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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ligia Stella Baptista Correia
O CONSUMO SERVE PARA PENSAR:
Revista Recreio, crianças e alternativas para a formação de cidadãos
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
São Paulo
2010
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2
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ligia Stella Baptista Correia
O CONSUMO SERVE PARA PENSAR:
Revista Recreio, crianças e alternativas para a formação de cidadãos
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
como exigência parcial para obtenção do título
de Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a
orientação da Prof. Dra. Silvia Helena Simões
Borelli.
São Paulo
2010
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3
Banca Examinadora
______________________________
______________________________
______________________________
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Percebi que eu quero pesquisar o que me
esperança. Porque pesquisar para me tornar mais
triste, mais pessimista, não serve para ninguém.
Temos que pesquisar não o que permite
denunciar, mas o que permite transformar, mesmo
que seja numa medida muito pequena”.
“O sujeito da comunicação não é o meio, mas a
relação. Importante não é o que diz o meio, mas o
que fazem as pessoas com o que diz o meio, com
o que elas veem, ouvem, leem”.
(Jesús Martín-Barbero)
5
À esperança.
Que ela renasça diariamente, nos inspire a pensar e almejar com a simplicidade das crianças.
6
Agradecimentos
Para que este trabalho pudesse ser realizado foi indispensável a participação de muitas
pessoas, algumas delas de maneira mais direta e outras não tão direta, mas nem por isso
menos importante. Todos os que passaram pela experiência de produzir um trabalho como
este sabem que aqueles que estão à nossa volta, dando-nos suporte e atenção durante o
processo de desenvolvimento são tão essenciais quanto todo o direcionamento teórico.
Agradeço à minha orientadora Profa. Dra. Silvia Borelli, primeiro por ter me aceitado
dentro do seu grupo de orientandos e também por todo o apoio teórico e prático no processo
de realização desta dissertação.
Às professoras da banca de qualificação, Profas Dras Rita Alves e Isabel Orofino,
pelas sugestões preciosas que deram para a construção deste trabalho. Embora, infelizmente,
não tenha conseguido incorporar todas, certamente, a estrutura desta dissertação ficou bem
mais sólida e possível de ser concluída após a contribuição de vocês.
Aos professores e colegas do programa de estudos pós-graduados, em espepcial
Cláudio, Carla e Ernesto, pelas discussões produtivas, indicações de referências bibliográficas
e incentivo em todo o processo. À Vera, que teve um trabalho danado com o meu texto e, com
sua participação, fez com que ele ficasse mais próximo de uma dissertação.
Ao pessoal da Editora Abril, especialmente ao Thiago Afonso, que foi tão atencioso e
colaborou com as informações, além de me possibilitar o acesso às edições históricas e atuais
da revista Recreio. Agradeço também à Adriana Kazan e a todo o pessoal do núcleo infantil.
Importante na história da revista, agradeço a atenção incrível de Sônia Robatto, a criadora da
primeira versão de Recreio. Seu depoimento foi muito inspirador.
Durante os cinco anos que estive envolvida com o mestrado, em especial no último
ano, cujo trabalho foi mais intenso, estive um tanto ausente de cenas importantes para a minha
vida, por isso agradeço imensamente a compreensão e o apoio dos meus amigos e da minha
família. Marina, embora a freqüência física esteja baixa no coração e pensamento estamos
próximas diariamente. Serginho, muito obrigada por me entender, me acalmar, orientar e
apoiar sempre.
Agradeço ao grupo de contadores de histórias de que participei, na biblioteca Álvaro
Guerra, sob a orientação doce e paciente da Daniela Caielli. A todas as colegas e à gigante
7
Dona Pedrina, inspiração para ser feliz e tocar as pessoas todos os dias; afinal “um sorriso
custa menos que energia e ilumina muito mais”.
Manu, as discussões densas e produtivas foram fundamentais para superar as longas
noites de trabalho e os bloqueios mentais que, às vezes, apareciam, sem contar que elas
também inspiraram pontos importantes das análises deste trabalho. Meu parceiro, muito
obrigada pela compreensão e pelo apoio, sempre.
Lehito, foi você quem me encorajou a entrar neste mundo dos estudos mais densos, a
ter mais “conteúdo” e a fazer esta coisa toda. Obrigada por me ajudar no projeto, por ler meus
textos. Por pior que estivessem, você sempre me encorajou a continuar.
E por último, mas sempre muito importante Nelly e Milton Correia, Mãe e Pai,
obrigada por vocês terem me incentivado, desde pequenina, a gostar de ler, de contar e ouvir
histórias, a participar delas e de outras tantas situações; sem dúvida essa é a grande
motivação sempre. E agradeço ainda mais o olhar e o incentivo cheios de esperança,
principalmente na reta final, para que tudo acabasse logo e bem.
Sempre todos os dias, agradeço às pessoas incríveis que aparecem em minha vida,
umas por mais tempo, outras por um tempinho que parece curto, deixando a vontade de que
tivesse ficado mais um pouco. Agradeço a todas as crianças, as que estão a nossa volta em
matéria ou não, e também a todas as entidades (Erês), santos (Cosme, Damião e Doum) e
orixás (Egbé e Ibeji) que as protegem, pois, assim, tornam a nossa vida mais doce. Fica aqui o
meu agradecimento e também o desejo de que tenhamos sempre o instinto das crianças em
nossa atuação, para que não esqueçamos que, com a ajuda delas, a nossa visão de mundo e
atuação nele podem ser bem melhores.
8
Resumo
A presente dissertação de mestrado busca relacionar consumo e infância a uma
indústria cultural em particular Editora Abril pela ótica das revistas infantis. Investiga se o
principal produto, a Revista Recreio, tem uma proposta de incentivo à prática da cidadania
por meio da abertura de espaços para a participação das crianças no projeto.
Os espaços públicos para atuação dos cidadãos nem sempre se encontram abertos e
acessíveis quanto os do mercado aos consumidores. Neste campo, algumas indústrias têm
buscado responder as demandas dos consumidores e por isso mantêm abertos canais de
contato. Em relação às mídias, tem se destacado aquelas que se utilizam de tecnologias
digitais capazes de permitir o acesso maior dos usuários para que possam emitir suas
opiniões, e, através delas, as comunidades de fãs e consumidores tendem a se unir, ganhando
força, produzindo novos conteúdos e influenciando produtores. Discute-se aqui a hipótese de
que, em tempos de “cultura da convergência”, os usuários deixariam de ser somente audiência
para ser também produtores. O acesso a essas tecnologias e a iniciativa de participação leva
tempo para atingir um grande número de pessoas. Entretanto, se essa participação passar a ser
estimulada pelos meios de comunicação e também pelas politicas públicas voltadas à infancia,
provavelmente o número de crianças atuantes aumentará significativamente.
Esta pesquisa tem por objetivo mapear as oportunidades existentes nas revistas
infantis, em especial na revista Recreio, para estimular o leitor a assumir sua possível
condição de produtor de conteúdos. Para isso, um breve histórico das revistas infantis
brasileiras foi traçado, iniciando com uma análise da primeira versão da revista Recreio: a
revista brinquedo, que esteve em circulação de 1969 a 1982 e que serviu de base para uma
comparação com a versão atual da mesma revista, publicada pela Editora Abril e lançada em
março de 2000. A pesquisa de campo centrou-se, inicialmente, na leitura de 985 exemplares
da revista; deste processo resultou a construção do histórico e a posterior seleção, para uma
análise de capa a capa de 10 edições que estiveram em circulação entre março e maio de
2010. Dentre os autores que fundamentam teórica e conceitualmente esta investigação
destacam-se: sob o ponto de vista do consumo, Canclini (2006; 2008), da infância,
Buckingham (2007), e das mídias digitais, Jenkins (2009).
Palavras-chave: infância, revista Recreio, consumo, cidadania.
9
Abstract
This dissertation seeks to relate consumption and childhood to a cultural industry in
particular - Editora Abril - from the perspective of children's magazines and investigates if
its core product, Recreio magazine, has a proposal to encourage citizenship by opening spaces
for children's participation in the magazine.
The public spaces for citizens‟ participation are not always open and accessible; on
market environment as consumer market‟s. On this field some industries have been trying to
answer the consumers demand therefore, keeping some contact channels.. Relating to media,
have been gaining space, those which use digital technologies to enable larger access to users,
allowing them to express their opinions, and through it, fans and consumer communities tend
to unite, becoming stronger, producing new content and influencing producers. The
hypothesis discussed here is that, during “convergence culture” times, users would not be
audience only anymore and will also become producers. The access to those technologies and
the initiative to participate takes a while to reach a large number of people. Never then less , if
this participation becomes stimulated by the media and also by the government policies
directed to childhood, the number of active children might increase significantly.
This research has the objective to map existing opportunities on child magazines, and
specifically on Recreio magazine, to stimulate the reader to assume its possible condition to
produce content. In order to achieve that, a brief background of Brazilian child magazines was
built, starting with an analysis of the first version of Recreio magazine: The toy magazine,
which was in the market from 1969 to 1982 and is used as a comparative basis to the actual
version of the same magazine, published by Editora Abril and released on March 2000. The
field research is focused initially in the reading of 985 magazine sold copies; the construction
of the background report and the selection of 10 magazine numbers which were sold from
March and May of 2010,to deeper analysis, was the result of this process. Among the authors
who guide theory and concepts highlight: from the consumption point of view, Canclini
(2006;2008), for childhood, Buckingham (2007), and digital medias, Jenkins (2009).
Key words: childhood, Recreio magazine, consumption, citizenship.
10
SUMÁRIO
Introdução .......................................................................................................................... 17
Capítulo 1 O consumo infantil das revistas infantis.................................................... 33
1.1 Versões da infância e das crianças ................................................................................ 33
1.1.1 Crianças consumidoras ................................................................................... 40
1.2 Onde o consumo e as crianças se encontram? ............................................................... 45
1.3 A revista infantil no universo das novas mídias. Há uma função? ............................... 58
1.3.1 O mercado das revistas ................................................................................... 65
1.4 Cidadania na infância: modos de usar ........................................................................... 74
1.5 Uma idéia, algumas crianças e uma revista ................................................................... 79
Capítulo 2 Recreio: a revista brinquedo ....................................................................... 87
2.1. Leia e pinte. Recorte e brinque: o projeto Recreio ....................................................... 107
2.2. Esta página é sua!: quem a Recreio pensava ser o seu leitor? ...................................... 117
2.3. Próximo Recreio: o convite a participação .................................................................. 133
2.4. Fui eu que fiz: a participaçao do leitor nas páginas da revista ..................................... 155
Capítulo 3 Fique por dentro: a revista Recreio do novo milênio .............................. 182
3.1 Seu corpo: a revista multiplataforma ........................................................................... 196
3.1.1 Revista ............................................................................................................ 199
3.1.2 Coleção ........................................................................................................... 212
3.1.3 Site .................................................................................................................. 219
3.1.4 Edições especiais ............................................................................................ 227
3.2 Enigma: para quem a Recreio é feita? ........................................................................... 231
3.3 Cadê?: como a Recreio convida o seu leitor a participar? ............................................ 243
3.3.1 Capas .............................................................................................................. 247
3.3.2 Site .................................................................................................................. 255
3.4 Seu espaço - Leitores cidadãos: a participação do leitor e o uso das novas tecnologias
............................................................................................................................................. 258
Considerações Finais ........................................................................................................ 271
11
Referências bibliográficas ................................................................................................. 279
Anexos ................................................................................................................................ 287
12
SUMÁRIO DE TABELAS
Tabela 1 As seis necessidades mais importantes das crianças por grupo de idade .......... 43
Tabela 2 - Circulação dos principais títulos infanto-juvenis e games. ................................ 193
Tabela 3 - Comparativo dos destaques dos índices das edições 523-532 ........................... 212
Tabela 4 - Histórico das coleções da revista Recreio .......................................................... 216
Tabela 5 - Os destaques das capas das edições 523-532 ..................................................... 258
SUMÁRIO DAS IMAGENS
Imagem 1 Mafalda, de Quino, vol. 5, p. 37 ...................................................................... 52
Imagem 2 - A revista científica para crianças tem distribuição exclusiva do ICH ............. 73
Imagem 3 - Matéria CHC on-line ensina às crianças a probabilidade de completar o álbum de
figurinhas apenas com o ato de compra. Em 12/06/2010. .......................................................... 74
Imagem 4 - Cidadania no site www.plenarinho.gov.br ....................................................... 78
Imagem 5 - Portal da Gurizada Câmara dos deputados de Porto Alegre RS ................. 79
Imagem 6 - Árvore logotipo da Editora Abril ..................................................................... 89
Imagem 7 - Capas da Primeira e última edições de Recreio (número 1 e 453) .................. 91
Imagem 8 - Capa edição 26; álbum e figurinhas ................................................................. 94
Imagem 9 - Mudancas de 1973 ........................................................................................... 96
Imagem 10 - Edição 308, 1976 .......................................................................................... 98
Imagem 11 - Edição 330, 1977 - Novo formato ................................................................. 100
Imagem 12 - Edição 355, 1978 ........................................................................................... 100
Imagem 13 - Edição 390, 1979 - Capa e reportagem 10 anos ............................................ 101
Imagem 14 - Edições 417, 441, 426 - Reportagens 1981 ................................................... 105
Imagem 15 - Edições repetidas: 52, 307 e 445 ................................................................... 106
Imagem 16 - Edição 363 Como o Natal é comemorado em diferentes regiões do Brasil 110
Imagem 17 - Recreio Escolar: a revista brinquedo ............................................................ 111
Imagem 18 - Edição 29 - Capas e páginas da história ........................................................ 112
Imagem 19 - Edição 40 - Aniversário de Brasília ............................................................... 114
Imagem 20 - Edição 364 - Crianças falam sobre medo das mães ....................................... 116
13
Imagem 21 - Edição 413 - Os desenhos escolhidos para responder à pergunta feita em uma
das histórias da revista. ........................................................................................................ 116
Imagem 22 - Edição 29 - Anúncio da Recreio seguinte ...................................................... 120
Imagem 23 - Edição 148 A bruxinha Filomena ............................................................... 120
Imagem 24- Edição 411 - Primeiro episódio PAIEÊ .......................................................... 126
Imagem 25 - Edição 418 Miguelângelo ........................................................................... 127
Imagem 26- Edição 424 - Chovi na cama! .......................................................................... 128
Imagem 27 - Edição 425 - Negociação alimentícia: jiló pra mim e cebola pra Mãeê! ....... 129
Imagem 28 - Edição 427 - Tão velho quanto um dinossauro.............................................. 130
Imagem 29 - Edição 431 Liberdade de estilo ................................................................... 131
Imagem 30 - Edição 443 O que é que faz mal, mesmo? .................................................. 132
Imagem 31 - Convite à leitura: feito pelo tema ou pelo personagem. ................................ 136
Imagem 32 - Edição 373 Reportagem traz uma conversa com Ruth Rocha e Ana Maria
Machado, levando a literatura ao leitor da revista .............................................................. 137
Imagem 33 - Edições 431 e 433, 1981 - Uma história de Ana Maria Machado ................. 138
Imagem 34 - Edições 33, 264 e 49 Suspense teaser com cenas da história compõem o
convite da capa .................................................................................................................... 139
Imagem 35 - Edição 419 Fantasia ou fato real, qual você quer ler? ................................ 140
Imagem 36 - Edição 362 O menino que desvendou o Papai Noel ................................... 141
Imagem 37 - Reportagens em destaque nas capas .............................................................. 142
Imagem 38 - Edições 29, 40 e 131 - Tiras com atividades ................................................. 144
Imagem 39- Edição 264 Tiras ensinando a montar os personagens e a fazer um teatrinho
............................................................................................................................................. 145
Imagem 40 - Edição 447 Tira convida a interagir com a história .................................... 146
Imagem 41 - Edição 428 Outro exemplo de atividade com convite à participação ......... 146
Imagem 42 - Capa da edição 436 e atividade da edição 405 .............................................. 147
Imagem 43 - Edição 38 Encarte: monte a sua caravela .................................................... 148
Imagem 44- Edição 309 Encarte: monte a sua televisão .................................................. 148
Imagem 45 - Convite à brincadeira: os encartes anunciados na capa, recorte e brinque! ... 149
Imagem 46 - Edição 337 O Tema Natal na história e no brinquedo. Edição 441 Sugestões
para presentes de Natal. ....................................................................................................... 150
14
Imagem 47 - Edição 270 Interação entre os três destaques da capa. O convite ao leitor foi
triplamente reforçado .......................................................................................................... 151
Imagem 48 - Edição 413 Alinhamento da edição em um único tema: um convite mais
amplo do que à literatura; um convite a uma experiência de teatro .................................... 152
Imagem 49 - Edição 413 Atividades propostas convidavam a vivenciar o universo do teatro
............................................................................................................................................. 152
Imagem 50 - Edição 413 Reportagem com um grupo teatral em cartaz; concurso para a
criação de um personagem e um cupom de desconto completavam o convite da edição ... 153
Imagem 51 Edição 50 História que posteriormente se tornou um dos livros mais famosos
de Ruth Rocha ..................................................................................................................... 154
Imagem 52 - Edições 147 e 148 - Correio dos amiguinhos de Recreio .............................. 157
Imagem 53 Edições 148-153 - Formulário da pesquisa de opinião com o leitor ............ 158
Imagem 54 - Edição 229 Correio dos amiguinhos de Recreio, quando passou a ser parte do
jornalzinho ........................................................................................................................... 160
Imagem 55 - Edições 344 e 364 - Esta página é sua ........................................................... 161
Imagem 56 - Edição 365 - Convite para o concurso artístico de Recreio ........................... 162
Imagem 57 - Edição 371 20.000 palhacinhos invadiram a redação de Recreio ............... 163
Imagem 58 - Edição 419 - Reportagem e convite ao concurso. Edição 426 - Bicicletas do
futuro ................................................................................................................................... 165
Imagem 59 - Edição 355 - História, reportagem e concurso sobre o dragão. Edição 361 -
Criações “dragonianas” ...................................................................................................... 166
Imagem 60 - Edição 209 O primeiro Jornalzinho de Recreio. “Mande para nós a sua
colaboração, publicaremos as melhores!” .......................................................................... 169
Imagem 61 - A partir da edição 352, quadrinhos são substituídos por reportagens, mas na
capa ...................................................................................................................................... 172
Imagem 62 - Edição 426 - Como será que são feitos? ........................................................ 174
Imagem 63 - Edição 405 Mesa-redonda: é difícil ser filho de adulto .............................. 176
Imagem 64 - Edição 418 - Alunos dos laboratórios de artes plásticas da Pinacoteca de SP.
Cursos gratuitos. É só fazer a matrícula. ............................................................................. 177
Imagem 65 - Edição 368 Os meninos de Ribeirão Preto, que faziam história em
quadrinhos e foram conhecer a redação, acabaram virando notícia em Recreio ................ 178
Imagem 66 - Edição 361 E a vida das crianças do campo, como é que é? ...................... 179
15
Imagem 67 - Edição 417 Meninos que precisam trabalhar .............................................. 180
Imagem 68 - Edição de 10 anos da revista argentina Genios, 26/02/2008 ........................ 189
Imagem 69 - Revista argentina Billiken. Na ordem, a edição número 1, de 17/11/1919,
seguida da edição 4686, de 27/11/2009, comemorando 90 anos, e da edição mais recente
4710, de 21/05/2010 ............................................................................................................ 190
Imagem 70 - Edição 523 Aniversário de 10 anos da revista: nada além de uma menção na
seção Era uma vez. .............................................................................................................. 192
Imagem 71 - Edições especiais: Recreio: Cadê?, CD com músicas típicas de Festas juninas e
Almanaque Recreio ............................................................................................................. 195
Imagem 72 - O atual Complexo Recreio ............................................................................. 198
Imagem 73 - Curiosidades: coisas legais de saber .............................................................. 200
Imagem 74 - Edição 524 Seção Espaço e a tira Monte o seu guardião ............................ 201
Imagem 75 - Bichos: curiosidades do mundo animal apresentadas de maneira simples .... 203
Imagem 76 - Mão na massa traz dicas e receitas para fazer sozinho .................................. 203
Imagem 77 - Edição 447, de 2/10/2008 - Exemplo de um passatempo Cadê? ................... 205
Imagem 78 - Edições 453 e 409 - Exemplos de Enigmas ................................................... 206
Imagem 79 - Edições 392 e 395 - Dois exemplos do Fique de olho: um deles tem um enigma
e o outro pede dois mapas iguais. ........................................................................................ 207
Imagem 80 - Edição 441, de 21/08/2008 - As ilustrações brincando com a informação real
............................................................................................................................................. 209
Imagem 81 - Edição 530 - Aqui tem: valoriza os seus destaques com imagens. ................ 211
Imagem 82 - Requisitos que uma coleção deve ter para fazer parte do mundo de Recreio 214
Imagem 83 - Edição 523 - Anúncio divulgando a nova coleção ........................................
Imagem 84 - Parte da página principal do site www.revistarecreio.com.br, em 24/05/2010
............................................................................................................................................. 220
Imagem 85 - Esqueleto do site para permitir análise e visualização da área dedicada a cada
tema ..................................................................................................................................... 221
Imagem 86 - Edição 533, de 27/05/2010 - Próxima edição digital: espiada em 24/05/2010
............................................................................................................................................. 222
Imagem 87 - www.revistarecreio.com.br - área de coleções ............................................. 223
Imagem 88- Conteúdo exclusivo para o site, imagem extraída em 23/05/2010 ................. 224
Imagem 89- Cabeçalho do site: busca e botões para navegação no conteúdo ................... 224
16
Imagem 90 - Especiais de Recreio: Revista + CD de música ............................................. 228
Imagem 91 - Especial Almanaque Recreio O Livro e o CD-ROM traziam o conhecimento
de almanaque na linguagem da Recreio para as crianças .................................................... 229
Imagem 92 O público de Recreio ..................................................................................... 232
Imagem 93 - Edição especial Recreio na sala de aula: o conteúdo da revista em proposta de
atividades para o ensino do conteúdo curricular ................................................................. 238
Imagem 94 - Convites diretos feitos em diversas seções da revista: piadas, curiosidades,
correio e coleção .................................................................................................................. 245
Imagem 95 - Esquema de composição das capas da Recreio ............................................. 247
Imagem 96 - Edições 523 a 532, ano 11 - Capas analisadas ............................................... 248
Imagem 97 - Edições 524, 525 e 531 - Rodapé divulgando as seções da revista ............... 250
Imagem 98 - Edição 523 - Lançamento da coleção Galácticos: todo o material convida a
participar e a colecionar. ..................................................................................................... 251
Imagem 99 - Edição 530 - Os destaques da capa são também destaques do índice, incluindo a
coleção com a imagem do personagem da semana nos dois lugares , no caso o telescópio Len
............................................................................................................................................. 252
Imagem 100 - Edição 528 - Dicas importantes de como se proteger no ambiente virtual .. 254
Imagem 101 - Edição 528 - Seu corpo, a gripe suína e a vacina contra o vírus H1N1:
linguagem leve sem deixar de informar .............................................................................. 255
Imagem 102 - Exemplo do destaque do site no índice. As atrações da revista continuam além
das páginas .......................................................................................................................... 257
Imagem 103 - Edição 447, de 2/10/2008 Pesquisa Escolar ............................................. 261
Imagem 104 - Edição 523 - Seção Piadinhas ...................................................................... 263
Imagem 105- Edição 523 - Seção Curiosidades .................................................................. 265
Imagem 106 - Exemplos de perguntas enviadas pelos leitores sobre fatos corriqueiros que
acontecem ou estão presentes em suas vidas ...................................................................... 266
Imagem 107 - Edição 531 Valentina e seu Show de Recreio .......................................... 267
Imagem 108 - Edição 528 - Correio .................................................................................... 268
17
Introdução
O olhar da criança agiganta e enche de significado os pequenos detalhes do cotidiano”
(Gilka Girardello)
O título desta dissertação foi retirado de uma afirmação de Nestor Garcia Canclini
1
,
feita em seu livro Consumidores e Cidadãos (2006), no qual aponta o consumo, moldado pela
maneira como as indústrias culturais incentivam ou desprezam o multiculturalismo, como a
força que define a cultura contemporânea. O consumo é que define como um indivíduo se
integra à e se diferencia na sociedade e, a partir dele, cria e organiza novas identidades
culturais. O espaço na esfera política vem se restringindo e se tornando cada vez menos
atrativo, aos cidadãos, que têm suas escolhas cada vez mais favorecidas no ambiente do
mercado. Mas, nesse universo do consumo que parece tão democrático, a participação dos
mais fortes, grupo formado pelas indústrias e pelas culturas mais ricas, que tendem a impor
seus valores e produtos. Cabe ao consumidor, com seu poder de escolha, aceitar ou optar por
produtos que descrevam ou mesmo representem suas identidades e repertórios culturais. Esse
exercício de escolha tem acontecido com maior frequência, bastante incentivado pelas novas
tecnologias e pelo acesso à informação. Consumidores de diferentes lugares e formações
juntam-se, participando da construção daquilo que alguns autores denominam inteligência
coletiva (Pierre Lèvy, 1993, 2000 e Henry Jenkins, 2009) e fortalecendo seu grupo nesse
campo de disputas. O aprendizado de uma atuação mais participativa no campo do consumo
pode ser uma maneira de gerar experiência e conhecimento para uma postura semelhante no
campo social e político, e, como em todos os aprendizados, quanto mais cedo acontecer, mais
habitual será, como ensina a sociologia do gosto, de Pierre Bourdieu (1999).
Se a perspectiva do consumo, enquanto inspiração para a prática da cidadania, pode
ser muito produtiva, quando aplicada a adultos, que são cidadãos ativos, pelo menos, com
direito ao voto, certamente traria ainda mais ganhos se praticada desde a infância, através do
contato com os meios de comunicação, que, desde a década de 1980, os meios de
comunicação, o marketing e as indústrias culturais em geral fazem grandes investimentos na
1
Antropólogo Argentino e pesquisador da universidad Nacional Autonoma de México, onde dirige o
programa de estudos sobre Cultura. A afirmação “O consumo serve para pensar” é explicada na obra
Consumidores e Cidadãos (2006:59).
18
conquista da afeição desses indivíduos, acreditando não no seu poder de influência nas
decisões de compra de uma família como também no potencial de consumo futuro.
Embora o número de estudos acadêmicos sobre consumo das mídias tenha crescido
nas duas últimas décadas, ainda muito que se produzir e com que contribuir para ampliar a
força e relevância dessa área de estudo. Everardo Rocha (2006), na apresentação do livro de
Mary Douglas (2006), comenta que bastante oportunidade e espaço para estudar o
consumo na óptica da antropologia, pois ainda são raros os estudos sobre o tema nesse campo.
Já, em se tratando das publicações destinadas às crianças e à infância, o levantamento feito
pela historiadora Zita de Paula Rosa (1991), em sua tese de doutorado, mostra que os estudos
desenvolvidos até a sua pesquisa privilegiaram os livros didáticos e de literatura e nunca uma
revista. De maneira geral, o debate sobre o consumo de mídia e sua relação com a infância
tem estado em pauta atualmente. No cenário internacional, o ano de 2010 contará com dois
grandes eventos a respeito do tema: World Summit on media for children and youth (Cúpula
mundial de midia para crianças e adolesentes) e Child and Teen Consumption (Congresso
sobre o consumo de crianças e adolescentes). As perguntas que pairam questionam quando
esse conhecimento e todos esses debates se transformarão em iniciativas que aumentem o
espaço das crianças na produção de conteúdos e quando um produtor ou uma indústria da
mídia dará início ao movimento de educação para as mídias e para a cidadania.
Esta dissertação tem como objetivo o estudo das revistas infantis, em especial da
revista Recreio da Editora Abril, como uma ferramenta para o exercício da participação das
crianças e para a abertura de um espaço que possibilite a atuação desses consumidores como
cidadãos antes mesmo da idade eleitoral, quando podem exercer sua cidadania pelo voto.
Desde a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças
2
, adotada pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, de 1989, tornou-se mais comum a abordagem das crianças como
objeto, e também sujeito, de estudo no campo das mídias e também do consumo, embora
grande parte ainda classifique as crianças como seres não aptos a esse contato com as práticas
do mundo. Atualmente o legislativo tem atuado no sentido de proteger as crianças, pois a
visão com que o discurso político aborda esse público é a que os considera seres frágeis em
formação, e os projetos de lei
3
que tramitam na câmara visam a proibir todas as ações de
2
Disponível em: http://www.unicef.org/brazil/pt/resources_10120.htm
3
Projeto de Lei 5921/01: proíbe a publicidade dirigida às crianças e regulamenta a dirigida a
adolescentes. Projeto de Lei 4935/09: proíbe a venda de alimentos e bebidas destinados a crianças
com apelos promocionais ou brinquedos em seu interior. Em 6/3/2010 foi publicada, nos principais
19
marketing destinadas a crianças. Em resposta a isso e como uma prova de atuação ética, as
empresas que dirigem seu discurso à infância assinaram, em agosto de 2009, o pledge
4
,
inspirado no modelo de autorregulamentação publicitária de alguns países europeus.
O autor e pesquisador inglês David Buckingham traz grande contribuição nessa linha
de estudos e, em seu livro Crescer na era das mídias eletrônicas (2007), faz um comparativo
das linhas muito otimistas e pessimistas, a respeito da relação das crianças com as midias, e
propõe um meio termo para desenvolver os novos estudos. Aponta também os riscos de
restringir o contato das crianças com o mundo e com o mercado, tal como tem funcionado
atualmente. Além dele, outros especialistas no assunto estarão reunidos em dois grandes
eventos sobre o tema em junho de 2010: World Summit on Media for Children and Youth
2010
5
e Child and Teen Consumption 2010
6
.
O primeiro acontecerá entre os dias 14 e 18 de junho, em Karlstad, na Suécia. Será a 6ª
edição de um movimento iniciado pela Australian’s Children Television Foundation, que
idealizou o World Summit On Media e posteriormente gerou a fundação World Summit On
Media for children foundation
7
, que reúne, a cada três anos, desde 1995, especialistas e
pesquisadores de mídia para o público infantil, a fim de discutir o que está acontecendo nesse
campo e estabelecer propostas para o melhor aproveitamento dessa relação das crianças com a
mídia. O tema principal dessa edição será Os desafios no mundo da comunicação dos
jovens, dividido em cinco perspectivas: Comunicação para mudar; Educação e
desenvolvimento de crianças; Ética e responsabilidade social; Economia, políticas e leis; e
Criação de conteúdo digital por crianças e jovens. A programação contará com 180 sessões
entre seminários e workshops, que abordarão práticas e resultados interessantes que têm
acontecido ao redor do mundo e também propostas para os próximos anos. O interessante é
que a cobertura do evento será feita por crianças e adolescentes, em vídeos que estarão
disponíveis no youtube e também em edições impressas diárias com os principais
jornais brasileiros, nota explicando que a ANVISA havia recuado com o projeto de lei 5921/01. O
argumento utilizado foi o fato de que algumas das principais empresas anunciantes para esse público
assinaram, em agosto de 2009, o pledge, compromisso, assumido publicamente, de avaliar
cuidadosamente os produtos e a comunicação destinados para o público infantil. Para maiores
informações sobre essa nota: http://www.andi.org.br/clippings/infancianamidia/?a=24898&z=2 .
4
Trata-se do documento que foi assinado, em agosto de 2009, por 21 indústrias que têm produtos
destinados às crianças e pelo governo federal, visando a um comprometimento na atuação, com a ética
e os limites ali estabelecidos para o contato com o público infantil.
5
Para mais detalhes sobre a programação do evento: http://www.wskarlstad2010.se/
6
Detalhes da programação: http://www.tema.liu.se/tema-b/ctc2010?l=en
7
Histórico e atuação da fundação: http://www.wsmcf.com/foundation/foundation.htm
20
acontecimentos do evento. Esse é um dos possíveis exemplos de como dar voz às crianças
para serem mais participativas nos meios de comunicação.
Na semana seguinte, de 21 a 23 de junho, acontecerá a edição do congresso, que
acontece a cada dois anos, sobre o consumo praticado por crianças e adolescentes, Child and
Teen Consumption 2010, também na Suécia, na cidade de Norrköping. “O evento tem como
objetivo estabelecer e continuar o diálogo entre especialistas de diferentes disciplinas
acadêmicas para explorar o fenômeno do consumo entre crianças e jovens da sociedade de
hoje.”
8
Desde sua primeira edição, sempre estimulou a discussão em torno do que estava
acontecendo com os jovens em relação ao consumo e do que os acadêmicos e os governos
deveriam fazer para não deixar que esse processo saísse completamente do controle. A
Europa, em geral, está mais adiantada quanto às políticas a respeito da publicidade e das
regras que os produtos destinados a esse público devem conter. Os demais países do mundo
sempre buscam nas legislações de países desse continente a inspiração para regulamentar suas
regras. Infelizmente o controle e o acesso à educação e mesmo às mídias são diferentes nos
países em desenvolvimento, como o Brasil, mas ainda assim a legislação brasileira busca
referências europeias para se atualizar. A movimentação em torno da restrição da publicidade
dirigida às crianças, com os projetos de lei que estão tramitando na câmara, traz muito da
prática desse tipo de legislação dos países europeus.
O mérito desses eventos está no fato de que estão discutindo temas de extrema
importância e ampliando a visão sobre ele, uma vez que poucos têm sabido como lidar com
esse cenário composto pela relação entre crianças, consumo e mídias. Alguns pesquisadores já
identificaram que há oportunidades para transformar a prática existente, sem proibir, mas
encontrando uma maneira mais produtiva para a atuação social, como é o caso dos
expositores de uma das plenárias da Cúpula Mundial, realizada em 15/06/10: Professor Dafna
Lemish, Universidade de Tel Aviv, Israel, Eight working principles for change in children’s
television: the views of producers around the world e Dr. Ibrahim Saleh, da Universidade De
Cape Town, África do Sul, que palestrou sobre Children, Media and Democracy . Esse fórum
pretendeu expor além das pesquisas recentes que têm sido feitas ao redor do mundo e a sua
contribuição para estabelecer soluções vitais para a geração que se adapta facilmente à
tecnologia digital, também como essas práticas estão ligadas à democracia. Temas, como
crianças produzindo conteúdo audiovisual, roteiros e filmes com equipamentos que têm em
8
http://www.tema.liu.se/tema-b/ctc2010?l=en
21
casa e mesmo com celulares, também foram discutidos para reforçar como o conhecimento e
a habilidade de manuseio dessas tecnologias podem ser melhor utilizados no caso dos
públicos serem educados para as mídias.
Isso mostra que as crianças e o seu consumo dos produtos midiáticos estão
provocando debates importantes que poderão colaborar para o estabelecimento de uma
educação para as mídias e, quem sabe, também, permitirão que o público infantil tenha mais
espaço não para o consumo das dias, mas também para produção de conteúdo para elas.
Os temas Consumo, Mídias e Cidadania relacionados ao público infantil serão parte do
objetivo desta dissertação para comprovar a hipótese que a prática do consumo dos bens
culturais, em especial as revistas infantis, pode ser utilizada para o desenvolvimento da
consciência e da atuação das crianças como cidadãs. Afinal a revista, como descreve Marilia
Scalzo jornalista de revistas e uma das responsáveis pelo curso Abril de jornalismo, podem
contribuir para a formação do repertório dos leitores: “As revistas vieram para ajudar na
complementação da educação, no aprofundamento de assuntos, na segmentação, no serviço
utilitário que podem oferecer a seus leitores. Revista une e funde entretenimento, educação,
serviço e interpretação dos acontecimentos” ( 2009:14).
As revistas, que tinham sido fadadas à morte com o advento da internet
9
, hoje são
retomadas como significativo campo de produção cultural e de bens simbólicos, na relação
com os demais meios de comunicação de massa; isso se justifica pois as revistas oferecem,
em geral, grande segmentação e quantidade de títulos: 3915 títulos, dentre mais de 60 gêneros
que circulam periodicamente no Brasil
10
. Tamanha divisão de gêneros pode levar à maior
profundidade nos temas de que tratam e na diversão-informação que proporcionam. Uma das
hipóteses aqui analisadas partiu da percepção da existência de uma relação emocional e de
confiança entre leitor e revista; e um dos pontos importantes para sua confirmação se deu pela
busca da origem da revista, que, no momento de seu surgimento, possuía formato semelhante
ao do livro e circulava somente entre as pessoas de boa formação escolar. Para esse tipo de
9
A informação sobre um possível fim das revistas foi retirada de um artigo do Mídia Dados Brasil
2005, no qual o Grupo de Mídia São Paulo convidou, para uma mesa, redonda executivos das
principais editoras do Brasil para discutir qual seria o futuro do meio revista com a popularização da
internet. A respeito da boa percepção das revistas pelo público leitor ver: A História da Revista no
Brasil e os estudos internacionais: Experian Simmons Multi-Media Engagement Study (MME)
(conduzido entre julho 2007 e junho 2008) http://www.smrb.com/web/guest/core-solutions/national-
multimedia-engagement-study e Hearst Magazines Engagement Factor Study, 2005 disponível em
http://company-profile.reportlinker.com/o0154368/Hearst-Magazines.html .
10
Mídia Dados Brasil, 2009.
22
relação também colaborou a preocupação de alguns editores que, durante a consolidação de
uma história no interior deste campo cultural, se preocuparam em apresentar um conteúdo de
qualidade aos leitores, pois acreditavam que seria isso que ajudaria a construir e a manter a
credibilidade das marcas/títulos.
11
.
Com isso, outras questões são colocadas: seria possível, pela relação de consumo das
revistas, ampliar o repertório dos leitores e levá-los a compartilhá-lo com os demais para
buscar que seus interesses e temas preferidos sejam abordados pelos meios de comunicação?
As revistas incentivam os leitores infantis a criar seus conteúdos, convidando-os a participar
da construção das edições? O consumo cultural infantil de revistas pode ensinar a pensar? O
consumo das revistas pode convidar/estimular a participação das crianças promovendo com
essa prática um padrão de atuação social? As revistas infantis estão cumprindo o seu papel de
diferenciação e contribuição para a formação?
A inteligência se forma a partir do nascimento e se „janelas de oportunidades‟ na
infância, quando um determinado estímulo ou experiência exerce maior influência sobre a
inteligência do que em qualquer outra época da vida, descuidar desse período significa
desperdiçar um imenso potencial humano
12
.
Quanto maior o número de estímulos diferentes a criança receber, mais pode se
esperar do seu desenvolvimento enquanto ser atuante. Por sua vez, o consumo também faz
parte desse aprendizado. “Consumir é tornar mais inteligível um mundo onde o sólido se
evapora. [...] as mercadorias servem para pensar [...] O consumo é um processo em que os
desejos se transformam em demandas e em atos socialmente regulados.” (Canclini, 2006:65)
A revista teria sido percebida pelo leitor como se fosse uma loja, onde as pessoas entram,
escolhem e compram somente o que querem consumir. Na revista, acontece a mesma
coisa: o leitor entra e escolhe o que quer ler. Daí o nome magazine pelo qual as revistas
são conhecidas em alguns países da Europa e nos Estados Unidos (Thomas Souto
Corrêa, 2005).
A história das revistas e a imensa segmentação dos seus títulos parecem levar o leitor
a conhecer a si mesmo um pouco melhor, ao escolher uma publicação. Especialistas no
mercado das revistas como Thomaz Souto Corrêa, da Editora Abril, afirmam que as revistas
informam ou despertam a curiosidade que leva a ir mais fundo em temas encontrados, ou
11
Discussão presente no Midia Dados Brasil 2008.
12
Diz o documento do Plano Nacional de Educação, sancionado em 2001, e que estabelece metas
para o ensino da primeira década do novo milênio. Citado no relatório da ANDI, página 14.
23
mesmo, a buscar novos. Corrêa cita esse universo como se fosse um grande cardápio, como se
o mundo do conhecimento estivesse à disposição, segmentado em tulos por área de
interesse.
Para que a discussão proposta nesta dissertação fosse possível, foi necessário contar
com um conjunto de referências teóricas capazes de abranger todos os temas envolvidos. A
espinha dorsal teórica que sustenta este trabalho é basicamente construída pelo diálogo com
os seguintes autores: Nestor Garcia Canclini (2006), sua abordagem do consumo enquanto
prática cidadã; David Buckingham (2007), com o debate sobre as mídias, consumo e
cidadania na infância; e Henry Jenkins (2009) e as possibilidades de participação no universo
das novas tecnologias. Além desses, outros autores foram consultados e utilizados, tanto para
a fundamentação teórica quanto para nortear a pesquisa empírica. No núcleo de consumo,
além de Canclini, estão presentes, na discussão, Colin Campbell (2001), Mary Douglas
(2006), Luiz Enrique Alonso (2006), Edgar Morin (2001 e 2005) e James Mc Neal (1998)
com consumo infantil. Para analisar crianças e infância, além de Buckingham, incorporaram-
se Michelle Perrot (1991), Phillipe Aires (1978), Gilka Girardello (2002), Isabel Orofino
(2005), Rita Ribes Pereira (2003) e outros pesquisadores que têm contribuído para a produção
sobre o tema.
Para compreensão dos conceitos sobre os estudos culturais e também sobre o mercado
editorial infanto-juvenil, apoio teórico veio das pesquisas sobre livros paradidáticos (editora
Ática/coleção VagaLume) Silvia Borelli (1996); para compreender o campo literário e
mercado editorial, série Harry Potter (Borelli, 2006); os novos conceitos no estudo de
comunicação partiram de Jesús Martin-Barbero (2001) e no das novas tecnologias/tecnologias
digitais, de Pierre Levy (1993 e 2000), Lorenzo Vilches (2003) e Henry Jenkins (2009); e a
teoria do endereçamento dos produtos culturais foi adotada por Elizabeth Ellsworth (2001). O
universo das revistas foi analisado, principalmente, por meio dos materiais históricos da
Editora Abril, entre eles A história da Revista no Brasil (2000), e também as publicações de
profissionais da Editora Abril, entre eles Thomaz Souto Corrêa (2005) e Marilia Scalzo
(2009). Entre as teses de doutorado, destacam-se: professora Maria Celeste Mira (2001), cujo
título é O leitor e a banca de revistas; a do professor Mateus Henrique de Faria Pereira
(2009), Máquina da Memória; a de Andréa Borges (2002), O Brasil em Imaginação; e a de
Zita Rosa Tico-tico (1991), Mito da formação sadia. Outros autores também compõem o
24
quadro de fundamentação teórica dessa dissertação e estão devidamente citados no decorrer
do desenvolvimento do trabalho.
O objeto da presente investigação é a revista Recreio, publicação semanal da Editora
Abril lançada em marçco de 2000 e dirigida a crianças com assuntos de interesse geral. A
editora teve uma outra publicação, de mesmo nome, durante a década de 1970. Embora o
objeto dessa dissertação seja a revista Recreio atual, a leitura e avaliação da versão anterior
foram fundamentais para a construção do histórico das revistas infantis dentro da editora. A
primeira versão da revista circulou no mercado brasileiro de 1969 a 1982, totalizando 453
edições, as quais a Editora Abril têm disponíveis em seu departamento de documentação, o
DEDOC, e também na redação do núcleo infantil. A versão atual da revista, lançada em
março de 2000 e que ainda segue em circulação. Para essa dissertação a ultima edição
utilizada foi 532, com data de capa de 20/05/2010, semana na qual a pesquisa de campo foi
encerrada.
A pesquisa de campo foi dividida em dois momentos. O primeiro foi a construção do
histórico das revistas infantis dentro da editora e também no mercado brasileiro. Para essa
fase a metodologia utilizada centrou-se na leitura, decodificação e análise de todas as edições
publicadas da revista Recreio tanto as 453 da primeira versão quanto as 532 da segunda. A
leitura minuciosa dos exemplares foi feita considerando conteúdo, formato e também as
informações da estrutura da equipe, presentes no expediente. Isso porque não havia
informação disponível a respeito dessa revista no histórico da Editora Abril. Essa pesquisa de
campo foi possível graças à permissão do departamento de marketing do núcleo infantil da
editora. A leitura das 985 edições foi feita no período de 22/03/2010 até 30/4/2010, com
visitas diárias às instalações do marketing do núcleo infantil da editora. Essa estada nas
instalações da Editora possibilitou, além da avaliação das edições da revista, também a
vivencia da rotina do marketing na administração dos negócios da revista. O detalhamento do
histórico conseguido com a leitura das edições está descrito no capítulo 2 para a primeira
versão da revista e no 3 a versão atual.
Após a construção do histórico feita com a metodologia acima descrita, passou-se para
a segunda etapa da pesquisa de campo. Essa fase aconteceu fora da editora, iniciando desde a
25
compra das edições nas bancas de jornal a leitura capa a capa
13
. O recorte estabelecido foi de
dez edições que passaram por uma análise mais profunda da participação dos leitores. Foram
as dez ultimas edições da revista Recreio do período, da 523 a 532, que receberam uma
avaliação mais crítica e aprofundada feita, através de uma análise de capa a capa, com dois
focos principais. O primeiro, entender como a Recreio atual convida o público infantil para a
participação em suas edições, a princípio, através da capa, que é o chamariz, e, depois, por
meio do índice e das chamadas de cada matéria. Toda e qualquer manifestação de convite da
redação ao leitor foi avaliada nesse processo. O segundo foco, consequentemente, foi entender
a participação efetiva do leitor, considerando essa participação tanto na sua relação com a
revista, no que se refere à absorção do conteúdo e resolução das atividades, quanto no contato
com a redação, interagindo a respeito do conteúdo, respondendo a pesquisas, sugerindo pautas
e até enviando perguntas e desenhos. Para esse estudo, as dez edições da revista analisadas
foram da de número 523, edição de lançamento da nova coleção Galácticos, até a de número
532, cuja análise está detalhada no capítulo 3 desta dissertação.
A revista Recreio atualmente tem uma estratégia de abordagem do seu público através
de uma matriz multiplataforma, da qual constam, além do produto impresso, um brinquedo
pertencente a uma coleção, fascículos de um livro de grande valor percebido pelos leitores e
também a versão digital www.revistarecreio.com.br. Embora não tenham sido analisados
separadamente, a coleção e os fascículos que participaram da composição do conteúdo da
revista no período pesquisado e, quando aconteceu, também o convite ou a participação dos
leitores são parte da descrição feita nesta dissertação. O site, uma das plataformas da revista,
também foi objeto da pesquisa e, para sua análise, as visitas semanais durante o período de 18
de março a 21 de maio
14
foram registradas e avaliadas levando em consideração o convite e a
participação dos leitores. Para isso foram considerados a página principal do site e também o
conteúdo para o qual o internauta era encaminhado a partir dos destaques encontrados nessa
página.
Com o intuito de fazer desta pesquisa uma construção contínua de conteúdo, assim
como acontece nas obras dirigidas às crianças, optou-se por incluir imagens que representem
o que o texto descreve, uma vez que as imagens “convidam a mergulhar num assunto”
13
Scalzo (2009) comenta que para o ponto de vista do mercado, trabalha-se para que o leitor faça uma
leitura de capa a capa da revista, ou seja, que haja interão com todo o conteudo da revista desde as
capas as matérias.
14
Mesmo período das edições da revista impressa analisadas, data de capa: da edição 523 18/03/2010
e da edição 532 20/05/2010.
26
(Scalzo, 2009:69). A cada olhar certamente outros questionamentos e ideias surgirão, por
parte dos leitores, tornando esta pesquisa uma fonte ativa de hipóteses e questões para
discussões sobre mídia, infância, consumo e participação. Além das imagens, as dez edições
analisadas na pesquisa também estão sendo apresentadas, em anexo, a fim de proporcionar ao
leitor o contato com o objeto que está sob discussão, pois, por ser um produto dirigido ao
público infantil, grande possibilidade de que poucos adultos conheçam a revista e sua
linguagem. Portanto, optou-se por incluir uma edição da revista Recreio nos anexos criando
uma oportunidade de ampliar o contato de outros pesquisadores e de demais interessados em
produtos culturais dirigidos à infância com a revista. Dessa forma torna-se possível, também,
construir uma ou várias novas percepções da revista Recreio, permitindo que as pessoas
possam construir um significado próprio para a revista através da experiência ao terem
contato com ela.
Além da leitura das edições da revista Recreio, buscou-se, para enriquecer seu
histórico, contato com alguns profissionais que trabalharam na primeira versão de Recreio,
uma vez que faltaram informações em outras fontes. Porém deve-se lembrar sempre que
contar com a descrição de alguém é considerar também a sua versão dos fatos, portanto não
imparcial, mas rica de envolvimento, pois, neste caso, tratava-se de pessoas que trabalharam
para construir esse produto cultural. Uma constatação interessante é que grande parte das
histórias publicadas na primeira versão da revista transformou-se em livros infantis que estão
nas prateleiras das livrarias e bibliotecas, como é o caso de algumas histórias de Ruth Rocha,
José Rufino dos Santos, Walcyr Carrasco, Sonia Robatto e outros; o que ampliou a
abrangência do conteúdo da revista para gerações posteriores. A versão atual da Recreio não
conta com histórias da literatura infantil, porém não impede que outras partes de seu conteúdo
também sejam transformadas em outros bens culturais nas edições especiais da revista, como
aconteceu com o Almanaque Recreio, Especial Cadê, Tirinhas e os livros das coleções como
o Missão: Espaço.
Em relação às escolhas dos autores e das abordagens teórico-conceituais, destacam-se
no contexto analítico desta dissertação os estudos culturais da América Latina que têm
produzido reflexões bastante ricas e dentre inúmeros pontos, há dois pontos fundamentais que
são mérito dos estudos culturais: o (des)centramento da análise exclusiva das mídias (proposta
por outras abordagens teóricas, mesmo dentro do marxismo), para a inclusão de elementos
presentes na vida cotidiana dos receptores/leitores/usuários; e focar os produtos culturais
27
industrializados não apenas como mercadorias (produção de materialidades econômicas), mas
como cultura e bens simbólicos. Isto provocou um deslocamento no foco do debate de
maneira que no campo da antropologia, mídia também é cultura; no campo das comunicações,
vida cotidiana faz parte da análise midiática. O diferencial foi passar a considerar que o
repertório e as experiências prévias do espectador, leitor ou audiência em geral interferiam e
muito na absorção do conteúdo transmitido nas dias. “O sujeito da comunicação não é o
meio, mas a relação. Importante não é o que diz o meio, mas o que fazem as pessoas com o
que diz o meio, com o que elas veem, ouvem, leem” (Martim-Barbero, 2009)
15
.
Dentro dessa perspectiva, três entradas possíveis para se estudar um produto
cultural: a produção, o produto e a audiência (público-receptor através dos estudos de
recepção). A produção pode ser estudada através de uma etnografia de produção, com a qual o
pesquisador acompanha todo o processo produtivo de determinado produto, entrevista os
envolvidos no processo, e analisa o desenvolvimento da narrativa baseada no publico
idealizado
16
e avalia a sua construção. Na outra ponta, no lado da audiência, o público para o
qual um produto é desenvolvido, está o estudo de recepção, com o qual o pesquisador busca
compreender como o leitor, em contato com o produto, constrói os significados das
mensagens que recebe, tendo como cenário o seu repertório pessoal. No meio dessas duas
possibilidades está o produto em si, que pode ser avaliado de diversas formas, entre elas, a
observação de sua estratégia para impactar o público ou a análise do seu conteúdo. De
qualquer maneira ele não pode ser entendido sem que se conheça o cenário no qual é
produzido nem tampouco o público para o qual é feito. Portanto, a pesquisa realizada para
esta dissertação, embora não tenha sido uma etnografia de produção nem um estudo de
recepção em termos tradicionais, considerou, na medida do possível, as duas pontas para
construir uma análise mais robusta do produto cultural Recreio.
Portanto buscou-se contextualizar o objeto deste estudo na história das revistas infantis
bem como na história da Editora Abril e os produtos infantis produzidos por ela. Depois
disso, uma análise do produto em si: como seu conteúdo se divide; quais são os destaques e
15
Jesús Martin-Barbero, em Aula magna, 17 de agosto de 2009, na instalação do Fórum Permanente
dos programas de pós-graduação em comunicação do Estado de São Paulo, publicada no site da
FAPESP. Disponível em: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=3933&bd=1&pg=1
16
A teoria do endereçamento vem do cinema: os produtores imaginam um público para um filme e
constroem o produto cultural para aquele determinado público de maneira que somente pessoas com
aquelas características e repertório tirariam todo o proveito, todos os prazeres do filme; aos demais
sempre faltaria algo. Para saber mais sobre teoria do endereçamento, ver Elisabeth Ellsworth, 2001.
28
temas mais frequentes; como se relacionam as diferentes plataformas do produto. Com o
entorno do objeto mapeado e descrito, a análise da amostra determinada para esta pesquisa
pôde ser feita com maior embasamento a fim de determinar o que é o produto e o papel que
ele ocupa no mercado de revistas infantis. Sendo assim, partiu-se para a análise das dez
edições, de números 523 a 532, publicadas de março a maio de 2010. Basicamente dois temas
foram avaliados: o convite da revista aos leitores e a participação dos leitores na revista. Em
primeiro lugar a ideia era avaliar o convite que a revista fazia aos leitores, principalmente nas
capas, que destacavam os principais assuntos de cada edição. O mesmo foi feito no site da
revista, para a avaliação do complexo multiplataforma. Como o convite era feito ao leitor, a
ideia seguinte foi avaliar a sua participação na revista e no site.
A história das revistas infantis não é tão popularmente contada como a história das
revistas em geral, provavelmente por não possuir tantos títulos inovadores ou que tenham tido
grande impacto na história da imprensa, ou pelo fato da relação infância e consumo ainda não
ter sido muito privilegiada nas reflexões acadêmicas e nem nas pautas midiáticas. Porém não
pode ser totalmente desconsiderada, pois desde o surgimento da primeira revista infantil, o
gênero contou com números de circulação importantes, a começar pelo Semanário Tico-Tico.
Um outro fator relevante a se considerar é que a ausência de produtos desse tipo dirigidos às
crianças também interfere na quantidade de discussões que são colocadas e até de estudos
acadêmicos feitos. Por isso nota-se a grande concentração das pesquisas em torno da televisão
dirigidas a crianças, com importância e volume ampliados a partir da década de 1990.
A produção acadêmica sobre mídia e infância não está concentrada somente em São
Paulo. Entre o que foi possível levantar no mapeamento para este trabalho, observou-se que
estudos está no sul do país, mais especificamente em Santa Catarina, na UFSC, sob
orientação de Gilka Girardello, e publicados no Ateliê Aurora
17
. Pesquisadores do Rio
Grande do Sul, entre eles Rosa Maria Bueno Fischer (2002 e 2008), também contribuíram
para a construção e enriquecimento desse celeiro de estudos da mídia e infância no sul do
país.
Em Brasília, na UnB, também há algumas pesquisas, na área de jornalismo, orientadas
por Taís de Mendonça Jorge (2006), cuja maior parte realiza-se no nível da graduação em
17
http://www.aurora.ufsc.br/aurora.htm . O Ateliê Aurora é um espaço que existe desde 1999, fruto do
trabalho de um grupo de pesquisadores da UFSC, na área de Mídia e Infância. As pesquisas da região
e também acontecimentos importantes no cenário internacional sobre o tema são publicados no site
que hoje está sob a coordenação de Laura Tuyama.
29
jornalismo. Avaliando a história desses pesquisadores, nota-se que, com frequência, as
pessoas que vão para o campo acadêmico estudar temas que envolvem mídia e infância
tiveram experiências anteriores ou na área de educação ou nos meios de comunicação em si.
A UNESP, em Bauru, também conta com pesquisadores que tratam as crianças como um
público importante. Um exemplo que vale a pena citar é o da jornalista Mayra Ferreira (2006
e 2007), que, em sua pesquisa, construiu o webjornal infantil
18
, como projeto experimental
para mapear qual seria a melhor maneira de educar as crianças através do jornalismo, a fim de
permitir que elas participassem de um veículo dedicado a elas com o objetivo de formá-las
cidadãs críticas e participativas. Essa prática de dar espaço nas mídias para a atuação das
crianças será discutida no decorrer desta dissertação.
O reconhecimento das crianças como público consumidor, que teve início na década
de 1980, foi o primeiro passo para que elas fossem incluídas em diversas discussões. A
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, estabelecida pela ONU, em 1989 reforçou
a importância de incluir esse público nos debates sociais e também nos que se referiam às
mídias. Tanto que, três anos mais tarde, em 1992, foi fundada a Agência de Notícias dos
Direitos da Infância, ANDI
19
, que tem como horizonte, entre outras coisas, a garantia dos
direitos das crianças e “a criação de uma cultura de participação infanto-juvenil na mídia e na
sociedade”. Para isso a ANDI monitora os meios de comunicação e avalia quantitativa e
qualitativamente todo o conteúdo que se refere ao público infantil publicado na mídia. Tem
uma atuação forte junto às faculdades de jornalismo para reforçar, na formação dos futuros
formadores de opinião do país, a importância de dar espaço ao público infantil nas manchetes
do país. Com o objetivo de incentivar essa consciência e ampliar a cobertura do tema na
imprensa brasileira, a ANDI criou, em 1997, o projeto Jornalista Amigo da Criança
20
, que
reconhece o trabalho dos profissionais comprometidos com os direitos da criança e do
adolescente. são 346 homenageados que agora fazem parte da Rede ANDI e têm suporte e
acesso a informações e projetos que abordam o tema infância. A ANDI reconhece a
importância dos meios de comunicação destinados ao público infantil; não somente a dos que
noticiam os acontecimentos que dizem respeito a crianças, mas, sim, a dos que proporcionam
18
http://www.criancas.jor.br/nosso-site/
19
Para mais informações sobre a ANDI ver: http://www.andi.org.br/ e
http://www.redeandibrasil.org.br/quem-somos
20
Detalhes do projeto e regras em: http://www.redeandibrasil.org.br/agenda/caravana-jornalista-
amigo-da-crianca
30
formação cidadã. Esse é um aspecto normalmente abordado nos relatórios das pesquisas
realizadas anualmente pela agência.
Para a abordagem dos temas e a discussão proposta pela análise da pesquisa, o
conteúdo desta dissertação está dividido em três capítulos.
O capítulo 1, O consumo infantil das revistas infantis, reúne todo o referencial teórico
utilizado para embasar e desenvolver a presente pesquisa. Diversas linhas de pensamento
existem quando se trata de estudar as crianças e a infância. As áreas da Pedagogia e da
Psicologia sempre estiveram à frente dos estudos teóricos sobre esse público, uma vez que são
áreas de grande participação no desenvolvimento psicossocial. Atualmente, com o aumento
da frequência das mídias no dia a dia das crianças, muitos estudos têm surgido; alguns com
argumentos que buscam defender as crianças de uma exploração massiva, e outros,
colocando-as como a geração de heróis que levará a humanidade ao próximo estágio. Os
estudos de Buckingham (2007) despertam uma importante consciência para ponderar as
teorias dos dois lados e levam a pensar que muito que fazer para que sejam conquistados,
na sociedade, o respeito da maioria dos adultos e o espaço que as crianças merecem, enquanto
cidadãs e produtoras de cultura.
Após a discussão das teorias da infância, esse capítulo passa a abordar os diferentes
conceitos de consumo, que abrangem desde a sufocante sociedade consumista até a sociedade
de consumidores, cujas práticas são identitárias, repletas de significado e, segundo Canclini
(2006), “servem para pensar”, principalmente na nova era das mídias digitais e novas
tecnologias, na qual as comunidades de consumidores, em conjunto, podem se movimentar
para exigir mudanças que os favoreçam (Jenkins, 2009). Nesse contexto de consumo das
mídias pela infância, surge a questão da necessidade da alfabetização para as mídias, processo
no qual toda a sociedade poderá colher bons frutos ao conhecer os procedimentos com os
quais as notícias e os bens culturais são desenvolvidos e também ao tomar ciência do espaço
que deve ser aberto aos consumidores. Essa participação como consumidores pode ensinar
muito a estes a prática da cidadania.
A revista, por sua vez, tem um papel importante; superou o decreto de morte com a
chegada da internet e, com ela, aprendeu a conviver. Para isso teve que entender e definir
exatamente o seu papel no universo das mídias, que as novas tecnologias não substituem as
velhas; elas se reinventam e convergem formando um novo universo (Jenkins, 2009; Vilches,
2003). No contexto das tecnologias digitais, as revistas se posicionaram como as
31
companheiras dos consumidores, fazendo parte de uma relação de amor, cuja confiança é
pautada na linha de pensamento e na garantia de que, naquelas páginas, o leitor poderá ter
uma versão dos fatos ou de qualquer assunto que não estadisponível em nenhum outro
lugar (Scalzo, 2009). Por essa característica e relação de confiança, a revista objetiva
fortalecer sua presença na vida dos leitores e levá-los para outra plataforma, com a
preocupação de garantir seu conteúdo de qualidade, e configurar a revista como um meio para
a educação para as mídias, principalmente quando se trata do leitor infantil, fato que pode ser
comparado com a história de um grande título infantil: o Semanário Tico-Tico.
O capítulo 2, A revista brinquedo, descreve parte da história da Editora Abril e sua
atuação no universo das revistas infantis, desde a sua fundação, que aconteceu com um título
infantil, a revista em quadrinhos Disney O Pato Donald, em julho de 1950, até os dias atuais,
quando lidera o segmento de mercado das revistas infantis. Esse capítulo também traz a
história e a composição de uma publicação que marcou época na editora e também no
mercado de revistas infantis. Enquanto, naquele momento, os produtos destinados às crianças
eram compostos por material importado e resumiam-se, basicamente, a quadrinhos, a revista
Recreio foi fruto de um projeto 100% brasileiro que visava a estimular a relação entre pais e
filhos através da literatura e de atividades manuais. Um dos critérios capazes de delimitar a
presença de uma literatura de qualidade pode ser comprovado pelo expediente da revista,
cujos nomes configuram hoje a lista de grandes autores infantis, entre eles Ruth Rocha e
Walcyr Carrasco. Durante os 13 anos de existência da revista Recreio, muitos convites foram
feitos aos seus leitores, desde a montagem dos brinquedos que eram encartados no meio da
revista, até a participação na construção do conteúdo com sugestões, histórias e reportagens.
O conteúdo do capítulo baseou-se na pesquisa de campo, que considerou a leitura das
453 edições da revista, permitindo a análise tanto das histórias que estavam ali quanto do
espaço que era destinado ao leitor. Além de construir um histórico, a ideia foi não criar
uma base de comparação entre produtos infantis da mesma editora, porém de épocas
diferentes que apresentavam novas tecnologias disponíveis ao público infantil, mas também
verificar como se dava a relação e a participação das crianças na produção de conteúdos.
O Capítulo 3, Fique por dentro: a revista Recreio do novo milênio, é integralmente
dedicado ao objeto desta pesquisa; reúne todas as informações coletadas tanto na leitura das
edições disponíveis quanto na análise das dez edições selecionadas como amostra estudada e
da sua matriz multiplataforma, integrada por revista, brinquedo, coleção e internet. Com
32
periodicidade semanal, a revista Recreio leva uma ampla gama de assuntos para seus leitores:
novidades do cinema e vídeogames; temas de História e curiosidades da Ciência; e a temática
que direciona o desenvolvimento da coleção ou dos brinquedos que fazem parte da revista. O
tema vigente durante o desenvolvimento desta pesquisa era o espaço e o sistema Solar. A
nova fase da revista teve início em 2000, e é fruto de um projeto multidisciplinar que tem o
cunho pedagógico como diretriz e como determinante de veto, ou seja, são aceitos em
pauta assuntos ou temas não prejudiciais à formação dos leitores. Porém, como se trata de
um produto dirigido ao público infantil, a diversão é peça fundamental de todo o material da
Recreio.
A pesquisa feita para esta dissertação visa a entender como o complexo
21
Recreio
convida os leitores a participar tanto das atividades propostas quanto da construção do seu
conteúdo, principalmente por, nessa nova versão, contar com a tecnologia e a facilidade da
internet, permitindo o acesso rápido por parte do leitor, o que não acontecia na primeira fase
da revista. Além do mapeamento do convite que a editora faz aos leitores, também se buscou-
avaliar a participação do público, verificando o quanto as crianças contribuem com o
conteúdo da revista, seja construindo-o efetivamente, seja solicitando abordagens, pautas
diferenciadas ou até mudanças no produto.
A equipe responsável pela revista Recreio é formada pela diretora editorial, o diretor
de arte e o gerente de produto, que pensam com, pelo menos, um ano de antecedência projetos
que passam pela consultoria pedagógica além de serem testados com os leitores
22
antes de se
transformarem em plano. Todo esse contexto do universo Recreio mostra que a opinião do
público leitor é constantemente solicitada, em espaço aberto para que as crianças digam o que
querem da revista, ou seja, mais do que somente vivenciar o conteúdo, elas podem criticar e
contribuir para a elaboração do editorial, através de diversos meios, como carta, e.mail,
telefone, ou de pesquisas de mercado.
Na época atual, das midias e tecnologias digitais, a cultura participativa vem ganhando
espaço, consumidores e espectadores participam até mesmo sem serem convidados, se os
produtores não lhe derem espaço, esses consumidores vão a público dizer o que pensam e,
dessa maneira, aglomeram-se em comunidades de interesse, unindo forças, e podem construir
21
A ideia de complexo é para representar o aspecto multiplataforma da revista, que, além do material
impresso, conta também com as coleções de brinquedo, fascículos e o site.
22
As coleções e também a composição da revista são validadas com os leitores e também com suas
mães pelo menos uma vez ao ano, para garantir que a direção editorial esteja alinhada com o universo
de interesse das crianças.
33
um conhecimento e, em alguns casos, chegar a surpreender qualquer indústria. Esse poder de
colaboração mútua entre pessoas que nem mesmo se conhecem pode se transformar em um
exercício de cidadania, no qual o indivíduo parte de uma ação individual que pode impactar
um grupo muito maior de pessoas. Esse processo constitui a inteligência coletiva (vy, 2000
e Jenkins, 2009), ferramenta com a qual ainda se precisa aprender a trabalhar para tirar maior
proveito de sua abrangência, mas que está se configurando como um caminho muito
importante para a mudança de comportamento, que permitiria transformar consumidores em
cidadãos. Esse formato segue o conceito de comunicação, defendido por Martin-Barbero, que
tem como base a troca, ou seja, um indivíduo recebe e usa a informação de acordo com a
experiência que traz em sua bagagem. Em outras palavras, não somente a transmissão de
uma mensagem do emissor para o receptor
23
(Martim-Barbero, 2009). É também nessa linha
de pensamento que nasceu esta pesquisa, com a hipótese de que os bens culturais podem
estimular a participação dos consumidores, para que eles exercitem comportamentos mais
atuantes que estimulem também sua postura enquanto cidadãos. Não se tem a pretensão de
responder a todas as perguntas a respeito de como o consumo das mídias por parte das
crianças pode produzir mudanças na atuação dos indivíduos enquanto cidadãos, mas, sim,
pretende-se iniciar a discussão sobre oportunidades e aprendizados do universo do consumo e
sobre como as novas tecnologias abrem janelas para a participação. Portanto, se a indústria
cultural estimular ou, ao menos, abrir espaço para que as crianças possam produzir conteúdo,
certamente toda a sociedade terá ganhos qualitativos nos produtos midiáticos. Lembrando
sempre que o exercício da cidadania dependerá, também, da participação ativa de pais e
crianças, no sentido de produzir mudanças nas pautas e conteúdos midiáticos.
Capítulo 1 - O consumo infantil das revistas infantis
1.1 Versões da infância e das crianças
Travamos nossa luta por responsabilidade contra um ser mascarado. A
máscara do adulto chama-se „experiência‟. Ela é inexpressiva, impenetrável,
sempre a mesma. Esse adulto já vivenciou tudo: juventude, ideais, esperanças,
mulheres. Foi tudo ilusão. Ficamos, com frequência, intimidados ou
23
Jesús Martin-Barbero, em Aula magna, 17 de agosto de 2009, na instalação do Fórum Permanente
dos programas de pós-graduação em Comunicação do Estado de São Paulo, publicada no site da
FAPESP.
34
amargurados. Talvez ele tenha razão. O que podemos objetar-lhe? Nós ainda
não experimentamos nada. (Benjamin, 2002:21)
Recorrendo à etimologia, tem-se em criança: plural creare, creans, creantia: menino,
animal pequeno que se está criando. Para ser um pouco mais específico, uma vez que o
presente projeto se desenvolverá em território brasileiro, a definição de criança, para a
Constituição Brasileira, é: “a pessoa até doze anos de idade incompletos”
24
. Isso significa que
um total de 23% da população, o que corresponde a quase quarenta milhões de indivíduos
25
,
são compostos de seres incompletos”(Cohn, 2005), em formação. É dessa maneira que
algumas áreas do conhecimento se refere às crianças, como seres que precisam ser recheados
conteúdo e experiência de vida para se tornarem adultos. Em geral as investigações
acadêmicas que tratam do tema não têm um longo histórico, embora eles tenham aumentado
em número nas últimas três décadas (Buckingham, 2007). As áreas que sempre estiveram à
frente da produção de conhecimento sobre as crianças são as da Pedagogia e da Psicologia,
por conta do ofício de formação desenvolvimentista, com abordagens enfocadas no
desenvolvimento cognitivo, por meio da educação e da aprendizagem, óticas
desenvolvimentistas que abordam a criança pela potencialidade, pelo ser pleno que se tornará
quando adulto, e não pelo potencial e contribuições que apresentam nessa fase. O universo
que cabe às relações das crianças é formado pelo aprender e brincar, deixando a participação
ativa na sociedade para mais tarde.
