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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Mestrado
Área de Concentração: Psicologia Aplicada
LUDOANA POUSA CORRÊA DE PAIVA ROCHA BARROS
O USO DE CARTAS TERAPÊUTICAS EM PSICOTERAPIA DE GRUPO
Uberlândia
2010
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2
LUDOANA POUSA CORRÊA DE PAIVA ROCHA BARROS
O USO DE CARTAS TERAPÊUTICAS EM PSICOTERAPIA DE GRUPO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Psicologia –
Mestrado do Instituto de Psicologia da
Universidade Federal de Uberlândia,
como requisito parcial à obtenção do
Título de Mestre em Psicologia Aplicada.
Orientador: Prof. Dr. Emerson F. Rasera
Uberlândia
2010
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
B277u
Barros, Ludoana Pousa Corrêa de Paiva Rocha, 1981-
O uso de cartas terapêuticas em psicoterapia de grupo / Ludoana
Pousa Corrêa de Paiva Rocha Barros. – 2010.
196 f.
Orientador: Emerson F. Rasera.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
Inclui bibliografia.
1.
Psicoterapia de grupo - Teses. I. Rasera, Emerson F (Emerson
Fernando), 1972- . II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa
de Pós-Graduação em Psicologia. III.Título.
CDU: 615.851.6
3
Ludoana Pousa Corrêa de Paiva Rocha Barros
O uso de cartas terapêuticas em psicoterapia de grupo
Dissertação de Mestrado submetida
ao Programa de Pós-Graduação do
Instituto de Psicologia da
Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito parcial
à obtenção do Título de Mestre em
Psicologia Aplicada.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. Emerson Fernando Rasera
Orientador (UFU)
_____________________________________________
Profª. Dra. Anamaria Silva Neves
Examinadora (UFU)
_____________________________________________
Profª. Dra.Marilene Grandesso
Examinadora (PUC-SP)
Uberlândia, ____de_______________de 2010
4
A meu marido Pedro, que personifica o amor e a alegria em minha vida.
Grata por trazer música e poesia para o nosso lar.
5
Agradecimentos
Poder exercer o ato de agradecer é um privilégio exercido por quem é grato; gratificado.
Assim, agradeço a Deus, por ter me tocado e carregado durante todo o percurso do Mestrado.
Eu O agradeço por ter me possibilitado viver histórias de amor, paciência e perseverança
nesse período.
Sou imensamente grata ao meu pai, mãe e irmão, família querida que me batizou no mundo
das letras, dos livros e discos, das cartas e das poesias.
Grata pelos amigos, de velhas e novas caminhadas, que me suportaram e me sustentaram
nesse período. À amiga e irmã Carol, minha gratidão pela companhia constante e pelo amor
que transborda. Aos “chicletinhos”, sou grata pela amizade, pelas palavras de refrigério e
pelas orações compartilhadas. À mãe de coração, Kellen, sou grata pela alegria e pelo tempo
de descanso proporcionado.
Ao querido professor e orientador Emerson, sou grata por todo o apoio, pela amizade,
paciência e afeto. Se não fosse você, o mestrado não seria. Obrigada pela dedicação,
perseverança e carinho.
Sou imensamente grata às pessoas que compuseram o grupo terapêutico. Fico tocada pelo
aprendizado construído no compartilhar de histórias tão importantes. Com certeza, a
participação de cada um tornou essa pesquisa não só possível, como especial.
Obrigada à minha querida equipe reflexiva, não apenas por terem sido companheiras de
jornada, mas, principalmente, por terem acrescentado indagações e colorido ao processo.
Sou grata a todos aqueles que estiveram comigo nesse percurso, tantas vezes confuso e
tortuoso, mas cheio de possibilidades e desafios. Como em qualquer viagem, fica a gratidão
pela oportunidade do caminhar, bem como o agradecimento àqueles que me dirigiram ou
descansaram os passos.
6
“Então, é assim que se cria uma única história: mostre um povo como
uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles
se tornarão. É impossível falar sobre uma única história sem falar sobre
poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo Igbo, que eu lembro
sempre que penso sobre as estruturas de poder do mundo; a palavra
‘nkali’. É um substantivo que livremente se traduz: “ser maior do que o
outro”. Como nosso mundo econômico e político, histórias também
são definidas pelo princípio do “nkali”. Como são contadas, quem as
conta, quando e quantas histórias são contadas, tudo realmente
depende do poder. Poder é a habilidade de não só contar a história de
uma outra pessoa, mas de fazê-la a história definitiva daquela pessoa”
(Adichie, C.; 1999).
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RESUMO
O uso de cartas terapêuticas em psicoterapia de grupo
Barros, L.P.C.P.R; Rasera, E.F.
Instituto de Psicologia – Universidade Federal de Uberlândia
2010
O uso da comunicação escrita na prática clínica cotidiana tem sido relatado desde a década de
1940. Porém, é apenas no domínio da terapia narrativa que o termo “cartas terapêuticas”, e
sua prática voltada para a intervenção, ganham identidade. Essas cartas, diferentemente das
cartas sociais, têm como foco o contexto, conteúdo, intenções e efeitos causados no paciente
e no terapeuta. São cartas mais literárias do que diagnósticas as quais mais expõem situações
e possibilidades do que explicam algo. Elas documentam a história, relatam os avanços
presentes e imaginam possibilidades futuras. A partir desse contexto, o objetivo deste
trabalho é investigar os sentidos das cartas terapêuticas em grupos psicoterápicos que
utilizam esse recurso, especificamente em relação ao seu processo de escrita, considerando
tanto a lógica que organiza sua redação quanto os princípios terapêuticos utilizados para
atender determinadas funções. Para alcançar os objetivos deste trabalho, foram realizados 12
encontros grupais, de caráter fechado, com a presença de uma terapeuta de campo e duas
terapeutas que formaram a equipe reflexiva. Participaram desse grupo 10 pessoas, de ambos
os gêneros, com pedidos e idades diversas (de 31 a 52 anos). As cartas eram escritas pela
terapeuta de campo, após as sessões grupais, e entregue aos participantes, ao início da sessão
posterior. A partir da análise das cartas redigidas pela terapeuta, percebo que as cartas
possuem vários princípios e procedimentos de linguagem úteis para a construção de
narrativas preferíveis, sendo um documento importante no processo de re-autoria. Entre esses
princípios, destaco: a desconstrução do self subjugado, a procura por exceções, a manutenção
de uma postura de não-saber e a internalização do agenciamento pessoal. No processo de
escrita da carta, o terapeuta usa de procedimentos relativos a cada um desses princípios,
somado a outros recursos e estratégias lingüísticas, para promover determinados objetivos
terapêuticos. Desse modo, reconhecendo o conhecimento como uma prática discursiva
socialmente construída, os conceitos e questões aqui apresentados buscam oferecer outras
possibilidades de reflexão e conversação, almejando a ampliação dos discursos disponíveis
relativos ao uso das cartas no contexto terapêutico.
Palavras-chave: cartas terapêuticas, psicoterapia de grupo, terapia narrativa, linguagem.
8
Abstract
The use of therapeutic letters in the group psychotherapy
Paiva, L.P.C.; Rasera, E.F.
Institute of Psychology - Federal University of Uberlândia
2010
The use of written communication in the clinical practice has been reported since the 1940
decade. However, it is only in the narrative therapy domain that the term “therapeutic letters
and its practice aimed towards intervention gain identity. These letters, differently from social
letters, has context, content, intentions and effects caused on the patient and the therapist as
the focus. They are more literal then diagnoses letters, exposing situations and possibilities
more than explaining something. They document history, report present developments and
future forecasts. From this context, the objective of this project is to investigate the meanings
of therapeutic letters in psychotherapeutic groups that use this resource, specifically in
relation to its written process, considering the logic that organizes its writing and the
therapeutic principles used to attend specific functions. To achieve this project´s objective 12
closed character group meetings took place, with the attendance of a field therapist and two
therapists that formed a reflexive team. This group was composed by 9 people, of both sexes,
with ages varying from 31 to 52 years. The letters were written by the field therapist after the
group sessions, and handed to the participants in the beginning of the following session. From
the analysis carried out in one of the letters written by the therapist, I notice that the letters
have various principles and procedures of language useful for the construction of preferred
narratives, being an important document in the re-authoring process. I highlight amongst
these principles: the deconstructing the subjugated self, the searching for exceptions, the
maintaining a ‘not-knowing’ position and the internalizing personal agency. From the process
of writing the letter, the therapist uses procedures relative to each one of these principles,
adding to other resources and linguistic strategies to promote determinate therapeutic
objectives. This way, recognizing knowledge as a socially constructed discursive practice, the
concepts and questions here presented seek to offer other possibilities of reflection and
conversation, craving the expansion of available speeches relative to the issue of the letters in
the therapeutic context.
Key words: therapeutic letters, group psychotherapy, narrative therapy, language.
9
SUMÁRIO
1. Pra começo de conversa 10
2. O percurso das cartas na cultura e na clínica 16
3. O construcionismo social e a Terapia 26
3.1. A estrutura das narrativas 43
3.2. Terapia narrativa e as cartas terapêuticas 48
4. Objetivo 64
5. A pesquisa a partir do referencial Construcionista Social 65
5.1. O contexto, o grupo e seus participantes 68
5.2. Considerações éticas 74
5.3. O relato de sessão a partir das cartas 75
6. Constituição e Procedimento de análise do corpus 82
7. Resultados 89
7.1. Fortalecendo a grupalidade: parágrafo inicial 90
7.2. Construindo a externalização do problema: conversando com Antônio 95
7.3. Convite à reflexividade: conversando com Lucas 102
7.4. Pontuando competências: conversando com Lívia 106
7.5. Substituir pressupostos por curiosidade: conversando com Cibele 109
7.6. Identificar acontecimentos extraordinários: conversando com Renata 113
7.7. Colocar os membros como agentes de mudança: conversando com Joana 117
7.8. Atribuir intencionalidade positiva: conversando com Elisa 120
7.9. Revendo o processo grupal: parágrafo de encerramento 122
7.10. Imaginando possibilidades: conversando com Antônio na 1ª sessão 124
7.11. Contextualizando o problema e creditando influência ambiental:
conversando com Joana e Lívia na 2ª sessão 126
7.12. Legitimando sentimentos: conversando com Mariana na 4ª sessão 129
8. Discutindo conceitos e questões 133
8.1. Discussões acerca do método de análise utilizado 133
8.2. Questões éticas referentes à escrita da carta na clínica 136
8.3. Implicações do uso das cartas terapêuticas para a prática clínica 138
8.4. Possibilidades de pesquisas futuras 142
9. Referências Bibliográficas 145
10. Apêndices 155
10
1. Pra começo de conversa...
As histórias vividas são sempre muito mais ricas que qualquer possibilidade de relato
sobre elas. Configuradas como recortes na experiência a partir de significados pessoais,
enfatizando certos acontecimentos em detrimento de outros, sempre há outras
possibilidades decorrentes das lacunas, contradições, exclusões e inclusões, fazendo
surgir do fundo indiferenciado da experiência novas tramas relacionais, favorecendo não
só a mudança do eu-narrador, como também na audiência da qual o terapeuta é parte
privilegiada. (Grandesso, 2000, p.243)
Toda história começa em um ponto de partida. Quando penso em minha história
acadêmica percebo-me em vários desses pontos, concomitantemente. Percebo-me em
encruzilhadas e encerramentos de capítulo, tomando fôlego e pedindo ajuda; gargalhando e
chorando. Pensar em começos é lembrar-me de pessoas que nos deram colo, inúmeras vezes,
e com tanto carinho. A professora, doutora e mãe do coração Maria Lúcia Castilho Romera
foi uma das personagens principais desta história. Se não fosse por sua perseverança comigo,
eu não teria me formado em Psicologia e descoberto o que hoje se faz minha paixão. O
professor, doutor, e querido amigo Emerson Fernando Rasera, meu orientador, foi quem me
apresentou os mares construcionistas, tantas vezes revoltos pelos discursos. Hoje, entendo
que nos apaixonamos por pessoas, e as teorias surgem como acompanhantes.
O capítulo desta pesquisa em minha história pessoal inicia-se a partir de algumas
questões suscitadas na participação em estágio curricular, realizado na Universidade Federal
de Uberlândia, no ano de 2006 e 2007.
Tive meu primeiro contato com o construcionismo social, perspectiva utilizada nesse
estudo, a partir de uma disciplina na graduação denominada “Teoria e Técnica de Grupo”.
Nessa época, em 2006, sem ainda ter feito nenhum estágio, tanto o construcionismo social
quanto o atendimento em grupo eram possibilidades novas para mim.
11
O estágio teve duração de um ano, no qual realizamos dois grupos terapêuticos
fechados, com encontros semanais de 1h30, totalizando doze sessões de atendimento para
cada grupo. Os grupos tinham caráter heterogêneo, no que diz respeito ao gênero das pessoas,
idade e às questões levadas por elas para a terapia. Nossas supervisões eram semanais, e
aguardadas por todas nós com muito entusiasmo. Isso porque, além do relato de sessão,
aquele era um espaço onde ouvíamos as percepções umas das outras, assim como os
sentimentos suscitados pelo atendimento.
Dado meu encantamento teórico com a técnica utilizada no grupo, meu desejo de
pesquisar e de aprofundar meus conhecimentos no construcionismo começou a surgir. O
formato de nosso atendimento, com a participação de quatro terapeutas, era ter duas delas
formando a equipe de campo, e as outras duas formando o que Tom Andersen (1998)
denomina equipe reflexiva, cuja tarefa é pensar sobre o que é dito no grupo, a fim de que,
com questões reflexivas, se possa gerar um novo campo de entendimento. Utilizávamos
ainda, como forma de intervenção, um instrumento denominado por Michael White e David
Epston (1990) de “cartas terapêuticas”. As cartas eram escritas a cada semana por uma das
terapeutas de campo. Por meio dessa carta, nós buscávamos conversar com as pessoas
presentes no grupo, contextualizando-as minimamente em relação ao que havia ocorrido na
sessão anterior, e buscando ampliar dizeres e saberes a partir de perguntas reflexivas. Outro
processo possibilitado por esse documento escrito era o reconhecimento de mudanças e a
legitimação de ações. Ao início de cada sessão grupal, a terapeuta que havia escrito a carta
fazia sua leitura para todo o grupo, e convidava os participantes a conversarem sobre a carta
ou sobre qualquer outra questão, em um movimento de liberdade com a fala do cliente.
Relembrei meus tempos de criança, quando as primeiras cartas, românticas, eram
endereçadas ao meu pai. Meu primeiro namoro, ainda menina, iniciou com uma breve carta
de amor e, por meio das cartas, o namoro desenvolveu-se e terminou. Era longa a espera
12
frente à caixa do correio, por cartas da minha prima, quase irmã, que morava distante. Cartas
em papéis cheirosos e coloridos, letras caprichadas, lágrimas, suspiros.
Assim, esse processo de escrever para o outro, em uma atitude de carinho e
consideração, chamava a minha atenção. Fiquei pensando no quanto eu gostaria de ser
cuidada daquela forma, tendo minha terapeuta pensando em mim depois da sessão, refletindo
sobre formas de me ajudar e estender o tempo da palavra comigo. Seria esse um desejo só
meu? E os pacientes, o que eles pensavam sobre isso? Qual seria a melhor forma de escrever
as cartas, para ajudá-los? Quais recursos de linguagem poderiam ser destacados pela
terapeuta na escrita da carta? Quais sentidos seriam produzidos e a partir de quais
procedimentos textuais? Essas foram perguntas surgidas no decorrer do estágio e que me
acompanharam durante o uso das cartas no grupo.
Dessa forma, busquei na literatura artigos relacionados às cartas terapêuticas escritas por
profissionais, e me perguntava quais especialidades e lugares, para além de nossa prática em
uma clínica-escola, utilizavam-se daquele instrumento. Infelizmente, não encontrei nenhum
artigo, pesquisa ou qualquer referência às cartas terapêuticas nas bases de dados nacionais.
Apenas em âmbito internacional, na base de dados PsycInfo (1806-2009), encontrei treze
artigos com o termo “therapeutic letter”. Outras palavras-chave foram pesquisadas, tais
como: letter writing, writing group, writing therapy, written communication, letter therapy
writing. Todos esses termos relacionam-se à escrita na prática clínica, mas são usados com
maior freqüência em relação à escrita realizada pelos pacientes, o que corroborou com a idéia
do pouco estudo relativo a esse assunto. Assim sendo, em parceria com o meu antigo
supervisor de estágio, e agora atual orientador de mestrado, decidi investigar as perguntas que
eu me fazia.
Por essa razão, o objetivo deste estudo é investigar os sentidos das cartas terapêuticas em
grupos psicoterápicos que utilizam este recurso, especificamente em relação ao seu processo
13
de escrita, considerando tanto a lógica que organiza sua redação quanto os princípios
terapêuticos utilizados para atender determinadas funções. Entendo que investigar essa
questão oferece um espaço de reflexão e diálogo sobre o uso desse instrumento, que são as
cartas terapêuticas de outros profissionais, além de sustentar o meu processo de formação
pessoa-terapeuta-pesquisadora.
O percurso desse estudo apresentou alguns desafios ao longo do seu desenvolvimento. A
proposta inicial da pesquisa abarcava o desejo de analisar as entrevistas individuais finais,
que tiveram como foco conversacional as cartas terapêuticas, além do entendimento sobre o
processo de construção das cartas. Sendo assim, todas as sessões foram gravadas e transcritas.
Porém, ao longo do tempo, fui percebendo que as possibilidades e os questionamentos eram
muito maiores que o prazo permitido para a finalização da dissertação. Venci a frustração a
partir do entendimento de que tais investigações e análises poderiam atender a pesquisas
futuras. Assim, todo o material foi transformado em um banco de dados.
A estrutura do trabalho foi organizada de forma a apresentar no Capítulo 2 um breve
histórico do uso das cartas no mundo, como elas surgiram, os lugares ocupados, assim como
as funções que elas buscaram atender no decorrer dos tempos. Nesse mesmo capítulo,
analisei o uso da comunicação escrita na clínica, perpassando pelas pesquisas realizadas na
área. Resgatando as cartas para a atualidade, apresentei a nova normatização do CFP
(Conselho Federal de Psicologia) relativa à obrigatoriedade do registro documental,
destacando os paradigmas os quais percebi que sustentava essa resolução.
Por sua vez, no capítulo 3, foi apresentada a perspectiva teórica da pesquisa, o
construcionismo social e algumas abordagens terapêuticas pertinentes ao estudo, tais como a
abordagem colaborativa, os processos reflexivos e a terapia narrativa. A ênfase foi posta na
proposta terapêutica narrativa, pelo fato de as cartas terapêuticas terem sido originadas em
seu domínio. Nessa direção, apresento, ainda neste capítulo, a estrutura das narrativas, como
14
estão estabelecidas na sociedade ocidental. Como proposta, busco investigar a formação
narrativa, a fim de que possa refletir sobre sua estrutura, para a construção de histórias
preferíveis junto ao cliente. Por fim, faço a conexão entre as cartas terapêuticas e a terapia
narrativa, a partir de estudos que contribuem para sua prática.
No capítulo 4, foi apresentado o objetivo da pesquisa e, posteriormente, no capítulo 5, o
percurso teórico-metodológico, articulando o contexto da pesquisa e dos participantes, de
forma a dar visibilidade ao processo deste estudo, facilitando ainda o conhecimento das
pessoas que compuseram o grupo e em qual lugar elas se encontravam. A estrutura das cartas
também ganhou lugar de destaque nesse capítulo.
Na seqüência, ao capítulo 6 dei visibilidade à constituição e aos procedimentos de análise
do corpus, que tiveram como foco as cartas redigidas durante o processo grupal. Nesse
capítulo, justifiquei o modelo de análise, bem como apresentei um quadro que resume as
categorias utilizadas para análise.
No capítulo 7, tenho a análise propriamente dita, assim como as discussões pertinentes à
mesma. Uma das cartas foi analisada na íntegra, com o objetivo de investigar a linguagem em
ação e as funções geradas pelo uso dos princípios e procedimentos utilizados.
Por fim, no capítulo 8, problematizei conceitos e questões referentes a quatro eixos: 1) a
questão metodológica; 2) a questão ética, envolvendo a escrita da carta; 3) as implicações do
uso das cartas, tendo foco em sua relação com a normatização do CFP (Resolução 001/2009),
que dispõe sobre a obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de
serviços psicológicos e, por fim, 4) breve exposição do que entendo como aspectos
importantes a serem estudados no futuro.
A repercussão e a utilidade deste trabalho, assim como a possível contribuição gerada no
campo da terapia, decorrerá da ampliação de possibilidades de outras conversações, a partir
da construção de novos sentidos acerca, não apenas, de um outro documento na prática
15
clínica, mas, principalmente, da perspectiva de um instrumento interventivo no contexto
terapêutico.
16
2. O percurso das cartas na cultura e na clínica
Cuando la recebi me sorprendió y me alegró. Leí lo que decía, y así lo podia recordar
para nuestra próxima reunión. La lei bastantes veces. Tengo mi próprio archivador para
ella, que guardo em um cajón especial. Lo bueno de la carta era también que cuando algo
está escrito puedes decir que no está bien. En cuanto vi la carta, supe que era para mí. La
brí, mamá la leyó, y luego lo hizo em voz alta. Después you la lei três veces y la puse em
mi archivador. La mire um par de veces más durante esse mês. Lo que me gustaba de la
carta es que hace que los niños piensem que saben lo que dicen. Creo que es uma buena
forma de comunicarse com los niños después de una reunión (Freeman, Epston &
Lobivits, 2001, p.166 – trecho de uma carta entregue a David Epston por uma criança em
psicoterapia)
Ao pensar nas cartas como uma ferramenta para a prática clínica, posso me perguntar
sobre seu surgimento histórico e o lugar de importância que elas adquirem no decorrer do
tempo. A história das cartas se entrelaça com o surgimento da escrita e com a necessidade do
homem em se comunicar.
As primeiras inscrições gráficas datam de 30.000 a.C. e surgiram para que o homem
estabelecesse contato de maneira fixa e estável no tempo. Assim, a escrita vai sendo
desenvolvida de acordo com a necessidade de determinados povos e culturas, mostrando-se
ser de primordial importância para o desenvolvimento da humanidade, já que as idéias
passam a ficar gravadas, preservando a história da humanidade e dando suporte à memória
(Andrade, 2001).
No século XII a.C., os egípcios já possuíam um sistema postal, e os faraós o utilizavam
para difundir decretos em todo o Estado. O mesmo percurso foi realizado por outros povos,
tais como os persas, gregos, cretenses e fenícios. A mensagem escrita foi ocupando lugar de
17
importância para o desenvolvimento desses povos e de suas culturas, passando a fazer parte
dos hábitos diários dessas pessoas.
A Bíblia também se mostra como guardadora de inúmeras cartas. No Novo Testamento,
existe um total de treze cartas de Paulo (Cartas Paulinas) escritas, provavelmente, entre 50 e
65 d.C.. Existem ainda as Cartas Gerais, nas quais estão inseridas epístolas escritas por Tiago,
João, Pedro e Judas.
Em determinadas épocas, a carta como comunicação escrita só era acessada por pessoas
letradas, sendo utilizada expressivamente para força política. Como prática existente para
poucos privilegiados, a carta foi bastante difundida na época Renascentista. Para Reynes
(conforme citado por Cunha, 2005), a carta experimentou seu ápice no século XVII com
Madame Sévigné. Segundo o autor, os motivos das cartas terem ganhado tamanha
visibilidade deveu-se à “vida de ócio e um grande teatro de observação social; enfim uma
posição elevada e o domínio dos panoramas humanos” (p.33). As cartas de Sévigné foram
vistas por alguns como o retrato preciso da história francesa, chegando a fazer parte de
manuais escolares. Outros a creditaram como escritos de uma época feitos acidentalmente e
há ainda os que a concebem como obra literária. O fato é que as cartas dessa época seguiam
as regras de cortesia, mas eram recheadas de sátiras, confidências e indiscrições.
Porém, seja qual tiver sido a intenção das cartas, hoje elas ganham visibilidade de autores
por múltiplos fatores, tendo ainda um forte impacto cultural em nossa sociedade
contemporânea, influenciando o campo da história, da música, do cinema e da linguagem.
Assim, elas possibilitam conhecimento e reflexões sobre nossa história, tal como em “Bem
traçadas linhas: a história do Brasil em cartas pessoais” (Lemos, 2004), testemunham vidas e
épocas, como em “Caio Fernando Abreu – Cartas” (Abreu, 2002) e nos permitem entender o
percurso de um autor a partir das cartas como “testemunho de um tempo e de si mesmo”
(Vianna, 2002), como discorrido em “Cartas na Mesa” (Sabino, 2002). Em busca de livros
18
que falam sobre cartas no site de busca “Google livros”, foram encontrados 16.400 títulos
referentes a diversos assuntos e escritos de múltiplas formas, o que demonstra o interesse
pelo assunto.
Dentre os filmes que tratam do tema, é importante citar “Central do Brasil” (Salles,
1998) que, com enorme sensibilidade e beleza, narra a história de Dora, mulher que escreve
cartas para analfabetos na estação de trens Central do Brasil, no Rio de Janeiro. Já o filme
“Uma carta de amor” (Mandoki, 1999) fala de uma mulher, Theresa, que encontra na praia,
dentro de uma garrafa, uma carta apaixonada e comovente que a faz ir em busca do autor.
Outros títulos ainda abordam o assunto, tais como “Carta ao Kremlin” (Houston, 1970), “O
carteiro e o poeta” (Radford, 1994) e, mais recentemente, o filme “Cartas de Iwo Jima”
(Eastwood, 2006).
No campo musical, destaco títulos como “Velhas Cartas de amor” (Caldas & Alves,
1949), “A carta” (Court, 1983), “Cartas” (Horsth & Nando, 1990), “As cartas que eu não
mando” (Leoni, 2004) e, por último, “Cartas pra você” (Ferrero & Rocha, 2008).
Além de marcar presença no contexto literário, cinematográfico e musical, as cartas têm
sido foco de estudos científicos, tendo destaque as investigações no campo da linguagem, tais
como “Uma história de constituição de gênero discursivo em sala de aula: cartas” (Cunha,
2005), “Do clássico ao contemporâneo: estratégias discursivas em textos de cartas do século
XVI ao século XX” (Leite, 2008) , tese defendida em 2008, sendo entendidas e analisadas
como gênero discursivo, dialogando principalmente com conceitos propostos por Bakhtin. A
ênfase é calcada em correspondências de pessoas em destaque pela sociedade, tais como
atores, autores, pintores, músicos, entre outros.
Apesar das cartas persistirem em nossa cultura, Pyle (2004) ressalta o declínio das cartas
tradicionais com o advento das telecomunicações. Como justificativa para a afirmativa, Pyle
apresenta as reflexões dos estudos de Hartley, da década de 1990, nas quais o autor considera
19
a Segunda Guerra Mundial como o último grande momento das cartas escritas, em que cartas
foram enviadas e recebidas como em nenhum outro momento da história. Conforme Moules
(2000), após esse período, com o advento do telefone, do fax e posteriormente do e-mail, o
tempo de espera por uma mensagem é minimizado e as pessoas deixam de ter aquela
expectativa e prazer em receber uma carta. Essa autora, aponta que essas novas práticas
impossibilitaram a continuação da arte de escrever cartas como um hábito na vida das pessoas
e, assim, as cartas passaram a ser entendidas unicamente como instrumentos que conservam a
biografia e a história. Contudo, ela ainda se questiona: as cartas perderam seu valor, ou agora
são vistas e recebidas como presentes raros?
Considerando a presença marcante das cartas em músicas, filmes, livros e estudos
acadêmicos, reconhecemos a importância que as cartas ainda possuem em nossa sociedade.
Porém, diferentemente da prática inicial em selar cartas e enviá-las por mensageiros ou
correios, nos correspondemos em um formato diferente, utilizando ferramentas como o e-
mail, messenger, orkut. As correspondências são armazenadas em nossos computadores, ao
invés de serem guardadas em caixas, e o homem continua demonstrando o lugar de
importância que a linguagem escrita tem para sua história, assim como o auxílio
proporcionado pelas cartas na construção desse lugar.
Refletindo acerca da comunicação escrita no âmbito da prática clínica, Moules (2000)
aponta que ela tem sido utilizada desde a década de 1940, sendo uma das primeiras
descrições feitas pelos psicólogos Allport, Landsman, Messiger, e Farber. A autora destaca
ainda Burton e Ellis, que fizeram uso de cartas no ambiente terapêutico na década de 1960.
Uma década depois, em 1977, Wagner também utilizou a forma escrita na sua prática e
sugeriu que ela tivera um efeito melhor do que a comunicação verbal.
O uso de cartas na terapia, pelo qual o terapeuta se comunica com o paciente, é
investigado por Hunt, Schochet e King (2005) que, sustentados por documentação na
20
literatura, relatam a antiga trajetória das cartas neste campo, citando Freud como o primeiro
terapeuta a escrever cartas para seus clientes, com o intuito de responder sobre questões
transferenciais.
Atualmente, o uso da escrita na clínica tem sido crescente por meio dos inúmeros e
variados documentos utilizados na prática diária do profissional de saúde, tais como os
relatórios avaliativos, os registros de casos clínicos em prontuários e as cartas de
encaminhamento feitas para outros profissionais (Pierides, 1999; Pyle, 2004 e Thomas,
1998). Essa forma de escrita é realizada freqüentemente pelo terapeuta, relatando impressões
sobre o cliente, e é tida, geralmente, como uma escrita administrativa, atendendo a
normatizações que estabelecem a manutenção do registro escrito das sessões, que comumente
ficam em sigilo entre os profissionais e as instituições.
Nessa perspectiva, O CFP (Conselho Federal de Psicologia) possui uma nova resolução
(Resolução CFP 001/2009) que trata especificamente do registro documental da prestação de
serviços psicológicos. A decisão em tornar a escrita clínica uma obrigatoriedade vem atender
a uma demanda do Conselho em “contemplar, de forma sucinta, a assistência prestada, a
descrição e a evolução do processo e os procedimentos técnico-científicos adotados no
exercício profissional” (Resolução CFP 001/2009, para.3), primando pela orientação e
fiscalização dos mesmos. É colocado ainda que
o registro documental, além de valioso para o psicólogo, para quem recebe atendimento
e, ainda, para as instituições envolvidas, é também instrumento útil à produção e ao
acúmulo de conhecimento científico, à pesquisa, ao ensino, como meio de prova idônea
para instruir processos disciplinares e à defesa legal (2009, para.4).
Para além dessas necessidades administrativas, alguns terapeutas reconhecem na escrita
vantagens adicionais, apontando que essa pode ser útil para atuar como uma outra forma de
se comunicar com seus clientes e atuar ainda como um recurso para que eles se expressem. A
21
partir da percepção dessas vantagens, desenvolvem-se diferentes formas de utilizar a
linguagem escrita na clínica, dentre as quais podemos destacar: 1) paciente que escreve cartas
(para si, para outras pessoas ou para determinado objeto); 2) terapeuta e paciente que
escrevem entre si e 3) terapeuta que escreve cartas para o paciente.
Diferentes pesquisas têm sido realizadas em meio a essas múltiplas formas de se utilizar
a linguagem escrita na clínica. Porém, apesar da tentativa de alguns autores unificarem um
termo que agrupasse determinado tipo de escrita de cartas, as discordâncias de classificação
são maiores que o consenso. Os autores Wright & Chung (2001) propuseram que as cartas as
quais fossem escritas pelos clientes recebessem o nome de “writing therapy”. Já o termo
“therapeutic letter” fosse atribuído ao campo da terapia narrativa por White e Epston (1990),
sendo primeiramente utilizado por Epston em 1977, com pacientes psiquiátricos, e se refere à
escrita das cartas pelo terapeuta (Pyle, 2004). Em busca de artigos que englobassem o
assunto, percebi que esses termos, muitas vezes, são utilizados de formas distintas, além de
vislumbrar outros termos que ainda referendam a escrita das cartas, tais como “written
communication” e “scriptotherapy”.
Busquei, na literatura, autores que investigam e analisam as cartas na prática clínica. Pyle
(2004, 2006, 2009) tem-se dedicado a esses estudos nas últimas décadas, e assinala que uma
das primeiras pesquisas nesse campo foi feita por Widroe e Davidson, em 1961, com 12
participantes que utilizavam a escrita no processo psicoterápico. Nesse estudo, eram os
participantes que escreviam as cartas, e o que foi observado é que, a partir do processo de
leitura e releitura, promovia-se uma maior observação em relação ao uso de suas palavras e
do conteúdo emocional empregado. O autor ainda destaca, buscando enfatizar a importância e
a utilização das cartas no trabalho psicoterápico, a monografia feita por Pearson, em 1965, na
qual o trabalho de três psicólogos importantes, que utilizavam a escrita como parte de sua
prática, foi apresentado. Em 1966, os pesquisadores Phillips e Wierner também buscaram
22
investigar o uso da escrita na terapia. Nessa pesquisa, grupos de estudantes universitários
foram selecionados e um dos grupos foi formado por pessoas que só tinham contato escrito
com seu terapeuta (“writing therapy” group). Essa pode ser considerada uma das primeiras
pesquisas a apontarem a escrita do terapeuta no processo, porém esse não foi o foco dos
pesquisadores. Já na década de 1980, o psicólogo social Pennebaker realiza um estudo de
como a escrita afeta a saúde das pessoas. Desde então, vários outros estudos, têm sido
conduzidos e publicados, enfatizando os benefícios físicos e mentais que o atendimento com
cartas pode promover.
Brouwers (2001) destaca o uso das cartas em tratamento em grupos de mulheres com
bulimia. Nesse contexto, as mulheres escrevem cartas para a comida, e são apontadas quatro
justificativas para seu uso nesse contexto: 1) cartas lidas em voz alta para o grupo aumentam
a coesão grupal; 2) na escuta do relato as pessoas podem considerar alternativas, sendo
encorajadas a tomar atitudes mais saudáveis; 3) o insight é estimulado, promovendo a
reflexão da função da bulimia na vida dessas mulheres; 4) aumento das discussões que
envolvem o tema bulimia, tais como apoio familiar, abuso sexual, imagem do corpo,
perfeccionismo e auto-estima.
É importante destacar o estudo feito por Kress, Hoffman e Thomas (2008), que
trabalham no contexto de aconselhamento a vítimas de abuso sexual, enfocando a escrita
realizada pelos clientes. A construção das cartas tem perspectiva no futuro e sua função é
atuar como um veículo para a criação da mudança, o que inclui forças individuais,
pensamentos motivadores e conselhos. A autora destaca a escrita como um meio concreto e
permanente de reflexão para o cliente no decorrer do tempo e aponta que o escrever cartas
reforça a idéia de autonomia e competência, o que se mostra especialmente importante no
processo de cuidado a essas pacientes.
23
Percebi que os estudos relativos às cartas se concentram no campo das cartas escritas por
pacientes, sendo amplamente utilizadas em contextos individuais, familiares e grupais.
Porém, alguns autores trabalham as cartas na terapia como correspondências entre o terapeuta
e o cliente. Nesse âmbito, Pyle (2004) destaca Alston, que na década de 1950 foi um dos
primeiros a utilizar essa prática, ao cuidar, durante dois anos, de uma paciente com
tuberculose, e trocar com ela cerca de oitocentas cartas. Outro estudo ainda apontado pelo
autor são os feitos por Schustov e Lester, na década de 1990, no qual eles descrevem as cartas
sendo utilizadas na Rússia e promovendo uma comunicação mais honesta e aberta à
mudança.
Yeung, Chang e Chau (2003) pesquisam um grupo de crianças em Hong Kong, com
idade entre 10 e 14 anos, que escrevem uma carta para “Uncle long legs” (O tio das pernas
longas), com o objetivo de criar novos significados, em um contexto de problemas com
familiares, amigos e escola. A correspondência que ocorre entre as crianças e o terapeuta faz-
se útil à medida que oferece feedback informal para as crianças.
Augusta-Scott (2007) realiza um estudo relativo a cartas trocadas entre ela, enquanto
terapeuta, e um homem preso, por violentar sexualmente sua filha. Por intermédio das cartas,
ela buscou tanto focar no processo de re-autoria da identidade desse homem, de forma que
possibilitasse a ele se responsabilizar pelo abuso e promover relacionamentos respeitosos e
cuidadosos, bem como tentar criar uma audiência com outras pessoas para sustentar sua
identidade de re-autoria.
No que se refere às cartas escritas por terapeutas para pacientes, as pesquisas também são
em pequeno número, mas apontam um interesse para a área (Vidgen & Williams, 2001),
ganhando destaque nos últimos dez anos. Os artigos disponíveis abrangem um variado campo
de possibilidades e encontram-se no campo da terapia familiar (Madigan, 2007; Vidgen &
Williams, 2001), em contextos nos quais pessoas sofrem distúrbios alimentares (Davidson &
24
Birmingham, 2000), em encerramento de tratamento psicoterápico (Omer, 1991), em
aconselhamento com adolescentes e suas famílias (Goldberg, 2000; Pare & Rombach, 2003;
White & Murray, 2002), em escolas com os adolescentes, pais e professores (Bozic, 2004;
Oliver, Nelson, Cade & Cueva, 2007), no campo da saúde mental, lidando com experiências
traumáticas passadas (Esterling, L’Abate, Murray & Pennebaker, 1999), em consultas
psiquiátricas (Couper & Harari, 2004); na terapia em grupo (Chen, Noosbond & Bruce,
1998), com pacientes em crise (Tubman, Montgomery & Wagner, 2001), em aconselhamento
breve nas empresas (Wright, 2005) e na prática da equipe de enfermagem (Erlingsson, 2009;
Moules, 2000, 2002, 2003, 2009a, 2009b, no prelo; Bell, Moules & Wright, 2009). Alguns
estudos também têm sido feitos especificamente voltados ao processo de escrita das cartas
(Bacigalupe, 1996; Baker, Eash, Schuette & Uhlmann, 2002; Moules, 2003; Rombach, 2003)
e para a investigação da utilidade do recebimento das cartas na clínica psicoterápica em geral
(Pyle, 2004, 2006, 2009; Rodgers, 2009).
Moules (2000) ressalta que as cartas terapêuticas na literatura são de cunho descritivo e
que sua influência é baseada no feedback positivo das famílias e dos profissionais, sem a
existência de pesquisas formais publicadas. Concordando com Moules (2000) e Pyle (2004),
percebo que ainda são poucos os estudos em que os terapeutas escrevem para seus pacientes.
Considerando os apontamentos deste capítulo, percebo a importância das cartas na
prática clínica, como forma de dar sentido às vivências e relações. Ressalto, ainda nessa
discussão, a normatização do CFP, que discorre como necessário e obrigatório o registro dos
atendimentos clínicos, o que exige uma maior organização dos profissionais para documentar
sua prática. Atentando para essas questões, somada à dificuldade em encontrar artigos que
relacionassem o assunto, entendo como sendo necessários maiores estudos nesse campo, a
fim de que novas conversações sejam geradas e outros entendimentos sejam produzidos, em
25
relação às cartas como possibilidade de intervenção terapêutica e documentação na prática
clínica.
26
3. O Construcionismo Social e a Terapia
The explanatory locus of human action shifts from the interior region of the mind to the
processes and structure of human interaction. The question ‘why’ is answered not with a
psychological state or process but with consideration of persons in relationship (Gergen,
1985, p.271).
O construcionismo social é uma perspectiva construída a partir do encontro de três
movimentos: o ocorrido na Filosofia, com os filósofos da não representação, tais como
Schopenhauer, Nietzsche e Heidegger; o ocorrido na Sociologia do Conhecimento, a partir do
abandono do pensamento moderno, originado pela desconstrução de uma interpretação
acurada da realidade; na Política, no intuito de dar voz e poder aos grupos socialmente
marginalizados (Grandesso, 2000; Spink, 2004). Segundo Rasera e Japur (2001), “o
construcionismo, situado como uma forma específica de elaboração da crise paradigmática
enfrentada pela ciência nas últimas décadas tem desenvolvido um novo arcabouço teórico,
baseado em uma concepção não-empiricista do funcionamento da ciência e suas formas de
investigação” (p.201).
Apesar de não falar em um único construcionismo social, devido à diversidade de suas
contribuições teóricas, os autores Burr (1995) e Gergen (1999) delineiam o construcionismo
como estando articulado em torno de algumas questões centrais. São elas:
a) A especificidade cultural e histórica das formas de se conhecer o mundo.
Contrário à noção de que o conhecimento é baseado em uma objetividade alcançada
através da observação, o construcionismo social adverte para a suspeita de minhas
suposições. Isso por que, em consonância com essa perspectiva, o que denomino realidade
não demanda formas específicas de descrevê-la. Porém, são minhas descrições de mundo que
constroem o que conheço como realidade, a partir de processos lingüísticos, o que implica
27
considerar o significado de meus entendimentos como historicamente e culturalmente
relativos.
b) A primazia dos relacionamentos humanos na produção e sustentação do
conhecimento.
Se todo o entendimento de mundo não é oriundo das observações objetivas da natureza
como realidade, de onde esse conhecimento se origina? Para os construcionistas, o
conhecimento é construído por meio da linguagem, no intercâmbio entre as pessoas. Por isso,
o foco é no que as pessoas fazem juntas, na linguagem utilizada, na forma como elas se
conectam e criam sentidos sobre si mesmas, e sobre o mundo que as rodeia. Sendo assim, o
conhecimento não é entendido como se aproximando da realidade, mas como um campo a ser
expandido e investigado a partir da relação com o outro.
c) A interligação entre conhecimento e ação.
As formas com que atuo no mundo são dependentes das formas como o descrevo. De
acordo com Burr (1995), “descrições ou construções do mundo sustentam alguns modos de
ação social e excluem outros” (p.05). A partir dessas descrições, que tomo como
“verdadeiras”, crio conhecimentos e vivo de acordo com eles, em um processo contínuo de
produção de sentido.
d) A valorização de uma postura crítica e reflexiva.
Tendo em consideração os três tópicos anteriores, percebo o conhecimento como relativo
e dependente das condições histórico-sociais nas quais surge. Dessa forma, o
construcionismo se coloca como uma proposta de ciência pós-moderna, na qual a narrativa de
progresso da ciência rumo a uma verdade absoluta e objetiva é abandonada, adotando-se uma
concepção do conhecimento como fragmentado e contingente histórica e socialmente. A
postura reflexiva diz respeito ao fazer ciência por meio de perguntas, pensando nas
implicações que dadas respostas causam.
28
Segundo Rasera e Japur (2004), as idéias construcionistas têm sido utilizadas e vêm se
concretizando, no campo da psicoterapia, por meio de propostas de intervenção, baseadas em
uma nova descrição da postura do terapeuta e do processo terapêutico. Dessa forma, as
propostas terapêuticas originadas desse processo valorizam determinadas práticas, tais como:
uma postura de co-construção entre terapeuta e cliente, redimensionando a postura de
especialista; o olhar sobre os relacionamentos nos quais o cliente está envolvido e nos
quais constrói determinados sentidos; uma atenção aos valores e aos resultados
pragmáticos dos discursos que são construídos no contexto terapêutico; a multiplicidade
de formas de descrever um problema; um discurso de potencialidades positivas e de
construção de realidades futuras (Rasera & Japur, 2005, p. 33).
Os autores apontam ainda três propostas influentes no campo construcionista,
considerada, assim, por seus autores ou pela comunidade terapêutica. Tais propostas são: a
abordagem colaborativa de Harlene Anderson (1998), os processos reflexivos de Tom
Andersen (1998, 1999) e a terapia narrativa de Michael White e David Epston (1990). Para a
constituição do modelo de intervenção desse estudo, apoiei-me nas idéias provenientes dessas
abordagens. Apesar de alguns autores apontarem divergências entre elas, entendo o uso de
seus conceitos e questões como opções discursivas, recursos disponíveis para serem
utilizados em diferentes momentos da relação terapêutica, buscando alcançar determinados
propósitos. Dessa forma, apresentarei brevemente os pensamentos que norteiam essas
abordagens, oferecendo maior visibilidade à terapia narrativa de White e Epston (1990) e
White (2007) por ser a referência teórica da qual as cartas terapêuticas se originaram.
A abordagem colaborativa de Harlene Anderson
Em busca de metáforas que oferecessem oportunidade para lidar com a experiência do
indivíduo e que definissem as pessoas como seres geradores de sentido, Anderson e
29
Goolishian (1998) caminharam em uma direção hermenêutica e interpretativa na forma de
entender terapia, definindo essa como um sistema lingüístico.
O círculo hermenêutico, ou círculo de sentido, é definido como um “processo dialógico
pelo qual a interpretação inicia com as pré-concepções do terapeuta” (Anderson &
Goolishian, 1998, p.40). Terapeuta e cliente se movimentam dentro desse círculo, em um
constante deslocar do já conhecido (as expectativas do terapeuta e experiências anteriores)
para a nova história que é trazida (a história do cliente), criando novos significados para as
pessoas envolvidas na conversação, em um processo de parceria na exploração do novo.
Nesse processo, os sentidos do terapeuta e da pessoa atendida “se afetam mutuamente, e
passam a ser um subproduto dessa mutualidade” (p.42). A postura colaborativa, desenvolvida
pelo terapeuta, consiste no esforço em compreender as experiências do cliente junto a ele,
apoiado em uma postura de não-saber, o que promove o desenvolvimento de novos sentidos
na vida do cliente.
Anderson e Goolishian (1998) percebem as perguntas no sistema terapêutico como a
ferramenta primária utilizada pelo terapeuta, na busca de saber um pouco mais sobre o que
foi dito, levando a conversação em direção ao entendimento. Salientam que a ação de
perguntar não se define como a aplicação de um método específico de questionamento, mas é
entendida como uma conversação, na qual o terapeuta ajusta continuamente seu entendimento
ao da outra pessoa com quem fala. Essa postura de não-saber reflete um terapeuta que não
procura dominar o cliente com um conhecimento especializado, mas aponta para um
terapeuta que tem disposição à dúvida, não busca entender rápido demais e se interessa em
ser conduzido pela conversação na busca da construção de novos sentidos. Os autores
salientam a importância da linguagem no desenvolvimento de perguntas, que utilizam o
vocabulário, os sentidos e o entendimento local que são desenvolvidos entre as pessoas em
conversação.
