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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Juliam Izabel de Oliveira
A oralidade em Toda nudez será castigada, de Nelson Rodrigues
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
São Paulo
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Juliam Izabel de Oliveira
A oralidade em Toda nudez será castigada, de Nelson Rodrigues
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação do
Prof. Doutor Dino Preti.
São Paulo
2010
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iii
Comissão julgadora
__________________________
__________________________
__________________________
iv
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho a todas as pessoas que me apoiaram para que este
sonho se concretizasse, em especial, ao meu marido, aos meus filhos, aos meus
pais, às minhas irmãs e à minha sobrinha.
v
AGRADECIMENTOS
Ao longo desses anos de estudos contei com algumas pessoas que foram
fundamentais para que eu conseguisse concluir este trabalho. Assim, nesta etapa
final, desejo manifestar-lhes o meu agradecimento:
Ao Prof. Dino Preti, que orientou os meus estudos com atenção, dedicação
e cordialidade.
À professora Vanda Maria Elias, pela leitura cuidadosa e valorosas
sugestões.
À professora Wilma Terezinha Liberato Gerab, pelas pertinentes e acuradas
observações.
À professora Ana Rosa Ferreira Dias, que sugeriu o corpus deste trabalho
e, em sala de aula, me encantou com sua linha de pesquisa.
A minha mãe e meu pai, minhas irmãs, Maria e Júnia, pelo apoio que tenho
recebido durante minhas longas ausências de casa e cuidado com meus filhos,
quando precisei.
Ao meu querido e amado esposo que sempre me apoiou em meus estudos.
Ao meu filho, Victor Miguel, pela compreensão dos momentos que me
ausentei e Pedro Henrique, que nasceu durante este percurso.
A Deus, por estar sempre iluminando e guiando meus passos.
A todos que me incentivaram e me apoiaram no enfrentamento das
dificuldades.
vi
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo analisar os problemas que envolvem a
fachada e a preservação da face em diálogos de um texto teatral.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, selecionamos como corpus o texto
teatral Toda nudez será castigada, de Nelson Rodrigues. Partimos de um
referencial teórico embasado, sobretudo, nas teorias da Análise da Conversação e
da Sociolinguística Interacional. Para tanto, apresentaremos considerações sobre
o estudo de língua oral na escrita (cf. Preti, 2004 e Urbano, 2000).
A análise do material de pesquisa revelou que a fachada das personagens
varia de acordo com os seus interactantes e com a situação em que são inseridas.
Identificamos que essa variação da fachada é um recurso de preservação de sua
imagem social (face). No entanto, nossa investigação nos permitiu apurar que,
nem sempre, a variação da fachada não garante que a face do falante seja
mantida. Apresentamos, ainda, análises de situações em que o diálogo das
personagens mostra diferentes tentativas de preservar a face, independente da
variação da representação social (fachada).
Palvavras-chave: diálogo literário; língua oral; fachada; face; Sociolinguística
Interacional.
vii
ABSTRACT
This study aims to analyze problems that involve representation and
preservation of the face in dialogues of a written theatre text.
For the development of this research, we selected the text Toda nudez será
castigada, written by Nelson Rodrigues. We started from a theoretical reference
that is based, mainly, on Conversation Analysis and Interactional Sociolinguistics.
This way, we are going to present some theory on oral language in written
language that has to be taken into account (cf. Preti, 2004 and Urbano, 2000).
The research material analysis showed that the characters’ representation
varies according to their interactants and to the situation that they are put in. We
identified that this change in representation is a social image preservation act (face
preservation). However, from our analysis, we could find out that these changes in
representation are not a warranty that the speaker’s face can be preserved. We
also presented some situations that the character’s dialogue showed different
attempts to preserve the face, situations that changes in representation were not
analyzed.
Keywords: literary dialogue; oral language; representation; face; Interactional
Sociolinguistics.
viii
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................................. 01
CAPÍTULO 1. NELSON RODRIGUES
1.1. A vida como ela “foi”... ............................................................................... 04
1.2. A dramaturgia de Nelson Rodrigues ......................................................... 07
CAPÍTULO 2. TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA
2.1. Contextualização do Corpus ..................................................................... 15
2.2. Corpus ......................................................................................................... 17
CAPÍTULO 3. REFERENCIAL TEÓRICO
3.1. Texto teatral ................................................................................................. 21
3.2. Língua falada e língua escrita .................................................................... 23
3.3. Língua oral na literatura ............................................................................. 27
3.4. Imagem social, status e fachada ............................................................... 33
3.5. Face .............................................................................................................. 40
3.5.1. A preservação da face .............................................................................. 45
ix
CAPÍTULO 4. ANÁLISE
4.1. A fachada das personagens ....................................................................... 49
4.1.1. As fachadas de Patrício ........................................................................... 51
4.1.2. As fachadas de Herculano ....................................................................... 60
4.1.3. As fachadas de Serginho ..........................................................................72
4.2. Face ............................................................................................................... 87
4.2.1. Ameaça à face das personagens em Toda nudez será castigada ....... 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 99
ANEXOS ............................................................................................................. 102
x
Apesar dos nossos defeitos, precisamos enxergar que somos
pérolas únicas no teatro da vida e entender que não
existem pessoas de sucesso e pessoas fracassadas.
O que existem são pessoas que lutam pelos seus
sonhos ou desistem deles.
Augusto Cury
O sucesso é ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo.
Winston Churchill
1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A linguagem é o meio de comunicação de maior representatividade da
imagem social do indivíduo. Nos últimos anos, teorias da Linguística, ciência que
estuda a linguagem verbal humana, demonstram o crescente mero de
pesquisas em torno desse assunto. Entendemos que para se estudar a língua
falada é necessário fazer-se gravações a fim de se apurar dados. No entanto, os
estudos de Tannen (1982) indicam a possibilidade de se analisar textos literários
em busca de ocorrências similares àquelas que encontramos na língua falada.
Sob essa perspectiva, analisaremos diálogos de textos teatrais que simulam
situações reais de interação, a exemplo de pesquisas já realizadas por Urbano
(2005). É importante ressaltar que, ao analisarmos a escrita literária com o
objetivo que traçamos, não estamos verificando características que possam
valorizar ou desvalorizar a obra, mas utilizar os diálogos das personagens como
se fossem uma conversação real.
Ao escolhermos uma obra literária como corpus de pesquisa, não podemos
afirmar que conseguiremos analisar a língua falada da forma real como ela ocorre,
mas buscaremos identificar estratégias conversacionais empregadas pelas
personagens não em seus vocabulários, como também em seus discursos, que
se assemelhem à língua oral.
Para tanto, escolhemos, mais especificamente, diálogos do texto teatral
Toda nudez será castigada, de Nelson Rodrigues, para analisarmos as marcas de
oralidade sob a ótica da Análise da Conversação e da Sociolinguística
2
Interacional. Em geral, o texto teatral, apesar de ser escrito, é criado para ganhar
vida ao ser encenado pelos atores no palco. Esperamos que esse fato possa
contribuir para encontrarmos diálogos que se aproximam da realidade da fala
cotidiana.
Para estudar a oralidade, restringimo-nos ao problema de fachada e
ameaça à face nas interações das personagens do texto que escolhemos. Assim,
selecionamos trechos em que as falas das personagens mostram-se envolvidas
em discursos de preservação e ameaça à face (imagem social de um falante).
Escolhemos analisar também as fachadas de algumas personagens, ou seja, as
diversas representações sociais que elas apresentam de acordo com as situações
em que são inseridas.
Portanto, em função de nosso problema, tentaremos responder às
seguintes questões:
1) A fachada dos falantes (personagens) depende do tipo de interlocutor ou
de interação?
2) Quais as relações entre a fachada do falante e sua imagem social (face)
na obra Toda nudez será castigada?
3) De que forma as personagens lidam com a face?
Nossa análise será feita sob a perspectiva das teorias de Goffman (1975,
1980, 1982, 1998) e das pesquisas que se originaram a partir de seus conceitos.
Desse modo, por meio do comportamento linguístico das personagens, ao longo
3
dos diálogos, nosso objetivo será analisar marcas de oralidade expressas em
situações em que as fachadas das personagens são reveladas. Investigaremos se
essas representações influenciam a exposição pública da autoimagem das
personagens e de que forma elas tentam preservar a face.
Este trabalho está estruturado da seguinte forma: no capítulo I faremos um
resumo da vida de Nelson Rodrigues e de sua dramaturgia. Em seguida,
realizaremos uma breve descrição sobre o corpus e a realidade teatral da época
em que a peça foi apresentada ao público pela primeira vez (capítulo II). Depois,
considerando-se que estamos analisando um texto que é feito para ser oralizado
no palco, vamos expor algumas características do texto teatral, o que nos levará
às diferenças entre a língua falada e a escrita. Procuraremos demonstrar como
essa obra de Nelson Rodrigues poderia contribuir para o estudo da oralidade na
literatura. Apresentaremos, também, um breve resumo das teorias que estudaram
o conceito de fachada e de face (capítulo III). Por fim, a análise do corpus (capítulo
IV), à luz das teorias estudadas.
4
CAPÍTULO I
NELSON RODRIGUES
1.1. A vida como ela “foi”...
Nelson Falcão Rodrigues nasceu em 1912, na cidade de Recife e, ainda
criança, mudou-se para o Rio de Janeiro. Aos treze anos de idade iniciou sua
carreira de jornalista na seção policial do jornal A Manhã, que fora fundado pelo
pai (cf. Castro, 1992:45). A capacidade de Nelson de dramatizar fatos do cotidiano
impressionava seus colegas de trabalho. Ele era leitor compulsivo de livros
românticos do século XIX, o que certamente influenciou seus relatos de crimes
passionais e pactos de morte entre casais apaixonados (id, 1992:29). Em 1928 foi
promovido de função e começou a escrever artigos semanais na terceira página, a
principal do jornal da família.
Os Rodrigues conseguiram estabilidade com o jornal A Manhã. No entanto,
tal equilíbrio financeiro durou pouco tempo. Mário Rodrigues, pai de Nelson,
perdeu o controle acionário do jornal para o sócio (id. ibid.: 58), e todos da família
que ali trabalhavam passaram a enfrentar o desemprego.
Pouco tempo depois, Mário Rodrigues conseguiu apoio financeiro daquele
que era, naquela época, vice do presidente Washington Luís, o político Fernando
Melo Viana para a fundação do diário Crítica (id. ibid.: 68). Nelson seguiu seus
5
irmãos Mário Filho, Roberto e Milton na redação do novo jornal, que se tornou um
sucesso de vendas. Crítica era uma mistura de cobertura política com o relato
sensacionalista de crimes (id. Ibid.:69), caractererística que resultou em uma
tragédia para a família Rodrigues. Em 26 de dezembro de 1929, houve uma
publicação de primeira página sobre a separação de um casal da alta sociedade
carioca, João Thibau e Sylvia Seraphim. De acordo com a notícia, a esposa tivera
um caso extraconjugal, fato que culminou no divórcio com seu cônjuge. Sylvia,
inconformada com a exposição de sua vida pessoal, entrou na redação do jornal
com a intenção de matar Mário Rodrigues ou o seu filho. Ela se certificou de que
Mário Rodrigues não estava no local e pediu para conversar com seu filho,
Roberto. Esse se retirou do grupo de conversas de que fazia parte e a convidou
para se sentar na sala da diretoria. Logo após entrarem na sala, Sylvia retirou uma
arma de dentro de sua bolsa e atirou nele. Nelson ouviu o tiro e correu em direção
à sala para socorrer o irmão. Roberto foi encaminhado para o hospital, mas
faleceu dias depois (id. ibid.:90-1).
Mário Rodrigues não suportou a dor pela morte do filho, principalmente
sabendo que ele é que deveria ter sido o alvo de Sylvia, e faleceu pouco mais de
dois meses depois (id.ibid.:100).
Não passou muito tempo e Nelson perdeu mais um irmão com quem se
identificava muito, Jofre Rodrigues, vítima de tuberculose (cf. id.: 136). Em 1966,
outro irmão, Mário Filho, faleceu de um infarto fulminante aos 58 anos. No ano
seguinte, 1967, ocorre mais uma perda familiar, desta vez, uma tragédia ainda
mais terrível que todas as ocorridas na vida de Nelson. Durante um período de
6
chuvas torrenciais, ocorreu o desabamento de um prédio onde morava Paulo
Rodrigues e a família. Todos morreram soterrados.
Além de a vida de Nelson Rodrigues ter sido marcada por todos esses
acontecimentos trágicos, ele também teve complicações de saúde durante a sua
vida, sofrendo de úlcera e tuberculose. Apesar de todos os problemas de saúde
que enfrentou, o jornalista trabalhava muito, mas sua situação financeira não era
estável, pois não era uma profissão bem remunerada. Assim, trabalhou para
muitos jornais, escrevendo sobre assuntos variados e em diversos gêneros, como
futebol, cinema, política, ópera, teatro, conto, crônica, romance, novela de TV,
folhetim e história em quadrinhos.
O trabalho de Nelson contribuiu para que ele se aproximasse de algumas
pessoas que tiveram grande importância em sua vida pessoal. Conforme Castro
(1992:144), ele foi casado com Elza Bretanha, secretária de O Globo Juvenil, com
quem teve dois filhos. De outra relação, teve mais três filhos. Separado, passou a
viver com Lúcia Cruz Lima, com quem teve uma filha que nasceu com paralisia e
cegueira. Viveu maritalmente também com sua secretária Helena Maria. Separou-
se desta última em 1977, voltando a viver com sua primeira esposa, Elza.
Toda sua experiência de escritor e luta pela sobrevivência fez com que
Nelson se tornasse um nome importante para o teatro brasileiro, pois deu início à
dramaturgia moderna do país. Nelson encerra sua vida de escritor em 21 de
dezembro de 1980, com 68 anos, vítima de complicações cardíacas e
respiratórias, no Rio de Janeiro.
7
1.2. A dramaturgia de Nelson Rodrigues
Os primeiros textos de Nelson Rodrigues publicados nos jornais A Manhã,
Crítica e O Globo anunciavam um exímio cronista, romancista e dramaturgo. Sua
facilidade para escrever, a variedade de suas obras, bem como os temas
abordados, consagraram-no como um dos maiores renovadores da literatura
brasileira. É importante destacar que o fato de Nelson Rodrigues ter iniciado muito
cedo a sua carreira de escritor no jornal de seu pai pode ter influenciado sua
dramaturgia.
O primeiro texto teatral do autor, A mulher sem pecado, foi encenado em
1942. Isso foi possível graças ao incentivo do poeta Manuel Bandeira, que fez o
comentário de que o teatro nacional da época não lhe agradava, pois era feito
somente para entretenimento. O poeta se impressionou com a capacidade de
construção dos diálogos de Nelson, que se aproximavam da espontaneidade da
fala. No entanto, a peça não teve o sucesso esperado, pois não agradou a crítica
e nem os espectadores.
A primeira peça de Nelson que fez sucesso foi Vestido de Noiva, de 1943.
A apresentação tinha três diferentes planos: realidade, memória e alucinação, o
que exigia mudanças rápidas de cenários e de atores. A crítica considerou que
essas mudanças eram inovadoras e, acima de tudo, faziam com que o teatro se
aproximasse do dinamismo característico do cinema.
A data de início da dramaturgia de Nelson coincide com o período em que o
mundo enfrentava a Segunda Guerra Mundial. Esse fato inspirou um
8
internacionalismo nas obras. Prado explica que as
dificuldades econômicas facilitavam o êxodo de artistas e intelectuais. O
que sucedia no teatro, acontecia igualmente nas artes plásticas, com a
realização das primeiras Bienais paulistas, e nas universidades, com a
política de contratação de professores europeus. O Brasil sentia a
necessidade de expandir-se, escapar de quadros demasiado provincianos,
ter acesso à comunidade internacional.
Duas tendências dominavam o pós-guerra, parecendo configurar o teatro
do futuro. A que nos vinha da França, por intermédio das peças de Sartre e
Camus, incitava-nos a trabalhar em torno de conceitos e abstrações
(“essência” e “existência” tornaram-se, de uma hora para outra, palavras
mágicas), num engajamento filosófico que prenunciava, talvez, os próximos
engajamentos políticos. (...) As mãos de Tennessee Williams e de um
Arthur Miller entrelaçavam habilmente causas e efeitos, fundiam presente e
passado num tempo cênico, que não era o cronológico, da mesma
forma que os cenários, sem cortar as amarras com a realidade,
começavam a se abrir para as fugas da imaginação, captando, lado a lado,
graças à magia da iluminação, o objetivo e o subjetivo, os fatos reais e as
digressões da memória afetiva. (...) Tentava-se, em síntese, menos negar
que transcender o realismo, transfigurando em poesia dramática as
análises psicológicas e as explicações sociais. (Prado, 2001:49)
Nelson iniciou a escrita de peças teatrais com o intuito de aumentar sua
9
renda financeira, no entanto, as peças de Nelson eram inovadoras para o seu
tempo, pois eram diferentes de tudo que existia antes. Assim, podemos encontrar
características em suas obras que se assemelhavam aos modelos franceses, no
que diz respeito a retratar a essência do ser humano. Uma qualidade distintiva de
seu teatro foi a mistura de diferentes planos (realidade, alucinação e memória)
para retratar os fatos, deixando de seguir a ordem cronológica que era
habitualmente usada por outros autores. Esse fato fez com que ele se tornasse
um dramaturgo inovador para seu tempo. Um bom exemplo desses traços do
teatro rodrigueano é a descrição da vida cotidiana da cidade do Rio de Janeiro nas
Tragédias cariocas.
Na verdade, quando Nelson começou a escrever suas peças teatrais, o
Brasil estava acostumado a assistir a comédias e a alguns dramas estrangeiros.
Esses dramas, em geral, eram traduzidos de forma que as falas não condiziam
com a realidade linguística da época (cf. Gerab, 2008:34). Em contrapartida, os
textos de Nelson eram carregados de realismo, um recurso muito utilizado pelos
autores do Modernismo. Esses textos apresentavam uma linguagem simples e
direta, muito próxima à fala cotidiana, traduzindo, assim, uma visão mais dinâmica
da realidade. As cenas, normalmente, eram curtas e ele costumava dividir suas
peças em três atos. Não havia intervalo entre um ato e outro, podendo-se dizer
que o primeiro tinha a finalidade de apresentar; o segundo, de desenvolver e o
terceiro, de concluir a história.
