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finaliza: “assim é o corpo na dança” (ibidem). Porém, discordamos da leitura de Samarão se
ponderarmos que o corpo é dócil na dança quando sujeito a movimentos coreografados
sistematicamente, como é o caso da tradição clássica do ballet. Por outro lado, numa outra
perspectiva de linguagem, a da dança contemporânea, por exemplo, pode ser o corpo, na
dança, o contrário do que Foucault aponta – um corpo indócil, subversivo, não submetido,
aberto às improvisações e à surpresa dentro de um improviso, ainda que ensaiado e sabido
de todos os participantes.
Entendemos, sobretudo, que se trata de uma avaliação que deve respeitar a
perspectiva histórica, já que o corpo, obviamente, reflete esta história na dança que realiza.
Para Siqueira (2006), independente de que os movimentos sejam coreografados ou ainda
que sejam completamente espontâneos, ocorre que neles aparecem, como que nas
entrelinhas, aspectos culturais daquele que se move. Ela também ressalta o fato de que o
modo como um coreógrafo e seu intérprete vislumbram o mundo aparece na dança que
realizam.
O corpo humano permite uma variedade infinita de movimentos, que brotam de
impulsos interiores e exteriorizam-se pelo gesto, compondo uma relação íntima com o
ritmo, o espaço, o desenho das emoções, dos sentimentos e das intenções.
Se a dança é um modo de existir, cada um de nós possui a sua dança e o seu
movimento, original, singular e diferenciado e é a partir daí que essa dança e esse
movimento evoluem para uma forma de expressão que busca a individualidade pela
coletividade humana, a partir de movimentos diferenciados, desenvolvidos com a
expressividade, a força, os limites, ou seja, a potencialidade física de cada um.
O corpo humano vai ao longo da vida se incorporando linguagens, pois o corpo fala,
opera, aprende, pensa (...) o corpo lembra, tem memória mítica, psíquica, muscular,
genético-química” (CAMPELO, 1997, p.65).
Não cabe, é claro, exigir respostas sobre se a cultura tenha nascido do corpo, da sua
alteração, do medo do envelhecimento e, sobretudo, do medo da morte, última instância do
corpo, ao mesmo tempo em que aquilo que o une ao todo de onde veio. Mas é possível
afirmar que para compensar sua finitude, o homem inventa mundos e os povoa de signos,
ritos, mitologia, arte:
Além de efetiva linguagem, o mito cumpre as funções de guardião da
memória e constitui-se numa trilha alternativa para o conhecimento da
história do homem. (...) aponta para a multiplicidade, para as profundezas,
para o terrível desconhecido. (...) São os mitos que ancoram o saber, as
ciências, as crenças religiosas, a ameaça castradora da morte. São os mitos