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UNIVERSIDADE
DE
BRASÍLIA
INSTITUTO
DE
PSICOLOGIA
PROGRAMA
DE
PÓS-GRADUAÇÃO
EM
PSICOLOGIA
CLÍNICA
E
CULTURA
RELAÇÕES
ENTRE
TRANSFERÊNCIA
E
CONTRATRANSFERÊNCIA
NA
CONSTITUIÇÃO
DA
POSIÇÃO
DO
ANALISTA
POR
MARIANA MOURÃO ZANETTI FERREIRA SATO
BRASÍLIA-DF
2010
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UNIVERSIDADE
DE
BRASÍLIA
INSTITUTO
DE
PSICOLOGIA
PROGRAMA
DE
PÓS-GRADUAÇÃO
EM
PSICOLOGIA
CLÍNICA
E
CULTURA
RELAÇÕES
ENTRE
TRANSFERÊNCIA
E
CONTRATRANSFERÊNCIA
NA
CONSTITUIÇÃO
DA
POSIÇÃO
DO
ANALISTA
POR
MARIANA MOURÃO ZANETTI FERREIRA SATO
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Psicologia
Clínica e Cultura do Instituto de
Psicologia da Universidade de Brasília,
como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre de Psicologia
Clínica e Cultura.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Augusto Monnerat Celes
BRASÍLIA-DF
2010
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ii
RELAÇÕES
ENTRE
TRANSFERÊNCIA
E
CONTRATRANSFERÊNCIA
NA
CONSTITUIÇÃO
DA
POSIÇÃO
DO
ANALISTA
Esta dissertação, requisito para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica e
Cultura pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, foi apreciada e
aprovada pela banca examinadora composta por:
_______________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Augusto Monnerat Celes
Orientador
_______________________________________________________
Profª Drª Isabel Maria de Carvalho Vieira
Membro Externo
_______________________________________________________
Profª Drª Eliana Rigotto Lazzarini
Membro Interno
_______________________________________________________
Profª Drª Terezinha de Camargo Viana
Suplente
Brasília, 25 de outubro de 2010.
iii
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, Marcelo e Mara, e ao meu esposo Rodrigo, que estiveram ao
meu lado nos difíceis momentos que passei nos últimos anos e que me incentivaram a
concluir mais este projeto em minha vida;
Ao Prof. Celes, por tamanho apoio e compreensão. Por suas preciosas e
inspiradoras aulas que tive a oportunidade de presenciar.
Aos amigos, Thiago Bastos, Renata Arouca, Eliane Marques, Tarcila del Castro,
Enrique Bessoni, Rute Bicalho e Isabel Maria, pelas conversas e apoios primorosos.
iv
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................. v
ABSTRACT ......................................................................................................... vi
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 07
CAPÍTULO 1: TRANSFERÊNCIA .................................................................... 10
1.1. Considerações pré-psicanalíticas ........................................................ 10
1.2. Transferência inaugurada .................................................................... 18
1.3. Sobre o conceito de transferência em Freud e alguns
desdobramentos ....................................................................................................
28
CAPÍTULO 2: CONTRATRANSFERÊNCIA .................................................... 34
2.1. Contratransferência em Freud: a origem do conceito ......................... 34
2.2. Contratransferência em Ferenczi: um novo olhar ............................... 42
2.3. Alguns desdobramentos do conceito ...................................................
47
2.4. Afinal, o que entender por contratransferência? ................................. 54
CAPÍTULO 3: TRANSFERÊNCIA-CONTRA-TRANSFERÊNCIA ................ 56
3.1. A dinâmica da transferência-contra-transferência .............................. 57
3.2. Algo sobre o trabalho da transferência-contra-transferência .............. 68
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 78
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................. 81
v
RESUMO
O espaço analítico é um lugar onde reações inconscientes estão constantemente
em evidência, sendo por elas e com elas que o trabalho analítico de desenvolve. Essas
reações podem se manifestar de muitas formas, mas o tipo de privilégio dado neste
escrito é sob as formas transferenciais e contratransferenciais de manifestação. Por
serem formas de reações inconscientes, a transferência e a contratransferência assumem
formas absolutamente dinâmicas no espaço analítico, podendo surgir dos dois sujeitos
atuantes desse espaço: analista e analisando. A partir disso, podemos compreender que
um espaço analítico é palco de inúmeras situações, que se caracterizam por (du)elos de
transferências, cujas contratransferências são apenas algumas de suas inevitáveis
conseqüências.
Palavras-chave: transferência, contratransferência, situação analítica.
vi
ABSTRACT
The analytical space is a place where unconscious formations are in constant
presence, where are by then and with then that the analytic work is developed. These
formations can be showed by many ways, but the privilege that will be done on this
paper is about the transference and the countertransferences shapes of demonstration.
Because they are ways of unconscious shapes, the transference and the
countertransference assume absolutely dynamic patterns at the analytical space, where
can appear both of two of active subjects of this space: analyst and analyzing. An
analytical space is a stage of countless situations, that are characterized by duels of
transferences which countertransferences are only some of the inevitable consequences.
By this way, is a duty of the analyst to realize the task of detecting and elaborating a
work with each of transference and countertransference which come out at the space of
analysis.
Key-words: transference, countertransference, unconscious.
7
INTRODUÇÃO
Apresento neste trabalho reflexões acerca de questões muitos discutidas no
campo psicanalítico. Questões estas que me parecem tão fundamentais que não devem
ser dispensadas de novas reflexões, por serem alvo de extensos e complexos
desdobramentos desde sua descoberta. As questões a que me refiro são principalmente
os fenômenos de transferência e contratransferência na constituição da posição do
analista.
Muitos estudiosos da psicanálise admitem formas muito particulares de
compreensão de tais fenômenos. Mas para desenvolver discussões que envolvem estes
assuntos, tomamos como instrumento de investigação e discussão as contribuições de
Freud e alguns desdobramentos dos conceitos de transferência e contratransferência
utilizados por teóricos contemporâneos.
Meu interesse sobre tal tema foi despertado a partir de dois momentos que se
deram de forma quase simultânea: o início da minha prática como psicóloga e o início
dos meus estudos em psicanálise. Meu contato inicial com a psicanálise se deu
principalmente no IV Curso de Especialização em Teoria Psicanalítica” que realizei na
UnB, logo após concluir minha graduação em psicologia.
A partir disso, pude notar o quanto os fenômenos de transferência e
contratransferência me provocavam questão. Questões estas que surgiam a cada escuta,
leitura e prática que envolviam tais fenômenos. Por várias vezes ouvi colegas tratando
desses temas de forma um tanto demarcada e unilateral, fazendo com que minha
compreensão pairasse sobre o entendimento de que a transferência essencialmente
advinha do analisando e a contratransferência do analista. Em algumas leituras de
8
Freud, por exemplo, também senti a mesma influência, quando este trata
especificamente da transferência do analisando, alertando ao mesmo tempo para o
cuidado que o analista deve ter com a contratransferência.
Mas não era nada disso que eu vivenciava e percebia na clínica. Quando tive a
oportunidade de entrar em prática (e quando digo prática me refiro a minha posição
como psicóloga e como analisanda) comecei a me incomodar sobre essas delimitações
de lugares e passei a pensar na transferência e contratransferência como elementos que
ocorrem de forma dinâmica no espaço analítico.
Certamente, tamanha inquietação se deu principalmente pelo meu despreparo
inicial frente às questões que surgiam no espaço de análise e, diante disso, achei
extremamente necessário realizar meus estudos nessa direção. Tal despreparo se
revelava pela falta de prática clínica, análise pessoal, estudo aprofundado e supervisão.
Em 2007, concluí a “Especialização...”, apresentando um trabalho que também
versava sobre o tema da transferência e da contratransferência e daí, pude iniciar um
percurso onde tais faltas começaram a ser preenchidas. Mas é certo que ainda me falta
muito caminho a ser percorrido.
Nesses três anos de percurso, pude avançar em todos os aspectos que
inicialmente me faltavam por completo e, com isso, pude reunir na presente dissertação
as noções que alcancei até o momento a esse respeito e que, certamente, o estão
imunes a lacunas ou alguns possíveis equívocos, que se tratam de temas por demais
complexos.
Nesse sentido, busquei descrever tais noções na presente dissertação dividindo-
as em três partes. Primeiramente, descrevo separadamente cada um dos fenômenos
9
(transferência e contratransferência), para depois provocar uma aproximação:
transferência-contra-transferência.
Na primeira parte do trabalho, apresentamos breve descrição sobre a origem do
conceito de transferência em psicanálise e alguns de seus desdobramentos. A partir de
alguns textos pré-psicanalíticos de Freud, buscamos situar alguns possíveis indícios de
transferência. Depois partimos ao que chamamos de “transferência inaugurada”, para
situar o momento em que Freud notou pela primeira vez o surgimento da transferência.
E por fim, seguimos descrevendo o conceito de transferência em alguns textos técnicos
de Freud e outros desdobramentos.
Na segunda parte, apontamos para algumas perspectivas teóricas sobre a
contratransferência. Inicialmente buscamos situar a origem do conceito em Freud,
descrevendo as breves considerações que fez a esse respeito. Depois apresentamos
algumas noções sobre o tema de alguns autores, tais como: Ferenczi, Heinmann e
Racker.
E na terceira parte, oferecemos uma discussão articulando os fenômenos de
transferência e contratransferência, caracterizando assim, o movimento dinâmico do
trabalho analítico. Assim, em último momento, propomos algo sobre o trabalho que
deve ser realizado com tal dinâmica.
10
CAPÍTULO 1
TRANSFERÊNCIA
“Aqueles cujos lábios calam denunciam-
se com as pontas dos dedos; a denúncia
lhes sai por todos os poros” (Freud, 1905
[1901], pp.78-79).
1.1. Considerações pré-psicanalíticas.
Para traçar uma evolução histórica do conceito de transferência a partir da obra
freudiana, creio interessante, e até necessário, remontar as primeiras insinuações acerca
dessa temática, antes mesmo de discutir o termo como algo propriamente psicanalítico.
Uma primeira e pequena insinuação já pode ser identificada no “Projeto para uma
psicologia científica” (Freud, 1996/1950); texto não psicanalítico, mas de muita
importância, pois muitas idéias e conceitos desenvolvidos por Freud ao longo de sua
obra se encontram aí, ainda que bastante incubados.
Sobre a gênese do “Projeto...”, escrito por Freud no final do século XIX e
publicado em 1950, não se sabe muito. Segundo notas do seu editor inglês, James
Strachey (1996/1954), sabe-se que o manuscrito foi pensado por Freud em 1895, mas o
período exato de sua escrita é desconhecido. Além do texto, o que temos de informação
são as cartas
1
de Freud escritas à Fliess, que revelam uma posição um tanto ambivalente
de Freud para com seu manuscrito: por vezes mostrava-se bem empolgado com o texto
e por outras bastante frustrado.
1
Cartas 24 a 30, 32, 35, 36 e 39.
11
Freud (1996/1950) pretendia com tal investigação promover o conhecimento de
uma psicologia que fosse reconhecida como ciência natural e, para isso, se utilizou de
termos técnicos dessa ciência para provocar a tão almejada aproximação. Apesar do
“Projeto...” ser um documento manifestamente neurológico, há em seu conteúdo o
núcleo de grande parte das posteriores construções psicanalíticas de Freud.
Na apresentação do manuscrito, Strachey (1996/1954) ressalta que o texto traz
pouquíssimas idéias que antecipam procedimentos da técnica psicanalítica e que apenas
algumas idéias são insinuadas, tais como: associação livre, interpretação, transferência e
sexualidade. A partir dessa observação podemos, então, nos questionar sobre o que
aqui nos interessa investigar. Quais seriam os indícios, o núcleo, as insinuações ou
como prefiro chamar, o pré-anúncio do fenômeno da transferência no “Projeto para uma
psicologia científica”? De que forma a transferência se insinua nesse texto?
Definitivamente, a transferência na acepção psicanalítica não é tratada por Freud
no “Projeto...”, mas iremos destacar pelo menos o que foi possível apreender do texto
como um indício que compõe sua posterior construção. Isto quer dizer que,
supostamente, em 1895, alguma idéia começou a ser produzida e que certamente
favoreceu o desenvolvimento do conceito de transferência.
Na segunda parte do manuscrito, Freud (1996/1950) faz breve menção a algo
que pode nos indicar, de modo ainda muito distante, o que posteriormente poderá ter
norteado parte da sua compreensão sobre transferência. Para ele, “o que antes de mais
nada chama a atenção de qualquer observador da histeria é o fato de que os pacientes
histéricos estão sujeitos a uma compulsão exercida por idéias excessivamente intensas
(p. 401). Tais idéias podem surgir com freqüência particular, sem que a passagem dos
eventos a justifique. Na ocasião do “Projeto...” Freud estava envolvido com o estudo
12
dos fenômenos histéricos e, por isso, identifica que a persistência da compulsão é
elemento peculiar de tal estrutura.
A partir da afirmação descrita acima, Freud seguirá seus argumentos
descrevendo as características e as possíveis conseqüências que o modo excessivo
dessas idéias possibilita. Mas para defesa de nosso argumento, iremos nos deter à idéia
da palavra compulsão. Dessa forma, o que iremos privilegiar sobre a referida afirmação
de Freud, não é a intensidade em que essas idéias são manifestadas, mas como estas se
inclinam a persistir. É essa a idéia que queremos evidenciar: Freud nota que parte da
histeria é caracterizada por uma compulsão, ou seja, por uma ação que tende a se
repetir.
Observado isto, podemos agora aproximar tal idéia com o mecanismo da
transferência. Como veremos adiante, “a transferência, seja qual for a forma positiva
ou negativa deriva de um fator de compulsão que tende a repetir uma constelação
originada na infância e que, salvo se analisada, tenderá sempre a reproduzir-se
espontaneamente” (Green, 2008, p. 69). Dessa forma, podemos entender que a noção de
compulsão de idéias excessivamente intensas das histéricas, citada por Freud no
“Projeto...”, está em consonância com suas posteriores elaborações sobre transferência,
quando verifica-se que a compulsão é atributo de ambos os processos.
Creio que temos, então, um primeiro pré-anúncio, que irá nos indicar que a
repetição de uma idéia ou experiência, além de ser elemento característico da histeria, é
também um traço comum da transferência psicanalítica.
Observado isto, cabe ressaltar que não podemos associar exclusivamente
compulsão à repetição, porque Freud ifazer tal ligação posteriormente em um de
13
seus textos de 1914
2
. Por isso, sabemos que as aproximações feitas até aqui tratam-se
apenas de conjecturas. Dessa forma, não descartando a abrangência que a noção sobre
compulsão pode tomar, elegemos a repetição supostamente pré-anunciada no
“Projeto...” como apenas uma das características que a noção de compulsão pode
alcançar. O que queremos dizer é que a compulsão não é só repetição, mas é parte dela;
e é sobre o repetir que norteamos o presente raciocínio.
Mas antes de tratar propriamente da transferência psicanalítica, devemos
destacar outro momento, em que a repetição também ocupa lugar privilegiado: o
método catártico.
Freud e Breuer publicaram suas experiências com o método catártico nos
“Estudos sobre a Histeria” de 1895, mesmo ano em que o “Projeto para uma psicologia
científica” foi pensado por Freud. Como mencionamos a data exata da escrita do
“Projeto...” é desconhecida, mas sabe-se que ambos os textos foram pensados e,
possivelmente escritos, por volta do mesmo ano, em 1895. Isto nos permite supor que os
“Estudos...” e o “Projeto...” tiveram certa influência um sobre o outro.
Os “Estudos sobre a Histeria” (1996/1893-1895) são normalmente considerados
o ponto de partida da psicanálise. Neles consta a história da superação de uma série de
obstáculos ou, simplesmente, a história da descoberta de uma série de obstáculos. Ao
utilizar o método catártico como terapêutica em tais estudos, tinha-se a expectativa de
fazer com que o sintoma deixasse de atuar e desaparecesse.
O procedimento catártico foi uma descoberta de Joseph Breuer e que logo foi
utilizado por Freud como técnica de tratamento em seus pacientes. O método tinha
como objetivo eliminar os sintomas patológicos, levando o paciente a retornar a um
2
“Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise II)”.
14
estado psíquico em que o sintoma surgira pela primeira vez. Para alcançar tal objetivo,
era recomendável que o paciente submetido a este procedimento fosse hipnotizável,
para que assim, pudesse alcançar um nível de consciência mais ampliado. Dessa forma,
emergiam no paciente hipnotizado pensamentos, lembranças e impulsos que até então
estavam excluídos da consciência e assim o sintoma era superado (Freud, 1996/1904).
Breuer (1996/1893-1895) utilizou tal método em um caso clínico muito
conhecido: o caso Anna O. A paciente contava vinte e um anos de idade quando
adoeceu e sofria de uma série de perturbações físicas e psíquicas em diferentes níveis de
gravidade. Sua enfermidade durou de dezembro de 1880 a junho de 1882. De modo
geral, o tratamento de Anna O. consistia em “fazer desaparecer sintomas quando, na
hipnose, a doente recordava, com exteriorização afetiva, a ocasião e o motivo do
aparecimento desses sintomas pela primeira vez” (Freud, 1996/1910a, p.30). Ela
descrevia esse método como “talking cure” (cura pela fala) ou, de um modo mais
descontraído, “chimney-sweeping” (limpeza de chaminé), onde se colocava a falar
enquanto Breuer a escutava sem interrupções. E foi dessa forma, utilizando o método
catártico, que Breuer alcançou sucesso no tratamento e a conseqüente “cura” dos
sintomas de Anna O.
Mas nem sempre o sucesso com o procedimento catártico era alcançado. Freud
(1996/1893-1895), mesmo reconhecendo seu valor terapêutico, ao tentar aplicá-lo em
muitos de seus pacientes, se deparou com algumas dificuldades e, ao lidar com elas,
mudou sua visão dos fatos e alterou sua técnica de trabalho. As principais dificuldades
observadas por ele foram: (1) nem todo paciente é hipnotizável e nem todo médico está
apto a hipnotizar; (2) muitos pacientes apresentam certa “resistência” ao tratamento; (3)
existe um tipo de “falsa ligação” entre o médico e o paciente (transferência).
15
Diante de tais impasses, Freud (1996/1893-1895) foi aos poucos modificando
sua técnica e se deparando com fenômenos bastante significativos para construção da
psicanálise. Primeiro abandona a hipnose em favor da sugestão e utiliza uma espécie de
pressão na testa do paciente para levá-lo a um estado maior de concentração. Nessa
mudança, se depara com a relutância do paciente em cooperar com sua própria cura, o
que caracterizaria a “resistência” ao tratamento. Nos anos que se seguiram aos
“Estudos...”, Freud abandona cada vez mais a técnica da sugestão (pressão na testa) e
passa a confiar no fluxo das “associações livres” do paciente. Essa conduta abriu espaço
para análise dos sonhos e a utilizar um novo recurso cnico a “interpretação”. A
análise dos sonhos também possibilitou o desenvolvimento de sua própria auto-análise,
o que acarretou em descobertas como a sexualidade infantil e o complexo de Édipo.
Com todas essas mudanças na técnica, ou melhor, com todos esses avanços na
técnica, se faz possível notar que é superando obstáculos que se torna possível construir
conhecimento e novos instrumentos de trabalho. Mas toda evolução da técnica
psicanalítica descrita acima, serve apenas para nos auxiliar a chegar de modo mais
completo e coerente em um dos maiores obstáculos de uma análise e que,
paradoxalmente, surgirá como um de seus maiores instrumentos: a “transferência”.
No último capítulo dos “Estudos...”, intitulado de “A psicoterapia da histeria”,
Freud descreve de modo mais sistemático os obstáculos que surgem a partir da análise
catártica e utiliza pela primeira vez a palavra “transferência” no sentido psicanalítico,
embora sua utilização nesse momento ainda seja mais restrita do que nos seus textos
posteriores. Nesse momento, a transferência ainda é considerada exclusivamente como
obstáculo; como uma forma de resistência.
16
Nesse capítulo, Freud (1996/1893-1895) sugere que a perturbação da relação
entre paciente e analista constitui o pior obstáculo do trabalho, mas que é inerente a
qualquer análise relativamente séria. Segundo ele, este obstáculo (a resistência) surge
em três casos principais: (1) quando desavença pessoal quando, por exemplo, o
paciente escuta comentários desfavoráveis sobre o analista e deixa de confiar nele ou
em seu método de trabalho; (2) quando o paciente cria uma relação de dependência com
seu analista; ou (3):
“quando a paciente se assusta ao verificar que está transferindo para a
figura do médico as representações aflitivas que emergem do conteúdo
da análise. Essa é uma ocorrência freqüente e, a rigor, usual em algumas
análises. A transferência [
3
] para o médico se por meio de uma falsa
ligação (...)” (p.313).
Até então descrevemos considerações sobre as dificuldades e desvantagens do
processo terapêutico. Mas ainda no texto “A psicoterapia da histeria”, Freud passa a
desenvolver novas observações que são de extrema importância para a compreensão do
trabalho analítico e que, proveitosamente, serão de grande valia para auxiliar nas
argumentações defendidas na presente dissertação.
A novidade aqui contemplada, diz da perspicácia consideração que Freud atribui
aos “interesses pessoais” necessariamente presentes em um trabalho de análise. Freud
(1996/1893-1895) diz:
“O processo [analítico] é laborioso e exige muito tempo do
médico. Pressupõe grande interesse pelos acontecimentos psicológicos,
mas também um interesse pessoal pelos pacientes. o consigo me
imaginar sondando o mecanismo psíquico de uma histeria de alguém que
3
Primeira vez em que aparece a palavra “transferência” no sentido psicanalítico dentro da obra
freudiana.
17
me causasse a impressão de ser vulgar e repelente e que, num
conhecimento mais íntimo, não fosse capaz de despertar solidariedade
humana, ao passo que consigo manter o tratamento de um paciente
tabético ou reumático, independentemente de uma aprovação pessoal
desse tipo. As exigências feitas ao paciente não são menores (...).”
(p.280).
Isto quer dizer que Freud (1996/1893-1895) se deu conta que o processo de uma
análise é bastante árduo e que, além do analista ter interesse sobre os conteúdos
psicológicos, este também deve ter um interesse pessoal pelos pacientes. Seguindo tal
raciocínio, Freud também formula a idéia de que o paciente deve apresentar um
interesse pessoal pelo analista e que, para a boa condução do tratamento, são necessárias
concordância, atenção e confiança do paciente para com seu analista. Caso contrário, “o
médico continua a ser um estranho” (p.280). Esta “influência por parte do médico é uma
condição sine qua non para a solução do problema” (p.281).
Nota-se, então, que Freud (1996/1893-1895) passou a observar que ambos,
analista e paciente, devem apresentar interesses pessoais um pelo outro para uma
possível efetivação do trabalho analítico. E o que será que Freud entende por “interesses
pessoais”? Em princípio, o que ele parece considerar, é que deve existir um tipo de
ligação entre ambos para evitar que o outro lhe pareça estranho e a análise fracasse.
Mas, do que se trata essa estranheza?
Nesse momento inicial de suas construções teóricas, pode-se inferir que ocupar o
lugar de estranho significa estar alheio ao interesse pessoal do outro. A maneira como
Freud (1996/1893-1895) se refere de maneira explícita no texto é que paciente deve
produzir especial interesse pelo seu analista. Isto quer dizer que para haver trabalho é
18
necessário que o analista ocupe certo lugar de importância para o paciente. assim o
analista não mais seria um “estranho”.
Mas, além disso, Freud deixa margem para outra idéia: já que também considera
importante que o analista se interesse pessoalmente pelo paciente
4
, está de certa forma
admitindo a idéia que, para construção do trabalho analítico, o paciente também não
pode ser “estranho” para o médico. Dessa forma, entende-se que o par analítico, analista
e paciente, devem ocupar lugar privilegiado frente ao outro, tornando-se de algum modo
mais “familiares” e menos “estranhos”.
Até agora, ficam então situados o que entendemos como alguns pré-anúncios da
transferência na obra freudiana, destacados aqui por dois textos
5
primordiais dessa fase,
onde as compulsões histéricas contidas no “Projeto...” e o método catártico dos
“Estudos...”, expressam que a repetição de uma experiência anterior é elemento
essencial desses processos, assim como na transferência. A seguir, iremos expor a
transferência de uma maneira mais psicanalítica, que significa expor o conceito o
mais de forma restrita, e sim de uma forma mais próxima do que hoje se entende por
transferência em psicanálise. Começamos então a sair do terreno das descobertas para
iniciar um percurso sobre o terreno dos trabalhos (trabalho de transferência).
1.2. Transferência inaugurada.
Para conceber o conceito de transferência em psicanálise, é necessário iniciar
nossa explanação pelo seu espaço inaugural, onde se observou pela primeira vez as mais
4
Como consta na citação das páginas 16 e 17.
5
“Projeto para uma psicologia científica” (Freud, 1996/1950) e “Estudos sobre a histeria” (1996/1893-
1895).
19
inesperadas e fascinantes atuações
6
da transferência: “Fragmento da análise de um caso
de histeria(1996/1905), ou simplesmente o caso Dora, como ficou mais conhecido. É
importante lembrar, que quando falamos em transferência inaugurada, estamos
enfatizando o momento em que Freud se deu conta do fenômeno como algo primordial.
A transferência não se originou no caso Dora, ela sempre existiu no espaço analítico,
bem como em qualquer outro espaço. A novidade é que a partir de Dora, a transferência
vira foco de atenção.
Nossa intenção aqui não é discutir e analisar os pormenores do caso Dora, e sim
aproveitá-lo para salientar o que chamamos de “inauguração da transferência”. Dessa
forma, consideramos que o presente caso possui uma importância histórica no estudo
sobre histeria, mas, além de tudo, se destaca por apresentar uma discussão sobre
transferência, situando seu lugar na teoria da técnica psicanalítica.
Dora, pseudônimo de Ida Bauer, iniciou tratamento com Freud em outubro de
1900 quando tinha dezoito anos, tratamento este que durou cerca de três meses, quando
foi prematuramente finalizado pela paciente em 31 de dezembro do mesmo ano. Dora
sofria de uma petite hystérie com os mais comuns de todos os sintomas somáticos e
psíquicos: dispnéia, tussis nervosa, afonia e possivelmente enxaquecas, junto com
depressão, insociabilidade histérica e um taedium vitae que provavelmente não era
levado muito a sério” (Freud, 1996/1905, p.33).
O objetivo de Freud (1996/1905) com tal tratamento “era demonstrar a estrutura
íntima da doença neurótica e o determinismo de seus sintomas” (p.24). Para isso, a
técnica psicanalítica sofreu uma revolução radical, onde ficaram de lado as técnicas
6
Justifico a utilização do termo “atuação” na página 26.
20
terapêuticas demonstradas nos “Estudos sobre a histeria” e assumiu-se a postura de
deixar a paciente associar e determinar os temas que seriam discutidos na análise.
O “fracasso” desse caso faz com que Freud, com o abandono prematuro de Dora
da análise, transforme o caso não mais em fracasso, mas em um ganho, onde constrói
uma teoria de seu erro e com isso remodela o campo da prática analítica (Birmam e
Nicéas, 1982). O caso foi publicado em 1905, mas foi realizado em 1900, dando a
Freud, portanto, cinco anos para elaborar sua falha em favor da psicanálise. O caso Dora
inaugura a transferência, melhor dizendo, traz à luz um fenômeno que muito se fazia
acontecer. Freud utiliza e desenvolve o conceito de transferência a partir desse caso.
Mas é no posfácio do presente caso, que Freud escreve o que apreendeu após
o tratamento de Dora. Por vários motivos, que tentaremos descrever logo mais, Freud
deixou escapar elementos cruciais para o entendimento e uma possível resolução do
caso. A data da escrita deste posfácio não é conhecida, mas certamente foi elaborada
após certa reflexão e desenvolvimento do conceito de transferência, que demorou
quatro anos até ser publicada
7
. Freud afirma em suas notas preliminares, que as razões
de tamanha demora para publicação do caso se justificam pelas censuras impostas pelo
sigilo médico e por circunstâncias desfavoráveis ligadas aos aspectos sexuais descritos
com o máximo de franqueza.
Nesse pós-escrito Freud irá, então, descrever sobre alguns fenômenos até o
momento inovadores e que serão extremamente essenciais na construção do arcabouço
técnico da psicanálise. Primeiramente, Freud (1996/1905) expõe a idéia de que “um
gênero especial de formações de pensamento, em sua maioria inconscientes, às quais se
pode dar o nome de transferências” (p.111).
7
Freud escreveu o caso Dora em 1901.
21
É interessante notar que Freud dá o nome de transferências (no plural) às
formações inconscientes do pensamento. Isto quer dizer que não se trata de um
fenômeno singular e sim, plural. Aproveitamos o momento para demonstrar, o que
provavelmente será notado ao longo do texto, que utilizamos na maioria das vezes a
palavra “transferência” no singular. O que queremos salientar, é que quando utilizamos
essa forma de escrita (no singular), estamos considerando o óbvio; que a pluralidade se
constitui pela soma do singular. Portanto, consideramos que uma situação analítica se
constitui por múltiplas transferências (T + T + T + T(...) = TS = SA)
8
, mas optamos em
muitos momentos por tratá-la em sua singularidade, a fim de tornar mais “simples”,
mais “singular” as explicações sobre o tema.
Voltando ao caso Dora, o que Freud está então chamando de transferências? É
no pós-escrito do caso que ele nos traz pela primeira vez uma definição que carrega um
sentido propriamente psicanalítico. Transferências são:
“Reedições, reproduções das moções e fantasias que, durante o
avanço da análise, soem despertar-se e tornar-se conscientes, mas com a
característica (própria do gênero) de substituir uma pessoa anterior pela
pessoa do médico. Dito de outra maneira: toda uma série de experiências
psíquicas prévia é revivida, não como algo do passado, mas como um
vínculo atual com a pessoa do médico. Algumas dessas transferências em
nada se diferenciam de seu modelo, no tocante ao conteúdo, senão por
essa substituição. São, portanto, para prosseguir na metáfora, simples
reimpressões, reedições inalteradas. Outras se fazem com mais arte:
passam por uma moderação de seu conteúdo, uma sublimação, como
costumo dizer, podendo até tornar-se conscientes ao se apoiarem em
alguma particularidade real habitualmente aproveitada da pessoa ou das
circunstâncias do médico. São, portanto, edições revistas, e não mais
reimpressões” (Freud, 1996/1905, p. 111).
8
T = transferência, TS = transferências e SA = situação analítica.
22
A definição apresentada demonstra a engenhosa observação de Freud para o
mecanismo da transferência e, é com a análise de Dora, que ele descobre a importância
que a transferência possui para a psicanálise. Freud (1996/1905) passa a observar desde
então que “o tratamento analítico não cria a transferência, mas simplesmente a revela”
(p.112). A transferência, destinada a constituir o maior obstáculo à psicanálise,
converte-se em sua mais poderosa aliada quando se consegue detectá-la a cada
surgimento e traduzi-la para o paciente” (p.112). Percebe-se dessa forma, que Freud
passa a reconhecer a transferência não só como obstáculo, mas também como um
poderoso instrumento de trabalho.
Contudo, falta ainda considerar outro aspecto de grande importância para a
técnica psicanalítica e que, provavelmente, definirá o destino do tratamento. Estamos
falando do trabalho das transferências, ou seja, da maneira como o
instrumento/obstáculo transferência será conduzido e como esta pode influenciar/afetar
uma situação de análise.
Por isso, antes de tratar do que chamamos de trabalho das transferências, se faz
necessário situar a forma como uma transferência pode influenciar o outro no espaço
analítico e, conseqüentemente, como esta pode influenciar a evolução do próprio
tratamento. Esta ordem de explicação se justifica pela maneira como o próprio Freud
percebe a transferência no caso Dora: primeiro ele é afetado pela transferência e,
depois, percebe que ela pode ser utilizada como ferramenta de trabalho.
Com base nisto, destacamos como exemplo, alguns relatos de Freud na descrição
do caso Dora, que de certa forma denunciam a presença da transferência e sua
implicação diante dela. Isto quer dizer que em alguns relatos de Freud é possível
identificar o quanto ele foi influenciado/afetado pelas transferências na análise de Dora.
23
Antes de Freud se dar conta da importância da transferência e compreendê-la
como aliada de trabalho
9
, nota-se em vários momentos de seu discurso o quanto ele
(Freud) estava implicado em um contexto transferencial. Tomo primeiramente como
exemplo, uma afirmação de Freud (1996/1905) que à primeira vista parece distante da
presente discussão, mas que causa considerável impacto: “Quem tem olhos para ver e
ouvidos para ouvir fica convencido de que os mortais não conseguem guardar nenhum
segredo” (p.78). Essa frase mencionada por Freud confirma sua convicção de que os
seres humanos se encontram em quase absoluta denúncia e, podemos presumir que, nem
mesmo ele (Freud), escapa a esta regra.
Utiliza tal metáfora para dizer que o inconsciente se revela quando menos
percebemos e, que são necessários olhos para ver e ouvidos para ouvir o que,
certamente, não se percebe tão facilmente. um otimismo de Freud com a
possibilidade de revelação do inconsciente que, justamente, a transferência fez diminuir.
Os humanos mortais a que Freud se refere não conseguem guardar segredos, mas
em muitos momentos estão fadados a permanecerem por algum tempo cegos e surdos
diante deles. Mesmo não tendo a “teoria da transferência” para auxiliar na compreensão
do caso Dora, Freud possivelmente se via, não só sem aparatos teóricos, mas sem
recursos psíquicos para se haver com a situação transferencial instaurada naquele
momento. Freud, por qualquer que seja o motivo, permaneceu por alguns instantes
“cego e surdo” para a transferência.
Mas esses momentos, de modo algum são vistos como negativos, e sim como
momentos de grande alcance prático e teórico para a psicanálise. Graças aos momentos
obscuros de Freud com a transferência em Dora, que pode observar a sutileza dos
9
Momento este situado durante o trabalho analítico com Dora.
24
“clarões e ruídos” surgidos no caso e que lhe trouxeram a chave para desvendar um dos
maiores (senão o maior) conceito da psicanálise: a transferência.
Como poderemos notar, em alguns momentos da descrição do tratamento, Freud
(1996/1905) observou indícios de transferência, mas não deu muita importância a elas
naqueles momentos. Afirma:
“Não consegui dominar a tempo a transferência; graças a solicitude com
que Dora punha à minha disposição no tratamento uma parte do material
patogênico, esqueci a precaução de estar atento aos primeiros sinais da
transferência que se preparava com outra parte do mesmo material, ainda
ignorada por mim” (p.113).
Percebe-se dessa forma, que Freud reconhece a transferência como fenômeno
atuante no caso Dora, mas resiste por algum tempo em tratá-la. Mas sua “resistência”
frente a transferência não durou muito tempo. Ele passou a perceber que algumas vezes
ocupava “lugares” diante de Dora que não eram propriamente seus. E isso, Freud se
deu conta, como já dissemos, com o término do caso.
O que Freud (1996/1905) percebe e descreve no posfácio, são várias situações
em que ocupara posições de inúmeros personagens da história de Dora. Mesmo não se
dando conta de todas essas posições, faz-se possível notar que Freud fora colocado na
posição de pai, mãe, governanta, Sr. K e Srª K. Contudo, destacamos aqui alguns
exemplos do caso onde surgem indícios dessas transferências, principalmente o lugar de
Freud como Sr. K e Srª K.
Freud percebe então, que algumas vezes ocupara o lugar do Sr. K frente a
transferência de Dora. Uma situação que traz à tona tal percepção foi quando Dora faz
menção de que Freud, seu pai e o Sr. K eram fumantes. Freud entende que o cheiro de
25
fumaça sentido por Dora significava a ânsia por um beijo, beijo este trocado com o Sr.
K. Por fim, Freud (1996/1905) interpreta tal acontecimento: “considerando os indícios
de uma transferência para mim, posto que também sou fumante, cheguei à conclusão de
que um dia, durante uma sessão, provavelmente lhe ocorrera que ela desejaria ser
beijada por mim” (p.75).
Também afirma mais adiante que o amor de Dora pelo Sr. K. não terminou com
a cena do lago
10
, mas que persistiu até o momento da análise, embora em seu
inconsciente. Esta observação surge principalmente quando Freud tenta demonstrar que
tal situação permanecia atual através da manifestação dos sintomas de Dora.
Com o abandono da paciente da análise, fica possível também notar de modo
ainda mais claro o quanto Freud ocupara por vezes o lugar do Sr. K. Dora abandona a
análise como que movida por uma vontade de vingança; que surge primeiramente como
fantasia de vingança contra o pai (apresentada no sonho
11
), que oculta por sua vez a
fantasia de vingança contra o Sr. K. Esta fantasia pode ter encontrado saída na atuação
de Dora em interromper a análise com Freud em um momento que este se encontrava
tão satisfeito e otimista em desvendar e concluir o caso (Freud, 1996/1905).
Outro exemplo que podemos destacar é que, além de Freud ocupar o lugar do Sr.
K. na transferência, também ocupara a posição da Srª K. Freud, destinado a conferir
atenção ao caráter sexual dos sintomas de Dora, mantinha com ela prolongadas
conversas sobre sexualidade, conversas das quais Dora também mantinha com a Srª K.
Diante disso, podemos presumir que a homossexualidade possa ser qualificada como
idealizada por Dora, já que “deseja aquela que é seu ideal, aquela com quem se
10
Cena em que o Sr. K faz uma proposta amorosa à Dora durante uma caminhada.
11
Sonho em que o pai estava morto.
26
identifica, aquela que representa para ela o enigma da feminilidade, ou a sua solução: a
Senhora K.” (Celes, 2005, p.86).
A partir disso, também é possível supor que Freud, durante o caso, tenha
percebido os papéis que desempenhara diante das transferências de Dora e, portanto,
talvez tenha tido dificuldades em lidar com tais papéis, principalmente o papel
feminino. A idéia de que Freud pode não ter suportado ocupar uma posição feminina ou
sequer ter vivenciado uma relação transferencial homossexual com Dora, se sustenta
pelos resquícios de seu repúdio pela homossexualidade, mesmo quando reconhece sua
importância. Como o próprio Freud (1996/1905) admite em uma nota de rodapé: “Antes
de reconhecer a importância da corrente homossexual nos psiconeuróticos, fiquei muitas
vezes atrapalhado ou completamente desnorteado no tratamento de certos casos”
(p.114). O ficar atrapalhado e completamente desnorteado pode ter permanecido em
Freud e ter supostamente contribuído para o término prematuro do caso.
Contudo, nota-se que Freud foi alvo das inúmeras “atuações” transferenciais de
Dora e que, certamente, produziram nele efeitos que podem claramente ser observado
nos exemplos descritos acima. Mas de que efeitos estamos falando? Como efeito da
transferência, podemos introduzir o conceito de contratransferência
12
, mas este não será
um tema agora explorado. Antes de destacar o efeito que será privilegiado neste
capítulo, gostaria de justificar o uso da expressão “atuações” transferenciais. Faço isso
com as seguintes citações: na transferência “o paciente age [atua] em vez de
rememorar” (Lagache, 1990, p.12). Foi por isso que Dora atuou uma parte essencial de
suas lembranças e fantasias, em vez de reproduzi-las [rememorá-las] no tratamento”
(Freud, 1996/1905, p.113).
12
O tema da contratransferência será elaborado no próximo capítulo.
27
Voltando aos efeitos produzidos em Freud pelas transferências de Dora, além de
considerar suas respostas contratransferenciais, é prudente notar que Freud também atua
transferencialmente. Esta última, não se enquadra necessariamente como um efeito das
transferências de Dora, mas como efeito da própria situação analítica, ou melhor, pela
própria condição neurótica de Freud. O que não podemos negar é que um trabalho de
analise constitui espaço onde os inconscientes (tanto do analisando, como do analista)
estão em constante ação e tornam-se foco de atenção e trabalho.
Certamente, podemos extrair ainda do caso muitos momentos atuantes da
transferência, mas achamos que os exemplos aqui citados são suficientes para
cumprimento do objetivo estabelecido nesta parte do texto: que são de demonstrar
algumas atuações das transferências e os efeitos produzidos por elas no caso Dora. De
toda forma, fica notável que as contribuições do tratamento analítico de Dora para a
construção da psicanálise são inegáveis.
A partir desse caso clínico, Freud desenvolve ao longo de seu percurso,
inúmeras considerações que envolvem o fenômeno transferencial, inclusive destacando
o quanto este é fundamental e indispensável na compreensão do trabalho analítico. Com
isso, passa a elaborar seus escritos técnicos e outros trabalhos sobre a psicanálise,
destacados a seguir por dois deles que versam sobre transferência, que são: “A dinâmica
da transferência” (1996/1912a) e a “Transferência (conferência XXVII das conferências
introdutórias sobre psicanálise)” (1996/1917).
28
1.3. Sobre o conceito de transferência em Freud e alguns desdobramentos.
Um escrito técnico que trata primordialmente do tema da transferência, foi
elaborado por Freud em 1912 com o tulo de “A dinâmica da transferência”.
Interessante notar que um texto técnico sobre o assunto, possa admitir um título tão
fecundo. Tal título traz expressamente a idéia de que a transferência é um fenômeno
dinâmico, que está em pleno movimento, desenvolvimento, ação, atividade; mas Freud
parece não explorar nesse texto a abrangência que a noção dinâmica da transferência
pode assumir.
O que Freud (1996/1912a) parece destacar de “dinâmico” é que, além de notar
que a transferência surge como a resistência mais poderosa ao tratamento” (p.112),
percebe, por outro lado, que ela também adquire potência para ser o mais poderoso
instrumento do trabalho analítico. Ou seja, a ênfase dinâmica da transferência não é
dada somente às forças inconscientes que a produzem, mas também sobre esses dois
aspectos: ao obstáculo da transferência (resistência) e ao seu poder como instrumento de
trabalho.
Laplanche (1993) faz uma leitura, dizendo achar “A dinâmica da transferência”
um texto decepcionante, já que o que Freud considera de dinâmico são as forças
inconscientes que produzem a transferência e não o movimento dinâmico pertencente a
ela. A “dinâmica como movimento, como evolução, como relação variável das forças,
como dinamismo, nada disso é tratado neste artigo” (p.75). Isto quer dizer, que Freud
não se deteve com a dinâmica criada pela transferência na situação de análise, entre
analisando e analista.
29
Freud (1996/1912a) também acrescenta que, para pensar na transferência como
resistência, não basta pensar apenas em transferência, é preciso antes distingui-la em
dois aspectos: transferência positiva e transferência negativa. A primeira delas se refere
aos sentimentos amistosos ou afetuosos e a última aos sentimentos hostis. Dessa forma,
afirma que em um sujeito neurótico é bem comum que essas duas manifestações
transferenciais (positiva e negativa) estejam constantemente presentes.
Essa presença constante caracteriza a existência daquilo que Bleuler nomeou
como ambivalência. Freud (1996/1940) compartilha com tal idéia, dizendo: “A
transferência é ambivalente: ela abrange atitudes positivas (de afeição), bem como
atitudes negativas (hostis) para com o analista (...)” (p.189), por isso, é que a
transferência, ao mesmo tempo em que carrega um valor de grande importância, pode
também ser uma fonte de sérios perigos. Assim, entende-se que é pela presença da
ambivalência, que a transferência entra a serviço da resistência. O tratamento deixa
de ter qualquer possibilidade de influência quando a transferência torna-se limitada a
uma transferência negativa (Freud, 1996/1912a).
Nota-se então, que a transferência possibilita que uma gama de situações venha
surgir num espaço de análise. Podemos assim dizer que a transferência é essencialmente
ambivalente, fazendo com que sua presença ao mesmo tempo positiva e negativa,
facilitadora e impedidora, torne o trabalho analítico numa verdadeira luta de forças.
Outro texto técnico de Freud que merece destaque foi elaborado na conferência
de número XXVII, das “Conferências introdutórias sobre psicanálise” (1996/1917), cujo
título é “Transferência”. Freud declara que o paciente transfere para a pessoa do médico
intensos sentimentos que não se justificam propriamente pela conduta do médico e nem
pela situação criada durante o tratamento. Afirma, que este é um fenômeno ligado à
30
própria natureza da doença e, para tentar superar a transferência, é necessário mostrar ao
paciente que seus sentimentos não se originam de uma situação atual e não se aplicam à
pessoa do médico, mas sim, que uma repetição de algo que lhe aconteceu
anteriormente (Freud, 1996/1917).
O que Freud está considerando nessa conferência é que, em uma situação
analítica, o paciente transfere suas imagos infantis para a figura do médico sem
considerar qualquer tipo de conduta deste. Mas esta idéia, mesmo que possa representar
um avanço da prática e do pensamento de Freud, pode também apontar para uma
contradição ou, simplesmente, para uma mudança em seu modo de pensar.
Em uma das primeiras definições de transferência
13
, apresentada no pósfácio do
caso Dora, Freud (1996/1905) de fato considera que a transferência se trata de
repetições inalteradas do passado sem que a situação analítica ou o próprio analista
tenha qualquer tipo de influência; a isto Freud chama de “reimpressões”. Além disso,
também afirma que podem haver tipos de transferência que são desencadeadas por
“alguma particularidade real habitualmente aproveitada da pessoa ou das circunstâncias
do médico” (p.111), ou seja, desencadeadas por alguma “conduta” do analista; a isto
Freud dá o nome de “edições revistas”.
Por isso, achamos sensato contemplar essas duas definições de transferência
apresentadas por Freud
14
como complementares. Dessa forma, pensamos que seria
proveitoso não radicalizar e pensar na conduta do médico (analista) como algo
descartável para a atuação da transferência. A partir disso, podemos até supor que
existem “condutas” na análise que são indispensáveis para o surgimento da
transferência: que são a presença corporal e, principalmente, a presença do inconsciente.
13
Definição está citada na página 21.
14
Apresentadas no pósfácio do “Fragmento da análise de um caso de histeria” (1996/1905) e na
“Conferência XXVII: Transferência” (1996/1917).
31
Um trabalho analítico é um trabalho do inconsciente e, nesse espaço de análise,
os inconscientes do analisando e do analista estão em jogo, em plena atividade. De toda
forma, devemos ter cautela em não generalizar e considerar o trabalho do inconsciente
dos dois integrantes da cena analítica de modo totalmente similar. Podemos dizer que
até mesmo induzidos pela distinta posição, analisando e analista estão de modos
diferentes no espaço analítico, onde um é convidado a falar em associação livre e a
rememorar e o outro não.
Sobre os desdobramentos após Freud do conceito de transferência, temos uma
enorme variedade. São muitos os autores que se dispuseram a construir novas
elaborações sobre o conceito e o trabalho das transferências. Não só autores, mas
analistas e analisandos que estão certamente em convívio com tal fenômeno e se
autorizam a identificar e explorar tais processos. A enorme extensão de elaborações
sobre o assunto pode indicar que cada um, no espaço de análise, experimenta situações
“únicas” no trabalho de transferência, fazendo-o de certa forma elaborar sua
compreensão do trabalho, criando até teoria para dar sentido ao que foi vivenciado.
Apoiado nesse raciocínio destacamos aqui alguns autores após Freud, que
elaboraram suas próprias compreensões sobre a transferência a partir de seus trabalhos
clínicos, tais como: Melanie Klein, Bion, Kohut, Winnicott, Lacan, entre outros (Green,
2008). Mas diante da vasta relação, preferimos não abordá-las, já que falar das idéias de
cada um desses autores acarretaria em amplificar por demais a dimensão do presente
trabalho. O que propomos então, como decerto foi possível notar nas linhas anteriores,
que utilizamos propostas freudianas como base e apoio para desenvolvimento das idéias
que desenvolvemos sobre transferência.
32
Mas nossa intenção não se esgota aqui. Necessitamos ainda, de pelo menos mais
duas elaborações sobre transferência que, sem dúvida, poderão auxiliar na construção de
algumas idéias presentes daqui em diante. Uma delas, diz da definição de transferência
apresentada no “Vocabulário da psicanálise” de Laplanche e Pontalis (2001). E a outra
idéia se refere à tradução da palavra transferência em alemão (Übertragung) oferecida
por Hanns (1996) em seu “Dicionário comentado do alemão de Freud”.
Mesmo tendo posse das diversas definições que Freud nos apresenta,
gostaríamos de evidenciar uma definição que, mesmo sendo produto de elaborações
freudianas e que, certamente, não diverge tanto do que foi proposto por ele, compõe
uma definição que iremos privilegiar no presente trabalho: Para Laplanche e Pontalis
(2001), o termo transferência em psicanálise designa
“o processo pelo qual os desejos inconscientes se atualizam sobre
determinados objetos no quadro de um certo tipo de relação estabelecida
com eles e, eminentemente, no quadro da relação analítica. Trata-se aqui
de uma repetição de protótipos infantis vivida com um sentimento de
atualidade acentuada (...). A transferência é classicamente reconhecida
como o terreno em que se a problemática de um tratamento
psicanalítico, pois são a sua instalação, as suas mobilidades, a sua
interpretação e a sua resolução que caracterizam este” (p. 514).
Observem que nesta definição, não é contemplado que a transferência seja um
processo que ocorre simplesmente com o analisando. A descrição se refere apenas ao
processo transferencial, sem eleger quem é o “portador” de tal “atuação” na cena
analítica. Essa idéia difere do que algumas vezes é mencionado por Freud em seus
textos, que evidenciam a transferência como fenômeno atuante apenas por parte do
33
analisando em direção ao analista
15
. Isto comprova a razão pela qual algumas definições
de Freud serão confrontadas e, consequentemente, não serão tomadas como primordiais.
Outra idéia que consideramos essencial, se refere à tradução da palavra em
alemão “Übertragung” (transferência). Tal palavra pode ser traduzida como um “arco”
que, de modo geral, pode caracterizar:
“O processo de ida e vinda, seja temporalmente, entre o passado e a
atualidade, seja geograficamente, entre o longe e o perto, ou de
uma pessoa a outra. Em alemão, o termo possui uma plasticidade e
reversibilidade: aquilo que se busca, traz e deposita pode ser levado
de novo embora para outro lugar e outro tempo. Genericamente
refere-se a idéia de aplicar (transpor) de um contexto para outro
uma estrutura, um modo de ser ou de se relacionar” (Hanns, 1996,
p.412).
Segundo Hanns (1996), a noção do “arco” traz a idéia de que o ponto de origem
e o ponto de destino se interligam, fazendo com que o material desse “arco” possa
transitar de um lado a outro. Assim, podemos inferir que não só os conteúdos da
transferência estão em constante mobilidade, mas também, que as manifestações
transferenciais podem emergir de qualquer lado no espaço analítico, seja do analista,
seja do analisando.
É bem notável que as discussões acerca da transferência alcançam inúmeras
conotações. Mas por enquanto, iremos nos restringir às descrições que fizemos até aqui,
para de algum modo dar continuidade a elas na terceira parte deste trabalho. A seguir,
descrevemos o conceito de contratransferência, seguindo de algum modo, raciocínio
semelhante ao descrito até agora.
15
Exemplos disso podem ser encontrados nas citações de Freud nas páginas 16, 21 e 29.
34
CAPÍTULO 2
CONTRATRANSFERÊNCIA
“Ser contra um movimento é ainda fazer parte dele”.
Pablo Picasso
2.1. Contratransferência em Freud: a origem do conceito.
Assim como a transferência, Freud traz a luz outro fenômeno de grande
importância para a compreensão e desenvolvimento do tratamento analítico: a
contratransferência. Ele a desvenda após se dar conta da transferência e sofrer fortes
emoções mobilizadas por ela. Como vimos no capítulo anterior, foi preciso Freud
“sentir na pele” para então desvendar e desenvolver conceitos tão essenciais para
construção da psicanálise.
No presente capítulo, tentaremos tratar especificamente da contratransferência.
Referimo-nos à tentativa, porque fica muito difícil discorrer sobre um conceito que se
origina de outro ou, como a própria palavra evidencia, um movimento que vai contra
outro; e este outro no caso é a transferência. Isto significa que a contratransferência se
origina da transferência, o que quer dizer que Freud se dá conta do fenômeno
contratransferencial a partir dos impactos que sofreu pelas transferências de seus
analisandos
16
.
Como veremos adiante, Freud referiu-se explicitamente à contratransferência em
um número muito reduzido de vezes. Esse fato acabou contribuindo para manutenção de
16
Exemplo disso pode ser verificado nos impactos sofridos por Freud pelas transferências de Dora
(Capítulo I).
35
uma imagem que até hoje ainda é dominante entre analistas de que ele não se
interessou pela contratransferência ou, simplesmente, a considerou em seu aspecto
negativo, como obstáculo ao tratamento. Essa idéia está, sem dúvida, bem próxima da
verdade, principalmente nos textos de Freud onde aparecem explicitamente a palavra
contratransferência (Figueira, 1994).
Ao falar da contratransferência, Freud coloca os aspectos éticos em primeiro
plano e com freqüência adverte os analistas para o cuidado que devem ter com tal
manifestação, que compreende este processo primordialmente como obstáculo ao
tratamento. Sua ética corresponde à suas recomendações de que, para o estabelecimento
do processo analítico e da associação livre do paciente, o analista deve ser como um
espelho que irá refletir apenas as revelações do paciente, deixando de lado sua
personalidade, convicções e desejos (Bernardi, 2006).
Como dissemos, Freud faz pouca menção ao termo contratransferência,
considerando a grande extensão de sua obra. Por meio da edição eletrônica brasileira de
suas obras, que apresenta o texto integral da edição standard brasileira, fica possível
identificar de forma mais precisa, que ele utiliza apenas quatro vezes a palavra
contratransferência em toda sua obra; palavras estas que se encontram em dois de seus
textos: “As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica” (Freud, 1996/1910b) e
“Observações sobre o amor transferencial (Novas recomendações sobre a técnica da
psicanálise III)” (Freud, 1996/1915).
No primeiro desses textos ele chama a atenção para as inovações da técnica
psicanalítica, onde aponta brevemente que uma dessas inovações é que o médico torna-
se ciente e reconhece a contratransferência que nele surge como resultado da influência
36
do paciente sobre os seus sentimentos inconscientes, devendo assim dominá-lo. Freud
(1996/1910b) diz:
“As outras inovações na técnica relacionam-se com o próprio médico.
Tornamo-nos cientes da contratransferência, que, nele, surge como
resultado da influência do paciente sobre os seus sentimentos
inconscientes e estamos quase inclinados a insistir que ele reconhecerá a
contratransferência, em si mesmo, e a sobrepujará” (p.150).
no segundo texto, Freud aponta que as únicas dificuldades realmente sérias de
se enfrentar num trabalho analítico residem no manejo da transferência e chama a
atenção para o cuidado que o médico deve ter em manter-se em abstinência, tendo
controlada sua contratransferência.
Freud (1996/1915) observa que é tarefa muito difícil para o analista controlar
sentimentos ternos em relação à paciente, e que isto pode representar perigo ao bom
andamento do tratamento analítico. Afirma:
“Nosso controle sobre nós mesmos não é tão completo que não possamos
subitamente, um dia, ir mais além do que havíamos pretendido. Em
minha opinião, portanto, não devemos abandonar a neutralidade para
com a paciente, que adquirimos por manter controlada a
contratransferência. (...) deixei claro que a técnica analítica exige do
médico que ele negue à paciente que anseia por amor a satisfação que ela
exige. O tratamento deve ser levado a cabo na abstinência” (p.182).
Percebe-se então, que os textos onde surgem explicitamente a palavra
contratransferência, tratam sempre da advertência para o cuidado que o analista deve ter
com ela, mantendo-se sempre em neutralidade e abstinência. Parece muito propício que
Freud apresente tais preocupações, já que talvez em sua perspectiva, essas reações
37
“emocionais” do analista fossem uma das grandes ameaças para a psicanálise enquanto
técnica de trabalho. Possivelmente, este possa ser um dos motivos pelo qual Freud não
oferece tanta importância à contratransferência. Quero dizer, talvez até ofereça
importância, mas diante de tal ameaça, optou na maioria das vezes em ignorá-la de suas
construções clínicas e técnicas sobre a psicanálise.
É importante lembrar que, considerar a pouca utilização da palavra, não significa
dizer que Freud desconsiderava a existência das formações inconscientes (nesse caso,
sob a forma de contratransferência) advindas do analista num tratamento analítico. Pelo
contrário, em muitos momentos estava atendo ao fenômeno da contratransferência,
descrevendo sua dinâmica e conseqüentemente os riscos que ela trazia ao trabalho de
análise, mesmo quando, na maioria das vezes, optava por não tratá-la como conceito na
construção de seu discurso psicanalítico.
Dessa forma, se faz possível notar que, freqüentemente, Freud se refere a
contratransferência como uma de suas maiores preocupações, mesmo quando não utiliza
a palavra para descrever o que caracteriza tal processo. Um exemplo disso aparece em
um de seus textos de 1912, “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise”,
onde dedica boa parte de seu exame advertindo quanto ao perigo da contratransferência.
Segundo Figueira (1994) na leitura desse texto “é possível perceber formulações que
apontam e transitam no terreno da contratransferência, mas que foram, ao longo do
desenvolvimento oficial da psicanálise, sendo recalcadas” (p. 2).
No referido texto, Freud (1996/1912b) recomenda aos analistas para não fazerem
anotações durante as sessões, não oferecerem considerações pessoais, evitarem objeções
lógicas e afetivas, não oferecerem sugestões educativas aos analisados, etc. Com isso,
nota-se que a consideração feita aos analistas, é que existem “tarefas” a serem
38
cumpridas por eles, que os auxiliam em sua difícil posição de se manterem em
neutralidade e abstinência. Tais considerações são muito pertinentes, que indicam o
extremo cuidado de Freud para com a contratransferência e que de fato existem
maneiras práticas de tentar controlá-la.
Dessa forma, notamos que nessas recomendações, o que Freud oferece são
apenas atitudes que, ao serem evitadas, preservam cada vez mais o analista de
manifestar alguns de seus impulsos inconscientes. De acordo com Bernardi (2006),
essas atitudes convergem com a própria regra fundamental da psicanálise, que é deixar o
analisando associar livremente e, para que isso aconteça, o analista deve se de fato
numa postura de tentar evitar fazer seleções em tais associações, para não atender suas
próprias expectativas e inclinações.
Mas antes de Freud apresentar as recomendações que acabamos de descrever,
inicia o texto com um notável parágrafo, que contempla compreensões que vão além do
que descrevemos até agora sobre esse texto. Freud (1996/1912b) inicia o artigo dizendo:
“As regras técnicas que estou apresentando aqui alcancei-as por
minha própria experiência, no decurso de muitos anos, após resultados
pouco afortunados me haverem levado a abandonar outros métodos. Ver-
se-á facilmente que elas (ou, pelo menos, muitas delas) podem ser
resumidas num preceito único [cf. p. 129]. Minha esperança é que a
observação delas poupe aos médicos que exercem a psicanálise muito
esforço desnecessário e resguarde-os contra algumas inadvertências.
Devo, contudo, tornar claro que o que estou asseverando é que esta
técnica é a única apropriada à minha individualidade; não me arrisco a
negar que um médico constituído de modo inteiramente diferente possa
ver-se levado a adotar atitude diferente em relação a seus pacientes e à
tarefa que lhe apresenta” (p. 125).
Sobre o exame do ponto de vista psicanalítico e epistemológico desse parágrafo,
iremos nos apoiar nas reflexões propostas por Sérvulo Augusto Figueira (1994). Sua
39
análise é que, nesse trecho, Freud estabelece três níveis de comunicação com o leitor:
(1) um primeiro nível que resume a “codificação do superego técnico” (p. 3) do analista;
(2) um segundo que resume a base de uma “clínica do analista” (p. 3) e (3) o terceiro
que contradiz e relativiza os dois níveis anteriores, afirmando que Freud aponta para
possibilidade da emergência de técnicas a partir de outras organizações subjetivas. Abre
“possibilidade de se pensar a técnica como estilo” (p. 3).
Segundo Figueira (1994) o primeiro nível de entendimento de tal parágrafo
refere-se às regras técnicas recomendadas por Freud como “codificação técnico-
normativa que deve guiar o comportamento do analista” (p. 3). E é Freud, com sua
autoridade, que apresenta e legitima essas regras. A autoridade de Freud se constrói com
base em sua experiência clínica (que serve como base empírica das regras), aumentando
assim, sua respeitabilidade diante do meio científico.
O segundo nível revela a idéia de que as regras podem ser resumíveis a um único
preceito e que elas coordenam o modo como “deve ser o posicionamento subjetivo do
analista para que possa haver análise” (p. 3). O preceito único que sugere parece estar
em conformidade com a regra fundamental da psicanálise (associação livre) que é
anunciada ao paciente (Figueira, 1994).
Já o terceiro e último nível apresentado, Figueira (1994) irá mostrar a brecha que
Freud abre em relação às suas recomendações. Quando Freud (1996/1912b) admite a
idéia que sua técnica é adequada à sua individualidade e que esta surge como derivação
de sua personalidade, está, juntamente a isso, considerando que possam existir modos
diferentes de atuações clínicas que não necessariamente são semelhantes às suas.
É interessante notar que o exame realizado por Figueira (1994) de apenas um
primeiro e único parágrafo do texto freudiano “Recomendações aos médicos que
40
exercem a psicanálise” (1996/1912b) possa permitir tamanho alcance. Nele, Freud
apóia a utilização de suas regras técnicas, mas também, admite e abre espaço para que
outras formas técnicas possam surgir. D surge novas propostas sobre a
contratransferência, como as de Ferenczi, Heinmann e Racker, que descreveremos
adiante.
Vimos então, que mesmo Freud não utilizando a palavra contratransferência no
texto “Recomendações...”, reconhece que o analista tem papel decisivo num trabalho de
análise, no que se refere a observações e controle rigorosos de sua própria conduta. Mas
dentro da conduta do analista, encontramos não somente falas, ações, emoções e
interpretações. Tudo isso se encontra associado com o inconsciente do analista e, por
isso, a tarefa de manter o controle de tais condutas torna-se tão difícil. Observem que
estamos falando de dificuldade e não de impossibilidade.
Dessa forma, podemos supor que, algumas formações inconscientes do analista
(como a contratransferência) escapam a qualquer tentativa e recomendação de controle.
Se não fosse assim, Freud não ofereceria tanto cuidado a isso. Se em muitos momentos
demonstra grande preocupação quanto à contratransferência, está de certa forma
admitindo não sua existência, mas também o risco que é inerente a ela: aquilo que
escapa, que transborda.
Antes de prosseguir no raciocínio, devemos esclarecer o que estamos
considerando por “formações inconscientes do analista”. Como dissemos, não vemos
possibilidade de desassociar as “condutas” (falas, ações, emoções, interpretações) do
analista de seu inconsciente. Por isso, entendemos que suas “condutas” o formações
do inconsciente e que, a contratransferência pode ser entendida como apenas um tipo de
produção que tais formações fazem surgir.
41
As observações de Freud tornam-se ainda mais valiosas, porque além de notar a
existência da contratransferência e recomendar que seja evitada, oferece destino a ela
bem mais interessante, quando diz:
“Agora que um considerável número de pessoas está praticando a
psicanálise e, reciprocamente, trocando observações, notamos que
nenhum psicanalista avança além do quanto permitem seus próprios
complexos e resistências internas; e, em conseqüência, requeremos que
ele deva iniciar sua atividade por uma auto-análise e levá-la, de modo
contínuo, cada vez mais profundamente, enquanto esteja realizando suas
observações sobre seus pacientes. Qualquer um que falhe em produzir
resultados numa auto-análise desse tipo, deve desistir, imediatamente, de
qualquer idéia de tornar-se capaz de tratar pacientes pela análise
17
(Freud, 1996/1910b, p. 150-151).
O que de tão valioso neste trecho é que Freud ultrapassa o simples
entendimento de detectar e superar a contratransferência, indicando um caminho de
extrema importância para a prática analítica. Tal caminho aponta para o cuidado que o
analista deve ter com suas questões pessoais, encontrando espaço adequado para realizar
sua própria análise. Isto indica a diligência e a ética com que Freud oferece ao processo
analítico do analisando.
Mas mesmo Freud oferecendo tal destino para a questão da contratransferência
e, se ainda admitirmos a idéia de que, mesmo em um analista analisado, algo que
escapa ao controle da contratransferência, deveríamos então nos perguntar: o que fazer
com isso que sobra? Talvez, por justamente considerarem irrealizável o controle da
contratransferência e tentarem dar resposta a esta pergunta, que alguns autores deram
17
Rodapé do editor: “Freud nem sempre estava igualmente convencido da possibilidade de auto-análises
adequadas para aspirantes a analistas. Mais tarde, ele insistiu na necessidade de análises didáticas
conduzidas por uma outra pessoa” (Freud, 1996/1910b, p. 151).
42
um passo a mais que Freud, fazendo a contratransferência não ser mais entendida como
algo puramente impedidora ao tratamento analítico.
2.2. Contratransferência em Ferenczi: um novo olhar.
Alguns contemporâneos de Freud desenvolveram pontos de vista sobre a
contratransferência, mas aqui, daremos especial atenção e importância a algumas
considerações sobre contratransferência realizadas por Ferenczi.
Sándor Ferenczi encontrou Freud pela primeira vez em 02 de fevereiro de 1908.
Pode-se imaginar que, certamente, nenhum dos dois poderia supor o quão rico, frutífero
e decisivo seria esse novo relacionamento para a história da psicanálise. Após um longo
período de íntima e devotada colaboração, sendo um dos mais leais defensores da
“causa” freudiana, Ferenczi vai, gradativamente, afastando-se de Freud e criando o que
de mais inovador em sua obra: seu entendimento sobre contratransferência e como
ela deveria ser utilizada na clínica (Sanches, 1994).
É importante deixar claro que, epistemologicamente pensada, não é a obra de
Ferenczi que cria essa dimensão de contratransferência, “mas é Freud que gera essa
dimensão ao excluí-la de sua codificação oficial” (Figueira, 1994, p. 5). Podemos dizer
que Freud deixou o caminho das pedras para quem se interessasse em trilhar tal
caminho.
“Não é difícil supor, portanto, que Freud tenha estabelecido uma relação
que proponho relacionar aqui de ‘duplo vínculo de transmissão’ com
seus discípulos, especialmente com aqueles que se submetem à análise
com ele (cf. os surpreendentes relatos de ex-pacientes e ex-alunos de
Freud que mostram a discrepância entre o que ele formalmente
recomendava e o modo como de fato os atendia, citados por Haynal,
43
1988). Parece bastante provável que muitos dos ‘desvios’ e
‘dissidências’ ocorridos entre seus seguidores devem ter tido uma ampla
e competente colaboração do próprio Freud que, de forma sutil, soube
indicar o caminho desviante...” (Sanches, 1994, p. 37).
Para traçar uma parte desse caminho, iremos eleger aqui alguns textos de
Ferenczi que expõem algumas idéias a esse respeito. O primeiro deles, intitulado de “A
Técnica Psicanalítica”, é resultado de sua conferência pronunciada em Budapeste em
dezembro de 1918. Ferenczi dedica uma parte desse artigo para falar do “domínio da
contratransferência”.
Nesse texto, Ferenczi (1992/1919) reconhece o valor que a psicanálise tem por
encontrar na transferência “fator eficiente de toda sugestão médica” (p. 365),
constatando que essa transferência nada mais é do que uma repetição da relação erótica
vivenciada com os pais. Segundo ele, a psicanálise descobriu que os doentes nervosos
são como crianças e que estes querem ser tratadas como tal.
É sobre esse tratamento que o analista oferece ao paciente que o referido texto é
dedicado. Inicialmente afirma que o analista deve saber “dosar” seus sentimentos em
relação ao paciente, admitindo que o descontrole de tais afetos constitui perigo à
recepção e assimilação dos dados clínicos a serem analisados. Essa idéia está em
absoluto consenso com as recomendações que Freud tanto fez, como se faz notar no
trecho a seguir:
“Mas sendo o médico, não obstante, um ser humano e, como tal,
suscetível de humores, simpatias, antipatias e também de ímpetos
pulsionais sem uma tal sensibilidade não poderia mesmo compreender
as lutas psíquicas do paciente , é obrigado, ao longo da análise, a
realizar uma dupla tarefa: deve, por um lado, observar o paciente,
examinar suas falas, construir seu inconsciente a partir de suas
44
proposições e de seu comportamento; por outro lado, deve controlar
constantemente sua própria atitude a respeito do paciente e, se
necessário, retificá-la, ou seja, dominar a contratransferência (Freud)”
(Ferenczi, 1992/1919, p. 365).
Assim como Freud, Ferenczi (1992/1919) também reconhece como condição
prévia para cumprimento de tais tarefas que o analista tenha sido analisado. Mas mesmo
com tal condição cumprida, desenvolve uma questão que converge com uma das
principais perguntas do presente trabalho: como efetuar o controle da
contratransferência? Para Ferenczi (1992/1919), não como o analista emancipar-se
das particularidades do seu caráter e das flutuações do seu humor ao ponto de tornar
supérfluo o controle da contratransferência” (p. 365).
Temos que reconhecer que Freud jamais admitiu ser tarefa fácil a realização de
tal controle. Mas o que fazer então? O que podemos admitir de imediato são as
consideração que Ferenczi (1992/1919) faz a esse respeito, dizendo que quando o
analista consegue, por meio de muita dificuldade, controlar tudo (falas, atos,
sentimentos) o que poderia complicar o bom curso da análise, ele corre o risco então de
cair em outro extremo, que é tornar-se excessivamente duro e inacessível ao paciente;
postura esta que poderia retardar ou mesmo tornar impossível o surgimento da
transferência (condição prévia de toda análise bem sucedida). A esse extremo Ferenczi
(1992/1919) dá o nome de “resistência à contratransferência” (p. 366).
Percebe-se então, que no texto que acabamos de descrever, Ferenczi está em
grande parte de acordo com Freud, quando reconhece o perigo inerente a
contratransferência e cuidado que se deve ter com ela. Mas o que parece interessante e
45
inovador em suas observações é que, além de manter um acordo com Freud sobre tais
questões, também busca teorizar sobre o caráter incontrolável da contratransferência.
Em 1928, Ferenczi (1992/1928) escreve um artigo intitulado “Elasticidade da
técnica psicanalítica”, onde vai definir o que considera uma capacidade fundamental do
analista: o tato. Ele diz:
“Adquiri a convicção de que se trata, antes de tudo, de uma questão de
tato psicológico, de saber quando e como se comunica alguma coisa ao
analisando, quando se pode declarar que o material fornecido é suficiente
para extrair dele certas conclusões; em que forma a comunicação deve
ser, em cada caso, apresentada; como se pode reagir a uma reação
inesperada ou desconcertante do paciente; quando se deve calar e
aguardar outras associações; e em que momento o silêncio é uma tortura
inútil para o paciente, etc. Como se vê, com a palavra ‘tato’ somente
consegui exprimir a indeterminação numa fórmula simples e agradável.
Mas o que é o tato? A resposta a esta pergunta não nos é difícil. O tato, é
a faculdade de ‘sentir com’ (Einfühlung)” ( p. 27).
Mais uma vez Ferenczi (1992/1928) oferece atenção e cuidado à sensibilidade
que deve estar presente no analista no trato com seu paciente, observando que a
faculdade de “sentir com” significa um aspecto de “compreensão analítica”. Para ele,
deve-se também considerar que “não existe nenhuma diferença de natureza entre o tato
que se exige de nós e a exigência moral de não fazer a outrem o que, em circunstâncias
análogas, não gostaríamos que outros nos fizessem” (p. 27-28).
Relacionado a isto, destacamos outro texto escrito em 7 de janeiro de 1932. Nele
Ferenczi (1990/1932) destaca que analistas que não possuem tal sensibilidade
certamente irão se deparar com algumas conseqüências:
46
“A insensibilidade do analista (maneira afetada de cumprimentar,
exigência formal de ‘contar tudo’, a atenção dita flutuante que, afinal não
o é e certamente não é apropriada para as comunicações dos analisandos,
impregnadas que estão de sentimentos e freqüentemente trazidas com
grandes dificuldades) tem por efeito: (1) o paciente sente-se ofendido
pela falta ou pela insuficiência de interesse; (2) como ele não quer pensar
mal de nós, nem nos considerar desfavoralmente, procura a causa dessa
não-reação nele mesmo, ou seja, na qualidade daquilo que nos
comunicou; (3) finalmente, duvida da realidade do conteúdo que antes
ainda estava tão próximo do sentimento” (p. 31).
Para exemplificar tal consideração de Ferenczi (1990/1932), recordo-me de um
episódio clínico que vivenciei com uma de minhas pacientes. Tal paciente, que irei
chamar de Lúcia, chegou até mim depois de iniciar interromper um trabalho com outro
analista. Lúcia contou-me que se frustrou com o referido analista, por este tratá-la de
forma fria e aparentemente desinteressada. Isto se revela nas sessões de duas formas: (1)
inicialmente, quando decide iniciar tratamento comigo, dizendo ter se sentido acolhida
pela forma atenta que eu oferecia minha escuta; (2) e, na ocasião em que eu a convido
para deitar-se no divã, onde recusa por não confiar que eu lhe ofereça a devida atenção,
que na experiência com seu analista anterior, notou que este dormia enquanto ela
falava.
Em tal exemplo, a paciente considera que seu antigo analista possuía uma
postura dotada de tamanha rigidez que a fez pensar que seus conteúdos eram pouco
interessantes, ou seja, que teria buscado nela a justificativa e a responsabilidade para
algo que diz respeito ao próprio analista que a atendeu.
Acompanhando o raciocínio de Ferenczi citado nos textos anteriormente
descritos, compartilhamos a idéia de que o analista deve sim, tentar estar de acordo com
os fundamentos técnicos da psicanálise; o que não significa, em absoluto, ser
47
inexpressivo, desinteressado e insensível para com o paciente. Também é importante
deixar claro, que não nos apoiamos nas elaborações de Ferenczi com expectativa de
defender a idéia de um analista “benévolo”; não é disso que se trata. Assim seguindo
Ferenczi, estamos considerando a sensibilidade do analista como técnica de tratamento.
2.3. Alguns desdobramentos do conceito
O conceito de contratransferência também carrega uma transformação histórica
bastante significativa, que passa a ser entendida não como obstáculo, mas também
como poderoso instrumento psicanalítico. Tal conceito traz em si algumas dificuldades
por ser uma noção resultante da experiência clínica (assim como a transferência) e que
pode ser entendida de diferentes maneiras, segundo o aspecto teórico que se considera
(Bernardi, 2006).
Depois de Freud a contratransferência foi objeto de crescente atenção por parte
dos psicanalistas, em virtude da extensão da psicanálise a novos campos (ex.: análise de
crianças e de psicóticos) em que reações inconscientes do analista poderiam ser mais
solicitadas. Diante de tal fato nota-se, com os avanços da psicanálise, que a
contratransferência assume cada vez mais um lugar de importância na teoria da técnica
psicanalítica (Laplanche e Pontalis, 2001).
Como nos aponta Bernardi (2006),
“a reflexão acerca da contratransferência sempre acompanhou a evolução
do pensamento psicanalítico, mas ganhou importância especial na
segunda metade do século XX devido à progressiva importância
outorgada à participação do analista nos processos de mudança
terapêutica. De fato, tanto desenvolvimentos teóricos-clínicos como
avanços da investigação empírica em estudos de processo e resultados
48
analíticos mostraram como características da personalidade e modos de
intervenção do analista incidem decisivamente no encontro com o
paciente e na evolução da análise” (p.17).
Laplanche e Pontalis (2001) destacam em seu “Vocabulário da Psicanálise”
algumas das perspectivas admitidas por autores contemporâneos sobre o conceito de
contratransferência. Afirmam:
“Do ponto de vista da delimitação do conceito, encontram-se largas
variações, pois certos autores entendem por contratransferência tudo o
que, da personalidade do analista, pode intervir no tratamento, e outros
limitam a contratransferência aos processos inconscientes que a
transferência do analisando provoca no analista” (p.102).
Diante de tais variações, vamos então direto a algumas fontes. Muitos
psicanalistas adotaram distintos enfoques sobre a contratransferência, mas, para o
presente capítulo, gostaríamos de discorrer sobre dois autores que produziram mudança
bastante significativa no modo de compreender a contratransferência.
São as abordagens de Paula Heinmann e Heinrich Racker que provocaram,
quase simultaneamente, uma mudança conceitual na visão da contratransferência. Com
esses autores a contratransferência vem a ocupar um lugar de destaque, fazendo com
que o analista passe de observador a integrante do campo de trabalho (Bernardi, 2006).
Paula Heinmann (1950), em seu trabalho Acerca de la contratransferência,
apresentado no XVI Congresso da Associação Psicanalítica Internacional de Zurique e
publicado no International Journal of Psychoanalysis em 1950, “modificou
49
radicalmente a noção freudiana de contratransferência como obstáculo” (Bernardi,
2006, p.19).
Ela inicia seu artigo apresentando certo incômodo sobre a crença comumente
difundida de que o analista, em uma situação de análise, deve evitar qualquer tipo de
resposta emocional com seu paciente.
O artigo de Heinmann (1950) se destaca por apresentar uma nova visão sobre a
contratransferência, demonstrando uma riqueza clínica extraordinária. Sua tentativa de
atribuir novo olhar ao fenômeno da contratransferência foi absolutamente primorosa. A
partir disso, traz considerações bastante interessantes sobre o trabalho analítico. Sobre
suas preciosas observações, descrevemos a seguinte citação:
“A situação analítica tem sido investigada e descrita desde muitos pontos
de vista, e existe um acordo geral acerca de seu caráter único. Mas minha
impressão é que não se tem posto ênfase suficiente sobre o eixo de que é
uma relação entre duas pessoas. O que distingue esta relação de outras,
não é a presença de sentimentos de um dos participantes, o paciente, e
sua ausência em outro, o analista, senão, sobretudo, o grau dos
sentimentos que se experimentam e do uso que se faz deles, dependendo
estes fatores um do outro. A finalidade da análise pessoal, desde este
ponto de vista, não é transformá-lo em um cérebro mecânico que pode
produzir interpretações sobre a base de um procedimento puramente
intelectual, senão serão capazes de agüentar os sentimentos que são
suscitados do eu em vez de descarregá-los (o que faz o paciente), com o
fim de subordiná-los a tarefa analítica, na qual funciona como um reflexo
do paciente em um espelho” (p. 131, tradução).
Vejam que Heinmann oferece um olhar ao par da cena analítica, chamando a
atenção que um trabalho analítico se configura sobre a existência das duas figuras
presentes num espaço analítico: analista e analisando. O que define a análise é a atenção
50
voltada para os integrantes da cena analítica e o que é feito sobre o que se manifesta em
cada um deles.
Para ela, a exigência feita por Freud de “reconhecer e dominar” a
contratransferência não leva à conclusão de que esta é um fator de perturbação. Seu
entendimento é que o analista deve utilizar sua resposta emocional como uma chave
para o inconsciente do paciente. Sua hipótese de base é que “o inconsciente do analista
entende o de seu paciente” (Heinmann, 1950, p.131, tradução). Dessa forma, acredita
que os sentimentos despertados no analista pelas associações e condutas do paciente,
servem como ferramentas para proporcionar um maior entendimento sobre as questões
do paciente.
Isso não significa dizer que o analista deve comunicar seus sentimentos ao
paciente. O que Heinmann (1950) defende é que a contratransferência pode ser utilizada
como instrumento de trabalho analítico, quando entendida não como parte
constitutiva da relação analítica, mas como parte da personalidade do paciente. Ela
acreditava que os afetos contratransferenciais deveriam ser livremente experenciados
pelo analista, mas contidos até que pudessem se transformar em interpretações sobre o
funcionamento do paciente. Para tanto, torna-se fundamental para o analista saber
distinguir entre o que é produzido pelo paciente e o que deriva de si mesmo.
Desse modo, compreende e defende o uso do termo contratransferência
“para designar a totalidade dos sentimentos que o analista vivencia com
seu paciente. (...). Minha tese é que a resposta emocional do analista a
seu paciente dentro de uma situação analítica representa uma das
ferramentas mais importantes para seu trabalho. A contratransferência do
analista é um instrumento de investigação dirigido ao inconsciente do
paciente” (Heinmann, 1950, p.130, tradução).
51
Mas antes de Heinmann apresentar tal definição, descreve em seu artigo algumas
considerações que certamente apontam para algumas possíveis complicações. Ela
sugere que a noção de contratransferência entendida como a totalidade de sentimentos
que o analista vivencia com seu paciente, pode até ser compreendida simplesmente
como a transferência do analista; mas prefere não adotar tal compreensão por achar que
o prefixo contra implica fatores adicionais.
A definição de contratransferência elaborada por Heinmann (1950) acarreta em
um problema conceitual, que pode ser bastante problemático. Iniciamos a
contextualização de tal problema pelo breve comentário que faz no referido artigo, diz:
“Se faz notar com freqüência que nem tudo o que o paciente sente com
seu analista é devido a transferência e que, a medida que a análise
progride, se torna mais capaz de sentimentos “adequados à realidade”.
Esta mesma advertência mostra que a diferenciação entre as classes de
sentimentos não é sempre fácil” (p.130, tradução).
Heinmann (1950) descreve nesse comentário, a dificuldade que em
discriminar sentimentos e que, no caso do paciente, nem tudo o que este sente pode ser
considerado como transferência. Portanto, se uma concordância sobre a laboriosa
diferenciação das classes de sentimentos, por que consideraria que todo sentimento do
analista vivenciado com seu paciente se resumiria à contratransferência? Não seria um
tanto precipitado atribuir os sentimentos do analista numa situação de análise a um
único fenômeno?
Se Heinmann considera as emoções do analista em uma análise como apenas
manifestações contratransferenciais, está restringindo a compreensão que uma situação
52
analítica pode alcançar. Da forma como define a contratransferência, está engessando as
possibilidades de manifestações inconscientes que o analista pode apresentar e, com
isso, acaba limitando o modo de pensar sobre o trabalho do analista. Segundo nosso
entendimento, o analista não só se depara com a contratransferência no espaço analítico,
mas também, deve estar atento para outros tipos de manifestações que lhe escapam ao
esforço de controle e que certamente podem ser conteúdo de muito trabalho.
Outro autor que também trouxe muitas contribuições ao conceito de
contratransferência foi Henrich Racker. Ele realizou algumas pesquisas e publicou
alguns trabalhos sobre contratransferência quase simultaneamente com a publicação do
famoso artigo de Heinmann de 1950. Mas aqui, iremos privilegiar suas pesquisas e seus
avanços sobre contratransferência, bem como sobre outros temas da técnica
psicanalítica, que foram reunidas e publicadas em 1981 no seu livro “Estudios sobre
Técnica Psicoanalítica”. Nesses estudos, Racker (1982/1981) amplia suas pesquisas
sobre contratransferência, considerando-a como “instrumento para a compreensão do
que sucede no paciente” (p.122).
Racker (1982/1981) entende que certa dificuldade em tratar separadamente
transferência e contratransferência, uma vez que “ambas representam dois componentes
de uma unidade que se dão vida e que criam a relação interpessoal da situação analítica”
(p. 55). Para ele,
“a realidade constante da transferência é respondida pela realidade
constante da contratransferência e vice-versa. A transferência leva a uma
conduta real ante o analista e seu trabalho, o qual pelos significados
que têm para ele sua própria pessoa, seu trabalho e os sentimentos e atos
do paciente para com ele responde com sentimentos, angústias, defesas
e desejos igualmente reais. Este é um aspecto da inter-relação entre
transferência e contratransferência” (p. 56).
53
Percebendo tais processos como inter-relação, Racker (1982/1981) sugere
renunciar as diferenças entre transferência e contratransferência que evidentemente
existem e são importantes – e propõe examinar as analogias e correspondências entre as
duas. Considerando que a transferência foi estudada de modo profundo por Freud, pode-
se aproveitar tal estudo para compreensão da contratransferência.
Algumas dessas aproximações referem-se às transferências positivas e negativas
e, analogamente, às contratransferências positivas e negativas. Segundo Racker
(1982/1981) o papel básico da transferência positiva no processo analítico é
proporcionar colaboração do paciente, superando as resistências. Já a
contratransferência positiva iria favorecer a compreensão do analista dos processos
inconscientes do paciente. Do mesmo modo, entende que a transferência negativa ou
sexual perturba a colaboração do paciente, assim como a contratransferência negativa
ou sexual “perturba a compreensão do analista e necessita por isso ser constantemente
analisada e dissolvida” (p. 58).
Além disso, Racker (1982/1981) também defende que a percepção das reações
contratransferenciais podem ajudar a compreender o que deve ser interpretado e qual o
momento indicado.
Segundo ele,
“a contratransferência é a resposta psicológica às transferências (reais e
imaginárias) do paciente, assim também a transferência é a resposta às
contratransferências (imaginárias e reais) do analista. (...) A análise é um
assunto entre duas personalidades cujo ego está pressionado pelo id, pelo
superego e o mundo externo, cada um com suas dependências internas e
externas, angústias e defesas patológicas, cada um, também, um menino
com seus pais internos e respondendo toda esta personalidade tanto do
54
paciente como do analista a cada um dos acontecimentos da situação
analítica” (Racker, 1982/1981, p. 124).
Além de descrever tais semelhanças entre analista e analisando, Racker
(1982/1981) considera que, junto a isto, o analista deve apresentar certa “objetividade”
que se baseia numa forma de desdobramento interno que o capacita a tomar-se como
objeto de sua observação e análise contínuas. A objetividade do analista consiste numa
determinada posição tomada ante a sua própria subjetividade (a contratransferência),
que lhe permite utilizá-la como apoio ao trabalho de análise
18
.
Assim, podemos perceber de modo geral que, tanto Heinmann como Racker,
amparam-se no entendimento de que a contratransferência, para ser utilizada como
instrumento de trabalho, deve ser cuidadosamente analisada, para que assim ela sirva de
base para os processos de compreensão e interpretação do analista num trabalho
analítico.
2.4. Afinal, o que entender por contratransferência?
Descrevemos no presente capítulo apenas algumas das inúmeras variações que o
conceito de contratransferência possui para a psicanálise. Dessa forma, achamos
coerente assumir o conceito original que Freud nos apresenta para que assim,
juntamente com as teorizações posteriormente realizadas a esse respeito, possamos
prosseguir no entendimento que faremos daqui por diante.
18
Mais sobre o “trabalho da contratransferência” em Racker: ver segunda parte do capítulo 3.
55
Propomos seguir a perspectiva, que assume a contratransferência como a
resposta inconsciente à transferência. Como é certo notar nas descrições que fizemos até
agora, tal perspectiva é compartilhada por boa parte dos autores que citamos até agora.
É senso comum que a contratransferência é uma resposta à transferência. As
divergências desenvolvidas a esse respeito é que alguns autores irão considerar que
muito mais a dizer a esse respeito, dando variados destinos ao conceito.
Observem que quando assumimos tal perspectiva, não determinamos o “objeto
alvo” (analista e analisando) da contratransferência e transferência; ao contrário de
alguns autores que descrevem analistas e analisando como “alvos”
fixos desses
processos.
Entendemos por contratransferência os processos inconscientes que a
transferência (do analista ou do analisando) provoca (no analista ou no analisando).
Dessa forma, fazendo com que os “alvos” desses fenômenos não sejam fixos, pode-se
chegar um pouco mais próximo do que propomos entender de uma situação analítica:
que é um espaço onde surgem as atuações das transferências, cujas contratransferências
são apenas suas inevitáveis conseqüências.
Acreditamos que a transferência e a contratransferência não se dão de forma
unilateral. E para tentar demonstrar a não unilateralidade desses processos, sugerimos
estabelecer uma idéia que alcance o movimento dinâmico de uma situação analítica:
transferência-contra-transferência.
56
CAPÍTULO 3
TRANSFERÊNCIA-CONTRA-TRANSFERÊNCIA
Transferência-contra-transferência é um nome composto que, possivelmente,
poderá retratar a condição na qual uma situação analítica se dá. Esta palavra composta
também se aproxima do mesmo sentido se fosse nomeada como transferência-versus-
transferência ou transferência-frente-transferência. Mas neste caso, optamos pelo termo
contra, para de certa forma deixar subtendido que a contratransferência assumiria um
espaço “entre” as transferências. Diante de tais intenções, podemos nos questionar:
afinal, o que esta palavra composta tem a nos dizer sobre a situação analítica? É baseado
nesta questão, que iremos propor pensar na situação analítica como um (du)elo de
transferências.
Antes de justificar a utilização da expressão “(du)elo de transferências”, iremos
fazer breve explanação sobre o que até então temos de informação sobre os objetos
deste trabalho: transferência e contratransferência. Nos capítulos anteriores tratamos
separadamente cada um desses elementos, com o objetivo de alcançar entendimento em
suas origens e algumas de suas posteriores repercussões.
Será possível notar nas linhas seguintes, que o presente capítulo se configura
numa tentativa de reunião das noções exploradas nos capítulos anteriores ao seu terreno
comum: a clínica. Dessa forma, tentaremos explorar como se o processo dinâmico
das transferências e contratransferências surgidas num espaço de análise para, só depois,
oferecer destino a isso que se estabelece.
57
3.1. A dinâmica da transferência-contra-transferência.
Para tratar da dinâmica da transferência-contra-transferência, teremos que tomar
um rumo em nosso modo de argumentação, apresentando raciocínio semelhante ao
elaborado por Racker (1982/1981), conforme descrevemos no capítulo anterior. Mas
aqui, nossa intenção não é somente apresentar semelhanças entre os processos de
transferência e contratransferência. Além disso, iremos abordar as analogias pertinentes
aos dois personagens da cena analítica para, depois, tratar das distinções conferidas a
cada um, já que de fato, se tratam de posições distintas. Afinal, um é analista e outro é
analisando.
Iniciamos tal argumentação sob o terreno da transferência, a qual Freud oferece
muita atenção e importância. Depois de desvendá-la, dedica grande parte de suas
elaborações psicanalíticas à tarefa de examinar minuciosamente os impasses e as
funções produzidas por ela.
Nos “Estudos sobre a Histeria”, mesmo Freud (1996/1893-1895) entendendo a
transferência ainda de modo restrito como obstáculo ao tratamento irá elaborar
considerações que incluem analista e analisando de modo análogo no espaço de análise,
no que diz respeito aos “interesses pessoais” (p. 280) que, segundo ele, se fazem
necessariamente presentes. Como vimos no primeiro capítulo, Freud (1996/1893-1895)
considera que ambos devem apresentar interesses pessoais um pelo outro para que o
trabalho de análise aconteça. Para ele, tais interesses se constituem como “condição sine
qua non para a solução do problema” (p. 281).
De acordo com a citação de Freud que descrevemos nas páginas 16 e 17,
pressupõe que o analista, além de apresentar interesses sobre os acontecimentos
58
psicológicos do analisando, deve também apresentar um interesse pessoal por este
último. Para Freud (1996/1983-1985) possibilidade de sondar e tratar o psiquismo
de alguém que lhe cause boa impressão e que seja capaz de lhe despertar solidariedade
humana. Desse modo, acrescenta que “as exigências feitas ao paciente não são
menores” (p. 280). Diz:
“A concordância e a atenção integrais dos pacientes são necessárias, mas,
acima de tudo, é preciso contar com sua confiança, visto que a análise
invariavelmente leva à revelação dos eventos psíquicos mais íntimos e
secretos. Grande número dos pacientes que se adequariam a essa forma
de tratamento abandonam o médico tão logo começam a suspeitar da
direção para qual a investigação está conduzindo. Para tais pacientes, o
médico continua a ser um estranho” (p. 280)
Freud não desenvolve a fundo o que está considerando como “interesses
pessoais”. podemos identificar que, a partir de suas observações, o analista deve ter
“boa impressão” do analisando, assim como este último deve sentir confiança no
analista. Ou seja, cada um deve apresentar algum tipo de interesse frente ao outro para
que se estabeleçam condições favoráveis ao início e desenvolvimento do processo
analítico. Mas como se formam tais “interesses pessoais”?
Podemos supor que tais “interesses” revelam que algumas experiências psíquicas
são despertadas e revividas no vínculo atual da análise. Em um contato entre analista e
analisando, acaba sendo inevitável que cada um desperte frente ao outro algum tipo de
moção psíquica e as reproduza na ocasião do tratamento – que no caso das descrições de
Freud, por exemplo, surgem sob a forma de “boa impressão” por parte do analista e
“confiança” do analisando. Assim, podemos até sugerir que uma das condições ao
tratamento a que Freud se refere é que, analista e analisando, manifestem suas
59
transferências (“falsas ligações”) nesse espaço. Afinal, como bem observa Laplanche
(1993), a transferência “está ali [no ambiente analítico] desde a primeira entrevista,
freqüentemente observada mesmo antes do começo do tratamento” (p. 74).
Assim, o que Freud parece considerar, é que existe uma espécie de “seleção”
psíquica que cada um revela frente ao outro na análise que irá definir o modo e o
destino do trabalho. Podemos sugerir que, para Freud, a condição de um trabalho de
análise é que a transferência nesse caso positiva se instaure não no analisando,
mas também no analista. Mesmo Freud não tendo desenvolvido por completo suas
elaborações sobre transferência no momento dos “Estudos...” (como os conceitos de
transferência positiva e negativa), nota-se que estava atento ao que na ocasião se
revelava: transferências do analista e do analisando que surgem na análise sob a forma
de “interesses pessoais”.
Somente após o caso Dora, Freud (1996/1905) passa a considerar a transferência
como algo primordial e tratá-la não como resistência ao tratamento, mas também
como importante instrumento de trabalho. Com esse caso, Freud se conta do quanto
estava implicado em um contexto transferencial e o quanto reagia a esse contexto. A
essas reações, Freud o nome de contratransferência. O prefixo “contra” serviria para
indicar que a formação inconsciente do analista surge como forma de reação à
transferência do analisando. Também se faz interessante notar, que Freud adiciona o
prefixo contra, mas conserva o que há de essencial no conceito: transferência.