Para Gerab (apud Gonçalo Junior, 2008:109), o estilo de linguagem usado
por Nelson em suas peças não foi estabelecido de imediato. Naquele tempo, em
10
geral, os leitores, a crítica e a plateia tinham um parâmetro de literatura em que a
linguagem culta predominava. Nelson, por sua vez, começou a escrever textos
como Vestido de noiva ou Valsa n.º 6 que se aproximavam mais a essa
linguagem. As primeiras peças dele “retratavam personagens imersas em
situações complexas e distantes da realidade, portanto elas conversavam entre si
utilizando um discurso que tendia a ser mais elaborado” (id. ibid). De qualquer
maneira, ele ainda fugia um pouco ao que o público estava acostumado a assistir,
pois o teatro da época apresentava falas artificiais e rebuscadas, muito próximas à
modalidade escrita da língua.
Percebemos que, no período em que escreveu as Tragédias cariocas, no
começo da década de 1950, iniciando-se com a peça A falecida, as personagens
eram pessoas comuns, muito próximas à realidade popular do Rio de Janeiro.
Essas personagens apresentavam uma linguagem coloquial, o que demonstrava a
falta de preocupação de Nelson com o purismo linguístico. Gerab (apud Gonçalo
Junior, 2008:108) revela que as personagens do dramaturgo se relacionam entre
si com a linguagem que era praticada efetivamente e não aquela idealizada. A
autora ressalta, ainda, que ele não utilizou somente o vocabulário praticado
correntemente, mas também as estratégias conversacionais e discursivas que
“soam como se fossem, de fato, criados no momento da interação. Esses diálogos
são recriações de conversações naturais, produzidos em interações espontâneas”
(id. ibid.). Assim, em seus estudos, a autora comprovou a proximidade dos
diálogos do escritor com as conversações espontâneas.
Gerab acredita que a capacidade de Nelson escrever diferente de tudo que
11
tinha sido apresentado até aquele momento se deve à sua história de redator
jornalístico:
Naquela época, o jornalismo tendia para a subjetividade da notícia. Desse
modo, Nelson criava suas histórias sobre fatos simples da vida, sem
focalizar apenas o compromisso com a verdade propriamente dita. Essa
vivência jornalística, associada aos acontecimentos trágicos de sua vida,
como, por exemplo, o assassinato de seu irmão Roberto, foi influência
determinante para sua obra. Ele, com sua experiência de falante da língua
portuguesa, intuía ao elaborar o discurso utilizado para cada personagem,
produzindo diálogos que passavam a ideia de naturalidade da fala
espontânea. O discurso das personagens, de maneira geral,
consequentemente, mostra uma fala distensa, com uso de gírias,
expressões populares, ditados e alguns poucos palavrões. (Gerab, apud
Gonçalo Junior, 2008:109)
A partir das considerações da autora, podemos dizer que as características
conversacionais constatadas nas peças de Nelson Rodrigues aproximam-se muito
da dinâmica encontrada em diálogos produzidos nas interações naturais. Assim,
acreditamos que suas obras constituem um bom objeto de estudo da oralidade,
visto que a tentativa de reprodução de algumas características da fala para a
escrita.
Conforme Castro (1992:165), nenhum texto teatral no mundo se parecia
12
com Vestido de Noiva. A direção e empenho do diretor Ziembinski
1
provocou uma
mudança cultural no teatro brasileiro, pois a partir de então muitos autores e
atores, que faziam um teatro despretensioso, passaram a produzir obras mais
ambiciosas. Após essa peça, Nelson escreveu outras que, para sua infelicidade,
não apresentaram o mesmo sucesso.
A dramaturgia de Nelson, para alguns leitores, pode parecer repetitiva em
decorrência de algumas situações e personagens que são retomados. No entanto,
de acordo com Magaldi (1990), Nelson Rodrigues foi um ficcionista de mil e uma
histórias que inventou tramas muito diferentes, sustentadas pela originalidade. O
autor se empenhava em criar novos enredos que variavam de acordo com suas
convicções.
Conforme vimos anteriormente, Nelson foi repórter policial, tinha uma
capacidade incrível de criar histórias e de fantasiar sobre as notícias. Além disso,
sua experiência jornalística teve importância na escolha dos temas
sensacionalistas com que trabalhou frequentemente. Assim, percebemos que
adultérios, assassinatos e suicídios eram temas que contribuíam para a
originalidade de suas obras, pela forma como eram tratados.
Outro tema, que podemos identificar nas peças de Nelson, diz respeito a
sua concepção de família. Em suas obras, esta é uma instituição que sempre é
retratada de forma harmoniosa e feliz exteriormente. Contudo, a realidade íntima
de cada um dos núcleos familiares é bem diferente do que a aparência exibe. Um
1
Ziembinski foi um ator e diretor polonês que chegou ao Brasil em 1941. Assim como outros
judeus, saiu de seu país fugindo da Guerra. Após ter recebido a peça teatral Vestido de Noiva de
um colega, ficou admirado com o texto, pois nunca havia lido algo parecido (Castro, 1992:163-5).
13
bom exemplo disso é o texto teatral que escolhemos para análise, Toda nudez
será castigada, que apresenta um ambiente familiar aparentemente conservador,
mas a personagem principal, Herculano, é um viúvo que não é fiel à promessa que
fez a seu filho (Serginho) de guardar luto eternamente, pois se apaixona por Geni,
uma prostituta. Serginho, um jovem tradicionalmente religioso que demonstra
opiniões retrógradas a respeito das relações amorosas, acaba mantendo um caso
com a madrasta e, no fim da trama, se revela homossexual. Por meio dessa breve
apresentação das personagens principais desse texto de Nelson, podemos
perceber como ele retratava a instituição familiar em suas peças.
Nelson escreveu dezessete textos teatrais que, de acordo com a sua
solicitação, foram agrupados cronologicamente por Sábato Magaldi. Essa
reorganização do teatro rodrigueano tinha, também, como critério o tema
dominante de cada peça. Para isso, ele separou da seguinte maneira:
Volume 1: Peças Psicológicas: A Mulher sem pecado, Vestido de Noiva, Valsa
n.º 6, Viúva, porém honesta e Anti-Nelson Rodrigues;
Volume 2: Peças Míticas: Álbum de família, Anjo Negro, Dorotéia e Senhora dos
afogados;
Volume 3: Tragédias Cariocas I: A falecida, Perdoa-me por me traíres, Os sete
gatinhos e Boca de Ouro;
Volume 4: Tragédias Cariocas II: O beijo no asfalto, Otto Lara Resende ou
Bonitinha, mas ordinária, Toda nudez será castigada e A serpente.
14
Magaldi comenta que essa divisão tem um intuito meramente didático
porque essas características não são apresentadas isoladamente. Para ele,
“atende-se, em parte ao critério cronológico, e também se unem os textos em
grandes blocos, facilitando o conhecimento e a compreensão do autor” (id.,
1981:8).
Nelson Rodrigues conseguiu se distanciar de qualquer modismo, tendência
ou movimento para criar um estilo próprio. Por toda sua história na dramaturgia, é
possível considerá-lo o maior teatrólogo brasileiro, pois a forma que escrevia suas
peças e os temas escolhidos para revelar, muitas vezes, as insatisfações e as
mazelas dos seres humanos fazem com que seus textos se tornem atemporais.
15
CAPÍTULO II
TODA NUDEZ SERÁ CASTIGADA
2.1. Corpus
Toda nudez será castigada, de Nelson Rodrigues, retrata uma família
aparentemente bem estruturada, mas que, na verdade, é o inverso. Herculano
vive com suas tias idosas; Serginho, seu único filho e seu irmão Patrício. A história
de Nelson se inicia após a morte da esposa de Herculano, que guarda luto como
sinal de respeito. Essa atitude é muito valorizada pela família, exceto para
Patrício.
Para que melhor se compreenda o corpus a ser analisado, faremos um
breve resumo da história. Herculano, viúvo, cria seu filho, Serginho, com suas tias
idosas. Todos que ali moram têm uma mentalidade retrógrada. Serginho, um
jovem de dezoito anos, fora criado sob rígida disciplina cristã, em que tudo é
considerado pecado. Patrício, irmão de Herculano, demonstra ser uma
personagem muito materialista, que pensa fixamente em conseguir se sustentar
com o dinheiro do irmão. Por esse motivo, combina com a prostituta Geni uma
estratégia para que ela conquiste Herculano. Para isso, Patrício o embriaga
propositalmente e o deixa na casa de Geni. O plano ocorre de acordo com o
esperado, pois Geni e Herculano mantêm relações sexuais incessantemente por
16
três dias. Contrário aos seus princípios, Herculano se apaixona por Geni, porém
se divide entre o amor carnal pela prostituta e o amor por seu filho, que não aceita
o relacionamento.
Depois de algum tempo, Herculano e Geni assumem que estão juntos.
Serginho, filho de Herculano, ao saber da oficialização da relação do pai com a
prostituta, fica revoltado, se embriaga e acaba preso. Na prisão, ele é estuprado
por um homem, que é identificado como o “ladrão boliviano”. Para Serginho, seu
pai é o único culpado por ele haver sofrido esse estupro. Para se vingar, ele
combina com Patrício fingir que aceita o casamento do pai com Geni, para
posteriormente tornar-se amante dela. Herculano, com a ajuda de Serginho, acaba
convencendo a família a consentir que Geni e ele se casem. Tão logo o
casamento acontece, Serginho e Geni se tornam amantes sem que Herculano
suspeite. Após algum tempo, porém, Serginho comunica a Geni que pretende
viajar e ficar uma longa temporada fora do Brasil. Apesar de muito sofrer pela
futura ausência de seu amante, ela acaba por aceitar sua decisão. No entanto,
Geni desconhece que, na verdade, não se trata de uma simples viagem de férias.
Antes de viajar, Serginho um cheque a Patrício, para que este o revele os
reais motivos da viagem. Todavia, Patrício acaba por não cumprir o combinado,
revelando a Geni a fuga de Serginho com seu amante. Num ato de desespero,
Geni comete suicídio, mas, antes, faz uma gravação para ser entregue a
Herculano, na qual lhe revela a sua traição e a homossexualidade de Serginho.
17
2.2. Contextualização do Corpus
O trabalho de pesquisa aqui desenvolvido tem o objetivo de analisar o texto
Toda nudez será castigada no tocante a marcas de oralidade, mais
especificamente, verificar o problema de fachada e ameaça à face nas interações
das personagens Herculano, Serginho, Patrício e Geni. Essa peça foi escrita em
1965 a pedido da atriz Fernanda Montenegro. Ao ler a metade do primeiro ato, ela
se recusou a interpretar a personagem principal, alegando estar grávida. Fernanda
disse a Nelson que havia pedido uma comédia e, de acordo com sua
compreensão, aquele texto era uma tragédia. Nelson argumentou que escrevera
uma comédia humana (Cf. Castro, 1992:343).
Ao conhecerem a trama da peça, muitos atores seguiam a mesma atitude
de Fernanda Montenegro e se recusavam a interpretar as personagens do texto
de Nelson. De acordo com os relatos de Castro (1992:343), naquela época, a
categoria teatral, principalmente as atrizes, tinha muita preocupação com a
preservação de sua imagem pessoal, cultivando certo pudor de representar
determinadas cenas. Por esse motivo, mais de uma intérprete recusou o papel de
Geni. Isso se deve ao fato de que se tratava de uma prostituta e as rubricas do
autor sugeriam que, durante a interpretação, a pessoa deveria mostrar o seio. Na
verdade, ninguém queria saber dos argumentos de Nelson e nem era favorável ao
que ele escrevia, porque “todos temiam a opinião do público” (Castro, ibid.:343).
A peça é quase toda encenada sob o recurso do flashback. Na primeira
cena, Herculano recebe uma gravação, deixada por Geni antes de se suicidar.
18
Antes de acabar o primeiro ato, é apresentado um outro trecho da gravação, que
se encerra na última cena, com a notícia de que Serginho, filho de Herculano,
fugiu com o ladrão boliviano. Na gravação, Geni também comunica a Herculano o
fato de que estava sendo traído e que ela se suicidou.
Contrariando as críticas, Toda nudez será castigada estreou no palco em
21 de junho de 1965. Para a surpresa daqueles que temiam a opinião do público,
as cenas individuais eram constantemente aplaudidas. Para a felicidade de
Nelson, a peça ficou em cartaz durante seis meses no Teatro Serrador, saindo
posteriormente em excursão pelo Brasil (id. ibid.).
19
CAPÍTULO III
REFERENCIAL TEÓRICO
A forma mais comum de se analisar a linguagem falada é por meio da
utilização de gravações de conversa entre pessoas. No entanto, escolhemos um
texto literário para compor o nosso corpus, que entendemos ser uma fonte de
segunda mão. O mesmo procedimento foi adotado por Urbano, que analisou
escritores e a “norma literária do modernismo”, a fim de que seus estudos
demonstrassem como alguns autores “cuidaram específica ou acidentalmente da
língua oral” (Urbano, 2000:105). Esse autor compreende que a linguagem no texto
literário pode ser parcialmente criada e recriada, a depender da intenção estética
daquele que o escreve (id., ibid.:128).
É evidente que a escrita literária não retrata fielmente a fala da maneira
como ela ocorre. No entanto, percebemos que alguns autores, voluntária ou
involuntariamente, transpuseram alguns elementos da fala para os seus textos. Os
estudos de Preti corroboram a oralidade presente em algumas obras literárias:
(...) a escrita não pode ser, em momento algum, a representação absoluta
e fiel da fala. É ilusório, pois, o diálogo com o leitor, por meio de uma carta,
de um artigo, de um texto literário. O que é apenas a pressuposição de
que um leitor esteja recebendo nossas palavras com a intenção que lhes
atribuímos, dentro das pressupostas expectativas desse mesmo leitor. A
20
rigor, ninguém escreve para passar a idéia de que se trata de uma fala
transcrita.
No entanto, é possível fazer chegar ao leitor a ilusão de uma realidade oral,
desde que tal atitude decorra de um hábil processo de elaboração,
privilégio do texto literário. O escritor emprega, na escrita, “marcas de
oralidade”, que permitem ao leitor reconhecer no texto uma realidade
linguística que se habituou a ouvir ou que, pelo menos, já ouviu alguma vez
e que incorporou a seus esquemas de conhecimento. (Preti, 2004:126)
Não podemos afirmar que as características próprias da fala, que aparecem
em obras literárias, possam ser encaradas como transposição da realidade
linguística. Isso porque não se trata de uma transcrição da língua oral, mas sim de
pequenos traços que se aproximam da conversação do dia-a-dia. Com base
nesses pequenos traços buscamos identificar, no diálogo das personagens de
Toda nudez será castigada, estratégias conversacionais similares àquelas que
acontecem entre os falantes durante um diálogo face a face. Nessa direção,
buscaremos, mais especificamente, apurar se nessas interações elas agem
usando máscaras sociais (fachadas) e preservando suas faces, conceitos
analisados por Goffman.
Erving Goffman, sociólogo norte-americano, acredita que, quando o
indivíduo está diante dos outros, ele tenta controlar sua imagem. O autor se refere
à imagem social que as pessoas buscam manter ao interagirem umas com as
outras. Esse assunto vem sendo estudado há séculos em diversas áreas do
21
conhecimento: Sociologia, Psicologia, Linguística, Antropologia, entre outras.
Dependendo da abordagem, a imagem social tem recebido diferentes
denominações: persona pela Psicologia, ethos pela Sociologia. No presente
estudo, nos valemos de Goffman e das pesquisas que se originaram a partir de
seus trabalhos.
Consideramos cruciais ao nosso trabalho os conceitos fachada e face, que
serão tratados detalhadamente nos itens 3.4 e 3.5. Ressaltamos que fachada é
um termo que está descrito no item em que imagem social, status e papéis sociais
são abordados.
Por se tratar de conceitos inerentes à fala, julgamos necessário apresentar,
no item 3.2, algumas diferenças entre a língua falada e a língua escrita. Além
disso, acreditamos ser de suma importância destacar alguns autores que
estudaram a presença da oralidade na escrita literária, descritas no item 3.3. No
entanto, antes disso, considerando que nosso objeto de estudo é um texto teatral,
faremos uma breve apresentação das principais características desse tipo de
texto.
3.1. Texto teatral
Certamente o texto teatral possui características peculiares, pois é um texto
literário que possui atributos fundamentais em sua interação com o leitor. É
possível dizer que a linguagem é um fator que o diferencia de outros tipos de
texto. Ele possui características da narração, mas não apresenta um narrador,
22
pois os fatos ou ões ocorrem por meio de diálogos. textos teatrais que se
caracterizam pela fala de um ator, sendo classificados como monólogos.
Entretanto, para o estudo que ora realizamos, esse tipo de texto não é relevante,
porque o propósito do nosso trabalho é analisar o diálogo das personagens a fim
de verificar, conforme mencionado anteriomente, se nessas interações elas agem
usando máscaras sociais (fachadas) e preservando suas faces.
De acordo com Urbano, a obra dramática possui duas faces. Para que elas
se realizem, são necessários “dois tipos de texto: um texto escrito (script) para ser
falado ou à espera de voz viva, e outro oralizado no palco como dramatização do
script. Esse tipo de obra pode ser apreendido completamente na sua
materialidade escrita e cênica” (Urbano, 2005:196).
O teatro provoca em sua plateia um efeito imediato de apreciação ou
depreciação, fato que exige da peça uma série de características para que
corresponda às expectativas público. É relevante ressaltar que o ator comunica-se
com esse público por meio da palavra, que se torna um instrumento da arte
literária. Nesse sentido, ela é um veículo que permite ao ator atingir as pessoas,
mas não é o único elemento da interpretação, pois a expressão corporal também
contribui para o desempenho do ator.
Os diálogos devem ser elaborados de maneira que deixem a impressão de
que são os únicos que poderiam ser pronunciados naquela situação. Nesse
sentido, Magaldi afirma:
A fala harmoniza-se com o conjunto do desempenho, não sufocando o ator,
23
pela demasia, até amarrar-lhe os gestos e os movimentos. As sutilezas da
frase, cuja percepção não se coaduna com a rapidez das réplicas, vivem
mal no palco. A síntese poderosa capta o público pelo choque. ( op. cit.,
2000:22)
A partir do momento em que a fala se destaca pela sua importância em um
texto teatral, ele não pode ser visto somente como objeto de estudos literários,
pois se revela também como um conjunto de práticas discursivas passíveis de
análise. Dessa forma, pelo fato de ser um texto feito para ser encenado, é possível
identificar no texto teatral uma modalidade de comunicação (interação) que se
realiza por meio dos diálogos das personagens. Seguindo essa linha de raciocínio,
acreditamos que esses diálogos podem contribuir para uma análise sob a ótica da
Análise da Conversação e da Sociolinguística Interacional.
