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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde
A MEDIAÇÃO DA FALA, DO DESENHO E DA ESCRITA NA CONSTRUÇÃO
DE CONHECIMENTO DA CRIANÇA DE SEIS ANOS
Maria Fernanda Farah Cavaton
Brasília, agosto 2010
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Programa de Pós-Graduação em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde
A MEDIAÇÃO DA FALA, DO DESENHO E DA ESCRITA NA CONSTRUÇÃO DE
CONHECIMENTO DA CRIANÇA DE SEIS ANOS
Maria Fernanda Farah Cavaton
Tese apresentada ao Instituto de Psicologia
da Universidade de Brasília, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutor em
Processos de Desenvolvimento Humano e
Saúde, área de concentração
Desenvolvimento Humano e Educação –
DHE
ORIENTADORA: PROFa. DRa. SILVIANE BONACCORSI BARBATO
Brasília, agosto 2010
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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de
Brasília. Acervo 982567.
Cava t on , Mar i a Fernanda Far ah .
C377m A med i ação da f a l a , do desenho e da esc r i t a na cons t rução
Far ah Cava t on . - - 2010 .
174 f . : i l . ; 30 cm.
Tese (dou t o rado) - Un i ver s i dade de Br as í l i a , I ns t i t u t o
de Ps i co l og i a , 2010 .
I nc l u i b i b l i ogr a f i a .
Or i en t ão : Si l v i ane Bonacco r s i Ba r ba t o .
1 . Ps i co l og i a i n f an t i l . 2 . Cr i anças - Desenvo l v imen t o .
3 . Educação de c r i anças . I .Bar ba t o , Si l v i ane Bonacco r s i .
I I . T í t u l o .
CDU 159 . 922 . 7- 053 . 5
3
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
TESE DE DOUTORADO APROVADA PELA SEGUINTE BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Silviane Bonaccorsi Barbato – Presidente
Instituto de Psicologia/ PED/UnB
________________________________________________________________
Profa. Dra. Diva Maria Moraes de Albuquerque Maciel – Membro
Instituto de Psicologia/ PED/UnB
________________________________________________________________
Profa. Dra. Lúcia Helena Cavasin Zabotto Pulino – Membro
Instituto de Psicologia/ PED/ UnB
________________________________________________________________
Profa. Dra. Vera Maria Ramos de Vasconcellos - Membro
Faculdade de Educação /UERJ
________________________________________________________________
Profa. Dra. Celeste Azulay Kelman – Membro
Faculdade de Educação /UFRJ
________________________________________________________________
Profa. Dra. Júlia Cristina Coelho Ribeiro – Membro Suplente
Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal
Brasília, agosto 2010
4
Agradecimentos
Aos meus filhos, marido e familiares pelo incentivo, paciência e carinho que sempre me
dedicaram.
À querida Silviane, minha mestre, pela generosidade de compartilhar comigo seu saber.
À professora “Márcia” pelo desprendimento em participar anonimamente deste trabalho.
Às crianças da classe de BIA 1 e suas mães por permitirem que eu aprendesse com elas.
Ao grupo de pesquisa Pensamento e Linguagem do Instituto de Psicologia da UnB,
especialmente, Gabriela, Ana Paula, Amparo, Juliana, Angélica e Cristina, pelo
compartilhamento de significados.
Aos colegas da Faculdade de Educação da UnB pelo apoio nesses anos de afastamento e,
em especial, a Maria Alexandra pela leitura e apreciação deste trabalho.
Às professoras e colegas do Programa de Pós-Graduação em Processos de
Desenvolvimento Humano e Saúde da UnB pelo apoio recebido.
Ao CNPq/FUNPE pelo apoio financeiro na realização deste estudo.
A todos aqueles que, mesmo não mencionados, apoiaram-me nesta jornada.
5
Cavaton, M. F. F. (2010). A mediação da fala, do desenho e da escrita na construção
de conhecimento da criança de seis anos. Brasília: Tese de Doutorado, Universidade
de Brasília, Brasília.
Resumo
Neste estudo, descrevemos e analisamos os sistemas simbólicos: a fala, o desenho e a
escrita de cinco crianças de seis anos, enquanto ferramentas culturais mediadoras para a
construção de conhecimento, nas interações professora/crianças, criança/criança e
criança/si mesma produzidas no contexto de sala de aula do ano do ensino fundamental
e em momentos individuais. Nossa pesquisa utilizou a abordagem qualitativa, para
examinarmos os processos educativos a partir da psicologia considerando a criança em
processo singular de desenvolvimento. Defendemos a tese que as produções gráficas livres,
aquelas relativas a desenhos e escritas iniciais acompanhadas da fala, são utilizadas pela
criança como ferramentas culturais mediadoras na construção de conhecimento e na
avaliação do que é conhecido. Obtivemos nossas informações empíricas por meio da
observação do processo de construção de conhecimento nas interações ocorridas ao longo
de oito meses em quatro sessões gravadas em áudio e vídeo, no contexto de sala de aula e
em quatro sessões em momentos individuais com a pesquisadora. As atividades de
letramento das sessões foram: cinco de reconto de livros de história, uma de escrita livre de
palavras e outra sobre um tema discutido com as crianças e outra sobre desenho e escrita
feita em casa. Entrevistamos as mães dessas crianças e a professora da sala para
contextualizar as atividades infantis de desenho e escrita na escola e em casa. Nossos
resultados indicam que os usos da fala, do desenho e da escrita exerceram diferentes
funções; o uso da fala comunicativa entre crianças e com a professora em diálogos
argumentativos com elaboração de conhecimento com a função de gerar ZDPs.; a fala
egocêntrica com a função organizadora do desenho e de soletração da escrita livre. O uso
das falas egocêntricas exerceu as seguintes funções geradoras de construção de
conhecimento na intersubjetividade, como: a) comentário de outro social; b) comentário do
próprio falante dirigido a outros sociais; c) falas egocêntricas em outros sociais; d)
comentário de avaliação; e) falas egocêntricas de soletração coletivizada; f) comentário de
concordância ou discordância. Além disso, os resultados indicaram o uso do desenho com
a função de expressar conhecimento sobre a história ou outros temas enfocados durante as
atividades, relacionando-o a outras informações prévias, desencadeadas pela história ou
pelo próprio desenho, o cenário de uma narrativa, os elementos físicos e os personagens do
conto. E em relação à escrita, o desenho exerceu a função de scaffolding, quando as cenas
desenhadas serviam para a organização do texto escrito ou como dispositivo mnemônico
desencadeando o conhecimento necessário para a escrita sobre o assunto desenhado. Em
relação ao desenho, encontramos o uso da escrita livre com a função de nomeá-lo ou
escrever a história desenhada e a função da escrita de mediar, com signos escritos, o
conteúdo das atividades desenvolvidas.
Palavras-chave: pedagogia dialógica, fala egocêntrica, escrita infantil, desenho infantil,
letramento multimodal.
6
Cavaton, M. F. F. (2010). The mediation of speech, drawing and writing in the
construction of a six year old child knowledge. Brasília: Doctoral Thesis, University of
Brasilia, Brasilia.
Abstract
In this study, we describe and analyze six year old’s symbolic systems: speech, drawing
and writing as mediational cultural tools for the construction of knowledge in
teacher/children, child/child and child/self interactions produced in classroom contexts of
the first year of elementary school and in individual sessions. Our research used a
qualitative approach to examine the educational processes considering the child in his/her
singular process of development. Our thesis is that the free graphic productions, those
relating to drawings and initial writing, both accompanied by the speech, are used by
children as mediating cultural tools in the construction of knowledge and assessment of
what is already known. We obtained our empirical information by observing the
knowledge building process in the teaching and learning experiences of reading and
writing in the first year of elementary school along 8 months in four audio and video
recorded sessions in classroom context and in four session at individual moments with the
researcher. The literacy activities of the sessions were: five story books recount, two free
writing and one drawing and writing at home. We interviewed the mothers of those
children and the teacher of the classroom to contextualize the drawing and writing
children’s activities at school and at home. The results indicated also that the use of
speech, drawing and writing acquired different functions; that the use of communicative
speech among children as well as between the teacher and children in argumentative
dialogues with developing knowledge generated ZPDs; and that egocentric speech
functioned in order to organizing drawing and spelling of free writing activities. The use of
egocentric speech acquired the following functions directed to generate knowledge in the
construction of intersubjectivity: a) as a commentary of the social other; b) a commentary
of the speaker himself directed to the social other; c) egocentric speech of the social other;
d) an assessment commentary; e) egocentric speeches of collective spelling; f) as
commentaries of agreement or disagreement. In addition, results indicated the use of
drawing with the function of expressing knowledge about stories or other subjects being
focused during the activities, relating it/them to other prior information, triggered by the
stories or by the drawings, the scenes of a narrative, the physical elements and characters
of a tale. And regarding writing, drawing worked as a scaffolding, when the scenes drawn
were meant for the organization of written texts or as a mnemonic device to trigger the
necessary knowledge for the writing on the subject drawn. Regarding drawing, we found
the use of free writing with the task of naming or writing a story drawn, as well as writing
with the function of mediating the content of the developed activities.
Keywords: dialogical pedagogy, egocentric speech, children's writing, children's drawing,
multimodal literacy.
7
Índice
Agradecimentos
04
Resumo
05
Abstract
06
Índice
07
Lista de Quadros
11
Lista de Figuras
12
APRESENTAÇÃO
14
I – INTRODUÇÃO
16
II – A FALA, O DESENHO E A ESCRITA DA CRIANÇA DE SEIS ANOS
22
2.1 DESENVOLVIMENTO CULTURAL
23
2.2 PEDAGOGIA DIALÓGICA
25
2.2.1 Letramento Multimodal
29
2.2.2 A história da figuração humana
29
2.3 O DESENHO, A ESCRITA E A FALA
31
2.4 AS TRÊS FERRAMENTAS CULTURAIS INFANTIS NO CONTEXTO
ESCOLAR
37
2.4.1 As produções gráficas livres como união entre desenho, escrita e fala
38
III – METODOLOGIA
41
3.1 ESTUDO EMPÍRICO: DESCRIÇÃO DA PESQUISA
42
3.1.1 Contexto
42
3.1.2 Participantes
43
3.1.3 Critérios de escolha dos participantes
44
3.1.4 Instrumentos e materiais
45
3.1.5 Procedimentos de construção das informações empíricas
45
3.1.5.1 Entrevistas com a professora e as mães das crianças
46
3.1.5.2 Sessões em sala de aula do BIA I
46
3.1.5.3 As atividades de construção de conhecimento
47
3.1.5.4 Sessões individuais das cinco crianças com a pesquisadora
48
3.1.6 Análise da pesquisa
50
3.1.6.1 Sumário das entrevistas da professora e das mães
50
3.1.6.2 Sumário da sessão
50
3.1.6.3 Sequência das atividades por sessões
50
8
3.1.6.4 As ações das crianças foco deste estudo durante as atividades
50
3.1.6.5 Procedimentos de análise
50
IV – RESULTADOS
53
4.1 PRIMEIRO OBJETIVO ESPECÍFICO
53
4.1.1 Interação da criança com a professora em sala de aula
54
4.1.2 Interação da criança com os colegas em sala de aula
55
4.1.3 Fala egocêntrica da criança em sala de aula e em atividades individuais
57
4.1.4 Produções gráficas livres da criança em sala de aula e em atividades individuais
59
4.2 SEGUNDO OBJETIVO ESPECÍFICO
63
4.2.1 As interações da criança no contexto familiar
63
4.2.1.1 Com quem a criança interage em atividades em casa
63
4.2.1.2 A criança em casa, em atividades de desenho e escrita
64
4.2.2 Relato das mães e da professora sobre a escola
65
4.2.3 Relato da professora sobre desenho e escrita
67
V – DISCUSSÃO
68
5.1 ENTREVISTA DA PROFESSORA MÁRCIA
68
5.1a Sumário da entrevista da professora
68
5.1b Contextualização da entrevista da professora sobre desenho e escrita
69
5.1.c Conclusões dos resultados da entrevista da professora
74
5.2 ENTREVISTAS DAS MÃES DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA
74
5.2.1a Sumário da entrevista da mãe da Ana
74
5.2.1b Relato da Ana sobre o desenho e a escrita feitos em casa
75
5.2.1c Contextualização da entrevista da mãe e da Ana sobre o desenho e a escrita
em casa
75
5.2.2a Sumário da entrevista da mãe da Clara
76
5.2.2b Relato da Clara sobre o desenho e a escrita feitos em casa
77
5.2.2c Contextualização da entrevista da mãe e da Clara sobre o desenho e a escrita
em casa
77
5.2.3a Sumário da entrevista da mãe do Daniel
79
5.2.3b Relato do Daniel sobre o desenho e a escrita feitos em casa
79
5.2.3c Contextualização da entrevista da mãe e do Daniel sobre o desenho e a escrita
80
5.2.4a Sumário da entrevista da mãe do Felipe
81
5.2.4b Relato do Felipe sobre o desenho e a escrita feitos em casa
82
9
5.2.4c Contextualização da entrevista da mãe e do Felipe sobre o desenho e a escrita
82
5.2.5a Sumário da entrevista da mãe do Renato
83
5.2.5b Relato do Renato sobre o desenho e a escrita feitos em casa
83
5.2.5c Contextualização da entrevista da mãe e do Renato sobre o desenho e a escrita
84
5.2.6 Conclusões dos resultados das entrevistas das mães
84
5.3 DESCRIÇÃO DAS SESSÕES COLETIVAS
85
5.3.1a Descrição da primeira sessão
85
5.3.1b Resultados da 1ª sessão de Ana em sala de aula
86
5.3.1c Resultados da 1ª sessão de Clara em sala de aula
87
5.3.1d Resultados da 1ª sessão de Daniel em sala de aula
90
5.3.1e Resultados da 1ª sessão de Felipe em sala de aula
90
5.3.1f Resultados da 1ª sessão de Renato em sala de aula
94
5.3.1g Conclusões dos resultados da 1ª sessão em sala de aula
96
5.3.2a Descrição da segunda sessão
98
5.3.2b Resultados da 1ª sessão de Ana em sala de aula
98
5.3.2c Resultados da 2ª sessão de Clara em sala de aula
101
5.3.2d Resultados da 2ª sessão de Daniel em sala de aula
102
5.3.2e Resultados da 2ª sessão de Felipe em sala de aula
105
5.3.2f Resultados da 2ª sessão de Renato em sala de aula
107
5.3.2g Conclusões dos resultados da 2ª sessão em sala de aula
109
5.3.3a Descrição da quarta sessão
110
5.3.3b Resultados da 4ª sessão de Ana em sala de aula
111
5.3.3c Resultados da 4ª sessão de Clara em sala de aula
112
5.3.3d Resultados da 4ª sessão de Daniel em sala de aula
114
5.3.3e Resultados da 4ª sessão de Felipe em sala de aula
114
5.3.3f Resultados da 4ª sessão de Renato em sala de aula
114
5.3.3g Conclusões dos resultados da 4ª sessão em sala de aula
116
5.3.4a Descrição da quinta sessão
117
5.3.4b Resultados da 5ª sessão de Ana em sala de aula
118
5.3.4c Resultados da 5ª sessão de Clara em sala de aula
119
5.3.4d Resultados da 5ª sessão de Daniel em sala de aula
120
5.3.4e Resultados da 5ª sessão de Felipe em sala de aula
123
5.3.4f Resultados da 5ª sessão de Renato em sala de aula
126
10
5.3.4g Conclusões dos resultados da 5ª sessão em sala de aula
157
5.4 DESCRIÇÃO DAS SESSÕES INDIVIDUAIS POR CRIANÇA
128
5.4.1 Descrição da sessão I – Reconto da história “Cocô de passarinho”
128
5.4.1a Descrição da sessão I de Ana
128
5.4.1b Descrição da sessão I de Clara
130
5.4.1c Descrição da sessão I de Daniel
131
5.4.1d Descrição da sessão I de Felipe
133
5.4.1e Descrição da sessão I de Renato
135
5.4.1f Conclusões dos resultados da sessão I em momentos individuais
136
5.4.2 Descrição da sessão II – Desenho e escrita livre em casa
137
5.4.3 Descrição da sessão III – “Nós”
137
5.4.3a Descrição da sessão III de Ana
138
5.4.3b Descrição da sessão III de Clara
139
5.4.3c Descrição da sessão III de Daniel
141
5.4.3d Descrição da sessão III de Felipe
144
5.4.3e Descrição da sessão III de Renato
146
5.4.3f Conclusões dos resultados da sessão III em momentos individuais
148
5.4.4 Descrição da sessão IV – Desenho e escrita de animais
149
5.4.4a Descrição da sessão IV de Ana
149
5.4.4b Descrição da sessão IV de Clara
150
5.4.4c Descrição da sessão IV de Daniel
152
5.4.4d Descrição da sessão IV de Felipe
154
5.4.4e Descrição da sessão IV de Renato
155
5.4.4f Conclusões dos resultados da sessão IV em momentos individuais
157
IV – CONCLUSÕES
159
6.1 RESULTADOS DA PESQUISA E O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA
159
6.2 IMPLICAÇÕES DO ESTUDO PARA A PESQUISA DE CRIANÇAS
163
6.3 IMPLICAÇÕES DO ESTUDO PARA A ESCOLA
164
REFERÊNCIA
165
ANEXOS
174
Anexo 1 – Protocolo de Observação de Creswell (1998)
174
Anexo 2 – Roteiro da entrevista da professora
174
Anexo 3 – Roteiro das entrevistas das mães dos alunos
174
11
Lista de Quadros
Quadro nº 1 – Organização do sistema do ensino fundamental do DF
43
Quadro nº 2 – Cinco crianças participantes da pesquisa
43
Quadro nº 3 – Professora da sala de aula pesquisada
44
Quadro nº 4 – Família das crianças participantes da pesquisa
44
Quadro nº 5 – Rotina do trabalho pedagógico das sessões em sala
47
Quadro nº 6 – Atividades das sessões coletivas e individuais
47
Quadro nº 7 – Interação da criança com a professora em sala
55
Quadro nº 8 – Interação da criança com os colegas em sala
56
Quadro nº 9 – Fala Egocêntrica
57
Quadro nº 10 – Produção gráfica livre em sala de aula e em atividades individuais
60
Quadro nº 11 – Atividades nas interações interpessoais da criança em casa
63
Quadro nº 12– A criança em atividades em casa
64
Quadro nº 13 – Avaliação da escola pesquisada
66
Quadro nº 14 – Processos de ensinar e aprender da professora Márcia
67
Quadro nº 15 – Trecho do episódio das crianças com a professora na 3ª sessão
70
Quadro nº 16 – Trecho do episódio de Daniel com a professora na 5ª sessão em sala
71
Quadro nº 17 – Trecho do episódio de Clara com colegas na 1ª sessão em sala
88
Quadro nº 18 – Trecho do episódio de Felipe com a professora na 1ª sessão em sala
90
Quadro nº 19 – Trecho do episódio de Felipe com os colegas na 1ª sessão em sala
91
Quadro nº 20 – Trecho do episódio de Renato com os colegas na 1ª sessão em sala
94
Quadro nº 21 – Trecho do episódio de Ana, Felipe, Daniel e Renato na 2ª sessão
99
Quadro nº 22 – Trecho do episódio de Daniel, Felipe e Renato na 2ª sessão em sala
103
Quadro nº 23 – Outro trecho do episódio de Daniel, Felipe e Renato na 2ª sessão
104
Quadro nº 24 – Trecho do episódio de Felipe com o Renato na 2ª sessão em sala
105
Quadro nº 25 – Trecho do episódio de Renato com a professora na 4ª sessão em sala
114
Quadro nº 26 – Trecho do episódio de Clara, Daniel, Felipe e Renato na 5ª sessão
121
Quadro nº 27 – Trecho do episódio de Felipe com a professora na 5ª sessão em sala
123
12
Lista de Figuras
Figura 1 Ana – Desenho e escrita livre em casa
75
Figura 2 Ana – Desenho e escrita livre em casa
75
Figura 3 Ana – Desenho e escrita livre em casa
75
Figura 2 Clara – Desenho e escrita livre em casa
77
Figura 5 Clara – Desenho e escrita livre em casa
77
Figura 6 Daniel – Desenho e escrita livre em casa
79
Figura 7 Daniel – Desenho e escrita livre em casa
80
Figura 8 Daniel – Desenho e escrita livre em casa
80
Figura 3 Felipe – Desenho e escrita livre em casa
82
Figura 10 Renato – Desenho e escrita livre em casa
84
Figura 41 Ana – Sessão 1
87
Figura 12 Clara – Sessão 1
89
Figura 13 Clara – Sessão 1
89
Figura 14 Felipe – Sessão 1
93
Figura 15 Renato – Sessão 1
95
Figura 16 Ana – Sessão 2
100
Figura 17 Clara – Sessão 2
102
Figura 18 Daniel – Sessão 2
104
Figura 19 Felipe – Sessão 2
107
Figura 20 Renato – Sessão 2
108
Figura 21 Ana – Sessão 4
111
Figura 52 Clara – Sessão 4
113
Figura 23 Renato – Sessão 4
116
Figura 24 Ana – Sessão 5
118
Figura 65 Clara – Sessão 5
120
Figura 26 Daniel – Sessão 5
122
Figura 27 Felipe – Sessão 5
126
Figura 28 Renato – Sessão 5
127
Figura 29 Ana – “Cocô de Passarinho”
130
Figura 30 Clara -– “Cocô de Passarinho”
131
Figura 31 Daniel – “Cocô de passarinho”
133
Figura 32 Felipe – “Cocô de Passarinho”
135
13
Figura 33 Renato – “Cocô de Passarinho”
136
Figura 34 Ana – “Nós”
139
Figura 35 Ana – “Nós”
139
Figura 36 Clara – “Nós”
140
Figura 37 Clara – “Nós”
140
Figura 38 Daniel – “Nós”
142
Figura 39 Daniel – “Nós”
142
Figura 40 Daniel – “Nós”
143
Figura 41 Daniel – “Nós”
143
Figura 42 Daniel – “Nós”
143
Figura 43 Daniel – “Nós”
143
Figura 44 Daniel – “Nós”
144
Figura 45 Daniel – “Nós”
144
Figura 46 Felipe – “Nós”
145
Figura 47 Felipe – “Nós”
146
Figura 48 Felipe – “Nós”
146
Figura 49 Renato – “Nós”
147
Figura 50 Ana – Animais
150
Figura 51 Ana – Animais
150
Figura 52 Clara – “Animais”
151
Figura 53 Clara – “Animais”
151
Figura 54 Clara – “Animais”
151
Figura 55 Daniel – “Animais”
152
Figura 56 Daniel – “Animais”
152
Figura 57 Daniel – “Animais”
153
Figura 58 Daniel – “Animais”
153
Figura 59 Felipe – “Animais”
155
Figura 60 Felipe – “Animais”
155
Figura 61 Renato – “Animais”
156
Figura 62 Renato – “Animais”
156
Figura 63 Renato – “Animais”
156
14
APRESENTAÇÃO
O foco principal de nosso trabalho consiste em estudar o desenvolvimento cultural
da criança de seis anos, enfatizando a utilização de ferramentas culturais como mediadoras
para a construção do conhecimento no início da escolarização.
Tendo em vista que esta criança está no primeiro ano do ensino fundamental, por
força de lei (Lei 11.114 de 16/05/05), estudamos as ferramentas culturais fala, desenho e
escrita presentes na construção de conhecimento típico desse primeiro ano de escolaridade
e no dia a dia da professora e dos alunos. Pesquisamos uma sala BIA I (sigla para o
primeiro ano do Bloco Inicial de Alfabetização) de uma escola pública situada em uma das
regiões administrativas do Distrito Federal, ao longo de um ano letivo.
Especificamente descrevemos e analisamos o processo de construção de
conhecimento da criança de seis anos mediado pelas ferramentas culturais enquanto modos
de comunicação oral, escrita e visual na produção infantil, em contexto sala de aula e
em momentos individuais, buscando as possíveis relações entre essas ferramentas,
considerando as práticas de letramento multimodal na escola e nos relatos das mães.
O primeiro ano do ensino fundamental, ampliado pela mudança da lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (1996/2005), incorpora o último ano da pré-escola da
educação infantil. Então, focamos o desenho e a oralidade, características marcantes das
crianças de seis anos; e a sistematização da escrita, tão enfatizada pela escola, sobretudo
nos primeiros anos do ensino fundamental.
Procuramos entender o processo de construção de conhecimento nas interações
adulto/criança e entre crianças durante atividades comunicativas no contexto de sala de
aula, tendo como base teórica a perspectiva da psicologia sociocultural. Nesta abordagem
da psicologia, entende-se que o desenvolvimento da pessoa está relacionado com os
processos de socialização dos quais participa desde que nasce, isto é, conjuntamente com
os membros da família, da escola e do grupo cultural em que vive, construindo significados
com a mediação dos sistemas simbólicos.
Entendemos o desenvolvimento de uma maneira geral como o processo de
transformação estrutural que acontece em decorrência da interação da pessoa em seus
ambientes, que, em determinado momento, sofre mudanças de estado que geram novas
15
mudanças em relação a esses ambientes, apresentando um novo estado de desenvolvimento
qualitativamente diferente do anterior (Valsiner, 1989). E entendemos os processos de
socialização ocorrendo nas inter-relações entre pessoas na comunicação e nas trocas de
significado em instituições sociais mediadas pelos sistemas simbólicos construídos nas
diferentes culturas a que pertencem. Esses processos apresentam dimensões cognitiva e
sócio-afetiva que embasam a dimensão de motivação que move as pessoas a agirem e a se
comunicarem segundo suas crenças e valores que produzem ou são produzidos nas trocas
socioculturais (Branco, 2006). Assim, as trocas entre crianças e adultos e as atividades
realizadas, variando em tempo e espaço, delineiam as formas pelas quais os participantes
se conhecem e se reconhecem, criam o elo entre o conhecimento de si e do outro, bem
como a construção de si e do outro. Esse processo é dinâmico, com rupturas e uniões
sucessivas. (Mollo-Bouvier, 2005).
A psicologia sociocultural vem sendo desenvolvida ao longo das últimas décadas
no ocidente, impetrando contemporaneidade à perspectiva histórico-cultural criada pela
psicologia marxista soviética de Lev Vigotski e Alexander Luria no início do século XX
(Wertsch, 1998). A importância de se ter essa base teórica está na necessidade de conhecer
quem é a criança de seis anos que pesquisamos em sala de aula. Nesta perspectiva,
consideramos que o uso das diferentes condições culturais nas inter-relações pessoais em
que a criança está envolvida pode fazer diferença em seu processo de desenvolvimento. A
criança concreta, em constantes transformações, vivendo no tempo atual marcado por
grandes evoluções tecnológicas, requer estudos que abracem os vários alcances
intrapsicológico-interpsicológico.
Compusemos nosso trabalho, apresentando nossa tese, a justificativa e os objetivos
da pesquisa empírica no capítulo da introdução. No capítulo II, construímos o referencial
que base a nossa tese. Explicitamos o desenvolvimento da criança de seis anos no
ensino-aprendizagem dos sistemas simbólicos desenho e escrita no contexto escolar à luz
das perspectivas da psicologia sociocultural e da pedagogia dialógica. Fazemos um estudo
sobre o uso e as funções das falas egocêntrica e comunicativa e do desenho na
sistematização da escrita, enfatizando os modos comunicativos oral, escrito e visual no
letramento multimodal. No capítulo III, apresentamos a metodologia da pesquisa
desenvolvida em uma região administrativa do Distrito Federal, os procedimentos de
construção das informações empíricas e de análise. Trazemos os resultados no capítulo
seguinte. Fazemos a descrição do estudo, a discussão dos resultados no penúltimo capítulo
e apresentamos nossas conclusões no último.
16
I – INTRODUÇÃO
Neste trabalho, defendemos que as produções gráficas livres, aquelas relativas a
desenhos e escritas iniciais acompanhados da fala, são utilizadas pela criança como
ferramentas culturais mediadoras na construção de conhecimento e na avaliação do que
é conhecido. Ao nosso ver, sendo o desenho um sistema simbólico que a criança de seis
anos usa amiúde, enfocamos seu papel mediador na relação comunicativa das crianças com
a professora, além da sua função planejadora na sistematização da escrita, concebida aqui
como o principal conhecimento desenvolvido em sala do primeiro ano do ensino
fundamental.
Assim sendo, questionamos o papel que o desenho desempenha na construção de
conhecimento enquanto ferramenta cultural. E, como o desenho e a fala, sendo ambos
livres expressões da criança, medeiam a construção da sistematização da escrita, dentre
outros tipos de conhecimento, na experiência de escolaridade dessa faixa etária.
Para iniciar a justificativa deste estudo, situamos historicamente o cenário de nossa
pesquisa na mudança na estrutura curricular da educação básica do Brasil
1
que extingue o
último ano da educação infantil e o transfere para a implementação de mais um ano no
ensino fundamental. Assim, a criança de seis anos passa a frequentar o primeiro ano dessa
etapa. Reconhecemos que, não obstante haver o ganho de um ano na obrigatoriedade e na
gratuidade do ensino público, esse fato tem desencadeado crises na transitoriedade da
criança pequena
2
para a criança escolar. Naturalmente, novas práticas pedagógicas
decorrem dessa mudança na lei e no funcionamento do ensino básico. As práticas
pedagógicas dos professores da educação infantil têm sido fortemente influenciadas pelas
crenças e valores das tendências de lidar com crianças dessa faixa etária. A escolarização
da criança pequena brasileira iniciou tardiamente em relação aos países desenvolvidos. Nos
anos quarenta e cinquenta do século passado, predominou a tendência assistencialista para
1
A Resolução 3 de 03/08/2005 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação que
regulamenta a Lei . 11.114 de 16/05/2005, torna obrigatório o início do ensino fundamental aos seis anos
de idade, e a Lei 11.274 de 06/02/2006, por sua vez, altera a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da
LDBEN, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº. 9.394, de 20/12/96, dispondo sobre a
duração de nove anos para o ensino fundamental.
2
Consideramos como criança pequena aquela que está na faixa etária de zero a seis anos e como criança
escolar, aquela de sete a onze anos.
17
tentar resolver o problema da alta taxa de mortalidade infantil, oferecendo-se assistência
médica às crianças. Com o passar dos anos, a escola passou a ser vista como um lugar onde
se tomava conta da criança para a mãe ir trabalhar
3
. No final dos anos setenta, a pré-escola
era vista como a solução dos proeminentes problemas da educação brasileira. Cursar a pré-
escola com função compensatória significava resolver o fracasso das crianças nas séries
inicias. (Kramer, 1995; Kuhlmann, 1998). Adotamos, no Brasil, essa tendência vinda dos
Estados Unidos. Naquele país houve a implantação de programas compensatórios como o
“Head Start” para ensinar as crianças pequenas das minorias raciais e sociais, com o
objetivo de evitar o seu fracasso nas séries adiantadas (Bruner, 2001). Essa perspectiva é
ainda fortemente enraizada na educação de nossos dias nas escolas públicas e privadas,
concebendo práticas pedagógicas da educação infantil próximas àquelas utilizadas nos
primeiros anos do ensino fundamental (Godoi, 2004), ou seja, o ensino sistematizado da
leitura e da escrita. Essa tendência se generalizou e resultou em uma lei que determina a
inclusão de crianças de seis anos no ensino fundamental.
Se, por um lado, a prática escolar determinou tal alteração, por outro, a
transitoriedade permanece quando o professor questiona o desenvolvimento cultural da
criança pequena de seis anos para aprender os conteúdos culturais do primeiro ano.
Considerando que a criança traz informações sobre a leitura e a escrita da sua vida
cotidiana, a diferença entre os contextos culturais de professores e alunos pode gerar
embates. Os choques culturais são inevitáveis em sala de aula (Lee, 2007; Matusov, Smith,
Candela & Keren, 2007). A crise se estabelece quando o professor age seguindo apenas
seus próprios referenciais sobre o desenvolvimento e aprendizagem da criança pequena,
muitas vezes não reconhecendo a criança concreta com quem lida diariamente como
interlocutor; juntos constroem uma nova ordem de cultura própria dessa sala de aula,
professor e crianças de seis anos.
Além da mudança da lei e da transitoriedade da criança pequena para a criança
escolar, outros fatores nos levaram a pesquisar o desenvolvimento cultural dessa faixa
etária. Novas perspectivas de alfabetização e letramento de crianças têm surgido a partir do
desenvolvimento da tecnologia da comunicação on-line e têm ampliado a nossa forma de
construir conhecimento gráfico, como os diferentes tipos de resolução em imagens, sons e
escrita pelos quais informações são veiculadas em multimídias, em tempo real, de qualquer
parte do planeta. É insuficiente conhecer a correspondência fonema/grafema. Devemos
3
Atualmente, essa tendência perdura em muitas escolas de crianças pequenas.
18
também acompanhar a leitura das imagens e utilizar as maneiras características da
comunicação social com vários interlocutores simultaneamente.
Nesse contexto, também as imagens cumprem a relevante função de comunicação
ao registrar os fatos instantânea e sinteticamente e ao constituir um instrumento cultural
veiculador de informação e notícias. A escola, enquanto local em que se exerce o
compartilhamento dos saberes construídos e daqueles que ainda estão sendo
estabelecidos, estando em plena era digital, tem necessidade de acompanhar as novas
relações que se estabelecem entre os modos comunicativos oral, visual e escrito para a
construção de conhecimento. Assim, enquanto uso social da escrita, os eventos de
letramento multimodal cumprem, atualmente, multifunções que alicerçam os
conhecimentos da criança que ingressa na escola trazendo as informações culturais
imagéticas, sonoras e escritas das comunidades em que vive, inclusive as virtuais.
Historicamente, as funções e usos da escrita e das demais formas de comunicação
têm mudado no decorrer do tempo. O ser humano enquanto ser social, em comunicação
com o outro desde os primórdios dos tempos, vem construindo as ferramentas necessárias
para essa comunicação. Como produtos dessa ação, não apenas essas ferramentas, mas
também outras foram sendo desenvolvidas nas diferentes culturas como instrumentos de
dominação da natureza e de subsistência. As construções materiais para a agricultura, a
locomoção, o armazenamento de bens e mercadorias, o registro de acontecimentos, a
ampliação dos sentidos, as representações de desejos e rituais expressas nos diferentes
tipos de registros, etc. vão modificando o ambiente, tornando-o produtivo e cultural. A
transformação do ambiente pelo ser humano vai dialeticamente promovendo mudanças
nele próprio. Não os sentidos se alteram, como o cérebro humano se adapta às
mudanças do comportamento primitivo para as formas culturais mais complexas, o que
inclui as habilidades, as estratégias de conduta e as adaptações dos símbolos culturais
criados (Luria, 1992b).
A humanidade construiu as ferramentas culturais, e a criança se desenvolve
culturalmente ao gerar mecanismos externos, ou seja, símbolos e ferramentas culturais de
comunicação pela sua ação, e/ou se apropriar dos existentes, para estabelecer suas relações
com a família, a comunidade, a escola e com os objetos de conhecimento.
De maneira geral, a criança aprende ativamente os modos de comunicação
culturais, tais como a oralidade, a escrita e o visual (incluindo-se neste o desenho). Nesse
sentido, compreendemos que, na atividade de aprender (El’Konin, 2000) em contexto
escolar e em interação com outras pessoas, a criança aciona os mecanismos e ferramentas
19
culturais (diálogo, acesso à informação, livros, papel e lápis coloridos, por exemplo)
necessários à construção de conhecimento. Esses mecanismos são diferenciados pela ação
da criança. Quando predomina a atividade lúdica, ela pode utilizar um objeto para
representar outro realizando um gesto significativo com esse objeto (Vigotski, 1998a). Na
fala, ela constrói a significação do objeto por meio de elementos sonoros; no desenho, por
meio de imagem; na escrita, por meio de signos gráficos convencionados.
Entendemos que a criança, desde o nascimento, encontra-se em interação com o seu
grupo por meio de gestos que se tornam significativos pela leitura do outro. Da mesma
forma, a criança com desenvolvimento típico constrói gradualmente a fala estando em
contato comunicacional com falantes. As pessoas conversam com a criança mesmo quando
ela ainda não se expressa oralmente da mesma forma que os adultos, e essa experiência faz
com que ela negocie os significados veiculados naquelas cadeias sonoras que escuta.
Entender os contextos e as situações em que as pessoas falam também auxilia a criança a
começar a compreender o que dizem (Bruner, 1997). A fala é o primeiro dispositivo
cultural mais organizado da criança. Por meio dela, a criança planeja a ação e a brincadeira
de faz de conta, que, por sua vez, é uma forma lúdica e característica da comunicação
infantil. A criança sentido à fala e à ação sobre os objetos que imita e, também, aos
papéis sociais e culturais dos outros que ela procura interpretar (Vigotski, 1998a, 1998b).
Na cultura ocidental, enquanto a criança desenha, ela brinca, fala, gesticula. E por
isso é importante conhecer essas formas simbólicas, porque ela nomeia, constrói ilusões e
as revela no desenho. E, para escrever, a criança brinca, fala, gesticula e desenha. Ela se
depara com os significados e seus respectivos significantes, quando representa diretamente
com desenhos e quando usa a fala como elo intermediário. É importante levar em conta a
atividade de aprender (El’Konin, 2000) dessas atividades simbólicas que estão sempre em
construção com o outro, para que haja significações nos atos da criança, por exemplo, a
compreensão dos desenhos, o diálogo sobre eles, o entendimento das tentativas de escrita
pelo adulto. A conquista da escrita vem por último; no entanto, não é o fim do processo,
mas apenas o começo do uso cultural desses sistemas simbólicos considerados
instrumentos indispensáveis de acesso à informação disponibilizada pelos diversos meios
de comunicação modernos.
Na perspectiva da psicologia sociocultural do estudo do desenvolvimento humano,
os processos da escrita e do desenho infantis têm uma trajetória na vida da criança que, em
nossa cultura, se intercalam em determinado momento; por exemplo, na perspectiva
vigostskiana, o desenho é uma das formas iniciais de escrita. Apesar de esses processos
20
expressarem modos de comunicação distintos, o visual e o escrito, do ponto de vista da
leitura de mundo, a criança identifica, entre outros aspectos, significados lúdicos e papéis
desempenhados pelos personagens por intermédio das imagens dos textos, principalmente
enquanto ainda não dominou por completo a ferramenta cultural da escrita alfabética.
Neste caso, o desenho desempenha uma função de antecipar o entendimento da
escrita pela leitura das imagens, mas existem outras relações entre esses processos. O
professor pode apresentar ilustrações sobre temas escolares às crianças como uma
estratégia para a ampliação de conhecimento, por exemplo, trabalhar com animais: habitat,
hábitos alimentares e de vida; e a criança pode desenhar o que aprendeu (Dominguez,
2006). O desenho pode ser um organizador da escrita; a criança desenha, faz uma
sequência de cenas, e isso a ajuda a escrever sobre o que desenhou.
Em suma, na produção de desenhos e escritas livres, a criança pode usar a
brincadeira, gestos e fala para comunicar suas vontades, suas expectativas, suas
significações, que, por sua vez, também são geradas nas trocas comunicativas e afetivas
que estabelece com os adultos e com outras crianças desde que nasce. Como, na nossa
cultura, ela pode frequentar a escola de educação infantil desde bem pequena, é também
nesse espaço que está se desenvolvendo.
É no contexto das novas condições de socialização das crianças de seis anos no
ensino fundamental que buscamos observar e estudar as produções de desenho e de
escrita acompanhadas da fala, com as seguintes indagações:
1. Quais os usos e as funções que a fala, o desenho e a escrita da criança, enquanto
ferramenta cultural mediadora, desempenham na construção de conhecimento em sala
de aula, no coletivo e individualmente?
2. Como a professora e as mães promovem os desenhos e escritas das crianças nos
contextos escolar e familiar?
A partir desses questionamentos, pesquisamos uma sala de BIA I em uma escola
pública de uma região administrativa do Distrito Federal, ao longo de oito meses.
Gravamos nossas sessões em áudio e vídeo, registramos situações de fala, desenho e
escrita das crianças na sala de aula, focando as cinco selecionadas a partir da disposição
de seus pais de nos concederem entrevista. Além das gravações no contexto da sala com
os outros colegas e com a professora nos momentos de atividades de desenho e escrita,
fizemos quatro atividades individuais envolvendo as cinco crianças: com produções
gráficas livres de reconto de dois livros infantis; escrita livre sobre o tema de animais; e
21
diálogo sobre desenho e escrita livre feitos em casa.
Nosso objetivo geral é descrever e analisar os sistemas simbólicos: a fala, o
desenho e a escrita de crianças de seis anos, enquanto ferramentas culturais mediadoras
para a construção de conhecimento, nas interações professora/crianças, criança/criança e
criança/si mesma produzidas no contexto de sala de aula do ano do ensino
fundamental e em momentos individuais.
Nossos objetivos específicos são:
A. Identificar os usos e as funções da fala, do desenho e da escrita livre e as possíveis
relações estabelecidas entre eles, na construção de conhecimento nas interações
criança-professora, criança-criança e criança-si mesma no contexto de sala de aula e
nas atividades individuais.
B. Caracterizar as condições de socialização das crianças na escola e em casa que
promovem as atividades de desenho e escrita.
22
II – A FALA, O DESENHO E A ESCRITA DA CRIANÇA DE SEIS ANOS
Na contemporaneidade, verificamos as imagens sendo utilizadas de múltiplas
formas e exercendo várias funções em diferentes contextos culturais (Anning & Ring,
2009; Calkins, 2002; Cameron, 1997; Colello, 2007; Dyson, 2008; Norris, Reichard &
Moukhatari, 1997; Oken-Wright, 1998). Ao enfocarmos estudos da psicologia sobre o
desenvolvimento do desenho das crianças no ocidente, verificamos que, desde o início do
século passado, a preocupação com a linguagem peculiar do desenho da criança, por
criar traços, nomear e demonstrar sentimentos. Além disso, ao nos reportarmos aos
trabalhos de Vigotski (1998a) e Luria (1988), podemos visualizar o desenho exercendo
outras funções. Esses autores estudaram o desenho enquanto ferramenta cultural que
auxilia o desenvolvimento das relações entre as funções psicológicas elementares e
superiores como, por exemplo, a memória, como fez Luria em seu experimento, ao
disponibilizar material para a criança registrar traços e desenhos para poder, depois,
lembrar palavras, frases ou história utilizadas pelo pesquisador. Além de o desenho mediar
a construção de conhecimento e apoiar a sistematização da escrita, a criança consegue
conhecer os conteúdos de um livro infantil, de uma enciclopédia ou de multimídias
mediada pelo modo de comunicação visual, pelas ilustrações e animações, otimizadas,
quando possível, pela intervenção do outro com a leitura dos textos. A criança aprende
com as ilustrações e mostra com desenhos o que aprendeu e como está interpretando o
mundo.
A criança interage com o outro nas mais diversas situações socioculturais,
despendendo esforços para compreendê-lo e interagir com ele: a sua fala se modifica ao se
regular na fala do outro, e seu desenho e suas tentativas de escrita também se modificam
para ser compreensível ao outro. Ao longo do desenvolvimento, as regulações e as trocas
são geradas em condições contextuais diferenciadas, assim como os esforços despendidos
pela criança para a comunicação. Em sua singularidade, em relação com as práticas
culturais, cada criança desenvolve suas próprias fases de desenvolvimento dos modos de
comunicação.
23
Portanto, o direcionamento da agencialidade
4
da criança na comunicação com o
outro é evidenciada por sua participação como membro em diversos contextos: a família, a
escola e a comunidade. O meio familiar se constitui de tradições e de sistemas semióticos
estabelecidos pelos adultos e em construção pela criança. Desde bem pequena, ela usa sua
crescente capacidade interpretativa para participar dessas práticas culturais. O papel ativo
infantil em situações de comunicação a ajuda a entender e modificar os contextos sociais
dos quais participa, por meio de um processo construtivo. Cada criança cria significados
pessoais limitados pelos recursos que lhe são disponibilizados por outra pessoa em situação
específica do coletivo cultural (Corsaro & Rosier, 1992, Corsaro, 2009).
2.1 DESENVOLVIMENTO CULTURAL
A criança em processo de desenvolvimento é marcada por mudanças que ocorrem
em sua formação biosociopsicológica relacionadas aos momentos históricos e às condições
socioculturais em que ela se encontra e às variadas inter-relações de aprendizagens
estabelecidas com o meio e com as outras pessoas do grupo do qual faz parte. Neste
trabalho, o momento que particularmente nos interessa é quando a criança está construindo
a linguagem escrita, tendo a influência da fala social e egocêntrica e do desenho, enquanto
modos de comunicação no contexto escolar da educação infantil e do primeiro ano do
ensino fundamental. Por ser histórica, essa construção é um processo traçado a partir das
influências culturais e sociais de nossas tradições orais e letradas.
O processo de desenvolvimento cultural da criança se relaciona à aprendizagem do
uso dos sistemas simbólicos como ferramentas culturais, entre eles, a linguagem, a escrita e
as imagens. Esse processo avança à medida que a criança pequena vai compreendendo o
uso e as funções dos mediadores instrumentais e simbólicos, atribuindo-lhes novas funções
como meio de atingir seus objetivos.
Os usos e funções das ferramentas culturais podem ser observados em situações
experimentais de resolução de problema dado à criança, por exemplo, que envolva a
função psicológica elementar de memória. A solução ultrapassa sua capacidade natural de
resolvê-lo quando inclusão de um signo na direção da solução, funcionando como uma
ferramenta cultural de realização da operação psicológica subjacente ao problema. Uma
criança pode pegar uma figura, fazer uma associação e conseguir lembrar do que era
preciso; outra pode não entender essa relação ainda. A que fez o uso de símbolos auxiliares
para lembrar criou dispositivos internos em seu desenvolvimento cultural que ajudam a
4
O que caracteriza a agencialidade é a "possibilidade de o agente estabelecer diferenciados níveis de auto-
reflexão sobre a sua experiência, responsabilizando-se por ela (Mieto, 2010, p.6; Castro & Rosa, 2007)".
