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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social –
Interações Midiáticas
SUJEITOS DA INTERAÇÃO MEDIADA PELO DISCURSO DA
SUSTENTABILIDADE: Samarco e comunidade do entorno
Cláudia Vieira Tanure
Belo Horizonte
2010
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Cláudia Vieira Tanure
SUJEITOS DA INTERAÇÃO MEDIADA PELO DISCURSO DA
SUSTENTABILIDADE: Samarco e comunidade do entorno
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social da
Faculdade de Comunicação e Artes da
Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para obtenção
do titulo de Mestre em Comunicação.
Área de concentração: Interações Midiáticas
Orientadora: Prof
a
. Dra. Ivone de Lourdes
Oliveira
Belo Horizonte
2010
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Tanure, Cláudia Vieira
T169s Sujeitos da interação mediad pelo discurso da sustentabilidade: Samarco e
comunidade do entorno / Cláudia Vieira Tanure. Belo Horizonte, 2010.
139f. : il.
Orientador: Ivone de Lourdes Oliveira
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.
1. Comunicação. 2. Discurso. 3. Significação. 4. Interação social. 5.
Estratégia. I. Tanure, Cláudia Vieira. II. Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.
CDU: 659.3
Cláudia Vieira Tanure
SUJEITOS DA INTERAÇÃO MEDIADA PELO DISCURSO DA
SUSTENTABILIDADE: Samarco e comunidade do entorno
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Faculdade de Comunicação e
Artes da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais como parte dos requisitos
necessários para obtenção do título de mestre
em comunicação.
____________________________________________________
Prof. Dra. Ivone de Lourdes Oliveira - PUC Minas (orientadora)
____________________________________________________
Prof. Dr. Júlio César Machado Pinto - PUC Minas
____________________________________________________
Prof. Márcio Simeone Henriques - UFMG
Belo Horizonte, 8 de julho de 2010.
Para Robson e Valentina,
meus amores.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu pai, por ser o grande incentivador aos estudos desde
sempre e ser minha inspiração, quando, aos 48 anos, casado e com quatro filhos,
iniciou a Faculdade de Direito.
A minha mãe eu agradeço a alegria que me ilumina e que me foi transmitida
geneticamente, ajudando-me a enfrentar os dias difíceis de minha vida.
As minhas irmãs, Maria Helena e Raquel, pela disponibilidade de me ouvir e
compartilhar comigo as dificuldades e alegrias, sempre me dando uma palavra de
ânimo. E ao meu irmão, Paulo Amim pode ter acreditado em mim quando investiu na
minha pós-graduação.
À Ivone, primeiro por ter a consciência que foi ela que me conduziu a essa
aventura, que é o mestrado, sendo muitas vezes uma referência para mim, motivo
de admiração. E depois pela orientação feita de carinho e de confiança que me
fortaleceu e me encorajou a seguir em diante.
Ao Júlio, por me dar a passagem para a viagem do conhecimento, alargando
a minha consciência, trazendo-me algo novo, instigador. Agradeço a sua inteligência
bem-humorada, que desenferrujou a minha. Não desprezando nunca a experiência
vivida por mim, minhas inferências, nem sempre assertivas.
À queridíssima Terezinha, por sua solidariedade, generosidade e amparo nas
dúvidas, nas consultas, nas críticas, nos caminhos sugeridos.
A todos os outros professores, em especial a Dedé, pela paciência comigo e
minha ignorância traduzida pela vontade de aprender. Agradeço pela competência e
humanidade que eles me conduziram ao aprendizado.
À colega Cida, por me acolher, incentivar-me quando ainda nem éramos
amigas e por apresentar-me à Raquel e à Fernanda que me acolheram e se
transformaram em amigas verdadeiras. Agradeço à Fernanda, por inúmeras trocas,
indicações, por me ouvir e me atender sempre e se tornar uma amiga querida,
dividindo comigo os momentos de aflição, e me encorajar, sempre me emprestando
a sua maturidade.
Agradeço à Fábia, já que, sem o apoio incondicional dela, eu não teria
chegado até aqui. Ela me indicou o norte e iluminou meu caminho acadêmico com
sua lucidez, seu conhecimento e sua compaixão.
Aos colegas da Press Comunicação, em especial à Cristiane José, que
enfrentaram a minha ausência sem deixar “a peteca cair”. Só foi possível me
ausentar do trabalho para estudar em função do comprometimento deles.
Aos meus amigos, pela compreensão nos momentos de ausência, pela
paciência com meus permanentes “nãos”. Ao Alencar da Quixote, amigo fiel e
livreiro de todas as horas; à Claudinha, minha irmã de coração; ao Roiz, sempre me
provocando a pensar, em repentes filosóficos.
Meu eterno obrigada à Valentina e ao Robson, pelo companheirismo, pela
compreensão nas ausências e tolerância nos momentos de estresse. Pelo amor
incondicional que me dedicam, possibilitando-me superar meus limites.
E, finalmente, obrigado a Deus, a quem dedico minha fé, que me curou,
permitindo-me chegar até aqui.
RESUMO
Fazer uma análise sobre a relação comunicativa da organização, neste caso a
Samarco, com a comunidade do seu entorno, comunidade de Antônio Pereira, em
Ouro Preto, Minas Gerais, por meio do discurso da sustentabilidade foi o objetivo
deste trabalho. Partimos de uma contextualização histórica que mostra as mudanças
que remodelaram as organizações, observando que, a cada período, cresce a sua
força social, colocando-as cada vez mais na centralidade da sociedade
contemporânea. Posteriormente, mostramos como a comunidade se transformou a
partir da organização, pontuando três fases que marcam essa reconfiguração – a
pós-industrial, que a transforma em massa trabalhadora, a tentativa de recriação
comunitária artificial e a comunidade do entorno, problematizando esse conceito.
Conclui-se aqui a caracterização dos sujeitos em questão, para, então, partir para a
temática principal que se inscreve nas análises da interação pelo discurso da
sustentabilidade. O estudo se volta para a compreensão do discurso, sua gênese e
arquitetura. Entendido como um operador da relação entre a Samarco e a
comunidade de Antônio Pereira, esse atua como um dispositivo de interação e
poder, na medida em que se torna um discurso ordenador da relação. O trabalho
discute como a Samarco o utiliza e suas estratégias, tentando perceber o processo
comunicativo pela perspectiva relacional do fenômeno. Feita essa radiografia do
discurso e suas implicações, partimos para entender como ele desencadeia o
processo comunicativo, mediante a apropriação, a refutação e a produção de
sentidos por parte da comunidade. Finalmente, apresentamos os resultados da
análise, que tentou enfatizar a construção de sentidos por parte da comunidade, os
seus reflexos para a Samarco e as implicações contextuais que perpassam o
processo comunicativo.
Palavras-chave: Comunicação. Discurso. Construção de sentidos. Interação.
Estratégia.
ABSTRACT
This study aimed at analyzing the relation between Samarco’s communication and
the Antonio Pereira community, which is located in the surroundings of the industrial
plant, trouch the discourse of sustainability. It starts with a historical contextualization
that shows the changes that reshape the organizations observing that at every period
of time its social power emerges and puts it even more in the centre of the
contemporaneous society. Therefore, to show how the community has changed
since the organization, made its presence felty, by scoring three phases that remark
this reconfiguration. The post industrial stage, the attempt of the artificial community
recreation and the surrounding community, problematizes this concept. We can
conclude here the characterization of the focused subjects to advance to the main
theme inserted at the analysis of the interaction heading to the sustainability
discurse. The study moves on to the comprehension of the discourse, its genesis and
architecture. Accepted as an operator of the relation between Samarco and the
Antonio Pereira community, it acts as an interactive device of power, once it
becomes a discourse that means ordination of the relationship. The study discusses
how the discourse is used by Samarco and how the strategies are implemented
seeking to the communicative process through the relational perspective of the
phenomenon. Once the radiography of the discourse and its implications is made, we
go further to understand how it triggers the communicative process trough the
appropriation, refutation and the production of meanings by the community. Finally,
we present the results of the analysis that gave emphasis to the construction of
meanings by the community, its reflections on the Samarco and the contextual
implications which run though the communicative process.
Key-words: Communication. Enunciation. Discourse. Sense-making. Interaction;
strategies. Production of meaning.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Divisão acionária da Samarco.............................................. 90
FIGURA 2
Mapa das comunidades do entorno da Samarco.................
92
FIGURA 3
Organograma de públicos da Samarco................................
92
FIGURA 4
Balanço da Central de Atendimento da Samarco.................
93
FIGURA 5
Igreja Queimada de Antônio Pereira....................................
95
FIGURA 6
Bordadeiras da Associação Arte, Mãos e Flores..................
97
FIGURA 7
Banda de Música da Associação Nossa Senhora da
Conceição da Lapa...............................................................
99
FIGURA 8
Pacto Global.........................................................................
109
FIGURA 9
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio............................
110
FIGURA 10
Organograma da Gerência de Sustentabilidade da
Samarco................................................................................
113
FIGURA 11
Quadro comparativo com os discursos da Missão, Visão e
Valores..................................................................................
115
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABERJE – Associação Brasileira de Comunicação Empresarial
BOVESPA – Bolsa de Valores de São Paulo
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
MG – Minas Gerais
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
ONU – Organização das Nações Unidas
PIB – Produto Interno Bruto
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
RSE – Responsabilidade Social Empresarial
TV – Televisão
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................... 11
2
OS SUJEITOS...................................................................................
14
2.1 A comunicação das organizações com as comunidades do
entorno: sujeitos da interação........................................................
14
2.1.1 O contexto social contemporâneo (re)configurando as
organizações.....................................................................................
16
2.2 A comunidade do entorno remodelada pelas transformações
contemporâneas...............................................................................
30
2.2.1 A comunidade do entorno: conceituação e trajetória.................. 33
2.2.2 A comunidade do entorno pela perspectiva da mobilização
social mediatizada............................................................................
42
3
OS DISCURSOS................................................................................
48
3.1 A arquitetura do discurso................................................................ 48
3.2 As estratégias discursivas como fonte de legitimação na
dimensão do contexto organizacional...........................................
56
3.2.1 O campo comunicacional conformando o campo
organizacional e sua estratégia discursiva...................................
61
3.2.2 O discurso da sustentabilidade como estratégia de
legitimação.........................................................................................
68
3.3 O discurso da sustentabilidade como resposta social................. 73
4
O DISCURSO DOS SUJEITOS..........................................................
85
4.1 Procedimentos metodológicos........................................................ 85
4.1.1 O Estudo de Caso e os instrumentos de análise........................... 87
4.2 A Samarco......................................................................................... 90
4.3 Antônio Pereira.................................................................................. 93
4.4 O discurso da sustentabilidade: estratégias, produção de
sentidos e circularidade...................................................................
99
4.4.1 Análise do discurso da Samarco..................................................... 102
5
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................
123
REFERÊNCIAS................................................................................................. 127
APÊNDICE........................................................................................................ 136
11
1 INTRODUÇÃO
Este estudo foi motivado pelo interesse de compreender o processo
comunicativo de uma organização, com seus interlocutores e sua implicação na
construção de sentidos. Ressaltamos que aqui a organização é entendida para além
de sua condição de produzir bens e serviços, mas como um espaço de interação
social, “fronteira de percepções” que estabelece a zona de contato entre os sujeitos.
A especificidade desta pesquisa está no fato de analisar os processos interacionais
valendo-se de um contexto próprio, o organizacional, pela perspectiva da
comunicação no momento em que analisa um processo discursivo específico, ou
seja, como as organizações se relacionam com seus interlocutores e em especial
com a comunidade do seu entorno.
São diversos os critérios que podem estabelecer esse lugar, o entorno,
determinado a partir da organização, a saber: o geográfico, o territorial, os impactos
ou até mesmo a zona de influência. Poderíamos chamá-la também de “comunidade
vizinha”, mas o nosso objetivo de adotar tal conceito, “comunidade do entorno”, tem
este propósito: problematizar a centralidade das organizações na sociedade
contemporânea e os impactos gerados por esse fenômeno.
Condições que justificam a escolha do nosso objeto empírico, isto é, a
Samarco Mineração, que, pela natureza de seu negócio, gera grandes impactos
socioeconômicos e ambientais, principalmente nas comunidades do entorno, mais
sujeitas a eles. Motivo pelo qual elegemos a comunidade de Antônio Pereira, distrito
de Ouro Preto (MG), a mais próxima geograficamente da mineradora. Pesquisamos,
portanto, o processo comunicativo entre esses sujeitos, por meio do estudo da
interação estabelecida entre eles, através de um discurso em especial, o da
sustentabilidade, concebendo a linguagem como mediação e fonte de sentidos.
Isso porque entendemos que a adoção do discurso da sustentabilidade pela
organização se apresenta como enunciado que tenta justificar as suas ações, nos
mais diversos campos, como o social, o ambiental, o econômico e o político, e
principalmente legitimá-las perante seus interlocutores. Fato que representa uma
nova estratégia de enfrentamento das dificuldades na relação da organização com a
comunidade do entorno.
12
Para analisar tal situação, usamos um arcabouço teórico e metodológico que
tenta dar conta da complexidade dessa relação interativa marcada por conflitos e
dissensos entre os sujeitos, circunstâncias nas quais se inscreve a problematização
da pesquisa. E, para entender a complexidade presente nessa relação, buscamos
contextualizar os fenômenos sociais que instituíram os sujeitos: organização e
comunidade do entorno. Portanto, com base na contextualização histórica, cultural,
social e econômica, caracterizamos tanto a organização como a comunidade na
contemporaneidade, observando como as mudanças redesenharam o seu modo de
ser e o lugar que ocupam na sociedade.
No entanto, o cerne da questão que se apresenta é como o discurso da
sustentabilidade enunciado pela organização e compreendido como resposta à
sociedade às questões socioambientais que emergem na contemporaneidade é
apropriado, e/ou refutado, e/ou ressignificado pela comunidade, e que sentidos são
construídos tendo em vista sua enunciação.
Esta dissertação consta de quatro capítulos, excetuando-se esta introdução.
No primeiro capítulo, analisamos como os fenômenos sociais e as mudanças que
ocorreram nas diversas esferas sociais reconfiguraram as organizações e as
colocaram em uma posição de centralidade na sociedade. Fenômeno que funda
uma nova maneira de a organização se relacionar com seus interlocutores, por meio
de discursos estrategicamente elaborados que buscam a interação, mas
principalmente a legitimação perante os outros. Nesse cenário, a comunicação teve
papel fundamental, sendo o fio condutor que atravessa todas as mudanças, a ponto
de ser considerada conformadora da própria organização. Por isso mesmo, um dos
fenômenos sociais tratados com relevância na pesquisa é a mediatização, tendo
como base a “teoria dos campos” de Rodrigues (1990), que revela o esforço dos
sujeitos em busca de legitimação social e institucionalização. O campo mediático
torna-se, assim, elemento de conexão e interação social.
Interessou-nos conhecer, então, como e de que forma, a partir da ocupação
desse novo ethos que expande as suas fronteiras físicas e subjetivas, as
organizações passaram a se comunicar com as comunidades que vivem em seu
entorno, tão impactadas por suas atividades.
Portanto, partimos para conhecer e caracterizar esse sujeito assumido por
nós como a “comunidade do entorno”. Assim, iniciamos nosso trajeto por um viés
histórico na intenção de conhecer de onde surgiu esse sujeito e como isso
13
aconteceu, para então entender como ele se institui na contemporaneidade valendo-
nos de uma perspectiva relacional. Começamos por pesquisar a formação de
identidade, problematizando a questão da cidadania e os impactos da mediatização
sobre ela na contemporaneidade.
Ao percorrer esse trajeto, observamos que as comunidades, estando
invariavelmente conectadas à organização, utilizam-se tanto da mediatização como
da mobilização social como suportes à interlocução com a organização em busca de
uma negociação.
Desta forma, no segundo capítulo, apresentamos os discursos como meio de
comunicação entre esses sujeitos e a fonte de estratégias de legitimação e poder.
Apresentando sua arquitetura, de que se compõem e como os sujeitos os utilizam de
forma estratégica na busca dos seus interesses. Para, então, apresentar o discurso
da sustentabilidade utilizado como resposta às exigências da sociedade,
principalmente no que diz respeito à responsabilidade social e à preservação do
meio ambiente, bem como dispositivo de poder por parte da organização.
Assim, no terceiro capítulo, descrevermos nosso percurso metodológico,
ancorado no estudo de caso e seus diversos instrumentos de análise, voltando
nosso foco para analisar a interação entre os sujeitos. O material coletado foi
submetido aos seguintes procedimentos: contextualização histórica, sociocultural,
econômica da Samarco, enunciadora do discurso da sustentabilidade e do distrito de
Antônio Pereira. Descrição do material utilizado pela organização – Relatório Social,
jornal da comunidade, cartilhas, etc.; análise do material coletado de acordo com as
categorias metodológicas eleitas para a análise dos discursos e análise comparativa
entre o discurso enunciado pela organização e os sentidos que surgem a partir de
sua recepção pela comunidade. Isso, na intenção de perceber os pontos
convergentes e divergentes para, então, identificar os sentidos construídos.
Posteriormente, seguimos para o quarto capítulo com as considerações finais da
pesquisa.
14
2 OS SUJEITOS
Propomos, neste primeiro capítulo, apresentar os dois sujeitos em questão, a
organização e a comunidade do entorno dentro do contexto contemporâneo onde se
inscrevem. Para tal, fez-se necessário constituir um percurso histórico social que
explica a posição desses e sua caracterização na atualidade.
2.1 A comunicação das organizações com as comunidades do entorno:
sujeitos da interação
O contexto social contemporâneo, marcado principalmente pela globalização
e pelas novas tecnologias, modificou as organizações em vários aspectos,
colocando-as em um lugar nunca antes ocupado, a ponto de Drucker (1999) afirmar
que a sociedade transformou-se em uma sociedade de organizações. O autor
acrescenta que quase todas as tarefas necessárias ao funcionamento da sociedade,
atualmente, são feitas por organizações empresariais, governamentais ou do
terceiro setor, estando essas cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas.
Conceituando-as como sujeitos sociais coletivos ou, no entender de Putnam
(1983, p. 45), como “relacionamentos sociais concebidos como um sistema
complexo de significados”, as organizações influenciam a sociedade e são
influenciadas por ela, afetando e sendo afetadas pelos diversos campos como
político, social, ambiental, econômico e cultural.
Nesse movimento de afetação recíproca, não só as organizações, mas
também seus interlocutores foram transformados em sujeitos.
1
São consumidores,
organizações não governamentais, comunidades, funcionários, imprensa, políticos,
entre outros. É na relação que estabelecem com as organizações que esses atores
se instituem como sujeitos. É a partir, portanto, da interação estabelecida com a
sociedade que se passou a exigir destes sujeitos sociais – entre eles, as
1
Adotamos a perspectiva de que um sujeito se constitui no âmbito da ação. É uma determinada ação que
constitui o sujeito (FRANÇA, 2006).
15
organizações e as comunidades – uma concepção atual de comunicação para que
enfrentem a nova realidade que se apresenta.
Assim, defendendo que o contexto social contemporâneo reconfigura o
contexto organizacional, faz-se necessário reconhecê-lo em toda a sua
complexidade. Para tanto, apresentamos o contexto social como propulsor de
mudanças nas organizações e nas comunidades. Entendendo as organizações não
só como parte integrante do tecido social, mas também como ordenadoras e
direcionadoras de interação comunicativa, refletimos sobre a sua relação com a
sociedade na contemporaneidade.
Compreendendo que essas mudanças não aconteceram de forma
homogênea, absoluta, mas, sim, processual, mostra-se a passagem de uma
comunicação organizacional, caracterizada por princípios autoritários pela
transmissão de informações, por discursos monológicos, para uma comunicação
relacional, em que o outro com quem se relaciona é considerado um interlocutor tão
importante quanto aquele que, tradicionalmente, ocupava o papel de emissor.
Do ponto de vista dos estudos da comunicação, percebemos como reflexo
desse fenômeno, que o paradigma funcionalista que considerava o processo
comunicativo como uma instância de transmissão linear de mensagem de um
emissor para um receptor não dá mais conta de subsidiar teoricamente uma reflexão
sobre a relação entre as organizações e os seus interlocutores. As reflexões da área
comunicacional também passaram a considerar esse fenômeno a partir da ordem da
relação ou, mais especificamente, da interação. Mais adequado para nos ajudar a
refletir sobre o modo de vida atual, influenciado pelos princípios democráticos, esse
modelo de comunicação baseia-se na “inter-ação” social, ou seja, pressupõe-se que,
em toda relação comunicativa, os interlocutores estão necessariamente implicados e
se afetam mutuamente (FRANÇA, 2006).
E, para entender como se comportam as organizações na relação com seus
interlocutores, em especial com a comunidade do entorno, esforço que se
empreende neste primeiro capítulo, buscamos caracterizá-los mostrando como as
mudanças socioeconômicas e culturais também influenciaram na sua conformação
atual. Assim, procuramos aprofundar no conhecimento de cada sujeito –
organização e comunidade do entorno –, bem como nas estratégias discursivas e
nas práticas comunicacionais utilizadas na tentativa de alcançar seus objetivos.
16
2.1.1 O contexto social contemporâneo (re)configurando as organizações
Defendemos que as organizações estão no epicentro das mudanças na
sociedade em seus diversos campos. Entendidas como sujeitos sociais coletivos, as
organizações são consideradas um espaço de interação social, que influencia e é
influenciado pelos sistemas culturais, sociais, políticos e econômicos, modificando a
sociedade e sendo modificado por ela. Dessa forma, tanto configuram como são
configuradas pelos contextos sociais. Sendo assim, procuramos compreender como
se processa esse fenômeno de afetação observando como as organizações foram
se remodelando a partir de sua interação com a sociedade. Para isso, é preciso
entender e caracterizar o contexto social onde estão inseridas e pelo qual foram
reconfiguradas.
Portanto, analisamos o contexto social contemporâneo pela perspectiva das
mudanças que as organizações ajudaram a promover e que as reconfiguraram nos
diversos aspectos de sua natureza. O objetivo é de, mais à frente, compreender a
influência desse contexto na dinâmica de interação comunicativa que elas
estabelecem com a sociedade e seus interlocutores, bem como a construção de
suas estratégias discursivas e a produção de sentidos gerados nessa interação.
Assim, na esteira da globalização e do desenvolvimento de tecnologias da
informação conformadores de um novo contexto social, a sociedade contemporânea
tem sido descrita por diversos autores – entre os quais, Lipovetsky (2004), Bauman
(2003), Kumar (1997) – como mutatis mutandis. Cada um desses autores,
naturalmente, nomeia esse fenômeno de forma diferenciada, mas todos concordam
no estabelecimento de um caráter distinto entre a modernidade e o estado de coisas
que a sucede. Para entender esse processo, faz-se indispensável mostrar de forma
aprofundada essa perspectiva teórica e a passagem histórica do período da
modernidade ao que chamaremos inicialmente de “pós-modernidade”, conscientes
das diversas nuances teóricas em torno da ideia (modernidade tardia,
hipermodernidade, modernidade líquida, neobarroco, etc.), acentuando os impactos
desse fenômeno na construção dos sujeitos em questão, na organização e na
comunidade que vive em seu entorno.
Se a modernidade e suas correntes teóricas foram marcadas pela ênfase na
racionalidade e no poder da ciência, a passagem para o que chamaremos de “pós-
17
modernidade” se dá justamente em função de um desencanto da sociedade com os
valores e os ideais da modernidade. Assim, essa fase da modernidade é, então,
marcada pelo avanço do capitalismo, pelo consequente esvaziamento do Estado,
pela emergência da comunicação de massa, pelo individualismo, pelo consumismo,
pela incerteza e pela fragmentação do sujeito.
Para os estudiosos, a existência da pós-modernidade é uma discussão
polêmica, que parece não ter chegado ao fim e talvez seja impossível e infértil tentar
enquadrar a complexidade da vida atual a um só tipo de conceito ou modelo. Mas,
para o propósito de compreender as mudanças que configuram o contexto social e
sua influência no modo de vida dos diversos sujeitos sociais, pode ser fecundo
buscar o conhecimento e seus pressupostos teóricos. O objetivo não é defender ou
adotar determinada teoria, mas dar um alinhamento aos seus pressupostos e, a
partir da compreensão de suas características e distinções, situar histórica, social e
politicamente as questões que permeiam as mudanças de comportamento das
organizações na sociedade. Portanto, a fim de seguir o percurso analítico proposto,
começamos por apresentar a modernidade utilizando essa descrição como forma de
ordenar as mudanças que se apresentam. Vários estudiosos, nas décadas de 1960
e 1970, dedicaram-se a interpretar a sociedade moderna, começando por rotulá-la
de sociedade “pós-industrial”.
O mais eminente representante dessa perspectiva foi o sociólogo Daniel Bell,
que lançou, em 1973, o livro The coming of post-industrial society. A ideia ganha
força e circulação com o livro de Peter Drucker lançado em 1969 – The age of
discontinuity – e o de Alvin Toffler lançado em 1970 e intitulado O choque do futuro.
O conteúdo dessas obras aponta para uma só direção: o nascimento de uma nova
sociedade, tão diferente da sociedade industrial quanto foi antes a sociedade agrária
(KUMAR, 1997).
O ambiente daquele momento era de intensas discussões sobre a validade
dessa formulação, baseada na ideia do fim da sociedade industrial. O choque do
petróleo, crise internacional desencadeada em 1973, quando a Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (OPEP) quadruplicou o preço do barril e anunciou
que a produção estaria se aproximando de sua capacidade instalada, indicou uma
mudança radical nos rumos da economia mundial. Tais acontecimentos fizeram com
que os debates sobre os limites do crescimento pelo industrialismo e o esgotamento
de seu potencial ganhassem força, contribuindo com a teoria de que a sociedade
18
adentrava numa era pós-industrial. Como nos narra Kumar (1997, p. 14), “o
industrialismo clássico, o tipo de sociedade analisada por Marx, Weber e Durkheim,
o tipo de sociedade habitada pela maioria dos ocidentais no último século e meio
não mais existia”.
No Brasil, em especial, essa situação provocou grande impacto,
interrompendo um ciclo de crescimento conhecido como o “milagre brasileiro” ou o
“milagre econômico”. O País exibia alta taxa de crescimento, propiciado por vários
fatores, entre eles: a situação externa favorável e a capacidade de absorção de mão
de obra ociosa, possibilitada pelas reformas promovidas pelo regime militar e pelos
investimentos feitos no então período de 1968 a 1973. De forma geral, instalou-se
um estado de espírito de crise substituindo o otimismo da década de 1960).
Pela perspectiva de Kumar (1997), a sociedade contemporânea, ou pós-
industrial, pode ser compreendida com base em três enfoques como: a sociedade da
informação, o pós-fordismo e a pós-modernidade. É importante, porém, ressaltar
que acreditamos ser nas entrâncias, feitas de convergências e até mesmo de
imbricações desses períodos, que estão as explicações e a representação dos
diversos aspectos da contemporaneidade.
Portanto, caracterizamos a sociedade da informação, considerada uma
extensão da própria teoria pós-industrial, que já preconizava ser o conhecimento, e a
informação, a fonte de crescimento, o motor propulsor da sociedade do futuro. Desta
forma, a tecnologia capitaneada pelo computador, em conjunto com o
desenvolvimento das telecomunicações, foi decisiva para concretizar a sociedade da
informação. Demonstrando a importância desse fato para a mudança da sociedade,
a tecnologia do computador é considerada para a era da informação o que a
mecanização foi para a Revolução Industrial (KUMAR, 1997).
A questão da tecnologia da informação é tão definidora nas mudanças
ocasionadas na sociedade contemporânea que ela passou a ser caracterizada por
seus métodos de acessar, processar e distribuir informações. Esse acesso às
informações, pela combinação de diversos dispositivos como satélites, televisão,
telefones celulares, computadores e internet, produziu o aumento da conexão entre
sujeitos individuais ou coletivos como as organizações, quebrando barreiras como a
distância e a língua, e diminuindo fronteiras geográficas, sociais e humanas. Em
outros termos, a tecnologia da informação permitiu conectar o mundo em um
19
sistema unificado de conhecimento, propiciando o compartilhamento de
informações.
A escrita, o som, a imagem e os dados estão hoje onipresentes e dão a
volta ao mundo em menos de um segundo. Todo mundo, ou quase, vê tudo,
sabe de tudo sobre o mundo. Isto constitui uma ruptura considerável na
história da humanidade, cujas conseqüências ainda não conseguimos
avaliar
(WOLTON, 2006, p. 9).
Mas Wolton (2006) também nos lembra que, apesar de tantas maneiras de se
comunicar, de se conhecer e se conectar ao outro, isso não representa
necessariamente a garantia de compreensão mútua e de entendimento universal.
Ressaltamos, como exemplo, a complexidade da relação das organizações com a
comunidade que vive em seu entorno. Apesar de as organizações possuírem
dispositivos capazes de propiciar contatos cada vez mais diretos e próximos, como
sites, e-mails e centrais telefônicas de atendimento, essa relação é marcada, na
maioria das vezes, por divergências, falta de equivalência discursiva,
incompatibilidade de interesses e ausência de diálogo.
Não obstante essa ambiguidade, não se pode eliminar a importância da
tecnologia da informação e seus dispositivos como geradores de interconexão entre
sujeitos e diversas possibilidades de interação, que, para Kumar (1997), tornaram a
sociedade mais mutável e flexível e ampliaram a aspiração de liberdade individual.
O acesso veloz e abrangente às informações, a comunicação de massa, a
tecnologia que gera o encurtamento do tempo e espaço são alterações que
influenciaram o modo de o homem estar no mundo e, consequentemente, trouxeram
novas implicações éticas e morais para a sociedade (KUMAR, 1997; WOLTON,
2006; DRUCKER, 1999; LIPOVETSKY, 2004).
Assim, a abrangência desses fenômenos e seu poder de transformação
geraram uma reestruturação dentro do contexto organizacional, por meio da
mudança de comportamento dos sujeitos sociais.
Estamos começando a rejeitar as hierarquias, que funcionaram na era
industrial, centralizada. Em seu lugar, estamos colocando o modelo de rede
de organização e comunicação, que tem raízes na formação espontânea,
igualitária, e natural de grupos de pessoas de mentes semelhantes. As
redes reestruturarão o poder e o fluxo de comunicação dentro da empresa,
de vertical para horizontal [...] (NAISBITT
2
apud KUMAR, 1997, p. 26).
2
NAISBITT, J. Megatrends: The new direction transforming our lives. New York: Warner Books, 1984.
20
Entretanto, no mundo conectado, o que é um dispositivo de informação é
também um dispositivo de vigilância e de poder. Para Fausto Neto (2008, p. 42),
“seriam ações de vigilância sobre os efeitos de outras ações, o que na prática seria
a informação intervindo na informação”. No que diz respeito às organizações, reflete
o autor, essa vigilância via informação serve a um desejo de regulação e de controle
do ambiente e sua dinâmica, reorganizando a estrutura de interação na
contemporaneidade.
Mas, se por um lado as organizações dispõem de muito mais informações
para alavancar os seus negócios, por outro esse fenômeno implicou mais cobrança
da sociedade por transparência, por fornecer e compartilhar essas informações.
Todavia, Fausto Neto (2008) nos lembra que a proliferação desse “conexismo” não
assegura por si só a transparência. Atentas a essa questão e pressionadas pela
sociedade, as organizações precisaram estabelecer relação de prestação de contas,
não mais apenas aos acionistas, mas a todos os sujeitos que, de alguma forma,
estão interligados a ela.
As próprias organizações, na década de 1990, procurando institucionalizar
maneiras de prestar contas à sociedade inauguram o sistema de “governança
corporativa” e “accountability” a fim de dar uma resposta ao clamor da sociedade por
informação e ética na conduta dos seus negócios. Mas quais significados esses
termos carregam? E como a sua chegada impactou a relação entre organizações e
seus interlocutores? Tentando jogar luz a essa reflexão, por entender que ela é
relevante para perceber a mudança de postura das organizações, explicamos que
um sistema de governança corporativa
3
é um conjunto de regulamentos e
convenções culturais que vão reger justamente a relação entre a empresa, os
acionistas e os diversos atores sociais, que, de alguma maneira, estão conectados a
ela.
Oito princípios sustentam a governança corporativa, sendo eles: estado de
direito, transparência, responsabilidade, orientação por consenso, igualdade e
inclusividade, efetividade e eficiência e prestação de conta (accountability). Fazendo
parte desse sistema, a accountability fornece importante aparato para o controle das
ações das organizações e sua divulgação para a sociedade. O termo accountability
vem da língua inglesa e não tem tradução exata para o português, já que o seu
3
Governança corporativa – Disponível em:< http://www.ibgc.org.br/Secao.aspx?CodSecao=17 >. Acesso em:
28 maio 2009.
21
sentido mais comum nos remete à obrigação de membros de uma organização
pública ou privada prestar contas de suas ações a instâncias controladoras ou a
seus representantes. Na ausência de tal tradução, outro termo usado numa possível
versão portuguesa é responsabilização, que é frequentemente usado em
circunstâncias que denotam responsabilidade social, imputabilidade, obrigações e
prestação de contas.
No entanto, essa questão não é meramente linguística; a nosso ver, traz em
si outro sentido, o de que no Brasil as organizações não se preocupavam em prestar
contas de seus atos à sociedade, e mesmo hoje muitas transformam isso em um
discurso em busca de aceitação social. Em consonância com essa premissa,
Campos (1990, p. 1), autora do emblemático artigo intitulado “Accountability.