30
Os processos reflexivos de Tom Andersen
Tom Andersen (1998), juntamente com seus colaboradores, começou a sentir-se
desconfortável com o modelo de atendimento realizado com as famílias, dizendo que
percebia suas intervenções como uma maneira superior de ver e entender o problema,
parecendo que ele e seus colaboradores tinham propostas melhores de como lidar com as
questões trazidas pela família do que os próprios membros da família. Em busca de solução,
Andersen e sua equipe promoveram mudança em sua postura, passando da forma “ou-ou”
para outra “tanto-como”, na apresentação de suas interpretações às famílias. Na seqüência,
eles convidaram a família para ver e ouvir como a equipe conversava sobre as conversas da
família.
Ao relatar as “mudanças espontâneas” nos procedimentos, Andersen comenta que a
equipe que, anteriormente conversava enquanto observava a sessão terapêutica, passou a ficar
cada vez mais silenciosa, auxiliando o terapeuta na produção de idéias relativas às
conversações que ocorriam. Algumas regras de procedimento ainda foram desenvolvidas, tais
como:
1) As reflexões apresentadas pela equipe são baseadas em algo expresso na conversação,
e não de outro contexto. Tais reflexões são construídas a partir de uma afirmação de
incerteza do terapeuta, “não estou bem certo, mas me parece que...”, somada a um
convite reflexivo, “a partir disso, eu fiquei pensando que...”. A ênfase é colocada na
autonomia da família, inclusive em relação a escutar, ou não, a equipe. Essas
conversas são colocadas por Andersen como ofertas, e não como falas que devam ter
a atenção. Andersen ainda salienta: “quando eles (a equipe) falarem, vocês podem
escutá-los, se quiserem, ou pensar em outra coisa, se quiserem, ou simplesmente
descansar ou fazer qualquer coisa que preferirem” (p. 76);
2) A equipe deve-se abster de conotações que soem negativas;
31
3) Os membros da equipe reflexiva devem olhar uns para os outros, e não para os
membros do grupo, o que implica em uma maior liberdade de não ouvir.
Enquanto a terapeuta conversa com os membros da família, a equipe reflexiva mantêm
uma postura de escuta atenta, sem interrupções, na qual busca identificar aberturas na
conversa. Sendo assim, a equipe reflexiva atua considerando todas as falas dos clientes,
buscando a concentração no que acredita ser significativo para as pessoas. Porém, assim
como já apresentado, a autonomia para decidir sobre o quê, e como, conversar é do terapeuta
e dos membros do grupo.
Andersen (1999) explica que a terapeuta de campo convida a equipe reflexiva nos
momentos em que sente a conversa estagnada, ou quando precisa interromper o ritmo da
conversação. Nesse momento, ocorre uma troca de posição e a equipe reflexiva comunica-se
entre si, em um diálogo, expressando os sentimentos e percepções tidos durante as conversas.
São realizadas várias perguntas e questionamentos, buscando-se oferecer outras
possibilidades de sentido, assim como quais outras conversas poderiam ser mais úteis para
aquela conversa e situação. Por fim, ocorre uma nova troca de posições, na qual o terapeuta
investiga as possíveis reverberações causadas pela equipe nos participantes do grupo familiar.
Porém, conforme a terceira regra apresentada anteriormente, o convite é aberto, de forma que
eles têm a livre escolha para discutir, ou não, as contribuições da equipe reflexiva.
Constrói-se, nessa forma de atendimento, uma relação mais igualitária e transparente,
marcada por uma abertura na negociação de sentidos entre terapeuta e clientes. As
conversações, denominadas ‘processos reflexivos’, buscam as várias descrições existentes em
um acontecimento, construindo um contexto para realizar perguntas ao invés de busca pelas
respostas.
A terapia narrativa de Michael White e David Epston
32
Michael White e David Epston (1990), terapeutas familiares da Austrália e da Nova
Zelândia, foram os precursores da chamada terapia narrativa. White (1995) discorre a respeito
das idéias e teorias que influenciaram sua vida profissional, afirmando que desde muito cedo
surgiu o interesse pelas escolas da terapia familiar. Entretanto, no fim dos anos 1970, buscou
conhecer as idéias que embasaram essas escolas, começando a fazer suas próprias
interpretações. Nesse percurso, ele aponta que se tornou particularmente interessado pelo
trabalho de Gregory Bateson, principalmente em relação ao método interpretativo, que diz
respeito aos estudos dos processos pelos quais deciframos o mundo. Tal método discorre a
respeito da idéia de que por não termos um conhecimento direto do mundo fazemos as nossas
interpretações. White (1990) chama a atenção para como Bateson utiliza a metáfora dos
mapas, na qual toda a compreensão e significado que atribuímos está determinada e restrita
por nossos mapas mentais do mundo.
Conjuntamente a essas noções, White e Epston (1990) começam a se voltar para a
questão da temporalidade:
ao afirmar que toda informação é necessariamente a ‘notícia de uma diferença’ e é essa
percepção da diferença que desencadeia todas as novas respostas nos sistemas vivos,
demonstrando que situar os eventos no tempo é essencial para a percepção da diferença,
para a detecção de mudanças (p.20).
A analogia do texto permitiu que ele desenvolvesse a idéia de que as pessoas, no esforço
de dar sentido à existência e de legitimar ações, organizam suas narrativas de forma temporal,
possibilitando a aquisição de um senso de coerência e de seqüencialidade em suas vidas. Por
isso, vivemos nas e por meio das histórias que construímos em relação a nossas vidas. A
interpretação que damos aos eventos, os relatos que construímos têm implicações nas formas
de sermos e agirmos no mundo. Portanto, tais narrativas não são entendidas como descrições
secundárias sobre determinados fatos, mas estabelecem primariamente o que irá ser
33
considerado como fato. Ao estruturarmos uma narrativa, selecionamos e recortamos o que
será considerado, determinando dessa maneira o sentido que será dado à experiência.
Portanto, tais relatos construídos são constitutivos, modelando nossas vidas e relações (White
e Epston, 1990).
Como implicação desse processo, as pessoas adquirem ao longo do tempo várias
narrativas não contadas, decorrendo em múltiplas metáforas disponíveis para outras
descrições dos eventos. Como conseqüência de a experiência vivida ser mais rica que o
discurso construído sobre ela, ocorre a presença de lacunas, frestas e indeterminações que
possibilitam às pessoas a reescrita de suas vidas a partir da construção de novas versões
(White & Epston, 1990; Grandesso, 2000). Dessa forma, cada novo relato engloba o relato
anterior e o amplia. A vida é compartilhada a partir dessas histórias dominantes que
contamos, ficando as outras histórias à margem, denominadas por White (1990) de histórias
subordinadas.
Entretanto, como esses relatos são formados na vida das pessoas? Segundo White e
Epston (1990), remetendo-se a Michael Foucault, essa questão nos leva a pensar nos efeitos
positivos do poder que age em nossas vidas como “verdades normalizadoras”, construindo
normas pelas quais constituímos as nossas vivências. Para Foucault (1993), o poder deve ser
tomado como instância produtiva, sendo considerada uma prática transformativa, que produz
efeitos reais em seu campo de aplicação. Ainda segundo o autor,
é preciso parar de sempre descrever os efeitos do poder em termos negativos: ‘ele
exclui’, ele ‘reprime’, ele ‘recalca’, ele ‘censura’, ele ‘abstrai’, ele ‘mascara’, ele
‘esconde’. De fato, o poder produz; ele produz real; produz domínios de objetos e rituais
de verdade. O indivíduo e o conhecimento que deles se pode ter se originam nessa
produção (Foucault, 1975, p.161).
34
A noção positiva do poder não o caracteriza como benéfico, mas como gerador de
realidades e de rituais de verdade. O poder, em seu efeito subjugador, tende a nos remeter à
explicitação de formas narrativas que sejam culturalmente e socialmente aceitas. Em alguns
momentos, tais narrativas podem não contemplar a experiência vivida, o que ofusca aspectos
significativos desta vivência em contradição com os aspectos dominantes. As histórias
tornam-se saturadas e a pessoa não consegue produzir sentidos alternativos que lhe permitam
um entendimento mais coerente para sua vivência. Surge, então, a definição de ‘problema’ no
processo psicoterápico. White e Epston (1990) dizem que:
as pessoas experimentam problemas, para os quais procuram terapia, quando as
narrativas dentro das quais "relatam" sua experiência - e/ou dentro das quais sua
experiência é "relatada" por outros - não representam suficientemente suas vivências. E,
portanto, supomos também que nestas circunstâncias haverá aspectos significativos de
sua experiência vivida que contradigam essas narrativas dominantes (p. 31).
A fim de atuar nas narrativas dominantes e oferecer para as pessoas a possibilidade de
criarem novos recursos de ação dentro desse contexto, White e Epston (1990) propõem como
recurso a externalização do problema, uma abordagem terapêutica que convida as pessoas a
coisificar, e às vezes a personificar, os problemas que as oprimem. Tal esforço busca
converter o problema em uma entidade linguisticamente separada, externa, tanto da pessoa
quanto da relação a qual ela o atribuía.
Separar a pessoa do problema permite que ela descreva a si própria e suas relações de
uma nova perspectiva, não saturada pelo problema, gerando uma descrição mais atrativa e
agradável. Com isso, novos acontecimentos são notados e experenciados em suas vida e
relações a partir do sentimento de agenciamento pessoal, que possibilita que ela atue na
construção de realidades alternativas. Dessa maneira, o processo de externalização do
problema está associado às descrições realizadas pelo cliente de si mesmo e de seus efeitos
35
sobre sua vida e relacionamentos. A partir da construção dessas descrições a prática de
externalização é facilitada. Se o cliente encontrar dificuldades em construir uma descrição
específica para o problema, o terapeuta poderá sugerir algumas possibilidades, considerando
junto ao paciente quais das opções são vistas como adequadas às suas experiências. Caso as
descrições ofertadas pelo cliente sejam muito concretas, pode ser útil que o terapeuta o
auxilie a construir uma definição mais geral, de maneira a ampliar as possibilidades de
identificação da influência do problema na vida da pessoa. É importante que não se faça
generalizações sobre as situações, sem levar em consideração as características específicas de
cada circunstância e sem prever as conseqüências mais prováveis de uma determinada ação.
Algumas vezes as pessoas definem seus problemas utilizando o conhecimento especializado,
o que os descontextualiza e diminui as opções existentes para intervir na vida desses
problemas. Assim, é importante que o terapeuta auxilie o cliente a redefinir o problema, a
partir de alternativas mais condizentes e relevantes com suas experiências (White & Epston,
1990).
Ao conversar com as pessoas sobre o efeito do problema em suas vidas e sobre o efeito
delas na vida do problema (perguntas de influência relativa), possibilitamos que elas
considerem como esse problema está sendo organizado, e quais as razões que o fazem
sobreviver no relato dominante. O convite é sair de um mundo fixo e estático, no qual os
problemas são intrínsecos às pessoas e suas relações, e ser introduzido em um universo de
experiência, em que novas possibilidades de ação afirmativa e novas oportunidades para atuar
com flexibilidade são encontradas. O primeiro processo da entrevista é a descrição da
influência do problema na vida da pessoa e em suas relações. O segundo conjunto de
perguntas convida a pessoa a descrever sua própria influência, bem como a influência de suas
relações, na essência do problema, gerando contradições entre essas informações e as
36
descrições saturadas do problema. Assim, por meio das perguntas de influência relativa,
competências e recursos são identificados.
White, em seu livro “Maps of narrative practice” (2007) estabelece mapas
conversacionais da clínica, dividindo-os em seis áreas principais da terapia narrativa, sendo:
as conversas externalizadoras, conversas que destacam acontecimentos extraordinários,
conversas de re-autoria, conversas de re-associação, conversas com testemunhas externas e
conversas com andaimes (scaffolding conversations). Em resposta a convites realizados
acerca da possibilidade de reflexão sobre mapas que desenvolvessem conversas
externalizadoras, White criou quatro categorias de investigação denominadas “mapas de
declaração de posição” (statement of position maps), que estabelecem um contexto no qual as
pessoas podem consultar o que é importante em suas vidas, oportunizando que elas definam o
lugar que os problemas ocupam em seu cotidiano, tendo uma voz forte sobre o que
fundamenta suas preocupações. Os mapas são particularmente usados em situações nas quais
as pessoas apresentam relatos saturados por problemas em suas vidas ou possuem conclusões
altamente negativas em relação à sua identidade ou em relação à identidade de seus
relacionamentos. Essas categorias auxiliam ainda o próprio terapeuta a definir melhor sua
posição de influenciar, possibilitando com essa postura que as pessoas tenham a oportunidade
de definir, elas próprias, sua posição em relação ao seu problema. Dessa forma, tais mapas
tornam o processo terapêutico mais transparente, além de sistematizá-lo. Apesar de discorrer
acerca das vantagens que os mapas e suas categorias acarretam, o autor pontua que “os mapas
não falam por todos os aspectos das conversas externalizadoras, e não são essenciais para o
desenvolvimento de conversações terapêuticas sustentadas por uma perspectiva narrativa”
(p.39).
O mapa da externalização do problema se ancora em caracterizar a definição dos dilemas
e dos problemas que as pessoas enfrentam por meio da busca de caracterização (nomear),
37
mapeamento dos efeitos do problema, avaliação dos efeitos da atividade do problema na vida
da pessoa e da justificativa de sua evolução (o porquê do problema ter desenvolvido). Tal
construção é realizada por meio das perguntas elaboradas pelo terapeuta dentro de cada um
dos passos colocados acima, sem que se tenha expectativa de respostas imediatas para as
mesmas.
Nesse processo, a terapia narrativa busca, em um processo de co-colaboração, construir
histórias alternativas e preferíveis, que incorporarão aspectos importantes que foram negados
no relato da experiência vivida. Dessa forma, seu principal objetivo é auxiliar os clientes na
re-autoria de suas histórias dominantes (Epston, White & Murray, 1998, White, 2007).
Buscando esse objetivo, White e Epston (1990) desenvolveram outra idéia a partir do
entendimento de que os aspectos da nossa experiência vivida que se tornam mais
significativos são aqueles altamente selecionados e narrados. Como grande parte dos
acontecimentos está fora dessa história dominante, eles não adquirem significado, mas
possuem alto potencial para significação e, em circunstâncias favoráveis, podem ser
constituídos como “acontecimentos extraordinários” (unique outcomes) ou “exceções”. Tais
acontecimentos são definidos como incluindo
toda gama de acontecimentos, sentimentos, intenções, pensamentos, ações, etc., que têm
uma localização histórica, presente ou futura, e que o relato dominante não pode
incorporar. A identificação dos acontecimentos extraordinários pode facilitar a
externalização da descrição dominante, “saturada de problema”, da vida e das relações de
uma pessoa (White e Epston, 1990. p.32).
Ainda segundo os autores, os acontecimentos extraordinários passados podem ser
identificados a partir de uma “revisão histórica da influência das pessoas sobre o problema”
(1990, p.70). A descrição saturada do problema é identificada pelo terapeuta, que auxilia o
paciente a resgatar os acontecimentos extraordinários passados que poderão ajudá-lo na
38
criação de novos significados presentes. O que é produzido entre as sessões também é
enquadrado pelos autores como uma subcategoria desses acontecimentos extraordinários
passados.
Os acontecimentos extraordinários atuais se apresentam no decorrer da sessão.
Geralmente, as pessoas se atentam para eles a partir de uma curiosidade do terapeuta, e de um
convite para que se tornem mais perceptíveis. Por ocorrerem no momento da fala, esses
acontecimentos têm muita força, estando prontos para serem usados na geração de novos
significados.
Por fim, os acontecimentos extraordinários futuros são identificados a partir de dois
processos: da revisão das intenções e planos e da investigação das esperanças que a pessoa
tem para escapar da influência do problema.
Identificar e investigar tais aspectos possibilita que histórias alternativas sejam
desenvolvidas, trazendo à tona o relato, até então subordinado, a partir da reflexão de outras
possibilidades de ação. As “verdades normalizadoras” são colocadas em dúvida pela pessoa,
que recebe ajuda do terapeuta na busca de significados até então negligenciados. Para o tipo
de conversação que abrange os acontecimentos extraordinários, privilegia-se uma
participação descentralizada por parte do terapeuta, promovendo o senso de autoria do
cliente.
O mapa conversacional dos acontecimentos extraordinários desdobra-se no mesmo grupo
de categorias das perguntas explicitadas na externalização dos problemas. Entretanto, na
externalização dos problemas a atuação ocorre sobre os problemas e os dilemas na vida das
pessoas, enquanto, nos acontecimentos extraordinários, tais mapas geram histórias
alternativas em suas vidas, focando na exceção do relato dominante.
As conversações de re-autoria foram pensadas por White (2007) a partir das metáforas
narrativas desenvolvidas por Bruner. White percebeu paralelos entre a atividade de escrita
39
literária e a da prática terapêutica, porém ele ressalta: “não é minha intenção propor que a
vida é simplesmente como um texto. Mas eu acredito que podemos traçar um paralelo entre a
estrutura dos textos literários e a estrutura da construção do significado na vida cotidiana”
(p.80). Tais mapas têm como ponto de partida os eventos e experiências considerados
‘acontecimentos extraordinários’ ou ‘exceções’. Ao iniciar a terapia, as pessoas tendem a
contar a história de seus problemas que as trouxeram à terapia, formando um relato que
justifique a procura por ajuda. Ao fazer isso, os eventos são ligados seqüencialmente, de
acordo com o tema ou enredo pontuado. A construção dessa narrativa geralmente contém
historias de perda, fracasso, desesperança e culpa. O terapeuta, com o objetivo de reeditar
junto ao paciente essa narrativa, o convida a continuar desenvolvendo suas historias, porém
incorporando aspectos que foram negligenciados. Dessa forma, os acontecimentos
extraordinários funcionam como um ponto de entrada para as histórias alternativas. Ao
resgatar essas histórias, reconstrói-se a identidade da pessoa e seu senso de re-autoria.
Para alcançar esse objetivo “o terapeuta introduz questões que encorajam a pessoa a
recrutar sua experiência de vida, a esticar suas mentes, exercitar sua imaginação, e empregar
os recursos utilizados” (White, 2007, p.62). Assim, a postura do terapeuta é a de cuidar da
construção dos andaimes nessas lacunas, garantindo que eles não sejam grandes demais ao
ponto de exaurir a pessoa que busca preencher seus significados, ou tão pequenos que levem
a pessoa a perder o interesse.
Para a construção desses mapas, o autor utiliza dois conceitos que, segundo ele,
contribuem para o desenvolvimento da prática, refinando e ampliando as conversações
terapêuticas. Tais conceitos são: o cenário de ação (landscape of action) e o cenário de
identidade (landscape of identity). No cenário de ação, apresenta-se a presença da linha do
tempo, a qual diferencia história remota, distante, recente, presente e de futuro próximo, na
busca de auxiliar o resgate de eventos específicos a partir da seqüência em que ocorreram. No
40
cenário de identidade, estão os entendimentos internos (personalidade, temperamento,
características, adjetivações) e os entendimentos intencionais (propósitos, intenções,
aspirações, valores, esperanças, empenhos). Segundo White,
no contexto da prática terapêutica, questões sobre o que as pessoas pensam de eventos
particulares (‘subjetividade’), sobre o que elas sentem de eventos particulares (‘atitude’),
sobre o que elas estão aprendendo em como refletir sobre eventos particulares
(conhecimento), sobre o que esses eventos mostram sobre outra vida (‘aparência), e
sobre o que esses eventos predizem (‘suposição’) encoraja o cenário de identidade a
desenvolver e a tornar mais espessa a narrativa subordinada (2007, p.99).
O foco do terapeuta nas conversações relativas a esse mapa volta-se freqüentemente para
os entendimentos intencionais, por esses serem os principais ‘andaimes’ para o engajamento
e desenvolvimento de histórias mais ricas, ‘des-patologizantes’ e ‘des-problematizantes’.
Existem ainda os mapas de conversações de re-associação, embasado na idéia de que
construímos os conceitos de identidade a partir das figuras significativas de pessoas do nosso
passado, presente e das que projetamos para o futuro. Diferentes conceitos de identidade
podem ser fundados, desde que a pessoa tenha a oportunidade de revisar as parcerias com as
quais realizou associações em sua vida. Sendo assim, as conversações de re-associação dizem
respeito ao reengajamento específico com as histórias desenvolvidas a partir de alguns
relacionamentos, permitindo uma abertura para a reconstrução de sua identidade. O autor
coloca ainda, como vantagem desse tipo de conversação, a possibilidade de as pessoas
mudarem o que tem sido negligenciado por elas,
isto é, oportunidade para as pessoas mudarem as noções dominantes de identidade na
cultura ocidental que são associadas com a construção de um self encapsulado, um self
que enfatiza as normas sobre autocontrole, auto-contenção, auto-confiança, auto-
realização, auto-motivação. Essa força cultural e social da contemporaneidade ocidental
41
promove isolamento, uma identidade de uma única voz que na realidade fornece o
contexto que gera muito dos problemas pelos quais as pessoas buscam terapia (White,
2007, p.137).
Nesse sentido, as conversas de re-associação auxiliam o terapeuta a oferecer alternativas
por meio das quais as pessoas consigam entender do que sua identidade é formada, e quais as
outras possibilidades para sua reconstrução.
White apresenta o mapa de conversações com testemunhas externas, que diz respeito a
sessões que são estruturadas de forma que o cliente conte ou vivencie sua história diante de
uma platéia escolhida cuidadosamente como testemunha externa. Tais conversas não são
moldadas a partir de práticas de aplausos ou interpretações, não sendo um espaço onde as
testemunhas são livres para dar conselhos, fazer elogios ou oferecer ajuda. White (2007)
aponta que,
ao invés disso, a testemunha externa envolve o outro em conversações a respeito das
expressões do que os atraiu, sobre as imagens que essas expressões evocaram, sobre as
experiências pessoais que ressoaram com essas expressões, e sobre seu senso de como
suas vidas foram tocadas por essas expressões (p.165).
Tais conversações com as testemunhas externas são focadas em quatro categorias de
perguntas: Expressões (“O que mais chamou sua atenção na história contada?”), Imagens
(“que tipo de imagens foi evocado durante a escuta da narrativa?”), Ressonâncias (“O que a
escuta dessa história evocou em suas próprias histórias?”) e as Catarses (“Quais novos
entendimentos foram propiciados acerca de sua vida a partir da escuta dessa narrativa?”). A
elaboração desse processo engloba o que White chama de tradição de re-relato, que consiste
em descentralizar o cliente, colocando-o na platéia, e trazer a platéia para o campo central da
conversação.
42
Como utilidade dessa conversação, o autor percebe um rico desenvolvimento das
histórias contadas, o que reforça o senso de agenciamento pessoal, proporcionando maior
segurança para as pessoas lidarem com seus problemas e preocupações.
Na seqüência, White apresenta suas conversas baseada na idéia de “andaimes”
(scaffolding conversations). As idéias de Vygotsky, relativas ao aprendizado e
desenvolvimento, apesar de remeterem a crianças nos anos de vida iniciais, são exploradas
por White na formação desses andaimes conversacionais. Dessa maneira, White se apoia no
entendimento de que as pessoas, quando agem sobre seus problemas, fazem isso de um modo
que é conhecido e familiar para elas. Quando elas buscam terapia, o terapeuta as auxilia a
fazer uma travessia, entre o que é conhecido e familiar para o que é possível de ser
conhecido. A lacuna entre esses dois pontos é nomeada pelo autor de “zona de
desenvolvimento proximal”, termo criado e definido por Vygostky. Segundo ele, ao iniciar
essa travessia, o cliente passa a experenciar um novo senso de agenciamento pessoal, no qual
ele percebe que é autor de sua vida, podendo interferir e modificar seu curso a partir do seu
conhecimento e de suas competências. Assim, White desenvolveu um mapa conversacional a
partir de categorias de questões, no intuito de facilitar os movimentos nessa zona de
aprendizado, apresentando tarefas de aprendizado específicas.
White (2007) atualiza e amplia os conceitos e a metodologia da terapia narrativa, como
conhecida até então. O material de referência do autor, “Meios narrativos para fins
terapêuticos” (1990), em autoria compartilhada com David Epston, trata amplamente das
relações de poder que sustentam nossos discursos, trazendo para o âmbito das conversações
narrativas e do processo terapêutico o caminho de suplantação desses discursos dominantes
para os discursos preferíveis. Entretanto, com o desenvolvimento dos mapas, o processo é
sistematizado, e adquire maior visibilidade e facilidade para ser entendido e explorado pelo
43
terapeuta. Dessa forma, os mapas são instrumentos opcionais, guias de orientação e auxilio
no trabalho do terapeuta.
Poder caminhar e transitar entre as abordagens aqui apresentadas acrescenta
possibilidade à escrita das cartas, viabilizando ao terapeuta uma maior maturidade, fluidez e
consistência em sua escrita, o que gera perspectivas mais criativas e úteis nas conversações
com os clientes.
Por fim, importante salientar que, apesar de discorrer sobre conceitos variados, as três
propostas apresentadas buscam atuar nas narrativas construídas pelos clientes na busca de
novos sentidos: na abordagem colaborativa, explora-se a partir da postura de não-saber a
experiência e a história dos clientes para gerar novos significados; nos processos reflexivos,
buscam-se outras possibilidades de sentido a partir das várias descrições existentes de um
mesmo acontecimento; na terapia narrativa, as histórias negligenciadas são investigadas e
reeditadas, focando o agenciamento pessoal a partir da construção de novas histórias. Assim,
percebo como importante o entendimento da definição de narrativa, como elas são
construídas e quais pontos são necessários para a construção de uma narrativa bem formada.
Tais entendimentos me auxiliam pensar a respeito das narrativas que me são apresentadas
pelos clientes, bem como me guia acerca das opções discursivas que posso utilizar para atuar
sobre elas.
3.1. A estrutura das narrativas
People are born into stories; their social and historical contexts constantly invite them to
tell and remember the stories of certain events and to leave others unstoried (Freedman &
Combs, 1996, p. 42).
Cartas são construções narrativas, estruturadas a partir do diálogo desenvolvido entre
terapeuta e cliente em torno de determinado dilema ou problema. As cartas, dessa forma, são
44
histórias sobre histórias, construídas e editadas a partir de uma estruturação narrativa, em um
processo de co-colaboração entre o terapeuta e cliente. Considerando essa questão, é
importante citar os apontamentos realizados por Freeman et.al. (1997), Gergen (1996),
Gergen e Kaye (1992), Grandesso (2000) e White e Epston (1990) a respeito das construções
narrativas.
Para Grandesso (2000) a narrativa é uma
organização por meio do discurso, por meio de termos, símbolos ou metáforas, de um
fluxo de experiência vivida, em uma seqüência temporal e significativa. Se temos uma
narrativa, necessariamente temos uma história e um narrador de história e podemos dizer
que cada relato se apresenta como um ato de (re)criação isolado (p. 199).
As narrativas são construídas em uma dimensão histórica, negociadas e legitimadas nas
sociedades, resultando não do indivíduo, mas do contexto no qual se insere, sendo uma
produção discursiva. Dessa maneira, construções narrativas apóiam-se em crenças, valores e
visões de mundo, nos quais as pessoas se sustentam. Freeman et al. (1997) também discorrem
a respeito do enredo que, segundo eles, é o que “leva uma história em uma direção e não a
outra, descreve suas intenções, seus significados e formas” (p.94), conectando os
acontecimentos para formar uma narrativa significativa.
Gergen (1996) expõe que as narrativas são “recursos conversacionais, construções
abertas a modificações contínuas à medida que a interação progride” (p.234). Dessa forma, as
narrativas constroem a verdade, a partir da sua aproximação com as convenções culturais,
históricas e sociais nas quais se encontram. Portanto, construções narrativas são construções
contingentes.
Gergen e Kaye (1992) afirmam que as narrativas não transmitem a verdade, mas
adquirem importância por constituírem a realidade, criando assim, um sentido do que é
verdade. O autor define as narrativas como recursos conversacionais, dispositivos lingüísticos
45
sustentados a partir da elaboração de uma estrutura situada cultural e historicamente. Dessa
forma, as histórias dão coerência, direção e legitimidade em nossas vidas. As narrativas
adquirem força retórica, e as histórias narradas legitimam a ação das pessoas. Ao criarmos e
sustentarmos determinadas histórias estamos construindo, apoiando ou modificando mundos
de relações sociais. Considerando esses princípios no campo psicoterápico, Gergen e Kaye
(1992) apontam para uma mudança na realidade terapêutica da modernidade para a pós-
modernidade. O terapeuta, visto na era moderna como detentor do saber inquestionável, com
uma atitude ditatorial na qual sua narrativa se sobrepunha à do cliente e com formulações
narrativas rígidas, restritas às suas próprias formulações, passa a ser visto como parceiro
conversacional, compromissado com o encontro terapêutico como meio para busca de
recursos e construção de novas narrativas, mais satisfatórias e adequadas à vida do cliente.
Gergen (1996) apresenta alguns pontos como necessários para a construção de uma
narrativa bem formada:
1) Estabelecimento de um ponto final significativo: um relato aceitável deve estabelecer
um objetivo, um evento a ser explicado, alcançado ou evitado, um resultado
significativo, ou seja, um ponto final. A articulação de um acontecimento e sua
posição como um ponto final, derivam da ontologia da cultura e de sua construção de
valor. Os acontecimentos que defino não têm valor intrínseco, mas se fazem
inteligíveis dentro de uma perspectiva cultural.
2) Seleção de eventos relevantes para o ponto final: Uma história inteligível é aquela na
qual os eventos servem para tornar o objetivo mais ou menos provável, acessível,
importante ou vívido. Os eventos mais relevantes são aqueles que estão mais perto ou
o fazem estar mais distante do ponto final.
3) Ordenação dos eventos: Uma disposição narrativa ordenada só é desenvolvida após
ter-se estabelecido uma meta e selecionado os acontecimentos relevantes. A base para
46
essa disposição pode mudar com a história. A convenção mais amplamente utilizada é
a seqüência temporal linear.
4) Estabilidade da identidade: a narrativa bem formada mantêm a identidade das pessoas
e dos objetos de maneira continua e coerente no tempo. Uma vez definido pelo
narrador, o individuo ou objeto tenderá a sustentar sua identidade e função dentro do
relato. Entretanto, forcas causais podem transformar as identidades anteriormente
descritas.
5) Associações causais: Segundo os padrões contemporâneos, a narrativa ideal é aquela
que oferece uma explicação para o resultado. Quando os relatos dentro de uma
narrativa se relacionam de maneira interdependente, o resultado se aproxima mais de
uma narrativa bem formada.
6) Sinais de demarcação: As histórias bem formadas em sua maioria apresentam sinais,
que indicam seu início e seu final. Geralmente, ao entrar no mundo do relato existem
frases: “era uma vez...”, bem como ao finalizá-lo: “dessa forma...”.
A partir desses pontos, Gergen (1996) analisa o uso de componentes narrativos como
vital para criar um sentido de realidade. As histórias construídas não são apenas uma maneira
de contar os acontecimentos vividos, mas moldam as identidades. Utilizando dessas
convenções narrativas, todos geram coerência e sentido às suas vidas. Gergen (1996) ainda
aponta que “certas formas narrativas são amplamente compartilhadas em uma cultura, elas
são frequentemente usadas, facilmente identificadas, e altamente funcionais” (p.194). O autor
apresenta que, quando as histórias vão atingindo uma meta ao longo do tempo, elas se
valorizam e se tornam mais positivas. Mas, quando se aproximam de um fracasso ou
desilusão. elas se movem em uma direção negativa. Dessa forma, os enredos narrativos
podem ser convertidos de forma linear, o que resulta em três formas narrativas:
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1) Estável: na qual os acontecimentos ocorrem com a trajetória do protagonista
praticamente inalterada em relação à meta ou resultado.
2) Progressiva: os acontecimentos ocorrem em uma dimensão crescente, e a narrativa é
construída em direção à progressão dos objetivos do protagonista.
3) Regressiva: os acontecimentos ocorrem em uma dimensão decrescente, e as ações do
protagonista o afastam do seu objetivo.
Dessas três formas narrativas, outras mais complexas se originam:
1) A narrativa trágica: marcada por uma rápida decadência de uma pessoa, com
expectativas irrealizadas. Uma narrativa progressiva é seguida por uma narrativa
regressiva.
2) A comédia-romântica: implica caracteristicamente em desafios que são superados e
finalizam-se em harmonia. Uma narrativa regressiva é seguida por uma narrativa
progressiva.
3) O mito do ‘viveram felizes para sempre’: uma narrativa progressiva é seguida por
uma narrativa de estabilidade.
4) A saga heróica: consiste em várias fases progressivas e regressivas.
Ao apresentar essas estruturas narrativas, Gergen (1996) aponta para os diferentes
estilos de histórias que vamos construindo ao decorrer da vida, e em como essas histórias
são mutáveis, sendo legitimadas ou não dentro de determinados contextos e momentos.
Para que uma narrativa seja aceita é necessário aproximá-la do publico para quem ela é
contada, o que reforça o entendimento de que a forca retórica de nossas narrativas
depende das pessoas que complementarão seu sentido.
Condizente com essa questão, White e Epston (1990) apontam para o fato de que as
estruturas narrativas que construímos não abarcam toda a riqueza de nossa experiência
vivida, já que, ao construir os relatos, buscamos estar sensíveis ao outro, e ao que será
48
legitimado. Sendo assim, selecionamos aspectos a serem experenciados, enquanto outros
permanecem inarráveis.
3.2 Terapia narrativa e as cartas terapêuticas
Narrative letters appear to break down the distinction between therapy in the office and
therapy outside of the office. They provide the message that being in the world is more
important than being in the therapy office. When therapeutic activity continues even after
the therapy visit, clients are more likely to rely on their own knowledge and less on the
expert knowledge of the therapist (Nylund & Thomas, 1994, p.5).
Neste tópico, farei a conexão entre as cartas terapêuticas e a abordagem narrativa, tal
como descrita anteriormente. Dessa forma, somado ao intuito de apresentar as vantagens
percebidas por terapeutas na escrita e entrega da carta para seus clientes, bem como as
particularidades concernentes à linguagem e cuidados éticos, apresentarei alguns autores de
referência, que realizam um estudo mais aprofundado acerca da carta terapêutica, seja em
relação ao seu formato ou ao seu uso. Nesse contexto, cito Pyle e Doan (1994) apresentando
as vantagens da carta para sua prática clínica; Freedman & Combs (1996), apontando as
categorias de perguntas que auxiliam os terapeutas na escrita da carta; White & Epston
(1990), que definem tipos de cartas e apresentam a função que cada uma engloba no contexto
clínico e, por fim, Chen et al. (1998), que discorrem a respeito de princípios e procedimentos
de linguagem utilizados na construção da carta.
Apesar de todos os estudos citados serem considerados importantes contribuições,
presentes em diferentes contextos e promovendo reflexões inúmeras neste campo de
pesquisa, darei maior ênfase teórica aos princípios e procedimentos de linguagem utilizados
por Chen et al. (1998). Essas autoras estendem a prática das cartas terapêuticas para o grupo,
sistematizando e resumindo conceitos importantes de terapias influenciadas pelo
construcionismo social para serem utilizados na construção da carta. Apesar de encontrar
limites e desafios no uso desse modelo, conforme desenvolvido pelas autoras, percebo sua
49
utilidade tanto no auxilio ao terapeuta para a construção da carta, bem como ao campo
reflexivo da área. Saliento ainda que, por perceber nesse modelo uma importante contribuição
à escrita das cartas no contexto grupal, utilizo-a como referência para a construção e análise
da carta entregue ao grupo que compôs este trabalho.
Freeman et al. (1997) pontuam que as cartas terapêuticas podem ser vistas como
“assustadoras e demoradas” (p.113), porém destacam que autores como White (1995)
apresenta as cartas com um formato que exige o mínimo de tempo do terapeuta. Moules (no
prelo) considera o tempo de escrita da carta como um tempo de cuidado, de interesse e de
construção de relacionamento com o cliente. A fim de considerar os benefícios da escrita da
carta pelo terapeuta, bem como seu recebimento pelos pacientes, devo me reportar à terapia
narrativa, que enfatiza a linguagem como construtora da realidade. Assim, falar de
determinada maneira, possibilita determinada ação, o que cria uma realidade específica. Por
se ter na linguagem uma forma de construção de experiências, as cartas oferecem uma
alternativa ao modo de se expressar e se constituir no mundo, sendo uma importante
ferramenta para o processo de mudança na psicoterapia.
O termo “cartas terapêuticas” surge no domínio da terapia narrativa, mais
especificamente com White e Epston (1990). É nesse contexto intelectual que as cartas
ganham identidade e seu uso é enfatizado e teoricamente justificado (Freeman et al., 2001;
Paré & Rombach, 2003). As cartas terapêuticas, diferentemente das cartas sociais, têm como
foco o contexto, conteúdo, intenções e efeitos causados no paciente e no terapeuta (Moules,
2000, no prelo; Oliver et al., 2007). São cartas mais literárias do que diagnósticas, mais
expõem situações e possibilidades do que explicam algo. Elas documentam a história, relatam
os avanços presentes e as previsões do futuro (Freeman et al. 1997, 2001). As cartas
personalizam o relacionamento e diminuem a distância entre as pessoas (Augusta-Scott,
2007). Goldberg (2000) aponta que Burton considera as cartas como terapêuticas quando são
50
centradas no cliente, quando as informações contidas são originadas dos encontros com o
paciente, quando os eventos psicologicamente relevantes conseguem ser interligados, quando
conexões entre pessoas são feitas e mantidas, quando registra o progresso do paciente e
quando voltam o olhar para o futuro “com esperança e realismo”.
Diferentemente do uso anterior das cartas, na proposta de White e Epston (1990), as
cartas terapêuticas ocupam um lugar privilegiado no processo interventivo. Buscando
legitimar sua prática, esses autores afirmam que “em nossa cultura, o uso da tradição escrita
em terapia promove formalização, legitimação e continuidade dos conhecimentos populares
locais, da autoridade independente das pessoas e a criação de um contexto para o surgimento
de novos descobrimentos e possibilidades” (p.50).
A idéia de que as pessoas, no intuito de darem sentido à sua existência e legitimar ações,
organizam suas histórias em um fluxo contínuo e seqüencial é reafirmada por White e Epston
(1990) ao referirem-se às cartas terapêuticas. Os autores sugerem as cartas como um
instrumento que, por meio da palavra escrita, proporciona sentido de coerência, ao mesmo
tempo em que possibilita reflexões sobre as experiências em uma dimensão temporal. Em
consonância com essas observações, Goldberg (2000) e White e Murray (2002) enfatizam o
fato de que, pelo fato de as palavras sobreviverem ao tempo da conversação, o trabalho
terapêutico imortaliza-se e permite consultas e reflexões além da hora terapêutica.
As autoras Chen et al. (1998) apontam a importância da carta como documento da
prática clínica. Elas afirmam que psicólogos clínicos despendem um tempo valioso anotando
as histórias das consultas em prontuários e, se assim o fazem, por que não tornar esse
instrumento uma ferramenta efetiva de intervenção? Além do que, se a busca é por uma
relação igualitária entre terapeuta e cliente, em um processo de co-construção, nada mais
coerente do que a história do cliente na terapia ser escrita em conjunto, em um processo de
negociação. Com isso, consegue-se desmistificar o que antes era desconhecido por ele.
51
Abrigando essas considerações, os relatos de sessão são escritos pelo terapeuta, lidos
juntamente com o cliente na sessão seguinte, e podem ser corrigido por ambos, se necessário,
em uma postura de respeito e legitimação à história da pessoa.
White (1995) sugere algumas recomendações éticas que devem ser consideradas pelo
terapeuta ao utilizar as cartas. Entre tais recomendações, o autor coloca a idéia de que a carta
não deve ser imposta ao cliente. As pessoas devem querer recebê-la, sabendo que essa faz
parte do trabalho. Perguntas como: “Com quem você mora?”, “Você teria como guardar a
carta?”, “O documento ficará acessível sempre que você precisar?”, são importantes para
garantir a confidencialidade e a disponibilidade do documento. Importante é que o terapeuta
antecipe algumas outras questões, tais como os sentimentos que poderão surgir com a leitura
da carta, para que a ação não fique comprometida e o terapeuta possa cuidar junto ao paciente
de possíveis preocupações.
White e Epston (1990) discorrem ainda sobre alguns cuidados a serem tomados durante a
escrita da carta que, diferentemente da linguagem diagnóstica reservada aos prontuários, são
escritas utilizando a própria linguagem de quem conta a história, inclusive com a utilização
de suas próprias metáforas, o que gera um reconhecimento da pessoa ao ler o escrito. Além
disso, para que a carta seja escrita é necessário que o terapeuta se coloque em um lugar em
que legitime as pessoas e o que é falado, retomando o que foi dito na sessão e buscando
refletir sobre os acontecimentos.
Freeman et al. (2001) chamam a atenção para o uso de perguntas nas cartas, que ao
terminarem com uma reflexão, permitem novas e múltiplas perspectivas. Outro ponto
abordado é o uso dos verbos na forma reflexiva, que “colocam o sujeito e o objeto em uma
relação “agente”, na qual normalmente não existe” (p.168), auxiliando que a pessoa se
conheça melhor, por si mesma. O uso do gerúndio compõe o documento terapêutico, já que
ele dá uma sensação de progresso e movimento. Por fim, os autores ressaltam o uso do
52
subjuntivo, que amplia as possibilidades de respostas, ao invés de restringi-las a “sim” ou
“não”.
Moules (no prelo) enfatiza a importância do tom para escrever as cartas. Para a autora, o
tom está conectado com a sintonia da palavra, que deve ser condizente com a relação do
terapeuta e do cliente. As palavras carregam consigo melodias, cadências e entonações, que
devem respeitar as interações anteriores. Atenção particular deve ser dada à linguagem
utilizada, que convida a múltiplas interpretações e possibilidades.
As cartas terapêuticas auxiliam o terapeuta a entrar no mundo do protagonista,
propiciando um esforço maior de colaboração e de criação de idéias novas e originais
(Freeman et al. 2001; Goldberg, 2000). Elas permitem que as pessoas contem suas próprias
histórias, a partir de suas próprias percepções (Goldberg, 2000), possibilitando que elas
desenvolvam uma linguagem de mudança, que poderá ser utilizada na construção de novas
narrativas (Chen et al. 1998). As cartas buscam ligar acontecimentos e encontros, conectando
o passado com o presente e com as possibilidades futuras (Chen et al. 1998; Goldberg, 2000),
provendo, além de uma seqüência narrativa, uma ponte entre as sessões e construindo novos
significados (Paré & Rombach, 2003). Elas realçam progressos, solidificam mudanças
positivas (Goldberg, 2000; Moules, 2003, no prelo; Oliver et al. 2007; Paré & Rombach,
2003; Payne, 2006), sustentam os significados criados durante as sessões terapêuticas
(Freeman et al., 1997), apontam outras direções possíveis (Augusta-Soctt, 2007), proveem
suporte emocional e suporte de competências (Oliver et al. 2007). Criam reflexividade,
reforçando a habilidade do cliente em trabalhar seus problemas (Augusta-Scott, 2007). As
cartas contribuem para o relacionamento entre terapeuta e cliente, podendo mantê-lo, criá-lo
ou sustentá-lo (Moules, no prelo). Por perdurarem no tempo (Abels, P. & Abels, S.L; 2001;
Goldberg, 2000; Moules, 2003, no prelo; Oliver et al. 2007), as cartas possibilitam aos
clientes um espaço de distanciamento, permitindo que eles reflitam sobre os eventos durante
53
a terapia (Chen et al. 1998), bem como transmitem as idéias de uma forma permanente,
podendo ser consultadas a qualquer tempo (Davidson & Birmingham, 2001). Bacigalupe
(1996) enfatiza, ainda, que escrever cartas para os clientes sustenta uma forma gentil de
conectar memórias traumáticas e conectá-las com as mudanças presentes. As histórias
escritas na terapia também refletem uma multiplicidade de vozes
As questões reflexivas presentes na carta convidam o cliente a um território inabitado, no
qual ele pode buscar resolver seus problemas e co-construir novas realidades (Rombach,
2003). Ao contrário dos documentos tradicionais, as cartas promovem uma visão não-
patologizante do problema (Chen et al. 1998; Paré & Rombach, 2003). Como os
acontecimentos extraordinários e as competências dos clientes são acentuados nas cartas
terapêuticas, torna-se possível propiciar mudanças por um longo período a partir desse
instrumento interventivo (Chen et al. 1998), mudanças que podem ser testemunhadas pelos
membros da família, ou por outras pessoas que tenham importância na vida do cliente (Paré
& Rombach, 2003).
Parry e Doan (1994) salientam que, por estarem em uma linguagem escrita, as histórias
nas cartas assumem maior significado e permanência, podendo ser lidas, re-lidas, modificadas
e editadas. Esses autores destacam seis pontos, vistos por eles como vantajosos, para o uso
das cartas em sua prática clínica:
1) As cartas asseguram que a história do cliente foi ouvida precisamente;
2) As cartas ampliam o tempo de atendimento do terapeuta, oferecendo a ele espaço
de reflexão para além do momento da conversação;
3) Auxiliam os clientes a se lembrarem do que foi conversado nas sessões anteriores;
4) Processa uma história mais interessante por documentar as várias exceções da
história antiga que surgiram durante a entrevista;
54
5) Sustenta uma escrita de “dupla descrição”, atendendo àquele cliente que contrasta
a velha história com a nova história;
6) Expande o relacionamento terapêutico. Os clientes apreciam o tempo e o esforço
que a carta requer do terapeuta.
Freedman e Combs (1996) apresentam cinco categorias de perguntas que auxiliam os
terapeutas a organizar os pensamentos, podendo ser utilizadas para a escrita da carta. Eles
apontam que essas categorias são fluidas e correspondem às intenções do terapeuta nas
questões feitas. São elas: questões desconstrutivas, questões que abrem espaço, questões de
preferência, questões que desenvolvem histórias e questões de significado.
As “questões desconstrutivas” auxiliam as pessoas a perceberem suas histórias de
diferentes perspectivas. Geralmente, são questões que “encorajam as pessoas a situarem suas
narrativas em amplos sistemas e, através dos tempos” (Freedman & Combs, 1996, p.120),
envolvendo conversas ao redor de crenças problemáticas, práticas, sentimentos e atitudes.
Nesse contexto, são feitas perguntas a respeito da história do relacionamento da pessoa com
essas crenças, práticas, sentimentos ou atitudes; o impacto do problema na vida das pessoas e
das relações é investigado, assim como a influência do contexto, as inter-relações e as táticas
e estratégias existentes. Quase todas as questões desconstrutivas que são feitas acontecem nas
conversas externalizadoras, sendo que cada questão é direcionada para um fragmento da
história saturada pelo problema ou que mantém uma narrativa problemática.
As “questões que abrem espaço” são utilizadas para construir acontecimentos
extraordinários. Cada pergunta pode resultar na possível presença de uma abertura que levará
a uma história alternativa. Nessa categoria, as perguntas englobam a busca por exceções,
questões de experiências hipotéticas, busca por diferentes pontos de vista e diferentes
contextos, assim como questões que abarcam diferentes tempos de vida da pessoa.
55
Já as “questões de preferência” podem ser feitas freqüentemente pelo terapeuta, para que
ele tenha a noção de que a direção ou significado que as experiências estão tomando são
preferíveis às histórias problemáticas. As pessoas são convidadas a justificar suas escolhas e
descrever suas motivações, tendo a oportunidade de clarear e elaborar suas direções
preferenciais de vida, identidades e valores.
Quando o espaço da conversação já foi aberto o bastante para revelar um acontecimento
extraordinário ou os caminhos preferíveis, podem-se fazer “questões que desenvolvem
histórias”, com o intuito de convidar as pessoas a serem re-autoras de suas narrativas. O
intuito é que elas entrem em contato com o processo e os detalhes de sua experiência, que
será “conectada a um calendário, para um contexto particular e para outras pessoas. Dessa
maneira, um evento é expandido no espaço e no tempo, é habitado, e é revivido de forma
detalhada” (Freedman & Combs, 1996, p.131).
Por fim, os autores descrevem as “questões de significado”, por meio das quais as
pessoas são convidadas a refletir o que será considerado como aspectos diferentes de suas
histórias, delas mesmas e de seus relacionamentos. Essas questões encorajam as pessoas a
considerar e experienciar as implicações dos acontecimentos extraordinários, das direções
preferíveis e das experiências das novas histórias. Os autores ainda apontam que
além de perguntar a respeito dos significados gerais e das implicações das histórias como
elas se desdobram, nos também perguntamos sobre qualidades pessoais, características
dos relacionamentos, motivação, esperança, objetivos, valores, crenças, conhecimento, e
aprendizagens pessoais que as pessoas obtêm a partir de suas narrativas em
desenvolvimento (Freedman & Combs, 1996, p.137).
É importante ressaltar, ainda, que além de a carta mostrar-se de extrema importância para
quem a recebe, o ato de escrevê-la oferece um espaço de reflexão para o terapeuta sobre o
que foi vivenciado durante a sessão. Ele ganha um espaço para organizar suas idéias,
56
questionar falas e elaborar perguntas que poderão ser colocadas em pauta em sessões
posteriores, sendo assim uma ferramenta útil para que o profissional amplie seus
conhecimentos sobre a terapia (Paré & Rombach, 2003; Rombach, 2003). Rombach (2003)
aponta que, quando utilizava as nomenclaturas diagnósticas, era como se recebesse um
convite inevitável para uma visão de déficit nas pessoas. Porém, com a escrita das cartas, a
autora passou a ocupar um lugar de compreensão e de legitimação de mudanças, o que
possibilitou que ela substituísse evoluções patológicas por uma alteridade positiva.
Os autores White e Epston (1990) apresentam exemplos práticos de material escrito na
clínica, atendendo a funções múltiplas. Eles denominam esse tipo de terapia, na qual ocorre a
presença de material escrito, por “terapia relatada”, e engloba tanto cartas quanto demais
documentos, tais como, certificados, declarações e autocertificados. Tais cartas são
apresentadas tendo a possibilidade de serem escritas tanto pelo terapeuta para o paciente,
quanto pelo terapeuta em conjunto com o paciente e, por fim, escrita pelo paciente e
endereçada a remetentes diversos. Os autores defini-las-ão como:
1) Cartas de convite: são freqüentes na vida cotidiana e utilizadas no contexto
profissional quando o terapeuta acredita ser importante incluir na terapia pessoas
que se encontram relutantes em participar da mesma;
2) Cartas de despedida: são escritas para oportunizar as pessoas que exercem papéis
não desejados que se despeçam deles, ficando livres para ocupar outros lugares;
3) Cartas de seguimento: ao final da terapia, uma carta escrita pelo terapeuta é
entregue ao paciente para que seja aberta ao fim de seis meses, no intuito de
propor uma revisão, um seguimento após esses seis meses. Muitas vezes, as
pessoas abrem a carta antes da expiração do período pedido, e a carta adquire a
função de uma profecia auto-realizadora;
57
4) Cartas de recomendação: nessas cartas, o terapeuta pode apontar percepções para
a família que são importantes para a pessoa que está sendo atendida. Datas podem
ser colocadas nessas cartas, com a observação que as recomendações mencionadas
serão válidas por um período, sendo necessárias novas conversas para sua
renovação;
5) Cartas para ocasiões especiais: podem ser utilizadas em caso de pacientes que, por
algum motivo, não foram à terapia. Outra função é auxiliar os pacientes a contar
para as pessoas que a ajuda psicoterápica que eles têm recebido é a que desejam.
6) Cartas breves: as cartas não precisam ser longas ou repetitivas. Muitas vezes, uma
única carta é capaz de modificar a vida da pessoa. Tais cartas incluem: reflexões
após a sessão, busca de informações a respeito da vida e relações das pessoas,
contatar pessoas que deixam de ir à terapia, convocar um público que mantenha e
que elabore novas histórias de maneira mais intensa, investigar a influência do
problema na vida das pessoas e a influência das pessoas na vida do problema
(perguntas de influência relativa), historiar os acontecimentos extraordinários,
desafiar as técnicas de poder e as especificações (“verdades” dominantes) acerca
das pessoas e suas relações, e relatar encontros eventuais.
Chen et al. (1998), assim como White e Epston (1990), ressaltam a importância da
linguagem na construção da carta. Segundo as autoras, os documentos clínicos adquirem um
status de ‘verdade’, criando uma realidade própria, o que poderia prejudicar o tratamento
psicoterápico caso fosse compartilhada a partir de termos diagnósticos, voltados para
patologias interpessoais. Sendo assim, elas propõem um modelo que “destaca a linguagem
como agente ativo de mudança na documentação do cliente. Esse modelo tem como objetivo
democratizar o sistema de documentação do cliente e expandir sua função em uma
intervenção nela mesma” (p.405). A linguagem utilizada promove narrativas de liberação e
58
não de restrição, construindo as experiências junto aos clientes, ao invés de subjugá-las.
Segundo as autoras, essa forma de organizar a escrita da carta engloba quatro princípios: a
desconstrução do self subjugado, a busca por exceções, manter uma postura de não saber e a
internalização do agenciamento pessoal.
A desconstrução do self subjugado diz respeito a desconstruir o auto-conceito negativo
desenvolvido pelo cliente. As pessoas que procuram atendimento comumente estão com a
vida saturada por problemas e se descrevem como “ineficazes e sem recursos”. Essas pessoas
percebem seus problemas como patologias que surgem delas mesmas, e dizem não conseguir
encontrar maneiras de agir com seus próprios saberes. As cartas terapêuticas auxiliarão essas
pessoas a reformular o relacionamento que elas têm com seus problemas, a partir de uma
“linguagem des-patologizante” (Chen et al., 1998, p.406). Para que esse processo ocorra, o
terapeuta utilizará de recursos, tais como a externalização do problema (separar a vida da
pessoa da vida do problema), a personificação do problema (externalizar o problema com
características humanas) e a contextualização do problema (recorrer aos discursos sociais e
culturais que sustentam o problema na vida da pessoa).
Outro princípio também desenvolvido pelas autoras é o apresentado como ‘Busca por
exceções’. Esse princípio é desmembrado em dois processos: a identificação dos
acontecimentos extraordinários e promover uma linguagem de transição. A forma como tais
acontecimentos são descritos e explicados pelas autoras gera um entendimento simplificado,
não abarcando a complexidade do procedimento, assim como as formas possíveis de uso, tal
como proposto por White e Epston (1990).
White e Epston (1990) apresentam, de forma prática, os tempos em que os
acontecimentos extraordinários podem se situar (passado, presente e futuro), oferecendo
exemplos ricos de investigação e intervenção nesse campo. Outro ponto a ser analisado é a
distinção e separação do processo de “Identificar os acontecimentos extraordinários” e
59
“Encorajar uma linguagem de transição”. Como colocado por White (2007), o primeiro
estágio dos mapas conversacionais, relativo aos acontecimentos extraordinários, busca
investigar os discursos que possuem potencial para se tornarem significativos, concordando
com o processo colocado pelas autoras. Porém, o segundo processo tornou-se redundante em
termos práticos, pois, quando um acontecimento extraordinário é investigado, as
possibilidades de descrição, tanto de si quanto das relações, já se encontram abertas,
oportunizando o desenvolvimento de histórias alternativas e mais produtiva. Entretanto, em
relação ao documento terapêutico, as autoras enfatizam a possibilidade de esse movimento
vir a ser explicitado, o que pode ser útil no processo de escrita.
O princípio ‘Manter uma postura de não-saber’ descrito por Chen et.al. (1996), é
originário da abordagem colaborativa, proposta por Anderson e Goolishian (1998) e
representa um dos pontos característicos dessa postura. A ênfase está no papel da linguagem
e, portanto, nos sentidos que vão sendo realçados a partir do momento em que são criados e
vivenciados pelas pessoas nas conversações. Contrapondo-se aos entendimentos que se
apóiam em narrativas teóricas pré-existentes, essa postura coloca que o terapeuta não tem
acesso a quaisquer verdades da vida dos clientes, sendo necessário que sejam informados
sobre elas. Dessa forma, o saber do terapeuta é local e contextualizado. O cliente é
especialista no conteúdo (nos significados e nas vivências), enquanto o terapeuta é
especialista no processo (no ato de dirigir o processo conversacional). Na prática, essa
postura requer que o terapeuta deixe em suspenso o seu conhecimento profissional
acumulado, mantenha uma postura de curiosidade genuína, não entenda rápido demais a
história apresentada, coloque em dúvida o que parece já saber e evite julgamentos e
generalizações. O processo de escuta deve se apoiar na perspectiva do cliente, sendo
desconstrutiva (favorecendo a abertura para a construção de outras narrativas), ativa e atenta
60
para o não-dito (Anderson & Goolishian, 1998; Grandesso, 2000). A ênfase nesse processo
não está em produzir mudanças, mas em abrir espaço para a conversação.
Chen et al. (1998) apontam que esse posicionamento, por parte do terapeuta, honra o
conhecimento do cliente e o convida à reflexividade, promovendo uma sensação de
competência e de auto-eficácia. Dessa forma, as autoras sistematizam o processo de não-
saber dividindo-o em três procedimentos: substituindo suposições por curiosidade (fazendo
perguntas curiosas, para saber um pouco mais sobre o que foi dito ou sobre o que ainda não é
sabido), imaginando possibilidades (quando o terapeuta não encontra exceções no relato do
cliente ele pode imaginar e perguntar sobre um suposto resultado) e convidando os membros
para reflexividade (convidando-os a observarem suas próprias percepções, ações ou
significados que formam a sua experiência).
Como referência para o ato de ‘substituir pressupostos por curiosidade’ tomamos a
proposta de Cecchin (1998), que concebe o processo psicoterápico como um convite ao
terapeuta à curiosidade, proporcionando assim uma oportunidade, “para a construção de
novas formas de ação e interpretação” (p.112).
Em relação ao convite a essa reflexividade, as autoras remontam aos escritos de Karl
Tomm (1987b), chamando a atenção para os questionamentos reflexivos. Para o autor, tais
questões são
perguntas com a intenção de facilitar a auto-cura em um indivíduo ou na família,
ativando a reflexividade entre os significados em um sistema preexistente de crenças que
permitem aos membros da família gerar ou generalizar padrões construtivos de cognição
e comportamento neles próprios (p.171).
Outro autor que possui contribuição ao debate sobre reflexividade em terapia é Tom
Andersen (1998), conforme já descrito neste trabalho, que propõe para a prática psicoterápica
os questionamentos reflexivos, não como um método, mas como uma maneira de pensar. Sua
61
forma de trabalhar originou a prática da equipe reflexiva, que busca criar novas descrições e
entendimentos das situações, a partir de um sistema paralisado. Porém, o processo reflexivo
sugerido pelo autor vai além da equipe reflexiva, e se associa a um processo de fazer
perguntas, o que abarca a disponibilidade de estar com o outro, sustentar uma posição de
escuta atenta aos diálogos internos, identificar aberturas e manter-se disponível a elas, além
de refletir, junto ao cliente, sobre que outras histórias poderiam estar sendo contadas.
Por fim, a internalização do senso pessoal de agenciamento dos clientes foi desenvolvida
inicialmente por White e Epston (1990), juntamente com a externalização do problema. Para
esses autores, muito além de coisificar e personificar o problema, o objetivo dessa
intervenção é explicitar ao paciente que ele é agente ativo nos processos de significação e
ressignificação de sua vida. Nesse sentido, as pessoas vão interiorizando essas conquistas
realizadas como parte de sua identidade, dando-lhe maior autonomia. Chen et al.(1998)
apontam que tal processo pode ser realizado por meio da atribuição de intencionalidade
positiva (o que possibilita que o cliente modifique a forma como se percebe, adquirindo um
senso de agenciamento pessoal para mudança); legitimando sentimentos (validando as
emoções humanas para que os sentimentos sejam utilizados para desafiar os problemas);
colocando os membros como agentes ativos (convida os clientes a reformularem sua auto-
narrativa, responsabilizando-os pela dificuldade vivenciada em determinado contexto, a partir
de uma escolha de ação); creditando influência ambiental (aumenta a capacidade do cliente
para mudança quando ele percebe que tem aprendido o seu comportamento do meio ambiente
e que seus problemas de comportamento não são frutos de sua personalidade); pontuando
competências (se uma pessoa se coloca como incompetente ou confusa, a carta pode destacar
os sinais de competência que foram negligenciados pelo cliente).
Apesar de as cartas apresentadas pelos autores relacionarem-se a diferentes intenções,
elas são semelhantes no fato de revisarem momentos úteis na sessão, e possibilitarem ao
62
terapeuta oportunidade de reflexão e questionamento acerca das histórias narradas (Epston,
1994; Pyle, 2004, 2006, 2009). Ao redigir a carta, o terapeuta tem a oportunidade de se
questionar se existem outras alternativas nas quais ele poderia coordenar suas ações. Assim, a
responsividade com o outro pode ser pensada: o jeito com que eu convido o outro a conversar
está sendo útil? Esse é um jeito que amplia ou restringe as histórias? Minhas questões geram
respostas ou novas perguntas? Assim, a linguagem é convidativa e as cartas tornam-se uma
extensão dos diálogos desenvolvidos no grupo.
Nas últimas décadas, White (1995) e White e Epston (1990) fizeram várias pesquisas
informais com seus clientes que receberam cartas. Essas pesquisas, que tiveram o intuito de
observar as implicações que esse instrumento interventivo gerou nessas pessoas, apontaram
que o documento terapêutico equivale de 3 a 10 sessões (Chen et al. 1998; Paré & Rombach,
2003; White, 1995; White & Epston, 1990). Contudo, são necessárias maiores pesquisas
nesse campo, para que se compreenda melhor o uso e o significado de tal instrumento (Pyle,
2004, 2006; Moules, 2000, 2002).
Além disso, os estudos feitos anteriormente sobre as cartas terapêuticas trazem algumas
idéias de como escrever as cartas, com exemplos de cartas enviadas e/ou recebidas, sem uma
análise empírica dos dizeres das cartas e do impacto que determinadas frases causaram aos
pacientes. Por isso, entendo que esses estudos ainda são insuficientes, o que torna necessário
a realização de mais pesquisas nessa área, para que se possa complementar e ampliar esse
campo de conhecimento.
White e Epston (1990) apontam em seus trabalhos que as cartas têm se tornado uma
outra possibilidade de ampliar os fins terapêuticos, sendo uma importante ferramenta para o
paciente na reconstrução de suas histórias. Apesar disso, os autores White e Murray (2002)
enfatizam que as cartas não têm tido muito espaço nas interações terapêuticas, e o diálogo
verbal ainda se encontra como o principal meio de cuidado do terapeuta com seu cliente.
63
Chen et al. (1998) complementam o debate, apontando para a necessidade de pesquisas
futuras, que poderiam ocorrer com o objetivo de investigar os efeitos do documento
terapêutico no setting grupal.
64
4. Objetivo
O objetivo deste trabalho é investigar os sentidos das cartas terapêuticas presentes em
grupos psicoterápicos que utilizam esse recurso, especificamente em relação ao seu processo
de escrita, considerando tanto a lógica que organiza sua redação quanto os princípios de
linguagem utilizados para atender determinadas funções.
65
5. A pesquisa a partir do referencial Construcionista Social
If language is a central means by which we carry on our lives together – carrying the
past into the present to creat the future – then our ways of talking and writing become
key targets of concern (Gergen, 1999, p.62).
Este estudo adota como referencial metodológico a perspectiva construcionista social que
entende o “conhecimento como construído no processo de intercâmbio social” (Grandesso,
2000, p.85). Nesse âmbito, o conhecimento é entendido como uma prática discursiva,
podendo legitimar múltiplas narrativas e sendo expresso na linguagem e no diálogo.
Diferentemente de uma visão moderna na qual a linguagem representa a realidade, na
abordagem construcionista social a linguagem é constitutiva e cria a realidade, estando
entrelaçada nos padrões de relacionamento. A produção de conhecimento nesse âmbito
ocorre em uma busca de produzir novos entendimentos e inteligibilidades que possam ser
úteis para as pessoas e o mundo em que vivem.
Para as concepções modernas, o conhecimento é uma representação correta e confiável
do mundo. As pesquisas nesse campo são realizadas a partir de um conceito de validade,
fidedignidade e generalização.
Contrastando com essas teorias tradicionais, o modelo de pensamento pós-moderno
considera a existência do objeto de conhecimento a partir da presença de um sujeito. Sendo
assim, nessa perspectiva não busco parâmetros para a interpretação acurada da realidade, nem
almejo alcançar um conhecimento que independe do sujeito, da cultura e da história. A partir
dessa perspectiva pós-moderna, as teorias são escolhas discursivas e não carregam a verdade.
São formas de me orientar no mundo. As buscas bibliográficas e os autores a quem recorri
são companheiros de viagem, convidados que compartilham o desejo de conhecer e explorar
o mundo. Ser responsivo em pesquisa é encontrar o outro onde ele está e não onde eu quero
que ele esteja. Dessa forma, o convite construcionista para a ciência é desenvolver pesquisas
66
que estejam em constante reconstrução, a partir do engajamento com as pessoas que se
identificam com esse jeito de produzir ciência. Saliento ainda que, diferentemente da ciência
comum, na qual ouvimos os fatos e não as pessoas, o construcionismo busca criar contextos
colaborativos de pesquisa, no qual pesquisador e pesquisados trabalhem conjuntamente.
Analisar os dados deste trabalho é refletir acerca das histórias contadas pela terapeuta, a partir
da produção de sentidos realizada com os demais participantes do grupo. Ao assumir uma
posição do discurso como uma forma de ação, na qual as palavras são escolhidas dentre
inúmeras possibilidades para que seja atingido determinado objetivo, o foco está no processo,
no que as pessoas fazem com suas falas, ao invés de acessar o discurso como algo que está
dentro da mente.
Tendo a linguagem como construtora de realidades, as pessoas são vistas como usuárias
dessa linguagem, utilizando-a para fazer coisas, promover ações. A linguagem não é ingênua
ou estática, mas constitui de maneira dinâmica: quando eu digo algo, eu estou fazendo algo.
O discurso é uma performance, desenvolvido nas relações. Assim, existem performances que
preferimos e outras que não, o que podemos escolher. Porém, essa não é uma escolha
realizada de forma particularizada. O outro precisa colaborar na construção dessas novas
performances.
McNamee (no prelo) discute a questão do método no construcionismo social. Segundo a
autora, ‘muitas vezes nos percebemos acreditando que a análise do discurso está inserida no
construcionismo, mas um questionário não o estaria’. Ao descrever o construcionismo social
como uma meta-teoria, um discurso que oferece orientação para todos os processos
relacionais, redimensiono esse entendimento, inserindo todas as atividades que envolvem os
seres humanos como atividades construcionistas relacionais. Com isso, a autora defende a
idéia de que o método não existe nele mesmo, sua importância reside no como o usamos:
“Como nós pensamos sobre ele, o usamos, falamos e escrevemos sobre ele ‘põe em
67
funcionamento’ nossa meta-teoria ou os discursos e suas suposições sobre o que existe, o que
nós podemos saber, e como nós podemos produzir aquele conhecimento” (p. 1). As reflexões
acerca do método devem ter como base o que gera as perguntas que faço e como tento
respondê-las, o que tomo como dado e o que tomo como fato, assim como, quais ferramentas
de linguagem são utilizadas e o que reconheço como rigor.
Para o construcionismo, o ato de conhecer perpassa pelo “conhecer como”. O foco é no
processo das relações que estão sendo construídas e em como elas se organizam na
coordenação da produção desse conhecimento. Essas são produções locais, históricas,
culturais e relacionais.
Assim, a ação de examinar uma questão particular, no caso a linguagem utilizada nas
cartas, e as descrições utilizadas para sua construção, emergem dentro dos contextos
relacionais desenvolvidos no grupo. As perguntas realizadas pela terapeuta, bem como os
recortes feitos para a redação da carta, desenvolvem-se nas conversações com os clientes,
sendo posteriormente validadas por eles.
As cartas, em sua origem, advêm da pré-modernidade, porém neste trabalho elas ocupam
espaços pós-modernos, por serem colocadas como instrumentos na construção de uma
relação igualitária e reflexiva entre terapeuta e cliente. As cartas, nesse contexto, são criadas
e criam vida como um instrumento na multiplicação de vozes. Na realização dos recortes, as
histórias vão sendo delineadas, geram dúvidas e curiosidades que, pro sua vez, geram novas
histórias e possibilidades.
No processo de construção da pesquisa, essas reflexões teórico-metodológicas
influenciaram desde a composição e o processo de formação do grupo quanto ao papel
interventivo do relato das sessões a partir das cartas, até o processo de encerramento do
grupo, o procedimento de construção do corpus e de análise do corpus. Assim, não busco a
verdade com esse estudo, mas a reflexão sobre o uso desse recurso prático, que são as cartas
68
terapêuticas. Espero que a metodologia construcionista contribua para a construção dessas
novas histórias, trazendo novidades e convites à reflexão que levem à contínua transformação
desse recurso.
5.1. O contexto, o grupo e seus participantes
A composição do grupo foi realizada a partir da demanda pré-existente para atendimento
psicológico na Clínica Escola da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Essa é uma
Clínica Psicológica que foi fundada no ano de 1980, sendo um órgão complementar da UFU,
vinculada ao Instituto de Psicologia. Nesse contexto, a Clínica constitui-se em campo de
estágio supervisionado obrigatório, atendendo a diversos tipos de queixa da comunidade e
encontrando modalidades terapêuticas variadas. Além disso, esse também é um espaço que se
constitui para os estudantes do curso de Pós-Graduação de Psicologia da UFU, que realizam
pesquisa na área clínica ou afins.
Assim, os atendimentos propostos por essa pesquisa foram realizados em uma das salas
da Clínica. Essa sala era pequena, com espaço para as dez cadeiras em roda e uma mesa logo
atrás, com duas cadeiras para a equipe reflexiva. Os encontros ocorriam com periodicidade
semanal, tendo duração de 1h30, pelo período de 3 meses, totalizando 12 sessões. Após o
término da intervenção (12 sessões), foi realizada ainda uma sessão individual com os
participantes do grupo, com duração máxima de 1h30. O objetivo foi conversar sobre o
processo de participação no grupo, e quais os significados que as cartas tiveram para eles.
Para nortear essa conversa, foi pedido aos pacientes que, em casa, escrevessem uma carta,
contando como havia sido para eles receber cartas da terapeuta. Essa carta feita por eles e
seria lida na entrevista individual final. Apenas um paciente não escreveu a carta. Os demais
a escreveram, voltando o foco de escrita para o processo do grupo e de mudança.
69
Rasera e Japur (2001, 2003, 2004), influenciados pelas contribuições construcionistas
sociais, propõem uma redescrição da terapia de grupo, definindo-a como uma prática
discursiva, ou seja, como forma de criar realidades relacionais por meio da linguagem. Ao
adotar a perspectiva construcionista social, como referência para reflexões no processo
grupal, ocorre um questionamento do caráter natural e essencial das definições de grupo.
Com isso, o ato de redefinir o grupo teoricamente implica em redescrições práticas,
construindo o grupo de determinados modos e não de outros. Rasera e Japur (2005)
complementam, afirmando que
esta redescrição implica outras ainda: o contrato grupal é o meio de delimitar algumas
condições de produção de sentido; a composição grupal é um processo de negociação
entre terapeutas e participantes; o terapeuta atua como um parceiro conversacional, e a
duração do grupo é definida a partir do entendimento do grupo como uma intervenção
ético-política (p.34).
Norteados por essa perspectiva, a terapeuta buscou no grupo pesquisado: construir um
contexto no qual o significado fosse co-construído entre ela e o grupo, assim como com os
indivíduos do grupo uns com os outros; manter uma postura aberta para o questionamento e a
reflexão; exercer uma escuta aberta, curiosa, atenta para o não-dito; assumir uma postura de
interesse genuíno; ter uma participação ativa, buscando pontuar histórias e clarear fatos
quando necessário; organizar e dar coerência para as histórias vividas pelos clientes.
Como modelo de atendimento, adotamos o proposto por Andersen (1999), que implica
na presença de uma equipe reflexiva no contexto grupal, como descrito anteriormente. Dessa
forma, a pesquisadora atuou como terapeuta de campo coordenando as conversas grupais, e a
equipe reflexiva formada por duas terapeutas colaboradoras de pesquisa mantiveram uma
posição de escuta, compartilhando suas reflexões no momento em que eram solicitadas pela
terapeuta.
70
Antes do início dos atendimentos em grupo, foram realizadas duas entrevistas individuais
com os prováveis participantes (com duração de 1h30 cada), tendo o objetivo de “acolhê-los”
e “prepará-los” para o grupo. Esse modelo de seleção e preparação para o processo grupal é o
mesmo utilizado por Rasera e Japur (2007), no qual a primeira sessão, denominada “sessão
de acolhimento”, tem como objetivo acolher a demanda dos pacientes e investigar as
situações recentes de suas vidas, pensando na possibilidade dessa pessoa compor o grupo. Ao
término das sessões individuais iniciais, a pesquisadora e o orientador se reuniram a fim de
discutirem a composição grupal. Para sistematizar a tarefa, imaginaram como aquelas pessoas
estariam juntas, quem conversaria com quem, quem se apoiaria. O processo de composição
grupal foi feito ainda levando em consideração alguns fatores: o interesse na participação de
um trabalho em grupo, a disponibilidade de horário e a construção de um pedido no discurso.
Finalizando essa etapa, todos os participantes foram re-agendados, para que realizassem
uma sessão de preparação com aqueles selecionados para o grupo e dar novo
encaminhamento para os que não participariam do trabalho proposto. As pessoas que não
fariam parte do processo foram encaminhadas para atendimentos individuais na própria
Clínica Escola.
Onze pessoas participaram da sessão de preparação para o grupo, que tinha como
objetivos principais: 1) aproximar o terapeuta de cada participante; 2) apresentar os objetivos
do grupo; 3) conversar sobre como se espera que as pessoas participem; 4) apresentar o
contrato grupal; 5) esclarecer possíveis dúvidas dos participantes em relação ao grupo; 6)
explicar detalhadamente as condutas desta pesquisa. Essas conversas iniciais buscam
promover um contexto dialógico, além de preparar a pessoa para o grupo. Promove-se uma
participação mais produtiva dos participantes, diminuindo expectativas irrealistas e,
conseqüentemente, o nível de atrito e ansiedade grupal, assim como a taxa de abandono. A
71
conversa se projeta para o futuro, e busca antecipá-lo. Nessa fase, apenas uma pessoa desistiu
de sua participação, dizendo não se sentir a vontade na realização de trabalho em grupo.
Pensando em maneiras de descrever esse grupo, que foi se construindo durante os
encontros, alguns questionamentos se fazem presente, tais como: Quais critérios devem ser
utilizados para descrever um grupo? Qual a influência do contexto para a formação desse
grupo? De onde essas pessoas se originam? Quais histórias as acompanham? O que deve ser
ressaltado e o que se silencia na descrição? Quais cuidados devem ser tomados nesse
processo?
Seja descrever um grupo ou outro objeto qualquer, o que será apresentado como verdade
narrativa dependerá do sujeito que realizará a descrição, tendo como base os intercâmbios
sociais que foram gerados nas relações. Assim, a descrição aqui construída será apenas uma
das possíveis versões das muitas descrições possíveis sobre o grupo, não existindo um único
discurso sobre ele e as pessoas que o compuseram. Importante salientar que esse grupo foi-se
constituindo de diferentes modos, a cada encontro e em cada momento, a partir das trocas
dialógicas que iam se efetivando no contexto de uma Clínica Escola.
Após as duas sessões iniciais, o grupo começou com 10 pessoas, sendo que uma delas
desistiu do atendimento na segunda sessão, justificando necessitar de buscar psicoterapia
individual. Por fim, os participantes eram 3 homens e 6 mulheres, com idade entre 31 e 56
anos, todos casados, oriundos de classe média e classe média baixa, com escolaridade que
variava do ensino fundamental ao ensino médio (apenas um dos participantes havia feito
ensino superior). Quanto à ocupação profissional, das 6 mulheres participantes, apenas 2
trabalhavam; em relação aos homens, a situação era heterogênea: manutenção de ocupação
profissional em empresa, busca de trabalho, trabalho formal aliado a processo para
aposentadoria. Na sessão de preparação para o grupo, uma descrição resumida dos integrantes
72
é apresentada aos membros do grupo, atendendo ao objetivo de antecipar o encontro e
minimizar possíveis ansiedades.
No decorrer dos atendimentos, os membros do grupo respeitaram o fluxo da conversa,
assim como as histórias trazidas por cada um. Inicialmente, algumas pessoas demonstravam
ter necessidade em falar de seus problemas, enquanto outros se silenciavam durante grande
parte da sessão. Outro ponto recorrente naquele momento baseava-se na necessidade que
alguns tinham de oferecer conselhos uns para os outros. Esses aspectos foram sendo cuidados
e negociados durante os encontros, a partir de um convite da terapeuta à reflexão das práticas
que estavam sendo adotadas como forma de funcionamento e cuidado.
Quanto à freqüência nas sessões grupais, essa não variou de forma considerável durante
os encontros. Ao final da sessão de preparação e no primeiro encontro grupal foi negociado
com os participantes que eles não poderiam faltar mais do que duas sessões consecutivas e
que, se faltas espaçadas ocorressem, deveriam ser justificadas ao grupo. O intuito dessa
conversa é responsabilizar os membros do grupo pelo andamento e evolução dos encontros,
construindo com eles um lugar de cuidado e respeito com as pessoas que o freqüentam.
Apenas Aline decidiu deixar o grupo, a partir da 3ª sessão. A tabela abaixo nos permite
visualizar a presença dos participantes ao longo das sessões.
Figura 1. Freqüência dos participantes ao longo das sessões
Joana Rogério Antônio Mariana Lucas Ligia Renata Elisa Aline Cibele
1ª F F P P P P P P P P
2ª P P P F P P P P P P
P P P P F P P P P
F P P P P P P P P
P P P P P P P P P
73
P P P P P P F P F
P P P P P P P P P
F P P F F P F P P
F P P P F F P P P
10ª P F P F P P P P P
11ª P F P P F P P P P
12ª P P P P P P P P P
F= faltaram; P= presentes
Nesse contexto, as cartas foram escritas pela terapeuta, para as pessoas que compuseram
esse grupo. Buscando dar visibilidade ao processo grupal, apresentarei um quadro com as
descrições dos participantes que o compuseram. Para formatar essa descrição, remeto-me aos
nomes das pessoas, idade, estado civil e presença ou não de filhos, assim como à síntese da
questão ou dilema apresentado à terapeuta e o pedido elaborado. Os nomes dos participantes
aqui apresentados são fictícios, buscando resguardar sua identidade.
Figura 2. Quadro resumo da caracterização do problema e pedido elaborado como meta
de atendimento
NOME DESCRIÇÕES DO PROBLEMA E PEDIDO
Antônio, 46 anos,
casado, 2 filhos.
Muitas dores de cabeça, esquecimentos e ansiedade. Uso de medicação
para ansiedade e depressão. Deseja voltar a ter uma vida sem remédios.
Cibele, 35, casada,
1 filho.
Dificuldades em lidar e se relacionar com o filho. Conta ser muito
ansiosa e perfeccionista. Busca ser uma pessoa mais calma e
controlada.
Elisa, 42 anos,
casada, 3 filhos.
Relata preocupações constantes e ansiedade. Começou a ter
esquecimentos e dificuldades para trabalhar. Quer se sentir mais segura
e confiante.
Joana, 52 anos,
casada, 2 filhos.
Não se percebe capaz de lidar com a mãe idosa. Deseja ser mais calma
e se cobrar menos.
74
Lígia, 42 anos,
casada, 2 filhos
Busca no grupo ajuda para conseguir maior entendimento e controle
sobre seus pensamentos. Quer deixar de sentir ansiedade e depressão.
Lucas, 39 anos,
casado, sem filhos.
Conta sobre a falta de sono e preocupações no trabalho. Habitualmente
faz uso de medicação para dormir. Deseja se preocupar menos.
Mariana, 31 anos,
casada, 1 filha.
Narra grande ansiedade, depressão e insegurança. Uso de medicação
para ansiedade e depressão. Quer parar de tomar medicação, ter maior
controle sobre sua vida.
Renata, 37 anos,
casada, 2 filhos.
Relata insegurança e ciúme em relação ao marido. Dificuldades de se
relacionar com ele. Quer entender o que ocorre e se sentir mais segura.
Rogério, 44 anos,
casado, sem filhos.
Deseja ampliar seu auto-conhecimento para buscar resolver questões
familiares. Quer voltar a ser uma pessoa mais positiva e feliz.
5.2. Considerações Éticas
As sessões individuais e em grupo foram realizadas pela pesquisadora que teve, durante
as sessões grupais, a presença de outras duas terapeutas colaboradoras de pesquisa, que
formaram a equipe reflexiva. As terapeutas que formaram a equipe reflexiva são psicólogas
formadas pela UFU, já tendo participado na função de equipe reflexiva em estágio anterior,
na perspectiva construcionista social. A colaboração destas terapeutas se resumiu ao processo
de atendimento. Elas não participaram do processo de transcrição nem da análise realizada.
Todos os encontros foram gravados em gravador digital e a pesquisa foi realizada de
acordo com as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. O material
transcrito foi transformado em um banco de dados, para possíveis pesquisas futuras, levando
em consideração que, por ser esse um estudo qualitativo, temos a possibilidade de múltiplas
interpretações e análises relativas a um mesmo material. Vale ressaltar que todos os
participantes foram esclarecidos sobre a composição de um bando de dados, com o material
transcrito das entrevistas individuais, finais e das conversas grupais. Os participantes também
foram informados de que as gravações seriam apagadas após as transcrições.
75
O termo de consentimento informado e esclarecido, contendo as especificações contidas
acima, foi apresentado e discutido ao final da segunda sessão individual (sessão de
preparação), para que os participantes ficassem livres para assinar, se assim concordassem, e
que se encontra no Apêndice A deste trabalho.
É importante ressaltar que, diferentemente dos relatos de sessão tradicionais, comumente
escritos em uma linguagem técnica, com termos diagnósticos, e que relatam a verdade de
quem escreve de uma maneira burocrática, a carta terapêutica possibilita que terapeuta e
cliente ocupem um espaço de transparência e sinceridade cuidadosa na relação grupal. Nesse
sentido, para a escrita da carta, foram utilizadas apenas a inicial do primeiro nome de cada
participante, o que possibilitou que todos os participantes se identificassem, reconhecessem
os comentários e reflexões a eles dirigidos e obtivessem os resultados terapêuticos
pretendidos, ao mesmo tempo, em que ficaram protegidos de leitores indevidos. Após a
leitura da carta na sessão, essa era aprovada, em seu conteúdo, por todos os presentes. Por
isso, as cartas cumprem um papel ético de grande valia para os procedimentos terapêuticos.
5.3. O relato de sessão a partir das cartas
Letter writing by clinicians represents a reflection of their attunement to the client and
their experience of the “goings-on” in therapeutic conversation (i.e. giving voice to client
intentions). Using letters in a relationally responsive way demonstrates a mindful
understanding that the letter is a continuation of conversations. How the therapeutic letter
is taken up by a client reflects the next conversational turn (Pyle, 2009, p. 77).
Nesse tópico, busco dar visibilidade ao processo de negociação de sentidos da carta no
contexto grupal. Terei ainda como foco seu formato, refletindo acerca da estrutura que a
constrói e o conteúdo ao qual que se refere. É ainda objetivo dessa seção do trabalho oferecer
76
aos profissionais interessados em escrever cartas, ferramentas e reflexões que os auxiliem
nesse processo.
Sendo a linguagem múltipla e fluida, dependente dos contextos e das relações que
sustenta, buscar construir um jeito de escrever cartas se faz um desafio. Dessa forma, a
intenção não é regulamentar um modo de escrita, fixando particularidades como o tom, a
cadência e o ritmo a ser utilizado, mesmo por que a construção da carta caminha a partir de
uma escuta e de conversas internas que o terapeuta realiza. A proposta é apresentar alguns
princípios que poderão nortear o desenvolvimento da carta. As cartas têm como propósito
atender a algumas funções, sejam elas referentes aos propósitos do terapeuta, do paciente ou
da relação. Para facilitar o alcance desse objetivo alguns procedimentos podem ser utilizados.
Por ter sido uma ferramenta construída a partir do saber da terapia narrativa, o conhecimento
de conceitos básicos dessa abordagem, assim como de outras que são abarcadas pelo
construcionismo social, são importantes de serem conhecidos para a escrita da carta, tais
como a externalização do problema, a busca por acontecimentos extraordinários, a postura de
curiosidade, a postura de não-saber, a legitimação de sentimentos, o processo de pontuar
competências, entre outros.
As cartas entregues ao grupo foram escritas pela pesquisadora ao término de cada sessão.
A negociação de entrega, ou não, das cartas para que os participantes as levassem para casa
foi realizada na segunda entrevista individual e refeita na primeira sessão do grupo. Todos
aceitaram levar a carta e guardá-la de forma discreta. Sendo entregues e lidas pela terapeuta
ao início de cada sessão grupal, os participantes poderiam, ou não, fazer comentários
referentes ao seu conteúdo. Assim como no modelo proposto pela equipe reflexiva de
Andersen (1999), as conversas referentes à carta são ofertas, que podem, ou não, serem
aceitas. As cartas também foram utilizadas como documento de sessão, registrando o
atendimento e cumprindo fins institucionais. Assim, após a impressão e entrega das cartas
77
para cada um dos participantes, a terapeuta colocava uma carta em cada um dos respectivos
prontuários. Caso o paciente faltasse, a carta era guardada e entregue na sessão seguinte.
No primeiro contrato realizado, os membros faltantes não receberiam as cartas referentes
à sessão, pelo entendimento de que não existiria um parágrafo que se referisse diretamente a
ele. Esse procedimento foi renegociado na quinta sessão com todo o grupo, a partir de uma
exposição dos membros que, como a carta referia-se ao grupo do qual eles faziam parte, eles
deveriam receber o relato, mesmo não tendo ido à sessão. Essa mudança foi pautada no
entendimento do processo terapêutico como co-construído entre terapeuta e cliente
(Andersen, 1999) e na idéia de que o processo grupal é um processo de negociação (Rasera &
Japur, 2006).
O conteúdo da carta buscou voltar-se para todo o grupo, existindo parágrafos que se
referiram às pessoas de forma individual, e parágrafos que englobaram o grupo como um
todo. O foco desse processo é na linguagem utilizada e em como esta linguagem constrói
mundos. Assim, um parágrafo escrito para alguém pode ecoar em questões de outro
participante. Somado a esse entendimento, desenvolver parágrafos individuais permite que o
terapeuta volte sua atenção para as questões singulares daquela pessoa, sustentando um
sentimento de acolhimento e cuidado com a história de cada um.
Dessa forma, associada à busca de escrever um parágrafo para cada participante, estava a
busca do cuidado com o grupo. Cuidar do grupo perpassa pelo cuidado do indivíduo e das
questões que o trouxeram a se tornar parte deste processo, por isso, há presença de parágrafos
que se voltam diretamente a cada pessoa particularmente. O cuidado nesse processo é de
também alcançar outras histórias e necessidades no mesmo trecho, o que é buscado muitas
vezes ao mesclar as falas das pessoas nos diferentes parágrafos. É importante considerar dois
pontos nesse processo: 1) a participação de todos é privilegiada, o que possibilita que as
pessoas se sintam reconhecidas e cuidadas em suas questões particulares; 2) comumente um
78
parágrafo contém mais de um evento ocorrido na sessão, o que permite que a carta, mesmo
não sendo extensa, trabalhe diversas questões.
As cartas terapêuticas redigidas na intervenção estudada seguem uma estrutura básica:
elas são dirigidas a um grupo de pessoas, se dividem em parágrafos (de abertura, parágrafos
individuais e de encerramento), e contém o nome do terapeuta, número da sessão e data. Cada
trecho é construído discursivamente para atender a uma determinada função. O convite ao
inicio de cada carta remete-se a quem fará a leitura. Como qualquer documento, é importante
que se remeta ao público para o qual se escreve. Tal direcionamento varia de acordo com o
tipo de relação existente, ou que se busca desenvolver. Assim, o modo como percebo meu
paciente e me relaciono com ele definirá o meu jeito de convidá-lo ao campo da conversação.
Os parágrafos de abertura preparam a narrativa que será desenvolvida. Geralmente, é um
parágrafo que se volta para todo o grupo, com questões reflexivas suscitadas a partir de um
ou mais acontecimentos destacados por quem escreve. São parágrafos que comumente se
iniciam com: “Antonio iniciou a sessão”, “Em nossa última sessão iniciamos...”, marcando a
cronologia pretendida. Esse jeito de escrever promove no leitor uma sensação de
acompanhar uma história, com inicio, meio e fim. O processo de linearidade facilita aos
membros do grupo reviver os momentos pontuados. Por se tratar de questões mais gerais e
que dizem respeito a todo o grupo, pode ser entendido como um parágrafo de aquecimento,
que vai inserindo o leitor nos acontecimentos da sessão a ser trabalhada.
Na seqüência, os parágrafos são direcionados a cada pessoa do grupo em particular. Os
momentos da sessão são separados em blocos de acontecimentos, já que a sessão é dinâmica,
tendo a fala de uma mesma pessoa em diversos momentos do grupo. Para cada bloco, a
terapeuta se faz algumas perguntas: Quem está falando nesse instante? Quais pontos nessa
fala chamam a atenção? Como essa história pode ser mais bem investigada? Quais recursos
essa história traz? Que outros pontos da história podem ser explorados? Quem participa desta
79
história? A quais outras histórias essa se conecta? Como essa história pode ser de ajuda para
os outros membros do grupo? Quais partes dessa história serão de ajuda ao serem ressaltadas?
Dessa forma, as histórias compartilhadas no grupo ajudam na construção de novas
histórias, tendo o terapeuta como editor desse processo. Os recortes são convites, caminhos
possíveis de busca de novas soluções e maneiras mais satisfatórias de se estar no mundo.
Com o objetivo de escrever um parágrafo para cada participante, o terapeuta se insere em
um processo reflexivo, na busca de experiências na história dos clientes que lhe tenha
causado certo estranhamento, dúvida e curiosidade. A escuta atenta, curiosa e aberta às
possibilidades de sentidos sustentada na sessão é, agora, ampliada, em um processo de análise
e investigação do que foi gerado junto ao grupo. As histórias saturadas por problemas são
investigadas, indagadas, abrindo possibilidades para o diálogo e para a escrita de novas
histórias. Estar em diálogo significa estar aberto para a mudança, e a carta traduz esses
convites a mudanças, porém sempre a partir de recortes realizados por um terapeuta que
possui uma lente teórica e pressupostos de vida. Tendo conhecimento dessa bagagem trazida,
o terapeuta busca suspender suas pré-concepções e conhecer o mundo do cliente. A carta
carrega consigo essas vontades e convites.
Assim, o terapeuta se volta para o próprio processo grupal no qual estava inserido, não
como uma audiência passiva, mas buscando atuar frente às possibilidades narrativas de cada
cliente. A criação de seqüência dos parágrafos da carta, relativos a “quem abre e quem
encerra o documento terapêutico?”, “qual conversa se liga a quem?”, se dá mais em um
processo de edição e coerência dos acontecimentos narrados do que segue alguma regra
específica.
Por ser uma carta voltada para a construção de narrativas preferíveis, os problemas não
são citados e discutidos como problemas, mesmo porque, se a linguagem constrói mundos,
essa seria uma maneira de sustentar a história do problema e não de desconstruir as narrativas
80
de subjugação. Por isso, exploram-se os recursos e as outras histórias que estão interligadas
àquela situação, em busca de uma reconstrução de sentido.
É relevante ainda considerar a estrutura dos próprios parágrafos, que podem ser divididos
em três partes: 1) recorte do fato ocorrido na sessão; 2) impressão do terapeuta; 3)
questionamentos. Assim, constroem-se mini-relatos nos quais se demarca o ponto da sessão a
ser trabalhado, dá-se voz para às impressões do terapeuta e se desenvolvem perguntas que
buscam atender a diferentes funções.
O último parágrafo é uma síntese realizada pelo terapeuta dos acontecimentos destacados
na carta, e de suas percepções durante a sessão. A construção do cuidado é realizada em
conjunto com todo o grupo, ao serem expostas pelo terapeuta preocupações e observações.
Apontar falas que são importantes e que chamaram a atenção vai direcionando o grupo no
jeito de se estar naquele lugar, atendendo a determinados objetivos terapêuticos.