24
aumentar a função de memória (Luria, 1992a, 1992b). O que difere uma criança de outra é
a operacionalização da ferramenta mediadora para solucionar o problema (Vigotski,
1994a): quanto mais elaborada for a ação de uso auxiliar de ferramentas culturais, maior
será a complexidade dos dispositivos internalizados da criança, chegando ao ponto de
dispensar o uso de mediadores.
O destaque do desenvolvimento cultural no desenvolvimento infantil como um todo
está na possibilidade de ensino-aprendizagem, isto é, na intervenção do adulto ou de uma
criança mais experiente, disponibilizando as situações e os recursos materiais na
sistematização dos conteúdos necessários à mediação das ferramentas simbólicas na
construção de conhecimentos de cada criança na experiência comum coletiva ou
individual.
Nessa perspectiva, o papel da escola ganha importância porque o professor e as
outras crianças podem ativar as Zonas de Desenvolvimento Proximal (ZDP)
5
em situações
de ensino-aprendizagem com a criança, negociando a solução da tarefa. As condições
auxiliares envolvem o fornecimento de pistas, desenhos, narrativas, enfim, novos caminhos
culturais que levem à solução do problema. Na escola, as díades professor-aluno e aluno-
aluno facilitam o processo de ensino-aprendizagem, pois nessas relações são
desencadeadas as ZDPs, ou seja, zonas de desenvolvimento onde se situa o que está em
processo de construção, que permitem ao professor atento melhor compreender e
promover, por meio do ensino, o desenvolvimento de seus alunos (Vigotski, 1998a). O
ensino aciona as ZDPs e auxilia a criança a dominar os usos e funções das ferramentas
culturais mediadoras, canalizando a construção de conhecimento.
A organização do ensino, que possibilita formas variadas de a criança aprender,
contribui para seu desenvolvimento cultural. Estudos contemporâneos sobre a
aprendizagem têm valorizado a ação da criança sobre os objetos de conhecimento em sua
atividade de aprender (El’konin, 2000; Davydov, 1995). Esta atividade se observa
predominantemente na criança escolar do ensino fundamental, quando o ensino começa a
ser mais sistematizado. Nesse sentido, enfatizamos que a efetiva construção de
conhecimento de objeto cultural em sala de aula se apresenta em uma dinâmica entremeada
por contradições em que descrição, correlação imagem-objeto ou qualquer atividade sobre
5
Os processos de desenvolvimento e de aprendizagem são inter-relacionados, a aprendizagem privilegia as
relações sociais, porque são essas trocas que ativam os processos embrionários do desenvolvimento. Desse
modo, consideram-se dois níveis: o Nível de Desenvolvimento Real (NDR), os conhecimentos construídos
pela criança, e o Nível de Desenvolvimento Proximal (NDP), aquilo que a criança constrói com a ajuda de
outro mais experiente. É nesse espaço entre NDR e NDP que se situa a Zona de Desenvolvimento Proximal
(Lev Vigotski, A formação social da mente, 1998).
25
o objeto é feita com/pelo aluno e não apenas pelo professor e/ou autor do livro escolar, de
forma artificial e congelada no tempo (Ilyenkov, 1974).
O conhecimento característico do ano do ensino fundamental é a sistematização
da escrita, não apenas entendida como ensino da técnica de codificar fonema/grafema, mas
como início do processo de construção da compreensão e da produção textual; isto é, como
processo conceitual que requer entendimento de seus usos e funções, como objeto existente
na sociedade e, portanto, na escola (Ilyenkov, 1974).
Nessa perspectiva, a criança lida ativamente com o objeto de conhecimento. Isso
quer dizer que ela se encontra em atividade de aprender cuja função está em descobrir
regras, em aplicar o conteúdo oferecido pela escola, em querer participar das tarefas com o
assunto apresentado sob a orientação do professor e, principalmente, em mudar o objeto
para poder compreendê-lo. Para a criança pequena, na educação infantil, a atividade
preponderante é lúdica, de brincar (El’konin, 2000, Davidov, 1995), o que não a impede de
utilizar as funções do brincar para aprender (Barbato, 2008). Assim, a sistematização da
escrita na escolaridade da nossa criança de seis anos considera essa dinâmica do aprender e
do brincar ao apresentar a escrita a ela de várias maneiras: envolvendo diversão, relação
imagens e letras nos recontos de livros, conhecimento real de sons e letras e tarefas que
contenham ação sobre a escrita – produção de elaborações gráficas livres, narrativas,
registro de passeios, entre tantas outras. Enfatizamos, ainda, que esta forma de a criança
aprender o objeto escolar cultural amplia a compreensão, a ação e a modificação ativa do
objeto com a participação e a troca de experiências com o outro em interação com as
outras crianças e o professor – pelos modos de comunicação no coletivo da sala de aula.
2.2 PEDAGOGIA DIALÓGICA
No ambiente escolar, a atividade da criança em desenvolvimento cultural e as
trocas dialógicas na construção do conhecimento requerem qualidade de diálogo, inclusive
a possibilidade de o professor escutar o aluno. A pedagogia dialógica considera a escola
como uma microcultura na qual se dão as interações interpessoais mediadas pela fala,
principalmente nas salas de aula – espaços onde ocorrem as atividades especificas de
ensino, organização do trabalho docente, discente, do tempo, assunto, avaliação, rotinas,
entre outras (Alexander, 2003, 2005). Defendemos que o dialogismo ocorre nas relações
professor-aluno quando ambos podem falar e ser ouvidos, desde que e não predomine o
discurso pedagógico de pergunta-resposta por parte do professor e, às vezes, sem muita
atenção à fala da criança (Pontecorvo; Ajello & Zucchermaglio, 2005, Bruner, 2001).
26
A escola é uma microcultura, enquanto uma organização que distribui funções,
poderes e desempenha vários papéis para promover a educação da população da
comunidade em que está situada. Ela recebe, em seu interior, crianças, professores,
funcionários de variadas camadas sociais e falantes de variantes da língua com modos de
vida peculiares. Os diálogos que se travam no ensino-aprendizagem estão imbricados nessa
diversidade cultural, pois a cultura se constitui como resultado do embate nas interações
interpessoais colaborativas, das negociações de significados, dos acordos e dos desacordos
(Matusov & cols., 2007; Lee, 2007).
Quando levamos em conta a diversidade cultural, as diferentes formas de aprender
e operar com o objeto e as ferramentas culturais, quando ouvimos a criança num ensino
significativo, estamos considerando-a agente e construtora de significados, ajudando-a a se
construir enquanto sujeito.
Então, entendemos as crianças e seus interlocutores como agentes que têm a
possibilidade de escolha e os atos intencionais nas negociações. O self (si-mesmo) e o
início da construção dos elementos do processo de identificação, na infância, constituem a
dinâmica entre a agencialidade da criança, as práticas discursivas e os contextos
socioculturais, especialmente a escola. Dentre as práticas discursivas, podemos considerar
o desenho e a escrita inicial da criança de seis anos, porque ambos são formas de a criança
se comunicar com o outro, principalmente quando fala sobre o que produziu. No caso do
desenho, ao desenhar a criança não somente representa algo, mas ao falar sobre ele, coloca
no jogo a imaginação e a socialização infantis através da linguagem (Hawkins, 2002).
Considerando esses argumentos, o aprender perpassa a construção do si-mesmo, do
self, as relações do ser consigo mesmo. Até mesmo nessas relações o ser humano é
constituído na cultura em que participa no que chamamos de self dialógico (Hermans,
2001), ou seja, a dinâmica do diálogo entre o self e a cultura em que ambos assumem
várias posições entre si. Não o self incluído na cultura como a cultura incluída no self.
Do self empírico, tudo aquilo que se pode chamar de meu, minha, tanto relações com
coisas materiais, como com pessoas (concreto e abstratamente), para o self expandido ao
contexto, traz como conseqüência a noção de self de múltiplas vozes. O self dialógico
assume várias posições do “eu”; podemos imaginá-las em modelos circulares em cuja parte
interna pode estar, por exemplo, o “eu” mãe, professora, determinada e desfrutadora da
vida; na externa, o contexto, meus filhos, meu marido, meus amigos, meu trabalho, meus
alunos. Esses modelos circulares, reproduzidos num diálogo entre interlocutores, servem
para entendermos as relações estabelecidas entre eles, de tal modo que partes dos modelos
27
terão intersecção, gerando áreas justapostas que determinam um tipo de diálogo,
consciente ou não, com concordância ou não. Seriam áreas de compartilhamento, que
podem diminuir ou aumentar dependendo da frequência, do conteúdo, dos fatores culturais
das relações dialógicas interpessoais.
A negociação na construção dos significados que se nessas trocas dialógicas
interpessoais e intrapessoais ocorre numa dinâmica dialética de utilização de signos verbais
e não-verbais. Neste sentido, reconhecemos que os seres humanos, quando representam e
demonstram suas experiências, usam os mecanismos de comunicação, os signos, os
sistemas simbólicos, para partilhar as experiências com os outros, dados no tempo e no
espaço (Valsiner, 2005). O fator afetivo dessas relações, demonstrado por emoções e por
atos intencionais, está presente no indivíduo quando das trocas simbólicas entre o objeto e
seu significado. As emoções são os signos da agencialidade do self por constituírem um
sistema de atos afetivos incorporados em esquemas intencionais de ação (Rosa, 2007).
Para entender os sistemas simbólicos, recorremos à semiótica enquanto ciência que
estuda os signos e as formas como são usados pelos seres humanos. Se, na perspectiva da
psicologia, os significados dos objetos e dos eventos são construídos por nossa mente
buscando uma racionalidade (Rosa, 2007), as noções de primariedade, secundidade e
terceridade da semiótica do norte-americano Charles Sanders Peirce se relacionam com a
nossa consciência como modos de ser (Rosa, 2007; Valsiner 2007). Em primariedade,
coloca-se a idéia de qualidade; em secundidade, o fato real e, em terceridade, as leis gerais
(do futuro). Podemos dizer que são os sentimentos sentidos e imaginados, as reações de
resistências aos fatos exteriores, o sentido de aprendizagem e pensamento,
respectivamente. O mais importante é o resultado da combinação desses três tipos de
consciência na construção de significado, feito por meio de semiose. A semiose é uma
tríade que relaciona o signo (imagem, gesto, sinal) com o objeto a que se refere por meio
da ação de um agente que estabelece sentimentos e processos entre os dois primeiros. O
termo sentimento vem da idéia mediação, ato de vontade, regra ou até mesmo de hábitos.
O signo também pode ser identificado como ícone, índice e símbolo; o primeiro representa
algo em si mesmo; o segundo, alguns indícios remetidos desse signo; e o terceiro, algumas
relações estabelecidas pelo interpretante, bem como as convencionadas pela sociedade
(Rosa, 2007). Reforçando que o símbolo depende do caráter arbitrário dos sistemas de
signos em relação aos seus referentes, constituindo-se como linguagem ordenada por
regras (Bruner, 1997).
A dinâmica da semiose permite que os signos se transformem e sejam
28
transformados (Valsiner, 2007). Um símbolo pode se transformar em outro signo por meio
de ícones que podem mudar-lhe o conceito. A semiose possibilita as diversas relações
entre a produção de símbolos e significações de índices que são estabelecidas pelas pessoas
nos vários sistemas simbólicos existentes na cultura em que vivem.
Neste trabalho, os conceitos de self e suas relações com os processos semióticos são
pressupostos na elaboração e uso de instrumentos nos contextos da atividade humana como
mediação instrumental simbólica (Vigotski, 1998a; Luria, 1988), também chamada de
unidades culturais, que organizam os conjuntos conceituais e materiais, tais como os
acontecimentos, objetos físicos, interações pessoais e discursos. Essas unidades são
organizadoras básicas da cultura e da cognição (Cole, 1992). Por exemplo, a escrita é uma
unidade cultural fundamental para o desenvolvimento humano quando a criança cresce em
contextos em que as pessoas têm atos de escrita, desempenham o papel de escritores e
leitores e usam os materiais necessários para isso. Ela dispõe também das imagens que
concebem diretamente as coisas e os seres que a criança busca representar.
Assim, a escrita vem transformar a compreensão da criança quanto ao significado
cultural de desenhar, ler e escrever. Os sistemas semióticos são as ferramentas de que as
pessoas dispõem para interagir umas com as outras em sua sociedade (Valsiner, 2007).
Enquanto parte do sistema intrapessoal do indivíduo, a linguagem falada guia as formas
como ele interpreta, sente e formula suas expressões e, principalmente, como interage com
os outros que participam de uma cultura. Os sistemas simbólicos estão imbricados na
cultura e, portanto, nos contextos em que os indivíduos vivem. Os usos e funções sociais
desses sistemas simbólicos variam de lugar para lugar. A escrita, por exemplo, pode ser os
registros escritos dos feitos de seus membros, ou comunicação entre pessoas que encurta
distâncias, ou forma de poder de quem sabe ler e escrever. É importante que a função
social do sistema de escrita seja compartilhada entre os membros do grupo.
Além disso, a escrita é uma unidade cultural fundamental para o desenvolvimento
humano. Quando a criança cresce em contextos, principalmente no meio urbano, em que as
pessoas têm atos de escrita, ela desempenha o papel de escritora e leitora e usa os materiais
necessários para isso. A criança lança mão também das imagens, das coisas e dos seres os
quais busca representar. Assim a escrita vem ampliar a compreensão da criança sobre si
mesma, os outros e o mundo.
2.2.1 Letramento Multimodal
Na década de noventa, começamos, efetivamente, a utilizar o termo letramento para
29
os usos sociais da escrita (Barbato, 2007; Kleiman, 1995), relacionando as práticas
coletivas e individuais. Em sociedades com tradição letrada, a escrita tem início com a
inserção da criança nas práticas familiares e comunitárias (Kleiman, 1995). O processo de
letramento de uma criança retrata as práticas sociais e as funções de escrita presentes na
comunidade em que vive, de acordo com as situações concretas em que a escrita é
utilizada. A criança experiencia as tomadas de decisão junto com o outro depois que este
outro lê. Assim, quando vai para o contexto escolar aprender a ler e escrever, a criança vai
relacionando o que conhece da escrita de suas experiências de casa com as da escola e
vice-versa (Barbato, 2007, Scholze & Rösing, 2007).
Atualmente, a democratização do acesso à informática e às multimídias no mundo
globalizado tem provocado uma reviravolta nas formas de utilizarmos os diversos modos
comunicativos oral, escrito e visual. Os diferentes tipos de resolução em imagens, sons e
escrita pelos quais as informações estão sendo veiculadas em tempo real têm ampliado
“glocalmente”
6
(Canclini, 2003) a nossa forma de construir conhecimento gráfico,
mudando e expandindo, assim, nossa conceituação em alfabetização e letramento.
Adotamos o termo “letramento multimodal” por abarcar a pluralidade de meios de que
dispomos para produzir e ler textos de gêneros multifuncionais, isto é, aqueles que
combinam diferentes sistemas simbólicos (Descardeci, 2002; Dyson, 2008).
É importante que a escola, enquanto espaço em que se exerce a negociação de
saberes consolidados com aqueles que estão em construção, em plena era digital,
acompanhe os novos usos e funções dos modos oral, escrito e visual como mediadores da
aprendizagem e da escrita de seus alunos.
Assim, enfocando a fala, o desenho e a escrita como sistemas simbólicos que estão
imbricados na cultura e, portanto, nos contextos em que os indivíduos aprendem e vivem,
torna-se relevante reconhecermos que os usos e funções sociais desses sistemas e as
relações construídas entre eles variam de lugar para lugar e ao longo da história cultural.
2.2.2 A história da figuração humana
Do mesmo modo que buscamos compreender, a partir dos pressupostos do
dialogismo e da polifonia, os usos culturais e as funções sociais dos sistemas simbólicos e
suas mudanças no tempo histórico, é importante conhecermos a origem da representação
figurativa humana e suas tendências, para nos ajudar a clarificar o caráter semiótico e
cognitivo dos sistemas externos de representação (escrita, desenho e notação numérica) e a
6
Glocal se refere às práticas culturais e suas inter-relações nos espaços global e local.
30
sua construção pelas crianças.
É importante constatar que essa evolução gráfica da humanidade parece estar
direcionada, primeiramente, à possibilidade de objetos representarem ações humanas,
indícios de decoração de corpos com objetos que sugerem rituais religiosos (datados em
50.000 a.C). Mais tarde, aparecem os primeiros ossos marcados com incisões que parecem
conter certa repetição configurando um suposto registro numérico (35.000 a.C) (Martí,
2003; Tolchinsky, 1997). Parece haver a evolução dessas marcações tridimensionais para
as primeiras figurações bidimensionais feitas pelo homem (situadas entre os anos de
30.000 a 8.000 a.C) onde existe uma correlação entre o objeto e sua representação, que,
com o passar do tempo, evoluíram do esquematismo para o realismo. Os desenhos
esquemáticos, feitos por traços significativos do objeto, da situação ou das pessoas a que se
designam, para os desenhos mais perfeitos e parecidos com o modelo da representação.
Para completar essa análise histórica, os sistemas arbitrários (a escrita e notações
numéricas) apareceram de 10 a 20 mil anos após os primórdios figurativos.
Chama nossa atenção que o desenvolvimento do desenho da criança, descrito por
vários autores (Derdyk, 1994, 2003; Lowenfeld & Brittain, 1977; Luquet, 1979; Piaget &
Inhelder, 1990; Wallon, 2005), aparentemente se na mesma sequência em que se deu a
evolução das representações gráficas da humanidade
7
. Isto é, inicia-se com desenhos
esquemáticos, elaborados com poucos traços significativos do objeto, da situação ou das
pessoas (badameco) e evolui para desenhos mais detalhados e parecidos com o modelo da
representação. Entretanto, o desenvolvimento cultural das representações gráficas de
algumas civilizações não as levou necessariamente à evolução histórico-cultural da escrita
ou de notações matemáticas, o que sugere existir certa independência nesses processos,
ainda que ambos se fundamentem em criação semiótica de representações e tenham vários
aspectos que podem se combinar de diferentes maneiras. É o caso da escrita pictográfica,
quando as etapas iniciais da escrita infantil encontram-se entrelaçadas com o
desenvolvimento do desenho. A criança pequena representa objetos, animais e pessoas por
meio de figuras, usando poucos traços, como no caso do badameco, que pode ser
considerado como um tipo de alfabeto do léxico gráfico (Pinto & Bombi, 1999), que se
assemelham a letras ou números enquanto signos representando referentes.
2.3 O DESENHO, A ESCRITA E A FALA
O desenho é uma expressão da função simbólica que se concretiza na relação entre
7
Entretanto, pautamos estas duas linhas históricas de evolução no princípio da espiral de Vigotski (1998) em
que os significados e fazeres sugerem ser os mesmos, porém são diferenciados historicamente.
31
o indivíduo e a cultura, na sua história. As famílias e os professores disponibilizam papéis,
lápis, giz de cera como meios culturais com os quais a criança pequena desenha. E, por
estar inserida em interações com um mundo de imagens desde o seu nascimento, ao longo
dos anos a criança supera as marcas iniciais, aquelas aleatórias sem intenção de representar
(garatujas), para construí-las enquanto objetos semióticos.
O início dos estudos especificamente sobre o desenho da criança se deu no começo
do século XX. A partir de então, a linha de raciocínio que vem sendo seguida retrata a
criança passando por um processo de desenhar cujo objetivo final é representar diretamente
os objetos e os seres de modo mais próximo da realidade. O principal precursor desses
estudos e que exerceu forte influência na maioria de psicólogos, educadores e estudiosos
de arte que tratam de desenho infantil foi o francês Georges-Henri Luquet (1979). Todas as
fases por ele nomeadas continham a palavra realismo marcando o que a criança produzia
em relação à realidade; por exemplo, na fase do realismo fortuito, o desenho da criança não
tem intenção de representar alguma coisa determinada.
Um aspecto importante destes estudos foi o trabalho de descrição e análise de
muitos desenhos de crianças. Entretanto, não se pode afirmar que todas as crianças
precisam necessariamente desenhar com traços de desenvolvimento semelhantes, até
porque não há desenhos iguais entre elas (Cola, 2003), o que, para nós, parece estar
relacionado com o fato de o desenvolvimento do desenho depender da história em que essa
atividade é desenvolvida na cultura: quais seus usos e suas funções na família e na escola;
da forma e disponibilidade que a criança de materiais gráficos e visuais; da frequência com
que isso acontece; e das interações com o outro para poder nomear e produzir seus objetos
simbólicos, aqueles traços e figuras que representam os seres, as coisas e as relações entre
eles.
Apresentamos, a seguir, uma linha de desenvolvimento do desenho, enfatizando os
pontos importantes dessa descrição e advertindo que a criança cria desenhos de forma ativa
nas condições socioculturais em que está envolvida e pode apresentar ou não o percurso
relatado a seguir. Alguns estudos recentes vêm apontando nessa mesma direção (Anning &
Ring, 2009; Ferreira, 2005; Iavelberg, 2006; Silva, 2002).
Ao percorrermos a tradição na descrição do desenvolvimento da criança nos
estudos mais divulgados, encontramos o movimento que é considerado a origem dos
traços. Diversos autores chamam de garatujas, isto é, rabiscos infantis, os resultados de
ações de rabiscar desordenadamente para frente, para trás e desobedecendo aos limites da
folha (Piaget & Inhelder, 1990; Wallon, 2005). Os movimentos se aprimoram com o
32
aumento da produção das garatujas desordenadas gerando garatujas ordenadas e circulares.
A criança brinca desenhando, fala sobre seus rabiscos e gosta de mostrá-los ao outro. As
garatujas ordenadas foram catalogadas em até vinte formatos distintos, como linhas,
espirais, círculos, cruzes (Kellogg, 1984).
A extensão da produção da garatuja ordenada, aliada à demanda do adulto por
tentar relacionar os desenhos a possíveis referentes, desencadeia na criança o desenhar de
células, ou melhor, o fechamento dos rabiscos em pequenos círculos. Quando a criança
começa a controlar seus traços e nomear seus desenhos, temos o primórdio da figuração;
desta saem gatos, cachorros, pessoas, carros, entre outras coisas. O falar e o nomear
ajudam a criança a construir conhecimento sobre as coisas de seu cotidiano com o outro,
mesmo quando ela conta duas histórias sobre o mesmo desenho.
A construção do círculo gera o início do esboçar a figura humana: ao desenhar
pessoas e animais, parte do círculo para fazer a cabeça. O primórdio do desenho do ser
humano é chamado de badameco, uma grande cabeça da qual todas as outras partes do
corpo podem sair (Derdyk, 2003; Piaget & Inhelder, 1990). O badameco é um esquema
que se basta para representar a figura humana. A percepção infantil tem uma configuração
global, isto é, não se atém às partes nem às relações entre elas (Piaget &; Inhelder, 1990;
Vigotski, 2003). Está mais interessada na ação de desenhar do que no resultado que vê. O
que ela produz de forma esquemática tem a ver com o que é típico das coisas que
representa. Por exemplo, para uma criança, ter cabeça, olhos e pés é suficiente para ver,
andar e passear (Vigotski, 2003). Assim, a criança coloca os atributos conceituais do
modelo que quer desenhar, mesmo que ainda utilize formas esquemáticas. Ela parte da
representação que construiu do objeto, sem vê-lo (Piaget & Inhelder, 1990).
Quando a criança desenha de memória, ela não tem preocupação com a cor nem
com o formato dos referentes que vai representar. Por exemplo, se for desenhar a mãe,
conta com a memória, não precisa do modelo. É o caso do desenho radiográfico ou Raio-
X, ou transparência, em que vemos o desenho da casa com a mobília dentro, as pernas
através das calças, ou os dois olhos no rosto de perfil (Lowenfeld & Brittain, 1977; Luquet,
1979; Piaget & Inhelder, 1990; Vigotski, 2003). A criança indica que passa a se preocupar
com as partes que compõem o todo, ao registrar no desenho todas as informações de que
dispõe sobre o objeto.
A passagem do desenho de memória para a utilização do que é percebido
visualmente pela criança anuncia uma mudança qualitativa. É como se a mão que desenha
fosse uma extensão dos olhos. Assim, nota-se a preocupação infantil com a representação e
33
a semelhança formal entre imagem e modelo. A criança retrata o real nos desenhos que faz
e coloca com mais clareza as influências da cultura e dos valores, tanto na expressão dos
personagens, quanto nos locais e objetos (Lowenfeld & Brittain, 1977; Luquet, 1979;
Vigotski, 2003). A representação espacial se aprimora, pois a criança passa a se preocupar
com a linha do horizonte no papel. Ela se atém às relações entre seu desenho e os objetos
que quer retratar, as cores são colocadas cada vez mais relacionadas às coisas, não aceita
fazer desenho que considera feio por não estar semelhante ao modelo original. Ou, diante
de um modelo mais difícil de desenhar, a criança se recusa a fazê-lo. É um dos motivos
pelos quais a criança maior para de desenhar, aliado ao fato de existir uma demanda
escolar maior por atividades de leitura e escrita e a ausência de mediação artística no
currículo das escolas.
Observamos que, ao longo da escolaridade, apenas algumas crianças continuam
desenhando por seus próprios meios (Lowenfeld & Brittain 1977; Luquet 1979; Vigotski,
2003). Para a maioria delas, a mudança em seus desenhos depende do desenvolvimento de
habilidades específicas e técnicas e do acesso a materiais e locais adequados à construção
do desenhar artístico (Martin & Ravestin, 2006).
No entanto, ao considerarmos a teorização contemporânea sobre o desenvolvimento
sociocultural (Valsiner & Rosa, 2007), defendemos que o processo de desenvolvimento
cultural do desenho pode variar de criança para criança, sem precisar ser classificada por
fase do grafismo, como defendem os estudos da maioria dos autores citados neste texto.
Consideramos que as crianças são diferentes em história de vida, interesses, desejos,
experiências com objetos culturais e características para desenhar. Se certa regularidade
na relação dos traços do desenho com a idade cronológica, provavelmente estão
relacionadas com crianças que vivem em condições socioculturais, e com demandas
técnicas e comunicativas semelhantes, por parte de seus interlocutores. Nesta perspectiva,
as crianças não deveriam ser submetidas a critérios de classificação lineares em suas
produções de desenho e de escrita. Para nós, no momento atual de construção das
interações dos modos comunicativos na produção de conhecimento na e sobre a escrita,
torna-se mais importante desenvolvermos estudos sobre a construção do processo de
simbolização de cada criança em sua singularidade enquanto participante de uma cultura,
considerando-se as interpretações construídas sobre os usos e funções do desenho em
relação à aprendizagem da escrita nas demandas interativas nos diversos contextos.
Da mesma forma que vemos o uso e as funções do desenho como expressão
comunicativa, podemos afirmar que houve mudanças nos usos e funções do desenho como
34
mediadores na aprendizagem do sistema alfabético de escrita e nas produções textuais dos
alunos nos primeiros anos de escolarização. Escrita e desenho são modos de comunicação
gráfica e visual que seguem linhas de desenvolvimento que, inicialmente, podem se
confundir, mas que, com o passar do tempo e das várias inserções e participações da
criança no mundo letrado e digital, passam a trilhar linhas próprias, direcionando a
simbolização icônica de um lado, e o sistema de notações linguísticas e numéricas de outro
(Pinto & Bombi, 1999).
Em relação à escrita, Ferreiro e Teberosky (1986)
8
estudaram o processo de
construção do sistema de escrita alfabética considerando que a criança, de maneira ativa,
busca informações sobre os objetos de conhecimento nos atos de leitura e escrita nas
relações sociais e no meio em que vive. Em seus estudos de crianças em fase pré-escolar,
as autoras perceberam que todas passam por um processo de apropriação da escrita formal
e, buscando as regularidades entre as hipóteses de escritas das crianças, identificaram
várias fases desse processo.
Consoante a preocupação de não dividirmos o desenvolvimento da escrita em
etapas universais, adotamos em nossos estudos a perspectiva sociocultural que aborda a
linguagem escrita (Barbato, 2007, 2008; Cavaton, submetido; Pontecorvo & cols., 2005)
enquanto sistema simbólico e arbitrário. Inicialmente, foi definida por Vigotski (1998a),
que estabeleceu uma relação que se constrói desde o gesto, a ação de brincar, o desenho,
até a escrita formal com signos. Para esse autor, os gestos são a escrita no ar. Quando a
criança se expressa, geralmente usa dramatizações, demonstrando por gestos o que ela
mostraria nos desenhos, sendo os traços apenas suplementos dessa representação gestual.
Em seguida, os gestos são simbolizados nos jogos infantis, um objeto simula outro através
de um gesto representativo. Em outras palavras, um pedaço de madeira pode se
transformar num bebê no processo de imaginação infantil, porque a criança sentido à
ação de segurar.
Seguindo esse raciocínio, Vigotski (1998a) defende o papel do desenho como um
dos primórdios da escrita. Ele notou que, quando a criança libera seus repertórios através
do desenho, ela o faz à maneira da fala, contando uma história. Assim, para ele o desenho é
uma linguagem gráfica que surge tendo a linguagem verbal como base. Desenvolve-se em
8
No Brasil forte influência dessas autoras no cenário da alfabetização. Uma delas é o Diagnóstico de
Psicogênese, que alguns sistemas de ensino m adotando, entre eles o do Distrito Federal (GDF, 2007;
Grossi, 1990), para classificar crianças pelas fases descritas por Ferreiro e Teberosky. Para este trabalho
escolhemos enfocar outra linha de raciocínio sobre a escrita, por rechaçarmos essa conduta equivocada e
discriminatória de crianças.
35
relação dialética com a fala e com outras formas de mediação semiótica por significar
graficamente os objetos referentes, que também são representados por sons da fala.
Luria (1988) observou que o desenho da criança tornava-se linguagem
concretizada, quando representava simbolicamente algumas frases mais ou menos
complexas em seu estudo experimental com crianças que ainda não sabiam escrever. A
tarefa consistia em fazê-las relembrar certo número de frases utilizadas pelo pesquisador e,
como previsto em estudos de desenvolvimento psicológico, ele introduziu elementos que
dificultavam a tarefa. Neste caso, o número de frases excedia a capacidade das crianças de
recordar, a fim de levá-las a criar novas ferramentas mediadoras para concluir a atividade
com sucesso. Papel e lápis foram entregues a elas, para que pudessem utilizá-los como
recurso de memória. Luria observou que, inicialmente, as crianças desenhavam traços
significativos para elas e que, gradualmente, iam colocando figuras e desenhos ocupando
espaços diferenciados do papel. As mais velhas utilizavam signos próximos aos
utilizados na escrita. As crianças conseguiam lembrar-se das frases, porque davam sentido
às anotações gráficas representadas.
Assim sendo, a construção infantil do conceito de escrita passa da linguagem
pictográfica, com desenhos, para a ideográfica, na qual as relações e os significados são
representados por sinais simbólicos abstratos. Essa transição se concretiza quando a
criança coloca a mediação da fala na criação de sinais escritos, representativos dos
símbolos das palavras. Para tal, a criança faz a grande descoberta: pode desenhar não
somente objetos, mas também a fala. O importante no ensino da união da fala e da escrita é
organizar e preparar adequadamente essa transição, essa descoberta, e aperfeiçoar o
método para o desenvolvimento da escrita (Vigotski, 1998a). Chamamos essas descobertas
de produções gráficas livres, aquelas que a criança produz ao simbolizar, por meio de
expressões gráficas, as relações com objetos culturais internalizadas das experiências em
novos processos interativos (Vigotski, 1998a), quase sempre acompanhadas da fala.
Além de a fala desempenhar um papel importante como um sistema simbólico de
que a criança dispõe, a fala comunicativa com as pessoas (interpsicológica) que a cercam
também serve de base para o desenvolvimento de outros sistemas simbólicos, aparece nos
desenhos como se contasse uma história e nas escritas iniciais, quando a criança escreve
como fala. Outrossim, no âmbito intrapsicológico, a fala é reguladora da ação infantil,
porque a criança passa a organizar seus atos por meio dela. É o caso da fala egocêntrica,
que não é apenas falar sobre o que se está fazendo, mas buscar a solução para uma situação
36
vivida. Isso configura uma ação psicológica complexa (Vigotski, 1987a, 1998a; Luria,
1987).
Neste trabalho, utilizamos a fala egocêntrica com a função, apresentada por
Vigotski (1987a, 1998a), de auto-regulação da criança e de regulação das ações,
reconhecendo ser Piaget (1993) quem propôs a denominação egocêntrica, quando observou
que as crianças falavam mais para si, sem se preocupar com o outro. Entretanto, a função
vigotskiana desse tipo de fala tem o caráter de organizar, de planejar a ação da criança.
Além disso, a fala egocêntrica de uma criança pode desencadear diálogo entre os colegas
que estão por perto dela, ao se interessarem pelo assunto veiculado nesse enunciado.
Estudos contemporâneos (Berk, 1994, 2006; Berk & Spuhl, 1995; Montero, Dios &
Huertas, 2001; Winsler, Diaz & Montero, 1997; Winsler & Naglieri, 2003) sugerem as
funções vigotskianas da fala egocêntrica nas crianças que falam para si mesmas na
realização de atividades cotidianas e escolares. Quando a criança encontra dificuldades na
realização de tarefas, sua fala funciona como auto-regulação e assume, gradativamente, o
controle do que antes era exercido com a ajuda do adulto no desenvolvimento e na
execução de tarefas, trabalhando como ZDP. Outra função encontrada para a fala
egocêntrica está relacionada com a melhora de aproveitamento da tarefa realizada pelas
crianças pequenas que usaram livremente essas falas. Além dessas funções, esses estudos
confirmam que, na estratégia de fala das crianças pequenas, predomina a fala egocêntrica
externalizada; depois, com o tempo, o predomínio passa a ser da fala parcialmente
externalizada, com manifestações labiais ou sussurros; em seguida, a preponderância da
fala interna.
Vigotski (1987a) sugere que a fala egocêntrica pode entremear a fala interna. As
crianças mais velhas, no ensino fundamental, agem sobre as dificuldades de modo
diferente das mais novas da educação infantil, predominando a resolução em silêncio. A
internalização da fala, que antes era a forma externalizada de pensar alto, é o princípio do
pensamento autístico, justificando a importância teórica da fala egocêntrica para o
desenvolvimento do pensamento humano. As crianças de seis anos, por exemplo, por
estarem no período de transitoriedade de criança pequena para a escolar, podem apresentar
as três estratégias de fala acima apresentadas, com predomínio ora da fala egocêntrica, ora
dos murmúrios e movimentos labiais, ora em silêncio; portanto, do pensamento
internalizado.
2.4 AS TRÊS FERRAMENTAS CULTURAIS INFANTIS NO CONTEXTO ESCOLAR
37
Partindo da pedagogia dialógica, o diálogo da criança com os interlocutores, seja
nas diversas formações de grupos (pequenos, médios, ou com toda a classe) na sala
(Pontecorvo & cols., 2005), seja com o professor, favorece a troca de significados e a
construção de conhecimento. Nesse contexto, as trocas comunicativas não-verbais fazem
parte do diálogo (Bonica, 2008; Branco, Pessina, Flores & Salomão, 2004). De um lado,
temos a gramática da ação e da emoção (Español, 2004, 2005), ou seja, as trocas de
olhares, o “chegar junto” entre crianças e professor. De outro, os desenhos: por meio deles
é possível conhecer as características culturais do coletivo em que as crianças vivem
(Gobbi, 2007; Hawkins, 2002; Mckay & Kendrinck, 2001), assim como as idiossincrasias
(os aspectos individuais), além de o desenho infantil, à sua maneira, transmitir alegria,
tristeza, frustrações, confiança, pela função de comunicação do desenho (Kitahara &
Matsuishi, 2006; Pillotto, Silva & Mognol, 2004)
Entretanto, o desenho, sendo simbolismo infantil denotando os objetos, os seres e
as relações entre eles, e por se configurar como um documento singular com informações
infantis transmitidas, nem sempre pode ser entendido sem a mediação da fala infantil. Se,
por um lado, o professor pergunta à criança o que está desenhado, e ela pode achar que seu
desenho precise de tradução, por outro, o canal de diálogo que se abre entre eles é
importante para fazer com que a criança se preocupe em figurar, fabular e imaginar para
atender às demandas do interlocutor, e para interpretar o que fez. Essa interpretação
possibilidade à criança de explicitar os significados das coisas e das relações entre as
pessoas por meio de imagens, como ela faz na fala com os sons e com as letras na escrita.
Apesar de sua importância, nem o desenho nem a fala têm representado um
componente curricular na escolarização inicial de crianças. Os educadores estão
preocupados em seguir currículos oficiais que, geralmente, não incluem o desenho como
um fator importante no desenvolvimento cultural infantil. Essa ausência, ou o privilégio da
escrita sobre o desenho (Moreira, 2002), causa prejuízos tanto às crianças pela
desvalorização dos saberes, das escolhas e dos interesses pessoais como aos professores
– pela perda da oportunidade privilegiada de ampliar seus conhecimentos sobre seus
alunos. E, principalmente, por não atender ao desenvolvimento do letramento multimodal
(Dyson, 2008; Kendrick & Mckay, 2004), no qual os usos e funções do modo visual e
gráfico vêm mudando e criando novos olhares em direção às produções gráficas livres das
crianças, às oportunidades de livre atuação com imagens, letras, movimentos e brincadeiras
que as apoiem na construção de textos originais, como os propostos no experimento de
Luria (1988; Contijo & Leite; 2002; Bonoti, Vlapos & Metallidou, 2005).
38
2.4.1 As produções gráficas livres como união entre desenho, escrita e fala
As figuras ou os escritos, enquanto livres produções gráficas infantis, representam o
conhecimento de objetos e práticas culturais, as intenções, as escolhas e os esforços
intelectuais da criança em realizá-los. A liberdade é escolher entre as variadas formas
gráficas, para criar suposições de como uma palavra pode ser escrita. Podem ser rabiscos,
desenhos, letras ou algo parecido com elas, e acompanhados ou não de fala. Para fazer suas
produções gráficas livres, a criança utiliza uma gama de recursos construídos a partir de
suas experiências imagéticas, textuais, lúdicas e linguísticas. Os desenhos das letras do
nome são, muitas vezes, o primeiro repertório que a criança conhece, porém ele é
suficientemente capaz de criar futuras possibilidades de escrita, seja pela motivação da
criança em usar as letras do próprio nome, seja por vontade de conhecer outras letras do
nome dos familiares, ou até mesmo do professor ou da escola. O contato amiúde com seu
nome, embora desconhecendo a relação fonema/grafema, faz com que consiga reproduzi-lo
graficamente (Levin, Both-de Vries, Aram & Bus, 2005; Chan & Lobo, 1992; Bosco,
2005; Teberosky, 1989).
O que também pode aparecer nas produções gráficas livres são as experiências com
materiais escritos em vários gêneros, e principalmente os livros literários infantis são
fontes de alimentação do imaginário da criança e de conhecimento da língua materna. A
fábula e a história em quadrinhos são gêneros de texto que utilizam as ferramentas
simbólicas multimodais, tais como a fala, o desenho e a escrita. Também, no livro infantil,
o uso das imagens como uma ferramenta cultural: a criança apreende o conteúdo do
livro pela interpretação que dá às ações dos personagens do livro que aparecem nas
imagens, à disposição do texto na folha e ao gênero textual. Além disso, a função das
imagens pode suscitar nas crianças o desejo de saber o que está realmente escrito não
abaixo das ilustrações que interpreta (Dyson, 2008; Michalopoulou, 2001; Rateau, 2001).
Assim também acontece quando está interagindo com diferentes tipos de textos disponíveis
na Internet e nos jogos eletrônicos em que a animação gráfica apresenta fala, escrita e
música, as três dimensões agindo simultaneamente.
As crianças podem utilizar ferramentas simbólicas multimodais, quando, por
exemplo, estão brincando livremente, e uma delas escreve uma história por meio de
desenhos representando uma narrativa oral gerada na brincadeira conjunta de todas
(Dyson, 2008). A possibilidade de inventar e de realizar suas produções gráficas livres está
relacionada com o desenvolvimento da capacidade criadora, isto é, com aquilo que é
cunhado pela imaginação e pela fantasia infantil. A relação sutil entre o real e o imaginário
39
gera um movimento conflituoso e constante em que ora a criança se situa num plano, ora
no outro (Held, 1980).
A fala exerce uma função importante nas produções gráficas livres contextualizadas
no letramento multimodal. A íntima relação entre fala, aprendizagem e experiência social
faz com que a criança fale para si mesma em voz alta para organizar sua atividade gráfica,
nomeie o que vai fazer e conte a história de seu desenho, ou para solucionar problemas que
se apresentam, por exemplo, quando tem que colocar uma letra na sua escrita. É a fala
egocêntrica exercendo a ação psicológica complexa, pois, por meio dela, a criança organiza
seus atos. A fala egocêntrica nem sempre se manifesta de forma compreensível, porque a
criança esquematiza, fala para si e por meias palavras, mas é suficientemente precisa para
orientar-se em momentos de dificuldade (Berk, 1994).
A presença constante de desenhos infantis e de diálogos nas produções gráficas
livres das crianças amplia as práticas de letramento multimodal por organizar os textos
utilizando vários sistemas simbólicos. Mesmo em práticas de escritas sistematizadas pelo
professor, o desenho aparece porque a criança prefere desenhar em vez de escrever, ou
expressa que não se sente competente em escrever, mas sim em desenhar (Colello, 2007,
Sildelnick & Svoboda, 2000; Power, 1997). Enfatizamos que o desenho exerce a primeira
função comunicativa de representar uma ideia de forma diferenciada da escrita, podendo
ter interpretações mais abrangentes ou mais restritas, e bastar por si só. Muitas vezes a
criança
9
consegue melhor se expressar, colocar um pensamento mais completo, por meio
de imagens do que se sente apta a fazer com a escrita. Esse fato acontece com crianças de
diferentes idades e escolaridade.
A outra função do desenho em atividades de letramento multimodal é planejar a
escrita, mesmo de aluno alfabetizado. Neste caso, a partir de novas práticas culturais,
passou-se a observar crianças desenharem para dar fluxo à escrita, como se o desenho
servisse de andaime, ou scaffolding (Bruner, 1975; Matusov & cols., 2007), à organização
das idéias a serem escritas. É o desenho exercendo uma tarefa organizadora, sugerindo
semelhança à que a fala egocêntrica exerce na ação infantil. O desenho pode funcionar
como um resumo da história que se quer escrever ou como um ensaio para o texto, com
idas às figuras e volta à escrita em momentos de dificuldades e/ou de novas idéias que
surgem (Baghban, 2007; Caldwell & Moore, 1991 Calkins, 2002; Colello, 2007; Oken-
Wright, 1998). Nesta perspectiva, estudos mostram que o desenho pode aumentar o
9
Como o artista plástico também.
40
desempenho na escrita, pois a criança escreve uma história que lhe foi contada
anteriormente, em interação com o professor, pais ou outra pessoa, com mais entusiasmo e
riqueza de detalhes quando primeiro desenha sobre ela. Uma explicação possível é o fato
de a criança ter a seu dispor, atualmente, apelos comunicativos multimodais de toda ordem,
como cartazes, filmes, desenhos animados, programas de computador, tornando-a mais
sensível às várias linguagens (Cameron, 1997; Norris & cols., 1997).
Em suma, as relações entre desenho e escrita se modificam ao longo da história
cultural. Se, por um lado, os estudos tradicionais enfatizam os desenhos como
representações infantis da realidade adulta, por outro, subestimam que a criança os utilize
como instrumentos de expressão de sentimentos e ações, de semiose, que medeiam a
transformação de sua relação com o objeto, consigo mesma, com o outro e com o mundo.
Ao considerarmos os recursos comunicativos disponíveis na contemporaneidade,
defendemos que os novos usos sociais de imagens contribuíram para a emergência de
diferentes funções mediadoras do desenho na construção do conhecimento oral e escrito no
início do processo de alfabetização. A criança faz uso de suas experiências imagéticas e
escritas para poder ler livros, textos na Internet, brincar com os jogos eletrônicos e criar
produções gráficas livres.
Tendo em vista a reflexão apresentada neste trabalho, concluímos, a partir das
perspectivas da psicologia sociocultural e da pedagogia dialógica, que as relações
professor/aluno, aluno/aluno no processo de alfabetização possibilitam o desencadeamento
de novas funções mediadoras do desenho em eventos de letramento multimodal. Essas
situações geram ZDPs em que a criança produz textos livres ou sistematizados em diversos
gêneros, em que, além de utilizar símbolos arbitrários em suas composições gráficas,
adquire outras habilidades necessárias à produção textual em gêneros multifuncionais.
41
III – METODOLOGIA
Utilizamos a abordagem qualitativa de pesquisa para examinar os processos
educativos a partir da psicologia do desenvolvimento. Esta abordagem busca facilitar a
descoberta de fenômenos novos e conexões inesperadas e desenvolver conceitos sobre as
informações empíricas, além de enfatizar a singularidade do sujeito em desenvolvimento
(Mey, 2000). Optamos por utilizar a observação (Creswell, 1998) e as entrevistas
semiestruturadas, levando em conta, que na observação, se estabelece uma relação especial
entre o observador e os participantes e que, na entrevista, o pesquisador e o entrevistado
constroem juntos o discurso, guiados pelos limites culturais de interpretação de um certo
evento (Branco & Valsiner, 1997).
Considerando que o presente estudo empírico trata do desenvolvimento cultural
infantil, procuramos obter informações por meio da observação do processo de construção
de conhecimento das crianças de seis anos mediado pela fala, pelo desenho e pela escrita
em experiência de ensinar e aprender a leitura e a escrita no primeiro ano do ensino
fundamental. Gravamos nossas observações em áudio e vídeo com o intuito de poder revê-
las para a seleção de episódios, que constituem nossa unidade de análise.