3.2. Língua falada e língua escrita
Consideramos importante destacar algumas diferenças entre língua falada
e língua escrita para analisarmos a oralidade na literatura. Para tanto, os estudos
de Marcuschi (2007) sobre Análise da Conversação demonstraram que não é
possível dividir, em padrões rígidos, a fala e a escrita em duas modalidades
distintas. Isso porque, apesar de se estabelecerem várias distinções, para o autor,
“tanto a fala como a escrita apresentam um continuum de variações, ou seja, a
fala varia e a escrita varia” (id.:42). Portanto, não seria plausível considerar tais
24
distinções como estanques. Preti explica que, mais precisamente, o que existe no
continuum fala/escrita é
uma tipificação textual que iria desde a conversa distensa do dia a dia, até
a exposição científica tensa ou o pronunciamento oficial de uma
autoridade, no caso da língua falada; e desde a informalidade de uma carta
familiar até a elaboração de um texto literário ou de um artigo científico, no
caso da língua escrita.
Mas, se observarmos qualquer desses tipos de texto em que se notam
diferenças e semelhanças entre fala e escrita, seria impossível afirmar que
existe uma perfeita correspondência entre eles, de tal forma, por exemplo,
que a linguagem de uma carta familiar pudesse ser a representação exata
da linguagem falada do dia-a-dia. (Preti, 2004:125)
Quando escolhemos verificar indícios de língua oral no diálogo literário, não
quer dizer que encontraremos a realidade da língua falada, como, por exemplo,
hesitações, correções, falas sobrepostas. Na verdade, o texto teatral escrito nos
permite identificar algumas características que são mais comuns à língua falada
do que à língua escrita, tais como frases inacabadas e marcadores
conversacionais. Esses elementos contribuem para uma tentativa de aproximação
da fala natural.
A fala não pode ser representada perfeitamente pela escrita, pois não
conseguimos identificar registros escritos que reproduzam alguns elementos
típicos da oralidade, tais como a prosódia, os gestos, os movimentos do corpo e
25
dos olhos, dentre outras características. Por outro lado, a escrita apresenta
elementos peculiares, que não estão presentes na fala, tais como o tamanho, o
tipo, o formato, as cores das letras e das figuras. Marcuschi explica que “oralidade
e escrita são práticas e usos da língua com características próprias, mas não
suficientemente opostas para caracterizar dois sistemas linguísticos nem uma
dicotomia” (2007:17). Essa proximidade entre língua falada e língua escrita, para o
autor, “torna-se mais congruente levando-se em consideração não o código, mas
os usos do código” (id., ibid.:43). Com base nessas considerações, podemos
seguir uma direção daquilo que pensamos ser a língua e, acima de tudo, levar em
conta que ela é heterogênea, porque tem a possibilidade de sofrer variações.
Barros segue a mesma linha de raciocínio que Marcuschi, ao afirmar que
não há distinção rígida entre escrita e fala. A autora destaca, ainda, que
“posições intermediárias ou de certa continuidade entre os pontos extremos em
que se caracterizam idealmente língua falada e escrita” (Barros, 2000:57). Ela cita
os estudos de Marcuschi, para indicar que não preponderância de uma em
relação à outra. Na verdade, tanto a fala quanto a escrita são “modos
complementares de ver e compreender o mundo, em que as duas modalidades
devem ser examinadas na perspectiva de sua organização textual-discursiva”.
Assim, entre fala e escrita “graus ou posições intermediárias de variação” (id.,
ibid.:58).
Podemos dizer que a fala é uma prática oral adquirida naturalmente nas
relações sociais e nos contextos informais do cotidiano. A escrita, por sua vez, foi
criada mais tardiamente pelo homem e, atualmente, está presente em quase todas
26
as práticas sociais dos povos que a instituíram. Marcuschi, em seus estudos,
aponta que em contextos sociais básicos da vida a escola, o trabalho, o dia-a-
dia, a família, a vida burocrática e a atividade intelectual a escrita é usada
paralelamente com a oralidade. Os objetivos do uso da escrita são variados e
diversos em cada um dos contextos mencionados, ou seja, pode-se dizer que “os
termos fala e escrita passam a ser usados para designar formas e atividades
comunicativas, o se restringindo ao plano do digo” (op.cit., 2007:26). A
propósito, caberia lembrar que a linguagem do jornal, por exemplo, mesmo que
apresente a língua escrita, vale-se de algumas estruturas da língua oral. Além
disso, é possível identificar também a proposta do texto oral para o ensino,
distanciando-se do texto literário. Nas palavras de Marcuschi:
(...) se deu algum tempo uma passagem do uso do texto
exclusivamente literário para o não literário, e agora começa, com certa
timidez, a entrada do texto falado. É de supor que a compreensão das
formas da oralidade venha a lançar luz sobre uma série de usos
linguísticos na própria Literatura, como no caso mais notório que é
Guimarães Rosa (Marcuschi apud Preti, 2005:24).
Diante do que foi exposto, podemos constatar alguns indícios de
transformações culturais que a língua vem sofrendo nos últimos anos. Nesse
sentido, a presença da linguagem oral comum demonstra uma nova atitude
linguística, em que está implícita a rejeição do caráter normativo inflexível da
27
tradição gramatical e a aceitação do caráter normal do uso vigente (Cf. id. ibid.:
24). Por esse motivo, escolhemos alguns pesquisadores que se ocuparam de
analisar traços da fala espontânea que alguns autores manifestaram, espontânea
ou propositalmente, em suas obras literárias.
3.3. A língua oral na literatura
Escolhemos analisar obras literárias em busca de traços de oralidade. Essa
escolha foi possível a partir do momento em que percebemos que as falas das
personagens demonstram características próximas à fala natural. Urbano aponta a
existência de uma comunicação literária que tem o código como elemento mais
complexo. Ele ressalta que a linguagem pode ser “criada e recriada parcialmente
dentro do texto literário, com valores e funções vinculados à intenção estética do
autor” (Urbano, 2000:128). É por meio do código que a língua literária demonstra
traços artificiais da língua falada, porém expressivos:
A artificialidade patenteia-se, em primeiro lugar, por ser uma língua
“escrita”, condicionada, pois, às cnicas próprias da ngua escrita: passa
depois pela estruturação narrativa planejada e termina por uma linguagem
estilizada. Os diálogos, por exemplo, que na língua falada espontânea
diária nascem e se desenvolvem muitas vezes ao sabor das situações e
alheios à vontade dos falantes, têm, na língua literária, sempre propósitos
definidos pelo autor/narrador, embora dando uma ilusão contrária. (id.,
ibid.:129)
28
É certo que o autor utiliza na língua literária seus objetivos estéticos.
Contudo, não deixa de seguir as restrições técnicas que o canal escrito impõe. Na
verdade, percebemos que o autor tenta seguir a gramática prevista, mas
simultaneamente cria outros recursos para enriquecer esteticamente a obra. Nas
palavras de Urbano:
Ocorre, com efeito, que principalmente o escritor moderno procura transpor
para a sua obra, na fala de muitos dos seus personagens, a pronúncia
cotidiana do povo e, para tanto, os recursos normais, tradicionais da língua
escrita, geralmente não bastam. (...)
Por mais real e natural que pareça a fala do personagem ou até mesmo do
narrador, não se pode jamais esquecer de que se trata de uma ilusão,
como, aliás, todos os demais elementos na obra de ficção. (...)
Quando se trata de texto escrito literário, em que há personagens
dialogando, o autor é forçado a dar ao leitor, de maneira direta ou indireta,
os dados situacionais dos diálogos. É verdade que (...) em toda
narração literária também uma situação de diálogo escritor/leitor. Porém,
no caso, dificilmente se fará alusão à situação do romancista no ato de
escrever. (Urbano, 2000:129-131)
Julgamos importante ressaltar que, apesar de alguns textos literários serem
escritos com características próximas àquelas que encontramos na língua oral,
não se pode afirmar que a fala esteja fielmente reproduzida no papel:
29
Como facilmente se deduz, por mais que um escritor pretenda reproduzir
fielmente a língua oral, prosodicamente falando, no seu texto escrito, seu
propósito estará destinado à frustração; quando não, seria de efeito
duvidoso, em vista da enorme dificuldade para vencer a tradição escrita do
leitor. Na verdade, como afirma Ward (1984:29-30), “a pronúncia é um dos
elementos mais difíceis de reproduzir sem carregar demasiado a leitura”.
(id., ibid.:110)
Ao escolhermos um texto literário como corpus de pesquisa, isso não
significa que esperamos encontrar nele a transcrição da fala. Além disso, um texto
que apresentasse essa característica não se enquadraria na expectativa do leitor,
sobretudo pela dificuldade de compreensão durante a leitura. Por outro lado,
alguns diálogos escritos que retratam problemas interacionais parecidos com
aqueles que ocorrem na ngua falada. Entre eles, podemos destacar as crônicas,
as histórias em quadrinhos e os textos teatrais. Conforme mencionamos
anteriormente, vale ressaltar que esses tipos de texto estão longe de uma fala
transcrita, mas reproduzem estratégias discursivas similares àquelas que ouvimos
em conversas do cotidiano.
O texto teatral constitui um bom exemplo para ilustrar o uso de
características comuns da língua falada no texto literário. Para utilizar esse tipo de
corpus como objeto de pesquisa, buscamos respaldo nos estudos de alguns
autores que se dedicaram à pesquisa de oralidade em textos literários. Assim,
Urbano cita Larthomas, autor para quem essas obras são “escritas em forma de
30
conversação a ser representada” (Larthomas apud Urbano, 2005:196), o que, para
ele, se torna uma característica essencial.
Pensamos que ao escrever uma peça teatral, o autor elabora o seu texto
para que seja verbalizado e encenado no palco. Com base nisso, escolhemos
analisar um texto de Nelson Rodrigues, que criou histórias inspiradas no cotidiano
carioca. Portanto, conforme mencionado anteriormente, suas peças demonstram
estratégias conversacionais e escolhas lexicais que expressam os valores
cristalizados na sociedade.
É indispensável para a nossa pesquisa ater-nos ao contexto histórico em
que o diálogo é realizado. Essa informação é necessária para que possamos
compreender eventuais problemas linguísticos ligados aos papéis sociais das
personagens. Outras informações, como faixa etária, sexo, contexto geográfico
(para identificar qualquer variação regional), grau de escolaridade, status e
profissão podem revelar-nos variações de linguagem das personagens (Cf. Preti,
2004:169). Contudo, é relevante lembrar que a obra que escolhemos não
apresenta dados geográficos ou o ano em que a trama ocorre.
Uma outra característica que deve ser analisada em relação à conversação
literária
2
é a situação de comunicação (id., ibid.:169), que apresenta elementos
pragmáticos que antecedem ou seguem as falas. Dessa forma, podemos
encontrar frases reticentes, expressões formulaicas, marcadores conversacionais
ou repetições que são utilizados pelas personagens para demonstrar
2
Preti o nome de conversação literária ao diálogo existente entre as personagens na
literatura, que pode ser enquadrado dentro de uma perspectiva dialógica.
31
dissimulação, proximidade, afastamento ou intimidade, da mesma maneira como
ocorre num diálogo natural. Preti (op. cit.:121) afirma que seria pretender demais
supor que os autores de qualquer época tenham refletido, em profundidade, sobre
esses e outros problemas linguísticos do diálogo de suas personagens”.
Entretanto, podemos supor que houve uma intuição artística ou uma vivência do
autor que fez com ele aproximasse a linguagem de suas personagens da
realidade da língua falada.
A respeito do que foi mencionado sobre a oralidade na literatura, Ryngaert
indica, em seus estudos, que uma “espécie de conversação” que se torna
possível devido à interação entre as personagens:
(...) o material teatral permite verificar a pertinência de seus instrumentos
de análise e operar um movimento de vaivém entre o campo
conversacional, a fim de melhor avaliar seus desvios. Todos
(pesquisadores), aliás, sublinham a diferença de organização do material,
que por trás do diálogo teatral existe um autor cuja função é preordenar
as seqüências dialogadas, manifestar intenções, organizar o discurso das
personagens em função de um objetivo supremo, a comunicação com os
espectadores. (Apud Urbano, 2005:197)
As características do texto teatral são diferenciadas em relação a outros
tipos de texto literário. Isso porque o autor escreve já pensando que seu texto será
interpretado por atores. Consequentemente, esse autor é o responsável por
32
adequar o uso do texto. Nesse sentido, ao preordenar as sequências dialogadas,
por exemplo, o diálogo das personagens é organizado de forma conveniente, a fim
de torná-lo acessível ao público.
Levando-se em consideração o que foi acima mencionado, é comum haver,
no texto teatral, mais proximidade com a fala e não com a escrita. Percebemos
ainda que essa característica é acentuada nos textos teatrais de Nelson
Rodrigues. Gerab (2008:46-7) comprova que os discursos das personagens desse
autor se aproximam muito da naturalidade e da espontaneidade da fala. Isso foi
possível porque a pesquisadora assistiu e gravou O beijo no asfalto em 21 de
setembro de 2006, no teatro Folha, em São Paulo, tendo transcrito a peça
segundo as normas do Projeto NURC/SP
3
. A partir desse procedimento,
conseguiu constatar que os atores reproduziram com fidelidade os diálogos
escritos pelo dramaturgo. Além disso, ela comprovou que os enunciados, as
pausas e os abandonos do discurso são respeitados. A autora ressalta que
procurou colher informações sobre a referida peça com os atores que a
encenaram, os quais lhe informaram que os diálogos encenados no palco foram
os mesmos escritos por Nelson Rodrigues, ressaltando que não houve nenhuma
adaptação para aproximá-los da língua oral.
As informações acima citadas colaboram para tornar ainda mais evidentes
os indícios de oralidade no texto teatral de Nelson Rodrigues. Assim, buscaremos
identificar a utilização de estratégias conversacionais pelas personagens e a forma
3
Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta de São Paulo.
33
como essas estratégias contribuem para atingir o objetivo que cada personagem
traça ao longo de seu discurso. Seguindo essa linha de raciocínio, verificaremos
as tentativas de ameaça ou preservação da face e as máscaras sociais (fachadas)
expressas no diálogo das personagens do texto teatral que compõe nosso corpus.
3.4. Imagem social, status e fachada
O homem é um ser social, pois vive entre outros homens. Nessa vida em
sociedade, o indivíduo pode pertencer a vários grupos. Assim, em cada um que
participa, poderá ocupar diferentes posições sociais, que são estabelecidas de
acordo com as relações dos indivíduos no grupo. Essas posições sociais do
indivíduo são chamadas de status. Em função desses status, algumas normas
devem ser seguidas. Elas dizem respeito à postura ética, à linguagem apropriada
para cada situação e até à aparência ou à apresentação física do indivíduo. Essas
são algumas das características que dizem respeito aos diversos papéis sociais
do indivíduo. Nesse sentido, Preti corrobora:
Nas sociedades contemporâneas, a multiplicidade de atividades gera um
maior número de papéis sociais exercidos por um mesmo indivíduo. (...)
Com isso a definição de um papel se torna mais difícil, exigindo uma
diversidade de comportamentos, os quais podem, a qualquer momento,
entrar em conflito. (Preti, 2004:182-3)
34
Para exercer esses papéis sociais
4
na sociedade é imprescindível que haja
comunicação entre os indivíduos, principalmente por meio da linguagem. Assim, é
necessário atribuir uma função à linguagem, ou seja, ao iniciar uma conversa, o
falante traça um objetivo de acordo com as suas convicções. Esse objetivo
inicialmente projetado pode ser modificado durante a conversação. Isso porque a
“fala não é planejada antecipadamente, apresenta traços de formulação e de
reelaboração que assumem diferentes papéis na interação verbal e ocorre
fragmentada em jatos ou borbotões” (Barros, 2000:61).
Podemos destacar a linguagem como um dos principais meios de
expressão da representação da imagem social. É por meio dela que transmitimos
informações em situações diversas. Podemos informar, por exemplo, a classe
social a que pertencemos, o nosso nível de escolaridade, onde nascemos ou a
nossa idade. Isso quer dizer que, quando nos comunicamos, não estamos apenas
relatando fatos, mas às vezes passamos informações a nosso respeito sem
percebermos. Na verdade, a partir do momento em que uma interação entre
dois ou mais indivíduos surge uma situação social. No momento em que um
indivíduo se aproxima dos outros, suas ações podem influenciar a definição de
uma situação. Pode ser que ele aja de forma premeditada, expressando-se de
determinada maneira. É possível também que a apresentação pessoal de um
indivíduo o leve a provocar determinada impressão, mesmo que, consciente ou
inconscientemente, ele não tenha a intenção de provocá-la. Goffman explica essa
conduta do indivíduo na interação com os outros:
4
O papel social corresponde ao conjunto de regras relativas a cada status.
35
Em todo caso, na medida em que os outros agem como se o indivíduo
tivesse transmitido uma determinada impressão, podemos ter uma
perspectiva funcional ou pragmática, e considerar que o indivíduo projetou
“efetivamente” uma certa definição da situação e “efetivamente” promoveu
a compreensão obtida por um certo estado de coisas.
um aspecto da resposta dos outros que merece neste ponto um
comentário especial. Sabendo que o indivíduo irá, certamente, apresentar-
se sob uma luz favorável, os outros podem dividir o que assistem em duas
partes: uma, que o indivíduo facilmente manipulará quando quiser,
constituída principalmente por suas afirmações verbais, e outra, em relação
à qual parece ter pouco interesse ou domínio, oriunda principalmente das
expressões que emite. Os outros podem então usar os aspectos
considerados não-governáveis do comportamento expressivo do indivíduo
como uma prova da validade do que é transmitido pelos aspectos
governáveis. (
Goffman
, 1975:16)
Quando o indivíduo projeta parecer determinado tipo de pessoa na
interação, existe “automaticamente uma exigência moral dele sobre os outros,
obrigando-os a valorizá-lo e tratá-lo de acordo com o que as pessoas de seu tipo
têm de esperar” (id., ibid.:21). Desse modo, o indivíduo informa as pessoas a
respeito do que ele é e como elas devem entender essa maneira de ser. Isso quer
dizer que o indivíduo representa um papel e implicitamente solicita que seus
observadores encarem de maneira séria a impressão que ele sustenta. Para tanto,
Park assevera:
36
Não é provavelmente um mero acidente histórico que a palavra “pessoa”,
em sua acepção primeira, queira dizer máscara. Mas, antes, o
reconhecimento do fato de que todo homem está sempre e em todo lugar,
mais ou menos conscientemente, representando um papel... É nesses
papéis que nos conhecemos uns aos outros; é nesses papéis que nos
conhecemos a nós mesmos.