É um momento em que se pode explorar conversas que não foram investigadas de forma
satisfatória pelo terapeuta durante a sessão. Os participantes que não compareceram são
citados nesse último parágrafo, como lembrança de que eles fazem parte do grupo. Esse é um
momento no qual se pode compartilhar possíveis preocupações relativas à freqüência e às
possíveis razões dessas ausências.
Em vários momentos da carta, a terapeuta trata as pessoas pelo primeiro nome (colocados
na carta por meio de iniciais). Utilizar desse jeito não formal na redação da carta facilita a
relação do terapeuta com o cliente, oferecendo proximidade e empatia.
Por fim, a carta traz o nome da terapeuta, número da sessão e data. Tais descrições
auxiliam na organização cronológica das cartas como documento clínico, além de
proporcionar para quem as lê as evoluções ocorridas no decorrer do tempo.
A carta, nessa perspectiva, atua como um convite a múltiplas possibilidades de narrativas.
Essa pode ser considerada uma conversação generativa, conceito proposto por Gergen e Kaye
81
(1992), na qual diferentes pontos da experiência são ressaltados, permitindo que venham a
surgir múltiplas perspectiva, resultando na construção de novos significados. Assim, a partir
de sua leitura, espera-se que sejam compartilhadas idéias que possam ser ponto de partida
para novas conversações ou para a descoberta de novas descrições e entendimentos. A carta,
portanto, amplia o diálogo terapeuta-cliente, favorecendo que o campo de significado
permaneça aberto para novas significações preferíveis.
82
6. Constituição e procedimento de análise do corpus
Diferentemente da explicação subjetiva, em que o significado é visto como gerado na
mente do indivíduo e transmitido pelas palavras e gestos, a teoria relacional não postula
qualquer início apropriado, ou qualquer fonte originária, nem lugar específico do qual o
significado decorra. Isso porque estamos sempre em relação com os outros e o mundo.
Não há um lugar possível para a ocorrência de uma expressão, seja ela qual for, fora de
um espaço relacional (Grandesso, 2000, p. 159).
Buscando analisar o processo de escrita da carta, considerando tanto a lógica que
organiza sua redação, quanto os princípios terapêuticos utilizados para atender determinadas
funções, o procedimento de constituição do corpus foi realizado de três maneiras:
a) Gravação e Transcrição das Sessões: Todas as sessões individuais e grupais
foram gravadas em gravador digital e transcritas. Esse material transcrito foi
transformado em um banco de dados, para atender a possíveis pesquisas
futuras.
b) Redação e arquivo das cartas: Todas as cartas redigidas e entregues
posteriormente na sessão foram arquivadas, para investigação e análise de sua
construção, e nos efeitos que promoveu.
c) Diário de campo: Foi redigido um diário de campo, usado como um material
de apoio para a investigação do corpus. Além do que, o diário mostrou ser de
grande utilidade para a construção da identidade da terapeuta como
pesquisadora, e vice-versa, já que angústias, dúvidas e temores eram
depositados diariamente em suas páginas.
83
Apoiada nessa construção, a análise do corpus do presente estudo teve como foco as
cartas terapêuticas redigidas durante o grupo. Norteada pelos princípios qualitativos de
pesquisa, a análise se sustentou a partir de duas idéias:
1) A carta desenvolve determinadas funções terapêuticas. Assim, há recursos
e estratégias lingüísticas que são utilizados para promover certos
princípios terapêuticos. Buscando entender essas funções, bem como os
objetivos aos quais elas visam atender, utilizei para a análise os princípios
e procedimentos desenvolvidos por Chen et al.(1998).
2) A linguagem como construtora da realidade, sendo entendida como ação
no mundo (Gergen, 1997; Burr, 1995). A partir dessa noção, buscarei
identificar os procedimentos textuais de produção de sentido, apoiando-se
ainda, na proposta de análise do discurso influenciada pela abordagem
construcionista social (Gill, 2003; Potter & Wetherell, 1987), na qual as
palavras são escolhidas dentre inúmeras possibilidades para que alcancem
determinado objetivo.
A justificativa para o uso do modelo proposto por Chen et al. (1998) nesta pesquisa deve-
se a alguns fatores: 1) É um modelo construído apoiado em princípios de linguagem, isto é, o
objetivo das autoras é apresentar recursos de linguagem disponíveis para se construir
determinados tipos de discursos, que “liberem ao invés de restringir, abram ao invés de
fechar, e construam ao invés de subjugar a experiência dos clientes” (p.406), o que vai ao
encontro dessa pesquisa, que objetiva investigar os recursos de linguagem utilizados e as
funções que eles acarretam; 2) O fato das autoras mesclarem várias abordagens foi um
diferencial no momento de escolha desse modelo. As sessões realizadas em grupo, apesar de
terem a terapia narrativa como base para a postura do terapeuta, bem como para as
intervenções realizadas, também foram influenciadas por outras abordagens construcionistas.
84
Como discutido anteriormente, a proposta de Chen et al. (1996) traz marcas de outras
abordagens, principalmente dos processos reflexivos de Tom Andersen (1999), da abordagem
colaborativa de Harlene Anderson (1998), das propostas de Gianfranco Cecchin (1998) e
Karl Tomm (1989). Sendo assim, o modelo proposto encontra harmonia com a proposta
terapêutica realizada na sessão grupal; 3) As autoras apresentam um modelo voltado para o
contexto grupal, o que não ocorre com as outras perspectivas analisadas, tais como as
desenvolvidas por Freedman e Combs (1996), White (2007) e White e Epston (1990).
Apesar das vantagens práticas e teóricas percebidas no modelo das autoras para análise
desse trabalho, é importante salientar algumas contradições existentes nesse modelo em
decorrência da combinação das diferentes abordagens, bem como devido às atualizações
propostas por White (2007). Chen et. al (1998) desenvolveram seu modelo ao final da década
de 1990, tendo como uma de suas referências o livro de White & Epston (1990). Assim, a
proposta das autoras não leva em consideração as revisões realizadas na obra de White, em
2007. Com isso, as autoras utilizam termos como “externalização do problema” ao invés de
“conversas externalizadoras”. O mesmo ocorre com as conversas de re-associação, as
conversas baseadas na idéia de andaimes (scaffolding conversations) e as conversas com
testemunhas externas, que também não são exploradas pelas autoras. Contudo, apesar de
considerar essas mudanças e ampliações teóricas e práticas, busquei preservar e refletir sobre
a proposta da Chen, optando por usá-la integralmente.
As categorias descritas por Chen et al. (1998) e utilizadas para a análise deste trabalho já
foram descritas anteriormente no capítulo 3, e podem ser resumidas no quadro a seguir. A
primeira coluna diz respeito aos princípios; a segunda, aos procedimentos utilizados para
alcançar os princípios estabelecidos. Ao todo são 4 os princípios e 13 os procedimentos
descritos.
85
Figura 3. Quadro resumo dos princípios e procedimentos organizados por Chen et al.
(1998) para a construção da carta terapêutica
1.Desconstruir o self subjugado
Objetivo: desconstruir o auto-
conceito negativo que o cliente,
não intencionalmente, tem
internalizado. Tal princípio é
realizado a partir do uso de
linguagem des-patologizante, que
auxilia a reformulação do
relacionamento das pessoas com
seus problemas
1.1.Externalizar o Problema
Separa a identidade do cliente da identidade do problema, dando a
ele poder e autonomia sobre o problema. Na carta os problemas são
descritos como uma força externa, fora do cliente, tornando-se assim
passíveis de manejo e confrontação.
1.2. Personificar o Problema
Concede aos problemas externalizados características humanas. Na
escrita da carta os clientes são identificados como protagonistas e os
problemas como antagonistas. Assim, o convite é para o confronto e
a ressignificação da relação entre eles (clientes) e os problemas.
1.3. Contextualizar o Problema
Pode-se promover uma auto-percepção dos clientes endereçando os
discursos sociopolíticos que sustentam os problemas. Ao
contextualizá-los, expõe-se a subjugação e a opressão dos discursos
culturais que alimentam o problema. Tal procedimento auxilia o
cliente a “de-subjugar” e a reconsiderar a si próprio.
2. Procurar por Exceções
Objetivo: buscar as exceções
existentes nos padrões mal
adaptados dos clientes.
2.1. Identificar acontecimentos extraordinários
Exceções são ressaltadas em narrativas desencorajadoras. Para
responder a essas exceções, os recursos do cliente e seus pontos
fortes, anteriormente despercebidos, ficam mais suscetíveis de
reaparecem.
2.2. Encorajar a linguagem de transição
As exceções podem ser descritas pela linguagem que acentua as
relações de desenvolvimento do cliente com o problema. O
documento terapêutico aponta o movimento de linguagem de uma
postura para outra, ilustrando o desenvolvimento da relação entre a
ação do cliente e seu resultado. O terapeuta documenta uma
exceção, na qual ocorre mudança na forma de lidar com o problema.
3. Manter uma postura de não
saber
Objetivo: facilitar o auto-
conhecimento do cliente,
convidando-os à reflexividade e
honrando seu conhecimento acerca
3.1. Substituir pressupostos por curiosidade
Ao invés de fazer suposições, o terapeuta busca saber um pouco
mais sobre o que é dito ou sobre o que não é sabido. Na escrita da
carta ao invés de fazer suposições promove-se curiosidade em
relação ao comportamento do cliente, possibilitando que ele
reconfigure seus passos para um resultado mais positivo,
86
de sua própria vida. No documento
terapêutico, realizam-se
questionamentos e comentários que
refletem a sincera curiosidade do
terapeuta e seu desejo em aprender
da vida do cliente, o que instiga a
mudança dos clientes para a
competência e auto-eficácia.
promovendo um maior auto-conhecimento.
3.2. Imaginar possibilidades
Utilizado quando o terapeuta encontra dificuldades para localizar
exceções no discurso de problema dos clientes. Assim, o terapeuta
pode imaginar e descrever um resultado diferente, trazendo aos
clientes novos comportamentos em um mundo de possibilidades.
3.3. Convidar os membros à reflexividade
Ativar a reflexividade dos clientes significa voltá-los para
observarem suas próprias ações, percepções, opiniões e significados
que modelam suas experiências. As perguntas reflexivas convidam
o cliente a se analisar, a conscientizar e a descobrir a si próprio.
4. Internalizar o agenciamento
pessoal
Objetivo: uso da linguagem para
auxiliar os clientes a resgatar seu
senso de auto-eficácia.
4.1. Atribuir intencionalidade positiva
Grande parte dos clientes encontra dificuldade de mudança quando
se percebe em uma auto-atribuição negativa. Porém, quando
intencionalidades positivas são atribuídas a seus padrões de
comportamento, eles encontram um senso de agenciamento pessoal
para mudança.
4.2. Legitimar sentimentos
Legitima as ações do cliente, voltadas para a resolução dos
problemas, no intuito de aumentar o senso de eficácia na resolução
dos mesmos.
4.3. Colocar os membros como agentes de mudança
Convida os clientes a reformularem sua auto-narrativa, afirmando-
os como agentes de mudança e convidando-os a reconsiderarem
suas histórias de uma maneira mais positiva.
4.4. Creditar influência ambiental
Aumenta a capacidade do cliente para mudança quando ele percebe
que tem aprendido o seu comportamento do meio ambiente e que
seus problemas de comportamento não são inerentes à sua
personalidade.
4.5. Pontuar competências
Se uma pessoa se coloca como incompetente ou confusa, a carta
87
pode destacar os mínimos sinais de competência presentes no
cliente.
Na realização dessa pesquisa, todas as cartas foram analisadas. Entretanto, a análise
inicial das cartas mostrou que havia um padrão organizador das mesmas, o que me convidou
a escolher uma das cartas (Apêndice B) para ser investigada de forma aprofundada em
relação aos seus princípios e procedimentos. Essa escolha de análise em profundidade de uma
única carta permitiu também considerar a seqüencialidade narrativa da carta, o que favoreceu
a visualização do processo de sua escrita.
A escolha dessa carta em específico deveu-se à riqueza dos princípios e procedimentos
nela presentes, permitindo que fosse realizada uma análise que contemplasse a reflexão sobre
grande parte dos aspectos considerados pela proposta utilizada nesse trabalho. Ao finalizar a
investigação da carta eleita, outros parágrafos foram escolhidos em cartas diversas, para que
todos os procedimentos fossem analisados. Novamente, busquei escolher parágrafos que
dessem uma maior visibilidade ao princípio e procedimento estudado.
A análise realizada permite visualizar as intervenções da terapeuta ao mesmo tempo em
que acessa o processo do grupo e de seus participantes. O significado não está nas palavras
ou nas ações, mas entre as pessoas, sendo entendido como local, situado e construído através
dos processos sociais que formam o que entendemos por realidade. Nesse âmbito, a carta
cumpre a função de auxiliar os membros do grupo na internalização de sua re-autoria (Chen
et al., 1998; White e Epston, 1990), construindo e editando junto ao terapeuta histórias
preferíveis na construção das verdades que guiarão suas vidas. O cuidado com o grupo é
exercido na conexão entre as falas, fortalecendo o senso de grupalidade. A partir desse
panorama de idéias apresentarei, na seqüência, um resumo de como essa sessão, que
antecedeu a redação da carta, ocorreu. O objetivo da apresentação é dar visibilidade ao
88
contexto ao qual a carta se refere. A transcrição dessa sessão poderá ser lida na íntegra
(Apêndice C).
Logo no início da sessão, Antonio aponta que o último encontro foi importante, pois ele
percebeu que as pessoas não ficaram “contando” histórias, mas expressaram seus
sentimentos, assim como ele. Concluiu ainda que os problemas enfrentados podiam ser
simples, mas acabavam super-valorizados por todos. Os demais participantes do grupo, a
partir dessas narrativas trazidas por Antonio, conectaram histórias de suas próprias vidas,
contando como eles, ou alguém de sua família, superaram situações de mudança. Ocorreram
ainda conversas relativas a encontros passados, bem como fizeram referência às cobranças
que percebiam existirem em relação a si próprios.
A partir de uma metáfora utilizada na sessão anterior, os participantes iniciam um
diálogo a respeito de quais “baldes” poderiam ser chutados em suas vidas. Os participantes
elegem para Antonio o ‘balde do medo’ e, apesar da conversa continuar voltada para as
questões dele, as pessoas começam a falar dos medos que elas enfrentaram e sobre os quais
tiveram sucesso. É uma conversa que aponta os recursos e competências desse grupo. Lucas,
geralmente mais reservado, também relatou suas histórias de superação e mudanças. Elisa se
mostrou ansiosa e com pressa de ir embora, mas relatou suas questões e comparou seu jeito
de ser com o de Antônio, ao planejar demais. Ela ainda faz um movimento de contar como
foi ajudada pelas pessoas do grupo, mesmo não tendo participado ativamente da conversação.
Nesse momento, o nome de algumas pessoas é citado, e ela ressalta as histórias de
enfrentamento de cada um. O movimento que o grupo faz é para acolher Elisa, ouvir suas
questões e apoiá-la.
O tom que essa sessão foi adquirindo era de acolhimento e cuidado, o que gerou na
terapeuta várias questões referentes às histórias de cada um, que podem ser visualizadas na
escrita da carta analisada.
89
7. Resultados
Therefore what we regard as ‘truth’ (which of course varies historically and cross-
culturally), i.e. our current accepted ways of understanding the world, is a product not of
objective observation of the world, but of the social processes and interactions in which
people are constantly engaged with each other (Burr, 1995, p.4).
Meu foco de análise, como apresentado anteriormente, encontra-se no processo de escrita
da carta, a partir dos princípios utilizados para sua construção, bem como nos efeitos que eles
produzem em determinado contextos.
Tendo esse ponto de investigação como norteador, vale ressaltar que na pesquisa
construcionista os resultados são versões possíveis de uma história, contadas e desenvolvidas
por um (a) pesquisador (a), a partir de um determinado contexto histórico, social e cultural.
Meu intuito foi desenvolver uma análise que provocasse reflexões e questionamentos, a fim
de facilitar a promoção de novos entendimentos e inteligibilidades no campo das cartas
terapêuticas. A carta apresentada e analisada neste trabalho se encontra fragmentada em
parágrafos, a fim de proporcionar maior visibilidade aos trechos analisados. Porém, a versão
seqüenciada, conforme entregue na sessão, poderá ser vista no Apêndice B. Os princípios e
procedimentos de linguagem, conforme descritos por Chen et al. (1998), foram meu foco de
análise e, por isso, os parágrafos estão assim nomeados.
Chen et al. (1998) primaram pela investigação da linguagem, e em como ela é utilizada
para a construção de determinados efeitos nas cartas. Sendo assim, as autoras não voltaram
sua atenção para a estrutura das cartas, tendo restringindo-se ao seu processo. Entretanto, por
ter buscado aliar processo e procedimento, nomeei o parágrafo inicial e o parágrafo final com
uma função que está além das apresentadas pelas autoras.
90
7.1. Fortalecendo a grupalidade: parágrafo inicial.
Queridos membros do grupo,
Antônio iniciou a sessão nos dizendo que sentiu que estamos conseguindo nos expressar um
pouco melhor como grupo, e que os sentimentos estão ficando mais claros. Segundo ele,
muitas vezes maquiamos os problemas por um tempo, mas, a partir da convivência com o
grupo, ele conseguiu mostrar seus problemas sem essa maquiagem Essa foi uma fala muito
importante para mim dentro do grupo: ele nos contou que confiou a nós suas histórias.
Fiquei curiosa em saber como vocês ouviram essa fala de Antônio e em como vocês estão se
sentindo como grupo.
Todas as cartas redigidas nessa pesquisa iniciam-se com a terapeuta referindo-se às
pessoas que participaram do processo grupal como “Queridos membros do grupo”. Esse jeito
de convidar as pessoas para a conversa é um jeito que apresenta proximidade, afetuosidade,
menor distância hierárquica, além de englobar a todos, como membros de um grupo
específico. Porém, a carta poderia ser iniciada de outras formas: “Meus caros”, “Grupo”,
“José, Maria e João”, entre outras. Gergen (1996) aponta que as palavras são uma forma de
prática social, decorrentes das interações humanas. Sendo assim, é importante pensarmos em
quais relações estou construindo e/ou deixando de construir quando chamo alguém de uma
forma e não de outra. Nomear coisas, pessoas, grupos é criar identidades, jeitos de perceber,
de se sentir pertencente ou não, querido ou não, cuidado ou não.
Nesse contexto, o vocativo usado, Queridos membros do grupo, chama a atenção em dois
aspectos: o efeito do uso do adjetivo ‘queridos’ e a nomeação das pessoas presentes na sessão
como ‘membros do grupo’. O primeiro aspecto refere-se ao modo da terapeuta se referir às
pessoas que estão participando do processo terapêutico como “queridos”. Esse qualificador a
coloca como pessoa próxima e disposta a manter uma relação de afetividade com as pessoas
91
que participam do grupo. Essa expressão também funciona como uma forma da terapeuta se
apresentar com uma postura menos hierárquica e de maior proximidade com os clientes. Há
certo tom coloquial e intimista/familiar nessa expressão que borra a distância técnica e
profissional constitutiva do contexto de atenção em saúde. Pode-se entender que, por meio do
uso dessa expressão, busca-se criar um contexto de intimidade e aproximação entre todos os
envolvidos. Segundo Grandesso (2000), o contexto terapêutico é importante para que o
cliente fique à vontade para se abrir, para que ocorra diálogo, o que “requer a existência de
um clima de confiança e aceitação para que os clientes possam se sentir ouvidos,
confirmados, validados, compreendidos em seus sentimentos e pontos de vista” (p. 284).
Nesse sentido, reforça-se o senso da terapia como uma prática colaborativa (Anderson e
Goolishian, 1998), pautada em atitudes de respeito, curiosidade e abertura.
Outro aspecto a ser observado é que todos os participantes são chamados como “membros
do grupo”, apontando assim para a construção de uma categoria, sem privilegiar um
participante em especial. Nesse movimento, são realizados dois processos: 1) constitui esse
grupo de pessoas como membros de um agrupamento específico, e 2) aponta que o trabalho
realizado terá como foco o grupo. Nesse quadro, configuram-se formas de trabalhar e, sem
utilizar esclarecimentos didáticos sobre “como funciona”, é introduzida a questão da
grupalidade, buscando a formação do senso de identidade desses participantes o que,
conseqüentemente, evoca sua co-responsabilização pelo processo de conversação e mudança.
No primeiro parágrafo da carta, a terapeuta ressalta: “Antonio iniciou a sessão”,
localizando os membros do grupo no ponto inicial da sessão anterior e oferecendo um relato
cronológico. A sensação ao ler o primeiro parágrafo é a da construção de uma narrativa, nas
quais temos a presença de um início, um meio e um fim. Os leitores adquirem, assim, uma
familiaridade com o enredo que está por vir, ao mesmo tempo em que é suscitada a
curiosidade dos recortes que serão feitos pelo terapeuta. Segundo White e Epston (1990), tal
92
estruturação narrativa oferece às pessoas continuidade e significado em suas vidas,
possibilitando que elas se apóiem nesse formato tanto para ordenar a continuidade da
narrativa, quanto para interpretar as experiências posteriores. Nesse momento, a terapeuta
recorta a memória daquele momento: as pessoas poderão aguçar suas escutas e refletir acerca
do que é dito. Diferente do momento da fala, a carta permite que as pessoas reflitam o
momento selecionado, dando a ele novos significados (Goldberg, 2000; Paré & Rombach,
2003; Rombach, 2003). O relacionamento entre terapeuta e cliente é personalizado e a
distância minimizada (Augusta-Scott, 2007).
É importante observar que todo o primeiro parágrafo é dirigido para as demais pessoas
do grupo, apesar de relatar a fala de Antônio. Nesse momento, todos são implicados no
processo que anteriormente poderia parecer estar relacionado a uma só pessoa, no caso,
Antônio. Tal endereçamento reforça o convite a uma escuta ativa, com senso de
responsabilização para com os sentidos que serão construídos.
No momento seguinte, a terapeuta comenta sobre como Antonio percebia o grupo e
como ele o percebe agora. Esse recorte possibilita a utilização de outra voz que não a da
terapeuta, a voz do participante que está inserida no contexto e, por isso, ganha maior
legitimidade, para destacar aos demais participantes o processo de desenvolvimento do
grupo. Utilizando desse recurso, a voz da terapeuta não fica isolada, nem surge de um lugar
especializado. A avaliação e valorização do grupo ganha maior objetividade à medida que é
compartilhada pela terapeuta e pelo participante. A estrutura da conversação na qual uma
pessoa fala enquanto outras escutam sua história, e quem escuta reflete na historia de quem
narra, maximiza a possibilidade que cada um servirá como testemunha ou audiência para os
outros, e minimiza as chances de que as pessoas disputem ou contradigam as historias dos
outros.
93
Vale destacar, nesse sentido, que a ênfase é posta na mudança, ressaltando o quanto o
processo de confiar é oriundo do tempo e do vir ao grupo. A terapeuta não fala de um desejo
pessoal de desenvolvimento do grupo, não aconselha o grupo ou o orienta explicitamente,
mas mostra como ele aconteceu para um dos participantes, dando maior concretude e senso
de realidade para a possibilidade de mudança de todos.
Durante a leitura da carta, observamos o quanto a terapeuta se inclui no grupo, o que
pode ser exemplificado com a frase “estamos conseguindo nos expressar melhor como
grupo”. Esse trecho poderia ter sido escrito de outra maneira, como “vocês estão conseguindo
se expressar melhor como grupo”, o que contemplaria uma terapeuta que se considera
separada do “grupo”, entendendo isso como algo externo à sua figura de terapeuta. Porém, foi
ressaltado na carta que Antonio “nos” disse, o que inclui sua figura como parte desse grupo e
redimensiona a possibilidade do entendimento de uma possível especialista. Tal formatação
vai ao encontro das concepções desenvolvidas por Anderson e Goolishian (1998), na qual o
terapeuta busca interpretar e compreender as colocações do cliente, estando em constante
diálogo, e não estando isento do processo de investigação, à espera do momento certo para
usar suas concepções teóricas acerca do que é dito. O terapeuta se coloca no sistema
terapêutico em busca de “aprender a singularidade da verdade narrativa de cada cliente, as
verdades coerentes em suas vidas estoriadas” (Anderson & Goolishian, 1998, p.40).
Estruturar a frase dessa forma gera duas implicações: 1) diminui o caráter pedagógico,
crítico e corretor da avaliação apresentada, e 2) coloca a própria terapeuta como sendo
avaliada, não restringindo a avaliação aos demais membros do grupo. Ao se incluir no
processo com os demais membros, ela facilita a construção do senso de grupalidade, de
sentirem-se juntos, deixando em segundo plano as diferenças entre eles.
Antônio havia comentado, na última sessão que as pessoas maquiavam seus sentimentos,
contudo, com a convivência com o grupo, ele conseguiu mostrar seus problemas sem essa
94
maquiagem. Explicitando essa fala de Antonio na carta, podemos observar outros dois
processos: 1) como o grupo vai se transformando, e 2) a responsabilidade de todos os
membros para a evolução dos processos que vão acontecendo em cada um. Ao observar que
muitas vezes maquiamos os problemas por um tempo, a carta aponta Antonio como se
referindo a todos os membros do grupo, indistintamente, como pessoas que podem maquiar
problemas. A descrição construída não é a de um Antonio que se refere aos indivíduos de
maneira particularizada, nem que se exclui do que é dito. Ressalta-se o entendimento que
Antonio se refere a todos de forma igualitária e generalizada. Fala-se do grupo e não das
pessoas. Chama-se a atenção ainda para a evolução de um grupo que maquia para um grupo
que confia, denotando que a convivência com todos foi primordial para esse processo de
mudança. Falar disso na carta é contar de um progresso ocorrido no grupo como um todo, o
que é feito utilizando a voz de um dos membros do grupo, buscando maior legitimidade. Esse
recurso imprime nas pessoas o senso de que o processo psicoterápico está sendo benéfico, é
um processo que faz sentido.
A terapeuta relata que essa foi uma fala “muito importante” para ela. O advérbio “muito”
ressalta um dos objetivos a serem alcançados no grupo: construir um espaço de confiança,
sem maquiagem. Além do que, aponta para a importância de que se deve falar, uns para os
outros, no momento em que se está no grupo. O sentido de progresso vai sendo legitimado, e
constrói-se o entendimento de que esse está sendo um espaço proveitoso para as pessoas.
Ao mesmo tempo em que a fala de Antonio é legitimada, a conversa se volta para a
compreensão de como as demais pessoas estão se sentindo em relação a esse mesmo assunto.
A carta não funciona apenas como um relato do que aconteceu, mas traz questionamentos que
colocam os leitores-pacientes no lugar de quem deve responder ao que foi apresentado,
criando um contexto para o diálogo. O convite para esse diálogo é feito pela terapeuta a partir
de um lugar de curiosidade: “fiquei curiosa”. Tal expressão coloca a terapeuta em um lugar
95
de proximidade e busca de entendimento. Ela não exige uma resposta correta e objetiva, nem
supõe que os pacientes sabem. Ela é exploratória, quase uma reflexão compartilhada, que
mostra interesse e convida ao diálogo. A curiosidade como postura terapêutica possibilita a
construção de outras formas de relacionamento, de ação e interpretação (Cecchin, 1998).
Nesse contexto, as possibilidades terapêuticas vão sendo co-construídas com o cliente.
O primeiro parágrafo da carta apresenta três funções principais: 1) criar um senso de
temporalidade. O início do trecho já nos conta que “Antônio iniciou a sessão”, o que conecta
os participantes aos eventos ocorridos no encontro anterior; 2) desconstruir o self subjugado,
a partir da externalização e caracterização do problema. Junto a esse processo, a terapeuta
inicia um processo de internalização do agenciamento pessoal; 3) fortalecer a idéia de
grupalidade, na questão que remonta a todos os participantes ao final do parágrafo.
Importante é salientar que esse parágrafo também poderia ter sido construído para apresentar
outros contextos, assim como para atender outras funções terapêuticas. A estrutura da carta
pode ser construída a partir das necessidades do grupo, percebidas pelo terapeuta.
7.2. Construindo a externalização e personificação do problema: conversando com
Antônio
Antônio, outro momento de sua fala que, pra mim, mostrou-se importante foi podermos
conhecer os medos que às vezes aparecem em sua vida. Gabriela, na equipe reflexiva,
ressaltou o quanto achou, essa, uma atitude de coragem. Acredito que conhecermos esses
medos faz-se essencial para podermos enfrentá-los. Por isso, valorizo a distinção que você
fez desses diferentes tipos de medo: medos que te ajudam a se tornar cauteloso e medos que
te atrapalham e paralisam. Como você acha que podemos fazer para diferenciar um medo
do outro no momento em que eles aparecem? Nas situações em que o medo não foi de ajuda,
96
como você o superou e não deixou que ele te paralisasse? Qual o primeiro passo que você
deu?
Quanto às estratégias lingüísticas utilizadas na carta, podemos perceber que o
parágrafo inicia com um endereçamento direto à Antônio, o que gera um senso de
proximidade e reconhecimento, proporcionando maior intimidade ao que é escrito.
No trecho “outro momento de sua fala que pra mim mostrou-se importante foi
podermos conhecer os medos que às vezes aparecem em sua vida”, a terapeuta relata a
importância de Antonio ter compartilhado com os membros do grupo sobre alguns
sentimentos de medo, para que todos pudessem conhecê-lo. Compartilhar sentimentos
permite ao grupo a possibilidade de trabalharem juntos na resolução de sua questão, devido
às palavras adquirirem sentido a partir de sua inserção no intercâmbio entre as pessoas
(Gergen, 1997). Esse potencial de significação se dá por meio da ação suplementar, na qual
os enunciados ganham significado a partir dessa ação, adicionada pelo outro, de maneira
verbal ou não. Caso as pessoas não coordenem ações em torno desses enunciados, eles
ficarão sem-sentido.
A equipe reflexiva é convidada a somar com a voz da terapeuta, destacando que o ato de
apresentar os medos para as pessoas pode ser definido como um ato de coragem. Segundo
Grandesso (2000) a equipe reflexiva atua
como contexto para a reconstrução de significados à medida que favorece aberturas para
outros arranjos narrativos para a experiência, fomentando novas perguntas e
incentivando a continuação do diálogo (p.273).
Assim, o que poderia ter sido considerado como mostra de uma fraqueza ou de um
problema é apresentado como importante para o processo de enfrentamento, o que é definido
como atribuição de intencionalidade positiva, acarretando novas possibilidades de
97
significação. A contribuição da equipe reflexiva insere-se ainda no processo de transição
entre as conversas “internas” e “externas”. Andersen (1999) aponta que, no momento de
nossa fala com outras pessoas, estamos conversando em parte com elas e em parte com nós
mesmos. Dessa forma, a contribuição da equipe reflexiva tanto pode gerar reflexões internas
quanto externas, em Antônio e no restante do grupo, gerando novas perspectivas e
organizando novas conversações.
“Acredito que conhecermos esses medos faz-se essencial para podermos enfrentá-los”. O
termo “acredito” pode conferir a afirmativa um tom de relativização, na qual a esperança do
terapeuta é destacada, o que apaga o discurso especializado. Por outro lado, o terapeuta se
posiciona e pontua o que percebe como importante em situações de enfrentamento do medo.
Ao destacar o que é essencial, amplia-se o procedimento para os demais membros do grupo.
Ao construir a afirmação com o verbo na primeira pessoa do plural “Podemos enfrentá-
los”, é estruturada uma luta, um enfrentamento, creditando motivação à ação e apontando que
Antônio não está sozinho. A terapeuta inclui o grupo e a si mesma nesta narrativa,
aumentando o senso de grupalidade e realçando a empatia entre os membros do grupo.
Ao invés de ser visto como uma pessoa fraca, que possui vários medos, Antônio passa a
ser exemplo e referência para o grupo de como enfrentar situações de temor. Esse sentido é
fortalecido na frase “valorizo a distinção que você fez”, o que amplia a descrição de que
Antonio está no caminho correto para a resolução da questão do medo. As perguntas
utilizadas na seqüência ressaltam essa nova narrativa, ao creditar a ele a capacidade de
responder às questões elaboradas e de ativar seus recursos. Questionamos discursos
opressivos e encorajamos a descrição de novos discursos.
Os problemas são geralmente considerados pelos pacientes como inerentes às qualidades
fixas que eles atribuem às pessoas e às relações. Ao persistirem em solucionar uma questão
sem obter sucesso amplia-se o sentimento de incapacidade, o que fortalece o discurso do
98
déficit que a pessoa vai construindo em sua vida. A externalização do problema é um recurso
utilizado pela terapia narrativa que aborda os problemas como problemas, e não as pessoas
como problemas (White & Epston, 1990). Nesse processo, o convite é para objetivar e, ao
mesmo tempo, personificar os problemas que são experienciados como opressivos nas vidas e
relações, convertendo o mesmo em uma entidade externa. Grandesso (2000) ressalta que
tal prática resulta em transformar os problemas (que, geralmente, qualificam as pessoas
negativamente e restringem suas possibilidades enquanto agentes), mudando os rótulos
de adjetivos para substantivos – ou seja, de algo que define a essência de um ‘portador’
do problema para algo de que se fala e que afeta a vida das pessoas (p.259).
No trecho analisado da carta, percebemos o uso da linguagem externalizadora ao início
do parágrafo: “os medos que às vezes aparecem em sua vida”. A partir de uma separação
lingüística, o problema é externalizado tanto da pessoa quanto de suas relações, aparecendo
como menos restritivo, o que oferece poder e autonomia para Antônio sobre o problema.
Dessa forma, os medos são descritos como uma força externa, passível de manejo e
confrontação (Chen et al., 1998).
Nesse trecho, podemos destacar ainda a personificação do problema, já que os problemas
são passíveis de serem “conhecidos” e “aparecem”. Por meio do uso da expressão “às vezes”,
os problemas são significados como esporádicos na vida de Antônio, o que abre espaço para a
construção da idéia proposta por Chen et al. (1998) de identificar os problemas como
antagonistas e o cliente como protagonista.
As metáforas utilizadas por Antonio, “medos que ajudam” e “medos que atrapalham”,
foram não apenas mantidas, mas ressaltadas. A partir do uso cuidadoso da linguagem, busca-
se uma redefinição do problema ‘medo’, problematiza-se seu conceito e cria novas
possibilidades, que convidam Antonio a construir novas interpretações e sentidos acerca do
que paralisa seu processo de mudança. Em meio a essa produção de sentido, os medos,
99
colocados em territórios distintos (ajudam x atrapalham), auxiliam na redução do senso de
vulnerabilidade do problema. Dessa forma, ao externalizar, desmembrar em dois tipos e dar
características para esse medo, concluí que ele pode tanto atrapalhar quanto ajudar, o que
“diminui” o medo “ruim”.
Ao invés de ser convidado a continuar contando a historia do medo, o cliente é
perguntado como pode fazer para “diferenciar um medo do outro no momento em que eles
aparecem”, o que facilita o desenvolvimento de outras historias, ligadas a seus recursos e
tomadas de ação. Ao ter o medo externalizado, aumenta-se a responsabilidade de Antonio no
processo, que é quem deve adotar uma postura mais ativa para solucionar a questão. Esse
trecho constrói um discurso para o agenciamento pessoal, apontando explicitamente para a
responsabilização no processo de ressignificação.
Realizar questionamentos na busca de caracterizações do problema e descrições das
táticas de poder que o paciente utiliza para estabilizar seu domínio (“nas situações em que o
medo não foi de ajuda como você o superou e não deixou que ele te paralisasse?”) auxilia a
diminuição do poder do problema, já que seu status de verdade passa a ser indagado. Ao
propor uma redefinição do problema, as pessoas ficam possibilitadas de construir novas
interpretações e, talvez, abrir espaço para revisar comportamentos e soluções.
White e Epston (1990) sugerem que para facilitar o processo de externalização do
problema sejam feitas perguntas de “influência relativa”, nas quais se investiga a influência
dos problemas na vida das pessoas e nas relações e, em seguida, a influência das pessoas na
vida do problema. Na carta, as perguntas relativas a ‘como diferenciar um medo do outro’ e
‘como eles foram superados em situações de ajuda’, referem-se à influência de Antonio na
vida do problema.
De acordo com esses autores, a externalização do problema permite que: a) diminuam os
conflitos pessoais; b) combata a sensação de fracasso que aparece em muitas pessoas ante a
100
persistência do problema e suas intenções em resolvê-lo; c) as pessoas cooperem entre si, em
uma luta comum contra o problema; d) abram novas possibilidades para que as pessoas atuem
para separar suas vidas e relações da influência do problema; e) as pessoas enfrentem, de
modo mais eficaz e menos tenso, os problemas que pareciam ‘terrivelmente sérios’; f)
ofereçam opções de diálogo e não de monólogo sobre o problema.
Ao início da análise desse parágrafo, foi descrita a estratégia da externalização do
problema utilizada na escrita da carta. Analisando a construção discursiva desse recurso,
percebi que, ao descrever “medos que às vezes aparecem”, tem-se minimizado o sentimento
persecutório do medo, já que esses não são descritos como protagonistas da vida de Antonio,
mas como um sentimento que aparece apenas algumas vezes. Nesse sentido, gera-se uma
sensação de mais controle e menos desconforto frente às situações (senso de agenciamento
pessoal). A distinção realizada por Antônio é valorizada e seus medos são nomeados e
separados em duas categorias: medos que ajudam e medos que atrapalham. Com isso, todo o
universo “medo”, que assusta e causa temor, diminui consideravelmente ao ser dividido em
dois: uma parte que ajuda e outra que atrapalha. O foco do cliente passa a ser colocado em
uma questão bem menor e, agora, passível de ser enfrentada. Esse jeito de escrever constrói
um novo olhar sobre a questão, valorizando uma postura reflexiva que, ao analisar um
sentimento possivelmente negativo dentro de determinado contexto, ganha a possibilidade de
adquirir um significado positivo e de ajuda.
Assim, na primeira questão, “como você acha que podemos diferenciar um medo do
outro no momento em que eles aparecem?”, os medos podem ser diferenciados, e Antonio é
convidado a refletir sobre como diferenciá-los. Esse jeito de perguntar convida para a ação,
promovendo um senso de agenciamento no campo da resolução dos problemas. Ao abrir o
diálogo para o “como fazer”, é apontada a responsabilidade de Antonio em diferenciar os
medos. A expressão “como podemos” não apenas coloca a terapeuta como uma companheira
101
nessa resolução, mas estende a conversa aos demais membros do grupo que passam por
situações similares.
Antonio é convidado a pensar nas situações em que o medo não foi de ajuda e que
mesmo assim ele “não deixou” que o paralisasse. Mais uma vez, seus recursos são
ressaltados, e a terapeuta aponta o quanto ele consegue lidar com essa situação. Apresentado
dessa forma, os medos são naturalizados e adquirem menor destaque. Mais uma vez não
ocorre questionamento se tais situações de superação já existiram ou não. A narrativa volta-se
para a busca de soluções, ao ser afirmada a existência de tais situações e, buscando explorá-
las, não deixando espaço para que se aumente a narrativa do problema.
Na última questão, “Qual o primeiro passo que você deu?”, o cliente tem a possibilidade
de organizar sua história de enfrentamento de maneira sistematizada. A terapeuta aponta que,
para alcançar a superação, existiram “passos”, e pergunta a respeito do primeiro passo
tomado. Organizar a resolução de uma questão a partir de passos tomados permite que um
problema complexo seja fragmentado, abrindo espaço para soluções simples. Esse recurso
permite que Antonio não se perca pensando apenas no todo, ou que se sinta limitado por ser
uma questão complexa demais. À medida que ele for conseguindo pensar em primeiros
passos, seus recursos vão sendo fortalecidos e o problema minimizado. Por fim, a questão se
torna familiar, menos perigosa e passível de ter sua resolução antecipada. É importante
salientar que a pergunta não relaciona os passos que Antonio acredita serem necessários, mas
é voltada para ações que ele já tomou; são passos que ele já “deu” e que, com a ajuda da
terapeuta, vai apenas relembrar para que sejam ações conhecíveis na situação atual. Os
recursos com os quais a terapeuta trabalha são os já existentes, mas talvez não valorizados ou
percebidos por Antonio.
102
7.3. Convite à reflexividade: conversando com Lucas
Lucas, fiquei contente pelas contribuições que você deu ao grupo. Você nos trouxe o
enfrentamento de um medo seu, e em como você conseguiu lidar com isso dividindo suas
preocupações com sua esposa. E então me lembrei de você nos contar do seu lado que fica
pensando sozinho nas preocupações. Pensando nessas duas coisas, isso me fez refletir: Como
você se sentiu dividindo com sua esposa uma preocupação? Será que você poderia dividir
outras preocupações com outras pessoas? Como seria isso? Como isso poderia ser de
ajuda?
Nas falas de Lucas, trazidas durante a sessão, a terapeuta recorta o tema ‘medo’ e o
conecta ao que estava sendo apresentado no parágrafo anterior, relativo a Antônio. Ao
construir essa interligação dos fatos, explicita-se uma continuação na conversa do grupo,
oferecendo seqüencialidade à narrativa (White & Epston, 1990), bem como aponta a
existência de conexão grupal.
Ao considerar a fala de Lucas como “contribuições” dadas ao grupo, ou seja, ações que
ajudaram o grupo, explicita-se a responsabilidade dos membros uns com os outros ao
decidirem compartilhar suas histórias. Ressaltar que ele “conseguiu lidar” com seus medos,
foca o sucesso no enfrentamento e destaca sua capacidade e seus recursos. Com isso,
fortalece-se o senso de agenciamento (Holma & Aaltonen, 1997; White & Epston, 1990) e
minimiza uma possível dependência com o saber da terapeuta (Tomm, 1988). É destacado o
modo como Lucas realizou essa tarefa: “dividindo suas preocupações”. O recurso é pontuado
e se torna disponível para os demais membros do grupo que passam pela mesma situação.
Nesse parágrafo, duas situações são relacionadas: a de um Lucas que divide as
preocupações com a esposa e a de um Lucas que “pensa sozinho nas preocupações”. Expor
duas situações tão distintas em um mesmo momento permite que elas sejam analisadas,
confrontadas e concluídas de um ponto de vista mais complexo e dinâmico, além de ressaltar
103
o movimento de progresso, desenvolvimento e mudança no ato de compartilhar. Esse jeito de
escrever favorece o desenvolvimento de novos entendimentos: quando eu compartilho, eu
resolvo, e quando eu penso sozinho, eu me preocupo. Somado a essas questões, Lucas não é
definido como uma pessoa que se preocupa sozinho e em alguns momentos compartilha. Ele
é visto como alguém que possui os dois lados, o que desconstrói uma possível rigidez em seu
modo de se perceber, facilitando o seu processo de mudança. Essa intervenção é definida por
White e Epston (1990) como externalização do problema.
A terapeuta inicia as perguntas a partir de uma colocação: “Pensando nessas duas coisas,
isso me fez refletir”, o que permite que Lucas se situe em quais situações irá se basear para
responder as perguntas (“nessas duas coisas”). Além do que, ao afirmar que estava “pensando
nessas duas coisas”, o que “a fez refletir”, a terapeuta está organizando um espaço que é de
reflexão, convidando Lucas, a partir das perguntas subseqüentes, a estar com ela na
investigação do que tem sido trazido por ele. Chen et al. (1998) considera esse processo de
reflexividade inserido na postura de não-saber, na qual questionamentos e comentários
refletem a sincera curiosidade do terapeuta e seu desejo em aprender um pouco mais a
respeito da vida do cliente. Para esses autores, o convite à reflexividade permite que o cliente
se volte para suas próprias ações, percepções, opiniões e significados que modelam suas
experiências. O posicionamento da terapeuta me remete ainda aos processos reflexivos de
Andersen (1999), entendido como uma maneira de conversar associada à formulação de
perguntas, no qual se faz necessário que a terapeuta apresente uma disponibilidade para estar
com o outro, para estar junto, mantendo uma postura curiosa. Os questionamentos realizados
não têm qualquer intenção conclusiva ou diagnóstica, mas se apresentam como ofertas a
novos diálogos, na busca da criação de novos entendimentos que possibilitem outros arranjos
narrativos, mais condizentes e favoráveis à vida do cliente.
104
O processo reflexivo ocorre entre as perguntas, no exercício de estar junto. Considerando
as perguntas como ferramentas importantes para o processo terapêutico, remeto-me à Tomm
(1987b), que destaca o uso de algumas perguntas como limitadoras, colocando como
patogênica algumas discussões, enquanto outras desenvolvem e fortalecem possibilidades de
mudança. Tomm (1988) ainda enfatiza que quando o terapeuta utiliza mais perguntas em sua
conversação, isso oferece uma maior garantia de uma conversa centrada no cliente. As
perguntas, mais que as afirmações, constituem um convite mais forte para que o cliente se
engaje na conversa. Por meio das perguntas, o cliente é trazido para um diálogo com o
terapeuta, sendo estimulado a pensar sobre suas questões, o que “favorece sua autonomia e
assegura uma sensação de conquista pessoal quando ocorre uma mudança terapêutica, em vez
de induzir dependência ao ‘conhecimento’ do terapeuta” (p.3). Utilizando perguntas, o
terapeuta convida o cliente a partilhar suas experiências e expectativas.
Considerando esses apontamentos, outra questão levantada pela terapeuta diz respeito à
rede de pessoas com a qual Lucas pode contar. Referir-se a essa rede escrevendo “será que
você poderia”, promove no já conhecido e realizado por Lucas novas possibilidades e
espaços. O norteador para as perguntas “será que”, “como seria”, “como poderia” é a
curiosidade genuína, que incita o cliente a refletir acerca de questões que já poderiam ter sido
entendidas como dadas, gerando aberturas para a conversa e possibilidade de ampliação de
sentidos. A des-hierarquização do terapeuta e a suspensão das pré-concepções são fatores
primordiais para o bom desenvolvimento desse jeito de conversar.
