sua máquina, “encerrado” em seu posto.
Clara e praticamente, o que é aqui visado é o princípio taylorista de destinação de tarefas
seguindo a recomendação um homem/uma máquina, ou por extensão: um homem/várias
máquinas idênticas sobre as quais o operador executa, de maneira repetitiva, as mesmas
operações.
O limite de tal disposição é acumular estoques intermediários de posto a posto de trabalho ou
seguindo a taxonomia de Coriat (1994) de gaiola em gaiola aumentando a um ximo o tempo
necessário para deslocar os materiais de um posto a outro.
O segundo, oriundo das orientações fordistas da fixação de cada operário num único posto de
trabalho, agrupa em locais separados quinas de operações diferentes sendo operadas por um
único trabalhador com o intuito de realizar a produção completa ou semi-completa de um
componente no desígnio de economizar algum tempo morto que era desperdiçado na disposição em
Gaiolas.
44
Contudo, por estes postos não se interligarem entre si no espaço total do setor de produção, à
medida que estoques de componentes se agrupam nas saídas das ilhas novos desperdícios de tempo
são provocados, como nos mostra Benjamin Coriat (1994, p. 62) “[...] os estoques são acumulados
na saída de cada uma das ilhas; a conexão com o resto do processo e o equilíbrio geral dos fluxos
não são sempre realizados”.
O terceiro estilo de layout o layout em linha corresponde a uma, “digamos”, evolução dos
precedentes na medida em que arranja as quinas responsáveis por diferentes operações
específicas em uma disposição linear na qual as transformações necessárias para completar um
produto ou grandes componentes encontram seu termo com a passagem completa do mesmo pela
linha. No que tange à colocão dos operadores, este layout permite que se fixe cada trabalhador a
um posto onde manipulará algumas máquinas em operações sucessivas.
O limite de tal disposição se dá na medida em que se torna impossível uma realocação flexível das
atividades e operações dos trabalhadores em casos de flutuações na demanda e também que grandes
tempos são gastos no transporte de componentes de uma linha a outra em caso de necessidade de
intermediação entre as linhas, como especifica Benjamin Coriat (1994, p. 65),
O limite aqui [se referindo ao layout em linha] é que, em caso de variações das
encomendas, não nenhuma possibilidade de redistribuir as tarefas para diminuir o
número de trabalhadores ocupados. Além do mais, neste caso, as linhas são separadas
umas das outras e enormes tempos de estocagem (em fim de linha) e de transferências
(entre linhas) são consumidos.
Em resumo, as disposições em forma de “U” permitem superar esses desperdícios de tempo quando
realizam uma interligação de todo o sistema produtivo dispondo sincronicamente os inícios e os
finais das células de produção.
A segunda e a terceira série de dispositivos ou pré-requisitos são alcançadas pondo-se em
funcionamento os demais componentes do sistema produtivo, ou seja, a mobilização da força de
trabalho e a alocação dos tempos de trabalho de forma a atender a anterior disposição da
maquinaria empregada na fábrica na forma de “U”.
A mobilização de trabalhadores pluriespecializados é conseguida, por as disposições em U”
exigirem da força de trabalho a capacidade de operar máquinas distintas realizando como corolário
tarefas múltiplas o que acarretará como conseqüência a especialização dos mesmos em várias tipos
de operação, como demonstra Benjamin Coriat (1994, p. 66),
45
[...] num mesmo tipo de layout, as tarefas determinadas aos trabalhadores podem a todo
momento ser redefinidas e recompostas, inclusive através de uma “ultrapassagem de
fronteiras” entre duas formas “U” virtuais e justapostas ou linearizadas.
Por fim os padrões de operação alocados aos trabalhadores também acabam sofrendo flutuações
porque as fronteiras entre uma célula e outra são pouco demarcadas, ou seja, conforme o
aquecimento da demanda trabalhadores que são multiespecializadados podem facilmente auto-
deslocar-se de uma célula a outra mudando tanto o tipo de tarefas que executavam em seus postos
originais como os tempos de execução.
Quando os operadores alcançam tal capacidade de se deslocarem dentro do setor produtivo
conforme as flutuações da demanda Coriat (1994) vai afirmar que os tempos alocado
26
e imposto
27
dos regimes tayloristas/fordistas serão superados e em seus lugares surgirá o tempo partilhado cuja
natureza é caracterizada pela mobilidade, flexibilidade e modulabilidade a que são constantemente
redefinidos os tempos e as tarefas de operação, acompanhemos a descrição de Benjamin Coriat
(1994, p. 71),
Apoiado [se referindo a Taiichi Ohno] nas mesmas técnicas de base analítica dos tempos
e movimentos, ele se distingue dos precedentes princípios [se referindo aos tempos
alocado e imposto de Taylor e Ford respectivamente] pelo fato de graças à linearização
das secções de produção e à multifuncionalidade dos trabalhadores, introduz o princípio
de atribuição de tarefas moduláveis e variáveis tanto em quantidade quanto em natureza.
As fronteiras entre postos e ilhas de trabalho são mantidas numa situação
ininterruptamente “virtual” e são permanentemente transgressíveis por um ou vários
trabalhadores aos quais um conjunto de tarefas previamente determinadas foi alocado.
Neste sentido, a organização linearizada materializa uma forma de divisão do trabalho
em tarefas cujo traço central é que elas são “partilháveis” – e isto ininterruptamente.
Assim, com a aplicação dos pré-requisitos que modificam na fábrica tanto o agrupamento físico
das máquinas que deixa de ser linear e passa a ser em forma de “U” quanto o perfil dos
trabalhadores que deixam de ser especializados para serem multifuncionais, conjugados com a
aplicação de seus dois pilares principais, Taiichi Ohno conseguiu a grande faceta que fundamenta
todo o seu sistema que se trata na possibilidade de flexibilizar os processos produtivos tanto em
relação às quantidades quanto em relação à forma dos pedidos, mantendo, contudo, a produtividade
e esta sempre em uma relação de melhoria contínua dos processos de trabalho já alcançados.
E com isso é conseguida também uma intensificação no volume de trabalho despendido pelos
trabalhadores tomados de forma individual, ou em seu conjunto e, dada a flexibilidade na forma
26
É dito por Coriat (1994) que o tempo tinha natureza alocada no regime de Taylor, porque o mesmo estabelecia um
tempo ótimo/padrão para a realização das tarefas que era rigorosamente cronometrado através dos estudos de
tempo e movimento.
27
É dito por Coriat (1994) que o tempo era imposto no regime fordista, por ser a linha de produção a definidora do
ritmo que o trabalhador deveria operar as sucessivas atividades a ele atribuídas.
46
dos pedidos é conseguida uma produção bem mais afetada pelas flutuações na demanda do
mercado como afirmam Michael Hardt e Antônio Negri (2002, p. 311),
O toyotismo baseia-se numa inversão da estrutura fordiana de comunicação entre a
produção e o consumo. Idealmente, neste modelo, o planejamento de produção se
comunica com os mercados constante e imediatamente. As bricas mantêm estoque
zero, e as mercadorias são produzidas na medida exata, de acordo com a demanda atual
dos mercados existentes. Este modelo envolve, portanto, não apenas um feedback mais
rápido, mas também uma inversão da relação, porque, pelo menos em tese, a decisão de
produção vem, de fato, depois da decisão do mercado, e como reação a ela. Nos casos
extremos, a mercadoria é produzida depois que o consumidor a escolheu e pagou por
ela. De modo geral, entretanto, seria mais exato conceber o modelo como algo que busca
uma contínua interatividade ou uma rápida comunicação entre produção e o consumo.
Na tentativa de concluirmos nossa apresentação com uma caracterização geral do modelo Toyota
acompanharemos a descrição de Ricardo Antunes (1999, p. 54-55) que sintetiza e amplia nossas
investidas anteriores:
1) é uma produção muito vinculada à demanda...por isso sua produção é variada e
bastante heterogênea, ao contrário da homogeneidade fordista;
2) fundamenta-se no trabalho operário em equipe [...] rompendo com o caráter parcelar
típico do fordismo;
3) a produção se estrutura num processo produtivo flexível, que possibilita ao operário
operar simultaneamente várias máquinas [...];
4) tem como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de
produção;
5) funciona segundo o sistema de kanban, placas ou senhas de comando para reposição
de peças e estoques [...];
6) as empresas do complexo produtivo toyotista, inclusive as terceirizadas, têm uma
estrutura horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista [...];
7) organiza os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), constituindo grupos de
trabalhadores que são instigados pelo capital a discutir seus trabalho e desempenho,
com vistas a melhorar a produtividade das empresas, convertendo-se num
importante instrumento para o capital apropriar-se do savoir faire intelectual e
cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava;
8) o toyotismo implantou o emprego vitalício” para uma parcela dos trabalhadores
das grandes empresas (cerca de 25 a 30% da população trabalhadora, onde se
presenciava a exclusão das mulheres), além de ganhos salariais intimamente
vinculados ao aumento da produtividade.
O modelo Toyota de produção dadas as suas características bem mais próximas a períodos de
recessão e crise do que o modelo fordista foi sendo implementado em larga escala em todos os
países cuja produção e a economia estavam orientadas segundo as exigências do modo capitalista
de produção.
47
E, dada a intensificação do corcio oriundo do movimento de globalização, se tornou
imprescindível a sua implementação para que as corporações alcançassem a devida competitividade
necessária aos processos globais de troca de mercadoria e adaptassem sua estrutura à velocidade de
giro exigida pelo Capital Especulativo Parasitário, como afirma David Harvey (2003, p. 148),
O tempo de giro – que sempre é uma chave da lucratividade capitalista – foi reduzido de
modo dramático pelo uso de novas tecnologias produtivas (automação, robôs) e de novas
formas organizacionais (como o sistema de gerenciamento de estoques just-in-time, que
corta dramaticamente a quantidade de material necessária para manter a produção
fluindo).
No Brasil tal movimento de reestruturação produtiva se seguiu à abertura comercial durante a
década de 1990 que implementou em nível macroeconômico o modelo neoliberal e exigiu das
organizações sua adequada adaptação em termos produtivos. Na empresa analisada esta tendência
poderá ser facilmente observada quando acompanharmos o seu histórico e percebermos a mudança
brusca de direcionamento do modelo de gestão quando se implementou o modelo neoliberal em
nível macroeconômico.
Terminada a descrição da transição do regime de acumulação fordista para o toyotista com o telos
geral de aumentar a velocidade do giro do capital no reino da prodão, passaremos para a também
transição das formas de Estado que também passaram por grandes transformações no transitar das
décadas de 1970 e 1990.
1.3. Do Estado Keynesiano ao Estado Neoliberal.
O que tentaremos demonstrar neste tópico é a transição da gestão do Estado segundo as leis
intervencionistas keynesianas para o Estado de tipo Neoliberal onde novamente se voltou a aclamar
as “virtudes” do livre mercado como leis imprescindíveis para o bem estar coletivo.
Traçaremos inicialmente um esboço histórico dos movimentos para uma posterior apreciação do
conteúdo teórico das devidas propostas de gestão estatal.
O Estado Keynesiano surgiu da discussão da possibilidade de se aplacar as crises capitalistas por
meio de certas intervenções estatais no crescimento da demanda como assevera Adam Przeworski
(1989, p. 248),
A economia keynesiana é a economia da demanda [...]. Quando a demanda é estimulada,
seja por acontecimentos exógenos, a produção expande-se para acompanhá-la, a renda e
48
a poupança novamente crescem, até ser atingido um novo equilíbrio onde a poupança
novamente iguale o investimento em um nível mais elevado de utilização da capacidade
produtiva.
Tal preocupação surgiu nos Estados Unidos da América nos anos posteriores à crise de 1929 que
havia levado todo o ocidente capitalista a profundos níveis de depressão econômica associado a
crises sociais. O principal problema vivenciado neste período era a existência de grandes estoques
de capital e grandes estoques de fatores de produção dispostos lado a lado sem que houvesse um
emprego preciso dos mesmos através da produção como afirma Adam Przeworski,
O problema na década de 1930 eram os recursos ociosos: máquinas paradas e homens
sem trabalho. Em nenhuma outra época da história a irracionalidade do sistema
capitalista foi tão flagrante. Enquanto famílias morriam de fome, alimentos já
produzidos eram destruídos. O café era queimado, os porcos eram dizimados, os
estoques apodreciam, as máquinas enferrujavam. O desemprego era o problema crucial
da sociedade.
Diante desta situação um pouco que constrangedora para os países de economia central,
principalmente levando-se em consideração a ameaça real de que o caminho socialista da então
União Soviética representava para a economia de mercado, começou-se a pensar em um caminho
no qual algumas leis puramente liberais
28
seriam negadas e se buscaria a partir de políticas
notadamente voltadas para a elevação dos gastos do Estado na infra-estrutura econômica e na esfera
social uma revitalização do crescimento da economia capitalista necessária para a saída da crise,
como afirma Theotônio dos Santos (2004, p. 31),
O antigo liberalismo econômico era substituído por um novo “liberalismo” que aceitava
a intervenção estatal a favor do pleno emprego; as grandes empresas como forma mais
eficiente de organização da produção, seguindo planos de crescimento, dimensionando o
mercado e introduzindo inovações; as instituições financeiras multilaterais, como
reguladoras do dinheiro mundial, com uma cotação fixa para o dólar em ouro [...]; os
partidos políticos [...]; a distribuição de renda através de um regime fiscal progressivo,
etc.
Coube ao economista John Maynard Keynes a proposta de um modelo científico de gestão estatal
que funcionasse como uma injeção anti-cíclica para as possíveis crises capitalistas, que se
manifestavam através de sintomas como a superprodução associada a elevados níveis de
desemprego, evitando assim, com a retomada do crescimento e a possível estabilidade econômica
posterior, os perigos de uma revolução socialista. David Harvey (2003, p. 124) nos demonstra tal
fato, acompanhemos,
O problema, tal como o via um economista como Keynes, era chegar a um conjunto de
estratégias administrativas científicas e poderes estatais que estabilizassem o
capitalismo, ao mesmo tempo que se evitavam as evidentes repressões e
28
Como a afirmação da necessidade da naturalidade de uma taxa de desemprego como condição saudável para a
garantia da manutenção das taxas de lucratividade, da investido contra qualquer tipo de intervenção no
funcionamento da economia por parte do Estado, entre outras.
49
irracionalidades, toda a beligerância e todo o nacionalismo estreito que as soluções
nacional-socialistas implicavam.
Tal conjunto de medidas político-econômicas se materializaram em programas estatais
direcionados para a expansão da demanda agregada por meio de pesados investimentos em infra-
estrutura como: estradas; construção de grandes redes de telecomunicação; construção de sistemas
de ampliação do oferecimento de energia, entre outras.
E também pesados investimentos no bem-estar das populações como: garantia de seguro
desemprego; manutenção de elevados gastos no sistema habitacional e de educação e,
principalmente a manutenção de grandes redes públicas de saúde como demonstra Adam
Przeworski (1989, p. 247),
Em todas as suas formas, o compromisso keynesiano teve por base um programa dual:
“pleno emprego e igualdade”, sendo que o primeiro termo significava a regulação do
nível de emprego por meio da administração da demanda, em especial a representada
pelos gastos governamentais, e o segundo consistia na rede de serviços sociais que
compunham o “Estado do bem-estar”.
Pensamento parecido ao de David Harvey (2003, p. 129),
O Estado, por sua vez, assumia uma variedade de obrigações. Na medida em que a
produção de massa, que envolvia pesados investimentos em capital fixo, requeria
condições de demanda relativamente estáveis para ser lucrativa, o Estado se esforçava
por controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políticas fiscais e
monetárias no período pós-guerra. Essas políticas eram dirigidas para as áreas de
investimento público em setores como transporte, os equipamentos públicos etc.
vitais para o crescimento da produção e do consumo de massa e que também garantiam
um emprego relativamente pleno. Os governos também buscavam fornecer um forte
complemento ao salário social com gastos de seguridade social, assistência médica,
educação, habitação etc.
Essas propostas de reforma do sistema capitalista apesar de terem sido discutidas no período
posterior à crise de 1929, ou seja, a década de 1930, ganharam vulto e proporção ao ponto de
formarem um modelo de desenvolvimento estruturado e coeso após a Segunda Guerra Mundial
quando da apresentação pelo presidente Roosevelt do New Deal como afirmam Michael Hardt e
Antônio Negri (2002, p. 262) “A reforma capitalista foi adiante nos Estados Unidos, onde se
pros um New Deal democrático”. E também David Harvey (2003, p. 125) ao afirmar que, “O
problema de configuração e uso próprios dos poderes do Estado só foi resolvido depois de 1945”.
O período que seguiu à Segunda Guerra Mundial então, acompanhou a construção de todo um
programa de reforma do Estado que através de outros mecanismos surgidos pelas discussões que se
seguiram ao fim do conflito
29
posicionaram a economia americana no centro do sistema capitalista
29
Destacam-se o acordo de Bretton Woods que estabelecia a conversão imediata do dólar com o ouro em uma taxa
fixa e posteriormente traçava toda série de conversões fixas do dólar com as outras moedas fortes do sistema
50
mundial e, assim permitiram, aos Estados Unidos direcionarem o conteúdo político-econômico das
demais economias capitalistas.
Como as medidas norte-americanas consistiam num regime de acumulação fordista na produção e
um modo de regulamentação keynesiano como modelo de Estado, essas medidas foram
transmitidas a todas as outras nações capitalistas resultando em um longo período de crescimento
de todo os países de economia central entre as décadas de 1940 e 1970 como assevera David
Harvey (2003, p. 125),
[...] ele [se referindo ao modelo de desenvolvimento que conjuga o fordismo na
produção e o keynesianimo como modelo de Estado] veio a formar a base de um longo
período de expansão pós-guerra que se manteve mais ou menos intacto até 1973. Ao
longo desse período, o capitalismo nos países capitalistas avançados alcançou taxas
fortes, mas relativamente estáveis de crescimento econômico. Os padrões de vida se
elevaram, as tendências de crise foram contidas, a democracia de massa, preservada e a
ameaça de guerras intercapitalistas, tornada remota.
Apesar do inegável sucesso dessas políticas de natureza anti-cíclica no período que se estendeu
entre 1945 a 1973, alguns economistas liberais, durante o início da implementação dessas
medidas, reclamavam do abandono das velhasrmulas do antigo capitalismo do século XIX.
Os mais iminentes tratavam-se de Friedric Auguste Hayek e Milton Friedman.
Hayek, em 1944 na Inglaterra, quando, pela coalizão entre os países aliados ocidentais, a
influência do New Deal norte-americano com sua inevitável implementação de medidas de caráter
keynesiano começavam a influenciar as medidas do Estado inglês, publicou seu mais citado livro
“O Caminho da Servidão”.
Nesta obra Hayek lançou um ataque apaixonado às formas de intervenção estatal que
posteriormente foram empregadas no pós-guerra pelo governo trabalhista que ganhou as eleições
daquele período.
A hipótese central de “O Caminho da Servidão” era de que a sociedade ocidental estaria
abandonando o caminho virtuoso formador de seus valores o liberalismo – e no lugar do mesmo
se tornando cada vez mais socialista o que conseqüentemente acabaria levando tais sociedades a
regimes de Estado totalitários, observemos o argumento apaixonado de Friedric Auguste Hayek
(1944, p. 40),
capitalista como o iene, a libra esterlina entre outras. E o Plano Marshal por meio do qual os Estados Unidos
promoveram a reconstrução da economia da Europa Ocidental.
51
A tendência moderna ao socialismo não implica apenas um rompimento definitivo com
o passado recente, mas com toda a evolução da civilização ocidental, e isso se torna
claro quando o considerarmos não em relação ao século XIX, mas numa perspectiva
histórica mais ampla. Estamos rapidamente abandonando não as idéias de Cobden e
Bright, de Adam Smith e Hume, ou mesmo de Locke e Milton, mas também uma das
características mais importantes da civilização ocidental que evoluiu a partir dos
fundamentos lançados pelo cristianismo e pelos gregos e romanos. Renunciamos
progressivamente não só ao liberalismo dos séculos XVIII e XIX, mas ao individualismo
essencial que herdamos de Erasmo e Montaigne, de Cícero e Tácito, de Péricles e
Tucídides.
Faz-se hoje necessário declarar esta verdade amarga: é o destino da Alemanha que
estamos em perigo de seguir. Reconheço que esse perigo não é imediato, pois as
condições na Inglaterra ainda estão de tal modo distantes daquelas que em anos recentes
ocorreram na Alemanha, que se torna difícil acreditar estarmos marchando na mesma
direção. Contudo, embora a estrada seja longa, é uma estrada na qual, à medida que se
avança, é mais difícil voltar atrás (HAYEK, 1944, p. 32).
Do argumento do abandono do caminho do liberalismo Hayek estabelece um vínculo estrito
entre este caminho e a liberdade,
A contribuição do século XIX ao individualismo do período precedente foi apenas trazer
a todas as classes a consciência da liberdade, desenvolver sistemática e continuamente o
que surgira de modo aleatório e fragmentário, e disseminá-lo da Inglaterra e Holanda
para a maior parte do continente europeu ( HAYEK, 1944, p. 42).
Raciocínio que é seguido de acusações duras às medidas de planejamento estatal em prol de uma
melhor distribuição da renda – elemento central das medidas keynesianas – de estarem distorcendo
o desenvolvimento natural da sociedade o que, portanto, afetaria de forma definitiva o estado
natural da sociedade capitalista, acompanhemos,
Assim que o Estado assume a tarefa de planejar a vida econômica, o problema da
posição dos diferentes indivíduos e grupos torna-se inevitavelmente a questão política
predominante. Como o poder coercitivo do Estado decidirá a quem cabe isto ou
aquilo, o único poder efetivo e desejável será a participação no exercício desse mesmo
poder. Não haverá questão econômica ou social que o seja também uma questão
política, no sentido de que a sua solução dependerá exclusivamente de quem manejar o
poder coercitivo, daqueles cujas idéias estiverem predominando (HAYEK, 1944, p.
113).
Com estes argumentos Hayek pretendeu estabelecer uma relação necessária entre capitalismo e
liberdade. Ou seja somente nas sociedades de economia capitalista seria possível aos cidadãos
gozarem de liberdade a qual seria garantida pelo individualismo e pelo funcionamento das leis do
mercado.
Milton Friedman vai levar ao extremo tal pretensão de Hayek ao publicar em 1962 nos Estados
Unidos o livro “Capitalismo e Liberdade”; nele o autor vai tratar de ajustar também, de maneira
pouco criteriosa, uma relação entre liberdade econômica e liberdade política asseverando ser a
52
economia de mercado a única capaz de satisfazer todas as necessidades de um homem livre,
analisemos o raciocínio de Milton Friedman (1985, p. 17),
A organização econômica desempenha um papel duplo na promoção de uma sociedade
livre. De um lado, a liberdade econômica é parte da liberdade entendida em sentido mais
amplo e, portanto, um fim em si própria. Em segundo lugar, a liberdade econômica é
também um instrumento indispensável para a obtenção da liberdade política.
Como podemos perceber, efetuando dois tipos de afirmação Friedman tenta nos convencer de uma
relação necessária entre duas variáveis sem sequer realizar uma pequena demonstração! Tal tipo de
pretensão vai se tornando mais exacerbada na medida em que seguimos o pensamento de Friedman
expresso nesta obra. Mais adiante, ele tornará em suas afirmações, impossível historicamente uma
sociedade alcançar liberdade política sem que a mesma passe pela liberdade econômica,
acompanhemos o pensamento de Milton Friedman (1985, p. 19),
A evidência histórica fala de modo unânime da relação existente entre liberdade política
e mercado livre. Não conheço nenhum exemplo de uma sociedade que apresentasse
grande liberdade política e que também não tivesse usado algo comparável com um
mercado livre para organizar a maior parte da atividade econômica.
Tais tentativas de mostrar relações entre o livre mercado e as liberdades individuais fazem parte do
plano dos referidos autores de refutarem a série de medidas anti-cíclicas realizadas pelo Estado
Keynesiano tentando relacioná-las com medidas totalitárias para que as mesmas parecessem hostis
à sociedade civil, como medidas contendo boas pretensões, mas que inevitavelmente levariam a um
regime de Estado totalitário.
Tais ataques apaixonados às políticas estatais keynesianas corresponderam ao núcleo do
pensamento que hoje conhecemos como Neoliberal.
Tais ataques que iniciaram a ressurreição do pensamento puramente liberal do século XIX não
receberam grande acolhida durante as décadas de 1940 e 1970 nas quais as bases do Estado
Keynesiano foram implementadas na Europa causando muitos resultados positivos em termos
econômicos.
Assim, em 1947 Hayek, com a intenção de criar espaço para a germinação de suas idéias, convocou
um grupo de descontentes com o nascente Estado Keynesiano a uma reunião em uma estação em
Mont Pèlerin na Suíça de onde começaram a combater ferozmente o Estado intervencionista com
suas idéias, como nos afirma Perry Anderson (1994, p. 9),
Hayek convocou aqueles que compartilhavam sua orientação ideológica para uma
reunião na pequena estação de Mont Pèlerin, na Suíça. Entre os célebres participantes
estavam não somente adversários firmes do Estado do bem-estar europeu, mas também
53
inimigos férreos do New Deal norte-americano. Na sua seleta assistência encontravam-
se Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises, Walter Eupken,
Walter Lipman, Michael Polany, Salvador Madariaga, entre outros.
A partir desta reunião em abril de 1947 fundou-se a sociedade Mont Pèlerin a qual coube a união
de diversas vozes, se espraiando por diversos meios: acadêmicos; intelectuais
30
; midiáticos; etc. Na
tentativa de debelar os caminhos seguidos pelo Estado a partir dos anos 1940 como afirma
Francisco Eusébio Arruda (1996, p. 9),
Hayek procurou criar, juntamente com outras figuras insignes da época, tais como
Milton Friedman e Karl Popper, uma instituição (Sociedade de Mont Pèlerin) que tinha o
fim de combater as idéias Keynesianas, que vinham sendo colocadas em prática em
países como os EUA e Inglaterra, e o solidarismo observado como conseqüência das
práticas do Estado de bem-estar. Na verdade, o propósito dessa sociedade era criar bases
para a formação de um capitalismo diferente do que se vinha observando, ou seja, um
capitalismo sem intervenção do Estado, sem regulamentação, um capitalismo onde o
mercado pudesse ser o grande ator da economia.
E também Theotônio dos Santos (2004, p. 32),
Contra a hegemonia de Keynes, que justificava a intervenção estatal, contra o fascínio
pela União Soviética e o “romantismo” da Revolução Russa, contra o “desarmamento”
dos intelectuais e, sobretudo contra os economistas dispostos a apresentar planos de
desenvolvimento nacionais, contra a “contra-revolução intelectual” de que falou Milton
Friedman, referindo-se ao período posterior à Segunda Guerra Mundial, levando-se um
enorme aparato de propaganda ideológica, de política acadêmica e de coordenação de
políticas econômicas.
Duas frentes intelectuais em torno dos dois principais pensadores Hayek e Fridman se
formaram para a defesa do pensamento neoliberal neste período. Uma européia sob a liderança de
Hayek, a qual ficou denominada Escola Austríaca e outra americana liderada por Friedman, a qual
ficou denominada Escola de Chicago.
Como o modelo Keynesiano neste período se encontrava em seu ápice de prosperidade, as idéias
neoliberais não encontraram terreno político para a sua implementação ficando restritas aos debates
acadêmicos de suas escolas de origem como afirma Perry Anderson (1994, p. 10),
Por esta razão, [se referindo ao período de crescimento expressivo do capitalismo
mundial entre as cadas de 1940 e 1960] não pareciam muito verossímeis os avisos
neoliberais dos perigos que representavam qualquer regulação do mercado por parte do
Estado.
30
Um exemplo de canais no meio intelectual-acadêmico abertos para defesa do pensamento neoliberal foi a
concessão dos Prêmios Nobel de Economia entre os anos de 1974 e 1995 durante os quais a maioria das premiações
foram concedidas a membros da Sociedade Mont Pèlerin. Figuram entre os premiados segundo Santos (2004):
Friedrich A. Haeyk (1974); Milton Friedman (1976); George Stigler (1982), James Buchanan (1986); Maurice Allais
(1988); Ronald Coase (1991); Gary Becker (1992) e Bob Lucas (1995).
