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Júlio Corrêa de Resende Dias Duarte
CICLOTURISTAS
E SUAS PERCEPÇÕES AMBIENTAIS:
UM ESTUDO NA ESTRADA REAL
Belo Horizonte
Centro Universitário UNA
Outubro 2008
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Júlio Corrêa de Resende Dias Duarte
CICLOTURISTAS
E SUAS PERCEPÇÕES AMBIENTAIS:
UM ESTUDO NA ESTRADA REAL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Turismo e Meio Ambiente do Centro Universitário UNA,
como requisito parcial para obtenção de título de Mestre
em Turismo e Meio Ambiente.
Área de concentração: Turismo e Meio Ambiente
Prof. Orientador: Dr. Nelson Antônio Quadros Vieira
Filho
Belo Horizonte
Centro Universitário UNA
Outubro 2008
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Ficha catalográfica – Biblioteca Padre Geraldo Magela – UNA
D812c Resende, Júlio Corrêa Dias Duarte
Cicloturistas e suas percepções ambientais: um estudo na
Estrada Real. / Júlio Corrêa de Resende Dias Duarte – 2008.
141f.: il.
Orientador: Dr. Nelson Antônio Quadros Vieira Filho
Dissertação (mestrado) – Centro Universitário UNA,
Programa de Mestrado em Turismo e Meio Ambiente.
Bibliografia f. 126 - 131
1. Turismo 2. Cicloturismo 3. Estrada Real I. Vieira Filho,
Nelson Antônio Quadros II. Centro Universitário UNA. III.
Título
CDU:338.482
Dedico este trabalho
àqueles que não têm pressa de chegar.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Eloisa, minha e, que dedica sua vida a deixar o mundo melhor do que
encontrou.
Ao meu irmão, Victor, por ser uma de minhas referências da vida.
Ao meu pai, Aldeysio, por toda a convivência e pelo que me ensinou.
À Aline pelo amor e por todo seu apoio.
Ao professor, Dr. Nelson Quadros, que me proporcionou um grande amadurecimento
acadêmico. Agradeço pela sua seriedade, competência e ética ao me orientar neste trabalho
que, de fato, foi construído de forma dialógica.
Aos entrevistados Artur Vieira, Leonardo dos Santos, Claudio de Oliveira, Miguel
Nascimento, André Braga, Antônio Ricardo de Souza, Gustavo Araújo, Annio Marcos
Pereira, Rodrigo da Silva, Rafael Ribas, João Batista, Juliana Guimarães, Erotides Ângelo,
Ricardo Dias, Luiz Alberto Ribeiro, Bernardo Felizardo, Daniel Beleza, Uirá Hans, Marcus
Paulo Goalves, Rodrigo Coelho, Stevão Gomide, Humberto Guerra, Manoel Pinto, Lucas
Moreira, José Álvaro Teixeira, Vinícius Zucheratto, Raquel Gontijo, Martuse Fornaciari, por
terem sido de suma importância na construção deste trabalho, relatando com brilho nos olhos
suas experiências com as bicicletas.
Ao Rafael Ribas que, ao realizar comigo a viagem de bicicleta pelas montanhas da Estrada
Real, contribuiu enormemente para este trabalho, discutindo a percepção ambiental do
cicloturista em tempo real.
À tia Consuêlo, por zelar por minha escrita com humor e competência.
Às professoras Janine Le Sann e Isabel de Oliveira e Silva, pelas práticas exemplares
enquanto educadoras e pesquisadoras.
Aos meus amigos, importantes pessoas em minha vida.
“One can no more know in places than
travel in them.”
Tim Ingold (2000, p.229)
RESUMO
Esta dissertação contribui para a discussão da percepção ambiental em experiências turísticas,
a partir de um estudo de caso dos cicloturistas na Estrada Real, Minas Gerais, Brasil. O
trabalho realizado objetiva caracterizar o perfil socioecomico dos viajantes da rota turística,
suas formas de viagem, suas necessidades enquanto turistas, bem como debater, por meio de
suas experiências, a percepção ambiental em viagem de bicicleta. As discussões teóricas desta
pesquisa abordam os temas da demanda turística, motivação de viagem, cicloturismo e
percepção ambiental. A metodologia da pesquisa envolveu análise de entrevistas semi-
estruturadas, realizadas com 28 cicloturistas, que percorreram trechos da Estrada Real, no ano
de 2007, e também observação participante feita pelo autor, a partir da viagem com um dos
entrevistados, na rota turística, no período entre os dias 11 e 14 de Outubro de 2007. Este
estudo revela a intensa forma de perceber o ambiente proporcionada pelas viagens de bicicleta
na Estrada Real, além das qualidades do segmento cicloturismo, que podem beneficiar tanto
os turistas quanto os residentes. No entanto, para que o fluxo de cicloturistas seja relevante
para os destinos, conclui-se ser necessário o planejamento da oferta turística em função das
necessidades dessa demanda.
Palavras-chave: turismo, percepção ambiental, cicloturismo, Estrada Real.
ABSTRACT
This dissertation contributes to discussion of environmental perception in travel experiences
through a case study of the cycle tourists of Estrada Real, Minas Gerais, Brazil. The objective
of this paper is to characterize the socioeconomic profile of the travelers of this route, their
travel means and their necessities as tourists. Additionally, this dissertation aims to discuss,
based on the personal experiences described by the subjects of the study, the tourists’
environmental perception while traveling on a bicycle. The theoretical considerations of this
research take on the following themes: tourism demand, travel motivation, cycle tourism and
environmental perception. The results were accomplished through an analysis of semi-
structured interviews conducted with 28 cycle tourists who travelled along Estrada Real,
during the year of 2007, as well as an observational expedition carried out by the author while
accompanied by one of the subjects, on October from 11
th
to 14
th
of same year. This study
reveals the intensity of environmental perception that bicycle tours along Estrada Real can
provide, as well as the qualities of the cycle-tourism segment, which can benefit both tourists
and inhabitants. However, this dissertation concludes that in order for the flow of cycle
tourists to be of significant impact to the sights, it is necessary the planning of the tourism
supply to meet the needs of such demand.
Keywords: tourism, environmental perception, cycle tourism, Estrada Real.
LISTA DE GRÁFICOS
GRÁFICO 1 Naturalidade e local de residência dos cicloturistas
entrevistados – Estrada Real – 2007 ..........................................
70
GRÁFICO 2 Faixa etária dos cicloturistas entrevistados - Estrada Real
2007 ............................................................................................
70
GRÁFICO 3 Grau de escolaridade dos cicloturistas entrevistados - Estrada
Real – 2007 .................................................................................
71
GRÁFICO 4 Renda familiar mensal dos cicloturistas entrevistados - Estrada
Real – 2007 .................................................................................
71
GRÁFICO 5 Proporção de cicloturistas que realizaram planejamento de
viagem - Estrada Real – 2007 ...................................................
77
GRÁFICO 6 Quantidade de viagens realizadas no trecho pelos cicloturistas
entrevistados – Estrada Real – 2007 ..........................................
79
GRÁFICO 7 Meios de transporte utilizados até o destino turístico pelos
cicloturistas entrevistados - Estrada Real2007 .......................
81
GRÁFICO 8 Disncia percorrida por dia de bicicleta pelos cicloturistas
entrevistados – Estrada Real – 2007 ..........................................
82
GRÁFICO 9 Meios de hospedagem utilizados pelos cicloturistas
entrevistados - Estrada Real2007 ...........................................
82
GRÁFICO 10 Meios de alimentação utilizados pelos cicloturistas
entrevistados - Estrada Real2007 ...........................................
83
GRÁFICO 11 Outras infra-estruturas utilizadas pelos cicloturistas
entrevistados - Estrada Real2007 ...........................................
83
GRÁFICO 12 Distribuição de gastos dos cicloturistas pelos serviços - Estrada
Real – 2007 .................................................................................
85
GRÁFICO 13 Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com relação
à qualidade e aos preços dos meios de alimentação, em
Conceição do Mato Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real
– 2007 .........................................................................................
89
GRÁFICO 14 Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com relação
à qualidade e aos preços dos meios de hospedagem em
Conceição do Mato Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real
– 2007 .........................................................................................
90
GRÁFICO C-1 Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com relação
à qualidade e aos preços dos meios de transporte utilizados -
Estrada Real2007 ....................................................................
141
GRÁFICO C-2 Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com relação
à qualidade e aos preços das lojas de bicicleta, em Conceição
do Mato Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real2007
.....................................................................................................
141
LISTA DE TABELAS
TABELA 1
Gênero dos cicloturistas entrevistados - Estrada Real
2007 .......................................................................................
69
TABELA 2
Proporção de cicloturistas por objetivo de viagem - Estrada
Real – 2007 ............................................................................
72
TABELA 3 Agrupamento das viagens realizadas pelos cicloturistas
entrevistados - Estrada Real...............................................
79
TABELA 4
Duração das viagens realizadas pelos cicloturistas
entrevistados - Estrada Real2007 ......................................
80
TABELA 5
Gasto médio dos cicloturistas - Estrada Real – 2007 ............
84
TABELA 6
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação à sinalização turística, em Conceição do Mato
Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real – 2007...............
86
TABELA 7
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação à receptividade da população, em Conceição do
Mato Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real – 2007 .....
87
TABELA 8
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação às estradas, em Conceição do Mato Dentro e
Santana do Riacho - Estrada Real – 2007..............................
88
TABELA B-1
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação às informações turísticas, em Conceição do Mato
Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real – 2007 ..............
138
TABELA B-2 Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação aos entretenimentos, em Conceição do Mato Dentro
e Santana do Riacho - Estrada Real2007 ..........................
138
TABELA B-3 Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação ao saneamento básico, em Conceição do Mato
Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real – 2007...............
139
TABELA B-4
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação à saúde pública, em Conceição do Mato Dentro e
Santana do Riacho - Estrada Real – 2007..............................
139
TABELA B-5
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação à limpeza pública, em Conceição do Mato Dentro e
Santana do Riacho - Estrada Real – 2007..............................
140
TABELA B-6
Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação à segurança pública, em Conceição do Mato Dentro
e Santana do Riacho - Estrada Real2007...........................
140
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1 Mapa de Localização dos municípios de Conceição do Mato Dentro e
Santana do Riacho ...................................................................................
60
2 Bicicleta do autor em estrada em Congonhas do Norte – 2007 ............... 91
3 Rafael e sua bicicleta, em estrada, na Crista da Serra do Espinhaço,
entre Congonhas do Norte e Santana do Riacho – 2007 .........................
94
4 Autor e sua bicicleta, no município de Conceição do Mato Dentro –
2007 .........................................................................................................
98
5 Bicicletas do Rafael e do Autor, na crista de Serra do Espinhaço, entre
Congonhas do Norte e Santana do Riacho – 2007 ..................................
111
6 Vista da Crista da Serra do Espinhaço, a partir da bicicleta, entre
Congonhas do Norte e Santana do Riacho – 2007 ..................................
114
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APA – Área de Preservação Ambiental
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
C2C – Coast to Coast - rota de cicloturismo inglesa
FIEMG – Federação de Indústrias do Estado de Minas Gerais
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IER – Instituto Estrada Real
PER – Programa Estrada Real
SETUR – Secretaria de Estado de Turismo de Minas Gerais
STCRC – Sustainable Tourism Cooperative Research Centre – Australia
SUSTRANS – Sustainable Transport
LISTA DE APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista
APÊNDICE B – Tabelas
APÊNDICE C – Gráficos
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 18
2 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................................................................. 22
2.1 Turismo: demanda e segmentação .................................................................................. 22
2.2 Cicloturismo .................................................................................................................. 24
2.2.1 Conceituação ............................................................................................................... 25
2.2.2 O cicloturismo como produto turístico ......................................................................... 25
2.2.3 Estudos sobre o perfil dos cicloturistas ........................................................................ 29
2.2.4 Motivações para o cicloturismo ................................................................................... 34
2.2.5 Benefícios do cicloturismo para os destinos ................................................................. 36
2.3 Percepção Ambiental...................................................................................................... 39
2.3.1 Como o homem se situa no ambiente ........................................................................... 43
2.3.2 Visão, audição e o movimento humano ....................................................................... 46
2.3.3 Paisagem ..................................................................................................................... 49
3 PERCURSO METODOLÓGICO ...................................................................................... 52
3.1 Sujeitos da pesquisa ....................................................................................................... 53
3.2 Instrumentos e procedimentos para coleta de dados da pesquisa de campo ..................... 54
3.3 Tratamento e análise dos dados ...................................................................................... 57
4 CICLOTURISTAS NA ESTRADA REAL ....................................................................... 59
4.1 Breve descrição do trecho em estudo .............................................................................. 59
4.2 O Programa Estrada Real e suas ações para o cicloturismo ............................................. 61
4.3 Breve Perfil pessoal dos cicloturistas entrevistados......................................................... 65
4.4 Perfil socioeconômico dos cicloturistas .......................................................................... 69
4.5 Hisrico das viagens de bicicleta ................................................................................... 72
4.6 Motivação de viagem ..................................................................................................... 73
4.7 Forma de viagem ............................................................................................................ 77
4.8 Grau de Satisfação dos cicloturistas quanto aos serviços utilizados e à receptividade da
população ......................................................................................................................... 85
4.9 A percepção ambiental dos cicloturistas ......................................................................... 91
4.9.1 Um corpo ativo no ambiente ........................................................................................ 94
4.9.2 A velocidade como condicionante da percepção .......................................................... 96
4.9.3 As viagens são para pedalar, não para chegar .............................................................. 97
4.9.4 Aspectos das paisagens em viagem de bicicleta ........................................................... 98
4.9.5 A possibilidade de perceber a fauna ........................................................................... 101
4.9.6 O mundo banhado em som ........................................................................................ 102
4.9.7 Quando a noite chega ................................................................................................ 103
4.9.8 O contato com as pessoas e a percepção da cultura .................................................... 104
4.9.9 O relacionamento entre cicloturistas .......................................................................... 111
4.9.10 O que as viagens lhes proporcionaram ..................................................................... 114
4.10 Sugestões para o produto cicloturismo do Programa Estrada Real .............................. 117
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 122
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 126
APÊNDICE A.................................................................................................................... 132
APÊNDICE B .................................................................................................................... 138
APÊNDICE C .................................................................................................................... 141
18
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que pessoas advindas de distintos contextos entendem o ambiente de forma
diferenciada. Sobre um mesmo assunto, uma mulher, um padre, um menino ou uma senhora
podem apresentar entendimentos múltiplos. A percepção está relacionada ao engajamento
prático de uma pessoa em um determinado ambiente. Este relacionamento com seu entorno
acontece por meio da utilização de seus cinco sentidos e de sua capacidade de situar, neste
contexto, informações recebidas da sociedade (INGOLD, 2000). Um turista, por exemplo,
percebe um determinado local onde está viajando de maneira diferente de uma pessoa que
reside ali porque seu engajamento acontece por razões diversas e por ter um outro
entendimento da realidade.
A percepção de um turista, em determinada região, é também influenciada pelo meio de
transporte que utiliza. Sobrevoar uma serra ou percorrê-la à cavalo, de bicicleta ou, ainda, de
carro proporciona experiências distintas. Neste estudo, buscou-se realizar uma discussão
sobre a percepção ambiental dos cicloturistas, por meio de suas experiências em viagem de
bicicleta. Este meio de transporte proporciona uma forma intensa de perceber o ambiente por
causa das características de seu movimento como sua baixa velocidade, ausência de barulho
de motor e trabalho físico do corpo. Um cicloturista, ao percorrer os mais variados tipos de
vias, tem a oportunidade de degustar, ouvir, cheirar, ver e sentir intensamente a paisagem. A
rica experiência, aqui relatada pelos próprios viajantes, apresenta-se como uma maneira
peculiar de vivenciar o ambiente, interagir com as pessoas que nele habitam, aprender sobre a
região e descansar da vida cotidiana.
A percepção das pessoas é também diretamente influenciada pelo ambiente percebido. Uma
grande cidade, uma serra ou uma praia oferecem elementos e possibilidades diferentes para
quem os percorre. Nesta dissertação, trabalhou-se a percepção dos cicloturistas em trechos do
Caminho dos Diamantes da Estrada Real. Trata-se de uma região localizada no Espinhaço
Meridional, onde os cicloturistas percorreram suas serras, rios, matas e cerrados; suas
pequenas cidades, distritos e vilas. Os viajantes, por meio de seus relatos, contaram histórias
sobre suas experiências vividas nesta região.
Trata-se, portanto, de uma pesquisa aprofundada sobre as experiências dos turistas, relevantes
objetos de estudo para a construção do conhecimento na área. Segundo Netto (2005), a
19
produção científica pouco tem avançado com relação ao turismo porque enfatiza
excessivamente suas características enquanto atividade econômica. O fenômeno, no entanto, é
muito mais complexo. Em um mundo onde as distâncias estão cada vez menores por causa
dos avanços tecnológicos, o turismo cresce rapidamente, pois está ligado diretamente ao
deslocamento das pessoas. Hoje, a atividade está presente em boa parte do planeta e
influencia diretamente a vida das pessoas e dos lugares. Segundo o autor, entender o turismo
se torna fundamental para a construção de um entendimento sobre o atual contexto. Nesse
sentido, ele sugere pesquisas que aprofundem o conhecimento sobre a atividade, tendo como
foco o fenômeno em si e as experiências das pessoas que viajam e também daquelas que são
afetadas por essas viagens.
O estudo das experiências dos turistas apresenta ainda outro aspecto relevante. Para Netto
(2005), se os seres humanos pretendem construir tempos mais felizes, algumas formas de
turismo se apresentam como importantes fontes de informação, pois proporcionam aos
turistas momentos pautados pela felicidade. Dessa forma, entender as experiências e as razões
que geram tais sentimentos pode ajudar na construção de um mundo de pessoas mais felizes.
Sob o ponto de vista da antropologia, Vieira Filho (2002) defende que estudos etnográficos
sobre os mais diversos turistas em diferentes contextos sejam realizados, dando espaço às
variadas vozes e percepções envolvidas. Segundo o autor, o trabalho antropológico está a
serviço da desconstrução de conceitos e generalizações, ainda muito praticadas pelos estudos
encontrados na literatura. Dessa forma, esta pesquisa se faz também relevante por aprofundar
os conhecimentos sobre os cicloturistas, a partir, principalmente, de suas experiências e
percepções.
Com relação ao desenvolvimento dos territórios, a bicicleta tem sido considerada como
importante instrumento para a construção de uma possível sustentabilidade. A qualidade de
vida de habitantes de muitas grandes cidades está sendo afetada por causa de graves
problemas como o excesso de trânsito de veículos automotores e a poluição proporcionada
por eles. Nesse contexto, a bicicleta tem sido valorizada por ser um meio de transporte que
emite baixos níveis de poluição, faz pouco barulho, proporciona saúde aos seus usuários,
entre outros tantos benefícios. Com relação à atividade turística, ela tem sido pensada por
diversos países como forma de desenvolvimento do meio rural. As viagens dos cicloturistas
20
geram diversos benefícios aos destinos, como baixos níveis de impacto ambiental,
interessante distribuição de renda e bom relacionamento entre viajantes e residentes.
De fato, existem poucas pesquisas aprofundadas sobre o perfil dos cicloturistas, suas
motivações e comportamentos de viagem. Os trabalhos encontrados na literatura são de
caráter exploratório e demonstram a lacuna existente quanto a pesquisas que produzam
conhecimentos aprofundados nesse tema. Essa ausência de dados dificulta o planejamento do
produto turístico, pois o desconhecimento das necessidades do público-alvo tende a fazer com
que a oferta não satisfaça a demanda. Nesse sentido, esta pesquisa pretende também suprir
parte desta carência de dados científicos que auxiliem na gestão do turismo.
Este trabalho tem a Estrada Real como estudo de caso. A rota visa promover o
desenvolvimento de 177 municípios, situados em três Estados brasileiros, por meio do
turismo. Seu planejamento e gestão são realizados pelo Programa Estrada Real, coordenado
pela IER/FIEMG. O cicloturismo é um dos segmentos desejados pelos seus gestores, mas este
deveria receber maiores atenções para que o fluxo desse tipo de turista seja relevante para o
destino turístico em questão. Esta pesquisa, por meio do estudo do perfil dos cicloturistas, das
características das viagens e de suas necessidades, busca também analisar a relação entre o
que é ofertado pelo pretendido produto turístico e as necessidades da demanda. Dessa forma,
este trabalho pretende contribuir também para o aprimoramento da gestão da Estrada Real.
Diante de tal carência de dados aprofundados sobre os cicloturistas e suas experiências,
buscou-se responder, por meio desta investigação científica, a seguinte pergunta: qual o perfil
socioeconômico dos cicloturistas, suas motivações, formas de viagem e de percepção
ambiental na Estrada Real, bem como a avaliação que fazem das condições para o
cicloturismo na rota?
Nesse sentido, o objetivo geral desta pesquisa foi analisar o perfil socioecomico do
cicloturista, suas motivações, formas de viagem e de percepção ambiental na Estrada Real,
bem como suas avaliações das condições para o cicloturismo na rota. Seus objetivos
específicos foram:
Discutir no plano teórico a questão da segmentação turística, cicloturismo,
planejamento, motivações de viagens turísticas e percepção ambiental;
Descrever o Programa Estrada Real e suas ações específicas para o cicloturismo;
21
Descrever o perfil socioeconômico dos cicloturistas e suas formas de viagem,
motivações, formas de apreensão do ambiente no trecho em estudo;
Identificar dificuldades e potencialidades para a prática do cicloturismo na Estrada
Real, a partir das percepções dos cicloturistas, bem como o que isto implica em termos
de necessidade de planejamento do segmento para o programa.
A dissertação encontra-se dividida em cinco capítulos que contemplam a introdução ao tema,
a discussão teórica, o percurso metodológico, os resultados e as considerações finais. O
segundo capítulo apresenta a base conceitual e discute demanda turística, motivações de
viagem, cicloturismo e percepção ambiental. O terceiro capítulo traz a metodologia utilizada
na pesquisa e descreve os sujeitos, os instrumentos de coleta de dados e a forma de análise.
No quarto capítulo, são discutidas as ações do Programa Estrada Real para o cicloturismo, o
perfil dos cicloturistas, o histórico de viagens de bicicleta, as motivações e as percepções
ambientais. Concluindo, o realizadas considerações finais no último capítulo.
22
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Turismo: demanda e segmentação
O marketing, segundo Kotler (1998), é responsável por entender as necessidades do mercado
e preparar os produtos para satisfazê-las. Toda empresa ou destino turístico que trabalha com
a filosofia do marketing tem os clientes como foco de seus negócios, porque é a partir do que
eles necessitam e desejam que os produtos são formatados. No caso do turismo, o turista é
esse agente fundamental e o estudo de seu comportamento e de suas necessidades é essencial
para o sucesso dos produtos turísticos (MIDDLETON, 1994).
Para Oñate (1994), uma das dificuldades que os destinos turísticos enfrentam com relação à
gestão é a carência de pesquisas de marketing em turismo. Segundo o autor, um dos erros
cometidos com maior freqüência é a não realização dessas pesquisas por parte de seus
gestores. Dessa forma, muitos administram seus produtos com base em idéias pessoais e não
priorizam as reais necessidades dos turistas.
As pessoas que freqüentam um determinado destino representam sua demanda. Entende-se
como demanda turística “as pessoas que se deslocam temporariamente de suas residências
habituais, com propósito recreativo ou por outras necessidades e razões e que demandam a
prestação de alguns serviços básicos” (BENI, 2002, p.211). Dentre eles, podem ser destacados
os meios de transporte, os meios de hospedagem, os meios de alimentação e as agências de
viagem.
diversas informações sobre a demanda que são fundamentais para o planejamento e a
gestão do turismo. Dados como quantidade de turistas, suas origens, seus gastos de viagem,
meios de transporte, de hospedagem e de alimentação utilizadas, entre outros, são importantes
informações para que o produto turístico seja adequado às suas necessidades. Conhecer a
demanda é conhecer seu cliente e, portanto, ter mais chance de surpreendê-lo positivamente
(GOELDNER; RITCHIE; MCINTOSH, 2002).
Na atualidade, o é mais possível que um determinado produto atenda a todos os
consumidores do mercado. Eles são numerosos, dispersos e diversificados com relação às
suas necessidades. Nesse sentido, a segmentação se torna fundamental para o sucesso de
23
qualquer produto. Segundo Kotler e Armstrong (2003, p.200), “segmentação é a divisão de
um mercado em grupos menores de compradores com necessidades, características ou
comportamentos diferentes que poderiam requerer produtos distintos”.
A segmentação de mercado proporciona maiores chances de um produto obter sucesso. Por
meio dela, é possível concentrar os esforços de marketing e desenvolver a oferta adequada
para cada mercado alvo. Ainda é possível ajustar melhor os preços, os canais de distribuição e
a propaganda para atingir eficientemente o mercado-alvo, ao invés de dispersar os esforços do
marketing (KOTLER, 1998).
O destino turístico que recebe turistas variados o consegue atender as expectativas de todos
eles porque possuem necessidades e desejos diferentes. Ao permitir uma adequação
apropriada da infra-estrutura do destino a um determinado público-alvo, a segmentação
possibilita a fidelização dos clientes. Dessa forma, os custos com a gestão são menores e os
turistas ficam mais satisfeitos (DIAS; CASSAR, 2005).
O mercado de turismo tem mudado muito nas últimas décadas. O desenvolvimento
tecnológico dos transportes, o aumento do tempo livre, as melhores condições econômicas das
populações, a necessidade de fuga do cotidiano e dos grandes centros urbanos fizeram com
que os produtos turísticos se modificassem. O turismo de massa passou a não satisfazer mais
as necessidades e as vontades de grande parte dos turistas, que passaram a buscar maior
personalização das viagens. Os destinos passaram a buscar grupos específicos de turistas por
meio de diferenciais. Diante deste novo contexto, a segmentação foi o caminho encontrado
para garantir a satisfação do cliente e passou a fazer parte dos produtos turísticos adaptados a
esta nova realidade (ANSARAH, 1999).
O cicloturismo é um segmento de mercado que possui características que atendem às
mudanças na demanda por viagens e, por isso, tem crescido muito em diversos países. O
governo da Dinamarca, por exemplo, considera a bicicleta uma das principais formas de
transporte do país e realiza diversas Poticas Públicas que fomentam seu uso no cotidiano e
também durante o lazer (SIMONSEN; JORGENSON, 1996).
No entanto, o próprio cicloturismo possui ainda grande variedade de segmentos de mercado.
Dentre eles, Ritchie (1998) cita os cicloturistas de férias longas, os de finais de semana, os
24
que viajam por rotas e aqueles que se hospedam em um único destino para conhecer o entorno
por meio de bicicletas. Segundo o autor, esses cicloturistas não são iguais e, portanto,
precisam de produtos turísticos diferenciados (RITCHIE, 1998).
A STCRC
1
(2007) segmentou o cicloturismo da seguinte forma: aqueles que alugam bicicletas
durante as férias e que não têm como objetivo principal pedalar; aqueles que viajam e
reservam algum tempo da viagem para pedalar de forma independente ou em passeios
comerciais; aqueles que pedalam em rotas e organizam suas próprias viagens; aqueles que
viajam para pedalar, mas se hospedam em um destino base; e aqueles que viajam como
espectadores, participantes ou competidores em eventos de ciclismo.
2.2 Cicloturismo
O cicloturismo é um segmento ainda pouco desenvolvido e os produtos existentes no mercado
ainda são incipientes. Por esses e por outros motivos, a construção de conhecimento na área
ainda é pequena. No entanto, os estudos existentes apontam para um segmento muito
interessante de ser trabalhado, principalmente pelas condições que oferece ao
desenvolvimento sustentável de áreas rurais.
Nesse capítulo, são abordados diversos estudos sobre países que despendem esforços para o
desenvolvimento dos produtos direcionados aos cicloturistas. Sobre o segmento na
Dinamarca, são utilizados dois estudos realizados nas ilhas de Fyn e Bornholm. Um deles fala
sobre a sustentabilidade (SIMONSEN; JORGENSON, 1996) e o outro sobre o papel da
bicicleta na mobilidade de turistas no destino (ROBBINS, 1996). Sobre a Nova Zelândia, são
utilizados outros dois estudos, que se refere a questões sobre planejamento e gestão
(RITCHIE, 1998) e outro sobre o desenvolvimento de áreas rurais por meio da utilização da
bicicleta como transporte turístico. (RITCHIE; HALL, 1999) Sobre o Reino Unido, são
utilizados diversos estudos a respeito do desenvolvimento da rede nacional de ciclismo
(COPE et al., 1998; LUMSDOM, 2000; SUSTRANS, 1999).
1
Sustainable Tourism Cooperative Research Centre – Australia.
25
2.2.1 Conceituação
Embora o cicloturismo seja um segmento do turismo ainda pouco estudado, alguns autores
realizaram suas primeiras definições conceituais. O conceito de cicloturismo referência para
esta pesquisa é de Ritchie (1998).
Cicloturismo deve ser definido como qualquer atividade realizada por aqueles que estão de
férias por mais de vinte e quatro horas ou uma noite, e para quem a bicicleta é parte integral da
viagem, mesmo que não a utilize em alguns momentos (RITCHIE, 1998, p.568, 569).
2
(tradução
do autor)
Trata-se de uma definição que inclui cicloturistas que realizam longas rotas, viagens de final
de semana e ainda aqueles que se hospedam em um destino específico e, a partir dali,
conhecem o entorno por meio da bicicleta. Nessa mesma linha, Ritchie (1998) também define
o cicloturista.
Pessoa que está fora de sua cidade ou país por mais de uma noite, com o propósito de férias ou
feriado, e para quem o uso da bicicleta como modo de transporte durante este tempo é integral.
Essas férias devem ser independentemente organizadas ou parte de um pacote comercial e
podem incluir o uso de serviços de outros transportes como suporte e quaisquer tipos de meios
de hospedagens formal e/ou informal (RITCHIE, 1998, p.568, 569).
3
(tradução do autor).
2.2.2 O cicloturismo como produto turístico
O cicloturismo pode contribuir para o desenvolvimento socioeconômico das localidades e
também para a construção da sustentabilidade, em longo prazo. Por isso, alguns países do
mundo têm realizado o planejamento de seus produtos turísticos voltados para esse segmento.
O processo ocorre de formas variadas nos diferentes países. Em alguns deles, ele tem sido
coordenado pelo Estado e, em outros, por instituições ou um conjunto de instituições que têm
como compromisso a construção da sustentabilidade. Muitas empresas também têm
contribdo para seu desenvolvimento por meio do direcionamento de seus negócios para o
segmento e de sua participação no planejamento e na gestão dos produtos. Da mesma forma,
2
“Bicycle tourism should be defined as any activities, whether cycling or non-cycling, that are
undertaken by those who are on vacation for longer than 24 h or one night, and for whom is an integral part of
this trip.”
3
A person who is away from their home town or country for a period not less than 24 hours or one
night, for the purpose of a vacation or holiday, and for whom using a bicycle as mode of transport during this
time away is an integral part of their holiday or vacation. This vacation may be independently organized or part
of a commercial tour and may include the use of transport support services and any type of formal and/or
informal accommodation.”
26
muitos pesquisadores têm focado seus trabalhos no uso da bicicleta como meio de transporte e
têm contribuído muito para o desenvolvimento dos produtos de cicloturismo.
No Reino Unido, foi desenvolvida uma rede nacional de ciclismo como uma rede alternativa
de transporte. Trata-se de uma série de caminhos sem tfego de automóveis e de pequenas
estradas que conectam os centros urbanos e o interior em todo o território britânico. A
responsável pelo seu desenvolvimento é a SUSTRANS, instituição sem fins lucrativos de
fomento aos transportes sustentáveis na região. No ano 2000, a rede possuía oito mil
quilômetros de extensão (LUMSDON, 2000) e hoje conta com mais de dezesseis mil. Embora
o seja seu único objetivo, um dos principais é se tornar um importante atrativo turístico.
Uma característica interessante ressaltada pelo autor é o fato de mais de cinqüenta por cento
de seus caminhos terem sido constrdos em antigas infra-estruturas de transporte como linhas
de trem abandonadas e caminhos à beira-mar.
A SUSTRANS (1999) definiu como prioridades no planejamento do cicloturismo o
desenvolvimento de rotas ciclísticas seguras e atrativas, a melhoria do acesso às cidades e dos
mapas das rotas ciclísticas, a sinalização coerente e visível, a adaptação do transporte público
para possibilitar o transporte das bicicletas, o desenvolvimento da cultura do cicloturismo e a
promoção da atividade.
A rota C2C
4
foi a primeira a ser planejada, aberta no ano 1996. O custo foi de
aproximadamente setenta mil libras e cobriu todo processo de planejamento, novas
construções, sinalização, produção de mapas e publicidade. No entanto, para Cope et al.
(1998), pouco esforço foi feito para criar uma demanda real pelo cicloturismo. A infra-
estrutura ainda é limitada e não há uma abordagem coordenada de marketing. Para eles, esses
fatores são inibidores do crescimento desse segmento na região. Contudo, a rota se tornou
conhecida nacionalmente como rota de longa distância para o ciclismo e tem conseguido bons
resultados (COPE et al., 1998).
A Dinamarca conta com onze rotas nacionais de ciclismo, cobrindo uma disncia de quatro
mil quilômetros
5
. Todas as rotas são sinalizadas e os mapas são disponibilizados no tio
eletrônico oficial do país. Segundo Simonsen e Jorgenson (1998), a potica nacional de
4
C2C é a abreviatura para a rota de ciclismo britânica denominada Coast to Coast.
5
http://www.visitdenmark.com/uk/en-gb/menu/turist/inspiration/aktivferie/cykel/cycling.htm
27
turismo tem como um de seus objetivos principais atrair tipos de turistas que têm um consumo
diário alto, que viajam fora da alta estação e que utilizam meios de hospedagem que geram
muito emprego. O cicloturismo é um dos segmentos trabalhados que contribuem para esse
objetivo. Diversas instituições também despendem esforços para seu desenvolvimento. O
conselho dinamarquês de turismo, dentre outras funções, realiza atividades de marketing para
o cicloturismo e produz um catálogo voltado para o segmento contendo as rotas, os atrativos e
as opções de meios de hospedagem. a associação dinamarquesa de ciclismo trabalha para o
desenvolvimento das rotas ciclísticas (SIMONSEN; JORGENSON, 1998).
As ilhas de Bornholm e Fyn estão entre os destinos de cicloturismo mais visitados da
Dinamarca. Tratam-se de locais que têm a natureza como principal atrativo turístico.
Simonsen e Jorgenson (1998) descreveram algumas partes importantes do produto de
cicloturismo nessas duas ilhas. As rotas ciclísticas, por exemplo, têm sinalização específica e
dão acesso a todas as partes das ilhas, incluindo as cidades e os atrativos. Os governos
municipais das ilhas representam um papel importante no desenvolvimento do produto na
medida em que são responsáveis pela gestão dessas rotas. Informações de todo tipo são
disponibilizadas aos turistas por meio de internet, livros e guias especializados. Na ilha de
Fyn, há centros de referência para cicloturistas que são lugares onde é possível obter
informações, comprar equipamentos, conhecer outros cicloturistas e até lavar roupas. Nas
duas ilhas existem dezenas de lojas e meios de hospedagem que alugam bicicletas. Ao longo
das rotas, há locais de descanso onde os cicloturistas podem fazer lanches e apreciar a
paisagem. Muitos meios de hospedagem desenvolveram diversas medidas específicas para os
cicloturistas como locais próprios para guardar bicicletas e armários para alforjes
(SIMONSEN; JORGENSON, 1998).
Na pesquisa sobre os cicloturistas, Simonsen e Jorgenson (1996) descobriram que as rotas e
seus mapas são partes importantes do produto de cicloturismo. As rotas foram utilizadas por
mais de 80 por cento das pessoas e os motivos mais importantes são a segurança com relação
ao tráfego, a paz e a beleza natural do entorno. os mapas que contêm rotas, descrições das
cidades e dos atrativos foram utilizados por noventa e cinco por cento dos cicloturistas na ilha
de Fyn.
A promoção do cicloturismo é realizada em três níveis na Dinamarca. A publicidade
internacional tem como foco os países vizinhos. Nacionalmente, o conselho de turismo
28
dinamarquês trabalha o mercado interno e o externo por meio de material publicitário, feiras e
eventos. Nas regiões e nos municípios, ela é realizada com foco nos mercados vizinhos por
meio de materiais publicitários (SIMONSEN; JORGENSON, 1998).
Na Nova Zelândia, quando perguntados sobre os fatores mais importantes do país para a
viagem de bicicleta, a maioria dos cicloturistas respondeu que era o cenário. O clima, a
sinalização e a qualidade das estradas também foram considerados de relativa importância.
Segundo Ritchie (1998), essas respostas não surpreendem porque todos esses fatores estão
relacionados ao tempo despendido com a bicicleta, que corresponde a setenta e cinco por
cento das horas que os cicloturistas passam acordados. Fatores como centros de informação,
meios de hospedagem, serviços de bicicleta, atrativos e atividades recreativas foram ditos
como menos importantes porque estão relacionadas aos vinte e cinco por cento do tempo em
que eles não estão pedalando (RITCHIE, 1998).
Segundo Ritchie (1998), para melhorar o produto de cicloturismo do país é preciso estimular
grande variedade de tipos de meios de hospedagem, principalmente meios mais baratos e mais
informais como, por exemplo, áreas de acampamento e albergues. É necessário também
fomentar abertura de lojas de peças e manutenção de bicicletas ao longo das rotas, bem como
oferecer informações adequadas e confiáveis sobre outros serviços de transporte. O autor
sugere também a promoção de rotas alternativas às rodovias principais para proporcionar
maior segurança e uma experiência ambiental de melhor qualidade. Outra ação recomendada
é a conscientização da população local com o objetivo de demonstrar o potencial do
cicloturismo para o desenvolvimento da atividade em áreas rurais.
No entanto, cabe ressaltar que os exemplos destes três países não podem ser generalizados
para todo o mundo. Tratam-se de países ricos, em que a atividade turística é bem estruturada e
desenvolvida. Nos países em que o turismo é menos desenvolvido, ainda é desconhecido o
potencial deste segmento e não pesquisas que indiquem seus impactos negativos e
positivos. Dessa forma, é preciso relativizar as experiências da Nova Zelândia, Dinamarca e
Reino Unido, em fuão desta diferença existente entre a organização do turismo nestes
países e no Brasil. Aqui, ainda persiste a dúvida se é possível organizar com qualidade as
regiões para o cicloturismo, fazendo com que o fluxo deste tipo de turista proporcione os
benefícios relatados.
29
No Estado de Santa Catarina, está sendo desenvolvida a primeira experiência em cicloturismo
no país. O Circuito Vale Europeu
6
foi criado para caminhantes e cicloturistas. Trata-se de um
percurso de 300 quilômetros de estradas de terra, preparadas para estes tipos de viajantes.
Aspectos como a sinalização e a disponibilização de informações como mapas, atrativos,
cidades e serviços foram pensadas em função deste público. No entanto, não há ainda
pesquisas sobre o cicloturismo nessa região que relate os pontos negativos e positivos desta
primeira tentativa brasileira.
Além desta experiência, observa-se que outras iniciativas em prol da utilização da
bicicleta. No Brasil, existem diversos grupos de pessoas que pedalam e que se unem para
trocar experiências e desenvolver ações para fomentar o uso deste meio de transporte. A
União dos Ciclistas do Brasil
7
, por exemplo, tem como objetivo incentivar todas as formas de
utilização da bicicleta. Trata-se de uma instituição sem fins lucrativos, formada por diversas
entidades de usuários de bicicleta no Brasil: Associação dos Ciclousuários da Grande
Florianópolis, Associação Blumenauense Pro-ciclovias, Mobilciclo, Transporte Ativo, Rodas
da Paz, Bike Brasil Associação, Grupo Ciclo Brasil, Comissão Bicicleta da Agência Nacional
de Transportes, Escola da Bicicleta, Mountain Bike BH, Clube de Cicloturismo, Caminhos do
Sertão, Zohrer Clube, Associação dos Ciclistas de São Vicente e Associação Cicloverde de
Ciclismo de Rio Claro. Percebe-se, portanto, que a sociedade civil brasileira está começando a
se organizar em prol da bicicleta, o que pode significar o crescimento da importância que lhe
é dada, como meio de transporte, no Brasil.
2.2.3 Estudos sobre o perfil dos cicloturistas
Diversos estudos, focados no cicloturismo como segmento, produziram informações sobre as
particularidades desses turistas no que tange seu perfil. Apesar de não ser possível generalizar
esses conhecimentos produzidos a partir de pesquisas com determinados blicos de outros
países, sua utilização pode contribuir para o entendimento desse segmento em outros
contextos. Nesse sentido, as informações sobre o perfil dos cicloturistas em viagem no Reino
Unido, Dinamarca e Nova Zelândia se apresentam como importantes pistas para conhecê-los.
6
www.circuitovaleeuropeu.com.br
7
www.uniaodeciclistas.org.br
30
A primeira rota a ser monitorada no Reino Unido foi a C2C
8
. Dentre as informações
recolhidas, Cope et al (1998) descobriram que setenta e três por cento dos cicloturistas no ano
de 1997 eram homens e pouco mais de cinqüenta por cento desses homens tinham entre vinte
e seis e cinqüenta e cinco anos.
Bloy (2001) fez um relatório a partir de uma amostra de 776 cicloturistas que responderam o
questionário contido nos mapas da rede nacional de ciclismo do Reino Unido. O objetivo era
aprofundar o conhecimento com relação aos cicloturistas. Sobre o perfil, descobriu-se que a
maioria eram homens, tinha mais de 45 anos e já havia realizado viagem similar no passado.
Na rota C2C, sessenta e três por cento dos cicloturistas utilizaram durante suas viagens os
meios de hospedagem denominados cama e café. Dezesseis por cento utilizaram albergues da
juventude, enquanto onze por cento se hospedaram em áreas de camping. A utilização de
diversos tipos de meios de hospedagem em uma mesma viagem também foi confirmada nessa
rota (COPE et al, 1998).
Simonsen e Jorgenson (1996) definiram algumas características dos cicloturistas que
freqüentam as ilhas dinamarquesas de Fyn e Bornholm. Segundo eles, 58 por cento dos
cicloturistas, naquele país, são do sexo masculino e quase a metade tem entre 25 e 49 anos.
Com relação à nacionalidade, aproximadamente, metade é do próprio país e cerca de 28 por
cento o alemães.
Assim com na rota C2C, na Dinamarca, verificou-se a tendência de escolha pelos meios de
hospedagens mais baratos. As áreas de camping foram utilizadas por mais da metade dos
cicloturistas, seguidas pelos albergues, hotéis e casas de aluguel (SIMONSEN;
JORGENSON, 1996).
A pesquisa, na Nova Zelândia, demonstrou que seus cicloturistas preferem formas mais
baratas de meios de hospedagem e tendem a utilizar diversos tipos durante a mesma viagem.
Mais de noventa por cento disseram utilizar áreas de camping, enquanto quase oitenta por
cento utilizaram albergues. Outros meios de hospedagem mais utilizados foram os motéis,
casas de família, casas de amigos e cama e café (RITCHIE, 1998).
8
C2C é a abreviatura para a rota de ciclismo britânica denominada Coast to Coast.
31
Aproximadamente cinqüenta por cento dos cicloturistas internacionais na Nova Zelândia
disseram utilizar outros meios de transporte como suporte à viagem. Dentre eles, cerca de
oitenta por cento viajaram de ônibus e quase cinqüenta e dois por cento de trem. Nota-se que,
assim como acontece com os meios de hospedagem, é comum a utilização de mais de um tipo
de meio de transporte durante a viagem. No entanto, para os outros cinqüenta por cento, a
bicicleta foi o único transporte (RITCHIE, 1998).
Com relação aos tipos de caminhos utilizados, mais de setenta por cento pedalaram por
estradas de cascalho, enquanto trinta e dois por cento utilizaram estradas asfaltadas
secundárias e vinte e dois por cento estradas cênicas. A principal motivação para a utilização
de tais estradas foi evitar tráfego intenso de veículos e ter uma experiência na natureza
(RITCHIE, 1998).
No Reino Unido, a média de tempo gasto pelo cicloturistas para realização da rota C2C, em
1997, foi de 3 ou 4 dias. Considerando que sua extensão total é de 220 quilômetros, a média
de quilômetros pedalados, por dia, pelos cicloturistas foi pouco maior de 64 (COPE et al,
1998).
Com relação aos gastos, nessa mesma rota, cerca de setenta e seis por cento não gastaram com
atrativos turísticos, corroborando com a idéia de que os locais pagos não são objetivos de
viagem. A maior motivação dos cicloturistas foi o ato de pedalar nos diversos ambientes. O
maior gasto foi com hospedagem, sendo que cerca de cinqüenta e sete por cento gastaram
entre dez e vinte libras por dia. O gasto médio total foi de trinta libras diárias, o que indica
uma média de, aproximadamente, cem libras gastas, por pessoa, na rota.
Na Nova Zelândia, o estudo demonstrou que os cicloturistas fizeram uma boa distribuição do
dinheiro porque pedalaram por muitas cidades, durante muitos dias. Em 1998, eles ficaram
em média noventa e um dias no país. O gasto diário médio foi de sessenta e quatro dólares,
enquanto os outros turistas internacionais gastaram cento e cinqüenta e dois lares. No
entanto, o cicloturista permaneceu, em média, mais dias no país e o seu gasto total médio foi
de três mil e vinte e um lares, enquanto que os turistas internacionais gastaram, em dia,
dois mil setecentos e setenta e seis dólares (RITCHIE; HALL, 1999).
32
Os maiores gastos dos cicloturistas no país foram realizados com alimentação e hospedagem,
sendo pouco mais de vinte dólares com alimentação e cerca de doze dólares com acomodação.
Essa informação se assemelha à da C2C, na medida em que esses gastos correspondem à
metade do gasto diário.
A duração média da viagem dos cicloturistas nas ilhas dinamarquesas foi por volta de dez
dias. Com relação à quantidade de quilômetros pedalados por dia, trinta e um por cento dos
cicloturistas percorreram entre 21 e 40 quilômetros, vinte e três por cento entre zero e 10,
dezenove por cento entre 41 e 60 quilômetros, dezessete por cento entre 11 e 20 quilômetros.
Cerca de sessenta por cento pedalaram em rotas, passando por muitas cidades, enquanto
quarenta por cento escolheram um destino para se hospedar e servir de base para conhecer seu
entorno (SIMONSEN; JORGENSON, 1996).
A maioria dos cicloturistas nunca tinha visitado as duas ilhas, mas tinha realizado outras
viagens com o uso da bicicleta. Percebe-se que a variação de destinos é grande no segmento,
principalmente por causa de uma importante motivação que é viver uma aventura
(SIMONSEN; JORGENSON, 1996).
Os mochileiros fazem parte de outro segmento do turismo, mas apresentam diversas
semelhanças com os cicloturistas. Segundo Scheyvens (2002), esse tipo de turista tende a o
demandar luxo, hospedando-se também em meios de hospedagens mais baratos. Com o
comportamento de gastos parecido com o dos cicloturistas, eles proporcionam mais benefícios
às comunidades. Segundo a autora, empreendimentos de luxo demandam maiores
investimentos e maior qualificação por parte do dono, diferentemente dos empreendimentos
mais baratos que não necessitam de qualificação. Esse tipo de turismo, ao estimular os
pequenos negócios, proporciona a possibilidade de pessoas da comunidade serem donas de
seu próprio empreendimento, ao invés de trabalharem em baixos cargos para grandes
empresas, como os resorts (SCHEYVENS, 2002).
Tucker (2001), em discussão sobre as relações entre turistas e residentes, comparou o
comportamento daqueles que viajam em excursão e os mochileiros independentes, no sentido
de argumentar que os últimos tendem a relacionar-se melhor com a comunidade hospedeira.
Em estudo realizado em Goreme, aldeia da região da Capadocia, na Turquia, o autor relatou
que os turistas que se hospedam no local são, em sua maioria, viajantes independentes,
33
diferentemente daqueles que se hospedam em grandes hotéis da região e que tendem a viajar
em excursões organizadas. Os primeiros preferem ficar em pensões e permanecem mais
tempo no lugar, proporcionando maiores oportunidades de relacionamento com os residentes.
Segundo Tucker (2001), os turistas que viajam em excursões realizam passeios guiados à
aldeia, toda construída com pedras, para conhecer a vida das pessoas e suas casas. No entanto,
o autor relatou que os guias, durante os passeios, encarregam-se de descrever a vila e as
pessoas, sem possibilitar que elas mesmas contem sobre suas próprias vidas. Essas excursões,
previamente organizadas, são pouco flexíveis e não proporcionam muitas oportunidades aos
turistas de se relacionarem com os residentes. Para o autor, essa forma de contato faz com que
os turistas construam ou confirmem os estereótipos existentes. os mochileiros
independentes, que se hospedam nas pensões do lugar, têm mais contato com as pessoas e
mais chance de trocar experiência com elas. Uma das conseqüências positivas desse
relacionamento é o fato de a população local, em seu papel de anfitriã, poder exercer maior
controle sobre o relacionamento e sobre a percepção que os turistas constroem dela, tornando
a relação mais respeitosa, ao contrário do que acontece com os turistas de excursões
(TUCKER, 2001).
Sobre a relação do turista com a paisagem, Boullón (2002, p.158) escreveu que aquele que
viaja em excursões interage menos com o ambiente porque na “[...] maior parte do tempo seus
campos visuais são dados pela janela dos veículos em que viaja. Nesse ambiente, sua atenção
é requerida por outros estímulos, como, por exemplo, a conversa de seus companheiros, a
música do rádio e as mensagens do guia.” Para o autor, trata-se de uma atitude passiva. Por
outro lado, turista com outros propósitos como praticar algum tipo de esporte interage mais
com o ambiente porque, ao desenvolver a atividade, “[...] deixa de ser espectador para se
transformar em protagonista. [...] Prolongando a estada, o turista familiariza-se com o meio, e
o fato de poder banhar-se sem pressa, caminhar entre as árvores, fazer excursões pelas
montanhas e acampar à beira de um lago faz com que [...] compenetre-se das características
da paisagem. (BOULLÓN, 2002, p. 159) O cicloturista, devido às características de sua
viagem, assemelha-se com esse turista que tem mais oportunidade de interagir com seu
entorno.
34
2.2.4 Motivações para o cicloturismo
algumas décadas, a sociologia e a antropologia do turismo têm trabalhado no sentido de
conceituar turismo e turista, assim como entender as motivações dos turistas. Segundo Vieira
Filho (2002), muitos autores se ocuparam desta tarefa, mas normalmente incorreram no erro
de produzir generalizações em um campo de conhecimento complexo e diversificado. A
própria segmentação do turismo demonstra como as motivações para viajar podem ser
múltiplas e variar de pessoa para pessoa.
Encontram-se, na literatura, diversas tentativas de entender porque os turistas viajam. Para
Mac Cannel
9
(apud VIEIRA FILHO, 2002), o turista viaja em busca de significado e
autenticidade. Para Turner
10
(apud VIEIRA FILHO, 2002), a suspensão das obrigações do
dia-a-dia é o ponto central das motivações de viagem. Para Nash
11
(apud VIEIRA FILHO,
2002), o turismo pode representar mudança, mas também mesmice e continuidade.
Em seu trabalho sobre o olhar do turista, Urry (2001) argumentou o seguinte:
Não existe um único olhar do turista enquanto tal. Ele varia de acordo com a sociedade, o grupo
social e o período histórico. Tais olhares são construídos por meio da diferença. Com isso quero
dizer que não existe apenas uma experiência universal verdadeira para todos os turistas, em
todas as épocas (URRY, 2001, p.16).
Mesmo tendo defendido a diversidade das pessoas, o autor produziu generalizações ao
categorizar o olhar do turista em dois tipos. O primeiro deles é o olhar romântico em que a
natureza intocada’ é a principal motivação. Segundo ele, esse tipo de turista busca
experiências originais em destinos pouco freqüentados por outros turistas. O outro olhar é o
coletivo em que o turista gosta da presença de outros turistas. Nesse caso, a motivação é
freqüentar lugares que muitas pessoas freqüentam porque ali se forma um ambiente mais
procio ao entretenimento. Outra limitação do trabalho de Urry (2001) foi considerar como
turismo somente as viagens de lazer. Hoje, esse entendimento já está superado. Sabe-se que os
turistas viajam pelo mais diversos motivos como trabalhar, estudar, participar de competições
esportivas, tratar doenças e visitar amigos. De fato, a complexidade do tema aumentou na
9
MAC CANELL, D. The tourist: a new theory of the leisure class. New York: Schocken, 1976.
10
TURNER, V. the ritual process. Harmondsworth: Penguin, 1974a.
11
NASH. The ritualization of tourism. Comment on Graburn’s The Anthropology of Tourism. In: Annals
of tourism research, 1984.
35
medida em que diversos tipos de viagens passaram a ser considerados também formas de
turismo.
As definições e tipologias encontradas na literatura são problemáticas porque ainda continuam
produzindo generalizações e, segundo Vieira Filho (2002, p.18), ainda o “[...] incorporaram
completamente elementos da crítica pós-moderna” como, por exemplo, as vozes das pessoas e
suas percepções de turismo. Os conceitos têm significados diferentes para pessoas em
contextos diferentes. O turismo é complexo e necessita que trabalhos etnográficos detalhados
sejam desenvolvidos para os diferentes turistas em diferentes contextos, dando espaço a
diferentes vozes e percepções. O trabalho antropológico está a serviço da desconstrução dos
conceitos e das generalizações porque demonstra como estes são construções culturais
(VIEIRA FILHO, 2002).
As motivações de viagem dos cicloturistas foram objeto de pesquisas em diversos países.
Na Nova Zelândia, o estudo de Ritchie (1998) demonstrou que conhecer os próprios limites,
viajar sozinho, aproximar-se da natureza, conhecer os atrativos da região, fugir da vida diária,
conhecer a cultura local, fazer exercício físico e viver novas experiências são as mais citadas
por eles. Não uma motivação que tenha sido considerada muito mais importante do que as
outras. No entanto, elas mudam de acordo com o perfil dos turistas. As diferenças mais
significativas são relacionadas ao gênero, à origem e ao nível de experiência. Os menos
experientes tenderam a ter como motivação o desafio e a superação de limites, enquanto os
mais experientes tenderam a relacionar suas viagens com a vontade de estar sozinho e de se
aproximar da natureza. Os cicloturistas internacionais viajaram para explorar o local em
profundidade. Já os viajantes domésticos consideraram importante o desafio físico e a fuga do
cotidiano. Além desses dois motivos, as mulheres citaram também explorar o local em
profundidade. os homens disseram estar mais motivados para descansar das
responsabilidades e viver aventuras (RITCHIE, 1998).
Bloy (2001), por meio de 11 entrevistas, descobriu que a idéia do desafio é a principal
motivação dos cicloturistas no Reino Unido. A qualidade do cenário, a fuga do cotidiano e o
relaxamento mental também foram fatores citados como importantes motivações de viagem.
Segundo o autor, os entrevistados disseram que a bicicleta possibilita ter uma experiência da
natureza de uma forma peculiar porque pode ir a lugares onde os carros não podem. No
entanto, um maior aprofundamento sobre como se tal experiência não foi objeto desse
36
estudo. Ter férias de custo baixo e manter o corpo em forma não foram considerados fatores
importantes pelos cicloturistas. Apesar de os benefícios ambientais da bicicleta serem
importantes para os destinos, também não foram citados como importantes para a escolha
desse tipo de viagem.
Segundo Simonsen e Jorgenson (1996), as motivações mais citadas pelos cicloturistas em
viagem na Dinamarca foram fazer exercício e ter uma experiência ao ar livre. Os atrativos
naturais das ilhas também foram considerados importantes para a escolha dos destinos.
Percebe-se, portanto, que há variações com relação às motivações dos cicloturistas nos
diferentes países onde as pesquisas foram realizadas. Ritchie (1998) argumenta que tais
variações estão relacionadas aos variados perfis dos turistas.
2.2.5 Benefícios do cicloturismo para os destinos
Com base em diversas evidências, pesquisadores e gestores do turismo consideram o
cicloturismo como um segmento que tem muito a contribuir para o desenvolvimento das
comunidades, principalmente em áreas rurais. Dentre os argumentos, podem ser destacados os
fatos de que a bicicleta é um meio de transporte de energia limpa e que proporciona boa
distribuição de renda ao longo dos destinos por causa do comportamento de viagem dos
cicloturistas. Embora os produtos de cicloturismo tenham pouco tempo de vida e ainda não
tenham gerado grande quantidade de informações sobre seus benecios, os indícios de que se
trata de um segmento que pode contribuir para a sustentabilidade são fortes.
Robbins (1996) realizou um estudo sobre o papel da bicicleta como meio de transporte
turístico na ilha dinamarquesa Bornholm. Segundo ele, a preocupação maior é o fato de que o
carro é o meio de transporte dominante na locomoção de turistas europeus para os destinos e
nos destinos. Ele ressalta ainda o fato de que a quantidade de carro particular aumenta a cada
ano, como a sua utilização como meio de transporte diário e turístico. Os dados apontam que
setenta por cento dos turistas chegam à ilha de carro por meio de barcos e setenta e cinco por
cento o utilizam para chegar aos atrativos (ROBBINS, 1996).
O aumento do uso do carro tem proporcionado o aumento do tráfego, o que faz com que os
governos tenham de ampliar a infra-estrutura, construindo novas estradas e aumentando as
37
existentes. Dessa forma, os danos ambientais são ineviveis. Outro fator que condena o carro
é a quantidade de dióxido de carbono emitido por ele. Segundo Robbins (1996), vinte e um
por cento do CO
2
emitido pelo Reino Unido é oriundo dos transportes e os carros são
responsáveis por oitenta e sete por cento dessa quantidade. Portanto, pensar na construção da
sustentabilidade global e também da atividade turística é pensar a diminuição da utilização
desses transportes.
A bicicleta surge como importante parte da solução dos problemas, tanto para os centros
urbanos, quanto para as áreas rurais. Muitas cidades do mundo têm realizado grandes
modificações em sua infra-estrutura para incentivar seu uso diário. Diversos destinos têm
desenvolvido seus produtos de cicloturismo com o objetivo de atrair esse tipo de turista.
No caso de Bornholm, Robbins (1996) argumenta que as bicicletas não estão sendo capazes
de diminuir a quantidade de turistas que chegam ao local de carro. Na verdade, na medida em
que a quantidade de cicloturistas aumenta, aumenta também a quantidade de pessoas que
viajam de carro. Isso se deve ao fato de que os cicloturistas utilizam esse meio de transporte
para chegar ao destino. Por outro lado, o autor diz que a bicicleta tem um importante papel
para a locomoção dos turistas na ilha. Mais de 120.000 mil visitantes, no ano de 1996, cerca
de trinta e quatro por cento, utilizaram a bicicleta com um dos três principais meios de
transporte. Esse número é significativo e capaz de reduzir a poluição, o tráfego e os acidentes
(ROBBINS, 1996).
Os cicloturistas na Dinamarca m comportamento mais respeitoso com relação ao ambiente
do que outros turistas. Segundo Simonsen e Jorgenson (1996), eles poluem menos porque não
utilizam carro para ir aos atrativos e, por meio do seu comportamento de viagem, sabe-se que
consomem menos energia e água, e produzem menos lixo. Eles também causam menos
impacto à fauna e à flora do que outras formas de turismo no meio rural porque tendem a
pedalar sempre em estradas ou trilhas, concentrando o impacto nelas. A maioria deles
considera a conservação do ambiente como fator de extrema importância para a escolha do
destino. Embora os autores indiquem a necessidade da realização de pesquisas mais
aprofundadas sobre impactos ambientais, eles acreditam na relevante contribuição do
segmento para a sustentabilidade de meios rurais.
38
Com relação ao desenvolvimento rural, o cicloturismo também tem muito a contribuir.
Segundo Ritchie e Hall (1999), o turismo tem sido pensado em diversas áreas do mundo como
forma de desenvolvimento do meio rural, mas, no entanto, eles argumentam que nem todo
tipo de turismo pode ser desenvolvido nessas áreas por causa de seus impactos negativos
como a destruição de áreas naturais, o consumo excessivo de energia e a poluição. o
cicloturismo é um dos segmentos ideais para o desenvolvimento desse meio (RITCHIE;
HALL, 1999).
As viagens de bicicleta acontecem predominantemente em áreas rurais e o ritmo lento da
viagem faz com que os benecios sociais e ecomicos sejam distribuídos ao longo dessas
áreas. Ritchie e Hall (1999) argumentam que ao invés dos turistas gastarem o que estão
dispostos a gastar em um único destino, eles distribuem esse dinheiro ao longo dos locais por
onde passam.
Um dos problemas dos meios rurais para o desenvolvimento de muitos segmentos do turismo
é o fato de não terem a infra-estrutura necessária como bons hotéis, restaurantes e grande
variedade de entretenimento. No entanto, os cicloturistas não necessitam desse tipo de
estrutura. Eles apresentam grande capacidade de adaptação à existente. Um exemplo disso é o
fato de utilizarem uma grande variedade de meios de hospedagem ao longo da viagem,
preferencialmente baratos. Outro fato é que eles quase não gastam em atrativos porque
consideram a viagem de bicicleta o principal atrativo (RITCHIE; HALL, 1999).
A SUSTRANS (1999) afirma ainda que o cicloturismo representa um mercado valioso que
cresce a cada ano e que oferece muitas oportunidades de negócio para o meio rural. O
dinheiro dos turistas é distribuído pelas empresas locais e tende a ficar na própria região. Esse
segmento, no Reino Unido, foi responsável por 168 milhões de viagens no ano de 2006, sendo
aproximadamente vinte e um por cento delas com o propósito de lazer. Uma quantidade
relevante de cicloturistas, cerca de vinte e sete por cento, poderiam ter utilizado carro, mas
preferiram a bicicleta. Aproximadamente quarenta e dois por cento dos usuários da rede
nacional de ciclismo planejam realizar outras viagens (SUSTRANS, 2006).
39
2.3 Percepção Ambiental
A percepção ambiental é um tema importante que perpassa este trabalho sobre o cicloturismo,
merecendo, portanto, um aprofundamento teórico. Ingold (2000), um dos autores a trabalhar o
tema, apresenta uma nova forma de entender como os seres humanos percebem seu entorno.
Sua abordagem foi construída a partir da integração de pontos de vista da antropologia,
psicologia e biologia. No entanto, para essa discussão, o utilizados outros autores dessas
áreas e também da geografia, que tem tradição no estudo da paisagem. O objetivo, portanto, é
promover um diálogo entre as diversas formas de entender a percepção ambiental humana.
Diversas correntes teóricas despenderam esforços no sentido de entender a percepção e a
cognição do homem. Tyler
12
(apud Ingold, 2000) argumentou que o problema da antropologia
cognitiva era descobrir como as pessoas criam ordem e significado do mundo. Sua
argumentação é que elas criam a ordem, no entendimento do mundo, agrupando infinitos
fenômenos desse mundo vivenciado, em finitas classes. Para ele, cultura consiste em um
corpo de conhecimento transmitido de geração em geração.
Bordieu
13
(apud Ingold, 2000) combateu o trabalho da antropologia cognitiva por ter
desconsiderado a dinâmica da cultura ao dizer que se trata desse corpo de conhecimento
passado de geração em geração. Para ele, o conhecimento cultural é gerado no envolvimento
das pessoas com outras pessoas e com o mundo, durante a vida. E é neste envolvimento que
as pessoas desenvolvem disposições e sensibilidades que as orientam no relacionamento com
o ambiente.
Para os pensadores da ciência cognitiva, as pessoas aprendem as coisas do mundo
representando-as na mente. Eles comparam este processo com o funcionamento do
computador. A relação entre mente e cérebro é semelhante ao software e o hardware em que é
instalado. Eles dispensaram esforços em descobrir universalidades na cognição humana,
atribuindo-as ao curso da evolução sob a seleção natural. Por um lado, essa ciência se
aproxima da antropologia cognitiva, mas, por outro, difere-se na medida em que relaciona
12
TYLER, S. A. Introduction. In: Cognitive Anthropology. New York: Holt, Rinehart and Wiston, 1969.
13
BORDIEU, P. The logic of practice. Oxford: Polity Press, 1990.
40
cognição à evolução e não à cultura. D’Andrade
14
(apud Ingold, 2000) argumentou que as
duas teorias são complementares. Para ele, o software é a cultura transmitida de geração em
geração e o hardware é o aparato de aquisição que torna a transmissão comum a todas as
mentes humanas. Mais tarde, a ciência cognitiva surgiu com o modelo conexionista em que a
mente consiste em um número grande de pequenos processadores que se conectam entre si
para o aprendizado, ao invés de ser um grande processador. O tipo de conexão determina o
tipo de aprendizado.
Segundo Ingold (2000), seu trabalho foi fortemente influenciado pela abordagem de Gibson
15
(apud INGOLD, 2000) chamada de percepção visual. Para esse autor, percepção é um
processo ativo e exploratório de recolhimento de informação realizado pelo ser como um todo
mente e corpo no ambiente. Aquele que percebe é um agente que, propositadamente,
procura informação e significado no ambiente. Para que esse processo ocorra, é necessário
olhar, ouvir, degustar, tocar e cheirar. As informações existentes são inesgotáveis e as formas
de interpretá-las também. O modo como as pessoas percebem as coisas é influenciado pela
cultura e reflete-se na forma de agir. Para o autor, aprender não é transmissão de informação,
mas educação da atenção.