Em certo sentido, e na medida em que esta máscara representa a
concepção que formamos de nós mesmos o papel que nos esforçamos
por chegar a viver esta máscara é o nosso mais verdadeiro eu, aquilo
que gostaríamos de ser. Ao final a concepção que temos de nosso papel
torna-se uma segunda natureza e parte integral de nossa personalidade.
Entramos no mundo como indivíduos, adquirimos um caráter e nos
tornamos pessoas. (Park apud
Goffman
, op. cit.:27)
Ao representar um papel, o indivíduo sustenta uma imagem e exerce
alguma influência sobre seus interactantes. Para esse desempenho do indivíduo,
Goffman utiliza o termo fachada:
Será conveniente denominar de fachada à parte do desempenho do
indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de
definir a situação para os que observam a representação. Fachada,
portanto, é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou
inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação.
(Op. cit.:29)
37
Ao conceituar de fachada a representação de um papel do indivíduo na
sociedade, o autor passa a figurar a interação humana como atuação teatral, pois
passa a nomear os interactantes de atores. Além disso, ele diz que é necessário
um cenário, compreendido como o pano de fundo da interação. atores que
usam o cenário como parte de sua representação, mas, ao terminá-la, deixam de
utilizá-lo. Entretanto, para ele, esse cenário não é geograficamente fixo. Para
explicar essa característica, o autor cita como exemplo um enterro, no qual o ator
levará consigo o cenário. Isso se deve ao fato de que a fala de um indivíduo, às
vezes, está ligada a um gesto que depende de um cenário físico. Nas palavras de
Goffman, durante a interação, fala, gestos e cenário fazem parte de uma situação
social que deve ser analisada sob a seguinte perspectiva:
(...) um estudioso interessado nas propriedades da fala pode se ver
obrigado a olhar para o cenário físico no qual o falante executa seus gestos
simplesmente porque não se pode descrever completamente um gesto
sem fazer referência ao ambiente extracorpóreo no qual ele ocorre. E
alguém interessado nos correlatos linguísticos da estrutura social pode
acabar descobrindo que precisa se voltar para a ocasião social toda vez
que um indivíduo possuidor de certos atributos sociais se fizer presente
diante de outros. (
Goffman
, 1998:13)
Os estudos de Blom e Gumperz apresentam algumas características
semelhantes às de Goffman:
38
(...) diferentes definições sociais da situação podem ocorrer dentro do
mesmo cenário, dependendo das oportunidades e das restrições à
interação proporcionadas pela mudança dos participantes e/ou do objeto da
interação. Tais definições sempre se manifestam no que preferimos chamar
de evento social. Os eventos se distinguem por suas estruturas
sequenciais. Eles são marcados por rotinas de abertura e fechamento
estereotipadas e, portanto, reconhecíveis. (op. cit., 1998:45)
Podemos dizer que a imagem social que os indivíduos apresentam em suas
interações, normalmente, traduz o status e os papéis sociais que eles exercem na
sociedade. Isso quer dizer que para cada situação do nosso cotidiano
apresentamos uma imagem inclusive na forma linguística criada
adequadamente para cada função que exercemos. Em outras palavras, para que
o indivíduo possa exercer os diversos papéis que lhe são atribuídos de acordo
com o seu status, ele apresentará diferentes fachadas. Essas fachadas ou
“máscaras sociais” permitem ao indivíduo transitar entre diferentes situações e
domínios sem causar grandes danos psicológicos ou sociais, ou seja, a identidade
individual não se esfacelará. Assim, uma pessoa deverá ter diferentes
“representações” em um mesmo dia. Isso se deve ao fato de que somos o
funcionário no local de trabalho, o pai ou a mãe no ambiente familiar, o amigo na
vizinhança, entre outros. Para cada uma dessas situações utilizamos diferentes
”máscaras” que são representadas de forma condizente ao papel representado
naquele momento.
39
Galembeck (2008:327) utiliza o termo persona para identificar a máscara
social do indivíduo. O autor, com base em Jung (1981) e Salles (1992), destaca
que o indivíduo assume uma aparência que ele quer mostrar para os outros, como
se essa face pública fosse um “escudo”:
A persona constitui um complexo funcional, estabelecido entre o mundo
real e o individual, e decorre da necessidade de adaptação ou da
conveniência pessoal. Trata-se de uma aparência por meio da qual o
indivíduo busca convencer a si mesmo e aos outros que tem uma
individualidade. No entanto, essa individualidade é forjada, pois por trás da
máscara existe o inconsciente coletivo, particularmente aquilo que a
sociedade e as famílias impõem ao próprio indivíduo.
Essa máscara constitui um escudo protetor e contribui para a convivência
em sociedade e permite uma relativa sensação de segurança. Por meio
dela, o indivíduo comporta-se (ou busca fazê-lo) de acordo com o
esperado, motivo pelo qual a persona desempenha um papel relevante na
proteção do ego. De acordo com essa perspectiva, a persona coloca em
evidência a condição social de quem a usa e, do mesmo modo, evita que a
pessoa “se exponha inutilmente e que as coisas demasiadamente pessoais
atinjam o meio externo”. (Cf. id. Ibid.: 327)
Nesse sentido, a persona tem um papel importante na construção e
proteção da imagem social do indivíduo que se manifesta por meio da linguagem.
Em uma de suas pesquisas, Galembeck (2008:324) apresenta uma situação em
40
que os informantes têm diferentes opiniões sobre o tema por ele escolhido. O
autor afirma que “essas divergências fazem com que os participantes se vejam
impelidos a criar uma imagem, uma ‘máscara’ diante dos demais participantes e,
da mesma forma, crie uma imagem dos demais participantes”. O autor acredita
que essa técnica se torna útil para pesquisas referentes à face, atenuação e
polidez. Subjacente às máscaras sociais que o indivíduo utiliza, está a
preservação de sua imagem social (face), que será o próximo assunto do qual nos
ocuparemos.
3.5. Face
Utilizamos o conceito face para a imagem social que o indivíduo constrói e
que se revela nas interações sociais. Dessa forma, analisaremos mais
cuidadosamente esse termo empregado pelo já mencionado sociólogo Erving
Goffman. Esse autor foi quem primeiro utilizou tal conceito, definindo-o assim:
(...) o valor social positivo que uma pessoa efetivamente reclama para si
mesma através daquilo que os outros presumem ser a linha por ela tomada
durante um contato específico. Face é uma imagem do self delineada em
termos de atributos sociais aprovados embora se trate de uma imagem
que pode ser partilhada por outros, como quando a pessoa consegue fazer
uma boa exibição profissional ou religiosa fazendo uma boa exibição para
si mesma. (
Goffman
, 1980:76-7)
41
Em outras palavras, durante uma interação os indivíduos devem manter
autorrespeito e consideração pelo outro. Por causa disso, uma tendência de
que a interação seja conduzida de maneira que haja a manutenção da face, pois
existe a preocupação de que seja mantida tanto a própria imagem social quanto a
dos outros interactantes. Essa preocupação mútua é imprescindível na interação,
principalmente na conversa face a face. No entanto, pode ser que isso faça parte
de uma representação ou convenção estabelecida entre os indivíduos. Isso não
quer dizer que seja uma aceitação típica que funcione ou que seja real por parte
dos interactantes. Como foi dito, essa conduta, muitas vezes, é parte de uma
convenção que visa preservar a imagem pública em benefício de suas intenções
ou da própria interação (cf. Goffman, ibid.: 81).
Em geral, o indivíduo está sempre em busca de preservar sua face, ou seja,
em uma interação a luta para que nenhum dos interactantes seja
desmascarado (perder a face). Para Goffman, é necessário haver um
engajamento, no qual todos aqueles que participam se entregam a uma interação
social em que estão sujeitos ao mesmo tipo de ameaça e exposição.
A partir das ideias de Goffman referentes à face, Brown e Levinson (1987)
fizeram um estudo no qual esse conceito foi complementado e aprofundado:
(...) face é algo em que envolvimento emocional, e que pode ser
perdida, mantida, ou intensificada, e deve ser constantemente observada
em uma interação. Em geral, as pessoas cooperam (e aceitam a
cooperação dos outros) na manutenção da face na interação, essa
42
cooperação é baseada na vulnerabilidade mútua da face. Isto é,
normalmente, a face de qualquer um depende da manutenção da face de
todos os outros, e visto que pode-se esperar que as pessoas defendam
suas faces quando ameaçadas, e defendendo suas próprias faces para
ameaçar as dos outros, existe, geralmente, interesse de cada participante
em manter a face do outro, isto é, agir de maneira que assegure aos outros
participantes que o agente esatento às pretensões a respeito da face
ameaçada (op. cit.: 61)
5
.
Para esses autores, a face que cada indivíduo apresenta refere-se a dois
aspectos:
a) face negativa (negative face): a contestação básica dos territórios,
preservação pessoal, direitos de não-distração – isto é, liberdade de ação e
liberdade de imposição.
b) face positiva (positive face): parte positiva integrante da autoimagem ou
“personalidade” (incluindo fundamentalmente o desejo de que essa
autoimagem seja apreciada e aprovada) reivindicada pelos interactantes.
(ibid.:61).
6
5
Tradução nossa. (…) face is something that is emotionally invested, and that can be lost,
maintained, or enhanced, and must be constantly attended to in interaction. In general, people
cooperate (and assume each other’s cooperation) in maintaining face in interaction, such
cooperation being based on the mutual vulnerability of face. That is, normally everyone’s face
depends on everyone else’s being maintained, and since people can be expected to defend their
faces if threatened, and in defending their own to threaten other’s faces, it is in general in every
participant’s best interest to maintain each other’s face, that is to act in ways that assure the other
participants that the agent is heedful of the assumptions concerning face given under above.
6
Tradução nossa. (a) negative face: the basic claim to territories, personal preserves, rights to non-
distraction i.e. to freedom of action and freedom from imposition. (b) positive face: the positive
consistent self-image or ‘personality’ (crucially including the desire that this self-image be
appreciated and approved of) claimed by interactants.
43
Kerbrat-Orecchioni (2006) esclarece esses conceitos, revelando que a face
negativa corresponde ao que Goffman descreve como os “territórios do eu”
(território corporal, espacial ou temporal, bens materiais ou saberes secretos). Em
contrapartida, a face positiva apresenta relação com o narcisismo e com “o
conjunto de imagens valorizantes que os interlocutores constroem de si e que
tentam impor na interação” (op. cit.:78). Dessa maneira, em qualquer interação
em que estejam envolvidos dois participantes, podemos identificar a presença de
quatro faces, ou seja, cada um deles (falante e ouvinte) apresenta uma face
positiva e uma negativa. Para Hilgert, durante a interação, os atos de fala podem
manter ou valorizar as faces dos falantes, mas frequentemente podem também
ameaçá-las, correndo o risco de se perderem (cf. Hilgert, 2008:135). Brown e
Levinson dão o nome de FTA (Face Threatening Acts) ou “atos que ameaçam as
faces” a esses atos que colocam em risco a face dos interlocutores (apud Kerbrat-
Orecchioni, 2006:78). Levando-se em consideração a conversa entre dois
falantes, Orecchioni divide os atos de ameaça da face em quatro categorias:
1.º Atos que ameaçam a face negativa do emissor: é, por exemplo, o
caso da oferta ou da promessa, pelas quais se propõe ou se compromete a
efetuar um ato suscetível de lesar seu próprio território num futuro próximo
ou distante.
2.º Atos que ameaçam a face positiva do emissor: A confissão, a
desculpa, a autocrítica e outros comportamentos “autodegradantes”.
3.º Atos que ameaçam a face negativa do receptor: As violações
territoriais de natureza o-verbal são numerosas (ofensas proxêmicas,
44
contatos corporais inadequados, agressões visuais, sonoras ou olfativas,
infiltração por invasão nas “reservas” do outro etc.). Mas as ameaças
territoriais também podem ser de natureza verbal. É isso que ocorre nas
chamadas perguntas “indiscretas” e no conjunto dos atos que são, em
alguma medida, inoportunos ou “diretivos”, como a ordem, a interpelação, a
proibição ou o conselho.
4.º Atos que ameaçam a face positiva do receptor: São todos aqueles
que colocam em risco o narcisismo do outro, como a crítica, a refutação, a
reprovação, o insulto e a injúria, a chacota e o sarcasmo. (id., ibid.:79)
Na categorização proposta, os atos apresentados na primeira e na segunda
categoria são “autoameaçadores”. Ao engajarmo-nos em uma interação deixamos
nossas faces em constante ameaça. Por outro lado, tentamos constantemente
afastar essas ameaças que colocam em risco não só a nossa imagem social, mas
também a de nosso interlocutor. Brown e Levinson (1987) denominam essa
tentativa de se esquivar da ameaça da face de face want. No entanto, durante
uma interação devemos ser capazes de lidar com essa contradição. Isso é
possível realizando-se um trabalho de figuração, ao qual Goffman (1975) o
nome de face work. Brown & Levinson (1987) acreditam que utilizar diversas
estratégias de polidez pode ser um meio de conciliar o mútuo desejo de
preservação das faces (cf. Kerbrat-Orecchioni, 2006:80-1).
45
3.5.1. A preservação da face
Durante uma interação, o falante, normalmente, tenta preservar sua face,
ou seja, ele impede que as diversas tentativas potenciais de seu interlocutor
coloquem em risco e o levem, de fato, a perder a face. Caso isso aconteça, o
indivíduo pode minimizar os danos e tentar restaurar sua imagem social na
interação.
Se analisarmos qualquer diálogo, é possível que encontremos
circunstâncias em que a preservação da face seja uma constante necessidade
dos falantes. No entanto, como assinala Galembeck, as ações dos interlocutores
são imprevisíveis:
(...) o falante adota mecanismos que assegurem o resguardo do que o
deseja ver exibido e coloquem em evidência aquilo que desejam ver
exibido. A necessidade de preservação da face torna-se particularmente
relevante em determinadas situações, nas quais o falante se expõe de
forma direta: pedidos, atendimento de pedidos ou recusa em fazê-lo,
perguntas diretas e indiretas, repostas, manifestação de opiniões. Cabe
acrescentar que a preservação da face deve ser necessariamente
considerada em relação ao quadro geral da interação, e não como uma
atitude isolada do falante. (Galembeck, 2005:174)
Dissemos anteriormente que a interação exige que haja engajamento entre
os falantes. Portanto, todos os que participam da conversação se entregam a uma
46
interação social na qual estão sujeitos ao mesmo tipo de ameaça e exposição.
Isso se deve ao fato de que não há previsibilidade nas (re)ações daqueles que
estão interagindo, um dos interactantes pode falar algo que para o outro possa
parecer uma ameaça à sua face. Nesse caso, algum mal entendido deve ser
solucionado na interação para evitar qualquer tipo de ruptura. Podemos dizer que,
normalmente, não ocorre ameaça à face de nenhum dos interactantes sem que
um deles ponha em risco a face do outro, ou seja, a face de um indivíduo é
mantida enquanto a do outro também é. De acordo com Goffman, preservar a sua
face e a de seu interactante é uma condição imprescindível na interação:
Uma pessoa age em duas direções: por um lado, ela defende sua face e,
por outro, ela protege a face dos outros. Certas práticas são
essencialmente defensivas, e outras, essencialmente protetoras, mas, em
geral, esses dois pontos de vista são apresentados ao mesmo tempo.
Desejando salvar a face do outro, deve-se evitar perder a sua e,
procurando salvar sua face, deve-se abster de fazer o outro perdê-la.
(Goffman,1982:14)
7
Os procedimentos destinados a neutralizar as ameaças reais ou potenciais
à face dos interlocutores ou a restaurar suas faces são chamados de face-work.
Para Goffman, esse conceito se refere a tudo o que uma pessoa empreende a fim
7
Tradução nossa. I have already said that the person will have two points of view a defensive
orientation toward saving his own face and a protective orientation toward saving the others’ face.
Some practices will be primarily defensive and others primarily protective, although in general one
may expect these two perspectives to be taken at the same time. In trying to save the face of
others, the person must choose a tack that will not lead to loss of his own; in face that his action
may entail for others.
47
de que suas ões não façam ninguém perder a face (inclusive a sua própria) e,
além disso, para evitar que aconteça algo que corresponda a um perigo real para
a face (cf. id. ibid.: 15)
A regra de respeito mútuo é importante para garantir a polidez na interação,
ou seja, a partir do momento em que um dos interlocutores sofre uma ameaça à
face, ele poderá reagir com outra ameaça. A continuidade de ameaças na
interação demonstra falta de polidez por parte dos interactantes, o que facilita,
também, uma ruptura nas relações.
Brown e Levinson acreditam que é possível uma interação em que nenhum
dos interactantes perca a face se houver estratégias de polidez, o que para eles é
“um meio de conciliar o mútuo desejo de preservação das faces com o fato de que
a maioria dos atos de fala são potencialmente ameaçadores para uma dessas
faces” (apud, Kerbrat-Orecchioni, 2006:80-1).
Para o trabalho que realizamos, demonstraremos a falta de polidez como
consequência de interações em que os falantes tentam, de qualquer maneira,
salvar suas próprias faces e, assim, colocam em risco a de seus interlocutores.
Sob esta perspectiva, não existe a preservação mútua das faces, contrariando o
que Goffman acredita ser imprescindível na interação.
48
CAPÍTULO IV
ANÁLISE
Conforme mencionado anteriormente (cf. p. 24), escolhemos analisar um
texto teatral por se tratar de um tipo de texto escrito que revela práticas
discursivas que se dão por meio dos diálogos das personagens. Assim,
analisaremos as falas das personagens em busca de características que se
assemelham àquelas que encontramos em diálogos reais.