54
Só a partir da década de 1970, quando o modelo Keynesiano começou a apresentar sinais de crise é
que tais idéias começaram a ser ouvidas e consideradas no meio acadêmico e posteriormente
político,
A chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra, em 1973, quando todo o
mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela
primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, mudou tudo. A
partir daí as idéias neoliberais passaram a ganhar terreno (ANDERSON, 1994, p. 10).
[...] a chegada do esgotamento do modelo econômico, que se formou a partir da II
Guerra Mundial e que tinha os Estados Unidos como principal economia do planeta,
trouxe consigo novos problemas econômicos concomitantes, tais como recessão, baixas
taxas de crescimento e inflação, que não seriam debelados pela aplicação das políticas de
cunho Keynesiano. O modelo macroeconômico Keynesiano não estava conseguindo
explicar e dar soluções aos novos desafios que a economia dos anos 70 estava
apresentando. Dessa forma, as idéias neoliberais ganharam terreno (ARRUDA, 1996, p.
10).
Os motivos da crise na visão dos neoliberais estava ancorado no poder excessivo que a classe
trabalhadora havia alcançado por meio das políticas “antinaturais” do Estado Keynesiano que
impediam o funcionamento da sociedade segundo os imperativos perfeitos do capital,
As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizadas no poder
excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira geral, do movimento operário, que
havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas
sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez
mais os gastos sociais (ANDERSON, 1994, p. 10).
Como as idéias começaram a ser aceitas nos meios acadêmicos e políticos, para o projeto começar
a vigorar restava um espaço específico onde implementar a experiência neoliberal, que pela
radicalidade de suas medidas, já se previa lutas difíceis de serem vencidas nos países de economia
central.
A oportunidade surgiu em setembro de 1973 quando por meio de um golpe militar contra Salvador
Allende então presidente do Chile e que realizava um governo reformista com forte tendência de
esquerda o ditador Augusto Pinochet assumiu o controle do Estado Chileno. O Chile em regime
de ditadura política, então, passou a ser o ambiente propício para se implementar um projeto que
era claramente antipopular e antidemocrático, como afirma Theotônio dos Santos (2004, p. 43),
Depois do golpe militar contra Salvador Allende, em setembro de 1973, estabeleceu-se
um governo militar com amplos poderes para aplicar uma política econômica liberal.
Um grupo de discípulos de Milton Friedman, com sua assistência pessoal, assumiu o
Ministério de Economia para aplicar suas teorias sem limitações políticas.
E também Perry Anderson (1994, p. 20),
Refiro-me, bem entendido, ao Chile sob a ditadura de Pinochet. Aquele regime tem a
honra de ter sido o verdadeiro pioneiro do ciclo neoliberal da história contemporânea.
[...] O neoliberalismo chileno, bem entendido, pressupunha a abolição da democracia e a
55
instalação de uma das mais cruéis ditaduras militares do pós-guerra. Mas a democracia
em si mesma como explicava incansavelmente Hayek jamais havia sido um valor
central do neoliberalismo. A liberdade e a democracia, explicava Hayek, podiam
facilmente tornar-se incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir com os
direitos incondicionais de cada agente econômico de dispor de sua renda e de sua
propriedade como quisesse (ANDERSON, 1994, p. 20).
E novamente Theotônio dos Santos (2004, p. 21),
Este surto [referindo-se ao espraiamento das práticas governistas neoliberais] foi
precedido pela entrega da economia chilena à famosa “escola de Chicago”, neste
momento sob a liderança intelectual de Milton Friedman. Coube ao fascismo chileno do
General Pinochet o importante precedente histórico de dar o poder a uma corrente de
pensamento econômico desmoralizada desde a vitória da democracia contra o nazismo.
Nesses fatos podemos perceber a contradição e a falta de critério dos argumentos defendidos por
Hayek e Friedman na sua tentativa de afirmarem ser a economia de mercado o locus natural da
existência da liberdade política.
Quando se fala de liberdade no pensamento neoliberal o é bem sobre a liberdade política que se
está com medo de perder acusando o Estado do Bem-estar da possibilidade de se tornar totalitário,
mas sim, se está reclamando da falta de liberdade de movimentação do Capital Especulativo
Parasitário durante a vigência do Estado Keynesiano.
Após esta primeira experiência da implementação das medidas neoliberais por meio dos canhões
e baionetas do General Pinochet e de seus efeitos milagrosos em concentrar a riqueza e
desmobilizar a classe trabalhadora – a experiência foi transposta para os países centrais.
Com as eleições em 1979 de Margareth Thatcher como primeira ministra da Inglaterra e, um ano
depois, em 1980 com a eleição de Ronald Reagan como presidente dos Estados Unidos estava
aberto o espaço político dos países centrais para a implementação de medidas neoliberais, como
garante Perry Anderson (1994, p. 11),
[...] em 1979, surgiu a oportunidade [se referindo à possibilidade da implementação das
medidas neoliberais]. Na Inglaterra, foi eleito o governo Thatcher, o primeiro regime de
um país de capitalismo avançado publicamente empenhado em pôr em prática o
programa neoliberal. Um ano depois, em 1980, Reagan chegou à presidência dos
Estados Unidos.
E também Theotônio dos Santos (2004, p. 21) ao afirmar que, “[...] a onda neoliberal começou a
tornar-se hegemônica. Ela se iniciou com a vitória da Srª. Thatcher como primeiro-ministro da
Inglaterra e a eleição de Ronald Reagan como presidente dos Estados Unidos”.
56
Rapidamente após as implementações na Inglaterra e nos Estados Unidos o calendário de adesão às
medidas neoliberais se estendeu a muitos países da Europa Ocidental, entre eles: a Alemanha
Ocidental, em 1982 com a vitória nas eleições de Khol e a Dinamarca, em 1983 com a vitória nas
eleições de Schluter, como nos mostra Perry Anderson (1994, p. 11) “Em 1982, Khol derrotou o
regime social liberal de Helmut Schimidt, na Alemanha. Em 1983, a Dinamarca, Estado modelo do
bem-estar escandinavo, caiu sob o controle de uma coalizão clara de direita, o governo Schluter”.
A partir daí quase toda a Europa Ocidental como afirma Anderson (1994), excetuadas a Suécia e a
Áustria, aderiram ao modelo de Estado Neoliberal.
Implementado durante a década de 1980 nos países de economia central ocidentais, em fins da
década de 1980 e início da de 1990 surgiu um segundo alento para a implementação das medidas
econômicas de caráter neoliberal.
Trataram-se dos países da Europa Oriental e da ex-União Soviética que após a abertura de suas
economias ao Sistema Capitalista Mundial aderiram de imediato ao modelo com uma radicalidade
ainda maior do que os países do ocidente capitalista como nos apresenta Perry Anderson (1994, p.
18),
Os novos arquitetos das economias pós-comunistas no Leste, gente como Balcerovicz na
Polônia, Gaidar na Rússia, Klaus, na República Tcheca, eram e são seguidores convictos
de Hayek e Friedman, com um menosprezo total pelo Keynesianismo e pelo Estado do
bem-estar, pela economia mista e, em geral, por todo o modelo dominante do
capitalismo ocidental do período pós-guerra.
Os países da América Latina que através das medidas impostas pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI) para a renegociação de suas dívidas
31
representaram a terceira leva de inserção de economias
nacionais ao modelo neoliberal como assevera Perry Anderson (1994, p. 19-20),
[...] aqui na América Latina, que hoje em dia se converte na terceira grande cena de
experimentações neoliberais [...]. A virada continental em direção ao neoliberalismo não
31
Na América Latina, os ajustes estruturais propostos pelos países do centro se concentravam em torno do que se
convencionou chamar Consenso de Washington que foi o nome conferido à reunião realizada em novembro de 1989
por funcionários do governo norte-americano, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e do Banco
Internacional de Desenvolvimento no intuito de agruparem as medidas a serem implementadas pelos países de
economia periférica caso almejassem a obtenção de empréstimos para solucionar problemas com os seus pagamentos
externos. O conjunto de medidas que formaram tal Consenso no ano de 1989 e que destinaram-se aos países latino-
americanos foram: disciplina fiscal visando eliminar o déficit público; mudanças das prioridades em relação às
despesas públicas eliminando subsídios e aumentando gastos com saúde e educação; reforma tributária, aumentando
os impostos se isto for inevitável, mas a base tributária deveria ser ampla e as taxas marginais deveriam ser
moderadas; as taxas de juros deveriam ser determinadas pelo mercado e positivas; a taxa de câmbio deveria ser
também determinada pelo mercado, garantindo-se ao mesmo tempo que fosse competitiva; o comércio deveria ser
liberalizado e orientado para o exterior (não se atribui prioridade à liberalização dos fluxos de capitais); os
investimentos diretos não deveriam sofrer restrições; as empresas públicas deveriam ser privatizadas; as atividades
econômicas deveriam ser desreguladas e o direito de propriedade deve ser tornado mais seguro (ARRUDA, 1996).
57
começou antes da presidência de Salinas, no México, em 88, seguida da chegada ao
poder de Menem, na Argentina, em 89, da segunda presidência de Carlos André Perez,
no mesmo ano, na Venezuela, e da eleição de Fujimori, no Peru, em 90.
Terminado o escrutínio histórico da concepção e experiências políticas do modelo Neoliberal,
observaremos agora o tipo de investidas realizadas pelos governos influenciados por essa corrente
de pensamento.
De uma forma genérica, Aloísio Mercadante (1998, p. 131) descreve o tipo de medidas nas quais se
resumiram as experiências neoliberais,
[...] abertura comercial completa, desregulamentação geral da economia, reconhecimento
irrestrito de patentes, privatizações, Estado mínimo com a desarticulação dos
mecanismos de apoio ao crescimento e regulação econômica, flexibilização dos direitos
trabalhistas sempre orientados para estabelecer a primazia absoluta do mercado. Esse
processo é acompanhado pela ofensiva da inevitabilidade das “reformas”,
“modernização” e “globalização” como parte do “pensamento único” construído na
pretensa racionalidade do mercado.
Tratava-se de desmantelar todo o arcabouço de investidas criado pelos Estados de orientação
Keynesiana para fomentarem o capital produtivo: criando infra-estruturas que auxiliavam a
acumulação do capital como a rede de estradas rodoviárias, os investimentos em energia e
siderurgia, entre outros – ; garantindo um Estado de bem-estar no objetivo de auxiliar uma melhor
reprodução da força de trabalho e mantendo, de forma regulada, as tentativas de autonomização do
setor financeiro.
O Estado Neoliberal procurou, então, quebrar essas ações estatais e no lugar das mesmas imprimir
medidas que facilitassem o aparecimento, crescimento, autonomização e hegemonização do Capital
Especulativo Parasitário.
E tal estratégia tornou-se visível nas ações dos dois principais protagonistas do modelo Neoliberal
que foram os governos de Margareth Thatcher e de Ronald Reagan.
Acompanhemos com Perry Anderson (1994, p. 12) as medidas tomadas pela primeira ministra
Thatcher,
Os governos Thatcher contrairam a emissão monetária, elevaram as taxas de juros,
baixaram drasticamente os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles
sobre os fluxos financeiros, criaram níveis de desemprego massivo, aplastaram greves,
impuseram uma nova legislação anti-sindical e cortaram gastos sociais. E, finalmente
esta foi uma medida surpreendemente tardia se lançaram num amplo programa de
privatização, começando por habitação pública e passando em seguida a indústrias
básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água.
58
No governo Reagan apesar de sua obsessão em direcionar os gastos públicos para a indústria
bélica no intuito de derrubar a União Soviética em meio a Guerra Fria, o que gerou um aumento
extremo dos gastos estatais em seu mandato o sentido de orientar a política a tomar medidas
restritivas ao gasto público social, manter a estabilidade econômica, dificultar e até mesmo
desmobilizar os movimentos sindicais, reduzir a carga fiscal das classes mais abastadas e realizar a
liberalização dos fluxos de capital financeiro foi idêntico ao governo Thatcher como assevera Perry
Anderson (1994, p. 12),
Deve-se ressaltar que, na política interna, Reagan também reduziu os impostos em favor
dos ricos, elevou as taxas de juros e aplastou a única greve séria de sua gestão. Mas,
decididamente, não respeitou a disciplina orçamentária; ao contrário, lançou-se numa
corrida armamentista sem precedentes, envolvendo gastos militares enormes, que
criaram um déficit público muito maior do que qualquer outro presidente da história
norte-americana.
Se observarmos bem, a estrutura das medidas é bem parecida e em conjunto respondem a
necessidades específicas do momento histórico no qual as mesmas surgiram: criar as condições
necessárias para a acumulação do Capital via Capital Especulativo Parasitário.
As medidas que dizem respeito à redução dos gastos estatais e das privatizações satisfazem à
necessidade de um Estado forte na área fiscal que garanta condições para a elevada remuneração do
Capital destinado à especulação.
As medidas que dizem respeito ao combate e subjugação dos movimentos sindicais satisfazem a
necessidade de instalar um novo regime de trabalho de característica mais flexível que consiga
aumentar a extração da mais valia produzida pela força de trabalho, fonte única para a geração do
valor que posteriormente é apropriado pela esfera especulativa.
As medidas que dizem respeito ao aumento do endividamento público e privado e sua posterior
secutirização satisfazem a necessidade de criar o meio para a realização da punção da esfera
financeira especulativa sobre a esfera produtiva.
Nos demais países da Europa Ocidental e Oriental, América Latina e parte da Ásia onde o modelo
Neoliberal foi aplicado, as medidas se repetiram com o mesmo conteúdo pragmático.
O que às vezes permitia identificar algumas pequenas distinções eram fatores locais do país onde o
modelo foi implementado.
59
Sendo assim, a substituição do modo de regulamentação keynesiano pelo Neoliberal veio realizar a
tarefa de adequar os mecanismos de regulação do Estado à lógica de acumulação do Capital
Especulativo Parasitário.
Retomando alguns pontos para concluirmos nosso estudo da economia política do período pós
1980, vimos neste capítulo a reorientação da acumulação capitalista a partir da hegemonização do
Capital Especulativo Parasitário em relação aos Capitais Produtivo e Mercantil.
Esta hegemonização trouxe a necessidade de uma agilização do giro do Capital no setor produtivo
que acabou levando às organizações a uma série de reestruturações produtivas nas quais o modelo
Toyota de produção era implementado em substituição do modelo fordista na tentativa de cumprir
os designos do Capital Especulativo Parasitário.
Outra conseqüência marcante foi a implementação do Estado Neoliberal em substituição ao Estado
Keynesiano. Esta transição foi marcada com campanhas publicitárias nas quais tentava-se
degenerar a imagem do Estado empreendedor e do bem-estar com todas as qualificações nocivas
possíveis.
Com o neoliberalismo se conseguiu liberalizar os fluxos financeiros e também tomar medidas para
o crescimento das dívidas públicas e privadas que se constituíram no lócus por excelência da
obtenção dos estratosféricos lucros parasitários.
CAPÍTULO 2.
ANALÍTICA DAS RELAÇÕES DE PODER
O objetivo deste capítulo é esclarecer o conceito de relações de poder dentro do pensamento
foucaultiano. Tarefa um pouco árdua dado ao fato do pensamento do filósofo às vezes apresentar-se
um pouco hermético.
60
Outra questão importante do capítulo é precisar o estudo das relações de poder dentro do conjunto
da obra do filósofo, olhar necessário devido à circunstância de Michel Foucault trocar e revisar seu
objeto e seutodo durante o conjunto de seus escritos.
Portanto, iniciaremos o capítulo demarcando os períodos e os conceitos específicos do pensamento
de Michel Foucault dos quais nos utilizamos para a nossa pesquisa, para, posteriormente
apresentarmos por meio de um escrutínio coerente as técnicas e procedimentos que veiculam o
funcionamento das relações de poder na sociedade capitalista contemporânea.
2.1. A Obra de Foucault.
A obra do Filósofo Michel Foucault segundo alguns de seus comentaristas
32
pode ser dividida em
três momentos específicos a partir dos objetos de sua análise e do método utilizado em suas
pesquisas: uma arqueologia dos saberes do homem, que compreenderia seus livros publicados
durante a década de 1970, notadamente História da Loucura na Idade Clássica (1961), O
Nascimento da Clínica (1963), As Palavras e as Coisas (1966) e A Arqueologia do Saber (1969);
uma genealogia das relações de poder, que compreenderia seus livros publicados durante a década
de 1970, notadamente Vigiar e Punir (1975) e A Vontade de Saber volume I da história da
sexualidade (1976); uma genealogia da ética, compreendendo seus últimos livros, publicados na
década de 1980, notadamente O Uso dos Prazeres volume II da história da sexualidade (1984) e
O Cuidado de Si – volume III da história da sexualidade (1984).
Esta descrição usando como forma de classificação os macro períodos, por meio dos quais as
produções intelectuais do filósofo são comparadas em blocos, é a forma mais clássica e é a
utilizada por Roberto Machado na introdução do conjunto de textos e entrevistas de Foucault
organizados por ele sob o título Microfísica do Poder (1979).
Deleuze (1988) analisou a obra de Michel Foucault de uma maneira um pouco diversa, apesar da
cronologia das obras ser coerente com a de Machado (1979).
Em Deleuze (1988) encontraremos os períodos de distinção nos escritos foucaultianos
diferenciados a partir da identificação de características quanto ao método de pesquisa utilizado e
também quanto às linhas ou limiares dos quais Foucault se utilizaria ao compor seus escritos. Seria
32
Nos referimos a Roberto Machado e Salma Tannus Muchail no caso brasileiro e de Gilles Deleuze no caso francês.
61
possível nesta descrição formulada por Deleuze (1988) identificar três períodos bem marcados da
obra de Michel Foucault: O Foucault arquivista; o Foucault cartógrafo e o Foucault ético.
O primeiro Foucault, ou o Foucault da década de 1960, seria, segundo Deleuze (1988), o Foucault
arquivista: aquele preocupado em analisar, utilizando-se do método arqueológico, dos estratos
históricos formados pelos saberes que funcionaram como estatuto para as afirmações das ciências
humanas que emergiram em fins do século XVIII.
Deleuze (1988) chama Foucault de arquivista neste período por os saberes na interpretação
permitida a Deleuze pela obra de Foucault serem constituídos de estratos históricos biformes
constituídos de visibilidades e enunciabilidades, do visível e do enunciável, ou, em outras palavras
de uma forma visível (realidade concreta) caracterizada pelo significante e de uma forma
enunciativa (enunciados no interior da linguagem) caracterizada pelo significado,
Os estratos o formações históricas, positividades ou empiricidades. “Camadas
sedimentares”, eles são feitos de coisas e de palavras, de ver e de falar, de visível e de
dizível, de regiões de visibilidade e campos de legibilidade, de conteúdos e de
expressões (DELEUZE, 1988, p. 57).
[...] o saber, na nova conceituação de Foucault, define-se por suas combinações do
visível e do enunciável próprias para cada extrato, para cada formação histórica. O saber
é um agenciamento prático, um “dispositivo” de enunciados e de visibilidades [...] o
saber existe em função de “limiares” bastante variados, que assinalam um número
equivalente de camadas, clivagens e orientações sobre o extrato considerado
(DELEUZE, 1988, p. 60).
Deleuze (1988) classificou essa composição que constitui os saberes de arquivo, assim, Foucault
neste período ao criar sua obra a partir de uma arqueologia desses arquivos, seria um arquivista.
O segundo Foucault, o da década de 1970, seria, segundo Deleuze (1988) o Foucault cartógrafo:
aquele preocupado em analisar utilizando-se de um olhar genealogista as relações de poder
presentes nas instituições de reclusão que emergiram no tecido social em meados do século XVIII e
cujas práticas deram sustentabilidade ao aparecimento de ciências humanas como a psiquiatria, a
pedagogia e a criminologia e as relações de poder constituintes das ações estatais que tiveram como
objetivo gerir a vida das populações em fins do século XVIII e que fundamentaram
epistemologicamente disciplinas como a estatística, a demografia, a economia e a geografia.
O termo cartógrafo é utilizado por Deleuze (1988) para caracterizar Foucault pelo fato da mudança
de natureza do objeto de estudo.
62
Quanto o que se estava em jogo eram as relações de poder, Deleuze (1988) interpretou por meio de
Foucault a não existência de formas nem de funções formalizadas que basilariam as relações de
poder.
A partir da interpretação foucaultiana, as relações de poder não possuiriam formas específicas,
muito menos funções formalizadas que as fundamentassem, se constituiriam na melhor das
hipóteses em relações de força nas quais o que existiria seria um afeto tuo entre as forças que
seriam melhor apreendidas na figura de um diagrama disforme,
[...] o poder é uma relação de forças, ou melhor, toda relação de forças é uma “relação de
poder”. Compreendamos primeiramente que o poder não é uma forma, por exemplo, a
forma-Estado; e que a relação de poder não se estabelece entre duas formas, como o
saber. Em segundo lugar, a força o está no singular, ela tem como característica
essencial estar em relação com outras forças, de forma que toda força é relação, isto é
poder: a força não tem objeto nem sujeito a não ser a força [...]. Um exercício de poder
aparece como um afeto, que a própria força se define por seu poder de afetar outras
forças (com as quais está em relação) e de ser afetada por outras forças. Incitar, suscitar,
produzir (ou todos os termos de listas análogas) constituem afetos ativos, e ser incitado,
suscitado, determinado a produzir, ter um efeito “útil”, afetos reativos (DELEUZE,
1988, p. 78).
Poder-se-á então definir o diagrama de diversas maneiras que se encadeiam: é a
apresentação das relações de forças que caracterizam uma formação; é a repartição dos
poderes de afetar e dos poderes de ser afetada; é a mistura das puras funções não-
formalizadas e das puras matérias não-formadas (DELEUZE, 1988, p. 80).
O modelo arquitetural criado pelo jurista inglês Jaremy Bentham para a reforma do sistema
penitenciário francês em fins do século XVIII seria a figura que mais bem ilustraria esse diagrama
que organizaria as relações de poder que substituíram as que se deram sob o modelo da soberania
durante a idade clássica.
E, mesmo Foucault (2002a, p. 187), ironiza ao mencionar a falta de admiração que devemos ter ao
depararmos com a homologia entre escolas, fábricas, hospitais e prisões ao descrever a tendência
ao panoptismo de nossa época,
Acaso devemos nos admirar que a prisão celular, com suas cronologias marcadas, seu
trabalho obrigatório, suas instâncias de vigilância e de notação, com seus mestres de
normalidade, que retomam e multiplicam as funções do juiz, se tenha tornado o
instrumento moderno da penalidade? Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça
com as fábricas, com as escolas, com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam
com as prizões?
Destarte, sendo o objeto de análise de Foucault, nesta segunda fase, relações tão disformes e tão
sem-formalizações, Deleuze (1988), viu na tentativa de Foucault de apreender tais relações se
utilizando de um olhar genealógico a figura de um cartógrafo que em sua atividade procuraria criar
63
campos de identificação de um território desconhecido investigando as construções e
desconstruções do mesmo.
O último Foucault, o da década de 1980, seria, segundo Deleuze (1988), o Foucault ético: aquele
preocupado em criar modos de subjetivação nos quais sujeitos seriam formados em linhas
diferentes das tecidas pelo complexo poder-saber que atua em nossas sociedades ocidentais
capitalistas.
Dentre os três Foucault
33
que Deleuze (1988) nos permite perceber, ficamos na confecção de nosso
trabalho, com o Foucault genealogista, ou seja, o Foucault da década de 1970 cujos delineamentos
do funcionamento da relações de poder descreveremos no próximo tópico.
2.2. Disciplinas e Biopolíticas.
Foucault (2002a) ao analisar as metamorfoses na forma de se executar as punições na passagem do
século XVII para o XVIII, acabou por encontrar não apenas uma nova metodologia na forma de
punir que foi substituída por um sistemático sistema de vigilância, mas sim, uma verdadeira
metamorfose na forma de se disseminar as relações de poder na sociedade ocidental.
Foucault observou que no período da história ocidental que conhecemos como Absolutismo
Monárquico
34
(ancièn regime) as relações de poder fundamentavam-se e configuravam-se na
expressão corpórea do monarca, ou seja, era do corpo do Rei que irradiavam todas as formas de
poder dando a estas relações uma aparência física, como afirma Roney Muniz Rosa (1997, p. 233)
“Este [se referindo ao Rei], com sua presença ‘material e mítica’ era quem ordenava, ameaçava e
punia, vingando-se nos corpos dos condenados a serem supliciados, por insurgirem-se contra suas
ordens”.
33
Não que sejam pessoas diferentes e também, não que a obra do Filósofo seja tão dispersa que não permita
encontrar alguma coerência entre uma fase e outra. Utilizamos a expressão três Foucault’s apenas por questões de
estética do texto, no intuito de torná-lo mais claro.
34
Este período é também classificado por Foucault em seus escritos como Idade Clássica. Trata-se do período entre
os séculos XVI e XVII quando os Estados europeus começaram a se constituir sob a forma centralizada caracterizada
pela Monarquia.
64
Tal materialidade do poder ficava bem evidenciada nos procedimentos do suplício
35
, considerado
por Foucault (2002a) como a representação da presença encolerizada do rei que se vingava dos
infratores de suas leis, sentenciando-os à morte de rodas, forca, ao patíbulo, esquartejamento ou ao
pelourinho, rituais que mostravam claramente o excesso de poder contido na pessoa do rei em
relação aos seus súditos cujas vidas o pertenciam.
Era um poder de vida e de morte, ou seja, ao soberano caberia a decisão da continuidade ou não da
vida dos súditos que habitavam nesta região incerta entre a vida e a morte, que, não cabia aos
mesmos a decisão de continuarem, ou não, vivos,
Em certo sentido, dizer que o soberano tem direito de vida e de morte significa, no
fundo, que ele pode fazer morrer e deixar viver ; em todo caso, que a vida e a morte não
são desses fenômenos naturais, imediatos, de certo modo originais ou radicais, que se
localizam fora do campo do poder político (FOUCAULT, 2002b, p. 286).
Fazer morrer e deixar viver seria o télos do poder em mãos da soberania no lapso entre os séculos
XVI e XVII no lócus específico dos Estados ocidentais e que possuía como desdobramento
importante o não pertencimento dos corpos e vidas pelos próprios súditos, ou seja, tais elementos
eram de inteira propriedade do monarca, o qual fazia deles o que bem entendesse, desde que pelas
cerimônias cruéis do suplício seu poder absoluto fosse mantido,
[...] em relação ao poder, o súdito não é, de pleno direito, nem vivo nem morto. Ele é, do
ponto de vista da vida e da morte, neutro, e é simplesmente por causa do soberano que o
súdito tem direito de estar vivo ou tem direito, eventualmente, de estar morto. Em todo
caso, a vida e a morte dos súditos se tornam direitos pelo efeito da vontade soberana
(FOUCAULT, 2002b, p. 286).
Tal cenário no qual a vontade soberana encontrava neste tipo de exercício o meio de demonstrar
sua finalidade começou a ser questionado no decorrer do século XVIII pelos reformadores do
sistema judiciário
36
que sinalizavam em suas críticas a modificação do objeto e da economia do
castigo ou pena, ou seja, de um castigo que tinha como objeto o corpo e ao ser posto em
funcionamento o exterminava para um castigo que não tivesse mais o corpo e seus elementos como
objeto, mas que, ao contrário incidisse sobre a “alma” dos condenados,
35
Em Michel Foucault (2002a, p. 31) encontramos uma descrição mais precisa do tipo de pena considerada suplício,
em suas palavras encontramos que o mesmo seria, “Uma pena, para ser um suplício, deve obedecer a três critérios
principais: em primeiro lugar, produzir uma quantidade de sofrimento que se possa, se o medir exatamente, ao
menos apreciar, comparar e hierarquizar; a morte é um suplício na medida em que ela não é simplesmente privação
do direito de viver, mas a ocasião e o termo final de uma graduação calculada de sofrimentos: desde a decapitação
que produz todos os sofrimentos a um gesto e num instante até o esquartejamento que os leva quase ao
infinito, através do enforcamento, da fogueira e da roda, na qual se agoniza muito tempo; a morte suplício é a arte de
reter a vida no sofrimento, subdividindo-a em ‘mil mortes’ e obtendo, antes de cessar a existência, the most exquisite
agonies”.
36
Foucault (2002a) quando se refere aos reformadores do sistema penal entre os séculos XVIII e XIX se embasa
principalmente nos escritos de G. de Mably, Beccaria e J.P. Brissot.
65
Se não é mais ao corpo que se dirige a punição, em suas formas mais duras, sobre o que,
então, se exerce? A resposta dos teóricos daqueles que abriram, por volta de 1780, o
período que ainda não se encerrou é simples, quase evidente. Dir-se-ia inscrita na
própria indagação. Pois não é mais o corpo, é a alma. À expiação que tripudia o corpo
deve suceder um castigo que atue profundamente, sobre o coração, o intelecto, as
disposições [...]. Momento importante. O corpo e o sangue, velhos partidários do fausto
punitivo, são substituídos. Novo personagem entra em cena, mascarado. Terminada uma
tragédia, começa a comédia, com sombrias silhuetas, vozes sem rosto, entidades
impalpáveis. O aparato da justiça punitiva tem que ater-se, agora, a esta nova realidade,
realidade incorpórea (FOUCAULT, 2002a, p. 18).
E, quanto à economia, que o castigo ou pena, não mais destruísse o corpo no tempo presente ao ser
exercido, mas que, tivesse como objetivo maior a correção das ações do corpo no intuito de evitar a
realização do crime no tempo futuro, ou seja, tornar o crime desvantajoso aos olhos de quem
pudesse desejar praticá-lo como assevera Michel Foucault (2002a, p. 78),
Calcular uma pena em função não do crime, mas de sua possível repetição. Visar não à
ofensa passada mas à desordem futura. Fazer de tal modo que o malfeitor não possa ter
vontade de recomeçar, nem possibilidade de ter imitadores. Punir será então uma arte
dos efeitos; mais que opor a enormidade da pena à enormidade da falta, é preciso ajustar
uma à outra as duas séries que seguem o crime: seus próprios efeitos e os da pena.
Que a punição olhe para o futuro, e que uma de suas funções mais importantes seja
prevenir, era, séculos, uma das justificações correntes do direito de punir. Mas a
diferença é que a prevenção que se esperava como um efeito do castigo e de seu brilho –
portanto de seu descomedimento tende a tornar-se agora o princípio de sua economia,
e a medida de suas justas proporções. É preciso punir exatamente o suficiente para
impedir (FOUCAULT, 2002a, p. 79).
A causa de fundo que certamente inspirou essa série de questionamentos do poder de vida e de
morte centrado no corpo do soberano durante o transcorrer do século XVIII, foi uma mudança de
estrutura econômica e política da organização da sociedade como um todo, trazida pelo
florescimento da economia capitalista neste período específico entre os séculos XVII e XVIII nos
países ocidentais.
Economia capitalista que de um lado necessitou do crescimento da população e de sua urbanização,
trazendo com isso uma série de problemas novos que o antigo esquema soberano-súdito não mais
conseguia responder de forma eficiente. E, de outro, necessitou também que houvesse uma
mudança no modo como a produção e a geração de riquezas eram fundamentadas, ou seja, que se
abandonasse a forma agrária e presa às regras feudais para se industrializar e necessitar ser regido
por normas diferentes das que constituíam o universo “servos-senhores feudais” que regiam o
período medieval,
O crescimento de uma economia capitalista fez apelo à modalidade específica do poder
disciplinar, cujas fórmulas gerais, cujos processos de submissão das forças e dos corpos,
cuja “anatomia política”, em uma palavra, podem ser postos em funcionamento através
66
de regimes políticos, de aparelhos ou de instituições muito diversas (FOUCAULT,
2002a, p. 182).
Em síntese, poderíamos dizer que as formas antigas de regulação social não mais davam conta de
conter e organizar as forças sociais que começavam a se formar no decorrer do século XVIII,
[...] tudo sucedeu como se o poder, que tinha como modalidade, como esquema
organizador, a soberania, tivesse ficado inoperante para reger o corpo econômico e
político de uma sociedade em via, a um tempo, de explosão demográfica e de
industrialização. De modo que à velha mecânica do poder de soberania escapavam
muitas coisas, tanto por baixo quanto por cima, no nível do detalhe e no nível da massa
(FOUCAULT, 2002b, p. 298).
Em resposta a essas mudanças na constituição e no funcionamento da sociedade, às quais o poder
soberano não mais dava conta de acomodar; novas formas de exercício de poder foram gestadas e
postas em funcionamento no intuito de reger a vida do corpo social no alvorecer das sociedades
capitalistas ocidentais,
Foi para recuperar o detalhe que se deu uma primeira acomodação: acomodação dos
mecanismos de poder sobre o corpo individual, com vigilância e treinamentoisso foi a
disciplina. [...] E, depois, vocês têm em seguida, no final do século XVIII, uma segunda
acomodação, sobre os fenômenos globais, sobre os fenômenos de população, com os
processos biológicos ou bio-sociológicos das massas humanas. Acomodação muito mais
difícil, pois, é claro, ela implicava órgãos complexos de coordenação e de centralização.
Temos, pois, duas séries: a série corpo-organismo-disciplina-instituições; e a série
população-processos biológicos-mecanismos regulamentadores-Estado. Um conjunto
orgânico institucional: a organo-disciplina da instituição, se vocês quiserem, e, de outro
lado, um conjunto biológico e estatal: a bio-regulamentação pelo Estado (FOUCAULT,
2002b, p. 298).
Destarte, em substituição à gestão da sociedade via formas de exercício de poder que possuíam a
soberania, como modelo cujo exercício resultava em rituais cruéis e sangrentos ligados à
corporeidade do monarca, passamos a nos confrontar com uma espécie específica de exercício de
poder que primava pela gestão da vida, portanto um biopoder, “Pode-se dizer que o velho direito de
causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de causar a vida ou devolver à morte
(FOUCAULT, 2001a, p. 130)”.
Biopoder este que, ao servir de modelo para a gestão da vida com um máximo de eficácia se
constituiria em dois registros principais e em níveis de atuação distintos: as disciplinas, centradas
no detalhe, no corpo individual, preocupadas com a produção de individualidades com um máximo
de capacidades técnicas e um mínimo de ação política a serem utilizadas nos aparelhos de produção
da nascente sociedade capitalista e as biopolíticas centradas no homem-espécie, buscando garantir a
redução dos fenômenos globais que ameaçassem a reprodução da vida humana convertida em força
67
de trabalho pelas operações dos aparelhos disciplinares, e que seria a fonte da extração do sobre-
lucro por essa mesma sociedade capitalista
37
, como defende Michel Foucault (2001a, p. 130-132),
Concretamente, esse poder sobre a vida desenvolveu-se a partir do século XVII, em duas
formas principais; que não são antitéticas e constituem, ao contrário, dois pólos de
desenvolvimento interligados por todo um feixe intermediário de relações. Um dos
pólos, o primeiro a ser formado, ao que parece, centrou-se no corpo como máquina: no
seu adestramento, na ampliação de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no
crescimento paralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistemas de
controle eficazes e econômicos tudo isso assegurado por procedimentos de poder que
caracterizam as disciplinas : anátomo-política do corpo humano. O segundo, que se
formou um pouco mais tarde, por volta da metade do século XVIII, centrou-se no corpo-
espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos
biológicos: a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o nível de saúde, a duração
da vida, a longevidade, com todas as condições que podem fazê-los variar; tais processos
são assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles reguladores: uma
bio-política da população. A velha potência da morte em que se simbolizava o poder
soberano é agora, cuidadosamente, recoberta pela administração dos corpos e pela
gestão calculista da vida [...]. Abre-se, assim, a era de um “bio-poder”.
Paula Sibilia (2002, p. 163) também oferece visão semelhante ao interpretar a obra de Michel
Foucault,
As formas jurídicas cristalizadas no prometéico século XIX [...] enunciaram um tipo de
direito completamente distinto [se referindo ao tipo de direito existente nas sociedades
do período do absolutismo monárquico: fazer morrer e deixar viver]: o de fazer viver e
deixar morrer. Em suma: o de gerir e esquadrinhar as vidas. É a passagem da soberania
sobre a morte para a regulamentação da vida, abrindo o horizonte para as biopolíticas e
as disciplinas. Tal é a configuração que adquirem as redes de poder nas sociedades
industriais, numa dinâmica que Foucault sistematizou com o nome de biopoder: um tipo
de poder fundamental para o desenvolvimento do capitalismo, cujo objetivo é produzir
forças, fazê-las crescer, ordená-las e canalizá-las, em vez de barrá-las ou destruí-las.
Descrita de forma genérica a transição na forma de exercício de poder que ocorreu na passagem das
sociedades de soberania para as sociedades disciplinares, passaremos a descrever com um grau
mais aprofundado de detalhe os dois eixos do exercício do biopoder na sociedade contemporânea,
ou seja, acompanharemos em detalhe as relações de força postas em movimento pelas disciplinas e
pelas biopolíticas.
37
A relação clara entre o surgimento da economia capitalista e o aparecimento das relações de poder que Foucault
une sob o conceito de biopoder pode ser encontrada em diversas passagens de Vigiar e Punir (1975) e de A Vontade
Saber (1976) separamos para elucidar nossa afirmação uma passagens de A Vontade de Saber (p. 132), observemos:
“Este bio-poder, sem a menor dúvida, foi elemento indispensável ao desenvolvimento do capitalismo, que pode
ser garantido à custa da inserção controlada dos corpos no aparelho de produção e por meio de um ajustamento dos
fenômenos de população aos processos econômicos. Mas, o capitalismo exigiu mais do que isso; foi-lhe necessário o
crescimento tanto de seu reforço quanto de sua utilidade e sua docilidade; foram-lhe necessários métodos de poder
capazes de majorar as forças, as aptidões, a vida em geral, sem por isto torná-las mais difíceis de sujeitar; [...] o
ajustamento da acumulação dos homens à do capital, a articulação do crescimento dos grupos humanos à expansão
das forças produtivas e a repartição diferencial do lucro, foram, em parte, tornados possíveis pelo exercício do bio-
poder com suas forças e procedimentos múltiplos. O investimento sobre o corpo vivo, sua valorização e a gestão
distributiva de suas forças foram indispensáveis naquele momento”.
68
Como bem evidenciado, o exercício das disciplinas nasceu da necessidade da inserção de uma
multidão camponesa disforme e desordenada que constituía a população européia em fins do século
XVII e no início do século XVIII a um aparelho de produção, que para funcionar, necessitava se
utilizar de um máximo da força de trabalho desta população.
Nasceu daí a necessidade de repensar toda a estrutura do exercício da dominação. Michel Foucault
(2002a, p. 118) ao contrastar as disciplinas com o poder soberano nos apresenta modificações na
escala, no objeto e na modalidade do controle que subjazem o exercício das relações de poder
presentes nas disciplinas, vejamos,
Muitas coisas entretanto são novas nessas técnicas [se referindo às disciplinas]. A escala,
em primeiro lugar, do controle: não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo,
como se fosse uma unidade indissociável mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer
sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica
movimentos, gestos atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto,
em seguida, do controle: não, ou não mais os elementos significativos do
comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos,
sua organização interna; a coação se faz mais sobre as forças que sobre os sinais; a única
cerimônia que realmente importa é a do exercício. A modalidade enfim: implica numa
coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre
seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o
tempo, o espaço, os movimentos.
Exercícios com duração ininterrupta convertendo as forças presentes no corpo em forças úteis e ao
mesmo tempo dóceis: eis todo o sentido e prática das disciplinas que, atuando imanentes ao corpo
social, tornaram possível converter o tempo de vida das pessoas em tempo de trabalho e,
posteriormente, permitiu que os corpos das pessoas fossem oferecidos como força de trabalho aos
aparelhos de produção capitalista como defende Michel Foucault (2002c, p. 119),
A primeira função do seqüestro
38
era de extrair o tempo, fazendo com que o tempo dos
homens, o tempo de sua vida, se transformasse em tempo de trabalho. Sua segunda
função consiste em fazer com que o corpo dos homens se torne força de trabalho. A
função de transformação do corpo em força de trabalho responde à função de
transformação do tempo em tempo de trabalho.
Michel Foucault (2002a, p. 117) observando o grau de detalhamento que o exercício das relações
de poder ganhou com a hegemonia das disciplinas conceituou a transição das práticas de poder
basiladas no poder soberano para as práticas de poder basiladas nas disciplinas como uma
passagem da física do poder para a microfísica, ou seja, o poder que era percebido como metáfora
corpórea do soberano deslocou-se e capilarizou-se em uma miríade de ações incidentes sobre os
38
Foucault (2002c) se refere aqui a seqüestro por todas as instituições encarregadas de aplicar as disciplinas
possuírem como primeira atividade o trancamento de pessoas no interior de um espaço específico para
posteriormente inscrevê-las em um aparelho de produção qualquer. Produção que poderá ser de mercadorias as
fábricas; de saber as escolas; de cura os hospitais; de loucura os hospitais psiquiátricos; etc. Assim, em sua
visão, estas instituições poderiam ser denominadas instituições de seqüestro.
69
corpos dos súditos e, não mais no sentido de os machucar ou matar, mas sim no sentido de os
utilizar e os consumir,
Houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder.
Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo ao
corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou
cujas forças se multiplicam.
Dentro de tal expectativa foi constituída toda uma nova mecânica para basilar essas ações anátomo-
políticas que caracterizam este exercício de poder que, a partir de então, possuiria um duplo
objetivo em sua relação com os corpos: o de torná-los úteis e, ao mesmo tempo, dóceis para que
fossem melhor inscritos nos aparelhos produtivos que começavam a emergir na realidade social de
fins do século XVIII com o alvorecer do capitalismo como nos mostra Michel Foucault (2002a, p.
119),
O copo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o
recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do
poder”, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros,
não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer,
com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica
assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças
do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em
termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele
por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por
outro lado a energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de
sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho,
digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão
aumentada e uma dominação acentuada.
Para a realizão desse novo tipo de exercício de poder foram necessários procedimentos precisos
de modo a se conseguir esse duplo objetivo das disciplinas: obediência-controle (docilidade) dos
corpos simultânea à sua utilidade econômica. O primeiro procedimento que então encabeçou a
construção dessa miríade de ações anatômicas e políticas que caracterizam as disciplinas foi a
distribuição espacial dos corpos. Neste procedimento foram utilizadas quatro técnicas específicas a
saber:
o enclausuramento, que correspondeu ao trancamento dos corpos em instituições com
forma arquitetural homogêneas tais como: escolas; quartéis; fábricas; hospitais; etc.
Foucault (2002c) também denomina este procedimento de seqüestro dos corpos, o
que levaria as instituições a serem classificadas como instituições de seqüestro;
70
o quadriculamento, que correspondeu à individualização celular dos corpos no
interior das instituições supracitadas. “O espaço disciplinar tende a se dividir em
tantas parcelas quanto corpos ou elementos a repartir. [...] Importa estabelecer as
presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos(FOUCAULT,
2002a, p.123);
nas localizações funcionais, os corpos, que estavam trancados e individualizados,
foram relacionados a uma atividade específica ao aparelho de produção que
representava o cárcere. “É preciso ligar a distribuição dos corpos, a arrumação
espacial do aparelho de prodão a diversas formas de atividade na distribuição dos
postos” (FOUCAULT, 2002a, p. 124);
a organização do espaço em séries (hierarquia) correspondeu à criação de um
intercâmbio entre os corpos individualizados nas técnicas anteriores; traçando nestas
relações, níveis diferenciados de desenvolvimento em relação à atividade executada
onde os corpos se encontravam encerrados, prescrevendo nestas séries uma idéia de
progresso de uma série a outra.
Com a distribuição espacial dos corpos, tivemos uma configuração do espaço, onde aparelhos
diversos de produção, ao se constituírem, foram prescrevendo localizações específicas para a força
de trabalho de modo que seria possível simultaneamente: estabelecer um interior e um exterior do
aparelho; localizar um indivíduo; medir sua atividade e estabelecer relacionamentos hierárquicos
entre os sujeitos que se encontravam encerrados nos diversos espaços individualizados (celas)
conforme a exigência da atividade executada pelo aparelho de produção.
Em uma palavra, seria possível, por meio da distribuição espacial dos corpos, a construção de
“quadros vivos” taxonomia que Michel Foucault (2002a, p. 127) identifica como um dos grandes
problemas da tecnologia científica, política e econômica doculo XVIII, observemos,
[...] arrumar jardins de plantas e de animais, e construir ao mesmo tempo classificações
racionais dos seres vivos; observar, controlar, regularizar a circulação das mercadorias e
da moeda e estabelecer assim um quadro econômico que possa valer como princípio de
enriquecimento; inspecionar os homens, constatar sua presença e repartir os doentes,
dividir com cuidado o espaço hospitalar e fazer uma classificação sistemática das
doenças: outras tantas operações conjuntas em que os dois constituintes distribuição e
análise, controle e inteligibilidade são solidários. O quadro, no século XVIII, é ao
mesmo tempo uma técnica de poder e um processo de saber.
71
Como síntese, podemos observar esses movimentos operados pela divisão espacial dos corpos na
descrição deferida por Michel Foucault (2002a, p. 126-127),
[...] organizando as “celas”, os “lugares” e as “fileiras” criam espaços complexos: ao
mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São espaços que realizam a
fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações
operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos,
mas também uma melhor economia do tempo e dos gestos. São espaços mistos: reais
pois que regem a disposição de edifícios, de salas, de móveis, mas ideais, pois projetam-
se sobre essa organização caracterizações, estimativas, hierarquias. A primeira das
grandes operações da disciplina é então a constituição de “quadros vivos” que
transformam as multidões confusas, inúteis ou perigosas em multiplicidades
organizadas.
Pouco a pouco, com a utilização desse procedimento pelas instituições de seqüestro no decorrer do
século XVIII, o tecido social se transformou de uma multidão desorganizada de camponeses recém
expulsos das terras dos senhores feudais em um exército organizado de trabalhadores, soldados,
escolares, loucos etc, através dos quais se puderam criar as bases saudáveis para a acumulação e
expansão do capital aliada a um espaço seguro de referência para a constrão de saberes cujo
objeto central seria o homem.
Porém, não bastaria apenas cercar, esquadrinhar, ligar a um aparelho produtivo e por em relação os
diversos indivíduos que entraram nas operações das disciplinas. O tempo no interior das
instituições de seqüestro não poderia ficar disponível ao bel prazer de quem lá estava ocupando um
espaço. Era preciso marcar, também de forma precisa, a passagem do tempo consumido no interior
dos espaços disciplinares, como observa Michel Foucault (2002a, p. 129),
O tempo medido e pago deve ser também um tempo sem impureza nem defeito, um
tempo de boa qualidade, e durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a
seu exercício. A exatidão e a aplicação são, com a regularidade, as virtudes
fundamentais do tempo disciplinar.
Com esse objetivo nasceu o segundo procedimento operatório das disciplinas que Foucault (2002a)
classificou como controle da atividade. Tal procedimento, para exercer-se, utilizou-se de cinco
técnicas específicas:
com o horário, a execução da atividade foi demarcada em minúcias temporais, ou
seja, cada atividade recebeu um intervalo de tempo ótimo para a sua realização de
modo que se poderia estabelecer um início e um termo bem especificados.
Michel Foucault (2002a, p. 128) lembra-nos que não se tratou de uma invenção do século XVIII. O
horário era praticado em grande escala nos mosteiros e conventos medievais, o que de novo o
72
exercício das disciplinas trouxe a esta velha prática foi o refinamento e a qualidade no emprego do
tempo, ouçamos,
Durante séculos, as ordens religiosas foram mestras de disciplinas: eram os especialistas
do tempo, grandes técnicos do ritmo e das atividades regulares. Mas esses processos de
regularização temporal que elas herdam as disciplinas os modificam. Afinando-os
primeiro. Começa-se a contar por quartos de hora, minutos e segundos [...]. Mas
procura-se também garantir a qualidade do tempo empregado: controle ininterrupto,
pressão dos fiscais, anulação de tudo o que possa perturbar e distrair; trata-se de
constituir um tempo integralmente útil.
com a elaboração temporal do ato, uma espécie de esquema anátomo-cronológico do
comportamento foi estabelecido, ou seja, cada atividade foi decomposta em uma série
de movimentos precisos que, foram rigorosamente escandidos em recortes temporais,
de forma que, uma espécie de programa indicando a cadência canônica dos
movimentos pode ser construído estabelecendo para cada fragmento da atividade seu
tempo de execução no sentido do próprio ato ser melhorado à medida que o corpo
executava a atividade a ele direcionada. Nas palavras de Michel Foucault (2002a, p.
129),
Passamos de uma forma de injunção que media ou escandia os gestos a uma trama que
os obriga e sustenta ao longo de todo o seu encadeamento. Defini-se uma espécie de
esquema anátomo-cronológico do comportamento. O ato é decomposto em seus
elementos; é definida a posição do corpo, dos membros, das articulações; para cada
movimento é determinada uma direção, uma amplitude, uma duração; é prescrita sua
ordem de sucessão. O tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos
do poder.
a correlação entre corpo e gesto correspondeu à imposição de uma melhor relação
entre um gesto e a atitude global do corpo, ou seja, nesta técnica o corpo foi
absorvido pela atividade e para melhor executá-la teve de ter bem posicionados todos
os demais elementos que o compunham.
com a articulação corpo-objeto, cada gesto do corpo foi relacionado a uma operação
do objeto que a atividade requeria para o seu perfeito desempenho. Agora quem
invadiu o corpo foi o objeto; traçando naquele inúmeras relações entre os elementos
que o compõem e os elementos que compõem o próprio objeto.
com a utilização exaustiva, como corolário das técnicas anteriores, o corpo, foi posto
diante de uma maximização de sua utilizão, que à medida que se desenvolvia no
interior de toda a sistemática, era investida de um controle cada vez mais minucioso
para que nem um segundo do tempo fosse desperdiçado na operação e que com a
73
utilização do corpo inscrito nos aparelhos de produção as operações pudessem ter
seus tempos de termo reduzidos. Utilizar para maximizar a utilização no sentido de
um tempo que fosse infinito em seu fracionamento seria a máxima desta técnica,
[...] a disciplina organiza uma economia positiva; coloca o princípio de uma utilização
teoricamente sempre crescente do tempo sempre mais instantes disponíveis e de cada
instante sempre mais forças úteis. O que significa que se deve procurar intensificar o uso
do mínimo instante, como se o tempo, em seu próprio fracionamento, fosse inesgotável;
ou como se, pelo menos, por uma organização interna cada vez mais detalhada, se
pudesse tender para um ponto ideal em que o máximo de rapidez encontra o máximo de
eficiência (FOUCAULT, 2002a, p. 131).
O terceiro procedimento foi a organização das gêneses que, organizando os inícios de operações,
teria como objetivo principal a acumulação do tempo no corpo como bem o demonstra Michel
Foucault (2002a, p. 133),
Como capitalizar o tempo dos indivíduos, acumulá-lo em cada um deles, em seus
corpos, em suas forças ou capacidades, e de uma maneira que seja susceptível de
utilização e controle? Como organizar durações rentáveis? As disciplinas, que analisam
o espaço, que decompõem e recompõem as atividades, devem ser também
compreendidas como aparelhos para adicionar e capitalizar o tempo.
Tal procedimento se iniciou assim, com a organização das séries e a imposição nas mesmas de
ritmo e continuidade para que à medida que o corpo fosse passando por elas a experiência fosse se
acumulando no mesmo, de modo que uma evolução pudesse ser traçada entre uma série e outra, no
que tange ao aprendizado do corpo na execução de sua referida atividade. Neste procedimento
foram utilizados quatro processos:
divisão da duração da atividade em segmentos sucessivos ou paralelos, ou seja, uma
atividade complexa foi fragmentada em várias atividades mais simples.
organização das seqüências segundo um esquema analítico, ou seja, depois de a
atividade ser decomposta em vários segmentos de execução mais simples ela foi
reagregada em uma ordem específica de complexidade.
finalização dos segmentos temporais, ou seja, cada um dos segmentos nos quais a
atividade foi dividida recebeu um prazo específico para o seu término onde uma
avaliação seria executada para medir o aprendizado e indicar a passagem ou não do
corpo para o estágio seguinte.
74
estabelecimento de séries de séries, ou seja, foram relacionadas as séries de grupos
humanos divididos no interior dos espaços disciplinares às séries de funções
resultantes da fragmentação das atividades. Resultando num quadro vivo onde era
prescrito,
[...] a cada um, de acordo com seu nível, sua antigüidade, seu posto, os exercícios que
lhe convém; os exercícios comuns têm um papel diferenciador e cada diferença
comporta exercícios específicos. Ao termo de cada série, começam outras, formam uma
ramificação e se subdividem por sua vez. De maneira que cada indivíduo se encontra
preso numa série temporal, que define especificamente seu nível ou sua categoria
(FOUCAULT, 2002a, p. 134).
O quarto e último procedimento foi a composição das forças, onde os procedimentos anteriores
foram rearticulados e postos em funcionamento por meio do exercício e do treinamento, montando-
se assim combinações entre os múltiplos procedimentos e técnicas de modo a se conseguir a
máxima utilização de todos os elementos.
A composição das forças tornou visível “o como o corpo poderia ter suas forças utilizadas pelos
diagramas de poder.
O corpo dentro da maquinaria construída pelas disciplinas tornou-se um elemento o qual se poderia
a todo o momento:
colocar, articular com outros e movimentar de um ponto à outro na medida em que
necessitasse-se de sua utilidade.
combinar a cronologia de suas operações com a cronologia das operações de outros corpos
no intuito de formar um tempo composto que produziria como resultado a extração máxima
das forças presentes no aparelho produtivo, como demonstra Michel Foucault (2002a, p.
139), “O tempo de uns deve-se ajustar ao tempo de outros de maneira que se possa extrair a
máxima quantidade de forças de cada um e combiná-la num resultado ótimo”.
Controlar as atividades do corpo a partir de um sistema preciso de comando, o qual não
necessitaria do uso da força ou da violência para manter o funcionamento do aparelho
produtivo. Todo o controle deveria ser mantido apenas com o uso de sinais pelo mestre de
disciplina; sinais que os sujeitos deveriam reconhecer automaticamente e responder
imediatamente com a operação desejada pelo mestre, mesmo que não compreendessem os
objetivos da ordem, afinal, quando se trata de processos disciplinares, as ordens não são
feitas para serem questionadas e sim para serem atendidas,
75
Toda a atividade do indivíduo disciplinar deve ser repartida e sustentada por injunções
cuja eficiência repousa na brevidade e na clareza; a ordem não tem que ser explicada,
nem mesmo formulada; é necessário e suficiente que provoque o comportamento
desejado. Do mestre de disciplina àquele que lhe é sujeito, a relação é de sinalização: o
que importa não é compreender a injunção, mas perceber o sinal, reagir logo a ele, de
acordo com um código mais ou menos artificial estabelecido previamente (FOUCAULT,
2002a, p. 140).
Podemos, enfim, fazer uma síntese da mecânica disciplinar nas palavras do próprio Foucault
(2002a, p. 141),
[...] pode-se dizer que a disciplina produz, a partir dos corpos que controla, quatro tipos
de individualidade, ou antes uma individualidade dotada de quatro características: é
celular (pelo jogo da repartição espacial) é orgânica (pela codificação das atividades), é
genérica (pela acumulação do tempo), é combinatória (pela composição das forças). E,
para tanto, utiliza quatro grandes técnicas: constrói quadros; prescreve manobras; impõe
exercícios; enfim, para realizar a combinação das forças, organiza “táticas”.
Descrita a mecânica das disciplinas dentro das instituições disciplinares, é-nos necessário analisar
os procedimentos dos quais elas fazem uso para garantir seu funcionamento eficiente basilado na
introdução dos corpos nos aparelhos produtivos e no consumo de suas forças.
Para Foucault o poder disciplinar não poderia ser desarticulado de um processo de adestramento.
“O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como
função maior ‘adestrar’; ou sem vida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor
(FOUCAULT, 2002a, p. 143)”.
Este adestramento é que seria responsável pela fabricação dos indivíduos necessários ao
funcionamento das instituições a que estivessem ligados. E, para realizar tal processo, do interior
das disciplinas surgiriam instrumentos simples e precisos que seriam: o olhar hierárquico; a sanção
normalizadora e o exame.
Com o primeiro instrumento foi construída uma pirâmide de olhares que atravessaria de cima a
baixo e de uma extensão a outra as instituições disciplinares fazendo com que nenhum gesto
escapasse a essa organização óptica. Ouçamos o próprio Foucault (2002a, p. 148),
A vigilância hierarquizada, contínua e funcional não é, sem dúvida, uma das grandes
“invenções”cnicas do século XVIII, mas sua insidiosa extensão deve sua importância
às novas mecânicas de poder, que traz consigo. O poder disciplinar, graças a ela, torna-
se um sistema “integrado”, ligado do interior à economia e aos fins do dispositivo onde é
exercido. Organiza-se assim como um poder múltiplo, automático e anônimo; pois, se é
verdade que a vigilância repousa sobre indivíduos, seu funcionamento é de uma rede de
relações de alto a baixo, mas também até um certo ponto de baixo para cima e
lateralmente; uma rede “sustenta” o conjunto, e o perpassa de efeitos de poder que se
apóiam uns sobre os outros: fiscais perpetuamente fiscalizados.
