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Sendo o desejo a mola que impulsiona o sujeito ao longo de sua vida, temos
que nos remeter aos nossos tempos mais remotos. Podemos pensar em um bebê
que não consegue por si só saciar sua fome, e chora e esperneia chamando a
atenção de sua mãe ou de um outro alguém que se ocupe dele para satisfazer sua
necessidade. Essa ação de dar o leite, ação específica, a única capaz de acabar
com a fome, deixa uma marca psíquica, um primeiro traço de memória que funda o
psiquismo (FREUD, 1950 [1895]/1996). A criança, quando chorar novamente não
quererá mais somente o leite que sacia sua necessidade, ela alucinará o seio
materno e, assim, neste momento mítico, funda o inconsciente. Trata-se, portanto,
da fundação do desejo propriamente dito. (idem, ibid.). O desejo, portanto, surge
desde muito cedo no sujeito e ele só vai aparecer, segundo Freud (idem, idem), na
ausência do objeto, mesmo porque só se deseja o que não se tem.
Em “A Interpretação dos Sonhos”, Freud (1900/1996) trata o sonho como
realização de desejo, entretanto, não se trata de um desejo qualquer, que podemos
aceitar em nossa vida de vigília. Segundo ele, o desejo não aceito é recalcado, e
este desejo recalcado vai permanecer em algum lugar exercendo seus efeitos. Tal
desejo, não aceito pela nossa consciência, vai procurar no inconsciente sua
expressão a qualquer custo.
Uma das vias pelas quais o desejo recalcado consegue se expressar,
driblando a censura, é o sonho, inclusive considerado por Freud (idem) como a via
régia para o inconsciente, já que esta é a forma de manifestação mais direta do
desejo. Em outras palavras, podemos dizer que o sonho é uma modalidade de
satisfação alucinatória do desejo. Como nos dizem Roudinesco e Plon (1998):
Em Freud, o desejo (Wunsch) é, antes de mais nada, o desejo inconsciente.
Tende a se consumar (wunschfullung) e, às vezes, a se realizar
(wunschbefriedigung). Por isso é que se liga prontamente a nova concepção
do sonho, do inconsciente, do recalque e da fantasia. Daí esta definição que
não variaria mais: o desejo é desejo inconsciente e realização de desejo.
Em outras palavras, é no sonho que reside a definição freudiana do desejo:
o sonho é a realização de um desejo recalcado e a fantasia é a realização
alucinatória do desejo em si. (ibid., 1998, p.147).
O sonho é, em verdade, um texto a ser lido, pois é, ao ser contado,
basicamente estruturado com palavras a serem interpretadas pelo seu sonhador.
Lembramos que o homem pensa em palavras, que no inconsciente estão inscritas
como representantes, como traços mnêmicos.