Na Antropologia, as primeiras pesquisas datam de 1920 com os antropólogos
americanos ligados à escola culturalista que objetivavam mapear a transmissão de cultura,
sempre associando ao cenário norte-americano. Margareth Mead assinou as maiores
contribuições ao tema com sua produção acadêmica principalmente no que diz respeito à
metodologia de pesquisa. Essa corrente tem como foco a formação cultural e a transmissão
dos padrões; não questiona ou avalia a formação das crianças nem a aquisição das
competências naturais para a vida adulta. Embora tenham sido as primeiras investigações com
crianças, estão muito marcados pelos comparativos com a outra etapa, a vida adulta,
reforçando, assim, a ideia de um ser em construção da personalidade e da maturidade. Os
trabalhos que sucedem são da escola estrutural-funcionalista, cuja contribuição é um pouco
diferente da anterior, o preocupada com a formação psicológica e cultural das crianças,
24
Art 2º do estatuto da criança e do adolescente de 1990.
25
IBGE. Censo de 2000. População total até 11 anos.
35
mas, sim, com sua socialização. Dessa forma, inicia-se o discurso que considera as interações
sociais e as competências necessárias para o desempenho de determinados papéis; as crianças
não são mais tratadas como seres incompletos ou imaturos, mas, dependendo da faixa etária,
como possuidores de habilidade para desempenhar um ou outro papel.
A partir da década de 1960, uma mudança grande na maneira como as crianças são
retratadas e consideradas nos trabalhos acadêmicos. Deixam de ser somente parte do cenário
para, então, fazer parte do foco central, sujeitos das investigações realizadas a seu respeito.
Philippe Airès é um dos primeiros a trazer a ideia de infância enquanto uma criação social e,
para isso, o autor avaliou como as crianças eram representadas nas pinturas de cada época. O
seu método de pesquisa, como coloca Buckingham (2007), é questionado por alguns teóricos,
pois essas representações normalmente estavam ligadas às classes mais altas das sociedades,
limitando, assim, às crianças dessas classes, a abrangência de sua análise, o que não lhe
permite descrever como a sociedade em geral tratava a infância (Buckingham, 2007:54). Seu
mérito não deve ser descartado, uma vez que foi a partir dele que outras reflexões foram
elaboradas e conceitos aprimorados. A contribuição de Airès recai, especialmente, na
discussão sobre a concepção adulta de infância, que, para ele, tornou-se uma criação da
imprensa, que precisava de maior público consumidor, e, por isso, estabeleceu uma faixa de
público que deveria aprender a ler. Airès (1978) aponta que, em geral o conceito de infância é
mais presente no ocidente e não é de fácil compreensão geral, pois não existe em algumas
culturas. Diferente da idéia de criança que é um ser humano em formação.
As crianças, por sua vez, sempre existiram e a organização do contexto social coloca-
as em papel de maior ou menor destaque, mas sempre presentes. Desde os anos 80, as análises
passaram a considerar as crianças atuantes, com papéis ativos nas relações sociais, treinando
para a vida adulta e sendo consideradas mais do que miniadultos (Cohn, 2005:28). Outra
importante mudança na perspectiva de olhar as crianças é entendê-las como produtoras de
cultura; mais do que criaturas que se apropriam de valores e coisas que são ensinadas ao
longo dos dias, elas também elaboram sua visão para dar sentido ao mundo que as rodeia.
Dessa maneira suas opiniões são respeitadas como complementares às dos adultos; a criança
passa a ser vista não como alguém que sabe menos, mas como alguém que sabe outra coisa
(Cohn, 2005:33).
A antropóloga britânica Christina Toren desenvolve investigações em torno de uma
teoria antropológica da cognição, nos quais destaca que os humanos estão estruturados para
36
serem, pelo menos, produtos e produtores de si mesmos. Seguindo esse raciocínio, ela
aprofunda sua reflexão sobre as crianças e sobre os processos que são objetos da história que
vivem e através dos quais elas se constituem pessoas maduras. Segundo a autora, entender
como as crianças formam seu conhecimento sobre o mundo é fundamental para a análise
coletiva das relações sociais. Em sua pesquisa realizada sobre a hierarquia em Fiji, foi
possível perceber que as crianças podiam descrever as mesmas regras que os adultos, porém
com uma lógica diferente, com base na maneira como observam o mundo. Elas não entendem
menos, ou sabem menos; elas simplesmente expressam suas ideias, que incluem processos
simples que os adultos também conhecem, mas não expressam (Toren, 1993). Essa
constatação permite refletir sobre os sentidos da autonomia cultural que as crianças têm em
relação aos adultos. Sem esquecer que ambos compartilham o mesmo mundo e, nesse
processo, a troca de valores, símbolos e percepções também influenciam, contribuindo para a
composição das visões de mundo nos dois casos. Toren (1993) pondera que as crianças m
menos relações obrigatórias e, como consequência, têm menor pressão para suportar algumas
situações; possuem o raciocínio mais concreto e conseguem ser mais objetivas nas
percepções, enquanto os adultos arriscam hipóteses mais subjetivas e até buscam julgar as
situações com base em experiências anteriores, como questiona Benjamin na citação que
abre este capítulo.
Complementando os trabalhos acima descritos, ainda um grupo de profissionais
dando andamento à discussão do tema criança em diversas áreas diferentes. É bem certo que
essa prática parece ser mais atuante nos países europeus, mas já apresenta impactos na
produção nacional. No trabalho organizado por Castro (2001), é possível perceber esse
movimento com frutos bastante sólidos. Em geral, a reflexão convida a pensar a criança como
produtor de cultura e como um ser social pronto, que contribui para a evolução das relações e
da própria organização da sociedade. Atentam para o fato de que as crianças deveriam ter um
papel mais atuante na política, pois, se forem consideradas pela idade, serão elas que sofreram
maior impacto das decisões tomadas hoje. O trabalho infantil, não esse remunerado e presente
em discussões há tempos, mas o realizado na escola com o compromisso de estar ali e
produzir, mesmo sem receber nenhuma compensação por isso, também é uma maneira
diferente de se pensar o papel social da criança.
Dois dos temas abordados no trabalho de Castro (2001) merecem uma descrição mais
aprofundada aqui neste momento, com o intuito de reforçar a importância de reconhecer, de
37
maneira sólida, a atuação da criança como contribuinte para a análise social. Um deles é o
trabalho de Alanen (2001), que propõe um paralelo, no que diz respeito à abordagem do tema,
entre as investigações sobre a criança, os estudos feministas e os que tratam de outras
minorias também. A ideia de discutir o tema infância e/ou criança dentro da Sociologia vem
desde a década de 1980, motivada por algumas tímidas abordagens que apresentavam os
indivíduos dessa fase à margem da sociedade, pois “o mundo que os sociólogos estudavam
aparentemente era habitado apenas por adultos” (Alanen, 2001:69). O projeto era trazer as
crianças e seus pontos de vista para a área da Sociologia, que mantinha sua visão adultista ou
adultocêntrica e, por isso, parcial e preconceituosa. A autora propôs usar as semelhanças dos
resultados apresentados pela produção a respeito das feministas para sugerir que as novas
propostas fossem centradas nas crianças, seres sociais comuns: sujeitos falantes, atuantes, que
vivem experiências sob uma ótica diferente da dos adultos e que não são somente um projeto
de um ser que irá, um dia, tornar-se social. A mudança a que essa perspectiva visa é
reconhecer a contribuição da criança dentro de um mundo que é o mesmo em que as pessoas
adultas vivem e não somente dentro do universo das brincadeiras e da aprendizagem,
especialmente indicadas a elas. É levar a sério as crianças como atores competentes e
conhecedores do seu mundo de todo dia, das suas relações e do seu próprio saber.
Outro tema participante deste trabalho é o que é descrito por Castro (2001:19) como a
trajetória da invisibilidade à ação. Nele a autora aborda o tema criança/infância sob o prisma
da psicologia e entende essa época da vida como uma fase que todos querem esquecer e à qual
estão associados comportamentos que devem ser apagados do viver humano, período errante
pelo qual é preciso passar para atingir a perfeição e a maturidade dos adultos. Daí a condição
de invisível. Na outra ponta, a autora recorre ao conceito de ação de Hanna Arendt, que define
a condição de diferença e de singularidade entre os humanos, condição de agir que revela o
singular em cada um, impulsionado pela iniciativa. É pela faculdade do agir da criança que o
mundo pode ser compreendido (Castro, 2001:35). Esses dois extremos são fundamentais para
entender o atual universo da criança, a qual, por ser considerada um ser menor e mais frágil,
ficou reduzida às regras dos adultos que regem suas atividades e atuação nos espaços públicos
de socialização, o que permite a ela acesso a apenas uma pequena parte dos espaços sociais e,
consequentemente, enfraquece seu contato com a coletividade.
David Buckingham, em uma análise dos conteúdos a respeito das crianças e da
infância produzidos na segunda metade da década de 1990, aponta para dois grupos bem
38
diferentes de teorias. De um lado os autores mais nostálgicos defendem a morte da infância
como resultado da exposição às novas mídias, a começar pela televisão, e, consequentemente,
ao consumismo, à violência e ao apelo sexual que elas trazem. Esse grupo defende que as
crianças são expostas a informações da vida adulta sem estarem preparadas para tal. A
definição de infância, e também de criança, utilizada nessas teorias, apoia-se na visão da
Pedagogia e da Psicologia para a qual as crianças são seres em formação e, enquanto estão
nesse percurso, devem ser cuidadosamente expostas a conteúdos destinados à sua formação, a
fim de que sejam bem preparadas para a vida adulta. O outro grupo de autores, segundo
Buckingham, é mais otimista e declara que as crianças têm superioridade natural para lidar
com as novas tecnologias, e, graças a elas, a humanidade será levada ao próximo estágio, num
processo de seleção natural em que os mais fortes sobrevivem. Este grupo de autores
reconhece a capacidade das crianças enquanto produtoras de cultura e as vantagens que elas
têm na insistência do contato com a tecnologia que os adultos não apresentam.
Buckingham, ao avaliar esses grupos opostos de teorias a respeito das crianças, aponta
que todos têm pontos relevantes, porém nenhum está considerando a realidade tal como é.
Segundo ele, “As crianças são representadas de modos diversos: ou como inocentes e
vulneráveis, ou como pecaminosas e necessitando de controle, ou ainda como naturalmente
sábias e de espírito livre” (2007:92). O autor, embora concorde com as mudanças que, nas
últimas três décadas, vem impactando o significado de infância, acrescenta que as mudanças
têm acontecido de modo “menos dramático e muito mais ambivalente e contraditório” do que
as teorias que ele analisou retratam. Ele faz a sua própria versão da evolução do conceito de
infância através da análise de campos que compõem e atingem diretamente a vida das
crianças: a família, a educação e o lazer. Alem disso, faz um alerta importante sobre o perigo
de homogeneizar o grupo: “o que a infância significa e como ela é vivida obviamente
dependem de outros fatores sociais tais como „genero‟, „raça‟ ou etnicidade, classe social,
localização geográfica e assim por diante” ( 2007: 94).
A visão de infância que Buckingham defende considera a criança como um ser social
produtor de conteúdo, assim como Toren (1993) e Castro (2001). É essa a linha que tem sido
utilizada também por estudiosos no Brasil que avaliam as crianças e sua relação com as
39
mídias, em especial, com a televisão
26
, apontando uma perspectiva produtiva no que diz
respeito ao que pode ser estimulado, na infância, para mudar a relação das pessoas com as
mídias e, por consequência, com a sociedade, estimulando, assim, a atuação como cidadãos.
Para isso as mídias têm um papel fundamental, que será abordado mais adiante.
Uma outra prática comum na sociedade atual é o consumo. A urgência na
compreensão das oportunidades que ele apresenta para também interferir nesse processo de
estímulo à cidadania faz-se cada vez maior. Esse é o motivo de também se abordar um ponto
de vista das crianças enquanto consumidoras, o que será detalhado, a partir de agora, com o
trabalho de James McNeal.
O espaço vazio das relações e também da oportunidade de participação das crianças na
esfera social vai sendo preenchido pelas escolhas de consumo, as quais possibilitam a essas
crianças desde a definição dos limites do eu, que assumir o gosto é distinguir-se dos
demais, até a mobilidade dentro da cidade para chegar aos locais de lazer seguros e
permitidos: centros comerciais. A ação das crianças e sua interação com os ambientes
públicos dão-se atualmente pela prática do consumo, que as torna parte atuante da vida
econômica e social da cidade. Mas ainda muito espaço para a atuação delas,
principalmente no campo da política, tão importante para o desenvolvimento da cultura.
O objetivo de passar por essa breve contextualização da criança como tema de
reflexão é fundamental, antes que se chegue à sua abordagem enquanto consumidora. Desse
modo é possível estabelecer sob qual ponto de vista esta pesquisa está trazendo esse público e
então inseri-lo no cenário mercadológico. Portanto, é importante reforçar que a criança da
qual aqui se fala, leitora da revista Recreio, é esse ser completo que percebe o mundo de uma
maneira diferente e tem propriedade no papel que assume na sociedade, principalmente nas
relações sociais. Indivíduo ativo que interfere na organização econômica, social e cultural do
mundo em que vive, e, contrariando a ideia de ser incompleto, ela está no radar das indústrias,
dos governos, das instituições de saúde e dos meios de comunicação, pois não é fácil falar
com elas e agradá-las. São críticas e senhoras de suas escolhas, têm acesso à informação e são
socialmente ativas, vide a quantidade de campanhas de reciclagem e economia de água a elas
dirigida. As crianças ditam regras e trazem novos conceitos para os adultos, gerando a
dependência destes em relação a elas. (Castro, 2001: 23)
26
Para mais detalhes a respeito, ver o conteúdo publicado no site Ateliê da Aurora, que reúne livros e
pesquisas mais recentes sobre infância e mídia. Ver também o trabalho de Gilka Girardello, Maria
Rosa Bueno Fisher e Rita Ribes.
40
1.1.1 Crianças consumidoras
Além da Sociologia, a área de Administração e Mercadologia, também na década de
1980, trouxeram a criança para o foco da análise. Desde então, a importância desse
consumidor de produtos diferenciados é crescente; as pesquisas aumentam e milhões de reais
são gastos em campanhas publicitárias para conquistar sua preferência. Toda essa euforia
despertou também certa preocupação nas instituições regulamentadoras e provocou o
surgimento de organizações não-governamentais com o objetivo de atuar em defesa da
preservação das crianças. Não é objetivo desta pesquisa mapear os impactos da publicidade
no desenvolvimento das crianças, mas o objetivo é, sim, contextualizar a atuação das crianças
enquanto sujeitos sociais completos e aptos a perceber o mundo e agir em defesa de causas
em que acreditam. Para entrar nessa discussão, vale avaliar não o papel das crianças
enquanto consumidoras, mas também, principalmente, como essa atuação foi sendo ensinada
a elas.
Quando as crianças se tornam consumidoras? Nos dias atuais, ser consumidor é muito
importante, pois é no mercado que as necessidades são satisfeitas e, dessa maneira, impacta o
bem estar de todos os cidadãos. Desde a tenra infância, os pais introduzem seus filhos no
universo do consumo, levando-os ao supermercado, aos centros comerciais e até estimulando
que escolham seus produtos. Conforme a idade vai passando, os pais vibram ao acompanhar a
atuação precoce das crianças como consumidoras experientes; até lhe atribuem
responsabilidade nas compras pequenas que podem ser feitas na vizinhança. Além desse
incentivo dos pais, os hábitos de consumo das crianças são também influenciados por outros
agentes em diversos espaços, na escola, no bairro, no condomínio, onde eles aprendem muito
sobre os produtos que os amigos consomem, experimentam-nos e passam a conhecer detalhes
de cada um. Os meios de comunicação também contribuem para a formação desses novos
consumidores, por meio da publicidade e de toda informação que exibem. A televisão,
especialmente, tem grande influência sobre as crianças, até mesmo mais que os pais
27
.
A aprendizagem do comportamento de socialização das crianças, enquanto
consumidoras, tem sido estudada desde a década de 60, quando surgiram os primeiros
27
Para maiores detalhes, ver o Working Paper, de James Mc Neal, para a conferência “Marketing
Health to kids 8 to 12 years of age” October, 1998.
41
trabalhos de Berey e Pollay (1968) e Mc Neal (1969), e popularizou-se, na década de 80,
como objetivo principal da área de Mercadologia, até alcançar à imensa notoriedade que tem
hoje. Ao longo desse processo, os principais teóricos buscavam desenhar um padrão que
pudesse mapear e explicar esse comportamento, quando, em 1993, Mc Neal descreveu as
cinco etapas que não estão relacionadas com as fases do desenvolvimento cognitivo de Piaget.
São cinco momentos diferentes que partem da introdução das crianças às relações mercantis
até sua atuação individual e independente como consumidora.
Etapa1: Observação. A criança acompanha os pais nas compras e nessas experiências começa
a perceber como se dão as relações entre fornecedor/ consumidor.
Etapa 2: Pedido. É o momento no qual a criança tem a capacidade de pedir o que deseja;
normalmente inicia-se com os alimentos. As primeiras manifestações são por gestos até
chegar a orações inteiras, conforme o desenvolvimento da linguagem.
Etapa 3: Seleção. Vem, na sequência, um aval dos pais para poderem ter alguma coisa.
Através de um esforço físico, as crianças movimentam-se até as prateleiras e decidem suas
escolhas. Isso vai se repetindo e dando segurança, para que a criança possa ampliar a sua
esfera de atuação.
Etapa 4: Coaquisição. Após acompanhar diversas vezes o processo, as crianças entendem que
as lojas são donas dos bens e, por meio da troca por dinheiro, as pessoas podem adquiri-los.
Embora não entendam perfeitamente o conceito do dinheiro, conseguem identificar os papéis
nessa relação. Então, com a ajuda dos pais, selecionam o item que desejam, atuam, retirando-
o da prateleira e entregam o dinheiro ao vendedor, cumprindo pela primeira vez o ato
completo de consumidor primário.
Etapa 5: Compra independente. Depois de executar várias vezes a compra assessorada pelos
pais e entender um pouco melhor o conceito do dinheiro, a criança está mais madura para
seguir sozinha. Ela pode se dirigir a um estabelecimento próximo a sua casa e efetuar uma
compra, normalmente, a pedido dos pais. Essa experiência comumente se dá na escola,
durante o intervalo das aulas. Conforme esses eventos vão se repetindo, a criança vai
aprimorando sua atuação como consumidora.
Além das etapas de desenvolvimento das crianças enquanto consumidoras, Mc Neal
também descreve os fatores que interferem nessa formação. Entre os principais está a
composição da família. Estatística avaliada mostra que em lares monoparentais, com presença
de somente um dos pais, as crianças tendem a decidir as compras da casa pelo menos seis
42
meses mais cedo que em lares com a família completa. O outro ponto fundamental, não
para as crianças, é a disponibilidade de renda, entendida como a mesada ou o dinheiro que
recebem periódica ou esporadicamente para gastarem como quiserem. Uma pesquisa feita
com crianças estado-unidenses de 8 a 12 anos mostra que elas administram dinheiro suficiente
para comprar uma ampla gama de produtos. No Brasil, de acordo com uma pesquisa
realizada pela Editora Abril
28
, as crianças são estimuladas a gerenciar suas próprias finanças e
a aprender desde cedo o custo-benefício das coisas. As crianças brasileiras da mesma faixa
etária que as estado-unidenses, na análise americana, recebem em média R$12,00 por semana.
A maior parte dos gastos das crianças, tanto estado-unidenses quanto brasileiras, é com
alimentos, jogos e roupas.
O papel do marketing é satisfazer, através dos produtos e serviços, as necessidades dos
consumidores, que, por sua vez, decidem suas compras pela hierarquia de necessidades a
começar pelas mais importantes. Segundo Mc Neal, as crianças aprendem esse processo
decisório com os adultos e buscam sempre os produtos que atendem a mais de uma de suas
necessidades. Sendo assim, as empresas devem enfocar o atendimento a grupos de
necessidades. Em se tratando de crianças, são oito as principais necessidades:
Conquista: atingir algo difícil, que parece ter sido destinado a um adulto;
Afiliação: ter relações de cooperação com outras pessoas;
Autonomia: atuar de maneira independente, principalmente em relação aos pais;
Mudança: não rotina. Fazer coisas novas e diferentes;
Exposição: ser visto ou ouvido, marcar presença;
Brincar: divertir-se, entreter-se;
Percepção: buscar e desfrutar de impressões agradáveis;
Assistência: receber cuidados e compreensão.
Se a classificação das necessidades acima for feita por faixa etária, tem-se uma
hierarquia diferente de acordo com a fase em que a criança se encontra. O quadro abaixo
mostra essa distribuição.
28
Relatório de pesquisa cedida pelo núcleo infantil da Editora Abril. Pesquisa Cubo Mágico, feita com
crianças de 6 a 11 anos, pais e professores em novembro de 2007.
43
0 a 4 anos
4 a 8 anos
8 a 12 anos
Percepção
Brincar
Afiliação
Brincar
Percepção
Brincar
Assistência
Afiliação
Conquista
Mudança
Conquista
Autonomia
Afiliação
Mudança
Percepção
Exposição
Exposição
Exposição
Tabela 1 - As seis necessidades mais importantes das crianças por grupo de idade.
Além de atender a grupos de necessidades das crianças, para que os produtos sejam
escolhidos por elas, também precisam chegar ao seu conhecimento. Como citado
anteriormente, os meios de comunicação são fundamentais para essa tarefa e executam-na
através da programação infantil e da publicidade. Os trabalhos de Piaget sobre o
desenvolvimento cognitivo das crianças serviram de base para as análises de estudiosos ao
averiguar o entendimento às mensagens publicitárias e a tomada de decisão partindo delas.
Foram avaliados grupos de diferentes idades e, partindo desse mapeamento, detectou-se uma
clara divisão na qual crianças de até 8 anos precisam ser impactadas muitas vezes por
mensagens mais simples, diretas e concretas, enquanto o pensamento abstrato requerido para
a compreensão de mensagens mais elaboradas somente ocorre a partir dos 10 anos.
As mudanças na organização social, principalmente na família, contribuíram também
para o aumento da importância das crianças no papel de consumidoras. Na cada de 70,
somente 6% da população economicamente ativa do Brasil eram mulheres e, no ano 2000,
esse índice subiu para 18%
29
. O ingresso da mulher no mercado de trabalho aumenta a renda
familiar, proporcionando maior potencial de consumo e mais regalias; em contrapartida deixa
os filhos mais tempo sem a supervisão e suporte dos pais. A vida profissional das mulheres
interfere em outro indicador, a fertilidade ou o número de filhos por família. Para utilizar o
mesmo comparativo, na década de 70, a mulher brasileira tinha em média 5,8 filhos; 30 anos
depois, passou para 2,3 filhos. A isso soma-se o fato de que as mulheres têm demorado mais
para ter filhos, com o foco na carreira e na estabilidade econômica, o que leva a parecer que o
limite biológico tem sido ignorado. Em resumo, quando os filhos chegam, os pais têm mais
dinheiro e um coração mais abrandado, pois esperaram mais tempo para -los e esses são
29
IBGE/ Censo demográfico Tendências demográficas/PNAD.
44
fatores que tornam os pais mais generosos e permissivos, ativos contribuintes para formação
dos novos consumidores.
A quantidade de famílias com uma estrutura diferente da tradicional cresce. São os
famosos lares mistos, frutos do número crescente de divórcios, produções independentes,
meias famílias que se juntam, formando uma nova. Desse conjunto surge um grupo de
crianças que tende a receber mais dinheiro para suprir a falta física dos pais, além de terem
que assumir mais responsabilidades e maior poder de decisão no caso dos lares
monoparentais
30
. Tanto responsabilidades quanto a ausência dos pais geram mais dinheiro,
presentes e vontades satisfeitas para preencher o tempo em que estão sozinhas em casa (Mc
Neal, 2000).
Mais do que seres completos que atuam socialmente, produzem cultura, participam de
relações e percebem o mundo em que vivem, as crianças são consumidoras plenas, com um
poder econômico e influenciador enorme em suas mãos. A indústria e o mercado de bens e
serviços já entenderam isso e têm as crianças como público em grande parte dos segmentos. O
papel de consumidora parece ser um dos primeiros a fazer com que as crianças sejam
consideradas como atores e não como potenciais futuros. Para descrever mais detalhadamente
esse cenário, retoma-se, aqui, a pesquisa de Mc Neal, que visava a mapear o potencial das
crianças enquanto consumidoras de produtos comerciais e sociais. Tinham interesse nessa
pesquisa o governo estado-unidense e principalmente a área da saúde, pois estavam
preocupados em atrair esse potencial consumidor para campanhas nacionais sobre assuntos de
saúde e comportamentais (antidrogas), embora não fossem elas o público alvo principal. O
motivo? A enorme influência que elas têm no consumo realizado em seus lares. As
organizações não-governamentais e o próprio governo estão buscando aprender com os
produtores de bens comerciais como se tornarem atrativos para engajar as crianças nesses
produtos sociais.
No Brasil, a influência das crianças nas escolhas e até na decisão das compras
realizadas em seus lares é também muito alta. Em 82% dos lares, os próprios pais assumem
essa participação, declarando que a influência é real; em 42%, essa influência aparece
30
O termo monoparental é utilizado para designar lares com a presença de somente um dos pais. De
acordo com pesquisa realizada em 2008, pela VIACOM, “A nova dinâmica familiar”, esses lares são
em torno de 19% das classes AB, atualmente.
45
fortemente
31
não em relação aos produtos para o próprio consumo, mas também, como
indicam 75%
32
dos casos, em relação ao consumo dos pais, uma vez que além de
consumidoras, elas também dão a palavra final na hora da compra feita pela família. As
crianças são consideradas consumidoras para quase todo tipo de bens. Constituem um
mercado primário de consumidores que gastam o seu dinheiro conforme sua vontade, para
adquirir categorias como guloseimas, brinquedos, jogos e games, revistas, livros, DVDs e
entretenimento em geral. Além disso, formam um mercado de influência, orientando o gasto
do dinheiro dos pais em beneficio do lar e delas próprias. Isso se com o consumo de lazer,
viagens, cinema, educação e até do carro da família. E ainda criam o terceiro e mais promissor
mercado, o mercado futuro de todos os bens e serviços que elas poderão usufruir quando
adultas. Quando consideradas dessa forma, como fomentadoras de três mercados diferentes,
as crianças configuram-se em um grupo demográfico com um potencial tão grande que
nenhum outro pode alcançar.
Retomando a reflexão do presente trabalho, além de consumidoras dos bens da
indústria cultural, as crianças também se mostram uma grande força motriz para o projeto de
transformar os consumidores em cidadãos, por ter enorme contato e abertura para aprender
com os meios de comunicação, exercer influência nos lares e produzir conteúdo repleto de
significados para sua formação. Elas devem ser o foco de uma campanha para a ação dentro
das relações mercadológicas, especialmente com as mídias, porém com práticas que
desenvolvam as habilidades críticas e de participação. Dessa maneira, assim que haja a
possibilidade do contato com a esfera política, as crianças, tendo exercitado a participação,
a exposição de suas ideias e conhecendo o funcionamento das mídias, poderão ter o prazer de
também atuar como cidadãs.
1.2 Onde o consumo e as crianças se encontram?
Na linguagem corriqueira, consumir costuma ser associado a gastos inúteis e
compulsões irracionais. Esta desqualificação moral e intelectual se apoia em outros
lugares-comuns sobre a onipotência dos meios de massa, que incitariam as massas a se
lançarem irrefletidamente sobre os bens. (Canclini,2006:59)
31
Pesquisa TNS interscience 2005, citada em material de prospecção da Editora Abril. “O universo
infantil”.
32
Estudo Kiddos 2007 também citado no material de prospecção da Editora Abril “O universo
infantil”.
46
De acordo com o dicionário de Etimologia, o termo consumo consummo - é deverbal
de consumir, que, por sua vez, vem do latim consumere: gastar ou corroer até a destruição. A
descrição do significado da palavra fica um tanto incômoda se pensada sob um ponto de vista
cotidiano, incluindo todos os indivíduos nesse grande mar de destruição. Afinal, diariamente
se consomem as mais diversas coisas: de bens tangíveis a serviços, com o impulso de
inúmeras razões e motivações. Seres vivos consomem, desde o início da vida, alimento, ar,
afeto entre outras coisas. Essa é a visão natural do consumo, que é inerente à vida, aos ciclos
da natureza e às relações dentro do universo. Partindo desse mesmo ponto de vista, de que
necessidades e satisfações, o consumo, enquanto atividade social com maior abrangência nos
diferentes níveis econômicos, tem que ser visto como um tema presente no cotidiano. Desde a
revolução industrial, o consumo, como atitude social, vem sendo bastante criticado, com
argumentos diferentes a cada época, mas também vem inspirando comportamentos diferentes
que acompanham mudanças culturais importantes. O surgimento da publicidade e o
fortalecimento dos meios de comunicação são os fatos mais culpados pela evolução do
consumo, que, de acordo com Canclini (2006), é o caminho por onde se constrói a
racionalidade comunicativa de uma sociedade.
O consumo, como parte da produção intelectual, vem se desenvolvendo fortemente
desde a revolução industrial, por meio da relação de crescimento da demanda e estimulando o
crescimento da produção. Desde então era a parte frágil e ruim dessa relação produção-
consumo, pois o espaço era aberto e o reconhecimento era feito apenas aos investigadores dos
temas que envolviam a produção e seus conflitos, deixando o consumo como tema a ser
abordado somente pela Economia com as previsões de demanda. Nesse cenário, as escolhas
dos consumidores seriam puramente racionais para satisfazer uma necessidade básica de
alimentação, segurança ou vestimenta, sem nenhum envolvimento emocional ou social.
Alonso (2006) coloca que a evolução das teorias a respeito do consumo partiu da definição da
economia, que, a princípio, preocupava-se com os cálculos de demanda para programação da
produção e, em seguida, com a visão do homem enquanto consumidor e com o quanto um
bem poderia satisfazer suas necessidades. Dessa forma as escolhas eram extremamente
racionais visando ao aproveitamento da utilidade máxima do capital. “[...] o utilitarismo
marginalista neoclássico foi o primeiro e mais potente esquema de investigação do consumo a
partir do individualismo metodológico” (2006:5).
47
A visão da Economia sobre o consumo imperou por mais de meio século, quando
outras áreas, como a Psicologia e a Sociologia, passaram a estudar mais de perto o fenômeno,
para completar a teoria estritamente econômica que avaliava as partes envolvidas
produtores, consumidores e bens num cenário perfeito. A contribuição da Psicologia,
segundo Alonso (2006), está na “crença de que a base fundamental do desenvolvimento do
fenômeno do consumo foi o aumento da renda familiar [...] o desejo e a ânsia em melhorar o
nível de vida (prosperidade)” (2006:6). A Sociologia, por sua vez, avaliou o consumo no
contexto cultural e em “suas funções no que se refere ao apoio na reprodução social
(2006:2). Esses novos elementos aumentaram a complexidade do sistema perfeito analisado
pela Economia. Nesse momento surgiu uma nova fase do consumo na qual a racionalidade da
utilidade foi substituída pelo conjunto necessidade motivação. Para esse conceito, Alonso
recorre à teoria da hierarquia das necessidades de Maslow, nomeando os fatores que
impulsionavam e levavam as pessoas a consumir; “a satisfação de uma necessidade cria outra,
em um processo que não conhece fim” (2006:7).
Essa etapa da evolução das teorias do consumo é a que origina o maior número de
críticas, pois versa sobre “a terrível capacidade manipuladora e alienante de uma sociedade
que baseava seu funcionamento no hedonismo consumista e na exploração de falsas
necessidades” (Alonso, 2006:9), como se todos os consumidores fizessem parte de uma massa
homogênea sem outras preocupações que não fossem o cumprimento de uma necessidade
após a outra. A principal crítica ao consumo é fundamentada nessa evolução até chegar ao
consumismo desenfreado e na alienação a que os indivíduos são levados pelas campanhas de
marketing e dos meios de comunicação em massa e pelo poder de sedução que os objetos
exercem. Portanto, é por meio do consumo, que os indivíduos poderão ser diferenciados no
processo de emulação social, aproximando-se das classes mais abastadas. Essa motivação foi
um importante estímulo aos indivíduos para trabalhar mais, gerando maior renda e mantendo
em funcionamento esse ciclo. A moda foi a principal geradora desse consumo através do
exercício da novidade; os novos modelos que apontavam distinguiam quem os exibisse pelas
ruas. Daí surge a perspectiva da inovação para manter constante a necessidade de troca, de
busca pelo novo, de uma necessidade sempre por ser satisfeita, a mesma que torna os
produtos descartáveis antes mesmo da sua aquisição, como critica Baumam. As críticas ao
consumo feitas até os dias de hoje partem dessa visão, da fluidez e obsolescência dos bens e
da relação que as pessoas têm com o ato de consumo em si, na qual a vontade de comprar
48
algo se torna a motivação necessária para mantê-las vivas e ativas, mas, uma vez de posse de
determinado bem adquirido, vida se transforma em um vazio (Bauman, 2008).
A evolução da teoria do consumo motivada pelas necessidades passa pela tese do
consumo emulativo, a obrigação de consumir determinados bens para fazer parte de uma
classe ou um grupo. O consumidor passou de racional e maximizador da utilidade dos bens a
“opulento e voraz, manipulado pelas grandes corporações que chegaram a analisar as mais
íntimas motivações para capturá-lo na rede comercial” (Alonso, 2006:14). A publicidade, as
grandes indústrias de bens de consumo e os meios de comunicação são os vilões dessa época,
pois eles trabalham na manipulação das motivações mais secretas dos indivíduos,
escravizando-os pela busca incessante de consumir mais e mais bens que em sua ilusão são
necessários, porém na prática nem tanto.
Buckingham, ao fazer uma análise da percepção do consumo no universo das crianças,
questiona grande parte dos mitos a respeito da publicidade e aponta que, apesar da maioria
dos discursos acadêmicos e políticos que acusam a publicidade de manipular as vontades do
público infantil, não é tão fácil ganhar esses consumidores. Em uma pesquisa realizada pelo
autor, ele pôde comprovar que as crianças são muito mais influenciadas pela família e amigos
do que pela publicidade:
Para as crianças em geral, a propaganda é menos significativa como fonte de
informação do que outras fontes, como os familiares, os amigos ou as visitas às lojas.
Do mesmo modo, a propaganda parece contribuir bem pouco para as crenças das
crianças na qualidade dos produtos. [...] Até onde as tendências materialistas podem
ser medidas de modo significativo, elas também parecem derivar mais da família e do
grupo de amigos do que de uma influência direta da propaganda (2007:217).
Da mesma maneira que os adultos inserem e treinam as crianças para o mercado e para
o mundo das compras, eles ainda são os grandes influenciadores da percepção de qualidade
por parte desse público, além de serem os financiadores do consumo, contribuindo também
com os recursos econômicos. É importante destacar que nem mesmo os adultos têm um
comportamento 100% racional a respeito do consumo. Buckingham explica que ter
consciência do que é a publicidade e também ter uma ideia do que ela pretende com suas
mensagens não significa completa isenção de sua influência:
As crianças estavam claramente conscientes das funções persuasivas da publicidade e
de seu potencial para o falseamento. Muitas descreveram a forma como os
publicitários tentam „fazer as coisas parecer melhores do que são‟ e várias relatam
experiências em que os produtos ficaram bem aquém do que tinha sido prometido
49
pelos anúncios. A publicidade foi rejeitada por muitos como pura enganação. [...]
Várias crianças demonstraram também sofisticadas habilidades metalinguísticas.
Elas foram capazes de criar hipóteses sobre as motivações dos anunciantes e sobre o
que estes previam que seriam as reações dos espectadores [endereçamento] [...] Saber
que as propagandas têm planos para você não significa necessariamente que você
sempre as rejeitará, e um cinismo genérico sobre a propaganda certamente não impede
que determinados anúncios sejam apreciados (2007:219-220).
A evolução do consumo e os estímulos da publicidade exigiram uma nova maneira
para entender melhor as motivações dos consumidores, a origem de suas necessidades e até
mesmo a insaciabilidade delas. Collin Campbell, em sua ampla pesquisa, destaca o papel da
revolução dos consumidores e a atitude moral no momento da aquisição, bem como na
disponibilidade dos bens. Segundo o autor, o marco desse movimento dos consumidores,
como conhecido hoje, deu-se no momento da Revolução Industrial, quando foram colocados à
disposição dos trabalhadores itens de consumo diário das classes mais abastadas, incitando o
consumo de itens que não eram de necessidade básica da classe média. O exame cuidadoso
dessa explosão do consumo revela que, junto à revolução industrial, havia uma revolução
cultural também envolvida no processo
33
. Novos comportamentos e uma propensão maior ao
consumo acompanhavam todos os acontecimentos, entre eles o aumento do trabalho, gerando
o crescimento da demanda pelo lazer como um presente ao tempo livre, cenário em que se deu
também o desenvolvimento da cultura de massa (Morin, 2005). Um importante
comportamento a ser considerado a respeito da revolução do consumo inglesa é aquele
determinado por um movimento da classe média em busca de bens de luxo e supérfluos para
copiar a aristocracia, acarretando a mudança de valores e atitudes: a valorização do lazer, a
presença do romance e da ficção na literatura e do amor romântico, válidos, principalmente,
no que diz respeito ao consumo de massa até os dias atuais.
A maioria das teorias de consumo expostas até o momento pressupõe o consumidor
como um indivíduo manipulado que age para satisfazer necessidades que ele não tem ou, pelo
menos, que não lhe são naturais e, sim, criadas por instituições do mercado. Fatores que
descrevem a sociedade de consumo, que partiu de um consumidor individual para o coletivo,
os bens e as escolhas servem para reforçar a participação nos grupos. As teorias que se
seguiram, que originaram uma das visões de consumidores mais exigentes, encontram, nos
grupos e em sua relação com as mídias, a evolução da posição dos consumidores que antes
constituíam uma massa coesa dentro dos grupos aos quais pertenciam e que depois passaram a
33
Para mais detalhes, ver Colin Campbell A Ética Romântica e o espírito do consumismo moderno.
50
espectadores isolados, buscando, de dentro das suas casas, as mídias para se divertirem.
(Alonso, 2006). Nessa época a individualidade é caracterizada por um movimento de reflexão
interior, buscando “um maior equilíbrio e harmonia com o meio físico e social” (Alonso,
2006:88), e as escolhas de consumo deixam de ser um passaporte para pertencimento a um
grupo e passam a descrever as preferências dos indivíduos. O mesmo consumidor pode
participar de grupos diferentes, que representem suas preferências e até as causas pelas quais
ele está disposto a lutar. Como aponta Jenkins (2009), a participação desses grupos, em que
cada indivíduo compartilha sua experiência, faz com que eles fiquem mais fortes, tendo mais
chances de promover mudanças tanto nas mídias quanto nos produtores de bens; é a
inteligência coletiva construída em conjunto.
O consumo é, então, uma identidade: “Nós nos descobrimos ao nos expormos a uma
grande variedade de produtos e serviços. E é através da monitoração de nossa reação a eles,
observando o que gostamos e detestamos, que vamos descobrindo quem verdadeiramente
somos” (Barbosa, 2001:56). O trabalho de Mary Douglas (2006) reforça o ponto de vista de
que o consumo é um processo de autoconhecer-se. A autora traz para a tona o aspecto das
relações sociais. Ao contrário das teorias econômicas que defendem os indivíduos como seres
racionais que simplesmente compram os bens sem causar nenhum impacto em suas relações,
essa perspectiva mostra que consumir é exercitar o raciocínio comparativo e econômico,
levando o consumidor a classificar os bens quanto ao custo maior ou menor. Ter a
responsabilidade de se comportar como agente econômico e estar obrigado a fazer escolhas
racionais é um exercício da coerência, da lógica, ainda que seja uma nova, desenhada para
defender determinada compra.
Em geral, as mercadorias podem ser desejadas ou desprezadas, descartadas ou
substituídas, tudo depende do papel que elas reforçarão na atuação social do indivíduo. Cada
um tem liberdade para fazer suas escolhas, suas conexões com as informações e pessoas,
pontuando uma nova forma de medir o consumo: as marcas da amizade, a profundidade e
representação das relações. “Os bens são neutros, seus usos são sociais; podem ser usados
como cercas ou como pontes” (Douglas, 2006: 36).
Além disso, a autora ressalta que, por mais presentes que as influências possam ser, a escolha
do consumidor é soberana, independente e livre, não importando nada mais além do seu
recurso econômico, que é um dos fatores de decisão. Douglas opta por trazer a experiência da
Antropologia para desenhar uma redefinição do consumo, a começar pelo instante de tempo
51
em que o consumo começa a existir: “o consumo começa onde termina o mercado” (Douglas,
2006). Todo o universo que se cria e se influencia a partir do momento em que o bem deixa o
posto varejista é parte desse processo. O uso que se faz dos bens é a parte ativa dos
indivíduos, é a maneira como exercitam e alimentam suas relações sociais. O consumo é a
arena, e os bens, as armas nessa luta cultural. O prazer em si não é o ato de consumo, mas,
sim, a batalha, a disputa que é uma forma prazerosa de construir as relações sociais. As trocas,
a experimentação, os comentários e recomendações vão construindo a personalidade e o valor
dos indivíduos em seu círculo social. Isso também acontece no universo de relações das
crianças de maneira até mais agravada, pois é um universo mais restrito, com menor número
de contatos, normalmente formado pela família, pelos amigos de casa e amigos da escola.
Nesse contexto, a atuação dos bens no estímulo da imaginação, em alguns momentos, é
coletiva, como por exemplo, no intervalo da escola, aquele tempo curto para brincar e compor
as características dos personagens sociais.
Ao contrário do que pregam as discussões políticas a respeito dos danos que a
publicidade causa na formação das crianças, a pesquisa de Buckingham comprova que elas
constroem seus conceitos e significados do mundo para os bens a partir do contato com eles e
também o fazem com a publicidade:
[...] essas pesquisas [cognitivas] sugerem que as crianças são capazes de perceber a
diferença entre programas e propagandas desde muito pequenas, e que por volta dos
sete ou oito anos de idade já estão bem conscientes das motivações dos publicitários e
são em muitos casos extremamente nicas em relação a elas [...] não necessariamente
confiam ou acreditam que a propaganda diga a verdade, estão atentas aos recursos
persuasivos usados por ela e tentam compará-la regularmente com as experiências da
vida real (2007:218-19).
Esse ponto de vista vai ao encontro da teoria de Toren (1993), para a qual as crianças
sabem tanto quanto os adultos e podem até ser mais ágeis que eles por conta do seu
julgamento concreto do mundo. Como as crianças não têm a obrigatoriedade de agradar às
pessoas com as quais se relacionam, nem mesmo os produtores de bens destinados a elas, e
como também não fazem julgamentos subjetivos, elas buscam sempre fazer uma validação
das mensagens com fatos concretos de suas vidas, o que possibilita que elas não sejam tão
manipuláveis quanto dizem as leis
34
. E se por algum motivo uma campanha as leva a
34
As justificativas utilizadas para defender os projetos de lei que restringem a publicidade destinada a
crianças no Brasil giram sempre sobre o fato de elas estarem em formação de personalidade e, por
52
consumir algum bem cuja performance na realidade não condiz com o que entenderam da
publicidade, elas passam a duvidar do fabricante. A tirinha de Quino, da personagem
Mafalda, exemplifica essa situação:
Imagem 1 - Mafalda, de Quino, vol. 5, p. 37.
Buckingham (2007), aborda as discussões sobre a regulamentação da publicidade
infantil e sobre a rápida migração das crianças para as mídias digitais, essa atuação
multiplataforma, enfraquece o discurso crítico isolado sobre a publicidade televisiva , pois a
industria e o estimulo ao consumo estão em ações diferenciadas como eventos no varejo e até
nas escolas, essas novas ferramentas de comunicação demonstram terem mais impacto na
percepção das crianças do que somente as campanhas publicitárias:
A convergência da mídia e do marketing integrado leva a uma situação na qual todos
os textos das mídias podem ser considerados propagandas para outros textos das
mídias. [...] É bastante limitado focalizar a propaganda, isolando-a da cultura de
consumo de um modo mais amplo. As fronteiras entre as mensagens comerciais e o
„conteúdo das mídias‟ tornaram-se mais e mais difusas, e as atividades promocionais
em geral tornaram-se cada vez mais significativas. Quando se fala de marketing para
as crianças as estatísticas dos EUA indicam que os gastos com promoções hoje
isso, não terem discernimento para entender que as promessas feitas por um fabricante não condizem
com a realidade. Para saber mais sobre esse discruso ver www.criançaeconsumo.org.br,
www.alana.org.br. Projeto de Lei 5921/01: proíbe a publicidade dirigida às crianças e regulamenta a
dirigida a adolescentes. Projeto de Lei 4935/09: proíbe a venda de alimentos e bebidas destinados a
crianças com apelos promocionais ou brinquedos em seu interior.
53
excedem os gastos com propaganda [...] estratégias como patrocínio e mesmo o
marketing são cada vez mais consideradas meios valiosos de alcançar o mercado e
superar o ceticismo dos consumidores com relação à propaganda em si (Buckingham,
2007: 213; 223).
As leis e a proibição da publicidade dirigida a crianças não ajudam a torná-las
consumidores mais conscientes, pelo contrário, criam um mundo que não é o real, impedindo
que elas construam seus significados e até seus anticorpos para conviverem com esses
estímulos. Buckingham sugere que a educação, no exercício da crítica e do entendimento dos
processos comerciais, pode ser mais útil na atuação desses indivíduos como cidadãos.
Segundo Canclini (2006), a política e as instituições foram se degradando com o tempo e
perdendo credibilidade, de maneira que os cidadãos não se sentem mais representados; votar,
o que seria a forma mais legítima de participar das decisões na sociedade, passa a ser uma
obrigação, enquanto o ato de consumir e a apropriação dos bens ainda são vistos como
escolha. Grande parte das dúvidas dos cidadãos é respondida pelos meios de comunicação e
pela informação consumida através deles; “é comum nos sentirmos convocados como
consumidores ainda quando se nos interpela como cidadãos” (Canclini, 2006:29). Os bens
estão acessíveis no instante em que o consumidor os procura, estão lá à disposição, ansiosos à
espera de serem escolhidos; as mensagens dos meios de comunicação chegam o tempo todo
às casas e as pessoas fazem suas escolhas e as usam como bem entendem. Agravando mais a
situação, esse processo, que antes era mais local e definia identidades pela nacionalidade dos
fabricantes, atualmente ganha abrangência global. As decisões ultrapassam as fronteiras dos
países e a identificação através da posse, do que se veste ao que se ingere, -se em um
cenário mundial e globalizado. O poder de decisão do consumidor alcança os quatro cantos do
mundo. Com tamanha extensão territorial e com a disputa dos produtores pela audiência ou
preferência de um indivíduo, não cabe mais pensar os processos de consumo como uma
simples relação de meios manipuladores de dóceis audiências (Canclini, 2006: 59).
Muitas esferas estão envolvidas em uma relação de consumo, entre elas o processo
psicológico individual e a busca pelo prazer, passando pela racionalidade econômica e a
administração dos recursos, processo esse difundido pela comunicação e disseminação das
mensagens dos meios de comunicação bem como pela atuação dos mediadores nas relações
sociais dentro do bairro, da família e do grupo de influência. Em todas elas percebe-se a
fundamental presença da comunicação tanto pessoal quanto por meio dos veículos de massa.
A proposta de Canclini é que a realidade das relações de consumo seja avaliada sob a
54
perspectiva da razão de expansão e autorrenovação. “O consumo é um processo em que os
desejos se transformam em demandas e em atos socialmente regulados.” (Canclini, 2006: 65).
Canclini trabalha a visão dos consumidores enquanto ativos em uma abrangencia de atuação
na qual suas forças podem originar mudanças sociais. Essas manifestações ainda são em
pequeno número, porém, de acordo com a evolução das teorias do consumo, Alonso aponta
que os novos consumidores “superaram a inconsciência feliz da opulência e também a
agressividade e o ultranarcisismo sádico da cultura light, instalando-se na vida pós-moderna
de uma maneira muito mais serena, naturalizada e serenamente individualizada” (2006:84).
Esses consumidores têm a racionalidade das teorias econômicas da Revolução Industrial,
somada à preocupação social e ecológica com o mundo em que vivem. Valores como
honestidade, respeito e responsabilidade social e ecológica são muito presentes nas decisões
de compra. “Os indivíduos estão dispostos a pagar um preço justo por artigos de boa
qualidade” (2006:85). Os consumidores estão ampliando a consciência de sua força e, juntos,
podem iniciar mudanças. Uma nova situação se estabeleceu e os indivíduos são menos
manipuláveis do que se imaginava, suas motivações para o consumo, além de satisfação do
prazer, para a qual estão dispostos a fazer algum sacrifício, também estão pautadas por uma
sensibilidade e responsabilidade social; suas escolhas dizem algo a respeito de suas batalhas.
Essas são as características de uma nova organização social do consumo.
A relação de forças foi invertida, em detrimento do produtor/vendedor e benefício do
cliente/consumidor, e este último sabe tirar vantagens desse novo dom. não nos
encontramos, portanto, em uma sociedade de consumo, mas sim em uma sociedade de
consumidores concretos: individualizados, empresários de seu tempo e suas decisões,
gerenciamento dos seus objetos e dos valores emocionais que os conectam a uma
comunidade fria e frágil, porém presente e atuante (Alonso, 2006:85).
A motivação para consumir o novo não é simplesmente individual e sem vínculos por
ser algo com que não se relacionou anteriormente, mas sim para gerar significados em
determinado grupo social. Cada ato de consumo ajuda a construir a personalidade de um
indivíduo de maneira que ele tenha mais relevância em determinado cenário. A interação com
os bens, o modo como se faz uso deles, como organizá-los, atribuindo significados e
classificando-os na hierarquia de importância, são todos processos que levam a repensar o eu,
a questionar as escolhas e reforçar valores anteriormente estabelecidos, como o gosto que se
aprende em família e do qual dificilmente se desfaz. Os valores e motivações são ensinados
55
desde cedo pelos pais que apontam a importância da responsabilidade social para com as
relações entre os grupos e também com o ecossistema (Alonso, 2006).
A configuração de uma sociedade de consumidores, no lugar do consumo desenfreado,
abre oportunidade para a atuação mais participativa dos indivíduos, a começar pela esfera do
mercado. É claro que essa consciência não emerge automaticamente em todas as classes,
porém já é perceptível que
[...] grupos sociais com alto capital simbólico estão traçando tendências de
autocontrole, sabedoria, qualidade e cidadania no consumo. [...] grupos especialmente
mobilizados estão propondo, no debate social, formas alternativas, novas e saudáveis
de consumir e viver, atacando as grandes multinacionais ou as formas degradadas de
consumo de massa [...] (Alonso, 2006:102).
Canclini (2006) aponta requisitos básicos de como articular esses atos mercantis a
práticas da cidadania. São eles: oferta vasta e diversificada à disposição de todos; informação
confiável e esclarecedora capaz de questionar toda magia presente na propaganda;
participação democrática dos setores da sociedade na regulamentação da legislação, desde a
composição e garantia de qualidade dos produtos até a veiculação publicitária pautada na
ética. Esse comportamento é percebido atualmente em alguns setores da indústria,
principalmente no que diz respeito à oferta de produtos destinados ao público infantil.
Organizações não governamentais estão ativamente questionando a composição dos
alimentos, testando e mostrando aos consumidores itens que podem ser prejudiciais e estão
mascarados por embalagens bonitas e fórmulas vitaminadas. Essas entidades estão atuando
também junto a órgãos reguladores, clamando por uma postura mais rígida no controle das
mensagens publicitárias destinadas aos pequenos cidadãos. Com esse movimento, alguns
consumidores também passam a ser mais críticos e a buscar mais informações para também
definirem uma postura diante desse cenário.
É prudente reforçar que, para a validade da discussão e o incentivo à cidadania,
devem-se seguir os requisitos acima descritos e não somente parte deles; a informação
amplamente divulgada e acessível a todas as pessoas é fundamental para a evolução do
processo. O cenário de consumo cidadão pede uma nova concepção de mercado, como um
campo de trocas socioculturais no qual o valor mercantil dos bens é uma parte deles e a
satisfação que os mesmos proporcionam é mais que biológica, é parte de um complexo
sistema de comunicação.
56
Nós, seres humanos, intercambiamos objetos para satisfazer necessidades que fixamos
culturalmente, para integrarmo-nos com outros e para nos distinguirmos de longe, para
realizar desejos e para pensar nossa situação no mundo, para controlar o fluxo errático
dos desejos e dar-lhes constância ou segurança de instituições e rituais. Dentro desta
multiplicidade de ações e interações, os objetos têm uma vida complicada. Em certa
fase são apenas „candidatos a mercadorias, em outra passam por uma etapa
propriamente mercantil, em seguida, podem perder essa característica e ganhar outra.
[...] Estas biografias cambiantes das coisas e das mensagens nos levam a pensar no
caráter mercantil dos bens como oportunidades e riscos de seu desempenho. Podemos
atuar como consumidores nos situando somente em um dos processos de interação o
que o mercado regula - e também podemos exercer como cidadãos uma reflexão e
uma experimentação mais ampla que leve em conta as múltiplas potencialidades dos
objetos, que aproveite seu „virtuosismo semiótico‟ nos variados contextos em que as
coisas nos permitem encontrar com as pessoas. (Canclini, 2006:71).
O mecanismo não é diferente com as crianças. Por não terem muito espaço nas esferas
política e social do mundo dos adultos, o consumo passa a ser uma das primeiras situações
nas quais elas podem demonstrar publicamente traços de suas opiniões:
A aquisição e o uso de bens materiais são vistos como uma das primerias formas que
constroem e definem seus relacionamentos e sua identidade social [...] O mercado, em
vez de impor falsas necessidades e valores, passa a ser visto como um terreno
infinitamente flexível, no qual os consumidores criam sua própria identidade, muitas
vezes de modos diversificados e inovadores (Buckingham, 2007: 236).
Como fazer, então, para difundir a informação e convidar os consumidores ao
exercício da cidadania, se o primeiro papel é sempre mais forte? Quais meios são mais
eficazes ou mais rápidos para alcançar esse universo de consumidores? Morin (2005)
descreve que, junto com a industrialização e mecanização dos processos de produção,
percebeu-se também uma segunda industrialização, a do espírito, através da qual ocorre o
contínuo progresso da técnica e também a produção incessante que vai encher o homem de
mercadorias culturais. “Murmúrios do mundo fabricados industrialmente e vendidos” (Morin,
2005:13). Eis que surge a cultura de massas, ambiente no qual bens culturais são produzidos
em escala industrial para entreter a população. Esse mesmo ambiente que acompanha e
suporte ao movimento do consumo, ditando modas, exibindo as celebridades, referências que
estimularão a distinção através da posse dos bens.
Desde então a cultura de massas acompanha a trajetória da sociedade, agora sendo a
diretriz formadora da opinião pública e também sendo o entretenimento do trabalhador
cansado que clama por um momento seu de diversão. O desenvolvimento da indústria cultural
57
deu-se de maneira mais ágil que as caldeiras que aceleravam o processo fabril. E, em pouco
tempo, os mais diversos bens culturais multiplicavam-se no mercado, culminando na
realidade atual, quando são fundamentais na formação das crianças enquanto cidadãs; afinal
são as babás eletrônicas mais populares que existiram. Paradoxalmente, é também através
dos meios de comunicação, em especial dos que fazem uso das novas tecnologias, como a
internet, que os consumidores podem unir suas experiências na construção de uma
inteligência coletiva que pode ser usada para fazer valer seus direitos enquanto consumidores
(Jenkins, 2009).
No caso do público infantil, que apresenta menor resistência ao manuseio das novas
mídias e tecnologias, esse processo de construção da inteligência coletiva deve ser
incentivado, mas é importante, antes de qualquer coisa, atentar para o processo de como isso
deve ser feito. Buckingham alerta :
[...] isso envolverá educação para estimulá-la a refletir sobre suas relações com a
cultura de consumo e para entender os princípios econômicos com os quais esta opera
[...] Em segundo lugar um forte reconhecimento legal dos direitos da criança como
consumidoras: direitos a informação e orientação precisas, a um tratamento justo e a
responsabilização pública das empresas [...] Esse reconhecimento deveria ser
entendido como uma forma de „capacitação‟ das crianças que as habilitasse a assumir
autoridade e controle maiores em suas relações com as empresas comerciais.
(2007:240)
O exercício da cidadania entre os consumidores poderá ser mais rápido e eficaz se
contar com a força da distribuição e o incentivo das mídias. Para potencializar esse exercício,
quanto antes os consumidores espectadores forem impactados e aceitarem o exercício da
participação, maior a chance de bons resultados, pois os pequenos consumidores de hoje
poderão aprender a ser cidadãos mais atuantes amanhã. O mesmo mecanismo que as
indústrias produtoras de bens usam através do planejamento de marketing deve ser também
utilizado para o incentivo à prática cidadã, pois a cidadania, além de participação nos direitos
humanos, significa fazer-se presente e atuante nos processos e políticas que impactam os
indivíduos e os grupos. A boa notícia é que os meios de comunicação têm um poder de
socialização com as crianças maior que com os pais, a escola e a igreja. “A cidadania não
se constitui apenas em relação a movimentos sociais locais, mas também em processos de
comunicação de massa.” (Canclini, 2006:110).
58
1.3 Revista infantil no universo das novas mídias. Há uma função?
Precisamos repensar os objetivos da educação midiática, a fim de que os jovens
possam vir a se considerar produtores e participantes culturais, e não apenas
consumidores, críticos ou não. Para atingir esse objetivo, precisamos também de
educação midiática para os adultos. Pais, por exemplo, recebem muitos conselhos
sobre se devem ou não permitir que seus filhos tenham uma TV no quarto ou quantas
horas por semana de consumo de mídia devem permitir aos filhos. Contudo, não
recebem quase nenhum conselho sobre como podem ajudar os filhos a construir uma
relação significativa com as mídias (Jenkins, 2009:343)
Com a industrialização, a dinâmica social e a organização das famílias sofreram
inúmeras mudanças para adaptarem-se ao novo modelo. A mecanização e o alargamento da
produção propiciaram, além de mais bens a serem consumidos, também emprego para mais
pessoas e diminuiu o tempo livre. Como tudo que se torna raro, esse período passou a ser
visto e desfrutado como prêmio, merecimento pelo trabalho árduo e desgastante.
Nessa mesma época, uma nova ética religiosa se configurava pautada na benevolência e na
caridade e endossada pelo ensinamento calvinista que pregava que a melancolia e a piedade
eram sinais de graça divina. Simpatia com as condições alheias e estender a mão ao outro
foram preceitos base para a construção de estereótipos de bondade, de pessoas que
demonstram constantemente a sensibilidade através das emoções. Esse mesmo modelo
norteou a definição de um novo padrão estético da classe média, a questão do gosto que trazia
nele certa moral espiritual, com aptidão para obter o prazer do belo e responder com lágrimas
ao lastimável. Essa ética legitimava o prazer emocional, reconhecendo a benevolência, a
bondade, a beleza e o prazer, todos esses valores que marcavam o período e que eram
essencialmente românticos. (Campbell 2001: 287)
O aumento da oferta dos bens, proporcionalmente ao montante de capital em
circulação, somado ao surgimento da estética do gosto e do prazer, compunha o novo cenário
da revolução consumista e, principalmente, de uma nova configuração de cultura popular. O
prazer hedonista passou a ser o objetivo e o prêmio de todos os trabalhadores, que o deveriam
desfrutar especialmente em seu tempo livre, dando espaço ao entretenimento de fácil
compreensão e acesso. A nova classe de trabalhadores deu origem a uma nova camada social
que estava em busca da felicidade, ainda que efêmera. Nesse cenário desenvolveu-se uma
corrente cultural média para atender à demanda crescente. Essa democratização da cultura
cultivada foi efetivamente uma das correntes da cultura de massa (Morin, 2001: 53).
59
Além da simplificação, essa corrente cultural também tende a reforçar os valores
espirituais do bem e do envolvimento emocional, fazendo com que a indústria exagere nas
características maniqueístas a fim de conquistar maior participação do público espectador.
Essa realidade pressupõe uma relação diferente entre produção e consumo. Cada vez mais a
indústria vai buscar no espectador suas motivações e sua realidade para ser retratada nos bens
culturais e, consequentemente, contar com o envolvimento do público desde o início. A
cultura de massa depende da indústria e do comércio; é sugerida e não imposta; é refém da
mediação e da opinião do público; toma características do produto vendável, e, como estes,
deve atender à expectativa do consumidor para que seja o escolhido.
Seguindo o mesmo trajeto da cultura que busca o prazer e do consumo que objetiva
satisfazer esse prazer, e até se aproveitando dele, o lazer também faz parte desse novo cenário
da cultura de massa. O tempo livre, resultante da nova organização do trabalho industrial e
por conta dela, também ficou acessível às classes mais baixas; diferente do tempo das
festividades próprias da organização anterior, ele se resume aos finais de semana e férias. A
característica que possibilitou essa democratização também é a que norteia o que se faz nesse
tempo. Como o período de trabalho é árido e restringe a personalidade, os assalariados
buscam no tempo livre a chance de entrar em contato consigo mesmo, preenchendo-o com
atividades cujo envolvimento emocional leva à sensação de que se está fazendo algo por si
mesmo, pelo prazer pessoal. Os lazeres e atividades de tempo livre abrem os horizontes do
bem estar e de uma nova vida e, progressivamente, a possibilidade de uma vida consumidora.
O consumo dos produtos se torna, ao mesmo tempo, o auto consumo da vida individual
(Morin, 2001:69).
O lazer torna-se o elemento central no qual o homem procura se afirmar enquanto
indivíduo, momento no qual deixa os problemas de lado e concentra-se totalmente em
desfrutar do bem-estar e do conforto, do amor e da felicidade. Isso tudo confirma a cultura de
massa como uma ética do lazer, cenário no qual o indivíduo busca o prazer e a realização em
diversas áreas da vida, do amor à saúde. O entretenimento que os meios de comunicação
dentro de casa propiciam, através do rádio, da televisão e do jornal, e o tempo livre escasso
transformam o lar em um outro lugar desejado pelos indivíduos. Tudo o que ele deve fazer é
olhar, como espectador desse mundo e do tempo curto que tem para se proporcionar prazer, o
espetáculo. O espectador participa do espetáculo e sua participação é sempre mediada por um
mestre de cerimônias.
60
Do lado de fora das casas, o trabalho e o novo mundo do consumo dos bens pregam
um ritmo e obrigações distantes dos desejos pessoais. Da porta para dentro, o indivíduo pode
dedicar seu tempo ao prazer como quiser, às atividades que o conectam consigo mesmo e até
às atividades que o façam sentir ativo, participante do começo ao fim de um processo. Além
disso, com o tempo escasso, faz-se necessário um certo sincronismo, para se ver, ouvir e
aprender tudo o de que gostaria ou o que está disponível no mundo. Aqui entra o papel
fundamental dos meios de comunicação, que vivem, reescrevem e levam ao blico todas as
experiências que ele não terá tempo para vivenciar fisicamente. Com pouco esforço é possível
ter acesso ao mundo. Pela televisão, rádio e revista, é possível conhecer os diferentes destinos,
os hábitos, a culinária e até mesmo a própria vida que se desenvolve em outras localidades.
Cultura e conhecimento encapsulados em doses rápidas que podem ser consumidas enquanto
se exercem outras tarefas.
De maneira geral, embora a crítica seja veemente sobre os meios de comunicação, não
se pode atribuir a esse sistema a causa da alienação e a falta de domínio da própria vida,
que é preciso um repertório anterior para absorver o conteúdo transmitido, e esse mesmo
conteúdo inspira outras práticas e até uma nova maneira de questionar as coisas como são.
Conforme Adorno (1995), a indústria cultural transforma os temas e objetos, simplificando-os
e tornando-os mais iguais e mais facilmente consumíveis, de maneira que, dos espectadores
ou dos consumidores, não seja exigido um grande esforço para absorver tais produtos. Não se
deve deixar de considerar o fato de que todo o conteúdo produzido e difundido pelos meios de
comunicação também vai buscar na vida cotidiana sua inspiração, seja nas novas regras e
práticas impostas pela nova religião, seja nos anseios e nos objetos do desejo presentes no
imaginário das mulheres e das crianças principalmente. São eles a matéria bruta dos romances
e histórias criadas para entreter. Segundo Pierre Bourdieu (1996), é no habitus das classes que
as estruturas estruturantes alimentam o processo de criação dos bens culturais e nele se
alimentam.
Tendo os meios de comunicação de massa suas fontes dos bens culturais como o
principal fornecedor de novas informações para os cidadãos/consumidores, também é possível
notar o fortalecimento desses meios no processo de intercâmbio cultural. As indústrias
produtoras de bens culturais são rápidas nesse processo e estão tomando o controle das
fronteiras entre os países. A reflexão de Canclini mostra que o intercâmbio cultural entre os
Estados Unidos e a América Latina tem ocorrido com maior frequência e intensidade por
61
meio das indústrias de comunicação; a competição e as alianças formadas entre elas estão
gerando a disseminação da culturalidade muito mais do que a cultura tradicional, como
literatura e artes visuais (Canclini, 2006:17).
Ainda que os meios de comunicação de massa, em especial a televisão, sejam
frequentemente criticados pelos intelectuais e pelos discursos de seus seguidores, se avaliada
mais de perto a questão, é possível perceber que eles também encontram lados positivos nessa
fortaleza comunicacional e somente atentam para alguns cuidados tanto da fé excessiva
quanto do julgamento total. Os meios de comunicação em massa, com sua programação e
conteúdo brandos, fascinam os espectadores, principalmente por poupá-los de pensar e por
roubar sua solidão (Martín-Barbero, 2001). No entanto também oferecem o trio que, em
colaboração, é fundamental para o desenvolvimento humano (Adorno, 1995): entretenimento,
informação e educação. Na vida cotidiana e no tempo livre também se aprendem os bons
costumes e a moral de uma sociedade e não somente na escola. O papel dos meios de
comunicação é complementar a educação formal, como será visto mais adiante, cabendo a
esta segunda não somente o desenvolvimento das habilidades formais de escrita, leitura e de
todo o currículo escolar, mas também o desenvolvimento do pensamento crítico para que os
cidadãos saibam distinguir os conteúdos e suas escolhas. Os estudos culturais contribuem
muito para essa discussão, convidando a somar forças aos meios de comunicação, mais do
que a continuar na disputa de braços e a insistir no convite para desligar a televisão.
Martin-Barbero e Canclini são ativos nesse debate na América Latina, reconhecendo o
poder e as contribuições da cultura de massa e dos meios de comunicação e apontando as
necessidades de estes serem utilizados na educação formal dos cidadãos. Adorno, bastante
reconhecido por sua veemente crítica aos bens culturais e à voracidade da indústria cultural
num ciclo vicioso de repetição e absorção dos bens (Borelli, 1996), também reconhece a
importância dos meios de comunicação de massa, quando bem utilizados, para o encontro dos
espectadores com a realidade; basta apenas um cuidado especial na escolha dos conteúdos,
que deveria ser feita a partir de pesquisas sérias e com base na heterogeneidade da
programação (Adorno, 1995).
Os produtores dos conteúdos das mídias, ao desenvolverem um novo programa,
buscam sempre suas motivações econômicas (Jenkins, 2009). E, tendo esse direcionamento,
desenvolvem a linguagem e o conteúdo, pensando em um público específico, para o qual o
programa será endereçado. Para isso, assim como a moda busca inspiração nas ruas, os
62
produtores também vão ali buscar elementos para que seu público se identifique com o
conteúdo que pretendem passar. Com a evolução da tecnologia, essa busca e apropriação de
conteúdo das ruas ficou mais fácil. Muitas vezes não é preciso nem ir até o local onde está a
comunidade com a qual se pretende falar; basta buscar suas produções na internet. Esse
processo é possível através da tecnologia, mas apenas com o desenvolvimento dos
equipamentos não se atinge o objetivo; a mudança precisa acontecer de maneira mais ampla e
impactar as mídias e a relação entre produtores e consumidores.