Quando poderemos traduzi-la para o português?”, diz que: “[...] Ao longo dos anos
foi entendido que faltava aos brasileiros não precisamente a palavra, ausente tanto
na linguagem comum como nos dicionários. Na verdade, o que nos falta é o próprio
conceito, razão pela qual não dispomos da palavra em nosso vocabulário”.
A autora nos fornece a noção de que a accountability envolve três dimensões
– informação, justificação e punição –, podendo ou não essas estar juntas para que
existam os atos de accountability. Sendo um sistema de informação e controle das
ações de organizações, pode ser implementado em políticas públicas, em questões
administrativas, profissionais, financeiras, morais, legais e constitucionais em esferas
públicas e privadas.
Cada um desses três campos da accountability apresenta diferentes
mecanismos e objetivos específicos para o controle, a vigilância e a busca de
transparência das ações das organizações. Apesar da recente presença do conceito
da accountability no Brasil, ela representa importante mudança de paradigmas na
relação comunicativa entre as organizações e a sociedade. Tanto que a
accountability não se enquadra apenas na caracterização da sociedade da
informação, mas também nas demais correntes que percorrem a descrição do
contexto atual, sendo decorrência das mudanças contemporâneas.
Fatos como esse nos levam a observar que, na sociedade da informação, a
comunicação adquiriu papel preponderante, impulsionando inclusive os teóricos da
comunicação organizacional a buscar estudos que deem conta de refletir essa nova
realidade. Autores como Putnam et al. (2004), Deetz (1992) e Mumby (2006)
suscitaram questões que colocam a comunicação na centralidade das organizações.
22
Pinto (1996) chega a afirmar que a sociedade contemporânea deveria ser
rotulada de “sociedade da comunicação”, e não “da informação”. Lançando mão da
perspectiva semiótica, o autor vai argumentar sobre a distinção entre informação e
comunicação por meio do que chama de “duas faces do processo”. A primeira é que
a informação que nos vem no signo chega sempre incompleta, mais ou menos vaga,
em um movimento constante de “tornar-se”. Argumento que nos faz lembrar, como
exemplo, a questão da accountability, acreditando que o seu entendimento pela
sociedade é um processo de construção de sentidos, prova de que a informação não
é estática. A segunda face é a maneira como nos apropriamos da informação,
também imprecisa, ou seja, “nunca percebemos o signo de maneira cabal”, o que
nos leva a entender que esse processo de interagir com o signo, com a informação,
conduz-nos a algo mais, isto é, à comunicação. Entendida como um processo de
manipulação dessa abstração e virtualidade, que é a informação, a comunicação é
capaz de alterar a realidade (PINTO, 1996).
Desta forma, surgiram abordagens mais ecumênicas sobre a comunicação no
contexto das organizações, nas quais as teorias passam a considerar que as
relações humanas e a interação comunicativa entre os sujeitos são o que determina
não só a comunicação, mas também a própria organização. Enfática, Putnam (2004,
p. 79) conclui que a comunicação produz a organização, a organização, por sua vez,
produz a comunicação ou reciprocamente elas se coproduzem.
Retomando a perspectiva de Kumar (1997), de que a sociedade
contemporânea pode ser compreendida com base não apenas no enfoque da
sociedade da informação, mas também no pós-fordismo e na pós-modernidade,
passamos a apresentar o que os estudiosos entenderam como formulação de uma
teoria pós-fordista.
Se a teoria da sociedade da informação enfatiza as forças de produção, a
pós-fordista dá mais destaque às relações de produção (KUMAR, 1997). Para
entender o modelo pós-fordista, é necessário que se observe antes o modelo
fordista. Inspirado no emblemático empresário Henry Ford, este modelo é
caracterizado pelos princípios da administração cientifica desenvolvidos por
Frederick Taylor no início do século XX. Taylor (1990) propôs uma série de
princípios para organizar o trabalho de forma racional, com o objetivo de aumentar a
produtividade, a prosperidade dos trabalhadores e da organização. Entre esses
princípios, o mais conhecido e que mais caracteriza o taylorismo é a padronização
23
dos métodos de trabalho e de máquinas, que foram responsáveis pela produção em
massa e pelos bens padronizados. Atualmente, esse modelo é amplamente criticado
por ser considerado mecanicista, reduzindo o trabalho a um conjunto simples,
repetitivo e desumano de atividades, não cumprindo seu objetivo principal, ou seja,
de aumentar a produtividade em longo prazo.
Numa visão mais alargada, Lipovetsky (2007, p. 33) caracteriza o sistema
fordista como um movimento marcado pela “exploração das economias de escala,
métodos científicos de gestão e de organização do trabalho, divisão intensiva de
tarefas, volume de vendas elevado, preços mais baixos possíveis, margem de ganho
fraca, rotação rápida de mercadorias”. No período em que esses princípios foram
desenvolvidos e por muito tempo ainda, quando foram amplamente incorporados
pelas empresas, as organizações baseavam-se na ideia de que o importante era
produzir em massa para consumidores em massa. Havia aparente estabilidade, já
que a produção encontrava escoamento pela demanda do mercado, gerando certo
equilíbrio no processo produtivo e uma sensação de controle sobre as relações
comerciais, trabalhistas e sociais. Ao longo dessa fase, surge, então, a “sociedade
de consumo de massa” (LIPOVETSKY, 2007).
Entretanto, o autor mostra que várias mudanças sociais estavam em
andamento, criando outros modos de vida, apresentando um consumidor mais
consciente, individual nas suas demandas e ávido por novidades. Assim, o mercado
de massa se fragmenta em uma grande diversidade de grupos de consumidores,
cada um deles querendo coisas diferentes, completa Kumar (1997). Nesse contexto,
a demanda muda de forma significativa, sendo ditada por fatores ligados à moda e
por esses novos e diversificados estilos de vida marcados por inovações
tecnológicas ininterruptas.
Dessa forma, quando o sistema de produção do período fordista mostrou-se
obsoleto para dar conta das mudanças sociais, configura-se o período conhecido
como “pós-fordismo”, baseado no modelo de produção nomeado de especialização
flexível. A produção, ao contrário da do período fordista, é especializada, feita em
menores quantidades, adaptada aos desejos e gosto do consumidor em um estado
de mudança constante, caracterizado por permanente busca do novo. Condições
que formam um conjunto de fenômenos na esfera econômica, que caracterizam o
pós-fordismo, entre eles:
24
[...] o surgimento do mercado global e de empresas globais e o declínio das
empresas nacionais e das nações–estado como unidades eficientes de
produção e controle; especialização flexível e dispersão e descentralização
da produção, substituindo o marketing e a produção de massa; hierarquias
mais niveladas nas empresas e ênfase em comunicação, e não em
comando: desintegração vertical e horizontal e aumento de terceirização,
franquias, marketing interno entre empresas e extinção de funções;
aumento do número de trabalhadores em tempo flexível, parcial, temporário,
autônomos ou que trabalham em casa (KUMAR, 1997, p. 64).
Na esteira dessas mudanças econômicas, vieram transformações nas esferas
políticas, industriais, culturais e ideológicas. Na esfera social, destaca-se o declínio
do sindicalismo e dos partidos políticos; a fragmentação das classes sociais; o
esfacelamento da previdência social, representante de benefícios padronizados e
coletivos; e o surgimento de movimentos e redes sociais. Baseados em raça, sexo,
religião, ou em temas únicos, como os ecológicos ou a pobreza, esses movimentos
se alastraram por todo o mundo. E muitos deles se transformaram em organizações
não governamentais e grupos de pressão, dispostos a cobrar mais ética e
responsabilidade social sobre os atos das organizações.
Desta maneira, esses dois conceitos passaram a fazer parte do vocabulário
do mundo dos negócios e chamou a atenção de pesquisadores. Para Trasferetti
(2006), o princípio fundamental que constitui a ética é o outro, que deve ser
considerado um sujeito de direitos, e sua vida deve ser tão digna quanto a nossa.
Dentro dessa perspectiva, Ashley (2005) conceitua como responsabilidade social de
uma organização: atitudes éticas e moralmente corretas, respeito aos padrões
universais de direitos humanos e cidadania e ao meio ambiente, contribuição para a
sua sustentabilidade e envolvimento social, cultural e político com as comunidades
em que está inserida.
Buscamos a última das dimensões históricas de Kumar (1997), que contribui
para entender a sociedade contemporânea, nomeada por ele de pós-modernidade.
Para abordar esse conceito, é preciso melhor situar o que compreendemos por
“modernidade”. Os principais discursos que formam nossa noção de modernidade
giram em torno da ideia de história e progresso, verdade e liberdade, razão e
revolução, ciência e industrialismo. Para o autor, o principal marco histórico do
nascimento da modernidade foi a Revolução Francesa, de 1789, e seus ideais
iluministas, levando o mundo para uma nova era da humanidade.
25
Contudo, se por um lado a Revolução Francesa deu à modernidade sua
forma e consciência, assentadas nos ideais de racionalidade e liberdade, foi a
Revolução Industrial que propiciou a sua materialização.
No entanto, na medida em que as grandes expectativas criadas pela
modernidade – em que o uso amplo da racionalidade garantiria uma sociedade
estável, democrática, e o domínio científico afastaria a sociedade de infortúnios
naturais – não puderam se realizar efetivamente, surgem as frustrações e o niilismo,
que demarcam a condição de “pós-modernidade”.
Um dos principais processos de mudança que marcam essa passagem,
segundo Kumar (1997), é que, na sociedade moderna, se separaram os diversos
“reinos”, como o político, o cultural, o econômico e o social, diferenciando-os e
permitindo relativa autonomia de cada campo; já na teoria pós-moderna, essas
fronteiras se dissolvem, fundindo esses “reinos”. Todavia, tal entranhamento dos
campos não significa o fim do pluralismo e da diversidade na sociedade; ao
contrário, esses fenômenos sociais são os pilares da pós-modernidade. Como
exemplo, podemos citar a própria globalização, que, a partir do campo da economia,
foi se instalando e dando novos contornos aos outros campos, como o político, o
cultural e o social, em um processo de imbricação que tornou indemarcável as
fronteiras de cada um.
Entretanto, a pós-modernidade vai muito além disso na sua complexidade. Na
tentativa de defini-la, tomamos emprestado o conceito de Jencks(1997), considerado
um dos seus grandes defensores:
A era pós-moderna é um tempo de opção incessante. É uma era em que
nenhuma ortodoxia pode ser adotada sem constrangimento e ironia, porque
todas as tradições aparentemente têm alguma validade. Esse fato é em
parte conseqüência do que se denomina explosão de informações, o
advento do conhecimento organizado, das comunicações mundiais e da
cibernética. [...] O pluralismo, o ‘ismo’ de nossa época, é, ao mesmo tempo,
o grande problema e a grande oportunidade: quando todo homem se torna
cosmopolita e toda mulher, um indivíduo liberado, a confusão e a ansiedade
passam a ser estados dominantes de espírito (JENCKS
4
apud KUMAR,
1997, p. 115-116).
Essa definição conceitual da pós-modernidade permite algumas reflexões,
mas, antes, faz-se necessário explicar que, a partir deste ponto, adotamos o termo
“contemporâneo” para nomear esse fenômeno da modernidade de forma a não
4
JENCKS, C. The language of Post-Modern Architecture. Londres: Academy Editions, 1977.
26
caracterizar a preferência por um ou outro conceito. Dito isso, elegemos refletir,
entre os “ismos” citados pelo autor, o consumismo, fenômeno tão marcante da
contemporaneidade e importante na transformação dos sujeitos na sociedade.
Para alguns autores como Bauman (2003) e Lipovetsky (2004), que também
refletem sobre a contemporaneidade e seus vários aspectos, o consumismo merece
atenção especial no contexto social, a ponto de esses terem dedicado livros
específicos sobre o assunto. Entre eles, A felicidade paradoxal – Ensaio sobre a
sociedade de hiperconsumo, de Lipovetsky (2004), e Vida para o consumo, de
Bauman (2003). Isso porque, para ambos, não se pode entender o consumismo,
fenômeno que permeia todas as três correntes teóricas – “sociedade da informação”,
“pós-fordismo” e “pós-modernidade” – como um fator restrito ao campo da economia;
aliás, percepção que enfatiza a ideia de imbricação dos “reinos” na pós-
modernidade, assim como defende Kumar (1997). Estando em seu ápice na
atualidade, o consumismo modifica o modo de vida da sociedade, o seu gosto, as
relações sociais, o comportamento dos indivíduos e sua forma de participação na
esfera pública.
Concordando com esse postulado, Canclini (2005) mostra que as mudanças
na maneira de consumir alteraram inclusive as formas de os sujeitos exercerem a
cidadania. O consumo sempre foi entendido pela capacidade do sujeito de adquirir
bens e do modo como ele os utilizava, mas, imaginava-se, o que compensava as
diferenças entre aqueles que tinham menos acesso ao consumo era a igualdade de
direitos propostos pela democracia, que se materializava no voto. No entanto, em
função da degradação da política e do desencanto com as instituições, fenômeno
situado na contemporaneidade, outros meios de participação em questões públicas
foram surgindo. Muitas das perguntas típicas de cidadãos, como “quem representa
meus interesses?”, “quais são os meus direitos?”, são respondidas pelo consumo de
bens e suas regras e pelos meios de comunicação de massa, mais do que pela
participação coletiva na esfera pública.
Canclini(2005) fornece a seguinte formulação:
Num tempo em que as campanhas eleitorais se mudam dos comícios para
a televisão, das polêmicas doutrinárias para o confronto de imagens e de
persuasão ideológica para as pesquisas de marketing, é coerente nos
sentirmos convocados como consumidores ainda quando se nos interpela
como cidadãos. Se a burocratização técnica das decisões e a uniformidade
internacional impostas pelos neoliberais na economia reduzem o que está
27
sujeito a debate das sociedades, pareceria que estas são planejadas desde
instâncias globais inalcançáveis e que a única coisa acessível são os bens
e as mensagens que chegam a nossa própria casa e que usamos ‘como
achamos melhor’ (CANCLINI, 2005, p. 29-30).
Adotando ponto de vista semelhante, Lipovetsky(2004)mostra que a
configuração no campo político, social e econômico aponta para uma nova fase da
modernidade caracterizada pelo foco no mercado, na eficiência e no indivíduo:
O Estado recua, a religião e a família se privatizam, a sociedade de
mercado se impõe: para a disputa resta apenas o culto a concorrência
econômica e democrática, a ambição técnica, os direitos do indivíduo.
Eleva-se uma segunda modernidade, desregulamentadora e globalizada,
sem contrários, absolutamente moderna, alicerçando-se em três axiomas
constitutivos da própria modernidade anterior:
5
o mercado, a eficiência
técnica, o indivíduo (LIPOVETSKY, 2004, p. 54).
Também em Deetz(2003), podemos perceber a atenção ao recuo do Estado e
ao deslocamento de muitas das suas funções para as organizações empresariais.
Praticamente todas as decisões empreendedoras em relação ao uso de
recursos naturais, o desenvolvimento de produtos, a distribuição de renda,
as relações de trabalho, e até mesmo a educação e práticas educativas da
infância são agora tomadas em lugares comerciais (DEETZ, 2003, p. 81).
Essa constatação da presença das organizações na pós-modernidade, dando
ênfase ao mercado e ao consumo, ancora a perspectiva de Canclini (2005), a de
que temos um consumidor cidadão, que, assim como no pós-fordismo, vem
ocupando espaço nas discussões da esfera pública. E esse sujeito, individual ou
coletivo, por meio da mídia ou usando diferentes recursos, participa, critica, cobra
das organizações uma atuação ética, não só em relação aos produtos e serviços
que são consumidos, mas também em outra dimensão social (CANCLINI, 2005;
ASHLEY, 2006).
No entanto, assim como nas outras teorias, a pós-modernidade tem também
seus críticos. Jameson (1992), por exemplo, não reconhece a pós-modernidade
como uma ruptura, um novo modelo de organização social, mas, sim, como um
“moderno tardio” ou mesmo a face cultural do “capitalismo tardio” na era do
consumo de massa. Para justificar, o autor caracteriza o “capitalismo tardio” pela
5
O autor, além de caracterizar a modernidade, acredita que já se está vivendo uma nova
modernidade, para além da pós-modernidade. Ver mais nos livros: Os tempos hipermodernos
(LIPOVETSKY, 2004) e Metamorfoses da cultura liberal (LIPOVETSKY, 2004).
28
presença das empresas transnacionais, a nova divisão internacional do trabalho,
novas maneiras de inter-relacionamento da mídia, inchaço das atividades bancárias
e da Bolsa de Valores e a profusão de mercadorias.
Lipovetsky (2004), como visto, apesar de compartilhar dos principais
pressupostos da pós-modernidade, refere-se a essa teoria no passado e manifesta
um tom crítico: “O neologismo pós-moderno tinha um mérito [...]”, “A expressão pós-
moderna era ambígua [...]”, frases que parecem decretar o fim desse período, que
ele entende como uma modernidade de novo gênero, e não uma superação da
anterior, assim como Habermas (1981). Justificando sua posição, o autor diz que “no
momento em que triunfam a tecnologia genética, a globalização liberal e os direitos
humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua capacidade
de exprimir o mundo que se anuncia”. No seu lugar, estaria então a
“hipermodernidade”, profetizada por ele como o mundo do superlativo, onde tudo é
excessivo (LIPOVETSKY, 2004, p. 52, grifo nosso).
Observamos, ao longo do nosso percurso, que, em todas as fases
apresentadas, as organizações estão no epicentro das mudanças, e a comunicação
é propulsora delas. Compilamos as principais alterações em cada fase e
constatamos que, na sociedade da informação, a comunicação, como seu principal
fenômeno, democratizou as informações, mudando a dinâmica de interação de as
organizações se relacionarem com a sociedade, obrigando-as a prestar contas de
suas ações. Circunstâncias que mudaram a própria organização, diminuindo a
hierarquia e reestruturando as formas de poder.
Na fase pós-fordista, a comunicação continua a ser um dínamo propulsor de
mudança nas organizações. A sociedade cada vez mais informada apresenta um
consumidor, interlocutor mais exigente com relação aos seus desejos, mas também
aos seus direitos. O mercado se abre, as fronteiras comerciais se dissolvem,
mobilizando toda a organização, que passa a mudar o seu modo de produção, de
gestão e de relação de poder para dar conta dessa realidade.
E, na terceira e última fase, a pós-modernidade, para nós
“contemporaneidade”, todas essas características não só permanecem, como são
potencializadas. A comunicação e as informações circulam em quantidade e
velocidade estratosféricas, o consumismo se exacerba, dando novos contornos e
poderes ao consumidor. As organizações, nesta sociedade de mercado, passam a
29
ter cada vez mais espaço e importância na vida da sociedade e com isso novas
responsabilidades, novos papéis, mais poderes.
Podemos concluir, então, que todo esse arcabouço teórico apresentado, com
mais convergências e coincidências do que divergências, mostra que as
organizações na sociedade contemporânea foram remodeladas, reconfiguradas nos
seus diversos aspectos, como o produtivo, político, ambiental, social, econômico,
antropológico, obtendo papel preponderante dentro dessa realidade posta. Em
função desses fenômenos, podemos dizer que as organizações ocupam lugar
central também na conformação social, tanto na sociedade da informação como na
sociedade pós-fordista e na contemporânea. Ao longo desses processos de
mudança, percebemos como as organizações privadas, paulatinamente, foram
adquirindo posição de centralidade na sociedade. Imbricando as duas perspectivas
em relação à ocupação social das organizações, tanto sendo conformada como
conformando a sociedade. Em concordância com essa premissa, Mattelart (1994, p.
246-247) conclui que:
[...] não somente a empresa se converteu em um ator social de pleno
direito, exprimindo-se cada vez mais em público e agindo politicamente
sobre o conjunto dos problemas da sociedade, mas também suas regras de
funcionamento, sua escala de valores e suas maneiras de comunicar foram,
progressivamente, impregnando todo o corpo social. A lógica gerencial
instituiu-se como norma de gestão das relações sociais. Estado,
coletividades territoriais e associações foram penetradas pelos esquemas
de comunicação já experimentados por esse protagonista do mercado. A
carteira de ofertas de serviços de comunicação profissional enriqueceu-se
com novos clientes e novas competências. E a própria definição de
comunicação ganhou um novo segmento de problemáticas.
Desta forma, as organizações que antes atuavam essencialmente na esfera
econômica, tendo como maior preocupação e função propiciar lucros para os seus
acionistas, dentro dessa nova perspectiva social, viram-se pressionadas a se
reorganizar tendo em vista outra lógica, não mais só a do lucro. Assim, as
organizações são convocadas pela sociedade a exercer também um papel social,
político, cultural e muitas vezes a preencher lacunas de funções originalmente do
Estado.
Diante disso, como vimos, as organizações mudaram desde seus métodos
produtivos, tecnologias e processos, até (e principalmente) a sua maneira de se
relacionar com a sociedade, passando a considerar, por necessidade de
sobrevivência, a existência do outro. Agora não apenas como um receptor passivo
30
de suas ações e informações, mas como sujeitos que também se transformaram
nessa nova realidade e devem ser considerados como sujeitos de ação. A ideia de
um receptor passivo é substituída pela noção de interlocutor, ou seja, a organização
é vista como interlocutora tanto quanto os demais sujeitos com os quais se relaciona
(como fornecedores, consumidores, funcionários, comunidade), e ambos participam
ativamente da interação estabelecida (OLIVEIRA, 2007). Assim, tanto as
organizações impactaram no desenvolvimento da sociedade, gerando mudanças
sociais, quanto foram impactadas pelo contexto que ajudaram a transformar e pela
ação dos demais sujeitos sociais.
Surgem, então, os desafios para as organizações diante desse modo de ser e
de ocupar esse novo ethos. Como se situar diante de tantos papéis sociais? Como
se relacionar com a sociedade? Como se relacionar com os interlocutores diretos?
Assim, avançando na reflexão proposta neste capítulo, buscamos conhecer as
comunidades do entorno, entendidas por nós como os interlocutores mais próximos
geograficamente da organização e, por isso mesmo, mais impactados pelas ações
dessa.
2.2 A comunidade do entorno remodelada pelas transformações
contemporâneas
Da mesma forma como descrevemos as mudanças sociais que remodelaram
as organizações e que compõem o contexto social, também se faz importante situar
a comunidade nesse contexto contemporâneo, observando aquilo que alterou o seu
modo de ser e de se constituir. Entendemos que, de todos os fenômenos que
mudaram a sociedade e os seus sujeitos, entre eles a comunidade do entorno, o
mais significativo foi o consumo. A lógica do consumo pode ser observada
interferindo nas múltiplas instâncias da sociedade (LIPOVETSKY, 2007; HALL,
1997; BAUMAN, 2008; CANCLINI, 2005), social, cultural, política, ambiental,
identitária, entre outras.
Sobretudo, interessa-nos inicialmente refletir como o consumo interferiu no
comportamento social modificando a forma de os sujeitos serem cidadãos, de
construírem a identidade individual e coletiva para, então, entendermos como se
31
instituiu e conformou a comunidade e, mais especificamente, a comunidade do
entorno nomeada e conceituada na perspectiva da organização.
Vejamos o que tem a dizer Lipovetsky (2007):
Enquanto triunfa o capitalismo globalizado, o assalariado, os sindicatos e o
Estado passaram para segundo plano, suplantados que são, daí em diante,
pelo poder dos mercados financeiros e dos mercados de consumo. A nova
economia–mundo não se define apenas pela soberania da lógica financeira:
é também inseparável da expansão de uma ‘economia do comprador’ [...] ‘A
essa ordem econômica, em que consumidor se impõe como senhor do
tempo, corresponde uma profunda revolução dos comportamentos e do
imaginário do consumo’ (LIPOVETSKY, 2007, p. 13-14).
Reforçando essa premissa, Deetz (2003) afirma que praticamente todas as
decisões empreendedoras sobre aspectos ambientais, educação, trabalho,
distribuição de renda, entre outras questões, são agora tomadas em lugares
comerciais pelas organizações privadas. Essa mudança de paradigma levou a
participação social a se reconfigurar exercendo a cidadania pelo viés do consumo.
Se antes essa era configurada na esfera pública, na participação do sujeito nas
questões políticas, hoje a cidadania se manifesta valendo-se das relações de
consumo, menos nas praças públicas e mais pelos mecanismos midiáticos. Se para
Deetz (2003), na atualidade, há mais consumidores que cidadãos, para Canclini
(2005) existem consumidores cidadãos. Canclini(2005) acredita que o consumo não
aniquilou a cidadania, mas propiciou a ela novos contornos. No seu ponto de vista, o
consumo deixa de ser mero ato de compra para se tornar um conjunto de processos
socioculturais que se realizam na apropriação, na escolha e uso de produtos, nas
ideias, nos serviços e nas informações.
Esses processos que se dão entre produtores e consumidores, entre
emissores e receptores revelam que o consumo pode ser compreendido para além
de sua racionalidade econômica, manifestando-se também como uma racionalidade
sociopolítica interativa. Dessa forma, não se pode pensar que o consumidor é um
sujeito irracional, movido apenas por impulsos consumistas tampouco que o cidadão
só se constitui e atua com base em princípios ideológicos e políticos.
Contudo, todo esse deslocamento cultural, do público para o privado, levou os
sujeitos a uma crise identitária. As identidades culturais, de classe, gênero, etnia,
raça, nacionalidade, que encaixavam os sujeitos socialmente, fragmentaram-se
nesse contexto, tornando essas fronteiras mais fluidas e indeterminadas (HALL,
32
1997). No entanto, isso não determina o fim da cidadania, do enraizamento dos
sujeitos nem da busca por identidade.
Ser cidadão não tem a ver apenas com direitos reconhecidos pelos
aparelhos estatais para os que nasceram em um território, mas também
com as práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento, e
fazem que se sintam diferentes os que possuem uma mesma língua, formas
semelhantes de organização e de satisfação das necessidades (CANCLINI,
2005, p. 35).
Dentro dessa perspectiva, o consumidor é também cidadão, buscando suas
respostas para questões como “quem representa os seus direitos”, “a que lugar ele
pertence”, mais pelo consumo de bens e pelos meios de comunicação, elemento
decisivo nesse processo, do que pelas instituições políticas ou pelas regras da
democracia. Nesse cenário, surgem outras formas de cidadania, propiciando novas
e múltiplas identidades aos sujeitos.
Um exemplo dessa diversificação identitária são as comunidades do entorno
como uma nova condição de ser, formada por moradores, cidadãos, trabalhadores,
que, pelo fato de residirem tão próximo geograficamente da organização, ganham
mais essa identidade.
A nossa atenção se volta para uma comunidade específica, a comunidade do
distrito de Antônio Pereira, que vive muito próxima da Samarco e sua relação
comunicativa. Assim, diante do cenário social contemporâneo, podemos afirmar que,
se um dia as questões que permeavam a relação entre esses sujeitos foram
território de decisões unilaterais, no nosso caso, advindas das organizações, hoje
são um campo de interação, no qual emissores e receptores se intercambiam
nesses papéis e precisam se seduzir e justificar-se racionalmente. Desta maneira,
defendemos neste segundo capítulo que isso acontece por meio de um enunciado
discursivo, em especial, a sustentabilidade, que, como veremos, tanto seduz pelos
significados que carrega como empresta racionalidade e justifica o comportamento
da organização perante as comunidades e toda a sociedade.
33
2.2.1 A comunidade do entorno: conceituação e trajetória
Para descortinar o significado de comunidade do entorno e posteriormente
discutir a comunicação entre ela e as organizações, é necessário antes
compreender como se dá a formação de identidade na contemporaneidade, como o
sujeito individual ou coletivo se transformou. Os efeitos das mudanças na sociedade
contemporânea, entre eles a comunicação de massa e a lógica do consumo e suas
interfaces com os processos sociais, alteraram a maneira de ser do sujeito,
fragmentando-o e fazendo surgir outras identidades. Para Hall (1997), se no
passado as definições de classe, raça, gênero e nacionalidade localizavam os
indivíduos sociais de maneira sólida, hoje essas mudanças interferiram na
identidade pessoal e na forma de o sujeito se localizar na sociedade. Numa
perspectiva histórica, tomamos como base as três concepções de identidade
propostas por Hall (1997), o sujeito do iluminismo, o sujeito sociológico e o sujeito
pós-moderno, com o objetivo de localizar onde se encaixa a comunidade,
compreender o processo de mudança identitário que a instituiu e identificar como ela
é atualmente.
O sujeito do iluminismo era centrado na racionalidade, era unificado e dotado
de um núcleo interior. Esse núcleo que surgia com o seu nascimento permanecia
estável por toda a sua vida. A identidade era essencial, era o centro do eu; por isso
o sujeito do iluminismo é também considerado individualista.
Já o sujeito sociológico, diferentemente do sujeito do iluminismo, não tem
núcleo autônomo e autossuficiente. Ele é influenciado pela complexidade que
caracteriza a “modernidade”. Seu núcleo interior se forma com base na interação, na
relação com a sociedade. Essa relação mediava a troca de valores, sentidos e
símbolos que formavam a cultura que o identificava. Ainda assim, esse sujeito ainda
tem o seu núcleo, seu eu; porém, já não é tão estável e vai se modificando a partir
do diálogo com o mundo cultural exterior. A identidade nessa concepção sociológica
transita entre o interior, o “eu” pessoal e o exterior, o “eu” público. Essa projeção
exterior, além de promover a internacionalização dos valores e significados da
identidade cultural do exterior, contribuiu para estabilizar os sentimentos subjetivos
com os lugares objetivos que esse sujeito ocupa. “A identidade então, costura [...] o
sujeito a sua estrutura” (HALL, 1997, p. 12), possibilitando certa unificação.
34
O que se vê, contudo, a partir da metade do século XX, é um colapso nessa
forma de identidade, pautado pelas transformações de ordem social e econômica. O
sujeito se torna fragmentado, composto de muitas identidades que tornam o seu
núcleo móvel. Assim se caracteriza o sujeito pós-moderno, ou seja, contemporâneo,
assumindo diversas identidades, em diferentes momentos, sem unificação nem
alinhamento a um só núcleo. A estrutura da identidade – ou das identidades – deste
sujeito está sempre aberta, o que possibilita articulação em torno da formação de
outras fisionomias e do surgimento de múltiplos sujeitos.
Como bem lembra Hall(1997):
O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos,
identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de
nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de
tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas.
[...] A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma
fantasia (HALL, 1997, p. 13-14).
Por meio de uma perspectiva socioeconômica, vários autores, como
Lipovetsky (2007), Bauman (2003) e Canclini (2005), caracterizam esse sujeito a
partir da lógica do consumo, do mercado e da individualização. O consumo, a que se
referem os autores, não se trata apenas do ato de compra, mas de todo um arranjo
social que institui e conduz a formação de múltiplas identidades aos sujeitos. Se por
um lado esse sujeito consumidor contemporâneo, para Lipovetsky (2007, p. 14), “[...]
é desajustado, instável, flexível, amplamente liberto das antigas culturas de classe
[...]”, por outro é mais exigente, informado e consciente dos seus direitos. Para o
autor, o consumo não retirou a capacidade do sujeito contemporâneo de ser
transcendente, reflexivo e crítico, mas transformou a sua maneira de criar identidade
pessoal, coletiva e pública. A própria esfera pública, locus da cidadania, uma das
identidades mais afetadas na contemporaneidade, é reconstituída pela sociedade
contemporânea.
Para entender esse fenômeno, é preciso voltar, ainda que de maneira sucinta,
às origens dos termos “público”, “privado” e “esfera pública”. Habermas (1984)
relaciona o surgimento da esfera pública à democracia grega, considerando o
modelo helênico. E, na perspectiva semântica grega, o uso dessas expressões se
dá na contraposição entre a esfera da pólis (cidade) e a esfera da óikos (casa),
35
diferenciando e ao mesmo tempo articulando aquilo que é comum a todos (Koiné), o
público ao privado considerado aquilo que é individual ou próprio de cada um (ídia).
Nesse período, segundo Rodrigues (1990), a vida pública, o biós politikós,
manifestava-se nas praças públicas, na ágora, por meio da publicização pela palavra
(lexis) e pela ação (práxis), assim como na guerra (polemos) e como na luta
(agonia). Todavia, Habermas (1984, p. 15) considera que, somente no século XVIII,
essa expressão passa a ser aplicada, a partir de determinada formação social – a
burguesia –, estabelecendo o modelo burguês de pensar a esfera pública. Tal
modelo se apresentava restrito a aqueles que frequentavam os salões e cafés da
burguesia, limitando o debate sobre as questões comuns à sociedade entre os que
dominavam a leitura e a escrita.
Em função dessa situação, de acordo com Canclini (2005), até meados do
século XX, mulheres, operários, camponeses eram excluídos da esfera pública
burguesa, só podendo participar das deliberações de interesse de todos à medida
que fossem dominando a cultura letrada. O que mudou esse contexto de maneira
mais contundente, remodelando a esfera pública e democratizando a forma de ser
do cidadão, na opinião de vários estudiosos, entre eles Habermas (1984), Maia
(2008), Hall (1997), Gomes (2008) e Canclini (2005), foi, além do consumo, a
comunicação de massa. Uma das razões é a sua capacidade de transpor a
comunicação face a face reduzida a determinadas arenas para redes comunicativas
capazes de disponibilizar informação em uma nova escala espaço-temporal para
uma amplitude enorme de pessoas, com conteúdos vindos de diversos setores da
sociedade.
Podemos observar esse fenômeno na reação das comunidades do entorno,
que, desiludidas com a burocracia das instituições governamentais, recorrem às
emissoras de TV, rádios e, mais recentemente, à internet para denunciar os seus
problemas com as organizações, comumente de ordem socioambiental. Como, por
exemplo, poeira, barulho, poluição e impactos sociais trazidos pela instalação de
organizações empresariais e industriais na proximidade de seu bairro ou de sua
cidade.
