diversa, independente das outras. Pois, se se negasse isto, seria possível, por contínua
gradação dos matizes, passar insensivelmente de uma cor a outra completamente distante de
série; se vós não admitis a distinção entre os intermediários, não podeis, sem absurdo, negar a
identidade dos extremos. Suponde, então, uma pessoa que gozou do uso de sua visão durante
trinta anos e se tornou perfeitamente familiarizada com cores de todos os gêneros, exceto
com um matiz particular do azul, por exemplo, que nunca teve a sorte de ver. Colocai todos
os diferentes matizes daquela cor, exceto aquele único, defronte daquela pessoa, decrescendo
gradualmente do mais escuro ao mais claro. Certamente, ela perceberá um vazio onde falta
este matiz, terá o sentimento de que há uma grande distância naquele lugar, entre as cores
contíguas, mais do que em qualq uer outro. Ora, pergunto se lhe seria possível, através de sua
imaginação, preencher este vazio e dar nascimento à idéia deste matiz particular que, todavia,
seus sentidos nunca lhe forneceram? Poucos leitores, creio eu, serão de opinião que ela não
pode; e isto pode servir de prova que as idéias simples nem sempre derivam das impressões
correspondentes, mas esse caso tão singular é apenas digno de observação e não merece que,
unicamente por ele, modifiquemos nossa máxima geral.
Eis, portanto, uma proposição que não apenas parece simples e inteligível em si mesma,
mas que, se se fizer dela o uso apropriado, pode tornar toda discussão igualmente inteligível e
eliminar todo jargão, que há muito tempo se apossou dos raciocínios metafísicos e os
desacreditou. Todas as idéias, especialmente as abstratas, são naturalmente fracas e obscuras;
o espírito tem sobre elas um escasso controle; elas são apropriadas para serem confundidas
com outras idéias semelhantes, e somos levados a imaginar que uma idéia determinada está aí
anexada se, o que ocorre com freqüência, empregamos qualquer termo sem lhe dar
significado exato. Pelo contrário, todas as impressões, isto é, todas as sensações, externas ou
internas, são fortes e vivas; seus limites são determinados com mais exatidão e não é tão fácil
confundi-las e equivocar-nos. Portanto, quando suspeitamos que um termo filosófico está
sendo empregado sem nenhum significado ou idéia — o que é muito freqüente — devemos
apenas perguntar: de que impressão é derivada aquela suposta idéia?
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E, se for, impossível
designar urna, isto servirá para confirmar nossa suspeita. E razoável, portanto, esperar que, ao
trazer as idéias a uma luz tão clara, removeremos toda discussão que pode surgir sobre sua
natureza e realidade.
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NOTAS:
1 O termo "percepções" é utilizado por Hume para designar a totalidade dos fatos
mentais e das operações volitivas. Mais adiante, nesta seção (p. 70), ele escreve que as
percepções constituem ‘todos os materiais do pensamento’. (vejam-se também: Tratado, I. ii,
6, p. 67 -II i, 1 p. 456.) Hume difere assim de Locke, que emprega o termo “idéia (veja -se
nota 12 desta seção) com aquele sentido genérico. [N. do T.]
2 As percepções originais, isto é, os elementos primitivos da experiência, são, escreve
Hume, as “impressões”. As “idéias”, por seu turno, que afloram à consciência, quando
pensamos ou raciocinamos, são fracas imagens das impressões. As idéias não são, portanto,
como para os platônicos, os arquétipos de tudo que existe e nem, como para os cartesianos,
inatas, pois unicamente as impressões são inatas (veja-se O. Brunet, Philosophie et esthétique
chez David Hume, Nizet, Paris, 1965, pp. 292-295.). Como as idéias são fracas imagens de
impressões correspondentes, podemos dizer que as percepções do espírito, assumindo dupla
forma, como impressões e como idéias, distinguem-se em grau e não em natureza. Ou