se compreende. O homem é, em si mesmo, o objeto mais prodigioso da
natureza; pois não se pode conceber nem o que é corpo, nem, menos ainda, o
que é espírito, e, ainda menos, de que modo um corpo pode se unir a um
espírito. Essa a sua dificuldade máxima, e, não obstante, a sua própria
essência: Modus quo corporibus adhaerent spiritus comprehendi ab hominibus
non potest, et hoc tamem home est. (A maneira por que se acha o espírito
unido ao corpo não pode ser compreendida pelo home, e, não obstante, é o
homem. Santo Agostinho, citado por Montaigne).
Mas, para concluir a prova de nossa fraqueza, terminarei com estas duas
considerações.
Quando penso na pequena duração da minha vida, absorvida na
eternidade anterior, no pequeno espaço que ocupa, fundido na imensidade dos
espaços que ignora e que me ignoram, aterro-me e me assombro de ver-me
aqui e não alhures, pois não há razão alguma para que esteja aqui e não
alhures, agora e não em outro qualquer momento. Quem me colocou nessas
condições? Por ordem e obra e necessidade de quem me foram designados
esse lugar e esse momento?Memoria hospitis unius diei praetereuntis. (A
lembrança de hóspede de um dia que passa. Sabedoria, V, 15.
Ante a cegueira e a miséria do homem, diante do universo mudo, do
homem sem luz, abandonado a si mesmo e como que perdido nesse rincão do
universo, sem consciência de quem o colocou aí, nem do que veio fazer, nem
do que lhe acontecerá depois da morte, ante o homem incapaz de qualquer
conhecimento, invade-me o terror e sinto-me como alguém que levassem,
durante o sono, para uma ilha deserta, e espantosa, e aí despertasse ignorante
de seu paradeiro e impossibilitado de evadir-se. E maravilho-me de que não se
desespere alguém ante tão miserável estado. Vejo outras pessoas ao meu lado,
aparentemente iguais; pergunto-lhes se se acham mais instruídas que eu, e me