52
No começo do mundo, os índios apapocuvas não sabiam acender o fogo.
O que era muito ruim. Eram obrigados a comer alimentos crus, padeciam
frio durante o inverno e passavam as noites no escuro.
Fogo, só existia para os urubus. De tanto voarem lá no alto, acima das
nuvens, haviam descoberto o segredo da imensa fogueira que é o Sol. E,
num dia não muito claro, levaram algumas brasas para casa. Tomavam
conta delas com muito zelo.
Ninguém que não fosse urubu jamais chegara perto das brasas. Os
homens queriam, eles não davam; os animais do campo pediam, eles
negavam; os pássaros queriam, eles recusavam.
O aborrecimento dos homens era enorme. Foi quando Nhanderiquei, o
herói apapocuva, voltou de uma viagem. Valente, forte, esperto, havia
prestado muitos e grandes serviços à tribo. (...) (1982, p. 23)
Podemos notar que o trecho acima é uma lenda indígena que narra o
surgimento do fogo. História que valoriza os mitos e lendas do povo brasileiro,
remetendo à busca pela identidade de nossa literatura infantil.
A partir da segunda metade do século XX, a literatura infantil ganhou força,
passando a ser mais intensamente comercializada, o que ampliou a quantidade de
publicações de livros para crianças, bem como a diversidade de gêneros presentes
nessas obras, incluindo desde a poesia até textos policiais e de ficção científica.
Com a existência de um público consolidado para a literatura infantil, que
ainda se confundia com a população escolar, ainda era forte a representação da
escola nessas histórias, que deixam de uma vez por todas o espaço rural para se
ambientar nos centros urbanos, aonde é revelada uma nova personagem criança,
representada como um ser crítico, inquieto, atuante, como podemos notar no
fragmento abaixo da obra de Ruth Rocha:
- Uma vez, Marcelo cismou com o nome das coisas:
- Mamãe, por que é que eu me chamo Marcelo?
- Ora, Marcelo, foi o nome que eu e seu pai escolhemos.
- E por que é que não escolheram martelo?
- Ah, meu filho, martelo não é nome de gente! É nome de ferramenta...
- E por que é que não escolheram marmelo?
- Porque marmelo é nome de fruta, menino!
- E a fruta não podia chamar Marcelo, e eu chamar marmelo? (1982, p. 9)
Na contemporaneidade, com as novas oportunidades e desafios propostos
pelo século XXI, notamos a busca pelo caráter menos pedagógico e mais artístico
da literatura infantil. De acordo com Gregorin Filho:
Autores como Pedro Bandeira, Carlos Queiroz Telles, Lúcia Pimentel Góes
e Roseana Murray, entre outros, trazem essas vozes das crianças e o
universo cotidiano com seus conflitos para serem lidos, vistos, sentidos e
vivenciados na literatura infantil de hoje, conflitos esses levados às
crianças com uma proposta de diálogo, não somente de imposição de