Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
A INSERÇÃO DA PSICANÁLISE NA SAÚDE MENTAL DA
REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA: POSSIBILIDADES E
DESAFIOS
PAULA STEIN DE MELO E SOUSA
Brasília, 2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA E CULTURA
A INSERÇÃO DA PSICANÁLISE NA SAÚDE MENTAL DA REFORMA
PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
PAULA STEIN DE MELO E SOUSA
Orientador: Prof. Dr. ILENO IZÍDIO DA COSTA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de s-Graduação em Psicologia
Clínica e Cultura, da Universidade de
Brasília, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre
em Psicologia Clínica e Cultura.
ads:
Brasília, 2010
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de s-graduação em Psicologia
Clínica e Cultura, da Universidade de Brasília, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica e Cultura.
Comissão Examinadora:
_________________________________
Prof. Dr. Ileno Idio da Costa
Presidente
__________________________________
Profa. Dra. Ana Cristina Figueiredo
Membro Externo
__________________________________
Profa. Dra. Maria Izabel Tafuri
Membro
___________________________________
Profa. Dra. Daniela Scheinkman Chatelard
Membro Suplente
Dissertação defendida e aprovada em 23/08/2010
Brasília - DF
2010
AGRADECIMENTOS
À minha família, por todo o suporte, entusiasmo e incentivo à formação
acadêmica.
Ao meu orientador, Prof.Dr. Ileno Izídio da Costa, pela oportunidade de
desenvolver esse projeto, pelo apoio, sugestões e orientação que me foram
dados.
Aos meus amigos queridos, que acompanharam de perto a execução desse
trabalho, pelo incentivo, pelas discussões e pelas as ideias compartilhadas.
Ao Grupo de Intervenção Precoce nas Primeiras Crises do Tipo Psicóticas
GIPSI, de onde surgiram as ideias para a elaboração e sustentação deste
trabalho.
À Universidade de Brasília, por me proporcionar as bases da minha formação
acadêmica.
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo estudar como se dá a inserção da Psicanálise no
campo da Saúde Mental, contextualizado no paradigma da Reforma Psiquiátrica. O
estudo foi desenvolvido a partir da revisão bibliográfica de publicações de autores
contemporâneos que se dedicam ao estudo da interface entre psicanálise e saúde mental.
O estudo do material compreendeu aproximadamente 50 publicações, dentre elas,
livros, artigos científicos, capítulos de livros, dissertações de mestrado e teses de
doutorado. A partir do estudo destas publicações, identificamos centros de pesquisa que
desenvolvem trabalhos nessa área, dos quais destacamos o IPUB Instituto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o IPSM/MG Instituto de
Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais. Partindo do pressuposto que existe
parceria de trabalho possível entre psicanálise e saúde mental, buscamos inicialmente
tecer aproximações entre os dois saberes, para depois apresentar as possibilidades de
inserção da psicanálise nesse contexto por meio das propostas de autores
contemporâneos que apostam nessa interface. Em seguida, algumas questões para a
psicanálise nos serviços públicos de saúde mental são problematizadas. Por fim, busca-
se promover diálogos entre saúde mental, psicanálise e o sofrimento psíquico grave.
Palavras chave: psicanálise, saúde mental, reforma psiquiátrica, sofrimento psíquico
grave.
ABSTRACT
The present work aims to study how the psychoanalysis can be included in the mental
health field in the context of psychiatric reform. The study was developed from the
literature review of publications by contemporary authors who study the interface
between psychoanalysis and mental health. The study of the material consisted of
approximately fifty publications, among them books, scientific articles, book chapters,
dissertations and doctoral theses. From the study of these publications, we identified
research centers who study this interface, which we included IPUB – Instituto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro and IPSM/MG Instituto de
Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais. At first we try to make dialogues between
psychoanalysis and mental health and then point the possibilities of inclusion of
psychoanalysis in this context. The proposals of contemporary authors who bet on that
interface are presented. Then, some questions for psychoanalysis in public mental health
are developed. Finally, we seek to promote dialogues between mental health,
psychoanalysis and serious psychic suffering.
Key words: psychoanalysis, mental health, psychiatric reform, serious psychic
suffering.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 7
CAPÍTULO 01 INTERLOCUÇÕES ENTRE PSICANÁLISE E SAÚDE
MENTAL ......................................................................................................................... 10
A clínica ampliada da Reforma Psiquiátrica ....................................................................... 11
Aproximações entre psicanálise e saúde mental .................................................................. 16
A aposta na psicanálise no contexto da saúde mental .......................................................... 21
CAPÍTULO 02 – POSSIBILIDADES DE INSERÇÃO DA PSICANÁLISE NA
SAÚDE MENTAL ........................................................................................................... 30
A aposta ética feita pelo analista ........................................................................................ 30
Vias de acesso à produção subjetiva: o trabalho com o delírio, a via da trivialização e o
trabalho com a arte ............................................................................................................. 34
A construção do caso clínico .............................................................................................. 38
O analista-cidadão .............................................................................................................. 40
A prática entre muitos ........................................................................................................ 42
O trabalho psicanalítico nas equipes interdisciplinares ....................................................... 47
A transmissão da psicanálise nas equipes interdisciplinares ................................................ 53
O intercâmbio entre Universidade e rede ............................................................................ 54
CAPÍTULO 03 QUESTÕES PARA A PSICANÁLISE NOS SERVIÇOS
PÚBLICOS DE SAÚDE MENTAL................................................................................. 57
Dinheiro ............................................................................................................................. 57
O setting ............................................................................................................................ 61
A medicação ...................................................................................................................... 63
Considerações acerca da postura do psicanalista na cnica da saúde mental ....................... 67
CAPÍTULO 04 PROMOVENDO DIÁLOGOS: SAÚDE MENTAL,
PSICANÁLISE E SOFRIMENTO PSÍQUICO GRAVE ............................................... 70
Problematizações acerca do sofrimento psíquico grave....................................................... 70
Aproximações entre o sofrimento psíquico grave e a psicanálise no contexto da Saúde
Mental ............................................................................................................................... 72
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 82
7
INTRODUÇÃO
A Saúde Mental compreende um vasto campo de saberes que se entrecruzam de
modo complexo e intersetorial. No presente trabalho, a Saúde Mental é abordada pelo
referencial do movimento da reforma psiquiátrica, que questionou o tratamento
oferecido à chamada “doença mental” e buscou oferecer novas respostas sociais à
loucura, com o intuito de evitar a segregação e cronificação decorrentes da
hospitalização.
O início do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil é marcado mais
intensamente pela dimensão política, em especial no que se refere às denúncias do
caráter excludente do modelo asilar. A partir dos pressupostos éticos e do referencial da
reforma psiquiátrica, pode-se caminhar no sentido de pensar em abordagens e
intervenções terapêuticas cada vez mais adequadas a este contexto específico.
O presente trabalho tem como objetivo estudar como se a inserção da
psicanálise, em seus aspectos teóricos e cnicos, no campo da saúde mental, sendo esta
contextualizada no paradigma da reforma psiquiátrica.
O estudo foi desenvolvido a partir da revisão bibliográfica de publicações de
autores contemporâneos que se dedicam ao estudo da interface entre psicanálise e saúde
mental. A partir do estudo das publicações, identificamos alguns centros de pesquisa
que desenvolvem trabalhos nessa área, dos quais destacamos o IPUB Instituto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o IPSM/MG Instituto de
Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais. Foram realizadas visitas nos referidos
centros e em suas bibliotecas com o intuito de buscar referências bibliográficas
adicionais.
Inicialmente busca-se no primeiro capítulo tecer interlocuções entre psicanálise e
saúde mental. Para tanto, contextualizamos inicialmente a saúde mental na clínica
8
ampliada da reforma psiquiátrica. Em seguida, as interfaces entre psicanálise e saúde
mental são problematizadas, e por fim a aposta na psicanálise no contexto da saúde
mental é apresentada.
No segundo capítulo, as possibilidades de inserção da psicanálise no contexto da
saúde mental são desenvolvidas por meio das propostas de autores contemporâneos que
apostam nessa interface. A discussão é inicialmente situada na aposta ética que o
analista faz ao habitar essa área. São abordadas, em seguida, as propostas de acesso à
produção subjetiva, a saber, o trabalho com o delírio, a via da trivialização e o trabalho
com a arte. A construção do caso cnico é apresentada como uma contribuição da
psicanálise à área da saúde mental, seguida pela noção do analista-cidadão, que
contribui na medida em que localiza a função do analista na saúde mental. Desenvolve-
se, a seguir, o conceito da prática entre vários e das propostas de trabalho psicanalítico
nas equipes interdisciplinares, de transmissão da psicanálise nessas equipes e do
intercâmbio entre Universidade e rede.
O terceiro capítulo objetiva problematizar algumas questões para a psicanálise
nos serviços públicos de saúde mental. As questões que elegemos para discutir referem-
se à ausência de pagamento diretamente ao analista, ao segmento social geralmente
empobrecido a que pertencem os usuários da rede pública de saúde mental, à ausência
do setting psicanalítico tradicional e à medicalização a que estão submetidos os usuários
da rede. Por fim, serão desenvolvidas considerações acerca da postura do psicanalista
nos serviços públicos em saúde mental.
O quarto capítulo busca promover diálogos entre saúde mental, psicanálise e o
sofrimento psíquico grave. Para tanto, problematizações acerca do termo sofrimento
psíquico grave serão inicialmente apresentados, para, em seguida contextualizar tal
9
noção na área da saúde mental e tecer aproximações possíveis entre sofrimento psíquico
grave e psicanálise.
10
CAPÍTULO 01 INTERLOCUÇÕES ENTRE PSICANÁLISE E SAÚDE
MENTAL
Todo abismo é navegável a barquinhos de papel.
Guimarães Rosa
A atual compreensão de Saúde Mental consiste em uma concepção ampliada de
diversos conhecimentos, que se entrecruzam de modo complexo, plural e intersetorial.
Não é mais possível conceber uma única área de conhecimento ou apenas um tipo de
profissional atendendo às demandas dos usuários da rede de saúde mental. Do mesmo
modo diversificado e multidisciplinar devem ser as formas de intervenções terapêuticas
(Amarante, 2007).
A Saúde Mental, na perspectiva do presente trabalho, se abordada pelo
referencial do movimento da reforma psiquiátrica, que tanto no Brasil quanto em
diversos outros países questionou o tratamento oferecido à chamada “doença mental” e
o saber médico-psiquiátrico que o fundamentou.
O Brasil tem caminhado no sentido de implementar a reforma na rede de saúde
mental. Embora inúmeros avanços sejam reconhecidos, a análise hisrica do
movimento da reforma psiquiátrica extrapola os objetivos específicos deste estudo.
O processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil foi marcado fortemente no seu
princípio pela dimensão política, particularmente por meio de denúncias do caráter
excludente do modelo asilar. Neste momento inicial, houve pouco espaço para as
discussões propriamente clínicas, que o processo de desinstitucionalização
representou o apenas uma crítica à instituição asilar, mas também à cnica
psiquiátrica tradicional que legitimou, fundamentada na ciência biomédica, práticas
segregadoras (Rinaldi, 2006).
11
Deste modo, a partir dos pressupostos éticos e do referencial da reforma
psiquiátrica, pôde-se caminhar no sentido de pensar em abordagens e interveões
terapêuticas cada vez mais adequadas a este contexto específico.
O presente trabalho tem como objetivo estudar como se a inserção da
psicanálise, em seus aspectos teóricos e cnicos, na rede de saúde mental. Para tanto,
inicialmente, propõe-se percorrer a contextualização da clínica ampliada da Reforma
Psiquiátrica, por meio da análise de algumas experiências inovadoras de desconstrução
manicomial; tecer aproximações entre psicanálise e saúde mental, a partir de autores
que analisam possíveis convergências entre os dois saberes; e, por último, indicar o
posicionamento de aposta na inserção da psicanálise na saúde mental, com as
conseqüentes reflexões que se fazem necessárias.
A clínica ampliada da Reforma Psiquiátrica
O modelo psiquiátrico decorrente do modelo biomédico teve na hospitalização e
na medicalização suas principais ferramentas terapêuticas. A reforma psiquiátrica, no
propósito de oferecer outras respostas sociais à loucura, que não o inevivel destino
asilar, busca criar novos agenciamentos sociais com o intuito de permitir ao
denominado louco que se mantenha na sociedade. A internação, nesta perspectiva, deixa
de ser o único destino, e passa a ser um recurso apenas necessário eventualmente
(Tenório, 2001).
O processo de desconstrução da cultura manicomial revelou o hospício e sua
organização dos espaços-tempos como promotores de identidades cronificadas.
Promover autonomia, cidadania e produções de subjetividade são propósitos da clínica
reabilitativa que se contrapõe ao modelo de segregação manicomial (Lancetti, 2006).
Com o intuito de cumprir com estes prositos, o movimento de Reforma
Psiqutrica defende a extinção progressiva do modelo manicomial concomitantemente
12
à implantação progressiva do modelo substitutivo, que é constituído por diversas
modalidades de serviços, tais como serviços ambulatoriais, hospitais-dia, unidades
psiquiátricas em hospitais gerais, centros de convivência, serviços residenciais
terapêuticos, trabalho protegido, dentre outras formas de intervenção ampliada.
Para garantir que os serviços substitutivos possam de fato romper com a lógica
manicomial, e não apenas se configurarem como serviços que apresentam roupagens
novas sem, no entanto, promover a ruptura com o paradigma anterior, estratégias
institucionais como inserção territorial, apoio matricial, gestão colegiada e supervisão
clínico-institucional podem e devem ser adotadas.
Vale ressaltar, no entanto, que o processo da reforma psiquiátrica não se reduz
apenas a mudanças no âmbito assistencial. Para que mudanças estruturais possam de
fato ocorrer, as transformações no âmbito da assistência precisam se articular a
intervenções na cultura, para que novas ideias e posturas acerca da loucura possam ser
reelaboradas e recriadas.
No sentido de superar a noção que reduz a reforma psiquiátrica à mera
reestruturação dos serviços, Amarante (2007) propõe que o campo da saúde mental deva
ser pensado não como um modelo fechado, mas como um processo, que é social e
complexo. Tal processo pressupõe movimentação e constante transformação, em que
dimensões variadas se entrelaçam simultaneamente, produzindo ora convergências, ora
paradoxos. Para sistematizar a análise, as dimensões do processo social complexo são
analisadas didaticamente pelo autor nas vertentes teórico-conceitual, teórico-
assistencial, jurídico-potica e sociocultural.
As essas considerações iniciais, vale tecer algumas observações importantes
acerca do termo já consagrado como clínica ampliada”. Entendemos pertinente a
utilização da expressão neste contexto para abdicar de uma acepção estreita da clínica, e
13
ao mesmo tempo preservar o termo em suas potencialidades e tradição. Tenório (2001)
traz críticas em relação ao seu emprego, que merecem ser destacadas:
Embora consagrada, a expressão não deixa de merecer objeções. Aqueles
que acreditam que a clínica traz consigo a negativização da experiência
da loucura entendem que essas práticas não devem ser consideradas uma
‘ampliaçãoda cnica, mas sim situadas fora dela, sem lhe prestarem
tributo e sem estarem aprisionadas por suas categorias. os que
valorizam a clínica como atividade que se faz junto ao paciente,
orientada pela singularidade de cada caso e pela implicação ética do
agente do cuidado, entendem que não há necessidade de descrevê-la
como ‘ampliada’, pois ela não é senão a própria clínica, a boa’ clínica, a
clínica por excelência (p.72).
Deste modo, concordamos com o autor quando ele afirma que a clínica ampliada
é apenas o resgate da clínica complexa abandonada pela psiquiatria. Entretanto,
justificamos sua utilização pelo valor estratégico que tem ao enfatizar sua extensão por
meio da incorporação de elementos anteriormente excluídos das práticas cnicas.
Dando continuidade ao percurso proposto, e em consonância com o contexto da
reforma psiquiátrica, serão apresentadas algumas experiências diferenciadas que
consistem em possibilidades de trabalhos clínicos mais ampliados, capazes de abarcar
indivíduos com vivências de sofrimento e exclusão para os quais o modelo clínico
tradicional se mostrou inadequado ou insuficiente. Considera-se importante destacar
experiências relevantes da cnica ampliada em saúde mental, pois é neste contexto que
serão analisadas as possibilidades de inserção da psicanálise.
A partir da noção de peripatetismo, Lancetti (2006), por exemplo, elenca uma
série de experiências clínicas que acontecem fora do consultório, ao longo de passeios,
caminhando. O termo peripatético é usado pelo autor na acepção comum do adjetivo e
também na etimológica, que significa “passear, ir e vir conversando”. A cnica é, desta
maneira, praticada em movimento, fora dos espaços de reclusão e segregação. Implica,
portanto, em uma postura do profissional de estar presente em movimento,
14
desterritorializando o contexto e o setting tradicional, e habitando o limite em situações
de miséria, conflitos e violência.
Estratégias diversificadas e inventivas são apresentadas, visando criar formas de
intervir em situações complexas, nas quais os procedimentos tradicionais falharam ou se
mostraram insuficientes. O autor traz como exemplos o que ele denominou de
pedagogia da surpresa e de internação invertida.
Na pedagogia da surpresa, os sujeitos eram surpreendidos no momento em que
menos esperavam. Por volta das seis da manhã, uma equipe saía em busca de crianças e
adolescentes usuários de crack em situação de rua. A equipe os levava, mesmo que à
força, para um lugar onde tinham acesso à atendimento médico, providências de higiene
pessoal (corte de cabelo, banho), alimentação e lazer. Após esse procedimento, o
encaminhamento das crianças e adolescentes era decidido junto à equipe.
No caso da internação invertida, os próprios profissionais se internavam com os
meninos considerados mais “difíceis” em um local isolado. Nesta experiência, fatos
surpreendentes surgiram, pois fora do contexto e terririo habituais, comportamentos
diferentes puderam emergir. Desta forma, uma população que não se adaptaria a
atendimentos em consultórios, ou em espaços reservados, pode ser abarcada a partir de
propostas inovadoras.
Não se pode desconsiderar, no entanto, que a deambulação também se depara,
com freqüência, com fracassos e desvios, pois não há fórmula mágica nem receita
pronta. O que existe é tentativa e erro, fazendo com que a eficácia das interveões seja
conhecida a partir de seus efeitos.
Assim, a clínica peripatética se constitui de modo paradoxal, em meio a
impasses e surpresas. É desenvolvida a partir da vontade de experimentar estratégias
novas e da determinação ética do terapeuta.