Apesar da premência do uso da mídia como uma nova forma de exercício da
cidadania, ela não substitui outras práticas. Peruzzo (2007) nos lembra que a
cidadania é construída pelos próprios cidadãos na interação com as outras forças
constitutivas da sociedade. Caminhando na mesma direção, Canclini (2005) observa
36
que as mudanças na esfera pública não foram apenas funcionais ou uma
substituição dos partidos políticos, dos sindicatos e das instituições pelos meios de
comunicação, entendidos também como meios de consumo de ideias, de padrões e
de produtos.
Este autor, porém, destaca que os efeitos desse fenômeno são mais
profundos e causaram reestruturação geral na articulação entre o público e o
privado, propiciando, a nosso ver, entre outras coisas, mais visibilidade e poder às
organizações empresariais, do terceiro setor e comunitárias. Além disso, reordenou
a vida urbana, redimensionou o papel do Estado e reorganizou as funções políticas
dos sujeitos sociais e a maneira de se formar as comunidades. Assim, a
comunicação de massa modificou as condições de fazer política, alterou a forma de
se construir identidades, tanto no nível individual quanto no coletivo, e produziu
outras esferas públicas.
Entretanto, para Rodrigues (1997), na constituição do espaço público
contemporâneo, a ruptura mais significativa se deu na diluição da fronteira que
definia claramente o espaço da comunidade do dos demais. Discursivamente se
separava a comunidade designada como “nós” do mundo lá fora, formado por
pessoas sem identidade definida, consideradas os “de fora” aqueles que estavam
além do território comum. O autor apresenta as origens desse fato nos romanos, que
os designavam de hostis ou servus, e os que estavam dentro eram considerados
civis.
Os homens civis pertenciam ao território comum, partilhado por aqueles que
tinham suas marcas distintivas de identidade geradas pelo nascimento e pela família
(sobrenome) que os permitiam se mover legitimamente no seu território, desde que
observadas as regras de convivência daquele grupo. Nessas sociedades, não havia
uma divisão e especialização funcional principalmente no trabalho, mas uma
coexistência que se apresentava sob a forma de solidariedade social, de
compartilhamento. É essa consciência comum que fortalece os laços que prendem o
indivíduo ao grupo. Todavia, essa conformação de comunidade sofreu
transformação nas suas características essenciais, na contemporaneidade. Essa
comunidade que remete a sensação de segurança, de aconchego e pertencimento,
formada por um grupo coeso, homogêneo, não existe mais, decreta Bauman(2003);
ela é, hoje, um paraíso perdido para o qual gostaríamos de voltar.
37
Quem não gostaria de viver entre pessoas amigáveis e bem intencionadas
nas quais pudessem confiar e de cujas palavras e atos se apoiarem? Para
nós em particular – que vivemos em tempos implacáveis, tempos de
competição e desprezo pelos mais fracos, quando as pessoas em volta
escondem o jogo e poucos se interessam em ajudar-nos, quando em
resposta a nossos pedidos de ajuda ouvimos advertências para que
fiquemos por nossa própria conta, quando só os bancos ansiosos por
hipotecar nossas posses sorriem desejando dizer ‘sim’ e mesmo eles,
apenas nos comerciais e nunca em seus escritórios – a palavra comunidade
soa como música aos nossos ouvidos (BAUMAN, 2003, p. 8-9).
Em uma perspectiva histórica, tanto Rodrigues (1990) quanto Bauman (2003)
defendem que foi no século XIX, com a Revolução Industrial, considerado um
período de grandes deslocamentos, desencaixes e desenraizamentos sociais, que
se desencadearam essas mudanças na formação comunitária. Os autores,
compartilhando da mesma visão, destacam dois fenômenos que contribuíram e
enfatizaram a divisão e fragmentação do tecido social: a urbanização e a
transformação nos métodos de trabalho. A urbanização, com o consequente êxodo
rural, levou a um crescimento vertiginoso das cidades. Basta ver alguns números,
ainda que restritos a um período, para se ter a noção da dimensão desse
crescimento: “A população urbana do mundo, entre 1920 e 1960, aumentou 73% e
nos países industrializados, no mesmo período, houve crescimento de 54%. Mas foi
nos países do Terceiro Mundo que este aumento foi o mais elevado: 150% entre
1920 e 1960 [...]” (RODRIGUES, 1990, p. 34).
Essa crescente população emigrada do campo estava habituada a uma vida
comunitária, onde todas as pessoas se conheciam pelo nome, onde havia cultura
própria, preservada pela coesão dos seus moradores, sentimento de pertencimento,
e a solidariedade garantia a sobrevivência e a segurança de todos. Quando essas
pessoas chegaram às grandes cidades, elas se depararam com a ausência de
referências culturais, em que o sistema de solidariedade não era natural, e os
padrões e as regras sociais estavam lá, prontos, sem a participação deles. Além das
questões socioculturais, a arquitetura das cidades, pensadas de forma funcionalista,
classificando e ordenando as funções e os serviços em espaços e prédios próprios,
contribui com o esfacelamento do sentido de comunidade.
Pela ótica do trabalho, as comunidades foram tiradas da sua rotina de
interação comunitária, dos trabalhos artesanais feitos em casa e ordenados pelo
hábito, para outra rotina, a do “chão de fábrica”, onde o trabalho é mecanizado,
separado em funções rígidas e governado pelo desempenho de tarefas. Para que
38
esses sujeitos pudessem se adaptar a essa nova vida, “a guerra contra a
comunidade foi declarada em nome da libertação do indivíduo da inércia da massa”
(BAUMAN, 2003, p. 30). Desprovidos de seu direito de criar os próprios padrões e
papéis na comunidade e assim privados da sua individualidade, aconteceu o
contrário do que a recente elite industrial pregava, isto é, as comunidades foram
condensadas em massas trabalhadoras.
Ao longo do século XX, esse movimento promovido pela industrialização e
pelo capitalismo exacerbado fortaleceu a classe empresarial emergente, que,
novamente, em nome da luta contra o atraso da sociedade camponesa e artesã,
contribuiu para desmantelar essa comunidade. Temendo que, mesmo depois de
deslocadas para uma nova força de trabalho e desenraizadas dos seus locais de
origem, essas comunidades pudessem se rebelar, os donos e os gerentes das
fábricas trataram de sufocar e de vigiar essa massa trabalhadora para que não
houvesse nenhuma manifestação de liberdade (BAUMAN, 2003).
Desta maneira, concluímos que o desenvolvimento das organizações se deu,
por muito tempo, pelo pan-óptico, que consegue a disciplina pela vigilância contínua,
não só com seus empregados, mas também com os diversos interlocutores com
quem se relacionam. Um exemplo dessa manobra pode ser visto na medida em que
a comunicação com a sociedade é pensada pelas organizações de forma
estratégica, coberta de intencionalidade, demonstrando comportamento discursivo
de controle, com o intuito de gerir a relação com seus interlocutores a partir de
significados cristalizados. Nessa perspectiva, o discurso passa a ser um dispositivo
de poder, um instrumento de controle.
Buscamos uma explicação para esse fenômeno em Foucault (2000) e
Deleuze (1990), que, contribuindo com uma visão alargada, definem o dispositivo
como um “conjunto de instituições, de processos de subjetivação e de regras ao seio
do qual as relações de poder se concretizam” (FOUCAULT
6
apud DELEUZE, 1990,
p. 155). Nomeando-o também como instrumento, Foucault (apud DELEUZE 1990, p.
158) reafirma sua posição dizendo que “o instrumento tem assim uma função
estratégica dominante”. Função estratégica que se inscreve em relações de poder,
saber e subjetividade. Em consonância com essa premissa, Fausto Neto (2008)
utiliza a metáfora do radar, como o pan-óptico, que se presta a proteger o
6
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
39
funcionamento das organizações, por meio da captura, do processamento, da
análise e da disseminação das informações que emite e recebe. Isso na esperança
de garantir o controle e a regulação da relação discursiva com aqueles que, de
alguma forma, possam oferecer perigo ou restrição aos seus objetivos.
Esse modelo gerencial baseado na vigilância teve seu apogeu no período
fordista, já caracterizado no primeiro capítulo (item 1.1.1). Para Bauman (2003), em
uma visada sociológica, o fordismo fortaleceu a impessoalidade e a mecanização
das relações de trabalho, tirando o espaço para a cooperação, desvalorizando os
laços sociais, modificando o ritmo do trabalho. As organizações acabaram por criar
um ambiente frio, coercitivo, oposto ao ambiente comunitário em que se inscrevia o
trabalho antes da industrialização.
Desta forma, em busca de fortalecer ainda mais o seu poder pela vigilância e
garantir coesão comunitária, agora dentro de uma nova ordem social, muitas
organizações construíram cidades-modelo no seu entorno, na tentativa de recriar
artificialmente comunidades aos moldes das anteriores ao processo industrial.
Casas iguais, capelas, escolas, hospitais, tinham a tarefa de recriar uma atmosfera
amigável, de vizinhança, mais humanizada e principalmente garantir a permanência
dos trabalhadores na fábrica. A Samarco foi uma dessas organizações, que produziu
uma comunidade, chamada ainda hoje de “Vila Samarco”, ao lado da sua mina, na
década de 1970, quando iniciou suas operações. Entretanto, na década de 1990,
essa foi “desativada” ou “desprivatizada”, as casas foram postas à venda, e as
cancelas que a separavam do resto do distrito, abertas.
Atualmente, essa afetação sobre a comunidade se dá de forma diferente, mas
não menos impactante. Algumas organizações, por razões estratégicas, como
espaço, proximidade dos meios de escoação de sua produção, condições de
infraestrutura ou localização das matérias-primas, vão se instalando em cidades ou
regiões que dispõem dessas condições estruturantes e com isso vão modificando a
vida daquelas comunidades. Estas, estando ali estabelecidas e enraizadas, tendo
construído os próprios padrões formadores de sua cultura, veem-se invadidas por
novos modos de vida, por pessoas “estranhas”, “de fora”, interferindo assim no seu
cotidiano. Observando esse processo arquitetado pelas organizações, entendemos
que o termo “comunidades do entorno” parte da lógica de que as organizações, nas
duas circunstâncias, tanto na criação da cidade-modelo ou instalando-se em
pequenas cidades, passam a ocupar lugar de centralidade geográfica e social e
40
colocam a comunidade como parte do seu entorno. Desta forma, os sujeitos,
moradores vizinhos e trabalhadores, passam a gravitar ao seu redor, situação que
deixa a organização como ordenadora da relação. Portanto, o sucesso ou fracasso
daquela comunidade depende de suas ações.
De qualquer maneira, as duas estratégias utilizadas pelas organizações, tanto
na dimensão anticomunitária como na que tenta recriá-la artificialmente, parecem
não atender mais aos seus propósitos na contemporaneidade. Temos, então, o que
aparenta ser uma terceira dimensão comunitária, na perspectiva das organizações,
ou seja, a comunidade do entorno. Diferentemente, porém, das circunstâncias que
se inscreviam as comunidades “organizacionais” anteriores, tal comunidade sofre
suas interferências de modo bem diferente. A globalização e os seus efeitos sociais,
como as incertezas, a insegurança no emprego, a mobilidade das posições sociais,
a desregulamentação de quase tudo na sociedade, contribuíram para romper com
esse processo manipulatório por parte das organizações.
Por essas mesmas razões, o pan-óptico também se mostra insuficiente para
fazer calar os sujeitos insatisfeitos ou mesmo garantir que apenas o discurso
produzido pela organização seja consumido. Isso apesar de as organizações ainda
tentarem manter a regulação, agora por meio da comunicação, “apoiando-se em
operações de coleta, classificação, avaliação e circulação de informações” (FAUSTO
NETO, 2008, p. 42).
Contudo, esse dispositivo de controle também se mostra ineficaz na
contemporaneidade, apresentando pontos de fuga que tomam o lugar dos processos
de regulação. Um exemplo desse fenômeno são ações reativas da comunidade do
entorno, que, não satisfeita com as respostas dadas as suas questões, por meio de
jornais da comunidade, relatórios sociais, entre outros dispositivos produzidos pela
organização e que apresentam seu discurso sobre os fatos que lhe interessam, cria
os próprios discursos, produzindo sentidos que se manifestam na comunicação
informal.
Na visão de muitas organizações, demonstrando uma intenção
“transmissional”, esses discursos não oficiais, esses sentidos recriados pelos
sujeitos são considerados “ruídos”, erros no recebimento de sua mensagem,
resultantes de uma falha na comunicação. Vale salientar que essa dimensão não
permite que haja troca ou criação de outros significados. Os processos discursivos
verbais e não verbais são apenas “portadores passivos de sentido”.
41
Defendendo ser o ruído constituinte do processo comunicacional e
confirmando ser justamente nele que está a produção de novos sentidos, incluindo
as errâncias e os tropeços, Pinto (2008, p. 86) nos revela que “não existe nada sem
ruído. É uma questão imanente ao signo, exatamente constituído de opacidade [...].
Não há garantias na produção da mensagem, não há garantias na mensagem, não
há garantias na sua recepção”. E o autor ainda conclui que “pretender viver sem
equívocos é sucumbir a uma enfermidade muito comum em nosso meio, id est, é
pretender que as significações sejam sempre unívocas e puramente referenciais”
(PINTO, 2008, p. 3).
Entendemos que é assim que acontece com a comunidade de moradores do
entorno das organizações; ao interagir com os discursos por elas produzidos, essa
lança mão de seu repertório cultural, dos valores e das crenças para interpretá-los e
gerar outros sentidos, num processo de semiose incessante.
Nesse ambiente de complexidades que se apresenta, no qual o capitalismo
“derrete todos os sólidos” e traz o tempo do desengajamento, da
desregulamentação, as organizações e as instâncias de poder não precisam mais
do manejo da vigilância e obediência; o próprio estado de insegurança, de mudança
permanente, de incerteza sobre o futuro se incube de diminuir a resistência, os
movimentos organizados e a solidariedade comunitária (BAUMAN, 2003).
No entanto, paradoxalmente, muitos dos fenômenos sociais, muitas vezes
perversos, que colocaram as organizações em um lugar privilegiado, propiciaram
também aos sujeitos interlocutores mais autonomia e condições de criar os próprios
sentidos perante os discursos organizacionais. Em função disso, coube à
organização adotar outra postura, encarar os seus interlocutores e essa comunidade
vizinha que vive em seu entorno como um sujeito de ação com quem ela tem de
reaprender a se relacionar. Segundo Baldissera (2008, p. 156), “[...] sujeito pensado
como força em tensão de diálogo e, portanto, também como propositor e criador do
mundo. Deslocado de um lugar de passividade, afirma-se que, recursivamente, é
construtor da teia social que o constrói”.
Afinal, onde está circunscrita a comunidade contemporânea? Adotamos como
resposta a perspectiva de Bauman (2003, p. 46), “onde nada dura tanto tempo, e
nada dura o suficiente para ser absorvido, tornar-se familiar e transformar-se no que
as pessoas ávidas por comunidade e lar procuravam e esperavam”. No entanto,
como vimos, nesse quadro social, o comunitarismo não se dissolve, mas se
42
reconfigura, alterando suas características e formações. Bem diferente das
comunidades da era pré-industrial e pós-industrial, a comunidade contemporânea é
heterogênea, móvel, fragmentada, plural, marcada por conflitos internos e se forma
valendo-se de interesses comuns ou fronteiras geográficas, elementos que
caracterizam, como exemplo, a comunidade do entorno. Mais uma vez, observamos
que as organizações são fortes elementos de reconfiguração social.
2.2.2 A comunidade do entorno pela perspectiva da mobilização social
mediatizada
A princípio, essa caracterização da comunidade contemporânea pode nos
remeter à fragilidade, à falta de coesão suficiente para que ela lute pelos seus
interesses, mas não é bem isso que acontece. Tal reconfiguração, remodelação da
comunidade, trouxe novas maneiras de ela se manifestar, agir e de buscar o diálogo.
Entre elas, a articulação entre as formas de socialização, por meio da mobilização
social e da mediatização, as duas suportadas por um sistema de redes sociais. Esse
sistema foi fortalecido pelas tecnologias da informação e comunicação das redes
sociais, propiciando encadeamento de pessoas e ações, assim como ONGs e
comunidades, criando e recriando conexões.
Na sua concepção, Capra (2002, p. 119) entende que esses sistemas de rede
são “vivos” no sentido de se autogerar e explica: “Cada comunicação gera
pensamentos e um significado, os quais dão origem a novas comunicações”. Para
entender essa articulação a que nos referimos, faz-se importante conhecer a forma
de mobilização social e em seguida a mediatização, para, então, compreender como
esses dois fenômenos conformaram e ou colaboraram com as comunidades do
entorno na contemporaneidade. Simeone (2004) define a mobilização social como:
“[...] a reunião de sujeitos que definem objetivos e compartilham sentimentos,
conhecimentos, responsabilidades para a transformação de uma dada realidade
movidos por um acordo em relação à determinada causa de interesse público
(SIMEONE, 2004, p. 36).
Com base nesse conceito, entendemos que a comunidade do entorno se
mobiliza em pequenos grupos que se formam a partir de uma causa ou objetivo em
43
comum. Seus discursos estão ligados a questões de ordem cotidiana que a afetam.
Portanto, concordamos com Simeone (2010), quando ele diz que a mobilização
social é um suporte à interlocução e à cooperação entre organizações e
comunidades. Apesar de essa comunidade não ser uma associação formal nem se
configurar como um tipo de movimento social, ela possui lideranças e algumas
vezes se institucionaliza. A nosso ver, um exemplo de formalização na comunidade
do entorno são os projetos sociais. Entendemos ser essa uma maneira de
mobilização social de grupos comunitários em busca do apoio financeiro e técnico
da organização para as suas atividades e necessidades em diversas áreas, como
trabalho, educação, geração de renda, desenvolvimento cultural, entre outras. No
caso da Samarco, há até a exigência que esses projetos da comunidade se
institucionalizem, transformando-se em associações para que possam receber esse
apoio.
A exemplo dos movimentos sociais, as comunidades do entorno também se
utilizam dos meios de comunicação em busca de visibilidade e atenção para suas
causas. Podemos dizer que as comunidades se mobilizam socialmente de forma
mediatizada, ou seja, lançam mão da mediatização como dispositivo de mobilização.
Isso porque a mídia ocupa a mente e os palcos simbólicos dos sujeitos com seus
programas, temas e conteúdos produzidos por ela própria, colocando-se como
mediadora entre a realidade e os sujeitos. Esses meios se autorreferenciam,
naturalizando-se e se identificando com a realidade, e se colocam como instrumento
a serviço da sociedade, com sua “imparcialidade” sobre os fatos apresentados.
Entretanto, tais meios negam paradoxalmente seu poder de agenciamento das
discussões da sociedade, assumindo um discurso de meios “democráticos” que dão
ao público o que ele deseja (VIZER, 2007).
Apesar de também reconhecer a face perversa da mídia, Gomes (2008, p.
118) admite que “não há espaço de exposição, exibição, visibilidade, [...] de
discurso, discussão e debate que se compare em volume, importância e
disseminação e universalidade com o sistema de comunicação de massa”. Por isso
mesmo, é um forte aparato de mobilização social que serve a todos aqueles grupos
ou mesmo indivíduos que buscam visibilidade e legitimidade para as suas causas.
A comunidade do entorno é um desses sujeitos coletivos que vêm se
utilizando da mídia para colocar suas discussões na esfera pública, dar visibilidade
aos seus objetivos e buscar atenção para as suas causas em relação às
44
organizações. Essa força, esse poder da mídia é explicado por Rodrigues (1990) e
sua “teoria dos campos” de forma mais alargada. Na sua perspectiva, a
mediatização é um campo social, isto é, o campo dos media, que no presente é um
campo forte, capaz de inculcar nos demais a sua axiologia. Relativamente
autônomo, porém de ordem vicária, esse campo depende da legitimação dos outros
campos sociais para instituir-se; campos esses, por exemplo, o organizacional, o
dos movimentos sociais, o econômico, o político, que, por meio da sociedade civil,
delegam intencionalmente ao campo dos media poderes e funções para a colocação
de suas questões na esfera pública.
Todavia, o autor distingue o termo “media” da mass media. Enquanto, para
ele, a mass media ou a comunicação de massa designa o conjunto dos meios de
comunicação (televisão, rádio, cinema, internet, etc.), o campo dos media é a
designação de uma instituição de mediação, formada por um conjunto de
dispositivos, organizados ou não, que se assentam na “[...] elaboração, na gestão,
na inculcação e na sanção dos valores de representação, de transparência, e de
legibilidade do mundo da experiência [...]” (RODRIGUES, 1990, p. 155). Sem perder
de vista a perspectiva sociológica da mediação e também a tratando como campo,
Vizer (2007, p. 24) colabora com essa conceitualização adicionando uma visada
cultural, quando define a mediatização “como nova forma de organização da
produção, da circulação e do consumo cultural”. Essa mediação é capitaneada pela
tecnologia, que, por seu turno, é mediada pelas formas de organização social, pela
produção de bens culturais e simbólicos, uma se alimentando da outra, em uma
espécie de sistema autopoiético.
O campo midiático (e sua crescente concentração corporativa e
transnacional) foi transformando-se de um campo de poder simbólico
subordinado em um ‘político’ e econômico, capaz de definir para todos os
públicos, o que devia ser considerado importante, a ‘verdade e a
objetividade’, a visibilidade e a noticiabilidade dos fatos sociais (VIZER,
2007, p. 27).
O autor lembra que os meios se transformaram no espaço privilegiado das
mediações públicas, articulando o público e o privado, e que seu poder emerge de
sua capacidade de criar dispositivos de regulação simbólica dos espaços sociais.
Podemos dizer, então, que a mídia
7
é um tipo, entre outros, de mediação mais
7
Optamos por usar o termo “mídia” como sinônimo dos meios de comunicação de massa.
45
relacionado aos processos informacionais e a dispositivos tecnológicos. Sodré
(2002, p. 8) converge essas ideias dizendo que “a midiatização, por sua vez, é a
articulação do funcionamento das instituições sociais com a mídia”. O autor, em sua
conhecida obra Antropológica do espelho, insere nos estudos sobre a mídia o
conceito de ethos midiatizado. Entendendo o ethos como uma atmosfera afetiva, um
locus dos sentimentos, atitudes e emoções, Sodré(2002) caracteriza o ethos
midiatizado como um novo modo de vida, um lugar simbólico, um bios, criado pela
articulação dos meios de comunicação com a vida social.
Braga (2006) acrescenta que não existe dualidade entre mídia e sociedade,
em que um assume o papel ativo de emissor de mensagens, e o outro, papel
passivo de receptor. Segundo ele, “desde as primeiras interações midiatizadas, a
sociedade age e produz não só com os meios de comunicação, ao desenvolvê-lo e
atribuir-lhes objetivos e processos, mas sobre os seus produtos, redirecionando-os e
atribuindo-lhes sentido social” (p. 22).
Portanto, há uma mecânica de mútua afetação entre sociedade e mídia, um
entranhamento que reordenou o modo de vida do homem. Para Simeone (2002),
referindo-se aos movimentos sociais, as lutas por reconhecimento se transformaram
em luta por visibilidade. Isso porque a mídia funciona como esfera pública, espaço
privilegiado onde são colocadas as reivindicações e causas dos movimentos sociais,
servindo de suporte à mobilização, ampliando-o para aqueles que não ocupam o
mesmo espaço temporal.
Reforçando essa premissa e entendendo que a mobilização social demanda
acordos em torno de causas pelas quais se vai lutar e deve possuir sujeitos
interessados em mudar determinada realidade, e que esses acordos partem de
processos comunicativos, Mafra (2006, p. 34) defende que “a mobilização como
prática social constitui-se, eminentemente, pela comunicação”. E conclui que tanto
os acordos advindos de debates e discussões quanto o processo de mobilização
são processos comunicativos.
Dentro dessa realidade, observamos que a mídia também vem sofrendo
alterações paradigmáticas, mudando não somente seu aspecto qualitativo, como
também o quantitativo. No aspecto qualitativo, destacam-se as novas tecnologias de
comunicação, materializadas por dispositivos como a internet, os celulares e os
satélites, que fizeram emergir uma nova maneira de organização das atividades
humanas, criando uma estrutura social baseada no sistema de rede. Inserida nesse
46
contexto, a comunidade do entorno, quando se mobiliza e se arma em redes
sociotécnicas, amplia exponencialmente a sua extensão e capacidade de
interatividade e de troca com as organizações.
A comunidade do entorno, com sua estrutura social informal, permite uma
rede de comunicações fluidas e flutuantes, incluindo “discursos não verbais de
engajamento mútuo em empreendimentos comuns, troca informal de habilidades e
compartilhamento de conhecimento tácito” (CAPRA, 2008, p. 26). Por vezes, tal
movimento das comunidades pode ganhar força e se transformar em uma
associação comunitária, organização não governamental ou em um projeto
sociocultural institucionalizado.
No aspecto quantitativo, destaca-se o grande número de dispositivos
midiáticos atuais e a velocidade de seu processamento. O sujeito individual ou
coletivo, morador do entorno de uma indústria, que, insatisfeito com a poluição
produzida por ela, coloque seu discurso na internet ou convide a televisão e seus
programas jornalísticos para ouvir e ver de perto a situação denunciada, vê seu
pronunciamento sendo imediatamente compartilhado por milhares de pessoas,
quase em tempo “real”. Já a organização, pressionada pela força dessa rede
midiática e social, capaz de gerar grandes estragos nos seus negócios e em sua
imagem institucional em nível global, sente-se compelida a dar o seu
posicionamento e explicações à comunidade e à própria sociedade, utilizando-se
dos mesmos recursos midiáticos.
Entretanto, apesar de a midiatização ser muito utilizada por esses sujeitos,
Braga (2006) nos chama a atenção para o seu caráter de produzir interações
diferidas e difusas, características inerentes à própria natureza. As mensagens são
espalhadas sem contornos definidos, a qualquer telespectador, leitor ou ouvinte,
sendo recortadas e remontadas considerando os interesses do próprio meio,
normalmente dirigido por grandes conglomerados empresariais de comunicação
(TV, rádio, revistas, jornais, sites, etc.).
Apesar dessas características, os sujeitos não deixam de criar os próprios
sentidos valendo-se da veiculação e circulação da mensagem. Como exemplo desse
processo comunicativo, podemos citar a circulação do discurso da sustentabilidade
emitido pela organização, que, ao ser perpassado por várias mídias, vai ganhando
contornos diferentes a partir da releitura ou reinterpretação da recepção,
47
multiplicando-se na circulação constante de novos sentidos que ele é capaz de
gerar.
É importante ressaltar que, na perspectiva da mediação social, entendemos
ser o próprio discurso a mediação que funciona como uma ponte que liga os sujeitos
em questão. Nesse processo de circularidade, porém, quando se trata de valores
simbólicos de discursos, o consumo não que dizer o fim de um ciclo, no sentido de
usar ou gastar, mas, sim, um recomeçar discursivo, com reintegração de novos
sentidos. Na concepção de Verón, a circulação se define justamente na defasagem
entre a condição de produção do discurso e a leitura feita na recepção.
Vejamos:
Se a noção de circulação surge como a mais ‘evanescente’ (circulação não
deixa traços nos discursos), ela é ao mesmo tempo aquela que dá ao
modelo sua dinâmica: designa o modo como o trabalho social de
investimento de sentido nas matérias significantes se transforma no tempo
(VERÓN, 2004, p. 54).
Portanto, na circulação, o que interessa é o que o sujeito receptor faz com o
discurso depois de enunciado, quais sentidos constrói. Assim, observamos a
circulação do discurso da sustentabilidade com base em pelo menos dois sentidos.
Primeiro, considerando a sua circulação na comunidade do entorno como um
processo de semiose constante que passa a gerar outros sentidos baseados no
contexto onde se instaura essa enunciação. E, segundo, como resposta às
cobranças da sociedade.
Em relação às organizações, as cobranças são por ações de preservação dos
recursos naturais, e seu uso racional, por condições melhores de vida nas diversas
esferas, econômica, política, ambiental, social, para todos, e não apenas para um
grupo privilegiado, demonstrando principalmente a preocupação com o porvir das
gerações futuras. Sentidos muito presentes na conceituação da sustentabilidade.
48
3 OS DISCURSOS
Neste segundo capítulo, o que se pretende é apresentar como se configura o
discurso, de que maneira ele se institui na qualidade de mediador da relação da
organização e das comunidades do seu entorno, para, então, refletir como esse é
utilizado estrategicamente e de que modo funciona na operação comunicativa.
3.1 A arquitetura do discurso
Segundo Charaudeau (2007), o discurso é instituído pela fala, pelo texto e
pela linguagem, que permite o homem pensar, agir e viver em sociedade. Nesse
sentido, a linguagem não se reduz ao uso das regras gramaticais e das palavras do
dicionário, mas entendida em outra dimensão, “[...] se desdobra no teatro da vida
social, cuja encenação resulta de vários componentes, cada um exigindo um ‘savoir-
faire’, o que é chamado de competência” (CHARAUDEAU, 2007, p. 7).
Para o autor, três competências são essenciais ao processo da linguagem. A
competência situacional, que considera a situação em que a linguagem foi
produzida, verificando sua finalidade e a identidade daqueles sujeitos envolvidos na
interação; a competência semiolinguística, que organiza a encenação do ato de
linguagem com base nas seguintes visadas: enunciativa, descritiva, narrativa e
argumentativa, e a competência semântica, que consiste em saber construir
sentidos recorrendo às ferramentas gramaticais e lexicais e também aos saberes e
crenças disponíveis na sociedade. Esse conjunto (é que) produz a competência
discursiva que, finalmente, produz os atos de linguagem portadores de sentidos e os
vínculos sociais.
Além disso, a formação discursiva depende de fatores externos, como o
contexto social, cultural, político e econômico, em que os sujeitos enunciadores e
interpretantes estão inseridos. Não se trata apenas de situar o contexto, o ambiente
onde se dão as interações, mas tentar compreender como esses fenômenos
contribuem para conformar os enunciados discursivos, construir sentidos e
influenciar os atos de linguagem.
49
Para entender essa complexa tarefa de desvendar os sentidos produzidos
baseando-se na enunciação da sustentabilidade, é contributivo voltar, ainda que de
forma sucinta, às raízes dos conceitos de ato, sujeito e enunciado por serem
conformadores da enunciação. Em Bakhtin
8
(apud BRAIT, 2008), o ato não é
apenas uma ação física, mas uma ação que está vinculada ao agir humano, ação
física praticada pelo sujeito, que imediatamente a atribui sentidos. O autor cria uma
distinção na qual a ação em si é considerada o dado (ação física), por exemplo, a
produção e a recepção com significados dados, e o postulado (o proposto pelo
sujeito) que cria significados, troca com o outro e constrói sentidos.
Transpondo essa questão para o nosso objeto empírico, observamos que a
Samarco produz e emite o enunciado da sustentabilidade como um ato
caracterizado como dado, em que os significados são cristalizados e
estrategicamente enunciados. A partir daí, quando a comunidade recebe esse
discurso, recria tais significados e produz os próprios sentidos sobre a
sustentabilidade, dá-se, então, o ato postulado.
Em um movimento seguinte, na interação entre organização e comunidade,
esses atos se revezam, quando a comunidade emite seus sentidos de volta para a
Samarco, e essa também os postula em um processo dialógico permanente de
construção e reconstrução de sentidos. Independentemente do tipo, o ato trata-se,
portanto, de ação concreta, intencional, praticada por alguém situado, que traz um
sentido de sujeito participativo e responsável. Assim, o agir do sujeito tanto se utiliza
da realidade dada do mundo quanto o postula, cria-o, traz novos significados,
conformando a concepção relacional. Perspectiva em que ancoramos as nossas
análises comunicativas entre a Samarco e a comunidade de Antônio Pereira.
O sujeito concebido nessa arquitetura relacional, bakhtiniana, segundo Sobral
(2008) é um sujeito composto da tríade “eu-para-mim”, “eu-para-o-outro” e “o-outro-
para-mim”. Podemos dizer que o “eu-para-mim” cria a condição de formação de
identidade subjetiva, e o “eu-para-o-outro” cria a condição de inserção dessa
identidade construída no plano relacional responsável, que lhe dá sentido.
Reforçando a perspectiva de Charaudeau (2007), esse sujeito bakhtiniano
deve ser pensado, então, considerando dois importantes aspectos: o contexto onde
está inserido, em que age conformado pelos elementos históricos, sociais, culturais,
8
BAKHTIN, M.(1929) Marxismo e filosofia da linguagem. Trad.M.lahud e Y.F.Vieira. São Paulo:
Hucitec,1979.
50
etc., e o princípio dialógico, que permite a troca discursiva, a interdiscursividade e a
presença de várias vozes nos discursos. Em síntese, esse sujeito deixa de ser
apenas um ser biológico para ser um sujeito de ação, presente tanto nos atos não
discursivos como nos discursivos, em que é o agente da transformação, da
ressignificação dos enunciados discursivos. Portanto, tanto a Samarco quanto a
comunidade são analisados como sujeitos de ação, participantes de um processo de
troca comunicativa, enunciadores e destinatários de diversas formas de enunciado,
podendo esses ser verbais, não verbais, textuais.
Buscamos pensar, conceituar e diferenciar o enunciado pela perspectiva de
Bakhtin (apud BRAIT, 2008), entendendo-o como signo, palavra, discurso, texto,
linguagem em ação. Estando na esfera da produção, circulação e recepção, tudo
isso pode ser considerado um enunciado ou mesmo dar sentido a um enunciado.
Brait e Melo(2008) dão-nos um depoimento a respeito:
As noções enunciado/enunciação têm papel central na concepção de
linguagem que rege o pensamento bakhtiniano justamente porque a
linguagem é concebida de um ponto de vista histórico, cultural e social que
inclui, para efeito de compreensão e análise, a comunicação efetiva e os
sujeitos e discursos nela envolvidos (BRAIT; MELO, 2008, p. 65).
Devemos, no entanto, lembrar que o conceito de enunciado, tão usado nos
estudos de linguagem, não tem consenso entre seus estudiosos; ao contrário,
apresenta uma polissemia de definições e usos. Adotaremos, porém, o conceito de
Bakhtin (apud BRAIT, 2008), trabalhado por Charaudeau (2007), principalmente na
perspectiva da interação, da subjetividade, no sentido dialógico do processo
comunicativo e conformador do discurso. Portanto, ao adotar o termo “discurso”,
estamos nos referindo a ele em uma dimensão capaz de abarcar os demais
sentidos, implicado um processo interativo, social, histórico e cultural.
Bakhtin (apud BRAIT, 2008, p. 22). sublinha que “só me torno eu, entre outros
eus”, e que o sujeito, mesmo sendo definido a partir do outro, também o define. É o
‘outro’ do outro. Perspectiva essa que aponta para a importância das trocas
comunicativas, da análise dos contextos que atravessam a comunicação da
Samarco com a comunidade de Antônio Pereira e dos atos de linguagem que
produzem as práticas discursivas realizadas entre eles.
Esses sujeitos utilizam o seu repertório interpretativo, tornando-se agentes
organizadores de discursos, que, a partir da troca e da interação entre os “eus”,
51
criam um processo de significação e de reconstrução de sentidos que foi analisado a
partir da metodologia proposta. Os papéis se intercalam, ou seja, ora a Samarco é
enunciadora/emissora, ora é interpretante/receptora, o mesmo acontecendo com a
comunidade do seu entorno, que também assume tais papéis.
Nas práticas discursivas, a construção de sentidos é um processo social,
historicamente localizado, que implica na mediação de vozes que se
alternam entre instâncias de produção, circulação e consumo, por meio de
repertórios interpretativos, que na dinâmica da alternância, atribuem
significações àquilo que se apresenta (OLIVEIRA, 2008, p. 95).
Assim, entendemos que o sentido é construído na troca, na
interdiscursividade que se estabelece entre o produtor/emissor. No entanto,
ressalvamos que, apesar desse movimento, não há equivalência discursiva entre os
sujeitos. A Samarco, na qualidade de enunciadora, controladora de um grande poder
econômico, detém maior peso discursivo nessa troca.
Retomando a questão do “sentido”, Charaudeau (2007) afirma que falar de
comunicação humana é também falar do sentido construído, pois a linguagem cria
sentido. O sentido determina o modo de existência dos sujeitos interlocutores e sua
representação sobre o mundo.
[...] o sentido se constrói sobre a teatralização generalizada da vida
comunitária, jogo cotidiano dos simulacros, conscientemente ou
inconscientemente assumidos, a partilha de papéis, a metaforização e a
figuração de nossas palavras (PARRET
9
apud CHARAUDEAU, 2008, p.
13).
o, no mais simples ato
discursivo, um turbilhão de sentidos.
Portanto, é na confluência entre o dito e o não dito, no explícito, que se
apresenta como atividade estrutural, remetendo à realidade a nossa volta, por
exemplo, o significado dado por um dicionário. É no implícito que acontece a
subjetivação, e o discurso depende do contexto no qual o ato de linguagem foi
produzido e no qual se produz o sentido que nasce da relação entre eles – explícito
e implícito. Por exemplo, na dimensão explícita, “sustentabilidade” é algo duradouro,
que se sustenta, perene. Já na dimensão implícita, “sustentabilidade” é proteger o
meio ambiente, é ser uma empresa preocupada com as questões sociais,
economicamente viável, duradoura. Assim, há, a todo moment
9
PARRET, Herman. A comunicação e os fundamentos da pragmática. Nancy: Presses Universitaires, 1989.
52
Um elemento que compõe o discurso e influencia a sua construção é o
contexto social, em que os sujeitos estão inseridos, e suas especificidades apontam
a existência de um quadro de referência, lugar simbólico onde são constituídas
normas e convenções de determinada comunidade e, ao mesmo tempo, são
estabelecidas, tacitamente, restrições (CHARAUDEAU, 2007).
Como os sujeitos poderiam trocar palavras, influenciar-se, agredir-se,
seduzir-se, se não existisse um quadro de referência? Como atribuiriam
valor a seus atos de linguagem, como construiriam sentido, se não existisse
um lugar ao qual referir as falas que emitem um lugar cujos dados
permitissem avaliar o teor de cada fala? (CHARAUDEAU, 2007, p. 65).
Dentro dessa perspectiva, tornou-se imprescindível observar e reconhecer as
especificidades do contexto onde estão inseridas a Samarco e a comunidade de
Antônio Pereira – contexto cultural, social, político e econômico. Também foram
observadas as restrições, conformadoras desse contexto próprio que referencia os
atos discursivos da Samarco e das comunidades em suas trocas comunicativas.
Tanto no papel de enunciador como no de destinatário, elas devem ter consciência
dessas restrições, o que as torna ligadas por um tipo de acordo prévio sobre os
dados que compõem esse quadro de referência. O reconhecimento recíproco dos
sujeitos, envolvidos em uma interação comunicativa, o conhecimento e aceitação
das restrições e a influência do contexto onde se dão as trocas resulta em um
“contrato de comunicação”.
Entendemos que o próprio discurso da sustentabilidade e seus
desdobramentos de significado são elementos essenciais presentes no quadro de
referências que ancoram o contrato de comunicação que se estabeleceu entre a
Samarco e a comunidade. É com base nele que se estabelece a interação, e tudo
que, de certa forma, não estiver previsto no significado da sustentabilidade se
configura em restrição nesse relacionamento.
Segundo o modelo de Charaudeau (2007), esse contrato se compõe de
dados externos, que apresentam características da própria troca, e dados internos
por meio das características discursivas, sendo elas o modo de organização do
discurso. Os dados externos são aqueles constituídos por regularidades
comportamentais dos sujeitos que efetuam a troca e pela estabilidade dessas trocas
por um período de tempo, chamada de constantes pelo autor. Essas regularidades
são confirmadas pelos discursos de representação, determinando o quadro
53
convencional, o quadro de referência no qual os atos de linguagem fazem sentido.
Observamos uma regularidade na interpretação da “sustentabilidade”; por exemplo,
um senso sobre meio ambiente, ecologia, preservação, duração, algo que se
sustenta para o futuro. No entanto, é imprescindível observar que as regularidades
não configuram um significado, mas elementos que permitem a criação de sentidos.
Esses dados são compostos de quatro categorias que indicam um tipo de
condição de enunciação da produção linguageira. São elas: condição de identidade,
condição de finalidade, condição de propósito e condição de dispositivo. A
identidade é definida pelas características como idade, sexo, etnia, etc.; os dados
identitários são informações que sinalizam o status social, econômico e cultural, que
indicam a natureza dos sujeitos envolvidos na troca comunicativa. Eles certamente
interferem na comunicação, já que dão pertinência ao ato de linguagem. Por
exemplo, o fato de um sujeito morador de Antônio Pereira participar de uma reunião
com a Samarco é um traço de pertinência que faz sentido, por esse morar no
entorno da organização e ser impactado por ela. Por outro lado, ser de Antônio
Pereira (dado identitário) não terá pertinência quando esse morador estiver, por
exemplo, pedindo informação sobre um endereço a uma pessoa.
Assim, a organização e a comunidade do seu entorno mostram que se
conhecem, compartilham saberes, têm conhecimento das normas que regulam o
comportamento social no contexto onde ambos estão inseridos. Portanto, Antônio
Pereira é um contexto, no qual os sujeitos conseguem estabelecer uma
intercompreensão, um diálogo. Reforçamos que isso não implica que os discursos
de cada um tenham o mesmo poder, ou “peso”, mas que possuem relação
comunicativa, a partir daí.
Já a finalidade (intencionalidade) diz respeito ao objetivo do ato discursivo. A
expectativa da construção de sentidos que se tem a partir da troca. “Estamos aqui
para dizer o quê? A princípio, o objetivo da comunicação da parte de cada um é
fazer com que o outro incorpore a sua intenção. É uma luta discursiva, uma luta pela
influência, metaforicamente um jogo de xadrez.
Charaudeau (2007) classifica quatro tipos de operação discursiva que os
sujeitos lançam mão para tentar alcançar seus objetivos: a prescritiva, em que um
sujeito quer levar o outro a fazer o que ele pretende; a informativa, que consiste em
querer fazer saber, transmitir informações que julga que o outro não sabe; a
54
iniciativa, que é levar o outro a acreditar que o que ele está dizendo é a verdade, e
finalmente o páthos, que consiste em fazer sentir, causar emoções no outro.
Considerando que, na troca comunicativa, a Samarco e a comunidade de
Antônio Pereira se intercalam nos papéis de destinatário/emissor e
interlocutor/receptor, somos capazes de inferir, a priori, que os dois sujeitos se
utilizam dessa operação discursiva, que pode até ser combinada entre si, como
adoção de estratégias na tentativa de “vencer” o jogo discursivo. O autor, porém,
lembra que, para cada ação de influência, existe uma ação de contrainfluência, o
que confirma a teoria de Rodrigues (1990), na qual o jogo discursivo não tem fim,
portanto, não tem vencedor nem perdedor.
Propósito é a terceira condição para a realização da troca linguageira, em que
o ato de comunicação acontece a partir do domínio do saber. É a troca baseada em
temas discursivos, preestabelecidos pelos sujeitos envolvidos ou por uma das partes
interessadas na temática, sob pena de atuarem fora de propósito. Pela perspectiva
da pesquisa, a sustentabilidade e tudo aquilo que ela representa enquanto
enunciado são utilizados como um tema discursivo gerador de propósito na
conversação da Samarco com a comunidade de Antônio Pereira.
A quarta condição, linguageira é a do dispositivo, que, na concepção de
Charaudeau (2007, p. 68), requer que a comunicação se construa segundo
circunstâncias materiais em que se desenvolve. “Em que ambiente se inscreve o ato
de comunicação, que lugares físicos são ocupados pelos parceiros, que canal de
comunicação é utilizado?” O autor entende que o dispositivo é o operador que
possibilita a interação, determinando variáveis e restrições no contrato comunicativo.
Todavia, vale a pena repetir que Foucault (2007) entende “dispositivo”,
diferentemente de Charaudeau (2007), como um instrumento de poder e controle.
Nós entendemos que o dispositivo funciona nas duas dimensões, tanto como um
operador como um instrumento direcionador das interações.
Já os dados internos do contrato de comunicação dizem respeito exatamente
aos dados discursivos que compõem a situação de troca e da interação pela
linguagem. É o “como dizer”. Os dados internos devem apresentar a maneira de
falar dos sujeitos, as formas verbais que eles empregam, os papéis linguageiros que
cada um assume dentro do “contrato de comunicação” de acordo com as instruções
contidas nas restrições situacionais. O comportamento linguageiro é separado em
55
três espaços, sendo eles: espaço de locução, espaço de relação e espaço de
tematização.
No espaço de locução, o sujeito toma a palavra e deve justificar por que a
tomou para impor-se como sujeito falante (emissor) e ao mesmo tempo identificar o
interlocutor (receptor) a que se dirige. Ele precisa conquistar seu direito de
comunicar. No espaço de relação, o sujeito falante, após ter construído a própria
identidade e a identidade de seu interlocutor definida no espaço de locução,
estabelece as relações de força ou de aliança ou de exclusão ou de inclusão com o
interlocutor. Já o espaço de tematização, onde é organizado o domínio do saber,
são determinados os temas da troca que podem ser introduzidos pelos sujeitos na
relação ou estar presentes nas “instruções” contidas no contrato de comunicação.
Aqui, assim como nos dados externos, a sustentabilidade aparece como o tema
discursivo predominante no contrato de comunicação, estabelecido tacitamente pela
Samarco com a comunidade de Antônio Pereira e materializado tanto na forma
verbal como textual. É no espaço de tematização que estão presentes os modos
discursivos (descritivo, narrativo e argumentativo).
Ao detalharmos as condições discursivas propostas por Charaudeau (2007) e
utilizarmos a filosofia da linguagem bakhtiniana, bem como observarmos a teoria de
contrato de leitura de Verón (2004), buscamos abrir horizontes para entender o
discurso e seu funcionamento.
Mas é em Halliday (1987), pela sua pesquisa dentro do campo da
comunicação organizacional, que procuramos, juntamente com a contribuição dos
outros autores citados, entender de forma mais específica os discursos
organizacionais. Assim, apesar de concordar com a perspectiva desses autores, ou
seja, o discurso é que conecta os sujeitos e possibilita a interação, Halliday (1987)
nos mostra que as organizações têm um problema a resolver para que isso
aconteça, problema de ordem discursiva. Há um hiato entre a maneira como são
percebidas, entendidas pela sociedade, e a maneira percebida e pretendida por
elas, percepção que forma a imagem que gostariam de ter. Essa distinção reside na
produção de sentidos entre os discursos que são emitidos por elas e como são
interpretados pelos seus interlocutores. “Assim a relação entre as [...] organizações
e a sociedade nunca é livre de tensões” (HALLIDAY, 1987, p. 12).
Cientes disso, as organizações fazem uso estrategicamente do discurso,
utilizando-se consciente ou inconscientemente das condições discursivas mostradas
56
por Charaudeau (2007) para legitimar-se e diminuir tal diferença. A autora observa
que a dimensão discursiva entre as organizações e o seu ambiente externo abrange
o universo simbólico, caracterizado por palavras, textos e imagens, calcados em
valores, e que isso acontece em resposta às exigências da própria sociedade.
Baseado nessa teoria, Halliday (1987) desenvolveu um método de análise,
categorizando os tipos de discurso que as organizações lançam mão em busca
dessa legitimação. Método este que será utilizado para analisar os discursos sobre
sustentabilidade produzidos pela Samarco e endereçados à sociedade e a seus
interlocutores.
3.2 As estratégias discursivas como fonte de legitimação na dimensão do
contexto organizacional
Para entender a dinâmica discursiva das organizações, utilizamos a analogia
proposta por Rodrigues (1990) do jogo de xadrez, tradicionalmente conhecido como
“um jogo de estratégias”. Apesar de ter suas regras predefinidas, é no desenrolar do
jogo, no qual a oportunidade gerada por uma jogada precedente determina a jogada
subsequente e cada lance altera a configuração do jogo e cria outras probabilidades
e escolhas, que se estabelecem as estratégias. Assim também acontece com o
discurso, criado e recriado com base nos movimentos dos seus interlocutores. O
autor, porém, pontua duas importantes distinções entre o jogo de xadrez e o
discurso.
Primeiro, o xadrez estabelece dois mundos, representados simbolicamente
por pedras brancas e pedras pretas, configurando uma relação binária
comparativamente entre emissor e receptor, com alvo definido e estratégia de como
chegar ao outro e vencê-lo. Comutando essa metáfora para os paradigmas
comunicacionais, podemos inferir que o jogo de xadrez se identifica com a
comunicação funcionalista, transmissional, enquanto o discurso, por possibilitar uma
multiplicidade de mundos, de regras, peças e participantes, identifica-se com uma
comunicação relacional.
O discurso se diferencia por potencializar incontáveis probabilidades,
representadas por uma relação reticular com inúmeros nós, que, para Rodrigues
57
(1990), são ao mesmo tempo ponto de chegada, ponto de partida e ponto de
passagem de uma rede com diversas possibilidades combinatórias e dimensão
distinta. Por isso, a teia social que se forma leva o homem contemporâneo a
perguntar-se: para onde vou? Como vou? Nada é previamente definido, não há alvo
certo. Por sua característica aberta, abrangente, a perspectiva discursiva é
constituinte da comunicação relacional, em que é na troca, na partilha entre muitos
sujeitos, que se estabelece o jogo, e a estratégia é direcionada para conseguir
conectar-se ao outro, promover a interação num contexto de imprevisibilidade.
Percebemos que a comunicação entre as organizações e seus interlocutores
é perpassada por estas duas perspectivas, transmissional e relacional. Ora se tem
um discurso unilateral, interessado apenas em fornecer informações, ora se tem um
discurso dialógico, que reconhece e ouve o outro. E, por fim, a outra diferença
fundamental é que no xadrez se estabelece um fim com o xeque-mate, ao contrário
do discurso no qual não existe fim à sucessão de lances estratégicos (RODRIGUES,
1990, p. 17). Essa analogia nos ajuda a compreender a dimensão do discurso, a sua
capacidade de criar mundos, conectar sujeitos, mediar e elaborar sentidos,
(re)configurar relações, ser uma fonte de legitimação.
Barichello (2005) afirma que, cada vez mais, a legitimação se dá pelas
práticas da linguagem e da interação comunicacional, que propiciam a consequente
produção de sentido, fato que torna ainda mais relevante pensar a relação discursiva
das organizações com a sociedade como forma de legitimação. Essa legitimação
acontece como resultado do embate de estratégias comunicacionais travado dentro
e fora da organização, uma vez que a relação compartilhada pressupõe a
participação dos interlocutores, que também se armam de estratégias discursivas
para essa relação.
Para efetivar essa interação, as organizações buscam na legitimação e na
visibilidade os elementos estratégicos discursivos de suporte para obter
aceitabilidade e concretizar o relacionamento com a sociedade. O significado de
legitimação organizacional, segundo Halliday (1987), é o processo no qual as
organizações constroem simbolicamente as condições que justificam a sua
existência e de suas atividades, em termos aceitáveis perante as esferas públicas.
Sem um sentido de contrapor, mas de acrescentar, buscamos a percepção de
Rodrigues (1990), para quem essa legitimação está intimamente ligada à instituição
da esfera pública, responsável por estabelecer as regularidades que determinam as
58
normas da linguagem e das ações; esfera que dita o estatuto e os papéis dos
sujeitos na convivência social. “A esfera pública é, por conseguinte, a cena em que o
jogo das interações sociais e o movimento dos atores ganham visibilidade social”
(RODRIGUES, 1990, p. 141).
Assim, dentro da esfera pública, se tem a esfera da comunicação, que, na
contemporaneidade, passa a ter papel de centralidade social, remodelando a própria
esfera pública e as demais esferas que se utilizam dela para se legitimarem. Gomes
exemplifica esse fenômeno dizendo que:
[...] uma esfera pública, não importa se segundo o modelo helênico ou
burguês, deve ser compreendida como aquele âmbito da vida social em que
interesses vontades e pretensões que comportam conseqüências
concernentes à comunidade política se apresentam na forma de
argumentação ou discussão. Essas discussões devem ser abertas à
participação de todos os cidadãos e conduzidas por meio de uma troca
pública de razões. O primeiro requisito da esfera pública é a palavra, a
comunicação: interesses, vontades e pretensões dos cidadãos podem ser
levados em consideração apenas quando ganham expressão em
enunciados (GOMES, 2008, p. 35, grifo nosso).
Portanto, a construção legitimadora das organizações se dá pela
comunicação, que emerge por meio da criação de estratégias discursivas,
atualmente mais fluidas e plurais, fruto da própria complexidade contemporânea.
Nesse ambiente de centralidade da comunicação, as organizações, como sujeitos
da enunciação, deixam de ser apenas emissores, passando a sediar um espaço de
trocas, que Merleau-Ponty,
10
citado por Duarte (2003), chama de “encontro de
fronteiras perceptivas”. Perceber o mundo direciona a consciência para o outro,
criando assim uma fronteira, uma “zona de contato” onde acontecem as trocas de
sentidos, onde se é ao mesmo tempo emissor e receptor. É nesse processo de
tomada de consciência de si mesmo como sujeito social e da consciência da
existência do outro que se institui a relação.
O sentimento de partilha é o que define a comunicação, é construir com o
outro um entendimento comum sobre algo. É o fenômeno perceptivo no
qual duas consciências partilham na fronteira. O entendimento comum não
quer dizer concordância total com os enunciados envolvidos na troca. O
entendimento pode ser a conclusão das consciências que discordam dos
enunciados uma da outra (MERLEAU-PONTY apud DUARTE, 2003, p. 47).
10
MERLEAU-PONTY, Maurice. Phénoménologie de la perception. Paris: Éditions Gallimard, 1945. p. 407.
59
A linguagem surge nesse processo de interação como objeto cultural de
percepção do outro e conformadora do discurso. Pelas Ciências Humanas, pensa-se
a linguagem como “o dispositivo que permite o homem pensar, agir e viver em
sociedade (CHARAUDEAU, 2008, p. 7) ou como “o cimento, algo sem o qual nada
se constrói, individual ou socialmente” (PINTO, 1996, p. 1). Ou ainda por um viés
biológico.
Estamos na linguagem, movendo-nos nela, numa forma peculiar de
conversação – num diálogo imaginado. Toda reflexão, inclusive a que se faz
sobre os fundamentos do conhecer humano, ocorre necessariamente na
linguagem, que é nossa maneira particular de ser humanos e estar no fazer
humano. Por isso, a linguagem é também nosso ponto de partida, nosso
instrumento cognitivo [...] (MATURANA; VARELA, 2007 p. 32).
Conceitos que têm em comum a valorização da linguagem na interação
discursiva, que trazem a percepção de que a linguagem é algo fluido, movediço,
capaz de se adaptar, de transformar, de construir relações num constante
movimento de criar e recriar sentidos, de aproximar e afastar, de dizer algo, mesmo
sem que haja palavras, seguindo sempre em busca do outro. Confirmando essa
percepção, Charaudeau (2008, p. 7) conclui que “sem a linguagem, o sujeito não
entraria em contato com o outro, não estabeleceria vínculos psicológicos e sociais
com esse ‘outro’ que é ao mesmo tempo semelhante e diferente”. Desta forma, a
linguagem como direcionadora do diálogo faz emergir uma zona de encontro entre
os sujeitos.
Por esse raciocínio, podemos inferir que o contexto organizacional é uma
“zona de contato”, um lugar de empiria, no qual acontecem trocas comunicativas
entre os sujeitos sociais. A organização é, então, uma “fronteira de percepções”,
segundo Merleau-Ponty (apud DUARTE, 2003), onde o “eu” e o “outro” se
comunicam, criando movimentos de troca, e onde cada sujeito “perde algo de si”
para o outro.
Reforçando essa premissa, buscamos a perspectiva de Deleuze (1997) para
pensar as organizações e seus interlocutores como territórios a que, estando
presentes nessa fronteira, a cada momento de encontro, os sujeitos são arrastados
para uma reterritorialização. Visão, a nosso ver, compartilhada por Habermas
(1998), para quem é através dos atos de fala que os sujeitos se comunicam, e a
60
intersubjetividade do mundo vivido não é gerada isoladamente, mas, sim, no
compartilhamento, na troca.
No entanto, Rodrigues (1990) e Charaudeau (2007) lembram que esses atos
de fala estão inscritos em um quadro de referência que instituem regras e
sancionam a relação discursiva que lhes fornece sentido.
É tanto o resultado da elaboração dos falantes na sua prática discursiva,
como condição prévia absoluta para que cada um dos atos de fala tenha
sentido e signifique realmente o que cada um pretende expressar. Qualquer
ato de comunicação inscreve-se, por isso, para além da relação observável
entre os interlocutores dos atos concretos de comunicação, dando assim
sentido àquilo que dizem ou fazem e significação às mensagens e às ações
trocadas (RODRIGUES, 1990, p. 69).
Portanto, podemos entender que o sujeito social coletivo considerado como
elemento ativo, no caso as organizações, conforma a relação através dos seus atos
de linguagem, que, por sua vez, são conformados por um quadro de referências
inserido no contexto social que promove a construção de sentidos e as leva a
interagir com o mundo. Esse processo, porém, não se dá de forma linear ou mesmo
sem tensões, já que é permeado por contradições, imperfeições, fraturas
constituintes das próprias relações sociais e humanas. No caso da relação entre a
organização e os seus interlocutores, praticada em um contexto próprio, isto é, o
organizacional, percebemos essa complexidade.
A organização é, na maioria das vezes, ordenadora dos sentidos com a
intenção de controlar os significados institucionalizados por ela e expostos em seus
discursos. No entanto, isso não se concretiza, apesar das regularidades que são
estabelecidas em função de um contexto próprio; a simples presença do outro abre
brechas para ressignificações, rupturas com o discurso institucionalizado e criação
de outros sentidos.
Vejamos o que Oliveira e Paula(2008) dizem a respeito:
[...] nas práticas discursivas, a construção de sentidos é um processo social,
historicamente localizado, que implica na mediação de vozes que se
alternam entre as instâncias de produção, circulação e consumo, por meio
de repertórios interpretativos, que, na dinâmica da alternância, atribuem
significações àquilo que se apresenta (OLIVEIRA; PAULA, 2008, p. 94).
É nesse complexo processo comunicacional que acontecem os discursos
possíveis, intencionais, não verbais, permitidos e necessários para que se
61
estabeleçam as condições de negociação e de interação entre as organizações e os
seus interlocutores.
3.2.1 O campo comunicacional conformando o campo organizacional e sua
estratégia discursiva
Convencidos de que a comunicação é o caminho utilizado pelas organizações
em busca de legitimidade perante a sociedade e que é dela que emergem as
estratégias discursivas, faz-se necessário conhecer como esse processo
comunicacional acontece.
De acordo com Barichello (2005),
[...] a problemática comunicacional ocupa um lugar de destaque na
atualidade, quando os dispositivos de comunicação constituem-se em locus
privilegiado de visibilidade das ações humanas e servem para legitimar
atores coletivos e individuais (BARICHELLO, 2005, p. 18).
Essa autonomia e força do campo da comunicação, detentora de uma ordem
axiológica própria, têm sido alvo de muitos estudos em função da sua capacidade de
mediação entre os demais campos sociais e do seu poder de modificar as
estratégias de sociabilidade e proporcionar novo formato às instituições. O campo da
comunicação na contemporaneidade é tão definidor que deixa de ser um fio do
tecido social para se tornar seu marco estrutural, reconfigurando a sociedade, a
maneira de se construir identidades, organizações e o conjunto dos processos
sociais.
Para compreender como a autonomização do campo da comunicação afetou
as organizações e a maneira de se socializarem, é importante observar que essa
transformação não se deu de forma isolada. Como mostram Kumar (1997) e
Rodrigues (1990), aconteceu por meio dos vários fenômenos inseridos no contexto
social contemporâneo, que trouxeram uma multiplicidade de campos sociais e, ao
mesmo tempo em que os imbricou, deu a eles autonomia.
Para Rodrigues (1990), a autonomização dos campos se deve,
primeiramente, à fragmentação dos campos sociais em busca de mais eficiência na
62
realização de seus objetivos e paradoxalmente no seu entranhamento circunstancial.
Em segundo lugar, pela luta empreendida pelos movimentos sociais por
reconhecimento e institucionalização, escapando da coação que uma determinada
esfera exerce e por seus esforços em se impor como fontes legitimadoras para criar
e sancionar uma ordem axiológica própria. As ONGs e as comunidades do entorno
das organizações são exemplo desse fenômeno no momento em que se utilizam da
esfera ambiental e social para se legitimarem e cobrarem das organizações atitudes
mais éticas e socialmente corretas.
Portanto, com base na teoria dos “campos sociais” formulada por Rodrigues
(1990), ancoramos a nossa perspectiva de que as organizações também formam um
campo social. O nosso principal propósito com essa formulação é situar o quadro de
referência, lócus que determina as convenções e as normas linguageiras que
ordenam os discursos, por meio de regularidades e restrições discursivas
(CHARAUDEAU, 2007). Esse quadro de referência é determinado pelas questões
culturais, políticas, de linguagem, crenças e valores específicos. Assim, o campo
organizacional tem as próprias condições linguageiras, ou seja, o quadro de
referências que vai permitir e conformar a interação da organização com seus
interlocutores e possibilitar a construção de sentidos.
Entretanto, é importante entendermos o que determina e caracteriza um
campo social. Para Rodrigues (1990), um campo social é definido como uma
instituição e uma esfera de legitimidade. Como exemplo, cita-se o campo
econômico, o religioso, o militar, a família, o político e o ambiental. O que define a
existência de um campo é exatamente a legitimidade conquistada por meio dos atos
de linguagem, discursos e práticas conformadas por um domínio de competência.
Uma das maneiras de se reconhecer a legitimidade de um campo é pelo seu poder
de ocupar o lugar do sujeito de enunciação. Por exemplo: enunciados como “a
empresa quer”, “a religião determina”, “a política impõe”, “o meio ambiente precisa”
dão vida própria às instituições, colocando-as em condições de realizar, ou mesmo
“impor”, segundo Rodrigues (1990), algo ao tecido social. Outra maneira de
reconhecer um campo é o seu “domínio de competência”, capaz de gerar um
consenso, uma axiologia própria, isto é, um conjunto de valores que criam vínculos
entre os sujeitos.
Essas formulações justificam o nosso postulado de que as organizações
formam um campo próprio – o campo organizacional. Tendo em vista a teoria de
63
Rodrigues (1990), o campo organizacional cumpre, assim, os critérios essenciais a
sua constituição: ser um campo institucionalizado, formal, detentor de suas
competências e orientado pela própria axiologia. O conjunto desses fatores institui
ao campo organizacional um corpo social, que lhe propicia visibilidade e
legitimidade; critérios essenciais para a sua existência perante a sociedade.
Os campos sociais, apesar de serem autônomos, estão entrelaçados,
interligados entre si dentro do tecido social, afetando-se mutuamente. Essas
afetações geradas ao atravessar um campo são nomeadas pelo autor de
“dimensões”. No campo organizacional, por exemplo, podemos encontrar dimensões
culturais, comunicativas, antropológicas, artísticas, políticas, comunitárias. Tal
entrelaçamento se dá por parte de outro campo, o campo dos media, em função do
seu poder de mediar os demais. Ressaltamos que os media são aqui entendidos
não só como dispositivos tecnológicos, mas essencialmente na sua condição de
produzir discursos de vários gêneros por meio da linguagem, nas características do
processo de produção e circulação de informações e na própria reconfiguração
social criada pela presença dessa mediação (FRANÇA, 2001). Atrás dessa aparente
objetividade, a mediatização também se desdobra em várias dimensões, como
técnica, política, econômica, social, etc.
Diferentemente dos demais campos, a legitimidade dos media é delegada
pelos outros campos, como o organizacional, que dele se utiliza para se fortalecer,
para alcançar a visibilidade necessária a sua aceitação social, para assegurar as
estratégias discursivas que vão redefinir as formas de sociabilidade. A legitimação
específica do campo dos media está, então, assentada na “elaboração, na gestão,
na inculcação e na sanção dos valores de representação, de transparência e de
legibilidade” (RODRIGUES, 1990, p. 155). Valores que dão sentido às estratégias
das organizações ao se articularem ao campo dos media em busca de
sociabilização, de apelo à opinião pública, de publicizar os seus discursos, de
legitimar seu poder instituído conquanto campo autônomo.
Ao relacionar os processos de comunicação através do campo dos media
com as formas de sociabilizar, Rodrigues (apud BARICHELLO, 2005) propõe três
modelos comunicacionais, a saber: tradicional; moderno e reticular. O que se
pretende com a utilização desses modelos é refletir sobre as práticas comunicativas
exercidas pelas organizações com seus interlocutores e as estratégias discursivas
que adotam para tal. Entretanto, observamos que os modelos não são excludentes
64
entre si, tampouco seguem uma escala de valor. São formas diferentes de tratar a
comunicação e são utilizados de acordo com a necessidade estratégica da
organização. Dito isso, passamos a caracterizar cada um dos três modelos
propostos, valendo-nos da análise de Barichello (2005).
O modelo da comunicação tradicional de Rodrigues (1990) é baseado na
oralidade e tende a demarcar simbolicamente as fronteiras que permitem a inclusão
e a exclusão dos membros de uma comunidade por meio de um enraizamento
territorial, de regras de legitimidade e de uma identidade coletiva. Entendemos o
modelo tradicional como um modelo informacional, em que os sujeitos envolvidos no
processo comunicacional são divididos entre os emissores, com a função de
produzir, codificar e emitir, e os receptores, com a função de receber, decodificar e
consumir. As organizações, como emissoras, conduzem a sua relação comunicativa
se utilizando também desse modelo. Instaladas na instância da produção, detêm o
controle sobre o discurso enunciativo e decidem “o que falar”, “como falar” “quando
falar”, de acordo com seus interesses e finalidades. O receptor, no caso, os vários
interlocutores individuais ou coletivos envolvidos direta ou indiretamente com a
organização, é tratado de maneira homogeneizada, relegado a um papel passivo.
O uso dessa estratégia informacional, estabelecida por mecanismos de
regulação, presta-se a tentativa de manter o controle sobre a comunicação da
organização, buscando a garantia de que a mensagem transmitida por intermédio
dos seus discursos será recebida sem “ruídos” – perturbações que prejudicam o
sistema de controle e vigilância da comunicação (FAUSTO NETO, 2008). Quando se
utilizam desse modelo, o objetivo das organizações é transmitir o significado
institucionalizado, acreditando ser o suficiente para que os receptores adotem tal
ideia ou comportamento.
Se referindo as organizações, Oliveira e Paula(2008) apresentam uma
formulação a respeito:
[...] a grande maioria pauta-se no paradigma funcionalista, onde a idéia de
sistema e subsistema é tão harmoniosamente engrenada e administrada
que considerar o imprevisto e o não habitual é algo contrário à lógica do
negócio. Na perspectiva da gestão é um contra-senso pensar em
movimentos de oposições e de posicionamentos diferenciados, já que seus
princípios pressupõem o controle e aperfeiçoamento dos processos para se
obterem os resultados maximizadores (OLIVEIRA; PAULA, 2008, p. 92).
65
Esse modelo de desenho linear, formado por emissor, mensagem e receptor,
é caracterizado por um processo monológico e unidirecional que apresenta
concepção estritamente transmissiva.
O segundo modelo de comunicação proposto por Rodrigues (1990) é o
moderno, marcado pela ruptura com o modelo tradicional e sua caracterização.
Neste modelo, a ênfase recai sobre a concepção da linguagem como processo
interacional, gerador de relações e dotado de uma força operatória imanente capaz
de produzir transformações sociais. Entendemos esse modelo também pela
perspectiva do modelo relacional determinado por:
[...] três dimensões básicas: o quadro relacional (relação dos interlocutores);
a produção de sentidos (as práticas discursivas); a situação sócio-cultural
(contexto). Trata-se, portanto, o processo comunicativo, de algo vivo,
dinâmico, instituidor de sentidos e de relações; lugar não apenas onde os
sujeitos dizem, mas também assumem papéis e se constroem socialmente;
espaço de realização e renovação da cultura (FRANÇA, 2002, p. 13-29).
Nesse segundo modelo, a fala da organização não é a única, ou seja, as
organizações e seus interlocutores dividem o espaço de fala; o discurso é
compartilhado e recriado a partir do entendimento do outro e das estratégias
discursivas de cada um. Paradigma que nos lembra a arquitetura bakhtiniana, que
se assenta no dialogismo, na polifonia, no sujeito de ação (BAKHTIN
11
apud
SOBRAL, 2008). Nesse modelo, os papéis, emissor e receptor, são intercambiados,
o que leva a um processo mais relacional, que permite a construção de sentidos
baseando-se no repertório sociocultural de cada sujeito e do contexto ou quadro de
referências em que está inserido.
Sem ignorar o desejo do controle enunciativo da organização na qualidade de
emissora, bem como as tensões advindas das negociações discursivas necessárias
para o relacionamento com seus interlocutores, Fausto Neto (2008) nos lembra que:
[...] a comunicação não é um ato de atribuição de sentidos, que se realiza
automaticamente ente produtor e receptor. Mas, pelo contrário, um jogo no
qual a questão dos sentidos se engendra em meio às disputas de
estratégias e de operações de enunciação (FAUSTO NETO, 2008, p. 54).
11
BAKHTIN, M. (década de 1930-1965). L´oeuvre de françois Rabelais et la culture populaire au Moyen Age et
sous la Renaissance. Trad. Andrée Robel. Paris: Gallimard, 1970.
66
O terceiro e último modelo de comunicação proposto por Rodrigues (1990) é
o reticular, constituído por inúmeras redes interligadas, onde cada rede é formada
por linhas e pontos dispostos para criar nós e conexões. Esse sistema de rede
possibilita a desterritorialização, criando uma sensação de multipresencialidade. O
modelo de comunicação reticular, permitido principalmente pelo avanço das
tecnologias da informação, promoveu nova forma de organização das atividades
humanas e ampliou as possibilidades de relacionamento das organizações com
seus interlocutores para um nível global.
Vejamos a opinião de Duarte, Quandt e Souza(2008):
Grandes empresas já perceberam a importância das redes na gestão dos
fluxos de informação e na geração de novos conhecimentos. Consultores
especializados em análise de redes sociais oferecem serviços de
mapeamento e mensuração dos relacionamentos entre pessoas, grupos,
organizações, ou qualquer outro meio no qual informações e conhecimentos
são processados. O mapeamento de uma rede social intra-organizacional
permite, entre outras análises, a visualização e identificação de grupos de
trabalho, divisões internas, contatos primários externos e atores centrais
nos fluxos de comunicação (DUARTE; QUANDT; SOUZA, 2008, p. 15).
Desta forma, o modelo reticular de comunicação permite mais velocidade e
circularidade das informações. Barichello (2005) confirma essa situação quando
reforça que os dispositivos reticulares – redes de comunicação e informação –
modificaram a lógica dos processos comunicacionais, aumentando
exponencialmente os fluxos de informação e a interatividade à distância.
Acrescentamos que esses são também um forte dispositivo de articulação e
cobrança dos grupos de pressão, organizações não governamentais, comunidades,
entre outros interlocutores da organização.
No entanto, Pinto (2008, p. 7) chama a atenção para o fato de essas redes
serem necessariamente precárias e instáveis, porque, assim como na linguagem, os
signos nunca dão conta das coisas a que se referem, e os sentidos ficam
incompletos. Assim também nas estruturações reticulares, não há exatamente um
significado. Viés que caracteriza o modelo de comunicação reticular por ter uma
constante brecha para ressignificações, compartilhamento do outro, em uma
ilimitada formação de novos sentidos e possibilidades, algo sempre em andamento.
Barichello (2005), ao recorrer aos três modelos de comunicação tipificados
por Rodrigues (1990), acrescenta que, apesar de suas diferenças, eles coexistem
em um mesmo território e não devem ser considerados de forma evolutiva ou
67
pensados como etapas sucessivas. Eles não são incompatíveis e, na verdade,
convivem entre si, podendo ser utilizados separadamente ou em conjunto. Nas
próprias organizações, observamos esse fenômeno, isto é, o modelo de
comunicação tradicional, materializado nos discursos transmissivos (orais ou
textuais) e nos dispositivos discursivos de poder, convive com o modelo da
comunicação moderna apresentado no esforço material e subjetivo de diálogo com
os interlocutores, bem como o modelo reticular presente nas redes de comunicação
e relacionamento, tecidas na interação com os sujeitos sociais. A articulação desses
modelos de comunicação com as formas de sociabilidade define os modos de
concretização do campo organizacional e seu engendramento estratégico discursivo.
Independentemente de qual desses modelos de comunicação se caracterize
ou se insira a forma de comunicação de uma organização, na perspectiva de
Halliday (1987), a materialização dos seus discursos, em busca de legitimidade, dá-
se principalmente pela declaração de seus objetivos, entendidos como justificativas
socialmente aceitas para a sua existência.
Antes de seguirmos pela perspectiva da declaração de objetivos como
discursos organizacionais, ressalvamos que compreendemos que os discursos são
“verdades” modeladas de acordo com o interesse do emissor que o produz, já que
há uma intencionalidade que o ordena, estando essa carregada de poderes e
significados. Defendemos também que o receptor nunca é apenas o alvo ideal
visado pelo emissor como uma caixa vazia. Ele reinterpreta os significados que lhes
são dados e produz novos sentidos a partir de seu repertório interpretativo.
Apoiando a nossa percepção, Oliveira e Paula (2008) confirmam que, por mais que
exista a intencionalidade planejada pela instância da produção, no caso as
organizações, e mesmo que sejam reconhecidos os repertórios interpretativos da
instância da recepção compondo um contrato de comunicação entre eles, há sempre
algo que escapa.
Portanto, há uma grande distância entre o efeito visado pelo produtor do
discurso e o efeito produzido no receptor (CHARAUDEAU, 2007; VERÓN, 2004;
FOUCAULT, 1996).
Neste sentido, Verón (2004) nos fornece uma pista de como isso acontece:
[...] a estrutura dos discursos sempre é um fenômeno interdiscursivo. Se a
análise dos discursos é uma análise das diferenças, é porque os discursos
sociais são sempre produzidos (e recebidos) dentro de uma rede de
68
indeterminações. A noção de relações interdiscursivas é essencial em todos
os níveis do funcionamento do sistema produtivo do sentido. Tanto entre as
condições de produção quanto entre as de reconhecimento de um discurso,
outros discursos. [...] A produção e o reconhecimento, portanto, como
‘polos’ do sistema produtivo, implicam ambos, redes de relações
interdiscursivas (VERÓN, 2004, p. 69).
Dito isso, voltamos à perspectiva de Halliday (1987) por entendermos ser
essa um instrumento didático de compreensão das enunciações adotadas pelas
organizações e sua derivação em busca de legitimidade. Em vista disso, optamos
por adotar sua tipologia para analisar o discurso da sustentabilidade e os sentidos
produzidos sobre ele pela Samarco Mineração e a comunidade de Antônio Pereira.
Para a autora, a definição desses objetivos, estrategicamente concebidos, vai
delinear o relacionamento da organização com seus interlocutores. Dentro do seu
modelo, as organizações constroem simbolicamente a sua legitimidade em torno de
três grandes temas discursivos: a utilidade, a compatibilidade e a transcendência.
No desenvolvimento desses discursos, as organizações assumem papéis,
denominados pela autora de persona, sendo: a parceira, a compatriota/Irmã em
humanidade e a encarregada de uma grande missão.
3.2.2 O discurso da sustentabilidade como estratégia de legitimação
Diante de uma sociedade mais exigente e bem informada e tentando justificar
sua existência para além dos lucros, muitas organizações adotam o discurso da
sustentabilidade. O conceito de “sustentabilidade” na perspectiva organizacional
ancora-se na capacidade de atender às necessidades das gerações atuais, sem
comprometer a vida das gerações futuras, considerando um equilíbrio entre os
campos econômico, político, social, cultural e ambiental. Esse enunciado encabeça
o repertório discursivo da maioria das organizações atuais, não por acaso. Afinal, as
mudanças que caracterizam a contemporaneidade, marcada principalmente pelo
excesso de consumo em todos os seus aspectos e possibilidades, como refletem,
entre outros, Lipovetsky (2007) e Bauman (2003), suscitaram na sociedade
preocupações com o porvir, levantando principalmente questões ambientais e de
sobrevivência do planeta.
69
Observamos que o discurso da sustentabilidade se encaixa nos três temas
discursivos propostos por Halliday (1987). O discurso da utilidade, por exemplo, é
uma exigência básica de justificativa da existência jurídica da organização e está
assentado em dois focos. Na perspectiva da utilidade, como capacidade de a
organização ser vantajosa para a sociedade ao produzir bens e serviços, consumir,
empregar mão de obra, gerar capital e tecnologias. E o segundo foco, entendido
como ajuda à sociedade, significa “contribuir para”, “promover o progresso” entre
outros enunciados. Esse caráter de ajuda aparece nos objetivos sociais como o
desenvolvimento econômico, o bem-estar social, a preservação do meio ambiente e
da cultura nacional.
Podemos considerar como exemplos dessa artimanha estratégica o
deslocamento dos discursos organizacionais, que, na contemporaneidade, diante
dos novos desafios advindos da complexidade social, deixaram de ser apenas
focados no produto, no negócio e no mercado (foco vantajoso) para fortalecer os
discursos nas questões sociais e no bem-estar público (foco da ajuda). Na variação
“ajuda” do modelo, quando traz como significado o comprometimento da
organização com a preservação da vida, a organização está produzindo
humanização a sua imagem. Afinal, só quem pode ajudar são as pessoas. Assim se
estabelece a noção de empresa parceira da sociedade, que implica ser competente,
ter o espírito de cooperação, ter ética e responsabilidade, atributos humanos.
Também essa categoria estratégica inclui a confiança, fator preponderante para a
legitimação organizacional (HALLIDAY, 1987). O discurso da sustentabilidade,
porém, não se resume a estratégia da utilidade com foco na ajuda, também se
encaixa nos outros temas como a compatibilidade e a transcendência.
A compatibilidade significa harmonizar os valores da organização com os
valores da sociedade, criando uma identificação entre ambos. Essa identificação é
uma tática discursiva da organização, que pretende construir associações positivas
com seus interlocutores. A explicar, identificação “[...] é um processo simbólico de
união através de semelhanças (de afiliação, idéias, passado comum, gostos, metas)
entre comunicador e cada membro do público, individualmente” (HALLIDAY, 1987,
p. 39).
Nesses casos, as organizações recorrem ao discurso da identificação como
elo corretivo, capaz de restabelecer a união com seus públicos de interesse. As
organizações conhecem bem o poder negativo dessa divisão, ou melhor, a
70
sociedade a acusa de ser a materialização do capitalismo, de se preocupar somente
com os lucros, de ser responsável pela destruição do meio ambiente e de não se
importar com as questões sociais. Diante disso, a organização põe em cena o
discurso da sustentabilidade com a tentativa de mudar tal percepção da sociedade a
seu respeito e dar uma resposta a esses questionamentos.
No entanto, apesar dessa tentativa, na maioria dos casos, a relação entre as
organizações e seus interlocutores é de desconfiança, tensão e muitas vezes de
conflito. Nessas circunstâncias, a estratégia discursiva de identificação passa a ser
imprescindível, em que as organizações se colocam discursivamente em bases de
igualdade de interesses com o outro. Como exemplos, citamos as máximas
“queremos a preservação das florestas”, “a água é essencial para nossa
sobrevivência”, “o desenvolvimento das pessoas é nosso maior interesse”, aspectos
ligados principalmente aos sentidos da sustentabilidade.
Para Halliday (1987), as empresas criam em seus discursos uma comunhão
de propósitos e interesses com seus públicos – o tipo de compatibilidade
legitimadora das organizações. Pela sua perspectiva teórica, o tema da
compatibilidade é desenvolvido pelo personagem compatriota/irmã em humanidade,
papel retórico talhado para dar a impressão de que “somos do mesmo tipo” ou
“estamos no mesmo barco”. O enunciado da sustentabilidade pretende
principalmente, no seu aspecto ambiental, criar compatibilidade com seus
interlocutores quando tenta levar o significado que para a sua sobrevivência
empresarial, e a sobrevivência do outro, todos precisam preservar “nossas” riquezas
naturais.
E o terceiro grande tema da estratégia discursiva organizacional é a
transcendência. Podemos entender que a transcendência está relacionada com um
ser divino, que ultrapassa a realidade com a qual mantém uma relação de
soberania, de superioridade em função de sua perfeição. Essa perspectiva está
presente na dialética que as organizações enfrentam, quais sejam: a imanência
caracterizada pela autoinclusão na sociedade e sua concretude existencial a partir
de um funcionamento interno; ela está na sociedade, ela é parte da sociedade, e sua
transcendência identificada pela sua relação com forças externas a ela e que a
fazem ir além do seu ser organizacional participando de um ambiente maior, o
cosmos (HALLIDAY, 1987).
71
Tal estratégia discursiva da transcendência aparece nos discursos das
organizações quando essas invocam nomes, crenças ou valores para justificar suas
ações. Por exemplo, a invocação da lei, da autoridade, da idade, dos métodos
científicos. A dialética aparece no momento em que as organizações empresariais
justificam suas ações, que implicam muitas vezes a destruição do meio ambiente, a
exploração dos recursos naturais em detrimento de toda uma comunidade, a
exploração da força de trabalho, em nome de: progresso, geração de riquezas para
a sociedade, do bem comum, e de um futuro melhor para a humanidade em um
discurso transcendente. Mantêm discursos como “nossa maior preocupação é a vida
no planeta”, “contribuímos com a escola e a banda de música da cidade – educação
e cultura são nossas prioridades”, “difundimos a educação ambiental”.
Dessa maneira, as organizações empresariais tentam minimizar a
ambiguidade, as dúvidas e as desconfianças dos seus interlocutores, buscando
reforçar a sua legitimidade. Podemos generalizar que o discurso da transcendência
surge toda vez que as organizações tentam afirmar que são mais que fornecedoras
de produtos e serviços. A transcendência, como tema discursivo, aparece também
nas alegações de utilidade e compatibilidade, quando as organizações ultrapassam
a própria natureza de negócios e apresentam nobres objetivos, como proteger o
meio ambiente, ajudar a comunidade, o planeta, assumindo, então, a persona
“encarregada de uma grande missão”, no caso da própria transcendência.
Nesse tema discursivo, observamos três tipos de transcendência: primeiro as
organizações transcendem o próprio ramo de negócios, como, por exemplo: “A
Samarco é muito mais que uma mineradora”; segundo, as organizações
transcendem seus objetivos egocêntricos, como “nossa missão é contribuir com o
desenvolvimento do Brasil”, e terceiro, transcendem o tempo, “trabalhamos
garantindo o futuro”.
Em síntese, percebemos, pelo modelo de Halliday (1987), que a legitimação
organizacional opera em vários níveis. O primeiro nível é a “legitimidade jurídica”,
que está baseada no tema discursivo da utilidade da organização empresarial
encarnando a personalidade, a imagem da parceira, mostrando-se companheira,
competente e cooperativa. Credenciais que tornam a organização persona grata à
sociedade. Esse tema discursivo, porém, não é suficiente para legitimá-la em outros
setores da sociedade, que não o jurídico; assim, ela precisa de temas discursivos
complementares.
72
O segundo nível é ocupado pela compatibilidade, esforço empreendido pelas
organizações para associar seus valores e crenças aos da sociedade. E, no terceiro
nível, vem a transcendência, relacionada às grandes invocações – o planeta, as
crianças, o futuro, enunciados ligados à ordem social e econômica da qual a
organização faz parte.
Assim, articulando os temas discursivos aos personagens assumidos pela
organização, chamados por Halliday (1987) de persona e entendidos por nós como
a “imagem pretendida”, vemos que as organizações empresariais assumem, ao
projetarem seus discursos em causa própria, ora uma personalidade/imagem da
parceira, ora uma “compatriota/irmã da humanidade”, ora “encarregada de uma
grande missão”, sempre com o objetivo de se legitimar diante da sociedade e dos
interlocutores conectados direta ou indiretamente a ela.
Todo esse conjunto de procedimentos e manobras enunciativas operado
pelas organizações afeta em particular a um grupo de sujeitos interlocutores, ou
seja, as comunidades que vivem em seu entorno. Isso acontece por duas razões.
Primeiramente, pela proximidade geográfica que engendra a vida das organizações
com a das comunidades, processo que promove um apagamento de fronteiras. Em
segundo lugar, e por consequência, essas comunidades são impactadas
diretamente pelas decisões da organização, tomadas em diversos campos, como
ambiental, trabalhista, sociocultural, político e econômico.
Todavia, considerando sempre a perspectiva que um discurso só se
concretiza na articulação entre a instância da produção e a da recepção (FAUSTO
NETO, 1992), a comunidade também afeta as organizações. Assim, pela lógica da
sociedade de consumo, tão presente na nossa contextualização social
contemporânea, podemos dizer que as organizações também são consumidoras de
discursos. A organização consome o discurso da mídia, que, por sua vez, consome
o da organização, que consome o das ONGs, que, por seu turno, consomem o das
comunidades, criando uma ciranda discursiva. Fato que evidencia a mudança de
lugar do discurso das organizações pertencentes ao tecido social na
contemporaneidade.
Sendo assim, nosso empenho é refletir sobre este sujeito social chamado
“comunidade”; como ele afeta discursivamente as organizações, e é afetado por ela,
como reconstrói os discursos das organizações, gerando novos sentidos, isso com
base na análise de um enunciado discursivo, em especial, a sustentabilidade.
73
3.3 O discurso da sustentabilidade como resposta à sociedade
Defendemos que o discurso da sustentabilidade é um discurso de resposta
social, tanto no sentido processual da midiatização como uma estratégia de
legitimação por parte das organizações através de uma “resposta” à sociedade
sobre o seu comportamento. Por essa razão, achamos relevante compreender como
esse enunciado surgiu na contemporaneidade. Para tanto, exploramos duas
perspectivas: a histórica por meio da análise do contexto socioeconômico cultural e
a discursiva por meio da análise comunicacional.
Iniciando pela perspectiva histórica, observamos que, até o início do século
XX, cabia às organizações, inclusive perante a legislação vigente, como seu único
propósito, a realização de lucros para seus acionistas; porém, após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), essa ideia começa a mudar. Em um momento de
franca expansão do capitalismo e crescimento das grandes organizações, que
ampliou seu poder na sociedade, diversas decisões judiciais americanas foram
favoráveis às empresas que fizeram investimentos em ações filantrópicas em outras
organizações, contrariando os interesses de grupos de acionistas. Um caso
emblemático foi à ação litigiosa da P. Smit Manufacturing Company contra Barlow,
em 1953, que, para Ashley (2006), fez surgir o debate público sobre a
responsabilidade social das organizações. O pivô da discussão foi uma doação do
presidente da empresa para a Universidade de Princeton, contrariando os interesses
dos acionistas. A interpretação da Suprema Corte de Nova Jersey foi favorável à
doação, considerando que uma organização pode buscar o desenvolvimento social,
estabelecendo, inclusive, leis que permitissem a filantropia.
Já para Duarte e Torres (2005), o discurso da responsabilidade social veio à
tona com a publicação do livro Social responsabilites of the businessman, de
Howard Bowen, de 1953. E, a partir da década de 1970, quando surgem
associações de profissionais interessados no tema, como Accouting Association e
American Institute of Certified Public Accountants, foi que o assunto ganha força e
se torna um campo de estudo.
A partir de então, considerando o contexto socioeconômico, e independente
do marco histórico, surgem na esfera pública defensores da ética e da
responsabilidade social nas organizações. O argumento foi que outras ações
74
sociais, além da filantropia, considerada como a doação e ajuda de caráter
assistencialista, seriam também legítimas, e que produtos ou atitudes nocivas ao
meio ambiente e ao homem deveriam ser modificados, independentemente dos
retornos financeiros aos acionistas.
No entanto, o discurso da responsabilidade social das organizações não
encontrou unanimidade na sociedade, ou seja, é um discurso caracterizado por uma
polifonia de vozes. Há os que são abertamente contra, como Milton
Friedman,(MACHADO,2006) ícone do neoliberalismo, doutrina econômica que
defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal
sobre a economia. Essa doutrina apóia ideias de individualismo, competição,
eficiência, privatização, abertura de mercados, desregulamentação e espírito
empresarial. Em seu célebre artigo publicado no The New York Times Magazine, em
13 de setembro de 1970, Friedman, declara que a única responsabilidade social das
organizações é maximizar os lucros para os acionistas e ter obediência às leis.
Existem os críticos como Roman (2004), que defendem que a responsabilidade com
o campo social é, a priori, do setor público. E afirma que foi o esvaziamento do papel
do Estado promovido pelo neoliberalismo que o desobrigou da responsabilidade de
programas sociais, empurrando essa obrigação para os setores privados, como as
organizações empresariais.
Os governos nacionais, instâncias representativas da sociedade,
desobrigaram-se da responsabilidade pela implementação de programas
sociais, até mesmo por falta de condições políticas, financeiras e técnicas,
reafirmando a pregação neoliberal da incompetência estatal. A
Responsabilidade Social deve ser compreendida como parte da articulação
das forças econômicas neoliberais que buscam amenizar os flagelos que
elas mesmas criaram. RS é, portanto, em um primeiro momento, alívio para
a consciência pesada das empresas. Em um segundo momento, porém,
deve ser incorporada às estratégias das empresas e aos seus valores
organizacionais, pois é uma das possibilidades de sobrevivência do
capitalismo em sua versão contemporânea (ROMAN, 2004, p. 37).
Esses, entre outros defensores da visão clássica da responsabilidade social,
são conscientes da importância dos empregados, dos consumidores, entre outros
sujeitos para os negócios; o que negam é o fato de as organizações serem
moralmente obrigadas a agir ou deixar de agir em função dos impactos que causam
à sociedade. No entanto, essa visão se mostra ultrapassada e insuficiente para dar
conta da relação das organizações com a sociedade na atualidade, e o que não
faltam são críticas à posição de Friedman. Em uma perspectiva contemporânea,
75
entendemos que, como sujeitos sociais, as organizações estão inseridas na
sociedade, conectadas aos seus problemas, em um movimento de recíproca
afetação; portanto, tem suas responsabilidades com as questões sociais em um
sentido de compartilhamento e interação, e não só por causalidade, em função das
suas operações e dos efeitos advindos delas.
A partir dos anos 1990, vários fatores incrementaram a discussão sobre a
ética e a responsabilidade social das organizações, empurrando o discurso para
uma direção menos econômica e mais antropológica. Por pressão da sociedade, as
organizações saíram de um papel paternalista e filantrópico em relação às questões
socioculturais, tendo que se deslocar para uma posição de interação discursiva com
a sociedade e suas questões, não só objetivas, mas também subjetivas. Um dos
efeitos dessas mudanças foi a criação do Instituto Ethos de Empresas e
Responsabilidade Social, considerado um marco histórico no debate sobre a
responsabilidade social no Brasil.
Organização não governamental, o Instituto Ethos declara ter por objetivo a
ampliação do movimento de Responsabilidade Social Empresarial (RSE) na
sociedade brasileira, o aprofundamento das práticas sociais e a criação de
indicadores para sua avaliação. Entre suas competências, estão: a publicação de
produtos mediáticos como balanços sociais e de sustentabilidade, o
desenvolvimento de critérios de investimentos socialmente responsáveis, a criação e
articulação do movimento de responsabilidade social com políticas públicas e o
desenvolvimento de regulamentações legais.
Outro fato relevante que denota a necessidade de mudança de
comportamento das organizações foi a introdução, em 1999, pela Bolsa de Valores
de São Paulo (Bovespa) do discurso da governança corporativa, isto é, um conjunto
de normas de conduta para as empresas com o objetivo de melhorar sua relação
com os investidores e consequentemente com o mercado. Foram criados dois níveis
de governança, de acordo com o comprometimento da organização. No nível um, as
organizações se comprometem com a melhor prestação de contas ao mercado; no
nível dois, além de cumprir as exigências do nível um, adotam práticas de
governança e direitos adicionais para acionistas minoritários.
Como bem disse Drucker (1999):
76
A sociedade de organizações, a sociedade do conhecimento, exige uma
organização baseada na responsabilidade. [...] As organizações precisam
assumir a responsabilidade pelo limite do seu poder, isto é, pelo ponto no
qual o exercício de suas funções deixa de ser legitimo. As organizações
precisam assumir a ‘responsabilidade social’ (DRUCKER, 1999, p. 87).
Assim, temos alguns significados do enunciado da responsabilidade social e
da ética nas organizações, acreditando que um está interligado ao outro, uma vez
que a ética é um elemento imprescindível para a existência da responsabilidade
social. O conceito de ética é complexo e se estende para várias situações,
dependendo na maioria das vezes dos aspectos culturais nos quais o sujeito está
inserido. Escolhemos o ponto de vista de Trasferetti (2006), em que o princípio
fundamental que constitui a ética é o outro, um sujeito de direitos que deve ter sua
vida tão digna quanto a nossa deve ser, por entender que esse princípio deve ser
norteador da relação entre as organizações e a sociedade. No entanto, Duarte e
Torres (2005, p. 30) nos lembram que “[...] a ética empresarial não consiste somente
no conhecimento da ética, mas em sua prática. E esse praticar concretiza-se no
campo da atuação diária e não apenas em ocasiões geradoras de conflitos de
valores”.
Tanto o enunciado da ética como o da responsabilidade social, como
discursos organizacionais, carregam vários sentidos e dependem de várias
condições e atitudes para que ganhem legitimidade perante a sociedade. Para que
seja considerada responsável socialmente, a organização deve, por exemplo,
defender e praticar a liberdade de expressão, dar cristalinidade as suas informações,
praticar a ética na conduta do negócio, preservar o meio ambiente e os recursos
naturais, fornecer condições ideais de trabalho para os funcionários, buscar
excelência na fabricação de produtos.
Segundo Duarte e Torres (2005, p. 29):
A responsabilidade social surge como resgate da função social da empresa,
cujo objetivo principal é promover o desenvolvimento humano sustentável,
que atualmente transcende o aspecto ambiental e se estende por outras
áreas (social, cultural, econômica, política), e tentar superar a distância
entre o social e o econômico, obrigando as empresas a repensar seu papel
e a forma de conduzir seus negócios.
É bom reforçar que as organizações resolveram aderir ao discurso da
responsabilidade social e da ética muito em função da pressão da sociedade através
dos consumidores, cada vez mais cidadãos nas suas escolhas, da pressão de
77
ONGs, de movimentos sociais, tanto em âmbito local como global. E também por
perceberem que, se não aderissem, os prejuízos seriam enormes não só para a sua
reputação, mas também para os seus negócios. No entanto, é importante ressaltar
que essa postura não foi, e ainda não é, linear, homogênea. Existem muitas
organizações que se utilizam de práticas discursivas monológicas, materializadas
em ações de doação e patrocínio, caracterizando a intenção unidirecional e
transmissiva no seu processo comunicacional com a sociedade.
Entretanto, o tema da responsabilidade social ganha espaço nas
universidades, e estudiosos dos campos da administração e estudos organizacionais
desenvolvem alguns modelos na intenção de criar condições de análise para se
pensar a responsabilidade social. Destacamos o de Logsdon & Yuthas,
12
citado por
Ashley (2006), cujo modelo é centrado nos estágios em que cada organização está
em relação à responsabilidade social. Tal modelo propõe três tipos de abordagem
para uma análise da responsabilidade social e da ética nas organizações: a pré-
convencional, a convencional e a pós-convencional.
A ênfase da abordagem pré-convencional está no próprio sujeito, ou melhor,
na própria organização. Nesse estágio, a organização apresenta uma gestão voltada
apenas para os lucros. Os “outros” são apenas um instrumento para a organização
chegar aonde deseja e obter mais resultados.
Na abordagem convencional, o foco são as “obrigações” para com os outros,
voltados essencialmente para os públicos externos restritos ao mercado, como
acionistas, sistemas financeiros, clientes e empregados. A relação com os sujeitos é
baseada apenas no que a lei exige.
Já na abordagem pós-convencional, internaliza-se o respeito pelos outros e a
obrigação de gerar bem-estar; abre-se a faixa de públicos de interesse da
organização a ser atendidos, como, por exemplo, as comunidades vizinhas, os
grupos ambientalistas, as agências governamentais. Em vez de um controle social
que varia de ambiente para ambiente, os princípios éticos utilizados no processo
decisório são universais. “[...] este conceito de responsabilidade social requer, como
premissa [...] um novo conceito de empresa e, assim um novo modelo mental de
relações sociais, econômicas e políticas” (ASHLEY, 2006, p. 55).
12
LOGSDON, Jeanne M.; YUTHAS, Krist. Corporate social performance, stakeholder orientation and
organizational moral development. Journal of Business Ethics, Dordrecht, v. 16, n. 2-13, p. 1213-1226, Sept.
1997.
78
Por essa perspectiva, observamos que as organizações estão em estágios
diferentes, muitas se utilizam estrategicamente do discurso da responsabilidade
social como instrumento de promoção de sua imagem e busca de legitimidade
social; outras ainda confundem “responsabilidade social” com “caridade” e
“filantropia”. Para essas, a ética serve apenas como instrumento de regulação, para
conduzir a relação da organização com seus funcionários. Um enunciado que expõe
esse comportamento normatizador e autoritarista das organizações é o “manda
quem pode, obedece quem tem juízo”, muito utilizado por funcionários que se
sentem coagidos.
No entanto, apesar das diferenças de estágios, a responsabilidade social
ocupou a agenda das organizações e se tornou uma exigência da sociedade. Na
esteira das cobranças sociais, ganha força as preocupações ambientais. O consumo
exacerbado, impulsionado pelo “turbocapitalismo”, trouxe severos impactos sobre a
natureza, como o desgaste dos recursos naturais; o aumento da poluição, que
ocasiona o aquecimento global; a escassez de água, entre outras questões de
ordem da sobrevivência planetária. “[...] a degradação ambiental se manifesta como
sintoma de uma crise de civilização, marcada pelo modelo de modernidade regido
pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica sobre a organização da
natureza” (LEFF, 2001, p. 8).
É nesse ambiente que surge o discurso da sustentabilidade. Alguns autores,
entre eles Capra (2005), Kunsch (2007) e Baldissera (2009), dizem que o termo
surgiu na década de 1970, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente, realizada em junho de 1972, em Estocolmo, Suécia. À época, porém, o
enunciado guardava significado estritamente ambiental. Tal como é conhecido hoje,
o conceito de “sustentabilidade”
13
como a preocupação com a perenidade dos
13
Define-se por “sustentabilidade” um modelo econômico, político, social, cultural e ambiental equilibrado, que
satisfaça às necessidades das gerações atuais, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer
as próprias necessidades:
Sustentabilidade Ecológica o uso dos recursos naturais deve minimizar danos aos sistemas de
sustentação da vida: redução dos resíduos tóxicos e da poluição, reciclagem de materiais e energia,
conservação, tecnologias limpas e de maior eficiência e regras para uma adequada proteção ambiental;
Sustentabilidade Cultural – respeito aos diferentes valores entre os povos e incentivo a processos de
mudança que acolham as especificidades locais;
Sustentabilidade Espacial – equilíbrio entre o rural e o urbano, equilíbrio de migrações,
desconcentração das metrópoles, adoção de práticas agrícolas mais inteligentes e não agressivas à saúde
e ao ambiente, manejo sustentado das florestas e industrialização descentralizada;
Sustentabilidade Política – no caso do Brasil, a evolução da democracia representativa para sistemas
descentralizados e participativos, construção de espaços públicos comunitários, maior autonomia dos
governos locais e descentralização da gestão de recursos;
79
recursos naturais para as gerações futuras, considerando as esferas sociais,
econômicas e ambientais, só foi disseminado depois da publicação do relatório
“Nosso Futuro Comum” pela Comissão para Meio Ambiente da Organização das
Nações Unidas (ONU), em 1987. O documento foi batizado por “Relatório
Brundtland” em homenagem à sua coordenadora e ex- primeira ministra da
Noruega, Gro Brundtland.
Também contribuíram para a disseminação do conceito, a agenda 21,
documento consensual para o qual contribuíram governos e instituições da
sociedade civil de 179 países num processo preparatório que durou dois anos e
culminou com a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, no Rio de Janeiro, também conhecida por
ECO-92. A criação da consultoria SustainAbility, na Inglaterra também é considerada
um marco importante na divulgação deste conceito(GAZETA MERCANTIL,
22/4/2008). Dessa maneira, o discurso da sustentabilidade expandiu o discurso da
responsabilidade social organizacional, agregando outros sentidos a ele. Sendo o
principal deles a preocupação com a manutenção dos ecossistemas, que preservam
as principais condições de vida para o presente e para as gerações futuras do
homem e do planeta.
Assim, em meados do século XX, a sustentabilidade ganha força discursiva e
passa a ocupar a agenda dos meios de comunicação, das organizações, do campo
político e da esfera pública – bares, praças, permitindo uma polissemia. Para Leff
(2001), o termo apresenta dois significados, porém, numa mesma perspectiva, a
econômica. Um que considera as condições ecológicas do processo econômico, e o
outro, que implica dar durabilidade ao processo econômico. Nesse sentido, o autor
conclui que a sustentabilidade ecológica constitui uma condição da sustentabilidade
econômica.
Diferentemente, Capra (2005), abrindo a percepção para outros aspectos do
enunciado e considerando a sua interdisciplinaridade, já que a sustentabilidade
abarca vários campos de conhecimento, como o biológico, o cultural, o ecológico, o
cognitivo e o social, desenvolve um pensamento sistêmico que integra todas essas
dimensões. No entendimento do autor, há uma conexão entre todas as formas de
Sustentabilidade Ambiental – conservação geográfica, equilíbrio de ecossistemas,
erradicação da pobreza e da exclusão, respeito aos direitos humanos e integração social. Abarca todas as
dimensões anteriores através de processos complexos.
80
vida, desde as células mais primitivas até as sociedades humanas com suas
empresas, estados e economias e demonstra que há um padrão nessas formas de
organização, o padrão em rede. Todos são moradores da “casa-Terra”, e os
homens, assim como os demais moradores, os animais, as plantas e os
microorganismos, têm de cuidar dela, afinal formam a “teia da vida”. A definição de
“sociedade sustentável” conhecida como a que tem capacidade de satisfazer suas
necessidades sem comprometer as chances de sobrevivência das gerações futuras
de Brown
14
citado por CAPRA (2005) para o autor não ajuda muito a nos dizer como
construí-la e aponta uma saída.
A chave de uma definição operativa de sustentabilidade ecológica é a
percepção de que nós não precisamos inventar comunidades humanas
sustentáveis a partir do nada; podemos moldá-las segundo os ecossistemas
naturais, que são comunidades sustentáveis vegetais, animais e de
microorganismos
. Como a característica mais marcante da ‘casa-Terra’ é a
sua capacidade intrínseca de sustentar a vida, uma comunidade humana
sustentável tem de ser feita de tal maneira que seus modos de vida,
negócios, economia, estruturas físicas e tecnologia não prejudiquem a
capacidade da natureza de sustentar a vida (CAPRA, 2005, p. 238).
As “comunidades sustentáveis” desenvolvem seu estilo de vida na interação
contínua com os outros sistemas vivos, conectados em rede, perspectiva que nos
leva a crer que a sustentabilidade é móvel, construída dia após dia, por meio de um
processo dinâmico de coevolução entre esses sistemas.
Partindo para a perspectiva comunicacional discursiva do enunciado da
sustentabilidade, defendemos que ela é tão importante quanto a perspectiva
conceitual histórica, uma vez que a comunicação apresenta-se fundante na
construção de sentidos nas redes sociais de significação. Há uma explicação: para
que possa ser adotado e vivido pela sociedade, o discurso da sustentabilidade em
sua complexidade deve ser apropriado e/ou ressignificado ou mesmo refutado,
considerando os sistemas de interpretação de cada sujeito individual e coletivo com
os seus devidos quadros referenciais, para ser, então, reconhecido como algo que
possa ser colocado em prática.
Nessa perspectiva conceitual discursiva, Baldissera (2009, p. 5) observa que
há um deslizamento do paradigma econômico consumista para o comunicacional
discursivo da sustentabilidade. No entanto, acrescentamos à sua percepção a
14
BROWN, Lester. Building a sustainable society. Norton: New York, 1981.
81
importância da perspectiva comunicacional na construção de sentidos do termo,
independentemente em qual paradigma se assente. Assim, questionamos: qual a
teia de sentidos emerge do discurso da sustentabilidade? Quais os sentidos
pretendidos pela organização? E, para a comunidade, quais os sentidos por ela
construídos?
No começo, o discurso da sustentabilidade, assim como o da
responsabilidade social, era visto pelas organizações como utópico, ingênuo e
divergente da lógica do lucro empresarial. Hoje, no entanto, as organizações
recorrem a ele para conferir legitimidade as suas atividades, para cuidar da sua
reputação, gerar capital simbólico, neutralizar os questionamentos sociais e dar
outro significado aos seus negócios. Isso porque o mercado está muito mais
competitivo e é regulado por critérios cada vez menos financeiros e mais subjetivos.
Pela perspectiva da relação das organizações com as comunidades do seu
entorno, entendemos que o discurso da sustentabilidade é um dispositivo com dupla
finalidade: de interação,
15
já que ele propicia um espaço para o diálogo entre os
sujeitos, na medida em que serve a questionamentos, cobranças e gera
possibilidades de encontros e trocas. E de poder, usado para inculcar e manipular o
receptor através de um significado preconcebido pelas organizações e também é um
dispositivo que promove saber e subjetividade. Contudo, essas finalidades não estão
em polos diferentes, seguindo caminhos paralelos; elas se entrecruzam, imbricam-se
e se separam num movimento discursivo flexível, poroso, comandado pelos
interesses estratégicos de cada um.
Antes de aprofundarmos nas duas finalidades e seus efeitos, é preciso
entender o que é “dispositivo”. Para isso, buscamos por afinidade o conceito de
Deleuze (1990), que compara o dispositivo a um novelo composto de muitas linhas
de natureza diferente. Todavia, essas linhas não incluem linearmente os sistemas
como o objeto, o sujeito e a linguagem, mas seguem direção diferente, formando
processos em desequilíbrio, aproximando e se afastando uma da outra. Segundo o
autor, “os objetos visíveis, as enunciações formuláveis, as forças em exercício, os
sujeitos numa determinada posição, são como vetores ou tensores” (DELEUZE,
1990, p.155). Os dispositivos têm como componentes linhas de força, linhas de
visibilidade, de subjetivação, linhas de enunciação, linhas de fissura, de fratura que
15
É importante ressaltar que a interação a que nos referimos não pressupõe, a priori, o entendimento
entre os sujeitos envolvidos, mas promove as condições para uma negociação discursiva.
82
se cruzam e se misturam. Percebemos essas linhas, muito presentes no discurso da
sustentabilidade, que permeia a relação entre as organizações e a comunidade do
entorno, compondo um sistema relacional reticular.
O discurso da sustentabilidade, como dispositivo de interação entre
comunidades e organizações, exige pensar a interação como um tipo de relação
social que passa a ser uma chave que abre a perspectiva de troca, de entendimento
ou no mínimo de negociação entre esses sujeitos.
Para Mead (1934),
16
a interação é um processo de ação reciprocamente
referenciado. Ao mostrar a sociedade formada por um conjunto de interação, o autor
chama a atenção para essa dinâmica e o movimento da realidade social nos
momentos em que os sujeitos entram em interação, em comunicação. Bakhtin (apud
BRAIT, 2008) parece exemplificar esse conceito, quando diz que “só me torno eu,
entre outros eus” e que o sujeito, mesmo sendo definido a partir do outro, também o
define. É o “outro” do outro. Essa noção bakhtiniana
17
de sujeito implica pensar
também o contexto onde se dá a interação, considerando tanto o princípio dialógico,
que segue a direção do interdiscurso, constitutivo do discurso, como os elementos
sociais, históricos, culturais que configuram esse “lugar” onde estão inseridos. Os
sujeitos não são fantoches das relações sociais, mas agentes organizadores de
discursos, e é na troca, nas interações entre os “eus” que nascem e são construídos
os sentidos.
Já a sustentabilidade como dispositivo de poder nos permite dividir o
enunciado em duas medidas. Uma, no sentido coercitivo, em que a organização
fornece um significado fechado, na intenção de inculcá-lo e manipulá-lo, com o
objetivo de obter o controle da relação com as comunidades do entorno. Outra
medida é o enunciado ser gerador de saberes e de novos discursos, que
consequentemente propiciam a interação, promovendo aí o entrelaçamento da sua
finalidade na estratégia discursiva das organizações e comunidades do entorno.
Apesar da tentativa da organização de determinar o significado, isso não se efetiva,
visto que a comunidade recria e ressignifica os sentidos da sustentabilidade,
tornando-o, entre outras manobras enunciativas, um instrumento estratégico de
negociação discursiva.
16
G. H. Mead, nascido em 1863, Massachusetts, estudou filosofia nos EUA e na Alemanha. Iniciou
sua carreira acadêmica como professor na Universidade de Michigan, em 1891, transferindo-se em
1894 para a recém-criada Universidade de Chicago, onde permaneceu até a sua morte (1931).
83
Fausto Neto (1992) lembra que não há garantias sobre o que a recepção faz
com os discursos que lhe são endereçados, como ela vai se apropriar deles. E que
os efeitos de sentido não estão no discurso em si, mas justamente na articulação
entre a emissão e a recepção. Portanto “[...] a recepção não é apenas uma
elaboração sociológica. Ela é construída já no interior do próprio processo
discursivo, através de múltiplas operações articuladas através de processos da
própria linguagem” (FAUSTO NETO, 1992, p. 61).
Essa articulação, no caso da relação entre organizações e comunidades, dá-
se principalmente pela tensão e interação, que, mediadas pela linguagem, instauram
um processo comunicativo. A comunidade ou se apropria do discurso elaborado pela
organização, ou o aproveita ou ainda o refuta de acordo com seus interesses e
necessidades, utilizando-o de diversas maneiras. Se a organização está gerando
poluição, do ar ou sonora ou da água, na sua cidade ou bairro, ela questiona ou
refuta o fato de a organização se “vender” como sustentável. Se ela precisa de apoio
e recursos para implantação de ações, eventos, seja de cunho social, seja de cunho
cultural, ela retira do discurso da sustentabilidade o apelo à equidade social, o
desenvolvimento humano, entre outros sentidos. O reconhecimento recíproco dos
sujeitos – Samarco e comunidade do seu entorno –, envolvidos nessa interação
comunicativa e dos elementos que a compõem, juntamente com o contexto onde se
realiza, resulta em um “contrato de comunicação” entre eles (CHARAUDEAU, 2007).
Esses dispositivos de interação e poder que constituem o discurso são
influenciados diretamente pelo contexto onde são produzidos. Assim, para
entendermos como o discurso da sustentabilidade institui-se como uma conexão
entre os sujeitos, é essencial considerarmos também o contexto onde se dá essa
interação, a priori, em Antônio Pereira. Conformado por um sistema de valores
próprios, culturais, históricos, sociais e políticos, ele influencia de forma
determinante a produção discursiva. Pinto (2008, p. 83) até ressalta que “o processo
interpretativo tem que levar em conta aonde o sentido irá se produzir, porque ele é
um ser do futuro, um vir-a-ser [...] O significado produzido em um contexto é um
sentido”.
Charaudeau (2006) também acredita que o contexto, com suas
especificidades, influencia definitivamente na construção do discurso e aponta a
existência de um quadro de referência, que pode ser entendido como um lugar
simbólico, em que são constituídas normas e convenções do comportamento
84
linguageiro de determinada comunidade e, ao mesmo tempo, onde são
estabelecidas, tacitamente, restrições. Presentes nas relações humanas, no tempo,
e até mesmo no uso das palavras, essas restrições, entre outros componentes,
conformam um contexto próprio, que referencia os atos discursivos dos sujeitos e
suas trocas comunicativas e podem caracterizar também a relação entre a
organização e a comunidade do entorno.
Portanto, essa reciprocidade que se dá a partir de uma vinculação
incondicional entre esses dois sujeitos nos leva a crer que existe um “contrato de
comunicação” entre eles, e que o processo de interação estabelecido é mediado
pelo discurso da sustentabilidade.
Assim, nossa missão no terceiro capítulo é analisar a interação destes dois
sujeitos, específicos, a Samarco e a comunidade do seu entorno, localizada em
Antônio Pereira, distrito de Ouro Preto, em Minas Gerais. E, a partir daí, avaliar qual
o contrato de comunicação foi instituído por eles, como o enunciado da
sustentabilidade media e suas relações, quais os sentidos mobilizados por cada
sujeito. Como produzem os seus discursos? Em que circunstâncias? De que forma
se utilizam desses dispositivos para se interagir? Quais os sentidos criados pela
recepção? Essas são perguntas que nos movem em direção a análise de discursos.
85
4 O DISCURSO DOS SUJEITOS
Tendo em mão o material coletado, partimos para o terceiro passo da
dissertação, ou seja, analisar esse, observando como foi construído o discurso da
sustentabilidade e os diversos sentidos produzidos pelos sujeitos. Pretendemos
perceber como os moradores da comunidade de Antônio Pereira, entrevistados,
constroem sentido a partir de uma enunciação emitida pela organização, qual seja: a
sustentabilidade. Para tal, apresentamos neste capítulo a metodologia que nos
serviu de instrumento analítico e os resultados das análises.
Entendendo que o contexto no qual estão inseridos os sujeitos em relação é
um componente essencial na construção de sentidos, apresentamos um breve
histórico da Samarco e do distrito de Antônio Pereira para, em seguida,
conhecermos as estratégias enunciativas da organização em torno da
sustentabilidade e os sentidos que são produzidos pela comunidade tendo em vista
sua recepção.
Portanto, o objeto empírico deste estudo se constitui pela análise dos
processos comunicacionais, pautados pelo discurso da sustentabilidade e os
sentidos que estão inseridos neles. Desta forma, é importante percebermos como
esse discurso, tão presente na contemporaneidade, é talhado estrategicamente pela
organização e como ele funciona na interlocução com a comunidade. Do mesmo
modo, pretendemos verificar como esse grupo de interlocutores recebe tal discurso
e o que faz com ele a partir daí.
4.1 Procedimentos metodológicos
No desenvolvimento da pesquisa, adotamos um conjunto de procedimentos
metodológicos na busca de garantir organicidade e consistência científica às suas
diversas fases de produção. Percebemos que seria a articulação dos procedimentos
que iriam nos auxiliar a cumprir nosso objetivo de investigar os fenômenos de
apropriação, refutação e ressignificação constituintes da construção de sentidos no
86
processo comunicativo estabelecido entre a Samarco Mineração e a comunidade de
Antônio Pereira, com base na análise da enunciação discursiva da sustentabilidade.
Alicerçadas no método do Estudo de Caso, as análises nos permitiram traçar
perspectivas acadêmicas acerca das noções do discurso organizacional da
sustentabilidade e a construção de sentido que é gerado a partir dele. Considerando
que o Estudo de Caso foi a bússola que orientou todo o percurso metodológico, e a
análise de discurso foi a técnica utilizada para analisar o material coletado, achamos
relevante descrever de forma breve o método e como utilizamos suas técnicas de
análise. Apresentamos, portanto, algumas definições do Estudo de Caso que
justificam a nossa escolha e as bases metodológicas para a análise de discurso.
Para isso, descrevemos, com base no modelo de Charaudeau (2007), como o
discurso é constituído, quais os elementos que o compõem, como esses elementos
internos e externos, como, por exemplo, o contexto no qual estão inseridos esses dois
sujeitos sociais, interferem na interpretação e na produção de sentidos e instituem o
“contrato” que se estabelece entre eles e o modo de organização do discurso.
Contribuindo com essa perspectiva, Verón (2004, p. 217) esclarece que o dispositivo
da enunciação comporta tanto o “lugar” do enunciador, no caso a Samarco, quanto o
“lugar” do destinatário (maneira como o enunciador define seu interlocutor), a
comunidade do entorno, neste estudo os moradores do distrito de Antônio Pereira.
Esse dispositivo ainda promove a relação entre eles, definida como um tipo de
contrato proposto no e pelo discurso.
Na visão de Charaudeau (2007), esse contrato é estabelecido também pela
situação de comunicação e de lugares onde enunciadores e destinatários se
reportam, referenciam-se. Tal quadro de referências é onde se determinam as
condições da troca linguageira que compõe esse “acordo prévio”, que é o contrato de
comunicação que as partes estabelecem tacitamente entre si. Esse ambiente em que
se travam os jogos discursivos, baseado nesse quadro referencial e o “contrato”, é da
ordem do simbólico e fornece material linguístico e ideológico dos discursos nele
desenvolvidos.
Partiremos da análise do discurso da sustentabilidade da organização,
elemento importante no contrato comunicacional estabelecido entre os sujeitos,
utilizando o modelo proposto por Halliday (1987), explicado no segundo capítulo.
Posteriormente, analisaremos os sentidos que a comunidade cria a partir dele,
87
observando os pontos de encontro e desencontro que compõem esse jogo discursivo
presente na interação entre eles.
4.1.1 O Estudo de Caso e os instrumentos de análise
O método proposto para esta pesquisa, dada a sua natureza exploratória e a
singularidade do objeto, dos sujeitos e sua interação discursiva, é o Estudo de caso,
que conjugou diversos procedimentos metodológicos, como pesquisa bibliográfica e
documental, observação não participante, entrevista em profundidade e a análise de
discurso usada para a avaliação do material coletado.
O estudo de caso é uma inquirição empírica que investiga um fenômeno
contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre
o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes
de evidência são utilizadas (YIN apud DUARTE,
18
2005, p. 216).
Esse método, muito utilizado nas Ciências Sociais, foi o escolhido por ter
características que atendem a algumas premissas básicas da investigação e análise
do objeto de pesquisa, entre elas sua natureza qualitativa. É um sistema aberto e
flexível de pesquisa, pertinente para o estudo em um contexto real e de
complexidade, e também fornece um bom conjunto de recursos instrumentais para
uma investigação de campo.
Portanto, adotamos tal método por entendermos que o Estudo de Caso é
capaz de lidar com uma grande variedade de evidências; assim, foi constituído um
corpus composto de: observação direta na Samarco e na comunidade, entrevistas
em profundidade, análises de documentos, registros em arquivos. O primeiro passo
metodológico se deu pela observação direta e teve como objetivo obter informações,
impressões, ou seja, direcionamento para o estudo da comunidade de Antônio
Pereira e o discurso da sustentabilidade enunciado pela organização. Também nos
ajudou a buscar uma caracterização do contexto sociocultural onde estão inseridos
os sujeitos.
18
YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.
88
Esse instrumento foi relevante no processo metodológico da pesquisa, já que
o Estudo de Caso propõe-se à análise de uma realidade específica. Lopes (2005, p.
42) reconhece que as operações envolvidas nessa fase visam à “reconstrução
empírica da realidade, isto é, visam coletar e reunir evidências concretas capazes de
reproduzir os fenômenos em estudo no que eles têm de essenciais”.
A autora chama a atenção para o fato de que o momento da observação é
justamente a fase em que a ruptura epistemológica deve ser realizada na prática e
faz um alerta:
A realidade não é suscetível de apreensão imediata, e sua reprodução
exige atividades intelectuais complexas; o importante não é o que se vê,
mas o que se vê com método, pois o investigador pode ver muito e
identificar pouco e pode ver apenas o que confirma suas concepções
(LOPES, 2005, p. 143).
Assim, fizemos dez visitas ao distrito de Antônio Pereira, no período de julho
de 2009 a junho de 2010, observando o modo de vida da comunidade, as suas
relações, crenças, linguagem, etc. Nesse total, inclui uma visita a diversos setores
da Samarco, o que nos permitiu tecer algumas percepções da realidade da
organização. Esses dados foram fundamentais para a construção da realidade
empírica pesquisada, tendo como base o corpus teórico definido para esta análise.
Em um segundo passo, associamos as visitas às entrevistas em
profundidade. Realizamos, por meio de roteiros previamente elaborados, 28
entrevistas individuais, divididas em dois grupos para efeito de análise. As lideranças
e os moradores da comunidade formaram um grupo, e os participantes de dois
projetos sociais – Associação Arte Mãos e Flores e Associação Musical Nossa
Senhora da Conceição – constituíram um segundo grupo.
Essa distinção procurou obter a diversidade de fontes com diferentes vínculos
à organização. O objetivo foi avaliar a percepção de diferentes grupos da
comunidade, os quais possuem relação distinta com a organização, justamente para
podermos avaliar como os sentidos são produzidos tendo em vista contextos e
realidades diferentes em relação à mesma organização.
No que diz respeito à organização, entrevistamos a analista de
Relacionamento com a Comunidade, Ana Clímaco Heineck, e analisamos os
Relatórios Sociais de 2007 e de 2008 produzidos pela organização, material
bastante rico de informação.
89
A documentação e a coleta de informações foram feitas a partir do
levantamento de registros em arquivos, levantamento de relatórios, projetos,
reuniões e outros tipos de documento que registraram o histórico da Samarco
Mineração no distrito de Antônio Pereira, mantendo o foco no discurso da
sustentabilidade e os significados que lhes são atribuídos pela organização.
De acordo com Duarte (2005, p. 230), “o uso de informações documentais é
essencial para confirmar e valorizar as evidências encontradas em outras fontes,
como conferir nomes, datas, fazer inferências, confrontar dados contraditórios”.
Utilizando a fonte citada, foi-nos possível coletar dados sobre os projetos sociais
desenvolvidos pela comunidade (planejamento e ações), pesquisas realizadas com
esse segmento que respaldam o processo, além de outras formas de registro que se
mostraram relevantes para avaliação.
Os documentos escolhidos para análise do discurso da sustentabilidade
enunciado pela Samarco foram o Relatório Social de 2007 e de 2008; três edições
do jornal Lado a Lado, direcionado para a comunidade; e o website institucional da
organização. Também foram examinados os projetos elaborados pela Associação
Arte Mãos e Flores e pela Associação Musical Nossa Senhora da Conceição com o
intuito de buscar patrocínio na Samarco por consideramos que eles apresentam
importante discurso dirigido à organização, instrumento de interlocução entre os dois
sujeitos. Esse número de entrevistas mostrou-se suficiente, já que o objetivo
proposto com a pesquisa é a identificação de um padrão de percepção e leitura que
as pessoas da comunidade fazem baseando-se no discurso elaborado pela
organização, e não “testar hipóteses, dar tratamento estatístico às informações,
definir a amplitude ou quantidade de um fenômeno” (DUARTE; BARROS, 2005, p.
63). A maior parte das entrevistas foi gravada, e algumas delas foram selecionadas,
tendo partes transcritas por sua relevante contribuição.
Depois de realizados esses procedimentos, em um terceiro passo, foram
feitas análises das estratégias do discurso da organização, tendo como base o
modelo de Halliday (1987), que analisa comparativamente o discurso emitido pela
organização e sua recepção pela comunidade. Isso possibilita-nos observar a
diferença de sentido estabelecido, os pontos em comum, as estratégias discursivas
utilizadas, os encontros e desencontros existentes em um contrato de comunicação.
Entendemos que o discurso não é composto apenas de signos, mas também
de sistemas de valores que comandam o uso desses em circunstâncias específicas
90
presentes em um contexto conformador do discurso, bem como é elemento definidor
na construção de sentido. Assim, no próximo item, apresentamos a Samarco,
enunciador do discurso da sustentabilidade e, em seguida, o distrito de Antônio
Pereira, onde se insere o nosso receptor, isto é, a comunidade.
4.2 A Samarco
A Samarco é uma organização empresarial de capital fechado, inaugurada
em 1977, que atua com mineração de minério de ferro e seu beneficiamento.
Presidida por José Tadeu de Moraes desde 2003, possui dois acionistas, a BHP
Billiton, empresa de origem anglo-australiana, considerada a maior mineradora do
mundo, e a Vale, de origem brasileira, considerada líder mundial de produção e
exportação de minério de ferro, cada uma com 50% das ações da Samarco. Com
sede em Belo Horizonte, a Samarco opera tanto em Minas Gerais – Mina Germano
e Complexo Alegria, no município de Ouro Preto – quanto no Espírito Santo – Mina
de Ubu, Estado onde também mantém um escritório.
Figura 1: Divisão acionária da Samarco (SAMARCO, 2007)
Podemos afirmar que a Samarco é uma empresa de grande porte e de perfil
globalizado. Os números são indicadores dessa realidade, a saber: a organização é
formada por duas usinas de concentração nas Minas de Germano e Alegria, dois
minerodutos, três usinas de pelotização. No Espírito Santo, mantém um terminal
marítimo em Ponta Ubu, utilizado para exportação de toda a sua produção, em torno
91
de 22 milhões de pelotas de minério de ferro por ano. Possui ainda duas usinas
hidrelétricas – Muniz Freire, no Espírito Santo, e Guilman-Amorim, em Minas Gerais
– e dois escritórios internacionais de vendas – um em Amsterdã, na Holanda, e outro
em Hong Kong, na China.
Esse aparato estrutural e tecnológico, segundo a organização, tem o objetivo
de garantir um processo unificado, uma operação integrada, que vai desde as
atividades de lavra, beneficiamento, transporte, pelotização até a exportação do
minério em forma de pelotas, seu principal produto. Toda essa operação gera 2.032
empregos diretos.
Dentro de uma dimensão econômica, a Samarco registrou no seu balanço
financeiro um faturamento de R$ 4,25 bilhões em 2008, resultado 84% superior ao
de 2007. Crescimento explicado pela expansão do mercado de mineração, que
impulsionou a criação da terceira usina de pelotização, aumentando sua capacidade
de produção em 54%. Segundo a Samarco, a partir desse desempenho, a
organização lançou novos projetos. Entre eles, a incorporação de novas áreas, a de
Operações e a de Sustentabilidade, que se transformaram em Diretoria de
Operações e Sustentabilidade. Tal fato é justificado no discurso do presidente da
organização, José Tadeu de Morais, como forma de associar o desenvolvimento
sustentável à eficiência empresarial.
Essa nova diretoria se incumbiu de definir, portanto, o significado de
“sustentabilidade” para a Samarco. Isso foi registrado como:
[...] a geração de valor, pautada pela ética, confiança, proatividade e visão
sistêmica, por meio de ações e parcerias que assegurem o equilíbrio entre
dimensões econômica, sociocultural e ambiental, respeitando as gerações
atuais e contribuindo para o desenvolvimento das futuras (RELATÓRIO
SOCIAL, 2008, p. 7).
Desdobrando esse conceito, apresentamos as informações sobre a
percepção da organização em relação aos sujeitos ligados as suas operações e
conformadores da própria sociedade, em especial as comunidades do seu entorno.
No quesito social, a Samarco apresenta, no seu Relatório Social 2008, o mapa das
comunidades do seu entorno, que são impactadas pelas suas operações. São 79
comunidades, o que contabiliza mais de 200 mil pessoas. Tendo em vista este
mapa, segundo a organização, são desenvolvidas diversas ações.
92
Figura 2: Mapa das comunidades do entorno da Samarco (SAMARCO, 2008)
Dentro do organograma de públicos da organização, podemos ver, na Figura
3, a presença da comunidade.
Figura 3: Organograma de públicos da Samarco (SAMARCO, 2008)
Segundo a Samarco, a empresa “investe” em iniciativas de diálogo
permanente com a comunidade do seu entorno e em projetos que colaboram com o
seu desenvolvimento. A organização definiu a sua contribuição por meio de
iniciativas focadas em geração de renda, educação e cultura. Além disso, incentiva a
autossustentabilidade das comunidades vizinhas às suas unidades industriais e
daquelas por onde passam os minerodutos. Dados da organização apontam um
investimento de R$ 4 milhões nessas três áreas, junto a 27 comunidades
93
espalhadas por 27 municípios por onde passa seu mineroduto. Assim, a Samarco
calcula que, de Minas Gerais ao Espírito Santo, mais de 650 mil pessoas estão
ligadas às operações da empresa.
Entre os meios de comunicação com a comunidade apresentados pela
Samarco, estão a Central de Relacionamento, pelo telefone 0800 031 2303; o site
www.samarco.com, por meio da seção Fale Conosco; e o informativo Lado a Lado,
jornal bimestral. Ademais, a organização promove encontros com as comunidades,
comitês de relacionamento, programas de visitas.
Podemos observar, na Figura 4, a descrição e balanço das atividades dessa
Central em benefício da comunidade:
Figura 4: Balanço da Central de Atendimento da Samarco (SAMARCO, 2008)
4.3 Antônio Pereira
Assim como descrevemos de forma geral a Samarco, dando mais enfoque as
questões que permeiam a sustentabilidade, faz-se importante retratar o distrito de
Antônio Pereira, onde está localizada a comunidade analisada no nosso objeto
empírico. Isso porque o contexto onde estão inseridos os sujeitos é fundamental na
construção dos sentidos que se dá a partir da relação entre eles.
94
Portanto, numa posição geopolítica, Antônio Pereira é um distrito de Ouro
Preto, situado no Quadrilátero Ferrífero da Zona Metalúrgica de Minas Gerais. A sua
população, segundo dados do IBGE, era de 3.935 habitantes no Censo realizado em
2000; porém, o distrito tem uma população flutuante em função das obras de
expansão contratadas pelas mineradoras, que atraem muitos trabalhadores. Há
dados que falam de 5.000
19
habitantes. Segundo o IBGE, 70% da população é
alfabetizada; 20%, semialfabetizada, a maioria completa a 8
a
série do ensino médio,
e o índice de entrada nas universidades é baixíssimo.
Nas suas características geográficas, observa-se o relevo acidentado,
montanhoso, que chega a atingir 1.680 metros de altitude. O clima é tropical úmido,
apresentando temperatura de 6
o
C a 12
o
C no inverno e de 25
o
C a 30
o
C no verão. O
rio Antônio Pereira e a sub-bacia do rio das Velhas são os principais afluentes do rio
São Francisco, estando hoje muito assoreados e poluídos, uma vez que recebem o
esgoto do distrito. Já a sua vegetação é caracterizada pelo cerrado.
Podemos observar que, desde sua criação até os dias de hoje, o distrito está
vinculado à mineração. Sua trajetória histórica confirma esse fato, quando se inicia
em torno de 1700-1701, com a chegada do bandeirante português Antônio Pereira
Machado, natural de São João das Caldas, Portugal, que, estando no Brasil, segue
para o norte, chegando ao lugar a que deu o nome de Bonfim do Mato Dentro. Dois
anos mais tarde, porém, em 1703, não se adptando ao lugarejo em função dos
animais ferozes e da dificuldade em obter comida, volta à vila do Carmo. Mais tarde,
em torno de 1819-1820, outros bandeirantes dirigiram-se para lá em busca de ouro,
entre eles, Antônio Mateus Leme, Antônio Pompeu Taques e o Padre João de
Inhaia. Assim, em Bonfim do Mato Dentro, foram fundadas diversas minas, como as
do Romão, Mata-Mata, Macacos, Manoel Teixeira, Capitão Simão; as fazendas do
Barbaçal, Mateus das Moças e da Rocinha. Ali era encontrado ouro de melhor
quilate da região, o que propiciou a muitos exploradores que para lá se dirigiram
construir casarões e sobrados, muitos dos quais ainda permanecem intactos na
parte histórica do distrito.
Mas não é só esse fato que caracteriza Antônio Pereira. A religiosidade de
seu povo também é marcante. Consta nos seus registros históricos que, em 1716,
foi dada a autorização para fundação da primeira igreja do lugarejo. Estruturada em
19
Dado fornecido pelo livro Aspectos Folclóricos III: Histórias de Antônio Pereira, publicado em 1993 pela
Universidade Federal de Ouro Preto.
95
pedra de canga, foi construída em louvor a Nossa Senhora da Conceição, fato
importante por caracterizar a influência religiosa na formação cultural do distrito,
assim como em muitos outros em Minas Gerais. Todavia, por volta de 1800, a
imponente matriz é destruída por um incêndio; as causas desse incêndio nunca
foram esclarecidas, o que fez surgir muitas versões por parte da população. A mais
curiosa diz ter sido um baiano que se escondeu na igreja, após a missa, para roubar
o seu rico acervo e que, depois disso, ateou fogo na matriz. Hoje os moradores a
chamam de “Igreja Queimada”.
A Figura 5 nos dá uma noção de como esse monumento se encontra hoje.
Figura 5: Igreja Queimada de Antônio Pereira (PREFEITURA DE OURO PRETO, 2010)
Mais tarde, não se tem registro exato da data, foi construída uma capela em
homenagem a Nossa Senhora das Mercês, onde se realizavam os ofícios religiosos
e as festas dedicadas não só a ela, mas também a São Sebastião e a Nossa
Senhora do Rosário. No entanto, a maior devoção do distrito continuou sendo a
Nossa Senhora da Conceição da Lapa. Segundo a lenda, crianças do local, ao
passear pelos arredores, encontraram numa gruta a imagem da Virgem de
Conceição. A imagem foi levada para a igreja; contudo, a cada vez que se levava a
santa, ela era encontrada na gruta novamente. Então, respeitando a vontade da
96
santa, construíram um altar na gruta, que permanece até hoje como ponto turístico e
religioso. Depois que entronizaram a imagem, a Lapa passou a receber romeiros de
todas as regiões de Minas Gerais.
Nessa época, entra em declínio a mineração do ouro, trazendo a decadência
econômica para a região. Somente por volta de 1950 teve início o novo ciclo de
mineração, agora do ferro, que perdurou até a década de 1970. Mas foi em 1984,
quando se descobriu que Antônio Pereira estava assentado em grandes jazidas de
minério, que três grandes empresas se instalaram no local: Samarco, Samitri e a
então Companhia Vale do Rio Doce, hoje Vale. A chegada dessas empresas trouxe
importantes mudanças sociais, econômicas, culturais entre outras.
Economicamente, o distrito passa a experimentar um novo ciclo de
desenvolvimento; porém, culturalmente, alguns historiadores e até moradores mais
antigos do lugar reclamam que muitos dos costumes e das tradições foram se
perdendo, à medida que o distrito foi se urbanizando. Segundo informações contidas
no site de Ouro Preto, será instalado um polo industrial em Antônio Pereira para
atrair indústrias de pequeno e médio portes na tentativa de sanar parte dos
problemas da área mais pobre da região. A fonte de trabalho e renda da maioria da
população está ligada às empresas mineradoras e empresas terceirizadas para
fornecimento de produtos e serviços a elas. Sua economia é baseada na extração
de ferro pelas empresas Vale e Samarco Mineração e por garimpeiros, que extraem
o ouro manualmente (ouro de aluvião), e por um pequeno garimpo de topázio.
A presença das organizações é tão marcante na formação da história recente
do distrito que esse foi dividido por historiadores em dois núcleos sociais. Um,
denominado “Vila Residencial Antônio Pereira”, ex-Vila Residencial da Samarco
Mineradora. Instalada em 1977 pela empresa, a vila possui excelente infraestrutura,
ou seja, é urbanizada, tem saneamento básico, casas, ruas calçadas, clubes, igreja
e é habitada por um público de classe média e alta. Mas, desde 1994, a vila foi
desprivatizada, ficando a sua administração por conta da Prefeitura de Outro Preto;
contudo, as condições privilegiadas em relação à qualidade de vida continuam. E o
outro núcleo é a parte histórica de Antônio Pereira, constituída por um público de
baixa renda, que padece da falta de emprego, de problemas sociais, como o avanço
das drogas e do alcoolismo, problemas de educação, de desnutrição, entre outros.
Culturalmente a região tem a tradição do artesanato. Assim como Ouro Preto
é conhecida pelo artesanato em pedra-sabão, Antônio Pereira tem a tradição dos
97
trabalhos em crochê e bordado. Em 2005, algumas crocheteiras se juntaram e
resolveram montar uma associação, apostando no desenvolvimento a partir da
organização do seu trabalho. Assim nasceu a Associação das Artesãs Arte, Mãos e
Flores, com o apoio técnico e financeiro da Samarco e da Igreja católica, através do
apoio da Paróquia Sagrado Coração de Jesus, atualmente com 22 associadas.
Essas expandiram suas técnicas com novas aplicações, como patchwork, fuxico e
favo de mel em produtos artesanais, que são vendidos sob encomenda, em feiras e
na própria loja. Entre os produtos, destacam-se as colchas com aplicação em crochê
e poesia bordada, bolsas, almofadas e capas de agenda feitas de patchwork,
característicos da associação.
Figura 6: Bordadeiras da Associação Arte, Mãos e Flores (ARQUIVO DA ENTIDADE, 2010)
Além de gerar aumento na renda familiar dessas mulheres, a associação é
responsável por manter uma das tradições e da identidade cultural de Antônio
Pereira.
O mesmo acontece com a Associação Musical Nossa Senhora da Conceição
da Lapa, que acolhe a banda de música do distrito. Fundada em 1827, foi
desativada em 1970. Em 1990, alguns habitantes, liderados pela moradora Maria de
98
Carvalho Ferreira, conhecida por todos como “Dona Dunga”, inconformados com
esse desfecho para algo tão representativo para a comunidade, foram, então, em
busca de apoio. Segundo Dona Dunga, após uma assembleia com a comunidade,
foram enviadas mais de 17 cartas às organizações pedindo o apoio financeiro para o
renascimento da banda de música. Conseguiram R$ 4 mil de patrocínio com a
Samarco e, assim, reativaram a associação, inicialmente com 15 jovens aprendizes
de música; hoje, já conta com 37 músicos e faz apresentações por toda a região,
nas festas religiosas e folclóricas.
Figura 7: Banda de Música da Associação Nossa Senhora da Conceição da Lapa (ARQUIVO DA
ENTIDADE, 2010)
Descrevemos essas duas associações por duas razões: por entendermos que
caracterizam culturalmente o contexto e por fazerem parte da nossa pesquisa, já
que são patrocinados pela Samarco.
99
4.4 O discurso da sustentabilidade: estratégias, produção de sentidos e
circularidade
Partimos do pressuposto de que não existe discurso sem intencionalidade e
que o mesmo enunciado pode ter vários sentidos (polissemia) ou sentidos próximos
(sinonímia), ou ter vários valores (polidiscursividade). Portanto, comunicar é uma
questão de escolha, não só de formas e meios adequados às normas linguageiras
de determinado contexto, mas de conteúdos a transmitir e efeitos de sentidos que se
busca para influenciar o outro (CHARAUDEAU, 2007). Dito de outra maneira,
comunicar e informar pressupõem escolhas de estratégias discursivas.
Dessa forma, entendemos que o discurso da sustentabilidade adotado pela
Samarco é estratégico, e, no jogo discursivo que engendra com a sociedade, ela se
utiliza de recursos em busca de interação, reconhecimento e legitimação social, já
que, sendo uma organização transnacional e estando no setor de mineração,
padece de desconfiança e críticas por parte da sociedade. Percebemos também que
o recurso ao uso do argumento da sustentabilidade representa uma inovação ou
renovação no repertório discursivo das organizações de modo geral.
Concordamos com Halliday (1987), quando diz que enunciações como
progresso, modernização, crescimento econômico, avanço tecnológico não são mais
vistos na contemporaneidade como benefícios inquestionáveis e desejados a
qualquer preço. A autora alerta que, na maioria das vezes, esses discursos se
transformam em percepção muito negativa e deslegitimante, ao implicarem alto
custo ambiental, social para toda a sociedade. Por exemplo, causar a degradação
dos recursos naturais, como destruir florestas, poluir as águas, o ar e gerar
desigualdade e exclusão social. Esse tipo de ônus é percebido pela comunidade do
entorno, que sente de modo mais evidente esses efeitos na sua vida, em função da
proximidade geográfica e da dependência econômica que passa a ter com a
presença da organização.
Segundo Halliday (1987), por essa razão o discurso organizacional vem se
deslocando da ênfase na qualidade de seus produtos, na autorreferência que a
empresa faz , muitas vezes grandiosa, como nas falas “somos a maior empresa de”,
“a melhor em” para a valorização de suas ações direcionadas à sociedade. Nesse
sentido, é ilustrativa a visão do presidente da Samarco, José Tadeu de Moraes, ao
100
se referir em seu discurso de apresentação do Relatório Social de 2007 sobre a
mudança do texto da missão, visão e valores. Ele observou que, antes os
compromissos da organização estavam relacionados principalmente à excelência
operacional, estando, agora, de forma ampliada, focados na excelência empresarial,
tornando o negócio mais sustentável, segundo ele. Assim percebemos que a
organização está fazendo esse deslocamento. A própria renovação da missão, visão
e valores deflagra a estratégia de mudança de direcionamento discursivo.
No entanto, no âmbito desta pesquisa, interessa-nos apreender como a
comunidade, no papel de receptora/destinatária, apreende os discursos da Samarco:
ela os aceita? Ela os refuta? Que sentidos constrói? Afinal, a significação é posta em
um discurso específico pelo jogo do dito e do não dito, do implícito e do explícito,
questões que pretendemos analisar no decorrer deste capítulo. Intencionamos
adotar a postura epistemológica sugerida por Charaudeau (2007) para quem “[...] o
papel do analista é o de observar a distância, para tentar compreender e explicar
como funciona a máquina de fabricar sentido social, engajando-se em interpretações
cuja relatividade deverá aceitar e evidenciar” (CHARAUDEAU, 2007, p. 29).
Dito isso, vamos operar essa análise da seguinte maneira: analisando o
discurso da sustentabilidade enunciado pela Samarco em dois momentos.
Primeiramente, com base no modelo proposto por Halliday (1987), já visto no
segundo capítulo, chamado por ela, como temas legitimadores de, a utilidade, a
compatibilidade e a transcendência. A partir deste ponto, porém, no lugar de tema,
chamaremos de ato, por duas razões. Uma, por considerar mais coerente com a
arquitetura discursiva que defendemos, em que ato se trata de ação concreta,
intencional, descrito detalhadamente também no segundo capitulo. E a outra, por
entender, por meio de Charaudeau (2008), que o discurso se desdobra no teatro da
vida social, na qual a encenação se divide em atos.
Para tornar isso possível, fizemos um recorte analítico, identificando e
analisando essas estratégias nos discursos da missão, visão e valores, por
compreender que esses conceitos passam a constituir a essência da Samarco,
aquilo que ela pretende ser conquanto organização. É também, a nosso ver, um
discurso direcionador da relação interativa que desenvolve com seus interlocutores e
um forte indicador de como a empresa quer ser percebida por eles. E nos discursos
101
do presidente, José Tadeu de Moraes,
20
presentes nos Relatórios Sociais de 2007 e
de 2008, por entendermos que esses são um posicionamento público da
organização, emitido pelo seu principal líder, a respeito dos vários aspectos que
perpassam as suas atividades, por isso mesmo repleto de sentidos. Portanto, esse
recorte foi feito considerando por critério o alto grau de relevância desses discursos.
Entendemos que, juntos, missão, visão e valores, bem como os discursos do
presidente, formam a estrutura discursiva da Samarco, norteadora das suas ações,
configurando-se em elementos de caracterização da organização e formadores de
sua identidade.
E, no segundo momento, adotando a perspectiva de Verón (2004), para quem
a análise de discurso deve ser sempre comparativa, será feita uma comparação
entre os discursos da Samarco que evocam a sustentabilidade, em específico, e sua
recepção por parte da comunidade do entorno. Será observado se essas estratégias
organizacionais, categorizadas pela Halliday (1987), concretizam-se na sua
intencionalidade ou não, e que sentidos são criados ou recriados a partir da sua
recepção.
Para tal, foram feitas 28 entrevistas em profundidade aplicadas em membros
da comunidade. Dividimos os entrevistados em dois grupos: um deles, de moradores
que estão vinculados a projetos sociais patrocinados pela Samarco, e o outro, de
moradores sem esse vínculo. A amostragem da pesquisa não se destacou pela
divisão de gênero, idade ou mesmo padrão social. Buscamos exatamente a
diversidade para obter visão diversa que pudesse abranger ou mesmo representar a
comunidade de Antônio Pereira. E, para preservar a identidade desses cidadãos,
optamos por citá-los como “moradores”, numerando-os pela ordem das entrevistas
dadas.
O resultado desta pesquisa apresenta os discursos da comunidade de
Antônio Pereira, que foram comparados com os da organização, apontando-nos a
forma como circulam, a maneira como são “lidos” pelos seus destinatários (a
comunidade), que contrato foi estabelecido tacitamente entre eles, sua aceitação,
refutação e os sentidos gerados. Isso porque, mesmo afirmando que uma análise de
enunciação é a análise na produção do discurso, Verón (2004) afirma que o contrato
só se cumpre na recepção.
20
Ressaltamos que usamos esse recurso material por não termos conseguido entrevistar o presidente da empresa.
Isso, após mais de um ano de incessantes tentativas.
102
4.4.1 Análise do discurso da Samarco
Iniciamos nosso processo pela análise da missão, visão e valores descritos
pela Samarco, complementando ou contrapondo com o discurso do presidente dos
Relatórios Sociais de 2007 e de 2008. Posteriormente, analisaremos a sua recepção
pela comunidade do entorno, representada pelos moradores entrevistados.
A missão, entendida no seu sentido mais usual como “um dever a cumprir por
parte da organização”, é assim descrita:
Somos uma empresa brasileira, fornecedora de minério de ferro de alta
qualidade para a indústria siderúrgica mundial. Buscamos contribuir para
melhorar as condições de vida e bem-estar das pessoas e para o
desenvolvimento social, econômico e ambiental, por meio da utilização
responsável dos recursos naturais e da construção de relacionamentos
duradouros baseados na geração de valor (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p.
3).
Percebemos nessa declaração alguns elementos importantes a serem
analisados. A necessidade de a organização se localizar geograficamente e valorizar
a sua nacionalidade; a presença dos principais elementos que compõem o conceito
de sustentabilidade; a demonstração de interesse pelo “outro”, aquele que está além
da organização, como a própria sociedade, promovendo alargamento do seu papel
como organização empresarial.
A visão, que comumente apresenta uma perspectiva futura, lugar onde a
organização quer estar, é enunciada como: “Ser a empresa de mineração líder em
pelotização e reconhecida como uma organização de classe mundial” (RELATÓRIO
SOCIAL, 2008, p. 3). Aqui, ela se volta para sua vocação original, ser uma
organização de negócios, e se coloca no quadro de referências do próprio campo
organizacional, quando, implicitamente, fala de competitividade, de liderança, além
de deixar claro o seu desejo de reconhecimento público.
Já os valores, entendidos como “o conjunto de princípios que rege a
organização e norteia as suas relações com seus interlocutores”, são declarados por
meio da seguinte enunciação:
103
Nossas ações são orientadas por prinpios de justiça, valorização da vida,
bem-estar coletivo, respeito às pessoas, comprometimento e superação na
entrega de resultados. Estabelecemos relações claras e duradouras,
fundamentadas na ética e orientadas para a geração de valor a todas as
partes de interesse. A criatividade, associada a uma contínua busca pelo
desenvolvimento tecnológico, proporciona a oferta de qualidade e
confiabilidade em produtos e serviços, atributos necessários a nossa
perenidade (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 3).
Observamos nesse discurso uma fusão de elementos da missão e da visão
apresentados sob a forma de valores. Percebemos essa articulação quando são
mostrados os princípios como justiça, valorização da vida, sentidos presentes na
missão e, na sequência, a superação na entrega de resultados ou o
desenvolvimento tecnológico, qualidade em produtos, elementos próprios do mundo
dos negócios e presentes no discurso da visão.
Observamos que os três discursosmissão, visão e valores – estão
alinhados entre si e demonstram a oferta de significados e elementos estruturantes
para o contrato de comunicação com seus interlocutores. Vejamos a relação entre
esses discursos, com o pronunciado pelo presidente da Samarco, pela análise de
alguns trechos mais significativos.
A sustentabilidade é um dos pilares da gestão da Samarco e direciona os
nossos profissionais na condução do negócio e das relações com os
diversos públicos. Para nós, orientar nossas atividades por esse
conceito, mesmo que ainda esteja em evolução, significa gerar valor
não só para a empresa, mas também para as partes interessadas [...].
Nossa posição, entre as principais empresas do setor de extração de
minérios, nos confere maior responsabilidade em relação à preservação do
meio ambiente, ao desenvolvimento econômico das comunidades no
entorno de nossas unidades e, sobretudo, ao respeito às pessoas. A
valorização da vida, tanto do ponto de vista físico – somos referência em
saúde e segurança laborais –, como sob a ótica do bem-estar emocional e
intelectual, está em nossa declaração de valores e compõe elemento-chave
da cultura da nossa empresa [...]. A construção de um mundo mais
igualitário e de mais oportunidades tem como base relações de cooperação,
que agreguem valor a toda a sociedade [...] (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p.
4, grifo nosso).
Destacamos esse trecho do discurso por entender que ele traz significados
importantes para a nossa análise. O fato de o presidente afirmar que a organização
se move pelo conceito da sustentabilidade e admitir que esse está em andamento,
abre brechas para podermos interpretar alguns sentidos. Primeiro, o presidente
percebe que ações pretendidas no conceito da sustentabilidade ainda não são
praticadas de forma suficiente para autodefinir a organização como “sustentável”. E,
104
segundo, que a intenção é avançar nessas práticas, quando ele afirma a importância
para a geração de valor não só para a empresa, como também para os seus
públicos. O sentido nos dois casos é de incompletude, porém, percebemos de forma
implícita a intenção de melhoria.
No momento em que o presidente da Samarco diz, de forma explícita, nesse
mesmo discurso, que a escolha pelo caminho da sustentabilidade é fundamental
para a estratégia da organização e que a sua integração com a sociedade permite
prever um futuro bem-sucedido para a organização e para os públicos ligados a ela,
ele demonstra, mais uma vez, o alinhamento discursivo entre missão, visão e valor
com o seu discurso. Coincide na sua enunciação, a presença de elementos
discursivos como relacionamentos duradouros baseados em geração de valor para
todos, responsabilidade com desenvolvimento social, econômico e ambiental da
sociedade, estar orientados para a valorização da vida e o bem coletivo. O elemento
novo, entre os discursos, é exatamente o uso do termo “sustentabilidade”, mas a
maneira como o presidente coloca parece amalgamar todos os outros elementos
explícitos na missão, na visão e nos valores da organização. Dito de outra forma,
“sustentabilidade”, na sua perspectiva é a tradução dos demais discursos.
Contudo, apesar dessa percepção inicial, o que nos interessa, neste primeiro
momento da análise, é tentar revelar o que a organização pretende com tais
discursos. Qual a intenção dessa escolha discursiva? Quais são as estratégias
postas em jogo? O que há de implícito neles e que sentidos produzem? Para isso,
iluminamos esses discursos utilizando o modelo proposto por Halliday (1987).
Inicialmente, percebemos a presença nos discursos recortados, como efeito
visado, o ato da utilidade, descrito pela autora como a capacidade de uma pessoa,
ação ou coisa para satisfazer ou gratificar as necessidades, os desejos do outro ou
da humanidade como um todo. Em um nível mais elementar, teria o sentido da
serventia, da capacidade de servir e ser vantajoso, partindo daquilo que resulta em
proveito, ajuda. Assim, esse ato discursivo da utilidade vai a duas direções: a
vantagem, em que no caso a Samarco é apresentada como um benefício à
sociedade, como uma organização vantajosa por um sentido mais econômico,
através da geração de emprego, desenvolvimento de tecnologia e geração do
próprio capital, apresentando vantagens na sua existência.
Como nos enunciados nos quais a empresa manifesta “empregar mais de
dois mil funcionários diretos” ou que “a Samarco está entre as principais empresas
105
do setor de extração de minérios de alta qualidade” e o próprio discurso da visão,
em que ela explicita a busca de reconhecimento dos seus atributos econômicos. A
organização se coloca em uma posição de eficiência, de grandeza, portanto, de
utilidade, na variação vantajosa com a intenção de justificar a sua existência para a
sociedade.
E, em um nível mais profundo, emerge a variação ajuda, na qual a Samarco
se apresenta, por outro sentido da utilidade, como benéfica, altruísta, isto é,
justificando a sua existência para além dos seus objetivos econômicos. Até mesmo,
na sua missão, ela deixa isso claro, quando enuncia “[...] buscamos contribuir para
melhorar as condições de vida e bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento
social, econômico e ambiental [...]” (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 3). Isso é
complementado pelo discurso do presidente da Samarco, quando ele adiciona a
esse tripé, que define prioritariamente o conceito tradicional de “sustentabilidade”, o
desenvolvimento econômico das comunidades no entorno da organização. Nesses
enunciados, é realçada a perspectiva humana da organização.
No modelo de Halliday (1987), para cada ato discursivo, existe uma persona
correspondente, que traduzimos como a personalidade, o “eu social”, ou melhor, o
personagem que incorpora a imagem que a organização assume e deseja ser
percebida no momento da adoção de um ou mais atos discursivos. Dessa forma, a
partir deste ponto, adotaremos o termo “imagem”, por entendermos que é mais
apropriado ao quadro de referências organizacional. Portanto, no caso da utilidade,
a imagem pretendida pela organização é a de “parceira”, credenciada pelo discurso
da competência, da cooperação, da responsabilidade social, da confiança,
ingredientes vitais para a sua legitimação social. Nas duas variações – vantagem e
ajuda –, a Samarco apresenta discursivamente o seu privilégio de existir para além
da própria perpetuação, de seus lucros e a sua utilidade para a sociedade.
Nos discursos da Samarco, observamos também o uso do segundo ato
discursivo formulado por Halliday (1987), a compatibilidade, que, para a autora,
significa ser capaz de viver em harmonia com o outro, ser compatível com os valores
desse outro. Transpondo essa ideia para o campo organizacional, representa a
busca de identificação entre as atividades da organização e seus objetivos e os
valores e os objetivos da sociedade. Logo, a identificação é uma tática discursiva, na
qual a organização, por meio de um processo simbólico de associações positivas,
busca um tipo de conexão, união com seus interlocutores. A identificação serve para
106
sanar as divisões humanas, lugar de origem, religião e estilo de vida (HALLIDAY,
1987).
Essa ideia pode ser percebida na missão da Samarco, que declara, logo no
início, ser uma empresa brasileira. Chama a nossa atenção, porém, o fato de a
própria Samarco apresentar sua formação acionária como metade de capital
nacional, detido pela Vale, e os outros 50% de origem anglo-australiana da empresa
BHP Billiton. Podemos inferir, então, que, quando se coloca como uma organização
brasileira, a Samarco busca a identificação com o povo brasileiro, dizendo, em
outras palavras, “somos do mesmo lugar”, “somos compatíveis”, “somos
compatriotas e podemos viver em harmonia”. A nosso ver, faz parte dessa estratégia
discursiva tentar minimizar a rejeição histórica por empresas estrangeiras ou
transnacionais, que são vistas como a personificação do capitalismo, exploradoras
das riquezas nacionais, que deixam para trás a destruição e levam os lucros para os
países de origem. Aliás, percepção confirmada por um morador de Antônio Pereira,
em uma de nossas entrevistas, que apresentaremos mais à frente.
Nesse sentido, entendemos que a informação fornecida no Relatório Social
de 2008 da Samarco, de que toda a sua produção de minério de ferro é exportada
para atender os seus clientes, parece abrir fissuras, brechas nesse discurso da
compatibilidade, já que, a priori, as riquezas naturais não renováveis como o minério
são retiradas do nosso país para produzir aço em outro país.
O discurso da compatibilidade tem também o sentido da
“consubstancialidade”, ou melhor, ser da mesma substância do outro, ou mesmo,
“estar no mesmo barco”. Nessa perspectiva, observamos a presença da estratégia
de legitimação pela compatibilidade da Samarco em sua missão, quando ela se
mostra interessada em contribuir para melhorar as condições de vida e o bem-estar
das pessoas. Essa condição discursiva é reafirmada na declaração de seus valores,
de forma quase idêntica, a nosso ver não por acaso, mas com o intuito de reforçar,
de cristalizar esse sentido, quando discursa sobre a organização se orientar por
princípios de justiça, valorização da vida, bem-estar coletivo.
No caso do uso da compatibilidade, a imagem que a organização busca é a
de compatriota/irmã em humanidade. Ressalvamos que Halliday (1987) justifica o
fato de ter colocado esse nome duplo, porque, neste caso específico, a organização
aglutina esses dois papéis. Portanto, quando a Samarco proclama ser uma
organização brasileira e assume missões desenvolvimentistas e humanitárias,
107
parece-nos que ela quer ser reconhecida como “uma organização compatriota e
irmã dos seus pares”, justamente para dissipar as dúvidas sobre sua legitimidade.
O ato discursivo da transcendência, que, pelo ponto de vista lexical, significa
algo que ultrapassa a realidade, de forma divina, superior e soberana, é também
percebido de forma clara nos discursos da Samarco e parece convergir nos demais
atos. Comutando o conceito, observamos que a transcendência acontece quando, a
partir do enfretamento da dualidade contemporânea vivida pela organização, em que
ser uma prestadora de serviços e/ou fabricante de produtos, ou seja, voltada para
seu funcionamento e questões internas, já não basta. Ela é impelida pela sociedade
a ir além, ultrapassar sua imanência em direção aos ambientes a sua volta,
integrando-se à sociedade, como explicamos extensivamente no primeiro capítulo.
Desta forma, essa estratégia discursiva é usada quando a organização invoca
nomes, crenças, leis, valores que justifiquem suas ações. Na nossa análise, a
Samarco se utiliza da estratégia da transcendência quando se coloca em um
“quadro de referências” mais largo, utilizando um novo repertório discursivo que
inclui termos como “comunidade”, “nação”, “meio ambiente”, “planeta”, entre outros.
Isso pode ser percebido na descrição de seus valores, quando a empresa diz que
“[...] nossas ações são orientadas por princípios de justiça, valorização da vida, bem-
estar coletivo [...] (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 3).
Em consonância com esse discurso e se referindo a tais valores pela
perspectiva da sustentabilidade, o presidente relata em seu discurso que “a
valorização da vida, tanto do ponto de vista físico [...], como sob a ótica do bem-
estar emocional e intelectual, [...] compõe elemento-chave da cultura de nossa
empresa” (RELATÓRIO SOCIAL, 2008, p. 5).
Esses enunciados nos levam a concluir que a Samarco utiliza desse ato
discursivo para se legitimar como uma organização que transcende suas obrigações
legais, sua imanência, na qualidade de uma organização mineradora, buscando
tornar-se, por meio do discurso, uma organização preocupada com o mundo, com a
natureza, com o bem-estar dos sujeitos que estão ao seu redor, extrapolando,
assim, sua função primária.
Confirmando o alinhamento discursivo da organização, podemos vislumbrar o
mesmo argumento transcendente nas narrativas grandiosas, presentes no discurso
do presidente, no momento em que ele afirma:
108
[...] A construção de um mundo mais igualitário e de mais oportunidades
tem como base relações de cooperação, que agreguem valor a toda a
sociedade. Por isso, a Samarco é signatária do Pacto Global e apóia os
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, iniciativas da ONU que
promovem um mundo mais justo e digno (RELATÓRIO SOCIAL , 2008 p. 5).
O Pacto Global, que tem como objetivo mobilizar a comunidade empresarial
para a adoção de práticas nos negócios baseadas em valores fundamentais e os
Objetivos do Milênio, definidos na Cúpula do Milênio das Nações Unidas, em reunião
promovida pela ONU, em 2000 como oito jeitos de mudar o mundo. Vejamos como
são descritos pela ONU:
Figura 8: Pacto Global (ONU, 2010)
109
Figura 9: Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ONU, 2000)
Ao adotar desafios de tal extensão, de magnitude global, parece-nos que a
imagem que a Samarco deseja projetar à sociedade, quando transcende
discursivamente, é a de “encarregada-de-uma-grande-missão”.
Entretanto, observamos dois fenômenos que criam duas condições de uso
para essas estratégias enunciativas. Uma, quando a Samarco elege dentro desse
repertório, de modo intencional, os discursos que representam melhor seus
objetivos, em dada ocasião. E outra, no momento em que ela promove um
amálgama com a utilidade, a compatibilidade e a transcendência, com o objetivo de
dar potência aos seus discursos, pensados como dispositivos de poder e
direcionadores da interação com a comunidade.
Portanto, podemos observar, tanto no discurso do presidente quanto na
missão, visão e valores, a busca de legitimação e reconhecimento pela utilidade,
pela compatibilidade e pela transcendência, imbricados no momento em que se
110
identificam com os grandes problemas da humanidade. Assim como na construção
de sua identidade, a Samarco se vale da imagem de “parceira”, de “compatriota/irmã
em humanidade” e da “encarregada-de-uma-grande-missão”, variando de acordo
com seus objetivos e destinatários. No entanto, em todos os casos, a organização
busca cristalizar os discursos, em sentidos previamente determinados, para que
esses sejam reconhecidos por seus interlocutores e possam ser adotados por eles.
Quando a Samarco, produtora e enunciadora do discurso, utiliza dessas
estratégias discursivas, ela está, na verdade, propondo um “lugar” de interpretação
ao destinatário, no caso do nosso estudo, à comunidade do seu entorno. O que não
quer dizer que, ela – comunidade –, ao aceitar esse lugar ou “quadro de
referências”, conformador do contrato de comunicação, adote o discurso da
organização sem se envolver na aceitação, refutação ou produção de outros
sentidos. Portanto, não há um “assujeitamento” da comunidade, uma vez que é na
relação entre os sujeitos que se formalizam os contratos por meio de operadores
discursivos. Ao aceitar esse contrato, a comunidade está, estrategicamente, em
busca de negociação. Fato que fica evidenciado no depoimento dos moradores de
Antônio Pereira.
Assim, começamos o nosso roteiro de entrevistas perguntando o que eles
acham da relação da Samarco com a comunidade de Antônio Pereira; a maioria diz
que é muito boa, como explicitado nestes depoimentos:
Em minha opinião, acho superlegal a parceria que ela tem com a gente
aqui. É tudo de bom, ela é a mãe da gente (Moradora 2).
É boa, ela está sempre nos ajudando. Não é ruim não (Moradora 5).
A Samarco é uma gracinha. A relação da Samarco com a comunidade é
muito boa (Moradora 10).
Entretanto, outros depoimentos mostram que essa relação é boa em parte,
demonstrando certa insatisfação, vinda de uma percepção diferente. A Moradora 5,
por exemplo, considera a relação boa, mas que deveria haver mais diálogo. Ou,
como nos fala o Morador 13: “Eu acho que a Samarco é uma boa vizinha, sempre
participa da nossa comunidade, ajuda. Só que eu acho um pouco tímido pela
riqueza que extrai daqui da nossa região. Eu acho que ela poderia ajudar muito
mais” (Morador, 13).
111
E, para apenas um dos entrevistados, isto é, o Morador 14, a relação não é
boa. Ele justifica sua percepção, dizendo que não vê melhorias para Antônio Pereira
e seus moradores e queixa da falta de diálogo. Observamos que o sentido que este
entrevistado manifesta em relação à nossa pergunta é que “relacionar” está
entrelaçado com “trazer benefícios para a comunidade”. É importante ressaltar que
ele não está vinculado a nenhum projeto social patrocinado, e que essa percepção
se configura na pesquisa como uma exceção.
É interessante observarmos as contradições que surgem nas entrevistas,
entendidas por nós como processo inerente ao próprio discurso, como nos revela o
pensamento de Foucault (1996), para quem processos discursivos não acontecem
em série homogênea, mas em momentos descontínuos que apresentam cesuras,
isto é, fissuras, brechas que colocam o sujeito em uma pluralidade de posição, e
que, portanto, essa relação de pensamento não é da ordem da sucessão.
Apesar de acharem a relação com a organização muito boa, ao perguntarmos
se eles conseguiam conversar com a empresa, não houve concordância da maioria.
Muitos, após parar e pensar, responderam afirmativamente, porém de forma
titubeante. Entre estes, muitos disseram que conseguiam falar com a Samarco
quando a organização ia até eles; o caso mais enfático foi no grupo que tem
vínculos de patrocínio. “Quando é do interesse dela, ela vem até a comunidade e aí
a gente tem diálogo, né?, mas muitas das nossas perguntas ficam sem respostas”
(Moradora 5).
Outros disseram que não conseguem falar com a Samarco, como no caso do
Morador 25, que acha que a organização não abriu as portas para eles, ou, como a
Moradora 2, vinculada a um projeto patrocinado pela Samarco, que disse, rindo, não
ter acesso a ela. Para nós, esse sorriso é um discurso, não dito, que interpretamos
como uma forma de ironia, uma incredulidade da parte dela. Pois, mesmo tendo um
vínculo com a Samarco, ela não consegue estabelecer contato quando quer.
O fato de a comunidade reconhecer que a Samarco vai até as lideranças
comunitárias sistematicamente, não só até os representantes dos projetos, a nosso
ver, está associado diretamente à razão de a organização considerar tal
relacionamento relevante. Isso pode ser atestado pela observação de seu
organograma: existe uma gerência encarregada do relacionamento com as
comunidades do seu entorno. Nessa gerência, encontra-se a analista de
Relacionamento com a Comunidade da Samarco, Ana Clímaco, que tem por
112
formação acadêmica o Jornalismo e as Relações Públicas. No cargo há dois anos e
meio, ela explicou que essa área se transformou em uma gerência, subordinada à
Gerência Geral de Desenvolvimento Sustentável. Vejamos no organograma abaixo:
Figura 10: Organograma da Gerência de Sustentabilidade da Samarco (SAMARCO, 2008).
Segundo a analista de Relacionamento com a Comunidade, constam das
suas atribuições: articular o processo de comunicação com as comunidades das
áreas de influência da Samarco e estruturar a política de investimentos sociais, que
organiza a liberação de patrocínios e estimula os empregados a participar de ações
de voluntariado. Ela resumiu a área da seguinte maneira: “A gente atua em três
frentes: diálogo social, investimento social e engajamento interno”. A materialização
do programa de diálogo social se dá pelas visitas que essa profissional faz
sistematicamente à comunidade por intermédio de encontros com os grupos
patrocinados e com lideranças, em periodicidade que varia de semestral a anual, e
de visitas de convidados da comunidade às instalações da Samarco.
A política de investimento social é orientada por uma cartilha com uma série
de quesitos que o sujeito solicitante tem de atender por meio de editais públicos de
seleção de projetos. Numa perspectiva discursiva, essa cartilha, com 61 páginas,
parece-nos um dispositivo de gestão e controle discursivo que insere os moradores
113
da comunidade no universo da organização, no seu quadro de referências. É um
código de conduta com “instruções” discursivas que pretende orientar a comunidade
sobre como relacionar-se com a organização, como conseguir dela apoio financeiro
para os seus projetos via adoção desse discurso. Ao analisarmos o projeto enviado
à Samarco pela Associação Arte, Mãos e Flores, confirmamos tal perspectiva.
Apesar desse viés direcionador, percebemos a instituição de um
departamento específico para o relacionamento com a comunidade como uma ação
inovadora. A maioria das grandes organizações não tem um departamento próprio
para estabelecer relação institucional com a comunidade de seu entorno.
Normalmente, há um empregado que cuida dessa relação, estando esse vinculado
ao Departamento de Comunicação Institucional. Entretanto, como veremos ao longo
da nossa análise, isso não garante por si só a legitimação da organização perante
os moradores de Antônio Pereira.
Podemos verificar esse fato quando, após apresentarmos a declaração da
missão aos nossos entrevistados, perguntamos: “Você acha que a Samarco cumpre
a sua missão? A maioria respondeu que sim, com algumas ressalvas importantes.
Vejamos alguns depoimentos:
Cumpre. Porque ela tá mandando sempre curso aqui para nós. Já ajuda,
né? A gente vai fazendo alguma coisa e vai passando para frente (Moradora
5).
Sim. Aqui é um lugar que tem muitos empregados dela. Isto é muito
importante pra nós. Porque antes dela, aqui as pessoas não conseguiam
emprego, não conseguiam nada. Hoje conseguem curso, conseguem
emprego (Moradora 3).
Em parte, sim. Por exemplo, nós estamos precisando de investimento na
juventude, no esporte, principalmente porque o esporte é saúde, educação
e tira as crianças da rua. Acho que o investimento da Samarco é muito
pouco (Morador 13).
Há, porém, depoimentos nos quais os moradores não acreditam que a
Samarco cumpre a sua missão. “Eu acho que não. Porque uma empresa, por lei,
tem que aplicar certa porcentagem na comunidade. E ela não aplica o que poderia.
É muito pouco” (Moradora 5).
É válido observar que os depoimentos mais favoráveis à realização da missão
por parte da Samarco são de moradores vinculados a projetos patrocinados pela
organização. Percebemos, pela resposta, um sentido de gratidão à ajuda dada. Por
outro lado, os moradores que dão depoimento negativo são aqueles não vinculados
114
a ela; eles transmitem um ressentimento por não terem conseguido receber verbas
para os seus projetos, o que parece interferir na sua percepção. E há aqueles que,
mesmo recebendo patrocínio da Samarco, entendem que a empresa cumpre apenas
em parte a sua missão, por considerar que ela poderia fazer muito mais, tanto no
aspecto econômico como no ambiental e, principalmente, no social. É o caso destes
depoimentos:
As pessoas de Antônio Pereira estão sentadas em cima de um monte de
‘ouro’ e o pessoal tá passando fome (Morador 28).
Para nós, tá ficando só o buraco. O minério tá indo todo embora (Morador
27).
Compilamos a percepção dos moradores sobre os três discursos da Samarco
– missão, visão e valores – na Figura 11.
Samarco
Missão
Somos uma empresa brasileira,
fornecedora de minério de ferro de
alta qualidade para a indústria
siderúrgica mundial. Buscamos
contribuir para melhorar as
condições de vida e bem-estar das
pessoas e para o desenvolvimento
social, econômico e ambiental, por
meio da utilização responsável dos
recursos naturais e da construção
de relacionamentos duradouros,
baseados na geração de valor.
Moradores de Antônio Pereira
entrevistados
A comunidade reconhece que a
organização contribui com a melhoria
de vida da comunidade do entorno.
Ela entende, porém, que é muito
pequena essa contribuição. Os
moradores consideram que, pela
riqueza que a Samarco extrai, pelos
impactos que causa, ela deveria dar
uma contrapartida muito maior e
melhor.
Visão
Ser a empresa de mineração líder em
pelotização e reconhecida como uma
organização de classe mundial.
A comunidade reconhece a
grandiosidade da organização. Mas
isso traz para os moradores a
percepção de que, por isso mesmo,
ela poderia contribuir mais com a
comunidade.
Valores
Nossas ações são orientadas por
princípios de justiça, valorização da
vida, bem-estar coletivo, respeito às
pessoas, comprometimento e
A comunidade concorda em parte,
principalmente no que diz respeito a
“manter relações claras”. A maioria,
apesar de reconhecer um esforço da
115
superação na entrega de resultados.
Estabelecemos relações claras e
duradouras, fundamentadas na ética e
orientadas para a geração de valor a
todas as partes de interesse.
A criatividade, associada a uma
contínua busca pelo desenvolvimento
tecnológico, proporciona a oferta de
qualidade e confiabilidade em
produtos e serviços, atributos
necessários a nossa perenidade.
organização em relacionar com os
moradores, acredita que poderia haver
mais diálogo. E, sobre questões
típicas do negócio de mineração, eles
parecem não se interessar, não
conhecer para poder opinar.
FIGURA 11: Quadro comparativo com os discursos emitidos e recebidos pelos sujeitos
(SAMARCO, 2008)
Assim, após conversarmos sobre a missão, introduzimos a questão da
“sustentabilidade”, apresentando aos moradores entrevistados parte do discurso do
presidente da organização, no qual afirma ser a sustentabilidade um dos pilares da
gestão da Samarco, entendida pela organização como a geração de valor e
parcerias, que asseguram o equilíbrio entre a dimensão econômica, sociocultural e
ambiental, não só para a organização, mas para toda a sociedade. Em seguida,
indagamos: “Você acha que a Samarco é sustentável? A empresa consegue por em
prática o seu conceito de sustentabilidade?” E, mais uma vez, a maioria respondeu
afirmativamente, porém apresentando razões muitos diferentes, o que caracteriza
polissemia de sentidos.
Investir nos nativos, né? Também se tem um funcionário dela que não tem
formação, tem nível técnico e vai fazer Engenharia, ela dá o direito dele sair
no horário de trabalho para estudar (Moradora 1).
A forma dela ser sustentável é fazendo os projetos com a comunidade
(Moradora 9).
Vemos, no entanto, com base em alguns depoimentos que boa parte dos
entrevistados vê, com certa desconfiança, o discurso da sustentabilidade empregado
pela Samarco, quando afirma que a organização cumpre essa “promessa”
parcialmente.
É, em parte, porque ela gera emprego na nossa região, é uma boa parceira.
Mas precisa investir mais, né? (Moradora, 3).
A empresa tem participação nas questões sociais, mas acho que devia
fazer muito mais para ser sustentável (Morador 28).
Existem leis específicas para isto, né? Ela tem obrigações a cumprir. Acho
que ela cumpre. Acredito que, dentro deste contexto, ela é sustentável
(Morador 11).
116
Desta forma, podemos afirmar que os moradores reconhecem que a Samarco
realiza parte de seu discurso sobre a sustentabilidade, principalmente no que diz
respeito a aspectos sociais, delimitados por eles como patrocínio em projetos sociais
e geração de emprego. Mas fica clara a sensação de incompletude, ao
demonstrarem a insuficiência dessas ações.
Entretanto, quando questionamos os moradores entrevistados de Antônio
Pereira o que eles entendem por “sustentabilidade”, a maioria não conseguiu dar um
significado para o termo. Todavia, foi capaz de identificá-lo, direta ou indiretamente,
quando mencionamos alguns discursos ou ações da Samarco. Apresentamos este
depoimento como exemplo: “Sustentabilidade, hum, vou ficar devendo, no momento
não sei o que é” (Moradora 3). Mas, quando lemos o trecho do discurso do
presidente no qual ele fala de geração de valor para as partes interessadas,
explicando que a comunidade está inserida ali, uma entrevistada admite que a
empresa propicia ações de sustentabilidade, justificando: “Porque a Samarco dá
valor às pessoas e ajuda a comunidade” (Moradora 3).
Assim, percebemos que os moradores vinculados a projetos patrocinados
pela Samarco articulam o discurso da sustentabilidade com a organização,
afirmando ouvir esse termo nas reuniões das quais eles participam .
O que eu entendo por sustentabilidade é... a gente mesmo gerar renda né,
pras famílias de Antônio Pereira, e a Associação Arte, Mãos e Flores tá
caminhando, mas precisa de mais... Assim porque a gente recebe pouco
por mês aqui (Moradora 2).
Para mim ela (organização) tá aplicando a sustentabilidade para alguns
grupos da comunidade, para que a própria comunidade se torne sustentável
independente dela (Moradora 5).
É você preservar o meio ambiente. É tirar o minério sem agredir o meio
ambiente a ponto do homem não poder viver (Morador 28).
Analisamos esse fenômeno por duas perspectivas, que, embora não sejam
distintas, se complementam. Primeiro, inferindo sobre o pensamento de Foucault
(1996) sobre a heterogeneidade nos discursos e processos de irregularidade e de
descontinuidade, que, em nossa opinião, permite ao sujeito transitar por diversas
posições. Essas irregularidades não polarizam o posicionamento do sujeito entre
rejeição e aceitação de forma contínua; no entanto, mesmo dentro dessas séries
descontínuas, é possível encontrar regularidades que lhe dão sentido, nexo ao
discurso.
117
Dito de outra maneira e utilizando a percepção de Fausto Neto (1992), o
discurso é um espaço habitado por muitos sujeitos; “lê-lo” significa colocá-lo em
movimento, podendo ir mais para um lado ou para outro, refutá-lo em alguns
momentos e aceitá-lo em outros, sem com isso perder a regularidade que fornece
conexão entre os sujeitos.
Tal fenômeno aconteceu no momento em que, primeiramente, perguntamos
aos moradores entrevistados se a Samarco seria sustentável, oferecendo a eles
uma chave interpretativa, por meio de trechos do discurso do presidente. A maioria
respondeu de forma positiva, ou seja, que a Samarco seria uma organização
sustentável. Em seguida, indagamos, de forma direta, o que eles entendiam por
sustentabilidade, e a maioria disse não saber o que isso seria. Em nossa análise, tal
contradição representa uma descontinuidade, brecha para uma possível reflexão.
Visto por outra perspectiva, observamos que esse engendramento entre o
termo “sustentabilidade” e a Samarco, por parte dos moradores entrevistados,
confirma o poder da organização, pela sua centralidade econômica, social e cultural,
enquanto emissora do discurso. Esse fato também nos leva a crer que a
organização introduziu tal termo no quadro de referências dos moradores de Antônio
Pereira e que ele faz parte do contrato de comunicação estabelecido entre eles. É
importante ressaltar que esse contrato parte da Samarco, para, então, ser
apropriado pela comunidade. Fausto Neto (1992) confirma teoricamente nossa
análise, ao dizer que os contratos de leitura são um conjunto de regras e instruções
produzido pelo emissor para ser seguido pelo campo da recepção, que, ao aceitá-lo,
se insere no sistema interativo.
Apesar de termos a consciência de que o discurso da sustentabilidade está
exposto por toda a mídia e podermos até dizer que está na “moda”, principalmente
no vocabulário organizacional, a maioria dos moradores de Antônio Pereira
entrevistados o conhece e o define tendo em vista o discurso da Samarco. Fato que
confirma que a organização o utiliza para direcionar a relação com a comunidade,
como dispositivo de poder e de interação.
Entretanto, percebemos que a relação de poder da Samarco, como emissora
que regula e estrutura o discurso da sustentabilidade, e o fato de a comunidade se
apropriar desse discurso proposto, aceitando as “instruções” de leitura presentes no
contrato, não significa um apagamento da sua condição de sujeito da interpretação
ou a sua condição de refutar o sentido. Vejamos esta afirmação do Morador 15:
118
“Somos muito úteis para a legitimação do discurso de sustentabilidade – e de
responsabilidade social – da organização. Mas falar com ela, Samarco, nos ajuda a
dar conta de onde estamos”.
Esse depoimento não só vem confirmar que a comunidade continua sendo
um sujeito de ação, que tanto se utiliza da realidade dada, quanto a postula;
portanto, não há um apagamento do sujeito e que existe uma tensão constituída na
interação, que se apresenta sinuosa, já que tanto a comunidade de Antônio Pereira
como a Samarco se complementam discursivamente.
Ajudando-nos a compreender esse fenômeno, Canclini (2003) observa que há
na interação a presença de uma necessidade recíproca entre os sujeitos, “ambos se
vinculam mediante um jogo de usos do outro nas duas direções” (CANCLINI, 2003,
p. 277). Por essa perspectiva, a Samarco precisa da existência de uma comunidade
com alguma autonomia para concretizar seus objetivos discursivos. Quando
perguntamos à analista de Relacionamento com a Comunidade da Samarco se o
programa “Diálogo Social” era uma forma de mobilização da organização para
mobilizar a comunidade, ela confirmou e informou ser o objetivo mobilizar e envolver
a comunidade nos programas propostos. Segundo ela, “se a comunidade não se
mobiliza, a Samarco não consegue o engajamento da comunidade e não conclui seu
objetivo”.
Essa afirmação pode ser analisada por duas vertentes. Uma, que confirma
nossa premissa da interdependência entre os sujeitos em discurso; e outra, que a
Samarco parece estar consciente de que as políticas que propõem mudanças com
uma perspectiva maniqueísta, omitindo os compromissos mútuos, tendem a
fracassar. Aproveitando a opinião de Canclini (2003, p. 278-279), podemos afirmar
que a interação entre a Samarco e a comunidade de Antônio Pereira é palco de luta,
onde o confronto, instituído discursivamente, é um modo de encenar tanto a
desigualdade no embate usado para defender a especificidade de cada um, como
para defender a diferença, pensando em si mesmo, no caso a comunidade; porém,
através daquele que desafia, a Samarco. Mas esse mesmo palco da interação é
também o lugar onde a comunidade dramatiza as experiências da alteridade e do
reconhecimento. Portanto, mesmo se apropriando do discurso da Samarco, a
comunidade abre brechas e produz a reconstrução de sentidos, como nos mostra os
seguintes depoimentos:
119
Sustentabilidade é você gerar seu próprio sustento, sua própria geração de
renda (Morador 26).
É cuidar do lugar que a gente vive. Sustentar significa cuidar, preservar,
garantir, segurar, né, a palavra já diz tudo (Moradora 1).
Sustentabilidade é ter renda fixa (Moradora 24).
Estamos em busca de sustentabilidade, né? Eu só sei que a Samarco não é
de todo sustentável (Morador 27).
Dando continuidade a nossa pesquisa, percebemos, então, que o sentido de
“sustentabilidade” para a comunidade de Antônio Pereira está muito relacionado
com projetos sociais. Para entender essa relação, perguntamos aos moradores
entrevistados o que eles achavam dos projetos sociais patrocinados pela Samarco
no distrito, se a organização havia mudado a vida de Antônio Pereira e se isso a
tornaria uma empresa (mais) sustentável. Analisamos essas questões em conjunto
por entender que estão intimamente ligadas. Desta forma, concluímos que, sobre o
benefício dos projetos patrocinados e a melhoria de vida da comunidade em função
de sua presença, houve aceitação unânime. Todos os entrevistados veem com
“bons olhos”, como positivo, os projetos sociais patrocinados pela Samarco e
afirmam que ela melhorou direta e indiretamente as condições de vida no distrito.
Em contrapartida, muitos dos entrevistados acham que o apoio aos projetos
sociais não credenciam a organização a ser (mais) sustentável.
Quando ela fala nestes investimentos, para ela é ótimo, né? É o marketing
dela. Então ela fica mais forte assim, faz pouco e divulga muito (Morador
14).
Eu acho que ela é participativa, agora, para ser sustentável, precisa de
investir mais (Morador 13).
Antônio Pereira não tem lazer, não tem praças, os jovens não têm nada
para fazer. A riqueza que eles tiram daqui é muito maior do que a que eles
devolvem (Morador 27).
Por intermédio desses depoimentos, observamos a refutação do discurso da
Samarco no que diz respeito aos moradores entrevistados. Tal refutação promove
não uma simples negação do que foi enunciado, mas um novo discurso, de ordem
crítica, que mostra espaços de escape da coerção da parte do emissor. Essa crítica
por parte da comunidade causa uma rarefação no discurso da Samarco e abre
“buracos” no tecido da sua legitimação organizacional.
Faltava, então, abordar a questão dos impactos, dos possíveis malefícios que
a presença da organização gera à comunidade de seu entorno. Sendo assim,
120
perguntamos aos nossos entrevistados se a Samarco causava impactos na região
e/ou na comunidade e, se positivo, quais seriam esses impactos. Alguns não
souberam responder, mas a maioria disse que ocasionava problemas ambientais e
sociais. A Moradora 2, por exemplo, disse que, como o processo é de escavação,
causa uma agressão à natureza. Outros justificaram a sua afirmação dizendo que a
empresa causa impacto no trânsito, poluição sonora, degradação dos rios e das
montanhas. A Moradora 11 nos levou ao seu quintal e nos mostrou várias árvores
frutíferas com o tronco encoberto por um pó cinza, que, segundo ela, era trazido
pelo vento, oriundo das operações da Samarco. Ela afirmou que esse pó estava
adoecendo as árvores, e, por isso, não davam mais frutos.
O impacto mais citado por todos os entrevistados, porém, foi o aumento da
violência, da criminalidade e da prostituição infantil. Eles alegam que,
principalmente as empresas terceirizadas para fazer obras na mineradora, as
empreiteiras, trazem muitos homens para o distrito, modificando a rotina e os
costumes da comunidade. Além do que, quando as obras acabam, muitos desses
trabalhadores ficam desempregados e, mesmo assim, não abandonam o distrito,
aumentando as estatísticas dos grandes problemas sociais.
A maioria dos impactos é negativa. Porque ela vem, retira sua riqueza, tem
seu lucro e a comunidade fica aí, com a área devastada e vários problemas
sociais, [...] porque junto com ela vêm as empreiteiras, e essas, sim,
causam os maiores danos à comunidade. São vidas que são destruídas,
entre pás (Moradora 5).
A analista de Relacionamento com a Comunidade, responsável pela
interlocução com eles e entrevistada após os moradores, reconhece esses
impactos negativos: “Isso é uma queixa deles, é um assunto abordado em todas
as reuniões que a gente realiza na comunidade”. Segundo ela, a Samarco tem
tentado fazer um trabalho de conscientização da população principalmente sobre
a questão da prostituição infantil, por meio de parceria com as escolas, na
tentativa de atingir pais e filhos. Segundo a analista, a comunidade de Antônio
Pereira é a que vive mais próxima das operações da Samarco e a caracteriza da
seguinte forma: “É uma comunidade muito carente, com baixo poder aquisitivo e
com baixa escolaridade também”. No entanto, comparando com outras
comunidades ligadas à Samarco, ela observa que os moradores de Antônio
121
Pereira são mais “articulados”. Isso porque, segundo ela, essa é a comunidade
mais urbana de todas as outras do entorno da organização.
Em tese, essa posição propicia a comunidade de Antônio Pereira mais
informação, mais troca de conhecimento com a sociedade e consequentemente
mais consciência dos seus direitos. Podemos inferir, então, que nesse sentido, a
comunidade é capaz de realizar sua alteridade e que coloca em jogo o embate e
a interdependência discursiva.
Sendo assim, procuramos saber dos moradores entrevistados se existia
compensação por parte da organização para tais impactos negativos. A maioria
diz que a contrapartida é insuficiente em relação aos impactos negativos gerados.
A contrapartida que tem deve ser uns gatos pingados de empregos. Eu não
tenho noção de quantos moradores trabalham na mina Germano, mas sei
que é muito pouco (Morador 14).
Eu acho muito tímida. [...] Não só ela como as outras grandes mineradoras
precisam investir mais no nosso povo (Morador 13).
Não é suficiente. Se eu falar que é suficiente, eu tô mentindo, né? Poderia
tá dando muito mais retorno (Moradora 2).
A analista de Relacionamento com a Comunidade entende que esses
impactos são minimizados pela Samarco mediante projetos sociais e geração de
emprego. Contudo, não conseguimos de nenhuma forma saber qual o número de
empregados da empresa que é efetivamente morador de Antônio Pereira.
Podemos concluir que, nesse caso, os dois sujeitos concordam inicialmente
que haja impactos negativos, já que tanto a Samarco quanto a comunidade afirmam
isso. Mas, quando a questão evolui para a compensação e a contrapartida, o
movimento discursivo da comunidade é de refutação ao discurso da Samarco.
Assim, como afirmou Halliday (1987), o discurso da geração de emprego a qualquer
custo não é mais aceito pela sociedade na contemporaneidade. Neste caso, o
sentido percebido nos discursos dos moradores, ao refutar, é muito claro, é de
negação e de contestação baseados em argumentos sólidos.
Percebemos que nesse momento a comunidade está construindo o próprio
discurso, e não apenas recriando sentidos valendo-se do discurso da organização,
porque este é um discurso opaco, um tema deslegitimador para a Samarco,
portanto, não faz parte de seu repertório discursivo com a comunidade. Ilustra esse
fato a ausência, nos Relatórios Sociais de 2007 e de 2008, dos impactos negativos
122
advindos de suas operações, conforme declarado pelos moradores de Antônio
Pereira.
No entanto, como sujeitos da ação, produtores do discurso, a comunidade
traz a tona, faz emergir, questões que são caras a sua cultura, ao seu quadro de
valores, colocando a Samarco na posição de receptora. Mais uma vez, ficam
evidentes as diferenças, a reconstrução de sentidos, que interferem nas estratégias
discursivas da organização, seja pela utilidade, seja pela compatibilidade, seja ainda
pela transcendência.
Parafraseando Verón (2005), esses são fragmentos discursivos de um tecido
composto de muitas tramas, como o trabalho de patchwork, tão presente no
artesanato de Antônio Pereira. Trama constituída de múltiplos sujeitos, que se
intercalam na produção e na recepção de discursos. Discursos esses que só podem
materializar-se sob a forma de produção de sentidos, advindos do espaço de
defasagem que é gerado pela própria interdiscursividade. Essa ciranda faz parte da
gênese do discurso, formado por esses movimentos de circularidade de sentidos, de
posição e de ideologia tão reveladores na nossa análise dos discursos da Samarco
e da comunidade de Antônio Pereira.
123
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas nossas análises e no referencial teórico que nos serviu de
suporte, podemos afirmar que a adoção do discurso da sustentabilidade por parte da
Samarco Mineração serve a alguns propósitos, sendo o principal deles a sua
legitimação social. A escolha desse discurso por parte da organização se dá a partir
da evocação de valores da cultura contemporânea, como preservação,
solidariedade, ecologia, equidade, inclusão, entre outros.
Fica evidente o deslocamento na contemporaneidade do discurso
organizacional focado no progresso, em que as questões numéricas eram sempre
mais importantes, como quantos empregos são gerados, quanto do PIB a
organização representa, quantos milhões foram investidos nos negócios. Prova
disso é que o balanço financeiro, que até há pouco tempo era o principal documento
da organização disponibilizado para a sociedade, por meio de publicação em jornais
de grande circulação, vem perdendo lugar para o Relatório Social, documento com
informações sobre as ações econômicas, sociais e ambientais da empresa.
Lembramos que isso não significa que um substituiu o outro, mas que o Relatório
Social ganhou mais visibilidade e valoração na atualidade em detrimento do balanço
financeiro.
Nossa análise apontou que esse fenômeno comunicativo se deve à pressão
da sociedade contemporânea, que exige das organizações maior participação nas
questões sociais, educacionais, ambientais, entre outros, visto que os
sujeitos/cidadãos estão mais informados e conscientes dos seus direitos. Assim,
outro propósito para a escolha pelo discurso da sustentabilidade por parte da
Samarco é dar uma resposta a essas exigências da sociedade.
Por essa perspectiva, o discurso da sustentabilidade passa, então, a ser um
ordenador da relação comunicativa com a comunidade do entorno da Samarco, fato
percebido nas pesquisas com a comunidade de Antônio Pereira. A Samarco o
inseriu no quadro de referências, em que são propostos percursos de interpretação
e onde os dois sujeitos se reportam para buscar afinidades e atribuir valores. É ele
que institui e conforma o “contrato de comunicação”. Portanto, observamos pela
pesquisa que tudo que fizer parte do conceito impregnado na sustentabilidade e sua
derivação de sentidos forma a base desse contrato de comunicação entre a
124
Samarco e a comunidade de Antônio Pereira, e tudo que não estiver pertinente a
esse tema é tratado como restrição.
Instituído a princípio pela Samarco como um guia de instruções para o
relacionamento, percebemos que tal contrato é aceito pela comunidade. Estando em
uma posição privilegiada e tendo inicialmente o controle sobre os significados, esse
discurso emitido pela Samarco chega até a comunidade carregado de poder. Esse é
um fenômeno comunicacional muito importante revelado pela pesquisa, ou seja, a
comunidade de Antônio Pereira aceita esse lugar discursivo proposto pela Samarco
e se apropria do discurso da sustentabilidade, confirmando que ele é o operador da
mediação entre os sujeitos em questão. Ainda que não saibam o que significa a
palavra em si, como nos revelou a pesquisa em profundidade, a comunidade
conhece os significados emitidos pela organização.
Todavia, a comunidade se apropria do discurso não de forma ingênua, num
processo de “assujeitamento”, mas como estratégia de interação com a organização
em busca de negociação para as suas questões. E, como afirma Foucault (1996), o
discurso não é um processo serial homogêneo, ele apresenta rachaduras,
mudanças de direção a todo o momento; ao mesmo tempo em que a comunidade se
apropria e se referencia nos significados dados, ela também cria outros sentidos
para a sustentabilidade.
Observamos que a comunidade retira de seu repertório cultural, do seu modo
de vida, os sentidos que atribui à sustentabilidade. E, de maneira aparentemente
trivial, ela traz para a sua realidade, para o seu cotidiano, o sentido da
sustentabilidade, que torna o discurso inteligível para ela, sentido, na maioria das
vezes, diferente dos emitidos pela organização. Circunstância que vem confirmar a
importância do contexto social dos sujeitos na produção de seus discursos. Portanto,
é a partir da vivência daquela realidade, é pela experiência do mundo vivido que a
comunidade produz os sentidos a respeito da sustentabilidade. E, por essas
mesmas razões, ela percebe mais rapidamente os buracos no discurso emitido pela
Samarco, ao contrário de outros interlocutores que interpretam o discurso da
organização por meio da mídia e não possuem experiências que os ajudem a ter um
posicionamento próprio.
Esse fato também revela que, além de produzir os próprios sentidos, a
comunidade de Antônio Pereira tem capacidade de refutá-los em vários momentos,
discordando, ou melhor, escapando dos significados cristalizados. Principalmente,
125
quando a Samarco revela suas ações e práticas ambientalmente corretas,
socialmente justas e economicamente viáveis que eles não conseguem perceber ou
reconhecem apenas em parte.
Portanto, esses movimentos de apropriação, ressignificação e refutação que
se intercambiam no processo relacional da comunidade de Antônio Pereira com a
Samarco provam também uma questão subjetiva implícita na nossa pesquisa, isto é,
que o discurso é poroso, é móvel. Apesar de a Samarco traçar alguns caminhos, ou
colocar regularidades, isso não impede a comunidade de se aventurar por outras
trilhas, em zonas menos explícitas, permitindo manobras de informação, sedução e
negociação por meio de uma reconstrução permanente de sentidos. A pesquisa
confirma essa premissa quando observamos que a comunidade de Antônio Pereira
apresenta movimentos discursivos irregulares, ora apropriando, ora rejeitando, mas
o tempo todo dando a própria interpretação sobre a sustentabilidade.
Por outro lado, não obstante, exercendo seu poder de influência, não só
discursiva, mas econômica, social e política, reconhecemos pela pesquisa que a
Samarco vem se colocando em uma posição de diálogo, em uma comunicação
assentada na perspectiva relacional. Observamos que a organização se mostra
disposta a ouvir, abrindo canais materiais e subjetivos para a interação. O que fica
em questão é isto: a quantidade e a qualidade dessa troca comunicativa que, para a
comunidade, está longe de ser suficiente ou ideal.
Consideramos ser muito proveitoso, seguindo uma sugestão de Verón (2004),
que o emissor, no caso a Samarco, se preocupasse mais com o que o receptor, aqui
a comunidade de Antônio Pereira, faz com o discurso recebido do que apenas
garantir ser ele recebido. Certamente, a organização iria compreender melhor como
a comunidade a percebe.
Desta forma, podemos concluir que as estratégias discursivas promovidas
pela organização em busca de legitimação, como a da utilidade, da compatibilidade
e da transcendência, por meio do uso do discurso da sustentabilidade, concretizam-
se, em parte, analisando pelo ponto de vista da comunidade de Antônio Pereira.
Alguns depoimentos são bastante reveladores nesse sentido como o de algumas
moradoras que, no primeiro momento, disseram ser a organização “uma mãe para
elas”. Cumpre-se aí a imagem da parceira, imbricada com a encarregada de uma
grande missão. E, entendendo a pátria pelo sentido de mãe, institui-se também a
imagem compatriota/irmã em humanidade. O que pode ser melhor do que ser
126
identificado como uma mãe? Essa metáfora vem recoberta por sentidos positivos,
como amor incondicional, proteção e amparo. Mas, mesmo assim, tal percepção não
é unânime, tampouco suficiente para concretizar completamente o discurso de
representação da Samarco em direção a sua legitimação e imagem institucional.
Observamos, ao longo de outros depoimentos, que a comunidade discorda,
nega, critica esses discursos da organização. Isso mostra que as estratégias
organizacionais não conseguem o apagamento do sujeito ou o seu convencimento
por completo.
Aliás, todo o processo interacional discursivo pesquisado foi atravessado por
incompletudes, rasuras, fissuras, incoerências, que nos remetem ao fato de que a
comunicação é da ordem do humano, portanto, beneficamente imperfeita.
Por fim, realçamos que esta pesquisa nos proporcionou olhar a relação
comunicativa das organizações com as comunidades do entorno por uma
perspectiva diferente, a nosso ver, pouco explorada – a do discurso. Fato que nos
alertou para a multiplicidade das formas que podemos ter para pesquisar a
comunicação no contexto organizacional, campo carente de pesquisas. Fica também
a percepção de que ainda se tem muito a explorar sobre a comunicação das
organizações com as comunidades, uma vez que, mesmo percorrendo o processo
da pesquisa com empenho e dedicação, sentimos que há muito a aprofundar.
127
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136
APÊNDICE
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA A COMUNIDADE
Nome:
Idade:
Profissão:
1. A quanto tempo você mora em Antônio Pereira? O que você acha daqui?
2. Você trabalha ou tem parentes que trabalham ou trabalharam na Samarco?
3. Na sua opinião, como é a relação da Samarco com a comunidade de Antônio
Pereira ?
4. Na missão da Samarco está escrito “[...] Buscamos contribuir para melhorar
as condições de vida e bem-estar das pessoas e para o desenvolvimento
social, econômico e ambiental [...]. O que você acha desta disso?
5. “A sustentabilidade é um dos pilares da gestão da Samarco. Para nós
orientar nossas atividades por este conceito, mesmo que ainda esteja em
evolução, significa gerar valor não só para empresa, mas também para as
partes interessadas? Aí está a comunidade. O que você pensa sobre isso?
6. O que você entende por sustentabilidade?
7. Para você a Samarco é uma empresa sustentável? Por quê?
8. Como você vê as obras sociais que a empresa apóia na comunidade? E os
patrocínios? Qual sua opinião sobre eles?
9. Você acha que a Samarco mudou a vida da comunidade de Antônio Pereira?
Se sim, de que forma?
10. As obras sociais, patrocínios que a empresa apóia na comunidade faz dela
uma empresa (mais) sustentável?
11. A empresa causa impactos na região ou/e na comunidade? Se sim quais são
eles?
137
12. Você percebe os benefícios da sua presença e as contrapartidas dadas pela
empresa em função dos impactos gerados? Como?
13. Você consegue conversar com a empresa? Através de que canal?
14. Em sua opinião a adoção do tema da sustentabilidade torna mais fácil a
relação da Samarco com a comunidade de Antônio Pereira?
15. Por ser uma mineradora, quais os impactos ambientais que ela causa na
região ou/e na comunidade? Ainda assim, em função dos impactos gerados,
você considera as contrapartidas dadas pela empresa positivas?
138
ROTEIRO DE PERGUNTAS PARA A RESPONSÁVEL PELO
RELACIONAMENTO DA SAMARCO COM A COMUNIDADE
Nome:
Cargo:
Formação e sua trajetória na empresa:
1. Quais são suas atribuições como representante do relacionamento da
Samarco com a Comunidade?
2. Há quanto tempo está no cargo? Esse cargo existe desde quando?
3. Seu trabalho é específico com a comunidade de Antônio Pereira? Qual a sua
visão sobre essa comunidade? Qual sua percepção sobre semelhanças e
diferenças entre a comunidade de Antônio Pereira e demais comunidades do
entorno da Samarco?
4. O que você entende por sustentabilidade?
5. Você acha que a Samarco é uma empresa sustentável? Por quê?
6. A Sustentabilidade é um discurso que a empresa emprega sistematicamente
nos seus materiais e nas suas relações comunicativas. Você acha que a
comunidade de Antônio Pereira percebe este discurso? Se sim como?
7. Você acha que todos os discursos da organização estão alinhados com o da
sustentabilidade?
8. Quais os meios utilizados pela empresa para relacionar com a comunidade?
Quais os meios disponíveis para a comunidade falar com a empresa?
9. Qual o modelo de relacionamento utilizado com a comunidade?
10. Em 2008, a empresa investiu mais de três milhões em Investimento Social, 1
milhão em educação e 600 mil em Diálogo social. O que é Dialogo Social e
aonde foram investidos estes recursos?
11. Deste total de investimentos quanto foi para comunidade de Antônio Pereira?
12. A Samarco está presente em 29 municípios, 79 comunidades, sendo 207 mil
impactadas diretamente por suas operações ( dados do balanço social) .
Interessa-nos observar os impactos na comunidade de Antônio Pereira. Quais
139
são os principais impactos e como a empresa lida com eles para minimizá-los
ou compensá-los?
13. Você acha que a Samarco mudou a vida da comunidade de Antonio Pereira?
Se sim de que forma?
14. Quantos funcionários de Antônio Pereira estão empregados na Samarco?
15. O discurso da sustentabilidade propicia uma interlocução melhor da empresa
com a comunidade e vice-versa? Ou não interfere?
16. Qual a importância de uma boa relação comunicativa entre a Samarco e a
comunidade de Antonio Pereira?
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