Protarco – Imaginas, sem dúvida, o exemplo de alguém afirmar que eu, como Protarco,
sou uno por natureza e, ao mesmo tempo, múltiplo e contraditório em mim mesmo, por poder
considerar-me essa pessoa como grande ou pequeno, pesado ou leve e de mil modos diferentes.
Sócrates – O que disseste, Protarco, é o que todo o mundo fala a respeito dessas
esquisitices do uno e do múltiplo, declarando-se todos de acordo, por assim dizer, em que não
devemos tocar nesse tema pueril e fácil demais, que só atrapalharia nosso debate. O mesmo
aconteceria na seguinte situação, se alguém, por exemplo, separasse em pensamento os membros
e as partes determinada coisa e chegasse á a conclusão de que todos esses segmentos são essa
coisa única, para, logo depois, rir de si mesmo e refutar-se, por ter sido obrigado a enunciar uma
posição monstruosa, com afirmar que o uno é múltiplo e infinito, e o múltiplo não é mais do que
um.
Protarco – Mas, quais são as outras maravilhas, Sócrates, a que te referiste, desse mesmo
princípio, que nem são de aceitação geral nem familiares do público?
Sócrates – Menino, é quando alguém considera como unidades as coisas que nem nascem
nem perecem, tal como nos exemplos que acabamos de mencionar. Esses casos tipos de unidade,
conforme agora mesmo declaramos, por consenso geral não devem ser examinados. Mas quando
se assevera que o homem é um, ou o boi é um, ou o belo é um, ou o bem é um: é acerca dessas
unidades e de outras semelhantes que o grande interesse por todas despertadas suscita facilmente
divisões e controvérsias.
Protarco – Como assim?
Sócrates – Inicialmente, quando aceitamos que essas unidades existem de fato; de seguida
como devemos compreender que cada uma delas, com ser sempre a mesma e não admitir nem
geração nem descrição, não continue sendo o que é mesmo: unidade. Por último, se devemos
admitir que, nas coisas submetidas à geração, de número infinito, essa unidade se dispersa e fica
múltipla, ou se se conserva inteira e fora de si mesma, o que se nos afigura o maior dos absurdos,
pois, sendo a mesma e una, encontrar-se-ia concomitantemente no uno e no múltiplo. São esses
aspectos do uno e do múltiplo, Protarco, não os outros, quem nos criam toda sorte de
dificuldades, quando são considerados sob perspectiva defeituosa, ao passo que tudo corre às mil
maravilhas na hipótese contrária.
Protarco – Então, Sócrates, trabalhemos desde já na solução desse problema.
Sócrates – É também o que eu penso.
Protarco – Podes ficar certo de que todos os presentes compartilham tua maneira de
pensar. Quanto ao nosso Filebo, é melhor não mexer com quem dorme sossegado.
VI – Sócrates – Ora bem! E como iniciaremos esse debate tão grande e complicado, acerca
da tese em discussão? Assim ficará bem?
Protarco – De que jeito?
Sócrates – Dizemos que o Mesmo, como uno e como múltiplo, é identificado pelo
pensamento e que circula, agora e sempre, por tudo o que falamos. Semelhante fato não é de hoje
nem nunca deixará de existir; trata-se, segundo creio, de uma propriedade inerente ao nosso
pensamento, e que jamais envelhece. O jovem que com ele se depara pela primeira vez, exulta
como se tivesse achado algum tesouro de sabedoria; no entusiasmo de seu contentamento, não há
tema em que ele não mexa, ora enrolando o múltiplo num só, ora desenrolando-o e subdividindo-
o, com o que apresta, desde o início, a si próprio, as maiores confusões e a quantos dele se
aproximem, ou seja moço ou velho ou da mesma idade que ele, sem poupar pai nem mãe nem
seus ouvintes; sim, nem mesmos os animais – pois não me refiro apenas aos homens – nem aos
bárbaros uma vez que conseguisse intérprete apropriado.