Pensar no “poderia” permite ainda que Lucas hipotetize formas de ação, colocando-o
como responsável pela ampliação desse jeito de agir. Utilizando os verbos no condicional
“Como seria isso?” e “Como isso poderia ser de ajuda?”, a questão é inserida no campo das
possibilidades. Refletir no “como se” permite que o cliente explore as diferentes opções
possíveis, de maneira confortável. West, Watts, Trepal, Wester e Lewis (2001) apontam que,
105
para um indivíduo se engajar em um pensamento reflexivo, pode ser útil que ele se coloque
fora da situação imediata. Ao construir a pergunta de forma aberta e curiosa (“Como seria
isso?) o que antes era narrado como sofrimento e impasse adquire opções futuras, o que
possibilita que Lucas se afaste do que está sendo entendido como dado no presente, e o
permite experimentar outros lugares, conhecendo e testando o novo. Dessa forma, criam-se
condições para que o sujeito possa exercitar uma postura reflexiva em outras situações de sua
vida. Os autores colocam ainda que o pensamento reflexivo pode ocorrer quando a pessoa é
encorajada a considerar o impacto do problema em sua vida. Ao imaginar “como seria isso” e
“como isso poderia ser de ajuda” criam-se oportunidades para Lucas observar possibilidades
que vão além de sua visão comum, podendo avaliar o impacto dos problemas em sua vida de
outras perspectivas, ao mesmo tempo em que lhe proporciona um senso de controle, já que
lhe permite traçar planos múltiplos, lidar com os obstáculos e se satisfazer antecipadamente
com os prováveis sucessos.
West et.al. (2001) ressaltam ainda que “o pensamento reflexivo pode ajudar a gerar
exceções e acontecimentos extraordinários que facilitam pequenas, mas significativas
diferenças” (2001, p. 432). Por meio dos pensamentos reflexivos novos significados podem
ser criados e novos comportamentos podem ser identificados em nossas vidas. Andersen
(1999) define os processos reflexivos mais como uma atitude no contexto da terapia do que o
uso de uma técnica.
De acordo com Gergen (1997), engajo-me em conversações com os outros sobre eventos,
e significados são criados ao invés de serem encontrados. Múltiplos significados existem na
vida e os significados são associados com as conversações e interpretações dos eventos e das
experiências. Assim, a importância das questões reflexivas, insere-se na ação de refletirmos
sobre os movimentos e decisões que tomamos acerca de nossa vida de maneira crítica e
consciente. Relacionar acontecimentos, realçar impressões e convidar o cliente à busca de
106
novos entendimentos é um jeito de conversar que favorece a emergência de novos
vocabulários para a ação, criando narrativas que ampliam as possibilidades. Dessa forma, as
narrativas dominantes são desafiadas, e busca-se trazer o novo e o inesperado.
Outro benefício que esse tipo de questão acarreta insere-se na possibilidade do terapeuta
refletir sua própria atuação. Ao lançar perguntas acerca da história do cliente, o terapeuta
inicia um processo de diálogo interno que é desenvolvido nas cartas. Perguntas reflexivas me
fazem questionar que outras perguntas poderiam ser feitas, permitindo-me a crítica, pois de
que outra maneira poderia enxergar ou lidar com essa mesma questão?
Dessa forma, as perguntas reflexivas têm a intenção de influenciar o cliente de forma
indireta, sendo facilitadora. São perguntas reflexivas a partir do momento que promovem
reflexão sobre as implicações de suas percepções e ações atuais e consideram novas opções.
São perguntas que respeitam a autonomia do cliente, convidam a imaginar novas alternativas,
tendem a abrir espaço para que considere novas percepções, novas perspectivas, novas
direções e novas opções. Facilitam uma reavaliação das implicações problemáticas das
percepções e comportamentos atuais. Como conseqüência, os clientes geram novas ligações e
novas soluções de seu próprio jeito e em seu próprio tempo. No terapeuta, tais perguntas
tendem a guiá-lo para que se torne mais criativo nas perguntas formuladas. É mais provável
que a família experencie respeito, novidade e transformação espontânea como resultado desse
tipo de questionamento (Tomm, 1988).
7.4. Pontuando competências: conversando com Lívia
Lívia, como achei bonita a sua participação. Você se conectou com a história das demais
pessoas e nos deu um exemplo de como uma pessoa próxima a você, que se vê envelhecendo,
está tendo que mudar algumas atividades, e de como todos nós vamos tendo que nos adaptar
a novos jeitos de viver. Sempre te percebo muito forte e confiante em dias melhores. E fico
107
curiosa em saber: como essa força e confiança têm te ajudado a lidar com aquelas
assombrações que teimavam em ter perseguir?
Duas palavras chamam a atenção nessa primeira parte do parágrafo direcionado à Lívia:
“conectou” e “nos deu exemplo”. Utilizar o termo “conectar” aponta para a maneira como
Lívia participa do grupo, tecendo sentidos a partir das histórias dos diferentes membros do
grupo. A terapeuta ressalta que percebe essa forma de participação como “bonita”, o que
legitima uma postura ativa por parte de Lívia. Ao ressaltar a ação de “dar exemplos”, vão se
construindo versões possíveis de atuação no grupo, nas quais os pacientes se sentem à
vontade para se referirem às histórias de outras pessoas e de outros lugares, que não as
circunscritas aos acontecimentos que dizem respeito diretamente a eles.
A presença de uma Lívia forte e otimista é construída, e pontuada, sendo ressaltada pelo
uso do advérbio de tempo “sempre”, que oferece constância mesmo em tempos que podem
ser vistos como difíceis. A construção dessa frase oferece uma imagem positiva da
participante. Esse recurso de pontuar competências é utilizado quando o paciente descreve a
si mesma com pouco ou nenhum recurso disponível, e o terapeuta busca destacar os mínimos
sinais de competência presentes (Chen et al., 1998). Ao buscar terapia as pessoas se
encontram submersas em uma narrativa saturada de problemas, ficando impedidas de
perceber detalhes, iniciativas e recursos que fazem parte das histórias não contadas. São
nesses trechos de histórias que se encontram a oportunidade de ressignificação. Uma das
formas de trazer à tona o que está submerso é destacar os recursos que aparecem de forma
desfocada na narrativa dominante (Grandesso, 2000; White, 2007; White e Epston, 1990).
Dessa maneira, os recursos não percebidos pelo cliente são identificados, compreendidos e
destacados pela terapeuta, auxiliando a entrada do sujeito em outros territórios, com
habilidades e capacidades até então não conhecidas.
108
O exemplo que Lívia oferece na sessão é destacado pela terapeuta, reforçando a idéia de
que, assim como as pessoas que envelhecem e mudam sua rotina, nós também temos que nos
adaptar às mudanças que ocorrem em nossas vidas. Recortar essa fala e oferecer a ela um
lugar de destaque constrói a presença de uma Lívia tranqüila, madura, que sabe lidar com as
adversidades. Pontuar tais competências e recursos auxilia no processo de ressignificação das
outras histórias de Lívia, possibilitando que ela internalize um senso de agenciamento
pessoal.
Assim, após dispor o parágrafo de forma a se ter uma narrativa de uma mulher que
emociona, que é sempre percebida como uma mulher forte e confiante, surge um
questionamento a respeito de uma indagação trazida por Lívia nas conversas grupais: “como
essa força e confiança têm te ajudado a lidar com aquelas assombrações que teimavam em ter
perseguir?”. Tal indagação vem de um lugar de curiosidade, que relaciona os recursos
apresentados anteriormente com um desafio a ser trabalhado. Mais uma vez, a terapeuta não
questiona se esses recursos de Lívia a ajudam, mas a pergunta se volta para o “como” isso é
de ajuda. Não existe espaço para a dúvida, e Lívia é convidada a pensar a respeito de seu jeito
de atuar no mundo, suas formas de enfrentamento. É uma conversa voltada para a solução
dos dilemas apresentados. Importante é salientar que convidar as assombrações de Lívia para
construir esse parágrafo permite que o problema trazido por ela em outras sessões seja
pensado a partir de um contexto favorável, no qual suas competências foram ressaltadas.
Dessa forma, todo o parágrafo favorece o combate das assombrações que a perseguem, em
uma narrativa que contextualiza a força e se constrói a partir de uma história de recursos para,
somente em seguida, retomar o dilema a ser enfrentado. Suas falas são legitimadas e seu jeito
de agir é reforçado. Após construir essa base sólida, de uma pessoa que possui competências,
Lívia é questionada a respeito de antigas assombrações, relacionando assim a história de
109
sucesso apresentada inicialmente com a questão a ser trabalhada, promovendo um senso de
agenciamento da questão, ampliação e fortalecimento da narrativa de Lívia.
Tal questionamento, “Como essa força e confiança têm te ajudado a lidar com aquelas
assombrações que teimavam em te perseguir?”, explicita as assombrações como algo externo
à Lívia, o que interrompe a leitura habitual do relato dominante como algo intrínseco à
personalidade da pessoa. Lívia é colocada como agente do seu processo de mudança, em uma
posição ativa na redação de sua história de enfrentamento. Ocorre ainda referência às
assombrações que perseguem Lívia como “assombrações teimosas”, redimensionando o
entendimento comum de assombrações como perigosas, temíveis e assustadoras
(personificação do problema). Ao agregar ao termo o adjetivo “teimosa”, constrói-se outra
figura, agora passível de ser enfrentada. Dessa forma, não é qualquer pessoa que enfrentará
qualquer assombração: será uma Lívia forte e confiante, que enfrentará assombrações
teimosas.
7.5. Substituindo pressupostos por curiosidade: conversando com Cibele
Cibele, você também concordou com o que a Lívia falou, contando que também percebe
mudanças em você, tais como estar mais calma e relaxada. Para você, como é se sentir mais
calma e relaxada? Como se deu essa mudança? O que mudou no seu dia-a-dia ao você estar
mais calma e relaxada? Em que momentos você consegue estar assim? Eu gostaria muito de
te escutar um pouco mais no decorrer da sessão. Como você acha que podemos fazer isso? O
que depende de mim, o que depende de você e o que depende do grupo para que isso
aconteça?
A introdução desse parágrafo promove um tom de continuidade na carta, e a fala de
Cibele é conectada à de Lívia, ao utilizar o termo “também”. Conectar as falas favorece o
110
interesse dos membros dos grupos uns pelos outros, possibilitando que eles percebam que o
que diz respeito a eles engloba alguém mais (“concordou com o que a Lívia falou”). Tal
estrutura promove a construção de uma história interligada, comum a todos os participantes
do grupo, criando um senso de pertencimento e partilha, o que favorece as conversas grupais..
Investigando o procedimento utilizado nesse parágrafo, referente à curiosidade, Rasera e
Japur (2007) ressaltam que
não há uma descrição fundacional sobre o mundo, e sempre que buscamos fazê-la
entramos no mundo do discurso, em um processo de construção lingüística permeado
pelas condições sociais, históricas e culturais daquele momento (p.29).
Em concordância com essa idéia, a postura de curiosidade amplia as narrativas utilizadas
nas conversas, em favor de que não existe uma história única a ser contada. Não tendo acesso
às verdades construídas da vida das pessoas, bem como de seus dilemas e questões, o
terapeuta necessita ser informado por elas. O saber passa a ser visto “como local, de caráter
provisório que deve ser desafiado pelo saber do cliente, o único especialista na sua própria
experiência” (Grandesso, 2000, p. 280).
A curiosidade faz parte da postura de não-saber e diz respeito aos conhecimentos locais
das pessoas. Por não ter acesso privilegiado às ‘verdades’ da vida das pessoas o terapeuta, em
uma atitude respeitosa, pratica uma escuta cuidadosa a partir de um interesse genuíno. A
pergunta realizada “Para você, como é se sentir mais calma e relaxada?”, convida Cibele a
uma resposta pessoal, considerando seu entendimento particularizado em relação a estar mais
calma e relaxada. Os significados são contextualizados, tecidos a partir das conversações que
desenvolvemos em determinada sociedade e cultura. O uso do termo “para você” evita a
busca de explicações ontológicas para o conceito de “calma” e “relaxada”. Valoriza-se ainda
o modo como Cibele significa sua história. Para manter tal postura, os pressupostos da
terapeuta devem ser deixados de lado e, ao invés de buscar respostas rápidas e diretas, busca-
111
se a ampliação do diálogo. Diferentemente do convite à reflexividade, no qual o paciente é
convidado a observar suas próprias ações, ao substituir pressupostos por curiosidade, o
terapeuta busca saber um pouco mais sobre o que é dito, ou sobre o que não é sabido, ao
invés de fazer suposições. Esse jeito de estar com o outro implica deixar em suspenso alguns
pressupostos teóricos que nos acompanham, partindo para uma busca de entendimento de
quais suposições sustentam o problema da pessoa, de onde elas surgem e em quais processos
se mantêm. Assim, o convite à reflexividade atua como um convite ao cliente para observar
suas próprias histórias, enquanto substituir pressupostos por reflexividade implica em uma
atitude do terapeuta na busca de alcançar resultados mais positivos. A questão “Como se deu
essa mudança?”, investiga o processo, buscando na narrativa de Cibele os recursos para o
fortalecimento da nova narrativa que está sendo construída.
Ao apresentar curiosidade com as mudanças diárias concretas (“O que mudou no seu dia-
a-dia para você estar mais calma e relaxada?”), Cibele é convidada a pontuar aspectos que a
auxiliam na construção de uma narrativa de mudança. Tal processo continua a ser explorado
com a questão “Em que momentos você consegue estar assim?”. A postura de quem elabora
tais questões deve ser a de quem evita compreender muito rápido uma história e que duvida
do que já parece certo. O terapeuta, em uma atitude de valorização do seu saber técnico, já
pressuporia o que é estar calma e relaxada e não investigaria os sentidos dessa história.
Porém, ao buscar uma escuta respeitosa e curiosa, a perspectiva investigada é a do cliente, o
que implica em uma postura ativa, atenta para o não-dito, na qual a voz do cliente é validada.
Em seguida, ocorre um questionamento: “Em que momentos você consegue estar
assim?”. Cibele “consegue estar assim” em “momentos”, o que pressupõe períodos,
permitindo que Cibele se perceba calma e relaxada mesmo que não consiga essa constância
todo o tempo. Ao “conseguir” estar calma e relaxada em determinados momentos, pressupõe
a potencialidade e o recurso utilizados para a ação, que é derivada de um esforço.
112
Finalizando o parágrafo, é apresentado que a terapeuta gostaria de escutar Cibele um
pouco mais na sessão. Ela enfatiza esse desejo, fazendo uso do advérbio “muito”. Ao
perguntar como “podemos fazer isso”, são minimizados um possível sentimento de culpa e o
entendimento de necessidade de mudança de comportamento obrigatória. Não é uma regra
que está sendo imposta, é um desejo que foi relatado pela terapeuta, que convida Cibele a
pensar em como poderão realizar essa tarefa juntas. A terapeuta se engaja na responsabilidade
de participação de Cibele no grupo, sendo uma responsabilidade compartilhada, oferecendo
espaço dialógico para construírem a solução.
Esse espaço de responsabilidade é ampliado quando a pergunta se divide em três, o que
enfatiza que essa não é uma tarefa apenas de Cibele. Assim, a terapeuta mostra à cliente que
ela não está sozinha, podendo contar com ajuda. A importância das perguntas estarem dividas
em três: “O que depende de mim, o que depende de você e o que depende do grupo para que
isso aconteça?”, é o lugar de destaque que ela adquire e todos se tornam responsáveis pelo
processo grupal, sendo convidados para cuidar do mesmo. A responsabilidade não é
compartilhada apenas entre Cibele e a terapeuta, mas também entre Cibele e o grupo. Somado
a esse entendimento, a pergunta favorece um espaço de reflexão, no qual Cibele talvez possa
construir um pedido para o grupo e/ou terapeuta que seja de ajuda para sua participação.
Outro momento em que a postura de curiosidade é explorada ocorre quando é relatado o
desejo de uma maior participação de Cibele. Nesse instante, ela é convidada a pensar em
formas de fazer isso junto com a terapeuta e com o grupo “Como podemos fazer isso? O que
depende de mim, o que depende de você e o que depende do grupo para que isso aconteça?”,
o que reflete não só um cuidado com o grupo, mas salienta a importância para as conversas
que são geradas nesse contexto. Nesse momento, Cibele é colocada como protagonista do seu
processo de mudança no grupo, tendo uma participação privilegiada no decorrer do
procedimento terapêutico. A terapeuta faz um convite para que Cibele reflita sobre um
113
agenciamento em sua própria vida. Privilegiam-se as histórias preferíveis a serem
desenvolvidas por Cibele, o que lhe dá autonomia e gestão em relação à sua vida. Construir
junto ao paciente os procedimentos terapêuticos, calcado em uma postura de curiosidade,
gera independência e autonomia do cliente, tanto do seu terapeuta, quanto do processo
psicoterapêutico.
7.6. Investigando acontecimentos extraordinários: conversando com Renata
Renata, você dividiu conosco alguns medos que já apareceram e que você conseguiu
enfrentá-los chutando o “balde do medo”. Achei essa uma história de superação, que só
pode vir de uma mulher determinada e de coragem. Você disse que se não fizesse isso,
ninguém faria por você. E agora, Renata, o que mais você gostaria de fazer por você? Como
convidar aquela coragem e determinação para te ajudar nessas novas histórias e com os
velhos baldes que te trouxeram à terapia?
A terapia, como atividade lingüística, promove, por meio da conversação, um campo de
possibilidades para a produção colaborativa entre terapeuta e cliente (Grandesso, 2000). Para
isso, é necessário que esse espaço seja construído ativamente pelas pessoas em relação, na
busca de novos significados. Destacar que Renata “dividiu” seus medos com o grupo é
apontar sua responsabilidade na construção desse espaço, construindo com o grupo a
valorização de um espaço terapêutico como um lugar de compartilhar. Ao “dividir” a
narrativa, Renata a constrói ativamente, junto ao grupo, dando significados e sentidos
condizentes ao contexto da fala. A terapeuta enfatiza e legitima o relato da cliente ao nomear
a história como de “superação”, o que promove força ao relato construído.
Na seqüência, a narrativa destacada pela terapeuta, diz respeito aos medos que já
apareceram e que foram enfrentados, sendo “chutados”. Os medos, situação-problema
114
apresentada pela cliente, foram enfrentados a partir de uma ação realizada, uma atitude de
enfrentamento. Nesse momento, os recursos de Renata são destacados, e é oferecido a todo
grupo um possível jeito de lidar com os medos que surgem, enfrentando-os. O uso da
expressão “balde do medo”, explicitado na carta, gera maior reconhecimento no discurso por
parte de quem fala, por ter sido uma expressão criada e utilizada por eles, além de promover
proximidade aos demais leitores.
Descrever os medos como figuras que “apareceram” e que foram enfrentadas, sendo
“chutados”, é uma forma de escrever que promove a externalização e a personificação do
problema. Essa maneira de apresentar os medos minimiza seu potencial causador de temor,
pois ele “aparece”, é “enfrentado” e “chutado”. A seqüência das palavras destaca o problema,
o enfrentamento e a resolução, fortalecendo o senso de agenciamento de Renata. O discurso
construído é um discurso de enfrentamento, apresentado como uma história de sucesso:
alguém que enfrenta ‘baldes’ de medo e os chuta. Renata não é vista como alguém que ora
tem coragem e determinação, ora não tem. Ela é descrita como uma mulher de determinação
e coragem, tomando para sua identidade essa descrição. Por meio dessa descrição se constrói
discursivamente seu recurso. Segundo os autores Freeman et.al. (1997)
as histórias saturadas por problemas limitam perspectivas, as edições ficam sem
esperança e sem significados positivos, opondo-se a refrescantes possibilidades e
potenciais. A mudança pode, então, parecer impossível, apesar dos melhores esforços de
uma pessoa para assumir o controle de um problema ou para mudar os outros.
Encontrando-se incapaz de manejar seus ‘defeitos’, ou impotente para afetar os
comportamentos e atitudes negativos dos outros, uma pessoa pode experenciar o
problema como esmagador (48).
Atuar sobre histórias dominantes requer do terapeuta a busca pelos recursos e
potencialidades do cliente, que possibilitam que a história dominante seja revista, a partir da
115
atribuição de novos sentidos ao relato antigo. Ampliar um discurso de sucesso, a partir da
identificação de aspectos previamente ignorados da experiência vivida, possibilita que esses
adquiram a possibilidade de atribuir significados preferíveis. Esses aspectos ignorados foram
nomeados por White e Epston (1990) de “acontecimentos extraordinários”, que são definidos
como incluindo
toda a gama de sucessos, sentimentos, intenções, pensamentos, ações, etc., que tem uma
localização histórica, presente ou futura, e que o relato dominante não pode incorporar
(p. 32).
Ao identificar os acontecimentos extraordinários, as pessoas são convidadas a atribuir
significados a eles, comprometendo-se na existência dessa nova narrativa. White e Epston
ainda salientam que a construção de tais relatos, fora dos relatos dominantes, “constituem
uma fonte cheia de riqueza e fertilidade, para a geração, ou regeneração de relatos
alternativos” (p.32).
Ao destacar essa fala de Renata, na qual ela aponta uma situação de enfrentamento e
vitória e que ainda não havia sido apresentada antes, a terapeuta interrompe a leitura e a
representação habitual desses relatos, aponta o acontecimento extraordinário e o amplia,
pontuando suas competências, buscando gerar um maior agenciamento interpessoal e
possibilitando que Renata se sinta capaz de intervir em sua vida e relações. Dessa forma,
exceções são ressaltadas em narrativas desencorajadoras (Chen et al., 1998), e as
possibilidades e recursos já utilizados com sucesso em outros momentos reaparecem e são
utilizados na história atual. Nesse sentido, busca-se mostrar para a paciente que existem
momentos nos quais ela conseguiu vencer as dificuldades, o que oferece oportunidade de re-
significação da situação. Segundo White (2007),
entre outras coisas, conversações que destacam acontecimentos extraordinários fornecem
às pessoas a oportunidade de dar voz para as intenções de sua própria vida e desenvolver
116
uma forte familiaridade com o que eles concordam ser valioso em sua vida. Isso lhes
fornece um trampolim para a ação na resolução dos seus problemas, impasses e dilemas
(p. 220).
Nesse trecho da carta, as ações de Renata são pontuadas como pertencentes a uma
mulher de determinação e coragem, e o uso dos adjetivos auxiliam na construção do discurso
de uma mulher guerreira. Essa não era uma descrição que Renata emitia de si mesma, mas
que, a partir de seu próprio relato, recebeu da terapeuta, o que adquire um senso de
fidedignidade com o relato trazido. A narrativa ainda é ampliada por questões que a
convidam a refletir sobre novas ações a partir desse novo entendimento de uma mulher
competente e com recursos. As perguntas realizadas na sequência enriquecem a história
alternativa em construção. O interesse é na força, nas habilidades especiais e nas aspirações
de Renata, que constroem uma história alternativa.
A questão “O que mais você gostaria de fazer por você?” sugere que Renata possui
recursos para a resolução de outros problemas que precisarem ser resolvidos. Essa fala é
fortalecida pelo recorte da frase dita pela paciente, que se ela não fizer por ela mais ninguém
o fará, destacando sua pró-atividade em resolver questões que são necessárias, de defender
seus interesses. Esse recorte aumenta a visibilidade de que Renata é uma mulher que resolve,
toma decisões e consegue. Tal construção linguística busca a internalização do agenciamento
pessoal, reforçando um senso de auto-eficácia e construindo uma descrição de Renata com
maior gestão de sua vida. A formulação dessas questões geram implicações: 1) convidam
Renata a refletir em evoluções específicas de sua vida, identificar e falar de suas experiências,
buscando soluções sobre elas; 2) o acontecimento extraordinário destacado vai ganhando
credibilidade. Ele passa a ser a base para a conversação na qual Renata tem a oportunidade de
identificar e desenvolver relatos; 3) são fornecidos os “andaimes” para a geração de novas
117
conclusões e significados para a identidade e história de Renata, em uma significativa
reconstrução de sentidos.
A construção do parágrafo utiliza-se do recurso da temporalidade: os acontecimentos
passados significados com sucesso por Renata são conectados com os dilemas presentes, e
possíveis desdobramentos futuros, em seqüência, gerando sentido de continuidade. A
primeira parte do parágrafo, apresentada como uma história de sucesso, se torna um marco
referencial para construir futuros possíveis, e a seqüência das perguntas contribui para a
construção de uma narrativa progressiva (Gergen, 2007).
“Como convidar aquela coragem e determinação para te ajudar nessas novas histórias e
com os velhos baldes que te trouxeram à terapia?” ressalta que as novas histórias, contextos
e desafios podem ser enfrentados novamente, a partir dos recursos que foram explicitados:
coragem e determinação. O discurso de enfrentamento, construído na primeira parte do
parágrafo, sustenta nesse momento os recursos para os novos desafios que Renata percebe.
Tal questionamento convida a cliente a sair do discurso de déficit para buscar recursos e
construir na conversação um discurso de soluções de problemas.
7.7. Conversando com Joana: colocando os membros como agentes de mudança
Joana, assim como dito para a Cibele, também fico curiosa em escutar suas histórias.
Como podemos fazer isso? Nessa sessão, você nos disse que muitas vezes devemos aceitar as
coisas que acontecem com a gente. Como isso se encaixa em sua vida, Joana? Que coisas
você deve aceitar? Que coisas você não deve aceitar e deveria chutar, assim como o balde
do medo do Antônio e da Renata? Do que você precisa para poder aceitar? Do que você
precisa para poder chutar essas coisas, Joana?
118
White (1995) discorre a respeito da necessidade em sermos sensíveis à linguagem por
essa construir mundos. Dessa forma, as histórias que construímos por meio da linguagem não
apenas nos representam, refletindo nossos eventos de vida, mas nos constituem, moldam
nossas vidas e relacionamentos. O convite realizado para Joana é para que ela conecte o que
foi dito na sessão (“muitas vezes devemos aceitar as coisas que acontecem com a gente”)
com seus dilemas pessoais. O processo de mudança na terapia narrativa consiste em auxiliar
o cliente a desenvolver sua potencialidade para a re-autoria, empregando narrativas em sua
própria voz e as separando dos discursos subjugadores. Dessa forma, segundo Grandesso
(2000)
o resultado da mudança terapêutica implica, portanto, resgatar ou criar competências,
recursos e habilidades apresentados em narrativas do self transformadas em novas
redescrições ou, até mesmo, em novas autobiografias (p.253).
Assim, questões como “Que coisas você deve aceitar? Que coisas você não deve aceitar
e deveria chutar assim como o balde do medo do Antonio e da Renata? Do que você precisa
para poder aceitar? Do que você precisa para poder chutar essas coisas, Joana?” voltam-se
para a ação, convidando Joana a se colocar em um lugar de quem se responsabiliza por sua
história e pelas alterações que nela ocorrem. Busca-se, nesse momento, uma postura mais
ativa e participativa na co-construção da mudança, na qual Joana é convidada a reformular
sua auto-narrativa, afirmando-se como agente de mudança (Chen et al., 1998) junto à
libertação em relação às histórias saturadas de problemas.
Muitas vezes, o paciente anseia por resolver suas questões, mas suas histórias
encontram-se fixadas em determinados significados, o que os impede de se organizarem de
forma distinta. Questões que colocam as pessoas como agentes de mudança sempre as auxilia
na organização desse processo, ampliando histórias antes fechadas para possibilidades.
Conseqüentemente, um maior senso de agenciamento pessoal pode ser realizado e a
119
conversação terapêutica torna-se um processo de empoderamento pessoal para o paciente
(Tomm, 1989).
A terapeuta aponta “assim como dito para”, destacando que não traz algo novo para
Joana, mas sim o já conhecido por outro membro do grupo. Tal forma de dizer denota que
outra pessoa compartilha do mesmo convite realizado, não sendo, portanto, uma questão
individual para Joana, o que oferece a ela um senso de pertencimento e conexão com o
restante do grupo, além de minimizar uma possível culpa em não atender as expectativas do
terapeuta referentes ao que foi solicitado.
O convite ao “Como podemos fazer isso?” realça a busca por um jeito que seja o bom
para Joana. Se a terapeuta acreditasse que as pessoas possuem apenas um jeito de participar
no grupo, a pergunta teria sido feita apenas para Cibele, não precisando ser repetida com
Joana. Cibele teria a resposta que abarcaria todo o grupo de “como fazer”. Porém, o convite é
conhecer as necessidades de Joana, para que juntas, Joana-grupo-terapeuta, possam promover
uma participação mais ativa no decorrer dos encontros do grupo.
Aponta-se na fala de Joana que devemos aceitar “as coisas”, o que fica generalizado e
sem possibilidade de significação. Desse modo, realiza-se um convite que busca ampliar esse
discurso por meio de perguntas, de forma que os objetos da narrativa possam ser nomeados e
uma nova história fique possibilitada de surgir. Assim, “as coisas” podem ser inseridas na
narrativa com significado, dando forma e contexto à história. A participação ativa da
terapeuta, inserindo questões com os termos “como?”, “o quê?”, “do quê?” auxilia no
processo de edição da história, tornando-a compreensível em seus significados. A terapeuta
convida a participante a refletir em um movimento de enriquecimento da narrativa de
enfrentamento.
A partir desse recorte, outras questões são investigadas: o que deve ser aceito e o que
deve ser chutado por Joana. O termo utilizado por Renata, ao início da sessão, é estendido
120
para Antônio e retomado nesse parágrafo. Nesse momento, são interligadas três histórias, três
eventos e três participantes do grupo. Esse recurso oferece um senso de continuidade e
pertencimento. Joana pode olhar para a história dessas pessoas e refletir acerca dos recursos
utilizados por elas e ampliar os entendimentos de sua própria história. Ao utilizar a dicotomia
chutar x aceitar, Joana é convidada a separar as situações em sua vida que merecem ser
chutadas ou aceitas. Para auxiliá-la nesse processo as perguntas são destrinchadas, abrindo
um mundo de possibilidades a serem pensadas. Desenvolver uma busca ativa para as
respostas a essas questões auxilia no processo de promoção de autoria, possibilitando que
Joana sinta-se emergir como agente do seu processo de mudança.
7.8. Conversando com Elisa: atribuindo intencionalidade positiva
Elisa, achei bonito você dividir conosco sua pressa em ir embora e a ansiedade que
estava te acompanhando durante todo o grupo. Fiquei feliz por você ter vindo e ficado,
mesmo tendo tantas coisas lá fora te esperando. Isso possibilitou que a gente pudesse sentir o
seu compromisso com o grupo. Fiquei emocionada ao você nos contar que tem uma história
de vitórias, “desde o ventre”. Imaginando que a gente se encontre daqui a um tempo, para
que você me conte sobre como essas histórias de hoje se desenrolaram, que coisas você
esperaria me contar? Como você planeja terminar esse capítulo da sua história, Elisa? O
que precisará acontecer para o que você imagina e deseja aconteça?
A internalização do agenciamento pessoal é um procedimento lingüístico utilizado para
auxiliar o cliente a modificar suas percepções acerca de si mesmo (Chen et al.1998). Dessa
forma, atitudes e sentimentos vistos por eles como negativos são ressignificados e adquirem
novos entendimentos. Esse jeito de conversar fica explicitado logo ao início do parágrafo,
quando o termo “achei bonito” ressalta e legitima o tipo de participação que Elisa teve no
grupo. Nesse momento, pensando nas várias possibilidades acerca do significado de um
121
evento, percebe-se o movimento em legitimar o compromisso de Elisa, oferecendo outro
olhar, positivo, em relação à história trazida. Um relato que poderia causar constrangimento
ou culpa (estar ansiosa e com pressa de ir embora) gera um discurso de aceitação e
reconhecimento. A Elisa com pressa e ansiosa não é descrita ou investigada nesse parágrafo,
o que tira o foco disfuncional da narrativa e desenvolve uma descrição que amplia e legitima
ações antes não percebidas. Segundo Freeman et al. (1997)
significados são moldados e características são construídas em formas narrativas. A
maneira como interpretamos os eventos afetam como nós nos comportamos e
interagimos com os outros. Embora não se possa esperar que nenhuma história capture
completamente a complexidade da experiência vivida, o que nós enfatizamos ou
omitimos tem efeito real sobre o contador ou o ouvinte (p. 47).
A narrativa de Elisa foi redimensionada pela terapeuta, em consonância com o que
Gergen (1997) denomina de ação suplementar, pela qual o relacionamento humano é o
gerador de linguagem e de entendimento. As histórias que Elisa constrói não têm sentido em
si mesmas, e dependem do sentido que o outro atribuiu a ela. Dessa forma, a terapeuta
possibilita outros entendimentos, por meio de um convite, que poderá, ou não, ser aceito por
Elisa.
É destacado ainda que a ansiedade “acompanha” Elisa. Essa frase contempla uma
ansiedade que é separada da pessoa de Elisa, apontando para o processo de externalização do
problema, sendo colocada como algo externo. Essa descrição tanto gera outras descrições
(que não a de uma pessoa ansiosa), como oferecer possibilidade de enfrentamento (por não
ser algo que faz parte dela). O termo “desde o ventre”, citado por Elisa na sessão e realçado
na carta, enfatiza sua vida de lutas e conquistas mesmo antes de nascer. Tal enfoque pontua
as competências da cliente, talvez antes negligenciadas, a partir da criação de um discurso
pautado na temporalidade.
122
Após a participação de Elisa ser contextualizada de forma positiva, ela é convidada a
imaginar possibilidades, refletindo sobre possíveis metas a serem alcançadas. Esse é um
movimento que se volta para o futuro, possibilitando que ela visualize seus projetos e
reconheça o ponto de chegada ao alcançá-los. Entretanto, tal ação também diz respeito ao
futuro próximo: “O que precisará acontecer para que o que você imagina e deseja aconteça?”,
em um convite ao cuidado com algumas questões atuais para o alcance das metas futuras. A
possibilidade de reflexão dos acontecimentos futuros permite que Elisa se veja frente aos seus
recursos passados e sua história presente, podendo planejar seus passos baseada no desenrolar
de sua própria história. Além do que, convidar Elisa para essa conversa busca gerar reflexões
acerca de como ela pode aproveitar o grupo para pensar suas questões.
7.9. Revendo o processo grupal: parágrafo de encerramento
Fiquei comovida com essa sessão e com as histórias que escutei de cada um de vocês.
Mais uma vez percebi o grupo se empenhando em ajudar uns aos outros e buscando se
ajudar, relatando com sinceridade os medos que os acompanham e os baldes a serem
chutados. Essas falas foram mescladas com histórias de superação e conquistas. Isso me deu
uma sensação de que juntos podemos construir novas histórias, enfrentar os medos e chutar
novos baldes. Senti muito a falta de Rogério e Mariana. Fico na expectativa do nosso
próximo encontro.
Ludoana Paiva – 9ª sessão – 30/10/2008
O parágrafo final é uma oportunidade para que o terapeuta exponha seus sentimentos
(“fiquei comovida com essa sessão e com as histórias que escutei de cada um de vocês”),
apresente suas percepções (“percebi o grupo se empenhando em ajudar uns aos outros e
buscando se ajudar”), legitime a participação dos integrantes do grupo (“relatando com
123
sinceridade os medos que os acompanham e os baldes a serem chutados”), destaque recursos
(“Essas falas foram mescladas com histórias de superação e conquistas”), compartilhe
expectativas (“Isso me deu uma sensação de que juntos podemos construir novas histórias,
enfrentar os medos e chutar novos baldes”) e cite o nome das pessoas faltantes, em uma
postura tanto cuidadosa quanto funcional para fins de registro (Senti muito a falta de
Rogério e Mariana”), fortalecendo a noção de que a carta é escrita para todo o grupo e
registrando o entendimento de que são todos que formam esse lugar.
Além disso, como destacado por Freedman e Combs (1996), as cartas oferecem um
resumo do encontro anterior, convidando as pessoas a entrarem novamente nas conversações
iniciadas anteriormente. Esse último parágrafo aponta, de maneira resumida, os eventos que
chamaram a atenção do terapeuta, promovendo uma rememoração dos acontecimentos e
possibilitando que os membros do grupo reflitam novamente, agora em conversações
alternativas. Ainda segundo tais autores, essas conversações possibilitam que as percepções
de si mesmos, de seus relacionamentos e dos dilemas com os quais se está lutando podem
mudar, gerando uma nova história.
Nesse parágrafo, temos evidenciada a postura co-participativa do terapeuta, que
ativamente contribui como editor das histórias apresentada pelos clientes, apresentando novas
possibilidades de sentido, organizando e dando coerência aos relatos. Tal finalização oferece
uma sensação de fechamento e significado às novas narrativas que emergem.
O tom que esse último parágrafo adquire é de otimismo e comoção. A idéia de que, ao
trabalharem juntos como grupo as realizações virão com maior facilidade, é desenvolvida na
frase em que é colocado que “isso me deu uma sensação de que juntos podemos construir
novas historias, enfrentar os medos e chutar novos baldes”. A interação ganha lugar de
destaque na resolução dos problemas e o conhecimento de todos é valorizado, o que enfatiza
o senso de grupalidade.
124
Ao apresentar que está na “expectativa para o próximo encontro”, a terapeuta aponta para
a continuidade da conversa e antecipa o convite para a próxima sessão. A carta é finalizada
com o nome da terapeuta, número de sessão e data em que ocorreu, atendendo aos registros
institucionais e transformando algo burocrático em um documento com sentido.
Nos próximos tópicos, apresento os procedimentos ‘imaginando possibilidades’,
‘contextualizando o problema e creditando influência ambiental’, bem como a ‘legitimação
de sentimentos’ em cartas de outras sessões, pois os mesmos não estavam presentes na carta
analisada. Apesar de essas categorias se fundirem ao longo da escrita das cartas, destaquei
parágrafos em cartas diversas que as exemplifique em sua complexidade, de forma a ser
trabalhada e visualizada de maneira mais completa.
7.10. Imaginando possibilidades: Parágrafo da 1ª carta dirigido à Antônio
Antônio nos contou das dores e dos problemas que atormentam seus pensamentos. Disse
ainda gastar todos os “bom-dias” e os sorrisos no trabalho, e que quando chega em casa
aparece a tristeza e o cansaço. Fiquei pensando em como deve ser difícil se doar tanto em
um lugar e sentir que não tem muito a oferecer depois. Como equilibrar isso? O que
acontecerá se não formos o número 1? O que perdemos e o que ganhamos ao não levarmos
serviço pra casa? Você disse que sempre foi muito acelerado, mas que isso agora está te
atrapalhando. Por que você continua a acelerar? O que pode acontecer se você diminuir o
ritmo de trabalho? O que o pessoal da sua casa vai achar?
Nas categorias criadas por Chen et al. (1998), imaginar possibilidades insere-se em um
dos passos da postura de não-saber, cujo objetivo central é o de facilitar o auto-conhecimento
do cliente, abrindo possibilidades para processos possíveis. Ao imaginar possibilidades
diferentes, situações e resultados são somados à narrativa, o que favorece a expressão de
novos recursos e comportamentos ainda não considerados. Tal movimento se apoia no
entendimento de que as pessoas desenvolvem suas histórias dentro de determinados
contextos, que influenciam e limitam as ações daquilo que irá ocorrer. Quando o terapeuta
125
convida o cliente a imaginar possibilidades diversas das experimentadas até então, esse se vê
frente a escolhas e outras ações, possibilitando o re-significar de histórias antes
compreendidas como parte da identidade de quem a narra.
“O que acontecerá se não formos o número 1? O que perdermos e o que ganhamos ao
não levarmos serviço pra casa? O que pode acontecer se você diminuir o ritmo de trabalho? O
que o pessoal da sua casa vai achar?” são questões que convidam Antônio a se colocar em um
lugar diferente do habitual, refletindo acerca das possíveis conseqüências de outras formas de
agir. Apoiados no entendimento de que a linguagem nos constitui, ao imaginarmos a
possibilidade de outras formas de agir no mundo, nos liberamos de linguagens e histórias que
nos subjugam e nos causam sofrimento. Dessa forma, a mutabilidade na linguagem é útil,
pois faz, das conversações, oportunidades para desenvolvermos novas linguagens,
negociarmos novos significados em nossas crenças, sentimentos e comportamentos
problemáticos, o que gera legitimidade para visões alternativas da realidade (Freedman &
Combs, 1996).
As questões desenvolvidas nesse parágrafo utilizam o tempo verbal no futuro do
subjuntivo (O que pode acontecer se você diminuir o ritmo de trabalho?). Dessa forma, o
foco no futuro, a partir das condicionalidades das ações, aponta para novos rumos, que
surgirão se novas atitudes forem tomadas.
Ao início do parágrafo, é apresentado um resumo das dificuldades de Antônio, que são
legitimadas pela terapeuta (“Fiquei pensando o quanto deve ser difícil se doar tanto em um
lugar e sentir que não tem muito a oferecer depois”). Tal legitimidade se soma ao
entendimento de que Antônio tem despendido muita energia em determinados contextos de
sua vida, sentindo-se cansado depois. O cuidado para a construção dessa história como uma
história mutável pode ser percebido na descrição da tristeza e no cansaço que “aparecem”,
após um dia de dificuldades. Assim, tais descrições não fazem parte de Antônio, mas
126
aparecem ao final de um dia de dificuldades, o que é ressaltado a partir do processo de
externalização do problema. O que o “atormenta” é descrito como conseqüência da maneira
como ele age durante o dia, abrindo espaço para questionamentos e reflexões a respeito de
uma possível nova maneira de agir.
“Como equilibrar isso?” convida à idéia de que Antonio deve buscar uma forma certa de
agir, convidando-o a refletir sobre como pode alterar seu comportamento de modo que esse
lhe cause menos sofrimento. Tal questionamento apóia-se nas perguntas que imaginam
possibilidades, que são sempre relativas a eventos hipotéticos, mas podem ser muito
importantes para construir vidas atuais.
O último bloco de perguntas chama a atenção para as mudanças que ocorreram na vida
de Antônio, antes sempre muito acelerado, mas que no presente encontra nesse modo de agir
a causa de seu sofrimento (“Você disse que sempre foi muito acelerado, mas que isso agora
está te atrapalhando”). Abre-se espaço para possibilidades dialógicas de produção e
negociação de sentidos do problema e de si, auxiliando-o na reflexão sobre novas maneiras
de viver, de compreender e dar sentido ao mundo e a si mesmo.
7.11. Contextualizando o problema e creditando influência ambiental: Parágrafo da 2ª
sessão relativo à Joana e Lívia
Joana, você nos contou um pouco sobre o porquê buscou ajuda psicológica. Disse das
dificuldades que tem enfrentado nos cuidados diários com sua mãe. Lívia, assim como Joana,
você também nos contou da relação com sua mãe. Pensar em vocês duas, me fez refletir
sobre como a sociedade ensina que devem ser as relações mãe-filha. E, pensando nisso,
como vocês duas acreditam que essas expectativas sociais influenciam as suas expectativas
pessoais?
127
De acordo com Freeman et al. (1997), é importante voltarmos o olhar para o contexto
social em que os problemas ocorrem, para que não assumamos de forma ingênua um
problema ou dilema com base no indivíduo, ou em sua família, quando outros fatores também
são relevantes. Freedman e Combs (1996) reiteram essa questão, chamando a atenção que
devemos tanto observar o quanto as histórias culturais influenciam nossas interpretações das
experiências diárias quanto nossas ações são influenciadas pelas histórias que circulam na
sociedade. Nesse contexto, o terapeuta tem como papel fomentar essas conversações,
convidando o cliente a uma revisão de seus relacionamentos com os efeitos dessas questões
socioculturais. Nesse parágrafo, observamos a postura colaborativa da terapeuta (Anderson
& Goolishian, 1998), na qual, em um esforço de compreender e explorar as questões trazidas
por Joana e Lívia, ela as convida a uma exploração mútua. Importante salientar que o foco da
conversação gerada não é a mudança em si, mas essa ocorre como conseqüência do diálogo.
Nesse trecho, são utilizadas duas estratégias que permitem: 1. Contextualizar o problema
(presente na desconstrução do self subjugado), e 2. Creditar influência ambiental (presente na
internalização do agenciamento pessoal). A junção tem o propósito de apresentar a
contextualização do problema como uma questão social (“como a sociedade ensina que
devem ser as relações mãe-filha), trazendo ainda para o âmbito do “eu” e do que é entendido
como “identidade”; discursos mais amplos que nos influenciam em nosso jeito de ser e agir
(“como vocês duas acreditam que essas expectativas sociais influenciam suas expectativas
pessoais?”).
Percebo que essas duas categorias se complementam por direcionarem a conversa para
contextos mais gerais, com discussões mais condizentes com narrativas múltiplas e fluidas.
Nesse contexto, são apontados o peso e a força que as crenças e os valores adquirem ao serem
legitimados como verdades locais. Ao oportunizar uma reflexão nesse campo, as pessoas
ficam possibilitadas de indagar e compreender as práticas discursivas que as rodeiam, assim
128
como se tornam mais atentas à construção de significados e às escolhas dos caminhos que
vão sendo tomados. Dessa forma, oferecem-se possibilidades para novas considerações.
Ao trazer a problemática para o contexto macro, contudo, a questão apresentada deixa de
ser circunscrita às pessoas e alcança âmbitos mais amplos, o que promove uma
‘despatologização’ (Chen et al., 1998, p.406) do indivíduo, que começa a perceber que muitas
de suas crenças e comportamentos originam-se de um aprendizado cultural.
A pergunta “E, pensando nisso, como vocês duas acreditam que essas expectativas
sociais influenciam as suas expectativas pessoais?” sustenta-se no fato de vivermos em uma
sociedade que supervaloriza a mãe, criando uma imagem de um ser puro, possuidor de um
amor altruísta, que pode levar os indivíduos a desenvolverem expectativas de cuidado com
essa mãe. As pessoas esperam que as mães sejam cuidadas como seres santificados e dignos
de todo o afeto. Tal questão vai sendo desmistificada pela terapeuta, ao refletir junto às
clientes a respeito da origem desses entendimentos e do quanto eles influenciam o nosso dia-
a-dia. Dessa forma, pensar o social seria pensar no que, e para quem, é útil. Tal discussão
fomenta algumas perguntas: Essas crenças sempre existiram ou foram produzidas e
aprendidas? Existem vários tipos de mãe ou todas as mães são de uma só forma? Que tipo de
filho a sociedade quer que eu seja, e que tipo de filho eu sou?
O que pretendo discutir são as idéias e ideais que sustentam os comportamentos, e como
a formação de estereótipos induzem as pessoas a determinados jeitos de agir. Quando esses
comportamentos causam frustração, ou ainda, quando não são realizados, podem causar
sentimento de culpa e sofrimento. Geralmente, essas questões são tomadas como verdades e
por isso tais conversas são importantes, a fim de promover um confronto entre a filha real x a
filha ideal, a mãe real x a mãe ideal. Discute-se uma questão que é entendida pela maioria
como uma verdade absoluta e inquestionável. Assim, muitas vezes sofremos, creditando
nossa frustração e dificuldade a questões individuais.