A fenomenologia, representada, acima de tudo, pelo trabalho de Merleau-Ponty (1971),
também considera o organismo no engajamento prático, no seu ambiente, como ponto de
partida. Para Ingold (2000), este autor avaou em certos pontos mais do que o trabalho de
Gibson, que considerava o ambiente como relativamente permanente, ou seja, suas
possibilidades estariam dadas antes mesmo de os organismos viverem nele. Ao contrário,
para a fenomenologia, o mundo surge com suas possibilidades na medida em que surgem as
pessoas. Nesse sentido, não é possível pensar uma separação precisa entre eles.
Sobre a fenomenologia, Merlau-Ponty (1971, p.5) diz que é o [...] ensaio de uma descrição
direta de nossa experiência tal como ela é, sem nenhuma consideração com sua gênese
psicológica e com as explicações causais que o sábio, o historiador ou o sociólogo podem
fornecer dela [...] Trata-se de uma metodologia que tem como foco os fenômenos e não
diversas análises que podem ser feitas deles. O mundo está antes de qualquer análise que
14
D’ANDRADE, R. G. The development of cognitive anthropology. Cambridge: Cambridge University
Press, 1995.
15
GIBSON, J. J. The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin, 1979.
41
eu possa fazer dele e seria artificial fazê-lo derivar de uma série de sínteses que religariam as
sensações, depois os aspectos perspectivos do objeto, ainda que umas e outras sejam
justamente os produtos da análise e não devam ser realizadas antes dela” (MERLEAU-
PONTY, 1971, p. 8).
O trabalho de Ingold (2000) é motivado pela questão sobre o porquê de pessoas advindas de
diferentes contextos, colocadas em um mesmo ambiente, diferenciarem-se no que fazem com
as possibilidades desse ambiente. Esse fato foi exemplificado por Boullón (2002) da seguinte
forma:
[...] Um turista que, depois de uma nevada, passeia por uma trilha que cruza um campo
cultivado, e conforme avança vai descobrindo muitas coisas que chamam sua atenção, como os
reflexos da luz no chão ou as formas da neve nos galhos das árvores próximas de uma área
semeada. Sem dúvida, ele verá a paisagem de maneira diferente da de um camponês que
cultivou essa terra, que só na neve um fator adverso que arruinará sua colheita. É possível
que, simultaneamente, um vendedor ambulante ou um aldeão percebam o frio e uma
profunda sensação de incômodo e de rejeição para com a neve que dificulta seu percurso
(BOULLÓN, 2002, p. 120).
Para muitos antropólogos esse fato acontece por causa das variações culturais das pessoas,
mas, para o autor, acontece por causa de variações de habilidades que são desenvolvidas e
incorporadas ao organismo humano por meio da prática e do treinamento em um determinado
ambiente. Habilidades são as capacidades de ação e percepção do indivíduo como um todo
mente e corpo situado em um ambiente de estrutura complexa. Elas são tanto biológicas
quanto culturais e não são transmitidas de geração em geração, mas são re-desenvolvidas” e
incorporadas em cada organismo humano, em desenvolvimento, por meio da prática de
tarefas específicas. O estudo dessas habilidades necessita que o praticante seja situado no
contexto de um ativo engajamento com o seu ambiente. O autor entende que organismo e
ambiente se desenvolvem mútua e constantemente.
Para substituir a dicotomia homem-natureza, Ingold (2000) argumenta dando o exemplo da
visão desengajada de muitos antropólogos e biólogos. Segundo o autor, os primeiros estudam
as diversas formas como o homem, por meio da cultura, percebe o mundo natural, como se o
mundo não fizesse parte deles. Já os biólogos se propõem a descrever a natureza e seu
funcionamento como se fosse possível extrair dela a sua existência. O próprio ato de pesquisar
a natureza é uma forma de perce-la e, portanto, o é possível tirar desse processo a visão
de quem o faz. Essas duas visões parecem incompatíveis em um primeiro momento, mas são,
42
na verdade, complementares porque ambas se fundamentam na razão da ciência ocidental.
Essa soberana perspectiva da razão é, em parte, um produto da dicotomia homem-natureza.
Os dois olhares são desengajados do mundo, ou seja, os observadores se pretendem fora da
realidade para analisá-la. O objetivo do autor é substituir essa dicotomia pelo que chama de
ecologia da vida (INGOLD, 2000).
A questão norteadora de Ingold (2000) para resolver essa dicotomia é a seguinte: O que
significa dizer organismo mais ambiente? Ele argumenta que não é possível pensá-los
separadamente. No entanto, para que isso aconteça, é preciso descer das alturas da razão
abstrata para entender o homem em um engajamento constante e ativo com o ambiente em
que está inserido. Em outras palavras, homem e ambiente se constituem mutuamente
(INGOLD, 2000).
Entretanto, para caminhar no sentido de entender mundo e pessoa de forma interligada, Ingold
(2000) argumenta ser necessário repensar o entendimento de vida. Ele cita o exemplo da
biologia que estuda a ciência dos organismos vivos. Quando biólogos descrevem um animal e
seus hábitos, pressupõem que tais características desse animal são dadas independentemente e
antes de seu desenvolvimento no mundo. E embora a teoria de Darwin considere a
modificação das características pela adaptação ao ambiente, ainda assim a hisria de vida do
organismo seria pré-determinada por suas características sob dadas condições ambientais.
Ingold (2000) considera vida o processo em que características são geradas. Cada organismo é
um centro singular de consciência, um desdobramento do potencial gerador que é a vida. A
proposta do autor é uma nova abordagem ecológica em que organismo e ambiente sejam uma
única indivisível totalidade, um sistema em constante desenvolvimento. Ecologia da vida,
então, estudaria a dinâmica de tal sistema (INGOLD, 2000).
Portanto, torna-se necessário que as pesquisas sobre percepção ambiental também sejam
conduzidas sob esse enfoque. Dessa forma, ao pesquisar determinado grupo de pessoas deve-
se levar em conta seu engajamento prático com o ambiente. “Pessoa (corpo, mente, emoção,
vontade) e mundo estão engajados em um processo, que implica fenômeno perceptivo e
o pode ser estudado como um evento isolado, nem pode ser isolável da vida cotidiana das
pessoas (MACHADO, 1999, p. 98).
43
Ao fazer uma discussão sobre como o conhecimento é passado de geração em geração e como é
o funcionamento deste processo, Ingold (2000) argumenta que a simples transferência de
informação não é suficiente para que esse processo ocorra. Informaçãoo é sinônimo de
conhecimento. A capacidade de aprender está relacionada à capacidade de situar tais informações
e de entender seus significados por meio da percepção do ambiente. O desenvolvimento dessa
capacidade é feito pelo contato direto com as coisas, seja ele pela visão, tato, olfato, paladar ou
audição. O conhecimento é passado de uma geração à outra por meio de pistas que, segundo o
autor, tratam-se de marcos que condensam um conjunto de experiências em uma orientação única
que abre o mundo para a percepção em profundidade. Nesse sentido, pistas são chaves para a
percepção e, quanto mais chaves uma pessoa tem, maior sua percepção do mundo. É por meio da
aquisição progressiva de tais chaves que as pessoas aprendem a perceber o mundo a sua volta.
Cumpre ressaltar que as chaves auxiliam as pessoas a descobrirem o significado pessoal dos
componentes do ambiente e não decodificam a realidade para estas pessoas (INGOLD, 2000).
2.3.1 Como o homem se situa no ambiente
O homem, ao longo de sua vida, locomove-se pelo ambiente e aprende a se situar nele. Muitos
habitantes nativos não utilizam os mapas desenvolvidos pela cartografia moderna e, no
entanto, não se perdem no seu ambiente habitual e podem dizer com exatidão que sabem onde
estão. Ingold (2000), ao construir sua argumentação de como o homem encontra seus
caminhos (wayfinding) pelo ambiente, começa por combater a visão de que ele se situa nele
por meio da construção de mapas mentais. Muitos autores defendem a existência de tais
mapas. Addison (2003), por exemplo, ao discutir a percepção das pessoas em ambientes
urbanos, diz que elas entendem os traçados das cidades porque realizam um mapeamento. O
mapa mental assume modelos hierárquicos pelas características observadas em relação às
conexões e seqüências do meio. A subdivisão de cada representação mental é considerada um
grau de apuramento da percepção, aproximando-se cada vez mais da realidade.” (ADDISON,
2003, p. 49)
Ingold (2000) não acredita na existência de tais mapas e constrói sua argumentação em outro
sentido. Ele explica que o homem aprende a se situar no ambiente por meio dos caminhos
realizados, ao longo de sua vida. Nesse sentido, os habitantes nativos, mesmo que não
utilizem os mapas, sabem onde estão porque os lugares não são simplesmente uma posição no
espaço, mas são identificados por histórias vividas por esses habitantes. Segundo ele,
44
“interligados pelos itinerários de seus habitantes, lugares existem não no espaço, mas como
nós de uma matriz de movimento.” (INGOLD, 2000, p.219, tradução do autor)
Segundo Leite (1998), os autores que integram a geografia humanística entendem lugar de
forma semelhante, considerando-o principalmente como um produto da experiência humana.
Para Tuan
16
(1975, apud LEITE, 1998), lugar é um centro de significados constrdos pela
experiência das pessoas ao longo de suas vidas, que transmite lembranças e sensação de lar.
Ele não tem limite reconhecível no mundo concreto porque é uma construção subjetiva e, ao
mesmo tempo, bastante incorporada às práticas do cotidiano. (LEITE, 1998)
Na construção de seu entendimento, Ingold (2000) estabelece difereas entre mapear
(mapping) e produzir um mapa (mapmaking). Seus argumentos se opõem a alguns autores que
defendem que a produção de mapas é universal, ou seja, está presente em todas as culturas,
assim como afirma Oliveira (1999, p. 187) ao dizer que [...] o mapa sempre foi um
instrumento utilizado pelos homens para se orientarem, se localizarem, se informarem, enfim,
para se comunicarem.”
Entretanto, para Ingold (2000), os homens mapeiam o ambiente, mas nem todos produzem
mapas como aqueles feitos pela cartografia. Ele argumenta que o ato de mapear toma forma
pelo ato de contar histórias. As pessoas mapeiam o ambiente narrando viagens, gesticulando,
descrevendo detalhes do caminho, desenhando na areia, entre outras variadas formas. A
descrição do ambiente acontece porque elas se locomoveram por ele e o perceberam de
alguma forma. Nesse sentido, mapear é uma ação dinâmica em que é considerado o
movimento de quem o faz e, portanto, é considerada também a transformação do ambiente em
que este movimento se dá.
Ingold (2000) argumenta, portanto, que o ato de produzir mapas é específico a algumas
culturas. A diferença entre mapear e produzir um mapa se encontra no fato de que os “mapas
deixaram de ser produtos dinâmicos do ato de contar história e passaram a ser produtos
estáticos de projetos de representação espacial” (INGOLD, 2000, p.234, tradução do autor).
16
TUAN, Yi-Fu. Place: an experimental perspective. Geographical Review. v. 65, p. 151-165, 1975
45
O autor também estabelece diferenças entre a navegação e o ato de encontrar caminhos. Para
ele, navegação é uma tarefa cognitiva em que as informações do mapa são comparadas às
informações do ambiente para se chegar a um determinado lugar. O ato de encontrar caminho
é o simples “movimento de pessoas enquanto vêm e vão entre os lugares.” (INGOLD, 2000,
p.234, tradução do autor) O fato é que as pessoas não sentem que estão pilotando um corpo
pelo ambiente, assim como o navegador pilota seu barco no mar. E também não precisam
saber suas coordenadas geográficas para saberem onde estão. Elas se localizam porque se
situam na sua matriz de movimento. Nesse sentido, o ato de encontrar caminho é entendido
pelo autor como uma ação em que as pessoas chegam aos lugares que desejam, continuamente
ajustando seus movimentos com base em uma constante percepção do ambiente. A
capacidade de percepção e ação no ambiente é aprimorada por meio de experiências prévias.
ainda outra diferença entre o ato de encontrar caminho e a navegação. A noção de que os
mapas da cartografia representam uma parte da superfície cria a idéia de que mundo se
apresenta às pessoas como se fosse uma superfície a ser percorrida. Para Ingold (2000), as
pessoas apreendem o mundo de dentro dele, ou seja, encontram seus caminhos através dele e
o por sobre ele. Neste sentido, as pessoas, que realizam constantemente o ato de encontrar
caminho, não entendem o mundo como uma superfície.
As contribuições de Gibson
17
são fundamentais para a construção da argumentação de Ingold
(2000). Segundo ele, as pessoas percebem o ambiente não por múltiplos pontos de vista ou
ângulos de visão, mas ao longo de um caminho de observação (apud INGOLD, 2000).
Caminho, nesse caso, é para ser entendido como um único movimento e não como uma
quantidade infinita de pontos, como se fossem fotografias ou imagens fixas do ambiente. As
pessoas conhecem o caminho porque conhecem a ordem específica em que o ambiente se
apresenta a elas enquanto percorrem-no. Nesse sentido, o ato de encontrar caminho é
temporal, ou seja, é um movimento no tempo e não a simples locomoção de um lugar para
outro no espaço. O autor o compara a uma música, ao constatar tal característica.
Outro fato que fortalece essa visão de que o ato de encontrar caminho é temporal, é a
concepção de lugar defendida por Ingold (2000). Segundo ele, os lugares não são somente
resultados do presente; nem tampouco são somente do passado ou do futuro. Lugares são o
17
GIBSON, J. J. The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin, 1979.
46
resultado dos três simultaneamente porque são constantemente influenciados pelos
movimentos de seus habitantes ao longo do tempo.
Assim, este autor argumenta que o mundo experimentado é um mundo de movimento que está
em constante formação, sendo influenciado inclusive pelo movimento das pessoas. Os
caminhos da vida não podem ser previamente determinados. As pessoas crescem e entendem
o ambiente, por meio de sua percepção, na medida em que percorrem os caminhos. Sobre as
viagens, ou seja, movimentos pelo ambiente, o autor as considera a melhor forma de conhecer
o mundo em maior profundidade, sempre desenvolvendo e afinando sua percepção sobre ele.
2.3.2 Visão, audição e o movimento humano
Para Ingold (2000), a questão a ser respondida ao estudar a percepção humana é como se dá o
processo de tradução de qualquer coisa do mundo de fora para o interior das pessoas. Em
outras palavras, estudar percepção é buscar entender como o mundo atinge o interior das
pessoas e como ele é entendido por elas. Na tentativa de colaborar para o entendimento desse
processo, o autor dedica parte de seu trabalho ao estudo dos sentidos da visão e da audição,
bem como sua relação com o movimento humano.
Ao revisar estudos realizados pela antropologia dos sentidos, Ingold (2000) afirma haver uma
tradição no ocidente em estabelecer um forte contraste entre a visão e audição. Segundo ele, o
argumento utilizado é de que o som penetra e a visão isola, que o mundo auditivo é dinâmico
e o mundo visual estático, que ouvir é participar enquanto ver é observar a distância. Sob essa
perspectiva, visão e audição seriam opostos e trabalhariam isoladamente. Outra tradição é o
entendimento de que a vio é hegemônica no ocidente, como se fosse privilegiada em relação
aos outros sentidos.
A partir da complexidade perceptiva e da constante variação da imagem ambiental, os nossos
sentidos também o afetados de várias formas. Em um ambiente onde a capacidade de
mudaa é muito grande, a visão, sem dúvida, é o sentido mais utilizado. (ADDISON, 2003, p.
38)
Mais uma vez, Ingold (2000) constrói sua argumentação em outro sentido. Mas, antes de
expor seus argumentos, faz-se necessário explicar mais alguns aspectos do entendimento de
47
Gibson
18
(apud INGOLD, 2000) sobre percepção. Para esse autor, é preciso parar de pensar os
sentidos como meios da informação chegar à mente, pois, nesse caso, restaria a ela realizar
apenas cálculos. Boullón (2002, p. 154), por exemplo, é um dos autores que entendem a
percepção dessa forma e argumenta que o
[...] homem percebe a paisagem por meio de seus sentidos e que, por este canal, os estímulos,
que eles captam, chegam ao cérebro [...] Na consciência, as sensações se registram em forma de
imagens que depois o pensamento assimila, dissipa, penetra, dissocia, recompõe e elabora.
Portanto, sob esse ponto de vista, a mente trabalharia separadamente dos sentidos, apenas
registrando as informações captadas por eles no ambiente. Para Gibson (apud INGOLD,
2000), percepção não se trata de uma mente funcionando como um computador em um corpo.
Percepção é direta e trata-se de uma atividade exploratória de um organismo no ambiente. O
autor diz ser errado pensar os olhos, as orelhas e as superfícies sensitivas da pele como
simples locais onde se situam lulas receptoras que estão conectadas ao cérebro. Ao
contrário, eles devem ser entendidos como partes integrais de um corpo que está
continuamente em movimento, ativamente explorando o ambiente em busca de sobrevivência
no mundo.
Gibson (apud INGOLD, 2000) defende que os sentidos não funcionam separadamente. Os
olhos, por exemplo, assim como as orelhas, fazem parte da cabeça que, além de se
movimentar, está acoplada a um corpo que também se movimenta. Quando uma pessoa se
vira para ouvir algo que chamou sua atenção, obrigatoriamente os olhos se movimentam junto
com a cabeça e com o corpo, todos fazendo parte do mesmo processo de percepção. Portanto,
olhar, escutar e tocar nãoo atividades separadas, elas são diferentes partes da mesma
atividade que é a do organismo como um todo no seu ambiente.
Para Gibson (apud INGOLD, 2000), vio, assim como audição e tato, ocorre ao longo do
tempo porque uma pessoa percebe um objeto passando os olhos por ele, como se fosse o
toque das mãos. As formas desse objeto são percebidas no decorrer de um movimento. Assim,
visão passa a ser também uma forma de participação e não um ato passivo como entendido
pela antropologia dos sentidos.
18
GIBSON, J. J. The ecological approach to visual perception. Boston: Houghton Mifflin, 1979.
48
Uma vez expostos importantes aspectos do entendimento de Gibson, Ingold (2000) utiliza a
experiência de cegos e de surdos para a construção de sua argumentação. Segundo ele, é
preciso superar o entendimento de que a audição é temporal e a visão espacial. Embora haja o
argumento de que a audição é suspendida ao longo do tempo porque os sons emitidos não
podem mais ser ouvidos, o autor utiliza o exemplo do cego e da chuva dado por Hull
19
(apud
INGOLD, 2000) para contradizer tal argumento. As gotas d’água, por serem percebidas não
de um único ponto, mas de todo o ambiente, revelam os detalhes da superfície em que caem.
A experiência do cego se torna também espacial na medida em que a chuva produz uma
experiência acústica contínua. Ela “[...] proporciona ao cego o que o sol proporciona a quem
enxerga, banha o mundo em som assim como o sol o banha em luz” (INGOLD, 2000, p.271,
tradução do autor).
Ao pesquisar a experiência dos surdos, Ingold (2000) afirma que as pessoas também ouvem
com o corpo e com os olhos. Segundo o autor, elas sentem em toda a superfície do corpo a
vibração produzida pelos sons e conduzida através do ar. Essa forma de audição é muito
importante para a percepção dos cegos, mas também é utilizada por aqueles que enxergam e,
muitas vezes, passa despercebida.
Com relação às pessoas ouvirem com os olhos, Ingold (2000) utiliza dois exemplos como
argumentação. Em ambos prevalece a idéia de que os movimentos que podem ser vistos
complementam a audição. Quando uma pessoa vai a uma apresentação musical, ela pode
ouvir o som dos instrumentos e também prestar atenção nos movimentos dos músicos. O autor
argumenta que observar os movimentos dos dedos de um pianista ou o balanço de um
baterista forma e direciona a audição. O mesmo acontece com a leitura de lábios realizada
pelos cegos. O movimento dos lábios complementa o ato da percepção.
Dando prosseguimento ao seu argumento, Ingold (2000) escreve sobre a capacidade de
intercâmbio entre a percepção visual e auditiva:
Se a audição é um modo participativo de engajamento com o ambiente [...] é porque as pessoas
ouvem com os olhos e também com as orelhas. É exatamente a incorporação da visão no
processo da percepção auditiva que transforma a audição de passiva em ativa. [...] É também a
incorporação da audição no processo da percepção visual que converte um passivo espectador
em um ativo observador. (INGOLD, 2000, p.277, tradução do autor)
19
HULL, J. On sight and insight: a jouney into the world of blindness. Oxford: Oneworld Publications,
1997.
49
Ingold (2000), concordando com Gibson, chega à conclusão de que os olhos e as orelhas não
funcionam como mecanismos separados para registrar as sensações, mas são partes do corpo
como um todo, no ambiente. Para o autor, a atividade de percepção consiste no movimento
desse corpo e a qualidade da experiência, seja luz ou som, é intrínseca ao movimento dele, ao
invés de ser entendida pela mente depois da informação ter chegado a ela.
Uma vez superado o entendimento da antropologia dos sentidos de que a visão e a audição
são sentidos opostos que trabalham separadamente, Ingold (2000) argumenta no sentido de
superar a idéia de que os ocidentais possuem a visão supervalorizada em detrimento dos
outros sentidos. Boullón (2002, p.137) defende esta iia quando diz que, de todos os
sentidos, “[...] a visão [...] é o mais complexo, mas também o mais importante.” Para Ingold
(2002), não é verdade que os ocidentais praticam a visão em um mundo sem barulhos, cheiros
e gostos. O autor cita os exemplos do músico que desenvolve a audição por causa de sua
prática, durante sua vida, e do cozinheiro que desenvolve a gustação pelo mesmo motivo.
Para o autor, a antropologia dos sentidos abandonou a experiência viva e sensitiva dos
indivíduos para se focar na idéia de que sua percepção é dada pela cultura. Para ele, essa
forma de entender a percepção reduz o corpo a um organismo com determinados sentidos
cujo único papel é carregar um conjunto de significados impostos pela sociedade.
Segundo Ingold (2000), a principal conclusão a ser tirada de sua crítica à antropologia dos
sentidos é que passa a ser um equívoco “[...] qualquer tentativa de separar a visão do entorno
da prática real de olhar, observar e ver. [...] O mesmo [...] vale para qualquer modalidade
sensitiva (INGOLD, 2000, p.286, tradução do autor).
2.3.3 Paisagem.
O termo paisagem, no senso comum, é freqüentemente associado à natureza. No entanto, a
Geografia contemporânea o a entende dessa forma, assim como não a considera um lugar
externo às pessoas, pois, nesse caso, seria apenas um cenário onde elas viveriam suas vidas.
A paisagem [...] não é simples objeto em face do qual o sujeito se situa em relação de
exterioridade. Nela sujeito e objeto o inseparáveis, não somente porque o objeto espacial é
constituído pelo sujeito, mas também porque o sujeito está envolvido pela paisagem. Em outras
palavras, o sujeito está dentro da paisagem (BLEY, 1999, p.125).
50
Segundo Machado (2004), a paisagem passou a ser entendida de forma diferente sob as
perspectivas humanistas da geografia da percepção. Se antes era considerada como tudo
aquilo que é concreto, agora passou a ser entendida também por suas características subjetivas
como, por exemplo, a percepção das pessoas.
Para Corrêa e Rosendhal
20
(1998, apud ROSSETO; JÚNIOR, 2002), as paisagens são
hisricas porque são o resultado da ação das pessoas no ambiente, através do tempo. Elas são
portadoras de significados, expressando os valores, as crenças, os mitos e as utopias dos seres
que as habitam, tendo, portanto, uma dimensão cultural. Elas são também dinâmicas porque
resultam das mudanças que ocorrem de acordo com o momento histórico e os valores que
prevalecem em cada sociedade (ROSSETO; JÚNIOR, 2002).
Também nessa linha de pensamento, Santos (1988, p. 21) afirma que:
[...] todos os espaços o geográficos porque são determinados pelo movimento da sociedade,
da produção. Mas tanto a paisagem quanto o espaço resultam de movimentos superficiais e de
fundo da sociedade, uma realidade de funcionamento unitário, um mosaico de relões, de
formas, funções e sentidos.
Portanto, paisagem, por esse ponto de vista, seria um reflexo das atividades humanas. As
pessoas a modificariam, moldando-a de acordo com seus interesses. De fato, os seres
humanos têm grande capacidade de se adaptar aos mais variados ambientes do planeta e, cada
vez mais, constroem conhecimentos para transformar seu entorno. No entanto, Ingold (2000)
acredita que a paisagem não pode ser somente um reflexo das pessoas, pois estas não
controlam todos os seus elementos. Para o autor, não se trata de uma ordenação simbólica do
espaço e tampouco um lugar externo às pessoas, onde elas realizam suas atividades ao longo
da vida. Nesse sentido, paisagem o é um cenário para as atividades humanas e também não
é totalmente construída por essas atividades. Ela “[...] é constituída como um registro
duradouro dos vivos e dos trabalhos das gerações passadas que a habitaram [...] (INGOLD,
2000, p.189, tradução do autor) Portanto, é pressuposto de paisagem a presença de agentes
que interagem entre si e que constantemente a constroem enquanto a habitam.
20
CORRÊA, Roberto Lobato Corrêa & ROSENDAHL, Zeny. Apresentando Leituras sobre Paisagem, Tempo e
Cultura. In: CORRÊA, Roberto Lobato Corrêa & ROSENDAHL, Zeny Paisagem, tempo e cultura. Rio de
Janeiro: EdUERJ, 1998.p.07-11
51
Igualmente, para os geógrafos humanistas, a paisagem, segundo Ingold (2000), não é estática.
É preciso, portanto, compreender sua temporalidade, pois está em constante construção por
meio de movimentos dos vivos: como os das pessoas, dos animais, das plantas; e de
elementos inanimados como o vento, o dia e a noite, as marés, os rios e as estações do ano.
Dessa forma, as pessoas não escrevem sua história na superfície da terra isoladamente, mas
em conjunto com essa enorme quantidade de elementos nela existentes. Elas não transformam
o mundo, mas fazem parte dele, movem-se com ele e são parcelas das transformações que
estão constantemente acontecendo.
Para Ingold (2000), paisagem é o mundo como é conhecido por aqueles que o habitam e
viajam por ele. Nesse ponto, seu argumento se aproxima de Santos (1988, p. 21-22) que diz
que “[...] tudo aquilo que nós vemos, o que nossa visão alcança, é a paisagem. [...] Não é
formada apenas de volumes, mas também de cores, movimentos, odores, sons, etc.” Este autor
completa ainda dizendo que “[...] a dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que
chega aos sentidos.”
Por meio da vida nela, a paisagem se torna parte das pessoas, assim como estas se tornam
parte dela. Como exemplo, o autor diz que, ao subir um morro ou descer um vale, uma pessoa
incorpora o relevo nos músculos na medida em que esses são exigidos para a realização de
cada movimento. E dessa mesma forma, outros elementos são incorporados como o clima e a
vegetação. Alguém que mora em um lugar frio se adapta a ele, assim como convive e se
relaciona com a fauna e a flora. Portanto, esses e todos os outros elementos da paisagem são
incorporados nas práticas diárias das pessoas que a habitam.
52
3 PERCURSO METODOLÓGICO
Esta pesquisa caracteriza-se por uma abordagem predominantemente qualitativa (LAKATOS;
MARCONI, 2004; DENCKER, 1998). Sua proposta foi investigar que tipo de experiência a
bicicleta proporciona aos turistas, quando utilizada durante as viagens e quais são as necessidades
desses viajantes para que tenham uma experiência de qualidade. Para tanto, utilizou-se a
percepção dos cicloturistas na Estrada Real.
Com relação aos seus objetivos, este trabalho tem caráter exploratório e descritivo (GIL, 1999).
Exploratório porque pretendeu conhecer melhor o cicloturismo, um fenômeno pouco estudado,
de forma a gerar novas perguntas e problemas de pesquisa para estudos mais aprofundados.
Embora as pesquisas existentes na área já comecem a construir um entendimento sobre a
utilização da bicicleta nas viagens, elas tendem a abordar o fenômeno sob o enfoque de atividade
econômica. Nenhuma delas teve seu foco na qualidade da experiência de viagem do cicloturista.
Esta pesquisa também é descritiva (GIL, 1999) porque pretende descrever as características e o
comportamento de viagem dos cicloturistas da Estrada Real. Buscou-se conhecer o perfil
socioeconômico, o histórico das viagens realizadas, a forma de viagem, a motivação, o
planejamento e a percepção com relação aos serviços de dois destinos da Estrada Real:
Conceição do Mato Dentro e Serra do Ci, distrito de Santana do Riacho.
A Estrada Real foi escolhida como objeto de estudo dessa pesquisa porque tem os cicloturistas
como um dos públicos almejados e por já ser freqüentada por esse tipo de turista. A utilização do
estudo de caso se deu por possibilitar a realização de um estudo aprofundado sobre o fenômeno.
No entanto, pelo fato da rota ser muito extensa, não foi possível a viabilização de uma pesquisa
que englobasse todos os seus trechos. Assim, foi escolhido como foco desta dissertação o
Caminho dos Diamantes, trecho compreendido entre Diamantina e Ouro Preto, região da Serra
do Espinhaço Meridional. Em princípio, pensou-se na delimitação de uma estrada específica,
para o aprofundamento da percepção dos cicloturistas naquela região. No entanto, percebeu-se
que não haveria tal estrada, com fluxo suficiente destes viajantes, que viabilizasse a pesquisa.
Assim, foram definidos dois destinos como referência para a pesquisa de campo: Conceição do
Mato Dentro e Serra do Ci, município de Santana do Riacho. A primeira foi escolhida porque é
uma cidade em que o turismo está se tornando importante atividade ecomica, além de fazer
53
parte do eixo central da rota e por ter sido indicada pelos técnicos do Instituto Estrada Real como
um destino já procurado pelos cicloturistas. A Serra do Cipó, distrito de Santana do Riacho, foi
escolhida por fazer parte da Estrada Real e por apresentar um fluxo grande de cicloturistas nos
finais de semana e também nas férias.
Esses dois municípios foram contextos das viagens de todos os entrevistados, sendo que 9 deles
o estiveram em outros lugares. Por outro lado, os outros 19 cicloturistas pedalaram, além das
paisagens de Santana do Riacho e de Conceição do Mato Dentro e, portanto, tiveram também
outros destinos da Estrada Real como contexto de suas experiências.
3.1 Sujeitos da pesquisa
O universo da pesquisa constitui-se dos cicloturistas da Estrada Real no trecho analisado. O fato
de não haver dados estatísticos na literatura e nem no IER sobre o fluxo desses turistas, na rota e
em seus destinos, impediu a caracterização de uma amostra estatisticamente significativa. Por
isso, definiu-se que seriam entrevistados todos os cicloturistas que fossem encontrados, nos
destinos escolhidos, durante o período da pesquisa de campo que se deu em períodos distintos,
compreendidos entre os dias 28 de julho e 24 de outubro de 2007. No total, foram realizadas
entrevistas com 28 cicloturistas.
A primeira viagem ao campo foi realizada no último final de semana do mês de julho e teve
como destino o distrito Serra do Cipó. Os cicloturistas foram encontrados na Casa do Ciclista,
única bicicletaria do distrito; na Padaria do Cipó, local freqüentado por muitos turistas; e na
portaria principal do Parque Nacional da Serra do Cipó. Ao todo, foram agendadas 9 entrevistas
e, desse total, apenas 6 foram realizadas, pois 3 pessoas não tiveram disponibilidade.
Os cicloturistas despendem boa quantidade do tempo do dia pedalando nas estradas e nas trilhas,
fato que tornou mais difícil encontrá-los para agendamento das entrevistas. A estratégia utilizada
pelo autor para abordá-los foi posicionar-se em locais onde eles começavam ou terminavam o
passeio de bicicleta como as padarias, postos de gasolina, bicicletarias e atrativos turísticos. Por
isso, o melhor horário foi no começo da manhã e no fim da tarde.
A segunda viagem ao campo foi realizada no feriado prolongado do dia 7 de setembro e teve
como destino Conceição do Mato Dentro. A data foi escolhida por causa do grande fluxo de
54
turistas no município em feriados prolongados. Os cicloturistas foram encontrados no centro da
cidade, com o auxílio dos funcionários das duas bicicletarias, que se disponibilizaram a ajudar na
pesquisa. Ao todo, foram agendadas 8 entrevistas e todas elas foram realizadas.
Técnicos do IER relacionaram 10 pessoas que passaram por um desses dois destinos no ano de
2007. Ao todo, 6 deles se disponibilizam e realizaram a entrevista. Um desses entrevistados,
Rafael Ribas, propôs-se a realizar a viagem em companhia do pesquisador que aconteceu no dias
12, 13 e 14 de outubro de 2007, viabilizando assim a estratégia de observação participante pelo
autor.
Um dos entrevistados informou que havia feito sua viagem de bicicleta com um grupo de doze
pessoas e indicou-as para que colaborassem com a pesquisa. Ao todo, 8 realizaram a entrevista e
a maioria deles é membro do Mountain Bike BH, grupo formado por ciclistas amadores que tem
como objetivos incentivar o uso da bicicleta, proporcionar a troca de informações, divulgar
eventos ciclísticos e promover encontros para pedalar. Entretanto, cabe ressaltar que essa viagem
o teve organização oficial do grupo e não foi excursão paga.
3.2 Instrumentos e procedimentos para coleta de dados da pesquisa de campo
Quanto a seus procedimentos técnicos, esse estudo utilizou de pesquisa bibliográfica, entrevistas
semi-estruturadas e observação participante. A pesquisa bibliográfica teve como objetivo
construir a fundamentação teórico-conceitual nos seguintes temas: demanda e segmentação no
turismo; Programa Estrada Real, planejamento do cicloturismo, motivação de viagem e
percepção ambiental. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com cicloturistas e
tiveram o objetivo de descrever o perfil, o comportamento de viagem e sua percepção ambiental.
A observação participante teve como objetivo aprofundar as informações levantadas nas
entrevistas.
A entrevista semi-estruturada (DENCKER, 1998) foi utilizada como uma das técnicas de coleta
de dados primários. Seu roteiro (APÊNDICE A) foi elaborado pelo autor e organizado em cinco
categorias de perguntas. A primeira e a segunda seções foram compostas por perguntas fechadas
e abertas sobre o perfil socioeconômico dos cicloturistas e o histórico das viagens de bicicleta,
respectivamente. Com relação ao perfil socioeconômico, buscou-se conhecer nome do
entrevistado, faixa etária, naturalidade, local de residência, grau de escolaridade e renda mensal.
55
Sobre o histórico de viagens, o objetivo foi conhecer quando os entrevistados começaram a viajar
de bicicleta e quais viagens realizaram.
A terceira seção contou com perguntas abertas sobre as motivações de viagem dos cicloturistas,
bem como os porquês da utilização da bicicleta como meio transporte. Buscou-se descobrir
também se a Estrada Real foi uma motivação especial.
A quarta seção abordou a forma de viagem dos entrevistados e buscou investigar procedência,
destino, agrupamento de viagem, duração, meio de transporte utilizado até o destino, meios de
hospedagem, meios de alimentação, outras infra-estruturas utilizadas, atrativos turísticos
visitados e gastos drios e gasto total da viagem. Também foi perguntado se os cicloturistas
realizaram planejamento, quantas vezes estiveram no trecho visitado e se utilizaram bicicleta
própria ou alugada.
A quinta seção foi divida em duas partes, sendo que a primeira englobava perguntas fechadas a
respeito do grau de satisfação dos cicloturistas com relação aos serviços prestados nos destinos e
a segunda continha perguntas abertas sobre a percepção ambiental, mais relacionada à
experiência proporcionada pela bicicleta em viagem. Na primeira parte, os entrevistados foram
perguntados sobre seu grau de satisfação com relação a informações turísticas, receptividade da
população, sinalização, estradas, entretenimentos, serviços públicos, meios de alimentação,
meios de hospedagem, meios de transporte e lojas de bicicleta. Na segunda parte, buscou-se
investigar de que forma se deu a percepção ambiental em viagem de bicicleta.
As entrevistas não foram realizadas durante as viagens dos cicloturistas por causa da quantidade
de informações desejada. O tempo dio gasto para cada entrevista foi de uma hora e trinta
minutos, sendo que a mais curta durou trinta minutos e a mais longa quase três horas. Os
cicloturistas que foram contatados em campo não se disponibilizaram para a entrevista durante a
viagem. Eles foram abordados no momento em que estavam começando ou terminando o passeio
de bicicleta. No começo, queriam começar logo a pedalar e, no término, já estavam cansados.
Além disso, essas viagens foram realizadas em finais de semana e eles não quiseram despender
parte do tempo que tinham para o lazer dando entrevista. Esta pesquisa poderia ter sido
inviabilizada se não fosse o fato de que todos os cicloturistas encontrados residiam em Belo
Horizonte ou em sua região metropolitana. Dessa forma, as entrevistas foram agendadas para
depois da viagem.
56
Os entrevistados tiveram liberdade para marcar o horário, a data e o local da entrevista. A
orientação que lhes foi dada era que a entrevista duraria por volta de uma hora e trinta minutos e
necessitaria de um ambiente tranqüilo. A maioria delas procedeu como deveria porque os
entrevistados demonstraram grande interesse e prazer em falar sobre suas experiências em
viagens de bicicleta. Das 28 entrevistas, 10 aconteceram em residências, 10 no ambiente de
trabalho, 6 em restaurantes e 2 na Praça da Liberdade em Belo Horizonte.
Os entrevistados foram informados sobre os objetivos e a relevância da pesquisa. As respostas
foram transcritas para o papel de maneira fidedigna. Buscou-se, durante as entrevistas,
estabelecer uma conversação amistosa, em que os cicloturistas discorressem sobre os temas, de
maneira espontânea para que pudessem contar suas experiências por meio de lembraas e casos
das viagens. Coube ao autor orientá-los para que todo o roteiro fosse contemplado.
Outra técnica de pesquisa utilizada foi a observação participante. Nessa etapa da pesquisa de
campo, buscou-se uma aproximação entre o autor e o cicloturista para melhor compreensão de
sua percepção ambiental. A experiência possibilitou interação e diálogo entre pesquisador e
pesquisado no ambiente de viagem. Ela foi de grande importância para os resultados deste
trabalho, principalmente porque sua fuão não foi somente observar a relação do cicloturista
com o ambiente ou com as pessoas, mas também proporcionar a própria interação com o autor,
para provocar novas interpretações, a partir das experiências compartilhadas.
Para Da Matta (1987, p.168), este relacionamento é importante porque possibilita momentos
inusitados, que muito contribuem para a interpretação a ser realizada. O autor denominou tal
processo como anthropological blues, que, segundo ele, “[...] trata-se de incorporar no campo
mesmo das rotinas oficiais, legitimadas como parte do treinamento do antropólogo, aqueles
aspectos extraordinários, sempre prontos a emergir em todo o relacionamento humano.
Para esta pesquisa de campo, buscou-se realizar alguns procedimentos padrões sugeridos por Da
Matta (1987, p. 189). Segundo ele é conveniente [...] escrever um diário de campo, onde o
pesquisador deverá anotar tudo o que lhe acontecer no decorrer do dia. Frases soltas,
comportamentos curiosos, técnicas de corpo desconhecidas e acontecimentos imprevistos [...]
Além do diário, é preciso ter também uma caderneta de campo, [...] onde deveanotar palavras,
frases ou observar fatos interessantes durante o correr do dia.”
57
Para a realização de tal observação, foi preciso perguntar a todos entrevistados se fariam outra
viagem que passasse por Conceição do Mato Dentro ou Serra do Cipó, e se o autor poderia fazer
parte dela. Rafael Ribas, o primeiro cicloturista entrevistado, fez o convite, dois meses depois de
sua entrevista, para uma viagem que havia idealizado para o feriado do dia 12 de outubro.
A viagem foi programada para começar em Conceição do Mato Dentro. O acesso até a cidade foi
feito de ônibus e a hospedagem da primeira noite foi na casa de um amigo do cicloturista. No
segundo dia, foram pedalados cerca de 50 quilômetros em dez horas, com diversas paradas para
descanso e lanche. A estrada era de terra batida e o destino foi a cidade de Congonhas do Norte,
onde se deu a hospedagem da segunda noite, em um pequeno hotel no centro da cidade. No
terceiro dia, foram pedalados outros 50 quilômetros, mas, dessa vez, em doze horas. O destino foi
o povoado de Lapinha da Serra, município de Santana do Riacho. A hospedagem aconteceu em
casa de aluguel. A estrada utilizada atravessa a crista da Serra do Espinhaço de leste a oeste. No
terceiro dia, foram pedalados dez quilômetros, em apenas uma hora, até sede do município. O
retorno a Belo Horizonte foi feito por ônibus.
A viagem foi realizada para que houvesse uma observação prática da experiência que a bicicleta
proporciona ao turista. Para isso, foram observadas as mesmas questões do roteiro de entrevista,
dando preferência às relacionadas com a percepção ambiental. Foram anotadas todas as reflexões
feitas pelo cicloturista e também pelo autor em um drio de campo. Diversas frases foram
anotadas de forma fidedigna com o objetivo de registrar as sensações e os sentimentos de ambos
enquanto viajavam. Também foram registradas informações para auxiliar na descrão das
condições da cidade de Conceição do Mato Dentro para o recebimento de cicloturistas. A parte
sobre o grau de satisfação do cicloturista com relação aos serviços, contida na seção 5 do roteiro
de entrevista, foi utilizada como referência para esse registro.
3.3 Tratamento e análise dos dados
Para analisar os dados levantados pelas entrevistas e pela observação participante, optou-se por
procedimentos estatísticos simples e a técnica de análise de conteúdo. Os dados quantitativos
foram utilizados para a construção das tabelas e gráficos e, posteriormente, analisados por meio
de estatística descritiva simples. Pelo fato de esta pesquisa ser predominantemente qualitativa e
58
ter tido um número relativamente pequeno de entrevistas, os dados estatísticos não podem ser
considerados representativos do universo de cicloturistas na Estrada Real ou mesmo do trecho
em estudo, universo este que é desconhecido. No entanto, algumas tendências puderam ser
apontadas com a contribuição dos dados qualitativos e também da literatura internacional.
Os dados qualitativos foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo, a partir do
estabelecimento de categorias. O primeiro passo, após a coleta dos dados, foi a transcrição das
falas e sua separação nas categorias previstas no roteiro de entrevista. Depois, foram feitas
leitura preliminar e seleção das falas mais importantes. O último passo foi a estruturação do
texto, levando em conta a relação dialógica do pesquisador e o sujeito da pesquisa, e a
literatura da área.
O texto foi construído tendo como referência as reflexões teóricas e as práticas etnográficas
pós-modernas. Segundo Caldeira (1988, p. 141), a proposta é, então, escrever etnografias
tendo como modelo o diálogo ou, melhor ainda, a polifonia.” Nesse sentido, estudar o outro
o mais se trata de descrever sua cultura, como se o pesquisador, por meio da observação e
da convivência com os sujeitos da pesquisa, tivesse a autoridade para dizer quem são e de que
forma entendem o mundo. Também não se trata de realizar um estudo em que o autor se
pretenda imparcial, dando espaço apenas às vozes dos sujeitos, como se ele pudesse
simplesmente se ausentar da produção do conhecimento. Essa autora argumenta que a idéia é
construir o texto de uma forma em que as diversas vozes e perspectivas tenham espaço,
inclusive a do autor.
O objetivo final, no que diz respeito ao autor, seria fazer com que ele agora se diluísse no texto,
minimizando em muito a sua presença, dando espaço aos outros, que antes só apareciam através
dele (CALDEIRA, 1988, p.141).
Sob esse ponto de vista, as vozes são equiparadas e o pesquisador não mais descreve culturas,
mas apenas sugere e provoca construção de sentidos. Ele não mais se esconde para afirmar
sua autoridade científica, mas se mostra para dispersá-la. Assim, o papel do leitor também se
modifica, deixando de ser alguém que apenas se informa, mas que participa ativamente na
construção do sentido do texto. Para tanto e com o intuito de praticar essa nova concepção,
Caldeira (1988) argumenta sobre a necessidade de se fazer experiências textuais, ou seja, criar
novas formas de construção dos textos. É nesse sentido que este trabalho é estruturado a partir
da relação dialógica das vozes dos cicloturistas e do pesquisador.
59
4 CICLOTURISTAS NA ESTRADA REAL
4.1 Breve descrição do trecho em estudo
Conceição do Mato Dentro, fundada no de ano 1850, abrange um área de 1.676,6 km
2
e, segundo
o IBGE (2004), a quantidade de residentes no ano de 2001 era de 18.637. Ela está situada a 165
quilômetros da capital de Minas Gerais, Belo Horizonte, tendo como principal acesso a rodovia
MG 10. Seu Índice de Desenvolvimento Humano é de 0,672 (PNUD, 2003), situando-se abaixo
do IDH do Brasil (0,766) e também de Minas Gerais (0,773).
O município se encontra a leste da Serra do Espinhaço e sua sede está a 701 metros de altitude do
nível do mar, sendo que o ponto mais alto está a 1505 metros e o mais baixo a 630 metros. A
temperatura dia anual é de 20º C e o índice médio pluviotrico anual é 1.319 mm. Cerca de
80% de seu relevo é montanhoso e os seus rios fazem parte da bacia do Rio Doce.
Sobre o desenvolvimento econômico, Conceição do Mato Dentro, por meio do Plano Diretor de
Desenvolvimento do Município, Lei 020 de 19 de dezembro de 2003, declarou como um de seus
objetivos:
Desenvolver o Plano Municipal de Turismo para a promoção da atividade turística do Município,
explorando o potencial oferecido pelo seu patrimônio natural e cultural, associando-se ao comércio
e serviços como atividades complementares de apoio, em especial a hospedagem, a alimentação, o
mercado de conveniência, o artesanato, de forma a atingir diferentes classes de renda.
Para posicionar-se no mercado turístico, o município se intitulou a “Capital Mineira do
Ecoturismo” por possuir atrativos como a APA Serra do Intendente, as cachoeiras do Tabuleiro,
Rabo de Cavalo, o Cânion do Peixe Tolo, entre outros. No aspecto cultural, a cidade e seus
distritos apresentam aos turistas um patrimônio histórico constituído por igrejas, capelas,
chafarizes e casarões do século XVIII. A sua festa religiosa mais tradicional é o Jubileu do Bom
Jesus do Matosinhos, freqüentada por milhares de romeiros da região e de outros lugares de
Minas Gerais
21
.
Conceição do Mato Dentro faz parte do Circuito Turístico Serra do Ci e Circuito Turístico
dos Diamantes. O primeiro é uma associação criada para promover o desenvolvimento da
atividade na região, formada por municípios próximos ao Parque Nacional da Serra do Cipó.
21
www.conceicaodomatodentro.com.br. Acesso em: 20 Jul. 2008.
60
o segundo é formado por municípios que se beneficiaram direta ou indiretamente da
exploração de diamantes na região da cidade de Diamantina e hoje pretendem desenvolver o
turismo sob esse tema. A cidade faz parte também da Estrada Real, situando-se no eixo
central da rota, que tem como referência a sinalização dos totens.
Figura 1 – Mapa de Localização dos municípios de Conceição do Mato Dentro e Santana do Riacho
Fonte: Base Cartográfica do Geominas/IBGE
A Serra do Cipó é distrito de Santana do Riacho, que foi desmembrada de Jabuticatubas e
elevada a município em 1962. No ano 2001, sua população era de 3.739 residentes. Sua área total
é de 676,7 quilômetros quadrados e a sede se situa a aproximadamente 100 quilômetros de Belo
Horizonte, tendo como principal acesso a rodovia MG 10, a mesma que leva os turistas à
Conceição do Mato Dentro. Seu IDH é de 0,685 (PNUD, 2003).
O município se encontra a oeste da Serra do Espinhaço e a altitude de suas terras varia entre 700
e 1700 metros. A pluviometria anual média é de 700 mm. Seu território engloba parte do Parque
Nacional da Serra do Ci e a APA Morro da Pedreira. O Rio Cipó, afluente do Parauna, é seu
mais importante curso d’água.
61
O fluxo de turistas começou a aumentar após o asfaltamento da MG 10 no ano de 1987. Desde
então, o município tem passado por um acelerado processo de desenvolvimento da atividade
turística. Hoje, estima-se haver mais de 150 estabelecimentos comerciais, entre meios de
hospedagem e de alimentação. O Parque é apenas um de seus atrativos, pois há ainda muitos
outros cursos d’água, grutas, cachoeiras, matas, cerrados, entre outros. Por ser relativamente
perto de Belo Horizonte, o município possui fluxo constante de turistas, durante os finais de
semana, sendo ele intensificado, nos feriados e nas férias.
Como potica de desenvolvimento do turismo, Santana do Riacho integra o Circuito Turístico
Serra do Cipó, além de se encontrar na região da Estrada Real. A diferença para Conceição do
Mato Dentro é que Santana do Riacho não está situada no eixo central da rota, não tendo,
portanto, a sinalização com os totens oficiais do PER. O município faz parte apenas da região
abrangida pelo Programa Estrada Real.
4.2 O Programa Estrada Real e suas ações para o cicloturismo
A Estrada Real é hoje pretendida como um produto turístico que tem como objetivo
proporcionar desenvolvimento para os municípios envolvidos. Trata-se da utilização de parte
da história de Minas Gerais e do Brasil para gerar tal desenvolvimento. A historiografia relata
que o ouro foi descoberto em Minas Gerais, no século XVII, mas, segundo Santos (2001), as
primeiras viagens ao interior do Brasil foram realizadas com o objetivo de capturar indígenas
para o trabalho escravo. Somente mais tarde, com a diminuição gradual da população
indígena e a crise do comércio açucareiro, é que os bandeirantes passaram a viajar em busca
de riquezas e metais preciosos.
A partir da descoberta do ouro, as pessoas começaram a se mudar para a rego por causa da
nova atividade econômica. O diamante foi descoberto depois do ouro, em 1714, na região de
Diamantina. O crescimento acelerado da população proporcionou a formação dos primeiros
arraiais, que logo se tornaram vilas. Em um curto período, a região das minas foi ganhando
autonomia administrativa, fato que desencadeou a criação da Capitania das Minas Gerais em
1720, desmembrando-a da Capitania de São Paulo. (SANTOS, 2001)
Portugal, com o objetivo de controlar o movimento das riquezas mineradas que eram levadas
ao litoral, estabeleceu caminhos oficiais, os únicos autorizados para a circulação de pessoas,
62
mercadorias, ouro e diamante. Eram considerados crime a abertura ou a utilização de outros
caminhos. Segundo Marques (2002), existiam quatro caminhos: Caminho Velho, Caminho
Novo, Caminho dos Diamantes e Caminho da Bahia. As Estradas Reais, então, eram esses
caminhos autorizados pela Coroa portuguesa, por onde deveriam passar todas as pessoas e as
riquezas mineradas.
Hoje, o PER pretende transformar um conjunto de 162 cidades no Estado de Minas Gerais, 7
no Estado de São Paulo e 8 no Estado do Rio de Janeiro em um produto turístico que promova
o desenvolvimento sustentável. Para a formatação desse produto, foram criadas quatro rotas
turísticas com base nos registros históricos: Caminho Velho, ligando Ouro Preto à Paraty;
Caminho Novo, ligando Ouro Preto ao Rio de Janeiro; Caminho dos Diamantes, de
Diamantina à Ouro Preto; e o Caminho do Sabarabuçu, começando em Barão de Cocais,
passando por Sabará e terminando também em Ouro Preto. Ao todo, os caminhos abrangem
uma área de aproximadamente 1.400 km, sendo que grande parte se encontra em Minas
Gerais.
A Lei Estadual n. 13.173, de 20 de janeiro de 1999, regulamentada pelo Decreto n. 41205/00,
criou o Programa de Incentivo ao Desenvolvimento do Potencial Turístico da Estrada Real em
Minas Gerais. De acordo com o conceito considerado em seu art. 1º, compreende-se por
Estrada Real “os caminhos e suas variantes construídos nos séculos XVII, XVIII e XIX, no
território do Estado”. Em seu art. 2º, constam os seguintes objetivos:
Possibilitar o incremento da arrecadação do Estado e dos municípios mineiros; incentivar o
investimento privado no território do Estado; promover a alteração do perfil de distribuição de
renda e elevar o nível de emprego da população do interior do Estado; promover e divulgar a
atividade turística interna e de lazer no Estado; resgatar, preservar e revitalizar os pontos de
atração turística e de lazer existentes, bem com os sítios arqueológicos, espeleológicos e
paleontológicos e as paisagens naturais não-exploradas, interligados pela Estrada Real.
A referida Lei relata também que cabe ao Poder Executivo administrar o PER, bem como
assegurar a participação de representantes de instituições ou entidades ligadas à historiografia,
ao turismo, ao meio ambiente e a outras atividades afins, em seu planejamento, execução e
fiscalização. Com o objetivo de assessorar as ações da Secretaria Estadual de Turismo, foi
criado também o Conselho Consultivo da Estrada Real, com doze membros nomeados pelo
Governador do Estado e presidido pelo Secretário de Turismo. Ele funcionou ativamente nos
anos de 2001 e 2002.
63
Em 2003, o Governo de Minas Gerais conferiu ao PER o status de política estruturadora da
atividade turística no Estado, que passou a ser gerido pelo Instituto Estrada Real, uma
sociedade sem fins lucrativos, criada pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
FIEMG. A missão do IER é “liderar o desenvolvimento integrado do turismo na Estrada
Real, de forma sustentável, promovendo experiências inesquecíveis para o turista e criando
oportunidades de negócio para a indústria mineira.”
22
Segundo Guerra et al. (2003), essa
transferência de responsabilidade foi feita em detrimento da lei e desencadeou uma série de
mudanças na gestão do PER:
[...] O IER ignorou a existência do conselho consultivo, passando a trabalhar de forma
desarticulada e independente das demais entidades com representação naquele colegiado,
igualmente comprometidas com os propósitos do Programa Estrada Real, tais como as
Secretarias Estaduais de Cultura e do Meio Ambiente, Assembléia Legislativa de Minas Gerais
e organizações não governamentais ligadas à Estrada Real e, de certa forma, vem trabalhando
um pouco dissociado da própria Secretaria Estadual de Turismo. (GUERRA et al., 2003, p. 17)
Assis (2006) realizou um levantamento detalhado das ações programadas para o PER. Em
princípio, foram apresentadas 11 ações: criação do Fórum Interestadual, com o objetivo de
coordenar e articular as ações voltadas para o desenvolvimento da Estrada Real, envolvendo
os três Estados; utilização do fundo de assistência ao turismo para financiar empreendimentos
turísticos; estruturação da cadeia produtiva para receber os turistas, por meio da promoção, da
articulação de parcerias, da sensibilização e da capacitação técnica dos agentes envolvidos;
integração dos circuitos turísticos no planejamento; ampliação da telefonia celular;
sensibilização das prefeituras, empreendedores e colaboradores para o desenvolvimento;
potencialização do ecoturismo; promoção e divulgação do produto turístico; recuperação e
manutenção das vias de acesso; ampliação do saneamento básico; sinalização turística;
instalação de postos telefônicos em áreas rurais; viabilização de fornecimento de energia
elétrica; e concessão de financiamentos para empreendimentos turísticos.
Além dessas propostas, o IER firmou acordo com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento, o Governo do Estado e o Governo Federal para a criação de uma rede da
cadeia produtiva do turismo. O objetivo é aumentar a competitividade das empresas e torná-
las integradas para que possam desenvolver produtos turísticos. A Estrada Real foi dividida
em dez núcleos, sendo que o BID está financiando três deles e os Governos Estadual e Federal
são responsáveis pelos outros. (PESSOA; RESENDE, 2007)
22
www.estradareal.org.br
64
Assis (2006) realizou também o levantamento das ações e dos investimentos realizados em
2004 e 2005 pelo PER. Segundo a autora, com base em dados da SETUR, no ano de 2004,
foram realizadas as seguintes ações: integração dos Circuitos Turísticos no desenvolvimento
da Estrada Real; potencialização do ecoturismo, implantação de 9 postos telefônicos em áreas
rurais, sinalização turística e financiamentos de empreendimentos turísticos. O gasto total foi
de R$ 1.349.000,00. Em 2005, foram realizados investimentos no valor de R$ 282.593.707,67
em saneamento básico, sinalização turística, qualificação de profissionais, material de
divulgação, programas de eletrificação e pesquisas.
Um dos objetivos do PER é trabalhar o produto turístico de forma segmentada. A pretensão
de seus gestores é atrair alguns segmentos específicos do turismo, fato que pode ser
comprovado pela seguinte frase publicitária encontrada no tio eletrônico oficial
23
: “a pé, a
cavalo, de bicicleta ou motorizado, liberte-se pela Estrada Real.” No entanto, percebe-se que a
segmentação ainda não passa apenas de uma pretensão. Apesar de todas as ações e
investimentos relacionados anteriormente, o cicloturismo ainda não foi contemplado de forma
específica por nenhum deles. Em entrevista com o então superintendente do IER, Pessoa e
Resende (2007) relataram:
No caso específico do cicloturismo, não existem ações estratégicas sendo implantadas. Segundo
o superintendente executivo do IER, somente a segunda fase de ações estará voltada para os
diferentes segmentos turísticos. Atualmente, as ações se referem justamente à estruturação geral
do produto. (PESSOA; RESENDE, 2007, p.867)
No entanto, não há a segunda fase de ações definida no planejamento estratégico e em
nenhum outro documento relacionado ao PER. O fato é que as ações estão sendo realizadas
sem pesquisas de demanda sobre os segmentos desejados. A conseqüência disso é o
desencontro entre o que é oferecido pela Estrada Real e as necessidades dos seus clientes.
(PESSOA; RESENDE, 2007)
As ações e os investimentos que foram realizados contemplam também o segmento do
cicloturismo, mas não garantem que suas necessidades estejam sendo atendidas pelo PER.
Não é um erro dizer que ações como qualificação profissional, sinalização turística,
financiamentos para empreendimentos turísticos, entre outras, influenciem, direta e
indiretamente, a qualidade da viagem dos cicloturistas. Entretanto, na realidade, como será
23
www.estradareal.org.br
65
evidenciado neste trabalho, percebe-se ainda uma distância considerável entre a oferta da
Estrada Real e as necessidades desse blico-alvo almejado pelo Programa. Durante as
entrevistas, os viajantes sugeriram diversas ações para que os destinos se preparem melhor
para os receberem. Estas sugestões são abordadas no decorrer deste capítulo.
4.3 Breve Perfil pessoal dos cicloturistas entrevistados
A seguir, é apresentado, de forma breve, o perfil de cada um dos entrevistados. Tal
apresentação se faz necessária, pois as individualidades acabaram sendo diluídas no texto,
uma vez que se buscou construir os resultados desta pesquisa dando maior atenção aos pontos
congruentes entre as percepções de cada um desses entrevistados. Assim, para auxiliar o leitor
na construção dos sentidos, os perfis dos entrevistados são brevemente apresentados a seguir.
O primeiro cicloturista entrevistado foi Rafael Ribas. Ele tem 25 anos, é agente de viagens e
o tem filhos. Tem duas bicicletas e mora com seu pai em Belo Horizonte, cidade onde
nasceu. Dentre outras viagens, já percorreu sozinho todos os trechos da Estrada Real.
Artur Vieira mora em Vespasiano com a ir e o pai. Nasceu em Raul Soares, no interior de
Minas Gerais. O entrevistado tem 28 anos de idade e atualmente é técnico bancário da Caixa
Econômica Federal. Ele tem uma bicicleta e realiza viagens, com freqüência, à Serra do Ci.
Leonardo dos Santos tem 26 anos, é eletricista de manutenção industrial na Fábrica da Coca
Cola e possui uma loja em Vespasiano. Ele tem uma bicicleta para percorrer trilhas e outra
para estradas de asfalto. Hoje, mora em Belo Horizonte, mas nasceu em Nanuque, Minas
Gerais.
Claudio de Oliveira é solteiro, mora sozinho e é motorista profissional. Como cicloturista, já
realizou diversas viagens por Minas Gerais e pelo Estado de São Paulo, onde nasceu. Ele tem
uma bicicleta e mora em Belo Horizonte.
O quinto entrevistado foi Miguel Nascimento que tem 43 anos de idade, mora sozinho e não
tem filhos. Ele é professor de Espanhol no Colégio Loyola e em uma Escola de Línguas de
Belo Horizonte. De bicicleta, já percorreu a Holanda e diversas rotas em Minas Gerais,
incluindo a Estrada Real.
66
André Braga nasceu na cidade mineira de Rio Preto e hoje mora em Belo Horizonte. Ele tem
29 anos, é jornalista, empresário e trabalha com cinema. O entrevistado percorreu a Estrada
Real de bicicleta, produzindo filmagens sobre a rota e, com esse material, pretende fazer um
filme sobre a viagem.
Antônio Ricardo de Souza tem 40 anos e mora em Belo Horizonte com sua família. Ele
trabalha como mecânico de máquinas de lavar roupa. O entrevistado tem uma bicicleta e
pedala, freqüentemente, no trecho objeto desta pesquisa, principalmente entre Conceição do
Mato Dentro e a Serra do Ci, distrito de Santana do Riacho. Dentre outras viagens,
caminhou durante seis meses de Belo Horizonte a Vitória, capital do Espírito Santo.
Gustavo Araújo tem 26 anos e trabalha como turismólogo no Instituto Estrada Real. Ele mora
com os pais em Belo Horizonte, cidade onde nasceu. O entrevistado tem 3 bicicletas e
realizou diversas viagens por Minas Gerais e por outros Estados como o Espírito Santo e
Goiás.
Antônio Marcos Pereira é bancário do Banco Bradesco. Ele tem 28 anos, mora com sua
esposa e mais dois filhos em Belo Horizonte. Por meio das viagens de bicicleta, ele já
conheceu todo o entorno da capital e também as cidades históricas mineiras.
Rodrigo da Silva tem 40 anos, é formado em matemática, trabalha como bancário e mora em
Belo Horizonte. Ele realiza viagens de bicicleta, quinze anos, e a Serra do Ci é um dos
destinos que mais visitou.
João Batista é turismólogo e atua como Fiscal de Trânsito. Ele mora em Belo Horizonte, mas
nasceu em Acaiaca, interior do Estado. O entrevistado tem 50 anos e viajou de bicicleta em
diversos lugares de Minas Gerais.
Juliana Guimarães tem 26 anos, é graduada em Relações blicas e trabalha como editora de
imagens em Belo Horizonte. Com o grupo Mountain Bike BH, ela já realizou diversas
viagens de bicicleta e eventos em prol de sua utilização.
67
Erotides tem 57 anos e se aposentou como vigia noturno. Ele nasceu em São João do Meriti,
mas vive com sua família em Belo Horizonte. Nas férias, gosta de viajar sozinho, sempre de
bicicleta. O último passeio que realizou foi até a casa de um amigo em Morro do Pilar, região
da Estrada Real.
Ricardo Dias é publicitário, em uma Agência de Publicidade de Belo Horizonte. Ele mora
sozinho, tem uma filha e três bicicletas. O entrevistado já viajou de bicicleta pelo Estado do
Rio de Janeiro e diversas cidades de Minas Gerais. Além de viajar, também participa de
competições de bicicleta como opção de lazer.
O décimo quinto entrevistado foi o Luiz Alberto, jovem de 26 anos que mora em Belo
Horizonte com sua mãe. Ele trabalha como bike boy entregando documentos de bicicleta.
Serra do Ci é o destino que mais visitou para pedalar.
Bernardo Felizardo tem 26 anos e mora com sua família em Belo Horizonte. Ele é bacharel
em Administração de Empresas e trabalha com computação. Já percorreu de bicicleta diversos
trechos da Serra do Espinhaço.
Daniel Beleza tem 28 anos, é jornalista, músico e trabalha como administrador de uma Escola
de Música em Belo Horizonte. Ele já pedalou em diversos trechos em Minas Gerais e também
na Argentina.
Uirá Hans é diretor de arte e trabalha em uma agência de publicidade. Ele tem 27 anos e mora
com um irmão e seus dois filhos em Belo Horizonte, cidade onde nasceu. O entrevistado
possui três bicicletas: uma para estrada de terra, outra para pedalar na cidade e a última para
velocidade em estradas de asfalto.
Marcus Paulo Gonçalves tem 27 anos, é bacharel em Turismo e trabalha como bancário. Ele
nasceu e mora em Belo Horizonte. As suas viagens de bicicletas são para percorrer trilhas, no
entorno da capital mineira.
Rodrigo Coelho foi o vigésimo entrevistado. Ele tem 33 anos e trabalha como advogado em
Belo Horizonte, onde mora com a esposa e os filhos. O entrevistado pedala longas distâncias
para manter a saúde e descansar do cotidiano de trabalho que exige muito dele.
68
Stevão Gomide trabalha como analista de sistemas, tem 39 anos, mora sozinho e tem uma
filha. Nascido em Goiânia, vive em Belo Horizonte e realiza duas viagens de bicicleta por
ano. Por ser seu meio de transporte preferido, possui quatro modelos: uma para trabalhar e se
locomover na cidade; outra para viagens em terra; uma terceira para velocidade no asfalto; e a
última para percorrer trilhas.