76
No segundo instrumento, a sanção normalizadora, foram dosados de forma precisa os castigos e os
atos de forma a criar-se uma visão clara do tipo de comportamento adequado ao funcionamento das
instituições disciplinares.
Pequenos tribunais foram montados no interior de cada instituição disciplinar e um grande número
de agentes punitivos foi instado a atuar em todo espaço coberto pelas mesmas, de modo que o
mínimo gesto fosse alvo de uma mínima ação punitiva, que em vez de machucar, destruir ou matar
o corpo, tivesse como objetivo mais nobre a correção da ação, ou seja, o ajuste do comportamento
do corpo às normas do claustro,
Na oficina, na escola, no exército funciona como repressora toda uma micropenalidade
do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção,
negligência, falta de zelo), da maneira de ser (grosseria, desobediência), dos discursos
(tagarelice, insolência), do corpo (atitudes “incorretas”, gestos não conformes, sujeira),
da sexualidade (imodéstia, indecência). Ao mesmo tempo é utilizada, a título de punição,
toda uma série de processos sutis, que vão do castigo físico leve a provações ligeiras e
pequenas humilhações. Trata-se ao mesmo tempo de tornar penalizáveis as frações mais
tênues da conduta, e de dar uma função punitiva aos elementos aparentemente
indiferentes do aparelho disciplinar: levando ao extremo, que tudo possa servir para
punir a mínima coisa; que cada indivíduo se encontre preso numa universidade punível-
punidora (FOUCAULT, 2002a, p. 149).
O terceiro instrumento, o exame, talvez seja o mais abrangente dos três por combinar os
instrumentos da vigilância hierárquica e da sanção normalizadora no intuito de unir, através da
atividade do registro, que lhe é imanente os laços entre as relações de poder e a criação de um saber
sob os corpos que estão sendo vigiados e punidos,
[...] o exame está no centro dos processos que constituem o indivíduo como efeito e
objeto do poder, como efeito e objeto do saber. É ele que, combinando vigilância
hierárquica e sanção normalizadora, realiza as grandes funções disciplinares de
repartição e classificação, de extração máxima das forças e do tempo, de acumulação
genética contínua, de composição ótima das aptidões. Portanto, de fabricação da
individualidade celular, orgânica, genética e combinatória. Com ele se ritualizam
aquelas disciplinas que se pode caracterizar com uma palavra dizendo que são uma
modalidade de poder para o qual a diferença individual é pertinente (FOUCAULT,
2002a, p. 160).
Por meio do exame também é que foram amarrados os processos de produção de verdades próprias
ao funcionamento das disciplinas. Substituindo o inquérito como ritual de produção de verdade, o
exame inaugurou métodos mais racionais e precisos que à medida que produzem efeitos de verdade
nas malhas das relações de força que configuram os diagramas de poder, produzem também
subjetividades características aos padrões de funcionamento destas instituições.
A verdade que é uma produção do funcionamento das relações de força surge na medida que
conhecimentos sobre os corpos vão sendo constituídos pela junção da vigilância e dos registros que
77
caracterizam marcadamente o ritual do exame; verdade esta que reforça e atualiza o funcionamento
do diagrama que reparte e classifica as relações das forças.
Conhecidos os instrumentos que caracterizam as relações entre as forças que constituem o
diagrama de poder e os corpos que através do processo são adestrados e melhorados no que tange à
sua utilidade econômica, nos resta apreciar apenas a forma arquitetural que serviu de modelo para
as instituições disciplinares. Se trata do Panóptico de Jeremy Bentham. Tal modelo de arquitetura
possuía o seguinte princípio:
[...] na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas
janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em
celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas tem duas janelas, uma
para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, quepara o exterior, permite
que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e
em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar.
Pelo efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a
claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos
pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e
constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que
permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra
é invertido; ou antes, de suas três funções trancar, privar de luz e esconder
conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia
captam melhor que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha
(FOUCAULT, 2002a, p. 166).
A idéia central de tal aparato óptico era além de dar uma visibilidade nula do lado de quem vigiava
e uma visibilidade total do lado de quem era vigiado, ainda criar uma individualização dos sujeitos
encarcerados nas instituições de seqüestro que traria como corolário o impedimento de operações
conjuntas pelos mesmos. Tais disposições operariam no sentido de dar a idéia de uma vigilância
constante e ininterrupta cujas regras acabassem por se internalizar nos corpos dos indivíduos que se
encontravam sob processo de vigília como evidencia Michel Foucault (2002a, p. 166),
É visto, mas não vê; objeto de uma informação, nunca sujeito numa comunicação. A
disposição de seu quarto, em frente da torre central, lhe impõe uma visibilidade axial;
mas as divisões do anel, essas celas bem separadas, implicam uma invisibilidade lateral.
E esta é a garantia da ordem. Se os detentos são condenados não há perigo de complô, de
tentativa de evasão coletiva, projeto de novos crimes para o futuro, más influências
recíprocas; se são doentes, não perigo de contágio; loucos, não risco de violências
recíprocas; crianças, não “cola”, nem barulho, nem conversa, nem dissipação. Se são
operários, não roubos, nem conluios, nada dessas distrações que atrasam o trabalho,
tornam-no menos perfeito ou provocam acidentes. A multidão, massa compacta, local de
múltiplas trocas, individualidades que se fundem, efeito coletivo, é abolida em proveito
de uma coleção de individualidades separadas. Do ponto de visa do guardião, é
substituída por uma multiplicidade enumerável e controlável; do ponto de vista dos
detentos, por uma solidão seqüestrada e olhada. Daí o efeito mais importante do
Panóptico: induzir no detento um estado consciente de visibilidade que assegura o
funcionamento automático do poder.
78
Foucault (2002a) não se limitou a afirmar ser o Panóptico apenas um modelo de arquitetura. Pois,
para Foucault (2002a) não interessava muito o como eram construídas as instituições em sua forma
física.
Sendo as relações de força que caracterizam as disciplinas disformes e isentas de funções
formalizadas, interessou mais a Foucault (2002a) observar como esta estrutura distribuía as
relações de força características das disciplinas; como esta estrutura criava efeitos de luz e
contraluz que produziam uma idéia de estar-se sendo alvo de um olhar ininterrupto por parte dos
que eram vigiados e de estar-se ausente de qualquer olhar por parte de quem vigiava, ou seja,
visibilidade constante e perene para quem era vigiado e ausência de visibilidade para quem vigiava,
Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em
sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que
este aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder
independente daquele que o exerce; enfim, que os detentos se encontrem presos numa
situação de poder que eles mesmos são os portadores (FOUCAULT, 2002a, p. 166).
Neste sentido, o Panóptico foi classificado por Michel Foucault (2002a, p. 170) como sendo muito
mais que uma arquitetura. Ele seria então o próprio diagrama que organizaria as relações de poder
presentes nos processos de funcionamento das disciplinas. Não importaria, desta forma, que as
instituições adquirissem ou não visualmente a forma do Panóptico, mas sim, que utilizassem seu
princípio de organização visual para definir suas regras e normas de funcionamento,
Mas o Panóptico não deve ser compreendido como um edifício onírico: é o diagrama de
um mecanismo de poder levado à sua forma ideal; seu funcionamento, abstraindo-se de
qualquer obstáculo, resistência ou desgaste, pode ser bem representado como um puro
sistema arquitetural e óptico: é na realidade uma figura de tecnologia política que se
pode e se deve destacar de qualquer uso específico. É polivalente em suas aplicações:
serve para emendar os prisioneiros, mas também para cuidar dos doentes, instruir os
escolares, guardar os loucos, fiscalizar os operários, fazer trabalhar os mendigos e
ociosos. É um tipo de implantação dos corpos no espaço, de distribuição dos indivíduos
em relação mútua, de organização hierárquica, de disposição dos centros e dos canais de
poder, de definição de seus instrumentos e de modos de intervenção, que se podem
utilizar nos hospitais, nas oficinas, nas escolas, nas prisões. Cada vez que se tratar de
uma multiplicidade de indivíduos a que se deve impor uma tarefa ou um
comportamento, o esquema panóptico poderá ser utilizado.
O resultado do funcionamento desses processos organizados pelo diagrama panóptico seria que ao
serem incididos por tais dispositivos de poder os corpos se desenvolviam no sentido de elevar ao
máximo sua utilidade econômica e de reduzir a um mínimo sua força política “[...]digamos que a
disciplina é o processo técnico unitário pelo qual a força do corpo é com o mínimo ônus reduzida
como força ‘política’, e maximizada como força útil (FOUCAULT, 2002a, p. 182)”, ou seja, na
mais clara denominação se transformavam em verdadeiros “corpos dóceis”.
79
Mas, não apenas na anatomia do corpo este processo deixaria suas marcas, outro importante
desdobramento aconteceria em um nível bem mais profundo que as suas formas físicas,
Se o suplemento de poder do lado do rei provoca o desdobramento de seu corpo, o poder
excedente exercido sobre o corpo submetido do condenado não suscitou um outro tipo de
desdobramento: o de um incorpóreo, de uma “alma” moderna, como dizia Mably. A história
dessa microfísica do poder punitivo seria então uma genealogia ou uma peça para uma
genealogia da “alma” moderna. A ver nessa alma os restos reativados de uma ideologia, antes
reconheceríamos nela o correlativo atual de uma certa tecnologia de poder sobre o corpo. Não se
deveria dizer que a alma é uma ilusão, ou um efeito ideológico, mas afirmar que ela existe, que
tem uma realidade, que é produzida permanentemente, em torno, na superfície, no interior do
corpo pelo funcionamento de um poder que se exerce sobre os que são punidos de uma
maneira mais geral sobre os que são vigiados, treinados e corrigidos, sobre os loucos, as
crianças, os escolares, os colonizados, sobre os que são fixados a um aparelho de produção e
controlados durante toda a existência. Realidade histórica dessa alma, que, diferentemente da
alma representada pela teologia cristã, não nasce faltosa e merecedora de castigo, mas nasce
antes de procedimentos de punição, de vigilância, de castigo e de coação. Esta alma real e
incorpórea não é absolutamente substância; é o elemento onde se articulam os efeitos de um
certo tipo de poder e a referência de um saber, a engrenagem pela qual as relações de poder dão
lugar a um saber possível, e o saber reconduz e reforça os efeitos de poder. Sobre essa realidade-
referência, vários conceitos foram construídos e campos de análise foram demarcados: psique,
subjetividade, personalidade, consciência, etc.; sobre ela técnicas e discursos científicos foram
edificados; a partir dela, valorizaram-se as reivindicações morais do humanismo. Mas não
devemos nos enganar: a alma, ilusão dos ideólogos, não foi substituída por um homem real,
objeto de saber, de reflexão filosófica ou intervençãocnica. O homem de que nos falam e que
nos convidam a libertar é em si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais profunda que ele.
Uma “alma” o habita e o leva à existência, que é ela mesma uma peça no domínio exercido pelo
poder sobre o corpo. A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma, prisão do
corpo (FOUCAULT, 2002a, p.28).
Assim, podemos afirmar que, enquadrados, distribuídos espacialmente, individualizados, postos em
relação a uma atividade, vigiados para por fim gerarem um registro que deu forma e conteúdo a
diversas disciplinas de saber; os corpos, além de se tornarem dóceis e úteis, ainda produziriam um
incorpóreo que possuiria nele próprio todas as regras e princípios da clausura, e assim constituído,
emitiria murmúrios anônimos difíceis de diferenciar dos próprios desejos, e este incorpóreo seria
nada mais, nada menos que as subjetividades que os corpos devido aos efeitos dessa sujeição
reconhecem como sendo próprias a eles.
Estaria cumprida então a necessidade em nível micro da criação de corpos individuais, celulares,
produtivos e dóceis necessários à produção capitalista.
Seguindo as relações entre as diversas instituições que operavam segundo as regras classificadas
por ele como disciplinares, Foucault (2002a) afirmou que o ocidente após a consolidação e
hegemonia do modo capitalista de produção entre fins do século XVIII e meados do século XX
80
viveria sob a uma organização social a qual denominou sociedade disciplinar que em linhas gerais
poderíamos caracterizar como,
[...] aquela na qual o comando social é construído mediante uma rede difusa de
dispositivos ou aparelhos que produzem e regulam os costumes, osbitos e as práticas
produtivas. Consegue-se pôr para funcionar essa sociedade, e assegurar obediência a
suas regras e mecanismos de inclusão e/ou exclusão, por meio de instituições
disciplinares (a prisão, a fábrica, o asilo, o hospital, a universidade, a escola e assim por
diante) que estruturam o terreno social e fornecem explicações adequadas para a “razão”
da disciplina. O poder disciplinar se manifesta, com efeito, na estruturação de
parâmetros e limites do pensamento e da prática, sancionando e prescrevendo
comportamentos normais e/ou desviados (HARDT; NEGRI, 2002, p. 42).
Sujeitos individualizados, dóceis e produtivos: eis os efeitos de técnicas de poder que incidiram
sobre o corpo no sentido de treiná-lo e intensificar sua funcionalidade.
Mas, a garantia do funcionamento de uma sociedade que começou a basear a criação de sua riqueza
a partir da extração da força de trabalho de sujeitos inscritos em aparelhos de produção não seria
conseguida somente com a criação de corpos úteis e dóceis facilmente controlados pelos sistemas
de comando criados nas instituições de seqüestro.
Tarefa um pouco mais ampla e talvez mais complexa, seria garantir a existência de corpos
dispostos a serem inscritos nesses aparelhos.
As disciplinas que funcionavam tão bem quando o objetivo era a domesticação e a utilização
exaustiva, nesta nova tarefa, pouco teriam a contribuir, porque, o que estaria em jogo agora seria a
gestão da vida de uma população com todos os elementos complexos que tal função exigiria.
Tal tarefa exigiu uma atuação bem mais complexa e ao mesmo tempo complementar à das
disciplinas, porque, agora o elemento de articulação não seria o corpo individual na intenção de
extrair do mesmo o máximo de forças, mas, a zona de incidência seria a vida humana e a intenção
seria manter o máximo de corpos em condições de assujeitamento,
[...] durante a segunda metade do século XVIII, eu creio que se aparecer algo de
novo, que é uma outra tecnologia de poder, não disciplinar dessa feita. Uma tecnologia
de poder que não exclui a primeira, que não exclui a técnica disciplinar, mas que a
embute, que a integra, que a modifica parcialmente e que, sobretudo, vai utilizá-la
implantando-se de certo modo nela, e incrustando-se efetivamente graças a essa técnica
disciplinar prévia. Essa nova técnica não suprime a técnica disciplinar simplesmente
porque é de outro nível, está noutra escala, tem outra superfície de suporte e é auxiliada
por instrumentos totalmente diferentes. Ao que essa nova técnica de poder não
disciplinar se aplica é diferentemente da disciplina, que se dirige ao corpo – a vida dos
homens, ou ainda, se vocês preferirem, ela se dirige não ao homem-corpo, mas ao
81
homem vivo, ao homem ser vivo; no limite, se vocês quiserem, ao homem-espécie
(FOUCAULT, 2002b, p. 289).
Lançando-se sobre a vida no sentido de garantir a sobrevivência da espécie humana esta técnica de
poder sobre a vida mudou de forma drástica o alvo sobre o qual incidiria. No lugar do corpo
individual entendido aqui como corpo quina com as suas forças e virtualidades a
desenvolver, ela se destinou a abarcar a população e todos os fenômenos a ela imanentes como o
seu alvo principal. População agora entendida como uma entidade a que caberia a esta técnica de
poder (biopolíticas) regular e controlar,
[...] centrou-se no corpo-espécie, no corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e
como suporte dos processos biológicos: a proliferação, os nascimentos e a mortalidade, o
nível se saúde, a duração da vida, a longevidade, com todas as condições que podem
fazê-los variar; tais processos são assumidos mediante toda uma série de intervenções e
controles reguladores: uma bio-política da população (FOUCAULT, 2001a, p. 131).
Tivemos assim técnicas de poder centradas na vida – biopoder – e que se bifurcaram em dois níveis
principais: uma preocupada com o corpo enquanto indivíduo (disciplinas) e outra preocupada com
a população entendida como fenômeno principal de controle na garantia da continuidade da espécie
(biopolíticas).
Uma última palavra sobre a compreensão do funcionamento dessas técnicas de poder que se
integram na estratégia geral denominada por Foucault (2001a) de Biopoder é que onde haja
exercício de poder há resistência.
Resistência que se caracterizaria muito menos como uma frente única que do exterior se oporia
frontalmente a uma entidade ou instância que possuiria por si “o poder”, do que resistências
múltiplas, singulares, imanentes às correlações de força presentes nas relações de poder mais
apreensíveis como pontos múltiplos em uma rede de afetações que as relações de poder teceriam ao
exercerem-se como afirma Michel Foucault (2001a, p. 91),
[...] que onde poder resistência e, no entanto (ou melhor, por isso mesmo) esta
nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder. Deve-se afirmar que
estamos necessariamente “no” poder, que dele não se “escapa”, que não existe,
relativamente a ele, exterior absoluto, por estarmos inelutavelmente submetidos à lei?
Ou que, sendo a história ardil da razão, o poder seria o ardil da história aquele que
sempre ganha? Isso equivaleria a desconhecer o caráter estritamente relacional das
correlações de poder. Elas não podem existir senão em função de uma multiplicidade de
pontos de resistência que representam, nas relações de poder, o papel de adversário, de
alvo, de apoio, de saliência que permite a preensão. Esses pontos de resistência estão
presentes em toda a rede de poder. Portanto, não existe, com respeito ao poder, um lugar
da grande Recusa alma revolta, foco de todas as rebeliões, lei pura do revolucionário.
Mas sim resistências, no plural, que são casos únicos: possíveis, necessárias,
improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas,
82
irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifício; por
definição, não podem existir a não ser no campo estratégico das relações de poder.
Terminando assim com o período da obra foucaultiana do qual nos utilizaremos para cartografar os
acontecimentos que marcaram a reestruturação produtiva da Aracruz Celulose S.A, fecharemos
alguns pontos sobre a discussão da obra de Michel Foucault.
Assim, neste capítulo realizamos uma rápida descrição dos períodos e discussões que compõem a
obra de Michel Foucault e com a indicação do período genealógico detalhamos os conceitos dos
quais nos serviremos para analisar os eventos que caracterizaram a reestruturação produtiva da
Aracruz Celulose S. A.
Iniciemos com uma breve reflexão sobre o funcionamento do diagrama disciplinar analisado por
Foucault com a publicação de Vigiar e Punir em 1975 e concluímos o capítulo com a análise das
biopolíticas que caracterizaram as reflexões de Foucault no primeiro volume da história da
sexualidade (A vontade de saber) publicado em 1976, além de finalizarmos com uma descrição das
resistências que acompanham de dentro as correlações de força dos diagramas de poder.
CAPÍTULO 3.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para descrever os procedimentos metodológicos que nos orientaram na execução de nossa pesquisa
nos utilizamos da taxionomia desenvolvida por Vergara (2000) onde ela diferencia os tipos de
pesquisa usando dois eixos analíticos: os fins segundo os quais a pesquisa foi desenvolvida e os
meios utilizados pelo pesquisador para desenvolvê-la.
83
Quanto aos fins
39
, nossa pesquisa pode ser classificada, segundo essa taxionomia de Vergara
(2000), como sendo uma pesquisa explicativa. Silvia Constant Vergara (2000, p. 46), a define como
sendo a que,
[...] tem como principal objetivo tornar algo inteligível, justificar-lhe os motivos. Visa,
portanto, esclarecer quais fatores contribuem, de alguma forma, para a ocorrência de
determinado fenômeno. Por exemplo: as razões de sucesso de determinado
empreendimento.
Como nosso objetivo nesse estudo foi analisar como os recursos disciplinares presentes nas ações
acionadas pelo movimento de reestruturação produtiva engendraram a produção de subjetividades
cujas características vinham ao encontro dos objetivos perseguidos por esse movimento, vimos que
tal pretensão (finalidade) se adequou à classificação fornecida por Vergara (2000) à pesquisa
explicativa, já que, também no nosso caso, buscamos tornar algo inteligível.
Quanto aos meios
40
, nossa pesquisa dado a forma como ela foi aplicada e os meios utilizados para
sua realizão se enquadrou em três das identificações fornecidas por Vergara (2000).
Foi uma pesquisa de campo na medida em que os dados foram coletados diretamente do lócus em
que o evento o qual estávamos querendo apreender os contornos ocorreu. E é justamente esta
condição de relação entre a ocorrência do evento e o local de acontecimento que marcam a
possibilidade da classificação de uma pesquisa como sendo de campo como nos mostra Antônio
39
Vergara (2000) identifica, quanto aos fins, seis tipos específicos de pesquisa a saber:
Exploratória;
Descritiva;
Explicativa;
Metodológica;
Aplicada;
Intervencionista.
40
Vergara (2000) identifica, quanto aos meios, nove tipos de pesquisa a saber:
Pesquisa de Campo;
Pesquisa de Laboratório;
Documental;
Bibliográfica;
Experimental;
Ex post facto;
Participante;
Pesquisa-ação;
Estudo de caso.
84
Raimundo dos Santos (1999, p. 30) “A pesquisa de campo é a que recolhe os dados in natura,
como percebidos pelo pesquisador”.
Foi uma pesquisa bibliográfica na medida em que livros e artigos relacionados ao tema que
fundamentou a pesquisa foram buscados e utilizados como suportes teóricos para as suas
conclusões prescrevendo assim, o que permite segundo Silvia Constant Vergara (2000, p. 48) a
classificação de uma pesquisa como sendo bibliográfica,
Pesquisa bibliográfica é o estudo sistematizado desenvolvido com base em material
publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, material acessível ao
público em geral.
Foi, por fim, um estudo de caso por ter se prestado a estudar apenas uma organização (unidade
social) e com isso ter pretendido buscar um maior grau de profundidade na análise dos dados
fornecidos pela realidade vivenciada pelos sujeitos questionados durante o processo da pesquisa;
como Arilda Schmidt Godoy (1995, p. 25) caracteriza este tipo específico de pesquisa,
O estudo de caso se caracteriza como um tipo de pesquisa cujo objeto é uma unidade que
se analisa profundamente. Visa ao exame detalhado de um ambiente, de um simples
sujeito ou de uma situação particular [...]. O propósito fundamental do estudo de caso
(como tipo de pesquisa) é analisar intensivamente uma dada unidade social, que pode
ser, por exemplo, um líder sindical, uma empresa que vem desenvolvendo um sistema
inédito de controle de qualidade, o grupo de pessoas envolvido com a CIPA (Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes) de uma grande indústria que apresenta baixos
índices de acidente de trabalho.
Em termos taxomicos, podemos sintetizar afirmando que quanto aos fins nossa pesquisa foi de
cunho explicativo e quanto aos meios foi simultaneamente de campo, bibliográfica e um estudo de
caso.
O enfoque da pesquisa, dados os caminhos que foram escolhidos para direcioná-la e conduzi-la
durante o seu desenrolar, foi o qualitativo.
Tal enfoque de pesquisa é empreendido segundo Marilene Olivier (2001, p. 1), quando, “Busca-se
[...] responder porque as pessoas fazem determinadas coisas, ou porque determinados eventos
acontecem.”.
E, em conseqüência da utilização de tal enfoque, segundo Marilene Olivier (2001, p. 1), algumas
ações quanto ao andamento da pesquisa podem ser realizadas, tais como:
As amostras podem ser reduzidas, nem sempre representativas do universo.
Os elementos a serem pesquisados podem ser escolhidos por qualquer processo, ou seja,
não há necessidade de se utilizar amostragem.
85
Assim, seguindo estas orientações que caracterizam a pesquisa de enfoque qualitativo, pudemos
traçar alguns caminhos distintos dos procedimentos estatísticos quanto à seleção dos sujeitos e
quanto ao tipo de análise empreendida.
Seguindo estas caracterizações do enfoque qualitativo, os sujeitos da pesquisa foram selecionados
de forma intencional e como critérios da seleção foram observados:
a participação dos sujeitos no movimento da reestruturação, ou seja, o sujeito deveria
trabalhar na empresa antes da ocorrência da reestruturação, ter participado dos programas
propostos pela reestruturação e continuado a trabalhar posteriormente às modificações
ocorridas com a realização do processo;
estar lotado ou no nível gerencial ou no nível operacional, porque dos primeiros foram
captadas as formas como foram pensadas e implementadas as estratégias do programa de
reestruturação e dos segundos foram captados os reflexos das estratégias pensadas e
implementadas pelas gerências.
Estabelecidos estes critérios, realizamos a pesquisa em três etapas:
primeiramente realizamos uma visita técnica onde questionamos alguns gerentes sobre os
padrões de funcionamento atuais da organização e realizamos uma apreciação da fábrica
onde observamos alguns detalhes de sua operacionalização que foram utilizados na
exposição do funcionamento da unidade da Aracruz Celulose de Barra do Riacho (INCEL)
na descrição do caso;
como segunda etapa entrevistamos os três gerentes que nos acompanharam durante a visita
técnica. A preferência por selecionar esses gerentes se deu pelo fato dos mesmos terem
participado do grupo inicial que articulou e planejou o programa de reestruturação;
Na terceira e última etapa da pesquisa foram entrevistados sete operadores dos quais quatro
eram operadores de área
41
e três eram operadores de painel
42
.
41
A função deste operador é supervisionar o andamento do trabalho na área de operação, ou seja, ficar
acompanhando a operação das máquinas.
42
A função deste operador é ficar acompanhando das centrais de controle os índices de produtividade e qualidade
apresentados na operação. Eles trabalham basicamente observando telas de computador nas quais monitoram a
produção de celulose via imagens das câmeras posicionadas nos equipamentos e comparam as operações com os
índices oferecidos pelo sistema.
86
O tipo de entrevista escolhido como instrumento de coleta dos dados foi a entrevista semi-
estruturada. A entrevista semi-estruturada pode ser caracterizada, segundo Soraya M. Vargas
Cortes (2002, p. 235), por,
[...] basear-se em um roteiro que apresenta questões com respostas abertas, não
previamente codificadas, nas quais o entrevistado pode discorrer livremente sobre o
tema ou pergunta proposta.
O objetivo de pouco estruturar o roteiro da entrevista foi fornecer ao entrevistando uma maior
abertura para demonstrar suas opiniões sobre as questões que a ele foram direcionadas.
Elaboraram-se dois roteiros diferentes para os dois grupos de pessoas que foram entrevistadas em
nossa pesquisa.
Foi elaborado inicialmente um roteiro para os gerentes cujo conteúdo foi buscado nos
procedimentos e recursos presentes no exercício das disciplinas destacados por Foucault (2002a) e
que tinha por finalidade apreender a substância das estratégias utilizadas no programa de
reestruturação.
Os procedimentos e recursos buscados na obra de Foucault (2002a) para elaborar esses roteiros
foram: no que tange aos procedimentos, a distribuição espacial dos corpos, o controle da atividade,
a organização das gêneses e a composição das forças e, no que tange aos recursos, a vigilância
hierárquica, a sanção normalizadora e o exame. Pensamos também, em manter como elemento
central da análise, a existência do diagrama panóptico para ilustrar o funcionamento das relações de
poder postas em movimento pelas disciplinas.
As perguntas desse roteiro podem ser acompanhadas no Apêndice A.
A partir da análise das respostas das entrevistas realizadas com os gerentes foi elaborado um
segundo roteiro possuindo o mesmo princípio de elaboração do utilizado na entrevista com os
gerentes, ou seja, a analítica das relações de poder foucaultiana, destinado às entrevistas com os
sete operadores.
Com este roteiro pensamos em apreender as influências das estratégias listadas pelos gerentes nas
formações subjetivas dos operadores.
As perguntas constantes do roteiro destinado aos operadores podem ser observadas no Apêndice B.
87
Terminadas as entrevistas com os sujeitos de nossa pesquisa que num primeiro momento
envolveu um grupo de três gerentes participantes do grupo que pensou o modelo que regeu a
implementação da reestruturação e num segundo momento envolveu um grupo de sete operadores
que sofreram de forma drástica as mudanças estabelecidas pela reestruturação passamos para as
transcrições das referidas entrevistas onde se pautou por manter de forma o mais fiel possível a
linguagem empregada durante o decorrer das entrevistas.
O passo seguinte foi o da análise e interpretação dos dados oferecidos pelas entrevistas com os
gerentes e os operadores.
Neste estágio a postura que mantivemos foi a de um cartógrafo (ROLNIK, 1989), ou seja, aquele
que tem como finalidade a construção de cartas geográficas de um terreno desconhecido e para isso
necessita estar atento para as construções e desconstruções apresentadas por este terreno.
Seguindo a sugestão de Rolnik (1989), para realizar esta análise, conferimos aos universos
psicossociais a característica de serem compostos de expressões do desejo, ou seja, seria o desejo
em seus movimentos que produziria o universo lúdico e semântico que compõe as relações tecidas
entre os sujeitos, as quais, segundo Foucault (2002a) estão imersas em relações de poder.
Continuando a sugestão de Rolnik (1989) percebemos esta composição dos universos psicossociais
ocorrendo por meio de três linhas que são traçadas pelo desejo em sua movimentação pelo corpo
social:
Uma linha invisível e inconsciente caracterizada pelos afetos dos corpos ao se encontrarem
e traçarem relações de atração e repulsão, como observa Suely Rolnik (1989, p. 47),
A primeira linha, linha dos afetos, é, como pudemos nos dar conta, invisível e
inconsciente. Ela faz um traçado contínuo e ilimitado, que emerge da atração e repulsa
dos corpos em seu poder de afetar e serem afetados.
Uma linha associativa, ou de simulação, que prescreve uma trajetória que relaciona as
afetações inconscientes dos corpos com os territórios traçados pelos mesmos para darem
passagem aos fluxos criados na linha inconsciente, como descreve Suely Rolnik (1989, p.
48),
A segunda linha, a da simulação, faz um vaivém, um duplo traçado inconsciente e
ilimitado. Um primeiro, que vai da invisível e inconsciente produção de afetos, para a
visível e consciente composição de territórios. Percurso do movimento de
territorialização. E um outro traçado, inverso: ele vem do visível, consciente, dos
territórios, para o invisível, inconsciente, dos afetos escapando. Percurso do movimento
de desterritorialização.
88
Uma linha visível, consciente e finita caracterizada pelos territórios formados por
expressões, linguagem, formas de se relacionar consigo e com os outros, formas de
perceber a realidade, enfim, esta linha caracteriza nossa memória e nosso reconhecimento
como sujeitos, como demonstra Suely Rolnik (1989, p. 50),
E, por fim [...] a terceira linha, linha finita, visível e consciente da organização dos
territórios. Ela cria roteiros de circulação no mundo: diretrizes de operacionalização para
a consciência pilotar os afetos. Ela é finita, porque finita é a duração dos territórios e a
funcionalidade de suas cartografias.
Desta perspectiva, o terreno psicossocial seria produzido e reproduzido com a atuação conjunta
dessas três linhas que prescreveriam as movimentações do desejo; desejo que em seu movimento
inconsciente escaparia constantemente pelos movimentos da primeira linha formando assim um
desmonte do território criado pela terceira linha.
Dada esta característica movediça dos territórios psicossociais nossa posição de pesquisador ficou
sendo a de um cartógrafo, ou seja, como as formações subjetivas não se fecham em um mapa
determinado, é necessário um constante cartografar para apreender o movimento do desejo em sua
construção e desconstrução de territórios nesse movimento infinito de fugir de um território dado e
criar outro para dar passagem a suas pulsões, como exemplifica Suely Rolnik (1989, p. 15),
Para os geógrafos, a cartografia [...] é um desenho que acompanha e se faz ao mesmo
tempo que os movimentos de transformação da paisagem. Paisagens psicossociais
também são cartografáveis. A cartografia, nesse caso, acompanha e se faz ao mesmo
tempo que o desmanchamento de certos mundos sua perda de sentido e a formação
de outros: mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos, em relação aos
quais os universos vigentes tornam-se obsoletos. Sendo tarefa do cartógrafo dar língua
para afetos que pedem passagem, dele se espera basicamente que esteja mergulhado nas
intensidades de seu tempo e que, atento às linguagens que encontra, devore as que lhe
parecerem elementos possíveis para a composição das cartografias que se fazem
necessárias.
Tomando como base explicativa essas construções de território oriundas dos movimentos do desejo
buscamos identificar como as marcas das relações de poder presentes nas ações inscritas no projeto
de reestruturação contribuíram para a formação de territórios subjetivos acessíveis aos operadores
que continuaram a trabalhar posteriormente ao movimento e tiveram para conseguir tal
empreendimento que assumir certos traços subjetivos característicos dos terrenos subjetivos
sinalizados pelas hierarquias organizativas da reestruturação.
89
CAPÍTULO 4.
O CASO ARACRUZ CELULOSE S.A.
O objetivo deste capítulo é primeiramente fazer um diagnóstico atual da estrutura e do
funcionamento da Fábrica da Aracruz Celulose S.A. localizada no distrito de Barra do Riacho
(INCEL) lócus onde foi realizada a pesquisa da dissertação para posteriormente realizar um
histórico desta organização no intuito de deixar claras as fases bem definidas sob as quais o modelo
de organização da produção foi pensado, para por fim, analisarmos o conteúdo das entrevistas
concedidas pelos gerentes e pelos operadores para visualizarmos as relações que foram tecidas
entre as modificações técnicas e as modificações subjetivas no perfil da força de trabalho
empregada nesta fábrica.
4.1. Caracterização do funcionamento atual da unidade da Aracruz Celulose
S.A. de Barra do Riacho (INCEL).
43
A unidade da Aracruz Celulose S.A. de Barra do Riacho (INCEL) lócus onde foi realizada a
pesquisa ocupa hoje a posição de líder global na produção de celulose branqueada de eucalipto,
43
Os dados técnicos utilizados nesta descrição das operações atuais do processo produtivo da INCEL estão
disponíveis no site www.aracruz.com.br/web/pt/negocios/negoc_celu_barra_fabrica.htm.
90
operando nesta região a maior e mais avançada fábrica de celulose do mundo.
Trata-se de uma unidade que produz celulose através de um processo que pode ser caracterizado
como de fluxo contínuo, ou melhor, a disposição seqüencial dos equipamentos utilizados pelas
fábricas de forma linear e de modo que o produto flua sem interrupções durante o processo de
fabricação é o que caracteriza este tipo de layout denominado de fluxo contínuo como afirma J. T.
Black (1998, p. 63) “No processo contínuo, o produto flui fisicamente. As refinarias de petróleo,
usinas de processamentos químicos e operações de processamento de alimentos são exemplos [...].
Em processos contínuos, os produtos realmente fluem porque eles são líquidos, gasosos ou pós”.
Como a fabricação da celulose branqueada de eucalipto manipula equipamentos e processos com
estas características, ela pode ser denominada como as refinarias de petróleo e as fábricas de
manipulação de alimentos como um Layout de fabricação em fluxo contínuo.
Esta unidade localiza-se geograficamente no distrito de Barra do Riacho (distrito que nome à
unidade), situada no município de Aracruz no Estado do Espírito Santo que fica a 1,5 (um e meio)
km do terminal portuário privativo de nome Portocel
44
e distancia-se 70 (setenta) km da capital do
Estado do Espírito Santo, Vitória.
O complexo industrial localizado na INCEL é composto por três unidades de produção: fábricas A,
B e C. Tratam-se de três layouts horizontais dispostos lateralmente onde são encadeadas de forma
homogênea as quinas e equipamentos que propiciam as fases de fabricação da celulose
branqueada de eucalipto. As três fábricas utilizam, também, de forma otimizada a mesma infra-
estrutura e logística de transporte e exportação.
Em conjunto as três fábricas manipulam os seguintes equipamentos necessários à realização do
processo de transformação da fibra de eucalipto em celulose branqueada:
4 (quatro) linhas de descascamento, comuns às três fábricas;
3 (três) caldeiras de recuperação, uma para cada fábrica;
8 (oito) picadores, comuns às três fábricas;
3 (três) digestores, um para cada fábrica;
4 (quatro) linhas de deslignificação com oxigênio, comuns às três fábricas;
44
A sigla Portocel é um neologismo dos nomes porto e INCEL.
91
5 (cinco) linhas de branqueamento, duas para a fábrica A, duas para a fábrica B e uma para
a fábrica C;
5 (cinco) secadores, dois para a fábrica A, dois para a fábrica B e um para a fábrica C;
7 (sete) linhas de enfardamento, três para a fábrica A, três para a fábrica B e um para a
fábrica C;
1 (uma) planta química para geração de dióxido de cloro e dióxido de enxofre, comum às
trêsbricas.
O processo de produção, do corte das árvores no campo ao processo de transformação posto em
movimento pelos equipamentos manipulados pelas fábricas A, B e C, segue a seguinte seqüência
de operações:
corte mecanizado das árvores no campo através da utilização do Feller, que vem a ser uma
grua sobre esteiras que as serra a uma altura de apenas 15 centímetros do solo, derruba e
desgalha removendo por completo as folhas, amontoando as árvores em pilhas que são
processadas pelo Harvester, um trator florestal especializado em descascar e cortar as
árvores em toras de tamanho adequado ao transporte;
armazenagem das toras no campo por um período nunca inferior a 15 dias para que estas
percam o excesso de umidade;
transporte das toras para o pátio de madeira da fábrica onde ficam estocadas em média por
uma semana;
alimentação das toras nos descascadores grandes cilindros de aço giratório que, por
meios mecânicos de impacto, extrai a casca remanescente das toras por conterem um alto
teor de lignina
45
. As cascas resultantes deste processo são transportadas por esteiras rolantes
e aproveitadas como combustível nas caldeiras auxiliares;
depois de descascadas as toras são reduzidas a cavaco nos picadores;
os cavacos são então armazenados em grandes pilhas por meio de correias transportadoras
elevadas;
em seguida, são transportados por meio de correias internas até os silos dos digestores
46
onde são cozidos a alta temperatura (170ºC) e pressão (90 psi) com a adição de produtos
45
A lignina é a substância que dá consistência à madeira. Um dos objetivos do processo industrial de produção de
celulose é remover das fibras, a “cola” ligada à madeira, ou seja, a lignina.
46
O digestor é um vaso de pressão com altura aproximada de 57 metros, onde os cavacos e licor branco forte são
introduzidos continuamente pela parte superior.
92
químicos (licor branco forte), a fim de dissociar as fibras de celulose da lignina. O tempo
total de cozimento da madeira é de 120 (cento e vinte) minutos, e realiza-se do topo até o
centro do digestor. Do centro até a parte inferior do digestor realiza-se uma operação de
lavagem, a fim de retirar a solução residual. O licor branco forte, que se tornou licor negro
fraco, é então lavado e removido da polpa de celulose. O licor negro é queimado nas
caldeiras de recuperação gerando energia e propiciando a recuperação dos produtos
químicos nele contidos;
após a lavagem, a celulose é retirada do digestor sendo, em seguida, submetida a outra
operação de lavagem nos difusores, para então ser depurada. A depurão consiste em
submeter a celulose industrial à ação de peneiramento, que para obter uma celulose de
boa qualidade devem ser removidas também, além das impurezas solúveis, as impurezas
lidas. A polpa é então forçada mecanicamente através de uma grade metálica a fim de
desfazer nós de fibras e eliminar cavacos não-cozidos ainda existentes;
a partir daí a pasta de celulose entra em processo de branqueamento
47
que se inicia com a
adição de cloro elementar ou peróxido de hidrogênio, lavagem com água quente, adição de
soda cáustica, lavagem com água quente, adição de dióxido de cloro ou oxigênio, lavagem
com água quente, nova adição de dióxido de cloro ou oxigênio e uma lavagem final com
água quente. O processo de branqueamento é realizado em 5 estágios diferentes com seus
respectivos filtros lavadores. Depois desta etapa, a celulose é depurada novamente;
estando a polpa de celulose branqueada, no teor de alvura e viscosidade desejados, é
então enviada para a secagem. Nesta operação a água é retirada da celulose até que esta
atinja o ponto de equilíbrio com a umidade relativa do ambiente, e contenha cerca de 10%
de água e 90% de fibras;
processo de produção é então concluído com a embalagem da celulose em fardos amarrados
com três arames pesando, cada fardo, 250 (duzentos e cinqüenta) kilogramas . Esses fardos
são então empilhados na linha de produção de quatro em quatro , prensados de oito em oito
fardos e unitizados com sete arames paralelos formando units ou unidades de carga de
2.000 (dois mil) kg ou 2 (duas) toneladas cada, que é a medida comercial internacionalizada
da celulose para fins de transporte e carregamento;
47
Pode-se definir branqueamento como um tratamento que visa melhorar as propriedades da celulose industrial tais
como alvura, limpeza, pureza química, entre outras.
93
a combinação da queima das cascas das toras nas caldeiras auxiliares e do licor negro nas
caldeiras de recuperação complementam-se na geração interna de energia – o que garante à
Aracruz um nível de auto-suficiência de cerca de 100% do abastecimento de energia.
A capacidade produtiva da INCEL, somadas as produções das três fábricas, alcança atualmente o
montante de 2.000.000 (dois milhões) de toneladas de celulose ao ano. Mas, tal capacidade
produtiva foi sendo conquistada ao longo dos anos que seguiram sua fundação por meio das
instalações das fábricas e também por meio de melhoramentos técnicos nas operações das referidas
fábricas.
A fábrica A, foi inaugurada em 1978 com capacidade produtiva de 450.000 (quatrocentos e
cinqüenta mil) toneladas por ano, capacidade esta dividida em duas linhas de produção.
A fábrica B entrou em operação em 1991, também com duas linhas de produção, que geravam um
total de 550.000 (quinhentos e cinqüenta mil) toneladas de celulose por ano, o que elevou, com sua
inauguração, a capacidade nominal de produção da INCEL para 1.000.000 (um milhão) de
toneladas de celulose por ano.
É importante informarmos aqui, que no ano de 1997, a INCEL realizou um grande projeto de
modernizão das Fábricas A e B elevando a capacidade total do complexo para 1.300.000 (um
milhão e trezentos mil) toneladas de celulose por ano, sendo que, a capacidade produtiva da fábrica
A foi elevada das 450.000 (quatrocentos e cinqüenta mil) toneladas/ano anteriores para 550.000
(quinhentos e cinqüenta mil) toneladas/ano e a capacidade produtiva da fábrica B foi elevada das
antigas 550.000 (quinhentos e cinqüenta mil) toneladas/ano para as atuais 750.000 (setecentos e
cinqüenta mil) mil toneladas de celulose por ano.
Por fim, em agosto de 2002, foi inaugurada a Fábrica C, contando com somente uma linha de
produção, que iniciou suas operações com uma capacidade produtiva de 700.000 (setecentas mil)
toneladas/ano, elevando, então, a produção total da INCEL para as atuais 2.000.000 (dois milhões)
de toneladas/ano.
4.2. Histórico da Implementação da Empresa.
94
O projeto de implantação da Aracruz Celulose S/A no Estado do Espírito Santo se deu durante a
fase caracterizada como dos grandes projetos, onde grandes complexos industriais foram
implementados no estado seguindo a direção desenvolvimentista adotada pelos governos militares a
partir de 1968.
O projeto de implantação da Aracruz fez parte de uma estratégia em nível nacional de diminuir,
num primeiro momento, a dependência do país em relação ao consumo de celulose de mercado,
para num segundo momento, alcançar a auto-suficiência e, posteriormente, exportar os excedentes
de produção do referido produto. Tal estratégia iniciou-se no governo Geisel como uma das
medidas do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) consubstanciando-se no I Plano
Nacional de Papel e Celulose (I PNPC),
Deve-se destacar que foi sem dúvida o período de 1974 a 1979, marcado pelo II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND), que o segmento de celulose de mercado
consolidou-se no panorama nacional e internacional. A política industrial do Governo
Geisel direcionada especificamente para esta indústria e executada através do I Plano
Nacional de Papel e Celulose (I PNPC) foi fundamental para a consolidação do setor
(VIEIRA DOS SANTOS, 1999, p. 17).
Incorporada nesta estratégia nacional de busca pela auto-suficiência na produção da celulose de
mercado e também vinculada à estratégia estadual dos grandes projetos que tinha como principal
objetivo a mudança de rumo na geração das divisas estaduais no intuito de inserir o estado na
orientação geral da industrialização difundida nacionalmente pelo ideário desenvolvimentista
estatal, podemos descrever segundo Glícia Vieira dos Santos (1999, p. 35) a trajetória da Aracruz
Celulose S/A em três etapas,
1. de 1966 a 1977 quando grupos privados foram beneficiados com a elaboração e
execução de políticas públicas (via financiamento, incentivos fiscais e apoio ao
desenvolvimento científico e tecnológico) para o setor tornando a implantação do
projeto Aracruz uma realidade;
2. de 1978 a 1989 período marcado pelo início de funcionamento, crescimento e
expansão das atividades da Aracruz Celulose, associado à formação e qualificação
de sua mão-de-obra, e
3. 1990 a 1998 fase em que, devido à crise mundial de preços provocada pela
superoferta com a entrada de países asiáticos no setor de celulose de mercado, a
Aracruz passou a reestruturar-se visando atender aos padrões internacionais de
concorrência.
A primeira fase de implantação do projeto que daria início à construção da Aracruz Celulose S/A se
assentou em seis eventos sucessivos que se complementaram no intuito de tornar o projeto uma
realidade. Tal fase se iniciou em 1966 quando a consultoria de Economia e Engenharia Industrial
95
S/A sediada no Rio de Janeiro realizou uma série de estudos nos quais previa um déficit no
consumo mundial de celulose e papel provocado pela impossibilidade dos países produtores
tradicionais da época notadamente: Canadá; Japão; Noruega; Suécia e Finlândia atenderem à
demanda existente em função de proibições da legislação ambiental de suas localidades.
Tal evento foi sucedido pela apresentação dos resultados para um grupo de onze pessoas
48
interessadas na consecução do projeto que firmaram um contrato com a empresa para o
desenvolvimento de estudos mais específicos como a identificação da espécie a ser plantada e a
localização da fábricapara a concretização do projeto.
O próximo evento se materializou na escolha da espécieeucalyptus – e na determinação da região
mais adequada para a construção da fábrica, que após a realização pela equipe da consultoria de
uma série de viagens por alguns estados brasileiros, definiu ser o município de Aracruz, situado no
litoral norte capixaba, o local mais apropriado para sua instalação. A escolha do município de
Aracruz segundo Glícia Vieira dos Santos (1999, p. 36) foi direcionada pelos seguintes motivos,
[...] tratava-se de uma região sem qualquer expressividade econômica, porém, contava
com uma topografia plana o que facilitava o processo de mecanização dos trabalhos de
preparação do solo, plantio, corte e carregamento da madeira. Havia também a
proximidade do mar o que beneficiaria em termos de exportações futuras com a
construção de um porto especializado no embarque de celulose. Sobretudo, aliado a
todos esses pontos positivos para a decisão da escolha do município em questão, existia
o fato de que Aracruz apresentava localização privilegiada quanto ao sistema viário e à
capital Vitória na época o maior pólo de desenvolvimento do Espírito Santo com o
qual o empreendimento “compulsoriamente” manteria uma relação de dependência
comercial até sua entrada em operação.
Tendo-se definida a espécie e a localização da fábrica o quarto evento materializou-se na
aquisição de dez mil hectares de terra da Companhia Ferro e Aço de Vitória (Cofavi) e o início da
aquisição de propriedades vizinhas à primeira o que de imediato gerou especulação imobiliária
levando os empresários a adquirirem propriedades em municípios circunvizinhos tais como:
Conceição da Barra e São Mateus.
Após adquiridas terras suficientes para a formação de uma floresta de eucaliptos que dessem
sustentação ao iminente processo fabril, foi constituída a Aracruz Florestal em janeiro de 1967 que
48
Segundo Glícia Vieira dos Santos (1999) se encontravam entre as pessoas: Antônio Dias Leite Jr; Erling
Lorentzen; Otávio Cavalcanti Lacombe; Olívar Fontanelle de Araújo; Fernando Machado Portela; Elizer Batista;
João Maciel de Moura; Álvaro Soares; José Chaldas e Renato Grajiollo.
96
teve por finalidade adjacente ao plantio do eucalipto a realização de pesquisas florestais com o
intuito do melhoramento das plantações. A Aracruz Florestal foi subsidiária da Aracruz Celulose
durante vinte e cinco anos, quando então foi anexada à Aracruz Celulose.
A primeira fase findou-se então com o início da construção do complexo paraquímico que sediou a
brica da Aracruz Celulose S/A na Barra do Riacho trazendo para a região tanto prosperidade,
oriunda do aumento da arrecadação do município e investimentos da própria empresa em infra-
estrutura no seu entorno, quanto efeitos nocivos como a especulação imobiliária num município
que possuía infra-estrutura habitacional precária e o aumento drástico da população causado pela
estada dos funcionários responsáveis pela construção do parque produtivo que acabou gerando o
aparecimento de favelas ao redor do município fato inexistente antes da implementação do projeto.
A segunda fase foi marcada com o início das operações da fábrica em 1978 com a presença do
então presidente General Ernesto Geisel. A empresa, a partir desta data, já começou suas atividades
fabris com uma capacidade produtiva de 450 (quatrocentos e cinqüenta) mil toneladas/ano
transformando-se na principal produtora e exportadora de celulose de fibra curta do Brasil.
No que tange à mão-de-obra qualificada para sustentar as operações da fábrica é importante
destacarmos que a mesma em início foi recrutada nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul
dada a tradição industrial destes.
Em relação à o-de-obra local eram devotados toda a sorte de preconceitos que iam da
estereotipização vadios a alegões da não adaptação da mesma ao trabalho pelo fato de sua
proximidade com o oceano.
Só a partir da década de 1980 é que a empresa se empenhou na formação e no treinamento da mão-
de-obra local
49
buscando apoio em instituições como a Escola Técnica Federal do Espírito Santo
(ETFES) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
49
Entre os fatores ligados a esta mudança de posicionamento encontramos grandes índices de turnover – em torno de
25% nos primeiros anos de operação – justificados pela distanciamento dos funcionários de suas famílias e também a
distância da fábrica dos grandes centros urbanos (VIEIRA DOS SANTOS, 1999).
97
Outra medida tomada pela empresa para reduzir o turnover e aprofundar o treinamento e a
disciplina ao trabalho foi a construção do Bairro de Coqueiral para a habitação de parte de seus
funcionários que,
Quase como extensão da empresa, o bairro reproduzia ainda as relações hierárquicas
vigentes nas relações de trabalho, e nunca deixava de se colocar como uma continuidade
da fábrica, pois no convívio entre os moradores, o que os unia e os separava estava
sempre relacionado com o mundo da empresa. Apesar de impregnado pela presença da
fábrica, residir em Coqueiral era marca de distinção na região de Aracruz, que
também a empresa constituía-se num mundo à parte quase autônomo em relação ao
poder público capaz de conceder serviços urbanos que os municípios encontravam
dificuldades de assegurar aos seus contribuintes (COLBARI ET ALLI APUD VIEIRA
DOS SANTOS, 1999, p. 42).
Na construção do bairro de coqueiral vemos um fator corriqueiro entre as grandes empresas
brasileiras que é aplicação das biopolíticas da população aliadas às disciplinas. Tal fato nasceu da
falta de recursos que o Estado brasileiro tinha em implementar no período de sua industrialização
um Estado do Bem Estar Social que cuidasse da reprodução social aliado aos projetos de
industrialização.
Sendo assim, as grandes empresas ao necessitarem de uma força de trabalho com alto nível de
qualificação tinham de dispor de gastos com o bem-estar a fim de manterem a garantia da
reprodução de sua força de trabalho que neste período – transitar entre as décadas de 1970 e 1980 –
ainda era um elemento escasso no território nacional.
A terceira e última fase foi a que deu forma à reestruturação produtiva da empresa ocasionada por
uma conjuntura recessiva aliada à retração da demanda das principais economias demandantes de
celulose de mercado notadamente: Estados Unidos; Japão e Europa Ocidental bem como a
super-oferta de celulose com a entrada em operação de novas unidades produtoras na Ásia
notadamente: Taiwan; Singapura; Coréia e Tailândia (VIEIRA DOS SANTOS, 1999). E que,
podemos ligar em nível macro aos primeiros efeitos da implementação do modelo neoliberal pelos
países capitalistas ocidentais no decorrer das décadas de 1980 e 1990, que trouxeram como
corolário direto, a abertura das fronteiras nacionais dos países capitalistas ocidentais e orientais ao
comércio mundial acirrando a concorrência entre firmas de padrão de funcionamento global.
98
A maneira como foi realizada a reestruturação pode ser dividida em duas etapas principais segundo
Glícia Vieira dos Santos (1999, p. 43),
1. Reestruturação Produtiva o início (1990-1993): período marcado pela duplicação
da capacidade produtiva da Aracruz; pela primeira crise em 25 anos de existência
em virtude de, entre outros motivos, queda generalizada nos preços da celulose
provocada pela entrada dos países asiáticos no market pulp; pelo início do processo
de desverticalização via terceirização de atividades fora do core da empresa; pela
incorporação da Aracruz Florestal à Aracruz Celulose; por ajustes na estrutura
administrativa da empresa; além de certificação pela norma ISSO 9002 associada às
pressões ambientais por parte dos países europeus, e
2. Reestruturação Produtiva – o aprofundamento (1994-1998): quando as modificações
realizadas no período anterior são aprofundadas, assumindo características de um
processo intenso de reestruturação produtiva. São elucidativos nesta fase o projeto
de reengenharia associado a um conjunto de programas articulados, e o projeto de
modernização tecnológica da fábrica de celulose.
No interior destas duas fases bem demarcadas por Glícia Vieira dos Santos (1999) foram realizadas
modificações profundas na forma de pensar, organizar e por em funcionamento as atividades da
Aracruz.
Seguindo os moldes de reestruturações impulsionados pelas diretrizes neoliberais se assistiu a todo
um espectro de mudanças onde processos foram repensados, o parque produtivo foi informatizado,
a hierarquia foi redesenhada, atividades foram terceirizadas e principalmente o corpo funcional foi
atacado com todos precisos de gestão de recursos humanos os quais primaram pela
implementação da remuneração variável acompanhada de poderosas campanhas destinadas ao
convencimento da classe trabalhadora da inevitabilidade e dos melhoramentos trazidos pelas
mudanças a ambos os lados.
O quadro 1
50
fornece detalhadamente as fases e as ações aplicadas no processo de reestruturação:
Quadro 1
Cronologia do processo de reestruturação na Aracruz (1990-1998)
PERÍODO
TIPO DE MUDANÇA NATUREZA DA MUDANÇA
1990 Formalização do sistema de
qualidade
Cada unidade tem uma vio que deve se enquadrar na política de qualidade da
empresa. De forma geral, a missão principal das unidades produtivas deve ser: produzir
celulose ao menor custo dentro da qualidade que atenda ao mercado. As missões
específicas de cada unidade devem ser definidas sempre atentando para a relação
cliente x fornecedor. As áreas estabelecem um contrato entre si de acordo com os
indicadores de desempenho.
50
Preferimos não nos alongarmos muito na descrição das mudanças técnicas ocorridas na reestruturação produtiva da
unidade de Barra do Riacho da Aracruz Celulose S.A. por as mesmas já haverem sido descritas de forma extensa por
Glícia Vieira dos Santos em sua dissertação de mestrado da qual extraímos muitas informações técnicas da
reestruturação.
99
1991 Externalização de
atividades de manutenção
industrial e florestal,
comerciais, informática
Focar nas atividades core, i.e., produzir celulose.
1992 Aplicação sistemática da
microeletrônica no controle
de processo
Recursos de softwares e hardwares, utilizados na otimização do processo produtivo e
na obtenção de pastas específicas
1993 Certificação pela norma
ISSO 9002
Padronizar procedimentos
Exigência internacional
Enxugamento do quadro Reduzir custos e aumentar a produtividade
Redução dos níveis
hierárquicos
Melhorar a comunicação entre os níveis tornando-a mais eficiente
Contratação de Luiz
Kaufmann
Sistematizar um programa de gestão estruturado para a empresa.
1994 Programas de avaliação,
desenvolvimento e
qualificação de
fornecedores – lançado no
mês de julho
Auditagem das terceiras: obrigações trabalhistas; tributária; medicina, segurança e
higiene no trabalho
Reengenharia Repensar diversos processos da empresa.
1995 Sistema de Gestão
Ambiental
Processo de gestão do meio-ambiente de responsabilidade das áreas de Produção e
Suprimento de Madeira, Produção de Celulose e Centro de Pesquisa e Tecnologia.
Mudanças no organograma Realizada com o auxílio da consultoria da Arthur D. Little.
Certificação pela norma ISO
9001
Padronizar procedimentos
Exigência internacional
Ampliação dos instrumentos
de comunicação interna
Além do jornal mensal da Aracruz (interno), outdoor (distribuídos em pontos
estratégicos da empresa onde há maiores fluxos de empregados), Bulletin Board
(mensagens veiculadas através do protetor de tela dos micros), Circular da Presidência,
contra-cheque, quadros de aviso (presentes em todas as áreas onde são fixadas
mensagens de interesse daquele setor)
Programa Oportunidades
Aracruz
A empresa divulga – através de Edital – a vaga em aberto, os requisitos necessários e
informações adicionais a fim de que os interessados possam participar. A medida tem
como objetivo ser a primeira alternativa para o preenchimento de posições em aberto,
permitindo a evolução profissional do empregado. O processo é conduzido por comitês
formados por gestores das áreas e de profissionais da função de RH e, eventualmente,
empregados.
Participação nos Lucros e
Resultados
Programa anual de remuneração variável que tem por objetivo incentivar e “premiar” o
cumprimento de metas que dizem respeito à produtividade, qualidade, segurança, ao
cumprimento da legislação ambiental e freqüência ao trabalho; são estabelecidas em
negociação com os sindicatos e assinadas em acordo específico de PLR
Gestão por Resultados
(GPR)
Programa desenvolvido para remunerar o desempenho de gerentes, coordenadores e
consultores. Uma parte da remuneração variável é paga em função dos resultados da
empresa, e a outra em função dos resultados individuais.
Plano Diretor de Recursos
Humanos
Trata das estratégias de recursos humanos da empresa
1996 Certificação pela norma ISO
14001 (em andamento)
Exigência internacional
Concepção do Plano de
Controle de Emergência
Aplicado nas áreas florestal e industrial. Define ações e responsabilidades durante uma
eventual emergência (explosões, incêndios, etc.)
Criação do Centro de
Atendimento ao Empregado
Uma unidade que tem por objetivo esclarecer aos empregados, aposentados e ex-
empregados dúvidas a respeito de políticas e práticas de recursos humanos e de sua
vida funcional.
Parceiro 2.000 Trata-se de um programa desenvolvido em parceria com o BNDES com o objetivo de
destinar parte dos juros que seriam pagos ao Banco, em decorrência do Projeto de
Modernização à projetos de formação, qualificação e saúde que visam beneficiar
empregados, seus dependentes e a comunidade de baixa renda. O programa tem a
duração de 7 anos (de 1996 a 2003) dispondo de uma verba total de US$ 3,000,000
destinada a cobrir estas atividades. É realizado em parceria com entidades e
sindicatos. São oferecidos cursos de informática, cursos de alfabetização, atendimento
odontológico, apoio a creches municipais.
Utilização do sistema de
gerenciamento Process
Information
Sistema de gerenciamento da produção com o qual toda a história do processo é
acompanhada e gerenciada, permitindo também a realização de relatórios e pesquisas.
Utilização do software
Máximo
Foco na manutenção preventiva através da utilização de aplicativos como o MÁXIMO.
O sistema gera por intermédio das OS’s (ordens de serviço) históricos sobre cada
equipamento.
Manutenção Primeira Linha É feita pelo operador do equipamento aliada à instalação de mini-almoxarifados em
cada área visando atender às necessidades de emergência de seu posto.
100
1997 Projeto de Modernização Expandiu a capacidade instalada de produção em 20%. Os investimentos envolveram a
implantação de novos equipamentos e sistemas, além de modificações em unidades
existentes, incluindo a instalação de uma terceira caldeira de recuperação, uma nova
linha de caustificação e uma nova planta de evaporação. Na Fábrica A foram feitas
modificações no digestor e no sistema de coleta de gases odorosos, introduziu-se a
deslignificação por oxigênio e adotou-se o sistema digital de controle distribuído em
substituição à instrumentação pneumática. Na Fábrica B, o objetivo principal foi
aumentar a capacidade incluindo nova linha de picagem e seleção de cavacos,
melhoria no sistema de cozimento (digestor) e nos processos de branqueamento e
secagem. Investimentos da ordem de R$ 364 milhões.
Divisão do processo em 6
unidades produtivas
1. Pátio de Madeira, 2. Recuperação e Utilidades, 3. Digestor, 4. Caustificação, 5.
Planta Eletroquímica, 6. Secagem e Enfardamento, em função das características de
mudança de processo, equipamento, estado físico do produto, e tecnologia da unidade
física.
Maior foco na manutenção
preventiva e preditiva
O levantamento de dados preditivos é feito através do Máximo, das OS’s e da MPL.
Introdução de Indicadores
de Desempenho
Gerenciamento do processo. Principais parâmetros de processo de determinada área
(temperatura, pressão, vazão, qualidade, consumo de produtos químicos, viscosidade,
vapor, consumo de água, ar comprimido, etc.), devendo estar entre limites
estabelecidos estaticamente (históricos) como inferiores e superiores.
Modernização do circuito
interno de TV
78 câmeras que permitem uma visão geral de todo o processo e auxiliam a operação
na identificação de problemas e sua origem.
1997 Foco na operação Diminuir a necessidade do supervisor (Operação de Primeira Linha - OPL)
Foco na segurança,
qualidade e meio-ambiente
para todos os empregados
Atividades de qualidade, meio-ambiente e segurança que passam a ser de
responsabilidade de todo o pessoal da fábrica.
Substituição de controles
pneumáticos por digitais na
Fábrica “A”
Substituição de toda a instrumentação pneumática por sistemas digitais transferindo
maior responsabilidade ao operador sobre a performance do equipamento e,
conseqüentemente, sobre a operação da planta.
Modelo 8 x 24 Os trabalhadores do turno (24 horas) têm a responsabilidade de manter a fábrica
operando, enquanto que os trabalhadores do administrativo (8 horas) preocupam-se
com o longo prazo: redução de custos, melhorias, manutenção, etc.
Introdução de programas
participativos: Projeto
Melhoria Contínua
Melhorias que são sugeridas pelos operadores podendo gerar projetos e investimentos
maiores. São lançadas no sistema através de um documento eletrônico em rede e
creditadas no número de matrícula dos empregados, auxiliando no monitoramento de
sua participação. O projeto visa ainda o aumento da qualidade, produtividade e da
disponibilidade dos equipamentos para a produção.
Avaliação 360
º
Programa de desenvolvimento de lideranças que proporciona ao participante uma visão
geral sobre sua atuação como líder. Cada líder é avaliado pelo seu chefe, pares e
subordinados através de um questionário com 70 perguntas específicas quanto ao seu
comportamento no dia-a-dia de trabalho. As respostas são tabuladas e cada
participante recebe um relatório de feedback a partir do qual ele identifica que
comportamentos deve reforçar ou desenvolver mais.
Plano de Gestão de
Recursos Humanos (PGRH)
Plano que atende às necessidades da reengenharia da Incel, estando vinculado à
política de RH da companhia. Como não está totalmente implantado algumas
atividades são efetuadas mediante Sistemas Provisórios.
Arcel Educar Tem por objetivo corrigir a defasagem da educação básica existente no nível
operacional através de cursos de alfabetização e 1
º
grau. É parte integrante do Projeto
Parceiro 2000.
Externalização do plano de
saúde
Sul América Seguros
1998 SAP/R3 Pacote integrado de sistemas aplicativos que administra as operações vitais de uma
empresa (desde registro de encomendas até o produto final, passando pela
contabilidade). São redes que auxiliam na tomada de decio, redução de custos,
permitindo maior controle sobre as atividades da empresa, além de integrar áreas
profissionais. Os investimentos são da ordem de R$ 8,4 milhões (US$ 10 milhões).
Fonte: SANTOS, G. V. Novas Tecnologias e Formas de Gestão da Produção e do Trabalho na Indústria Capixaba de
Celulose de Mercado, dissertação de mestrado, Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas, 1999. p. 48-
50.
Como percebido pelas informações contidas no quadro que demarcou cronologicamente as datas,
denominações e atividades executadas no processo de reestruturação, apesar de ter sido convidada a
participar ativamente da execução do processo, a classe trabalhadora efetuou na verdade atividades
101
ligadas à intensificação de sua própria exploração. Ao lado dos rearranjos caminharam a
diminuição dos postos de trabalho, a intensificação do número e do ritmo das atividades, a
degradação dos mecanismos de remuneração e o aumento da responsabilidade quanto à execução
do trabalho. Tudo isso sob a fachada de uma gestão mais democrática, frouxa e livre dos aspectos
paternalistas e antiquados que presidiam o antigo modelo de gestão.
Outro aspecto importante é a mudança da natureza das atividades entre uma fase e outra da
reestruturação. Se no primeiro período (1990 a 1993) as atividades se concentraram em fortes
modificações na estrutura da organização, no número do quadro de operários e na forma da
execução dos processos de trabalho, a segunda fase (1994 a 1998) se concentrou pungentemente
em atividades de justificação das mudanças anteriormente colocadas em prática, e neste caso o foco
principal migrou da estrutura física da organização para o seu corpo de funcionários.
Tal aspecto pode ser observado na concentração de atividades no melhoramento e intensificação do
processo de comunicação e na forte atuação do setor de recursos humanos no que tange a
estratégias de mudança de perfil dos operadores, criação de novas formas de encarar o papel da
liderança e implementação de programas específicos de treinamento e capacitação no intuito de
gerar novas competências.
Tais aspectos ficam claros quando observamos as modificações drásticas no perfil que os
operadores deveriam apresentar antes e depois da reestruturação, e neste ponto recorreremos aos
dados de nossa pesquisa.
Observando a fala do Gerente 3, vimos que o operador transformou-se de um operário que
executava um número reduzido de operações simples sob equipamentos com padrão analógico,
Antigamente o operador de painel, ele era [...] ele fazia o que a concepção do nome
falava para ele. Eu sou um operador de painel! Eu tenho um painel de controle e eu vou
apertar os botões que estão aqui nesse painel de controle para minha máquina não parar
e ela produzir na melhor qualidade, respeitando o meio ambiente, segurança e o melhor
resultado possível. Isso era o que era antigamente. E existia uma figura chamada
supervisor, que ele cuidava de que? Se o operador de painel se deparava com um
problema, ou tinha um problema na área, o que o supervisor fazia? “Fulano, vai lá ajudar
o operador de painel. Fulano, tem um problema lá que o operador de painel detectou, vai
lá dar um apoio para ele”, entendeu? Então [...] “Fulano, aquele outro operador de painel
está com problema, eu vou tirar um operador de área seu aqui, e passar para aquele
operador de painel lá pra você poder ajudar ele”, ok?
102
Para um operário cujo perfil exige um grande mero de funções complexas e uma autonomia nas
decisões de como fazer o trabalho, como é observado no quadro 2:
Quadro 2
Perfil de Competências
NÍVEL
OPERACIONAL
NÍVEL DE
GESTÃO
DESCRIÇÃO DO PERFIL
Análise e
solução de
problemas
É a capacidade de compreender uma situação quebrando-a em partes menores, traçando suas implicações
passo-a-passo e elaborando plano para resolvê-la. Inclui a organização das partes de um problema de uma
maneira sistemática, fazendo comparações entre diferentes características ou aspectos, estabelecendo
prioridades de forma racional, identificando seqüências cronológicas, relações causais ou relações
condicionais (se...então).
Assertividade Implica na intenção de fazer com que os outros percebam, entendam e aceitem sua vontade ou ponto de
vista que, quando expresso verbalmente, tenha um tom firme e diretivo.
Auto-
confiança
Auto-confiança É a expressão da crença na própria habilidade de realizar eficazmente uma tarefa e de lidar com uma
determinada situação, por ver a si próprio como competente e especialista.
Auto-controle Auto-controle É a capacidade de manter o controle sobre as próprias emoções e inibir atos indesejáveis quando
provocado, face à pressão, oposição ou hostilidade de outros ou quando sujeito à uma situação de crise.
Auto-
desenvolvime
nto
Busca conhecer mais sobre assuntos e pessoas sempre considerando pesquisas e trabalhos já realizados. É
a determinação para obter informações, selecioná-las, organizá-las e sistematizá-las, visando melhorar
entendimento e análise das situações. Reflete o grau de interesse e entusiasmo na realização do processo
de aprendizagem e auto-desenvolvimento.
Criatividade Criatividade É a capacidade de raciocinar de forma conceitual e analítica, desprovida de paradigmas estruturados.
Utiliza abordagens inovadoras para soluções de problemas e propostas de melhoria ou substituição.
Foco no
cliente
Foco no cliente Interesse em identificar e atender às necessidades e expectativas do cliente externo e interno. Significa
conhecer a situação e o momento do cliente, bem como buscar alternativas para satisfação do mesmo.
Influência Influência Intenção de persuadir, convencer, influenciar ou impressionar outros com o objetivo de conseguir apoio
para seus pontos-de-vista e propostas. Inclui o desejo de causar impacto específico em pessoas que têm
posições contrárias para que aceitem suas idéias.
Iniciativa Iniciativa É a capacidade de identificar problemas, obstáculos ou oportunidades e agir em função disto. É também
uma inclinação para agir proativamente, antecipando oportunidades ou dificuldades futuras. Pressupõe
persistência para superar obstáculos e resistências encontradas.
Orientação
para
organização
Orientação para reduzir a incerteza no ambiente a sua volta. É expresso pela atuação no sentido de
monitorar e conferir trabalhos ou informações insistindo na clareza das regras e responsabilidades.
Raciocínio Raciocínio É a capacidade de identificar padrões ou associações entre situações que não estejam obviamente
103
conceitual conceitual relacionadas e identificar aspectos chaves ou subjacentes em situações complexas. Através de um modo
de pensar indutivo que cria novas maneiras de compreensão da realidade.
Realização Realização Interesse contínuo em realizar trabalho com altos padrões de exigência que represente desafio e
possibilidade de superação de resultados anteriores, próprios ou de outros.
Sensibilidade
interpessoal
Sensibilidade
interpessoal
É a demonstração da capacidade de entendimento sobre as outras pessoas. Implica em ouvir
cuidadosamente e compreender os pensamentos, sentimentos e preocupações não-verbais ou parcialmente
expressos. Mede complexidade e profundidade crescentes do entendimento do outro.
Trabalho em
equipe
Trabalho em
equipe
Disposição para trabalhar cooperativamente com outras pessoas e sentir-se parte de uma equipe. Implica
também na atuação para estimular que outros também aprendam a trabalhar como time.
Liderança de
equipe
Capacidade de assumir o papel de líder de uma equipe ou grupo. Implica na atuação no sentido de
direcionar responsabilidades, compartilhar informações, acessar necessidades e motivos das pessoas,
disponibilizar recursos, proteger a equipe, modelar comportamentos e transmitir visão propulsora e
envolvente.
Liderança de
mudanças
Capacidade de energizar e alertar grupos sobre a necessidade de realizar mudanças específicas, bem como
de atuar no sentido de viabilizá-las.
Flexibilidade Capacidade de adaptar-se e trabalhar com eficácia dentro de uma variedade de situações e com diferentes
indivíduos ou grupos. Engloba a compreensão e apreciação de perspectivas diferentes e opostas,
adaptando sua abordagem na medida em que mudam os requisitos da situação e alterando ou aceitando
facilmente as mudanças das características de uma organização ou trabalho.
Fonte: SANTOS, G. V. Novas Tecnologias e Formas de Gestão da Produção e do Trabalho na Indústria Capixaba de Celulose de
Mercado, dissertação de mestrado, Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas, 1999, p. 139.
Analisando as informações contidas na fala do Gerente 3 e no quadro 2, podemos ter uma idéia da
dificuldade da transposição num curto espaço de tempo do perfil de um operador que mostrava nas
operações de seu cotidiano uma semelhança com o estilo de funcionário fordista, ou seja, cuja
competência se limitava a operar, de forma adequada, um pequeno número de tarefas simples que
compunham sua atividade, para um operador que necessita de várias outras competências para ser
bem avaliado pelas gerências e que corresponde ao perfil de operador das empresas que adotaram o
modelo toyotista.
E é neste ponto que deslocaremos nossa análise da reestruturação em termos de suas características
técnicas para os dispositivos de poder utilizados para desmanchar os territórios subjetivos dos
operadores que, no momento anterior à reestruturação, estavam atrelados às necessidades de um
aparelho produtivo funcionando segundo às características fordistas e criar novos territórios; agora,
com características similares à nova forma de organizar a produção adquirida pela empresa com o
processo de reestruturação.
104
4.3. Análise das entrevistas.
Na análise das entrevistas, onde nos portaremos como um cartógrafo para acompanharmos os
desmontes e reconstruções dos terrenos subjetivos dos operadores, dividiremos a tarefa em duas
partes:
Inicialmente buscaremos no discurso dos organizadores como as disciplinas foram
utilizadas para organizar as estratégias de produção subjetiva que envolveram o cotidiano
de trabalho dos operadores com a finalidade de adequar os mesmos ao novo perfil exigido
pela reformulação dos processos de trabalho. Neste ponto acompanharemos no discurso dos
gestores as ações que foram postas em movimento na tentativa de adequação de um perfil
de força de trabalho marcado pelos padrões fordistas de operação para um perfil de força de
trabalho que necessitaria operar numa forma muito mais dinâmica e complexa para se
adequar às exigências da fábrica toyotista.
Posteriormente acompanharemos as marcas das ações pensadas e postas em prática pelas
gerências no pensamento e prática dos operadores cujos corpos foram os elementos sob os
quais várias modalidades de exercício de poder próprias das disciplinas incidiram no
sentido de criar novos terrenos subjetivos.
Na realização dessa análise classificaremos os três gerentes em Gerente 1 , Gerente 2 e Gerente 3.
Os operadores também serão classificados nesta mesma ordem numérica, ou seja, Operador 1,
Operador 2, Operador 3, Operador 4, Operador 5, Operador 6 e Operador 7.
4.3.1. A reestruturação vista a partir do funcionamento das disciplinas.
Como dito anteriormente no capítulo destinado a analisar as alterações de hegemonia de
acumulação e circulação capitalista que marcaram o período pós 1980, a reestruturação dos
aparelhos de produção analisada como um fenômeno amplo, deu-se no intuito de adequar a
velocidade do retorno do Capital Produtivo à velocidade do retorno do Capital Especulativo
105
Parasitário, o Gerente 1 confirma esta necessidade de adequação de velocidade de circulação em
sua fala,
Alguns dos objetivos, da reestruturação, foram, quer dizer, tornar a empresa mais focada,
mais ágil, com menos níveis hierárquicos e numa visão de melhoria contínua, quer dizer,
esse era o objetivo macro.
E, para alcançar esta necessidade de adequação muitas medidas foram tomadas nos aparelhos
produtivos para tentar agilizar o giro do Capital Produtivo. Assim, especificamente na INCEL, com
o intuito de alcançar este objetivo de maior agilidade e flexibilidade, procurou-se redefinir toda a
estrutura que funcionava de forma departamentalizada
51
para um aparelho de produção que
funcionasse por meio de alguns processos básicos como afirma o Gerente 1,
Na realidade foi um programa da Aracruz. Foi um programa de reengenharia da
empresa. Então a empresa definiu seis ou sete processos dentro daquela estrutura,
daquele ambiente departamentalizado, passou a se trabalhar com sete processos. E se
não me falha a memória, foram: suprir madeira, produzir celulose, comercializar
celulose, suprimentos, gerenciar recursos humanos, prover tecnologia, e planejar e
controlar negócios. Então foram sete processos. E especificamente na INCEL, quer
dizer, com a mesma metodologia que foram feitos os outros processos, foi reestudada
toda a área da INCEL, procurando se adaptar os processos internos, a capacitação das
pessoas e estruturas para atender àquela prerrogativa macro da reengenharia.
Como também evidenciamos no pico deste capítulo que retrata o processo histórico da
implementação e reestruturação da INCEL, o perfil da força de trabalho também necessitou ser
completamente modificado para que conseguisse operar no interior de uma organização cujos
processos e estrutura ganharam mais complexidade e flexibilidade.
A necessidade de mudança do perfil da força de trabalho, que, para nós, é entendida como o
desmonte de certo terreno subjetivo e a produção de um outro coerente à estrutura produtiva
repensada e reestruturada, fica exposta na fala do Gerente 2,
Dentro disso, então, basicamente o perfil do operador mudou, o operador passou a ser,
entre aspas, o dono do posto de trabalho dele. Antes ele era um cumpridor de tarefas do
supervisor, o supervisor mandava ele fazer, ele era um simples executor. Com a
reestruturação, que é um dos pontos da reengenharia do processo da Aracruz Celulose,
se acabou com esse nível hierárquico: o supervisor. E o operador passou a ser o dono do
posto de trabalho dele, respondendo por tudo, né? Ele passou a ter muito mais
responsabilidade. Ele não tem que perguntar para ninguém se ele tem que aumentar ou
abaixar algum parâmetro nos controles. Ele já sabe o valor que tem que dar e ele toma as
decisões.
51
Estrutura típica da fábrica fordista que surgiria como conseqüência da divisão do trabalho no interior da fábrica.
Como a busca destas organizações era um incremento da produtividade pela especialização do trabalho dos
funcionários, aglutinavam-se operações homogêneas em uma mesma área que recebia o nome de departamento.
106
o só o Gerente 2 expõe em sua fala tal necessidade de mudança, mas também o Gerente 1, dá um
exemplo desta mudança de postura em relação ao trabalho ao descrever como era e como passou a
ser feito, depois do período da reestruturação, o controle do nível de alvura da celulose,
Vamos dar um exemplo prático. Qualidade da celulose, né? Vou destacar um item:
alvura da celulose. O que que acontecia no passado. O operador estava ali operando com
uma fórmula , para ele ir colocando produto químico, mas quem olhava de fora era o
supervisor, olhava “Pô, a alvura está alta, então, reduz isso, reduz aquilo” ou “a alvura
está baixa, aumenta isso, aumenta aquilo, muda a temperatura, muda isso...” , e o
operador executava. Agora, quer dizer, o acompanhamento da alvura, primeiro, es on
line com o nosso sistema, eu tenho aquela medida on line, é um indicador de
desempenho dele. Então, quer dizer, os ajustes são responsabilidade dele. Ele é que vai
ajustando já, se a alvura está certa ou não está certa.
Buscando a fala do Gerente 3, também encontraremos sinais explícitos da necessidade que se
observava, por parte desses organizadores da mudança, que a força de trabalho deveria empreender
sob a forma com a qual via e executava suas tarefas,
Então, o que que mudou? Mudou o seguinte, daqui para frente o operador de painel tem
que ter o que nós chamamos de responsabilidade plena pelo posto de trabalho. Então o
operador de painel ele é o primeiro gestor do processo. O que que eu quero dizer com
isso? Se tem eu que sou operador de painel, você é um operador de painel e eu estou
com problema e você não está, eu vou passar a interagir com você para que você me
ceda um recurso que às vezes eu preciso, porque agora eu não tenho mais um supervisor.
Então em que que um operador de painel ele se pegou [...] ele se flagrou na mudança:
“Oh, eu preciso ser um cara que eu tenho que começar a conviver mais com as pessoas
do que com as máquinas”. Máquina, quebrou, vou conserto e tudo mas, mas agora eu
vou começar a lidar com sentimentos. Então eu tenho que ser um gestor. Então houve
uma migração daquele operador de painel apertador de botão para aquele operador de
painel que fazia [...] que se interava no contexto como um todo, começa a ter mais
interatividade um com um outro, começa a definir prioridades:Fulano, não abra aquela
válvula ali, abra a outra. Fulano, sai da linha um, vai para linha cinco, que é que eu
estou precisando de você”. E um operador de painel começou a interagir com o outro,
para que? Para negociar isso:Oh, eu estou precisando de mais dois aqui, você que não
está com problema pode me ajudar?” Antes eu sou aquele cara que o supervisor mandou
eu vou lá e faço. “Oh, eu fui um excelente operador de painel” . Para agora uma posição
aquela que eu preciso de ter componentes de atitudes para fortalecer minha posição de
operador de painel. Por que? Porque o perfil mudou. Então nós chamamos isso primeiro
de responsabilidade plena pelo posto de trabalho, e depois de horizontalidade, ou seja,
problemas que são dentro do meu limite inferior e meu limite superior de atuação, eu
tenho toda responsabilidade e autoridade para resolver, não preciso envolver o
coordenador, porque o coordenador ele tem outras atribuições, que é de ser um gestor
dos resultados da área como um todo, mas em termos de processo: secar e enfadar
celulose. Operacional: desviar mão-de-obra de um lado pra outro, solicitar manutenção,
interagir um operador com outro, transferir mão-de-obra de um lugar para o outro, ou
seja, praticar a horizontalidade, praticar a gestão do processo, a responsabilidade plena
pelo posto de trabalho são atividades exclusivas dos operadores, ou seja, eles tem toda a
autonomia para executar tais atividades.
107
Nesta primeira fala do Gerente 3, ficou clara a necessidade do operador, seja de área ou de painel,
ter incorporadas em suas atividades responsabilidades que anteriormente cabiam aos gestores do
processo, mas, acompanhando sua descrição sobre as modificações de perfil exigidas pelo processo
reestruturativo, vemos serem incorporadas funções também relativas às supervisões que foram
extintas com o processo,
Então, mesmo um operador de área, nós estamos falando do painel, mesmo o operador
de área, ele não fica no painel que ele tem na área. Ele tem uma auditoria de qualidade
para fazer, ele tem as ordens de manutenção que ele tem que abrir, ele tem que investigar
se as ordens estão sendo feitas ou não, ele tem que investigar se a equipe de gestão está
programando os serviços que ele precisa que seja feitos na linha ou não. Então, você me
pode questionar o seguinte: “Bom, mas isso era tarefa do supervisor no passado?” Pois é,
porque o perfil mudou. Porque são cada vez menos pessoas, e cada vez mais
competências são exigidas. Agora muito mais com as atitudes do que as competências
técnicas. Porque competências técnicas eu vou e dou nele uma injeção nele de
mecânica, ele aprende mecânica, dou uma injeção nele de hidráulica, ele aprende
hidráulica, dou injeção de eletricidade e ele aprende eletricidade. Eu não dou injeção de
foco no cliente, nem injeção de iniciativa e nem injeção de auto-desenvolvimento. Por
que? Isso é seu. O grande beneficiado, lógico, que a empresa ganha, mas o grande
beneficiado é você. você começa a conquistar outras coisas que transcendem os
horizontes da empresa, que é o que: Multifuncionalidade, empregabilidade, ou seja, você
fica um cara que... você pode escolher onde você quer trabalhar.
Analisando essas falas dos gerentes, vemos claramente que o operador de painel e de área que
habita um período e outro do funcionamento da INCEL, ou seja, antes e depois da reestruturação, é
um ser com características completamente diversas em uma fase e a outra. De um ser direcionado
em toda a extensão do tempo em que permanecia na fábrica, para um ser, que agora, sozinho, tem
de ter noção do funcionamento do aparelho como um todo para que possa tomar decisões sobre as
atividades operacionais.
A pergunta que fica, é como puderam ser empreendidas ações que transformassem aquele perfil de
operador com poucas habilidades e que era direcionado continuamente até nos mínimos detalhes de
sua atividade em um operador agora com características de supervisor e de gestor das atividades
operacionais do aparelho produtivo da INCEL.
Como resposta para a pergunta da transição drástica e, num curto espaço de tempo, dos tipos
específicos de operadores é que encontraremos as disciplinas funcionando no interior das ações
tomadas a partir das gerências mas que envolveram todo o corpo de funcionários da INCEL.
108
Na utilização dessa técnica de poder representada pelas disciplinas observamos que nas ações
tomadas sobre a força de trabalho, para modificar o seu perfil, o uso dos recursos das disciplinas
(vigilância hierárquica, sanção normalizadora e exame) foram os elementos mais importantes na
consecução desses objetivos esperados com o movimento da reestruturação, porque, é claro que na
reformulação do layout da maquinaria e no redesenho da estrutura departamental que foi
substituída pela estrutura em processos os procedimentos das disciplinas foram utilizados à
vontade.
Procedimentos como:
distribuir corpos no espaço e para isso: trancá-los em determinado local; ligá-los a uma
atividade específica e hierarquizá-los em uma seqüência de operações com ordem de
complexidade crescente, fizeram parte do redesenho dos quadros de operação do novo
layout da unidade produtiva;
controlar as atividades dos corpos ao longo do tempo em que se encontram encerrados nos
muros da fábrica e para isso: precisar o tempo específico de cada uma de suas operações;
criar uma situação na qual haja um melhoramento da execução dos seus atos à medida que
eles são repetidos na realização das atividades de seus cotidianos de trabalho; estabelecer
posturas de trabalho onde cada um dos seus gestos corresponda de forma coerente aos seus
demais elementos componentes (correlação entre corpo e gesto); articulá-los de forma ideal
aos objetos que manipulam na execução de suas atividades (articulação entre o corpo e o
objeto) e, por fim, utilizá-los exaustivamente, fizeram parte do construção das manobras nas
quais a atividade da força de trabalho seria redirecionada em uma estrutura funcionando
através de processos ao invés de departamentos;
Organizar as inserções dos corpos nas atividades que põem em funcionamento os aparelhos
produtivos e para isso: dividir a duração de seus treinamentos em segmentos paralelos ou
sucessivos; organizar as seqüências das divisões das atividades dos seus treinamentos
segundo um esquema analítico de complexidade; marcar o termo de cada seqüência e
estabelecer como ritual de passagem uma avaliação que validaria ou não a transição de uma
atividade a outra e, alinhar na inserção dos corpos aos aparelhos, as séries de atividades às
séries dos corpos, fizeram parte da imposição dos exercícios que modelaram os programas
de treinamento que se incumbiram de modificar o perfil da força de trabalho;
109
Utilizar-se da força de trabalho dos corpos no interior dos aparelhos produtivos
(composição das forças) e para isso: movimentar os corpos na extensão dos aparelhos
conforme a necessidade de funcionamento de cada uma de suas partes; relacionar o tempo
de uns com o tempo de outros corpos criando uma teia de relações entre os corpos na
execução das atividades do aparelho produtivo e controlar os corpos com um sistema
preciso de comando, fizeram parte da construção das táticas que prescreveram a utilização
renovada que foi direcionada à força de trabalho.
Como podemos observar, esses procedimentos disciplinares estiveram presentes em toda a
reorganização do parque produtivo para criar novas relações dos corpos com as atividades e
também dos corpos com os próprios corpos, mas, tais inscrições e readaptações não foram uma
novidade trazida pela reestruturação produtiva, que, eram bem evidentes no período que
precedeu a reestruturação, e também não marcaram de forma decisiva a transição dos perfis da
força de trabalho.
Os recursos disciplinares tais como a vigilância hierárquica, a sanção normalizadora e o exame
mostraram-se mais presentes no conteúdo das estratégias de modificação do perfil da força de
trabalho do que os procedimentos operacionais que compõem a mecânica de funcionamento das
disciplinas.
E, dentre os três recursos – vigilância hierárquica, sanção normalizadora e exame – o exame parece
ter sido o que iniciou todo o processo na medida em que foi utilizado para classificar e hierarquizar
as características apresentadas pela força de trabalho ao iniciar-se o período de transição e também
explicitar os posicionamentos políticos da força de trabalho em relação às modificações das
operações do cotidiano de trabalho.
A fala do Gerente 3 expõem de forma clara a utilização do exame como recurso disciplinar,
[...] vamos supor, deu lá um tempo zero, começou a rodar o modelo. O que que nós
fizemos? Uma avaliação de todos dentro desse perfil. Então, competência técnica, nós
temos oito competências aqui. Competência técnica: vamos chamar esse operador de
Aldo, né? Quanto que o Aldo é em termos de competência técnica? Depois, foco no
cliente. é uma atitude... Quanto que ele é em termos de foco no cliente? Auto-
desenvolvimento, quanto que ele é? Iniciativa... quanto que ele é? E nós chamamos uma
outra habilidade, qualidade e segurança e meio ambiente... quanto que ele é nisso? Então
nós temos um diagnóstico, ? Com esse diagnóstico nós preenchemos uma curva. Essa
curva é: “onde que eu estou hoje?” Nós fizemos tipo um gráfico, onde a gente colocou
110
aqui, o cara que está aqui embaixo de vermelho, aqui é a nota, ? Aqui, numa faixa
intermediária: “Oh esse cara aqui é um cara amarelo”, ou seja, podemos trabalhar, tem
possibilidade de desenvolver, esse cara é um cara que vai se enquadrar bem dentro no
modelo. E aqui o pessoal que está na faixa verde, ou seja, esses você pode investir que
certamente vão te ajudar a elevar o resultado num ponto que está aqui na implantação de
um modelo, para um ponto que está aqui
52
.
Fica bem clara na fala do Gerente 3 que toda uma categorização em torno das competências
técnicas e atitudinais da força de trabalho foi empreendida pela equipe organizadora da
reestruturação para que se tomassem com cada uma das pessoas as medidas necessárias para que se
adequassem ao novo funcionamento do parque produtivo ou fossem eliminados através dos
programas de desligamento, que, com os melhoramentos na operação da fábrica, em torno de
trinta por cento da força de trabalho foi demitida.
Porém se acompanharmos o discurso do Gerente 3 veremos que nem em termos técnicos e
atitudinais os funcionários da INCEL foram avaliados através do exame, mas também quanto ao
posicionamento político que os mesmos apresentavam em relação à aceitação ou não das
modificações da rotina de trabalho,
O outro problema é que como em todo lugar tem sempre a pessoa que é a favor e tem
sempre a pessoa que é contra. O contra ele vai fazer de tudo para a mudança não dar
certo, não é? Então ele pega essa pessoa que está no meio, que está com ansiedade: “Não
sei se vai dar certo!”. Aquela pessoa ali do muro. Que tem as positivas, as do meio e as
negativas. Tem um pouquinho positivo, que acredita que: “Vai vamos eu vou te
ajudar” e tudo mais. Tem a do meio que “Eu vou ficar aqui para ver o que vai dar, eu
vou para o lado que, né.”. E tem a contra que: Oh! Pode ser a melhor coisa...não
quero... não quero.” Essa pessoa tem que ser muito bem trabalhada, né! Por que? Porque
ela vai remar contra. Toda a oportunidade que ela tiver pra ser contra a mudança, ela vai
chegar e vai colocar o ponto para voltar.
Além do uso do exame na classificação da força de trabalho nestes três ideogramas: os a favor com
a cor verde; os do meio termo, com a cor amarelo e os do contra, com a cor vermelha, ainda, os
gerentes buscaram por meio do exame quantificar os percentuais da força de trabalho que se
encaixavam nestas classificações. A afirmação do Gerente 3 clarifica bem essa pretensão,
Eu colocaria se fosse pegar os cem por cento e classificar, eu colocaria: 20% a favor;
20% contra e os 60% no meio. A grande massa realmente está no meio. É que nem a
curva de Gauss, né. Como a gente faz aqui, aqui vai ser, depois da linha dézima, né? Não
é essa a dézima, nós colocamos as pessoas aqui em termos de habilidade e atitudes, nós
colocamos uma curva, né? Então eu desenhei uma curva para as pessoas em termos de
habilidade e capacidade. A área da secagem: aqui é o suficiente, aqui é o excelente. Em
52
Durante a entrevista o Gerente 3 desenhou um gráfico no quadro de sua sala para demonstrar as particularidades
das classificações técnicas empreendidas a partir do exame efetuado sobre a força de trabalho. Daí a menção à uma
curva e a pontos acima ou abaixo da curva.
111
termos de composição do meu pessoal: onde que eles estão? Estão no insuficiente que é
até aqui, vamos supor, no regular, no competente ou no excelente. Então eu desenho essa
curva real. Para cada turno, para aonde que as pessoas estão
53
.
O uso do exame para esses fins classificatórios tinha uma clara pretensão de num primeiro
momento conhecer as capacidades técnicas dos operadores para rearranjá-los nos novos processos
que substituíram a antiga estrutura departamentalizada.
Mas, talvez, tarefa mais importante que essa foi inibir a ação das pessoas que se posicionavam
politicamente contrárias às modificações impulsionadas nas atividades de reestruturação, dado o
fato de identificarem nessas ações contrárias um perigo de contaminação de toda a força de
trabalho e com isso a possibilidade da criação de uma forte oposição à realização das modificações
trazidas com a reestruturação. Podemos acompanhar no discurso do Gerente 3 esta urgente
especificidade do uso do exame,
Porque essa ansiedade [referindo-se à ansiedade gerada no processo de mudança
ocasionado pela reestruturação], ela é gerada em todos, nos bons nos médios e naqueles
que não são tão bons, não é? Ou aqueles que têm maior dificuldade. E o do contra ele
coloca a ansiedade alimentando o veneno do corpo dele, “Eu não vou dar conta e eu sou
contra e eu quero que volte para trás”. O do meio ele fica... “vamos ver, eu vou seguir o
mais forte”. Qual que é o mais forte? é o contra ou o positivo?
Mas então, falando do contra e do meio, que é o caso aqui, para não delirar para outro
lado, né? Tem essa pessoa aqui que nós vamos chamar que são os contras, esses aqui que
são os a favor e a grande massa aqui é que vai para o lado mais forte. Por que? Por que
que acontece isso? Porque as pessoas não querem se incomodar, né? As pessoas elas
querem ter a posição o mais cômoda possível. E o mais cômodo é sempre perto do forte.
Se o forte é: fazer a mudança, vamos ser gestores do processo, vamos liderar, vamos
exercer a responsabilidade plena pelo posto de trabalho: “Eu sou o cara que sempre
trabalhei em equipe, tenho o foco no cliente, estou pensando até em voltar para a
Universidade o ano que vem doutor”. Agora, se o forte é o negativo: “Para quê a
universidade? Está bom assim, sempre fizemos um excelente resultado assim, para que
que precisa mudar? Entendeu? Então muitas vezes você tem que tomar algumas ações
radicais aqui. Que é: “Pô, esse cara aqui é a batata podre dentro do saco, vou ter que
tirar.” Passou por isso também, tá? é isso aí.
Além de ter servido de suporte para o mapeamento da força de trabalho em termos de suas
capacidades e posicionamento político em relação à adesão ao processo de reestruturação, o exame
também ofereceu informações cruciais para a atuação do outro recurso das disciplinas que foi a
sanção normalizadora.
53
Novamente o Gerente 3 se utiliza do desenho de um gráfico para demonstrar em detalhes os elementos de sua
classificação da força de trabalho através do recurso do exame.
112
Com a sanção normalizadora procurou-se dosar as ações sobre a força de trabalho conforme a sua
referida capacidade e também conforme o seu posicionamento político em relação à reestruturação.
O recurso claro que deferia estas informações para as gerências empreenderem suas medidas foi o
Plano de Desenvolvimento Pessoal (ANDE) que surgia como o registro oriundo da utilização do
exame na fase anterior.
Criou-se um cadastro no sistema composto pelas habilidades requeridas pelo novo perfil da força
de trabalho para cada funcionário, e esse cadastro era alimentado pela utilização conjunta do exame
(na forma do registro das análises que eram empreendidas pelas gerências) e a sanção
normalizadora (onde seriam informadas as colocações dos funcionários em termos dos seus
cadastros e orientadas certas medidas que os mesmos deveriam tomar em termos de seu
desenvolvimento pessoal) como esclarece a exposição do Gerente 3,
Vai [referindo-se a quem informaria o posicionamento técnico ou político do operador
com relação à avaliação da gerência], eu, eu vou chegar e vou passar. O fórum para isso
é de dois em dois anos. Independente disso, no meio do... “tá bom mas eu vou levar dois
anos para saber?” A gente solicita alguns feedbacks informais, por isso que a gente fala
para os operadores estarem próximos né. Não é um feedback onde eu vou te dar uma
nota. Porque o fato de você melhorar hoje, não quer dizer que amanhã você melhorou.
Não é? Então eu vou utilizar um feedback informal. “Oh Aldo, você está fazendo isso,
isso e isso, não vai por esse caminho não, vai por aquele caminho”. São os feedebacks
informais. Nesses feedebacks informais tem alguns pontos que eu observo em você e
você não sabe. Como é que eu faço isso? Pego o nome de cada um aqui e registro.
“Hoje o Aldo viu um problema da área que normalmente não seria visto por uma pessoa
com o treinamento adequado, realmente eu tenho que fazer um elogio para ele disso
daqui. No seu feedback vou computar isso daí.
Através desse plano podia-se avaliar cada operador individualmente e assim puni-lo ou
recompensá-lo conforme a performance apresentada por ele na análise do registro desta forma de
exame encontrada em sua ficha cadastral no sistema.
Montou-se para tal todo um programa de treinamento no qual seriam dosados, de forma equânime,
porções de habilidades técnicas onde seriam passados aos operadores os conhecimentos necessários
para operar na nova base produtiva informatizada pelo processo de reestruturação e doses de
conscientização
54
como classificaram os gerentes esse conjunto de ações relativas à produção do
novo terreno subjetivo dos operadores da INCEL com as quais se buscaria o consenso da classe
54
Dentro de nossa análise funcionando como o processo de produção dos terrenos subjetivos dos operadores para
que passassem a possuir as características necessárias ao funcionamento da fábrica segundo os desígnios da
reestruturação.
113
trabalhadora em relação às modificações da base técnica e das operações, observemos o discurso do
Gerente 1 neste sentido,
Treinamento e conscientização, quer dizer, não tem outra forma. Treinamento e
conscientização. Explicar para ele que a coisa mudou, porque que a coisa mudou, né?
Por que que ele precisava trabalhar de uma forma diferente. Que resultados ele esperava
obter dessa forma diferente, entendeu? Explicar para ele que ele precisaria valorizar
aquilo, porque ele realmente estava sendo valorizado nesse processo como um todo,
deixando de ser um executante para ser um cara que decide as coisas, entendeu? E a
importância disso para o resultado da organização, ou seja, um processo de
conscientização.
Com o Gerente 2 podemos perceber a primeira preocupação do treinamento, que foi a adaptação da
força de trabalho com a nova base técnica,
Para você possibilitar que o operador tivesse até mais tempo para analisar resultado, para
tomar decisão, então por exemplo, né, se colocou o boletim eletrônico, o boletim
eletrônico de operação. Antes o operador olhava e anotava as informações produtivas no
livro de ocorrência. Então, através de uma ferramenta que foi adquirida com o processo,
o boletim eletrônico, o livro de ocorrência que era um livro preto, onde o operador
olhava, lia e escrevia passou a ser eletrônico também. Então, você tem que ter
treinamento para eles mexerem nisso. para dar dois exemplos simples, além de
conscientização e o treinamento do conceito da coisa, eles tiveram muito treinamento
com relação às ferramentas novas, que é para possibilitar a eles ter mais agilidade. O
indicador de desempenho passou a ser eletrônico também.
E, com o Gerente 1 vemos a ênfase dada à criação de novos terrenos subjetivos para a força de
trabalho no sentido das modificações serem aceitas pela mesma sem grandes oposições à idéia que
a empresa julgava como correta para o funcionamento da base produtiva,
[...] teve um processo de conscientização geral, que basicamente deve ter sido por talvez
grandes palestras, reunia todas as áreas juntas, um palestrão ali de treinamento sobre
todo mundo, e também muito material impresso, os jornaizinhos explicando os objetivos
macro da organização, porque que a organização vai ser diferente. O segundo momento
a reengenharia, mas específica da INCEL, aquelas diretrizes macro, mas vamos
repensar a INCEL aqui agora, como ela se torna uma organização mais ágil que
responde mais rápido aos problemas, e aí, fez aquela reestruturação, redução de níveis,
mudança do papel do operador, etc e tal. Treinamento, treinamento comportamental,
treinamento das novas ferramentas que foram desenvolvidas, com operação no campo
com os facilitadores, durante um certo período, monitoramento desse processo, e aí...
vida normal.
Os vestígios do uso da sanção normalizadora neste processo de treinamento da força de trabalho se
expressam na fala dos gerentes; todos eles diversas vezes referem-se a essa prática como medida
importante para a implementação das ações que no pensamento deles foi adequando à força de
trabalho ao modelo que eles imaginavam coerente para o funcionamento da organização nos novos
moldes definidos na reestruturação.
114
Iniciemos, para visualizarmos os vestígios desse recurso disciplinar, com a observação da fala do
Gerente 1 em relação à sanção normalizadora,
Agora a palavra chave de tudo é conscientização, a conscientização tem dois aspectos,
um aspecto global, no começou onde você reúne as pessoas, discute, explica por que,
né? E depois no dia a dia, né? No dia-a-dia, quando acontecia alguma coisa e você ia lá e
corrigia explicando: “Olha, agora você tem que atuar de outra forma, não é mais aquela
forma antiga. Lembra daquilo que nós conversamos? Então vamos fazer dessa maneira
agora, certo?” Ou isso ou elogiando também: “Olha, gostamos, você atuou bem ontem,
foi muito bom, é isso mesmo que nós queremos”, etc. é o dia a dia, o papel do
gestor como realmente um guia, mostrando, corrigindo e elogiando ao mesmo tempo,
direcionando para aquele caminho que a gente quer.
O facilitador, o coordenador da área acompanhavam e faziam aquele processo que eu
falei para você de correção, o que é bom vamos reforçar e explicar para os outros, e o
que é aprimorável, vamos corrigir e sair explicando porque que não se pode fazer isso
mais. Quer dizer, o papel do gestor depois, no dia-a-dia ele é fundamental, pelo
exemplo, ele também sair daquele perfil antigo, e de apoio de conscientização das
pessoas e de cobrança de resultados, ? Do dele mandar fazer, para o dele mudar o
cara: “Eu preciso de resultados”, como que eu posso ter qualidade como que eu posso
reduzir químicos, quais são os resultados que a empresa precisa, né?
Na fala do Gerente 1 a utilização de pequenas dosagens de punição e recompensa no sentido de
modificar, corrigir, mudar o rumo do comportamento dos operadores para que sua força de trabalho
pudesse ser absorvida na nova organização que a base produtiva sofreu com a reestruturação
tornou-se o elemento fundamental da ação política das gerências na criação de consenso entre os
operadores.
Conseguiu-se com a utilização da sanção normalizadora, neste sentido, criar toda uma nova
postura, uma nova visão do funcionamento da organizão e o mais importante uma nova
percepção do funcionamento das redes de poder internas à organização.
Com o Gerente 3, o uso da sanção normalizadora ganha contornos mais expressivos, porque além
de sua utilização explícita na tentativa de transformação dos comportamentos, tal recurso serviria
também para direcionar os inconvenientes da postura política da força de trabalho em relação à
aceitação ouo do movimento da reestruturação,
Nós vamos trabalhar as pessoas de acordo com o comportamento delas na área. Aquela
pessoa que é a favor, vamos tratar diferenciadamente os diferentes, ou seja... “Aldo você
está indo muito bem, a linha é essa”, eu tenho que dar um sinal para você, e para os
outros não para você de que você está indo bem Olha semana que vem vai haver
uma visita técnica, e você está selecionado para fazer a visita técnica, você vai ser
promovido”. Então esse é o sinal, ou seja, a cenoura, a cenoura na frente. Tô indo bem, a
115
empresa está me reconhecendo, as pessoas que estão ao meu lado estão me vendo e eu
estou emitindo um sinal forte de que “comportem-se como o Aldo porque vocês m
esse horizonte que ele está seguindo para seguir”. Um pessoal pró-ativo. O pessoal do
meio, eles têm que tomar uma decisão, para que lado que eles vão. Eles vendo isso
certamente... “Pô olha! Essa é a cenoura na frente”, então, o meio eu não preciso
comentar porque o meio o que que acontece eu vou pelos benefícios do de cima e vou
chamar de “malefícios” dos debaixo. E os de baixo, o que que é: “Olha, eu estou te
dando um feedback, que você saiba que você precisa fazer isso e isso e isso, eu vou te
avaliar por aquelas atitudes e habilidades, você tem que melhorar nisso, nisso, nisso,
nisso, nisso e eu vou te dar um prazo, o prazo seu é isso aqui”, dois anos, ou um ano.
Passou esse prazo, nova avaliação, melhorou? Feedback positivo. Piorou: “Olha, vou te
dar mais uma oportunidade, ou tirar”. E quando tirar? É quem vem a resposta aqui.
Quando tirar “Nós tiramos o fulano de tal por isso, isso, isso, isso, isso e isso. Jamais
falar: “ele não preenche o perfil”. Por quê? A maioria não sabe qual que é o perfil.
Mesmo que ele está claro na nossa cabeça, eles não sabem. “Será que o perfil que o
gestor está falando é o perfil que eu estou pensando? Então... é uma coisa muito
importante aqui, gerenciar pelo exemplo, que a gente fala. Exemplo positivo de melhoria
de resultado de avançar, de conquistar novos patamares de qualidade e tudo mais:
“reconhecimento disso”. Exemplos negativos de querer puxar o barco para trás, que tudo
vai dar errado, eu não vou fazer e vou arrastar os caras junto comigo. Feedback e
reconhecimento do exemplo negativo, lógico que com uma ão negativa também:
“Olha, se você não melhorar em dois anos eu vou te tirar. Você não cumpriu o seu plano
de treinamento, você não cumpriu seu plano de desenvolvimento, eu te dei dois, três
feedback’s, o que mais que eu posso fazer por você?”. E, além disso, divulgar, divulgar.
Para que as pessoas pensem: “olha, eu quero ser igual ao visitante das outras empresas, o
cara que foi promovido, o cara que está ganhando mais, ou eu quero sair, ou eu quero
receber o feedback negativo, ou eu não quero ganhar desafios, esse é o ponto. Ok?
O uso da sanção normalizadora neste sentido de inibir as visões contrárias às mudanças na base
produtiva passou a direcionar os comportamentos para a aceitação sem questionamentos das
modificações introduzidas pelo projeto de reestruturação. A utilização da expressão “cenoura na
frente” mostra claramente que as capacidades técnicas adquiridas com o aumento da complexidade
do trabalho não poderiam nunca se reverter em um maior entendimento do funcionamento do
processo produtivo e, portanto, no aparecimento de algum questionamento do que a equipe de
organizadores planejaram para a empresa e para as vidas dos operadores.
Conseguiu-se, com este artifício neutralizar a potencialidade política que as modificações na
organização do trabalho traria para a classe trabalhadora como um todo, porque é inegável o
aumento da dependência da organização frente à sua força de trabalho com as modificações
realizadas na forma como o trabalho é executado.
Caso os operadores se negassem a trabalhar em grupo ou assumir o papel de cogestores do aparelho
produtivo, toda a possibilidade da extração de sobre-lucro via a utilização do savoir-faire dos
116
operadores cairia por terra, e o objetivo de alcançar aumentos na lucratividade e de obter um giro
mais rápido da circulação do capital seriam seriamente prejudicados.
o admira, assim, todo o cuidado e zelo na utilização da sanção normalizadora no processo de
treinamento da força de trabalho. Com este recurso garantiu-se que o aumento de potencialidade
técnica adquirido com as modificações da natureza da execução das tarefas não proporcionasse um
aumento simultâneo das reivindicações políticas desta classe trabalhadora.
E aqui o uso da punição maior (demissão) ganhou sentido principal. Por diversas vezes o Gerente 3
se expressa claramente neste sentido de estar promovendo o medo do desligamento para
desencorajar os posicionamentos políticos contrários às modificações trazidas pela reestruturação.
E, considerando-se a situação de desemprego estrutural aliada a crise sindical que também marcam
este período de transformações do parque produtivo, podemos vislumbrar como a ansiedade serviu
de subterfúgio para a aceitação passiva das normas ditadas pelas gerências no momento da
reestruturação.
O que justifica o uso da expressão “cenoura” pelo Gerente 3, porque usam-se cenouras para
direcionar o caminho de burros ou bestas de carga. Assim, se a utilização da sanção normalizadora
era comparada com uso deste artifício para adestrar e direcionar animais foi para dizer, que os
operadores tinham de adquirir novas habilidades técnicas e de conhecimento do processo de
trabalho, mas não poderiam em momento algum pensarem em utilizar esses conhecimentos
adquiridos para tentarem direcionar o rumo do aparelho produtivo de uma maneira diferenciada da
traçada pelos organizadores.
Este rumo seria exclusivamente desenhado pelas gerências e pelos organizadores, aos operadores
caberia seguir como burros ou bestas estas sinalizações direcionadas a partir dos gestores do
processo, caso contrário, encontrariam o desligamento como punição maior.
Como afirma Michel Foucault (2002a, p. 119),
117
A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui
essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela dissocia
o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma capacidade” que ela
procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar
disso, e faz dela uma relação de sujeição estrita. Se a exploração econômica separa a
força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o
elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada.
Completando e realimentando o funcionamento do aparato disciplinar posto em movimento pela
reestruturação produtiva temos o recurso da vigilância hierárquica que, com sua pirâmide de
olhares, vasculha os mínimos detalhes das operações e também os espos mais recônditos do
aparelho produtivo.
Na percepção do funcionamento desse recurso é que começaremos a incluir as falas dos operadores
em nossa análise, porque, a principal característica desse sistema de vigilância é não possuir um
ponto central e localizável de onde partiria o olhar que a tudo veria.
O olhar disciplinar caracteriza-se por ver ininterruptamente sem ser visto, por tornar visíveis as
mínimas instâncias das localizações onde se presta a observar portanto indiscrição ao ver sem
que nenhum dos corpos que estejam encerrados percebam a localização desta vigilância – portanto
discrição quanto a localização do olhar. E também faz de todos os corpos pontos flexíveis por onde
o olhar possa ganhar posicionamento, ou seja, é um sistema de vigilância onde todos se vigiam de
alto a baixo (verticalmente) e de um lado a outro (horizontalmente) como é explicitado na fala do
Operador 1,
Nós estamos num grupo hoje de uma mentalidade tão madura que o cara que fizer um
negócio desse [referindo-se ao fato de alguém realizar um padrão de trabalho que fuja às
normas especificadas pelos gestores] o outro colega, não precisa de supervisor não, o
colega do lado fala assim: “Oh fulano, assim não está legal ”. Tem o operador de painel,
a gente se reporta direto a ele ou até mesmo um colega do lado ali, tem pessoas que têm
posturas desse tipo para chamar atenção do outro, não precisa nem chegar para ele, para
supervisor, para coordenador. O cara fala, fala na bucha mesmo. É igual você jogar
num time de futebol. Rapaz! “Eu tava aqui, livre, você não passou, e aí?”. Mais ou
menos assim. Trabalho em equipe.
118
Na INCEL, o Sitema Integrado de Gestão (ERP
55
) reconhecido pela sigla SAP
56
funciona como o
diagrama eletrônico desta tendência à vigilância contínua e ininterrupta buscada pelo seu aparelho
produtivo.
O SAP, como é conhecido, ao relacionar índices operacionais e financeiros consegue levar às mãos
das instâncias de controle um diagstico preciso do funcionamento de todo o parque produtivo.
É possibilitado a partir do funcionamento deste sistema eletrônico uma relação imediata entre o
desempenho individual dos operadores e o alcance dos resultados financeiros traçados nas
estratégias das gerências organizadoras; e a fala do Gerente 1 é bem explícita neste sentido,
Hoje nós temos o monitoramento do indicador de desempenho e eles vão se afunilando,
começa nos indicadores operacionais e vão se afunilando. Você começa nos
indicadores on-line que é a medição da alvura do produto, quanto ele está gastando de
produto químico ali, junta o coordenador da área e se as coisas vão bater, até chegar
nos macro indicadores que fecham mensalmente na reunião.
E a possibilidade de acesso imediato por qualquer pessoa de qualquer ponto da fábrica, ou seja, de
qualquer micro computador ligado ao sistema, dá ao funcionamento deste a característica de
indiscrição (observar tudo) e discrição (não ser percebido) que as disciplinas buscam em seu
funcionamento, e, neste sentido a fala do Gerente 2 é bem esclarecedora,
[...] para você ter uma idéia, hoje qualquer micro da fábrica pode ver como está tal
processo on-line. Você entra e você o que está acontecendo em qualquer local do
processo com qualquer parâmetro de controle ou monitoramento. Então, é visual, todo
mundo tem a informação, tudo automático, tudo no computador, tudo em sistemas on-
line.
A possibilidade de vigilância contínua e ininterrupta busca em seu funcionamento levar à
internalização da norma nos corpos que estão sendo vigiados, e este digamos “resultado deste tipo
de funcionamento das disciplinas é facilmente observável nas falas dos operadores.
O Operador 2 mostra claramente esta tendência ao relatar sua relação com as normas da
organização,
55
Enterprise Resource Planning, trata-se de um sistema integrado de gestão a partir do qual todas as operações de
uma organização podem ser mapeadas por sistemas eletrônicos de controle.
56
Trata-se do modelo R3 que é um sistema integrado de gestão ERP desenvolvido pela DATASUL.
119
Mas porque, quando houve esse agrupamento [...] por exemplo, hoje o nosso modelo
organizacional aqui, o operador ele é responsável pela [...] por uma parada que tenha,
hoje nós vamos ter uma parada, uma parada de linha, por exemplo. O operador ele é
responsável pelo que vai ser feito, ele recebe as instruções, existe um cronograma em
que é passado para ele o que vai ser feito e ele vai ficar responsável pela parada, em
termos de acompanhamento de serviço, em termos de segurança. Então, eu acredito que
não tem como você burlar isso aí, porque isso foi integrado a você, entendeu, ou
seja, já tá inserido em você. Então você burla quando as coisas não estão dentro de você,
quando elas estão por fora, acho que é bem mais fácil. Agora, a partir do momento que
isso está inserido, está intrínseco a você, não tem como, porque isso já faz
parte da sua rotina.
E o Operador 3, mostra em seu relato que a única possibilidade de modificação das normas
instituídas pela organização passa por propostas de melhoramento do funcionamento do sistema,
Olha, desde que eu conheço a Aracruz, isso aí, nem um minuto [referindo-se à
possibilidade de executar um padrão de trabalho diferente do instituído]. Procedimento
aqui é bem claro, é para você cumprir. Se você não é a favor, ou tem alguma coisa, lance
na melhoria do procedimento. Agora você mudar por conta própria? Se é procedimento,
é para ser cumprido mesmo, entendeu? “Ah, mas eu estou vendo que vai ser melhor essa
mudança”. o, você não está vendo nada, se está escrito na norma é por que tem que
ser assim, norma é para ser cumprida. Porque, entende-se que alguém estudou aquilo ali,
desenvolveu aquilo ali, não é porque o cara acha... de repente tem razão, claro também
que ninguém é perfeito, mas aí, na ocasião, vamos abriruma melhoria aí, vamos fazer
um estudo de viabilidade, em cima da norma, para gente mudar a norma, mas não mudar
o processo. Mudar a norma, depois de mudar a norma, sim, a norma entrou em
vigor, sim, a gente vai adotar aquele procedimento. Mas nunca mudar, até mesmo
porque aqui o custo é elevado, você está mexendo com celulose, e realmente é um
produto fino mesmo. Então qualquer coisa de desvio, de perda, não é simples, é muito
dinheiro e quem que assume isso? “Ah, por que eu achei que poderia melhorar”. Então,
não aceita. Se está errado, alguém desenvolveu isso aqui errado. Fábio vê o que que você
fez. Não, o que eu fiz não, o que eu fiz está aqui. E realmente tem [...] se você for na sala
de controle você vai ver malhas lá, vai ver traillers de acompanhamento, tudo é
monitorado, tudo, tudo, tudo é monitorado, e aonde tiver o erro, vai aparecer. “Ah, o
porque eu achei que se eu dosasse mais aqui melhoraria um pouco. Ah, vc achou? E
quanto está mandando a norma? 0,5, eu botei para 0,7 porque eu achei que se dosasse
um pouquinho a mais...” Quer dizer, então não é achar, entendeu, porque em tudo foi
feito estudo, e realmente é uma empresa grande que tudo é acompanhando, tem análise,
então quer dizer, o procedimento foi feito para ser cumprido. Se você realmente acha
que devido a experiência chegou-se a um resultado. Então vamos fazer um estudo aí, em
cima daquele procedimento, daquela norma para gente mudar. Mas depois que fizer,
testar acompanhar que a gente pode dá um resultado, antes, norma e procedimento é bem
claro, é feito para ser cumprido.
Na fala do Operador 3 fica claro também um medo profundo e difuso de ser descoberto em falta
pelos organizadores e nesta falta ser duramente punido, como reforça a fala do Operador 2,
Agora, possibilidades existem, hein, em qualquer tipo de coisa existe uma possibilidade
de não se cumprir, de não se fazer, acredito que existe. Agora, o nosso caso, eu acho que
isso faz parte da sua rotina, do cumprimento. Se de repente houver um
descumprimento disso, a gente sabe que existe uma seqüela, existe alguma coisa que te
pode trazer um [...] não sei, uma [...] algo assim que pode te comprometer aquilo que
você fez. Seja uma suspensão, seja uma [...] posso dizer [...] você pode ser chamado
atenção, você pode receber uma punição, inicialmente assim [...] verbal, mas achegar
120
ao extremo pode até te acarretar uma demissão. Então isto esta implícito na pessoa
mesmo, certo.
E, este medo de ser pego em falta de ser descoberto realizando ou possibilitando que padrões
diversos de trabalho contaminassem o funcionamento das operações fez com que os operadores se
ajustassem a cada momento às normas até estas impregnarem seus pensamentos e práticas e eles
passarem a ser promotores dela, mesmo que as mesmas ferissem profundamente o que desejavam,
como a fala do Operador 4 explicita,
Isso daí foi através de normas. Você tinha normas de trabalho, que você tinha que seguir
aquilo. Como antigamente a gente fazia tudo aleatoriamente, eu trabalhava de um jeito,
fulano trabalhava de outro, chegava encontrava a máquina de um jeito você ia ajustando
a máquina até chegar naqueles parâmetros que você tinha. (...) Então o que que foi feito?
Olha nós vamos trabalhar sob normas, sob parâmetros fixados, vamos trabalhar em
cima disso para poder todo mundo trabalhar por igual. Eu tenho minha forma, você
tem a sua, fulano de tal a outra, quer dizer que na hora de juntar aquilo ali tinha uma
salada de fruta. Então foi feito através de norma, norma de trabalho. Se você tinha um
parâmetro tal o outro tinha o dele, entra num consenso, então todo mundo trabalhou na
mesma roupagem, sem ter que inventar mais sem inventar menos. Se estipulo aquilo ali
então você tem que trabalhar naquilo.
Então quer dizer, foi votadas essas mudanças, a princípio, então não... Você vai fazer
isso aqui, e não tem como questionar. Então a gente recebeu a mudança? Recebemos. A
gente conseguiu ultrapassar? Conseguimos. Mas muitas vezes você ficava assim meio
bloqueado pelo modo de as pessoas fazer com outras né? [...] As pessoas assim que eram
mais fracas, ficaram pelo caminho, as pessoas mais fortes sobreviveram em todos os
sentidos. pô, menosprezando as vezes até menosprezava: “Que nada rapaz, se fulano
de tal não der certo, manda chamar outro, bota outro”, foram até palavras assim [...] que
não agradou a ninguém, mas você tem que deixar para lá. Então essas mudanças a
princípio, você sabe que tinha que mudar, foram colocadas mudanças assim, que você
não tinha como dizer não e em algumas partes foi colocada de maneira boa, assim de
você coiso [...] e outra partes ficou a desejar, uma coisa que você não tinha como
questionar, você engolir aquilo sem querer, você teve que engolir para poder ficar.
Dispondo desses recursos de vigília constante e ilimitada o SAP conseguiu dar aos organizadores
da reestruturação o padrão de funcionamento ideal que buscavam através das modificações da
organização do trabalho.
Esse sistema ao integrar, de forma ideal, os recursos disciplinares produziu efeitos e contra-efeitos
que tornaram possível que os funcionários fordistas que compunham os quadros da organização no
período anterior à reestruturação fossem convertidos em funcionários toyotistas.
E agora neste período posterior ao movimento, não só a força de trabalho é oferecida como recurso
para a extração do sobre-lucro, mas também, através das modificações efetuadas na natureza do
121
trabalho o savoir-faire dos operadores funciona como elemento de incidência do sobre-poder que
ao circular torna possível a reinvenção contínua do aparelho produtivo para a intensificação da
extração deste sobre-lucro.
Em outras palavras, é a partir do conhecimento dos próprios operadores que são realizadas as
transformações no aparelho produtivo que intensificam a utilização de sua força de trabalho o que
garante a extração crescente do sobre-lucro como explicita a fala do Operador 5,
Eu tenho um equipamento [...] por exemplo: Quais são os nossos maiores custos.
Investimentos e royalties. Por exemplo, na fábrica C, tem uma tubulação que fica
muito próxima a uma tela, na mesa plana que custa cinqüenta mil dólares, trinta mil,
mais ou menos. Aí, essa tubulação está muito próxima, e eu sei que com o esticador no
automático, ela pode tocar ali e danificar essa tela. visualizei, estou sabendo do risco,
eu vou no sistema, abro uma nota para equipe de manutenção, pego a melhoria: “Olha,
vamos relocar a tubulação assim, assim, assado, devido ao risco de danificar a tela, tal,
tal, tal. Então, você tem como intervir. Você visualizou, você abriu a nota para sua
equipe de manutenção e você abriu sua melhoria contínua. Então, você está intervindo
para melhorar o sistema, no caso você reduziu o seu custo.
Vemos a partir destes relatos cruzados de Operadores e Gerentes que as disciplinas foram
amplamente utilizadas como diagrama de poder para a consecução do projeto da reestruturação;
construiu-se, em seu fluxo de ações, um panoptismo sem a mera necessidade de uma forma
arquitetural semelhante à proferida por Jeremy Bentham em finais do século XVIII.
O sistema eletrônico SAP garantiu a idéia de uma vigilância ininterrupta e indiscreta que levasse os
corpos encarcerados a uma internalização das regras do claustro modificando assim profundamente
a forma como se viam a si mesmos e viam e percebiam suas relações com as operações e as pessoas
que compartilhavam de suas rotinas de trabalho.
Os procedimentos e recursos característicos das disciplinas estiveram presentes em todos os
momentos em que buscou-se reorganizar o parque produtivo e com esta reorganização construir
novos terrenos subjetivos que fizessem com que todo este organismo reaparelhado funcionasse
segundo o modelo traçado pelos organizadores.
A presença das disciplinas, portanto, ficou marcada nas falas apresentadas até o momento, mas
temos ainda de buscar sinais de resistência dos corpos à imposição pelas gerências destes recursos e
procedimentos.
122
Tarefa não muito fácil, considerando-se as pessoas que entrevistamos durante a realização de nossa
pesquisa, porque dos sete operadores entrevistados somente um mostrou em seus argumentos uma
resistência muda ao projeto instituído pelas gerências.
Tal resultado talvez tenha se dado pelo fato de ações contrárias terem sido severamente punidas
pelas gerências. E este aspecto ficou claro em diversas falas do Gerente 3, já citadas inclusive, em
que o mesmo mostra todo o empenho que os organizadores tiveram em, primeiramente através do
exame, identificar os posicionamentos políticos que se contrapunham aos objetivos
organizacionais; para posteriormente, através da sanção normalizadora, dosar de maneira
significativa o tipo de punição adequado ao posicionamento.
Assim, na maioria dos relatos comparece uma aceitação passiva do movimento e até mesmo em
alguns casos desejada , como na fala do Operador 6,
Na verdade, quando veio essa mudança, é uma coisa que a gente sentia necessidade lá na
nossa área, de uma mudança realmente. Então eu particularmente eu gostei muito
quando veio essa mudança porque eu senti que a área necessitava dessas mudanças e é
lógico, né, toda mudança tem um certo impacto, mas a maioria encarou de início com
otimismo e vencendo e vencendo essa coisa aí, e começou a ganhar no início. A área
toda começou a ganhar com isso, com essa mudança. Então eu também, como todos ali,
eu senti que realmente a mudança veio trazer alguma coisa de bom. Logo de início a
gente via isso, e depois a gente foi vendo, experimentando e foi muito bom. A mudança
realmente ela trouxe mais conhecimento para todo mundo, trouxe resultados positivos
para área, a gente foi vendo a cada dia que os resultados estavam sendo positivos, então
foi uma coisa realmente de aceitação. Teve algumas pessoas assim [...] que se
assustaram logo no início com a mudança,o acostumaram, mas depois viram também
que isso era bom pra área. Praticamente eu não tive impacto, eu não sofri impacto com a
mudança. Eu na verdade eu vim de outra área e quando eu cheguei aqui senti uma
certa diferença na área que eu vi que tava assim um pouco atrasado devido a ser uma
área grande, precisava mudar e quando começou essa mudança realmente foi uma coisa
gratificante, ver essa mudança, porque a gente começou a perceber que as coisas
caminhavam a passos largos. Eu vejo que a mudança desde o início a gente via que
era positivo, por tudo o que mudou aqui na área, com mudança de [...] o auto-
desnvolvimento, com organização e limpeza na área, a maneira da gente trabalhar, a
preocupação com acidentes, desde o início a gente percebeu isso e começou a reduzir
acidente, começou a melhorar o modo de trabalhar, o companheirismo no grupo, a
equipe, que se pregava muito sobre equipe e realmente se começou esse espírito de
equipe funcionar e está durando até hoje. Com certeza foi muito bom isso aí.
Se listássemos as falas dos demais operadores encontraríamos relatos muito próximos do Operador
6, inclusive relacionando os melhoramentos da base produtiva observado com a reestruturação com
melhoramentos da vida pessoal, como é o caso do Operador 5 que em seu relato sobre que
melhoramentos a reestruturação havia trazido para sua vida fora dos muros da organização
responde que até em conseguir amizades os treinamentos pelos quais passou contribuíram como
podemos acompanhar em sua fala abaixo,
123
Extra-Aracruz? Acho que sim, porque eu não sou assim de, fazer amizade fácil. Então
isso, pelo menos essa parte de integração ajudou bastante. Assim, depois que você faz
amizade acabou também, é para vida toda. Eu não sou aquela pessoa que chega: “Oi,
tudo bem”, não sou o que, chega, fala, ri, conta piada. Eu chego mais na minha, sou mais
quieto, mais tranqüilo. Nessa parte acho que ajudou bastante. A gente fica mais
sociável. Acho que ajuda sim.
Mas, um dos elementos principais que pensamos ter levado a esta constatação se encontra no medo
difundido durante o processo.
Medo de perder o emprego, medo de ser reconhecido como incompetente pela família e pelos
amigos, enfim, medo existencial de fracassar perante a vida, e este medo fica bem explícito na fala
do Operador 4,
Olha eu entrei aqui em 83, quando eu entrei aqui falaram: “Olha rapaz, é difícil de entrar
aqui hein! Mas é muito mais difícil de sair. Com essa conversa eu fiquei [...] porque
eu, felizmente na minha vida eu nunca fui demitido. Nunca fui demitido. Eu saí da
última empresa que eu trabalhei, para vir para cá. (...) E felizmente to 21 anos e
quer dizer, com as mudanças, se você me perguntar: “Você teve medo?” Você tem
família né, você tem família, você tem filho que estuda. Você tem uma certa
estabilidade, assim [...] que você não acostuma, não saí de baixo, mas você acostuma
quando você está no alto, com isso você acostuma.(...) Então você tem, você teve
algumas mudanças, pessoas que você achava que era bom, sabe, de coisa, pessoas que
você achava que era capital intelectual muito alto, foram saindo. Eu pensava assim: “Pô,
se fulano de tal que é bom, pelo menos no que a gente via, não ficaram, porque nas
mudanças aí, teve muita demissão já, muita demissão. Pessoas que você achava que não
iam sair. Isso aí, mexe com você. Poxa vida, daqui a pouco é eu, daqui a pouco é eu.
Teve uma vez que eu saí de férias, logo nas mudanças, quando eu s de rias, quando
eu retornei tinha uns três camaradas que eu achei [...] vieram de fora daqui, diziam que
eram [...] faziam isso, faziam aquilo [...] quando eu cheguei os caras tinham sido
demitidos. Nossa mãe do céu, pensei assim, daqui a pouco é eu. Mas quer dizer, mas não
por isso eu deixei de fazer as coisas que eu fazia, não fiquei me escondendo, pareci
desaflito, to aqui de cima. Então é aonde que essas coisas não me [...] medo eu fiquei,
mas não me fez abater, chegar a ficar estressado, chegar em casa: “Mulher, o negócio tá
ruim”. Sempre tratei com a maior tranqüilidade, mesmo sabendo que tava correndo
risco. Porque você ser demitido de uma empresa grande, eu vou te falar. Alguém
perguntar, porque você foi demitido? Porque eu não consegui fazer tal... executar tal
tarefa assim, assim. Então isso fica tão ruim a demissão, como fica ruim
profissionalmente, porque aqui, eu acredito eu, que se você sair daqui você tem a chance
de ficarfora, bem pouca. Para você arranjar, se for colocado, talvez o motivo que seja
de sair, eu acho que você, que uma firma dessa aí deve ter muitos contatos lá fora. Então
eu tive essa apreensão por causa disso aí, por causa da família. Quando você é
acostumado com muito, com muito não, assim, com mais ou menos...
Assim, vemos o medo combinado com a hiper capacidade de exame fornecida pelo sistema
eletrônico de controle comparecerem como elementos inibidores das resisncias, que apesar de
implícitas na fala do Operador 4, não puderam encontrar terrenos específicos de manifestação.
A questão o medo é realmente importante para compreender o destino das resistências no processo
da reestruturação, porque, em Rolnik (1989) vemos que a linha intermediária da simulação é
movida pelo conjunto dos três principais medos que movem a construção dos terrenos subjetivos da
124
terceira linha: medo ontológico da morte, medo existencial do fracasso e medo psicológico da
loucura.
Sendo assim, no processo da reestruturação produtiva vimos claramente ao analisarmos os recursos
disciplinares do exame e da sanção normalizadora, como o medo existencial do fracasso era
alimentado pelas classificações do exame onde eram arrolados classificações técnicas de
habilidades e competências e posicionamentos políticos de aceitação ou não aceitação e pelas
ações empreendidas pela sanção normalizadora ao recompensar quem se posicionava favorável ao
fluxo de mudanças e punir de forma branda ou severa quem posicionava-se contrariamente a este
fluxo de mudanças.
Com a promoção deste medo inibia-se as ações contrárias e fazia-se que todo o potencial político
da força de trabalho fosse revertido no melhoramento do sistema produtivo que assim sendo
poderia melhorar a pontuação de cada sujeito na plano de desenvolvimento pessoal (ANDE)
diminuindo a possibilidade da perca do emprego que era o carro chefe da promoção do medo do
fracasso.
Este é o aspecto principal que encontramos como inibidor das resistências manifestas quanto aos
investimentos políticos das disciplinas, porém, pensamos que o estudo para encontrar as frentes de
resistência empreendidas pelos trabalhadores deveria ter sido realizado no momento em que a
reestruturação estivesse ocorrendo, porque o que conseguimos captar é tão somente o resultado de
um processo que teve como conseqüência a inserção da força de trabalho em um aparelho
produtivo que hoje suga muito mais que a força de trabalho dos mesmos.
A INCEL possui hoje operações que se utilizam de todo o potencial da força de trabalho – seja ele
caracterizado nas habilidades técnicas de operação ou habilidades intelectuais da criação de novas
formas de operação que é consumida na finalidade de oferecer quantidades cada vez mais
crescentes de mais-valor para os detentores das ações desta companhia sinalizando a hegemonia do
Capital Especulativo Parasitário sobre o Capital produtivo que orientava a produção no período
anterior.
125
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos através das análises: do diagnóstico do funcionamento do Capitalismo contemporâneo; do
funcionamento das técnicas de poder disciplinares e dos relatos oferecidos pela pesquisa com os
sujeitos que compõem os quadros de operação da INCEL se delinearem algumas possíveis
conclusões quanto à nossa pesquisa como um todo.
Primeiramente, observamos ser a reestruturação produtiva uma tentativa de adequar os aparelhos
produtivos às novas especificidades da acumulação capitalista que começaram a ganhar evidência a
partir da crise do regime de acumulação fordista em meados da década de 1960 e que promoveram
a partir da década de 1980 a primazia do Capital Especulativo Parasitário sobre o Capital
Produtivo.
Dessa nova especificidade da acumulação capitalista vimos ser necessária aumentar a agilidade da
circulação do Capital pelas suas formas funcionais para que o giro do Capital Produtivo viesse a se
aproximar do giro conseguido pelo Capital Especulativo Parasitário em suas operações em bolsas
de valores ou aplicações em títulos da dívida pública ou privada.
Na consecução da maior agilidade no giro do Capital, as estruturas produtivas necessitaram ser
repensadas para que os desperdícios no uso da força de trabalho e no consumo da matéria-prima
característicos nas operações da fábrica fordista fossem eliminados.
A forma como a Fábrica da Toyota no Japão funcionava foi buscado pelo ocidente como a solução
para as dificuldades apresentadas pela fábrica fordista no período pós década de 1980.
126
Um movimento de reestruturação produtiva ganhou, então, vulto a partir desta década e varreu todo
o mundo ocidental. As organizações que realizavam operações em escala mundial, tiveram assim,
que readaptar suas estruturas para conseguirem obter os ganhos em produtividade propiciados pela
forma de operação da fábrica toyotista.
Nessa readaptação das operações fabris reanalizaram-se as disposições departamentalizadas da
estrutura produtiva e as divisões estritas entre o trabalho intelectual – característico das prescrições
das normas de funcionamento e das supervisões das operações e o trabalho de execução das
operações.
A INCEL, assim, como uma organização que operava em uma escala de comercialização mundial,
necessitou também acompanhar essa onda de reestruturação produtiva em escala global
promovendo durante a década de 1990 as modificações apresentadas pelo modelo toyotista.
No encaminhamento dessas transformações de sua organização produtiva a INCEL deparou-se com
o problema da modificação do perfil de seus operadores que também deveriam ter suas
características similares à nova forma de operação do aparelho produtivo.
Para consolidar essas transformações no perfil de seus operadores é que apareceram inscritas nas
ações tomadas pelas gerências organizadoras a utilização dos recursos disciplinares que:
na forma do exame propiciaram uma classificação e um enquadramento inicial destes
operadores em termos de capacidades e posicionamentos políticos que dariam origem a um
registro cadastral acessível a todos pelo sistema eletrônico SAP;
na forma da sanção normalizadora permitiram uma distribuição equânime dos castigos e
recompensas no objetivo maior da normalização do comportamento dos operadores aos
requisitos apresentados pela nova organização da máquina produtiva;
na forma da vigilância hierárquica criaram uma pirâmide de olhares que tornava visível os
mínimos aspectos das operações executadas naquele aparelho produtivo. Vigilância esta,
que ainda era realimentada e hiperfortificada pelo sistema eletrônico SAP.
O resultado por fim da utilização desses recursos disciplinares em seu conjunto foi uma
desconstrução dos comportamentos apresentados pelos operadores característicos da fábrica
fordista no período anterior à reestruturação e uma reconstrução destes comportamentos em torno
das necessidades operacionais da fábrica organizada segundo o esquema toyotista.
127
Conseguiu-se assim com a modificação dos perfis dos operadores, que o sobre-poder característico
do funcionamento das disciplinas atuasse como instrumento na obtenção do sobre lucro exigido em
velocidades cada vez mais crescentes com a hegemonização do Capital Especulativo Parasitário.
O sobre lucro, desta forma, não encontraria sua fonte somente na explorão das operações
realizadas pelos operadores na atividade da transformação, mas, ao lado dela seria constituída uma
segunda fonte com a inserção do savoir faire dos operadores no melhoramento das operações do
aparelho produtivo.
Conseguiu-se assim colocar os próprios operadores para contribuírem com a exploração de sua
própria força de trabalho.
Outra atuação dos recursos disciplinares foi no sentido de identificar e punir os posicionamentos
políticos que se mostravam contrários ao movimento de reinvenção das rotinas de trabalho da
INCEL no movimento de reestruturação.
Atuando neste sentido as disciplinas propiciaram primeiramente através do exame uma
classificação precisa dos operadores que se negavam a oferecer seu savoir faire como elemento da
extração do sobre lucro, para, posteriormente através da sanção normalizadora punirem de forma
dura estes operadores que em sua maioria foram demitidos.
Tivemos assim, a partir desse trabalho uma análise de uma readaptação de um aparelho produtivo à
novas formas de funcionamento divulgadas a partir da década de 1980 e que buscavam cumprir
uma necessidade estrutural do funcionamento da acumulação capitalista em sua fase
contemporânea marcada pela hegemonia do Capital Especulativo Parasitário.
E, com a análise do caso da INCEL vimos que as disciplinas formaram a base para a construção das
estratégias que direcionaram as investidas sobre a modificação do perfil apresentado pelos
operadores.
128
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APÊNDICE A
131
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM OS GERENTES
1. Como foi pensada a transição na forma de execução do trabalho na reestruturação produtiva?
2. Qual o perfil de um operador que a Aracruz espera em seus atuais processos de trabalho?
3. Os operadores apresentavam um perfil semelhante?
4. Quais foram as estratégias utilizadas pelos organizadores na tentativa da adequação destes
perfis?
5. Quais problemas foram identificados na implementação das estratégias?
6. Passando para um plano mais subjetivo, o imaginário de uma cultura organizacional foi
pensado na transição?
7. O fato de pensar em uma cultura organizacional remete a análise dos comportamentos dos
operadores ao interpretarem esta cultura. No caso específico da Aracruz, foi pensada a
amalgamação dos possíveis comportamentos arraigados à antiga cultura que a empresa
desejava eliminar?
8. Caso a adequação à nova cultura foi pensada via treinamento, qual foi a intensidade, conteúdo e
forma deste treinamento?
9. Antes da reestruturação existia para abrigo dos funcionários o bairro coqueiral. Tal bairro foi
criado como paliativo para a amenização do turn-over devido ao impacto das escalas de
trabalho no ambiente familiar dos operadores. Dada a extinção do bairro como é pensado este
impacto na atualidade?
APÊNDICE B
132
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS COM OS OPERADORES
1. Como foi vivenciada a experiência da reestruturação?
2. De que forma o período de transição foi trabalhado por parte da empresa?
3. No que tange às exigências de novas posturas diante do trabalho, como foram percebidas?
4. Como o plano de desenvolvimento pessoal é encardo por você?
5. Dada a forma drástica de transformação da hierarquia da organização, como você percebe a
questão do mando? Com o fim do supervisor, ainda existe controle cerrado sobre sua operação? Tal
controle é levado à risca, ou existem manobras?
6. As modificações na organização do trabalho influenciaram sua empregabilidade?
7. Foi percebida alguma classificação em termos de perfis por parte da gerência? Caso tenha
percebido, como tal ação foi experienciada?
8. Quais competências individuais além das técnicas são exigidas na nova organização do
trabalho?
9. Foi percebida uma ampliação de sua autonomia neste processo de reestruturação?
10. Foi percebido algum aumento na intensidade do seu trabalho?
11. Caso sim, de que forma tal intensificação impactou sua vida pessoal? Houve aumento no nível
de stress? Caso sim, de que forma o mesmo é trabalhado?
12. Com a implementação do sistema SAP, como ficou o monitoramento do seu trabalho? Houve
percepção de um incremento de controle sobre o mesmo? Como você se relaciona com este
controle?
13. Partindo de uma análise pessoal, você encara o novo arranjo do trabalho como positivo para
a sua vida?
133
Título: ANALÍTICA DAS RELÕES DE PODER INERENTES AO PROCESSO DE
REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA DA ARACRUZ CELULOSE S.A., NACADA DE
1990.
Local/Data de criação: Vitória - ES.
Dados do Creative commons seguem abaixo:
"<a rel="license" href="http://creativecommons.org/licenses/by/2.5/BR/">
<img alt="Creative Commons License" style="border-width:0"
src="http://creativecommons.org/images/public/somerights20.png" />
</a>
<BR />
<span xmlns:dc="http://purl.org/dc/elements/1.1/" href="http://purl.org/dc/dcmitype/Text"
property="dc:title" rel="dc:type">ANALÍTICA DAS RELAÇÕES DE PODER INERENTES AO
PROCESSO DE REESTRUTURÃO PRODUTIVA DA ARACRUZ CELULOSE S.A., NA
CADA DE 1990.</span> by
<span xmlns:CC="http://creativecommons.org/Ns#" property="CC:attributionName">Aldo
Ambrózio</span> is licensed under a
<a rel="license" href="Creative">http://creativecommons.org/licenses/by/2.5/BR/">Creative
Commons Atribuição 2.5 Brasil License</a>".
Atenciosamente.
Aldo Ambrózio.
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