15
Com proposta semelhante, Lobosque (2003) defende o que ela denomina
clínica em movimento” para designar uma clínica que não caminha para si mesma, mas
que está constantemente se articulando com tudo o que se movimenta na cultura, na
vida e na sociedade. Tal clínica visa retirar a função de controle social exercida
tradicionalmente na saúde mental, em nome de sua fundamentação técnica e científica, e
trabalhar no sentido de oferecer maior independência e autonomia aos indivíduos em
sofrimento psíquico grave.
A “clínica em movimento”, para cumprir o objetivo de oferecer ajuda a essas
pessoas que vivem experiências de sofrimento, por vezes insuportável, pode usufruir de
conhecimentos que perpassam diversas áreas, que vão desde a farmacologia até à
psicologia, psiquiatria e psicanálise. Entretanto, conforme o posicionamento da autora,
trata-se fundamentalmente de um projeto que não é psiquiátrico ou psicológico, mas
político e social.
A clínica nos serviços substitutivos em Saúde Mental tem o objetivo de tornarem
cada vez mais fluidas e flexíveis as fronteiras entre os espaços destinados a cuidar dos
indivíduos em sofrimento psíquico grave e a sociedade. Para tanto, a própria estrutura
física dos serviços substitutivos é diferenciada, o que evidencia a ruptura com a lógica
hospitalar e permite uma maior circulação das pessoas.
A movimentação das pessoas e as interrupções são constantes e fazem parte do
trabalho, devendo ser admitidas e suportadas, flexibilizando limites que eventualmente
precisem ser impostos. Neste contexto, embora a existência de um espaço de escuta
reservado seja importante, as conversas e intervenções são construídas nas mais diversas
situações: em meio aos corredores, no passeio às dependências sicas da instituição,
sentados em um banco no jardim. Para proporcionar e enriquecer esse convívio, é
16
importante que os técnicos não apenas permitam a circulação dos usuários, mas que eles
próprios também saiam de seus espaços reservados e se movimentem pela instituição.
Para que o projeto dos serviços substitutivos ao modelo asilar tenha êxito, a
autora destaca a importância dos movimentos sociais independentes, que ao cumprir
com o seu papel de combatividade, possam exigir a extinção dos hospitais psiquiátricos,
concomitantemente a uma análise das táticas de integração propostas e executadas pela
aparelhagem psi. A autora considera os movimentos sociais uma das formas mais
expressivas de resistência da atualidade.
Estas experiências de clínica ampliada na saúde mental inauguram novas formas
de pensar a loucura e suas relações com a sociedade. A clínica aqui proposta é
inovadora e inventiva, desprovida de fórmulas prontas. A imprevisibilidade é fator
constante desta clínica que tem os efeitos de suas intervenções conhecidos a posteriori,
pois somente a partir das indicações dadas pelo sujeito pode-se orientar o tratamento.
Os objetivos da clínica ampliada da reforma psiquiátrica consistem em tornar
cada vez mais flexíveis as fronteiras entre o tratamento dispensado ao sujeito em
sofrimento psíquico grave e a cultura em que está inserido. Como exposto
anteriormente, não se trata de um modelo ou de um sistema fechado, mas de um
processo complexo, que se dá em diversas dimensões: políticas, sociais, teóricas e
assistenciais.
Aproximações entre psicanálise e saúde mental
A saúde mental, tendo como referência no presente trabalho o processo da
reforma psiquiátrica, ao romper com paradigmas tradicionais da psiquiatria, abre espaço
para interlocuções com diferentes saberes para sua orientação e direcionamento. A
psicanálise é mais um saber, dentre tantos, a trazer contribuições para se pensar a prática
na saúde mental.
17
Partindo do pressuposto que existe parceria de trabalho possível entre
psicanálise e saúde mental, busca-se neste momento tecer aproximações entre os dois
saberes, ciente de que são termos distintos que o devem ser confundidos. Importante
ressaltar que não se trata de afirmar a psicanálise como orientação teórica hegemônica,
ou única a ser adotada nos serviços de saúde mental. Ao contrário, parte-se do
pressuposto de que a área da saúde mental encontra sua riqueza na multiplicidade de
saberes que, entrelaçados, a come.
Deste modo, dando continuidade ao percurso proposto, apresentam-se
posicionamentos de alguns autores que buscam discorrer sobre as interfaces entre a
psicanálise e a saúde mental, oferecendo contribuições relevantes para a compreensão
das convergências que podem ser encontradas.
Guerra & Souza (2006) ressaltam que, tanto a psicanálise como a saúde mental
questionam qualquer saber ou prática que se pretenda funcionar como agenciador de
controle e normatização social, ou que tenha como efeitos a dessubjetivação ou a
alienação. As autoras compreendem que a relação entre os dois saberes é de extimidade,
pois mesmo sem haver uma intersecção, uma relação ao mesmo tempo íntima e
distante. Deste modo, conceitos e fundamentos da psicanálise podem ser forjados,
quando úteis, como operadores na prática da saúde mental.
Com o objetivo de conhecer sob quais condições a psicanálise vem se efetivando
nos centros de saúde blicos, Fernández (2001) investiga como se a intersecção
entre psicanálise e saúde blica, passando pela análise das relações entre psicalise e
saúde mental. A autora mostra como saúde mental e psicanálise, embora sendo termos
distintos que não devem ser confundidos, podem encontrar no termo psíquico uma
ligação.
18
Ressalta, no entanto, que as concepções históricas acerca do termo são bem
distintas, que a saúde mental tem como foco o homem determinado pela supremacia
da razão, enquanto que a psicanálise descentra o sujeito de sua razão, entendendo-o
como determinado pelo inconsciente. Entretanto, é justamente no psíquico, ou seja, no
inconsciente de acordo com a concepção psicanalítica, que a autora aponta a
possibilidade de intersecção entre psicanálise e saúde mental. Inúmeras conseqüências
podem ser vislumbradas ao se pensar nessa intersecção, principalmente ao avaliar as
concepções históricas discrepantes que envolvem os termos. Uma delas é apontada pela
autora como o possível questionamento das definições oficiais de saúde e saúde mental.
A Organização Mundial de Saúde (OMS), por exemplo, definiu saúde como um
estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente como a
ausência de doenças ou enfermidades (Straub, 2005). Nesse sentido, a autora
questiona como se pode pensar em completo bem-estar mental”, se o mental para a
psicanálise é justamente o psíquico, o inconsciente. Ao reconhecer que o inconsciente se
manifesta no discurso do sujeito, que fala sem saber o que diz e revela sua
incompletude, reconhece-se também a impossibilidade de se pensar em tais definições.
Em consonância com o posicionamento da autora, pensamos não ser possível
assegurar as condições para a promoção e manutenção da saúde sem levar em
consideração o psíquico. E é justamente na saúde mental que geralmente a psicanálise
tem lugar nas instituições públicas de saúde, ainda que de forma bastante controversa.
Na concepção de Ribeiro (2005) existem pontos de extrema convergência entre
psicanálise e Reforma Psiquiátrica. Ambas partem da noção de que a loucura é
produção plena de sentido, considerando o louco um indivíduo capaz de dizer de si
mesmo, e que deve ser considerado em sua singularidade. Deste modo, tal produção que
possuí sentido deve ganhar lugar de existência subjetiva na vida do sujeito que sofre.
19
Neste direcionamento, o tratamento deve privilegiar a criação de estratégias para que o
sujeito possa ter lugar e tecer redes.
Para a autora, o contexto institucional aberto, como o modelo de dispositivo dos
CAPS, traz inúmeras modalidades de atividades, intervenções e vínculos, que
possibilitam que o sujeito se enganche em algum ponto, em algum lugar, para que possa
construir de modo singular seu percurso no tratamento. Na construção desse lugar para
o psicótico, além da prática em si, é necessário também a reflexão acerca dos
referenciais que a guiam.
Assad & cols. (2002) consideram que, mesmo com a inegável importância dos
serviços substitutivos no campo da saúde mental, tais serviços, quando pautados apenas
no foco da reabilitação psicossocial podem levar a dilemas como a dependência dos
usuários às novas formas de acolhimento, o que seria contrário aos propósitos da
própria potica de saúde mental. Desta forma, tais serviços de acolhimento não estariam
interferindo na subjetividade dos pacientes, ou compreendendo-os com os seus
sintomas.
Na concepção dos autores, é no resgate do sujeito como operador de seu próprio
tratamento que a psicanálise pode dar sua contribuição, a partir de seus pressupostos de
escuta do sujeito como ser de linguagem submetido à lógica do desejo. O diferencial da
inserção da psicanálise no contexto da reforma psiquiátrica e da reabilitação seria, nesta
proposta, a promoção de um espaço de escuta em que se permita dar vez e voz à cnica
do sujeito.
Neste mesmo sentido, Tenório (2001) argumenta a favor de uma articulação
possível entre a clínica do sujeito e a atenção psicossocial, ressaltando, contudo, as
limitações de cada saber:
Atenção psicossocial e clínica do sujeito não são a mesma coisa. Mas
uma pode tornar a outra possível – desde que a primeira evite dois riscos:
20
impor ao psitico ideais de funcionamento que são nossos e aos quais
ele muitas vezes o pode corresponder, e o de acreditar que o bem estar
psicossocial torna menos relevante o trabalho subjetivo na palavra; e que
a segunda reconheça os limites de qualquer prática ligada à palavra e a
necessidade, em certos casos prioridade, na psicose grave, de uma ajuda
concreta e cotidiana ao viver (p. 87).
Ainda nesta perspectiva, Carneiro (2008) aponta que a reabilitação psicossocial
que releva apenas a dimensão social e jurídica do sujeito, desconsiderando a motivação
clínica da existência da instituição, promove a própria exclusão da clínica. A clínica que
o leva em consideração as diferentes subjetividades é fadada a desenvolver uma
prática assistencial de caráter disciplinar, sem atentar-se para a singularidade dos
sujeitos em sofrimento psíquico.
Para a autora, ao longo do século XX, houve um processo de continuidade e de
ruptura entre a psicanálise e a clínica psiquiátrica. A continuidade pode ser ilustrada a
partir da apropriação de termos, categorias nosológicas, trabalho com a linguagem, de
modo que a psicanálise fosse considerada herdeira da tradição clínica psiquiátrica. A
ruptura epistemológica pode ser revelada na determinação de uma clínica do sujeito
situada no campo da ética do desejo.
Ao ponderar a respeito das incidências da psicanálise no tratamento psiquiátrico
da psicose, Rocha & Fernandes (2004) indicam que tal incidência significa,
principalmente, que eventos e emergências da psiquiatria podem ser compreendidos
também com base na referência à linguagem e ao discurso. Ponderam ainda, em relação
à cautela e a postura modesta que se deve adotar quanto às promessas de uma
abordagem psicanalítica, centrada na palavra, pois em muitos casos, existe a
inacessibilidade a qualquer tipo de abordagem, inclusive a medicamentosa. Os autores
salientam que a abordagem orientada para o discurso tem, em muitos casos de crise,
mais a característica de uma aposta do que de um procedimento efetivo.
21
Na concepção dos autores, a relevância da psicanálise para a psiquiatria consiste
em considerar que há um dizer propriamente psicótico, ainda que este dizer não obedeça
à gramática e à semântica. A psicanálise viabiliza, deste modo, outra possibilidade de
laço com a loucura ao considerá-la como estrutura particular; entretanto, não exime a
psiquiatria de nenhuma responsabilidade em relação às demandas a ela dirigidas. Ao
reconhecer as limitações impostas pela própria especificidade da psicose, pode a
psicanálise propor novos agenciamentos para a loucura, ao contrário de silenciá-la por
meio de medicamentos.
A aposta na psicanálise no contexto da saúde mental
Parte-se da crença, no presente estudo, de que a restrição trica da psicanálise
com o objetivo de ser completamente fiel aos seus princípios exclui experiências
relevantes que se propõe a dar conta de demandas que o se adaptariam a protocolos
clínicos tradicionais ou ao setting psicanalítico como Freud o concebeu. A proposta,
compartilhada por outros autores (Figueiredo, 2008) é de caminhar no sentido de
investigações empíricas que ultrapassem discussões teóricas, para que experiências
singulares possam ser abarcadas, com o devido cuidado para não assimilar modelos
incompatíveis.
Neste sentido, tal proposta consiste em um desafio teórico e epistemológico, que
objetiva oferecer estratégias a demandas complexas em que os dispositivos tradicionais
psicanalíticos, psiquiátricos ou pedagógicos não funcionam. É necessário, porém,
cautela em relação ao risco inerente de incorrer na falta de rigor teórico o no ecletismo
de práticas divergentes. Entretanto, a assimilação de práticas importantes, com a devida
análise crítica, visa engrandecer o movimento científico e ampliar o âmbito de atuação
da psicanálise.
22
Desde o princípio de sua existência, a psicanálise tem trilhado percursos e
passado por releituras, a depender do contexto histórico-social. Questões foram
repensadas e interpretações particulares foram desenvolvidas, entretanto, determinados
conceitos e construções permanecem sem alterações, a despeito das releituras e
contextualizações, o que permite com que a psicanálise o se confunda com outras
modalidades cnicas.
Vale ressaltar neste momento, pertinente consideração a respeito da
recontextualização da psicanálise, desenvolvida por Figueiredo (1997). A autora chama
a atenção para dois entendimentos que podem ser tomados: a recontextualização no
campo teórico, a partir de revisão conceitual; ou no campo cnico, a partir da
relocalização de sua prática. Assim, considera que não se deve tomar a dicotomia entre
consulrio privado e ambulatórios públicos como dois contextos diferentes que supõem
duas psicanálises, pois deste modo, o local e as condições estariam definindo o
contexto. Na perspectiva proposta, tal diferença grosseira configuraria uma falsa
questão. Nesse sentido, concordamos com a autora quando ela afirma que “o
ambulatório não é um simulacro do consultório, é o próprio consultório tornado
público” (p. 11).
Freud, em artigo intitulado “Recomendações aos dicos que exercem a
psicanálise” (1912/2006) assinala que as técnicas à época apresentadas são decorrentes
de sua experiência profissional e, portanto, apropriadas às particularidades de seu
contexto. Acrescenta ainda que, outros profissionais, no caso, médicos, podem adotar
outras posturas a depender da diferente formação que tiveram ou das características de
sua realidade. Em “Sobre o início do tratamento (Novas recomendações sobre a técnica
da psicanálise I)” (1913/2006), ele novamente ressalta a importância do contexto na
utilização da técnica:
23
Penso estar sendo prudente, contudo, em chamar essas regras de
‘recomendações’ e não reivindicar qualquer aceitação incondicional para
elas. A extraordinária diversidade das constelações psíquicas envolvidas,
a plasticidade de todos os processos mentais e a riqueza dos fatores
determinantes oem-se a qualquer mecanização da técnica; e ocasionam
que um curso de ação que, via de regra, é justificado possa, às vezes
mostrar-se ineficaz, enquanto outro que habitualmente é errôneo possa,
de vez em quando, conduzir ao fim desejado (p.139).
Nesse mesmo sentido, Goidanish (2001) ressalta que a contextualização
constante da psicanálise é imprescindível, considerando a concepção de que não
sujeito fora da cultura, não há sujeito que não seja efeito de seu contexto. É no
movimento de permanente reconstrução e a permanência de ideias centrais e
identificatórias que a psicanálise se mantém.
A inserção de psicanalistas na área da Saúde Mental é hoje uma realidade. Os
analistas, em número cada vez mais crescente nas instituões de saúde mental, podem e
devem habitar espaços institucionais diversos aos do consulrio privado (Rinaldi,
2006).
A área da saúde mental é plural e heterogênea, na qual se encontram
peculiaridades que extrapolam em muito o específico da psicanálise. A quantidade de
respostas sociais que a clínica da saúde mental demanda está bem além do que a
psicanálise, ou até mesmo a psiquiatria, sozinhas, podem oferecer. No entanto, os
analistas devem sentir-se convocados a localizar sua atuação profissional, sem se
desviar da ética que fundamenta a psicanálise.
No campo da saúde mental, não raro, mistura-se parte da psicanálise com parte
da psiquiatria formando, muitas vezes, uma miscelânea indigesta. O problema não é a
junção de saberes em uma área tão heterogênea e propositalmente multidisciplinar, que
encontra sua riqueza justamente na interlocução entre as diversas áreas. O problema
consiste em combinar saberes e teorias, em muitos aspectos divergentes, de modo
frouxo, sem o devido cuidado e rigor em contextualizá-las.
24
Pensar a psicanálise na prática institucional, assim como o tratamento
psicanalítico na cnica das psicoses constitui um desafio que traz questões e impasses,
que não pertencem, entretanto, à ordem da impossibilidade. Primeiramente, porque a
psicanálise é vista por muitos como uma prática de âmbito privado, e seu enquadre
tradicional ocorre nos consultórios particulares. Segundo porque Freud a concebeu
primeiramente no campo da histeria, ou seja, das neuroses, e não das psicoses.
Atualmente, a prática psicanalítica já extrapolou o campo das neuroses, sendo
utilizada como tratamento em diversos quadros psicopatológicos. Entretanto, sua
inserção nas instituições ainda é questionada e polemizada (Monteiro & Queiroz, 2006).
Figueiredo (1997) argumenta que, por mais que o exercício da psicanálise não
dependa de formação universitária ou órgãos oficiais de ensino, o fenômeno de sua
disseminação pôde ser observado nas mais diversas áreas do saber. Entretanto, na
opinião da autora, a difusão da psicanálise não se deu de modo efetivo no exercício da
clínica psicanalítica nas instituições médico-psiquiátricas. Para tanto, dois aspectos são
tomados como possíveis causas: o da demanda de atendimento e o dos próprios
dispositivos de tratamento.
Em relação ao primeiro aspecto, o da demanda de atendimento, importantes
questões são consideradas, tais como as diferenças socioculturais entre terapeuta e
paciente e a discrepância decorrente de tais diferenças nas representações de doença,
tratamento e cura.
Ao analisar esta questão, surge a necessidade de relativização dos valores e
concepções de subjetividade do terapeuta no atendimento psicoterapêutico à população
de baixa renda usuária dos serviços de saúde. Figueiredo (1997), ao propor uma maior
aplicação do dispositivo psicanatico para além de consultórios privados com clientes
inseridos na cultura psi’, considera que as condições de possibilidade de análise não
25
devem ser orientadas estritamente pelos conteúdos mais ou menos inseridos na cultura
psi do discurso do cliente.
Diante dos mais diversos valores e representações de doença dos sujeitos que
buscam tratamento, surge a necessidade de que os ideais de cura do terapeuta sejam
colocados em suspenso para permitir que o atravessamento cultural possa ser benéfico
para aqueles que se submetem ao tratamento psicanalítico.
O segundo aspecto, o dos dispositivos de tratamento, traz a questão dos
dispositivos que concorrem entre si em determinado momento histórico-político,
tornando-se mais hegemônico. Neste sentido, observa-se atualmente, a tendência por
priorizar, na psiquiatria, o tratamento medicamentoso, em razão de maior eficácia e
rapidez de resultados.
Alberti & Fulco (2005) analisam que a revolução científica iniciada com
Descartes, em que o sujeito era entendido sob a primazia da consciência, produz efeitos
significativos nas práticas clínicas cotidianas. Assim, a psicanálise, ao descentrar o
sujeito da consciência, necessita de grande esforço para aproximar-se de outros saberes.
As autoras trazem como sugestão o aprofundamento do estudo teórico da psicanálise,
aliado à sua adequada transmissão, como ferramentas fundamentais para que o diálogo
multidisciplinar possa ser estabelecido.
Embora importantes avanços possam ser considerados no atual panorama de
implementação de dispositivos substitutivos em Saúde Mental no Brasil, Lobosque
(2003) avalia que a participação da psicanálise em tais conquistas já foi maior do que é
atualmente. A autora considera que, não apenas os psicanalistas se afastaram das
questões que envolvem o movimento da Reforma Psiqutrica, como até mesmo as
leituras e debates dos textos de Freud e Lacan são menos freqüentes e inventivos nos
serviços interessados em promovê-la.
26
A partir da contextualização histórica do movimento da luta antimanicomial no
estado de Minas Gerais feita por Lobosque (2003), pode-se entender que, em um
primeiro momento, as leituras de textos psicanalíticos ofereceram importantes
contribuições para romper com a medicalização da loucura. Conforme o relato da
autora, duas vertentes foram tomadas como estratégias de enfrentamento ao discurso
psiquiátrico hegemônico dos anos de 1980: o estudo atencioso dos clássicos da
psiquiatria e o trabalho em torno dos textos de Freud e Lacan. Deste modo, tais textos
usualmente restritos às instituições psicanalíticas, puderam ser socializados,
contribuindo na medida em que trazem a noção de sujeito do inconsciente, a concepção
lacaniana das psicoses e demais conceitos como significante, desejo, Nome-do-Pai,
entre outros que contribuíram significativamente na prática em Saúde Mental.
A autora alerta ainda no sentido de que o reconhecimento da psicanálise e de sua
importância, na medida em que traz a concepção do sujeito descentrado da consciência,
para a clínica nos dispositivos substitutivos em Saúde Mental não pode fazer com que
ela ocupe o lugar das teorias envolventes e globais”. Apenas uma teoria não deve
fundamentar teoricamente as práticas de uma clínica que encontra sua riqueza e eficácia
no seu caráter descentrado, disperso e desprovido de autenticação universalizante.
Nesse sentido, defende uma clínica que se posiciona e desafia relações de poder,
em que as mais diversas referências tricas, filosóficas, psicanalíticas, sociológicas, os
mais variados saberes, parciais, autônomos podem e devem ser utilizados como
instrumentos que interrogam os obstáculos e desafios desta clínica.
A realidade institucional impõe reflexões polêmicas e paradigmáticas aos
psicanalistas, que, como aponta Verztman (1999), possuem pouca base teórica para lidar
com situações diversas às do consulrio particular.
27
No momento em que o sujeito busca o tratamento, o aspecto institucional
aparece, pois é ao nome do serviço que o sujeito faz refencia. Os profissionais que
atuam na instituição, por mais liberdade que tenham na condução dos casos, também
necessitam de adaptar-se às normas e políticas institucionais. Contudo, se algumas
características da instituição podem dificultar o trabalho analítico, outros podem
favorecê-lo, como a possibilidade da busca de uma parcela mais ampliada da populão
por tratamento, no caso deste ser dispensado nos serviços públicos de saúde.
Entretanto, localizar o lugar da psicanálise na instituão sem perder de vista
seus fundamentos não constitui, portanto, tarefa fácil. Nas diretrizes públicas para saúde
mental não se encontram referências acerca do lugar da psicanálise nesta área,
diferentemente de outros saberes, que contam com esse direcionamento (Alberti &
Fulco, 2005). Aos analistas cabe, cotidianamente, reinventar seu lugar na instituição,
bem como assegurar sua participação em debates das poticas públicas de saúde mental.
Ao se propor o tratamento psicanalítico como instrumento clínico na reforma
psiquiátrica, Figueiredo (1999) considera que se deve pensar na própria definição de
psicanálise, visto que práticas diversas são realizadas sob a mesma denominação. Ainda
que diferentes abordagens se apropriem de termos psicanalíticos como inconsciente,
transferência, pulsões, recalque, suas utilizações e definições são diversas. Encontrar um
ponto em comum entre as teorias e práticas psicanaticas, assim como criá-la
constantemente sem romper com o que a caracteriza e demarca, são, na concepção da
autora, pontos de partida para uma proposta de psicanálise dentro do contexto da
reforma psiquiátrica.
Vale ressaltar a pesquisa desenvolvida nos ambulatórios públicos por Figueiredo
(1997), que, ao focar nas peculiaridades dos profissionais psi (psiquiatras, psilogos e
psicanalistas), faz emergir importantes questões relacionadas à inserção da psicanálise
28
nos serviços blicos de saúde. Na referida pesquisa, a autora busca comentar algumas
falas recorrentes dos profissionais, relacionadas a identificações concebidas no decorrer
do percurso de formão profissional, em que fantasias em relação à psicanálise e ao
psicanalista são tecidas. Segmentos de diversos discursos dos profissionais psi são
apresentados, o que permite localizar a posição destes profissionais frente à psicanálise.
Destacam-se os contrapontos da autora frente a questões habituais que aparecem
no discurso como dificultadores da prática psicanalítica nas instituições, no caso da
pesquisa, ambulatórios públicos. No contexto do que se convencionou chamar de
“social”, são apontados como obstáculos: faltas recorrentes, interrupções no tratamento
e histórias de vida marcadas por eventos trágicos permeados por situações diversas de
violência.
Em relação às faltas, a autora aponta que podem ser indicativos de momentos
difíceis tanto na análise quanto na vida do sujeito. Quanto às interrupções, indica os
recursos de um chamado sem repreensão ou de um convite de retorno na medida do
possível. Sobre as histórias de vida, apresenta possibilidades de como trabalhar
psicanaliticamente sem esvaziar a condição social do sujeito, atentando-se para como
são contadas e recontadas as histórias; onde se situa o sujeito; qual a fantasia está
presente; do que ele pode se desfazer para dar outro rumo a sua vida.
Nesse sentido, a autora traz como pertinente desafio o deslocamento do
questionamento usualmente feito de que a população não investe no tratamento (por não
pagar, não saber do que se trata, não poder em função de sua condição social ou não
querer), para os auto questionamentos por parte dos profissionais (por não ser bem
pago? não saber o que fazer de sua própria cnica? não conseguir suportar os problemas
alheios? ou não querer?).
29
Esta autora assinala, a partir de seus estudos, que diversos psicólogos e
psiquiatras referidos à psicanálise adotam o termo psicoterapia de base analítica. Diante
desse fato, enumera possíveis razões: a submissão a critérios inflexíveis na definição da
psicanálise durante seus processos de formação ou porque durante seu percurso
profissional não conseguem definir seu trabalho como psicanálise.
Destaca ainda, outra questão que diz respeito não apenas à trajetória da
psicanálise, mas a uma postura potica. São profissionais mais sensíveis às questões
sociais, normalmente com histórico de milincia potica, que comumente priorizam os
direitos sociais em contraponto as exigências da clínica.
Alcançar formas de intervenções terapêuticas eficazes e teoricamente
consistentes no âmbito da saúde mental é um desafio para os psicanalistas decididos a
atuar nesta área. Estudos e propostas acerca da possível inserção da psicanálise em
instituições de saúde mental têm sido desenvolvidos de modo sério e consistente por
autores contemporâneos.
30
CAPÍTULO 02 – POSSIBILIDADES DE INSERÇÃO DA PSICANÁLISE NA
SAÚDE MENTAL
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do
que é passível de fazer sentido. Eu não: quero uma realidade
inventada.
Clarice Lispector
No primeiro capítulo, buscou-se tecer possibilidades de interlocução entre
psicanálise e saúde mental, a partir do referencial da reforma psiquiátrica. Várias são as
possibilidades de contribuição da psicanálise para o trabalho institucional em saúde
mental. Pretende-se no presente capítulo, elencar propostas de autores contemporâneos
que apostam nesta interface e contribuem para a construção desta interlocução ao
indicar diferentes formas de inserção da psicanálise na saúde mental.
Inicialmente, pretende-se situar a discussão de inserção da psicanálise no campo
da saúde mental por meio da aposta ética que o analista faz ao habitar essa área. Em
seguida, serão abordadas propostas de acesso à produção subjetiva, como o trabalho
com o derio, a via da trivialização e o trabalho com a arte. A construção do caso
clínico é apresentada como importante contribuição da psicanálise à saúde mental. Logo
após, o conceito de analista-cidadão é exposto, por tratar-se de pertinente contribuição
de localização da função do analista na saúde mental. O percurso segue com o
desenvolvimento do conceito da prática entre vários, e das propostas de trabalho
psicanalítico nas equipes interdisciplinares e transmissão da psicanálise em meio a esse
trabalho, finalizando com a proposta de intercâmbio entre Universidade e rede de
atenção à saúde mental.
A aposta ética feita pelo analista
Alguns autores buscaram desenvolver tentativas de delimitação de aspectos
fundamentais ou específicos à psicanálise no campo da saúde mental. Esses
31
posicionamentos serão aqui apresentados, pois indicam a aposta ética que o analista faz
na subjetividade e na escuta singular de cada caso no trabalho institucional em saúde
mental.
Entretanto, antes de apresentar as concepções desenvolvidas pelos autores
contemporâneos, cabe destacar uma citação em que o próprio Freud (1923), com o
objetivo de enfatizar o que de específico na psicanálise, defende as condições sem as
quais não há trabalho psicanatico:
Os pilares da teoria analítica a aceitação de processos psíquicos
inconscientes, o reconhecimento da doutrina da resistência e do
recalcamento, a consideração da sexualidade e do complexo de Édipo são
conteúdos principais da psicanálise e os fundamentos de sua teoria e
quem não está em condições de subscre-los o deveria contar-se entre
os psicanalistas.” (p.65).
Quando a prática psicanalítica está situada no contexto institucional, estará
sempre atrelada à escuta singular do caso. Considerar o psicótico um indivíduo digno de
voz e capaz de dizer sobre si mesmo é uma aposta ética. Ribeiro (2005) desenvolve a
ideia de que a psicose é um lugar existencial e o psicótico um indivíduo dotado de
sentido. Assim, a posição do analista é a de apostar no outro e em sua subjetividade, o
que implica em uma escuta que legitima o dizer o psicótico e o deixa a vontade para
expressar sua construção delirante.
Assad & cols. (2002) indicam claramente que as contribuições que a psicanálise
pode dar no campo da saúde mental dizem respeito à ética da posição subjetiva e à
exigência de que se estabeleça uma clínica da singularidade, impedindo respostas que
pretendam tratar casos psiquiátricos como casos gerais. Deste modo, cabe ao analista
chamar a atenção para a particularidade de cada caso, sempre que respostas generalistas
sejam oferecidas.
Com o intuito de enfatizar o aspecto fundamental da psicanálise, que deve
necessariamente manter-se para que a prática psicanalítica possa ser sustentada na
32
clínica, Goidanish (2001) indica que este seja o da escuta das produções do inconsciente
que ocorrem na relação transferencial. Tal escuta é realizada com base em uma
concepção de sujeito diversa daquela difundida pela ciência positivista, tendo a
concepção psicanalítica como fundamento a noção de sujeito dividido, barrado, faltante,
alienado de seu próprio desejo. Essa escuta possibilita a singularização do sujeito por
meio de sua fala e permite a construção ou reconstrução de um lugar para si no laço
social. Para a autora, o ato de falar e constituir-se a partir de um lugar particular da
inserção na linguagem são aspectos mais fundamentais para o desenvolvimento de um
trabalho psicanalítico do que um divã ou um número nimo de sessões por semana.
Com o objetivo de fundamentar a psicanálise possível nos ambulatórios
públicos, Figueiredo (1997) desenvolveu uma pesquisa com base no método da
argumentação por exemplo, particularizando caso a caso. Esta pesquisa percorreu
serviços diversificados, dentre postos de atendimento médico, centros e postos de saúde,
hospitais gerais, hospitais psiquiátricos e hospitais universitários. Ao indagar-se sobre
as condições de viabilização da psicanálise, a autora analisa como se dão os primeiros
contatos entre paciente e instituição, a partir dos mecanismos de recepção, triagem e
encaminhamento. Nesta etapa inicial, cabe ressaltar que a referência fundamental à
psicanálise diz respeito a o que e a quem se deve escutar.
Na referência psicanatica, são privilegiados o acolhimento e a escuta em
detrimento da contenção e medicalização. A concepção de que quem adoece é um
sujeito e não um corpo e a singularização da fala, que faz surgir outra dimensão da
queixa, contrapõem-se à rápida psiquiatrização que visa à remissão do sintoma por meio
da medicação. Para tanto, a autora ressalta a importância do trabalho em equipe na
criatividade de soluções não pensadas para o manejo de casos singulares.
33
Ainda considerando esta etapa inicial, cabe ressaltar o modelo dos grupos de
recepção, ou de triagem coletiva, que tem aumentado cada vez mais nos serviços de
saúde mental. Com o intuito de promover a convivência de pacientes graves que buscam
soluções para seus problemas, este tipo de modalidade visa desconstruir o estigma da
doença mental e socializar as experiências dos indivíduos em sofrimento psíquico.
Assim, a psicanálise pode acontecer em diversas modalidades de tratamento, sejam elas
de atendimento em grupos ou individuais, da atenção primária às oficinas terapêuticas.
Na tentativa de delimitar as condições mínimas para caracterizar a
especificidade da psicanálise, a autora as resume da seguinte maneira:
trata-se de uma clínica que diz respeito à realidade psíquica e, para isso,
provoca um modo peculiar de fala que se a partir da transferência,
numa relação também peculiar com o tempo, visando remanejar essa
realidade por sucessivos deslocamentos (p. 126).
Nesta mesma tarefa de localizar a especificidade da psicanálise, Guerra & Souza
(2006) elencam os seguintes pontos para ilustrar o que diz respeito à aplicação da
psicanálise na saúde mental:
a) cada solão psicótica, quanto à estabilização, dependerá do arranjo
subjetivo ou, em outras palavras, da estrutura borromeana, sobre a qual o
sujeito assenta sua relação entre Real, Simbólico e Imaginário, compondo
sua realidade;
b) assim, o que mais importa, na direção de um tratamento, é o savoir-
faire’ que o sujeito estabelece com seu sintoma, ou seja, a maneira como
ele aprende a operar com seu gozo, com seus embaraços;
c) portanto, a solução é sempre singular opera a partir da história do
sujeito, não podendo ser standartizada(p.10).
A escuta psicanalítica do dizer psicótico implica em uma aposta ética que o
analista faz no campo da saúde mental. Esta aposta diz respeito à consideração do
sujeito em sofrimento psíquico grave como alguém que é capaz de dizer sobre si
mesmo, sendo, portanto, uma aposta na sua subjetividade e na clínica da singularidade.
Deste modo, o que interessa ao analista apreender diz respeito ao movimento
que o sujeito em sofrimento psíquico grave, usuário da rede de saúde mental, pode tecer
34
como solução particular a partir das conseqüências da assistência oferecida sobre sua
condição de sofrimento.
A aposta ética feita pelo analista implica, por conseguinte, em assegurar a
dimensão clínica da prática nas instituições por meio da escuta do sujeito em suas
diferenças, em contraponto àquilo que diz respeito ao universal dos direitos do cidadão.
Aqui o interesse recai sobre os movimentos singulares tecidos pelo sujeito que sofre, em
contraponto às soluções que pretendem oferecer respostas generalizantes a questões
individuais.
Vias de acesso à produção subjetiva: o trabalho com o delírio, a via da trivialização
e o trabalho com a arte
Até cortar os próprios defeitos pode ser
perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito
que sustenta nosso edifício inteiro.
Clarice Lispector
A escuta do analista deve incidir sobre aquilo que de mais específico em
cada sujeito, deve trazer à cena o que dela está excluído. Deste modo, importa para a
psicanálise a solução oferecida por cada sujeito à seu modo de gozo e à errância de
seu desejo, de modo singular. Com base na ideia de que a principal contribuição da
psicanálise à saúde mental é a questão do sujeito, Monteiro e Queiroz (2006)
propõem três vias de acesso à produção subjetiva: o trabalho com o derio, a via da
trivialização e o trabalho com a arte.
As três vias de acesso à produção subjetiva propostas pelas autoras serão breve e
resumidamente desenvolvidas, e para isto, outras refencias bibliográficas serão
utilizadas.
35
O trabalho com o delírio constitui a primeira ferramenta de acesso às produções
do sujeito proposta pelas autoras. O derio é aqui entendido como modo de expressão
subjetiva e principal via de acesso da psicanálise às psicoses:
O trabalho com o derio deve estar baseado em outros princípios que não
sejam os da psiquiatria. O derio tem sido a via princeps do acesso da
Psicanálise ao mundo das psicoses; seu bom uso pode promover o
advento de um sujeito, destituindo-o da condição de objeto de gozo do
Outro, posição na qual o psicótico se encontra (p.114)
Desta forma, não deve ser evitado de qualquer maneira, que o trabalho com o
delírio pode promover o advento do sujeito. Nesta perspectiva, o trabalho com o derio
visa à construção de uma metáfora delirante que possibilite significação na medida em
que significante e significado se estabilizam.
Na concepção psicanalítica, o delírio é compreendido como um movimento na
direção da cura, e aparece como reinvestimento no mundo, um ponto final ideal para o
processo de defesa contra um desejo intolerável, tendo como conseqüência o
desinvestimento no mundo. Esse processo é apresentado pela ideia de fim de mundo, a
perda das experiências e de seu registro psíquico, com as palavras que se tornam coisas.
A este modo de se defender que não parte de um recalque propriamente dito, Freud
(1925) denomina como recusa, enquanto Lacan (1955-56) o nomeará como forclusão
(Ribeiro, 2005).
Deste modo, o delírio é a possibilidade de comunicação de uma verdade, e pode
ser aproximado do sintoma, pois revela. É produto da organização psicótica em seus
esforços por remendar o que não está inscrito, é criado para substituir o que não
aconteceu, qual seja, a amarragem em torno da organização central que organiza o
sujeito, a função paterna. A construção do delírio ao longo do tratamento pode permitir
ao psicótico construir a si mesmo, como um sujeito vinculado a uma história e, a partir
dela, existir, movimentar-se e posicionar-se frente aos outros (Ribeiro, 2005).
36
Nesse mesmo sentido, Rinaldi (2006) indica que é no derio que se pode escutar
a verdade do sujeito nos casos de manifestações alucinatórias na psicose. A autora traz
ainda considerações acerca da particularidade de tal escuta. Enfatiza que trata-se de uma
escuta do inconsciente, que abre possibilidades de produção de sujeito. Essa escuta
difere de outras modalidades disponíveis no campo da reabilitação psicossocial como
aquelas compreensivas e subordinadas à lógica do cuidado, atentas às questões do
sentido.
De modo oposto, porém complementar ao trabalho com o delírio, a via da
trivialização, conforme exposto por Monteiro e Queiroz (2006), constitui uma
importante estratégia que serve para subtrair a força que tem o derio de capturar o
sujeito em sua condição de objeto. Nesta perspectiva, o destaque é dado a temas comuns
do cotidiano, e não a temas específicos que incitam conteúdos do delírio.
Essa estratégia, que pode ser usada pelo analista e demais técnicos, consiste em
realizar simples intervenções em momentos críticos da demanda psicótica, em que o
profissional utiliza-se do vínculo para iniciar conversas sobre assuntos comuns da vida
do sujeito, ao invés de apelar para interpretões elaboradas acerca dos conteúdos do
delírio. O objetivo, de acordo com as autoras, é que o delírio perca força e sofra um
esvaziamento de sentido, e logo, de gozo. Este tipo de intervenção pode se mostrar
eficaz e importante principalmente nos momentos em que o delírio constitui uma
ameaça de atuações, ou passagens ao ato.
Assim, a partir de manobras simples que o profissional procura fazer a partir da
transferência que se estabelece, a enorme invasão de gozo pode ser barrada. Trata-se,
portanto, de intervenções triviais que promovem a perda da força do derio. É preciso
que o analista deixe de lado as interpretações que buscam dar sentido ao delírio para,
com inventividade, buscar barrá-lo na trivialidade.
37
Seguindo as três vias eleitas de acesso à produção subjetiva, apresenta-se, por
último, o trabalho com a arte. Nos atuais dispositivos substitutivos em saúde mental, a
criação artística se faz muito presente, principalmente nos serviços destinados à
clientela mais grave. O recurso artístico se mostra eficaz na medida em que promove
certa estabilização psíquica e gera reflexões. Entretanto, de acordo com Autuori (s/d) tal
prática não tem sido objeto de estudo da psicanálise, pois nota-se, com freqüência, uma
espécie de inversão, em que a psicanálise é que é aplicada à arte.
A autora desenvolve cinco possibilidades clínicas de trabalho com a arte: a arte
mediando o encontro, interpretação da arte, intervenção na arte, a arte como analista, e a
arte com crianças pequenas psicóticas e autistas. Para tais possibilidades, a hipótese
sustentada é a de que a arte ajuda o sujeito a inventar uma maneira de estabelecer seu
contorno singular em torno do vazio (p.01).
No trabalho apresentado pela autora, os dispositivos denominados ‘Convivência’
assumem lugar privilegiado para trabalhos em que a arte se soma à psicanálise. Em tais
práticas, o trabalho artístico não está relacionado à produção de obras de arte,
valorizadas pela sociedade, podendo até mesmo não haver um objeto ao final do
trabalho. O propósito consiste que tal prática possa promover que a função de analista e
a função de sujeito façam laço. Para tanto, o profissional que oferece o tratamento
coloca-se em posição dessubjetivada, para que assim possa ouvir o que subordinará sua
ação.
Para melhor elucidar o que as autoras designam como a terceira via de acesso à
produção do sujeito, o trabalho com a arte, Monteiro e Queiroz (2006) ressaltam uma
importante distinção: a criação na neurose e a criação na psicose têm prositos
diferentes. Nas palavras das autoras:
O sujeito neurótico cria a partir da falta instaurada pela castração. Sua via
é a da sublimação, tida por Freud como um dos destinos da pulsão
38
sexual. A criação do psicótico, ao contrário,-se sobre o fundo da
ausência da metáfora paterna, tendo, desse modo, um propósito diferente
do ato sublimatório do neurótico. Ela é considerada um arranjo
sintotico, realizado pelo sujeito sem a recorrência à suplência
neurótica do Nome-do-Pai, tendo por fuão dar um tratamento ao gozo
que o invade e aniquila, na psicose (p. 116-117).
Vale ressaltar que, para a criação funcionar como arranjo sintomático é
necessário que um Outro seja destinatário da produção. Neste entendimento, as autoras
defendem que é importante e fundamental a presea de analistas em oficinas artísticas,
juntamente aos demais profissionais, como os terapeutas ocupacionais. Os psicanalistas
promoveriam, neste contexto, a articulação entre o fazer criativo e a emergência de
produção subjetiva, atentos à singularidade de cada sujeito e ao seu modo de expressão.
O ato de criar, nas suas mais diversas formas, pode ser importante ferramenta
para a psicanálise, na medida em que pode ajudar a promover laços sociais e ter efeito
apaziguador no sujeito, ao permitir a extração do objeto e servir de borda para o gozo
invasor do Outro.
A construção do caso clínico
Na atual conjuntura das práticas em saúde mental, torna-se possível e necessário
o debate clínico aberto e interdisciplinar. Viganò (2010) defende que a discussão dos
casos cnicos constitui importante ferramenta como instrumento de formação, e como
modo de avaliar e aprimorar a prática clínica.
A construção do caso clínico em meio ao trabalho interdisciplinar implica em
uma inversão da posição de saber, na qual o paciente tem algo a ensinar à rede social, e
o o oposto. Nas palavras do autor:
A construção do caso clínico é uma construção democrática na qual cada
um dos protagonistas do caso (os operadores, os familiares, as
instituições) traz a sua contribuição, de uma forma que parecerá
paradoxal somente àquele que está doente de tecnocracia e de modelos
cibernéticos. Na realidade, trata-se de juntar as narrativas dos
protagonistas dessa rede social e de encontrar o seu ponto cego, encontrar
39
aquilo que eles não viram, cegos pelo seu saber e pelo medo da
ignorância. Este ponto comum, a falta de saber, é o lugar do sujeito e da
doença que o acometeu. A construção do caso consiste, portanto, em um
movimento dialético em que as partes se invertem: a rede social coloca-
se em posição discente e o paciente em posição de docente (p.2).
O autor acrescenta que o que o paciente tem a ensinar neste contexto, não é algo
que pode ser apresentado em sua fala direta, ou diz respeito ao que passa pela
consciência. O paciente tem a ensinar mediante a escuta de suas particularidades,
evidenciadas em atos falhos, recaídas, ausências.
A construção do caso clínico, conforme Figueiredo (2004), consiste em uma
importante contribuição da psicanálise à saúde mental e à psicopatologia. Trata-se de
recolher da experiência do sujeito, por meio do seu discurso, elementos com os quais a
construção do caso será feita, que tem como objetivo direcionar ações e intervenções da
equipe de saúde mental. Como ressaltado pela autora, o caso clínico não é o sujeito, mas
a construção baseada em elementos extraídos de seu discurso, sendo, portanto, uma
construção sempre parcial e passível de revisão.
Com o intuito de indicar caminhos para a sua construção, a autora apresenta três
binômios: história/caso, supervisão/construção e conceitos/distinções.
A história diz respeito ao relato completo, com todas as minúcias e detalhes,
contado pelo paciente. o caso é o que se extrai do relato a partir das intervenções do
analista e do que é decantado de seu relato. Para se trabalhar em psicanálise, uma
hisria deve tornar-se caso.
No segundo binômio sustenta-se a construção, contraposta à supervisão, na
medida em que as funções de sujeito, pesquisador e analista são trabalhadas de modo
entrelaçado. Desta forma, rompe-se com o modelo aprendiz/aluno e com a fixidez de
posição diante do saber.
40
Por fim, os conceitos fundamentais da psicanálise são constantemente
questionados, mas distinções são estabelecidas para a condução dos casos.
Deste modo, a construção do caso clínico envolve um trabalho em equipe na
qual o arranjo dos elementos que nortearão a condução dos casos surgem das diversas
implicações e de efeitos transferenciais elaborados nos diálogos e nas supervisões.
A construção do caso deve partir de uma posição de não saber. Ela não é
definitiva e estanque, é uma construção sempre provisória que se em etapas, no dia a
dia do trabalho. Deve ser um exercício coletivo realizado de modo permanente por meio
do dispositivo das supervisões.
O analista-cidadão
Laurent (1999) argumenta que a concepção da psicanálise entendida como
prática de desidentificação, na qual uma acepção extra-pura da psicanálise é mantida
para se desidentificar infinitamente contribui para a marginalização social da
psicanálise. Afirma o autor:
Os analistas tem que passar da posição de analista como especialista da
desidentificação à de analista cidadão. Um analista cidadão no sentido
que tem esse termo na teoria moderna da democracia. Os analistas
precisam entender que uma comunidade de interesses entre o discurso
analítico e a democracia, mas entendê-lo de verdade! Há que se passar do
analista fechado em sua reserva, crítico, a um analista que participa; um
analista sensível às formas de segregação; um analista capaz de entender
qual foi sua função e qual lhe corresponde agora (p. 13).
Para o autor, o analista é aquele que ajuda, juntamente com outros profissionais,
a civilização a respeitar a articulação entre normas gerais e particularidades de cada
sujeito. Deste modo, é função do analista a tarefa de impedir que em nome de ideais
universais, ou de qualquer outra universalidade, possa-se deixar de levar em
consideração as particularidades de cada um.
41
Esse analista que opina, toma partido, ou que intervém com seu dizer silencioso
contrapõe-se ao analista crítico, apagado, que não possui ideais e não crê em nada. Essa
postura do analista vazio, apagado é criticada pelo autor em favor do analista útil, que
contribui e opina sobre coisas precisas em debates democráticos e abertos.
O analista cidadão, útil, nesta perspectiva, avalia práticas em saúde mental, bem
como os processos de segregação de determinado cultura, aceitando, da mesma forma,
ser avaliado. Assim,
os analistas não hão de se manter como analistas críticos. Haverão de
pedir, de pedir algo à saúde mental. Pedimos uma rede de assistência em
saúde mental que seja democrática e, como acontece efetivamente na
fórmula que se tem utilizado, seja capaz de respeitar os direitos de
cidadania dos sujeitos que estão nesse campo e nesse marco concreto da
saúde mental. Nesse sentido, os analistas, junto com os outros, devem
incidir nessas questões, tomar partido e através de publicações, através de
intervenções, manifestar que querem um tipo determinado de saúde
mental. Não uma instituição utópica ou um lugar utópico, mas
precisamente formas compatíveis com o fato de que, se o ideais,
resta o debate democrático (p.16).
Desta forma, a noção de analista cidadão desenvolvida pelo autor permite retirar
o analista daquela posição de exclusão de si mesmo, e torná-lo útil e compatível com os
novos dispositivos democráticos de assisncia em saúde mental.
Nesse mesmo sentido, Monteiro e Queiroz (2006) argumentam que, para
cumprir com o desafio de localizar seu lugar na instituão, o analista deve destituir-se
do status de especialista para a posição de analista-cidadão. Para as autoras, isso implica
que o analista se perceba como um a mais em uma prática feita por muitos, além de ser
sensível às diversas formas de segregação e exclusão de seu contexto, e atentar-se aos
novos modos de subjetivação de sua época.
Torna-se imprescindível, para tanto, a passagem do analista especialista da
desidentificação do mundo externo ao analista-cidadão, conforme exposto por Abreu
(2008). Não se trata de afastar-se da ética própria da psicanálise, mas de situá-la na
42
condução do seu fazer profissional na instituão, frente às novas demandas sociais
específicas de seu tempo e às transformações da humanidade.
O autor faz, no entanto, pertinente consideração em relação à postura do
analista-cidadão no trabalho entre muitos. Argumenta que a busca pela defesa da
cidadania e inserção psicossocial do louco não podem ser consideradas um ideal tirânico
de convívio social para o sujeito. Impor ideais de integração social é pressupor que estes
pacientes possuam tal desejo intrínseco. As dimensões da cidadania e da inserção
psicossocial são pressupostos éticos e poticos da atuação profissional do analista, que
diferem em muito do objetivo de tentar impor, a todo custo, um desempenho ideal de
socialização para o sujeito.
Em consonância com essa ideia, Rinaldi (2006) ressalta que, nos novos serviços
de assistência em saúde mental, o saber prévio aliado aos ideais de bem e de cura
acabam por impor a profissionais e usuários dos serviços obrigações que podem
desconsiderar a subjetividade de ambos. A autora sustenta que desconsiderar a
dimensão do sujeito pode levar o discurso da cidadania a reproduzir práticas tutelares e
excludentes, que pretendiam inicialmente enfrentar.
Desta forma, acredita-se que a sustentação da prática clínica na instituição se dê
a partir da introdução do fator sujeito, o que difere em muito de práticas ancoradas na
lógica assistencialista em que já se sabe, a priori, o que é melhor para o sujeito.
A prática entre muitos
Mestre não é quem sempre ensina,
mas quem, de repente, aprende.
Guimarães Rosa
De acordo com Laurent (2000), o termo pratique à plusieurs, inventado por J.-
A. Miller surgiu para designar o que aconteceu na prática de instituões, reunidas sob
este título, no momento pós anos 70. Nas palavras do autor:
43
A psicanálise não se deixa definir a partir de uma regra clara de
funcionamento, nem tampouco de um lugar exterior ou interior à
instituição. Há, antes de tudo, uma prática feita por muitos, de uma
imanência, de uma presença jamais definível em um ponto e por todo
lado presente do Outro da psicanálise. [...]
O tipo de instituições, ajustado pelos psicanalistas nos anos 90, resulta
desse tipo de instituição, em países bastante diferentes e com línguas bem
diferentes. Digamos que são comunidades psicanalíticas adaptadas ao
espírito da época. É esse tipo de instituão que se define por uma
modalidade de conversação imanente entre muitos, em que a psicanálise
o se encontra exterior, transcendente. o provavelmente o futuro de
nossas instituições. Não o lugares de vida, como se dizia nos anos 70;
são formas de vida, formas de vida com o Outro (p.168).
Di Ciaccia (2007) refere-se à “prática entre vários”, termo batizado por Jacques-
Alain Miller como exposto, para designar a invenção desses autores que buscavam
atingir objetivos específicos em instituições destinadas a crianças autistas. O autor
observa ainda a difusão de tal prática em instituões destinadas ao tratamento de outras
demandas, que o a originalmente pensada, qual seja, de crianças autistas. Enumera, a
partir desta constatação, uma série de questionamentos em relação à adequação desta
prática em outros contextos.
Para o autor, a verdadeira prática entre vários na instituição deve orientar seu
funcionamento a partir das exigências do sujeito, em contraponto às exincias dos
especialistas que lá atuam.
Beneti (2003) traz outra contribuição acerca do termo trabalho feito por
muitos”. De acordo com este autor, tal expressão tem sido utilizada com freqüência para
designar o trabalho desenvolvido por diversas categorias profissionais em meio ao
trabalho em equipe interdisciplinar. Para ele, esse “muitos” deve fazer referência aos
quatro discursos o discurso do mestre, da histérica, do universitário, e às vezes nesses
serviços, do analista que apontam para a multiplicidade de discursos que funcionam
nas instituições.
“A instituão é o lugar dos quatro discursos”. A equivalência imaginária
– categoria profissional=discurso (laço social no sentido lacaniano)
44
tenta apontar os antecedentes da formação universitária de cada técnico,
trabalhador da/na Saúde Mental ao nível social, do público, ordenado e
comandado pelas poticas do Estado. Fazendo equivaler, por exemplo, o
assistente social, o enfermeiro e os auxiliares técnicos de serviço ao
discurso da ajuda, do amor, ao discurso histérico; o psilogo ao do
mestre e o psiquiatra biológico ao discurso universitário (p.90)
Conforme exposto por Elia (2005), a prática entre muitos diz respeito ao
trabalho com e entre muitos em meio à equipe interdisciplinar, situado na interface da
psicanálise com a saúde mental. Tal prática, em curso há mais de 25 anos, é resultado da
incursão de psicanalistas decididos a atuar no campo da saúde mental, sem se sentirem
estrangeiros ou inseridos em uma área que não lhes pertence. Esses psicanalistas que
tomaram para si o trabalho de cuidar de sujeitos em sofrimento psíquico cunharam esta
expressão la pratique à plusiers que pode ser traduzida como a prática com muitos,
entre muitos, de muitos e aprática entre vários para designar o trabalho desenvolvido
em instituições de cuidado para crianças e adolescentes autistas e psicóticos.
O autor aponta, contudo, semelhanças existentes entre tais instituições e os
atuais dispositivos em saúde mental destinados ao atendimento infanto-juvenil
CAPSIs – assim descrevendo-as:
a) são instituições que não reproduzem o modelo de consultório
particular a dois” (entre aspas porque sabemos que nunca estamos a
dois, mesmo que haja só duas pessoas na sala) mas assumem o
dispositivo como institucional e com muitos; b) são públicas ou
conveniadas com a saúde blica; c) não tem fins lucrativos (são
Asbl), associando-se à lógica da coisa blica, sem cair, por isso na
filantropia assistencialista, teúda e manteúda pelo dinheiro público, d)
definem para si princípios e diretrizes de trabalho, comuns a outras
instituições afins; e) assumem a dimensão das questões sociais em
seu trabalho clínico. Cunharam então esta expressão a prática com
muitos.
Nesta prática o cnico é redefinido, torna-se ampliado, uma vez que não se faz
oposição entre atendimentos em consulrio ou demais espaços especificamente
45
terapêuticos e as demais atividades que ocorrem no espaço institucional. O clínico
torna-se estendido a todo espaço, tempo e atividades institucionais.
O trabalho com muitos não é o mesmo que trabalho em grupo: nesta perspectiva,
o se formam grupos de sujeitos. O trabalho se com e entre muitos, mas um a um,
respeitando a singularidade do sujeito.
Stevens (2007), por sua vez, aponta para quatro eixos que orientariam a prática
entre vários: a desespecialização, a formação, a invenção e a transmissão.
A desespecialização é considerada em dois planos: a do projeto institucional,
que deve evitar a identificação monossintotica; e a do trabalho de cada um, que é
desespecializante na medida em que atravessa pontos de vista de todos os especialistas.
No plano do projeto institucional, ou plano do sintoma, conforme o denomina Abreu
(2008), acredita-se que uma clínica monossintomática, que identifica o sujeito como
toximano, deprimido, autista, anorexo, dentre outros, é uma clínica da exclusão, tanto
nas conseqüências sociais como nas possibilidades de invenção do sujeito. Nesse
entendimento, a clínica monossintotica leva alienação.
Quanto ao plano do trabalho técnico, a prática entre vários se distingue da
prática multidisciplinar e transdisciplinar, que não se trata de cada um trabalhando na
sua especialidade, com o saber específico de sua profissão, mas sim pelo saber
construído a partir de cada sujeito, pelo trabalho analítico da construção de caso que
perpassa todas as especialidades. Nesta perspectiva, não se desconsidera o saber
postulado nas diversas áreas do conhecimento, mas entende-se que a função terapêutica
é realizada por cada um dentro da instituição.
Ainda que tendo em vista a desespecialização, é preciso também buscar um
direcionamento comum para o trabalho. Conforme ressalta Abreu (2008) é necessária
uma potica comum para nortear o trabalho institucional, sendo a proposta neste caso, a
46
política e a ética da psicanálise. Assim, nem todos os que trabalham na instituição
precisam ser psicanalistas, mesmo que muitos o sejam, mas devem ser analisantes
civilizados, ou seja, estar em análise ou ter uma transferência com a psicanálise como
sujeito suposto saber, e estar regulado por esta transferência (Stevens, 2007). No eixo da
formação, ressalta-se também a importância do estudo teórico da psicanálise.
O terceiro eixo, da invenção pode ser analisado sob dois planos: da invenção dos
próprios sujeitos, e da invenção dos membros da equipe na prática. Os membros da
equipe devem estar sempre atentos à invenção, à surpresa, produzidos pelos sujeitos.
Abreu (2008) considera que a instituição deve caber ao paciente, e não o contrário, e
desta maneira, inventa-se continuamente uma instituição que acolha invenções de cada
sujeito.
O último e quarto eixo é o da transmissão, em que a reunião da equipe ocupa
papel central no processo de construção da prática entre vários. Na reunião da equipe,
intervenções são discutidas e avaliadas, pois nem toda invenção do sujeito é sustentada,
mas apenas as que proporcionem um ponto de basta, ou pontos de ancoragem, ao
momento da história do sujeito exposto a um gozo que não consegue localizar.
Diante das diversas orientações teóricas na prática entre muitos, como evitar a
junção de práticas divergentes, agregando orientões que consideram o sujeito do
inconsciente com orientações que o excluem, como por exemplo, a psiquiatria
biológica?
Deve-se levar em conta que não se sabe de antemão. O profissional é um, ao
lado de outros na equipe que não sabem, posição a partir da qual ele se põe a operar e se
autorizar. Este saber, que é preciso não saber, faz com que a equipe opere e se autorize
permitindo ao sujeito psicótico construir seu próprio saber (Baio, 1999).
47
A prática entre muitos diz respeito à clínica suportada na pluralidade, ou como
proposto por Figueiredo (2004), seguindo Zenoni (2000), trata-se de um direcionamento
que aponta no sentido de aprendizes da clínica”, na qual não um modelo imposto,
mas procura-se extrair das produções do sujeito a orientação para seu tratamento. Nas
suas palavras:
Essa expressão sintetiza a posição da equipe em formular as boas
questões, verificar os efeitos de suas intervenções, tomar novas decisões
ou dar novo rumo a cada caso a partir das indicações do sujeito que,
convém lembrar, não são tão óbvias ou intencionais, mas estão dadas de
algum modo no seu sintoma, em suas diferentes manifestações (p.83).
Em suma, este dispositivo clínico se sustenta tanto na pluralidade dos sujeitos a
quem se trata, como dos profissionais na instituição. A prática acontece nos diversos
espaços e tempos institucionais envolvidos no tratamento, e por ser psicanalítica,
permite que a função de analista e função de sujeito façam laço.
O trabalho psicanalítico nas equipes interdisciplinares
Sabe-se da importância fundamental do trabalho em equipe nos serviços
substitutivos de Saúde Mental para incentivar e promover intervenções cnicas criativas
e inovadoras. Pretende-se aqui discutir como se o trabalho psicanalítico nas equipes
interdisciplinares em saúde mental.
Conforme aponta Figueiredo (2007), a psicanálise oferece uma série de
construtos amplamente difundidos na área da Saúde Mental, tais como a valorização da
palavra do sujeito, o acolhimento do desejo, a concepção do delírio como uma tentativa
de cura e o manejo da transferência no tratamento. Entretanto, conforme salienta a
autora, ao contrário da reforma psiquiátrica e da assisncia em Saúde Mental, não
existem diretrizes gerais para o trabalho em psicanálise nestes cenários.
A autora chama atenção ao fato do psicanalista raramente ser identificado como
um dos profissionais das equipes multiprofissionais compostas geralmente por médicos,
48
psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e enfermeiros. Indica, para tanto,
duas possíveis razões: o fato dos mesmos profissionais não se identificarem ou não
serem identificados como psicanalistas, ou pelo fato de que o ideário psicanalítico se
encontrar, de certa forma, diluído entre os profissionais mencionados.
Desta forma, uma das questões mais importantes que se impõe no cotidiano de
um serviço público de saúde mental diz respeito à coexistência de inúmeras orientações
teóricas, às vezes divergentes, que disputam lugar no andamento dos casos. Neste
espaço, encontram-se equipes compostas por profissionais oriundos das mais diversas
áreas do conhecimento, configurando uma pluralidade de saberes que podem não
conseguir estabelecer referenciais comuns a serem seguidos para a boa condução dos
casos.
Conforme aponta Alberti (2006), a psicanálise tem procurado verificar sua
relação com a ciência e demais discursos, em conseqüência de sua crescente inserção na
universidade, que configura um contexto procio à interlocução de diferentes saberes.
A autora explicita seu posicionamento de não recuar diante dos fenômenos
observados na cnica, no que concerne à diversidade de discursos e práticas, sua
eficácia no tratamento dos sujeitos em sofrimento psíquico grave e suas implicações
teóricas para a psicanálise. Deste modo, defende que o campo de atuação dos diferentes
saberes precisam ser delimitados:
A partir da experiência de um trabalho que desenvolvemos mais de
dez anos no hospital geral, levantamos a hipótese de que não há consenso
sobre essas diferenças, nem do ponto de vista do usuário do hospital, nem
do ponto de vista dos vários membros das equipes multidisciplinares,
nem mesmo dos próprios profissionais que exercem a psicanálise, a
psiquiatria e a neurologia na comunidade hospitalar. Além disso,
levantamos a hipótese de que os próprios profissionais de cada uma
dessas três áreas têm ideias bastante díspares sobre o que fazem e o que
deveriam fazer os profissionais das duas outras áreas que não as deles
(p.97).
49
Na opinião desta autora, mais do que respeitar e preservar as diferenças entre as
práticas das diversas disciplinas, faz-se necessário conhecer quais são essas diferenças,
explicitar melhor os pontos obscuros e procurar compreender melhor as possíveis
convergências entre as práticas.
Ainda na análise entre as relações entre psicanálise e medicina, Alberti & cols.
(2008) ressaltam a importância da fala entre diversos profissionais para sustentar
coletiva e mutuamente o direcionamento do trabalho. Os autores mostram que quando o
intercâmbio institucional entre os diversos profissionais é realizado, promovendo a
circulação da palavra, prolongamentos de tratamentos desnecessários podem ser
evitados.
A falta de comunicação e de conhecimento a respeito das especificidades de
atuação das diversas disciplinas envolvidas nos tratamentos do pacientes pode promover
o prolongamento desnecessário deste tratamento, ou mesmo tor-lo ineficaz. Os
autores, a partir da análise de alguns exemplos clínicos emblemáticos mostram como
que os limites de atuação entre psicanálise, psiquiatria e neurologia encontram-se muitas
vezes indistintos, dificultando encaminhamentos mais eficazes para a condução dos
casos.
As conseqüências de um encaminhamento mal feito são percebidas pela
dispersão que ocorre dentro de um hospital geral, dispersão esta que é regida por um
especialismo, que acaba por conduzir à fragmentação do tratamento. Desta forma,
sujeitos que buscam tratamento são subordinados a um cientismo que os fragmenta a
partir de diversas especialidades, sem que estas dialoguem e cooperem entre si com o
objetivo de traçar uma intervenção interdisciplinar.
Desta forma, a questão problemática dos ltiplos encaminhamentos é
analisada como promotora de atendimentos dispersos e descontínuos, em que a ausência
50
ou a precariedade da comunicação entre os profissionais imperam na condução dos
casos.
Os autores apostam, entretanto, que o diálogo entre psicanálise e medicina pode
trazer inúmeros benefícios ao tratamento dos pacientes, na medida em que a delimitação
dos campos de atuação de cada saber se torne mais claros. Acreditam que a
comunicação entre as disciplinas fica prejudicada quando não se tem clareza a respeito
dos limites de cada ciência e dos campos de intersecção com outras.
Diante da questão que diferentes saberes sustentam diferentes discursos, que
geram diferenças em suas práticas, Bezerra (2004) opina que o problema não está nas
diferenças, que a diversidade de concepções e o clima de cooperação que se tem
estabelecido podem ser encarados como uma vantagem da realidade brasileira.
Entretanto, afirma que tal cooperação só pode se dar mediante acordo, tácito ou
explícito, em relação à natureza das teorias e proposições clínicas de cada perspectiva; e
os critérios que devem reger a escolha de qual perspectiva diante de cada situação.
Sustenta também que nenhum saber pode abarcar o fenômeno de modo global,
conforme cita:
Diante de uma depressão é possível traduzir sinapses e serotoninas na
língua psicanalítica? Não, mas não há problema nenhum nisto, desde que
os que falam uma e outra ngua estejam de acordo com a ideia de que
nenhum deles fala a ‘língua da depressão’(p.7).
O autor defende que precisa-se estabelecer um corte, um critério que indicaria
que determinada posição é contrária e necessita ser combatida. Esse critério, em sua
concepção, não é epistemológico, mas ético e político. Nesse sentido, sugere que as
diversas teorias não deveriam apenas ser avaliadas pela sua fundamentação teórica ou
consistência científica. A ideia é analisar as teorias no campo dos efeitos subjetivos, ou
seja, as conseqüências que determinada concepção provoca e quais resultados surgem a
partir de sua aceitação. É evidente que, para que se faça tal análise, é importante que se
51
tenha clareza acerca dos objetivos cnicos e políticos que se pretende alcançar, e que
nem sempre isso se faz presente ou possível de se estabelecer nos CAPS, por exemplo.
Teixeira (2007) ressalta que, embora possa se trabalhar a partir da orientação
psicanalítica, a psicanálise não é tomada, de modo algum, em uma função prescritiva na
condução dos casos atendidos. Neste sentido, Pinto (2007) propõe que é o próprio lugar
do saber prescritivo que deve ser esvaziado, dando lugar ao saber do sujeito em
tratamento.
Desta forma, a articulação entre os diversos saberes não disputaria o lugar da
prescrição da melhor conduta a ser tomada, pois não é o saber teórico que conduz e
orienta o tratamento, mas o saber do sujeito em questão. Em consonância com esse
posicionamento, Alberti e Figueiredo (2006) ressaltam que:
é como aprendizes que nos colocamos no trabalho em equipe, nas
parcerias criadas, que devem se sustentar muito mais numa transferência
para o trabalho do que nas miragens imaginárias do amor ou nas
armadilhas do corporativismo (p. 11).
Como já exposto, o trabalho em equipe constitui uma ferramenta fundamental
nos serviços de saúde mental. Figueiredo (2005) traz singular contribuição a partir de
indicações da psicanálise para o trabalho em equipe na atenção psicossocial focado nos
CAPS. Partindo de uma análise da formação e consolidação das equipes, são destacadas
a equipe hierárquica e a equipe igualitária.
A primeira se caracteriza por uma verticalização do poder de intervenção, que
aponta para uma hierarquização das profissões, que no caso de instituições médicas, por
exemplo, prevalece a autoridade do médico. a segunda apresenta a característica da
autorização entre seus membros ser difusa, já que todos discutem de igual para igual,
correndo o risco permanente de abolir especialidades e assim desconsiderar as
especificidades das ações terapêuticas. A autora ressalta que o que se tem na prática
consiste em uma mistura destas duas posições mais típicas.
52
Com base nesta análise dos dois modos de funcionamento das equipes, a autora
destaca as concepções psicanalíticas do coletivo não-todo e da transferência de trabalho
para propor indicações da psicanálise para o trabalho em equipe nos CAPS. A
concepção do coletivo não-todo designa que não todo na soma das partes”. O
coletivo não fecha, pois é exatamente na fenda que o paciente, com seu delírio e
comportamento disruptivo, faz furo. A utilização de protocolos sistematizados ou
prontuários mostram o intuito de recobrir o real do susto, garantir uma primeira
estratégia até que o profissional ganhe tempo para enfrentar a nova situação e pensar na
intervenção adequada a especificidade do caso. Desta maneira, as indicações do
tratamento, produzidas coletivamente, na perspectiva do coletivo não-todo, é sempre
parcial e passível de revisão, devendo assim ser trazida para a construção do caso.
A referência à transferência de trabalho surge para dar conta dos efeitos nocivos
da cola imaginária, que diz respeito às rivalidades narcísicas que provocam a
segregação devido às diferenças entre os membros do grupo. A transferência de trabalho
é pensada a partir do conceito de transferência da psicanálise. Não se refere às
concepções de transferência que remetem à resistência, mas pelo contrário. Consiste na
condição para estabelecimento de um laço produtivo entre os membros da equipe, que
visam concomitantemente o fazer cnico e a produção de saber daí decorrente.
Desta maneira, a proposta apresentada pela autora consiste no trabalho em
equipe na perspectiva do coletivo não-todo, que tem como condição a transferência de
trabalho e desenvolve-se na construção do caso a partir dos elementos fornecidos pelo
sujeito e recolhidos de cada caso. A equipe deve, para tanto, reunir-se periodicamente
para discutir o direcionamento do trabalho. Destaca-se a função da supervisão e o
papel do supervisor.
53
O supervisor deve proporcionar espaço de discussão entre os pares que faça a
transferência de trabalho funcionar, para que não ocorram os efeitos nocivos da cola
imaginária. Cumpre, então, a função de êxtimo, por se tratar de membro externo à
equipe, mas ao mesmo tempo interno devido a sua constante presença.
A transmissão da psicanálise nas equipes interdisciplinares
As apresentar contribuições para o trabalho psicanalítico nas equipes
interdisciplinares, vale destacar questões relativas à transmissão da psicanálise nesse
trabalho.
Conforme Figueiredo (2007), a transmissão da psicanálise no trabalho em
equipe se no cotidiano da própria clínica, e não por meio do ensino. Mas para que
esta transmissão se torne possível deve haver uma transfencia com a psicanálise.
Diariamente, no manejo das mais diversas situações cnicas e na convivência, esta
transferência é disseminada. Assim, não é o psicanalista com seu saber acumulado que
ensina a psicanálise, mas a própria psicanálise que ensina a partir de seus efeitos.
No funcionamento das equipes multi ou interdisciplinares percebe-se que o
saber referencial constitui-se o principal operador. A autora retoma os quatro discursos
em Lacan para indicar o giro que deve ocorrer do discurso universitário para o discurso
do analista.
Primeiramente, podemos apontar para o deslocamento do lugar do saber. No
discurso universitário, o saber referencial é agente no trabalho em equipe, já no discurso
do analista, o saber é suposto ao sujeito. Conforme indica a autora, tal saber não está
dado a priori, mas cabe à equipe reconhecê-lo, a partir das suas mais diversas
manifestações, muitas vezes rápidas e fragmentadas, que devem ser recolhidas
cotidianamente para que a clínica do sujeito possa se dar no coletivo. Esta cnica se
constitui para além de saberes técnicos, pois é o próprio sujeito chamado a tomar
54
posição nas mais rotineiras situações. Desta forma, o saber que se constrói neste
contexto provém do sujeito, cotidianamente convocado a dizer sobre si.
Desta forma, o psicanalista deve construir o trabalho de transmissão da
psicanálise na equipe, o que não acontece pelo simples fato de haver esse profissional
em meio à equipe. Para que isso aconteça, é necessária a transferência com a
psicanálise. Nas palavras de Figueiredo (2007):
Se o psicanalista, deve haver a disseminação de uma transferência
com a psicanálise, com o texto de Freud, em seus princípios (modus
operandi) mais do que seus conceitos (teoria). A função do psicanalista
na instituição é tornar possível essa transferência a partir do manejo de
situações cotidianas na cnica e na convivência. Não se trata de ‘ensinar
a psicanálise, bem ao contrário, deve-se sustentar o que a psicanálise nos
ensina a partir de seus efeitos (p. 03).
O intercâmbio entre Universidade e rede
Por fim, apresenta-se a proposta do intercâmbio entre Universidade e Rede como
importante ferramenta para o desenvolvimento da prática interdisciplinar em saúde
mental.
Bezerra Jr. (2004) ressalta que, muitas vezes, os profissionais não possuem as
habilidades e as competências necessárias para trabalhar nos novos dispositivos da rede
de saúde mental. Uma possível razão apontada diz respeito à formação generalista,
tecnicista, formalista e pouco crítica presente nas Universidades. Assim, o autor destaca
a importância de formar profissionais mais reflexivos para o trabalho nos serviços
substitutivos.
Nesse sentido, o autor aponta que o intercâmbio entre Universidade e rede de
atenção à saúde mental enriquece a ambos. Estratégias como articular alunos e
professores com os dispositivos da rede, facilitar o diálogo entre os profissionais e
pesquisadores da universidade, promover encontros, seminários, estágios, dentre outras
podem ser interessantes para promover uma qualificação para os dois os lados.
55
Com essas propostas de interlocução, acredita-se que os profissionais que atuam
nos dispositivos da rede de saúde mental podem ser estimulados e motivados a adotar
posturas diferenciadas, e, ao mesmo tempo, os alunos das universidades podem ter
acesso a uma formação mais qualificada.
Do mesmo modo, Rinaldi e Alberti (2009) defendem a articulação entre
psicanálise, saúde mental e Universidade, com o objetivo de oferecer formação
acadêmica que possa instrumentalizar os pós-graduandos, além de proporcionar
sustentação de pesquisa para a prática no âmbito da saúde mental. As autoras partem do
pressuposto de que a produção de saber se na prática clínica, sendo esta, portanto, o
lócus privilegiado da pesquisa em psicanálise.
No que diz respeito à relação entre psicanálise e universidade, Lowenkron
(2000) aponta que, mesmo em meio às resisncias acadêmicas em relação às suas
descobertas, Freud não abandonou a tentativa de estabelecer um relacionamento entre
psicanálise e universidade. De acordo com o autor:
Freud, simultaneamente, questionou e valorizou a aproximação da
psicanálise com a universidade, reconhecendo a importância da utilização
do conhecimento psicanalítico na formação de profissionais de saúde e
do saber das ciências humanas, atribuindo, no entanto, às instituições
autônomas a tarefa especializada de formação dos psicanalistas (p.70).
O autor assinala ainda que, embora Freud houvesse ressaltado que o
desenvolvimento do conhecimento psicanalítico prescindia da academia, a reflexão
acerca das descobertas freudianas poderia ter sido amplamente enriquecida desde o
princípio por meio do diálogo com os diversos saberes na universidade, caso tal
intercâmbio não tivesse sido tão adiado.
A formação continuada dos profissionais na área da saúde mental é
indispensável, visto que os posicionamentos e posturas éticas dos profissionais que
atuam precisam ser reelaborados e reavaliados nesse contexto específico. É nesse
56
cenário que pensamos ser de grande valor o intercâmbio entre a Universidade e a rede
de atenção à saúde mental.
57
CAPÍTULO 03 QUESTÕES PARA A PSICANÁLISE NOS SERVIÇOS
PÚBLICOS DE SAÚDE MENTAL
Na clínica dos serviços públicos em saúde mental, uma série de alterações se
impõe diante da técnica concebida por Freud, tais como a freqüência e tempo de
duração das sessões, a ausência de pagamento dos honorários diretamente ao analista, a
ausência do setting tradicional, a duração do tratamento e o fato do pedido de
tratamento não ser dirigido a alguém especificamente, mas a uma instituição.
Entretanto, conforme questiona Goidanish (2001), a freqüência e número de
sessões ou a presença de divã e poltronas são aspectos tão fundamentais à teoria
psicanalítica que não podem ser alterados? Ou tais mudanças demandam recriações que
o tornam impossível que a psicanálise possa ser exercida nos serviços públicos?
A autora levanta ainda a hipótese da resistência dos próprios analistas, que
muitas vezes se imem padrões rígidos
e inflexíveis que inviabilizam o trabalho com o novo ou o enfrentamento de mudanças
decorrentes do contexto histórico-cultural.
Elegemos algumas questões polêmicas relacionadas à possível
recontextualização da psicanálise nos serviços públicos para abordar no presente
capítulo. Iniciaremos com a questão da ausência de pagamento diretamente ao analista,
e da classe social a que pertencem os usuários da rede pública de saúde mental, e suas
implicações no tratamento. Em seguida, a ausência do setting tradicional e a
medicalização serão abordadas. Por fim, teceremos considerações a respeito da postura
do psicanalista nos serviços públicos em saúde mental.
Dinheiro
A questão do dinheiro será aqui abordada sob duas perspectivas: a primeira diz
respeito à ausência de pagamento imposta pelos serviços públicos de saúde e suas
58
possíveis conseqüências no tratamento psicanalítico. A segunda refere-se aos próprios
usuários dos serviços públicos de saúde, que geralmente pertencem às classes mais
empobrecidas da população, e suas possíveis implicações no processo terapêutico.
Diante do dilema acerca da ausência de pagamento imposta pelos serviços
públicos de saúde, e suas necessárias implicações no processo psicanalítico, Figueiredo
(1997) rejeita a inviabilidade da psicanálise pela simples ausência pecuniária. Ao
contrário, defende que é necessário buscar novas possibilidades e soluções a partir da
afirmação das diferenças existentes entre consultório privado e instituições blicas de
saúde para a boa resolução da transferência e da resistência presente em qualquer
análise, bem como criar novos critérios para avaliar a ausência de dinheiro e referi-los a
teoria psicanalítica.
A autora enumera ainda, alguns exemplos que foram mencionados em seu
trabalho de pesquisa nos ambulatórios blicos, que devem ser contabilizados como
custo para os pacientes e relevados na avaliação da resistência: tempo e dinheiro
dispensados para chegar ao tratamento; diaristas que perdem a remuneração pelo turno
de trabalho, estudantes que perdem aulas, trabalhadores que sofrem pressão para não se
ausentar do trabalho, mães e donas de casa que não tem com quem deixar seus filhos,
dentre várias outras situações que demandam investimentos por parte dos indivíduos em
tratamento.
Em consonância com o posicionamento da autora, acreditamos que ausência de
pagamento direto ao analista por parte daqueles que buscam ajuda nos serviços públicos
de saúde é apenas mais uma variável que os analistas precisam estar atentos no
andamento dos atendimentos. É preciso refletir e analisar suas conseqüências, bem
como pensar em formas de minimizá-las quando negativas a boa condução dos casos.
59
Autuori (s/d) assinala que, em se tratando de oferecer psicanálise gratuita nas
instituições, parece consensual entre os psicanalistas que, mesmo com adaptações, a
psicanálise encontra-se presente na saúde mental, como recurso teórico e cnico, sendo
necessário, portanto, sustentá-la. A autora segue a argumentação referindo-se a Freud
(1919/1918), e seu posicionamento de defender que a psicanálise pode contribuir no
tratamento da miséria neurótica que existe no mundo”, reconhecendo que as classes
mais empobrecidas da população devam ter acesso à assistência em saúde mental.
Ressalta, no entanto, a importância que a psicanálise não perca de vista seus
fundamentos ao habitar novos terrenos.
O segundo aspecto refere-se ao segmento social a que pertence, geralmente, os
sujeitos que procuram ajuda nos serviços blicos de saúde. Freud (1919/1918), em
“Linhas de Progresso na Terapia Psicanatica” vislumbra a possibilidade do acesso à
psicanálise pelas camadas sociais mais empobrecidas:
Os senhores sabem que as nossas atividades terapêuticas não tem um
alcance muito vasto. Somos apenas um pequeno grupo e, mesmo
trabalhando muito, cada um pode dedicar-se, num ano, somente a um
pequeno número de pacientes. Comparada à enorme quantidade de
miséria neurótica que existe no mundo, e que talvez não precisasse
existir, a quantidade que podemos resolver é quase desprezível. Ademais,
as nossas necessidades de sobrevivência limitam o nosso trabalho às
classes abastadas, que estão acostumadas a escolher seus próprios
médicos e cuja escolha se desvia da psicanálise por toda espécie de
preconceitos. Presentemente nada podemos fazer pelas camadas sociais
mais amplas, que sofrem de neuroses de maneira extremamente grave.
(...) Por outro lado, é possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a
consciência da sociedade despertará, e lembrar-se-á de que o pobre tem
exatamente tanto direito a uma assistência à sua mente, quanto o tem,
agora, à ajuda oferecida pela cirurgia, e de que as neuroses ameaçam a
saúde pública não menos do que a tuberculose, de que, como esta,
também não podem ser deixadas aos cuidados impotentes de membros
individuais da comunidade.(p.180)
Neste trabalho, Freud (1919/1918) prevê ainda a gratuidade de tais tratamentos,
ainda que os psicanalistas necessitem de adaptar a técnica ao novo contexto. No que diz
60
respeito ao grau de instrução das camadas populares e sua conseqüência para o
tratamento, Freud afirma:
Não tenho dúvidas de que a validade das nossas hipóteses psicológicas
causará boa impressão também sobre as pessoas pouco instrdas, mas
precisaremos buscar as formas mais simples e mais facilmente
inteligíveis de expressar nossas doutrinas teóricas (p.181).
Deste modo, acreditamos que não se deve recuar diante das dificuldades que
surgem sob as novas condições as quais a psicanálise necessita adaptar-se. Na mesma
citação em que Freud alerta para a possibilidade de contaminação do ouro puro da
análise livre com o cobre da sugestão direta”, ele afirma que qualquer que seja a
maneira que a psicoterapia para o povo assuma, seus ingredientes mais efetivos e mais
importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e o
tendenciosa.”(p.181).
Evidentemente, não se pode esperar que alguém com baixa escolaridade, ou que
advenha de um contexto de miséria ou violência chegue a um serviço público com o
mesmo discurso ou demanda semelhante a quem chega a um consulrio particular. O
que não significa que esse sujeito não possa ser escutado em sua singularidade, que não
possa ser provocado em seu discurso para acessar seu inconsciente.
Diante do argumento tendencioso de que camadas mais empobrecidas da
população não podem ou não devem ser submetidas à psicanálise em razão de limites
culturais e sociais que impossibilitariam elaborações, ou considerariam o sujeito como
o passível do inconsciente, posicionamo-nos em consonância ao argumento de
Bezerra (1987) que privilegia o discurso singular do sujeito em sofrimento, e considera
que a partir do desejo do analista pode-se escutar melhor o sujeito em sua
particularidade.
61
Para o autor, os profissionais de saúde que lidam cotidianamente com pessoas
advindas dos mais diversos contextos sociais e culturais devem estar atentos ao fato de
que nem sempre as noções acerca do processo de adoecimento mental são compatíveis.
Nesse sentido, afirma:
As ideias e sentimentos do terapeuta e do paciente acerca do que é
doença, como se instala, suas causas, o que entendem por cura,
tratamento, saúde, etc. podem ser contrastantes e é preciso não se deixar
levar pela ilusão universalista para poder enxergar esta diversidade. Se
isto não acontece, a escuta do terapeuta se empobrecerá pelo
etnocentrismo de seus ouvidos (p.142).
As diferenças na maneira de perceber o adoecimento, o tratamento e a cura
interferem na determinação do momento em que as pessoas vão buscar ajuda, e de quais
expectativas de resultados terão do tratamento. Somado a isso, conforme aponta o autor,
percebe-se também diferenças no vocabulário e na utilização de palavras relacionadas a
sentimentos entre pessoas de diferentes contextos sociais. É possível, de fato, que
alguns pacientes tenham um vocabulário mais restrito para designar femenos
introspectivos. Este não constitui, entretanto, um obstáculo à escuta analítica. Assim:
com ouvido atento e olho aberto este (terapeuta) poderá passar da fase de
decepção para a de curiosidade e daí para a de pesquisa séria em busca
do código específico de descrição dos estados subjetivos utilizado pelo
paciente e aí encontrar terreno fértil (p.160).
O setting
Outra questão que os psicanalistas que trabalham em instituições blicas de
saúde mental de deparam diz respeito ao enquadre dos atendimentos, o setting
terapêutico, que implica em fixar de uma forma constante as variáveis de tempo e lugar.
O setting é a montagem ou a situação, espaço que facilita a comunicação inconsciente-
inconsciente.
Conforme Bleger (s/d), a situação analítica é composta por invariáveis e
processos. O autor afirma que é importante a manutenção do setting para a reconstrução
62
das partes desintegradas da subjetividade. Nesse entendimento, o setting constitui a
constante fundamental de cura, o depositário da parte psicótica da personalidade e parte
indiferenciada dos vínculos simbióticos primitivos.
Os atendimentos realizados nos chamados serviços substitutivos da clínica da
reforma psiquiátrica não ocorrem somente, ou principalmente, dentro do consulrio.
Conforme Lobosque (2003), esse fato extrapola pensar que tais atendimentos podem ser
feitos caminhando, pelos corredores ou no jardim. Significa atender a demandas e estar
disponível a realizar um leque de atividades inabordáveis no consultório, não devido à
delimitação de seu espaço físico, mas principalmente no que diz respeito ao seu espaço
lógico.
Lancetti (2006) apresenta uma série de experiências clínicas nas quais tal
montagem é móvel, realizada a partir da transposição de espaços e tempos
institucionais. Deste modo, os dispositivos clínicos tornam-se ampliados, não restritos
ao enquadre tradicional psicanatico, mas a todo espaço institucional.
Para Autuori (2005) a viabilidade da prática psicanalítica na instituição está
atrelada à possibilidade do laço analítico (o laço entre função de analista e função de
sujeito) se estabelecer. Assim, a autora defende que tal laço não é dependente do setting
tradicional de consultórios privados.
Nesse mesmo sentido, Elia (2004) destaca a importância fundamental do
estabelecimento de laço analítico em detrimento à rigidez da manutenção do setting
tradicional. Em suas palavras:
Tais funções não se destacam e enlaçam apenas quando há só duas
pessoas, dois corpos, em uma sala. O que é exigível é que essas duas
funções sejam verificáveis, que um laço anatico se estabeleça entre elas.
Não é relevante (quanto a esta condição de análise) que, no espaço
institucional considerado, estruturado segundo as diretrizes e princípios
do dispositivo psicanalítico (que não coincide com o consultório
particular), haja duas ou mais pessoas, desde que, entre elas, analista e
63
analisante se destaquem do conjunto como situando-se fora dele, mas
articulados a ele (p.139).
Por fim, outro desafio imposto aos analistas que atuam nas instituições públicas
de saúde diz respeito à ausência do divã. Conforme assinala Figueiredo (1997) o divã é
peça fundamental e nem um pouco secundária no mobiliário psicanalítico. Entretanto,
quando se fala em divã no serviço público remete-se logo à ideia de ortodoxia da prática
psicanalítica, que seria plausível apenas em consultórios privados.
A utilização do divã se justifica por permitir a emergência da transferência como
resistência no seu devido momento, por estar mais atrelada a fala e menos à imagem do
analista. Entretanto, conforme questiona
a autora a presença específica do divã pode não ser o único modo de se evitar a
pregnância do olhar. Cabe ao analista manejar mais este elemento na transferência que
pode ser tão importante como irrelevante no percurso da análise.
A medicação
Nos serviços blicos de saúde outra questão problemática que surge com
freqüência diz respeito à demanda muito elevada por atendimentos, excedendo a
possibilidade de realizá-los, o que gera inevitável pressão por produtividade e
resolutividade. Neste contexto, uma saída freqüentemente encontrada consiste na
redução dos atendimentos individuais e o aumento do trabalho em grupos. Embora os
efeitos benéficos de trabalhos em grupo sejam conhecidos, tais como promover a
interlocução e, a partir do diálogo, minimizar efeitos estigmatizantes, a pressão pelo
aumento de trabalhos em grupo pode dificultar a possibilidade que os sujeitos em
sofrimento psíquico sejam ouvidos em suas particularidades.
A prevalência da cultura dico-curativa na sociedade contemporânea traz
como conseqüência a demanda de uma cura rápida, indolor por parte dos sujeitos em
64
sofrimento psíquico, que muitas vezes não se implicam no tratamento, mas procuram
ajuda externa. A pressão institucional por brevidade e resolutividade parece ir ao
encontro do pedido do paciente, já que os profissionais que ali atuam deveriam “curar
o mais rápido possível, pois outros pacientes aguardam para ser atendidos. Esta pressão
por rapidez dificulta a escuta analítica, na qual o tempo particular de cada sujeito vem a
desenrolar e produzir efeitos. Deste modo, considera-se que a presença da instituição e
sua interferência no tratamento devem ser levadas em consideração.
De acordo com Canongia (2006) os psicofármacos alteram o estado
psicopatológico, podendo tanto contribuir para ocultar o verdadeiro pathos, quanto
favorecendo que o sujeito se confronte com a verdade de seu sintoma, ao levar em
consideração o fator tempo.
O paradigma médico de cura e eliminação rápida dos sintomas faz com que o
uso de medicamentos seja preponderante em grande parte dos tratamentos. Não se pode
ignorar que também o pedido do paciente esteja inserido nesta cultura.
Nesta cnica não espaço para dúvidas ou incertezas, pois o imperativo da
rapidez e da eficácia, ainda que a custo do empobrecimento das relações humanas. A
cultura dominante do descartável, do consumo desenfreado propicia condutas
terapêuticas impessoais e tecnicistas, que produzem intervenções baseadas apenas em
um conjunto de sinais e sintomas ordenados de acordo com uma classificação
nosológica.
Neste contexto, Rocha e Fernandes (2004) levantam questões pertinentes acerca
do uso indiscriminado das medicações. O favorecimento da generalização indevida do
uso de medicamentos psiquiátricos é apontado como conseqüência do enfraquecimento
do psicodiagnóstico sob a alegação de rotulação, discricionariedade e promoção da
exclusão social. Ao ressaltar a importância do psicodiagnóstico, os autores defendem
65
que não existe relação entre identificar a psicose, tratar o sujeito a partir de referenciais
clínicos adequados e marginalizá-lo socialmente.
O posicionamento defendido é que considerar a loucura um comportamento
qualquer, ignorá-la ou desconhecê-la é tão ou mais violento que colocar os loucos em
instituições asilares. A reforma psiquiátrica tem como objetivo, sob esta perspectiva,
intervir sobre a relação da nossa sociedade com a loucura, o que não significa negá-la
ou ignorá-la, mas sim criar maneiras de como acolher a loucura mediante dispositivos
adequados.
Conforme observa Alberti (2006), percebe-se que no cotidiano da clínica não
se procura o psiquiatra para a prescrição de fármacos como antidepressivos, ansioticos
ou até mesmo antipsicóticos. O neurologista, muitas vezes, prescreve a medicação dos
pacientes, baseado na crença de que os problemas apresentados sejam reduzidos apenas
a danos cerebrais. A pesquisa desenvolvida pela autora não tem o intuito de negar
avanços científicos no âmbito das descobertas das redes neurais e demais inovações
científicas, entretanto, ressalta-se a importância da delimitação dos campos da
psicanálise, psiquiatria e neurociências.
Bezerra Jr. (2004) chama a atenção para o fato de que os mecanismos de
cerceamento e exclusão dos manicômios vem sendo substituídos por meios mais
eficazes e difusos de controle. O surgimento de inúmeros psicofármacos, os avanços na
neurobiologia e neurociências evidentemente facilitaram a não reclusão nos antigos
asilos psiquiátricos, e possibilitaram uma compreensão mais rica do funcionamento
cerebral e bases neurais da atividade psíquica.
O autor aponta que tais avanços se deram inseridos na cultura marcada pela
lógica de mercado, do consumismo e do esvaziamento da ação política. Nesse sentido, o
autor considera que, se o antigo modelo asilar se enfraqueceu, é devido ao fato de não se
66
tratar mais de um dispositivo funcional, de ser obsoleto. Atualmente, se faz de novas
maneiras o jeito de se lidar com a diferença, o bizarro, de controlar o sofrimento
pertubador. O controle é feito de modo suave, sob a forma de reivindicação de consumir
serviços e objetos que produzem bem-estar e saúde. Desta forma, o autor ressalta que a
saúde perfeita tornou-se um sonho coletivo, aliada ao forte apelo do mercado da alegria
e jovialidade. Esses valores trazem permanentemente a concepção de que, dor psíquica
o diz respeito ao conflito subjetivo ou que faz parte da experiência do sujeito; e sim
desvio, disfunção dos sistemas biológicos que regulam o organismo.
Desta forma, o autor defende que a cultura manicomial encontra-se atualmente
travestida de novas formas de controle social. Dentre estas formas, ressalta o
esvaziamento da dimensão subjetiva e de sofrimento psíquico em favor da noção
fisicalista e reducionista do sofrimento mental. É importante destacar esse fenômeno,
pois ele extrapola as concepções dos especialistas, e está presente em toda a sociedade,
está veiculado na mídia. Nesta visão de mundo imediatista, os profissionais da área de
saúde mental são convocados, nas palavras do autor, a se posicionar como técnicos do
bem-estar, ortopedistas do espírito.
O autor aponta ainda uma importante faceta da cultura manicomial, atualmente
perceptível na sociedade: a crescente intolerância ao sofrimento na nossa cultura. O
sofrimento não é visto como algo inevitável, parte da existência humana, e até mesmo
importante. É entendido como algo a ser eliminado da forma mais rápida possível, antes
mesmo de produzir qualquer significação.
Nesse sentido, tal cultura de crescente intolerância ao sofrimento impõe
resistências aos projetos de serviços substitutivos ao modelo asilar, como os CAPS, na
medida em que tais dispositivos visam não apenas evitar o sofrimento, como também
criar espaços de tolencia e convivência com a dor psíquica, contribuindo assim para
67
que a coletividade e as existências individuais possam se dar de formas abertas e
criativas.
É evidente que a descoberta de psicofármacos é de grande valia para diminuir o
sofrimento mental. Entretanto, conforme observa Autuori (2005) outras áreas do
conhecimento atuantes no campo da saúde mental trouxeram contribuições não menos
relevantes. A autora argumenta que a psicanálise não necessariamente se oe à
medicação, que por vezes auxilia o início do processo analítico, entretanto, é contrária
ao uso constante deste recurso, e sua utilização como única solução.
Considerações acerca da postura do psicanalista na clínica da saúde mental
Ribeiro (2005) denominou como desterritorialização a experiência que o
profissional de saúde mental vivencia ao sentir-se deslocado, sem lugar, sem jeito de
lidar com os pacientes frente ao cotidiano de uma clínica que demanda a criação
constante de novas possibilidades e intervenções, e o destitui da sua confortável posição
de exercer apenas as especificidades de sua formação profissional. A proposta da autora
consiste em construir um lugar existencial para o psicótico, e um lugar profissional para
os trabalhadores em saúde mental.
Nesta perspectiva, a postura do psicanalista deve ser a de apostar no sujeito
psicótico, em sua fala, e assim legitimar sua condição subjetiva. A partir desta aposta, o
sujeito pode apresentar suas verdades, sua produção delirante, e assim criar um lugar
legítimo de existência, construir a maneira como vê a si mesmo e a sua hisria.
A partir do questionamento a respeito do lugar do psicanalista em uma clínica
das psicoses, a autora traz a ideia do psicanalista andante, como alguém que perde seu
lugar e se disponibiliza a acompanhar o sujeito psicótico em sua erncia, para, a partir
disso, construir um lugar existencial para o sujeito e um lugar profissional para si.
68
Deste modo, características indicadoras da posição que o profissional que
trabalha em uma clínica das psicoses com o referencial psicanatico deveria assumir são
apontadas: disponibilidade em oferecer espaço, tempo e suporte para conteúdos que
aparecerem; assumir presença reservada, disponível e confiável; implicar-se de modo
pessoal no processo de cura; manter-se reservado e poder ser criado pelo paciente; criar
possibilidades com sua presea de ausentar-se e de que o paciente possa prescindir
dele. Este posicionamento diz respeito ao lugar de permanente tensão entre a implicação
exigida pela presença e a reserva ou ausência de si, necessária para o trabalho de
análise.
Tais atitudes e características trazem a possibilidade de abertura para o novo,
que proporciona aos profissionais modos de se adequar a um novo contexto e à
psicanálise que se atualize a partir da clínica.
Na busca de tentar delimitar as funções do psicanalista na clínica da atenção
psicossocial, Figueiredo (2007) aponta para duas importantes direções: o psicanalista
o é o que convence, mas o que convive; e deve ter em vista definir sua função na
direção do trabalho em equipe. Entretanto a dificuldade que se impõe, já discutida
anteriormente, diz respeito à transmissão da psicanálise nas equipes compostas por
profissionais que, muitas vezes, não possuem nenhum tipo de relação com a psicanálise.
Nesse sentido, a autora faz considerações acerca do psicanalista que convém nos
serviços blicos. Não seria ele o inconveniente, nem o que convence, nem mesmo o
conveniente, dócil e amável que esconde sua arrogância. O psicanalista que convém é
aquele que convive, e o faz em meio à potica institucional nada fácil da qual faz parte.
Acrescenta ainda que, para conviver, faz-se necessário, algumas vezes, saber fazer um
encaminhamento, um acompanhamento ou propor um retorno para poder manter as
conversas.
69
Conforme lembra Elia (2005), na clínica cotidiana dos CAPS, não é possível que
o se uma resposta a cada situação que se impõe, ainda que não se saiba disso. A
tomada de responsabilidade que concerne aos profissionais é entendida aqui, de modo
mais amplo do que ter competência para fazer algo. Implica em ter capacidade e
coragem para admitir que mesmo quando não se sabe exatamente o que fazer uma
resposta necessariamente está sendo dada. Nas palavras do autor:
Se psicanálise em uma equipe, é na concepção da resposta a dar, por
qualquer um da equipe, por cada um, e não em um falso respeito mudo e
omisso a uma suposta relação psicanalítica a ser preservada, abstrata e
ficticiamente, fora da situação real que está sendo experimentada ali.
Isso implica em admitir que, quando a tomada de responsabilidade, quem
responde sabe disso, sabe que a resposta está sendo dada, ainda que esta seja o silêncio
ou a omissão.
70
CAPÍTULO 04 PROMOVENDO DIÁLOGOS: SAÚDE MENTAL,
PSICANÁLISE E SOFRIMENTO PSÍQUICO GRAVE
Diversos conceitos foram utilizados no decorrer do presente trabalho, tais como
psicose, loucura, sofrimento psíquico e sofrimento psíquico grave. Apesar dos inúmeros
questionamentos e problematizações em razão das imprecisões conceituais dos termos,
estes foram mantidos de acordo com as designações que os autores mencionados
sustentaram. Devido ao fato de tratar-se de um trabalho de fundamentação psicanalítica,
o termo psicose foi utilizado em grande parte do trabalho.
Dentre as diversas razões que justificam a escolha pela utilização da noção de
sofrimento psíquico grave neste trabalho, destaca-se que a atual compreensão da área de
saúde mental, compreendida no contexto da reforma psiquiátrica, presta assistência não
apenas às crises ditas psicóticas, mas a variadas demandas, tais como neuroses graves,
transtornos do humor, drogadição, dentre outros. O termo sofrimento psíquico grave
permite, nesse sentido, uma maior liberdade para se referir às crises intensas, que podem
ou não ser de cunho psicótico.
Problematizações acerca do sofrimento psíquico grave
O sofrimento humano, na concepção de Martins (2005) pode ser entendido como
pathos, que se refere à disposição originária do sujeito que está na base do humano
(p. 36). Para o autor, o conceito de pathos traz possibilidades mais amplas que o sentido
de doença, tratando-se de uma dimensão essencialmente humana. Nesta concepção, o
pathos não pode ser objeto de estudo de uma só disciplina, pois consiste em um
conceito inerente ao ser.
71
A psicopathologia, nessa perspectiva, diferencia-se da psicopatologia clínica
tradicional, por ser a primeira entendida como a marca do sofrimento psíquico grave”,
e, assim como o sofrimento, algo inerente ao ser humano.
É nesta concepção de psicopathologia que o sofrimento psíquico grave é
entendido. De acordo com Costa (2010), a conceituação do sofrimento psíquico não
constitui tarefa simples de ser realizada. O termo é adotado na concepção que tem sido
utilizada e desenvolvida nas áreas da filosofia, psicologia clínica e psicopatologia. Para
o autor, qualquer conceituação pré-estabelecida acerca do sofrimento psíquico grave
deve ser rejeitada, de modo a ampliar as possibilidades de compreensão sobre como
determinadas vivências se tornam em um dado momento insuportáveis para o sujeito, e
quais são os recursos que ele tem para se sustentar frente a essa realidade.
O sofrimento psíquico grave designa não apenas os fenômenos que estão sob as
diversas definições de psicose, mas aponta também para importantes desafios
filoficos, conforme enumera o autor:
a) busca superar a classificação nosográfica, empiricista, categorial e
sintomatológica das classificações psiquiátricas, que, por si s, se
pretendem atricas (o que é um equívoco); b) apontar mais para
fenômenos existenciais, fenomenológicos, de cunho interno, relacional e
dinâmico, que falam da angústia humana, das contradições da
estruturação psíquica, do sofrimento (psíquico, afetivo, emocional,
relacional), para além do sintoma e c) tentar resgatar, portanto, a
dimensão ‘normal’, ‘natural, ‘inerente’ de qualquer sofrimento humano,
inclusive daqueles tidos como psicóticos. Neste sentido, o qualificativo
‘grave’ se refere tão somente à intensidade do sofrimento e não a uma
classificação específica, buscando resgatar a dimensão congua de todo o
sofrimento humano, de um extremo (‘suportável’) a outro
(‘desorganizado’) (Costa, 2006, pg. 09).
Partindo do pressuposto de que a manifestação subjetiva do sofrimento é sempre
singular e irredutível, a noção de sofrimento psíquico grave relaciona-se à noção de
crise, podendo essa entendida no sentido psicológico como uma manifestação súbita de
72
um equilíbrio pré-existente, como um momento de ruptura ou mudança de curso de
um equilíbrio previamente estabelecido, levando a desarticulações que podemos
chamar de psicossociais da pessoa” (Costa, 2006, pg. 06). Desta forma, ainda na
concepção de Costa (2010),
o sofrimento psíquico grave deve ser entendido de forma a pensarmos
como sofrimento algo essencial do humano, o psíquico que o é da
ordem do orgânico (sendo, portanto, também da ordem do afeto) e o
grave para enfatizar a sua intensa e, em geral, de difícil manejo comum.
Esta forma de delimitar nos remete a uma possibilidade de cuidar da crise
como um acontecimento essencialmente fenomenológico e não apenas
sintomatológico ou nosográfico, oferecendo, no cuidado desta, um
processo de possibilidades de estruturação e uma necessidade de estar ao
lado do sujeito que sofre, seja em que intensidade for (p.2).
Diante dessas problematizações, o autor procura resumir as características do
sofrimento psíquico grave como sendo:
a) algo essencial e inerente a todo ser humano; b) que se constrói e é
expresso nas relações (afetivas, sociais e culturais); c) que demanda
delimitação em cada particularidade; d) é simbolizado de forma
diferente em cada sujeito e e) que, portanto, no caso do sujeito “tido
como psicótico”, existe uma particularidade a ser entendida, estudada
e respeitada, além de demandar o desenvolvimento de formas de dar
continência, apoio e cuidado (p.3).
Aproximações entre o sofrimento psíquico grave e a psicanálise no contexto da
Saúde Mental
A noção do sofrimento psíquico grave do sujeito considerado psicótico está, no
presente trabalho, inserida no campo da saúde mental. Isso implica em considerar que
esse sujeito possui direitos globais e individuais a serem defendidos de acordo com a
legislação vigente.
Conforme exposto, o sofrimento psíquico grave designa não apenas os
fenômenos que estão sob o domínio das psicoses, mas refere-se à noção de um afeto
insuportável, que desestabiliza uma forma de ser em suas diversas dimensões
73
(individual, familiar, institucional e social). Esse conceito demanda, ainda, que a
perspectiva cio-histórica-cultural não seja desconsiderada, pois o fenômeno do
sofrimento psíquico perpassa cada existência de modo particular, sendo sua expressão
também singularizada.
Nesse sentido, em virtude de sua amplitude, tal constructo aproxima-se da atual
compreensão de saúde mental, que é complexa e plural, atravessando os mais diversos
saberes. Nas palavras de Amarante (2007):
Quando nos referimos à saúde mental, ampliamos o espectro dos
conhecimentos envolvidos, de uma forma tão rica e polissêmica que
encontramos dificuldades de delimitar suas fronteiras, de saber onde
começam ou terminam seus limites. Saúde mental não é apenas
psicopatologia, semiologia... Ou seja, não pode ser reduzida ao estudo e
tratamento das doenças mentais... Na complexa rede de saberes que se
entrecruzam na temática da saúde mental, estão, além da psiquiatria, a
neurologia e as neurociências, a psicologia, a psicanálise (ou as
psicanálises, pois são tantas!), a fisiologia, a filosofia, a antropologia, a
sociologia, a hisria, a geografia (esta última nos forneceu, por exemplo,
o conceito de terririo, de fundamental importância para as poticas
públicas) (p. 15-16).
É nesse cenário de compreensão da saúde mental, aliado às mudanças
epistemológicas e poticas do movimento da Reforma Psiquiátrica, que a noção do
sofrimento psíquico grave está inserida.
Conforme exposto, o termo sofrimento psíquico grave visa superar o modelo
psicopatológico descritivo e as classificações nosológicas dele decorrentes,
fundamentados em concepções simplistas que desconsideram o sujeito e sua
experiência, dimensão que a psicanálise busca resgatar.
A concepção de que não um saber inflexível e estanque concebido a priori
permite-nos pensar em uma aproximação entre o sofrimento psíquico grave e a
psicanálise. No caso do sofrimento psíquico grave, deve-se pensar em diferentes
maneiras de compreender o sofrimento humano, entender o momento em que
74
determinadas vivências tornam-se intoleráveis para o sujeito, e quais são os recursos
que o sujeito possui para lidar com essa realidade, não cabendo qualquer tipo de
definição rígida pré-estabelecida.
De forma semelhante, na psicanálise parte-se de uma posição de não saber, para
que, a partir da introdução do fator sujeito, possa-se extrair de suas produções a
orientação para o seu tratamento. Tal concepção difere em muito de algumas práticas
ancoradas na lógica assistencialista, em que existe algo pré-concebido a respeito do
que é melhor para o sujeito.
Assim como na concepção psicanalítica, que considera a subjetividade e a
capacidade do sujeito de dizer sobre si mesmo e orientar seu tratamento, a noção de
sofrimento psíquico grave busca ir além do sintoma, superando assim classificações
nosográficas e sintomatológicas, resgatando a condição inerente de qualquer sofrimento
humano. Nesse sentido, tanto na psicanálise como na noção de sofrimento psíquico
grave, a cnica da singularidade se estabelece em contraposição a concepções
apriorísticas que oferecem respostas generalizantes a questões individuais, tais como a
psiquiatria biológica, a farmacologia e as neurociências.
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São diversas as possibilidades de contribuição da psicanálise no trabalho
institucional em saúde mental. O panorama é desafiador e exige rigor e cautela para que
a psicanálise possa adentrar contextos diversos aos do consulrio particular sem,
contudo, romper com o que a fundamenta.
Como vimos, muitos autores tem se dedicado a estudar a maneira pela qual a
psicanálise se insere na saúde mental, tecer aproximações e diferenças entre essas áreas,
elaborar propostas que viabilizam o trabalho psicanalítico em instituições de saúde
mental, problematizar as diferenças entre o tratamento desenvolvido em consultório
particular e o tratamento no contexto institucional.
Os enfoques de cada autor, bem como seus posicionamentos críticos, são
variados. Do mesmo modo,o diversificadas as denominações que alguns autores
designam ao trabalho desenvolvido na instituição, que variam desde escuta
psicanalítica, orientação psicanatica, ou até mesmo acreditam que haja em uma
instituição, efeitos psicanalíticos.
Entretanto, conforme aponta Autuori (2005), não é mais amplamente
difundida a crença de que não exista psicanálise possível em contextos institucionais,
mesmo que alguns teóricos ainda defendam tal posicionamento. O uso das diferentes
nomeações para o trabalho psicanalítico nas instituições indicam significativas
diferenças tricas e práticas, pois enquanto alguns destes autores acreditam que exista,
na instituição, efeitos de sujeito provocados pelo trabalho psicanalítico, porém não
sujeitos em análise, outros defendem que é a psicanálise, stricto sensu na instituão.
Não se trata aqui de discutir, no atual momento, se a psicanálise está ou o
presente no campo da saúde mental. Trata-se de recontextualizar o legado de Freud e
Lacan frente aos novos desafios impostos pelas instituições de saúde mental e pela
76
própria potica de saúde mental vigente, fazendo evoluir prática e teoricamente o
discurso psicanalítico.
Embora psicanálise e saúde mental sejam termos distintos que não devem ser
confundidos, interfaces possíveis podem e devem ser discutidas. Ainda que não se
tratando de uma intersecção propriamente dita, existe, como afirma Guerra e Souza
(2006) uma relação ao mesmo tempo íntima e distante entre os termos, na qual
conceitos fundamentais da psicanálise podem ser utilizados, quando úteis, como
operadores na prática das instituições de saúde mental.
Essa interface não busca, por certo, afirmar a psicanálise como orientação única
ou hegemônica a ser adotada no campo da saúde mental. Ao contrário, reconhecemos
que a riqueza dessa área está na pluralidade de saberes que a constituem e a tornam um
campo de conhecimento e atuação técnica no âmbito das políticas blicas de saúde
mental complexo e interdisciplinar.
Existem, contudo, pontos conflitantes entre a psicanálise e as concepções
reformistas dos usuários da rede de saúde mental. A busca pela cidadania e pela
inserção social do sujeito em sofrimento psíquico grave não pode ser um ideal tirânico
do profissional que atua nessa área. Isso não significa afirmar que a psicanálise o
possa ter esses objetivos, mas desde que se leve em consideração o sujeito, e não apenas
as aspirações dos profissionais que atuam na área.
As propostas de autores contemporâneos que se dedicam ao estudo desta
interface auxiliam a compreender as possibilidades de interlocução entre a psicanálise e
a saúde mental e oferecem um direcionamento para o trabalho em equipe nesse
contexto.
Entretanto, antes de elencar as contribuições mais pontuais, vale destacar a
aposta ética feita pelo analista decidido a trabalhar na saúde mental. Tal aposta consiste
77
em levar em consideração o sujeito, como alguém digno de voz e vez, capaz de dizer
sobre si mesmo. A aposta no outro e em sua subjetividade implica em uma escuta que
legitima o dizer do sujeito em sofrimento psíquico grave, de modo a deixá-lo à vontade
para expressar-se, ainda que tal expressão seja uma construção delirante. Desta maneira,
as contribuições que a psicanálise pode dar no campo da saúde mental dizem respeito à
ética da posição subjetiva e à exigência de que se estabeleça uma clínica da
singularidade. Nesse sentido, cabe ao analista chamar a atenção para a particularidade
de cada caso, sempre que respostas generalistas sejam oferecidas para questões
individuais.
Com base nesta aposta ética, o trabalho do analista deve incidir sobre aquilo que
de específico no sujeito, trazendo à cena o que dela está excluído. O trabalho com o
delírio, a via da trivialização e o trabalho com a arte constituem três vias com as quais o
analista pode trabalhar para acessar as produções do sujeito. Assim, importa para a
psicanálise a solução oferecida por cada sujeito ao seu modo de gozo e à errância de seu
desejo, de modo singular.
A construção do caso cnico constitui importante ferramenta para o trabalho
psicanalítico na saúde mental. Essa construção, realizada em meio ao trabalho
interdisciplinar, implica em uma inversão da posão de saber, na qual o paciente tem
algo a ensinar à rede social, e não o oposto. Conforme Figueiredo (2004), trata-se de
recolher da experiência do sujeito, por meio do seu discurso, elementos com os quais a
construção do caso será feita, que tem como objetivo direcionar ações e intervenções da
equipe de saúde mental. Dessa forma, a construção é baseada em elementos extraídos
do discurso do sujeito, sendo, portanto, parcial e passível de revisão.
A noção de analista cidadão traz contribuições na medida em que ajuda a
localizar a função do psicanalista nas instituições públicas de saúde mental. Essa noção
78
permite retirar o analista da posição de exclusão de si mesmo, para torná-lo útil e
compatível com os novos dispositivos democráticos de assistência em saúde mental.
Nesta concepção, o analista deve destituir-se do status de especialista e passar para a
posição de analista-cidadão. Isso implica que perceber-se como um a mais em uma
prática feita por muitos, além de ser sensível às diversas formas de segregação e
exclusão de seu contexto, e atentar-se aos novos modos de subjetivação de sua época.
A prática entre muitos diz respeito à cnica suportada na pluralidade, tanto dos
sujeitos que demandam tratamento, como dos profissionais que lá atuam. A prática
entre vários na instituão deve orientar seu funcionamento a partir das exigências do
sujeito, em contraponto às exigências dos especialistas que lá atuam.
Sabe-se que o trabalho em equipe interdisciplinar é ferramenta fundamental para
o trabalho em saúde mental. Entretanto, o trabalho em equipe não constitui tarefa fácil,
pois no cotidiano das instituições de saúde mental, não raro deparamo-nos com
orientações teóricas divergentes. Como trabalhar tal diversidade de saberes? Como
evitar a junção de orientações teóricas díspares?
De fato, diferentes saberes sustentam diferentes discursos e produzem, por certo,
diferenças em suas práticas. Entretanto, o problema não está nas diferenças, já que é na
diversidade de concepções que encontra-se a riqueza da clínica em saúde mental. Em
consonância com Bezerra (2004), a cooperação entre os diferentes saberes deve se dar
mediante acordo, tácito ou explícito, em relação à natureza das teorias e proposições
clínicas de cada perspectiva e os critérios que devem reger a escolha de qual perspectiva
diante de cada situação. Critérios que indicariam que determinada posição é contrária e
o deve ser utilizada precisam ser estabelecidos. Tal critério, em sua concepção, não é
epistemológico, mas ético e potico. Nesse sentido, as diversas teorias deveriam ser
analisadas no campo dos efeitos subjetivos que provoca, ou seja, as conseqüências que
79
determinada concepção traz e quais resultados surgem a partir de sua aceitação, e o
apenas por sua fundamentação teórica ou científica.
A psicanálise não é tomada em sua função supostamente prescritiva, e não
disputa entre os diversos saberes para estabelecer qual seria a prescrição da melhor
conduta na condução dos casos, que é o próprio lugar do saber prescritivo que deve
ser esvaziado, dando lugar ao saber do sujeito em tratamento. Nas palavras de
Figueiredo (2006) é como aprendizes que nos colocamos no trabalho em equipe”
(p.11).
Da mesma forma, ainda em consonância com esta autora, a transmissão da
psicanálise no trabalho em equipe se no cotidiano da própria clínica, e não por meio
do ensino. Para que esta transmissão se torne possível deve haver uma transferência
com a psicanálise, que é disseminada diariamente, no manejo das mais diversas
situações clínicas. Não é o psicanalista com seu saber acumulado que ensina a
psicanálise, mas a própria psicanálise que ensina a partir de seus efeitos.
A formação continuada dos profissionais na área da saúde mental é
indispensável, já que os posicionamentos e posturas éticas dos profissionais que lá
atuam precisam ser reelaborados e reavaliados nesse contexto específico. Nesse cenário
é de grande valor o intercâmbio entre a Universidade e a rede de atenção à saúde
mental, que enriquece a ambos. Estratégias como articular alunos e professores com os
dispositivos da rede, facilitar o diálogo entre os profissionais e pesquisadores da
universidade, promover encontros, seminários, estágios, constituem formas
interessantes de promover qualificação para os dois os lados.
Essas propostas contribuem efetivamente com o trabalho dos analistas que
decidem habitar a área da saúde mental na medida em que oferecem diretrizes para o
80
trabalho psicanalítico no âmbito da saúde mental em meio a equipes interdisciplinares
nas instituições públicas de saúde.
Entretanto, questões como a ausência de pagamento direto ao analista, o
contexto social e cultural a que pertencem os usuários da rede, a ausência de setting e a
cultura da medicalização trazem inúmeras conseqüências ao trabalho analítico que
precisam ser refletidas e elaboradas. Entretanto acreditamos que nenhum desses fatores
inviabiliza o trabalho psicanalítico, mas demandam do analista o manejo das
peculiaridades que se impõem no trabalho institucional da rede blica. Cabe ao
analista, refletir e desenvolver mecanismos para lidar com essa nova realidade, e referi-
los à psicanálise.
Posto que buscamos promover diálogos entre a saúde mental, a psicanálise e o
sofrimento psíquico grave, entendemos que o sofrimento psíquico grave refere-se não
apenas aos fenômenos ditos psicóticos, mas diz respeito a um afeto que se torna
insuportável para o sujeito, desestabilizando seu modo de ser nas diversas dimensões
(individual, familiar, institucional e social). Esta noção busca superar a classificação
nosográfica, empiricista e sintomatológica das classificações psiquiátricas; visa apontar
para fenômenos existenciais, fenomenológicos, de cunho interno, relacional e dinâmico;
e tenta resgatar a dimensão inerente de qualquer sofrimento humano, inclusive daqueles
tidos como psicóticos (Costa, 2006).
Deste modo, o termo sofrimento psíquico grave mostra-se adequado às
demandas da área da saúde mental, que presta assistência não apenas às crises
psicóticas, mas a neuroses graves, problemas relacionados ao abuso de álcool e outras
drogas, transtornos do humor, dentre outros. É nesse cenário de compreensão da saúde
mental, aliado às mudanças poticas e epistemológicas decorrentes do movimento da
Reforma Psiquiátrica, que a noção de sofrimento psíquico grave está inserida.
81
Por fim, buscamos pensar em aproximações possíveis entre o termo sofrimento
psíquico grave e a psicanálise, cientes de que são termos diferentes que não devem ser
confundidos. Assim como na concepção psicanalítica, que considera a subjetividade e a
capacidade do sujeito de dizer sobre si mesmo e orientar seu tratamento, a noção de
sofrimento psíquico grave busca ir além do sintoma e resgatar a condição inerente de
qualquer sofrimento humano. Nesse sentido, tanto na psicanálise como na noção de
sofrimento psíquico grave, a clínica da singularidade se estabelece em contraposição a
concepções pré-estabelecidas que oferecem respostas generalizantes a questões
individuais.
82
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Abreu, D. N. (2008). A prática entre vários: a psicanálise na instituição de saúde
mental. Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, ano 8, nº1, 74-82. Rio de Janeiro.
Alberti, S. & Fulco, A.P.M.L. (2005). Um estudo, uma denúncia e uma proposta:
a psicanálise na interlocução com outros saberes em saúde mental, como avanço do
conhecimento sobre o sofrimento psíquico. Revista Latinoamericana de Psicopatologia
Fundamental, VIII, 4, 721-737. São Paulo.
Alberti, S. (2006). A estrutura e as redes em psicanálise. Psicanálise e Saúde
Mental: uma aposta. 83-100. Rio de Janeiro: Companhia de Freud.
Alberti, S.; Erlich, H.; Mocarzel, P; Monteiro, P. (2008). Encaminhamentos e
dispersão. Questões para a psicanálise no hospital. Estudos e Pesquisas em Psicologia,
vol. 8 n.1.
Abreu, D. N. (2008). A prática entre vários: a psicanálise na instituição de saúde
mental. Estudos e Pesquisas em Psicologia, UERJ, ano 8, nº1, 74-82. Rio de Janeiro.
Amarante, P. (2007). Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro:
FIOCRUZ.
Autuori, S. (2005). Clínica com arte: considerações sobre a arte na psicanálise.
Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro.
Autuori, S. (s/d). Clínica com arte: considerações sobre a arte no tratamento
psicanalítico no campo da saúde mental.
Assad, M.M.E; Monteiro, C.P.; Xavier, A.E.N.; Lima Junior, J.M.; Aquino, L.A;
Rodrigues, M.F. & Oliveira, U.P. (2002). O tratamento psicanalítico no contexto da
reforma psiquiátrica. Conceitos. João Pessoa, vol.05, n.07, p.176-179.
Baio, V. (1999). O ato a partir de muitos. Curinga, n.13, p.66-73.
83
Bezerra Jr., B. (1987). Considerações sobre terapêuticas ambulatoriais em saúde
mental. Cidadania e Loucura: Políticas de Saúde Mental no Brasil. Editora Vozes:
Petrópolis.
Bezerra Jr., B. (2004). O Cuidado nos CAPS: os novos desafios. Academus
Revista Científica da Saúde, vol.III, n.04. Disponível em http://www.saude.rio.rj.gov.br
Bleger, J. (s/d). Simbiose e ambiguidade. Francisco Alves: Rio de Janeiro.
Carneiro, N.G.O. (2008) Do modelo asilar-manicomial ao modelo de
reabilitação psicossocial haverá um lugar para o psicanalista em saúde mental?
Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol.11, n.02, p. 208-220.
Costa, A. (2006). Uma experiência de clínica institucional. In: Alberti, S. e
Figueiredo, A. C. (orgs). Psicanálise e Saúde Mental: uma aposta. Rio de Janeiro:
Companhia de Freud.
Costa, I.I. (2006). Adolescência e a Primeira Crise Psicótica: Problematizando a
continuidade entre o sofrimento normal e o psíquico grave. Acesso em 20/04/10.
Disponível em http://www.fundamentalpsychopathology.org/anais2006/4.69.3.1.htm
Costa, I.I. (2010). “Crises Psíquicas do Tipo Psicótico”: distanciando e
diferenciando sofrimento psíquico grave de “Psicose”. Em Costa, I. Compreendendo
Famílias com Disfunção Psicótica. Material Inédito, no prelo, Brasília.
Di Ciaccia, A. (2007). Inventar a psicanálise na instituição. Pertinências da
Psicanálise Aplicada. Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 69-75.
Elia, L. (2004). O sujeito demasiado visível do autismo. Trabalho apresentado
na I JORNADA CLÍNICA DA SEDE RIO DO LAEP, O Autismo tratado pela clínica
psicanalítica, realizada no dia 11 de dezembro de 2004, Rio de Janeiro.
84
Elia, L. (2004). Responsabilidade do Sujeito e Responsabilidade do Cuidado no
Campo da Saúde Mental. . Academus – Revista Científica da Saúde, vol.III, n.04.
Disponível em <http://www.saude.rio.rj.gov.br>
Elia, L. & Santos, K. W. A. (2005). Cnica, política e pesquisa. Psicanálise,
clínica e instituição. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos.
Fernández, M.R.(2001). A prática da psicanálise lacaniana em Centros de Saúde:
psicanálise e saúde blica. Dissertação de Mestrado. Fundação Oswaldo Cruz, Escola
Nacional de Saúde Pública.
Figueiredo, A. C. (1997). Vastas confusões e atendimentos imperfeitos: a clínica
psicanalítica no ambulatório público. Rio de Janeiro: Relume-Dumará.
Figueiredo, A.C. (1999). Por uma psicanálise possível nos serviços de saúde
mental. Cadernos IPUB, n.3, 119-135. Rio de Janeiro.
Figueiredo, A.C. (2004). A construção do caso clínico: uma contribuição da
psicanálise à psicopatologia e à saúde mental. Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental, ano VII, nº 1, 75-86.
Figueiredo, A.C. (2005). Uma proposta da psicanálise para o trabalho em equipe
na atenção psicossocial. Mental, nov. 2005, vol.3, no.5, p.43-55. ISSN 1679-4427.
Figueiredo, A. C. (2007). A Função da Psicanálise (e do psicanalista) na Clínica
da Atenção Psicossocial. Nascimento, E. & Gonzáles, R.C. (orgs) Psicanálise e os
Desafios da Clínica na ContemporaneidadeSérie Teoria da Clínica Psicanalítica, nº2.
Salvador, EDUFBA, p.81-89.
Figueiredo, L. C. (2008). Psicanálise: elementos para a clínica contemporânea.
São Paulo: Escuta.
Freud, S. (1912/2006). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise.
O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago.
85
Freud, S. (1912/2006). Sobre o início do tratamento. (Novas Recomendações
sobre a técnica da psicanálise I). O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros
trabalhos. Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S. (1919[1918]/2006). Linhas de Progresso na Terapia Psicanalítica. Uma
neurose infantil e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago.
Freud, S. (1985a). Psychanalyse et torie de la libido. In S. Freud, Résultats,
idées et problèmes, 2 (pp.51-77). Paris: PUF. (Trabalho original publicado em 1923.)
Guerra, A. M. C & Souza, P.V. (2006). Reforma Psiquiátrica e Psicanálise:
diálogos possíveis no campo da inserção social. Psicología para América Latina –
Revista Electrónica Internacional de la Unión Latinoamericana de Entidades de
Psicología, n.06, disponível em http://www.psicolatina.org/revista/.
Goidanich, M. (2001). Saúde mental na rede pública: Possibilidade de inserção
psicanalítica? Psicologia Ciência e Profissão, 21, 4, 26-33.
Lancetti, A. (2006). Clínica Peripatética. São Paulo: Editora Hucitec.
Laurent, E. (1999). O analista cidadão. Tradução Helenice S. de Castro.
Curinga, n.13, p.12-19.
Laurent, E. (2000). Psicanálise e saúde mental: a prática feita por muitos.
Curinga, n.14, p.164-175.
Leal, E. M.; Serpa Junior, O.D.; Muñoz, N.M.; Goldenstein, N & Delgado, P.G.
(2006). Psicopatologia da autonomia: a importância do conhecimento psicopatológico
nos novos dispositivos de assisncia psiquiátrica. Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental, vol. IX, n.3, p.433-446.
Lobosque, A. M. (2003). Clínica em movimento: por uma sociedade sem
manicômios. Rio de Janeiro: Garamond.
86
Lowenkron, T. S. (2000). Freud, psicanálise e universidade. A Pesquisa e o
Ensino da Psicanálise na Universidade. Cadernos IPUB, n. 09, 2ªed, p. 64-72.
Martins, F. (2005). Psicopathologia I: Prolegômenos. Belo Horizonte:
PUCMINAS.
Monteiro, C.P. & Queiroz, E.F. (2006). A Clínica Psicanalítica das Psicoses em
Instituões de Saúde Mental. Psicologia Clínica, vol.18, n.1, 109-121. Rio de Janeiro.
Pinto, A. (2007) “A Sessão Clínica como articuladora da diversidade dos
saberes”. Revista Eletrônica Clinicaps no 1.
Ribeiro, A. M. (2005). O lugar do psicanalista em uma clínica das psicoses:
algumas reflexões. Psychê, ano IX, n.16, 165-182, São Paulo.
Rinaldi, D. (2006). Entre o sujeito e o cidadão: psicanálise ou psicoterapia no
campo da saúde mental? In: Alberti, S. e Figueiredo, A. C. (orgs). Psicanálise e Saúde
Mental: uma aposta. 141-147. Rio de Janeiro: Companhia de Freud.
Rinaldi, D. & Alberti, S. (2009). Psicanálise, Saúde Mental e Universidade.
Estudos e pesquisas em psicologia, UERJ, ano 9, n.2, p. 533-545. Rio de Janeiro.
Rocha, E.C & Fernandes, F. L. (2004). Um psicótico ajuizado: incidências da
psicanálise no tratamento psiquiátrico da psicose. Revista Latinoamericana de
Psicopatologia Fundamental, VII, 1, 40-62.
Stevens, A. (2007). A instituão: prática do ato. Pertinências da psicanálise
aplicada. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Straub, R. O. (2005). Psicologia da Saúde. Porto Alegre: Artmed.
Teixeira, A.M.R. (2007). Tecendo a rede: a psicanálise na saúde mental.
CliniCaps.
Tenório, F. (2001). A psicanálise e a clínica da reforma psiquiátrica. Rio de
Janeiro: Rios Ambiciosos.
87
Verztman, J. S. (1999). Por que devemos oferecer psicanálise nos ambulatórios
públicos? Cadernos IPUB, n.3, 137-153. Rio de Janeiro.
Viganò, C. (2010). A construção do caso clínico. Opção Lacaniana online nova
série, ano I, n. I, disponível em http://www.opcaolacaniana.com.br.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo