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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
Maria de Lourdes A. Martins
O corpo no cotidiano: movimentos na comunicação, na cultura e na dança
Sorocaba / SP
2010
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3
Maria de Lourdes A. Martins
O corpo no cotidiano: movimentos na comunicação, na cultura e na dança
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Cultura da Universidade de Sorocaba, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Comunicação e Cultura.
Orientadora: Professora Doutora Míriam Cristina
Carlos Silva
Sorocaba / SP
2010
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AGRADECIMENTOS
Para qualquer iniciativa da vida, nosso corpo transita neste mundo munido das
pessoas, lugares e momentos que já passaram por nosso caminho e pelos quais passamos e
fizeram com que olhássemos para as coisas por outro viés. Meu trabalho insere-se nesta
idéia e somente cheguei até aqui porque tive a amizade e apoio de algumas pessoas.
Agradeço à Professora Doutora Míriam Cristina Carlos Silva, por assumir o diálogo
de minha orientação, já com o processo encaminhado. Ao professor Paulo Celso da Silva,
pela leitura crítica e atenta, pelas contribuições fundamentais. À professora Luciana
Coutinho Pagliarini de Souza, pelas preciosas observações sobre a estrutura do trabalho.
Agradeço também à Professora Doutora Luísa Paraguai, uma mulher admirável, que com
seu jeito afetuoso me ensinou a compor uma pesquisa pautada no prazer, responsabilidade,
rigor e criatividade. Como artista, fez questão de sempre me lembrar que esta era a minha
expressão, e que o corpo desta dissertação trazia meu ser, e a dança vivida por mim.
À ETEC Martinho Di Ciero, por proporcionar momentos de colaboração e apoio
total na realização desta minha pesquisa.
As alunas, Luisa, Raissa, Maria Alice, Elen Rosa, Gabriele, Gabriela e Bianca pelos
ensaios, dedicação e carinho na realização desse trabalho corporal.
Minha mãe, Antonia Rossivalda Alencar Martins, esteve sempre presente em todas
as etapas desta jornada, mas principalmente me confortou nos momentos de cansaço, por
meio de suas falas e de sua integridade. A ela teria muitos agradecimentos a fazer, mais do
que qualquer declaração poderia abranger.
Agradeço a meu companheiro Erik Svedelius, por nosso amor e amizade. Pude
sempre expor com sua disposição em ouvir meus desabafos, discutir minhas dúvidas e pelo
seu apoio total na ajuda desta pesquisa. Principalmente, ensinou-me a estar atenta para
respeitar os meus sentimentos e necessidades mais intensas.
Agradecimento especial a Sra. Regina Célia Ferreira Boaventura Bibliotecária da
Biblioteca "Aluísio de Almeida" Universidade de Sorocaba Cidade Universitária pelo
carinho e atenção com que me atendeu para a realização do término da minha pesquisa.
Agradeço também a todas as pessoas que eu amo e que estão sempre presentes na
minha vida: meu pai, José Alcarde Martins, meus irmãos: Roberto, Luis Carlos, Edmilson e
Paulo, minhas cunhadas e meus sobrinhos.
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A todas as minhas grandes amigas e amigos que fazem valer essa passagem da vida.
Embora seus nomes não estejam aqui, eles fazem parte do que sou.
Agradeço principalmente a Deus, por me dar a benção de constituir uma existência
com tantas pessoas, lugares e momentos maravilhosos para descrever essa história.
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RESUMO
Este trabalho de dissertação tem como objetivo, de modo geral, estudar os processos
de comunicação do corpo no cotidiano, no contexto das culturas, mediante suas múltiplas
manifestações, como mídia e como texto, mais notadamente, sua linguagem artística, por
meio da dança contemporânea. Entre nossos objetivos específicos estão discutir o corpo
presente no espetáculo Casa, da Cia. Déborah Colker, que incorpora os movimentos do dia
a dia, complexificando-os, fazendo com que trabalhe em constante superação, o que
significa também problematizar seu papel como o de um produtor de textos poéticos na
comunicação. Para tanto, primeiramente, pretendeu-se fundamentar teoricamente o corpo
como objeto de pesquisa da comunicação e da cultura, a partir de sua relação com as teorias
da comunicação, com o ambiente urbano, com o espaço e com a educação, na medida em
que este se apresenta em cena constantemente rompendo limites físicos, quando se assume
como “corpo poético”, aquele que, mais do que se preocupar com detalhes técnicos formais
da dança, valoriza a exploração dos movimentos, das habilidades, do resgate de gestos
espontâneos. Além disto, refletimos sobre a reconfiguração das posturas corporais, num
contexto em que o ser humano se expressa, também, por meio das tecnologias. Assim, o
corpo, físico, mas inteiro, integral, não dicotomizado (corpo e alma) é entendido em seus
movimentos, sob o ponto de vista da comunicação, com sua linguagem, expressa por signos
não verbais. Nossas ponderações dialogam com as reflexões de autores como Foucault,
Santaella, Campello, Lotman, entre outros. Em Campello (1997), especialmente, o corpo é
entendido como texto, de acordo com Lotman (1978). Buscamos a leveza da escrita
poética, por supormos que assim solicita nosso objeto, ainda que com isto assumamos
alguns riscos. Porém, cremos no além mais profundo das “linhas e entrelinhas”, nas quais
se pressupõe a emergência de novas posturas corporais, em busca do ser humano, pensante,
que opina, participa, cria, modifica, enfim, que se expressa mediante as transformações
globais que nos envolvem nos dias de hoje.
Palavras-chave: Corpo. Comunicação. Cultura. Cotidiano.
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RESUMEN
Este trabajo de disertación objetiva, de modo general, estudiar los procesos de
comunicación del cuerpo en el cotidiano, en el contexto de las culturas, mediante sus
múltiples manifestaciones, como media y como texto, sobre todo, su lenguaje artístico, por
medio de la danza contemporánea. Entre nuestros objetivos específicos, discutir el cuerpo
presente en el espectáculo Casa, de Cia Déborah Colker, o cual incorpora los movimientos
del cuotidiano, que se hacen complexos y que son trabajados en constante superación, o que
significa, además, problematizar su papel como o de productor de textos poéticos en la
comunicación. Para tanto, discutimos el cuerpo como objeto de pesquisa de la
comunicación y de la cultura, a partir de su relación con las teorías de la comunicación, con
el ambiente urbano, con el espacio y con la educación, en la medida en que este se presenta
en cena constantemente rompiendo los límites físicos, cuando se asume como “cuerpo
poético”, aquel que, además de preocuparse con detalles técnicos formales de la danza,
valoriza la exploración de los movimientos, de las habilidades, del rescate de gestos
espontáneos. Estudiamos la reconfiguración de las posturas corporales, en el contexto en lo
cual el ser humano se expresa por medio de las tecnologías. Por eso, el cuerpo, físico, mas
entero, integral, es entendido en sus movimientos, desde el punto de vista de la
comunicación, con su lenguaje, expresa por signos no verbales. Dialogamos con las
reflexiones de autores como Foucault, Santaella, Campello, Lotman, entre otros. En
Campello (1997), especialmente, el cuerpo es entendido como texto, de acuerdo con
Lotman (1978). Buscamos la delicadez de la escrita poética, por suponer que esto solicita
nuestro objeto, aun que con esto asumamos riscos, puesto que creemos en el más profundo
de las “líneas y entrelineas”, en las cuales se presupone la emergencia de nuevas posturas
corporales, en busca del ser humano, pensante, que opina, participa, modifica y que se
expresa mediante las transformaciones globales que nos envuelven en los días de hoy.
Palabras claves: Cuerpo. Comunicación. Cultura. Cotidiano.
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LISTA DE FIFURAS
Figura 1 As três Graças..................................................................................................................... 42
Figura 2 Years Later......................................................................................................................... 52
Figura 3 Years Later......................................................................................................................... 52
Figura 4 Years Later ........................................................................................................................ 53
Figura 5 Come In.............................................................................................................................. 53
Figura 6 Relatividade........................................................................................................................ 56
Figura 7 O Espetáculo “Casa”.......................................................................................................... 59
Figura 8 O Espetáculo “Casa” ......................................................................................................... 59
Figura 9 O Espetáculo “Casa” ......................................................................................................... 62
Figura 10 O Espetáculo “Casa” ....................................................................................................... 63
Figura 11 O Espetáculo “Casa” ....................................................................................................... 64
Figura 12 O Espetáculo “Casa”........................................................................................................ 65
Figura 13 O Espetáculo “Casa”..................................................................................................
...... 66
Figura 14 O Espetáculo “Casa”........................................................................................................ 67
Figura 15 O Espetáculo “Casa”........................................................................................................ 68
Figura 16 O Espetáculo “Casa”........................................................................................................ 69
Figura 17 Classe de Dança............................................................................................................... 73
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO: O CORPO E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO .......... 11
2 O PRIMEIRO OLHAR PARA OS CORPOS ............................................................. 17
2.1 O indivíduo e algumas teorias da comunicação: possíveis diálogos com o corpo...19
2.2 Identidades culturais, o indivíduo e o pós-moderno..................................................22
2.3 O corpo é a mídia......................................................................................................... 24
2.4 Corpo comunicação e tecnologia................................................................................ 28
3 CORPO, LINGUAGEM EM MOVIMENTO ............................................................ 33
3.1 Corpos, indivíduo: o movimento na cultura............................................................. 33
3.2 A linguagem corporal, a dança a cidadania do corpo............................................. 37
3.3 Corpo e contemporaneidade...................................................................................... 41
3.4 O corpo e o espaço urbano......................................................................................... 45
4 DANÇA: CORPO, COMUNICAÇÃO E CULTURA EM CONVERGÊNCIA ..... 49
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 72
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 76
ANEXO A – Entrevista..................................................................................................... 83
ANEXO B – Vídeo “Centro de Movimento Deborah Colker”...................................... 87
ANEXO C – Foto Corpo de Baile da “Cia Deborah Colker”........................................ 88
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Figura 1: "a fita la cinta veja mais "
Ano: 2005 - 2007
Material: lapis/ lápiz
Dimensões: 20 x 34 cm
Fonte: <http://www.gracielascandurra.com.br
>. Acesso em 28/06/09
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1 INTRODUÇÃO: O CORPO TEXTOS EXPRESSIVOS E
CONFORMADOS
Para relatar um percurso pessoal até chegar ao nosso objeto, afirmamos que nosso
aprendizado e interesse pelo corpo apareceram em nossa vida no exercício das atividades
em educação, por volta dos anos 80. Foi quando optamos por, ao invés de realizar o
trabalho com o corpo em academias de dança, considerar a possibilidade de exercer a nossa
experiência com a educação através dos corpos, dentro da escola. Ali, com a experiência
cotidiana, percebemos o trabalho com a dança, a arte de dançar, não exatamente a
preocupação com o corpo. Porém, entendemos, desde aquele momento, que não era apenas
o Ballet que precisava ser ensinado, embora as técnicas fossem importantes, contudo existia
uma necessidade muito maior, a de observar e aprender com a capacidade de cada elemento
distinto dentro das técnicas aplicadas ao movimento dos corpos.
A partir de nossa observação ao longo de nosso trabalho com os processos
educativos, visto que nós não apenas temos um corpo, mas de que somos o nosso corpo,
buscamos questionar algumas das relações traçadas entre os corpos na educação, ainda
naquele momento de nosso percurso. O que percebíamos naquele momento era que a rotina
da escola em geralmente está associada a um automatismo das relações e uma acomodação
a padrões de comportamento previamente estabelecidos, onde às vezes é dificultado o lugar
para o surgimento do novo.
o podemos nos esquecer que somos, nós mesmos, profissionais de educação,
marcados por um viés cartesiano que influencia a forma como construímos e organizamos
nosso conhecimento. Deste modo, por mais que saibamos que não existe desenvolvimento
motor separado de desenvolvimento afetivo nem de desenvolvimento cognitivo, ainda é
difícil ter um olhar integrado sobre o processo de desenvolvimento de nossas crianças na
prática cotidiana. O risco de compartimentalizar o processo de desenvolvimento infantil é
real e constante. As práticas escolares, em geral, associam movimento à bagunça, à
dispersão e, por isso, privilegiam o não-movimento, a postura estática, quieta e atenta como
condição para a aprendizagem.
Se disciplinarmos, impedindo o movimento e a exploração por meio das mãos, do
movimento, das trocas gestuais; se nos colocamos como um modelo a ser copiado; se
tolhemos ou se libertamos o corpo para o movimento ou se pontuamos a técnica à exaustão,
na busca de um movimento único e padronizado, de qualquer forma, o que estamos
12
fazendo, mesmo quando somos professores de outras disciplinas, e não propriamente
professores de dança, estamos educando corpos.
Quando tolhemos o movimento, quando incitamos a paralisia, estamos ainda
educando? E se estamos educando, para que ou para quem? Ao incentivarmos o movimento
livre ou ao reprimirmos para o não movimento, em ambas as situões, na libertária e na
repressiva, a educação do corpo está acontecendo. O que diferencia uma atitude da outra é
o tipo de indivíduo que estaremos formando. E isso tudo nos fez refletir sobre a educação
desses corpos, corpos pensantes e em movimento. Corpos que gritam à espera da
criatividade, do lúdico, da necessidade de agir para eles mesmos enquanto corpos. Esta foi
uma das questões que nos guiou até o nosso objeto de pesquisa, e que permanece como
questionamento recorrente, embora não tenhamos optado pelo foco da educação para
realizá-la.
A partir destas experiências foi que nasceu esta pesquisa, mas também mediante as
necessidades cotidianas da sociedade de que somos parte: comer, dormir, trabalhar,
consumir, acumular; sociedade na qual o ser humano tem tornado diminuto seu tempo de
introspecção e cada vez mais passa a desconhecer seu próprio corpo, tratando-o então
superficialmente e vitimando-o às conseqüências, prejuízos e mazelas oriundos da má
alimentação, da falta de descanso, das práticas anti-higiênicas, dentre outros malefícios.
Segundo Ramos e Sampaio (2007, p.2), esta agressão ao corpo pode ser vista como um
descaso, que está ligado à falta de diálogo interno. É necessário sentir este corpo, cuidar do
próprio corpo, para a aquisição de um equilíbrio emocional, físico, cognitivo e espiritual.
As autoras completam falando sobre a necessidade de ouvir o próprio corpo: “ouvi-lo
gemer, respirar, pensar, andar, tensionar, relaxar, pulsar... Ouvi-lo dizer que está vivo. Uma
destas maneiras se dá pela dança”.
O que falar da educação e como entender esses corpos no seu cotidiano, em salas de
aula sem o movimento, sem o lúdico, sem a movimentação corpórea? McLuhan (1969)
distingue sobre a educação escolar, com a qual os indivíduos possam fazer o uso adequado
da comunicação, ultrapassando os muros da escola, para ir ao encontro das diferenças
sexuais, políticas, ambientais, que compõem o nosso cotidiano, principalmente na
globalização em que vivemos o que nos demonstra que “o lugar dos nossos estudos é o
mundo mesmo, o planeta de todos. A escola clausura está a ponto de tornar-se escola-
abertura ou, melhor ainda, escola-planeta” (MCLUHAN, 1969, p. 57). Embora estas
questões sejam prementes e norteiem nossa existência como pesquisadora, porém mais
ainda, como educadora e cidadã, tratá-las não é nosso principal objetivo com este trabalho,
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ou seja, falar do corpo na educação. Assim, entre um dos objetivos norteadores desta
pesquisa, está não a modelagem dos corpos, mas sim a remodelação contínua e crítica do
pensamento por meio do aprendizado com o corpo.
Com estas inquietações nos aproximamos da Comunicação e da Cultura, por
percebermos a necessidade de se pensar o corpo como texto, como mídia, como estrutura
de linguagem, capaz de sintetizar as transformações do indivíduo e de transformá-lo a partir
dos vínculos comunicativos que ele constrói, por isso aqui se encontra a delimitação de
nosso objeto, o corpo cotidiano, na comunicação e na cultura, complexificado por meio da
dança, mais especificamente, a dança contemporânea, por meio da qual a Cia. Déborah
Colker se expressa, usando os movimentos do corpo presente no dia a dia, para a realização
poética do espetáculo Casa.
O corpo é texto, de acordo com Lotman (1978), pois o autor afirma que qualquer
conjunto de signos, organizado de forma a passar uma mensagem, pode ser chamado de
texto. Este corpo, texto, é prenhe de sentidos, signos, capaz de poesia, que, ainda segundo
Lotman (1978), é linguagem com complexidade.
Entender o corpo como mídia passa por uma opção metodológica, à qual chegamos
por meio de Pross, na pesquisa de Campelo, em cujo prefácio Norval Baitello Júnior nos
alerta para o fato de que “Harry Pross, em seu primeiro livro de 1972 Medienforschung
(investigação da Mídia) classifica o corpo como a primeira mídia do homem, como “mídia
primária”, aquela que funde em uma (única) pessoa conhecimentos especiais (apud
CAMPELO, 1997, p. 10)”. O nosso corpo, segundo Campelo (1997), é entendido como um
texto de cultura, produzido em nossos corpos no vivenciar/aprender do cotidiano. Sobre a
presença do cotidiano, justifica-se pelo fato de que estas vivências/aprendizados marcam os
nossos corpos em nosso dia a dia, deixando significados que serão incorporados em nossas
atitudes cotidianas e que se transformarão em textos e subtextos da cultura, capazes de
produzir significados múltiplos.
Estes autores, portanto, fornecem a base teórica com a qual pretendemos iluminar o
nosso objeto. Entretanto não são os únicos, pois procuramos dialogar com um conjunto de
referências que nos fará refletir sobre o corpo no cotidiano, na dança contemporânea, na
comunicação e na cultura
Seria válido, portanto, entender o diálogo entre os corpos como um diálogo entre as
culturas, as diversas visões do mundo que constroem os processos comunicativos, com seus
conhecimentos, vivências, experiências e meios de comunicação com os quais têm contato.
14
Pretende-se, portanto, a partir da experiência interdisciplinar da comunicação e da cultura,
uma educação que envolva as múltiplas linguagens de que os seres humanos fazem uso no
processo de interação com a realidade, mediada por outro ser humano. Para que isto ocorra,
nos apoiamos nas palavras de Almeida, que afirma ser necessária a multiplicidade de
indivíduos que interagem a partir de suas diferenças, pois:
Desta forma, quanto mais diferentes forem os indivíduos, mais
possibilidades eles terão de transmitir uns aos outros suas
experimentações, vivências e olhares. E este parece ser o papel da escola,
da educação, do mestre: constituir pessoas, não máquinas, nem operários.
(ALMEIDA, 2005, p. 1)
Isto só é possível a partir do conhecimento, do envolvimento pleno com a nossa
realidade. Por isso entendemos que o nosso método envolve a prática da pesquisa
participante, pois olhamos para o nosso objeto, ao mesmo tempo, de fora e de dentro, como
atores diretos do processo que procuramos desvendar. Brandão (1999) pondera sobre a
necessidade de cada um:
[...] aprender a escrever a sua história de classe, aprender a reescrever a
História através da sua história. Ter no agente que pesquisa uma espécie
de agente que serve. Uma gente aliada, armada dos conhecimentos
científicos que foram sempre negados ao povo, àqueles para quem a
pesquisa participante - onde afinal pesquisadores e pesquisados são
sujeitos de um mesmo trabalho comum, ainda que com situações e tarefas
diferentes – pretende ser um instrumento a mais de reconquista popular
(BRANDÃO, 1999, p.11).
Desta forma que entendemos o papel desta pesquisa, nascida da experiência
educativa com o corpo, em busca da comunicação,
suas experimentações, vivências e
olhares do corpo para o corpo, uma possibilidade de encontro, entre saberes, entre pessoas,
entre culturas. Uma pesquisa participante, na qual se apresentam a experiência como
professora, as artes do corpo, a dança, a comunicação, a cultura e, mais do que tudo, o
desejo de transformação. Este intuito nos moveu e nos move em todas as etapas deste
trabalho, ou seja, o objetivo de melhor compreender o corpo, a linguagem e a comunicação
para melhor educar.
Compõe a nossa pesquisa participante já mencionada, da qual não descartamos a
nossa experiência pessoal, a revisão bibliográfica; a análise do espetáculo Casa, por meio
da presença do corpo e de seus movimentos cotidianos, que são complexificados
15
poeticamente; e a pesquisa observatória, gerada mediante visita realizada à Cia. Déborah
Colker, quando acompanhamos os ensaios e conversamos com o grupo.
Foi optando por esta pesquisa que problematizamos nosso objeto: como o corpo se
comunica no cotidiano? O corpo é um meio de comunicação? As teorias da comunicação
são capazes de iluminar estes corpos para que melhor possamos compreendê-lo? Quais as
relações entre o corpo, a comunicação, a cultura e o cotidiano?
São questões que nos fazemos e que procuramos parcialmente responder ao longo
deste trabalho. Parcialmente, por entendermos que nem mesmo uma vida inteira é capaz de
dar todas as respostas a uma pesquisa, ainda que se delimite muitíssimo o foco de nosso
objeto, já que é natural de toda pesquisa gerar mais e mais perguntas. Assim, àquelas para
as quais não obtivemos respostas, fica o convite para que um outro pesquisador, com outro
olhar, busque responder.
Sobre a estrutura desta dissertação, nosso primeiro capítulo aborda, em O primeiro
olhar para os corpos, saber se de fato nosso corpo comunica-se constantemente? ainda que
não queiramos ou que não percebamos. Em seguida, no item O indivíduo e algumas
Teorias da Comunicação: possíveis diálogos com o corpo, o que procuramos é colocar o
corpo e o indivíduo em diálogo com parte das Teorias da Comunicação, sobretudo aquelas
que discutem o papel do emissor e do receptor nos processos comunicativos, já que
entendemos que a existência de um emissor e de um receptor pressupõe a presença de
corpos em troca comunicativa. Na sequência, com Identidades culturais, o indivíduo e o
pós-moderno, procuramos nos debruçar sobre os conceitos de cultura apropriados para se
discutir o corpo como construção cultural, mais especificamente, sobre as questões da
identidade e do indivíduo no contexto da pós-modernidade, fundamental para se avaliar o
contemporâneo. Passamos então à discussão da comunicação em O corpo é a mídia, por
entendermos que o corpo, mais do que um suporte no qual se colocam elementos de
expressão como o vestuário, as máscaras, acessórios e a maquiagem, é ele mesmo produtor
de sentidos e de uma linguagem própria, que se estrutura de acordo com cada cultura. Para
estas reflexões nos utilizamos da idéia de corpomídia, de Katz e Greiner. No último ponto
deste primeiro capítulo, “Corpo, comunicação e tecnologia”, procuramos abordar as
transformações do corpo e seu potencial comunicativo, na sua relação com os aparatos
tecnológicos.
No Capítulo 2, Corpo, linguagem em movimento, e em Corpo, indivíduo: o
movimento na cultura discutimos a movimentação dos corpos, a dança, como forma
singular de expressividade e comunicação. Já em A linguagem corporal, a dança e a
16
cidadania do corpo, apontamos alguns projetos sociais que se utilizam da dança, suas
razões, seus objetivos. Passamos então a Corpo e contemporaneidade, quando avaliamos
o corpo na contemporaneidade, em conseqüência, a dança contemporânea em suas relações
com o corpo no cotidiano, e, como último item deste capítulo, temos O corpo e o espaço
urbano, já que entendemos a cidade como um espaço privilegiado para a manifestação, a
interação, a expressividade dos corpos. No último capítulo, chegamos à Dança: corpo,
comunicação e cultura em convergência, quando analisamos o espetáculo Casa, da Cia.
Déborah Colker. E a partir de nossas Considerações finais, graças ao urgir do tempo,
fechamos um trabalho que sabemos ainda inconcluso, lacunar, mas que nos acompanhará
por muito tempo, com todas as suas questões, em um processo de semiose, produzindo
sempre outras perguntas, estas que nos movem e a nossos corpos, que estarão vivos
enquanto forem capazes de questionar.
17
2 O PRIMEIRO OLHAR PARA OS CORPOS
Neste capítulo procuramos nos aproximar um pouco mais de nosso objeto de
estudo, co corpo, distanciando-nos, agora, da experiência vivida com a educação e nos
aproximando das reflexões geradas pela inserção deste corpo na comunicação e na cultura.
Reflexões sobre o corpo podem gerar mudanças na civilização, seja nos costumes,
nos valores ou nas categorias de análise das ciências. De qualquer forma, pode se julgar que
as novas maneiras de pensar, sentir e agir com o corpo como objeto são indicadores de uma
mudança, que passa também pela comunicação e pela cultura.
Comunicar é uma das formas pela qual o ser humano situa-se no mundo, uma
maneira de o corpo traduzir o que está sentindo. Nosso corpo é um incorrigível boquirroto.
Mesmo sem que se diga uma palavra, uma interjeição, nem mesmo um murmúrio, ele vai
cometendo as maiores indiscrições. Nossas expressões, nossos gestos, nossas posturas
expressam por nós e sobre nós, denunciando nossos humores, amores e preconceitos. Do
mesmo jeito que nosso corpo pode confirmar nossas palavras, ele pode também desmenti-
las, numa espécie de ruído denunciador.
O estudo sistemático desse conjunto de sinais vem desenvolvendo-se desde o século
passado. Embora estudiosos como Darwin, ou bem mais tarde Reich, tenham se interessado
pelo assunto, somente a partir dos anos 60 é que foi aparecendo uma literatura
sistematizada a respeito. Contemporaneamente o assunto é tratado por antropólogos,
sociólogos, psicólogos, comunicólogos, semióticos, artistas e por terapeutas corporais,
entre outros.
É impossível não tomar conhecimento ou fingir que a comunicação não verbal, ou
seja, a comunicação corpórea, não tem importância no nosso dia a dia. Por isso, aos poucos,
ela vai se firmando como objeto de estudo da comunicação e da cultura, além de assumir
cada vez mais importância em nossas vidas, no nosso cotidiano e na arte.
Os movimentos são fluidos, abruptos contidos. Laban (1990) foi um dos primeiros a
prestar atenção a isto. A comunicação não verbal pode ser observada a partir do estudo da
postura, ou seja, que uma parte do corpo forma com outra parte do corpo, produzindo
significados. A orientação do corpo também dá informações comunicativas preciosas. Ela
mostra, quando se observa dois interlocutores, ou mesmo um grupo, quem é foco de
atenção, quem tem mais carisma, quem tem medo, quem está ou não interessado. A
distância interpessoal é outro tema que já foi abordado pelo americano T. Hall (1986), que
afirma sua variação segundo a cultura, a natureza da conversa, o grau de afetividade.
18
Entretanto, apesar de sua inegável importância, a comunicação não verbal é uma linguagem
que ainda pode ser explorada e que merece novas pesquisas, já que nela, por seu caráter
multifacetado e cultural, nada pode ser classificado como definitivo. Ainda, dada a
complexidade do assunto e seu caráter multidisciplinar, estudos que se debrucem sobre o
tema, na tentativa de melhor compreendê-lo, bem como de levantar questões que auxiliem a
problematizá-lo, são bem-vindos.
É sabido, porém, que parte de nosso conhecimento é passada informalmente, de
geração para geração, por meio da cultura e suas práticas. Por isso, o corpo é depositário e
gerador de informações, reflexões e saberes, e tem o poder da expressão da palavra e da
expressão corpórea. Para avaliar a produção de conhecimento gerada por essa expressão
corpórea, ainda serão necessárias mudanças radicais de entendimento do que é o
conhecimento, mas podemos vislumbrar transformações que poderão ser avaliadas
futuramente, já que o corpo tem se colocado como objeto fundamental da pesquisa em
diversas áreas do saber humano. Assim:
Para compreendermos as configurações humanas, é necessário que
tenhamos alcançado um distanciamento intelectual considerável
relativamente à configuração em que participamos às suas tendências de
mudança, à sua “inevitabilidade” e às forças que certos grupos que se
entrecruzam, mas simultaneamente se opõem, exercem uns sobre os
outros. (ELIAS, 1980, p. 181).
Desta forma, além deste distanciamento intelectual e, ainda, temporal, pautado na
polifonia e no dialogismo, cabe ressaltar que a cultura e a expressão do corpo, e estas
manifestações inconscientes, coletivas, não intencionais são as mais difíceis de inventariar
e avaliar. Gonçalves (1994) concorda que as concepções que o homem desenvolve a
respeito de corporeidade estão ligadas a condicionamentos sociais, que imprimem suas
marcas no indivíduo, ditando normas e fixando ideais nas dimensões intelectuais, afetivas,
morais e físicas.
De acordo com Crespo (1990), o corpo é um dos temas mais discutidos no mundo
contemporâneo, sendo objeto de estudos cada vez mais freqüentes no domínio das ciências
humanas e sociais. A emergência das reflexões sobre corpo processa-se num quadro de
profundas mudanças na civilização, costumes, valores, categorias de análise. Em qualquer
caso, julga-se que as novas maneiras de pensar, sentir e agir o corpo são indicadores de uma
mudança.
19
2.1 O INDIVÍDUO E ALGUMAS TEORIAS DA COMUNICAÇÃO:
POSSÍVEIS DIÁLOGOS COM O CORPO
Para Wolf (1992) o indivíduo anônimo, evidenciado pela teoria hipodérmica nos
anos 30, sustentará o entendimento de uma sociedade massiva. Qual o lugar do corpo nesta
sociedade de massa? E o que vem a ser essa massa?
A massa é constituída por um conjunto homogêneo de indivíduos que,
enquanto seus membros, são essencialmente iguais, indiferenciáveis,
mesmo que provenham de ambientes diferentes, heterogêneos, e de todos
os grupos sociais. Além disso, a massa é composta por pessoas que não se
conhecem, que estão separadas umas das outras no espaço e que têm
poucas ou nenhuma possibilidade de exercer uma ação ou uma influência
recíprocas (WOLF,1992 p.20).
Segundo esta corrente de pensamento sobre a comunicação, a expansão da
sociedade moderna, onde a centralização do poder afasta o público da origem de seus focos
de interesse, leva o homem comum a deixar-se orientar por uma comunicação massiva,
indireta, impessoal e abrangente, o que Beltrão (1986, p. 32) sinaliza como um mergulho
“num estado de vacuidade moral e intelectual, que se manifesta na expressão uniforme e no
automatismo de suas reações” (IBIDEM). Com isso, a criatividade e o esforço intelectual,
estimulados pelo intercâmbio de elementos simbólicos, que caracteriza a essência da
Comunicação, são tolhidos pela total impossibilidade de diálogo, ou seja, ao figurar como o
receptáculo passivo de mensagens midiáticas, o indivíduo não mais opera uma mensagem
de retorno. Desta forma, é provável que o corpo, não mencionado por estes estudos, estaria
também condicionado ao comportamento massivo e passivo. Os indivíduos agiriam
comandados por um emissor poderoso, centralizador, o que se pressupõe prever corpos
pouco criativos. E como seria, neste caso, o corpo deste emissor poderoso e centralizador?
Um corpo marcado por gestos autoritários? Um corpo ativo, que ordena outros corpos,
passivos?
A teoria dos mass media, segundo Wolf (1992), presente em pesquisas psicológico-
experimentais, reconsidera a passividade do receptor, redimensionando sua capacidade de
resposta diante de mensagens persuasivas, uma vez que são levadas em conta as barreiras
psicológicas de cada indivíduo na assimilação do conteúdo veiculado pelos media.
Já os estudiosos da Teoria Crítica vão propor uma avaliação que não somente se
detenha sobre os processos decorrentes da homogeneização da sociedade, mas também, e
20
principalmente, fazer observações críticas sobre os princípios sociais que regeriam estas
relações, sob a tônica da submissão, como afirma Mattelart e Mattelart (2000, p. 73), “a
Escola de pensamento crítico irá se interrogar sobre as consequências desses novos meios
de produção e transmissão cultural, recusando-se a tomar como evidente a idéia de que,
dessas inovações técnicas, a democracia sai-se necessariamente fortalecida”.
Beltrão (1986) analisa o receptor massivo segundo o princípio da universalização,
que diz respeito à:
[...] extensão presuntiva a tudo e a todos, pois destinada à recepção
por um público indefinido em número; heterogêneo em idade, nível
intelectual e status social, consequentemente não selecionado;
disperso no espaço e no tempo; e inorganizado, ou seja, sem
estrutura global visível, sem uniformidade de comportamento e sem
representação legítima (p.62).
A análise das teorias relacionadas à comunicação de massa pode nos levar ao
entendimento dos corpos contemporâneos, dos gestos como repetitivos, dos modelos como
padronizados pelos meios, e pelo trabalho industrial, especialmente naquele momento dos
estudos realizados pela Teoria Crítica, mas ainda hoje presente, seja no modo de sorrir ou
de gesticular, seja na aquisição de roupas, acessórios, cortes de cabelos ou na alienação e no
condicionamento produtivo de que ainda não escapamos, pois que tira o sono, o descanso, o
prazer e o lúdico corporais, que exaure e extenua pelo excesso de trabalho.
São afirmações possíveis, mas podem ser questionadas, já que os corpos podem
encontrar brechas para o lúdico, o complexo, o poético, como nos propõe Barbero (2004).
Barbero (2004) propõe um mergulho nos modos de produção cultural que não vêm
do centro, mas naqueles que têm na população sua esfera produtiva (periferia). Aqui o
sujeito, até então negado pela indústria cultural, é reposicionado no foco da cultura,
especialmente marcada pela mestiçagem populacional e de produção/ negociação de
sentido. Sob uma abordagem cultural sócio-histórica, Barbero sugere que os estudos em
comunicação passem a ver a cultura como mediação entre as esferas de produção e
consumo e que o processo de comunicação em si seja reconhecido como um lugar de
construção de identidades. Ainda que mantenha o uso do termo “receptor”, Barbero situa-o
em uma esfera ativa, num espaço social diferenciado, constituído pelo vínculo entre
indivíduo, mensagem e cultura local. A importância de todo esse processo é que ele tem
impacto na identidade cultural do indivíduo. Lembramos ainda que, apesar de não
mencionado diretamente por Barbero, o indivíduo, consequentemente, seu corpo, é
partícipe na construção desta identidade, ao se moldar, híbrido, com uma cultura mestiça de
21
que é composto. E como se compõe a nova identidade corporal, a partir de uma cultura
caracterizada por tensões do global, que é vivido no local? Um corpo também tenso, de
textos múltiplos, locais e globais? O fato de haver tensões significa que há movimento,
trata-se, portanto, de um corpo em movimento. Este movimento ocorre também entre as
diversas mídias, que são, mais do que tudo, construtoras de formas.
Segundo Barbero (2004), a globalização não legitima somente a ideologia mercantil
ou o desenraizamento cultural, mas afeta, ainda e principalmente, o plano dos imaginários
cotidianos das pessoas. Apoiados em Barbero (2004), entende-se que os corpos sonham
imagens, deslocadas e realocadas nas mestiçagens culturais e mediáticas.
Entendemos que há uma contínua construção e reconstrução de identidades. Sobre
isto, nos esclarece Hall (2005):
Um tipo de mudança estrutural está transformando as sociedades
modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens
culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que,
no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos
sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades
pessoais, abalando a idéia que temos de nós próprios como sujeitos
integrados. Esta perda de “um sentido de si” estável é chamada, algumas
vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse duplo
deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo
social e cultural quanto de si mesmos – constitui uma “crise de
identidade” para o indivíduo (HALL,2005, p.9).
Nesta construção de identidade mencionada por Hall (2005), podemos supor
também uma possível reconstrução constante do corpo, sobretudo na tentativa de
manutenção da juventude ou na similaridade com modelos consagrados pelos meios, signos
que os corpos, objetos, perseguem, mas que jamais poderão ser completamente realizados
como objetos. E se estas identidades sempre estiveram em construção, o advento e a
popularização da Internet configuram um meio que proporciona outras possibilidades e
parâmetros para a construção da identidade dos sujeitos, na medida em que esta forma
midiática permite hibridizações com outras formas de linguagens corporais, com potencial
de transformação da realidade vivida. Hoje, o receptor começa a se apropriar do mundo em
seu fluxo real, mediante simulações, ou seja, por meio de outras modalidades de
representação social e de um novo regime de visibilidade pública.
Na concepção de Morin (1995), a reestruturação identitária pós-moderna permite ao
homem a isenção do cumprimento de uma racionalidade pautada apenas nos compromissos
22
com a família, a Igreja e o Estado, permitindo a espontaneidade dos desejos e a diversidade
de contextos sócio-culturais. Acrescenta ainda que:
A diversificação é também psicocultural. Conforme as culturas,
manifestam-se tipos dominantes de atitudes, de comportamentos, de
agressividade, de complacência, etc. Além do mais, em toda civilização, e
particularmente na nossa, cada indivíduo assume personalidades
diferentes, conforme seu humor e conforme a pessoa que encontra, que
enfrenta ou à qual se submete (filho, pai, esposa, amante, chefe,
subordinado, rico ou mendigo, etc.); são duas personalidades radicalmente
antinômicas num mesmo indivíduo. Cada ser humano é um cosmos, cada
indivíduo é uma efervescência de personalidades virtuais, cada psiquismo
secreta uma proliferação de fantasmas, sonhos, idéias. Cada um vive, do
nascimento à morte, uma tragédia insondável, marcada por gritos de
sofrimento, de prazer, por risos, lágrimas, desânimos, grandeza e miséria.
Cada um traz em si tesouros, carências, falhas, abismos. Cada um traz em
si a possibilidade do amor e da devoção, do ódio e do ressentimento, da
vingança e do perdão. Reconhecer isso é reconhecer também a identidade
humana. O princípio da identidade humana é unitas multiplex, a unidade
múltipla, tanto do ponto de vista biológico quanto cultural e individual
(MORIN, 1995, p.61).
Maffesoli (1997) parece colaborar com tal visão, expondo que o “contraditorial”
jamais pode ser desvinculado das histórias humanas, do que se extrai que o contraditório,
assim como a ambiguidade, está na raiz do pensamento pós-moderno. Alia-se a estas idéias
a crescente heterogeneidade nas identidades e relações. Quanto a isso, Maffesoli expõe que
no sonho ou no imaginário, de forma simultânea, o homem vive coisas totalmente
estranhas, opostas entre si. E que mesmo nessa heterogeneidade há uma inegável coerência.
Lida-se com a diversidade dos sentimentos, das opiniões acerca do mesmo fato, da
adequação ou imposição de diferentes estatutos institucionais; tudo contribui a uma lógica
contraditorial, que se traduz na multiplicidade de realidades.
2.2 IDENTIDADES CULTURAIS, O INDIVÍDUO E O PÓS-MODERNO
Hall (2005) chama de pós-moderno global o movimento que aponta o colapso de
todas as identidades nacionais, até então soberanas, e produz a fragmentação dos códigos
culturais a partir da multiplicidade de estilos, do culto ao efêmero, ao flutuante, da ênfase à
diferença e ao pluralismo. O rompimento de fronteiras na construção de novas e inúmeras
faces culturais afirma/ materializa identidades, que reúnem pessoas distantes e
23
originalmente diferentes sob os mesmos interesses, num espaço/ tempo compartilhado e
presentificado com o auxílio das tecnologias.
Quanto mais à vida social se torna mediada pelo mercado global de
estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da
mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as
identidades se tornam desvinculadas (…) Somos confrontados por uma
gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor,
fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível
fazer uma escolha (HALL, 2005, p.79-80).
A escolha a que Hall se refere transita numa rede de micro agrupamentos, ou seja,
pequenos grupos, não necessariamente localizados no mesmo espaço e tampouco na mesma
cultura, relacionados entre si por interesses diversos. É o que Maffesoli (2005, p. 112)
descreverá sobre a massificação da cultura, do lazer, do turismo, do consumo, nomeando o
processo como tribalismo. Por favorecer o imaginário, o lúdico, o onírico coletivo, ele
reforça os “microagrupamentos”. Entre os arcaísmos recuperados na atualidade estão os
agrupamentos de indivíduos com interesses comuns e afinidades, cujo denominador comum
é a dimensão grupal, ou ainda, usando um termo oportunamente sugerido por Maffesoli
(2005), reabilitando a necessidade do estar – junto. Uma união social que acontece num
âmbito não mais racional como o moderno, mas sim, numa situação de puro emocional e
ritualística, que, de certa maneira acaba sendo elucidada pelos imaginários cunhados pelos
jogos virtuais eletrônicos.
A fragmentação da identidade e do imaginário de cada ser humano remete a uma
projeção no outro, a um existir a partir do olhar do outro. Maffesoli (2005) afirma que o
indivíduo não é mais dono de si, o que não significa deixar de ser ator no cenário social. A
existência está condicionada ao pertencimento ao grupo, à imitação reelaborada, ao fazer
como os outros fazem. O autor fala de uma ambiência que envolve o indivíduo e arrasta-o
como força exterior. O aparente efeito massificiante do deixar levar-se pela ambiência é
desmentido pela absoluta consciência dos sujeitos que aderem a este processo. E não
reagem, por necessitar deste vínculo de sociabilidade. Seduzido pela extensa gama de
apelos afetivos, lúdicos, políticos, pelos modismos, interesses de toda ordem partilhados, o
homem se vê diante de um caleidoscópio desterritorializado e passível de ser incorporado à
sua identidade mutante. Ao passo que faz sua escolha, não se limita a ela. O sujeito pós-
moderno transita pelo mosaico cultural composto por micro agrupamentos ou, referindo-se
ao seu aspecto mais arcaico, por meio de tribos. O autor pondera que:
24
[...] em verdade, eis o que é interessante na ênfase do espaço e no
mecanismo de identificação suscitado, o importante é ‘participar’ com
outros. Daí, sob nomes diversos, o ressurgimento do fenômeno
comunitário que funciona essencialmente sobre a identificação
emocional” (MAFFESOLI, 2005, p.247).
O pensamento pós-moderno predominante na atualidade instaura um movimento de
retorno às microestruturas sociais. Considerando que qualquer agrupamento depende de
afinidades que serão estabelecidas pelo fluxo interno de mensagens, não se pode
desvincular a tribalização de processos comunicacionais. A contribuição das novas
tecnologias para a formação de tribos, com a possibilidade de construção de múltiplas
identidades, reflete-se na própria heterogeneidade da rede.
Refletimos que estar conscientes desta necessidade de pertencer, de comungar e de
enxergar, no outro, a continuidade de cada indivíduo, composto complexamente, pode ser
um caminho para a reflexão do corpo abstruso que nos compõe como seres, indivíduos,
compostos de tantos outros corpos.
2.3 O CORPO É A MÍDIA
A comunicação é aceita por seus teóricos como um processo social, um
acontecimento, uma combinação de fatos sociais, históricos, subjetivos, temporais e
culturais, que se dá pelo atrito dos corpos e das expressões, permitindo que se realize, a
partir dela, algo novo. Para que ocorra o evento comunicacional, é necessário que haja uma
continuidade de comunicação, é preciso que haja a criação de um processo, de uma
sequência de seleções criando contato. Este processo não acontece necessariamente entre
pessoas que se relacionam para essa finalidade, mas acaba por acontecer na presença muda,
nos olhares, no contato dos corpos. O tempo dessa comunicação se realiza apenas no
momento em que se identifica a distinção entre um mero sinal e uma informação.
O corpo humano, devido às imutáveis transformações e contradições que a própria
medicina não consegue explicar, vem sendo estudado há milênios. Os cientistas, em
permanentes pesquisas, descobrem métodos de tratamento cada vez mais eficazes, chegam
a transformar seres humanos em autênticos ciborgs. E, hoje em dia, até determinados
órgãos de animais podem ser implantados nos humanos, salvando vidas. Santaella (2004) é
quem nos fala a respeito das possibilidades oferecidas pelas tecnologias ao corpo orgânico,
25
cada vez mais desdobrado, aberto, imerso em um mundo de possibilidades de experiências
que esfacelam as fronteiras já tênues entre natural e tecnológico:
Hoje, em plena efervescência da revolução digital, a teleinformática
transformou o mundo em um campo total de eventos interdependentes,
abertos à participação coletiva, tornando cada um de nós imediatamente
presentes ao que acontece e acessíveis a partir de qualquer ponto no
espaço. Com isso, nosso corpo orgânico, desdobrado nas extensões
virtuais, imerge em um mundo total de experiências (...) Além de estar
ligado ao ambiente através de uma continuidade eletromagnética, trata-se
de um corpo modificável por meio da tecnociência. Tudo isso torna o
corpo permeável e sem fronteiras, abalando as antigas e estáveis relações
binárias entre mente e corpo, cultura e corpo, cultura e natureza
(SANTAELLA, 2004, p. 80).
Para Santaella (2004), além de um corpo fenomenológico, há um corpo construído
social e culturalmente, um terceiro sentido e dimensão do corpo que surge como sintoma de
uma contemporaneidade pós-humana: o corpo biocibernético (idem). Tal como um
ciborgue, essa “hibridização indiscernível entre o orgânico-biológico e o
maquínicocibernético, entre a umidade do carbono e a secura do silício” (SANTAELLA,
2004, p. 55) ocorre nas sucessivas interfaces que se têm criado entre o corpo e as
tecnologias.
O que entendemos, a partir das ponderações de Santaella, é que as novas
possibilidades tecnológicas são acompanhadas de novas possibilidades de expressividade
do corpo, que continuamente superam seus limites e ampliam, além de sua potência de vida
e de longevidade, sua capacidade de comunicação e de complexificação esta comunicação.
Por isso achamos pertinente acrescentar a afirmação de Samarão (2006), que avalia a
contribuição de Merleau-Ponty (1971), enfatizando que o autor, “em seu estudo sobre a
percepção, já ressaltava que o corpo é uma forma de expressão, pleno de intencionalidade e
poder de significação (SAMARÃO, 2006, p. 1)”. Entretanto, de acordo com a autora,
quando escreve que para Foucault (1989):
[...] o corpo é sujeito à docilização. Diferentemente de Merleau-Ponty
(1971), Foucault (1989) trata o corpo como um elemento a ser
disciplinado e docilizado. Sua postura, sua utilidade e sua funcionalidade
são submetidas à disciplina, tornando o corpo, um corpo dócil (Apud
SAMARÃO, 2006, p. 1).
A autora explica que “para Foucault (1989, p.125) é dócil um corpo que pode ser
submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transmitido e aperfeiçoado” (IBIDEM). E
26
finaliza: “assim é o corpo na dança” (ibidem). Porém, discordamos da leitura de Samarão se
ponderarmos que o corpo é dócil na dança quando sujeito a movimentos coreografados
sistematicamente, como é o caso da tradição clássica do ballet. Por outro lado, numa outra
perspectiva de linguagem, a da dança contemporânea, por exemplo, pode ser o corpo, na
dança, o contrário do que Foucault aponta – um corpo indócil, subversivo, não submetido,
aberto às improvisações e à surpresa dentro de um improviso, ainda que ensaiado e sabido
de todos os participantes.
Entendemos, sobretudo, que se trata de uma avaliação que deve respeitar a
perspectiva histórica, já que o corpo, obviamente, reflete esta história na dança que realiza.
Para Siqueira (2006), independente de que os movimentos sejam coreografados ou ainda
que sejam completamente espontâneos, ocorre que neles aparecem, como que nas
entrelinhas, aspectos culturais daquele que se move. Ela também ressalta o fato de que o
modo como um coreógrafo e seu intérprete vislumbram o mundo aparece na dança que
realizam.
O corpo humano permite uma variedade infinita de movimentos, que brotam de
impulsos interiores e exteriorizam-se pelo gesto, compondo uma relação íntima com o
ritmo, o espaço, o desenho das emoções, dos sentimentos e das intenções.
Se a dança é um modo de existir, cada um de nós possui a sua dança e o seu
movimento, original, singular e diferenciado e é a partir daí que essa dança e esse
movimento evoluem para uma forma de expressão que busca a individualidade pela
coletividade humana, a partir de movimentos diferenciados, desenvolvidos com a
expressividade, a força, os limites, ou seja, a potencialidade física de cada um.
O corpo humano vai ao longo da vida se incorporando linguagens, pois o corpo fala,
opera, aprende, pensa (...) o corpo lembra, tem memória mítica, psíquica, muscular,
genético-química” (CAMPELO, 1997, p.65).
Não cabe, é claro, exigir respostas sobre se a cultura tenha nascido do corpo, da sua
alteração, do medo do envelhecimento e, sobretudo, do medo da morte, última instância do
corpo, ao mesmo tempo em que aquilo que o une ao todo de onde veio. Mas é possível
afirmar que para compensar sua finitude, o homem inventa mundos e os povoa de signos,
ritos, mitologia, arte:
Além de efetiva linguagem, o mito cumpre as funções de guardião da
memória e constitui-se numa trilha alternativa para o conhecimento da
história do homem. (...) aponta para a multiplicidade, para as profundezas,
para o terrível desconhecido. (...) São os mitos que ancoram o saber, as
ciências, as crenças religiosas, a ameaça castradora da morte. São os mitos
27
que religam, continuamente, o homem com o inefável. São eles que
lançam as pontes de volta aos jardins do Paraíso. (...) interconectam,
assim, o passado - presente - futuro apontando soluções para os obstáculos
que vão surgindo e possibilitando, por isso mesmo, o caminhar evolutivo
pela Terra (CAMPELO, 1997, p. 43).
A cultura é, portanto, nascida de nossa consciência do corpo e, de acordo com
Merleau Ponty (1971, p. 147) “brota e espalha nas articulações do corpo, nas coisas
sensíveis e desliza por vias que não abriu”. Este corpo, um “texto da cultura”, segundo
Campelo (1997), é mídia capaz de comunicar tudo aquilo que somos, que pensamos, que
simulamos ser, que pretendemos vir a ser um dia. Por isso para Katz e Greiner (2001) a
idéia de mídia não está circunscrita aos meios de comunicação de massa como o jornal
impresso, a televisão, o rádio. O corpo é, também, o primeiro meio de comunicação
humano. Não só as mídias de massa sujeitariam o corpo a profundas transformações, como
também o corpo seria agente que, transformado, é capaz de propor transformações aos
outros meios:
As informações do meio se instalam no corpo; o corpo, alterado por elas,
continua a se relacionar com o meio, mas agora de outra maneira, o que o
leva a propor novas formas de troca. Meio e corpo se ajustam
permanentemente num fluxo inestancável de transformações e mudanças
(KATZ e GREINER, 2001, p.71).
Os corpos dos bailarinos, no processo de comunicação que é a dança, funcionam
como o meio pelo qual as produções de sentido são realizadas, dando forma ao espetáculo,
no qual elementos da sociedade contemporânea são explicitados. Além disso, estes corpos
se constituem em indivíduos/ atores/ bailarinos na sociedade contemporânea. Na dança, no
momento das apresentações, o público espectador tem a possibilidade de identificar no
espetáculo questões que ele mesmo vive na sociedade, produzindo, assim, também,
significados. O corpo fala, transmite sentimentos. Através da dança o bailarino passa suas
emoções para o espectador, corporalmente, comunica-se, observa, articula e tem o apoio
dos outros corpos.
Greiner (2005) apresenta de forma sintética e precisa o desenvolvimento dessa
noção de corpo – mídia:
O corpo é resultado desses cruzamentos, e não um lugar onde as
informações são apenas abrigadas. É com essa noção de mídia de si
mesmo que o corpomídia lida, e não com a idéia de mídia pensada como
veículo de transmissão. A mídia à qual o corpomídia se refere diz respeito
ao processo evolutivo de selecionar informações que vão constituindo o
28
corpo. A informação se transmite em processo de contaminação
(GREINER, 2005, p. 131).
Neste processo de contaminação, como se re-configuram os corpos, o corpo-mídia,
no contato com as novas tecnologias? São estas as relações que pretendemos abordar no
próximo item.
2.4
CORPO, COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA
Castells (1999) explana sobre o surgimento de um novo sistema eletrônico de
comunicação, surgido com a internet. Para o autor, este sistema seria capaz de transformar
a cultura humana e, acrescentamos consequentemente, os corpos, já que corpos são
construções culturais. Portanto, cabe apresentar aqui o próprio conceito de comunicação, o
conceito de audiência, o conceito de interatividade. Se com a comunicação de massa
podemos pensar em um emissor centralizado e uma audiência passiva, com a Internet
prevemos outros mecanismos de produção, em que a audiência é mais ativa, a partir do
momento em que seleciona e acessa fragmentos aos quais altera, nos quais colabora.
Entretanto a interatividade, no que diz respeito à comunicação essencialmente dialógica,
em que emissor e receptor trocam continuamente de papéis, em tempo real, gerando crítica
e questionamento, pode ou não vir a se concretizar neste meio.
Para Castells (1999), as redes constituem a nova forma de nossas sociedades, o que
modifica a configuração dos processos, das relações:
Redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades e a
difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a operação e os
resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura. [...]
Eu afirmaria que essa lógica de redes gera uma determinação social em
nível mais alto que a dos interesses sociais específicos expressos por meio
das redes: o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder. A
presença na rede ou a ausência dela e a dinâmica de cada rede em relação
às outras são fontes cruciais de dominação e transformação de nossa
sociedade: uma sociedade que, portanto, podemos apropriadamente
chamar de sociedade em rede, caracterizada pela primazia da morfologia
social sobre a ação social (CASTELLS, 1999, p. 565).
29
A internet estimulou a comunicação horizontal, de pessoa a pessoa, onde cada um
pode criar seus sistemas próprios de comunicação. “Pela primeira vez, há uma capacidade
de comunicação maciça, não midiatizada pelos meios de comunicação de massa”, destaca
Castells (2000, in: Moraes, p. 286). Na visão de Castells, a internet:
[...] constitui a base material e tecnológica da sociedade em rede; é a
infra-estrutura tecnológica e o meio organizativo que permitem o
desenvolvimento de uma séria de novas formas de relação social que não
têm sua origem na internet, que são fruto de uma série de mudanças
históricas, mas que não poderiam desenvolver-se sem a Internet
(CASTELLS, 2000, in MORAES, 2003, p.286 e 287).
E esse corpo, comunicando “todos com todos”, transforma a idéia de comunicação,
de modo que vamos ao encontro da visão de pós-humano, abordada por Santaella (2003):
O potencial para as combinações, entre vida artificial, robótica, redes
neurais e manipulação genética é tamanho que nos leva a pensar que
estamos nos aproximando de um tempo em que a distinção entre vida
natural e artificial não terá onde se balizar. De fato, tudo parece indicar
que muitas funções vitais serão replicáveis maquinicamente assim como
muitas máquinas adquirirão qualidades vitais. O efeito conjunto de todos
esses desenvolvimentos tem recebido o nome de pós-humanismo
(SANTAELLA, 2003, p. 199)
Se no nosso cotidiano, na comunicação corpo a corpo, podemos identificar os
signos não verbais e verbais com os quais as pessoas passam seus sentimentos em relação a
nós e aos outros, na comunicação mediada das redes, a câmera traz a imagem do corpo, o
microfone o signo da voz, não mais os objetos. Na comunicação interpessoal, o corpo
expressa quando está havendo entendimento, em gestos, em expressões faciais. Podemos
ainda dizer que, em um processo comunicativo, sob a perspectiva da troca de consciências,
como já apontou Martino (2001), a complexidade da relação entre emissor e receptor, e
com eles os corpos envolvidos no processo, é muito maior do que o papel de codificador e
decodificador, mas emissor e receptor intercambiam suas funções e transformam-se em
sujeitos ativos, ambos, do processo comunicativo. Oliveira (2003, p. 7) aponta que “o
campo comum acontece através do diálogo e da argumentação das opiniões, propostas e
divergências. Nessa perspectiva, independentemente do lugar que ocupam, os interlocutores
produzem sentidos”.
A variabilidade do poder de intervenção do indivíduo na comunicação midiática
pode ser medida, segundo Lévy (2003), de acordo com as possibilidades de apropriação e
de personalização da mensagem disponível, a reciprocidade da comunicação e ainda a
30
implicação da imagem dos participantes nas mensagens, ou uma espécie de co-autoria. O
autor vai além e aponta a necessidade de uma Teoria da Comunicação renovada, o que
passa, obrigatoriamente, por uma cartografia minuciosa dos modelos de comunicação
praticados em ambientes midiáticos digitais.
O estabelecimento dessa cartografia torna-se ainda mais urgente, já que as
questões políticas, culturais, estéticas, econômicas, sociais, educativas e
até mesmo epistemológicas de nosso tempo são, cada vez mais,
condicionadas a configurações de comunicação. A interatividade assinala
muito mais um problema, a necessidade de um novo trabalho de
observação, de concepção e de avaliação dos modos de comunicação, do
que uma característica simples e unívoca atribuível a um sistema
específico (LÉVY, 2003, p.82).
No modo de compreensão do termo mídia de massa e mídia segmentada, podemos
ver que, uma vez que todo o sujeito dispõe de potencial interativo, sendo ativado ou
reprimido de acordo com as possibilidades tecnológicas, o entendimento de comunicação
massiva reflete uma peculiaridade técnica relativa aos media. Castells (1999) pondera que:
Constitui uma das ironias da história intelectual o fato de serem
precisamente aqueles pensadores que defendem a mudança social os que,
com freqüência, vêem as pessoas como receptáculos passivos de
manipulação ideológica, na verdade inibindo as idéias de movimentos e
mudanças sociais, exceto sob o modo de eventos excepcionais singulares
gerados fora do sistema social. Se as pessoas tiverem algum nível de
autonomia para organizar e decidir seu comportamento, as mensagens
enviadas pela mídia deverão interagir com seus receptores e, assim, o
conceito de mídia de massa refere-se a um sistema tecnológico, não a uma
forma de cultura, a cultura de massa (CASTELLS, 1999, p.360).
O que se deve levar em conta, em todo caso, é, mais do que continuarmos a discutir
a comunicação de massa, de que os usos que se faz da tecnologia na contemporaneidade se
trata de um cenário de complexidade no qual, o corpo tende a se reconfigurar, agente e
receptáculo de sentidos, mídia e suporte da comunicação. Se a internet permitiu outras
possibilidades de interação, e o que isto significa em termos de transformação de
consciências, é algo a se questionar, já que os lugares de debate e argumentação figuram
cada vez mais calcados nos velhos antagonismos radicais. Pertencer a uma comunidade é
agregar-se ao igual. As diferenças co-existem, não necessariamente convivem. E os corpos
experimentam menos movimentos físicos ou ainda outros movimentos nas relações entre
redes, na fruição onipresente de espaços e tempos distintos e improváveis sem esta
tecnologia. Resta saber como estas relações promoverão novas possibilidades de
corporeidades, antes simuladas apenas em sonhos ou na ficção da literatura. Resta saber
31
que corpos estão mais presentes ou mais ausentes e de que matéria, compostos, somos mais
reais, carne ou pixel.
Por tudo isso, e entendendo-se a dança também como um processo comunicativo e
tecnológico, percebe-se que não podemos mais ignorar a presença e os efeitos das novas
tecnologias em relação ao corpo. É por este avanço tecnológico que o trabalho com o corpo
congrega uma grande diversidade de corpos (docentes, médicos, psicólogos, discentes,
atores, bailarinos, coreógrafos, engenheiros, etc.) que se relacionam de maneiras múltiplas
com as possibilidades que temos hoje de transformar-los por meio das cirurgias, das
próteses, dos implantes e da performance na arte. Estamos falando hoje do “Corpo pós-
humano”, na medida em que o corpo físico não só não é mais um limite para o ser humano,
como nunca o foi, já que em toda a história das ferramentas comunicativas, sempre estamos
ampliando, projetando nossas ações. Santaella (2002, p.198) nos esclarece: "a este
cruzamento, que se faz notar entre o aparecimento do inorgânico no interior do orgânico e a
existência da irreversibilidade própria à vida no universo inorgânico, tenho chamado
advento do pós-humano".
Couto (1997) aponta em seu trabalho duas correntes filosóficas que relacionam com
as tecnologias ao seres humanos: a primeira, representada por Marshall McLuhan e Jean
Baudrillard, na qual a tecnologia é a extensão do corpo humano, considerado obsoleto. O
corpo físico, portanto, tende a desaparecer com a implantação de um corpo tecnológico
superior. Outra representação é proposta por François Laruelle, que acredita “o homem
utiliza-se das tecnologias no próprio corpo para usufruir uma intensidade maior, para poder
mais, para estender seus próprios limites” (COUTO, 1997, p. 46).
As tecnologias digitais vêm implicando mudanças e desafios nos comportamentos
humanos e a partir delas, o que seria necessário? Resgatar o supostamente corpo natural, na
tentativa de salvar os seres humanos ameaçados pela tecnologia? Não podemos esquecer de
que o corpo já não é natural há muito tempo: desde as drogas para a saúde, aos óculos,
marca-passos, pinos cirúrgicos, silicones, até as tintas de cabelo, somos híbridos. Não
podemos simplificar, visto o reconhecimento histórico de que as diferenças e
transformações sociais e culturais estão inscritas e construídas em nossos corpos. Acredita-
se, assim, em um novo desafio, centrado na possibilidade de inter-relacionar e interconectar
nossos corpos físicos e digitais.
32
Nas últimas décadas, artistas, que trabalham na extremidade das
complexidades computacionais, passaram a explorar a tecnologia da vida
artificial, atraídos pelo desafio de criar formas de vida que simulam os
comportamentos da vida biológica e que evoluem, autopropagando-se
como resultado da experiência (SANTAELLA, 2004, p.100).
Desta forma, arte e tecnologia não se excluem. Assim como a arte antecipou
invenções, realizou descobertas que mais tarde seriam referendadas pela ciência, a ciência
abre outras possibilidades para a arte. E a dança não é diferente, pois com o auxílio da
tecnologia pode inovar, explorar os movimentos, criar novas extensões e suportes para o
corpo que dança.
33
3 CORPO, LINGUAGEM EM MOVIMENTO
Neste capítulo, pretendemos apresentar o corpo em movimento como um modo de
se expressar pela cultura. O movimento é a linguagem do corpo, e como outras linguagens,
a linguagem do corpo possui seus códigos, e é passível de ser interpretada, de produzir
mensagens e de se transformar em comunicação complexa, por meio da arte.
Não é natural dos corpos que permaneçam estáticos. E o modo de se movimentar, os
gestos, as expressões, também se configura como linguagem, linguagem esta que é
determinada, moldada, construída pela cultura, e que difere, portanto, de povo para povo,
de indivíduo para indivíduo. A dança, por sua vez, é o corpo em movimento, transformado
em sua potência poética, potência de comunicação.
3.1 CORPO E INDIVÍDUO: O MOVIMENTO NA CULTURA
O corpo tem sido ao longo da história humana, dicotomizado. A reflexão nem
sempre foi o habitual de nossas práticas corporais, bastava fazer. O porquê de se fazer, com
que corpo fazer, para quem fazer e em nome do que e de quem se faz, significativamente, é
quase sempre dispensável esclarecer. O ativismo mecânico permeia a maior parte de nossas
ações cotidianas.
O interesse pela expressão da corporeidade pode apontar para o diálogo com a
própria vida, diretamente envolvida com os processos de transformação do conhecimento,
associada à importância na experimentação do corpo como um movimento humano
consciente.
O desafio maior está em ver a transformação do corpo a partir de como
experimentamos o conhecimento. Cabe a este conhecimento definir, organizar, criticar,
mas, sobretudo auxiliar no alcance da qualidade de vida. Estudar o corpo é ter como
proposta a ampliação do campo de conhecimento em busca de um ser pensante, com direito
a opinar e modificar as situações mediante suas necessidades e vivências sócio-culturais,
através das transformações do dia a dia. Por isso, como já mencionamos na introdução
deste trabalho, nossa preocupação maior não está centrada em detalhes técnicos formais do
campo da dança, mas na exploração dos movimentos, habilidades e gestos espontâneos do
34
corpo em processos comunicacionais e em suas possíveis leituras. Percebemos que não se
trata de propor um estudo fechado, mas apenas o início de um leque de situações utilizando
o corpo como uma forma infinitamente aberta para as intenções do movimentar-se rumo ao
conhecer-se. Cabe aqui a conhecida pergunta de Garaudy (1980, p. 13): “O que aconteceria
se, ao invés de, apenas, construirmos nossas vidas, tivéssemos a loucura ou a sabedoria de
dançá-la?” O filósofo afirma que a dança não é apenas uma arte, mas um modo de viver,
uma forma de existir.
Não pretendemos aqui traçar um histórico da transformação da arte de dançar
através dos tempos, mas cabe pontuar a que dança nos referimos e quais as referências a
serem memoradas, a dança contemporânea, possibilitada pela ousadia de superação e
experimentação iniciada com a dança moderna. A dança moderna (início do século XX)
retoma, assim, depois de quatro séculos de balé clássico, o que foi a dança para todos os
povos, em todos os tempos: a expressão, através de movimentos do corpo, organizados em
sequências significativas de experiências que transcendem o poder das palavras e da
mímica.
A dança é um modo de existir, retomando Garaudy (1980), não apenas jogo, mas
celebração, participação e não apenas espetáculo. Relacionados a estas questões, estão
elementos da própria vida, da expressão, da comunicação. Para o autor:
[...] os homens dançaram todos os momentos solenes de sua existência: a
guerra e a paz, o casamento e os funerais, a semeadura e a colheita.
Dançar é, antes de tudo, estabelecer uma relação ativa entre o homem e a
natureza, é participar do movimento cósmico e do domínio sobre ele”
(GARAUDY, 1980, p.13).
Baitello (1997) explica que os textos da cultura, suas manifestações, são capazes de
transformar o nosso corpo, provocando reações orgânicas, experiências que se iniciam na
pele e que, acreditamos, permanecem tatuadas em nossa memória, determinando nossos
comportamentos e as nossas possíveis leituras de mundo. Assim:
[...] um determinado espetáculo, um poema ou um romance, um ritual,
uma dança, uma peça musical ou teatral, ou até mesmo a narrativa
empolgada de uma partida esportiva podem emocionar alguém até as
lágrimas, afetando, ainda que por momentos, seu equilíbrio biológico, ou
seja, alterando o ritmo e a qualidade da comunicação intraorgânica.
(BAITELLO, 1997, p. 41).
35
Mendes e Nóbrega (2009)discutem estas relações entre o biológico e o cultural, no
corpo:
Percebemos que os textos da cultura, como as danças, os jogos, os
esportes, as lutas ou as ginásticas possuem uma relação constante com os
códigos do funcionamento orgânico e com os códigos da linguagem.
Destacamos ainda que Mauss (1974), ao reconhecer que os atos corporais
são fenômenos biopsicosociológicos, já se empenhava em tecer relações
entre a Biologia e a cultura, uma vez que reconhecia que determinadas
técnicas corporais influenciavam os fenômenos biológicos (MENDES e
NÓBREGA, 2009, p. 6).
A autora ainda explica que quanto aos processos de significação das práticas
corporais, os sentidos originais serão percebidos em consonância com o lugar no qual
foram produzidos. De acordo com a introdução de um novo contexto, e a partir da
interpretação dos sujeitos que vivenciam estas práticas, podem surgir novos significados.
Assim, na visão das autoras, não podemos negligenciar o fato de que as técnicas corporais
obedecem a uma lógica simbólica, que se transforma de acordo com fatores tais como a
educação, as experiências de vida, portanto, as trocas culturais. Vale retomar as idéias de
Mauss (1974), que fala a respeito das prescrições e proibições relacionadas às práticas
corporais. Mulheres que podem ou não mostrar o rosto, homens que se beijam ou não ao se
cumprimentar, franzir ou não o cenho, oferecer ou não a mão a uma mulher ou mesmo
beijá-la no rosto, quantos beijos serão dados, são práticas permitidas ou proibidas no
contexto de cada cultura. Os jogos, as danças populares, os ritos, são práticas que se
transformam continuamente. Para Mendes e Nóbrega (2009),
Ao serem criados no local ou advindos de outro lugar, os jogos, as danças,
os esportes, as lutas ou as ginásticas vão sendo recriados pelos seus
participantes. Novos usos do corpo surgem, adquirem outros sentidos e os
objetivos também se alteram. Essa capacidade de atravessar bairros,
cidades, estados e países, além de ocorrer pelo fato de serem considerados
como sistemas comunicativos, também sofrem influência do que é
valorizado nas sociedades em que estão inseridos e acabam sucumbindo
aos ditames da economia de mercado e da espetacularização. (MENDES e
NÓBREGA, 2009, p. 7).
Assim, entendemos que a forma mais apropriada de compreender determinada
cultura, é abrir-se ao seu conhecimento, porquanto sabemos que nenhuma cultura sobrevive
isolada, fechada em si mesma. Mendes e Nóbrega (2009) denominam essa troca cultural,
essa movimentação pelas culturas como “cultura do movimento”, e avaliam, sobre a
necessidade de se aplicar este conceito às práticas de educação com o corpo:
36
Compreender a cultura de movimento a partir do entrelaçamento entre
corpo, natureza e cultura também pode contribuir para que os alunos
tenham acesso a manifestações culturais de outros contextos sociais, com
possibilidades de se estabelecer reflexões sobre as diversidades culturais,
sobre as aproximações e as diferenças com suas realidades e a
possibilidade de trocas culturais, contribuindo com a comunicação entre
os sujeitos de várias localidades do mundo (MENDE; NOBREGA, 2009,
p. 7).
Já Aragão e Pernambuco (2006) ponderam sobre o modo como as manifestações da
cultura do movimento podem favorecer nos processos de conscientização dos sujeitos:
As manifestações da cultura do movimento favorecem o processo de
conscientização quando codificam os diferentes lugares ou posições, que
o sujeito ocupa por toda a sua vida, e que concorrem para a formação
humana. O que são esses lugares ou posições? Situações de vida e papéis
sociais desempenhados pelo sujeito, nas quais se efetivam trocas de
informações e mudanças. Lugares aonde chegam informações que
permutam com outras e que são levadas para outros destinos, já
modificadas, naturalmente, pela interação, pela troca que promove a
transformação (ARAGÃO; PERNAMBUCO, 2006).
Vale ressaltar que as representações que as pessoas têm a respeito da corporeidade
incluem todas as experiências que possuem, sendo a cultura um dos principais pontos de
referência na expressão corporal, na linguagem não-verbal. Para Pinho (2005) o corpo
figura como reprodução da sociedade, transmitindo estruturas culturais mediante práticas
determinadas. Ribeiro (2009) explica que:
[...] o comportamento não-verbal tende a ser indescritível, espontâneo e
com frequência vai além de nossa consciência. O seu aprendizado envolve
aspectos culturais universalmente aceitos, como expressões faciais que
representam as emoções básicas do ser humano (SAMOVAR; PORTES;
STEFANI, 1998). Existem também os gestos culturais de regiões
específicas que são diferentes de outras áreas, os quais em determinado
tempo e local geram consequências positivas ou negativas de acordo com
as regras culturais (RIBEIRO, 2009, p. 4).
Para Gonçalves (1994) a corporeidade do homem é marcada culturalmente. Trata-se
de um corpo social e culturalmente condicionado. Este condicionamento dita normas e
ideais nas várias dimensões humanas: física, moral, intelectual e afetiva. De acordo com o
autor, cada indivíduo de um determinado grupo cultural tende a revelar para além da
singularidade que o caracterizam como indivíduo, expressões que diferenciam esse grupo
37
como unidade. Cada corpo traz em si, como se fossem cicatrizes, além da sua própria, a
narrativa social, com todos os ritos, mitos e valores que a especificam. Com todas as leis
que inibem o corpo. Com todas as sanções que ele teme. Com todos os fetiches de que ele
pode ser vítima.
Marx (1980), por exemplo, debruçou-se sobre as relações do homem com o
trabalho, que afeta irremediavelmente o corpo, transformado em objeto dominado pela
necessidade produtiva. Para Marx (1980, p.202) homem e natureza são partícipes do
processo laboral. A partir do momento que o homem necessita dominar a natureza para
produzir bens, necessita também reprimir o seu próprio corpo, ou seja, conquistá-lo,
dominá-lo. Cremos que a afirmação de Marx ainda possui validade, na medida em que
percebemos o tempo livre aproveitado para mais produtividade, além dos corriqueiros
massacres ao corpo contemporâneo: não comer de forma adequada, não dormir o suficiente,
permanecer horas em frente ao computador, televisão, vídeo games, a fim de “aproveitar”
ao máximo o tempo de que se dispõe. Por outro lado, sob o apelo do consumo, certa
corpolatria parece respeitar o corpo, mas também o massacra com horas de academia. Desta
forma, o homem domina a natureza, mas é dominado pelo trabalho, pelo consumo, pela
cultura, necessitando adaptar seu corpo e até superar as necessidades físicas para que este
corpo ganhe em produtividade.
Veremos a seguir que cada corpo expressa a história acumulada de uma sociedade
que nele marca seus valores, suas leis, suas crenças e seus sentimentos, que estão na base
da vida social.
3.2 A LINGUAGEM CORPORAL, A DANÇA E A CIDADANIA DO
CORPO
Por meio da postura corporal, dos gestos, o nosso corpo organiza-se, compondo ou
não com as palavras, para significar. Em algumas ocasiões específicas apresenta-se
expressivamente para conseguir obter uma expressão concreta, por exemplo, num concurso
de beleza, numa prova de xadrez, na marcação de um pênalti, num discurso político. Para
Birdwhistell (1970), a força das palavras nos processos de comunicação interpessoal é
indireta, que a comunicação entre pessoas não se restringe à capacidade de codificar e
decodificar sinais como um aparelho emissor e receptor. Ela é, antes de tudo, uma
38
negociação, um ato criativo. Ele afirma haver uma grande parte da comunicação que se
processa em um nível abaixo da consciência. Enviar, receber e perceber sinais não-verbais
são processos independentes, que ocorrem sem que se tenha, na maioria destes
comportamentos, a consciência da sua causa ou do que está a acontecer; são processos
culturais construídos socialmente, ou seja, contextualizados no espaço social. Os corpos
ocupam um espaço e são constituídos, eles mesmos, de outros espaços. Vianna (2005)
explica o espaço corporal:
[...] os espaços correspondem às diversas articulações do corpo, no qual é
possível localizar fluxos energéticos importantes e nas quais se inserem os
vários grupos musculares. Em sentido mais amplo, a idéia de espaço
corporal está intimamente ligada à idéia de respiração – que, ao contrário
do que pensamos, não se resume à entrada e à saída do ar pelo nariz.
(VIANNA, 2005, p. 70)
Já no espaço físico, o corpo transforma-se, expressa e identifica cada qual a procura
de sua configuração e de seu movimento.
Dessa forma, a configuração do espaço por um movimento é mais
importante do que o movimento em si: é nesse intervalo que se passam a
emoção, as projeções. A vida em movimento está nesse espaço. É a
sabedoria de viver nem tanto lá nem tanto cá. É também estar presente a
cada movimento, assim como não deixar escapar a intenção de um
movimento enquanto ele se realiza, nem antecipar mentalmente (IBIDEM,
2005, p.92).
A relação entre o corpo e o espaço promove o entendimento espacial, seja ele social
e ou político. A vivência do espaço favorece a importância do corpo para fora de si mesmo,
é a base fundamental de todo o desejo de expressão e comunicação. Na dança, a expressão
corporal é a relação do indivíduo com o espaço comunicacional do outro.