As entrevistas, gravadas em áudio, com a professora e os pais, tiveram as
finalidades de colher informações para caracterizar os contextos escolar e familiar e
também de conhecer os processos de socialização em que as crianças vivenciam as
ferramentas culturais.
Quanto à unidade de análise, optamos por delimitar e descrever episódios que
esclarecessem o objeto de estudo dentre as situações de diálogo e interação vivenciadas
pelos participantes e delimitadas pelo tempo e pelo local (Lacasa, 2001; Lemke, 1990;
Linell, 1998; Wells, 2005; Wersch & Sammarco, 1985). Portanto nossos episódios
envolvem situações em sala de aula e momentos individuais em que os participantes
realizam atividades com a utilização da mediação de ferramentas culturais na
sistematização da escrita, o conhecimento típico do primeiro ano do ensino fundamental.
42
3.1 ESTUDO EMPÍRICO: DESCRIÇÃO DA PESQUISA
Inicialmente, providenciamos o encaminhamento do projeto de pesquisa para
aprovação na Secretaria de Educação do Distrito Federal e no Comitê de Ética da
Faculdade de Ciências, sob o processo 099/2007. Após aprovação nos órgãos acima
citados, obtivemos e documentamos a permissão e a ciência da instituição escolar para a
realização da pesquisa. Fizemos um Estudo Exploratório na sala da pré-escola
10
no final do
ano anterior à pesquisa propriamente dita, com a finalidade de conhecer as crianças,
possíveis participantes do BIA I, sua rotina de atividades e horários da escola, além de nos
familiarizarmos com o uso dos equipamentos de gravação. Por exemplo, experimentar os
posicionamentos da câmera para melhor capturar imagens da movimentação das crianças e
da professora na sala, bem como aprender a dispor os gravadores nas mesas, para captar os
diálogos não captados pela câmera de vídeo. As informações empíricas desse estudo não
foram tratadas nem analisadas, pois as crianças observadas não permaneceram juntas na
sala do BIA I que pesquisamos no ano seguinte.
3.1.1 Contexto
Escolhemos como localidade de nossa pesquisa a região administrativa do Distrito
Federal que foi pioneira na proposta BIA – Bloco Inicial de Alfabetização, que a implantou
em 2005 como projeto piloto antes mesmo da concretização da mudança da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Optamos pela escola em que algumas
pesquisadoras do grupo estavam desenvolvendo um projeto de pesquisa guarda-chuva
intitulado O processo de ensino-aprendizado da leitura e da escrita de crianças de seis
anos incluídas no ensino fundamental de nove anos, com apoio do CNPq, edital Ciências
Humanas 61/2005. Contamos com uma professora da escola para intermediar nossas
inserções, identificando dentre as colegas do BIA quem gostaria de participar e permitir
nossos estudos em sua sala de aula.
O programa BIA, Bloco Inicial de Alfabetização, é o nome dado pela Secretaria de
Estado de Educação do Distrito Federal, SEEDF, às primeiras séries do ensino
fundamental de nove anos de duração. O BIA I é o primeiro ano desse bloco, destinado às
crianças de seis anos de idade. Para melhor entendimento, apresentamos o quadro abaixo,
que informa a estrutura e a nomenclatura adotadas pelo sistema educacional do Distrito
Federal, com base na Resolução 3, de 03/08/2005, da Câmara de Educação Básica do
10
Segundo a LDBEN/1996 com a mudança de 2005, a educação infantil é a primeira etapa da educação
básica. Ela é oferecida em creche para crianças de zero a três anos e em pré-escola, de quatro e cinco.
43
Conselho Nacional de Educação do MEC:
A escola pesquisada tem 18 salas de aula e funciona em dois turnos. Apresenta
decoração de painéis em algumas paredes, feita pelas professoras e pelas crianças,
geralmente relacionada com a comemoração de acontecimentos do calendário escolar. Não
parquinho, apesar de ter pré-escola com crianças de quatro e cinco anos. O lugar de
recreação tem dimensão quadrada e piso em concreto. A sala de aula do BIA I dispõe de
chão em cimento liso, com janelas de correr em ferro, armário e mesa da professora, outro
armário de gavetas para acomodar o material do projeto “Ciência em Foco”, sete mesas em
fórmica para quatro lugares, típicas de pré-escola. As paredes possuem cartazes afixados
com o alfabeto; uma série de cartazes contendo as letras do alfabeto associadas aos
desenhos. Por exemplo, a letra A e a figura de uma abelha. Há outros contendo as letras, os
desenhos e as palavras escritas, e um cartaz de pregas contendo livros de histórias.
3.1.2 Participantes
Cinco crianças de seis a sete anos do BIA I: Ana, Clara, Daniel, Felipe e Renato
11
. O
quadro abaixo mostra a frequência das crianças nas sessões e onde cursaram a pré-
escola:
Quadro nº 2 – Cinco crianças participantes da pesquisa
Frequência Nas Sessões
Criança
Coletivas
Individuais
Cursou Pré-Escola
Ana
Presença em todas
Presença em todas
Nessa escola
Clara
Presença em todas
Presença em todas
Nessa escola
Daniel
Faltou na 1ª, 4ª, 7ª E 8ª
Presença em todas
Em outra escola
11
Os nomes das crianças e da professora são fictícios.
Quadro nº 1 – Organização do sistema de ensino
fundamental do DF
Ensino Fundamental da
Res. nº 3 CNE/CEB
Sistema do DF
1º ano
2º ano
3º ano
Bloco de Inicial de
Alfabetização
4º ano
4º ano
Anos
Iniciais
5º ano
5º ano
6º ano
6º ano
7º ano
7º ano
8º ano
8º ano
Anos
Finais
9º ano
9º ano
44
Quadro nº 2 – Cinco crianças participantes da pesquisa (continuação)
Frequência Nas Sessões
Criança
Coletivas
Individuais
Cursou Pré-Escola
Felipe
Faltou na 4ª
Presença em todas
Nessa escola
Renato
Presença em todas
Presença em todas
Nessa escola
Professora Márcia do BIA I. O quadro abaixo mostra a caracterização da professora
quanto à formação acadêmica e aos anos de docência na escola pesquisada:
Quadro nº 3 – Professora da sala de aula pesquisada
Professora Márcia
Formação
acadêmica
Graduação em história e pedagogia; cursos de educação continuada e
duas pós-graduações à distância: educação infantil e ensino especial.
Docência
11 anos com criança pequena no diurno nesta escola e, eventualmente,
com jovens e adultos no ensino de história no noturno.
As mães das cinco crianças. O quadro abaixo mostra o resumo das informações
colhidas nas entrevistas que caracterizam as famílias de cada criança:
Quadro nº 4 – Famílias das crianças participantes da pesquisa
Criança
Composição das famílias
e idades dos irmãos
Escolaridade dos pais
Mãe
trabalha
Moradia
em relação à
escola
Pai
até a 7ª série
Ana
Pai, mãe e 4 filhos
Irmão (12) e 2 irmãs
(9 e 4)
Mãe
até a 2ª série
Não
Próxima
Pai
Ensino médio
Clara
Pai, mãe e 2 filhos
irmão (3 meses)
Mãe
Ensino médio
Comércio
próprio
Longe
Pai
Ensino médio
Daniel
Pai, mãe e 2 filhos
irmã (16)
Mãe
Ens. fundam.
Comércio
próprio
Próxima
Pai
Ensino médio
Felipe
Pai, mãe e filho
sem irmãos
Mãe
Ensino médio
Não
Próxima
Pai
Ensino médio
Renato
Pai, mãe e 3 filhos
2 irmãos (7 e 5)
Mãe
Ens. fundam.
Não
Próxima
3.1.3 Critérios de escolha dos participantes
A escolha da classe do BIA I se deu pela aceitação da professora em participar da
pesquisa. Como houve apenas uma pretendente, não foi preciso aplicar outro critério de
escolha. A seleção das crianças se deu pela aceitação dos pais em conceder entrevista,
assinar os termos de compromisso para participar e permitir que seus filhos participassem
da pesquisa.
45
3.1.4 Instrumentos e materiais
Os instrumentos utilizados nesta pesquisa são o protocolo de observação livre
(Creswell, 1998), (Anexo 1), primeiro, “o que está acontecendo?” anotações descritivas
sobre as atividades desenvolvidas e as interações interpessoais em cada sessão; em
seguida, “o que isso significa?”, anotações reflexivas sobre as observadas; e a entrevista
semiestruturada com as mães e com a professora (Roteiros nos Anexos 2 e 3).
Os equipamentos são uma filmadora digital, um tripé, dois gravadores digitais,
minifitas de vídeo, DVDs, Tv, vídeo, computador; materiais escolares produzidos pelas
crianças e os livros de literatura: Cocô de passarinho e Nós, de autoria e ilustração de Eva
Funari, das editoras Companhia das Letrinhas e Global, respectivamente. Escolhemos os
livros, dentre os que conhecíamos, por suas funções diversas. O primeiro, “Cocô de
passarinho”, por ter sido a primeira atividade desenvolvida com as crianças no princípio da
pesquisa e pela narrativa simples, com um tipo de linguajar pouco usual em atividades em
sala de aula, promovendo um ambiente descontraído. O livro transgride as regras da boa
educação e imprime cumplicidade entre a pesquisadora e as crianças. No segundo livro,
“Nós”, utilizado no mês 9, a narrativa é mais detalhada e significativa, traz surpresas e
desfechos inusitados como, por exemplo, a personagem do livro que, em vez de chorar de
tristeza, fazia nós no dedo da mão e em outras partes do corpo. Os livros foram escolhidos
também pela qualidade das imagens, com o objetivo de ajudar as crianças na ampliação da
leitura. As figuras, conjuntamente com o gênero da história e com a nossa narrativa,
visaram a suscitar o letramento multimodal.
3.1.5 Procedimentos de construção das informações empíricas
O Estudo Exploratório revelou-se útil à tomada de decisões metodológicas, ou seja,
ajudou-nos a definir e ajustar nossos procedimentos a fim de melhor atender nossos
objetivos. Primeiramente, verificamos que as atividades de desenho e escrita realizadas
separadamente no Estudo Exploratório resultaram em produções gráficas livres com
desenho, mas sem escrita livre. Consequentemente, solicitamos à professora do BIA I que
trabalhasse a relação entre desenho e escrita.
Ao assistirmos as gravações, percebemos que deveríamos juntar as crianças
observadas, em uma mesa ou no máximo em duas, de modo a facilitar e concentrar a
construção de informações empíricas. Notamos também que seria interessante ter
momentos individuais com as crianças participantes, fora da sala de aula e em situações de
atividades propostas por nós, pois nos daria possibilidade de escutá-las e acompanhá-las no
46
processo de elaboração de suas produções gráficas livres.
Com o objetivo de estudar o ano do BIA I, fomos à escola no primeiro mês de aula,
entretanto não pudemos começar a pesquisa, porque a direção da escola nos pediu para
voltar somente no mês 4 do ano oficial, quando já teriam solucionado problemas de
mudanças de turno e de professor, na organização do BIA. Além disso, nesse mês, as
turmas estariam definidas e haveria a reunião de pais, momento ideal para obtermos as
devidas autorizações para o estudo.
Assim, no mês 3, contatamos a professora interessada em participar de nossa
pesquisa e negociamos com ela os procedimentos a serem feitos a partir do mês seguinte.
A nossa primeira inserção se deu na reunião bimestral com os pais, na qual lhes
explicamos a pesquisa esclarecemos sobre a pesquisa. Aproveitamos esse dia para fazer
algumas entrevistas. Das oito mães que aceitaram participar, duas foram entrevistadas
nesse mesmo dia e três na semana seguinte. As demais não compareceram aos encontros
agendados. A definição das cinco mães determinou os cinco participantes a serem
observados: duas meninas, Ana e Clara e três meninos, Daniel, Felipe e Renato.
3.1.5.1 Entrevistas com a professora e as mães das crianças
Entrevistas semiestruturadas com a professora e as mães (Roteiros Anexos 3 e 4).
Entrevista com a professora do BIA I
Conversamos com a professora do BIA I no mês 7 durante 30 minutos. O objetivo
da entrevista foi obter informações sobre sua formação acadêmica e sua experiência
profissional em relação a desenho e escrita.
Entrevista com as mães
Utilizamos a linguagem informal para entrevistar as mães dos alunos. Os diálogos
gravados duraram em média 15 minutos. A finalidade foi caracterizar as famílias das
crianças pesquisadas e os processos de socialização no contexto familiar em relação ao
desenho e à escrita.
3.1.5.2 Sessões em sala de aula do BIA I
A professora foi informada de que nossa pesquisa visava à relação entre desenho e
escrita das crianças em sala de aula e que ela poderia planejar as atividades de acordo com
sua prática cotidiana. Efetivamente, foram tratadas oito sessões das nove gravadas; foi
desconsiderada uma atividade proposta pela professora na qual não se conseguiram
produções gráficas livres das crianças. Cada sessão tem uma hora de observação em sala
de aula, nos meses 5 a 11 do ano oficial. Optamos por duas inserções em cada um dos
47
meses 5 e 6 para que as crianças da sala se familiarizassem com os procedimentos de
pesquisa, com a utilização da filmadora e dos gravadores e com nossa presença. Em
comum acordo, a professora preparou a atividade nos primeiros 60 minutos de aula no dia
de nossa gravação. As cinco crianças foram o foco das filmagens nas atividades
pedagógicas desenvolvidas pela professora e as interações havidas. Revezamos dois
gravadores digitais pelas mesas a fim de capturar as falas socializadas entre as crianças e as
possíveis falas egocêntricas (Berk, 1994; Lorena, 2005; Montero & cols., 2001).
A rotina do trabalho pedagógico
A seguir, apresentamos o quadro da rotina do trabalho pedagógico realizado na sala
de aula, comum a todas as sessões filmadas:
Quadro nº 5 – Rotina do trabalho pedagógico das sessões em sala de aula
Hora
aproximada
Rotinas das sessões no coletivo de sala de aula
7h35
As crianças vêm em fila para a sala
7h40
A professora organiza as crianças nas mesas
7h50
A professora mostra o calendário, conversa sobre dia, mês e ano e as
festividades da época, usa o diálogo pergunta/resposta
8h
A professora leva as crianças ao banheiro
8h10
A professora inicia a explicação da atividade no quadro
A professora inicia a explicação da atividade no quadro
A professora procura escrever uma palavra pertinente à lição para
perguntar às crianças a identificação, o som e a quantidade de letras, letra
inicial e final da palavra, maiúscula/minúscula, de mão/de forma
A professora circula pela classe para verificar possíveis dúvidas
8h10
A professora recebe as atividades finalizadas das crianças em sua mesa,
com ou sem avaliação
9h30
A professora leva todos ao banheiro
9h45
Lanche em sala
3.1.5.3 As atividades de construção de conhecimento
As atividades de construção de conhecimento desenvolvidas, tanto nas sessões em
sala de aula como nas sessões individuais, são apresentadas no quadro a seguir:
Quadro nº 6 – Atividades das sessões coletivas e individuais
Sessões
Atividades em Sala de Aula
Reconto de história
Escrever palavras com as letras do alfabeto
Recorte de palavras e colagem nos desenhos
Reconto de história
Reconto de história
Reconto de história
Registro de experiência de ciências
48
Quadro nº 6 – Atividades das sessões coletivas e individuais (continuação)
Sessões
Atividades em Sala de Aula
Registro de experiência de ciências
Sessões
Atividades Individuais
I
Reconto de história
II
Desenho ou escrita livre em casa
III
Reconto de história
IV
Escrita livre sobre animais
3.1.5.4 Sessões individuais das cinco crianças com a pesquisadora
Defendemos que o diálogo com o outro favorece a troca de significados e a
construção de conhecimento. Assim sendo, entendemos ser apropriado escutar a criança,
para obtermos informações empíricas sobre seu processo de elaboração de produções
gráficas livres e discursivas, consequentemente, sobre seu processo de construção de
conhecimento em situações individuais. Iniciamos a gravação desses momentos após
algumas inserções em sala de aula com o intuito de conhecer um pouco as cinco crianças,
antes da realização das atividades programadas para os meses 07 ao 10 do ano oficial.
Utilizamos as estratégias de Vigotski (1998b; 1994a) e Luria (1988; 1992) de
resolução de problemas, oferecendo mediadores para a realização das tarefas pedidas.
Como as crianças estavam no início da sistematização da escrita, oferecemos como
mediadores o desenho e a escrita livres. As atividades elaboradas apresentaram situações
em que a criança foi solicitada a recontar uma história ou a expressar o conhecimento que
tinha sobre um tema, valendo-se do desenho e/ou da escrita. As escolhas das crianças e a
execução das atividades foram, geralmente, acompanhadas da fala para si ou para o outro,
que no caso era a pesquisadora. Assim, procuramos estudar as falas egocêntricas da criança
com a função organizadora das ações ao executarem as tarefas (Berk, 1994; Montero &
cols., 2001).
A fim de compreendermos o processo de mediação da fala, desenho e escrita livres,
procuramos variar as situações-problemas para verificar como as crianças utilizam essas
ferramentas culturais em tarefas como: reconto, desenho ou escrita livre em casa, escrita
livre sobre animais. As duas atividades de recontar história (sessões I e III) nos permitiram
verificar o imaginário das crianças e o entendimento do livro na construção de significados
e conhecimento por meio das produções gráficas livres. Como é conhecido, o livro de
literatura infantil representa uma das principais fontes de alimentação do imaginário da
criança. A atividade de desenho e escrita livre em casa tem o objetivo de escutar o que a
criança conta de suas atividades de desenho e escrita junto aos familiares. A escrita livre
49
sobre animais, tema sabidamente do interesse infantil, é utilizado como desencadeador da
motivação da criança em fazer as produções gráficas livres baseadas em sua experiência
pessoal.
As atividades desses encontros envolveram a gravação em vídeo, com duração
média de 30 minutos, em uma sala vaga, com cada criança separadamente, permitindo
diálogo e questionamentos. Por meio de produção gráfica livre desenhos e escritas em
folhas de papel (sulfite A4, sem pauta), observamos as escolhas e as preferências das
crianças por desenho ou escrita e as possíveis relações estabelecidas entre essas
ferramentas, para caracterizarmos o processo de suas produções gráficas e das falas
egocêntricas e comunicativas. Durante a produção de cada atividade filmada, promovemos
um diálogo que visava à narrativa da criança sobre o que estava fazendo e o produto final.
Quando a criança escolhesse desenhar, pedimos que escrevesse, e vice-versa. A variação
dos procedimentos teve o intuito de a criança saber que existia a possibilidade de escolha.
Como nosso procedimento com a criança foi deixá-la com liberdade de escolha, quando
pedimos efetivamente para escrever, queríamos ver de que maneira ela agiria. Se a criança
perguntasse como se escrevia uma palavra, sugeríamos que pensasse sobre o som e
tentasse escrever a palavra, incentivando a produção livre. Abaixo, descrevemos as
atividades de cada sessão:
I. Contamos a história “Cocô de passarinho”. Solicitamos o reconto da história à criança,
sem lhe dizer para desenhar ou escrever. O objetivo foi observar e captar, em suas falas
e questionamentos, as experiências com a mediação das ferramentas culturais de
registro desse tipo de narrativa.
II. Solicitamos a cada criança que fizesse desenhos e escritos em casa durante uma
semana. A professora Márcia entregou as folhas a elas. No nosso encontro individual,
cada criança relatou a produção feita em casa. O objetivo foi verificar os processos de
socialização no contexto familiar pela comunicação oral da criança mediada pelo
desenho e/ou escrita livre feita em casa. Procuramos verificar com quem fazia a tarefa
e o que dizia nas atividades de desenho e de escrita.
III. Contamos a história “Nós”, solicitamos o reconto da história à criança e lhe pedimos
que escolhesse entre desenhar ou escrever. Por meio da escolha entre os dois tipos de
ferramentas, tivemos a preocupação de verificar qual a mediação preferida pela criança
e a explicação dessa preferência em suas falas.
IV. Estabelecemos um diálogo sobre o tema “animais” com a criança para reunir
informações e conhecimento sobre esse assunto. Iniciamos pelo seu animal de
50
preferência, o de estimação, os mais conhecidos e as idas ao zoológico. Enfatizamos
características dos animais que a criança mencionava para apoiá-la na ampliação do
conteúdo sobre o tema. Pedimos à criança a escrita sobre os animais conversados. O
objetivo dessa solicitação foi verificar se a criança utilizava a mediação da escrita livre
ou se permanecia no desenho.
3.1.6 Análise da pesquisa
Apresentamos a seguir os níveis de análise que consideramos no tratamento das
informações empíricas do estudo:
3.1.6.1 Sumário das entrevistas da professora e das mães
Sumário das entrevistas da professora e das mães utilizadas para contextualizar as
possibilidades de aprendizagem das crianças em relação ao desenho e à escrita em contexto
escolar e familiar.
3.1.6.2 Sumário da sessão
Descrição da sequência dos episódios de cada sessão utilizados para contextualizar
a construção de conhecimentos mediada pelas fala, desenho e escrita livre.
3.1.6.3 Sequência das atividades por sessões
A partir dos sumários, é elaborada a tematização das sequências de atividades de
cada sessão.
3.1.6.4 As ações das crianças foco deste estudo durante as atividades
É apresentada a sequência das ações das crianças durante as atividades com a
finalidade de contextualizar a dinâmica de construção de conhecimento.
3.1.6.5 Procedimentos de análise
A seleção dos episódios para cada uma das cinco crianças para atividade em sala de
aula teve como objetivo destacar as atividades de produções gráficas livres da criança com
a mediação do desenho e/ou da escrita que resultasse em construção de conhecimento, nas
interações com a professora e com os colegas, e analisando cada turno dos episódios nas
interações em que se configurassem: Falas egocêntricas e Tipos de Diálogos estabelecidos
entre os participantes da pesquisa. Portanto, os turnos de fala dos episódios selecionados
foram submetidos a dois tipos de análise: a Análise da Conversação (Pontecorvo & cols.,
2005) e a categorização de Falas Egocêntricas (Montero & cols., 2001):
A Análise da Conversação adaptada à psicologia utilizada por Pontecorvo e cols.
(2005) evidencia a estrutura organizadora de regulação dos turnos de fala, a articulação
entre turnos do discurso do primeiro falante na relação com o falante que o sucede. Na
estrutura organizadora da conversação, a professora utiliza a categoria de
51
Espelhamento, ou seja, quando a fala da criança é repetida, reformulada ou continuada
pela professora com a categoria de Pedido de Informação (Pedido de Esclarecimento
ou Pedido de Explicação) referente à fala anterior da criança ou ao iniciar o diálogo.
Em contrapartida, as réplicas da criança podem apresentar elaboração do enunciado
acréscimos de informação, explicação ou argumentação diante da fala anterior,
categoria denominada de Réplica Elaborada de Concordância ou Discordância. Existe
também a categoria de Réplica Mínima da criança quando Concordância ou
Discordância da fala anterior sem justificação, elaboração ou qualquer acréscimo de
informação.
A análise dos turnos dos episódios em fala egocêntrica, selecionados no coletivo da
sala de aula e no individual com a pesquisadora enfoca o uso dessa fala na organização
da construção do conhecimento. Consideramos as três categorias de fala egocêntrica
descritas por Montero e cols. (2001) e complementamos com uma quarta categoria:
1. Fala Egocêntrica Irrelevante: A criança fala consigo mesma não estabelecendo
relação com a atividade que está desempenhando. Podem ser jogos de palavras,
repetições, comentários a pessoas ausentes ou inventadas, enunciados, reclamações,
cantarolar ou cantar. Por exemplo: “estava com saudades da escola”; “E vai
ele...”.
2. Fala Egocêntrica Externalizada e Relevante: Inclui comentários para guiar, regular
e organizar a própria tarefa (vou começar a desenhar... por este); perguntas
autocontestadas e leitura em voz alta, soletrar em voz alta enquanto escreve.
3. Manifestações Externalizadas de Fala Interna: Relevantes para a tarefa, incluem
murmúrios e movimentos de lábios quase imperceptíveis.
4. Fala Egocêntrica Geradora de Fala Comunicativa: Quando a fala da criança para si
mesma desencadeia interações continuadas por qualquer um dos interlocutores, seja
o interlocutor que desencadeou a fala egocêntrica, seja continuada por um dos
outros interlocutores-ouvintes.
Com o decorrer das análises, as informações empíricas das sessões 3, 6, 7 e 8 foram
tratadas, entretanto tanto os resultados como a discussão foram desconsiderados por
ausência de alguma categoria de análise. Na sessão 3, as crianças não realizaram produções
gráficas livres. Na sessão 6, não houve interação com a professora porque, enquanto as
crianças faziam uma atividade de reconto, ela ficou ocupada em sua mesa aplicando o
52
diagnóstico de psicogênese
12
em cada aluno da classe. Nas atividades das sessões 7 e 8, as
crianças ficaram separadas em mesas pela formação dos grupos de ciências, o que
inviabilizou a obtenção de falas egocêntricas e de enunciados dos participantes.
12
A professora dita uma série de palavras e uma frase para as crianças para depois classificá-las em fases de
escrita, propostas por Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1986).
53
IV - RESULTADOS
Considerando que nosso objetivo geral é descrever e analisar os sistemas
simbólicos: a fala, o desenho e a escrita de crianças de seis anos, enquanto ferramentas
culturais mediadoras para a construção de conhecimento, em interações
professor/crianças, criança/criança e criança/si mesma, produzidas no contexto de sala de
aula do 1º ano do ensino fundamental e em atividades individuais”, apresentamos, a
seguir, os resultados dessa construção de conhecimento. Em relação ao uso da fala como
mediadora, as informações empíricas indicam que esta exerceu várias funções nesse
processo: a) em diálogos mais elaborados da professora/aluno e entre colegas, quando a
fala inicial, ou seja, o primeiro enunciado do diálogo pedia mais informação, e as réplicas
eram elaboradas, observamos o diálogo desencadeando Zona de Desenvolvimento
Proximal, ampliando as oportunidades de aprender das crianças; b) a fala egocêntrica, a
fala da criança para si mesma, porém dependente da presença do outro social, apresentou a
organização em andaime, o scaffolding”, na realização do desenho e da escrita livre e
gerou a fala comunicativa entre colegas.
Ao estudar o processo da criança de desenhar e escrever livremente, que
denominamos de produção gráfica livre, pudemos constatar que a criança de seis anos
utiliza preferencialmente o desenho em relação à escrita, mas também aproveita a função
idiossincrática que o desenho infantil tem de ser produção inventada para a escrita livre,
utilizando letras convencionadas de um jeito original. A escrita livre observada foi se
intensificando com o desenrolar das sessões; a princípio, tênues tentativas de escrita com
letras conhecidas, nem sempre relacionadas com o som, para a escrita próxima da norma
culta. Considerando esse resumo dos resultados, apresentamos, a seguir, nossos resultados
de pesquisa, acompanhando cada um dos nossos objetivos específicos.
4.1 PRIMEIRO OBJETIVO ESPECÍFICO
Identificar os usos e funções da fala, do desenho e da escrita livre e as possíveis
relações estabelecidas entre eles, na construção de conhecimento nas interações criança-
professora, criança-criança e criança/si mesma no contexto de sala de aula e nas
atividades individuais.
54
Para atingir esse objetivo, foram estabelecidas categorias para a construção de
conhecimento na interação de cada uma das cinco crianças participantes desta pesquisa
com a professora e com os colegas em contexto de sala de aula, como detalhado na
metodologia. Submetemos à análise da conversação aplicada à psicologia (Pontecorvo &
cols., 2005). Além das categorias previstas por Pontecorvo, em nossa análise, optamos por
construir três supracategorias temáticas: a) Tipo de diálogo (abarcando a análise da
conversação), b) Desencadeamento de ZDPs e c) Avaliação da professora, pois nossas
informações empíricas situadas naquela sala de aula direcionaram à filiação das categorias
iniciais. Quanto à fala egocêntrica e à produção gráfica livre de cada uma das crianças,
foram considerados os contextos em sala de aula e em momentos individuais com a
pesquisadora. As categorias para a fala egocêntrica foram as mencionadas na metodologia,
e, para a análise das produções gráficas livres, delineamos as categorias a partir de
indicadores encontrados nas informações empíricas sobre os usos e as funções das
ferramentas culturais na construção de conhecimento e suas relações umas com as outras.
4.1.1 Interação da criança com a professora em sala de aula
Para a interação da criança com a professora, foram criadas as seguintes categorias:
1. Tipo de Diálogo, referente à professora como a organizadora dos “andaimes”
(scaffoldings) que estruturam a ação pedagógica de desenvolver e aprender da criança.
Os enunciados encontrados nos episódios com cada criança indicaram: o
Espelhamento, Com Pedido de Informação e Sem Pedido de Informação (pedido de
esclarecimento ou pedido de explicação) para a professora; e as Réplicas Elaboradas de
Concordância e Discordância e a Réplica Mínima de Concordância e Discordância para
as crianças.
2. Desencadeamento de ZDPs, referente ao estabelecimento de relações de desenvolver e
aprender que podem ou não desencadear oportunidades de aprofundar informações e
elaborá-las, consequentemente, construir conhecimento. Os enunciados indicaram que
houve escuta da professora, incentivo a contar o que a criança desenhou, escuta das
narrativas, tradução para norma culta da escrita livre da criança.
3. Avaliação da professora, referente à escuta da professora quando chama ou é procurada
pela criança para ouvir o que ela fez, verificar e corrigir o dever. A avaliação é
necessária para a consolidação do conhecimento. A atividade ganha sentido para a
criança, quando ela avalia o que fez com a ajuda da professora. Os enunciados
indicaram que a professora fez avaliação com comentários à tarefa da criança.
55
Nos quadros abaixo apresentamos os resultados encontrados na interação de cada
criança com a professora:
Quadro nº 7 – Interação das crianças com a professora em sala de aula
Criança
Tipos de Diálogos
Desencadeamento de ZDPs
Avaliação da
professora
Ana
Pedido de explicação e
de esclarecimento da
profa./ réplica mínima
ou inexistente da criança
Escuta da profa., linguagem
gestual de concordância e
discordância, tradução da
escrita livre da criança para
escrita de norma culta
Três sessões com/e
uma sem/ avaliação,
escuta da profa. com
comentários à tarefa
feita pela criança
Clara
Pedido de explicação e
de esclarecimento da
profa./ réplica elaborada
da criança
Escuta da profa., incentivo a
contar o desenho e a escrita e
as narrativas, tradução da
escrita para norma culta
Duas sessões com/e
duas sem/ avaliação,
escuta da profa. com
comentários à tarefa
feita pela criança
Daniel
Pedido de explicação e
de esclarecimento da
profa./ réplica elaborada
da criança e pedido de
explicação e de
esclarecimento da
profa./ réplica mínima
Escuta da profa. as narrativas
das histórias, incentivo,
acompanha- mento da
atividade proposta à criança,
tradução da escrita livre da
criança para escrita de norma
culta
Duas sessões com
avaliação, escuta da
profa. com
comentários à tarefa
feita pela criança
Felipe
Pedido de explicação e
de esclarecimento da
profa./ réplica elaborada
da criança
Escuta da profa.,
levantamento de hipótese para
a criança perceber o erro,
incentivo e acompanhamento
da atividade da criança,
tradução da escrita livre da
criança para escrita de norma
culta
Três sessões com
avaliação, escuta da
profa. com
comentários à tarefa
feita pela criança
Renato
Pedido de explicação e
de esclarecimento da
profa./ réplica elaborada
da criança pedido de
explicação e de
esclarecimento da
profa./ /réplica mínima
Escuta da profa., pedido de
elaboração e organização da
resposta, incentivo e
acompanhamento da atividade
proposta à criança, tradução
da escrita livre da criança
para escrita de norma culta
Três sessões com/e
uma sem/ avaliação,
escuta da profa. com
comentários à tarefa
feita pela criança
4.1.2 Interação da criança com os colegas em sala de aula
Na interação com os colegas em sala de aula, retomamos algumas categorias
anteriores da interação com a professora:
1. Tipo de Diálogo, referente à construção de conhecimento na troca com o outro colega;
submetemos os enunciados das crianças à análise da conversação adaptada à psicologia
(Pontecorvo & cols., 2005). Os enunciados indicaram Réplica Elaborada de
56
Concordância ou Discordância ao enunciado anterior de um dos colegas; Réplica
Mínima de Concordância ou Discordância ao enunciado anterior de um dos colegas.
2. Desencadeamento de ZDPs, referentes às interações entre as crianças podem
desencadear as ZDPs nos colegas, os enunciados de escutar a narrativa do colega, ajuda
do colega, regula ação do colega, discussão sobre a soletração oral de palavras, diálogo
argumentativo.
3. Tema do diálogo, referente ao assunto tratado nos diálogos das crianças, se o que
dizem umas para as outras é pertinente ou não à proposta de atividade pedagógica da
professora. Os enunciados indicaram assuntos variados, empréstimo de material
escolar, e os pertinentes à proposta, tais como, soletração oral de palavras, narrativas
sobre o desenho, elementos dêiticos, formação de palavras, procedimento de fazer a
atividade proposta.
No quadro abaixo, apresentamos as três categorias citadas encontradas na
interação de cada criança com os colegas:
Quadro nº 8 – Interação da criança com os colegas em sala de aula
Criança
Tipos de Diálogos
Desencadeamento
de ZDPs
Tema do Diálogo
Ana
Pedido do colega/ réplica
mínima da criança
Enunciado do colega/sem
réplica
Escuta da menina
à narrativa do
colega
Empréstimo de material
escolar; uma história do
livro contada pelo amigo
Clara
Enunciado do colega/ réplica
elaborada da criança de
concordância e enunciado do
colega/ réplica elaborada da
criança discorda/reflexão/
concordância
Ajuda ao colega,
regula a ação do
colega
Forma de fazer a atividade
proposta, desenho;
soletração e outros
assuntos
Daniel
Enunciado do colega/ réplica
elaborada da criança de
concordância e enunciado do
colega/ réplica elabor. da
criança de disc./ reflexão/
concor.
Discussão sobre
soletração
Narrativa do desenho;
soletração oral conjunta e
outros assuntos
Felipe
Enunciado do colega/ réplica
elaborada da criança de
concordância/com
argumentos
Diálogo com
argumentação,
discussão sobre
soletração, ajuda
ao amigo
Narrativa do desenho,
soletração oral conjunta;
elementos dêiticos e a
formação das palavras
Renato
Enunciado do colega/ réplica
elaborada da criança de
concordância com pedido de
explicação
Recebe ajuda do
colega, diálogo
argumentativo
Formação escrita das
palavras; conteúdo do
desenho e outros assuntos
57
4.1.3 Fala egocêntrica da criança em sala de aula e em atividades individuais
Na fala egocêntrica em atividades em sala de aula e em momentos individuais com
a pesquisadora, a fala da criança sobre o que está fazendo, o que pode auxiliá-la a resolver
as questões propostas pelas atividades da professora. Para análise das falas, foram
definidas categorias, como mencionado nos procedimentos de análise: as três primeiras,
propostas nos estudos de Montero e cols. (2001), e a quarta, que estabelecemos:
1. Fala Egocêntrica Irrelevante, referente à fala da criança para si mesma não relacionada
com a atividade que realizava. Os enunciados indicaram comentários sobre o lápis que
esqueceu, o desejo de voltar a brincar de massinha no pré, a saudade da escola, o dedo
machucado, reclamação ao desenho do colega.
2. Fala Egocêntrica Externalizada e Relevante, referente à fala da criança para si mesma
relacionada com a atividade que realizava. Os enunciados indicaram relato de desenho,
narrativa da história que desenhava, soletração oral de palavras, anúncio do que vai
desenhar, contagem de números e dedos ao desenhar a mão, representação de
onomatopéia.
3. Manifestações Externalizadas de Fala Interna, referentes aos murmúrios ou
movimentos de lábios que a criança faz relacionada com a atividade que realiza. Os
enunciados indicaram movimentos de lábios para a soletração e murmúrios.
4. Fala Egocêntrica Geradora de Fala Comunicativa, referente à fala egocêntrica da
criança que gerou comentário no interlocutor ouvinte; no próprio falante; outras falas
egocêntricas; falas egocêntricas de soletração coletivizadas.
No quadro abaixo, apresentamos os resultados das falas egocêntricas registradas pelos
gravadores e vídeo, separadas por contextos de sala de aula e individual com a
pesquisadora:
Quadro nº 9 – Fala Egocêntrica
Criança
contexto
Fala egocêntrica
irrelevante
Fala egocêntrica
externalizada
relevante
Manifestações
externalizadas
relevantes
Fala egocêntrica
geradora de fala
comunicativa
Ana
Coletivo de
sala de aula
Não identificada
Ana
Individual
Comentário
sobre material
escolar e um
desejo de voltar
a brincar de
massinha no pré
Não identificada
Diálogo com a
pesquisadora
58
Quadro nº 9 – Fala Egocêntrica (continuação)
Criança
Contexto
Fala egocêntrica
irrelevante
Fala egocêntrica
externalizada
relevante
Manifestações
externalizadas
relevantes
Fala egocêntrica
geradora de fala
comunicativa
Clara
Coletivo de
sala de aula
Comentário
sobre material
escolar,
uniforme,
Relato do que
desenhou, soletração
oral para escrita da
palavra e anúncio do
que desenhar
Movimento
labial de
soletração
Diálogo sobre
desenho,
soletração
coletivizada
Clara
Individual
Soletração oral para
escrita da palavra
Diálogo com a
pesquisadora
Daniel
Coletivo de
sala de aula
Comentário de
sentimento de
saudade da
escola e
reclamação do
falatório do
colega
Soletração oral e da
escrita da palavra,
anúncio do que vai
desenhar, narrativa
da história ao
desenhar, contagem
de elementos do
desenho
Diálogo
argumentativo,
soletração
coletivizada,
diálogo sobre os
desenhos
Daniel
Individual
Anúncio do que vai
desenhar em
detalhes, contagem
de elementos do
desenho, dúvida da
cor a ser usada,
soletração oral para
a escrita da palavra
Diálogo com a
pesquisadora
Felipe
Coletivo de
sala de aula
Comentário
sobre fala da
profa.
Anúncio do que vai
desenhar, narrativa
da história ao
desenhar, soletração
oral e para escrita da
palavra, reprodução
do som do ato de
escovação
Suas falas geram
comentários,
diálogo
argumentativo,
diálogo sobre os
desenhos,
soletração
coletivizada,
discussão de
como se escreve
Felipe
Individual
Anúncio do que vai
desenhar, narrativa
da história ao
desenhar, soletração
oral para escrita da
palavra,
representação do
som do passarinho
Murmúrio
Diálogo com a
pesquisadora
59
Quadro nº 9 – Fala Egocêntrica (continuação)
Criança
contexto
Fala egocêntrica
irrelevante
Fala egocêntrica
externalizada
relevante
Manifestações
externalizadas
relevantes
Fala egocêntrica
geradora de fala
comunicativa
Renato
Coletivo de
sala de aula
Comentário de
material escolar
Soletração oral
Movimento
labial de
soletração
Fala egocêntrica
do colega gerou
um diálogo
Renato
Individual
Anúncio do que vai
desenhar
Diálogo com a
pesquisadora
4.1.4 Produções gráficas livres da criança em sala de aula e em atividades individuais
O processo de realização dessas produções das crianças pode nos mostrar o tipo de
atividade que a criança está realizando, suas escolhas entre desenho e escrita e as possíveis
relações entre essas ferramentas para mediar a construção de conhecimento da criança.
Assim, definimos as categorias para analisar essas ferramentas, a partir de indicadores
encontrados nas informações empíricas deste estudo:
1. Mediação: Refere-se à realização da tarefa proposta pela professora. A criança usa ora
uma ferramenta, ora outra, ora mais de uma. Procuramos separá-las para descrevê-las,
analisar e buscar as possíveis relações entre elas:
o Desenho, referente a toda manifestação gráfica icônica realizada pela criança com
intenção de significação que mostre construção de conhecimento. Os desenhos
indicaram os personagens e os elementos da história, a forma esquemática, numa
única cena ou em quadros com várias cenas em seqüência.
o Escrita Livre, referente às tentativas de escrita que vão desde pequenos traços até
escrita de acordo com a norma culta, produzindo signos arbitrários com intenção de
significação. As escritas livres indicaram os nomes dos desenhos, o título de
história, os personagens, a escrita de frase e a história com as palavras emendadas
ou separadas inadequadamente, os animais.
o Fala (retomando os resultados da fala egocêntrica e tipos de diálogos), referente
aos enunciados já analisados nos diálogos em que havia a realização das atividades.
Os enunciados indicaram silêncio, réplicas mínimas, replicas elaboradas, seguidas
ou não de argumentação, fala egocêntrica de soletração, sobre o desenho, sobre a
narrativa da história, murmúrios e movimentos labial, fala sobre a preferência de
desenhar.
o Relação entre as Ferramentas, referente às funções que as ferramentas assumem na
60
realização da tarefa pela criança. Os desenhos indicaram conhecimento do que
constava da tarefa, as escritas indicaram nomeação ou narração dos desenhos, e as
falas indicaram a organização e a significação do desenho e da escrita livre para o
outro e para si mesmo.
2. Estratégias da criança
; Refere-se às ações que a criança lança mão para realizar a
atividade pedida pela professora. As estratégias indicaram olhar os cartazes para
verificar a escrita, decisão própria de como fazer a tarefa, interesse em ouvir a história,
usar a soletração para conseguir fazer a atividade de escrita.
No quadro a seguir, apresentamos a mediação e as estratégias das crianças para a
construção de conhecimento, dividida por contexto de sala de aula e individual:
Quadro Nº 10 – Produção gráfica livre em sala de aula e em atividades individuais
Mediação
Criança
Contexto
Desenho
Escrita
Livre
Fala
Relação entre as
ferramentas
Estratégias da
criança
Ana
Coletivo de
sala de aula
Desenhos de
personagens e
elementos da
história em
apenas uma
cena
Escritas
livres de
nome dos
desenhos,
palavras,
nome sem
narrativa
Em silêncio
na produção,
réplica
mínima e
comunicação
gestual para
contar sobre
o que fez
Desenhos =
conhecimento
de história
Escritas = nome
dos desenhos
Fala (e gestos)
= significação
para a profa.
Descoberta
por si mesma
de buscar as
informações
nos cartazes e
no quadro,
produção sem
ajuda
Ana
Individual
Desenhos
sobre
personagens
em uma só
cena
Escrita livre
do título de
uma das
histórias e
nome para
todos os
animais que
desenhou
Fala a
preferência
pelo desenho
e conversa
sobre outros
assuntos,
réplicas
mínimas,
elaboradas e
gestuais
Desenho =
conhecimento
da hist. e
animais
Escrita = nome
do título e dos
desenhos
Fala = significa-
ção dos
desenhos e de
conhec. prévios
Interesse na
leitura do
livro, desenha
e escreve sem
emissão de
sons, olha nos
cartazes da
sala para ter
idéias de
animais
Clara
Coletivo de
sala de aula
Desenhos
detalhados
dos
personagens e
de uma cena
e/ou
sequência de
cenas da
história
Escritas
livres para
nomear
persona-
gens, título
de história,
palavras
com escrita
próxima da
norma culta
Fala sobre o
desenho e
soletração
oral e
movimentos
labiais das
palavras
escritas
Desenhos =
conhecimento
de histórias
Escritas = nome
dos desenhos
Fala = org. do
desenho e da
escrita e signifi-
ção da produção
para a profa.
Decisão
sozinha da
forma de
fazer a
atividade
proposta,
produção sem
olhar nos
cartazes
61
Quadro Nº 10 – Produção gráfica livre em sala de aula e em atividades individuais (cont.)
Mediação
Criança
Contexto
Desenho
Escrita
Livre
Fala
Relação entre as
ferramentas
Estratégias da
criança
Clara
Individual
Desenhos
detalhados,
desenho de
uma cena do
livro em
detalhes
Escrita livre
próxima da
norma culta,
a narrativa
escrita tinha
segmenta-
ções
indevidas
Fala a
preferência
pelo
desenho, fala
da palavra
enquanto
escreve
Desenho =
conhecimento
Escrita = da
narrativa e de
frases: pergunta
e resposta
Fala = signif. do
desenho e da
escrita (leitura)
Interesse na
leitura do
livro, conto
animado da
história e
desenho,
escreve, ora
em silêncio,
ora soletra
Daniel
Coletivo de
sala de aula
Desenhos
detalhados
dos
personagens e
de uma cena
e/ou
sequência de
cenas da
história e da
narrativa da
história
Escrita livre
das palavras
pedidas, e
dos nomes
dos
desenhos e
da narrativa
da história
Fala sobre o
desenho,
como fazê-lo
e da
narrativa da
história,
soletração
oral e das
palavras
escritas
Desenhos =
conhecimento
de histórias e
experiências
Escrita = nome
dos desenhos,
escrita da
narrativa oral
Fala = org. do
desenho e da
escrita e
significação da
produção para a
profa.
Decisão
própria de
dividir a
história em
cenas/páginas
do livro,
busca de
informação
nos cartazes e
no quadro,
produção sem
perguntar ao
outro
Daniel
Individual
Desenhos
detalhados de
uma única
cena,
desenhos
detalhados de
várias cenas
Escrita livre
de título da
história e de
desenhos e
frases
Fala que
prefere
desenho,
anúncio do
que vai
desenhar,
contagem
dos
elementos do
desenho,
soletração
para a palav.
escrita
Desenho =
conhecimento
Escrita = de
idéias e nome
dos desenhos
Fala =
organização e
significação do
que desenha e
escreve (leitura)
Interesse,
observação e
curiosidade à
leitura dos
livros,
decisões do
que desenhar
e escrever
Felipe
Coletivo de
sala de aula
Desenhos
detalhados
dos personag.
falados e de
cena e/ou
sequência de
cenas da
história em
narrativa e
desenho
Escrita livre
das palavras
pedidas, e
dos nomes
dos
desenhos e
da narrativa
da história
Fala sobre o
desenho,
como fazê-lo
e da
narrativa da
história,
soletração
oral e das
palavras
escritas
Desenhos =
conhecimento
Escrita=nome
dos desenhos,
escrita da
narrativa oral,
Fala = org. do
des. e escr. e
significação
para a profa.
Descoberta
por si mesma
de buscar as
informações
nos cartazes e
no quadro,
produção
sozinho
62
Quadro Nº 10 – Produção gráfica livre em sala de aula e em atividades individuais (cont.)
Mediação
Criança
Contexto
Desenho
Escrita
Livre
Fala
Relação entre as
ferramentas
Estratégias da
criança
Felipe
Individual
Desenhos
esquemáticos
em várias
cenas da
história
organizadas
nos espaços
do papel e de
animais
Escrita livre
de frases
sobre os
animais
desenhados,
da narrativa
da história,
do som de
animal
Fala da
preferência
pelo
desenho,
Fala
egocêntrica
do desenho,
narrativa
desenhada e
oral da
história,
soletração e
onomatopéia,
Desenho =
conhecimento
Escrita = nomes
dos desenhos e
narrativa da
história
Fala =
organização do
pensamento e
do desenho e da
narrativa escrita
Interesse e
comentários à
leitura do
livro, uso da
fala sempre
ao desenhar e
escrever,
procura do
desenho para
escrever a
história
Renato
Coletivo de
sala de aula
Desenhos de
personagens e
elementos da
história em
apenas uma
cena
Escrita livre
de nome de
desenhos,
frases,
experiências
Fala de
soletração
oral e em
movimentos
labiais e fala
socializada
de pedido de
ajuda ao
colega
Desenhos =
conhecimento
de histórias
Escritas = nome
dos desenhos
Fala =
organização do
desenho e da
escrita e
significação da
produção para a
profa.
Busca de
informação
nos cartazes e
no quadro
incentivado
pelo colega,
produção com
indicação do
colega
Renato
Individual
Desenhos
esquemáticos,
feitos em
cenas
organizadas
no papel
separadas por
linhas,
Escrita livre
da história,
e dos
desenhos
dos animais
Fala da
preferência
pelo
desenho,
anúncio do
que vai
desenhar,
narrativa oral
da história
Desenho =
conhecimento
Escrita = escrita
dos nomes dos
desenhos e das
idéias
Fala =
organização e
significação dos
desenhos e das
histórias
escritas
Interesse à
leitura da
história,
desenho
rápido,
colocação de
linha
separando os
desenhos,
insegurança
ao desenhar,
mas não ao
escrever
63
4.2 SEGUNDO OBJETIVO ESPECÍFICO
Caracterizar as condições de socialização das crianças na escola e em casa, que
promovam as atividades de desenho e escrita.
Encontramos informações empíricas que sugerem que o desenho e a escrita das
crianças estão presentes nas famílias e valorizados pelas mães, e que elas têm expectativas
positivas em relação à escola pública e à educação como um todo. A professora valoriza o
desenho enquanto forma de a criança lhe expressar o que vem aprendendo.
4.2.1 As interações da criança no contexto familiar
Para atingir nosso segundo objetivo no que se refere às interações que ocorrem no
contexto familiar, separamos as atividades feitas com um membro da família daquelas em
que a criança desenha e escreve livremente.
4.2.1.1 Com quem a criança interage em atividades em casa
Para as interações em que a criança aprende com um membro da família, definimos
as seguintes categorias:
1. Dever de casa, referente ao membro familiar com quem a criança troca informações
sobre atividades escolares em casa, enquanto oportunidades de aprender com o outro.
Os enunciados indicaram que foram feitos com irmão, pai e mãe e sozinhas.
2. Contar histórias, referente ao membro familiar com quem presencia atos de leitura e
acompanha as imagens do livro infantil, parte do letramento multimodal da criança em
sua casa. Os enunciados indicaram que as histórias foram lidas com o irmão, pai e mãe
e sozinho.
3. Brincar, referente à pessoa com quem interage nos momentos de brincadeiras,
considerando que a atividade lúdica é também oportunidade de aprender com o outro.
Os enunciados indicaram que as crianças brincam com irmãos, primos, colegas, pai e
mãe e sozinhas.
Assim, reunimos, no quadro abaixo, os resultados, pelas categorias citadas, sobre as
interações interpessoais da criança em casa:
Quadro nº 11 – Atividades nas interações interpessoais da criança em casa
Mãe de:
Dever de casa
Contar histórias
Brincar
ANA
Irmão mais velho
Irmão mais velho
Irmãs
CLARA
Pai
Pai e mãe
Amiga e primos
DANIEL
Sozinho, mãe e irmã
Sozinho
Sozinho e colegas
FELIPE
Sozinho e o pai
Mãe e pai
Sozinho, pai e colegas
RENATO
Mãe
Mãe
Irmãos e mãe
64
4.2.1.2 A criança em casa, em atividades de desenho e escrita
Para contextualizar a criança em atividades de desenho e escrita levantadas nos
enunciados das mães, definimos as categorias:
1. Disponibilidade e função do material, referente à disposição e a destinação dada pelas
famílias aos materiais para a produção das atividades de desenho e escrita das crianças.
Os enunciados indicaram que as crianças têm papel, caderno, lápis, tinta para desenhar
e escrever, e computador para desenhar, escrever e jogar.
2. Conduta da criança, referente à definição das mães sobre as manifestações de
comportamento de sua criança em atividades de desenho e escrita. Os enunciados
indicaram que as mães pensam que seus filhos são independentes, inteligentes, ativos e
curiosos.
3. Desenho, referente à manifestação icônica com significação que a criança realiza em
casa. Os enunciados indicaram que as crianças gostam de desenhar em casa, e
desenham casas, flores, corações, a família, bolas, desenhos animados.
4. Escrita, referente à manifestação gráfica com uso de signos arbitrários com significação
que a criança realiza em casa. Os enunciados indicaram que a criança gosta de
escrever, é preguiçosa em escrever, pergunta sobre as palavras, faz sozinha as letras.
O quadro a seguir apresenta a criança nas atividades categorizadas acima, em contexto
familiar:
Quadro nº 12 – A criança em atividades em casa
Mãe de:
Disponibilidade e
função do
material
Conduta da
criança
Desenho
Escrita
Ana
Papel para
desenhar e
escrever
Independente
Gosta de
desenhar casinha,
corações, a
família
Gosta de escrever
e pergunta como
se escrevem as
palavras
Clara
Papel e caderno,
para desenhar e
escrever e
computador para
escrever e jogar
Independente,
esperta, ativa
Gosta de
desenhar o pai,
criança, casa e
flores
Gosta de escrever
tudo que vê,
rótulos
Daniel
Papel, caderno,
lápis, tinta para
desenhar e
escrever
Independente e
ativo
Gosta de
desenhar os
desenhos da TV
Preguiçoso para
escrever,
pergunta como se
escrevem as
palavras, sabe
letra
65
Quadro nº 12 – A criança em atividades em casa (continuação)
Mãe de:
Disponibilidade e
função do
material
Conduta da
criança
Desenho
Escrita
Felipe
Papel e
computador para
desenhar e
escrever
Independente,
inteligente,
interessado e
curioso
Gosta de
desenhar a
família
Interessado em
escrever,
pergunta como se
escrevem as
palavras,
Renato
Papel para
desenhar e
escrever
Independente,
inteligente,
esperto, mas
gosta de
perguntar
Gosta de
desenhar muita
bola e pessoas
jogando bola
Sabe todas as
letras, faz sozinho
e quer ler
4.2.2 Relato das mães e da professora sobre a escola
Para descrever o contexto escolar em que realizamos a pesquisa, apresentamos os
relatos das mães e da professora sobre os aspectos físicos e pedagógicos da escola atual e o
que elas esperam do futuro, para a educação das crianças.
As mães relataram suas impressões da escola pública em que seus filhos
estudavam. De suas falas, pudemos categorizar aspectos pedagógicos e aspectos físicos,
estes últimos, citados por uma única mãe. Assim, definimos essas categorias para poder
analisar a escola do ponto de vista das mães e da professora:
1. Aspectos Pedagógicos, referentes aos aspectos pedagógicos sobre ensino/
aprendizagem, professores, formação. As mães opinam sobre a escola dos filhos e a
professora, sobre a escola em que trabalha. Consideramos duas subcategorias: Escola
Atual e Escola do Futuro:
o Escola Atual, referente às opiniões sobre os aspectos pedagógicos da escola do
presente dos filhos ou em que trabalha. Os enunciados indicaram que a escola, para
as mães, tem pouco dever, sem queixas, os estudos estão mais avançados,
professores mais qualificados, escola pública pior que a particular. Para a
professora, a escola dá liberdade de escolha de métodos, de participações no projeto
da escola e em cursos de formação continuada. Disciplina de aluno é problema.
o Escola do Futuro, referente às opiniões sobre os aspectos pedagógicos da escola do
amanhã dos filhos ou em que trabalha. Os enunciados indicaram que as mães
gostariam de que a escola tivesse mais atividades e professor com responsabilidade
e experiência, ministrasse inglês e informática, diminuísse a razão alunos por
professor. Para a professora a escola em que trabalha está ficando a dos sonhos.
66
2. Aspectos Físicos, referentes às questões de construção material da escola.
Consideramos as duas subcategorias, Escola Atual e Escola do Futuro:
o Escola Atual, referente às questões de construção material da escola do presente.
Os enunciados indicaram que, para uma mãe, a escola é muito quebrada, não tem
parquinho e que as crianças brincam no chão.
o Escola do Futuro, referente às expectativas sobre as questões de construção
material da escola da escola do amanhã. Os enunciados indicaram que a mesma
mãe gostaria de ampliação e melhoria do ambiente para a criança.
Apresentamos, no quadro abaixo, a avaliação desses aspectos tanto pelas mães das
cinco crianças pesquisadas como pela professora Márcia:
Quadro nº 13 – Avaliação da escola pesquisada
Aspectos Pedagógicos
Aspectos Físicos
Mãe de:
Escola
Atual
Escola
do Futuro
Escola
Atual
Escola
do Futuro
Ana
Pouco dever
Aumento de atividades
para as crianças
Clara
Ensina mais
Diminuição de crianças
por sala ou aumento de
professores por aluno
Muito
quebrada,
sem parque,
criança
brinca no
chão
Ampliação e
melhoria do
ambiente
voltado para
a criança
Daniel
Pública pior que a
particular, tem greve e
o aluno fica sem aula,
pouco dever
Colocação de professor
de responsabilidade e
experiente
Felipe
Estudos estão mais
avançados
Continuação do papel
da escola, oferecer mais
às crianças, aquilo que
eles precisam (inglês e
informática)
Renato
Professores são mais
qualificados
Educação deve vir em
1º lugar para pais e
escola.
Professora
Liberdade para
desempenhar e escolher
métodos, participação
no projeto político e
formação continuada
gratuita em horário de
trabalho; o problema é
a disciplina dos alunos
A escola está ficando a
escola dos sonhos
67
4.2.3 Relato da professora sobre desenho e escrita
Para contextualizar os processos de ensinar e aprender na escola pesquisada a partir
dos relatos da professora, definimos as categorias:
1. Escrita, referente à definição da professora sobre o processo de escrita de seus alunos.
Os enunciados indicaram a escrita como processo natural de criança que tem contato
com histórias, que, quando menos se espera, está lendo.
2. Desenho, referente à definição do desenho de seus alunos. Os enunciados indicaram o
desenho com função de comunicar conteúdo, de haver relação entre desenho e escrita e
de o desenho ser mais prazeroso para as crianças.
3. Teste de Psicogênese, referente ao entendimento da professora sobre o teste em que a
criança escreve uma lista de palavras e uma frase, para ser classificada nas fases
descritas por Ferreiro e Teberosky (1986). Os enunciados indicaram crítica ao teste por
separar a criança por fase e afastá-la de sua professora.
4. Criança no BIA, referente à opinião da professora sobre a entrada da criança de seis
anos no primeiro ano do ensino fundamental. Os enunciados indicaram que a
professora não diferença por ser a mesma criança de seis anos; o perigo é o sistema
começar a cobrar alfabetização dessas crianças.
No próximo quadro, apresentamos as definições dadas pela professora Márcia às
categorias definidas anteriormente:
Quadro nº 14 – Processos de ensinar e aprender da professora Márcia
Escrita
Processo natural para as crianças que têm contato com as letras e com
história; tendo oportunidade de atividades e situações em que acontece
a alfabetização; quando menos se espera, a criança está lendo,
escrevendo uma palavra, pode suprimir letras, elas mesmas vão se
autocorrigindo
Desenho
O desenho comunica conteúdos que a criança quer transmitir; é mais
prazeroso para a criança do que escrever; a criança escreve por meio do
desenho; faz relação entre o escrito e a figura
Diagnóstico de
Psicogênese
Crítica, por separar as crianças por fase e as colocá-las com outras
professoras
Criança
Do BIA I
É a mesma criança da pré-escola, continua tendo seis anos; perigo se
SEEDF começar a exigir avaliação de alunos alfabetizados para
estatísticas, sem preocupação com as necessidades de cada um
68
V – DISCUSSÃO
A seguir, apresentamos os sumários de nossas informações empíricas, com o
objetivo de contextualizar nossas inserções. Iniciamos esta sessão com os resultados das
entrevistas da professora e das mães, passando para as sessões gravadas em sala de aula e
os momentos individuais com a pesquisadora.
5.1 ENTREVISTA DA PROFESSORA MÁRCIA
Iniciamos pela entrevista da professora, para contextualizar as atividades de desenho e da
escrita de nossos participantes em sala de aula. Procuramos relacionar os relatos relevantes
da professora referentes ao desenho e à escrita, com sua prática observada em sala de aula.
5.1a Sumário da entrevista da professora
A professora Márcia afirmou que o curso do PIE/UnB foi um marco em sua
formação docente. Teve a oportunidade de estudar novas formas de ver o processo de
alfabetização de crianças. Ao estudar as possíveis relações entre a escrita e o desenho e ao
relacionar a teoria com a prática da sala de aula de crianças pequenas, pôde tentar novas
práticas pedagógicas. Aprendeu, também, com a coordenadora da escola, sobre o processo
de alfabetização. Para Márcia, o processo de escrita das crianças é natural, porque
acompanha o desenvolvimento de seu contato com letras e com historinhas. As crianças
vão se alfabetizando e, quando menos se espera, estão lendo. A professora disse que foi no
dia a dia com crianças de quatro e cinco anos que pôde constatar a importância do desenho
para as crianças que ainda não dominam o código escrito. Segundo ela, a criança começa a
escrever por meio de desenho. Ainda segundo professora, o desenho auxilia na
alfabetização por favorecer a discriminação visual; a criança olha o desenho e sabe qual é a
palavra escrita. Por fim, a professora pensa ser o desenho um descanso para a criança que
está aprendendo a escrever, porque ela acredita ser mais prazeroso desenhar do que
escrever, para a criança pequena. A professora analisou a entrada da criança de seis anos
no ensino fundamental como positiva, pois isso significa mais um ano de gratuidade do
ensino obrigatório. Sendo a criança a mesma da pré-escola, a professora continua
trabalhando de forma natural, ofertando e cobrando, à medida que a criança vai
demandando mais, que demonstra amadurecimento. Entretanto Márcia se preocupa com as
69
avaliações realizadas pela secretaria de educação, pois geram estatísticas que nem sempre
refletem as necessidades individuais da criança. Um exemplo de avaliação que acontece
nas escolas do DF é o teste de psicogênese, que classifica as crianças por níveis de escrita.
Em função dos resultados do teste, a coordenação da escola organiza as crianças em
grupos, a depender do nível em que se encontram, e cria estratégias pedagógicas
diferenciadas, que são aplicadas mediante um rodízio desses grupos com as professoras.
Márcia tem resistido em receber outra turma de crianças do mesmo nível e passar seus
alunos para uma colega, pois, dessa forma, o vínculo afetivo com alunos estaria sendo
prejudicado. Para o próximo ano, a professora pretende lecionar história para jovens e
adultos. Afirma que está cansada do nível de disciplina dos alunos menores, mesmo
reconhecendo ser próprio da idade deles. Sente-se feliz ao constatar que a escola em que
leciona vem melhorando em qualidade nos últimos anos, embora reconheça que há muito a
ser feito pela educação e pela escola pública.
5.1b Contextualização da entrevista da professora sobre desenho e escrita
Ao simplesmente nomear o processo de alfabetização como natural e descrever
como percebe a criança se alfabetizando, a professora não esclareceu como ensina a
escrita, tampouco especificou os objetivos das atividades ministradas. “A gente, quando
monta uma atividade, você tem um objetivo com aquela atividade, né? (...) Eu vejo que vai
acontecendo a alfabetização, elas vão sendo alfabetizadas e, quando a gente menos espera,
você vê a criança lendo”.
Primeiramente, entender o processo de alfabetização como natural é ignorar a
polifonia existente na aprendizagem de um código que foi cunhado culturalmente por
gerações. A criança precisa ir além de vivenciar situações de leitura e escrita; ela precisa
aprender ativamente esse objeto cultural, modificá-lo para entendê-lo (Ilyenkov, 1974) e,
principalmente, ter um interlocutor que lhe indique caminhos, informações, sugestões,
dicas, traduza suas produções gráficas livres para a norma culta, enfim crie as ZDPs
(Vigotski, 1998a). Portanto, o ensino é um ato intencional do professor voltado para o
desenvolver e o aprender da criança, exercido nas interações em sala de aula, de acordo
com a construção de certas condições de socialização.
No entanto, ao observarmos a prática em sala de aula, notamos que a professora
ensinava as palavras, os sons das letras e também as famílias silábicas. Ela informava às
crianças a relação fonema/grafema de várias formas. No discurso, a professora procurou
passar conceitos sobre tendências da alfabetização, em que a criança descobre sozinha e
70
naturalmente, ao passo que, em sua prática, empregava passos metodológicos fônicos e
silábicos, como os vistos no quadro apresentado a seguir:
Quadro nº 15 – Trecho da professora no início da 3ª sessão em sala de aula
Professora
– Que desenho é este aqui?
Crianças
– Sol
Professora
– E o que está escrito aqui na frente?
Crianças
– Sol
Professora
– Quantas letras?
Crianças
– Três
Professora
– Quais as letras?
Crianças
– S. O. L. Três.
Professora
Três letras. Olha só, gente. Esta letra aqui, qual o som que ela tem? eu
vou juntar com o O e vira o quê?
Crianças
– S – O SO
Professora
– Qual o som do L?
Crianças
– U
Professora
– Aí eu digo que aqui tem o quê?
Crianças
– Sol
Nesse trecho, a professora perguntava e as crianças respondiam. As perguntas
foram quantas, quais e os sons das letras. A professora também propôs os agrupamentos
das letras e a formação de novos sons. Geralmente, as crianças que sabiam mais
respondiam primeiro e eram rapidamente ouvidas pela professora. Esse tipo de diálogo é o
mais comumente encontrado nas interações professor/aluno nas escolas (Pontecorvo &
cols., 2005, Bruner, 2001). Consideramos necessário o ensino da relação fonema/grafema
da palavra, enquanto informação pertinente ao entendimento do sistema alfabético de
escrita, mas consideramos igualmente necessário o ensino da construção da coerência
textual de unidades de significação mais abrangentes.
Na entrevista, após a conceituação do processo de alfabetização, a professora
explicou o que entende sobre o desenho das crianças pequenas. A professora reconhece a
função do desenho como instrumento mediador do conhecimento da criança (Kitahara &
Matsuishi, 2006; Pillotto, Sildelnick & Svoboda, 2000; Silva & Mognol, 2004): “A criança
começa a escrever pra mim, antes de escrever com o código de letras, ela começa a
escrever, pra mim, através do desenho. (...) Então, assim, eu acho que a primeira forma
dela se expressar comigo é através do desenho.”
A professora, em sua prática, demonstrou aceitar a mediação do desenho para a
construção do conhecimento, ao promover atividades pedagógicas em que a criança
desenhava. A professora pediu para as crianças contarem o livro que haviam levado para
71
ler em casa com a família. Cada aluno levou um livro diferente, e a professora pediu que
eles o recontassem em uma folha. Depois de terminada a tarefa, chamou cada criança à sua
mesa para que lhe mostrassem o que haviam desenhado. Reproduzimos, no quadro 16, o
momento em que o Daniel conta para a professora sua história desenhada:
Quadro nº 16 – Trecho do episódio do Daniel com a professora da sessão 5 em sala
Professora
O Daniel que vai contar a dele agora. É o Daniel que é o próximo, é, né?
Vamos lá Daniel, conta para mim a sua história.
Daniel
Ela acordou e estava escovando o dente. Aqui os dentinhos estavam
conversando, aqui os dentinhos. Aqui eles estão dormindo. Aqui ele é o dente
do ano, os outros estão dormindo. Ah! Faltou outra página.
Professora
Ah! Faltou outra página, ah, então faz a outra página e aproveita e coloca o
seu nome aqui embaixo e a data.
Professora
– Acabou a sua história, então. (10min depois)
Daniel
– A menina acordou e estava escovando o dente.
Professora
– Ah, você quer começar de novo? Ótimo.
Daniel
– Escovando (faz o movimento de vai e vem com o dedo indicador nos dentes).
Esta faixa aqui é do Dente do Ano. Eles foram embora, eles levaram um susto.
Eles falaram: – Aqui embaixo pessoal.
Professora
– O dentinho tinha caído embaixo?
Daniel
– Ahn, Ahn. Aí ela achou e pendurou no cordão.
Professora
– Ah, tá. Ela vai ganhar um dente novo.
Daniel
– É.
Professora
– Muito bem! Acabou a sua historinha, mas você vai colocar o nome e a data.
Essa atividade mostrou que a criança narrou a história tendo o desenho como
mediador. Daniel, diante da solicitação da professora pelo reconto do livro, organizou seus
desenhos pela mediação instrumental (Barbato, 1998), na qual ele os dispõe em quadros,
na folha do papel. Além da mediação do desenho e da mediação instrumental, houve a fala,
em que narrou a história seguindo sua sequência de cenas e se autoavaliou, ao perceber que
faltava uma página. Sua mediação simbólica teve ainda a linguagem gestual, ao mostrar a
escovação dos dentes, e foi completada pela escrita livre de uma faixa escrita “o dente do
ano” (olhar a fig. 26). A construção do conhecimento esteve mediada pelas três
ferramentas do nosso estudo: o desenho, a escrita e a fala. A atividade pedagógica da
professora foi apoiar a iniciativa do menino e direcionar sua agencialidade em tomar
decisões quanto ao desenho, no qual ele construiu uma história logicamente organizada e
com autocrítica. Ao permitir a produção gráfica livre, ela abriu várias frentes para a criança
aprender e construir conhecimento, o que lhe possibilitou contar história por meio de
desenhos e, mesmo sem dominar a escrita, ser capaz de escrever uma frase de memória,
aprendida do livro de história.
72
A professora mencionou a relação entre o desenho e a escrita, que ocorria nas
atividades que utilizavam palavra mais desenho, como uma estratégia para a criança saber
ler a palavra perto do desenho: “O desenho auxilia muito, porque uma das coisas que a
gente trabalha muito na alfabetização é a descriminação visual; então, o desenho me
auxilia no sentido de que a criança olha pro desenho e aquele nome que está escrito
embaixo do desenho, ela sabe que é o nome daquele desenho; então, isso vai fazendo com
que ela faça uma leitura daquele objeto antes mesmo dela conhecer aquele código, que vai
dar nome àquele objeto, que são as letras.”
De nossa parte, consideramos que a criança utiliza outras formas de relação
desenho/escrita, pois, além de “discriminar” o que está escrito naquele conjunto de letras
relacionado com o desenho, veiculação de informação de letras, construção de palavras,
recurso à memória para relacionar a palavra do desenho com outras que eventualmente
conheça e aumento do desejo de querer aprender a escrever os nomes dos objetos
desenhados, como na relação entre o desenho, a escrita e a fala estabelecida por Daniel no
exemplo anteriormente citado (Cavaton, submetido; Cole & Cole, 2004; Dyson, 2008;
Michalopoulou, 2001; Rateau, 2001).
Outra função que Márcia atribui ao desenho é a de descanso de atividades da
escrita. Ela considera ser o desenho prazeroso, e a escrita, cansativa e difícil, para a criança
pequena. Quando disse: “Eu acho que às vezes, mesmo quando eles sabem escrever, eles
desenham como uma coisa assim, como um descanso, é como se eles achassem que
escrever é meio cansativo, meio maçante e que desenhar é mais gostoso, (...) na própria
atividade que inicialmente seria só de escrita, algumas crianças fazem isto.”
A professora identificou que a criança desenha quando faz atividade de escrita. A
criança pode utilizar o desenho para retomar o pensamento daquilo que escrevia (Calkins,
2002), ou o desenho ser um andaime da escrita (Bruner, 1975; Matusov & cols., 2007) ou
como um ensaio para o texto, com idas e vindas aos desenhos para que novas ideias surjam
(Baghban, 2007; Caldwell & Moore, 1991 Calkins, 2002; Colello, 2007; Oken-Wright,
1998). A questão está em explicar porque o desenho é prazeroso e porque a escrita é uma
atividade cansativa para a criança de seis anos. De fato, a automação fonema/grafema
requer esforço intelectual, e esse processo não se apenas para a criança dessa faixa
etária, mas para os alunos dos primeiros anos do ensino fundamental (Calkins, 2002).
Neste sentido, algumas atividades de letramento para a criança pequena podem ser
consideradas atividades cansativas, tais como cópias sem sentido, ou feitas com palavras
descontextualizadas dos interesses infantis (Godoi, 2004; Ilyenkov, 1974; Teberosky,
73
1989; Vigotski, 1998a), além do ensino do som com pronúncia artificial (Lemle, 1990)
para a soletração. A perplexidade da criança diante da novidade e o desafio do
entendimento da palavra a ser escrita, mostram a ela quanto tem a aprender. Com o
desenho é diferente; a criança se sente apta a produzi-lo. Se conseguirmos levar essa
autoria do desenho para a escrita, esta passará de ato cansativo a ato significativo para a
criança, de forma que se envolva com a escrita e compartilhe seus textos, suas produções
gráficas livres, com os outros. (Calkins, 2002).
Entretanto, o que pode estar por trás do ato cansativo da escrita é a crença da
inadequação da alfabetização da criança em idade precoce, como uma das preocupações
pedagógicas com a criança que entra com seis anos no ensino fundamental. É por isso que
Márcia afirma que o ensino deve ser natural para seus alunos, sem esforçá-los: “A criança
de seis anos, que antes era da educação infantil, ela continua a mesma criança, não mudou
a maturidade dela; pra mim, é a mesma criança. Eu procuro continuar trabalhando com ela
de forma natural.”
A discussão da alfabetização de criança de seis anos é um tema controverso, mesmo
antes de sua entrada obrigatória no ensino fundamental. décadas se discute esse tema,
fala-se em necessidade de maturação adequada para aprender a ler, fala-se que a criança
pequena deve brincar mais, e o ensino deve ser para criança escolar. Consideramos que a
criança aprende e brinca com objetos culturais desde bem pequena (Barbato, 2008), que
não se pode desconsiderar o letramento multimodal, isto é, o uso social dos vários modos
de comunicação compartilhados pela comunidade em que a criança vive, que facilmente
pode transportar para a escola (Annig & Ring, 2009; Descardeci, 2002; Dyson, 2008;
Kendrick & Mckay, 2004).
A preocupação da professora se repete quando questiona a possível cobrança do
sistema de criança alfabetizada aos seis anos no ensino fundamental, pelo sistema de
estatística que as crianças como números. Para Márcia: “O governo federal passa pro
estadual, que repassa para as secretarias, que repassa pras escolas e para os professores.
Então, hoje tem uma exigência de você apresentar dados, de você apresentar números,
tantos alunos estão alfabetizados (...) não é permitido que o aluno termine naquele mínimo
exigido medido por esse padrão que né, que agora, no caso, é o teste da psicogênese,
né?” Utilizando esse argumento, Márcia resiste à imposição do teste de psicogênese como
forma de se saber o número de crianças que atingiram os níveis altos de entendimento da
escrita, por segregar crianças por nível de alfabetização, separando-as de sua professora
(Cavaton, submetido).
74
5.1.c Conclusões dos resultados da entrevista da professora
Considerando nosso objetivo de caracterizar as condições de socialização das
crianças na escola que promovem atividades de desenho e escrita, esta entrevista indica
que a professora conceitua a alfabetização como um processo natural, desconsiderando a
escrita como um processo cultural, com signos designados arbitrariamente, e que tanto a
escrita como o desenho a criança aprende com o outro. No entanto, em sua prática
pedagógica cotidiana, Márcia trabalhava oralmente o coletivo do grupo/classe perguntando
às crianças a relação fonema/grafema e as famílias silábicas. Pudemos observar vários
alunos falarem: “ba be bi bo bu bão” e, em seguida, fazerem suas atividades de
escrita e de desenho em mesas de quatro alunos com indubitável troca de informações
entre eles. Sobre os desenhos, a professora apontou algumas funções, como a de
transmissor de conhecimento, de como relacionar o desenho com o nome auxilia a criança
a descobrir como ler e escrever uma palavra. A professora, em sua prática, valoriza o
desenho da criança e o utiliza para atividades de construção de conhecimento. Ao afirmar
que o desenho é um momento de prazer em meio à atividade de escrita cansativa, a
professora evidenciou sua preocupação com a exigência de alfabetização da criança de seis
anos, uma vez que obrigatoriedade do teste de psicogênese, que classifica crianças
pelo nível de conhecimento de escrita.
5.2 ENTREVISTAS DAS MÃES DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Nos resultados das entrevistas das mães, relacionamos o que elas contam de seus
filhos em família com os relatos e as atividades de desenho e escrita livre feitas pelas
crianças em casa, a nosso pedido.
5.2.1a Sumário da entrevista da mãe da Ana
A mãe da Ana relatou que sua filha gosta de pegar o caderno, desenhar e pintar
casinha. Passa a tarde toda desenhando. Não brinca de boneca, “o caderno é a boneca”.
Desenha a família na parede do quarto. A menina tem uma relação forte com o pai, faz
corações para ele, que os tem de guardar. Ana desenha e brinca com os irmãos, pega papel
na estante e gosta de escrever. Pergunta à mãe como escrever as palavras. Ela desenha, e a
irmã escreve as palavras. A mãe ensinou Ana a escrever o nome e o sobrenome. A mãe
gosta que a menina prefira ficar em casa desenhando a ir à rua. Os livros de casa são
religiosos infantis, histórias com DVD e gibis. Quem e ensina os deveres para a Ana em
casa é o irmão mais velho. Quando é dever fácil, ela faz sozinha. Ela gosta muito de
escrever e reclama que não tem dever. A mãe da Ana acha que a escola de hoje é melhor
75
Figura 7 Ana – Desenho e escrita livre em casa
Figura 8 Ana – Desenho e escrita livre em casa
do que no tempo dela, que
era uma bagunça. Diz para os
filhos que eles devem estudar
para ser alguma coisa na vida
e ter emprego melhor.
Segundo ela, a escola do
futuro deveria ter mais
atividades.
5.2.1b Relato da Ana sobre
o desenho e a escrita feitos
em casa
A menina fez três
desenhos em casa. Na figura 1, observa-se que a escrita não é de Ana, assim como o risco
grosso do carro. Os outros desenhos (fig. 2 e 3) são mais característicos da menina,
também várias escritas livres. Quando perguntada sobre quem a ajudou, Ana não falou;
apenas concordou com a cabeça sobre ninguém e a mãe.
5.2.1c Contextualização da entrevista da mãe e da Ana sobre o desenho e a escrita
Segundo o relato da mãe, as interações de Ana com os irmãos e ela ocorrem tanto
nas atividades de orientação de dever de casa e de contar histórias, quanto nas atividades
Figura 9 Ana – Desenho e escrita livre em casa
76
lúdicas e de desenho e escrita. Apesar de a mãe apontar o filho mais velho, de 12 anos de
idade, como quem ensina o dever para Ana, ela a ensinou a escrever o nome inteiro e as
letras, o que foi confirmado pelo relato de Ana. Nas palavras da mãe: “Faz os jeitos dos
desenhos. Até os desenhos dela é bonitinho, mas as letras ela me pergunta, qual é as letras.
Eu falo para ela.” Nota-se que, o contexto familiar proporciona as práticas de letramento
(Barbato, 2007; Kleiman, 1995; Scholze & Rösing, 2007) ao promover atividades de
leitura de livros, acompanhados ou não de DVDs, desenhos, escrita de palavras em letra
manuscrita, enfim, informações compartilhadas entre os membros da família.
Nota-se que a mãe de Ana valoriza a escola. Afirmou não ter estudado em sua
época, mas hoje sabe da importância dos estudos. Ela disse: “Eu falo pro meus filhos:
‘estudem porque o único bem melhor que tem é os estudos’. Tanto que taí ó que os pais
deles não estudou, e agora taí, ralando, né? Agora eu falo: ‘Tem que estudar bastante e
terminar os estudos para ser alguma coisa na vida e pegar algum emprego melhor.”
As expectativas da mãe da Ana para com a escola e sua autorização da participação
da menina na pesquisa visam ao sucesso da filha. Ela gostaria de que a escola desse mais
atividades para as crianças e, pelo que pudemos notar, ela tenta suprir essa falta oferecendo
atividades de escrita em casa, como nas sessões observadas. Ana escreveu em letra de
manuscrito, e disse que sua mãe que lhe ensinou. A família exercita a função de ensinar
seus filhos, por saber quão importante é o conhecimento para o futuro deles. A mãe, que
parou seus estudos no 2º ano ensino fundamental, diz saber que os bons empregos são para
quem tem estudos.
5.2.2a Sumário da entrevista da mãe da Clara
A mãe da Clara disse que ela é uma menina que pega as coisas no ar, cuida do bebê,
é ativa, independente, dengosa (depois do nascimento do irmão), prestativa, toma
iniciativas, é muito madura para a idade dela, é muito esperta e inteligente. Gosta de TV
(assiste a muitos desenhos), de correr, de andar de bicicleta, de conversar, de contar
histórias. Quando chega em casa, conta tudo da escola. Brinca com os primos e uma amiga
mais velha (de nove anos), mas parece que elas têm a mesma idade. Gosta de desenhar
aquilo a que assiste na TV, e também o pai, o irmão, a família, a casa e as flores. Quanto
mais papel, mais desenha. Quer ler e escrever tudo que pela frente. Quando a mãe está
lendo uma revista, ela quer ver o que tem para ela naquela revista. e copia tudo. Tem
papel, apostila e uma caixa para guardar todas as bagunças dela. Escreve o que aprende na
escola. A mãe da Clara é quem gosta de desenhar e o faz bem, e a menina a imita. O pai
não sabe, e Clara ri dos desenhos dele. Eles têm livros de história em casa. O pai e a mãe
77
Figura 4 Clara – Desenho e escrita livre em casa
Figura 5 Clara – Desenho e escrita livre em casa
leem para ela. Há um computador em casa, e a menina o utiliza sozinha, joga joguinhos, lê,
escreve, conta, monta casinha e ambientes. O pai ajuda a mãe com o bebê e também com a
Clara. É ele quem a acorda, cuida dela e a leva para a escola. O pai e a mãe ajudam com o
dever. Clara estudou três anos em uma escola particular. Para sua mãe, a escola de hoje
tem mais crianças do que a escola do passado, onde havia brincadeira. Para o futuro, a
escola deve colocar menos crianças por sala, ou ter duas professoras. A professora deve ser
uma mãe. Deve também melhorar o ambiente, a escola está muito quebrada, não tem
parquinho. As crianças brincam no chão. Tem ferro onde as crianças se machucam. A
escola deveria ser mais arrumada e voltada para a criança.
5.2.2b Relato da Clara sobre o
desenho e a escrita feitos em casa
Clara conta que fez suas tarefas
na casa de sua avó, enquanto sua mãe
trabalhava. Estava com seu primo mais
velho, mas ele não a ajudou a fazer.
Quando ela tinha dúvida na escrita,
pedia a ele para ver se estava certo.
Disse que o pai a ajudou com a data. Na
figura 4, Clara contou que se desenhou
junto com a pesquisadora, fez também
bolo, montanha e uvas. Contou que a
casa dela tinha piscina e era “de andar”.
A menina falou muito do pai, dos
passarinhos e do ninho deles. Na figura
5, ela desenhou também o livro de
histórias que o pai lhe contava e o
quartinho onde muitas coisas ficavam
guardadas e onde havia quatro caixas de
papel com desenhos dela, de tanto que
ela desenhava.
5.2.2c Contextualização da entrevista da mãe e da Clara sobre o desenho e a escrita
As interações que envolvem as atividades de letramento de Clara ocorrem com o
pai e a mãe. Clara contou que, quando está na casa da avó, é o primo quem a ajuda. A
78
família disponibiliza caderno, apostila, papel para desenhar e escrever, além do
computador onde jogos infantis. A mãe evidencia o direcionamento para a
agencialidade (Hawkins, 2002) de Clara, ao descrevê-la como ativa, esperta, inteligente,
interessada por escrita e desenho. A mãe conta: “Ela gosta de desenhar o que ela assiste.
Ela adora desenhar a casa dela e tem muito assim, eu, ela, o pai dela e o irmão dela. (...) E
escrever agora, principalmente agora, ela quer ler e escrever tudo que ela na frente. Ela
lê e quer copiar, até os rótulos. Ontem ela estava lendo o rótulo do creme Nívea e escreveu,
pele seca e ela escreveu tudo, ela copiou tudo. Tudo que ela agora ela quer ler e quer
escrever. Em casa ela tem papel; então, ela procura sempre tá escrevendo, usando o que ela
tá aprendendo na escola.” Essas práticas de letramento na família contribuem para o
entendimento do uso social da escrita por envolver acesso a revistas, entendimento de
rótulos, cópias de escritos do interesse da criança, acesso a computador, além de todo o
material que lhe é disponibilizado para desenhar e escrever (Barbato, 2007; Kleiman, 1995;
Scholze & Rösing, 2007).
Os conhecimentos construídos pela menina fazem o movimento
comunidade/escola, e vice-versa. (Luria, 2005). A criança constrói conhecimento em casa,
com os pais, e leva para a escola, que, por sua vez, promove o compartilhamento das
informações entre professora e crianças.
A mãe da Clara foi a única que se preocupou em comentar o aspecto físico da
escola estar quebrada, não ter parque infantil para as crianças pequenas. Ela gostaria da
ampliação da escola. Apesar de dizer que a escola hoje ensina mais, a mãe da menina
gostaria que houvesse menos crianças por professor.
A mãe da Clara referiu dois pontos das escolas públicas que merecem destaque; um
deles é a falta de construção física adaptada à educação infantil, pois dentre as
necessidades da criança dessa faixa etária, está o espaço para o lazer com areia e
brinquedos. (Brasil, 1998). Outro ponto é a quantidade de crianças de seis anos para uma
professora, e, ao notar a proporção criança/professor inadequada, fez uma crítica
contundente às práticas escolares da escola pública.
Consideramos que a atenção da professora às crianças é imprescindível para a
construção de um ambiente alfabetizador (Teberosky, 1989) e propício ao letramento
multimodal, cujas práticas pedagógicas se baseiem nos textos, nos atos de leitura com
imagem e letras e na fala sobre a produção infantil. A criança faz a tarefa e necessita falar
com o outro sobre o que fez (Calkins, 2002, Sperb, 2009). A professora, por sua vez, para
desencadear as ZDPs, precisa estar atenta às demandas das crianças, durante o tempo
79
Figura 6 Daniel – Desenho e escrita
livre em casa
necessário ao processo de construção de conhecimento em sala de aula (Bruner, 1975).
Evidentemente, essa tarefa fica prejudicada quando a sala tem por volta de 30 crianças.
5.2.3a Sumário da entrevista da mãe do Daniel
A mãe do Daniel disse que ele tem temperamento difícil, fala palavrão, levanta mal
humorado. Aprende palavras feias na rua e na escola. Mas, ao mesmo tempo, é doce e
gosta de abraçar, beijar e fazer carinho. É assim, doce e explosivo, sem paciência. Gosta de
desenhar; assiste filme na TV e depois desenha. Brinca de carrinho e boneco. Fala sozinho,
como se estivesse falando com alguém. Fica bravo quando é surpreendido falando sozinho.
Ele pede folha e caderno para desenhar. Tem muita folha, lápis e tinta. Para escrever é um
pouco preguiçoso. Tem livros em casa, e ele conta a história olhando os desenhos. Quanto
a escrever, ele sabe as letras, mas não juntá-las. Pergunta sobre como se escrevem as
palavras, o nome da mãe. “Nesta escola, a professora não manda dever para casa, até agora
foram duas vezes, ele faz ou com a irmã. A professora sempre paralisa (faz greve) e
os alunos ficam sem aula. O pai tem vida muito corrida, sem muita paciência.” A mãe
morava na roça, e, para ela, a escola do passado era difícil, mas os professores ensinavam
mais. pouco tempo, a mãe do Daniel fez supletivo para terminar o ensino fundamental.
Ela e o marido gostariam de manter os filhos em escola particular, porque é melhor que a
escola pública, mas não deram conta; então, tiveram que colocar na gratuita. A mãe do
Daniel não tem outras queixas desta escola, as professoras tratam as crianças com mais
carinho. Para o futuro, a escola deveria colocar
professor de muita responsabilidade e com
experiência, porque hoje, no EJA, referindo-se ao
seu próprio processo de escolarização, eles colocam
pessoas que estão estagiando.
5.2.3b Relato do Daniel sobre o desenho e a
escrita feitos em casa
O menino conta que fez o desenho do
prédio do primo dele na figura 6 e que tinha a casa
do elevador desenhada em cima. Ele pegou o papel
sozinho e fez, disse que era fácil. Contou sobre o
desenho do coelho fazendo churrasco de cenoura da
figura 7 e descreveu a casa do bicho. Contou que a
cama desenhada era de seus pais e não, do coelho. Na
80
Figura 8 Daniel – Desenho e escrita
livre em casa
Figura 7 Daniel – Desenho e escrita livre em casa
figura 8, desenhou a pesquisadora e sua câmera de vídeo filmando o sol e a chuva, porque
o sol estava no espaço sideral. Quando perguntado quem havia ensinado tudo isso a ele,
contou que foi sua irmã de 16 anos. Ele falou que a mãe o ajudou com o desenho do
coelho. Indagado sobre de que forma foi ajudado, ele respondeu que perguntou à mãe se
podia desenhar o coelho dele, e a mãe lhe disse que podia.
5.2.3c Contextualização da entrevista da mãe e do Daniel sobre o desenho e a escrita
As interações do Daniel em práticas de letramento ocorrem com os membros da
família, apesar de a mãe enfatizar que ele sabe e faz tudo sozinho, por ser um menino
independente e ativo. A
família disponibiliza materiais
para as atividades de desenho
e de escrita. Tem ajuda da
mãe e da irmã, que fica com
ele algumas vezes quando a
mãe não está. Segundo ele,
sua irmã lhe ensina muitas
coisas sobre o espaço sideral e
a eletricidade, descoberta pelo
raio. Por gostar de perguntar
como se escrevem as palavras e o nome da mãe,
mostra o uso da escrita no contexto imediato,
principalmente fazendo a relação com a
identidade familiar e a escrita (Levin, Both-de
Vries, Aram & Bus, 2005; Chan & Lobo, 1992;
Bosco, 2005; Teberosky, 1989).
Nas palavras da mãe: “Daniel é assim: ele
sempre gosta de desenhar muito. Ele assiste um
filme e ele quer uma folha pra desenhar. Ele
sempre desenha, ele sempre gosta de desenhar,
sabe?” “E escrever espontaneamente, ele pega,
ele faz, ele faz assim, umas minhoquinhas, ele faz
algum tipo de coisa que pareça com isto? Mas ele
gosta mesmo é de desenhar mesmo. Ele desenha
81
o sol, a lua, desenha a chuva, o pica-pau, tudo assim.”
O Daniel vincula as informações do desenho animado em seus desenhos. Pudemos
observar essa conduta também em nossos momentos individuais com o menino (olhar Fig.
nº 31). Daniel utiliza o desenho como um mediador importante na interpretação do mundo.
A relação entre os desenhos da TV e os desenhos que ele produz resulta na construção do
conhecimento (Kitahara & Matsuishi, 2006; Pillotto, Sildelnick & Svoboda, 2000; Silva &
Mognol, 2004). Assim, a criança de nossa cultura contemporânea tem vasta quantidade de
apelos visuais, que a fazem refletir e criar significados sobre o que vê, para, em seguida,
colocar no desenho (Anning & Ring, 2009).
Para a mãe do Daniel, a escola pública é pior que a particular, porque greve, os
alunos ficam sem aula, e ela gostaria que houvesse mais qualidade do professor na escola
do futuro. A avaliação da mãe foi influenciada pelas situações vividas no curso do EJA,
pois ela ficou muito impressionada com os professores novos e inexperientes que teve. Da
escola do filho, falou sobre greve e gostou que a professora tratou o filho dela com carinho.
5.2.4a Sumário da entrevista da mãe do Felipe
A mãe do Felipe conta que sua família é unida. O comportamento do filho, em
termos de responsabilidade, melhorou depois que ele entrou na escola. Está muito
interessado, pede para ela ler algumas palavras, pergunta o que está escrito. Ele é um
menino esperto e curioso. Tem contato com computador e celular. Mesmo sem ler, joga no
computador, entra em favoritos e acha seu jogo. Sabe escrever pelo desenho do
computador. Brinca com o pai, quando este está em casa e pode brincar com ele; com os
amigos, de vez em quando. Ele brinca sozinho no computador e assiste TV. Desenha a
família, escreve o nome dele completo, mas algumas palavras ele pergunta como se
escreve e com que letra começa. Quando a mãe responde, ele diz que sabe e nem espera
que ela termine, apesar de ainda ter dificuldades. A mãe o ajuda com o dever, e o pai, de
vez em quando. A mãe se diz preguiçosa para ler, mas o menino pergunta o que está
escrito em tudo que em revista, supermercado... Está aprendendo a ler preço. Tem
um livro de história em casa. A mãe está fazendo o supletivo. Disse que o pai do Felipe é
inteligente, curioso, esforçado, e o filho o puxou. Para a mãe do Felipe, a escola de hoje
tem os estudos mais avançados, porque o Felipe é muito inteligente. Hoje existem
computadores, tudo fica mais fácil; antes não tinha. Não tem reclamações das professoras
do filho. E, para o futuro, a escola deveria continuar seu papel, crescer mais, oferecer mais
aquilo que as crianças precisam: inglês e informática; assim, a criança aprende desde
pequena. Enfim, dar mais oportunidades para os alunos.
82
Figura 9 Felipe – Desenho e escrita
livre em casa
5.2.4b Relato do Felipe sobre o desenho e a escrita feitos em casa
A mãe estava com ele na hora em que desenhava, mas ele fez sozinho. Quando
perguntado o que sua mãe fazia, ele respondeu que
não sabia, mas ela vendia Avon. Na figura 9, Felipe
desenhou a pesquisadora. Ao ser indagado sobre a
escrita, o menino disse que não sabia escrever
muito não e que sabia escrever palavras que não
existiam. Esse desenho do Felipe foi apagado várias
vezes e não se parece com os desenhos que faz na
escola. Nossa suposição é que, em casa, a
expectativa dos pais por desenhos mais “bonitos”
para mostrar ao outro, e isso fez que ele se
distanciasse de seus próprios desenhos. (Colocamos
“bonitos” entre aspas por envolver o conceito de
beleza que é subjetivo.)
5.2.4c Contextualização da entrevista da mãe e do Felipe sobre o desenho e a escrita
As atividades de letramento ocorrem com a mãe e, às vezes, com o pai. Para a mãe,
Felipe é um menino curioso, interessado e bem inteligente. A família disponibiliza
materiais para desenhar e escrever e também computador e celular, que Felipe comanda
bem. Palavras da mãe quanto ao desenho: “Às vezes ele fala: mãe, deixa eu fazer aqui
vocês. Aí, eu achei engraçado, ele desenhou, eu, o pai dele e ele e ele pintou tudo assim,
de acordo com as cores; eu ele botou pretinha, o pai dele, branco, e ele disse que ele era
marrom. Faz tudo de acordo. Desenha... Ele sabe desenhar.” Consideramos que os
desenhos do Felipe apresentaram a interpretação da família, dando significado à cor das
pessoas desenhadas (Anning & Ring, 2009; Ferreira, 2005; Pillotto, Silva & Mognol,
2004).
Os pais compartilham as informações de escrita com o menino, que pergunta sobre
como se escrevem as palavras. Evidencia-se o letramento na comunidade, onde o menino
quer saber o nome e o valor de mercadoria em atividades cotidianas de idas ao
supermercado (Kleiman, 1995; Lacasa, 2001). A família e a comunidade abrem outras
ZDPs no letramento, ou seja, a aplicação da matemática, o entendimento do uso social dos
números na possibilidade de compra de uma mercadoria, quando a mãe diz: “Aí ele pega
83
um biscoito, ou pega um outro objeto lá e fala: ‘mãe, vê aqui se isto é caro, dá pra
comprar? Dá? Mãe, como é que lê isto daqui?’”
A mãe reconhece que o Felipe utiliza as figuras para se comunicar com os outros na
Internet, enquanto não sabe escrever. Em outras palavras, ela deu o uso e a função do
desenho como mediador do conhecimento nas interações virtuais do menino: “Só de ver
um computador, ele, ‘ah sei ligar!’ Ele tem orkut. Como ele é muito inteligente, eu
ensinei ele a colar, né, por exemplo, a figura, né, selecionar e colar, ele sabe mandar
recadinho pros outros, ele não sabe escrever, mas sabe escrever pelo desenho.”
Vemos o letramento multimodal enquanto uso dos meios: visual, gráfico e oral
contido nas práticas sociais de comunicação moderna, em que a troca de informações com
o outro ocorre via Internet. Apresenta os desenhos,exercendo a função de expressar
conteúdo (Annig & Ring, 2009; Descardeci, 2002; Dyson, 2008; Kendrick & Mckay,
2004).
Sem queixas da escola do filho e considerando que os estudos hoje estão mais
avançados, a mãe gostaria que a escola continuasse a exercer seu papel e ensinasse inglês e
informática, como acontece numa escola pública no centro do DF. A leitura das
necessidades de educação feita pela mãe coloca a responsabilidade de ampliação de
oportunidades na escola.
5.2.5a Sumário da entrevista da Mãe do Renato
A mãe disse que os filhos brincam muito juntos e querem aprender. Ela brinca
interagindo com eles. Assiste com eles a TV educativa, que tem alfabetização e ensina a
brincar com materiais que eles têm em casa. Os pais interagem com eles e ensinam a fazer
dever de casa. O Renato desenha muita bola, gosta de futebol. Ele sabe fazer todas as
letras, e escreve sozinho. Sabe copiar certo. Gosta de desenhar e escrever e depois
pergunta à mãe se está certo. A mãe pede para os filhos desenharem, e eles desenham. O
Renato pede papel para desenhar. Não tem livros de história em casa; na escola. A mãe
conta histórias mesmo sem livro. O Renato é um menino muito inteligente e esperto.
Entrou no Jardim 2 com cinco anos. Hoje está fazendo as coisas melhor do que antes de
entrar na escola. Para a mãe de Renato, a escola atual é melhor porque tem professores
mais qualificados. No futuro, para o Brasil mudar, a educação deve estar em primeiro
lugar. Se cada um fizer sua parte, pais e escola, o futuro dos filhos será melhor.
5.2.5b Relato do Renato sobre o desenho e a escrita feitos em casa
84
Figura 10 Renato – Desenho e escrita
livre em casa
Renato contou que o pai segurou no lápis e na sua mão para desenhar a
pesquisadora. Na figura 10, pode-se observar o desenho característico do Renato apagado e
outro desenho refeito com o pai ajudando. Supomos que os pais se preocuparam com que o
menino levasse um desenho “bonito” para a
escola. Assim, pudemos notar que o Renato
recebe ajuda dos pais em casa para fazer seus
deveres escolares.
5.2.5c Contextualização da entrevista da mãe e
do Renato sobre o desenho e a escrita
As interações envolvendo as práticas de
letramento em casa ocorrem com os irmãos e os
pais, principalmente com a mãe que fica mais
com eles. Os irmãos brincam, assistem a
programas educativos na TV, desenham,
escrevem e aprendem juntos. Eles têm quase a
mesma idade, com diferença de um ano de um
para o outro. trocas de informações sobre
escrita e desenhos, com a mãe sempre próxima
para responder as questões dos filhos sobre como uma palavra se escreve, além de
compartilhar com eles os programas da TV educativa. A família disponibiliza material para
desenho e escrita, e a mãe conta histórias para os filhos, de memória, sem o livro,
alimentando o imaginário dos filhos necessário à produção de suas próprias histórias
(Held, 1980). Sobre o Renato, ela disse: “Ele desenha muito bolas, que ele gosta de
futebol. Ele desenha a bola, desenha pessoa chutando a bola, ele diz que quer ser jogador
de futebol.” E sobre a escrita, a mãe considera que o Renato sabe bastante, a ponto de
não precisar mais da ajuda dela. Direcionando para autoria e agencialidade do menino:
“Ele faz sozinho. Ele sabe as letrinhas. Ele e escreve sozinho. Ele uma
palavra certinha, vai e escreve do jeito que lá, não preciso mais ficar ajudando.” A
mãe avalia a escola como tendo professores qualificados e coloca o futuro da educação nas
mãos de pais e escola. Os enunciados da mãe do Renato evidenciam que ela cumpre um
papel na educação de seus filhos, interagindo nas brincadeiras e nos ensinamentos, bem
como reivindica a responsabilidade da escola no futuro dos filhos.
5.2.6 Conclusões dos resultados das entrevistas das mães
85
Considerando nosso objetivo de caracterizar as condições de socialização das
crianças em contexto familiar que promovam as atividades de desenho e escrita, os
resultados destas entrevistas indicam que os pais dos participantes da pesquisa
disponibilizaram materiais e instrumentos para as crianças desenharem e escreverem
livremente em casa. As mães fizeram avaliação positiva da produção dos filhos quanto à
escrita e ao desenho, mostraram que eles tiveram autoria e vontade de fazê-los. Essas
atividades foram desenvolvidas juntamente com os membros da família, fato confirmado
pelos relatos das crianças, evidenciando o letramento multimodal no contexto familiar,
pois as mães apresentaram usos e funções dos desenhos e escritas dos filhos. Disseram que
eles desenham o que sabem e veem, além de serem curiosos e perguntarem sempre como
determinada palavra se escreve. Portanto, consideramos que as mães mantêm aberto o
canal de escuta dos filhos, o que lhes permite avaliar o que fazem e dizem (Alexander,
2005; Bruner, 2001; Corsaro, 2009; Hawkins, 2002; Lacasa, 2001; Matusov & cols., 2007;
Pontecorvo & cols., 2005).
Os pais projetam o futuro dos filhos na educação de qualidade garantindo a eles as
condições de ensino-aprendizagem que não tiveram, ou que não souberam aproveitar, mas
hoje sentem que a educação fez falta, para terem melhores empregos. Assim, diante dessas
expectativas e das práticas de letramento verificadas na comunidade em que vivem,
notamos que se valoriza a aprendizagem da criança para incluí-la na sociedade, há apoio ao
processo de escolarização para a obtenção de sucesso, além dos esforços tanto da escola
como das famílias em direção da agencialidade da criança, pois muitas das atividades de
desenho e de escrita são promovidas a partir do interesse e da vontade das crianças em
realizá-las.
Consideramos que as produções gráficas livres permitidas pelas famílias,
envolvendo desenho, escrita e fala, medeiam a construção de conhecimento na
sistematização da escrita, pelo compartilhamento de informações sobre letras, pelos atos de
leitura de livros, revistas, produtos industrializados, pelos programas educativos da TV e
no fato de disponibilizar os materiais necessários à atividade de desenhar. O uso social de
atos de escrita na família e na comunidade representa o conhecimento que a criança leva
para a escola e compartilha com os colegas (Barbato, 2007; Kleiman, 1995).
5.3 DESCRIÇÃO DAS SESSÕES COLETIVAS
5.3.1a Descrição da primeira sessão
As crianças conversavam em suas mesas, olhavam e faziam tchauzinho para a
câmera. A professora saiu da sala para buscar uma convidada e retornou vestida de
86
princesa. Imediatamente, começou a contar uma história, sem dizer nada além da narrativa,
olhando algumas vezes numa folha de papel. As crianças prestaram atenção na história da
professora. Márcia interrompeu o conto para advertir duas crianças pelo nome. Ao dar o
desfecho da história, quando o príncipe casa com a princesa, Márcia pediu para as crianças
inventarem o que havia acontecido depois do casamento dos príncipes. Informou que
entregaria um papel para eles contarem com a mão e não com a boca, ou seja, usando lápis
preto, colorido ou giz de cera para fazê-lo. Não disse se era para escrever ou para desenhar.
Uma criança disse: “eles foram felizes para sempre”. A professora concordou e disse que
deveria contar isso no papel.
Nessa primeira inserção, Daniel faltou. Com os preparativos de sua performance de
princesa, a professora acabou deixando os participantes da pesquisa sentados em mesas
diferentes. Felipe desenhou sua história, falando sempre sobre o que estava escrevendo e
foi atrás da professora para lhe contar. Ana fez seu desenho em silêncio. Clara, ao mesmo
tempo em que desenhava, divertia-se com as colegas de mesa, falando de outros assuntos e
criando paródias de música nos gravadores que iam sendo movimentados pela sala. Renato
fez seus desenhos e também brincou de falar no gravador, nomeando os personagens e os
elementos físicos da história.
A professora saiu da sala e as crianças continuaram suas atividades sem sair de seus
lugares. Ao retornar, Márcia ofereceu quebra-cabeças a quem tinha terminado, enquanto
os outros acabavam a tarefa. Muitas crianças levantaram antes de terminar e entregaram as
folhas com os desenhos para ganhar quebra-cabeças. Apenas algumas continuaram a
desenhar.
5.3.1b Resultados da 1ª sessão de Ana em sala de aula
Interação com a professora
Nesta sessão, Ana participa do diálogo geral da professora com a classe. Não
qualquer Tipo de Diálogo (categoria) da professora com a menina. Não houve diálogo,
tampouco a professora fez comentários à atividade da Ana ou escutou sua história.
Partimos do pressuposto de que a atividade da criança ganha sentido quando é
compartilhada com o outro (Calkins, 2002, Corsaro, 2009; Sperb, 2009). Se a proposta da
professora era que a criança criasse um complemento da história contada, poderia ter
avaliado a atividade feita, observado o processo de produção, ou aberto um canal de escuta
da criança para conhecer o produto final, de modo a saber se a tarefa foi cumprida. A
dialética do processo ensino-aprendizagem não separa o ato de ensinar do de aprender. Os
87
Figura 101 Ana – Sessão 1
atos intencionais do professor visando aos objetivos da atividade estão em negociação com
as demandas das crianças (Barbato, 2007).
Ana permaneceu em atitude observadora, não conversou com os colegas, desenhou
a história pedida, mas, assim que a professora ofereceu os quebra-cabeças, ela colocou a
folha da atividade em cima da mesa da professora e pegou o jogo. Nesse momento, a
demanda da menina mudou da atividade de aprender, desenhar, para a atividade lúdica, a
brincadeira (Davidov, 1995; El’Konin, 2000).
Interação com os colegas
O diálogo estabelecido entre Ana e os colegas de mesa foi sobre o tema de
emprestar material escolar. Uma colega lhe pediu emprestada a borracha, que ela
emprestou, mas logo quis de volta. Ter todo o material necessário para realizar sua
atividade parece ser tema de grande importância para Ana. Ela valeu-se desse material para
estabelecer relações comunicativas com os pares (Corsaro, 2009).
Fala egocêntrica
Ana fez sua tarefa em silêncio. Não externou a fala egocêntrica nem as
manifestações labiais. Ela parece ter a fala
internalizada. Como foi a primeira sessão,
não tivemos como saber ao certo.
Produções gráficas livres
Ana utilizou a mediação do desenho
para escrever seu reconto da história pedida
pela professora. Ela apresentou a
característica de apagar várias vezes ao
desenhar. Na figura 11, notam-se três
princesas apagadas, ainda visíveis na folha.
Levantamos algumas suposições: ou Ana
demonstra insegurança sobre seu próprio
ato de desenhar, ou seus desenhos não a
satisfazem quanto a sua expectativa de
representação próxima à realidade
(Lowenfeld & Brittain 1977; Luquet, 1979;
Vigotski, 2003), ou simplesmente, as princesas estavam no lugar em que ela queria
desenhar o castelo. O importante que é que Ana organizou a história contada em uma única
cena mediada pelo desenho do castelo e da princesa. É possível que, com a narrativa do
88
desenho, a criança pudesse nos dar mais informações sobre o processo de imaginação
utilizado ao desenhar, ou mesmo sobre o conhecimento que tinha de casamento de
príncipes, etc.
5.3.1c Resultados da 1ª sessão de Clara em sala de aula
Interação com a professora
Clara participou ativamente do diálogo da professora com toda a classe, falando e
rindo da situação criada a partir da professora vestida de princesa. A carnavalização
(Bakhtin, 1981) da professora assumindo a personagem da história gerou a conversação
geral das crianças, empolgadas pela situação inusitada, e ao mesmo tempo engraçada, de
ver a professora vestida de princesa. Fora a interação no coletivo, a professora não teve
qualquer Tipo de Diálogo com Clara. A professora não pediu para a menina contar sobre
sua história, como ocorreu com Ana.
Interação com os colegas
O Tipo de Diálogo de Clara com as meninas na mesa, não participantes da
pesquisa, iniciou-se a partir do enunciado de Clara numa Fala Egocêntrica que ela, em
seguida, passou para o coletivo, perguntando sobre fazer um desenho. Instaurou-se um
clima divertido em que todas riram e passaram a mostrar seus desenhos. Reproduzimos
apenas um trecho da conversa da Clara com as colegas no quadro abaixo:
Quadro nº 17 – Trecho do episódio de Clara na 1ª sessão em sala de aula
Crianças
Enunciados
Análise Conversação
F.Ego. e F. Com.
Clara
Eu vou fazer um castelo...
Vamos fazer um castelo?
Enunciado do falante
para si e depois o
enunciado para o
outro
Fala Exter. Ego. e
Relevante gera Fala
Comunicativa
Profa.
– Eu contei para vocês a
história e agora eu quero que
vocês me contem o que
aconteceu depois.
Enunciado para a sala
toda
Fala Comunicativa
Meninas
Risadas.
Diversão
Clara
– O cabelo dela.
Enunciado do falante
Fala Exter. Ego. e
Relevante
Clara
– Gente, aqui é a coroa e
aqui é o cabelo dela, a bunda.
Enunciado dirigido às
colegas e divertido
Fala Exter. Ego. e
Relev. gera Fala
Comunicativa
Meninas
– Ééééé.
Manifestação de
alegria das meninas
Fala Comunicativa
Clara
– Aqui é o rei dela... Este
daqui é rei, gente.
Enunciado dirigido às
colegas e divertido
Fala Comunicativa
Meninas
Risadas.
Diversão
89
Clara passou a nomear os desenhos e provocou risos ao mencionar a palavra bunda.
Depois continuaram a rir, disseram coisas engraçadas e fizeram paródia de música ao
gravador. O registro dos gravadores revelou conversações entre as crianças que passam
despercebidas pelos adultos, ou as crianças não os deixam ouvir.
Fala egocêntrica
A Fala Externalizada Egocêntrica e Relevante encontrada foi o anúncio do que ia
desenhar. “Eu vou fazer um castelo”; “O cabelo dela”. E logo Clara socializa o desejo de
desenhar com as colegas quando pergunta: “vamos fazer um castelo?”; Gente, aqui é a
coroa...”. A partir dessas duas Falas Egocêntricas, ela se tornou seu interlocutor falante, ao
propor para o coletivo aquilo
que propunha para si mesma,
e assim gerou o diálogo com
as colegas. Em outra Fala
Externalizada Egocêntrica e
Relevante: “Agora aqui uma
princesa e seu filhinho”,
Clara avaliou o desfecho da
proposta de reconto, que era
desenhar o que aconteceu
depois do casamento dos
príncipes.
Produções gráficas
livres
As figuras 12 (frente)
e 13 (verso) mostram a
mediação utilizada do
desenho significando
conhecimento: a Fala
Externalizada Egocêntrica e
Relevante enquanto
planejadora do desenho e a
Fala Comunicativa mediando
o diálogo do andamento dos desenhos, além de outros assuntos. Não escritas livres. A
Figura 12 Clara – Sessão 1
Figura 13 Clara – Sessão 1
90
menina cumpriu a proposta da professora, com desenhos detalhados em duas cenas com
desfecho da história, na frente e no verso da folha. O desfecho dado por Clara traz um
bebê no colo da princesa. Ela pode estar se baseando em seus conhecimentos prévios sobre
literatura infantil, ou em programas de TV, ou influenciada pelo recente nascimento de seu
irmão, ou demonstrando conhecimento sobre o que convencionalmente acontece após um
casamento em sua comunidade (Bartlett, 1995).
Apesar de o desenho de Clara apresentar o desfecho mediado pelo desenho, seria
importante saber o que ela desenhou. O ensino dialógico requer as trocas entre a professora
e a aluna, pois ao falar sobre o que fez a criança significado às ações ali desenhadas
para o outro. Muitas vezes o desenho é mais esquemático do que a narrativa da história,
porque, ao narrar, a criança incorpora mais elementos da história ao enunciado. A fala
passa a mediar a construção de conhecimento iniciada pelo desenho.
5.3.1d Resultados da 1ª sessão de Daniel em sala de aula
Ausente nessa sessão.
5.3.1e Resultados da 1ª sessão de Felipe em sala de aula
Interação com a professora
Felipe participou ativamente do diálogo da professora com a classe. Felipe
procurou a professora para mostrar a história que fez. A professora foi até a mesa dele, mas
não parou lá. Felipe voltou a procurá-la e, dessa vez, ela o escutou. A seguir, no quadro 18,
o diálogo da professora com o Felipe é reproduzido:
Quadro nº 18 – Trecho do episódio do Felipe na 1ª sessão com a professora em sala
Enunciados
Análise da conversação
Felipe
– Aqui ela está correndo pra fora do
castelo.
Primeiro enunciado do menino
contando a história
Profa
– A princesa está correndo pra fora do
castelo?É?
Espelhamento e Pede Esclarecimento
Felipe
– É... A princesa, o nome dela é Fiona.
Réplica Elaborada de Concordância
Profa
– É Fiona? É?
Espelhamento e Pede Esclarecimento
Felipe
– Do Shureck é.
Réplica Elaborada de Concordância
Profa
– Do Shrek é?
Espelhamento e Pede Esclarecimento
Felipe
– É, quando ela era pequena, pôs um
feitiço nela, ela virou feia, ela virou
feia.
Réplica Elaborada de Concordância
Profa
– Quer colocar o nome?
Rompe o diálogo com uma questão
fora do tema
O diálogo começou com o primeiro enunciado do menino contando a história.
Como a professora se surpreendeu, repetiu e escutou o esclarecimento do menino; ele
elaborou suas réplicas transmitindo conhecimento e esclarecimento a ela (Pontecorvo &
91
cols., 2005). A professora abruptamente interrompeu o diálogo, pedindo para o Felipe
colocar seu nome no desenho e foi embora. O diálogo da professora criou ZDP ao dar
oportunidade ao menino de falar sobre o que fez, comunicar o significado de seus desenhos
ao outro. Ele elaborou suas respostas, ampliou o esclarecimento pedido pela professora.
Era importante para ele mostrar a ela o que produzira. Estava motivado pela narrativa que
criou, tanto assim que insistiu para que ela o ouvisse. Consideramos que a professora
compartilhou do entusiasmo do menino, embora tenha valorizado a formalidade escrever
nome e data, mas não elaborou perguntas nem ampliou a conversação quando ele
desenvolvia mais do que lhe fora solicitado. A professora ouviu o Felipe, porém poderia ter
ido além do que ele dizia. Seus desenhos mediavam os conhecimentos não ditos, mereciam
ser questionados para a ampliação e o entendimento da história.
Interação com os colegas
O diálogo com os colegas foi gerado a partir das Falas Egocêntricas do Felipe. Ao
falar o que desenhava, o colega lhe pedia para ver o que ele havia feito, e a menina fez
brincadeira com os meninos da mesa. No quadro 19, a seguir, apresentamos o diálogo do
Felipe, com análises da conversação e da fala egocêntrica:
Quadro nº 19 – Trecho do episódio de Felipe na 1ª sessão com os colegas em sala
Crianças
Enunciados
Análise da conversação
Fala Ego. e Fala Com.
Felipe
– Bracinho.
Enunciado do falante (Partes do
corpo)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Ó bracinho dela,
ó, ele é cumprido.
Enunciado do falante (Partes do
corpo)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Ela ganhou um
neném.
Enunciado do falante (Desfecho
da história)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Agora eu vou pro
hospital e o neném.
Enunciado do falante (Desfecho
da hist. e se coloca na narrativa)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– um carro uuuuu...
Tamo com pressa.
Enunciado do falante
(Continuação se colocando na
história)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Furou Pneu.
Enunciado do falante (Cria
situação)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Chegou no
castelo.
Enunciado do falante (Objetiva
a ação)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Menino
– Chegou no
castelo? Deixa eu
ver.
Espelhamento e Pede para ver o
que desenhou
Fala Egocêntrica gera
Fala Comunicativa
Felipe
– Meu carro, meu
carro furou o pneu.
Enunciado do falante (aponta o
desenho e continua a narração)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Menino tacou
uma pedra no carro.
Enunciado do falante (Explica a
ação)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
92
Quadro nº 19 – Trecho do episódio de Felipe na 1ª sessão com os colegas em sala (cont.)
Crianças
Enunciados
Análise da conversação
Fala Ego. e Fala Com.
Menino
– Quem?
Pede Esclarecimento
Fala Egocêntrica gera
Fala Comunicativa
Felipe
– O menino tacou a
pedra.
Enunciado do falante
(Explica apontando o
desenho)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Vou fazer primeiro a
torre.
Enunciado do falante
(Continua a anunciar)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– O castelo.
Enunciado do falante
(Continua a anunciar)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Menino
– O rei ali.
Fala Egocêntrica do colega
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Tô fazendo primeiro
a torre. Está aqui.
Enunciado do falante
(Continua a anunciar)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Menino
– Torre, que torre?
Espelhamento e Pede
Esclarecimento
Fala Egocêntrica gera
Fala Comunicativa
Felipe
– A torre que a princesa
fica presa.
Réplica Elaborada (Explica
apontando o desenho)
Fala Comunicativa
Menino
É isso?
Pede Esclarecimento
Fala Comunicativa
Felipe
– Isso aqui é a torre e o
castelo. Olha aqui esse
o quarto que ela ficou
presa, em cima da
torre, a torre é bem alta.
Réplica Elaborada
(Explicação detalhada
apontando o desenho)
Fala Comunicativa
Felipe
– O castelo da princesa
Fiona, o nome dela é
Fiona.
Enunciado do falante
(Continua a narração
nomeando a princesa)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Vai ter que dar o
nome.
Enunciado do falante
(Explicação para si)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Menina
– Do Lucas é princesa
Ana Clara, princesa
Felipe.
Réplica brincando com os
colegas
Fala Egocêntrica gera
Fala Comunicativa
Felipe
– É princesa Fiona do
Shureke.
Enunciado do falante
(Continua a narração)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– É o príncipe Shureke.
Enunciado do falante
(Continua a narração
nomeando o príncipe)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe
– Agora vou fazer o
pinto do Shureke.
Enunciado do falante
(Continua a anunciar)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Menina
– Shrek.
Réplica Elaborada de
Discordância, correção
Fala Egocêntrica gera
Fala Comunicativa
Felipe
– O príncipe, o nome
dele vai ser Shureke.
Enunciado do falante
(Continua a narração)
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Menina
– Como é o nome que a
tia falou?
Fala para si, querendo
lembrar a história
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Felipe mostrava o desenho quando solicitado e fazia sua narrativa com Falas
93
Egocêntricas e Falas Comunicativas. De uma fala egocêntrica do menino, foi levantada a
questão sobre o nome do príncipe da história, porque Felipe usava os nomes dos príncipes
de outra história conhecida, utilizando conhecimentos prévios advindos de suas
experiências (Barbato, 2008) com livros de histórias infantis. Essas questões foram tão
evidenciadas que, ao contar para a professora, Felipe se lembrou do fim da sua
narrativa, quando ele relacionou a princesa contada com a Fiona, da torre de seu desenho.
A criança se colocou no texto ao dizer “tamo com pressa”, demonstrou sua diversão e seu
imaginário. Neste diálogo, os questionamentos das crianças levantaram oportunidades de
relacionar conhecimentos novos com os já existentes.
Fala egocêntrica
Como mostra o quadro 19, ao narrar seu desenho, Felipe instaurou uma série de
Falas Externalizadas Egocêntricas e Relevantes. A fala organizou sua produção, anunciou
a figura da princesa, falou partes do corpo que ia desenhando, passou a desenvolver uma
narrativa com várias cenas em sequências,
dando o desfecho da história, isto é, os
acontecimentos que vieram depois do
casamento dos príncipes. Sua fala
egocêntrica gerou diálogo com os colegas
que queriam saber sobre o que ele falava do
desenho.
Produções gráficas livres
A fala e o desenho mediaram a
construção de conhecimento do Felipe. O
desenho significou o conhecimento,
colocando o desfecho pedido pela
professora. Nota-se que a fala passou a
dominar o desenho do Felipe, como
podemos verificar na figura 14, porque ele
não conseguiu desenhar tudo aquilo que
narrava. Quando foi contar para a
professora, começou pelos últimos acontecimentos, talvez porque foi o que mais lhe
interessou, distanciando-se do objetivo da atividade. Felipe contou a atividade que fez para
a professora, entretanto não apresentou a riqueza de acontecimentos que narrou enquanto
desenhava sua atividade orientada por suas falas egocêntricas. No processo de realização
Figura 14 Felipe – Sessão um
94
das produções gráficas livres, com a mediação da fala e do desenho, os significados vão
sendo construídos e os acontecimentos seguindo a ordem cronológica da narrativa. Quando
a criança vai contar para o outro, ela precisa percorrer o mesmo caminho traçado para a
realização da história. Ele precisa se lembrar do que quis desenhar, para poder contar todos
os detalhes veiculados. O mesmo acontece quando a criança produz a escrita livre; ao ler,
nem sempre consegue se lembrar de tudo que quis escrever. É importante observar o
processo de construção e não apenas o produto (Vigotski, 1998a).
5.3.1f Resultados da 1ª sessão de Renato em sala de aula
Interação com a professora
Renato participou do diálogo coletivo da professora com a classe. Sem interação
professora/criança. Não qualquer Tipo de Diálogo (categorias) da professora com o
menino, da mesma forma que com Ana e Clara. A professora circulava pela sala; olhava a
atividade de quem a procurava.
Interação com os colegas
Renato e mais três meninos na mesa nomeavam seus desenhos para o gravador,
falando todos ao mesmo tempo, sendo impossível de identificarmos as vozes. Diziam
várias vezes os personagens e elementos da história, por exemplo, cama, príncipe,
princesa, castelo, chuva. Consideramos esses enunciados como Falas Egocêntricas, pois
eram anúncios dos próprios desenhos. À medida que iam anunciando seus desenhos para o
gravador, refletiam e procuravam na atividade alguma palavra ainda não dita.
Quadro nº 20 – Trecho do episódio de Renato na 1ª sessão com os colegas em sala
Fala dos quatro meninos
Análise da Conversação
Fala Egocêntrica
Aqui tem o sapinho, a janela.
Enunciado do falante
(anúncio do desenho)
Fala Externa. Egocêntrica
e Relevante
A janela, a florzinha, mané, rapá.
Enunciado imitando o
colega, mas olhando seu
próprio desenho
Fala Externa. Egocêntrica
e Relevante gera Fala
Comunicativa
Florzinha, mané, rapá.
Enunciado do falante
Fala Externa. Egocêntrica
e Relevante
Tá doido, rapá.
Réplica de Discordância
Fala Externa. Ego. e Rele.
gera Fala Comunicativa
A florzinha
Repete o enunciado
Fala Externa. Ego. e Re.
E aqui a chuva, árvore, cama dura,
a minha calcinha aqui, ih!
Enunciado com ampliação
e diversão
Fala Externa. Egocêntrica
e Relevante
A árvore, a chuva, a princesa e o
castelo, mané.
Enunciado com avaliação
Fala Externa. Egocêntrica
e Relevante
Espera aí. É a chuva, a princesa,
os caçadores e o castelo.
Enunciado com ampliação
e criação de um novo
elemento
Fala Externa. Egocêntrica
e Relevante
95
Princesa, caçadores, o meu nome,
data, chuva e meu nome, data e o
castelo, cama de predra.
Enunciado com ampliação
Fala Externa. Egocêntrica
e Relevante
Não é de predra.
Réplica Mínima de
Discordância
Fala Externa. Egocêntrica
e Relev. gera Fala Com.
Tem o nome... casamento, e tudo,
ela chegou molhada, ficou em
dúvida.
Enunciado dos elementos
da história com tentativa
de enredo
Fala Externa. Egocêntrica
e Relevante
Aqui tem a chuva, casamento,
cama de predra.
Enunciado de elementos
da história
Fala Externa. Egocêntrica
e Relevante
Como podemos verificar no quadro 20, os meninos buscavam informação uns
nos outros. A mediação da fala nessa co-construção de conhecimento desencadeou várias
funções, ao gerar questionamentos quando alguém dizia algo errôneo, e funcionou como
ZDP por ampliar e avaliar o conhecimento que tinham de seus desenhos e dos desenhos
dos outros.
Fala egocêntrica
O vídeo mostrou os quatro meninos em pé, debruçados sobre o gravador, falando
ao mesmo tempo. Os enunciados dos quatro para si, como Falas Egocêntricas
Externalizadas e Relevantes, eram interpretações dos próprios desenhos dos personagens e
dos elementos da história que haviam feito.
Assim, à medida que iam anunciando, os meninos
acrescentavam mais elementos que ouviam dos
colegas e corrigiam quando alguém dizia algo
errado. Portanto, os meninos avaliavam a si e aos
colegas, gerando a passagem da fala egocêntrica
para a fala comunicativa. Encontramos nessas
falas egocêntricas duas funções: gerar a adição
coletiva de conhecimento, pela ampliação de
elementos da história, e avaliar o outro e a si
mesmo.
Produções gráficas livres
mediação dos desenhos; da fala
egocêntrica organizando o desenho e do diálogo
com os colegas para a construção do conhecimento. Na figura 15, Renato mostra desenhos
pertinentes à história. Renato compôs os personagens e os elementos em uma cena. A
ausência do diálogo com a professora ao término do trabalho impossibilitou reconhecer
Figura 15 Renato – Sessão 1
96
qual desfecho foi dado por Renato para o casamento dos príncipes. Houve a Fala
Egocêntrica para o gravador como uma excelente mediadora de conhecimento coletivo e
de avaliação dos conteúdos da história. Além da diversão e das gírias de menino, que
deram um tom de malandragem aos diálogos.
5.3.1g Conclusões dos resultados da 1ª sessão em sala de aula
Considerando nosso objetivo de identificar os usos e funções da fala, do desenho e
da escrita livre, e as possíveis relações estabelecidas entre eles, na construção de
conhecimento nas diferentes interações interpessoais do contexto de sala de aula, nossos
resultados indicam que:
Nos usos da Fala Egocêntrica pelas crianças em sala, identificamos quatro funções de
construção de conhecimento com intersubjetividade:
1. A fala egocêntrica do falante como geradora da fala comunicativa. Um enunciado
para si sobre o que ia desenhar serviu de interlocutor para chamar o coletivo a
desenhar. Foi o caso da Clara, quando de seu anúncio de desenhar o castelo; e o
cabelo da princesa levou as outras meninas a desenharem também o castelo e a
princesa. A partir de então, todas passaram a falar o que iam fazer e se divertiam
com as histórias e os desenhos.
2. A fala egocêntrica do falante, gerando questões no interlocutor ouvinte, que pede
esclarecimento ao falante. É o caso do Felipe narrando sua história, em que, a cada
elemento inusitado que apresentou falando, o colega quis ver e saber do que se
tratava. O Felipe elaborou sua explicação apresentando suas estratégias de imaginar
a história.
3. As falas egocêntricas de um falante, gerando várias falas egocêntricas de falantes
diferentes, levando a uma adição coletiva de conhecimento. É o caso de Renato e
seus colegas, em que um dos meninos começou a nomear seus desenhos pertinentes
à história e gerou a nomeação de outros elementos pelos demais meninos,
ampliando cada vez mais as falas.
4. A fala egocêntrica gerando avaliação, quando algum interlocutor ouvinte identifica
um fato errôneo. É o caso da mesa do Renato, quando alguns meninos começaram
a dizer elementos errados da história, gerando a avaliação e correção do erro pelos
outros.
No uso do desenho na construção de conhecimento, identificamos a função do desenho
como transmissor do conteúdo pela criança de seis anos. O que ela sabe sobre o reconto
da história, ela externaliza pela mediação simbólica do desenho. As cinco crianças
97
fizeram desenhos pertinentes à história. Além disso, os desenhos das crianças
desencadearam novas questões sobre a história, modificando-a ou relacionando-a com
outras histórias conhecidas. O desenho da torre de Felipe foi relacionado com uma
princesa presa, o que o levou à Fiona e, consequentemente, ao Shrek. O processo de
imaginação do desenho desencadeou sucessivas ideias, que modificaram a narrativa da
história.
Nas relações entre desenho e fala, primeiramente identificamos que os desenhos
desencadeiam as falas egocêntricas da criança, como no caso de Clara, Felipe e Renato,
seja para anunciar o que vai desenhar, seja para questionar o feito, seja para
organizar ou mudar o curso da narrativa ao desenhar, o que mostra o curso do
desenvolvimento do pensamento/linguagem, a fala egocêntrica funcionando como a
organização mental da atividade de desenhar (Vigotski, 1987). Os desenhos das
crianças funcionaram como apoios, scaffoldings; elas geraram entre si ZDPs para
solucionar o desfecho da história pedida pela professora.
Quando o desenho precisa da fala para a criança significar para o outro o que foi feito.
No caso de Ana e Renato, sem a mediação da fala, não sabemos o desfecho de sua
história. No caso de Clara, ela expressou nitidamente o desfecho da história ao
desenhar a princesa com um bebê. No caso de Felipe, suas intenções foram registradas
por um gravador, porém, se olharmos apenas o produto final, na figura 14, como
saberíamos que aquele carro levava a princesa para o hospital para ter neném? É por
isso que as interações entre a professora/criança ou criança/criança com diálogos
argumentativos, aqueles que pedem explicação e vão além da réplica mínima, elucidam
a construção intersubjetiva de conhecimento. O diálogo da professora e Felipe
observado nessa sessão teve elaboração de réplicas por parte do menino, que queria lhe
contar sua história. Ele a procurou, insistiu e lhe contou. Sem a mediação da
professora, sem sua intervenção, as possibilidades de ensino-aprendizagem e as ZDPs
diminuíram. Se ela tivesse perguntado mais sobre o desenho e sobre a história daquela
tarefa, teria descoberto coisas interessantes do seu aluno e aprendido com ele. Por
exemplo, elucidar os caminhos que Felipe percorreu até chegar ao Shrek a conduziria a
uma melhor compreensão do universo infantil, incluídos Ana, Renato e Clara, além dos
demais alunos da classe. O processo de construção de significados e de construção de
conhecimento que defendemos neste trabalho está baseado em trocas interpessoais,
porque, a partir delas, se dão as construções. O adulto ou a criança mais experiente,
nessas trocas, faz a diferença no aprender do outro em desenvolvimento, seja pelo
98
desencadeamento das ZDPs, seja pelo canal de escuta aberto, seja só pela possibilidade
de a criança apresentar sua história e contar o que desenhou ou escreveu.
5.3.2a Descrição da segunda sessão
A professora parabenizou as crianças porque vieram para a aula com pintinhas (as
meninas) e com bigode (os meninos), contando pontos para a classe na gincana da festa
junina. Aproveitando a palavra “bigode”, a professora fez um desenho e perguntou como
se escrevia essa palavra. Algumas crianças falaram B e outras I, a professora questionou o
I, e as crianças mantiveram o B. Depois falaram o I, e assim por diante. Continuou falando
sobre a letra de caixa alta e a letra de mão minúscula, escrevendo com ambas. Depois
colocou a letra B em maiúscula. A professora indagou o que estava escrito e o que havia
mudado. Perguntava às crianças qual era a diferença. Márcia perguntou sobre a pintura das
meninas, as crianças lhe responderam e a palavra “pinta” foi escrita no quadro, repetindo o
mesmo procedimento de leitura anterior. Em seguida, explicou a lição: escrever uma
palavra para cada letra do alfabeto colocadas em quadradinhos. Por um tempo, as crianças
procuraram seus materiais, apontaram o lápis. Elas não sabiam como fazer a atividade.
Márcia teve que explicar novamente, porque os alunos copiavam a letra ao invés de
escrever uma palavra, e duas meninas desenharam nos quadradinhos destinados às
palavras. Ana, Felipe, Daniel e Renato sentavam-se à mesma mesa. Ana fazia escrita livre,
olhando nos cartazes da parede que mostravam a letra e o desenho da palavra que
começava com aquela letra; por exemplo, a letra A e a figura da abelha. Os três meninos
conversavam sobre como se escreviam as palavras. Felipe ajudava o Renato, olhando e
indicando também os cartazes para escrever as palavras. A professora se surpreendeu com
Ana, que terminara rapidamente a tarefa. Pediu-lhe a leitura do que tinha feito. A menina
voltou a olhar no quadro para responder. A professora fez o mesmo procedimento de
leitura da Ana com Renato, Daniel, Felipe, porém, com os dois últimos, procurou fazê-los
perceber onde haviam escrito errado. Clara fez a atividade de um colega. Somente aos 41
min da gravação, Clara foi fazer a sua, em silêncio. A professora perguntou apenas para as
quatro crianças citadas anteriormente o que estava escrito na atividade.
5.3.2b Resultados da 2ª sessão de Ana em sala de aula
Interação com a professora
A professora se surpreendeu porque Ana terminara a atividade antes de todos da classe.
Ela manteve o Tipo de Diálogo, mostrado no quadro 21, em que Pede Esclarecimento/
Réplica Mínima de Ana / Espelhamento com escrita em norma culta e novo pedido de
esclarecimento da professora e, assim, sucessivamente: Quando não houve resposta da
99
criança, a professora perguntou se ela não se lembrava e Ana concordou. A professora não
deu dicas nem procurou ensinar quando a criança esquecia o que escrevera, havendo
perdas de oportunidade de avanço no conhecimento de escrita da menina. Apesar disso,
consideramos importante o canal de escuta aberto pela avaliação individual na mesa da
menina. Porque Ana, além de observar o que era escrito pela professora embaixo de cada
escrita livre que fizera, ao significar sua escrita para o outro, lembrou e percorreu
novamente as estratégias que havia aplicado para escrevê-la (Cavaton, submetido; Colello,
2004).
Quadro nº 21 – Trecho do episódio de Ana, Felipe, Daniel e Renato na 2ª sessão em sala
Enunciados
Análise da Conversação
Fala Ego. e Fala Com.
Profa
Ana, você vai me dizer
o que você escreveu, com
A você escreveu o quê?
Pede Esclarecimento
Fala Comunicativa
Ana
– Abelha.
Réplica Mínima
Fala Comunicativa
Daniel
– Pode ser Abelha.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Profa
Abelha, muito bem e
com B?
Espelhamento, avaliação/
Pede Esclarecimento
Fala Comunicativa
Daniel
– A B B A, não A B.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Ana
– Borboleta.
Réplica Mínima
Fala Comunicativa
Profa
– Borboleta.
Espelhamento
Fala Comunicativa
Daniel
– A B BO ABELHA
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Renato
– BO BO LE.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Profa
– E com C?
Pede Esclarecimento
Fala Comunicativa
Daniel
– A BE.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Ana
– Caracol.
Réplica Mínima
Fala Comunicativa
Felipe
– Já sei escrever.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Daniel
– A BE LHA. A de novo.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Profa
- E com D?
Pede Esclarecimento
Fala Comunicativa
Ana
– Dado.
Réplica Mínima
Fala Comunicativa
Profa
- Dado, e com E?
Espelhamento e Pede
Esclarecimento
Fala Comunicativa
Ana
– Elefante.
Réplica Mínima
Fala Comunicativa
Renato
– Sei escrever isso aqui
tudo.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
100
Como pôde ser observado no quadro 21, o tipo de diálogo estabelecido entre Ana e
a professora é do tipo pergunta/resposta (Bruner, 2001; Pontecorvo e cols., 2005), sem
complementação de enunciado ou correção de eventuais enganos cometidos pela menina.
Por exemplo, a professora poderia ter pedido a Ana que mostrasse a letra que havia
esquecido no cartaz, essa dica desencadearia ZDP, em que Ana recordaria qual palavra
escrevera.
No quadro 21, há enunciados de Felipe, Daniel e Renato desencadeados pelo
diálogo entre Ana e a professora. Assim que Ana disse ABELHA, Daniel, entendeu o que
havia sido pedido na tarefa, depois ele gerou a fala egocêntrica de soletração
fonema/grafema para orientá-lo na escolha da letra necessária para escrever a palavra. O
mesmo aconteceu com Felipe e Renato. O que está na base da pedagogia dialógica são as
interações interpessoais, com trocas de enunciações desencadeando informações,
complementações e dicas, funcionando como scaffolding na orientação da execução da
tarefa mediada pela escrita.
Interação com os colegas
Ana não compartilhou a atividade com os colegas, fez sozinha. Daniel interagiu
com Ana, contando-lhe a história contida no livro que Ana via, por ter terminado sua
atividade de escrita. Daniel dava informação dos conhecimentos prévios dele, enquanto
Ana ouvia, ampliando assim suas possibilidades
de aprender com ele.
Fala egocêntrica
Não identificada.
Produções gráficas livres
A figura 16 mostra a construção de
conhecimento de Ana mediada pela escrita
livre. Ela descobriu sozinha a possibilidade de
olhar os cartazes de desenho e escrita e ter a
ideia de qual palavra colocar para cada letra do
alfabeto, inventando as produções gráficas
livres para cada letra. A utilização das
invenções de escrita semelhantes às referidas
por Vigotski (1998a) mostra que a menina
colocou seus conhecimentos ao realizar as
palavras. Dava significação ao que escrevia, embora distante da norma culta da língua
Figura 116 Ana – Sessão 2
101
portuguesa. O ambiente alfabetizador foi mediador dessa construção ao expor cartazes que
tinham o desenho colocado junto à letra, indicando que o nome daquele desenho era
iniciado por aquela letra, e Ana utilizou essa estratégia do ambiente, tanto para escrever as
palavras como para lê-las para a professora. A construção da sistematização da escrita
passa pelo entendimento dos referentes dos signos. Fazer essa relação e terminar a tarefa
antes dos demais alunos, conferiu sucesso à aprendizagem da criança, pois lhe possibilitou
escrever o que ainda não sabia. Como início do processo, todas as construções que
decorrerem da relação letra/desenho /significante/ significado vão formando a base da
compreensão da escrita alfabética. Verificamos que Ana utilizou conhecimento de palavras
memorizadas por ela, como por exemplo, PE, GATO. Esses modelos fixados, como o
nome próprio da criança, servem de apoio para a escrita de outras palavras que começam
pelos mesmos sons (Levin, Both-de Vries, Aram & Bus, 2005; Chan & Lobo, 1992;
Bosco, 2005; Teberosky, 1989).