Humberto Guerra tem 39 anos, nasceu em Itabira e mora sozinho em Belo Horizonte. Ele
também trabalha como analista de sistemas e viaja para pedalar diversas vezes por ano.
Atualmente, possui cinco bicicletas para fazer trilha, para se locomover na cidade e pedalar
em asfalto. Além da Estrada Real, ela viajou pela França e por diversos trechos de Minas
Gerais.
Manoel Pinto é formado no curso Tecnologia em Infortica e trabalha com desenvolvimento
de sistemas web. Ele mora em Belo Horizonte, tem 25 anos e viaja, principalmente, para
percorrer trilhas de bicicleta.
Lucas Moreira tem 30 anos, mora em Belo Horizonte e trabalha como advogado. doze
anos realiza viagens de bicicleta, sendo que as duas maiores aconteceram quando percorreu o
Caminho Velho e o Caminho dos Diamantes, na Estrada Real.
José Álvaro Teixeira nasceu em Goiânia, mas trabalha como publicitário e artista plástico em
Belo Horizonte. Ele tem 31 anos e mora sozinho na capital. Além das viagens para percorrer
trilhas de bicicleta, já realizou duas rotas na Estrada Real.
Vinícius Zucheratto também nasceu em Goiânia, mas mora em Belo Horizonte com a mãe e
três irmãos, desde quando tinha 9 anos de idade. É técnico de informática e trabalha no Banco
de Desenvolvimento de Minas Gerais. Suas duas bicicletas são seus principais meios de
transporte no cotidiano e em viagens.
Nascida em Barão de Cocais, Raquel Gontijo tem 40 anos, mora em Belo Horizonte, é
formada em Pedagogia e trabalha na área de educação e saúde. Ela começou a pedalar com
freqüência, quando morava em um tio na cidade de Rio Acima. Desde então, viaja de
bicicleta em finais de semana e também nas férias.
69
O último a ser entrevistado foi Martuse Fornaciari. Ele tem 28 anos e trabalha como designer
gráfico. Hoje, mora em Belo Horizonte com o pai, mas nasceu na cidade de Divinópolis. Ele
o tem filhos, possui duas bicicletas e já realizou viagens pelos Estados da Bahia, Rio de
Janeiro e Minas Gerais.
4.4 Perfil socioeconômico dos cicloturistas
Conhecer o perfil socioeconômico dos cicloturistas é fundamental para entender como eles
percebem o ambiente, tendo a bicicleta como meio de transporte de suas viagens. O perfil
demonstra características que influenciam a percepção dos entrevistados. Durante o período
da pesquisa, foram entrevistados 28 cicloturistas encontrados no município de Conceição do
Mato Dentro, no distrito Serra do Ci (Santana do Riacho) e também alguns indicados por
esses cicloturistas ou pelo IER. Desse total, 26 (92,86%) o homens e 2 (7,14%) são
mulheres. Embora esses números não representem necessariamente a proporção real
encontrada no universo dos cicloturistas, eles indicam a tendência de que há uma maior
quantidade de homens que utilizam a bicicleta como meio de transporte em viagens do que de
mulheres.
TABELA1
Gênero dos cicloturistas entrevistados - Estrada Real – 2007
Gênero Freqüência Percentual
Masculino 26 92,86%
Feminino 2 7,14%
TOTAL 28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Em relação à naturalidade, 15 (53%) dos cicloturistas nasceram em Belo Horizonte, 8 (28%)
em outras cidades de Minas Gerais e 5 (17%) em outras cidades do Brasil. No entanto, o
importante a ser ressaltado é o fato de que todos os entrevistados residem na região
metropolitana de Belo Horizonte, sendo que 27 (96,43%) moram na capital. Certamente a
Estrada Real recebe cicloturistas de outras regiões, como foi registrado por um funcionário de
uma das bicicletarias de Conceição do Mato Dentro quando disse que, no período de férias, a
70
cidade recebe cicloturistas de vários Estados do Brasil e também do exterior. Entretanto, o
fato da pesquisa de campo ter sido realizada, em finais de semana explica essa ocorrência de
residentes da região metropolitana da capital mineira. Sabe-se que essas viagens tendem a ser
de curta distância e Belo Horizonte é importante centro emissor desse tipo de turismo.
GRÁFICO 1 – Naturalidade e local de residência dos cicloturistas entrevistados – Estrada
Real – 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Quanto à faixa etária, percebe-se que os jovens representam a maioria dos cicloturistas. Do
total, 15 (53,57%) têm entre 20 e 29 anos e 7 (25 %) têm entre 30 e 39 anos. Nota-se que
nenhum dos entrevistados tem menos de 19 anos ou mais de 60 anos. Foi relatado pelos
cicloturistas que um dos atrativos da Estrada Real é a quantidade de serras, caracterizando um
relevo acidentado que explica, em parte, a ausência de cicloturistas com mais de 60 anos.
os jovens com menos de 19 anos viajam com menor freqüência, principalmente, por causa de
sua condição financeira.
GRÁFICO 2 – Faixa etária dos cicloturistas entrevistados - Estrada Real – 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Belo Horizonte
Outras cidades de Minas Gerais
Outras cidades do Brasil
Outros países
Local de
Residência
Naturalidade
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Até 19 anos
20 a 29 anos
30 a 39 anos
40 a 49 anos
50 a 59 anos
Acima de 60 anos
71
Embora a bicicleta seja um meio de transporte utilizado por pessoas de todo grau de
escolaridade e com os mais diversos níveis de renda, percebe-se que em viagem o seu uso fica
mais restrito àqueles com maior grau de escolaridade. Do total, 16 (57,14%) cicloturistas
concluíram curso superior e 4 (14,29%) estão por concluir.
GRÁFICO 3 – Grau de escolaridade dos cicloturistas entrevistados - Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Percebe-se que a renda mensal familiar dos cicloturistas é relativamente alta. Do total, 8
(28,57%) estão na faixa acima de 5 mil reais; 2 (7,14%) estão entre 4 e 5 mil; e 3 (10,71%)
entre 3 e 4 mil. Apesar de 9 (31,15%) terem a renda abaixo de 2 mil reais, 6 (21,43%)
consideraram apenas seus rendimentos pessoais, pois são jovens que residem sozinhos. As
ajudas financeiras dadas pelos familiares não foram consideradas, mesmo que contribuam
para o estilo de vida de cada um.
GRÁFICO 4 – Renda familiar mensal dos cicloturistas entrevistados - Estrada Real – 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%
Sem instrução escolar
Ensino fundamental incompleto
Ensino fundamental completo
Ensino médio incompleto
Ensino médio completo
Ensino superior incompleto
Ensino superior completo
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%
Até R$500,00
De R$ 501,00 a R$ 1000,00
De R$ 1001,00 a R$ 2000,00
De R$ 2001,00 a R$ 3000,00
De R$ 3001,00 a R$ 4000,00
De R$ 4001,00 a R$ 5000,00
Acima de R$ 50001,00
72
As formações profissionais citadas pelos cicloturistas, que têm curso superior completo e
incompleto foram Ciência da Computação, Matemática, Administração, Turismo, Relações
Públicas, Jornalismo, Direito, Publicidade, Artes Plásticas, sica e Pedagogia. As
formações técnicas citadas foram Administração, Informática e Eletrônica. No entanto, alguns
cicloturistas disseram que suas atividades profissionais são diferentes de suas formações. As
profissões citadas foram: analista de sistemas, bancário, porteiro, entregador de encomendas
com bicicleta, fiscalização de transportes, cineasta, empresário, eletricista industrial, relações
públicas, professor, vigia noturno, mecânico, agente de viagem e auxiliar administrativo.
De acordo com a literatura, o cicloturismo pode ser segmentado em diversos grupos menores.
Foram identificados nessa pesquisa dois segmentos diferentes: cicloturistas que viajam em
rotas e que se hospedam em destinos diferentes, utilizando a bicicleta como meio de
transporte entre eles; e aqueles que se hospedam em um destino base e conhecem seus
atrativos e o entorno por meio da bicicleta. Os últimos disseram que viajam para fazer trilhas
de bicicleta e, por isso, são definidos nessa pesquisa como cicloturistas de trilha,
representando 28,57% dos entrevistados. Os primeiros são definidos aqui como cicloturistas
de rota e somam 71,43% do total. É importante ressaltar que essa denominação é dada em
função dos objetivos das viagens que são foco dessa pesquisa. A maioria dos entrevistados
o pode ser classificada em apenas um segmento porque viaja ora com um objetivo ora com
outro.
TABELA 2
Proporção de cicloturistas por objetivo de viagem - Estrada Real - 2007
Objetivo de viagem Freqüência Porcentagem
Percorrer rota 20 71,43%
Percorrer trilha 8 28,57%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007
4.5 Hisrico das viagens de bicicleta
Com o intuito de conhecer melhor cada cicloturista e entender de forma mais aprofundada
suas experiências, investigou-se quais viagens eles tinham realizado, antes da viagem pela
Estrada Real. A maioria dos cicloturistas, 19 (67,85%) dos 28, começou a viajar, há menos de
73
cinco anos, enquanto os outros viajam, mais tempo. Percebe-se que a bicicleta esteve
presente em diversos momentos de suas vidas.
Sempre fui apaixonado por bicicletas. Quando era novo, eu não tinha e estava doido para ganhar
uma. Comecei a trabalhar com 13 anos e comprei a minha primeira bicicleta. Desde então,
comprei e paguei todas que tive. Hoje, tenho 3, uma para cada modalidade (STEVÃO).
A prática de utilizar as bicicletas para percorrer trilhas na cidade onde moram é realizada com
freqüência por quase todos os entrevistados. Segundo eles, pedalar em trilhas é uma tradição
em Minas Gerais por causa de seu relevo acidentado. Pedalar em trilhas nas suas cidades
também é uma forma de conhecer os lugares e serviu, para muitos deles, de incentivo e
motivação inicial para começar a conhecer outras cidades através da bicicleta.
A influência dos amigos foi citada por 9 (32,14%) entrevistados como a primeira motivação
para começar a pedalar. Com a prática, eles se apaixonaram pelas bicicletas e a idéia de
utilizá-las em viagens foi uma questão de tempo. As primeiras viagens foram de curta
distância e pequena duração. De uma forma geral, elas foram realizadas no entorno de suas
cidades.
Eu comecei a fazer pequenas viagens. A primeira que fiz foi de 13 quilômetros, entre Santana
do Riacho e Lapinha da Serra. Eu utilizei a bicicleta que tinha para passear em Belo Horizonte.
Depois, eu montei uma bicicleta melhor para viagens (JOÃO BATISTA)
Todos os cicloturistas conhecem diversos municípios vizinhos das cidades onde moram ou
moraram, sempre por meio dessas viagens de curta duração. Entretanto, 9 (32,14%)
entrevistados, com maior experiência, realizaram viagens longas em outros Estados do
Brasil e países. Entre os destinos citados estão: França; Holanda; interior da São Paulo; litoral
do Ceará; Espírito Santo; Vale Europeu, em Santa Catarina e Chapada Diamantina, na Bahia.
Trechos da Estrada Real também já tinham sido percorridos por muitos deles.
4.6 Motivação de viagem
O mundo percebido é também condicionado pelas motivações de quem o percebe. Uma
subida íngreme de estrada de terra, por exemplo, é percebida de forma diferente por uma
pessoa que caminha por ela para cuidar de sua criação de gado, no alto da serra, e por uma
pessoa que pedala por ela para descansar e ter lazer. As pessoas direcionam sua percepção de
74
acordo com o que as motiva, no momento. Nesse sentido, a motivão é importante fator para
entender como os cicloturistas percebem o ambiente.
Os entrevistados responderam três perguntas: primeiro, eles foram questionados sobre suas
motivações para a viagem que tinham realizado; depois, foram perguntados se a Estrada Real
tinha sido uma motivação específica e; por último, quais eram os motivos da utilização da
bicicleta como meio de transporte.
Percebe-se, por meio do discurso de alguns cicloturistas, que uma de suas principais
motivações é a utilização da bicicleta durante as viagens, principalmente pela experiência
proporcionada por ela. Assim, Rafael viajou para [...] percorrer lugares em cima da
bicicleta, ver paisagens bonitas e encontrar com pessoas diferentes.” Erotides disse que “[...]
queria ir de bicicleta para conhecer melhor o caminho e os lugares mais bonitos.” Para
Humberto, a locomoção de bicicleta lhe possibilitou uma “[...] viagem muito mais rica do que
qualquer outro tipo de transporte.” Leonardo disse que sua maior motivação foi a aventura e a
adrenalina proporcionada ao pedalar nas trilhas. André foi motivado pela sensação de
liberdade que o movimento lhe proporciona.
Outro motivo citado para a escolha das bicicletas como meio de viagem é o fato de ser um
meio de transporte limpo, que não causa tantos impactos negativos ao ambiente quanto as
motos e os carros. Segundo eles, ela causa menos erosão, polui menos e é silenciosa, o que
possibilita, por exemplo, observar animais durante a viagem. Outra informação, que contribui
para fortalecer essa preocupação com seus impactos, é o fato de muitos entrevistados a
utilizarem também durante a semana, para ir ao trabalho e se locomover em suas cidades.
Vivenciar dias diferentes do cotidiano é motivação de todos os cicloturistas, mesmo que esteja
implícito no discurso de alguns. A viagem de bicicleta proporciona dias e noites muito
diferentes das vividas por eles, quando em suas cidades. A maior parte do dia é despendida
pedalando pelo meio rural, tendo um contato mais próximo com a natureza e com as pessoas
do local. E embora os cicloturistas tenham dito que os dias em viagem de bicicleta também
sejam caracterizados por rotinas, eles ressaltaram que se tratam de rotinas prazerosas que os
motivam a viajar.
75
As viagens são, para os cicloturistas, também uma forma de descansar. Eles explicaram que
elas os deixam cansados porque o corpo é bastante exigido durante o ato de pedalar.
Entretanto, para Daniel, apesar de [...] cansar fisicamente, proporciona descanso à cabeça
para encarar o dia-a-dia.” O próprio fato de se ausentar da rotina de trabalho já proporciona
descanso que, aliado à viagem de bicicleta, faz com que descansem ainda mais.
Ter lazer também é motivação de todos os entrevistados. O prazer em utilizar a bicicleta nas
viagens pôde ser percebido pela forma com que relataram suas experiências de viagem.
Muitos entrevistados pareciam não se conter de alegria ao perceberem que havia uma pessoa,
o entrevistador (o autor), disposto a ouvir cada detalhe de suas experiências.
A ação proporcionada pela bicicleta foi citada como motivação por 4 (14,29%) entrevistados,
sendo que 3 deles percorreram trilhas. Eles explicaram que as trilhas proporcionam momentos
de alta velocidade em que as bicicletas atingem velocidades em torno de 60 quilômetros por
hora. Segundo eles, trata-se de uma forma de andar de bicicleta que proporciona muita
adrenalina, o que torna uma prática prazerosa de ser realizada, nos momentos de ócio.
A aventura foi citada como motivação por 7 (25,00%) cicloturistas. O fato de gostarem de
percorrer caminhos, sempre diferentes dos anteriores, faz com que vivam situações inusitadas.
Segundo eles, o desconhecido proporciona aventuras. Alguns relataram momentos em que
tiveram de pedalar à noite sem saber se estavam certos do caminho e quando chegariam ao
destino. Outros relataram fortes chuvas que pegaram nos altos de serra, travessias de rios,
íngremes subidas, horas de sol forte, inúmeras encruzilhadas sem sinalização e cachorros
ferozes. Aventurar-se, para os cicloturistas, é também uma ótima forma de descansar do
cotidiano e da rotina do trabalho.
O desafio de realizar os percursos propostos foi citado por 8 (28,57%) entrevistados,
principalmente pelos cicloturistas que percorreram rota. Nota-se, portanto, que o desafio é
motivação para aqueles menos experientes. As viagens de bicicleta ainda não são
consideradas como uma forma comum de fazer turismo. Segundo eles, é difícil convencer
parentes e amigos de que se trata de uma experiência prazerosa e gratificante e não uma
aventura perigosa para os mais corajosos. Os próprios cicloturistas ainda estão descobrindo as
possibilidades de uma bicicleta para percorrer grandes distâncias. Por outro lado, nenhum dos
cicloturistas mais experientes citou as viagens como desafio porque, segundo eles, o
76
importante não é chegar aos destinos, mas o próprio ato de pedalar. Além disso, a experiência
proporcionada pelas outras viagens lhes deu a certeza de que são capazes.
Segundo Lucas, “pedalar é estar junto com os amigos”. Esta motivação foi citada por 9
(32,14%) cicloturistas. Para eles, viver intensas aventuras ao lado dos amigos é um atrativo a
mais dessas viagens e o desconhecido, proporcionado por elas, faz com que as amizades
sejam fortalecidas. O companheirismo foi também citado como fator de segurança, durante as
viagens, porque problemas como machucar-se e estragar a bicicleta podem ocorrer, em
qualquer momento. Muitos cicloturistas disseram que a maior parte de seus amigos também
pedala freqüentemente. De fato, eles gostam de compartilhar sua paixão pela bicicleta, seja
em viagem com os amigos, contando casos aos familiares ou dando entrevista sobre as
experiências.
Manter a saúde física foi citado apenas por um cicloturista como motivação de sua viagem.
No entanto, foi citado como um ganho por muitos deles. Entende-se, portanto, que manter a
saúde não é motivação principal, mas é considerada uma conseqüência positiva das viagens
de bicicleta.
Para 11 (39,29%) entrevistados, o contato com a natureza é também uma motivação. O ato de
pedalar proporciona uma interação intensa com a natureza, pois passam os dias
constantemente ao ar livre, sentido, cheirando, ouvindo, vendo e degustando o ambiente. Em
diversos momentos das entrevistas, banhos de cachoeiras, estradas em matas, rios sob pontes,
travessias de serras, trilhas no cerrado foram citados como momentos especiais da viagem.
Conhecer pessoas foi uma motivação citada por 6 (21,43%) entrevistados. Segundo eles, as
pessoas que encontraram durante a viagem se mostraram abertas ao relacionamento pelo fato
da bicicleta ser um meio de transporte ‘amigável’. Alguns cicloturistas mais experientes
disseram que conhecer pessoas passou a ser motivação depois das primeiras viagens porque
descobriram que, quando estão de bicicleta, o contato se de forma peculiar pelo fato das
pessoas serem mais abertas ao relacionamento. Rafael disse preferir viajar sozinho para
possibilitar uma interação maior com os habitantes das cidades.
Ao serem perguntados se a Estrada Real foi motivação específica para a viagem, 16 (57,14%)
entrevistados responderam que sim. Muitos se mostraram interessados por sua história. Ui
77
se interessou em pedalar pelos [...] mesmos lugares onde passaram os tropeiros e os
portugueses.” Outros disseram que queriam realizar o Caminho dos Diamantes inteiro pela
sua beleza natural e também porque já estava sinalizado. Alguns demonstraram o desejo em
pedalar todos os Caminhos da rota (Novo, Velho, Diamantes, Sabarabuçu), como algo a ser
conquistado. As cidades, seus habitantes e a cultura também foram citados como motivação
para a escolha dos destinos.
Os outros 12 (42,85%) entrevistados disseram que o foram motivados pela Estrada Real.
Alguns reagiram à pergunta dizendo que a motivão que os levou até os destinos foi a
cultura e a natureza que sempre existiram antes do ‘marketing’ da Estrada Real ser lançado. A
maior parte dos cicloturistas que não consideraram a rota como motivação foram encontrados
na Serra do Cipó. De fato, o distrito é destino tradicional na região e tem capacidade de
atrair turistas por conta própria.
4.7 Forma de viagem
Nesta seção, pretende-se entender a forma de viagem dos cicloturistas que, além de contribuir
com informações para o planejamento de produtos turísticos para o segmento, possibilita
conhecê-los com maior profundidade e contribui para o entendimento de sua percepção
ambiental.
GRÁFICO 5 Proporção de cicloturistas que realizaram
planejamento de viagem - Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Em relação à preparação, 20 (71,43%) cicloturistas planejaram suas viagens. Dentre eles, 17
(60,71%) percorreram uma rota. Esse tipo de viagem é mais complexa pelo fato de envolver
71,43%
28,57%
Sim
Não
78
diversos destinos e estradas desconhecidas. Para planejar, alguns procuraram informações no
IER e, segundo eles, foram bem orientados. A internet foi a ferramenta mais citada como
fonte de informações. Entretanto, os sítios eletnicos de turismo das cidades deixaram a
desejar. A maior ajuda veio dos fóruns de debate sobre viagens de bicicleta, principalmente
pela experiência das pessoas que tinham percorrido os caminhos desejados. As queixas
mais freqüentes foram: inexisncia de mapas específicos para quem viaja de bicicleta, falta
de informação sobre meios de hospedagens e outras infra-estruturas como bancos e correios.
O primeiro passo do planejamento dos cicloturistas foi escolher o roteiro de viagem com base
nos lugares que desejavam conhecer. Depois, eles determinaram quantos quilômetros
percorreriam por dia. João Batista disse que “não adianta pedalar muito em um dia e não
recuperar as energias para o outro.” Por isso, muitos pesquisaram informações sobre o relevo
e as características das estradas (asfalto, terra, trilha, etc) para prever seu rendimento com a
bicicleta e calcular a distância diária.
A partir dessa distância, eles determinaram os lugares a pernoitar. Muitos reservaram
previamente a hospedagem, enquanto alguns preferiram deixar para escolher no próprio
destino. Os gastos foram previamente calculados, sendo que a maioria estabeleceu uma média
de gasto diário para controlar o custo total da viagem. As bicicletas foram revisadas com
antecedência por mecânicos de confiança para evitar problemas.
Entre os 8 (28,57%) que responderam que não fizeram planejamento, 5 (17,86%) percorreram
trilhas. Esse tipo de viagem é mais simples porque eles se hospedam em apenas um destino
que, em muitos casos, é conhecido. Em geral, eles somente reservam a hospedagem e
fazem revisão nas bicicletas. Apenas um cicloturista disse que pesquisou sobre atrativos e
trilhas interessantes.
Ao todo, 13 (46,43%) entrevistados disseram que foi a primeira vez no trecho da Estrada
Real, sendo que a maioria teve como objetivo percorrer rotas. A explicação dada é que eles
gostam de conhecer lugares novos tendo a bicicleta como meio de transporte. Alguns
disseram que, dificilmente, pedalariam pelo Caminho Velho da Estrada Real duas vezes sem
antes percorrer os outros. Por outro lado, a maioria dos 10 (35,71%) que estiveram no trecho
mais de quatro vezes, viajou para percorrer trilhas, indicando algum grau de fidelização com
relação aos destinos.
79
GRÁFICO 6 Quantidade de viagens realizadas no trecho pelos cicloturistas
entrevistados – Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Em relação ao agrupamento de viagem, 15 (53,57%) viajaram em grupo, sendo que 8
(28,57%) deles no mesmo grupo. Também em viagens com amigos, 9 (32,14%) viajaram em
duplas, corroborando com a informação de que uma das principais motivações é estar com os
amigos. Apenas 3 (10,71%) viajaram sozinhos, sendo que 2 (7,14%) deles disseram preferir
dessa forma, enquanto o outro disse ter combinado viagem com amigos que não puderam ir.
Ninguém fez excursão paga porque, para a maioria deles, elas lhes tirariam a liberdade, fator
importante proporcionado pelas bicicletas durante as viagens.
TABELA 3
Agrupamento das viagens realizadas pelos cicloturistas entrevistados
- Estrada Real - 2007
Agrupamento de viagem Freqüência Porcentagem
3.5.1 Individual 3 10,71%
3.5.2 Dupla 9 32,14%
3.5.3 Família 1 3,57%
3.5.4 Grupo 15 53,57%
3.5.5 Excursão paga 0 0,00%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Primeira vez
Duas vezes
Três vezes
Quatro vezes
Acima de 4 vezes
80
As viagens de 10 (35,71%) entrevistados aconteceram em finais de semana e duraram até 3
dias. As 6 (21,43%) viagens que duraram de 4 a 6 dias foram realizadas em feriados, enquanto
as outras 12 (42,86%) com maior duração aconteceram em período de férias. Estes números
estão intimamente relacionados à forma como foi procedida a pesquisa de campo e, portanto,
o é possível afirmar que representam o universo das viagens dos cicloturistas da Estrada
Real.
TABELA 4
Duração das viagens realizadas pelos cicloturistas entrevistados -
Estrada Real - 2007
Duração de viagem Freqüência Porcentagem
Até 3 dias 10 35,71%
De 4 a 6 dias 6 21,43%
De 7 a 9 dias 6 21,43%
De 10 a 12 dias 2 7,14%
Acima de 12 dias 4 14,29%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Todos os entrevistados, com exceção de 2 (7,14%), utilizaram outros meios de transporte
como locomoção, a os destinos turísticos. Os ônibus foram utilizados por 17 (60,71%)
cicloturistas, indicando que suas viagens são realizadas com menor dispêndio de energia com
relação à utilização de transportes, se comparados a outros tipos de turistas, como, por
exemplo, aqueles que utilizam avião para chegar ao destino. Dos 9 (32,14%) que utilizaram
carro próprio ou alugado, 7 tinham como objetivo fazer trilhas. Em relação às viagens em
rotas, pode-se dizer que dificultam a utilização de carro por começarem em um destino e
terminarem em outro.
81
GRÁFICO 7 – Meios de transporte utilizados até o destino turístico pelos
cicloturistas entrevistados - Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Todos os entrevistados utilizaram bicicletas próprias porque, segundo eles, são fundamentais
para o conforto e segurança da viagem. A maioria delas custa acima de mil reais, sendo que
algumas chegam ao valor de cinco mil. O apreço por elas é tão grande que existe uma tradição
em batizá-las, assim como é costume fazer com os barcos. Marefina, Bárbara, Tácia e
Ventania são alguns dos nomes dados por seus donos. Para Rafael “a bicicleta faz parte da
pessoa. É preciso cuidar bem dela, conversar com ela, trocar iias porque, afinal de contas, a
pessoa depende dela.”
Existem diferentes tipos de bicicletas. A maioria dos cicloturistas utiliza a chamada ‘mountain
bike’ que é própria para terra, mas que se adapta também ao asfalto. Cada um tem suas
preferências com relação às peças e regulagens. Alguns equipamentos se diferem de acordo
com o tipo da viagem. As bicicletas para percorrer rotas precisam, por exemplo, serem
preparadas para acomodar os alforjes que levam as roupas, ferramentas e outros equipamentos
necessários.
Quanto à distância percorrida por dia, percebe-se que 15 (53,57%) percorreram entre 41 e 60
quilômetros, enquanto 9 (32,14%) percorreram acima de 61. A razão para esses números é
que quase todos os cicloturistas gostam de pedalar, durante todo o dia. Em outras regiões, a
distância diária poderia ser maior, mas a Estrada Real e suas montanhas diminuem essa
possibilidade. Além disso, eles pedalaram boa parte do tempo por estradas de terra, onde a
velocidade média também é menor. Durante a viagem de observação participante, a média de
velocidade foi de 5 quilômetros por hora. No primeiro dia, por exemplo, ela começou pela
manhã e estendeu-se até depois do anoitecer. Percebe-se, portanto, que os cicloturistas
despendem pouco tempo nas cidades porque passam o dia pedalando no meio rural.
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%
Ônibus
Carro próprio
Avião
Bicicleta
Outros
82
GRÁFICO 8 – Distância percorrida por dia de bicicleta pelos cicloturistas entrevistados –
Estrada Real – 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Percebe-se que os cicloturistas que percorreram rotas utilizaram variados meios de
hospedagem, durante a viagem. De uma forma geral, eles preferiram os mais baratos, fato que
pode ser comprovado pela análise de seu comportamento de gastos. Trata-se, portanto, de
uma tendência semelhante à relatada pela literatura internacional (RITCHIE, 1998; COPE et
al, 1998; SIMONSEN; JORGENSON, 1996)
De uma forma geral, houve um equilíbrio na utilização dos diversos meios de hospedagem.
As pousadas foram os mais utilizados porque, segundo os cicloturistas, atendem suas
necessidades, têm preço acessível e são encontradas em todos os destinos percorridos. Os
albergues foram menos utilizados porque existem em menor quantidade. Acampamento não
pago também foi pouco utilizado por motivos de segurança. A opção outros” foi citada por 6
(21,43%) cicloturistas como casa de amigos e por 1 como segunda residência.
GRÁFICO 9 Meios de hospedagem utilizados pelos cicloturistas entrevistados - Estrada Real -
2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%
Até 20 km
De 21 a 40 km
De 41 a 60 km
De 61 a 80 km
Acima de 80 km
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50%
Hotel
Pousada
Albergue
Peno
Acampamento não pago
Área de 'Camping'
Imóvel alugado
Outros
83
Os cicloturistas utilizaram os meios de alimentação também de forma diversificada. Os
restaurantes foram utilizados por 26 (92,86%), as padarias por 22 (78,57%) e as lanchonetes
por 16 (57,14%) entrevistados. Os que disseram fazer sua própria comida levaram sanduíches,
doces, frutas e cereais para comer durante o percurso. Na maior parte das vezes, a opção
outros” foi utilizada para se referir a bares. Um cicloturista disse ter ido a uma sorveteria.
GRÁFICO 10 – Meios de alimentação utilizados pelos cicloturistas entrevistados - Estrada Real -
2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Em relação às outras infra-estruturas utilizadas, 13 (46,43%) entrevistados utilizaram postos
de gasolina, mas somente para calibrar os pneus das bicicletas. As lojas de bicicletas foram
utilizadas por 7 (25%), que fizeram apenas pequenos reparos como regular freios e consertar
pneus furados. Pelo fato de serem revisadas antes da viagem, as bicicletas dificilmente
estragam. Entretanto, muitos relataram que as lojas não estavam preparadas para suas
necessidades. Apenas 5 (17,86%) utilizaram Centro de Informações Turísticas que, segundo
os cicloturistas, não são encontrados em muitos destinos e não os atendem como deveriam.
Na opção “outras”, foram citados bancos, correios e banheiros públicos.
GRÁFICO 11 Outras infra-estruturas utilizadas pelos cicloturistas entrevistados -
Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Restaurante
Padaria
Lanchonete
Supermercado
Faz a própria comida
Outros
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Lojas de Bicicleta
Posto de Gasolina
Hospital / Posto de Saúde
Centro de Info Turística
Outras
84
Quanto aos gastos de viagem, a intenção foi compreender o comportamento dos cicloturistas
por meio da contabilização de seus gastos totais, da média diária e da distribuição de gastos
nos diversos serviços. Para conhecer o gasto médio por viagem, realizou-se uma média
simples, somando todos os totais gastos e dividindo-os pelo número de entrevistados. O
mesmo método foi utilizado para os gastos dios diários. Para conhecer a distribuição do
dinheiro pelos serviços, primeiramente, somou-se o gasto médio de todos eles em cada
categoria de serviços e, em seguida, verificou-se a porcentagem de cada categoria.
O gasto médio por viagem foi de R$ 312,24, sendo que o maior foi de R$ 946,00 e o menor
de R$ 20,00. Essa discrepância se deve, em parte, pelo fato de haver cicloturistas que
viajaram em finais de semana e outros em férias. Entretanto, a média diária de R$ 50,01 e a
distribuição desse dinheiro pelos serviços indica algumas tenncias com relação ao
comportamento de gastos dos cicloturistas. Segundo um relatório do Ministério do Turismo
(2007) sobre a demanda turística doméstica, o gasto médio do turista brasileiro em viagem, no
próprio país, era de R$25,47 por pessoa no ano de 2001. em 2006, este gasto subiu para
R$36,52. Nota-se, portanto, que os cicloturistas gastam mais por dia do que a média nacional.
TABELA 5
Gasto médio dos cicloturistas - Estrada Real - 2007
Gasto médio Valor (R$)
Por dia 50,01
Por viagem 312,24
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Percebe-se que quase três quartos (74,07%) do dinheiro foi gasto nos meios de hospedagem e
de alimentação, sendo que, no primeiro, foram gastos 43,64 % e, no segundo, 30,43%. Com
as bicicletas, o valor gasto foi irrisório pelo fato de terem sido revisadas com antecedência. Os
gastos com atrativos turísticos também foram pequenos porque, segundo os cicloturistas, o
maior atrativo da viagem é pedalar e, por isso, quase não visitam locais como museus e
teatros. Este comportamento foi relatado também nas pesquisas na Inglaterra e na Nova
Zelândia (RITCHIE; HALL, 1999; COPE et al, 1998). Os transportes que os levaram até os
destinos foram responsáveis por 9,65% dos gastos. A opção “outros” foi citada para gastos
com diversão, principalmente com bebidas.