A partir do momento em que nos propusemos fazer a análise como se
fossem diálogos realizados face a face, é relevante lembrar que o indivíduo
interage com os outros desde a sua infância. No decorrer dos anos, ele aprende
como interagir em uma conversação e se adequar a cada situação a que está
exposto. A respeito da conversação, Kerbrat-Orecchioni postula:
(...) a conversação tem como característica implicar um número
relativamente restrito de participantes, cujos papéis não estão
predeterminados, que gozam, em princípio, dos mesmos direitos e deveres
(a interação é de tipo “simétrico” e “igualitário”) e que não tem outro
objetivo explícito que não seja o prazer de conversar; ela tem, enfim, um
caráter familiar e improvisado: temas abordados, duração da troca, ordem
das tomadas de turno, tudo isso se determina passo a passo, de maneira
relativamente livre relativamente, pois (...) até mesmo as conversações
aparentemente mais anárquicas obedecem, de fato, a algumas regras de
49
produção, deixando, no entanto, aos interlocutores uma margem de
manobra nitidamente mais extensa que em outras formas mais “coercitivas”
de trocas comunicativas (op. cit., 2006:13).
Conforme observamos no item 3.4 do capítulo anterior, a linguagem do
indivíduo pode contribuir para a revelação de informações diversas a seu respeito,
pois ele representa diversos papéis na sociedade (em função dos vários status).
Ao exercer esses papéis, suas ações podem influenciar a definição de uma
situação. Isso se deve ao fato de que, em uma interação, cada pessoa age de
uma maneira e pode, consciente ou inconscientemente, provocar determinada
impressão aos outros. Nesse sentido, podemos inferir que os usos linguísticos de
um indivíduo podem estar ligados ao papel social, ao status ou à imagem social
que ele queira demonstrar em uma interação. Em geral, o indivíduo tenta,
também, preservar a sua imagem (face) perante os outros. Portanto, durante uma
interação, falante e ouvinte devem preservar seus “territórios” e os de seus
interactantes.
A obra que escolhemos para análise apresenta muitos exemplos do que foi
supracitado. Para isso, selecionamos alguns trechos que serão agrupados e
analisados de acordo com as características em que se enquadram.
4.1. A fachada das personagens
As falas de algumas personagens de Toda nudez será castigada
demonstram que elas, nem sempre, agem com naturalidade e honestidade.
50
Atribuímos isso ao fato de que cada personagem quer manter uma imagem de
pessoa de reputação ilibada, principalmente, se considerarmos que há no convívio
familiar três tias idosas solteiras, que tudo indica que são tementes a Deus e
arraigadas aos costumes antigos. Sob esta perspectiva, podemos dizer que as
personagens apresentam fachadas que variam, que, conforme mencionado no
capítulo anterior, Goffman revela que estão relacionadas aos diversos papéis
representados pelo indivíduo na sociedade, em função dos status que exercem.
Para esse autor, a interação social é vista sob a perspectiva do controle das
impressões:
Dentro das paredes do estabelecimento social encontramos uma equipe de
atores, que cooperam para apresentar à plateia uma dada definição da
situação. Isto incluirá o conceito da própria equipe e da plateia e princípios
relativos à linha de conduta que deverá ser mantida mediante regras de
polidez e decoro. Encontramos às vezes uma divisão entre região dos
fundos, onde é preparada a representação de uma prática, e região de
fachada, onde ela é representada. O acesso a estas regiões é vigiado, a
fim de evitar que o auditório veja os bastidores e para impedir que
estranhos participem de uma representação que não lhes é endereçada.
Sabemos que entre os membros da equipe prevalece a familiaridade,
sendo provável a solidariedade, e são compartilhados e guardados
segredos que poderiam prejudicar a representação. (Op. cit., 1975:218)
O autor identifica a fachada do indivíduo na interação, ou seja, a
51
representação que esse utiliza para exercer os diversos papéis que lhe são
atribuídos na sociedade de acordo com o status que ele ocupa.
É necessário reiterar que utilizamos os diálogos das personagens do texto
teatral Toda nudez será castigada em substituição de uma interação real, mas isso
não quer dizer que a escrita está representando a língua falada. Conforme as
justificativas apresentadas em 3.2 e 3.3, escolhemos um corpus escrito, visto que
esse pode apontar algumas ocorrências semelhantes àquelas que encontramos
na ngua oral. Assim, para nossa análise, preferimos apresentar alguns trechos
em que as “máscaras sociais” ou “fachadas” de três personagens, Patrício,
Herculano e Serginho, ficam em evidência.
4.1. 1. As fachadas de Patrício
Conforme o breve resumo do texto que compõe nosso corpus, apresentado
no capítulo II, Herculano morava com suas três tias solteiras, Patrício (seu irmão)
e Serginho (seu filho).
Identificamos diversas passagens em que o discurso de Patrício comprova
que ele não é uma pessoa em que se possa confiar. Seu principal alvo é o irmão,
Herculano, de quem guarda muito rancor por não tê-lo ajudado quando estava
com sua empresa prestes a falir. Por esse motivo, Patrício faz qualquer coisa para
prejudicar o irmão e, com isso, tirar proveito financeiro. No entanto, ele não deixa
evidente para a sua família esse ódio que tem por Herculano, o que nos faz
compreender que Patrício representa um papel de quem se preocupa com o irmão
52
e com sua tristeza após ter ficado viúvo.
Ex.: 01:
GENI: Mas como salvar a pátria?
PATRÍCIO (exaltando-se): Eu sou o cínico da família. E os cínicos
enxergam o óbvio. A salvação de Herculano é mulher, sexo! (Triunfante)
Para mim não existe óbvio mais ululante! (p. 165)
O discurso de Patrício nos induz a pensar que ele se opõe aos valores
socioculturais, afrontando ostensivamente as convenções morais e sociais. Para
Goffman, quando um indivíduo representa um papel (fachada) com cinismo, o
quer dizer que ele esteja interessado em iludir a plateia, mas sim que ele julga ser
para o próprio bem daquele com quem está em interação (cf. Goffman, 1975:26).
Com base nessa ideia de Goffman, o discurso de Patrício contribui para que
pensemos que ele é cínico. Para a personagem, essa característica não é
negativa, pois ela “enxerga o óbvio”, ou seja, Herculano precisa de uma outra
mulher para voltar a ser feliz. No entanto, o restante da família não concorda com
a felicidade de Herculano, pois esse deve sofrer e guardar luto. Um dos fatores
que contribuem para que eles tenham esse tipo de pensamento é a tradição
religiosa. Por outro lado, os familiares ignoram o “cinismo” de Patrício e permitem
que ele tenha esse tipo de atitude. Na verdade, ele não faz esforço para que o
irmão continue a ser fiel à falecida esposa. Assim, Patrício decide o que é melhor
para Herculano e afirma que o irmão precisa de sexo, ignorando a religiosidade
dos familiares. Esse comportamento cínico de Patrício em relação ao seu irmão é
53
percebido não só por Herculano:
Ex.: 02:
TIA N.º 2: Herculano é o chefe da família. Não pode morrer.
PATRÍCIO: Vou chamar o padre Nicolau!
TIA N.º 1: Diz que vai e continua sentado!
TIA N.º 2: Você não gosta de Herculano!
TIA N.º 3: Odeia o irmão!
(Patrício abandonou o jornal. Ergue-se.)
PATRÍCIO (com evidente ironia): Mas odiar sem motivo? Ele nunca me fez
nada! Só na minha falência é que Herculano podia ter evitado tudo com um
gesto, com uma palavra. (Incisivo) Mas não fez o gesto, nem disse a
palavra. E eu fui pra cucuia! (Ofegante) Mas são águas passadas!
TIA N.º 1: Você vai ou não vai?
PATRÍCIO: Vou. (Sumário) Dinheiro pro táxi. (p.162)
Herculano se mostra muito abatido e entregue à dor da viuvez. A família,
muito religiosa, acredita que as orações do padre poderão ajudá-lo a enfrentar
esse momento. Percebemos que após Patrício ter se comprometido a ir chamar o
padre Nicolau para, provavelmente, orar por Herculano, a Tia n.º 1 ameaça-lhe a
face, alegando a demora em realizar o que prometera. A face de Patrício é
novamente colocada em risco ao ser acusado, pela Tia n.º 2, de não gostar do
irmão. Logo em seguida, a Tia n.º 3 o acusa incisivamente de odiar o irmão.
Patrício, por sua vez, tenta salvar sua face das acusações sofridas (esse assunto
será analisado com alguns pormenores posteriormente), dizendo que não tem
54
motivo para odiar o irmão. Nesse momento, para preservar seu status, Patrício
utiliza-se de uma fachada ou uma representação. Em concordância com aquilo
que mencionamos em 3.4, para Goffman o indivíduo utiliza essa “máscara” com o
fim de definir a situação para os que observam a representação. Desse modo, a
personagem utiliza um “equipamento expressivo” que foi empregado intencional
ou inconscientemente durante sua representação. Patrício sempre se apresenta
dessa forma perante a família, mas algumas falas denunciam o que o irmão
realmente significa para ele:
Ex.: 03
PATRÍCIO: Até que se prove que era chata! (Muda de tom) Herculano o
pode morrer. Cada tostão que eu gasto depende dele. Ele me esculhamba
mas solta a erva. (Num apelo) Geni, tu vais me salvar a pátria! (p. 165)
Patrício enxerga em Herculano uma fonte de renda, fato que faz com que
ele projete uma imagem de que gosta do irmão. O trecho citado é o início da
apresentação de seu plano para Geni. Ele acredita que a prostituta é uma pessoa
interessante o suficiente para despertar o interesse de Herculano, que tinha uma
esposa “chata”. Juntos, Patrício e a prostituta têm a intenção de conseguir tirar
dinheiro de Herculano. Percebemos que Patrício apresenta uma dupla fachada,
pois longe de todos da família, assume que precisa do irmão vivo para continuar
ganhando seu dinheiro, mas perto deles, afirma que quer o bem-estar de
Herculano. Assim, a personagem de Patrício se desdobra em duas
representações. A respeito da representação do indivíduo (fachada), Goffman
55
afirma:
Quando pensamos nos que apresentam uma fachada falsa ou “somente”
uma fachada, nos que dissimulam, enganam e trapaceiam, pensamos na
discrepância entre as aparências alimentadas e a realidade. Pensamos
também na posição precária em que se colocam estes atores, pois em
qualquer momento de sua representação pode ocorrer um acontecimento
que os apanhe em erro ou contradiga manifestamente o que declaravam
abertamente, trazendo-lhes imediata humilhação e às vezes perda
permanente da reputação. Sentimos muitas vezes que são justamente
essas terríveis eventualidades, que surgem por ser apanhado em flagrante
delicto em um ato patente de representação errônea, que um ator honesto
é capaz de evitar. Esta noção de bom senso tem pouca utilidade analítica.
(op. cit., 1975:60)
A partir das falas de Patrício, podemos constatar, por diversas vezes, seu
jeito enganador, característico de uma pessoa que gosta de tirar proveito dos
outros e que age por interesse próprio. Os exemplos 2 e 3 nos levam a constatar
a contradição das falas de Patrício. Consequentemente, ele passa a ser uma
pessoa vulnerável a qualquer tipo de julgamento por parte daqueles com quem
interage.
Ex.: 04
HERCULANO (cortando): Por que teu interesse? Você quer me levar lá por
que e a troco de quê! Fala!
56
PATRÍCIO: Estou te ajudando, querendo te ajudar.
HERCULANO (num berro): Cínico!
Patrício (persuasivo): Não ganho nada com isso. Ganho alguma coisa?
HERCULANO: O que é que uma prostituta pode me dar?
PATRÍCIO: É simples, tão simples! Pode te dar (vivamente) num sorriso,
numa palavra, num gesto, sei lá. Pronto: relação humana. Você,
Herculano, está nessa dor burra. Isso não é nem viril. Você sofre, muito
bem. E daí? Uma dor idiota que não conduz a nada.
HERCULANO (taciturno): Sofro pouco. Devia sofrer mais.
Patrício: Você quer morrer?
HERCULANO (triunfante): Agora você disse tudo. Morrer. não meto
uma bala na cabeça por causa do meu filho. (começa a chorar). Eu
devia estar enterrado com a minha mulher. (p. 168-9)
Nessa passagem, Patrício convida Herculano para ir até o prostíbulo de
Geni. Herculano fica nervoso e indignado com o convite. Ele quer sofrer e deixar
explícita a sua dor. Agindo dessa maneira, Herculano pretende manter sua
imagem de homem tradicional, o que agrada suas tias e seu filho Serginho. Por
outro lado, o excesso de zelo por parte de Patrício faz com que Herculano
desconfie e acuse o irmão de agir com cinismo.
É necessário ressaltar que a dupla representação de Patrício está
intimamente ligada a Herculano. Ele mantém essas “fachadas” não só ao se referir
ao irmão com os outros, mas também ao interagir com o próprio Herculano.
Podemos identificar em alguns momentos da peça que essa oscilação na
57
representação de Patrício é percebida pelos seus interactantes. Por esse motivo,
nas interações que ele demonstra ser ou parecer algo que as pessoas de seu
convívio sabem que não é verdadeiro, ele coloca sua imagem em risco, ou seja,
ele sofre ameaça à face assim que seu interactante percebe que ele não está
agindo de maneira sincera. Em geral, Patrício utiliza um “mecanismo artificial”, que
deixa transparecer que ele não é honesto o suficiente para evitar um erro de
representação. Assim sendo, ele está constantemente idealizando uma imagem.
Podemos inferir que ele tenta dar a impressão de que seu equilíbrio e eficiência
em atuar de tal maneira são características que ele sempre teve e que nunca
precisou passar por um período de aprendizado. Patrício cria o que Goffman
(1975:51) chama de “impressão de legitimidade”. Para tanto, achamos pertinente
destacar um exemplo utilizado nos estudos do autor:
(...) verificamos que os eclesiásticos dão a impressão de terem entrado
para a Igreja por um apelo de sincera vocação, com o que nos Estados
Unidos procuram esconder seu interesse em subir socialmente, e na
Inglaterra esconder seu interesse de não baixar demasiadamente. E, ainda,
os eclesiásticos querem dar a impressão de terem escolhido sua atual
congregação pelo que lhe podem oferecer espiritualmente, e não, como de
fato acontece, porque os presbíteros lhes oferecem uma boa casa ou o
pagamento integral das despesas correntes. (id.,ibid.: 50)
As atitudes dos eclesiásticos são muito parecidas com as de Patrício no
58
sentido de que ele alimenta a impressão de ter motivos ideais para assumir o
papel que está representando. Percebemos que Patrício finge gostar do irmão e
tenta consolá-lo de sua dor, mas, na realidade, o que ele quer é tirar proveito
financeiro da situação. Podemos inferir que ele age como um indivíduo que julga
possuir as qualificações ideais para o papel. Patrício acredita que é justo que ele
tenha esse tipo de conduta com o irmão, visto que Herculano não o ajudou
quando sua empresa estava falindo, momento em que precisou de muito apoio,
mas seu irmão Herculano não se importou em ajudá-lo.
Ainda a propósito das representações apresentadas por Patrício:
Ex.: 05
PATRÍCIO: Era Herculano que estava nu no jardim. E essa mulher,
entende? Ela se despe por ofício. (Baixo e diabólico) As mortas vêem tudo
e tua mãe viu.
SERGINHO (atônito): As mortas vêem tudo e minha mãe também me viu
na prisão quando, quando.
PATRÍCIO: Esquece o ladrão boliviano.
SERGINHO (lento): Você quer que eu mate meu pai?
PATRÍCIO (com súbita euforia): Matar, não. Não vai morrer, não, que
esperança! Serginho, se você odeia seu pai, eu odeio meu irmão. Odiamos
o mesmo homem. (Mais baixo ainda, com um riso curto e pesado)
Precisamos não esquecer as tias, hem, Serginho? (p.222)
Patrício leva a foto de Geni nua para que Serginho tenha certeza de que
ela é amante de seu pai. Assim, o trecho acima contribui para confirmar o ódio que
59
Patrício tem de seu irmão Herculano. Esse sentimento tinha sido esboçado nas
falas dos exemplos 01, 02, 03 e 04. Percebemos que o plano de Patrício era
apresentar Geni para Herculano e, com isso, ela o ajudaria a tirar dinheiro do
irmão. No entanto, Geni se apaixona por Herculano e arruína o que Patrício havia
inicialmente planejado. Descontente em ver que aquilo que traçou pode ter
contribuído, de alguma forma, positivamente para o irmão, Patrício tenta fazer com
que Serginho se vingue tendo um caso com a futura esposa do pai para, mais
tarde, expor a traição na presença de todos da família. Para conseguir que isso
aconteça, Patrício resgata o ódio de Serginho relembrando-o que, as mortas
vêem tudo” e, assim, a mãe dele viu que ele teve uma relação sexual com outro
homem.
No que diz respeito a assumir diferentes representações, Goffman
considera que “é claro que muitos atores têm ampla capacidade e motivos para
falsear os fatos. Somente a vergonha, a culpa ou o medo os impedem de fazê-lo.”
(cf. op. cit., 1975:60) Contrário à reflexão do autor, verificamos que Patrício não
demonstra arrependimento de suas atitudes, pois os sentimentos de culpa, medo
ou vergonha não são, de forma alguma, expressos em sua fala.
Patrício é uma personagem que apresenta fachadas que variam de acordo
com a interação. Em presença de suas tias e de Herculano, ele representa uma
pessoa que se preocupa com o irmão. Essa mesma representação não é
verificada em seus diálogos com Geni, pois ele que o irmão não lhe deu suporte
financeiro no momento em que mais precisou e, por esse motivo, não tem afeto
por Herculano e deseja somente conseguir tirar dele o seu sustento.
60
Diante do que foi exposto em relação às atitudes de Patrício, é possível
dizer que é uma personagem que expressa sentimento de ódio e vingança, mas
dissimula tais sentimentos para preservar sua imagem social de irmão bom. Para
esconder todas essas características negativas, ele tenta utilizar uma máscara,
mas isso não se torna suficiente para que as pessoas com quem interaja se
convençam de que ele não emprega uma fachada que varia de acordo com os
seus interesses. Desse modo, suas representações (fachadas) fazem com que
sua imagem social esteja constantemente em risco, mas, mesmo assim, ele
consegue, ao final da trama, de alguma forma, atingir o seu objetivo ao receber
um cheque de seu sobrinho Serginho.
Podemos inferir que Patrício teve sucesso na estratégia que traçou para
conseguir dinheiro, mesmo que esse dinheiro não tivesse vindo diretamente de
Herculano, conforme o planejado inicialmente.
4.1.2. As fachadas de Herculano
Herculano apresenta, inicialmente, uma fachada tradicional e presa aos
costumes. Entretanto, assim como Patrício, no decorrer da trama, Herculano
apresenta “fachadas” que variam de acordo com as suas intenções e das pessoas
com quem interage. Assim, sua representação oscila entre o marido que guarda
as dores pela falecida esposa, o amante de uma prostituta totalmente rendido aos
prazeres da carne e, acima de tudo, representava, para as tias idosas, o ponto de
equilíbrio da família:
61
Ex.: 06
HERCULANO (com a voz estrangulada para si mesmo): Me convidar, ter
essa coragem – pra ir à zona!
.........................................................................................................................
PATRÍCIO: Não vamos fazer um bicho de sete cabeças. Não é, não é
como as outras!
HERCULANO (desesperado): Vagabunda é vagabunda!
PATRÍCIO: Não vamos fazer um bicho de sete cabeças. Não é, não é
como as outras!
HERCULANO (desesperado): Vagabunda é vagabunda!
.........................................................................................................................
HERCULANO: O que é que uma prostituta pode me dar?
PATRÍCIO: É simples, tão simples! Pode te dar (vivamente) num sorriso,
numa palavra, num gesto, sei lá. Pronto: relação humana. Você, Herculano,
está aí nessa dor burra. Isso não é nem viril. Você sofre, muito bem. E daí?
Uma dor idiota que não conduz a nada.
HERCULANO (taciturno): Sofro pouco. Devia sofrer mais.
PATRÍCIO: Você quer morrer?
HERCULANO (triunfante): Agora você disse tudo. Morrer. Só não meto
uma bala na cabeça por causa do meu filho. Só. (Começa a chorar) Eu
devia estar enterrado com a minha mulher. (p. 168-9)
O sofrimento de Herculano faz com que as tias deixem Patrício fazer
qualquer coisa para que ele melhore. Assim, os dois irmãos se trancam no quarto
62
e Patrício leva uma garrafa de uísque. Ele convida Herculano para ir a um
rendez-vous, local onde Geni atende seus clientes.
O discurso de Herculano revela um sofrimento profundo, que é a fachada
de um homem que quase não suporta a dor da perda da estimada esposa. Ele
afirma que tem necessidade de sofrer, com esperança de que isso fizesse com
que Deus lhe perdoasse pelas impressões negativas que, em seu íntimo, tinha da
falecida (cf. ex. 07). Esse sofrimento é aquele esperado por todos de sua família,
principalmente de seu filho Serginho. Ele está representando e, talvez,
implicitamente, solicita que seus observadores, no caso, a família, encarem com
seriedade a impressão que ele tenta sustentar perante eles.
Ex.: 07
GENI: Não me humilhe que eu te.
HERCULANO (cortando): Ninguém te humilha! Você está debaixo de tudo!
Você é um mictório! Público! Público!
GENI: Pois olhe. Você me disse que tua mulher não chegava a meus pés.
Disse. Você berrava: - “A minha mulher era uma chata!”
HERCULANO (aterrado): Não. Não! Uma santa, uma santa! Se repetir isso
eu te mato!
(Geni solta o riso; novamente, Herculano está de quatro.)
GENI (apontando): Foi assim que você entrou aqui. De quatro. (Geni ri
mais alto) Seu cão!
HERCULANO: Não ri! Pára de ri!
GENI: Tua mulher tinha varizes!
HERCULANO (estupefato): Como é que você sabe?
63
GENI: Não tinha varizes?
HERCULANO (com esgar de choro): Não!o!
GENI: Tinha! (às gargalhadas) Ai, meu Deus! Você me contou. Foi você. E
você tinha nojo das varizes de tua mulher!
HERCULANO (num berro): Cala a boca!
(Herculano continua de quatro.)
GENI (no desafio feroz): Ela não tinha as coxas separadas? Hem, seu cão?
(Sempre às gargalhadas) - Ai, meu Deus, não aguento mais! (Novo
impulso) E ela tomava banho de bacia, banho de assento, antes de dormir!
Fazia assim com a mão na água. (imita o gesto)
HERCULANO (chorando): Eu não disse nada! É mentira! Nada!
GENI: Nunca ri tanto na minha vida!
.........................................................................................................................
HERCULANO: Se eu falei de minha mulher, uma morta, se eu a insultei, e
se contei o banho de assento. (Num impulso maior) Você não entende,
mas olha: - é tão triste e casto - o banho de assento, triste! (Muda de tom e
novamente feroz.)
GENI: Aí que eu estou com dor aqui!
HERCULANO: Mas se eu disse isso, então devo mesmo andar de quatro.
Eu sou o cão. Estou babando como um cão. (Herculano passa as costas da
mão na boca.) (p. 172-3)
Herculano uma foto de Geni nua e foi incentivado pelo irmão Patrício a
beber. Sob o efeito da bebida, ele manifesta todas as opiniões negativas a
64
respeito de sua esposa. Assim, ele não sustenta por muito tempo a fachada de um
viúvo que sofre por ter perdido a mulher perfeita, morta em decorrência de uma
ferida no seio. Essa representação da personagem começa a se desfazer a partir
do momento em que ele se deixa envolver emocionalmente com uma prostituta e,
além disso, revela para ela aquilo que o incomodava na falecida. Ele se esforça
para convencer Geni e a si mesmo de que não tinha uma imagem negativa da
esposa. Percebemos que as representações de Herculano (cf. ex. 06 e 07) são
divergentes. Ele tem esse comportamento antagônico e diz que a culpa disso é o
excesso de bebida alcoólica.
Ex.: 08
HERCULANO: Eu nem devia telefonar. Estou falando só para te dizer.
.........................................................................................................................
GENI: Então? Depois daquela vez, você continua virgem, ou.
.........................................................................................................................
HERCULANO (em pânico, muda de tom): Geni, aquela foi a primeira e a
última vez! Estou-lhe falando sério, Geni.
GENI: Você não gostou?
.........................................................................................................................
HERCULANO (com mais élan): Geni, quando conversamos, aquela vez. Eu
para definir esse tipo de vida, usei uma expressão.
GENI: Mictório.
HERCULANO (rápido e infeliz): Não precisava repetir a palavra. Entende?
Eu não podia ter comparado uma criatura humana a. (Com veemência)
Mas você não é isso. Você não pode ser isso.
65
.........................................................................................................................
GENI (implorando): Vem cá, vem?
HERCULANO: Aí?
GENI (sôfrega): Olha. Eu estou esperando um freguês, mas desmarco.
Aqui é mais cômodo.
HERCULANO (desesperado): Geni, eu fui uma vez, porque estava
bêbado. Você sabe, Geni, sabe! Não ponho os pés aí – nunca mais!
GENI: Nunca mais?
HERCULANO: Aquilo que eu contei do meu filho. A vida sexual terminou
para mim. Estou lhe dizendo isso de coração para coração. (p.176-178)
A personagem contatou a prostituta, mas não queria que tal atitude fosse
entendida como interesse. Sua fala demonstra que ele não queria ligar, mas sua
curiosidade para saber o que levou Geni à prostituição foi um subterfúgio. A partir
desse momento, a “fachada” de viúvo sofredor de Herculano começa a se
esfacelar. O diálogo contribui para a revelação de que ele se sentiu atraído por
Geni, mas não seria correto manter contato com uma prostituta. Além disso, as
últimas falas de Herculano deixam evidente que o motivo pelo qual eles não
mantêm uma relação é a promessa feita ao seu filho de que ele nunca mais
praticaria sexo. Contudo, o juramento foi quebrado e ele escusa-se alegando o
uso abusivo da bebida que seu irmão lhe deu. Assim, o uísque oferecido por
Patrício torna-se uma justificativa para Herculano ter apresentado uma nova
fachada. A propósito disso, Park afirma que “todo homem está sempre e em todo
lugar, mais ou menos conscientemente, representando um papel. É nesses papéis
66
que nos conhecemos uns aos outros; é nesses papéis que nos conhecemos a nós
mesmos” (cf. op. cit. apud Goffman, 1975:27).
Após conhecer Geni, o discurso de Herculano começa a mudar, em outras
palavras, sua “representação” de homem sofredor não é mais a mesma, ou seja,
suas formas de se expressar não são padronizadas porque ele oscila entre a
tradição e o prazer. Podemos dizer que dependendo do “cenário” ou pano de
fundo, a sua representação sofre mudanças. Verificamos que, Inicialmente, diante
do “cenário” familiar (a casa onde mora com as tias idosas e com seu filho) ele
representa o viúvo, mas essa representação não é fielmente seguida ao sair
desse ambiente ou ter algum contato com Geni. No decorrer da trama, a
representação de homem apaixonado pela prostituta começa a invadir o “cenário”
familiar:
Ex.: 09
SERGINHO: O senhor vai repetir aquele juramento, aquele. Jura, jura que
nunca mais se casará!
HERCULANO (aterrado): Juro o que você quiser!
SERGINHO: O que eu quiser, não. Papai, quem tem que querer é o
senhor.
HERCULANO: Mas levante! Serginho, Serginho!
SERGINHO (chorando): O senhor não jurou!
HERCULANO: Juro!
SERGINHO: E que nunca mais terá mulher, mesmo sem casar?
HERCULANO: Ouve, Serginho. O sexo pode ser uma coisa nobre, linda,
67
meu filho.
SERGINHO: O senhor nunca falou assim!
(Herculano suspende Serginho.)
HERCULANO: Olha para mim, Serginho. Olha para mim.
SERGINHO (desesperado): Cala a boca! Cala a boca!
HERCULANO: Você tem de ouvir tudo. Nem eu, nem você podemos ter
ódio do sexo. O sexo quando é amor. (p.189-0)
Serginho percebe que seu pai não guarda o luto como antes e
acredita que ele se esqueceu da esposa falecida. Herculano e Serginho
partilhavam a mesma concepção negativa em relação ao sexo. Entretanto, após
conhecer Geni, Herculano passa a encarar o sexo como algo prazeroso. Essa
ideia positiva de Herculano causa estranhamento em Serginho. Assim, o viúvo não
consegue reafirmar o juramento de que não se casará. Compreendemos, portanto,
que ele recebeu um estímulo que revela um novo status social da personagem:
Pode-se chamar de “aparência” aqueles estímulos que funcionam no
momento para nos revelar o status social do ator. Tais estímulos nos
informam também sobre o estado ritual temporário do indivíduo, isto é, se
ele está empenhado numa atividade social formal, trabalho ou recreação
informal, se está realizando ou não, uma nova fase no ciclo das estações
ou no seu ciclo de vida. (Goffman, 1975:31)
É possível dizer que a nova representação de Herculano, após conhecer
68
Geni, indica uma nova fase em seu ciclo de vida. Ao passar alguns dias com a
prostituta, percebeu que ainda é viril e tem desejos como qualquer outra pessoa,
mesmo depois de ter perdido sua esposa. No entanto, essa nova fachada não
pode ser revelada em todos os momentos devido ao fato de que as pessoas de
seu convívio exigem que ele se comporte como um homem preso ao amor de uma
mulher que já faleceu.
Ex.: 10
HERCULANO: Você acha que. E isso aqui? Você não compreende que seu
corpo. Ou será quê? (Herculano vai num crescendo) Você tem que sair
daqui. Já! Vai sair agora!
(Herculano agarra a menina pelos dois braços.)
HERCULANO (quase chorando): Eu não admito que, a partir deste
momento, filho da puta nenhum encoste o dedo em ti!
GENI (maravilhada): Você dizendo palavrão!
HERCULANO: Eu não digo palavrões! (p.183-4)
Em uma conversa ao telefone, Geni chama Herculano para ver uma ferida
que tem em seu seio. Nessa interação, Herculano utiliza uma palavra de baixo
calão, comportamento que não condiz com uma família religiosa e tradicional.
Podemos inferir que a personagem acredita que pode utilizar esse tipo de
vocabulário porque está se interagindo com uma prostituta. Todavia, assim que
Geni o adverte sobre o vocabulário utilizado, ele escusa-se, alegando não falar
palavras obscenas. Isso indica que “a concepção que temos de nosso papel torna-
69
se uma segunda natureza e parte integral de nossa personalidade” (cf. Park apud
Goffman, 1975:27). Após manter relações com Geni, Herculano inicia um
processo de modificação em sua forma de agir e ele começa a ter uma concepção
diferente em relação à sexualidade. Entretanto, ele não admite que isso provocou
mudanças até em seu vocabulário.
Nas palavras de Goffman:
E alguém interessado nos correlatos linguísticos da estrutura social pode
acabar descobrindo que precisa se voltar para a ocasião social toda vez
que um indivíduo possuidor de certos atributos sociais se fizer presente
diante de outros. (Goffman, 1998:13)
Ao negar o uso das palavras de baixo calão, Herculano acredita que pode
salvar-se de críticas ou de julgamentos negativos, pois sua verdadeira essência é
de um homem que tem pudor. Assim, identificamos que ele está sempre em dupla
“representação”, pois, além da maneira de falar, sua fachada oscila entre ser um
homem apaixonado por uma prostituta e, concomitantemente, abominar a
prostituição:
Ex.: 11
HERCULANO (grave): Uma pergunta. Você gosta de mim? Gostou de
mim?
.........................................................................................................................
GENI: Sujeito burro! (Mudando de tom trinca os dentes) de olhar você
70
e quando você aparece basta a sua presença – eu fico molhadinha!
HERCULANO (realmente chocado): Oh, Geni! Por que é que você é tão
direta, meu bem?
GENI (desesperada de desejo): Vocês homens são bobos! Está pensando
o que da mulher? A mulher pode ser séria, seja o que for. Mas tem sua
tara por alguém. (Muda de tom) Olha as minhas mãos como estão geladas.
Segura, vê. (Ofegante) Geladas!
HERCULANO (amargurado): Amor não é isso!
GENI (furiosa): Me diz então o que é que é amor?
HERCULANO: Certas coisas, a mulher não deve dizer. Pode insinuar.
Insinuar. Mas não deve dizer. Delicadeza é tudo na mulher. (p.192-3)
Ex.: 12
TIA: Não! Não vire o rosto. (Rápida e desesperada) Foram dizer a seu
filho que você passou três dias e três noites numa casa de mulheres!
HERCULANO (sob o impacto): Eu?
TIA: Três dias e três noites com uma prostituta!
HERCULANO (desesperado): Mas é falso! Rigorosamente falso! Todos os
meus amigos sabem que eu tenho horror, horror da prostituta. Nunca entrei
numa casa de mulheres. entrei uma vez. Em solteiro. Eu era rapazinho.
Entrei e fugi logo, nunca mais. Entenda! Esse assunto, aliás. Mas
compreendeu? Simplesmente, eu não acho a prostituta mulher. Não é
mulher! (p.195)
71
Ex.: 13
SERGINHO: Por que entrou nesse quarto?
HERCULANO (num crescendo): Ouve, meu filho. Se alguém te disse que
eu ia casar com essa mulher, é mentira, calúnia! Jamais me passou pela
cabeça essa ideia. E nem é minha amante! Uma prostituta não é amante, é
a mulher que todos usam mas pagando! Nunca seria minha esposa,
nunca! E você tem que acreditar em mim! Você nunca viu seu pai mentir.
(Cai a exaltação de Herculano) Serginho, a um pai se perdoa! (p.219-0)
Percebemos que a “representação” de Herculano perante a família é
diferente daquela que ele utiliza quando está ao lado de Geni. A respeito disso,
Goffman assevera:
Verificamos que muitas representações que não poderiam ser feitas se
certas tarefas não tivessem sido realizadas, tarefas estas que são
fisicamente sujas, quase ilegais, cruéis e de certo modo degradantes. Mas
estes fatos perturbadores raramente são expressos numa representação.
Nas palavras de Hughes, temos a tendência a esconder de nosso público
todos os indícios de “trabalho sujo”, quer o realizemos em particular ou
encarreguemos um empregado de fazê-lo, entreguemo-lo ao mercado
impessoal, ao especialista legítimo ou ilegítimo. (op. cit., 1975:48)
Herculano está apaixonado por Geni, apesar de ter consciência de sua vida
de prostituta. O seu discurso demonstra que ele tenta, de alguma forma, modificar
72
as atitudes de Geni, principalmente no que diz respeito à “representação”
adequada a uma mulher íntegra perante a sociedade. Podemos inferir que ele
pretende se casar com ela, mas para que isso aconteça deve haver mudanças em
seu comportamento. A nova conduta de Geni servirá para esconder das pessoas
do convívio de Herculano todos os indícios de trabalho não idôneo que ela teve
antes de conhecê-lo. Deduzimos, ainda, que essas mudanças serão positivas para
a imagem de homem conservador, religioso e de boa família que Herculano tem
de si próprio. Tudo isso revela que foi estabelecida uma determinada fachada que
varia de acordo com o papel social que Herculano tem que manter diante de suas
tias e de seu filho. Assim, ele tem a tendência de apresentar um número de
fachadas condizente com a organização social em que está inserido.
4.1.3. As fachadas de Serginho
Serginho é um garoto de dezoito anos que demonstra, inicialmente, atitudes
diferentes dos jovens de sua faixa etária. No decorrer da trama, podemos
perceber uma discrepância entre aparência e realidade nas atitudes de Serginho.
Para Herculano e tias, ele demonstra ser uma pessoa que, apesar da pouca
idade, segue as tradições, é muito religioso e, acima de tudo, não admite a relação
sexual, mesmo para homens e mulheres que são casados. Algumas dessas
características são apresentadas no discurso de Serginho durante parte da trama
e são evidenciadas também pelo discurso de seu pai, Herculano:
73
Ex.: 14
HERCULANO (em pânico): Se você contar, se disser que eu, eu. (Muda de
tom) Tenho um filho, de 18 anos. Um menino que nunca, nunca. Quando a
mãe morreu quis se matar, cortando os pulsos. E meu filho não aceita o ato
sexual. Mesmo no casamento. Não aceita. No dia do enterro, do enterro de
minha mulher quando voltamos do cemitério ele se trancou comigo, no
quarto. Quis que eu jurasse que nunca mais teria outra mulher. Nem
casando, nem sem casar. (p. 174)
Ex.: 15
HERCULANO (furioso): Nem minha mulher, nem meu filho. Meu filho,
quando me pediu para não trair minha mulher, nunca de repente, ele
começou a vomitar. (...)
HERCULANO: É o nojo, nojo de sexo. Horror. (p.175)
Diante do que foi anteriormente exposto, é possível construir a imagem que
todos da família têm de Serginho. Dessa forma, é previsível a “fachada” que suas
falas revelarão. Entretanto, conforme apresentaremos nos exemplos
subsequentes, assim como Patrício e Herculano, Serginho apresenta várias
fachadas.
Ex.: 16
HERCULANO: Esse menino não vive uma vida normal! Não tem namorada!
TIA N.º 2 (com esgar de nojo): Só pensa em sexo!
HERCULANO: Meu filho me condena porque eu ponho talco nos pés!
Como se fosse obsceno por talco nos pés.
74
.........................................................................................................................
TIA N.º 3: Nós achamos! Nós achamos!
HERCULANO (amargurado): Meu filho, eu não acredito, nem posso
acreditar. Você desejou a minha morte, desejou, quis a morte de seu pai?
.........................................................................................................................
SERGINHO (quase doce): Eu, então, pensava: - meu pai se mata e eu me
mato. Uma noite, vim até a porta do seu quarto. Eu vinha pedir ao senhor
para morrer comigo. Nós dois. Mamãe queria que eu morresse e o senhor
morresse. (Num rompante) Mas o senhor não se matou.
.........................................................................................................................
SERGINHO: O senhor vai repetir aquele juramento, aquele. Jura, jura que
nunca mais se casará! (p. 188-9)
Após Herculano ter ficado setenta e duas horas em companhia de Geni,
sua opinião a respeito de sexo mudou. Diante disso, ele tenta mudar a visão que
seu filho Serginho tem sobre o assunto. Nesta direção, consideramos relevante
dar destaque à concepção de Goffman (1975:29) para fachada: “toda atividade de
um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua
diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre estes alguma
influência”. Assim, é possível perceber que, diante da família, Serginho apresenta
uma fachada de um jovem conservador e que sofre pela morte da mãe.
Ao contrário do início da trama (cf. ex. 14, 15, 16), a fachada de Serginho
sofre mudanças. Essa personagem surpreende o leitor em alguns momentos com
atitudes que não são condizentes com a representação inicialmente apresentada.
75
Fica explícito no desenvolvimento do texto que a representação de Serginho
começa a mudar após sofrer o estupro na cadeia. Esse fato é descrito por uma
das tias, no entanto, ela sempre enfatiza a ingenuidade do sobrinho em relação ao
sexo:
Ex.: 17
TIA (mudando de tom. Um lamento quase doce): O menino serviu de
mulher para o ladrão boliviano! Gritou e foi violado! O guarda viu, mas não
fez nada. O guarda viu. Os outros presos viram.
GENI (agarrando-se a Herculano): Eu não vou me embora! Eu fico! Eu fico!
Herculano!
.........................................................................................................................
TIA (andando pelo palco): Quando eu era garotinha, eu vi meu pai dizer
uma vez: - “Pederasta, eu matava!” (Com súbita energia para Geni) Mas o
menino não é nada disso. Um santo, um santo!
GENI (desesperada): Madame, eu sei! Eu conheço Serginho! Ele vai ficar
bom, não vai morrer!
TIA: Devia morrer. Era melhor que morresse. Mas não quero que ele morra.
E papai vivia repetindo. Aquela coisa sempre: “Pederasta, eu matava!
Matava!” Eu nem sabia o que era pederasta!
GENI: O que aconteceu com seu sobrinho pode acontecer com qualquer
um!
.........................................................................................................................
TIA (como uma demente): Acontece, acontece. Meu pai, se fosse o Hitler,
mandava matar todos os pederastas. O guarda viu, estava e viu. Os
76
outros presos viram. (Com ferocidade) Você é mulher da vida, mas tem que
me acreditar. Meu menino não conhecia mulher, nunca teve um desejo. As
cuecas vinham limpinhas, nada de sexo.
(Súbito, a tia vira-se para o alto. Fala nítido como uma fanática.)
TIA: Meu menino era impotente como um santo. (p.208-9)
Herculano uma casa para Geni morar e paga uma empregada para ficar
com ela. Ao visitar a amante, é informado pela empregada de que, um dia, Geni
saiu para um passeio. Ao ser interpelada por Herculano, Geni deixa dúvidas se
saiu sozinha ou acompanhada. Inicia-se uma discussão entre o casal e ela diz que
voltará para o prostíbulo. Eles são interrompidos por uma das tias avisando que
Serginho estava morrendo por conta de um estupro que sofreu na cadeia.
Geni fala como se conhecesse e tivesse contato com Serginho. Isso
contribui para levantarmos a hipótese de que ela teve um encontro com Serginho
no dia em que saiu de casa. Partindo do pressuposto de que os dois tinham um
relacionamento, inferimos, ainda, que, ao ver Herculano e Geni nus no jardim,
Serginho ficou enciumado e, por esse motivo, bebeu, brigou e foi preso. Nesse
sentido, a fachada de Serginho continua sendo mantida pela tia, mas as falas de
Geni deixam mensagens subentendidas. Ao final da história, não há como
comprovar essas deduções feitas, entretanto, elas contribuem para pensarmos
que Serginho dava indícios de uma fachada que não foi exposta, mas é
desnudada no final da peça:
77
Se a atividade de um indivíduo tem de incorporar vários padrões ideais e se
é preciso fazer uma boa representação, então, provavelmente, alguns
desses padrões serão mantidos em público à custa do sacrifício para
sustentar padrões cuja aplicação inadequada não pode ser escondida.
(Goffman, 1975:48)
Percebemos que Serginho tem que manter um padrão ideal de
representação perante sua família (cf. ex. 14,15 e 17), pois está de acordo com
aquilo que se espera dele. Podemos dizer que Serginho consegue manter sua
representação perante os familiares em quase toda a trama, no entanto, os
padrões exigidos não são escondidos por muito tempo:
Ex.: 18
SERGINHO: Se você quer viver, nunca, nunca, toque nesse assunto. Se
você disser uma palavra sobre, sobre.
GENI: Está me machucando.
SERGINHO (mudando de tom, e, agora, caricioso e ameaçador): Mas eu
sei que você não vai esquecer. (Sem transição) Vai lá, fecha a porta e
volta. Escute, se quiseres, aproveita e foge, some.
(Geni vai fechar a porta a chave e volta.)
.........................................................................................................................
SERGINHO: Senta aqui. Aqui na cama.
(Geni obedece.)
SERGINHO: E, agora, que estamos sozinhos, se eu te esganasse, assim?
(Serginho põe as mãos no pescoço de Geni, como se, realmente, a fosse
78
estragular.)
GENI (com sofrida humildade): De você, eu não tenho medo. (p.224)
Ex.: 19
SERGINHO (gritando): E você? Está aqui, por quê?
GENI: Sou sua amiga!
Serginho: Que vontade de te quebrar a cara!
GENI (radiante): Me humilha! Pode me humilhar! (Rindo chorando) Eu
quero ser humilhada!
SERGINHO (feroz): Tira a roupa!
.........................................................................................................................
GENI (sôfrega): Você está doente, está fraco! Vai fazer mal!
SERGINHO: Fica nua! (Numa euforia desesperada) Não é desejo. Estou
vingando minha mãe! É vingança!
.........................................................................................................................
GENI (mostra os seios, mas vira o rosto, com uma brusca vergonha)
(chorando rindo): Sabe que, de repente, está me dando vergonha, não sei,
vergonha de você?
.........................................................................................................................
SERGINHO (cruel): Por que é que você ainda não tirou tudo?
GENI (numa ânsia de menina): Está muito claro. Posso apagar a luz?
.........................................................................................................................
SERGINHO: Não tira a roupa! Está tirando a roupa, por quê?
GENI (desatinada): Você não pediu, não mandou?
.........................................................................................................................
SERGINHO: Então, vai-te embora! Sai daqui! Sai daqui!
79
GENI (desesperada): E não volto nunca mais?
SERGINHO (baixo e ofegante): Volta casada. Casa com meu pai e volta.
Como esposa. (Berrando novamente) Tem que ser mulher do meu pai, a
esposa (baixo novamente) e minha madrasta. (p.226-8)
Patrício convence Serginho de que converse com Geni. Ela vai ao encontro
dele e demonstra que tem compaixão do garoto pelo fato de ter sido estuprado na
prisão. Serginho, por sua vez, apresenta um comportamento agressivo com a
prostituta. Essa característica não é compatível com as descrições feitas pela
família em relação a Serginho. Dessa forma, na perspectiva de Goffman, podemos
dizer que Serginho está apresentando mais uma fachada:
Além do fato de que práticas diferentes podem empregar a mesma
fachada, deve-se observar que uma determinada fachada social tende a se
tornar institucionalizada em termos das expectativas estereotipadas
abstratas às quais lugar e tende a receber um sentido e uma
estabilidade à parte das tarefas específicas que no momento são
realizadas em seu nome. A fachada torna-se uma “representação coletiva
e um fato, por direito próprio.
(...)
Além disso, se o indivíduo assume um papel que não somente é novo para
ele mas também não está estabelecido na sociedade, ou se tenta modificar
o conceito em que o papel é tido, provavelmente descobrirá a existência de
várias fachadas bem estabelecidas entre as quais tem de escolher. Deste
80
modo, quando é dada uma nova fachada a uma tarefa, raramente
verificamos que a fachada dada é, ela própria, nova. (op. cit., 1975:34)
Percebemos que Serginho apresenta uma fachada que, seguindo os
pensamentos de Goffman, na verdade, não é nova. Ele escolhe as fachadas
apropriadas para cada pessoa com quem interage. No entanto, a representação
de garoto agressivo e que tem a intenção de trair o pai é totalmente contrária
àquela que ele apresentava anteriormente. Consideramos, ainda, que a
personagem tem uma “representação coletiva”, ou seja, aquela fachada social que
é institucionalizada nas expectativas estereotipadas da família em que ele vive:
Ex.: 20
SERGINHO (frívolo): Deixa de conversa! Você não dorme com o velho?
Então, eu também posso trair, ora que piada!
GENI (sofrida): Serginho, não diz isso nem brincando. Você sabe que eu
sou ciumenta. Não nego. (Sem transição) Que mancha é essa aqui? Esse
sangue pisado?
(Geni examina o dorso nu do rapaz.)
SERGINHO: Foi você quem fez!
GENI: Você está respondendo como eu respondi ao velho!
SERGINHO: Minha putinha!
GENI (vivamente): Você teria coragem de me trair?
SERGINHO (rindo): Nunca!
.........................................................................................................................
81
GENI: Olha pra mim. Ultimamente, de vez em quando, eu sinto que teu
pensamento está longe, longe. Você olha sem ver. Diz, mas não minta: -
em que você pensa, se não é em mim? Se você confessar, eu não fico
zangada. Quem é a mulher?
SERGINHO: Você!
.........................................................................................................................
GENI: Nem beijo? Mesmo sem o resto, eu já considero o beijo uma traição.
Tenho ciúmes dos teus beijos. (Num apelo) Se você me traiu, não beija.
(Feroz) Você beijou outra?
SERGINHO (sem transição e duro): Geni, tenho uma notícia pra te dar.
.........................................................................................................................
SERGINHO: Vou viajar.
GENI (atônita): Mentira!
SERGINHO: É verdade. E já combinei tudo com papai. Pedi a ele pra
guardar segredo. Eu próprio queria te falar.
.........................................................................................................................
SERGINHO (desesperado): Preciso passar uns meses fora. Em lugares
onde ninguém saiba o que me aconteceu, o que aconteceu comigo! Em
Paris ou Londres, sei lá, eu sou um sujeito como os outros, igual aos
outros. Eu preciso ver gente que não saiba. Que coisa linda passar na rua
e ninguém saber de nada! Entende agora? Eu quero me salvar.
.........................................................................................................................
GENI: Você, até, já comprou uma porção de livros em espanhol!
.........................................................................................................................
SERGINHO (triunfante): Está vendo, eu não esqueci, você não esqueceu.
82
Você falou nos livros em espanhol. Por quê? (Começa a chorar) Não é
você que chora, eu também choro! Geni, se vome ama eu sei que
você ama – vai aceitar a viagem! (Soluçando) Diz pra mim, diz, parte, parte.
(Serginho cai de joelhos, abraçando Geni. Ela passa a mão na sua
cabeça.)
GENI: Parte, parte, oh, querido, querido! (p. 232-4)
Geni se casa com Herculano, conforme o pedido de Serginho. Os dois se
tornam amantes. Aquele garoto que era “impotente como um santo”, conforme a
afirmação de uma das tias (cf. ex. 17), não é mais o mesmo. A fachada de
menino casto, ingênuo e tradicional não é mais apresentada. Assim, percebemos
que ele contraria o que o pai relatava a seu respeito em dois aspectos.
Primeiramente, Herculano diz que ele tinha nojo de sexo (cf. ex. 15) e, em
segundo lugar, ele afirmava que a falecida esposa e o filho não falavam palavras
de baixo calão. Em contrapartida, Serginho é amante de Geni e a chama de
“minha putinha”. Essas constatações indicam que o indivíduo assume um papel
que não é novo somente para ele, mas, também, para aqueles que convivem com
ele. Antes de saber que o pai mantinha uma relação com a prostituta, Serginho
não esboçou nenhuma atitude que poderia denunciar algum comportamento
avesso àquilo que a família pensava dele.
Diante do trecho destacado (cf. ex. 20), há indícios de que Serginho não
mantém relações somente com Geni. Isso se deve ao fato de que ele tinha uma
marca no pescoço e, em conformidade com a fala da amante, ele parecia estar
83
distraído em suas conversas. Geni constatou, ainda, que ele havia comprado
livros em espanhol. Assim, ela deduz que seu ódio pelo “ladrão boliviano e o
estupro tinham sido superados. No entanto, nessa passagem, Serginho continua
expressando seu ódio em relação ao estupro sofrido, ou seja, ele ainda
“representa” um papel de quem odeia a ideia de ter mantido relações com outro
homem. Em oposição a essa fachada, selecionamos um momento em que Geni
faz uma revelação sobre Serginho:
Ex.: 21
(Voz gravada de Geni.)
GENI: Teu filho fugiu, sim, com o ladrão boliviano. Foram no mesmo avião,
no mesmo avião. Estou só, vou morrer só. (Num rompante de ódio) Não
quero nome no meu túmulo! Não ponham nada! (Exultante e feroz) E você,
velho corno! Maldito você! Maldito o teu filho, e essa família de tias.
(Num riso de louca) Lembranças à tia machona! (Num último grito) Malditos
também os meus seios! (p. 238)
Patrício estava embriagado e denuncia para Geni que Serginho lhe deu um
cheque de alto valor para que ele não divulgasse no aeroporto que o garoto
estava viajando em “lua-de-mel com o ladrão boliviano”. Geni se desespera com a
notícia, faz uma gravação para Herculano e se suicida. Herculano tinha viajado e,
ao chegar em casa, é recepcionado por Nazaré, a empregada, com um embrulho,
que Geni havia pedido para que ela lhe entregasse. Herculano começa a ouvir
algumas declarações de Geni. Dentre elas, é descrita a fuga de Serginho com
84
aquele que o estuprou na prisão, o “ladrão boliviano”.
Os indícios (exemplo 20) de que Serginho tinha um outro relacionamento
são confirmados na gravação de Geni. Assim, Serginho mantinha um caso com o
“ladrão boliviano”, o que justifica também o motivo de comprar livros em espanhol.
A exemplo de seu pai, Serginho apresenta diversas fachadas. Inicialmente, sua
representação é de um garoto ingênuo e tradicional. Após descobrir o caso que o
pai tinha com a prostituta e ter sido sexualmente molestado na prisão, ele se
mostra agressivo, revoltado com o estupro e, consequentemente, demonstra,
também, muito ódio de tudo que lhe faz lembrar o “ladrão boliviano”. Em oposição
a sua fachada de pessoa enraivecida por ter sido violentado, secretamente, ele
mantém um caso com o autor de seu estupro. Isso resultou em sua fuga com o
rapaz, o que indica que houve uma entrega total a um relacionamento
homossexual, contrário ao que toda a família, inclusive Geni, imaginava. Tal fato
também é avesso ao que ele demonstra em suas falas:
Ex.: 22
HERCULANO: Mas escuta, meu filho. Conversei agora com o médico. Ele
me garantiu que, daqui a uns dias, você pode voltar para casa. Quando
você sair daqui, nós dois eu e você vamos caçar esse ladrão boliviano.
Eu não o conheço, posso passar por ele sem saber quem é, mas você
conhece. Nós dois matamos o ladrão boliviano! Eu te prometo – nós dois!
(Serginho ergue meio corpo.)
SERGINHO (com voz rouca, quase desumana): Não fala nesse! (Muda de
tom) E sua amante? Por que não fala na sua amante?
85
HERCULANO: Meu filho, você me perdoa?
SERGINHO: Você não pode falar em perdão! Por sua causa, e por causa
de sua amante aconteceu “aquilo”! E eu perdi minha mãe!
HERCULANO: Serginho, tua mãe morreu muito antes!
SERGINHO (exultante): Não para mim! (Põe a mão no peito) Eu ia ao
cemitério e conversava conversava com o túmulo da minha mãe. (Feroz)
Não estou maluco, não! Malucos estão vocês! (Radiante) De noite, ela
entrava no meu quarto. Eu não dormia sem o seu beijo. (Muda de tom) Mas
depois depois que aconteceu “aquilo” nunca mais mamãe voltou. Tem
vergonha de mim, nojo de mim. Tudo por sua causa e de sua amante. (p.
219)
Verificamos que o discurso de Serginho é de um homem que está
enfurecido por ter sido vítima de um estupro. No entanto, suas atitudes não
condizem com esse discurso, pois ele se apaixonou pelo seu estuprador (cf. ex.
21). Os fragmentos selecionados colaboram para inferirmos que Serginho
apresenta fachadas que variam de acordo com a situação comunicativa. Nessas
representações, ele esconde um relacionamento homossexual e, para isso,
inventa que está viajando para esquecer seu estupro, mas, na realidade, trata-se
de uma viagem para ficar com o “ladrão boliviano”, mesmo demonstrando para
sua família todo desafeto que tinha pelo sujeito.
Constatamos que as representações dessa personagem variam à medida
que a história se desenvolve. A mudança de fachada de Serginho confere com
aquela institucionalizada em termos das expectativas estereotipadas, ou seja, é
86
fato que existe preconceito por parte da família no que diz respeito à
homossexualidade. Desse modo, identificamos que a tia diz que seria melhor se
Serginho morresse (cf. ex. 17). Sob esta perspectiva, Serginho continuou com a
fachada de ”santo” para as tias e para o pai. A propósito dos elementos da
situação de comunicação interferirem na representação do indivíduo, Goffman
afirma:
Quando um ator assume um papel social estabelecido, geralmente verifica
que uma determinada fachada já foi estabelecida para esse papel. Quer a
investidura no papel tenha sido primordialmente motivada pelo desejo de
desempenhar a mencionada tarefa, quer pelo desejo de manter a fachada
correspondente, o ator verificará que deve fazer ambas as coisas. (op. cit.,
1975: 34)
Serginho não assumiu o seu relacionamento homossexual por saber que
suas tias idosas e, até mesmo o pai, não o aceitariam. Por esse motivo, ele
preferiu dizer que estava viajando para esquecer o momento de sua passagem na
cadeia e a consequência disso para ele. Serginho manteve a fachada que
correspondia àquilo que sua família gostaria que ele tivesse. Assim, até antes da
denúncia de Geni, ninguém da família suspeitava que ele tivesse um caso com o
seu estuprador porque ele manteve as duas representações.
Diante de todas as constatações que fizemos, podemos afirmar que as três
personagens apresentam fachadas que variam de acordo com as situações a que
87
são submetidas. Todas elas têm motivos diferentes que as levam a agir de uma
mesma maneira. Para tanto, cada uma delas manipula sua fachada da forma que
pensa ser a melhor ou mais adequada para a situação.
4.2. Face
Compreendemos que, durante algumas interações, as personagens
percebem que seus interactantes utilizam representações (fachadas) que variam
de acordo com as situações e, principalmente, se lhe são ou não convenientes. No
entanto, essa atitude por parte de cada uma das personagens faz com que sua
face seja colocada em risco. É necessário considerar que as pessoas devem
manter respeito uma para com as outras durante uma interação. No entanto, a
ameaça à face de uma delas resulta em tentativa de resgate de sua imagem de
qualquer forma, nem que para isso seja necessário ameaçar a face da outra
também. A consequência desse jogo de ameaças é a falta de polidez no diálogo.
Independente do fato de que as personagens assumem representações
diversas, é possível identificar diálogos em que a tentativa de manter sua própria
face faz com que o falante ameace a do outro. Assim, selecionamos algumas
passagens em que ocorre essa ameaça mútua. Percebemos, ainda, que, muitas
vezes, a fachada do indivíduo é utilizada como um recurso de preservação da
face.
88
4.2.1. Ameaça à face das personagens em Toda nudez será castigada
Ao analisar as fachadas de Patrício, percebemos que, na maioria das
vezes, em que ele se mostra prestativo ou atencioso para com Herculano, coloca
sua face sob risco, ou seja, Herculano ameaça a face de Patrício, ao perceber que
o irmão está agindo com falsidade. Isso se deve ao fato de que Patrício, em
alguns momentos, declara que odeia o irmão por não lhe ter ajudado no momento
da falência de sua empresa:
Ex.: 23
TIA N.º 2: Você não gosta de Herculano!
TIA N.º 3: Odeia o irmão!
(Patrício abandonou o jornal. Ergue-se.)
PATRÍCIO (com evidente ironia): Mas odiar sem motivo? Ele nunca me fez
nada! Só na minha falência é que Herculano podia ter evitado tudo com um
gesto, com uma palavra. (Incisivo) Mas não fez o gesto, nem disse a
palavra. E eu fui pra cucuia! (Ofegante) Mas são águas passadas! (p.162)
A família se revela muito preocupada com a maneira como Herculano está
enfrentando a perda da esposa. As tias acreditam que as preces do padre Nicolau
poderão amenizar a dor do sobrinho. Elas pedem que Patrício saia à procura do
religioso, no entanto, sua demora para realizar a solicitação das tias faz com que
elas percebam que, na verdade, Patrício não quer que seu irmão fique bem.
Assim, as tias o acusam de não gostar de Herculano. Tal acusação é enfrentada
89
por Patrício como uma ameaça à sua face. Ele tenta salvá-la dizendo que não tem
motivos para odiar o irmão. A busca pela preservação de sua imagem social faz
com que Patrício utilize uma fachada de quem não se importou com o fato de que
seu irmão tenha permitido que a empresa dele falisse. O discurso de Patrício é
centrado na imagem que ele quer que suas tias tenham dele, ou seja, que ele
realmente se importa com Herculano.
Sob a perspectiva de Brown e Levinson (1987), é possível dizer que as
tias ameaçam a “face positiva” de Patrício, ou seja, a sua atitude é desaprovada
porque ele demora a se levantar para chamar o padre para ir até a casa da
família. Identificamos uma segunda ameaça à face positiva quando a personagem
ouve que não gosta do irmão, fato que deve ser interpretado como uma crítica.
Desse modo, por mais que Patrício se esforce para provar o contrário, e
consequentemente, salvar sua face, ele não consegue, pois sua família é ciente
de que ele não tem um sentimento verdadeiro por Herculano.
Ex.: 24
HERCULANO (cortando): Por que teu interesse? Você quer me levar lá por
que e a troco de quê! Fala!
PATRÍCIO: Estou te ajudando, querendo te ajudar.
HERCULANO (num berro): Cínico!
.........................................................................................................................
PATRÍCIO: Ou você não percebe que essa inércia é uma degradação?
Herculano (desatinado): O que é que você entende de degradação? Você
que.
90
(Herculano agarra Patrício pela gola do paletó.)
PATRÍCIO: Olha! Faz alguma coisa! Ao menos, bebe! Bebe, pronto!
Herculano (atônito): Foi por isso que você trouxe essa garrafa?
PATRÍCIO (exultante): Toma um porre! Você está cheirando mal,
apodrecendo!
HERCULANO (num crescendo): Beber? Ah, você quer que eu beba?
Sabendo que eu não posso tocar em álcool? Eu bebi uma vez, aquela
vez. Você viu como eu fiquei. (Agarra o irmão pela gola do paletó.) Bêbado,
eu posso ser assassino, incestuoso. Agora você vai dizer, na minha cara
vai dizer se gosta de mim! (Os dois irmãos estão cara a cara.)
PATRÍCIO: Estou querendo te salvar.
HERCULANO: Ou é ódio?
PATRÍCIO: Estou querendo te salvar.
HERCULANO: Ou é ódio?
PATRÍCIO: Pena!
HERCULANO: Ódio! De mim! Das nossas tias, de nossa família. Ódio,
ódio! (p.168-170)
Patrício se tranca com Herculano no quarto para mostrar a foto de Geni nua
e convencê-lo a ir ao prostíbulo onde ela atende seus clientes. Para demonstrar
para as tias que se preocupa com o irmão, Patrício age de uma maneira que
presume ser correta para esse contato específico. Ele pretende revelar uma
autoimagem, condizente com a imagem social que normalmente é aprovada pelas
pessoas para essa situação, entretanto, Herculano desconfia do excesso de zelo
91
de Patrício. Isso contribui para que sua face seja ameaçada, pois é chamado de
cínico pelo irmão. Assim, Herculano está ameaçando o “valor social positivo” que
Patrício reclama para si mesmo. Podemos dizer ainda, que Patrício está na “face
errada ou fora da face”:
Pode-se dizer que uma pessoa está na face errada quando, de algum
modo, surge uma informação acerca de seu valor social que não pode ser
integrada, mesmo com esforço, à linha que está sendo sustentada para ela.
(...) Quando uma pessoa está na face errada ou fora de face, o encontro
está sendo enriquecido por eventos expressivos que não podem ser
prontamente urdidos na trama expressiva da ocasião. (Goffman,1980:79)
Conforme a afirmação do autor, mesmo que Patrício se esforce, seu ódio
por Herculano não é disfarçado, ou seja, ele não deixa transparecer um conjunto
de regras que normalmente é observado em uma pessoa quando se preocupa
com um membro da família. Em consequência disso, a face de Patrício é
ameaçada por seu interlocutor, Herculano. Ele põe em risco aquilo que Kerbrat-
Orecchioni (2006) denomina “face positiva” do falante. Sob esta perspectiva,
Patrício tem a parte integrante da autoimagem ou personalidade reivindicada
pelos interactantes ameaçada. O plano dele é de que essa autoimagem” seja
aceita por Herculano e, consequentemente, ao adquirir a confiança do irmão, isso
possa lhe trazer retorno financeiro. Entretanto, contrário ao programado,
Herculano insulta Patrício e destrói o conjunto de “imagens valorizantes” que criou
92
para se impor na interação.
Ao ser questionado sobre os seus sentimentos em relação a Herculano (cf.
ex. 24), Patrício tem sua “face negativa” ameaçada, ou seja, as falas da
personagem nos levam a constatar que o irmão invade aquilo que Kerbrat-
Orecchioni chama de “território corporal” de Patrício. Isso se deve ao fato de que,
além de questioná-lo, Herculano se põe face a face com irmão com o intuito de
intimidá-lo.
Seguindo os conceitos defendidos por Goffman, ao sofrer a ameaça de
Herculano, Patrício tenta “salvar sua face”. Para isso, ele repete por duas vezes
que está querendo tirar o irmão daquele sofrimento, por outro lado, Herculano
insiste em afirmar que essa atitude é uma demonstração de ódio. Diante de
sucessivas ameaças, resta a Patrício dizer que tem pena de Herculano, como
uma última tentativa de preservar sua imagem.
Apesar de viver em uma família aparentemente conservadora e tradicional,
Patrício é uma personagem que, desde o início da trama, não apresenta uma
conduta parecida com as pessoas de seu convívio. Nesse sentido, ele tem um
laço de amizade com uma prostituta, o que parece ser totalmente contrário aos
costumes da família. Ao receber uma ameaça à face por parte de Herculano,
Patrício tenta manter sua face ou resgatá-la de todas as formas, mas ele o põe
em risco a face de Herculano. Em contrapartida, esse comportamento não é o
mesmo quando Patrício se comunica com Geni. Nos diálogos em que os dois
interagem, ele constantemente ameaça a face da prostituta:
93
Ex.: 25
GENI: Não estou entendendo.
PATRÍCIO: Você é burra! A cabra foi a minha primeira experiência sexual.
(p.181)
Ex.: 26
PATRÍCIO: Você é besta! Tira isso da cabeça!
GENI: Me faz esse favor, Patrício!
PATRÍCIO: O menino quer te matar, criatura!
GENI (fanática): Patrício, eu não vou morrer de tiro nem de facada!
PATRÍCIO: Esse papo de ferida pra cima de mim, não!
GENI: Se você me levar, eu te dou todas as minhas joias!
PATRÍCIO: Sua burra! Herculano também quis me subornar. Resultado
fui dizer ao Serginho que vocês iam se casar. Também fui eu que levei
Serginho pra ver vocês dois, nus, no jardim. Cuidado comigo! (p. 220)
Ao descrever como foi a sua primeira experiência sexual, Patrício se exalta
e ofende Geni. Ele a chama de burra simplesmente porque ela não havia
compreendido o que ele dissera anteriormente. Na segunda passagem, Serginho
está no hospital, Geni quer vê-lo e pede que Patrício interceda por ela.
Patrício é uma personagem que não demonstra polidez ao interagir com
Geni. Alguns diálogos nos levam a inferir que ele a trata dessa forma por ser uma
prostituta e, por esse motivo, não merece respeito.
É possível dizer que em nosso cotidiano ”o exercício das regras de
polidez se encontra suspenso em caso de urgência ou de interação intensamente
94
agonística” (cf. Kerbrat-Orecchioni, 2006:94). É relevante lembrar que esses casos
são exceções, pois para a maior parte das interações é necessário haver cortesia
entre os falantes, o que contribui para que exista a preservação da face tanto do
falante quanto do ouvinte. A autora afirma que “a polidez é um conjunto de
procedimentos que o falante utiliza para poupar ou valorizar seu parceiro de
interação” (loc. cit.).
Ex.: 27
GENI: Deixa de piada. Eu gosto dele.
PATRÍCIO: Sua cretina!
GENI: Teu irmão é macho. Não é como esses que. Macho.
PATRÍCIO: Ó sua besta! Tem que usar a cabeça. Você é mulher da zona.
Põe isso (aponta para a cabeça). Herculano é o sujeito que nunca, nunca.
De s em mês, quando a mulher era viva, fazia o papai e mamãe, de luz
apagada. Sujeito religioso. (p. 181-2)
Geni se apaixonou por Herculano após ter ficado setenta e duas horas em
sua companhia, mas Patrício não acredita que seus sentimentos sejam
verdadeiros.
As falas de Patrício demonstram, novamente, que ele não valoriza ou
poupa Geni. Independentemente do motivo, ele organiza seu discurso de uma
forma que possa ofendê-la. Nesse sentido, ele ameaça a face positiva da
prostituta, que corresponde à fachada social. As falas de Geni nos levam a inferir
que ela não quer ser desvalorizada por se prostituir. Assim, acredita que, ao lado
95
de Herculano, poderá compor uma família como se nunca tivesse vivido na
prostituição. Para isso, Geni tenta criar uma “imagem valorizantedela mesma,
para a qual necessita aprovação e reconhecimento.
Ao sofrer de parte de Patrício as ameaças à face, Geni tenta se defender
ameaçando a dele também. Nesse sentido, afirma que Herculano é “macho” e diz
que ele não é “como esses”. Isso demonstra uma tentativa de preservação de sua
imagem e, simultaneamente, ameaça à face positiva de Patrício, pois é usada a
impessoalidade (esses) e uma frase inacabada. Inferimos que a personagem
deixa a impressão de que iria dar uma qualidade a Herculano que Patrício não
tem. Nessa perspectiva, Geni faz uma crítica que coloca em risco o amor que
Patrício tem pela sua própria imagem.
Ex.: 28
GENI: Mas vem cá. Teu irmão é pão-duro como você?
PATRÍCIO: Eu não sou pão-duro. Da família, quem tem menos sou eu.
Perdi tudo, na falência. Mas olha. Se o Herculano vier, você, aos
pouquinhos, pode fazer a tua independência.
GENI: Vou ser franca contigo.
PATRÍCIO: Deixa de ser mercenária, Geni.
GENI: Não senhor! Caridade eu não faço! (Muda de tom) Você precisa
saber que eu estou comprando um apartamento. Na planta. Vai ter
reajustamento, o diabo. Sabe quanto é a entrada? E tenho que dar dinheiro
na semana que vem. O homem disse que não esperava nem um minuto.
(p. 166)
96
Patrício procura Geni e pede uma foto em que ela está nua. Ele planeja que
isso faça com que Herculano tenha interesse em procurá-la. Antes que Patrício
faça qualquer comentário sobre o que projetou, Geni se mostra interessada em
saber se conseguirá tirar algum proveito financeiro daquela situação.
Geni e Patrício têm forte desejo de obter riquezas, mas não assumem isso,
pois cada um deles quer preservar a sua face positiva. Em outras palavras, um
anseio veemente de conseguir dinheiro de alguma forma, mas eles próprios
acreditam que isso não deve ser percebido pelos outros. Para justificar suas
ambições, cada um tenta salvar a sua face das ameaças dizendo que as situações
da vida os levam a uma preocupação com a condição financeira. Nesse sentido,
eles tentam apresentar motivos plausíveis para almejarem o dinheiro alheio.
Sob a perspectiva de Goffman (1980:77), “a face dos outros e a própria face
são construtos da mesma ordem; são as regras do grupo e a definição da situação
que determinam a quantidade de sentimento ligado à face e como esse
sentimento deve ser distribuído entre as faces envolvidas”. Nenhuma das
personagens segue o respeito mútuo, que para o autor é algo imprescindível na
interação.
Os diálogos de Geni e Patrício contribuem para identificarmos como a
tentativa de salvar a própria face pode gerar conflitos na interação. Isso se deve
ao fato de que os interactantes não seguiram as estratégias de polidez defendidas
por Brown e Levinson. Assim, podemos dizer que as personagens não
encontraram “um meio de conciliar o mútuo desejo de preservação das faces”
(apud, Kerbrat-Orecchioni, 2006:80-1).
97
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos diversos contextos de interação social, os interactantes apresentam
representações que devem ser mantidas mediante estratégias sociointeracionais
que visam evitar conflitos. Nesse sentido, a preservação da face e a polidez
instauram a negociação nas interações. Além disso, em geral, as pessoas se
expressam de uma maneira que seja condizente com a situação.
O corpus que utilizamos contribuiu para identificarmos algumas
características inerentes à fala. Assim, as personagens apresentam diálogos que
são muito próximos daqueles que encontramos nas interações cotidianas.
Após a análise da fala das personagens, percebemos que um falante pode
manipular sua fachada (representação social), dependendo da situação
comunicativa. Essa atitude do falante está relacionada à necessidade de preservar
sua autoimagem (face). Para isso, ele utiliza uma fachada, ou seja, uma
representação, entretanto, conforme vimos, se um dos interlocutores percebe que
o falante está utilizando uma representação que não lhe é conferida, ele pode
sofrer ameaça à face.
Podemos dizer que os problemas de face das personagens estão
relacionados às intenções dos falantes e ao status que esses ocupam na
interação. A regra de polidez de que seja mantida, não a própria face, mas
também a de seu interlocutor, é seguida quando são envolvidas as
personagens e seus familiares na situação de comunicação. A partir disso,
verificamos que a polidez na interação entre os membros da família foi mantida e
98
com Geni não foi observado o mesmo comportamento. Desse modo, a pesquisa
que realizamos abre possibilidades para novas investigações que se voltem para a
interferência da posição social do indivíduo e se esse status contribui para a
preservação ou ameaça de sua face nas interações com os outros.
Ainda com base naquilo que observamos, podemos dizer que a fachada
se define no decurso da interação e pode ser utilizada, consciente ou
inconscientemente, como um recurso de preservação da face. Entretanto, seria
necessário um estudo mais detalhado para apurar se eficácia ou riscos à face
se o falante manipular a fachada durante a interação.
Por fim, pelo que vimos, pensamos que o autor conseguiu aproximar as
falas de suas personagens das normas geralmente empregadas na língua oral.
Além disso, a linguagem utilizada no nosso objeto de estudo nos permitiu
constatar, também, que o comportamento das personagens de Nelson Rodrigues
se aproxima àquele verificado do ser humano. Esse aspecto foi crucial para a
escolha dos conceitos teóricos utilizados neste trabalho. Esperamos que as
observações feitas possam servir como sugestão de outras pesquisas ou para o
aprofundamento de aspectos que apontamos.
99
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102
ANEXOS
103
Toda nudez será castigada
Obsessão em três atos
(1965)
PERSONAGENS
Herculano
Nazaré
Patrício
Tia n.º 1
Tia n.º 2
Tia n.º 3
Geni
Odésio
Serginho
Médico
Padre
Delegado
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