5.3.2c Resultados da 2ª sessão de Clara em sala de aula
Interação com a professora
A interação com Clara ocorreu no coletivo da classe, enquanto a professora
explicava a lição e circulava pela classe. A menina foi advertida pela professora junto com
o colega que tentava ajudar. Clara, por sua vez, não procurou a professora para mostrar a
atividade. O que nos direciona à agencialidade de Clara, por fazer sozinha a tarefa e ter a
iniciativa de ensinar os colegas. Consideramos que a atitude da professora de não
acompanhar Clara estava ligada ao fato de outras crianças não terem entendido a tarefa e
isso teria tomado todo o tempo da professora em explicações aos outros, deixando por
conta própria os que já sabiam fazer.
Interação com os colegas
No início da sessão, Clara encontrava-se sentada com mais três colegas não-
participantes da pesquisa. Um deles se queixou de que não sabia escrever e de que aquele
dever era muito difícil. Clara se mostrou solícita e quis ajudá-lo, mostrando-lhe o dever
dela. Depois a menina ficou a maior parte da sessão fazendo a lição de outro colega, em
outra mesa, e a professora não percebeu. Uma vez de volta a sua mesa, fez sua atividade
rapidamente, sem conversar com os outros.
A atitude de Clara mostra que quis compartilhar seu saber com os outros, criando
oportunidades de aprender. Ela liderou a brincadeira das meninas na sessão anterior e,
nessa, ela regulou a aprendizagem dos colegas, gerando ZDPs pelas tentativas de ensinar a
um e fazer a atividade pelo outro.
102
Fala egocêntrica
Não se identificou qualquer manifestação de fala; ela fez a atividade rapidamente,
em silêncio. O que sugere que sua fala egocêntrica está sendo internalizada, provavelmente
em relação a esse tipo de construção de conhecimento e estratégias procedimentais.
Produções gráficas livres
A construção de conhecimento foi
mediada pela escrita livre. Como se observa
na figura 17, Clara escreveu quase todas as
palavras, deixando W, Y e Z. Escreveu
palavras próximas da norma culta. Sua
escrita sugere que ainda lhe falta entender
algumas sutilezas de nossa escrita
alfabética, como, por exemplo, a
nasalização, a acentuação e as sílabas
compostas. Estávamos no mês 06 do ano
letivo, com Clara prestes a dominar o
código escrito. Consideramos que o apoio
que Clara deu aos colegas a fizeram refletir
sobre as relações entre as letras e as
palavras que deveriam ser colocadas na
tarefa, colaborando para sua própria
construção de conhecimento.
5.3.2d Resultados da 2ª sessão de Daniel em sala de aula
Interação com a professora
A professora utilizou com Daniel o mesmo Tipo de Diálogo utilizado com Ana para
saber as palavras que ele havia escrito, fazendo diferença no momento em que encontrou
uma palavra que ela sabia que o Daniel conhecia. Márcia Pede Explicação da palavra
escrita, levantando a hipótese de falta de letra à palavra. Em seguida, o menino refez
acertadamente a palavra.
A avaliação das palavras escritas pelo menino, feita pela professora, na mesa dele,
contribuiu para a significação da produção gráfica livre, desencadeando ZDP. A professora
interagiu com ele ao perceber uma palavra escrita de forma diferente da norma; utilizou a
estratégia de perguntar o que estava faltando, auxiliando-o, assim, a descobrir o erro.
Indiretamente a professora desencadeou ZDP em Daniel no momento em que fazia a
Figura 17 Clara – Sessão 2
103
avaliação com Ana, quando a menina disse ABELHA para a letra A. Daniel entendeu o
emprego da palavra abelha na letra A. Assim, ao decidir a palavra que faria na letra A,
passou a soletrá-la, na tentativa de descobrir quais letras empregaria para escrevê-la,
fazendo a relação fonema/grafema. Usou de repetições, como se, ouvindo várias vezes o
som, conseguiria relacionar uma letra. Retomemos suas falas: “Pode ser abelha; A B B A,
não A B; A B BO ABELHA; A BE; A BE LHA. A de novo.” Dessa forma, Daniel vai
tomando consciência dos sons das letras ao repeti-las para empregá-las na escrita. Está
empregando os conhecimentos que traz da família, porque é curioso e gosta de perguntar
sobre as letras, ou das próprias condições de alfabetização da escola, ao pedir a relação
letra e som, como relatado no início desta sessão.
Interação com os colegas
O Daniel interagiu com os colegas. Felipe anunciou uma palavra começada com
determinada letra. Iniciou-se um diálogo, reproduzido no quadro 21, que permitiu aos
componentes da mesa demonstrarem seu conhecimento sobre a letra.
Quadro nº 22 – Trecho do episódio de Daniel, Felipe e Renato na 2ª sessão em sala
Crianças
Enunciados
Análise da Conversação
Felipe
- E aí, o que falta pra o morango.
Enunciado do falante
Renato
– Não tem morango aqui.
Réplica Elaborada de Discordância
Felipe
- Mas morango começa com M.
Réplica Elaborada, manutenção do
enunciado inicial
Daniel
– Morango não começa não.
Réplica Elaborada de Discordância
Felipe
– Ahn! Ahn!
Réplica Mínima, manutenção do
enunciado inicial
Daniel
– Não começa.
Réplica Mínima de Discordância
Renato
- Olha ali.
Dêitico; prova mostrando o cartaz
Daniel
- escrito, cadê? Ahnnn! bom!...
Maaaçãã, maçã começa com M.
Réplica Elaborada de Concordância,
olha, aceita e propõe outra
Felipe
– Tem que fazer a letra de morango...
Réplica Elaborada de Discordância
Daniel
– Também.
Réplica Mínima
Felipe utilizou-se do dêitico para mostrar aos colegas a veracidade de seu
enunciado, apontando para o cartaz afixado na parede. Daniel evidenciou seu estilo de
aprendizagem: nega-reflete-muda. A dinâmica do diálogo evidenciou as possibilidades de
aprenderem uns com os outros. Dialogaram sobre a escrita de palavras que começavam
com a letra proposta por um deles e, desse modo, desencadearam ZDPs.
Outro desencadeamento de ZDPs deu-se pela Fala Externalizada Egocêntrica e
Relevante de soletração da relação fonema/grafema do Daniel, que gerou as soletrações de
Felipe e Renato, o que chamamos de soletração “coletivizada”, uma oportunidade de
aprendizagem coletiva. Apresentamos esse diálogo no quadro nº 23:
104
Quadro nº 23 – Outro trecho do episódio de Daniel, Felipe e Renato na 2ª sessão em sala
Crianças
Enunciados
Fala egocêntrica
Daniel
SAPO SAPO é A.
Fala Externalizada Egocêntrica e
Relevante
Felipe
É sa sa po ó ó sapó, começa com S
SAPO.
Fala Egocêntrica geradora da Fala
comunicativa
Daniel
– Não é. Ah! É ó.
Estilo do Daniel nega/reflete/conc. a
Felipe
– SA A PO O.
Fala Extern. Egocêntrica e Relev.
Renato
– Cadê o sapo.
Fala Egoc. geradora da Fala
Cominucativa
Daniel
– Aqui SA PÓ PÓ é Ó.
Fala Egocêntrica coletivizada
Renato
– SA SA PO.
Fala Egocêntrica coletivizada
Felipe
– S S A PO PO Ó.
Fala Egocêntrica coletivizada
Daniel
– O P Ó.
Fala Egocêntrica coletivizada
A criança que não conhece as letras, ouve a resposta do colega e vai aprendendo. A
atividade de aprender com o outro, pode consolidar o que se sabe, mas principalmente
gerar novas aprendizagens do que não se sabe, gerando ZDP, ou seja, as possibilidades de
desenvolvimento que estão por vir (Vigotski, 1998a).
Fala egocêntrica
Daniel apresentou Fala
Externalizada Egocêntrica e Relevante ao
soletrar em voz alta a palavra ABELHA,
conforme consta no quadro 21. Utilizou
também esse tipo de fala ao realizar suas
produções gráficas livres com outras
palavras.
Produções gráficas livres
Nota-se a mediação de escrita
livre; de fala egocêntrica, tanto na
organização da relação fonema/grafema,
como na geração da fala comunicativa
com os colegas para a construção de
conhecimento.
Daniel usou a estratégia de olhar os
cartazes de desenho e escrita e se aproveitou das trocas dialógicas entre a professora e a
colega e dos diálogos com os dois colegas, para realizar sua tarefa. Suas produções gráficas
Figura 18 Daniel – Sessão 2
105
livres caracterizam-se como tentativas de escrita, utilizando sempre a primeira letra pedida
na tarefa. Preocupado com o som das sílabas, utilizava geralmente vogais e tentava
escrever algumas palavras que sabia de memória (fig. 18). Essas tentativas indicam,
primeiramente, que o menino compreende que se escreve a fala, pois se preocupa com o
som da palavra (Colello, 2004; Teberosky, 1989; Tolchinsky, 1997; Vigotski, 1998a). Ele
repete a palavra várias vezes, tentando identificar alguma letra conhecida com aquele som.
Acreditamos que existiu um esforço intelectual de Daniel ao buscar a letra a ser aplicada
na palavra que estava escrevendo (Calkins, 2002), ao tentar tomar consciência dos sons,
por repeti-los várias vezes, e ao tentar identificar a relação fonema/grafema em
conhecimentos prévios, discutidos anteriormente na categoria interação com a
professora.
5.3.2e Resultados da 2ª sessão de Felipe em sala de aula
Interação com a professora
A professora utilizou o mesmo Tipo de Diálogo do Daniel para o Felipe sobre a
avaliação das palavras escritas para cada letra pedida. Também deu dica diante de um erro
do menino, levantando a hipótese de ele ter escrito uma palavra no lugar errado. Esse
diálogo pode ter desencadeado ZDP quando Felipe significou o que escreveu para a
professora; ele lembrou de todas as palavras e observou as traduções de seus escritos feitas
pela professora, além de ter gerado a oportunidade de o Felipe aprender com o erro dele.
Interação com os colegas
Além do diálogo entre Felipe, Daniel e Renato com argumentação de como uma
palavra é escrita, mostrado nos quadro nºs 22 e 23, outro do Felipe ensinando Renato.
Felipe, por estar sem lápis, ficou sem escrever por 30 minutos. Sentado em seu lugar de
frente para os cartazes na parede, ficava soletrando algumas palavras. O quadro 24
reproduz um trecho da fala de Felipe em atitude professoral em relação ao Renato:
Quadro nº 24 – Trecho do episódio de Felipe com Renato na 2ª sessão em sala
Crianças
Enunciados
Análise da Conversação
Felipe
– B A L E I A, ó. Escreve.
Enunciado do falante, dêitico e
regula a ação do colega.
Renato
– BELEIA
Réplica de Espelhamento
Felipe
– BALEIA!
Réplica de Espelhamento, reforça o
comando
Renato
– B A.
Soletra a primeira sílaba da palavra
Felipe
– BA.
Réplica de Espelhamento, reforça a
sílaba
Renato
– L E.
Soletra a segunda sílaba
Felipe
– L E I A.
Réplica de Espelhamento com
106
ampliação
Renato
– I A.
Completa a silabação
Felipe
– BALEIA! Muito bem!
Espelhamento síntese e avaliação
Felipe ensinou a palavra BALEIA para Renato, usando a estratégia de olhar e
apontar o cartaz para o colega, repetir a resposta do Renato, para apoiá-lo, além de avaliá-
lo positivamente. Lembra um diálogo entre aluno e professora. Felipe usou o dêitico
quando apontou para o cartaz para confirmar o que dizia. Essa discussão desencadeou
argumentação e reflexão; consequentemente, oportunidades de aprendizagem, ZDPs. Ao
ensinar o Renato, busca melhorar seu entendimento sobre a relação entre os sons e as letras
que via no cartaz. Essa co-construção de conhecimento foi mediada pela fala e pelos
cartazes que traziam a relação letra/desenho/palavra escrita, compondo a sala em um
ambiente alfabetizador. Felipe pôde confrontar o som que pronunciava da palavra com as
letras existentes na palavra escrita afixada portanto, nós compreendemos que ele não
somente ensinava o colega, mas também aprendia pelo confronto fonema/grafema. Tanto
que, depois desse episódio, Felipe continuou a olhar, falar/soletrar e a escrever, numa cópia
significativa em que tenta entender o mecanismo subjacente da relação fonema/grafema
das palavras. Por sua vez, Renato passou a verificar sozinho os cartazes, sem a ajuda de
Felipe, por já ter compreendido o scaffolding que o amigo lhe indicara.
Fala egocêntrica
Felipe apresentou várias Falas Externalizadas Egocêntricas Relevantes, repetia o
nome da palavra que estava descobrindo no cartaz, o nome da letra (cartazes com a palavra
escrita, letra inicial e sua representação imagética), soletrava relacionando fonema/
grafema, por exemplo, “É SA SA A Ó Ó SAPO, começa com S, SAPO.” Sua fala
egocêntrica contribuiu para a Fala Egocêntrica Coletivizada de soletração: discussão entre
os colegas da mesa, com argumentação e dêiticos para confirmar seu argumento de como
se escreve a palavra.
Produções gráficas livres
107
A construção de conhecimento
apresentada na produção gráfica livre do
Felipe teve a mediação da escrita livre e
da fala egocêntrica organizadora. A
estratégia do menino foi utilizar a
mediação desenho/ letra inicial/palavra
dos cartazes para realizar sua tarefa. A
fala egocêntrica foi utilizada para
organizar a soletração das palavras que
estavam afixadas na parede e gerar a
fala comunicativa dos diálogos com
argumentação entre os colegas,
mostrados nos quadros nºs 22 e 23.
Retomamos que a produção do Felipe
teve cópias significativas dos cartazes,
pela reflexão que fazia entre os sons e as
palavras escritas afixadas nos cartazes. Consideramos significativas, porque Felipe se
lembrou de todas as palavras que escreveu, ao lê-las para a professora. Além das cópias,
temos as produções gráficas livres realizadas nas letras A e D, estas não mostradas para a
professora e sem tradução para a norma culta. Felipe exercitou sua imaginação de como as
palavras devem ser escritas, gerando palavras inventadas. Talvez, por isso, ele tenha dito
em um dos nossos momentos individuais que escrevia palavras que não existiam. Ele sabia
que outras pessoas ou ele mesmo não conseguiam lê-las. Felipe vem sendo auxiliado por
sua autocrítica sobre o que é capaz de escrever, para lidar com a questão da relação
fonema/grafema, como exemplificado nas falas egocêntricas de soletração mostradas nessa
sessão.
5.3.2f Resultados da 1ª sessão de Renato em sala de aula
Interação com a professora
A professora utilizou com Renato o mesmo Tipo de Diálogo de Ana, sem
explicações quanto a erros cometidos pelo menino. Ele não se lembrou da palavra
BALEIA, em que foi ajudado por Felipe. Renato olhou o cartaz, mas não identificou de
onde ele havia pegado essa palavra. Este fato nos mostra que as ZDPs são possibilidades
que se abrem para o aprender, e que o desenvolvimento não é imediato, mas iminente
(Pontecorvo & cols., 2005, Prestes, 2010).
Figura 19 Felipe – Sessão 2
108
A avaliação individual de sua produção gerou oportunidade de aprendizagem e de
significação, mas a professora não argumentou, nem levantou hipótese aos erros de
Renato, como fez com Daniel e Felipe, o que certamente teria ampliado suas possibilidades
de acertos e descobertas, resultando em aprendizagem. Por exemplo, a professora não
comentou quando o menino leu Débora na letra C; ela estranhou, repetiu, e o menino
confirmou, porém passou para a letra E, pulando o D.
Supomos que a professora tenha critérios para agir com as crianças de acordo com
o conhecimento apresentado por cada uma delas. Assim, alguns erros de Daniel e Felipe,
por saberem mais sobre a escrita, não podiam ficar sem correção. Entretanto, consideramos
que tanto as crianças que sabem mais como as que sabem menos sobre a sistematização da
escrita aprendem quando entendem seus erros. Ana saberia que aquele menino tinha o
nome Kiko e que começava com K; precisava de comentário ou de um confronto de
ideias relacionadas à letra, para ajudá-la a lembrar. Mesmo procedimento com Renato: ele
foi capaz de lembrar a sua escrita DÉBORA, o que foi significativo para ele, porém errou
de letra, colocou no C. Entendemos ser melhor deixar a criança perceber seu erro, dar
sentido a sua tarefa. As tarefas são importantes para as crianças, os professores, as escolas
e as famílias lhes ensinam essa importância; então, construir e compartilhar conhecimentos
com a criança em suas tarefas, nas ZDPs, é dar sentido ao ensino. Vigotski (1998a) disse,
há quase um século, que o bom ensino é
aquele que se antecipa ao desenvolvimento.
Interação com os colegas
Renato participou da fala egocêntrica
coletivizada com os colegas, discutida no
quadro 23. Renato demonstrou certa
dependência em relação a Felipe (mostrada
no quadro 24 e discutida na interação com
os colegas de Felipe), porém, depois de um
tempo, passou a utilizar o scaffolding dado
pela mediação do cartaz afixado, mostrado
pelo colega, para continuar a observar os
cartazes e escrever por conta própria,
evidenciando suas próprias possibilidades de
aprender e realizar sozinho a tarefa.
Figura 20 Renato – Sessão 2
109
Fala egocêntrica
Renato apresentou Falas Externalizadas Egocêntricas Relevantes, ao soletrar e ao
anunciar que sabia fazer. A fala egocêntrica de soletração de Daniel gerou fala egocêntrica
de soletração “coletivizada”, fazendo a relação fonema/grafema das palavras a serem
escritas na tarefa.
Produções gráficas livres
A construção de conhecimento do Renato foi mediada pela escrita livre, pela fala
egocêntrica para organizar sua própria escrita e pela fala comunicativa nos diálogos entre
os colegas, gerando reflexão e argumentação para essa construção. A estratégia do Renato
foi olhar nos cartazes de desenho e escrita indicados pelo Felipe, para fazer os escritos e ler
para a professora. Observa-se que Renato não fez a mesma cópia significativa feita por
Felipe. Ao contrário, ele fez produções gráficas livres, porque a palavra BALEIA, a única
que ele copiou ajudado pelo colega, não conseguiu ler para a professora. Os cartazes que
utilizou tinham apenas desenho/letra inicial. Portanto, o que produziu indicava
conhecimento sobre as letras, sem ainda apresentar interesse na relação fonema/grafema.
Colocou corretamente as palavras começadas pela letra inicial, escreveu silabas aleatórias e
famílias silábicas e terminou a tarefa completando todo o quadro (Fig. 20). Algumas
palavras ficaram sem a tradução da professora para a norma culta, privando-o da
oportunidade de confrontar o que escreveu com o que quis escrever.
5.3.2g Conclusões dos resultados da 2ª sessão em sala de aula
Considerando nosso objetivo de identificar os usos e funções da fala, do desenho e
da escrita livre, e as possíveis relações estabelecidas entre eles na construção de
conhecimento em interações interpessoais, no contexto de sala de aula, nossos resultados
indicam que:
Identificamos uma quinta função no uso da Fala Egocêntrica na construção de
conhecimento com intersubjetividade: a função de desencadear a soletração
“coletivizada”, quando uma criança fez a relação fonema/grafema usando a fala
egocêntrica, e as demais também passaram a fazer essa relação, soletrando
conjuntamente. Foi o caso de Daniel, Felipe e Renato, sentados à mesma mesa. Após o
enunciado de soletração do falante, todos passaram a soletrar.
Notamos o uso da fala comunicativa com os diálogos argumentativos entre as crianças,
desencadeando ZDPs. Eles puderam aprender uns com os outros, ao discutirem as
descobertas que faziam sobre as letras, os sons e as palavras, além das tentativas de
ensinar uns aos outros.
110
Uso da mediação da escrita livre para a construção de conhecimento da sistematização
da escrita alfabética. As crianças inventaram palavras escritas (Vigotski, 1998a) para
cada letra do alfabeto. Essa atividade as levou a imaginar estratégias para realizar a
tarefa. Algumas se valeram de cartazes com imagens associadas à letra inicial, outras
copiaram as palavras também inscritas em cartazes com imagens, letra inicial e palavra.
Outras se valeram unicamente de seus conhecimentos prévios.
Notamos a função do ambiente alfabetizador de oferecer os instrumentos
mediadores escritos, na produção do conhecimento. Havia duas séries de cartazes, uma em
que a cada letra do alfabeto correspondia um desenho representando um objeto cujo nome
iniciava por essa letra. Quando a criança recorreu a essa mediação, em que não havia
palavra escrita, fez tentativas de escrita para essa palavra (Luria, 1988; Vigotski, 1998a;
Ferreiro & Teberosky, 1986). Outra série continha a letra inicial com o desenho e o nome
escrito. As crianças que se orientavam por esses cartazes faziam cópias das palavras.
Nossos resultados indicaram que as cópias de Felipe foram significativas, porque não eram
meras copias, pois, ao fazê-las, Felipe desencadeava uma sequência de falas egocêntricas
de soletração vinculada ao mecanismo da relação fonema/grafema das palavras.
A elaboração da escrita livre desencadeia as falas egocêntricas da criança/ si mesma
de soletração, pelas quais as crianças se orientam mentalmente por meio da relação
fonema/grafema, como no caso de Daniel, Felipe e Renato. Essa orientação foi
compartilhada entre os três, gerando a fala egocêntrica coletivizada. Além disso, vemos a
relação da escrita livre e da fala comunicativa, quando as crianças significavam o que
haviam escrito para a professora, que traduzia os escritos para a norma culta da língua
portuguesa. Esse procedimento gerava ZDP, ao abrir a oportunidade de a criança comparar
sua produção gráfica livre com a forma da norma culta.
5.3.3a Descrição da quarta sessão
Daniel, Felipe e outros alunos faltaram à aula. Márcia arrumou as crianças da sala em duas
grandes mesas e explicou que a tarefa era recontar a história que contara no início da aula,
utilizando papel e lápis. Escreveu o título da história na lousa. As crianças pesquisadas
conversaram com o resto da classe sobre o “namoro” de dois colegas, riram e contaram que
o menino gostava da menina e vice-versa. Essa história rendeu um tempo, enquanto faziam
seus desenhos. Conforme iam terminando, a professora chamava os alunos a sua mesa,
para contar o que haviam feito. Começou com Renato, que apenas nomeou os desenhos
referentes aos personagens da história: Priscila e o jacaré. Márcia escreveu abaixo da
figuras apontadas e depois pediu a ele para contar a história. Renato a contou em uma
111
Figura 212 Ana – Sessão 4
frase. Clara, ao contar sua história, tapava o rosto e a boca com as mãos, mexia os braços e
ria, para dizer que o jacaré queria comer Priscila, mas que não tinha tido espaço para
desenhá-la. Então, Márcia colou mais uma folha em sua atividade, para que terminasse a
história. Ana não disse nada. Então, a professora foi apontando e perguntando o que ela
havia feito.
5.3.3b Resultados da 4ª sessão de Ana em sala de aula
Interação com a professora
A interação entre Ana e a professora no momento de a menina contar a história teve o Tipo
de Diálogo em que a professora Pede Explicação, contar a história/ sem Réplica da
menina/ professora insistiu, Pede Explicação/ Réplica Mínima de Ana, disse o nome dos
dois personagens desenhados/ Espelhamento da professora e pediu a escrita / Réplica
Elaborada Discordância, nega com a cabeça e aponta a escrita de ÁGUA. A atitude da
professora em aceitar outra forma de comunicação, a linguagem gestual com a cabeça, para
entender o que a criança havia feito no trabalho, apoiou a oportunidade de Ana ser ouvida
e ampliou suas possibilidades de aprender. Ela precisou refletir e avaliar o que produziu,
para poder significar ao outro.
Interação com os colegas
O diálogo da Ana com os colegas foi
para lhes emprestar, e logo pegar de volta, o
material escolar. O tema do diálogo foi
recorrente, pareceu uma estratégia criada por
Ana para interagir com os colegas. Ana se
manteve calada, observando a conversa que se
instaurou na sala.
Fala egocêntrica
Sem identificação de fala egocêntrica.
Produções gráficas livres
A construção de conhecimento de Ana
foi mediada pelo desenho, ao demonstrar
saber os personagens e elementos da história:
Priscila e o jacaré e a flor e a água, pela
escrita livre, ao nomear o desenho. Como podemos observar na figura 21, Ana escreveu
AGUA e copiou a escrita do nome da história do quadro. A menina apagou alguns
112
desenhos e tentou escrever em letra de mão. As tentativas da Ana de escrita indicam que
ela copiou o título do quadro e utilizou A palavra ÁGUA que sabia de memória. Ana
continuou a utilizar modelos fixos, a palavra ÁGUA, como outros discutidos na sessão
anterior. Aquelas palavras que Ana já conhecia e empregava em suas atividades. Em
nossos encontros individuais, Ana contou que a mãe ensinava palavras a ela, bem como a
letra manuscrita com a qual Ana escreveu parte do título da história, demonstrando a
utilização dos conhecimentos trazidos de casa, por influência da irmã mais velha, ou pelas
expectativas da mãe de que ela se alfabetize e, coerentemente, empregados na escola.
5.3.3c Resultados da 4ª sessão de Clara em sala de aula
Interação com a professora
A interação entre Clara e a professora no reconto da história teve o Tipo de Diálogo
em que a professora Pede Esclarecimento, o que Clara desenhara/ Réplica Elaborada da
menina, contava a história, tapava a boca com as mãos envergonhada e ria/ Espelhamento
da professora e Pede Explicação sobre um “ela” dito pela menina/ Réplica Mínima. Clara
disse ser a personagem Priscila/ Espelhamento da professora e sugestão de colar mais uma
folha, de modo que ela pudesse terminar a história/ Réplica Mínima de Concordância da
Clara. Os atos da professora, ouvindo a história e dando sugestão, além de apoiar o
aumento da produção da criança, podem colaborar para o desencadeamento de ZDP e
consequente aprendizagem.
Interação com os colegas
O Tipo de Diálogo observado entre Clara e os colegas começou com um Enunciado
da menina discordando de um colega, porque ele fez quadros para desenhar a história/
Réplica de Discordância Elaborada do colega, explicou que fazia as partes da história/
Clara refletiu e concordou com ele. Clara utilizou o estilo de aprendizagem nega/reflete/
concorda, como Daniel havia utilizado na segunda sessão.
Outro diálogo estabelecido entre as crianças tratava do caso do “namoro” entre dois
colegas. As crianças se divertiam, sem se dispersarem da atividade de reconto, pois
falavam e desenhavam. Este diálogo privado trouxe um clima de descontração entre as
crianças. As trocas dialógicas lúdicas funcionavam como apoio à formação de um
ambiente propício à aprendizagem, por conectar os interesses cotidianos das crianças ao
ato de desenhar, também parte desse universo infantil.
Ao responder a um Pedido de Explicação de Renato, se era para escrever o nome
dos desenhos/Clara disse: “Tem. Ai, que lerdo!”. Após essa Réplica, inadequada por parte
113
da menina, não apenas Renato como as demais crianças da mesa passaram a realizar
escritas livres nas tarefas. Consideramos que o comentário de Clara foi levado a sério pelos
alunos, por reconhecerem que a menina era “sabida”, estava quase alfabetizada, o que lhe
conferiu poder em relação aos demais.
Fala egocêntrica
Fala Egocêntrica Irrelevante, quando falou: “Tenho que tirar a blusa de baixo.” Fala
Externalizada Egocêntrica e Relevante, quando Clara soletra a relação fonema/grafema ao
escrever seu sobrenome. Como não sabia, olhou na parte interna da blusa, onde estavam
escritos seu nome E sobrenome, e, algumas vezes, internalizou a fala usando apenas as
Manifestações Externalizadas Relevantes, movimentos de lábios na soletração inaudível do
sobrenome (Berk, 1994; Montero & cols, 2001). Ao ter a fala egocêntrica internalizada,
Clara estava usando seu pensamento verbal como o organizador de sua ação de escrever o
sobrenome, ainda não automatizado por ela. Clara usou a cópia significativa, da mesma
forma que o Felipe. Apesar de copiar, a criança estava fazendo a relação fonema/grafema e
assim buscando o sentido daquelas letras que formavam as palavras do sobrenome dela. A
diferença entre eles é que, no caso de Felipe, a fala estava exteriorizada. Verificamos a fala
Figura 132 Clara –Sessão 4
114
egocêntrica funcionando na organização do conhecimento, não apenas porque estava em
momentos de dificuldades, mas para entender quais mecanismos estão em jogo na
complexa relação fonema/grafema.
Produções gráficas livres
A construção de conhecimento foi mediada pelo desenho, enquanto conteúdo e
narração da história, feitos em duas cenas, pela escrita livre, enquanto nome e fala do
personagem jacaré e da água indicada por uma seta, bem como por Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante e Fala interna na organização da escrita do seu sobrenome.
Observa-se, na figura 22, que Clara fez a personagem Priscila no rio, em cima de
uma vitória-régia (fazia parte da história), e o jacaré perto falando UM, que ela contou para
a professora que ele estava querendo comer a Priscila. Na segunda cena, o jacaré está
fugindo com expressão assustada. Formas diferentes de usar o mesmo personagem, dando
sequência e coerência à narrativa da história contada. Clara transfere para seu desenho a
organização de cenas que conhece de histórias em quadrinhos, inclusive utilizando o balão
para escrever uma fala.
5.3.3d Resultados da 4ª sessão de Daniel em sala de aula
Ausente nessa sessão.
5.3.4e Resultados da 4ª sessão de Felipe em sala de aula
Ausente nessa sessão.
5.3.4f Resultados da 4ª sessão de Renato em sala de aula
Interação com a professora
A interação entre Renato e a professora no reconto da história teve o Tipo de
Diálogo em que a professora Pede Explicação, conta para nós o que você escreveu a sua
história / Réplica Elaborada do menino, apesar de ele ter feito quatro cenas, apenas nomeia
e o que escreveu / Espelhamento, a professora traduziu para a norma culta a escrita livre
que o Renato leu. A professora lhe solicita mais escritas e a história. Reproduzimos esse
trecho (quadro 25) do episódio do Renato para ilustrar a interação entre a professora e o
menino:
Quadro nº 25 – Trecho do episódio de Renato na 4ª sessão com a professora em sala
Enunciados
Análise da Conversação
Professora
De quem é este aqui? Renato. Conta aqui
pra nós o que você escreveu a sua história?
Lê aqui para mim.
Pede Esclarecimento
Renato
– Priscila.
Réplica Mínima
Professora
- Priscila. (a professora escreve embaixo da
escrita da criança) E aqui?
Espelhamento e Pede
Esclarecimento novo
115
Quadro nº 25 – Trecho do episódio de Renato na 4ª sessão com a professora (cont.)
Enunciados
Análise da Conversação
Renato
– Ca – chorro.
Réplica Mínima
Professora
– Cachorro? (a professora escreve embaixo
da escrita da criança) O que é isso?
Espelhamento e Pede
Esclarecimento
Renato
– O telefone.
Réplica Mínima
Professora
– Telefone. Então escreve para mim,
escreve aqui embaixo: Télefone.
Espelhamento Pede escrita
com pronúncia artificial
Renato
(o menino escreve em silêncio)
Sem Réplica
Professora
(escreve embaixo da escrita dele)
– E aqui?
Pede Esclarecimento novo
Renato
– Jacaré.
Réplica Mínima
Professora
– Escreve aqui de novo jacaré, agora de
lápis. Você escreveu de canetinha agora
escreve de lápis. E aqui?
Pede a escrita, impôs a regra
da escola e Pede
Esclarecimento
Renato
– Árvore.
Réplica Mínima
Professora
– Árvore. Então conta a história aqui pra
nós.
Espelhamento Pede
Esclarecimento
Renato
– Era uma vez a Priscila, o telefone, a
árvore, o jacaré.
Réplica Elaborada
Menino
Aqui tem água?
Pede Esclarecimento
Renato
Aqui é a água.
Réplica Mínima de
Concordância
Professora
– Aqui a água, então escreve pra mim a
água. Você esqueceu de escrever, né? É
sempre bom a gente colocar o nome
naquilo que a gente fez.
Espelhamento/ Pede escrita e
explica sua importância
Renato
(o menino escreve água)
Réplica de Concordância com
a realização da ação pedida
Professora
Á - gua. Muito bem! Pode sentar Renato.
Espelhamento e comentário
de avaliação positiva/ regula a
ação
O diálogo favoreceu a geração de ZDP, porque a professora deu sequência às falas
e às réplicas, pedindo e elaborando melhor as argumentações. Ao dar atenção à produção
feita por Renato, a professora escutou as significações dadas por ele a suas produções
gráficas livres, tanto de desenho quanto de escritas livres. A professora solicitou a narrativa
da história, o que fez com que o menino pensasse sobre o que fez, buscando as sequências
de seus desenhos em cenas. E, por fim, Márcia o auxiliou a elaborar mais escrita,
traduzindo para a norma culta as escritas livres do Renato, dando-lhe oportunidade de
confrontar as duas formas de escrita.
Interação com os colegas
As crianças das duas mesas formadas na classe dialogaram de forma divertida, sem
parar de desenhar ou escrever, como discutido anteriormente. Pudemos observar que
116
Figura 23 Renato – Sessão 4
Renato mudou sua maneira de desenhar a história e passou a adotar a estratégia de repartir
a folha traçando linhas e desenhar nos vários quadros assim formados. Em seus desenhos
anteriores, Renato colocava linhas de separação, mas utilizava mais o lado esquerdo e
superior da folha.
Supomos que resolveu adotar uma nova maneira de organizar seu desenho, após
tomar conhecimento dessa estratégia ao presenciar o diálogo entre Clara e outro colega,
que é reproduzido na seção 5.3.3c, em que a menina questiona a repartição da folha em
quadros, depois reflete e aceita essa forma.
Fala egocêntrica
Não identificada (fala para o outro).
Produções gráficas livres
A construção de conhecimento foi
mediada pelos desenhos, demonstrando o
conteúdo da história pelos personagens e
pelos elementos físicos que compunham seu
cenário; pela escrita livre, por nomear os
desenhos feitos; pela fala comunicativa, como
significação das produções gráficas livres
para o outro, no caso, a professora, e no
diálogo com Clara, orientando a realização
das escritas livres.
Na figura 23, a estratégia de Renato
foi dividir a folha em 4 quadros, colocando no
primeiro quadro os desenhos e a escrita do
nome dos personagens da história e o
telefone; no segundo, uma árvore com escrita livre sem tradução; no próximo quadro, fez o
jacaré na água e escreveu duas palavras para jacaré: AEL à caneta e AELI a lápis, como a
professora pediu; no último quadro, ele desenhou e escreveu água, com o detalhe de não
existir mais o jacaré nessa água. Ao adotar um jeito diferente de fazer seus desenhos,
ampliou em quantidade os elementos da história, para compor os cenários dos quadros,
configurando a mediação instrumental como a forma de organizar suas produções gráficas
livres. Consideramos que as várias tentativas de escrita feitas por Renato, foram respostas
dadas ao comentário de Clara, isto é, ele não era lerdo.
5.2.3c Conclusões dos resultados da 4ª sessão em sala de aula
117
Considerando nosso objetivo de identificar os usos e funções da fala, do desenho e
da escrita livre, e as possíveis relações estabelecidas entre eles, na construção de
conhecimento em interações interpessoais do contexto de sala de aula, nossos resultados
indicam:
O uso de Manifestações Externalizadas Relevantes com a função da fala interna de ir
além dos momentos de dificuldade, para descobrir os mecanismos subjacentes à
relação fonema/grafema, foi o caso de Clara soletrar o sobrenome escrito na blusa dela.
A interação entre a professora e a criança por meio do Tipo de Diálogo mais
argumentativo promoveu possibilidades de a criança refletir sobre a sua produção
gráfica livre, ampliando as oportunidades (ZDPs) de aprender pelo confronto entre a
escrita feita pela criança e a norma culta e o pedido da professora para que contasse a
história desenhada.
Consideramos que as três ferramentas simbólicas se relacionam no reconto da
história na construção de conhecimento. O desenho funciona como o conteúdo, o cenário e
a narrativa da história; a escrita vem nomear os desenhos, colocar o enunciado dos
personagens; e, na fala comunicativa entre a criança e a professora, há troca de significados
sobre o desenho e a escrita produzidos pelo aluno. Verificamos, também, que os diálogos
entre crianças sobre o modo de realizar a tarefa de reconto resultaram na adoção de
estratégias de mediação instrumental para estruturar o texto (Barbato, 1998), ou seja, a
forma como apresentaram o reconto da história em uma ou em várias cenas. As crianças
discutiram entre si sobre as partes do livro; então, dois dos três participantes da pesquisa
recontaram a história por meio de mais de uma cena, provocando mudanças entre os
colegas na forma de apresentar os desenhos. Com essa discussão, outras crianças
começaram a colocar mais cenas e, consequentemente, passaram a desenhar mais cenários
para compor seus recontos da história.
5.3.4a Descrição da quinta sessão
Márcia conversou com as crianças sobre os livros de histórias que elas haviam
levado para casa para ler, disse o título do livro que cada um levou emprestado. A
professora pediu para as crianças recontarem numa folha o livro lido, uma vez que ela não
os conhecia. Disse estar orgulhosa, pois, ao mostrar os trabalhos de seus alunos, recebeu
elogios da coordenação da escola. As crianças da pesquisa estavam todas na mesma mesa.
Felipe fazia sua história sem parar de falar consigo mesmo e cantar. Daniel criticava o
amigo, Ana fazia em silêncio e Clara dizia a outros colegas como fazer a tarefa. As
crianças conversavam bastante, mas sem parar de desenhar. Em sua mesa, Márcia começou
118
a ouvir as histórias que as crianças tinham feito, uma por uma e em fila. Clara contou sua
história em detalhes; ao final, foi perguntada se havia gostado da história e disse que sim.
A professora lhe deu parabéns. Felipe contou sua história, e a professora lhe pediu a escrita
num processo em que ele falava a letra, ela fazia o som da sílaba e apontava na palavra do
Felipe, enquanto ele escrevia. Parabenizou, também, seu trabalho. Renato contou sua
história seguindo a ordem de seus desenhos. A professora elogiou, sem pedir que
escrevesse, como fez com os outros alunos. Daniel contou sua história apontando para
cada quadro desenhado, percebeu que faltava uma parte e voltou para terminar. A
professora elogiou seu trabalho e falou para ele aproveitar e colocar o nome e a data.
Outras crianças contaram sobre seus escritos e seus desenhos. Daniel voltou para terminar
sua história. Ana nada falou quando chamada a contar sua história.
5.3.4b Resultados da 5ª sessão de Ana em sala de aula
Interação com a professora
A professora chamou Ana a sua mesa para a menina contar sua história. A
professora primeiramente elogia o desenho depois Pede explicação/ sem Réplica da
menina / a professora insiste levantando hipóteses sobre o desenho / a menina apenas
concorda ou discorda. A atitude da
professora em insistir e em desenvolver
formas de apoiar a criança a se comunicar
por linguagem gestual contribuiu para Ana
atribuir significado aos seus desenhos. Ana
reflete sobre seu desenho ao significar ao
outro o que havia desenhado. Entretanto, ao
observar o desenho de Ana, figura 24,
notamos que muitos detalhes aos quais a
menina deixou de dar significado.
Interação com os colegas
Apesar de não haver participado
ativamente dos diálogos dos colegas, Ana
demonstrou ter captado informações sobre
os procedimentos de fazer a história, pois
fez uma produção mais cheia de detalhes
em relação às que havia feito nas sessões
anteriores.
Figura 24 Ana – Sessão 5
119
Fala egocêntrica
Não identificada.
Produções gráficas livres
Ana utilizou a mediação do desenho e da escrita livre para realizar seu reconto. Na
figura 24, podemos observar desenhos mais detalhados do que os feitos nas sessões
anteriores. Com escritas e números, indicam as intenções da menina de transmitir
conhecimento da história. A fala gestual não apoiou suficientemente a riqueza dessa
produção gráfica livre; portanto, não sabemos o que, de fato, Ana mostrou de
conhecimento. Este resultado fortalece a função da fala comunicativa nas trocas de
informações sobre a construção de conhecimento (Pontecorvo & cols. 2005). Observamos,
nessa figura, vários indícios: Ana compôs o cenário da história, parece uma casa, mas tem
mais detalhes; escreveu duas escritas livres e colocou números na parte inferior da folha.
Possivelmente os significados desses indícios comporiam a história lida por Ana.
5.3.4c Resultados da 5ª sessão de Clara em sala de aula
Interação com a professora
A professora chamou Clara em sua mesa para a menina contar sua história. Houve
o Tipo de Diálogo em que a professora Pede Esclarecimento sobre a história produzida por
Clara/ em Réplica Elaborada a menina narrou sua história / a professora Pede Explicação,
se ela gostou da história/ Réplica Mínima de Concordância da menina. A professora
encerra com “Então bom”, sem solicitar a escrita livre. Pareceu-nos que o fato de a
menina ser capaz de contar a história na sequência esperada pela professora, além de estar
próxima da alfabetização, levou a professora a negligenciar sua escrita livre. O reconto oral
baseado em cenas desenhadas possibilitou à criança pensar a história, lembrar como
organizou seus desenhos e significá-los ao outro.
Interação com os colegas
Nessa sessão, como mostrado no quadro 26, houve o Tipo de Diálogo
envolvendo Clara e Daniel, que fez um comentário discordando da forma como Clara fazia
a atividade em quadros: “Não é pra fazer no quadro não” / Réplica Elaborada de
Discordância da menina: “Ah, não, aqui é pra não fazer o dever.” Esse diálogo gerou a
mediação instrumental do texto a ser feito. A fala irônica de Clara determinou a ação do
Daniel de também fazer em quadros. A partir de então, observamos a atitude de Clara em
fazer seu desenho em seu colo, não deixando os colegas verem o que fazia.
Dessa discussão, surgiram tomadas de decisão das crianças, que optaram por
desenhar em uma cena ou em várias cenas, ou em quadros, para melhor solucionar a
120
mediação simbólica. As falas funcionaram como parâmetros da ação das crianças. As
trocas de informações, as observações do trabalho do outro e os comentários subsequentes
impulsionaram as decisões das crianças de mudar o próprio trabalho.
Fala egocêntrica
Não identificadas.
Produções gráficas livres
O desenho foi utilizado como
mediador da construção de conhecimento no
reconto da história do livro em quatro cenas,
e a fala como significação do desenho e da
narrativa para a professora. Observa-se, na
figura 25, que a história foi desenhada em
quadros representando as partes do livro em
sequência temporal e lógica. Deduzimos o
conteúdo do livro, mesmo sem termos lido,
pelos desenhos detalhados e pela ordem dos
acontecimentos: primeiramente, os dentes
da boca estavam felizes porque estavam
sendo escovados; depois a mensagem da
menina sentada à mesa comendo: está sujando seus dentes e precisa de limpeza. Para tanto,
utiliza os instrumentos necessários para a limpeza, desenhados em outra cena: a escova e a
dentifrício e, finalmente, a menina em cima de uma cadeira para alcançar a pia, escovando
os dentes com os instrumentos novamente representados. Clara construiu o conhecimento
sobre a escovação ao ler o livro com a família, e usou a mediação simbólica do desenho e a
mediação instrumental das cenas organizadas para demonstrar graficamente esse
conhecimento.
5.3.4d Resultados da 5ª sessão de Daniel em sala de aula
Interação com a professora
O menino procurou a professora na mesa dela, com o Tipo de Diálogo em que a
professora Pede Explicação, o que desenhou/ Réplica Elaborada do menino, narrativa da
história, o menino viu que esqueceu uma parte da história e voltou a desenhar, terminou e
procurou novamente a professora. Daniel contou a história inteira para a professora, que
apenas escutou a narrativa. Nota-se que a escuta da professora foi importante para abrir
possibilidades de ampliação de conhecimento. Entretanto, como discutido nas sessões
Figura 25 Clara – Sessão 5
121
anteriores, o ensino pôde ir além e desencadear ZDPs, ampliando a possibilidade do vir a
se desenvolver.
Interação com os colegas
Daniel estabeleceu diálogo com Renato e Clara sobre o entendimento
procedimental da atividade proposta pela professora. Também respondeu a uma questão do
Renato de não estar copiando o seu nome. Apresentamos o quadro nº 26 com um trecho do
diálogo das quatro crianças, Ana também estava presente, mas não se manifestou:
Quadro nº 26 – Trecho do episódio de Clara, Daniel, Felipe e Renato na 5ª sessão
Enunciados
Análise da
Conversação
Fala Egocêntrica e
Fala Comunicativa
Daniel
– Eu lembro de uma página que
eu mais gostei, achei mais triste.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Profa.
Como eu não li o livro, que
vocês levaram, então vocês vão
contar pra mim a história.
Enunciado para a
classe
Fala Comunicativa
Daniel
– Ah! É para fazer... Eu me
lembro da minha primeira, da
segunda...Não sei.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Felipe
– Vou desenhar a história.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Profa.
– Vocês que leram vão me
contar o que estava no livro.
Enunciado para a
classe
Fala Comunicativa
Renato
– Ah, tem que fazer o que está
no livro, né?
Afirmação e pede
confirmação a Daniel
Fala Comunicativa
Daniel
– Tem que fazer todas as
páginas junto, né?...
Réplica Elaborada e
pede confirmação
Fala Comunicativa
Daniel
– Não é pra fazer no quadro não
Enunciado dirigido a
Clara
Fala Comunicativa
Clara
– Ah, não, aqui é só pra não
fazer o dever.
Réplica Elaboração
de Discordância
Fala Comunicativa
Renato
– Eh! Eh! Tão é copiando
Enunciado/falante
dirigido a Daniel
Fala Comunicativa
Felipe
– Vou desenhar o homem todo.
Deixa eu ver, atacar.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Renato
– Você colou o teu nome, não
foi?
Enunciado/falante
dirigido ao Daniel
Fala Comunicativa
Daniel
– O que, o que, eu colei.
Réplica Mínima de
Discordância
Fala Comunicativa
Felipe
– Vou desenhar boca de dente.
Vou deixar a boca suja de dente.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Renato
– Você tá fazendo o quê?
Enunciado/falante
dirigido ao Daniel
Fala Comunicativa
Daniel
– A menina da primeira parte.
Ela (Professora) pediu pra fazer
Réplica Elaborada
Fala Comunicativa
122
todas as partes.
Felipe
– Vou desenhar o super dental,
vou desenhar o superfio dental.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Felipe
– Desenhar a boca...
pequenininho
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Felipe
– Eu sou pequenininho, eu sou
pequeninho... agora
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Felipe
– Olha o fio dental.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Felipe
Lá vai o fio dental.
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Daniel
Lá vai ele.
Reclamação do
falatório do Felipe
F. Exter. Egocênt.
Irrelevante gerada
Pela FEER do Felipe
Felipe
O meu fio dental, tu, tu, tu.
(cantarolando)
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocênt. e Relevante
Nota-se que Daniel falava para si mesmo sobre a página e a de seu livro;
depois estabeleceu conversação com Renato de um lado e com Clara de outro. Daniel e
Renato inferiram sobre como organizar o texto, diante da fala da professora sobre o livro,
também sobre o desenho que Daniel fazia.
Depois Daniel checou com Clara a forma de
responder à proposta da professora,
discutindo os procedimentos de realização
da história em quadros. Esses diálogos
foram entremeados por várias falas
egocêntricas do Felipe, até que, em
determinado momento, após uma fala de
Felipe, Daniel proferiu uma fala egocêntrica
irrelevante de reclamação do falatório.
As falas das crianças foram captadas
no momento em que faziam seus desenhos.
Tanto as egocêntricas como as
comunicativas estavam funcionando para
que eles refletissem sobre o objetivo da
tarefa que a professora queria deles, e sobre
a forma como organizariam seus desenhos.
Figura 26 Daniel – Sessão 5
123
As trocas dialógicas das crianças ocorreram concomitantemente à realização das produções
gráficas livres veiculando conhecimento: informações e mensagens dos livros lidos.
Fala egocêntrica
Daniel apresentou Fala Externalizada Egocêntrica Irrelevante, ao reclamar em voz
alta do falatório do colega narrando sua história enquanto a desenhava. Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante quando Daniel relatou as páginas que lembrava do livro.
Consideramos que Daniel organizou suas produções gráficas livres pela fala egocêntrica.
Pensou na ordem da história dos acontecimentos e avaliou uma das páginas, ao demonstrar
sentimentos enquanto a lia.
Produções gráficas livres
A construção de conhecimento do Daniel foi mediada pelo desenho, enquanto
conhecimento da história lida em casa; pela escrita livre de uma frase do livro; e pela fala
egocêntrica reguladora do pensamento e da ação ao desenhar. A figura 26 mostra a
simbolização da história recontada em seis quadros em sequência lógica. Ao narrar a
história para a professora, fez autoavaliação e foi completar; portanto, refletiu sobre o que
havia feito. Por sua iniciativa, contou a história desde o princípio. Sua história está
reproduzida no quadro nº 16, no item 5.1b.
5.3.4e Resultados da 5ª sessão de Felipe em sala de aula
Interação com a professora
A professora interagiu com Felipe na mesa dela, para o que menino lesse sua
história. Houve o Tipo de Diálogo em que a professora Pede Esclarecimento, e a Réplica
do menino foi a narração da história. Como podemos observar abaixo, no trecho
selecionado do episódio de Felipe, no quadro 27, a professora fez o Tipo de Diálogo
com aumento de argumentos, gerando visível esforço intelectual do menino para
acompanhar a relação fonema/grafema das palavras que escrevia com a professora e
consequente ampliação de seu conhecimento sobre a sistematização da escrita. A fala
comunicativa se estabeleceu com trocas de informações e demandas entre os
interlocutores.
Quadro nº 27 – Trecho do episódio de Felipe na 5ª sessão com a professora em sala
Enunciados
Análise da Conversação
Fala Ego. e Fala Com.
Profa.
– Agora o Felipe vai
contar a historinha dele.
Anuncia o que o menino
ia fazer
Fala Comunicativa
Felipe
– Esse é o menino
sorrindo.
Réplica Elaborada
Fala Comunicativa
Profa.
– Esse é menino, o quê?
Espelhamento e pede
esclarecimento
Fala Comunicativa
124
Quadro nº 27 – Trecho do episódio de Felipe na 5ª sessão com a professora em sala (cont.)
Enunciados
Análise da Conversação
Fala Ego. e Fala Com.
Felipe
– Esse é menino sorrindo.
Réplica Elaborada
repetida
Fala Comunicativa
Profa.
– Ah! Tá, esse é o menino
sorrindo.
Espelhamento
Fala Comunicativa
Felipe
– É a primeira página do
livro.
Réplica Elaborada do
menino explicando sua
mediação instrumental
Fala Comunicativa
Profa.
– A primeira página do
livro? Ótimo.
Espelhamento com
comentário avaliativo
Fala Comunicativa
Felipe
– E aqui, o dente dele
sujou, o fio dental, é,
passou no dente. Ficou
limpinho o dente.
Enunciado do falante
narrativa da história
Fala Externa. Ego.e Relev.
Profa.
– Ah! Que ótimo! Esse é o
fio dental, é? Escreve o
nome deles, ó. Esse aqui.
Pede escrita do nome dos
elementos da história
Fala Comunicativa
Felipe
– Menino.
Réplica Mínima
Fala Comunicativa
Profa.
– Então escreve para mim
embaixo, escreve para
mim embaixo.
Pede a escrita da réplica
enunciada
Fala Comunicativa
Felipe
– MÉ – NI – NO.
Enunciado do falante
Fala Exter. Ego. e Rel. /
soletração/pronúncia
artificial
Profa.
– MÉ – NI – NO.
Espelhamento
Fala comunicativa gerada
da FEER do menino
Felipe
– É?
Pedido de confirmação
Fala Comunicativa
Profa.
– Isso.
Enunciado de
concordância
Fala Comunicativa
Felipe
– I?
Pedido de confirmação
Fala Comunicativa
Profa.
– Isso.
Enunciado de
concordância
Fala Comunicativa
Felipe
– E o Ó?
Pedido de confirmação
Fala Comunicativa
Profa.
Isso. Agora aqui, esse
aqui mesmo?
Enunciado de concorda.
Pede Esclarecimento
Fala Comunicativa
Felipe
Fio dental. Fio eu sei
como é. É o “F”, né?
Réplica Elaborada
Fala Comunicativa
Profa.
– Isso, põe lá.
Enunciado de concordân.
regula a ação do menino
Fala Comunicativa
Felipe
– FIO (coloca um I).
Enunciado do falante
Fala Externalizada
Egocêntrica e Relevante
Profa.
– Isso. FIÓ
Enunciado de concordân.
e Espelhamento/
pronúncia artificial
Fala comunicativa gerada
pela FEER do menino
Felipe
– (coloca um Ó).
Ação do menino de
escrever
Profa.
Ó, isso. FIO DEN
Leitura / silabação
Fala Comunicativa
125
TAL. D E N, D E N?
pronúncia artificial
Felipe
DEN, qual a letra,
mesmo?
Enunciado do falante
Fala Extern. Egocêntrica e
Relevante e para o outro
Profa.
– DEN, DEN.
Espelhamento
Fala Comunicativa
Felipe
– DEN, DEN, DEN,
DEN, D!
Enunciado do falante
Fala Extern. Egoc. e Relev
/ Silabação e descoberta
Profa.
Isso, coloca aí. Aí. D E
N; ó D E N.
Enunciado de Concordân.
insistindo na silabação
Fala Comunicativa
Felipe
– DEN, DEN.
Enunciado do falante
Fala Extern. Egoc. e Relev
/ Silabação e descoberta
Profa.
– Olha, DEN, DEN.
Espelhamento /foco na
silabação
Fala Comunicativa
Felipe
– E?
Enunciado de pedido de
confirmação
Fala Comunicativa
Profa.
Isso. Agora aqui ó, T A
LLL. FIO DENTAL,
TAL.
Enunciado de Concordân.
insistindo na silabação
Fala Comunicativa
Felipe
– É o A.
Enunciado de pedido de
confirmação
Fala Comunicativa
Profa.
– TAL, agora no final,
olha aqui para mim. Qual
é a última letra de T A L?
Enunciado de Concordân.
insistindo na silabação /
Pede esclarecimento
Fala Comunicativa
Felipe
– É o U, é o U.
Enunciado afirmativo
Fala Comunicativa
Profa.
– Então põe. Isso, muito
bem, ótimo. Parabéns!
Enunciado de Concordân.
/ bem avaliado
Fala Comunicativa
A professora abre o canal de escuta ao Felipe, chamando-o para contar a sua
história. Felipe aproveita e mostra o desenho, dizendo ser a página do livro. Réplica
completa: informação localizada geograficamente no livro. Lembramos que o Felipe não
participou ativamente do diálogo sobre a mediação instrumental da tarefa, porém captou o
tema da discussão e o utilizou em seu reconto para a professora. A professora avaliou bem
a página e o incentivou a continuar. Em poucas palavras, Felipe resumiu sua história
coerentemente para a professora, que novamente avaliou e complementou o diálogo,
sugerindo a escrita. Nessa primeira parte do diálogo, a professora deu oportunidades ao
Felipe de significar seus desenhos e a narrativa criada, com incentivo, escuta e avaliação
positiva da produção. Na continuação do diálogo, as falas egocêntricas do Felipe geraram
sucessivas ZDPs pelas falas de apoio da professora ao complexo processo de soletração da
relação fonema/grafema, seguindo a seguinte dinâmica: ele inicia pronunciando a palavra
MENINO; a professora repete; ele pede a confirmação da letra que descobrira; a professora
confirma e o incentiva a ir adiante. Felipe continuamente pronunciava, descobria a letra e
pedia confirmação, e a professora repetia e passava para a soletração seguinte, e assim
sucessivamente. Felipe usou a dinâmica da experimentação, em que ele refletia sobre o
126
Figura 27 Felipe – Sessão 5
som, procurando conhecimentos prévios, e tentava descobrir qual letra o representaria, até
chegar à descoberta da letra e, assim, pedia a confirmação da professora.
Interação com os colegas
Felipe estava tão interessado em fazer sua tarefa que pouco participou do diálogo
com os outros da mesa, como mostrado no quadro 24. Entretanto, captou o tema da
discussão dos colegas sobre as páginas do livro, pois ele disse à professora que havia feito
o menino sorrindo da 1ª página do livro lido por ele em casa.
Fala egocêntrica
Felipe utilizou as Falas Externalizadas Egocêntricas e Relevantes em larga escala.
Por meio delas organizou seu desenho em narrativa, fez o som de uma escovação de dente
(tu, tu,tu), tomou decisões do que desenhar. Essas falas organizaram seu pensamento no
entendimento da relação fonema/grafema e foram direcionadas para a professora, o que
gerou apoio ao processo de descoberta da letra a ser escrita e a confirmação de suas
tentativas. Esse resultado confirma a posição vigotskiana sobre fala egocêntrica, em que,
apesar de ser uma fala organizadora
intrapsicológica, é direcionada para o outro,
gerando a relação interpsicológica contida
na fala comunicativa (Vigotski, 1998a,
1987a).
Produções gráficas livres
A construção de conhecimento foi
mediada pelo desenho informando sobre o
conteúdo da história, pela escrita ao nomear
seus desenhos e pela fala organizadora, nas
funções discutidas acima. Seus desenhos
(fig. 27) são mais esquemáticos, não
retratando a riqueza de sua narrativa no
processo de realização da atividade, sem
prejuízo ao conteúdo veiculado. Felipe
estava bem humorado no momento da
realização dessa produção gráfica livre. Ele
cantou, fez o barulho da escovação de dentes e
falou sem parar sobre o que fazia.
5.3.4f Resultados da 5ª sessão de Renato em sala de aula
127
Interação com a professora
O Tipo de Diálogo estabelecido entre Renato e a professora começou quando ela
Pede Esclarecimento, pediu para ele contar sua história / Réplica elaborada do Renato,
apontou as personagens, disse frases que não pareciam uma história / Professora o
parabenizou, mas não pediu a escrita como fez com os outros. Conduta semelhante adotada
em outras situações entre a professora e Renato, observadas nas sessões anteriores.
Interação com os colegas
O tema do diálogo com os colegas foi sobre a mediação instrumental da atividade e
o conteúdo do desenho. O Tipo de Diálogo mostrado no quadro 26, mostra a discussão
entre Renato e Daniel sobre os procedimentos de execução da tarefa, que gerou
informações de orientação do trabalho.
Fala egocêntrica
Não identificada
Produções gráficas livres
Na figura 28, podemos observar o
desenho mediando a construção de
conhecimento pelos personagens ali
representados, e a fala comunicativa
orientada para a mediação instrumental, a
forma como ele deveria apresentar as cenas
da história. Os desenhos têm as mesmas
características, bem à esquerda da folha,
pernas palito, tendo a linha de plano abaixo
de cada desenho e sem escritas livres. Fez
sozinho, mas quis saber do desenho de
Daniel.
5.3.4c Conclusões dos resultados da 5ª sessão em sala de aula
Considerando nosso objetivo de identificar os usos e funções da fala, do desenho e
da escrita livre, e as possíveis relações estabelecidas entre eles, na construção de
conhecimento em interações interpessoais, no contexto de sala de aula, nossos resultados
indicam:
Uso da Fala Egocêntrica de soletração da criança em sala com a função de confirmação
do interlocutor-ouvinte na construção de conhecimento com intersubjetividade: foi o
Figura 28 Renato – Sessão 5
128
caso da dinâmica de falas egocêntricas do Felipe, esperando a confirmação da
professora à letra que ele descobria após a soletração fonema/grafema.
Uso da Fala Egocêntrica com função de organização do desenho e da escrita: foi o caso
do Daniel, em que anunciou que ia desenhar, em qual página se encontrava e o
sentimento que a página tinha lhe trazido. Para o Felipe, as falas egocêntricas
indicaram o anúncio do que ia desenhar, a organização da narrativa, o barulho da ação
de escovar os dentes e a soletração fonema/grafema da escrita dos elementos da
história, junto com a professora.
Verificamos que os diálogos argumentativos entre crianças e com a professora, isto
é, quando complementação e elaboração de argumentação, ampliam as possibilidades
de aprender, porque os questionamentos dados aos desenhos e às escritas livres fizeram
com que a criança em desenvolvimento pensasse e desse sentido a sua produção gráfica. É
o caso do Felipe com a professora, contando a história e realizando escritas livres. A fala
comunicativa nos diálogos com argumentação entre as crianças gerou a mediação
instrumental, pela qual organizavam a história em quadros, partes ou páginas do livro.
No processo de construção de conhecimento mediado pelo reconto do livro
infantil, a fala se relaciona com o desenho e a escrita com função de organizá-los. O
desenho serve de base para compor o cenário das informações vindas da história,
organizado pela narrativa oral com sequência lógica própria de um texto literário, e a
escrita vem nomear personagens e elementos da história, organizada pela soletração
fonema/grafema.
5.4 DESCRIÇÃO DAS SESSÕES INDIVIDUAIS POR CRIANÇA
As atividades desenvolvidas nessas sessões aconteceram em sala de aula
desocupada, onde a criança era convidada a recontar a história lida para ela e a conversar
sobre animais, com a mediação do desenho e da escrita. A pesquisadora procurou manter
uma atitude de interlocutor ouvinte, atento a qualquer tipo de diálogo, perguntas ou
demandas da criança, que dispunha de vários tipos de lápis, canetas coloridas e papéis à
vontade, para a realização da atividade.
Faremos uma descrição mais detalhada apenas da primeira sessão, pois os
procedimentos e o contexto são comuns a todas as sessões. Relataremos as demais sessões
de modo mais sintético, evidenciando as falas e as decisões da criança.
5.4.1 Descrição da sessão I – Reconto da história “Cocô de passarinho”
Esta sessão foi sobre o livro “Cocô de passarinho”. Pedimos para a criança recontar
a história em uma folha de papel, sem dizer se era para desenhar ou escrever, deixando-a
129
completamente livre para decidir como fazer sua atividade. Ao final da tarefa, sugerimos à
criança completá-la com a escrita ou o desenho, caso não houvesse feito antes.
5.3.1a Descrição da sessão I de Ana
Durante a narrativa, Ana apontou as ilustrações e se interessou pelo material escolar
oferecido a ela. Ana disse que ia desenhar. Acenou com a cabeça que havia gostado da
história. Sozinha por um momento na sala, ao ver um lápis sem ponta, falou algo para si
mesma e apontou o lápis. Quando lhe foi perguntado qual personagem estava desenhando,
Ana apontou para uma personagem na capa do livro e apontou para sua folha. Ana usou da
mesma forma para confirmar, quando perguntada sobre a outra personagem que
desenhava. Ela quis saber de quem era a canetinha que estava usando, e contou o nome de
seu pai e de sua mãe. Ana disse que sabia escrever a palavra casa. Quando indagada sobre
o nome da história, não respondeu; então, foi informada do nome da história do livro. Ela
disse não saber fazer um passarinho. Ana foi orientada a inventar um e recebeu dicas sobre
as partes do corpo de um passarinho. Foi respondendo: asa, cabeça e foi desenhando.
Quando perguntada sobre o que os passarinhos faziam, Ana respondeu que “cagava na
cabeça delas”. A menina fez desenhos de cocôs caindo em cima da cabeça das duas
personagens. Ao perceber que havia um passarinho para as duas pessoas, ela desenhou
outro. Não quis contar a história, nem escrevê-la ou pôr o título, porém escreveu seu nome.
Fala Egocêntrica
Identificamos Falas Egocêntricas Irrelevantes sobre material escolar. Tema
recorrente das sessões em classe: “Não é possível”; “Cadê o apontador? Ah está aqui”; “É,
você está no negócio, danadinho”; “Ah, não, queria brincar de massinha”. Esta última em
referência ao tempo da pré-escola. As falas egocêntricas foram proferidas apenas quando
Ana estava sozinha. Até essa época, nenhuma fala egocêntrica da menina havia sido
captada por nossos equipamentos. A ideia de deixá-la sozinha serviu para verificarmos se
haveria alguma fala nessa ocasião, pois supusemos que ela se manteria calada por ser
tímida.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento foi mediada pelo desenho e pela fala comunicativa,
ao trocar informações com a pesquisadora sobre as partes do corpo de um passarinho, o
que apoiou seu desenho. As falas egocêntricas proferidas por Ana foram irrelevantes,
relacionadas aos materiais escolares, comprovadamente do interesse de Ana e sem conexão
com o conteúdo da história. Na figura 29, Ana disse ter desenhado as duas personagens da
história com os passarinhos fazendo cocô na cabeça delas. Os elementos do desenho foram
130
Figura 29 Ana – “Cocô de Passarinho”
organizados pela menina em apenas uma cena, porém significativa do enredo da história,
em que tudo girava em volta do problema dos passarinhos fazerem cocô na cabeça das
pessoas. Indica que a menina construiu conhecimento da história contada a ponto de
desenhar a cena principal. Como Ana disse não saber fazer um passarinho, organizamos
nossas perguntas para que funcionassem como scaffolding (Bruner, 1975). Assim, Ana ia
respondendo e desenhando as respostas a
nossas perguntas para o primeiro
passarinho. Depois, sem nosso apoio, fez o
segundo.
Consideramos que a menina fez o
que lhe foi pedido com entusiasmo e
animada pelo material que lhe oferecemos.
Procuramos fazê-la contar o que desenhava
e o que estavam significando seus desenhos,
mas ela apenas concordava ou discordava
com a cabeça. Entretanto, perguntou coisas
pessoais sobre a pesquisadora, sem timidez.
O que nos levou a supor que ela estava
querendo estabelecer laços conosco,
trazendo a vida pessoal de cada uma, e de
alguma forma querendo afastar os assuntos
de escola. Nossa atitude foi de procurar
manter o foco na atividade, tentando
relacionar as atividades de aprender e brincar, aproveitando o fato de o livro ser engraçado
e, principalmente, procurando, com a criança, o lado lúdico da tarefa escolar.
5.4.1a Descrição da sessão I de Clara
Clara leu o título da história. Como era uma história de passarinho, a menina contou
casos dos passarinhos que tinha em casa. Começou a desenhar em silêncio, quebrado
quando era perguntada sobre o que fazia. Deixada sozinha na sala por alguns instantes, a
menina deu tchau para a câmera e continuou a desenhar, largou o lápis e pegou a caneta.
Após o retorno da pesquisadora à sala, continuou em silêncio, quebrado para dizer que não
queria falar sobre a história que fazia. Depois passou a falar sobre sua casa, seu avô, seu
pai e seus passarinhos, e voltou ao silêncio. Indagada sobre a árvore desenhada, se era a
que tinha na praça da história, ela concordou e continuou em silêncio por mais uns
131
Figura 30 Clara -– “Cocô de Passarinho
minutos, até falar novamente sobre seus passarinhos, sua casa e seu avô. Quando solicitada
a escrever, Clara disse que não sabia, e também não quis colocar o nome na história ou nos
passarinhos. Clara percebeu que não tinha desenhado os cocôs dos passarinhos; então os
desenhou. Depois não falou mais; apenas colocou seu nome na folha.
Fala Egocêntrica
Desenhou em silêncio. Podia estar com a fala internalizada.
Produção gráfica livre
A ferramenta cultural utilizada por
Clara na construção de conhecimento foi o
desenho. Utilizou a fala comunicativa para
demonstrar outros conhecimentos, contar
dos familiares, de seus passarinhos e dos
assuntos de casa. A figura 30 mostra o
desenho de um casal, sobre bancos,
embaixo de uma árvore com passarinhos,
com “cocôs” caindo nas pessoas. Para o
reconto da história, foi utilizada a mediação
instrumental de uma única cena, porém
significativa para a história.
Os elementos da história que
compõem a cena foram descritivamente
desenhados e focados no enredo principal
do livro, evidenciando a construção do
conhecimento de Clara sobre o texto que lhe foi lido. Havia duas pessoas sentadas embaixo
da árvore sendo incomodadas pelos cocôs dos passarinhos. Enquanto estava desenhando, a
menina preferiu conversar sobre outros assuntos cotidianos, inclusive sobre os passarinhos
que tinha em casa, sem se dispersar do desenho. Clara fez uns traços nos passarinhos
desenhados para destacá-los das outras figuras.
Consideramos que as falas de Clara foram utilizadas de forma semelhante às de
Ana, para estabelecer um vínculo pessoal com a pesquisadora. A menina também não quis
e não falou por conta própria sobre a história; somente com a nossa insistência. Clara
soube ler o título do livro, mas disse não saber escrever. Supomos que sua expectativa
sobre o que é escrever seja a escrita correta, ou ela simplesmente não estava interessada na
escrita, uma vez que sua demanda e seu esforço tinham se voltado para elaborar
132
detalhadamente seu desenho.
5.4.1c Descrição da sessão I de Daniel
Daniel fazia observações sobre a história: viu que havia seis passarinhos e que
faziam cocô nos chapéus, que havia ovinhos no ninho dos passarinhos, quis saber sobre as
serpentinas da ilustração do livro. Ao receber material para contar a história, falou que, na
casa dele, havia lápis iguais àqueles. Daniel passou a desenhar a história. Disse que tinha
que pensar e que desenharia um pica-pau. Contou os dedos do pica-pau. Anunciava e ia
desenhando as partes do corpo do pica-pau. Indagado sobre a possibilidade de o passarinho
da história ser um pica-pau, o menino se referiu a um passarinho de chapéu como sendo o
pica-pau. Enquanto desenhava, Daniel falou sobre os hábitos dos passarinhos,
demonstrando conhecimento do assunto. Falou que fez o pica-pau voando, igual ao do
desenho da TV, que tinha mãos e não asas. Indagado sobre as pessoas da história, ele
respondeu que não as tinha desenhado porque o pica-pau estava nas nuvens de raios e
trovões. Sobre o nome da história, ele a chamou de cocô de passarinho e disse que queria o
livro para copiar. Foi encorajado a inventar um jeito de escrever. O menino demonstrou
conhecimentos falando sobre raio, trovão e a invenção do homem sobre a eletricidade.
Quando recebeu a sugestão de escrever a história, não quis fazê-lo. Daniel apenas escreveu
seu nome, dizendo que ia fazer com letra pequena, porque o nome todo era grande, e foi
soletrando as letras dos nomes e falando “espacinho” entre eles. Para o nome da história, ia
copiar do livro; depois disse que seria “ovo do passarinho”. Ao ser perguntado sobre haver
ovo em sua história, ele pensou e disse que ia desenhar um ninho cheio de espetinho no seu
desenho, e depois começou a escrever soletrando, repetindo várias vezes a palavra para
descobrir as letras. Assim, usando a pronúncia artificial, escreveu “ovo do passarinho”.
Fala Egocêntrica
A Fala Externalizada Egocêntrica e Relevante encontrada teve a função de anunciar
o que ia desenhar, por exemplo: as partes do pica-pau: “Vou desenhar o pica-pau que um
dia eu vi”; “o bico, agora vou fazer a perna”; contagem dos dedos do pica-pau ao fazer a
mão: “1, 2, 3, 4, 5”. Uso da fala egocêntrica para a soletração, incluindo, além da relação
fonema/grafema, a segmentação do nome e sobrenomes marcados com o “espacinho”.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento do Daniel foi mediada pelo desenho como conteúdo
da história; pela escrita livre para colocar o título; e pela fala egocêntrica, com a qual
organizou as parte do corpo de passarinho e contou os dedos da mão do pica-pau. A fala
comunicativa apareceu como palco de negociações entre seu desenho e a história, que
133
devia recontar. Demonstrou conhecimento sobre desenho animado, sobre raio, trovão,
eletricidade e ninho de passarinho. A narrativa a seguir evidencia a negociação e as
abstrações que Daniel precisou fazer para incluir o pica-pau (fig. 31) no reconto da história
contada pela pesquisadora: “Ele estava voando tão alto, tão alto, que acabou na nuvem e se
perdeu. Aí a chuva, e ele começou a fazer cocô na nuvem, aí a chuva, começou a chover, e
a água começou a cair escura por causa do
cocô.” Negociou também o título da
história, que quis chamar de “ovo de
passarinho”. Ao ser questionado quanto à
ausência de ovo em seu desenho, resolveu
desenhá-lo.
Consideramos que Daniel utilizou
o tema da história para colocar no desenho
o passarinho de que gostava e a que
assistia no desenho animado na TV em
casa. E o desenhou com nuvens e trovões,
confirmando o que sua mãe dissera na
entrevista. Ele negociou com a
pesquisadora, fez as abstrações
necessárias para adaptar a atividade de
reconto dessa história a seus interesses e demandas. Suas falas egocêntricas tiveram a
função de estruturar o desenho que ele fazia de memória, além de solucionar as questões
colocadas pela pesquisadora quanto à relação entre seu desenho e o título colocado por ele
no reconto da história.
Evidenciamos, nesses resultados, que o Daniel utilizou práticas de letramento
multimodal trazidas de casa, relacionou suas produções gráficas livres com o
conhecimento trazido de casa sobre fenômenos da natureza, sobre determinado desenho
animado e sobre a forma de escrever seu nome e sobrenomes, em que utilizou a expressão
“espacinho” para separar as palavras.
5.4.1d Descrição da sessão I de Felipe
Ao escutar a narração da história, Felipe participou ativamente, comentando e
apontando para as imagens. Quando recebeu o material, falou que começaria pelos
passarinhos. Ao ficar sozinho, por alguns momentos, Felipe falou piu-piu e escreveu duas
Figura 31 Daniel – “Cocô de passarinho
134
letras “I”. Depois ficou em silêncio. Desenhou o ninho do passarinho, que ele chamou de
magrelo. Felipe fazia o biquinho do passarinho com a mão. A partir daí começou a narrar a
história, contando as quatro pernas do banco e falando, enquanto ia fazendo. Distraiu-se
com a caneta antes de pintar. Felipe se lembrou do pica-pau e o desenhou. Depois falou
que ia fazer o vendedor de sementes. Continuou a fazer e pintar o desenho enquanto
narrava sua história. A escrita lhe foi sugerida, mas Felipe disse não saber escrever.
Incentivado a inventar um jeito de escrever o nome da história, Felipe começou a escrever
soletrando e escolhendo a letra conforme ia falando: ODAAII. Quis escrever o seu nome
todo, o que fez em silêncio, depois foi soletrando, enquanto escrevia os sobrenomes. Não
quis escrever a história, mas a recontou oralmente baseando-se em seus desenhos e não na
história que ouvira. E, ao final, inventou umas peripécias com os personagens de seu
desenho: “Era uma vez um vendedor e um cara muito bravo: Eu não quero nada disso.
ele pegou um cigarro e jogou fora. Caiu na roda. A roda pegou fogo. Ele jogou água. o
passarinho, ele nasceu aqui porque ele jogou cocô, ele cagou aqui (apontava os
passarinhos). Acabou voando juntos, os três, o gigante, foram (mostra os passarinhos).
Esse aqui pegou a arma e jogou no pica-pau. Caiu. O pequeno pegou a arma e ficou
voando. Pá. Pá.”
Fala Egocêntrica
O uso da Fala Externalizada Egocêntrica e Relevante de Felipe teve a função de
organizar sua história, quando narrou os acontecimentos enquanto ia desenhando.
Trazemos os exemplos: “Aqui é o cara”; “O cara ficou muito bravo”; “Ai ele pôs o chapéu.
Agora ele... é aquele do cacto”; “Nasceu o passarinho vuuuuuuuuu”; para contar as pernas
do banco que desenhava: “Duas pernas, três e a última, atrás. Quatro pernas. Depois, ele
sentado”. Usou a fala egocêntrica para a soletração fonema/grafema na escrita da fala dos
pássaros, do título da história e para o sobrenome, enquanto que, seu nome, escreveu em
silêncio, confirmando que a utilização da fala egocêntrica se dá quando há mais dificuldade
na realização da atividade (Berk, 1994; Montero & Huertas, 2001); porém neste caso,
Felipe quer entender o mecanismo da relação fonema/grafema. Por exemplo, o que ele fala
ao escrever o título da história: “CO é o Ó D PA (coloca A) SSA, SSA de novo o A, RI I,
NHU, outro I – dois I”.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento de Felipe teve a mediação do desenho para o
conteúdo da sua narrativa; da escrita livre para a fala dos pássaros e o título da história; da
fala egocêntrica, que orientou sua produção do início ao fim; e da fala comunicativa,
135
Figura 32 Felipe – “Cocô de Passarinho
quando conta sua história oralmente. mediação instrumental de Felipe para compor seu
texto pelas várias cenas dispostas na folha. Seus desenhos (fig. 32) eram pertinentes à
história contada, embora sua narrativa final tenha se afastado.
Consideramos que, em seu processo de construção de conhecimento, Felipe partiu
da história contada e generalizou o que conhecia com as informações novas do livro. A
narrativa da história foi sendo imaginada e
falada, organizando o desenho e a escrita
livre, assim reproduzindo a história ouvida
e, ao mesmo tempo, modificando-a.
Priorizou os passarinhos ao iniciar a
narrativa; construiu o som deles
graficamente, I (piu) I (piu). Repetia o som
várias vezes ao mesmo tempo em que fazia
com os dedos o movimento de um bico,
tentando descobrir a letra daquele som.
Continuou a desenhar a história contada até
introduzir um elemento de seu imaginário;
furou o pneu do carrinho, de forma parecida
com o carro da história da princesa Fiona,
contada na primeira sessão em sala. A partir
daí, colocou outra novidade: o pica-pau do
desenho animado. Ao contar sua narrativa
da história, as peripécias dos passarinhos desenhados se assemelhavam ao enredo
desenvolvido pelo desenho animado do pica-pau. Assim, extrapolou a história desenhada e
a do livro, deixando-se levar pela imaginação e pela ludicidade do desenho animado
tomado como referência. O pica-pau parecia ser o desenho animado da preferência de
Felipe e de Daniel. Além de passar na TV, seu boneco é vendido por ambulantes em várias
ruas do DF, o que aumenta sua popularidade entre as crianças.
5.4.1e Descrição da sessão I de Renato
Renato disse que ia desenhar o festival dos passarinhos. O menino escolheu o lápis
e perguntou se era para fazer as pessoas, ao que lhe foi respondido que a decisão era dele.
Ele começou a desenhar silenciosa e rapidamente, até o momento em que perguntou se
podia fazer o que havia feito. Ao que lhe foi dito, novamente, que a decisão era dele.
Então ele disse que era isso mesmo. Como não quis escrever, foi-lhe solicitado que
136
Figura 33 Renato – “Cocô de Passarinho”
contasse sua história. Renato falou apontando para os desenhos, começando pelos
primeiros que foram feitos, de cima para baixo: “Era uma vez uns passarinhos e o pessoal.
Os passarinhos estavam cagando na cabeça deles, veio outro e também cagou. Eles
comeram a semente e cagando na cabeça e outro cagando na cabeça dos outros e fim.” Ele
tentou citar a fala: “Entrou por uma porta, e saiu pela outra, quem souber que conte outra”.
Fala Egocêntrica
Não identificada.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento do
Renato foi mediada pelo desenho, colocando
o conteúdo em narrativa da história; e pela
fala comunicativa, ao contar sua narrativa
apontando os desenhos que fizera. Renato
manteve sua maneira de desenhar figuras
com pernas de palito e usou a mediação
instrumental para organizar seu texto,
colocando as figuras à esquerda da folha e as
linhas de separação entre as figuras,
compondo as cenas da história (fig. 33). Em
sua narrativa, lembrou o enredo e se
manteve de acordo com o interesse em fazer
o festival dos passarinhos. Os passarinhos foram colocados como protagonistas da história.
Consideramos que a produção de conhecimento de Renato é objetiva e direta. É
uma criança que faz suas produções gráficas livres sinteticamente e sem muita conversa,
colocando o conhecimento do livro. Os elementos da história foram desenhados em
sequência temporal e lógica em relação ao enredo contado. Observa-se o conhecimento
sendo construído na primeira cena, onde encontramos passarinhos e três pessoas
desenhadas esquematicamente, desencadeando a história com o incômodo dos
passarinhos: observam-se, em todos os desenhos, as pintinhas de cocôs e, na última cena, a
pessoa desenhada com chapéu e mais pintinhas pretas.
5.4.1f Conclusões dos resultados da sessão I em momentos individuais
Considerando nosso objetivo de identificar os usos e funções da fala, do desenho e
da escrita livre, e as possíveis relações estabelecidas entre eles, na construção de
conhecimento em momentos individuais, nossos resultados indicam que:
137
Identificamos o uso fala egocêntrica com a função de organizar os desenhos, a
narrativa da história e a escrita das crianças, presentes em Daniel e Felipe durante todo
o processo de construção de conhecimento das suas produções gráficas livres.
Identificamos o uso da fala egocêntrica como geradora de fala comunicativa, porque
tanto Daniel quanto o Felipe, ao expressar-se em sua fala egocêntrica, esperavam uma
reação de concordância ou discordância do outro.
Identificamos a fala comunicativa de assuntos pessoais com a função de estabelecer
relação com a pesquisadora. Foi o caso de Clara e de Ana contarem casos de sua casa,
e Ana perguntar sobre assuntos pessoais da pesquisadora.
Notamos o uso do desenho com a função de mediar a construção do conhecimento
veiculado pela história no caso das cinco crianças. Ana, Clara e Daniel resumiram em
uma cena e Felipe e Renato desenharam a narrativa da história em mais cenas.
Identificamos o uso da escrita com a função de dar título à história, para Daniel e
Felipe; e com função de dar fala aos passarinhos para Felipe. Ao tentar entender a
relação fonema/grafema, ele utilizou a mediação dos gestos com as mãos imitando um
bico e a repetição do som de piados como apoios à descoberta da letra a ser empregada.
A mediação simbólica da história contada pela pesquisadora teve a mediação
instrumental, organização das cenas desenhadas com sequência lógica e temporal, caso
das produções de Felipe e Renato; ou numa única cena resumindo a principal
mensagem da história, no caso das produções de Ana, Clara e Daniel.
Verificamos a construção de conhecimento como um processo mediado pela
relação entre desenho, escrita e fala, quando as crianças produziram conhecimentos em
desenhos e escritas advindos unicamente da história, assim como em desenhos que
incorporaram novos elementos advindos de práticas de letramento multimodal, de
conhecimentos prévios dos assuntos da história, ou de extrapolações ao imaginário e à
ludicidade (desenhos animados), utilizando a fala como organizadora das produções
gráficas livres, ou como forma de significação dessa produção para o outro.
5.4.2 Descrição da sessão II – Desenho e Escrita Livre em casa
Os relatos dessa atividade estão tratados e discutidos juntamente com os resultados
das entrevistas das mães das crianças, no início deste capítulo.
5.4.3 Descrição da sessão III – Reconto da história “Nós”
Na sessão III, a atividade foi o reconto do livro “Nós”. A problemática colocada
para a criança foi escolher entre desenhar ou escrever. Ao final da atividade, a criança era
incentivada a complementar a atividade. Quem havia escolhido desenhar era incentivado a
138
escrever, e vice-versa.
Passamos a contar resumidamente a história, para facilitar o entendimento das
atividades das crianças: Mel, a menina protagonista da história, havia nascido diferente,
tinha sempre muitas borboletas em volta dela e, por isso, era discriminada. Vivia em uma
casa amarela, até que, um dia, em vez de chorar de raiva, deu um em um dedo. Assim,
depois de muitos nós, resolveu ir embora disfarçada de geladeira. Foi para a montanha e
encontrou uma vaca. Achou que a vaca não se importaria se a menina lhe desse um no
rabo. A vaca, porém, enfureceu-se e correu atrás de Mel, que conseguiu fugir nadando para
a outra margem do lago. Aí Mel encontrou um menino e, com medo de ele ficar rindo dela,
pegou uma bicicleta que estava por e saiu voando. Como não sabia voar de bicicleta,
caiu em cima do menino Kiko. Para sua surpresa, o menino não riu dela e a levou para sua
cidade, onde todos tinham nós. E ficaram felizes.
5.4.3a Descrição da sessão III de Ana
Ao ser solicitada a escolher entre desenhar ou escrever a história que acabara de
ouvir, Ana disse sem titubear: desenhar, sem dizer o porquê. Ana desenhava e apagava
seus desenhos. Ela não se lembrou do nome da personagem principal e lhe foi informado
que se chamava Mel; no entanto, lembrou que o menino se chamava Kiko. Ana acabou o
desenho e escreveu seu nome em letra de mão na folha. Como ainda não havia escrito a
história, foi incentivada a escrever do jeito dela, pois conhecia várias letras. Deixada
sozinha por um momento, Ana escreveu o título: “MOS”. Ana aceitou outra folha que lhe
foi oferecida e continuou a desenhar sem falar. Ana colocou o nome da história novamente
“MOS”, e depois o seu nome.
Fala Egocêntrica
Não identificada.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento de Ana foi mediada pelo desenho, no qual colocou o
conteúdo da história, e pela escrita, ao escrever o título da história. A criança produziu
duas folhas contendo duas cenas da história. Na figura 34, Mel com suas borboletas e
Kiko, este último personagem nomeado pela menina. Na figura 35, desenhou a casa de Mel
com a montanha. Nesta sessão, a mediação da fala, para significar o texto e o desenho de
Ana, foi realizada por meio das suposições que a pesquisadora levantava sobre o que
estava escrito no título e sobre o que estava desenhado. Ana ia concordando ou
discordando com a cabeça. Assim, com essa linguagem improvisada, a menina pode relatar
e dar sentido a sua produção gráfica livre.
139
Figura 35 Ana - “Nós
Consideramos que o processo de construção de conhecimento de Ana passou pela
mediação do desenho, pois colocou na primeira folha tudo de que mais gostou: a menina, o
menino, e várias borboletinhas; essa cena é o final do livro. Depois, ao receber outra folha,
desenhou a casa, a menina e as borboletinhas, outra parte significativa da história. A
construção do conhecimento é mediada também pela escrita livre: a menina nomeou a
história, escrevendo “MOS” em ambas as folhas. Sua escrita de memória aproximou-se da
escrita normal de “Nós”. Na primeira folha, Ana apagou o desenho, supomos que por
medo de errar, ou excesso de expectativa em relação ao desenho. Na segunda folha, não
usou borracha.
5.4.3b Descrição da sessão III de Clara
Clara disse não saber escolher entre desenhar ou escrever aquela história. Resolveu
desenhar porque achava mais legal. Ela trabalhou em silêncio por alguns minutos,
desenhando a casa de Mel, e continuou produzindo seus desenhos. Falou sobre outros
assuntos e continuou a desenhar em silêncio. A menina desenhou as borboletas com uns
pozinhos, dizendo que elas os soltam. Clara disse que sabia porque a menina da história SE
chamava Mel: porque ela gostava de amarelo. Levou um tempo pintando a casa que
desenhara com lápis de cor amarelo. A menina desenhava e contava casos da família.
Como falou que não tinha mais lugar para desenhar, recebeu outra folha. Diante da
Figura 34 Ana – “Nós
140
Figura 36 Clara – “Nós”
Figura 37 Clara – “Nós”
sugestão de escrever, Clara disse não saber direito; então lhe foi sugerido começar pelo
título da história. A menina pensou bastante e começou a escrever sem nada falar e leu: “A
casa de madeira”. A partir daí, ela continuou falando enquanto escrevia. Depois leu: “A
casa de madeira caiu, pois o João levantou a sua casa e foi dormir. Quando ele levantou, a
sua casa estava abaixo Como ele é esperto, levou sua casa para o país.” Clara achou a
história engraçada, explicou que “os bichinhos que tinha embaixo da terra derrubaram a
casa e que ele era esperto, leva a casa para outro país, fora da terra dos bichinhos”. Clara
perguntou como se escrevia a palavra “quando”, e quando deveria usar X e CH.
Fala Egocêntrica
A Fala Externalizada Egocêntrica e Relevante apresentada por Clara se manifestou
quando, após ler em voz alta o que havia escrito em silêncio, continuou a escrever as
palavras falando em voz alta. Esse resultado confirma que a fala egocêntrica, apesar de ser
para si mesma, pode estar direcionada ao outro (Vigotski, 1998a).
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento de Clara teve a mediação do desenho sobre o
conteúdo da história (fig. 36); da escrita que gerou a invenção de uma história
extrapolando a que ouvira (fig. 37); da fala egocêntrica, orientando a escrita; e da fala
141
comunicativa, na leitura de sua escrita ao outro. Clara leu o que produziu, e sua escrita
estava próxima do padrão culto, devendo ainda resolver problemas advindos das
particularidades da relação fonema/grafema na língua portuguesa.
Consideramos que o processo de construção de conhecimento dessa história
mediado pelo desenho de Clara se iniciou com a primeira página do livro sobre a casa
amarela de Mel. Clara demorou muito para fazer a casa e para pintá-la de amarelo, como a
primeira página do livro contado a ela. Quando recebeu outra folha com solicitação para a
escrita, Clara utilizou a sua imaginação e suas experiências com a construção de sua casa,
que ficara pronta pouco tempo; ela generalizou o tema casa e mudou sua história,
mediada pela escrita livre, tendo um trabalhador de obras como protagonista.
5.4.3c Descrição da Sessão III de Daniel
Ao ter que escolher entre desenhar ou escrever a historia, Daniel prontamente respondeu
desenhar, porque gostava mais. Ele anunciava o que ia desenhar, cada cor que escolhia, e
os detalhes da história que lembrava. Colocou nome e data na folha, falou que aquela havia
terminado e ficou esperando outra folha. E assim, fez várias folhas de desenho. Ao
terminar a atividade, foi-lhe sugerido que escrevesse a história. Daniel escreveu “Era uma
vez” e o nome “No”, colocou as folhas de desenhos em ordem, narrando a história: “Em
Pamonhas, os meninos xingou ela. Repolho. E daí ela..., foi-se embora. Foi-se embora. Ai
ela encontrou a vaca. Aqui (pega uma folha). Depois... (olha a folha onde está o nome da
história). Ó, esqueci de escrever o S (na palavra Nós). Depois ela... é, encontrou ele.
Depois encontrou a bicicleta. Depois esta. (aponta para a folha) E a última... Foi esta.”
Fala Egocêntrica
A fala Externalizada Egocêntrica e Relevante foi usada para narrar a história enquanto
desenhava: “Vai sair correndo. Vou fazer aqui até a fumacinha. iiiiiiiiiiiiiiiii iiiiiiiiiiiiiiiii.
Ficou nervosa, chateada e pegando fogo”; para anunciar os desenhos que ia fazendo: Vou
fazer a perna preta, vou fazer a mala dela de laranja, agora vou fazer aquele pombinho que
tinha”; para contar os dedos: “Agora a mão dela, 1, 2, 3, 4, 5; 1, 2, 3, 4, 5”; para organizar
seus desenhos: “Não sei que cor vou fazer o olho. Vou fazer a boca dela de batom. Olha o
bocão”; para soletrar a relação fonema/grafema: “Vou fazer o nome dele. QUI, QUI -
QUA, QUE, QUI, O QUE e o I, QUI, QUI, o C e o I; QUO-QUO. O C e o O”.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento de Daniel foi mediada pelo desenho, enquanto
conteúdo da história e como scaffolding para a organização da narrativa; pela escrita do
nome do personagem e do título da história; e pela fala egocêntrica que orientou a
142
Figura 38 Daniel – “Nós”
Figura 39 Daniel – “Nós”
produção do reconto do menino. Apesar de ser uma fala que orientava a ação de desenhar
de Daniel, era também uma fala dirigida para um interlocutor ouvinte, como se esperasse
confirmação do que dizia da história.
Os desenhos do Daniel registraram as partes mais significativas da história, pela
mediação instrumental, cada cena em uma folha, mostrando que ele acompanhou a leitura
a ponto de conseguir lembrar e dar sequência ao enredo do livro. Os desenhos foram feitos
rapidamente para acompanhar a narrativa, sendo esquemáticos e sugerindo a existência de
um léxico gráfico, apresentando figuras com poucos traços, porém significativos (Pinto &
Bombi, 1999).
O processo de construção de conhecimento do Daniel foi mediado pelos desenhos
da história que lhe foi contada. A fala egocêntrica foi a organizadora dessa narrativa, que
ele dispôs em várias folhas. Nesse processo de construção da história, Daniel utilizava o
desenho que tinha feito anteriormente para se basear e lembrava a sequência da história
para desenhar a próxima folha/quadro. Sua fala acompanhava suas dificuldades de lembrar,
mas rapidamente ele lembrava a sequência. A fala e o desenho serviam de scaffolding para
o próximo quadro. A mediação da escrita livre foi feita para colocar o nome do Kiko;
depois, para escrever ERAUMAVIS ao final da história desenhada. Rapidamente
também ele organizou os vários quadros feitos para compor a história e, com autocrítica,
ao verificar ter escrito o título da história NÓ, acrescentou um S, para obter NÓS.
143
Figura 40 Daniel – “Nós”.
Figura 41 Daniel – “Nós”
Figura 43 Daniel – “Nós”.
Figura 43 Daniel – “Nós”.
144
Figura 44 Daniel – “Nós”.
5.4.3d Descrição da sessão III de Felipe
Ao ter que escolher entre desenhar ou escrever, Felipe prontamente respondeu
desenhar, porque gostava mais. Começou a desenhar o pai da Melissa, sua prima, porque
relacionou a Mel da história com sua prima Melissa. Ao desenhar emitia sons e contava o
número de dedos da figura que fazia. Anunciava o que ia desenhar. Disse que ia pintar,
mas foi incentivado a continuar desenhando a história. Ele resolveu fazer a vaca. Ao ver
que não havia mais lugar para fazer a vaca, mais uma folha lhe foi oferecida. Felipe aceitou
e disse estar fazendo corretamente a história dele. E continuou a contar o que ele fazia, o
que a personagem fazia e a gesticular. Quando solicitado a escrever, Felipe aceitou
prontamente. Então, Felipe disse: “vou olhar a história”, olhou seus desenhos e foi falando,
soletrando com pronúncia artificial, produziu uma frase e a leu. Continuou a falar e a olhar
às vezes para seus desenhos, enquanto escrevia. Felipe se admirou da quantidade de
escritos que fez.
Fala Egocêntrica
A fala Externalizada Egocêntrica e Relevante sendo usada para narrar a história:
“agora a água, ela mergulhou no fundo, até a cintura, ela sabia; as pernas batendo e os
braços” (aqui a fala foi acompanhada do gesto de dar braçadas), e “ele deixou a bicicleta
ali, a bike, e a Melissa, vou fazer amarelo... ela pedalou até cair em cima dele”; para
anunciar o que ia fazer: “a geladeira, o pinguim, o braço e a mala e a menina subiu na
montanha e subindo e descendo”, não satisfeito em falar gesticulou as braçadas; e para
Figura 45 Daniel – “Nós”
145
Figura 46 Felipe – “Nós”
soletrar a relação fonema/grafema.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento de Felipe foi mediada pelo desenho, colocando o
conteúdo da história; pela escrita, colocando também o conteúdo da história registrada pelo
desenho; e pela fala egocêntrica, como organizadora da narrativa que orientou seus
desenhos (fig. 46 e 47), que, por sua vez, orientaram sua escrita (fig. 48). Os desenhos
foram esquemáticos, porém significativos e pertinentes à história, como os desenhos do
Daniel. A diferença foi a mediação instrumental dada por Felipe, que organizou as cenas
em sequência na mesma folha, ocupando espaços diferentes.
Escreveu o título e a história com escrita livre, bem próxima da norma culta.
Entretanto as palavras eram emendadas umas nas outras. Felipe falava enquanto escrevia:
“Nós. Todo mundo riu da Melissa, ela viajou. Ela tem uma mala, encontrou com uma vaca.
A vaca correu atrás da Melissa. A vaca não conseguiu, ela nadou, a vaca parou na terra.
Parou de correr e viu o Kiko lá. Correu com a bicicleta e caiu em cima do Kiko. Ela sorriu
de felicidade. Kiko levou eles para a cidade do Kiko. Lá todo mundo deu os nós.”
Os estudos sobre segmentação
13
consideram que as crianças segmentam as palavras
não pelo valor semântico, mas por outros
aspectos que podem variar de criança para
criança, por exemplo, como as sutilezas dos
sons das palavras no conjunto da frase, que o
adulto alfabetizado não percebe, ou elas
separam subpartes de palavras que
conhecem de uma palavra que estão
escrevendo (Abaurre, 1992; Capristano,
2007).
Consideramos que o processo de
construção de conhecimento utiliza todas as
formas de mediação possíveis. Felipe falou
sobre o que quis desenhar e organizou a
narrativa das sequências da história, fez os
sons, gesticulou e comentou sobre a história
no processo de desenhar. Foi bom observador
13
Trouxemos a segmentação por figurar nas produções gráficas livres das crianças quando elas começaram a
produzir textos maiores.
146
e ouvinte da história contada e assim lembrou-se de todo o enredo e o colocou em
desenhos organizados em espaços específicos nas folhas, dando a sequência esperada. Seus
desenhos serviram de scaffolding à escrita, porque foram vistos antes e durante a realização
do texto, para orientar o que ia sendo escrito. Os desenhos haviam sido pensados e
organizados pela fala egocêntrica. Para a escrita, bastou seguir o mesmo caminho. Felipe
produziu um texto com grande quantidade de escritos, significando que o apoio dos vários
desenhos organizados ofereceu mais elementos para serem escritos e com mais detalhes
(Baghban, 2007; Caldwell & Moore, 1991 Calkins, 2002; Colello, 2007; Oken-Wright,
1998).
5.4.3e Descrição da sessão III de Renato
Renato primeiro escolheu escrever; depois mudou para desenhar a história. Ele
falou que ia fazer a linha e colocou linhas no seu papel, no sentido horizontal. E começou a
desenhar em silêncio. Desenhou sucintamente e disse que havia terminado: “Pronto!”
Quando solicitado a escrever, Renato disse estar cansado, mas, com um pouco de
insistência, escreveu a história nas linhas que havia feito. A primeira frase, ele anunciou
conforme escrevia, depois se manteve em silêncio. Voltou a falar quando escrevia a última
frase, e disse “pronto”. Não quis ler, explicando que não precisava.
Fala Egocêntrica
Figura 47 Felipe – “Nós”
Figura 48 Felipe – “Nós”
147
A fala Externalizada Egocêntrica e Relevante sendo usada para anunciar a história:
“E aqui a borboleta voando... agora vou fazer a bicicleta... não sei fazer”; para escrever o
título: “Kiko e a Mel” e as frases: “A Mel e a abelhinha voando”; “A bicicleta voando”.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento do Renato foi mediada pelo desenho e pela escrita
como conteúdo da história; e pela fala egocêntrica, organizando o desenho e a escrita,
apesar de a maior parte do tempo Renato ter se mantido em silêncio, pois podia estar com a
fala internalizada. Os desenhos mantiveram as características da mediação instrumental
demonstrada pelo menino: desenhar no canto esquerdo, de cima para baixo e com risco
embaixo das cenas e escrever na frente dos desenhos de cada linha riscada (fig. 49). O
texto escrito não foi lido, mas notam-se tentativas de escrita. Na primeira linha, era o título:
“o Kiko e a Mel”, na segunda, “a Mel e a borboletinha”; na última, “bicicleta voando”.
Renato desenhou e escreveu do seu jeito, livremente.
Consideramos que o processo de construção de conhecimento do Renato mediado
pelo texto lido foi colocado de maneira sintética pelos tipos de desenhos próprios do
Renato: as figuras
esquemáticas colocadas em
cenas, uma sobre a outra, em
sequência da história. Os
elementos dos desenhos
colocam os principais
acontecimentos da história: a
primeira página, em que
aparece a casa da menina, a
menina sempre com abelhas,
fugindo e encontrando o Kiko
e a bicicleta. Renato fez
associações, nem sempre corretas, como apoio à memória, O nome Mel o levou a lembrar
de abelhas, e não de borboletas, ao redor da personagem. o nome de Kiko, Renato e as
demais crianças não esqueceram, supomos que elas fizeram associação ao personagem
com o mesmo nome de um seriado de TV popular entre as crianças. Quanto à utilização da
escrita livre, Renato escreveu o título, colocando poucas letras; escreveu em silêncio e
depois falou enquanto escrevia a última frase.
Figura 49 Renato – “Nós”
148
5.4.3f Conclusões dos resultados da sessão III em momentos individuais
Considerando nosso objetivo de identificar os usos e funções da fala, do desenho e
da escrita livre, e as possíveis relações estabelecidas entre eles, na construção de
conhecimento em momentos individuais, nossos resultados indicam que:
Identificamos o uso da fala egocêntrica com função de orientar o desenho e a escrita; o
uso da fala egocêntrica geradora de fala comunicativa, com função de esperar uma
reação de concordância ou discordância do outro. (Foi o caso de Daniel e de Felipe,
que anunciavam e relatavam suas produções gráficas livres e olhavam de vez em
quando para a pesquisadora, como se esperassem alguma reação, sempre que ela
demorava em comentar suas produções.); o uso da fala comunicativa com função de
significar ao outro o que desenhou e escreveu, no caso de todas as crianças que
relataram seus desenhos e suas escritas.
Identificamos o uso do desenho com função de significar a narrativa da história e de
scaffolding para, a partir da sequência desenhada, escrever a história. Foi o caso de
Felipe. Seus desenhos o fizeram lembrar da história, que ele escreveu detalhadamente.
Identificamos o uso da escrita livre com função de nomear o título da história, caso de
todas as crianças; de significar as narrativas da história. Felipe e Renato escreveram
sobre as cenas, sendo que Felipe criou um texto completo, e Clara fugiu do tema, mas
fez uma outra história baseada na casa do livro que desenhou.
O uso das falas egocêntrica e comunicativa, do desenho e da escrita livre com função
de mediação instrumental pela criança para organizar o texto desenhado e escrito na
mediação simbólica da construção de conhecimento: Clara, uma cena; Ana, duas;
Daniel, Felipe e Renato, várias cenas, sendo que Daniel, uma cena por folha. Felipe
planejou sua produção de escrita livre em frases, formando um texto.
Notamos que o processo de construção de Daniel e Felipe mediado pelo reconto do
texto lido teve a fala como primeiro mediador, por organizar o desenho e a sequência da
história em cenas. O desenho em cenas foi o scaffolding para a escrita de Felipe e Renato;
eles olhavam no desenho para escrever um texto original. Felipe conseguiu fazer um texto
grande e detalhado por ter organizado melhor seus desenhos. Com a organização da
narrativa oral, Daniel colocou uma cena por folha para contar a história. Algumas crianças,
Ana e Clara, focaram na cena de que mais gostaram ou na parte significativa do texto da
história, para realizar seu reconto em produções gráficas livres. O desenho pôde funcionar
também para extrapolar a história do livro, um elemento da ilustração do livro pôde
inspirar outro enredo relacionando com conhecimentos prévios e experiências anteriores.
149
Foi o caso de Clara que, a partir da casa que ela desenhou inspirada no livro, inventou uma
história escrita, baseando-se em sua experiência sobre a recente construção de sua própria
casa.
5.4.4 Descrição da sessão IV – Desenho e escrita livre sobre Animais
Nesta última sessão, a proposta foi uma conversa sobre animais, procurando fazer
com que a criança participasse, checasse seus conhecimentos prévios e, de preferência, os
ampliasse com esse diálogo. A problemática da atividade foi escrever sobre animais,
aceitando os desenhos que as crianças quisessem fazer.
5.4.4a Descrição da sessão IV de Ana
A conversa se iniciou com a menina dizendo não conhecer nenhum animal e nunca
ter ido ao zoológico. Ela conhecia gato. Houve, então, um diálogo sobre vários bichos
de verdade e de desenho animado. Apesar de a solicitação da atividade ser escrever, Ana
primeiro desenhou e depois escreveu. Ela escreveu palavras que sua mãe tinha lhe
ensinado e se inspirou em cartazes contendo figuras de animais com a letra inicial que
estavam afixados na sala, para escolher o que desenhar; assim, ela sabia sempre com que
letra começava. Ana conversou bastante durante esta atividade.
Fala Egocêntrica
Não Identificada.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento sobre animais foi mediada pelo desenho para o
conhecimento do animal; pela escrita livre para nomear seus desenhos; e pela fala
comunicativa, para contar ao outro o que desenhava e escrevia daquilo que conhecia.
Como podemos observar na figura 50, Ana desenhou e escreveu GATO na norma culta;
depois escreveu rato em letra de mão e o desenhou. Ana disse “Escrevi ‘rato’. Sabe, o gato
pega o rato”. Desenhou o coelho, escreveu CO e começou a desenhar o urso. Disse que sua
mãe lhe havia ensinado a escrever urso. Depois, empolgada em contar o que a mãe lhe
ensinara, escreveu ABELHA e ABACAXI. Escreveu tucano, TUOL. Assim descontraída,
foi desenhando, colocando os nomes conhecidos e outros inventados. Ana fez outra
folha do mesmo modo, figura 51. Os cartazes que Ana olhava continham apenas a relação
letra inicial/desenho, portanto suas escritas não foram copiadas. A criança usou a escrita
para nomear seus desenhos, dando significado escrito a seu desenho (Calkins, 2005;
Teberoski, 1989).
Consideramos que o processo de construção do conhecimento mediado pelo
diálogo sobre animais resultou em desenhos de animais e na escrita de seus nomes. Ana,
150
Figura 51 Ana – “Animais
Figura 50 Ana – “Animais
animada pela atividade, utilizou conhecimentos prévios ensinados por sua mãe, resultado
das práticas de letramento em família, que Ana transferiu para a escola. Além da mediação
do ambiente alfabetizador de uma sala de pré-escola com cartazes contendo as letras do
alfabeto/desenho de animais correspondentes, servindo de apoio para dar ideias quanto ao
animal que ela desenharia e a letra inicial do nome que escreveria.
5.4.4b Descrição da sessão IV de Clara
A conversa sobre animais começou com os bichos que a Clara tinha em casa e
depois sobre os do zoológico. A conversa rendeu, porque a menina conhecia vários
animais. A pesquisadora pediu para a Clara escrever sobre animais. Mas, em vez de
escrever, ela começou a desenhar, silenciosamente. Seu desenho era detalhista. Quando
recebeu a sugestão de escrever em uma outra folha, Clara escreveu em silêncio uma
pergunta que ela mesma respondeu, colocou seu nome na folha. Em outra folha, Clara
escreveu seu apelido e desenhou uma tartaruga. Ao escrever sobre esse animal, Clara
falava em voz alta o que ia escrevendo. Novamente fez uma pergunta e ela mesma
respondeu.
151
Figura 52 Clara – “Animais”
Figura 54 Clara – “Animais”
Consideramos que o
processo de construção de
conhecimento mediado pelo
diálogo sobre animais resultou
em desenho do animal e escrita
em texto de pergunta e resposta
elaborado por Clara, baseando em
conhecimentos que a menina
tinha sobre o que desenhou e
escreveu, utilizando o desenho
como dispositivo com função
mnemônica, de fazer associações
para lembrar o que conhecia
previamente do animal (Luria,
1988, 1992b; Vigotski, 1994a). E,
num processo original de escrita,
escreveu esse conhecimento no
gênero de texto utilizado na escola de
pergunta/resposta. Notamos, também, que a
menina empregou detalhes mais avançados da
língua escrita em relação à escolaridade
esperada de uma classe de BIA 1, como a
pontuação, o que nos levou a concluir que
esse tipo de informação, Clara trouxe de suas
práticas de letramento em família.
Fala Egocêntrica
A fala Externalizada Egocêntrica e
Relevante sendo usada para orientar a escrita:
“A TAR-TA-RU-GA CO-RRE RA-PI-DO? A
TAR-TA-RU-GA COR-RE DE-VA-GAR”.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento de
Figura 53 Clara – “Animais”
152
Figura 56 Daniel – “Animais”
Figura 56 Daniel – “Animais”
Clara foi mediada por desenho detalhado, funcionando como dispositivo de memória para
a escrita, com várias informações sobre o animal; a fala egocêntrica apareceu apenas uma
vez, na escrita da tartaruga. Ela demonstrou, em suas produções gráficas livres,
conhecimento prévio do assunto de animais e de pontuação de frase (fig. 52, 53 e 54). A
organização do texto de Clara teve a mediação instrumental do tipo pergunta/resposta.
5.4.4c Descrição da sessão IV de Daniel
Daniel disse gostar muito de animais e que queria ser veterinário. Ele contou ter
coelhos em sua casa, contou muitos casos sobre esses animais. Após a conversa, foi-lhe
sugerido escrever sobre esse assunto que ele conhecia muito. O menino disse sem muita
paciência: “Ah, escrever? Tem algum lápis aí?” Ao que lhe foi respondido que poderia
usar lápis ou caneta colorida. O menino respondeu “Vou escrever com a caneta preta.
(escreve soletrando em voz alta): EU GOS-TO DE A-NI-MAL (para de escrever). Posso
desenhar? Vou desenhar um elefante, pode? Ou quer que eu desenho uma mula sem
cabeça?” O menino demonstrou seu descontentamento quanto ao nosso pedido de escrita
sobre animais, que contrariava, naquele momento, a sua demanda por desenhá-los. Apesar
disso, escreveu bem rápido uma frase e, demonstrando impaciência, pediu para desenhar.
Depois, desenhou vários animais, um por folha, e escreveu sobre eles.
Fala Egocêntrica
A fala Externalizada Egocêntrica e Relevante sendo usada para anunciar o que vai
153
Figura 57 Daniel – “Nós”
Figura 58 Daniel – “Animais”
desenhar e para acompanhar a escrita: “EU GOS-TO DE A-NI-MAL”; “ÉLVI-VINODO-
ÇILA”.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento de Daniel foi mediada pelo desenho e pela escrita
livre, relatando o conteúdo e seu interesse por animais; pela fala egocêntrica, como
orientação do desenho e da escrita; e pela fala comunicativa, com muitas trocas de
significação sobre tipos de animais, onde vivem, o que fazem e o que comem. Os desenhos
e os escritos de Daniel demonstram conhecimento prévio sobre esse assunto. Nota-se uma
relação estabelecida entre o desenho e a escrita. Primeiramente, a escrita funcionou como
nomeação do elefante (fig. 55), das baleias (fig. 56 e 57) e do polvo (fig. 58) desenhados.
Em adição, notamos a escrita dando voz ao desenho, como o peixe na boca da baleia
gritando por socorro, por meio da escrita em um balão (fig. 57), como nas histórias em
quadrinhos, isto é, a criança aplicando a função de outro gênero de texto para sua produção
gráfica livre (Anning & Ring, 2009; Dyson, 2008).
Consideramos que o processo de construção de conhecimento de Daniel mediado
pelo diálogo entre a pesquisadora e ele sobre o assunto animais trouxe vários
154
conhecimentos e experiências prévios do menino. Conhecimentos e experiências são
gerados nas práticas de letramento multimodal da família e da comunidade, nas quais a
criança, normalmente, encontra informações sobre os animais em livros, enciclopédias,
programas na TV, Internet (Cameron, 1997; Descardeci, 2002; Dyson, 2008; Kendrick &
Mckay, 2004; Norris & cols., 1997); e nas idas ao zoológico, com as informações in loco e
as registradas em tabuletas escritas sobre o habitat e os hábitos alimentares de cada animal.
Quanto maior for a experiência da criança no assunto, melhor ela pode escrever e desenhar
sobre ele, testando o que sabe com as trocas de significados no ensinar, aprender e
desenvolver no diálogo com o outro (Alexander, 2003, 2005; Pontecorvo & cols., 2005).
5.4.4d Descrição da sessão IV de Felipe
Felipe foi incentivando a falar o que sabia sobre o tema animais, começando com
os animais que tinha em casa, os do zoológico e dos desenhos animados. Após a conversa,
foi solicitado ao menino escrever o que quisesse sobre animais. Ele disse: “Eu não quero
escrever, quero desenhar. Eu adoro.” O Felipe começou a desenhar o pica-pau e outros
personagens do desenho animado da TV, anunciando o que desenhava. Quando foi
novamente sugerido a ele que escrevesse, Felipe pegou a folha oferecida para a escrita e
disse para deixar do lado, porque faria depois. Continuou a desenhar. Então, resolveu
escrever sobre o cachorro. Começou com uma escrita silenciosa e depois passou a silabar
ao escrever. Felipe atentou para o cartaz do leão, afixado na sala, que continha imagem e
letra inicial, e começou a escrever o que sabia sobre esse animal. Ao acabar, voltou
novamente sua atenção aos cartazes e resolveu fazer um urso. Fez a escrita
silenciosamente, mas mexia os lábios enquanto ia escrevendo.
Fala Egocêntrica
Fala Externalizada Egocêntrica e Relevante sendo usada para organizar o desenho:
“O que eu vou desenhar?”; “ê, ê, ê, ê, ê, ê, ê” imitação do pica-pau; para orientar a escrita:
CAR-NI FRES-FRES-CRA-CRA. CRA e; Manifestações Externalizadas Relevantes sendo
usada para a escrita silenciosa, o uso da fala interna no ato de escrita.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento do Felipe foi mediada pelo desenho e pela escrita,
ao demonstrar informações sobre animais; e pela fala externalizada egocêntrica e pela fala
interna, para organizar seu desenho e sua escrita livre. Felipe disse que seu desenho era o
pica-pau do desenho animado com demais personagens: a namorada Minie, o Zé Leôncio e
outro passarinho (fig. 59). Sua escrita livre, informando sobre o cachorro, o leão e o urso,
formava frases num texto: “Cachorro, quando aparece alguém, fica feliz brincando;
155
Figura 59 Felipe – “Animais”
Figura 60 Felipe – “Animais”
Quando está comendo, ele morde”; “O leão, quando ele UAU trisca, come carne fresca”.
“O urso é muito perigoso. O urso é muito selvagem” (fig. 60). Pode-se dizer que ele está
com a escrita próxima da norma padrão, embora haja suspensão de letras, pois a criança
pode colocar uma letra para uma palavra ao escrever frases (Ferreiro & Teberosky, 1986).
Felipe construiu textos originais utilizando a mediação instrumental para organizá-los em
frases.
Consideramos que o processo de construção de conhecimento de Felipe mediado
pelo diálogo sobre animais teve o desenho, enquanto preferência verbalizada pelo menino,
como mediador inicial. Felipe colocou sua imaginação nesse processo para contar sobre o
animal pica-pau e desenhar uma cena do desenho animado. Todavia, ao ir para a escrita, o
dispositivo usado como scaffolding foi seu cachorro de estimação, assunto no qual
demonstrou conhecimentos prévios acerca dos hábitos e das características caninas. Para
outras escritas, inspirou-se nos cartazes da sala que continham animais. Essa estratégia foi
utilizada também por Ana e Renato. Novamente, temos o ambiente alfabetizador sendo o
mediador da construção de conhecimento por servir de scaffolding. Neste caso, a figura do
animal desencadeia ideias para as crianças relacionarem com conhecimentos prévios ou
discutidos no diálogo com a pesquisadora sobre o animal (Bruner, 1975; Luria, 1988;
156
Figura 62 Renato – “Animais”
Figura 63 Renato – “Animais”
Matusov & cols., 2007).
5.4.4e Descrição da sessão IV de Renato
A conversa sobre animais começou com os bichos que os primos do Renato tinham
em casa. Como nunca foi ao zoológico, houve
bastante conversa sobre vários animais que
aparecem na televisão e outros, que estavam
em cartazes na parede da sala. Solicitado a
escrever, Renato desenhou uma girafa e um
golfinho. Diante de nova solicitação de
escrita, ele disse que iria fazer somente os
nomes dos animais. Renato desenhou,
escreveu e leu o que havia escrito. Mais
folhas lhe foram oferecidas, e Renato fez mais
desenhos e escritas colocando os nomes.
Fala Egocêntrica
Não identificada.
Produção gráfica livre
A construção de conhecimento de
Renato foi mediada pelo desenho como o
Figura 61 Renato – “Animais”
157
conteúdo do tema; pela escrita para nomear os desenhos; e pela fala comunicativa, para ler
o que fez e perguntar quando tinha dúvidas sobre animais. As dúvidas do menino eram
quanto ao número de “pés” dos animais. Em suas folhas, Renato desenhou e escreveu os
nomes dos animais e, depois, leu cada um. Na figura 61, girafa e golfinho, na 62,
passarinho, cachorro, leão e peixe e, na 63, tubarão, patinho e gato.
Consideramos que o processo de construção de conhecimento de Renato mediado
pelo diálogo com a pesquisadora teve o desenho como preferência à escrita (Colello, 2007,
Sildelnick & Svoboda, 2000; Power, 1997). Quando solicitado a escrever, prontamente
decidiu colocar os nomes nos desenhos feitos. Renato também utilizou os cartazes da sala
como scaffoding para lhe dar idéias de animais para escrever. Ele desenhou por toda a
folha, escreveu o nome de todos os animais desenhados e aceitou mais folhas para realizar
suas produções gráficas livres em maior número. Sua escrita livre de algumas palavras
acompanhou o som da sílaba, colocando apenas uma letra e, para outras, colocou sílabas
com mais de uma letra ou o nome já memorizado, como leão.
5.4.4f Conclusões dos resultados da sessão IV em momentos individuais
Considerando nosso objetivo de identificar os usos e funções da fala, do desenho e
da escrita livre, e as possíveis relações estabelecidas entre eles, na construção de
conhecimento em momentos individuais, nossos resultados indicam que:
Identificamos o uso da fala egocêntrica com função de orientar o desenho e a escrita; o
uso da fala egocêntrica geradora de fala comunicativa, com função de esperar uma
reação de concordância ou discordância do outro. (Foi o caso de Daniel e de Felipe
anunciarem e relatarem suas produções gráficas livres e olharem, de vez em quando,
para a pesquisadora, como se esperassem alguma reação quando esta demorava em
comentar suas produções.); o uso da fala comunicativa com função de significar ao
outro o que desenhou e escreveu. Todas as crianças relataram seus desenhos e suas
escritas.
Identificamos o uso do desenho com função de significar as informações sobre os
animais. Clara se apoiou em seu desenho para escrever o conhecimento que lembrava
do animal.
Identificamos o uso da escrita livre com as funções de: nomear os desenhos, caso de
Ana, Daniel e Renato, que escreveram os nomes dos desenhos que fizeram; significar
as informações sobre os animais, caso da Clara e Daniel, que escreveram textos sobre
os animais desenhados, enquanto Felipe escreveu sobre seu animal de estimação e
158
outros vistos nos cartazes; designar a fala do animal, caso do Daniel, que desenhou a
fala do peixe na boca da baleia.
O uso das falas egocêntrica e comunicativa, do desenho e da escrita livre com função
de mediação instrumental pela criança para organizar o texto desenhado e escrito, caso
de Ana e Renato, que dispuseram os desenhos com a escrita do nome perto, em espaço
nas folhas, enquanto Daniel fez um animal por folha, colocando o nome perto e
escrevendo duas frases. Clara e Felipe planejaram a produção da escrita livre em frases
formando um texto.
Observando o processo de construção de conhecimento dessas crianças mediado
pelo diálogo sobre os animais, notamos que todas se mostraram animadas e interessadas
em demonstrar seus conhecimentos prévios sobre o tema durante a realização da tarefa, o
que contribuiu para tornar essa atividade agradável e produtiva para as crianças.
Um outro aspecto observado foi a preferência das crianças pelo desenho em
relação à escrita. A criança desenhou o animal de que gostava, tinha de estimação ou que,
de algum modo, lembrava, mas também escreveu sobre ele. O desenho serviu de
dispositivo mnemônico do conhecimento que a criança tinha, ou que foi adquirido no
diálogo, para poder escrever. O ambiente alfabetizador foi outro fator importante na
construção de conhecimento, serviu também de dispositivo, de scaffolding para sugerir
ideias às crianças para a escolha do animal sobre o qual escrever e informar-lhes com que
letra começava o nome dele. Finalmente, a realização de produções gráficas livres, com
crianças interessadas e motivadas, cujos resultados foram produções originais, em que as
crianças lançaram mão de dispositivos mnemônicos dos conhecimentos dos animais e das
letras, advindos de cartazes da sala de aula, da comunidade, da TV, da Internet, de revistas,
de livros compartilhados com os colegas, com a professora ou com os membros familiares,
compondo as práticas de letramento multimodal.
Ao utilizar as três ferramentas simbólicas, as crianças pesquisadas demonstraram
preferência por desenhar e também se mostraram animadas para escrever, entremeando
desenho e escrita. A fala organizadora, para Clara e Felipe, se apresentou interiorizada
algumas vezes, e externalizada em outras. Ana e Renato não falaram muito, não sendo
possível avaliar o quanto utilizaram a fala interna, ou o quanto se colocaram em
dificuldades reais para realizar suas escritas. Renato quando fez a soletração com os
colegas utilizou a fala egocêntrica. Poderíamos dizer que Ana se arriscou menos, não
demonstrou fazer o processo de soletração da relação fonema/grafema como Clara, Felipe
e Daniel.
159
VI – CONCLUSÕES
Neste trabalho estudamos as produções gráficas livres, como são consideradas o
desenho e a escrita livre, acompanhados da fala. Questionamos os usos e as funções da
fala, desenho e escrita da criança, enquanto ferramentas culturais mediadoras, na
construção de conhecimento em sala de aula, no coletivo e individualmente; e como a
professora e as mães promovem os desenhos e as escritas das crianças nos contextos
escolar e familiar. Observamos que o desenho foi a ferramenta cultural preferida da criança
de seis anos, usado com função de expressar novos e prévios conhecimentos da história e
de seus elementos, e dos animais; além da função planejadora na sistematização da escrita,
esta concebida aqui como o principal conhecimento desenvolvido em sala do primeiro ano
do ensino fundamental. A fala exerceu a função organizadora do desenho e da escrita.
Assim, afirmamos a tese de que essas produções são utilizadas pela criança como
ferramentas culturais mediadoras na construção de conhecimento e na avaliação do que
é conhecido.
6.1 OS RESULTADOS DA PESQUISA E O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA
O processo de produção de conhecimento da criança de seis anos, conforme os
resultados desta pesquisa, foi mediado por produções gráficas livres, por diálogo sobre
animais e por atividades de letramento oferecidas pela professora e nos ambientes
familiares. Para a criança realizar suas produções, utilizou seus conhecimentos prévios e
seu imaginário das histórias dos livros infantis, bem como as relações entre letras e
imagens advindas da escola, da família e da comunidade onde vive. Pudemos verificar que
os usos do desenho, da escrita e da fala exerceram várias funções para essas produções.
Comecemos pela fala, que consolida a importância da pedagogia dialógica para o
ensino da criança de seis anos e por defendermos que a criança aprende com as trocas
dialógicas com o outro, seja a professora, seja outra criança. Notamos, em nossa pesquisa,
que os tipos de diálogos estabelecidos entre pares e com a professora fizeram diferença no
processo das produções gráficas livres. Quando o diálogo era argumentativo, com
elaboração e ampliação de conhecimento e trocas de significados sobre o desenho da
criança para o interlocutor, a criança dava sentido a esse processo de desenhar.
Exemplificamos esse argumento com as várias vezes em que a professora questionou o que
a criança pensou para fazer o desenho, qual história estava subjacente, quem eram os
160
personagens, as cenas e os cenários desenhados da história. O mesmo ocorreu com a
escrita livre. A criança começou a fazer comparações, modificando e ampliando os
conceitos necessários à sistematização da escrita quando ela inventou e mostrou suas
escritas para a professora, que lhe questionou o som das letras, pedindo ou mostrando a
relação fonema/grafema e como se escrevia na norma culta da língua portuguesa.
Essas invenções gráficas são baseadas no conhecimento cultural da criança sobre
letras, palavras decoradas ou o nome próprio, advindo das práticas de letramento
multimodal que relaciona imagens com letras nos programas e nas propagandas na TV, nas
informações on-line do computador, nos livros infantis, nas histórias em quadrinhos, nos
rótulos de produtos industrializados, na mercearia, na igreja, na farmácia perto de sua casa
e no ambiente alfabetizador da sala de aula. Este último, com cartazes de letra/imagem e de
letra/imagem/palavra escrita, mediando procedimentalmente as estratégias da criança para
relacionar a letra inicial da palavra com o desenho que a representa, dando as condições
necessárias a ela de fazer a semiose, ou seja, a tríade de significação do signo e de seu
referente pela criança.
Até este ponto, mostramos a pedagogia dialógica, evidenciando a fala comunicativa
entre criança e professora em diálogos argumentativos com elaboração de conhecimento,
embora, em diálogos sem argumentação, se configurasse ao menos a abertura de um
importante canal de escuta: deixar a criança falar sobre o que produziu, mesmo sem
ampliação da conversação, porque também para falar ela precisa construir semiose de sua
produção para poder explicá-la ao outro.
Entretanto, a pedagogia dialógica não é uma propriedade exclusiva das relações da
professora com a criança. Ela acontece nas trocas dialógicas entre pares. um mundo à
parte, o das relações infantis, aquilo que elas dizem umas para as outras sem que os adultos
ouçam, que foi registrado por nossos gravadores, pois, para estes últimos, as crianças
exerceram menos controle sobre suas falas do que para os vídeos. As crianças aprendem
umas com as outras em suas atividades de brincar e de aprender. Elas brincam com a
tarefa, com o colega e com a professora. Ao desenhar, fazem paródias de música,
encontram jeitos divertidos de falar sobre o que estão fazendo, riem de seus próprios
desenhos e dos desenhos dos outros. Sobretudo, as crianças discutem a forma de fazer a
tarefa proposta pela professora, evidenciando a mediação instrumental de como devem
organizar a mediação simbólica da execução do desenho e/ou da escrita no papel. As
estratégias de realização das tarefas da escola feitas por algumas crianças são seguidas ou
questionadas pelas outras. questionamento da forma utilizada por uma criança, réplica
161
com argumentos de outra, resultando em cada uma delas pensar o seu modo de executar a
tarefa. Estão em jogo estratégias de olhar em cartazes que mantêm a relação letra/desenho,
de desenhar a história em uma única cena representativa, ou em várias dispostas em
quadros, ou em cantos da folha, ou numa cena por folha, de fazer a escrita do nome dos
elementos da história desenhados, ou das frases que compõem o texto da história, ou da
informação de um determinado assunto.
Ainda sobre a fala, a partir de nossas inserções com as gravações dos diálogos nas
mesas das crianças, conseguimos gravar os usos de falas egocêntricas, aquelas que a
criança fala para si mesma, com a função de organizar seu desenho, anunciando o que ia
desenhar, contando a narrativa da história ao desenhá-la, contando quantos dedos tinha o
personagem. Enquanto que, para a escrita, soletrava a relação fonema/grafema, a fim de
descobrir qual letra empregaria na palavra ou texto que estava escrevendo. As falas
egocêntricas foram estudadas em escolas e aparecem com maior frequência quando as
crianças estão enfrentando momentos de dificuldades (Berk, 1994, 2006; Berk & Spuhl,
1995; Montero, Dios & Huertas, 2001; Winsler, Diaz & Montero, 1997; Winsler &
Naglieri, 2003). Nossos resultados indicam a direção de avanço da ciência no caso da
escrita sobre a fala egocêntrica de soletração. Quando a criança está tentando escrever ou
copiar significativamente uma palavra, ela fala para si, não por estar em dificuldade, mas
para entender o mecanismo subjacente na relação fonema/grafema. Ela repete várias vezes
o som, um esforço intelectual para descobrir qual letra faz aquele som. A criança tenta
relacionar ao som os conhecimentos prévios como o próprio nome, outros nomes
conhecidos ou similares e os ensinamentos da professora, do colega ou dos membros
familiares para essa descoberta, enfim, as práticas de letramento.
Estudando as falas egocêntricas das crianças de nossa pesquisa, nossos dados
encaminham para outro avanço da ciência, ao observamos uma questão ainda não
levantada na literatura sobre funções específicas para os usos da fala egocêntrica. Ao
analisar os usos das falas gravadas das crianças no processo de realização das produções
gráficas livres, foram evidenciadas as funções geradoras de construção de conhecimento na
intersubjetividade. Encontramos o uso da fala egocêntrica com função de gerar
comentários por parte da criança interlocutora. Por exemplo, observamos que uma criança
estava desenhando e anunciando a narrativa da história, em determinado momento o colega
quis saber do que se tratava aquele desenho, ou questionou a veracidade da fala, outro
proferiu uma fala egocêntrica de reclamação em relação ao falatório do colega. O uso da
fala egocêntrica com outra função, a de gerar, na própria criança que proferiu a fala
162
egocêntrica, um comentário para as demais crianças da mesa. Por exemplo, uma menina
falou que ia desenhar o castelo e a princesa e, depois, convidou outras colegas para
desenharem o castelo e a princesa. O uso da fala egocêntrica com a terceira função: de
gerar outras falas egocêntricas em outras crianças, pois encontramos um menino nomeando
elementos desenhados que apareciam na história para o gravador; logo os demais alunos da
mesa também passaram a nomear seus desenhos igualmente para o gravador. O que gerou
uma quarta função para a fala egocêntrica, a de avaliação, pois os meninos começaram a
notar e a dizer aos outros que erraram, quando nomearam os desenhos que não apareciam
na história. Encontramos, ainda, o uso da fala egocêntrica de soletração da relação
fonema/grafema de uma criança com a função de gerar outras falas egocêntricas de
soletração nos outros colegas da mesa, a que chamamos de fala egocêntrica coletivizada. E,
finalmente, o uso da fala egocêntrica da criança com a função de gerar no outro, professora
e pesquisadora, comentários de concordância ou discordância ao diálogo, envolvendo os
desenhos e a soletração da escrita livre. Nossos resultados se encaminham para a fala
egocêntrica na perspectiva de Vigotski (1987, 1998a), que tem a função reguladora e
organizadora do pensamento/linguagem na ação da criança, podendo ser direcionada para o
outro, como se, de alguma forma, o que a criança estava dizendo pudesse obter
concordância ou discordância do outro social.
Retomando as ferramentas culturais desenho e escrita, reafirmamos que o desenho é
a ferramenta cultural preferida das crianças de seis anos da pesquisa. Usam o desenho para
realizar suas atividades de reconto de história e para contar sobre os animais que
conhecem. Observamos o uso do desenho com função de expressar conhecimento sobre a
história e sobre animais, relacionando-o a outras informações prévias, desencadeadas pela
história ou pelo próprio desenho da criança, o cenário de uma narrativa, os elementos
físicos e os personagens do conto. E em relação à escrita, o desenho exerceu a função de
scaffolding, quando as cenas desenhadas serviam para a organização do texto escrito ou
como dispositivo mnemônico, desencadeando o conhecimento necessário para a escrita
sobre o assunto desenhado. Em relação ao desenho, encontramos o uso da escrita livre com
a função de nomear os componentes ou escrever a história desenhada. Deve-se mencionar,
ainda, a função da escrita de mediar o conhecimento de animais, desenhados ou não, e as
palavras pedidas pela professora para todas as letras do alfabeto, com signos escritos.
Na reunião das três ferramentas culturais, a fala se constitui como organizadora do
desenho e da escrita. Ela permite que a criança anuncie as partes do personagem ou a
narrativa da história e, assim, planeje seu desenho e sua escrita, estabelecendo uma forma
163
de falar e de desenhar o conhecimento que tem sobre o assunto com função avaliativa. A
escrita nomeia, com signos escritos, aquele desenho organizado pela fala ou aquela
palavra, história ou assuntos discutidos oralmente. Também faz a relação direta com a fala,
quando procura entender a soletração fonema/grafema para escrever as palavras ou a
história.
Essas relações estabelecidas entre a fala, o desenho e a escrita modificam a maneira
de olharmos para o desenvolvimento da criança de seis anos. O que se pensava serem
apenas rabiscos ou meros desenhos, ou falatório, comprovamos ter vários usos, exercendo
funções diferentes. Quando valorizamos e permitimos as produções gráficas livres da
criança, estamos deixando que ela utilize a fala, o desenho e a escrita livres como
dispositivos culturais para o processo de construção de novos conhecimentos e como
avaliação dos que já possui, principalmente na sistematização da escrita alfabética, na
escolarização do primeiro ano do ensino fundamental.
6.2 IMPLICAÇÕES DO ESTUDO PARA A PESQUISA DE CRIANÇAS
Consideramos que a principal implicação de nosso estudo para a pesquisa a partir
da fala de crianças se constitui na possibilidade de escutar a criança. A colocação de
gravadores de áudio e vídeo para o registro dos enunciados das crianças em processo de
construção de conhecimento em interações com o outro social se revelou promissora para
entender os processos psicológicos das crianças em desenvolvimento e, assim, abrir
caminhos a novas pesquisas. A relação pensamento/linguagem da criança de seis anos foi
passível de estudo, pois foi gravado o momento em que a criança estava tendo
dificuldades, ou estava organizando sua atividade de desenho, ou ainda construindo
práticas a partir dos mecanismos subjacentes à relação fonema/grafema para a escrita.
Consideramos também promissora a utilização das produções gráficas livres para o
estudo aprofundado dos processos psicológicos e culturais que a criança utiliza para
resolver a maneira de empregar a fala, o desenho e a escrita livremente, para assim,
podermos entender seu desenvolvimento, não necessariamente apenas para a faixa etária
dos seis anos, que pesquisamos, mas para as crianças pequenas e para as crianças
escolares. Quando elas são deixadas livres para produzir suas atividades de escrita, de
desenho ou sua voz é ouvida sem censuras, produzem os dispositivos culturais e
psicológicos. Um texto livre sobre qualquer assunto serve para o pesquisador estudar o que
a criança pensa, o que já sabe, os processos psicológicos subjacentes ao processo de
produção.
164
6.3 IMPLICAÇÕES DO ESTUDO PARA A ESCOLA
A principal implicação deste estudo está na utilização das produções gráficas livres
para a sistematização da escrita alfabética. A escolarização da educação infantil e do início
do ensino fundamental tem nas mãos um dispositivo cultural da criança para a construção
de conhecimento, como uma forma de avaliar o que a criança vem aprendendo e
desenvolvendo a partir dos ensinamentos de alfabetização, ciências, matemática, enfim, o
conhecimento que compartilha com a professora e colegas na escola. Isto somado ao que
aprende vendo a relação imagem e escrita em revistas e livros, desenhos e programas na
TV, letreiros de lojas, ofertas do comerciante, informações no computador, enfim, no
conhecimento que compartilha com os membros da família e da comunidade em que vive.
As produções gráficas livres não necessitam de que a criança tenha uma idade ideal
para realizá-las. Pelo contrário, ela, desde bem pequena, já pode desenhar e escrever do seu
jeito, imitando os pais ou copiando seu nome próprio e, com mais idade, ela pode escrever
de forma bem próxima à escrita da norma culta da língua. O intuito de deixar a criança
realizar as produções gráficas livres é que ela nos mostre o que sabe, como ponto de
partida para o que ela pode aprender, o que se pode trabalhar pedagogicamente na zona de
desenvolvimento proximal (eminente), que projeta o ensino para a frente, para o que a
criança ainda não sabe, mas pode estar em vias de aprender. E tendo as produções gráficas
livres diárias, não necessidade de empregar testes para avaliá-la; basta acompanhar
essas produções. Quando a criança é maior, alfabetizada, um texto escrito livre, por
exemplo, pode mostrar para o professor o que ela sabe ou não sobre determinado assunto,
para aplicação de novas elaborações e ensinamentos sobre o conteúdo tratado ou sobre os
possíveis problemas apresentados de sistematização da escrita, de ortografia, de coerência
textual, entre outros.
Em suma, as produções gráficas livres informam sobre a escolarização que a
criança está vivendo. Cabe a nós compreender e fazê-la seguir adiante, para que continue
aprendendo e se desenvolvendo culturalmente.
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174
ANEXOS
Anexo 1 – Protocolo de Observação de Creswell (1998)
Sessão nº ____
Início: ____ Fim: ____
Transcrição do episódio
O que está acontecendo?
O que significa?
-
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Anexo 2 – Roteiro da entrevista da professora
Qual sua formação acadêmica?
Qual a experiência profissional que teve com educação infantil e ensino fundamental?
O que pensa sobre a escrita infantil; conceito da alfabetização das crianças, como isso
acontece, como a criança aprende?
O que pensa sobre o desenho infantil; como e quando a criança desenha?
Você vê alguma relação entre desenho e escrita?
Qual o seu entendimento sobre o ingresso da criança de educação infantil no ano do
ensino fundamental (BIA I)?
O que gostaria de dizer sobre desenho e escrita infantil que ainda não foi dito?
Anexo 3 – Roteiro das entrevistas das mães dos alunos
Conhecimento da família: constituição; modo de vida; escolaridade;
Como são as relações mãe-filho, pai-filho, entre irmãos?
Conhecimento da criança: características do filho; de quê e com quem brinca; com
quem faz dever; se gosta de ir à escola?
Como é o desenho da criança: rabisca; faz esboços de figuras; nomeia o que faz; gosta
de mostrar seu desenho?
Como é a escrita da criança: faz letras ou tentativas de letras; diz o que está escrito;
pergunta o que está escrito?
Se têm livros em casa e quem conta histórias para a criança; que tipo de material a
criança tem em casa para desenhar e escrever?
O que gostaria de dizer sobre seu filho que ainda não foi dito?
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