85
GRÁFICO 12 – Distribuição de gastos dos cicloturistas pelos serviços - Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007
O cicloturistas, que percorreram rotas, pedalaram por diversos destinos, realizando uma boa
distribuição da renda pela região da Estrada Real e estimulando pequenas e diversificadas
empresas.
4.8 Grau de Satisfação dos cicloturistas quanto aos serviços utilizados e à receptividade da
população
Os serviços e a receptividade da população de Conceição do Mato Dentro e da Serra do Ci
foram avaliados pelos cicloturistas com o intuito de fornecer informações que auxiliem na
formatação de um produto de cicloturismo de qualidade. Eles foram conceituados numa
escala de ruim a excelente. Também foi dada aos entrevistados a possibilidade de tecer
comentários sobre os aspectos que acharam relevantes e gostariam de analisar com maior
profundidade.
Em relação às informações turísticas (TAB. 9, APÊNDICE B), as respostas ficaram bem
distribuídas entre os conceitos. Alguns entrevistados ressaltaram que a população é muito
solícita ao dar informações. No entanto, a maioria dos comentários se deu no sentido de
criticar a falta de um centro informações oficial que lhes desse indicações específicas para
quem viaja de bicicleta, principalmente relacionadas aos caminhos mais interessantes.
Segundo Humberto, ele [...] está acostumado ao impreciso. O ideal mesmo é perguntar o
caminho para as pessoas da região.
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50%
Meios de Hospedagem
Meios de Alimentação
Bicicleta
Outros transportes
Atrativos turísticos
Outros
86
A sinalização turística foi criticada pela maioria dos entrevistados. Alguns disseram que as
quilometragens, nas placas, estavam erradas e explicaram que um erro de 5 quilômetros para
carro não é problema, mas para bicicleta faz muita diferença, principalmente no fim do dia,
quando já estão cansados. Os marcos oficiais da Estrada Real foram elogiados por alguns,
mas muitos disseram que, em diversos lugares, estão em estradas que o são boas para quem
viaja de bicicleta por causa do fluxo de carros. Percebe-se que o maior desejo dos cicloturistas
é que trilhas específicas para bicicleta fossem demarcadas. Daniel disse que “gostaria que os
caminhos fossem melhor sinalizados para fomentar os esportes limpos.”
TABELA 6
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação à sinalização turística, em Conceição do Mato
Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real – 2007
Grau de Satisfação Freqüência Porcentagem
Excelente 1 3,57%
Muito Bom 3 10,71%
Bom 4 14,29%
Regular 11 39,29%
Ruim 8 28,57%
Não Soube / Não respondeu 1 3,57%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Quanto à receptividade da população, as respostas foram muito positivas. A maioria dos
entrevistados enfatizou a qualidade com que foram recebidos pelos mineiros da região da
Estrada Real. A bicicleta também contribuiu para uma boa recepção porque, segundo eles, as
pessoas sentem simpatia por ela e por quem a utiliza.
87
TABELA 7
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com relação
à receptividade da população, em Conceição do Mato Dentro
e Santana do Riacho - Estrada Real2007
Grau de Satisfação Freqüência Porcentagem
Excelente 11 39,29%
Muito Bom 11 39,29%
Bom 4 14,29%
Regular 0 0,00%
Ruim 0 0,00%
Não Soube / Não respondeu 2 7,14%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Em relação às estradas, a metade dos cicloturistas disse que as utilizadas eram boas para
serem percorridas de bicicleta. Para eles, o fator mais importante para a qualidade dos
caminhos é não haver fluxo de veículos motorizados e na região onde pedalaram uma
grande quantidade de opções nos municípios e entre eles. Alguns cicloturistas evitaram
trechos com a sinalização oficial da Estrada Real, exatamente por causa dos carros. O estado
de conservação dos caminhos é considerado menos importante porque a bicicleta transita bem
por diversos tipos de terrenos. A rodovia MG-10, entre Serra do Ci e Conceição do Mato
Dentro, foi muito criticada por causa da ausência de acostamento ou de pistas exclusivas para
ciclistas. Alguns cicloturistas disseram que pedalar pelo trecho foi muito perigoso e tenso.
88
TABELA 8
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação às estradas, em Conceição do Mato Dentro e
Santana do Riacho - Estrada Real – 2007
Grau de Satisfação Freqüência Porcentagem
Excelente 6 21,43%
Muito Bom 1 3,57%
Bom 14 50,00%
Regular 4 14,29%
Ruim 3 10,71%
Não Soube / Não respondeu 0 0,00%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Em relação aos entretenimentos (TAB. 10, APÊNDICE B), a maioria das respostas dos
entrevistados foi positiva por não serem considerados importantes, quando estão viajando de
bicicleta. Segundo eles, não há necessidade de formas de entretenimento sofisticadas. A maior
parte do dia é despendida com a bicicleta e, à noite, um simples bar já é suficiente. Do total, 8
(28,57%) cicloturistas não responderam porque não chegaram a freqüentá-los.
Quanto aos serviços públicos, os entrevistados conceituaram o saneamento básico, o sistema
de saúde, a limpeza e a segurança. Sobre o saneamento básico (TAB. 11, APÊNDICE B), 12
(42,86%) não responderam e outros 12 disseram ser ruim ou regular porque perceberam em
diversos lugares esgoto a céu aberto e rios poluídos. Sobre a saúde pública (TAB. 12,
APÊNDICE B), 17 (60,71%) não responderam, enquanto 8 (28,57%) disseram ser ruim ou
regular porque moradores lhes disseram que em caso de emergência, é preciso locomover o
acidentado ou doente para outras cidades. Um cicloturista lembrou que, em viagem anterior,
caiu da bicicleta e não conseguiu tirar um raio-x, em Conceição do Mato Dentro.
As respostas com relação à limpeza (TAB. 13, APÊNDICE B), foram mais positivas, sendo
que 2 (7,14%) entrevistados responderam excelente; 7 (25%), muito bom e 5 (17,86%), bom.
No entanto, alguns comentaram que o centro estava mais limpo do que as periferias e que não
havia lixeiras, em diversos lugares das cidades. Quanta à segurança pública (TAB. 14,
89
APÊNDICE B), 8 (28,57%) responderam bom; 4 (14,29%), muito bom e 3 (10,71%),
excelente. Nenhum viajante disse ter tido problema de segurança, durante a viagem.
A qualidade e o preço dos meios de alimentação foram conceituados de forma equiparada
pelos entrevistados. Dentre eles, 20 (71,43%) consideraram a qualidade boa, muito boa ou
excelente e disseram que gostam de comer comida simples durante as viagens de bicicleta.
Eles ressaltaram também que a comida mineira daquela região é sempre saborosa. Os que não
ficaram satisfeitas reclamaram da falta de variedade de tipos de comida.
GRÁFICO 13 Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com relação à qualidade e
aos preços dos meios de alimentação, em Conceição do Mato Dentro e Santana do Riacho -
Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Sobre os meios de transporte (GRAF. 15, APÊNDICE C), 10 (35,71%) entrevistados
consideraram sua qualidade boa; 3 (10,71%), muito boa e 1 (3,57%), excelente. Entretanto,
muitas reclamações foram feitas com relação às empresas de ônibus. Segundo eles, algumas
cobraram indevidamente para embarcar as bicicletas. Em muitos casos, os funcionários das
empresas não queriam embarcá-las e os cicloturistas precisaram convencê-los de seus direitos.
Na viagem para observação participante, o mesmo impasse aconteceu e demorou quase dez
minutos para ser resolvido.
Em relação à qualidade e preço dos meios de hospedagem, as respostas foram muito positivas.
Apenas 2 (7,14%) cicloturistas responderam regular e 3 (10,71%) não responderam. Os outros
consideraram bons, muito bons ou excelentes porque atenderam suas necessidades.
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Excelente
Muito Bom
Bom
Regular
Ruim
Não Soube / Não respondeu
Preço
Qualidade
90
GRÁFICO 14 Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com relação à qualidade e
aos preços dos meios de hospedagem, em Conceição do Mato Dentro e Santana do Riacho -
Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
Quanto às lojas de bicicleta (GRAF. 16, APÊNDICE C), 17 (60,71%) entrevistados não
responderam porque não as utilizaram. Ao todo, 6 (21,43%) as consideraram de qualidade
regular ou ruim porque, segundo eles, as lojas não são preparadas para o tipo de bicicleta que
utilizam. Alguns cicloturistas disseram que são baratas, pois vendem peças simples para
bicicletas simples.
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Excelente
Muito Bom
Bom
Regular
Ruim
Não Soube / Não respondeu
Preço
Qualidade
91
4.9 A percepção ambiental dos cicloturistas
Figura 2 Bicicleta do autor em estrada em Congonhas
do Norte - 2007
Fonte: Arquivo do autor
A viagem de bicicleta proporciona ao cicloturista uma forma peculiar de conhecer lugares e
pessoas. Ao percorrer diversos tipos de estradas, relevos, vegetações, climas e cidades, os
cicloturistas percebem o ambiente diferentemente de qualquer outro tipo de turista por causa
das características do movimento peculiar à bicicleta. Trata-se de uma rica experiência em
que o mundo é percebido intensamente pelo sentir, ver, cheirar, degustar e ouvir dos viajantes.
Como pôde ser observado no campo, a percepção dos cicloturistas que percorreram trilhas
tem pequenas diferenças com relação à percepção dos que percorreram rotas. Os primeiros
são motivados, entre outros fatores, pela adrenalina proporcionada pelo movimento e
precisam estar com as atenções mais voltadas ao ato de pedalar. As trilhas são percorridas em
maior velocidade e requerem maior técnica. Apesar de suas atenções estarem mais voltadas à
ação, ainda assim, eles percebem o ambiente ao sentir o terreno, o clima, as fazendas, os
animais. Já os outros pedalam em um ritmo mais lento e podem dedicar mais tempo à
contemplação do ambiente. Apesar da diferença de velocidade, as percepções de ambos se
assemelham mais do que diferem.
92
A viagem dos cicloturistas é pautada pela utilização da bicicleta. Eles pedalam muitas horas
diárias, principalmente pelo meio rural, onde as estradas têm menor fluxo de veículos
motorizados. Embora um entrevistado tenha dito que pedalar por estradas perigosas não
representa um problema, os caminhos seguros foram considerados por todos os outros como
um importante fator para a qualidade da viagem.
A paisagem dá vida à experiência. As serras e as matas; os rios; os tios e os sitiantes; o
vento, a chuva, o calor e o frio; as pequenas cidades, as pessoas e suas histórias proporcionam
cor, sabor, textura, som e cheiro à viagem.
A percepção de cima da bicicleta é que me fascina. Para mim, é a melhor forma de compreender
o ambiente. Eu entro em sintonia com ele. o contato sico constante por meio dos sentidos.
(ANDRÉ)
A viagem possibilita aos cicloturistas uma intensa interação com o ambiente. A bicicleta não
tem teto, janelas ou o barulho do motor que os distanciem do seu entorno. Ela os obriga, de
forma prazerosa, a sentir a neblina do amanhecer, o calor do meio dia, a chuva da tarde e o
frio da noite; a ver o relevo, a fauna, a flora e as pessoas; a ouvir os rios, os ssaros, as
músicas dos quintais e os centros das cidades; a degustar a poeira da estrada, o suor do rosto,
o pastel da venda, o feijão feito na hora e a carne de panela bem temperada.
Segundo Annio Marcos, viajar de bicicleta é perceber o mundo de [...] um ângulo
diferente, é ter um outro ponto de vista.” O fato de a percepção se dar por meio do movimento
e da qualidade da experiência, assim como afirma Ingold (2000), explica o porquê de a
bicicleta proporcionar uma forma de perceber diferenciada. O seu movimento é um pouco
mais veloz que a e mais devagar que veículos motorizados. O corpo precisa trabalhar em
constante diálogo com o ambiente (terreno, relevo, clima...) e com a bicicleta. Nas subidas,
por exemplo, a concentração precisa ser grande para trilhar o melhor caminho com o pneu,
equilibrar-se, realizar o trabalho com as pernas e regular a respiração. Nas descidas, as pernas
podem ficar paradas e a cabeça erguida.
A viagem é muito corporal. Seu corpo está sempre trabalhando em comunhão com a bicicleta
e com o ambiente. O corpo é que dá a propulsão à bicicleta. Por causa da irregularidade do
terreno, da direção do vento, ele trabalha de forma diferente. (HUMBERTO)
As pessoas, quando estão em ambientes diferentes do seu cotidiano, tendem a percebê-lo de
maneira singular. Suas motivações são diferentes, assim como seus movimentos pela
93
paisagem ao longo do dia. De fato, as motivações para estar em determinado local
condicionam a percepção das pessoas. Os cicloturistas viajaram para pedalar, ter lazer,
descansar, conhecer lugares novos, estar com os amigos, aventurar-se e interagir com o
ambiente. Segundo Daniel, quando está viajando, torna-se mais predisposto a perceber o
ambiente. Esse comportamento, que é também uma das finalidades das viagens, é, ao mesmo
tempo, um meio que lhes possibilita alcançar tudo aquilo que os motiva. A intensa interação
entre os cicloturistas e o ambiente faz com que se divirtam, descansem, conheçam lugares
novos, estejam com os amigos e se aventurem.
A percepção é bem diferente de um carro. uma interação com o ambiente. Eu sinto o frio, o
calor e o vento. Converso com as pessoas. Eu paro para ver o ssaro ou para qualquer outra
coisa interessante. De bicicleta, fico livre e focado no ambiente. (JOÃO BATISTA)
A cultura, em viagem de bicicleta, é percebida principalmente por meio do contato singular
que se estabelece entre os cicloturistas e os habitantes. Por motivos múltiplos, discutidos no
decorrer deste capítulo, as pessoas se mostram abertas aos viajantes e às suas bicicletas. Ao
mesmo tempo em que elas abrem suas casas, oferecem comida e contam histórias, elas
perguntam sobre a vida dos cicloturistas, porque utilizam as bicicletas e por quais motivos
viajam. Outros aspectos da cultura da região como a música, a arquitetura, os hábitos, as
festas, a comida também são percebidos de forma diferenciada pelos viajantes, fato que pode
ser explicado pela intensa percepção.
A bicicleta lhes proporciona liberdade com relação ao tempo e aos caminhos percorridos. Sua
energia de propulsão é a própria energia dos cicloturistas, o que os torna donos do seu tempo.
Eles decidem quando começar e parar de pedalar, aumentar ou reduzir a velocidade, nadar no
rio, descansar, comer ou conversar com as pessoas. A bicicleta também proporciona acesso
aos mais diversos tipos de estradas e caminhos. Ela pode ser utilizada em asfalto, terra, areia,
trilha de animais, pastos, entre outros terrenos. Essa característica faz com que os cicloturistas
escolham, dia-a-dia, os caminhos a serem percorridos e os locais onde querem chegar. Muitas
cachoeiras, por exemplo, são acessadas somente por meio de trilhas, em que os carros não
transitam, mas as bicicletas sim.
A energia que movimenta a bicicleta é a do próprio viajante. Nas palavras de Artur, “as
distâncias são vencidas pelo próprio esforço.” Além de ser um motivo de orgulho por parte
dos cicloturistas, percorrer paisagens com o próprio esforço faz com que a percepção aconteça
94
de forma intensa. Uma serra não é somente percebida por um mirante ou pela janela de um
ônibus, mas na medida em que cada metro é percorrido lentamente. De bicicleta, é preciso
pedalar para se aproximar, subir, descer e distanciar-se dela. Um terreno arenoso, por
exemplo, necessita de um esforço maior do que uma estrada de terra batida e faz com que o
cicloturista perceba, nos músculos, as variedades de solo. A paisagem, assim como afirma
Ingold (2000), é incorporada pelas pessoas ao longo dos percursos.
Segundo Humberto, a viagem nunca é monótona porque “a mudança de paisagem acontece o
tempo inteiro.” Em um mesmo dia, é possível pedalar por cidades, matas, campos e fazendas.
A velocidade média da bicicleta faz com que a paisagem se apresente em um lento
movimento que, segundo Rodrigo Coelho, torna sua percepção mais apurada. Ele percebeu
[...] as coisas com maior riqueza porque teve tempo de analisar nos mínimos detalhes [...]
Dessa forma, ao mesmo tempo em que a paisagem muda constantemente, suas características
são percebidas em baixa velocidade.
4.9.1 Um corpo ativo no ambiente
Figura 3 - Rafael e sua bicicleta, em
estrada na Crista da Serra do Espinhaço,
entre Congonhas do Norte e Santana do
Riacho – 2007
Fonte: Arquivo do autor
95
Para Ingold (2000), a percepção se por meio da utilização dos sentidos e do movimento do
corpo no ambiente, recolhendo informações e dando significados a elas. De bicicleta, o corpo,
ativo por causa do exercio físico constante, contribui para condicionar a percepção do
viajante. Ao relatarem suas percepções ambientais, os cicloturistas descreveram diversos
momentos do funcionamento do corpo ao longo das horas e horas que pedalaram. André
relatou o seguinte:
O esforço físico e a adrenalina ativam a sensibilidade do corpo em vários sentidos. Quando você
está trabalhando os músculos, você trabalha a percepção. Sente na pele o tato. Se chover, molha.
Se fizer sol, queima. Se fizer frio, sente o frio. (ANDRÉ)
Em muitos momentos, a concentração do viajante se volta para a respiração com o intuito de
otimizar o esforçosico. Segundo Daniel, “[...] a respiração em cima da bicicleta ativa
funções cerebrais e deixa o corpo mais ativo [...], perceptivo. André disse que o olfato fica
mais aguçado por que o pulo funciona a todo vapor [...]”, deixando entrar e sair mais ar.
Bernardo disse que, com o pulmão mais aberto e o vento constante, o corpo inala muito
oxigênio e os odores são mais absorvidos, possibilitando sentir melhor os cheiros do
ambiente.
Os sentidos, de acordo com a argumentação de Ingold (2000), trabalham sempre em conjunto
e ao longo do tempo. Os cicloturistas, por exemplo, ao mesmo tempo em que sentem o gosto
salgado do suor que escorre pelo rosto, cheiram a canela de ema queimada, sentem o toque da
chuva fria, observam os campos rupestres e sentem o esforço dos músculos por causa do barro
na estrada.
Os sentidos são afinados de acordo com as motivações e as experiências vividas pelas
pessoas. Por meio das viagens de bicicleta, os cicloturistas desenvolvem uma forma de
perceber o mundo. Seus sentidos são afinados com o objetivo de pedalar nas paisagens.
Segundo Luiz, “[...] a bicicleta treina a visão [...]” porque exige muita atenção dos viajantes
nos caminhos a serem trilhados. Da mesma forma, os outros sentidos também são treinados. A
audição, por exemplo, é muito utilizada pela necessidade de ficar atento aos carros das
estradas. O olfato se torna mais aguçado por causa dos pulmões mais abertos.
96
O corpo sente o exercício físico realizado ao longo dos dias. Os viajantes relataram que os
braços doem quando o terreno é muito acidentado e as os ficam dormentes de tanto frear.
As pernas descansam nas descidas e nas paradas. As nádegas também doem e incomodam
bastante. A coluna reclama por causa da posição do corpo na bicicleta. Esse cansaço sico é
fruto do movimento do corpo no ambiente e, portanto, é parte da percepção e a influencia.
4.9.2 A velocidade como condicionante da percepção
A bicicleta, ao proporcionar ao cicloturista um movimento diferenciado com relação à sua
velocidade, faz com que o ambiente da viagem seja percebido de forma singular. Muitos
entrevistados fizeram essa correlação entre a velocidade e a percepção. Para eles, o
movimento proporcionado pela bicicleta faz com que o ambiente seja percebido de forma
intensa, o que pode ser exemplificado pelas palavras de Artur e Rafael:
A baixa velocidade da bicicleta proporciona uma maior percepção das coisas. A gente até a
borboleta voando do seu lado, ouve o barulho da água e dos pássaros. (ARTUR)
A velocidade da bicicleta me permite recordar cada curva que eu passei, cada subida e descida
da estrada. Eu me lembro de todos os trechos. (RAFAEL)
Durante a viagem, a velocidade da bicicleta se altera constantemente ao longo do percurso
porque os diferentes terrenos e relevos proporcionam mobilidades diferentes. Uma íngreme
descida de asfalto pode levar os cicloturistas a velocidades maiores que 70 km/h. Segundo
Rodrigo Coelho, “quando a velocidade é alta, o vento é forte e a audição fica quase nula. É
preciso prestar muita atenção na estrada.” Outros cicloturistas relataram que as descidas de
serra são bons momentos para descansar, alinhar a coluna, deixar o vento bater no peito,
relaxar e admirar o entorno.
De fato, subir uma serra é bem diferente de descê-la. Uma forte subida de uma trilha o
possibilita uma velocidade maior do que 3 km/h e é preciso de muita concentração para
percorrê-la. Durante a viagem de observação participante, relatei em meu diário de campo a
seguinte passagem:
Após a pausa para descanso no povoado de Ouro Fino, seguimos viagem em direção a
Congonhas do Norte. Tínhamos um trecho de 25 quilômetros de terra pela frente. Em uma única
subida, pedalamos pouco mais de duas horas. Ela parecia interminável e, na medida em que
ganhava altitude, tornava-se ainda mais íngreme. E para piorar, em alguns trechos, havia
bolsões de poeira por causa da seca da região (AUTOR).
97
A bicicleta proporciona ao cicloturista uma autonomia com relação à quilometragem a ser
percorrida. A velocidade média, no asfalto, da maioria dos cicloturistas gira em torno dos 15
quilômetros por hora, enquanto na terra baixa para 10 km/h. Stevão contou que, mesmo em
relevos acidentados como o da Estrada Real, existe a possibilidade de [...] pedalar mais de
cem quilômetros em um dia ou apenas vinte, dependendo da vontade de quem pedala.” Ainda
segundo ele, “o ritmo é lento quando a paisagem é bonita, mas quando não agrada, o ritmo
pode ser bem mais rápido.Trata-se, portanto, de uma autonomia que permite ao cicloturista
despender mais tempo nos lugares que lhe agrada e menos nos outros.
4.9.3 As viagens são para pedalar, não para chegar
A bicicleta é um dos principais motivos da viagem e o ato de pedalar é um dos prazeres dos
cicloturistas. Percebe-se, por meio dos relatos, que chegar é menos importante do que ir. Ao
comparar com viagens de carro, Raquel refletiu que “o gostoso da viagem de bicicleta é o
deslocamento. De carro, o deslocamento é como se fosse uma parte em branco da viagem.”
Ao fazer a mesma comparação, Vinícius disse que, “[...] de carro, a pessoa viaja aos lugares
para curtir lá. De bicicleta, a pessoa aproveita a locomoção [...]” Portanto, as cidades e os
atrativos apenas compõem a viagem, pois ela se dá, na maior parte do tempo, nas estradas e
trilhas. Erotides fez uma interessante correlação entre a sua viagem e uma de ônibus:
De ônibus, me sinto preso. É apenas um transporte para chegar aos lugares. Viajar de ônibus é
igual a trabalhar. Tem horário para comer, ir ao banheiro. De bicicleta, eu fico livre para parar e
fazer um monte de coisas. (EROTIDES)
Os cicloturistas viajam para descansar da rotina de trabalho e a liberdade proporcionada pela
bicicleta os ajuda nesse processo, fato que pode ser percebido pelas palavras de Antônio
Ricardo:
Eu não tenho pressa para chegar. o tenho este tipo de preocupação. Eu pedalo e paro quando
quero. Estou ali para descansar. Eu gosto de ir bem livre, sem tempo para as coisas. (ANTÔNIO
RICARDO)
Ao longo dos dias, os cicloturistas despedem muito tempo sozinhos, fato que acontece a
mesmo com aqueles que viajam em grupo, pois nem sempre pedalam lado a lado com seus
companheiros. E, como conseqüência dessa solidão, eles pensam e refletem muito durante a
viagem, assim como relatou Rafael:
98
A viagem de bicicleta me faz meditar e pensar na vida. Ela me possibilita muita reflexão e
autoconhecimento. Enquanto estou pedalando, estou pensando. Eu penso em sexo, no trabalho,
na família, na minha relação com as pessoas, nos acontecimentos do passado, nas minhas
atitudes. (RAFAEL)
Ao mesmo tempo em que a bicicleta proporciona uma intensa interação com o ambiente, os
viajantes que percorrem rotas fazem também uma viagem introspectiva. Nelas, a região se
apresenta a 10 km/h. Os cicloturistas relataram que um dia é sempre diferente do outro. Eles
pedalam nas paisagens e passam por cidades, vales e montanhas sempre diferentes. A cada
dia, uma nova padaria, pessoas desconhecidas, outra hospedagem, restaurantes com temperos
e comidas diferentes. Essa novidade constante faz com que os cicloturistas estejam sempre
contrapondo a sua realidade com a das pessoas e a do ambiente de viagem. Dessa forma, a
percepção em viagens de bicicleta estimula a reflexão e o autoconhecimento. Sobre isso,
Artur refletiu:
Acho que a viagem de bicicleta possibilita um crescimento humano muito grande. Acho que
isso acontece porque eu percebo muito as coisas. Eu vejo a realidade das pessoas do interior,
aquelas que não têm nada e que a situação é realmente difícil. Isto me faz pensar porque tenho
tudo. O aprendizado é muito grande, não tem como ficar indiferente com a realidade dura das
pessoas. (ARTUR)
4.9.4 Aspectos das paisagens em viagem de bicicleta
Figura 4 Autor e sua bicicleta, no município de Conceição do
Mato Dentro - 2007
Fonte: Arquivo do autor
99
Durante as viagens, os cicloturistas pedalaram em diferentes paisagens da Estrada Real e
contaram histórias sobre suas montanhas, vales, matas, cerrados, campos rupestres, cidades,
fazendas e sítios. Eles, assim como Ingold (2000), entenderam paisagem como tudo que está
no entorno da pessoa e relataram, entre outras coisas, os sons dos carros, das pessoas e das
músicas; os cheiros dos animais e das plantas; o sabor das comidas; e a textura das estradas.
As montanhas fazem parte de toda a rota da Estrada Real e também da experiência dos
cicloturistas que pedalaram pela rego. Muitos que percorreram rotas relataram que não
um dia em que o seja preciso subir uma serra. Para eles, as serras não são problemas,
mas enriquecem a viagem.
As pessoas me colocavam a serra (do espinhaço) como obstáculo, mas não vi a serra dessa
forma. A vontade de subir era grande. Eu poderia subir 3 vezes. Eu gosto de passear em lugares
bonitos. A serra é linda. Para mim, subir a Serra foi um presente de Deus. (EROTIDES)
Para Raquel, “o Espinhaço (Serra) é muito especial: os bichos, as samambaias, as matinhas
com borboletas, os macacos. Até o cheiro da canela de ema quando queima é maravilhoso.
Apesar da beleza das serras, atravessá-las exige do cicloturista um grande esforço sico. Em
relação às subidas e descidas, Humberto relatou o seguinte:
Quando a gente está subindo um morro muito forte, a gente fica muito cansado. Mas quanto
maior a subida, maior é também a descida. É nela que o vento bate no corpo encharcado. É
muito refrescante. A sensação é deliciosa. O deslocamento mais rápido faz com o vento que
você mesmo produz refresque o corpo. A descida premia a subida [...] (HUMBERTO)
De fato, as serras enriquecem a viagem dos cicloturistas porque proporcionam diversas
sensações consideradas prazerosas por eles. Além de o vento se fazer presente nas viagens
pelo próprio deslocamento da bicicleta, ele é também característico dos topos de serra da
região. Uirá disse que quando subiu a crista da Serra do Espinhaço “o vento estava muito forte
e até dificultou pedalar.” Sobre sua experiência na serra, relatou:
As paisagens daquele trecho são muito bonitas. A serra é linda. O visual é bonito demais. Cada
trecho tem seu próprio cheiro. A região estava toda queimada. Eu senti os odores e os perfumes
da Serra. Mesmo com o vento forte e frio, eu precisei passar protetor solar três vezes, por causa
do sol. (UIRÁ)
As serras também possibilitam ampla visão do entorno. As bicicletas, diferentemente dos
carros ou dos ônibus, o precisam fazer com que os cicloturistas parem em mirantes para
100
apreciar com liberdade de movimento as vistas. Durante todo o ato de pedalar, é possível girar
o tronco ou a cabeça para apreciar detalhes da imensidão de montanhas. Os viajantes podem
também modificar levemente o traçado da bicicleta para observar melhor um lado ou outro da
paisagem. O aprendizado sobre o relevo é muito grande, assim como pode ser observado
pelas palavras de Vinícius.
Eu estava em uma montanha chamada Morro Redondo. Dava para ver a Serra do Caraça ao Sul,
onde passei no dia anterior. À esquerda, dava para ver a Serra dos Alves e Cabeça de boi, onde
passaria perto, um dia depois. Dava para ver também a montanha perto de Itambé (do Mato
Dentro) em que passaria no mesmo dia. (VINÍCIUS)
Nos topos das serras, o solo é diferente, assim como a forma de pedalar. As trilhas ou as
estradas têm muita pedra e são formadas por uma areia branca que faz com os pneus deslizem
facilmente. Sobre esse terreno, Juliana relatou:
A gente sente cada terreno, nas pernas e nos braços. É interessante. A gente aprende a pedalar.
Por exemplo, naquele cascalho não se pode frear ou virar o guidão. (JULIANA)
O barulho do atrito do pneu nos terrenos é também uma forma de percebê-los. Cada tipo de
estrada proporciona um barulho diferente. Segundo Daniel, o cicloturista “[...] percebe muito
o chão: a poeira, a lama, a terra branca ou vermelha. Os barulhos são diferentes. O chão é
muito importante para o rendimento da viagem. É preciso estar muito atento a ele.”
Os terrenos também estão relacionados à vegetação, luminosidade e umidade. Durante a
viagem de observação participante, anotei em meu diário de campo:
Antes de começar a subir a serra, a estrada, cercada por pastagens, era de terra batida e cascalho.
No começo da subida, pedalamos por uma pequena mata ciliar, onde a estrada se tornou mais
úmida e escorregadia. Apesar do sol forte, a luminosidade o era grande por causa das copas
das árvores. Após 40 minutos, avistamos o fim da mata e resolvemos parar para descansar.
(AUTOR)
Muitos cicloturistas pedalaram por matas e disseram ser um bom ambiente para isso. Eles
relataram que a temperatura, a luz e os cheiros são agradáveis.
É muito bom pedalar em mata fechada. Gosto quando o caminho é estreito. É bom sentir o
cheiro da vegetação, ouvir o som da fauna e ver o vento batendo nas folhas. É muito prazeroso
sentir o vento no rosto. (STEVÃO)
Segundo os entrevistados, é preciso ter cuidado ao pedalar em estradas com fluxo de
automóveis, principalmente no asfalto. A rodovia MG-10, que liga a Serra do Ci à
101
Conceição do Mato Dentro, atravessa o Espinho e proporciona um belo passeio turístico.
No entanto, suas curvas e íngremes descidas a tornam perigosa. Os cicloturistas que
pedalaram por ela disseram que a falta do acostamento faz a viagem ser muito tensa. Ui
relatou que quase foi atropelado por três vezes durante os 60 quilômetros. Segundo Manoel, é
preciso utilizar todos os sentidos para a própria segurança e, principalmente, estar “[...] atento
aos barulhos dos carros.”
4.9.5 A possibilidade de perceber a fauna
Os cicloturistas relataram muitos encontros com animais, durante as viagens. Para eles, a
velocidade da bicicleta e sua baixa emissão de ruídos fazem com que os animais não tenham
tempo de fugir. Ao longo de uma trilha que percorreu na Serra do Cipó, Leonardo contou que
viu um esquilo e um macaco, animais que não veria de carro. Artur, o seu companheiro de
viagem, disse que [...] nem sabia que existia esquilo na região [...]” e completou: “[...] a
facilidade de ver os animais é muito grande, e a de parar a bicicleta para observar também.”
Humberto relatou com entusiasmo que um dia viu um gato do mato preto e grande que,
segundo ele, parecia uma oncinha. Um momento como esse é muito raro de acontecer e, para
esse cicloturista, a viagem de bicicleta lhe possibilitou o privilégio. Em outra ocasião, ele
disse também que viu um jacu.
Rafael contou que estava em uma estrada na crista de uma pequena serra quando avistou um
gavião planando bem perto dele. Ele o observou por minutos até o animal ganhar altura.
Também em um alto de serra, Uie Ricardo relataram que um enxame de abelhas os atacou.
De repente, eles se viram dentro do enxame e tiveram de pedalar com todas as forças para
fugir daquela quantidade de abelhas e do barulho que elas faziam. Ser picado por abelhas é
também uma forma de perceber o ambiente e sua fauna.
Durante sua viagem, José Álvaro relatou um fim de tarde da seguinte maneira:
Um dia, todo mundo da viagem reparou. A luz estava linda e tinha uma árvore enorme na beira
da estrada. Parecia que todos os pássaros da região estavam ali. Foi um momento muito bonito.
Quando a gente estava passando, eles começaram a voar e fazer um tanto de barulho diferente.
(JOSÉ ÁLVARO)
102
De acordo com os relatos, os cachorros não são muitos simpáticos com os viajantes. Alguns
chegaram a dizer que o cachorro é o pior inimigo dos cicloturistas. O mesmo movimento que
os possibilita observar muitos animais desavisados, faz com que os cachorros corram
distâncias para morder seus pneus ou suas canelas. Diversos cicloturistas contaram que quase
foram mordidos por eles.
Martuse relatou o seguinte evento vivido por ele e seus companheiros de viagem:
Um dia encontramos um boi morto na estrada. Estava todo inchado e sendo comido pelos
urubus. Nós não sentimos cheiro nenhum e achamos interessante. Uns 200 metros depois,
sentimos o cheiro muito forte. Isso aconteceu por causa do vento. Nós tivemos de pedalar
depressa para fugir do cheiro. (MARTUSE)
Além de animais mortos, os cheiros estiveram presentes nas viagens dos cicloturistas de
outras formas. Erotides disse que gostou muito quando sentiu o cheiro dos currais na beira das
estradas. Para ele, o cheiro de estrume de vaca lhe traz a lembrança de que está longe da
fumaça da cidade grande.
4.9.6 O mundo banhado em som
Para viajar de bicicleta e percorrer distâncias é preciso estar disposto a enfrentar as
intempéries do clima. As chuvas foram relatadas por muitos cicloturistas como momentos
especiais das viagens. Segundo eles, o corpo produz energia suficiente para se manter
aquecido e, por isso, elas se tornam prazerosas.
Não importa se faz frio, chuva ou sol quente. Independentemente do clima, me divirto o tempo
todo. Eu acho legal pegar uma chuvinha. A sensação é boa (ANTÔNIO MARCOS).
Eu tomo chuva com o maior prazer. Se ela não me oferece perigo, eu coloco uma capinha e vou
embora (EROTIDES).
As chuvas foram percebidas pelos cicloturistas com todos os seus sentidos. Gustavo relatou
que em diversas ocasiões sentiu a umidade e o cheiro antes de ela chegar. Luiz contou que
tomar chuva é muito gostoso. É muito bom sentir o vento e os pingos d’água caindo na
cara.” Rafael acrescentou que gosta de ouvi-la.
Eu gosto muito de pedalar com a chuva batendo nas costas e ouvir os sons que ela faz. Gosto
quando já estou pedalando e ela chega. É muito bom pensar no momento da chegada para tomar
um banho quente e colocar roupa seca (RAFAEL).
103
De acordo com Ingold (2000), a chuva contribi para tornar a audição um sentido espacial na
medida em que banha o mundo em som. De fato, alguns cicloturistas relataram que tomar
chuva dentro da mata ou no alto de uma serra é completamente diferente porque o barulho é
diferente. Eles disseram ainda que dentro da mata a sensação é diferente porque os pingos
d’água são amortecidos pelas copas das árvores e as estradas tendem a se tornar cheias de
lama.
Muitos cicloturistas disseram achar interessante acompanhar o movimento das chuvas durante
as viagens. Segundo eles, em trechos mais altos, era possível ver diversos focos de chuva na
região, mas muitas nem passavam perto deles. Em diversos momentos, eles as avistaram no
horizonte e, depois de um tempo pedalando, perceberam que a estrada os direcionava para
dentro delas.
4.9.7 Quando a noite chega
Algumas vezes, as viagens se estenderam até o período da noite. Ricardo foi o único a dizer
que pedalou, à noite, porque gosta de enfrentar situações difíceis para treinar para
competições de bicicleta. Os outros que pedalaram à noite disseram que não conseguiram
chegar aos destinos antes de escurecer. João Batista relatou o seguinte acontecimento em sua
viagem:
Um dia eu fiquei perdido à noite em uma mata de eucaliptos. Já era fim do dia e ainda tinha uns
8 quilômetros para chegar à cidade. A estrada terminou em uma bifurcação com quatro saídas.
Eu peguei uma delas bem cansado e com fome. Logo percebi que seguia na direção errada.
Pedalei uns dez quilômetros quando vi uma casinha e um lago, onde a estrada acabava. Eu
voltei os dez quilômetros sem enxergar quase nada. Tive que parar para descansar um pouco e
recuperar energias. Eu cheguei a dar uma cochilada. Eu tentei estrada por estrada e a última me
levou até a cidade. Cheguei uma hora da manhã, exausto, com frio e fome. Nunca comi um
caldo de feijão o gostoso em toda minha vida. Acho que foi o céu mais estrelado que vi
(JOÃO BATISTA).
As noites podem também proporcionar momentos interessantes porque a visão é prejudicada,
mas os outros sentidos são aguçados. Na viagem em observação participante, relatei o
seguinte acontecimento em meu diário de campo. Nesse evento, a audição foi fundamental
para a percepção:
Era noite sem lua e estava bem escuro quando paramos para descansar. Depois de tanto
pedalar montanha acima, o frio da noite refrescava o corpo quente. De repente, ouvimos o som
de uma melodia sendo assobiada e patas de um cavalo no cascalho se aproximando lentamente.
104
Mesmo sem ver a pessoa, resolvi puxar assunto, perguntando se a cavalgada estava boa. A
pessoa respondeu que sim. Pela voz e pelo sotaque, parecia um senhor da região. A conversa
rendeu. Falamos sobre a serra, o clima, as vilas, sua cavalgada e nossa viagem. Depois de
quinze minutos, perguntamos sobre o caminho para Congonhas do Norte. A voz nos respondeu
que era seguir a estrada principal. Após nos despedirmos, ela foi para um lado, assobiando a
mesma melodia, e nós para o outro. (AUTOR)
4.9.8 O contato com as pessoas e a percepção da cultura
Alguns cicloturistas disseram que a receptividade das pessoas faz com que tenham vontade de
interagir. Daniel contou que quando viaja de bicicleta “a reação das pessoas é muito legal. A
receptividade é muito grande e é bom conversar com elas.”
As pessoas são sempre muito receptivas. Eu gosto de parar, cumprimentar, conversar com as
pessoas e escutar seus casos. Ali naquela região as pessoas gostam muito de contar causos e é
muito bom ouvir. (ANTÔNIO RICARDO)
De acordo com os cicloturistas, as pessoas da região são muito receptivas e solícitas. Durante
as entrevistas, eles refletiram sobre os porquês desse tratamento especial com o viajante de
bicicleta e citaram múltiplas razões. A seguir, são expostos todos esses argumentos uma vez
que, em conjunto, contribuem para entender porque a bicicleta é um meio de transporte que
aproxima os cicloturistas e os habitantes. Antônio Ricardo já viajou diversas vezes a pé e fez a
seguinte comparação:
Quando a gente viaja a , a gente o é bem recebido não. A pé, as pessoas olham torto. Acho
que ficam desconfiadas, achando que a gente é fugitivo ou qualquer coisa desse tipo. Já
aconteceu comigo de chegar a um lugar com sede e fome e a pessoa me atender só pela gradinha
da porta. De bicicleta, isso nunca me aconteceu. A recepção é bem melhor. alguma química
das pessoas com a bicicleta. (ANTÔNIO RICARDO)
Um dos argumentos mais citados é o fato dos cicloturistas serem novidade para as pessoas da
Estrada Real. De fato, esse tipo de turismo é novo no Brasil e também naquela região. As
pessoas, de um modo geral, ainda consideram peculiar alguém percorrer distâncias em cima
de uma bicicleta com o intuito de ter momentos prazerosos. Para Raquel, “[...] as pessoas
acham diferente e acolhem de outro jeito.” Rafael explicou da seguinte forma:
Acho que as pessoas recebem muito bem porque estão acostumadas com a bicicleta no seu dia-
a-dia, mas não estão acostumadas com viagens de bicicleta. Todo mundo se aproxima para saber
de onde você vem, para onde vai e se está pagando promessa. As pessoas te convidam para
entrar na casa delas, te oferecem comida e cachaça. É possível conhecer a essência da cultura do
lugar, as pessoas. (RAFAEL)
105
Entretanto, a recepção dos habitantes se diferencia de acordo com as vestimentas dos
cicloturistas. A maioria utiliza roupas especiais para bicicleta que proporcionam, segundo
eles, um conforto maior. São roupas coloridas, repletas de marcas esportivas, produzidas com
tecidos que secam rapidamente e que vestem justas, no corpo. Além disso, eles utilizam ainda
capacetes, óculos escuros e sapatos especiais. Segundo Humberto, “as pessoas ficam curiosas
com as roupas coladinhas. Tem gente que pergunta se é preciso mesmo usá-las.” Juliana
acrescentou que, além das roupas, as bicicletas diferentes e os alforjes também chamam
atenção das pessoas. Essa vestimenta utilizada, diferente das roupas do dia-a-dia das pessoas e
também dos outros turistas, faz com os habitantes tenham curiosidade e contribui para um
contato diferenciado.
Por outro lado, alguns cicloturistas, que tinham também como objetivo viajar e interagir com
os residentes, disseram evitar a utilização dessas roupas, exatamente porque elas evidenciam
as diferenças entre turistas e habitantes, criando certa distância no contato.
Eu não uso roupa de competidores de bicicleta. Acho que chama muita atenção e não é
apropriado para viajar de bicicleta. Aqueles que fazem trilha geralmente utilizam essas roupas
coloridas. Quanto mais simples me visto e me apresento, melhor é a recepção das pessoas.
(MIGUEL)
Outra forma que diferencia a recepção dos cicloturistas é o agrupamento de pessoas das
viagens. Viajar sozinho possibilita uma interação maior porque, segundo Rafael, é preciso
comunicar muito ao longo da viagem e as pessoas se sentem um pouco mais à vontade para se
aproximar e conversar. os grupos possibilitam um contato um pouco menor, pois seus
integrantes passam parte do tempo entre eles, sem precisar interagir com outras pessoas.
Outra razão para o acolhimento dos cicloturistas pelas pessoas é o fato de a bicicleta ser um
meio de transporte de muita gente, mundo afora. No Brasil, ela é utilizada por pessoas de
todas as regiões do país: que moram nas cidades grandes, pequenas e no meio rural; com
maior ou menor renda; mais velhas ou mais novas; homens e mulheres. Nas palavras de
Martuse:
O contato é mais próximo porque a bicicleta é universal. A galera das ras usa muito como
meio de transporte. Tem também aquele lance que andar de bicicleta a gente aprende e nunca
mais esquece. Além disso, as crianças ganham bicicletas nos aniversários ou no dia das
crianças. (MARTUSE)
106
Dessa forma, a bicicleta aproxima moradores e turistas porque é acessível a ambos, mesmo
que os modelos sejam distintos e evidenciem as diferenças existentes entre essas pessoas.
Quando comparada a outros meios de transporte utilizados por turistas daquela região, ela se
apresenta como outro fator de aproximação entre as pessoas.
As pessoas se interessam muito. Se você chegar em uma grande e luxuosa camionete nessas
cidades onde a população é mais simples, as pessoas te acham muito diferente delas. uma
distância natural. A bicicleta é democrática. A relação é de igual para igual. (RAFAEL)
De carro, é uma posição superior. De bicicleta, a gente chega a um lugar e as pessoas se
identificam. Às vezes, não podem ter carro para viajar, mas todo mundo pode ter uma bicicleta.
As pessoas falam que vão começar a pedalar também. Sabem que é possível viajar. (JOÃO
BATISTA)
Muitos cicloturistas relataram que suas viagens estimularam muitas pessoas dos locais, onde
passaram, a sonhar com a realização de experiências parecidas. Dessa forma, o cicloturismo
pode incentivar uma maior utilização da bicicleta pelos habitantes, contribuindo, por exemplo,
para a melhora da saúde e qualidade de vida da população e diminuição do tráfego de
veículos.
De acordo com alguns entrevistados, a bicicleta os torna vulneráveis com relação a diversos
fatores, fato percebido pelas pessoas. Durante a viagem, os cicloturistas ficam expostos, por
exemplo, a assaltos ou imprevistos como machucar-se ou estragar a bicicleta. Bernardo
refletiu que “a recepção é muito aberta porque as pessoas do interior sabem que você está
vulnevel em cima da ‘bike’ com relação ao vento, ao frio. Todo mundo quer ajudar.
A meninada da cidade se diverte com a presença dos viajantes, seja nas estradas ou nas
cidades. Segundo Vinícius “[...] os meninos adoram, ficam pedalando ao nosso lado e
apostando corrida [...]” Claudio contou que dois meninos de uma cidade pedalaram com ele e
seu companheiro os dois dias em que ficaram no local. Sobre a viagem de observação, anotei
em meu diário:
Paramos em um pequeno povoado chamado Santa Cruz dos Alves para descansar e comer algo.
Na praça, fizemos amizade com um menino que brincava com sua bicicleta. Quando seguimos,
ele nos acompanhou por dois quilômetros fazendo diversas perguntas sobre a viagem. Em uma
pequena ponte, convidou-nos para nadar no rio. Depois de nadar, ele pegou a estrada de volta e
nós continuamos o caminho. (AUTOR)
Alguns cicloturistas defenderam que a bicicleta causa pouco impacto ao ambiente e não
incomoda as pessoas. Lucas relatou que [...] passa sempre devagar nos lugares e sem fazer
107
barulho.” Daniel completou dizendo que as pessoas acham que os cicloturistas “[...] não
representam nenhum mal e o poluem. A bicicleta é um meio de transporte pacífico que
representa saúde.”
Os cicloturistas relataram ainda que a viagem de bicicleta faz com que tenham muito assunto
para conversar com as pessoas. A intensa percepção pelos sentidos proporciona um
aprendizado sobre diversos aspectos do ambiente da viagem, sendo ele o mesmo lugar onde as
pessoas habitam e vivem suas experiências do dia-a-dia.
Durante a viagem, a gente assimila muitas coisas para trocar idéia com as pessoas do lugar. A
gente uma estrada, uma cachoeira, um rio, uma queimada e tem muito assunto para
conversar. (JOSÉ ÁLVARO)
Além de todos esses fatores que levam os habitantes a interagirem com os turistas, há, por
parte dos viajantes, uma importante motivação em suas viagens que é a vontade de conhecer
essas pessoas e trocar com elas experiências de vida.
Sempre que viajo tento misturar com as pessoas do lugar. Eu tento me afastar dos pontos
turísticos. Gosto de comer o que as pessoas comem e gosto de conhecer os lugares que as
pessoas freqüentam. (RAQUEL)
Alguns cicloturistas disseram que a própria receptividade das pessoas faz com que tenham
vontade de interagir. Segundo Annio Ricardo:
As pessoas são sempre muito receptivas. Eu gosto de parar, cumprimentar, conversar com as
pessoas e escutar seus casos. Ali naquela região as pessoas gostam muito de contar causos e é
muito bom ouvir. (ANTÔNIO RICARDO)
Por meio dessa aproximação proporcionada também pela bicicleta, os cicloturistas, durante
suas viagens, tiveram a oportunidade de perceber intensamente as pessoas. São elas que
geram a cultura, ao conviverem umas com as outras em um determinado ambiente. Dessa
forma, os viajantes perceberam a cultura também de forma intensa.
No meio rural, o contato se deu nas estradas e também ao passar pelos quintais das casas de
roça. Muitas vezes, os cicloturistas ouviram somente as músicas, pois estavam apenas de
passagem. Bernardo disse que as pessoas “[...] gostam muito de música. Elas capinam longe
da casa e colocam a música bem alta para ouvir capinando. Eles acordam e ligam o rádio bem
cedo.
108
Os cheiros dos quintais também chamaram a atenção dos viajantes. Raquel sentiu o “[...]
cheiro das vassouras de alecrim sendo queimadas no fogão à lenha.” Ela se lembrou tamm
do [...] cheiro da flor de manga que é completamente diferente da manga. Quanto mais
quente, mais forte o cheiro da flor.”
Se por um lado alguns quintais proporcionavam perigo aos cicloturistas por causa dos
cachorros, por outro, as pessoas os recebiam muito bem, oferecendo água, café e indicando o
melhor caminho.
Teve um dia que a gente estava no alto da montanha e já estava ficando de noite. Um senhor nos
viu e queria que a gente dormisse na casa dele porque era perigoso andar na serra quando a
serração chegasse. Ele nos ofereceu comida e lugar para dormir, mas seguimos viagem.
(STEVÃO)
As pessoas me ajudam muito. Teve um dia que eu dormi na casa de uma senhora e quando
acordei tinha feito até café da manhã. Ela fez para me agradar. (GUSTAVO)
De uma forma geral, as pessoas da região da Estrada Real foram consideradas receptivas e
interessantes para conversar. Trata-se, portanto, de uma qualidade peculiar e importante
daqueles habitantes que pode contribuir para o desenvolvimento do cicloturismo.
Gosto muito do silêncio da região, do vento e das vozes serenas. Eu gosto muito de ouvir o
povo da roça. Eles passam muita tranqüilidade, falam suavemente e pausadamente. Eles
também te ouvem muito. (BERNARDO)
O contato diferenciado proporcionado pelo interesse dos habitantes nas bicicletas e seus
viajantes, bem como a própria pré-disposição desses viajantes à interação com as pessoas,
proporcionou o compartilhamento de experiências. Segundo André:
De bicicleta, é possível conhecer mesmo as pessoas. Você fica muito aberto a elas e suas
experiências. No momento em que chego a um lugar, elas me perguntam sobre a minha viagem.
conto a minha história. Elas logo se sentem à vontade para contar suas histórias também.
(ANDRÉ)
Essa troca de experiências possibilitou um aprendizado tanto por parte dos habitantes quanto
por parte dos viajantes. Os cicloturistas vivenciaram um pouco do cotidiano das pessoas, de
seus bitos, de sua religiosidade, das manifestações culturais, da comida, da história, das
cidades e da arquitetura. Em muitos momentos, a cultura foi percebida pelo movimento da
bicicleta, ao passar pelas cidades, conversar com as pessoas nas esquinas, procurar pousadas e
achar o caminho do centro ou da saída. Em outros, com as bicicletas guardadas nas pousadas,
eles caminharam pela cidade, freqüentaram eventos e se divertiram.
109
A religiosidade das pessoas foi percebida por muitos cicloturistas. Durante as entrevistas,
muitas fotos de capelas e igrejas foram mostradas. Rafael contou que gosta de conhecer os
cemitérios das cidades porque o ajuda a entender a cultura do lugar. Outros entrevistados
relataram que um dos sons que marcaram suas viagens foi o dos sinos das igrejas. Alguns até
participaram de missas, não dentro das igrejas, mas sentados nas praças ouvindo-as pelos alto-
falantes. Vinicius contou que é comum ver “[...] os crucifixos e os cruzeiros nas estradas.”
Bernardo relatou que, durante o contato com as pessoas, percebeu sua religiosidade por causa
do vocabulário utilizado. Durante as viagens, eles também se impressionaram com a
existência de grande quantidade de igrejas de outras religiões, diferentes da Católica.
Embora muitos cicloturistas tenham dito que se interessam pelos eventos culturais dos locais
onde passam, apenas cinco relataram ter participado de algum. O fato de a maior parte de suas
viagens acontecerem no meio rural diminuem as possibilidades de participação nesses
eventos. Três deles estiveram no projeto Matriz de Conceição do Mato Dentro. Lucas contou
que, quando passou por Milho Verde, assistiu a um teatro de fantoche da semana cultural.
Um dia estava cruzando uma cidadezinha e estava tendo na rua uma manifestação cultural muito
interessante. Parei para ver. Era uma Marujada. Os senhores estavam vestidos a caráter. Tinha
música e tudo. (STEVÃO)
A Comida é outra característica da cultura que a viagem de bicicleta possibilita perceber de
forma singular. O exercício físico realizado ao longo dos dias requer muita energia e os
viajantes sentem muita fome.
Quando você está de bike, a percepção da cultura é muito diferente. Eu chego com fome ao
lugar e como o que tem nos restaurantes ou nos bares. (GUSTAVO)
As coisas ficam mais gostosas e mais cheirosas. A comida é melhor. A gente gasta muita caloria
e fica com muita fome. É bom demais parar para comer um pastel, um o com mortadela, um
pão de queijo. (STEVÃO)
O prato-feito foi citado como a refeição principal por quase todos os cicloturistas. Segundo
eles, além da fome contribuir para torná-lo mais gostoso, o tempero dos mineiros daquela
região e a forma como é preparado o torna muito saboroso. Segundo Bernardo, o cheiro da
comida e do fogão à lenha é delicioso. O tempero do pessoal da roça é diferente e a comida
fica mais gostosa. É tudo caseiro. Até a banana é mais saborosa e a laranja mais suculenta.”
110
Eles também gostaram dos lanches da região e se lembraram do pão de queijo, do café com
rapadura, do pão de sal, dos biscoitos, da broa, das geléias. Todos esses alimentos, depois de
pedalar por horas, subir serras e atravessar vales, tornaram-se prêmios para eles.
Viajando de bicicleta, a gente come o melhor pastel, a melhor coca, o melhor bolo. É o troféu do
dia. A gente pedala 30 quilômetros para chegar ao pastel. (JOSÉ ÁLVARO)
Como já dito anteriormente, a mobilidade da bicicleta nas viagens proporciona uma percepção
da cultura em movimento. Muitos povoados, vilas e cidades são percebidas durante a
passagem, o que impede uma vivência mais profunda do lugar, mas possibilita uma percepção
da região como um todo. Os cicloturistas percorreram trechos da Estrada Real e disseram que
a rota e seu contexto histórico passaram a fazer sentido, depois da viagem. A comparação
entre as cidades e a constatação de semelhanças contribuiu para que eles entendessem os
vínculos existentes entre elas. Alguns deles ressaltaram que o Caminho dos Diamantes, por
exemplo, tem a serra do Espinhaço como referência e que suas estradas percorrem-na pelo seu
lado ocidental. A arquitetura e a quantidade de igrejas Católicas também foram citadas como
semelhança que contribui para a coesão da rota turística.
A comparação entre as cidades também contribuiu para que os viajantes percebessem as
diferenças existentes. Entre outras coisas, os cicloturistas compararam a beleza das praças, o
tipo de calçamento das ruas, as igrejas, os campos de futebol, o sotaque das pessoas, suas
roupas e suas casas. No entanto, cabe ressaltar que o ambiente urbano não foi foco principal
das viagens dos entrevistados e, por isso, eles não despenderam um tempo específico
passeando de bicicleta nas cidades.
Eu noto muito a diferença cultural entre os lugares por meio da música. Quando passo de
bicicleta sempre para ouvir a música que toca nas casas. Cada lugar é diferente. Eu gosto de
reparar também nas diferenças do jeito de falar. (ARTUR)
As cidades e seus problemas ficam mais expostos aos viajantes de bicicleta. Ao refletir sobre
a forma com elas são preparadas para o turismo, alguns cicloturistas relataram que não
como esconder suas mazelas deles porque pedalam pelos locais turísticos e também pelos não
turísticos. Raquel relatou que as praças centrais e os casarões dos destinos geralmente são
preservados e bonitos. Ela chamou essas áreas turísticas de teatros e fez a seguinte reflexão ao
relatar sua chegada à Diamantina:
111
A chegada de Diamantina é imunda, cheia de lixo. Eu me lembro bem do cheiro do esgoto a céu
aberto [...] deu para ver isso porque, de bicicleta, a gente passa atrás do palco turístico. A
gente não senta na cadeira da frente do teatro. (RAQUEL)
Os cicloturistas, ao pedalar por diversos bairros, perceberam a realidade de mais locais das
cidades. Eles tiveram chance de conversar com pessoas da periferia e das regiões mais
centrais, ouvir seus sotaques e seus casos. Eles perceberam a diferença entre as casas, os
estabelecimentos comerciais e as escolas.
De carro, a pessoa chega na cidade e ra na praça central. De bicicleta, isto não é possível.
A gente chega pela porta da cidade, parando, conversando com as pessoas e achando os
caminhos. É necessário passar pelas periferias para chegar ao centro e conversar com todo tipo
de pessoa. (ANDRÉ)
Dessa forma, as cidades foram percebidas como um todo. Os viajantes não se limitaram às
regiões turísticas. Eles sentiram, ouviram, cheiraram, degustaram e observaram os diversos
bairros, com seus animais, carros, pessoas, bares e ruas.
4.9.9 O relacionamento entre cicloturistas
Figura 5 – Bicicletas do Rafael e do Autor, na crista de Serra do
Espinhaço, entre Congonhas do Norte e Santana do Riacho -
2007
Fonte: Arquivo do autor
112
A maioria dos entrevistados viajou em companhia de outros cicloturistas. Para eles, a
experiência foi enriquecida pelo fato de ter sido vivenciada com outras pessoas e, por meio
delas, as amizades se fortaleceram. Eles relataram diversos momentos de diversão que
tiveram com seus amigos, como festas e jantares. Da mesma forma, contaram sobre
dificuldades no relacionamento.
Durantes as entrevistas, eles ressaltaram a importância da solidariedade. Devido aos diversos
riscos envolvidos como quebrar uma peça da bicicleta, furar um pneu, ficar perdido ou
acontecer um acidente, os cicloturistas disseram que o companheirismo é muito presente entre
eles.
A convivência com outros cicloturistas é a melhor possível. Eu gosto de encontrar outras
pessoas pedalando. A gente se ajuda muito. Até em competição a gente se ajuda muito. Não tem
essa de deixar alguém na mão. A competição é menos importante do que a colaboração.
(ARTUR)
Um dos aspectos interessantes da viagem em grupo é a possibilidade de conversar sobre os
acontecimentos e entendê-los melhor. Em muitos momentos, os cicloturistas perceberam
determinados detalhes das paisagens e chamaram a atenção de seus companheiros. Dessa
forma, diversos aspectos como o relevo, a fauna, a organização das cidades para o turismo e a
receptividade da população foram discutidos pelos viajantes.
No entanto, nestas viagens, é comum haver brigas por causa da convivência intensa e também
pela necessidade constante de se tomar decisões em grupo. Durante as viagens, eles tiveram
que decidir quanto tempo pedalar, onde dormir, o que comer, entre outras coisas. No entanto,
ao serem indagados sobre a existência de tais brigas, nenhum deles disse ter havido grandes
problemas. Eles explicaram que as viagens foram realizadas para ter prazer e, por isso, os
desentendimentos foram mais facilmente superados.
Martuse contou que o seu grupo, composto por mais de dez pessoas, teve que definir algumas
regras de convivência para que não houvesse desentendimentos durante a viagem. Eles
combinaram o horário para despertar, tomar café, começar a pedalar, entre outros. Segundo
ele, um outro aspecto que poderia causar transtornos é o ritmo da viagem, pois cada
cicloturista tem sua própria cadência. Na elaboração do roteiro, eles definiram os locais onde
se hospedariam e, durante o passeio, [...] cada um podia pedalar na velocidade que quisesse,
desde que chegasse no lugar à noite.”
113
Na viagem para observação participante, algumas situações contribuíram para o entendimento
da relação entre os cicloturistas. O imprevisto e diálogo descrito a seguir demonstra parte
deste convívio.
A lanterna parou de funcionar quando faltavam ainda mais de dez quilômetros até o próximo
vilarejo. O problema era a lâmpada que havia se queimado. Demorei um tempo para me lembrar
que tinha levado uma reserva. A escuridão dificultava o manuseio das peças o pequenas e
delicadas. Demorou quase uma para conseguirmos fazer a operação com a ajuda de um isqueiro,
a única luz que tínhamos (AUTOR).
No outro dia da viagem, Rafael contou que ficou “[...] impressionado com a nossa calma para
resolver a situação.” Ele ressaltou que nós ficamos “[...] mais de 15 minutos só para descobrir
o problema e lembrar que havia uma lâmpada reserva. Outras pessoas poderiam ficar irritadas
e perder a calma de pensar que precisariam empurrar a bicicleta por mais três ou quatro
horas.” De fato, o cansaço físico dificultava o raciocínio e poderia contribuir para algum
desentendimento entre nós. No entanto, a calma e a paciência fizeram com que a situação
fosse resolvida sem qualquer discussão.
Na sua entrevista, Rafael disse preferir viajar sozinho. Além disso, outro fator que me causou
insegurança foi o fato de não saber se conseguiria pedalar no mesmo ritmo dele. Entretanto,
aos poucos, descobrimos muitas afinidades como gostar de pedalar bem devagar e parar nos
lugares para poder aproveitar. O entrosamento foi natural e, depois da viagem, ele contou ter
gostado de pedalar em dupla por possibilitar o compartilhamento das experiências.
Eu gostava mais de viajar sozinho por causa da liberdade [...] Posso dormir onde quiser, pedalar
no meu ritmo e conversar com as pessoas dos lugares. Agora, eu animo de pedalar outras vezes
com meus amigos porque gostei também desse tipo de viagem (RAFAEL).
A única coisa que incomodou Rafael foi que eu o utilizei capacete. Segundo ele, o
equipamento de segurança havia lhe salvado a vida duas vezes e todo cicloturista deveria
utilizá-lo. Ele tinha razão, pois muitos momentos em que o equipamento é fundamental
para a segurança do cicloturista como, por exemplo, as descidas das serras. De fato, cair da
bicicleta a uma velocidade maior do que 50 quilômetros pode causar muitos problemas à
pessoa.
114
4.9.10 O que as viagens lhes proporcionaram
Figura 6 Vista da Crista da Serra do Espinho, a partir da
bicicleta, entre Congonhas do Norte e Santana do Riacho - 2007
Fonte: Arquivo do autor
As motivações, assim como a qualidade do movimento proporcionado pela bicicleta,
contribuem para condicionar a percepção do viajante. O aprendizado é conseqüência de sua
percepção ao explorar ativamente o ambiente por meio do movimento, dos sentidos e da
utilização dos conhecimentos prévios. Dessa forma, a viagem de bicicleta, ao possibilitar uma
percepção intensa do ambiente, proporcionou também a incorporação de diversos novos
conhecimentos pelo cicloturista.
Ao serem perguntados sobre o que a viagem pelo trecho da Estrada Real lhes proporcionou,
os viajantes responderam: realização pessoal, autoconhecimento, experiência, saúde, amizade
e aprendizado sobre o ambiente.
Muitos entrevistados ressaltaram que a realização pessoal acontece na medida em que as
viagens são idealizadas e os desafios são propostos e realizados. Segundo Ricardo, sua
satisfação é muito grande porque gosta de [...] vencer distâncias e desafios, de planejar uma
coisa e conseguir fazê-la.” Juliana disse que é prazeroso [...] conseguir alcançar objetivos
com as próprias pernas, força e esforço.”
115
Eu tenho uma sensação de vitória. O prazer pessoal é muito grande. É como se fosse uma
grande conquista. Acho que a sensação é parecida com a do montanhista que chega ao cume do
Everest. (STEVÃO)
As palavras de Claudio exemplificam parte dos sentimentos dos viajantes depois das viagens:
Eu me sinto realizado. Eu fico bem comigo mesmo e com tudo que está ao meu redor. Eu não
me estresso e não acho cansativo. É tudo muito prazeroso. (CLAUDIO)
As horas e horas em cima da bicicleta possibilitaram aos cicloturistas bastante tempo para
reflexão que, segundo eles, proporcionou-lhes autoconhecimento. Durante as viagens, eles
refletiram sobre suas vidas, relacionamentos, atitudes, problemas e suas soluções:
Eu busco me conhecer e me achar. Eu me concentro muito na respiração. É como se fosse o
yoga, um mantra. (DANIEL)
A viagem de bicicleta me possibilita muita reflexão e autoconhecimento. Enquanto estou
pedalando, estou pensando. (RAFAEL)
A viagem de bicicleta me faz meditar e pensar na vida. Eu reflito muito quando estou
pedalando. (ARTUR)
As viagens de bicicleta exigiram dos cicloturistas diversos conhecimentos e iniciativas para
que fossem realizadas com sucesso. Eles precisaram organizar o itinerário, reservar os meios
de hospedagem, lidar com as bicicletas, cuidar do corpo para poder pedalar, entre outras
muitas tarefas. Grande parte dos entrevistados disse que o ganho de experiência é grande
durante as viagens. Jo Álvaro disse que aprendeu a se [...] virar no mato, lavar roupa,
passar apertos, ficar perdido, consertar a bicicleta.” Rafael contou que, durante a viagem, foi
preciso tomar constantes decisões como, por exemplo, decidir qual estrada percorrer, quando
parar, onde comer, entre outras.
A rotina e a dinâmica da viagem de bicicleta exigem dos viajantes certos desprendimentos.
Não é toda hora em que um banheiro limpo para ser utilizado ou uma boa lanchonete para
se alimentar. Em muitos momentos, é preciso pedalar por quilômetros para achar um local
agradável para descansar. Quando a bicicleta estraga, é necessário pará-la e ter calma para
consertá-la. Também não é possível carregar muitas roupas ou equipamentos, limitando o
conforto.
A viagem de bicicleta me deixa aberto à alegria. Ela me ajudou a descobrir que a vida é muito
simples. A gente precisa de muito pouco para ser feliz. A bike te faz ser muito simples e prático.
Não tem como carregar muita coisa. o tem como carregar supérfluos como, por exemplo,
116
uma televisão. Eu fico mais aberto às pessoas e converso mais com elas. Eu tenho mais acesso à
felicidade. (MIGUEL)
Melhorar a saúde foi citado como motivação por apenas um entrevistado, mas, por outro lado,
a maioria disse ser uma herança positiva das viagens. Os cicloturistas explicaram que
retornaram às suas casas mais saudáveis porque realizaram exercícios sicos e descansaram a
cabeça ao conhecer lugares novos, por meio de uma rotina diferente do cotidiano de trabalho.
A bicicleta proporciona a quem pedala um exercício sico considerado muito saudável. Para
Artur, o ganho para a saúde é grande porque a viagem deixa o corpo em forma.
Sobre o descanso da cabeça, os cicloturistas relataram que suas rotinas, nas cidades onde
moram, os deixam muito cansados. Alguns chegaram a dizer que trabalham o ano inteiro para
poderem viajar durante as férias. Por causa dos cotidianos cansativos, os momentos de ócio
estão ganhando cada vez mais importância para a vida e a saúde das pessoas. A maioria dos
cicloturistas disse que a viagem de bicicleta cumpre esse papel. Humberto contou que “[...] a
rotina da bicicleta é completamente diferente da rotina do dia-a-dia e a dinâmica é muito
prazerosa.” Marcus relatou que se esquece do cotidiano e, por isso, descansa bastante. Para
ele, “[...] turismo é uma válvula de escape mesmo!”
Eu ganho jovialidade. Me sinto muito jovem quando viajo de bicicleta. Eu ganho preparo físico.
A respiração na bicicleta ajuda a deixar a cabeça mais jovem. O tempo passa e a cabeça fica
mais jovem. (DANIEL)
Os cicloturistas ressaltaram também como ganho das viagens os conhecimentos adquiridos
sobre os lugares por onde passaram. Segundo eles, foi possível aprender sobre diversos
elementos do ambiente como a fauna, a flora, o relevo, a cultura e sua história.
O ganho é enorme. Eu tenho muita satisfação em viajar cruzando cidades, passando cada dia em
um lugar diferente. Eu estou sempre aberto ao calor e ao frio. Absorvo muita coisa durante a
viagem. Gosto de ver uma Serra enorme, uma árvore de cerrado, um pé de pequi carregado de
fruta, o mar de montanhas. (UIRÁ)
Uma das motivações dos viajantes é conhecer lugares que são novidades, utilizando a
bicicleta como meio de transporte. Para Vinícius, a bicicleta lhe permitiu “[...] conhecer
lugares novos de uma forma muito particular. Deu para parar e olhar as coisas com calma.
Conversar com as pessoas.”
A bicicleta aproximou os viajantes da natureza. O longo contato, proporcionado pelas horas
pedaladas, fez com que eles percebessem e aprendessem aspectos do ambiente.
117
Eu tenho muito prazer em ter contato com a natureza, aprendo muito com ela. A minha
percepção aumenta muito. Eu aprendo muito sobre a fauna e a flora, sobre a história e a
geografia. (ANTÔNIO RICARDO)
Para muitos, o contato mais íntimo com a natureza contribuiu para proporcionar, de fato, uma
mudança de comportamento.
Eu dou mais valor à natureza. Eu passei a pensar muito na preservação da natureza. Não deixo
nenhum lixo nas trilhas. Eu sempre carrego eles comigo. (LEONARDO)
Eu aprendo muito sobre o meio ambiente. De bike, eu chego mais perto da natureza. Eu passo
pelos lugares e vejo se está poluído ou o. Eu vejo os lixões e os aterros. A conscientização é
muito grande. Hoje, reciclo as coisas e não jogo papel no chão de forma alguma. A natureza
contagia. (ARTUR)
O aprendizado sobre a cultura também foi considerado pelos entrevistados como ganho das
viagens. Como dito anteriormente, o contato singular com as pessoas lhes possibilitou uma
troca de experiências e conhecimentos.
O meu aprendizado veio da interação com a natureza e também com as pessoas. E é exatamente
por causa da percepção aguçada que aprendi mais e com maior profundidade. Eu aprendi com as
pessoas e suas experiências. (ANDRÉ)
Eu aprendi muito sobre o local. Aprendi sobre a Estrada Real, a Serra e o Juquinha. Sei que ele
foi picado três vezes por cobras e ele mesmo se curou com plantas da região. Aprendi que no
campo tem muita paz e muita gente feliz morando lá. (EROTIDES)
Os cicloturistas ressaltaram também que as novas amizades que fizeram, com os habitantes
dos locais por onde pedalaram, foram heranças interessantes da viagem. A rica experiência
também lhes proporcionou o fortalecimento da amizade com seus companheiros de viagem.
Durantes as entrevistas, os viajantes contaram suas experiências com prazer e alegria. De fato,
as viagens de bicicleta foram importantes acontecimentos para eles, ao ponto de as
considerarem sonhos de suas vidas.
A bike me ensinou também que é preciso acreditar nos nossos sonhos. É preciso ter projetos,
acreditar neles e realizá-los. Se eu acreditar, o sonho se torna real. (MIGUEL)
4.10 Sugestões para o produto cicloturismo do Programa Estrada Real
Por meio da percepção dos cicloturistas entrevistados, torna-se claro a distância entre suas
demandas e o que é ofertado pela Estrada Real para esse segmento, em termos de infra-
estrutura turística. Diversos fatores foram apontados como falhas do PER que diminuem a
118
qualidade das viagens de bicicleta. Tratam-se de inibidores do aumento do fluxo desses
turistas e podem ser determinantes para que eles continuem representando apenas uma
mínima parcela de todos que viajam na rota.
Segundo os cicloturistas, um dos fatores mais importantes para a realização das viagens são as
condições das estradas e das trilhas. Por despenderem boa parte de seu tempo, nestas vias,
eles as consideram fundamentais para a qualidade da viagem, principalmente os fatores
segurança e conforto. O eixo central da Estrada Real, sinalizado com os marcos oficiais,
recebe fluxo de pessoas, carros, ônibus, caminhões, motocicletas, cavalos e bicicletas. No
entanto, é fundamental relatar que esses viajantes, de um modo geral, não estão dispostos a
disputar espaço com os veículos motorizados, pois estes lhes proporcionam diversos riscos e
desconfortos por causa da velocidade e do tamanho. Portanto, para eles, as vias são
componentes fundamentais do produto turístico e, nesse caso, a sugestão é que elas sejam
exclusivas para cicloturistas, caminhantes e cavaleiros.
O planejamento das vias deve levar em consideração a sinalização apropriada para os
cicloturistas, ou seja, conter direções dos destinos e dos atrativos, bem como apresentar as
distâncias de forma precisa. Um erro de 5 quilômetros, na sinalização, para um turista de
moto pode o significar grandes transtornos, mas para eles pode oferecer diversos riscos
como não chegar ao destino antes do anoitecer por terem planejado o tempo e a velocidade
em função das placas. A sugestão para as estradas asfaltadas é a construção de ciclovias que
proporcionem a segurança necessária.
A necessidade de mapas específicos para o segmento foi citada pela metade dos entrevistados,
pois os disponíveis no mercado não satisfazem suas necessidades. Para eles, tais mapas
deveriam ter informações como os atrativos turísticos da rota, os meios de hospedagem e de
alimentação, os postos de saúde, os pontos de apoio como fazendas e postos de gasolina. Cada
trecho deveria ter distâncias precisas e perfil topográfico, de forma que os viajantes pudessem
conhecer o relevo de cada dia de sua viagem. Para os entrevistados, tanto as trilhas como as
estradas deveriam ser mapeadas também por GPS, por proporcionar informações precisas.
Outra informação sugerida foi a indicação dos mata-burros que têm suas barras de ferro na
vertical. Eles proporcionam riscos aos cicloturistas e forçam-nos a descer das bicicletas para
atravessá-los.
119
Também foi sugerida a publicação de um guia de cicloturismo da Estrada Real. Muitas
informações indicadas para os mapas poderiam ser mais detalhadas nesse guia. Os meios de
hospedagem e de alimentação adequados ao segmento poderiam ter suas características
descritas. Os atrativos da rota poderiam ser divulgados em maiores detalhes, bem como a
infra-estrutura das cidades. Outra sugestão dada foi a criação de roteiros de 2 ou 3 dias para
que os cicloturistas pudessem realizá-los durante os finais de semana. No guia, a Estrada Real
seria dividida em trechos de 100 a 200 quilômetros e, dessa forma, fomentaria o fluxo desses
turistas durante todo o ano. Outros tipos de informações também poderiam ser
disponibilizados. Alguns entrevistados sugeriram a criação de uma cartilha com dicas para a
viagem como, por exemplo, manutenção de bicicleta e equipamentos adequados. Também
poderiam ser disponibilizadas dicas de relacionamento entre os turistas e a população local.
Tanto os mapas como os guias poderiam ser publicados em papel e também no formato
digital. A vantagem da publicação em forma de livro é a possibilidade de ser levado na
bagagem da viagem para que possa ser consultado pelos cicloturistas. Alguns cuidados foram
sugeridos para sua formatação como ter capa para proteção contra água e ser produzido com
espiral para ser mais facilmente manuseado. A vantagem do formato digital é que pode ser
acessado por um número maior de pessoas, de forma gratuita. Para os cicloturistas, seria
interessante ter acesso à informações que os deixassem mais seguros com relação às viagens.
Outra sugestão foi a criação de um passaporte da Estrada Real. Nele, o cicloturista carimbaria
cada trecho realizado. Para tanto, seria necessário que os destinos definissem um local
específico para essa tarefa que poderia ser o centro de informações turísticas, a casa de cultura
ou até mesmo uma pousada ou um restaurante. Este local teria um computador para
acompanhar a viagem dos turistas que ganhariam um certificado de conclusão da rota ou de
trechos. O IER, por sua vez, teria chance de acompanhar mais de perto seu público-alvo por
meio das informações computadas em cada ponto.
Percebe-se que as informações disponíveis não satisfazem as necessidades dos entrevistados.
Para eles, deveria haver centros de informações turísticas em todos os destinos da Estrada
Real. Ao longo das vias, eles sugeriram a transformação de alguns estabelecimentos em
pontos de apoio ao cicloturista. Postos de gasolina, fazendas, bares e restaurantes de beira de
estrada poderiam oferecer banheiros limpos, ferramentas para conserto de bicicleta, peças
para reparos, informações sobre a região, comida e até hospedagem.
120
Alguns entrevistados identificaram como oportunidade de negócios a abertura de agências de
receptivo, especializadas no segmento. Elas poderiam trabalhar com um blico disposto a
pagar por alguns confortos que o viajante independente não tem. Diversos roteiros poderiam
ser desenvolvidos e ofertados com carro de apoio que levaria a bagagem dos turistas e
ofereceria socorro caso precisassem. As hospedagens seriam reservadas pela empresa, bem
como refeições especiais para grupos.
Para os cicloturistas, alguns meios de hospedagem poderiam ter o segmento como foco de seu
negócio. Eles não demandam estabelecimentos luxuosos, mas gostariam que algumas
necessidades fossem atendidas. Os empreendimentos poderiam disponibilizar locais para
lavar e guardar as bicicletas, além de serviço de limpeza de roupa, visto que eles não podem
carregar muita bagagem. Já os quartos deveriam ter camas confortáveis e bons chuveiros.
Para melhorar a qualidade dos serviços oferecidos, os entrevistados sugeriram a divulgação
das viagens de bicicleta, nos destinos da Estrada Real. A promoção do segmento serviria para
difundir informações relativas aos cicloturistas e suas necessidades. Segundo eles, a bicicleta
deveria ser divulgada em prol da qualidade de vida, estimulando assim sua utilização pela
população, tanto no cotidiano, quanto em viagens. Também poderia ser feita uma
conscientização dos motoristas com relação à presença dos viajantes nas estradas, dando dicas
de condução segura e responsável.
As lojas de bicicletas foram alvo de muitas críticas. Apesar de serem encontradas em quase
todos os destinos, elas não oferecem os serviços de que os cicloturistas precisam, pois
trabalham com bicicletas mais simples e mais baratas. Para eles, faltam peças adequadas para
suas bicicletas e também bons mecânicos.
Outra sugestão foi a criação de estacionamentos de bicicletas nos atrativos turísticos e nos
empreendimentos. Por meio desta ação relativamente simples e barata, os empreendedores
poderiam conquistar os cicloturistas, mas, por falta de conhecimento, não o fazem.
Os meios de transporte utilizados como suporte às viagens de bicicleta poderiam se preparar
melhor para transportar esses turistas. Para os entrevistados, seus gestores deveriam entender
a oportunidade de negócios oferecida por esse segmento e adaptar-se a ele. As empresas
121
deveriam oficializar e divulgar a possibilidade de transportar as bicicletas. Dessa forma, elas
deixariam de criar empecilhos e passariam a fomentar essas viagens.
Apesar de todos os entrevistados terem gostado de suas viagens pela Estrada Real, conclui-se
que há ainda um longo caminho a ser percorrido para que um produto turístico específico para
o cicloturismo seja formatado. As sugestões relatadas acima foram dadas por pessoas que são
cada vez mais fiéis à utilização da bicicleta, tanto em viagens como no cotidiano. De fato, elas
entendem, gostam e acreditam que a bicicleta pode melhorar a qualidade de vida nas cidades e
no campo. Portanto, essas informações, advindas da fonte mais adequada para o planejamento
de qualquer produto, apresentam-se como importantes marcos para que os gestores da rota
realizem seu planejamento de forma mais adequada, isto é, se desejarem êxito em suas tarefas.
122
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio desta pesquisa, demonstrou-se que as viagens de bicicletas realizadas na Estrada
Real se apresentaram como ricas e intensas experiências turísticas. Os relatos de viagem dos
cicloturistas mostraram que o meio de transporte utilizado contribuiu para uma percepção
ambiental diferente de outras formas de turismo. Ao percorrer os lugares de bicicleta, os
viajantes interagiram com diversos aspectos da paisagem como o clima, as cidades, o relevo e
as roças. A qualidade do movimento, caracterizada por fatores como a velocidade do
deslocamento e da posição do corpo, contribuiu de forma direta para esta interação peculiar.
O fato de esse meio de transporte não ter teto, janelas ou motor fez com que os cicloturistas
mantivessem contato mais próximo com o entorno. Durante as viagens, eles sentiram o frio, o
calor e a chuva; ouviram os sons das cidades e das montanhas; experimentaram as comidas;
conversaram com as pessoas, contaram suas histórias e ouviram outras.
Sabe-se que a percepção ambiental é também influenciada por um conjunto de fatores como o
perfil socioeconômico dos cicloturistas, suas motivações e objetivos de viagem. Sobre o
perfil, características como a faixa etária, o local de residência, dentre outras, foram
condicionantes para que as experiências fossem percebidas assim como relatadas pelos
viajantes. Com relação às motivações, sabe-se que elas são também importantes no processo
da percepção do mundo. As viagens dos cicloturistas foram motivadas pela utilização da
bicicleta, descanso do cotidiano, aventura, desafio, adrenalina, lazer, contato com a natureza,
tempo com amigos, contato com novas pessoas, culturas diferentes e a rota turística Estrada
Real.
As experiências de viagem proporcionaram diversos benecios aos cicloturistas. Eles
pedalaram por longos períodos diários e realizaram saudáveis exercícios físicos. A ausência
da rotina e das preocupações do cotidiano lhes possibilitou descansar. Os viajantes
consideraram ainda, como ganho das experiências, o autoconhecimento proporcionado pelas
horas de concentração solitária nas bicicletas e as novas amizades estabelecidas. De fato, eles
relataram suas experiências como momentos prazerosos e alegres de suas vidas. Todos eles
afirmaram querer utilizar o meio de transporte mais vezes em viagens.
Entende-se que o aprendizado é conseqüência da percepção de uma pessoa ao explorar
ativamente o ambiente por meio do movimento, dos sentidos e da utilização dos
123
conhecimentos prévios. A viagem de bicicleta pela Estrada Real, ao possibilitar uma
percepção ambiental intensa, proporcionou a incorporação de diversos novos conhecimentos
pelos cicloturistas e contribuiu para gerar novos comportamentos com relação aos lugares
visitados e também às suas cidades. Assim como relatado pelos entrevistados, o contato
próximo com a natureza proporcionou um entendimento maior sobre ela. Sofrer um ataque de
um enxame de abelhas, subir uma serra durante quatro horas e tomar uma forte chuva se
apresentaram como intensas maneiras de conhecer a fauna, o relevo e o clima da região.
Alguns aprendizados proporcionaram reflexões por parte dos cicloturistas. O ato de parar em
um pequeno riacho na entrada de uma cidade para beber água e perceber que está poluído os
fez refletir sobre a relação das pessoas com seu entorno. Aspectos como erosão de trilhas, lixo
nas ruas e animais mortos, nas estradas, também desencadearam reflexões. Assim, a
experiência turística, em viagem de bicicleta, proporcionou educação ambiental aos viajantes.
Trata-se, portanto, de um tipo de turismo que pode ajudar no desenvolvimento da atividade de
forma mais responsável com relação ao ambiente.
A interação singular entre cicloturistas e residentes proporcionou, assim como relatado,
aprendizados diversos sobre a cultura da região. Os viajantes tiveram a chance de interagir
com as pessoas e falar com elas sobre suas viagens e histórias de vida. Por sua vez, os
residentes puderam contar suas experiências e demonstrar um pouco de sua cultura. Dessa
forma, ao conversar com as pessoas, ouvir músicas, pedalar pelas cidades e comer nos mais
diversos lugares, os cicloturistas se relacionaram com os residentes, perceberam e aprenderam
sobre sua cultura. Nesse sentido, o cicloturismo se apresenta como um possível instrumento
de valorização cultural por possibilitar a aproximação entre viajantes e moradores.
Com relação ao segmento turístico, os resultados desta pesquisa corroboram com a literatura
internacional e indicam que o cicloturismo pode contribuir para a construção de um turismo
que seja responsável com relação às comunidades e ao ambiente. No entanto, para que o fluxo
desse tipo de turistas seja relevante para os municípios da Estrada Real, faz-se necessário
repensar o planejamento do Programa, incluindo ações concretas para que os destinos sejam
capazes de satisfazer suas necessidades. As estradas de asfalto, de terra e as trilhas precisam
ser estruturadas para proporcionar a segurança e o conforto demandado por estes viajantes. As
informações precisam ser trabalhadas por meio de mapas específicos, de guias e de centro de
informações turísticas. Os meios de hospedagem, de alimentação e de transporte também
devem ser incentivados a ter esse público como foco de seus negócios.
124
No entanto, cabe ressaltar que não como esconder dos cicloturistas as mazelas dos
municípios, pois eles se locomovem por todo seu terririo e pedalam tanto pelos locais mais
preparados para o turismo quanto pelos menos estruturados. O cicloturismo deve, portanto,
ser planejado como um instrumento para uma melhora real das condições de vida das pessoas,
bem como da valorização de sua cultura e respeito ao ambiente.
A experiência dos cicloturistas mostrou também que a Estrada Real, quando percorrida em
rota, passou a fazer sentido para os viajantes. Aspectos como relevo, característica das
cidades, fauna, flora, sotaque das pessoas, entre outros, contribuíram para dar unidade e uma
nova identidade na percepção de quem a percorreu. Trata-se de uma reinvenção da rota no
contexto atual e, para entender esse processo, faz-se necessário compreender o dinamismo da
cultura, que é sempre reinventada pelos seus contemporâneos. Nesse sentido, o cicloturismo,
assim como outras formas de turismo, em que os turistas percorrem rotas, pode contribuir
para essa reinvenção. No entanto, cabe ressalvar que a Estrada Real, enquanto produto
turístico, terá mais chances de sucesso, se as comunidades participarem ativamente de sua
recriação.
Para uma melhor compreensão desse segmento, recomenda-se que pesquisas sobre seus
impactos sejam desenvolvidas para que os gestores do turismo tenham condições de lidar
melhor com seus aspectos positivos e negativos. Para tanto, é importante que sejam
consideradas as percepções dos mais variados atores das comunidades.
O turismo é caracterizado pelo deslocamento de pessoas de sua residência para um destino
turístico qualquer. Esse movimento, através dos territórios, é realizado por meio dos mais
variados meios de transporte e, assim como demonstrado por esta pesquisa, a qualidade do
movimento influencia como os turistas percebem seu entorno. A forma como o engajamento
entre os viajantes e o ambiente se faz com que os sentidos sejam utilizados de maneiras
peculiares e, portanto, contribui para que sejam desenvolvidos e afinados de acordo com os
propósitos dos cicloturistas. Dessa forma, recomenda-se que estudos sejam desenvolvidos
sobre a percepção ambiental de turistas que utilizam os mais diversos meios de transportes
para se locomover. Tais pesquisas podem ajudar a conhecer mais profundamente as pessoas
que viajam, bem como a característica de suas experiências. Do ponto de vista da organização
do turismo, essas investigações seriam relevantes para trabalhar melhor o destino em função
125
das necessidades dos turistas e decidir quais meios de transportes turísticos seriam prioritários
em determinada região.
Esta pesquisa foi desenvolvida à luz das contribuições de Ingold sobre o entendimento da
percepção ambiental. Sob a égide de sua teoria, buscou-se construir este trabalho tendo como
base o engajamento prático dos cicloturistas e do pesquisador na Estrada Real. De fato, a
crítica do autor à forma como a ciência tem se proposto a construir os conhecimentos foi
incorporada nesta investigação. Reconhece-se, portanto, que este trabalho é apenas uma das
diversas maneiras de entender o objeto de estudo e que, para sua construção, a percepção do
autor foi essencial e é indissociável dos seus resultados.
A presente dissertação se apresenta, portanto, como uma defesa da bicicleta como meio de
transporte para o turismo. As experiências dos cicloturistas mostraram que o segmento pode
proporcionar benecios tanto para os viajantes quanto para a comunidade. Muitos são os
indicadores de que esse meio de transporte pode exercer um papel fundamental na construção
de um turismo que seja pautado pelo respeito às pessoas e ao ambiente em que vivem. Alguns
países e destinos já se convenceram dessa iia e acreditam em um futuro com menor
quantidade de carros, em que as bicicletas sejam a principal forma de locomoção de seus
turistas e residentes. Por mais que esse cenário seja apenas uma alternativa e esteja ainda
muito distante da realidade atual, é preciso trabalhar em prol de sua construção para que seja
alcançado.
126
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132
APÊNDICE A
Nº Entrevista: ____
Entrevistador: ___________________________
Local da Entrevista:______________________
Data: ___/___/___
Duração: ______________
1. PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO
1.1 Nome:
____________________________________
1.2 Sexo:
1.2.1( )Masculino 1.2.2( )Feminino
1.3 Faixa Etária:
1.3.1( ) menos de 15 anos
1.3.2( )15 a 19 anos
1.3.3( )20 a 29 anos
1.3.4( )30 a 39 anos
1.3.5( )40 a 49 anos
1.3.6( )50 a 59 anos
1.3.7( )acima de 60 anos
1.4 Naturalidade:
1.4.1 ( )Belo Horizonte
1.4.2 ( )Minas Gerais - ________________
1.4.3 ( )Brasil - ________________
1.4.4 ( )Internacional - ________________
1.5 Local de Residência:
1.5.1 ( )Belo Horizonte
1.5.2 ( )Minas Gerais - ________________
1.5.3 ( )Brasil - ________________
1.5.4 ( )Internacional - ________________
1.6 Grau de escolaridade
1.6.1( )Sem instrução escolar
1.6.2( )Ensino fundamental incompleto
1.6.3( )Ensino fundamental completo
1.6.4( )Ensino médio incompleto
1.6.5( )Ensino médio completo
1.6.6( )Ensino superior incompleto
1.6.7( )Ensino superior completo
1.7 Profissão
1.7.1 Formação Profissional
____________________________________
1.7.2 Atividade Profissional
____________________________________
1.8 Renda mensal familiar
1.8.1 ( )até R$ 500,00
1.8.2 ( )de R$ 501,00 a R$ 1000,00
1.8.3 ( )de R$ 1001,00 a R$ 2000,00
1.8.4 ( )de R$ 2001,00 a R$ 3000,00
1.8.5 ( )de R$ 3001,00 a R$ 4000,00
1.8.6 ( )de R$ 4001,00 a R$ 5000,00
1.8.7 ( )acima de R$ 5001,00
133
2. HISTÓRICO DAS VIAGENS DE BICICLETA
2.1 Você pratica o cicloturismo há quanto tempo?
______________________________________________________________________
2.2 Como e por que você começou a praticar o cicloturismo?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_______________________________________________________
2.3 Quais viagens você já realizou?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
3. MOTIVAÇÕES DE VIAGEM
3.1 Quais foram suas motivações para esta viagem?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
3.2 A Estrada Real foi uma motivação específica? Por quê?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
3.3 Por quê você utilizou a bicicleta como meio de transporte na viagem?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
134
4. FORMA DE VIAGEM
4.1 Realizou planejamento de viagem?
4.1.1( )Sim 4.1.2( )Não
4.2 Se sim, como foi o seu planejamento da viagem?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
__________________________________________________
4.3 Qual foi o seu roteiro de viagem (procedência e destino final)?
______________________________________________________________________
4.4 Quantas vezes você já realizou este trecho, incluindo esta viagem?
4.4.1( )Primeira visita
4.4.2( )Duas vezes
4.4.3( )Três vezes
4.4.4( )Quatro vezes
4.4.5( )Acima de quatro vezes
4.5 Com quem você viajou?
4.5.1( )Individual
4.5.2( )Dupla
4.5.3( )Família
4.5.4( )Grupo
4.5.5( )Excursão Organizada – Qual o motivo? _______________________________
4.6 Duração da viagem:
4.6.1( )até 3 dias
4.6.2( )de 4 a 6 dias
4.6.3( )de 7 a 9 dias
4.6.4( )de 10 a 12 dias
4.6.5( )acima de 12 dias
4.7 Quilômetros percorridos por dia:
4.7.1( )até 20 km
4.7.2( )de 21 a 40 km
4.7.3( )de 41 a 60 km
4.7.4( )de 61 a 80 km
4.7.5( )81 km ou mais
135
4.8 Meio(s) de transporte utilizado(s) até o destino turístico:
4.8.1( )Ônibus;
4.8.2( )Carro próprio ou alugado;
4.8.3( )Avião;
4.8.4( )Bicicleta;
4.8.5( )Outros – Qual?____________________
4.9 Utilização de Bicicleta:
4.9.1( )Própria; 4.9.2( )Alugada.
4.10 Meio(s) de hospedagem utilizado(s):
4.10.1( )Hotel
4.10.2( )Pousada
4.10.3( )Albergue
4.10.4( )Pensão
4.10.5( )Acampamento selvagem
4.10.6( )Acampamento turístico
4.10.7( )Imóvel Alugado
4.10.8( )Outros - Qual? ______________________
4.11 Meio(s) de alimentação utilizado(s):
4.11.1( )Restaurante
4.11.2( )Padaria
4.11.3( )Lanchonete
4.11.4( )Supermercado
4.11.5( )Faz a própria comida
4.11.6( )Outros - Qual? ______________________
4.12 Outra(s) infra-estrutura(s) utilizada(s):
4.12.1( )Lojas de bicicleta
4.12.2( )Posto de Gasolina
4.12.3( )Hospital/Posto de Saúde
4.12.4( )Centros de informações turísticas
4.12.5( ) Outros - Qual? ______________________
4.13 Gastos:
4.13.1 Meios de Hospedagem - (R$ )Diário
(R$ )Total
4.13.2 Alimentação - (R$ )Diário
(R$ )Total
4.13.3 Bicicletas - (R$ )Diário
(R$ )Total
4.13.4 Outros meios de transporte - (R$ )Diário
(R$ )Total
136
5. PERCEPÇÃO AMBIENTAL
5.1 Qual o seu grau de satisfação em relação aos serviços e à receptividade da população
neste trecho da Estrada Real?
Excelente
Muito
bom
Bom
Regular
Ruim
NS / NR
Comentários
5.1.
1Informações
turísticas
5.1.
2 Receptividade da
pop.
5.1.
3 Sinalização
5.1.
4 Estradas
5.1.
5 Entretenimentos
5.1.
6 Serviços Públicos
5.1.
6.1 Saneamento
5.1.
6.2 Saúde
5.1.
6.3 Limpeza
5.1.
6.4 Segurança
5.1
.7 Alimentação
5.1
.7.1 Qualidade
5.1
.7.2 Preço
5.1
.8 Hospedagens
5.1
.8.1 Qualidade
5.1
.8.2 Preço
5.1
.9 Transporte
5.1
.9.1
Qualidade
5.1
.9.2 Preço
5.1
.10 Lojas de
bicicleta
5.1
.10.1 Qualidade
5.1
.10.2 Preço
5.2 Quais são suas sugestões para melhorar as condições deste trecho da Estrada Real
para o cicloturismo?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
4.13.5 Atrativos turísticos - (R$ )Diário
(R$ )Total
4.13.6 Outros - (R$ )Diário
(R$ )Total
137
5.3 Como você percebeu o ambiente em viagem de bicicleta?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
5.4 Como a velocidade da bicicleta afetou sua percepção do ambiente?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
5.5 Como a bicicleta afetou o seu contato com os habitantes locais e outros turistas?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
5.6 Como se deu a sua percepção da cultura local, em viagem de bicicleta?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
5.7 O que a viagem de bicicleta, neste trecho da Estrada Real, lhe proporcionou?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________________________
138
APÊNDICE B
TABELA B-1
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação às informações turísticas, em Conceição do Mato
Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real - 2007
Grau de Satisfação Freqüência Porcentagem
Excelente 2 7,14%
Muito Bom 5 17,86%
Bom 6 21,43%
Regular 4 14,29%
Ruim 6 21,43%
Não Soube / Não respondeu 5 17,86%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
TABELA B-2
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação aos entretenimentos, em Conceição do Mato
Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real - 2007
Grau de Satisfação Freqüência
Porcentagem
Excelente 3 10,71%
Muito Bom 4 14,29%
Bom 11 39,29%
Regular 2 7,14%
Ruim 0 0,00%
Não Soube / Não respondeu 8 28,57%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
139
TABELA B-3
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação ao saneamento básico, em Conceição do Mato
Dentro e Santana do Riacho - Estrada Real - 2007
Grau de Satisfação Freqüência Porcentagem
Excelente 0 0,00%
Muito Bom 0 0,00%
Bom 4 14,29%
Regular 3 10,71%
Ruim 9 32,14%
Não Soube / Não respondeu 12 42,86%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
TABELA B-4
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação à saúde pública, em Conceição do Mato Dentro e
Santana do Riacho - Estrada Real - 2007
Grau de Satisfação Freqüência Porcentagem
Excelente 0 0,00%
Muito Bom 0 0,00%
Bom 3 10,71%
Regular 3 10,71%
Ruim 5 17,86%
Não Soube / Não respondeu 17 60,71%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
140
TABELA B-5
Grau de satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação à limpeza pública, em Conceição do Mato Dentro e
Santana do Riacho - Estrada Real - 2007
Grau de Satisfação Freqüência Porcentagem
Excelente 2 7,14%
Muito Bom 7 25,00%
Bom 5 17,86%
Regular 6 21,43%
Ruim 1 3,57%
Não Soube / Não respondeu 7 25,00%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
TABELA B-6
Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com
relação à segurança pública em Conceição do Mato Dentro e
Santana do Riacho - Estrada Real - 2007
Grau de Satisfação Freqüência Porcentagem
Excelente
3 10,71%
Muito Bom
4 14,29%
Bom
8 28,57%
Regular 2 7,14%
Ruim 3 10,71%
Não Soube / Não respondeu 8 28,57%
TOTAL
28 100,00%
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
141
APÊNDICE C
GRÁFICO C-1 Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com relação à
qualidade e aos preços dos meios de transporte utilizados - Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
GRÁFICO C-2 Grau de Satisfação dos cicloturistas entrevistados com relação à
qualidade e aos preços das lojas de bicicleta, em Conceição do Mato Dentro e Santana
do Riacho - Estrada Real - 2007
Fonte: Dados da pesquisa, 2007.
0% 10% 20% 30% 40% 50%
Excelente
Muito Bom
Bom
Regular
Ruim
Não Soube / Não respondeu
Preço
Qualidade
0% 20% 40% 60% 80%
Excelente
Muito Bom
Bom
Regular
Ruim
Não Soube / Não respondeu
Preço
Qualidade
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