Conforme ponto de vista de Daniel Lagache (1964), descrito por Laplanche e
Pontalis (2001),
“a contratransferência entendida nesse sentido (reação à transferência do
outro) não se encontra apenas no analista, mas também no analisando.
60
Transferência e contratransferência não coincidiriam assim com
processos próprios do analisando, por um lado, e do analista, por outro.
Se considerássemos o conjunto do campo analítico, conviria distinguir,
em cada uma das duas pessoas presentes, o que é transferência do que é
contratransferência” (p. 102).
Mas é justamente essa tarefa de distinção que Lagache propõe que torna o
trabalho do analista ainda mais complicado. Na teoria da técnica fica fácil distinguir
transferência de contratransferência. Mas, num contexto clínico, essa tarefa torna-se
muito difícil. Podemos exemplificar e identificar tal dificuldade num comentário feito
por Freud (1996/1905) sobre o término abrupto que Dora faz da análise; diz: “prometi
perdoá-la por ter-me privado da satisfação de livrá-la muito mais radicalmente de seus
padecimentos” (p. 116).
O que podemos entender de tal comentário de Freud? O que se revela nesse
trecho: transferência ou contratransferência? Certamente nunca saberemos. Contudo, o
que é possível extrair desse trecho é que Freud, o analista, possuía expectativas –
conscientes e inconscientes – que decerto foram frustradas. Isso mostra que Freud
reconhecia que o analista também se apresentava no espaço analítico com suas
formações inconscientes, mas não oferece tanta atenção nessa direção. O que ele faz
após descobrir a contratransferência é indicar análise para os futuros analistas; indicação
esta de capital importância para a formação do analista.
Desse modo, notamos que Freud (1996/1905) admite que as formações
inconscientes surgem dos dois integrantes da cena analítica, mas direciona sua
observação fundamentando teoricamente analista e analisando de forma discriminada,
adotando o conceito de transferência para algumas formações inconscientes do
61
analisando e contratransferência para reações inconscientes do analista às transferências
do analisando.
Com tais avanços nos argumentos, nota-se que estamos chegando a uma
miscelânea de idéias que logo teremos que desfazer. Mas talvez, a maneira como o
presente raciocínio esteja sendo conduzindo represente justamente a dinâmica inicial
que acreditamos se formar numa clínica: transferências e contratransferências que
surgem inicialmente no espaço de análise de forma indiscriminada, para que o analista
as detecte e trabalhe com elas. Mas antes de tratar de tal trabalho, continuaremos ainda
a examinar algumas analogias importantes para defesa dos argumentos a serem
desenvolvidos.
Sabemos que a transferência assume considerável espaço na obra freudiana,
chegando a ser praticamente a protagonista da inestimável trama psicanalítica. Freud
(1996/1912) apresenta a transferência num trabalho de análise como a repetição de
protótipos infantis do analisando. Em “A dinâmica da transferência, por exemplo,
Freud (1996/1912) faz um exame teórico da transferência e da maneira que ela
desempenha seu papel no trabalho analítico. Observa que a transferência funciona como
um “clichê estereotípico”, onde partes dos conteúdos psíquicos são constantemente
repetidos, reimpressos e que, em um contexto analítico, essas repetições também
encontram lugar na figura do médico.
Quando Freud faz menção ao médico, está considerando-o como alvo/receptor
da transferência do analisando, não ressaltando que este também possui conteúdos
psíquicos que também são constantemente repetidos no espaço de análise. É claro que
Freud, ao conceituar transferência, estaria destinado a oferecer um conhecimento da
técnica onde a transferência do analisando serviria de poderoso instrumento para o
62
trabalho analítico e, por isso, nem sequer mencionava numa suposta transferência do
analista, que este deveria manter-se em abstinência, segundo suas recomendações.
Mas como manter o inconsciente em abstinência?
Seguindo Ferenczi (1991/1909), podemos supor que existe uma tendência ao
estabelecimento das relações transferenciais e que estas fazem parte do psiquismo
humano em sua universalidade (apresentando-se de forma mais acentuada em sujeitos
neuróticos). Desse modo, identificamos aqui um ponto de grande importância: que
todos os sujeitos estão fadados a repetir seus protótipos infantis num outro, não cabe à
compreensão que só a figura do médico (analista) seja “alvo” da transferência do
analisando. Diante dos entendimentos da transferência oferecidos por Freud, é possível
adquirir uma ordem inversa, onde analisando também seja “alvo” da transferência do
analista.
Freud (1996/1917) já nos alertava sobre isso ao formular a idéia de que a
transferência não surge pela situação do tratamento ou por qualquer conduta do médico,
ela é um fenômeno ligado à própria natureza da doença, ou seja, à própria neurose. E se
pensada dessa forma, não podemos afirmar que o médico (analista) também não esteja
“acometido” por uma neurose e por isso não possa atuar transferencialmente numa
situação analítica.
Não como privar o analista de repetir seus protótipos infantis num espaço
analítico. Mesmo que ele identifique o fenômeno, que é o que se espera de um analista,
fica muito difícil tomar o controle da situação e expulsar” suas transferências para
manter-se em conformidade com as regras de neutralidade e abstinência pregadas pela
psicanálise. Temos de reconhecer que a transferência é um tipo de manifestação do
inconsciente e, quando falamos de inconsciente, não como falar em controle. As
63
manifestações inconscientes surgidas numa situação analítica são os seus mais
poderosos instrumentos de trabalho e, se considerarmos a transferência como um tipo
dessa manifestação, não como eximir o analista deste processo, já que não se torna
adequado falar em uma abstinência do inconsciente.
Ainda sobre o texto “A dinâmica da transferência”, achamos importante destacar
a maneira como Freud (1996/1912a) descreve um trabalho de análise. Afirma:
“No ponto em que as investigações da análise deparam com a libido
retirada em seu esconderijo, está fadado a irromper um combate; todas as
forças que fizeram a libido regredir se erguerão como ‘resistências’ ao
trabalho da análise, a fim de conservar o novo estado de coisas (...). A
análise tem de lutar contra as resistências (...)” (p.114).
“Quanto mais um tratamento analítico demora e mais claramente o
paciente se dá conta de que as deformações do material patogênico não
podem, por si próprias, oferecer qualquer proteção contra sua revelação,
mais sistematicamente faz ela uso de um tipo de deformação mediante a
transferência. Essas circunstâncias tendem para uma situação na qual,
todo conflito tem de ser combatido na esfera da transferência” (p.115).
Neste trecho, Freud (1996/1912ª) descreve que em certo momento da análise, o
analista irá se deparar com a luta entre a libido desentocada de seu esconderijo e as
forças da resistência, incluindo a resistência de transferência. Tais citações trazem
alguns pontos importantes para nos fazer observar que mesmo a transferência sendo um
potente fator de resistência, é no seu combate que o trabalho analítico se desenrola.
Mas o que queremos destacar sobre tal fragmento é que Freud (1996/1912)
utiliza palavras como luta e combate para descrever o contexto em que um possível
“manejo” da transferência se dá. Portanto, temos que observar que essas lutas e
combates surgidos na análise são fortes indícios para se pensar no (du)elo de
transferências que adquirem lugar nesse espaço. E para pensar em (du)elo, podemos
64
adotar a própria definição da palavra: “duelo sm. 1. Combate entre duas pessoas. 2. Luta
com armas iguais” (Ferreira, 1993, p.195).
Diante desta definição, podemos verificar que as palavras que Freud se utiliza
(luta e combate) para contextualizar um trabalho de análise, são sinônimas da palavra
duelo. Isto quer dizer, que o (du)elo de transferências proposto neste trabalho, está em
parte adequada às considerações de Freud em relação ao trabalho analítico. Digo em
parte, porque Freud (1996/1912a) afirma que todo conflito de uma situação analítica
deve ser combatido na esfera da transferência que se revela, segundo suas observações,
por parte do analisando. O que gostaríamos de acrescentar a esta observação de Freud,
apoiada na definição da palavra duelo, é que uma situação analítica se configura no
combate e na luta entre duas pessoas (analista e analisando), e que se utilizam de “armas
iguais” para sua execução. Mas de quais “armas” estamos falando? Podemos dizer que,
talvez, as únicas “armas” potencialmente iguais (embora contextualmente diferentes)
numa situação analítica são as transferências que cada “duelista” revela.
Estamos sugerindo que num trabalho analítico, várias situações como estas se
estabelecem. Situações estas que revelam o (du)elo das transferências do analista e do
analisando e que, as contratransferências surgidas por ambos, são apenas algumas de
suas prováveis conseqüências.
Como vimos, a contratransferência é uma resposta inconsciente à
transferência do outro. Já que descrevemos que a transferência pode surgir tanto do
analista como do analisando e que a contratransferência é uma resposta inconsciente a
ela, concluímos então que a contratransferência é um resultado do (du)elo das
transferências, podendo surgir conseqüentemente tanto com o analista como com o
analisando. Dessa forma, acreditamos que não como pensar em “lugares” definidos
65
para as “atuações” da transferência e contratransferência num espaço analítico.
Podemos sim perceber, que os dois sujeitos da análise (analista e analisando), produzem
transferências e contratransferências nesse espaço, fazendo com que as mais inusitadas e
complexas situações analíticas entrem em cena.
Até o presente momento, desenvolvemos algumas hipóteses sobre os processos
de transferência e contratransferência. Buscando ampliar a dimensão que tais noções
podem alcançar, iremos retomar a tradução da palavra em alemão “Übertragung”
(transferência) apresentada por Luiz Hanns (1996) em seu “Dicionário Comentado do
Alemão de Freud”. Por meio deste “Dicionário...”, Hanns oferece ao leitor o universo
das conotações e significados de alguns termos em alemão utilizados por Freud e que
possuem maior dificuldade de tradução – e a transferência é uma delas.
Conforme descrevemos no primeiro capítulo, Hanns (1996) apresenta que o
termo transferência em alemão (Übertragen), conotativamente, pode ser entendido
como:
“um ‘arco’ que mantém aceso o processo de ida e vinda, seja
temporalmente, entre o passado e a atualidade, seja
geograficamente, entre o longe e o perto, ou de uma pessoa a outra.
Em alemão, o termo possui uma plasticidade e reversibilidade:
aquilo que se busca, traz e deposita pode ser levado de novo
embora para outro lugar e outro tempo. Genericamente refere-se a
idéia de aplicar (transpor) de um contexto para outro uma estrutura,
um modo de ser ou de se relacionar” (p.412).
Tal entendimento refere-se aos aspectos semânticos-conceituais da palavra que,
por si só, já revelam o quão rico de significados a palavra transferência nos permite
chegar. Segundo Hanns (1996) essa noção de arco” traz a idéia de que o ponto de
66
origem e o ponto de destino se interligam, fazendo com que o material desse “arco”
possa transitar de um lado a outro.
Sabemos que Freud, dotado de tamanha habilidade em sua escrita, certamente
não iria utilizar a palavra transferência de forma casual e indiscriminada para definir
processos inconscientes tão essenciais para a teoria e a técnica psicanalítica. Por isso,
acreditamos que tal significação da palavra pode nos ajudar a também pensá-la em seu
aspecto teórico-clínico, nos oferecendo assim, suporte para trazer as compreensões
sobre transferência e contratransferência defendidas na presente dissertação.
Aproveitaremos a tradução descrita, para também auxiliar na definição da
contratransferência que iremos apresentar que, sob a perspectiva semântica-
conceitual, trata-se de uma coisa só. Tal esclarecimento foi oferecido pelo próprio
Hanns, que em conversa informal, comentou-me:
“O dicionário na verdade trata de problemas de tradução quando
‘entroncamentos’ semântico-conceituais. Assim, quanto ao termo contra-
transferência não nada a mais a ser acrescentado além do que foi
apresentado sobre o termo transferência. os aspectos teóricos-clínicos
(quando Freud introduz o termo, sua diferentes conceptualizações, etc.),
não fazem parte do projeto deste dicionário” (L. Hanns, 2009).
Mas o que a tradução da palavra transferência em alemão nos permite entender?
A partir de tal tradução, podemos conceber a idéia de que tanto a transferência como a
contratransferência, do ponto de vista temporal, apresentam constante mobilidade de
seus conteúdos inconscientes. Além disso, podemos também admitir uma mobilidade do
ponto de vista geográfico, onde os conteúdos do “arco” possam transitar de uma pessoa
à outra. Conforme este último ponto de vista, podemos então supor, que as formações
67
inconscientes manifestadas por vias transferenciais e contratransferenciais emergem de
qualquer lado no espaço analítico, seja do analista, seja do analisando.
Para ilustrar tais modos de pensar a transferência e a contratransferência,
oferecemos três esquemas (ilustrados pelas figuras A, B e C) que demonstram algumas
noções até agora exploradas:
Figura A Figura B
T CT
ANALISTA ANALISANDO ANALISTA ANALISANDO
As noções comumente desenvolvidas por Freud conforme descrevemos nos
capítulos 1 e 2 sobre a transferência e a contratransferência, estão representadas pelas
figuras A e B. No caso da figura A, representamos a noção que admite a transferência
(T) como a repetição de protótipos infantis que o analisando produz em direção ao
analista. a figura B, demonstra a noção que reconhece a contratransferência (CT)
como uma reação inconsciente que o analista produz em relação à transferência do
analisando.
Mas o que queremos demonstrar na presente discussão é que as noções
representadas pelas figuras A e B podem se sobrepor (figura C), formando assim o
68
processo dinâmico que transferência e contratransferência podem alcançar no espaço
analítico.
Figura C
T e CT
ANALISTA ANALISANDO
Com a figura C, representamos a noção dinâmica que acreditamos formar-se na
clínica, caracterizando assim, algo próximo à idéia de “arco” que a tradução da palavra
transferência nos permite entender. Diante dessas compreensões, podemos então supor
que num espaço analítico, as transferências e contratransferências do analisando e do
analista se fazem presentes. E é a partir dessas presenças que acreditamos formar-se o
terreno onde o trabalho analítico se construirá.
3.2. Algo sobre o trabalho da transferência-contra-transferência.
Tentamos até agora, situar o quão dinâmico as transferências e
contratransferências podem surgir na clínica nos dois sujeitos da análise. Mas não basta
apenas constatar sua existência, é necessário que nessa dinâmica o analista desenvolva
seu trabalho.
69
Para isso, temos que sair do terreno das analogias e iniciar um percurso onde as
distinções devem estar necessariamente presentes. Inicialmente, utilizamos as
semelhanças dos processos inconscientes da transferência e contratransferência para
demonstrar que de fato tais processos podem surgir na análise dos dois participantes em
questão. Mas para fazer trabalho de análise é necessário considerar analista e analisando
em seus devidos lugares.
Cabe ao analista executar esse trabalho. Cabe a ele a difícil tarefa de detectar e
trabalhar com as transferências e contratransferências produzidas pelo analisando e por
ele mesmo. O analista deve estar atento a essas produções para distingui-las e oferecer
adequado destino a cada uma delas. Afinal, transferências e contratransferências se
tornam aliadas ao trabalho quando conseguem ser detectadas e interpretadas.
Conforme podemos constatar, transferências e contratransferências podem surgir
dos dois sujeitos da análise: analista e analisando. Mas permitir que tal dinâmica tome
conta totalmente do espaço de análise é tender para o fracasso. Para o trabalho analítico,
temos que atribuir as devidas distinções entre transferência e contratransferência para
assim, distinguir as posições entre analista e analisando.
Como dissemos, não como negar que transferências e contratransferências se
apresentam no analista e no analisando em um ambiente de análise. É por isso que se
faz necessário ter bastante atenção a esses processos para evitar que eles compareçam
de modo a atrapalhar o bom curso da análise.
Podemos considerar que o analista possui como ferramentas primordiais de
trabalho as transferências do analisando e suas conseqüentes contratransferências. O que
surgir pra “além disso” (como as transferências do analista e conseqüentes
70
contratransferências do analisando) possivelmente servirá de completo obstáculo ao
trabalho analítico.
Temos que ter em mente uma coisa: o analista deve evitar comparecer com suas
transferências na espaço analítico para assim, evitar que o analisando reaja
contratransferencialmente. Seu trabalho essencial é com as transferências do analisando
(conforme orientação de Freud) e com suas contratransferências (de acordo com
Ferenczi, Heinmann e Racker).
Falamos em trabalho essencial, para caracterizar aquilo que deve ser feito dentro
do espaço analítico. Temos que também considerar, que não deixa de ser um tipo de
trabalho a tarefa do analista tentar não comparecer na análise com suas próprias
transferências. Mas este último trabalho deve ser realizado fora desse espaço, isto é, em
sua própria análise.
Como se faz notar não é nossa intenção na presente dissertação, discorrer sobre
o trabalho do analista frente às transferências do analisando e sim, demonstrar como o
inconsciente do analista (que por vezes surge como contratransferência) servirá de
ferramenta ao seu trabalho. Assim, buscaremos explorar um pouco mais sobre o árduo
trabalho do analista em detectar e trabalhar com as diversas transferências e
contratransferências surgidas no espaço analítico, dando ênfase ao trabalho que ele o
analista – poderá oferecer ao seu próprio inconsciente e, conseqüentemente, à sua
contratransferência.
Desse modo, iniciamos o percurso de tal trabalho destacando que a condição
prévia para que um psicanalista analise alguém é que este tenha sido analisado. Essa é
uma condição de extrema importância e que Freud tanto fez questão de recomendar.
Entretanto, mesmo analisado, não como “emancipar-se das particularidades do seu
71
caráter e das flutuações do seu humor” (Ferenczi, 1992/1919, p. 365). Dessa forma, por
mais que o analista tente manter suas próprias inclinações afastadas da análise, há
sempre algo que escapa.
Conforme no aponta Ferenczi (1992/1919) suspeita-se muito pouco dos perigos
que pairam deste lado, principalmente se tratando de analistas que iniciam sua prática
psicanalítica. Segundo suas observações, tais perigos encontram-se na euforia do
primeiro contato com o inconsciente, no entusiasmo das primeiras comunicações e no
alcance de alguns êxitos resultantes da transferência.
“Na euforia da lua-de-mel da análise, está-se igualmente muito longe de
tomar em consideração a contratransferência e ainda mais longe de a
controlar. Sucumbe-se a todos os afetos que a relação médico-paciente
pode suscitar, deixamo-nos comover pelas angústias dos pacientes e até
por suas fantasias, indignamo-nos contra todos aqueles que lhe são hostis
ou lhe causaram mal” (Ferenczi, 1992/1919, p. 365-366).
Mas podemos também admitir, que tais perigos circulam não entre analistas
iniciantes, mas também analistas que se envolvem com a prática analítica a qualquer
tempo. Como nos propõe Bernardi (2006), é inerente a qualquer analista, que este se
apresente na análise com uma série de características de personalidade e modos próprios
de intervenção que irão incidir decisivamente no encontro com o paciente e na evolução
da análise. Por isso se faz tão necessário que o analista mantenha sempre atitude alerta
frente às suas reações e produções no contato com o analisando.
Dessa forma, achamos prudente adotar como postura primordial ao iniciar uma
sessão de análise, algo semelhante à conduta estabelecida por Green (2008), no que diz
respeito à escuta analítica. Sua prática é oferecer escuta sobre a comunicação do
72
analisando sob dois enfoques. Por um lado tenta perceber a trama de conflitos internos
que pertencem ao analisando e por outro considera os conflitos sob o ângulo daquilo
que implícita ou explicitamente se refere a ele, o analista.
Green nos chama atenção sobre a importante tarefa do analista em não só
oferecer atenção aos conflitos do analisando, mas também em oferecer olhar atento as
questões que lhe são próprias. Como questões próprias do analista, podemos considerar
não as repercussões que os conflitos do analisando lhe produz, mas, também, como
seu próprio inconsciente pode interferir na análise.
Podemos entender que o modo como o inconsciente do analista interfere na
análise torna-se decisivo ao trabalho. Freud (1996/1923) estava atento a isso ao falar
da “Psicanálise como Arte Interpretativa:
“A experiência logo mostrou que a atitude que o médico analítico podia
mais vantajosamente adotar, era entregar-se à sua própria atividade
mental inconsciente, num estado de atenção imparcialmente suspensa, a
fim de evitar, tanto quanto possível, a reflexão e a construção de
expectativas conscientes, não tentar fixar particularmente coisa alguma
que ouvisse na memória e, por esses meios, apreender o curso do
inconsciente do paciente com o seu próprio inconsciente” (p. 256).
Vejam que é o próprio Freud que acaba sugerindo que o inconsciente do analista
seja utilizado como instrumento para compreender o inconsciente do analisando. Mas,
como nos afirma Figueira (1994), Freud o esclarece como o inconsciente do analista
deve operar nesse caso. O que fica mais ou menos claro é que se trata de um tipo de
comunicação que se utiliza muito mais do que apenas o conteúdo das palavras
proferidas, aproximando-se da capacidade que o inconsciente dispõe para estabelecer
73
uma comunicação telepática(p. 21) com outro. Sobre tal tipo de comunicação, Freud
(1996/1912b) esclarece com sua metáfora do telefone. Para ele, o analista
“deve voltar seu próprio inconsciente, como um órgão receptor, na
direção do inconsciente transmissor do paciente. Deve ajustar-se ao
paciente como um receptor telefônico se ajusta ao microfone
transmissor. Assim como o receptor transforma de novo em ondas
sonoras as oscilações elétricas na linha telefônica, que foram criadas por
ondas sonoras, da mesma maneira o inconsciente do médico é capaz, a
partir dos derivados do inconsciente que lhe são comunicados, de
reconstruir esse inconsciente, que determinou as associações livres do
paciente (p. 129)”
Assim, notamos que para Freud o inconsciente do analista possui papel de
capital importância para a evolução do tratamento analítico. Para ele, “constitui fato
marcante que o inconsciente de um ser humano possa reagir ao de outro, sem passar
através do consciente (Freud, 1996/1915b, p. 199)”. Mas pelo que parece, tal
constatação não foi suficiente para que Freud as elaborasse e nos oferecesse um
conhecimento técnico a esse respeito.
Possivelmente, não evoluiu nesse aspecto por ser justamente essa condição
inconsciente do analista que ameaça a psicanálise enquanto técnica de tratamento.
Mesmo admitindo e reconhecendo o valor que o inconsciente do analista possui para
condução do trabalho analítico, acaba não nos oferecendo entendimentos sobre o que
fazer com isso. Pelo contrário, cria uma grande contradição ao recomendar que o
analista deixe falar o seu próprio inconsciente e, por outro lado, que mantenha
controlada sua contratransferência.
Mas, considerando a observação de Sanches (1994), controlar a
contratransferência “não significa reprimir ou recalcar; ao contrário, o que se espera do
74
analista é que possa, tanto quanto possível, manter-se constantemente em contato com
toda a sorte de afetos e pensamentos que lhe ocorram em relação a seus pacientes” (p.
45). O controle da contratransferência não revela passividade e sim, uma postura ativa
do analista para com suas próprias questões psíquicas e comportamentais.
De toda forma, a relevância do inconsciente do analista observada por Freud,
abre possibilidade para que outros autores adotem perspectivas sobre o estudo da
contratransferência, compreendendo que algumas disposições e reações inconscientes
do analista podem ser tomadas como instrumentos de trabalho. Ferenczi, Heinmann e
Racker foram alguns dos que exploraram a contratransferência nessa direção. Conforme
descrevemos no capítulo anterior, cada um desses autores demonstraram avanços em
relação a Freud, buscando elaborar suas próprias formas de trabalhar com o
inconsciente do analista.
Para Ferenczi (1992/1928) tal trabalho é uma questão de “tato”, de “sentir com”,
de compreender o analisando a partir da sensibilidade que o analista dispõe.
Heinmann (1950) e Racker (1982/1981) entendem que a resposta emocional do analista
é uma chave para compreender o inconsciente do analisando. Tais autores avançam e
modificam o entendimento originário de Freud, propondo novas concepções que
indicam a importância da contratransferência como instrumento de trabalho. O que eles
fazem é tentar indicar caminhos de como tal contratransferência opera enquanto
instrumento.
Mas agora, iremos nos deter aos caminhos oferecidos por Racker (1982/1981)
para tentar oferecer resposta a seguinte questão: sabemos que o inconsciente do analista,
assim como sua contratransferência, podem e devem ser utilizadas como ferramentas
para o trabalho analítico. A questão agora é: Como fazer isso? Como utilizar o
75
inconsciente do analista, ou a sua contratransferência, como apoio ao trabalho de
análise?
Racker (1982/1981) defende a idéia de que a percepção das reações
contratransferenciais por parte do analista o ajuda a compreender o que deve ser
interpretado e qual o momento indicado. Sua tese é que:
“as reações contratransferenciais são regidas por leis do inconsciente
geral e individual (...). É importante que o analista esteja consciente desta
lei, porque a consciência dela é a base que evitará o ‘fundir-se’ na
contratransferência. Se não tiver essa consciência, não poderá evitar de
entrar no círculo vicioso da neurose do paciente. O que lhe dificultaria ou
até impediria seu trabalho terapêutico” (p. 129).
Devemos acrescentar que Racker (1982/1981) utiliza o já consagrado nome
“contratransferência” para abarcar “toda a resposta psicológica do analista” (p. 126).
Segundo ele, a compreensão de tais respostas e a percepção da situação
contratransferencial por parte do analista, lhe possibilitará captar a transferência do
analisando e o momento preciso em que foi vivenciada. A conduta do analista diante de
tal situação e em especial, as interpretações que faz a esse respeito, são de importância
decisiva ao trabalho analítico, pois podem reforçar ou interromper o círculo vicioso
dentro do qual o neurótico costuma mover-se.
Como exemplo, utiliza a experiência de um paciente que repete com o analista
sua “neurose de fracasso”. Nesse caso, o paciente se apresenta na análise fechado a toda
interpretação ou reprimindo-a, reprovando no analista a inutilidade da análise, prevendo
a ineficácia do tratamento, enfim, apresentando total indiferença a tudo. Assim o
analista interpreta a atitude do paciente para com ele sobre diferentes aspectos, tais
76
como: sua defesa contra a volta de certos perigos (como abandono), sua necessidade de
castigo, triunfo e vingança contra os pais transferidos, etc. Mas pode acontecer que
todas essas interpretações caiam no mesmo destino da “neurose de fracasso”. É nesse
momento que surgem os momentos decisivos que mencionamos antes. O analista pode
se angustiar diante do provável fracasso e acabar submetendo suas resistências no
paciente (que pode surgir como sentimento de repulsa ao paciente). Quando esta
situação surge no analista, o paciente costuma “pressenti-la”, que sua própria atitude
(“agressividade”, indiferença) provocou o analista. Daí, o paciente começa a temer,
portanto, a repulsa do analista. Tal temor pode estar relacionado à “ameaça pelo
fracasso” sentida pelo paciente e com isso fazer remontá-lo novamente a uma realidade
igual à que teve em suas vivências infantis (reais ou fantasiadas) e à que tem em seu
mundo interno. Dessa forma, o círculo vicioso continua e, possivelmente, será
reforçado. Mas, se o analista captar a importância desta situação e se compreendê-la por
meio de sua própria angústia ou raiva o que acontece no paciente, poderá vencer seu
sentimentos negativos e interpretar o acontecido no paciente de forma eficiente (Racker,
1982/1981).
Desse modo, podemos agora nos aproximar um pouco mais do que se quer dizer
sobre utilizar respostas emocionais do analista em favor do tratamento. Por meio do
exemplo descrito, chegamos ao entendimento de que o analista deve estar atento as suas
produções inconscientes para utilizá-las como meio de compreensão dos processos
inconscientes do analisando, favorecendo assim em sua intervenção. Assim, chegamos à
conclusão, que todas as formas de elaboração sobre as formações inconscientes do
analista que tratamos até agora, repousam na mesma idéia que admite haver uma
espécie de ligação, de comunicação, de elo entre os inconscientes presentes na análise.
77
Dessa forma, podemos então oferecer nova noção à expressão “(du)elo de
transferências” que utilizamos na primeira parte do presente capítulo. Inicialmente a
caracterizamos como o terreno de combate entre as transferências do analista e do
analisando. Mas agora, também podemos admitir que a palavra (du)elo traduza a ligação
inegável entre os inconscientes ali presentes; afinal, são dois (du) que formam elo,
caracterizando assim, um tipo de trabalho que escapa a qualquer manejo técnico
previamente aprendido.
78
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Freud (1996/1910a), em uma de suas lições sobre a psicanálise, diz que o
analista dispõe de todo um arsenal técnico para fazer surgir um legítimo tratamento
psicanalítico. Faz parte desse arsenal “o estudo da idéias livremente associadas pelos
pacientes, seus sonhos, falhas e ações sintomáticas” (p.51) e, junto a tudo isso, o exame
da transferência. Mas para que a utilização desse arsenal técnico seja feito de modo
responsável, é preciso ter em mente que ela não se constitui como prenda inata; “tem de
ser aprendida” (p.51). Para aprender não basta aderir à técnica simplesmente a um nível
teórico. Além disso, aprender requer prática e disciplina.
Mas como podemos perceber, a partir das descrições que fizemos até agora, o
trabalho do analista ultrapassa a utilização de tal “arsenal técnico” descrito por Freud.
Por meio de aprendizados teóricos e, principalmente, das lições e situações que a prática
clínica nos permite experenciar, notamos que o trabalho do analista se depara com
problemas e questões muito maiores.
Desse modo, tentamos reproduzir na presente dissertação a problemática que se
revela na análise a partir de apenas dois elementos da clínica, que podem ser
considerados como parte do “arsenal técnico” do analista. Tratamos da delicada e
perigosa dinâmica das transferências e contratransferências, as quais incidem
diretamente no modo como o analista irá se posicionar.
É notório, que dedicamos a maior parte da dissertação à tarefa de contextualizar
e comprovar a possível problemática da dinâmica das transferências e
contratransferências. Mas se constatar e situar o problema já foi difícil, imaginem
79
propor soluções. Por isso, é que reunimos as noções sobre transferência e
contratransferência nos dois primeiros capítulos, para servir de apoio às idéias que
construímos na terceira parte deste trabalho.
O terceiro capítulo reuniu as noções exploradas nos dois primeiros para assim,
demonstrar de modo conclusivo o alcance dinâmico que os processos de transferência e
contratransferência podem chegar. A partir de tal demonstração, tentamos oferecer
destino a isso, apresentando algumas considerações sobre o trabalho de tal dinâmica.
Sobre o trabalho da dinâmica das transferências e contratransferências não
chegamos muito longe, talvez por justamente termos chegado ao que podemos
considerar como o limite da psicanálise enquanto técnica, ou simplesmente, ao meu
limite para compreender a psicanálise enquanto técnica.
Segundo observações de Figueira (1994), a psicanálise enquanto codificação por
normas técnicas deveriam ser operantes independentemente da individualidade, da
personalidade do analista. Mas sabemos que não é essa a realidade da clínica. A grande
questão da psicanálise enquanto técnica é “como concretamente articular o status
universalizante do conhecimento (que é a base da ‘regra’) com a fonte mais rica de
criação da psicanálise (que é a ‘individualidade’, o que é único tanto no analisando,
quanto no analista” (p. 5).
Talvez seja justamente esta a tarefa que limita a psicanálise enquanto técnica de
trabalho, que possui o analista (com seu inconsciente, emoções, disposições,
personalidade, etc) como executor de tal trabalho. Por isso, o analista pode ser o maior
inimigo da psicanálise, caso ele não se conta das diversas e complexas situações que
se estabelecem na análise. Ou, pode ser seu maior aliado, caso detecte e trabalhe com
80
cada formação inconsciente, com cada transferência ou contratransferência, que se
revela no espaço de análise.
81
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