Buckingham alerta para o risco de atribuir a responsabilidade da evolução das mídias
somente à tecnologia, pois
As tecnologias não produzem mudança social independentemente dos contextos em
que são usadas [...] entretanto, em combinação com outras mudanças, as novas
tecnologias especialmente as tecnologias digitais têm efetivamente revolucionado
o processo de produção em quase todas as áreas da indústria da mídia, e agora estão
também transformando rapidamente os processos de distribuição e recepção
(Buckingham, 2007:120)
O autor pontua três aspectos para compreender os impactos das mudanças nas
tecnologias. Um deles é a proliferação: desde o instante em que a tela da televisão entra nos
lares, ela passa a ser um instrumento que possibilita o acesso a outros meios de comunicação,
dos videogames à internet. O outro é o processo de convergência entre tecnologias e
informação, fundamentado em princípios mercadológicos, convidando o consumidor a se
envolver com as marcas e/ou a informação em todas as plataformas. Para completar, o acesso
é um outro fator fundamental de mudança, que os consumidores podem acessar as
informações de dentro de suas casas com uma rapidez enorme e também produzi-las e
disponibilizá-las para o mundo. Os equipamentos como computadores, câmeras fotográficas e
de filmagem estão cada vez mais acessíveis ao consumo doméstico.
É bem certo que o percentual dos consumidores que têm posse desses equipamentos e
disponibilidade para produzir conteúdo e publicá-lo na internet ainda é muito baixo. Segundo
Vilches (2003), a inteligência coletiva não atinge todos ao mesmo tempo, muito menos o
acesso; os meios vão sendo difundidos conforme o uso da tecnologia e os usuários vão se
dividindo em pobres e ricos. Isso vai fortalecendo a televisão, uma vez que o usuário não
necessita de um alto investimento para ter acesso ao seu conteúdo e tampouco habilidades
específicas para tal. Os espectadores da televisão obtêm uma experiência comunicativa que
não exige nenhuma competência ativa. A experiência interativa das novas mídias desencadeia
63
uma mediação externa que leva necessariamente à ação uma ação que é mediada pela
tecnologia” (Vilches, 2003:21).
Aqui passa a ficar clara a importância que Jenkins (2009) à educação para as novas
mídias. O autor afirma que a inteligência coletiva não transformará o objetivo principal da
indústria midiática, pois ela sempre será motivada pelos interesses econômicos, mesmo em
uma era de cultura participativa, na qual as comunidades de consumidores-espectadores têm
força para exigir mudanças. A indústria da mídia somente mudará se for para gerar maior
rentabilidade, o que não impede que a relação dos consumidores com os meios possa ser mais
produtiva e igualitária. As novas tecnologias estão para possibilitar essa construção de uma
inteligência coletiva que possa unir usuários espectadores consumidores em um
movimento de participação no qual seja impossível falar à indústria da mídia sem ser ouvido.
O autor cita, como exemplos, desde programas de canais abertos que reviveram a audiência
que já estava em baixa, como o Survivor e American idol, até propostas mais democráticas na
televisão, como o canal Current, idealizado por Al Gore, no qual o público elege, dentre as
opções de produtores amadores, a qual conteúdo querem assistir na televisão.
As dias, criticadas pelo seu poder de manipulação e de homogeneização de seus
consumidores, passam a ser um caminho que permitirá a estes a atuação mais participativa e
consciente de seus direitos. O uso da tecnologia, em convergência com a informação e
possibilitando o acesso a um canal de comunicação no qual o poder do conteúdo não esteja
mais concentrado nas mãos de uma elite, é que permitirá a mudança.
As empresas não precisam compartilhar nossos ideais a fim de mudar suas práticas. O
que motivará as empresas de mídias serão seus próprios interesses econômicos. O que
irá motivar a política dos consumidores serão nossos interesses culturais e políticos
comuns. [...] o novo modelo é o de que estamos mudando a natureza do mercado e, ao
fazê-lo, estamos pressionando as empresas a mudar os produtos que elas estão criando
e o modo como se relacionam com os consumidores (Jenkins, 2009:333).
Esse novo cenário é anda mais propício para as crianças que, segundo Buckingham,
foram alfabetizadas pelas mídias. Porém um trabalho a ser feito para que a percepção
manipuladora, direcionada para o mercado dos meios, não impeça que aquelas possam
também ter essa participação ativa. As crianças são o foco do debate público e acadêmico do
consumismo e isso se deve principalmente ao envolvimento delas com as mídias. Os meios de
comunicação são criticados por terem um poder além do que deveriam para manipular as
vontades, moldar atitudes e construir as identidades das crianças (Buckingham, 2007). Mas,
64
na verdade, não é bem uma opção das crianças essa relação tão próxima com as mídias em
detrimento do brincar. Uma pesquisa ( Girardello, G. e Orofino, M. I, 2002) realizada nos anos
90, em Florianópolis, com crianças de diferentes comunidades da cidade, conclui que aquelas
que têm acesso a espaço fora de casa para brincar acabam tendo mais opções de
entretenimento do que somente a televisão, embora esse meio seja muito presente na rotina
das crianças em geral. “As crianças que contam com mais espaços para brincar com liberdade
e segurança parecem ver nisso uma alternativa à audiência de televisão.(Girardello, 2003).
Assim como são os adultos que permitem, através da disponibilidade econômica, o acesso das
crianças ao consumo, também são eles que as deixam aos cuidados da televisão.
A grande preocupação do debate político e acadêmico que relaciona crianças, às
mídias e ao consumo está associada à relação desse público com a movimentação da
economia. A indústria da mídia está cada vez mais trabalhando na horizontalidade do
discurso, de maneira que, antes que um novo desenho animado entre no ar, os potenciais
produtores de bens de quaisquer categorias que possam se associar a essa nova marca
interferem no processo para que sua eficiência de mercado seja a maior possível.
Mas os programas de TV não são apenas programas de TV: eles são também filmes,
discos, histórias em quadrinhos, jogos de computador e brinquedos sem falar em
camisetas, pôsteres, lancheiras, bebidas, álbuns de figurinha, comidas e uma miríade
de outros produtos. A Cultura midiática infantil cada vez mais atravessa a fronteira
entre textos e entre formas midiáticas tradicionais [...] Nesse processo a identidade do
texto “original” está longe de ser clara: as mercadorias são empacotadas e
comercializadas como um fenômeno integrado, em vez do texto vir antes e ser seguido
pelas outras mercadorias (Buckingham, 2007:131).
A relação entre a mídia infantil e a comercialização de mercadorias não é tão recente.
Esse movimento foi iniciado nos anos 30 pela Disney, com clubes de fidelidade do Mickey,
que foram implementados com o intuito de vender mercadorias relacionadas aos filmes.
[...] por várias décadas o sucesso financeiro do império Disney dependeu fortemente
de atividades “secundárias” de marketing e mais tarde de parques temáticos, não
conseguindo se sustentar simplesmente com base nos filmes. [...] a preocupação
crucial parece ser a de que a comercialização de produtos não é mais uma atividade
secundária, e sim primária. [...] os fabricantes de brinquedos agora se envolvem na
produção dos programas; argumenta-se que decisões centrais sobre forma e conteúdo,
sobre personagens e situações narrativas são agora feitas tendo em vista em primeiro
lugar o seu potencial para o lançamento de novos produtos (Buckingham, 2007:226).
65
A programação dos canais de televisão abertos destinada ao público infantil é
basicamente feita com produtos trazidos dos Estados Unidos, o que reduz o custo e permite
que as emissoras mantenham uma grade para crianças em sua programação uma vez que os
custos de produção e desenvolvimento desses programas são bastante elevados. Esse
fenômeno não acontece somente na programação de televisão; com as revistas também se
nota essa movimentação. A indústria produtora busca publicações que estão sendo bem
sucedidas fora do Brasil e licencia o formato ou somente o conteúdo
35
. Os quadrinhos Disney,
por exemplo, nunca foram totalmente desenvolvidos in loco, restringidos pelos custos de
produção.
No panorama atual, a produção de programas infantis está cada vez mais amarrada à
necessidade de gerar renda. Os programas infantis mais bem sucedidos [...] geraram
uma profusão de mercadorias licenciadas [...] e o conteúdo das revistas infantis de
passatempos está permeado por formas indisfarçáveis de promoção de produtos, tais
como vídeos musicais, brindes e “notícias” sobre o lançamento de produtos
(Buckingham, 2007:228).
A horizontalidade dos produtos e textos midiáticos destinados às crianças não só
abrange os mais diversos itens de consumo, como permite também que o mesmo conteúdo
esteja disponível em diferentes plataformas, e aqui não se fala em substituição das velhas
mídias pelas novas. Nesse contexto, mídias como o rádio e as revistas podem ter um papel
importante no que diz respeito a essa educação para as novas tecnologias. Através do seu
conteúdo podem incentivar a participação dos ouvintes ou leitores em práticas ativas de
produção e interação. As revistas, em especial, têm menor resistência dos pais e dos
educadores por serem posicionadas como um instrumento de leitura, que complementa a
formação do público infantil. Embora poucas editoras destinem esforços para a produção de
publicações para as crianças, a maior parte dos títulos disponíveis para o leitor infantil é
formada de quadrinhos. As revistas, por suas características e formato, podem ser facilmente
guardadas e transportadas junto ao leitor, além de um ritmo de produção que permite uma
pesquisa mais aprofundada e conteúdos mais elaborados, não tendo a obrigatoriedade de
passar a mensagem em um espaço curto de tempo (Scalzo, 2009).
1.3.1 O mercado das revistas
35
Mais adiante, no capítulo 3, quando se tratará da produção de revistas destinadas ao público infantil
será abordado esse fato da importação dos modelos.
66
O Mercado brasileiro de revistas, de acordo com os dados do Instituto Verificador de
Circulação
36
(IVC) compilados anualmente pelo Grupo de Mídia São Paulo e publicado em
seu relatório Mídia Dados Brasil, é de mais de 17 milhões de exemplares mensais, divididos
em 385 títulos auditados (Mídia Dados 2009, com informações de 2008). o relatório da
Distribuidora Nacional de Publicações (DINAP
37
) mostra um número dez vezes maior de
títulos: 3915, divididos em mais de 60 gêneros (informação também compilada no relatório
Mídia Dados Brasil). Essa gama de opções circula entre 41% da população
38
e esse número
percentual aumenta, quando se fala da faixa etária de 10 a 14 anos, pois 62% dos 17,4
milhões
39
de jovens dessa idade têm acesso a revistas. Os dados demográficos das revistas
apontam ainda um grande potencial, uma vez que, atualmente, 52 % dos leitores de revistas
são compostos pelo nível sócio-econômico alto (classes A1, A2, B1 e B2 - critério Brasil) e
pela parte crescente formada pela classe média (classe C - critério Brasil) que corresponde a
38% do total de leitores. Essa oportunidade é também uma responsabilidade para a atuação
das editoras, conforme depoimento de Regina Bucco, Diretora de marketing da Editora
Globo, em que deixa claro que os títulos populares ajudam a criar o hábito de leitura e
apresentam o produto para uma parcela nova de leitores. “As editoras não podem abrir mão
desta função; é fundamental cumprir o compromisso de educar e levar conteúdo. Não
podemos perder isso como referência” (Mídia Dados Brasil, 2009:317). A autora lembra
também os projetos que as grandes editoras realizam para formar novos leitores.
Um outro fator que reforça a oportunidade para as revistas é a distribuição geográfica:
62% das revistas estão concentradas na região sudeste do Brasil, sendo 40,9% só no estado de
São Paulo, onde estão 21,6% da população nacional. Essa concentração na região Sudeste
aumentou bastante, nos últimos anos, devido à contribuição de Minas Gerais e, mais
expressivamente, de São Paulo. Confirmando o que se poderia deduzir, o aumento da
distribuição na região sudeste foi acompanhado pelo aumento do IPC. Essa região mais a
região centro-oeste compõem as localidades que apresentam números positivos para todos os
36
IVC é um Instituto que audita a circulação de jornais e revistas no Brasil e no mundo.
37
A DINAP é também uma empresa do grupo Abril, por ser a maior distribuidora de revistas nacional,
seus relatórios tambémo uma fonte de informação do mercado, em alguns casos mais detalhada do
que o Indice Verificador de Circulação (IVC). Mais informações sobre o indice ver:
http://www.ivc.org.br/Instituto/instituto_historia.asp
38
A informação de penetração do meio considera o percentual de pessoas que teve acesso a pelo menos
um título em sua última periodicidade
39
IBGE , senso 2000, população total de 10 a 14 anos: 17.348.067 pessoas.
67
estados. As regiões Norte e Nordeste somam pouco mais de 15% da distribuição geográfica
da as revistas.
Além dos leitores da classe média e de uma distribuição mais pulverizada, outro
caminho para impulsionar o potencial das revistas é o público infanto-juvenil. Avaliando o
crescimento da Editora Abril em 2008, Rogério Gabriel Comprido, diretor geral de
publicidade adjunto, reafirma o potencial do mercado jovem, comentando que, além dos
lançamentos de novos títulos, como Women’s Health e Runners, as revistas que ajudaram o
crescimento do mercado foram as infanto-juvenis Capricho, Mundo Estranho, Recreio,
contrariando a percepção de que o público jovem não (Mídia Dados Brasil, 2009:317). São
poucas as opções de títulos que oferecem conteúdo para esse público; em sua maioria são
quadrinhos, licenciamentos e álbuns de figurinhas. O conteúdo das revistas que circulam no
Brasil vem de 31 editoras diferentes, além dos quase 700 títulos importados que também estão
presentes no mercado. Desse total da circulação, 8% pertencem aos tulos destinados às
crianças, à divisão por gênero infanto-juvenil. Somente 25% das editoras arriscam-se nesse
segmento, prevalecendo a produção de atividades/passatempos, quadrinhos e os assuntos
relacionados aos vídeogames. São raros os títulos que se propõem a produzir conteúdo
editorial de interesse geral para as crianças; ainda não se tem clara uma receita de sucesso,
como se nota na história, que repita os casos do O Semanário Tico-tico e até mesmo da revista
Recreio da década de 70. Segundo dados demográficos de audiência, as crianças são leitoras
de revista de interesse geral como Superinteressante, Mundo Estranho, ambas da Editora
Abril, e Galileu, da Editora Globo. Talvez, por esse motivo, também os tulos como Recreio
(Editora Abril) e Gênios
40
(Editora Alto Astral) tenham seções de curiosidades científicas.
O negócio das revistas vive do montante gerado pela circulação, compra de
exemplares em bancas e assinaturas e também do investimento publicitário. Essa segunda
fonte tem sempre, como argumento, o poder de segmentação e envolvimento do leitor com o
título. É comumente usada, como argumento da publicidade comercial e das mídias das
agências de publicidade, a alegação de que as revistas têm grande capacidade de segmentação
com baixíssima dispersão, uma vez que, ao ler uma revista, o leitor acaba destinando-lhe
maior atenção que a outras mídias das quais faz uso simultâneo. Porém, todas essas
características e benefícios não são suficientes para aumentar a participação do meio no
40
A revista Gênios, versão brasileira da publicação Argentina do jornal Clarín dirigida às crianças, foi
descontinuada no primeiro trimestre de 2010.
68
composto do investimento publicitário. A revista mantém, tempos, 8% de participação do
total de investimento em mídia. Para ter uma campanha nas páginas de uma revista, é preciso
ter adequação da linguagem ao público leitor do título; avaliação desse quesito sempre passa
pela área editorial, para que o público não se sinta agredido com temas ou produtos que não
têm relação nem com a vida deles nem mesmo com o tema da revista (Scalzo, 2009). Essa
característica tende a ser positiva sob o ponto de vista do leitor em relação ao conteúdo
editorial que ele recebe, pois evidencia um cuidado em dividir muito bem o espaço dos
estímulos comerciais, fortalecendo a escolha do leitor consumidor ao se associar e fidelizar a
determinado título.
Muitas previsões foram feitas a respeito da longevidade da revista como mídia/meio
com o advento da internet e sua popularização. Os resultados do ano de 2007 estiveram muito
vinculados à associação das revistas a outras plataformas. As editoras tiveram que se
reinventar e, a custo de muita inovação, buscar alternativas para atrair o público leitor para um
ambiente que não tem a liderança na disputa de preferência com as novas tecnologias. As
principais editoras reforçam que não há migração do leitor da revista para a internet.
[...] os conteúdos disponibilizados hoje pelos títulos em ambiente on line são
complementares, tanto que têm atraído públicos diferentes. As pesquisas mostram que
diferença entre quem acessa o site e a revista impressa. Não sentimos tendência
forte de migração do papel para o on-line (Márcia Neder, diretora de redação da
revista Cláudia, no dia Dados Brasil, 2009:318).
Essas movimentações e associações, principalmente com internet, eventos e com a
telefonia móvel, foram possíveis de serem testadas devido ao grande conhecimento sobre o
público leitor. Para fazer a convergência dos meios, é preciso que eles se complementem e
ainda considerem o leitor. A internet, por exemplo, tem um tempo diferenciado da revista
impressa, e também pode ser fonte de discussões importantes para direcionar a pauta das
edições, porém é preciso estar preparado para aproveitar seu potencial. Manter um contato de
qualidade e contínuo constitui-se para esta indústria cultural, no grande segredo para explorar
melhor os títulos e reforçar sua importância, é o que confirma Thais Chede, Diretora de
Publicidade da Editora Abril, no relatório Mídia Dados Brasil de 2008 (p.294). “O leitor ao
terminar a leitura tem que sentir que foi útil para sua vida e um caminho para isso:
conhecer o leitor, saber o que é importante na sua vida, o que ocorre com quem consegue
interagir, compartilhar experiências” (Márcia Neder, Mídia Dados Brasil, 2009:318). Dessa
forma, as revistas levam, para qualquer plataforma em que estiverem, a qualidade de
69
conteúdo, pois elas devem zelar por suas marcas e por não perderem os leitores (Jose Bello
Souza Francisco, Diretor Editora Três, Mídia Dados Brasil, 2009:298)
Está sendo feito um grande trabalho para reforçar a qualidade das revistas enquanto
veículo de comunicação para as marcas, com a finalidade de atrair maior parte do
investimento publicitário dos anunciantes. Diversas pesquisas são feitas frequentemente por
institutos e pelas próprias editoras, a fim de mensurar esse potencial. A Associação Nacional
de Editores de Revistas (ANER)
41
compila, divulga e incentiva essas informações. No
relatório dia Dados Brasil 2009, nas primeiras páginas, um anúncio de página dupla,
convidando a conhecer e investir mais em revistas, com a seguinte chamada: “Você tem
inúmeras vantagens para anunciar em revistas. Dez delas estão aqui”. A seguir enumera
argumentos que vão da credibilidade de conteúdo ao melhor retorno sobre o investimento
publicitário.
Infelizmente esse registro não conta com muitos detalhes dos títulos dirigidos ao
publico infantil, exceto pela presença dos quadrinhos e também pelos dois grandes fenômenos
editoriais brasileiros desse gênero: O Semanário Tico-Tico e a revista Recreio. As revistas
brasileiras parecem ter sido bastante influenciadas pelos produtos europeus e norte-
americanos, por isso serão usados aqui os artigos do consultor para revistas do Grupo Abril,
nos quais algumas passagens, especialmente as que se referem à origem do termo que as
nomeia e às histórias de corredor do mundo editorial, evocam o eu sabia e são bastante
interessantes, quando se avalia a relação das revistas com o leitor.
Corre uma história curiosa no mundo revisteiro, do gênero „se non é vero...‟ A revista
teria sido percebida pelo leitor como se fosse uma loja, onde as pessoas entram,
escolhem e compram somente o que querem consumir. Na revista, acontece a mesma
coisa: o leitor entra na revista, e escolhe o que quer ler. Daí o nome magazine pelo
qual as revistas são conhecidas em alguns países da Europa e nos Estados Unidos.
Mas sei lá, entende?
42
(Corrêa, 2005)
Um fator interessante dessa história das revistas, citado pelo especialista no mercado
de revistas Thomas Soutro Corrêa (2005), é que os grandes sucessos surgiram de grandes
ideias; não foi necessário levantamento de mercado nem pesquisa com o leitor. Os editores
tinham muita experiência e conheciam tão bem o campo em que atuavam que, ao formatar um
41
ANER: www.aner.org.br
42
Trecho extraído da “primeira parte de uma breve história das revistas”, artigo de Thomaz Souto
Corrêa para o curso Abril de jornalismo, em 20/08/2005. Extraído do endereço
http://cursoabril.abril.com.br/coluna/, em 25/09/09.
70
novo título, tinham claramente o que esperavam do produto final (Corrêa, 2005). Abaixo
uma espécie de linha do tempo com os grandes lançamentos, principalmente quando se criou
um novo gênero de revistas. No desenvolvimento deste capítulo, haverá também um
detalhamento do histórico brasileiro, cujos principais eventos já constam dessa linha do
tempo.
Reforçando e confirmando a história curiosa do meio revisteiro, citada anteriormente,
o fato de que na revista, desde a primeira de que se tem notícia, a variedade está sempre
presente, característica que não era comum nos livros. Estes, historicamente, tratavam, e ainda
tratam, de um único tema. As primeiras revistas, ainda que monotemáticas, traziam assuntos
variados sobre o mesmo tema
43
. A história das revistas foi mapeada e contada por alguns
profissionais, como Celeste Mira em seu livro O leitor e a banca de revistas. A Editora Abril,
junto ao seu departamento de documentação, o DEDOC, conseguiu produzir um material em
comemoração aos 50 anos de sua existência, que registra os principais acontecimentos do
mercado de revistas no Brasil. Thomaz Souto Correa, especialista no mercado, narra também
uma história das grandes revistas do mundo, registrada em cinco artigos utilizados no curso
Abril de jornalismo para formação dos novos profissionais que estão entrando na empresa.
Marilia Scalzo foi responsável por esse curso durante 12 anos, e, com base em sua
experiência formada durante esse período, em que buscava respostas às principais dúvidas
que surgiam nos novos jornalistas a respeito da história das revistas, escreveu o livro
Jornalismo de revista, no qual, além de detalhar estilo e regras importantes para o mercado
das revistas, também descreve a sua história.
Mesmo com base nesses trabalhos de levantamento histórico do mercado das revistas,
não é possível encontrar uma linha evolutiva, nem mesmo detalhes, sobre os títulos infantis.
Isso poderia ser explicado pelo fato de nenhuma das publicações destinadas a esse público ter
tido relevância histórica. Essa formulação não se justifica, quando retomamos os números de
circulação das revistas em quadrinhos, do Semanário Tico-Tico ou mesmo da revista Recreio
em suas duas versões, que chegam a mais de um milhão de exemplares mensais. A ausência
de registro da história dessas publicações aponta para o fato de que as crianças, embora sejam
consumidores desejados, continuam ficando à margem dos feitos históricos do mercado. Nos
próximos capítulos buscar-setraçar um pouco dessa história das publicações infantis no
43
Esse histórico foi retirado dos artigos anteriormente citados. Para ver mais detalhes, consultar
Corrêa, 2005.
71
Brasil para que seja possível entender como os produtores se relacionam com as crianças
enquanto público e como se essa disputa no campo das revistas, além de pontuar as
oportunidades do meio quanto à educação dos leitores para a atuação mais participativa nas
mídias.
Um exemplo interessante de uma revista que espaço para a participação do leitor
infantil e trabalha cuidadosamente o conteúdo dirigido a ele, que não consta do histórico das
revistas nem da auditoria de circulação do meio, já que é uma publicação que não pertence a
uma editora atuante no mercado, é o trabalho do Instituto Ciência Hoje
44
. Este é uma
instituição sem fins lucrativos, vinculada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência,
que tem como responsabilidade divulgar a produção científica da sociedade através de
diversas publicações, uma das quais, a Ciência Hoje das Crianças, dirigida ao público
infantil, vem sendo publicada desde 1986 e está disponível em site desde 1997. A distribuição
desse título não é muito grande, uma vez que é exclusiva do instituto que a produz. O leitor
pode, através do site, fazer uma assinatura anual da revista, e recebê-la em sua casa, por um
valor relativamente baixo, se comparado ao preço de capa das revistas do mercado, R$6,00
por edição. Através da parceria com o MEC, a revista é distribuída em 107 mil escolas
públicas como material paradidático.
O objetivo da publicação é mostrar, de maneira divertida, que a ciência faz parte da
vida das crianças e despertar nelas a curiosidade para entender melhor os eventos naturais que
vivenciam. Isso é feito através da explicação de fenômenos do dia a dia, acompanhada de
ilustrações e experiências para que o público possa testar e comprovar como ocorrem esses
fenômenos. As matérias são apresentadas pelas mascotes da revista, os dinossauros Rex e
Diná e o zangão Zíper, cujo segredo de serem tão sabidos é o fato de aprenderem tudo com os
cientistas. O conteúdo da revista foi transformado em livro, publicado numa coleção, pela
Companhia das Letrinhas, e também utilizado em um programa de televisão da rede Cultura,
em São Paulo, a série Pequenos cientistas, cujos apresentadores eram as mascotes da revista.
Ademais, essa publicação também forneceu conteúdo para a série Detetives da ciência,
produzida pela Empresa Municipal de Multimeios, do Rio de Janeiro.
Além da edição impressa, a Ciência Hoje das Crianças também disponibiliza
conteúdo na internet, cujas chamadas recaem sobre os temas atuais, abordando, por exemplo,
desde a mascote da Copa do Mundo de Futebol até mesmo um cálculo para saber quantas
44
http://cienciahoje.uol.com.br
72
figurinhas o leitor precisaria comprar se quisesse completar seu álbum da Copa do Mundo de
Futebol. Outros convites são feitos para que o leitor faça experiências, leia o blog e até
responda a uma das atividades interativas disponíveis. também uma rádio com
programetes, em torno de cinco minutos, que não têm uma periodicidade regular, mas que se
constituem sempre de um tema abordado pela apresentadora e por um especialista.
O site mantém um arquivo das edições anteriores da revista desde o ano 2000. O
conteúdo da revista impressa é diferente do que está na gina principal da internet, tanto que
no site o conteúdo atual está em uma seção diferente da edição da revista impressa que está
em circulação no mesmo período: Revista CHC e Notícias CHC on-line. As demais colunas
disponíveis na versão virtual da revista são: o Blog do Rex, que aborda atualidades científicas
ou histórias de crianças; vídeos de entrevistas, experiências ou visitas a museus e eventos;
Nossos mascotes perguntam, que lista todas as enquetes realizadas com os percentuais de
respostas; Papo interativo, mostrando a lista de fóruns e as participações nos diferentes
assuntos; A turma do Neurim, a turma das histórias em quadrinhos da revista. Zé Neurim é
um neurônio que lidera um grupo de neurônios da cabeça de um garoto Ptix e explica, nas
histórias, como o cérebro funciona nas diferentes situações. Ao final sempre a moral da
história para que o leitor tenha acesso à explicação científica. Além das colunas citadas,
ainda há, no site: coluna nome dos bichos, escrita pelo biólogo Henrique, que explica os
nomes dos animais e os motivos pelos quais foram denominados; Álbum de fotos, com
imagens sobre algum tema tratado em matéria ou evento que a reportagem acompanhou; Fale
conosco, com formulário para contato; e finalmente Jogos.
A publicação passa informações científicas de maneira simples, sem subestimar a
inteligência das crianças; as matérias são de diversas áreas do conhecimento, sempre
buscando abordar temas que tenham relação com acontecimentos da vida cotidiana ou
assuntos que estejam entre os preferidos das crianças. As matérias também abordam
acontecimentos atuais e buscam mostrar para as crianças a importância de estarem atentos ao
que está acontecendo à sua volta. A revista não tem publicidade e não serve como divulgação
de lançamentos promovidos pela televisão; no site, quando se busca uma matéria através da
palavra televisão, encontram-se sempre reportagens ou conteúdos que foram transmitidos
por esse meio, mas nunca como uma forma de divulgação.
Essa publicação parece um bom exemplo de como tratar a criança com a seriedade e o
respeito que ela merece, sem deixar de tratar de assuntos importantes ou de despertar seu
73
gosto pelo conhecimento através de uma abordagem divertida. Assim deve ser a educação
com a participação das mídias: estimular, através do consumo de um bem cultural, a atuação
das crianças, preparando-as para a cidadania.
Imagem 2 - A revista científica para crianças tem distribuição exclusiva do ICH
45
45
Instituto Ciência Hoje.
74
Imagem 3 - Matéria CHC on-line ensina às crianças a probabilidade de completar o
álbum de figurinhas apenas com o ato de compra. Em 12/06/2010.
1.4 Cidadania na infância: modos de usar.
“Com seu dinheiro, o consumidor faz o que, com seus votos, faz o eleitor, isto
é, decide exatamente as coisas que quer ter. Igual a soberania do cidadão no
sistema eleitoral, é preciso considerar a soberania do consumidor no sistema
econômico capitalista” (Alonso, 2006: 4)
As crianças estão, desde a década de 80, na mira da indústria com o objetivo de serem
seduzidas como consumidoras primárias e influenciadoras do consumo no lar e também de
serem conquistadas para o consumo futuro. Os meios de comunicação alegam, a todo
momento, a dificuldade de trabalhar para um público tão exigente que decide zapear em
resposta a qualquer conteúdo da programação que não lhe agrade. Todo esse aparato do
consumo, segundo Girardello (2003), conta com a vantagem da criatividade de grandes
profissionais que trabalham a serviço da publicidade. Para que o processo todo aconteça e
conte, inclusive, com a aceitação do público infantil, muita investigação para mapear as
necessidades das crianças. Mas, se o consumidor é, para o mercado, o que os eleitores são
75
para a democracia, é possível que, por essa equiparação, algo possa ser aprendido no processo
de consumir, a fim de impactar a postura dos indivíduos nas esferas política e social. As
mídias, nesse contexto, têm a importante missão de difundir esse conhecimento.
As opiniões são controversas a respeito dos papéis de cidadão e consumidor que todos
os indivíduos exercem. Canclini (2008) contrapõe o ponto de vista do mercado às ações de
grupos e comunidades. No primeiro caso, o do mercado, todas as possibilidades de
participação e programas mais democráticos são, na verdade, discursos para atender a suas
motivações econômicas (Jenkins, 2009).
Olhando-se os comportamentos de massa do pondo de vista do mercado, parece que
procuram desativar-nos: somos cada vez menos responsáveis, sem capacidade para
intervir nos espetáculos de que desfrutamos ou na informação que selecionam para
nós. Apenas simulacros de participação e de democracia direta, como as entrevistas
dirigidas ou editadas pelos noticiários. Ou essa ilusão de que o público pode escolher
quem fica e quem sai, como em Big Brother, jogo para legitimar com aparência
democrática e exclusão social. É necessário vincular essa suspeita às novas formas de
interatividade produzidas pela tecnologia e ao incremento das demandas sociais,
políticas e culturais. (Canclini, 2008:28).
sob o ponto de vista positivo, Jenkins (2009) descreve diversos casos bem
sucedidos de inteligência coletiva e cultura participativa, possíveis somente pela atuação da
tecnologia e o acesso à informação e redes de pessoas que é possível através da tecnologia.
Canclini (2008) também contrapõe a versão manipuladora do mercado a casos de indivíduos
que atuam em comunidades para que a voz do consumidor seja ouvida:
As associações civis e ONGs estão representando setores antes à margem do sistema
político ou aos que faltava voz para reclamar e promovem rádios e telemissoras
comunitárias. De modo que existe um jogo complexo, em várias direções, entre ser
cidadão e ser consumidor. Em algumas formas de expansão do consumo, como
internet, ou com o aumento da escolaridade média e superior, criam-se melhores
condições para que nós, consumidores, sejamos capazes de apreciar repertórios
culturais e estéticos diversos. (Canclini, 2008:28)
Ao levar esse debate para o universo das crianças, é fácil perceber o aumento do seu
poder enquanto consumidoras, porém fica mais difícil reconhecê-las como cidadãs, uma vez
que elas não têm atuação política e civil. Apesar da existência do estatuto da criança e do
adolescente, o fato de elas não serem ativas politicamente coloca-as em uma posição inferior
diante dos adultos, o que, consequentemente, faz com que seus direitos sejam ainda
“vagamente reconhecidos” (Buckingham, 2007:147). A escola e as mídias são serviços
76
amplamente consumidos pelo público infantil, porém, do primeiro deles, normalmente, os
pais são os reais consumidores, cabendo às crianças somente a participação. Canclini aponta a
educação como um dos grandes contribuintes para que o papel de consumidor prevaleça sobre
o de cidadão e atribui esse fato à ação da escola que subordina o processo educacional a
aptidões de mercado e se preocupa mais em capacitar tecnicamente do que formar para
aptidões culturais. Em vez de formar profissionais e pesquisadores para uma sociedade do
conhecimento, treina peritos disciplinados” (2008: 23).
O consumo, agora também ensinado na escola, em especial o consumo das tecnologias
e das dias, parece preparar melhor para um universo participativo no qual as crianças e os
jovens possam produzir conhecimento.
Ao mesmo tempo, a escola vê reduzir-se sua influência: primeiro a mídia de massas e,
recentemente, a comunicação digital eletrônica multiplicaram os espaços e circuitos de
acesso aos saberes e à formação cultural. Mesmo a educação formal mais aberta à
incorporação de meios audiovisuais e informáticos oferece uma parte dos
conhecimentos e ocupa parcialmente as horas de aprendizado. Os jovens adquirem nas
telas extracurriculares uma formação mais ampla em que conhecimento e
entretenimento combinam. Também se aprende a ler e a ser espectador sendo
telespectador e internauta. (Canclini, 2008:24).
O que parece acontecer, na verdade, é que as crianças apresentam maior interesse nas
relações com as mídias e com o consumo, porque estes estão mais abertos a sua opinião,
enquanto a esfera política ainda não está preparada para tal abertura. Essa diferença
manifesta-se na maneira como as crianças são tratadas: enquanto o mercado as considera
soberanas, a vida política e social apresenta restrições etárias para a sua participação, como se
as crianças fossem cidadãos incompletos, ainda em formação. As crianças apenas poderão
tornar-se „cidadãs ativas‟, capazes de fazer escolhas sensatas em questões políticas, se forem
consideradas capazes de fazê-lo (Buckingham, 2007:245).
que as crianças precisam ser consideradas capazes de serem cidadãs ativas e como
não indícios de mudança nas regras a respeito do voto e da participação dos indivíduos na
democracia, cabe ampliar a visão do conceito de cidadania. A ideia de cidadania como é
divulgada e ensinada remete à origem etimológica da palavra cidadão: o habitante das cidades
que tem direitos políticos. Esse conceito associado à ideia de ter direitos parece insuficiente
para abranger toda importância da cidadania, uma vez que, após a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, em 1948, em termos legais, os direitos não são mais privilégios de
77
determinadas classes ou grupos sociais (Machado, 1997). Machado estabelece uma associação
entre o ensino para a cidadania e o desenvolvimento de projetos. Somente os seres humanos
estão aptos a desenvolver projetos, uma vez que estes representam uma organização de ideias
e ações para atingir algo no futuro. Sendo assim, se o ensino para a cidadania visar ao
estímulo das crianças para desenvolverem projetos individuais que tenham impacto no
coletivo, elas poderão, então, passar a desenvolver projetos coletivos e estarão, dessa forma,
participando de obras de impacto social.
Estimular o exercício da cidadania entre as crianças tem sido uma iniciativa da
Câmara dos Deputados, através do site www.plenarinho.gov.br, no qual as incentiva a
assumirem ações e comportamentos de participação nas seções disponíveis para o contato das
crianças com essa esfera política. Entre essas seções há uma chamada Cidadania, que se
propõe a explicar o que significam os direitos dos cidadãos e dar exemplos de como elas
podem agir como cidadãs em qualquer idade. O primeiro link da seção explica os direitos e
deveres dos cidadãos e é seguido por outros dois links que tratam de educação fiscal e
participação. Essa orientação segue exatamente o conceito de atuação individual impactando
o coletivo sugerido por Machado (1997). Nesse contato com a Câmara dos Deputados, as
crianças também encontram, em uma linguagem muito próxima de seu cotidiano,
esclarecimento que lhe diz que, antes de reclamar, todos os cidadãos devem ter atitudes para
mudar o que consideram ruim.
Participar é fundamental para deixar nossa vida mais parecida com o que gostaríamos
que fosse. Lembra do que é ser cidadão? Lembra que todos têm direitos e deveres, e
que toda ação tem implicações tanto para a própria pessoa como para os outros?
Quando, por exemplo, respeitamos as leis de trânsito ou as regras da nossa escola,
exercitamos a cidadania. Mas se você não concordar com alguma dessas regras, deve
questioná-la e não infringi-la! Existem muitos caminhos para participar, para tentar
mudar o que não está bom, para construir uma vida melhor. Questionar, lutar por seus
direitos também é cidadania. Por isso não se pode falar de cidadania sem falar de
participação. trabalho ser cidadão, mas vale a pena!
(http://www.plenarinho.gov.br/cidadania/participacao )
78
Imagem 4 - Cidadania no site www.plenarinho.gov.br
A Câmara dos Deputados de Porto Alegre, RS, também desenvolveu o Portal da
gurizada, para tratar de temas a respeito da cidadania com as crianças. Na seção Cidadania
explica que, embora haja um limite de idade para o indivíduo se tornar eleitor, qualquer
criança pode exercer cidadania, pois há outras maneiras de se fazer política sem ser através do
voto.
A criança pode e deve exercer sua cidadania política. A política não é exercitada
somente na vida pública, participando do processo eleitoral por meio do voto. A
cidadania política se exerce 24 horas por dia, nos pequenos atos, na rotina do
cotidiano. É tão importante quanto a „grande política‟. A criança exerce sua cidadania
no relacionamento com os outros, com a família, com o trabalho, com a escola, com
os vizinhos. O modo como ela se coloca na cidade define o quanto a criança exerce a
sua cidadania.
(http://www.camarapoa.rs.gov.br/portaldagurizada/pages/cidadania/index.html)
79
Imagem 5 - Portal da Gurizada Câmara dos deputados de Porto Alegre RS.
As iniciativas do governo federal e de Porto Alegre de disponibilizar, para as crianças,
informações sobre o jeito criança de ser cidadão, através de um site, reforçam o papel das
mídias no processo de estimular a sua atuação como cidadãs. Mesmo em se tratando da
indústria da mídia, estimular a participação das crianças como consumidoras e incutir nelas,
durante esse processo, os conceitos de como iniciativas individuais podem impactar o coletivo
são maneiras de exercitar a cidadania, sem que deixem a posição conhecida de
consumidoras. Ao longo desta dissertação, outros produtos culturais dirigidos às crianças
serão abordados, mostrando o convite à participação que fazem ao seu público e que tipo de
resposta recebem. Para começar, um dos títulos da imprensa infantil de maior importância por
sua longevidade e ideais, o Semanário Tico-tico.
1.5 Uma idéia, algumas crianças e uma revista
46
Tico-tico era como se chamavam os colégios frequentados pelos muito pobres e que
ensinavam o estritamente necessário às primeiras letras: ler, escrever e contar.
Havia um tico-tico na descida do morro do Castelo. Os pequenos iam por dois mil
réis a mensalidade. Poucas crianças podiam levar a cartilha. Sujas e descalças,
46
Para esse breve histórico do caso O Tico-tico, tomei como base os resultados de duas teses de
doutorado: O Tico-tico: mito da formação sadia, Zita de Paula Rosa e Brasil em Imaginação, Andrea
Borges Leão.
80
passavam as tardes sentadas em bancos de madeira, aprendendo a soletrar, sob as
ameaças de um „fessô‟ de palmatória em punho
47
. (Leão, 2002)
Fruto de um projeto idealizado por um grupo de intelectuais brasileiros que assistia, à
distância, a todas as movimentações do mercado europeu e também tinha latente o anseio de
contribuir para o fortalecimento do país enquanto nação, ocorreu, em 11 de outubro de 1905,
o lançamento da revista infantil “O Semanário Tico-tico”, que, na segunda edição, foi às
ruas com o dobro de tiragem da primeira, esgotando-se rapidamente e levando à impressão de
outros 10 mil exemplares ainda em sua semana de circulação. Esse projeto teve importante
papel na história editorial brasileira e ainda mais quando se fala da imprensa dedicada ao
público infantil, de acordo com o proposto pela historiadora Zita de Paula Rosa (1991), em
sua tese de doutorado a respeito da revista em questão
48
.
O Tico-tico foi uma manifestação cultural de 50 anos de abrangência, nos quais criou
hábitos, entreteve crianças e ainda teve uma função pedagógica informal na disseminação dos
valores morais requeridos e admirados na época. Suas histórias e abordagens falavam da vida
real, das crianças e das pessoas da cidade, da fábrica instalada no bairro, da pátria com os
anseios e responsabilidades de uma nação jovem e principalmente do papel das crianças na
construção do futuro. Os intelectuais do momento afirmavam que a educação teria um papel
fundamental na promoção das mudanças necessárias para a tarefa de desenvolvimento da tão
sonhada nação. A imprensa, como meio de comunicação de massa que tinha maior alcance
entre a população, por sua vez, entendeu que também lhe cabia a tarefa de cooperar com a
educação e instrução. Em especial, a imprensa infantil teria a carga dobrada no papel da
instrução e O Tico-tico, que havia sido idealizado para distrair, recrear e formar o cidadão
íntegro e saudável, desde o projeto já se mostrava alinhado com a movimentação.
O projeto do Semanário Tico-tico foi cuidadosamente desenhado desde a idealização,
contando principalmente com os cuidados na execução. Seu grupo editorial sério e
profissional zelava pelo planejamento e organização, o que levou O Tico-tico a ser
considerado, com destaque, como uma resposta às necessidades de leitura infantil no início do
47
Andréa Borges Leão, em sua tese de doutorado “Brasil em imaginação: livros, impressos e leituras
infantis 1890-1915” narra o desenvolvimento dos bens culturais para crianças no início do século XX
e o importante papel que essa movimentação de mercado tinha com o desenvolvimento do país
enquanto nação. O semanário Tico-Tico é um dos produtos de destaque desse momento, mas a autora
analisa toda a produção infantil no período.
48
Zita de Paula Rosa apresenta resultados detalhados sobre a trajetória do semanário O Tico-tico e
como se configurava o cenário editorial nacional no momento, além do papel que esse bem cultural
teve no decorrer dos 50 anos de existência. O Tico-tico: mito da formação sadia.
81
século XX
49
. O principal e importante diferencial do Semanário Tico-tico foi a preocupação
em desenvolver entretenimento, dos textos aos passatempos, adequado às crianças brasileiras.
Seus concursos estimulavam a participação dos leitores, de maneira que estes ajudavam a
construir a revista; nas edições da revista aparecem textos dos leitores fiéis sempre citando o
Tico-tico como companheiro na diversão.
A história de O Tico-tico tem início no período do desenvolvimento do capitalismo e
da indústria nacional no Brasil, fatores que influenciaram a formação dos centros urbanos
compostos por diferentes públicos com predisposição ao consumo. Repetindo o modelo
histórico que outras economias passaram por esse padrão capitalista em momentos anteriores,
como a Inglaterra pós Revolução Industrial, modelo este que também é citado como marco da
sociedade de consumo, conforme descrito no início deste capítulo.
No cenário de consumo com crescimento latente e por sua vez o ambiente literário
brasileiro ainda em estágio inicial, principalmente pelo limitado público leitor de parcela
pequena e privilegiada da população, bem como o pequeno número de leitores aptos a
movimentar o mercado, os produtos em circulação também não incentivavam a mudança do
cenário. Havia pouca oferta de produtos nacionais, os leitores atuantes alimentavam seu
hábito de lietura lendo crônicas, poemas, romances, na maioria das vezes vindos de fora do
país, e jornais. Era evidente a importância de se incentivar o aumento dessa parcela ativa de
leitores, para o que a democratização do ensino, ou seja, a alfabetização seria fator decisivo. O
aumento do consumo, somado à necessidade de incentivar a leitura de maneira geral no país,
compõe ambiente fértil para o lançamento de bens culturais para atendera tais demandas. A
imprensa, esboçava, desde o final do século XIX, tentativas de aproveitar esse momento,
principalmente com produtos específicos para as mulheres, para o lar e também para as
crianças.
Antes do lançamento de O Tico-tico, houve algumas tentativas de circulação de bens
destinados às crianças. Todas tiveram vida curta de duas ou três edições, pois não havia
clareza a respeito do que se deveria oferecer a esse blico. A “Revista da Semana”, de 1901,
o “Malho”, de 1902, o “Chic infantil”, de 1903, a “Escola” são alguns exemplos de produtos
concebidos nos moldes das revistas europeias. Predominavam nesses produtos o material
europeu e a tradução dos contos e também dos passatempos. Os objetivos das publicações
49
Zita de Paula Rosa cita Leonardo Arroyo e seu inventário cronológico e analítico de todo material
impresso para crianças no Brasil até 1966. O Tico-tico. Mito da formação sadia , 1991: 8.
82
estavam sempre dirigidos à formação da sabedoria popular, ao estímulo do gosto pela leitura e
à difusão dos valores morais, fatores que talvez inspirassem mais os adultos em relação ao
desenvolvimento das crianças do que elas mesmas. Mercadologicamente os editores tinham
em mente o consumo futuro, modalidade sempre presente quando um produtor opta por
dirigir atenção ao publico infantil
50
, como claramente assume o Jornal do Brasil no
lançamento da Revista da Semana: “(...) uma classe de leitores de quem muitas vezes nos
lembraremos: são as crianças. É bom desde ir buscando conquistar os futuros assignantes
da Revista! Não na secção de modas, como na litteraria e recreativa, pensaremos nellas
muitas vezes.”
51
(Leão, 2002: 225)
Os editores brasileiros sempre estavam acompanhando o mercado europeu, tanto que a
maioria dos produtos comercializados aqui seguiaa esses modelos. O padrão europeu e esse
acompanhamento também foram fundamentais para O Tico-tico. A inspiração decisiva
apareceu em 1905 com o lançamento de “La semaine de Suzette”, uma revista cujos
personagens tratavam temas cotidianos da vida das crianças. A repercussão da revista, sua
abordagem diferente da feita por produtos anteriores e o envolvimento do leitor, reforçaram a
possibilidade de se ter um produto parecido no mercado brasileiro.
Até 1904, as histórias para crianças eram publicadas regularmente, mas chegavam até
elas muito mais por via oral, pois eram interpretadas por adultos que as adaptavam para a
realidade do meio em que viviam com a finalidade de impactar os atentos ouvintes. Nesse
momento, Angelo Agostini, através de O Malho”, decidiu testar um conto muito simples e
ilustrado “Por causa de um cachorro” e dessa história surgiram diversas outras, explorando
fatos e comportamentos mais comuns no próprio local em que viviam. Essas tentativas
tiveram respostas bastante populares e o potencial do mercado de um produto cultural para
crianças, no Brasil, apresentava outras evidências positivas. Paralelamente ao bom resultado
dos produtos estado-unidenses e europeus, que estavam sendo acompanhados pelo historiador
Manuel Bonfim, pelo poeta Cardoso Junior e pelo jornalista Renato de Castro projetaram,
com potencial, uma publicação ilustrada e local. Os empresários brasileiros mostravam-se
cautelosos, com dúvidas sobre o retorno do investimento em um projeto como aquele, exceto
50
É um dos objetivos quando se trata a criança como público consumidor, conforme descrito ainda
nesse capítulo no tópico “crianças consumidoras”.
51
Andrea Borges Leão, Brasil em Imaginação: Livros, impressos e leituras infantis (1890-1915),
2002: 225, cita o depoimento do Editor no Jornal do Brasil.
83
Luis Bartolomeu, que dirigia a Sociedade O Malho‟ e decidiu arriscar um investimento para
tornar o projeto realidade.
O lançamento do projeto foi anunciado com um mês de antecedência e toda a
execução foi cuidadosamente entregue nas mãos de artistas que procurariam, por meio das
histórias e atividades; “fortalecer e orientar o espírito daqueles que seriam, amanhã, os
grandes homens” (Rosa, 1991:32). Os objetivos, bem como as expectativas do projeto, eram
muitos, num momento em que a nação se desenvolvia a todo vapor, num ritmo em que se via
a oportunidade para o mercado editorial, e em que todo investimento para esse mercado viria
mais facilmente para os bens destinados às crianças. O visionário editor Pedro da Silva
Quaresma, que também tinha a percepção da necessidade de produções locais, lançou, em
português-brasileiro, para as crianças, uma linha de títulos infantis cujo catálogo era
divulgado nas páginas de O Tico-tico com a função de massificar o consumo. Nota-se um
outro papel do projeto, conforme descrito por Andrea Borges Leão:
O Tico-tico assumia a pretensão a um só tempo missionária e mercadológica de
construir um „novo homem‟ para um Brasil novo, republicano, civilizado e moderno.
Os redatores empenhavam-se em formar um público de leitores devotos dos livros
infantis que atuassem como produtores dos textos. Para tanto punha em
funcionamento restrições, classificações e censuras eficazes em fixar os sentidos para
os novos leitores, antes de tudo imaginados (Leão, 2002: 221).
O projeto O Tico-tico deixava transparecer seus objetivos desde o nome. De acordo
com o depoimento de Vasco Lima, um dos primeiros colaboradores da revista, o nome veio
do historiador Manuel Bonfim, um dos idealizadores do projeto, referindo-se às escolas do
início da república, no Rio de Janeiro, que ensinavam a ler, escrever e contar e eram
conhecidas como “tico-ticos”
52
(Rosa, 1991: 36). também uma outra versão para o nome,
comentada pela filha do Diretor Luis Bartolomeu, que atribui o nome da revista ao passarinho
de mesmo nome e completa: “um nome simples e despretensioso que simbolizava a finalidade
da nova publicação, que era a de oferecer uma alegria simples e sadia”. (Ibidem: 35)
A revista tinha o formato dos tablóides, muito parecido com os gibis atuais; a estrutura
dos textos era mais cuidadosa e, segundo Andrea Borges Leão, estudiosa desse objeto,
buscava prestígio livresco. O Tico-tico pretendia-se objeto pueril, nivelado ao brinquedo, um
meio para manter a criançada entretida e quieta, difundindo uma leitura de instrução suave
53
52
Citado em Tico-tico mito da formação sadia pg 36, grifo meu.
53
Brasil em Imaginação pg 224
84
(Leão, 2002). Eram 24 páginas de entretenimento para as crianças, número esse que os
editores se orgulhavam de apresentar. Após o terceiro mês de comercialização, a pressão pela
publicidade venceu a resistência dos diretores, porém essas páginas vendedoras eram
adicionais às de conteúdo e as peças eram cuidadosamente elaboradas para que, ainda que
publicitárias, pudessem de alguma maneira agregar aos leitores formação e conhecimento,
como explicam os esclarecimetos publicados em uma dessas páginas extras:
Os anúncios de O Tico-tico são publicados em páginas a mais, como se pode ver neste
número. São páginas à parte e em muitas delas se encontram anúncios que, pelo seu
feitio interessante, podem ser ainda leitura agradável e própria para crianças. [...]
Portanto, é preciso que fique bem acentuado que, com as nossas páginas de anúncios
nada perdem os leitores de O Tico-tico, antes, ganham. (Rosa, 1991: 46).
O cuidado editorial e de execução da revista visava ao reconhecimento do público
como algo mais que um efêmero meio de comunicação; buscava ter importância estrutural e
de formação, como os livros. Por esse objetivo perseguido, O Tico-tico supunha a mesma
ordem do mundo dos livros: a autoria e identidade dos textos, a mediação editorial e os
leitores identificados numa comunidade de imaginação nacional, muito embora se
diferenciasse dos livros em dois pontos importantes. Um deles era a possibilidade de
interatividade, pois, em suas páginas, as crianças podiam escrever, desenhar, enviar retratos;
assim, de leitoras podiam tornar-se contribuintes da revista e também escritoras. O outro
ponto de diferenciação eram as ilustrações e cores, motivo pelo qual os idealizadores
entregaram sua execução a artistas experientes e cuidadosamente escolhidos. Ao ler o
semanário, as crianças entravam no mundo colorido dos personagens, diferente do universo
preto e branco dos livros. Tamanha riqueza não poderia se perder na rapidez de sua próxima
edição; as crianças aprendiam a ler nas páginas de O Tico-tico e, seguindo a recomendação
dos editores, os pais deveriam colecionar os volumes cuidadosamente para que os filhos mais
novos pudessem aproveitá-los.
Desde o lançamento a revista era semanal e chegava à disposição dos leitores às
quartas-feiras, podendo ser recebido via assinatura ou adquirido por encomenda. A tiragem
média semanal era em torno de trinta mil exemplares. Durante toda sua história teve tiragens
85
de vinte mil números iniciais e cem mil no período áureo
54
. Em 1941 passou a ser mensal até
a sua extinção. Os números, bastante expressivos para a época, comprovam que o receio
mercadológico foi rapidamente esquecido e as possibilidades de crescimento enchiam os
olhos dos editores, principalmente pelo fato de que ficou muito tempo sem concorrentes à
altura. O segredo dessa trajetória era o contato constante com os leitores, os concursos
visavam sempre a conhecer a opinião dos leitores sobre o conteúdo e a diversão
proporcionados pela revista. A preocupação com a adequação às expectativas dos leitores e
também com a participação mais fácil em suas vidas vê-se claramente no texto do primeiro
número da revista, no qual os redatores expõem com clareza os objetivos:
O Tico-tico poderia ser lido solitariamente ou em grupo, em casa ou na escola e
buscava formar seu público entre a criançada dos 6 aos 14, aos de 1 a 3 para as quais
destinavam-se as histórias em imagens, caso desejassem participar dos concursos e
charadas que solicitassem a leitura dos “Papás e Mamás”. O que justifica sua maior
preocupação: oferecer uma leitura simples, ingênua e ao alcance da inteligência das
crianças (Leão, 2002: 222).
Os responsáveis por O Tico-tico esforçaram-se para não se desviarem da essência do
projeto original de seus idealizadores, que era desenvolver um produto recreativo e formativo,
complementar à educação formal promovida pela escola. Tanto que ainda com a pressão dos
produtos norte-americanos, na década de 30, optou-se por não ceder espaço, nas páginas do
semanário, àquele tipo de mensagem trazida pelos super-heróis como Flash Gordon, Batman,
entre outros. O máximo de tradução de conteúdo que O Tico-tico teve em suas páginas foram
as histórias em quadrinho Disney.
No mesmo período da entrada massiva dos produtos importados da América do Norte,
a literatura infantil nacional tem um marco com a produção de Monteiro Lobato. As duas
influências, ao mesmo tempo que ampliaram as opções de leitura destinadas às crianças
brasileiras, também interferiram nos negócios comerciais de O Tico-tico, levando os diretores
a também lançar a Biblioteca da revista com livros infantis. A década de 40 foi marcada por
desafios a sustentação do produto. Sendo ainda bastante reconhecido e recomendado por
organismos sociais, professores e pais, O Tico-tico enfrentava a mais difícil das batalhas para
manter-se atrativo e desejado pelo seu leitor. As características de personalidade dos super-
54
Os números do mercado de revistas brasileiro serão tratados mais adiante no capítulo 2, somente a
título de comparação com a Revista Recreio, objeto desta dissertação, que tem uma tiragem média de
80 mil exemplares semanal.
86
heróis novos e todas as aventuras por eles vividas eram infinitamente mais interessantes para
o leitor do que os valores ético-morais e educacionais do semanário. Instante marcado pela
não adaptação de um produto às mudanças do seu público, o que foi sinal de final do seu ciclo
de vida.
Conforme o depoimento de um dos colaboradores, Max Yantok, ao final da jornada, a
revista não estava mais alinhada aos interesses das crianças brasileiras. O incentivo e
valorização de comportamentos como obediência e cortesia presentes na revista desde o seu
início não eram tão atrativos quanto a malícia, astúcia e esperteza dos super-heróis
internacionais que eram o sucesso do momento (Rosa, 1991).
As séries educativas alinhadas com o conteúdo curricular das escolas, nitidamente,
acabavam com o papel inicial da revista, o entretenimento, e passavam a invadir o território
da educação formal, que significava a obrigação, o trabalho das crianças. Isso confirmava o
caminho equivocado que O Tico-tico estava tomando. Os editores da revista eram criticados
por não acompanharem a evolução do jornalismo e da criança brasileira
55
(Ibidem: 69). Nos
anos 50, chega a Editora Abril acompanhando a tendência dos quadrinhos internacionais e
ameaçando a hegemonia de O Tico-tico com as revistas em quadrinhos O pato Donald e Tio
Patinhas. Tanto que o semanário passa a adotar o formato dos quadrinhos e, assim, tornando a
gigante Abril referência, culminando com o fim da existência de material novo da revista, em
1962.
Não foi coincidência a inclusão desse antigo projeto bem sucedido nessa pesquisa. Por
essa história é possível constatar a união das teorias comentadas anteriormente, e que
envolvem o consumo por parte das crianças, a importância da adequação de um produto ao
seu público consumidor, a relação desse público com os produtores e que não se mostra ser de
submissão, uma vez que, tornando-se o produto desinteressante e desconexo dos temas em
voga no momento, não tem mais espaço entre as preferências do leitor.
Além do exemplo analisado acima trazer a realidade dos conceitos-base do projeto O
Tico-tico foi idealizado com o propósito de investimento nas crianças para se obter um futuro
melhor, como se, assim, fosse mais fácil construir novos cidadãos, inclusive biologicamente
falando. Não bastassem esses pontos, o semanário O Tico-tico, como todo bem cultural
cuidadosamente administrado, apresentava a proposta de informar para formar, vertente
nitidamente encontrada tanto na primeira versão da Revista Recreio como na atual. Podem
55
Idem anterior Pg 69.
87
ser enumeradas algumas características em comum aos dois produtos, porém não é esse o
objetivo desta dissertação. Mais adiante, com o desenrolar da pesquisa, a proposta é mostrar
que um bem cultural pode ajudar a instruir e a criar novos cidadãos consumidores, cientes de
suas ações, e não somente formar os responsáveis pelo futuro do país.
O início da história da gigante Editora Abril contribuiu para o abalo derradeiro de O
Tico-tico. Coincidentemente, as operações da Abril, no Brasil, iniciaram-se, basicamente,
com produtos também destinados às crianças desse novo país
56
. Aproximadamente 20 anos
após o princípio das operações da editora, também inspirada por um ideal de um dos diretores
em entreter de maneira saudável e estimuladora os leitores, foi lançada a Revista Recreio, a
Revista Brinquedo - Leia, Pinte, Recorte, Brinque - cujo papel principal era ter um produto
destinado às crianças, para que elas pudessem aprender valores morais importantes fora do
ambiente da escola e também brincar desenvolvendo coordenação motora com atividades de
pintura, recorte e cole
57
.
Capítulo 2 Recreio: a revista brinquedo
O seu Victor (Civita) nos chamava para falar e dizia: „nós somos uma empresa de
comunicação e lazer. Queremos explorar todas as áreas, todas as oportunidades que
isto permitir‟. A Abril sempre foi muito preocupada com a comunicação. Não é
imprensa, não é jornal. É um conceito muito mais amplo. (Samuel Dirceu)
58
A Editora Abril iniciou suas operações no Brasil com o lançamento, em 12 de julho de
1950, de um título destinado ao público infantil, a revista em quadrinhos O Pato Donald.
Com esse lançamento, Victor Civita repetiu a trajetória que seu irmão construiu na Argentina.
Esse evento foi possível graças ao acordo de exclusividade com a família Civita para a
comercialização dos produtos Disney na América do Sul
59
. O tulo foi o primeiro de uma
extensa linha de quadrinhos de sucesso, e sua receita, por muito tempo, subsidiou outros
projetos dentro da editora. A história da Abril mostra que a empresa sempre nutriu uma
preocupação e certo cuidado com a infância e, por isso, sua trajetória também pode ser
contada pelos tulos destinados ao público infantil. Essa particularidade pode levar a duas
56
No capítulo 3 será detalhada a história da Editora Abril e sua preocupação com os novos
peixinhos (leitores) para o desenvolvimento do seu negócio.
57
Entrevista feita com Tiago Afonso, gerente de produto da Revista Recreio.
58
Trecho da entrevista concedida a PEREIRA, 2009:33
59
Para saber mais sobre a história da Editora Abril no Brasil ver: MERCADANTE, 1987; MIRA,
2001 e PEREIRA, 2009.
88
interpretações: a primeira delas é a adequação ao desejo do fundador, que se considerava
socialmente responsável pela difusão do conhecimento e da informação para toda a população
brasileira e julgava, com isso, contribuir para o progresso nacional. Tal direcionamento pode
ser notado na proposta
60
da empresa: “A Abril está empenhada em contribuir para a difusão
da informação, cultura e entretenimento, para o progresso da educação, a melhoria da
qualidade de vida, o desenvolvimento da livre iniciativa, o fortalecimento das instituições
democráticas do país” (MERCADANTE, 1987: 94). Também pode ser notado em iniciativas
da Fundação Victor Civita, cujo objetivo é “melhorar, estimular, modernizar a educação no
Brasil. Está basicamente preocupada com a saúde das crianças, com o ensino de primeiro grau
e com o aperfeiçoamento dos professores. Está em guerra contra a repetência, a evasão
escolar e a burocracia do ensino.” (Idem, ibidem). A segunda interpretação que se faz
possível, inerente a qualquer organização capitalista, é a de cuidar dos novos peixinhos no
lago
61
, ou seja, dos leitores futuros consumidores dos produtos da empresa, estratégia própria
da indústria cultural: formar e cativar um público para garantir o lucro
62
(Adorno &
Horkheimer, 1985).
Além dos quadrinhos Disney, a Editora Abril também lançou outros produtos para
crianças com base nessa licença: livros de atividades, coleções de contos clássicos e até
álbuns de figurinhas. Mas não foi com personagens Disney que se desenhou a história das
publicações infantis na editora; o símbolo da árvore
63
, imagem 5, estampou a capa de títulos
de sucesso e inesquecíveis para as crianças, embora dificilmente se encontre referência a esses
eventos nos levantamentos históricos realizados especialmente para esta investigação. No ano
de 1970, ao mesmo tempo em que fora lançada a última das grandes revistas brasileiras, a
esportiva Placar (MIRA, 2001:160), presente em diversos históricos tanto da Editora Abril
como da Revista no Brasil, em maio, Mônica estreava uma série de lançamentos de histórias
em quadrinhos brasileiras, seguida por Cebolinha e Pelezinho, todas de Maurício de Souza, e
Pererê, de Ziraldo. (MERCADANTE, 1987:64).
60
No meio empresarial também denominada de missão, toda organização tem uma missão que norteia
as estratégias de atuação do negócio.
61
Segundo entrevista com Tiago Afonso, gerente de publicações do núcleo infantil da Editora Abril,
essa era uma expressão comum que Victor Civita utilizava para se referir as crianças enquanto
mercado consumidor.
62
Para mais detalhes sobre essa reflexão a respeito da atuação da Editora Abril e seu papel na industria
cultural, ver PEREIRA, 2009 (análise da trajetória da Abril Cultural e da difusão da cultura
dominante em fascículos)
63
A logomarca da Editora Abril é o desenho de uma árvore.
89
Imagem 6: Árvore logotipo da Editora Abril
Victor Civita sabia com clareza o seu papel e também o de sua empresa. Ele assinava
grande parte dos lançamentos e, nessas ocasiões, fazia questão de tornar pública sua proposta
de responsabilidade com o leitor nacional, permitindo o acesso da população aos livros e ao
conhecimento através das coleções de livros ou mesmo das enciclopédias e das grandes obras
vendidas em fascículos. Isso fica claro no preâmbulo da coleção Grandes Pensadores, lançada
em 1969: “o exemplo dessas personalidades que desejamos projetar no futuro das gerações,
como lição e incentivo (...), editores que somos, fazendo da leitura o nosso apostolado, damos
ao Brasil, com esta obra, nossa contribuição a essa causa” (PEREIRA, 2009:52). Além de
aparentar um estilo arrojado ao liderar sua empresa, Civita também tinha o domínio de toda a
cadeia da produção de bens culturais, da redação à distribuidora, o que contribuía muito para a
realização dos projetos, principalmente para a popularização do livro, que fazia uso do seu
sistema de distribuição de revistas para também levar as coleções dos livros clássicos da
literatura nacional ao maior número de pontos de vendas do país . Em 1960, iniciou a venda
em fascículos de obras de consulta: as enciclopédias e grandes livros que antes estavam
somente nas bibliotecas e que, agora, também eram destinados ao público infantil, para as
pesquisas escolares. Em 1966, ocorreu o lançamento da primeira versão da enciclopédia
Conhecer, reeditada em 1977, na qual Victor Civita reforça o endereçamento do produto:
[...] embora fosse inegável o progresso do sistema escolar brasileiro, nenhuma escola
podia ser responsável isoladamente pela formação do cidadão. A família
desempenhava um papel capital nesse processo e os pais reconheciam o valor de uma
enciclopédia na formação dos filhos (PEREIRA, 2009: 52).
A década de 1960 parece ter extrema relevância para a história da Editora Abril.
Inúmeras iniciativas diferentes aconteceram, desde o lançamento de obras para os mais
diferentes públicos e de fascículos de enciclopédias até a publicação de livros de filosofia e da
revista Veja, em 1968, título mais importante da editora. Nesse período, um marco ocorreu: a
mudança física dos setores administrativos em que a gráfica e algumas redações transferiram-
90
se para o prédio da Marginal do Tietê (avenida Otaviano Alves de Lima) (MERCADANTE,
1987:57). Esse foi o momento de maior expansão da Editora. Paradoxalmente, o período da
grande censura também foi um momento de crescimento dos meios de comunicação e o
crescimento da industrialização, impactando a urbanização e mobilidade social, através do
surgimento de oportunidades de trabalho e maior escolarização, a Editora Abril aproveitou
essas mudanças e esteve a postos para possibilitar o maior acesso da população aos livros e
informação qualificada (PEREIRA, 2009: 58-59). No mesmo período, a indústria editorial
brasileira empenhou-se em conquistar o público jovem, que, até então, encontrava-se diluido
em um grande grupo ao qual as publicações existentes eram dirigidas: “a revista endereçada
aos leitores e 7 a 77 anos [...] é definitivamente descartada”
64
. Ocorreu então uma divisão do
público leitor por faixa etária:
[...] 2 a 6 anos para os pequenos, 7 a 11 anos para as crianças; 12 a 14 anos para os
p-adolescentes; 15 a 18 anos para os adolescentes. [...] Neste período, não apenas as
revistas, mas todos os meios de comunicação (especialmente a televisão) estão
sofrendo a influência dessa mudança de mentalidade (MIRA, 2001:154).
A estratégia da Editora Abril explicitava-se pela preocupação com a formação, com o
acesso ao conhecimento e à instrução através dos produtos culturais, visava a impactar
principalmente as crianças, pois dizia-se que elas seriam as primeiras beneficiadas por
qualquer melhora na educação e disponibilidade de informação. Mas, se tratando das crianças
enquanto publico, o fator lazer, que Victor Civita dizia ser também área de atuação da sua
empresa, é importante para cativar a preferência. A esse reconhecimento atribui-se o sucesso
dos quadrinhos que contavam histórias com ilustrações para divertir o leitor. Considerando as
oportunidades a serem exploradas, dentro da área de atuação da Abril havia espaço para uma
revista infantil que, assim como a bem sucedida O Tico-Tico, pudesse ensinar e informar
brincando. Para buscar atender a essa demanda, em julho de 1969, foi lançada a revista
Recreio.
A revista Recreio, a exemplo de O Tico-Tico, lançada sete anos após o termino da
circulação da antecessora
65
, foi um dos grandes sucessos editoriais destinados ao público
infantil e registrou grandes números de tiragem, levando, ao consumidor infantil, histórias de
64
MIRA, cita Alain Fourment, p. 154.
65
A História da Revista no Brasil aponta que O Tico-Tico existiu somente até 1959, porém as teses
citadas nesta dissertação de ROSA,1991 e LEÃO, 2002 datam de 1962.
91
grandes autores brasileiros, curiosidades folclóricas, científicas e de interesse geral, sempre
acompanhadas de um brinquedo, fosse no encarte para ser montado ou mesmo um brinde.
De acordo com a jornalista Marília Scalzo
66
, “as publicações envelhecem visualmente
com muita rapidez”
67
, por isso, mesmo que um tulo fique em circulação no mercado por
muitos anos, seu projeto gráfico é revisto e modificado. Foi o que aconteceu com a Recreio. A
primeira fase da revista durou 12 anos, de maio de 1969 a maio de 1982. Nesse período,
embora tivessem sido mudadas seções da revista, formas de abordagem e interação com o
leitor, o título sempre manteve os itens principais: história, atividades e brinquedo. As
mudanças provavelmente aconteceram para acompanhar os interesses do público leitor e/ou
do diretor que interferia consideravelmente em uma publicação. (Scalzo, 2009: 99).
Imagem 7- Capas da Primeira e última edições de Recreio (número 1 e 453)
Diversas versões existem para explicar o surgimento da revista Recreio. Nenhuma
delas parece desmentir a outra, pelo contrário, são fragmentos ou até pontos de vista
diferentes que se complementam. Uma das versões, essas de corredores da Editora Abril,
diz que, na época, um dos diretores sentia falta de uma revista para seus filhos brincarem,
66
A Jornalista Marilia Scalzo dirigiu por 12 anos o Curso Abril de jornalismo. Reuniu todas as
dúvidas que frequentemente apareciam nas turmas, sua experiência em projetos de livros e revistas e
também outras informações, para esclarecer como trabalhar com o produto revistas em seu livro:
Jornalismo de revista.
67
SCALZO, 2009: 94
92
então reuniu uma equipe e de saíram com um projeto
68
. Uma outra, essa publicada no site
da editora, diz que a revista, concebida por Waldir Igayara e Sonia Robatto, com a tarefa de
educar divertindo, tinha formato inovador para a época e era composta por textos filosóficos e
bem-humorados
69
. também uma que atribui o feito a Ruy Perotti, diretor de criação da
Editora Abril, que, no período, por esteve em outros cargos como o de diretor editorial e de
promoções. Perotti tem sua carreira bastante ligada aos quadrinhos e à animação em geral,
tendo criado personagens que são famosos até hoje. Como a revista Recreio nasceu sob sua
direção, pode ser que ele tenha participado do projeto.
A versão mais detalhada encontrada nessa busca é a da idealizadora da revista, Sonia
Robatto. Vinda do teatro baiano, a escritora já tinha alguns textos infantis escritos em formato
de peças teatrais, quando, decidiu levar à apreciação da editora Abril um de seus contos para
publicação: “A Sapa Cristina”. A Editora não publicou, mas compartilhou com Sonia o desejo
que tinha de lançar uma revista infantil e, então, convidou-a para fazer parte da equipe
70
. O
projeto dessa equipe será detalhado mais adiante.
No expediente de Recreio dessa fase (de 1969 a 1982), encontravam-se grandes nomes
da literatura infantil, da ilustração e do universo da indústria cultural nacional. Ruth Rocha,
Ana Maria Machado, Joel Rufino dos Santos, Sylvia Orthof são exemplos de escritores de
literatura infantil que estavam com frequência nas edições de Recreio. Maria Colasanti, Maria
Teresa Guimarães Noronha, Carlos Lombardi, Walcyr Carrasco são outros nomes que
também deram sua contribuição a histórias de Recreio. Nomes da ilustração e dos quadrinhos
estiveram presentes nos 12 anos em que Recreio esteve em circulação: Waldir Igayara, que
idealizou a revista com Sonia Robatto, Walter Ono, Ruy Perotti, Izomar Guilherme, Renato
Canini, César Sandoval, Brasílio Carlos são os mais frequentes.
71
.
A revista Recreio foi lançada em maio de 1969, formato 20,2 cm X 27, 2 cm,
dezesseis páginas e um encarte central com papel mais resistente dedicado aos brinquedos.
Devido ao objetivo de seu projeto, que será discutido mais adiante, logo abaixo do título da
68
Essa história eu ouvi, algumas vezes, em conversas informais com diferentes pessoas dentro da
editora. Por se tratar de um trabalho acadêmico e necessitar de registro de fonte, informo que a
primeira vez que tive acesso a ela foi em conversa com Tiago Afonso, então Gerente de Publicações
do Núcleo Infantil da editora, em março de 2007.
69
Artigo “Os donos da história”, publicado no site da Editora:
www.abril.com.br/institucional/50anos/infantil.html
70
Entrevista publicada na revista Pais e Filhos, novembro de 2006.
71
Todo esse levantamento foi feito pela leitura das edições e pelo mapeamento do expediente da
revista.
93
revista vinha a inscrição escolar. A revista iniciou com periodicidade quinzenal, a inscrição
de data nas capas sempre se referia a quinzena do mês em questão. As tiragens dos primeiros
números foram de 250 mil exemplares, os quais esgotavam rapidamente em banca, o que
levou a editora, ainda no primeiro ano, a transformar a revista em semanal. Vinte e cinco
edições de Recreio circularam no ano de lançamento. As capas sempre divulgavam história
que era o principal conteúdo. Havia sempre um convite à participação do leitor estampado na
capa, desde a primeira edição. O Leia e Pinte. Recorte e Brinque poderia ser realizado através
das atividades que estavam em todas as páginas da revista, inclusive na última capa, chamada
quarta capa. Além das atividades havia o presente de Recreio: o brinde. Tratava-se de um
brinquedo que a criança deveria montar para brincar. Posteriormente, em 1974, além do
encarte, iniciou-se a inclusão de outros brindes.
Nos anos de 1970 e 1971, Recreio continuou seguindo o modelo inicial, com poucas
mudanças estruturais no projeto da revista e nenhuma no expediente, o que confirmava a
consistência da publicação. Além da inscrição escolar, logo abaixo do título da revista, ela
passou a se denominar A Revista Brinquedo no alto da capa, descrição que permaneceu até a
mudança de formato em 1977. na primeira edição de 1970, percebe-se claramente o apelo
de colacionável, na tentativa de fidelizar o leitor. Junto com revista o leitor ganhava um
Álbum de Figurinhas com o título de peixes do Brasil. Essa coleção estendeu-se por 12
edições
72
, nas quais a editora publicava as figurinhas para completar o álbum, com explicação
em seu verso: “nesse mero você está recebendo as primeiras figurinhas para o seu Álbum
Peixes do Brasil. Todas as semanas Recreio publicará as outras figurinhas.”
72
Edição 26 de 7/1/1970 até a 37 de 25/3/1970.
94
Imagem 8 - Capa edição 26; álbum e figurinhas
A fórmula das coleções parece ter dado certo, pois, ainda no ano de 1970, outras três
coleções de brinquedos em encartes foram lançadas: O mundo de Recreio, em nove edições
54 a 62 em que o leitor poderia montar uma espécie de cidade cenográfica com paisagens e
meios de transportes e até a bola espacial; O zoológico de Recreio, em oito edições 66 a 73
e O presépio de Recreio, em duas edições, 74 e 75. No ano seguinte, 1971, as coleções
continuaram, porém a maioria delas foi mais curta, variando de duas a quatro edições como,
por exemplo, O trem de Recreio (edições 86 e 87) e A casa de Recreio (edições 88 a 91).
Porém, quando o tema permitia, elas se estendiam, como na coleção do Circo de Recreio, em
cujas nove edições (95 a 103) estiveram presentes do picadeiro às atrações como pirâmide
humana, equilibristas, domadores e até o pipoqueiro. Esse modelo com atividades que se
complementavam em diferentes edições repetiu-se posteriormente com menor freqüência,
todos esses elementos serviam para a construção do repertório compartilhado do leitor de
Recreio.
A década de 70 foi um período importantíssimo para a Editora Abril. Sua fase de
expansão estava a toda e todos os projetos levaram-na ao posto de maior editora da América
Latina, responsável pela publicação de 80 periódicos no mercado brasileiro. Com tantos
títulos diferentes, a organização das equipes tornou-se fundamental para que pudesse
continuar, cada qual, cuidando dos interesses dos títulos e dos leitores. Uma mudança no
expediente parece retratar essa reorganização dentro da Editora Abril. Até 1970, o expediente
tinha um Diretor de Redação, Álvaro Figueiredo, e toda a equipe que trabalhava para fazer a
95
publicação. A partir de 1971 houve a segmentação, formando um grupo Infanto-juvenil, e
com isso necessitou-se de um Diretor de Grupo para responder pela saúde financeira das
publicações dentro da empresa e também para liderar as equipes responsáveis por fazer as
revistas. Nesse momento, Cláudio de Souza foi nomeado ao posto de Diretor de Grupo
Infanto-Juvenil, no qual esteve até o final de 1975. Outros três nomes passaram por esse posto
até o fim da circulação de Recreio: Ângelo Rossi, de janeiro de 1976 a fevereiro de 1980, Ilke
Zarmati, que assumiu na sequência até fevereiro de 1982, quando entrou Flávio de Barros
Pinto e dirigiu as últimas sete edições da revista. Essas transformações se deram em um
momento que, historicamente, se passava por mudanças no cenário cultural brasileiro,
momento de maior abertura para o mercado de bens simbólicos, o que afetou em geral as
indústrias culturais (Renato Ortiz, 1989).
A presença de um Diretor de Grupo também gerou alterações nas estruturas e equipes
das publicações. Em 1972 observaram-se mudanças no expediente, no qual deixou de haver
uma consultoria pedagógica, posição ocupada nos anos anteriores por Ruth Rocha, e não
estavam mais presentes os nomes de Sonia Robatto e de Waldyr Igayara, os idealizadores da
revista. Álvaro Figueiredo, Diretor de Redação até 1971, tornou-se o Gerente Comercial,
posição que ocupou até o final de 1974. Essas mudanças na equipe, consequentemente,
geraram mudanças no produto; a principal delas é que a revista passou a ser composta por
duas histórias e o brinquedo do encarte normalmente a ser relacionado aos personagens ou
tema de uma das histórias. Além das duas histórias, que estiveram o ano todo na revista, a
partir da edição 177, de 29/11/1972, toda edição começava e terminava com uma história em
quadrinhos. As atividades diminuíram para dar espaço a seções de participação do leitor,
iniciava um processo de estímulo a interatividade que foi fundamental para a revista ao longo
de sua existência, Correio dos amiguinhos de Recreio, e de pesquisa, como o Calendário de
datas comemorativas. Um outro fato interessante foi a inclusão, na revista, de pesquisa de
opinião. Primeiro destinada aos leitores, um formulário simples com nove perguntas foi
publicado em seis edições 148 a 153 ; depois, um segundo formulário destinava-se aos pais
161 a 166 e, finalmente, um terceiro dirigia-se aos professores 167 a 171, no mesmo
momento a Editora Ática insere o „livro do professor‟ que acompanhará até os dias de hojra
os livros didáticos e paradidáticos (Borelli, 1996). O objetivo da pesquisa era entender as
preferências do leitor e a percepção que pais e professores tinham da revista. Parte das
respostas foi publicada no espaço destinado à correspondência dos leitores. Essa prática de
96
ouvir o leitor para mantê-lo em sintonia fina com quem produz a revista foi fundamental e
amplamente difundida. (Scalzo 2009: 37).
No ano seguinte a revista mudou bastante e, em alguns casos, anunciou ao leitor a
mudança, como nas edições 209 e 229. A primeira alteração foi comunicada ao leitor em um
anúncio, na quarta capa da revista, sobre mudanças na edição seguinte da Recreio; a segunda
foi anunciada também em uma edição anterior, no jornalzinho. Ambas a comunicações
vinham destacadas na capa. A partir da edição 209, a revista passou a ter o jornalzinho, no
qual ficavam reunidos os contatos dos leitores, datas comemorativas e reportagens. A
mudança seguinte aumentou o número de páginas do jornal e também de atividades, que
passaram a ter ginas inteiras destinadas a elas. Também na organização da empresa houve
alterações. O departamento de redação mudou de espaço físico, saiu do prédio da Marginal
Tietê e foi para a Avenida Brigadeiro Faria Lima, e, para o expediente, voltaram dois nomes
importantes na história da publicação: Waldyr Igayara, como Diretor Editorial, e Ruth Rocha,
como Chefe de Redação. Ainda no expediente criaram-se a posição de pesquisadora e
também um departamento de Promoções.
Imagem 9 - Mudanças de 1973
97
Recreio, em 1974, na segunda edição de número 235, voltou a ser quinzenal, sem
nenhuma grande modificação no expediente da revista, mas, sim, na composição da
publicação. Uma mudança importante é que o brinquedo para montar, que vinha no encarte e
era um dos apelos comerciais da revista, parecia não ser mais suficiente, pois, além dele,
sempre havia um brinde. Alguns deles eram brinquedos, outros eram amostras de produtos
destinados ao público infantil, como o sabonete da Turma da Mônica, que foi encartado na
edição 256. Mercadologicamente conhecida como sampling, essa técnica de distribuição de
produtos é amplamente utilizada para que os consumidores potenciais possam experimentar o
produto. A publicidade apareceu com mais força nesse ano, inicialmente com outros produtos
Abril destinados a crianças, e, a partir da edição 244, outros fabricantes passaram a anunciar
seus produtos na revista. O primeiro anunciante foi um fabricante de material escolar, que
divulgava sua borracha como brinquedo: “o brinquedo que não tem fim. Brinque mais com
Borrachin, a borracha que não tem fim. À venda em papelarias, bazares, lojas e
supermercados”. A publicidade interna, da própria revista anunciando as surpresas da edição
seguinte, ficou mais presente, aparecendo no mínimo três vezes por edição, e o apelo, que
antes fora sobre as histórias e atividades, agora era direcionado ao brinde. O correio dos
amiguinhos de Recreio, que trazia desenhos, histórias e sugestões dos leitores, a partir da
edição 240, passou apenas a divulgar suas fotos. Durante todo o ano foram publicadas
somente histórias de Sonia Robatto e Ruth Rocha. Em três edições experimentaram-se
diferentes formatos: na de número 236, Carnaval; na 241, Arca de Noé e, na 245, Festa
Caipira. Nessas edições, a revista estava destinada aos temas específicos e as atividades
relacionavam-se a eles; era preciso desmontar toda a revista para reconstruir as peças.
A participação da publicidade, iniciada em 1974, ganhou força em 1975 e criou-se um
departamento dedicado à publicidade em São Paulo e no Rio de Janeiro. Todas as quartas
capas da revista eram destinadas a anúncios, e a distribuição de amostras de produtos também
passou a ser mais frequente. No expediente, o departamento comercial agora contava com um
gerente de marketing, acompanhando um movimento comum que estava acontecendo nas
indústrias de comunicação. Embora esse cargo, inicialmente, tenha sido concebido para ajudar
nas vendas, com o tempo acabou fazendo parte do contexto central das empresas, avaliando
oportunidades de mercado, conversando com os consumidores e interferindo na composição
dos produtos (Mira, 2001:149). Ruth Rocha era a Redatora Chefe e Sonia Robatto, a
98
Redatora. Além disso, voltou a haver uma Assessoria Pedagógica, como existia no início da
revista. Nenhuma grande alteração é percebida na revista; as histórias eram quase todas
republicações dos anos 1970 e 1971; os encartes com brinquedos para montar continuaram,
bem como os brindes; na capa, a revista quinzenal não identificava a data da publicação, mas
havia um selo de comemoração dos 25 anos da Editora Abril no Brasil.
Em 1976, não havia mais a inscrição escolar abaixo do título da revista, as histórias
continuavam sendo, em grande parte, também republicações das de 1970 e 1971. Nesse ano o
departamento de redação mudou para a Rua do Curtume, Sonia Robatto era Redatora Chefe e
Ruth Rocha não apareceu no expediente até 1978, quando voltou como Diretora de Grupo
Infanto-Juvenil. Nesse momento, a Editora Abril lançou uma extensão de linha de produtos
com a marca Recreio, uma coleção de livros de histórias infantis consolidando os escritores e
ilustradores que trabalhavam na produção da revista
73
. A área comercial continuou mudando
e, além do Gerente Comercial, incluiu-se um Gerente de Propaganda e Publicidade, cuja ação
tornou-se perceptível na revista através da distribuição de amostras e do crescimento da
publicidade. Inclusive novas formas de inserir os anúncios foram testadas, com encartes soltos
de coleções Abril e também inclusões de maior visibilidade como a orelha da capa abaixo.
Imagem 10 - Edição 308, 1976
73
A informação do lançamento da coleção foi dada através de um material de apresentação do
departamento de marketing infantil da Editora Abril. A ideia foi reconstruir a história da revista para
consolidar sua imagem junto às agências de publicidade e anunciantes.
99
Redesenhar a revista, ou seja, modificar sua linguagem visual é tarefa obrigatória de
tempos em tempos. [...] é preciso fazer ajustes o tempo todo e muitas vezes até
mesmo redesenhar a revista inteira. É sempre o tipo de público, é claro, que vai
determinar a frequência desses redesenhos (Scalzo, 2009: 68).
Ao final da era das grandes revistas, ou seja, Era do marketing, é imprescindível
conhecer o leitor. Um leitor que obriga todas as revistas a se reformularem
constantemente; que leva as editoras a sondar seus desejos para descobrir novos
nichos de mercado, num processo de segmentação da indústria cultural em geral que
se acelera nos anos 70; um leitor por cuja atenção e fidelidade a competição aumentará
cada vez mais (Mira, 2001: 96).
A revista Recreio também seguiu as regras do mercado das revistas e, além das
alterações que foram acontecendo ano a ano, em 1977, houve uma grande mudança. Começou
pelo formato, que passou a ter o tamanho do gibi, possivelmente, por dois motivos diferentes:
um deles foi o custo, pois esse tamanho tinha um melhor aproveitamento do papel (Scalzo,
2009; História da Revista no Brasil, 2000); o outro foi que as crianças estavam
acostumadas com esse formato, uma vez que nessa época os gibis circulavam com muitos
títulos disponíveis no mercado, tanto de produções brasileiras, como Turma da Mônica,
quanto de importadas, como Disney e super-heróis. A Recreio mudou para o formato gibi, o
qual denominou de Formato Gostoso, inscrição que colocou na capa, acima do título, junto
com a quantidade de páginas, 32, que também aumentou. A periodicidade continuou
quinzenal. O convite à participação do leitor, que antes era feito pelo Leia e pinte. Recorte e
brinque, passou a ser um informativo do conteúdo com a inscrição Histórias Quadrinhos
Brincadeiras. A composição da revista, anunciada na capa, continuou com uma história que
tomava, normalmente, de 17 a 20 páginas em cada edição. As atividades e os brindes
continuaram e havia também histórias em quadrinhos e a página do leitor com desenhos
enviados para a redação.
Fisicamente, a redação mudou para a Rua Bela Cintra; no expediente, não constou
mais o nome de Sonia Robatto; como Assistente de Redação, assumiu Walcir Rodrigues
Carrasco, que, posteriormente, tornou-se um autor de livros infantis e novelista. Dentro da
redação, passou a haver um produtor e um pesquisador de texto. O departamento comercial
foi ampliado com um Gerente de Produtos e um Assistente, assim como também o foi a
equipe de promoções e propaganda. A publicidade crescente, que anteriormente estava na
quarta capa, passou a ocupar, também, algumas páginas da edição.
100
Imagem 11 - Edição 330, 1977 Novo formato
Ruth Rocha, que voltou a fazer parte do expediente em 1978, como Diretora de Grupo
Editorial, promoveu algumas mudanças na revista, principalmente no que dizia respeito à
participação dos leitores; reportagens passaram a fazer parte do conteúdo
74
e a maioria delas
era feita com crianças. Além das reportagens, aconteciam, na redação, mesas redondas com a
participação dos leitores, discutindo temas polêmicos. A modificação no conteúdo também
era informada na capa. Como os quadrinhos, embora continuassem a fazer parte da revista,
pareciam não ser mais um argumento de venda, na inscrição da capa, eles dão lugar às
reportagens: Histórias Reportagens Brincadeiras.
Imagem 12 - Edição 355, 1978
74
As reportagens passam a fazer parte do conteúdo da revista na edição 352.
101
A princípio com a abertura de um espaço para o leitor, depois com o jornalzinho e,
principalmente, com o início das reportagens, o leitor passou a fazer parte da pauta de
Recreio. Em 1979 essa tendência aumentou mais; o convite à participação do leitor foi mais
constante na revista. O ano foi repleto de concursos, uns com prêmios, como o primeiro deles,
cujo prêmio eram bicicletas Monark®; outros com prêmios em dinheiro e alguns
simplesmente com publicação dos vencedores na revista. Edição após edição, a redação de
Recreio solicitava que os leitores participassem através de desenhos, cartas e até mesmo por
meio de uma pesquisa assinada por Ruth Rocha e que foi encartada na edição 382. Além
desse convite à participação do leitor, periodicamente, a redação comunicava como estava se
processando o recebimento das cartas ou a avaliação do concurso, a fim de manter o leitor
informado. Quando o material de um leitor era publicado, ele era identificado com seu nome,
idade e cidade em que vivia. A relação mais próxima com o leitor aconteceu em mão dupla,
durante o ano de 1979, quando a redação conseguia saber muito sobre as crianças através de
seus desenhos e cartas, mas também contava mais ao leitor como eram as coisas nos
bastidores da revista. Assim, a reportagem da edição 368 foi feita com crianças que visitaram
a redação, e, na última edição Recreio, que foi comemorativa dos 10 anos da revista, as portas
da redação foram abertas a elas para mostrar as pessoas e contar um pouco sobre a tarefa de
cada um, sobre o tempo que estavam ali e como eram as coisas.
Imagem 13 Edição 390, 1979 - Capa e reportagem 10 anos
102
A participação dos leitores na revista continuou a acontecer durante o ano de 1980, em
que as reportagens eram, em sua maioria, feitas em escolas ou com crianças que estavam
envolvidas com o assunto em questão em cada edição, como, por exemplo, na edição 409, que
tratou de mesadas; na 410, de coleções; na edição 414, que tratava de bichinhos de estimação.
Todas tinham como entrevistados crianças envolvidas com os temas, algumas buscavam o
envolvimento da família, como na edição 415, que buscou crianças com ascendentes de outras
culturas para comentar as diferentes tradições do Natal. As crianças eram convidadas a dar a
sua opinião sobre temas infantis e sobre assuntos com os quais nem sempre estavam
diretamente envolvidas.
Nas páginas de Recreio, o público infantil podia ampliar seu conhecimento de mundo.
Podia descobrir os bastidores e até a história de muitos fatos comuns em suas vidas, como foi
o caso dos ditos populares, que estão sempre presentes nas falas dos adultos. Houve uma
edição todinha sobre teatro infantil, nela a história central era uma peça de teatro, a
reportagem - foi feita com um grupo de teatro em cartaz - e ainda as atividades ensinavam a
ensinando a fazer coisas para o teatro como bonecos, cenário e até mesmo ensaiar as
expressões faciais no espelho. Mostraram-se ainda detalhes sobre a primeira escola de futebol
do Brasil, criada pelos campeões do mundo Bellini, Djalma Santos e Oreco. Além do futebol,
outras particularidades nacionais foram retratadas nas revistas: da história da libertação dos
negros, da sua tradição, musicalidade e comida, inclusive com receita de vatapá na música de
Dorival Caymmi edição 399 , ao mundo de Monteiro Lobato edição 398 , passando pela
discussão sobre os rios nacionais que estão morrendo edição 393- e pela associação de
voluntários mirins que trabalham para proteger o mundo edição 395, todos esses assuntos
abordados eram ainda embriões de preocupações maiores que apareceriam no futuro como a
sustentabilidade do planeta e a contribuição das pessoas nos processos e preservação
Todo o material que compõe a revista e a participação dos leitores mostra que estes
tinham uma compreensão do mundo, embora diferente da formada por um adulto, e que eles
percebiam a realidade e eram capazes de discuti-la (Toren: 1993). Isso torna-se ainda mais
evidente, quando um adulto ou um veículo de comunicação lhes voz, como fez Recreio. A
redação da revista supunha quem era o seu leitor, consciência que foi se ampliando através do
contato contínuo com eles, como é prática das grandes revistas (Mira, 2001; Scalzo: 2009).
Tanto que alguns conteúdos, muitas vezes, pareciam retratar a imagem do leitor, e o leitor
imaginado por eles não necessariamente refletia a realidade em 100% de sua audiência
103
(Ellsworth, 2001:11). O melhor exemplo desse aspecto apareceu nas páginas de Recreio,
ainda no ano de 1980: os quadrinhos PAIÊ, cuja estréia aconteceu na edição 411, em suas
curtas histórias, mostravam cenas típicas de negociação entre crianças e adultos, ou também
seus questionamentos em relação ao mundo e às pessoas. O conhecimento do público leitor
aliado à oferta de um produto variado que leva a ele entretenimento e informação faz de uma
publicação um grande sucesso (Scalzo, 2009). Não como negar que Recreio parecia se
encaixar nessa descrição.
A publicidade continuava presente. Nesse ano de 1980, prevaleceu o investimento de
um anunciante somente. A Nestlé, com suas diferentes marcas destinadas às crianças, esteve
em catorze quartas capas das vinte e seis que circularam no ano. Se o dinheiro do
investimento publicitário estava mais concentrado, os aspectos da economia nacional também
impactavam o leitor: durante o ano, o preço de capa da revista sofreu três aumentos, de 11%,
25% e 32%, passando de Cr$20,00 (vinte cruzeiros), em janeiro, para Cr$33,00 (trinta e três
cruzeiros), na ultima edição, o que causou forte impacto no consumo das revistas que,
comparada a outros produtos, eram consideradas supérfluas.
A crise do capitalismo mundial se agrava bastante no Brasil em função de índices
inflacionários altíssimos. A instabilidade econômica, caracterizada por sucessivos
planos para conter a inflação e repetidas ondas de recessão, afeta de maneira particular
o mercado de revistas. Como um item de consumo supérfluo, o mercado se expande e
se retrai abruptamente (Mira, 2001:148).
A situação econômica apertava conforme avançavam os anos na década de 1980 e o
impacto da inflação foi perceptível nas capas de Recreio: nos últimos 17 meses de existência
da revista (janeiro de 1981 a maio 1982), os aumentos do preço ao leitor eram entre 6% e
10% a cada duas edições, ou a cada mês, passando de Cr$ 37,00 (trinta e sete cruzeiros), em
janeiro de 1981, para Cr$120,00 na última edição. O preço de capa da revista não foi o único
elemento a retratar o cenário econômico ao leitor; os brindes não estavam mais em todas as
edições, tanto que nem eram mais anunciados na capa. A primeira reportagem do ano abordou
as crianças que trabalham para ganhar a vida, fazendo um levantamento histórico do trabalho
infantil e entrevistando algumas crianças que não conseguiam nem estudar devido à
necessidade de trabalhar e ajudar as finanças da casa. A restrição financeira parecia também
ter afetado a equipe, pois, no expediente de 1982, notava-se uma redução na equipe que
produzia a revista; a redação, por exemplo, que havia sido reduzida em 1980, passou a ser
104
composta por uma pessoa, a editora chefe Paulete Cohen. Nesse momento as edições de
Recreio eram meramente reimpressões dos números da década de 1970.
Percebe-se o esforço, durante o ano de 1981, para manter o conteúdo da revista
atrativo ao leitor e táticas próprias de revistas destinadas a adultos foram utilizadas, como, por
exemplo, entrevistas com celebridades, que eram destaques na capa
75
. Estas eram crianças
famosas que participavam de eventos conhecidos, como as que pertenciam à ala infantil que
desfilou no carnaval da escola de samba Vai-vai; os atores que interpretavam Narizinho e
Pedrinho, no Sítio do Picapau Amarelo; a equipe da ginástica olímpica que estava se
preparando para disputar as olimpíadas de 1984. Também colocavam em destaque os adultos
famosos que estavam presentes na vida dos leitores infantis, como a equipe de iatismo,
ganhadora da medalha olímpica em 1980; os trapalhões, que eram o sucesso de audiência
entre as crianças na época; os interpretes de Popeye e Olívia Palito, desenho que também
estava em alta no momento; o garoto propaganda de Bom Bril, Carlos Moreno; Sócrates,
ensinando futebol, e Nelson Piquet. Além das entrevistas com os famosos do momento, a
revista também trazia assuntos que poderiam fazer parte da rotina dos leitores: o dia a dia de
um estúdio de ilustração, explicando como os desenhos animados eram feitos; a cozinha de
uma doceria, mostrando o processo de produção das delícias que ficavam na vitrine e o
camarim dos mágicos que animavam festas e eram a atração do circo. Nessa época a revista
era uma mistura do formato anterior, que trazia atividades e histórias, com o estilo das
semanais de informação, trazendo reportagens e informações do que estava em evidência nos
jornais ou na vida dos leitores.
75
Para mais informações sobre as estratégias das publicações ver História da revista no Brasil, 2000;
Mira, 2001; Correa,2005 e Scalzo, 2009.
105
Imagem 14 - Edições 417, 441, 426 - Reportagens 1981
Na terceira edição de 1982, Recreio voltou a ser A revista brinquedo, sem a inscrição
escolar e, dessa vez, com a definição da faixa etária do público a que se dirige. Logo abaixo
do título, a instrução destinava a publicação para crianças a partir de 3 anos de idade. A
alteração aconteceu na edição 445, duas antes da redução do expediente da revista. Na quarta
capa foi um comunicado do editor aos pais, explicando as razões da mudança, como se elas
tivessem sido intencionalmente programadas e desenvolvidas, mas, na verdade, o que estava
ocorrendo era somente a reimpressão das edições antigas. Essa edição 445 havia sido
repetida em 1976, na 307, em que retomavam o número 52
76
, com a história assinada pela
criadora do projeto da revista, Sonia Robatto, e mantinham exatamente a mesma sequência de
atividades. As únicas coisas que mudaram, nas três edições em questão, foram as capas, o
anúncio da Recreio seguinte e a quarta capa. É fato que as crianças que leram as edições
anteriores
77
dificilmente ainda seriam público de Recreio
78
. Essa iniciativa pode representar
duas estratégias da editora: retomada do projeto original, na esperança de recuperar os
resultados da revista, ou uma decisão de negócio, na tentativa de reduzir custos, reimprimindo
76
Publicado originalmente em 8/7/70.
77
Edição 52 de 1970 e edição 307 de 1976, com 6 anos de diferença entre elas.
78
um consenso dentro da Editora de que um conteúdo das publicações infantis pode ser repetido,
ou publicado novamente, num intervalo mínimo de 5 anos, pois nesse período já houve a troca
completa da geração de leitores. Em 2009, Recreio trouxe novamente a coleção Letronix, a primeira
coleção da nova fase da revista que aconteceu no ano do lançamento, 2000.
106
edições já feitas, até que a decisão de acabar com o título fosse amadurecida e realizada.
Imagem 15 - Edições repetidas: 52, 307 e 445
Essa foi a trajetória da primeira fase ou primeira versão da revista Recreio, uma
publicação com personalidade e atitude de grandes revistas, motivo pelo qual sobreviveu doze
anos, com tiragens representativas que chegaram a 500 mil exemplares por edição, num
mercado que não tem piedade nem espaço para produtos sem objetivo definido (Mira, 2001;
Corrêa, 2005; Scalzo, 2009). Com vida bem mais curta que a antecessora O Tico-tico
79
, em
tempos de maior concorrência, Recreio assumiu um papel bastante parecido com o daquela,
embora não esteja presente nos históricos das publicações brasileiras e, mesmo no da editora
Abril, no qual as referências à revista são sempre feitas com brevidade
80
. Apesar de não haver
79
De 1905 a 1962 circulou o semanário Tico-tico. (Rosa, 1991; Leão, 2002)
80
A história da revista no Brasil,2000, coloca O Tico-tico em local de destaque ao descrever as
publicações destinadas às crianças e depois desse titulo, em importância, aparecem os quadrinhos.
Recreio, porém, não aparece nesse histórico, a não ser como menção na linha do tempo no ano dos
seus lançamentos: 1969 e 2000. Mira, 2001 cita o título no ano do lançamento.
107
tanto espaço dedicado ao projeto na história do campo das revistas no Brasil, cabe o
reconhecimento do seu sucesso. Numa época em que muitos títulos lançados no país eram
modelos importados, a proposta de Recreio foi tão consistente que ganhou edições
internacionais: a Recreo, em espanhol, na Argentina e Espanha, e a Carosello, na Itália. Do
expediente de Recreio nasceram grandes nomes da literatura infantil brasileira: Ana Maria
Machado, Joel Rufino dos Santos, Ruth Rocha, Sonia Robatto, Walcyr Carrasco entre outros.
Um grupo respeitado de ilustradores nacionais pôde, por meio dessa publicação diferente da
dos quadrinhos licenciados em que se empregava a maioria desses profissionais, criar
personagens nacionais. As páginas de Recreio ganharam cores e formas pelas mãos de
grandes nomes do desenho: Jorge Kato, Waldyr Igayara, Izomar Guilherme, Brasílio Carlos,
Renato Canini, César Sandoval e Rogério Nunes Borges foram os nomes mais frequentes.
Até o presente momento fez-se um histórico dos momentos da publicação, com
trechos das edições e imagens para tornar o mais real possível o contato do leitor com o
objeto desta dissertação. A partir deste momento, passar-separa um maior detalhamento do
público alvo da Recreio, do projeto da revista e da participação do seu público consumidor,
buscando retratar os pontos selecionados na metodologia, na tentativa de promover uma
discussão entre os eixos consumo de bens culturais, criança e consumidor-cidadão.
2.1 Leia e pinte. Recorte e brinque. O projeto Recreio
Estudando a história das revistas, o que se nota em primeiro lugar não é uma vocação
noticiosa do meio, mas sim a afirmação de dois caminhos evidentes: o da educação e
do entretenimento [...] as revistas nasceram sob o signo da mais pura diversão para
distrair os leitores e transportá-los a lugares aonde jamais iriam [...] ajudaram na
formação e educação de grandes fatias da população (Scalzo, 2009: 13).
A questão do entretenimento, do lazer para ocupar o tempo livre, que permeia a
discussão da cultura de massas (Morin, 2005), interfere na estruturação dos conteúdos e do
tipo de abordagem dos meios de comunicação, uma vez que estes, em sua maioria, valorizam
a informação com certo toque de prazer. As revistas, desde a primeira de que se tem notícia,
propõem um passeio pelos diversos temas destacados em suas páginas, ou, ao menos, pelas
diferentes abordagens de um mesmo tema, e recorrem a design adequado ao assunto abordado
e a imagens para tornar esse passeio mais agradável. (Corrêa, 2005; Scalzo, 2009). Essa
característica própria das revistas de um modo geral é ainda mais marcante nos títulos
108
destinados ao leitor infantil, que priorizam a diversão com cunho educativo ou bagagem para
alimentar a cultura primeira
81
da criança, uma vez que esta é muito exposta aos meios de
comunicação e dele tira subsídios para aumentar seu repertório
82
de informação.
A relação prazerosa entre o aprendizado do público leitor e os produtos culturais não é
casual, pois estes são frutos de um projeto estruturado e pensado exatamente para causar
emoções a esse determinado público. As decisões e considerações que um produtor emprega
em um bem cultural são explicadas pela teoria do endereçamento; não se notam em um evento
específico, mas, sim, permeiam toda a narrativa, que foi pensada para gerar um impacto
previsto em seu público (Ellsworth, 2006: 16-17). Embora a teoria do endereçamento venha
do cinema, ela parece ser bastante empregada na construção de projetos de revistas.
Consciente ou intuitivamente, a descrição das etapas de desenvolvimento de uma revista,
denominada plano editorial, considera exatamente essa relação com o público leitor:
Uma boa revista começa com um bom plano editorial e uma missão definida um
guia que vai ajudá-la a posicionar-se objetivamente em relação ao leitor e ao mercado.
[...] É o plano editorial que vai alimentar o plano de negócios e, por consequência,
deve representar a visão exata da redação sobre a publicação, e sua relação com o
leitor. O plano estabelece a missão, os objetivos e a formula editorial. Define quem
são os leitores da revista, planeja os cenários futuros para a publicação, [...] deve ser
constantemente avaliado e atualizado para não envelhecer precocemente. O plano
editorial ajuda, também, a manter o foco no leitor (Scalzo, 2009: 61-62).
Com o pensamento no leitor infantil e também no contexto do mercado de revistas
daquele período, o plano editorial de Recreio tinha um propósito claro: ser a primeira leitura
da criança, aproveitando uma fase na qual a escolaridade estava em crescimento (Pereira,
2009). Para isso fazia uso de histórias e personagens nacionais, tratava de fatos ocorridos no
Brasil e também exercitava habilidades motoras importantes para as etapas do
desenvolvimento infantil (Piaget, 1993). Considerando essas premissas, a proposta de
Recreio, nascida de um convite para desenvolver uma revista infantil brasileira, uma vez que
81
Cultura primeira de um indivíduo é aquela que se aprende fora da escola, no dia a dia, na
brincadeira e nos hábitos dentro de casa ou da família, podendo também ser identificada por
aprendizagem ou educação informal, atualmente bastante influenciada pelos meios de comunicação.
Para maiores detalhes sobre essa perspectiva de cultura primeira influenciada pela cultura de massa,
ver Orofino, 2005. Bourdieu, 1999, também aborda esse conhecimento nato, que se aprende em casa,
na formação do capital cultural.
82
Duarte; Leite; Migliora, 2006, em estudo feito com crianças, detectam que o público infantil atribui
grandes aprendizados aos meios de comunicação em especial à televisão.
109
não havia no mercado nenhuma com esse perfil, participou de uma espécie de concorrência
dentro da Editora Abril, para definir a opção que se tornaria realidade.
O projeto vencedor foi o da atriz, dramaturga e escritora Sonia Robatto, que
considerou essa experiência uma grande aventura. Sua carreira no universo infantil começou
despretensiosa, contando histórias para sobrinhas, e, entre a gama de histórias que contava,
havia uma preferida, a Sapa Cristina. Foi investindo nela que tudo começou
83
. Seu projeto foi
idealizado para ser a primeira leitura de uma criança. Ela queria disponibilizar literatura para
o leitor infantil, composta de histórias nacionais, com personagens que levassem
características do Brasil e também traços da cultura local. A cada edição, as histórias tratavam
de datas significativas no calendário nacional ou traziam regionalismos típicos das diferentes
partes do país. O conteúdo era elaborado para também incentivar a relação e proximidade
entre pais e filhos, as mães começariam lendo para seus filhos e montando brinquedos em
conjunto com eles; depois, os pequenos continuariam sozinhos. A idealizadora do projeto
prezava a brasilidade e a arte, sem esquecer a diversão das crianças. Caso não houvesse
nenhuma história que abordasse determinada data do calendário nacional, ela mesma a
escrevia, pois era difícil encontrar quem escrevesse por encomenda. A autora afirma, porém,
que a diversidade de profissionais era fundamental para a revista, pois somente dessa forma
era possível passar diferentes percepções de mundo aos leitores. O fomento à leitura infantil
era o pano de fundo do projeto, somado à disseminação da cultura do país, ressaltando datas,
lendas e acontecimentos históricos, complementados com sentimentos nacionais
84
. Para
ilustrar essa característica, nada melhor do que trazer o conteúdo da revista.
Na edição 258, de dezembro de 1974, a história Natal mostra diferentes formas de se
comemorar o Natal no Brasil, usando, como exemplo, a cidade de Salvador que tem festas
folclóricas e papais noéis de diferentes raças: japonês, branco, preto e índio. Segundo a
história, eles entram em consenso e escrevem uma carta para as crianças, pedindo que todas
enfeitem suas casas e façam presentes, em vez de comprá-los, e ofereçam a seus amigos e
seus pais. Sugerem, ainda, que, no dia do Natal, elas peçam a seus pais que contem a história
de um menino chamado Jesus, que nasceu em Belém, na Judéia.
A reportagem da figura abaixo - edição 363 - também falou da comemoração do Natal
tipicamente brasileira, e, na edição 415, como o papel da revista era informar, a redação foi
83
Entrevista concedida ao jornal A TARDE, de Salvador, em 24/10/09. Disponível em
http://www.atarde.com.br/videos/index.jsf?id=1262392
84
Sonia Robatto em entrevista telefônica concedida à autora em 11/05/10.
110
conversar com crianças que tinham avós de nacionalidades diferentes para contar como se
comemorava essa festa na Grécia, Rússia, Japão, Itália e Portugal.
Imagem 16 - Edição 363 Como o Natal é comemorado em diferentes regiões do Brasil
Além do conteúdo, a revista também contava com atividades, com base na teoria de
Piaget, cujos exercícios tinham a finalidade de desenvolver a motricidade. O calendário
escolar direcionava a pauta, construindo uma ligação direta entre a realidade das crianças e o
conteúdo da revista e levando-as a aprender sem perceber. Sonia Robatto avaliava
cuidadosamente o conteúdo, os textos, as atividades e brincadeiras e, se algo não estivesse em
linha com o plano editorial da revista, ela rejeitava.
As premissas do projeto de Recreio tinham muitas semelhanças com um grande
sucesso editorial do público infantil, O Tico-tico, cujos responsáveis despendiam grande
esforço para não desviarem a essência do projeto original de seus idealizadores, que era
desenvolver um produto recreativo e formativo, complementar à educação formal promovida
pela escola. O projeto evidenciava seus objetivos no nome da revista, que, como citado
anteriormente, referia-se às escolas do início do período republicano, no Rio de Janeiro, que
ensinavam a ler, escrever e contar e eram conhecidas como tico-ticos (Rosa, 1991: 36). A
diferença entre as duas revistas que vale a pena ressaltar diz respeito à pretensão moral de O
Tico-tico, que carregava a responsabilidade de moldar o novo homem brasileiro, republicano,
civilizado e moderno (Leão, 2002: 221). Recreio, por sua vez, não pretendia incutir nos leitores a
ideologia do editor, pelo contrário, valorizava a diversificação através do trabalho de diferentes
profissionais e não fazia prevalecer nenhum ponto de vista.
111
Sonia, enquanto liderava o conteúdo editorial da revista Recreio, tentou ensinar muitas
pessoas a escrever para crianças. Entre elas, algumas tosas ficaram e construíram sua própria
história, como Ruth Rocha. Alguns duelos também aconteceram como o “famoso evento” de
um texto de Ana Maria Machado que foi rejeitado para a revista. Segundo o ideal editorial de
Recreio, os conteúdos não deveriam conduzir o pensamento da criança e nem formar uma
opinião para que ela apenas acatasse. Esse fato é comprovado por uma situação na qual Sonia
rejeitou uma história de Ana Maria Machado, justamente por não querer que ninguém
obrigasse seus leitores a achar nada, não concordava com finais felizes, nem situações em que
os bons eram maravilhosos e os ruins morriam: “Não queríamos dar moral pra cima de
criança”, dizia ela
85
. Nada de dizer que algo deveria ou não ser feito, não era papel da revista
passar o conceito de que havia uma maneira de agir ou de fazer as coisas. As histórias e as
atividades estavam lá para mostrar possibilidades e não para ditar regras.
Era constante a preocupação em ensinar, compartilhar com o leitor a informação e
convidá-lo a também atuar, a participar. A missão de ensinar de maneira divertida era
assumida desde o título, Recreio que, de acordo com o dicionário de etimologia, é derivativo
regressivo de recrear, do latim recreare: divertir, brincar. Para reforçar seu significado, em
adequação ao propósito da revista, o Recreio vinha seguido da palavra escolar e antecedido
pela denominação A revista brinquedo. Embora o título Recreio não tenha sido atribuído por
Sonia Robatto, os complementos foram, assim, chegando à equação de adequação perfeita
entre nome, sobrenome e objetivo da obra.
Imagem 17 - Recreio Escolar: a revista brinquedo
Um exemplo claro da execução do plano editorial da revista alinhada com a sua
missão junto ao público leitor pode ser visto na edição 29, de 28/01/70, em que, da capa à
quarta capa, a edição tratava de arte e da importância dessa prática para as crianças. Todas as
85
Entrevista concedida a Larissa Purvini, em 6/11/06, para a revista Pais e Filhos, disponível em:
http://revistapaisefilhos.terra.com.br/htdocs/index.php?id_pg=109&id_txt=439
112
páginas da história foram ilustradas com técnicas diferentes de arte, guache, nanquim, pastel,
lápis de cera, etc. Ao final, um convite para os pais, listava a importância da educação
artística no desenvolvimento das crianças e ensinava passo a passo como montar uma
escolinha de arte em casa. Todas as atividades dessa edição complementavam o tema artes,
ensinando técnicas e convidando o leitor a exercitar. O zelo com o aprendizado e a
informação estavam, inclusive, nos detalhes, como mostra a figura abaixo, em que se vê, em
cada página da história, utilizada e nomeada uma técnica diferente.
Imagem 18 - Edição 29 - Capas e páginas da história
Toda edição era composta por dezesseis páginas de 20,2cm X 27,2cm, nas quais era
distribuída uma história; os 5,5cm laterais das páginas quatro a catorze eram dedicados a
atividades normalmente relacionadas com o conteúdo da história. Algumas edições tinham
duas histórias, o que tirava duas páginas de atividades. No miolo da revista havia um encarte,
113
em papel mais resistente, de maior gramatura, com uma atividade de montagem que era
tratada como um presente. Por esse composto de histórias mais atividades, o slogan da revista
foi, até o final de 1976, Leia e pinte. Recorte e brinque. Algumas vezes as atividades do
encarte eram partes de um grupo maior, sugerindo a coleção, mas isso não era uma regra.
Segundo a descrição da idealizadora do projeto,
ele tinha uma proposta diferente, ao mesmo tempo em que era uma coisa lúdica, com
atividades, tinha coisa para montar em papelão, tiras de tarefas baseadas em Piaget,
de discriminação visual e incentivo à motricidade, todas aquelas coisas que eram
dadas às crianças na escola, e elas faziam brincando. Então você tinha o que ler, o que
cortar e montar, o que aprender. Era completa e foi muito aprovada pelos colégios
86
.
O importante era que a criança pudesse se divertir; ensinamento aprendido desde cedo
com seu pai Alexandre Robatto: “Sempre é preciso se divertir!”. O aprendizado viria por
consequência. Para montar o projeto, foi utilizado o time de desenhistas da Abril..Após as
primeiras edições foi feito um levantamento dos ilustradores e escritores do mercado
nacional. Profissionais também enviavam seus trabalhos para aprovação e publicação na
revista, outros eram chamados e convidados a experimentar escrever para crianças, que não
era uma prática comum. Principalmente quando se tratava das histórias encomendadas sobre
temas históricos ou datas comemorativas, essas acabavam sendo escritas pela própria
idealizadora, o que aconteceu, por exemplo, na edição 40, cuja história abordava o 10º
aniversário de Brasília e descrevia referências históricas que levaram à construção da capital
no centro do país bem como introduzia noções geográficas da região. Essa abordagem dos
fatos históricos, recheada com uma narrativa mais próxima do leitor, torna a história mais
compreensível, principalmente quando se trata do leitor infantil. Segundo Giorgio Agamben,
2005, entre as tarefas a que as revistas se propunham, a fundamental era construir uma nova
relação entre história e tempo, carregada de um novo sentido, com uma outra visão do
processo e não somente a pura cronologia à qual o historicismo reduziu os acontecimentos.
86
Entrevista concedida ao jornal A Tarde, Salvador em 24/10/09, disponível em:
http://www.atarde.com.br/videos/index.jsf?id=1262392
114
Imagem 19 - Edição 40 - Aniversário de Brasília
O envolvimento da editora com o projeto é bastante nítido em seu discurso e também
no produto final, o que leva a reforçar o fato de que a produção de uma revista tem, por trás,
uma relação pessoal entre editor e leitor. (SCALZO, 2009: 12) A história das revistas também
valida essa relação, mostra que os idealizadores sabiam perfeitamente o que queriam de uma
publicação (CORREA, 2005) e, se uma matéria não estava de acordo com o projeto, era
rejeitada. Com Recreio não foi diferente. Sonia Robatto acabou ficando pouco tempo
efetivamente ligada à revista, pois não concordou com algumas mudanças que diretores, que
vieram integrar a equipe posteriormente, queriam fazer, como interromper histórias na metade
e continuá-las na edição seguinte, ou transformar os textos da revista em quadrinhos. O zelo
pelo interesse do leitor é uma briga que o editor enfrenta realmente, e, nesse caso citado,
Robatto dizia que as crianças não entenderiam e até se zangariam em ter que esperar a
próxima edição para ver o final da história. Não o editor, mas toda a equipe que produz
uma publicação deveria manter em mente essa preocupação; essa é a instrução dada aos
jornalistas já no Curso Abril de jornalismo: “O „como‟, em revistas, é fundamental. O
jornalista precisa aprender a pensar de acordo com a periodicidade do veículo, e claro, com os
interesses específicos de seus leitores.” (SCALZO, 2009:65)
A equipe de Recreio mudou ao longo dos anos, e mudanças, especialmente no
comando da redação, provocam transformações em uma publicação. “Um diretor de redação
sempre imprimirá sua marca e, mesmo sem querer personalizar em excesso, será o maestro a
dar o tom ao resto da orquestra” (SCALZO, 2009:99). Algumas seções da revista também
115
mudaram, o encarte com o brinquedo para montar, que por um tempo foi a grande surpresa
esperada da revista, perdeu espaço para os brindes que eram distribuídos nela. Mesmo com
essas alterações, até o final de 1976, o plano editorial de Recreio permanecia o mesmo: levar
a diversão e o aprendizado aos leitores. Dois nomes do expediente contribuíram para a
fidelidade a esse propósito inicial: Ruth Rocha e Waldyr Igayara, que estiveram presentes em
quase todo o período de existência de Recreio, tanto que na edição de 10 anos, em dezembro
de 1979, a então diretora de grupo editorial é citada como uma das únicas a fazer parte de toda
a história da revista.
Uma mudança grande aconteceu em 1977, momento em que, além da alteração do
formato, uma outra maneira de explorar o conteúdo passou a ser utilizada, com a inclusão de
reportagens e a mudança nas atividades, que passaram a ser passatempos e não mais recorte e
brinque. Essas modificações apontam para a adaptação da proposta editorial à nova realidade
dos meios de comunicação e dos interesses do público leitor. Para que Recreio continuasse a
sua missão de ensinar divertindo, o plano editorial foi atualizado, com a finalidade de não
perder atratividade, num momento em que a segmentação da indústria cultural em geral se
acelerou, a atenção da audiência era fortemente disputada pelos veículos de comunicação
(MIRA, 2001; PEREIRA, 2009) e a televisão chegava a 24,1% dos lares brasileiros
87
sem
nenhum custo para o telespectador, no que era diferente da revista. A Editora Abril também se
aventurou no universo da televisão e, em agosto de 1982, comprou horários da TV Gazeta,
reformou e equipou as instalações da Avenida Paulista e passou a ter uma programação de
15h semanais na grade da emissora.
O convite à participação do leitor deixava de se concentrar nas atividades que
poderiam ser executadas em casa isoladamente, para se dirigir ao debate, à entrevista, à
competição que se dava pela participação em concursos. A atuação do leitor deixava de ser
individual e anônima nas montagens dos brinquedos e passava para uma aparição pública nas
reportagens da revista ou no reconhecimento como vencedores dos concursos. Dois exemplos
da atuação do leitor no conteúdo da revista estão nas imagens a seguir.
87
IBGE, censo demográfico de 1970. O número dobra no censo de 1980, chegando a 56,1% de
domicílios com televisão, mostrando a rápida disseminação do meio. Num comparativo, entre 1960 e
1980, nos lares com televisão, percebe-se o crescimento superior a 1000%.
116
Imagem 20 - Edição 364 - Crianças falam sobre medo das mães
Imagem 21 - Edição 413 - Os desenhos escolhidos para responder à pergunta feita em uma das
histórias da revista.
Durante os doze anos em que esteve em circulação, Recreio levou ao público infantil
informação e divertimento de uma maneira séria, porém ao alcance da compreensão do leitor.
Contribuiu para o fomento da leitura infantil, para a difusão de lendas e particularidades da
cultura popular nacional, além de provocar, nas crianças, a participação na discussão de temas
que estavam em vigor no momento. Para isso, divulgou receitas de como fazer em casa uma
escola de arte, incentivando a criatividade - edição 29 - e também apresentou reportagem
117
sobre os laboratórios de arte, gratuitos, da Pinacoteca do Estado edição 418. Um dos
assuntos que transitavam entre os preferidos das crianças, o sistema solar e o espaço, foi tema
abordado em algumas edições, como, por exemplo, o brinquedo-encarte A cidade espacial -
edição182. Também foi tema das histórias, como a do Jardim do céu edição 201- que tinha
como personagem um menino que morava em uma estrela e montou e copiou o jardim do
escritor; ou como na reportagem de Walcyr Carrasco que explicava ficção cientifica edição
444 -, ou ainda em reportagens que traziam a realidade ao alcance das crianças, mostrando o
funcionamento do Planetário de São Paulo, explicado na matéria viajando pelo céu, na edição
396.
O objetivo do projeto de Recreio, embora a revista tenha deixado de circular em 1982,
poderia existir nos dias de hoje, pois a importância de levar a informação aos leitores infantis
nunca deixará de existir. É claro que com as novas tecnologias, as crianças podem buscar, em
um clique, qualquer assunto que queiram, porém a revista faz um trabalho de pesquisa
rigoroso e entrega um pacote diversificado com o design adequado às exigências do seu
público (Scalzo, 2009: 14). A possibilidade de aprender com diversão é um ideal presente no
processo. A narrativa associada à imagem e ao movimento é o princípio do áudio-visual e,
consequentemente, da televisão. Esses dois elementos proporcionam o envolvimento com o
público e, uma vez que se conhece esse universo, fica mais difícil aceitar aprender sem
desfrutar do processo. (Ellsworth, 2001:10) Recreio poderia existir no universo infantil atual,
talvez com um rearranjo na execução, uma pitada de tecnologia, quem sabe. Mas seu plano
editorial continua fazendo sentido, pois todo público gosta de uma boa história. O que
culminou com o término da revista foi o distanciamento da execução das edições comparada
ao projeto original, sem o desenho de uma nova que fizesse sentido para o leitor. Esse fator,
ao longo da história das revistas, sempre foi o mal que decretou o fim das publicações.
2.2 Essa página é sua!: Quem a Recreio pensava ser o seu leitor?
“Criança é criança e sempre vai ser criança, se tem televisão, se não tem televisão.
Apesar dos apelos do consumo, as crianças gostam mesmo do que sempre gostaram.”
(Sonia Robatto)
88
88
Entrevista à revista Pais e Filhos, 6/11/2006.
118
O plano editorial de Recreio foi elaborado por um adulto, a equipe que produz a
revista também é formada de adultos, portanto, assim como no universo dos brinquedos, os
bens culturais destinados às crianças têm, em sua composição, uma interpretação da
sensibilidade e das necessidades infantis
89
. Essa interpretação, por parte dos adultos, vem
carregada de significados que compõem seu repertório e visão de mundo. A representação da
infância para estes adultos é estabelecida pelas imagens e experiências que vivenciaram
quando foram crianças. A idealizadora de Recreio, por exemplo, teve momentos marcantes
em sua infância, nos quais ela aprendeu a desconfiar de gente grande, porque, além de não
conseguirem resolver seu problema de saúde, sequer se aproximavam dela
90
. Certamente a
sua resistência a passar lição de moral para as crianças, nas histórias da revista, tem origem
nas experiências da sua infância.
Os produtos destinados ao público infantil são obras de gente grande, assim como são
gente grande os pesquisadores que estudam a infância e as crianças, ou seja, de uma forma ou
de outra, toda a discussão que envolve os produtos destinados à infância não está isenta de um
ponto de vista adulto. Não como isolar essa interferência, mas não se pode deixar de
mencioná-la. Se todo produto destinado às crianças parte das idéias de um adulto, imaginando
o que ela espera e pensa de um brinquedo ou de uma revista, a questão do endereçamento
passa a ser evidente. O que não quer dizer, necessariamente, mais atuante. Ellsworth (2001),
em uma leitura do conceito de endereçamento utilizada para a educação, declara que, se um
produtor puder compreender a relação de um texto com a experiência do expectador, ele
poderá controlar a resposta do mesmo, por poder interferir na produção de determinado bem,
seja ele um texto, um filme ou um brinquedo. A psicanálise, porém, destaca o fato de que
nenhuma resposta pode ser totalmente prevista, pois não se conhece o lado de dentro da
psique humana em sua totalidade, caso contrário, os produtores de bens culturais poderiam
manipular as reações de suas audiências e seres humanos seriam todos robôs programados
pelos meios de comunicação.
Quando se olha a relação público x produtor (ou meio de comunicação) sob o ponto de
vista do produtor, é possível certificar que realmente o domínio da reação do expectador não
89
RMRPereira, no artigo faz uma análise dos brinquedos destinados às crianças sem deixar de
considerar a participação do adulto tanto na produção quanto na escolha do brinquedo que é ofertado à
criança. História Cultural dos Brinquedos, disponível em: www.periodicos.proped.pro.br
90
Em entrevistas, na revista Pais e Filhos, 6/11/06, e no jornal A Tarde, 24/10/09, Sonia conta que,
aos 7 anos, teve difteria e passou mais de três meses enclausurada em um quarto de sua casa. Seu pai
era dentista e só entrava no quarto de luvas. Somente a babá Didi conviveu com ela nesse período.
119
existe. Por esse motivo o contato com o leitor, no caso das revistas, mantido através das
pesquisas, do atendimento ao leitor e até da observação silenciosa de um consumidor
manipulando um exemplar, é tão importante para a continuidade e sucesso de um título. No
campo das revistas, logo se aprende a necessidade de estabelecer um foco preciso para cada
publicação (Scalzo, 2009:49), para que o universo de interesses do leitor seja mapeado e
atendido por uma publicação. Mira (2001: 95) esclarece que esse processo havia sido
identificado por “Adorno e Horkeimer, o que chamaram de plugging‟. [...] Enquanto
consome [a revista], seus gostos são sondados para que, a cada semana, se possa agradá-lo
ainda mais. Paradoxalmente, isso confere ao leitor um peso muito grande.”
A instrução básica para um bom texto de revista é, como sempre, voltar ao leitor. A
primeira pergunta é: “para quem estou escrevendo?” (Scalzo, 2009: 76). No caso de Recreio,
cuja missão era educar divertindo
91
, cabe a pergunta: educar quem? A resposta vem da
criadora da revista, com a definição de que a revista foi pensada para ser a primeira leitura da
criança, que inicialmente a faria em conjunto com a mãe e depois seguiria sozinha.
Documentos do departamento de marketing indicam que a faixa etária de seu público estava
entre 4 e 7 anos, o que parece ser um equívoco, pois, ao avaliar as participações dos leitores,
na seção Correio dos amiguinhos de Recreio, as idades variam entre 5 a 13 anos. Talvez essa
limitação tenha sido feita por um cálculo da idade escolar das crianças em fase de
alfabetização, o que não parece ser precisa, pois, segundo Emília Ferreiro, não uma idade
cronológica definida para que a criança seja alfabetizada ou aprenda a ler, portanto a definição
demográfica
92
para descrever esse leitor não é a mais indicada, embora seja usada desde o
final da década de 50.
Além da definição precisa demográfica ou comportamental, o editor, assim como o
produtor de cinema, parece ter claro o público de seus produtos, pois partindo disso é que a
narrativa dos mesmos é construída. Pelo conteúdo das histórias e atividades da revista e
fazendo uso da teoria de McNeal
93
, construída com base nas etapas de desenvolvimento
cognitivo da criança, é possível fazer uma correlação entre as principais necessidades das
91
Artigo “Os donos da história”, disponível em
http://www.abril.com.br/institucional/50anos/infantil.html
92
Mira, 2001: 154 cita Alain Fourment, anunciando a morte da revista que atende ao público de 7 a 77
anos e anunciando a divisão do público por faixa de idade. Mercadologicamente essa definição com
base em idade e nível socioeconômico ainda é utilizada, porém está perdendo espaço para a descrição
comportamental.
93
A teoria de James McNeal bem como a lista das necessidades das crianças são mencionadas no
capítulo 1 desta dissertação sob o tópico Crianças Consumidoras.
120
crianças e o conteúdo da revista. No caso da Revista brinquedo, de 1969 a 1976, Recreio
trazia como objetivo, antes de qualquer coisa, o divertimento, identificado pelo destaque dado
ao encarte-brinquedo e mesmo aos brindes, tanto nas capas da revista quanto nos anúncios da
edição seguinte, atendendo à necessidade do Brincar. A percepção e afiliação, necessidades
caracterizadas pela busca e desfrute de impressões agradáveis e relações de cooperação com
outras pessoas, também estavam presentes nas histórias e nas atividades, nas quais eram
sugeridas boas maneiras ao tratar os amigos e os animais.
Imagem 22 - Edição 29 - Anúncio da Recreio seguinte.
Imagem 23 - Edição 148 A bruxinha Filomena
121
A partir da década de 60, as crianças passaram a ser tratadas como seres atuantes com
papéis ativos nas relações sociais. Elas percebiam o mundo e tinham a sua opinião sobre as
situações. Recreio era destinado a esse leitor, que buscavam, através da experiência, respostas
para suas dúvidas e expressavam suas ideias. É fato que a revista era feita para a criança
recém-alfabetizada e mesmo em processo de alfabetização. Mas, mesmo aquelas que não
sabiam ler, podiam construir o seu saber, a sua percepção das situações que viviam. A
redação da revista entendia esse universo e retratava-o em suas histórias. Uma situação bem
característica é a relação com o dinheiro. McNeal descreve o processo das crianças tornando-
se consumidoras como um evento aplaudido pelos pais; são eles que as incentivam a entrar no
universo do consumo. A primeira percepção que as crianças têm nesse cenário é de que seus
pais fazem trocas com os comerciantes, deixam algo para serem donos das mercadorias
escolhidas. A percepção do dinheiro como valor é primeiro intuitiva depois monetária.
Recreio sabe que esse é o seu leitor e representa-o, de maneira simples, na edição 191, com a
história de Ruth Rocha Como se fosse dinheiro. A história conta que Sr. Lucas, da cantina da
escola, sempre dava de troco para Catapimba uma bala, até o dia em que este não quis e pediu
o seu troco em dinheiro. O Sr Lucas disse que não tinha troco, que, se o menino quisesse,
levava a bala ou no máximo um chiclete, era como se fosse dinheiro! Catapimba aceitou, mas
a situação se repetia tantas vezes que ele acabou tendo uma ideia. Um dia chegou com um
embrulho na escola e todos queriam saber o que era aquilo e ele dizia: - Na hora do recreio
vocês descobrem. Então, chegado o momento, ele pediu seu sanduíche e, na hora de pagar
para o Sr. Lucas, ele desembrulhou e colocou uma galinha no balcão dizendo: - É para pagar
o lanche, Sr. Lucas. Galinha é como se fosse dinheiro! Seu Lucas ficou quieto e aceitou a
galinha para acabar com o atropelo, mas aquilo virou moda e todas as crianças levaram coisas
para usar como se fosse dinheiro; até o Caloca levou um bode. O Sr Lucas ficou maluco e
chamou a diretora. As crianças contaram a história e a diretora concordou com elas. A
diretora foi explicar para o Sr Lucas que os animais não eram dinheiro, mas bala e chiclete
também não. Ele se desculpou e prometeu anotar quando não tivesse troco para pagar no dia
seguinte. A história repercutiu no bairro e todos os comerciantes aprenderam a lição.
A relação com a família e amigos era uma preocupação presente entre as crianças. O
medo de não ser aceito pelos pais, a relação com os avós foram temas de diversas histórias na
revista. Na edição 196, A páscoa de Vivinho, o coelho Vivinho não queria seguir a vocação
dos pais de entregar ovos de Páscoa. Sua família, toda de coelhos da Páscoa, preocupava-se
122
com o seu futuro, mas na Páscoa seguinte, todos os ovos acabaram e a família desesperou-se,
pois não poderia cumprir sua função com as crianças. Vivinho, que havia aprendido a ser
doceiro com suas amigas abelha e borboleta, salvou a Páscoa. A família agradeceu e Vivinho
descobriu que poderia ser feliz seguindo um oficio diferente do seus pais. Mais um caso de
ofício e família foi retratado na edição 230, com a história de Sonia Robatto, O menino Noel.
Noel não concordava com essa história de distribuir presentes para todas as crianças e ele
ficar sem nenhum, até que, na noite de Natal, quando sua família saiu para a entrega dos
presentes, o menino foi atrás com um saco vazio, para pegar de volta os presentes para si. Na
primeira casa, ele se atrapalhou e todos os moradores acordaram. Noel ficou com medo de seu
pai se zangar e contou para a mãe das crianças que ficava triste por nunca ter ganhado um
presentinho, mas não queria que seu pai se aborrecesse com o que ele estava fazendo.
A questão do gênero está presente nas relações desde a infância; os meninos não
gostam das brincadeiras das meninas e dificilmente aceitam que elas participem das suas. No
final de 1972, os quadrinhos passaram a ser conteúdo de Recreio. Percival e sua turma
sempre abriam as edições e Nossa turma fechavam. Os personagens dos quadrinhos, em geral,
retratam bastante os temas do universo infantil. A nossa turma da bola tem algumas histórias
que caracterizam bem a imagem do leitor de Recreio concebida pelos editores. Na edição
192, Ô, imaginação!, descreve-se uma situação em que a irmã mais nova de Tavico não
consegue dormir, porque leu uma história de monstros e está com medo. Tavico, num
discurso inflamado, diz a sua irmã que os monstros não existem, são produtos da imaginação
dela, pede que volte para a cama e finaliza com um pejorativo: mulheres... Assim que ela sai,
ele se apavora, tranca a porta e recorre a todas as suas armas, espingarda, estilingue e lanterna,
para se proteger dos monstros. A história no papo! conta a situação em que dois meninos
estão jogando bolinha de gude e uma menina chega querendo brincar. Eles aceitam com o
objetivo de ficar com todas as bolinhas dela, como acontecera em outra ocasião, mas o que
eles não sabem é que ela treinou bastante e acaba ganhando todas as bolinhas deles.
A disputa entre meninos e meninas é comum na rotina do leitor de Recreio, por isso a
redação não deixa de retratar esses momentos que muitos deles vivenciam. O quadrinho que
fecha a edição 197, O Mistério da limonada, mostra que a banca de limonada das meninas
do bairro é mais bem sucedida do que a dos meninos. O termo mistério empregado no título
aparece em destaque, exatamente, porque, para as crianças, talvez a questão não esteja tão
clara, mas as placas promovendo as duas barraquinhas mostram os diferentes modos como
123
meninas e meninos percebem o mundo ou, pelo menos, o estereótipo dele. Enquanto elas
divulgam: A limonada da Elô é mais limpa e o gelo é grátis, Pague 1, tome 2 e Trazendo o
copo fica mais barato, os meninos, acreditando esbanjar tino comercial, destacam sem
rodeios: Se quiser gelo é mais caro, Se quebrar o copo paga! e Fiado amanhã!. E ainda
discutem, sem entender por que elas vendem mais, já que o preço era o mesmo.
A mudança ocorrida em Recreio, em 1977, não foi estrutural, ou seja, não mudaram os
objetivos da publicação. Foi uma atualização do plano editorial para continuar levando ao
leitor leitura e informação de maneira divertida. O leitor, por sua vez, estava mais exposto a
diferentes estímulos. A televisão, com participação crescente nos lares brasileiros estabelece
uma nova estética, uma outra leitura, e até uma nova exigência aos meios de comunicação.
As reportagens que passam a fazer parte do conteúdo da revista inserem uma linguagem que
assume a intenção direta de informar, como se o editor dissesse: fomos pesquisar esse assunto
para você. O endereçamento é direto, semelhante ao apresentador de telejornal narrando os
fatos (Ellsworth, 2001: 18). Essa relação direta, podendo ser percebida pelo leitor como
pessoal, é reforçada, quando a redação passa, esporadicamente, a se mostrar para o público,
retratando as pessoas e descrevendo suas tarefas. Após a apresentação da equipe ao leitor,
parece ter sido selado um acordo de desvendar o mundo. As reportagens passaram a explicar
como eram feitas as animações, o teatro, os doces, como as pessoas se tornavam atletas ou
astronautas e até mesmo como se fazia a revista. O leitor, nesse momento, além de desfrutar
das histórias, como sempre, passou a ser imaginado como sedento de verdade, sem fantasia,
alguém que queria ver a vida como ela é.
A fase concreta, segundo Piaget, é a que segue a fase da fantasia. Nesse momento
Recreio passou a transitar nos dois universos das crianças, mantendo, por um lado, para as
crianças mais novas, as histórias, que continuavam a seguir a linha visual dos livros infantis,
por outro lado, as reportagens, que levavam a realidade para as mais grandinhas com as fotos
dos fatos abordados. A proposição ficou tão clara nas edições da revista que a participação na
página do leitor passou a contar com crianças mais novas. Antes os participantes tinham entre
5 e 13 anos, agora os de 4 a 7 anos mandavam suas fotos e desenhos para serem
publicados. A descrição do fato, o retrato da realidade também atingiu os quadrinhos. O
universo das crianças mostrado em Nossa turma era sempre de situações infantis, entre
amigos. A partir de 1980, Recreio passou a publicar uma história em quadrinhos de nome
Paieê, em cujos episódios as situações retratadas caracterizavam bem esse público, com
124
personagens que não mais se envolviam em situações de brincadeira com a turma; agora era
papo sério com questionamentos reais de situações vividas com adultos. O título Paieê
apontava a nova fase desse leitor que, ao menos em público, não trata mais os pais por papai
ou mamãe como fazem os mais novos. As argumentações, a percepção de mundo, bastante
concreta, porém questionadora, compunham o leitor imaginado pelo editor.
O primeiro episódio de Paieê
94
- imagem 23- mostra, inclusive, a consciência que as
crianças têm em relação à atenção que os adultos destinam a ela: um diálogo muitas vezes de
uma via só, cujo interlocutor (adulto), omisso no primeiro momento, perde a oportunidade de
construir uma relação com as crianças, normalmente filhos, dando-se conta do tempo perdido
somente quando elas chegam à adolescência (ARATANGY, 2009). A terapeuta de família
Lídia Aratangy ressalta a importância de dedicar às crianças um tempo com qualidade, pois
especialmente as mais novas, por terem uma percepção concreta da realidade, estabelecem as
relações de confiança com base nas experiências que vivenciam com as pessoas e mesmo com
os meios de comunicação. No episódio da edição 411 apresentado na ilustração abaixo-
imagem 24, o garoto mostra, para o leitor, que sabe como chamar a atenção do seu pai, o qual
não está muito interessado em participar dos assuntos do filho. Ele sabe que, quando a
situação ultrapassa o limite do que é certo, na visão do adulto, a resposta esperada acontece.
Os demais episódios trazem uma mistura de argumentação, embasada com
informações e fatos conhecidos para justificar uma situação. Na edição 418 imagem 25, o
menino faz, através da paródia Miguelângelo, referência ao artista Michelangelo como o
pintor que pintou a parede do Papa, para, assim, justificar a sua obra na parede da sala. E
ainda finaliza, brincando com o orgulho maternal, antes que a mãe possa reclamar do rabisco
do grande artista, diz: - Não precisa se preocupar. Eu não vou cobrar nada, é um presente!
Afinal de contas, você não é o Papa [para gostar de parede pintada e ainda pagar por isso], é
minha mãe... Gostou?”
A busca de justificativas para os deslizes que não são bem aceitos nessa idade, como
por exemplo, fazer xixi na cama, ou de bons argumentos para negociar com o objetivo de
deixar de comer algo de que não gosta é demanda frequente da criatividade das crianças
imagem 26. Essas situações também foram retratadas na série Paieê. Mas nem só de vitórias é
feita a vida; alguns argumentos não são tão convincentes ou os oradores não são tão
94
Os episódios da série Pai não traziam títulos. As legendas colocadas nos episódios que ilustram
este trabalho foram colocadas pela autora da dissertação, para relacioná-los ao tema ao qual se referiu
na análise.
125
persuasivos, ou ainda a regra sobre determinado assunto é clara, não permitindo réplicas nem
tréplicas às determinações imagem 27. Isso também acontece com os leitores imaginados
pelos produtores de Recreio e retratados nos quadrinhos. O veto a assistir à televisão até mais
tarde é seguido pelo discurso de um pai quase dinossáurico de tão velho imagem 28; a não
aceitação do estilo de vestir de uma criança pode ser explicada pelo não entendimento de
como funciona um guarda-roupa imagem 29; o conceito do que faz mal ou não pode ser
contestado imagem 30. Esses são exemplos de situações corriqueiras nas relações adulto x
crianças que personificam o leitor para o qual Recreio era feita.
126
Imagem 24- Edição 411 - Primeiro episódio PAIEÊ
127
Imagem 25 - Edição 418 Miguelângelo
128
Imagem 26- Edição 424 - Chovi na cama!
129
Imagem 27 - Edição 425 - Negociação alimentícia: jiló pra mim e cebola pra Mãeê!
130
Imagem 28 - Edição 427 - Tão velho quanto um dinossauro.
131
Imagem 29 - Edição 431 Liberdade de estilo
132
Imagem 30 - Edição 443 O que é que faz mal, mesmo?
133
2.3 Próximo Recreio! O convite a participação.
Recreio, a revista para quem tem muito o que brincar.
Semana sim, semana não, tem novo Recreio nas bancas.
A gente brinca bastante e ainda aprende um monte de coisas.
Recreio tem as mais divertidas histórias ilustradas,
Brincadeiras, reportagens.
Brinque muito com Recreio.
E tem mais! Grátis! Um brinquedo genial em cada revista.
Recreio em todas as bancas. (Anúncio publicitário de Recreio, publicado na 4ª capa da
edição 366)
Antes de anunciar o próximo número de Recreio, convém retomar rapidamente dois
conceitos importantes que foram trabalhados. O primeiro é o de cidadania, não aquela que
diz respeito à exigência do cumprimento dos direitos humanos, mas a que é considerada como
participação. A participação dos indivíduos pode ser social, política, cultural ou econômica,
ou seja, pode envolver qualquer esfera de sua vida, gerando impactos no coletivo. O outro é o
consumo, enquanto ato social que leva à reflexão e, consequentemente, a uma atuação
participativa, cidadã. Se o consumo pode resultar na cidadania e a cidadania pode ser vista
como participação, o incentivo ao consumo poderia levar à ampliação da cidadania? Se forem
consideradas as estratégias mercadológicas para a comercialização de produtos, como a
publicidade, como incentivo ao consumo, seria possível inferir que tais estratégias são um
convite à participação e, por consequência, à cidadania?
Aqui se fala do consumo infantil das revistas infantis
95
, dessa relação que envolve
diversão e aprendizado, estimulados por um produtor adulto que tem a sua visão de mundo
baseada em seu repertório de experiências e que, ao desenvolver o produto, endereça-o a um
leitor imaginado, acreditando ser útil a ele e esperando determinadas respostas dessa
interação. A relação de uma publicação com o seu leitor é quase pessoal, um encontro entre o
editor e seu público, um grupo de pessoas que tem traços de identidade ou preferências em
comum. O editor espanhol Juan Cano define a revista como uma história de amor com o
leitor. Se não for amor, pelo menos alguma outra emoção permeia esse contato; as revistas
são conselheiras, gurus, amigas, parecem descobrir o que o leitor quer saber ou a dica de que
precisa. São objetos queridos, colecionáveis, guardados ou para serem consultados em outros
95
A repetição de infantil nesse caso é intencional, no intuito de reforçar que estamos falando do
consumo das revistas infantis por parte das crianças.
134
momentos, ou, simplesmente, porque o tempo que passaram com o leitor foi tão proveitoso
que este tem dó de jogá-los fora. (Correa, 2005; Scalzo, 2009).
Desde a criação do meio revista, relacionada a magazine, seus produtos foram
tomando forma de uma gama de opções que o leitor poderia visitar sem compromisso, ao
folhear suas páginas, como se estivesse em uma galeria e parar diante de uma loja, vitrine ou
prateleira para escolher o que levar. Essa condição de disponibilidade, se você quiser está
aqui, se não quiser tudo bem, permite ao leitor assumir uma postura ativa, de aceitar o
convite, de entrar na relação ou não. A possibilidade de escolha, comprar ou não, ler ou não, é
uma forma de o leitor, enquanto consumidor, assumir uma posição atuante, participativa.
O primeiro contato de um possível leitor com uma publicação ou de um leitor
frequente com a nova edição de sua revista é a capa. Segundo Thomaz Souto Correa “capa é
feita para vender revista
96
”. A capa de uma revista contém informações de organização:
número da edição, data, preço, casa editora, regiões de circulação; e também argumentos de
venda: destaques de conteúdo, imagens convidativas que trabalham, como a publicidade, no
processo de informar, seduzindo o consumidor. Reunidos, os elementos da capa devem ser
“uma síntese irresistível de uma edição” (Scalzo, 2009: 62). Há, no mercado editorial, uma
espécie de receita, uma lei que define as capas criadas pelo primeiro diretor da revista
americana People, Richard Stolley, válida ainda hoje:
Jovem é melhor do que velho. Bonito é melhor do que feio. Rico é melhor do que
pobre. Cinema é melhor do que música. Música é melhor do que televisão. Televisão é
melhor do que esportes... e qualquer coisa é melhor do que política. E nada é melhor
do que a morte de uma celebridade... (Stolley)
97
Em resumo, a capa deve trazer elementos que representam parcialmente o melhor do
conteúdo da edição, sob o estilo e personalidade da publicação. As revistas semanais de
informação precisam exercitar essa tarefa de construção das capas com talento, uma vez que
parte do seu conteúdo foi abordado por outro veículo de alguma maneira. Suas capas
devem ressaltar que, mesmo uma história conhecida, pode surpreender com detalhes
desconhecidos. Publicações destinadas ao público infantil têm, nessa tarefa, desafios
diferentes das revistas semanais de informação. Devido à quantidade de títulos destinados a
96
Scalzo, 2009:62 cita Thomaz Souto Correa.
97
Citado por Thomaz Souto Corrêa, em Quinta e última parte de uma breve história das grandes
revistas, que acabou não sendo tão breve assim, 19/12/2005.
135
esse público, raramente o assunto de destaque do conteúdo foi explorado em outros meios
de comunicação, mas, em compensação, as capas das revistas infantis disputam espaço, na
preferência do consumidor, com a diversão, que pode vir de brinquedos, brincadeiras, livros
de história, filmes, enfim, um universo de opções para o tempo livre das crianças. Por isso, o
convite proposto na capa de uma publicação infantil deve ser simples e direto como um amigo
chamando para a brincadeira favorita.
A presente análise tomou as capas como um convite endereçado ao leitor, para que ele
participe da revista ou mesmo da composição das atividades do seu dia, do seu tempo livre.
Os editores de Recreio pareciam utilizar alguns critérios claros para as capas da revista. Em
geral as capas eram compostas por imagens de cores fortes e dois, no máximo, três destaques.
A imagem normalmente estava associada à história, que era o tema central das edições, pelo
menos, até 1976. O outro destaque ficava para o encarte, o brinquedo montável, e, quando
existia o brinde, este também fazia parte do conteúdo da capa. O título Recreio e seus
complementos, A revista brinquedo, Leia e pinte. Recorte e brinque, Histórias quadrinhos
brincadeiras, Histórias reportagens brincadeiras, Formato gostoso, Escolar, eram
elementos constantes nas capas. Por esse motivo, raramente interferiam nos demais; em
alguns casos, como o dos brinquedos, eles reforçavam o convite com o Recorte e brinque.
A história, sendo o eixo central do plano editorial da revista, com frequência era o
destaque das capas. A ilustração escolhida era o auge da narrativa, o momento mais
engraçado ou curioso
98
. O tulo da história não era obrigatório na capa, a menos quando se
tratava de datas comemorativas ou personagens conhecidos dos leitores. As imagens a
seguir exemplificam essas duas situações; ambas são um convite à leitura, pois destacam a
história, com diferentes apelos: no primeiro edição 38 , a data comemorativa do
descobrimento do Brasil; no segundo edição 43 , o personagem Lataria, que havia
aparecido em edições anteriores, mas também habitava a preferência das crianças por ser um
robô e trazer a temática da tecnologia.
98
Sonia Robatto em entrevista telefônica cedida em 11/05/10.
136
Imagem 31 - Convite à leitura: feito pelo tema ou pelo personagem.
O convite à leitura, representado na capa pela referência à história, também trazia
mencionado o nome da sua autora. Para que essa estratégia fosse adotada, o autor da história
deveria ser, no mínimo, conhecido pelos leitores ou pelos pais, que autorizavam a compra da
revista. Recreio usou o reconhecimento de autores infantis para divulgar algumas de suas
edições, como se o nome do autor fosse um endosso para a qualidade literária do conteúdo,
apresentando, assim, um fator a mais que seria bastante apreciado pelos pais que se
preocupavam com a formação cultural dos seus filhos. Mas o apelo, no caso dos leitores de
Recreio, foi de familiaridade. Como a literatura era um dos principais componentes do plano
da revista, era também papel desta abordar os acontecimentos dessa área. Na edição 373, a
reportagem de Recreio trouxe, para uma conversa com o leitor, as escritoras infantis Ruth
Rocha e Ana Maria Machado. Ambas tinham atuação frequente no conteúdo da revista, mas
seu percurso e reconhecimento na literatura iam além disso, estavam nos inúmeros livros
publicados. Com a reportagem, o leitor de Recreio conheceu as autoras, ficou sabendo um
pouco da sua relação com o trabalho de escrever livros infantis, bem como tiveram uma
dimensão da extensão de sua obra, com a menção aos livros publicados. Dessa forma, o
convite à leitura, feito nas capas de Recreio, quando coloca uma história de Ana Maria
Machado ou Ruth Rocha traz, além do endosso de um nome reconhecido na literatura infantil,
137
também uma sensação de familiaridade para o leitor que conheceu a obra das autoras através
da reportagem e também das páginas da revista.
Imagem 32 - Edição 373 Reportagem traz uma conversa com Ruth Rocha e Ana Maria
Machado, levando a literatura ao leitor da revista.
Na imagem a seguir estão dois exemplos do convite à leitura de histórias de Ana
Maria Machado. O primeiro apresenta maior destaque, uma vez que a imagem também diz
respeito à história. No segundo, a imagem da capa refere-se à outra parte do conteúdo da
revista e o convite à literatura é feito somente por uma chamada de texto, o que,
consequentemente, diminui o destaque.
138
Imagem 33 - Edições 431 e 433, 1981 - Uma história de Ana Maria Machado.
Uma das formas de promover o convite à leitura era destacar as histórias na capa. Esse
destaque poderia ser representado pelo tema da narrativa, por um personagem conhecido ou
por particularidades interessantes para o leitor, como os dinossauros, astronautas e aparatos
tecnológicos, por exemplo. Outro recurso para estabelecer esse convite era dar legitimidade
ao texto através do reconhecimento do autor, como no caso de Ana Maria Machado, Ruth
Rocha e outros dentro da literatura infantil. Ainda, para tornar a história convidativa,
empregava-se uma tática bastante utilizada pela televisão com as telenovelas: fazer uso do
suspense ao divulgar um recorte de uma cena ou momento intrigante da narrativa
99
. De acordo
com Sonia Robatto, as capas de Recreio que faziam maior sucesso eram aquelas que
mostravam cenas da história
100
. Essa prática traz muito do padrão técnico diferenciado do
livro infantil brasileiro, cujo discurso é direto e simples, complementado por ilustrações
sofisticadas em quatro cores, que inovam na forma de atrair ou convidar o leitor (Borelli,
99
Para mais detalhes sobre estratégias utilizadas em telenovelas ver Borelli, 2000. Para o uso do
suspense em literatura infanto-juvenil, Borelli, 1996.
100
Entrevista telefônica concedida em 11/05/10.
139
1996: 110). As três capas que compõem a figura a seguir representam essa forma de utilizar o
suspense, ao recortar uma cena intrigante da narrativa, cuidadosamente ilustrada, para
convidar o leitor à história. Na primeira, da edição 33, uma menina revive o conto da
Cinderela ao ser salva pela avó que conserta sua boneca e faz uma linda roupa para que ela
possa participar do concurso. A sequência do famoso personagem Catapimba e o seu domínio
do futebol arte são um anúncio das emoções que a história trará, na edição 246. O suspense de
um invento maluco que transforma os bichos também é o convite da edição 49.
Imagem 34 - Edições 33, 264 e 49 - Suspense teaser com cenas da história compõem o convite
da capa.
Como descrito, a execução do plano editorial de Recreio teve uma grande mudança
em 1977. A partir de então, as edições não eram totalmente guiadas por uma história com
atividades relacionadas a ela. A mudança feita no projeto trouxe novas seções para Recreio e,
com isso, os convites possíveis poderiam se referir a assuntos completamente diferentes,
como se fosse uma revista de variedades mesmo, gerando uma disputa ruidosa na capa. A
história, por sua vez, nunca deixou de fazer parte da publicação, preservando o principal
componente do projeto inicial, que era levar a leitura/literatura para as crianças. Na nova fase,
porém, nem sempre ela era o destaque principal da capa. A edição 419 é um exemplo da
disputa de espaço na capa, onde o convite para a leitura fantasiosa da história convive com o
chamado de caráter informativo da reportagem.
140
Imagem 35 - Edição 419 Fantasia ou fato real, qual você quer ler?
“Algumas histórias que os escritores nos enviavam eram tão boas que, na redação,
encontrávamos uma forma de fazer a revista com elas” (Robatto)
101
. Percebe-se que algumas
dessas histórias acabavam sendo o tema da reportagem, misturando no conteúdo de Recreio a
literatura com o fato real, jornalístico. Esse é o caso da edição 364, cuja história é e com
medo de lagartixa. Outros casos não inspiraram a abordagem jornalística, mas o tema e o
próprio recorte da capa pretendiam criar uma conexão com o leitor, que poderia se colocar na
pele do protagonista que descrevia e vivia a história. Isso acontecia com datas comemorativas
nacionais ou contato com figuras do folclore popular. Alguns exemplos desse aspecto o o
10º aniversário de Brasília, contado por Vovó Candinha na edição 40; algumas histórias
como: Descobrindo o Brasil - edição 92- em que o personagem Pedrinho fez parte da
esquadra que, em 1500, chegou ao Brasil; O amigo do Rei, na qual Ioiô fala de escravidão e
tradição africana; Meu encontro com o Papai Noel edição 362 que narra a história do
menino que desvenda o velhinho que é figura presente no imaginário infantil e abre mão do
seu presente de Natal; e A gente que ia buscar o dia trabalhando o folclore nacional. Esses
exemplos ilustram o convite à leitura proposto nas capas de Recreio, recheado de brasilidade.
101
Entrevista telefônica, concedida em 11/05/10.
141
Imagem 36 - Edição 362 O menino que desvendou o Papai Noel.
As histórias cumpriam com o convite do leitor a leitura tendo como argumento a
literatura, e ainda assim - Recreio também apresentou uma outra proposta de incentivo ao
exercício do ler, mostrando o fato real por meio das reportagens. Estas traziam, entre outras
coisas, temas que faziam parte do universo da criança, sempre buscando retratar a realidade
delas, como quem enumera as possibilidades existentes para atividades de final de semana, ou
mesmo, o caminho que precisaria ser percorrido para ser astronauta, por exemplo. Como
começar a treinar, instruções para ser artista e até mesmo entrevistas com personalidades
conhecidas. Como exemplo, podem-se citar matérias que apresentavam inúmeras
possibilidades existentes para atividades de final de semana, ou o caminho que precisaria ser
percorrido para ser astronauta e como começar a treinar, ou ainda instruções para ser artista, e
até mesmo entrevistas com personalidades conhecidas. Um outro tipo de reportagem, cujo
conteúdo envolve a participação dos leitores da revista, também fez parte de Recreio, mas
esse material será avaliado no próximo tópico.
As reportagens alternavam-se com as histórias no lugar privilegiado das capas de
Recreio. A análise feita era exatamente como nas grandes revistas, seguindo a lei do que
vende mais, por isso, quando a composição da história parecia chamar mais atenção do leitor
para o qual a revista era feita, essa era a capa eleita da edição. Entretanto, quando a
reportagem conversava com uma celebridade, a ela era destinado quase todo o espaço do rosto
da edição. Essa prática de usar celebridades como atrativo de venda de revistas é antiga e tem
142
origem nas publicações destinadas a adultos, classificadas no gênero personalidades. A revista
espanhola Hola, de 1944, foi a primeira a adotar a estratégia de tornar pública a vida dos
famosos. Mas foi a estadunidense People, de 1974, que consagrou a fórmula e até criou
regras, como a das capas vista no início deste tópico (Correa, 2005). Vale registrar que a
prática de entrevistar pessoas famosas teve início em 1980, no último ano de circulação da
revista Recreio. As reportagens anteriores a esse período estavam mais relacionadas a coisas
da vida das crianças, por isso elas eram as entrevistadas.
Capas de Recreio com reportagens que não contavam com a participação de leitores
compõem a figura a seguir. Nota-se que o convite à leitura, no caso das entrevistas com
celebridades, parece ser mais informativo, ressaltando o sucesso e os feitos do entrevistado e
deixando o leitor no lugar de expectador que apenas toma conhecimento, pois aquilo está
muito distante da rotina de sua vida. O fato fica mais evidente, quando se comparam essas
capas com aquela cuja reportagem desmistifica
102
o desenho animado, ao mostrar como ele é
feito. Como este elemento faz parte da rotina do leitor, os elementos visuais utilizados nesta
capa assemelham-se mais ao universo de Recreio e também dos livros infantis (Borelli, 1996),
enquanto as demais estão muito próximas do padrão das revistas de personalidades
103
destinadas ao público adulto.
Imagem 37 - Reportagens em destaque nas capas
102
O termo desmistificar é utilizado no sentido de mostrar ao leitor como essa obra é feita. Os estudos
culturais, especialmente os que abordam os produtos televisivos endereçados a crianças, sugerem que
mostrar o processo de produção desses bens é uma maneira de incentivar o ponto de vista critico. Para
mais detalhes ver: Salgado; Pereira; Souza, 2006: Da recepção a produção de mídia: as crianças, a
cultura midiática e a educação. Sobre o uso da mídia na educação ver também Orofino, 2005.
103
Atualmente também se utiliza Celebridades, para denominar esse gênero de publicações.
143
O projeto editorial de Recreio era composto pelo incentivo à leitura, feito através da
apresentação das histórias. Ensinava de maneira lúdica, estimulando o mundo da fantasia.
Segundo Ruth Rocha, a literatura não ensina porque é linguagem escrita e pressupõe o
exercício o ler; ela ensina por ser arte
104
. Outra parte do alicerce do projeto era o lúdico, o
brincar, a diversão. Essa veia esteve presente na publicação, durante os doze anos, de formas
diferentes: as atividades em tiras nas laterais de cada página; os passatempos, da fase em que
a revista mudou seu formato; o brinquedo montável que era disponibilizado no encarte de
papelão no miolo da revista; e o brinde, oferecido ora como brinquedo ora como amostra de
um produto de consumo para ser experimentado. De acordo com Mc Neal (2000), o brincar
está entre as duas principais necessidades das crianças em qualquer idade. Ele cita Piaget para
explicar que é através dessa prática que ela descobre o mundo e constrói o conhecimento.
Recreio, uma revista infantil cujo projeto foi desenhado para cobrir um espaço no mercado de
uma publicação totalmente nacional, que pode entreter e ensinar as crianças, e que leva como
complemento ao seu título a denominação A revista brinquedo, sabe bem explorar essa
necessidade das crianças.
Nas capas, o convite à brincadeira, além de estar quase sempre presente, era reforçado
nos períodos de férias escolares, levando o selo Faz suas férias mais gostosas, nas edições de
janeiro de 1972. As atividades, presentes em todas as páginas de Recreio, não faziam parte do
convite feito ao leitor nas capas, nem por isso deixavam de cumprir sua missão de ensinar
divertindo, como afirma a idealizadora.
As tiras de discriminação visual e incentivo à motricidade tinham a mesma função do
que as professoras davam na escola, mas as de Recreio eram pensadas no contexto da
história, eram coloridas e envolventes que os meninos faziam sem perceber que
estavam aprendendo. [...] Ruth Rocha era orientadora educacional e tinha bastante
experiência com essas atividades de criança, por isso, eu a convidei para desenvolver
as tiras. Só depois que ela começou a escrever histórias.
105
Em algumas edições, essas atividades, as tiras, também ensinavam as crianças a fazer
brindinhos ou enfeites e acessórios para os materiais escolares, como etiquetas para cadernos
e enfeites para o lápis. Nas tiras também estavam o convite para participar da história, de
maneira individual, é claro, mas havia uma interação ao recortar peças e personagens para
104
Ruth Rocha em entrevista ao Roda em Viva 25/04/94, disponível em
http://www.rodaviva.fapesp.br ou http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/pgm0802
105
Sonia Robatto, em entrevista telefônica, 11/05/10.
144
completar a história, o que gerava envolvimento do leitor com o conteúdo. Mesmo após a
mudança de formato, as atividades continuavam a fazer parte do conteúdo da revista,
inclusive com direito ao convite em lugar privilegiado da capa, na ausência do brinde,
exemplo imagem da edição 436.
Imagem 38 Edições 29, 40 e 131 - Tiras com atividades.
145
Imagem 39 - Edição 264 Tiras ensinando a montar os personagens e a fazer um teatrinho.
146
Imagem 40 - Edição 447 Tira convida a interagir com a história.
Imagem 41 - Edição 428 Outro exemplo de atividade com convite à participação.
106
106
O leitor deveria ler e colar as figuras da direita no local correto.
147
Imagem 42 - Capa da edição 436, e atividade da edição 405
107
Mesmo que o convite ao brincar, proposto nas atividades das tiras e atividades de
Recreio, não fosse um dos destaques das capas das edições, sempre havia um espaço
privilegiado destinado à diversão. Esta, em forma de brinquedo, era presença garantida nas
capas da revista. A princípio, o convite era um pouco mais abrangente do que o ato de
brincar; ele propunha que a criança montasse o seu brinquedo, recortando dobrando e colando
o encarte de papelão que ia no miolo de Recreio. Sonia, a autora do projeto Recreio, diz que o
convite era estendido aos pais, numa tentativa de aproximar a relação com seus filhos
108
. Eles
deveriam ajudá-los a confeccionar os artefatos que haviam sido elaborados para a diversão do
leitor. Esse convite aos pais para ajudarem os filhos a montar os brinquedos se fazia
necessário de acordo com a complexidade da tarefa - algumas eram bem difíceis - e também
com a idade das crianças. As figuras que seguem são exemplos de encarte-brinquedo: a edição
38, com a caravela de Cabral, mostra uma opção mais trabalhosa; na edição 309, uma
107
Capa da edição 436, que mostra o convite para brincar através de atividades e passatempos. Na
edição 405, um exemplo de atividade, com destaque para a informação de que há resposta para
conferência.
108
Sonia Robatto em entrevista telefônica, em 11/05/10.
148
televisão para montar comprovava o fenômeno do novo meio de comunicação que estava
chegando aos lares brasileiros na década de 70.
Imagem 43 - Edição 38 Encarte: monte a sua caravela.
Imagem 44- Edição 309 Encarte: monte a sua televisão
149
Foram 321 edições
109
com o encarte brinquedo para montar. Assim como as histórias,
os encartes também foram republicados em edições posteriores, respeitando um intervalo
mínimo de cinco anos, considerado pelo departamento comercial da revista como o suficiente
para a troca completa do grupo de leitores. As opções iam de simples cartelas, que faziam
uma releitura tanto de batalha naval como de elaboradas réplicas de cidades espaciais, circos e
zoológicos. Na medida do possível, esses encartes seguiam o assunto da história ou da data
comemorativa em questão. Os presentes para as mães, pais e professores também foram
elaborados para esse formato. As edições próximas ao Natal traziam o presépio e enfeites para
a casa, o que normalmente acontecia em mais de duas edições. Nas datas comemorativas mais
comerciais, Recreio trazia opções de presentes que poderiam ser feitos pelas crianças, que
estariam, assim, demonstrando carinho para o presenteado ao confeccionar uma lembrança.
Imagem 45 - Convite à brincadeira: os encartes anunciados na capa, recorte e brinque!
109
Edição 1 a 312 e depois, ao final da circulação da revista, a reimpressão de 9 edições, da 445 a
453.
150
Imagem 46 - Edição 337 O Tema Natal na história e no brinquedo. Edição 441 Sugestões para
presentes de Natal.
Qualquer que fosse o conteúdo do encarte, ele sempre era uma informação de destaque
nas capas da revista, o que não causa surpresa, pois, se o convite à diversão era uma constante
em relação à leitura das histórias, evidentemente ele não poderia deixar de existir quando se
tratava de uma brincadeira. Além do encarte brinquedo, a partir de 1972, as edições traziam
também um presente, um brinde, que permaneceu mesmo após a mudança do formato da
revista. O convite, nesse caso, era para desfrutar do brinquedo, que vinha acompanhado das
instruções de uso dentro da revista. O exemplo que segue é bastante interessante, pois mostra
que a redação conseguiu unir os três destaques da capa: a história dos extraterrestres, com o
encarte brinquedo para montar um disco voador, acompanhado de uma lente, que vinha como
brinde, e poderia ser usada durante a leitura da história para identificar as interferências
colocadas pelos ilustradores.
151
Imagem 47 - Edição 270 - Interação entre os três destaques da capa. O convite ao leitor foi
triplamente reforçado.
Mesmo na fase em que o fato real concorria com a fantasia e o jornalismo saía
vencedor nessa disputa, as histórias, algumas vezes, deram a volta e ditaram toda a edição.
Todas as seções eram pautadas no mesmo assunto ou na funcionalidade da história. Esse
alinhamento geraria muito mais do que o convite à literatura: dava origem a uma abordagem
de um assunto sob diversos pontos de vista diferentes. O exemplo utilizado é o da edição 413,
para a qual se chamava a atenção na edição anterior, que anunciava o próximo número. Foi
um convite a vivenciar o universo do teatro. Essa vivência desenrolou-se a partir de uma
história, uma peça de Sylvia Orthof, portanto com o endosso da autora legitimada, seguida de
uma reportagem sobre um grupo teatral que estava em cartaz com uma peça infantil em São
Paulo, passando depois às atividades que ensinavam a elaborar elementos do teatro e
finalizando com um concurso para criar um personagem. O desfecho para todas essas
abordagens foi a oferta de um cupom desconto para assistir a uma peça infantil em cartaz. As
imagens que seguem retratam a edição.
152
Imagem 48 - Edição 413 Alinhamento da edição em um único tema: um convite mais
amplo do que à literatura; um convite a uma experiência de teatro
Imagem 49 - Edição 413 Atividades propostas convidavam a vivenciar o universo do teatro
153
Imagem 50 - Edição 413 Reportagem com um grupo teatral em cartaz; concurso para a
criação de um personagem e um cupom de desconto completavam o convite da edição
Outras edições de Recreio também trabalharam o convite à experiência completa,
como a 29, Pintando o sete de verdade, que ensinava técnicas de pintura e um aviso mostrava
aos pais a importância de estimular a arte nas atividades dos filhos. A edição 236 foi
inteirinha de carnaval, com máscaras, fantasias e sugestões de brincadeiras relativas à data.
No mesmo ano, a edição 245 repetiu a dose para a festa caipira, com passos de quadrilha,
receitas típicas, brincadeiras e explicação das tradições. Toda a edição 200 foi sobre
invenções, das atividades ao Veja só
110
, que falou sobre o grande inventor de todos os tempos:
Leonardo Da Vinci. As crianças eram convidadas, em uma das atividades, a listar quais as
invenções mais importantes da história, depois ordená-las por grupo de função, como os
meios de transporte. E a melhor atração da edição, a mais convidativa, ficou para a história
sobre o Doutor Lelé, o inventor. “Ele inventava coisas só para exercitar a criatividade, mesmo
sem utilidade, e incentivada seu assistente a fazer o mesmo, senão, não criamos”, dizia o
Doutor Lelé. Comprovando a fidelidade ao projeto editorial de Recreio, que objetivava
divertir, porque precisa ser divertido já dizia o pai de Sonia Robatto, e por conseqüência nessa
experiência de brincadeira, também ensinar.
Essa premissa da diversão como experiência que gera a aprendizagem também é
compartilhada por Ruth Rocha:
110
Veja só foi o título atribuído, por um tempo, a uma seção de curiosidades.
154
[...] ela toma o caminho divertido e prazeroso que a literatura pode dar ao aprendizado,
à formação. Brincar de cruzadinha é brincar com palavras. Brincar de adivinhar é
brincar de aprender. Dá para brincar até com os medos que todo o mundo tem.
Zombar da mentira, do ridículo, do autoritarismo e das idéias prontas, e abrir melhor
os caminhos da vida e da infância legal
111
.
Imagem 51 Edição 50 - História que posteriormente se tornou um dos livros mais famosos de
Ruth Rocha.
O convite que Recreio endereçou aos leitores infantis não foi outro senão o do
aprender divertido, com suas atividades que resultavam em brinquedos, suas histórias de
inventores que criam por criar
112
e de meninos que querem mudar o nome de todas as
coisas
113
. Um projeto simples que pretendia levar às crianças aquilo de que elas gostavam,
gostam e sempre vão gostar: “boas histórias e umas coisinhas para fazer” (Robatto). Tudo isso
junto vai aumentando o estoque de ideias para serem aplicadas, modificadas, servirem de
inspiração para a vida toda. Elas podem até ser compartilhadas com os amigos, como no caso
111
Texto de apresentação no site do programa Roda Viva que entrevistou Ruth Rocha, em 25/04/94,
disponível em http://www.tvcultura.com.br/rodaviva/programa/pgm0802
112
Edição 200, maio de 1973, Doutor Lelé, o inventor.
113
Edição 50, junho de 1970, Marcelo, marmelo, martelo.
155
do Tadeu, que ficou com uma coleção gigante de ideias. “Todo mundo queria conversar com
ele [...], os pais levavam os filhos para ouvir as ideias de Tadeu. Isso mostra que todos
podemos aumentar nossa coleção de ideias. E você? Por que não desenha as suas e conta para
a gente?
114
2.4 Fui eu que fiz! A participação do leitor nas páginas da revista.
“Ao tratar as crianças com zelo e inteligência, os veículos podem contribuir
para o desenvolvimento biológico, motor, cognitivo, além de auxiliá-las a
formar uma visão de mundo” (ANDI, 2002:28)
Muitos convites de Recreio a seus leitores foram feitos. E, como prevê a teoria do
endereçamento, não é possível precisar qual foi a resposta do público (Ellsworth, 2001:42), a
menos que ele se manifeste, indivíduo a indivíduo, assumindo posição em relação a pergunta.
Um veículo de comunicação quando imagina o seu público, desenha seu conteúdo a partir das
necessidades dele, assume o importante papel que a ANDI ressalta tanto no desenvolvimento
das habilidades das crianças como na construção, em conjunto, da sua visão de mundo.
Adentrar na fantasia das histórias, conhecer o folclore nacional, realizar as brincadeiras,
resolver enigmas, confeccionar brinquedos, compartilhar ideias, criar personagens, conhecer
os bastidores de revista e de desenhos animados: convites como esses geram respostas
individuais dos leitores, em ações não compartilhadas com os produtores, que as crianças
interagem com a revista, normalmente, em suas casas, longe da redação, motivo pelo qual
essa resposta não impacta a composição da revista, pois ela raramente chega aos editores. Se
uma criança não gosta das atividades ou do conteúdo de uma revista, ela simplesmente deixa
de ler, consequentemente, de comprar. Essa recusa ao produto é também uma resposta ao
endereçamento (Ellsworth, 2001: 24). Seu impacto será sentido pelo editor, que, então, irá
investigar o que a causou, quando a recusa se ampliar e os números da circulação caírem.
Nesse momento, comumente, entram em ação as pesquisas mercadológicas, visando a
melhoras do produto para atender ao consumidor.
Por isso pelo menos mais duas modalidades que propõem a interação das crianças
com o mundo de Recreio: as entrevistas, tanto jornalísticas como as realizadas em pesquisas
mercadológica e de opinião e a produção de conteúdo, que pode ter, como base, tanto
114
Edição 198, abril de 1973, As idéias do Tadeu.
156
entrevistas para reportagens, cartas e contatos, como atendimento ao leitor e materiais
enviados para concursos. Essas interações, por sua vez, implicam troca física de informações,
possibilitando que a ação, o conteúdo produzido pelo leitor, seja registrada e chegue até o
editor. Essa participação poderá influenciar a composição da revista em uma pauta, uma
história ou mesmo uma atividade ou nova seção.
Pela metodologia de pesquisa, utilizada para o presente estudo, serão avaliadas as
participações dos leitores que foram publicadas na revista, em forma de sugestões de
histórias, entrevistas, desenhos e até fotografias enviadas por eles. Porém, faz-se necessário
pontuar que esta informação foi também endereçada, pois é do editor a decisão final do que
entra ou não na revista; ele opta se coloca uma carta de um leitor que critica a publicação ou
se inclui somente as que a elogiam. Essa consideração não invalida, mas enfraquece a
afirmação de Scalzo, ao direcionar os novos jornalistas de revistas: ”não se pode nunca
esquecer: quem define o que é uma revista, antes de tudo, é o seu leitor” (2009:12).
Então, o conteúdo que segue resulta da análise da participação do leitor em Recreio: a
participação que pode ser identificada nas páginas da revista, na seção Correio dos
amiguinhos de Recreio, que posteriormente se transformou em Esta página é sua, nas
passagens jornalísticas de expressão da verdade, publicadas nas reportagens e no jornalzinho.
Eventualmente apareciam concursos, com prêmios ou não, e esse material também foi
considerado para avaliar a participação das crianças.
Não havia uma seção destinada à manifestação do leitor antes da edição 147. Isso não
quer dizer que o tão importante contato com a audiência não acontecesse. As primeiras
pesquisas de Recreio eram uma espécie de validação do entendimento das atividades e da
linguagem pelo leitor, feita por um dos integrantes da redação junto a alguns colégios de São
Paulo. “O Caetano de Campos era o que mais testava, para nós, se estava tudo certinho, se as
crianças entendiam os enunciados das brincadeiras e até se elas estavam gostando da revista”
(Sonia Robatto). Essas pesquisas com os alunos também traziam a percepção sobre a
aceitação da revista entre as crianças, as atividades que chamavam mais a atenção, o que era
comentado após o manuseio. Não eram, porém, práticas formais nem estruturadas de
avaliação do produto. Cada encontro tinha o objetivo de avaliar um conteúdo específico ou o
momento de interação do leitor com o produto, e acontecia de maneira aleatória como um
cheiro, um termômetro geral de Recreio.
157
A estreia da manifestação do leitor na revista aconteceu na edição, 147 de 3/5/72,
quando, em uma das tiras de atividade, surgiu a seção Correio dos amiguinhos de Recreio. Os
dois leitores que inauguravam o correio contavam sobre suas vidas; um deles era a mãe
escrevendo e o outro, o personagem favorito. Já na segunda aparição da seção que dava
espaço ao leitor, havia um destaque no final, convidando os leitores a escreverem para a
redação dando suas opiniões: “Por que você também não escreve? Veja o cupom que saiu na
página 7.” Ao mesmo tempo em que a redação incentivava a participação, também
determinava sobre o que escrever, fazendo um formulário na página seguinte.
Imagem 52 Edições 147 e 148 - Correio dos amiguinhos de Recreio.
158
O cupom delimitava exatamente os assuntos sobre os quais a revista queria conhecer a
opinião do leitor. Vinha com instruções semelhantes às das atividades: Recorte. Dobre.
Responda as perguntas, ponha num envelope selado e mande para nós. A pesquisa foi
publicada em 6 edições e seu conteúdo, exibido no correio dos amiguinhos de Recreio com
informações das preferências do leitor. Passadas oito edições da última publicação da
pesquisa direcionada aos leitores, o mesmo formato voltou às ginas da revista com o aviso:
Atenção isso interessa aos pais: Seu filho não sabe ler, mas gosta de Recreio? Então escreva
para nós, contando as coisas que ele prefere na revista. Ao final da lista, uma nova pergunta
buscava saber a opinião do tutor a respeito do título: Você tem alguma sugestão a nos dar?
Como acontece em qualquer meio de comunicação, uma mensagem pode ter múltiplos
endereçamentos que trazem diferentes respostas. Assim também foi a pesquisa. Após seis
semanas da publicação do questionário direcionado aos pais, a revista buscou falar com
professores, com o mesmo padrão de perguntas, agora, porém, com um tom mais técnico: O
que acha das histórias de Recreio? Qual a historinha que achou mais interessante para
crianças? Qual foi o brinquedo para montar que achou mais bem imaginado? Seus alunos
montam esses brinquedos de papel sozinhos? Qual foi o brinquedo que eles montaram mais
facilmente? E no qual eles encontraram mais dificuldades? O que acha dos divertimentos e de
outras atividades das tiras pedagógicas de Recreio? Você tem alguma sugestão a fazer?
Imagem 53 Edições 148 -153 - Formulário da pesquisa de opinião com o leitor.
Personagens preferidos, sugestão para o desenvolvimento de novos, inspirados nos
bichos de estimação dos leitores, solicitação de brinquedos para montar, agradecimentos,
159
dicas, pedido para ver o nome publicado. Esses eram os conteúdos mais freqüentes do
Correio dos amiguinhos de Recreio. As críticas também aconteciam, em menor número, mas
estavam ali nas páginas, como a do leitor Antônio Manuel Valente Marcondes, de 10 anos:
“Ele acha que a Corrida dos Bichos é um jogo legal, mas não é muito emocionante. Por isso
ele pede que Recreio publique alguns jogos mais emocionantes” (Edição 157).
Outras manifestações retrataram participações diferentes da maioria, que apenas se
limitava a responder às questões solicitadas. Esses leitores chegavam além do perfil de
resposta esperado pelo editor, quando fez a pesquisa. São casos como o de Andrea Sales
Monteiro, de São Paulo edição 169 que expressou sua alegria com a revista, ao comentar
que havia dado uma aula sobre o descobrimento do Brasil, pela qual recebera elogios da
professora e dos colegas. Para executar a façanha, ela usou o pôster do descobrimento que
acompanhava a revista. Foi publicamente parabenizada pela redação de Recreio. Também
fizeram uso do conteúdo de Recreio, para sobressair à média, Marta Regina Schlichting e
Silvana Scherer, de 11 e 9 anos, respectivamente, ambas de Carazinho, RS. As duas amigas,
seguindo as orientações da edição 29, fundaram uma Escolinha de Artes! Elas contaram que a
escolinha tinha todo o material de pintura, uma mesa, duas cadeiras e dois armários. No
momento da publicação, elas haviam feito trabalhos com casca de ovo, palitos de fósforos,
algodão e até pintado um quadro na tampa de um caixote. Estavam pretendendo até bordar
uma toalha para a escolinha! (edição 181) As meninas gaúchas tiveram também seu
reconhecimento público e um pedido para que mandassem as atualizações do
empreendimento para a redação.
Um outro contato incomum foi o de Nereide Messas Del Rio, 9 anos, Sorocaba, SP.
Ela quis aproveitar o poder de alcance nacional de Recreio e pediu ajuda à redação para
conseguir uma amiga por correspondência em Belém do Pará. Ela disse que gostaria muito
que uma menina de 9 anos, residente na cidade, escrevesse para ela. A redação ficou na
torcida para que uma amizade nascesse no eixo Belém-Sorocaba (edição 173). Respostas
dentro do padrão proposto continuaram a chegar à redação, algumas sem a possibilidade de
resposta, pois traziam o endereço incompleto ou errado, conforme informado na edição 214.
No entanto nem sempre as respostas eram publicadas, porque o Correio dos amiguinhos de
Recreio, a partir da edição 209, tornou-se parte do jornalzinho e, com isso, teve seu espaço
reduzido, indo assim até a edição 254, em 1974, quando começou a exibir somente fotos dos
160
leitores com nome, idade e cidade de residência. Essa seção desapareceu completamente nos
anos de 1975 e 1976, devido ao fato de as edições serem reimpressões dos anos 1970 e 1971.
Imagem 54 - Edição 229 - Correio dos amiguinhos de Recreio, quando passou a ser parte do
jornalzinho
Em 1977, com a mudança de formato da revista, a seção destinada a divulgar a opinião
do leitor também mudou. Chamada de Esta página é sua, em vez de opiniões e sugestões, são
publicados desenhos e até fotos dos participantes. Nota-se também maior frequência na
participação de crianças de menor idade do que antes, como foi abordado anteriormente.
Em alguns casos raros, as crianças enviavam seus desenhos somados a histórias, frutos de
comportamentos fora do padrão de participação. Quando isso acontecia, a redação destinava
uma página adicional à seção para incluir os trabalhos.
161
Imagem 55 - Edições 344 e 364 - Esta página é sua.
O espaço dedicado a manifestações dos leitores também era utilizado para publicar os
resultados de concursos e outros convites feitos ao consumidor para que enviasse material
físico de sua participação. Os concursos eram considerados concorrências intelectuais, com
critérios pré-estabelecidos de avaliação, usados para selecionar, entre todas as participações,
aquela que melhor atendesse à tarefa por eles estabelecida. Aos vencedores, o reconhecimento
podia ser expresso por meio de um prêmio ou pela manifestação pública da superioridade da
execução da tarefa solicitada. A descrição está bastante em linha com o papel de Recreio, no
que diz respeito ao incentivo às tarefas intelectuais. A estréia dos concursos em Recreio foi
em grande estilo. A primeira vez em que a revista Recreio inseriu um concurso em suas
páginas edição 365 ele já chegou à capa, como atração principal. Em grande estilo
também pela massiva participação das crianças, que pode ter sido acarretada tanto pela
inauguração da modalidade concurso na revista como pelo prêmio oferecido. Até aquele
momento, as atividades propostas, se executadas, não traziam recompensas, mas, agora, a
162
proposta do concurso artístico de Recreio, além de prometer a divulgação do nome dos
vencedores na revista, ainda daria uma bicicleta novinha a quem vencesse.
Tratou-se de um concurso artístico, promovido por uma parceria entre Recreio e
Monark
115
, em que se solicitava que o leitor pintasse o desenho de um palhaço publicado na
revista ou desenhasse o seu próprio e pintasse. Os concorrentes deveriam executar a tarefa,
preencher o cadastro que os dividia em três categorias de participantes, por faixa de idade: de
3 a 5; de 6 a 9 e de 10 a 12 anos. Foram 15 vencedores, dentre quase 20.000 inscritos, cujos
nomes foram divulgados seis edições mais tarde, na edição 371, também com direito a
destaque na capa. E o prêmio? Bicicletas Monark para todos.
Imagem 56 - Edição 365 - Convite para o concurso artístico de Recreio
115
Um fabricante de bicicletas existente no mercado brasileiro na época em questão.
163
Imagem 57 - Edição 371 20.000 palhacinhos invadiram a redação de Recreio
A participação do leitor em um concurso artístico como este em questão não pressupõe
uma contribuição, enquanto conteúdo da comunicação, mas sim inclui a criança no universo
da revista, caracterizando uma relação ainda mais pessoal e de pertencimento. Nos mesmos
moldes desse concurso descrito, houve um outro concurso de arte em Recreio, na edição 379,
sob o argumento de divulgação: Editora Abril procura pequenos artistas. Participe! Veja
como é fácil!. Dessa vez o anúncio foi mais formal e contido
116
, pois, como explicavam as
regras, os desenhos vencedores seriam comprados por Cr$1.000,00 (mil cruzeiros),
depositados em caderneta de poupança. A criança, para concorrer, teria que fazer um desenho
de tema livre cuja única exigência era o formato: 15X17cm. Para este concurso, a revista não
teve nenhum parceiro comercial, como o foi a Monark anteriormente, tampouco grande
divulgação o evento. Eram 366 vencedores possíveis, cujo montante não foi sequer
mencionado após o termino da atividade, portanto a participação do leitor nesse evento não
pode ser avaliada. Foi esse episódio o segundo concurso nos 12 anos de história da revista e
não há menção de outro com recompensa após ele.
Outros concursos menores, nos quais a recompensa seria o reconhecimento público
dos participantes das atividades de desenho propostas pela revista, aconteceram no decorrer
dos anos de 1979 e 1980. Comumente relacionados às histórias ou reportagens das edições às
116
Essa é a única menção feita a este concurso, diferente do anterior que apareceu em todas as edições
até ter seu resultado divulgado.
164
quais pertenciam, solicitavam uma produção artística que expressasse a opinião do leitor
sobre determinado assunto ou mesmo propunham um novo final para uma história. Após
serem elaboradas, as produções eram enviadas à redação e o material selecionado, publicado
junto ao nome do autor, na seção Esta é sua página. Essas atividades interligadas de leitura da
história, manifestação de outras crianças na reportagem, produção de um desenho para
concorrer com outros e, com sorte, ver sua obra identificada e publicada nas páginas da
revista proporcionavam ao leitor uma experiência diversificada de participação completa em
um mesmo tema, o qual comumente fazia parte do seu cotidiano ou, ao menos, do seu
imaginário.
Para ilustrar essa modalidade de participação, abrangendo envolvimento com o tema
da história, comparação da opinião de semelhantes a respeito, produção de conteúdo e
possível reconhecimento público, abaixo, estão dois episódios. O primeiro deles tratava de
bicicletas, objeto comum entre as brincadeiras de criança, a reportagem descreveu os modelos
de bicicletas do passado. O concurso fez um convite à imaginação das crianças que deveriam
inventar como seria um modelo no futuro, considerado, neste caso, o ano 2000. Para isso o
leitor teria que, ao produzir seu desenho, considerar uma evolução tecnológica e de design
para representar as bicicletas futuristas. Se o primeiro exemplo tratou de um tema da realidade
das crianças, a bicicleta, o segundo concurso utilizou uma seqüência que envolvia um assunto
do imaginário: o Dragão. O convite ao envolvimento com o tema deu-se pela história da
edição 355, seguida pela reportagem que pergunta às crianças se elas já tinham visto um
dragão. Os mais diferentes relatos apareceram no discurso das crianças. A composição de
Daniela, de 7 anos, descreveu a história natural da espécie. Para ela os dragões viveram no
ano de 1100, quando o mundo nasceu e era a Idade da Pedra, e também quando existiam os
Pedro Álvares Cabrais. A principal atividade deles era queimar e comer tudo. Mariana, 5
anos, apelou para o concreto e afirmou categórica, com um tom de quem tem muito o que
viver ainda: “Eu nunca vi dragão na vida, porque também eu não passei por todos os lugares”.
André, 8 anos, recorreu à experiência que vivenciou com a mídia: “Só vi dragão na televisão!
Acho que existiu dragão na Idade Média. Eles matavam com lança e moravam nas
florestas. Eles acabaram, porque na Idade Média eles mataram todos.” Após a reportagem
mostrar ideias fantasiosas e narrativas quase ficcionais, veio o convite para participar
produzindo conhecimento: „E você viu um dragão? Faça um desenho de como ele era e
165
mande para a Redação. Ele será publicado na edição 361”. As imagens dos dois casos estão
abaixo:
Imagem 58- Edição 419 - Reportagem e convite ao concurso. Edição 426 - Bicicletas do futuro.
166
Imagem 59 Edição 355 - História, reportagem e concurso sobre o dragão. Edição 361 -
Criações “dragonianas”.
A participação do leitor na composição da revista, como descrito acima, poderia
acontecer por meio de algumas vias: as pesquisas, que geravam mudanças no produto; ou,
167
simplesmente, a publicação nas seções Correio dos amiguinhos de Recreio ou Esta página é
sua, que também eram alimentadas por cartas e contatos dos leitores, independentemente da
pesquisa; ou ainda os concursos, ligados ou não a uma recompensa. Poderiam ainda alimentar
as reportagens ou o jornalzinho. Os dois últimos elementos fazem referência direta ao
conteúdo dos jornais diários. O primeiro, por ser uma das práticas da construção do conteúdo
do jornal, a investigação dos fatos pelas reportagens; o outro, por ser uma versão diminuída
do veículo. Os elementos reportagens e jornalzinho não conviveram simultaneamente nas
páginas de Recreio. Cada um esteve em uma das fases da revista. O jornalzinho, na primeira
fase, cuja execução do projeto editorial privilegiava a fantasia através do uso de histórias para
ensinar os valores e habilidades específicas do desenvolvimento da criança. As reportagens
fizeram parte do momento da revista iniciado em 1977, que contava com uma mistura da
fantasia e realidade concreta. O que em comum entre os dois elementos é o fato de ambos
terem a presença constante das crianças na revista. O leitor, além de consumidor de Recreio,
passava a ser conteúdo e a produzir conteúdo para a revista.
Por ordem cronológica, esta descrição está começando com o jornalzinho, que chegou
antes às páginas de Recreio. O formato jornalzinho era bastante comum nas escolas, clubes e
até em grêmios e em qualquer lugar que tivesse a presença de crianças. Em muitos casos eram
produzidos por um grupo de crianças para divulgar informações específicas de um grupo, um
bairro ou uma série dentro da escola. Para descrever melhor o que eram esses jornaizinhos
feitos por e destinados para as crianças da época, será analisada uma reportagem de Recreio,
publicada na edição 380 de 1979: Ernesto e Zeca dois jornalistas natos! Dois garotos de 10 e
11 anos fazem Jornal do dia e Atualidades PJ e falaram a Recreio. A inspiração para fazer o
jornalzinho viera da leitura de um gibi, como conta Ernesto:
Tudo começou em 1977. Quando li uma revista em quadrinhos Disney e tinha uma
história Os repórteres, onde faziam o jornalzinho do Brejo. Daí começamos a fazer O
Jornal do dia. Trabalhamos juntos muito tempo. Fazíamos de tudo! Aí, o Zeca
resolveu fazer o jornal dele o Atualidades PJ, PJ é de Paulo José! Mas ainda
trabalhamos juntos no Jornal do dia.
O jornalzinho dos entrevistados de Recreio tinha seu conteúdo dividido em seções
bastante parecidas com as do jornalzinho da revista, como Ernesto descreveu: “no jornal do
dia tem sempre uma reportagem, piadas, brincadeiras e classificados [...] A gente tira idéias da
televisão e dos acontecimentos do dia a dia do nosso bairro, a minha e bate a máquina os
textos...” O jornalzinho de Ernesto era também uma fonte de renda. As crianças, de modo
168
geral, costumavam fazer alguns trabalhos para conseguir seu dinheirinho; alguns negociavam
tarefas com os pais e/ou avós. Mais empreendedores, Ernesto e Zeca, montaram o seu
negócio, explorando a publicidade que era comum nessa época. A circulação do jornal era
livre e o que rendia dinheiro eram os anúncios dos negócios região, que Ernesto conta como
buscavam: “a gente sai nas ruas do bairro procurando lojas, consultórios, todos os que
queiram anunciar nos jornais. Os anúncios são pagos. É lógico, senão não teríamos dinheiro,
não é?”
O exemplo de Ernesto e Zeca mostra a relação que as crianças têm com os bens
culturais. Elas também utilizam esse conteúdo para criar experiências e construir sua visão de
mundo. Os produtos culturais infantis podem provocar a ação em seus leitores. No caso
descrito, imitaram o que leram nas páginas da história em quadrinhos. Em Recreio, eles foram
convidados a produzir conteúdo para o jornalzinho já no primeiro número, encartado na
edição 209, 11/07/73. O Bate-Papo, uma espécie de editorial do jornalzinho, fez um convite
ao leitor para enviar qualquer conteúdo escrito, de críticas a resenhas de livros. Os editores da
revista pareciam assumir que aquela parte da revista seria o espaço para publicar as obras e
conteúdos de seus leitores, mas um detalhe muito importante ia ao final desse convite: “Nós
publicaremos as melhores”. A imagem abaixo traz o texto em detalhe, ampliado para permitir
a leitura.
169
Imagem 60 - Edição 209 - O primeiro Jornalzinho de Recreio. “Mande para nós a sua colaboração,
publicaremos as melhores!”
Não foi só no primeiro Bate-papo que Recreio convidou seus leitores a produzir
conteúdo para o jornalzinho. Na edição 211 da revista n.3 do jornal, o assunto foi a volta às
aulas, e, além de sugerir interações com os amigos e professores, a revista fazia a solicitação
de conteúdo: “Escreva para a Revista Recreio, contando pra gente sobre seus passeios, as
pessoas que você conheceu, os amigos novos que você ganhou. Se você tiver um desenho, ou
uma historinha ou qualquer outra coisa que quiser mandar pra gente, mande!” A cada edição,
o convite se repetia; qualquer tema abordado no jornalzinho, trazia no final um mande pra
gente!. Todo o empenho da redação parecia não ser suficiente para incentivar os leitores a
participar. Em nenhum dos jornaizinhos foi publicada uma contribuição dos leitores. Na
edição 220 da revista, 12 do jornal, o conteúdo do Bate-papo aparece em tom de papo sério:
Sabe, gente, continuamos recebendo cartas com entrevistas, brincadeiras e notícias.
Mas a maioria das cartas que recebemos são cópias de revistas ou são as professoras
que escrevem. que não é isso que queremos. Queremos que vocês escrevam. Que
vocês inventem as coisas e não os adultos. Não queremos nada perfeito. Sabemos que
vocês estão aprendendo a escrever. Assim, pedimos que vocês procurem na sua
170
cidade, escola, onde vocês quiserem, coisas engraçadas e interessantes. Na linguagem
de vocês, e não na linguagem da professora ou qualquer outro adulto. Se o jornalzinho
é de vocês e para vocês, mandem notícias ou brincadeiras que possam interessar a
vocês mesmos. Combinado, então?
A ausência de conteúdo produzido pelos leitores na publicação de Recreio parece ser
explicada na passagem destacada acima, mas, considerando alguns exemplos vistos nas
edições anteriores, mesmo os publicados na seção Correio dos amiguinhos de Recreio, em
que os leitores demonstravam ser bastante participativos, cheios de idéias diferentes e de
solicitações também, fica-se diante de uma incógnita. Relendo o material, parece surgir um
caminho para se pensar uma explicação para esse fato. No convite que é feito aos leitores,
logo na primeira edição do jornalzinho, várias dicas são dadas, delineando o material que a
redação procurava: entrevista com a professora ou a diretora e um retratinho do entrevistado,
ou também a critica de um livro com o que gostou e o que não gostou de sua leitura. Era
quase uma reunião de pauta com os leitores, finalizada com a frase mágica: Publicaremos os
melhores. O convite à participação mais parece uma tarefa de casa com enunciado difícil e
exigência de nota 10 para passar de ano. Parece clara a razão pela qual os leitores não
mandaram seus conteúdos. Os que se arriscaram buscaram acertar o tiro, mandando coisas
que haviam sido aprovadas, de outras revistas, ou validadas por gente grande, textos de
professores. Dessa forma talvez fosse possível atender à solicitação da revista com chances
de estar entre os publicados.
A participação do leitor acontecia com maior espontaneidade antes, pois não havia a
obrigatoriedade do sucesso, do ser melhor, a limitação de ter espaço para os melhores. As
crianças mandavam suas cartinhas com sugestões ou informações do que estavam fazendo, ou
com desenhos e histórias, porque não havia, a sua espera, o compromisso de serem ou não
aprovadas. Elas exercitavam o que a própria revista ensinou na edição 29, ao sugerir a
escolinha de arte, em nota para os pais:
Todo esse material terá utilidade para o seu filho se você incentivar a sua livre
expressão. Basicamente não existe feio ou bonito no que uma criança faz. Não deve
existir preocupação de fazer desenhos certinhos, reproduzindo o natural. Cada criança
deve poder desenhar com toda a liberdade, usando cores e formas como quiser.
Guarde os desenhos e trabalhos, anotando a idade e o dia em que foram feitos, e veja
como seu filho evolui e se expressa de formas diferentes em cada idade. Mas não se
esqueça: você deve ser apenas espectador, não interfira no trabalho que ele realiza.
171
A obrigatoriedade de ser o melhor, de ser bem sucedido é fatal para a criatividade e a
livre expressão. As crianças vivem em um mundo adultocêntrico, ou juvenilizado segundo
Morin (2005), e tudo o que elas fazem é se preparar para a vida quando forem grandes e,
então, apagar aquele período da memória (Castro, 2001). A prova de fogo da vida seria mais
para frente, no futuro, quando seriam submetidas à validação de sucesso. A expressão
publicaremos os melhores, no ambiente de diversão e brincadeira, como era o da revista,
agregava ao convite uma seriedade e um peso que não estava em linha com a relação divertida
que Recreio propunha inicialmente a seus leitores. A hegemonia do sucesso é mais cruel
ainda com as crianças, pois, em geral, elas têm que se provar socialmente para serem ouvidas
pelos adultos. Na escola, nas competições, nos esportes só há lugar para o primeiro. O
primeiro da classe, o primeiro da fila, o primeiro do pódio, o primeiro a acabar a prova, o
primeiro colocado. O extraordinário é requisito fundamental das notícias. Mas ele não deve
ser imposto no ambiente de brincadeira e incentivo à participação. Segundo a terapeuta de
família Lydia Aratangy, o universo está muito competitivo e o sucesso é a única coisa que
todos desejam desde pequenos. No mundo, só espaço para os vencedores ou para as
tragédias. É preciso cuidar das crianças, mostrar-lhes um horizonte além desse, para que elas
não escolham a catástrofe para ganhar a atenção de que precisam
117118
.
O espaço de Recreio era, para os seus leitores, composto por diversão, atividades,
brincadeiras, fiel à linguagem e ao universo das crianças. O plano editorial da revista tinha
bastante adequação ao que o público gostava, por isso os três primeiros anos de vida contou
com tiragens tão expressivas de 350.000 exemplares em média, com picos de 500.000 por
edição. Com o tempo e as mudanças na estrutura da revista, algumas premissas deixaram de
ser cumpridas e equívocos, como esse do caso do jornalzinho, aconteceram. Ao final de 1973,
sem conteúdo vindo dos leitores, o jornalzinho de Recreio foi extinto. Deu lugar a uma
página, cujo título era Conheça os leitores de Recreio, com fotos dos leitores, seguidas pelo
nome, idade e cidade de residência, que circulou durante o ano de 1974. Nos anos de 1975 e
1976, não havia nenhuma seção destinada a conteúdo produzido pelos leitores, já que a
maioria das edições foram reimpressões dos primeiros anos da revista.
117
Lydia Aratangy deu a palestra de abertura da pesquisa Well Being : O equilíbrio emocional da
criança Brasileira, realizada pela Nickelodeon 2006.
118
SALGADO, R.; PEREIRA, R.M.R. e JOBIM E SOUZA, 2006. Em um estudo sobre a recepção e
produção de desenhos animados também apontam a questão da fama como um componente
fortemente presente na concepção do enredo e dos personagens que eleva o criador de a uma posição
de mais bem sucedido do grupo.
172
A participação dos leitores no jornalzinho de Recreio não foi um grande sucesso, mas
apontou uma questão delicada de congruência entre o projeto editorial da revista e a execução
específica daquela seção. Nas reportagens, a experiência pareceu ter sido mais bem sucedida,
principalmente por considerar a questão do sucesso de uma maneira diferente. Nessa seção o
participar proporcionava os quinze dias de fama, pois estaria nas ginas da revista. As
reportagens fizeram parte de Recreio de junho de 1978 a janeiro de 1982, antes de a editora
voltar a publicar os primeiros exemplares da revista. A seção parece ter vindo substituir os
quadrinhos no novo projeto que culminou na mudança da revista em 1977, quando o
complemento ao título, que era histórias-quadrinhos-brincadeiras, a partir da edição 352,
passou a ser histórias-reportagens-brincadeiras. A mudança aconteceu somente na capa, pois
os quadrinhos continuaram a fazer parte do conteúdo da revista.
Imagem 61 - A partir da edição 352, quadrinhos são substituídos por reportagens, mas na
capa.
Foram 93 reportagens, dentre elas dois debates, chamados de mesa-redonda, que
aconteceram na redação da revista com crianças convidadas. As reportagens trouxeram para
Recreio elementos da vida real, embora ainda mantivesse a revista dentro do projeto original
que incluía o convite à leitura. Seu conteúdo era normalmente composto por entrevistas ou
visitas a lugares, deixando de lado, um pouco, o lado fantasioso das histórias. Porém, as
primeiras reportagens ainda carregavam o lado fantástico. Como o intuito é avaliar a
participação do leitor no conteúdo da revista, as reportagens foram avaliadas e, para isso,
divididas inicialmente, considerando dois aspectos: com crianças e sem crianças. Então cada
um desses grupos foi dividido em outros três. O grupo sem crianças não foi utilizado nessa
análise, teve 45 reportagens, divididas, quanto ao assunto, em: reportagens informativas,
pessoas famosas e entretenimento das crianças.
As informativas traziam informações sobre temas diversos: a fauna brasileira, animais
em extinção, índios do Brasil, ficção científica. Todos os assuntos eram de interesse geral das
173
crianças, mas, muitas vezes, bastante distantes de sua realidade, pois as crianças não eram
relacionadas aos temas. Neste sentido, poderia ter se pensado, por exemplo, em uma
reportagem sobre a infância nas tribos de índios do Brasil, ou sobre crianças que lêem ficção
científica, ou seja, poderia se procurar de alguma maneira, aproximar o tema ao universo das
crianças, como costumavam fazer as histórias.
No grupo de reportagens sobre famosos, que na verdade não passavam de entrevistas
com pessoas famosas, algumas delas eram ligadas a programas próprios para crianças ou ao
universo infantil, mas seu conteúdo não estabelecia nenhuma relação com as crianças.
Estiveram entre os entrevistados Nelson Piquet, Rita Lee, Sócrates, equipe de iatismo que
ganhou a medalha de ouro nas olimpíadas de 1980, Os trapalhões e outros. As entrevistas
eram muito parecidas com o modelo que é visto hoje nas revistas de personalidades.
O assunto entretenimento tratava sempre de alguma atividade das crianças, de escolas
com curso extracurriculares como artes e esportes, de lugares visitados por elas ou que, pelo
menos, estavam na sua lista de desejos. Nesse grupo de reportagens estavam as que
mostravam como eram feitos os desenhos animados, as histórias em quadrinhos, o teatro;
como funcionavam o planetário e o circo; como era a vida dos mágicos. Recreio foi assunto
de duas delas. Essas matérias sempre passaram informações para esclarecer como as coisas
funcionavam. Como é premissa dos estudos culturais latino-americanos, o conhecimento dos
processos de produção dos bens culturais, nesse caso, destinados às crianças, pode ajudar a
construir uma postura questionadora (Martin-Barbeiro, 2001; Pereira, 2005:19). Os animais,
que normalmente estão entre os assuntos preferidos dos pequenos, fizeram parte dessas
reportagens, quando foram mostrados o Zoológico e o Simba Safári, mas, simplesmente, a
abordagem foi feita sem envolvimento com crianças.
174
Imagem 62 - Edição 426 - Como será que são feitos?
O grupo de reportagens sem crianças, acima descrito, teve uma participação indireta
dos leitores, ou seja, a pauta, ao ser definida, provavelmente, considerou pessoas, lugares ou
assuntos de interesse das crianças, porém sem pensar na sua participação na produção de
conteúdo. Assim sendo, principalmente as que estavam classificadas como entretenimento das
crianças prestaram um serviço interessante no que diz respeito à construção do repertório
delas, à medida que possibilitava, por exemplo, o conhecimento dos bastidores de escolas e de
como funciona a produção de alguns produtos culturais. Embora isso não faça delas pessoas
mais críticas, pode se dizer que as torna mais conscientes (Pereira, 2005:19).
O primeiro grupo, o de reportagens com crianças, contou com a participação mais
ativa destas, tanto como parte do conteúdo tratado, quanto como produtoras de conteúdo em
momentos de entrevistas e discussões. O grupo com crianças também foi dividido em três
blocos: perguntas para crianças, crianças que vivem coisas comuns, crianças que vivem coisas
diferentes. As reportagens que estavam denominadas como perguntas feitas para crianças,
em geral, eram as primeiras produzidas. Tratavam de assuntos aleatórios que serviam de base
175
para a formulação de perguntas para qualquer criança. A equipe de Recreio ia visitar alguns
colégios ou parques e fazia as perguntas, as vezes, um pouco malucas.
O que você faria se fosse o diretor da escola? Essa foi a questão da primeira
reportagem dessa fase de Recreio, edição 352, e obteve como resposta, por exemplo, que
queriam transformar o horário das aulas em horário do recreio e o recreio no horário das aulas
para poderem brincar mais (Regina Célia, 9anos). Outras respostas, como “Eu não fazia nada
porque ia mandar os outros fazerem tudo” (Edson Morais, 10 anos), evidenciam os desejos
muito presentes na cabeça das crianças. Uma resposta, dentre todas as fantasiosas, surge
mostrando o raciocínio concreto das crianças, nas palavras de Patrícia Rose, de 10 anos: “Eu
não quero, não! Deve ser muito chato!”.
As três reportagens seguintes seguiram o mesmo estilo, fazendo perguntas para
crianças. Uma delas foi: O que você faria se fosse uma bruxa? As respostas também seguiram
um padrão, em torno de várias fantasias, como transformar o mundo em chocolate e capim em
dinheiro. Surgiu uma certeza de futuro surpreendente em Lílian, de 5 anos: “Eu não posso ser
bruxa, porque vou ser enfermeira”. Que bicho você seria? Você já viu uma sereia? O que faria
se fosse super-herói? Todas essas foram perguntas das reportagens, que obtiveram o mesmo
padrão de respostas. A produção de conteúdo por parte das crianças parecia não ter senso
crítico; elas realmente sentiam-se tranquilas em participar das atividades da revista e
contribuir com a idéia mais legal que aparecesse em sua cabeça; afinal as entrevistas eram
individuais, o que colaborava para a desinibição, por não ter ninguém reclamando por perto.
É possível que essa mesma razão que libertava a imaginação das crianças nas
entrevistas individuais tenha limitado as discussões em grupo que aconteceram na redação da
revista. Elas pareciam coisa séria, então as respostas criativas foram mais midas e, quando
aconteciam, eram mais concretas, como as seguintes: “Eu sou viciado em coca-cola e chiclete.
Mas o cigarro faz mal para o pulmão e o chiclete faz mal para os dentes. Se a fumaça
penetrar no pulmão, a gente pode ficar doente e até morrer" (Luciano, 9 anos) e "Ser criança é
ser filho de adulto e é dificil!"( Sérgio, 10 anos). Os assuntos tratados na mesa-redonda foram:
Em assunto de gente grande, criança se mete sim; cigarro e Como é difícil ser filho de adulto.
176
Imagem 63 - Edição 405 Mesa-redonda: é difícil ser filho de adulto.
O grupo de reportagens classificado como crianças que vivem coisas comuns reuniu
entrevistas e discussões sobre temas que fazem parte da vida das crianças, pelo menos, de
grande parte delas. Entrevistou crianças que tinham cachorros de diferentes raças; crianças
que faziam coleções; crianças que iam à discoteca, andavam de kart, skate e patins e falou até
de sonhos. A reportagem da edição 401 trazia o título Velho não tem que ser chato. Essa foi
uma amostra de produção de conteúdo por parte dos leitores, pois eles deveriam contar
experiências a respeito do assunto tratado. Saíram histórias elaboradas que não tinham tanta
fantasia por ter exigido das crianças um preparo anterior. Um dos entrevistados tinha uma avó
italiana e comentou uma piada que sempre fazia quando ela insistia para que ele comesse e ele
não queria: sua avó sempre dizia “Primo manggiare dopo brincare” e ele, espertinho, corrigia
a avó, “é neto vó, não primo!” Dentro desse grupo, também estava a reportagem que
acompanhou um dia de atividade dentro do laboratório de artes da Pinacoteca de São Paulo.
Os cursos oferecidos eram gratuitos e o pessoal incentivava mesmo a criatividade; as
crianças pareceram entender bem o espírito da coisa e viam quadros até nas manchas de tinta
que caíam no chão.
177
Imagem 64 - Edição 418 - Alunos dos laboratórios de artes plásticas da Pinacoteca de SP. Cursos
gratuitos. É só fazer a matrícula.
As crianças que foram visitar a redação de Recreio também viraram reportagem, não
porque foram até lá, mas porque eles tinham uma história bacana, como Ricardo, 14 anos, e
Washington, 13 anos, que moravam em Ribeirão Preto e trabalhavam juntos, fazendo
histórias em quadrinhos. Os dois tinham inventado, naquela época, uns cinco personagens
cada um e foram até a redação para mostrar o material deles.
178
Imagem 65 - Edição 368 Os meninos de Ribeirão Preto, que já faziam história em quadrinhos e
foram conhecer a redação, acabaram virando notícia em Recreio.
O terceiro grupo de reportagens com crianças, foi classificado como crianças que
vivem coisas diferentes. Algumas muito distantes dos leitores, outras mais próximas. Todas
elas tiveram, como conteúdo das reportagens, as crianças, que eram entrevistadas e contavam
suas experiências com o tema proposto. Uma das primeiras desse estilo foi Vivendo no
campo, com um grupo de crianças que moravam na zona rural e que comentavam os prazeres
que estar perto da natureza. Elas também fantasiavam ao darem seus depoimentos, como a
Marta, que afirmou que brincava bastante, mas só pertinho de casa, porque não entrava no
mato por medo do Saci. A Ângela tinha trabalho, pois morava em um sítio grande, então
ajudava a mãe na horta de repolhos e no jardim de rosas e margaridas, mas o que ela mais
gostava de fazer era andar a cavalo. O Rector e a Iani declararam que gostavam tanto do sítio
que nunca iriam trocá-lo pela cidade; o Rector tinha até desistido de ser médico para ser
fazendeiro. Essa reportagem trouxe, com o conteúdo produzido pelas crianças, as informações
presentes até na literatura: a vida no campo tem prazeres diversos e tem saci também.
179
Imagem 66 - Edição 361 E a vida das crianças do campo, como é que é?
Nesse grupo também estão as reportagens com entrevistas de crianças que tinham
bichos estranhos de estimação. Renato, o menino que tinha amigos embaixo d‟água, tinha
uma história muito interessante:
Pouco antes de fazer 7 anos, eu vi um aquário numa loja. Achei lindo e pedi pra minha
mãe. Ela me prometeu de aniversário. E foi o que aconteceu… Depois que ganhei o
aquário, comecei a ler bastante sobre o assunto. Procurei saber qual a melhor maneira
de alimentar e cuidar dos peixes quando eles estivessem doentes e, com o tempo, fui
sabendo cada vez mais sobre aquários.
O pessoal que gostava de música também esteve nas ginas de Recreio. Os
integrantes da ala mirim da escola de Samba Vai-vai contaram como era participar dos
ensaios e qual a emoção de entrar na avenida no dia do desfile. Os músicos da orquestra
sinfônica jovem de São Paulo foram entrevistados. Além desses, outras crianças que
praticavam atividades diferentes deram seus depoimentos. Meninos especialistas em autorama
180
e em aeromodelismo contribuíram, contando como esse universo funcionava e quais as
emoções de fazer parte dele. Também mostrou-se como é a vida das crianças que precisam
trabalhar; elas não têm escolha, têm que ajudar em casa, e contaram como faziam para se
divertir. Recreio ainda trouxe, na edição 395, o ponto de vista das crianças que trabalhavam
em defesa de uma causa: Vamos proteger nosso mundo. Os voluntários mirins da associação
dos voluntários-mirins defensores da natureza contaram como era sua rotina de trabalho: eles
discutiam e faziam materiais, incentivando as outras crianças a terem atitudes conscientes.
Imagem 67 Edição 417 Meninos que precisam trabalhar.
Vale destacar outros dois exemplos de produção de conteúdo pelas crianças,
importantes, não por estarem nas ginas de Recreio, mas também por servirem de
inspiração à vida das pessoas. Vinicius de Figueiredo foi o autor do poema da edição 404, O
defeito invisível, no qual ele diz que as confusões e as coisas erradas feitas por outra pessoa
não o aborrecem e que ele fica muito feliz em poder cuidar dos outros e ver seu sorriso. Era
um poema que ele fizera de presente para o seu irmão Bruno, que completava 8 anos. Essa foi
181
uma contribuição de conteúdo muito diferente da maioria das outras que tiveram espaço em
Recreio e, com palavras doces, o menino ensinou que vale a pena respeitar as bagunças do
irmão, porque ele sente orgulho de ter esse irmão. Reconhecer a importância das pessoas que
participam de sua vida, não é uma tarefa trivial, e esse assunto também teve espaço na revista.
Uma outra contribuição que vale a pena destacar é o da professora Rosa Maria Whitaker
Ferreira Sampaio, que, junto com 250 alunos da Escola Nova Lourenço Castanho, escreveu e
ilustrou um livro sobre Paz na Terra, o qual recebeu dois prêmios no Concurso Nacional de
Literatura Infantil: o premio Recreio, da Editora Abril, e o premio Luis Jardim, da Livraria
José Olympio Editora.
Recreio, além de incentivar a participação dos leitores na produção de conteúdo para a
revista, também criou um troféu para o campo da literatura, uma vez que essa era a área
incentivada por seus editores. Assim sendo não poderia deixar de reconhecer bons livros
destinados às crianças. No mesmo concurso citado, Marcos Renato Calvi, de 10 anos,
recebeu menção honrosa pelo livro Tudo isso que você vai ver, vai acontecer.
A recusa ou a aceitação de um convite, a interação do leitor com a revista, implica em
uma ação; é o agir que revela cada indivíduo definindo e diferenciando-o do todo (Castro,
2001:35). Nesse processo a criança produz a si mesma, a sua experiência, cultura (Toren,
1993; Castro, 2001) e, no caso da revista, produz também conteúdo. A relação que as
crianças, enquanto leitoras e/ou consumidoras, têm com os adultos produtores da revista
influencia não só o produto como também a composição de visão de mundo de ambos (Toren,
1993). Dessa forma, a participação dos leitores contribui para o aprimoramento dos produtos
culturais que consomem - Recreio, neste caso - e também para a evolução das relações entre
adultos e crianças e da própria sociedade (Castro, 2001). A ação individual do leitor em sua
vida corriqueira, no caso sua relação com a revista, pode levar a mudanças tanto na revista
quanto no modo de um meio de comunicação considerar e tratar as crianças, o que,
certamente, impactará um universo maior de pessoas, no mínimo, os outros leitores,
configurando-se como a postura de um cidadão. Essa lógica pode ser validada pela conclusão
da ANDI em um estudo dos suplementos infantis encartados em jornais: “as empresas
jornalísticas não estão conscientes da importância desses espaços enquanto instrumento
pedagógico valioso para o desenvolvimento de um espírito cidadão desde a infância.”
(2002:3).
182
A revista Recreio , em seus 12 anos de circulação no mercado brasileito, fez muitos
convites a seus leitores e dedicou espaços para que as crianças pudessem divulgar conteúdos
produzidos por elas, embora a seleção do material a ser publicado tenha sido sempre feita por
adultos e isso pudesse gerar um cenário competitivo do que é bom ou não para estar nas
páginas da revista, o estímulo a produção e participação permitia ao publico adotar uma
postura mais ativa no processo. Por esse espaço a produção das crianças e a qualidade do
envolvimento da revista com a participação do leitor, que Recreio inspirou publicações
posteriores da Editora Abril. Além de ter iniciado a prática da interatividade entre bem
cultural e seu público leitor, atualmente presente na maioria dos meios de comunicação
infantis.
Capítulo 3 Fique por dentro: a revista Recreio do novo milênio
As novas tecnologias trazem ao alcance das crianças meios de comunicação e
de expressão cultural que lhes eram até então inacessíveis , e que podem fazer
suas visões e perspectivas serem muito mais amplamente reconhecidas. Longe
de contribuir para a polarização social, as mídias poderiam ser um meio de
habilitar as crianças a se comunicarem através das diferenças. Entretanto, essas
mudanças não se darão automaticamente, ou como simples resultado da
disponibilização de equipamentos. (Buckingham,2007:118)
A primeira fase da revista durou 12 anos, de julho de 1969 a maio de 1982. Somente
18 anos mais tarde, em 2000, a Editora voltou a desenvolver uma publicação que tinha por
objetivo diferencia-se de outras propostas oferecidas às crianças leitoras brasileiras. Nesse
período as diversas mudanças que ocorreram certamente contribuíram para a consolidação da
empresa como um grupo de comunicação na cada de 80. Percebe-se a diversificação das
linhas de atuação da empresa no campo da comunicação e também no de atendimento do
público. As mudanças podem ser divididas em três grupos: produtos para o público jovem;
novas tecnologias de comunicação e fortalecimento da presença na área da Educação.
Cronologicamente, a primeira das grandes alterações no negócio foi a cisão em dois grupos,
cada um sob o comando de um dos herdeiros. A Editora constituiu um dos grupos com a
gestão de Roberto Civita, acompanhado de Victor Civita; o outro grupo compôs-se de uma
mistura de diferentes frentes de atuação dos negócios da família Civita: a Comunicação, Lazer
183
e Cultura (CLC), responsável pela rede de hotéis Quatro Rodas, um frigorífico e a Nova
Cultural
119
.
Nesse mesmo período, nos anos 80, ocorreu o novo surto juvenil (Mira, 2001:156),
que teve início na indústria fonográfica com a explosão musical na década de 70.
Posteriormente inspirou os meios de comunicação e mesmo a indústria que, em geral,
trabalhavam para captar esse público jovem. A Editora Abril não ficou de fora desse
movimento. Sua atuação da editora começou, por exemplo, com a reformulação do projeto
editorial da revista Capricho, que, em menos de cinco anos, mudou duas vezes. Em “1982
deixa de publicar fotonovelas para ser uma revista de variedades para jovens donas de casa”
(Scalzo, 2009:90), apesar de tantas mudanças, segundo a História da revista no Brasil, ainda
manteve-se sem sucesso e também sem um posicionamento claramente definido. Então, em
1985, o segundo grande momento na história da publicação, com o conceito desenvolvido por
Washington Olivetto, A revista da gatinha. De aconrdo com os editores a proposta era
perfeitamente adequada para dirigir-se às adolescentes, pois esse era um jargão comum na
época, Capricho assumiu o posto da primeira publicação destinada às adolescentes (Scalzo,
2009:91). A indústria fonográfica, com a estética da música e do videoclipe, ditou a linha
mestra que foi seguida pelos produtos culturais destinados aos jovens. Aproveitando essa
tendência e os “efeitos causados pelo festival Rock in Rio” (Mira, 2001:157), a Abril lançou a
revista Bizz, que mais tarde seria Show Bizz, especializada em música e comportamento. No
início da década de 90, a empresa reforçou a gama de produtos com esse perfil musical e
jovem, e, também atendendo à busca por novas tecnologias em comunicação, lançou a
MTV Brasil.
Os produtos segmentados passaram a exigir características e atenção diferentes dos
títulos de grandes tiragens. As revistas destinadas aos jovens incluiram-se nesse perfil. Isso
fica claro na movimentação ocorrida em 1986, com a montagem da Editora Azul. Ângelo
Rossi, que havia sido diretor da divisão infanto-juvenil da Editora Abril até 1978, foi o
idealizador dessa nova editora e informa que a Abril tinha 40% da editora Azul por conta
dos títulos que não estavam indo bem e que passaram para a gestão dessa nova empresa.
Dentre eles estavam Bizz, Carícia, Horóscopo, Contigo e Saúde, os três primeiros com grande
audiência do público jovem. A editora Azul, especializada em títulos segmentados, mais
119
Para mais detalhes sobre a história da editora e de seu fundador ver: Mercadante, 1987 e
Pereira, 2009.
184
tarde foi a responsável pelo lançamento da revista Ana Maria, voltada para um publico mais
popular e que carregou o crescimento do mercado de revistas nos últimos anos(Ângelo
Rossi)
120
.
As movimentações da Editora, no sentido de responder ao objetivo de fortalecimento
de sua presença no campo da Educação, começaram, em 1986, com um lançamento veiculado
como um sonho antigo do seu fundador, “melhorar, estimular, modernizar a educação no
Brasil” e capaz de impactar a Educação no país. Victor Civita, à frente de sua fundação,
“lançou Revista Nova Escola dirigida aos professores do primeiro grau” (Mercadante,
1987:94). Para reforçar a atuação na área da Educação, em 1999, a Editora Abril adquiriu
parte das editoras Ática e Scipione, responsáveis pela publicação de livros didáticos. A
aquisição da participação total nessas editoras aconteceu em 2004, levando a Abril à liderança
do mercado brasileiro de livros escolares (Mira, 2001; Pereira, 2009). Essas aquisições da
Editora Abril, em segmentos diferentes da atuação no momento, “visavam a expansão da
atuação do seu negócio bem como a adequação ao novo processo de mundialização e
globalização dos mercados culturais e da cultura, a Editora Abril foi uma das industrias
culturais brasileiras que fez parte desse contexto(Borelli, 2005).
Para que a Abril mantivesse a liderança e representatividade enquanto grupo de
comunicação, seria inevitável sua atuação em novas tecnologias. Sendo assim, a estréia do
Grupo Abril na televisão aconteceu em janeiro de 1982, com o programa Nova Mulher, na
rede Bandeirantes. Em janeiro do ano seguinte, inaugurou a Abril Vídeo, que produziu, em
agosto do mesmo ano, o programa São Paulo na TV, transmitido pela TV Gazeta.
Posteriormente, mais do que programas na grade de canais de outros grupos de comunicação,
lançou a MTV Brasil, que iniciou transmissão, em outubro de 1990, como a primeira
televisão segmentada do país. O grupo Abril continuou investindo em televisão com a
participação na TVA, cuja transmissão teve início oficial em setembro de 1991. Cinco anos
mais tarde, em junho de 1996, inaugurou a Directv Brasil, em associação com a Directv
Internacional, e a implementou com a TV digital. A internet passou a fazer parte dos negócios
do grupo em 1996, com o lançamento do BOL, Brasil On Line, internet gratuita para os
brasileiros que estavam começando a fazer parte da rede mundial de computadores. Essa
iniciativa, posteriormente, foi incorporada ao UOL, Universo On Line, um dos maiores
120
Entrevista de Ângelo Rossi, concedida a Maria Célia Furtado, para o site Em revista. Disponível
em: http://www.emrevista.com/Edicoes/5/artigo808-1.asp
185
provedores de internet do país. Ainda no universo da internet, em 1999, a Abril lançou o
Ajato, o primeiro provedor de internet a cabo do país. Em 2006, ainda investindo em novas
tecnologias, anunciou a sociedade com o grupo de mídia sul-africano Naspers, detendo 30%
do capital, e, no mesmo ano, divulgou sua participação na Telefônica. As novas tecnologias
digitais estão sob a gestão da divisão Abril Digital, com o Abril.com e Abril no Celular. A
área desenvolve produtos, plataformas e conteúdos para atender às demandas nessa área
121
.
Tanto na história da Abril, como na das mídias e das novas tecnologias, o
comportamento juvenil passou a ser presença constante no universo dos bens culturais,
consequentemente, influenciando a composição do conteúdo dos meios de comunicação.
Assim sendo, a ANDI passou a monitorar as mídias dirigidas ao público jovem, em 1997,
para avaliar a relevância do conteúdo que estava sendo divulgado a esse público tão visado
desde a década de 80 (ANDI, 2007). Ser jovem é o desejo de todos, das crianças e também
dos adultos; significa ter uma liberdade de expressão e de vida que não carrega o peso da
experiência da velhice anteriormente valorizada (Morin, 2005). As mudanças no estilo de vida
também incluem a relação que as pessoas têm com os produtos culturais e com as dias
(Borelli, 2006; 2008). Portanto, no mundo das revistas brasileiras, as mudanças do período
parecem também ter deixado de lado o público infantil e, quando considerado, as publicações
a ele destinadas pareciam ser versões impressas do conteúdo da televisão para as páginas de
uma revista, comprovando a força que a televisão conquistou no período. A Abril explorou
projetos destinados ao público infantil em forma de fascículos e, em março 1982, lançou o
Projeto Taba, organizado pela fundadora da primeira versão da revista Recreio, Sonia
Robatto, um produto que envolveu cultura e música nacional dedicado a crianças.
Vários lançamentos de revistas
122
destinadas ao público infantil aconteceram no
mercado brasileiro, e também na Abril, na década de 80. Em 1982, surgiram O Sitio do Pica-
pau Amarelo, fase 2, e Cascão e Chico Bento, ampliando a galeria dos personagens de
Maurício de Souza; em julho de 83, a Abril lançou uma revista de atividades, Alegria, que
circulou até dezembro de 1991; em 1986, chegaram ao mercado He-Man, diretamente
extraído do desenho animado transmitido pela programação matutina da rede Globo, e
121
O histórico mais recente do Grupo Abril, do qual foram retiradas muitas das informações que
contram nesse trecho, foi conseguido através de material da assessoria de imprensa, disponível na rede
interna: http://www.abrilnet.com.br/rcorporativas//conhecendo/conteudo_22224.asp
122
O histórico dos lançamentos foi retirado da linha do tempo das revistas publicadas no final da
edição comemorativa da Editora Abris: A história das revistas no Brasil, 2000 e tamm da linha do
tempo no site da Abril www.abril.com.br/institucional/50anos/linha01.swf
186
Margarida, trazendo o título feminino aos quadrinhos Disney; em janeiro de 1987, os títulos
da Turma da Mônica, produzidos pela Editora Abril desde o lançamento, em maio de 1970,
passaram a ser publicados pela Editora Globo; Os trapalhões, em 1988, foi mais uma
publicação gerada na programação infantil da televisão que se transformou em revista; a
amiga comilona da Mônica, Magali, ganhou um título exclusivo em 1989, no mesmo ano em
que o personagem famoso dos livros de Ziraldo, O menino Maluquinho (Editora Abril, em
outubro 89), reforçou os quadrinhos infantis.
Na década seguinte, em junho de 1990, a Abril se associou à italiana Panini, criando a
Abril Panini, com o objetivo de ganhar força e competitividade na produção de álbuns e
figurinhas. Para as revistas infantis, a tendência permaneceu a mesma: excluindo os
quadrinhos, passaram a ocupar um papel coadjuvante no universo das crianças, restando aos
títulos trazer versões impressas dos sucessos da televisão como, em 1997, Castelo Ra-Tim-
Bum, da TV Cultura e Frajola e Piu-piu, dos desenhos animados de Lonney Tunes, também
da programação matutina da Globo. Em 1998, Bananas de Pijama, do SBT, também virou um
título de revista infantil. Além da programação da televisão, dois licenciamentos de marcas
conhecidas entre as crianças geraram revistas: Seninha e sua turma, da Editora Abril, em
março de 1994, ano da morte do piloto, e Barbie, em 1996. A tecnologia e a explosão do
consumo dos videogames também inspiraram revistas cujo público não era exclusivamente
infantil, pois todos usavam essa tecnologia como entretenimento. Os títulos lançados traziam
informações sobre as novas versões de consoles e jogos, bem como dicas para ser bem
sucedido nos jogos. Foram lançados : Ação Games (Editora Abril, em maio de 1991), Super
game power (94), Nintendo e Playstation (98). Esses títulos, atualmente, multiplicam-se na
mesma velocidade que as versões dos jogos e dos consoles
123
. Grande parte desses títulos teve
vida curta por motivos diversos: ou por conta do programa homônimo da televisão e do
mundo dos videogames ter acabado e se tornado obsoleto, ou mesmo pelo mal que abala as
revistas de acordo com o ponto de vista de quem atua no mercado, a falta de um plano
editorial detalhado e bem feito (Scalzo, 2009). Esses pontos permeavam o contexto de
transformações que estava afetando todas as indústrias culturais e cujo enfrentamento era
complexo de se traduzir em estratégia claras de negócio. (Borelli, 2000).
123
Acompanhando os títulos pelo Media Dados, podem-se verificar, a cada ano, lançamentos de novos
títulos, conforme os fabricantes de vídeo-games disponibilizavam uma nova versão. Existe, por
exemplo, desde 2007, a revista X-Box 360, console da Microsoft, lançado em 2006, que inspirou o
título mensal da Editora Europa. A mesma editora também tem os títulos Playstation, N Gamer Brasil
e Game Máster, todos de videogames.
187
Entre os lançamentos para as crianças ocorridos nessas das décadas, vale a pena
detalhar um que apresentou uma tentativa diferente do padrão das publicações infantis. No
final da década de 90, seguindo o exemplo da publicação referência, Time
124
, a editora Abril
lançou também uma versão de Veja para crianças. Lançada em setembro de 1998, de
periodicidade mensal, o título teve vida curta, saindo de circulação em junho de 2000. O
lançamento da publicação para crianças foi feita com uma edição número zero, encartada na
revista Veja, junto com o material publicitário divulgando o novo título. A revista foi muito
favorecida por levar o nome Veja e, por conta disso, entrou em muitos pacotes promocionais
de assinantes que tivessem filhos, chegando ao final de sua vida, em 2000, com o expressivo
número de cerca de 70.000 assinantes ativos
125
. Posteriormente seu título ficou sendo somente
Kid+. A descrição da revista Veja Kid+, divulgada pela editora, era de uma revista
inteligente e feita com a participação do leitor”: VEJA KID+ é uma publicação mensal
divertida e antenada, que aborda tudo o que acontece no universo de meninos e meninas de 8
a 12 anos. Com temas inteligentes e tratamento gráfico inovador, VEJA KID+ diverte,
informa e envolve o jovem leitor, despertando desde cedo o prazer da leitura. As seções e
assuntos tratados pela revista surgem do contato direto com o seu público pré-adolescente:
são em média 4.000 cartas e 6.400 e-mails que chegam mensalmente à redação, ajudando a
criar novas seções e reportagens
126
”.
Como demonstrado em um artigo publicado no observatório da imprensa
127
, a
descrição de Veja Kid+, divulgada no site oficial da Abril despertou debates e controvérsias.
A autora Maria Ignez Duque Estrada, que se sentiu chocada com a edição de lançamento da
revista em que uma matéria que tratava das crianças do mundo, pontua que os editores da
revista deveriam se inspirar em publicações infantis que passassem “de modo responsável,
conhecimentos científicos e culturais, através de experimentos, jogos e histórias que sempre
124
A Time for Kids surgiu como uma divisão da revista Time, produzida especialmente para crianças,
contendo algumas notícias nacionais, uma charge semanal e outros temas em suas oito páginas
semanais. Também produz edições especiais e elege suas próprias Pessoas do Ano. A versão da
revista, no site, promove um programa de repórter infantil. Ver mais detalhes em :
http://www.timeforkids.com/TFK/
125
Essa referência foi retirada de uma apresentação do Marketing Infantil da Editora Abril, que conta a
história da revista Recreio e as motivações que levaram a lançar um novo título destinado às crianças.
Esse número de assinantes ativos foi um dos grandes argumentos para o lançamento da nova revista
Recreio..
126
Descrição da revista no site do Grupo Cometa, distribuidora de revistas e dona de bancas de jornal
e revistarias, disponível em: http://www.grupocometa.com.br/dist04.htm
127
“Viagem Chocante” de Maria Ignez Duque Estrada disponível em:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/jd050898a.htm
188
valorizam as diferenças entre as pessoas e os povos”, de acordo com a autora Veja Kid+ faz
exatamente ao contrário conforme o que a revista mostrou na matéria de lançamento, ao
utilizar estereótipos pejorativos para descrever a cultura de outros países. Apesar do
julgamento a respeito da seriedade na construção do conteúdo, a revista, que era divulgada
com adjetivos de inovadora e antenada, não conseguiu levar essas características para suas
edições. Érika de Moraes (2002), segue no mesmo sentido crítico, em uma análise do
discurso da revista, concluiu que “embora se apresente de um modo inovador, conserva, na
verdade, uma visão redutora de criança, no sentido de pressupor capacidade intelectual
limitada do público a que se destina”. Os mais de 10.000 contatos dos leitores que, conforme
o site oficial da Abril descreve, chegavam à redação conforma a análise de Moraes (2002)
pareciam não ser aproveitados da para produzir uma revista de conteúdo relevante para o
público. As capas demonstraram uma tentativa de ser uma revista semanal de informação para
crianças, trazendo sempre uma entrevista com celebridades, quadrinhos, notícias do cinema e
da televisão. Veja kid+ embora contasse com a força do nome Veja e a base de assinantes
expressiva, não garantiu à Editora Abril a liderança no segmento infantil e, por isso, acabou
sendo descontinuada.
Nessa mesma época o grupo Folha lançou Disney Explora, uma revista semanal de
notícias, dedicada ao público infantil, que continha histórias, personagens de gibis e da
televisão, piadas, passatempos, agenda da semana e brincadeiras. Foi inspirada na iniciativa
do jornal argentino El Clarin, que, em março de 1998, lançou a revista Gênios
128
com uma
proposta com a qual o leitor poderia aprender, divertir-se e participar, trabalhando conteúdo
escolar somado a entretenimento para as crianças. A matéria de lançamento publicada um dia
antes dizia: “As crianças de hoje são agitadas e muito inteligentes. Gostam de se divertir,
participar e estão ávidas em aprender coisas novas. Por isso, a partir de amanhã, poderão
começar a ler a revista Gênios, uma nova proposta do jornal El Clarin
129
. A nova publicação
argentina Genios trouxe o visual da internet para um modelo impresso inovando o modelo
que a concorrente Billiken, que era consolidada e bem sucedido quase 80 anos no
mercado argentino, e tomou a liderança em exemplares vendidos ao público infantil. O feito
inspirou o grupo Folha, no Brasil, para lançar um tulo semelhante, além de ir ao encontro do
128
Para detalhes sobre a publicação argentina ver: www.genios.com.ar. A Editora Alto Astral trouxe a
revista Gênios para o mercado brasileiro em junho de 2005 inclusive com o mesmo padrão visual e
quase o mesmo conteúdo. Não atingiu circulação nem publicidade que a sustentasse e foi
descontinuada no inicio de 2010.
129
Disponível em: http://www.clarin.com/diario/1998/03/01/e-04801d.htm
189
que a Abril estava procurando: um sucesso no segmento infantil. Junto ao visual inspirado na
diagramação que mistura imagens e textos da internet, a nova Genios também adotou uma
antiga prática da Editora Abril que era a distribuição em fascículos de coleções de livros e
enciclopédias, o que contribuiu para consolidar sua participação no mercado junto às crianças
argentinas.
Imagem 68 - Edição de 10 anos da revista argentina Genios, 26/02/2008
A revista que inspirou Genios é Billiken
130
o título infantil referência no mercado
argentino, principalmente pela longevidade e pela importância que tem no desenvolvimento
do mercado editorial, tem uma história bem sucedida de como se adaptar aos novos tempos e
às novas tecnologias. Criação do uruguaio Constancio Vigil, importante nome no mercado
editorial argentino, Billiken foi lançada em 17/11/1919, com o objetivo de interagir com os
temas escolares e divertir as crianças. Sua composição era feita com histórias e contos,
variedade de imagens, jogos e curiosidades que, além de entreter as crianças, servia para
estudar. Sempre seguiu o calendário escolar e, atualmente, incluiu os temas música, televisão
e cinema. A publicação também tem um site repleto de opções, inclusive das mídias sociais,
como blogs e redes de comunidades. Os grandes temas de Billiken estão divididos em
entretenimento ciência escola tecnologia esporte.
130
Para mais detalhes sobre a história da revista e seu conteúdo ver: www.billiken.com.ar
190
Imagem 69 - Revista argentina Billiken. Na ordem, a edição número 1, de 17/11/1919, seguida da
edição 4686, de 27/11/2009, comemorando 90 anos, e da edição mais recente 4710, de 21/05/2010.
Em meio a esse cenário, depois de duas décadas sem grandes movimentações no
mercado brasileiro, no que diz respeito às revistas infantis, e com problemas na publicação
Kid+, a Abril, que no ano 2000 completaria 50 anos da sua fundação, não era a líder em
exemplares vendidos no segmento infantil; uma ironia, uma vez que sua história fora iniciada
com um produto destinado às crianças. O principal nome ligado às revistas infantis era o de
Maurício de Souza, com a Turma da Mônica, que havia deixado de ser produzido pela Abril
em dezembro de 1986. Nenhuma outra publicação teve êxito, tampouco longevidade, do
ponto de vista do mercado principalmente por ausência de um plano editorial bem definido e
visão de público leitor clara (Scalzo, 2009) e também pela complexidade das transformações
do momento que afetaram grande parte das industrias culturais (Borelli, 2000). Os modelos da
Argentina, mercado no qual a Abril também atua, haviam sido avaliados pela editora e o
lançamento de um produto parecido, Disney Explora, pelo Grupo Folha demandou que algo
fosse feito. O censo de 2000 reforçou o tamanho da oportunidade, mostrando que, no Brasil,
havia quase 20 milhões de crianças entre 5 e 10 anos
131
. O superintendente da Abril recebeu a
atribuição de se tornar líder em vendas de exemplares no segmento infantil, com uma marca
própria da editora que a consolidasse na liderança do mercado de revistas. Então, unindo
todas as boas referências à experiência bem sucedida na década de 70 com a revista Recreio,
desenvolveu um projeto para atender às crianças brasileiras, seguindo as premissas do projeto
anterior, que fosse uma publicação diferenciada, para divertir e informar o leitor. O projeto foi
131
IBGE, censo 2000, contagem da população.
191
submetido a pesquisas com os pais dos possíveis leitores, e, para a surpresa dos editores,
foram ressaltados os valores da Recreio, que estavam, ainda, muito vivos na memória dos
adultos que haviam consumido a revista durante a infância e a tinham como entretenimento de
qualidade. Optou-se, então, por manter o nome da revista, embora a proposta editorial visasse
a um perfil de público diferente, um pouco mais velho do que o da revista anterior, que falava
com crianças pré-escolares. Mas, sem dúvida, a marca Recreio ainda era válida pela
valorização que lhe era atribuída pelos antigos leitores.
A nova Recreio tinha o objetivo de levar informações para as crianças entre 7 e 11
anos, de maneira que eles compreendessem o conteúdo e ainda se divertissem; pretendia ser
educativa e divertida sem ser didática, pois a Editora Abril estava lançando um produto de
entretenimento, e não queria correr o risco de ser considerada chata pela criança ou de entrar
no território da escola. Um outro fator importante considerado foi o equilíbrio no atendimento
aos interesses dos meninos e das meninas. O produto deveria atrair e conversar igualmente
com os dois públicos e, para isso, foi desenvolvido um modelo chamado sacola: toda semana
tinha a revista um brinquedo e ainda um material que ia ajudar na pesquisa para a escola. O
projeto da revista Recreio foi construído pela dupla Maria do Carmo Tyla (Cacau Tyla),
diretora de arte responsável pelo plano visual, e Gisleine Carvalho, diretora de Redação, que
desenvolveu o plano editorial e está até hoje na função. Uma vez elaborada, a ideia foi para a
análise das consultoras pedagógicas para validar o tom do discurso para o público que estava
sendo pensado. Todo o produto deveria ter qualidade reconhecida, não poderia, por exemplo,
parecer que o que acompanhava a revista era um brinde, mas, sim, um brinquedo de
verdade; além disso, os assuntos, tanto as atualidades como as informações de pesquisa,
teriam que ser relevantes e contextualizados no mundo das crianças
132
. Um outro desafio,
que fazia parte da composição do projeto, era o de vivenciar o mundo do leitor, pois, por
atender a uma faixa etária delimitada, a revista teria um público totalmente novo a cada cinco
anos. Essa delimitação da faixa etária é o motivo para a premissa utilizada pela Disney em
seus lançamentos, a de que seus produtos podem ser relançados a cada sete anos
133
. O projeto
da revista será mais detalhado na próxima etapa desta dissertação em Seu Corpo (item 3.1).
132
Apresentação feita para a divulgação da revista Recreio junto as agências de publicidade.
133
Entrevista com Tiago Afonso, então gerente de publicação de Recreio, em 11/06/2007.
192
Imagem 70 - Edição 523 Aniversário de 10 anos da revista: nada além de uma menção na seção
Era uma vez.
A revista Recreio foi relançada em 2000 e sua edição número 1 teve como data de
capa 16/3/00. Após quase 18 anos fora de circulação, o título foi relançado com uma proposta
editorial atualizada, segundo seus editores
134
. A periodicidade da revista é semanal e, em seu
lançamento, teve os mesmos 250 mil exemplares da versão anterior. No comparativo abaixo é
possível identificar a importância da revista Recreio se comparada a outras destinadas ao
publico infantil, e ainda mais para a competitividade da Abril em relação a outras editoras.
Dentre as publicações infantis de maior circulação, a liderança está com os quadrinhos da
Turma da Mônica, cuja periodicidade é mensal. Se for considerado o total de exemplares
vendidos em um mês, Recreio vende quatro vezes mais do que Mônica, que lidera o ranking.
Recreio foi o título infantil de maior circulação por edição, até 2003, com 144 mil exemplares
semanais; chegou a 75 mil exemplares, em 2007, e atualmente tem 150 mil
135
.
134
Essa é a descrição da nova revista Recreio em quase todos os materiais que falam sobre ela; esse
comentário, especificamente, foi retirado de um histórico da rede interna da Editora Abril:
http://www.abrilnet.com.br/rcorporativas//conhecendo/conteudo_22224.asp, em 25/09/2009.
135
Dados de circulação média por exemplar disponíveis no relatório Mídia Dados Brasil. As edições
usadas para compor o histórico foram: 2005, 2008 e 2009. A informação de tiragem média atual da
revista é da Editora Abril.
193
Evolução da Circulação dos principais títulos
Gênero: Infanto-juvenil e Games
Títulos Periodicidade 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
Mônica mensal 121.20 116.30 120.60 123.20 128.00 105.60 123.40
Cebolinha mensal 91.40 98.40 108.40 112.50 120.80 97.50 111.70
Chico Bento mensal 77.30 86.20 99.30 106.30 113.80 87.70 103.00
Recreio semanal 139.70 144.60 99.90 87.00 76.90 75.90 102.90
Magali mensal 69.70 82.00 98.80 106.40 114.60 90.20 102.70
Cascão mensal 69.70 81.40 94.70 102.80 119.10 86.50 99.30
Almanaque da Mônica bimestral 85.70 91.10 85.40 89.90 77.90 83.00 92.80
Almanaque do Cebolinha bimestral 66.70 68.20 76.20 76.90 72.90 73.40 82.10
Almanaque da Magali bimestral 52.20 57.20 63.80 67.60 63.70 63.00 71.00
Almanaque do Cascão bimestral 57.30 57.40 65.20 72.70 67.10 61.50 67.70
Almanaque do Chico Bento bimestral 57.30 59.70 67.40 70.40 65.30 60.10 66.20
Witch mensal 52.90 59.60 67.20 64.60 50.30 46.50 28.70
Play Station mensal 25.70 31.70 38.70 38.50 34.10 28.70 25.60
Princesas mensal - - - 29.60 23.20 26.40 23.50
Power Ranger mensal - - - - - 14.10 10.60
Revista da Barbie trimestral - - - - - 16.20 10.40
Genios semanal - - - 17.40 12.80 7.30 9.90
X-Box 360 mensal - - - - - 6.30 9.20
Pato Donald mensal 37.70 26.10 18.80 12.00 6.40 8.60 9.10
Tio Patinhas mensal 21.80 19.00 17.20 12.90 6.60 8.20 8.00
Mickey mensal 44.20 30.90 28.90 12.00 5.70 7.10 7.20
Zé Carioca mensal 32.70 21.50 17.50 11.90 6.00 6.90 6.60
Ngamer mensal - - - - - - 5.00
PS3 World mensal - - - 10.50 10.00 8.00 4.20
Game Master mensal - - - - 6.20 3.50 2.60
Almanacão de Férias semestral 78.30 80.60 56.40 - - - -
Temáticos: colão de um tema só trimestral 35.00 36.90 37.80 - - - -
Almanacão da Turma da monica semestral 61.00 51.90 37.00 - - - -
EGM Brasil mensal - 21.00 22.50 - - - -
Nintendo World mensal - 15.20 13.80 - - - -
PS World mensal - - 12.10 - - - -
Média por edição (000 und)
Tabela 2 - Circulação dos principais títulos infanto-juvenis e games. Fonte. Mídia Dados.
Recreio, historicamente, sempre esteve entre os títulos infantis de maior circulação por
edição; mesmo com a periodicidade semanal, quando somado, em uma base de comparação
mensal, está entre os dez maiores do mercado de revistas brasileiro. Ao avaliar a
disponibilidade de títulos infantis, se comparada à do restante dos segmentos, nota-se que
ainda há oportunidades para publicações que tenham uma proposta editorial diferenciada, pois
a maioria é formada por quadrinhos e revistas de videogames. As publicações mais antigas e
também as mais regulares no que diz respeito a oscilação dos números de circulação, são as
histórias em quadrinhos em especial os títulos de Mauricio de Souza
136
. Os títulos mais
específicos, como os de video-games por exemplo, apresentam maior irregularidade tendo
maiores numeros de circulação no ano de lançamento e depois de dois anos acabam sendo
136
São titulos do Maurício de Souza todas as revistas em quadrinhos da Turma da Mônica, Cebolinha,
Cascão, Magali, Chico Bento.
194
descontinuados. Sabe-se pelos dois exemplos de publicações de sucesso que foram
abordados nesta dissertação, O Tico-tico e Recreio, que desenvolver e manter um produto
cultural para o público infantil requer pesquisas constantes e flexibilidade de atuação.
Principalmente pela interação com as tecnologias e pela diversidade de produtos que estão à
disposição das crianças, é preciso que o plano editorial seja bem elaborado e o contato com o
leitor constante, pois, mais do que qualquer outro público, as novidades e interesses deste
mudam rapidamente.
A atualização editorial que sempre vem destacada no discurso da Editora, ao comparar
a Recreio atual com a anterior, diz respeito ao conteúdo da edição impressa e, principalmente,
ao esquema multiplataforma oficialmente explorado pela área comercial para descrever a
publicação. Agora o produto é composto pelas seguintes partes: revista, personagem,
fascículo, site. Todas se complementam e, partindo da revista impressa, mantêm uma relação
entre si. A revista Recreio também adota um tipo de negócio que fez a diferença na história da
Editora Abril e na sua atuação no mercado brasileiro. Através das coleções em fascículos,
Victor Civita acreditava que era possível dar às pessoas de menor poder aquisitivo acesso aos
livros e ao conhecimento
137
. Ao dividir em fascículos livros, enciclopédias e coleções
mundialmente reconhecidas, Recreio leva ao leitor infantil o acesso a conteúdo especializado
com uma linguagem diferente da que está nas páginas da revista, possibilitando a interação
com narrativas heterogêneas que contribuem para a ampliação o repertório das crianças. Um
outro modelo de sucesso que também pode ser identificado na formatação da revista Recreio é
o da revista Seleções -Readers Digest. Conforme consta na história das revistas, ela é dona de
uma fórmula de vender outros produtos editoriais com grande sucesso, transformando o
negócio ainda maior que o mundo das revistas
138
. A revista Recreio tem tido bastante êxito na
comercialização de edições especiais, como o Almanaque Recreio, e edições especiais de
atividades Recreio como o Especial Recreio Cadê?, Especial Tirinhas Recreio, entre outros.
137
Sobre essa abordagem das coleções dentro da história da Editora Abril, é possível conhecer mais
através da biografia de Victor Civita e também no trabalho do professor Mateus Henrique de Faria
Pereira, A Máquina da Memória. Para maior esplanação teórica da srialização ver Borelli, 2006 Harry
Potter. Campo literário e mercado, livros e matrizes culturais.
138
Histórico da revista Seleções Readers Digest foi descrito no capítulo 2.
195
Imagem 71 - Edições especiais: Recreio: Cadê?, CD com músicas típicas de Festas juninas e
Almanaque Recreio.
Recreio levou o nome da Editora Abril para o segmento das revistas infantis, do qual,
desde 1982, ela não participava com os principais títulos. Tanto é que, no momento em que a
revista foi lançada, ela era parte, dentro da estrutura da editora, de uma unidade de negócios
denominada: Unidade Jovem/cultura. Alguns anos depois, conforme o título foi ganhando
peso e se estabelecendo no mercado, viabilizou-se a criação de um núcleo de revistas infantis.
Atualmente, nos relatórios anuais de resultados do Grupo Abril, na estrutura organizacional,
seis áreas respondem à presidência executiva, dentre elas a Editora Abril, que corresponde à
parte de publicações composta por 17 núcleos dos quais um é o das publicações infantis.
Na apresentação institucional da empresa, é a revista Recreio que representa o núcleo
infantil, que tem como objetivo acompanhar a criança e o pré-adolescente em suas
transformações. Essa descrição abrange mais do que o papel da revista Recreio, por isso, na
mesma descrição de núcleo, vem a informação de que a Abril tem publicações para cada faixa
etária. Dessa forma, o grupo de publicações chamado de Pais e seus filhos de 3 a 7 anos
inclui as revistas de atividades e os licenciamentos Disney. A faixa de idade seguinte a ser
atendida é exclusividade de Recreio, que se destina a crianças de 7 a 11 anos, seguida dos
teens, de 9 a 14 anos, atendidos pelos quadrinhos Disney. Além desses produtos, há os álbuns
de figurinhas que, em 2008, tiveram 18 lançamentos. O núcleo de revistas infantis respondia,
em 2008, por 11 títulos regulares e 41 edições especiais, dos 300 títulos da editora, e por 5,4
196
milhões de exemplares no ano, dos 179,2 da Abril
139
. A representatividade do núcleo infantil
nos números da empresa fica entre 3-4%. Essa representatividade, porém, diz respeito
basicamente à revista Recreio, pois a soma da circulação média dos demais títulos do núcleo
chega a um pouco mais da metade do seu número. Essa história foi construída nos últimos 10
anos, aniversário cumprido em março de 2010, pela longevidade do título e pelos números de
circulação que continua tendo. Esse sucesso parece ser a resposta a um projeto editorial bem
construído e endereçado a um consumidor imaginado pela Editora que entende e desfruta do
conteúdo proposto e ainda tem o aval dos pais e professores, que também são público da
revista.
3.1 Seu corpo: a revista multiplataforma
O cenário de nascimento, ou renascimento, de Recreio era composto de muita
expectativa quanto aos resultados que essa nova publicação traria. Segundo os especialistas
(Correa, 2005; Rossi, 2007; Scalzo, 2009) em revistas, as publicações nascem sem muito
estudo, surgem de uma boa ideia do editor e, se bem estruturada, pode se tornar um sucesso.
Uma receita meio stica para um negócio que, como todos dentro do capitalismo, visa ao
lucro. O objetivo principal de Recreio está perfeitamente explicado pela frase de Victor
Civita: “Se não colocarmos novos peixinhos no lago, não teremos como pescar peixes
grandes”
140
. Ou seja, participando da formação dos leitores, atendendo-os bem e nutrindo-os
com a dose certa de informação e entretenimento, quem sabe, não seja possível contar com
esses consumidores em outros núcleos ao longo dos anos? O recurso que fará esse peixinho
nadar no lago da árvore da Abril, de acordo com o ponto de vista dos produtores de revistas
não é muito diferente da receita dos títulos de sucesso: um plano editorial bem estruturado e
um contato contínuo com o leitor. (Scalzo, 2009).
Em março de 2000, estreava no mercado de revistas brasileiro um título destinado às
crianças: Recreio um nome meio em desuso, que significava um intervalo entre as aulas na
escola, quando os alunos esticavam o tempo para sua diversão e/ou deveres não terminados
139
Informações disponíveis na apresentação institucional da Abril S.A. Disponível na intranet da
empresa, a qual tive acesso durante a pesquisa de campo feita em março e abril de 2010.
140
A citação foi retirada de uma apresentação do departamento de marketing infantil da editora que foi
preparada para ser levada as agências de publicidade para divulgar o produto destinado ao publico
infantil, tive acesso a este material durante a pesquisa de campo feita junto ao marketing do núcleo
infantil durante os meses de março e abril de 2010.
197
em casa. Para os maiores de 20 anos, esse momento também poderia remeter a uma revistinha
da infância que trazia histórias e brinquedos para montar. Foi ouvindo a opinião de pessoas
para as quais recreio era sinônimo de infância além da escola, que a Editora Abril manteve um
título antigo para um novo projeto. Os leitores da antiga Recreio, no instante em que
responderam à questão sobre qual seria um bom título para uma revista infantil,
possivelmente relebraram suas experiências com as histórias e brinquedos de montar da
revista da sua infância e elegeram Recreio como um bom título para a revista de seus
filhos
141
. Essa foi mais uma etapa do projeto que nascera prometido, ou pelo menos
requerido, como um grande sucesso.
De posse de um grande objetivo e um nome, Recreio foi desenvolvido com um projeto
cujo objetivo não era muito diferente dos produtos culturais dirigidos a crianças, mas com
uma história que havia cumprido tal função: “produzir e difundir conteúdo de
entretenimento e informação para crianças, contribuindo para sua educação e formação”
142
. A
principal diferença entre o objetivo atual da revista e o anterior está no impacto, ou seja, a
revista brinquedo da década de 70 assumia o papel do ensinar divertindo, agora, num
universo repleto de opções de mídia e fontes de (in)formação, o projeto atual coloca-se na
posição de contribuir. A semelhança fundamental dos projetos é o papel do divertir, do
entreter, que sempre será parte do universo infantil, ao contrário do que pregam as teorias da
morte da infância (Buckingham, 2007), o que mostra que, embora a evolução da tecnologia e,
com ela, das mídias, não mudou completamente a essência dos seres humanos. Crianças
sempre serão crianças e terão a porta da curiosidade aberta para aprender sobre o mundo em
que vivem e, se for divertido, o aprendizado poderá ser ainda mais efetivo.
A Editora Abril, quatro anos após o lançamento da revista Recreio, se coloca como
ciente da sutileza das mudanças do público infantil, porém também usa dos beneficios que a
experiencia e tradição tem de bom, por isso apresenta, no relatório anual, a seguinte descrição
do núcleo infantil, cujo principal titulo é Recreio.
O público infantil deste início de século é dominado por mídias como a
televisão e a internet. Nesse cenário, editar revistas de qualidade é um desafio
que a Editora Abril resolveu abraçar. Recreio é uma revista semanal dirigida a
crianças de 6 a 11 anos, reconhecida pelos pais como entretenimento educativo
141
De acordo com entrevista com Thiago Afonso, então gerente de publicação de Recreio, em
11/06/2007, a respeito da história do lançamento da Recreio ao comentar a pesquisa que foi feita com
pais e crianças para avaliar a publicação.
142
Objetivo da revista Recreio divulgado como “missão” no material de publicidade do núcleo infantil
da Editora Abril.
198
de qualidade. O núcleo também publica títulos Disney, revistas de atividades,
álbuns e quadrinhos que, além de entreter, estimulam a coordenação motora da
criança e contribuem para seu desenvolvimento intelectual (Relatório Anual
Abril S.A., 2004:15.)
A Abril “abraça o desafio de editar revistas de qualidade para o publico infantil”
(Relatório Anual Abril S.A., 2004:15.) essa é a descrição do projeto Recreio, quatro anos após
o seu lançamento, com circulação média de 100 mil exemplares por edição. O título semanal
dirigido às crianças mostrava o orgulho de um projeto editorial estruturado, cujo
endereçamento parecia ser próximo do real e, se não fosse, pelo menos não causava a recusa à
leitura. Tratava-se de um título destinado às crianças que deveria conhecer suas necessidades
de diversão e também os assuntos de seu interesse, uma vez que, diferente do que acontecia
em relação à versão anterior, muitas fontes de informação estariam à disposição desse leitor.
Por isso o complexo Recreio não era uma revista, como o próprio material de apresentação
utilizado pela área comercial descreve: “Personagem-brinquedo, site, fascículo. Recreio é
muito mais que uma revista. É a melhor opção [...] para envolver a criançada com
entretenimento e informação”
143
. Agora o produto é composto pelas seguintes partes: revista,
personagem, fascículo, site. Todas as partes se complementam e, partindo da revista impressa,
mantêm uma relação entre si.
Imagem 72 - O atual Complexo Recreio
143
Argumento utilizado pela publicidade comercial para a venda de espaços na revista.
199
3.1.1 Revista
Embora a Abril S.A. tenha diversificado seu negócio, investindo em tecnologias e
serviços diferentes, da logística ao celular, a divisão de publicações continua sendo sua
principal área, com 70% do faturamento
144
, e a revista no Complexo Recreio continua
mantendo seu papel de principal produto. Recreio tem o formato de 20,2x26,6cm
145
e 44
páginas, normalmente divididas em 16 seções, cujo conteúdo aborda sempre os temas
presentes entre as crianças e vai de pesquisa escolar a lançamentos do cinema. Algumas das
seções são fixas, outras mudam a cada edição, dependendo da pauta. Os passatempos e espaço
destinado à participação do leitor têm presença garantida nas páginas da revista. Conforme a
possibilidade e o desenvolvimento do tema, a revista convida o leitor a saber mais detalhes ou
a participar com sua opinião no site. Faz parte do conteúdo editorial da Recreio o tema da
coleção vigente, explorado tanto como matéria da revista quanto como história em
quadrinhos.
Recreio sempre começa e termina da mesma maneira. O início é com a seção
Curiosidades, página 4, seguida pelo Teste, gina 6. Ambas contam com a participação do
leitor; a primeira, na construção do conteúdo, uma vez que é formada pelas perguntas
enviadas pelas crianças; a segunda é um teste que propõe uma avaliação divertida a respeito
de si mesmo ou desafiadora a respeito de temas variados, como desenhos animados, por
exemplo.
144
Pereira, 2009: 49. (faturamento: Editora 70%, Educação 13%, TVA 12% e MTV 5%) 170 milhões
de revistas e 56 milhões de livros escolares, receita líquida de 2,1 bilhões de reais.
145
Formato mais comum no campo das revistas, conhecido no mercado editorial como “formato
Veja”, principalmente devido ao fato de representar a melhor utilização do papel e consequentemente
maior economia. (Scalzo, 2009: 40)
200
Imagem 73 - Curiosidades: coisas legais de saber.
As duas últimas seções são Correio, página 40, e Tirinhas, página 42.
Coincidentemente ou não, mantêm uma dinâmica parecida com o início da revista, com a
participação do leitor. No Correio, as páginas são destinadas à publicação de desenhos,
solicitações, fotos e sugestões do leitor e as Tirinhas repetem a despedida das revistas em
quadrinhos com historinhas rápidas, para dizer tchau, que estão sempre na última página da
revista e são compostas por três historinhas curtas nomeadas: Animatiras, nome escolhido em
razão de haver uma versão animada no site; Gordura, quadrinhos sem falas e Anabel. A
seção Tirinhas divide a página com o resultado dos passatempos. O meio exato da revista, o
miolo, onde é possível ver o grampo que prende as páginas, também é sempre o mesmo, fácil
de encontrar, pois vem marcado por ser a emenda da revista. A página 22, no índice, está
sempre nomeada com o passatempo Cadê?, a atividade de maior sucesso da revista; trata-se
de um desafio visual de encontrar figuras selecionadas em meio a um cenário colorido e cheio
de detalhes; assemelha-se muito ao famoso Onde está Wally?.
Outras duas seções que estão sempre alocadas no mesmo lugar no índice são as que se
referem à coleção vigente: a matéria e os quadrinhos. No caso da coleção publicada no
momento desta pesquisa, Galácticos, desenvolvida sob o tema espaço, a seção que antecede os
quadrinhos leva o nome de Espaço
146
, página 26, e, a cada semana, ela traz um conteúdo sério
146
Essa seção sempre leva o nome do tema da coleção, pois a ideia é trazer a informação real,
jornalística, a respeito do tema que o brinquedo da semana está abordando. Durante a coleção
201
a respeito do brinquedo e/ou do momento em que a história da coleção chegará à edição, tanto
que 1/3 da página
147
dessa seção é destinado à instrução de como montar o brinquedo da
semana, sempre seguida de um anúncio da própria Recreio, divulgando a próxima edição,
com destaque para o brinde. Depois de Espaço, o índice mostra, com destaque de uma
imagem, os quadrinhos da coleção, página 29. São oito páginas de história em quadrinhos
com os personagens da coleção, que, embora sejam episódios independentes, com início,
meio e fim, dão continuidade à edição anterior. Essa conduta só terminará na última edição da
coleção e, se o leitor quiser entender a história como um todo, terá de ler todas as partes.
Imagem 74 - Edição 524 Seção Espaço e a tira Monte o seu guardião
As seções Na TV e Cinema comentam antecipadamente os lançamentos de produtos
dirigidos às crianças. Normalmente as matérias são compostas por um resumo da trama e
detalhes sobre os personagens e/ou elenco. Essas seções não costumam aparecer em uma
mesma edição, mas aconteceu, como na 532. Estão sempre relacionadas aos destaques de
capa da revista, mas, quando não estão nessa posição ou quando o assunto não diz respeito a
um lançamento, as informações sobre essa matéria normalmente fazem parte da seção
GALÁCTICOS, essa seção era composta sempre por uma matéria a respeito do planeta ou parte do
sistema solar que estava relacionada ao brinde da semana. A edição 531 abordou o planeta Júpiter e o
brinquedo da semana era o Guardião Galáctico de Júpiter.
147
Uma tira, no mesmo padrão que a revista anterior utilizava para as atividades. Esse formato
também está disponível para anúncios publicitários.
202
Divirta-se
148
. Esta semana e Vem são também seções dedicadas aos acontecimentos de
destaque; muitas vezes são eventos ou datas comemorativas, como os da edição 525, que
tratou do tema Páscoa. Games é uma seção constante e de destaque; toda semana a revista traz
uma página, ao menos, com informações atualizadas sobre o tema. Comumente ela é destaque
de capa.
As seções Bichos, Ciência, Seu corpo e Natureza estão associadas a temas do interesse
das crianças, pois refere-se a essas áreas a maior parte das perguntas feitas em Curiosidades.
Falando sobre meio ambiente e consciência a seção Ecologia, que não é muito frequente,
mas, quando aparece, dá dicas de como cuidar melhor do planeta. Ainda na linha de responder
a questionamentos próprios das crianças, a seção Como funciona mostra o funcionamento de
esquisitices do corpo, como, por exemplo, o soluço, na edição 409, ou do mundo, como a
moda dos astronautas da edição 447. Túnel do tempo esclarece assuntos da história que
normalmente são abordados em filmes ou programas do momento, mas sem explicação
anterior, e Pelo mundo fala de lugares interessantes para se conhecer, dando detalhes sobre a
geografia, história e culinária do local. A edição 393 compara os polos Norte e Sul e a 409
trata de hotéis e restaurantes malucos. Desafio também é uma seção com curiosidades, porém
apresentada em forma de teste para verificar o quanto o leitor sabe sobre o tema proposto.
Com as respostas em mãos, ele pode aprender coisas diferentes sobre um assunto que,
normalmente, faz parte da sua vida. Experiência é uma seção mais prática, que sugere tarefas
para as crianças testarem alguns conhecimentos e reações; normalmente está associada a
assuntos ligados a laboratório ou a conteúdos das aulas de química e física. Pesquisa Escolar
traz explicações sobre as datas comemorativas que comumente são assuntos de trabalhos
escolares. Escola é uma seção com sugestões de como dividir o tempo entre o brincar e as
responsabilidades da escola, como, por exemplo, estudar para as provas.
148
Um exemplo dessa situação é a edição 524, cujo conteúdo da seção Divirta-se dizia respeito a
produtos de TV/cinema que não eram lançamentos, diferente do que aconteceu com a comparação
feita entre Harry Potter e Pearcy Jackson, que, por ser uma matéria de peso e destaque de Capa,
ocupava o mesmo lugar, página 8, das seções Na TV ou Cinema. Em outros casos, quando o Divirta-se
não trazia nenhum conteúdo de destaque ou apresentava algum programa que já estava no ar, como
nas edições 525 e 531, ele se encontrava entre as páginas 12 e 20.
203
Imagem 75 - Bichos: curiosidades do mundo animal apresentadas de maneira simples.
Para brincar e Fazendo arte são brinquedos para serem construídos pelos leitores e
Mão na massa traz receitas fáceis para serem feitas pelas crianças, sem ajuda, na cozinha de
casa. Muitas vezes está associada a uma data comemorativa ou à sugestão de um convite para
os amigos.
Imagem 76 - Mão na massa traz dicas e receitas para fazer sozinho
Fique ligado é uma seção que, com frequência, está na revista. Não tem um padrão de
conteúdo definido; algumas vezes é uma espécie de teste para que o leitor conheça melhor
suas respostas a alguns estímulos, como na edição 528, Som ou imagem? Descubra o que
204
você memoriza; outras vezes traz uma seleção de curiosidades sobre determinado assunto ou
objeto, como na edição 529, que tratou da história e particularidades do material escolar, e na
edição 530, que falou sobre o espelho.
Era uma vez não é uma seção muito frequente, pois as histórias de Recreio
normalmente ficam por conta dos quadrinhos da coleção, mas, de vez em quando, aparece
uma releitura de alguma história conhecida, como na edição 526, que conta a história de uma
Chapeuzinho diferente, ou de uma história que tenha a ver com a data comemorativa mais
próxima, como na edição 530, com a história Mãe tem superpoderes?.
Esporte, Chips e Bits e Maior e Menor, na verdade, nem parecem seções da revista de
tão raras que são. A primeira consta de associação rápida, trata de programas e temas de
computador; a da edição 528 ensinava como fazer um blog e virar escritor na rede. A segunda
tem o conteúdo extraído diretamente do livro dos recordes, comparando os extremos de uma
mesma situação. Ainda raras, mas não menos interessantes, são as seções Bate-papo e Gente
legal. A primeira com entrevistas, como na edição 395, em que se conversou com o ator de
High School Musical e esta última que contou sobre a vida do colecionador da natureza
Charles Darwin, na edição 392.
Depois de tanto conteúdo, chegam os tão esperados passatempos. Normalmente, as
edições de Recreio trazem entre três e quatro atividades para seus leitores. A mais esperada
delas, de acordo com as pesquisas feitas com os consumidores da revista, não tem nem
subtítulo ou chamada no índice; está, sim, sempre no mesmo local, ginas centrais 22-23, e,
como foi comentado anteriormente, é o Cadê?, atividade de desafio visual para buscar, em
meio a duas páginas cheias de ilustrações coloridas, os pequenos objetos destacados no
enunciado. O mundo cheio de cores e de detalhes que acaba preenchendo as duas páginas,
algumas vezes, segue o tema específico da edição, como na 525, em que essa gina estava
cheia de coelhos de Páscoa, e na 527, que destacava o dia do índio. Cadê? é sempre assinado
pos Sander, nome que não consta no expediente da revista, mas eventualmente também assina
ilustrações de outras seções. O material desse passatempo já produziu três especiais de
Recreio.
205
Imagem 77 - Edição 447, de 2/10/2008 - Exemplo de um passatempo Cadê?
O outro passatempo que está em todas as edições de Recreio é o Enigma e ocupa
somente uma página, com ilustrações sobre o assunto do problema que o leitor deverá
resolver, usando a lógica e as informações dadas no enunciado. No índice, o nome da seção
traz sempre, como complemento, a tarefa da qual o leitor será encarregado, como por
exemplo, descobrir o nome dos personagens ou o autor da ação que precisa ser desvendada.
No Enigma, o que prevalece é sempre uma lista de pistas com informações que podem
confundir ou levar à solução pretendida; não tem vínculo com outras seções ou temas da
edição, podendo variar assuntos. As ilustrações de Enigma não são assinadas por uma
pessoa, mas Flávio Ribeiro e Alexander Santos são os nomes mais frequentes, seguidos por
Sander, o mesmo ilustrador do Cadê?. Não é possível deduzir o que origina a atividade, se é o
desafio a ser resolvido ou a ilustração; o que é possível notar é que a formula é sempre
parecida, deixando para a ilustração ou a inspiração do redator agregar o tema. São bastante
variados, podendo abordar desde coisas corriqueiras, como o autor de uma cesta em um jogo
de basquete, na edição 528, até situações que evocam a mitologia grega, como na edição 526,
em que buscava quem havia escondido o raio de Zeus; ou as mitologias nórdica e celta em
que nomearam os guerreiros na edição 530, ou ainda a romana, que inspirou os seres
fantásticos da edição 531. Enigma não tem, como Cadê?, uma localização fixa nas edições ,
206
porém, na maioria das vezes, vem no final da revista, logo após a história em quadrinhos da
coleção, página 37, ou ao lado do expediente, página 39.
Imagem 78 - Edições 453 e 409 - Exemplos de Enigmas.
Além de Enigma e Cadê?, as edições de Recreio trazem, pelo menos, mais um
passatempo, algumas vezes dois, que normalmente são compostos com Fique de olho, Sete
erros ou Labirinto. Estas, sim, estão sempre nas páginas finais, 37 ou 39, da edição. Sete
erros e Labirinto dispensam apresentações, até mesmo para as crianças que estão
acostumadas com essas atividades. A primeira nunca traz nada descrito no índice, nem
mesmo na página da atividade; Labirinto tem uma história para o consumidor levar o
personagem pelo caminho com obstáculos.
Fique de olho também é composto por um desafio visual, exige atenção do leitor, pode
aparecer de duas formas diferentes já descritas no índice. Uma delas remete ao mundo da
fotografia, enunciada como Descubra a foto errada; trata-se de uma cena principal ilustrada
na página da atividade com recortes de detalhes da cena, separados como se fossem fotos bem
próximas. O leitor deve identificar quais são realmente os detalhes da imagem principal até
encontrar a errada que, normalmente, não está perfeita por uma pequena alteração, o que
exige atenção para ser localizada. O Encontre é a outra modalidade do Fique de olho, cujo
exercício é mais parecido com o do Sete erros ou até mesmo o do Cadê?, pois solicita que o
leitor encontre figuras ou objetos, variando o nível de dificuldade no enunciado, pois alguns
207
destes apresentam a quantidade e a descrição do que deve ser encontrado e outros dão
somente uma dessas orientações. Por exemplo, na edição 529, foi solicitado que encontrassem
nove utensílios de cozinha, com isso o leitor já saberia quando a tarefa estivesse concluída; já,
na edição 524, o enunciado diz que são seis objetos repetidos, porém não descreve quais,
comenta que são repetidos.
Imagem 79 - Edições 392 e 395 - Dois exemplos do Fique de olho: um deles tem um enigma e o
outro pede dois mapas iguais.
A revista tem normalmente a composição acima descrita, o que é importante, pois, é
necessário que haja essa familiaridade entre o leitor e a revista, como afirma Scalzo:
esse equilíbrio e essa coerência editorial da pauta, bem como o ordenamento das
seções, colunas, entrevistas especiais e etc., que vão definir a personalidade de uma
revista. A cada edição o leitor vai encontrar, ao mesmo tempo, variedade e algumas
marcas de identidade, que lhe permitem reconhecer e manter uma relação de
familiaridade com sua revista predileta (2009: 66).
Recreio trabalha assuntos que são parte da rotina das crianças: as mídias, como
televisão, cinema e games; datas comemorativas, cujo conteúdo também é reconhecido por
elas por estar associado ao calendário escolar; passatempos, na tentativa de incluir um pouco
de ação na relação do leitor com a revista, uma vez que aquelas tarefas estão ali para serem
208
resolvidas; e, finalmente, a representação da participação do leitor. ainda, nessa
composição, uma parte que se relaciona com a coleção em vigor no período, composta por
uma matéria informativa e uma história em quadrinhos que, ao longo da coleção, vai
envolvendo os novos personagens na narrativa.
O design ou a identidade visual da revista fala muito da personalidade de uma
publicação (Scalzo, 2009); da tipologia à distribuição das imagens e diagramação, o projeto
editorial se completa. Para um título infantil, é indispensável o uso de imagens que ilustrem o
conteúdo e também construam a narrativa do que a revista está trabalhando. No caso de
Recreio, além das fotos que têm o intuito de comprovar a veracidade das informações
presentes no conteúdo da revista, sempre a interferência de ilustrações, como se a equipe
de Recreio fosse composta por esses personagens e estivessem, o tempo todo, comentando os
assuntos das revistas. Isso, de certa forma, não deixa de ser o toque de fantasia ou de
informalidade dado à informação concreta ali descrita. Toque importante no que diz respeito à
abordagem do leitor infantil, como descreve Buckingham (2007: 249):
Os jovens orientam-se quanto à informação de forma bem diferente do que fazem as
gerações mais velhas e eles preferem um estilo noticioso mais informal do que o
jornalismo convencional [...] as formas convencionais de noticiário jornalístico já
deram provas de não conseguir efetivamente capacitar os jovens a traduzir os fatos
políticos gerais para o contexto de suas vidas cotidianas.
209
Imagem 80- Edição 441, de 21/08/2008 - As ilustrações brincando com a informação real.
Os conteúdos e atividades são distribuídos em páginas com muitas cores e ilustrações;
os textos são curtos, em algumas matérias assemelham-se a notas de jornal. Essa é uma
instrução básica para jornalistas que escrevem para crianças (Scalzo, 2009), para que elas não
fiquem entediadas antes de começarem a ler o texto e não o abandonem. Lembrando que esse
produto é sempre desenvolvido por adultos e endereçado às crianças, o que implica uma
relação mais distante com os temas abordados, pois não são comuns ou rotineiros aos adultos.
Esse esforço de busca e envolvimento com um universo mais distante e também a pesquisa
que o adulto faz para trazer os últimos detalhes do novo jogo de videogame ou do desenho da
televisão são evidentes no texto pelo uso contínuo de expressões como saiba mais, saiba tudo,
fique pro dentro, conheça, descubra como se a revista fosse a fonte de informações
privilegiadas de coisas que são naturais para as crianças. Essa postura de ser a luz do
conhecimento não faz parte do discurso das publicações dirigidas ao público adulto, uma vez
que o papel das revistas é trazer informações diferenciadas sobre um determinado tema, como
se fosse uma conversa entre amigos, através da qual o leitor vai buscar, naquela maneira de
enxergar as coisas, conhecer mais sobre um determinado assunto (Scalzo, 2009). Isso torna
210
desnecessária a lembrança constante de que, através das páginas daquela publicação, será
possível entender a totalidade de algum processo ou evento. O papel de fonte única e absoluta
de conhecimento, que se configura nos saiba tudo utilizados no texto da Recreio, não condiz
com o que está descrito na missão de contribuir para a formação das crianças. Ao contrário,
comporta-se como fonte privilegiada de informação. O que é um risco, pois o conteúdo
presente nas páginas da revista é detalhamento de produtos do universo das crianças, jogos,
programas de televisão, matérias da escola, para os quais elas, provavelmente, elaboraram
hipóteses de leitura, como fazem naturalmente com o que recebem das dias (Buckingham,
2007).
As matérias da revista, especialmente as de destaque, arriscam-se a dar ao leitor algo
que ele saiba, sem adicionar nenhum detalhe ou atrativo diferencial. O que não acontece
com as narrativas, histórias em quadrinhos e informações de seções como O túnel do tempo,
nas quais a redação trabalha a informação dentro do estilo editorial da revista e apropriado ao
público, trazendo informações novas para o leitor e seguindo o padrão do texto curto, como
deve ser no caso de uma revista infantil, a fim de obedecer a duas recomendações: a de que
crianças não leem muito e a de que as revistas devem ter um texto sucinto. (Scalzo, 2009). No
entanto, deve-se duvidar dessa afirmação a respeito do pavor das crianças em relação aos
textos longos, caso contrário Harry Potter, por exemplo, não teria sido nem continuaria sendo
o sucesso que é ao redor do mundo
149
. Talvez os produtores de bens culturais devessem se
perguntar se estão mesmo conseguindo despertar o interesse do seu leitor, sua audiência, em
vez de rotular comportamentos como esse. Buckingham aborda exemplos muito
esclarecedores a esse respeito em um estudo feito com telejornais e jornais impressos na
Europa e Estados Unidos: “os jovens desdenham especialmente os programas que parecem
subestimá-los ou falar com eles de cima para baixo [...] não querem apenas entretenimento;
eles querem ser informados e levados a pensar” (2007:262)
Faz parte da lista de preocupações dos editores a receptividade do seu produto no
mercado e mais ainda entre o público. As pesquisas de mercado que passaram a ser formal e
periodicamente desenvolvidas com o público leitor dos títulos, desde a Era do Marketing na
década de 70 (Mirra, 2001), são importantes para manter a equipe que produz um título
alinhada com os desejos e expectativas do leitor, porém a análise e o bom uso dos resultados
serão fundamentais para nortear a pauta e a evolução de uma revista, sempre com o cuidado
149
Para detalhes sobre o sucesso de Harry Potter, ver Borelli, 2006.
211
de ouvir o leitor e não a interpretação de especialistas no leitor. Segundo Scalzo (2009), uma
revista deve se preocupar em ser revista, cumprir aquilo a que se propôs: cobrir assuntos para
determinado público. Já está mais do que provado que todos os meios, televisão, rádio, revista
e internet, podem conviver, tendo cada um o seu estilo e a sua abordagem dos fatos; o
importante é que haja um plano editorial bem definido. Esta descrição é retomada, pois, na
amostra selecionada para a pesquisa
150
, a maior parte dos destaques da revista estava em torno
de programas de televisão, jogos de videogames e lançamentos do cinema. Isso fica claro na
avaliação das capas, que será detalhada no próximo capítulo, e do índice, que apresenta
sempre três destaques, associados a imagens.
Imagem 81 - Edição 530 - Aqui tem: valoriza os seus destaques com imagens.
A tabela abaixo é um resumo dos destaques do Aqui tem
151
, dentro das edições
analisadas. Em todas elas sempre esteve a coleção, que é o conteúdo diferencial da revista,
com Games, Cinema e Na TV. Raramente outras seções ou temas tiveram destaque. O
Divirta-se, quando esteve destacado no índice, também tratou do comparativo entre Harry
Potter e Percy Jackson, duas séries da televisão que também são filmes, na 524, e de um
150
Para a pesquisa desta dissertação, foram analisadas 10 edições da revista Recreio atual, da edição
523 até a 532, publicadas em 2010.
151
Aqui tem é o nome dado ao índice na revista Recreio.
212
descritivo das novas séries de televisão, na edição 525. Já a seção Games está presente em
todas as edições da revista, mesmo não sendo sua especialidade e havendo tantas outras fontes
impressas ou na internet para consulta das crianças usuárias desse tipo de jogos. A abordagem
da Recreio nesta seção tornava-se um breve relato, uma nota de lançamento, por exemplo.
edição seção página seção página seção página
523 CINEMA 8 GAMES 17 Quadrinhos Galácticos 29
524 DIVIRTA-SE 8 GAMES 25 Quadrinhos Galácticos 29
525 ESTA SEMANA 8 DIVIRTA-SE 18 Quadrinhos Galácticos 29
526 NA TV 8 PESQUISA ESCOLAR 18 Quadrinhos Galácticos 29
527 CINEMA 8 GAMES 25 Quadrinhos Galácticos 29
528 NA TV 8 GAMES 21 Quadrinhos Galácticos 29
529 NA TV 8 GAMES 19 Quadrinhos Galácticos 29
530 NA TV 8 GAMES 19 Quadrinhos Galácticos 29
531 NA TV 8 GAMES 19 Quadrinhos Galácticos 29
532 NA TV 8 GAMES 19 Quadrinhos Galácticos 29
AQUI TEM! (destaques do indice)
Tabela 3 - Comparativo dos destaques dos índices das edições 523-532.
Apoiar a linha mestra de execução ou da pauta de uma revista em cima de
programação ou lançamentos de novos produtos para o público infantil pode ser uma decisão
arriscada, pois privilegia acontecimentos de outros autores e de outros meios como televisão,
cinema e videogames, por exemplo, em detrimento do conteúdo que o título pode oferecer. O
que pode levar à conclusão de que a Recreio inspira seu modelo nas revistas semanais de
informação, cuja abordagem parece ser limitada por trazer somente o que está acontecendo no
universo das mídias dirigidas a seu público e não no universo deles como um todo. Este
parece ser um plano editorial ou, ao menos, uma execução, fraco para a missão de contribuir
para a formação das crianças, uma vez que é uma espécie de guia informativo. Como a
revista impressa é uma das partes do complexo Recreio, fica com as outras partes, em
especial com a coleção, a responsabilidade do diferencial de conteúdo.
3.1.2 Coleção
A coleção é uma parte importante do complexo Recreio; no mínimo, a parte em que a
editora aposta para aumentar a circulação, ou seja, vender mais. Por isso, na edição impressa,
essa seção responde por quase metade da revista: oito páginas de história em quadrinhos, uma
de publicidade, duas de matéria científica a respeito do tema da coleção. Isso sem contar que é
213
destaque no Aqui tem, na capa e é, também, uma das grandes motivações de relacionamento
com os leitores que buscam completar a sua coleção ou participar das coleções da Recreio.
Algumas delas têm mais sucesso impactando os números de circulação e principalmente o
investimento publicitário, o que pode ser comprovado pelo número de páginas de anúncio na
revista. Mas todas elas buscam sempre unir a maior quantidade de atrativos possíveis, atender
a meninos e meninas, tratar de temas que estejam entre os mais cotados entre o público, como
dinossauros, animais e espaço; e ainda ser pedagógico para a aprovação dos pais e
professores.
Primeiro avaliam-se os assuntos preferidos do público, que depois passam por uma
seção com os criativos que desenvolvem alguns conceitos de temas e brinquedos para uma
possível coleção. Esses conceitos são testados com crianças e mães, gerando uma lista de
coleções possíveis ou alterações, quando necessárias. Depois se busca uma validação
pedagógica com as consultoras, para, então, partir para o desenvolvimento dos protótipos e
dos moldes com os fornecedores. Os protótipos são construídos e voltam para serem avaliados
de acordo com a legislação brasileira
152
, procedimento que fornece a classificação etária do
brinquedo e a liberação para a produção. Normalmente os brinquedos da Recreio são
desenvolvidos por fornecedores chineses, cuja tecnologia permite atender às exigências das
peças, com as dobras e mecanismos necessários para que elas possam ser montadas e
desmontadas diversas vezes. Isso sem contar os detalhes de pintura. Tudo isso dentro de um
custo bem mais adequado à viabilidade do projeto do que qualquer fornecedor nacional
poderia fazer. O desenvolvimento de uma coleção, desde o momento do teste do conceito até
o lançamento ao público, leva em média de 12 a 18 meses. Uma vez que o processo de
construção dos brinquedos esteja encaminhado, começa o desenvolvimento da narrativa da
coleção, com a criação de histórias, personagens, embalagens e todo o material de
comunicação.
O processo é demorado, pois há a preocupação da empresa em desenvolver uma
coleção que possa atender ao seu público e, assim, cumprir a missão da revista. O
levantamento dos assuntos e o desenvolvimento dos conceitos levam muito em consideração a
idade dos leitores, os assuntos que estão em alta no momento, os assuntos que são sempre em
152
Há uma obrigatoriedade em fazer um teste do INMETRO para qualquer brinquedo destinado a
crianças. É nesse teste que surge a indicação etária do uso dos brinquedos e é ele também que garante
o selo autorizando a comercialização no Brasil. Esse procedimento é exigido para os brinquedos que
serão vendidos e também para as peças que serão utilizadas como brindes, como é o caso de Recreio.
214
alta para eles, temas que tenham receptividade entre meninos e meninas e, além disso, que
possam ensinar, de onde vem a preocupação em submetê-los a uma avaliação junto a uma
consultoria pedagógica. Ao longo dos dez anos que a revista está em circulação, pelo menos
15 coleções diferentes, que incluíam brinquedos, foram desenvolvidas. Para validar uma
proposta de coleção há uma lista de premissas que ela deve cumprir.
Imagem 82 - Requisitos que uma coleção deve ter para fazer parte do mundo de Recreio
153
Embora a editora tenha a preocupação de construir uma narrativa para envolver os
brinquedos relacionados a um conteúdo, como se fosse o sopro de vida dado ao objeto, os
brinquedos, por si só, ensinam, não sendo preciso que eles sejam criados com o objetivo
pedagógico. Eles
propõem à criança uma infinidade de possibilidades de visões de mundo, de ações e de
encantamento [...] as crianças transgridem o suposto conteúdo do brinquedo: utilizam-
no de forma não pensada pelo seu fabricante, encantam-se com detalhes que pareciam
secundários, inventam novos usos, os destroem a fim de encontrar sua alma. Nesse
exercício de liberdade, mostram que a cultura é plural, assim como as possibilidades
de interpretação da cultura
154
.(Benjamim, 2002:122)
153
Informação retirada de uma apresentação feita pelo marketing infantil da Editora Abril para a
publicidade comercial divulgar a revista entre as agências e anunciantes.
154
Extraído do artigo História cultural dos brinquedos de Rita Marisa Ribes Pereira. Disponível em:
www.periodicos.proped.pro.br
215
Portanto a possibilidade de montar o brinquedo e atribuir a ele a personalidade dos
personagens das histórias em quadrinhos da Recreio é uma, diante de um universo de
opções. A revista, em sua composição multiplataforma, também proporciona um aprendizado
ao leitor pela interação com os brinquedos da coleção. O mais importante dessa história é que,
mesmo que haja uma preocupação em fazer um brinquedo que seja educativo, esta não é um
argumento de aproximação com o leitor, e não deve ser, para que sua abrangência não seja
limitada.
Em conjunto com a criação do personagem, a equipe também busca um livro que trate
do mesmo assunto ou de algum tema que seja importante para as crianças. Isso porque a
coleção, além dos brinquedos e das historinhas em quadrinhos que os acompanham, conta
também com fascículos de um grande livro que poderá ser útil para as pesquisas escolares dos
leitores, ou mesmo para aprenderem mais sobre determinado assunto. Os livros normalmente
são licenciados, pois a ideia é sempre ter um material interessante junto com a coleção, que
será útil por muito tempo para as crianças. As coleções são desenvolvidas em conjunto pelas
áreas de marketing e editorial, para que todos os aspectos sejam analisados: da consistência
do projeto, enquanto narrativa, até seu potencial comercial, com a finalidade de atrair
anunciantes e aumentar a circulação.
Desde a primeira edição, Recreio contou com uma coleção. Essa é uma das partes do
complexo multiplataforma da revista, que realmente traz conteúdo diferenciado: os temas e os
livros escolhidos para compor uma coleção são cuidadosamente avaliados. Além desses
acessórios, a própria revista impressa também destina parte de seu conteúdo a abordar os
temas da coleção. A que está em vigor no momento desta pesquisa, Galácticos, teve início em
18/03/2010, na edição 523. O assunto da coleção é o espaço, os personagens-brinquedo são
planetas, satélites e outros elementos que se relacionam com esse universo, como foguetes e
telescópios.
Nem sempre as coleções da revista trouxeram brinquedos. Durante o primeiro ano da
revista, houve três coleções, todas referentes a livros. A primeira foi Para saber mais: a
enciclopédia do estudante, cuja descrição era a coleção que faz assuntos complicados
parecerem brincadeira. Foram 53 edições com dois fascículos em cada uma.
Simultaneamente aconteceram outras duas. Uma delas foi De olho no mundo, uma coleção de
livros, com capa dura, sobre conhecimentos gerais, abordando o Brasil, a ciência e o mundo.
Durante 19 edições o leitor recebia um livro junto com a revista. A outra, Atlas universal
216
interativo, foi a primeira coleção com a qual a criança pode interagir. Tratava-se de um
grande livro de capa dura, que apresentava mapas em que faltavam informações e, a cada
semana, estas chegavam ao público em forma de figurinhas para serem coladas no local certo
dentro do mapa e, assim, o livro se completava durante 19 semanas. Depois do Atlas
universal interativo surgiu a primeira coleção nos moldes das que seguem até hoje, com um
brinquedo e fascículos para montagem de um livro de consulta.
Nome ano Descrição do brinde
LETRONIX 2001
Letras que se transformavam em Robôs
NUMERIX 2002
Números que se transformavam em Robôs
MEGALETRONIX 2002
Eletrodomésticos que se transformavam em Robôs
ROCKANIMAL 2003
Pedras que se transformavam em animais
TRILHA DO TESOURO ROCKANIMAL 2003
Tesouros das escavões arqueológicas dos locais onde
viviam os animais
CIRCOMIX 2004
Personagens de circo de diversos países diferentes; tinham
o corpo dividido, podendo ser misturados para criar novos
DINOMANIA 2004
Dinossauros e ossadas para serem montadas
ROBITS 2005
Pas para montar robôs
MAXIROBITS 2005
Pas para montar robôs gigantes com pessoas no
comando
FUTLOUCOS 2006
jogo de futebol com campo e jogadores
MISSÃO TOTEM 1 2006
Personagens que unidos se transformavam em TÓTEM
MISSÃO TOTEM O DUELO FINAL 2006
Personagens que unidos se transformavam em TÓTEM
BARCO DO TERROR 2007
Personagens de um navio fantasma
LETRONIX NOVA GERAÇÃO 2007 Letras que se transformavam em Robôs
DINOROCK 2008
Pedras que se transformavam em dinossauros
ROCKANIMAL NOVA GERAÇÃO 2008 Pedras que se transformavam em animais
CYBERBOTS 2009
Eletrodomésticos que se transformavam em Robôs e juntos
formavam robôs gigantes
Tabela 4 - Histórico das coleções da revista Recreio
As histórias desenvolvidas para criar as coleções trazem os elementos da fantasia cheia
de aventura, nas quais os personagens passam por perigos e normalmente se saem bem, como
nas narrativas dos filmes e desenhos animados também dirigidos às crianças. Além da
aventura, as coleções trazem informações sobre o tema tratado, informações de pesquisa ou
curiosidades. Esse material vem tanto nas páginas do livro como nas da revista. Para a
coleção Galácticos, como o tema é uma grande aventura pelo universo, em todas as edições
de Recreio, antes de começar a história em quadrinhos da coleção, normalmente na página
26
155
, há a seção Espaço com informações sobre o assunto abordado (planetas, estrelas,
155
Das edições analisadas, 523-532, somente a primeira, 523, por ser a edição de lançamento da
coleção, trouxe a seção Espaço, na página 24, pois a dupla 26-27 foi destinada ao anúncio da colão
com os 14 personagens e o livro.
217
foguetes e etc.). A edição de lançamento de uma nova coleção costuma ser especial, com
embalagem diferenciada, pois ela normalmente traz mais elementos que as edições comuns: a
capa do livro, a caixa ou o local para guardar a coleção e o gibi com a história inaugural da
aventura.
A coleção Galácticos vem atender a uma demanda constante dos leitores de Recreio,
que sempre pedem para saber mais sobre o espaço e os planetas. Tanto que o enredo de outras
coleções também passou por temas como alienígenas, visitas de outros planetas para testar
coisas na Terra
156
.
O enredo da coleção começa com a criação dos personagens para defender o universo
e, a cada semana, uma batalha da qual participa cada um dos personagens, sempre contra
um vilão de quem se quer vingar por estar destruindo o universo. Os Galácticos foram criados
pelos Lordes Plasmons, a raça mais antiga e sábia do universo, que passam os dias a observar
o universo que tanto amam. Em suas observações, vão percebendo que planetas e estrelas são
destruídos repentinamente por forças que não cuidam do lugar onde vivem. Para impedir que
isso continue a acontecer e para proteger o universo, eles resolvem criar os Galácticos: uma
equipe de biorrobôs, com poderes especiais, cuja função é observar, preservar e proteger o
Universo. O principal poder é o da camuflagem, que permite aos heróis vigiarem e
defenderem o Universo sem serem vistos. Porém, entre os Lordes Plasmons, um que não
concorda muito com as leis que regem a sua raça
157
, nem com as tarefas dos Galácticos, pois
quer mudar o Universo segundo sua vontade. Um dia ele cimenta um planeta que estava cheio
de buracos e, por descumprimento da lei, é condenado a vagar pelo Universo dentro de uma
cápsula. Com isso, Lorde Bork promete se vingar, e sua vingança será destruir o Universo.
Sendo um integrante da raça mais antiga e mais sábia do universo, Lorde Bork
conhece muito sobre os planetas e também sobre os Galácticos. Com esse conhecimento, a
cada novo episódio da história, ele vai tentar destruir o universo partindo de um planeta
diferente. Cada planeta tem o seu guardião Galáctico, assim como o Sol e a Lua são da Terra,
eles devem defender os seus planetas e, quando preciso, ajudar os amigos. Além do guardião
de cada planeta, do Sol e da Lua, existem outros Galácticos com poderes especiais, como o
foguete Pipo, questionador, e o telescópio Len, que tem uma visão poderosa. Ambos irão
156
Circo mix, a coleção que antecedeu Galácticos, começou no espaço e a tenda do circo era uma nave
espacial que, através da ação do transmutador, adquiriu uma forma mais comum e pôde permanecer na
Terra.
157
A primeira lei dos Lordes Plasmons, sempre repetidas nas histórias, é Mudar jamais, salvar
sempre.
218
ajudar nas batalhas contra o Lorde Bork. A história mostra que cada um deve cumprir suas
obrigações para não atrapalhar o bom andamento do universo e, se alguém vacilar, certamente
dará chance para o inimigo vencer, o que mostra também que, em equipe, usando as
habilidades diferentes de cada um, fica mais fácil mapear o problema e agir. A narrativa não
apresenta nenhuma trama muito diferente daquela a que as crianças estão acostumadas;
sempre o bem e o mal, e o vilão, que fazia parte do time do bem, por se sentir injustiçado,
resolve se vingar. Mas em grupo o bem consegue manter a ordem das coisas e defender o
universo.
Imagem 83 - Edição 523 - Anúncio divulgando a nova coleção.
O livro da coleção Galácticos é MISSÃO: ESPAÇO. Uma viagem pelo universo, com
um livro com os temas mais fascinantes da astronomia. A cada semana
158
o leitor recebe um
fascículo com oito páginas para completar o livro. O livro, embora seja destinado a pesquisas
e a um maior aprofundamento nos assuntos da astronomia, privilegia as imagens em lugar do
conteúdo escrito. As explicações e descrições dos assuntos são sempre visuais, seguidas por
um texto breve. As coleções anteriores não aconteceram dessa forma, pois algumas trouxeram
158
Na semana de lançamento da coleção, edição 523, Recreio trouxe a Capa Dura do livro e
um fascículo com 16 páginas; nas demais foram sempre oito páginas.
219
enciclopédias. Esse formato depende muito da associação ou do licenciamento feito de um
livro que já exista como, por exemplo, as enciclopédias
159
.
A coleção é colocada pelo produtor como o diferencial da revista Recreio, fato que
pode ser confirmado quando se avalia toda a composição da mesma, em que a coleção se
destaca tanto em termos de conteúdo quanto de diversão para as crianças, comparando-se com
outros produtos do mercado editorial dirigidos a esse público. É por meio da coleção que a
revista traz conteúdo editorial de qualidade em discurso e apresentação feitos sob medida para
o leitor infantil. Tanto é que a maior parte dos contatos dos leitores diz respeito à coleção e
traz fotos destes com os personagens, com os livros e comentários, no site, com a opinião de
quem sobre a aventura. A proposta editorial da revista, que consiste em não somente
entregar um brinde às crianças, mas, sim, construir uma narrativa que permita agregar
conteúdo histórico ou científico e, nesse contexto, inserir os brinquedos, faz com que ela
cumpra a sua missão: “Produzir e difundir conteúdo de entretenimento e informação para
crianças, contribuindo para sua educação e formação”
3.1.3 Site
O outro componente do complexo multiplataforma Recreio é formado pela versão da
revista na internet, que pode ser acessada no endereço www.revistarecreio.com.br. Este
endereço facilita o acesso por parte do leitor, pois é escrever o nome da publicação e, num
passe de mágica, o universo on line de Recreio aparece a sua frente. Assim acontece com
todos os títulos da editora Abril; são direcionados para uma outra url
160
dentro do portal Abril.
Então o leitor digita o endereço de Recreio e, automaticamente, chega a
http://recreionline.abril.com.br/#. Anteriormente a revista divulgava o endereço recreionline,
mas a associação não era tão simples. Para evitar que os internautas deixassem de acessar a
página da revista, optou-se por mudar para a denominação literal do produto. Assim como na
revista, as atualizações do site são semanais e acontecem às sextas feiras. A diferença é que,
159
A Coleção Circo Mix trouxe o livro Pode perguntar, com respostas para 100 perguntas; Cyberbots
teve um livro de nformações curiosas sobre oito temas diferentes; Rock animal nova geração trouxe a
enciclopédia Planeta Terra; Dino Rock, Enciclopédia de dinossauros e Pré-história e Letronix, a
enciclopédia Descobrindo a Língua Portuguesa.
160
URL é a sigla resultante da abreviação de Uniform Resouce Locator, que quer dizer o endereço
virtual, a localização das informações de uma empresa ou uma pessoa. O endereço é composto pelo
nome de quem se está procurando [no caso Revista Recreio], seguido do tipo de operação [com, por
exemplo, significa comercial], finalizado com o país.
220
no ambiente da internet, a base de informações permanece disponível para consulta, mesmo
depois de ter sua chamada na página principal substituída. Até o dia 19 de março de 2010,
quando a nova versão do site foi lançada, o menu de navegação ficava já na gina principal
do site e, embora fosse extenso, ali o leitor poderia definir em que seção queria pesquisar. O
novo site traz um visual mais limpo e menos intuitivo na busca pelas informações, tanto que,
na página principal, as informações são selecionadas e dificilmente se percebe que elas podem
estar ali.
Imagem 84 - Parte da página principal do site www.revistarecreio.com.br, em 24/05/2010.
Transformando o site em um esqueleto para a avaliação, percebe-se que ele tem três
grandes áreas, excluindo a parte dos textos legais e de política de privacidade, obrigatórios em
todos os sites. Na área comercial, estão os anúncios tanto da Recreio como de outras
publicações Abril e até de terceiros; nessa parte também está a atuação da Abril digital, com a
loja Abril, Assinaturas e Abril.com. As chamadas como Assine Recreio e Próxima Recreio
também foram incluídas na área comercial, por se tratarem de um estímulo à compra de
algum produto. A outra área é a destinada à coleção que acompanha a revista. Tanto os
anúncios do personagem e do tema da semana como os vídeos e jogos ficam, durante todo o
período de vigência da coleção, disponíveis no site. A coleção tem uma área especial,
221
destinada exclusivamente a ela, porque, embora seja um conteúdo da revista, tem um destaque
relevante tanto no material impresso quanto no virtual. Para completar, o que se pode
chamar de conteúdo exclusivo do site, informações e atividades da Recreio com uma
abordagem específica para o ambiente digital. Foi montado um esquema com o objetivo de
permitir a visualização do espaço do site e a área destinada, dentro dele, a cada um desses
assuntos. Nele a parte comercial corresponde à cor vermelha; a área que se refere à coleção é
a amarela; o conteúdo Recreio, para o site, está indicado pela cor azul; e o cinza contém o
mapa do site e as informações legais.
Imagem 85 - Esqueleto do site para permitir análise e visualização da área dedicada a cada tema.
Observando o esquema, é possível perceber que a área do site dedicada a conteúdo
exclusivo da Recreio digital, mantendo a proposta de divertir e informar a que marca Recreio
se propõe, é em torno de 28%, a mesma proporção que é dedicada à área comercial. O
conteúdo da Recreio abordado na parte comercial do site, normalmente diz respeito a
assinaturas da revista, à compra de coleções ou de números anteriores e a outras coisas
disponíveis na loja Recreio. Entretanto, um elemento curioso ainda nessa parte comercial:
o destaque Próxima Recreio, convite que normalmente poderia sugerir um ato de compra,
nesse caso parece não fazê-lo totalmente. O leitor tem acesso, por meio de uma edição
digital
161
, à próxima edição da revista quase inteira; o único assunto que não está disponível é
161
A edição digital é no mesmo molde que a Veja utiliza em seu acervo: o leitor pode interagir com a
revista como se fosse um exemplar impresso, folheando as páginas, inclusive.
222
a história da coleção, o que não é um grande problema, pois, duas semanas mais tarde, a
história estará disponível numa versão animada. Em resumo, mais de metade da revista está
ali disponível para o leitor, sem nenhum custo, material que nem chegou ao mercado e,
dependendo do dia da semana, uma vez que a Recreio está disponível às quintas-feiras, nem
impresso foi. E vem acompanhado de um convite sugestivo: “Que tal dar uma espiada na
próxima edição antes de todo mundo?”
Imagem 86 - Edição 533, de 27/05/2010 - Próxima edição digital: espiada em 24/05/2010.
A área amarela do esquema explicativo é destinada à coleção e ocupa a área nobre do
site, a janela principal. Nela três atrações da coleção estão em destaque: o vídeo que ensina a
montar o brinquedo encartado na revista da semana; as informações sobre o planeta abordado
pela coleção, na seção Espaço, na mesma semana; e a história em quadrinhos publicada na
revista quatro edições/semanas antes em versão animada. As outras duas áreas amarelas, mais
para o final da página, são uma espécie de índice com todos os vídeos e jogos a respeito da
coleção, que ficam disponíveis até o seu final. Além desses destaques na área de conteúdo
exclusivo do site, existe uma série de botões de acesso rápido aos diversos tópicos e um deles
é Coleções. Ao entrar nessa área, o leitor terá acesso a todo o conteúdo da coleção do
momento e das últimas quatro que aconteceram. Isso permite ao leitor de Recreio, e até
223
mesmo àqueles não compradores do produto impresso, ter acesso ao conteúdo exclusivo da
publicação sem precisar gastar nenhum centavo com ela. A única desvantagem é que, dessa
forma, não é possível participar das atividades interativas da coleção, como responder a
perguntas e outras tarefas que normalmente acontecem no decorrer de uma narrativa para
envolver o leitor. O restante, a narrativa, os personagens, os jogos, os deos, a participação
dos outros leitores, as matérias do Fique por dentro que acompanharam a coleção, as
curiosidades e até informação do livro de consulta, é possível ser acessado no histórico do
site.
Imagem 87 - www.revistarecreio.com.br - área de coleções
A área azul do esquema é composta por conteúdo Recreio para o site; na maioria das
vezes, trata-se da versão digital das matérias da revista. A diferença é que ficam todas
armazenadas, disponíveis para consulta, mesmo depois que a edição saiu do ar. Além disso,
alguns jogos e matérias digitais animados são exclusivos para o site.
224
Imagem 88- Conteúdo exclusivo para o site, imagem extraída em 23/05/2010.
A área inicial do site, que vem logo abaixo do banner dedicado à publicidade, também
é parte do conteúdo do site. Trata-se da opção de busca e dos principais botões. O conteúdo
do site é todo dividido em seções chamadas de mundos diferentes, que ficam armazenadas sob
essa lógica, sem nenhuma ligação com a edição da revista a que se refere. A exceção está
dentro do campo Especiais, em que a divisão Recreio digital apresenta uma lista de todas as
matérias digitais que fazem referência à edição impressa.
Imagem 89- Cabeçalho do site: busca e botões para navegação no conteúdo.
O botão jogos leva a uma página denominada Mundo dos jogos, dividido por tipos de
jogos disponíveis. São: coleções a atual e as quatro anteriores; ação jogos como corrida e
pescaria, que exigem atenção ao trabalhar com velocidade; atenção atividades que testam a
capacidade de observação dos detalhes para se cumprir as tarefas; desafio - jogos que
demandam operações ou soluções de charadas e também atividades como calcule e pinte e
quebra-cabeças; estratégia jogos como batalha naval, campo minado e dama, em que o
jogador precisa pensar no objetivo final do jogo e desenhar seus passos. Após selecionar os
tipos de jogos, um menu com todas as opções é aberto para que o internauta possa fazer sua
escolha.
225
O campo Pesquisa, cujo conteúdo também pode ser escolhido na opção Fique por
dentro, é o grande arquivo do site, em que todo o conteúdo é dividido em três mundos:
ciência, conhecimento e diversão. Nessa seção há um espaço dirigido a pais e professores com
um comunicado da diretora de redação, explicando a proposta do site e da própria revista
Recreio de despertar o interesse das crianças pelo conhecimento. O Mundo da ciência reúne
os temas bichos, corpo humano, espaço, máquinas e invenções e natureza; todos podem ser
encontrados como seções da revista. O Mundo do conhecimento trata das datas especiais,
folclore, história, lugares da Terra e profissões. O Mundo da diversão traz artes e cultura,
cinema e TV, esportes, festas e games. Ao selecionar um dos temas disponíveis em cada uma
das seções, o leitor encontrará uma ficha com as principais informações sobre ele; alguns
trazem mais informações além da ficha, como o você sabia?, curiosidades, piadas, testes e
atividades. Ao final, a redação pergunta ao leitor o que ele achou daquele conteúdo e pede que
escreva dando dicas e sugestões; ao lado desse comunicado, um recado para os pais,
ressaltando a importância de as crianças terem contato com aquele tipo de conteúdo para a sua
formação.
O botão Atividades leva a criança para o mundo das atividades, que reúne todas as
seções da revista e convida o leitor a executar ou construir algo. São elas: mão na massa, arte
com sucata, brincadeiras, desenhe e invente, dicas para festas, experiências, mágicas e
origami. A mesma característica de participação está presente no campo Clube Recreio,
composto por um blog da revista, um blog do mágico com notícias do mundo
Hogwarts/Harry Potter, piadas, enquetes, promoções, contos, origem dos nomes, as novidades
de Recreio antecipadas e dicas legais com lançamentos de livros, filmes, programas de
televisão, passeios e DVDs. A área vídeos traz também todo o conteúdo que passou pelo
site e está dividida em: coleções - a mais recente e as quatro anteriores; e animatiras a
versão animada das tiras do final da revista. Especiais agrupa todas as iniciativas
diferenciadas do conteúdo, como por exemplo, poesias que escritas para as crianças, com uma
charada ou um enigma no final para elas resolverem. Nesse espaço estão todas as respostas e
ainda a palavra final do autor. Matérias especiais como, por exemplo, tudo sobre o mundo de
Harry Potter, contagem regressiva para o Natal, cobertura especial dos temas do carnaval,
estão nessa seção que também conta com Recreio digital, reunindo todas as matérias digitais.
Cada edição da revista tem pelo menos uma matéria assim.
226
O site possibilita ainda o contato com professores; basta que se cadastrem para
fazerem parte do grupo que a Recreio consulta eventualmente ou mesmo informa quando
um conteúdo ou uma iniciativa diferente para ser usada em sala de aula. A edição que está nas
bancas também pode ter seu sumário consultado no site, através da opção sumário, que está
no final da página junto às perguntas frequentes (FAQ). Nesta área encontram-se explicações
detalhadas a respeito de como utilizar o site e como resolver dúvidas, entre estas, a exigência
de um programa para visualizar os vídeos ou também como fazer o cadastro para fazer parte
do Clube Recreio.
A discussão da ética dos meios e da relação com as crianças é ainda mais acirrada,
quando se trata das novas mídias, dentre elas a internet. Buckingham (2007) traz diferentes
linhas de argumentação em relação às crianças e às novas tecnologias. Enquanto alguns dos
autores classificam aquelas como as sábias do mundo digital, outros destacam sua
ingenuidade e falta de preparo para terem contato com todo o universo de conteúdo que as
novas mídias possibilitam. É crescente o pânico moralista que se manifesta por parte daqueles
que não dominam as novas tecnologias e temem a relação próxima que as crianças têm com
elas. O autor aponta para o fato de que, normalmente, os discursos políticos e das instituições
que influenciam a regulamentação das práticas e políticas que envolvem a infância, adotam
um visão conservadora de que as crianças não estão prontas para todo o conteúdo ao qual elas
têm acesso por meio da internet. Essa linha de argumentação, na esfera do discurso político
que envolve a infância, também acontece no Brasil. ONGs, escolas e a ANVISA têm se
manifestado no sentido de proibir programas e o estímulo ao uso da internet por parte das
crianças, apontando o risco de deixá-las vulneráveis em contato com temas aos quais não
deveriam ter acesso, como a sexualidade e o consumo, pois, por não terem conhecimento do
assunto, o meio pode corrompê-las; portanto este deve ser usado com cuidado
162
. Como
resposta a essa proibição, surgiram movimentos que estimulam o uso de maneira mais
construtiva pelas empresas produtoras de conteúdo para as crianças com o intuito de zelar
pela segurança delas sem proibir sua participação. A Associação Brasileira dos Anunciantes
(ABA) iniciou uma campanha, Criança mais segura na internet
163
, visando a formar usuários
162
A atuação do Instituto ALANA e seu associado Criança e Consumo está toda argumentada em
cima deste ponto, o de que as crianças, sendo seres em formação, não entendem e não sabem
diferenciar as mensagens, e, por isso, recomendam que se deve banir a existência da publicidade
infantil, de personagens e até de produtos destinados aos pequenos e ingênuos consumidores. Para
mais informões ver: www.alana.org.br e www.criancaeconsumo.org.br
163
Para mais informações sobre a campanha ver www.aba.com.br e www.criancamaissegura.com.br
227
digitalmente corretos, conscientizando todos da importância de se ter um ambiente virtual
ético e saudável. O portal Planeta educação também trabalha a favor da atuação das crianças
na internet e desenvolveu uma seção, Dicas de navegação, que avalia o conteúdo de sites
destinados ao público infantil e divulga-os com o objetivo de informar pais e professores
sobre locais de conteúdo útil para a formação. A análise é feita por profissionais da área de
Educação que avaliam a seriedade do conteúdo disponível. O site www.revistarecreio.com.br
está entre os recomendados, foi avaliado por João Luís de Almeida Machado
164
:
Não podemos, entretanto, esquecer de selecionar com critérios bem definidos quais os
melhores sites a serem utilizados em nosso trabalho e nas pesquisas pedidas a nossos
alunos. [...] O site da revista Recreio preenche com méritos os critérios que
estabelecemos para a composição de nossa „caixa de ferramentas‟.
3.1.4 Edições especiais
A revista Recreio leva aos seus leitores, pelos menos duas vezes ao ano, uma edição
especial. Normalmente essa edição é feita para abordar com profundidade algum tema do
universo das crianças, como foram os especiais 1 e 2 de festas juninas, que eram compostos
por uma revistinha, tratando das tradições da comemoração das festas juninas do Brasil, e um
CD com músicas típicas. A combinação revista especial + CD com músicas também foi
repetida para tratar do tema folclore e do dia das crianças, este com brincadeiras de crianças
ao redor do mundo. Os exemplos desses conjuntos estão nas imagens abaixo.
Recreio também teve duas edições de um Almanaque, inspirado no sucesso longevo e
constante de vendas que foi o Almanaque Abril
165
. O Almanaque Recreio trazia um apanhado
de temas em uma explicação rápida e simples dirigida às crianças, tanto que algumas de suas
seções tinham o mesmo nome que o das seções da revista. As duas edições foram compostas
pelo Livro e também por uma versão em CD-Rom.
As edições especiais da Recreio mais recentes o uma reunião de seções da revista,
normalmente os passatempos. Já foram lançados: Especial Recreio Passatempos com
Labirinto, Enigma, Cadê e Fique de olho, uma reunião de passatempos publicados nas
edições da revista; Especial Recreio Tirinhas e Especial Recreio Cadê?, seguindo a mesma
lógica de reunir os melhores em uma publicação. As edições especiais normalmente têm
164
Disponível em: : http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=230
165
Para mais informações sobre o Almanaque Abril ver Pereira, 2009, A máquina da memória.
228
preço de mercado igual ao da revista, atualmente R$9,95, e não tem relação nenhuma com a
edição normal da revista.
Imagem 90 - Especiais de Recreio: Revista + CD de música.
229
Imagem 91 - Especial Almanaque Recreio O Livro e o CD-ROM traziam o conhecimento de
almanaque na linguagem da Recreio para as crianças.
Vilches (2003) aponta que, com a entrada das novas tecnologias e com elas novos
meios de comunicação, é inevitável a migração do espectador para o novo universo, o que não
implica a morte das mídias existentes. O que acontece é uma fusão e nova disposição do papel
de cada uma no universo da comunicação. Ao contrário da morte decretada aos meios
impressos com o advento da internet, em especial os jornais e revistas, Buckingham (2007)
afirma que as “novas tecnologias não substituem as velhas”. É exatamente essa
movimentação, no sentido de se adaptar ao novo universo, que os editores de revistas
230
passaram a discutir e trabalhar. O ano de 2006, para as editoras de revistas, foi marcado pelo
teste e aposta em novos caminhos além das páginas impressas. Esses caminhos envolveram de
maneira diferente a cadeia de serviços, o desenvolvimento de novos produtos e,
consequentemente, novas formas de distribuição, sempre mantendo a marca e personalidade
dos títulos, independente da plataforma em que ele esteja
166
. O ano seguinte, 2007 foi
marcado pelos investimentos em internet, eventos e projetos especiais que levaram o leitor a
entrar em contato com sua publicação preferida de diversas maneiras
167
. Essa nova maneira
do mercado editorial atuar fez com que se tornasse uma prática que todos os títulos tivessem,
pelo menos, mais uma plataforma de contato com o leitor, a internet. É importante, porém,
manter o foco no leitor e na qualidade de conteúdo que se transmite para ele, sem perder a
personalidade de uma publicação. Scalzo alerta para as particularidades de cada um dos
meios:
É preciso respeitar a vocação essencial de cada meio. Por mais que se tente, às vezes
não adianta querer reproduzir os recursos da Internet ou da televisão em papel, assim
como não adianta querer fazer uma revista, no sentido tradicional do termo, no vídeo
ou na tela do computador (2009:40).
Nesse universo no qual as crianças são reconhecidas como a geração eletrônica
(Buckingham, 2007) e em que as revistas de maneira geral estão trabalhando outras
plataformas de interação com seu leitor, a revista Recreio se antecipou e nasceu com o
formato multiplataforma, no qual uma das possibilidades é o site. É perceptível que a
composição do site é bastante rica, a experiência com o conteúdo tem mais opções do que a
revista, inclusive ultrapassa a fronteira da recomendação de Scalzo. Se o leitor está
interessado em conteúdo, definitivamente ele não precisa da revista impressa, pois seu
conteúdo está inteiramente disponível no site, com a vantagem de não ter o destaque
exclusivo para os lançamentos de televisão e cinema como a revista impressa. No site, os
leitores têm acesso à informação produzida para eles, na linguagem que eles respeitam e que
traz coisas novas, diferente do jornalismo tradicional que tem falhado em atrair a atenção
desse leitor (Buckingham,2007), restando à revista impressa o atrativo de vender um
brinquedo colacionável, o que fica claro em seus anúncios.
166
Discussão apresentada no Mídia Dados Brasil 2007.
167
Mídia Dados Brasil 2008.
231
3.2 Enigma: para quem a Recreio é feita?
O enigma começa com a história do renascimento da Recreio, partindo de uma
necessidade comercial da Editora Abril descrita pela frase de Victor Civita “Se não
colocarmos novos peixinhos no lago, não teremos como pescar peixes grandes”. Essa é a
necessidade de qualquer indústria capitalista, por isso as estratégias adotadas são quase
sempre buscando a continuidade da relação produtor-produto-consumidor, e não muda
quando se trata da indústria cultural que trabalha no sentido de “formar e cativar um público
para conseguir grandes lucros” (Pereira, 2009:51). Considerar as crianças como consumidoras
finais e não somente como um intermediário entre a indústria e os adultos é uma prática que
vem se popularizando desde a década de 80. Pensar nessa relação traz benefícios sob o ponto
de vista da longevidade, pois, se uma criança for conquistada e se tornar fiel a uma
determinada editora, esta terá um leitor garantido por, pelo menos, mais 30 anos. Porém essa
não é uma tarefa fácil, pois os desafios para se alcançar esse público são inúmeros: desde uma
maneira diferente de lidar com as tecnologias e com as mídias até a conquista do aval dos
adultos, que fazem parte do escudo protetor dessas crianças. Por isso Recreio considera seu
público leitor um contingente maior do que o composto pelo leitor infantil.
Assim como um filme pode ter múltiplos endereçamentos (Ellsworth, 2001:23), os
produtos das demais mídias também podem, e isso fica ainda mais fácil de perceber quando o
principal público é formado por crianças, pois o produto precisa passar pelo aval de alguns
adultos antes de encontrar o espectador final. Dessa forma, o conceito de multiplicidade da
Recreio também está presente quando se pensa no público alvo. Desde o plano editorial,
quando a revista ainda era um projeto, houve a validação dos diferentes públicos
estabelecidos pelo produtor como os destinatários ou receptores daquele produto. O nome
teve origem nos valores deixados nos pais por uma antiga publicação da Editora Abril. O
projeto editorial foi avaliado e ainda o é, frequentemente, por uma consultora pedagógica. Por
fim, e de maneira nenhuma menos importante, o composto multiplataforma, através da
diversão e de brinquedos, busca contribuir para a formação das crianças. Ao desenvolver as
novas coleções e mesmo a pauta da revista sempre são considerados os três públicos,
conforme descrito em um material desenvolvido pelo departamento de marketing:
crianças: de 7 a 11 anos, cuja motivação é formada pela diversão e informação.
É desse público que vem a demanda pela revista.
232
Pais, compradores: esse segundo público é o que possibilita o acesso do leitor
ao produto. A motivação desse público é formada por educação, somada à
formação e ao entretenimento. São eles que aprovam e viabilizam a relação do
leitor com a publicação.
Professor/ educador/ recomendação: O aval desse público atribui prestígio ao
produto. A utilização, na escola, dos temas e atividades propostos faz com que a
percepção que se tenha da revista seja cada vez melhor e seu conteúdo seja
reconhecido como conteúdo de formação. uma motivação não declarada por
parte desse público: a abordagem mais atrativa de conteúdos curriculares.
Imagem 92 O público de Recreio.
A maior parte do material desenvolvido, tanto da revista impressa, das coleções e
mesmo do site, tem como objetivo, antes de qualquer outro, agradar ao leitor, à criaa.
Assim trabalham as revistas, buscando entender o seu público e suas demandas mais secretas,
para, depois, explorar como mágica em suas páginas, fortalecendo ainda mais o vínculo, a
relação de amor entre o leitor e sua publicação que irá resultar na compra de mais uma edição
(Mira, 2001; Scalzo, 2009). Porém, sem o reconhecimento pedagógico e a chance real de
contribuição para o entretenimento saudável das crianças, os pais não permitiriam o consumo
da revista. Sabendo dessa equação, Recreio trabalha bem essas peças, endereçando o conteúdo
adequado aos anseios de cada um desses grupos que constituem os leitores. Isso pode ser
233
visto no site, onde uma área destinada aos pais, que reforça a importância do conteúdo de
cada atividade que a criança faz, e aos professores, podendo gerar até ideias para serem
utilizadas em aula. Isso não foi muito diferente no decorrer da história; os exemplos de O
Tico-Tico e Recreio, A revista brinquedo, mostraram que a aprovação social dos adultos era
de extrema importância para o sucesso e o reconhecimento da publicação. Nos quase 50 anos
que separam a presente data do fim da circulação de O Tico-Tico, e nos 30 anos desde o fim
da Revista brinquedo, muitas coisas mudaram na organização familiar e no papel da criança,
pelo menos no seu papel reconhecido.
Buckingham (2007:79-80), em uma análise da obra de Douglas Rushkoff, Um jogo
chamado futuro, traz o comparativo entre a nova geração, a geração da tela, e a de seus pais,
composta pelos filhos do baby-boom. O autor comenta que, conforme vão envelhecendo, os
pais retomam o conservadorismo e os valores autoritários contra os quais lutaram na década
de 60, por trazerem “confortáveis certezas”, enquanto os “jovens são a esperança da evolução
social” por terem “habilidades adaptativas naturais que lhes permitem lidar com os problemas
da pós-modernidade e com o funcionamento da tecnologia” e os conflitos existentes entre as
gerações são pautados pelas diferenças de como se relacionam com as novas e as velhas
mídias. Afinal, a maneira como o espectador se relaciona com as mídias reflete o modo como
lida com a informação em sua rotina: a geração que adota a linearidade dificilmente, ou ao
menos demoradamente, compreende a dinâmica do hipertexto, que disponibiliza significados
para um mesmo assunto em diferentes esferas ao mesmo tempo, tão comum para a geração
da tela. Isso interfere na maneira como a educação e a formação das novas gerações vai
acontecer, impactando não somente a dinâmica dentro das famílias, mas também nas escolas.
É claro que as gerações não são homogêneas, podendo haver dinâmicas diferentes dentro do
mesmo grupo, especialmente nas famílias de vel socioeconômico mais baixo, que mantêm
a postura autoritária em relação aos filhos para garantir que estes aproveitem as oportunidades
de estudar e, assim, garantam melhores condições de vida. Nesse sentido, o papel da escola e
da formação acabou ocupando maior espaço de tempo na vida das crianças. Elas entram na
escola com menos idade e permanecem ali mais tempo, o que implica dependerem por mais
tempo da família. Além disso, os pais passam um maior período fora de casa trabalhando, o
que interfere muito em sua relação com as crianças, normalmente transformando o tempo de
qualidade que passam com seus filhos em momentos de mimos em forma de consumo.
234
Sabendo dessa realidade, a Editora Abril, ao compor o projeto da revista Recreio, não
deixou de considerar que os pais se preocupam com a formação de seus filhos, mas também
querem que eles se divirtam. Exemplo disso está na escolha dos brinquedos para os filhos. Os
adultos escolhem, de acordo com sua experiência, o que consideram melhor para seus filhos.
Ter uma editora de renome que dedique atenção direta aos pais, explicando-lhes, a cada
atividade, porque ela é importante para seus filhos, constrói essa relação de confiança. No site
da Recreio, na área dirigida aos pais, a diretora de redação, Gisleine Carvalho, explica, em um
recado assinado por ela, os objetivos da revista e o trabalho que a redação desenvolve para
contribuir na busca de maneiras de despertar o gosto da criança pelo conhecimento:
Caro Pai, todos os dias, a RECREIO tem o desafio de fazer do conhecimento uma
diversão. Nossa missão é publicar reportagens e propor atividades que despertem na
criança o prazer pelo conhecimento de si mesmo e do mundo ao seu redor. O objetivo
deste espaço é reforçar aos pais o comprometimento da equipe com o
desenvolvimento das crianças, presente tanto na qualidade e na cuidadosa seleção das
informações publicadas como nas brincadeiras propostas. O site que seu filho está
acessando é elaborado por uma equipe de jornalistas com a consultoria de educadores
e de especialistas nas várias áreas do conhecimento.
168
Se o contato inicial tinha por objetivo esclarecer o papel da revista e a tarefa que a
redação estava assumindo junto aos pais, ele teve continuidade e, a cada atividade que a
criança acessa no site ou a cada pesquisa feita, ele se mantém através de um recado aos pais
sobre a importância de o filho ter acesso àquele conhecimento. As explicações, nomeadas
como Guia para os pais, são feitas para cada atividade e ressaltam a exata contribuição à
criança. Assim, uma atividade manual, como, por exemplo, o desenvolvimento de arte com
sucata, ajuda no desenvolvimento da noção de estética, o que é exposto na seguinte
explicação: “O trabalho com sucata ajuda a desenvolver a percepção visual e tátil, a
imaginação, a criatividade, o senso estético, as noções de equilíbrio e valoriza a descoberta de
novos usos para objetos que parecem descartáveis.” uma consulta a um tema do folclore
ajuda a construir a noção de história, dos valores populares de uma nação, como reforça o
recado: “O contato com o folclore e todas as suas manifestações é fundamental para aprender
a valorizar as diferentes manifestações populares e compreender seus significados, valorizar a
sua própria cultura e a cultura de cada povo.” Até mesmo as mídias contribuem para a
formação das crianças e Recreio também reforça isso no guia para os pais da seção cinema e
168
Disponível em: http://recreionline.abril.com.br/generico/pais_carta.shtml
235
TV: “O desenhos e filmes em destaque no cinema e na televisão têm códigos especiais de
comunicação e oferecem à criança informações em linguagem específica que contribuem para
sua cultura e formação estética.” Os videogames, que figuram entre as diversões favoritas das
crianças, não estão de fora do conteúdo da revista e, consequentemente, da explicação para os
pais:
Informações sobre jogos de computador e de videogame selecionados especialmente
para a faixa etária de Recreio e que ajudam a familiarizar as crianças com as
linguagens tecnológicas contemporâneas. Sua prática desenvolve habilidades
específicas como o raciocínio lógico, a resolução de problemas, a agilidade e a
coordenação motora.
A redação atua aqui quase como interprete do que acontece no universo das crianças e
o traduz para os pais, tranquilizando-os e certificando-os de que toda a tecnologia com a qual
eles não estão familiarizados ajuda a criança a “evoluir naturalmente para o próximo estágio
da humanidade” (Buckingham, 2007:81).
Os pais formam o público que possibilita que a relação Recreio-leitor aconteça, pois o
aval deles significa recurso financeiro para a aquisição da revista ou a liberação do tempo de
internet. Segundo classificação do material da equipe de marketing, os pais são a aprovação
da revista.
Ao lado dos pais, tanto na apresentação como no site, está um outro grupo de adultos,
que tem forte atuação na vida das crianças e, por conta disso, a Recreio não poderia
desconsiderá-los como público da revista. São os professores e educadores, pois é deles que
vem o endosso técnico da publicação, validando a missão da revista de contribuir para a
formação das crianças. De acordo com o endereçamento da revista, eles devem percebê-la
como um produto de conteúdo sério, porém de abordagem divertida, para ser aceito e
recomendado pelos professores, dando assim certo prestígio à publicação.
A educação de uma criança é de responsabilidade partilhada. Na família estão os
elementos da cultura primeira, absorvida sem perceber pela experiência do dia a dia.
Atualmente essa parcela é composta, não só pela atuação da família, mas também pela
participação das mídias, companheiras diárias das crianças. Os pais, sem tempo, cedem
espaço para que as mídias também contribuam para a formação dos filhos. Além disso, é
deles que vem o recurso financeiro que permite o acesso a escolas, cursos, livros e a qualquer
outro bem que possa complementar a educação de seus filhos. À escola cabe a fatia da
educação formal, com o capital intelectual reconhecido pela sociedade; no ambiente escolar,
236
as crianças têm contato com o conhecimento e complementam a sua formação, como
esclarece Moacir Gadotti:
O papel da escola, nesse contexto, seria fazer com que tanto as crianças quanto os
jovens e os adultos pudessem passar dessa cultura primeira à cultura elaborada. Esse
seria um processo dialético no qual uma não eliminaria a outra, mas lhe acrescentaria
uma explicação mais completa.
169
.
Porém, em alguns casos, os professores e as mídias têm ficado com a responsabilidade
do ensino da moral, da ética e de valores que não podem ser transmitidos pelos pais ocupados.
As mídias, em especial a televisão, acabaram ganhando parte da responsabilidade nesse bolo,
pois o tempo em que as crianças não estão na escola é usado em companhia da televisão. As
exigências, então, de programas educativos e de conteúdo de qualidade que possam inspirar
boa conduta aos telespectadores estão cada vez mais nos discursos sobre a infância. Se isso
acontece com a televisão, a cobrança é maior já no âmbito das editoras. Por serem um
caminho de estímulo à leitura, os editores trazem consigo essa missão de difundir o hábito da
leitura entre a população: “As editoras não podem abrir mão desta função; é fundamental
cumprir o compromisso de educar e levar conteúdo. Não podemos perder isso como
referencia
170
”. A Editora Abril tem essa preocupação no seu cerne, pois essa sempre foi uma
das buscas do seu fundador: difundir a cultura nos lares do Brasil (Pereira, 2009:51). Sendo
assim, não é diferente a visão da revista Recreio, que, além da avaliação da consultoria
pedagógica, que faz parte do expediente da revista, produz um esforço no sentido de se
aproximar dos professores e de entender como pode ajudar a explorar, de maneira mais
lúdica, o conteúdo das aulas e, assim, desenvolver nas crianças o gosto pelo saber. Na área do
site dirigida aos professores, a diretora de redação da Recreio esclarece os objetivos da revista
e o esforço da redação:
Caro Professor, todos os dias você enfrenta o desafio de levar para a sala de aula
novos temas e despertar o interesse dos alunos. Todos os dias, a equipe da Recreio
também tem o desafio de publicar reportagens e propor atividades que despertem na
criança o encantamento pelo conhecimento de si mesmo e do mundo ao seu redor.
Nosso dia-a-dia é fazer do conhecimento uma diversão.
169
Moacir Gadotti. “A escola frente à cultura midiática”. É a apresentação do livro de Orofino,
2005:21-25.
170
Regina Bucco. Editora Globo. In: Mida Dados Brasil 2009:317.
237
Mais uma vez a revista assume a responsabilidade, em conjunto com os professores,
de despertar nas crianças o encantamento pelo conhecimento. Para isso, o comunicado
termina com um convite, para que o professor fale mais de si para a Recreio, a fim de que ela
possa se preparar para ajudá-lo:
O objetivo deste espaço no site da Recreio é conhecer melhor os educadores do país. É
entrar em sintonia com novas propostas e projetos de ensino para oferecer
instrumentos de trabalho em sala da aula e auxiliar no planejamento de aulas
inovadoras que estimulem os alunos na busca do conhecimento. Vamos nos conhecer
melhor? Peço a gentileza de clicar aqui para responder a 10 perguntas.
As perguntas compõem uma espécie de ficha de dados pessoais com informações
sobre a experiência do profissional, tipo de aula que ele dá e em qual escola trabalha. A seguir
passa para um questionário sobre o conhecimento da revista e a utilidade que ela tem nas
aulas daquele profissional e finaliza perguntando se ele tem disponibilidade e interesse em
fazer parte de um grupo de avaliadores da revista. Os educadores atualmente têm a tarefa
difícil de exercerem o mesmo grau de atração que as mídias têm, ao transmitirem conteúdos
para as crianças, como confirma Moacir Gadotti:
[...] enquanto educadores, é comum nos sentirmos confusos e sem respostas para as
estratégias e os apelos sedutores frente ao universo cultural de nossos alunos e alunas,
e também de nós mesmos. [...] neste tumultuado cenário das mídias contemporâneas
reside a espetacularização, a glamourização, a distorção, a manipulação, mas também
e principalmente a brecha, a alternativa de usar estes meios para a construção de novas
narrativas de libertação, ou seja, de defesa de direitos humanos, da paz e da
sustentabilidade
171
Considerando a insegurança e também a brecha, Recreio aproxima-se dos educadores
no intuito de construir uma relação de confiança e ajuda mútua, pois o banco de dados
fornecido pelos professores permite que os editores validem frequentemente o conteúdo e as
atividades da revista junto aos educadores, e também utilizem o conhecimento do
entretenimento, possibilitando o desenvolvimento, em conjunto, de conteúdo para trabalho em
sala de aula. Isso se concretizou na edição especial Recreio na Sala de aula, que uniu o
conteúdo da revista com as necessidades dos professores e, assim, pôde chegar a um produto
que contribuiu para o planejamento e execução das aulas. A produção desse material foi fruto
171
Moacir Gadotti: “A escola frente à cultura midiática”. É a apresentação do livro de Orofino,
2005:21-25.
238
de uma parceria entre a Fundação Victor Civita, a Abril Educação, a editora Scipione e a
revista Recreio, objetivando seu uso nas aulas de ensino fundamental inicial. Atualmente sua
periodicidade é bimestral e a organização é por ciclos: e séries correspondem ao ciclo 1;
3ª e 4ª séries correspondem ao ciclo 2. Compõe-se de dois volumes, um livro do aluno e outro
para o professor. O livro do aluno contém matérias publicadas nas edições da Recreio,
enquanto o volume do professor, além das matérias, contém sugestões de aulas para todas as
disciplinas do currículo elaboradas com o conteúdo da revista. A elaboração das aulas é feita
por especialistas convidados e a coordenação pedagógica, por duas consultoras da Fundação
Victor Civita. Além de Recreio na Sala de aula, as edições especiais da revista, descritas
anteriormente, como o Almanaque Recreio, Crianças do mundo, Folclore e Festa junina,
também contribuem para a atuação dos professores no sentido de levar a atratividade das
mídias para o conteúdo curricular.
Imagem 93 - Edição especial Recreio na sala de aula: o conteúdo da revista em proposta de
atividades para o ensino do conteúdo curricular.
Conseguida a permissão dos adultos, finalmente alcança-se o leitor final da Recreio.
As crianças, enquanto público, apresentam um obstáculo a ser vencido e que não se expressa:
é a diferença de visão de mundo em relação à do adulto. Embora todos os adultos tenham
passado por essa fase, a aquisição de experiências, no decorrer da vida, torna-os mais
subjetivos, julgadores e obrigados a suportar diferentes pressões no dia a dia, enquanto as
crianças avaliam o mundo numa percepção mais objetiva e têm menos relações obrigatórias e,
239
consequentemente, menos pressão para suportar algumas situações (Toren, 1993). Essa é
uma diferença que pode se transformar em dificuldade, uma vez que são adultos que
desenvolvem o conteúdo de uma revista para crianças. Por mais que as regras do jornalismo
referentes à imparcialidade e ao compromisso com a realidade ditem a atuação desses
profissionais, quem escreve ou fala sempre coloca muito de si, de sua visão de mundo,
quando conta uma história ou mesmo descreve um fato. Situações como a que descreve
Scalzo, a seguir, são comuns e fazem parte da composição de produtos editoriais:
O plano editorial ajuda, tamm, a manter o foco no leitor.[...] uma das razões básicas
do „desvio de foco‟é a presunção dos jornalistas, que acham que já sabem tudo sobre o
que os seus leitores e leitoras precisam, e querem, ler. [...] Quando isso ocorre, as
reuniões de pauta não se baseiam mais em notícias, mas apenas em ideias pré-
concebidas, juízos e opiniões que residem na cabeça de cada jornalista. De repente
alguém diz: „Gente, faz muito tempo que nós não falamos de tal assunto, vamos fazer
uma matéria a respeito?‟ Não há criatividade que sustente por muito tempo essa
prática. Revistas planejadas e elaboradas dessa maneira se tornam chatas e repetitivas,
óbvias demais (2009:62).
No caso em que o público é formado por crianças, mesmo o foco no leitor pode gerar
equívocos na execução de um produto, pois a visão adultocêntrica pode sempre influenciar a
percepção do criador. Pensar em uma revista cuja missão seja contribuir para a formação é,
de certa maneira, utilizar a ideia de criança como adultos em formação, seres indefesos que
necessitam de todo o cuidado do mundo para serem nutridas e então formarem homens bons
para garantir o futuro. Ao mesmo tempo, algumas mídias controladas pelos adultos não têm se
saído muito bem na tarefa de conquistar a atenção dos leitores infantis, por mais que tenham
conteúdo para agregar a eles, pois estão falhando no discurso, na abordagem. Buckingham
(2007) retrata bem os discursos paradoxais que descrevem as crianças hoje, ora vistas como
infelizes por não terem infância e, desde cedo, na companhia em tempo integral das mídias,
serem constantemente seduzidas pelo consumo, ora consideradas gênios que nasceram com a
última geração tecnológica e que vão levar a civilização ao próximo nível. Nenhum dos
extremos é real, embora haja elementos verdadeiros nos dois pontos de vista. As crianças têm,
sim, dificuldades diante da tecnologia, mas o que as diferencia dos adultos é que elas encaram
os equipamentos como brinquedos e como possibilidade de diversão, portanto não se
esquivam de interagir com eles e explorá-los melhor (Salgado, Pereira, Jobim e Souza, 2006).
Além disso, também precisam ter acesso à informação para construírem um repertório rico e
então exercerem uma atuação mais participativa. Esse espírito de perguntar e não temer a
240
interação faz com que algumas delas se envolvam e participem mais, com a ajuda das novas
mídias, na construção da inteligência coletiva (Jenkins, 2009), o que as coloca em vantagem
diante do adulto. Mas, como nenhuma geração é homogênea, assim também não são as
crianças.
Além de toda a ciência por trás dos estudos da comunicação, do consumo e das novas
tecnologias, também está o conhecimento de profissionais que tempos produzem conteúdo
para o público infantil, como o de escritores de livros infantis. Para Ana Maria Machado,
exceto pela tecnologia que manipulam, as crianças continuam as mesmas de quando ela
começou a escrever:
o que me surpreende sempre é que toda vez que encontro crianças para conversar
sobre meus livros, independentemente da idade, elas fazem as mesmas perguntas.
aconteceu de eu ir a Angola, para uma aldeia que não tinha nem luz elétrica, e na
semana seguinte estar na Suécia, lançando o mesmo livro [De olho nas penas, 1981], e
as perguntas eram as mesmas. 30 anos e hoje também. Então, eu percebo que a
criança não muda, que as curiosidades que elas têm são as mesmas. [...] A criança quer
saber como ela é, como se mete naquela situação, como sair daquela situação.
172
Essa criança que ao mesmo tempo é especialista em tecnologia, tem uma ideia de
como os produtos midiáticos são feitos e até da diferença entre um discurso publicitário e uma
dica jornalística, também não abre mão da diversão, dos brinquedos e das piadas, dos games e
dos desenhos animados da televisão. Assuntos como espaço, dinossauros, outras culturas e
experiências científicas estão entre os preferidos desse público, que procura saber mais sobre
as coisas que lhe interessam. Imaginam que, quando crescerem, vão escolher a profissão na
qual possam trabalhar o dia todo com as coisas de que mais gostam; cartunistas, astronautas,
astrônomos estão entre as selecionadas, confirmando a importância do prazer em fazer coisas
de que gostam. São assim os leitores de Recreio, um pouco mais meninos do que meninas,
pois o mercado editorial, desde cedo, parece oferecer mais opções de títulos femininos,
diversificando para elas as possibilidades de escolha; mas o comportamento das meninas
leitoras de Recreio não difere muito do do público masculino: elas gostam de esportes, das
curiosidades e das piadinhas. As meninas que buscam o mundo encantado das princesas e da
moda, provavelmente, são leitoras de outros títulos, pois os valores que elas buscam não estão
contidos no conteúdo de Recreio (Holthausen, 2008).
172
Entrevista ao portal Ceale, publicada em 20/07/2007, disponível em:
http://www.ceale.fae.ufmg.br/noticias_ler_entrevista.php?txtId=175
241
As descrições demográficas dos leitores, embora não sejam as mais eficazes,
continuam fazendo parte do processo para delimitar o público para o qual a revista será feita,
ou para uma primeira etapa de segmentação. Para a Editora Abril, o público leitor da revista
Recreio é formado por crianças, meninos e meninas, de 7 a 11 anos de todo o Brasil. A base
de assinantes da revista mostra que a maior concentração de leitores está entre os meninos,
são 51% dos leitores, e, entre eles, 48% são as crianças com mais idade, de 9 a 11 anos,
pressupondo que seja pelo fato de serem alfabetizadas e poderem desfrutar sozinhas da
revista.
Também é possível descrever o leitor, avaliando as edições de Recreio, lembrando que
a amostra é composta por dez edições que contam com 152 registros de participação do leitor
na seção Correio
173
. A maior parcela de participação é dos leitores masculinos; 73% dos
contatos nesse período foram feitos por meninos de diversas idades, entre 7 e 13 anos. Nota-
se também que a maior participação é dos leitores de fora das capitais. Um pouco mais da
metade, 54%, dos contatos são acompanhados por desenhos ou por fotos dos leitores e 59%
deles trazem sugestões de temas para serem abordados na revista ou nas coleções. Embora a
participação dos meninos seja maior, as meninas, quando entram em contato com a revista,
nunca deixam de solicitar algum tema pelo qual elas têm interesse. Os 41% dos que não
solicitaram nada, eram meninos.
Percebe-se a presença da tecnologia na vida dessas crianças, quando se observa o meio
utilizado por elas para inserir sua participação na revista: 17% dos contatos aconteceram via
e.mail; desses, 26% enviaram uma foto ou um desenho, o que implica a utilização de outros
equipamentos como máquina fotográfica e/ou scaner. Outros 18% citam que entre seus
assuntos preferidos estão cinema, televisão e videogames. Uma outra evidência do uso das
novas tecnologias por parte desses leitores foi a matéria Conectado, da edição 528, na seção
Chips e Bits, que ensinava a fazer um blog e a se proteger dos perigos da internet. Essa
mesma ferramenta de criação de blogs foi utilizada em uma pesquisa com o leitor, realizada
pela Recreio durante o mês de março de 2010, na qual os participantes deveriam criar um blog
e alimentá-lo diariamente com elementos da sua rotina, escola, lazer, amigos, e no qual o
participante poderia incluir fotos, links para assuntos que considerasse interessantes na
internet. Enfim, a ideia era, através desses blogs-diários, conhecer o universo de interesses
173
No total foram 153 contatos, porém um deles englobou vários alunos de uma escola e vinha
assinado como “Os alunos da escola de Tupã, interior de São Paulo, Esther Veris Cerpe”. Este registro
não contará para a análise.
242
dos leitores para que a revista pudesse continuar fazeendo parte de suas vidas. Após o
acompanhamento dos blogs, os participantes foram convidados, em trios, a participar de um
grupo de discussão. As mães também participaram de um outro grupo, para mapear o que era
relevante para elas.
Ultrapassando as fronteiras de contato direto com a revista, do seu site, do material
impresso e das pesquisas realizadas pelo departamento de marketing, os leitores também
manifestam suas opiniões ou mesmo adesão ao universo Recreio através de outras mídias
sociais, dentre elas o orkut, onde existem 109 comunidades relacionadas à revista. Uma delas
é formada basicamente por adultos, numa saudosa manifestação de apreço à versão antiga de
Recreio. As demais 108 comunidades reúnem leitores e pessoas que, de alguma forma, são
envolvidas com a revista. Mauro Coutinho Araújo, que é o dono da Revista Recreio
(original), a segunda maior comunidade em número de participantes, 402, descreve-a como a
“Comunidade dedicada a todos os fãs da revista e para pessoas ligadas na revista recreio e
para aquelas pessoas que adoram a revista semanal recreio com vários jogos e
brincadeiras
174
.” As outras comunidades trazem, em seus títulos, desde o prazer de colecionar
e ler a revista, em manifestações como “Eu coleciono a revista Recreio” ou “Eu adoro a
revista Recreio”, até as coleções em vigor. Uma delas, “EU amo a revista Recreio”, merece
um destaque por ter o maior número de participantes, 2254, criada em 1/08/2005, por Artur
Insanus, que está em outras 886 comunidades, dentre as quais quatro são outras relacionadas à
revista Recreio. Nas comunidades, os participantes trocam informações sobre as coleções e
atividades preferidas, informam desde quando são leitores da revista e compartilham opiniões
sobre o que mais gostaram em suas leituras. Ainda acontecem também oferta e procura de
alguns números ou personagens de coleções faltantes. Além das comunidades, a revista
Recreio também aparece no perfil de alguns leitores, indicada no item livros lidos.
Além do uso da tecnologia e das mídias, outra coisa que fica clara na manifestação dos
leitores é o interesse por temas que não são abordados comumente no seu dia a dia: vulcões,
placas tectônicas, mitologia grega, Egito antigo e outras culturas são alguns dos pedidos de
conteúdo que os leitores fazem à revista. Essa postura de participar, de se fazer ouvir na
composição do conteúdo de uma revista é a resposta a um espaço que foi dado a esse leitor.
Para Buckingham “As crianças apenas poderão tornar-se „cidadãs ativas‟, capazes de fazer
escolhas sensatas em questões políticas, se forem consideradas capazes de fazê-lo”.
174
Disponível em: http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=13149688
243
(2007:245) Sua crítica vai no sentido de questionar por que as crianças, sendo consideradas
consumidoras soberanas, não o podem ser também enquanto cidadãs. Se a permissão é o
ponto crucial para que essa participação seja reconhecida, o consumo e, principalmente, o
consumo das mídias pode contribuir e muito para esse exercício. Afinal poder ter sua opinião
ou solicitação registradas nas páginas de uma revista pode dar a ela a dimensão da
importância de fazer sua voz ser ouvida, e, então, essa prática poderá levá-la, cada vez mais, a
atuar em questões mais sociais e que possam impactar o todo. A revista Recreio estimula essa
participação, através de convites que são feitos em todo contato com o leitor, nas páginas da
revista e no site. “As mídias poderiam preparar as crianças mais efetivamente para as
responsabilidades da cidadania adulta ou mesmo habilitá-las a intervir nas decisões políticas
que governam sua vida de criança” (Buckingham, 2007:245), assim o exercício iniciado com
a solicitação de temas que nunca são abordados ou de mais informações sobre a preferência
do leitor pode levar as crianças a adquirirem a experiência participativa e então se prepararem
para o próximo nível de responsabilidades cidadãs.
3.3 Cadê? Como a revista convida o seu leitor a participar?
A relação de um leitor com uma revista envolve confiança, orgulho e até afeição. Uma
relação emocional que leva o leitor a um envolvimento com o título, através do qual ele
aprofunda seu conhecimento sobre os assuntos que foram pesquisados e desenvolvidos
especialmente para ele, por uma equipe de profissionais que conhecem a linguagem que ele
admira e o tipo de aprofundamento que gostaria de ter nos temas que lhe interessam (Scalzo,
2009). Se essa é a descrição de como funciona uma publicação qualquer, certamente um título
dirigido a crianças deveria funcionar da mesma maneira, com o editor fazendo um convite
constante para que o leitor não abandone uma edição sequer, e para que, além da leitura,
também participe, com sugestões, solicitações e até mesmo com críticas, pois o dialogo é a
maneira mais antiga e, até hoje, a mais bem sucedida de manter saudáveis as relações.
O mesmo acontece com as revistas e os seus leitores. A todo tempo os editores
convidam o leitor a se aproximar delas, com o principal objetivo de continuar mantendo ativa
a máquina capitalista com a venda de mais um produto. Porém, trata-se de um produto
cultural, cujo conteúdo obrigatoriamente deve despertar interesse no leitor, caso contrário ele
irá buscar em outro meio de comunicação o entretenimento informativo de que precisa.
244
Recreio expressa o convite ao leitor de diversas maneiras em seções diferentes da
revista. A capa valoriza os destaques do conteúdo da edição; o índice lista tudo o que o leitor
pode encontrar naquelas páginas; a primeira seção, curiosidades, começa com a manifestação
declarada no discurso direto: “Existe alguma coisa que você quer saber? Então, escreva para a
gente.” O teste é um convite para que o leitor conheça mais sobre determinado assunto ou
mensure seus conhecimentos sobre o tema abordado, como, por exemplo, desenhos animados.
O convite existe, mas a resposta está ali; a atividade depende somente de uma interação do
leitor com as opções apresentadas, bastando assinalar uma como resposta a cada pergunta,
para que o veredicto final seja dado nos resultados. As matérias da revista são sempre um
convite a conhecer mais sobre o tema escolhido, tanto que a maioria dos leads garante que o
tempo dedicado à leitura daquele conteúdo não será inútil, pois, segundo o editor, o leitor
ficará por dentro , Saberá mais ou até saberá tudo sobre o assunto em pauta.
Os passatempos são convites à diversão, uma pausa na absorção de conteúdo para
distrair um pouco. Por trás da distração está o treino das habilidades que as atividades
propõem, uma vez que as tarefas dos passatempos são enigmas ou situações a serem
resolvidas pelos leitores, que não precisam se preocupar, porque todas elas sempre trazem um
aviso de que a resposta está na última página da revista, o que leva a questionar se vale a pena
fazer a atividade, já que o enigma, que precisava de alguém para ser resolvido... já foi
finalizado. A história em quadrinhos, por sua vez, representa o convite ao envolvimento do
leitor com a coleção do momento, para que ele conheça mais sobre os personagens e seu
modo de agir diante das situações. E para não esquecer que esse contato continua, junto dos
quadrinhos da coleção, sempre um anúncio divulgando qual será o participante da história
da próxima edição. Para terminar a revista, mais uma dose de diversão: as piadinhas tão
adoradas pelos leitores e que são sempre enviadas por eles. Ao lado das piadinhas da semana,
uma coluna traz três convites diferentes: “participe mandando a sua piada”, “entre em contato
com a gente no atendimento ao leitor” e “faça a sua assinatura e não perca nenhuma Recreio”.
Os convites são seguidos por exemplos de leitores que aceitaram e tiveram suas vozes ouvidas
na seção Correio, que é feita pelo leitor, por meio de sugestões, desenhos e fotos.
245
Imagem 94 - Convites diretos feitos em diversas seções da revista: piadas, curiosidades, correio e
coleção
No site os convites são em menor número, como se os internautas entendessem o
código de estar no ambiente da internet, um cenário mais democrático (Buckingham, 2007;
Vilches,2003) que implica a participação, e no qual o indivíduo escolhe o que quer ver, por
quanto tempo, e para onde ir em seguida. O funcionamento do hipertexto (Levy, 1993)
permite que o leitor faça as conexões que achar melhor para ele. Por essa lógica, o site da
Recreio tem seu conteúdo e atividades distribuídos em seções, que, por sua vez, estão
expostas em botões de navegação, que podem ser acessados com um click a partir do desejo
do usuário. Os incentivos representados pelos saiba mais e fique por dentro, como na revista,
normalmente estão associados aos conteúdos vindos da edição impressa. Os convites
declarados do site são feitos aos pais e aos professores, como visto anteriormente. Para os
leitores, a área do site que mais apresenta propostas de participação é o Clube Recreio com
sugestão para que o leitor envie piadas, escreva contos e até participe do blog. O convite para
a interação com o site acontece nas ginas da revista, desde o índice, que sempre tem um
246
destaque para levar o consumidor à página da internet, até as matérias que têm conteúdo
adicional.
A própria missão da revista é um convite ao mundo do conhecimento, como explica a
diretora de redação no comunicado aos pais “nossa missão é publicar reportagens e propor
atividades que despertem na criança o prazer pelo conhecimento de si mesmo e do mundo ao
seu redor”. Esse convite é reforçado na explicação aos professores: a equipe da Recreio
também tem o desafio de publicar reportagens e propor atividades que despertem na criança o
encantamento pelo conhecimento de si mesmo e do mundo ao seu redor”. Recreio deveria ser
o contato prazeroso da criança com um conteúdo de variados temas, que despertasse nela, ao
final da matéria lida, a vontade de aprender mais sobre o assunto, e para que isto acontecesse,
ela precisaria encontrar o caminho no site ou mesmo nas indicações da redação, o que
infelizmente não acontece. As matérias, de texto curto, trazem algumas informações sobre o
tema, sempre de maneira divertida e leve, por vezes até comparadas com situações
corriqueiras da vida das crianças, como em Fique ligado, da edição 532, que explicações
sobre beijos e abraços. Até esse ponto a missão parece estar cumprida, pois o assunto pode
despertar o interesse da criança, porém, se isso acontece, não indicação de onde ela pode
aprender mais, ou seja, não são citadas as fontes e os livros consultados para o
desenvolvimento dos conteúdos das matérias, como fazem as revistas para adultos. Seria
como se alguém fosse ao cinema e, antes de começar o filme, visse um trailer bastante
interessante, porém sem assinatura ou sem nenhuma indicação do estúdio, título ou qualquer
pista de onde o conteúdo completo pudesse ser acessado; isso impossibilitaria que o público
chegasse ao filme divulgado.
O convite que a revista faz a seus leitores foi analisado, neste trabalho, por meio das
capas da amostra, seguidas do índice, abrangendo, assim, todo o conteúdo de uma edição. As
capas foram escolhidas, pois, como visto anteriormente no capítulo 2, elas são a síntese da
edição, e, para cobrir o restante do conteúdo lançou-se mão da análise do índice. Esses dois
elementos trazem todo o conteúdo da edição e, consequentemente, o convite feito aos leitores.
Sendo a missão da revista “despertar o prazer pelo conhecimento de si mesmo e do mundo”,
cada edição deveria cumprir essa tarefa. Caso isso não ocorresse, ficaria evidente que o
projeto editorial estaria apresentando um objetivo diferente da missão proposta, o que aponta
um problema estrutural do título. É importante deixar claro que embora a análise feita tenha
considerado os elementos capa e índice, este nomeado na revista como Aqui tem, todo o
247
conteúdo das edições também foi considerado nesta análise e, quando necessário, foi utilizado
para exemplificar os pontos encontrados. Por tratar-se de um produto de abordagem
multiplataforma, juntamente com as edições impressas, foi feita também a análise da página
principal do site da revista, para que fosse possível uma comparação entre os convites feitos
nas duas plataformas.
3.3.1 Capas
As capas da Recreio são compostas por no mínimo três destaques e no máximo cinco,
dos quais o principal sempre tem maior espaço e a cara para a edição. Dois são
proporcionais, cabeçalho e rodapé, e trazem temas das seções, como Games, ou somente
descrevem as seções da revista, “Passatempos – teste quadrinhos piadas”, como nas
edições 524, 525 e 531. Além desses três destaques que estão em todas as revistas, algumas
edições trazem mais dois espaços na capa. O esquema
175
abaixo descreve as partes que
compõem as capas da Recreio, sempre somadas aos textos obrigatórios: o nome da editora,
número da edição, data da edição e preço. As dez edições que compõem a amostra pertencem
ao ano 11 e todas tiveram o mesmo preço de capa R$9.95.
Imagem 95- Esquema de composição das capas da Recreio.
175
O esquema é ilustrativo, as partes 4 e 5 não necessariamente são dispostas da maneira como está no
esquema, mas elas são como peças que se sobrepõem à atração principal da capa. Dependendo sempre
da ilustração, podem seguir a disposição representada ou ambas aparecerem na mesma lateral da
revista.
248
Programas de televisão, videogames e a coleção Galácticos são os assuntos que
tiveram mais destaque na amostra avaliada, com atenção especial aos programas de televisão,
pois eles sempre ocuparam a informação principal da capa; seis das dez capas avaliadas
traziam lançamentos da televisão. Outras três capas trouxeram produtos do cinema, entre os
quais dois lançamentos, Como treinar o seu dragão e Alice no país das maravilhas, edições
523 e 527. A edição 524 teve como tema principal a comparação entre os personagens dos
filmes Harry Potter e O Ladrão de raios. Somente uma das capas da amostra não trouxe
lançamentos ou produtos de outras mídias; a edição 525 falava da Páscoa, com sugestões de
presentes que os leitores poderiam fazer para distribuir entre os amigos.
Imagem 96 - Edições 523 a 532, ano 11 - Capas analisadas
Sendo a capa a síntese convidativa de uma edição, que deve seduzir o leitor, a análise
da amostra aponta que a Recreio tem como temática central de seu plano editorial divulgar
lançamentos de produtos dirigidos ao público infantil. Cinema, televisão e games são os
principais assuntos. Percebe-se que a revista sempre traz, com alguma antecedência, detalhes
dos produtos que serão lançados, o enredo comentado e a descrição dos principais
personagens, da mesma maneira como acontece nas seções cultura ou televisão dos jornais ou
revistas adultas. Esse formato é bastante conhecido e repetido, todas as publicações têm
uma seção dedicada a explorar os lançamentos. A Recreio, por sua vez, faz deles o principal
assunto de suas edições, o que pode ser questionado para um título que tem o objetivo de
249
“despertar o interesse pelo conhecimento” em seu público. As outras seções da revista
abordam conteúdos diferentes; por vezes buscam, no lançamento destacado na capa, um
assunto que possa, ao mesmo tempo, ser explorado de maneira divertida e informar o seu
leitor. Este é o caso da edição 523, com destaque para o filme Como treinar o seu dragão, que
na seção Túnel do tempo aborda a vida dos vikings e faz uma comparação entre o que a
história do filme narra sobre esse estilo de vida e o que a história real traz. Essa matéria
aponta diferenças existentes entre a forma como um produto de ficção descreve um povo e o
que ele é na vida real, não com o intuito de desmentir ou apontar erros, mas, sim, de informar
o leitor para que ele saiba que sempre diferenças entre a ficção e a realidade e de despertar
o interesse para que ele investigue mais o assunto.
Na edição 525, não uma comparação entre ficção e realidade, mas, partindo do
tema em destaque na capa, a Páscoa, a seção Bichos traz uma matéria sobre os coelhos. A
edição 529 tem como destaque as aventuras do Mestre Raindrop, um novo desenho do
Cartoon Network, cujos personagens são inspirados nos elementos essenciais: terra, água,
metal, madeira e fogo. Fazendo uma associação, a seção Experiência ensina como o leitor
pode aprender mais sobre os elementos da natureza. O Dia das Mães é um dos destaques da
capa da edição 530; embora não seja o principal, pois, é o destaque de número 5 dentro do
esquema visto, esse tema inspira duas seções nessa edição. Uma delas é Era uma vez, que traz
o conto “Minha mãe tem superpoderes”, no qual um menino conversa com seu cachorro,
explicando que sua mãe adivinha tudo e por isso tem superpoderes e ainda questiona se a mãe
do cachorro também teria. A outra é Vem aí, que ensina quatro receitas para o leitor
comemorar o Dia das Mães.
O cabeçalho, representado no esquema como a parte 2 da capa, é, na maioria das
vezes, o local destinado à divulgação dos Games. Na amostra avaliada, somente na edição
532, esse espaço foge ao padrão e é ocupado com a chamada para a matéria do Fique ligado a
respeito do parque Harry Potter, que seinaugurado em 18/06/2010 em Orlando Estados
Unidos. Nessa edição, o Game está no rodapé da capa. Isso indica que todas as edições da
revista, obrigatoriamente trazem uma seção Games comentando os lançamentos, e na qual,
normalmente, o conteúdo é distribuído em uma única página sem muitos detalhes a respeito
do lançamento ou dicas do jogo. Os videogames fazem parte do universo das crianças e quase
sempre figuram entre suas atividades favoritas. Para atender a essa demanda, existem
publicações e mesmo sites especializados no assunto, tornando tamanho destaque dado ao
250
tema pela Recreio quase um desperdício de atenção do leitor, pois dificilmente a publicação
da revista trará algum diferencial a respeito dos lançamentos em relação à abordagem já feita
pelos veículos especializados. Isso não quer dizer que a Recreio não deva trazer as
informações sobre os videogames, uma vez que, como dizem as regras do mundo das
revistas, é preciso que se aprofundem os temas que interessam ao leitor (Scalzo, 2009),
porém, ao que parece, esse dificilmente será um tema relevante para atrair um leitor da
revista, portanto esse espaço poderia ser aproveitado para divulgar outro conteúdo que fosse
ao encontro da missão da revista e também dos interesses do seu público.
O ropadé, representado no esquema com o número 3, também traz na capa um dos
conteúdos de destaque da edição. É um espaço mais variado com temas de diversas seções, e
algumas vezes, embora a revista sempre tenha a mesma quantidade de páginas e seções, em
vez de destacar um conteúdo, segue somente a descrição de atividades da revista. Isso
acontece nas edições 524, 525 e 531 da amostra. As três edições têm a quantidade máxima de
destaques na capa, são cinco, ou seja, optou-se por utilizar o rodapé para divulgar as
atividades da revista e um dos conteúdos foi para o destaque. Isso pode ser entendido como
um esforço de mostrar a um possível leitor que a revista também aborda outros conteúdos e
atividades além da divulgação de outros produtos.
Imagem 97 -Edições 524, 525 e 531 - Rodapé divulgando as seções da revista
As demais seções divulgadas nesse espaço foram: Pesquisa escolar, Bichos e Teste. A
primeira com conteúdos de interesse do leitor, principalmente por tratar das datas
comemorativas que fazem parte do conteúdo curricular da escola: Descobrimento do Brasil,
Dia do trabalho e Fim da escravidão. Em uma abordagem leve e divertida, essa pesquisa,
251
além dos dados históricos, chama a atenção do leitor para detalhes interessantes, como, por
exemplo, os tipos de trabalho que existem, a evolução das leis e os impactos que o fim da
escravidão trouxe para a história do país. As pesquisas sempre fazem um convite para que o
leitor até o site e tenha acesso a outras curiosidades, ou, então, a sua opinião a respeito
do tema. A edição 528, cuja Pesquisa escolar aborda o Dia do Trabalho,convida o leitor a
fazer uma pesquisa sobre as diferentes profissões e até sugere ao professor que trabalhe o
tema de uma maneira diferenciada. A seção Bichos foi destaque no rodapé das edições 523 e
529, com abordagens diferentes. Na primeira simulou-se uma entrevista com um tigre, para a
qual as crianças enviaram suas perguntas e a redação, com a ajuda de consultores especialistas
em zoologia, respondeu como se fosse o tigre. Já a edição 529 explica a Iguana e compara-a a
um dinossauro em miniatura.
O destaque 4 da capa é dedicado à coleção, no caso Galácticos. Das edições
analisadas, somente a 523 não tem essa informação na capa, provavelmente porque foi a
edição de lançamento da coleção. Esta chegou ao público em uma embalagem especial: uma
bolsa em formato de sacola, contendo a capa dura do livro Missão: Espaço, o gibi com o
início da aventura e um boneco da coleção. A embalagem toda era um convite ao leitor para
participar da “aventura que vai colocar você em órbita”. Todas as semanas saíam oito páginas
do livro, um guardião galáctico e a continuação da história em quadrinhos.
Imagem 98 - Edição 523 - Lançamento da coleção Galácticos: todo o material convida a
participar e a colecionar.
252
Todas as demais edições trazem o destaque, na capa, para a coleção: “GRÁTIS: 1
boneco galáctico e 8 páginas do livro Missão: Espaço”. Esse é um dos destaques que se
repetem no índice, inclusive com imagens do personagem que acompanha a edição. O
personagem é anunciado na edição anterior, na página antes da história em quadrinhos.
Imagem 99 - Edição 530 - Os destaques da capa são também destaques do índice, incluindo a
coleção com a imagem do personagem da semana nos dois lugares , no caso o telescópio Len.
O espaço retratado no esquema da capa com o número 5, destinado ao destaque, não
está em todas as edições. Ele normalmente é utilizado quando algum tema, além dos que
sempre estão em alta, para convidar o leitor. Na amostra avaliada, sete edições apresentaram
esse destaque. Não um padrão a respeito da seção divulgada nesse espaço; nas edições em
questão somente a seção Teste foi repetida nesse destaque, as demais foram escolhas
aleatórias. Embora não haja um padrão, os assuntos que fazem parte desse destaque trabalham
conteúdo. Assim aconteceu com a Pesquisa escolar que tratou do Dia do Índio, na edição
526, ou com a que abordou os fenômenos da natureza, na edição 525, trazendo “o sol da meia
noite e outras esquisitices da natureza”. Também o principal tema da revista, lançamentos da
televisão, foi destaque, como na edição 531, que informa sobre o lançamento de Big Time
Rush, a nova série do canal Nickelodeon.
253
Além dos destaques das capas, a própria diagramação, misturando as cores fortes com
imagens que representam movimento e trazendo personagens que normalmente estão olhando
diretamente para o leitor, evidenciam o tipo de discurso da revista e, consequentemente, o
convite que ela faz às crianças. As cores fortes e chapadas, sem profundidade, variam sempre
entre os tons de azul, vermelho e amarelo, e mesmo combinações delas; todas as cores que
compõem o título da revista. A utilização de cores fortes, as quais destacam emoção e energia,
somada aos movimentos e à abordagem direta que os personagens direcionam ao leitor
caracterizam o convite à leitura da revista, ou seja, à aventura do saber. Este saber nem
sempre está relacionado a conhecimento intelectual, mas sim ao estar por dentro de tudo que
acontece no mundo ao redor, em especial, das coisas que impactam as crianças. Se um
diagnóstico fosse feito a partir da análise das capas da revista, poderia se dizer que o caráter
informativo tem um papel secundário e o grande privilegiado dessa publicação é o
entretenimento. Esse entretenimento explorado nas capas não leva, necessariamente, o leitor a
comprar ou ler a revista para desfrutar dele, pois são abordados produtos de outras mídias.
Entende-se, portanto, que, de acordo com a análise das capas, a Recreio está cumprindo
apenas uma das tarefas da missão, a de divertir, deixando a desejar na que se refere à missão
de informar ou “despertar o gosto pelo conhecimento”.
Ao avaliar o Aqui tem
176
, o campo informativo começa a ser ampliado e fica possível
identificar que o conteúdo da revista vai mais além do que a simples divulgação dos
lançamentos promovidos pela televisão, cinema e videogames. Os passatempos, os testes e os
destaques têm informações que ajudam a Recreio a cumprir a sua missão. Mas esse conteúdo
está descrito na primeira gina da revista e, para ter acesso a ela, o leitor precisa, antes,
comprá-la, portanto tem que ter sido seduzido de alguma outra maneira que não pelo
conteúdo informativo da publicação. Além de informação, a revista também busca a formação
do leitor, explicando a dinâmica de alguns processos, como, por exemplo, como fazer um
blog na internet e como se proteger nesse ambiente, tema publicado na edição 528, na seção
Chips e Bits.
176
Aqui tem é como a revista nomeia o índice.
254
Imagem 100 - Edição 528 - Dicas importantes de como se proteger no ambiente virtual
Ainda seguindo o objetivo de despertar a curiosidade e o interesse pelo conhecimento
por meio da diversão, Recreio também trabalha temas que podem contribuir para o
conhecimento de si mesmo e do mundo, e não se atém exclusivamente ao conteúdo curricular.
A seção Seu corpo normalmente traz informações sobre as funções do corpo que podem ser
observadas pelas crianças, como o sorriso, que foi tema da edição 523, ou o trabalho do corpo
humano realizado em um ano, contando batimentos cardíacos, excreções, etc., abordado na
edição 526. Conhecer o funcionamento do corpo em conjunto com situações que acontecem
ao seu redor também pode contribuir para uma atuação mais cidadã: Seu corpo traz, na edição
528, informações sobre a vacinação contra a gripe suína, como preveni-la e como funciona a
vacina e a gripe no corpo, chamando a atenção para os sintomas e alertando a criança para
avisar um adulto, caso algo diferente aconteça.
255
Imagem 101 - Edição 528 - Seu corpo, a gripe suína e a vacina contra o vírus H1N1: linguagem
leve sem deixar de informar.
3.3.2 Site
A página principal do site é o correspondente, para a versão digital, da capa da revista
impressa. Nessa gina estão os destaques daquela edição, ou do assunto para cuja leitura o
site convida o internauta naquele período. O site da Recreio é atualizado semanalmente,
seguindo a periodicidade da revista, e grande parte do seu conteúdo é o mesmo da edição
impressa. Portanto a dinâmica adotada nesse complexo multiplataforma é que cabe à revista
fazer o convite para o site. Em todas as edições, as matérias cujo conteúdo existe também em
versão digital ou que possuem informações adicionais sobre o tema tratado têm um destaque,
na revista, que convida o leitor a saber mais, dar a sua opinião ou mesmo procurar a versão
digital no site. A edição 523 convidou o leitor a ter mais informações a respeito das matérias
da seção Seu corpo, sobre o sorriso, e da seção Era uma vez, sobre os 10 anos da Recreio. O
site trazia dicas sobre festas de aniversário. No Fique ligado da edição 525, o tema continuava
sendo sorrisos, com fotos da fotógrafa estadunidense Ruth Kaiser, autora do projeto
Spontaneous Smiley, com detalhes de “sorrisos inesperados encontrados por internautas do
mundo todo” e reunidos em seu site. O convite da revista atraía o leitor para um bate-papo, no
256
site, com a fotógrafa e dava instruções para participar do projeto, enviando fotos também. Na
edição 526, de 8/4/2010, uma versão diferente da história da Chapeuzinho Vermelho é
também seguida de um convite para o leitor ir ao site e escolher outro conto cuja história ele
gostaria de ver contada de outro jeito. Um mês depois, na semana de 7/5/2010, foram
publicadas, no site, as participações dos leitores com sugestões de como deveriam ser as
novas versões dos seus contos de fadas.
Embora o site esteja em uma plataforma que oferece maior possibilidades de
interação, por isso a internet é vista como mais democrática (Buckingham, 2007), não é nessa
plataforma que a equipe da revista alimenta a relação com o leitor. Os convites para
participação continuam sendo mais frequentes na edição impressa da Recreio e em suas
páginas é que acontece o estímulo para que o leitor vá até o site. Isso acontece, por sinal, já no
Aqui tem, cujo rodapé sempre traz uma chamada para o site, como se ali estivesse a próxima
atração da revista após o fim de suas páginas. O ambiente da internet possui uma dimensão de
possibilidades bem maior do que o do papel, então o audiovisual pode entrar em ação,
tornando mais divertidas as matérias das páginas da revista. Disso o leitor habitual de Recreio
sabe, pois toda vez que, em uma matéria, aparece a inscrição Recreio digital significa que
aquele conteúdo estará no site em uma versão animada. A história em quadrinhos da coleção,
a montagem dos bonecos galácticos e as Animatiras , tirinhas da Editora Abril, da última
página da revista, vão também para a internet em uma versão animada.
257
Imagem 102 - Exemplo do destaque do site no índice. As atrações da revista continuam além das
páginas.
A Recreio faz muitos convites ao leitor, de diversas maneiras diferentes, e nas três
plataformas possíveis: na revista impressa, em todo o material que diz respeito à coleção e no
site. A maior parte deles não declara todo o conteúdo que a revista tem a oferecer para o
leitor, para cumprir a sua missão de estimular o gosto pelo conhecimento. Seguindo a regra
das grandes revistas, sua capa é composta pelo assunto que vende e é atrativo para o leitor,
mas, em se tratando do universo infantil, esse assunto acaba se reduzindo aos produtos de
outras mídias. Parece o caminho mais direto mostrar para o leitor que ali diversão, e que o
assunto proporciona entretenimento, mas, ao entrar em contato com as outras matérias da
revista, percebe-se que há, sim, a possibilidade de explorar assuntos do conteúdo curricular e
que até destacam obrigações sociais de maneira leve e divertida, informando e despertando o
interesse pelo conhecimento.
Na próxima etapa deste trabalho será analisada a participação do leitor na revista, que
acontece, algumas vezes, em resposta a esses convites e, outras, aproveitando esse espaço
para também solicitar mudanças ou novos assuntos. É essa relação de consumo, que inspira
uma atuação participativa, que pode contribuir para a formação de cidadãos.
258
Tabela 5 - Os destaques das capas das edições 523-532
3.4 Seu espaço - Leitores cidadãos: a participação e o uso das novas tecnologias
O termo cidadão, por sua etimologia, designa o habitante da cidade com direitos a
participar das atividades políticas. Da mesma forma, o termo política possui, em sua
formação, um elemento referente à cidade polis. “Na Grécia antiga, os habitantes das
cidades dividiam-se em políticos e idiotas. Os políticos eram os que participavam na vida da
polis; aos idiotas cabia, no máximo, preocuparem consigo mesmos.” (Machado, 1997:102).
Comparando-se a etimologia dessas duas palavras, cidadão e política, percebe-se, claramente,
a relação existente entre seus significados, o que explica por que, quando se fala em educar
para ou mesmo incentivar a cidadania, sempre se faz associação a uma atuação política. Com
o passar dos anos a população em geral, os jovens em especial, foi ficando mais distantes da
política, principalmente por perceber que não poderia exercer influência sobre esse processo
(Buckingham, 2007), por isso a prática da cidadania limitou-se a se referir à exigência de
cumprimento dos direitos humanos (Machado, 1997). Assim sendo, tornou-se comum a
tendência, por parte dos indivíduos e das instituições tradicionais geradoras de sentido, escola,
família, religiões, Estado, culturas locais (Moreira, 2003), de reconhecer a cidadania como o
cumprimento dos direitos e deveres descritos.
Por ser um tema complexo, se esse conceito de prática da cidadania for levado ao
universo das crianças, entendido como cumprimento dos plenos direitos humanos, poderá
259
causar desinteresse, uma vez que, para se exigir que alguma regra seja cumprida, é primordial
que ela seja conhecida, o que não ocorre com as crianças em relação aos direitos humanos.
Muito se fala da educação para a cidadania, atribuindo a responsabilidade às instituições
formais, como a escola, que trabalham a cultura elaborada (Gadotti, 2005). Considerando que
as crianças elaboram seus conceitos a partir das experiências que vivenciam (Ferreiro, 2005),
talvez fosse mais efetivo, no processo de incentivo à construção dos cidadãos, exercitar na
prática a participação, através da articulação de necessidades e desejos individuais com os
coletivos (Machado, 1997). Assim as crianças poderiam exercitar a postura participativa
desde cedo e, conforme fossem entrando em contato com os conceitos de maior
complexidade, como os que envolvem a participação política, por exemplo, elas teriam a
prática da atuação. Nesse ponto, as novas instituições geradoras de sentido, as mídias, têm
muito a contribuir, simplesmente abrindo espaço para sua audiência se manifestar.
As crianças também passaram a ser consideradas cidadãs, ou potenciais cidadãs, a
partir do momento em que foram objeto de discussão de organismos internacionais como a
Organização das Nações Unidas que, em 1989, estabeleceu a Convenção dos Direitos da
Criança e, no ano seguinte, criou um estatuto com as regras para essa convenção. Dentre os
direitos estabelecidos está o acesso às mídias e a exigência de que as crianças tenham mais
espaço para participar do debate público. Buckingham (2007) afirma em seus estudos que o
desinteresse das crianças pela política está associado à percepção que elas têm de que não
podem opinar nem promover qualquer mudança, sendo assim sentem que esse universo fica
muito distante delas. Muito provavelmente essa percepção vem da consciência de que falta
espaço para que elas possam opinar e reivindicar ações que impactariam diretamente suas
vidas. Aqui se configura uma brecha importante para a oportunidade de desenvolver e
incentivar a cidadania, enquanto participação, e, então, evoluir no sentido de exigir o
cumprimento dos direitos humanos. Além da ampliação do conceito de cidadania, seria
importante, segundo Buckingham (2007), trabalhar o conceito de política entre as crianças, de
maneira que elas pudessem vivenciá-lo em suas experiências diárias e, posteriormente, fazer
conexões com os acontecimentos da cidade, do país e do mundo, complementando a sua
formação enquanto cidadãs.
Sendo o tempo das crianças basicamente dividido entre relações com a escola, família,
brincadeiras e com as mídias, essas instituições deveriam não contribuir para a difusão dos
conceitos que envolvem cidadania, convidando as crianças a opinarem sobre os
260
acontecimentos ao seu redor, dando a sua versão de como entendem e como constroem os
significados daquilo que vivenciam, mas também informá-las sobre os processos de produção
das mídias e do seu conteúdo. Uma maneira de viabilizar esse convite é colocar as crianças
em contato com a produção desse conteúdo, como foi feito pela primeira versão da revista
Recreio, em um período de sua circulação. Essa é uma forma de elas poderem ocupar um
espaço que normalmente é do adulto que prepara as informações para elas: o jornalista. Essa
abertura pode ser vista como uma oportunidade de ampliar o papel de protagonista das
crianças como cidadãs (Buckingham, 2007).
A revista Recreio atual abre as portas de sua redação de várias maneiras, através dos
convites descritos anteriormente, e também possibilita uma participação diária por meio do
atendimento ao leitor. As crianças podem acessar essas portas de quatro maneiras: pelo site,
por cartas, por e-mail e por telefone
177
. Esta última possibilita um contato pessoal, em que
alguém do outro lado da linha estabelece uma conversa com o leitor, além de responder às
suas dúvidas, fazendo perguntas a respeito das coisas de que gostam, da música que estão
ouvindo, do livro que estão lendo ou, até mesmo, sobre o que pretendem fazer no final de
semana seguinte. Individualmente, o leitor é ouvido e convidado a relacionar-se com a sua
revista, além de ter seus interesses transformados em assuntos para a pauta, a fim de que o
produto final fique mais atrativo para ele. Mesmo com todos os convites e possibilidades de
acesso a Recreio, a participação do leitor é menor do que na versão antiga da revista. Muitos
fatores podem interferir nessa queda e um deles é o crescimento das opções de entretenimento
disponíveis. Na década de 70 não havia televisão a cabo com tantos canais dirigidos às
crianças, a produção televisiva infantil era parte da programação dos canais abertos, e,
consequentemente, delimitava horários para exibição. O número menor de opções de
entretenimento contribuía para uma gama mais ampla de atividades a serem exercidas pelo
público infantil, com a televisão, brincadeiras, videogames, leitura, que hoje podem ser
supridas com a programação de 24 horas de um canal infantil.
A internet também proporciona opção de entretenimento por 24 horas diárias
englobando diferentes assuntos e interesses; vai das mídias sociais, com as ferramentas de
contato como o MSN, Skype, etc., a jogos e programação audiovisual exclusiva dos sites. A
Recreio sabe disso e, eventualmente, em sua seção Chips & Bits, compartilha dicas de como
utilizar as ferramentas disponíveis na internet. Na edição 528, essa seção apresentou dicas de
177
O horário de atendimento ao leitor é: de 2ª a 6ª(dias úteis), das 10h às 12h e das 14h às 16h.
261
como fazer o seu blog; na edição 447
178
publicou o Manual do internauta, com dicas para
ajudar o leitor a pesquisar e utilizar informação confiável da rede. O manual, que foi
publicado na seção Pesquisa Escolar, ensina como fazer as pesquisas e tirar o melhor
proveito das ferramentas de busca, além de chamar a atenção para o cuidado que se deve ter
na busca das informações, alertando as crianças, no destaque Fique ligado, de que é preciso
saber avaliar a confiabilidade dessas informações.
Imagem 103 - Edição 447, de 2/10/2008 Pesquisa Escolar.
As mídias sociais também permitem que o leitor se manifeste a respeito de um
determinado produto sem entrar em contato com ele diretamente. Conforme descrito
anteriormente, a revista Recreio tem 109 comunidades com o seu nome no Orkut, dentro das
quais os participantes discutem diferentes tópicos a respeito da revista, com enquetes para
178
A edição 447 não faz parte da amostra analisada, porém ela foi consultada para a descrição da
história da publicação, e essa matéria mostra a consciência dos editores da revista sobre o
envolvimento dos leitores com a internet. Por ter a missão de contribuir para a formação de seu
público, aponta dicas de como o leitor pode tirar melhor proveito dessa mídia.
262
saber qual a coleção preferida dos leitores, até mesmo quais as seções preferidas. Nesse
espaço eles também sugerem assuntos que poderiam ser abordados pela Recreio e até
compram e vendem edições antigas e brindes raros de coleções que passaram. Sabendo
disso, os profissionais envolvidos com a revista também fazem parte dessas comunidades e
aproveitam para divulgar lançamentos e eventos especiais, como aconteceu com a nova
coleção Galácticos, cujo lançamento aconteceu em uma livraria, com atrações como pintura
facial e contação de histórias. Todas as comunidades da revista receberam esse novo tópico de
discussão.
Mais do que o acesso a um universo de informações e a possibilidade de emitir a sua
opinião sem censura, a internet permite que qualquer usuário seja também produtor; os blogs,
fotologs, Twitter e o Youtube são os maiores exemplos. Este é um fator que também pode
contribuir para a diminuição do contato com e da participação dos leitores na Recreio, pois é a
possibilidade que eles têm de produzir o seu próprio conteúdo e -lo ganhar dimensões
muito maiores do que as que se limitam às páginas de uma revista. Isso é fruto da “cultura da
convergência”, na qual as novas tecnologias e as dias “envolvem uma transformação tanto
na forma de produzir como na forma de consumir os meios de comunicação” (Jenkins,
2009:44), e consequentemente uma nova maneira de interagir com eles. A participação dos
leitores deve ser estimulada e também vista de uma nova maneira no universo das novas
tecnologias, assim como a atuação das crianças, enquanto produtoras de conteúdo ou, pelo
menos, participantes dessa construção, faz-se mais urgente antes que seu interesse pelos
produtos já estabelecidos, como a revista Recreio, seja cada vez menor.
As seções da revista feitas com conteúdo dos leitores são: Curiosidades, Correio e
Piadas. Em todas elas, a redação utiliza material enviado pelas crianças, através de qualquer
um dos acessos possíveis, internet, email, carta ou telefone, para compor o conteúdo da
revista. No site, a seção Curiosidades não é publicada da mesma maneira como na revista que
indica o nome do leitor que fez a pergunta, tampouco é publicada a seção Correio, que tem,
ali, como similar o Clube Recreio, onde se encontram as Piadinhas. No site, a participação do
leitor é solicitada somente para as atividades como, por exemplo, aconteceu com a seção Era
uma vez, que pediu a colaboração dos leitores para opinarem a respeito dos contos de fadas
que eles gostariam de ver contados de maneira diferente. As demais contribuições são
recebidas pela redação, selecionadas e publicadas posteriormente. Para a seção Piadinhas, o
leitor pode criar as suas charadas ou simplesmente descrever algumas que tenha ouvido e
263
enviar para a revista. A redação seleciona-as e publica tanto nas edições impressas e como
também no site. Dos 153 contatos da seção Correio, 7% classificaram a seção Piadinhas
como uma das suas preferidas e uma das que mais divertem o leitor. Isso pode ser confirmado
pela leitora Yasmin Anaiza da Silva, edição 525, que pede: “Por favor, coloquem mais piadas
na revista! Eu adoro!”.
Imagem 104 - Edição 523 - Seção Piadinhas.
A seção Curiosidades, que é a abertura das edições da Recreio, também é construída
com o conteúdo solicitado pelo leitor, com as suas dúvidas e com curiosidades. A redação
busca as respostas às perguntas do leitor através de pesquisas e também de consulta a
especialistas, a fim de sanar as dúvidas dos leitores. O conteúdo que vai para as páginas da
revista é composto pela pergunta do leitor, seu nome, idade e cidade de residência, quando
disponível, além da resposta elaborada pela redação e uma ilustração. A cada edição, cinco
dúvidas de leitores são respondidas e, para completar, sempre um quadrinho com o título
264
Você sabia que..., com uma informação curiosa, normalmente, sobre os temas que os leitores
costumam questionar. Da amostra analisada constam 50 perguntas dos leitores, nas quais os
temas mais abordados foram o funcionamento do corpo humano, histórias em geral a respeito
de assuntos que fazem parte da vida deles, como a história do telefone, do hambúrguer, de
bichos, e ciências em geral. A maior participação ainda acontece por meio de cartas; 30 das
50 perguntas foram enviadas por esse meio, as outras 20 chegaram à redação por e-mail. Os
meninos também representam a maioria dos que participam da seção Curiosidades: 40
daquele total das perguntas foram enviadas por eles, enquanto somente 10 meninas enviaram
suas curiosidades. Nota-se que grande parte das perguntas reflete realmente curiosidades dos
leitores sobre situações que vivenciaram, como por exemplo, o caso de Mateus Amarante,
que, na edição 525, perguntou sobre a invenção do desodorante e da Bruna Massacese Kuri
que, na edição 528, quis saber “por que bocejamos?” Também são motivo de curiosidade
assuntos com os quais tiveram contato em outras mídias, ou que fazem parte do conteúdo
escolar, ou ainda são questionados por recomendações de adultos e para os quais buscam uma
explicação mais descontraída. Esse é o caso do Pedro Carra Avilés que, na edição 529,
pergunta “O que é uma supernova?” e de Carlos Augusto da Silva Lima que, na edição 530,
quer saber “por que temos que aprender inglês e não outras línguas?”.
265
Imagem 105- Edição 523 - Seção Curiosidades
A seção Curiosidades permite ao leitor ter a sua dúvida respondida com pontos de
vista diferentes daquele dos adultos que estão a sua volta, para os quais normalmente fazem
suas perguntas. Em alguns casos a redação da Recreio traduz explicações de especialistas para
uma linguagem acessível a seu público. Essa é uma maneira de a criança ampliar o seu
repertório e também de ser ativa na construção do seu conhecimento, uma vez que, não tendo
se contentado com as respostas anteriores encontradas, ou não tendo encontrado respostas, foi
buscar uma outra explicação em outra fonte. A resposta a uma pergunta publicada nas páginas
da revista permite que mais crianças também tenham acesso a uma outra versão da
informação, o que, consequentemente, contribui para a ampliação do repertório dos demais
leitores. Esse é um exemplo de ação individual que uma criança assume dentro da sua própria
casa, cujo impacto pode abranger um número maior de pessoas, é que pode ser descrito como
um ato de cidadania (Machado, 1997). Estimular ações como essas nas crianças é uma
maneira de exercitar a sua atuação e fazer com que seus interesses sejam ouvidos; é um
caminho para desenvolver os conceitos de cidadania e política, tão distantes do universo
delas nos moldes e linguagem como são frequentemente abordados, mas que podem estar
presentes em suas vidas se os meios de comunicação trabalharem para traduzi-los em práticas
acessíveis e possíveis a elas.
266
Imagem 106 - Exemplos de perguntas enviadas pelos leitores sobre fatos corriqueiros que
acontecem ou estão presentes em suas vidas.
Correio é a penúltima seção da revista. No índice vem acompanhada da descrição Seu
espaço; são duas ginas, em todas as edições, destinadas a publicar o conteúdo dos leitores.
São fotos, desenhos, elogios e sugestões de tipo de conteúdo que eles querem ver na revista.
Ter uma seção com conteúdo do leitor é uma prática antiga das revistas; teve início com as
femininas que abriram espaço para leitoras que buscavam um ombro amigo para desabafar ou
pedir orientações (Scalzo, 2009). É comum também nos jornais com o apelo de utilidade
pública, em que os leitores podem reclamar de serviços e manifestar sua opinião sobre o
conteúdo da publicação ou mesmo sobre acontecimentos públicos. A primeira versão de
Recreio tinha uma seção composta pelas cartas dos leitores que mudou de formato algumas
vezes, mas, desde a sua criação, no início da década de 70, nunca mais deixou as páginas da
revista. Ter um espaço com fotos e desenhos dos leitores é uma maneira também de
personificar a relação, gerando identificação de cada criança com os seus semelhantes (Lage,
2001:103).Além das fotos, os leitores usam essa seção para comentar sobre aquilo de que
gostam na revista e sobre os temas que gostariam de ler nas próximas edições. Em alguns
casos, as crianças aproveitam para contar experiências que as diferenciam das outras e as
aproximam da revista. Na amostra analisada surgiram três casos. Um deles é o de Valentina
Coluci, edição 531, que comenta ter feito uma apresentação para suas amigas com as duas
últimas coleções da Recreio.Essa foi a maneira que ela encontrou de dizer à redação que ela
267
curte e é fiel à publicação, coleciona e ainda a utiliza para entreter as amigas. Isso a diferencia
dos demais leitores, que se manifestam na seção somente para dizer que gostam das coleções.
Imagem 107 - Edição 531 Valentina e seu Show de Recreio.
São meninos os outros dois leitores que se diferenciam dos demais. Dizem que gostam
da seção Fazendo Arte e contam que fizeram os bonecos da seção. Um deles é o Leonardo de
Renzis, edição 528, que, seguindo as dicas ali encontradas, construiu sua turma de monstros.
O outro é o Guilherme Ferreira Borba, de Florianópolis, edição 530, que diz adorar a seção e
mostra o seu boneco. Essas manifestações representam, de certa forma, uma maneira de
mostrar aos produtores da revista que eles conseguiram realizar a tarefa proposta nas páginas
da revista, como se fosse a comprovação do sucesso de cumprir o objetivo estabelecido e,
assim, receber a aprovação daqueles adultos. Mostram também que, além de se entreterem
com os brinquedos que são parte da revista, as crianças também se divertem construindo os
seus próprios brinquedos e dominando todas as etapas do processo, que vão desde o
aprendizado e a seleção de materiais até a execução da tarefa propriamente dita. Essa também
é outra manifestação da participação da criança envolvendo coisas do seu universo: ela
aprendeu e fez o brinquedo e, enquanto seguiu esse processo, foi carregando de conteúdo sua
experiência, provando que ela pode participar do mundo que a cerca, não estando nas
páginas da revista, mas também construindo o seu brinquedo.
268
Imagem 108 - Edição 528 - Correio
Embora a tecnologia e as características da internet, enquanto nova mídia, demonstrem
ser mais democráticas, na verdade não o são tanto, pois uma das dificuldades do acesso a essa
tecnologia é a restrição econômica, uma vez que, não sendo um recurso barato, é menos
universal. Além de ser necessário um computador com acesso à internet para que um usuário
possa ter acesso a essa tecnologia (Vilches, 2003), a migração não é homogênea, ou seja, não
são todos os leitores que migram para esse meio ao mesmo tempo; a cultura participativa
conta primeiramente com os indivíduos que estão mais preparados para usar e produzir
conteúdos nesse novo ambiente (Jenkins, 2009). Por isso, tanto o usuário corporativo, no caso
a Recreio, como os indivíduos, os leitores, precisam aprender a trabalhar nesse novo universo
digital, para poderem explorar dele todas as possibilidades e riquezas disponíveis, caso
contrário continuará o processo acontecendo da maneira de sempre. A redação demanda
pouca participação do leitor na internet por desconhecer o nível de envolvimento que este
tem, efetivamente, com essa mídia e, principalmente, porque o negócio da revista ainda é o
produto impresso. O leitor, por sua vez, não encontrando espaço ou não reconhecendo uma
abertura para sua voz ser ouvida no ambiente da revista, acaba optando por produzir seu
conteúdo ou emitir sua opinião em outros cenários, das mídias sociais, por exemplo.
O cenário acima descrito pode ser uma das explicações para a pouca participação dos
leitores no site da revista Recreio. Essa distância responde a uma postura conservadora por
parte da revista, que abre as portas e convida seu leitor a participar, mas essa participação
limita-se às suas folhas impressas. Assim sendo, o contato resulta em uma manifestação
269
oculta, que chega ao conhecimento somente dos editores, uma vez que não é publicada no
site, então o consumidor acaba optando por manifestar-se em outro canal. No site Recreio, a
área mais preparada para receber a participação do leitor é o Clube Recreio, em que cada
seção vem seguida de um convite, a começar pela seção Blog Harry Potter, passando pela
enquete cuja pergunta varia frequentemente, sempre abordando temas da revista, promoções,
ou propostas como “descubra o significado do seu nome, leia um conto e conte um conto, leia
a piada da vez e envie a sua piada.” Exceto pela enquete, cujo resultado parcial com o seu
voto o leitor pode ver, nenhuma das outras participações permitem visualização no site. Elas
provavelmente vão como conteúdo para a redação da Recreio e, caso sejam selecionadas, aí,
sim, irão a público.
Esse é um processo de aprendizagem, seguindo Jenkins, que contraria o que presumiu
o paradigma da revolução digital, segundo o qual “as novas mídias substituiriam as antigas”:
o “paradigma da convergência presume que novas e antigas mídias irão interagir de formas
cada vez mais complexas” (2009:32). Possivelmente, em um futuro breve, a Recreio faça
melhor uso de seu ambiente digital, permitindo a interação com os leitores e, quem sabe, a
produção de conteúdo conjunta, seguindo os moldes do que Buckingham (2007) aponta ser o
incentivo à atuação protagonista das crianças na mídia. Por enquanto esse processo não
acontece e a participação dos leitores acaba ficando reduzida ao envio de suas curiosidades,
piadinhas e desenhos para a revista.
Os estudos de recepção de dia feitos com crianças estão aumentando e uma
preocupação particular entre os jornalistas em como desenvolver produtos atrativos para o
público infantil e, dessa forma, estimular os conceitos de cidadania entre eles? Claudia
Garzel
179
identificou, em seu estudo, que as crianças reconhecem a “importância do
jornalismo para a educação e aprendizagem [...] para mantê-las informadas sobre o que se
passa no mundo”. Há, no entanto, uma dificuldade no formato, pois o público infantil não se
sente atraído pelas notícias e pela informação tal como ela é trabalhada no jornalismo
tradicional (Buckingham, 2007). Portanto a participação das crianças no desenvolvimento de
um novo formato é fundamental, para que ele se torne mais atrativo, com a mistura de
conteúdo que atenda aos seus interesses. Segundo Garzel, “O equilíbrio entre o interesse por
entretenimento e a veiculação de fatos relevantes para a sociedade como um todo poderá
179
O estudo foi desenvolvido com crianças de 10 a 11 anos em Florianópolis, SC, com o objetivo de
mapear os hábitos de consumo de mídia e suas posturas diante do jornalismo. Disponível em:
http://www.aurora.ufsc.br/artigos/artigo_claudia_garzel.htm
270
ser encontrado na prática, e dificilmente se realizará sem o auxílio das crianças”. Entretanto
esses produtos não podem seguir somente os temas definidos por esse público, pois segundo a
autora:
A fala dos nossos informantes [as crianças pesquisadas] demonstra um interesse por
brinquedos e jogos a serem lançados, assim como o aumento do preço desses
produtos. Do ponto de vista jornalístico, poderíamos incluir os assuntos citados acima
na categoria serviços. É exatamente nessa categoria, no entanto, que o jornalismo em
geral aproxima-se mais da propaganda e da publicidade. (Garzel, 2004)
A pesquisa desenvolvida com as crianças comparada com o conteúdo da Recreio
aponta para o fato de que a publicação da Editora Abril está exatamente no caminho que o seu
público quer, uma vez que aborda exatamente os assuntos que são coisas de crianças. Assim
é que dentre os entrevistados tanto o grupo composto de meninas e como o de meninos
reconhecem a Recreio como um dos únicos produtos dirigidos a crianças. Considerando essa
adequação aos interesses do público leitor, reconhecida por eles mesmos, pode-se atribuir à
revista um poder ainda maior de contribuir para o desenvolvimento dos conceitos e do
comportamento cidadão nas crianças. E de fato, é perceptível que algumas iniciativas da
revista seguem nesse sentido, embora ainda sejam bastante tímidas. Mas o reconhecimento de
que as iniciativas podem ser desenvolvidas e serão ouvidas pelos leitores é um grande
passo no sentido de comprovar que o consumo de um bem cultural pode contribuir para a
formação de cidadãos.
O número de trabalhos que está chamando a atenção das instituições, em
especial as midias para considerar as crianças enquanto produtoras de cultura está crescendo,
essa atuação pode ser muito positiva no sentido de difundir as práticas a atuação cidadã
participativa desde a infancia, como mostra o trabalho de Girardello e Orofino: “as crianças
se colocam como dotadas de mais iniciativa e poder quando a esfera da ação possível é seu
contexto local [...] [Possuem] na possibilidade de intervir ativamente nos problemas do
mundo, com os recursos ao seu alcance.” (2002:15).
Informar, estar aberto a ouvir o que as crianças têm a dizer e, quem sabe, até permitir
que elas produzam conteúdo para preencher as páginas da revista faz dessa publicação uma
ferramenta poderosa para a formação cidadã do público infantil, podendo este, através do
contato com a Recreio, exercitar práticas para entendimento de conceitos fundamentais como
cidadania e política, transformando, assim, meros consumidores em cidadãos participativos e
que têm consciência do seu papel social. Isso contribui também para a aceitação de uma nova
271
visão de criança pelas instituições sociais, visão essa que as reconhece enquanto ser social,
produtor de conteúdo e cuja visão de mundo concreta pode contribuir para a visão de mundo
dos adultos, minimizando alguns conflitos e permitindo um fluxo contínuo das relações
sociais. No cenário das novas midias, tecnologias e a convergência cultural (Jenkins, 2009)
ser pioneiro nessa prática de ampliar o espaço de atuação das crianças só trará benefícios tanto
a formação das mesmas quanto ao reconhecimento de uma empresa de comunicação. A
Editora Abril, com a representatividade que tem enquanto grupo de comunicação e também
com a receptividade revista Recreio entre as crianças, pais e professores, poderia certamente
dar esse passo em direção a prática da particiapção e consequentemente a transformação dos
consumidores em cidadãos.
Considerações finais
Não podemos trazer as crianças de volta ao jardim secreto da infância ou encontrar a
chave mágica que as manterá para sempre presas entre seus muros. As crianças estão
escapando para o grande mundo adulto um mundo de perigos e oportunidades onde as
mídias eletrônicas desempenham um papel cada vez mais importante. Está acabando a era
em que podíamos esperar proteger as crianças desse mundo. Precisamos ter a coragem de
prepará-las para lidar com ele, compreendê-lo e nele tornar-se participantes ativas, por
direito próprio (Buckingham, 2007:295).
Historicamente, a educação pública nos Estados Unidos foi produto da necessidade de
distribuir as habilidades e os conhecimentos necessários para treinar cidadãos informados.
A lacuna participativa torna-se muito mais importante quando pensamos o que
significaria estimular as habilidades e os conhecimentos necessários para cidadãos
monitores: nesse caso, o desafio não é apenas saber ler e escrever, mas saber participar de
deliberações sobre quais questões são importantes, qual conhecimento conta e quais os
modos de conhecer autoridade de comento e respeito. O ideal do cidadão informado está
se desintegrando simplesmente porque coisas demais para apenas um indivíduo saber.
O ideal da cidadania monitora depende do desenvolvimento de novas habilidades em
colaboração e de uma nova ética de compartilhamento de conhecimento que nos
permitirão deliberar juntos. Neste momento, as pessoas estão aprendendo a participar de
tais culturas do conhecimento fora de qualquer ambiente educacional. Boa parte dessa
aprendizagem ocorre em espaços de afinidades que estão surgindo em torno da cultura
popular (Jenkins, 2009:342).
Embora cada vez mais as crianças estejam ganhando espaço enquanto consumidoras, a
mesma tendência não se repete nos campos político e social, a parcela da cidadania que diz
respeito às crianças se assemelha a uma lista de obrigações dos adultos e das instituições
educacionais: direito ao ensino, a ter um lar, entre outros que estão previstos no Estatuto da
Criança e do Adolescente. Esses direitos, e as áreas as quais dizem respeito, têm
272
características muito diferentes de atuação; parte deles prevê uma ação mais ativa das crianças
e outra, passiva. Buckingham classifica os direitos das crianças estabelecidos na Convenção
de 1989 da ONU em três grandes grupos: proteção, provisão e participação
180
, cuja atuação
das crianças é passiva nos dois primeiros e ativa no último. A indústria em geral e também a
indústria cultural têm demonstrado grande preocupação em atender às necessidades do
consumidor infantil, sempre buscando, através de pesquisas e de inovação, apresentar-lhes um
novo universo de bens criados especialmente para eles. Embora haja uma crítica
exacerbada ao estímulo que a sociedade dá as práticas de consumo, principalmente pela
postura de incentivá-lo entre as crianças, é preciso reconhecer que as instituições políticas e
sociais têm o que aprender com essa prática de como envolver e promover a participação
desses jovens indivíduos.
Esta pesquisa se propôs a olhar a relação das crianças com um bem cultural destinado
ao seu consumo, analisando o endereçamento feito pelo produtor ao desenvolver esse bem e o
modo como ele considera a inteligência e a atuação do seu público ao receber o conteúdo
produzido. Foi possível perceber que mesmo a revista Recreio, um produto dirigido a crianças
e que pretende ser a revista de escolha desse público, apresenta uma visão adultocêntrica,
principalmente por querer ser especialista e agradar ao leitor de qualquer maneira. Como
algumas vezes parece o se sentir competente o suficiente para tal, suas capas e o convite
principal que faz ao leitor estão sempre baseados em produtos de outras mídias dirigidos a
ele: lançamentos da televisão, do cinema ou de videogames. Dessa forma, deixa, para
segundo plano, uma parte cujos próprios produtores dizem ser “a mais importante do papel de
uma revista, a empatia com o leitor, que a escolhe por se identificar com o posicionamento e
pensamento que apresenta (Scalzo, 2009). Assumindo essa postura, o produtor parece deixar
de lado suas prórpias regras: “o quanto essa identificação é importante na construção dos
relacionamentos e na abertura para a participação do leitor (Scalzo, 2009). Com tantos canais
para contato com o leitor, a Recreio acaba não explorando todo o potencial existente para
atrair a participação deste, como a Editora mostrou fazer bem na primeira versão da revista
com as cartas dos leitores, e assim perde a chance de ser uma referência entre as mídias,
criando essa abertura e possibilitando o exercício do direito ativo das crianças discutido por
Buckingham.
180
Na conclusão de seu livro Crescer na era das mídias eletrônicas, 2007, Buckingham classifica os
direitos das crianças a proteção e providão como passivos e o de participação como sendo o único
ativo. (pp. 278-281)
273
A composição das novas tecnologias e novas mídias abriu possibilidades mais
democráticas de construção de conteúdo. No mundo da internet, a produção dos indivíduos
mistura-se com a produção comercial (Jenkins, 2009) e torna-se cada vez mais difícil haver
um grande especialista; não tempo nem possibilidade de alguns indivíduos consumirem e
absorverem todo o conteúdo disponível, permitindo, assim, uma nova forma de atuação às
comunidades. Juntos, fãs, consumidores ou indivíduos que têm temas ou assuntos de
admiração em comum unem-se para construírem novas leituras, por exemplo, de um seriado
de televisão, ou para exigirem seus direitos enquanto consumidores. A predisposição à
participação, a colaboração, a construção de novas regras e a aquisição de novos
conhecimentos podem também ser estimuladas para causas políticas e sociais; é preciso
somente saber como fazer. Por isso a educação nessa nova era faz-se tão fundamental, tanto
para adultos como para crianças.
A discussão da relação das crianças com a mídia tem aumentado muito nos últimos 20
anos e a preocupação com uma educação para as mídias fez parte do debate mundial durante o
ano de 2010, tanto que a cobertura do foro mundial que aconteceu na Suécia foi feita por
crianças e adolescentes. A questão com esse tipo de educação traz também intranquilidade em
relação à formação das crianças, uma vez que, por conta de produções audiovisuais
envolventes, a escola e a educação formal acabam perdendo atratividade e efetividade junto
ao público infantil. Essa discussão está presente no trabalho de Ellsworth (2001) e também no
de Orofino (2005), que propõem levar a tecnologia e a linguagem do cinema e da televisão
para as salas de aula. A revista Recreio também demonstrou essa inquietação e, através de sua
abordagem multiplataforma e multipúblico, na tentativa de ser um instrumento útil também
aos professores, desenvolveu junto à fundação Victor Civita um material para auxiliar a
elaboração de planos de aulas com o conteúdo da revista.
Essas três propostas têm como grande objetivo contribuir para a educação, de
maneiras distintas. A utilização dos modos de endereçamento (Ellsworth, 2001) na educação
contribui para o desenho de aulas e conteúdos especialmente atrativos aos alunos, pois seriam
desenvolvidos pensando exatamente no repertório daquele público e na relevância que tem
para ele, assim como acontece na produção dos filmes no cinema. De maneira parecida, a
revista Recreio, com o material de apoio ao plano de aulas, busca aprovação dos professores
para seu produto, um aval bastante importante no ponto de vista dos pais que estão pensando
em formar seus filhos. Já o trabalho de Orofino leva para a escola a relação das mídias com os
274
espectadores de maneira a levar a tecnologia e a atratividade do audiovisual para a sala de
aula, e também no intuito de desmistificar a produção de televisão, especificamente,
possibilitando uma leitura mais crítica dos jovens daquilo a que eles assistem.
Outros trabalhos também têm uma participação fundamental na questão da educação
para as mídias no Brasil. Primeiro, por fazer entender a relação da audiência com o conteúdo
que recebe dos meios de comunicação e, então, dar mais espaço e abertura para sua atuação,
em especial a das crianças, como produtoras de conteúdo, como é o caso do Webjornal para
crianças
181
. A câmara dos deputados federais, com o portal Plenarinho
182
e a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência
183
, também são exemplos atuais de como não
subestimar a inteligência das crianças e dar chance de participação para que elas exercitem
uma postura mais ativa, de maneira voluntária e espontânea. Essa experiência fará diferença
no momento em que lhes for exigido atuar, como afirma Buckingham:
As crianças podem ser mais competentes do que geralmente se supõe, mas adquirem essa
competência de forma gradual. Como já afirmei, ocorre um processo de
autoconfirmação: o modo como pensamos sobre as crianças nos leva a agir com elas de
determinadas formas, e isso tende a produzir o comportamento que confirma o modo
como pensamos sobre elas. Talvez as crianças não sejam capazes de agir de forma
diferente simplesmente por falta de oportunidades. [...] as crianças somente se tornarão
competentes se forem tratadas como sendo competentes. De fato, é difícil entender como
elas podem se tornar competentes para fazer alguma coisa se nunca tiverem a chance de
se envolver com aquilo (2007:283).
No Brasil, além das iniciativas pontuais que foram citadas acima, há, na história das
revistas para crianças, duas iniciativas que tiveram, em seu projeto editorial, o objetivo de
levar informação para as crianças, de maneira a formá-las com conteúdo desenvolvido
localmente a fim de que fosse possível destacar as particularidades da cultura nacional e ainda
dar espaço a seu público para a participação na produção do conteúdo: são elas o Semanário
Tico-Tico e a revista Recreio Escolar. Além do respeito e reconhecimento às crianças
enquanto produtoras de cultura e conteúdo, esses dois títulos permitiram o desenvolvimento
da imprensa nacional, tanto na produção das revistas enquanto impressão, como no
lançamento de escritores e ilustradores que tiveram oportunidade na época de se sobressair
181
Iniciativa da jornalista Mayra Ferreira: http://www.criancas.jor.br/nosso-site/
182
http://www.plenarinho.gov.br/
183
Através do Instituto Ciência Hoje e da publicação destinada às crianças: Ciência hoje das crianças.
Mais detalhes em http://chc.cienciahoje.uol.com.br/
275
num mercado que tinha a importação dos modelos europeus e estadunidenses como fonte de
produtos.
A revista Recreio é relevante nesse cenário por ser a antecessora do objeto desta
pesquisa, produto da mesma casa editorial e por carregar também a tarefa de se diferenciar em
um mercado no qual os super-heróis importados tinham a preferência do público. A
publicação surgiu em 1969 para atender à necessidade de levar ao leitor infantil brasileiro um
produto literário com características da cultura nacional. O sucesso da publicação foi além de
seus 12 anos de circulação; as histórias publicadas na revista Recreio consagraram os grandes
escritores infantis nacionais, e a sua fórmula de aprender brincando influencia até hoje a
composição de um dos produtos culturais impressos de maior circulação: a revista Recreio. O
que a versão anterior tem a ensinar é que uma revista com o projeto editorial bem definido
não precisa temer as novas tecnologias, pois será respeitada e preferida por seus leitores em
qualquer plataforma, sem precisar se posicionar como um produto secundário. A Recreio
Escolar A revista brinquedo construía sua pauta ligada aos temas do currículo escolar, como
as datas comemorativas, mas também tratava de ter uma abordagem e conteúdo diferenciados
para tal, promovendo entrevistas com as crianças nas escolas e mesmo formando grupos de
discussão. Em uma fase da revista, as crianças eram convidadas a enviar seu conteúdo com
fatos que aconteciam ao seu redor, no bairro, na escola ou na cidade, o que mostra que
estimular a participação é possível, inclusive em uma época em que a tecnologia e a rapidez
dos e.mails não estavam tão presentes.
A nova versão da Recreio, lançada em março de 2000, acabou de fazer dez anos e
conta com toda a força da sua editora, que é um dos maiores complexos de comunicação da
América Latina. A força de dominar toda a cadeia, desde a pesquisa de conteúdo em seu
departamento de documentação, passando pela elaboração, produção gráfica e distribuição,
possibilita que o leitor brasileiro tenha fácil acesso à Recreio. O fato de ser produzida por um
gigante no campo da comunicação no Brasil, a Editora Abril, foi o que permitiu que a revista
existisse. A Abril, que havia nascido de um produto infantil, não liderando o mercado de
revistas infantis no final do século XX, foi buscar referências bem sucedidas em outros
mercados, às quais somou a experiência anterior e, assim, foi possível desenvolver um projeto
inovador, cuja abordagem multiplataforma permitiria estar ligado aos leitores num momento
em que a tecnologia é fundamental para a comunicação. É importante não esquecer um
detalhe que aponta Jenkins: ainda estamos aprendendo a lidar com a tecnologia e com toda a
276
participação e poder que ela possibilita, ou melhor, “alguns grupos de usuários estão testando
o terreno e delineando direções que muitos de nós tenderemos a seguir” (2009:328). Isso quer
dizer que tanto os usuários particulares como as grandes corporações comerciais não estão
100% seguros ou aproveitando todo o potencial que o novo mundo da tecnologia possibilita.
Esta pesquisa pôde constatar isso no desenvolvimento do produto multiplataforma Recreio, no
qual, embora tenha a proposta de atuação do produto em plataformas diferentes, a internet
ainda segue como um espelho do produto impresso, limitando entre outras coisas a
participação do leitor.
Cabe aqui retomar as perguntas que motivaram o desenvolvimento desta dissertação:
Seria possível, através dessa relação de consumo, ampliar o repertório dos leitores e levá-los
ao exercício da participação de maneira que entendam as possibilidades da atuação como
cidadãos? O consumo cultural infantil de revistas pode ensinar a pensar? As revistas infantis
estão cumprindo o seu papel de diferenciação e contribuição para a formação? Quando o
conhecimento e todos esses debates sobre educação para as mídias se transformarão em
iniciativas que aumentem o espaço das crianças na produção de conteúdos? Quando um
produtor, uma indústria da mídia, dará início ao movimento de educação para as mídias e para
a cidadania?
Foi possível identificar, não somente através da pesquisa de campo com a análise da
revista Recreio, mas também com todo o material que tem sido produzido pelos estudos
acadêmicos que abrangem o tema infância e mídia, que, sim, é possível ampliar o repertório e
a participação das crianças através do consumo, em especial do consumo das mídias. Os
produtores colocam que as crianças são espectadores muito exigentes e é cada vez mais difícil
conseguir a aprovação delas (Buckingham, 2007), porém ainda há muito que fazer no sentido
de dar espaço às crianças nas mídias, para que possam exercitar a produção de conteúdo e sua
atuação crítica sobre o que veem. As revistas têm uma grande oportunidade de serem
pioneiras nessa trajetória, pois têm maior reconhecimento que a internet e, por conta da sua
produção
184
, que pode levar mais tempo para abordar um tema, e por consequência, dar a ele
maior profundidade, poderiam considerar maior participação das crianças em seu conteúdo.
Hoje, o modelo da revista Recreio deixa espaço para as crianças participarem, enviarem temas
184
Scalzo (2009) descreve sobre os benefícios da revista enquanto possibilidade de pesquisa e
elaboração do conteúdo. A internet e o jornal, por exemplo, têm a obrigatoriedade de uma resposta
mais rápida aos temas, enquanto a revista pode se preparar e fazer uma abordagem mais profunda dos
temas que aborda.
277
e até conteúdo, por diferentes canais, seja telefone, carta ou email, porém o estímulo acaba
recaindo sobre modelos que existem, como piadas, desenhos ou perguntas da seção de
curiosidades. Mas os modelos da revista Ciência hoje das crianças e também da argentina
Billiken podem inspirar algumas mudanças tanto no tom e profundidade das informações que
abordam quanto no espaço criado para interação do leitor através da internet.
A revista Recreio tem cumprido o seu papel de diferenciação dos outros meios em
relação ao seu conteúdo, abordando temas que estão presentes no dia a dia das crianças,
como, por exemplo, quando tratou da vacinação contra a gripe H1N1 (pp 18 e 19) e de como
se proteger no ambiente da internet (pp 14), ambos os assuntos publicados na edição 528.
Porém, se o grande convite ao leitor está na capa das revistas, convém, nesta oportunidade,
retomar o plano editorial e sua missão de “Produzir e difundir conteúdo de entretenimento e
informação para crianças, contribuindo para sua educação e formação”, para constatar que a
revista Recreio tem se afastado da missão proposta, uma vez que as capas sempre abordam os
lançamentos da televisão, do cinema ou dos games, fazendo com que a revista se assemelhe a
uma semanal de informação que somente descreve assuntos que já aconteceram ou vão
acontecer, sem apresentar abordagens diferenciadas que realmente contribuam para despertar,
nas crianças, a curiosidade e o gosto pelo conhecimento.
As revistas são bastante respeitadas por terem personalidade e conquistarem seu
público pelo tom do discurso, de modo que os leitores constroem relações afetivas com suas
publicações preferidas (Scalzo, 2009). Além disso, as revistas também são um complemento
para a educação; os leitores confiam e aprendem com o conteúdo que leem em suas páginas.
Por essas razões, as revistas têm uma oportunidade de serem pioneiras no exercício da
educação para as mídias. Há aparentemente uma dificuldade de transformar todas as propostas
em um plano real. As revistas, em especial as revistas infantis, podem exercitar isso em suas
páginas e também em suas versões digitais, com cartilhas e convites aos leitores para
entenderem o funcionamento das coisas e até mesmo a produção de conteúdos. Fazendo uso
da inteligência coletiva e da cultura participativa que tem acontecido voluntariamente na
internet, como exemplifica Jenkins (2009) nos exemplos que aborda sobre as comunidades de
fãs dos programas Survivor e American Idol, os produtores da revista Recreio podem revisitar
as experiências que tiveram com a primeira versão da revista, na qual os leitores contribuíam
para a construção dos conteúdos, e abrir novamente um espaço para a participação das
crianças. Ao pesquisar e exercitar a argumentação para a produção do conteúdo, as crianças
278
estarão exercitando a participação a que têm direito e, com a prática, farão a diferença quando
a expandirem ao universo político e social.
Muitas outras perguntas surgiram no decorrer da pesquisa ao entrar em contato com os
estudos e com cada discussão mais atual que se configurava. Entretanto não há a pretensão de
responder a ou direcionar todas essas questões, mas, sim, de contribuir para que a relação
consumo X mídia X infância X cidadania não desapareça nem do campo acadêmico, muito
menos da esfera do mercado e, quem sabe, unindo essas forças, através da inteligência
coletiva, também seja possível incentivar o tema nas esferas social e política. O maior
aprendizado e recado que ficam deste debate proposto é que um novo universo da
tecnologia que permite a construção do conhecimento coletivamente (Jenkins, 2009). As
crianças, por sua maneira concreta de trabalhar as relações sem julgamentos (Toren, 1993),
têm mais chances de contribuir para essa construção, principalmente se forem estimuladas
para isso e se os adultos acreditarem que elas têm competência para essa produção
(Buckingham, 2007). A ANDI está pronta para reconhecer e apoiar iniciativas desse tipo,
dando visibilidade social, política e mercadológica para a indústria que arriscar o primeiro
passo e que, certamente, irá inspirar as demais. Assim, então, talvez possamos ver as práticas
de consumo e dos bens culturais treinando as crianças para serem cidadãos mais participativos
no futuro.
279
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Anexos
Revista Recreio edição na integra.
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