Além disto, cabe ressaltar o papel da dança na transformação do espaço social,
considerada um instrumento de inclusão. Existem inúmeros projetos sociais que colaboram
para a diminuição das diferenças sociais. Isso pode mudar o cenário da dança, pois ainda
que continue sendo uma linguagem para as elites, quase todas as companhias de dança no
Brasil e no mundo promovem projetos para pessoas que não têm condições de fazer aulas
de Ballet, Jazz, Sapateado, etc. É o caso de Ivaldo Bertazzo, coreógrafo brasileiro, que fez a
opção pelo trabalho não com bailarinos profissionais, mas sim com pessoas não
profissionais, mas que exercem diferentes atividades e vêm de diversas classes sociais, aos
quais ele chama de “cidadãos dançantes”. A idéia, que é praticada pelo coreógrafo desde os
anos 70, é a capacitação de jovens que, ao atuarem na área, tendem a se tornar
39
multiplicadores do conhecimento adquirido através da dança, da arte e da educação.
Segundo, Bertazzo (2009). A arte e a cultura são os meios para melhorar o social, que é o
fim, o objetivo. O viés cultural é um exercício. As pessoas põem a arte em uma fronteira,
em um patamar inatingível”. A diferença pode trazer não somente bailarinos esculpidos de
trabalho árduo, mas mostrar pessoas comuns que apresentem potencial físico, motor.
Essas transformações do cotidiano, efetuadas pela dança exercida em projetos
sociais, afetam os familiares, pois transformam a rotina e modificam, inclusive, a
distribuição das tarefas domésticas; a dança, neste caso, passa a exercer a função de unir o
grupo, além de oferecer novas possibilidades, novas sensibilidades, alento a todos os
envolvidos em seus processos. A dança, nessa dimensão, parece ser meio, não fim. Um
meio de diálogo, de autoconhecimento, de comunhão com o outro, de transcendência, de
experimentação. A intenção dos projetos sociais, em alguma instância, é capacitar
profissionalmente na dança, mas esta não é a única. Importante é que, nestas condições,
percebemos, como estabelecer a cidadania, relacionando a atividade da dança às outras
instâncias da vida: escolar, profissional, etc. Esses projetos organizam suas atividades
pedagógicas em torno da formação de uma companhia profissional e de um espetáculo, ou
investem na formação profissional de bailarinos, buscando também usar a dança como
ferramenta para desenvolvimento de potencialidades e como um caminho para a construção
da cidadania.
Quando Bertazzo iniciou o projeto Dança Comunidade, tinha como objetivo
acelerar o aprendizado ou os hiatos que a escola pública não conseguia preencher por meio
da arte e da educação. Acreditou que a arte trabalha o indivíduo com linguagens que
exploram diferentes potenciais. O coreógrafo crê nos corpos de classes sociais diferentes
em confronto, impulsionando a compreensão individual para resolver o movimento. Este
encontro de distintas classes e corpos recicla as linguagens das artes cênicas. Desta
maneira, a dança é, no último caso, um meio para educar, no sentido amplo do termo
educação, além de um meio para comunicar.
Educar através da dança e educar em dança não seriam propostas distintas? O que
pode parecer apenas um jogo de palavras tem mobilizado, nos últimos anos, pesquisadores
e professores na discussão do papel da arte na educação. Outro exemplo nacional, Marika
Gidali e Décio Otero, com o projeto “Ballet Stagium vai às escolas”, prevê a realização de
espetáculos temáticos nos espaços escolares, transformando-os em espaços culturais. Neste
caso, o que observamos, é a dança exercendo o papel de fim e de meio, a dança como
resultado se apresenta para um público que, provavelmente não teria outro acesso é meio
40
quando reconfigura o espaço escolar, possibilitando o acesso ao público, invertendo a
direção do caminho, na medida em que o artista vai até o público.
De qualquer forma, a sociedade precisa compreender a idéia do “desenvolver com
arte”, gerando formas mais sensíveis de ver o mundo. Aproveitamos as palavras de Faria,
para quem:
A educação como cultura e a cultura como educação abrem possibilidades
de construção de valores permanentes para outra forma de estar e
pertencer ao mundo, plena de significados, sentidos, compartilhamentos,
intimidades do fazer humano, convivências com o mistério, realidades e
fabulações (FARIA, 2009).
Assim, apoiados em Faria (2009), pensamos o corpo como arte, capaz de comover e
de atravessar séculos e culturas; na arte do corpo podemos reconstruí-lo na contramão do
propagado por sua superexposição imagética nas diferentes mídias, tema cotidiano,
especialmente nas culturas ocidentais. Uma demanda dada pela tirania das formas ideais
presente em todos os espaços e veículos. A necessidade de adquirir certo padrão passou a
ser uma moeda corrente e impositiva que, para acalmar as frustrações impostas pelo arranjo
genético que produz cada um de nós, agora o corpo passa a ser planejado e comprado. Não
apenas um narizinho mais afinado, não mais apenas a velha cirurgia plástica, anti-rugas,
mas também mais e menos centímetros aqui e ali, rostos fabricados com não-expressão
padrão e muitas novidades nos modos de se alisarem a pele e os cabelos. Em todo caso, a
modificação sempre tem como objetivo a busca de um corpo perfeito, em que seja
eliminado tudo o que é considerado imperfeição. Santaella (2004) menciona que:
A palavra de ordem está no corpo forte, belo, jovem veloz, preciso,
perfeito, inacreditavelmente perfeito. Sob a regência dessa ordem,
desenvolve-se a cultura do narcisismo que encontra no culto ao corpo sua
mais bem acabada forma de expressão (SANTAELLA, 2004, p.127).
Em relação a este corpo, perfeito, narcísico, propõe-se outras formas de se pensar,
sentir, exercitar e viver o corpo por meio da dança. Um corpo que valorize o trabalho
coletivo, sem menosprezar as potencialidades e diferenças de cada indivíduo.
41
3.3 CORPO E CONTEMPORANEIDADE
Na contemporaneidade, o erotismo e a sexualidade transformaram-se em moeda de
troca determinante e associada à aquisição de bens, de status, revestida de um poder
simbólico que promete felicidade plena. Foucault (1984) explica sobre um certo
“dispositivo da sexualidade” e a sua capacidade de gerar controle sobre os indivíduos. A
esta capacidade, o autor classifica como “biopoder”, esclarecido por Santos e Gomes (2008,
p.4):
Acreditava-se que na sexualidade seria possível conhecer a identidade do
indivíduo, a essência das almas e dos corpos. Por meio do controle do
sexo era possível controlar os impulsos normalizadores da sociedade
industrial. Entretanto, segundo Sibilia (2003), a sociedade contemporânea
estaria emprestando ao biopoder uma nova dinâmica: “Em uma sociedade
atravessada pela informação digital de inspiração imaterial, o código
genético parece estar ocupando o lugar de preeminência antes atribuído ao
sexo. Localizada na interseção exata entre o corpo individual e o corpo da
espécie, hoje a cadeia de genes do DNA é um alvo privilegiado tanto das
biopolíticas que apontam para a população humana quanto das tecnologias
específicas de modelagem subjetiva. [...]. Assim como o sangue nas
sociedades feudais e o sexo no mundo industrial, hoje são os genes que
determinam 'o que você é' (Ibid., p.181)”. (SANTOS e GOMES, 2008,
p.4)
Entretanto, é no território das ciências cognitivas que parecem surgir contribuições
significativas no sentido de se demonstrar a relação entre o corpo, o ambiente e o
desenvolvimento humano. Neste caso, nem o corpo biológico, nem a cultura social e nem o
ambiente ecológico, seriam instâncias autônomas, mas em constante intercâmbio para
explicar como o corpo aprende a conhecer o mundo ao seu redor. Fundamenta-se, neste
caso, a comunicação entre o corpo e o ambiente onde se insere, como um resultado co-
evolutivo da sua relação com o ambiente. Destaque-se, co-evolutivo (GREINER, 2005) e
não apenas evolutivo, pois nesta relação ambos estão expostos ao mesmo processo e nele
realizam as suas trocas. A hipótese da co-evolução regula nossa permanência nesse mundo,
abre caminho para essa segunda condição prévia, a de concordar que nosso corpo não passa
de uma forma circunstancial, moldado por muitas informações espalhadas e tomadas ao
longo do tempo.
42
As relações entre o corpo e o ambiente se dão por processos co-evolutivos
que produzem uma rede de pré-disposições perceptuais, motoras, de
aprendizado e emocionais. Embora corpo e ambiente estejam envolvidos
em fluxos permanentes de informação, há uma taxa de preservação que
garante a unidade e a sobrevivência dos organismos e de cada ser vivo em
meio à transformação constante que caracteriza os sistemas vivos
(GREINER, 2005, p.130).
Circunstancial e em transformação, uma vez que esse processo de “contaminação”
entre corpo e ambiente nunca cessa de acontecer. Portanto, circunstancialidade e
transformação marcam o corpo, que durante o percurso histórico modifica-se, sob vários
aspectos, assumindo diversos formatos ou modelos de erotismo, de saúde, de práticas
corporais de lazer, entre outros. Estas formas são responsáveis pelo reconhecimento
humano. Por isso, na civilização greco-romana, o corpo era pautado pela saúde e por suas
formas atléticas. Já o corpo espartano era produzido como um corpo guerreiro. No século
XV, na época do renascimento, o corpo feminino caracteriza-se pelas formas arredondadas,
pelos seios fartos, pelo ventre volumoso, como ode à fertilidade, como apresentado na
imagem a seguir.
Fig. 1 - As tres graças – Rafael Sanzio
Fonte: Disponivel em http://br.geocities.com/discursus/archistx/caritace.html
Acesso em: 02/11/2009
.
43
Sobre as mudanças do corpo através dos tempos Garrini (2007, p. 2) coloca a
interferência do cinema como modelo a ser seguido: “Na década de 1920, os atores do
cinema americano, tais como Rodolfo Valentino, passaram a representar o ideal masculino.
Para muitos seus traços físicos eram andróginos”.
Aliás, o cinema forneceu, e ainda fornece formas humanas idealizadas com as quais
nos comparamos, nas quais nos inspiramos e até mesmo com as quais nos educamos: um
jeito de sentar, de segurar o cigarro, de olhar, de beijar. Se a linguagem dos meios produz
clichês, estes clichês povoam o nosso imaginário corporal.
Assim, a mulher que corre pela praia ao encontro do amado, que a toma em seus
braços, vestido de branco e, em um longo giro, inclina o corpo sobre o rosto feminino que
se oferece passivamente em um beijo, às cenas de sexo à meia-luz, são fontes de desejo e,
por que não dizer, também de frustração.
O papel inspirador do cinema cabe hoje à TV, às revistas impressas, que ainda
permanecem nos oferecendo corpos, sobretudo a publicidade. Portanto, a busca por
modelos de corpo ideais não é uma novidade de nossos dias.
Desde muito tempo o homem se inspira nas artes, nos jogos, nos meios de
representação para se auto-modelar ou para sonhar o seu próprio corpo. Desde muito o
homem persegue signos como modelos, o que não deixa de ser paradoxal. Se o que impera
em nossos tempos é o ideal de um corpo magro, longilíneo, de cabelos impecavelmente
lisos e sedosos, pensamos que a própria história encarregou-se de provar que se trata de um
modelo provisório. Entretanto, quanto durará, quais as suas consequências nos corpos e nos
sonhos humanos, o que virá depois dele, ainda são incógnitas. É certo, porém, que
continuamos a viver uma supervalorização da aparência, na qual não se descartam rigorosas
dietas, consumo de medicamentos e anabolizantes e correções / próteses cirúrgicas
aplicadas desde muito cedo.
Neste sentido, percebe-se que a valorização da diferença e da autenticidade podem
ser comprometidas, como um resultado socialmente nefasto, o desencontro com a auto-
estima e a solidariedade, além da disseminação de preconceitos por corpos obesos, não
padronizados, singularizados, mas que não se deseja como modelos.
Assim segue a busca por um corpo ideal, que esconde a ilusão da eterna juventude,
na linguagem dos anti-sinais, antiidade, da ginástica sem esforço, num passe de mágica, das
receitas milagrosas e dietas bizarras. Sonha-se com um SPA, com um dia de transformação
em clínicas estéticas, com a possibilidade de realização de cirurgias plásticas. No fundo é
44
ainda o eterno dilema da cultura, superar o tempo, atualizar os mitos: o da beleza eterna, o
da juventude contínua, o vencer a morte.
O homem sofre transformações naturais em seu corpo ao longo de sua vida.
Envelhece, degenera, adoece, ganha marcas: rugas e cicatrizes; partes que se tornam
flácidas; gorduras que se acumulam; ossos que envergam. Talvez nos sirva do pensamento
de Foucault (1997, p. 109), pois se trata ainda de uma sociedade do controle, ou da tentativa
de controle, exercido por meio de procedimentos prescritos aos indivíduos para fixar sua
identidade, mantê-la ou transformá-la. O que mudam são as técnicas e o que se quer
alcançar com isto. Como Lucas e Hoff (2006) nos esclarecem:
O corpo presente na publicidade brasileira atual, embora traga consigo a
promessa de superação das mazelas e fragilidades da condição humana,
enquanto experiência vívida que acompanha o sujeito durante a existência
mantém-se como espaço/instância de controle: a pseudo-liberdade de
intervir no próprio corpo, reinventando-o a partir de escolhas de caráter
individual, acena para a noção de acesso ao mercado e de democratização
do consumo. Podemos dizer que o consumidor encontra-se livre diante
das ofertas do mercado e escolherá, exercendo seu direito de consumidor,
em função do que está disponível. Nesse cenário, as mais avançadas
técnicas de intervenção no corpo para a construção de um ideal estético
reafirmam a noção de controle (LUCAS; HOFF, 2006, p. 15).
O que se tem é um quadro, de acordo com as autoras, em que figura uma
racionalização, oriunda do conhecimento detalhado do funcionamento do organismo. Elas
explicam:
[...] a racionalização ou o conhecimento detalhado do funcionamento do
organismo promove, ao longo do século XX, a des-humanização do corpo
(Felinto: 2003; Lecourt: 2003; Santaella: 2003; dentre outros): carne que
pode ser modificada, que pode confundir-se com máquina e, por fim, pode
também se confundir com o produto, dada sua capacidade de transformar-
se na superfície. O corpo, instância na qual a doença se manifesta, torna-
se, na atualidade, objeto de especulação/imaginação: menos afeito à
doença, configura-se como promessa (p. 11).
Até onde nos levará esta promessa é o ponto chave. Corre-se o risco de que o corpo
nos escape, cada vez mais. Estar perto demais equivale a obscurecer a visão. Por isso,
conhecer o corpo, sua história, os fundamentos que o regulam, físicos, bioquímicos, mas,
sobretudo culturais e simbólicos, talvez possa nos permitir vislumbrar com mais acuidade
qual o corpo que nos compõe.
45
3.4 O CORPO NO ESPAÇO URBANO
Em Paris na primeira década do século XIX, ainda se ouviam os últimos acordes de
uma revolução consumada quando uma febre tomou conta da cidade. Durante uma breve
temporada, homens e mulheres aderiram ao movimento nada comum de certo
exibicionismo do corpo. Completamente nuas, mulheres passeavam nos jardins cobertos
apenas com um fino xale de gaze; homens e mulheres adotaram o hábito de sair às ruas
com roupas molhadas de modo a fazê-las aderir ao máximo no corpo. Trata-se de um dos
momentos na História em que o corpo interferiu de modo contundente na vida urbana,
alterando os fluxos habituais do cotidiano e abrindo fissuras nas relações esperadas entre o
cidadão e o lugar. Em momentos como esse, os usos de si e da cidade evidenciam sua
irrefutável conjunção. As bordas que separam a vida pública da vida privada atenuam-se
em favor de novas articulações do homem com seu corpo. Sennett (1997) evidencia as
relações entre corpo e planejamento urbano, entre mobilidade e espaço, entre a
transitoriedade do tempo e a permanência da arquitetura.
A história que nos interessa contar localiza-se mais especificamente no advento da
cidade moderna e de seu correspondente predileto: o individuo que é, ao mesmo tempo,
agente e produto da cidade. Em 1628, o médico William Harvey revelou os mistérios da
circulação sanguínea. Rapidamente o vocabulário médico passou a freqüentar a linguagem
dos projetistas, ocupados em planejar as cidades prestes a adentrar a modernidade.
A noção e a experiência da cidade moderna erguem-se sobre o traçado da circulação.
Veias e artérias; fluxos e mobilidade fazem do sistema sanguíneo o modelo para uma nova
experiência urbana em que o espaço é transformado em lugar da passagem. A partir das
idéias de Harvey (1999), quando o espaço público aparece como lugar de experiência
humana, a condição de cidadania torna-se sinônimo de trânsito: o cidadão é transeunte, e a
rua, corredor para o tráfego. A eficiência das cidades passa a ser medida pela sua
capacidade em manter meios velozes e fáceis de deslocamento. O obstáculo é vivido como
distúrbio, o esbarrão como incômodo, o encontro como momento furtivo, a paisagem como
cenário. Sempre em trânsito, o corpo experimenta a cidade como problema e escreve com
seu vaivém uma história do movimento. Quando a carruagem é substituída pelo trem, a
disposição dos assentos frente a frente provoca embaraço, o silêncio do ambiente evidencia
o incômodo da convivência forçada com estranhos. Raramente as pessoas eram obrigadas a
sentarem-se juntas, caladas, por tanto tempo. Os cafés parisienses intensificam a tendência
à solidão e ao recolhimento, correlato a este constrangimento.
46
Tostes (1989), analisando Sennett na obra Carne e Pedra, explica a gradual
passividade do corpo a partir da emergência do conforto nas cadeiras:
Comparando-se a posição e solicitações do corpo requeridos em um banco
da Idade Média com os requeridos nas cadeiras do século XVIII e
posteriormente do século XIX, vê-se claramente uma tendência à
diminuição dos esforços, quase a uma imobilização: do banco sem
encosto à cadeira articulada que ainda permitia certa liberdade ao corpo,
sem grandes restrições aos movimentos, ao século XIX, das cadeiras
estofadas capazes de prover com o estofamento um maior acolhimento e
sensação de bem-estar ao preço da restrição daquela liberdade anterior
(SENNETT, 2003). Trata-se mais uma vez da constatação de uma
crescente passividade a que os corpos se submetem na sociedade
reconfigurada pela industrialização.
Os planejamentos urbanos surgem amparados na crença de que uma configuração
feita a priori determinaria tanto os usos que o corpo faria das ruas quanto os
relacionamentos urbanos. O passar do tempo provou que, ao traçado único e original do
projetista, sobrepôs-se uma pluralidade de outros traçados sugeridos pelos usos efetivos da
cidade pelo cidadão. Uma vez contrapostos, estes diversos traçados não estabeleceram
correspondência entre si. Cada nova planificação urbana provoca fissuras nas vivências
corporais da população daquele lugar, influenciando afetos, memória e tempo. A rua é o
lugar da vida coletiva e antagoniza com a edificação; enquanto o espaço privado pertence a
um indivíduo, o espaço público pertence a qualquer um e, mesmo, a ninguém. Para o
europeu a cada avenida larga aberta ao fluxo é toda uma vinculação do corpo com o lugar
que se transforma. Circulando pela cidade que não mais lhe pertence, o indivíduo não se
vincula ao espaço percorrido, ele passa. A travessia torna-se sinônima de um
individualismo que reflete a desarticulação do corpo do homem em relação ao corpo da
cidade e, necessariamente, aos outros corpos que o cercam.
Assim, percebemos a importância do corpo nos nossos modelos ocidentais de
individualização. E quanto às cidades, adentra em curso uma grave ruptura, que é a
sobreposição de diversos planejamentos urbanos sucessivos e o crescimento incontrolável
dos grandes centros que vão, pouco a pouco, desenhando a cidade como uma malha
remendada e desordenada em sua instância física. Afinal de contas, a quem pertence à
cidade? O corpo contemporâneo responderá à desvinculação entre a “carne e a pedra”, entre
o homem e o lugar onde vive. O anseio daquele que intervém violentamente na cidade é
violá-la para possuí-la, caso dos pichadores que escalam alturas insondáveis, ou dos
skatistas que adentram em túneis interditados. Destacando-se das espacializações
convencionais e hierarquizadas do museu e da casa teatral, a arte vai para a rua ao encontro
47
dos transeuntes. Diante de toda esta mobilização da arte e dos artistas, perguntamos: o que
pode a dança? Ou o que pode o corpo? Trata-se aí de um convite: o corpo que se move na
coreografia pode propor aos corpos que se movem pelas veias da cidade uma relação de co-
presença. Trata-se de uma provocação e também de uma estratégia.
A dança, uma vez em trânsito, mostra-se nas suas precariedades, nos seus
mecanismos intrínsecos, diante da qual o espectador sente-se convidado. Há uma espécie de
abertura do processo criativo para incluir nele aquele que passa. Há uma espécie de
interrupção da passividade perceptiva para incluir nela aquele que dança. A inclusão
remenda por alguns instantes a ruptura ética entre a “carne e a pedra” (SENNETT, 1994).
Ao tratar da cidade como o lugar do olhar, Canevacci (2004) exprime o que pode significar
o exercício da co-presença, do olhar e ser olhado entre corpos que transitam e,
consequentemente, comunicam-se:
A cidade é o lugar do olhar. Por este motivo a comunicação visual se
torna o seu traço característico. Supera-se a velha dicotomia (para mim
sempre ambígua) entre comunidade e sociedade: o olhar significa não
somente olhar, mas também ser olhado. E a grande cidade desenvolve ao
máximo esta dialética, inserindo este duplo olhar sobre outro panorama.
Intrinsecamente metropolitano: os panoramas urbanos e a sua réplica ou
conflito nos panoramas visuais urbanos. Por isso, os olhares desejados
estão dentro da metrópole e não na genérica rede mundial da cablesociety,
onde falta o exagero sedutor de observar e ser observado (CANEVACCI,
2004, p. 43).
Se a dança se associar aos usos do espaço público, se ela estiver nas ruas, na cidade,
sua transitoriedade deixará marcas, não no local propriamente dito, mas nas pessoas. Afetos
tomam o lugar das antigas relações, inaugurando sensações e estabelecendo vínculos entre
o cidadão, intérprete e espectador e a cidade. Por desconhecer a lógica do percurso
proposto pelo evento, o espectador se deixa percorrer pela velha cidade como se nela
tivesse chegado pela primeira vez. Reconhecendo os traços habituais do lugar, imersos,
entretanto, em outro contexto, ao espectador é dado conhecer o novo da cidade, de novo.
Como acontece com qualquer pessoa, as vivências corporais constroem na sua memória
uma cidade que lhe pertence de modo totalmente particular, pois percorremos daquele
modo. A cidade torna-se propriedade sem fronteiras, devolvendo aquela pedra àquela carne
e reavivando o pertencimento daquela carne àquela pedra (SENNETT, 1994).
No mapa circulatório urbano feito de avenidas, ruas e cruzamentos, o corpo perfaz
outro mapa no percurso da experiência. O corpo transeunte frequenta a cidade, deixando
nela suas marcas, sinais de uma escrita daquilo que ele vivencia. Por seu lado, a cidade
48
também é uma experiência que se inscreve na musculatura, nas sensações, nos afetos. A
cidade encarna no corpo através dos modos que este encontra para percebê-la e agi-la,
olhares, paradas, gestos e velocidade. Estes índices de movimento são traços de uma grafia
sempre transitória, de cujos arranjos fazemos, às vezes, dança. Como uma terceira escrita
surgida do diálogo entre fluxo do corpo e suas interrupções, a coreografia pode também ser
entendida como um dos modos de a cidade escrever sua experiência contemporânea. Do
mesmo modo, a coreografia é uma maneira de o corpo devolver à cidade aquilo que ela
mesma escreveu. Neste caso, levar a dança para a rua pode significar também um modo de
nela intervir, interrompendo seu fluxo irresistível e inaugurando novas sensações da
atualidade. Quando devolve a carne ao mundo, a dança afirma-se contemporânea de seu
tempo. E as artes do corpo, cada vez mais na contemporaneidade, complexificam suas
relações com o espaço e a tecnologia, criando manifestações performáticas, temporárias,
transitórias, associadas sobremaneira à comunicação.
Um exemplo das relações entre corpo, arte, cidade e tecnologia, neste caso em
particular, o celular e a internet, são os chamados flash mob, cuja história tem início em
2003, em Nova York, quando o jornalista Bill Wasik organizou, por e-mail, o primeiro
encontro, tomado pelo intuito de reunir cinquenta participantes em frente a uma loja de
artigos femininos. O encontro não se concluiu, pois a polícia foi avisada e impediu a
manifestação. O segundo flash mob ocorre também em 2003, ainda em Nova York, com
mais de cem indivíduos concentrados no 9º andar de uma loja, na seção de tapetes. Todos
se deitaram em volta do mais caro e diziam procurar pelo tapete do amor. Com a
participação do Brasil, representado pela cidade de Belo Horizonte, no mês de abril de
2009, ocorre a Guerra de Travesseiros em várias capitais e foi também em abril deste
mesmo ano que ocorreu o “No pants day” (Dia sem calças), em que os participantes
desfilaram vestidos apenas com cueca ou calcinha, no metrô da capital paulista. Ainda no
mesmo ano, o flash mob, reuniu, também em Belo Horizonte, uma multidão disposta a
cantar um clássico de Raul Seixas. Assim, entre as manifestações mais contemporâneas, o
flash mob faz repensar o conceito de performance, pois, fundamentalmente associado ao
cotidiano, à cidade e às tecnologias, é condizente com a contemporaneidade, fugidio,
movediço, instantâneo, fragmentado e volátil. Congrega momentaneamente diferenças e se
afeta as individualidades ou se apenas suspende ou estranha um momento que logo será
apagado, é sem dúvida marca contemporânea de nossas realidades fugidias.
49
4 DANÇA: CORPO, COMUNICAÇÃO E CULTURA EM
CONVERGÊNCIA
Nesse capítulo o que procuramos é refletir sobre a dança como uma forma de
conhecimento que possibilita uma intervenção direcionada para a ampliação da
expressividade dos sujeitos, dado que ela permite ler a gestualidade humana como uma
linguagem, além de debater o corpo que dança com interesse na constituição e organização
da fala do corpo. Propõe-se um jeito diferenciado de observar o corpo que dança. A
performatividade é trazida para discutir e problematizar corpos que organizam pensamentos
e fala na forma de dança. A ressalva da produção desse falar propicia a percepção de que o
corpo que dança organiza e constitui sua fala no praticar, além de destacar que esta fala é
construída no e pelo corpo.
Segundo a teoria de Chomsky (1998), os seres humanos possuem uma habilidade
inata para o uso da linguagem. Curiosamente, isso também transfere o lócus da fala do
auditivo para o visual, para os gestos corporais visíveis. O autor sugere uma conexão
biológica entre o movimento e a linguagem de formas não-vocais, tais como a linguagem
de sinais, capaz de materializar enquanto corpo a linguagem verbal e retorna à concepção
mentalista da linguagem, definindo a investigação lingüística como proposta de revelar as
características dos mecanismos mentais subjacentes à produção lingüística efetivamente
observável, considerando a linguagem como uma “faculdade humana [que] parece ser uma
verdadeira ‘propriedade da espécie’, variando pouco entre as pessoas” e que “[a] linguagem
humana parece estar biologicamente isolada em suas propriedades essenciais”
(CHOMSKY, 1998, p.17).
Segundo Garaudy (1980, p.175) é com a dança moderna que se resgata um lugar
“como expressão condensada da vida e da cultura, no coração da vida e na raiz da cultura”.
E esta dança pressupõe a palavra, o corpo e as imagens, na possibilidade de se criar
significados. Isto quer dizer que não basta à pesquisa por um novo modo de realizar os
movimentos e a expressividade através da dança, mas também de buscar outros desejos,
outras vontades, outras intenções para a ação de dançar.
Buscam-se movimentos que intentam aproximar a dança de seus receptores, atores
na interpretação. Busca-se algo menos rígido, artificial e escolástico, questionando-se o
rígido espaço ocupado pela técnica do balé clássico. Desta forma, a emoção é
fundamentada no exercício de relacionar a arte e a vida.
50
A recuperação do cotidiano passa a elemento fundamental, além da possibilidade de
se estabelecer novas conexões entre signos distintos. Esta é a dança que nos interessa.
Não podemos descartar o uso que a daa faz da comunicação verbal através da
linguagem e da palavra. A linguagem, no sentido da inspiração literária, verbal, sempre
teve um papel fundamental na concepção de coreografias, incluindo-se os balés narrativos
do século XIX. No entanto, aqui estamos nos referindo àqueles coreógrafos que trazem a
linguagem verbal para dentro da performance, utilizando-se de várias estratégias de
composição que evoluíram a partir de múltiplas perspectivas estéticas. Alguns coreógrafos
utilizam materiais textuais como elementos visuais, slides ou vídeos projetados nas paredes,
nos corpos, ou em outras superfícies. Suas palavras, independentemente de seu significado
literal, se colocam fora da dança, de forma exegética, mesmo quando interagem com os
outros componentes da peça.
Gaiarsa apresenta a teoria reichiana que trata do homem inteiro, não somente da
comunicação pela palavra e “mostra em pormenores e insistentemente que todas as nossas
posições, gestos e caras têm funções ou têm efeitos – sobre os outros e sobre nós mesmos”
(GAIARSA, 1991, p.13).
De modo intencional ou não o nosso corpo expressa nossos desejos e vontades, logo
ele fala tanto quanto a palavra. Há gestos para ilustrar, para reforçar, para contradizer a
linguagem verbal. No jogo do corpo com a palavra, na dança, podemos encontrar conexões
não literais, literais ou nenhuma conexão; as palavras, sejam elas de um idioma que
compreendemos ou não, talvez funcionem primordialmente como sons, ritmo, textura,
sinais estruturais que podem coexistir com a dança de forma variável.
Esses processos tecnológicos na dança não são um dado recente se pensarmos na
utilização de máquinas e suportes usados por coreógrafos e bailarinos ao longo da história
da dança, no entanto se pensarmos a utilização dessa tecnologia como elemento criador e
problematizador, propondo outros olhares e estéticas para o corpo dançante, observamos
que o uso de aparatos tecnológicos possibilita um dançar que inventa e reinventa a noção de
corporeidade, de tempo e espaço na dança. “O aspecto inédito trazido pela tecnologia
digital está em sua potencialidade de ser configurada para além do sentido convencional de
ferramenta” (SANTANA, 2003, p. 06).
Muito antes das possibilidades digitais, tais como a produção de hologramas,
realidades aumentadas entre outras, Mikhail Baryshnikov já interpretou mais de cem papéis
ao longo de sua carreira nas mais importantes companhias de dança do mundo. Nascido em
1948 em Riga, capital da Letônia. Foi solista do Kirov Ballet (Rússia); do American Ballet
51
Theater e do New York City Ballet (EUA). Atuou no cinema e consagrou-se como um dos
melhores e mais importantes bailarinos do mundo e posteriormente naturalizado norte-
americano.
No ano de 2007 quando esteve no Brasil atuou com sua própria imagem projetada,
em um processo completamente contemporâneo, juntando o ontem e o hoje através de
recursos visuais. Misha, como também é conhecido brinca com imagens projetadas de seu
passado de bailarino clássico, ainda bem jovem, e contracena consigo próprio numa
tentativa de mostrar que agora ele é bem maior do que aquilo que já foi, é a magia do
movimento através das tecnologias, que se faz presente para o corpo estar em movimento
constante com o mundo tecnológico. Passado e presente se juntam, há um rompimento
espaço temporal promovido pela imagem projetada, com a qual Baryshnikov dialoga,
portanto, palavra, corpo e imagem do corpo são conjugados, ampliando o potencial
comunicativo da dança. A idéia é possibilitar uma fusão de tempos. O bailarino jovem,
projetado pelo audiovisual, em contraste com o corpo já envelhecido, mas capaz de
mudança, de questionamento, de crítica, de interação e de superação em relação ao seu
próprio passado. Neste contexto, a linguagem verbal funciona como parte do todo, pois, o
bailarino conversa com ele mesmo, nos movimentos que realiza, e com a imagem, por meio
da palavra e de seu próprio corpo. O bailarino que ousou romper os limites de seu próprio
corpo, tornando-se famoso mundialmente por criar técnicas de giros e saltos, que chegavam
a três metros, a despeito de sua pouca altura, 1,68, considerada um problema no ballet
clássico, ousou romper os limites da própria idéia de corpo, contracenando com sua
imagem.
52
Fig. 2 - MIKHAIL BARYSHNIKOV– Teatro Municipal de S.Paulo em 2007 "Years Later", de
Benjamin Millepied
Fonte: http://entretenimento.uol.com.br/album/mikhail_album.jhtm
Fig. 3- MIKHAIL BARYSHNIKOV – Teatro Municipal de S.Paulo em 2007 "Years
Later", de Benjamin Millepied.
Fonte: http://umabailarina.blogspot.com/
53
Fig. 4 - MIKHAIL BARYSHNIKOV– Teatro Municipal de S.Paulo em 2007 "Years Later", de
Benjamin Millepied
Fonte: http://entretenimento.uol.com.br/album/mikhail_album.jhtm
Fig. 5 -
Coreografia "Come In" da Hell's Kitchen Dance
Fonte: http://entretenimento.uol.com.br/album/mikhail_album.jhtm
54
Sabemos, portanto, que a relação da dança com as tecnologias de comunicação não
é nova. Com o surgimento do cinema, bailarinos emprestam seus corpos para compor,
ilustrar, complementar as narrativas. A arte é associada ao entretenimento, e a câmera
configura um novo modo de se perscrutar o corpo e oferecê-lo ao espectador. Por isso, o
corpo também se reconfigura na dança, ao fazer-se dança para o cinema, atendendo a
marcações, enquadramentos, movimentos regulados pelo tamanho da tela, pela vontade do
diretor, pela necessidade de entreter o público ou de tornar, para ele, clara a comunicação.
Tempos depois, com a possibilidade das gravações em videoteipe, surge a vídeoarte, que
culminará na vídeodança, sendo que a vídeoarte como experimentação nasce nos estudos
televisivos, e posteriormente irá agregar as artes do corpo ao audiovisual, ao corpo que
dança em convergência com os multimeios: na TV, na publicidade, no celular e na Internet.
Santaella (2004) explica que nos últimos vinte anos nosso corpo e tudo o que
constitui o humano é colocado numa escalada vertiginosa, sob a incerteza de nossa
condição. Chega-se a um organismo híbrido, numa relação entre o humano e a máquina,
que culmina ainda, acrescentamos, em uma dança que é o resultado estético deste corpo
continuamente transformado. Assim o que se tem é um diálogo cada vez mais intenso entre
a dança e a tecnologia.
Nesta realidade diversa, com o uso das novas tecnologias, há a possibilidade de
outros modos de relação entre os sujeitos e os meios, além de novas maneiras de se utilizar
o tempo e o espaço, das quais não se exclui o corpo como possibilidade de ponto de partida
para estas reflexões. O que a arte antecipa e o cotidiano corrobora, é que, de acordo com
Ferreira (2001, p. 44) “o corpo físico desaparece como algo circunscrito à concretude
material da própria pele, osso e carne, e passa a ter outra complementaridade” (FERREIRA,
2001, p. 44). Esse corpo convive em um espaço novo, existente ou até mesmo inexistente,
socializado. As percepções do corpo são alteradas, não se fala mais em um corpo
individual, mas em um hipercorpo híbrido e mundializado, que pode exercitar uma série de
emoções possibilitadas pelos avanços dos aparelhos eletrônicos (FERREIRA, 2001).
A dança não é algo homogêneo, sobretudo na contemporaneidade, quando todas as
hibridizações e convergências fazem da arte um espaço privilegiado de discussão. No
campo de atuação da dança, há infinitas escolas, inúmeras técnicas, e inesgotáveis
perspectivas que podem ir do jazz ao hip hop, da dança folclórica ao ballet clássico, deste à
dança moderna. No entanto, ainda que sejam múltiplas essas especificidades, o trabalho
com a expressividade se faz constante e esse deve ser o centro da intervenção com a dança,
associada à experimentação da dança contemporânea e mais, quaisquer que sejam as
55
tecnologias associadas ao corpo que dança. E destaque-se aqui que a expressividade é uma
construção, não é natural, inata. Trata-se de um aprendizado cultural, de cada época, de
cada sociedade, sujeito a valores simbólicos produzidos por núcleos básicos de
convivência, pelas instituições, pelos mitos e pela mídia.
Trazer o movimento cotidiano para o corpo, para a comunicação, para a cultura e
para a tecnologia, é uma forma de dança com a vida, na qual o corpo ainda se faz presente
em diversas ações comunicativas, como o contato interpessoal, que é algo essencial ao ser
humano. Outro aspecto a ser levantado é que, apesar da ênfase contemporânea à
comunicação mediada tecnologicamente, como por exemplo, namoro on-line, comunidades
de protestos, velórios virtuais e afins, o corpo ainda tem seu espaço para manifestações
primárias de comunicação, corpo a corpo; um exemplo disso são as greves, passeatas e até
expressões por meio do comportamento como vestuário, maquiagem, gestos, festas, entre
outros, o que significa que uma forma não exclui a outra. Esses e outros aspectos nos fazem
lembrar que, apesar de vivermos em uma era informatizada e em que as pessoas parecem
tender a se encontrar conectadas e não vinculadas, a necessidade do corpo ainda se faz
presente de diversas formas, inclusive quando os corpos estão conectados, já que todo
processo de comunicação prevê corpos que interajam, ainda que operando aparatos
tecnológicos.
A tecnologia permite a experimentação artística e comunicativa, portanto deve ser
pensada, criticada e absorvida pela arte. Foi por meio da experimentação, por exemplo, que
artistas como Escher produziram, com a arte, possibilidades provocativas como formas de
reflexão sobre a realidade, mostrando coisas do cotidiano de uma forma como não se
pensou antes. Assim, Escher passa a idéia de paradoxo no cotidiano. Na figura (4), algo
está, ao mesmo tempo, dentro e fora, como as escadas que, dependendo de como o
observador olhe, podem estar dentro ou fora do prédio ou da galeria.
Escher relata a limitação da nossa percepção de realidade, diante da impossibilidade
de apreender a coexistência do diverso, ou seja, o que nos parece estranho em suas imagens
é a existência simultânea do diferente; sem hierarquias, sem início e fim, sem verdade e
mentira. Nas litografias Relatividade (1953), Escher joga com a perspectiva, forma de
representação espacial inquestionável desde o Renascimento, exceto pelo cubismo. Para
Ernst (1991), na litografia Relatividade, observam-se três pontos de fuga, três realidades
simultâneas, sendo que cada um destes três pontos tem três significações diferentes:
56
As 16 figurinhas que aparecem na gravura podem ser divididas em três
grupos, nos quais cada uma delas vive no seu próprio mundo. Para cada
grupo, o seu mundo é tudo o que aparece na estampa; só que se
apercebem das coisas de forma diferente e lhes dão nomes diferentes. O
que é para um grupo um tecto é para o outro uma parede; o que para uma
comunidade é uma porta é para a outra um buraco no chão (ERNST,
1991, p.47).
A vida poderia ser retratada como esta imagem, com relatividade, embora se trate de
uma metáfora, de uma concepção poética da vida, e não possamos absorver este preceito
como ciência. Corpos em movimento, umas vezes a subir, outras a descer. Umas vezes
acompanhados, outras vezes sozinho. Alguns momentos para refletir. E os corpos desta
litografia desafiam as leis da gravidade e temos pessoas descendo escadas de cabeça para
baixo.
Fig.: 6 - Escher, M. C. Relatividade (1953)
Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/escher/gravuras8.html
57
Três planos de gravitação agem aqui verticalmente uns sobre os outros.
Três superfícies terrestres, vivendo em cada uma delas seres humanos,
intersectam-se em ângulo recto. Dois habitantes de mundos diferentes não
podem andar, sentar-se ou ficar em pé no mesmo solo, pois a sua
concepção de horizontal e vertical não se conjuga. Eles podem, contudo,
usar a mesma escada. Na escada mais alta das aqui representadas, movem-
se, lado a lado, duas pessoas na mesma direcção. Todavia, uma desce e a
outra sobe. É claramente impossível um contacto entre ambas, pois vivem
em mundos diferentes e não sabem, portanto, da existência uma da outra
(ESCHER, 1994, p.15)
Este impossível expresso pelas artes visuais veio a se tornar possível com as artes
do corpo, como veremos mais adiante. Inspirada em Escher é a nossa leitura do trabalho de
Deborah Colker. Fazer do impossível um plano de vida, um método de criação. Romper os
limites do corpo, da física. Ampliar, com a arte, o contato afetivo pela comunicação.
Na Obra de Escher, padrões geométricos entrecruzados transformam-se em formas
completamente distintas. Em “Casa”, Colker, faz com que os bailarinos caminhem na
vertical por paredes laterais; subir escadas que se transformam em labirinto, o que deixa os
corpos pendurados no espaço. Os labirintos de Escher são diferentes daqueles de Deborah
Colker, compreensivelmente estão mais próximo do artista visual que da coreógrafa.
“Casa” é sobre a arquitetura dos sonhos no cotidiano dos corpos, e as imagens geradas por
Escher são perfeitas para expressar o universo mental. Mas é realmente notável a forma
como os diversos recursos permitem a Deborah Colker recriar os efeitos arrojados de
ilusões de óptica de Escher, respeitando as regras geométricas do desenho e da perspectiva.
A Cia de Dança Deborah Colker se apresentou pela primeira vez no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro, em 1994. Com formação em balé clássico, encontram espaço
para a integração de artifícios contemporâneos, como vitalidade, força, agilidade, energia e
ritmo. A companhia desenvolve um trabalho que abrange o estudo dos movimentos, dos
planos verticais e horizontais, do sistema de relações entre a dança e a arquitetura, a
profundidade e o volume, o movimento do cotidiano e do espaço, pois o corpo se manifesta
em diferentes espaços e cores, dimensões e intenções
1
.
O trabalho da Cia Deborah Colker transforma o cotidiano em cenas, levando os
bailarinos a re-pensar o corpo, nas mais diversas formas e dimensões e a superar seus
limites. Deborah e sua companhia consideram sempre a preocupação em relação ao corpo
no movimento do dia a dia, a questão da sintonia do espaço e a relação constante com o
1
Para Deborah Colker, “o público é uma coisa que a paralisa em cada cena, e que faz transformar o
movimento em beleza” (http://www.youtube.com/watch?v=jLUdurT3VV0
).
58
cenário que envolve a arquitetura, cores e a cumplicidade e a vibração constante com o
público.
O Centro de Movimento Deborah Colker era um sonho antigo de Deborah, e que se
tornou realidade; ela mesma ministra as aulas, cuida da companhia e sente orgulho desse
espaço que foi conquistado com esforço e dedicação de toda equipe
2
. Deborah sempre
acreditou na criatividade e irreverência, na concentração, na disciplina, na formação, e o
foco de tudo isso é a base e a possibilidade criativa de qualquer indivíduo.
Muitos artistas, como já mencionado, mesclam texto e dança, numa variedade de
formas multi e interdisciplinares, como o teatro dançado, a arte performática e a criação em
multimídia. Também Débora Colker procurou estabelecer relações entre a arte e o
cotidiano, mediante o trânsito entre os gêneros, a dança com o teatro, as artes plásticas, o
circo e até mesmo a ginástica olímpica. Sabemos que não se trata de uma inovação recente,
já que o entrecruzamento das fronteiras dos gêneros artísticos tem sido um elemento central
na performance de vanguarda do Ocidente, desde o fim do século XIX, percorrendo
também a literatura, a pintura, todas as demais artes.
2
Deborah menciona o que é sentir e experimentar o Centro de Movimento: “Nesta escola queremos pensar e
experimentar movimento, disciplinar e conscientizar o corpo que pensa, muda sente e que dança. Criar um
espaço comum entre companhia e escola, onde profissionais e estudantes se encontram e relacionam-se com a
dança através da arte, saúde, lazer. É um Centro para pensar, emocionar e construir um corpo que tem prazer
em se movimentar” (http://www.blogacesso.com.br/?p=1476).
59
Fig.: 7 - O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: http://www.ciadeborahcolker.com.br
Fig. 8 - O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: http://www.ciadeborahcolker.com.br
.
60
O esfacelamento destas fronteiras entre gêneros permite a colisão entre a arte e o
cotidiano. Cada vez é mais recorrente a presença do banal, do corriqueiro, da vida
comezinha e suas relações como temas e como inspiração para o formato diferenciado das
artes.
Força atlética límpida comanda muito de "Casa” (1999), (Fig. 6) mas possui
inventividade visual e imaginação suficientes para torná-lo mais do que apenas uma rotina
aeróbica de uma hora de duração.
A princípio, o público é simplesmente cativado pelas mudanças e trocas seguras que
acontecem num piscar de olhos: um bailarino curva-se sobre as costas de seu parceiro,
depois ele está em seu ombro, depois ele salta levemente através do círculo de seus braços.
Outros se lançam em pulos ou paradas de mão nos ombros dos outros bailarinos.
Logo a estrutura da própria casa entra no jogo, dois e às vezes três níveis de
plataforma de madeira, com vários painéis e portas que se movem expandindo ou
confinando o espaço. Não há caminho fácil para cima, para dentro ou para fora desta coisa.
Os bailarinos escalam suas alturas em escadas estreitas, deslizam por mastros de
bombeiros, se arremessam de suas plataformas ou se jogam de um nível para o outro,
pousando nos braços de seus colegas. Às vezes "Casa" (1999) parece completamente
impressionada com sua própria habilidade, mas exatamente quando você pensa que já havia
visto todos os movimentos que os bailarinos têm dentro deles, eles o surpreendem. Nos
impressionantes momentos finais, um homem agarra uma plataforma com a forma de uma
ponte levadiça no momento que ela começa a levantar. Ele se deixa levar por uma mão,
contorce-se e acena para seus amigos embaixo, continua a se segurar com uma das mãos
enquanto a ponte o levanta, vinte pés acima do palco. Ele coloca a outra mão de volta no
exato momento que as luzes diminuem e ele é trazido para o topo.
Colker diz que seu trabalho é uma homenagem ao dia a dia das pessoas, e ela envia
seus bailarinos através dos movimentos do dia comum. Parte disso é habilmente estilizada,
como quando um grupo faz os gestos de quebrar, bater, derramar e fritar ovos em um balé
harmonioso, realizado em sequência. E esta parte estilizada é o que denominamos como
poético ou artístico, levando-se em conta as definições de Lotman (1978), para quem
artístico é o texto elaborado com complexidade, em que todos os elementos são elementos
de sentido, em que forma e conteúdo não se distinguem, tratando-se do meio mais
econômico de se passar uma informação, ainda segundo o autor, pelo caráter polissêmico:
na menor estrutura de linguagem há uma série de possíveis significados a serem
experimentados.
61
E o paradoxo está no fato de que, se parte deste processo de linguagem é estilizado,
outra parte é surpreendentemente comum, cotidiana, como quando uma mulher em um
etéreo vestido vermelho pisa no que parece ser uma cascata de glitter prateado. Trata-se de
água caindo, e ela fica de pé sob esta água, encharcando-se, por vários momentos.
Para Vianna (2005) a relação com o corpo e espaço onde convivemos o dia a dia e
as inúmeras modificações dos movimentos, mostra o que Colker tem em seu trabalho:
Tudo isso vai dando espaço para cada pessoa, cada aluno, e dar espaço é
criar a possibilidade de vivenciar coisas novas. Por isso, insisto sempre
que a forma não importa e que essa forma só pode tornar-se interessante
quando passa a ser conseqüência de todo um processo: a emoção não é
forma, a emoção é movimento. (VIANNA, 2005, p. 141).
A trilha sonora, creditada a Berna Ceppas, Alexandre Kassin e Sérgio Mekler, é tão
essencial quanto às portas e dobradiças para criar esta casa. Ela corre livremente de blips
contemplativos para batidas congestionadas, altos guinchos e murmurinhos deslizantes, a
mesmo um pouco dos sons da floresta tropical. Ao longo de "Casa” (1999), Deborah
Colker brinca com noções de acolhimento, as paredes e pisos podem proteger assim como
tornar-se uma armadilha e também com idéias sobre subir e descer.
Quando uma mulher bate uma porta na cara de um homem, e depois a abre com a
mesma brusca rudeza não tem acesso as suas razões. Os bailarinos mantém sua atmosfera
um tanto maníaca e impulsiva através da noite, estejam eles brincando ou brigando.
Aprendemos algo sobre nossas naturezas essenciais? Possivelmente não, mas certamente
podemos reconhecer partes de nós mesmos à medida que as apresentações avançam. E
maravilhar-nos com a maneira como eles o fazem.
“Casa” (1999) estabelece um intenso e profundo diálogo com o espaço doméstico.
Nele, os dançarinos ocuparam quartos, salas e garagens, subvertendo a ordem cotidiana de
seus objetos. Um método antes adotado por grandes comediantes do cinema como Charles
Chaplin ou Jacques Tati, que gostavam de interpretar personagens em constante desacordo
com o mundo e seus objetos - respectivamente, o vagabundo Carlitos e Monsieur Hulot. Na
mais famosa cena de Em Busca Do Ouro, por exemplo, Chaplin transforma um sapato em
filé. Em inúmeros outros momentos, seu vagabundo descobre (ou simplesmente inventa)
novos usos para os objetos que o cercam.
Em Casa (1999), os bailarinos adaptavam seus corpos a um espaço dado (a casa, o
mais cotidiano dos espaços) e criavam uma nova lógica: habito, logo existo.
62
Neste habitar o espaço, como característica fundamental de Colker, o corpo é posto
à prova. Desafia-se a gravidade.
Os bailarinos dançam de maneira verticalizada, sobem pelas paredes, como se
ocupar os espaços pelos corpos fosse um desafio, o desafio humano de conquistar cada vez
mais espaços, de permanecer, de superar limites.
Muitos críticos se perguntam sobre qual seria a diferença entre Colker e um
espetáculo de ginástica olímpica, e a resposta é que talvez muito pouco, exceto que a
ginástica olímpica ainda obedece a rígidas regras de apresentação e, na verdade, é como se
a coreógrafa fosse uma espécie de "ginasta romântica", para quem não há regras
estabelecidas e que possui imenso interesse em entrecruzar sua perfeição corporal a outras
manifestações artísticas.
De qualquer forma, a dança de Colker é corpórea, objetiva, quase pragmática.
Diferentemente do sentimento de certa forma telúrico de uma Pina Bausch, da
transcendência quase etérea de um Quebra Nozes ou da paixão incontida de um Antonio
Gades, para Deborah Colker, acima de tudo, importa o corpo em si.
A busca do corpo perfeito - além de professada diariamente pela publicidade, pelos
canais esportivos, pela dramaturgia, pelo teatro, pelo cinema e pela televisão - sempre foi
um dos motes da dança. Por isso os movimentos de Deborah Colker revelam um balé sem
transcendência, um elogio do corpo, pelo corpo e para o corpo.
Fig. 9 - O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: http://www.ciadeborahcolker.com.br
.
63
Fig. 10 - O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: http://www.ciadeborahcolker.com.br
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Fig. 11 - O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: http://www.ciadeborahcolker.com.br
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Fig. 12 - O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: http://www.ciadeborahcolker.com.br
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Fig. 13 - O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: http://www.ciadeborahcolker.com.br
Sobre o espetáculo Casa (2000), Bógea (s/d, p. 73) pondera que Colker:
[...] busca o cotidiano em gestos estilizados. O cenário foi baseado na casa
de Colker, com seus diferentes níveis, enquanto que os movimentos
derivam de atividades domésticas: cozinhar, comer, dormir, vestir-se,
despir-se, brigar, fazer sexo. Criando novas densidades nos corpos e
trabalhando com uma estética que une elementos de artes plásticas ao
nosso dia a dia, Colker provoca reações diversas em seus espectadores: se
muitos se seduzem com o virtuosismo e o arrojo de suas danças, outros
contestam a superficialidade das construções coreográficas e a
“juventude” com que todos os temas são tratados, numa mistura de arte e
diversão. Aqui sim, estamos num Brasil, afinal, alegre, nutrindo-se da
sobreposição de registros: cultura pop, hip hop e rap, esporte e dança
contemporânea. Colker transita entre as várias linguagens como se fosse a
coisa mais natural. É com espetáculos de rigor plástico e boa dose de
aventura, apostando nas grandes imagens e no arrojo dos bailarinos que
sua dança encanta e empolga, dois verbos fortes, que merecem ser
declinados com a devida medida de reconhecimento.
67
Fig. 14O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: www.ciadeborahcolker.com.br/wp-br/wp-content/gallery/casa
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Fig. 15 - O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: www.ciadeborahcolker.com.br/wp-br/wp-content/gallery/casa
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Fig. 16 - O Espetáculo “Casa” (1999)
Fonte: www.ciadeborahcolker.com.br/wp-br/wp-content/gallery/casa
Empolga-se e encanta, de um lado, e se cria polêmicas entre os críticos e motes de
pesquisa, de outro, sem dúvida o trabalho de Colker é responsável por um papel singular na
caracterização da dança brasileira. Além disto, a dança contemporânea, e também Colker,
continua a fortalecer relações com linguagens outras, como é o caso do teatro e do circo.
Sobre essa liberdade e trocas entre o circo, teatro e a dança, Vianna (2005), diz:
Nesse contexto de liberdade – que não significa caos nem desordem
indiscriminada -, a dança deixa de ser uma profissão, uma diversão, uma
ginástica, deixa até de ser uma arte no sentido mais restrito do termo, para
ser entendida e vivida como um caminho de autoconhecimento, de
comunhão com o mundo e de expressão do mundo. (VIANNA, 2005, p.
18)
70
A linguagem circense revela a vida, o mundo e o homem manifestados por meio do
movimento. Dançar é mover-se com ritmo, melodia, harmonia e alma, e o circo tem essa
magia, a magia da alma em movimento, a magia de animar – dar alma.
Pela dança, associada a outras linguagens, o homem manifesta os movimentos do
seu mundo interior, tornando-os mais conscientes para si mesmo e para o espectador; pela
dança ele reage ao mundo exterior e tenta apreender os fenômenos do universo. Na dança
entre as diversas linguagens que formam a linguagem da dança, o homem percebe seu
próprio corpo:
Perceber o próprio corpo significa, em todas as situações, reconhecer
todas as nossas intenções, tanto as que vão expressas nas palavras, como
as que vão incluídas no tom da voz, nos gestos, nos olhares, na expressão
da boca, no jeito do corpo (GAIARSA, 1994, p.23)
O circo é um laboratório para onde convergem as práticas com inúmeras
linguagens: a linguagem corporal, cenográfica, visual, por meio dos figurinos, a linguagem
dos objetos de cena, a música, a dramaturgia. Trata-se de uma das formas mais complexas e
mais antigas de elaboração artística, cuja finalidade é narrar de forma poética os aspectos
do mundo cotidiano.
Poético é como podemos chamar o espetáculo do Circo de Soleil, com coreografia
de Deborah Colker, primeira mulher como diretora. A fantasia acrobática do espetáculo
“Ovo”, que estreou em 2009, no Canadá, apresenta o mundo dos insetos coloridos que se
traduz numa grande festa em comemoração ao aniversário de 25 anos da trupe de Quebec.
O que chama a atenção dos espectadores em primeiro lugar em Ovo são os figurinos
exuberantes, cujos tecidos conseguem evocar a textura de asas ou a rigidez de um casco.
Em “Ovo”, fertilidade, biodiversidade, perfeição da forma e metamorfose são festejadas
nesta acrobacia. São movimentos corporais que envolvem insetos do nosso dia a dia, e o
corpo representa a exuberância dos movimentos, assumindo o caráter múltiplo e, ao mesmo
tempo, as interconexões entre o circo e os sentimentos de humanização e de retorno ao
corpo.
Ao contrário do que muitos apregoam, parece que o circo terá vida muito longa. Arte
popular, extraída do cotidiano, invade o cotidiano com as escolas de circo, que são
procuradas com os objetivos mais variados: de entreter a curar a melancolia, de se
profissionalizar a busca da forma corporal perfeita. O domínio do próprio corpo é
recorrente: equilíbrio, elasticidade, força. Mas também se faz presente o riso carnavalesco
71
que prevê o ridículo, o diverso, o avesso da perfeição: a mulher barbada, o anão, o palhaço,
desajeitado, caricato, franzino e fracote. É o espaço de convívio das diferenças, simulação
imperfeita do mundo imperfeito de que somos parte. Por essa presença do circo, e mais,
pela presença dos gestos do cotidiano, como descrito em “Casa”, pela presença da
linguagem do teatro, pela busca do movimento perfeito associado ao gesto espontâneo, a
Cia Déborah Colker se caracteriza por uma linguagem complexa, no conceito lotmaniano.
Trata-se de uma estrutura artística, na qual, do micro ao macro, todos os elementos são
produtores de sentido, produtores de experiência. O corpo, gerador de textos, neste caso,
converte-se em um texto complexo. Ao associar elementos díspares, antagônicos,
multifacetados, variados, congrega textos culturais diversos, ampliando a sua potência
comunicativa. Mais uma vez, esta é a dança que nos interessa, complexa e ao mesmo
tempo, condutora do banal, que é elevado à complexidade, que encanta e faz refletir, que
gera, ao mesmo tempo, entretenimento e possibilidades de outras experiências.
72
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dança, o corpo em movimento, é comunicação, é cultura, é imagem e inspiração.
Chegamos a essa conclusão não só a partir das leituras que realizamos, como também ao
nos lembrarmos das bailarinas de Degas. O corpo inspirou Degas, para quem provocar
efeitos de luz e de cor foi uma das marcas impressionistas. O corpo é fonte de inspiração
para inúmeros artistas.
No caso de Degas, o artista nunca se interessou pela pintura ao ar livre. Em 1870,
depois da guerra Franco-Prussiana, passou a ser assíduo frequentador do foyer de dança da
Ópera de Paris. Começou então a trabalhar o tema mais recorrente em sua obra, bailarinas
dançando, ensaiando, amarrando sapatilhas, repousando ou em cenas nas quais o pintor
explorava um ângulo de visão mais oblíquo, incomum na pintura da época.
Foi a partir das telas de Degas e do encantamento provocado pelas bailarinas que ele
retratou que procuramos a dança. Ali, o inicial encantamento das telas se multiplicou, nos
ensaios cotidianos, nos palcos e depois nas vidas com as quais nos deparamos, com seu
movimento e sua subjetividade.
Degas é um artista que pertence ao mundo da cultura, da natureza, do cotidiano
dançante. Tinha acesso livre ao teatro, e lá, sua presença era tão assídua que ali mais
parecia sua casa. Em pouco tempo pôde dedicar-se a seu tema preferido, o trabalho das
bailarinas durante as estressantes sessões de ensaio. Sem se deixar notar, aparecia nas salas
dos cursos, e a fascinação por tarefa tão penosa, própria desse ambiente, pode ser observada
claramente, fazendo-se uma revisão de suas obras.
Como para todos os parisienses da alta burguesia, também para Degas, assistir às
representações de balé era um costume antigo. O balé sempre havia desempenhado um
grande papel na consciência da elite. Não faltaram observadores críticos que censuravam
Degas pela utilização do corpo da mulher como simples produto disponível no mercado de
um mundo capitalista, dominado pelo machismo e por considerá-la um dos objetos
necessários para suas telas. Era precisamente no corpo feminino que o artista encontrava
esse elemento de valorização artística.
As mulheres se convertem, dessa forma, nos condutores sensoriais da imagem
humana, de sua beleza e graça às suas formas mais harmoniosas e mais apropriadas para a
arte de Degas.
Depois, em uma série sobre bailarinas, Degas, em vez de negar a fotografia,
construía suas imagens com um olhar fotográfico, retratava situações em trânsito, de
73
maneira casual, como se captadas de surpresa, pois sua investigação concentrava-se de fato
no estudo do movimento. Sua série dos bastidores da dança é precursora das fotos de moda
que vão se tornar comuns apenas a partir do século 20. Seu interesse central estava no
movimento, no uso da cor e na incidência da luz. Degas utilizou até mesmo da câmera
fotográfica, que ele próprio adquiriu em 1895.
Fig. 17- Classe de Dança, Edgar Degas
Fonte:
http://suitedeideias.blogspot.com/2008/09/edgar-degas-27091917.html
74
E aqui se justifica este preâmbulo, com a presença de Degas, já que o pintor foi
inspirador para o nosso primeiro contato com a dança, graças ao encantamento gerado a
partir daquelas bailarinas.
Concluir um trabalho é avaliar um caminho realizado, apontar suas falhas, entrever
outras possibilidades para outros questionamentos. É este, portanto, nosso percurso.
Passando pelo encantamento a partir das bailarinas de Degas, aos ensaios exaustivos do
ballet, às aulas nas escolas, ao interesse pelo corpo e seu poder de comunicação, em sua
relação com a cultura. Desta forma, as idéias aqui apresentadas estão ligadas por uma
coesão profunda e interna que é a experiência vivida nas artes, especialmente na dança.
Partiremos sempre do princípio de que existem diversos caminhos para alcançar
determinada meta. No nosso caso, a meta é interior, o que torna as coisas um pouco mais
complicadas. Mas o resultado desse trabalho surge também no exterior, no corpo.
Com este trabalho, continuamos a crer em um corpo capaz de se expressar, de
dançar a dança da vida de forma liberta. Um corpo que se ouça. Um corpo como definiu
Campelo (1997, p. 30), no qual “tudo pede a genialidade do artista que o reinaugure, que
lhe clareie os cantos labirínticos perdidos por entre músculos e dentro dos ossos”. Já
sabemos que as tecnologias não excluem este corpo, e que podem ampliar as suas
possibilidades. Em que medida, quais os caminhos, quais as propostas para se pensar um
novo corpo, associado à nova realidade tecnológica, ainda é uma lacuna para a qual não
obtivemos respostas, mas que nos aponta para a necessidade de que a arte continue a
questionar criticamente o uso das tecnologias, e que possa se servir destas tecnologias como
suportes ou extensões para se ampliar o corpo como manifestação artística.
Ao realizarmos o percurso desta pesquisa, nos deparamos com uma miríade de
textos que trouxeram o corpo estudado nas mais diversas áreas do conhecimento. Muitos
deles estão aqui, de forma explícita, de modo que consideramos que este trabalho não
possui um dono, mas alguém que organiza inúmeras vozes, inúmeros discursos, e os coloca
em tensão e em diálogo. A eles todos se acrescentam a nossa voz, sobretudo por meio da
forma como foram lidos e interpretados por nós. Outros aparecem de forma implícita, pois
que com o tempo, misturam-se as vozes de forma profundamente interna. Portanto,
sabemos que muitas de nossas afirmações podem já ter sido expressadas por outros,
anteriores a nós. Sabemos também das muitas lacunas que permanecem e ainda
permanecerão por muito tempo, entretanto, são motes para a continuidade desta pesquisa,
são instigações a serem preenchidas por outros pesquisadores, pois entre nossas conclusões
está a constatação de que o corpo é, sem dúvida, um objeto da comunicação e da cultura,
75
mas que as teorias da comunicação não são suficientes para observá-lo, sobretudo, no caso
específico de nossa pesquisa, para observar o corpo que dança. Há que se construir novas
teorias da comunicação, capazes de entender o corpo, de não negar a arte, de pôr em
diálogo o corpo, a arte e a tecnologia? Provavelmente sim. Portanto fica aqui mais uma
possibilidade, para uma nova pesquisa. A nossa conclusão, mais modesta, abarca a
consideração de que, como a própria comunicação, o corpo é um objeto multidisciplinar,
para o qual é necessária também uma abordagem multidisciplinar, da qual não se excluem a
Filosofia, a Antropologia, a Semiótica, a Psicologia, a Biologia, entre outras ciências.
De tudo, resta-nos, não concluir, mas considerar, por enquanto: sem dúvida que o
corpo comunica e que é mídia. O corpo, mídia primária, é o lugar do aprendizado
inconsciente, da experimentação. Como mídia, não necessita de outros aparatos que o
complementem, mas oferece um universo amplo de possibilidades de produção de sentidos;
como texto da cultura que é natural e simbólico, expressa-se em uma linguagem específica,
sua, produzindo textos ao longo de sua existência: marcas biológicas e culturais, tais como
cicatrizes, cabelos brancos, rugas, volumes, tatuagens, posturas geradas por nossa
adaptação funcional ao trabalho, às roupas e calçados que utilizamos. Como mídia, ao
manifestar-se pela dança contemporânea, torna-se linguagem complexa, transformando-se
em arte, nas palavras de Lotman (1978), um texto construído com complexidade, no qual
todos os elementos são elementos de sentido, o que pode ser percebido nos espetáculos da
Cia Deborah Colker, mais especificamente, no espetáculo “Casa”, que incorpora os
movimentos do cotidiano, transformando-os em poesia.
Enfim, depois deste percurso, cremos, somos já outro corpo, composto de todos os
corpos com os quais dialogamos e continuaremos a dialogar.
Dialogando com esse corpo, a defesa do Mestrado, que aconteceu no dia 27/09/10,
foi uma experiência única e gratificante, pois a finalização desta pesquisa culminou em um
momento poético não perenizado em palavras no papel, e sim em forma de dança, de corpo
se expressando sobre os conflitos que refletem também as buscas, inquietações e desejos no
cotidiano. Refletiu-se, neste final dançado, a corporeidade do indivíduo em sua significação
humana, portador de um corpo no qual a dor e o prazer fundamentam sua experiência.
76
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WOLF, Mauro. Teorias da Comunicação. Lisboa: Editora Presença, 1992, 2 ed
83
ANEXO A
DEBORAH COLKER – Projeto social de dança vira realidade, Entrevistas 08.09.
Entrevistas - 08.2009
A coreógrafa e diretora de movimento Deborah Colker é um dos nomes mais fortes e
representativos da dança no país e no mundo. Desde 1994, ela dirige a Companhia Deborah
Colker, localizada no bairro da Glória, no Rio de Janeiro.
Antes, teve uma forte passagem pelo teatro nacional e trabalhou com nomes de peso da área
como Domingos de Oliveira, Ulysses Cruz, Moacyr Góes, Antônio Abujamra, entre outros.
Em 2008, ela foi convidada pelo Cirque du Soleil a criar o espetáculo “Ovo”.
Desde que inaugurou sua própria companhia, Deborah já sonhava com uma escola e com
um projeto social, mas demorou até encontrar um lugar fixo para poder fazer seus ensaios e
ampliar seu trabalho. Somente dez anos depois conseguiu a casa onde está até hoje. É
que agora funciona o Centro de Movimento, um espaço para pensar e experimentar o
movimento, disciplinar e conscientizar o corpo que pensa e dança.
No centro são ministrados cursos de ballet clássico, dança contemporânea, jazz, yoga, hip
hop, dança aérea, consciência corporal para atores, pilates, entre outras modalidades. No
mesmo espaço funciona o projeto social que Deborah e sua equipe criaram para atender
quem não tem condições de pagar os cursos e para descobrir novos talentos.
Estruturado em 2007, o projeto tornou-se realidade um ano depois, com o apoio do Grupo
Votorantim. Em seu primeiro ano de atividades, 13 jovens selecionados têm aulas práticas e
teóricas todas as manhãs da semana. Eles aprendem não apenas técnicas de dança, mas
também a refletir e sentir cada movimento. A ideia é que, no fim do ano, estejam
84
preparados para encarar o mercado de trabalho e, quem sabe, atuar em companhias de peso
como a de Deborah Colker.
Confira, a seguir, uma conversa exclusiva com a coreógrafa sobre este novo trabalho.
Blog Acesso – Quando surgiu a idéia de criar o projeto?
Deborah Colker – Essa é uma idéia e uma vontade que eu sempre tive, mas, para falar
sobre isso, eu preciso contar um pouco da história de como nasceu minha companhia. Ela
existe desde 1994 e, mesmo assim, eu não tinha um lugar fixo para ensaiar. No final de
2004, consegui uma casa no bairro da Glória, onde passou também a existir a minha escola,
outro sonho que eu tinha. Lá, eu já garanti vaga para 75 bolsistas, sem ajuda de patrocínio.
Hoje, a escola tem 450 alunos. Passei, então, a estudar como fazer para o projeto social
acontecer. Eu e uma equipe estruturamos a ideia, colocamos no papel e começamos a correr
atrás de patrocínio em 2007, porque eu não tinha como organizar tudo sem dinheiro. O
resultado saiu em dezembro do ano passado e no final de janeiro deste ano já estávamos
com ele funcionando.
BA – Como foi montar o projeto até chegar ao modelo final?
DC – Eu contei com a ajuda de uma equipe de coordenação da escola formada por cinco
pessoas. Sentamos todos juntos para escrever o projeto, como seria o cotidiano dos
meninos. Eu não queria ensinar somente a parte prática, isso já tem vários projetos sociais
que fazem. A formação que nós damos é para formar um bailarino completo, consciente do
seu corpo e de seus movimentos, com bagagem cultural. Também decidi que não ia pegar
gente crua, queria participantes já com algum tipo de formação e com talento, claro. Fiz os
testes pelo Skype, porque na época estava em Montreal, trabalhando para o Cirque du
Soleil. Todos foram escolhidos porque são bons e agora vão pode espalhar por aí uma boa
educação, boa formação. Fazemos uma vigília constante para que eles absorvam o máximo
e possam continuar trabalhando. Dos 13 alunos, nove são negros. Eu acho isso interessante
porque é muito difícil encontrar bailarinos negros, é uma coisa que não se vê muito,
principalmente com formação técnica clássica.
BA – Quais foram os critérios para seleção dos alunos?
DC – Como eu já disse, não pegamos ninguém cru. Todos passaram por um teste de
aptidão de dança. Esse teste foi feito com pessoas de vários projetos do Rio de Janeiro e
pessoas que a gente sabia que estudavam dança e não tinham condições de se aperfeiçoar
85
mais. A maior parte é iniciante. Chega um momento em que eles ainda não estão
preparados para entrar numa companhia, precisam amadurecer, mudar de professor, partir
para uma formação mais profissional e aí que nós entramos. Todos, agora, já estão em
processo de formação adiantada, mas ainda precisam melhorar. Eu fiquei muito feliz
porque, quinta-feira, dia 20 de agosto, Guy Darmet (Fundador da Casa da Dança em Lyon)
veio conhecer o projeto e ficou apaixonado. Agora ele quer levar todo mundo para se
apresentar em Lyon ano que vem. Eu tenho que ver como vou fazer, porque esses alunos já
estarão formados, afinal o curso é de um ano. Mas eu vou fazer o possível para que isso
aconteça.
Outro critério de seleção é estar regulamente matriculado e frequentando alguma instituição
de ensino público, com 70% de média de aproveitamento.
BA – Como é o dia a dia do projeto? O que os alunos aprendem?
DC – Eles têm aula todos os dias da semana, das 8h às 13h. No primeiro horário, são dadas
aulas de ballet clássico e dança contemporânea. Depois, no segundo horário, alternam entre
aulas teóricas, como história da dança, da arte, anatomia, e práticas como pilates, hip hop.
Também já começamos os ensaios para a apresentação do fim do ano. No final deste
projeto, em dezembro, eles irão apresentar um espetáculo. Agora começamos, por exemplo,
a fazer alguns ensaios abertos para eles sentirem o contato com o público, se
acostumarem à mudança de horário, fazer maquiagem. Fora do horário das aulas, nós
também levamos eles para assistir peças de teatro, à exposições, tudo para complementar a
formação. É muito bacana.
BA – E como será o espetáculo que eles apresentarão no fim do ano?
DC – O espetáculo tem quatro coreografias, três são do repertório da companhia e a quarta
é nova, eu estou criando para eles. Uma se chama “Ostinato”, e trabalha a questão da
relação da dança e do movimento com gestos ordinários do cotidiano. Outra se chama
“Paixão” e, como o próprio nome já diz, tem a ver com os sentimentos, com emoções
intensas e, ao mesmo tempo, um pouco de romantismo. Para a terceira, eu juntei duas
coreografias, “Velox” e “Maracanã”, e criei uma nova, de uma maneira bem bacana para os
meninos. O tema tem a ver com futebol. Como eles têm entre 16 e 22 anos de idade e um
vigor bárbaro, dançam com uma energia de jogador e podem trabalhar isso nessa
coreografia. A coreografia que eu ainda estou criando terá um prelúdio de Bach e será algo
bem mais clássico, com trabalho de pontas, em trio. Eu acho que a técnica clássica é muito
86
importante para que o bailarino seja completo, apesar de trabalharmos mais a dança
contemporânea. Ou seja, eu quis dar, por meio das coreografias, uma formação completa,
como a que nós temos o objetivo de passar durante o curso. A apresentação terá a relação
do cotidiano com a dança, a relação da dança e da pessoa com o afeto, a técnica do ballet
clássico e o valor da energia, do vigor da juventude.
BA – Você acompanha de perto o trabalho no projeto? Dá aulas lá também?
DC – Eu ainda não dei nenhuma aula e não sei se darei, mas faço os ensaios. Na verdade,
eu prefiro mais ensaiar, porque corrijo, converso sobre dança. Aula é uma didática mais
cotidiana e não é por isso que eles deixam de estar sempre comigo. Eles, principalmente,
estão comigo todos os dias. Tem vezes, por exemplo, que eu junto o projeto com a
companhia. E é isso: eu acho muito mais útil sentar com eles, ensaiar e direcionar o que
estão fazendo, acho isso até maior do que ser a coreógrafa do espetáculo.
BA – Você acha que a dança ainda é uma prática artística e cultural a que poucos têm
acesso no Brasil?
DC – Acho.
BA – E isso se dá tanto para quem quer se tornar um bailarino, atuar na área, como
para quem quer assistir a apresentações e espetáculos?
DC – Também acho. Estamos engatinhando na questão da formação de público. Na
verdade, nós temos um problema dos dois lados, de pouco público e de poucos espetáculos.
As pessoas acabam se interessando pelo que a maioria fala. Acho que de dez anos para cá
essa questão melhorou e acho até que minha companhia ajudou nesse processo. A dança
deve ser para muitos, para todos, deve ser parte da sociedade e não ser vista somente como
espetáculo. Por que numa plateia de uma apresentação de dança temos que ter, em maioria,
gente que atua na área? Isso precisa mudar.
BA – Faltam políticas para incentivar a dança? O que você acha que deveria ser feito?
DC – Faltam incentivos, patrocínios. Nos Estados Unidos, por exemplo, há vários teatros
de universidades que são abertos para apresentações semi-profissionais. Aqui faltam, por
exemplo, teatros estruturados para espetáculos de dança, porque, apesar de dança e das
artes cênicas estarem muito ligadas, as necessidades das encenações são diferentes. A dança
tem que ter um palco que dê mais condições para movimento. Deveríamos, então, ter uma
maior quantidade de teatros bem preparados para isso.
87
ANEXO B – Pesquisa in loco, em 26 e 27/01/2009
Centro de Movimento Deborah Colker – Rio de Janeiro – RJ.
88
ANEXO C – Foto do Corpo de baile da Cia Deborah Colker.
Realizada nos dias 26 e 27/01/2009 no Centro de Movimento Deborah
Colker.
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