129
Nesse trecho, foram exploradas as questões sócio-culturais que poderiam estar moldando
os discursos a respeito de mãe, voltando-se assim para o cuidado com o paciente. Porém, os
autores Freeman et al. (1997) ressaltam a importância de nos atentarmos para tais contextos
em nossas práticas como terapeutas, apontando que raramente nos damos conta de como as
nossas narrativas profissionais são moldadas por vieses e estereótipos sócio-culturais, e de
como esses nos encorajam a tomar particulares pontos de vista, selecionar alguns fatos como
importantes e oferecer a algumas experiências determinados significados, ao invés de outros.
Considerar essa questão em nossa prática possibilita que nós sejamos críticos e possamos
ressignificar algumas de nossas atuações. Eles ressaltam ainda que “nosso objetivo
colaborativo é expor os dilemas que nos silenciam e nos separam” (p.56).
7.12. Legitimando sentimentos: Parágrafo da 5ª sessão referente à Mariana.
Em nossa última sessão, iniciamos nossa conversa com um relato de Mariana, que nos
contou das várias mudanças que vem ocorrendo em sua vida. Fiquei feliz, Mariana, por
ouvir suas histórias e poder compartilhar com você suas conquistas, tais como acordar cedo,
pegar ônibus sozinha, levar sua filha na escola e ter diminuído a medicação. Você ainda
conta que está cuidando de sua família e que sente prazer em fazer isso. Diz que está se
sentindo uma mulher de 31 anos, mais bonita, responsável pela casa e pela filha. E penso:
“Nossa, quantas vitórias! Como está sendo para Mariana estar descobrindo tantas coisas
novas? O que propiciou que Mariana iniciasse esse processo de mudança?” E fico curiosa:
o que essas vitórias significam para você? O que essas mudanças dizem de você?
Anderson e Goolishian (1998) destacam que vivemos em um mundo de linguagem e,
portanto, de sentido. Dessa forma, os problemas são criados a partir desse sistema lingüístico,
emergindo quando este diminui nosso senso de agenciamento pessoal. A fim de atuar sobre
130
as histórias que sustentam o problema, o processo terapêutico se constrói dialogicamente,
abrindo tanto a possibilidade para a exploração narrativa bem como para a dissolução das
questões apresentadas. Nesse sentido, a mudança se caracteriza como uma “criação dialógica
de uma nova narrativa e, portanto, a abertura de oportunidades para novos meios de ação”
(p.37), o que facilita o surgimento de um novo senso de agenciamento e, conseqüentemente,
o fortalecimento das narrativas preferíveis. Assim, cada descrição realizada contribui para
uma perspectiva diferente de entendimento, e a narrativa vai ganhando poder. Reforçar esses
aspectos trazidos por Mariana sustenta o desenvolvimento da história alternativa que se
constrói.
Holma e Aaltonen (1997) apontam que o senso de agenciamento é diminuído quando as
histórias do indivíduo encontram-se subjugadas, bloqueando o seu senso de ação competente.
Dessa forma, essas histórias inviabilizam sua possibilidade de escolha e seu contexto de
reflexividade é perdido. As autoras salientam ainda que
o senso de agenciamento é reforçado pela criação de múltiplas narrativas que
diferenciam daquelas altamente dominantes, e assim demonstram a possibilidade de
outras maneiras para criar significados, para narrar experiências. Dessa forma, o paciente
é capaz de construir uma postura reflexiva para aquelas historias e subscrever fragmentos
de narrativas em construção em suas próprias práticas narrativas (p. 475).
Assim, o fazer uso da legitimação de sentimentos de Mariana resgata sua condição de
agente. É um parágrafo que aponta um marco de mudança “Você ainda conta que está
cuidando de sua família e que sente prazer em fazer isso. Diz que está se sentindo uma
mulher de 31 anos, mais bonita, responsável pela casa e pela filha”, apontando os novos
caminhos que Mariana está trilhando e reforçando em sua nova narrativa os significados que
estão sendo atribuídos.
131
O parágrafo é construído com palavras de incentivo, tais como “mudança”, “conquista”,
“vitórias”, o que contribui para a construção de uma narrativa progressiva, organizada
coerentemente dentro de um processo no qual Mariana ‘mudou’ algumas atitudes,
‘conquistou’ territórios e experimentou as ‘vitórias’. Destacar esses recursos concretiza junto
à Mariana os novos significados, atribuídos às suas experiências.
Utilizam-se, ainda, recursos citados pela cliente, o que valoriza suas próprias palavras.
Com isso, a terapeuta possibilita que Mariana conte sua própria história, a partir de sua
perspectiva, o que é visto por Goldberg (2000) como um ato de legitimação. Tal ato é
ampliado na escrita da carta, já que passa a poder ser legitimado por outras pessoas.
Legitimar tais sentimentos, enfatizando as mudanças narradas por Mariana, fortifica o
processo de construção da nova história, destacando um relato que talvez não viesse a ser
valorizado no momento da fala. Nesse sentido, são realçados os tópicos levantados por
Mariana, no intuito de concretizar suas conquistas, tornando-as visíveis. Constrói-se o
discurso do recurso ao exemplificar as vitórias de Mariana como “acordar cedo, pegar ônibus
sozinha, levar sua filha na escola e ter diminuído a medicação”.
Rombach (2003) reforça que, ao ler na carta a respeito de seus recursos e forças, o cliente
se coloca em um outro lugar, no qual ele fica hábil a validar seu conhecimento. Com isso, os
relatos dominantes (White & Epston, 1990) vão abrindo espaço para outras histórias
preferíveis. Ao construir perguntas que propiciam uma narrativa progressiva, com tantas
vitórias e conquistas descritas, “Nossa, quantas vitórias! Como está sendo para Mariana estar
descobrindo tantas coisas novas? O que propiciou que Mariana iniciasse esse processo de
mudança?”, a terapeuta busca detalhar com Mariana o que desencadeou seu processo de
mudança, investigando junto a ela recursos e possibilidades que a auxiliaram a experienciar
essa nova vida. Buscar detalhes nas narrativas não apenas ajudam a tornar um evento vívido,
como “oferecem às pessoas a oportunidade de relembrar aspectos de eventos que podem ter
132
sido negligenciados ou esquecidos” (Freeman & Combs, 1996, p. 132). Os autores colocam
ainda que a busca por detalhes amplia a intensidade da experiência, o que auxilia no processo
de re-autoria do cliente.
Para Tomm (1988, p.2) “em geral, declarações provêem questões, posições ou visões,
enquanto as perguntas chamam à tona questões, posições ou visões. Perguntas tendem a
chamar por respostas e declarações tendem a provê-las”. A partir do relato construído por
Mariana, e ressaltado pela terapeuta, algumas conclusões poderiam ser realizadas, o que
finalizaria essa questão com o entendimento de que Mariana começou a escrever uma história
de mudança e sucesso. Porém, a terapeuta dá prosseguimento à conversa: “E fico curiosa: o
que essas vitórias significam para você? O que essas mudanças dizem de você?”, convidando
a cliente a construir uma versão com recursos e potencialidades que seja ampliada,
alcançando inclusive outras histórias de Mariana. Ao perguntar “o que essas mudanças dizem
de você”, a terapeuta convida a cliente a tomar essas descrições como identidade,
desestabilizando as narrativas fixas e gerando novas possibilidades que favoreçam
configurações mais condizentes com a vida de Mariana. Grandesso (2000) destaca que
enquanto o discurso em si pode ser compreendido como um evento passageiro, os
significados que transportam permanecem, garantindo um sentido de continuidade da
existência e do self (p. 392).
133
8. Discutindo conceitos e questões
Essa pesquisa investigou e analisou o uso das cartas terapêuticas em psicoterapia de
grupo da perspectiva do terapeuta, tendo como objetivo investigar seu processo de escrita.
Durante os encontros grupais, foram redigidas 12 cartas, sendo 11 escritas pela terapeuta para
os participantes do grupo e a última redigida pelos próprios participantes. Para a realização
desse estudo, analisei todas as cartas escritas pelo terapeuta, tendo sido uma escolhida para
uma investigação mais aprofundada dos princípios e procedimentos sugeridos por Chen et al.
(1996). A análise empreendida valorizou os princípios e procedimentos sugeridos pelas
autoras, ressaltando a utilização da linguagem na construção do documento terapêutico.
Utilizando como referência os caminhos e procedimentos adotados, serão discutidos quatro
tópicos nesse capítulo: 1) As contribuições e limitações percebidas no método de análise
utilizado; 2) As questões éticas que norteiam o processo de escrita da carta, destacando os
possíveis efeitos que estes acarretam; 3) As implicações da carta na prática clínica em relação
à resolução do CFP (Resolução 001/2009); 4) As possibilidades futuras para pesquisa nesse
campo.
8.1. Discussões acerca do método de análise utilizado
O processo de análise da redação das cartas entrelaçou-se ao processo de investigação
das categorias, principalmente as sugeridas por Chen et al. (1998), Freedman e Combs (1996)
e White (2007). Primou-se pelo uso das categorias desenvolvidas por Chen et al. (1998) por
estas terem sido descritas de uma maneira prática, sistematizada e voltada para o atendimento
grupal. Alguns aspectos do modelo proposto pelas autoras tiveram destaque benéfico durante
o uso dessa metodologia, principalmente aqueles relativos à sistematização e fundamentação
de análise. Em contrapartida, a simplificação na descrição das categorias e o reduzido foco no
contexto grupal dificultaram parte do processo de análise.
134
Considerando que a perspectiva construcionista enfatiza o caráter processual e aberto das
conversações terapêuticas, muitas vezes, a utilização de descrições sistemáticas e objetivistas
é pouco privilegiada. As categorias descritas por Chen et al. (1998), baseadas em princípios
específicos de linguagem, oferecem transparência, visibilidade e concretude ao processo de
redação da carta, permitindo um olhar sistemático sobre o processo terapêutico, podendo ter o
campo investigado e ampliado. Tais características podem servir não apenas como um apoio,
mas como um guia para os interessados em escrever cartas.
Em relação à fundamentação da análise, as autoras fazem uso de várias perspectivas
teóricas na construção das categorias, sistematizando conceitos das diferentes propostas
terapêuticas, o que permite ter um campo amplo de literatura para fundamentar a análise.
Entretanto, a simplificação das descrições pode dificultar esse processo, devido ao reduzido
conteúdo relativo às diferentes perspectivas teóricas, bem como à desconsideração de
diferenças entre elas, o que pode implicar em dúvidas e questionamentos por parte de quem
as utiliza. Alguns procedimentos, tais como a ‘personificação do problema’, são referidos a
outros autores, que não os precursores do uso do termo, enquanto alguns são citados sem
referência de autoria anterior, tal como o ‘imaginar possibilidades’ e a ‘legitimação de
sentimentos’. As autoras utilizam questões relativas à abordagem narrativa, colaborativa e
reflexiva concomitantemente, sem chamar a atenção para a existência de diferenças entre
essas abordagens, o que pode gerar confusão no processo de criação do documento
terapêutico.
As autoras apresentam seu estudo como voltado para a prática grupal e, inclusive,
apontam alguns benefícios das cartas terapêuticas tanto para os clientes quanto para os
terapeutas. Em relação aos clientes, as autoras apontam que: a) ler o documento terapêutico
entre as sessões permite que os clientes se distanciem para reflexão, além do imediatismo e
intensidade da sessão; b) a nova linguagem de mudança também é útil como modelo, para
135
que os clientes a internalizem em suas futuras auto-narrações; c) como o documento
terapêutico acentua os acontecimentos extraordinários e as competências dos clientes,
mudanças amplas se tornam possíveis. Em relação aos benefícios para os terapeutas, as
autoras citam: a) a transparência dos terapeutas com os clientes é aumentada; b) oferece aos
terapeutas tempo para ponderar acerca dos processos do grupo fora das interações do aqui-
agora da sessão; c) uma vez aprendido, o documento terapêutico pode ser facilmente
implementado. Entretanto, tanto nesses benefícios apresentados quanto nos exemplos
descritos no decorrer de seu estudo, a ênfase das autoras não se volta para a realidade grupal e
suas especificidades, podendo ser utilizadas, inclusive, no modelo de atendimento individual.
Tal questão é tão relevante que tive, inclusive, que criar duas novas categorias para a
análise, enfatizando especificamente sua construção para o contexto grupal (‘fortalecendo a
grupalidade’ e ‘revendo o processo grupal’). Os autores Paré e Rombach (2003) e Rombach
(2003) dão atenção em seus estudos para a forma como iniciam as cartas, detalhando a força
e a sabedoria do cliente e elaborando, posteriormente, questões reflexivas que os auxiliem a
entrar em territórios inexplorados. Nesse estudo, em razão de o uso das cartas se situar no
contexto grupal, freqüentemente os primeiros parágrafos das cartas foram utilizados para
construir e/ou reforçar a grupalidade entre os membros. Apesar de tal prática ser realizada
durante as sessões, na linguagem escrita ela adquire força e legitimidade. O processo de rever
o processo grupal engloba os recursos e a sabedorias dos clientes apontando como essa
construção foi realizada no contexto do grupo. É um parágrafo que sintetiza os
acontecimentos da sessão recortados pela terapeuta, o que oferece um senso de evolução para
os participantes. Destaquei a presença desses dois parágrafos, como novas categorias
utilizadas, por entender que o processo de construção do grupo, bem como o fechamento das
sessões a partir do olhar da terapeuta, são de grande importância para a construção e evolução
do processo psicoterápico como um todo. Assim, considero essas duas categorias tão
136
importantes quanto às descritas por Chen et al. (1998) para as cartas escritas no contexto
grupal.
8.2. Questões éticas referentes à escrita da carta terapêutica na clínica
Algumas questões éticas norteiam a escrita da carta. Segundo Moules (2000), durante os
15 anos em que as cartas terapêuticas têm sido utilizadas na Unidade de Enfermagem
Familiar (Family Nursing Unit), na Universidade de Calgary, com famílias que estão
passando por experiência de doença e sofrimento, não ocorreu nenhum problema legal devido
ao seu uso. Porém, ela salienta que questões éticas não podem ser igualadas a questões legais,
já que, segundo a autora, “dilemas éticos são dilemas humanos (...) em um senso amplo; a
ética nos guia para as relações com as contingências que habitam os códigos através dos
quais nós trabalhamos” (p. 224). Refletir sobre tais questões perpassa pela forma com que os
relacionamentos se constroem entre a terapeuta e seus clientes, e em como esses
relacionamentos são construídos a partir do código de ética que rege nossa atuação. As
questões éticas nos acompanham em nossas intervenções, oferecendo direcionamentos e
constituindo o nosso fazer.
Considerando essas questões no campo das cartas terapêuticas, alguns pontos merecem
ser problematizados, tais como o que diz respeito às informações que devem e/ou podem ser
incluídas nas cartas. Moules (no prelo) destaca algumas questões referentes a esse assunto:
Nós enviamos cartas privadas para crianças menores de idade? Enviamos cartas para os
pais em atendimento, mas não para os pais em custódia que não estão em atendimento?
Enviamos cartas individuais para casais casados? Como podem as cartas ser jogadas fora
em casos de casais que decidem se divorciar e poderiam assim se tornar documentos para
a ação de divórcio? Quais éticas estão em jogo nas práticas de enviar cartas se referindo
137
às fontes? Vamos levar em consideração fatores culturais ou possíveis analfabetismos em
nossa decisão de enviar cartas? (p.46).
A autora pontua que essas são questões difíceis de serem respondidas, sendo percebidas
como “dilemas que são complicados e contingentes” (2000, p. 225). Consoante com esse
campo ético, apresento, no capítulo 3 deste trabalho, sugestões apontadas por White (1995),
referentes tanto ao processo de escrita quanto ao de entrega das cartas. Considerando tais
dilemas, julgo o quanto esses cuidados éticos delineiam a redação da carta pelo terapeuta,
bem como seu alcance aos clientes.
Assim como em nossos contatos com os clientes no setting terapêutico, a escrita da carta
deve ser uma escrita cuidadosa e respeitosa em relação ao tema que está sendo tratado. Dessa
forma, as cartas buscam os recursos e competências nas histórias e definições que os clientes
constroem de si e do mundo que os rodeia, evitando conotações negativas que poderiam
causar constrangimento, e não somariam ao processo de mudança.
Entretanto, no período inicial do processo de escrita, os profissionais envolvidos nessa
tarefa podem achar trabalhoso e lento o processo de reflexão sobre maneiras de falar de
determinado assunto sem relacioná-lo diretamente com o problema ou dilema levado pelo
cliente. Contudo, percebo que esse exercício é primordial, não apenas para o registro clínico,
mas em toda extensão de nossa atuação, já que busquei focar nos recursos e não nos déficits.
Como qualquer exercício, o início é desafiante e, muitas vezes, necessita de pesquisas
adicionais para sua resolução. Porém, com a prática, o processo de escrita vai se tornando
reflexivo, ágil e valoroso de ser realizado.
Com tal discussão, saliento a ética como algo a ser cuidado no campo das relações, o que
não difere da prática de redação das cartas: cada carta é única, escrita para um cliente (pessoa
ou grupo) em particular, em determinado contexto, com a presença de um terapeuta em
relação com os participantes do processo. Por ser um documento de intervenção, a carta
138
ganha um status nas sessões e, por isso, quaisquer dúvidas e dificuldades devem ser
colocadas em pauta, e discutidas, tanto pelo terapeuta quanto pelo cliente. Refletindo acerca
de quão cuidadoso o terapeuta deve ser a respeito da escrita da carta, fiz um paralelo desta
com a nossa comunicação verbal: se temos que cuidar de nossas falas para além do
consultório, de maneira a não expor nosso cliente, as cartas também o devem. Assim, a nossa
voz são as nossas idéias, que estão sendo carregadas e guardadas por nossos clientes, seja em
suas casas, ou em seus pensamentos. Como quero que as pessoas me ouçam? É importante
perguntar, em meu processo de escrita, quais detalhes são para o cuidado e quais são para a
exposição indevida do cliente. De que forma eu protejo, e de que forma eu me ausento. Com
isso, ressalto que cuidados éticos perpassam pelo cuidado no relacionamento.
8.3. As cartas no contexto do registro documental obrigatório
Na prática clínica, o estudo das cartas traz inúmeras implicações. Seja em relação ao
terapeuta, ao cliente ou à relação entre os dois, as cartas auxiliam, promovem e constroem
uma prática clínica mais horizontal e participativa (Moules, 2003a). Davidson e Birmingham
(2001) sintetizam algumas das vantagens das cartas terapêuticas na clínica, tais como: serem
facilmente disponíveis e poderem atuar como lembretes instantâneos, poderem ser
compartilhadas e discutidas com membros da família e com amigos, desenvolver idéias e
sugestões levantadas na sessão, levantar questões que podem levar a novas perspectivas do
problema, ser um método eficaz para os membros silenciosos da família se comunicar uns
com os outros, permitirem a discussão racional sobre potenciais questões explosivas,
mostrarem respeito e darem autoridade para o paciente por seu papel na carta, possibilitarem
oportunidade para reflexão pelo paciente antes de se comunicar com outros membros de sua
família, e ser o ponto de partida para futuros diálogos em casa. Os autores ainda apontam que
as cartas auxiliam o terapeuta a refletir e integrar suas idéias, promovendo a abertura para o
139
planejamento, o que mantêm o terapeuta todo o tempo respeitoso às informações
comunicadas, encoraja a clareza das idéias por poder ser o único registro clínico mantido pelo
terapeuta e compartilhado com o restante da equipe clínica.
Cientes das vantagens e dos benefícios acarretados pelo uso das cartas terapêuticas,
buscaremos nesse tópico analisar a relação entre as cartas como documento clínico e a
normatização do Conselho Federal de Psicologia (Resolução 001/2009) que dispõe sobre a
obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos.
O CFP ressalta a “necessidade de haver um registro de informações decorrentes da
prestação de serviços psicológicos que possibilite a orientação e fiscalização sobre o serviço
prestado e a responsabilidade técnica adotada” (para.2), afirmando “a necessidade de
contemplar de forma sucinta a assistência prestada, a descrição e a evolução do processo e os
procedimentos técnico-científicos adotados no exercício profissional” (para.3), bem como
aponta que o
registro documental, além de valioso para o psicólogo e para quem recebe atendimento e,
ainda, para as instituições envolvidas, é também instrumento útil à produção e ao
acúmulo de conhecimento científico, à pesquisa, ao ensino, como meio de prova idônea
para instruir processos disciplinares e à defesa legal (para.4).
Algumas questões relativas a esses parágrafos da Resolução podem ser discutidas a partir
de idéias e conceitos já apresentados nesse trabalho. Entretanto, essas questões abrangem
campos mais amplos, relativos ao entendimento de conhecimento e verdade, colocando as
cartas terapêuticas em uma perspectiva diferente da epistemologia ressaltada pelo Conselho
Federal de Psicologia (CFP).
A norma do CFP atende a um conhecimento técnico-científico empiricista, no qual existe
o entendimento de que o conhecimento pode ser ‘acumulado’, e existir como ‘prova idônea’.
Calcado em um pensamento moderno, a busca por quem se apóia nesse preceito é por um
140
conhecimento fundamental, certo e seguro, de um mundo objetivo que existe
independentemente de um sujeito cognoscente. Por se tratar de um conhecimento
cumulativo, observável, verificável e universal, o discurso filosófico da modernidade é
do tipo unívoco, apoiado em um valor de verdade e estabilidade (Grandesso, 2000, p.49).
Contrário a esse entendimento, o registro da carta terapêutica vem ao encontro de uma
postura pós-moderna, na qual conceitos de validade e fidedignidade são deixados de lado. O
objetivo da resolução do CFP insere-se na percepção de necessidade de ‘orientação e
fiscalização sobre o serviço prestado e a responsabilidade técnica adotada’ (para.2), sendo
normatizado, portanto, para ser um método de regulação e controle. Por outro lado, o objetivo
das cartas terapêuticas encontra-se na construção de sentidos, por meio das interações
dialógicas realizadas no contexto clínico. A busca não é calcada em verdades históricas, mas
em verdades narrativas, que não são individuais, mas sociais. Dessa maneira, qualquer
construção realizada nas cartas terapêuticas, ou em qualquer outro documento clínico, serão
entendidas conforme ressaltado por Freedman e Combs (1996), como construções sociais
úteis, não fazendo referência a fatos de uma realidade externa e preexistente. Para o CFP, a
obrigatoriedade documental vem atender a uma “necessidade de contemplar de forma sucinta
a assistência prestada, a descrição e a evolução do processo e os procedimentos técnico-
científicos adotados no exercício profissional” (para.3). Ao ter acesso às cartas terapêuticas
não se consegue visualizar de forma sucinta as intervenções do terapeuta e em como essas
intervenções evoluíram. As cartas são o próprio instrumento interventivo, construídas a partir
de ações já realizadas no momento da sessão ou que estão sendo realizadas durante a redação
do documento clínico, não buscando atender a uma necessidade de descrição sobre os
instrumentos utilizados durante a sessão, mas almejando ressaltar a evolução do paciente e
convidando-o a desenvolver seu processo de re-autoria. Refletindo acerca dessa questão
141
técnica, as cartas como documento clínico seriam um convite a pensar nessas estruturas
técnico-científicas como socialmente construídas, dentro de determinados contextos.
Ao longo dessa pesquisa, temos apresentado o quanto as cartas terapêuticas têm sido
vistas como úteis e valorosas tanto para terapeutas quanto para as pessoas que a recebem.
Aliado a essa questão, as instituições também se beneficiam da carta, por esta ser um
importante relato clínico para outros profissionais (Vidgen & Williams, 2001). Tais relatos
permitem a visualização do movimento de evolução do cliente, o que pode auxiliar na
continuidade de seu atendimento. Entretanto, essa conclusão não pode ser entendida como em
concordância com a norma do CFP, que afirma ser o registro documental valioso para o
psicólogo, para o cliente e para as instituições envolvidas, por este estar sustentado em uma
epistemologia moderna, na qual esse valor é encontrado no registro da verdade, da validade e
da fidedignidade, produzindo e acumulando conhecimento. As cartas terapêuticas são
importantes para o terapeuta, clientes e instituições por descreverem da evolução do processo,
contar das construções co-colaborativas e ressaltar os momentos de mudança, não
pretendendo atender a qualquer necessidade de ‘instruir processos disciplinares’ e servir
como documento para ‘defesa legal’.
Outro ponto que podemos destacar nessa discussão diz respeito ao tempo utilizado pelo
terapeuta para registrar as informações do atendimento psicológico prestado. Conforme
apontado anteriormente, os autores Freeman et al. (1997) apontam que as cartas terapêuticas
podem ser consideradas por alguns como “assustadoras e demoradas” (p.113). Porém, o
registro documental como documento clínico apresenta inúmeros benefícios ao terapeuta,
auxiliando-o inclusive a refletir sobre as questões suscitadas durante a sessão. Entendemos
que a elaboração do registro clínico, que tenha como objetivo principal atender a uma norma
fiscalizadora contribui para sua não realização da maneira como especificada, já que pode ser
realizada de maneira mecânica e repetitiva. A carta terapêutica, apesar de ser útil como
142
documento clínico, não se propõe a cumprir um fim fiscalizador, mas busca atuar nas
relações existentes entre terapeuta e cliente, promovendo uma possibilidade a mais de
comunicação na clínica, o que implica em reflexão e criação particularizada para cada
paciente.
Assim, por serem escritas de maneira respeitosa, de forma transparente e cuidadosa, em
co-colaboração e concordância com o cliente ao qual a carta se refere, as cartas exercem um
papel ético à medida que reconhece o crescimento do paciente, contando de sua evolução.
Assim, elas não são calcadas em procedimentos administrativos, mas pautam-se na relação do
terapeuta com o cliente e em como essa é construída e relatada. A verdade não está no
terapeuta e no que ele relata como verdade idônea, mas na relação e em como ela constrói
histórias.
A partir dessas considerações, as cartas terapêuticas colocam-se como documento
significativo no processo terapêutico, porém em uma lógica que não satisfaz as preocupações
presentes na Resolução do CFP. Como instrumento interventivo, as narrativas na carta
adquirem um tom plural, múltiplo, de caráter local e contextual, no qual as concepções
rígidas de singularidade e imutabilidade são suspensas, dando espaço para o novo, o
desconhecido, um mundo de possibilidades e histórias a serem construídas, contadas e re-
contadas.
8.4. Possibilidades para pesquisas futuras
Essa pesquisa teve como foco o processo de escrita, baseando-se especificamente nos
princípios e procedimentos que podem ser utilizados para a redação da carta terapêutica.
Porém, outras questões permanecem, e podem ser consideradas para pesquisas futuras, tais
como:
143
1) No âmbito do paciente: os princípios o procedimentos utilizados na carta são
percebidos pelos clientes? Qual a influência, dessa percepção ou de sua ausência, no
processo de mudança deles? Quais os sentidos dado à carta pelas pessoas que as
recebem? Qual o impacto as cartas têm nos clientes que as recebem? Quais as
dificuldades e os benefícios percebidos por eles?
2) No âmbito do terapeuta: como é o processo de escrita das cartas para os terapeutas?
Em quais momentos eles as utilizam? Quais as dificuldades e os benefícios
encontrados no uso desse instrumento? Como eles lidam com as questões éticas?
3) No âmbito da estrutura e conteúdo da carta: A estrutura das cartas, conforme
apresentada neste estudo, é uma estrutura que facilita o acesso e o entendimento da
mensagem que o terapeuta busca passar? Quais as possibilidades de outros estilos de
escrita? Que tipo de perguntas, reflexões e apontamentos são importantes para estarem
na carta? Qual a diferença de estrutura e conteúdo de cartas enviadas para grupos e
cartas enviadas para indivíduos e instituições? Em que outros contextos de trabalho as
cartas podem ser utilizadas? Com o avanço da tecnologia, como as cartas poderiam
ser enviadas por e-mail? Quais os benefícios, limitações e cuidados éticos estariam
relacionados a essa prática?
Essas são apenas algumas das perguntas que me acompanharam durante o processo de
pesquisa. Como dito anteriormente, o interesse pelas cartas terapêuticas têm sido crescente, e
na última década têm ocorrido pesquisas em vários campos. São poucos os estudos, contudo,
relativos ao uso das cartas na prática grupal, bem como pesquisas que guiem os terapeutas a
redigir cartas de forma sistemática e produtiva. Apesar de perceber o valor das cartas na
prática psicoterápica, e a importância desse instrumento no cumprimento da obrigatoriedade
do registro documental exigida pelo CFP, não encontrei estudos referentes às cartas
terapêuticas no Brasil, o que gera maior necessidade de pesquisas futuras nesse campo,
144
principalmente em relação à forma de escrita e quanto às categorias que podem ser utilizadas
para sua construção.
145
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154
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155
APÊNDICE A: Consentimento livre e informado
Eu,_____________________________________________________________,
aceito participar do estudo intitulado “O uso de cartas terapêuticas em terapia de grupo”,
realizado por Ludoana Pousa Corrêa de Paiva Penha, com a colaboração de Gabriela Martins
Silva e Lívia Andrade dos Santos e sob a orientação do Prof. Dr. Emerson F. Rasera.
Declaro estar ciente que este estudo tem, como finalidade, investigar os sentidos das
cartas terapêuticas presentes em conversas com participantes de grupos terapêuticos que
utilizam este recurso. Minha aceitação significa que concordo em participar das sessões
individuais e grupais, as quais serão gravadas.
Fui assegurado de que este trabalho será desenvolvido dentro de todas as condições
éticas e técnicas conhecidas de modo a minimizar os riscos à minha saúde mental e que
poderei me beneficiar dele, na dependência do meu envolvimento e dos demais participantes.
Entre os possíveis benefícios deste trabalho está a possibilidade de compartilhar minhas
questões, podendo minimizá-las de acordo com minhas participações no grupo.
Declaro também que:
a) Fui esclarecido que como forma de me identificar frente ao grupo será utilizado nas
cartas apenas a inicial do meu primeiro nome;
b) Estou aceitando voluntariamente, e sem remuneração, a participação neste estudo, não
tendo sofrido nenhuma forma de pressão para isso;
c) Posso deixar de participar do estudo a qualquer momento, se eu desejar, sem que isso
me cause qualquer prejuízo;
d) Outras possibilidades de atendimento psicológico serão oferecidas na mesma
instituição, a critério da psicóloga, em qualquer momento dos atendimentos grupais
que eu venha a necessitar, bem como em caso de minha desistência na participação do
referido estudo;
e) Fui assegurada de que minhas informações serão utilizadas somente para fins de
pesquisa, cujos resultados serão sempre divulgados de forma a não me identificar;
f) Fui assegurada de que o áudio resultante das gravações dos grupos e das entrevistas
serão apagados após a transcrição das mesmas, sendo que o material transcrito
consistirá em um banco de dados para ser utilizado em futuras análises, garantindo,
com a destruição dos áudios, que eu não seja identificado;
g) Poderei entrar em contato com a pesquisadora Ludoana Pousa Corrêa de Paiva Penha
(*) e com o PROF. EMERSON F. RASERA (*) para tratar de qualquer situação
relacionada à minha participação neste estudo, caso eu julgue necessário.
Pesquisador: ______________________ Assinatura: ____________________________
Participante:______________________Assinatura:_____________________________
Uberlândia____de _______________ de 2008.
156
* Pesquisadora: Ludoana Pousa Corrêa de Paiva – Instituto de Psicologia da UFU – Avenida
Pará, 1720, bloco 2C, Fone: 3218-2701.
*Prof. Emerson Rasera – Instituto de Psicologia da UFU – Avenida Pará, 1720, bloco 2C,
Fone: 3218-2235.
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia – Fone: 32394131
157
APÊNDICE B: Queridos membros do grupo,
A. iniciou a sessão nos dizendo que sentiu que estamos conseguindo nos expressar um pouco
melhor como grupo, e que os sentimentos estão ficando mais claros. Segundo ele, muitas vezes
maquiamos os problemas por um tempo, mas a partir da convivência com o grupo ele conseguiu
mostrar seus problemas sem essa maquiagem. Essa foi uma fala muito importante para mim dentro
do grupo: ele nos contou que confiou a nós suas histórias. Fiquei curiosa em saber como vocês
ouviram essa fala de A. e em como vocês estão se sentindo como grupo.
A., outro momento de sua fala que pra mim mostrou-se importante foi podermos conhecer os medos
que às vezes aparecem em sua vida. Gabriela, na equipe reflexiva, ressaltou o quanto achou essa uma
atitude de coragem. Acredito que conhecermos esses medos faz-se essencial para podermos enfrentá-
los. Por isso, valorizo a distinção que você fez desses diferentes tipos de medo: medos que te ajudam
a se tornar cauteloso e medos que te atrapalham e paralisam. Como você acha que podemos fazer
para diferenciar um medo do outro no momento em que eles aparecem? Nas situações em que o
medo não foi de ajuda, como você o superou e não deixou que ele te paralisasse? Qual o primeiro
passo que você deu?
L., fiquei contente pelas contribuições que você deu ao grupo. Você nos trouxe o enfrentamento de
um medo seu, e em como você conseguiu lidar com isso dividindo suas preocupações com sua
esposa. E então me lembrei de você nos contar do seu lado que fica pensando sozinho nas
preocupações. Pensando nessas duas coisas, isso me fez refletir: Como você se sentiu dividindo com
sua esposa uma preocupação? Será que você poderia dividir outras preocupações com outras
pessoas? Como seria isso? Como isso poderia ser de ajuda?
Li., como achei bonita a sua participação. Você se conectou com a história das demais pessoas e nos
deu um exemplo de como uma pessoa próxima a você que se vê envelhecendo está tendo que mudar
algumas atividades, e de como todos nós vamos tendo que nos adaptar a novos jeitos de viver.
Sempre te percebo muito forte e confiante em dias melhores. E fico curiosa em saber: como essa
força e confiança têm te ajudado a lidar com aquelas assombrações que teimavam em ter perseguir?
C. você também concordou com o que a Li. falou, contando que também percebe mudanças em
você, tais como estar mais calma e relaxada. Para você, como é se sentir mais calma e relaxada?
Como se deu essa mudança? O que mudou no seu dia-a-dia ao você estar mais calma e relaxada? Em
que momentos você consegue estar assim? Eu gostaria muito de te escutar um pouco mais no
decorrer da sessão. Como você acha que podemos fazer isso? O que depende de mim, o que depende
de você e o que depende do grupo para que isso aconteça?
H., você dividiu conosco alguns medos que já apareceram e que você conseguiu enfrentá-los
chutando o balde do medo. Achei essa uma história de superação, que só pode vir de uma mulher
determinada e de coragem. Você disse que se não fizesse isso, ninguém faria por você. E agora, H., o
que mais você gostaria de fazer por você? Como convidar aquela coragem e determinação para te
ajudar nessas novas histórias e com os velhos baldes que te trouxeram à terapia?
J. assim como dito para a C., também fico curiosa em escutar suas histórias. Como podemos fazer
isso? Nessa sessão, você nos disse que muitas vezes devemos aceitar as coisas que acontecem com a
gente. Como isso se encaixa em sua vida, J.? Que coisas você deve aceitar? Que coisas você não
deve aceitar e deveria chutar, assim como o balde do medo do A. e da H.? Do que você precisa para
poder aceitar? Do que você precisa para poder chutar essas coisas, J.?
E. achei bonito você dividir conosco sua pressa em ir embora e a ansiedade que estava te
acompanhando durante todo o grupo. Fiquei feliz por você ter vindo e ficado, mesmo tendo tantas
coisas lá fora te esperando. Isso possibilitou que a gente pudesse sentir o seu compromisso com o
grupo. Fiquei emocionada ao você nos contar que tem uma história de vitórias, “desde o ventre”.
Imaginando que a gente se encontre daqui a um tempo, para que você me conte sobre como essas
histórias de hoje se desenrolaram, que coisas você esperaria me contar? Como você planeja terminar
esse capítulo da sua história, E.? O que precisará acontecer para o que você imagina e deseja
aconteça?
Fiquei comovida com essa sessão e com as histórias que escutei de cada um de vocês. Mais uma
vez, percebi o grupo se empenhando em ajudar uns aos outros e buscando se ajudar, relatando com
sinceridade os medos que os acompanham e os baldes a serem chutados. Essas falas foram mescladas
com histórias de superação e conquistas. Isso me deu uma sensação de que juntos podemos construir
novas histórias, enfrentar os medos e chutar novos baldes. Senti muito a falta de R. e M. Fico na
expectativa do nosso próximo encontro.
Ludoana Paiva 10ª sessão 30/10/2008
158
APÊNDICE C – TRANSCRIÇÃO 9ª SESSÃO 1
2
Sessão 09 – 30/10/2008 3
Terapeuta: Ludoana 4
Equipe Reflexiva: Gabriela. 5
Participantes presentes: Joana, Antonio, Lucas, Ligia, Renata, Elisa e Cibele. 6
Participantes ausentes: Rogério e Mariana. 7
Ludo: Hoje vocês querem ficar mais juntinho?! 8
Lígia: É hoje estamos com frio. 9
(Risos) 10
Ludo: Vou pegar a carta da última sessão. Depois, no final da sessão, a gente vê que cartas 11
que estão faltando pra quem, tá? Eu tenho aqui na minha relação. O Rogério ligou. Ele já 12
tinha falado que às vezes ele teria um compromisso quinta-feira, e aí ele não vai poder vir. É 13
um dia diferente né, que a gente marcou. 14
Ludo: Lucas, a gente na sessão retrasada... 15
Lucas: Ãhn... 16
Ludoana: a Cibele me perguntou né, se ela poderia receber as cartas de quando ela não viesse. 17
Aí a gente combinou que vai receber. Então, depois eu te dou as cartas das sessões que você 18
não veio. 19
Lucas: Humhum 20
Ludo: Vamos lá então: 21
Queridos membros do grupo, 22
As conversas dessa sessão me deixaram bem pensativa. Fiquei pensando em como estamos 23
construindo nossos diálogos, como conectamos nossas histórias com as das outras pessoas e 24
de que forma podemos ajudar aos outros e à nós mesmos. Percebo que com o decorrer do 25
grupo fomos construindo um jeito de ser e de estarmos juntos, mas nessa sessão funcionamos 26
um pouco diferente do que nas demais sessões... Como vocês se sentiram? Como vocês se 27
sentem escutando as histórias de outras pessoas? Essas outras histórias ajudam vocês em suas 28
questões? Quando elas são de ajuda? Quando elas não são de ajuda? O que podemos fazer 29
quando as conversas não estão sendo de ajudas? 30
Mariana, você nos disse que está percebendo mudanças em você, e as percebe por pequenas 31
coisas do seu dia-a-dia, tal como conseguir levar a sua filha para a escola, mesmo chorando, e 32
conseguir cumprir seu compromisso. Vejo como você cresce a cada dia, como a sementinha 33
159
que você disse ter plantado. Fico feliz por suas conquistas e por você compartilhar conosco 34
seus planos futuros. Fico pensando em como o grupo ainda pode te ajudar a fortalecer essa 35
nova história e essa nova Mariana que está surgindo. 36
Renata, fiquei tocada pelas coisas que você disse. Elisa dividiu com você a história dela, 37
contando que também já esteve com uma dor parecida com a sua. Como você se sente 38
sabendo que outra pessoa já passou por isso? Fiquei observando você nos contar sua história e 39
fiquei curiosa: Por que você nos conta coisas tão difíceis com um sorriso no rosto? O que 40
significa para você sentir ciúme do seu marido? Esse é um sentimento que te causa 41
sofrimento? O que teria que acontecer para que esse sentimento se afastasse? Que mudanças 42
devem ocorrer? O que depende de você para propiciar essas mudanças? O que depende do seu 43
marido? Como será seu casamento quando isso ocorrer? 44
Elisa, fiquei te ouvindo contar de uma semana que teve um dia difícil, de algumas coisas ruins 45
que aquela Elisa insegura trouxe para você. Fico muito mobilizada por suas histórias, pela sua 46
superação e pela força que essa nova Elisa te traz. Mas reconheço esses momentos difíceis 47
que você conta, muito comovida. Fico mais comovida por ouvir a sua força em mandar a 48
Elisa insegura embora. Acredito que isso demanda maturidade e esforço. E fico curiosa em 49
saber, que coisas a Elisa segura e forte disse para que a Elisa insegura fosse embora? Como 50
foi isso? Você já teve essa mesma força em outros momentos? Quando? 51
Antônio,você nos contou algumas coisas de sua vida que às vezes o incomodam, tais como 52
quando um filho ajuda financeiramente em casa, e o fato do sofrimento estar presente pela 53
dificuldade que você sente em trabalhar. Pensando nessas histórias, fiquei imaginando se isso 54
teria a ver com o que a nossa sociedade espera de um homem, de um bom pai e bom marido. 55
Você acha que isso influencia o jeito que você se sente? 56
Rogério, você esteve presente em várias das discussões do grupo. Mas fico pensando em 57
como posso te convidar a participar mais das conversas, de forma a se colocar diante dessas 58
questões. Acredito que quando a gente se coloca para o outro, misturamos nossa visão de 59
mundo e a nossa história, o que é uma oportunidade pra nós, como grupo, te ajudarmos 60
também em suas questões. Como é isso para você? Cibele, conversamos um pouco sobre o 61
desejo de ter um controle em coisas que muitas vezes se mostram incontroláveis. Quando 62
você nos contou a história das mangas e disse não querer ter ficado brava com uma coisa 63
ruim, eu fiquei pensando: Por que você quer tanto se controlar? O que acontece nos 64
momentos em que você não se controla? O que você pensa de uma pessoa que em um 65
momento de muita raiva mostra essa raiva? Se descontrolar em alguns momentos significa 66
que você é descontrolada? 67
160
Fiquei pensando em quando o Antônio disse que queria “chutar o balde”, se referindo a se 68
permitir “deixar as coisas rolarem”. Fico pensando: quem nos diz o que é permitido ou não? O 69
que fazemos com o que as pessoas nos dizem e que não concordamos? É possível estar bem 70
com as pessoas fazendo o que desejamos fazer? Senti falta de Lucas, Joana e Lígia. Espero 71
podermos estar juntos em nosso próximo encontro. 72
Ludoana Paiva – 8ª sessão – 21/10/2008 73
Cibele: Muitas perguntas... 74
Renata: A Mariana também não ligou? 75
Ludo: Não, não ligou. 76
Antônio: A última, a penúltima, a última, né, sessão, fritou muito, né? As coisas...ficou assim, 77
mais à mostra, né 78
Ludo: Como assim, Antônio? 79
Joana: Posso ficar com ela? (se referindo à carta) 80
Ludo: Pode. 81
Cibele: Qual que foi sua impressão? 82
Antônio: Bom, eu acho que o pessoal tá mais, todo mundo tava mais sensível né. Então, 83
acabou...sendo mais, escutou mais o problema de um de outro mesmo; sentimento mais claro 84
né, não é aquela história contada, mas um sentimento né, que tava se expressando. Até eu 85
mesmo posso dizer que isso ta sendo um pouco melhor, e, e...o que eu passo, o que eu to 86
sofrendo, e...meu sofrimento mental e tudo mais... 87
Ludo: Antônio, o quê que aconteceu no grupo que te ajudou? O que você acha que...foi 88
diferente na sessão passada? 89
Antônio: Não, eu acho que na medida dos dias, todas as pessoas tá colocando assim, 90
realmente, aquilo que sofre, né. Na verdade, acho que quase todo mundo faz isso. Você dá 91
uma maquiada nos seus problemas, seus sentimentos e precisa de um tempo pra colocar isso 92
de verdade. Eu acho que na maioria do grupo, naquela sessão, na última sessão, tinha gente de 93
verdade, bem próximo dessa realidade né, que não é verdade, é uma, é uma realidade. 94
Ludo: Humhum... E como que foi pra você colocar aqui pro grupo as suas questões? 95
Antônio: Não, foi bom. Eu acho que foi um desabafo. É... eu tenho que estar pronto pra 96
resolver meus problemas, mas foi um desabafo. E foi também colocado que a gente entende 97
que tá todo mundo com problema, né? Problemas simples. Às vezes alguns problemas são 98
simples, e aí a gente vai valorizando muito, potencializando muito esse, essas causas, que nos 99
atinge, principalmente a mim que, que como se diz, fazer tempestade num copo d’água né, ou 100
ter medo que, no caso, eu tenho um pouco de medo... 101
161
Ludo: Medo de quê, Antônio? 102
Antônio: Ah... eu... sei lá. Tenho medo de não dar conta de tocar a vida né. 103
Ludo: Medo de não dar conta? 104
Antônio: É... 105
Ludo: O quê que é tocar a vida? 106
Antonio: Ah... Tocar a vida é simples. É trabalhar, organizar a família, tomar conta dos filhos, 107
da esposa, ultimamente ela que toma conta de mim, é o contrário. 108
Ludo: Por quê que a sua esposa toma conta? Eu fico curiosa com isso “tenho medo de não 109
conseguir tocar a vida”. Tocar a vida é dar conta de cuidar da esposa e dos filhos. E aí ele 110
conta que percebe que são os filhos e a esposa que cuidam dele.... Aí eu fico pensando, de que 111
cuidado que a gente ta falando... 112
Antônio: Não... Se eu tô aqui hoje, somente, é..., 50% meu e talvez um pouquinho mais de 113
50% dela. Em, em fazer... cuidar de mim. Medicação... eu tô igual menino né. Ela que me dá 114
medicação, faz as coisas, faz meus horários, faz eu querer chegar mais tarde no trabalho o dia 115
que eu não tô bem... 116
Ludo: Isso é o que ela faz por você, né. E o que você faz por ela? 117
Antônio: Ah... O quê que eu faço por ela? Eu... sei lá. Eu não sei como expressar o que eu 118
faço por ela. Mas a gente se dá muito bem, sempre dou muito carinho, dou muito apoio. Acho 119
que qualquer sentimento que ela vai ter, eu tô antecipando né; até pelos meus defeitos que eu 120
tenho, alguma coisa que começa incomodá-la, eu já to antecipando o problema, resolvendo. 121
Isso, até hoje ela puxa a minha orelha por causa disso. Eu passei a vida inteira resolvendo os 122
problemas que eu podia ter deixado que ela resolvesse, os meninos resolvesse... 123
Ludo: Teve uma sessão, Antônio, há um tempão atrás, que a gente convidou a sua esposa para 124
vir aqui conversar né. Eu falei: “ah... o quê que ia falar do Antônio?”, aí você falou assim..., 125
se eu tiver errada, você me corrige, tá? Que esse Antônio era quase perfeito, se não fosse pelo 126
ciúme dele. E eu entendo que um homem quase perfeito, é um homem que ajuda muito, é um 127
homem que está presente...ou não? 128
Antônio: É. 129
Ludo:E aí eu fico pensando... Será que o Antônio acha que por ele não estar trabalhando do 130
jeito que ele acha que ele devia trabalhar, ele deixa de lado toda a parte boa que ele faz com a 131
família dele, como se... se anulasse a parte boa? 132
Antônio: Ah! Com certeza! Mas eu não vivo ela intensamente como eu devia viver. Não 133
consigo. É diferente. Não que eu não queira viver assim, esses momentos, né. 134
162
Ludo: Então gente... O quê que a gente pode pensar de um homem que não trabalha todo o 135
tempo? O que a sociedade pensa de um homem que não trabalha todo o tempo, mas que cuida 136
da família, dá apoio pra mulher, cuida dos filhos. O que vocês acham que as pessoas vão 137
pensar? 138
Antônio: Eu não sei, eu acho que eu sou...eu acho que eu sou meio, eu acho não, eu tenho 139
certeza, que eu sou bastante conservador. Eu acho que até da minha geração, por exemplo, o 140
responsável pela manutenção da casa, das despesas, essas coisas, é o homem. Então, deve ter 141
sido um ponto de vista nos dias de hoje totalmente antigo, né. E se esse homem tá perdendo 142
essa... Essa força, essa capacidade de fazer isso, naturalmente ele perde, eu, eu acho, a minha 143
esposa nunca acha isso, eu acho que eu tô desvalorizado, enquanto homem, como eu fui a 144
vida toda, de (tantos) anos de casados. Isso me incomoda, me sinto desvalorizado. 145
Ludo: Você busca ser um homem perfeito? 146
Antônio: Mais ou menos, não perfeito, porque defeitinho a gente tem alguns 147
Ludo: E pra vocês? Como vocês escutam o Antônio? 148
Ligia: Tem uma coisa que eu queria falar pra ele essa semana, quem ama cuida, ela cuida do 149
que ela ama, né? Pra ela não interessa se ele trabalhá, se tem que trabalhar, ela quer cuidar 150
dele porque ela ama ele. 151
Elisa: Mas eu acho que ela tá torcendo pra ver ele bem de saúde e feliz né? 152
Ligia: É 153
Elisa: Porque se num passe de mágica, assim de repente, o Antônio entender, que ser cuidado 154
é tão bom, né? E aí, ser cuidado por um tempo, deixasse o filho dele cuidar, a mulher cuidar, é 155
só, é temporário até...né? 156
Lígia: Isso é uma espécie de um mimo né? Você não é manhoso não? 157
Antônio: Hem? 158
Lígia: Ser manhoso. Você não tem, você podia ser manhoso, meu marido é manhoso. Eu olho 159
pra ele e já ‘ai bem, tá doendo a minha perna’ eu olho de novo ‘ai, minha outra perna’. Ele vai 160
dormir e fica gemendo porque quer massagem nas perna dele. O problema dele é as perna. 161
Antônio: Não, eu sou mais teimoso do que manhoso. Eu ainda faço coisa que não devia fazer, 162
né? Isso que...eu acho que manhoso não. 163
Joana: Ih, um mimo é tão bom, esses dias fui coberta de mimo, achei tão bom (risos). 164
Ligia: È ótimo 165
(silêncio) 166
Ludo: Lucas e o que você pensa? 167
163
Lucas: Eu tô vendo, igual aqui, o Antônio comentando, e ela colocou ‘será que você é 168
manhoso’ e eu acho que o Antonio não é manhoso... 169
Ligia: Não é não! 170
Lucas: Parece que a esposa dele na verdade só falta adivinhar o que ele quer, é mais ou menos 171
isso Antônio? 172
Antônio: È mais ou menos isso. 173
Ligia: Acho que ela queria um pouquinho de dengo também. 174
Lucas: E essa colocação do Antônio, que é um homem muito conservador e hoje na verdade 175
os preceitos não dá muito. Antônio, igual no caso hoje, esse negócio da mulher trabalhar é 176
uma coisa muito natural, mas cê, cê se cobra exatamente pelo fato de você ser uma pessoa 177
muito conservadora entendeu? Você fica automaticamente se cobrando muito entendeu? Tudo 178
junto, mudou hoje mudou muito, Antônio, vamos mudar isso, esse instinto seu de ser um 179
homem conservador...automaticamente cê acaba, igual, sofrendo isso, muito simples, igual 180
pra gente, a gente fala: vão mudar. É fácil pra gente falar, eu sei que pra você, um pouco 181
difícil né parece? Mas assim, hoje igual você é... Mas assim, igual a Ludoana colocou como 182
será ver um homem que na verdade é assim, um homem produtivo, o Antônio não seria um 183
homem produtivo, um homem que produziu muito e devido a essa indefinição que é o que, 184
que é o que ele tá passando, ele tá passando, esse pessoal lá não resolve sua vida, né, 185
Antônio? Ou te aposenta, ou não te aposenta, é aquela indefinição. É um momento que parece 186
que não tem nada definido? 187
Antônio: Não 188
Lucas: Aí fica naquela ansiedade que acaba automaticamente atrapalhando ele demais da 189
conta. (...) 190
Falam, ao mesmo tempo, todos. 191
Ludo: Então, o que eu fico pensando é assim o Antônio trabalha e por que será que mesmo 192
assim ele acha que ainda faz pouco. 193
Lucas: Mas, é por que ele sempre foi uma pessoa que sempre fez muito né? 194
Ludo: Hum 195
Lucas: Pelo fato de hoje, acho que tá se cobrando e fazendo um pouco menos, ele fica sempre 196
se cobrando pra tá fazendo pode fazer mais, pode fazer mais, agora como se diz: tem que 197
deixar os fi, os filhos fazer um pouquinho também, igual você fala que os meninos já te ajuda, 198
entendeu? E automaticamente você é muito conservador, acaba te fazendo, entendeu, mal? 199
Mas quando na verdade eles se sentem bem também em poder ajudar, né Ludoana? 200
Ludo: humhum. 201
164
Lucas: Deixa eles ajudarem também, podendo ajudar, vamo ajudar todo mundo, uni todo 202
mundo e vamu.... 203
Cibele: É, pegar aquela fala da Elisa da sessão passada 204
Ludo: Hum? 205
Cibele: A questão de se cobrar né? É,é o caso que, que...ta se passando com você, Antônio. 206
Antônio: Com certeza 207
Elisa: Eu acho que já é a síndrome também. Ele tá percebendo que em casa os meninos tão 208
crescendo, tão ajudando e ele não queria bem lá no fundinho isso, entendeu? Igual lá em casa 209
assim: eles cresceram e casaram. Eu tô ali: eu olho neto, eu vejo se tem roupa suja, vejo se 210
tem roupa no arame, sabe, isso é o que eu faço. 211
Ludo: Você acha que... 212
Elisa: E eu não canso tanto 213
Ludo: È como se as coisas tivessem saindo um pouco do domínio dele. 214
Elisa: Saindo do controle dele, debaixo das asas, é isso mesmo. Será que um pouquinho não é 215
isso não? Tá vendo tudo crescendo, tudo indo embora e vai ficar só você e a véia... (risos) 216
Cibele: Ela é ótima. 217
Elisa: Igual lá em casa! 218
Antônio: Não, lá em casa nós voltamo a namorar de novo, porque na verdade estão 219
sobrando... 220
Elisa: Ô Antônio! Que gostoso! 221
Lígia: A gente sente falta! 222
Antônio: É...Os meninos, os meninos tem os programa deles, é sair pra outro lado, final de 223
semana eles não tem...vem pro almoço, talvez, né. Pra almoçar todo mundo junto, é difícil 224
Elisa: Mas, a gente sente falta não sente? De cobrir de noite. 225
Antônio: Sente. 226
Lígia: De chegar ali pra dar certo, de fechar a porta, falar graças a Deus, ta tudo em casa! 227
(risos) 228
Joana: Dá um alívio, né? 229
Antônio: Mas, a gente culpa, talvez, tudo na vida é o seguinte: eu fiz um planejamento de vida 230
desde quando eu casei que até três anos atrás estava indo muito bem, tava cumprindo a risca 231
todos os programas, todos...De casar, ter dois filhos, Deus abençoou, eu ganhei um casal e 232
tudo mais. Tocar a vida, vinha a minha aposentadoria antes de eu mudar pra...e depois que os 233
menino formá a gente ia mudar pra Ilhéus, tava tudo pronto 234
Ligia: Hã, de repente não saiu bem... 235
165
Antônio: De repente o trem... a saúde me rebentou e...aí os planos começam a sair fora 236
Ludo: E por quê que cê conta que isso aconteceu de três anos pra cá? O quê que aconteceu 237
três anos atrás? 238
Antônio: Não, de três anos pra cá eu perdi a capacidade de trabalho, né? Eu não sou, eu não 239
tenho a agilidade pra trabalhar que eu tinha anteriormente e nem a paciência, são dois 240
inimigos mortais na minha vida, tem, tem tolerância zero 241
Ludo: E aí, pensando nisso...eu penso assim: a vida da gente vai mudando, as pessoas vão 242
mudando e a gente não vai mudando um pouquinho pra dar conta de se adequar a algumas 243
coisas. 244
Antonio: Sim. 245
Ludo: Os planos não podem mudar um pouquinho também? 246
Antônio: Uai, claro. 247
Ludo: Tá. E pensando hoje, né, em como está a sua vida: seus filhos saindo de casa, apesar 248
desse medo que você conta em viver, você criou os dois meninos, né? Tá com uma mulher 249
maravilhosa dentro de casa, tá trabalhando, voltou a namorar depois de quantos anos de 250
casado? 251
Antônio: Mais de 20 252
Ludo: Mais de 20 anos de casado, namorando em casa e eu fico pensando que tudo isso é 253
conquista, sabe? E quais são os planos agora, pensando na vida hoje? 254
Antônio: Èé... eu acho que tem dia que eu acho que eu não vou sobreviver pra chegar ao fim 255
desses planos. Porque se eu entrar numa situação hoje de, de como se fosse de uma 256
humilhação de, de (...) 257
Lígia: Para algumas pessoas é tão difícil, né? Mas é...entrando noutro assunto, quantos anos 258
você tem, Antônio? 259
Antônio: 47. 260
Lígia: 47? Cê ta novo. Meu marido vai fazer 50 anos, ele jogava bola, ele passava a noite no 261
X, onde ele trabalha né? Tirava de letra, trabalhava no X até meio dia, de fogo (risos). Aí, de 262
uns tempos pra cá, ele tá sentindo as dores né, nas pernas...eu falei: ‘Ê bem, os cinqüenta anos 263
tá pesando, né?!!’ Assim, a gente vai mudando...ééé os anos não passam e você vai notando, 264
que a gente, muita coisa que você fazia, a gente vai diminuindo o pique mesmo. Não porque 265
tá ficando velho não, mas é com o passar dos anos... 266
Lucas: A disposição 267
Ligia: A disposição 268
Joana: Não é a mesma não 269
166
Ligia: Acho que não é 270
Lucas: Isso é pra todo mundo 271
Ligia: Então, é isso que a gente tem que pôr na cabeça sabe? (...) Assim, ele gosta dos meus 272
netos né? Eu tô deixando ele tomar conta. Quer passear? Eu não falo nada, vamo embora! Ele 273
fala: ah, bem, vão levá. Quer dizer, eu tô deixando por ele, tudo sabe, mas não tô sentindo 274
muita coisa. Eu vejo que a esposa dele tá fazendo também. Dando muito amor, carinho pra ele 275
né? Pra ele não ver essa passagem dos filhos dele, estão... 276
Ludo: Eu acho Ligia que o Antônio também ta mudando muito 277
Ligia: Ta 278
Ludo: Os planos dele... 279
Ligia: Vai ter que mudar né? A gente devagar...vai mudando tudo. 280
Cibele: É tudo uma questão de adaptação. 281
Ligia: É 282
Cibele: Eu vejo por mim mesma. Quando eu, eu sou jovem, mas já fui muito ativa. Hoje em 283
dia não é que eu não seja, continuo, mas não da forma com a freqüência que eu era antes, 284
assim, né? Mesmo porque a gente vai mudando né? É como se...vai se permitindo relaxar um 285
pouco né? Não que você não seja incapaz, muito pelo contrário, o amadurecimento traz muita 286
coisa pra gente recordar pra gente, mas é que...aquele ‘frenesi’ que você vivia com uma certa 287
intensidade, acaba... 288
Ligia: Vai acalmando 289
Cibele: Acalmando, né? Que é mais ou menos o que acaba...ah, relaxá. Não adianta, as coisas 290
vem. Assim, eu falo, eu tô descrevendo eu Cibele, tá? (ri) Situações que eu vivenciei que eu 291
nem vivencio 292
Antônio: Cê vê... 293
Lígia: Fico imaginando coisas assim eu estou vivendo muito isso por mim, né? Tô julgando 294
também por mim. Hoje eu estou com 45 anos o meu marido com cinqüenta...os filhos casados 295
né? Os netinhos tudo lá, fica doido quando vê a gente lá, é tão bom! Diz que ser vó é melhor 296
ainda, ser vó pode, tudo pode! Ah, mas é bom demais assim, eu to me sentindo bem com isso, 297
hoje. Tem gente que fala assim: ‘Ah eu sou vó não. Me chama de tia’. Nossa! Eu acho tão 298
bom viver isso, você olhar e falar vóvó. 299
Ludo: Sabe o quê que eu to pensando, hoje eu acho que a conversa ta um pouquinho falando 300
sobre o quê que a gente cobra da gente 301
Ligia: È 302
167
Ludo: E o quê que os outros cobram da gente. E de como a gente define essas coisas, como 303
que a gente vai conseguir mudar um pouco os planos. Daí eu fico pensando muito no que a 304
Cibele falou na sessão passada, na questão: ‘ai, eu não queria sentir raiva, eu não queria falar 305
isso né?’ E junto com o Antônio agora, na sessão passada falou também que nunca chutou um 306
balde, ‘ai, que vontade de chutar um balde’, então, assim (risos) eu fico... eu fico pensando em 307
cada um e no quanto a gente se cobra que as coisas saiam tão perfeitas, sabe? 308
Ligia: Eu trago o balde na próxima sessão se vocês quiserem (risos) pra botar pra fora. Pra 309
chutar de verdade esse balde! E eu quero ver você chutar umas três vezes (falando para 310
Antonio) 311
Joana: Então cê traz um pro Antônio... 312
Ludo: Que balde que o Antônio pode chutar? Vamos pensar, né Antônio? 313
Joana: Esse medo que ele tem... 314
Lígia: É! 315
Joana: Essa cobrança excessiva! 316
Lígia: de ser criticado, curtir sua esposa com carinho! 317
Joana: Tem que chutar o medo! 318
Ludo: Chutar o medo? 319
Joana: É, o medo que ele tem de não dar conta daqui pra frente e tomar conta da, das 320
atividades dele e... pessoal. Mas se ele tiver mais um pouquinho de, assim, aceita as coisas 321
com mais clareza, ele consegue. 322
Ludo: A questão é aceitar? 323
Joana: É, tem que aceitar né? Dia-a-dia cê vai vivendo, aprendendo mais coisas e vai abrindo 324
mão, por exemplo, eu não gosto de jiló só uma comparação, mas aí se todo dia às vezes uma 325
pessoa insisti comigo ‘não você tem que comer aquilo, tem que comer’, um dia eu vou, eu 326
provo um pedacinho, outro dia eu to comendo ele todo. Não é? Tem que aceitar, mas agora no 327
caso dele (risos) 328
Ludo: Antônio, o pessoal ta falando aqui que seu balde chama medo né? 329
Antônio: Sei. 330
Ludo: Que você tem que chutar ele...você concorda? 331
Antônio: Eu concordo. Eu concordo porque a minha vida foi constituída em cima do medo 332
Joana: Pois é 333
Antônio: Até, até as conquistas também o medo ajudou muito, porque eu to sempre 334
antecipando as coisas, antecipando ou tentando antecipar, tentando resolvê-las pro, esse foi 335
168
sempre meu, uma, minha forma de trabalhar, se é 9 horas de, que se trabalha nas empresas, eu 336
já trabalhei dez horas. Então... 337
Ludo: O medo ajuda, em algumas horas? 338
Antônio: Algumas horas sim, quando ta no trabalho... 339
Ludo: Que medo você tem de chutar? Porque eu to vendo dos tipos de medo: O medo que te 340
ajuda e que te torna mais cauteloso...não é assim? 341
Antônio: Sim. 342
Ludo: E tem o medo que te atrapalha. 343
Antônio: Isso. Atrapalha o quê? Atrapalha é quer dizer, qual que é o medo: que eu quero 344
continuar trabalhando, dar conta de trabalhar. Esse é um lado... 345
Ludo: O quê que você precisa pra dar conta de trabalhar, Antônio? 346
Antônio: Nossa! Preciso, eu preciso melhorar muito a minha saúde. Tem que melhorar. Se 347
melhorar. Nesse aspecto... 348
Ludo: Mas, oh, aí você falou uma coisa um pouquinho mais concreta assim: você tá se 349
sentindo sem paciência de trabalhar é isso? Então, ter um pouco mais de paciência é uma 350
coisa que você precisa para trabalhar? 351
Antônio: A impaciência vem da falta de, de, de raciocínio eu quer dizer sempre tive o 352
raciocínio muito rápido, então, eu num, num sei começou com uma medicação, sem 353
medicação, e tem hora dá branco, dá um branco que dá uma agonia louco assim, isso é a nível 354
de trabalho, em casa costumo dá uma dor um murro na cabeça, isso faz parte. 355
Ligia: Meu marido tinha um pensamento igual esse assim antes de casar ele falava assim: 356
‘Bem, minha preocupação toda vida foi em pensar assim eu vou ter uma família, tenho uma 357
vontade de ter uma família, será que eu vou dar conta de cuida dessa família? Será que eu vou 358
dar conta de, de, de cuidar da minha esposa, né, financeiramente e tudo’. Aí ele sabe... nós 359
tinha um mercado, a vida estabilizada, ótima. Aí nós tinha um mercado e tal, quebrou, foi lá 360
pro fundo do poço, aí nos mudamo e tal, aí a gente, ele não tava fazendo nada, aí eu resolvi 361
trabalhar. Aí fui trabalhar olhando uma menininha. Gente! Mas até meu filho ficou contra 362
mim! “Mãe, mas cê é doida, cê não pode fazer um trem desse”. “Posso!! eu posso, por que 363
não?”. E fui, trabalhei e...ele ficava lá no meio da rua me esperando, de nervoso, porque na 364
época que eu trabalhei, pra ele terminar os estudos, né, porque ele ta fazendo curso e eu... 365
trabalhava pra cobrir lá em casa com todo mundo, aí eu ia e trabalhava, e ganhando cesta 366
sabe? Pra poder ajudar e não acabar com o dinheiro que tinha pra ele estudar. E isso afetou 367
muito ele na época. Hoje que ele enxerga o que eu fiz pra ele assim, eu tentei ajudar, 368
169
realmente... sabe? Só quero passar pra você que a gente vive com pouco também. Então, cê 369
não preocupa muito só no...né? 370
Ludo: Você acha que o que afetou seu esposo foi você estar trabalhando e ele não ou vocês 371
estarem com menos dinheiro? 372
Ligia: Eu ter que ir trabalhar. Isso afetou muito. 373
Ludo: Pra ele a mulher dele tinha que ficar em casa? 374
Ligia: Em casa cuidando dele, da casa e dos filhos né? Aí ele aprendeu a cozinhar 375
Ludo: Como que você se sentiu de você ter que cuidar um pouco da casa? 376
Ligia: Ah, super bem!Tranqüila mesmo, melhorada. Como eu gosto de trabalhar e eu não me 377
importo de, se precisa de ir limpar fogão, ou lavar banheiro, pra mim eu não me importo com 378
essas coisas, para mim não me afeta em nada. 379
Ludo: Uhum 380
Ligia: Meu trabalho é meu, né? Não me afeta. È...eu acho gostoso. 381
Ludo: O quê que você ta pensando Renata? 382
Renata: Pensando no que ela tá falando...que todo mundo tem os seus medos né? 383
Ligia: Tem 384
Renata: Eu também tive tanto medo há um tempo atrás quando eu separei do meu primeiro 385
marido. Eu nunca tinha trabalhado, não tinha aprendido meus estudos, aí eu tinha medo de 386
não dar conta de criar o meu filho sozinha, como eu tinha...mas aí...eu chutei o balde! (risos) 387
Ligia: Humhum 388
Renata: Eu dou conta, por que não? Muitas mulheres criam seus filhos sozinha! Aí eu 389
comecei a procurar o meu primeiro emprego, consegui... Comecei a dar aula. E...consegui 390
criar meu filho, fugi da cidade X, assim pra ele não me perturbar também, porque ele me 391
perturbava. Vim embora sem falar nada com ele, com a cara e a coragem. Cheguei, não 392
conhecia ninguém... e consegui criar o meu filho. Até hoje. 393
Ludo: Renata, como que você deu conta de chutar esse balde? 394
Renata: Uai, largando o medo. Eu vi que meu filho dependia de mim, né? O meu filho 395
dependia de mim, a minha vida também né? Cuidá da minha vida, do meu filho. Eu tinha 396
que...dar um, um salto, um pulo pra frente e se eu não fizesse isso, ninguém ia fazer isso por 397
mim. Claro que o meu pai e minha mãe me chamou pra ir pra casa deles de volta e...mas eu, 398
eu sou uma pessoa muito autoritária e eu não dou certo de morar junto com o meu pai de 399
novo, porque eu sou de uma opinião e ele manda demais em mim. Me vigia demais! Ele tem 400
um cuidado muito excessivo comigo. Aí eu não queria voltar pra casa de novo, né? Sofrer 401
opressões de novo...do meu pai contando que hora que eu to chegando, porque eu tinha 402
170
separado e ele não ia deixar eu...ter outro relacionamento de novo, aí eu queria ter a minha 403
vida sozinha aqui. Aí cheguei aqui e conheci o, o...Fulaninho. Minha vida mudou! 404
Totalmente. Aí começou tudo os problemas... 405
Cibele: Foi forte ne? 406
Renata: Foi 407
Ludo: Muito forte! Ela nunca tinha trabalhado, ela se separou, mudou com uma 408
criança...mudou de cidade. 409
Renata: Tive sorte de encontrar um serviço, primeiro eu dava aula. Depois, me chamaram pra 410
trabalhar na empresa Y lá da cidade X, ‘é procê trabalhar terceirizada’. Aí eu fui transferida 411
pra cá, tinha uma vaga, falei ‘vou embora’, e vim. Num conhecia nada. Eu vendi umas coisa 412
que eu tinha, eu falei assim “Ah! Eu vou querer estabilizar numa cidade que cê não conhece 413
ninguém”, eu tinha que ter um dinheiro a parte pra mim, né? 414
Joana: Ainda mais com uma criança, né? 415
Renata: Pagar o aluguel e tudo mais, né? Mas eu podia contar com o meu pai e minha mãe 416
quando eu fiquei desempregada mesmo, eles me ajudaram muito! 417
Ludo: Renata, como que cê escuta a Elisa, por exemplo, falar que você é forte? Como você se 418
escuta hoje contando isso para o grupo? 419
Renata: Eu sinto feliz, eu sinto forte mesmo, eu fui uma batalhadeira, uma mulher muito forte. 420
Muitos falaram isso mesmo. Que eu sou uma pessoa muito forte, que eu lutei pra criar meu 421
filho, meu filho tem uma educação excelente. Mas depois...é os degraus. Você se senti forte 422
numa época depois você começa a cair de novo... 423
Ludo: O quê que aquela Renata forte, que deu conta disso tudo, o quê que ela pode falar para 424
essa Renata hoje? No que ela te ajuda? 425
Renata: A ser forte, não ter medo, né? Igual hoje, todo mundo aí tem medo. Eu tenho medo de 426
perder o meu marido, dele me largar por outra, agora o meu medo é esse, sabe? Deu, e eu, 427
assim, e a idade vai chegando, você vai ficando mais velha você pensa assim “ah se eu largar 428
ele, aí eu vou ficar sozinha, eu não vou dar conta de criar o X e...depois também 429
Ludo: O X é aquele que você deu conta de criar aquela vez ou não? Ele já cresceu... 430
Renata: É, o outro. O Z ta com dezessete hoje e o X. ta com três 431
Antônio: Mas, o novinho você já tem um sócio né? Não tem perigo não pagar (risos) 432
Renata: É...isso eu não tenho medo, mas não é só isso. O X é um menino muito 433
temperamental, não é igual o...Z. um menino tranqüilo... 434
Ligia: Exemplo 435
171
Renata: Agora o outro não. O outro é pequeno, três anos, cê tem que pegar a chinela toda hora 436
pra falar, pra fazê ele fazê as coisa. Ele faz com medo. 437
Lígia: Tem opinião. 438
Renata: Opinião! Se falar não é não. Sabe? Ele é meio, muito difícil. Eu tô tendo duas 439
dificuldades: o meu relacionamento com meu marido, né? Que é tipo assim, muito ciumenta, 440
muito insegura e com a criação do outro filho que chegou uma geração totalmente diferente 441
também, né? O mundo tá cada vez....pior. Eu tenho que saber como ser uma mãe melhor, 442
como largar esse medo, essa insegurança né? Pra eu falar isso com o pequeno, e não muito 443
com o marido né? 444
Ligia: Precisa convencer 445
Renata: Porque ele precisa de mim, não o Z, que é o grande, que é o marido! Ele não precisa 446
de mim, ele precisa de ajuda pra criar o filho dele, né? 447
Joana: Precisa! Ele precisa sim da sua companhia, da sua atenção... 448
Renata: É, ele precisa também, mas nem tanto igual eu, pondo em mim. Que eu tava 449
colocando, né? 450
Joana: Humhum 451
Renata: Que eu tô, assim, mudando mais também os conceitos...eu vou enxergando mais 452
dessa forma, por eu tá participando, assim, eu tô enxergando que ele não é a única pessoa. Ele 453
não precisa dessa atenção assim... 454
Cibele: Falando de medos... 455
Renata: E medo. Tem tanto medo dele me largar... 456
Cibele: Agora eu me lembrei. Algum tempo atrás, depois de um tempo, eu voltei a trabalhar 457
e... 458
Renata: Tá trabalhando Cibele? 459
Cibele: Não, não, atualmente não. Só em casa mesmo, do lar! (ri). 460
Renata: É um trabalho muito desgastante 461
Cibele, Renata, Elisa falam ao mesmo tempo 462
Cibele: Eu sei por que eu já tive três funções em uma só, viu gente, e não é fácil. Então, como 463
eu tive essa oportunidade de trabalho, é...é fora do perímetro urbano né? Ou seja, é numa 464
rodovia, a empresa. E...sinceridade, e me abalou. Eu até achei estranho comigo mesma na 465
ocasião, porque pensei “pôxa Cibele, você já enfrentou tanta coisa, você vai ter receio de 466
trabalhar numa empresa que fica fora da cidade, que não tem como você locomover com tanta 467
facilidade e tudo mais”. Mas, consegui superar de uma certa forma. De que maneira, tendo os 468
seus momentos de apuro. Por exemplo, a, a, o veiculo que a gente tem às vezes quebrava, 469
172
estragava, lá ia a Cibele a pé (risos). Só ligava para o meu patrão: já estou indo, só que eu 470
estou indo a pé, mas eu chegarei aí e cumprirei com a minha folga. E assim foi, gente. Não era 471
fácil. Você andar de manhã cedo sozinha e Deus. 472
Joana: Humhum. 473
Cibele: A pé. Ele também é assim, ele não buscava, sabia que a gente passava do horário ele 474
também não levava, você tá entendendo? E muitas das vezes eu voltava a pé pra casa. Aí eu 475
ligava pro meu filho pedia pra ele ficar quietinho em casa, que eu já estava chegando. Então, 476
foi dessa forma que eu consegui superar. 477
Ludo: Éééé... isso quer dizer que às vezes a vida coloca pra gente situações que a gente nunca 478
pensou que fosse passar, não é 479
Cibele: Justamente. 480
Ludo: E você ta contando que você deu conta 481
Cibele: Dei. 482
Ludo: Foi uma situação diferente que te desafiou e que você deu conta. 483
Cibele: Justamente. 484
Ludo: Como que você deu conta? 485
Cibele: Sabendo que tinha...que, que ter responsabilidade, dentro do compromisso que eu fiz 486
com a empresa. Na ocasião era a única profissional que tinha a frente né? De um escritório, 487
que não tinha mais ninguém. O meu chefe praticamente dependia de mim pra estar lá abrir o 488
escritório, atender todos os telefonemas e controlar as contas. Tudo isso. Ou seja, eu não 489
poderia falar pra ele “eu não vou porque o transporte estragou” 490
Ludo: Entendi 491
Cibele: Porque com a graça de Deus eu tinha duas pernas (risos) então, fica próximo do meu 492
bairro, então eu vou a pé, então...e pagar um moto táxi por dia 493
Joana: Ô! 494
Cibele: Não ia dar certo pra mim. 495
Ludo: Aí eu só fico curiosa com uma coisa, que a Renata falou sabe? Você tava falando assim 496
ah! Eu to vendo que o meu marido não precisa tanto de mim, antes ele precisava muito, que 497
seu filho precisa mais de você. Aí eu to vendo a Cibele contar uma história de superação, ouvi 498
você contar também, ouvi o Antônio contar, é... eu fiquei curiosa de saber o quê que você 499
precisa sabe? Porque assim...você cuida do grandão, você cuida do pequeno...cada um precisa 500
de uma coisa. Mas o quê que a Renata precisa? O quê que a Renata quer? 501
173
Renata: Preciso cuidar um pouco de mim, preocupar comigo também, ah! Eu queria ser uma 502
pessoa segura, era o que eu queria. Ser uma pessoa que não tivesse esses medos de... que eu 503
tenho hoje. Tem dia que eu to forte, tem dia que eu sinto mais assim...sabe? 504
Elisa: Queria ter só um medinho normal, né? 505
Renata: É, um medo assim... 506
Elisa: Tem hora que o medo é tão grande, né? Faz fazer coisas... 507
Ludo: Pessoal, eu acho que essas coisas que a Cibele contou, o Antônio contou, que a Renata 508
contou, eu fico pensando Elisa que num primeiro momento essas coisas paralisam um pouco a 509
gente né? 510
Cibele: Sim, sim, sim 511
Ludo: È um medo muito grande né? Aí eu fico pensando, todos vocês estão contando de 512
coisas que apesar de ser um medo grandão, vocês conseguiram encarar esse medo 513
Renata: Na hora que precisa mesmo, você precisa de...enfrentá! 514
Ludo: E aí eu estou convidando vocês a pensarem um pouquinho em quais coisas vocês já 515
fizeram antes, que vocês conseguiram e que podem ajudar vocês a encarar esse medo de 516
agora? 517
Joana: Éééé... sobre essa parte que ela fala aí, sobre essa insegurança de um casamento, eu 518
passei muito por isso a uns três anos, assim ó: eu não dormia mais, eu tava me definhando. E 519
eu cheguei, depois deu tê feito um tratamento, eu até comentei com você sobre isso, não foi? 520
Ludo: Humhum 521
Joana: Eu cheguei a uma conclusão e aceitei o conselho da psicóloga. Ela me disse: Olha, 522
você deixa ele prum lado, faz de conta que você nem tava, você vê que ele volta mansinho, 523
quando ele perceber o seu desprezo e sua falta de atenção, que você não ta tão com ciúme dele 524
e não ta fazendo pergunta, ele vai ficar louquinho da cabeça pensando em outras coisas 525
diferentes. 526
Ludo: Joana, eu escuto isso de dois jeitos: quando a gente tá com muito medo a gente precisa 527
de pessoas perto da gente pra ajuda 528
Joana: Precisa! Apóia e ela me ajuda dum tanto 529
Ludo: Pedir ajuda. A outra coisa é que pra gente enfrentar os medos da gente a gente precisa 530
ir conquistando um pouquinho de... 531
Joana: De confiança 532
Ludo: De segurança. 533
Joana: Foi o que eu fiz, foi o que eu fiz! 534
Antônio: Correr riscos, né, às vezes. 535
174
Cibele: É, também. 536
Ludo: Antônio, como é que é correr risco? 537
Antônio: A própria situação dessa é correr risco: a gente despreza, a gente dá um desprezo 538
para uma pessoa, aí complica 539
Joana: Não, mas no meu caso eu tinha certeza que ele não ia embora 540
Antônio: Você tinha controle da situação? 541
Joana: Tenho... 542
Antonio: Ótimo. Nossa! 543
Joana: ...eu toda vida tive controle. Só que tem que eu perdi o controle porque perdi o 544
respeito, porque ele não me respeitou...ele me traiu. 545
Ludo: Joana, será que você o desprezou ou será que você ficou se prezou mais? 546
Joana: Olha, eu acho que eu dei nele um desprezo de verdade, segundo o que eu entendo. 547
Ludo: Mas, como que você teve... você teve que cuidar de algumas coisas em você, não? Pra 548
dar conta de fazer isso? 549
Joana: Tive. Fazendo o tratamento. Insistindo, vindo nas terapias no dia certo e fiz passo-a-550
passo, quando eu vi que eu já tava quase conseguindo que eu vi que eu conseguiria uns quinze 551
dias que eu fiquei sem conversar com ele, ‘onde cê ta? Por quê que você chegou tarde?’ Você 552
entendeu? Esse tipo de pergunta, parei de pergunta, não fiz mais nada assim, num...eu mudei 553
meu jeito. Eu não briguei eu, não discuti, eu num... eu fiquei na minha. Se ele conversasse 554
comigo com educação eu conversava com ele normalmente. Agora se ele se estressasse eu 555
falava pra ele: ‘oh, tchau, eu to saindo, eu vou dar uma volta na rua porque eu não quero 556
brigar com você’. 557
Ludo: Mas, eu acho que uma mulher pra fazer isso ela tem que tá segura dela. 558
Joana: Mas, eu tava com segurança encostada na, na Y (nome da terapeuta). 559
Ludo: Você pediu ajuda e aí? 560
Joana: Eu pedi ajuda e quando eu confiei nela. Primeiro eu tive que confiar nela primeiro pra 561
depois toma as decisões, minhas, né? E eu vou te falar uma coisa, eu virei o jogo graças a 562
Deus e a ela, mas senão, eu acho que nós já tava até separado, no cartório e tudo 563
Renata: Mas o que eu entendo sobre ela tá passando em casa, é justamente isso: a perda. 564
Porque se ela continuasse a ter ciúme ele não vai ter paciência 565
Joana: Não vai 566
Ligia: E ela vai perder uma coisa que ela ama, eu acho que é pior. 567
Joana: Foi o que a moça falou pra mim. 568
Ludo: Sabe o quê que eu to pensando Ligia e Renata, a Renata já teve outro marido... 569
175
Renata: Ele era muito ciumento 570
Ludo: E como que era viver com um homem muito ciumento? 571
Renata: Horrível. 572
Ludo: Horrível? 573
Falam ao mesmo tempo 574
Ludo: Você não quis viver com esse homem, ou quis? 575
Renata: Não. De jeito nenhum...(silêncio) O mesmo acontece, né? 576
Ligia: Imagina, né? (risos) 577
Ludo: Eu fico pensando assim: você faz muita coisa pra cuidar, mas parece, Renata, que o 578
lado que te incomoda é esse lado ciumento, né? Que incomoda ele também, igual com o 579
Antônio que a gente conta pra ele que ele tem mil qualidades, né? Mas tem a questão do 580
trabalho que incomoda ele muito. Eu fico pensando: você tem mil qualidades como esposa e 581
como mãe, mas esse lado ciumento é uma coisa que te atrapalha... 582
Renata: Atrapalha. 583
Ludo: Aí eu fico pensando como... O que precisa acontecer...você até já falou que precisa ter 584
um pouco mais de segurança. Que se você tiver um pouco mais de segurança você não vai 585
sentir tanto ciúme. O quê que precisa acontecer no seu relacionamento, o quê que você precisa 586
fazer, o quê que o seu marido precisa fazer pra que você ganhe um pouco mais de segurança? 587
Pra que o seu casamento possa ficar um pouco mais tranqüilo? 588
Renata: Eu acho que a terapia devia ser pros dois lado. (risos) Porque a mulher, igual ela 589
gosta, igual no meu caso, eu gosto de me senti amada, que ele fale que me ama todo dia. Hoje 590
eu abracei ele de manhã, “bom dia”. Aí eu falei que eu amava ele, aí ele “eu também”. Eu 591
falei “não, eu quero que você fala que me ama, não eu também. Isso foi muito seco”. Aí ele 592
ficou rindo, não falou nada não. 593
Ludo: Aí se ele não falou nada o quê que você achou? 594
Renata: Aí ele fala, ele fala pra mim que eu cobro muito ele, ele fala “Renata, isso aí é 595
espontâneo. Não tem jeito você fica mandando falar que eu te amo. Não é assim. É hora que 596
eu senti o sentimento que eu vou te expressar, não é assim...”, sabe? 597
Ludo: Renata, e para você precisa falar que ama pra sentir que é amada? 598
Renata: Ah...eu sinto assim, não sei... 599
Ludo: Tem outra coisa que ele pode fazer? 600
Renata: Através de gestos né? Carinho, a gente que sabe que gosta quando faz isso na gente 601
Ludo: E ele faz isso? 602
Renata: Faz, ele até é uma pessoa muito carinhosa. 603
176
Ludo: O quê que ele faz, por exemplo, que você sente que ele te ama? 604
Renata: Ah! Mima. Fica me chamando de baixinha, vem cá baixinha (risos) porque eu sou 605
grudenta demais com ele. 606
Ludo: Oh! A Lívia não veio hoje né? (da equipe reflexiva) 607
Cibele: Sim. 608
Ludo: Porque nós mudamos o dia e como não deu pro Rogério, também não deu pra Lívia. Eu 609
vou sentar com a Gabi, pra gente conversar sobre as coisas que a Gabi tá pensando...e eu já 610
volto, tá? (...) E aí Gabi? 611
Gabi: Eu tô pensando muita coisa...Mas eu queria falar três coisas: uma pro Antônio, uma pra 612
Joana e outra para as outras pessoas. Èééé eu queria falar pro Antônio que eu achei mesmo 613
que a ferida ficou mais exposta na última sessão... 614
Ludo: Humhum... 615
Gabi: éééé e que às vezes eu também tenho medo de não dar conta de tocar a minha vida, 616
sabe? 617
Ludo: Sei... 618
Gabi: Mas queee...eu achei muito corajoso dele tá tentando lidar com tudo isso, sabe? Pra 619
tentar lidar e pra tentar pensar que isso tem jeito, já é um ato de muita coragem sabe? 620
Ludo: Falar que tem medo é muita coragem né, Gabi? 621
Gabi: É, eu acho de muita coragem, porque sentir medo tem que ter coragem pra sentir medo, 622
né? Porque sentir medo é ruim né? Diminui, talvez ter medo é uma coisa assim, que diminui a 623
gente. Tem que ter coragem pra poder sentir medo. A Joana no comecinho ela falou assim: 624
“ah, essa semana! Eu fui muito mimada!!”. E hoje eu to achando a Joana tão bonita! Ai eu 625
fiquei pensando quê que será que aconteceu com ela. Fico curiosa pra ouvir mais. Aí pra, pra 626
Renata, pra Ligia, pro Lucas, pra Cibele, pra Elisa eu queria saber o quê que mais eles estão 627
querendo fazer hoje? Era isso que eu queria falar. 628
Ludo: Ok, vamos conversar então. 629
Renata: Eu quero saber o quê que eu faço pra eu ser segura, uai! Eu quero que cês me ajuda! 630
(risos). 631
Lucas: Deixa eu só fazer uma colocação igual, pra Renata. Renata, igual, no caso eu tenho a 632
minha esposa, ela sempre ficou “eu te amo, eu te amo, eu te amo”, e eu “eu também, eu 633
também, eu também” (risos). Aí ela fala assim, aí ela vira e falava assim “eu também, eu 634
também, eu também?”, negócio de mulher e de homem, entendeu? “Eu também” não quer 635
dizer que eu não a amo. É uma maneira do homem mesmo, entendeu, igual esse negócio do 636
homem ser mais frio, entendeu? Não quer dizer necessariamente que ele não ama, eu amo a 637
177
minha esposa, entendeu? Eu não fico dizendo sempre com a mesma freqüência do que ela. Ela 638
é quase que o tempo inteiro “não, eu te amo, eu te amo, nossa! Hoje eu amanheci to te 639
amando mais ainda!!”, (risos). “Nossa, eu também!”. Tanto que essa noite que passou eu devo 640
ter falado também umas dez vezes também, “também, também”, “você só sabe falar 641
também?”, “Não, eu também te amo, mas é aquela coisa entendeu?” 642
Cibele: Então fala idem. 643
Lucas: Não é que necessariamente o homem não ama, entendeu? Igual cê tá falando assim: 644
“O quê que eu faço pra me sentir segura?”. De repente igual aqui o que a, a, nossa, eu tenho 645
igual uma dificuldade pra guardar o nome!! 646
Cibele: Joana! 647
Lucas: Que ela colocou, de repente que seja uma opção também, ce... 648
Joana: É!!! 649
Lucas: recuá um pouquinho, entendeu? Aí sim ele vai começar a ficar preocupado “o quê que 650
ta acontecendo...?”, aí o homem começa a pensar mil e uma coisas, quando a gente vê... 651
Joana: Aí coça atrás da orelha 652
Lucas: Vai começar a ver ela como uma pessoa mais segura. 653
Joana: Isso. 654
Lucas: Aí o homem começa a pensar “será que o outro tem alguém? Tem alguém chegando 655
perto”...entendeu? Quer dizer, por mais...igual eu e a minha esposa, eu não sei, igual, igual eu 656
já falei, eu já vim, igual, eu já vim de um segundo casamento né? Eu sempre, sempre tive 657
ciúme, mas o meu ciúme sempre foi um ciúme mais assim, moderado...entendeu? Igual a 658
minha ex-esposa ééé...ela sempre assim, às vezes ela falava: “olha agora eu tenho que ir 659
embora”, fica à vontade. Eu nunca fui igual de querer segurar a mulher, entendeu? Segurar, 660
esse negócio, isso num, num...comigo acho que não funciona. 661
Joana: Não adianta. 662
Lucas: Então, não resolve. Se tiver que aprontar vai aprontar mesmo e pronto. Então eu, às 663
vezes até me falam: “Lucas, essa mulher sua mulher sai muito”. Ó, se tiver que fazer coisa 664
errada que faça, pronto e acabô. Eu sempre tive essa segurança, entendeu? A partir do 665
momento que eu fiquei não aprontou! Aí, realmente, a minha atitude passa ser outra por 666
completo. Então, aí no caso aí, quer dizer, éé...hoje eu tenho muita segurança na minha esposa 667
entendeu? A gente tem, em relação ao meu relacionamento anterior quer dizer a gente não 668
conversava, meu relacionamento não tinha igual diálogo, ou seja, igual é...se brigava, a gente 669
brigava a gente ficava uma semana sem conversar. Agora, quer dizer, a minha atual esposa 670
hoje quando a gente começou a namorar eu pensei igual ‘moça pra casar’, uma coisa assim 671
178
que me marcou muito que ela falou assim: “Ó, Lucas, eu tenho uma atitude da seguinte 672
forma: se eu brigar igual com você hoje nós vamos sentar e nós vamos resolver hoje, nós não 673
vamos, como se diz anoitecer, amanhecer sem que o problema seja resolvido”. Então, a gente 674
tem essa maturidade de sentar e conversar pra resolver o problema. Então, assim, eu posso 675
falar que eu tenho muita segurança com relação a ela e tudo que ela passa é realmente uma 676
pessoa que me ama entendeu? Igual ela morava em uma cidade, em outra cidade, não morava 677
em Uberlândia...largou tudo para, vim para Uberlândia, onde foi que nós casamos. Então a 678
pessoa abrir mão igual do que ela abriu, realmente a pessoa que tem certeza do que ela quer 679
entendeu? 680
Joana: Que ela ama de verdade. Compensa repetir!! (rindo) 681
Lucas: Justamente. 682
Ligia: Começa a repetir 683
Lucas: e...ela, e....ela é uma pessoa que, eu tinha terminado de separar, ela tinha terminado um 684
relacionamento dela e a gente começou mais ou menos por aí. Eu tinha terminado casamento 685
né e ela tinha terminado a relação. Ficou mais menos quatro meses só conversando por 686
telefone. Assim a gente foi igual conhecendo e tal. Aí quer dizer, tudo o que ela passou pra 687
mim, passou e passa até hoje, e me deixa muito, muito seguro do que ela quer entendeu? Eu 688
acho que ela tem segurança porque eu também sube passar pra ela o quê que eu quero 689
também. Então hoje a gente vive muito bem e eu tenho muita segurança com relação a ela. 690
Tanto que até inclusive que eu coloquei aqui a, a...a sessão anterior, que ela cobra muito em 691
relação a um filho e...ela sempre cobrando, sempre cobrando, sempre cobrando. E eu: Ah, 692
essa mulher não vai desistir não. (risos) Aí foi onde a gente sentou, conversou então a gente 693
decidiu que vai ter um filho 694
Todos: Ohhh!!! Ah! Parabéns! Parabéns! 695
Lucas: Vai chegar ano que vem. Então igual, ela colocou, igual eu coloquei igual pra ela, oh 696
você ta vendo como ta a situação, igual a Elisa, a Elisa né? 697
Ligia: Lígia 698
Lucas: È, ela. Agora eu não vou mais errar 699
Lígia: Mas, perguntou antes né? (risos) 700
Todos: Vai perguntando, pergunta que cê aprende... 701
Lucas:Ééé...aí, foi, igual ela colocou as pessoas costumam a viver com muito, as pessoas tem 702
que acostumar também a entender que pode viver com pouco. Então, quer dizer, a minha vida 703
financeira há algum tempo atrás igual, igual eu coloquei eu sou super tranqüilo, super 704
estabilizado e hoje eu tenho esse medo entendeu? Por isso que eu fico igual tentando ponderar 705
179
as coisas vamos esperar um poquinho essa indefinição, aí igual quando ela começou a fazer 706
igual faculdade eu pagava a faculdade toda pra ela, aí ela falou não, na faculdade lá se eu 707
conseguir um desconto, eu falei assim não, o desconto que você conseguir eu vou te reverter, 708
eu te dou o dinheiro, porque você não tá trabalhando, quer dizer e a situação foi pegando de 709
uma certa forma, então, automaticamente ela... Graças a Deus ela conseguiu o desconto na 710
faculdade e o dinheiro que eu ia passar ela já reconheceu que eu não tenho como passar pra 711
ela mais entendeu? É a coisa que tá surgindo a oportunidade e eu acho que vou conseguir um 712
emprego, e se eu conseguir esse emprego você acha que aí fica mais fácil? O quê que você 713
acha?’ Aí eu falei, igual, vamos colocar tudo na mão de Deus se consegui é uma ajuda que a 714
gente tem, a gente tem, tenta arrumar esse filho entendeu? Automaticamente as coisas vão 715
tranqüilizar mais, aí ela parou, sentou e ela falou: “Lucas, se for pra bem, se for realmente pra 716
acontecer, eu vou conseguir então, se eu não...”. Imagina se eu não conseguisse cê vai ficar 717
igual fica te cobrando, fazer igual... “Não. Se eu não consegui essa oportunidade, esse, esse 718
emprego, é porque não é pra ser o momento”. Então a gente conversou muito nesse aspecto. 719
Por que ó, de repente não vai dar certo e a gente vai ficar frustrado. É isso que eu coloquei pra 720
ela. Aí ela “Não Lucas, eu tô, eu estou tranqüila. Se não der certo é porque não é o momento”. 721
“Então, beleza, ta certinho então”. Aì quando ééé...Aí saiu a oportunidade para ela. Ela está 722
com desconto na faculdade, conseguiu o emprego...e aí é... A gente colocasse os pros e os 723
contras, ou seja, se ela começasse agora automaticamente ééé... Quer dizer, todo ano em 724
dezembro ela vai ta trabalhando, tem os recessos, entendeu? Aí ela falô “Lucas, se você quiser 725
igual deixá pro ano que vem, fica ao seu critério...”. “Então, deixa pro ano que vem”. Foi 726
quando a gente combinou para que a gente arrumasse o menino no caso... o ano que vem. Aí 727
quando foi ontem ela me ligou que ela precisava de tá com o documento de imediato né? Aí 728
ela disse que as coisas tinha que realmente que cê, aí eu falei ‘beleza então’, automaticamente 729
ela vai começar cedo trabalhar, porque ela ta correndo igual pra arrumar as documentações, 730
automaticamente segunda-feira ela já começa. Igual eu falei, vamo, se tiver que viver igual 731
com pouco vamos viver com pouco e pronto. Ela ta consciente, eu também tenho que me 732
conscientiza que as vezes eu fico me cobrando demais. Igual o Antônio falou que ele fica 733
cobrando dele demais, eu me cobro demais, ce vê, que as coisa realmente mudou e a gente 734
tem que acostumá, tentar acostumá com a situação que é hoje. Eu to como se diz, tentando 735
acostuma com essa situação né? E é a realidade hoje. Como se diz, tentando automaticamente 736
correr atrás, pra tentar resolver esse problema que existe... 737
Ludo: Você ta falando... 738
180
Lucas: Mas, tem hora, tem hora que eu tenho, esse problema igual eu tenho na empresa, 739
entendeu? Tem hora que eu fico assim desanimado, será que eu vou dar conta? Botar os 740
negócios igual o pessoal falou em relação ao medo, quem não tem medo? Também fico com 741
medo: nossa, será que eu vou dar conta? Será que eu vou dar conta de dar seqüência, 742
entendeu? Mas eu fico, nossa Lucas não tem jeito, você tem que dar conta. Então eu fico me 743
cobrando porque eu num...não posso abandonar tudo 744
Ludo: Você conversa muito com você Lucas? 745
Lucas: Eu converso. Nesse sentido. Tem vez que eu fico assim: Nó, será que eu vou dar 746
conta? Tem vez que eu vou lá na empresa assim bem desanimado, não Lucas você tem que 747
correr atrás, você não tem outra opção. Você tem que correr 748
Ludo: E esse Lucas que fala que você tem que correr... 749
Lucas: Aí ele, aí eu começo a correr, começo a correr. 750
Ludo: Èéé... eu to pensando em como as coisas vão mudando né, Lucas? 751
Lucas: Uhum 752
Ludo: Na última sessão que você veio a gente conversou muito sobre essa questão do filho, 753
seu medo né? E você superou junto com a sua esposa 754
Lucas: È, junto. Acho...somos dois, né, então...Então você sabe da nossa dificuldade e eu não 755
me preocupo igual no caso, porque quando, ééé, igual eu coloquei aqui, que se ela fosse uma 756
pessoa interesseira, se ela quisesse ficar comigo por interesse, que ela sabia que a minha 757
situação financeira ou ela já não estaria comigo. Então mais do que nunca eu vejo que é uma 758
pessoa que está comigo porque gosta, porque realmente me ama entendeu? Porque a situação 759
hoje financeira mudou por completo e ela ta junto passou por esse barco junto e vamo toca 760
junto. Então, quer dizer, hoje, hoje eu to com uma pessoa que... Quer dizer, ela me ajuda 761
muito. Aí eu fico pensando Nossa! Se eu tivesse com meu relacionamento anterior, eu acho 762
que...o negócio já tinha durado muito. Porque é também tem vários anos que eu separei, igual 763
recentemente a minha ex-esposa me procurou. Me procurou, falando: “vamos voltar, você 764
num...Tudo o que eu precisava você me dava”, pegando mais ou menos por esse lado, “você 765
me tratava como uma rainha e eu não dei valor”, entendeu? E hoje ela não sabe que a situação 766
que ela... Hoje ela não sabe que que é a situação minha cê entendeu? Porque a gente não tem 767
esse, esse contato. Eu deixei bem claro pra ela: siga a sua vida, que eu estou seguindo a 768
minha. Foi até onde ela fez uma colocação: “mas cê ta na mesma casa que você vivia antes, 769
isso quer dizer que você me ama ainda”. 770
Joana: Ai meu Deus! 771
181
Lucas: Aqueles negócios assim, aquela loucura, não sei o que acontece na cabeça dessa 772
muié... (Elisa comenta alguma coisa) 773
Lucas: É você ta na mesma casa ainda, ce não mudou nada, me falaram que a casa continua 774
do mesmo jeito, até a cor da casa tudo, então, quer dizer que você ainda senti alguma coisa 775
por mim, foi onde que eu coloquei pra ela o importante não é onde você vive, e sim com 776
quem você vive. Eu tenho sido bem transparente pra ela pra... 777
Ligia: Muda a cor da casa (risos) 778
Lucas: Até eu ia muda tudo, até a minha esposa tinha falado muito nisso entendeu? Porque eu 779
não mudei nada na casa, mas pelo menos assim: “Lucas, pelo menos a cama você muda, pelo 780
amor de Deus. A Cama...”. (risos) 781
Ligia: é especial! 782
Lucas: “Lucas, essa cama...essa cama não tem jeito!”. Aí pelo menos a cama lá em casa...eu 783
mudei! Mas assim, em relação às outras coisas fica a mesma coisa, mas essa, esse problema 784
com relação a eu e a minha esposa ...mas ela me deu um toquinho de leve...no começo era 785
mais! Agora, então, ela não fala mais: “Não, Lucas, vamo mudá, vam mudá!”. Eu não mudo 786
porque hoje igual eu não tenho mais condições de mudar. Eu queria mudar realmente pelo 787
menos a cor, igual ce tá falando. 788
Ligia: Mas a cor pode (risos) 789
Lucas: Hã? 790
Joana: Só por fora! É mais barato! 791
Lucas: É, mas, assim ela não me cobra, porque assim... 792
Falam ao mesmo tempo 793
Lucas: (...) eu vou talvez mudar pra ela não ter essa idéia, são questões que assim 794
Joana: È. Pra frente. 795
Ludo: Antônio, o quê que você tá aí pensando dessa história? (risos) ele tava todo falante 796
(riem muito). 797
Lucas: Tanta coisa, né Antonio? 798
Cibele: È compreensível da outra achar que você ainda gosta dela... 799
Ligia: Não mudou nada uai 800
Cibele: Que dar-se a entender...Porque você não mudou nada, mas não é bem isso né? 801
Joana: A cabeça, né? 802
Cibele: As pessoas acham que a mudança tem que correr assim externamente, mas eu acho 803
quê o que começa é o interno, né, dentro da gente... 804
Ligia: isso vai aflorando exteriormente, mas pode falar eu te amo, não eu também (risos) 805
182
Lucas: Eu vou fala “eu te amo”, aí ela vira pra mim e fala “eu também” (risos). Quando a 806
mulher não fala o homem não aceita também não, é diferente, é diferente. 807
Ligia: Ta vendo. Eu tenho vinte e tantos anos que eu sou casada, todas as vezes que eu falo 808
pro meu marido eu te amo, ele fala: “i, bem, mas oce é boba hein!?”. 809
Joana: Oh! Oh! 810
Ludo: O quê que você diz? 811
Ligia: Eu não falo pra ele pra ele falar pra mim, eu vou brigar demais tem muitos anos que eu 812
escuto isso uai 813
Renata: Ele fala ‘ocê é boba’? 814
Ligia: É, cê é boba, hem? No meio ele fala do jeito dele né? Que eu entendo. 815
Falam ao mesmo tempo 816
Ligia: Aí eu acho que é o jeito carinhoso dele. Aíí...eu acho, se um dia ele virá pra mim né, e 817
falar pra mim “eu te amo” eu vou falar: “Ih, ce tá com outra!”. (risos) Não vou aceitar. 818
Ludo: A gente vai criando os nossos jeitos, né Ligia, de estar com as pessoas 819
Ligia: Vamos 820
Ludo: ...e de ir mudando o interno pra depois mudar o externo... 821
Renata: Na semana passada, você lembra que você falou pra mim pra eu ficar um tempo sem 822
ir lá, né, no serviço dele. Eu não consegui. Eu fui!! (rindo) 823
Antônio: Que isso! 824
Ludo: O Antonio pediu para você fazer isso? (risos) 825
Renata: Falou pra eu não ir lá, pegar no pé dele, ‘não vai aonde que ele ta trabalhando’, é duro 826
né? Mas, eu não consegui não. Mas, assim, eu fui mais...eu saí mais cedo, fui embora, deixei 827
ele lá, sabe? Num fiquei até no final da noite igual eu vou embora no final da noite com ele, 828
mas eu não fui embora com ele, aí, mas é difícil...assim, não é fácil, sabe? 829
Ludo: Renata, você ir embora mais cedo foi uma coisa boa não foi? 830
Renata: Foi...mas é porque eu tinha compromisso, notro dia!! (risos) Esse é, é, então, eu 831
mostrei pra ele também que eu também tenho os meus compromissos. 832
Ludo: Você mostrou pra você Renata... 833
Renata: Pra mim né? 834
Ludo: Que você era prioridade. Porque eu entendo oh do meu ponto vista eu entendo assim: 835
eu fui lá um pouquinho, fiquei perto do meu marido e fui embora porque eu tinha que cuidar 836
das minhas coisas no outro dia. 837
Renata: É, por que ele acha que eu vou lá só pra vigiar ele, mas não é só pra vigiar ele, é 838
porque eu gosto de dançar, eu já falei pra ele. Eu vou porque eu gosto de ver ele cantar, 839
183
porque eu gosto de dançar, né? E eu tinha também outro compromisso, aí eu até falei eu não 840
contei nada pra ele que eu ia embora mais cedo. Eu só falei assim: “Ó, cê vai de moto porque 841
eu vou de carro”, ele falou assim “Tá, por que?”. Falei assim: ‘ah, não! Vai primeiro’. Porque 842
ele vai cedo, pra ajudar a arrumar as coisas primeiro aí depois eu fui lá em cima do palco, e 843
falei “to indo embora”, “Por que? Que aconteceu?”. “Ah! Porque eu quero embora, dormi 844
mais cedo, tenho que dar almoço ...”, “então tá bom”. Aí fui, né? 845
Ludo: e como é que você se sentiu? 846
Renata: Uai, senti bem. Não tinha ninguém perturbando lá assim (risos) ah! Tinha que contar 847
a maior também né? A fulana que tava perturbando lá que tava mandando mensagem pra ele 848
né? Ela manda, ela mandou umas mensagens muito assim...não sei como eu não consegui 849
ficar apaixonante por ela (ri) andou mandando umas mensagem pra mim né? E eu mostrei pra 850
ele e tudo deu a indicá que foi ela, né? Aí ele, ele...ligou pra ela, ela não quis atender o 851
telefone aí mandou outra mensagem pra ela, mandou ela se enxergar diz ele que num... ele 852
falou pra mim: “ah Renata, eu já dei um basta nessa menina, ela não vai aparecer mais lá 853
não”. Falei: “Por quê que você tem certeza?”, falou “Uai, eu andei falando umas coisas pra 854
ela, ela não quis atender telefone e...aí eu falei pra ela se enxergá, não perturbá, não me 855
perturbá mais não, porque ela ta confundindo as coisas, que eu nunca dei moral pra ela pra ela 856
ficar mandando mensagem pra mim, me ligando, perturbando, me chamando pra sair...”. Aí 857
ele falou pra mim sabe? E ela não apareceu lá mesmo não...Mas não adianta, assim, igual ele 858
falou, “Renata, não adianta você pensar assim. Essa foi embora, volta outra”, porque assim, 859
esses músico...tem as famas né? Tem as mulher que invoca mesmo! (risos) 860
Ligia: Não é só os musico não. È todo o tipo... 861
Renata: Aì ele falou assim “sai ela, volta outra. Vai ter sempre uma pessoa, não é que...”. aí eu 862
falei assim “é, porque você é muito convencido”, eu falei pra ele. “Não é. Não é assim não. É 863
porque elas é muito empolgada, acha que eu sou envolvente, e começa, sabe, um sorriso que 864
eu dou, to cantando, to dançando, eles ta achando que eu to dando moral...”. 865
Ligia: È 866
Ligia: Você fica perto dele lá no palco? 867
Renata: Danço. Não, eu danço lá no salão. Eu quero só ver ele cantando e eu to dançando 868
Antônio: Se fosse ao contrário, se você tivesse lá em cima e ele fosse dança? 869
Renata: Eu não deixo ele dança. Não, eu não deixo ele dança com ninguém não! 870
Antônio: Ahhh! 871
Lígia: ai, ai... 872
184
Renata: (risos) Ele já sabe, ele fala “Renata, eu fico de boa! As vezes nem gosto, vejo cê 873
dançar com um rapaz mais novo. Fico lá assim...pensando, mas você ta perto de mim ce não 874
vai fazer nada de errado né? E se ocê pega e quiser fazê é problema seu”. Ele fala desse jeito. 875
Aí que eu fico incomodada. Ele fala “isso é problema seu!”. 876
Ludo: Renata, eu to sentindo um pouquinho, depois que o Lucas tava falando um pouco do 877
casamento dele né? Eu acho que o seu marido age como o Lucas, no sentido de ser seguro 878
Renata: Ele é. Ele é super seguro. 879
Ludo: Ele sabe a família que ele tem, a mulher que ele tem. 880
Renata: É o que eu ia falá com ele! 881
Ludo: Por quê que ele tem que se preocupar? 882
Renata: É, eu não dou motivo nenhum pra ele. Eu sou certinha. Ele sabe meus passos... 883
Ludo: E por quê que você tem que preocupar? 884
Renata: Com que? 885
Ludo: Com ele. 886
Renata: É, eu não deveria, né? Mais é porque ele é diferente de mim. Ele não é igual eu. Ele já 887
me deu motivo né pra eu ficar assim. As pessoas mudam, a minha mãe fala “Renata larga 888
isso, esquece o que passou, leva uma vida nova dá um voto de confiança pra ele...”. 889
Ludo: Renata, você já fez alguma coisa errada na sua vida? 890
Renata: Não, tipo assim traição não. 891
Ludo: Qualquer coisa, qualquer coisa errada... Que você tenha se arrependido 892
Renata: Já, qualquer pessoa aqui já fez já, 893
Ludo: Você fez alguma coisa que você se arrependeu e falou que não ia fazer mais? 894
Renata: Sim, já. 895
Ludo: Você acha que o seu marido pode achar que o quê ele fez foi errado e falar pra ele que 896
ele não quer fazer mais? 897
Renata: Pode, as pessoas mudam. 898
Ludo: E aí? 899
Renata: E aí o que? 900
Ludo: E aí que eu fico pensando que a gente consegue da um voto de confiança para as 901
pessoas se a gente decide que elas vão ficar do lado da gente ou se a gente não consegue como 902
é que a gente vai viver do lado delas sabe? 903
Renata: Ah! È difícil. Eu fico pensando isso também. Eu mesmo me pergunto todo dia, será 904
que eu vou conseguir viver a vida inteira desse jeito, insegura, com ciúmes? Isso não é vida, 905
não é vida. Ficar vasculhando os trens dele, o celular dele, ficar indo lá vigiando ele, as olhada 906
185
dele pra onde ta indo. Tem dia que ele até engole saliva e pára de cantar (risos) Diz ele que eu 907
olho tanto ele, e encaro tanto ele quando eu vejo que ele tá olhando prum lado, pra ver se ele 908
tá olhando pra alguma mulher, que ele fica até sem graça, um dia ele fez assim: “que que 909
foi?”. Desse jeito assim pra mim. Aí eu fiquei com culpa mesmo 910
Ludo: Eu fiquei pensando no quê que você precisa, sabe? 911
Renata: Ai, ó. Eu precisava que ele demonstrasse mais, que gostasse mais de mim, sei lá. Me 912
deixasse mais segura, eu não sei como mas eu queria que ele fizesse isso pra mim, entendeu? 913
Pra eu me sentir bem. 914
Ludo: Renata, mas cê não conta pra gente que... você já contou que ele manda recadinho no 915
seu celular, falando que gosta de você, que ele te mima, que as vezes ele preocupa com você 916
Ligia: Te chama de baixinha 917
Ludo: Te chama de baixinha, eu fico pensando que outras coisas que você precisaria sabe? 918
Renata: Ah, a segurança, assim, eu queria que ele mostrasse que ele não ia mais fazer nada de 919
errado, sabe? Sei lá. Coisa da minha cabeça...Mostrasse pra mim que não se interessa por 920
outra mulher... 921
Elisa: Em primeiro lugar, eu acho que se ele tivesse outra ele não te tratava com tanto mimo 922
ainda igual ele trata 923
Lígia: Carinho 924
Elisa: Com carinho. Porque...na época que eu tava passando por isso, o meu tava totalmente 925
afastado de casa. Ele tava começando a por defeito no almoço, no jantar, começando a...pegar 926
no pé, aí começa a pegar do pé com serviço doméstico pra dizer que ele ta preocupando 927
muito, mas a parte que precisa dele... Às vezes assim, agrada ou fala um agrado igual ele fazia 928
de primeiro, quando a gente tinha casado, não fazia mais. Aí eu fui descobrindo até que eu 929
peguei ele com a outra. Aí sim eu tinha motivos pra ter certeza que ele tinha outra. Eu vi, 930
ninguém me contou. Eu vi. 931
Ligia: Mas não procura muito não 932
Joana: Porque quem procura acha, viu? E diz que quem fala muito ouve o que não precisa, 933
então...fica na sua, mas... (ri). Não é fácil não. 934
Antonio: É... 935
Lígia: É! (ri) 936
Antônio: Eu vejo tanto ciúme, o meu ciúme já ta cinqüenta por cento, né? No decorrer dos 937
anos, né? 938
Ligia: Cinqüenta por cento pra mais ou pra menos? 939
Antônio: Pra menos claro 940
186
Ligia: Graças a Deus 941
Joana: oh 942
Ludo: Por que Antônio você conseguiu? Como? 943
Antônio: Ah, tem tantos anos juntos, né? Você nunca ter uma evidência é meio difícil né? 944
Ludo: Você procurava evidência? 945
Antônio: Hum, claro... eu acho que a minha mente procurava mais do que eu mesmo na 946
verdade...Uma coisa assim, involuntária. Mas hoje não. Tem cinqüenta por cento não tem 947
mais, não tem mais motivação, nesse aspecto cada dia melhor. Então, não tem briga, tem 948
briga dá aquelas discutidas 949
Ludo: Eu quero apontar procê uma coisa que eu acho muito importante, eu vou te falar por 950
que: eu acho que no nosso primeiro encontro você trouxe pra gente que o ciúme era um 951
problema sabe? 952
Antonio: Claro. 953
Ludo: Hoje o ciúme não é um problema mais 954
Antônio: Não. É um probleminha, é pequeno. 955
Ludo: Hoje isso é pequeno. E como que você deu conta? To aqui pensando... 956
Antônio: Existe umas, algumas coisas na vida que cê que cê não acredita, né? Que você possa 957
passar por esses momentos e ser reconhecido da mesma forma, ser tratado com o mesmo 958
respeito pela sua esposa pelo qual estou me referindo e mostra uma grandeza que você senti 959
pouco, pouco não muito até culpado, alguns sofrimentos que eu causei que era desnecessário 960
Ludo: Você ta falando do que Antônio? 961
Antônio: Do ciúme. O que eu reclamava que coisa mais absurda, absurda mesmo. 962
Ludo: Por que absurdo? Você procurava coisas. 963
Antônio: Ah...tá achando que tava olhando pra um, falando bobagem, besta assim. Num tinha 964
nada a ver... 965
Ludo: E você conseguiu... 966
Antônio: Eu, eu, eu admiro muito a minha esposa por ela ter me suportado até hoje a questão 967
do ciúme (risos). 968
Ligia: Te ama muito né Antônio? 969
Antônio: Com certeza. Conseguir suportar, ela suportou e conseguiu contornar que eu acho 970
importante, conseguiu me colocar nos eixos, é um gesto de grandeza 971
Ludo: Antônio sua esposa também tem defeito né? 972
Antônio: Claro que tem, muito pouco que ela tem 973
Ludo: Você suporta alguns defeitinhos dela? 974
187
Antônio: Com certeza 975
Ludo: Isso também é um sinal de grandeza? 976
Antônio: Ah, é. Eu não sei 977
Ludo: Aceitar o outro do jeito que ele é... 978
Antônio: Parece que aceitar, não é aceitar... Ela é tão menos né? Tão menos problema que ela 979
me causa, que é... Eu não sei citar um, uma coisa que....a única coisa talvez que nós deixamos 980
de fazer é porque eu gostava de dançar quando nós casamos e ela já não gosta, foi só isso que 981
nós deixamos de fazer. Mais nada. Mas...por parte dela...eu costumava a brigar, às vezes pra 982
ela dedicar menos...em algumas coisas. 983
Ludo: Eu fiquei pensando, eu acho que a gente se cobra tanto. Toda vez a gente fala disso do 984
tanto que a gente se cobra, do tanto que a gente pensa que o outro pensa alguma coisa da 985
gente... 986
Antônio: È, essas ultimas semanas eu fui fazer uma bateria de exames, exames, que a Dra. F 987
(nome da médica), tomei meus remédios, tentei ver por quê que o meu coração não tava 988
funcionando direito. Fiz um, um, um, um, eletro... 989
Lígia: Eletrocardiograma 990
Antônio: fiz um eletro e fiz com esforço. Tomei bomba no de esforço. Tomei bomba, o 991
coração tava estranho, até entendo diminui meu remédios ou ficá com outro tipo de 992
medicamento. O colesterol também tá alto, o trigliceries tá alto, aí a minha esposa, eu senti 993
que, ela muchou né? Ela não fala, mas eu sei que ela tá com medo. Aí ela tá com medo do que 994
eu faço, ela tinha medo deu suicidar, agora ela tá com medo deu suicidar e morrer 995
(risos)...natural também. 996
Joana: Tadinha! 997
Lígia: Oh meu Deus! 998
Antônio: (...) 999
Ludo: Sua esposa trabalha, Antonio? 1000
Antônio: Muito. 1001
Ludo: Trabalha muito? 1002
Antônio: Em casa. Em casa 1003
(risos) 1004
Antônio: Nós fizemos um acordo, quando nós casamos...é...Eu conheci minha esposa ela 1005
tinha quinze anos. Nós casamos ela tinha 17 e eu 25. Deram para nós três meses de casamento 1006
e separava, aí depois de casados nós trabalhamos, nós fizemos um acordo: o quê que nós 1007
vamos fazer com os filhos? Nós vamos, você pára de trabalhar, nós vamos ter os filhos até 1008
188
coisá e eu guento o financeiro sozinho. Porque eu não até hoje eu não admito terceirizar a 1009
criação dos filhos. Eu acho absurdo. Eu acho que o mundo tá mais ruim por causa disso. E 1010
assim fizemos. Hoje, por exemplo, ela tá querendo voltar a trabalhar, tá querendo trabalhar, 1011
quer trabalhar, mas quem vai dá conta? Porque os meninos cresceram e fico pior né? 1012
Ligia: E depois que casa é pior ainda 1013
Ludo: Peraí oh 1014
Ligia: È mais difícil 1015
Ludo: Na verdade, eu to achando essa conversa meio doida (risos). Sessão passada você 1016
apresentou uns meninos aqui muito dos responsáveis pra nós, né? 1017
Antônio: Não, mas eles são, mas...e o trabalhão que dá? 1018
Elisa: È, é a preocupação que dá. 1019
Ludo: Não, mas olha aqui: a gente tá contando, a gente tá vendo mulheres que trabalham e 1020
que cuidam de filhos... 1021
Antônio: Não, primeiro isso uma né, não, né, na verdade esses filhos nossos cê não tem mais 1022
como cuidar deles. O máximo que nós podemos fazer é aconselhar. Agora, interferir e chega 1023
põe aquela roupinha mais quebradinha, arrumadinha porque tem reunião não sei aonde... 1024
Lígia: Pior 1025
Antônio: Tem a filha, aquela coisinha... 1026
Ludo: Então, Antônio você acha que uma mãe pode trabalhar? 1027
Antônio: Não, ela pode trabalhar se ela não tem que fazer o serviço que ela faz, eu acho que 1028
até justo 1029
Ludo: Você acha que... 1030
Antônio: Agora cumprir dupla jornada, aí de jeito nenhum 1031
Ludo: Ah ela não pode!? 1032
Antônio: Não, ela não deve. De jeito nenhum 1033
Ludo: E se ela quiser, se ela achar que ela dá conta? O que significa isso? 1034
Antônio: Significa que ela não vai dar conta, eu acho. (risos) 1035
Ludo: Como que vocês escutam esse negócio que o Antônio tá falando? 1036
Ligia: Ele que não conhece a esposa que tem. Não sabe como é que vai ser. Você dá conta. 1037
Antônio: Eu chego em casa e só, eu chego em casa e não faço mais nada. 1038
Ligia: Você não falou... 1039
Antônio: Às vezes eu vou lá, lavo as panelas, essas coisa... 1040
Ligia: E ela já ta morta. 1041
Ludo: Olha o que a Lígia perguntou para você, você escutou? 1042
189
Ligia: Você dá conta de dois empregos. 1043
Antonio: É, mas.... 1044
Renata: Então é como se fosse, né? 1045
Ligia: Eu acho. 1046
Antônio: Eu acho que não 1047
Ligia: Serviço de casa a gente tira de letra, eu acho. A gente que é mulher, né? 1048
Ludo: Ô gente, será que só eu que to sentindo falta de escutar o que a Elisa ta pensando!? 1049
Elisa: Ah...(suspira) 1050
Lígia: A Elisa já foi muito mais... 1051
Antônio: Ta sonolenta né? 1052
Ligia: O quê que foi? È a chuva que te acalmou? 1053
Cibele: Ou o calor? Que te exaltou? (risos) 1054
Elisa: È os dois. O calor muito forte e depois apagou! (fala continuando o tom de poesia da 1055
Cibele. Muitos risos). Não, mas é...hoje, pela primeira vez assim, eu senti pressa de embora, 1056
impaciência de tá aqui... 1057
Ligia: Tá tudo bem? 1058
Elisa: Não com as coisas....eu falo assim, comigo mesmo, aqui dentro. 1059
Ligia: Hum... 1060
Elisa: É que tá...As pessoas aqui que usam medicamento, a tendência é ir tirando, a vontade, o 1061
objetivo pelo menos, né? Eu fui ao médico essa semana por que, tô muito mal. Comecei a 1062
ficar muito preocupada com as coisas pra resolver, mais problemas e aí eu voltei no meu 1063
médico, né? E a minha médica me aconselhou “não, você não tá, você não tá doente, o 1064
remédio é...” como se diz, me iludiu assim, né? Porque eu fico com muito medo de 1065
dependência, né, do remédio, porque eu já fiz tratamento. Aí ela, eu voltei a tomar remédio 1066
para me animar, eu to tomando um remedinho pra dormir, porque eu não estava dormindo. E 1067
eu to com um monte assim, de coisa lá fora me esperando. Eu tô ansiosa hoje, tô gostando de 1068
ouvir o pessoal, mas não tô afim de falar de mim. 1069
(silêncio) 1070
Elisa: Só uma coisinha: minha filha sofreu acidente, a que vai casar. Quebrou a perna, meses 1071
de gesso e... 1072
Ludo: Ela vai casar quando Elisa? 1073
Elisa: Ia, já ta desmarcando, dia X... 1074
Ligia: Nossa! Mas, às vezes tinha uma coisa assim que não ia dar certo... 1075
190
Elisa: Mas ela foi bem mal atendida no serviço de saúde que procuramos, engessou, agora a 1076
gente pagou uma outra consulta e viu que é... Médico nenhum dá o diagnostico de fratura, 1077
porque ele tem que fazer um exame, aí até antes de entrar aqui eu consegui já...o exame dela 1078
foi liberado a gente vai ter que pagar, para ver se desenrola, porque o médico explicou que 1079
podia ficar engessado meses, de repente tirava e não era fratura, era um monte de outras 1080
coisas. Aí eu tô... Nossa! Muita coisa assim né. E eu tô um pouco ansiosa, e...também não tô 1081
bem com aquela outra história, assim, não tô resolvida sabe, tá confuso... 1082
Ludo: Elisa, eu tô te escutando e tô aqui pensando né, você tem uma data para as coisas 1083
acontecerem na sua vida... 1084
Elisa: Tinha. Arram, eu falei, tá bom então. (risinhos nervosos) 1085
Ligia: Pode falar, nós já sabemos de tudo! (Elisa ri) 1086
Elisa: Mas eu to mal! 1087
Ligia: É bom que ela desabafa. 1088
Cibele: Você tinha planejado Elisa? O casamento? Como direção da sua vida? O que poderia 1089
fazer... 1090
Elisa: È, eu sempre planejo demais...como o Antonio.... 1091
Cibele: Como o Antônio? (fala junto com Elisa) 1092
Elisa: Mas eu...eu sei como ficar melhor. 1093
Ludo: Como? 1094
Elisa: Eu consigo, buscar numa fonte. 1095
Ludo: Você busca como, Elisa? 1096
Elisa: Uai, trabalhando comigo mesma. Daqui a pouco eu tenho que trabalhar, aí vai, vai indo 1097
melhor, aí eu de novo (risos) 1098
Ludo: Que coisas que você pode falar para você, igual o Antônio falou... 1099
Elisa: olha, aqui muita gente aqui hoje já me ajudou sem eu falar. 1100
Ludo: Hã? Ajudou como? 1101
Elisa: Quando a Renata falou que ela conseguiu ser forte na época da separação eu me vejo 1102
em cada coisa. Eu to aproveitando muito bem isso aqui. Mesmo que eu fique calada. Mas 1103
cada uma aqui me ajudou de alguma forma. Eu lembro que também eu vi para uma, uma né 1104
desde como se diz desde pequeno eu luto muito pra sobreviver, pra lutar, eu tenho uma 1105
história de vida assim que eu mesma me orgulho dela. Se eu tivesse tempo pra contar. É uma 1106
história de vitórias. Então, quando a Renata colocou isso e eu vi assim que o casamento dela 1107
hoje por que que ela não é tão forte hoje como ela já foi? Se a gente conseguir, mas eu penso 1108
comigo também: aí eu volto para mim mesma e penso: Puxa vida! Eu acho que eu sou forte 1109
191
desde o ventre. Que eu não era pra ter nascido, tem uma história assim, né? Então, como se 1110
diz, eu sou forte desde o ventre, por que eu não venço essas coisas? Eu tenho fé, eu tenho 1111
muita fé em Deus tô sendo uma pessoa ultimamente muito religiosa, e Ele tá me dando muito 1112
força! 1113
Joana: E ele vai te dar cada vez mais 1114
Elisa: Aí quando ele fala do casamento eu me vejo a esposa, eu falando pra ele há um tempo 1115
atrás eu te amo e ele também, eu te amo, ele eu também... do mesmo jeitinho! (Joana ri). O 1116
Antônio também fez umas colocações, né, que eu gosto muito das colocações que ele faz, 1117
sempre me serve. Agora eu não vou lembrar. Eu gosto muito de ouvir, agora eu to ansiosa. 1118
Antônio: Deixa eu te fazer uma pergunta: por que você tem medo da dependência do 1119
remédio? 1120
Elisa: Èééé...é mito. Bobagem. A médica me explicou não tem isso, você pode tomar aquele 1121
remédio, ainda mais que é muito fácil né? 1122
Antônio: Uhum 1123
Elisa: E o quê que tem também? Eu já me fiz essa pergunta tem tanta gente que toma remédio 1124
há tanto tempo porque precisa, porque que eu vou conseguir ficar dependente? 1125
Antônio: Porque existe uma crítica muito grande em cima de quem toma remédio. 1126
Elisa: È. 1127
Antônio: É complicado né porque eu acho que é um problema mais social do que, do que 1128
Elisa: È isso 1129
Antônio: A resistência não é da gente, eu num, eu num, há uns tempos atrás eu não contava 1130
para ninguém, o remédio era escondido, 1131
Elisa: Sabia que você, de ver, de ouvir você aqui e tal, eu também não, eu voltei na médica 1132
nessa condição. Se eu tô me ajudando aqui, se eu tô me ajudando assim né uma religião que 1133
tô, que eu acredito, por quê que eu não posso me ajudar o meu corpo? Químico... eu preciso, 1134
eu vou. E fui tranqüila, eu não fui achar... Eu só expliquei pra médica, eu mesma fui parando 1135
por conta própria e fiquei bem por muito tempo. Só que aí ela me explicou “você precisa de 1136
ajuda, você tem uns problema...ajuda a te resolver, não é, não precisa pensar que cê ta doente, 1137
que cê ta oh quatro meses, seis meses cê não...precisa achar que você vai ficar dependente. 1138
Não é assim...”. Eu fui, to tomando, to sentindo bem. Muito bem, né? Por que eu acho que se 1139
não tivesse, to conseguindo dormir. Aí por isso que eu acho que eu to assim um pouco 1140
sonolenta, né? Mas num... 1141
Joana: Eu também tomo remédio pra... 1142
192
Elisa: Essa mania que a gente tem de acha que tudo é você que tem que cuidar né? Mania de 1143
cuidar demais dos outros 1144
Cibele: Menos da gente 1145
Elisa: È, aí é né? Eu acho que eu tenho que cuidar da minha filha nas consultas dela, ajuda a 1146
outra, ajuda... 1147
Cibele: Hum? 1148
Elisa: audiência semana que vem. 1149
Antônio: Você é uma esposa de vez em quando assim, quando é que você vai desmamar esses 1150
menino? 1151
Elisa: Não, mas assim...você, é, é... 1152
Antônio: Você já não ouviu não? Por que eu já ouvi! 1153
Elisa: Não, mas assim num 1154
Antônio: Essa é a diferença 1155
Elisa: No meu caso, eu mesma eu já consegui. Eu tenho uma frase que eu, eu usei há um 1156
tempo atrás com o meu filho e uso sempre, eu falo pra ele “X. eu aprendi a ser sua mãe”. Ele 1157
me ensinou a ser mãe dele. Por que? Porque do tanto que eu sofria que eu queria que fosse do 1158
jeito que eu quisesse, né, não dava mais. Outro dia eu tive fora uns dias, ele mandou uma 1159
cartinha e reverteu “mãe, eu te amo muito, eu aprendi a ser seu filho também”. Então, quer 1160
dizer, eu, eu já lidei muito com essa história que você fala dos meninos saindo, ficando 1161
sozinho. Assim eu consegui superar. Meu filho quando começou a passear na noite, a pegar o 1162
carro do pai, até que deu no que deu, né, a gente tem na semana que vem uma coisa...bem 1163
séria pra resolver, e ele mudou muito depois disso, eu, hora que ele começa aprontar seis 1164
horas da tarde, eu já começa a sofrer, passar mal, “X. aonde você vai”, ele “Mãe, eu vou em 1165
tal lugar, em tal lugar, em tal lugar, não pai me dá a chave do carro”, aquela coisa, foi indo eu 1166
fui trabalhando isso comigo. Bom, isso, e tal, foi devagar, foi devagar, devagar e eu 1167
consegui...é, aí eu sempre falava: “X. eu to aprendendo a ser sua mãe. Pode ir. Vai com 1168
Deus...”. Dormi a noite inteira, não via a hora que chegava, ta tudo bem. Aí até que um dia 1169
não ficou tudo bem, mas isso a lição foi pra nós, mas mais pra ele, que ele mudou da água 1170
para o vinho, depois dessa, desse acidente que aconteceu, que deu nessa audiência, na semana 1171
que vem, né? A dor assim muito grande, amadureceu todo mundo né? Mas, em termos assim, 1172
de querer ter domínio dos filhos, eu não tenho, passeia, sai, fico sozinha, pode ir. O negócio é 1173
os problemas deles que eu pego pra mim, quando eu vejo eles no apuro né? 1174
Cibele: Ce abraça? 1175
193
Elisa: ...é que eu quero resolver eu acho que eu que tenho que fazer tudo. Mas assim, a 1176
questão deles, de eu ter visto eles saírem, a minha filha avisar pela primeira vez que ia dormir 1177
na casa do namorado, a outra mais nova “X. você ta transando X.?”, “transei hoje pela 1178
primeira vez” (risos) Até isso eu ouvi. E eu levei bem essas coisas...Falei: minha filha você ta 1179
transando, sem cuidado?, “transei hoje pela primeira vez”, então...menina né? Você nunca 1180
acha que vai acontecer. Eu fui amadurecendo...Você separa assim, isso aí eu, eu, eu consegui 1181
levar bem, essa questão do Antônio sentir que os filhos estão afastando...tem outros 1182
programas... 1183
Ludo: Elisa, olha que bonito que você fez: você deixou de querer impor a sua Elisa, na 1184
vidinha de cada um deles e você começou a querer ficar curiosa pra saber o quê que eles 1185
precisavam pra ser feliz, o que que eles precisavam pra viver, né? 1186
Elisa: Isso! 1187
Ludo: Aí você conseguiu relacionar isso um pouquinho com o seu jeito misturado um pouco 1188
com o jeitinho dele, eu acho que é por isso que você fala né, “aprendi a ser um pouco mãe” e 1189
ele aprenderam a ser um pouco filho, por que eles também começaram a pensar em você né? 1190
Nas suas coisas 1191
Ligia: Eles não reclamam não? 1192
Elisa: Do que? 1193
Ligia: Eles não reclamam não, dessa nova Elisa aí? 1194
Elisa: Não, eu dei liberdade. Eu consegui aqui dentro de mim não ser aquela Elisa que eu 1195
achava, que quando eles são pequenos a gente acha que todas, todas as vezes vai passear com 1196
a gente, vai ficar junto, o programa é o mesmo e tal. Eu não, assim, no começo eu sofri um 1197
pouco “ah, você vai sim, você vai pescar, vamos acampar, você tem que ir”. Isso eles tinham 1198
12, 13 anos. Eu sofria, né? Eles também. Mas depois não, foi aos poucos, “você quer ir, vai se 1199
quiser, não, tudo bem, então, eu e o seu pai vamos”, essas coisas... “Vai sair a noite? Pode ir”, 1200
primeiro eu entrego pra Deus. Eu sempre falei: antes de ser meu é de Deus, então, Deus toma 1201
conta. E durmo a noite inteira, não fico, nunca fiquei esperando. Fiquei assim, o X. é muito 1202
passeador, muito boêmio, agora parou de vez, largou tudo, graças a Deus né? Eu, assim, essa 1203
questão que eu vejo o Antônio falar eu já...senti também, essa questão da gente ta perdendo, 1204
parece que a gente ta perdendo eles né? Mas, não é. 1205
Antonio: É... 1206
Ligia: Mas, você acha que vocês né, você acha que estou errada ser uma mãe superprotetora 1207
então? É a minha dor de cabeça é “não, eu vou sair...”, eu vou lá e vou também 1208
Elisa: Mas é o meu caso quando ele... 1209
194
Ligia: “Mãe, eu tô com fome....”. Eu passo na escola e levo pra ele... 1210
Elisa: Não, eu também sou assim 1211
Ligia: Será que eu tô errada, meu Deus? 1212
Elisa: Não... 1213
Ludo: E você se sente mal Ligia? 1214
Ligia: Nossa, hiper bem! Saber que ela tem uma mãe que ela pode apoiar! Não assim, eu não 1215
entro na vida dela, eu não vou na casa dela, muito difícil eu ir na casa dela... 1216
Elisa: Ligia, 1217
Ligia: Ela trabalha ne? 1218
Elisa: Mas, o que me incomoda em mim é, por exemplo, o X. tem os problema, a Y. tem o 1219
celular dela, tá lá em cima da cama... 1220
Ligia: Nossa, é horrível! 1221
Elisa: tem que adiar as coisas, o convite começando a ser entregue, então, assim, eu sofro com 1222
essas coisas. Eu quero ajudar e sofro. Eu queria ajudar sem sofrer, então, eu fico trabalhando 1223
comigo mesma pra ver se eu não sofro. Aì eu chego, a minha netinha ta chorando, doente, aí 1224
eu quero cuidar da outra que tá na cama, eu não tendo nem espaço assim oh, tô uma 1225
profissional muito relapsa, tô deixando, porque...não dou conta de ser tudo tão perfeito. No 1226
trabalho eu to fazendo o que der, má profissional não, faço direitinho só não to tendo 1227
naquela...organização. Então, tô indo. Assim, né? Por isso que eu não tô muito bem, porque 1228
fica desorganizado as coisas, é na minha cabeça quê que eu faço? Tem cinco coisas, tenho que 1229
escolher duas ou três, é isso. 1230
Joana: Quer dizer que você dá conta, 1231
Cibele: Você queria que no seu caso, eu não sei se é bem isso, que você tava tentando passar, 1232
vamos ver se é um pouco isso, por exemplo, o caso da sua filha que infelizmente aconteceu o 1233
fato, de uma certa forma ela vai ser dependente sua durante um tempo né? 1234
Elisa: Humhum. 1235
Cibele: Porque...não tem como né? Agora o teu filho já que ele ta tão dependente assim de 1236
você, você gostaria que ele fosse mais responsável nas atitudes que ele tivesse, sejam elas 1237
positivas ou não, ou seja, ele abraçá aquilo, reconhecer que de fato ele errou e ele tem que ter 1238
noção de tentar de... Como é que eu vou lhe dizer? 1239
Elisa: Não, eu to preocupada...é assim, ele, já mudou...Nossa! Não tem nem como falar, o X. 1240
hoje é outro. Eu falei isso hoje vindo pra cá. O meu medo é, como se diz quem, sabe a cabeça 1241
de juiz pra julgar uma causa né? 1242
Joana: Coloca nas mãos de Deus, porque a justiça de Deus não falha 1243
195
Elisa: Porque eu sempre falava pra ele né? A questão de companhia, eu não falo que ele era 1244
santo, mas ele tava com a pessoa errada... 1245
Joana: Ichi! 1246
Elisa: É. (...). Agora, vai provar isso, então, isso me preocupa né? Porque...não é fácil. Mas, é 1247
isso. Eu fico sofrendo por muitas coisas, aí eu to explicando porque eu fico desassossegada 1248
aqui hoje 1249
Ligia: Eu to até entendendo 1250
Antônio: Igual eu, né? Você ta sofrendo por antecipação. 1251
Elisa: É, lembra? Há umas sessões atrás eu disse é uma audiência, eu to preocupada, mais 1252
paciência, então, vai chegando vai chegando 1253
Cibele: Quando mais chega mais a gente fica angustiada 1254
Antônio: Essa tortura é terrível. Não é fácil assim mesmo não, falar assim que você vai 1255
contornar e você faz força 1256
Elisa: È 1257
Antônio: Dá uma desligadinha, às vezes faz alguma coisa e não consegue fazer, eu sempre fui 1258
muito falante, hoje eu não, eu falo muito menos, mas... Mas, e...Que a perturbação é tamanha 1259
que me impedi de ter uma criatividade para ta falando sobre alguma coisa, mas foi bom que 1260
você falou, no finalzinho você falou, né? 1261
Elisa: Eu to pesada, to tão angustiada 1262
Antônio: Ce vai sair mais leve... 1263
Elisa: Hoje eu não consigo falar nada, mas aproveitei muito, eu to sempre pensando 1264
Antônio: Eu levando pelo meu pensamento compulsivo, eu to tentando me livrar disso, pelo 1265
menos diminuir, eu imagino como você está, então, dá pra, eu acho que essa sua última fala aí 1266
você vai embora 1267
Elisa: Mais leve? 1268
Antônio: Mais leve (risos) eu tenho certeza. 1269
Ludo: Foi bom escutar a Elisa, Antônio? 1270
Antônio: Foi, foi ótimo 1271
Ludo: Foi bom? 1272
Antônio: Foi 1273
Ligia: Isso te ajudou. 1274
Renata: Pra você nunca perder a esperança, confiar primeiro em Deus, né? 1275
Elisa: Eu sou suspeitinha pra falar do meu remedinho (risos) 1276
196
Ludo: Gente oh nós terminamos né, mas eu só quero Lucas, Joana entregar as cartas das 1277
sessões que vocês não vieram. 1278
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