Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM CIÊNCIAS SOCIAIS
Roberto Shinji Ito
CIDADE DOS MOTOBOYS
Apropriação de espaços na metrópole paulistana
Mestrado em Ciências Sociais
São Paulo
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
ROBERTO SHINJI ITO
CIDADE DOS MOTOBOYS
Apropriação de espaços na metrópole paulistana
Dissertação de Mestrado apresentado ao Programa de
Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como
exigência parcial para obtenção do tulo de Mestre em
Ciências Sociais, sob a orientação da Profa. Dra. Silvia
Helena Simões Borelli.
.
São Paulo
2010
ads:
Banca Examinadora
_______________________________________________
_______________________________________________
_______________________________________________
Resumo
Este trabalho tem como foco o motoboy paulistano jovem em sua relação com os
espaços da metrópole, os usos que faz das vias de trânsito e das vagas específicas para
motocicletas, entre outras formas de apropriação da cidade. Como opção metodológica, com
ênfase para a pesquisa de campo e para o trabalho etnográfico, foram privilegiados alguns
instrumentos de coleta de dados, tais como: observação participante, entrevistas em
profundidade e análise da produção áudio-visual do grupo responsável pelo Canal Motoboy.
Desta escolha resulta um protocolo de análise capaz de responder pela incorporação das
narrativas dos próprios motoboys –, a algumas questões relacionadas aos conflitos e disputas
inerentes a este modo de inserção na vida cotidiana da cidade, em particular, conflitos por
espaços no trânsito, elemento central das tensões. Do ponto de vista teórico e conceitual, a
reflexão privilegia, entre outras, as concepções de espaço e metrópole, com destaque para o
surgimento desses novos sujeitos motoboys –, habitantes de uma cidade que cresceu
desordenadamente e necessita de agilidade nos fluxos para acompanhar a velocidade da
comunicação e da informação; entretanto, não respondeu à altura no que diz respeito à malha
viária. Nesse descompasso surge, então, um processo de hibridação entre os emergentes
motociclistas profissionais e o tradicional e arcaico sistema viário.
Palavras-chave: Motoboys, Metrópole, Espaços, Culturas Híbridas, Etnografia.
Abstract
This paper focuses on the young motorcycle couriers motoboys - from São Paulo
and their relations with the metropolis spaces, the uses of traffic routes and the reserved
parking spaces for motorcycles, among other forms of appropriation of the city. As a
methodological option, with an emphasis on the field survey and ethnographic work, some
data collection instruments were privileged, such as: participating observation, in-depth
interviews and the analysis of the audio-visual production from the group that is responsible
for Canal Motoboy. From this choice comes a protocol of analysis that is able to answer
through the incorporation of the motoboys’ own narratives some questions related to the
conflicts and disputes that are inherent to this way of insertion on everyday life in the city,
especially when it comes to conflicts for space in traffic, which is a central element of
tensions. From the theoretical and conceptual point of view, the reflection privileges, among
others, the concepts of space and metropolis, highlighting the emergence of these new
subjects – motoboys -, inhabitants of a city that grew disorderly and needs agility in the traffic
flow to keep up with the speed of its communication and information; however, it did not
respond well in that which concerns the road system. In this mismatch arises, therefore, a
hybridization process between the professional motorcyclists and the arcaic road system.
Keywords: Motoboys, Metropolis, Spaces, Hybrid Cultures, Ethnography.
Sumário
Introdução ............................................................................................................... 07
Capítulo 1 – A Metrópole ..................................................................................... . 15
1.1. Fluxo e Mobilidade na Metrópole ..................................................................... 15
1.2. Sistema Viário e Trânsito .................................................................................. 17
1.3. Espaços e Lugares ............................................................................................. 19
1.4. Espaço Civil ....................................................................................................... 25
Capítulo 2 – Os Motoboys na Cidade de São Paulo ............................................ 27
2.1. Motoboys: uma categoria profissional .............................................................. 28
2.2. Viver o Estigma ................................................................................................. 33
2.3. O imaginário dos Motoboys sobre a cidade ...................................................... 40
Capítulo 3 – Comunicação e conectividade .......................................................... 50
3.1. O Canal Motoboy ............................................................................................... 50
3.2. A Internet e a mediação dos celulares ................................................................ 56
Considerações finais ................................................................................................ 66
Referências bibliográficas ....................................................................................... 70
Anexo 1 ...................................................................................................................... 73
6
Introdução
Hoje a cidade de São Paulo está tomada por uma categoria profissional que até pouco
tempo não se destacava no cenário paulistano: a do motoboy. Esta pesquisa visa a analisar a
forma como esses atores sociais se apropriam da cidade, levantando a seguinte questão: como
se dá a relação dos motoboys com os espaços públicos e privados que ocupam na metrópole?
Para responder a essa pergunta é fundamental fazer um acompanhamento etnográfico,
juntamente com entrevistas semiestruturadas aplicadas em um grupo heterogêneo de
motoboys.
Esta pesquisa pretende apresentar informações relevantes para a execução de outros
projetos, buscando a transformação das relações sociais que permeiam o trânsito da cidade de
São Paulo. Além disso, a contribuição para as Ciências Sociais que tratam dos espaços e da
metrópole é fundamental pela presença dos temas nas agendas de pesquisa. Os próprios
motoboys podem, também, se beneficiar, apropriando-se dos resultados obtidos com este
trabalho.
O foco da pesquisa são os profissionais motociclistas da cidade de São Paulo que
trabalham como mensageiros ou entregadores dos mais diversos tipos de mercadorias
(alimentos, valores, documentos e pequenos objetos, entre outras pequenas cargas), fazendo
uso da motocicleta como ferramenta de trabalho, a fim de maximizar a locomoção no trânsito,
atividade que é também chamada de motofrete. Esta delimitação distingue os profissionais
motociclistas que trabalham com transporte de cargas e valores dos profissionais motociclistas
taxistas, comuns em pequenos municípios e também nos subúrbios da cidade do Rio de
Janeiro, por exemplo, onde o transporte público e os automóveis dificilmente têm acesso. É
uma definição que se torna necessária para que a perspectiva da análise do uso dos espaços na
metrópole pelos motoboys de São Paulo não se confunda com os outros casos.
Os primeiros profissionais a fazerem o serviço de entregas com motocicleta surgiram
em São Paulo no começo da década de 1980, e essa nova categoria teve um crescimento
extremamente acelerado, acompanhado da presença do usuário de motocicleta para transporte
próprio, dando indícios do surgimento de uma nova forma de locomoção e ocupação de
espaço urbano. Junto com o crescimento do número de motocicletas na cidade, veio o
aumento vertiginoso dos acidentes de trânsito, principalmente dos que envolvem o
motociclista e, em especial, o motoboy. Este, por muitas vezes, submete-se a esse risco por
7
conta da necessidade de trabalho, uma vez que apresenta baixa escolaridade e pouca
qualificação profissional, características herdadas dos antigos e quase extintos office-boys, dos
quais alguns resíduos ainda sobraram para os modernos motoboys, no mesmo termo
trabalhado por Williams.
Hoje existem motociclistas profissionais em várias metrópoles do mundo. Em algumas
delas, a presença de imigrantes brasileiros é grande, como em Londres, por exemplo. No Rio
de Janeiro acontece algo diferente: existem os mototaxistas, que, de modo informal, fazem o
serviço de transporte, principalmente, de moradores das favelas, subindo e descendo os
morros, aonde as linhas de ônibus não chegam de forma satisfatória e a inclinação do solo é
acentuada e dificulta o acesso de outros veículos maiores. Mas é possível que dificilmente
algum outro caso possa ser comparado ao da capital paulista, pela dimensão e pelo tipo de
gravidade social e de saúde pública que cria.
Apesar da notoriedade da presença e relevância do papel do motoboy para a cidade de
São Paulo, existem poucos trabalhos na área das Ciências Sociais abordando esse tema,
provavelmente devido ao rápido surgimento dessa categoria profissional. Mas podem ser
destacadas algumas pesquisas, entre as quais Pelo Espelho Retrovisor: motoboys em trânsito,
de Augusto Stiell Neto, que aborda pontos fundamentais para qualquer análise desses atores
sociais, a partir de entrevistas com os principais sujeitos que lidam com os motoboys, além
deles próprios, tornando a pesquisa muito abrangente e completa. Outra obra é Sobre Duas
Rodas: apontamentos para uma sociologia do trânsito, de Antônio Catigero Oliveira, que
toma o tema do trânsito, focando a sociabilidade entre os motociclistas, questão que é de
grande relevância para as Ciências Sociais. Além dessas, a pesquisa intitulada Cidade dos
Motoboys: sociabilidade e conflitos na metrópole paulistana, de minha autoria e que
antecedeu e inspirou o presente estudo, toma como objetivo esclarecer as formas de
sociabilidade e de relacionamento entre os motoboys e os demais agentes que compõem o
trânsito a partir da ótica dos próprios motoboys. Ainda no decorrer deste trabalho, surgiram
outras pesquisas acadêmicas que lançaram luz ao tema dos motoboys: Os Motoboys no Globo
da Morte: Circulação no Espaço e Trabalho Precário na Cidade de o Paulo, dissertação
de Mestrado de Ricardo Barbosa da Silva; e Estilo Motoboy: um estudo da caracterização do
profissional motofretista por meio da linguagem, também dissertação de Mestrado de Daiana
Rodrigues da Silva. Esses são excelentes estudos que tomam os motoboys como objeto de
pesquisa, mas que ainda não problematizam a questão do espaço apropriado por eles a partir
8
da ótica dos próprios agentes. A relevância de se abordar o assunto por esse foco se pela
protagonização desses atores sociais, ao relatarem suas próprias histórias de vida que podem
desvendar algumas particularidades sobre a presença desses trabalhadores nas ruas e avenidas
da cidade, tomando como principais mediações a estigmatização, a vida em fluxo, a
modernidade e os espaços da metrópole. É o que esta pesquisa buscou e sobre o que
discorrem os três capítulos desta dissertação.
Fora do âmbito acadêmico encontramos o documentário Motoboys - Vida Loca, que
foi a inspiração e ponto de partida para o início de minha primeira pesquisa sobre o assunto,
ainda na graduação em Ciências Sociais pela PUC-SP, e também para a aquisição de minha
primeira motocicleta, embora, desde então, nunca a tenha utilizado como ferramenta de
trabalho que se caracterizasse como motofrete, de forma a não recair influências na
metodologia proposta por esta pesquisa, como veremos mais a diante. Esse documentário
aborda, de forma precisa, a rotina de trabalho e lazer desses profissionais, na cidade de São
Paulo, a família, as dificuldades e os pontos positivos dessa profissão, ouvindo não somente
os motoboys, mas também motoristas, incluindo algumas personalidades paulistanas, como o
publicitário Washington Oliveto, o jornalista Gilberto Dimenstein e a ex-prefeita Marta
Suplicy. Estreou na Mostra BR de Cinema de São Paulo de 2003, foi dirigido por Caíto Ortiz
e produzido pela Pródigo Films. Também existe o longa metragem intitulado Os 12
Trabalhos, de Ricardo Elias, lançado em 2007 pela Politheama Produções Cinematográficas,
que conta a história do primeiro dia de trabalho de Heracles como motoboy em São Paulo,
após sair da Febem Fundação Estadual do Bem-estar do Menor, atual Fundação Casa.
Aborda o tema, a partir de depoimentos dados em entrevistas, de forma a abranger muitos dos
desafios enfrentados, no cotidiano, por esses profissionais, como os imprevistos durante o
serviço, as drogas, a malícia, as exigências dos clientes, a falta de reconhecimento do serviço
prestado e a dor de perder um amigo ou parente por morte no exercício dessa profissão.
Outras obras valiosas para este estudo referem-se à espacialidade, como as de Marc
Augé, Michel de Certeau e de Milton Santos, e também sobre a Metrópole, como as de Jesus
Matin-Barbero, Georg Simmel e Jorge Wilhein. Esses autores fazem parte da base da pesquisa
sobre a presença dos motociclistas profissionais na metrópole paulistana.
As Ciências Sociais têm inserido a temática urbana muito fortemente em sua agenda
de pesquisa, podendo-se citar, aqui, exemplos como a Cidade Global e os grupos juvenis
urbanos, entre outras atividades características da Metrópole. Com isso, o presente trabalho
9
presta-se a analisar a forma como a cidade de São Paulo é ocupada pelos motoboys e como
eles se veem inseridos nessa dinâmica. Este estudo visa a apresentar uma questão sociológica
na medida em que a categoria estudada abrange uma parte dos que são menos favorecidos na
sociedade, são mais silenciados e têm menos oportunidade de se fazerem ouvir. Para tanto foi
necessária uma aproximação entre sujeitos e não entre sujeito e objeto. Isso se deu de forma
etnográfica, com a observação participante e acompanhamento dos envolvidos em sua rotina
diária de trabalho, na garupa de suas motocicletas.
Apesar de se concentrar em entrevistas individuais, este trabalho não excluiu a
possibilidade de que, em entrevistas grupais, obtenham-se informações sobre consenso ou
divergências em relação a assuntos de interesse comum, importantes para esta pesquisa,
colhendo os depoimentos pessoais, destacando convergências, divergências e contradições
nos discursos, levando em consideração as subjetividades presentes nas falas, registradas em
caderno de campo e na transcrição de conversas e entrevistas gravadas. Dessa forma, tem-se a
possibilidade de apanhar, com fidelidade, os monólogos do informante e os diálogos entre os
entrevistados e o pesquisador, sem deixar de atentar à possível inibição gerada por essas
técnicas. Assim, fazendo com que os depoimentos pessoais sejam bastante livres das
interferências do pesquisador, é possível abordar e sistematizar as subjetividades afloradas,
facultando conhecer os sujeitos a partir de seu interior. Somente com esta metodologia e com
a cuidadosa análise dos fatos decisivos, é possível fazer um estudo que responda às questões
propostas por este trabalho e que sistematize as informações e críticas que cercam o assunto.
A análise do registro fotográfico faz-se necessária para a explanação de forma densa,
para ir além das palavras expressas e se diferenciar do campo de observação ingênua a que
Bauer e Gaskell (2002) se referem, em sua obra Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e
Som: um manual prático, ao tratarem dos meros espectadores em comparação com os
pesquisadores sociais. Além disso, esta pesquisa de cunho qualitativo despende a devida
importância para os dados da comunicação informal, que pode conter riquíssimas informações
sobre a subjetividade desses sujeitos, dando valor à espontaneidade, mas, ao mesmo tempo,
estando atento a eventuais falas falsas dos informantes. Somente assim as Ciências Sociais
podem ver através dos olhos dos nossos motoboys pesquisados, compreender as
interpretações do mundo feitas por eles e explorar o sortimento de opiniões sobre sua
presença na metrópole e sobre o espaço que ocupam. Para compreender esse sortimento de
opiniões é preciso ter em vista, além da variedade de representações das pessoas no seu
10
mundo vivencial, também as relações com os objetos e com os espaços, com observações
sobre as opiniões, atitudes, sentimentos, ideologias, discursos, hábitos e práticas das
subjetividades que transbordam da cidade grande, causando a falta de coletividade para a qual
Williams (1990) chama a atenção, dado o isolamento em meio à multidão.
Para se aproximar do indivíduo, do motoboy, nesta análise, é preciso ir além da
urbanização, para, então, se decodificar a produção cultural desses atores e, apropriando-se
dela, possibilitar a efetivação de uma leitura da sociedade, como propõe Williams: ler a
cidade através das produções culturais, concebendo a cultura como materialidade e
perspectiva simbólica de análise da cidade e em busca, sempre, de conexões com o passado,
por meio do olhar ampliado para os contornos menos compreensíveis, e de novas formas de
formação e aglutinação dos desinstitucionalizados que definem a metrópole.
Nessa busca pelas conexões com o passado, como destaca Williams, o resíduo do
antigo mostra que um movimento, que uma dinâmica do moderno e do arcaico, mas a
busca pela matriz deve ser feita com rigor e metodologia, trabalhando palavras-chave e
conceitos.
Os informantes escolhidos para construírem este trabalho foram os motociclistas
profissionais que compõem o coletivo denominado Canal Motoboy, que atua, desde 2007,
como informativo e integrador da categoria e também como meio de comunicação com a
sociedade, mediante o uso da tecnologia de telefonia móvel e da Internet, através do sítio
www.megafone.net/SAOPAULO, para a divulgação de dias audiovisuais produzidas pelos
próprios participantes. Esses motociclistas e suas produções e registros audiovisuais serão os
informantes para responder às questões sobre a apropriação de espaços colocadas por esta
pesquisa, pois representam a categoria profissional à qual pertencem de uma forma especial:
utilizam-se da Internet como ferramenta de comunicação e integração não somente entre a
categoria, mas, principalmente, com a sociedade.
Meu primeiro contato pessoal com os integrantes do Canal Motoboy ocorreu durante a
Audiência Pública com os vereadores do município de São Paulo, organizada pelos próprios
participantes do Canal Motoboy, em 2007, para discutir a regularização da situação da
categoria profissional entre representantes da categoria de diversas associações e sindicatos,
inclusive de outras cidades e Estados. Depois disso, a participação nas reuniões e eventos
promovidos pelo grupo foram constantes, fortalecendo uma relação de confiança entre o
pesquisador e os atores sociais, contribuindo muito para a realização de minha primeira
11
pesquisa tendo os motoboys como objeto de análise desde então. Naquela época eu já possuía
minha segunda motocicleta de baixa cilindrada para transporte próprio, o que, aliás, foi o
ponto de partida para a aprofundada observação participante desses personagens e importante
fonte de inspiração para esta pesquisa. A curiosidade e a aproximação com esses personagens
de duas rodas do cenário paulistano instigaram-me a fazer mais perguntas sobre o
comportamento deles, sobre a cultura à qual pertencem. E, hoje, esta pesquisa sintetiza tudo
isso.
Com fundamento no texto de Gaskell, Entrevistas Individuais e Grupais, a fim de
absorver a cultura e as informações desses agentes de forma mais longa e profunda, e também
para compreender as narrativas e as relações entre os atores sociais envolvidos e sua situação
na metrópole, foi possível executar a investigação aqui proposta. A entrevista qualitativa
semiestruturada entra como peça importante na construção da compreensão dos mundos dos
sujeitos em questão, apoiada no tópico guia e em sua flexibilidade para abranger os
entrevistados selecionados, a fim de que se abra uma amplidão de opiniões, maximizando,
assim, a compreensão das diferentes posições e pontos de vista dos motoboys sobre os
assuntos a serem abordados na pesquisa (Gaskell, In: Bauer; Gaskell, 2002:66). Essa maior
amplitude e profundidade da informação e da observação, partindo da participação do
pesquisador, dá-se através da interação, da troca de ideias e significados, da relação de
confiança e segurança, o que ocorre, somente com a base teórica da pesquisa qualitativa e
com a experiência e familiaridade do pesquisador com ela, tanto na entrevista individual
quanto na entrevista grupal, abrindo o leque de opiniões e visões de mundo. Em vista disso, a
entrevista individual realizava-se com os motoboys, de forma particular, tratando de
aprofundar a análise não do mundo do indivíduo - suas experiências pessoais, suas visões
de mundo - através das fotografias postadas na página do Canal Motoboy, como também de
assuntos particulares que pudessem provocar ansiedade. A entrevista grupal acontecia com os
motoboys do coletivo, reunidos semanalmente para a discussão do conteúdo enviado ao sítio
do Canal Motoboy e da preparação das atividades seguintes do coletivo, orientando a presente
pesquisa para a linguagem, atitudes, opiniões e comportamentos que não poderiam ser vistos
sem ser em grupo, sempre atentando a convergências e divergências. Somente assim, a
narrativa e a análise do discurso, do dito e do não dito, trouxeram as experiências e
acontecimentos do individual e do social que puderam dar significados importantes para a
12
presença desses personagens no espaço paulistano, ou da figura humana na cidade, como
Williams estudou.
Vasconcelos, em seu livro Complexidade e Pesquisa Interdisciplinar: epistemologia e
metodologia operativa, dedica um capítulo especialmente à percepção do mundo através da
arte e da fotografia, no qual traça uma análise de como a maneira de ver se torna um
paradigma. A revisão desse capítulo cabe, no presente estudo, para chamar a atenção para a
dificuldade de variar o olhar para o mundo vivido. Com o apoio do texto de análise crítica
sobre o método investigativo antropológico da pesquisa de campo, escrito por Jaccoud e
Mayer, intitulado A Observação Direta e a Pesquisa Qualitativa, este trabalho pôde se basear
na técnica da observação participante, tomando os cuidados destacados pelos autores, tais
como a credibilidade e confiança no campo, a longa presença para a investigação das
subjetividades e a seleção criteriosa dos informantes, a fim de que seja dada validade para os
resultados obtidos.
Foram ao todo doze etnografias (acompanhamento do dia inteiro de serviço do
motoboy em sua garupa), ou seja, três dias de acompanhamento para cada um dos quatro
motociclistas profissionais escolhidos e disponíveis do Canal Motoboy (Ronaldo, Andréa,
Luiz e Neka). Também foram analisadas, de forma constante e frequente, as produções
audiovisuais publicadas no sitio do coletivo e o acompanhamento regular das reuniões
semanais realizadas aos sábados para a discussão sobre conteúdos publicados e projetos do
coletivo, de forma a poder me aproximar e ouvir aqueles que não pude acompanhar de forma
etnográfica, tornando a participação de todos os envolvidos no Canal Motoboy de forma
efetiva em meu estudo. A disponibilidade dos motoboys estava dependente da forma como
cada um deles trabalhava, se com baú ou não, pois este, quando utilizado pelos motofretistas,
ocupa justamente o banco do passageiro, e, somente com o esforço deles e disposição de
minha parte em colaborar para carregar uma mochila cheia dos mais variados objetos,
documentos e valores, foi possível realizar esta gratificante pesquisa.
A metodologia foi escolhida por ser a mais apropriada para responder às questões
levantadas para a pesquisa, pois, apenas me aproximando, de forma participante e profunda,
com as ferramentas apropriadas de observação, dos atores sociais e de suas contribuições
culturais, é que a amplitude e a profundidade da observação e da informação tornaram-se
possíveis de serem analisadas pelo referencial teórico já destacado anteriormente. É um
13
caminho frágil e tem seus limites, mas mantém-se forte em pontos que são inacessíveis para
outras metodologias.
14
Capítulo 1 – A Metrópole
1.1 Fluxo e mobilidade na metrópole
Hoje, São Paulo é uma das maiores cidades do mundo e traz consigo o status de
Cidade Global. Sobre esse título notável que a cidade ganhou, temos o estudo de Mônica de
Carvalho, em Cidade Global: anotações críticas sobre um conceito, que destaca as
desigualdades crescentes inexoráveis de uma cidade voltada ao desenvolvimento financeiro
em detrimento do social.
Deixando o setor industrial para trás, o ramo de atividade que passa a ter maior
importância em São Paulo é o de prestação de serviços. Como destacaremos mais a diante, a
desigualdade social cresce, e a baixa escolaridade e a pouca qualificação profissional deixam
muitos à margem do mercado de trabalho formal. Isso se reverte em algumas formas de
trabalho que não atendem a alguns requisitos de salubridade e segurança garantidos por lei,
como, por exemplo, a de operador de telemarketing, a de segurança particular e a de motoboy.
Para este último, os problemas não param por aí.
A cidade de São Paulo sofre com a falta de espaço decorrente de uma urbanização
acelerada e efetuada de forma, muitas vezes, descontrolada. Isso não atinge o mercado
imobiliário, mas também o sistema viário, que passou a não dar mais conta da demanda,
gerando constantes congestionamentos que já são típicos dessa cidade.
Somente a observação aprofundada desses atores sociais, que denominamos
motoboys, poderá nos dar os indícios do que está se passando nas velhas e congestionadas
malhas viárias da metrópole e de como se deu o acréscimo do moderno e emergente
motociclista profissional nesse sistema antigo de trânsito e tráfego urbano. Apenas essa
observação permitirá não entender esses sujeitos que trazem, em seus baús, o peso da
revolução informacional do e-mail, da informação em tempo real, da comunicação a qualquer
hora ou lugar pelo aparelho de telefone celular, das mensagens instantâneas, da Internet, mas
também compreender como se relacionam, entre si, de um lado, as evoluções tecnológicas, os
fluxos e, de outro, o atraso e estagnação do sistema viário, no descompasso do viver junto
sendo diferente, respeitando a presença das diferenças, dos espaços e do lugar, das soluções
locais para problemas globais.
15
Uma retomada histórica do caso paulistano podenos dar uma maior clareza sobre o
que está acontecendo, atualmente, nas ruas e avenidas da cidade, e sobre o que aconteceu com
a mobilidade na metrópole. Importante também será, posteriormente, a análise do que os
motoboys sentem frente a essa situação.
O primeiro automóvel chegou à capital paulista em 1900, mas, desde os anos da
década de 1920, o número dos automóveis veio aumentando significativa e assustadoramente
em São Paulo, dificultando até mesmo o caminhar pelas ruas, sem que se tivesse de enfrentar
os riscos de atravessá-las entre os automóveis. O resultado imediato dessa situação foi o
aumento da violência no trânsito, dado o descontrole no uso dos veículos, como destaca
Marco Antônio Cornacioni Sávio, em sua pesquisa voltada à história do desenvolvimento
automobilístico em São Paulo e intitulada A Modernidade Sobre Rodas: tecnologia
automotiva, cultura e sociedade. naquele momento existia a batalha pelo espaço,
envolvendo pedestres, carroças, bondes, bicicletas, motocicletas e automóveis e criando um
conflito cujo resultado também foi o grande número de acidentes. Assim sendo, São Paulo
não era mais considerada segura, desde aquela época, pelos agentes que compunham o
trânsito.
As autoridades davam prioridade ao transporte por automóvel particular em vez de ao
transporte público de massa desde os anos 20, forçando uma mudança nas formas de
comportamento nas ruas, alterando a relação entre as pessoas e entre estas e o meio urbano,
segundo Sávio. E, nessa privatização do espaço público, criou-se a sensação de barbárie
motorizada no espaço da cidade, alterando as instâncias da vida social urbana. A maior
mudança ocorreu em relação à disputa pelos espaços públicos da cidade, que, aliás, existia,
antes da chegada dos automóveis, entre os pedestres, carroças e cavalos, mas cuja violência
foi agravada e intensificada com a chegada desregrada dos novos veículos.
Sávio chama de tributo de sangue o preço pago pelos cidadãos de São Paulo por um
projeto de modernização e pela ideia de cidade progressista, numa história que dura 100
anos. Anos não somente de presença física do automóvel, mas de uma presença simbólica
muito grande, retratada pelo espírito aventureiro do carro e da motocicleta quase intrínseco a
eles. E essa presença deve ser analisada não na condição de objeto somente, mas também na
condição de ator que trouxe mudanças e atua constantemente na dinâmica da metrópole,
principalmente na dinâmica dos fluxos.
16
David Harvey, em Condição Pós-Moderna, esclarece os vínculos materiais entre
processos político-econômicos e processos culturais, falando do espaço e do tempo na vida
social, e que a variação na percepção dessas instâncias espaciais e temporais afeta os
processos sociais. Assim sendo, o autor afirma a importância das práticas de espacialização na
arquitetura e no projeto urbano, podendo incluir a engenharia de trânsito, como também a
importância das lutas travadas em torno da definição de quais o exatamente o tempo e o
lugar certos para determinados aspectos da prática social. Inclusive, o domínio do espaço
sendo uma fonte fundamental de poder social na e sobre a vida cotidiana é tomado pelo autor
na análise das relações entre as fontes interligadas de poder social, que são o dinheiro, o
espaço e o tempo. A aceleração dos processos de fluxos é muitas vezes destrutiva, ao seguir a
dinâmica de acumulação de capital, comprimir cada vez mais o espaço-tempo e acelerar o
ritmo do consumo, forçando as pessoas a lidarem com a descartabilidade e a obsolência
instantânea.
1.2 Sistema Viário e Trânsito
Existem, hoje, algumas adaptações no sistema viário paulistano para a absorção das
motocicletas, demonstrando que a presença desse meio de transporte aparece despontando
entre os automóveis. Um exemplo é a Faixa Cidadã, instalada nas avenidas Rebouças e da
Consolação, região central da cidade, com o objetivo de evitar que os motociclistas trafeguem
entre os carros. No entanto, por não haver obrigatoriedade para o seu uso, e mesmo por não
ter sido uma imposição seguida de ação punitiva com multa, o uso dessa faixa não teve
resultado positivo.
Outro exemplo de adaptação é o da Avenida Sumaré, na Zona Oeste da cidade, onde,
em 2006, se implementou a primeira faixa de uso exclusivo para motocicletas da cidade. Essa
nova forma de inserir os motociclistas, profissionais ou não, no trânsito de São Paulo, foi
amplamente apoiada pelos motoboys do Canal Motoboy, tornando-se tema de várias imagens
e textos divulgados no sítio, que tinham como foco no discurso, na época em que foi
inaugurada, a presença dos motoboys na cidade e as melhorias para a segurança no trânsito.
No entanto destaca-se, como ponto fraco dessa redefinição dos espaços, a falta de sinalização
e bloqueio para evitar a travessia de pedestres em locais inapropriados, o que gerou muitos
17
acidentes, principalmente atropelamentos de pedestres por motocicletas. Posteriormente
foram implementadas as sinalizações e grades.
Durante a fase final desta pesquisa surgiu um projeto da Secretaria Municipal de
Transportes proibindo as motocicletas, tanto de motociclistas profissionais, quanto de
usuários, de trafegarem na Avenida 23 de Maio, na pista expressa da Marginal do Rio Tietê e
na pista expressa da Marginal do Rio Pinheiros. Tal medida foi tomada sob a alegação de que
é preciso diminuir o número de acidentes de trânsito envolvendo motos nessas vias, uma vez
que esses pontos da malha viária estão no topo da lista daqueles em que mais ocorrem
acidentes fatais com motocicleta na cidade de São Paulo.
1
Mesmo tendo sido prorrogado o
início da aplicação da lei para o mês de Julho de 2010, e, posteriormente, prorrogado
novamente para a primeira semana (no caso da Marginal Tietê) e para a terceira semana (no
caso da Avenida 23 de Maio) de Agosto de 2010, por acordo estabelecido entre a Prefeitura e
o Sindicato dos Mensageiros Motociclistas do Estado de São Paulo - SINDIMOTOSP, parte
da categoria se mostrou insatisfeita com a restrição. Essa insatisfação é tema de vários
materiais audiovisuais produzidos pelo Canal Motoboy, como será visto, principalmente, nos
capítulos 2 e 3 desta dissertação A partir da restrição, para percorrer o trajeto correspondente
ao oferecido pela Avenida 23 de Maio, uma das principais vias de ligação da Zona Sul com o
Centro e com as Zonas Leste e Norte, os motociclistas deverão utilizar um corredor exclusivo,
implementado pela CET-SP como alternativa à Avenida 23 de Maio, localizado à esquerda
das ruas Sena Madureira, Domingos de Moraes, Vergueiro e da Avenida da Liberdade até a
Praça João Mendes, junto ao canteiro central. Para o uso da Marginal Tietê, as motocicletas
deverão circular somente nas pistas locais e centrais. A restrição da circulação de motocicletas
na Pista Expressa da Marginal Pinheiros foi reavaliada, após a demissão do antigo secretário
dos transportes, e não foi implementada.
Em meados de Junho de 2010, pouco antes do início das restrições, o secretário de
transportes do município de São Paulo, Alexandre de Moraes, deixou o cargo na prefeitura.
Foi proposta, pelo prefeito Gilberto Kassab, a reavaliação das medidas que restringiriam as
motos em algumas das principais vias da cidade.
2
Outras restrições também estavam para
1
Cinco vias concentram 10% das mortes de trânsito. Jornal Destak São Paulo. 07/07/2010. Disponível
em http://www.destakjornal.com.br/readContent.aspx?eid=1019&id=13,66366. Acesso em 07 de
Julho de 2010
2
Com saída de Moraes, Kassab pede reavaliações das restrições. Jornal Destak São Paulo. 14/06/2010.
disponível em http://www.destakjornal.com.br/readContent.aspx?id=13,62543. Acesso em 14 de
Junho de 2010.
18
ser implementadas, como a do trânsito de caminhões na Avenida dos Bandeirantes, Marginal
Pinheiros e Avenida Roberto Marinho, na Zona Sul de São Paulo, em determinados horários,
e foi posta em prática em Agosto.
1.3 Espaços e Lugares
O motoboy aparece como um assíduo caminhante da cidade que reconfigurou a forma
de transitar pelas malhas viárias, levando em conta suas capacidade de agilidade,
maleabilidade e velocidade. Sua presença, seus usos e apropriações do espaço urbano podem
ser analisados com o olhar de Michel de Certeau, através da seguinte passagem do livro A
Invenção do Cotidiano: as artes de fazer:
Em primeiro lugar, se é verdade que existe uma ordem espacial que organiza um conjunto
de possibilidades (por exemplo, por um local por onde é permitido circular) e proibições
(por exemplo, por um muro que impede prosseguir), o caminhante atualiza algumas delas.
Deste modo, ele tanto as faz ser como aparecer. Mas também as desloca e inventa outras,
pois as idas e vindas, as variações ou as improvisações da caminhada privilegiam, mudam
ou deixam de lado elementos espaciais. Assim Charlie Chaplin multiplica as
possibilidades de sua brincadeira: faz outras coisas com a mesma coisa e ultrapassa os
limites que as determinações do objeto fixavam para o seu uso. Da mesma forma, o
caminhante transforma em outra coisa cada significante espacial. E se, de um lado, ele
torna efetivas algumas somente das possibilidades fixadas pela ordem construída (vai
somente por aqui, mas não por lá), do outro aumenta o número dos possíveis (por
exemplo, criando atalhos ou desvios) e dos interditos (por exemplo, ele se proíbe de ir por
caminhos lícitos ou obrigatórios). Seleciona portanto. ‘o usuário da cidade extrai
fragmentos do enunciado para atualizá-los em segredo’. (Certeau, 1994:177)
Na presente discussão, essa reconfiguração que ultrapassa os limites pré-determinados
pela legislação de trânsito brasileira e cria novas formas de utilização e de possibilidades pode
ser constatada ao se observar o uso do corredor entre os carros e até mesmo o eventual novo
uso das calçadas feito pelos caminhantes motociclistas profissionais, que tomam, para si, o
lugar que fora planejado com outro fim e institucionalizado e o transformam em espaço para
seu uso. Esses novos usos vão além daquela ordem espacial que foi ordenada, atualizando-a,
reinventando-a, desinstitucionalizando-a, criando novas possibilidades àquela constituída no
mapa urbano, a partir de trajetórias inéditas, da manipulação dos elementos da ordem
construída na cidade. Portanto a análise apresentada por Certeau sobre os que caminham na
19
cidade é perfeitamente aplicável na observação dos motoboys da metrópole paulistana em
suas apropriações dos espaços.
Temos, então, em cena um ator social muito novo que, devido às novas formas de
utilização que ele faz dos espaços da cidade, causando desequilíbrio da ordenação dos fluxos,
se tornou muito polêmico. A origem desse conflito pode ser atribuída ao descompasso
existente entre a velocidade informacional e a dificuldade de mobilidade física no trânsito da
cidade. Coube ao motociclista profissional o papel de suprir essa disparidade. Essa demanda
de velocidade não foi contemplada pela legislação de trânsito vigente, , como é possível
observar no Código de Trânsito Brasileiro, que manteve a prioridade ao fluxo de carros e não
incentivou a regulação e a regulamentação de faixas e pistas destinadas para as motocicletas.
