21
graves injustiças culturais, estas não estariam diretamente enraizadas em uma
ordem de status autônoma e injusta, mas na própria estrutura econômica. Nesse
caso, o núcleo da injustiça é sócio-econômico, sendo denominada por Fraser
maldistribution
1
. Superar a exploração de classe, portanto, demandaria reestruturar
a economia política de modo a alterar a distribuição de ônus e vantagens. Em Marx,
por exemplo, a tarefa do proletariado consistiria, em última análise, na sua própria
abolição como classe. O remédio para a injustiça econômica seria precisamente
excluir o proletariado como um grupo distinto, jamais o reconhecimento de sua
“diferença”.
Na outra extremidade do espectro conceitual, por sua vez, estaria uma divisão
social igualmente ideal-típica, mas ajustada ao paradigma do reconhecimento – ou
seja, com raízes fincadas na ordem de status da sociedade (por oposição à estrutura
econômica). Qualquer injustiça estrutural sofrida por esse grupo poderia ser
rastreada até os padrões sociais institucionalizados de valoração cultural – mesmo
as injustiças econômicas decorreriam, em último caso, de misrecognition. O exemplo
aqui empregado por Fraser é o da diferenciação sexual, entendida sob o prisma do
conceito weberiano de status. Segundo essa concepção, a divisão entre
homossexuais e heterossexuais estaria enraizada na ordem de status da sociedade
e não na economia, vez que os primeiros estariam distribuídos ao longo de toda a
estrutura de classe do capitalismo e não ocupariam uma posição distintiva na divisão
do trabalho (não constituiriam uma classe explorada). Na verdade, gays e lésbicas
estariam submetidos a uma subordinação de status, em virtude da difusão de
padrões culturais de valoração que constroem a homossexualidade como pervertida
e desprezível e a heterossexualidade como normal e normativa. Derrotar a
homofobia e o heterossexismo exigiria modificar a ordem de status sexual –
desinstitucionalizar padrões valorativos heteronormativos e substituí-los por outros
que expressem respeito igual por gays e lésbicas.
1
Ao longo desse trabalho, os termos que Fraser emprega para designar as formas específicas de injustiça econômica
(maldistribution), cultural (misrecognition) e política (misrepresentation e misframing) foram mantidos em inglês, pois a
tradução se faria impossível sem a perda da elegância conceitual da autora, que se manifesta inclusive nos paralelismos e na
simétrica aliteração por ela empregada. Segundo Greenbaum (1996, p. 447), os prefixos mal e mis são pejorativos, o
primeiro equivalendo a improper (impróprio, inadequado,) ou badly (mal, não bem, de maneira ruim, perversamente) e o
segundo a wrong (errado, incorreto, errôneo, falso) ou wrongly (erroneamente, falsamente). Além disso, mal é pouco usado
na língua inglesa (foi emprestado do francês), ao passo que mis é bem mais comum. Ele explica ainda que, por exemplo,
disinformation possui um sentido mais restrito do que misinformation, pois este se refere à difusão intencional de informações
falsas ou distorcidas, usualmente por agências governamentais e, particularmente, agências de inteligência. Nesse sentido,
maldistribution seria distribuição inadequada ou ruim; misrecognition seria reconhecimento errôneo, falso, incorreto;
misrepresentation significaria representação errônea, falsa, incorreta; e misframing equivaleria a estruturação errônea, falsa,
incorreta.