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Ana Maria Alexandre Leite
Escola Regional Meriti : Limites e
Possibilidades da Escola Inclusiva
Departamento de Educação-PUC
Escola Regional de Meriti
Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de
Educação da PUC/RJ como parte dos requisitos para obtenção
do título de Mestre em Educação
Orientadora: Ilza Autran
Departamento de Educação
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO
JUNHO,2002
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AGRADECIMENTOS
A mim mesmo,
Ao meu querido companheiro Gerson Miranda Theodoro-(Togo), pelo carinho e
compreensão.
Aos meus amigos de pesquisa com quem tenho aprendido a ousar.
Eliane Ribeiro Andrade (Lili)-UNIRIO
Fernanda Resende Nunes -UNIRIO
Miguel Farah Neto -UNIRIO
Luis Carlos Gil Esteves-UNIRIO
Maria Inês Bomfim - UNIRIO
Miriam Abramovay – (pesquisadora)
João Paulo Macedo e Castro - (Joca)- (UFRJ)
Angela Muniz- (pesquisadora)
À Angela Bernardes Dias pela revisão cuidadosa.
A Helena Maranhão pelo incentivo
A Mariangela Monteiro, pela sua decisiva colaboração.
A Zaia Brandão, pelas palavras certas na hora exata.
3
DEDICATÒRIA
Aos meus pais Jaime Alexandre Leite e Antonia Maria da Silva Leite
As jovens Omara Ananda Leite Jorge e Mariana Hermínio Leite
Para que acreditem que a utopia é possível num país tão
desigual conseguirmos ter acesso ao conhecimento, isso vai
muito além das limitações que não impostas ao nascer- que nos
excluem territorialmente, econômicamente, culturalmente,
etnicamente da “boa sociedade”.
4
Sumário
Introdução
Capítulo I - Município de Duque de Caxias
1.1 Formação e evolução: aspectos históricos, geográficos e econômicos
Capítulo II Panorama Educacional de Duque de Caxias
2.1 O Cenário
2.3 O Campo empírico a escola, e o bairro
Capítulo III – Um pouco da História da Educação Especial
3.1 A corrente mainstreaming
3.2 Onde foi gestada a Educação Especial?
3 O que significa educação inclusiva?
3.4 O impacto do Movimento de inclusão em Duque de Caxias
CAPÍTULO IV –As formas de Convivência e sociabilidade no espaço escolar
4.1 As percepções dos diversos atores sobre os alunos diferentes
4.2 O projeto político pedagógico – o discurso e a praxis
4.3 Os diversos saberes- a materialidade das relações entre as equipes do dia a dia da
escola.
Capítulo V – O tempo de espera – a visão dos pais
5.1 Políticas públicas no atendimento dos alunos com necessidades educacionais
especiais
Considerações Finais
Referências Bibliográficas
5
RESUMO
Um estudo etnográfico em uma escola situada no Município de Duque de Caxias que
desenvolve um trabalho de inclusão de alunos com necessidades educacionais
especiais mais de uma cada. Os pontos aqui abordados, traduzem a
complexidade e o caráter desafiador que têm marcado a convivência, a percepção do
outro (diferente) e do nós (semelhantes) bem como o atendimento às suas
especificidades em diversão dimensões que remetem para a necessidade de ser
efetivada uma série de encaminhamentos em varias instâncias tanto no âmbito da
escola pesquisada, quanto em nível macro-social no que concerne a implementação
de políticas públicas articuladas entre as diversas instâncias governamentais e não
governamentais.
6
RÈSUMÈ
Une étude etnographique réalisé dans une école, de la ville de Duque de Caxias, qui
développe depuis plus de dix ans un travail d’insertion des élèves qui ont des besoins
éducatifs particuliers. Les points abordés, traduisent la complexité et les défis qui ont
marqué la vie em commun, la perception de l”autre (lê différent) e la notre (les
semblables) ainsi que la réponse aux multiples dimensions de leurs particularités et
qui renvoient à la nécessite de prise en charge para différentes instances, tant dans
l’école étudiée, comme au niveau macro-social em ce qui concerne l’implantation de
politiques publiques articulées entre les différentes instances gouvernementales et
non-gouvernementales.
7
1. Introdução
No cenário mundial contemporâneo, a Educação Inclusiva surge, hoje, como
uma orientação político-filosófica às propostas educacionais dirigidas aos alunos com
necessidades educacionais especiais, conseqüência dos compromissos assumidos, sob
a coordenação da UNESCO, no congresso denominado Declaração Mundial de
Educação para Todos, ocorrido na Tailândia, em março de 1990.
A referida Declaração, assinada por todos os países presentes no congresso,
pretendeu ampliar o conceito de aprendizagem para todas as crianças, jovens e
adultos
1
, incluindo aqueles com necessidades educacionais especiais. A esse respeito,
cabe lembrar o seu Art. I,
"Essas necessidades compreendem tanto os instrumentos
essenciais para a aprendizagem (como a leitura e a escrita, a
expressão oral, o cálculo, a solução de problemas), quanto os
conteúdos básicos da aprendizagem (como conhecimentos,
habilidades, valores e atitudes), necessários para que os seres
humanos possam sobreviver, desenvolver plenamente suas
potencialidades, viver e trabalhar com dignidade, participar
plenamente do desenvolvimento, melhorar a qualidade de vida,
tomar decisões fundamentadas e continuar aprendendo ( p 1).”
Em 1994, representantes de governos de alguns países do mundo, reunidos
em Salamanca, na Espanha, reafirmaram os princípios, as políticas e as estratégias
de atendimento às necessidades educativas especiais, bem como as linhas de ação
para efetivá-las.
A Declaração de Salamanca, como ficou conhecido internacionalmente o
documento, aponta para a necessidade de os países reverem as bases filosóficas e
1
Entende-se como alunos com necessidades educacionais especiais aqueles contemplados
pela Declaração de Salamanca (1994), ou seja, todos alunos/as, independentemente de suas
condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais , lingüísticas, étnicas ou outras que devam
ser atendidas pelas escolas. O conceito de necessidades educacionais especiais, de acordo
com Salamanca, passou a incluir, além das crianças portadoras de deficiência, aquelas que
estejam experimentando dificuldades temporárias ou permanentes na escola, as que estejam
repetindo continuamente o ano escolar, as que vivem nas ruas, que moram distantes etc...
8
metodológicas de suas políticas educacionais, no sentido de garantir, efetivamente,
educação para todos, sem discriminações ou privilégios. Todos, deficientes ou não,
têm igual direito de exercitar a sua cidadania e construir na escola conhecimentos,
atitudes e habilidades que possibilitem sua participação social contributiva. Desta
forma, seria superada a visão de valorização da sociabilidade que predominou no
espaço escolar em detrimento da escolarização desse alunado.
A concepção de inclusão considera a existência de diferenças também sob a
perspectiva da diversidade sócio-cultural e da desigualdade econômica. Assim,
passam a ser consideradas alvo das políticas de inclusão:
“(...) crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham,
crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a
minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos
marginalizados. (Declaração de Salamanca:1994)
No Brasil, as políticas públicas relacionadas ao tema foram estabelecidas,
historicamente, a partir da concepção de integração. Nos últimos anos, entretanto, o
país tem discutido os processos de integração e inclusão
2
, ainda, lamentavelmente,
compreendidos como contrapostos. Mantoan(1998) tem em seu posicionamento
críticas quanto ao uso indevido dos vocábulos que expressam, na verdade, modelos
de atendimento para esse segmento de alunos . Segundo ela:
" O paradigma de atendimento especializado e segregativo é extremamente
forte e enraizado no ideário das instituições e na prática dos profissionais que
atuam no ensino especial. A não-diferenciação entre os significados
específicos dos processos de integração e inclusão reforça ainda mais a
vigência do paradigma tradicional de serviços, e muitos continuam a mantê-lo,
embora estejam defendendo a integração. Ocorre que os dois vocábulos,
integração e inclusão
3
, conquanto tenham significados semelhantes, estão
2
Em semiologia a utilização de termos é apenas uma expressão abreviada de uma forma particular de
relação em curso; portanto, a inclusão ou integração são conceitos construídos historicamente e que
refletem a forma como as sociedades ao longo do tempo tratam aqueles que são considerados
desviantes, diferentes ou pertencentes a outros segmentos étnicos que não fazem parte dos grupos
dominantes. Para os estudos lingüísticos o significado não é objeto em si, mas sua representação
psíquica; o significante sugere de uma certa maneira a materialização do objeto. Esses estudos podem
fornecer pistas a respeito da evolução do conceito de integração/inclusão no contexto social e suas
conseqüências no comportamento humano. Uma hipótese para a confusão terminológica poderia estar
fundamentada no estigma que cerca esses indivíduos e impossibilita vê-los ou representá-los como
sujeitos possuidores de identidade própria e especificidade independente de suas deficiências.
3
No Plano Nacional de Educação aparecem como sinônimos.
9
sendo empregados para expressar situações de inserção diferentes e que têm
por detrás de si posicionamentos divergentes para consecução de suas
metas."(pg 9)
Apesar dos reconhecidos avanços na legislação educacional brasileira e a
recém aprovação do Plano Nacional de Educação
4
- e as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, e as
Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, algumas questões
inquietam os educadores. Como se dará, por exemplo, a articulação entre a Educação
Especial
5
e a Regular, que promova a inclusão dos alunos com necessidades
educacionais especiais no sistema de ensino público? De que maneira estará sendo
contemplada no projeto pedagógico das escolas a questão da formação continuada do
professor do ensino regular que conta com alunos especiais em sua classe? Diante das
transformações que ocorreram na última década, muitas questões inquietam o espaço
escolar. Até que ponto a inclusão não se torna uma ameaça aos professores que têm
uma visão funcionalista do ensino, rejeitando tudo o que represente uma
desestabilização dos esquemas rotineiros de trabalho, incorporados ao seu cotidiano?
Frente a uma série de questões, esse estudo representa uma proposta de
trabalho referenciada no fortalecimento de uma prática que venha atender à demanda
por uma escola democrática , de qualidade e cidadã.
A escolha do Município de Duque de Caxias como local de pesquisa de
campo ocorreu basicamente por três motivos principais. O primeiro deles pelo fato de
ter sido o município pioneiro na implementação de uma proposta inclusiva, no Estado
do Rio de Janeiro, provocando com isso amplas reformulações ocorridas, nos anos 80 e
90. Isso significou a mudança do modelo médico para o modelo pedagógico no campo
de trabalho com crianças que apresentavam necessidades educacionais especiais. Além
disso, neste município foram realizados alguns trabalhos em parceria com os gestores
da área de educação especial, dos quais participei, além de inúmeros eventos sobre a
temática, no período entre 1996 a 1999, época em que atuei na Delegacia do MEC no
Setor de Acompanhamento de Projetos das Secretarias Municipais de Educação. Na
4
Plano Nacional de Educação- PNE/MEC Lei 10172 de 09.01.2001 ou D.O. de 10.01.20011 e a recém
aprovada Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em
nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Parecer CNE/CP009-2001 de 08.05.2001
5
Modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para
portadores de necessidades educacionais especiais. Essa modalidade perpassa todos os níveis de ensino
do fundamental ao superior e é considerada um conjunto de recursos educacionais e estratégias de
apoio que estejam à disposição de todos os alunos, oferecendo-lhes alternativas de atendimento Lei
9394/96.
10
ocasião, estive várias vezes no Município de Duque de Caxias e pude travar contatos
com diversos profissionais envolvidos nesse processo. Por último, ressalta-se a
participação atuante desse Município no Fórum de Educação Especial numa
Perspectiva Inclusiva
6
, o qual me coube coordenar , contando com a parceria dos
responsáveis pela educação especial, durante dois anos.
Ao procurar a Secretaria Municipal de Educação de Duque de Caxias com o
objetivo de realizar o trabalho de campo, fui bem recebida pela equipe, que me indicou
uma escola onde pudesse desenvolver minhas observações, oferecendo-me material de
apoio para complementar meus estudos sobre o tema. O fato de compartilhar com essas
pessoas sentimentos e percepções sobre o tema e a forma carinhosa como sempre fui
tratada foram determinantes para a aprovação de meu projeto de pesquisa.
Escolhida a escola, encontrava-me decididamente “solta no campo
empírico”, a mercê de outros atores, que me conheciam por recomendação da
Secretaria de Educação ou por indicação de profissionais que conheciam o meu
interesse pelo assunto.
Portanto, até aquele momento eu era uma estranha, entregue às armadilhas
desse tipo de pesquisa,
7
o que significava estar, ao mesmo tempo, distante e próxima
dos eventos que pretendia registrar, munida tão somente de um caderno para
anotações de campo, do gravador e da minha memória.
A presença de estranhos é notada nos lugares onde os papéis são
demarcados. O pesquisador estabelece realmente algum vínculo quando é chamado a
participar das relações e da rotina da instituição.Minha posição próxima aos gestores
da educação a princípio provocava curiosidade e desconfiança por parte professores e
funcionários. Muitos fingiam ignorar-me; outros sentavam-se próximos a mim e teciam
elogios ao prefeito. Percebi que o motivo residia na minha semelhança física com
ele...Outros solicitavam-me empregos, faziam reclamações a respeito do estado da
escola, ou da atuação da Secretaria de Educação, na esperança de que seus pleitos
chegassem às autoridades por meu intermédio.
6
Em julho de 1998, cria-se uma estratégia de trabalho com a participação de entidades públicas não
governamentais e educadores em geral: a realização de Fóruns Permanentes de Educação Especial com
periodicidade mensal,os quais tive o privilégio de coordenar como representante do MEC-Rio de
Janeiro. Nessas reuniões contamos com a participação da Secretaria Municipal de Duque de Caxias,
representada à época pela Coordenadora de EDESP –Profª Mariângela Monteiro que teve a
oportunidade de apresentar o desenvolvimento do trabalho de sua equipe no que concerne à inclusão de
alunos com necessidades especiais naquele município.
7
Pesquisa do tipo etnográfico em educação.
11
Esse fenômeno é descrito por Goffmann (1982), quando aborda a experiência
dos pesquisadores na obtenção de informações para o seu trabalho. Segundo ele:
“Para as pessoas presentes, muitas fontes de informações são acesssíveis e
muitos portadores (ou veículos de indícios) disponíveis para transmitir
informações. Se o indivíduo lhe for desconhecido, os observadores podem
obter, a partir de sua conduta e aparência, indicações que lhes permitem
utilizar a experiência anterior que tenham tido com indivíduos
aproximadamente parecidos com estes que está diante deles ou, o que é mais
importante, aplicar-lhe esteriótipos não comprovados”(p.11)
Essas percepções, em alguns momentos, surtiram efeitos constrangedores o
fato de um funcionário ser visto conversando comigo de forma mais ostensiva, gerava
um certo desconforto por parte da direção, que, no início, se julgava alvo de minha
avaliação.
Estava ciente de que não deveria desconsiderar a importância da
interpretação do outro sobre o meu trabalho. Minha presença no cotidiano da escola
deveria ser aceita gradativamente, para que assim pudesse ser incorporada à rotina da
instituição.
O pesquisador deve procurar descrever os fenômenos percebidos, sem
contudo deixar-se envolver ingenuamente pelo objeto de pesquisa e estar atento a si
próprio e às falsas evidências, cuidando para que não sejam aceitas como verdadeiras.
Para Charlot(2000) A construção do objeto de pesquisa procede desse duplo
movimento de imersão no objeto e distanciamento teórico. Sem o primeiro, a teoria
não sabe do que está falando. Sem o segundo, o pesquisador ignora qual a linguagem
que está utilizando.” (p15).
Aos poucos, fui sendo convidada a participar do cotidiano escolar, através de
eventos, festas, reuniões e pude, com a colaboração de todos, realizar
entrevistas,acumular minhas observações e estabelecer contatos que foram facilitadores
para a compreensão daquela realidade.
Esse estudo tenta compreender a dinâmica de uma escola que, por suas
características singulares, possibilita múltiplas e variadas formas de inclusão de alunos
com necessidades educacionais especiais. Nesse sentido centrei meus esforços na
tentativa de apontar as diversas instâncias discursivas existentes nesse espaço e extra-
12
muros da escola. Vale destacar o desenvolvimento sócio-histórico para a compreensão
dessa realidade, numa perspectiva vygostiniana. Assim, é fundamental compreender os
diversos atores envolvidos nesse cenário, como significam e ressignificam suas
práticas, a imagem que têm de si e dos outros.
Desta forma, considerarei aspectos relativos à história da escola e a grupos
que envolvendo alguns docentes que assumem posição de destaque em relação a
outros, estabelecendo-se uma hierarquização de saberes e prioridades.
Um outro aspecto que deverá ser considerado é a existência do discurso
oficial sobre a inclusão, os enunciados defendidos pelo “Estado” ou por seus
representantes e uma rede de enunciados que versam sobre determinada temática,
estabelecenco uma relação intertextual com outros enunciados existentes de acordo
com (Baktin,1992) Seguindo esse raciocínio, foi possível garantir um encadeamento de
idéias e fidelidade aos meus propósitos iniciais.
Assim sendo, na introdução tentei explicitar os objetivos desse estudo. No
segundo capítulo contextualizo a escola em seus diversos aspectos. O terceiro capítulo
tece um breve panorama da História da Educação Especial e seus efeitos no município
de Duque de Caxias numa abordagem incluisivista. O quarto é produto das percepções
dos diversos atores que convivem no espaço escolar com os ditos “diferentes”. O
quinto capítulo destina-se aos pais dos alunos com necessidades educacionais especiais
e as políticas públicas destinados a esses alunos.
13
Capítulo I – O Município de Duque de Caxias
O Município de Duque de Caxias
8
está localizado no centro-oeste da região
metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, limitando-se ao norte com Petrópolis e
Miguel Pereira, a leste, com Magé e com a Baía de Guanabara, ao sul, com a cidade
do Rio de Janeiro, e a oeste, com São João de Meriti e Belford Roxo.
Possue uma área de 442 km
2
, onde residem, segundo dados do IBGE (2001),
775.456 pessoas, sendo 377.973 homens e 397.583 mulheres; constituindo-se no
quarto município mais populoso da região metropolitana do Rio de Janeiro.
Analisando-se a distribuição por faixa etária da população de Caxias, (IBGE,2001)
verifica-se uma grande predominância da população infanto- juvenil (0 a 19 anos) que
corresponde a 48% da população, os que se incluem na faixa de 20 a 29 anos com
17% , enquanto os idosos representam uma parcela de 8% .
10,06%
9,58%
18,87%
17,59%
15,80%
12,59%
7,64%
7,87%
DISTRIBUIÇÃO POR FAIXA ETÁRIA
0 a 4 anos
5 a 9 anos
10 a 19 anos
20 a 29 anos
30 a 39 anos
40 a 49 anos
50 a 59 anos
60 ou mais
Fonte:IBGE/2001
Duque de Caxias constitui-se no quarto município mais populoso da região
metropolitana do Rio de Janeiro, dividido administrativa e politicamente em quatro
distritos.
9
1.1 Formação e evolução: aspectos históricos e econômicos
8
No intuito de contribuir para maior compreensão da temática abordada nesta dissertação destaco
alguns aspectos sobre o Município de Duque de Caxias, na qual está inserida a escola que se constitui
em campo empírico do trabalho ora apresentado.
9
Duque de Caxias (1º Distrito), com características urbanas, Campos Elíseos ( 2º Distrito), também
com características urbanas, Imbarié (3º Distrito), localizado na parte nordeste, Xerém (4º Distrito),
é o maior do Município , com cerca de 239 km
2
, apresentando características rurais.
14
O início do povoamento de Duque de Caxias remonta ao período colonial. Por
volta de 1566, os primeiros colonos começam a instalar-se ao longo dos rios Sarapuí,
Meriti, Iguaçu e Estrela, localizados nas sesmarias
10
de Martim Afonso, que tinha sido
encarregado pela Coroa Portuguesa de ocupar e explorar o território brasileiro,
expulsando os franceses, evitando, assim, o risco de novas invasões. Tinha também
a incumbência de incrementar a atividade econômica de exportação de cana-de-
açucar, de feijão e outros produtos.
Dentre os inúmeros povoamentos surgidos nessa região, um dos mais antigos,
datado de 1571, pertencia ao donatário Gaspar Sardinha. Seus descendentes
construíram, em 1612, uma ermida, que daria origem à Igreja de Nossa Senhora do
Pilar, responsável pela elevação, em 1637, do status político-administrativo da região
à condição de Freguesia do Pilar. No período compreendido entre 1769 e 1779,
funcionava nessa Freguesia um engenho de açúcar, pertencente ao capitão Luciano
Gomes Ribeiro, que fabricava até 40 caixas de açúcar e 17 pipas de aguardente,
possuindo 74 escravos para esse serviço.
Outro núcleo de grande relevância foi o de S. João Batista da Traiporonga
fundado em um outeiro defronte à baía, adiante da foz do Meriti. Os moradores de
Traiporonga fundaram a capela de São João Batista, em 22 de janeiro de 1645. A
aprovação e o reconhecimento do rei D.João VI ao esforço empreendido pelos
moradores transformaram a capela em igreja e o povoado, em sede, através do Alvará
de 10 de fevereiro de 1647.
A criação dessas Freguesias impulsionou o desenvolvimento local,
demonstrando a influência na colonização do Brasil e, em especial, no Rio de Janeiro,
da Igreja Católica Romana, que associava os ideais religiosos de catequese ao
controle político-administrativo do território brasileiro.
A Freguesia de Traiporonga chegou a possuir vários engenhos, onze fábricas
de açúcar, três olarias e uma grande produção de aguardente. Era servida por
numerosa escravatura e exibia residências pomposas. Com uma lavoura baseada em
cana, arroz, mandioca, milho, feijão e legumes, foi uma das mais desenvolvidas
Freguesias no começo da colonização, abrangendo terras hoje pertencentes a Duque
10
trato de terra concedido pelos donatários a particulares.
15
de Caxias e Nilópolis. Depois de 15 de novembro de 1889, passou a ser distrito,
quando a divisão civil se tornou independente da eclesiástica.
Geograficamente, a Freguesia de Trairaponga abrangia as terras do atual
Distrito de Duque de Caxias, enquanto a de Pilar localiza-se hoje em um bairro com
o mesmo nome, Campos Elíseos, o 2º Distrito do Município de Duque de Caxias.
Com a decadência do setor agrícola, substituído, a partir do século XVII,
pelo ciclo de mineração, ocorre um deslocamento do eixo econômico nacional, do
nordeste para o centro-sul, tornando a região, que hoje constitui o município de
Duque de Caxias, “parada obrigatória” de todos que se dirigiam a Minas Gerais ou de
lá regressavam.
Apesar da decadência da mineração, a região mantém sua importância
econômica, permanecendo como ponto de passagem e descanso dos tropeiros a
caminho do Rio de Janeiro. Martius, em Viagem pelo Brasil, chama a atenção para o
prestígio alcançado pela região, aliado ao intenso comércio de mercadorias.
“(...) Porto da Estrela é o porto geral entre o Rio de Janeiro e a província de
Minas Gerais. Vêem-se compridas filas de mulas, carregadas com caixas e
bagagens, chegando do interior. O mais importante artigo de comércio que os
mineiros aqui trazem é o algodão bruto, tecido de algodão muito grosseiro
para exportação ao Rio Grande do Sul e Buenos Aires; também queijos,
toicinhos, tijolos de marmelada. Igualmente toda sorte de pedras preciosas
vêm do interior e, como nos asseguram, faz-se vultoso contrabando com pó de
ouro e diamantes. Como todas as mercadorias que são remetidas do Rio para
Minas, Goiás e Mato Grosso tomam igualmente a estrada pelo Porto da
Estrela, reina aqui, de contínuo, grande movimento comercial; porém, embora
isto surpreenda, não existe uma casa de morada decente, nem mesmo se
encontra seguro abrigo para as mercadorias.”(p.118)
A decadência econômica se instaura no século XIX, tendo como causas o
desmatamento das florestas e matas e a destruição do rios. As drásticas intervenções
no meio ambiente, realizadas sem planejamento e com o objetivo de atender aos
interesses econômicos, resultaram em pântanos e alagadiços, criando as condições
16
propícias para o surgimento de epidemias de malária, que provocaram a emigração
dos proprietários de terras e o abandono da região.
Em 23 de abril de 1886, foi inaugurada a “The Rio de Janeiro Northem
Railway”, que fazia a ligação do Rio de Janeiro à estação de Meriti, onde, mais tarde,
surgiria a povoação que deu origem à sede do atual município de Duque de Caxias.
Entretanto, esse fato não foi suficiente para conter os problemas enfrentados
nas áreas de saneamento e meio ambiente, dentre outros, uma vez que, ao final do
século XIX, tem início um violento surto de doenças infecciosas, provocando mais
correntes migratórias. A população de maiores recursos mudou-se para as margens da
estação Merity, atual Caxias, onde o povoado vivia em melhores condições.
O processo de melhoria viria a ser implementado no século seguinte, sob o
governo de Nilo Peçanha. Graças ao seu esforço, Meriti conseguiu obter água potável,
mediante a derivação de um encanamento ligado à rede geral que abastecia a cidade
do Rio de Janeiro. Dando continuidade aos projetos de melhoria na região, o então
presidente investe em obras de saneamento e ferrovias, procurando recuperar o
potencial da região, enquanto pólo circulatório de pessoas e mercadorias,
principalmente entre o interior do Estado e o interior do país e o Rio de Janeiro.
Em 1928, no governo de Washington Luís, foi construída a rodovia Rio-
Petrópolis, com o objetivo de incentivar a circulação e a comunicação entre a região
e a capital do país. Nesse momento, a atividade econômica é revitalizada,
impulsionando um rápido e denso crescimento populacional, que culmina na criação
do Distrito de Duque de Caxias, em 1931.
Em 1936, durante o governo de Getúlio Vargas, o poder público federal
investe no saneamento da Baixada Fluminense e no combate à malária. Nas décadas
de 40 e 50, a expansão imobiliária leva à instauração de uma dinâmica ocupacional
característica das cidades-dormitório, uma vez que os habitantes trabalhavam em
outros municípios. Crescem os problemas ocasionados pela realização de loteamentos
sem diretrizes e desordenados, pela insuficiência de infra-estrutura e escassez de
equipamentos comunitários e pelas construções de habitações de baixo-custo.
17
Na década de 50, o governo federal investe novamente no setor rodoviário,
com a construção da estrada variante que contorna o complexo urbano em Caxias,
atual BR-040, constituindo-se em uma alternativa à antiga Rio Petrópolis e iniciando
um vigoroso processo de industrialização no país. A proximidade com o Rio de
Janeiro, a disponibilidade de grandes terrenos, o baixo valor da terra, a
disponibilidade de mão- de-obra farta e barata, a garantia de fluxo de mercadorias
com baixo custo determinarão a pressão sobre Duque de Caxias, no sentido de
expansão de seus limites. Nesse período, é significativa a demanda por áreas
habitacionais e industriais. Médias e grandes empresas deslocam-se para o município,
dentre as quais destaca-se o complexo PETROBRÁS (Refinaria de Duque de Caxias,
Fábrica de Borracha e Oleoduto Rio-BH), localizado no Distrito de Campos Elíseos,
cujo início de funcionamento, em 1961, atrai novas empresas, como a Liquigás, a
Ultragáz, a Shell e a Empresa Carioca de Produtos Químicos.
Neto et al. (2000) discute em sua análise as condições de desigualdade que se
instalaram hoje naquela região.Segundo o autor, (...) o Município de Duque de
Caxias constitui-se em um dos mais importantes do Estado, suas características
demográficas, geopolíticas, econômicas e sociais revelam as contradições de um
processo histórico que assinala a convivência entre a pujança de determinados
setores econômicos e a deteriorização das condições de vida de considerável parcela
da população” (p.15).
Segundo dados do relatório da FIRJAN ( 2001)
11
, a região aguarda a
instalação de pólos industriais com o objetivo de acelerar os negócios em nível local.
O Projeto Pólo Gás-Químico é a principal promessa para o Município de Duque de
Caxias. Com as obras previstas para terminar em 2003, a empresa vai gerar
polietileno a partir de gás natural. Além do Pólo Gás-Químico, que sozinho
representa um aporte de US$1 bilhão, a Baixada vem formando pólos para as
indústrias de material plástico, móveis e cosméticos.
Segundo estudos da Secretaria do Planejamento do Município de Duque de
Caxias em 2000)
12
, além dos investimentos das indústrias, um complexo de escritórios
e centro de operações para o setor empresarial deverá ser construído às margens da
11
Informe FIRJAN, Carta da Indústria ano III , nº125 agosto de 2000
12
SEMUPLAN- Secretaria Municipal de Planejamento de Duque de Caxias, Planejamento Estratégico
Municipal de Duque de Caxias. Diagnóstico Sócio-ambiental,vol.1, Duque de Caxias, Rio de Janeiro.
18
Rodovia Washington Luiz. Essas iniciativas são uma esperança para essa região, no
sentido de mudar o perfil dos trabalhadores desse município, uma vez que, apesar de
constitui-se na segunda arrecadação tributária do Estado, 75% das pessoas
economicamente ativas procuram trabalho em outras cidades , em especial no Rio de
Janeiro
Capítulo II -Panorama Educacional do Município de Duque de Caxias
A Secretaria Municipal de Educação, revelou que, no ano de base de 2000,
havia 67.069 alunos matriculados em sua rede de ensino, divididos em 2.035 turmas,
com uma média de 32 alunos por turma. Consultando-se os dados das matrículas
efetuadas no 1º Distrito, distribuídos por série, temos um total de 19.295 alunos, o que
corresponde a 28,76% do total da rede.
Recente estudo Sobre as Condições de Vida e Atendimento a Crianças e
Adolescentes do Rio de Janeiro, Fundação Osvaldo Cruz - Duque de Caxias em
Dados -Monitorando Políticas Públicas, de dezembro de 2001, alerta para a
relação/diferença que apresenta um índice de crescimento preocupante e atinge o
patamar de 40.7%, ou seja, um percentual significativo de alunos ingressam na escola,
em classes de alfabetização, e não concluem o ensino fundamental no prazo vigente.
Esses percentuais tendem a se elevar uma vez que, consultando-se os dados de alunos
matriculados na série no período de 1995-2001, verifica-se que 61.73 %
apresentam distorção idade-série. Apesar de elevados, esses índices são menores no
e Distrito e preocupantes no Distrito, onde segundo os dados do referido
estudo esse percentual chega a 76.8%. Quanto ao afastamento da escola por
abandono
13
, o município registrou no período de 1991 a 1998 um total contabilizado
de 25.402 evasões, numa média de 3.175,25 alunos por ano.
13
O Município vem implementando o Programa de Bolsa/Escola/Renda Mínima para combater a
evasão escolar.
19
Ainda com relação ao item distorção idade -série
14
, foram totalizados 36.935
alunos nessa categoria, o que representa 62.8% do total dos alunos informados, sendo
que 58.808
15
, concentrados no 3 º ano do ciclo de alfabetização e série. Este fato
pode ser explicado pela adoção da proposta da rede municipal de Educação de
avaliação dos alunos, que atua em ciclo de alfabetização, com aprovação automática
do aluno. Desta forma o aluno só fica retido na passagem do ciclo para a série.
O documento supracitado chama a atenção para o fato de não tiramos
conclusões apressadas sobre a essa situação, fazendo em seguida algumas
recomendações aos gestores das políticas públicas na área educacional;
(.. )Diante dos problemas apresentados, recorrer a uma análise generalista
apontaria aspectos relevantes –situação de pobreza, necessidades dos jovens
em contribuir com a renda familiar, a chamada “cultura da repetência” e até
mesmo desinteresse pela escola/estudo mas não seria suficiente para traçar
diretrizes de atuação que atacassem, de forma efetiva, os problemas, visando à
sua superação. Investigar, conhecer e compreender os processos
socioeconômicos, educacionais e pedagógicos que acarretam e agravam essa
situação, é uma obrigação da SME. Somente assim, os gestores da Rede
Municipal de Ensino terão subsídio para elaborar e implementar políticas
públicas de educação coerentes e baseadas em análises especializadas”.(p.72)
De acordo com os dados da Coordenação de Educação Especial da Secretaria
Municipal de Educação, no que diz respeito à inclusão das pessoas com deficiência no
sistema educacional, a rede municipal incluiu 310 alunos com necessidades
educacionais especiais, existem ainda: 215 em classes especiais, 491 nas salas de
recursos, 172 (surdos), 81(deficientes visuais), 34 alunos atendidos em estimulação
precoce. A rede conta, ainda, com 1.348 professores regentes e 156 professores que
exercem funções administrativas, com salários que variam de 598,00 reais a 1.185,99
14
Em vel nacional, o problema da distorção idade /série se prolonga ao longo das oito séries ,
repercutindo no ensino médio e superior. Em 1998, cerca de 54% dos alunos do ensino médio
matriculados nas escolas públicas do país freqüentavam séries fora da idade recomendada; ao mesmo
tempo, 23,6% dos alunos matriculados no ensino fundamental tinham mais de 14 anos- o que
corresponde em números absolutos a 8,5 milhões de matrículas;Castro M.H. in As desigualdades
regionais no sistema educacional brasileiro in Desigualdade e Pobreza no Brasil org. Henrique R. et ali
IPEA, 2002, RJ.
15
Esses valores referem-se aos alunos da rede matriculados no ensino fundamental, executando-se os
alunos da educação infantil.
20
para aqueles que se encontram em final de carreira. Segundo informações da
Secretaria Municipal de Educação, esses valores estão acrescidos da verba referente
ao FUNDEF
16
. È bom destacar que, o acompanhamento e controle social sobre os
recursos do FUNDEF devem ser realizados por Conselhos instituídos no âmbito da
União, Estados, DF e Municípios, dos quais devem fazer parte, no mínimo, seis, sete,
cinco e quatro membros, respectivamente(MEC,1996).
Apesar de ter havido um prazo para a criação dos Conselhos,
17
fixado em 30
de junho de 1997, o Município de Duque de Caxias fez a sua primeira reunião para
discussão das questões de natureza contábil referentes ao Fundo somente em outubro
de 2001, com inexpressiva participação dos professores. Estavam presentes, ainda,
alguns conselheiros que fazem parte do Acompanhamento e Controle Social do
FUNDEF e representantes da Câmara de Vereadores. Em relação à ausência dos
professores, um atuante vereador, pertencente ao segmento de oposição ao governo
atual do Município, ouvido em entrevista, assim se expressa:
“(...) Acho que todos deveríamos conhecer e acompanhar os valores que
estão sendo destinados à educação esse município tem uma história de
autoritarismo com fortes traços de oligarquia em sua formação; isso faz com
que se desviem os interesses da população dessa questão. Por outro lado,
cresce o número de políticos que vivem de ações filantrópicas. Acho
inadmissível que os professores desconheçam essa matéria e não analisem
esses recursos que, em última instância, também contribuem para elevar ou
reduzir seus vencimentos”.
16
Regulamentado pela Lei 9.424 (DOU, 26/12/96), o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef teve sua implantação automática em
todo o território nacional a partir de 1
o
de janeiro de 1998. Em linhas gerais, é composto por 15% dos
recursos da parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre
Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação –ICMS, devida
aos Estados, ao DF e aos Municípios (Constituição Federal, 05/10/88);da parcela do Imposto sobre
Produtos Industrializados IPI, devida ao Distrito Federal e aos Estados (Constituição Federal,
05/10/88; Lei Complementar n
o
61, de 26/12/89);do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito
Federal - FPE e dos Municípios - FPM (Constituição Federal, 05/10/88; Lei n
o
5.172, de 25/10/66).
O Fundo é de natureza contábil e a distribuição de seus recursos, automática. Seu repasse é realizado de
acordo com o número de alunos matriculados da 1
a
à 8
a
série regular do ensino fundamental das redes
públicas, número este informado pelo Censo Escolar do ano anterior. A verba é depositada,
periodicamente, em contas abertas para esse fim, nas agências do Banco do Brasil dos Estados,
Municípios e Distrito Federal.
À União cabe complementar os recursos do Fundo de Estados que não conseguirem alcançar o
valor mínimo nacional fixado anualmente por aluno.
17
De acordo com o estabelecido no inciso IV§1º, art.4º da Lei 9424/96 , o Conselho de
Acompanhamento Social do FUNDEF deve ser composto pelo nimo de quatro membros,
representando respectivamente: a) a Secretaria Municipal de Educação;b) professores e diretores de
escolas públicas do ensino fundamental; c) servidores das escolas públicas do ensino fundamental:d)
pais de alunos;
21
Quanto à destinação, os recursos devem ser gastos da seguinte maneira: pelo
menos 60% gastos no pagamento dos profissionais que exercem atividades de
docência e os que oferecem suporte pedagógico direto a tais atividades, aí incluídas as
funções de direção ou administração escolar, planejamento, inspeção, supervisão e
orientação educacional, conforme o disposto no Artigo 2
o
, da Resolução n
o
3, do
Conselho Nacional de Educação - CNE (DOU, 13/10/97); no máximo 40% na
manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, conforme disposto no artigo
70 da Lei n
o
9.394, que fixa as diretrizes e bases da educação nacional - LDB (DOU,
20/12/96). Questões relativas à carreira e à remuneração do magistério dessa
modalidade de ensino foram também tratadas, de forma ampla, pela Lei 9.424, em
seu artigo , as quais foram posteriormente aprofundadas pela Resolução n
o
3 do
CNE. Além disso, o artigo 212 da Constituição Federal prevê a obrigatoriedade das
Prefeituras em aplicar, anualmente, pelos menos 25% da receita proveniente da
arrecadação de impostos no setor de educação.
De acordo com os dados da Secretaria do Tesouro Nacional,
18
no período
compreendido de janeiro a dezembro de 2000, foram repassados CR$40.406.498,00
de recursos destinados ao FUNDEF.
1.1- O Cenário
A escola em questão está localizada no Município de Duque de Caxias,
no Distrito–sede, na região sul. À época da pesquisa, esse Distrito contava com
uma população de 332.596 habitantes, numa área de 41 km, na parte urbana da região.
A maioria das favelas
19
localiza-se nesse distrito, com uma estimativa de 98.057
habitantes residindo em áreas consideradas de risco
20
no que tange à segurança, ao
18
Secretaria do Tesouro Nacional,2002. Consultas a Origens do FUNDEF.STN. 02.01.2002.
htpp://www.stn.fazenda.gov.br
19
Espaços onde se associam representações que servem para identificar a origem de seus moradores,
conforme IPEA, 2001 (apud Valladares, 1991), alguns consensos básicos foram se formando ao longo
do tempo. Assim, favela seria o “locus” número um onde reside a população carente; tratar-se-ia de um
espaço específico não apenas geográfico como também social, que vem engrossando a “cidade ilegal”.
Tal espaço corresponderia a um universo homogêneo, marcado pela irregularidade na ocupação do solo
e precariedade em termos de serviços públicos e equipamentos urbanos.
20
Encontramos no primeiro Distrito as seguintes favelas: Favela do Lixão (urbanizada); Favela Dois
Irmãos (urbanizada), Complexo do Morro do Sapo, Nova Jerusalém, Rato Molhado, Vila Fraternidade,
22
saneamento e à proliferação de epidemias. Dentre essas favelas, destaca-se a do
Lixão, com uma população estimada em 17.097 habitantes, segundo os dados da
Secretaria Municipal de Planejamento de Duque de Caxias, em 1999. E importante
sinalizar a existência, na escola, de alunos residentes nessa comunidade, uma vez que
inexiste unidade escolar no local.
No bairro onde se localiza a escola, existe aos domingos funciona uma feira
livre, conhecida como “feira dos nordestinos.” Quanto aos equipamentos públicos, há
uma Delegacia Policial, um centro de atendimento ao portador de deficiência,
21
Câmara Municipal de Vereadores, um posto do INSS, um posto da Delegacia
Regional do Trabalho, algumas unidades básicas de saúde, agências da Prefeitura,
como a de Serviço Social, para atender à demanda dos cidadãos, uma vez que a sede
da Prefeitura está localizada em outro Distrito distante do centro. Existem, ainda,
2.445 estabelecimentos comerciais, 26 agências bancárias e 1.731 postos de serviços ,
escolas particulares e poucas escolas públicas estaduais.
Em relação à destinação e remuneração dos recursos humanos, verifica-se que
quanto maior a eficiência em alocar recursos humanos disponíveis para as atividades
econômicas e quanto melhor a remuneração, menor será o nível de pobreza da região.
No que concerne a esses indicadores, dos 118.985 registros de empregos
formais trabalhistas, 68% são ocupados pelo sexo masculino, totalizando 81.301
pessoas, e 37.684, por pessoas do sexo feminino (31.67%).
O setor terciário é o que mais emprega (66.21%), com quase o dobro de
registros em relação ao secundário, ou seja, 33,72% ( cf.Netto,2001). Destacam-se,
ainda, os dados do censo referente ao ano base de 1991, com o indicativo de grande
parcela dos cidadãos caxienses percebendo entre 2 e 5 salários mínimos,
concentrando-se no primeiro Distrito, conforme diagnóstico da
SEMUPLAM/PLANTEK(1999).
Em relação à concentração de renda dos chefes de domicílio, o município
possui zonas diferenciadas, registrando em outros distritos variações que indicam
rendimentos de 1 e 2 salários mínimos, ou seja, trabalhadores que recebem salários
abaixo da média regional.
Ilha Gonçalves, Do Quintal (não urbanizadas).
21
Contabilizado no item referente à rede pública de saúde do Município de Duque de Caxias.
23
Outra questão apontada na pesquisa diz respeito à existência de famílias que
não possuem rendimento algum, vivendo em estado de miséria. Esse tipo de situação
incentiva o exercício de atividades laborais entre crianças e adolescentes, que são
exploradas no mercado informal, sem garantias trabalhistas e que evadem do sistema
de ensino.
Quanto à saúde, desde a década de 80, o Município vem implementando ações
dirigidas a crianças, adolescentes e mulheres, com a criação de programas destinados
a esses segmentos. Hartz, citado por Netto(2001), afirma que a mortalidade infantil
é considerada um dos indicadores mais sensíveis do nível de saúde de uma população,
pois reflete, simultaneamente, o grau de desenvolvimento sócio-econômico e a
qualidade do serviço de saúde. Nesse sentido, os esforços do Município apresentam
um decréscimo nas mortes prematuras, sendo a taxa de 1999 a mais baixa em relação
aos anos anteriores e inferior à média nacional, que, em 1998, foi de 36,1/1000
nascidos vivos, segundo dados do Ministério da Saúde (1998).
No tocante à mortalidade materna, que estima o risco de morte por
complicações decorrentes da gravidez e do puerpério, bem como da qualidade da
assistência direcionada à mãe no período pré-natal, o município se mantém
atualmente dentro dos níveis médios de ocorrência. De acordo com Laurenti, citado
por Netto(2001), essa média se situa entre 20 e 49 por 100.000 nascidos, faixa onde
se encontram os níveis de mortalidade materna em Duque de Caxias.
A rede pública de saúde de Duque de Caxias conta, em sua totalidade, com 12
unidades básicas de saúde (11 postos de saúde e um centro de saúde), 23 unidades do
Programa de Saúde da Família, um centro odontológico, um centro de atendimento ao
portador de deficiência, um centro de atendimento ao adolescente dependente
químico, quatro hospitais e uma Delegacia Policial (59ª DP).
22
22
Dentre as ocorrências registradas envolvendo jovens, como vítimas ou infratores, em janeiro de
2002, encontramos: roubo de veículos, 36 casos; roubo de aparelhos celulares, 23 casos; roubo de
documentos de veículos, 21 casos; roubo ao transeunte, 16 casos; lesão corporal dolosa, 13 casos; num
total de 272 ocorrências(dados obtidos junto à Secretaria de Polícia Civil do Estado do RJ em
dez/2001) parte do relatório de avaliação e acompanhamento do Programa Escolas de Paz II-
UNESCO/Unirio, dezembro de 2001.
24
No quesito atendimento infantil, o município possui um trabalho considerado
de excelência, com treinamento e uma ampla cobertura para as vacinas BCG e anti-
poliomielite, com quase 100% de aplicação.(Neto et al 2001).
Segundo os dados da Secretaria de Estado de Saúde/RJ, foram informados,
até 31/03/2001, 995 casos de AIDS, desde o princípio da epidemia. Destes, 32(3,2%)
são de crianças com menos de 13 anos; 23 casos (2,3%) são de jovens entre 14 e 19
anos; e 278 (27,9%) pertencem à faixa compreendida entre 20 a 29 anos.
Atualmente, são implementadas ações em parceira com a Secretaria Estadual
de Saúde para o desenvolvimento do plano operativo anual, parte do convênio
destinado à redução da transmissão perinatal do HIV e da sífilis congênita, dirigidas
às comunidades carentes, ao aconselhamento pré-natal e pós natal e realização de
palestras elucidativas em empresas e estabelecimentos escolares.
2.2– Uma escola, muitas histórias
Para concretizar o objetivo deste trabalho optei por analisar o trabalho de uma
escola, cuja história se identifica, desde sua origem, com a necessidade de atender à
escolarização dos menos favorecidos com uma trajetória em lidar com alunos com
necessidades especiais. Dada a natureza do trabalho, priorizei em minhas observações
o estilo narrativo, com predomínio da análise descritiva.
Criada sob a inspiração da Escola Nova, nos idos da década de 20, os
fundadores dessa escola buscavam um novo modelo, numa proposta liberal, que
tivesse como característica a formação de valores humanos, atrelada ao
desenvolvimento, atendendo às transformações sociais e econômicas e respondendo
a uma demanda por desenvolvimento e modernização do país.
Em suas bases histórias, a escola objeto deste estudo, faz uma proposta de
revisão nos meios de educar e nos fins da educação. A disseminação dos ideais
25
escolanovistas em diversos países
23
exigiu uma organização de seus postulados e
princípios, dando origem em 1889, em Genebra, à criação do Bureau International des
Écoles Nouvelle, organizado por Ferriére. Fundamentava-se numa filosofia
educacional que privilegiava o desenvolvimento do espírito crítico da criança e a
aplicação de modelos explicativos para a compreensão da ciência. Neste sentido, o
ensino estará assentado nos fatos, na empiria em atividades que associem a prática à
teoria, privilegiando a pesquisa , o interesse do aluno, o trabalho em grupo e a escola
de horário integral.
Destacam-se, nesse sentido, as iniciativas de Antonio Dória (1920), em São
Paulo, Lourenço Filho(1924), no Ceará, Anísio Teixeira, na Bahia em 1925, dentre
outras que expressavam as bases do pensamento pedagógico daquele período.
Inicialmente de cunho pessoal, essas atividades eram empreendidas por
educadores
24
que se orientavam por novas idéias, especialmente aquelas oriundas do
pragmatismo
25
norte-americano, que encontravam resistência entre os conservadores
da época. O sistema de ensino vigente era herdeiro de uma tradição elitista e
conservadora. Segundo Azevedo(1974):
“(...) Do ponto de vista cultural e pedagógico, a República foi uma revolução
que abortou e que, contentando-se com a mudança de regime, não teve o
pensamento ou a decisão de realizar uma transformação radical no sistema de
ensino, para provocar uma renovação intelectual das elites culturais e políticas
necessária, às novas instituições democráticas. Nem o sistema de ensino
superior , que mantém um caráter quase que exclusivamente profissional, se
enriquece de instituições de alta cultura, como seria a faculdade de filosofia,
letras e ciências, em que se unisse a pesquisa teórica à função do ensino, nem
se inicia pela base a penetração do espírito científico mediante a
reorganização, sobre novos fundamentos e com uma nova orientação do
ensino secundário em que assenta normalmente a superestrtutura do ensino
superior” (p.134).
23
Estados Unidos, Itália , Bélgica,França etc.
24
As idéias renovadoras eclodem num movimento intulado Escola Nova, em 1932,em documento
intitulado: “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”-redigido por Fernando Azevedo, é assinado por
renomados educadores dentre eles:Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Afrânio Peixoto, Armanda Álvaro
Alberto, etc...
25
No Brasil, a presença dos pragmatistas em Willian James (1842/1910) e John Dewey (1859-1952) e
Durkheim exercem influência em F. de Azevedo e Anísio Teixeira.
26
Nesse período, conviviam diferentes escolas que formavam um sistema de ensino
descentralizado o sistema de ensino federal - constituído pelo ensino secundário e
superior e os estaduais, com possibilidades legais de se constituírem escolas de todos
os graus e tipos. Com isso aumentava-se o fosso existente na sociedade, ou seja,
escolas que formavam os profissionais para exercer as profissões liberais, na maior
parte oriundos de famílias burguesas, e escolas que formavam os outros”, que
exerceriam atividades manuais e mecânicas, profissões de baixo prestígio social. Os
títulos de doutores e bacharéis em advocacia e medicina eram os mais auferidos às
famílias abastadas, que privilegiavam o ensino oferecido nas faculdades, focos de
penetração e continuismo da cultura tradicional.
Por outro lado, encerravam-se, em extensas áreas do território brasileiro,
populações que viviam isoladas, por dificuldades de comunicação
26
ou por questões
demográficas, indicando a necessidade de construção de estabelecimentos de ensino e
de investimentos nos sistemas públicos educacionais e de comunicação.
Além disso, o adensamento populacional concentrava-se especialmente no Rio
de Janeiro, em Belo Horizonte, em Santos e em Porto Alegre, sem falar em São Paulo,
cujo crescimento era igualado pelo de Chicago e de Sidney, atingindo proporções
inesperadas e tornando-se o centro de convergência dos imigrantes
27
que vinham
suprir a lavoura cafeeira, em substituição ao trabalho servil ( cf.Azevedo,1974).
As novas correntes de pensamento pedagógico vão fermentando o caldo para
as futuras reformas e movimentos. Algumas experiências educacionais são postas em
prática no país e marcam o espírito renovador do período.
Nesse cenário, surge uma escola na região de Meriti, atual Duque de Caxias,
de iniciativa particular, que vem traduzir os desejos de educadores progressistas de
aglutinar esforços, no sentido de fazer prevalecer os ideais de modernidade e
desenvolvimento e de propagação de um novo idioma pedagógico.
26
Registra-se que, em 1910, Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon foi encarregado pelo
Governo de comandar uma expedição de desbravamento com a missão de levar telegráfos aos sertões
do Oeste brasileiro, implantando uma linha telegráfica entre Cuiabá e o Amazonas.
27
De 1890 a 1939, aportaram no Brasil, milhares de imigrantes, que contribuiriam, também, para a
construção da identidade nacional. Os portugueses (195.586) os italianos (221.394) figuram entre os
grupos étnicos que, numericamente, superam os demais, citados como os
espanhóis,alemães,japoneses,e povos oriundos do Oriente Médio,( cf. Lesser Jefrey in A negociação
da Identidade Nacional, Ed. UNESP, pg.28,2001)
27
A experiência nacional pioneira no Estado do Rio de Janeiro é descrita por Bittencourt
citado por Armanda Alvaro Alberto(1968):
“Em Caxias, perto do Rio de Janeiro, existe, vinte e sete anos, a Escola
Regional Meriti. Não tem edifício pomposo, nem salas ricas, nem
aparelhagem custosa. È um conjunto de duas ou três casas modestas num alto
de um morro e no centro de um pequeno parque. Sua população escolar não
exibe padrão físico ou social. È gente desengonçada, que traz no corpo e no
gesto a marca da necessidade curtida pela família. Gente do povo, humilde e
boa, confiante e esperançada. Ë dentro desse quadro que a Escola Meriti
nasceu e se conserva original. Não a criou, nem a mantém o poder público,
mas nada cobra dos alunos e nada rende à Diretoria. Uma instituição com 800
sócios adquiriu a propriedade e custeia as despesas. Muitos alunos egressos,
feitos adultos e operários, aderem à associação e passam a colaborar no
sustento da casa que os habilitou para a vida. ofertas, doações, professores
espontâneos. Depois de muitos anos, o governo fluminense ofereceu-lhe duas
mestras permanentes e, mais tarde, também o Município começou a cooperar
com outras duas professoras. As aulas são dadas ao ar livre e, só quando chove
, com frequência diminuída, é que os escolares se recolhem à casa principal.
uma sala de refeição que é um abrigo familiar e carinhoso à infância.
uma Biblioteca que a direção da escola queria chamar de Euclides da Cunha,
mas a meninada impôs que se denominasse Olavo Bilac e assim ficou sendo.
uma pequena oficina, onde as crianças aprendem a fazer brinquedo, que
são modelos de realidades úteis: barcos,elevadores, pontes.... Há uma pequena
horta, onde os alunos aprendem a plantar e donde tiram legumes para a sopa
diária. retratos de benfeitores da Escola e de brasileiros ilustres que,
freqüentemente, descem da parede para serem examinados e comentados por
professores e discípulos. Na sala principal, perto do teto, pintada de cada lado,
uma palavra de estímulo e conselho convida a petizada a sadias aspirações:
trabalho, alegria, saúde e solidariedade. (...) Assim, a Escola Regional Meriti,
por suas finalidades sociais, por seus métodos ativos e globalizados, é um
caso genuíno de escola nova em nosso País” (p.140).
Durante décadas, essa escola formou os cidadãos caxienses, inspirada em um
currículo que pretendia atender às necessidades educacionais das crianças,
numa perspectiva regional, tendo por clientela alunos, em sua maioria,
28
oriundos de famílias proletárias, e alguns de famílias abastadas ou de
comerciantes locais.
Outra preocupação da escola dizia respeito à participação da comunidade.
Seus programas incluíam atividades voltadas aos pais e círculos de es, com
espaços reservados àquelas que quisessem desenvolver habilidades manuais, e uma
proposta de integração com a comunidade.
Por sua orientação moderna e avançada para a época, essa escola recebeu
apoio de renomados educadores, sendo constantemente matéria da mídia local e
nacional, bem como motivo de discursos em sua defesa. Em Lourenço Filho (1930),
encontramos a exaltação dessas iniciativas que, segundo ele, eram precursoras da
escola renovada no país.
”Sem a iniciativa particular, o Brasil não resolverá tão cedo o problema da
educação de seu povo, simplesmente porque faltam à União e aos Estados os
recursos financeiros suficientes. A Escola Regional Meriti tem por máxima
aspiração ser reproduzida em todo o país. Que os fazendeiros, industriais, os
capitalistas fundem escolas para os filhos de seus colonos, sitiantes operários,
empregados... Peçam aos poderes públicos ou aos centros de educação, como
a Associação Brasileira de Educação, os programas, mesmos as professoras,
mediante entendimento com o Governo. E aqueles que dispõem de boa-
vontade, fundem associações como a nossa - que o ocupar-se da criança ainda
é a mais humana das funções de nossa espécie.” (p.91)
Não obstante o fato inegável dos avanços e contribuições significativas, no
sentido de implementar uma elevação nos nivéis educacionais da região e diminuir a
desigualdade social que se instalara naquela região, seus fundadores encontraram
dificuldade em manter a escola sob a gerência privada.
Em 1963, é iniciado por seus fundadores um processo de doação da escola,
uma vez que se agravava a crise financeira, impossibilitando a sua continuidade. A
escola é doada a uma entidade religiosa que, em regime de parceria com Governo do
29
Município de Duque de Caxias, incumbe-se de seu destino, nos aspectos
administrativos, pedagógicos e políticos.
Uma das cláusulas para a doação exigia que a escola apoiasse os movimentos
sociais, que lhe fosse construída uma nova sede, e que as coleções de animais, ervas e
plantas fossem preservadas, bem como o acervo da biblioteca existente em seu
interior.
Nos anos seguintes, ocorrem disputas de ordem política e administrativa entre
os gestores das instâncias encarregadas de zelar pela manutenção e funcionamento da
escola,
28
deixando abandonado o prédio de dois sobrados - retrato de parte da
história da educação do país - da primeira escola que oferecia refeição a seus alunos.
Segundo reportagem veiculada no Globo- Suplemento Grande Rio, em
03.09.1995, em matéria intitulada: Caxias abandona escola histórica, a disputa pela
direção e posse do colégio começou em 1980, quando o Instituto Metodista resolveu
romper o convênio com a Prefeitura, possibilitando a manutenção do espaço para os
movimentos populares:
(...) Segundo o Pastor Wilson Guerreiros, a reação foi imediata: o Secretário
Municipal de Educação da época, Juberlan de Oliveira, não aceitou a decisão
do Instituto, fechou as três salas de aulas controladas pela Prefeitura, e entrou
com uma ação de reintegração e posse. A batalha judicial culminou com um
decreto do ex-Prefeito Américo Gomes de Barros- coronel do Exército,
desapropriando a escola. No entanto, o decreto não teve valor, porque o juiz da
primeira Vara Cível, Pedro José Alexandre Arruda Pinto de França, numa
decisão bastante discutida, deu ganho de causa às duas partes. Sem definição
de posse, nem o Instituto nem a Prefeitura se interessam em preservar a escola.
Em 1985, os envolvidos voltaram a se aproximar, tentando um acordo pelo
qual as atividades extra-classe seriam mantidas pelo Instituto e as aulas
ficariam sob a responsabilidade do poder municipal. Como nenhum dos dois
lados abre mão do prédio, o impasse continua.”(p.6).
28
A Prefeitura de Duque de Caxias e o Instituto Metodista de Ação Social
30
Essa situação pode ser verificada hoje nas dependências da escola, cujos
problemas evidenciam a necessidade de obras e reformas em sua estrutura, para
melhor atender a seus usuários. Entretanto, segundo a diretora, em alusão a fatos e
gestões políticas passadas, a escola vem recebendo mais atenção e têm sido feitas
obras de reparos e melhoria durante o atual governo.
2.3 O campo empírico – a escola e o bairro
A escola foi construída numa ladeira , em rua pavimentada , no alto de uma
elevação, cravada no centro de um terreno de 800 metros quadrados, ocupando três
quadras de uma esquina, a 500 metros do comércio central, numa área de fácil
acesso. Possue saneamento básico e situa-se próximo à rodoviária municipal.
Projetado por Lúcio Costa, que começava sua carreira de arquiteto, o prédio
foi inaugurado em 1928. Em 1955, a escola foi reformada e ampliada, com a
construção do segundo andar. No seu entorno funcionam o Sindicato dos
Metalúrgicos, uma igreja protestante, uma escola particular, uma igreja católica.
um pequeno comércio informal situado no interior de algumas moradias. A colheita de
lixo é realizada regularmente. Apesar do saneamento, a escola e o bairro sofrem com a
falta d’agua.
A escola possui doze salas de salas de aula, quatro salas de recursos, uma
classe especial, uma sala de orientação educacional e pedagógica e uma biblioteca,
que funciona como sala de leitura. também um centro de referência de
multimídia, vinculado à Secretaria Municipal de Educação. Segundo a orientadora
de aprendizagem responsável por esse projeto:
“(...) é um centro de referência onde os professores procuram auxílio numa
dificuldade, na construção de projetos ou na forma como trabalhar algumas
atividades. Trabalha-se com oficinas: temos gravação das fitas (os filmes),
que se vai conseguindo e adequando às necessidades de cada escola. As
professoras vêm até nós e buscam como trabalhar essas atividades. Muitas
vezes o filme é gravado e a escola não sabe como utilizá-lo, não se consegue
tirar a essência desses documentários tão bons”.
31
Apesar de trabalhar alunos especiais, alguns com dificuldades motoras, a
escola não foi adaptada para recebê-los, dificultando-lhes o trânsito em suas
dependências. Essa realidade se agrava pelo fato da escola estar em local
elevado e não possuir, em seu interior, rampas ou pisos anti-derrapantes, nem
sanitários adaptados para os deficientes que utilizam cadeiras de roda.
Segundo a diretora, existe um projeto,
29
elaborado pelos engenheiros da
Prefeitura com a orientação da psicóloga da escola , onde se previam reformas e
obras de acesso para os alunos. Foram concebidas plantas, com salas no térreo,
destinadas ao atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais,
classes especiais e salas de recursos.
Atualmente, uma das salas de recursos funciona no primeiro andar, o que
restringe o atendimento de alunos que apresentam deficiências, limitando ou
impedindo o seu acesso através de escadas.
Rodeada de muros altos, sem pichação em seu interior, a escola dispõe de uma
área destinada à garagem dos carros de docentes e visitantes. Possui dois portões: um
deles, dando acesso ao interior da escola, para uso dos professores, funcionários e
visitantes, e outro, para a entrada de automóveis.
No local, encontra-se um funcionário que recebe os visitantes, fornecendo
informações sobre a escola, orientando os alunos, controlando o fluxo de entrada e
saída ao final dos turnos e participando das conversas com os pais que ficam
aguardando atendimento aos filhos nas salas de recursos ou na classe especial. Muito
observador, conhece a maioria dos alunos, suas famílias e histórias. No interior da
escola, vive uma família de zeladores, encarregados de cuidar do local, que, no
passado, foi alvo de muitos arrombamentos.
È importante ressaltar que a escola tem o formato de uma casa, um primeiro
andar e um grande salão no térreo. No espaço externo, localizam-se as várias salas
29
O projeto tinha por finalidade a ampliação e reforma da escola, tendo como fonte de financiamento o
MEC, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Apesar de encaminhado em 1999,
e aprovado, as reformas não foram realizadas. Podemos deduzir que dificuldades políticas
inviabilizaram as propostas técnicas.
32
com diferentes funções. No térreo, os professores se reúnem, entre uma aula e outra,
trocam informações, lançam anotações na pauta e fazem refeições. O espaço também
é utilizado para o ensaio do coral e exibição de fitas de vídeo nas aulas de educação
religiosa.
Ocupando lugar de destaque, encontram-se uma bíblia aberta sobre um antigo
piano coberto e uma cruz pregada na parede. Essas imagens remetem para o
significado religioso impregnado no lugar, que, no passado, era utilizado na
apresentação de recitais. São marcas e pistas que contribuem para desvelar a realidade
desse espaço.
O refeitório é coberto e possui bebedouros espalhados por diversos pontos,
nos fundos da escola. Os pombos escolheram a escola para se aninhar, convivem com
as crianças e disputam com elas o direito de beber água. Isso representa um
transtorno para a direção, sendo motivo de constante reclamação dos pais. muito
tempo a direção e os professores tentam resolver a questão. As autoridades sanitárias,
quando convocadas, adotam medidas paliativas, que de nada adiantam. Alguns
atribuem esse fato a um desequilíbrio ecológico. Outros associam a invasão dos
pombos a um prenúncio ou aviso da existência de “algo” no plano material que se
manifesta no plano simbólico. Em entrevista, uma das professoras, assim se
manifesta:
“Há anos tentamos combater essa praga sem nada conseguir; numa reunião
dessas, uma colega sugeriu que envenenássemos todos eles, achei isso um
absurdo! Às vezes acho que esses pombos estão aqui para fazer com que
reflitamos sobre a grandeza dessa escola e o que ela significou no passado;
esses pombos nos chamam a atenção para o fato de que a abandonamos. Os
pombos são um sinal de que tem algo do qual precisamos nos ocupar, resgatar
os verdadeiros princípios que nortearam a criação dessa escola, de seus
fundadores, parece que tudo foi esquecido, vivemos sem nos incomodar.Se
acabamos com os pombos, com certeza surgirão outros sinais...”
Sendo uma escola que atende a alunos especiais e não especiais e recebe
dezenas de outros que vêm receber “tratamento” nas diversas salas denominadas de
recursos, esses espaços seguem um tipo de arquitetura que leva ao confinamento das
33
crianças e dos profissionais que atuam nesses “lócus”. A distribuição espacial reflete
uma perspectiva pedagógica, que conforma os lugares e corpos e a hierarquização de
saberes. Quando solicitados a representar as salas através de desenhos, os alunos
apontam para o predomínio da cor cinzenta, com pouco uso de cores fortes. Esses
espaços guardam, em seu interior, uma função no conjunto arquitetônico.
Pela quantidade de salas reservadas ao atendimento de alunos especiais, alguns
percebem a escola como espaço também relacionado a tratamento, não existindo, no
entanto, restrição à circulação de todos. Assim, encontramos várias referências dos
alunos que traduzem uma visão clínica da escola: Aqui vêm muitos garotos de
outras escolas, às vezes até comem merenda e brincam com a gente; a maioria
vem se tratar mesmo, eles ficam naquelas salas ali”.
Outra área bem delimitada, que funciona como oficina e espaço disciplinar, é
a sala destinada ao aproveitamento de madeira. À sua frente está um professor que,
há mais de cinqüenta anos, é responsável por essas atividades, resistindo ao tempo e
às mudanças, na execução de seu trabalho. O material utilizado na oficina é
conseguido com doações de voluntários. Muitos professores recorrem ao auxílio do
Mestre, como é carinhosamente chamado, para trabalhar a “disciplina”, numa busca
de profissionalização desses alunos que o demonstram muito interesse pelos
estudos formais, o que lhes propicia a aquisição de um ofício. Neste sentido,
“disciplina” aqui entendida como disponibilidade para o diálogo. Os jovens procuram
essa oficina para expressar o potencial que têm dentro de si e como forma de serem
ouvidos. Segundo o Mestre:
“Eu não me preocupo com o tempo que o garoto leva para fazer uma peça;
ele vai aos poucos se sentindo seguro para avançar mais e mais. Ele precisa
estar aberto aos desafios é preciso ser persistente e disciplinado. Tem dia
que eles trabalham pouco. O meu papel é ensiná-los para que sejam capazes
de criar as suas próprias peças. Cada um tem o seu ritmo , uns vão mais
rápido , outros mais devagar. No final todos conseguem deixar sua marca na
madeira. Eu tenho ex-alunos que hoje são artistas plásticos reconhecidos no
mercado. Tenho também outros que são carpinteiros.
Essa visão, consubstanciada nos conhecimentos adquiridos na experiência
com jovens, reflete uma concepção de pedagogia voltada para a autonomia e para a
34
liberdade, numa perspectiva freiriana. No trecho abaixo, podemos destacar a
importância que Freire(1998) atribuía a essa questão:
“(...) O professor que desrespeita a curiosidade do educando, o seu gosto
estético, a sua inquietude, a sua linguagem, mais precisamente a sua sintaxe
e a sua prosódia; o professor que ironiza o aluno, que o minimiza, que manda
que “ele se ponha em seu lugar”ao mais tênue sinal de sua rebeldia legítima,
tanto quanto o professor que se exime do cumprimento de seu dever de propor
limites à liberdade do aluno, que se furta ao dever de ensinar, de estar
respeitosamente presente à experiência formadora do educando, transgride os
princípios fundamentais éticos de nossa existência.”(p.66)
O espaço é utilizado também por alunos que apresentam dificuldades de
aprendizagem por causas orgânicas, psicológicas ou outras. Nesse sentido, a
oficina funciona de forma terapêutica. Segundo o professor, foi preciso adequar
os seus conhecimentos às necessidades dos alunos:
“Depois eu me expandi, pois vi que a entalhação não era o bastante,
porque era uma disciplina bastante avançada e os alunos, a princípio, não
iam absorver aquele conhecimento. Então passei a me estender a trabalho
manuais, à arte da madeira: cortando, serrando, pregando e colando. A
entalhação é escultura na madeira e o trabalho manual avança um pouco
mais: ele não orienta a criança a entalhar, como também a desenhar, a
cortar a madeira, a polir, cuidar do acabamento e dar o inicio necessário
para as obras”
Apesar de reconhecida, essa instância funciona de forma independente, não
fazendo parte do projeto pedagógico da escola e, na esfera administrativa, está
subordinada à entidade religiosa co-gestora da escola.
Capítulo III - Um pouco da História da Educação Especial
Tentei mostrar até aqui um retrato da escola, enfocando a sua importância no
contexto histórico, fazendo-lhe uma descrição espacial e de equipamentos e sobretudo
de alguns lugares e personagens que nos conduzem ao desvelamento da forma como
35
se consolidaram as práticas de convivência entre os diversos atores lá inseridos. No
entanto, precisava buscar caminhos que me levassem a um papel decisivo para uma
melhor explicação desses fatos. Nesse sentido, é importante resgatar o percurso do
movimento pela inclusão de alunos especiais e seus reflexos no município de Duque
de Caxias.
Durante décadas, o modelo médico-escolar orientou o professor no que se
referia à avaliação dos alunos. Esse critério aferia a normalidade do aluno, o grau de
inteligência em relação aos indivíduos de mesma faixa etária. Esse modelo enfocava
a capacidade individual do aluno, centrado em aspectos de méritos pessoais, sem levar
em consideração diversos fatores extrínsecos a esse contexto, tais como as questões
sócio-culturais, problemas emocionais, traumas, dentre outros, que impediriam o
aluno de se beneficiar da escolarização. Segundo Goffman,(1975) "Freqüentemente
se assinala o ingresso na escola pública como a ocasião para a aprendizagem do
estigma
30
, experiência que às vezes se produz de maneira bastante precipitada no
primeiro dia de aula, com insultos, caçoadas, ostracismo e brigas" (p.42). Cumpre
ressaltar, também, o papel da Revolução Industrial no século XVIII na construção da
imagem social da deficiência, ligada à noção de produtividade que fazia emergir a
imagem de uma corpo produtivo, contribuindo para tornar ainda mais grave a situação
do deficiente, resultando daí um discurso fundado na incapacidade. Além dos aspectos
psico-biológicos da deficiência, esse também passou a ser um impeditivo para a
atividade laboral.
A psicologia também consubstanciou essa avaliação na elaboração de
diagnósticos e processos pedagógicos, compatíveis com as potencialidades dos
alunos. Essas classificações acabaram contribuindo também para estigmatizar os
alunos em seu meio social, categorizando-os em tipos e graus de deficiência.
Na década de 60, era habitual o uso de eletroencefalograma, mensurações
psicométricas , psicodiagnósticos , dentre outras medidas, para aferir o rendimento do
aluno e traçar o seu perfil psicológico. O Brasil seguia o modelo médico dominante
que vigorava em diversos países. Neste sentido, a educação desses alunos se realizava
em contato com seus pares, com professores formados em instituições especializadas,
30
Estigma é um termo usado pelos gregos para se referir a sinais corporais com os quais se procurava
evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre os status moral de quem os apresentava.Os
sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo e avisavam que o portador era um escravo, um
criminoso ou traidor, enfim uma pessoa marcada ritualisticamente e que deveria ser evitada.
36
tendo como ideário o liberalismo que estendia a oportunidade educacional a todos.
Bueno citado por Monteiro 1999, afirma que (...) ao mesmo tempo o atendimento
respondia ao processo de exclusão do meio social daqueles que poderiam interferir
na ordem necessária ao desenvolvimento de uma nova forma de organização social.
Na educação, a categorização levou à criação de diferentes formas de
atendimento baseadas no rendimento e capacidade individuais, estabelecendo-se uma
relação normal versus patológico que se refletiu, em âmbito escolar, na criação de
escolas com classes especiais e regulares. Tal estratégia manteve o "diferente" à
distância, segregado, tendo como conseqüência a rotulação que alijou do sistema de
ensino um considerável número de alunos que, por apresentarem déficits de
aprendizagem, foram excluídos do ensino regular e inseridos no ensino especial.
Esse fato é destacado no PNE (2001) como alerta para que se evite essa
prática histórica de encaminhamento de crianças do ensino regular que apresentam
"dificuldades comuns de aprendizagem", problemas de dispersão de atenção ou
disciplinar, às classes especiais. As diferentes expressões que, ao longo da história,
vêm caracterizando os "deficientes” refletem mudanças nas concepções educacionais
e nos valores ancorados em princípios de igualdade de direitos, aceitação das
diferenças, em crenças democráticas de cidadania e participação ativa na sociedade.
Conforme diz Fonseca (1995) "A Revolução Francesa foi, neste sentido, um novo
período em que as atitudes filosóficas e antropólogicas se conjugaram numa
perspectiva mais humanista da deficiência”(p.8) . Ao longo da história, o deficiente
recebeu variadas denominações: louco, débil, retardado, e, no âmbito escolar,
utilizavam-se as expressões educável e treinável para se referir àqueles alunos que
reuniam condições de serem escolarizados em classes ou escolas especiais.
Para outras categorias de alunos com necessidades educacionais especiais, a
terminologia era muito variada. Falava-se em "ortopedicamente deficientes ", em
lugar de aleijados ou mutilados; "invisual" ou visualmente diminuído e surdo ou
parciamente surdo referindo-se aos deficientes auditivos e visuais. Quando foram
incluídos nesse grupo as pessoas intelectualmente superiores, o termo excepcional foi
adotado como referência a todo esse conjunto, sem muita distinção das
especificidades existentes.
37
O desenvolvimento da Educação Especial intensifica-se no início do século
XX, organizando-se como um sistema diferenciado. "A história da rejeição aos
deficientes cedeu lugar à compaixão e às atitudes de proteção e filantropia, que até
hoje perduram e muitas vezes prevalecem, apesar de todos os esforços que têm sido
realizados para que essa postura seja substituída pelo reconhecimento da igualdade
de direitos a todo cidadão, sem discriminações". MEC(1994) Dentre as contribuições
psicopedagógicas, destacamos a criação do Laboratório de Psicologia na Escola de
Aperfeiçoamento, em Minas Gerais, sob a direção de Helena Antipoff, em 1929.
A convite do Governo, Antipoff implementaria uma série de mudanças no
sistema de ensino. Dentre as múltiplas propostas vinculadas à reforma, constavam a
formação de professores das escolas públicas em psicologia infantil e novos métodos
de ensino. Uma das primeiras providências a se tomar foi a homogeneização das
classes: as crianças receberiam educação orientada a seus interesses individuais e sob
medida para o desenvolvimento pleno de suas potencialidades. A contribuição de
Helena Antipoff à história da educação é notável e podemos constatar como muito
atuais as várias questões que a angustiavam, já àquela época.
Novaes, na década de 70, ao estudar os casos de aplicação de testes, chama a
atenção para a observância de critérios de fidedignidade. Para ela os testes apresentam
certas limitações por apresentarem inadequação dos itens utilizados como amostra
dos interesses, potencialidades, características da personalidade do indivíduo,
influências culturais, estados psicológicos dos indivíduos, aplicação ou correção
incorreta, errônea interpretação dos dados”(p.70).
Nesta mesma década, surgem, no meio escolar, movimentos amparados por
inúmeros documentos internacionais, tendo como princípios a formulação de políticas
que tinham como eixo a igualdade de oportunidades e de direitos dos deficientes.
31
Questionavam-se as diversas formas de segregação e reivindicava-se para esse
segmento o direito de serem escolarizados junto aos demais, ditos "normais". Esse
31
Carvalho (1997: 33) "Em Recomendações de Organismos Internacionais sobre Educação Especial
enumera os documentos que tratam da educação de pessoas com deficiências: A Declaração de
Cuenca(1981), Declaração de Sunderberg,(1981); Resolução da XXIII Conferência Sanitária
Panamameicana; 1990 (Declaração Mundial de Educação para Todos; Informe Final de Seminário da
UNESCO,realizado em Caracas; Declaração de Santiago, (1993) Normas Uniformes sobre a igualdade
de oportunidades para pessoas com incapacidades; Declaração de Salamanca(1994)-Espanha -
Resolução 45/91 da ONU que têm em sua agenda ações que beneficiem pessoas com deficiência
respeitando sua culturas, tradições, costumes.
38
movimento ficou conhecido como integração, que considera as diferenças individuais
e a diversidade presentes no cotidiano escolar e na vida desses indivíduos.
Telford(1978), que serviu de referência para inúmeros educadores brasileiros,
abordava a questão:
(...) As concepções pré-científicas das origens e natureza das mais extremas
formas de desvio e desenvolvimento e de aberração no comportamento
tendiam a ser sobrenaturais e místicas. As concepções atuais são qualitativas
e concebem as diferenças entre normal e excepcional como uma questão de
grau apenas. Hoje, a ênfase recai sobre o grande núcleo de normalidade que
se encontra em todo e qualquer indivíduo deficiente.(..) as necessidades
sociais, psicológicas e educacionais básicas das crianças excepcionais são
idênticas às necessidades de todas as crianças e podem ser satisfeitas, em
grande parte, da mesma forma geral. Somente os aspectos específicos
diferem. São raras, provavelmente, as experiências psicológicas peculiares
apenas às pessoas excepcionais. As motivações básicas de afeto, aceitação e
aprovação existem quer o QI seja de 50 ou de 150, quer o corpo seja belo ou
uma caricatura, quer os movimentos sejam graciosos ou desordenados e
ineptos, em conseqüência de uma doença deformadora ou por um acidente.
(...) A criança excepcional, como qualquer outra criança, pode-se sentir-se
confortável e segura quando sente que é aceita, apreciada e amada (p.29).
Com efeito, esse movimento, de base humanista, considerava a inserção dos
deficientes e promovia em suas bases um re-ordenanamento do sistema educativo.
Essa visão tenta se afirmar, tendo por base as transformações sociais, ampliando a
participação desse segmento na sociedade. Esse modelo representou avanços em
diversos países do mundo, uma vez que possibilitou, mesmo de forma segregada, a
escolarização desse alunado.
Os movimentos pela integração das crianças com deficiência surgiram nos
países nórdicos (Nirje,1969, Bank-Mikkelsen,1976) que questionavam as formas de
segregação dos defici entes nas áreas sociais , escolares e atitudinais.
Nirje em 1969, à época Diretor Executivo da Associação Sueca para
Retardados formulou os princípios da normalização, segundo ele: o princípio da
normalização significa colocar, ao alcance dos retardados mentais, uns modos e
umas condições de vida diários os mais parecidos às formas e condições de vida do
39
resto da sociedade (Steenlandt,1991,p.27). A idéia de normalização encerra dupla
mensagem: uma referente às condições de vida-meio e outra à forma de viver
(resultados).Quanto aos meios, significa oferecer aos alunos com necessidades
educacionais especiais as mesmas condições e oportunidades sociais, educacionais e
profissionais a que todos têm acesso. Quanto aos resultados, respeitando-se as
características pessoais, normalização significa aceitar-se a maneira desses sujeitos
viverem como cidadãos.
Essas formulações conceituais possibilitam a aproximação do conceito de
integração em consonância com os direitos de cidadania, no acesso aos bens
materiais e imateriais da sociedade. Para Lorenzo, citado por Steenlandt (opus cit) a
participação ativa é a verdadeira condição indispensável para a integração social
segundo ele;
“Integración es el processo de incorporar físicamente y socialmente dentro
de la sociedade a las personas que están segregadas y aisladas de nosotros.
Significa ser um miembro activo de la comunidad, vivendo donde otros viven,
vivendo como los demás y teniendo los mesmos privilegios y derechos que los
ciudadanos no deficientes- no âmbito escolar (...) " la integratión de um nino
discapacitado supone una estrecha colaboración entre el personal educativo
regular y el especializado, com el fin de adecuar los medios de enseñanza a
las necesidades individuales del aluno discapacitado"(p.40)
O entorno menos restritivo
32
está relacionado à integração/normalização do
deficiente.Essa concepção implica tornar o ambiente o mais favorável possível,
possibilitando o convívio social. Não se trata de normalizar as pessoas. E bom
destacar que a idéia assenta-se no contexto em que o sujeito está integrado, ou seja,
no fato de se oferecerem aos deficientes modos e condições de vida diária os mais
32
Nos EUA, na décadas de 50 e 60 , os pais de alunos com deficiência fundaram organizações como a
National Association for Retarded Citizens-( Associação Nacional para para Cidadãos Retardados) e
iniciaram reivindicações para a educação de seus filhos.Uma série de ações judiciais estabeleceram o
direito a todas as crianças rotuladas como mentalmente retardadas a uma educação gratuita adequada.
Esses movimentos eram mais fortes nos estados de Colúmbia e Pensilvania. Em 1986, o Departamento
de Educação Especial incorporou alguns princípios da inclusão, com o objetivo de atender portadores
de deficiência em classes regulares em parceria com o ensino especial. Em 1988, o debate acirra-se na
sociedade norte -americana sobre um sistema unificado de ensino, tendo apoio de vários pesquisadores,
educadores , especialistas. Destacam-se nesse movimento pela inclusão, hoje, nos EUA: Gartner,
Lipsky, Stainback & Stainback, Forest dentre outros-com muitos adversários que são resistentes à
proposta inclusiva.
40
parecidos possível às formas e condições de vida da sociedade. Isso demanda
adaptações dos meios e das condições de vida às necessidades desses sujeitos. Em
seus estudos , Werner (1994), tem mostrado como isto é possível, utilizando o
conhecimento e habilidades dos moradores dos povoados de países pobres que
constróem recursos para os programas de reabilitação dos deficientes de zonas rurais.
Com isso facilitam a conquista da autonomia, independência e produtividade em seu
meio. Neste sentido, os deficientes deixam de ser vistos como improdutivos e
dependentes de esforços de outros para sustentá-los. Entendemos que a
implementação das políticas públicas destinadas a esse segmento viria a atender de
modo prático essa demanda.
33
3.1 A Corrente Principal - Mainstreaming
O sistema de integração presente na Educação Especial é organizado a partir
do conceito de corrente principal, tendo como objetivo possibilitar ao aluno a
passagem de um ambiente menos segregador para modalidades de atendimento que
favoreçam a sua integração no sistema escolar. Monereo citado por Steenlandt (opus
cit) clarifica esse conceito. Diz ele:
"(...) Mainstreaming también es contemplado como una nueva filosofía
educativa defensora de los derechos de todos os niños a recibir una adecuada
educación que conlleva a un cambio de valores y actitudes dentro de um
movimento ideológico general en contra de las práticas de aislamiento y
descuido de las personas excepcionales(...) de forma más puntual, como el
instrumento óptimo para eliminación de las "etiquetas" categorizadoras y
marginadoras (...) e introductor de cambios e actitudes, conductas y
estructuras socio-educacionales, los cual le proporcionará enemigos
naturales en la ignorancia, la tradición y el prejuicio. En las situaciones de
mainstreaming no todos los alunos excepcionales tienen cabida únicamente
aquellos que han sido elegidos a partir de un diagnóstico supusestamente
objetivo que detecte sus necesidades y permita al personal docente decidir si
este marco escoar se acomoda o no a esas necesidades". (p.198)
33
O decreto lei 3298/99, (Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência –
CORDE, tem em seu bojo mecanismos que facilitam a inclusão de portadores de deficiência nas
dimensões da sociedade.
41
Esse sistema também denominado "Cascata dos Serviços Educativos"
34
tinha
por objetivo colocar a criança em um meio menos restritivo até o recebimento de
atenção em instituições especializadas. As críticas se baseiam no fato de que a
passagem de um nível para o outro dependerá dos progressos individuais das crianças.
Carvalho(1999) afirma que " (...) A passagem de uma criança com deficiência ou
com distúrbios de aprendizagem de um tipo de serviço mais segregado a outro, mais
integrador, além de depender dos progressos da criança ( sendo ela, portanto, a
única responsável por seu destino escolar), tem se mostrado praticamente
inexistente" (p.112).
Como era difícil ao professor dar conta da gama de conhecimentos exigidos ,
os alunos contavam com o apoio de diversos especialistas que foram aos poucos
sendo incorporados ao sistema educacional. O sistema é subdivido em sete veis,
incluindo desde um meio menos restritivo até o recebimento de atenção em
instituições especializadas, representado em forma de pirâmide invertida, segundo
Correia,1997,p.67). A cascata baseia-se num conceito de avaliação positiva ,
concebida para identificar os pontos fortes do potencial educativo, evitando-se a
rotulação do aluno e categorizações negativas. As crianças podem ser colocadas numa
série de níveis de ambiente educativos, desde a classe regular até o cuidado total. O
atendimento a esse alunado o se limita apenas à área educacional, envolvendo
também outros profissionais da saúde que devem trabalhar de forma articulada com o
professor, especialistas da psicologia, fonoaudiologia, dentre outros.
3.2 Onde foi gestada a Educação Especial?
O atendimento aos deficientes no Brasil tem como marco a criação, na
vigência do Império, do Instituto Nacional de Meninos Cegos, hoje Instituto
Benjamin Constant- (IBC ) e do Instituto dos Surdos Mudos, hoje Instituto Nacional
de Educação de Surdos-(INES), fundado na metade do século XIX . Esses institutos
tendiam a se transformar em asilos de desvalidos, revelando o caráter
assistencialista que perpassa toda a educação destinada a este segmento de cidadãos
34
No Brasil destaca-se o trabalho da educadora Maria Teresa E.Mantoan, defensora da "Inclusão" que
realiza na UNICAMP - (Laboratório de Estudos e Pesquisas Em Ensino e Reabilitação de Pessoas com
Deficiência) um trabalho de tutoramento aos professores do ensino regular que têm alunos com
necessidades educacionais especiais incluídos em classe comum ). Tendo apresentado uma conferência
na 21a reunião da ANPED/99, intitulada os "Caminhos Pedagógicos da Inclusão" onde criticava o
sistema de cascata de serviços .Segundo ela: "Esse sistema apropriadamente se denomina, prevê a
exclusão de algumas crianças que possuem déficits temporários ou permanentes e em função dos quais
apresentam dificuldades para aprender"
42
até os nossos dias. Na área da deficiência mental, não notificação de entidades que
prestassem algum atendimento. Após a proclamação da República, a Educação
Especial se expande e o atendimento aos deficientes mentais ganha importância,
recebendo forte influência do modelo médico que norteará as práticas escolares.
Porém, no âmbito da iniciativa privada que ocorre a expansão, com a Fundação das
Sociedades Pestalozzi e Associação de Pais e Alunos de Excepcionais pelo Brasil. A
rede de instituições privadas se ampliou nas décadas de 60 e 70, refletindo a
importância cada vez maior dessas entidades na Educação Especial, a partir da
criação das Federações Nacionais das Pestalozzis e Federação Nacional das APAES
que passaram a gozar de grande influência política na condução da Educação
Especial - inclusive com representantes na política brasileira, muitos indicados para
vereadores, deputados
35
etc. com o intuito de garantir os direitos dos cidadãos com
deficiência .
Por outro lado, face às exigências, a Educação da rede pública se ampliou
com a criação de escolas , classes especiais , serviços estaduais e federais. Assim
sendo, tendo por finalidade a promoção em todo o território nacional da expansão e
melhoria do atendimento aos excepcionais, foi criado em 03 de julho de 1973 o
Centro Nacional de Educação Especial-CENESP - subordinado ao MEC. Segundo
Mazotta(1999), suas finalidades e competências foram defenidas no Regimento
Interno, artigo 2º , parágrafo único:
"O CENESP tem por finalidade planejar, coordenar e promover o
desenvolvimento da Educação Especial no período pré-escolar , nos ensinos
de e graus, superior e supletivo para deficientes da visão, da audição,
mentais, físicos, portadores de deficiências múltiplas, educandos com
problemas de conduta e os superdotados, visando à sua participação
progressiva na comunidade, obedecendo aos princípios doutrinários,
políticos e científicos que orientam a Educação Especial"(p. 56)
O CENESP, sediado no Rio de Janeiro, passou por várias reformulações,
acompanhando as mudanças governamentais com a conseqüente substituição de
chefias. Em 1986, o órgão foi extinto e transformado na Secretaria de Educação
Especial- SEESP, que tem se encarregado de promover discussões a respeito de
35
No PNE são garantidas as parcerias entre as Ongs especializadas e o Estado com repasses de
recursos federais, demonstrando que é significativa a influência dessas entidades privadas na condução
da Política de Educação para os alunos deficientes.
43
diversas questões referentes aos alunos com necessidades educacionais especiais,
desde o aspecto legal, passando pelo financiamento das ações em âmbito
governamental e não governamental, culminando na elaboração da Política Nacional
de Educação Especial, em 1994. Atualmente, o tema é evidenciado em diversos
documentos referentes a Programas e Políticas Educacionais
36
.
O Ministério da Educação libera recursos para financiamentos de ações
destinadas ao ensino especial às Secretarias Municipais e organizações não
governamentais que atuam no âmbito da educação. Verifica-se que os financiamentos
que privilegiam projetos voltados aos alunos com necessidades educacionais
especiais são, em grande parte, destinadas às organizações não governamentais, uma
vez que as Secretarias Municipais em sua grande maioria apresentam atendimento
inexpressivo para com esse segmento. No entanto, com o advento da Lei 9394/96,
esse quadro vem se alterando. Verifica-se entretanto, no que tange à inclusão do
alunos com necessidades especiais na rede regular, o percentual de atendimento ainda
é inexpressivo. Ainda é marcante a presença da iniciativa privada no atendimento a
esse segmento. Tais fatos justificam a existência de parcerias entre o Estado e essas
ONGs, uma vez que persistem atitudes discriminatórias em relação a esses cidadãos.
Desse modo, nem sempre encontram vagas em escolas próximas a sua residência ,
vítimas que o do descaso do Estado no que tange a investimentos em recursos
materias e humanos e da ignorância e preconceito de muitos pais que escondem os
filhos que apresentam dificuldades.
Um fato pode ilustrar melhor essa questão: o depoimento de uma professora
de outra escola da rede municipal, que também atende a alunos com necessidades
educacionais especiais. Na época da matrícula a equipe pedagógica afixou uma faixa
na frente da escola, oferecendo vagas a essas crianças. Dias depois, um dos pais da
comunidade , que possuía um filho matriculado, dirige-se à escola, trazendo a
outra filha que, apesar da idade de doze anos, nunca frequentara uma escola por “não
36
O tema é destacado nas Diretrizes Curriculares para a educação infantil, para o ensino fundamental,
para o ensino médio, bem como nas recomendações dos Pcns e nas Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Formação de professores da Educação Básica , em consonância com documentos anteriores. o
Plano Nacional Educação, incorpora propostas utilizando-se de diagnósticos que refletem a situação da
Educação Especial e a falta de atendimento para aqueles que necessitam dela. O Plano Nacional de
Educação cita que dos 5507 municípios brasileiros, 59% não oferecem atendimento nessa área.
Segundo ele, existe uma diferença significativa quanto a aspectos regionais. No Nordeste, esse
percentual se eleva para para 78,3%, tendo por base o ano de 1998. As entidades filantrópicas são
responsáveis por quase metade de toda a educação especial do país . No capítulo dedicado às
diretrizes, o PNE chama a atenção para a importância da articulação de diversos setores no
desenvolvimento e aprendizagem das crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais
especiais.
44
ser normal”, condição que a impedia de estudar, conforme declaração do responsável.
A professora estava indignada com o fato, uma vez que essa criança vivia segregada
em ambiente doméstico, vizinho à escola, situação desconhecida por todos.
3.3 O que significa Educação Inclusiva?
Inspirada na Declaração de Salamanca, a educação inclusiva defende como
princípio a inclusão de todos os alunos no ensino regular e a criação de mecanismos
na escola para que se possam respeitar as necessidades diversas de seus alunos.
Stainback & Stainback (1999) argumentam que os sentimentos de aversão e medo
são erguidos como defesa quando se separam os alunos, tendo como critério a
deficiência. Para eles os sentimentos dos professores de educação especial e dos
professores de educação regular poderiam ser resumidos da seguinte maneira:
"Estes alunos sempre foram educados junto com outros semelhantes a eles.
Tanto eles quanto seus professores trabalham de maneiras fundamentalmente
diferentes daquelas que trabalhamos e, o que é muito importante, seus
professores têm afiliações diferentes, fontes de recursos diferentes e
responsabilidades diferentes das nossas. Ter esses alunos aqui conosco vai
nos desviar do nosso propósito real e destruir nossa rotina. Além disso não
sabemos ensinar a tais alunos." (p. 48).
Atuar na direção de uma educação efetivamente inclusiva significa, portanto,
mudanças profundas no cotidiano escolar, nas condições de trabalho do professor,
permitindo-lhes refletir sobre sua prática e usufruir de formação continuada, o que,
pelos múltiplos compromissos e pelas precárias condições de trabalho, tem sido
difícil. Nesse quadro, inviabilizam-se a troca de saberes e dúvidas com os seus pares
e uma proposta de trabalho coletivo - um projeto pedagógico que atenda a essa
diversidade.
Assim, concordando com Mantoan (1999),
(...) "A revisão deste espaço educativo impõe definir a aprendizagem e não
mais o ensino como foco principal das escolas ( ..)porque a escola foi feita
45
para fazer com que todos os alunos aprendam (...), garantir tempo para que
todos possam aprender, reduzindo a repetência; implementar a cooperação, o
diálogo, a solidariedade, a criatividade e o exercício crítico no contexto
escolar (ou seja, envolvendo professores, administradores, funcionários e
alunos), pois são requisitos básicos para o desenvolvimento da cidadania"
(p.8))
Infelizmente, numa atitude de incompreensão do conceito de inclusão, alguns
sistemas de ensino vêm desmantelando as equipes e serviços de educação especial,
sem que se instale um sistema unificado de educação que, de fato, englobe todos os
alunos. Carvalho ( 1999) afirma que:
" As reflexões sobre a inclusão, com essa denominação, foram desencadeadas
pelos grupos ligados à educação especial. Apesar dos esforços
governamentais incluir todos os professores nesta urgente discussão, os mais
freqüentes interlocutores têm sido os professores de classes e escolas
especiais, das salas de recursos e os itinerantes. Entre outras, essa razão
explica porque, ao se pensar em inclusão, associa-se , de imediato a proposta
com o alunado da educação especial. (...) Os educadores da educação
comum ou regular evidenciam suas preocupações com o fracasso escolar e
com a democratização do acesso de todos à escola, mas, dificilmente, usam a
expressão educação inclusiva, nem incluem os portadores de deficiência no
âmbito das providências a serem tomadas, por considerá-los como alunado de
um outro sub-sistema, cuja competência é dos especialistas(...) alguns
educadores que entendem que a integração e inclusão têm sentidos ambíguos.
É comum ouvirmos comentários tais como "agora estamos sob o paradigma
da inclusão que superou o da integração" ou referindo-se ao trabalho das
escolas: "isto é integração, não é inclusão", como se fossem processos
antagônicos ou contraditórios" (p.108).
O paradigma da inclusão surge em oposição ao conceito de deficiência, sendo
tema recorrente em diversos trabalhos dos pesquisadores. Em sociedades modernas e
complexas verifica-se a existência de múltiplas possibilidades do sujeito construir
identidades sócio-culturais através de redes de relações e a da utilização de novas
tecnologias que favorecem uma vida mais próxima do normal quanto possível a esse
46
segmento. Somam-se, ainda, as pesquisas recentes sobre o funcionamento cerebral
que muito em breve tendem a revolucionar as teorias sobre ensino- aprendizagem.
Mrech(1999) faz algumas considerações sobre os paradigmas que norteam
essa discussão:
"No paradigma da integração o trabalho se direcionava para as
necessidades educativas gerais do aluno. No paradigma da inclusão o eixo se
volta para as necessidades educacionais ou educativas específicas de cada
criança. O que se percebeu é que não basta trabalhar conteúdos gerais para
se atingir as necessidades específicas de cada criança. Cada criança, cada
aluno, necessita ser apreendido em toda a sua singularidade. (...) O
paradigma da inclusão veio transformar o que seria o eixo duplo de ambas
em vertentes única: Educação Inclusiva. O que acabou gerando a
necessidade da Educação Especial passar por reformulações mais amplas dos
métodos, técnicas, procedimentos e atuação pedagógica. Antes ela se
direcionava, preferencialmente, para os ambientes segregados (classes
especiais e escolas especiais (p.132)
Assim, a Educação Inclusiva tenta implementar novas formas de relações na
escola e maior participação entre as equipes . A Educação Inclusiva se constrói passo
a passo, no cotidiano, nas soluções propostas pelo conjunto da comunidade escolar
para garantir a aprendizagem de todos os alunos, inclusive daqueles com
necessidades educacionais especiais. Desta forma, são construídas estratégias
localizadas de atendimento a essa demanda.
Entendemos que a inclusão deva ser uma prática presente na comunidade
escolar pois, ao privarmos crianças da convivência com seus pares especiais, tiramos-
lhes toda a oportunidade de se exercitarem na construção da cidadania. Nessa
discussão têm surgido muitos equívocos entre aqueles que associam a inclusão apenas
à questão dos alunos deficientes nas redes de ensino; entretanto, esses mesmos
equívocos são propositais e revelam a todo o momento que os preconceitos,
discriminações e exclusões se banalizaram enquanto práticas em nossa sociedade.
Concordamos com Mazzotta(1999) quando chama a atenção para que, assumindo a
perspectiva da inclusão, tem-se como pressuposto o reconhecimento da exclusão, que
segundo ele é um processo complexo e multifacetado, uma configuração de
47
dimensões materiais, políticas, culturais, relacionais e subjetivas, pano de fundo
dessa discussão.
3.4 Impacto do Movimento de Inclusão no Município de Duque de Caxias
É importante notar que o movimento pela inclusão dos alunos com
necessidades educacionais especiais se faz presente de maneira efetiva em Caxias,
através de educadores e pesquisadores que estiveram à frente da coordenação da
Educação Especial e se interliga com outros movimentos de cunho nacional e
internacional. No município de Duque de Caxias , Edicléa Fernandes e sua equipe, na
década de 80, iniciam na Secretaria de Educação um processo de redefinição do papel
da educação junto a alunos com deficiências, com uma mudança do enfoque médico
para o pedagógico. A mudança de enfoque de avaliação clínica para a avaliação
descritiva trazia em seu bojo a possibilidade do sujeito ser reconhecido em sua
potencialidade, atuando sobre a concepção, cristalizada que rotulava esses indivíduos.
Para Fernandes(1991):
No modelo diagnóstico do ensino especial anterior a esta mudança
inscrevia-se: menor com pouca atenção, comportamento regredido,
comprometimento neurológico, atividades alheias ao mundo externo,
primitivismo, idade mental inferior à media, pouca capacidade intelectual ,
falta de orientação e organização , pouca comunicação e pouco
entendimento.” (p.1)
Nesse momento inicia-se um processo de redefinição do papel da Educação
Especial, possibilitando uma reestruturação, tanto organizacional quanto teórico-
metodológica, com a adoção de um modelo pedagógico amparado nos princípios
construtivistas, onde a ênfase estava centrada nos aspectos evolutivos do pensamento
e da inteligência numa proposta de base piagetiana. Em 1990, a Coordenação de
Educação Especial abre a sua primeira sala de recursos, para atender às crianças que
necessitavam de atendimento individual. Inicia-se, então, um nova estruturação por
modalidades de ensino, vigorando até os nossos dias, que consiste em salas de
recursos, classes especiais de deficiência mental de auditiva, educação precoce
48
atrelada à sala de recursos, atendimento e orientação familiar (atrelada ao Programa
de Deficiente Mental). A equipe passa a não mais se configurar como responsável pela
supervisão de classes especiais , mas a denominar-se implementadores de Programas
em Educação Especial, atendendo às especificidades existentes na rede de ensino.
Em 1997, na gestão da Professora Mariangela da Silva Monteiro, chefe da
Divisão de Ensino Especial , inicia-se um estudo da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, nos aspectos concernentes à educação dos deficentes, com um
enfoque no desenvolvimento sócio-histórico, ancorado nos pressupostos apregoados
por Vygostsky. Em entrevista, assim se manifesta a respeito de sua opção teórica:
“(...) Nos anos 80, ocorre todo um estudo da teoria Piagetiana, o
construtivismo que vem oferecer uma grande contribuição para aquilo que
chamamos de Educação Especial, com um visão construtivista. A Teoria
Piagetiana vem dando um destaque muito grande à construção do
conhecimento, tendo a visão dessa pessoa (o deficiente mental) não
diferenciada e um sujeito ativo que constrói as estruturas do pensamento,
possibilitando que o professor mudasse a sua prática. (...)Diante do meu
processo de construção de conhecimento nessa área, me sinto muito contente
em ter me questionado muito em relação a tudo isso. Não tendo me
conformado diante das coisas que via que não respondiam as questões que
fazia, eu precisava ver essa pessoa não apenas pelo lado cognitivo. Acho que
Piaget, embora traga todo o referencial pautado no cognitivo, teve interesse,
enquanto pesquisador, de observar o desenvolvimento cognitivo; a
epistemologia do conhecimento numa perspectiva linear para compreender a
construção da inteligência. Isso ajuda o professor a observar na sala de aula,
porém na minha compreensão não apresenta um sujeito sobre os aspectos,
principalmente relacional, social e historicamente determinado. E quando eu
encontro Vygoskty como um autor que trabalha com essa clientela, com
esses alunos, com necessidades especiais e que vai mostrar a possibilidade
de -los não apenas naquilo que faltava, acho que ele traz a possibilidade
de dialogar com essas pessoas e de entender os seus diálogos não como
individual, mas como uma ordem de uma construção história. Essas pessoas
quando falam, quando se apresentam para nós com qualquer vel de
dificuldade. Ele faz a ruptura desses níveis, não uma construção linear,
49
segundo ele, essas pessoas nunca vão estar sendo apresentadas para nós
apenas com a deficiência. Mas através das interações que elas tiveram ao
longo dos anos.. Não vejo a deficiência biologicamente determinada, ou seja,
um sujeito que tem uma síndrome que tem uma falta na ordem da formação
cerebral. Porém, a construção relacional com essa falta, ela vai ser uma
construção social e cultural, o que vai ser diferente para cada sujeito,para
cada grupo. Porque nós somos diferentes. Eu aproximo essa pessoa do
mundo e de todos nós com às suas diferenças. Eu penso que essa pessoa ,
embora tenha uma deficiência real, está inserida no contexto de cada um de
nós, está absorvendo relações sociais e está favorecendo interações sociais
também.”.
Embora seja sempre problemático falar de mudanças, essa experiência
significativa possibilitou a referida gestão propor um conjunto de medidas que,
partindo desse enfoque, privilegiou a mediação como possibilidade de construção de
conhecimento entre os docentes. Nesse sentido, é implementado um projeto
intitulado: Escola Inclusiva: Vamos estudar juntos?, tendo por base a narrativa de
professores como um processo de construção de conhecimento. Com uma troca de
experiência entre os professores, que no cotidiano de suas escolas educam alunos
com necessidades educacionais especiais. A proposta visava, através das narrativas,
tentar compreender os caminhos trilhados no fazer pedagógico e compartilhados por
diversos atores na escola. Essa proposta incentivava o professor a ser um pesquisador
de sua prática, um narrador de suas histórias condensada em forma de seminários.
37
Dessa forma, foram implementados inúmeros projetos
38
que asseguraram espaços
37
Tive a oportunidade de participar na condição de palestrante em 1999, juntamente com a
pesquisadora Helena Maranhão, da apresentação de um trabalho realizado por nós sobre a situação dos
atendimentos aos alunos com necessidades educacionais especiais, nas redes de ensino do Estado do
Rio de Janeiro. Esse trabalho teve a chancela da Representação do MEC/RJ.
38
No período de 1997 a 2000, foram desenvolvidos vários projetos: em 1997, um diagnóstico da
realidade educacional, através de seminários narrativas que durou todo o período dessa gestão; em
1998, a identificação dos alunos com necessidades educacionais especiais, sessões de estudos
partilhadas com o professores do ensino regular discussão do projeto político- pedagógico com as
múltiplas equipes da SME, Integração Social. Em 1999, houve a matrícula dos alunos com
necessidades especiais nas escolas, com uma avaliação dos apoios necessários, visitas às escolas, o
desenvolvimento do Projeto de Capacitação (Convênio com o FNDE), com a consultoria da Dra.
Rosita Edler de Carvalho, encontro de educação de surdos, implementação do projeto de adaptação de
mobiliário e espaço físico das escolas, do projeto de aquisição de materiais para os cegos e alunos com
visão sub-normal. Essas informações fazem parte do acervo da pesquisadora Mariangela da Silva
Monteiro emprestado para ilustrar essa dissertação.
50
coletivos de construções de práticas pedagógicas, voltadas para o atendimento à
diversidade de seus alunos.
Capítulo IV
Minhas reflexões caminham no sentido de tentar resgatar o contexto histórico
no qual se inscreve meu estudo, baseando-me na compreensão de que existiram
condições objetivas para a realização das mudanças de enfoque, quanto à
possibilidade de perceber o deficiente como um sujeito participante do contexto
sócio-cultural.
Nesse sentido, as ações do passado têm repercursões atuais, sem aderir no
entanto, a uma visão determinista da história. O movimento de inclusão se inscreve
no bojo dos anseios individuais e coletivos e é marcado por transformações
econômicas, sociais, políticas e ideológicas que apontam para o fim de uma ciência de
cunho essencialmente positivista. Diferentemente da visão médica , analisa-se o
aluno no contexto escolar e suas dificuldades nas relações com os demais, tendo
nessa premissa uma condição indispensável para a sua permanência no sistema.
Tendo como foco a aprendizagem e a superação das dificuldades acadêmicas, através
de recursos, sejam pedagógicos, fonoaudiológicos, psicológicos ou outros, que
possam viabilizá-la.
Frente a essas questões, retomo o caminho que me leva à escola, a fim de
compreender como se dão as interações em espaços diversificados, as relações de
poder, as vivências individuais e coletivas de valores, o uso de linguagens pelos
sujeitos que compõem esse cenário privilegiado para estudar, dentre outras questões ,
a alteridade.
IV As formas de percepção e convivência no espaço escolar
51
Os modelos impregnantes na sociedade pautados em padrões hegemônicos
culturais se antagonizam aos discursos inclusivistas , que operam no plano macro e
micro social, registrados cognitivamente enquanto padrões de interações nos grupos.
Sendo assim, os discursos sociais acabam contaminando o imaginário
coletivo. Portanto, o é difícil de se verificar porque são estigmatizados os
deficientes, os diferentes, hoje dissimulado por um discurso de aceitação das
diferenças com nuances mais humanitárias.
Nesse sentido, é possível perceber uma exaltação da diversidade presente na
mídia, nos documentos oficiais, no senso comum traduzindo-se pelo que se costuma
denominar de politicamente correto; tolerar sim, porém evita-se a aproximação com
o outro.
4.1 A percepção dos diversos atores
39
da comunidade intra e extra-escolar sobre os
“diferentes”
O historiador italiano Carlo Ginburg desenvolve uma teoria denominada
paradigma indiciário, onde descreve a descoberta realizada por um perito italiano,
Giovanni Morelli, que cria uma técnica de verificação de autenticidade de quadros
atribuídos a autores famosos. O referido perito se concentrava em sinais
imperceptíveis e que eram marcas desses artistas, que revelavam a autoria e
autenticidade dos mesmos. O investigador deveria se deter o no estilo do artista,
mas nos pormenores. Segundo a análise de Ginburg, a invenção de Morelli se
inscrevia numa forma de leitura da realidade. Segundo Konder (2001) ‘’(...) Ginburg
fala de um paradigma que se concentra na percepção de signos que em geral possuem
“a involuntariedade dos sintomas’’(p.18) . Esse paradigma indiciário pode ser usado
para elaborar formas de controle social mais sutis, mas também “pode se converter
num instrumento para dissolver as névoas da ideologia que, cada vez mais,
obscurecem uma estrutura social como a do capitalismo maduro”(idem).Esse método
foi aproveitado pelo criador da psicanálise, Freud,
40
que no capitítulo dedicado à
39
professores, alunos, pais etc.
40
52
interpretação de sonhos sinaliza que, desde os tempos mais antigos, o homem
dedicou-se a interpretar os sonhos, com métodos diferentes que poderiam desvendar
aspectos não revelados. Segundo ele:
“(...) um exemplo desse método pode ser observado na explanação do
sonho do Faraó, proposto por José na Bíblia. As sete vacas gordas
seguidas pelas sete vacas magras que devoram as gordas- tudo isso era
um substituto simbólico referente a uma profecia de sete anos de fome
na terra do Egito, que deveria consumir tudo que surgir nos sete anos
de abundância. A maioria dos sonhos artificiais construídos por
escritores de ficção estão destinados a uma interpretação simbólica
dessa natureza: reproduzem os pensamentos do escritor sob um
disfarce (grifo meu) que é considerado como em harmonia com as
características reconhecidas no sonho(p.104)
A partir dessa formulação, Freud mergulhou nos estudos referentes aos
conteúdos inconscientes encontrados nos sonhos e nos “não ditos” presentes nos
discursos de inúmeros casos que catalogou em sua clínica. Analisou um jovem que
se sentia incapaz de sair de casa, pelo fato de achar que mataria todo mundo que
encontrasse pela rua. Nesse sentido, passava dias torturando-se à procura de alibis,
caso fosse acusado de assassinato. Em análise descobriu que a razão para esse
suplício residia no fato de, aos sete anos, ter alimentando o desejo de matar o próprio
pai, sentimento que se manifestara também em tenra idade. Com o falecimento de seu
pai, surgiram no paciente as auto-censuras obsessivas; ele contava então com 31
anos, assumindo a forma de uma fobia transferida a estranhos(Freud:1972) Neste
sentido, os desejos inconscientes
41
estavam sendo encobertos pelo receio de vir a
agredir um estranho, aqui representado pelo próprio pai (p. 276).
O caminho trilhado por esses autores podem nos fornecer pistas para uma
compreensão da dinâmica presente no dia-a-dia da escola, na fala e atitudes dos
sujeitos pesquisados. Como nos lembra (Cardoso,1986). “(...) È preciso ancorar as
41
(...)o inconsciente freudiano é, em primeiro lugar, indissoluvelmente uma noção tópica e dinâmica
que brotou da experiência de tratamento. Este mostrou que o psiquismo não é redutível ao consciente e
que certos conteúdos, se tornam acessíveis à consciência depois de superadas certas resistências;
revelou que a vida psíquica estava inteiramente cheia de pensamentos eficientes embora inconscientes,
e que era destes que emanavam os sintomas”(LAPLACHE,J. PONTALIS Vocabulário da Psicanálise,
pg.306, ed.Martins Fontes 3
a
.edição,1977,SP.
53
relações pessoais em seus contextos e estudar as condições sociais de produção dos
discursos. Do entrevistador e do entrevistado” (p.106).
Assim, procuro não me “perder” nos meandros das análises psicanalistas, mas
estar atenta aos episódios que podem encerrar grande significação e entendimento
acerca dessas questões.
Padilha(2001), em suas pesquisas sobre o desenvolvimento simbólico em
deficientes mentais, numa perspectiva sócio-cultural, utiliza o modelo interpretativo
presente no paradigma indiciário, tendo como objetivo acompanhar as diferentes
alterações que ocorrem no desenvolvimento simbólico desses sujeitos durante a fase
do atendimento psicopedagógico.
“(...) gostar ou não gostar, ter motivos para isso, mas não saber dizer com
palavras para que o outro a compreenda. no entanto, atos de reflexão sobre
as emoções que as palavras trazem. Entender esse funcionamento cognitivo e
linguístico (verbal,oral,gestual e o silêncio) deve fazer parte dos estudos sobre
os modos de significar o mundo, sobre as formas peculiares de se fazer
compreender. Peculiares no sentido de singulares e como tais, possíveis de
representarem pistas, indícios, de fala Ginzburg.”(p.23)
Nessa linha, deparamo- nos com o exercício de tentar recriar as formas como
os diversos sujeitos presentes no dia-a-dia da escola percebem a si próprios em suas
interações, produzindo e reproduzindo práticas culturais singulares que encerram a
riqueza de suas contradições.
Norbert Elias, descrevendo sobre o comportamento de uma comunidade
urbana na Inglaterra, na década de 50, analisa as condições nas quais um grupo
consegue lançar um estigma sobre o outro, o que ele chama de sócio-dinâmica da
estigmatização. Nesse caso, um grupo de residentes antigos estabelece um conjunto
de normas no sentido de tentar preservar as tradições comunitárias, como forma de
auto-protegerem-se, de tal modo que qualquer outro grupo de moradores recém-
chegados é visto como ameaça à sua integridade física , moral e espiritual.
54
Esse grupo que sistematicamente ameaça o poder, o prestígio, o status dos
moradores antigos (os estabelecidos) não tem poder, força ou capacidade de retaliar
as constantes humilhações impostas pelo grupo dominador(estabelecido). A
estigmatização, como aspecto da relação entre estabelecidos e outsiders, associa-se
muitas vezes a um tipo específico de fantasia coletiva criada pelo grupo
estabelecido.cf. (Elias,2000,p.35)
Como vimos, a escola objeto desse estudo tem por característica atender a um
segmento de alunos de baixa renda
42
com dificuldades educacionais especiais(os
outsiders) que convivem com os estabelecidos(os alunos) ditos “normais”, os quais se
encontram em situações econômicas e pedagógicas mais favoráveis , num
movimento dialético que aponta para novas formas de encontro com o outro, sem
abandonar, porém, em definitivo, antigas formas de segregação.
A questão reside no fato de se tentar compreender a dinâmica presente nessas
interações no âmbito da escola
43
. Os momentos de integração entre as crianças do
ensino regular e especial ocorrem no horário das refeições, na capoeira, ou em festas
que eventualmente são realizadas nas escola. Os alunos das classes especiais são
liberados meia hora antes dos demais. A justificativa para essa atitude foi dada pela
professora de classe especial: “(...) eles têm que sair mais cedo para não serem
machucados pelos outros, os garotos saem correndo e muito de nossos alunos têm
dificuldade de locomoção.
No trabalho de campo, foram realizadas entrevistas individuais abertas, com a
diretora da escola, alunos das classes especiais e ensino regular, com as orientadora
pedagógica e educacional, pais de alunos com necessidades educacionais especiais
incluídos em classes especiais, ou em salas de recursos, professores de ensino
regular e especial, ex-gestores e atuais responsáveis pela Educação Especial,
parlamentares, professor de SEPE
44
, pessoal de apoio da escola(faxineira, copeira,
vigilante) e a utilização de um roteiro de observação de campo no período
42
Grande parte do alunos incluídos em classes especiais e que recebem atendimento em salas de
recursos residem em bairros distantes da escola; muitos relatos dão conta de alunos que residem no
terceiro Distrito de Duque de Caxias, Imbarié e Xerém (áreas onde predomina uma população com
rendimentos mensais entre 1 e 2 salários mínimos - dado extraído do doc. Estudos Sobre as Condições
de Vida e Atendimento a Crianças e Adolescentes do RJ: Monitorando Políticas Públicas: Duque de
Caxias,2001,Fiocruz,RJ.
43
A escola possui 576 alunos, dos quais 22 em classes especiais e 32 em salas de recursos-funcionando
com 2 turnos(manhã e tarde ; (levantamento realizado pela escola em julho de 2001)
44
Sindicato dos Profissionais de Educação.
55
compreendido da pesquisa de junho a dezembro de 2001e um questionário para a
Gestora de Educação Especial.
Nesse sentido, essa pesquisa tem um tipo de enfoque etnográfico com abordagens
qualitativas utilizando técnicas de coleta de dados, dentre as quais o Grupo Focal
45
e
dinâmicas que utilizaram análises de desenhos com crianças. Estas duas combinações
tiveram o intuito de complementar às informações obtidas. Ao descrever o processo
da pesquisa com esse enfoque aplicado a educação, a pesquisadora Marli
André(2002), sintetiza algumas questões importantes para a sua compreensão:
Interação constante entre o pesquisador e o objeto pesquisado
Ênfase no processo, naquilo que está ocorrendo e não no produto ou resultados
finais
Preocupação com o significado, como a “maneira “ que as pessoas vêem a si e
aos outros; o pesquisador deve tentar compreender e retratar a visão de
mundo dos sujeitos; o trabalho de campo é fundamental
O pesquisador faz uso de uma grande quantidade de material oriundo das
observações, entrevistas, etc. dados descritivos de situações, ambientes,
pessoas, depoimentos, diálogos, que por ele são reconstruídos em formas de
palavras ou transcrições literais.
Esse tipo de pesquisa visa é a descoberta de novos conceitos,novas relações,
novas formas de entendimento da realidade.
No que concerne a aplicabilidade do grupo focal, esta técnica converteu-se em um
dos principais instrumentos dos métodos de “indagação rápida”, desenvolvida para
obter uma informação ágil, pouco a baixo custo - que pode ser conseguida em pouco
tempo, em profundidade, com um volume significativo de informação qualitativa -
que possibilita dar respostas a curto prazo às necessidades sociais mais urgentes, de
uma maneira rigorosa e científica, permitindo entender os processos de construção da
realidade cultural dos membros de um grupo específico.
45
Krueger, Richard, Focus Group, a Practical Guide for Applies Research, Sage Publications,
California, 1994.
56
Em linhas gerais, o método comporta os seguintes pontos principais: (1) recolher
as percepções dos atores sociais, sem idéias preconcebidas e nem hipóteses a
comprovar: as categorias e conceitos analíticos são construídos a partir dos discursos
e não são um a priori dos mesmos; (2) compreender e explicar os comportamentos
sociais, cercando uma problemática, suas causas, seus efeitos; (3) favorecer a
inserção dos atores, acordando-lhe a palavra e reconhecendo que cada pessoa é o
‘expert’ de sua própria história.
Assim sendo, foram realizados seis grupos focais, com cinco jovens de ambos os
sexos do e ano do ciclo, na faixa de 12 a 14 anos, estudantes do ensino regular ,
não especiais. Não foi possível realizar grupo focal com os alunos com necessidades
especiais nas classes especiais ou salas de recursos, por problemas operacionais e
impedimentos técnicos o número de alunos não era suficiente para formar tais
grupos , utilizou-se nesse caso roteiro de observação e conversas informais.
Registrei também inúmeras observações, obtidas em conversas informais que dão
conta da ambivalência dessa situação. Nos depoimentos dos alunos nos grupos focais,
percebe-se a convivência como espaço de conflitos. Para eles, os alunos da classe
especial são “doentes “ e “chatos” , porém reconhecem direitos iguais de cidadãos.
“Quando eu estudava em outro colégio, ficava encarnando numa garota que
era “doente” e estudava em outra classe, depois fomos transferidos para esta
escola e passamos a estudar juntos e de vez em quando eu até a ajudo nos
trabalhos da escola. Hoje eu fico com vergonha daquela época. (...) Eu acho
que eles devem estudar em escolas como a gente” (entrevista com jovem no
grupo focal).
A ambiguidade provoca também relatos que dão conta da incapacidade desse
aluno aprender.Um dos alunos chegou a mencionar: (...) eles não estudam de verdade,
eles brincam muito, ficam desenhando todo o tempo e não precisam passar de ano,
não precisam fazer prova. Em outros depoimentos, os alunos registram o preconceito
Alguns pais não gostam que seus filhos estudem aqui. Em conversa com uma jovem
com deficiência mental
46
na hora do recreio a mesma revelou a importância de estudar
46
Essa jovem possui 22 anos de idade e estuda quinze anos nesta escola não está alfabetizada até o
momento.A nova revisão da definição de deficiência mental da AMMR não considera relevante os
graus de comprometimento intelectual propõe que se adote medidas de apoio necessárias às pessoas
com déficit cognitivo e destaca a importância da interação e as possibilidades de adaptações em seu
57
na escola e o gosto pela professora. Aqui a minha tia é boa ela fica falando, que eu
tenho que aprender”.
Nas observações das interações no momento do receio, realizado em conjunto
com algumas turmas do ensino regular, algumas questões nos chamam a atenção no
tocante à percepção e às atitudes dos alunos ditos “normais”, sobre os colegas da
classe especial. Na bancada onde é servido o almoço, sentam-se ao lado direito os
alunos da classe especial, algumas vezes acompanhados de suas mães que auxiliam a
professora no oferecimento de almoço a seus filhos. Na outra bancada, do lado
esquerdo, ficam os alunos das classes regulares.
De vez em quando, um dos alunos do ensino regular faz uma piada com o
companheiro ou imita um dos alunos com movimentos estereotipados, semelhantes
aos realizados por alunos especiais. É muito comum ouvir um deles xingar o outro
de “doente”, em clara referência aos colegas da classe especial. É importante
sinalizar que essa escola atende a crianças com retardo mental, deficits cognitivos,
autistas, hiperativos, crianças com distúrbios de conduta etc. ainda aqueles que
são atendidos em salas de recursos, que, em grande maioria, não estuda na escola.
Assim como reconhecem os direitos iguais para todos, os alunos das classes
regulares convivem com o sentimento de estranheza de ameaça à integridade física,
o que desencadeia, em determinados momentos, sentimentos de rejeição em relação
aos alunos da classes especial.
(...) às vezes os doentes nos chateiam, na hora do almoço
sujam tudo do refeitório, cospem no bebedouro e ficam fazendo
“barulhos” com a boca. Tem uns que ficam parados. Outros
ficam “zoando”. Tem um deles que toma todo o nosso
refrigerante, escondido. (...) Fulano tem nojo deles, outro dia,
ela viu um “doente”escarrar na pia que o pessoal da cozinha
lava os pratos, nunca mais ela almoçou aqui. Ela fica com
fome, mas não come mais nada nessa escola”.
ambiente.O importante é considerar os tipos e intensidades de apoios necessitam essas pessoas para
aumentar sua autonomia. Essa jovem, faz pequenas compras no supermercado próximo a sua casa com
o auxílio de sua mãe.Um grande obstáculo para as pessoas com deficiência mental reside na percepção
negativa que a sociedade têm sobre eles principalmente no que concerne aos aspectos escolares.
58
Porém, um termo muito utilizado pelas crianças e jovens que estudam nessa
escola nos remete para uma questão que marca os lugares e as relações entre um
segmento e outro. Cumpre destacar que emerge nas diversas falas a noção de doença
atrelada à incapacidade e improdutividade dessas crianças que estão do lado de lá.
Marques(2001), ao analisar o sentido da deficiência na atualidade, comenta que o
processo de construção desse discurso inicia-se com a Revolução Industrial, no século
XVIII. Para ele,
“(...) atrelada à noção de produtividade emergiu o modelo de corpo
produtivo, categoria esta que fez agravar ainda mais a marginalização dos
portadores de deficiência, uma vez que não se pode dissociar, nessa formação
ideológica, a condição de indivíduo deficiente de uma idéia exterior de
capacidade produtiva e da concepção de corpo social que fundamenta todas
as relações políticas e econômicas.”
Na modernidade, se consolida um discurso sedimentado na dicotomia
produtividade versus improdutividade, que vai garantir a reserva aos “ïmprodutivos”,
ou seja, os deficientes em espaços tutelados, que se constituirão num forte esquema de
identificação e segregação.
No campo da educação, a teoria do capital humano consubstancia essa visão,
enquanto produtora de capacidade de trabalho, potencializadora do fator trabalho,
sendo entendida como um investimento como qualquer outro (Frigotto,1984). Nesse
sentido, os alunos com necessidades educacionais especiais pouco se beneficiariam da
educação por essa constituir-se numa das principais causas para explicar
economicamente as diferenças de capacidade de trabalho e, conseqüentemente, as
diferenças de produtividade e renda.
Isto posto, a maioria dos alunos do ensino regular percebe como “doentes”
47
aqueles alunos que utilizam a classe especial ou as salas de recursos – generalizando a
todos como doentes mentais”. Percebe-se a existência de discurso que legitima o
direito de estudar e conviver, externalizado pelos alunos, em oposição aos discursos
da sociedade, vista por eles como preconceituosa.
47
È preciso desvincular a deficiência mental de doença. Muitas pessoas com deficiência mental são
saudáveis do ponto de vista orgânico. A definição de deficiência mental adotada neste estudo, está
baseada na AAMR(1992), utilizada também nos documentos oficiais do MEC.
59
Através do relatos, pode-se constatar em alguns enunciados dos jovens do
século XXI, elementos presentes que se aproximam de uma concepção asilar, que
impregnou o século XIX, e legitimou o discurso médico e a prática da segregação dos
indivíduos considerados “loucos” ou problemáticos para a época.
Nessa perspectiva, conviviam naquele período visões mais humanizadas para o trato
dos “doentes” com outras que recomendavam a prática do internamento e a
segregação desses indivíduos. Segundo Foucault, os primeiros lugares pensados pelos
médicos que defendiam uma corrente mais humanizada, onde os doentes, de
preferência, deveriam buscar o restabelecimento eram: o contato com a natureza,
viagens, passeios ao ar livre, isso significando uma ruptura com o mundo artificial da
cidade. Essa corrente era defendida pelo médico Esquirol , que também recomendava
que, ao se construir um hospital , fosse observado que cada cela se abrisse para o
jardim. Podemos observar ainda hoje esse cuidado nas construções do Hospital das
Santas Casas de Misericórdia. Utilizava-se também uma forma lúdica de lidar com a
loucura, com representações em forma de peças teatrais.
Entretanto, a prática de internação é solidificada nesse período, quando se
reconhecia que o “doente” não podia mais conviver no seu meio, no seio da família e
representava um perigo para si e para os outros. (...) Assim se estabelece uma função
muito curiosa do hospital psiquiátrico do século XIX : lugar de diagnóstico e de
classificação, retângulo botânico onde as espécies de doenças são divididas em
compartimentos cuja disposição lembra uma vasta horta.( Foucault,1979,p.113).
A existência de lugares que delimitam a “sanidade da loucura” é percebida
pelos alunos de forma ambígua, apesar de em determinados momentos conviverem
no mesmo espaço, como por exemplo, nas horas de refeições ou festas na escola, a
possibilidade de ingressarem em seus “lócus” de aprendizagem é vista como remota.
Tem uma cara ,que classe especial dez anos e não sabe ler, na minha turma
não!
Também verifica-se que “a doença” para eles é temporária e ocasional, é tida
como falta de dos pais em Deus que pode consertá-los e inseri-los no convívio
integral. (...) se Deus quiser, ele pode consertar essas crianças e elas voltam a
estudar com a gente.
Em um segundo momento, trabalhamos com crianças de faixa de7 a 11 anos
do (1
o
ao 3
o
ano do ciclo); foram realizados 06 dinâmicas com 05 crianças de ambos
60
os sexos em cada grupo. .A dinâmica incluía a leitura do livro Um Amigo Diferente ?
48
e, em seguida, solicitava-se aos alunos que desenhassem a escola e um amigo
diferente da escola. Separavam-se dois sub-grupos de 05 alunos nos quais havia pelo
menos um colega com deficiência mental e solicitava-se que executassem a mesma
tarefa, que deveria ser realizada individualmente. Na maioria das vezes, percebe-se
que o grupo fica meio impactado levando alguns segundos para dar início às
atividades.
Nos desenhos dos integrantes dos dois sub-grupos selecionados, os quais
convivem com pelo menos um aluno com deficiência mental
49
50
em suas salas, os
diferentes não são representados e nem mencionados como tal.
Ao desenharem a escola, utilizam na maioria das vezes cores quentes
(vermelho, amarelo) e representam apenas o espaço onde estão inseridos, apesar da
escola possuir dois prédios, um na frente, com sobrado e outro, nos fundos. Uma das
alunas, durante a dinâmica, afirma: “A minha escola é essa aqui”, apontando para o
prédio e para os espaços onde transita. Em alguns desenhos estão representadas as
figuras da diretora e da coordenadora pedagógica apenas com a cabeça. Pode-se
inferir por analogia que reside uma questão de divisão de poderes e espaços,
simbolizados como figuras onde a cabeça, ou seja, o poder é assim representado e
visto por eles.
Quando representam o “outro” , o “diferente”, os desenhos se referem à figura
dos alunos da classe especial, com traços imperceptíveis e ausência de cores ou por
figuras diminutas no canto da folha ou embaixo. Algumas vezes existe a referência a
“doente”, associada à representação do “outro”. A palavra doente aparece escrita em
alguns desenhos e alguns representam o “outro” ou o “diferente” pelas características
físicas ou da indumentária. Por exemplo, desenham o boné do aluno da classe
especial, o aluno mais alto pertencente à mesma classe , o gordo, a gorda etc. Ou seja,
os discursos dão indícios de como são travadas as relações em nível interpessoal e
simbólico.
48
O livro dedicado ao público infanto-juvenil aborda de forma lúdica a diversidade humana.
49
Essa terminologia dada pelas professoras regentes dessas turmas.
50
Essa informação foi dada pela professora regente.
61
Constatamos que a maioria dos alunos, ao ingressarem na escola e se
defrontarem com os “diferentes”, foram tomados de pânico, sentindo-se acuados e
amedrontados diante deles. Um dos alunos entrevistados refere-se assim a essa
experiência: Quando entrei aqui na escola , eu era pequeno, tinha medo deles; na
hora do recreio não gostava de comer perto deles. Às vezes eles nos agrediam. Agora
já sou grande e eles continuam pequenos”.
Fica implícito nesse discurso o fato desse jovem perceber-se amadurecido e
que os “outros”, os diferentes” ficam sempre crianças, não mais ameaçando,
portanto, a sua integridade. Nos desenhos percebemos o quanto o “outro” é
ameaçador; o rótulo tem como função proteger o “grupo” e conferir uma identidade
capaz de suportar a angústia de vir a ser comparado ou igualado aos “doentes”.
Portanto, o reconhecimento do outro se , necessariamente, dentro de uma ética. É
importante admitir também que essa relação se dará no embate , uma vez que é
legítima a alteridade.
O termo “doente” torna-se pejorativo quando utilizado pelos alunos em
referência àqueles que cometem uma falta, considerada como “vacilo” pelo grupo.
Além do mais, constata-se que alguns professores usam dessa prerrogativa quando
comparam o comportamento de alguns de seus alunos como piores que o daqueles
alunos da classe especial. Essas constatações corroboram estudos realizados nos
Estados Unidos(1983), Austrália(1984), Itália(1977), que analisam a aceitação do
convívio em espaços de sociabilidade entre crianças e deficientes da mesma faixa
etária e de faixas etárias diferentes.
Um dos estudos, realizados nos Estados Unidos(1983)
51
, concluiu que as
atitudes das crianças para com seus colegas deficientes dependem de dois fatores: a
idade dos alunos a extensão das suas relações anteriores com os deficientes. Os
pesquisadores utilizaram escalas de atitudes para avaliar a experiência, partindo da
observação de grupos de alunos normais e deficientes que já mantinham relações
consideráveis entre si e outros grupos na mesma categoria que mantinham pouco
contato. Os resultados foram favoráveis para o grupo de alunos normais e deficientes
que já mantinham relações de proximidade.
51
RONCIN C. Vayer P. L’Integration des enfants handicapés dans la classe, 1989,ESF,France.
62
Este fato registrou uma forte aceitação e tolerância (sic) das crianças normais
com as deficientes, quanto mais cedo fossem colocadas em contacto umas com as
outras. Segundo o estudo, a integração se revelou um meio eficaz de favorecer o
desenvolvimento tanto das crianças deficientes, como também as não deficientes na
educação pré-escolar, uma vez que, especialmente nesta faixa da escolaridade, existe
um sistema de cooperação para a realização das atividades sugeridas pelo professor
52
.
Vygostky chama a atenção para a interação social, no processo de construção
das funções psicológicas superiores, base da compreensão do conceito de zona de
desenvolvimento proximal. Segundo ele, essa capacidade é despertada nos trabalhos
nos quais as crianças estão sob a orientação do professor ou em companhia de outros
companheiros mais adiantados:
‘’( ) Usando este método podemos dar conta não somente dos ciclos e
processos que estão em estado de maturação ou que foram
completados, como também daqueles processos que estão em estado de
formação, ou seja, que estão apenas começando a amadurecer e a se
desenvolver.Assim a zona de desenvolvimento proximal permite-nos
delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâmico de
desenvolvimento, propiciando o acesso não somente ao que foi
atingindo através do desenvolvimento, como também àquilo que está
em processo de maturação.’’(p.113)
Pelas limitações de tempo e recursos financeiros, as observações não puderam
se estender por um período maior, quando poderíamos isolar algumas variáveis como
tempo de permanência desses alunos na escola, trajetória escolar dos pais, aspectos
culturais, religiosos, atitudes preconceituosas por parte dos pais ou dos professores
regentes desses grupos.É interessante destacar a presença de um ou mais alunos com
deficiência mental não mencionada nos dois sub-grupos pesquisados. Isso pode nos
levar a inferir que, nessa situação, esse aluno incluído em sala de aula não é
percebido como “outro”, situando-se desta forma em relação de igualdade com os
demais. Nesse sentido não são reconhecidos aspectos agravantes nas diferenças
53
que
52
Encontramos referência a inúmeros casos de sistemas de tutelas e aprendizagem cooperativa entre
alunos de classe regular e especial descritos por Stainback & Stainback in Inclusão: Uma guia para
educadores, Porto Alegre, Artes Médicas, 1999, 1
a
. ed.
53
Essa escola atende a alunos com deficiência mental; nesse caso é possível inferir que os alunos
incluídos, em sua maioria, possuam graus de comprometimento intelectual leves.
63
ameaçem a integridade desses sujeitos, o que, desta forma, possibilita uma
identificação desse aluno como integrante do grupo. Posto o tema, continuo a abordá-
lo levando em consideração nesse momento a forma como os professores se percebem
frente às diferenças e como têm vivido e reagido nesse espaço.
Muitos professores entrevistados por mim tiveram alguma experiência com a
presença de alunos com necessidades educacionais especiais em sala de aula. A
maneira como se a entrada do aluno, a participação do professor nessa decisão, as
características físicas, psicológicas e pedagógicas desse aluno serão de fundamental
importância para a aceitação tanto por parte desse professor quanto da turma:
“(...)Eu tive experiência com um aluno especial incluído em minha turma,
freqüentando a sala de recursos durante muitos anos. Esse aluno tinha uma
grande capacidade intelectual e estava acima da média do rendimento na
turma, porém era extremamente agressivo e quando estava atacado não
deixava ninguém em paz. Ele era tão agressivo que às vezes no recreio ele
batia e chutava todo mundo. Na sala de aula, batia na mesa, agredia os
colegas. Ele ficou comigo um ano inteiro; nessa época, a psicóloga que
trabalhava aqui me consultou sobre a possibilidade dele continuar comigo no
ano seguinte. Apesar do bom rendimento, eu optei por não continuar com a
turma. Ele causava muitos transtornos e, em certa ocasião, num dia de chuva,
ele ficou ensopado e disse para a mãe que tinha sido por ordem minha. Isso
causou um mal estar. Apesar de todos , inclusive a mãe dele, saberem que ele
tinha tomado a decisão de não entrar na sala e ficar apanhando chuva no
pátio da escola. Nesse ano, ele foi aprovado para 3
a
. série com excelentes
notas”.
De uma maneira geral, os professores percebem que somente alguns alunos
podem estar incluídos em classes comuns. Lidar com o comportamento difícil do
aluno é um impedimento maior que a limitação cognitiva.
‘’(...)Eu acho que não é para incluir qualquer um. Sabe, depende da
deficiência, ou da especialidade do caso, pois casos que amedrontam as
outras crianças, pela agressividade. Houve casos em que uma criança
64
possuía dificuldade , aparentava e usava a autoridade (coagia) demais, ele
era mais velho. Houve necessidade de intervir e colocá-lo na posição exata.
Nós às vezes precisamos ver o lado da especialidade do caso. Eu tive alunos
especiais incluídos em sala de aula que, apesar se desenvolverem mais
lentamente que os demais, pelos menos não eram agressivos.”(entrevista com
professora da classe regular)
Cumpre destacar a presença de discursos que enfatizam uma certa
desconfiança com relação ao arsenal teórico e pedagógico, capaz de possibilitar
maiores superações, principalmente nos casos de maiores comprometimentos
biológicos com reflexos nos aspectos sócio-culturais.
“(...) Apesar de saber que muitos não terão condições de aprender alguma
coisa, acho que deveriam aprender a fazer alguma coisa. Alguns alunos
atingiram o limite pedagógico e estacionaram. Nesse momento, precisam de
outra via, pois talvez a pedagógica tenha se esgotado, outros podem ir além.
Contudo, a escola tem um limite, talvez haja outros recursos pedagógicos ou
não para serem trabalhados com esta criança. Acho que o pedagógico tem
limites.”(entrevista com professora da classe especial)
Vale a pena registrar que esta idéia está contida também no projeto político-
pedagógico da instituição, no capítulo dedicado à introdução do referido documento:
“(...) Atualmente contamos com um grande número de alunos com idade maior que
14 anos e que estão na escola bastante tempo sem que tenham progredido o
suficiente para que se mudasse de turma ou modificassem substancialmente seus
comportamentos de modo que permitissem dizer que continuam se desenvolvendo
plenamente suas atividades pedagógicas. Esses alunos perderam a motivação pelas
atividades que ministramos e precisam de outros estímulos que a pedagogia utilizada
não consegue mais dar conta.”
Para a direção da escola, as crianças são bem integradas com os alunos da
classe especial e tratados de forma equivalente. De vez em quando, crianças do 1
o
65
ano do ciclo, recém-chegadas à escola, reagem com medo e choro à presença dos
alunos da classe especial. A importância da convivência entre eles é traduzida assim:
“Eu mesma me assustei quando cheguei aqui, nunca tinha trabalhado numa
escola com esse perfil, achava que os deficientes mentais não aprendiam. Mas
depois de trabalhar aqui a gente vai aprendendo a conviver com eles, a gente
vai vendo que eles raciocinam e, muitas vezes, até são mais dóceis que os
ditos normais. A gente começa a não ter essa diferenciação entre um aluno e
outro”. (entrevista com a diretora da escola).
Quanto aos pais, apresentam uma atitude de negativismo em relação às
atitudes das outras crianças com relação a seus filhos e a crença na eternização da
imagem infantil. A percepção negativa é um dos fatores que impedem o
desenvolvimento das relações extra-muros desses alunos. Entre os responsáveis
entrevistados na escola, nenhum mencionou a participação de seus filhos ou netos em
atividades sociais com colegas, sejam da classe regular ou especial. Isso ocorre por
conta de uma série de fatores, tais como as dificuldades encontradas no deslocamento
para o centro (local de residência de grande parte dos alunos), questões relativas a
gastos com despesas de passagens de ônibus, dificuldades em estabelecer amizades
com colegas de outras turmas
54
, e a falta de autonomia do aluno com deficiência.
Outra razão é a constante ameaça de serem agredidos pelos colegas.
“(...) A tia ensina botar o pratinho lá, igual aos outros, a lavar as
mãos e voltar voltar para a sala. Porque tem criança da classe
normal que são normais, ficam brincando com as outras. Agora,
tem aquelas que provocam. Botam apelidos, podem xingar , ou
coisa assim. (...) Esse é maluquinho, coisa de criança! Crianças
falam, ? Brincando... Por isso levo-a direto para casa ,
quando não tem terapia”.(entrevista com mãe de uma aluna com
necessidades educacionais especiais em classe especial)
54
A autora Rosana Glatt no livro Somos iguais a vocês:depoimentos de mulheres com deficiência
mental constata essa situação de dificuldade de estabelecimento de redes de sociabilidade por parte
dessas pessoas..
66
Um outro aspecto importante é a baixa expectativa com relação à
aprendizagem desses alunos . “(...)Minha filha está fraca em matemática e português.
Outro dia eu dei uma nota de um real e outra de cinquenta e mandei ela escolher.
Sabe qual a minha filha escolheu? A nota de um real. Parece que a escola não serve
para nada!
Segundo Padilha (op.cit,p.45), “A avaliação clínica e institucional do
deficiente mental tem levado à simples constatação das “faltas” sensoriais, motoras,
verbais e cognitivas. Dessa forma a escola especial atua na direção da menor
resistência porque se acomoda à deficiência, ajustando seus programas aos requisitos
do pensamento chamado concreto
Na perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento existe uma possibilidade
de modificar essa situação.Vygotsky aponta para a possibilidade de se inverter esse
olhar, uma vez que as funções psíquicas surgidas no processo de interação com as
pessoas de seu meio estão numa esfera que permite o abrandamento das
conseqüências da deficiência e apresenta maiores chances de influenciar na educação.
Para o professor da oficina de artes, que desenvolve trabalhos de esculturas
utilizando a madeira, muitos alunos com deficiência mental apresentam uma
extraordinária capacidade de trabalhar com abstração na perspectiva tridimensional.
Os objetos esculpidos em madeira retratam o estágio de desenvolvimento desses
alunos. Em seu cotidiano percebe que a dimensão relacional é fundamental para
apropriação da forma da aprendizagem desse aluno que requer tempo e paciência por
parte do professor/instrutor.
“Com esses alunos eu antes fazia na prática, via como estavam batendo a
madeira, e o que eles tinham em seu interior, no seu âmago, o potencial para
poder assimilar aquilo que eu ia transmitir. Pois se eu desse um exercício muito
avançado, eles talvez tivessem de início dificuldade em assimilar. Quando via
que algum tinha tido dificuldade em entender aquilo que passei para ele, eu
utilizava outro processo, outro método. Às vezes ficava entusiasmado pelo fato
deles mesmo demonstrarem uma força fora do normal para fazer determinados
trabalhos. (...) Eu trabalhava com uma matéria-prima diferente. Era dado o
desenho em papel para que passassem por meio de um carbono para a
madeira. Às vezes eu fazia num papel especial, vegetal, que é transparente, pois
67
alguns tinham dificuldade mesmo até para passar, para decalcar. Muitas vezes
eles sugerem mudanças, alterações nos desenhos; eles começam a construir
objetos que fazem sentido para eles mesmos. Esses trabalhos são expostos na
escola e em feiras culturais que ocorrem em diversos espaços na cidade.”
Neste sentido, produzir significado que seja entendido pelo outro denota
apreender os códigos de conduta e signos que são compartilhados e apreendidos num
dado contexto cultural. desta maneira é possível compreender que a nota de um
real foi aceita no lugar da de cinqüenta, uma vez que ela significava para aquela
jovem a possibilidade de trocá-la na cantina por refrigerantes, biscoitos que tanto
aprecia, tendo consciência de seu valor naquele contexto. Da mesma forma, esculpir
entalhes em madeira, que se transformam em peças apreciadas pelo público interno e
externo à escola, produz um intenso processo de produção de sentido para esses
sujeitos.
4.2 O projeto político-pedagógico
55
- o discurso e a práxis
As sociedades modernas e contemporâneas estão passando por momentos de
dúvidas e incertezas de toda ordem, as quais se refletem nas escolas. Nesse sentido,
as escolas sofrem com crises de identidade e finalidade que lhes garantam uma
legitimidade frente aos ideais de sociedade e do sujeito que ela quer formar. Essa
situação afeta a segurança da escola, uma vez que está relacionada também aos
valores e ao espírito da cultura transmitido de uma geração a outra.
Assim sendo, não faz mais sentido o trabalho com conteúdos
descontextualizados, ensino massificante, pouca participação do professor na
determinação nos rumos da escola, direções autoritárias, descontinuidade político
-administrativa em nível central e os programas educacionais “salvadores”.
Em nosso estudo, temas relevantes como a inclusão dos alunos com
deficiência, a articulação das equipes docentes de ensino regular e especial,
cidadania, as possibilidades do aluno com deficiência mental, o ciclo de
alfabetização e suas possibilidades enquanto facilitador da inclusão, preconceito,
dentre outros, assumem papel de importância enquanto temas que estarão presentes
55
O documento utilizado para análise intitula-se: O projeto político pedagógico, elaborado pela escola
em 2000 estava disponível em mimeo..
68
no projeto político-pedagógico da escola e suas conseqüências para a educação em
geral.
Tendo como centro do fazer a sala de aula, enquanto possibilidade de
transformação do atual estado de coisas. Um caminho complementar, mas não
menos importante, para isso implica na revisão do processo de planejamento
(inclusive o curricular) e de outros processos inerentes ao trabalho escolar (como a
avaliação). Em muitos estudos sobre a escola, freqüentemente é possível percebê-la
como um dos locais de reprodução da violência, seja ela moral, simbólica, física,
social etc, como também o local das discriminações sexual, étnica, econômica etc.
Por outro lado, são também bastante visíveis suas possibilidades como
espaço eficaz tanto de socialização, ressocialização, construção e ressignificação das
identidades dos alunos quanto e, principalmente, de recontextualização de
determinações sociais e políticas, possibilidades estas que se concretizam através do
trabalho escolar.
Historicamente, a escola tem se revelado um espaço de expressão da cultura
de determinados grupos sociais, mostrando-se insensível às diferentes realidades
culturais de seu alunado. Conviver com a diferença ou fazer valer as diferenças,
conquanto seja direito de cada um de seus alunos, não é, na maior parte das vezes, a
preocupação de uma instituição que vem considerando a história destes como única
e homogênea.
Se partirmos do princípio que a escola não é autônoma, que faz parte de um
determinado contexto social, recebendo múltiplas influências e sendo alvo de
diferentes controles, é preciso, antes de tudo, compreender que não projetos
pedagógicos salvadores, capazes de produzir milagres no que diz respeito à
educação. Todavia, suas possibilidades também apontam para a necessidade de se
refletir sobre ela como um espaço que deve estar sempre aberto ao diálogo e ao
debate, capaz de admitir e suportar conflitos entre os saberes dos alunos, dos
professores e da comunidade.
Apesar de afirmar que o projeto pedagógico foi construído com a
participação de toda a comunidade intra e extra-escolar, a diretora ao ser questionada
sobre a educação de alunos especiais responde: Essa parte ficou por por conta
psicóloga, ela era a representante deles’’.
69
Nessa perspectiva, não existe projeto pedagógico que deixe de ser também
um projeto político; não neutralidade possível nesta construção. Como produção
coletiva e desafiadora para um determinado grupo, em uma dada sociedade, de um
determinado tempo, o projeto - instrumento importante para se pensar e definir o que
se quer, porque se quer, em favor de quem e como se quer a educação - estará
refletindo tanto a visão de mundo quanto as necessidades, as contradições e os
sonhos de seus atores, definindo caminhos a serem seguidos e o compromisso a ser
assumido pelos envolvidos na proposta que se quer desenvolver.
Falo, com isso, da construção de um projeto pedagógico que, a partir da
reflexão dos professores, dos alunos, de suas famílias e dos demais interessados na
ação educacional a eles dirigida, organiza, sem amarras, caminhos - e não destinos -
da prática educativa voltada para a democracia, para a cidadania e para a
transformação.
Entretanto, cidadania e democracia não podem ser valores abstratos e difusos
na escola. Romper com isso que tanto de uma quanto de outra, na verdade, só nos
afasta - para construir uma nova identidade como educadores (responsáveis por uma
determinada escola, inserida em uma certa comunidade, em um dado momento,
nesta sociedade), parece ser uma das alternativas.
Elaborar projetos de forma coletiva, em que todos possam efetivamente
participar, não é, todavia, tarefa cil. De modo geral, a escola que conhecemos não
tem essa tradição. Concorrem para isso a necessidade de múltiplos empregos por
parte do professor, uma certa descrença nas possibilidades da educação no momento
atual, a tendência vertical de nossas estruturas, as formas autoritárias de gestão ainda
muito presentes e, especialmente, nossa incipiente vivência democrática.
Se trabalhar no coletivo não é uma prática da escola, garantir ao aluno o seu
direito de participar efetivamente das decisões escolares é menos ainda. Isto ocorre
não porque as pessoas envolvidas considerem desnecessário fazê-lo, mas porque,
historicamente, a ação de planejar tem estado a cargo das chefias, das instâncias
superiores, e não dos profissionais que, de fato, executam as ações.
70
A construção de um projeto pedagógico precisa rever sempre o instituído
para, a partir daí, constituir um processo que viabilize uma escola democrática,
direito de todos e dever do Estado, sem desigualdades em seu interior, capaz de
formar cidadãos trabalhadores, criativos e críticos.
Para a efetivação de um projeto pedagógico democrático, não como gerir a
escola a não ser de forma democrática, como um aprendizado. Vivenciar tal
experiência, neste caso, é de fundamental importância para todos, especialmente para
a juventude, que se mostra descrente das formas institucionalizadas de participação e
se encontra distante de sua própria organização como categoria estudantil. Desta
forma, a gestão democrática pode contribuir concretamente para a melhoria do serviço
oferecido em cada escola para a “abertura no atendimento aos alunos com
necessidades educacionais especiais
Entretanto, não bastará que se atribua às escolas opoder mágico” da gestão
democrática; é vital para o processo que se viabilizem, de fato, os meios e as
condições para isso, garantidos por políticas educacionais comprometidas com a
materialidade que tal autonomia requer.
Com esse enfoque a análise dos documentos referentes ao projeto político-
pedagógico da escola, suscitou-me algumas reflexões: percebe-se claramente nas
idéias ali contidas a ausência da participação efetiva da comunidade intra e extra-
escolar. Existem referências a consultas realizadas aos professores, alunos e pais
sobre a percepção da escola; no documento estão registradas, também, entrevistas
com opiniões da comunidade intra-escolar sobre a mesma além do fato de que a
escola possuía uma equipe composta por orientadores escolares, educacionais e uma
psicóloga que impulsionavam as atividades pedagógicas. Quando, por fim, todos
foram convidados a exercer outras funções o projeto esmoreceu:
“(...)Hoje eu estou meio quebrada, a equipe foi convidada pela Secretaria de
Educação para atuar em outras frentes.Eles é que têm muitas informações
sobre o projeto pedagógico, a parte referente aos especiais ficou a cargo da
psicóloga, “menina dos olhos” dela. Você pode entender melhor lendo-o
depois”(entrevista com a diretora da escola).
71
Lendo o documento, ressalto o item que diagnostica a situação da escola e não
são mencionadas as estratégias a serem utilizadas no apoio aos docentes do ensino
regular que recebem alunos da sala de recursos e da classe especial, destacando-se
como uma das prioridades:
“(...) a possibilidade de ampliar o número de alunos inclusos.Desta forma,
nossa postura estaria voltada às “necessidades educacionais especiais”,
partindo do princípio segundo o qual “todos”os alunos precisam, ao longo de
sua escolarização, de um atendimento diferenciado, respeitando-se as
diferenças individuais”.(p.04)
Todavia, em nenhum momento o projeto problematiza a interface das equipes
do ensino regular e especial no tocante à construção de conhecimentos acerca da
escolarização do aluno com necessidades educacionais, incluídos na classe regular, nem
menciona de que modo se dará o atendimento diferenciado para “todos”os alunos.
Dir-se-á que a escola reconhece a pertinência de um ensino mais
individualizado para os alunos, que dele necessitam; não obstante, deixa de prever em
seu planejamento a execução de tais atividades. Segundo Gandin(2001), o diagnóstico é
peça fundamental no planejamento. Ele permite estabelecer uma direção, um caminho,
um marco referencial sobre aquilo que a escola pretende alcançar em termos concretos.
Entretanto, o diagnóstico pode gerar um desconforto na medida em que as pessoas têm
dificuldades técnicas para realizá-los e ainda pelo fato dele remeter às questões que
estão para serem realizadas, ou seja, o inconcluso, o não solucionado, o calcanhar de
Aquiles da instituição.
Nesse sentido, também está ausente no documento o caminho percorrido
pelo aluno com necessidades educacionais especiais, o tipo de avaliação a que será
submetido, além da faixa etária limite para continuidade na escola.
56
Fica implícito, no
entanto, que a passagem de um nível para o outro e a viabilização de propostas
56
O documento cita uma experiência de um projeto experimental realizado em 1997, com alunos
retardados mentais da classe especial, que após longo anos em tais classes permaneciam sem
aprovação, sem mudanças.Foi criada, então, uma classe de alfabetização que viabilizava uma ponte
entre o ensino regular e o especial, com 08 alunos, durante 02 anos com a mesma professora. Ao final,
com a mudança do professora, eles fazem uma inclusão inversa, colocando alunos do ensino regular ,
aumentando a turma para 20 jovens, sendo que os alunos com retardo mental também eram atendidos
na sala de recursos. Essa experiência perdeu-se no tempo e os registros e conhecimento advindos desse
trabalho não foram incorporados ao projeto político- pedagógico da escola.
72
alternativas dependerão das características físicas, emocionais, cognitivas desse
alunado:
“(...) para garantir a continuidade do processo de inclusão, propomos ainda:
promover um estudo de cada aluno que atualmente frequenta nossa classe
especial junto à Divisão de Ensino Especial da Prefeitura de Duque de Caxias,
objetivando possibilitar alternativas pedagógicas para estes alunos”(p.14)
Remetendo a resolução desta questão a uma instância externa à unidade
escolar, transfere-se a responsabilidade pelas conseqüências da não escolarização desses
alunos a outros agentes externos. Por sua vez, a utilização de alternativas pedagógicas
poderá constituir-se em possibilidade de oferecer a esse aluno a aprendizagem de um
ofício.
Esse é um dos temas que mais inquietam tanto os pais, quanto os
docentes, que se preocupam em oferecer caminhos profissionais para fazer frente à
lógica de mercado neoliberal e excludente. Os depoimentos abaixo ilustram esse fato.
Meu neto está nessa escola doze anos na classe especial e até hoje não sabe ler;
ele é muito esperto, conhece os ônibus, o caminho para cá.Estou velha, não tenho
nenhuma aposentadoria, ele precisa aprender alguma coisa e tem dezenove
anos”(entrevista com o responsável)
“Depois de muito solicitar, a Secretaria de Ação Social começou um trabalho de
oficinas profissionalizantes com alguns alunos aqui da classe especial. Eu tenho um
aluno com retardo mental que é difícil para mim mantê-lo aqui nesse espaço de sala
de aula. Ele não se interessa pelas atividade escolares e sempre que pode corre para o
pátio para jogar capoeira. Vou tentar encaminhá-lo para esse projeto.(entrevista com a
professora da classe especial).
Merece destaque a situação de outras escolas da rede diante do desafio em
construir seu projeto político-pedagógico. Em entrevista, a responsável pelo Setor de
Planejamento da Rede Municipal de Educação Duque de Caxias, que participou do
processo de elaboração dos projetos pedagógicos das escolas da Rede, assim se
manifesta:
73
(...) Se disser para você que as escolas que eu tenho maior contato
conseguiram fechar o seu projeto a gente não vai estar sendo real. Porque
nós, enquanto professor, e eu digo por mim, enquanto representante da
Secretaria de Educação, também sentimos uma certa dificuldade, fomos
buscar, estamos estudando, estamos trocando com os professores. Tem escolas
nossas que estão bem à frente no seu projeto, tinham uma visão mais
aberta do trabalho e existia mais participação da comunidade intra e extra-
escolar. Essas escolas tinham um corpo de professores fazendo um trabalho
muito bom. Quando você tem um esclarecimento maior, uma participação do
docente, a coisa anda melhor neste tipo de escola e o projeto desencanta.
Muitas escolas, entretanto, ainda não têm clareza sobre o que e como estão
fazendo e o que querem fazer.Acham que o projeto é uma encomenda para a
Secretaria” grifo meu.
Portanto, se cada projeto é único, porque define a situação também única de
cada escola, pode-se pensar em alguns caminhos que orientem sua elaboração, de
modo que ele crie raízes e que estas encontrem terreno propício para o seu
fortalecimento. Isso implica, fundamentalmente, em partir de um balanço crítico da
realidade que se tem, do ponto onde se quer chegar e das medidas realmente
necessárias para o alcance de seus objetivos.
4.3 Os diversos saberes: a materialidade das relações entre às equipes no dia-a
dia-da escola.
Segundo Charlot (opus cit) o saber é construído coletivamente na mente
humana e suas atividades estão submetidas à validação, capitalização e transmissão,
as relações de saber são também relações sociais. Essas relações de saber são
necessárias não para se constituir o saber, como também para sustentá-lo após sua
construção, o qual deve ser aprovado pela comunidade científica. Esse saber de
construção coletiva é, então, apropriado pelo sujeito. Isso é possível se esse sujeito
se instalar na rede de relações com o mundo que a constituição desse saber supõe;
portanto, a relação com o saber é antes de tudo um conjunto de relações. Para ele a
definição a seguir tem o mérito de enfatizar a importância de se considerar um
conjunto de variáveis, capazes de ampliar esse rede.
74
A relação com o saber é o conjunto das relações que um sujeito mantém com
um objeto, um “conteúdo de pensamento”, uma atividade, uma relação
interpessoal, um lugar, uma pessoa, uma situação, uma ocasião, uma
obrigação etc., ligados de uma certa maneira com o aprender e o saber ;e,
por isso mesmo, é também uma relação com a linguagem, relação com o
tempo, relação com a ação no mundo e sobre o mundo, relação com os outros
e relação consigo mesmo enquanto mais ou menos capaz de aprender tal
coisa, em tal situação.(p.81)
Nesse sentido, é preciso entender a dinâmica presente no que tange às relações
entre as equipes de professores do ensino regular e aquelas ligadas ao ensino especial.
Não é arriscado dizer que essas percepções baseiam-se em definições de
competência, perfil profissional, tipo de personalidade, interesses etc, que
justificariam a aceitação ou rejeição de um grupo sobre o outro. Os professores do
ensino regular o se organizam da mesma maneira, os vinculados ao ensino de
alunos especiais têm práticas bastante diferentes, vinculações diferentes, horários
diferentes, baseados em crenças que possibilitam fazer frente à angústia, causada por
alguns alunos que, independentemente de seus desejos, não responderão
adequadamente e, em tempo breve, à demanda pela escolarização.
“(...)Exigência, sim, auto-exigência e níveis diferentes de cobrança, níveis
diferentes de stress no trabalho.O pessoal do ensino especial é menos
stressado. A cobrança de desempenho é relativa. O desempenho de nossos
alunos não é avaliado e ele não vai ser cobrado. O pessoal do ensino regular
com mais de 30 alunos em sala são mais estressados no trabalho que nós.(...)
( entrevista com professora de ensino especial)
Os professores do ensino regular vivem seu cotidiano de correrias, em
avaliações permanentes, cobranças de várias instâncias, de elaboração de extensos
relatórios sobre o desenvolvimento do aluno, de participação constante em cursos e
palestras de aperfeiçoamento, que, em última instância, têm como função a execução
de procedimentos e instruções programadas, os quais terão um peso nos resultados
finais sobre a eficácia do sistema de ensino no qual está inserido.
75
Entretanto, traçando um paralelo entre o estudo realizado por Elias (op.cit)
podemos destacar a semelhança no comportamento dos grupos estudados, com as
equipes de professores de ensino regular e de ensino especial
57
, que no dia-a dia se
relacionavam mas viam-se de modo preconceituoso.
58
Um integrante da equipe de
ensino regular, responsável pelo grupo de estudo
59
, faz referência à competência
dos professores de educação especial, quando indagada sobre a possibilidade de
convocar os professores de educação especial e coordenar os próximos grupos de
estudos, com propostas de inserção de temas relativos à inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais:
“A maioria dos professores ligados à educação especial são
práticos, não têm formação para lidar com esses alunos. Eles
fizeram concurso para a rede e foram colocados em classes
especiais, sem nenhuma supervisão. Depois realizaram uns
treinamentos em serviços e algumas reuniões que nem existem
mais hoje. Para saber a respeito da aprendizagem dos alunos
especiais precisamos de especialistas da área, médicos,
psicólogos; nesse pessoal daqui eu não confio.”
( entrevista com professor de ensino regular)
57
Em matéria publicada pelo Jornal do Brasil do dia 05 de maio de 2002, pg.14-Suplemento
Internacional intitulada: França vota num futuro invísivel, sobre a proliferação do pensamento da
extrema direita na Europa, um dos líderes do movimento dos “skinhead”, Igor Stuart, membro
engajado do grupo Blond and Honour (Sangue e Honra) em resposta à pergunta sobre ataque a
minorias disse: Os ataques nunca são realizados por pessoas pelas quais as organizações dizem não
serem responsáveis. Isso significa dizer que na convivência esses grupos observados realizam também
formas de violência simbólica contra as minorias, pela qual nunca o punidos por serem atos
rotineiros, incorporados ao cotidiano. O entrevistado afirma que nunca foi processado por atos racistas.
58
Equipe docente=24 professores do ensino regular(regentes de turma), (12) professores possuem nível
superior
01 professor de ensino religioso; não possue nível superior
01 professor da classe de aceleração; possue nível superior
01 professor de educação física para deficientes mentais ; possue nível superior
04 professores de salas de recursos; não possuem nível superior
02 professores de classe especial;01 possue nível superior
01 professor de artesanato para DM; não possue nível superior
59
Atividade quinzenal que reúne os professores para debates sobre temas relativos à educação. Durante
a pesquisa os estudos versaram sobre teatro na educação, vídeo, dinâmicas de grupos, jogos e exibição
de filmes, todos os temas foram escolhidos pela equipe de ensino regular.
76
A retórica, presente em discursos sobre os saberes docentes, é envocada no
sentido de tentar entender a complexidade dessa situação em que professores
convivem em situações singulares, percebendo um outro segmento de profissionais,
como o portadores de um saber ou saber fazer. O fato é que, mal compreendido, o
trabalho dos professores que atuam em classes especiais ou sala de recursos é restrito
e condicionado a alunos que protagonizam histórias de rejeição sociais.
Esse fato pode ser explicado a partir do tipo de conhecimento desenvolvido
por esses professores, que nomeiam como estudos de casos, vinculados à
experiência profissional, um tipo de conhecimento articulado à prática e à
subjetividade desse professor.
“(...) Eu trabalho com vários tipos de crianças com várias deficiências, você
precisa trabalhar de maneira muito diversificada. Eu tenho A, ele é autista e
bastante agressivo. Eu trabalho muito a parte afetiva e limites com ele. Eles
passam aqui primeiro, para depois irem para classe especial ou inclusão. No
caso do B, que vem de outra escola, tem uma situação bastante complicada.
Ele não estuda pela situação dele, nenhuma escola quer ficar com ele, pela
forma como se comporta. A mãe tentou colocá-lo numa escola, mas ele não
permanceu. Tenho que trabalhar regras com esse aluno”. (entrevista com
professor da sala de recursos).
A manutenção das fronteiras entre as equipes baseia-se no reconhecimento de
que os profissionais que atendem aos alunos especiais estão vinculados a uma
instância que extrapola os limites administrativos e de poder da unidade escolar,
delimitando seus campos e formas de atuação. São portadores de alguns privilégios
como flexibilidade de horário, menor número de alunos em sala, menor cobrança de
desempenho. Sobre esse aspecto não são bem compreendidos pela comunidade
escolar os caminhos que percorre um aluno até ser encaminhado à sala de recursos ou
classe especial, fato que agrava ainda mais os esteriótipos lançados sobre a equipe de
educação especial.
Para alguns professores da sala de recursos, o destino desse aluno é facilmente
compreendido, uma vez que será encaminhado para a escola, após avaliação feita por
77
especialistas da Coordenação de Educação Especial. Entretanto, para a maioria dos
professores entrevistados, o processo é visto como lento e burocrático.
Nesse sentido, a não existência de laudos é compreendida pelos professores
das salas de recursos como uma garantia por parte dessa Coordenação de que este
aluno não será estigmatizado, o que representa, por outro lado, uma insegurança
quantos aos procedimentos a adotar em cada caso. De acordo com uma das
professoras de sala de recursos, “(...) a Coordenação de EDESP encaminha para ,
com indicação para a professora da sala de recursos. Não tem laudos, a gente
questiona e eles dizem que não vai adiantar de nada saber o que o aluno tem ou não
tem. A gente vai identificando nas apostilas ou umas com as outras. Antigamente a
gente tinha mais apoio, reuniões, professores itinerantes; esse ano não apareceu um
intinerante por aqui”
Atendimentos educacionais e terapêuticos bem orientados e continuados, bem
como metodologias especiais, devem levar em consideração as singularidades do
desenvolvimento da pessoa com deficiência. Assim, esse deve estar fundamentado em
evidências , em estudos atualizados na área, comprovado e válido para cada caso. É
importante a avaliação para que o professor possa tomar decisões, depois de definidas
as áreas que serão trabalhadas e especificados os resultados que esse profissional
espera obter dentro de um determinado tempo, ancorados em pressupostos teóricos.
Do ponto de vista do atendimento
60
, destaca-se a maior demanda concentrada
em casos de deficientes mentais, distúrbios de conduta, autismo, diagnósticos mais
mencionados pela equipe baseados em relatos, inspirados algumas vezes no senso
comum. A Coordenadora de Educação Especial contra-argumenta:
“(...) professor se quiser pode ter acesso à avaliação aqui na Coordenação,
porém ele não vem aqui. Isso foi visto também; houve a efetivação de
matrícula e não houve mais nenhum procedimento. Pretendemos que com a
implantação da nova proposta o professor tenha uma pessoa da equipe para
tirar as dúvidas sobre os alunos encaminhados. A criança é avaliada no
60
Na rede municipal registram-se escolas que atendem as demais especificidades como surdez,
cegueira, dentre outras.
78
início do ano e encaminhada à escola, e se ela é encaminhada é porque tem
alguma coisa.” (grifo meu).
Em entrevista, uma das mães de um menino de cinco anos, atendido em sala
de recursos, comenta:
(...) quase um ano eu trago o meu filho aqui. Ele ele é hiperativo
61
e
muito agitado, tem dificuldade de ficar quieto. Na escola, onde ele estuda
ninguém aguenta mais. Até hoje não vi melhora nesse tratamento. Trago ele
duas vezes na semana, venho de longe e gasto passagem. Essa professora é
muito fraca. A minha vizinha tem uma filha que é atendida aqui, com outra
professora, eu acho que ela é muito melhor e a menina está indo bem. Antes
de levar o meu filho para avaliacão da Coordenação de Educação Especial ,
eu tinha levado ao psiquiatra que fêz o laudo constatando hiper-atividade.
Agora, essa professora dele, me disse que ele parece deficiente mental.
Deficiente mental? Merda nenhuma! Para o ano vou transferir meu filho de
sala de recursos”.
Tem se discutido muito sobre a real necessidade dos professores terem
conhecimento a respeito da avaliação da criança realizada por “especialistas”, no
âmbito externo à escola. Entretanto, alguns autores recomendam que os professores
recebam informações com dados que o auxiliem em seu trabalho, e possam
desenvolver uma compreensão a respeito das potencialidades, habilidades sociais, de
comunicação e motoras de seus alunos. É necessário também que possam ser
considerados os tipos de materiais utilizados na aprendizagem e as metodologias
empregadas. Que sejam também verificadas as condições físicas que favorecem a
61
Refere-se a um dos distúrbios do comportamento mais freqüente na idade pré-escolar, caracterizado
por umvel de atividade motora excessiva, déficit de atenção e falta de auto-controle. Na década de
60, surgiu a necessidade de uma definição mais funcional, como uma síndrome de conduta, tendo como
foco a atividade motora. Na cada de 80, como resultado de estudos, são relacionados aspectos
relativos à cognição tais como: déficit de atenção, impulsividade, mudança contínua de objetivos e
metas. Berkeley citado por Coll(1985) aponta algumas características: a) o surgimento na infância;
inquietação motora; períodos reduzidos de atenção que não se relacionam à idade da criança;
discrepância entre o nível de desenvolvimento cognitivo e os problemas manifestos de auto-controle.
Para a maioria dos estudiosos um dos sintomas definidores da hiperatividade é o déficit de
atenção.Consultando o Manual Diagnóstico Diferencial- (DSM- IV) o déficit de atenção é uma das
causa do baixo rendimento escolar; classificado como 314.9 e exige uma avaliação cuidadosa para
confirmação.
79
aprendizagem e informações que devem ser catalogadas a respeito da vida do aluno e
suas relações com os familiares e a comunidade da qual faz parte, bem como suas
características étnicas de gênero e sócio-econômicas que podem contribuir para
desenvolver um planejamento individualizado a ser adotado em sala de recursos ou
classe especial. Para Coll (1995) “(...) O conhecimento, por parte do professor, do
tipo de problemas específicos subjacentes ao distúrbio de hiperatividade é condição
necessária para que se proporcione resposta adequada às necessidades da
criança.”(p.164).
Assim sendo, são questionados os planejamentos prévios com vistas à
consecução de determinados objetivos por parte desse alunado, uma vez que devem-
se levar em consideração as singularidades desses planejamentos e suas reais
necessidades. Vejamos um planejamento da sala de recursos adotado por esta escola:
Sala de Recursos Tema gerador- Vida sem drogas
Língua Portuguesa objetivos
* Conhecer as dependências da escola;
* identificar o nome na chamada;
* empregar cortesia no trato;
*expressar oralmente o pensamento,
organizando bem as idéias;
* copiar material impresso;
* executar movimentos gráficos;
Estratégias
Uso do espaço físico
Expressão oral escrita
Conversa informal
Exercícios mimeografados
Recados e avisos
Supermercados
Reportando-me ao caso visto anteriormente, do aluno com diagnóstico de
hiper-atividade, é plausível supor que este planejamento pouco contribuirá para a
formação do aluno, em se tratando de uma síndrome que demanda metodologias que
provoquem alterações comportamentais e aquisições de outros comportamentos mais
adequados para que possa freqüentar uma sala de aula de ensino regular. É preciso
80
também ressaltar que o nível de compreensão cognitiva desse aluno não será
suficiente para o cumprimento de algumas tarefas propostas pelo profissional da sala
de recursos como, por exemplo,empregar cortesia no trato.
O mesmo poderia ser dito quanto aos alunos em classes especiais que ficam
anos e anos sem posibilidade de alçarem níveis mínimos de escolarização
correspondentes ao ensino fundamental. Pude observar a existência de alunos nessas
classes que estão pelo menos dez anos e que até hoje não conseguem se
alfabetizar.
Alguns ficam pelo canto, um outro es deitado no chão, o
exercício proposto -o realizado pela maioria - consiste na
tarefa de escrever as consoantes e vogais. A professora pede
licença para ir à secretaria da escola e tranca todos na sala,
incluise a mim, levando a chave com ela, para que eles não
fujam e corram para a rua. (roteiro de observação)
62
Vigotski chama atenção para os limites e possibilidades da educação dirigida
aos deficientes e insiste na validade e finalidade social da educação para esse
segmento. Segundo ele, o que é cultural é social, os signos são sociais, as funções
superiores do cérebro desenvolvem-se de modo social, a construção da personalidade
se no social. Para ele não é o defeito que decide o destino das pessoas, mas as
consequências sociais desse defeito. Nesse sentido, a escola deve ser pensada dentro
desse paradigma; caso contrário, o sujeito vai à escola apenas para ocupar o tempo,
para descansar a família.
Bueno(1998) vem debatendo sobre o processo de exclusão que afeta
indistintamente os alunos das classes regulares e especiais, na medida em que os
responsabiliza pelo processo de escolarização sem que se discuta a eficiência do
sistema.
“(...) O ensino regular tem excluído sistematicamente larga
parcela de sua população sob a justificativa de que esta não
reúne condições para usufruir do processo escolar porque
apresentam problemas pessoais (distúrbios os mais diversos),
62
instrumento utilizado na pesquisa
81
problemas familiares (desagregação ou desorganização da
família) ou “carências culturais” (provenientes de um meio
social pobre). O ensino especial também tem excluído
sistematicamente grande parcela de seu alunado sob a alegação
de que esta, por suas próprias características, não possui
condições para receberem o mesmo nível de escolarização que
as crianças normais. Crianças têm sido mantidas por anos a fio
no ensino especial sem que se consiga mínimos resultados com
relação à sua escolarização.”
Assim sendo, o que aproxima os dois sistemas é a falta de dados que
comprovem a escolarização dos alunos e uma sistemática avaliação de processo e
acompanhamento da qualidade do ensino ofertado a todos que utilizam o sistema de
ensino e, em particular, os que se utilizam de serviços de apoio.
Reportando-me ao comentário inicial quanto à insatisfação da mãe, os
aspectos destacados acima devem ser considerados, à medida em que estão em jogo a
imagem da escola, dos serviços, dos profissionais envolvidos e da própria
Coordenação de Educação Especial. Assim sendo, é preciso repensar a prática e as
relações no interior das escolas sob sua responsabilidade, que estão atendendo a esse
alunado em salas de recursos, classes especiais ou em classes inclusivas.
De outra parte, também devem ser analisadas as condições dos alunos pois,
reconhecendo-se suas características, é possível propor estratégias mais adequadas a
cada situação e posssibilitar apoio aos professores, examinando as possíveis etapas
de transição do aluno da escola para a iniciação à educação profissional.
Os serviços educacionais escolares devem estar habilitados nessa função de
estar à frente dessa realidade. Começar o processo de planejamento das equipes com
um olhar para as necessidades dos alunos exige uma melhor preparação dos
profissionais envolvidos e maior integração dos professores. Segundo uma
orientadora com pouco mais de um ano nessa escola:
“(...) Essa escola tem uma classe especial e sala de recursos da qual eu não
estou inteirada. tem uma orientadora educacional. deveríamos trabalhar
mais juntas, precisava de mais profissionais na equipe. Deveríamos ter um dia
82
para fazer um planejamento mais integrado, o que não está acontecendo aqui.
Eu estou na fase de adaptação. O trabalho do orientador pedagógico é muito
burocrático. Eu tenho que ler todos os relatórios dos professores, depois
assinar todos esses relatórios que são bimestrais. Porém não entendo nada do
trabalho do pessoal ligado à educação especial. Eu vou muito na classe
especial e na sala de recursos. Na classe especial, a professora faz um bom
trabalho. O aluno mesmo sem saber ler identifica o seu nome. Ela escreve o
nome dele no quadro e ele faz uma bolinha em volta e desenha o rosto dele. É
só isso que sei...”
Os projetos nesse país, mormente na área educacional, sofrem um processo de
descontinuidade administrativa e vivem ao sabor das mudanças nas gestões. Com o
intuito de aprofundar essa questão, resgato o histórico de um trabalho iniciado nessa
escola, que sofreu com o afastamento da equipe que iniciara um movimento de
ordenação escolar, capaz de assegurar a inclusão de todos os alunos.
Essa experiência deslanchou a partir de um trabalho de análise institucional,
sob a coordenação da psicóloga educacional
63
que revelou alguns pontos a serem
trabalhados na escola.
“(...) Quando fui transferida para esta escola eu tinha a intenção de trabalhar
a escola como um todo. Existia na Rede uma visão de que psicólogo
educacional era para cuidar apenas de alunos com necessidades
educacionais especiais.Nessa época a escola possuía duas classes especiais e
duas salas de recursos. Nesse momento, por volta de 1992, os professores
estavam angustiados com a falta de compreensão do que era aprovação
automática no ciclo.(...) Fizemos muitas reuniões, muitas discussões, eu
percebia o movimento da escola”.
O trabalho desenvolvido pela psicóloga educacional resultou em várias
propostas de modificações na escola. Uma delas consistia na transferência de alguns
alunos que estavam na classe especial, vários anos, para outra forma de proposta
pedagógica. Com isso criou uma espécie de classe intermediária entre a escola regular
63
A psicóloga e sua equipe foram convidados para desenvolver outras atividades na rede de ensino.
83
e especial e convidou um professor para atuar com esses alunos. Outra experiência
iniciada foi a inclusão gradativa de alunos com necessidades educacionais especiais
diretamente nas classes regulares. Esses casos eram analisados e acompanhados de
perto.
‘’(...) É preciso ganhar o professor para esse trabalho. Não é dizer agora é
inclusão e pronto. Nesse tipo de projeto precisa de sensibilidade. Eu sei que
existia um desejo, às crianças especiais estavam desde sempre. Então, eu
observava esse aluno e começava a trabalhar o professor. Tinha aqueles que
aceitavam. Era um trabalho de consquista. Ïamos a todas as reuniões, grupos
de estudos, conselhos de classe. Ouvia muitas vezes, olha... eu não sei lidar
com esse aluno. O professor tem esse sentimento de medo diante do
desconhecido, do diferente, do outro. Ele não foi preparado para aquela
situação. (...) É muito fácil a gente acusar o professor. Eu comecei a perceber
o professor que estava sensibilizado. Eu sempre dizia: professor eu estou aqui
para lhe dar apoio, você não vai ficar solto. É disso que o professor precisa:
apoio de compartilhar com alguém suas dúvidas e incertezas. Quando ele
confia, vai embora com esse aluno.”(entrevista com psicóloga educacional)
Esse exemplo remete a uma questão delicada relativa à autonomia das
unidades escolares quanto à avaliação de aluno em condições de serem incluídos em
classes regulares que, como foi visto, é da responsabilidade da Coordenação de
Educação Especial responsável por encaminhar esses alunos às salas de recursos ou
classes especiais.
No caso dessa escola, existia um profissional que realizava essa avaliação
interna dos alunos em classes especiais, apoiava os professores com alunos incluídos,
porém o deliberava sobre questões relacionadas a salas de recursos,como as
metodologias etc, mesmo quando estas atendiam alunos da própria escola. Segundo
a psicóloga: (....) Eu fazia reuniões com os professores, mas a questão da
supervisão do trabalho deles era por conta da Coordenação”. Conforme
anteriormente apontado, os professores das salas de recursos e classe especial
ressentem-se da falta de apoio para realizar seu trabalho, empregando metodologias
algumas vezes não apropriadas.
84
Essa centralização de funções dificulta a implementação do processo de
inclusão. Essa sem dúvida é uma das questões-chave para entender esse processo,
uma vez que esse caminho não depende somente de ações interventoras de fora para
dentro, mas está ancorada na cultura da escola , nas práticas sociais, enquanto ações,
valores e discursos que encontram terreno propício para a fertilização.
É fundamental compreender que, na função de articuladora, a psicóloga
assegurou no cotidiano espaços coletivos de encontro entre as equipes, sendo um elo
fundamental que garantiu espaços de discussão. A proposta que se iniciava naquele
momento dependeria de uma série de fatores para se realizar, abreviada em função
do tempo, do caráter dinâmico das relações internas e externas, das resistências no
interior do grupo e dependia de condições materiais para a sua efetivação.
Para Kurt Lewin citado por Roza (1972), o tempo é uma determinante
importante a ser considerado em trabalhos com grupos grandes. Nesse sentido,
mudanças demandam um período mais longo; um grupo complexo e complicado pode
demandar muito tempo para o pesquisador avaliar e se aprofundar em questões-chave
para sua compreensão.
(...) Uma coisa que eu não percebia é que os professores precisam estar
integrados. Como fazer o intercâmbio? Essa articulação é uma comunicação
entre todos. A gente age na informalidade. Deveria ter um momento especial
e não na porta da sala.. É na informalidade que a gente acaba comentando o
desenvolvimento dos alunos. Seria necessário ter reuniões quinzenais.
Sentimos muita a falta da psicóloga. Não estávamos maduros para levar o
processo sozinhos.”(entrevista com professor ensino regular)
Ao analisar as condições para que se assegurem as mudanças, devemos nos
reportar às estruturas da situação que respondem internamente pela dinâmica imposta
à escola no que concerne ao atendimento, especial e regular estes funcionam de
forma independente às equipes de trabalho no campo, não sentem como sua a
responsabilidade de propor um trabalho integrado.
85
A presença da psicológa
64
e sua equipe, em vários momentos, oportunizou esse
tipo de atuação, mas com sua saída não houve desdobramentos:
“(...) Às vezes você pensa que está na frente e ocorre um retrocesso; para
mim os professores estavam nessa discussão, porque nós trabalhamos muito
nos grupos de estudos e em conselhos de classe. O fato de estarmos pensando
a escola como um todo era muito significativo. A melhoria da escola como
um todo, com uma visão inclusiva e não integradora de educação. Eu sabia
que as pessoas centralizavam muito em cima de mim esse trabalho, por mais
que eu tentasse funcionar em grupo. Eu tentei trabalhar muito esse grupo. Até
lamento sinceramente essa parada deles. Pois achei que a escola iria embora,
e iriam eleger outra pessoa para esse papel e continuariam. Penso que as
forças conservadoras da escola que estão detendo esse processo, mas é por
pouco tempo”.
Finalmente que perguntar: o que diferencia uma visão inclusiva ou
integradora da educação? Em seu trabalho, Bueno(1998), apresenta alguns elementos
utéis a nossa compreensão:
“(...) Embora as duas perspectivas tenham como norte a incorporação dessas
crianças pelo ensino regular, existem diferenças de fundo, expressas, pelo
menos, por dois aspectos fundamentais.A integração tinha como pressuposto
que o problema residia nas características das crianças excepcionais
65
, na
medida em que centrava toda a sua argumentação na perspectiva da detecção
mais precisa dessas características e no estabelecimento de critérios
baseados nessa detecção para a incorporação ou não pelo ensino regular,
expresso pela afirmação “(...) sempre que suas condições pessoais permitirem
(...)”.A inclusão coloca a questão da incorporação dessas crianças pelo
ensino regular sob outra ótica, reconhecendo a existência das mais variadas
diferenças, (...) crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que
trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças
64
Existe no imaginário coletivo a visão de que o psicólogo é um veículo , portador de uma suposta
felicidade, artíficie solitário de transformações de subjetividades. Essa visão é reproduzida nos cursos
de formação universitários que conformam profissionais liberais para um mercado restrito e privatista.
65
Este era o conceito utilizado na época, depois substituído por “alunos com necessidades educacionais
especiais.
86
pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros
grupos marginalizados”(p.12).
Concebendo a educação sob uma ótica inclusiva, essa propõe mudanças
radicais nas estruturas existentes hierarquizadas, discriminatórias e excludentes dos
sistemas de ensino, possibilitando com isso um avanço, no sentido de tornar possível,
uma organização pautada na construção de uma escola mais democrática e igualitária.
É possível concluir que não podemos pensar em inclusão escolar descolada
de um projeto de sociedade, em uma dada realidade social, exclusão social esta que
se inscreve no cotidiano de milhões de brasileiros nesse país.
Capítulo V- O tempo de espera a visão dos pais
(Historicamente esta escola, teve uma preocupação com o envolvimento da
comunidade
66
integrando atividades culturais realizada em seu interior ao calendário
da cidade, segundo Filho(1963) comenta sobre uma das características da escola; (...)
a escola organiza campanhas de higiene, concursos de trabalhos e de arte, entre os
moradores da localidade e abre sua biblioteca à população(p.176). A escola
mantinha em seu quadro uma professora intinerante que percorria o bairro, levando
programas de saúde pública as famílias carentes.
Entretanto, esses esforços perderam-se no tempo, restringindo-se hoje a
reuniões pontuais com os pais para repasse e comunicados oficiais:
(...)Nesse dia, inicia-se a reunião com uma dinâmica de grupo, com os
responsáveis. Estavam presentes, quarenta e quatro mulheres e somente um
homem. As coordenadoras da reunião, solicitam que todos participem uma
vez que algumas mães estão distraídas ou conversando com a colega ao
lado.Em seguida, é solicitado que todos façam uma dobradura com a palavra
lixo. Todos são incentivados a jogar no lixo aquilo que está fazendo mal a sua
vida. Depois do exercício, as opiniões dos participantes são unânimes em
solicitar a freqüência de mais reuniões com os pais na escola e que elas
fossem mais direcionadas as questões relativas aos filhos. Alguns informes
66
Comunidade aqui entendida como entorno da escola e usuários desta.
87
são repassados como o bolsa-escola, a renovação da matrícula e a festa da
escola. ( roteiro de observação da escola).
Os pais de uma maneira geral, consideram sua participação/informação como
mínima em relação ao processo de escolarização de seus filhos. Diferentemente os
pais dos alunos com necessidades educacionais especiais, acompanham o dia a dia da
escola e parecem ter uma atitude mais compreensiva com relação à escola, envoltos
por sentimentos de gratidão. Uma e de aluna de classe especial chegou a
mencionar: Não é nada fácil dirigir uma escola assim, eu sou muito grata em ter
matriculado meu filho nessa escola, é Deus no céu e essa escola na terra.”
De certa forma, essa atitude pode ser explicada pela forma como se sua
inserção no âmbito escolar. A maioria das mães entrevistadas, com filhos em classes
especiais ou sala de recursos optam por permanecer nas dependências da escola até o
momento do término da aula ou tratamento
67
por conta de uma série de fatores – tais
como localização distante da residência, tipo e grau de deficiência do filho,
dificuldades financeiras, à existência de outros apoios para o aluno após a aula como
psicoterapias, neurologistas, dentre outras.Essa estratégia têm como propósito
minimizar os custos diários com os filhos.
Com histórias semelhantes, de peregrinação durantes anos a fio a diversas
instituições, médicos e terapeutas até serem conduzidos a esta escola. Levando na
bagagem, dezenas de recomendações, prognósticos, medicações a serem ministradas a
seus filhos e horas de psicoterapias que tem como objetivo lidar com sentimentos de
culpas, negação, raiva e luto. Os pais precisam vivenciar a perda do filho que foi
idealizado, internalizando o luto e a rejeição que se não for trabalhada em terapia,
pode durar a vida inteira e comprometer ainda mais o desenvolvimento do filho.Os
depoimentos abaixo ilustram bem essa situação.
(...) Até um um aninho era um bebê saudável com 01 aninho de idade teve
meningite meningogócica, começou toda a minha luta. Sendo socorrida no
Hospital Infantil em Caxias. Depois foi encaminhada ao Hospital São
Sebastião no Cajú, onde ficou internada 17 dias. Certa vez, o médico disse :
67
denominação dadas pelos pais ao atendimento em sala de recursos, prevalecendo no imaginário uma
visão clínica do trabalho realizado.
88
mãe, tudo está indicando que sua filha vai ficar excepcional, eu não sabia o
que era isso. O médico que cuidava dela no hospital, fêz outro
encaminhamento para o Hospital do Fundão. Não me interessava , se ela
seria excepcional ou se não andasse , eu queria ver ela perto de mim, com
17 dias ela teve alta. O médico disse: leva sua filha, amanhã mesmo para o
Fundão (estava com uma carta de recomendação). Ela iniciou vários
tratamentos, isso foi em outubro de 81, minha filha veio ter alta agora
pouco tempo, passou e fêz aquele tal de genético, passou pela triagem –Aí
pronto! nessa época, o médico de o neuro-pediatra, falou que ela iria
precisar de vários tratamentos, neuro-principalmente, desde os 12 anos toma
gardenal.(entrevista com mãe de aluna).
Fui pegar o resultado de minha filha no Hospital, estava com 03 meses de
nascida , peguei o envelope e sentei-me no banco do corredor. estava
escrito, cariótipo 47 XX+ G (trissomia simples do par 21), voltei ao pediatra ,
o diagnóstico se confirmava , ela é Down ! (entrevista com pai de aluna)
Na fase da escolaridade, frequência a uma escola especializada ou uma escola
comum constitui dilema para a maioria dos pais entrevistados. Para eles, a opção por
uma escola comum, os aproximaria do padrão de “normalidade”, encontrando muitas
dificuldades nesse sentido. São frequentes os obstáculos para matricular o filho.
Desde as escolhas de escolas, falta de vagas, especialmente para crianças que devem
ser encaminhadas para um atendimento de estimulação precoce, a distância da
residência e o nível sócio-econômico dos pais.
(...) Quando ela tinha 6 anos procurei um jardim de infância. O médico
recomendou ela passou o ano inteirinho ! Levei material , tudo o que a
professora pediu eu levava. Aí no final do ano , a diretora me chamou e disse:
Se você quiser deixar a Paula aqui, tudo bem, eu aceito. que ela não está
acompanhando os colegas.Não acompanha mesmo! Esta escola era comum.
eu falei com o neurologista e ele disse que era uma das seqüelas da
meningite. com uma carta dos médicos, procurei a LBA em Laranjeiras,
aguardei 08 meses e fui encaminhada para Higienópolis. A AICE, ela ficou
três anos , era muito cansativo. Eu moro no lote XV, mas eu não faltava
89
não...Mas depois de 3 anos a verba da LBA acabou e eu não tinha condições
de pagar uma escola particular. Então fui encaminhado para Duque de
Caxias”. (entrevista com pai de aluna)
Para a maioria dos pais entrevistados a escola configura-se como um dos locus
potencializadores e socializadores para seus filhos. Apesar de reconhecer a
precariedade material e falta de preparo dos professores, esses, mantém uma atitude
generosa e de reconhecimento e percebem como altruísmo uma atividade que deveria
ser vista como profissional. Desta forma a retribuição se através do oferecimento
de presente. Por causa de O Clone
68
, ganhei lenços de cabeça, pulseiras, anéis. Será
que as mães querem que me transforme numa marroquina? Indaga uma professora de
sala de recursos.
Verifica-se, que a tônica presente nos discursos dos pais diz respeito a
possibilidade de autonomia de seus filhos frente às suas limitações. Com efeito, talvez
a referência mais decisiva de toda essa discussão seja a possibilidade da escola, para
esses alunos tornar-se verdadeiramente uma escola com vocação profissional. Todo
esse esforço vale a pena se o meu filho aprender a se virar na vida. Dessa visão
decorre, uma crítica silenciosa à escola idealizada. Tomando como perspectiva o
desenvolvimento de seus filhos anos e anos em classes especiais ou sala de recursos,
podemos colocar variadas opiniões sobre as dificuldades da escola.
O que mais se critica é o rendimento escolar baixo.
A presença de professores com sensibilidade para a questão, porém, sem
preparo técnico.
A inexistências de condições materiais para os professores trabalharem.
Falta de supervisão ao trabalho realizado com esses alunos.
Ausência de um trabalho de iniciação profissional.
Falta de integração entre trabalho realizado pelo professor da sala de recursos
e o professor de seu filho.
68
Novela de Glória Perez, exibida pela TV Globo, que mostra em sua trama a Cultura do Povo
Marroquino.
90
È importante considerar também os sentimentos contraditórios dos pais no
sentido de empurar os filhos para a vida adulta como acontece, como por
exemplo, quando vislumbram seu ingresso no mundo do trabalho, através da
educação e detê-los na infância, quando emergem os temores de que ele não será
capaz de responder às demandas da sociedade produtiva dentro de um
determinado prazo de tempo.
Nesse sentido o tempo é percebido de forma singular, não como o tempo físico,
mas como àquele das experiências individuais e coletivas que se desenrolam ao longo
de suas vidas. Para Neto (2000):
(...) Na cultura do Ocidente, foi somente a partir do final do Renascimento que
ocorreu a ruptura entre o tempo físico, macrocósmico, imutável- no qual o
homem estava mergulhado, do qual o homem não se distinguia- e o tempo vivido
individualmente. Essa separação- entre, de um lado, o tempo subjetivo, e de outro
lado, o temposico e o tempo social/coletivo- funcionou como uma condição de
possibilidade para o processo de progressiva individualização que vários
sociólogos descreveram na nossa História.”(p.16)
Nessa situação o tempo é concebido de forma subjetiva pelos pais e carrega
com ele a esperança num momento de grande incerteza quanto ao futuro daqueles
jovens. Eu passei onze anos, esperando aqui nesse banco da escola, a minha filha se
alfabetizar, parece que foi ontem, ela está com 21 anos, tenho muito mêdo quanto ao
destino dela , depois que eu for embora.
È muito tênue o estabelecimento por parte dos pais da relação entre mais
escolaridade para seus filhos e mercado de trabalho. Uma vez que, à escola não
responde as demandas por inovação desse mercado e persistem atitudes
preconceituosas por parte das empresas. Segundo um atuante vereador que milita no
movimento em prol da inclusão social dos deficientes. “.Aqui em Caxias, as empresas
não respeitam às cotas
69
de emprego para os deficientes. A gente analisou empresas
como a Sadia que por exemplo não respeita às cotas e outras no município.
69
reserva de vagas
91
A inauguração do processo tecnológico permitiu a simplificação de muitos
trabalhos, assim, o deficiente pode ser treinado para executar diversas tarefas sendo
incorporado a cadeia produtiva. Da mesma maneira, que vem extinguido outras e
exigindo um novo tipo de profissional mais polivante para às mais diversas funções.
Para Charan(1997) um cego que trabalhava antigamente como rádio-escuta de
emissoras de rádio, atuando, principalmente na área desportiva, es com sua
profissão em vias de extinção, uma vez que os resultados dos jogos podem ser obtidos
via internet e pelo próprio repórter. Por outro lado, a própria internet, os scaners e os
leitores de tela poderão abrir outras frentes de trabalho para esse segmento.
5.1 As políticas públicas no atendimento aos alunos com necessidades
educacionais especiais.
O desenvolvimento de temas por mim levantados até aqui, ultrapassam os
muros e esferas da escola, uma vez que remetem a questões atreladas a instâncias
decisórias, verticalizadas, fazendo parte de um sistema articulado que ordena políticas
públicas muitas vezes de caráter intervencionista ou compensatório
70
realizadas pelo
Estado ao qual os municípios estão submetidos constitucionalmente
71
.
Nessa lógica, é a partir de uma perspectiva gestáltica que entendo a dinâmica
da escola, - flexibilizada pelas relações de seus atores e, abrigo de políticas mais
abrangentes que permitem entender o lugar de sua inscrição. A escola é o local onde
ocorre, a materialidade dessas ações e projeta-se o modelo de sociedade que almeja.
70
Como exemplo, cito o Bolsa-Escola , Programa gerenciado pelo Governo Federal que tem por
objetivo promover o ingresso e permanência de crianças na escola pública, na faixa de 07 a 14 anos,
que se encontram em condições de carência material e vulnerabilidade social, estabelecendo um valor
per capita a cada família que varia conforme a região do país.
71
Independentemente do discurso de municipalização e descentralização, verificamos que às decisões
são tomadas à revelia da população local. Cito, por exemplo, a construção e reforma realizada pelo
Govêrno Estadual do RJ, com recursos do Govêrno Federal/FNDE, em 1999, de um Centro destinado
ao atendimento de deficientes, no municío de Duque de Caxias(Xerém ) de difícil acesso, em uma
àrea considerada violenta pelos moradores do local. Esse entorno inviabiliza a frequência de alunos
que utilizavam cadeira de rodas e o atendimento de outros casos, uma vez que os pais não podem
arcar com os custos da passagem. Os equipamentos adquiridos com recursos públicos ficam trancados,
à espera de outra destinação.
92
Para além das ortodoxias: dialética micro/macro na sociologia da educação,
Brandão (2000), nos chama a atenção para aspectos relativos à pesquisa em
sociologia da educação, em que pesem seus aspectos das análises de natureza micro-
sociais ou macro-sociais. Tanto uma quanto outra, estão referidas a tradições e
referências metodológicas que em muitos momentos parecem contraporem-se.
Para Santos (2000), é preciso considerar a visão sistêmica, ou seja, a
capacidade de enxergar nas situações as causas atuantes como conjuntos e de localizá-
los como um todo, mostrando sua interdependência. Nesse sentido é necessário
manter uma atitude reflexiva antes de nos lançarmos ao debate público, com mais
clareza e densidade, permitindo enxergar as relações de causa e efeito, como uma
corrente contínua, em que cada situação se inclui numa rede dinâmica, estruturada, à
escala do mundo e à escala dos lugares. Neste sentido, para melhor compreender
pontos aqui levantados é necessário se levar em consideração o quadro no qual essas
políticas são formuladas.
Em meu entender, a discussão da inclusão escolar tem como hipótese a
existência da exclusão citada anteriormente, dos altos índices relativos à evasão e
distorção idade-série no município de Duque de Caxias e das condições de
miserabilidade em que se encontra parte de seus de seus habitantes.
Entremente, a exclusão está envolta também em uma rie de fatores
materiais, políticos, espirituais e relacionais, sendo, na verdade, um fenômeno que se
re-atualiza, na medida em que sempre esteve presente na história da humanidade:
excluídos eram os perdedores que se tornavam escravos e de quem eram usurpados a
cultura, a liberdade, a terra.
A exclusão é percebida em seus aspectos subjetivos pessoais mas é re-
significada no coletivo, traduzindo-se na convivência de situações, nas quais um
segmento de pessoas não são incorporadas ao sistema básico de relações e proteções
sociais e outros, incorporados anteriormente, no momento se encontram excluídos.
Castel(1996) em seus estudos assinala: "A exclusão vem se impondo pouco a pouco
com um mot valise para definir todas as modalidades de miséria do mundo: o
desempregado de longa duração , o jovem da periferia, o sem domicílio fixo’’.
93
As grandes transformações por que passa a humanidade fazem parte de um
contexto de espectro mundial que modificam a natureza das relações sociais, dando
novos sentidos a esse mundo globalizado com o declínio do Estado-Nação. Para Ianni
(1997), a globalização comporta características muitos especiais, como a valorização
da energia nuclear, a revolução da informática, a concentração e a centralização de
capitais, a organização de um sistema financeiro internacional, a adoção do inglês
como a língua universal, o ideário do neoliberalismo como ideologia e prática como
marca de um novo tempo.
O sistema neo-liberal questiona o próprio modo de organização social e
política da sociedade com forte tradição intervencionista estatal. Seu lema é “menos
Estado e mais mercado, tendo como pressupostos a liberdade individual, tal como
concebida no liberalismo clássico do qual é herdeiro
72
. Os defensores de um Estado
mínimo, creditam ao mercado a capacidade de regulação do capital e do trabalho e
consideram as políticas públicas as verdadeiras culpadas pela crise que perpassa os
governos. Para eles a intervenção do Estado alteraria o equilíbrio, a ordem, no plano
econômico, moral e social, uma vez que tendem a desrespeitar os princípios da
liberdade e da individualidade tão proclamado pelos neo-liberais.
Com essa visão criticam a máquina estatal inchada, os programas sociais aos
quais atribuem a responsabilidade de gerar um aumento de carga tributária e de
encargos sociais e desequilíbrios orçamentários, além do favorecimento e dos
interesses de grupos. Contudo, no caso da educação uma das funções segundo a qual é
possível diminuir a desigualdade social, o investimento é permitido.
Deste modo advoga-se que o Estado deve garantir a educação básica a todos,
porém transferindo a responsabilidade para a inciativa privada a fim de promover o
aquecimento do mercado e mais competitividade, provocando uma elevação da
qualidade do ensino.
72
O liberalismo não tinha conotação democrática e nasceu na paixão das guerras religiosas européias
do século XVII, e teve, principalmente na Inglaterra, o palco para o surgimento de uma plataforma para
a burguesia ascendente. Constituía-se na defesa do direito natural de liberdade, na limitação do poder
governamental em função do direito dos cidadãos e procuraram, pela primeira vez na história do
Ocidente, buscar a garantia para a liberdade de consciência. Em sua forma originária, colocava-se a
serviço da classe proprietária. Esse sistema político propunha-se justamente retirar a classe proprietária
do arbítrio do monarca, definindo direitos e liberdades. O sistema jurídico que organizou as relações
entre o monarca e os proprietários, e entre os proprietários, chamou-se estado de direito. Visava,
primordialmente, à defesa da propriedade e à disciplina dos interesses individuais entre si”.
94
Face a essas condições, acentuam-se as desigualdades no país, com reflexos
no sistema educativo, com a predominância de um modelo disciplinar, cultural,
hierarquizado, fragmentado na forma de trabalhar com os conteúdos, dissociado do
mundo, do trabalho, da vida do educando, com escassos recursos destinados a àrea
educacional.
È oportuno assinalar que, na década de 90, após anos de luta, de pressões, de
lobbies é aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. As políticas
educacionais se consolidam, então, tendo como discurso o neo-liberalismo enquanto
legitimador dessas reformas. Nesta década ainda, mudanças profundas vão ocorrer no
panorama educacional.
O Brasil participara, em 1990, da Conferência de Educação para
Todos(Jomtien) e se comprometia com a UNESCO, UNICEF, PNUD, Banco
Mundial, dentre outros, a cumprir um plano de metas educacionais com o apoio dos
municípios e da sociedade civil organizada, para o decênio 1993-2003, tendo como
objetivo incrementar reformas em seu sistema de ensino - com um capítulo dedicado
ao desenvolvimento de Programa de Capacitação de Professores, Dirigentes e
Especialistas.
O MEC inicia uma série de debates pelo país afora, tendo como alvo o Plano
Decenal de Educação para Todos, ancorados em pressupostos de universalização da
educação básica, erradicação do analfabetismo e uma recomendação quanto às
necessidades básicas de aprendizagem das pessoas portadoras de deficiência, no
sentido de garantir a igualdade de acesso à educação a qualquer tipo de deficiência,
como parte do sistema de ensino(p.75).
Em 1994, na Espanha, a Declaração de Salamanca apontará os rumos da
educação inclusiva que de certa forma reafirma as posições assumidas anteriormente
pelo governo. As reformas em curso no sistema educacional, tem em sua essência o
discurso neoliberal que vai nortear todas as ações do Estado, com predominância do
econômico em detrimento do educacional.
95
As políticas e programas implementados com o mesmo fio condutor são
articulados no sentido de possibilitar ações em cadeia em todo o sistema. Essa lógica,
pode ser constatada, através dos diversos mecanismos implementados para o controle
permanente dos resultados, de avaliações dos sistemas educacionais, da implantação
de um currículo nacional único, de diretrizes para todos os níveis de ensino, e dos
documentos oficiais que dão sustentação às medidas.
Assim sendo, à luz dos novos caminhos da educação inclusiva, destacamos
alguns aspectos referentes ao atendimento de alunos com necessidades educacionais
especiais, presentes no Plano Nacional de Educação e na atual Diretrizes Nacionais
para a Educação Especial na Educação Básica.
Quanto ao atendimento dos alunos com necessidades educacionais especiais, o
Plano Nacional de Educação que inicialmente faz um diagnóstico da situação da
educação nas diversas regiões do país, remetendo a questões já contidas em
documentos anteriores como a LDB art. V e art.208 da Constituição –estabelece
diretrizes no campo pedagógico, comunitário e administrativo.
A opção que prevalece no corpo do documento é a ênfase da visão integradora
para a escola de ensino regular e uma visão inclusiva para às especiais, causando uma
confusão de entendimentos no campo. (...) O ambiente escolar como um todo deve
ser sensibilizado para uma perfeita integração.Quanto às escolas especiais, a
política de inclusão as reorienta a prestarem apoio aos programas de
integração(p.55) Alguns relatos, no entanto, dão conta do esvaziamento dessa
discussão e chamam atenção para o fato de que não existe a pretendida convergência
entre os processos de gestão da educação especial e solução de questões verificadas
na ponta do processo( a sala de aula) e, que as discussões teóricas não respondem às
expectativas dos docentes.
(...) Fica esse nhe, nhe,nhem de inclusão e integração, sai equipe entra
equipe.Esse negócio é bom para acadêmico ganhar dinheiro e chefe ser
promovido.A nossa situação continua a mesma do ano passado, botaram um
garoto de20 anos na minha turma de crianças de 1
a
no do ciclo. Ele tinha
sérios comprometimentos, acho que mentais. Não falava, não se envolvia com
ninguém, não acompanhava a turma. eu pergunto:. isso é inclusão ou
96
integração? Quer saber, acho que isso é safadeza desse governo anti-
democrático, autoritário e conservador aqui do Município. Na verdade é uma
medida de cunho mais economicista. (entrevista com professor/SEPE)
Bordieu (1998), traz importante contribuições para entendermos o ofício dos
professores a quem ela chama de trabalhadores sociais um segmento que seria a mão
Esquerda do Estado operando na linha de frente dos problemas sociais, nas periferias
da cidade, nos locais onde predominam a pobreza , os excluídos do sistema capitalista
os desempregados estruturais. Esses trabalhadores sociais se opõem ao arbítrio e
gastos da mão direita desse Estado e criticam a sua retirada no que concerne a
implementação e financiamento de políticas públicas para essas áreas.
O documento supra-citado reconhece a necessidade de uma parceira entre a
sáude e a educação, envolvendo a participação de equipes multidisciplinares.
“(...)o atendimento não se limita à área educacional, mas envolve
especialistas sobretudo da área da saúde e da psicologia e depende da
colaboração de diferentes órgãos do Poder Público, em particular os
vinculados à saúde, assistência e promoção social, inclusive em termos de
recursos. É medida racional que se evite a duplicação de recursos através da
articulação daqueles setores, desde a fase de diagnóstico de déficits
sensoriais até as terapias específicas”.
Essa articulação para o atendimento de alunos com deficiências é dificultada
uma vez que as equipes necessitam dar conta de inúmeras demandas por parte das
direções das escolas e dos responsáveis, que encaminham alunos com dificuldades de
aprendizagem
73
para o único Centro de Atendimento ao Deficiente do Município.
73
A dificuldade de aprendizagem resulta em fracasso escolar, sendo uma das causas da evasão e
repetência dos alunos nos sistemas de ensino. Ao longo do processo histórico vão se alterando as várias
abordagens sobre o fracasso escolar. Visões de cunho psicobiológico que responsabilizavam a criança
pelo seu insucesso escolar, vão sendo substituídas por outras que levam em consideração a
desigualdade de acesso a determinado nível de escolarização, as formas de estruturação da sociedade, a
importância do ambiente familiar dos aprendizes e do domínio dos códigos linguisticos da cultura
dominante.
97
‘’(...)Tem tantos psicólogos na escola na Coordenação de Educação
Especial, que gostaria de saber porque eles não atendem essas crianças, isso
iria possibilitar que nosso trabalho fosse dado aos casos mais graves, esse
fato sobrecarrega a nossa equipe, uma vez que casos como fracasso escolar
ficam sendo atendidos aqui como casos clínicos. Além do mais, diretoras
acabam mandando esses alunos para nós.”(entrevista com Diretor do Centro
de Atendimento ao Portador de Deficiência)
Esse caminho deve ser construído uma vez que prevalece por parte da saúde
uma visão distorcida do trabalho da equipe de Coordenação de Educação Especial,
mormente do psicólogo educacional na rede de ensino. Para a Coordenação de
Educação Especial a parceira com a saúde é um longa estrada no tratamento dessas
crianças,já que elas têm diagnóstico tardio e conseqüentemente custam a ingressar na
escola.
O documento aponta ainda, para a definição de metas e objetivos de
implementação de propostas em regime de colaboração:
‘(...)organizar, em todos os Municípios e em parceria com as áreas de saúde e
assistência, programas destinados a ampliar a oferta da estimulação precoce
(interação educativa adequada) para as crianças com necessidades
educacionais especiais, em instituições especializadas ou regulares de
educação infantil, especialmente creches. ‘(...) Garantir a generalização, em
cinco anos, da aplicação de testes de acuidade visual e auditiva em todas as
instituições de educação infantil e do ensino fundamental, em parceria com a
área de saúde, de forma a detectar problemas e oferecer apoio adequado às
crianças especiais.’ “(...) Implantar, em até quatro anos, em cada unidade da
Federação, em parceria com as áreas de saúde, assistência social, trabalho e
com as organizações da sociedade civil, pelo menos um centro especializado,
destinado ao atendimento de pessoas com severa dificuldade de
desenvolvimento” (p. 60)
98
Quanto às Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação sica
recentemente aprovadas
74
a questão mais polêmica entre os especialistas diz respeito
ao capítulo dedicado ao âmbito pedagógico. De acordo com o documento:
“No decorrer do processo educativo,deve ser realizada uma avaliação
pedagógica dos alunos que apresentem necessidades educacionais especiais,
objetivando identificar barreiras que estejam impedindo ou dificultando o
processo educativo em suas múltiplas dimensões. Essa avaliação deverá levar
em consideração todas as variáveis: as que incidem no ensino, como as
condições da escola e da prática docente: as que inspiram diretrizes gerais da
educação, bem como as relões que se estabecelecem entre todas elas.(...)
Para sua realização, deverá ser formada, no âmbito da própria escola, uma
equipe de avaliação que conte com a participação de todos os profissionais
que acompanhem o aluno. Neste caso, quando os recursos existentes na
escola mostrarem-se insuficientes para melhor compreender às
necessidades educacionais dos alunos e identificar os apoios indispensáveis,
a escola poderá recorrer a uma equipe multiprofissional. A partir dessa
avaliação e das observâncias feitas pela equipe escolar, legitima-se a criação
dos serviços de apoio pedagógico especializado para atendimento às
necessidades educacionais especiais dos alunos, ocasião em que o “especial
“da educação se manifesta. Para aqueles alunos que apresentem dificuldades
de aprendizagem ou dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas
dos demais, demandem ajuda e apoio intenso e continuo e cujas necessidades
especiais não puderem ser atendidas em classes comuns, os sistemas de
ensino poderão organizar,extraordinariamente classes especiais, nas quais
será realizado o atendimento em caráter transitório.(p.20) grifo meu
À luz da escola em epígrafe, levanto algumas questões considerando o
documento em pauta, primeiramente quanto à avaliação do aluno com necessidades
educacionais especiais, um ponto nevrálgico do processo educativo. Se considerarmos
que o processo de avaliação realizado por décadas passadas foi um dos responsáveis
pela segregação escolar de muitos jovens. Essa questão ganha peso maior hoje com a
possibilidade de construção de uma escola inclusiva. Na descrição desta escola, pode-
se verificar o caminho vivenciado pelos pais dos alunos com necessidades especiais a
74
Resolução Conselho Nacional e Educação, n. 02 de 11.09.2001.
99
fim de prover atendimento a seus filhos. A idéia aqui presente está ancorada na crença
no funcionamento dos sistemas de saúde e educação como um corpo integrado e
harmonioso. vimos que existe por parte da equipe de saúde uma propensão a não
realizar atendimento em crianças com “suspeitas” de dificuldade de aprendizagem. A
demanda no Centro de Atendimento ao Portador de Deficiência do Município vem
ocasionando mudanças na qualidade do atendimento, provocada pela insuficiência de
recursos humanos e materiais. Segundo uma das responsáveis por uma criança em
atendimento (...) O meu filho fazia terapia individual aqui, estava indo muito bem. No
ano passado, inventaram que ele tinha que fazer terapia de grupo.Não melhorou em
nada Ele precisa de atendimento individual”. Nesse sentido, propostas que
demandem ações conjuntas entre esses sistemas devem ser muito bem articuladas.
Outra questão diz respeito à lentidão e burocracia no setor público que poderá
dificultar as ações nessa direção. Outro aspecto fundamental diz respeito às questões
de ordem trabalhistas. Em que horário as equipes realizariam essa avaliação? Em que
condições de trabalho?
Um item que chama à atenção é a criação, em caráter temporário, de classes
especiais para aqueles alunos com dificuldades de aprendizagem
75
ou dificuldades de
comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos. Seria isso um retrocesso
no tempo? Sob a inspiração de Salamanca, às Diretrizes parecem não levar em
consideração os princípios presentes neste documento que, além de reconhecerem às
diferenças humanas, ressaltam que a aprendizagem deve ajustar-se a cada criança,
atribuindo responsabilidade aos sistemas de ensino pela elevação do padrão de
qualidade e pelo sucesso escolar dos alunos. A dificuldade de aprendizagem aqui
colocada traz de volta o fantasma do fracasso escolar, dos culturalmente
desfavorecidos, sem capital cultural etc, que fêz parte do discurso de muitos
educadores quando se legitimava a incapacidade de escolarização de parte dos alunos
tidos como “repetentes”. A inclusão de alunos com dificuldades de aprendizagem
presentes nas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
representa um entrave e uma regressão no tempo.
75
O documento chama atenção para o cuidado de não se constituírem classes para alunos com
dificuldades de aprendizagem o vinculadas a uma causa orgânica específica. Sabemos que essa
advertência poderá surtir pouco efeito na prática se não for acompanhado de orientações aos gestores
em educação dos municípios.(grifo meu)
100
(...) Nos encontro em abril e novembro de 2001, nos tivemos uma discussão
com todos os professores, com o pessoal do SEPE; discutimos os documentos
legais, Salamanca, LDB e às Diretrizes, que a gente entende que retroagiu no
movimento de inclusão, ao inserir às crianças com dificuldades de
aprendizagem. As escolas devem discutir a concepção de aprendizagem e
alfabetização e a questão do ciclo deve ser repensada. No terceiro ano do
ciclo a criança pode ser reprovada, a gente vem pensando que o professor
precisa de fundamentação teórica. O professor faz uma grande confusão
teórica. Esse ano foi muito difícil, foi para apagar incêndio. A gente
encontrou um grande questionamento das escolas, nós temos 1100 alunos na
rede em classes especiais, 400 alunos em sala de recursos”.
A educação de surdos não é pauta de minha análise uma vez que envolve uma
discussão referente ao reconhecimento da LIBRAS como primeirangua e, não uma
abordagem restrita ao atendimento em classes especiais de forma temporária. Nesse
caso, infere-se que o Estado assume que a língua de instrução para todos é o
português e a LIBRAS se torna um apoio ao aluno. No tocante aos anseios da
Comunidade Surda
76
no âmbito educacional, às demandas desse segmento se
concentram na elaboração de uma proposta que promova uma educação em escolas
específicas para os surdos.
Nesse sentido, o documento também não deixa claro que tipo de dificuldade
de aprendizagem destina-se à classe especial. Por que permanece a modalidade sala
de recursos?
Reconhecer as diferenças significa reconhecer a diversidade presente na vida e
conseqüentemente na escola. Portanto, o “especial” não é um espírito que se
manifesta na legislação e que a partir de sua descoberta e, num truque, se organizam
os serviços, os profissionais “caçadores de especiais”, as equipes para dar conta dos
especiais da educação. Por que não se inverter essa lógica ? O documento citado
anteriormente é controvertido nesse sentido, quando paralelamente aponta também a
necessidade de se reestruturarem os sistemas de ensino, que devem dar respostas às
necessidades educacionais de todos os alunos.(p.13).
76
Propostas aprovadas no Pré-Congresso realizado em Porto Alegre/RS, UFRGS em 20 de abril de
1999; encontro preparatório para o V Congresso Latino Americano de Educação Bilingüe para Surdos.
101
A educação profissional parece um dos maiores desafios para os alunos com
necessidades educacionais especiais. uma preocupação constante dos pais quanto
ao futuro, depositando na escola todas as suas esperanças de ver os filhos com
possibilidades de ingressar no mundo do trabalho e no exercício da cidadania. O
documento recomenda que esta se efetive na rede de ensino público ou em parceria
com a rede privada, utilizando adequações e apoio em relação aos programas de
educação profissional já existentes. Muitos cursos na área profissionalizante não estão
adaptados para esses alunos e isso vai requerer investimentos na área. Em se tratando
de instituição pública, com a política de desmonte do Estado, essa providência é
bastante remota, uma vez que muitas instituições nessa área estão anos sem
investimentos, com equipamentos parados por falta de manutenção. Outra questão diz
respeito à necessidade de adaptação de material e equipamento pedagógico e
instrucional apregoado pelo documento. A grande maioria dos cursos
profissionalizantes existentes não estão adaptados para os deficientes, exceto àqueles
que funcionam em oficinas protegidas ou cooperativas. Tive a oportunidade de visitar
uma oficina pertencente a uma instituição pública federal, que pretendia oferecer
cursos profissionalizantes para os deficientes de sua comunidade; entretanto os alunos
que utilizassem cadeiras de roda eram impedidos de ter acesso aos treinamentos e às
atividades na área de mecânica de automóveis por barreiras arquitetônicas e
equipamentos que não foram ergonomicamente desenhados
77
para contemplar esse
tipo de especificidade.
No que concerne à formação docente, a ênfase vem sendo dada no ensino na
diversidade e desenvolvimento do trabalho de equipes como fundamentais.. Apto é o
professor que tenha comprovação em sua formação de nível médio ou superior, na
qual tenham sido incluídos conhecimentos ou disciplinas relativos à educação desses
alunos e que sejam desenvolvidas competências para o exercício da função.
Vejamos o que nos recomenda às Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica:
77
Atualmente na arquitetura e engenharia existe uma corrente que defende a proposta de desenho
universal nos projetos que atenderia a todos os indivíduos independente de suas necessidades,como
por, exemplo: uma maçaneta, deve ser projetada de modo a atender qualquer pessoa, seja ela deficiente
ou não.
102
“(...)§ São considerados professores capacitados para atuar em classes
comuns com alunos que apresentam necessidades educacionais especiais,
aqueles que comprovem que, em sua formação de vel médio ou superior,
foram incluídos conteúdos sobre educação especial adequados ao
desenvolvimento de competências e valores para:
I- perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a
educação incluiva; (...)avaliar continuamente a eficácia do processo educativo
para o atendimento de necessidades educacionais especiais; (...) atuar em
equipe, inclusive com professores especializados em educação especial.”
Como foi visto, grande parte dos professores que atuam em salas de recursos ou
classes especiais não tiveram uma formação específica. A Coordenação de Educação
Especial vem tentando utilizar, neste ano de 2002, uma metodologia que tenta
associar a teoria à prática, no intuito de romper com esta visão dicôtomica e
fragmentada do conhecimento, partindo do saber fazer do professor, considerando
suas experiências e instando-os à cooperação. A formação em serviço é parte
fundamental na estratégia de melhoria permanente da qualidade da educação
profissional docente. Essa formação deve ter como objetivo a reflexão sobre a prática
educacional e a busca do aperfeiçoamento ético técnico e político. Em entrevista a
Coordenadora de Educação Especial assim se exprime:
“(...)È importante promover uma integração entre as equipes, a Coordenação
de Educação Especial elege a formação continuada enquanto estratégia
capaz de responder aos novos desafios de uma educação inclusiva.Temos uma
preocupação em darmos uma formação aos professores. Vamos estar fazendo
um grupo de formação todo mês. Com o pessoal da educação especial e
ensino regular. No ensino regular nos estaremos trabalhando em pólos, com
os orientadores educacionais e pedagógicos. Em março de 2002, nós
estaremos discutindo currículo numa abordagem inclusiva. Para esse aluno
estar incluído, precisa de um suporte da sala de recursos. O que é a sala de
recursos? A gente ainda percebe que a sala de recursos é um suporte para
esse aluno estar incluído. Entendemos que a percepção que você teve em suas
pesquisas e observações para o Mestrado são consistentes e é uma realidade
em toda a Rede. Nós estaremos trabalhando com três eixos, um é a formação
103
de professor, grupo de estudos e ida às escolas. Estaremos discutindo junto
com as equipes técnicas, estaremos trabalhando como as turma A gente
precisa fazer esse grupo de estudo, nós precisamos ir às escolas. A nossa
equipe vai à escola ver como se está trabalhando. Vamos ver como a turma
está se desenvolvendo, conversando com todas as equipes da Secretaria, todas
as turmas que tiverem duas crianças com deficiência será reduzida para 25
alunos. Nós temos em média 80 escolas com alunos incluídos em classe
especial e sala de recursos.Estaremos discutindo às questões teórico-
práticas. A equipe entendeu que esse é o melhor caminho, as equipes serão
constituídas pelos profissionais de educação infantil, EJA, EDESP, EDINF e
todos irão ao campo nos grupo de estudos discutirem a inclusão. O objetivo é
desfocar a questão de que esse é o professor do ensino regular e não é nosso.
A gente tem buscado fazer as visitas sempre que possível trabalhando com
outras equipes, tudo isso é um trabalho inicial que já dura oito meses. Projeto
de articulação entre a escola especial e regular. A equipe será composta por
pessoas de diversos grupos; essa experiência eu trouxe da escola onde fui
diretora. Nós pretendemos ir a campo falar muito sobre a inclusão e
pressupostos. Pretendemos convocar a família e a comunidade.”
Quanto ao processo de capacitação implementado pela Secretaria Municipal
de Educação, este merece uma reflexão, principalmente pelo fato de que alguns
participantes que não tiveram atendidas as suas demandas e essa experiência ter sido
reconhecida comoproblemática,” uma vez que em casos de Seminários “abertos” as
vagas terem sido divididas com professores pertencentes às outras redes de ensino da
Baixada Fluminense, episódios reconhecidos como propaganda política do atual
prefeito. A pergunta que deveríamos nos fazer é sobre o objetivo da capacitação. Ou
seja, capacitar para instrumentalizar os atores? Capacitar para ampliar o
conhecimento? Capacitar para executar bem suas ações cotidianas? Enfim, qual a
concepção de capacitação para os gestores da educação? Essas são questões que
merecem ser respondidas. O último Seminário, realizado em setembro de 2001
78
,
destinou um dia à discussão entre diretores de escolas e teve como palestrante um
renomado psicólogo mineiro. Em entrevista, a diretora da escola pesquisada,
entusiasmada, fazia elogios às técnicas aplicadas pelo palestrante:
78
VII Seminário de Educação em Caxias de 19 a 23 de setembro de 2002, local, SESC/Caxias.
104
“(...)Ele mandou a gente largar as bolsas, tirar o sapato e relaxar bem, falou
da importância de não se guardar as coisas dentro da gente, fizemos
dinâmicas e depois disse que deveríamos aprender a dizer não. Nós
deveríamos falar o que pensamos. Sabe, aqui na escola tem um pessoal muito
chato eu tenho engolido sapo. Depois dessa capacitação, eu mandei todo
mundo a merda. Hoje de manhã, a fulana veio encher o meu saco por causa
dos problemas dela. Eu olhei bem para a cara dele e disse: Vai a merda!”.
Em momento algum, houve uma discussão dos propósitos dessa capacitação
por parte dos sujeitos da escola
79
que participaram do evento. Nesse sentido, em que
medida os conhecimentos nessa capacitação podem se adequar à proposta pedagógica
de sua escola? Não se discute o objetivo da capacitação, o que se pretende com essa
ação. Para algumas professoras entrevistadas, esse tipo de show é pouco producente,
uma vez que não se discutem questões cruciais tais como a dificuldade dos
professores em trabalhar com ciclo/série, a questão da falta de eleições para cargos de
direção, esses todos indicados pelo prefeito. Sem esses pressupostos será impossível
se pensar numa melhoria da qualidade de ensino e numa escola democrática e cidadã.
Nesse sentido as capacitações no formato mega seminários, vem se pautando por ser
um grande show com a presença de artistas convidados.
Vem sendo abandonada cada vez mais a possibilidade de se considerar a
escola um espaço de construção, sem o qual é impossível se pensar em inclusão. As
iniciativas das escolas não são consideradas. Esse é um ponto importante, pois
percebe-se que os gestores da educação têm dificuldades em articular projetos que
valorizem o saber/fazer local. É um processo mais lento, exige tempo, planejamento e
visão de curto e médio prazo. Além disso pressupõe o reconhecimento dos atores e
das estratégias locais e o enfrentamento das contradições locais, dos medos e
inseguranças. Enfim, exige pensar a escola com seu entorno como atores e o como
objetos.
Reconhecida como um dos componentes principais para o sucesso de
programas projetos/e ou iniciativas emanadas, tanto do poder público quanto por
organismos não governamentais, a noção de comunidade é geralmente evocada
quando se pretende caracterizar ou legitimar propostas estimulando, para tanto, a
79
Foi elaborada uma escala para a participação de alguns professores, uma vez que as vagas eram
limitadas.
105
participação da população visada, nem sempre incluída nos centros de decisão. O
documento constante no item referente ao projeto político pedagógico da escola
aborda de forma superficial essa participação. No entanto, para a Coordenação de
Educação Especial não é possível ignorar a violência simbólica da qual os alunos com
necessidades especiais são vítimas; neste sentido é fundamental que se faça um
trabalho com a família e a comunidade no entorno da escola.
“ A família é primordial nesse processo. A gente entende que a família
esteja na escola, onde a comunidade tenha vez e voz. A gente vai
começar um trabalho no CIEP 405; a gente vai trabalhar não a
comunidade escolar, mas toda a comunidade. Muitas pessoas que
vivem ao redor da escola entende essa escola como a escola dos
“maluquinhos”. As mães chegam muito magoadas por ouvirem que
seus filhos estudam na escola dos “malucos” e rotulam aquelas
crianças. Em uma escola especial foi feito um trabalho até com os
motoristas das Kombis que serviam as escolas, orientando sobre as
deficiências e formas de agir com as crianças. Na comunidade mais
ampla, traz-se a Associação de Moradores, a igreja, o Centro de
Saúde, todas as instituições locais e a própria comunidade como os
vizinhos , comerciantes, porém esse processo é lento.”(entrevista com
a Coordenadora de Educação Especial).
É importante destacar que o surgimento do movimento reivindicatório em prol
das pessoas deficientes é iniciado pelos familiares, tendo como conseqüência a
criação de escolas especializadas de caráter privado, que atendiam essas crianças e
que depois foram subvencionadas pelo Estado. Nesse quadro, é importante resgatar
um pouco desta história com depoimentos dos atores que participaram do processo
no município tanto no âmbito do Estado quanto da sociedade civil.
“(...)Eu começei a participar do movimento social organizado. Em
1983, criamos a Associação de Moradores de Caxias, concomitante a
isso, em 84,. meu filho, portador de deficiência auditiva, é impedido de
receber o passe escolar na escola. Para minha surpresa a diretora da
escola não entendia que esses alunos não eram da rede e, sim ,
favorecidos pelo Estado (estudavam em classe especial). A partir daí
106
eu fui procurar os meus direitos e juntos com outros pais fundamos
uma Associação de Pais de Excepcionais, e começamos a lutar.
Associação era bem ampla e representava todos os deficientes, não
os auditivos. A primeira necessidade era o transporte, a concessão de
passe para o deficiente. Em 84, foi aprovado uma Lei na Câmara de
Vereadores que concedia passe para os deficientes; foi sancionada
pelo Prefeito.Era uma lei autorizativa, os empresários não tinham
interesse nessa lei, revogada pelo atual Prefeito, pelo fato de alguns
políticos a terem utilizando para fins eleitoreiros, fato que prejudicou
os deficientes. seis meses foi aprovada uma Lei que é mais
abrangente e que engloba variados deficientes (mental, visual,
auditivo, outros etc...).Infelizmente o deficiente tem que levar um laudo
de um órgão oficial, expedido pela FETRANSPORT; o acompanhante
ainda não tem direito”.(entrevista com o representante da Associação
de Excepcionais de Duque de Caxias)
Destaca-se no depoimento da ex-Coordenadora de Educação Especial, uma
contribuição significativa na participação no movimento pela inclusão que trouxe
reconhecidos avanços históricos no estabelecimento de estratégias destinadas a
promover o acesso e permanência do aluno com necessidades especiais na rede de
ensino.
“O movimento pela integração se inicia no município no final da
década de 70, com o ínicio do processo de redemocratização do país.
Começa na rede estadual. A educação não era municipalizada. Então
o Estado garantia o atendimento dos alunos em salas, classes
especiais na escola, o movimento de integração sofria a influência de
outros países, como a Dinamarca, por exemplo,onde era bastante.
Educadores que foram estudar fora do país traziam essa experiência
e começou a ser formando aqui uma rede federativa de coordenação a
nível estadual. Então, cada Estado passou a ter sua Coordenação de
EDESP que orientava as equipes do campo para lidarem com pessoas
com deficiências, espalhadas em classes especiais. Nesse momento as
instituições particulares tinham primazia nesse atendimento. As Ongs
107
também atendiam aquilo que era chamado deficiência real nessa
época. Os estudos apontam que a educação pública para pessoas com
deficiência não surge como uma necessidade de atender a essas, ou
como uma demanda. Por que essas pessoas procuram as Ongs? Por
uma relação social, por uma formação mesmo da ordem social de que
a essas pessoas seriam reservados espaços das instituições. O Estado
atendia as crianças que tinham uma diferença no rendimento, o que
Gilberta Januzzi denominava “os anormais da escola”. Quando você
democratiza o acesso das camadas populares nas escolas públicas
vão surgido a dificuldade em lidar com essas crianças que fogem ao
padrão. Por essa época, surge a grande produção do fracasso
escolar e a culpabilização do aluno. que as equipes de EDESP
continuam numa luta muito grande no sentido de estar desmistificando
isso. Tendo acesso a todo esse questionamento, ela vai mudando todo
um perfil de atendimento e mostrando que naquele momento quem
tinha que ficar nos espaços escolares reservados são aqueles com
deficiência mental, e aí, paralelo a isso, vão acontecendo os
atendimentos aos deficientes auditivos, depois os deficientes físicos, e
por último os visuais. Eu atuei nesse movimento
intensamente.(entrevista com ex-Coordenadora de Educação Especial)
Na percepção de alguns pais entrevistados, o atendimento aos alunos com
necessidades educacionais especiais está deteriorando a cada dia e os jovens precisam
de apoio para prosseguir.
(...) Na verdade, quem calça o sapato sabe onde aperta, eu passei
essa experência como pai de um jovem deficiente auditivo. Não é o
técnico que sente, ele está cercado entre quatro paredes. O meu filho
levou nove anos para se alfabetizar para chegar até a 2
a
. série. Eu tive
problemas sérios com o meu filho, “. foi um “Deus nos acuda” Hoje
no primeiro ano do ensino médio ficou sem estudar. Eu fui obrigado a
colocá-lo em uma escola particular, contra os meus princípios;
devemos lutar por uma escola de qualidade para todos, enquanto os
vereadores, governadores, comerciantes, colocarem seus filhos em
108
escolas particulares, a escola pública vai continuar nesse estado, essa
escola que está é a escola para os filhos dos “outros”. Meu filho,
sem apoio no ensino médio, voltava chorando para casa, sem ter
entendido nada na escola, quase enloqueceu. Com a política do
Estado mínimo, a escola pública vai querer uma criança que leva nove
anos para se alfabetizar? “.(entrevista com o Presidente da
Associação de Pais dos Excepcionais de Caxias).
Pensar em inclusão social, especificamente a escolar pressupõe pensar em
mudanças, em quebra de paradigmas. Essas devem ser cogitadas como formas de se
alterar o comportamento. Como num sistema complexo de interdependência entre
pessoas e processos sociais, as políticas públicas devem ser pensadas numa dinâmica
que pode ser aceita ou completamente rejeitada pelos seus beneficiários. Diante disso,
o discurso da inclusão sem uma análise crítica sobre a realidade, parece “ingênuo”,
fragmentado, vazio, destituído de sentido, diluidor das contradições presentes nas
relações sociais. O que vem reforçando esse lugar social da tolerância, ficando
restrito na maioria das vezes ao espaço público uma vez a esfera privada é
reconhecida como espaço reservada aos iguais.
VI CONSIDERAÇÕES FINAIS
As questões abordadas nesta dissertação foram centradas, no acompanhamento
e observação de uma escola que historicamente foi construída para o atendimento às
minorias. Através de visitas e observações de campo, compreendendo o período de
junho a dezembro de 2001, traduzem a complexidade e o caráter desafiador que têm
marcado as questões pertinentes a situação de atendimento em diversas dimensões aos
alunos com necessidades educacionais especiais, que remetem à necessidade de ser
efetivada uma série de encaminhamentos em varias instâncias tanto no âmbito da
escola pesquisada, quanto em nível macro no que concerne a implementação de
políticas articuladas entre as diversas instâncias governamentais
109
O possivelmente foi relevante nesse estudo foi permitir tangenciar alguns aspectos
de políticas para a educação especial, argüindo sobre as relações dos professores na
escola, o projeto político pedagógico, e, em âmbito externo os obstáculos na
articulação com as instâncias envolvidas no atendimento a esses alunos.
A estratégia de encaminhamento adotada pela Coordenação de Educação
Especial dos alunos com necessidades educacionais especiais salas de recursos e
classes especiais no momento da pesquisa parece, inadequada às suas necessidades,
reafirmadas nos depoimentos que ilustram esse estudo. As avaliações realizadas
nesses alunos é muito mal compreendida pelos diversos atores da escola e muitas
vezes põem em xeque a competência dos professores das salas de recursos e classes
especial que lidam com esses alunos provocando com isso dificuldades em seu
trabalho e desconfiança por parte dos outros profissionais da escola. Nos moldes em
que está sendo desenvolvida, têm servido para excluir ainda mais, os professores e
os alunos que dela necessitam.
È importante considerar, a descontinuidade político-administrativa que não
leva em consideração trabalho realizados por gestões passadas baseados em
acompanhamento efetivo, socialização de experiências, com supervisão aos
atendimentos nas salas de recursos e classes especiais. Segundo uma professora de
classe de recursos, “hoje a gente não tem mais supervisão de antigamente, nem
mesmo um intinerante(professor) aparece por aqui” Esse ambiente tem favorecido a
criação desordenada de salas de recursos nos últimos anos nas escolas
“Nos temos 400 crianças em salas de recursos na rede, ficamos assustados
quando vimos isso, muitos são alunos com dificuldades de aprendizagem,
muitas escolas abriram salas de recursos sem o conhecimento da própria
Secretaria. O que foi visto, um número imenso de alunos que tinham
comportamento diferenciado. (entrevista Coordenadora de Educação
Especial)
Certamente, não se está questionando o valor específico das atividades
desenvolvidas em salas de recursos ou classes especiais, mas o precário
acompanhamento e avaliação dessas atividades. Afinal, quem é contra professores que
se dedicam a trabalhos com alunos que necessitam uma atenção maior? A fala de uma
110
diretora de mãe, que acompanha a filha em atendimento nas salas de recursos, traz luz
a essas questões: “(...) Eu acho que, perco tempo aqui trazendo minha filha tem mais
de um ano, o progresso é mínimo no caso dela, no caso da minha vizinha é diferente
o filho dela melhorou muito da agressividade”.
Nota-se, ainda, a dificuldade de efetivação de Projetos/Programas que
respondam pela formação dos professores de ensino regular e especial tendo como
norte a educação inclusiva, considerando o encontro entre pares e diferentes, as
inúmeras possibilidades de troca e aprendizado trazidas na “bagagem” desses
professores ao longo de suas trajetórias profissionais, considerando serem esses
agentes privilegiados para a mediação do conhecimento e mudanças de atitudes por
parte dos alunos.
Trazer essa discussão para o locus da formulação das políticas públicas e para
dentro das escolas quando se quer discutir a importância e a efetivação da inclusão de
alunos especiais pode dimensionar caminhos mais afortunados na sociedade que se
quer inclusiva.
No âmbito escolar
Constitui premissa sica da viabilização de uma ão como a inclusão de alunos
com necessidades educacionais especiais na escola o reconhecimento
singularidade que caracteriza esses sujeitos, demanda por parte da escola que seja
discutido em profundidade com todos os envolvidos o projeto político
pedagógico.
Que as equipes de professores de ensino regular e especial e de recursos possam
criar momentos para a discussão de casos dos alunos com necessidades
educacionais especiais que passam de um estágio para o outro nos grupos de
estudos.
111
Que seja discutido com os professores de ensino regular a natureza do trabalho
realizado nas salas de recursos e classe especial , especificando a metodologia
adotada, o público alvo e os conteúdos a serem trabalhados.
Que seja incorporada a proposta pedagógica da escola a oficina de artesanato e
que sejam acompanhados pelas equipes de orientação educacional e pedagógica o
desenvolvimentos dos alunos na oficina.
Atuando de forma conexa e integrada com a comunidade, a escola em estudo,
deve resgatar essa tradição, importante enquanto instância formativa da sociedade
e imprescindível na construção de uma escola inclusiva.
Uma estratégia a ser desenvolvida pela escola diz respeito à comunicação dos
resultados do trabalho realizado, com alunos atendidos em suas sala de recursos e
que estão matriculados em outras escolas da rede de ensino.
O projeto pedagógico precisa ter flexibilidade o suficiente para poder incorporar e
ser incorporado pelos diferentes atores da escola que dele participam; caso
contrário, é percebido como encomenda da Secretária Municipal de Educação
que, por melhores que sejam as intenções das instituições/pessoas/grupos
envolvidos, tende a reproduzir práticas autoritárias contradizendo os mais
elementares princípios da democracia e da construção coletiva.
Deve-se trabalhar com os alunos as noções de diferença, a percepção do outro do
diferente e do nós do (semelhante) e a diversidade que está presente na sociedade
para que pautados nesses valores seja possível distinguir relações de dominação,
submissão, sujeição, escárnio na convivência com chamados “doentes” ou os
diferentes da escola. È importante o envolvimento dos jovens como protagonistas
em ações concretas que demandem melhorias para os deficientes
112
É fundamental que a Coordenação de Educação Especial invista numa interação
mais concreta e ágil com as escolas e, que reveja a forma adotada de
encaminhamento de alunos para as salas de recursos e classes especiais,
considerando que os professores que trabalham em salas de recursos e classe
especial merecem ter acesso ao tipo de avaliação que é realizada com os alunos
que atendem.
No campo da políticas públicas
É necessário definir-se mais claramente o papel de cada uma das instâncias
envolvidas no atendimento ao aluno com necessidades educacionais especiais,
uma vez que se observa uma grande confusão e/ou superposição de papéis. Por
exemplo: o que se espera realmente do Centro de Atendimento ao Deficiente que
atenda aos alunos com dificuldades de aprendizagem/ensinagem? ou que centre
seus esforços nos casos de deficientes com comprometimento neurológicos?
Nesse sentido, linhas mais claras e contextualizadas de ação precisam ser também
melhor definidas pelas Secretarias de Educação e Saúde.
O setor público deve pautar ações no sentido de promover a incorporação do
deficiente no mercado de trabalho.O Estado ainda tem potencial para funcionar no
sentido de inibir as injustiças e ganâncias do mercado. Desta forma, garantindo as
reservas de vagas nas empresas que possibilita a assunção da cidadania a esse
segmento.
Faz-se necessário que seja disponibilizado os montantes de recursos destinados à
educação, mormente os recursos oriundos do FNDE e seus investimentos por
parte dos gestores no tocante aos investimentos em equipamentos para as escolas e
destinação para formação em serviço dos docentes.
113
No campo da capacitação
A capacitação não é algo de que se possa prescindir em ações dessa natureza.
Assim, o projeto de capacitação deve ser um balisador das propostas da Secretaria
Municipal de Educação e conseqüentemente promover maior eqüidade e
qualidade ao sistema de ensino. Faz-se necessário o investimento em um amplo
processo de formação contínua, que estimule a discussão sobre o processo de
inclusão, trabalhos em equipes, sobre as dificuldades e soluções para os dilemas
de sua operacionalização baseado em diretrizes claras, por escrito, em
documentos de fácil leitura. Tal processo deve lidar com a heterogeneidade dos
atores envolvidos e de suas inserções, potencializando as demandas locais e as
necessidades e dificuldades particulares.
Ainda com referência à capacitação, a constatação de uma número significativo de
professores em salas de recursos aponta para a necessidade de potencialização e
qualificação efetiva de seu trabalho. Percebeu-se que esses professores na grande
maioria dos casos, o possuem formação específica e, muitas vezes, não
sabem ao certo os objetivos de seu trabalho. Considerando que esses professores
são veículos importantes de formação e informação, caberia realizar-se um
investimento efetivo em sua capacitação, a fim de que seu trabalho pudesse ser
compreendido no âmbito da escola e melhor qualificado.
Valorização das escolas que desenvolvem experiências de inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais – a fim de que seja socializadas os resultados
de seus trabalhos através de encontros com outras escolas da rede que iniciam esse
trabalho. È necessário incentivar e fornecer maiores instrumentos para as que as
escolas ampliem vínculos e parcerias. Especialmente na área destinada a educação
profissional e saúde.
Muitas são as questões que ainda poderiam ser abordadas, no sentido de ampliar
as possibilidades dessa política de inclusão. Algumas delas, entretanto, extrapolam os
114
limites dessa dissertação, impondo estratégias de enfrentamento como no caso da falta
de compreensão por parte dos docentes das questões pertinentes ao ciclo de
alfabetização vigente no sistema de ensino que poderia constituir-se como um esforço
no sentido de promoção dos alunos com necessidades educacionais especiais.
A mais séria diz respeito a violência na escola
80
que não foi alvo desse estudo e
que se traduz no tráfico de drogas, demandando condutas violentas por parte de
jovens que sem dúvida devem ser alvo de atenção dos gestores da educação. Assim, e
tendo em vista a complexidade em que está submersa, essa questão - deve ser alvo de
discussões contextualizadas e melhor fundamentadas, a fim de que seus reais
desdobramentos e conseqüências possam ser avaliados de forma o mais possível livre
de demonizações ou relativizações.
Para finalizar, deve ressaltar a importância do trabalho desenvolvido nesse
município na busca em enfrentar os problemas vivenciados pelos alunos com
necessidades educacionais e seus responsáveis, no sentido de implementar ações e
sensibilizar o seu corpo docente para a questão. O conjunto de considerações aqui
elencadas devem ser enfrentadas entendendo que estão pautadas no campo da
subjetividades individuais e estende-se a complexidade das redes sociais, em termos
políticos,sócio-econômico e políticos.
80
Pude observar determinados alunos que eram rotulados na escola como portadores de distúrbios de
conduta, um deles atuava numa boca de fumo numa favela próxima a escola e estrategicamente era
reprovado para continuar próximo a seu local de trabalho. Como ilustração deste fato, foi observado
durante a realização de um dos grupos focais, do qual ele participou, que ele exerceu a coersão sobre
o grupo não permitindo através de sinalizações que os demais manifestassem autonomamente suas
impressões.
115
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