como abordar questões relacionadas ao Outro, se estou preso ao meu mundo de
sentido e dele não posso me evadir? Pensar não consiste mais em contemplar,
“alma coeterna às idéias”
13
, mas em estar embarcado neste pensar/existir. Isto
requer da intenção significante, que, num primeiro momento, se manifeste num
transcender em direção ao objeto, porém, esta suposta aventura, homérica, para
nos aproximarmos algo do pensamento de Adorno
14
, prevê um retorno à
segurança do lar
15
– necessidade de retorno à imanência, retorno que significa a
apreensão do sentido da coisa tendo como referência o meu mundo de sentido. “A
significação precede os dados e os clareia”
16
. Ciente disso, as categorias
levinasianas sugerem sempre um para-além, para-além de meu tempo e espaço
17
.
Afinal de contas, as minhas representações do Outro são resultado do meu
instante presente em que as concebo, instante fechado em si pela própria idéia de
representação, que também é expressão da tentativa de usurpar o espaço do
outro, anexando-o no meu. Neste sentido, veja-se a síntese de Ricardo Timm de
Souza:
Se for verdade, na inspiração wittgensteiniana, que minha linguagem é o
limite de meu mundo, também é verdade que minha linguagem não é o
limite do mundo do outro, pelo menos enquanto é realmente o mundo do
outro, e não o simulacro de alteridade que eu sou perfeitamente capaz de
pensar; e qualquer proposição limitativa neste sentido padece do delírio
da onipresença – de meu mundo sei eu, e não sei senão de meu mundo.
Tudo o que diga com respeito a „outros mundos‟ – o mundo do Outro
propriamente dito – não é certamente, para mim, questão de mero
13
LEVINAS, E. “A ontologia é fundamental”, p. 22.
14
Cf. ADORNO, Theodor W. - HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos
filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006, ps.17-46.
15
“Mesmo que a vida tenha precedência sobre a filosofia, mesmo que a filosofia contemporânea,
que se quer antiintelectualista, insista sobre esta anterioridade da existência em relação à
essência, da vida em relação à inteligência; mesmo que, em Heidegger, a „gratidão‟ para com o ser
e a „obediência‟ se substituam à contemplação, a filosofia contemporânea se compraz na
multiplicidade das significações culturais; e no jogo infindável da arte, o ser exime-se de sua
alteridade. A filosofia produz-se como uma forma sob a qual se manifesta a recusa de
engajamento no Outro, a expectativa preferida à ação, a indiferença em relação aos outros, a
alergia universal da primeira infância dos filósofos. O itinerário da filosofia permanece sendo o de
Ulisses cuja aventura pelo mundo nada mais foi que um retorno a sua ilha natal – uma
complacência no Mesmo, um desconhecimento do Outro” (LEVINAS, Emmanuel. “A significação e
o sentido”. In: Humanismo do outro homem. Trad. Pergentino Stefano Pivatto (Coord.). 2º Ed. Rio
de Janeiro: Vozes, 1993, pp. 43-44).
16
LEVINAS, E. “A significação e o sentido”, p. 25.
17
SOUZA, R. T. “Levinas”, p. 128.