O que foi visto, na cidade, de notável aplicação efetiva nos últimos anos foram a Faixa
Cidadã, na Rua da Consolação, região central, e a Faixa Exclusiva na Avenida Sumaré, região
oeste da cidade. A primeira permaneceu sem sucesso desde sua inauguração, devido à sua
proposta de tentar manter as motocicletas seguindo o fluxo do trânsito juntamente com os
demais veículos nas faixas tradicionais, sugerindo que este deixasse de usar o corredor, sem o
fator de imposição através de fiscalização e multas, sendo apenas uma opção de tráfego. A
segunda foi aplicada como experimentação e manteve-se com boa aceitação entre os
motociclistas profissionais, principalmente pela fluidez do trânsito proporcionada a eles e pela
segurança oferecida por estarem livres de dividir o espaço entre os carros durante todo o
trajeto da avenida (Ito, 2007), sendo foco de diversas publicações no sitio do Canal Motoboy.
Houve também a tentativa de reservar uma faixa dos carros da Avenida 23 de Maio, nos dois
sentidos, somente para as motos. Isso foi feito, inicialmente pensada pela CET-SP como
experimentação pelo período de uma semana, durante os horários “de pico”, ou seja, horário
de maior número de veículos circulando: pela manhã, entre 6:00 e 9:00, e à tarde, entre 17:00
e 20:00. Essa experiência foi cancelada antes mesmo do previsto, devido ao efeito de
engarrafamento de carros e ônibus que causou, gerando insatisfação em grande parte da
população. Mais recentemente, às vésperas do término desta pesquisa, foram implementadas
novas regulamentações para o trânsito de motocicletas, como já foi visto anteriormente.
20
Imagem 1. Corredor exclusivo para motos na Avenida Sumaré. Uma das muitas produções
audiovisuais publicadas elogiando a implementação desta via. Publicada por Ronaldo, em 23
de Junho de 2009.
Acontece que o sistema viário paulistano não comporta mais veículos. Ele não se
atualizou, acompanhando o crescimento do número de automóveis e as necessidades de
locomoção. Houve poucas mudanças e adaptações na forma de trafegar: faixas exclusivas
para ônibus e faixas reversíveis em algumas avenidas em determinados horários, além das
citadas faixas para motocicletas e vias restritas. Mudanças que não deram conta de suprir a
quantidade de veículos nas ruas e garantir uma boa fluidez para todos, como exige uma cidade
global que quer ser competitiva com outras do mundo desenvolvido. A legislação de trânsito
da capital paulista mantém-se defasada e o órgão de engenharia de trânsito não pretende
avançar nas questões pertinentes ao uso da motocicleta. Não um posicionamento favorável
ao uso da motocicleta como forma de transporte particular alternativo ao carro, incentivando
seu uso com aplicações de políticas públicas que visem à segurança do condutor e dos demais
agentes que compõem o trânsito para desafogar a malha viária do excesso de veículos.
21
Sendo assim, os motoboys passam a sofrer as consequências da falta do olhar do poder
público para a presença dessa categoria na metrópole. Segundo eles próprios, em afirmações
nas entrevistas e conversas realizadas ao longo da pesquisa, passam mais tempo se
locomovendo pela cidade do que os motociclistas que utilizam a moto apenas para transporte
e não para trabalho, e também mais do que os motoristas que estão relativamente protegidos
pelas estruturas metálicas dos carros, mas não têm o privilégio da segurança no trânsito e
recebem muita atenção de forma depreciada da sociedade (essa depreciação da imagem será
bem detalhada no Segundo Capítulo desta pesquisa). Muitos relatos coletados no sítio do
Canal Motoboy fazem referência a essa situação de marginalização da categoria. Ronaldo, um
dos motoboys mais atuantes do Canal Motoboy afirma em uma das postagens do sítio:
Quem é que vai olhar por nós aqui no trânsito? Os governantes? Fecham o cerco contra
nós, exigem isso e aquilo, é IPVA, poluentes, multas, e nada de melhorias para a
categoria. Os carros tem tudo. Nós não temos nem vaga pra estacionar na rua por 5
minutos, mas todo mundo quer nosso serviço.
Está evidente que a Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET-SP) não
tem pretensões de adaptar as vias de trânsito para as necessidades atuais, inserindo a
motocicleta de forma segura e viável no meio urbano. Esse é um ponto esclarecido em uma
palestra de Nancy Schneider, gerente de trânsito da CET, proferida no I Fórum Desafio em
Duas Rodas,
3
em Novembro de 2008, quando afirmou que o problema gerado no trânsito pela
presença da motocicleta é oriundo das más condições da obtenção da habilitação, das técnicas
de pilotagem da moto, das empresas de motofrete e do motociclista profissional, e não das
vias e das faixas projetadas para o outro tipo de trânsito, o tipo defasado e antigo que o
contempla a necessidade da cidade e de seus cidadãos, que buscam a fluidez com segurança.
Fica então o contraste entre o emergente motoboy, a modernidade da metrópole e a
formação viária antiga, de poucas mudanças significativas nos últimos tempos. Um
descompasso que gerou conflito. O fluxo de mercadorias, valores, alimentos e documentos é
necessário para esta metrópole, mas a malha viária não tem mais suportado a quantidade de
tráfego e a qualidade exigida dela. No Segundo Capítulo analisaremos a presença dos
motoboys na cidade com esse cenário e, no Terceiro Capítulo, teremos a análise da tecnologia
3
I Fórum Desafio em Duas Rodas foi organizado pela Revista Duas Rodas (revista voltada para o público
usuário de motocicletas de diversas categorias e cilindradas) e realizado na Escola Politécnica da Universidade
de São Paulo, para debater diferentes pontos de vista da sociedade e autoridades sobre a presença das
motocicletas nas cidades e rodovias.
22
e da rapidez dos fluxos virtuais e de telecomunicações. Um choque entre as diferentes
situações que influenciam diretamente a vida urbana.
Foram vários os lugares (de Certeau) que foram observados e que se reconfiguraram
em espaços apropriados e tomados com outros objetivos e outros usos. Além do exemplo do
citado e polêmico corredor entre os carros, há também as faixas zebradas de Sinalização
Horizontal, as rotatórias, as faixas de pedestres, as calçadas, os canteiros centrais e as vagas
de estacionamento para automóveis, tanto públicas nas ruas e avenidas quanto de
estacionamentos particulares em shoppings centers, supermercados e edifícios residenciais e
comerciais.
Imagem 2 - Faixa Zebrada de Sinalização Horizontal, destinada a alertar os motoristas para
bifurcação, canteiro central ou outra forma de entroncamento ou confluência de vias. Foi
observada a utilização pelos motociclistas e motoboys com outras finalidades, como mudança
de via, retorno, parada emergencial ou não. Publicada por Neka, em 11 de Abril de 2010.
Observa-se que a apropriação desses espaços pelos motoboys geralmente visa à
otimização do tempo, a fim de conseguir uma melhora na execução do serviço prestado, o que
pode ser obtido, por exemplo, com uma pequena e rápida manobra, evitando um caminho
mais longo para fazer um retorno. Essa manobra rápida é proibida em muitos casos
23
observados e, embora tenham consciência disso, muitos dos motoboys a fazem. Verificou-se
que todos os motoboys que participaram da etnografia executaram alguma pequena ou grande
manobra ilegal para economizar tempo e garantir o fluxo, e essas foram desde o tráfego por
um pequeno trecho na contra mão de uma via até a travessia por uma passarela de pedestres.
Entre os motoboys entrevistados, quem mais evitou fazer tais manobras para ganhar algum
tempo foi Andréa, a única motogirl do Canal Motoboy em atividade. Ela ainda afirmou que
garantia as entregas e serviços dentro do prazo determinado, mesmo andando atrás dos carros,
o queo acontecia com os demais profissionais motociclistas pesquisados que, em sua
totalidade, utilizam o corredor entre os carros e afirmam ser uma atitude normal de um
motofretista.
Imagens 3 - Agente da CET-SP, atravessando a via pelo canteiro central com uma moto.
Publicada por Andréa, em 29 de Dezembro de 2009.
É interessante observar que a imagem acima, com a foto do agente da Companhia de
Engenharia de Tráfego atravessando uma avenida pelo canteiro central, não foi publicada
junto com algum comentário em texto ou em áudio. Mesmo assim, essa foto tem muito a
mostrar: a fluidez e a agilidade da moto; a proibição e o agente responsável pela ordem no
24
trânsito, agindo de forma contrária ao que determina o Código de Trânsito Brasileiro; a nítida
condição da via e do canteiro e a busca do fluxo do caminho mais rápido. Todos esses
aspectos que incidem diretamente no cotidiano do motoboy, e que são abordados neste estudo
para a análise da apropriação dos espaços feita por eles.
1.4 Espaço civil
Ao tratar do espaço compartilhado e construído, Bauman ênfase ao espaço civil,
que é o espaço onde as pessoas aprendem a agir com civilidade. Essa civilidade serviria como
máscara que permitiria a sociabilidade, deixando distantes os sentimentos privados e as
situações de poder. Esse é o espaço onde as pessoas podem compartilhar e interagir como
pessoas públicas, sendo o espaço urbano percebido como bem público. Assim, ter civilidade
ou tomar uma postura pública “é um ato de engajamento e participação, e não um ato de
descompromisso e de retirada do verdadeiro eu”
(Bauman, 2001:112).
Apesar de muitos lugares na cidade normalmente serem chamados de espaços
públicos, Bauman afirma que a maioria deles está longe do que ele chama de modelo ideal de
espaço civil. O autor divide-os em duas categorias diferentes, porém complementares. A
primeira categoria de espaço público não civil é aquela que impele os habitantes da cidade a
serem meros passantes são espaços com construções imponentes, não hospitaleiras,
inacessíveis, estão preferencialmente vazios. A outra categoria de espaço público não civil
abordada pelo autor tem como característica principal transformar os habitantes em
consumidores, estimulando a ação de consumir e não a de interagir, uma vez que o consumo é
atividade individual, de sensações experimentadas individualmente. Não é esperado que seus
ocupantes conversem ou se socializem. Bauman aponta o fato de serem lugares
cuidadosamente vigiados, que se tornam locais de ordem, locais seguros contra desocupados,
mendigos e vagabundos. E esses espaços físicos, ou templos de consumo, não se restringem a
shopping centers, podem ser também áreas de esportes, cafés, pontos turísticos, salas de
concerto, teatros, entre outros.
Uma vez que não é possível compreender o tempo e o espaço independentemente da
ação social, como foi visto anteriormente, e como é no ato que se constituem as relações de
poder, podem-se correlacionar as relações de poder e as práticas temporais e espaciais
(
Harvey, 2004).
Assim como as categorias tempo e espaço são produtos e produtores de ações
25
sociais, é possível dizer que são efeitos e fontes de poder social. O poder social se articula
com o controle do tempo, do espaço e do dinheiro. As formas de mensurar o tempo e de se
apropriar do espaço podem converter-se em domínio sobre o dinheiro, do mesmo modo que o
dinheiro pode ser usado para o domínio e a apropriação do tempo e do espaço. Desta forma,
Harvey (2004:200) esclarece: “quem define as práticas materiais, as formas e os sentidos do
dinheiro, do tempo ou do espaço fixa certas regras básicas do jogo social”. Temos, assim, um
vínculo constitutivo entre os modos de produção de um determinado momento histórico e as
formas de apreensão e construção das categorias de espaço e tempo.
Essa análise nos ajuda a compreender as formas de sociabilidade no trânsito e a
correlação de forças entre motoboys e motoristas numa disputa por espaço, por tempo e por
fluxo na metrópole.
26
Capítulo 2 – Os Motoboys na Cidade de São Paulo
Embora tenham as temáticas do urbano e também do espacial solidificadas em sua
agenda de pesquisa, as Ciências Sociais ainda pouco exploraram o universo destes atores
sociais: os motoboys. São referências para este trabalho apenas três pesquisas. Uma delas,
Sobre Duas Rodas: apontamentos para uma sociologia do trânsito, de Antônio Oliveira
Catigero, aborda os motociclistas em geral (tanto motociclistas profissionais quanto
motociclistas usuários), questionando as relações sociais no trânsito, costumes e hábitos dos
brasileiros sobre as regras de tráfego na vida urbana e levando em conta os dados e
informações levantados pela CET-SP, DETRAN, Hospital das Clínicas, entre outros. A outra
pesquisa, referência para esta, é Pelo Espelho Retrovisor: motoboys em trânsito, de Augusto
Stiel Neto, um dos primeiros a se voltar diretamente ao motociclista profissional, embora
tenha ainda abordado, em entrevistas, também alguns dos outros agentes que compõem o
trânsito, como taxistas, motoristas de ônibus, motociclistas usuários e pedestres. O terceiro
trabalho a ser utilizado como fundamento para este, Cidade dos Motoboys: sociabilidade e
conflitos na metrópole paulistana, de autoria deste pesquisador, serviu como ponto de partida
para este trabalho e como pesquisa prévia sobre a apropriação de espaços por parte dessa
categoria profissional, diferenciando-se das demais obras citadas pela sua atenção voltada
somente ao que os motoboys têm a dizer sobre si mesmos e sobre sua presença na metrópole.
Além dessas pesquisas, a área da Saúde tem abordado, de várias formas, o caso dos
motociclistas em geral, dada a grave fragilidade desses sujeitos no trânsito e ao número que
representam nas estatísticas dos principais hospitais públicos da cidade de São Paulo.
Canclini (1997) questiona qual disciplina seria a mais apropriada para se pensar as
grandes cidades e também apresenta a expansão urbana como uma das causas que
intensificaram o que ele chama de hibridação cultural (Canclini, 2000:285). Hoje vivemos em
maiores aglomerações urbanas, em cujo cenário o urbano não é físico, mas é também
composto de pessoas ocupando a cidade e dela se apropriando, em processos socioculturais e
em novas práticas que vão de encontro ao sistema tradicional, como, por exemplo, a nova
grande presença dos motociclistas no antigo sistema de trânsito viário, que foi visto no
capítulo anterior. Essa análise de Canclini pode auxiliar a pesquisa proposta, quando
compreendermos que a moderna categoria dos motofretistas paulistanos insere-se, no
processo de hibridação, como emergente na arcaica e tradicional forma das vias de trânsito,
27
trazendo resignificações a partir da apropriação de espaços e reorganizando a vida cotidiana
no cenário urbano em questão. A discussão sobre esse aspecto teve início no primeiro
capítulo e servirá de pano de fundo para este, que, agora, apresentará os motoboys mais
diretamente inseridos nesse cenário, no qual serão observados, a fim de que, no terceiro
capítulo, se desenvolva a análise da presença desses atores sociais na metrópole paulistana a
partir deles próprios e suas produções audiovisuais.
2.1 Motoboys: uma categoria profissional
Para entender esse processo que Canclini chamou de hibridação cultural entre o
arcaico e o moderno, será tomado o histórico desses atores sociais face ao crescimento da
cidade e à manutenção do mesmo sistema viário. Williams defende a necessidade de se buscar
no passado as matrizes que formam o que hoje está consolidado, através do movimento do
residual.
Nessa busca da análise rigorosa do residual do nosso objeto de estudo, encontra-se
aquele que fazia os serviços de mensageiro, com entregas de pequenas cargas, valores e
correspondências pela cidade de São Paulo, principalmente para escritórios, os chamados
office boys, cuja denominação, de origem da ngua inglesa, pode se traduzir por algo como
garotos do escritório, e que eram, geralmente, rapazes adolescentes de periferia (Borelli e
Ramos, 1985).Gradativamente esses profissionais foram perdendo espaço para o office boy
motorizado, o mensageiro que faz todas as mesmas tarefas do office boy, mas que utiliza a
motocicleta como ferramenta de trabalho para maximizar a velocidade de seu deslocamento
pela cidade: é o motoboy, que passou a ser mais popular nos escritórios, lanchonetes e
pizzarias, em meados da década de 90, momento em que se encontrava facilidade de crédito
para a aquisição de uma motocicleta de baixa cilindrada; facilidade da obtenção da
habilitação; e pouca exigência de experiência, qualificação ou escolaridade para exercer tal
função (Stiel Neto, 2007). Foi observado que, entre os participantes do Canal Motoboy,
somente um conseguiu prosseguir com os estudos e cursar faculdade. Neka foi o único a
estudar e seguir uma carreira fora das ruas.
Conceitualmente, o motoboy de hoje pode ser visto como um office boy que faz os
mesmos trabalhos, usando a motocicleta como ferramenta de trabalho para otimizar os
resultados a partir da eficiência da locomoção rápida pela cidade, diferenciando-o e
destacando-o dos demais mensageiros pela agilidade e produção em relação ao custo. A
28
propósito, o termo motoboy contrai a forma reduzida da palavra motocicleta, moto, com a
palavra boy, do inglês, que significa garoto, formando um único termo. Ainda analisando o
termo motoboy, também é possível traduzi-lo como garoto em movimento, pois moto tem
origem na palavra latina mótus, que significa movimento. E é o movimento que caracteriza a
motocicleta e também o próprio motoboy, uma vez que, sem o movimento, a motocicleta
perde sua razão de existência, pois, devido ao uso de apenas duas rodas, o equilíbrio e a
sustentação se o somente com o movimento e a força giroscópica das rodas. Portanto, na
junção das palavras moto e boy, encontram-se os conceitos de mobilidade e agilidade que
farão parte desta pesquisa de forma contínua. A análise da palavra-chave desta dissertação,
motoboy, traz algumas ideias de como esses profissionais relacionam-se com a metrópole e
do que observar nesta pesquisa: mobilidade e agilidade na cidade estagnada pela dificuldade
de trânsito, e a forma como isso se traduz na presença dos motoboys na cidade e na
apropriação de espaços da metrópole feita por eles.
Os office boys eram, em grande parte, constituídos por garotos bastante jovens. Esse
universo predominantemente masculino continuou entre os motoboys, e em parte o jovem
também. Pela facilidade de aquisição, a motocicleta tornou-se popular entre os jovens de
baixa renda. Atreladas a esse fato, há também a adrenalina, a sensação de liberdade, a
virilidade e rebeldia quase inerentes à motocicleta, que constituem outros atrativos para os
jovens. Assim, praticamente a porta está aberta para os jovens exercerem a profissão de
motofretista, como os próprios motoboys entrevistados afirmam: não é preciso estudar, nem
ter qualificação, o financiamento da moto é facilitado, muitas vezes não tem registro, e ainda
não tem patrão. Apesar dessa facilidade de os jovens se inserirem nessa profissão, todos os
motoboys do Canal Motoboy têm mais de 28 anos. O mais novo é Edson, com 28 anos,
motoboy desde os 20.
Outro ponto a ser observado e destacado aqui, na retomada do passado e da origem
dos motoboys, é o de que os motoboys surgiram em São Paulo, fundamentalmente, entre o
fim da década de 70 e o início dos anos 80, embora ainda não fossem assim denominados.
Naquela época eram chamados informalmente de mensageiros, courrier, delivery ou
simplesmente de motoqueiros. A presença e a visibilidade deles era quase nula; eram
praticamente ignorados pela sociedade, segundo os próprios motoboys do Canal Motoboy que
trabalharam naquela época. No entanto, naquele momento, havia uma motocicleta voltada
especialmente ao motofretista profissional, projetada, produzida e comercializada no país,
29
desde 1988, pela principal marca montadora de motocicletas instalada no Brasil e que detinha
a maior participação do mercado nacional de motocicletas. Em uma época em que as opções
para a aquisição de uma motocicleta eram extremamente restritas, se encontrava a Honda
CG 125cc Cargo, com suspensões reforçadas para o transporte de carga, grande baú instalado
pela fábrica na traseira da motocicleta, assento apenas para o piloto, ágil, leve, robusta e com
baixo custo de aquisição e manutenção. Note-se que a fabricação e o comércio desse modelo
continuam até hoje com poucas mudanças, demonstrando seu sucesso no segmento de motos
para uso profissional. Esse fato indícios de que algumas esferas observavam o setor de
motofrete como promissor na década de 80, mas o restante da sociedade e as autoridades
mantiveram-se quase que inertes e nunca deram muita atenção para essa categoria
profissional, que, agora, pede seu próprio espaço na cidade, como veremos mais a diante.
Imagem 1 - Reportagem da Revista Duas Rodas, de janeiro de 1981, destacando o uso da
motocicleta como ferramenta de trabalho para transporte de pequenas cargas: um dos
primeiros registros sobre uma categoria que estava nascendo.
30
Imagem 2: Honda CG 125cc Cargo 1988. A primeira motocicleta a ser comercializada no
país com a função de transporte de pequenas cargas em baú.
Imagem 3: Honda CG 125cc Cargo 2003. Continua sendo uma das preferidas dos motoboys e
continua em linha de produção pela montadora. Uma das motos com mais tempo em linha de
produção no Brasil.
Uma maior atenção para a categoria só foi acontecer, em grande escala, em 1996, com
o fatídico caso do Maníaco do Parque. Francisco de Assis Pereira, que se passava por
fotógrafo em busca de talentos, com uma motocicleta, abordava jovens, convidando-as para
tirar fotos; atraía suas timas para dentro do Parque do Estado, Zona Sul de São Paulo,
violentava-as sexualmente e, em seguida, matava-as no meio da mata do Parque. A grande
mídia cognominou-o de O motoboy e o fato ganhou muito destaque na imprensa
sensacionalista pela crueldade e frieza das diversas ações do assassino. A partir daí, o
31
inconsciente coletivo passou a relacionar esse nome a uma imagem extremamente negativa e
vê-lo com crescente desconfiança. Essa relação passou a ser tão forte que as outras
denominações deixaram de ser usadas para definir os motociclistas profissionais. E, hoje, eles
próprios utilizam esse nome, provavelmente quase todos se identificando fortemente com ele,
muitas vezes com orgulho e sem medo da pesada carga que o nome carrega consigo (Ito,
2007). Aliás, o preconceito não recai apenas sobre a profissão desses rapazes, mas também
sobre sua origem social, devido à baixa escolaridade, aos bairros afastados onde moram, à
falta de uma qualificação que os coloque no mercado formal de trabalho, gerando inquietação
e temor pela sua representatividade: ser um risco no anonimato do espaço público da cidade e
do trânsito em que se encontram e se condensam.
Por muito tempo os motoboys ficaram sem um sindicato que reivindicasse as políticas
públicas apropriadas para a categoria, como segurança, saúde e educação no trânsito. Uma
grande categoria, que se encontrava sem liderança e sem apoio da sociedade.
4
Hoje, os motoboys paulistanos contam com o Sindicato dos Mensageiros
Motociclistas do Estado de São Paulo – SindimotoSP – que detém a Carta Sindical da
categoria, e com o Sindicato dos Motoboys da Cidade de São Paulo Sindimoto –, além da
Associação dos Mensageiros Motociclistas. O Canal Motoboy entra nesse cenário com claro
papel de mediação entre essas entidades e também entre a categoria, a sociedade e as
instituições públicas, através de ações integradoras. Entre essas ações podem ser citados os
ciclos de debates e filmes, ocorridos em Maio de 2007, a promoção da Semana de Cultura
Motoboy, em Maio de 2008, e o II Fórum Nacional dos Motociclistas Profissionais, em
Fevereiro de 2009, além de um catálogo fotográfico dos motoboys e um livro sobre a
categoria já escrito e editado e já publicado no mês de julho.
5
.
O seguinte texto foi extraído do Briefing do Canal Motoboy:
O projeto é um canal de comunicação alternativo onde os próprios motoboys criam,
editam e enviam em tempo real por celulares para a internet. É também uma forma de
socialização inspirada nas redes sociais pela luta dos direitos dos profissionais
motociclistas, incentivando-os a sua auto-organização e à conquista da cidadania a partir
das mídias alternativas. Assim o coletivo pode construir suas narrativas e expressar suas
opiniões a partir do seu cotidiano na cidade, mas também o convívio em sociedade.
4
Ver mais em http://www.sindimotosp.com.br e http://www.motoboy.org.br
5
Ver anexo 1.
32
Fica claro que o intuito do Canal Motoboy não é fazer o serviço de um sindicato da
categoria. É mais amplo e toca em questões não levantadas pelos que reivindicam a categoria
para si mesmos. Um exemplo é a temática espacial urbana, que não é levada em conta
somente como questão trabalhista ou jurídica, mas também como cultural e social.
2.2 Viver o Estigma
A exclusão gerada pelo preconceito reflete-se no trânsito e na sociabilidade da rotina
profissional em forma de invisibilidade social e principalmente de estigma (Goffman, 1988).
A marginalização pelo estigma de delinquência atribuído aos motoboys a partir do caso do
Maníaco do Parque atingiu a sociabilidade no trânsito e também as relações interpessoais
dentro do grupo que compõe a categoria profissional dos motofretistas. Em entrevistas, os
motoboys mais antigos afirmaram que aquela época em que as manchetes de jornais e de TV
traziam, em destaque, a denominação Motoboy atrelada a um criminoso perigoso, cruel e
covarde foi a mais difícil para todos da categoria. Depois de o ocorrido ter sido disseminado
pela mídia, os motoboys nunca mais conseguiram ter uma imagem razoável diante da
sociedade, segundo eles mesmos comentaram nas entrevistas. Goffman (1988) afirma que a
sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e de imputar atributos comuns para
todos do grupo, estigmatizando-os de forma depreciativa. No caso em estudo, observa-se que
isso se reflete no comportamento dos demais agentes que compõem o trânsito, sendo um
exemplo o ato de um motorista de carro fechar a janela de vidro do automóvel assim que um
motoboy se aproxima. Além da marca deixada pelo Maníaco do Parque também o
agravante dos assaltos a motoristas feitos por bandidos em motocicletas nas avenidas
congestionadas.
Pôde-se observar que os integrantes do Canal Motoboy têm muita consciência dessa
imagem negativa que a categoria profissional carrega e, como eles possuem um veículo de
informação disponível para se comunicarem com toda a sociedade,
6
o site do canal Motoboy,
demonstram grande preocupação a fim de que nada ali publicado possa conter uma ideia que
venha depreciar a categoria. Esse empenho vem comprovar a afirmação de Goffman, ao
apontar a possibilidade de os indivíduos estigmatizados dedicarem esforços para empregarem
6
O site do Coletivo Canal Motoboy recebe mais visitas da sociedade em geral do que de motoboys,
segundo Eliezer “Neka” Muniz, integrante do coletivo, curador adjunto e ex-motoboy
.
33
uma interpretação não convencional do caráter de suas identidades sociais (1988:20). Muitos
assuntos discutidos nas reuniões semanais do coletivo foram relacionados a essa postura de
compromisso com a categoria, objetivando melhorar a imagem vinculada aos profissionais
motociclistas. Assim, cuida-se, principalmente, de que não se publiquem conteúdos ofensivos
à sociedade que empreguem palavrões ou xingamentos, e abre-se grande espaço para a
publicação de assuntos referentes à família, religiosidade, lazer e amigos; tanto que esses
termos estão entre as palavras-chave mais usadas por eles nas postagens do site. Também
observou-se que, durante as fotos e gravações de vídeo e áudio, os motoboys do Canal
Motoboy policiam-se para evitar que sejam compreendidos de forma equivocada, como, por
exemplo, não querem ser compreendidos como “donos da rua” ao sugerirem vias exclusivas
para seu uso
7
.
Ronaldo, 40 anos e pai de duas filhas, diz que é motoqueiro” desde 1988 e é o mais
atuante quanto à publicação de fotos e vídeos do sítio do Canal Motoboy. Sempre diz não
gostar do termo motoboy e preferir motoqueiro, termo que segundo ele, era usado antigamente
para estabelecer diferença com o motociclista que usava a moto para transporte ou lazer e não
como ferramenta de trabalho. No entanto, hoje, Ronaldo também toma o termo motoboy para
não ser mal interpretado, pois, atualmente, motoqueiro é amplamente usado para designar
qualquer um que pilota uma motocicleta, geralmente os que a pilotam de forma imprudente.
Não é raro encontrar as publicações de áudio e vídeo de Ronaldo no Canal Motoboy, usando
as duas denominações diferentes. Essa é uma parte inicial da vivência do estigma.
7
O site do coletivo Canal Motoboy será mais detalhadamente explanado no terceiro capítulo,
juntamente com a análise do conteúdo geral e layout.
34
Imagem 4: Reportagem da revista Veja São Paulo sobre a mobilização dos motoboys contra
proibições de trânsito e as altas taxas de impostos da categoria, incentivando o olhar
estigmatizado para toda uma categoria profissional.
É na cidade que se declara e se combate a luta para sobreviver e conquistar um lugar
decente no mundo, luta frequentemente perdida pelos menos favorecidos socialmente, mas
que tem a integração e sociabilidade entre os diferentes como ponto norteador contra os
espaços vedados que impedem o acesso e procuram manter os desconhecidos à distância,
através da arquitetura e do planejamento urbano. Um exemplo dessa barreira imposta pelo
planejamento urbano é o caso das tentativas de proibição da circulação de motocicletas no
corredor formado entre os automóveis e em algumas das avenidas mais importantes da cidade
de São Paulo que ligam a região da Zona Sul ao Centro da cidade, além das tentativas de
proibição de motocicletas de pequeno porte (como as utilizadas pelos motociclistas
profissionais) trafegarem em rodovias.
As entrevistas e observações, durante a pesquisa, visaram a esclarecer o ponto de vista
de alguns motoboys do coletivo Canal Motoboy sobre esses temas, a fim de que se pudesse
obter uma interpretação a respeito do que está acontecendo em relação à espacialidade do
trânsito. Visaram também ao conhecimento do que eles sentem, sonham e do que têm a dizer
sobre si mesmos inseridos numa sociedade em que a solidariedade e o compartilhamento
35
pacífico do espaço são substituídos pela competição, fazendo com que os indivíduos sintam-
se abandonados a si próprios. Segundo Goffman (1988), essa é uma forma de os normais e os
estigmatizados se evitarem, havendo muito mais consequências para estes e, na falta de um
intercâmbio saudável do cotidiano social com os outros,
8
o isolamento torna a pessoa
desconfiada, hostil e confusa.
O impulso para a direção das ilhas de identidade e semelhança pode ser visto, por
exemplo, entre os próprios motoboys, os quais buscam, de alguma forma, uma coesão que os
fortaleça diante dos desafios impostos por toda a sociedade, representada, segundo a grande
mídia, pelos motoristas e outros agentes que compõem o trânsito.
9
Goffman atenta ao
momento em que o encontro e conversação entre os normais e os estigmatizados ocorrem;
reflete a respeito da falta de conhecimento sobre o que realmente se pensa do estigmatizado, e
também a respeito do provável sentimento do indivíduo, ao estar “em exibição”, sendo
observado de forma depreciativa. Os próprios motoboys entrevistados afirmam existir um
certo grau de atenção referente à condição de serem motoboys, além de, muitas vezes, serem
interpretados como vilões das situações ocorridas. Um exemplo é o caso do motoboy
Ronaldo, que passou, em uma esquina, por um rastro de óleo e caiu com sua motocicleta.
Logo o chamaram de imprudente, sem considerar que o que ocasionou o acidente não foi
nenhuma atitude descuidada ao conduzir a motocicleta. Esse fato foi registrado pelo
participante do Canal Motoboy, como segue na foto seguinte e na transcrição do áudio. Na
reunião daquela semana, Ronaldo afirmou que o chamaram de imprudente logo após o
ocorrido.
8
Goffman se refere a “outros” como os “não-estigmatizados em questão.
9
Essa análise do comportamento dos motoboys, ao buscarem uma identidade, pode ser vista com mais
detalhes em ITO, Roberto Shinji, Cidade dos Motoboys: sociabilidade e conflitos na metrópole
paulistana. Trabalho de Conclusão de Curso. São Paulo. PUC-SP, 2007 e também em STIEL NETO,
Augusto et al. Pelo Espelho Retrovisor: motoboys em trânsito.
36
Imagem 5 Ronaldo cai em um rastro de óleo e registra o ocorrido. Logo em seguida, um
transeunte o chama de imprudente.
É, meus amigos, mais uma vez um rastro de óleo derruba um motoqueiro, e dessa vez fui eu,
né... Dei muita sorte que não vinha nenhum caminhão, nenhum ônibus. Fui brecar na curva
cheia de óleo... Dei muita sorte, tenho um ralado e uma dor no ombro. É terra, buraco,
óleo... A gente não tem valor.
10
A questão do estigmatizado e do mal-estar na sua interação com os outros é um ponto
crucial da análise da relação que se no espaço físico entre os motoboys e a metrópole. Essa
análise deve ser feita a partir do que eles mesmos têm a dizer sobre a cidade, sobre si mesmos,
sobre o que pensam, sentem e fazem... Somente assim, e com uma interpretação adequada,
pode-se chegar a resultados satisfatórios. Esse trabalho foi feito através de análise dos
conteúdos audiovisuais produzidos pelos motoboys do Canal Motoboy, relacionados com a
temática que cerca esta pesquisa, e também do acompanhamento etnográfico dos integrantes
do coletivo.
Uma observação sobre os parentes e amigos de menos idade (sobrinhos, filhos e
vizinhos) dos motoboys mais velhos revelou a transformação da imagem ruim do estigma,
levando-a para outro patamar, o da admiração e não mais o do preconceito. Muitos jovens
querem ter uma moto e trabalhar com ela, motivados pelo maior atrativo que a profissão
10
Transcrição de áudio que acompanha a imagem, no sitio do Canal Motoboy.
37
oferece, segundo os próprios motoboys entrevistados: o prazer de pilotar uma moto e ainda
ganhar dinheiro fazendo isso. Essa vida de motoboy, carregada de estigma, carrega também a
consideração dos mais novos.
Um outro registro claro dessa visão está presente no documentário Motoboys, Vida
Loca, que trata do tema, dando-lhe ares de inocência, ao apresentar a visão dos pequenos
admiradores dessa profissão, mas mostrando também toda a imagem da masculinidade que
envolve a motocicleta: a velocidade, a aventura, a adrenalina, a virilidade, presentes também
na maioria das campanhas publicitárias de motos, independentemente de cilindrada.
Imagem 6 - Propaganda corriqueira de motocicleta de baixa cilindrada para uso urbano, que
faz alusão à velocidade e à adrenalina, atrai principalmente os jovens. Atrelado ao apelo
financeiro se torna irresistível.
O estereótipo de delinquência e irresponsabilidade vem como assunto corriqueiro no
sítio do Canal Motoboy, não só sobre os próprios motoboys, mas também em forma de
flagrantes de outros agentes do trânsito e de fora do trânsito também. São caminhoneiros
desrespeitando leis, motoristas de ônibus imprudentes, pedestres descuidados e também o
poder público ineficiente para questões como planejamento urbano, manutenção das vias, das
calçadas e canteiros.
Uma passagem interessante foi observada no longa metragem Os 12 Trabalhos, em
que o jovem motoboy fica extremamente aborrecido após ser chamado de boy por um cliente.
Boy era empregado, de forma usual, como forma de tratamento para os office boys, mas para
os jovens é uma alusão a playboy, que é um termo depreciativo para designar um garoto rico.
Entretanto, durante esta pesquisa foi possível constatar que, por várias vezes, o termo boy
também é usado como contração de motoboy.
38
Essa forma de tratamento dos jovens de periferia é comum entre os motoboys
observados. Outras formas de ser e de viver identificadas com a periferia foram observadas e
podem se destacar: o samba e o churrasco com cerveja barata entre os amigos; o futebol de
várzea no campão de terra aos domingos; o rap com a participação do DJ San (famoso Disk
Jockey de grupos de rap) no Canal Motoboy e em muitos dos eventos organizados pelo
coletivo. Entre esses eventos estão a I e II Semana de Cultura Motoboy e o Lançamento do
Livro do Canal Motoboy, onde predominavam o samba e o hip-hop
11
; a participação do Poeta
dos Motoboys (Mestre de Cerimônia, ou simplesmente MC, que retrata o cotidiano dos
motoboys em letras de rap, e ex-motoboy) em diversas atividades promovidas pelo coletivo;
além da proximidade com a ONG Ação Educativa, que exerce trabalhos culturais nas
periferias de São Paulo, cuja sede disponibiliza o espaço para os encontros semanais dos
integrantes do coletivo Canal Motoboy e eventualmente para as festas e outros encontros.
Imagem 7 -.Coleção de DVDs de Samba e um par de chuteiras velhas após uma partida de
futebol. Publicadas por Ronaldo e Neka, em 04 de Outubro de 2009 e 26 de Janeiro de 2010,
respectivamente. Faz parte da vida dos motoboys pesquisados essa cultura popular.
11
Veja mais no Anexo 1.
39
Foi possível notar que, dessa forma, o coletivo se tornou um vértice da categoria,
conseguindo dialogar com todas as instâncias que envolvem esses profissionais. São
sindicatos rivais; associações de motofretistas de um lado e de motociclistas de outro;
motociclistas em geral; ONGs; mídia e a sociedade como um todo que o Canal Motoboy
consegue articular de forma a retrabalhar a imagem da categoria, atuando como um coletivo
de cunho mais cultural, sem ser propriamente dito um grupo político de representação de
classe.
2.3 O imaginário dos motoboys sobre a cidade
Nesta pesquisa proposta, foi fundamental a aproximação com os sujeitos de forma
etnográfica, acompanhando-os de perto e, principalmente, ouvindo-os, pois são eles os mais
silenciados na sociabilidade do trânsito. E aqui são analisados os discursos e narrativas desses
profissionais sobre essa segregação e exclusão do acesso à cidade, sobre a mobilidade e a
agilidade no trânsito viário, enfim, sobre sua presença na cidade e o que ela significa, também
retomando algumas temáticas do capítulo anterior para colaborar no desenvolvimento deste
estudo.
O acompanhamento detalhado do cotidiano desses atores sociais realizou-se não
através da produção artística, por meio de fotografias, vídeos, áudios e textos do sítio do
www.megafone.net/SAOPAULO, mas também, e principalmente, acompanhando os
integrantes desse coletivo em suas reuniões e rotinas de trabalho.
O estudo da produção artística presente no sítio do grupo foi avaliado e interpretado
pelos moldes sugeridos nos textos do livro Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som:
um manual prático, dos organizadores Bauer e Gaskell. O conteúdo do sítio é produzido pelos
próprios motoboys, e a coleta desses dados, juntamente com a devida análise, revelou
importantes informações sobre as subjetividades desses atores sociais diante dos mais
diversos assuntos e principalmente sobre temas abordados para responder ao problema da
espacialidade levantada por esta pesquisa.
A aproximação do pesquisador com os sujeitos estudados e suas produções artísticas
foi de forma declarada e previamente aceita pelos membros do grupo, que contribuiu com
uma boa receptividade e colaboração para o desenvolvimento do trabalho. Esse é um dos
40
pontos cruciais da pesquisa de campo destacado, por Jaccoud e Mayer em A Observação
Direta e a Pesquisa Qualitativa, pois, sem essa receptividade e possibilidade de aproximação,
não seria possível realizar as análises feitas dos materiais recolhidos e incrementá-las com os
depoimentos e narrativas colhidos em reuniões semanais do grupo, em conversas e
entrevistas. Outros pontos relevantes para a manutenção da cientificidade desta pesquisa
encontram-se nos seguintes fatores: a metodologia de criar confiança, cujos resultados são
relatos detalhados e ricas experiências que, dificilmente, seriam obtidos sem que houvesse
essa relação de confiança entre os sujeitos; a permanência do contato por longo tempo, para se
conseguir uma melhor coleta de dados, feita de forma bem próxima, e uma melhor
elaboração das interpretações; a escolha dos informantes-chave do Canal Motoboy, realizada
de forma a contribuir para a pesquisa com qualidade e riqueza de dados do material que
produzem e dados importantes para o levantamento de informações; a maneira séria e
criteriosa de analisar e interpretar o que foi observado e colhido, levando em conta a
dimensão ética que trazem o assunto estudado e os atores pesquisados.
A Antropologia é privilegiada por constituir uma observação que permite penetrar
nesse meio cultural de forma sólida e rica, apesar de este trabalho não estar isento de críticas
quanto à metodologia. Mas verificando as possibilidades e limites, esta pesquisa é forte em
temas mais fechados ou inacessíveis, o que torna a pesquisa quantitativa inapropriada.
Dessa forma foi possível constatar que a cidade representa, por um lado, o local de
trabalho desses personagens, e, por outro lado, é também a simbólica máquina esmagadora de
motoboys, pois é ela quem precisa de seus serviços, de seu poder de manter o fluxo das
mercadorias, mensagens, documentos e valores, e também é ela que o restringe, que o multa.
Um exemplo dessa ambivalência é o corriqueiro caso do estacionamento ou parada da
motocicleta em vias públicas destinadas especialmente para motos. Nas muitas vezes em que
o motoboy precisa fazer uma entrega pida nos grandes centros comerciais e empresariais,
ele não tem onde parar a moto, pois todas as vagas destinadas ao estacionamento de
motocicletas estão ocupadas pelos veículos de motociclistas usuários, que deixam suas motos
ocupando as vagas durante as 8 horas de seu expediente comercial, enquanto trabalham, sem
falar das vagas ocupadas por carros.
41
Imagem 8 - Bolsão das motos cada vez mais apertado. Publicada por Andréa, em 02 de
Fevereiro de 2010.
A dificuldade que um motoboy tem para parar em uma vaga pública é agravada pela
falta de bolsões destinados a motos para carga e descarga rápida nos principais centros
comerciais e centros de escritórios, como os que já existem para caminhões nos centros
comerciais da cidade. Apesar de poderem ser interpretadas como vagas para carga e
descarga, ao parar em uma delas, a moto do motofretista está sujeita à multa justamente por
ocupar uma vaga destinada somente para caminhões.
“A única diferença da moto para o caminhão na carga e descarga é o tamanho da
entrega. O caminhão está descarregando um container e o motoboy está entregando a nota
fiscal”, afirma Ronaldo em uma das reuniões do coletivo, claramente indignado com a falta de
vagas para motofretistas.
Esse debate sobre vagas também aborda as motos de motociclistas usuários e sempre
se sugere a criação de vagas específicas para parada rápida. “Só preciso de 15 minutos, e não
de 8 horas”, afirma Andréa, em uma das entregas da qual participei durante a etnografia.
42
Imagem 9 - Bolsão de motos na Rua Boa Vista. Fila de espera para parar em uma vaga
apertada. Publicada por Ronaldo, em 12 de Janeiro de 2010.
Hoje quem precisa de motoqueiro é Centro da cidade e (avenida) Paulista, né!? Agora
imagine você, em todo lugar é proibido motoqueiro parar. E em todos os locais que tem
bolsões... é muito pequeno pra parar tanta moto. Ou eles deveriam aumentar a vaga pra
moto ou não deixar parar ninguém, nem carro e nem moto. A gente fazendo serviço,
entregando coisa importante, mas a gente perde mais tempo parado aqui esperando uma
vaga do que vindo até o centro de São Paulo.
12
Outro caso é o de carros ocupando a vaga destinada para motos.
12
Publicado por Ronaldo, em 12 de Janeiro de 2010.
43
Imagem 10 -. Carro multado em vaga de motos. Publicada por Mirtão, em 17 de Março de
2010.
Essa é mais uma multa que o (agente da) CET aplicou num carro que parou no
estacionamento reservado para motoqueiro. É isso aí, eu acho muito certo. Deviam multar
todos que param no lugar reservado para motoqueiro.
13
Essa reação contra aqueles que tomam o espaço legalmente destinado para os
motociclistas geralmente é feita em tom agressivo, mas sempre contido, para não se tornar
vulgar e chulo desnecessariamente, pois os participantes têm plena ciência de que suas
publicações são vistas principalmente pela sociedade em geral e não tanto pelos próprios
companheiros de categoria. Essa forma de se policiarem quanto ao conteúdo audiovisual e
textual do sítio está analisada de forma mais aprofundada no Terceiro Capítulo desta pesquisa.
Mas também há flagrantes de motocicletas ocupando a vaga destinada a outros agentes
que compõem o trânsito, como, por exemplo, no seguinte registro feito por Andréa, motos
estão estacionadas na vaga pública destinada aos idosos, refletindo, assim, uma situação de
clara apropriação de espaços que envolve a maioria dos agentes que compõem o trânsito.
13
Publicada por Mirtão, em 17 de Março de 2010.
44
Imagem 11 – Vaga destinada para idosos sendo ocupada por motos. Publicado por Andréa em
23 de Junho de 2010.
São carros, caminhões e caçambas de entulho, flagradas pelos emissores do Canal
Motoboy, invadindo a parte delimitada da via destinada à parada e ao estacionamento das
motocicletas. Mas também faz parte dos conteúdos do sítio a questão das vagas particulares,
cujos principais pontos destacados são: a inexistência dessas vagas em geral; a inexistência
das vagas específicas para os motociclistas em geral; e a falta das vagas para motofretistas
(carga e descarga). Essa questão é levantada com uma boa frequência nas publicações do sítio
e um exemplo é o de Ronaldo, que cobra pelas vagas através do sitio do Canal Motoboy e
diretamente aos clientes que atende, principalmente os da região da Avenida Paulista. Pude
presenciar uma dessas cobranças feitas pelo motoboy emissor Ronaldo e também outra, por
Luiz.
45
Imagem 12 Cobrança de vaga para estacionamento particular nos edifícios dos centros
comerciais e empresariais. Publicada por Ronaldo em 09 de Agosto de 2010.
Como é que querem que a gente faça o serviço se nem lugar pra parar eles nos dão? Fico
aí, ou paro longe pra caramba, a duas quadras do prédio com risco de roubarem minha
moto ou atrasar o serviço, ou paro na calçada sujeito a tomar multa. Vamos se
conscientizar e deixar vaga pra motoqueiro! Olhar um pouquinho mais pra gente!
14
Esses são exemplos, vindos dos relatos dos próprios motoboys, de como a cidade não
está adaptada à presença dos motofretistas, tanto nos espaços públicos quanto nos privados.
São fatos que reforçam a ideia do conflito por espaço na metrópole e dando indícios de que o
surgimento dessa moderna categoria se deu de forma repentina, embora observada por alguns
setores, como as montadoras de motocicletas, e pelos próprios motofretistas que viam um
futuro para a categoria na década de 80, conforme vimos no começo deste Capítulo. Através
dos relatos obtidos, o imaginário dos motoboys sobre a cidade de São Paulo fica próximo da
ideia de invisibilidade social e do estigma de depreciação. Mesmo tendo autoestima positiva e
orgulho ao afirmarem que são motoboys, ainda pode ser identificado, em seus relatos, um
discurso de que a cidade não é para eles, de que estão no último plano das ações e campanhas
pela educação no trânsito e pelo trânsito seguro, e no primeiro plano, quando se trata de
opressão, punição, restrições e cobrança de impostos.
14
Publicado por Ronaldo em 09 de Agosto de 2010
46
A necessidade de fluxo que pressiona a cidade global e, consequentemente, os
motoboys de São Paulo, através de sua capacidade de mobilidade devido às dimensões
reduzidas de suas motocicletas, está atrelada ao sistema viário urbano, que, no caso
paulistano, nos deixa frente à deficiência estrutural viária e à falta de fluidez dos automóveis
e do tráfego, inviabilizando o comércio, a distribuição, a troca, enfim a realização do capital.
Nesse cenário já traçado no primeiro capítulo, o motoboy se torna imprescindível. No entanto,
não está sujeito a riscos, pois como foi visto neste capítulo, sua presença não foi antevista pela
engenharia de tráfego, e ele tornou-se um invasor dos espaços que, antes, eram meros lugares
voltados apenas a usos sem utilidade dinâmica, como os vãos entre os carros, as calçadas, os
canteiros, faixas de sinalização horizontal e rotatórias. Nessa apropriação inesperada dos
espaços da metrópole, os motoboys arriscam-se e têm noção dos riscos, mas enfrentam-nos
para cumprir os prazos dos clientes. Sobem nas calçadas e param sobre elas e, como pude
acompanhar por diversas vezes nas etnografias, segundo seus próprios relatos, essa é uma
prática comum, principalmente entre os motoboys de lanchonetes e pizzarias. Assim como
essa, outras práticas também são frequentes: passam por rotatórias sem preocupação, seguindo
entre as tartarugas de sinalização horizontal; atravessam canteiros centrais de avenidas para
otimizar o tempo, evitando um retorno mais longo; andam na contra mão da via para chegar
ao destino em menos tempo; e costuram no trânsito entre os carros, buscando sempre uma
brecha para passar; passam entre grandes blocos de concreto que delimitam vias. São atitudes
que infringem regras do trânsito e que visam à fluidez, à otimização do serviço prestado.
Contudo, são cientes de que essas manobras podem contribuir para denegrir ainda mais a
imagem da categoria, e também confessam e reconhecem, em entrevistas, que elas são pouco
eficientes para obter os resultados esperados, além de colocá-los em risco físico e material por
poderem ocasionar um acidente ou uma multa.
Apesar de reconhecerem que muitas das manobras ilegais não compensam, a maioria
deles afirma executá-las e sugere, por exemplo, a implementação de faixas exclusivas para
acabar com o costurar por entre os automóveis. É uma forma de regulamentar a presença das
motos no trânsito, sem restringi-las; fazer o sistema viário acompanhar a evolução, a mudança
e a presença de novos agentes que compõem o trânsito. Essa é uma constante nos conteúdos
do sítio do Canal Motoboy.
Um outro exemplo de conteúdo abordado no tio do Canal Motoboy, que reclama a
inserção de todos no direito de mobilidade na metrópole, é o que trata dos cadeirantes. São
47
fotos, vídeos, entrevistas e textos com o tema da mobilidade, tratando justamente daqueles
que estão na outra ponta da capacidade de mobilidade: enquanto os motoboys conseguem
atravessar com rapidez as dezenas de quilômetros da cidade, os cadeirantes sofrem para
conseguir embarcar em um ônibus ou para subir uma calçada ao atravessarem a rua. Sendo
assim, os motoboys viram a necessidade de tomar como conteúdo também as condições das
calçadas da cidade, em vez de se concentrarem unicamente na manutenção das ruas e
avenidas. São buracos, rachaduras, lixo e entulho flagrados sobre o passeio. “Tenho uma
novidade! A partir de hoje publicaremos também a condição das calçadas, e não das ruas”,
noticia Ronaldo em sua página da Internet.
Imagem 13 As condições das ruas eram prioridade dos motoboys do Canal Motoboy até
perceberem que podem reivindicar o direito daqueles cuja expressão na sociedade ainda é
pequena, como no caso dos cadeirantes e a conservação das calçadas.
15
15
Publicado por Luiz em 08 de Fevereiro de 2010
.
48
Imagem 14 - Cadeirante. Publicada por Neka, em 08 de Abril de 2010.
O uso da ferramenta que conecta o aparelho celular com câmera fotográfica integrada
e configurada para publicar, quase que instantaneamente, as imagens na Internet deu um novo
horizonte para os motoboys que participam desse coletivo. Em conversas, afirmam que
sempre quiseram poder fazer alguma coisa pela categoria e pela sociedade e que nunca tinham
tido uma oportunidade de divulgar uma nova imagem dos motofretistas de São Paulo até
serem convidados para participar do Canal Motoboy, pelo artista espanhol Antoni Abad, autor
do projeto artístico que se transformou no coletivo cultural Canal Motoboy.
No próximo capítulo será detalhado o uso dessa moderna ferramenta de comunicação,
tão móvel e imprescindível, nos dias de hoje, na capital paulista, quanto o motoboy: o
aparelho celular.
49
Capítulo 3 – Comunicação e Conectividade
Os meios de comunicação de massa e particulares sofreram uma grande mudança nas
últimas décadas. A rapidez com que informações, dados e notícias correm nas diferentes
mídias eletrônicas faz com que as distâncias possam ser anuladas através do ciberespaço
(Lemos, 2001:13), criando novos ambientes em realidade virtual, como comunidades virtuais,
chats, fóruns e grupos de discussão. O Canal Motoboy, que é parte fundamental deste estudo,
insere-se nesse meio tecnológico de forma a abranger as questões pertinentes não somente à
categoria profissional, mas também ao cuidado com os demais cidadãos e com o meio
ambiente, como será visto a seguir.
Hoje, a tecnologia do aparelho de telefone celular faz parte do cotidiano da vida de
grande parte da população das grandes cidades brasileiras, por ser de fácil acesso devido ao
seu custo relativamente baixo e pela indispensabilidade para várias profissões, principalmente
para aqueles que se mantêm em movimento, que necessitam cada vez mais de rapidez na
dinâmica informacional. Com variadas funções, como câmera digital de vídeo e foto
integrada, mensagens instantâneas e conexão com a TV e Internet, além da própria função de
telefonia móvel, esse aparelho se torna uma ferramenta, atrelada à mobilidade, extremamente
versátil na telecomunicação entre os sujeitos, pois a vantagem de deslocamento potencializa a
conectividade audiovisual e a interatividade independentemente do ambiente.
Essa tecnologia disponível no mercado, somada a uma programação de computador
especial e, até então, inédita, embora simples, que permite a conexão direta entre os registros
feitos a partir do telefone celular e a Web, a página da Internet, é utilizada pelos integrantes
do Canal Motoboy a fim de acompanhar a evolução comunicacional e inserir-se nas mídias
eletrônicas com o objetivo de dar a suas mensagens audiovisuais amplo alcance na sociedade
e, dessa forma, implodir a barreira de tempo e espaço.
3.1 O Canal Motoboy
Retomar, mais uma vez, o histórico do coletivo estudado é importante, para melhor
compreensão da linha de raciocínio seguida por esta pesquisa. O Canal Motoboy surgiu como
uma comunidade virtual em 2007, como um projeto artístico do espanhol Antoni Abad,
inicialmente um projeto maior e internacional, que envolvia diversas comunidades no mundo
50
inteiro, e batizado de Zexe, em alusão ao zumbido das moscas, em espanhol, e como
representação simbólica delas por serem pequenas, mal vistas e inconvenientes, mas sempre
presentes. Símbolo que representaria as comunidades de alguma forma rebaixadas pela
sociedade, e com as quais Abad trabalhou, como, por exemplo, as prostitutas, taxistas,
cadeirantes de diversas cidades do mundo e os próprios motoboys paulistanos, entre outros.
Posteriormente, o projeto passou a chamar-se Megafone, cujo sentido se pela busca do
longo alcance e maior propagação de ideias, além da própria ideia da ampliação da presença
social dos envolvidos no projeto, apesar de ser uma outra tecnologia de programação
ligeiramente diferente da utilizada anteriormente no projeto dos Zexe. Esse projeto artístico
buscava, no mundo inteiro, comunidades de minorias, excluídas ou rebaixadas, e lhes dava
voz com aparelhos celulares de última geração, que possibilitavam o registro de fotos, áudio,
vídeos e textos, e ainda, dependendo do aparelho celular utilizado pelo emissor, indicavam a
localização exata através de GPS (Geo Posicionamento via Satélite). Todo o material
produzido era disponibilizado, em tempo real, na Internet, pelo sítio www.megafone.net.
Além dos motoboys paulistanos, o artista trabalhou da mesma forma com outros atores
sociais que, de alguma forma, são inferiorizados na sociedade, como os taxistas da Cidade do
México, os cadeirantes de Madri, as prostitutas do Panamá, entre outros.
A inspiração do artista espanhol aconteceu em uma de suas passagens por São Paulo,
no ano de 2003, quando a quantidade de motoboys nas ruas da cidade surpreendeu-o.
Percebeu, nesse momento, como essa categoria sofria por falta de representatividade e
participação organizada como sociedade civil. A comunicação áudio-visual, então, poderia ser
uma ferramenta para ampliar o alcance de suas opiniões. Com a câmera integrada ao aparelho
de telefone celular, os participantes do projeto artístico de Abad puderam compartilhar
experiências vividas, opiniões e desabafos em tempo real através do site.
O projeto artístico de Abad, com a exposição de fotos e vídeos dos motoboys
envolvidos, aconteceu somente em 2007
16
e teve a duração de pouco mais de três meses,
período em que sofreu alguns contratempos, entre eles o incêndio ocorrido, alguns dias depois
da estreia da exposição, no Centro Cultural São Paulo, espaço da instituição que atuou em
parceria com o projeto e no qual seria realizada a mostra dos trabalhos fotográficos e
16
Apesar de Abad ter a inspiração para o projeto artístico Zexe em São Paulo em 2004, veio a se
tornar realidade somente em 2007, porém, o artista trabalhou este projeto com outras comunidades
antes, como os cadeirantes de Madri e os Taxistas da Cidade do México, de forma a aprimorar o
programa de conexão entre celular e Web, incluindo posteriormente a localização via GPS dos
conteúdos audiovisuais.
51
videográficos.
17
A exposição levou o título Motoboys Transmitem de Celulares:
Canal*MOTOBOY. No caso paulistano dos motoboys, a ideia do projeto teve continuidade, e,
atualmente, não mais se configura como projeto artístico e, sim, como coletivo.
Inicialmente doze motociclistas profissionais participaram do projeto artístico de
Abad. Os dois primeiros, Eliezer (Neka) Muniz e Ronaldo Simão da Costa, foram escolhidos
para o projeto por meio da indicação do cientista social Augusto Stiel Neto, autor do trabalho
intitulado Pelo Espelho Retrovisor: motoboys em trânsito. Posteriormente, foram convidados
outros dez motoboys, incluindo uma motogirl, mulher que trabalha como motociclista
profissional, aos quais foram disponibilizados aparelhos celulares de última geração,
importados da Espanha. Através de reuniões semanais com o idealizador do projeto, os
motoboys discutiam e definiam o conteúdo áudio-visual das publicações.
Após o término do projeto artístico, que durou ao todo pouco mais de seis meses, uma
parte do grupo de motoboys emissores formado por Abad prontificou-se a dar continuidade ao
trabalho de forma quase independente e autônoma, uma vez que Abad já havia feito sua parte:
dera pernas ao projeto. Iniciou-se, então, uma nova dinâmica autogerida, o que, até então, não
havia acontecido com os projetos anteriores de Antoni Abad pelo mundo: a sociedade civil
passou a se organizar, com a utilização dos modernos meios de comunicação instantânea,
dando início a uma nova forma de se apropriar do espaço virtual, do ciberespaço e da
tecnologia para reivindicação da presença real, do espaço físico, obtendo um alcance que
antes era inimaginável, formando um vértice de sujeitos, informações e olhares curiosos, em
prol de uma categoria profissional. Alguns integrantes saíram do projeto assim que ele
terminou e outros de fora integraram-se a ele para dar continuidade à tarefa de divulgar o
próprio olhar sobre a cidade e sobre seus trabalhos.
Todas as informações contidas nos textos ou nos arquivos multimídia são previamente
e também posteriormente discutidas entre os participantes, para que o site seja, de alguma
forma, integrador da categoria e para que faça a intermediação da relação com a sociedade,
pois eles têm ciência do alcance da Web e de que tudo o que publicam pode ter interpretações
equivocadas. Tentam, assim, contornar o estigma carregado pela categoria, como analisado no
capítulo 2 desta pesquisa. Os conteúdos das imagens sofrem algumas restrições de cunho
ético, havendo o cuidado, por exemplo, na postagem de fotos muito impactantes de acidentes
17
Balão Provoca Incêndio no Centro Cultural São Paulo. Portal G1. 17/05/2007. Página consultada em
18 de Abril de 2010, http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL37841-5605,00-
BALAO+PROVOCA+INCENDIO+NO+CENTRO+CULTURAL+SAO+PAULO.html
52
e acidentados, ou na publicação de áudio e texto que contenham palavrões ou termos de baixo
calão, para evitar sensacionalismo ou desaprovação daqueles que acessam o sítio. Contudo,
em nenhum momento, a qualidade das informações levantadas através do site do coletivo
pareceu estar afetada por algum tipo de manipulação, restrição ou censura; muito menos
evidenciou-se algo que, de alguma forma, pudesse empobrecer a análise dos discursos e das
imagens. No máximo, encontrou-se alguma postagem de cunho comercial e de propaganda,
porém para confirmar um serviço bem realizado por uma oficina ou borracharia em algum
caso de emergência ocorrido.
Socioculturalmente essa participação na cibercultura foi um choque para os
entrevistados. Antes eles mal tinham contato com a tecnologia da Internet ou, até mesmo,
contato com as variadas funções de um aparelho celular moderno. Depois de participarem do
coletivo, todos eles perceberam que estavam diante de uma nova e importante ferramenta de
comunicação e informação, a qual podiam usar no âmbito pessoal e profissional. Agora todos
possuem um computador com acesso à Internet em casa. Envolvendo-se nessa vida social
virtual, os motoboys passaram a ter uma maior expressão e atuação na sociedade.
Hoje são sete motoboys que participam, de forma efetiva, do Canal Motoboy. O
participante que mais publica conteúdos audiovisuais é Ronaldo, por ter o aparelho celular
mais moderno do grupo, presente de Abad, com capacidade para enviar fotos de alta
qualidade, vídeos e áudios mais longos do que os dos outros integrantes, além de monitorar a
localização por GPS.
Luiz, um dos atuais integrantes do coletivo, havia se afastado do grupo por mais de
um ano, após uma briga causada pela decisão, tomada pelos demais integrantes, de atuar mais
na esfera cultural e menos na política. Após seu afastamento, sua página, a pedido do grupo,
foi apagada por Abad. Essa decisão que foi contra a vontade do artista, que defendia a
manutenção de todo o conteúdo publicado, independentemente da participação do emissor.
Foi a única vez que isso ocorreu em vários projetos artísticos de Abad.
Depois de se afastar do Canal Motoboy, Luiz recebeu um convite do presidente do
SINDIMOTOSP, para ocupar um cargo de diretoria de comunicação. Permaneceu quase um
ano no sindicato e depois passou a fazer parte do Jornal Vrum, destinado aos motociclistas em
geral, mas nunca deixou de trabalhar com motofrete. Participou até mesmo de propagandas
comerciais para a TV, anunciando produtos e peças de reposição para motos de pequena
cilindrada e para motos de serviço. Após um tempo e com o arrefecimento da briga, Luiz
53
voltou a atuar no Canal Motoboy. Visivelmente, Luiz é um líder nato e importante emissor
para o Canal Motoboy, mas Neka e, principalmente, Ronaldo também são lideranças fortes
identificadas dentro do pequeno grupo, o que gera muita tensão durante as reuniões do grupo.
Ao regressar ao Canal Motoboy, Luiz teve sua página de volta ao sítio com todas suas fotos
publicadas intactas.
Aliás, Ronaldo e Luiz são amigos de infância e começaram praticamente juntos na
profissão. Ambos têm histórias que envolvem algumas delinquências na juventude, contadas
com risadas e bom humor em conversas mais descontraídas, mas que nunca fizeram parte do
conteúdo do sítio do Canal Motoboy, pois tal passado não pode ser exposto aos que visitam o
sítio, que estão atentos à imagem que representam e passam e ao estigma que os rodeia,
conforme analisado no capítulo anterior.
Andréa (33) é a segunda motogirl do grupo, mas era a única em atividade como
emissora durante esta pesquisa. Participativa e animada, Andréa diversifica as fotos do sítio
postando mais fotos de seus momentos de lazer, família, religiosidade e culinária do que do
trânsito e da profissão. Dificilmente falta às reuniões e suas opiniões nas postagens são
sempre brandas e cuidadosas. Nas vezes em que pude acompanhar sua rotina de trabalho,
durante a etnografia, notei que sua forma de pilotar a moto, em meio ao trânsito, não é
agressiva como a dos demais motoboys que acompanhei, porém não denota uma pilotagem de
alguém que sinta medo, mas, sim, de quem usa a prudência, por ela chamada de ir na manha.
Todas essas características são bem evidentes em suas fotos, textos e áudio. Por possuir um
aparelho de modelo mais limitado quanto à qualidade gráfica, dificilmente publica vídeos..
Edson é o mais jovem do grupo, com 28 anos. Sempre, aparentemente, irritadiço e
ansioso. Diz, em reservado, não ter muita paciência para participar das reuniões e das brigas
que ali acontecem, e fica clara sua impaciência com as indecisões do grupo e dos líderes. Suas
fotos publicadas dificilmente trazem legendas, e ele ainda afirma não publicar, nem mesmo
registrar, cenas que fogem da temática dos motoboys. É um dos que procura sempre o melhor
caminho, mesmo com manobras não permitidas, para otimizar o tempo e o fluxo, conforme
foi visto no primeiro capítulo.
Todos pagam suas contas e créditos de envio de fotos pelo celular com seus próprios
recursos. Durante o projeto artístico de Abad, os motoboys recebiam créditos e também uma
ajuda de custo para a presença nas reuniões. Depois que o projeto se tornou um coletivo
autônomo, essa ajuda acabou e os gastos ficaram por conta dos próprios motoboys emissores,
54
o que acarretou uma clara diminuição dos conteúdos postados e a diminuição do número de
motoboys participantes. As parcerias com outras instituições vieram e concretizaram-se com a
Ação Educativa, o Instituto SocioAmbiental e com colaboradores independentes que
auxiliaram a manutenção do coletivo.
Imagem 1 - Página principal do Canal Motoboy. Conectividade para uma categoria se inserir
na rede informacional.
Para a realização desta pesquisa, o acompanhamento junto aos integrantes do Canal
Motoboy teve início no dia 23 de Junho de 2007, dia da primeira Audiência na Câmara
Municipal de São Paulo, da qual participaram vereadores e representantes da categoria e de
associações de motociclistas usuários e motociclistas profissionais, com a finalidade de
discutir e traçar rumos para legalização e segurança da presença dos profissionais
motociclistas na cidade. Essa atividade foi promovida pelo Canal Motoboy e forçou a
prefeitura a dar início à regulamentação do exercício da profissão. Já, a partir desse momento,
foi possível notar a natureza de intermediação que o Canal Motoboy exercia, podendo
estabelecer a ponte entre a categoria profissional e os demais setores da sociedade: o Estado,
os sindicatos, as associações e a sociedade.
55
A partir de então, o acompanhamento do site na Internet tem sido constante e o das
reuniões semanais, periódico, dando, assim, grande sustentação para o recolhimento das
informações e opiniões sobre o tema da espacialidade e presença desses atores na cidade.
Foi possível perceber que o Canal Motoboy constitui-se de uma gama vasta de
opiniões e pontos de vista, alguns deles já mencionados durante os capítulos anteriores,
formando um microcosmo da totalidade da categoria composto por jovens motoboys,
motoboys experientes e pioneiros da categoria e também por mulheres, um universo em duas
rodas, predominantemente masculino, do qual cada integrante é residente de uma região
diferente da cidade de São Paulo, e que fornece uma boa diversidade de subjetividades a ser
analisada sob a ótica da Antropologia. No entanto, mesmo assim, esta ainda é uma pequena
amostra e os dados que foram coletados e levantados por esta pesquisa devem ser encarados
apenas como um referencial e não como uma verdade absoluta sobre toda uma categoria
profissional que abrange muito mais opiniões e discursos.
O acompanhamento do site e a leitura das produções culturais realizados durante esta
pesquisa deram-se com ênfase na perspectiva do próprio motoboy, de suas subjetividades
sobre a cidade e sua presença nela, visando à sua resposta frente ao questionamento da relação
com os espaços.
3.2 A Internet e a mediação dos celulares
Os motoboys do Canal Motoboy utilizam aparelhos celulares com câmera integrada,
adquiridos particularmente ou recebidos do artista Antoni Abad, para o registro multimídia
compartilhado em tempo real, através da Internet, no site disponibilizado pelo autor do
projeto.
Uma observação importante nesta pesquisa é que o aparelho celular, para os motoboys
em geral e não somente para os do Canal Motoboy, é uma ferramenta tão importante quanto a
própria motocicleta. Isso, muito provavelmente, por causa da mobilidade, agilidade e
eficiência frente ao aparelho telefônico fixo. Pode-se afirmar, depois de análises feitas durante
a pesquisa, que um profissional motociclista que está sempre em movimento pela cidade
precisa ter uma ferramenta de comunicação igualmente móvel para ser competitivo no
mercado e poder prestar serviços ágeis que o destaquem dos outros profissionais, como eles
mesmos afirmam quando são indagados. Tendo essa ferramenta praticamente intrínseca ao
56
serviço que prestam, eles têm a mobilidade como essência: a moto (que, como se viu
anteriormente, somente se caracteriza pelo movimento) e o aparelho de telefone móvel.
Destaco aqui uma cena do documentário Motoboys, vida loca que mostra uma
motogirl que está indo para casa, depois de um dia inteiro de serviço cansativo, e que, no
caminho, atende uma ligação em seu celular. Era a firma em que trabalhava chamando-a para
voltar e fazer mais um serviço. Mesmo cansada e quase chegando a sua casa, ela aceita o
serviço. Essa forma de comunicação contemporânea tem a capacidade de conectar as pessoas
mantendo a mobilidade, ou seja, os fluxos que são necessários à metrópole moderna,
conforme vimos no primeiro capítulo. Essa função de comunicação atrelada à mobilidade
tornou-se imprescindível para a cidade. Os próprios motoboys entrevistados afirmaram que o
aparelho celular é tão importante quanto a motocicleta para suas tarefas, pois, sem celular, não
serviço, assim como sem motocicleta não possibilidade de cumprir uma entrega. O
motoboy Ronaldo, que trabalha como autônomo, ou seja, sem vínculo com alguma empresa
de motofrete, carrega consigo dois aparelhos, um deles com dois chips de operadoras
diferentes e outro de uma terceira operadora, e afirma “Assim não tem como não me achar.
Minha clientela sou eu que faço e, se não me acharem, vão chamar outro. Se o outro fizer
serviço bom, eles não me chamam mais e perco o cliente”. Essa importância do celular é clara
para todos os motoboys entrevistados.
Esse aparelho facilita a comunicação pessoal em tempos de fluxos muito rápidos de
informação, através da televisão, rádio e Internet, chats, mensageiros instantâneos (como o
Windows Live Messenger, conhecido como MSN) blogs, videologs e microblogs (como o
Twitter), mas também faz parte do contraste com a estagnação do trânsito viário, dos fluxos
de mercadorias, valores e documentos nas grandes cidades, como pode ser observado na
construção do raciocínio desta pesquisa. Temos então a motocicleta e o celular como
tecnologias que trazem a possibilidade de otimizar o tempo e espaço, numa sociedade que
enfrenta a dificuldade de manter o fluxo viário.
Uma interessante utilização ao mesmo tempo dessas duas ferramentas foi verificada,
por algumas vezes, durante a observação participante desta pesquisa: quando um motoboy
recebe uma chamada em seu aparelho, simplesmente atende o celular, mesmo trafegando
pelas ruas e avenidas, e encaixa-o dentro do capacete para conversação. Dessa forma não
precisa parar a motocicleta para atender a um chamado do escritório, da firma ou do cliente.
Essa é uma forma, encontrada por eles, de otimizar o tempo e manter o fluxo das mercadorias
57
ou dos documentos. E também não foi raro encontrar exemplos de procedimento do mesmo
tipo em motociclistas usuários. Para isso, os motoboys não guardam o aparelho no bolso, e os
mantém pendurados, por um cordão, no pescoço, facilitando o atendimento a alguma chamada
mesmo andando de moto. Uma outra observação é o uso do aparelho radiocomunicador -
entre os quais o mais conhecidos é o Nextel -, utilizado, em menor escala, em substituição ao
aparelho de telefonia celular, que, embora não apresente a vantagem de ser utilizado dentro
do capacete enquanto se está pilotando uma motocicleta, oferece a vantagem de ser mais
econômico nas suas ligações. A desvantagem da falta de mobilidade na hora do uso gera uma
preferência maior pelo uso do celular convencional. Em conversas, alguns sujeitos afirmaram
que somente usariam um aparelho radiocomunicador, se a empresa para qual trabalhavam
disponibilizasse. É um ponto de convergência entre as temáticas do tempo e do espaço. Não
perder tempo e ganhar espaço, esse é o objetivo, mesmo soando perigoso devido ao desvio de
atenção gerado pela atitude atender o telefone visando a maximizar o serviço. “Só uso Nextel
se a empresa der, porque senão não vale a pena. A praticidade do celular é melhor, mesmo
pagando mais caro às vezes. E, pra gente que trabalha na rua, não pra ficar parando toda
hora. A empresa liga toda hora pra cobrar serviço, pra acelerar a gente, pra saber onde eu tô.
Assim.” conta Andréa.
A página do Canal Motoboy constitui-se de arquivos multimídia com o nome do
emissor do arquivo, seus respectivos títulos e as tags (palavras-chave) que ligam para outros
arquivos multimídia com a mesma temática.
58
Imagem 2 - “canal*DiaaDia”: página do sítio que agrupa os arquivos multimídia de todos os
emissores. Acima da página existe o menu e a numeração das fotos. As palavras-chave mais
usadas aparecem nessa tela e aumentam o tamanho da fonte automaticamente de acordo com a
frequência do uso delas.
A diversidade de temas entre os participantes é grande, e a opinião exposta também é
variada, inclusive no tom da voz e do discurso, alguns mais e outros menos enfáticos ou
diretos, dependendo do perfil do emissor. A observação atenta dessas palavras-chave
selecionadas por eles mesmos revela a subjetividade de cada um deles. Um exemplo disso é a
tag Buraco, sempre trazendo um ou mais arquivos multimídia relatando o descaso das
autoridades para com a segurança dos motociclistas, que sofrem com a falta de manutenção
das vias da cidade. O motoboy Ronaldo é um dos que mais utiliza essa tag e protesta contra
essa falta de cuidado da prefeitura que pode acarretar acidentes sérios:
59
Imagem 3 Buraco na Rua Ricardo Jafet. Publicada por Ronaldo, em 08 de fevereiro de
2010.
É, meus amigos! Uma vergonha, né! Que “belo” acabamento que foi feito aqui na
Ricardo Jafet com a Rua Papúlia... Entrei na avenida e é impressionante o que tem de
pedra, areia e buraco, no comecinho da avenida, imagina no resto. Eu te pergunto o
que eles fazem com o nosso Seguro Obrigatório, com nosso IPVA, todas as multas que
eles dão pra a gente, o quê que eles fazem? Enquanto não tiver política de verdade a
cidade vai ficar desse jeito
18
.
O tema da espacialidade, nos relatos, fotos e vídeos encontrados no site do Canal
Motoboy, é bastante comum, geralmente com o título e a palavra-chave relacionada
diretamente ao caso, como corredor ou faixa exclusiva. Um exemplo é a reivindicação para
que seja permitido o tráfego dos motociclistas na Avenida 23 de Maio, importante via que liga
a Zona Sul de São Paulo ao Centro e a outras regiões da cidade, como comprovam a foto e o
discurso abaixo.
18
Publicado por Ronaldo, em 08 de fevereiro de 2010.
60
Imagem 4 Avenida 23 de Maio. Documentada por Ronaldo, publicada em 26 de março de
2010.
Como é que a gente não pode andar na 23 de Maio? É só demarcar aqui, o corredor é bem
amplo. Demarcar só o cantinho da esquerda como na Avenida Sumaré a gente já ia ter um
corredor exclusivo na 23 de Maio... Mas é mais fácil punir do que educar, né... mas não
vamos punir. Punir não é certo, punir... os cofres vão encher um pouquinho mais do que
fazer campanha educativa, do que fazer faixa exclusiva pra categoria. Valeu! Vamos
brigar pelos nossos direitos, hein meu!
19
Essa preocupação com o fato de não poder trafegar pela Avenida 23 de Maio deve-se à
lei que proíbe a circulação de motocicletas nessa avenida e na via expressa da Marginal do
Rio Tietê, como foi apresentada no primeiro capítulo. Essa lei visa a acabar com os acidentes
que envolvem motos nessas vias, transferindo a circulação desses veículos para as ruas Sena
Madureira, Vergueiro e Avenida Liberdade.
20
Uma constante nas páginas do site do Canal Motoboy é a tag Corredor, presente em
grande parte das descrições das fotos e vídeos que têm, como tema, o trânsito e o espaço do
motoboy no trânsito. É, sob o ponto de vista dos motociclistas, o espaço compreendido entre
19
Publicado por Ronaldo em 26 de março de 2010
20
o Paulo vai proibir motocicletas na pista expressa da Marginal Tietê e Av. 23 de Maio. Portal
Último Segundo Brasil. 17/03/2010.
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2010/03/17/prefeitura+de+sp+vai+proibir+motocicletas+na+mar
ginal+tiete+e+avenida+23+de+maio+9431027.html Página consultada em 01 de abril de 2010
61
duas filas de carros, uma do lado esquerdo e outra do lado direito do motoboy fotógrafo, e
sinalizado pela linha branca, pintada no chão, delimitadora de faixas. Esse ponto de vista pode
ser observado na foto abaixo e em outras. Essas fotos também revelam que a utilidade do
celular, para o motoboy, não se restringe à possibilidade de manter uma conversação enquanto
pilotam, como foi visto anteriormente, pois também é corriqueira, entre os motoboys do Canal
Motoboy, a utilização desse aparelho para fazer registros audiovisuais rápidos, de momentos
específicos e que dificilmente seriam fotografados de outra forma.
Imagem 5 - Ponto de vista de quem anda de moto nos corredores, o estreito caminho
espremido entre grandes caminhões e carros. A praticidade de usar uma câmera portátil
enquanto pilota uma moto: rapidez, fluxo e movimento, tanto do aparelho celular com mera
quanto da motocicleta.
Ronaldo faz um discurso inflamado contra a obrigação do uso da pista local da
Marginal Tietê, questionando a segurança do motociclista ao andar próximo dos grandes
caminhões na via Local da Marginal Tietê e criticando a forma com que o espaço está sendo
partilhado na cidade de São Paulo.
Olha onde eles querem que a gente anda, aqui ó, na Local... Quem que é o dono da pista
Local? se tem condições de disputar com esse tipo de pessoal aqui ó. uma olhada
como que estão os caminhão aqui na Marginal... Tem que fiscalizar mais os caminhão e
deixar a gente em paz, sabe? Todo ano é alguma coisinha: é faixa no baú, faixa no
62
capacete, viseira aberta e blá blá blá... É na local que eles querem que a gente anda?... É,
eles querem acabar com a gente!
21
Um dia depois, Andréa faz um comentário muito mais brando, com textos e fotos
publicados em 20 de março de 2010, em sua gina: “De cima do viaduto vê-se a Av. 23 de
maio. Como ficará o itinerário para os motoboys? Ouvi dizer que do antigo Detran pro centro
que será proibido as motos trafegarem.” E acrescenta: “Av. 23 de maio, a proibição de motos
nesta via foi transferido para julho.”
22
Imagem 6Ponto de vista do motoboy sobre a Av. 23 de Maio.Publicada por Andréa, em 20
de março de 2010
Os diferentes pontos de vista podem ser identificados ao navegar entre as páginas
individuais dos emissores. Como citado anteriormente, a página “canal*DiaaDia” agrega
todas as publicações. No campo “emissores” estão as postagens individualizadas.
21
Publicada por Ronaldo em 19 de março de 2010
22
Um mês após esse registro, foi determinada, pelo prefeito Gilberto Kassab, uma reavaliação dessa e
de outras restrições, o que tornou o tráfego de motos na Avenida 23 de Maio proibido somente a partir
da segunda metade do mês de Agosto de 2010.
63
Imagem 6 - Página de Bahiano. Fotos tiradas por ele com um mapa indicando, via GPS, a
localização exata de onde cada foto foi tirada: tecnologias do GPS, celular com câmera
embutida e a Internet para divulgar pontos de vista sobre si mesmos e sobre a cidade.
São exemplos de más condições das vias, desrespeito no trânsito e dificuldades da
categoria, como a falta de vagas para estacionamento. Mas também outras postagens
divulgam fotos em família, momentos de lazer e preocupação com o meio ambiente. São as
diversas possibilidades que a tecnologia proporciona para parte desses atores que compõem a
cidade de São Paulo e que também contribuem para o bem-estar social, utilizando-a em prol,
não só da categoria, mas também de toda a sociedade, ao abordar a questão do meio ambiente
nos registros audiovisuais flagrados durante a rotina de suas atribuições profissionais, e
postados na página “canal*Ambiental”.
64
Imagem 7 e 8 - “Canal*Ambiental”: senso de responsabilidade e conhecimento do poder de
alcance que têm ao usar a ferramenta oferecida por Antoni Abad: o celular atrelado à Internet.
Esta mobilização rendeu aos motoboys uma parceria com o Instituto Socioambiental ISA e
premiações diversas.
O Geo Posicionamento via Satélite - GPS - está se popularizando entre os aparelhos
celulares. Essa ferramenta, também presente em acessórios para automóveis, como os
Navegadores de Ruas, tem a possibilidade de memorizar, através do celular, o ponto exato em
que o registro audiovisual foi feito, tornando-se, assim, uma complementação ao trabalho
desenvolvido pelo coletivo Canal Motoboy.
Estas são, portanto, as tecnologias disponíveis atualmente para maximizar os fluxos da
metrópole e a mobilidade dentro dela: por um lado as motocicletas voltadas para a otimização
do transporte físico de pessoas, mercadorias, valores, documentos e alimentos; e, por outro, a
tecnologia telecomunicacional que avançou ao ponto de se tornar móvel e ainda atrelar
diversas outras funções, como o registro de fotos, vídeos e áudio. No entanto, como se viu
durante a discussão feita por esta dissertação, ambas as tecnologias esbarram na dificuldade
de locomoção dentro da cidade de São Paulo.
65
Considerações finais
Como foi visto anteriormente, principalmente no Capítulo 1, a cidade de São Paulo
tomou proporções enormes e a modernização trouxe a necessidade de agilidade e rapidez.
Com a evolução da tecnologia da Informação e Comunicação e com o aumento do uso da
telefonia móvel, que permite mensagens instantâneas, videoconferências, na Internet e
televisão, o espaço e o tempo se comprimiram. Assim, eventos que acontecem a muitos
quilômetros de distância transmitem suas informações instantaneamente; ou também reuniões
realizadas virtualmente quebram a barreira do espaço. A vida e o trabalho na cidade pós-
industrial passaram a pedir mais agilidade, velocidade, instantaneidade... Embora essa
necessidade seja crescente, nota-se que a cidade, no desenho de sua malha viária, não se
adaptou a essas exigências, pois muita pouca coisa tem mudado. Mantém-se a mesma
configuração viária, a mesma infraestrutura de serviços viários, sem considerar que, agora,
existem outros agentes que compõem o trânsito: são os artefatos técnicos dos automóveis,
caminhões diversos, ônibus e um número grande e crescente de motocicletas das mais
variadas faixas de cilindrada.
Esse claro descompasso, que foi observado e delineado durante a realização da
presente pesquisa, entre a antiga e arcaica malha viária e a crescente modernização da cidade
gera o processo que Canclini (2000) chamou de hibridação: um processo que se revela
conflituoso e de difícil solução. É um desafio que a cidade enfrenta depois de ignorar, desde o
início, a presença dos novos atores sociais urbanos que hoje compõem o trânsito da cidade: os
motoboys. Como Canclini alertava, o que é conflituoso é o processo e não o resultado da
hibridação. É o que se pode ver atualmente na cidade de São Paulo: um processo que poderia
ter sido previsto, através dos sinais que a ampliação do mercado de motos apontava,
mercado que se preparara para esse crescimento, e prevenido com a implementação de
políticas públicas de inserção desses agentes no sistema de trânsito de forma segura e
regulamentada, evitando que esse problema se agravasse a ponto de se tornar uma questão de
saúde pública e também uma grave questão sociológica.
Os relatos recolhidos, através das narrativas de vida e acontecimentos, permitem
afirmar que a metodologia escolhida foi importante para a construção desta linha de
raciocínio, sempre visando à solução da questão sobre a apropriação de espaços na metrópole
paulistana. Assim as etnografias realizaram-se tanto com este pesquisador acompanhando os
66
motoboys em suas rotinas diárias, montado na garupa de suas motos, carregando uma mochila
muitas vezes pesada e desengonçada, passando perigosamente em corredores estreitos,
correndo contra o tempo, quanto nas observações cuidadosas dos conteúdos disponíveis no
sítio do coletivo.
Um dos fatos interessantes observados durante as etnografias foi a solidão inerente à
profissão. Ao final do dia, depois de acompanhar o motoboy em sua jornada, eu pagava um
tanque cheio de gasolina, como forma de agradecimento à contribuição prestada com
participação na pesquisa, e, muitas vezes, na despedida, o entrevistado agradecia a
companhia. Essa solidão podia ser amenizada nos momentos em que eles paravam para
enviar, pelo celular, as fotos via MMS para a página da Internet. Esse era um momento em
que se identificavam com uma comunidade, momento em que estavam prestando algum
serviço em prol da categoria, ou, simplesmente, em prol de si mesmos, a partir do qual fariam
contato com outras pessoas que iriam ver, ouvir e ler suas mensagens, pessoas de qualquer
parte do mundo. Lemos (2002) analisa essa formação de comunidades virtuais e agregações
como forma de combater o isolamento moderno, baseada na empatia, que também é analisada
por Williams (1990) como a solidão em meio à multidão.
Observou-se, durante esta pesquisa, que os motoboys de outras localidades, outros
Estados, sentem-se até mesmo inferiorizados, mais esquecidos em relação aos motoboys da
cidade de São Paulo. São postadas mensagens na página do fórum do sítio do Canal Motoboy
em sítios de comunidades virtuais diversas relacionadas a motoboys e em jornais da categoria
que clamam por espaço nesta pauta dominada pontualmente pela questão paulistana. Abre-se
assim, um ponto de partida para futuros estudos importantes sobre esta categoria.
Apesar disso, São Paulo mantém-se como referência de atuação política ligada aos
motoboys. Por exemplo, identificou-se que a regulamentação da função do motofretista
ocorrida em São Paulo, no ano de 2007, determinou o modelo de exigências para municípios
como Belo Horizonte e Campinas, mesmo sendo o modelo original proposto altamente
questionado pelos motoboys entrevistados, que demonstravam descontentamento, apesar de
afirmarem que a falta de regulamentação prejudicava ainda mais a categoria.
Seguindo Williams, na análise da produção cultural, foi possível identificar registros
audiovisuais que remetem às origens e ao residual atrelados aos motoboys. Cultura de rua e de
periferia, constituídas pelo samba, hip-hop, futebol de várzea, e busca juvenil por adrenalina
foram os contornos desinstitucionalizados que mostram o dinamismo da modernidade, que
67
trouxe ao antigo office boy a tecnologia da motocicleta. Motoboy e Office boy, dois distintos
sujeitos e palavras-chave que se complementam na análise da busca pela matriz cultural.
Para complementar esta análise do passado do motoboy foi necessária a etnografia,
que fez diferenciar este trabalho dos demais estudos sobre os motoboys realizados na área das
Ciências Humanas e Sociais, e que, também, enriqueceu a análise por estar muito mais
próximo do cotidiano desses atores sem que o pesquisador se confundisse com o objeto,
podendo manter o distanciamento necessário para o olhar crítico, mas, por outro lado, sem
ficar na superficialidade da entrevista estruturada. Outro ponto a ser destacado é o da
concentração na observação dos motoboys, não dispersando o olhar para entrevistas com os
demais agentes que compõem o trânsito, como motoristas, pedestres e motociclistas usuários
em geral, o que permitiu aprofundar a atenção na subjetividade desses trabalhadores. Os
consensos, as divergências, silêncios, falas falsas e também as contradições foram analisadas
com fundamento em Bauer e Gaskell (2002) que se referem ao papel do observador para
compreender as interpretações do mundo feitas pelos próprios motoboys. Aqui confesso que
minha experiência como motociclista usuário auxiliou na interpretação de várias formas de
relacionamento e representações do mundo vivencial no trânsito e de relações com os objetos,
sujeitos e espaços. Porém, reafirmo que o distanciamento se manteve como ponto
fundamental para que a metodologia escolhida colaborasse para uma pesquisa livre de
interferências. Esse é um balanço positivo final da metodologia empregada.
Uma nova lei surgiu, ao final desta pesquisa, como já citado no capítulo 1 e 2,
restringindo a circulação de motos em importantes vias da cidade. No entanto, a proximidade
entre as datas de implementação das novas regras e a data de término e entrega desta pesquisa,
criou certa dificuldade para recolher relatos sobre as novas regras que afetam diretamente o
tema do presente estudo: os espaços da cidade ocupados pelos motoboys. Essa dificuldade foi
contornada, mas essa lei expressa muito a questão de que tratou a pesquisa: por uma lado, a
relação de presença e reivindicação de espaços por parte dos motofretistas e, por outro lado, a
proibição e restrição de espaços públicos e privados para as motocicletas.
Este trabalho pretende, humildemente, ser útil à análise de futuros modos de inserção
dos motoboys na dinâmica do trânsito viário e do transporte de cargas. Como visto, a
dificuldade para transitar e parar a motocicleta de forma aceita e regulamentada na cidade
agrava o alto grau de risco que ameaça a segurança do motofretista, o que gera o conflito por
espaços e aumenta as estatísticas de acidentes de trânsito, transformando-se em ponto crítico
68
para a saúde pública municipal. Outro objetivo de grande valia é reproduzir aos próprios
motoboys pesquisados os resultados da pesquisa obtidos a partir deles, pois essa seria uma
forma de se apropriarem das informações por eles mesmos disponibilizadas e, daí, partirem
para uma busca por espaços, através da qual pudessem equacionar os assuntos da
modernidade na metrópole e sua presença dentro dela com o avanço da tecnologia
informacional e os espaços do sistema viário urbano.
Esse é o processo conflituoso que foi identificado no trânsito paulistano, envolvendo
os motoboys e os espaços públicos e privados. Um processo híbrido de uma categoria
profissional pressionada pela cidade e que pretende ser competitiva financeiramente diante do
mundo, mas cujos trabalhadores esbarram num sistema viário obsoleto, que não acompanhou
as necessidades da cidade ou os novos agentes que compõem o trânsito. Assim gera-se o
conflito por espaços, agravado pela tecnologia informacional que encurtou distâncias,
derrubou barreiras de tempo com a rapidez das mensagens instantâneas, da telefonia vel,
das videoconferências, da Internet... Entretanto essas mesmas tecnologias de
telecomunicações tornaram-se as ferramentas importantes para divulgação de uma nova
imagem, para dar voz a uma categoria até então envolta por um estigma extremamente
depreciativo.
A sociedade esta tão acostumada com o estigma e a presença inconveniente desses
sujeitos, com suas motos remendadas, suas roupas sujas, que foi necessária a visão de um
estrangeiro para perceber que esses profissionais precisavam encontrar uma forma de se
comunicarem com a sociedade, a fim de terem uma autorrepresentação para se posicionarem
frente aos estereótipos criados que depreciavam sua a imagem.
69
Referências bibliográficas
AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas:
Papirus, 1994.
BAUER, Martin W., GASKELL, George (org). Pesquisa Qualitativa com Texto, Imagem e Som: um
manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e Medo na Cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
______. Modernidade líquida. Tradução de P. Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
BOLLE, Willi. Fisiognomia da Metrópole. São Paulo: Fapesp/Edusp, 2000.
BORELLI, Silvia Helena Simões e RAMOS, José Mário Ortiz. Os Office Boys e a Metrópole: lutas,
luzes e desejos. Revista Desvios n. 4. São Paulo: Paz e Terra, 1985.
CALDEIRA, Teresa P. R. Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo:
EDUSP, Ed. 34, 2000.
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio
de Janeiro: UFRJ, 1997.
______. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 2000.
CARVALHO, Mônica de. Cidade Global: anotações críticas sobre um conceito. São Paulo em
Perspectiva, nº 14. São Paulo, 2000.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Editora Vozes, 1994.
COSTA, Fernando Braga da. Homens Invisíveis: relatos de uma humilhação social. São Paulo:
Editora Globo, 2007.
DAGNINO, Evelina. Sociedade Civil e Espaços Públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
EVANS-PRITCHARD, E. E. Trabalho de Campo e Tradição Empírica. In: Antropologia Social.
Lisboa: Edições 70, 1985
FONSECA, Natasha Ramos Reis da. Sobre Duas Rodas: o mototaxi como uma invenção de mercado.
Dissertação (Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais). Escola Nacional de Ciências
Estatísticas – ENCE/IBGE. Rio de Janeiro, 2005.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
GEERTZ, Clifford. O Saber local: novos ensaios em Antropologia Interpretativa. Trad. Vera Mello
Joscelyne. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro:
Editora Guanabara, 1988.
70
GORZ, André. “A Ideologia Social do Automóvel”. In: LUDD, Ned (org). Apocalipse Motorizado: a
tirania do automóvel em um planeta poluído. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004. Coleção
Baderna.
GUATARI, Felix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 2006. Coleção
Trans.
HALL, Stuart. “Quem Precisa de Identidade?”. In:
SILVA, Tomaz Tadeu (org. e trad.)
Identidade
e Diferença: a perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 2004.
ITO, Roberto Shinji. Cidade dos Motoboys: sociabilidade e conflitos na metrópole paulistana.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais). PUC-SP, São Paulo, 2007.
JACCOUD, Mylène e MAYER, Robert. “A Observação Direta e a Pesquisa Qualitativa”. In:
POUPART, Jean et al. A Pesquisa Qualitativa: enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis:
Vozes, 2008.
LEMOS, André. “Cibercidades”. In: LEMOS, André e PALACINOS, Marcos. As Janelas do
Ciberespaço. Porto Alegre: Editora Sulina, 2000.
LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre:
Editora Sulina, 2002.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. “Introdução Circuitos de jovens”. In: MAGNANI, José
Guilherme Cantor; SOUZA, Bruna Mantese de (Organizadores). Jovens na Metrópole: etnografias de
circuitos de lazer, encontro e sociabilidade. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2007.
______. “De Perto e de Dentro: notas para uma etnografia urbana”. In: RBCS, v.17, n. 49, jun. 2002.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. A Cidade Virtual: transformações da sensibilidade e novos cenários da
comunicação. Revista Margem nº 6. São Paulo: EDUC, 1997.
OLIVEIRA, Antônio Catigero. Sobre Duas Rodas: apontamentos para uma sociologia do trânsito.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências Sociais), FESPSP, São Paulo, 2008.
PRÁ, Jussara Reis. “(Re)socializar é Preciso: aportes para uma releitura sobre gênero e juventude no
Brasil”. In: BAQUERO, M. (Org) Democracia, Juventude e Capital Social no Brasil. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2004.
QUAPER, Klaudio Duarte. “Construciones de Masculinidades Juveniles en Liceos de Sectores
Empobrecidos”. In: Jóvenes: la diferencia como consigna. Ensayos sobre la diversidad cultural
juvenil. Chile: CESC, 2005.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a Técnica de Gravador no Registro da
Informação Viva. São Paulo: CERU, FFLCH-USP, 1983.
ROCHA, Rosamaria Luiza de Melo. Jovens e Experimentações da Violência no Brasil: estética da
destruição, sociabilidades limítrofes. Revista Nómadas.
ROLNIK, Raquel. O Que é Cidade. São Paulo: Brasiliense, 2004.
71
SANTOS, Eliezer Muniz dos (org). Coletivo canal*Motoboy: o nascimento de uma categoria. Rio de
janeiro: Aeroplano, 2010. Coleção Tramas Urbanas.
SANTOS, Milton. Espaço e Método. São Paulo: Edusp, 2008.
SÁVIO, Marco Antônio Cornacioni. A Modernidade Sobre Rodas: tecnologia automotiva, cultura e
sociedade. São Paulo: EDUC, 2000.
SCHOR, Tatiana. O Automóvel e a Cidade de São Paulo: a territorialização do processo de
modernização (e de seu colapso). Dissertação (Mestrado em Geografia) FFLCH-USP, São Paulo,
1999.
SIMMEL, Georg. “A Metrópole e a Vida Mental” In: VELHO, Otávio G. (org). O Fenômeno Urbano.
Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
STIEL NETO, Augusto et al. Pelo Espelho Retrovisor: motoboys em trânsito [on-line] In: NAU-
Núcleo de Antropologia Urbana da USP. Disponível via WWW no URL http://www.n-a-
u.org/motoboys1.html. Acesso em dia 03/08/2007
VASCONCELOS, Eduardo A. O Que é Trânsito. São Paulo: Brasiliense, 1985. Coleção Primeiros
Passos.
VASCONCELOS, Eduardo M. “A percepção do mundo e seus paradigmas: experienciando a
possibilidade de perceber o mundo por novas perspectivas e paradigmas através do exemplo da
fotografia e da arte”. In: Complexidade e Pesquisa Interdisciplinar: epistemologia e metodologia
operativa. Petrópolis: Vozes, 2002.
VIRILIO, Paul. O Espaço Crítico e as Perspectivas do Tempo Real. São Paulo: Editora 34, 2005.
______. A Cidade Superposta. Revista Espaço e Debates, n.33. 1991.
WILHEIM, Jorge. Cidades: o substantivo e o adjetivo. Debates, edição. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2003.
WILLIAMS, Raymond. “Cidades de Trevas e de Luz; A Figura Humana na Cidade; A Cidade e o
Futuro; A Nova Metrópole”. In: Williams, Raymond. O Campo e a Cidade na História da Literatura.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
ZARZURI, Raúl (Org). Jóvenes: la diferencia como consigna. Chile: Ediciones CESC, 2005.
Videografia
MOTOBOYS – VIDA LOCA. Direção: Caíto Ortiz, Produção: Pródigo Films, Roteiro: Giuliano
Cedroni. São Paulo: Pródigo Films, 2003. 1 DVD (52 min).
OS 12 TRABALHOS. Direção: Ricardo Elias. Produção: Politheama Produções Cinematográficas,
São Paulo, Politheama Produções Cinematográficas, 2007, 1 DVD (90 min).
72
ANEXO A - Breafing Canal Motoboy
canal*MOTOBOY
MOTOBOYS TRANSMITEM DE CELULARES
Doze motoboys percorrem espaços públicos e privados da cidade de São Paulo. Munidos de
celulares com câmera integrada, fotografam, filmam e publicam em tempo real na Internet
suas experiências, transformando-se em cronistas de sua própria realidade. Descrevem
mediante palavras chave as imagens que publicam e colaboram assim para a criação de uma
base de dados multimídia que seja capaz de gerar conhecimento coletivo. Em reuniões
semanais analisam os conteúdos publicados e coordenam a formação de grupos de emissores
dedicados a cada tema aprovado pelo coletivo. Um projeto de comunicação audiovisual
celular realizado para a comunidade de Profissionais Motociclistas de São Paulo em 2007.
Antoni Abad
Histórico:
A ideia do canal*MOTOBOY nasceu em 2003, de uma viagem do artista espanhol
Antoni Abad ao Brasil. Após realizar este tipo de experiência em várias cidades do mundo
com comunidades específicas como taxistas, deficientes físicos, prostitutas, ciganos e
imigrantes, registro emitido em imagens a partir de celulares, Abad trouxe à cidade de São
Paulo sua rede de comunidades ZEXE.NET
. A proposta previu o agrupamento de 12
73
motoboys para participar do projeto, habilitando-os na edição do conteúdo publicado pelo
canal*MOTOBOY, fornecendo importante oportunidade de expressão interna e externa a
comunidade, protagonizando eles próprios sua história servindo como canal alternativo de
comunicação. A iniciativa do artista, que possibilitou a participação dos motoboys na
construção deste dispositivo (transmissão de celular para site), permitiu que a proposta
curatorial dispusesse instrumentos técnicos de reavaliação de sua relação à vida cotidiana na
cidade e sua identidade a ela. O projeto esteve sediado no Centro Cultural São Paulo, no
período de 12 de maio a 29 de julho de 2007, local de encontro dos motoboys enquanto lócus
de exposição artística, e paralelamente, a organização do “Ciclo de Debates e Filmes” por
Eliezer Muniz, evento que culminou numa Audiência Pública na Câmara Municipal de São
Paulo no dia 23/06/07 sobre a situação dos motoboys na cidade, com presença de
representantes de classe e do segmento profissional. Quatro dias depois, na mesma Câmara,
foi aprovado o Projeto de Lei Nº. 14.491, que visa à regulamentação da categoria no
município. Em maio de 2008, após um ano de exercício, o canal*MOTOBOY realizou a
Semana de Cultura Motoboy no Centro Cultural Popular da Consolação (CCPC), com o apoio
de instituições como Centro Cultural da Espanha em São Paulo, Universidade de São Paulo e
Fundação Telefônica. Para 2009, o canal*MOTOBOY organiza o II FÓRUM NACIONAL
DOS PROFISSIONAIS MOTOCICLISTAS, promovido pela AM3 Feiras e Eventos, conta
com parceiros como a Associação Brasileira Fabricantes de Ciclomotores (ABRACICLO),
Ação Educativa, Instituto Sócioambiental (ISA), Centro Cultural da Espanha em São Paulo
(AECID), Escola Politécnica /USP, Cidade do Conhecimento /USP, Fundação Jorge Duprat
(FUNDACENTRO) /Ministério do Trabalho, Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN),
Ministério da Justiça, Ministério das Cidades e outras instituições públicas e privadas, assim
como entidades representativas de classe do segmento.
Linha de atuação canal*MOTOBOY
O projeto é um canal de comunicação alternativo onde os próprios motoboys criam,
editam e enviam em tempo real por celulares para a internet. É também uma forma de
socialização inspirada nas redes sociais pela luta dos direitos dos profissionais motociclistas,
incentivando-os a sua auto-organização e à conquista da cidadania a partir das mídias
alternativas. Assim o coletivo pode construir suas narrativas e expressar suas opiniões a partir
74
do seu cotidiano na cidade, mas também o convívio em sociedade. Em reuniões semanais,
discutem-se os temas e conteúdos que desejam abordar, desenvolvem suas atividades e criam
as parcerias necessárias. Estas reuniões são fundamentais para, autonomamente, decidirem os
trajetos que devem dar ao canal*MOTOBOY, como fonte de informação para a categoria.
Histórico de Atividades
12/05/07 Abertura da Exposição “Motoboys transmitem de celulares”, canal*MOTOBOY,
no CCSP.
22 a 26/05/07 - Ciclo de Debates e Filmes: “Os Profissionais Motociclistas e a Cidade de São
Paulo”.
23/06/07 - Audiência na Câmara Municipal de São Paulo - Auditório Nobre Freitas.
24/11/07 - Lançamento do Catálogo canal*MOTOBOY, no CCSP.
12 a 17/05/08 - Realização da 1ª Semana de Cultura Motoboy no Centro Cultural da
Consolação.
26 a 27/02/09 – Realização do II Fórum Nacional dos Profissionais Motociclistas / São Paulo
Participação em eventos:
05 a 08/10/07 - Seminário e exposição no MOV.ART.,em Belo Horizonte / MG.
12 e 13/09/07 - Onda Cidadã – Itaú Cultural - Sustentabilidade das Mídias Autônomas / RJ.
16 a 21/10/07 - Salão Duas Rodas 2007. Visita e transmissão de notícias / SP.
05 a 07/12/07 - Mobilefest (Festival Internacional de Arte e Criatividade Móvel) - SESC / SP.
24 a 27/01/08 - MOTOBOY FESTIVAL 2008. Estandes multimídia, projeção do
canal*MOTOBOY / SP.
11 a 17/01/08 - Campus Party 2008 – Intervenção e apresentação da Parceria Pesquisa
Fundação Telefônica.
25 a 27/03/08 - Participação no Seminário Internacional “Mídias Nativas” – Universidade São
Paulo / SP.
14 a 15/06/08 - Participação no Fórum Mídias Livre – UFRJ – Rio de Janeiro / RJ.
15 a 17/11/08 - Mobilefest (Festival Internacional de Arte e Criatividade Móvel) MIS / SP.
75
Premiação
25/06/08 - Prêmio Orilaxé “Veículo de Comunicação” - Grupo Cultural AfroReggae / RJ.
Matérias jornalísticas publicadas na Internet sobre o canal*MOTOBOY:
http://diplo.uol.com.br/2008-05,a2403
http://br.youtube.com/watch?v=kBOJk1n0bFo
http://diplo.wordpress.com/2008/06/16/canalmotoboy-o-retrovisor-do-mundo-cao/
http://www.flickr.com/photos/abaporu/644433837/
http://www.banquete.org/banquete08/Canal-MOTOBOY-2007-08
http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=11366
http://clicologoexisto.wordpress.com/2007/11/13/motoboy-reporter-um-celular-na-mao-e-
uma-ideia-na-cabeca/
http://www.arede.inf.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1427&Itemid=99
http://video.globo.com/Videos/Player/Entretenimento/0,,GIM752671-7822-
CANAL+MOTOBOY,00.html
http://rhizome.org/editorial/1690
http://www.youtube.com/watch?v=n0ue3RZ2C7o
http://banquete.guebs.org/banquete08/Canal-MOTOBOY-2007-08
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM911960-7823-
FESTIVAL+EM+SAO+PAULO+MOSTRA+A+IMPORTANCIA+DO+CELULAR,00.html
http://www.concinnitas.uerj.br/resumos10/labra.pdf
http://tvig.ig.com.br/Templates/Player.aspx?id=57027&video=new-tv-canal-motoboy-
http://tvig.ig.com.br/Templates/Player.aspx?id=57039&video=new-tv-site-do-canal-motoboy
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo