Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE ECONOMIA
FRANCISMEIRE NEVES DA SILVA
SEGREGAÇÃO ENTRE BRANCOS E NEGROS NO MERCADO DE TRABALHO
BRASILEIRO
UBERLÂNDIA
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
FRANCISMEIRE NEVES DA SILVA
SEGREGAÇÃO ENTRE BRANCOS E NEGROS NO MERCADO DE TRABALHO
BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Economia do Instituto de
Economia da Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Economia.
Área de concentração: Desenvolvimento Econômico
Orientadora: Profª Drª Rosana Aparecida Ribeiro
Uberlândia
2010
ads:
FRANCISMEIRE NEVES DA SILVA
SEGREGAÇÃO ENTRE BRANCOS E NEGROS NO MERCADO DE TRABALHO
BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação
em Economia do Instituto de Economia da Universidade
Federal de Uberlândia, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Economia.
Uberlândia, 19 de agosto de 2010.
Banca Examinadora
______________________________________
Profª Drª Rosana Aparecida Ribeiro - UFU
Orientadora
______________________________________
Prof. Dr. Henrique Dantas Neder - UFU
________________________________________
Prof. Dr. Alexandre de Freitas Barbosa - USP
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
S586s
Silva, Francismeire Neves da, 1981-
Segregação entre brancos e negros no mercado de trabalho brasileiro
[manuscrito] / Francismeire Neves da Silva. - 2010.
143 f. : il..
Orientadora: Rosana Aparecida Ribeiro.
Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Uberlândia, Pro-
grama de Pós-Graduação em Economia.
Inclui bibliografia.
1. Mercado de trabalho Brasil -Teses. 2. Negros Brasil Segregação
- Teses. 3. Negros Emprego Brasil Teses. I. Ribeiro, Rosana
Aparecida. II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-
Graduação em Economia. III. Título.
CDU: 331.5(81)
Aos meus pais Sebastião e Nilza, ao meu irmão
Carlos, com amor, por toda a minha vida.
AGRADECIMENTOS
É com muito prazer que expresso e retribuo, através de agradecimentos, a todos
aqueles que contribuíram, de alguma forma, na realização desta pesquisa.
Primeiramente, agradeço a Deus, pelo dom da vida, pela família que me permitiu
nascer, pela oportunidade de conhecer pessoas que se dispuseram a ajudar em todo o
processo deste trabalho, por me dar força e coragem para superar todos os obstáculos e
finalizar o trabalho de pesquisa. Sem Ele nenhum agradecimento faria sentido.
Meus agradecimentos, em especial, a minha família meu pai Sebastião, minha
mãe Nilza e meu irmão Carlos, que souberam compreender todos os períodos de ausência,
de angústia e tristeza e por terem compartilhado os momentos de muita alegria. Agradeço,
do fundo do meu coração, todo o carinho e apoio que me deram para continuar lutando
pelos meus objetivos. Agradeço também as orações da minha mãe, que certamente se
traduziram em força e coragem para eu seguir adiante.
Agradeço à CAPES, que me concedeu a bolsa de estudos para a realização do
Mestrado.
A minha orientadora, Profª Dra. Rosana Aparecida Ribeiro, obrigada por ter
dividido comigo a proposta de desenvolver esta pesquisa e toda a sua dificuldade.
Agradeço as contribuições, as orientações repletas de ensinamento e disciplina, que
enriqueceram minhas ideias e contribuíram para o meu crescimento intelectual. Sou grata a
sua amizade, a confiança e por incentivar-me a buscar o meu melhor, a superar minhas
limitações. Saiba que eu a respeito muito e reconheço que sem a senhora, professora,
certamente a jornada teria sido muito mais difícil.
Agradeço ao corpo docente do Instituto de Economia da Universidade Federal de
Uberlândia, com quem adquiri valiosos conhecimentos durante o mestrado. Agradeço
também a atenção do Diretor Prof. Dr. Clésio Lourenço Xavier e do Coordenador Prof. Dr.
Antônio César Ortega, que substituiu o Prof. Dr. Carlos Alves do Nascimento, e o ótimo
atendimento das funcionárias da Secretaria da Pós-Graduação: Vaine, Rejane, Maura,
Cleuza, Flávia, Sirlene e Tatiana. Aproveito o momento para agradecer às funcionárias da
biblioteca, Maria do Carmo e Ana Maria, que sempre estavam disponíveis para me ajudar.
Registro meu agradecimento, em especial, ao Prof. Dr. Henrique Dantas Neder, por
nunca ter medido esforços para ajudar, para fazer com que esse trabalho acontecesse.
Obrigada pelas conversas, ideias, sugestões, seu apoio incondicional foi fundamental para
que tudo desse certo. Sou grata inclusive a sua amizade, que valorizo e respeito desde o
início. E com a mesma admiração agradeço à Profª Adir Aparecida Juliano, que me ajudou
a superar as dificuldades com o programa SPSS. Agradeço a sua amizade, a oportunidade
de ter participado das suas aulas, as nossas conversas e suas sugestões.
Meus sinceros agradecimentos aos integrantes do Núcleo de Estudos Afro-
brasileiros da UFU, por todo o apoio que eu precisei e deles recebi. Com muito carinho, eu
reconheço que é incomensurável a importância da amizade do Profº Dr. Guimes Rodrigues
Filho, César Paulo, João Gabriel, Rúbia, Jussara, Carine, Everton, Ivan, Pedro Barbosa,
Elzimar e da turma da Capoeira Angola. Em tempo, agradeço o Prof. Dr. Dagoberto José
Fonseca (UNESP), pelas conversas e pelos conselhos acadêmicos. Acreditem, vocês
plantaram uma semente de esperança em mim e a conseqüência disso é o meu
comprometimento de lutar junto com vocês por uma sociedade mais justa.
Tão importante é o meu agradecimento ao Jackson Rosalino (USP), que me ajudou
a compreender os índices. Saiba que nossas conversas foram fundamentais para que eu
pudesse alcançar o objetivo desse trabalho. Agradeço inclusive a sua amizade.
Agradeço a oportunidade de ter conhecido os colegas de sala: Caio, Chayenne,
Pedro Henrique, Izabel, Maria Cláudia, Winghpal, Priscilla, Débora e Vanessa, obrigada
pela troca de experiência; a turma do mestrado 2007, em especial a amizade da Fernanda,
Ana Márcia, Loyd e do Henrique Barros. Sou grata também ao Guilherme, pela grande
ajuda, principalmente nas monitorias de métodos quantitativos.
Destaco minha gratidão à amizade do And Luiz Muniz, que sempre esteve
disponível para me ajudar, independente da situação. Obrigada pelos conselhos, que muitas
vezes foram fundamentais para eu voltar com toda intensidade aos estudos.
Não posso esquecer a gentileza da Jenifer e da Hellen, que me ajudaram com o
xerox e a impressão dos arquivos, obrigada pelas conversas e, principalmente, pela
amizade. Aproveito para agradecer a Sônia Miralda, por toda ajuda que me deu para
concluir o trabalho.
Aos meus grandes amigos, Yuri, Ariel, Fabrício e Christiano, registro minha
gratidão pela amizade, pelo convívio e pela oportunidade de ter aprendido muito com
vocês, através das nossas longas conversas.
Agradeço à Michelle e à Ana Flávia, pelo convívio diário e pelo exemplo de
amizade. Vocês sabem o quanto as admiro e sou grata por todo o suporte que me deram, e
por dizer que somos uma família, isso resume a grande consideração que tenho por
vocês.
Registro a minha imensa gratidão a três professores que desde a graduação
nortearam meus caminhos para o crescimento intelectual. Ao Prof. Dr. Alexandre de
Freitas Barbosa, que com muito respeito chamo de amigo, muito obrigada pelas conversas,
pela disposição em me ajudar sempre que foi preciso e pelo apoio constante. Ao Prof. Dr.
Joaquim Carlos Racy, todo o meu respeito e admiração, agradeço sua confiança na minha
capacidade, por reconhecer a importância do tema e pela sua amizade. Ao Prof. Dr.
Ricardo Luiz Chagas Amorim, tenho que agradecer o seu apoio incondicional, as
conversas e seu esforço em me fazer entender que não é no primeiro obstáculo que se
desiste de um propósito, é com muito carinho que eu agradeço sua amizade, e mesmo
distante seus conselhos foram fundamentais.
Enfim, valeu todo o esforço e agradecer é preciso, porque muitas as pessoas, de
maneira direta ou indiretamente, colaboraram para a realização deste trabalho. O que
confirma o ditado popular: “uma andorinha só não faz verão”!
Obrigada a todos.
Sou negro, identifico como meu o corpo em que o meu eu
está inserido, atribuo a sua cor a suscetibilidade de ser
valorizada esteticamente e considero a minha condição
étnica como um dos suportes do meu orgulho pessoal
eis toda uma propedêutica sociológica, todo um ponto
de partida para a elaboração de uma hermenêutica da
situação do negro no Brasil.
Ramos (1981, p. 62)
RESUMO
SILVA, Francismeire Neves da. Segregação entre brancos e negros no mercado de
trabalho brasileiro. 2010. 143 f. Dissertação (Mestrado em Economia) - Instituto de
Economia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2010.
O propósito desta dissertação é o estudo da segregação ocupacional entre homens negros e
brancos, bem como entre mulheres brancas e negras, no mercado de trabalho brasileiro, no
período de 2002 a 2008. Na tentativa de mensurar o grau de segregação ocupacional existente
entre esses trabalhadores, utilizamos três índices: Índice de Dissimilaridade de Duncan &
Duncan (D), Índice de Dissimilaridade Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-
MacLachlan (KM). Os resultados confirmaram a existência de segregação ocupacional no
período estudado, sendo que entre os homens negros e brancos a segregação teve um ligeiro
incremento, enquanto para as mulheres negras e brancas se observa estabilidade no patamar
da segregação. A superação dessa segregação aponta para a necessidade de políticas públicas
que promovam seu declínio.
Palavras-chave: Mercado de Trabalho. Brancos e Negros. Segregação Ocupacional
ABSTRACT
SILVA, Francismeire Neves da. Segregation between whites and blacks in the Brazilian
labor market. 2010. 143 f. Dissertation (Master‟s degree in Economics) – Institute Economy,
Federal Universyt of Uberlândia, Uberlândia, 2010.
The purpose of this dissertation is the study of occupational segregation between black and
white men, and between white and black women in the period 2002 to 2008. In an attempt to
assess the degree of occupational segregation between such workers used three indexes: Index
of Dissimilarity Duncan & Duncan (D), the Standardized Index of Dissimilarity Size (Ds) and
the Karmel-MacLachlan index (KM). The results confirmed the existence of occupational
segregation in the period, however, among black and white men segregation had a slight
increase, while for black and white women is observed stability in the level of segregation.
Overcoming this segregation indicate to the need for public policies that promote its decline.
Key-words: Labor Market. Whites and Blacks. Occupational Segregation.
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos de atividade
principal - 1950 - (%) .......................................................................................... 67
TABELA 2 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos da atividade
principal - 1980 - (%) .......................................................................................... 68
TABELA 3 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos da atividade
principal - 1991 - (%) .......................................................................................... 69
TABELA 4 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição da ocupação - 1950
- (%) ..................................................................................................................... 70
TABELA 5 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição na ocupação - 1980
- (%) ..................................................................................................................... 70
TABELA 6 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição na ocupação - 1991
- (%) ..................................................................................................................... 71
TABELA 7 - Taxa de Alfabetização das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por sexo e cor -
1950 - (%) ............................................................................................................ 72
TABELA 8 - Taxa de Alfabetização das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por sexo e cor -
1980 - (%) ............................................................................................................ 73
TABELA 9 - Taxa de Alfabetização das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por sexo e cor -
1991 - (%) ............................................................................................................ 73
TABELA 10 - Distribuição das pessoas de 15 anos ou mais de idade, segundo o sexo, a cor e o
nível de escolaridade - 1950 - (%) ...................................................................... 74
TABELA 11 - Distribuição das pessoas de 15 anos ou mais de idade, segundo o sexo, a cor e o
nível de escolaridade - 1980 - (%) ...................................................................... 74
TABELA 12 - Distribuição das pessoas de 15 anos ou mais de idade, segundo o sexo, a cor e o
nível de escolaridade - 1991 - (%) ...................................................................... 74
TABELA 13 - Taxa de desemprego, segundo o sexo e a cor - 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 -
(%) ....................................................................................................................... 91
TABELA 14 - Taxa de desemprego, segundo o sexo e a cor - 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 -
(%) ....................................................................................................................... 91
TABELA 15 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos de atividade
principal - 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%) ................................................ 95
TABELA 16 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos de atividade
principal - 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%) ................................................ 95
TABELA 17 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição na ocupação -
1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%) .................................................................. 97
TABELA 18 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição na ocupação -
1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%) .................................................................. 98
TABELA 19 - Valor do Rendimento Médio Mensal aos preços correntes de 1995 de todos os
trabalhos, segundo o sexo e a cor - 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%) ................. 100
TABELA 20 - Valor do Rendimento Médio Mensal aos preços correntes de 1995 de todos os
trabalhos, segundo o sexo e a cor - 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%) ................. 100
TABELA 21 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e o nível de escolaridade -
1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%) ................................................................ 102
TABELA 22 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e o nível de escolaridade -
1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%) ................................................................ 102
TABELA 23 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os grupos ocupacionais -
2002 e 2008 - (%) .............................................................................................. 110
TABELA 24 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os grupos ocupacionais -
2002 e 2008 - (%) .............................................................................................. 111
TABELA 25 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor e os grupos
ocupacionais - 2002 e 2008 - (%) ...................................................................... 112
TABELA 26 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor e os grupos
ocupacionais - 2002 e 2008 - (%) ...................................................................... 113
TABELA 27 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 0 a 7 anos - 2002 e 2008 - (%) .... 115
TABELA 28 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 0 a 7 anos - 2002 e 2008 - (%) .... 116
TABELA 29 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 8 a 10 anos - 2002 e 2008 - (%) .. 117
TABELA 30 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 8 a 10 anos - 2002 e 2008 - (%) .. 118
TABELA 31 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 11 a 14 anos - 2002 e 2008 - (%)..119
TABELA 32 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 11 a 14 anos - 2002 e 2008 - (%)..120
TABELA 33 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 15 anos ou mais - 2002 e 2008 - (%)
............................................................................................................................ 121
TABELA 34 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 15 anos ou mais - 2002 e 2008 - (%)
............................................................................................................................ 122
TABELA 35 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice de Dissimilaridade
Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-MacLachlan (KM), para os
ocupados brancos e negros - 2002 e 2008 ......................................................... 128
TABELA 36 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice de Dissimilaridade
Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-MacLachlan (KM), para as
ocupadas brancas e negras 2002 e 2008 ......................................................... 129
TABELA 37 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice de Dissimilaridade
Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-MacLachlan (KM), para
assalariados brancos e negros 2002 e 2008 ................................................... 130
TABELA 38 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice de Dissimilaridade
Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-MacLachlan (KM), para
assalariadas brancas e negras 2002 e 2008 ..................................................... 131
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 15
1. A FORMAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO E A NÃO
INCORPORAÇÃO DO EX-ESCRAVO COMO MÃO DE OBRA LIVRE .............. 18
1.1 Do trabalho escravo ao trabalho livre ............................................................................... 20
1.2 As principais atividades econômicas e o mercado de trabalho assalariado antes de 1930 ... 25
1.3 Escola de Sociologia de São Paulo: modelo arcaico ou tradicional das relações raciais .. 30
1.4 Escola de Sociologia do Rio de Janeiro: racismo e discriminação racial ......................... 37
1.5 Celso Furtado: o negro e o mercado de trabalho assalariado em formação no país ......... 45
2. INDUSTRIALIZAÇÃO, CRESCIMENTO ECONÔMICO E DESACELERAÇÃO: A
INSERÇÃO DE NEGROS E BRANCOS NO MERCADO DE TRABALHO ........... 48
2.1 Industrialização restringida (1930 a 1955) ........................................................................ 48
2.2 Modelo de substituição de importações ou industrialização intensiva (1956 a 1980) ...... 52
2.3 Década de 1980: esgotamento do modelo de desenvolvimento, crise da dívida externa e a
aceleração inflacionária .................................................................................................... 58
2.4 Desempenho macroeconômico e seus impactos sobre o mercado de trabalho ................. 60
3. MODELO NEOLIBERAL, PERFORMANCE MACROECONÔMICA: A
INSERÇÃO DE NEGROS E BRANCOS NO MERCADO DE TRABALHO ........ 76
3.1 Modelo neoliberal e o desempenho macroeconômico a partir dos anos 90 ...................... 76
3.2 Política econômica brasileira e o desempenho macroeconômico no período de 2000 a
2008.......................................................................................................................................... 83
3.3 Ajuste e desempenho do mercado de trabalho após os anos 90 ........................................ 87
4. A SEGREGAÇÃO OCUPACIONAL, SEGUNDO A COR DOS
TRABALHADORES, NO PERÍODO DE 2002 A 2008 ........................................... 104
4.1 Segregação e discriminação, segundo a cor: conceitos e distinções ............................... 105
4.2 Indicadores estatísticos da segregação, segundo a cor e os grupos ocupacionais no período
de 2002 a 2008 ...................................................................................................................... 108
4.2.1 Indicadores estatísticos da segregação, segundo a cor, os grupos ocupacionais e as faixas
de anos de estudo no período de 2002 a 2008 ....................................................................... 114
4.3 Índices de segregação ocupacional, segundo a cor: metodologias ................................. 123
4.3.1 Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D) .................................................. 124
4.3.2 Índice de Dissimilaridade Padronizado pelo Tamanho (D
s
) ........................................ 125
4.3.3 Índice de Karmel e MacLachlan (KM) ........................................................................ 126
4.3.4 Segregação ocupacional, segundo a cor, no mercado de trabalho brasileiro no período de
2002 a 2008 ........................................................................................................................... 127
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 133
REFERÊNCIAS .................................................................................................................. 138
15
INTRODUÇÃO
A presente dissertação discute os aspectos gerais da inserção da mão de obra negra no
mercado de trabalho brasileiro desde a sua formação e se fundamenta no objetivo de verificar
o grau da segregação ocupacional existente entre homens brancos e negros bem como entre
mulheres negras e brancas, no mercado de trabalho nos anos mais recentes.
Os primeiros indícios de segregação no mercado de trabalho são observados quando
assimetria no emprego de trabalhadores pela empresa, que, baseada em atributos não
produtivos (como o sexo e a cor), induz à concentração desses trabalhadores em determinados
grupos ocupacionais. Nesse âmbito, o estudo procura se aprofundar na segregação
ocupacional segundo a cor dos trabalhadores, ou seja, na maior presença de brancos e negros
em distintos grupos ocupacionais, fenômeno que pode ter-se alterado ao longo do tempo, mas
ainda mantém uma tendência de concentração dos trabalhadores em ocupações distintas,
segundo a sua cor. Nessa pesquisa, optamos por analisar o período que compreende os anos
de 2002 a 2008, ressalvando que o espaço de tempo focalizado poderia ser maior, mas o novo
código de classificação adotado pelo IBGE a partir de 2002 não permite a compatibilização
das informações relativas ao grupo ocupacional com as pesquisas anteriores. Além disso,
como a identificação da cor dos indivíduos na PNAD é feita por meio da autodeclaração, o
período estudado também capta as alterações na autodeclaração da cor que estão associadas
aos efeitos das lutas e das campanhas dos movimentos sociais contra o racismo, o preconceito
e a discriminação.
Ao analisar a formação do mercado de trabalho urbano, observa-se que desde o início
os negros foram excluídos de participarem como mão de obra assalariada e, sem alternativa,
concentraram-se nas regiões menos prósperas e/ou nas atividades de pior remuneração do
setor de subsistência. De forma que havia indícios de um processo de segregação, segundo
a cor dos trabalhadores, conforme salientam alguns sociólogos. No entanto, essa realidade ao
longo do tempo se alterou, pois a partir da década de 1930 (após o fim dos subsídios ao
financiamento da política de imigração) as necessidades do mercado de trabalho por mão de
obra cresceram na medida em que prosperava a economia brasileira, e tais necessidades foram
supridas com a mão de obra nacional; este foi um dos motivos que propiciaram a
incorporação dos negros na força de trabalho assalariada. Desse modo, a exclusão dos negros
e negras do mercado de trabalho assalariado urbano foi reduzida ao longo do tempo, assim,
atualmente essas pessoas se inserem nesse mercado inclusive na condição de assalariados com
16
carteira de trabalho assinada. Alguns fatores explicam essa trajetória, como o
desenvolvimento da economia brasileira, os avanços da Constituição Federal e a participação
ativa dos movimentos sociais. Resta investigar se a inserção dos negros e negras no mercado
de trabalho assalariado regulamentado não se traduziu numa segregação ocupacional entre os
trabalhadores. Nosso pressuposto assume que existe segregação ocupacional entre homens
negros e brancos, bem como entre mulheres negras e brancas.
A relevância desse estudo centra-se no pioneirismo em analisar o fenômeno da
segregação, segundo a cor, no mercado de trabalho brasileiro, além disso, o estudo ainda
permite apontar os avanços, retrocessos e limites das transformações ocorridas no mercado de
trabalho e que modificam a trajetória da segregação, sobretudo a ocupacional. Essa
compreensão se revela importante para a formulação de políticas específicas que assegurem o
acesso às ocupações de forma universal, baseado no princípio da igualdade perante a lei, sem
distinção de sexo, cor etc., o que implicaria o declínio da segregação no mercado de trabalho
brasileiro.
A análise empírica da dissertação baseia-se na utilização do programa estatístico SPSS
(Statistical Package for Social Science), nos microdados da Pesquisa Nacional por
Amostragem de Domicílio, a PNAD de 2002 e 2008, e no uso de três índices que medem o
nível da segregação no mercado de trabalho, adequando-os para analisar a segregação entre os
homens negros e brancos e entre as mulheres negras e brancas: o Índice de Dissimilaridade de
Duncan & Duncan (D), o Índice de Dissimilaridade Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e o
Índice de Karmel-MacLachlan (KM). Os três índices nos fornecem a proporção de
trabalhadores que precisariam ser realocados para se atingir o nível de segregação igual a
zero, de modo que a proporção de brancos e negros em cada grupo ocupacional seja igual à
proporção do total da força de trabalho segundo a cor; assim se eliminaria a segregação.
O trabalho está dividido em quatro capítulos. O primeiro capítulo trata-se de uma
revisão teórica sobre a formação do mercado de trabalho brasileiro e a forma como a mão de
obra negra foi incorporada nesse mercado, inclui os debates entre os sociólogos paulistas, os
sociólogos cariocas, bem como o pensamento do economista Celso Furtado sobre os
principais motivos que impediram a incorporação imediata dos negros no mercado de trabalho
após a Abolição. O segundo capítulo aborda os movimentos de expansão e contração da
economia brasileira no período de 1930 a 1980 e seus impactos sobre a consolidação do
mercado de trabalho urbano industrial, inclusive com a análise de alguns indicadores de 1950,
1980 e 1991 para acompanhar os trabalhadores brancos e negros nessa dinâmica. O terceiro
capítulo analisa o desempenho macroeconômico da economia brasileira no período de 1990 a
17
2008 e seus reflexos sobre o mercado de trabalho, o intuito é verificar se as transformações e
os ajustes dessa dinâmica apontam se a segregação inicialmente imposta aos trabalhadores
negros foi superada; para isso utilizamos alguns indicadores dos anos de 1992, 1995, 1999,
2002 e 2008. O quarto capítulo busca analisar o padrão de inserção nos grupos ocupacionais
entre os trabalhadores negros e brancos, observando se a sua participação nos grupos
ocupacionais ocorre de forma semelhante à participação entre todos os ocupados. Além disso,
o capítulo apresenta a aplicação das medidas de segregação, com uma versão adaptada,
segundo a cor dos trabalhadores - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice
de Dissimilaridade Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-MacLachlan (KM) -,
no mercado de trabalho brasileiro, e na seqüência, a análise dos resultados.
Por fim, ressaltamos que as citações e os discursos estão de acordo com as regras
ortográficas da época em que as obras e os discursos foram publicados, inclusive a utilização
do termo “raça”/“racial”, que recentemente foi substituído por “cor”, mas cuja aplicação
preservamos, principalmente no primeiro capítulo.
18
1. A FORMAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO E A NÃO
INCORPORAÇÃO DO EX-ESCRAVO COMO MÃO DE OBRA LIVRE
Este capítulo visa apresentar brevemente as principais transformações ocorridas no
período entre 1850 e 1930, no que diz respeito à formação do mercado de trabalho no Brasil,
em especial a incorporação dos trabalhadores negros nesse mercado.
A exposição inicia-se abordando a transição do trabalho escravo para o trabalho livre,
no século XIX, e depois se concentra no período que vai da Abolição da Escravatura até os
anos de 1930, uma vez que nesse intervalo de tempo não se verificou a incorporação dos
negros no mercado de trabalho assalariado em formação no país, sobretudo no estado de São
Paulo, e mais especificamente na cidade de São Paulo. A situação de marginalização perdurou
até 1930, momento em que cessaram os subsídios à imigração européia e o mercado de
trabalho paulistano passou a contar com a mão de obra negra para suprir sua escassez de
braços.
Apresenta-se em seguida o debate entre os sociólogos paulistas e cariocas sobre as
principais razões que impediram a incorporação dos negros no mercado de trabalho
assalariado após a Abolição, bem como interpreta-se o pensamento de Celso Furtado, um dos
poucos economistas que analisaram essa questão.
O principal representante da “Escola Sociológica de São Paulo” é o professor da
Universidade de São Paulo (USP), Florestan Fernandes, que fez discípulos como Octávio
Ianni e Fernando Henrique Cardoso; neste capítulo nos concentramos nos estudos dos dois
primeiros sociólogos. Florestan Fernandes e Octávio Ianni afirmam que a “herança da
escravidão” foi a responsável pela marginalização do negro no mercado de trabalho; sua
“incapacidade” para agir conforme a exigência da sociedade do trabalho livre se justifica pela
falta de preparo e habilidade para competir pelos novos postos que surgiram no mercado de
trabalho a partir do século XX. Os autores são otimistas em dizer que o critério cor estaria
fadado a desaparecer com o avanço da industrialização e o desenvolvimento capitalista.
A abordagem da “Escola Sociológica do Rio de Janeiro” focaliza as obras de Carlos
Hasenbalg e Nelson do Valle Silva. Os estudiosos advogam que o racismo e a discriminação
racial são os fenômenos
1
que explicam a desqualificação dos negros na competição pelas
1
Descrição dos fenômenos: 1) Racismo modo de ver certas pessoas ou grupos raciais. Trata-se de uma
ideologia que preconiza a hierarquização dos grupos humanos com base na etnicidade; 2) Preconceito Racial
modo de ver certas pessoas ou grupos raciais, uma predisposição negativa em face de um indivíduo, grupo ou
19
posições sociais desejadas no mercado de trabalho, sendo um reflexo do desenvolvimento
capitalista e da diferenciação da estrutura de classes. Neste capítulo confere-se atenção
especial à obra de Carlos Hasenbalg, em virtude do pioneirismo de seus estudos, além da
importância que o conjunto de sua obra tem para o tema da discriminação no mercado de
trabalho. O autor não compartilha do otimismo liberal de que a industrialização e o
desenvolvimento econômico eliminariam o critério raça da base das relações sociais do
sistema de produção, por considerar que é neste contexto que a competição fica mais acirrada
entre os indivíduos que buscam as melhores oportunidades de trabalho.
O pensamento do economista Celso Furtado tem pontos de conexão com os
argumentos defendidos pela “Escola de Sociologia de São Paulo”, por aceitar que a não
incorporação imediata do ex-escravo no mercado de trabalho assalariado está associada, em
parte, à deformação sofrida por anos de experiência no regime escravista, mas enfatiza a falta
de capacidade mental do homem que passou por este regime de servidão, e que, sem qualquer
preparo ou assistência, encontrou sérias dificuldades para se adaptar à sociedade de classes,
enfrentando a segregação mesmo após a Abolição da Escravatura.
O capítulo está organizado em cinco seções. A primeira seção trata da transição do
trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil, destacando a atuação do Estado, através da
regulação de leis e políticas, como as leis de desescravização e a política de estímulo à
imigração, medidas que contribuíram para intensificar o caráter excludente e desigual no
processo de incorporação do ex-escravo no incipiente mercado de trabalho. A segunda seção
compreende uma análise das principais atividades econômicas do período anterior a 1930, que
incorporaram o trabalho assalariado. As seções subseqüentes apresentam as correntes de
pensamento que explicam o processo de marginalização dos negros no mercado de trabalho
paulista, e estão dispostas da seguinte forma: a terceira seção enfoca a interpretação da Escola
de Sociologia de São Paulo, cujo principal argumento é que as relações entre brancos e negros
na sociedade contemporânea estão condicionadas às desvantagens herdadas do passado
escravista, o qual justificaria a “incapacidade” do ex-escravo para o trabalho livre; a quarta
seção concentra-se na justificativa da Escola de Sociologia do Rio de Janeiro, que atribui ao
racismo e à discriminação racial um dos principais motivos para a exclusão e/ou a
instituição assentada em generalizações estigmatizadas sobre a raça com a qual o indivíduo, o grupo ou a
instituição é identificado; 3) Discriminação Racial comportamento que prejudica explicitamente certa pessoa
ou grupos de pessoas em decorrência de sua cor/raça (JACCOUD; BEGHIN, 2002, p. 37-40). O Estatuto da
Igualdade Racial (2003, p. 8) define discriminação racial como toda distinção, exclusão, restrição ou preferência
baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha por objetivo anular ou restringir o
reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais
nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.
20
marginalização dos negros no mercado de trabalho paulista; e a quinta seção apresenta a
análise do economista Celso Furtado sobre o tema, que alega a falta de capacidade mental do
ex-escravo para o trabalho livre.
1.1 Do trabalho escravo ao trabalho livre
A organização do sistema produtivo brasileiro, durante o período colonial e imperial,
se moldou na utilização do trabalho compulsório em sua forma extrema, ou seja, no
escravismo
2
(NOVAIS, 1995). Nesse período, a organização social era constituída por
latifúndios, monoculturas
3
, senhores de engenho e escravos (FERNANDES, 1965). Através
do Pacto Colonial, a Metrópole instaurou o regime plantation
4
de produção, determinando e
delimitando as atividades econômicas a serem praticadas, inclusive os pontos de escoamento
dos produtos.
A organização desse modo de produção que não descartava a figura do escravo
interagiu com outros fatores, como a convivência da Metrópole com o tráfico de escravos.
Segundo Ianni (1988, p. 26), o mecanismo ocorria da seguinte forma: “a Metrópole oferecia
as exportações de produtos manufaturados e os navios negreiros, a África oferecia a
mercadoria humana que era trocada lucrativamente pelos produtos, e a Colônia oferecia a
matéria-prima, isto é, a produção que ia direto para a Metrópole”. Dessa forma, o tráfico
negreiro possibilitou a rentabilidade elevada do comércio da colônia, enriquecendo a
Metrópole.
Até meados do século XIX, o escravismo no Brasil era considerado como parte
importante do sistema colonial, mas o desenvolvimento acelerado do capitalismo industrial e
a revolução tecnológica, aos poucos, substituíram as relações tradicionais existentes (COSTA,
1994).
No Brasil, no mesmo período, registram-se modificações na organização social, como
o aumento dos indivíduos “livres e libertos”, considerados como a massa marginalizada que
vivia do trabalho ocasional e das atividades de subsistência, quando não passavam pela
2
Segundo Costa (1994, p. 236), onde quer que a economia estivesse organizada para suprir o mercado
internacional com matérias-primas e sempre que houvesse dificuldade para recrutar trabalho nativo, os africanos
forneceriam o trabalho necessário. Existiu uma precisa correlação entre a acumulação de capital e o uso de
escravos africanos. Onde o capital não se acumulou, os colonizadores recorreram ao trabalho indígena. A
escravidão brasileira, como a escravidão em outras partes do Novo Mundo, foi um sistema de exploração do
trabalho baseado na posse sobre o trabalhador.
3
Monocultura cultivo de um único produto em toda a extensão territorial de plantio.
4
Regime de plantation caracterizado por propriedade privada e latifundiária, monocultura e utilização de mão
de obra escrava no processo de produção.
21
privação do acesso ao trabalho. Era visível o caráter excludente deste sistema, porque, ao
mesmo tempo, havia a força de trabalho composta pelos escravos, que atuavam na produção
para exportação e nas tarefas domésticas, e a mão de obra livre e liberta, que se desenvolveu
no próprio sistema escravista e que, aos poucos, foi absorvida pelo setor de subsistência
(KOWARICK, 1987).
A expansão acelerada do capitalismo marcou a segunda metade do século XIX no
Brasil. De acordo com Ianni (1988, p. 41),
No Brasil, a formação social capitalista foi se constituindo, por assim dizer,
por dentro e por sobre a formação social escravista. Pouco a pouco, uma
parte do capital produzido pelo escravismo era aplicado em atividades
artesanais, fabris, comerciais e financeiras que não revertiam
necessariamente em benefício dos interesses escravistas.
Neste momento, o sistema escravista enfrentava sérias dificuldades para se sustentar,
primeiro, porque o avanço tecnológico alcançado pelas potências européias (principalmente a
Inglaterra) motivou-as a apoiar a libertação dos escravos e a independência das colônias,
porque acreditavam que assim surgiria o mercado consumidor que atendesse a um dos seus
interesses, que era o escoamento do excedente de produção. Em seguida, as decisões
legislativas contribuíram para o agravamento da crise: a Lei Eusébio de Queirós, datada de 04
de setembro de 1850, com a proibição do tráfico interatlântico de escravos; a Lei de Terras, de
18 de setembro de 1850, restringia o acesso à terra, por meio do seu encarecimento, e
estabelecia a compra como a única forma de adquirir a posse da terra com registro em cartório
ou paróquia, proibia o regime de sesmarias, excluindo o acesso à terra por parte da população
livre e pobre, ex-escravos e seus descendentes; essa medida assegurava a mão de obra livre
5
para as fazendas; a Lei do Ventre Livre
6
, de 28 de setembro de 1871, estabelecia que os filhos
de escravos negros nascidos no Brasil após a aprovação da lei tornavam-se livres; e a Lei do
Sexagenário
7
ou Lei Saraiva-Cotejipe, de 28 de setembro de 1885, garantia a liberdade aos
escravos com mais de sessenta anos de idade, porém os mesmos deveriam prestar serviços aos
5
Se a massa de imigrantes tivesse acesso fácil à propriedade da terra, o capital não encontraria a força de
trabalho que tanto precisava. Como se sabe, um dos fatores considerados como responsáveis pela expansão
cafeeira é constituído pela abundância de terras, mas está afirmação deve ser vista como algo relativo. A
abundancia de terras para o capital está associada a não abundancia para aqueles que devem constituir o mercado
de trabalho (SILVA, 1978, p. 72-73).
6
A Lei do Ventre Livre possuía alguns condicionantes importantes que cabem ser mencionados. As crianças
deveriam ser criadas e educadas por seus senhores até o oitavo ano de vida, quando então os senhores poderiam
optar entre libertá-las definitivamente em troca de uma indenização de 600 mil réis, em títulos de 30 anos com
juros de 6% ao ano ou utilizar os seus serviços até que completassem 21 anos (BARBOSA, 2008, p. 123).
7
A abolição do trabalho escravo para os sexagenários, além de tardia, não deveria atingir um número
relativamente elevado de pessoas, tendo em vista as suas precárias condições de vida (SILVA, 1978, p. 45).
22
seus proprietários por mais três anos, caso contrário, teriam que pagar “multa” de 100 mil
réis. Apenas ao escravo com mais de sessenta e cinco anos estava garantida a liberdade
(BARBOSA, 2008).
Esse processo de desescravização funcionou como parâmetro para a construção do
mercado de trabalho. Segundo Kowarick (1987, p. 44), o marco da transição do trabalho
escravo para o trabalho livre foi a Lei Eusébio de Queirós (1850), porque, com o fim do fluxo
de novos escravos, o sistema escravista enfraqueceu sua base nos anos seguintes, inclusive
pelas más condições de reprodução dos escravos. Para Geraba (1986, p. 17), o dispositivo
legal que teve a primeira intervenção direta do Estado nas relações de trabalho foi a Lei do
Ventre Livre, porque, depois da proibição do tráfico de escravos, a única alternativa que
restava como fonte de novos cativos era o nascimento dos filhos dos escravos.
O Estado teve participação incisiva no processo de transição para o trabalho livre,
principalmente no encarecimento do custo do trabalho escravo e na política imigrantista,
através do fornecimento de subsídios, conforme relata Theodoro (2008, p. 37):
Em 1884, foi aprovada, no estado de São Paulo, lei que instituía taxas sobre
a posse de negros na condição de escravos ao ganho ou de aluguel em
atividades nas áreas urbanas. Também visando encarecer o custo do trabalho
escravo, a mesma lei determina a elevação dos impostos fixados três anos
antes para a importação de escravos de outras províncias. No mesmo ano de
1884, as Leis provinciais n
os
25 e 26 direcionavam os impostos sobre
importação de escravos para custear os gastos com imigração.
Além disso, a Lei 28 de 1884, sancionada pelo Poder Legislativo do Estado de São
Paulo, garantia os recursos para o financiamento da imigração, beneficiando apenas os
trabalhadores e suas famílias
8
. Através do Decreto 528 de 1890, o governo republicano
declarou livre a entrada de imigrantes nos portos brasileiros (com exceção dos asiáticos e dos
africanos, que entrariam no país mediante autorização e sob algumas condições), inclusive
neste decreto havia o incentivo aos fazendeiros que quisessem instalar em suas terras os
trabalhadores imigrantes (THEODORO, 2008, p. 35).
Neste contexto, a abolição apresentou-se como um conjunto de políticas públicas que
culminaria na extinção da escravidão
9
, em 13 de maio de 1888, através da assinatura da Lei
Áurea. A transição para o trabalho livre, entretanto, não foi imediata, segundo Barbosa (2008,
8
Segundo Silva (1978, p. 44), a partir de 1880, a imigração tornou-se massiva. Entre 1887 e 1897, 1.300.000
imigrantes chegaram ao Brasil. A título de comparação, entre 1890 e 1900, a população do Brasil aumentou
cerca de 3.000.000 de pessoas, passando de 14 para 17 milhões. A maioria dos imigrantes foi para São Paulo:
909.417 entre 1887 e 1900 (essa cifra corresponde a 82% do crescimento demográfico desse estado no mesmo
período).
9
Em maio de 1888, ainda havia cerca de 700.000 escravos no Brasil (SILVA, 1978, p. 45).
23
p. 122), “essa se processaria no período que compreende a Lei do Ventre Livre e o fim da
Primeira Guerra Mundial, quando os elementos do assalariamento apenas adquirem formas, e
com profundas diferenças regionais”. Desse modo, os ex-escravos perderam os seus lugares
no mercado de trabalho após a abolição, uma vez que, “em sua grande maioria, eles não eram
assalariados”, como explica Theodoro (2005, p. 95):
Com a imigração massiva, os ex-escravos vão se juntar aos contingentes de
trabalhadores nacionais livres que não têm oportunidades de trabalho senão
nas regiões economicamente menos dinâmicas, na economia de subsistência
das áreas rurais ou em atividades temporárias, fortuitas nas cidades.
Ademais, a adoção de uma política de estímulo à imigração,
Impregnada como estava de matizes racistas, [...] resultou não apenas na
marginalização de negros e mulatos no Sudeste, mas também reforçou o
padrão de distribuição regional de brancos e não-brancos que se
desenvolvera durante o regime escravista. Como conseqüência, uma maioria
de população não-branca permaneceu fora do Sudeste, na região
economicamente mais atrasada do país, onde as oportunidades educacionais
e ocupacionais eram muito limitadas (HASENBALG, 2005, p. 167).
Dessa maneira, a elite conseguia fortalecer a teoria (política) de branqueamento
10
da
sociedade contando com o incentivo e financiamento do governo para a entrada dos
imigrantes no país; essa atitude acabou marginalizando e/ou excluindo os negros da sociedade
e do mercado de trabalho. Além disso, a preferência pelo imigrante estava relacionada à falta
de preparo, experiência e habilidade do recém-liberto para o trabalho livre (FERNANDES,
1965).
O mercado de trabalho livre no Brasil foi, assim, moldado por uma política
de imigração, cuja perspectiva era mais do que uma simples estratégia de
substituição de mão-de-obra. A imigração, favorecida por taxações e
subvenções, em detrimento da mão-de-obra nacional, era parte de um projeto
de nação que tinha no embranquecimento uma de suas mais importantes
estratégias. O mercado de trabalho nasceu, assim, dentro de um ambiente de
exclusão para uma parte significativa da força de trabalho (THEODORO,
2008, p. 39).
10
Teoria segundo a qual apenas com o branqueamento da sociedade o progresso seria alcançado, ou seja, “idéias
que privilegiam um enfoque de valorização do elemento branco, em detrimento do negro, vêm caracterizar e
servir como base para os discursos a favor do desenvolvimento nacional”, motivo este que trouxe à tona as
medidas e ações adotadas pelo governo, por exemplo, o estímulo à imigração, que acabou desenhando
perfeitamente a exclusão, a desigualdade e a pobreza do contingente da sociedade que sofre até os dias de hoje.
Compreendida como um entrave ao desenvolvimento nacional, a presença da população negra no país era
percebida como um obstáculo que deveria ser superado. E a sua gradual extinção seria então realizada pela via
do embranquecimento (THEODORO, 2008, p. 32-39).
24
Grande parte da mão de obra estrangeira que chegou ao Brasil ocupou-se dos trabalhos
da agricultura, em especial, das plantações de café das regiões mais dinâmicas, substituindo a
mão de obra escrava ou até mesmo os negros libertos, os quais foram absorvidos pela
economia de subsistência das regiões menos dinâmicas.
É preciso, neste sentido, frisar que o assim chamado elemento nacional, após
a abolição, tendeu a ser absorvido pelo processo produtivo em áreas de
economia estagnada, onde a imigração internacional foi pouco numerosa ou,
até mesmo, nula. De fato, sua utilização ocorreu mais acentuadamente nas
regiões decadentes do Vale do Paraíba, e nas que apresentavam pouco
dinamismo, como nas do Velho Oeste, em contraposição ao novo Oeste:
nelas, o imigrante deixou poucas oportunidades para os nacionais, que
passaram a realizar tarefas mais árduas e de menor remuneração, como o
desbravamento e preparo da terra, e, praticamente, extinguiu as
possibilidades de emprego para o ex-escravo (KOWARICK, 1987, p. 95).
A incorporação da mão de obra nacional e estrangeira no mercado de trabalho, logo
após a Abolição da Escravatura, acompanhou as particularidades regionais. Nas regiões
estagnadas, os senhores haviam negociado o excesso de (ex)escravos com o Leste e o Sul
do país, antes mesmo da Abolição, livrando-se do encargo de fornecer auxílio e assistência
para integrá-los à sociedade de classes. Nas regiões dinâmicas, principalmente, nas áreas de
plantação de café, havia duas situações: onde a produção se apresentava em níveis baixos, os
libertos e ex-escravos optavam pela reintegração ao sistema produtivo em condições análogas
às anteriores, ou degradavam-se junto à massa de desocupados e semiocupados no setor de
subsistência desta ou de outra região; onde a produção se apresentava em níveis elevados,
havia grandes possibilidades de criar um autêntico mercado de trabalho e, nesse caso, os ex-
escravos enfrentariam uma forte concorrência com os trabalhadores nacionais” e com os
imigrantes europeus, mas essa competitividade seria prejudicial aos recém-libertos, que não
estavam preparados para enfrentá-la (FERNANDES, 1965, p. 2-3).
Assim, as regiões mais dinâmicas do país deram preferência à contratação da mão de
obra imigrante européia, que era mais afeita ao novo regime de trabalho, enquanto a única
alternativa para as regiões estagnadas foi apelar para os ex-escravos e/ou a mão de obra
nacional. No caso do Estado de São Paulo, “isso deu origem a movimentos migratórios de
trabalhadores agrícolas negros, mulatos e caboclos, que se deslocavam das áreas em que
sofriam intensa concorrência com „imigrante branco‟ para as zonas de lavoura depauperadas
do Vale do Paraíba.” (FERNANDES, 1965, p. 20).
Após 1895, com a mudança econômica do cultivo do café para a criação de
gado, a emigração intensificou-se e os ex-escravos deslocaram-se para a
25
parte leste do Rio de Janeiro e para o Estado de São Paulo. Assim, no Vale
do Paraíba em verdadeira decadência econômica, os ex-escravos não tiveram
de competir com trabalhadores estrangeiros, como o fizeram em muitas das
áreas rurais e urbanas para onde foram forçados a se dirigir. No Estado de
São Paulo, em regiões onde a economia cafeeira prosperava e o trabalho
estrangeiro era abundante, os fazendeiros não readmitiram os ex-escravos
que tinham abandonado as fazendas e preferiram os imigrantes assalariados.
Esse processo de expulsão promoveu a transferência de ex-escravos para a
economia de subsistência e seu deslocamento para as regiões agrícolas
menos prósperas. Nas regiões economicamente estagnadas ou decadentes, e
naquelas com escassez de mão-de-obra, a transição para o trabalho livre
ocorreu de forma menos abrupta. Os antigos escravos permaneceram
trabalhando nas fazendas como trabalhadores assalariados (HASENBALG,
2005, p. 171).
Portanto, a forma como o mercado de trabalho brasileiro se constituiu respeitou as
especificidades regionais. Cabe examinar as principais atividades econômicas que absorviam
o trabalho assalariado no período estudado.
1.2 As principais atividades econômicas e o mercado de trabalho assalariado antes de 1930
As características da economia brasileira, de 1850 a 1930, eram: uma economia
agroexportadora, cujo principal produto na pauta de exportação era o café; o produto interno
bruto (PIB) dependia das exportações do setor agrícola, e as demais atividades satélites
acompanhavam, direta ou indiretamente, o desempenho deste setor; a dinâmica econômica era
definida pelo mercado externo, pois uma das variáveis mais importante era o preço do produto
de exportação, dificilmente controlado; a pauta de importação era diversificada,
correspondendo à estrutura de consumo existente na época (FURTADO, 2000).
A análise que se segue parte do rápido crescimento da produção de café no Brasil,
ocorrido entre os anos de 1870 e 1880 e que foi acompanhado pelo deslocamento geográfico
das plantações, ou seja, quando o centro de produção cafeeira deixa de ser o Vale do Paraíba
(RJ) e passa a ser os planaltos paulistas. Esse fato determinaria mudanças importantes no
cenário econômico nacional, conforme descreve Silva (1978, p. 50):
Ao subir os planaltos de São Paulo, as plantações abandonam o trabalho
escravo pelo trabalho assalariado. Com o trabalho assalariado, a produção
cafeeira conhece a mecanização (pelo menos uma mecanização parcial, ao
nível das operações de beneficiamento do café). Além disso, a possibilidade
desse deslocamento é determinada pela construção de uma rede de estrada de
ferro bastante importante. Finalmente, o financiamento e a comercialização
de uma produção que atinge milhões de sacas [em 1880, a produção média
ultrapassa os 5 milhões de sacas por ano] implica o desenvolvimento de um
26
sistema comercial relativamente avançado, formado por casas de exportação
e uma rede bancária.
O autor afirma que a expansão da economia cafeeira baseada na interiorização da
produção não seria possível sem a introdução das estradas de ferro, pois o preço do transporte
da produção por ferrovia era seis vezes inferior ao valor do transporte realizado por tropas de
mulas; além disso, as tropas de mulas não podiam escoar uma grande produção espalhada
por milhares de quilômetros.” (SILVA, 1978, p. 56).
A estrada de ferro contribuiu também para o deslocamento dos primeiros
trabalhadores brasileiros vindos de outras regiões do país, após a Primeira Guerra Mundial.
Nos últimos anos do século XIX, em São Paulo, era praticamente nula a representação desse
grupo populacional; de 1908 a 1917 tal contingente de imigrantes representava 5,5% da
população, e de 1918 a 1927 passou para 23,4% (SILVA, 1978).
As imigrações no interior do Brasil são uma conseqüência do próprio
desenvolvimento das relações capitalistas que tinham como centro a
economia cafeeira. Progressivamente, esse desenvolvimento começa a
subverter o sistema latifundiário e começa a “liberar” força de trabalho. Esse
desenvolvimento traz com ele as estradas de ferro que facilitam as grandes
migrações. As estradas de ferro desenvolvem-se também no Estado de Minas
Gerais e, ligadas às de São Paulo, serviram para transportar trabalhadores
brasileiros que vinham não somente de Minas, mas ainda da Bahia, para
procurar trabalho em São Paulo (SILVA, 1978, p. 52-53).
Ao mesmo tempo que a economia cafeeira se desenvolvia, uma nova classe social, a
burguesia cafeeira, também se fortalecia e junto com ela o capital cafeeiro que se expandia,
assumindo características do tipo: capital agrário, capital industrial, capital bancário e capital
comercial. A importância do capital cafeeiro estava diretamente relacionada à importância de
sua função comercial. Em relação à preponderância do capital comercial no Brasil nesse
contexto, Silva (1978, p. 61-62) afirma:
No Brasil, o capital comercial não se apresenta de uma maneira autônoma,
enquanto capital comercial puro, ele domina diretamente a produção e a
submete às suas exigências. Em outros termos, a acumulação capitalista
realiza-se, sobretudo ao nível do comércio, o que acarreta um
desenvolvimento mais lento das forças produtivas. Em segundo lugar, a
dominação do capital comercial explica-se pela posição ocupada pelo Brasil
no seio da economia mundial. Dado o fraco desenvolvimento de suas forças
produtivas, o Brasil se designado, na divisão internacional do trabalho, à
posição de país exportador de produtos agrícolas.
27
Segundo Barbosa (2008, p. 191), o “capital comercial exercia um papel de
proeminência no complexo cafeeiro, pautado pelo domínio do intermediário”, ou seja, dos
exportadores e importadores. Em número reduzido, os primeiros eram essencialmente
estrangeiros, que estabeleciam os preços e atuavam como oligopólio em relação aos grandes
proprietários. Os segundos possuíam um papel estratégico para a implantação industrial
como financiadores e conhecedores do mercado, mas dependiam da redução da capacidade de
importar e do aumento da rentabilidade industrial, isto é, da mudança contínua de tarifas e das
oscilações cambiais. Entretanto, como observa Reiss (1983, p. 83), “o importador, e mais
ninguém, possuía todos os requisitos do industrial bem sucedido: acesso ao crédito,
conhecimento do mercado e canais para a distribuição do produto acabado”.
A passagem do trabalho escravo para o assalariado repercutiu na rápida formação e no
desenvolvimento do mercado de trabalho
11
, que acompanhou o desempenho do comércio de
importação e exportação, dos bancos, das estradas de ferro, das novas formas de produção,
inclusive com uma mecanização ao nível das operações de beneficiamento da produção.
Nesse contexto, a economia cafeeira era considerada como o “centro de rápida acumulação de
capital baseada no trabalho assalariado. E é como parte integrante dessa acumulação que
nasce a indústria no Brasil.” (SILVA, 1978, p. 80). Sobre os fatores que estimularam a
industrialização, Barbosa (2008, p. 190) faz as seguintes considerações:
No setor agrícola do complexo cafeeiro, a acumulação financeira superava as
possibilidades de acumulação produtiva, abrindo ao capitalista a opção de
diversificar as suas aplicações. Por outro lado, tudo indica que a
rentabilidade da indústria era significativa. A proteção cambial e tarifária, as
isenções tarifárias para máquinas e equipamentos, o baixo custo do trabalho,
além do papel estimulante dos investimentos, empréstimos públicos e
emissões do Tesouro Nacional em alguns momentos e da existência de uma
demanda de bens de consumo correntes não-satisfeita, especialmente quando
se reduzia a capacidade para importar; enfim, um conjunto de fatores
contribuíram para impulsionar as decisões de investimento industrial.
A ampliação das oportunidades de investimento e, em especial, a intensificação do
investimento industrial no Brasil advieram do rápido crescimento da renda do complexo
cafeeiro. Por isso, a indústria estava condicionada à dinâmica da expansão cafeeira, ou seja,
aos determinantes naturais (fatores climáticos, plantio, crescimento etc.), “às flutuações
11
Quem preencheu o mercado de trabalho urbano paulistano que estava em rápida ascensão na virada do século
foram os imigrantes, que em 1890 representavam 22% da população da capital, provenientes das fazendas de
café em virtude das maiores possibilidades de ganho na quase-metrópole, do “desvio” para a cidade dos
imigrantes subvencionados ou então da entrada expressiva de estrangeiros espontâneos durante a primeira
década do século XX (BARBOSA, 2008, p. 203).
28
acentuadas no preço internacional do café e às políticas cambial, monetária e fiscal do
governo que resultaram em incentivos e desincentivos alternados à atividade industrial,
segundo as circunstâncias internas e externas da economia cafeeira.” (REISS, 1983, p. 70-71).
As primeiras indústrias se caracterizaram pela baixa concentração de capital
(industrial) e base tecnológica relativamente simples, limitada aos equipamentos acessíveis
através de importações. Como explica Reiss (1983, p. 68),
Tais atividades concentraram-se principalmente na produção de tecidos,
gêneros alimentícios, vestuário e calçados, móveis, artefatos simples de
metal etc. destinados ao consumo em larga escala. Nestas linhas de produtos
as empresas locais podiam competir com os produtos importados ou
substituí-los, protegidas por barreiras naturais (custo de transporte,
perecibilidade etc.) assim como por barreiras tarifárias e cambiais.
Registra-se que em 1885, no Estado de São Paulo, havia 13 fábricas têxteis com 1.670
operários, 3 fábricas de chapéus com 315 operários, 7 empresas metalúrgicas com
aproximadamente 500 operários. Em 1889, havia no Brasil 636 empresas industriais com 54
mil operários. Em 1901, das 91 empresas industriais paulistas mais importantes, 33
empregavam de 10 a 49 operários, 33 empregavam de 50 a 199 operários, 22 empregavam de
200 a 499 operários, 2 empregavam 600 operários cada uma, e 1 empresa possuía cerca de
800 operários (SILVA, 1978, p. 77). Em 1907, havia 3.258 empresas industriais no Brasil,
sendo 326 sediadas em São Paulo. Em 1920, o número de firmas industriais no país elevara-se
para 13.336, sendo que 4.415 localizavam-se em São Paulo, empregando 276.000 e 84.000
trabalhadores, respectivamente (REISS, 1983, p. 69).
De acordo com Reiss (1983, p. 92), havia procura de crédito pelas firmas nos
momentos de flutuações das atividades, mas esse crédito não estava disponível de forma
institucionalizada, então as empresas dependiam essencialmente de seus próprios recursos,
demonstrando uma tendência significativa para a diversificação no reinvestimento de seus
lucros, ou seja, no seu processo de crescimento (tanto na expansão como na integração
vertical de suas atividades). Embora um dos resultados desse processo tenha sido a expansão
da atividade comercial, Reiss (1983, p. 93) afirma que
Isso não significou um deslocamento da indústria para o comércio, mas uma
integração das atividades comerciais e industriais que abriu novas
oportunidades aos investimentos industriais e reduziu significativamente os
riscos, aumentando, assim, a rentabilidade. Quando as firmas industriais
típicas investiam fora do domínio da indústria, essencialmente no comércio,
como sugerimos, elas transferiam capital à industria através do processo de
acumulação propriamente dito na esfera comercial.
29
Desde o início, a produção industrial despontava com um caráter de desigualdade
regional, concentrando-se na região cafeeira, sobretudo no antigo Distrito Federal (RJ) e no
Estado de São Paulo. Em 1907, essas duas regiões representavam 49% do valor da produção
industrial brasileira, e 52% em 1920. Mas foi no Estado de São Paulo
12
que as indústrias
cresceram mais rapidamente: em 1907, o valor da produção industrial correspondia a 17% da
nacional e em 1920 passou para 32%, enquanto no antigo Distrito Federal (RJ) esses valores
no mesmo período foram de 33% e 21%, respectivamente. Encontrava-se, portanto, nessas
duas regiões a maioria do valor da produção industrial brasileira
13
da época (SILVA, 1978).
Cabe examinar agora a região mais dinâmica do país, ou seja, a região de São Paulo,
que desde o final do século XIX principiava seu processo de industrialização. Detentora de
um volumoso contingente de trabalhadores nacionais e, depois da abolição, podendo contar
com a introdução dos ex-escravos na força de trabalho, a região decidiu, contudo, pela
utilização dos trabalhadores imigrantes europeus, contribuindo assim para atrasar a inserção
dos recém-libertos no novo regime de trabalho. A respeito dessa preferência, Cardoso (1977,
p. 201) escreve:
O braço livre desejado era o braço estrangeiro, sem mácula, não o braço do
liberto ou do negro degradado pela escravidão. Esse, ao contrário, passava a
ser considerado em si mesmo, independente do sistema escravocrata, como
causa da ociosidade, marasmo, dissolução. O que fora fruto da escravidão
passava a ser confundido com a causa e tido como fator de imobilismo e
atraso.
Em suma, a partir do desenvolvimento da economia cafeeira que utiliza o trabalho
assalariado emergem diversas atividades, como as indústrias e o comércio, que também
absorvem essa força de trabalho. Contudo, nesse período, a população negra não foi inserida
nas atividades econômicas que demandavam mão de obra assalariada. Para entender as razões
da não incorporação do ex-escravo no mercado de trabalho assalariado, utilizamos três
explicações, as quais não são excludentes entre si: a posição da Escola Sociológica de São
Paulo, com os autores Florestan Fernandes e Octávio Ianni, que ressaltam a “herança da
12
A indústria nascente, em particular a indústria de São Paulo, encontra a força de trabalho necessária ao seu
desenvolvimento no mercado de trabalho constituído pela imigração em massa provocada pela expansão cafeeira
e organizada pela grande burguesia cafeeira através do Estado que ela controla diretamente (SILVA, 1978, p.
97).
13
Para as demais regiões do país temos: a região intermediária (Estado do Rio de Janeiro mais Minas Gerais)
elevara a sua participação de 11,5% para 12,9% no período, o mesmo acontecendo com o Nordeste, que de
10,5% saltou para 15,8% do total. Na região Sul, presenciara-se uma queda na participação da produção
industrial do país, provavelmente por “ter jogado a sorte” no avanço precoce das indústrias de beneficiamento,
sem contar com uma estrutura industrial que pudesse ao mesmo tempo diversificar-se e tornar-se competitiva
(BARBOSA, 2008, p. 199).
30
escravidão”; a da Escola Sociológica do Rio de Janeiro, com o autor Carlos Hasenbalg, que
enfatiza o racismo e a discriminação racial; e os argumentos do economista Celso Furtado
sobre a falta de capacidade mental do ex-escravo para o trabalho livre.
1.3 Escola de Sociologia de São Paulo: modelo arcaico ou tradicional das relações raciais
Também chamada de “Escola de Relações Raciais de São Paulo”, devido a sua linha
de estudo, a Escola de Sociologia de São Paulo tem como líder o Florestan Fernandes. Em
1955, o sociólogo paulista publicou, junto com o sociólogo francês Roger Bastide, a obra
Relações raciais entre negros e brancos em o Paulo, cuja abordagem retrata a questão
racial na cidade de São Paulo, inclusive a forma como os ex-escravos incorporaram-se na
sociedade e no mercado de trabalho após a Abolição da Escravatura.
De acordo com Bastide e Fernandes (1955), a herança deixada pela escravidão aos
recém-libertos foi a deformação dos indivíduos que, sem educação, preparo e assistência,
encontraram sérios obstáculos para viver na sociedade de classes. O peso deste legado
negativo dificultou o ingresso do negro no regime de trabalho livre, principalmente pela
competição desigual frente à superioridade técnica dos imigrantes no mercado interno de
trabalho, cabendo-lhe apenas ocupações mal remuneradas e as mais humildes. “A escravidão
degradará a tal ponto o seu agente humano de trabalho, que tornará a sua recuperação
econômica extremamente penosa, difícil e demorada” (BASTIDE; FERNANDES, 1955, p.
52), deixando-o a margem do progresso comercial e industrial da região dinâmica de São
Paulo.
Outra obra de referência para o estudo das relações raciais no Brasil, e desta vez
escrita apenas por Florestan Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes,
publicada em 1965, aborda a forma como os negros e os mulatos emergiram na história do
Brasil, reconhecendo que este foi o contingente da população que teve o pior ponto de partida
para integrar-se à ordem social estabelecida pós-abolição e ao desenvolvimento do
capitalismo cada vez mais acelerado no país. Nesta obra, o autor reforçou o legado do passado
escravista como responsável pela deformação dos ex-escravos e por sua não incorporação no
mercado de trabalho até a década de 1930, enquanto os imigrantes europeus aproveitaram as
melhores oportunidades de trabalho na cidade paulistana. Fernandes cita Caio Prado Jr.,
estudioso das questões nacionais, que, ao falar sobre o fim da escravidão, afirma que restaram
apenas relações simples e elementares, que giravam em torno do esforço físico constrangido,
não preparando nem educando o agente do trabalho para um nível mais elevado de vida
31
humana, degradando cada vez mais o conhecimento que trouxera do país de origem; e conclui
que “a escola da escravidão não formou apenas o agente do trabalho escravo: deformou-o.
(FERNANDES, 1965, p. 32). Desse modo,
Sem as garantias de reparações materiais e morais escrupulosas, justas e
eficazes, a Abolição equivalia nas zonas de vitalidade da lavoura cafeeira
a condená-lo [o ex-escravo] à eliminação no mercado competitivo de
trabalho ou, no mínimo, ao aviltamento de sua condição, como agente
potencial de trabalho livre (FERNANDES, 1965, p. 24).
O autor pontua ainda que o preparo apenas intelectual, como organizar cursos e fundar
escolas para o liberto, seria insuficiente para integrá-lo na sociedade e no mercado de
trabalho, porque o mais importante era “prepará-lo para todas as formas sociais de vida
organizada, essenciais na sua competição com os brancos por trabalho, por prestígio e por
segurança.” (FERNANDES, 1965, p. 58). Era preciso abandonar os sentimentos e atitudes
que “estavam presos ao seu passado de escravo, impossibilitando-o, dessa forma, de competir
com imigrantes europeus no mercado de trabalho” (SANTOS, 1997, p. 38) e criar uma
mentalidade capitalista, para ser absorvido pelo novo regime de trabalho.
Assim, Fernandes (1965, 1967) atribui a desqualificação do negro à ausência de
hábitos, atitudes e valores exigidos pela nova ordem social estabelecida e não à ausência de
conhecimento formal ou adquirido no ambiente de trabalho. É o que explica Kowarick (1987,
p. 117-118):
Convém frisar que a imensa maioria das tarefas industriais não exigia
habilitação, pois as fábricas, desde seus primórdios, operavam com
máquinas que parcializavam os processos produtivos, necessitando à parte
diminuto número de funções técnicas especializadas, mão-de-obra que não
precisava ter qualquer qualificação profissional. A utilização do braço
estrangeiro na indústria paulista não decorreu da melhor qualificação do
imigrante, que por sinal, excepcionalmente trazia uma experiência
industrial prévia. Em outras palavras, havia, isso sim, necessidade de
submeter-se à disciplina de uma produção regulada por apitos que
periodizavam jornadas muitas vezes superiores a doze, treze ou mesmo
quatorze horas, nas quais era freqüente a presença de mulheres e crianças,
mas não havia necessidade de destreza manual ou intelectual.
Na visão de Fernandes (1965), a inserção do negro no mercado de trabalho estava
condicionada, portanto, ao ajustamento da sua mentalidade, ao abandono dos resíduos da
escravidão que o prendiam nas camadas mais inferiores da sociedade, de forma que a sua
incorporação no trabalho livre dependia dele mesmo. O autor escreve:
32
Faltava ao liberto, portanto, a auto-disciplina e o espírito de responsabilidade
do trabalhador livre, as únicas condições que poderiam ordenar,
espontaneamente, a regularidade e a eficácia do trabalhador no novo regime
jurídico-econômico. Como existia a alternativa de substituí-lo, pois os
imigrantes eram numerosos e tidos como “poderosos e inteligentes
trabalhadores”, as fricções engendradas pela persistência daquelas três
constelações psico-sociais eram fatais ao negro e ao mulato. Eles não
perdiam terreno na competição ocupacional e econômico. Passavam a ser
vistos sob um prisma em que o “escravo” desqualificava o “liberto”, como se
fossem, de fato, substancialmente “vagabundos”, “irresponsáveis” e
“inúteis” (FERNANDES, 1965, p. 49).
As atitudes discriminatórias e o preconceito de cor eram interpretados como inerentes
ao escravismo brasileiro, da mesma forma como o escravo, o negro e o mulato eram noções
sinônimas e intercambiáveis (FERNANDES, 1965, p. XIV; BASTIDE; FERNANDES, 1955,
p. 91). Essa relação era entendida como fruto da “herança escravista” que condicionava as
relações raciais ao atraso cultural, além das características pejorativas e dos estereótipos
negativos que afetaram diretamente sua incorporação no mercado de trabalho, pois bastava o
indivíduo pertencer à raça negra para ser duplamente marcado: pela condição de escravo e
pela cor da pele. Fernandes (1967, p. 573) afirma que
[...] a persistência desse preconceito e discriminação constituiu um
fenômeno de atraso cultural. As atitudes, comportamentos e valores do
antigo regime social referentes às relações raciais são mantidos em situações
histórico-sociais em que estão em conflito aberto com os fundamentos
econômicos, legais e morais da ordem social vigente. A esse respeito, as
manifestações de preconceito e discriminação raciais nada têm a ver com a
competição ou rivalidade entre negros e brancos nem com o agravamento
real ou possível de tensões raciais. Elas são a expressão de mecanismos que,
de fato, perpetuam o passado no presente. Elas representam a continuação da
desigualdade racial tal como se dava no antigo sistema de castas.
Dessa forma, o preconceito de cor e a discriminação racial resultam da relação
existente entre a raça dominante e a raça dominada, tornando-se a cor e as diferenças raciais
elementos significativos nas relações sociais, o que levou os autores Bastide e Fernandes
(1955) a admitirem a existência do preconceito de cor e da discriminação racial na sociedade
paulistana, e a explicar a marginalização dos negros e mulatos pela “herança da escravidão”
(SANTOS, 1997).
Percebe-se que a transição do trabalho escravo para o trabalho livre não foi capaz de
revalorizar o elemento negro, porque não houve a incorporação imediata do recém-egresso do
sistema escravista para a força de trabalho assalariada, de forma que a “herança da
escravidão” não permitiu socialização do “liberto” para agir como operário assalariado.
33
Porém, houve um desajustamento maior, pois os negros acabaram assumindo as atividades
que executavam anteriormente, enquanto escravos. Interpretando o pensamento de Fernandes,
Santos (1997, p. 10-11) conclui que
A “exclusão” dos negros ocorria em virtude da incapacidade do “liberto”
para agir, pensar e sentir socialmente segundo as exigências da sociedade do
trabalho livre em expansão. Essa incapacidade, que não era congênita, mas
“herança da escravidão” que levou o “liberto” ao isolamento econômico,
social e cultural.
Para Bastide e Fernandes (1955, p. 118), a modificação do legado escravista na
personalidade-status do negro só ocorreria mediante a transformação radical da posição social
dos negros, e em escala coletiva, porque consideravam “pouco provável que o êxito alcançado
na competição com os brancos por algumas personalidades de cor [produzisse] repercussões
tão profundas em atitudes arraigadas em expectativas de comportamentos tradicionais”. A
persistente presença da antiga personalidade-status dos negros dificultava e às vezes impedia
a acelerada ascensão econômica e social dessas pessoas.
O otimismo dos autores quanto ao futuro dos negros e mulatos indicava que a
“herança da escravidão” desapareceria com a combinação entre a nova ordem social e o
desenvolvimento da economia urbana da cidade de São Paulo, permitindo o desaparecimento
ou até a substituição da discriminação racial pela própria dinâmica das relações sociais da
sociedade de classes. Bastide e Fernandes (1955) observaram, na década de 1930, o lento
processo de incorporação dos negros e mulatos na sociedade do trabalho livre, acompanhado
pela mudança de comportamento e da mentalidade econômica dos mesmos, dado o
crescimento urbano e industrial da região de São Paulo, os quais passaram a conceber o
trabalho com uma nova visão, deixando de ser tão degradante como era na época da
escravidão. Desse modo,
[...] pode-se inferir das análises de Fernandes que o negro emerge na história
brasileira a partir do desenvolvimento de uma estrutura capitalista, após
1930. A reação do próprio negro ao seu estilo de vida anti-social e anti-
produtivo na sociedade do trabalho livre surge como uma conseqüência de
um processo de industrialização inexorável e integrador no Brasil, após 1930
(SANTOS, 1997, p. 39).
Embora otimistas, Bastide e Fernandes reconheciam, por outro lado, que era difícil
prever o futuro das relações raciais no Brasil, mesmo com a integração social do negro, como
se vê no trecho a seguir:
34
Todavia, convém salientar que não se pode inferir, tendo em vista a
tendência de integração estrutural apontada, que o preconceito de cor e as
medidas de discriminação baseadas na cor sejam completamente eliminados
no futuro. O que se evidencia é que se está constituindo uma nova
constelação das relações raciais, na qual a integração social não sofrerá,
provavelmente, uma influência tão intensa de determinações sócio-culturais
ligadas com as diferenças e com as gradações de cor da pele, como ocorreu
no passado (BASTIDE; FERNANDES, 1955, p. 120).
Mesmo em face do desenvolvimento socioeconômico, persistia no país o modelo
tradicional e assimétrico de relações raciais, marcado pela histórica concentração de renda,
privilégios e poder nas mãos de uma única raça. Fernandes (1967, p. 576-577) novamente faz
ponderações quanto ao futuro das relações raciais no Brasil:
É impossível saber como as relações raciais brasileiras evoluirão num futuro
distante. Parece provável que as tendências dominantes levarão ao
estabelecimento de uma autêntica democracia racial. No futuro imediato,
contudo, certos eventos repetidos fazem temer pelo sucesso dessas
tendências. Um espontâneo desenvolvimento socioeconômico foi a
verdadeira causa de certas mudanças significativas no Brasil. Até o presente
momento, este desenvolvimento tem, no entanto, sido insuficiente para
ocasionar a adaptação da ordem social, herdada do passado, para as
demandas da sociedade de classes. [...] A concentração de renda, privilégio
social e poder nas mãos de uma única raça, a debilidade dos esforços que
poderiam ser capazes de corrigir os efeitos necessariamente negativos dessa
concentração e o etnocentrismo e atitudes discriminatórias podem facilitar a
absorção gradual do paralelismo entre cor e situação social pelo sistema de
classes.
Octávio Ianni é outro representante da Escola de Sociologia de São Paulo. Em sua
análise sobre as sociedades organizadas com base no escravismo, o sociólogo observa a
persistência, no século XX, dos elementos culturais de cunho escravista. Nas palavras do
autor,
Negro e mulato são categorias produzidas no interior do processo de
constituição da sociedade escravocrata. Cada um com suas peculiaridades,
ambos foram gerados no desenvolvimento desse fenômeno. Por um lado, o
negro é o escravo transfigurado pela reintegração de camadas assimétricas.
À custa de ser inferior, semovente, objeto de determinações dos brancos,
indivíduos sem pessoa, o sistema escravocrata transformou o cativo em
negro. Por outro, o mulato é outro produto da reintegração do sistema. O
processo de miscigenação que envolveu senhores e escravos, negros e
brancos, acabou transfigurando o escravo também em mulato, o cativo em
liberto. Mas não em cidadão totalmente livre, como eram os outros, e sim
numa pessoa livre “em termos”, porque marcada pela sua origem híbrida,
biológica, social e moralmente. Na sociedade “branca”, o mulato é um
homem livre estigmatizado pelas marcas raciais do “outro” grupo, daqueles
que foram escravos (IANNI, 1962, p. 248).
35
Com o fim do sistema escravista, o ex-escravo tornou-se um indivíduo livre sem
preparo e sem instrução, muitos tentaram competir com os trabalhadores imigrantes
assalariados, mas dada a situação de desvantagem, “nem ele [o negro] estava preparado para
vender sua força de trabalho nem o empresário estava preparado para comprá-la” (IANNI,
1966, p. 18), restando-lhe a absorção pelo exército de trabalhadores de reserva. Sua
incorporação no mercado de trabalho não foi imediata, assim como a metamorfose de escravo
em cidadão livre. Foi preciso aguardar algumas décadas de expansão econômica e social, para
que lentamente os negros e os mulatos fossem absorvidos no novo sistema de trabalho e
inseridos no regime de classes. Segundo Ianni (1962, 1988), a ação de esquivar-se de todo
trabalho que fazia lembrar o trabalho escravo, dificultava a ressociabilização dos negros e
mulatos. Nesse sentido, Fernandes (1965, p. 8) afirma:
A sociedade brasileira largou o negro ao seu próprio destino, deitando sobre
seus ombros a responsabilidade de reeducar-se e de transformar-se para
corresponder aos novos padrões e ideais de homem, criados pelo advento do
trabalho livre, do regime republicano e do capitalismo.
Além disso, a relação direta entre o escravismo e o racismo constituiu um dos
principais elementos para a redefinição da sociedade de classes, de acordo com a reflexão de
Ianni (1988, p. 144):
Tanto em nível ideológico como no das relações econômicas, por exemplo, o
negro liberto e os seus descendentes carregariam uma espécie de experiência
negativa, a experiência escrava, e os próprios brancos não estariam livres
dessa experiência, em termos ideologicamente negativos ou positivos. Daí as
dificuldades ou desacertos no ajustamento social e econômico dos ex-
escravos e seus descendentes no campo e na cidade, na agricultura e na
indústria.
Segundo o autor, que compartilha da mesma visão que Fernandes (1965), a sociedade
de classes, que dispõe hierarquicamente as pessoas, desenvolveu novos valores e padrões
socioculturais no século XX, em que “o negro e o mulato passaram a ser discriminados como
ex-escravos, como trabalhadores não qualificados, como aqueles que deveriam ficar
trabalhando nas ocupações rejeitadas pelos brancos.” (IANNI, 1988, p. 146).
À medida que o regime se desagrega, à medida que as transformações
econômicas e sociais expandem e diversificam a estrutura da comunidade, o
negro e o mulato vão sendo progressivamente gerados como categorias do
regime de classes em formação. A lenta e continua elaboração deles -se
com a paulatina germinação do regime de trabalho livre, onde as pessoas não
serão conhecidas apenas pela posição que ocupam na sociedade, ou pelo
36
status que ocupam no sistema produtivo, mas também pela cor, assim como
às vezes se distinguem pela religião, pela nacionalidade originária etc.
(IANNI, 1962, p. 12-13).
Octávio Ianni (1966, 1988) atribui um papel importante à industrialização e à
urbanização na nova organização social, proporcionando o desenvolvimento das relações de
classes, que aos poucos modificaria a estrutura das relações raciais vigentes na sociedade.
De acordo com o pensamento de Bastide e Fernandes (1955), Fernandes (1965, 1967)
e Ianni (1966, 1988), o desenvolvimento do capitalismo nas economias modernas levaria à
maior aproximação do que se convencionou chamar “democracia racial”, uma vez que o
avanço do desenvolvimento capitalista eliminaria o critério racial presente no sistema
produtivo e na estratificação social, herdado do passado escravista. Assim, gradualmente, as
relações raciais existentes na sociedade dariam lugar às relações sociais, na mesma
intensidade em que o país se desenvolvia, situação que aconteceria a partir da década de 1930,
com a incorporação coletiva dos negros no mercado de trabalho de São Paulo.
No entanto, a integração e mobilidade dos negros e mulatos na sociedade de classes
eram dificultadas por uma somatória das barreiras econômico-sociais, do legado do passado
escravista e das atitudes discriminatórias, demonstrando que um passado importante revive no
presente, através das práticas dos indivíduos. A respeito dos fatores determinantes das
relações sociais, Ianni (1962, p. 238) salienta:
Não são somente as situações sociais presentes que definem e determinam as
relações sociais entre as pessoas. Ao lado desse fator, é necessário considerar
a experiência social passada, acumulada por um e outro, além das avaliações
recíprocas efetuadas em função dessas duas ordens de fatores. A
discriminação é um mecanismo de manutenção da distância social que foi
gerada no regime escravocrata entre negros e brancos, do mesmo modo que
um e outro foram produzidos no mundo escravocrata.
Da mesma forma que Fernandes (1965, 1967), Ianni (1962) acreditava que a inserção
dos negros e mulatos no mercado de trabalho só aconteceria no momento em que eles
abandonassem os requisitos da experiência escravista. Isso significaria, na interpretação de
Santos (1997, p. 11), que a cidade de São Paulo não „repeliu o „negro‟ como tal‟,
características culturais do „liberto‟ é que o afastaram da participação no mercado de
trabalho”.
Segundo Ianni (1962, p. 258), o critério “cor” foi o último a sofrer transformações
após a desestruturação do regime servil, metamorfoseando escravos em negros e mulatos,
37
definindo novos seres sociais, mas que permaneceram marcados como indivíduos socialmente
marginalizados.
A “discriminação racial foi definida como dimensão social do preconceito de castas e,
posteriormente, de classe, ponto fundamental que permitiu entender a preservação do critério
„raça‟ após a escravidão” (IANNI, 1962, p. 265) como a principal barreira impeditiva da
ascensão social e econômica dos egressos do sistema servil.
Por fim, cabe ressaltar que, na visão do autor, a sociedade de classes representa a
negação do sistema escravista, através da instituição do regime de trabalho livre; repudia a
figura do escravo da mesma forma como rejeita o senhor, sendo ambos incompatíveis no
sistema de classes.
1.4 Escola de Sociologia do Rio de Janeiro: racismo e discriminação racial
Carlos Hasenbalg é um dos representantes da Escola Sociológica do Rio de Janeiro.
Sua contribuição no estudo das relações raciais está em enfatizar a importância do critério cor
ou raça como uma variável independente e determinante, inclusive como um princípio
classificatório.
Um ponto central da análise consiste em desenfatizar o legado do escravismo
como explicação das relações raciais contemporâneas e, ao invés disso,
acentuar o racismo e a discriminação depois da abolição como as principais
causas da subordinação social dos não-brancos e seu recrutamento a
posições sociais inferiores. Dessa forma, a raça, como atributo socialmente
elaborado, é analisada como um critério eficaz dentre os mecanismos que
regulam o preenchimento de posições na estrutura de classes e no sistema de
estratificação social (HASENBALG, 2005, p. 20).
De acordo com Hasenbalg (1995, 2005), ao atribuir a realidade vivida pelos negros à
“herança escravista”, criou-se uma justificativa perfeita para os políticos liberais, livrando-os
da responsabilidade pelas precárias condições de vida dos primeiros e disseminando a
ideologia de que o Brasil é uma democracia racial. Com essa idéia que cogitava a inexistência
de barreiras raciais que impediam os negros de alcançarem posições desejadas no mercado de
trabalho após a abolição, fortalecia-se a opressão do passado escravista, que significava
interpretar o presente como decorrência do passado, argumento que se sobrepunha aos
discursos de práticas racistas e discriminatórias que existiam no país. Na análise de
Hasenbalg, a persistência do racismo e da discriminação racial indicava que o critério cor ou
38
raça de forma alguma havia perdido sua importância na estruturação das relações sociais e
nem se tornara neutro na sociedade.
Embora reconheça a importância da obra de Florestan Fernandes para o estudo das
relações raciais no Brasil, Hasenbalg discorda do argumento que as justificam apenas como
parte residual dos padrões arcaicos de relações sociais moldadas durante a escravidão, ou seja,
pela “herança escravista”. Segundo seus estudos (HASENBALG, 1977, 1983, 2005), a
justificativa está centrada na persistência do racismo e da discriminação racial, devendo ser
tratada como um modelo assimétrico, em função dos interesses materiais e simbólicos do
grupo dominante branco diante da desqualificação dos negros e mulatos. O autor ressalta que
[...] na literatura especializada sobre escravismo e relações raciais, quanto
maior é a ênfase dada ao comportamento heterônomo dos escravos e à
adaptação anormal ou patológica à servidão, mais as relações raciais pós-
abolicionistas tendem a ser explicadas em termos da herança escravista.
Inversamente, as perspectivas que acentuam a adaptação não patológica dos
escravos à servidão e a relativa autonomia do comportamento e cultura
escravos estão ligadas a pontos de vista que tendem a explicar a posição
social inferior dos negros e as relações de raça, após o fim do escravismo em
termos de racismo e discriminação racial (HASENBALG, 2005, p. 36).
Hasenbalg (1977, 2005) concorda com a análise de Florestan Fernandes quando este
se refere à deformação sofrida pelo negro após tantos anos de trabalho servil, e quando
considera a escravidão como um dos fatores responsáveis pela sua marginalização no
mercado de trabalho, em decorrência da falta de preparo e de assistência para se inserir numa
sociedade em transformação.
Outro ponto de concordância entre os dois autores diz respeito à falta de mentalidade
capitalista por parte do ex-escravo, pelo fato de não possuir a atitude, o comportamento e os
valores exigidos pelo novo regime de trabalho: “a literatura que analisa o processo de
abolição é unânime em assinalar o desajuste social e econômico dessa população, destacando
o despreparo do ex-escravo para assumir os papéis de homem livre, principalmente na esfera
do trabalho.” (HASENBALG, 1977, p. 12). Essa constatação não impede o comentário
carregado de ironia: “séculos de plantação escravista não parecem ser a melhor escola para se
adquirir a orientação competitiva e a dedicação ao trabalho, estimuladas pelo capitalismo
industrial.” (HASENBALG, 2005, p. 56).
Segundo Hasenbalg (2005, p. 77), o racismo e a discriminação racial assumiram um
novo significado após a abolição, quando as “práticas racistas, legalmente institucionalizadas
ou não, tendem a desqualificar os grupos não-brancos da competição para as posições sociais
altamente desejadas que são um resultado do desenvolvimento capitalista e da diferenciação
39
de estrutura de classes”, sendo, portanto, uma possível explicação para a marginalização do
negro no mercado de trabalho recém-formado
14
.
Florestan Fernandes atribui a persistência do preconceito de cor e da discriminação
racial à dificuldade dos negros e mulatos para acompanharem o ritmo do progresso que
emergia na sociedade de classes. Nas palavras do autor,
O preconceito e a discriminação racial apareceram no Brasil como
conseqüências inevitáveis do escravismo. A persistência do preconceito e
discriminação após a destruição do escravismo não é ligada ao dinamismo
social do período pós-abolição, mas é interpretada como um fenômeno de
atraso cultural, devido ao ritmo desigual de mudança das várias dimensões
dos sistemas econômico, social e cultural (FERNANDES, 1965, p. 193).
Com um otimismo liberal e socialmente democrático para o futuro próximo, Florestan
Fernandes acreditava que o desenvolvimento industrial cada vez mais acelerado e o
amadurecimento da sociedade de classes seriam as características de uma sociedade moderna,
que passava a primar pelo mérito, pela competição através das aptidões industriais, sendo
estes os determinantes das condições de vida igualdade de oportunidades , eliminando o
racismo e a discriminação racial do mercado de trabalho. Hasenbalg (1977, p.10) menciona
essa concepção:
A idéia de que preconceito e discriminação constituem somente um legado
do passado tem a sua contrapartida nos enfoques teóricos que postulam uma
incompatibilidade entre industrialismo e racismo. Segundo esta linha de
raciocínio, à medida que as sociedades industriais se desenvolvem o
princípio do achievement e critérios adquiridos tendem cada vez mais a
governar o mecanismo de alocação de posições e formação de grupos
sociais. Em conseqüência, critérios como a raça e a etnia não apenas seriam
alheios à lógica da industrialização estando, portanto, condenados a deixar
de ser socialmente relevantes , como a continuidade de sua operação
tenderia a gerar uma série de obstáculos à modernização.
A partir do momento em que o critério raça deixasse de ter importância nas relações
sociais do sistema produtivo, admitindo que competência não tem cor, o país teria suporte
para o seu desenvolvimento econômico e, desse modo, estaria muito próximo da suposta
democracia racial; as relações raciais seriam gradualmente traduzidas em relações sociais,
dado o desenvolvimento do país, e assim os negros poderiam alcançar posições sociais
14
Efetivamente, o racismo, que nasce no Brasil associado à escravidão, consolida-se após a abolição, com base
nas teses de inferioridade biológica dos negros, e difunde-se no país como matriz para a interpretação do
desenvolvimento nacional. As interpretações racistas, largamente adotadas pela sociedade nacional vigoram até
os anos 30 do século XX e estiveram presentes na base da formulação de políticas que contribuíram efetivamente
para o aprofundamento das desigualdades no país (THEODORO, 2008, p. 24).
40
equivalentes às dos brancos (FERNANDES, 1967). Carlos Hasenbalg (1977) discorda, para
ele a democracia racial é um mito que silencia as discussões e conflitos raciais, no seu
entender, a sociedade tem plena consciência da existência do preconceito e da discriminação
racial. Citando a antropóloga norte-americana Robin E. Sheriff, o autor argumenta:
A democracia racial é certamente um mito, mas também um sonho em que a
maioria dos brasileiros de todas as cores e classes sociais deseja acreditar
com paixão. Enquanto ele obviamente permite uma tremenda hipocrisia e
ofusca a realidade do racismo, o mito da democracia racial é também um
discurso moral que afirma que o racismo é nocivo, desnatural e contrário a
brasilidade [...] foi somente quando afro-brasileiros pobres insistiram
repetidamente em que “todas as pessoas são iguais”, que o sangue é o
mesmo”, como eles costumam dizer, que eu fui capaz de reconhecer o poder
prescritivo e moral do sonho. Não estavam me falando sobre o mundo social
tal como pensam que ele de verdade é, mas como acham que
verdadeiramente deveria ser. Ao mesmo tempo que o mito nega a realidade
de sua própria opressão, também lhesa certeza de sua igualdade inerente,
fundamental e lembra a seu opressor como deve se comportar um bom
brasileiro. Ele oferece aos afro-brasileiros um terreno moral elevado. O
conceito de democracia racial, como mito e como sonho, parece operar como
uma totalidade, sem que sejam feitas as distinções entre as suas pretensões
descritivas e os seus imperativos morais. Como tal, afro-brasileiros não
podem aceitá-lo nem rejeitá-lo totalmente. Eles ficam aprisionados entre a
esperança e o silêncio, entre a resistência e a resignação (SHERIFF apud
HASENBALG, 1995, p. 366).
Hasenbalg também discorda da idéia de incompatibilidade entre a industrialização, o
racismo e a discriminação racial, e de que o atributo raça teria menos valor no contexto de
intensificação industrial do que no contexto pré-industrial, porque, segundo ele, a “raça como
atributo adscritivo socialmente elaborado, continua a operar como um dos critérios mais
importantes no recrutamento às posições da hierarquia social.” (HASENBALG, 1983, p. 179-
180). Santos (1997, p. 55) comenta a lucidez da análise de Hasenbalg:
Consciente ou inconsciente, Hasenbalg foi um dos raros autores, talvez o
primeiro a sublinhar na análise de Fernandes a presença de um dos pilares
dos argumentos relativos à vigência de uma suposta democracia racial no
Brasil: a existência de oportunidades econômicas e sociais para brancos e
negros, princípio pertencente ao credo liberal, mas endossado por Fernandes
[...] quando o autor paulista sugere não ter havido nenhuma restrição racial
do branco para que o negro fosse integrado ao mercado de trabalho após a
abolição.
41
Hasenbalg afirma que a discriminação
15
e o racismo
16
se conjugam com a participação
maciça da mão de obra branca imigrante no mercado de trabalho paulista desde o seu início,
devido ao impacto da imigração européia nesse estado. Segundo ele,
A solução imigrantista articulava-se não como resposta ao problema
imediato de falta de mão-de-obra na agricultura, mas também como parte de
um projeto de modernização do país a mais longo prazo, no qual o
embranquecimento da população nacional contava como uma das
conseqüências mais desejadas (HASENBALG, 1977, p. 18).
O autor concorda com Florestan Fernandes no que tange à política de imigração
realizada pelo Estado de São Paulo, cujo período mais intenso da corrente imigratória
coincidiu com a época da abolição; conseqüentemente, “a população de cor como um todo,
incluindo ex-escravos e libertos, ficou inicialmente marginalizada do núcleo da economia
capitalista em formação.” (HASENBALG, 1977, p. 21). E conclui que o modo como os
imigrantes monopolizaram, em São Paulo, as oportunidades de avanço econômico e
mobilidade social, e do conseqüente deslocamento de negros e mulatos para ocupações
periféricas da economia capitalista em expansão, pode ser generalizado para o resto do
Sudeste.” (HASENBALG, 2005, p. 169). O autor explica:
No Sudeste, onde a abolição coincidiu com a maciça penetração de
imigrantes europeus, toda a população de cor, incluindo homens livres e ex-
escravos, foi inicialmente marginalizada, com relação à economia capitalista
em formação. Como resultado do fluxo oficialmente promovido de
imigrantes europeus, até a década de 1920, fechou-se um espaço
socioeconômico que, de outra maneira, teria estado disponível para os não-
brancos e o resto da força de trabalho nacional concentrados fora e dentro do
Sudeste. Só após o processo de deslocamento social, que durou mais de uma
geração (1888-1930), começaram os grupos negro e mulato a acompanhar o
ritmo das transformações sociais em curso na região. Contudo, mesmo após
1930, a relação hierárquica entre os grupos brancos e não-brancos não foi
alterada drasticamente (HASENBALG, 2005, p. 171-172).
15
A discriminação racial funciona como um instrumento para o alijamento competitivo de certos grupos sociais
no processo de distribuição de benefícios materiais e simbólicos, resultando obviamente em vantagens para o
grupo branco vis-à-vis aos grupos não-brancos na disputa por esses benefícios (HASENBALG; SILVA, 1983, p.
144). Além disso, as práticas discriminatórias, a evitação da discriminação e a internalização de uma auto-
imagem desfavorável tendem a desqualificar aos não-brancos da competição pelas posições na hierarquia social
(HASENBALG, 1983, p. 186).
16
O racismo é definido como “o conjunto de práticas do grupo branco dominante, dirigidas à preservação do
privilégio de que usufrui por meio de exploração e controle do grupo submetido [...] uma vez que a estrutura de
exclusão e estratificação racial tem sido estabelecida, „[...] a manutenção do privilégio racial requer que seus
beneficiários atuem de forma a perpetuá-lo e mantê-lo‟.” (PRAGER apud HASENBALG, 1977, p. 10).
42
O trecho transcrito evidencia outro aspecto em que Hasenbalg concorda com Florestan
Fernandes, ao afirmar que a absorção dos negros no mercado de trabalho ocorreria somente
com a redução da imigração européia, ou seja, após 1930.
No artigo de 1992, “O negro na indústria: proletarização tardia e desigual”, Carlos
Hasenbalg observa que, ao contrário do que ocorreu em São Paulo, no Rio de Janeiro os
imigrantes não monopolizaram as vagas de emprego existentes. Embora a cidade tenha
recebido uma quantidade significativa de imigrantes europeus na segunda metade do século
XIX, não foi na mesma proporção do fluxo dirigido a São Paulo, e para resolver a escassez de
trabalhadores, o único jeito foi incorporar a mão de obra negra na força de trabalho. Dessa
maneira, os negros conseguiram se inserir nas atividades industriais do Rio de Janeiro desde o
seu início, somando cerca de 30% do total de empregados neste setor em 1890, uma
quantidade de afro-brasileiros “proletarizados” bem superior à verificada em São Paulo no
mesmo período (SANTOS, 1997). Vejamos os dados fornecidos por Hasenbalg (1992, p. 18-
19):
[...] a cidade contava com 87.000 pessoas pretas e pardas economicamente
ativas, das quais 41.320 tinham emprego no serviço doméstico, 14.720 na
indústria, 14.145 não tinham profissão declarada e outras 7.864 se
concentravam nas atividades extrativa, pastoril e agrícola. Esses números
indicam uma elevada concentração de negros e mulatos em trabalhos não-
qualificados, fora dos setores dinâmicos de emprego. Mesmo assim, 17% de
negros e mulatos estavam ocupados na indústria, formando 30% da mão-de-
obra empregada nesse setor de atividade. Esse dado constitui indício de um
processo incipiente de proletarização do negro no Rio de Janeiro, que se
antecipa ao que ocorrerá nos demais estados da Região Sudeste a partir da
interrupção do afluxo de imigrantes em 1930.
Hasenbalg (1992) investigou os possíveis fatores que diferenciaram a incorporação do
ex-cativo no mercado de trabalho das duas cidades. O primeiro fator considerado foi a política
de estímulo à imigração
17
: a cidade de São Paulo contou com subsídio estadual até 1928,
17
Ainda que não seja o foco deste capítulo analisar detalhadamente a política de incentivo à imigração europeia,
cabe destacar alguns pontos para reflexão. Sabe-se que um dos motivos para a existência dessa política reside no
fato de haver um grande número de imigrantes europeus dispostos a saírem de seus países de origem, por várias
razões; um exemplo à busca de emprego em outro país, situação ocorrida com a maioria dos imigrantes
italianos. O sucesso da política de imigração promovida pelo Estado de São Paulo estava condicionado a
existência de recursos financeiros (para o subsídio) e a existência das correntes imigratórias com destino ao
Brasil, sobretudo à cidade de São Paulo. À medida que o Estado financiava a vinda desses imigrantes, era
beneficiado com o aumento da mão de obra no mercado de trabalho em desenvolvimento, dando a possibilidade
de escolha ou seleção aos demandantes de trabalhadores antes da contratação. A partir do momento em que
cessaram os subsídios para a imigração, a mão de obra nacional passou a ser demandada com mais intensidade.
Além disso, seria interessante investigar por que o racismo manteve-se persistente na sociedade e no mercado de
trabalho da cidade de São Paulo, mesmo depois do término da política de estímulo à imigração, enquanto na
cidade do Rio de Janeiro, que também recebeu uma quantidade expressiva de trabalhadores imigrantes, o
fenômeno já era visto com menos intensidade.
43
proporcionando um afluxo de trabalhadores estrangeiros; a cidade do Rio de Janeiro, que não
ofereceu subsídio algum à imigração, também recebeu um número expressivo de imigrantes,
mas inferior ao recebido por São Paulo. O autor também analisou os objetivos da política de
imigração em São Paulo e no Rio de Janeiro, aqui apresentados por Santos (1997, p. 67-68):
Na primeira Província havia o objetivo explícito das suas elites dirigentes,
operacionalizado via Estado, de ter uma força de trabalho composta
basicamente por trabalhadores brancos europeus ou de ascendência européia.
no Rio de Janeiro, apesar de as elites fluminenses terem preferência pelos
imigrantes europeus, não houve incentivo à imigração européia através de
subsídios, nem um projeto formal de substituição da força de trabalho negra,
tendo o Distrito Federal maior concentração de negros urbanos em 1890 [...]
Como a demanda por força de trabalho foi maior que a oferta desta por
imigrantes europeus no Rio de Janeiro, o empresariado carioca teve que
utilizar também os trabalhadores negros para suprir as suas necessidades de
mão-de-obra.
Completando sua análise, Hasenbalg focaliza a formação do mercado de trabalho e a
composição da mão de obra e conclui que ambas as cidades respeitaram as especificidades
regionais e os recursos (os trabalhadores) disponíveis em cada região. O autor escreve:
Os empresários capitalistas exercem suas preferências étnicas e raciais no
mercado de trabalho de acordo com as possibilidades e os recursos
disponíveis. Em São Paulo, cafeicultores e industriais deram-se ao luxo de
beneficiar-se do subsídio do Estado, à parte do fluxo imigratório que
concorreu para a formação do mercado de trabalho capitalista na região. No
Rio de Janeiro, onde a imigração foi espontânea e não subsidiada, os
imigrantes também foram os preferidos na formação da classe operária
industrial, mas o seu número não foi o suficiente para preencher todas as
vagas que se abriram na indústria [...] Essas preferências dos empresários
redundaram, em todas as regiões, num padrão nítido de estratificação racial
em que os negros ficaram concentrados na base da hierarquia ocupacional
(HASENBALG, 1992, p. 23).
Segundo Hasenbalg (1983, 1992, 2005), à medida que os anos foram passando, a
realidade brasileira mostrou o contrário do que previra Fernandes: as altas taxas de
crescimento econômico aumentaram ainda mais a “marginalidade” e a competição econômica
e social entre os indivíduos, na busca por melhores oportunidades, ou seja, a industrialização
se ajustou ao padrão de relações raciais existentes no país. E chega à conclusão de que o
racismo continua sendo uma das principais causas da marginalização do negro no mercado de
trabalho em São Paulo, como se vê no seguinte excerto:
De acordo com seu relato histórico [Florestan Fernandes], o modelo
tradicional assimétrico de relações raciais manteve-se quase intacto em São
Paulo até aproximadamente 1930. O dinamismo da sociedade de classes
44
emergentes foi insuficiente para eliminar as estruturas pré-existentes de
relações raciais. A falta de habilidades sociais e as incapacidades associadas
ao anterior status do escravo, junto ao afluxo de imigrantes europeus
qualificados, excluíram a massa de negros e mulatos do mercado de trabalho
capitalista (HASENBALG, 2005, p. 81).
Hasenbalg (1977, 1983, 1992, 1995, 2005) concorda que a herança cultural da
sociedade escravocrata tenha influenciado as relações entre os grupos raciais, mas enfatiza
que as práticas racistas do grupo dominante não são apenas mera “herança da escravidão”,
inclui também o preconceito e a discriminação racial que adquirem novos significados após a
abolição e persistem no presente. Na sua opinião, “quanto mais longe se está da abolição,
menos se pode invocar o escravismo como causa da subordinação social atual dos não-
brancos. Inversamente, a ênfase na explicação deve ser dada às relações estruturais e ao
intercâmbio desigual entre brancos e não-brancos no presente.” (HASENBALG, 1983, p.
180).
Contudo, o autor atribui as diferenças no ponto de partida de cada grupo racial, após a
abolição, como sendo uma possível explicação histórica para a desigualdade racial e a
concentração dos negros e mulatos na base da sociedade de classes e do mercado de trabalho,
todavia não eximiu a responsabilidade das práticas racistas e discriminatórias no processo de
seleção (HASENBALG, 1977, p. 12). O fim do regime escravista trouxe o desajuste
econômico e social para os ex-escravos, que acabaram sendo absorvidos pelas posições mais
baixas da hierarquia socioeconômica devido seu despreparo para assumir as responsabilidades
de “homem livre”, principalmente na esfera do trabalho. Esse desajustamento social perdurou
por mais de uma geração, depois disso os negros e mulatos começaram, aos poucos, a
acompanhar o ritmo das transformações sociais e econômicas da região de São Paulo, ainda
que permanecesse inalterada a relação hierárquica entre os grupos raciais (HASENBALG,
1977, p. 21).
Tendo em vista o objetivo principal dessa dissertação, que é investigar, na esfera do
trabalho, a segregação racial nos grupos ocupacionais, nos anos mais recentes, cabe então
analisar o ponto de partida de cada grupo racial no mercado de trabalho assalariado, para
entender o que impediu e ainda impede os negros de assumirem as ocupações mais
qualificadas.
45
1.5 Celso Furtado: o negro e o mercado de trabalho assalariado em formação no país
Em sua obra Formação econômica do Brasil, publicada em 1959, o economista Celso
Furtado dedicou, no capítulo sobre “O problema da mão-de-obra”, um espaço para analisar a
“Eliminação do trabalho escravo”.
O autor inicia a análise com uma reflexão sobre a Abolição da Escravatura,
estabelecendo uma analogia com a reforma agrária enfatizando que “não constitui per se nem
destruição nem riqueza. Constitui simplesmente uma redistribuição de propriedade dentro de
uma coletividade.” (FURTADO, 2000, p. 142). Mas percebe que a partir da abolição
começava o problema da propriedade da força de trabalho, pois ao passar da condição de
propriedade do senhor de escravos para o status de indivíduo livre, o ex-escravo “deixa de ser
um ativo que figura uma contabilidade para constituir-se em simples virtualidade.”
(FURTADO, 2000, p. 142), ou seja, os ex-escravos passaram a ser responsáveis pela sua
própria força de trabalho.
Ao analisar o ex-escravo, o mercado de trabalho assalariado e a moderna sociedade
paulistana em formação, Celso Furtado percebeu a grande dificuldade que esse contingente
populacional enfrentaria para sobreviver após a Abolição da Escravatura. O trecho transcrito
abaixo ilustra o entendimento crítico do autor sobre o processo de marginalização do ex-
escravo no novo regime de trabalho.
O homem formado dentro desse sistema social está totalmente desaparelhado
para responder aos estímulos econômicos. Quase não possuindo hábitos de
vida familiar, a idéia de acumulação de riqueza é praticamente estranha.
Demais, seu rudimentar desenvolvimento mental limita extremamente suas
“necessidades”. Sendo o trabalho para o escravo uma maldição e o ócio o
bem inalcançável, a elevação do seu salário acima de suas necessidades
que estão definidas pelo vel de subsistência de um escravo determina de
imediato uma forte preferência pelo ócio (FURTADO, 2000, p. 144).
O autor reconhece que o (ex)escravo fora deformado pelo cativeiro, que sua
dificuldade para se adaptar ao novo regime de trabalho e à sociedade de classes devia-se à
falta de educação prévia, assistência, preparo e cultura, responsabilizando assim o legado do
regime escravista pela sua “incapacidade mental”.
Com base no estudo de Furtado, Santos (1997, p. 21-22) a recusa do ex-escravo ao
trabalho como tentativa de afirmação de sua condição de homem livre,
[...] que a humanização emergia através da recusa ao trabalho, porque ao
trabalhar o cativo não só produzia mas também reproduzia a sua condição de
46
escravo. Por isso o escravo é o inimigo mero um do trabalho. Não por
preguiça ou falta de condições mentais, mas por consciência da necessidade
de negar a sua condição e conseqüentemente o próprio escravismo.
Na interpretação de Santos (1997, p. 50-51), a análise de Furtado está baseada na
inferioridade intelectual do negro, numa visão etnocêntrica de hierarquização dos seres
humanos, mas se aproxima da Escola de Sociologia de São Paulo, das idéias de Florestan
Fernandes, ao retomar a ótica da deformação sofrida pelo cativo durante a escravidão.
A preferência do ex-escravo pelo ócio deveu-se ao fato da região mais dinâmica do
país oferecer salários acima do nível de subsistência para atrair mão de obra. A falta de
experiência com o trabalho assalariado fez com que os libertos abrandassem as normas de
trabalho, considerando que dois ou três dias de trabalho por semana bastavam para
conseguirem o valor suficiente para seus gastos de subsistência, e os demais dias poderiam ser
dedicados ao ócio, pois haviam aprendido a viver com o mínimo necessário para sua
existência. Além disso, cabe lembrar que a idéia de poupança, a acumulação de riqueza não
fazia parte do conhecimento do ex-escravo.
Dessa forma, uma das conseqüências diretas da abolição, nas regiões em
mais rápido desenvolvimento, foi reduzir-se o grau de utilização [dessa]
força de trabalho [...] Cabe tão-somente lembrar que o reduzido
desenvolvimento mental da população submetida à escravidão provocará a
segregação parcial desta após a abolição, retardando sua assimilação e
entorpecendo o desenvolvimento econômico do país. Por toda a primeira
metade do século XX, a grande massa dos descendentes da antiga população
escrava continuará vivendo dentro de seu limitado sistema de
“necessidades”, cabendo-lhe um papel puramente passivo nas
transformações econômicas do país (FURTADO, 2000, p. 145).
Refletindo acerca das afirmações de Furtado, Silva (1978) afirma que o processo de
abolição da escravatura no Brasil implicou uma contradição formal:
Ao destacar o “nível mental reduzido do escravo” e suas “conseqüências
negativas para o desenvolvimento econômico”, Celso Furtado afirma de um
lado, que a abolição da escravidão “foi uma medida mais política do que
econômica” incapaz de provocar uma “modificação importante na forma de
produção e, de outro lado, que a manutenção da escravidão durante o século
XIX foi um fator de estagnação econômica” (SILVA, 1978, p. 47).
O autor prossegue dizendo que a intenção de realizar uma “abolição progressiva” era
para evitar a fuga imediata da massa de escravos, mas a manutenção de um quadro escravista
retardava a transição para o trabalho assalariado, bem como a transformação dos libertos em
trabalhadores assalariados. “Desse modo, ao defender as antigas formas da sua dominação
47
formas que lhe garantiram uma acumulação primitiva necessária , as classes dominantes
retardavam a própria acumulação” atrasando assim o desenvolvimento do capitalismo
(SILVA, 1978, p. 47).
Por último, uma possível justificativa para a concentração dos negros ex-escravos no
setor de subsistência, nas atividades precárias ligadas a serviços urbanos e domésticos, pode
estar no modo como a abolição da escravatura foi realizada no Brasil, sem pensar no destino
dos libertos condições de moradia e de trabalho do que no seu comportamento.
48
2. INDUSTRIALIZAÇÃO, CRESCIMENTO ECONÔMICO E DESACELERAÇÃO: A
INSERÇÃO DE NEGROS E BRANCOS NO MERCADO DE TRABALHO
Este capítulo analisa de forma sucinta o padrão de desenvolvimento da economia
brasileira de 1930 a 1980, denominado modelo nacional-desenvolvimentista, e a consolidação
do mercado de trabalho urbano industrial. Destacamos as repercussões do movimento de
expansão e contração da economia sobre os indicadores dos trabalhadores negros e brancos.
Optamos por interpretar o desempenho macroeconômico da economia nacional em distintas
fases, porque entendemos que o funcionamento e a dinâmica do mercado de trabalho
dependem desse desempenho. Assim, em nossa perspectiva, não é o mercado de trabalho que
determina os agregados macroeconômicos, mas, o inverso, a performance macroeconômica
que estabelece os ajustes necessários ao mercado de trabalho.
O capítulo se divide em quatro seções. A seção inicial analisa a primeira fase do
modelo de desenvolvimento que compreende o período de 1930 a 1955, chamada por alguns
economistas de fase da industrialização restringida. A próxima seção aborda a segunda fase
do modelo nacional-desenvolvimentista e diz respeito ao período de 1956 a 1980, denominada
pelos estudiosos de industrialização intensiva. A terceira seção apresenta uma análise do
desempenho macroeconômico na década de 1980, conhecida como década perdida. A quarta
seção trata dos impactos do desempenho macroeconômico sobre o ajuste e a dinâmica do
mercado de trabalho, sobretudo em relação aos indicadores eleitos para os anos de 1950, 1980
e 1991 para trabalhadores negros e brancos.
2.1 Industrialização restringida (1930 a 1955)
Conforme discutido no capítulo anterior, a economia brasileira, no início do século
XX, era predominantemente primária, movida pela demanda externa do café. As condições
favoráveis do setor (disponibilidade de mão de obra, abundância de terras e a vantagem
relativa desse produto
18
para exportação) propiciaram a elevada (re)inversão dos lucros,
aumentando cada vez mais a quantidade de café produzida. O Governo intervinha quando
necessário, ou seja, nos momentos de superprodução, quando comprava o excedente com o
18
As condições excepcionais que oferecia o Brasil para essa cultura valeram aos empresários brasileiros a
oportunidade de controlar três quartas partes da oferta mundial desse produto. Esta circunstância é que
possibilitou a manipulação da oferta mundial de café, a qual iria emprestar um comportamento todo especial à
evolução dos preços desse artigo (FURTADO, 2000, p. 192).
49
intuito de manter a renda dos produtores. A forma de financiamento desses estoques era
através de empréstimos externos, que “serviram de base para a expansão de meios de
pagamento destinados à compra do café que era retirado do mercado.” (FURTADO, 2000, p.
192).
O mecanismo de defesa do setor cafeeiro (ou a política de retenção e destruição de
parte da produção cafeeira) funcionou com relativa eficiência
19
até o final da década de 1920,
demonstrando ser um programa de fomento da renda nacional. “Praticou-se no Brasil,
inconscientemente, uma política anticíclica de maior amplitude que a que se tinha sequer
preconizado em qualquer dos países industrializados.” (FURTADO, 2000, p. 205). Mas era
necessário aliar tal política à outra oportunidade de aplicação dos lucros obtidos no setor
cafeeiro que desestimulasse o empresário e produtor de café a continuar seus investimentos
nessa cultura, sendo que essa nova opção deveria ter uma rentabilidade no mínimo semelhante
à já existente.
Em 1929, com o advento da crise, observou-se simultaneamente a contração da renda
(monetária e real) e o aumento dos preços relativos das mercadorias importadas,
consequentemente, parte da procura que era realizada com importações passou a satisfazer-se
com a oferta interna e, nesse momento, o mercado interno passou a ser o principal fator
dinâmico da economia (FURTADO, 2000). Velloso (1986, p. 83) afirma que “a economia
moderna, no Brasil, nasceu a partir de quando o crescimento passou a ser determinado pela
demanda interna”, demonstrando uma fase de reorientação do modelo econômico que a
então era o modelo exportador. Segundo Tavares (1974, p. 32), a crise
20
prolongada dos anos
30 constituiu, não só para o Brasil como para a América Latina, o “ponto crítico da ruptura do
funcionamento do modelo primário exportador”, passando para um modelo de
desenvolvimento voltado para dentro.
19
De acordo com Furtado (2000, p. 203-206), ao garantir preços mínimos de compra, remuneradores para a
grande maioria dos produtores, estava-se na realidade mantendo o nível de emprego na economia exportadora e,
indiretamente, nos setores produtores ligados ao mercado interno. Ao evitar a contração de grandes proporções
na renda monetária do setor exportador, reduziram-se proporcionalmente os efeitos do multiplicador de
desemprego sobre os demais setores da economia. Para exemplificar, o autor observou que nos EUA a baixa de
preços acarretava enorme desemprego, ao contrário do que estava ocorrendo no Brasil, onde se mantinha o nível
de emprego se bem que se tivesse de destruir o fruto da produção. Explica-se, assim, que em 1933 tinha
recomeçado a crescer a renda nacional no Brasil, enquanto nos EUA os primeiros sinais de recuperação se
manifestam em 1934. Lembrando que a recuperação da economia brasileira não se deve a nenhum fator externo,
e sim à política de fomento seguida inconscientemente no país e que era um subproduto da defesa dos interesses
cafeeiros (FURTADO, 2000, p. 206).
20
O início do processo de substituição de importações está historicamente vinculado à grande depressão mundial
dos anos trinta, mas para fins analíticos poder-se-ia considerar como ponto de partida qualquer situação de
desequilíbrio externo duradouro que rompesse o ajuste entre demanda e produção interna descrita no modelo
tradicional exportador (TAVARES, 1974, p. 42).
50
No início da década de 1930 se observava o deslocamento do eixo dinâmico, que
passou de uma estrutura econômica baseada na produção agrícola e voltada ao mercado
externo para uma nova estrutura baseada na substituição de importações
21
. Nas palavras de
Furtado (2000, p. 210),
É evidente que, mantendo-se elevado o nível da procura dentro do país,
através do corte das importações, as atividades ligadas ao mercado interno
puderam manter, na maioria dos casos, e em alguns aumentar, sua taxa de
rentabilidade. Esse aumento da taxa de rentabilidade se fazia
concomitantemente com a queda dos lucros no setor ligado ao mercado
externo. Explica-se, portanto, a preocupação de desviar capitais de um para
outro setor. As atividades ligadas ao mercado interno não somente cresciam
impulsionadas por seus maiores lucros, mas ainda recebiam novo impulso ao
atrair capitais que se formavam ou desinvertiam no setor de exportação.
O setor externo continuou desempenhando papel importante na economia, porém com
uma alteração: “em vez de ser o fator diretamente responsável pelo crescimento da renda,
através do aumento das exportações, a sua contribuição passou a ser decisiva no processo de
diversificação da estrutura produtiva, mediante importações de equipamentos e bens
intermediários.” (TAVARES, 1974, p. 34).
A reorientação da economia, portanto, foi promovida por um novo modelo, o de
substituição de importações. Conforme Tavares (1974) ressalta, o termo “substituição de
importações”, adotado para designar o novo processo de desenvolvimento dos países
subdesenvolvidos, conduz a um erro de interpretação, pois a impressão de que significa
uma operação simples e limitada de retirar ou diminuir componentes da pauta de importações
para substituí-los por produtos nacionais. Porém a autora explica que o processo de
desenvolvimento interno via substituição de importações é “uma série de respostas aos
sucessivos desafios colocados pelo estrangulamento
22
do setor externo, através dos quais a
economia vai-se tornando quantitativamente menos dependente do exterior e mudando
qualitativamente a natureza dessa dependência.” (TAVARES, 1974, p. 41).
Na prática, o processo de estabelecer indústrias para produzir internamente os bens
que antes eram importados, por um lado aumenta os investimentos industriais, o que na
verdade equivale ao aumento da renda do setor industrial, e consequentemente cresce o
mercado interno e o acesso aos bens produzidos; e por outro lado, a produção interna desses
21
O aumento da produção interna equivale à redução do coeficiente de importações, que é a relação entre o valor
das importações e o produto interno-PIB (TAVARES, 1974).
22
O estrangulamento externo pode ser classificado de duas formas: a primeira é de caráter “absoluto”, que
corresponde a uma capacidade para importar estancada ou declinante, e a segunda é de caráter “relativo”, quando
a capacidade para importar cresce mais lentamente do que o produto interno (TAVARES, 1974, p. 36).
51
bens agora exige a aquisição de matérias-primas e outros insumos que não constavam na
pauta de importação e que passaram a pressionar a disponibilidade de divisas (TAVARES,
1974). Ou seja, houve uma reorientação para o uso das divisas indispensáveis à instalação e
operação de novas unidades produtivas, procurando restringir a importação dos bens menos
essenciais para direcionar os recursos aos bens intermediários e de capitais, tanto mais rápido
quanto mais acelerado fosse o processo de substituição (TAVARES, 1974).
O processo de industrialização que se intensifica a partir de 1930, denominado por
Tavares de substituição de importações, tem uma periodização particular no estudo de Mello
(1988), que distingue esse processo em duas fases: a industrialização extensiva, analisada
nesta seção, e a industrialização intensiva, analisada na seção seguinte.
Ao definir a industrialização extensiva como a primeira fase do processo, Mello
(1988) afirma que o início deste ocorreu com as substituições de bens de consumo corrente,
alguns bens intermediários e bens de capital, através da utilização intensiva de mão de obra,
tecnologia com baixa densidade de capital e a expansão horizontal do mercado, assim gerava-
se o “alargamento do capital”.
De maneira geral, a expansão da produção de bens industriais foi basicamente ditada
pela maior utilização da capacidade produtiva existente na economia, selecionando a linha de
produção para a qual havia demanda, como foi o caso da indústria de bens de consumo
assalariado (MELLO, 1988; FURTADO, 2000). Um núcleo de indústrias “leves” de bens de
produção (pequenas indústrias de cimento, aço, etc.) também se formou, mas era incapaz de
manter a capacidade produtiva à frente da demanda final, pelo fato de sua implantação ter
sido limitada, relativamente lenta, e as bases técnicas da acumulação foram estabelecidas
pouco a pouco, sempre a reboque da demanda (MELLO, 1988). Entretanto, a fase da
industrialização extensiva possui uma característica fundamental, segundo Mello (1988) era
um processo de industrialização restringido, porque um dos problemas cruciais enfrentados
para a expansão das indústrias foi a capacidade para importar. O autor afirma:
Penso que em 1933 se inicia uma nova fase do período de transição, porque
a acumulação se move de acordo com um novo padrão. Nesta fase, que se
estende até 1955, um processo de industrialização restringida.
industrialização, porque a dinâmica da acumulação passa a se assentar na
expansão industrial, ou melhor, porque existe um movimento endógeno de
acumulação, em que se reproduzem, conjuntamente, a força de trabalho e
parte do capital constante industriais, mas a industrialização se encontra
restringida porque as bases técnicas e financeiras da acumulação são
insuficientes para que se implante, num golpe, o núcleo fundamental da
indústria de bens de produção, que permitia à capacidade produtiva crescer
52
adiante da demanda, autodeterminando o processo de desenvolvimento
industrial (MELLO, 1988, p. 110).
Ao mesmo tempo que correspondia a uma nova dinâmica de crescimento, o padrão de
acumulação da industrialização restringida configurava-se “horizontal”, porque a capacidade
produtiva não crescia à frente da demanda e nem houve um grande avanço tecnológico
justificando o nascimento tardio da indústria pesada, que desde o início exigia a introdução de
tecnologia altamente sofisticada (controlada pelas empresas oligopolistas dos países
industrializados), e para isso era necessário alto investimento inicial e gigantescas economias
de escala (MELLO, 1988). Serra (1982) explica o “atraso relativo” no setor de bens de capital
no Brasil como característica do insuficiente desenvolvimento tecnológico e pela reduzida
participação nacional na geração da tecnologia utilizada.
Contudo, entre 1947 e 1956, o mercado industrial brasileiro cresceu 2,2 vezes,
enquanto houve o declínio do coeficiente de importação dos bens de consumo duráveis, bens
intermediários e bens de capital, através do fortalecimento dos estímulos ao processo de
substituição de importações (SERRA, 1982). Esse comportamento refletiu sobre o mercado de
trabalho com efeitos múltiplos e aceleradores de aumento do emprego urbano, devido à
intensificação do investimento, que além de multiplicador da renda também é multiplicador
do emprego (TAVARES, 1974). Em outras palavras, essa fase se caracteriza pela expansão
industrial e do emprego, porém sem a implementação da indústria pesada.
2.2 Modelo de substituição de importações ou industrialização intensiva (1956 a 1980)
Após passar por dois choques externos, a Crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial,
a economia brasileira procurou se organizar rumo à expansão e diversificação industrial,
através de programas econômicos que instigavam o crescimento e o desenvolvimento da
indústria no país, objetivando superar o atraso e o subdesenvolvimento econômico. Mas foi a
partir de 1956 que se iniciaram os projetos deliberadamente nesse sentido, com a maior
presença do Estado, que era o responsável pela constituição de indústrias pesadas de bens de
produção e das empresas transnacionais, através da implantação de um setor de bens de
consumo capitalista (TAVARES, 1974).
Essa fase foi intitulada por Mello (1988) como “industrialização intensiva”, pois,
devido à implantação de um bloco de investimentos altamente complementares, à alteração do
sistema produtivo, que passou por um profundo avanço tecnológico, e à ampliação da
53
capacidade produtiva à frente da demanda preexistente, ocorreu a substituição dos bens de
produção “pesados” e bens de consumo duráveis de alto valor unitário, a utilização intensiva
em capital e a expansão vertical do mercado.
Iniciamos a análise com o Plano de Metas proposto para o período de 1956 a 1961.
Sob o lema “crescer 50 anos em 5”, este foi o primeiro plano a constituir a mais sólida decisão
consciente em prol da industrialização no país por meio de investimento em blocos (LESSA,
1981). Nesse período, o eixo das decisões políticas econômicas era o desenvolvimentismo.
Foi a partir de meados dos anos 50 até o início dos anos 60 que a
industrialização brasileira sofreu transformações estruturais decisivas. Esse
avanço foi realizado sob impulso do Plano de Metas do Governo Kubitschek
(1956-1960) e caracterizou-se por uma intensa diferenciação industrial num
espaço de tempo relativamente curto e articulada diretamente pelo Estado
(SERRA, 1982, p. 75).
O plano programava investimentos nos setores de energia (hidrelétrica, petróleo);
transporte (rodovias, portos); indústrias intermediárias (siderúrgica, cimento, metais não
ferrosos, álcalis, papel e celulose, borracha, fertilizantes); indústrias produtoras de
equipamentos (indústria automobilística, construção naval, mecânica e material elétrico
pesado); agricultura
23
e educação (SERRA, 1982), além da construção da nova capital,
Brasília.
A participação do Estado na economia foi considerada decisiva, “porque se mostrou
capaz de investir maciçamente em infra-estrutura e nas indústrias de base sob sua
responsabilidade, o que estimulou o investimento não por lhe oferecer economias externas
baratas, mas, também, por lhe gerar demanda.” (MELLO, 1988, p. 120).
De acordo com Serra (1982), além dos investimentos estatais no setor de infraestrutura
e no processo de geração de bens intermediários, visando os pontos de estrangulamento, ficou
a cargo do Estado o papel de conduzir a política econômica, através de instrumentos
24
como: a
23
A agricultura manteve um crescimento próximo à sua taxa histórica do s-guerra (aproximadamente 4.5% ao
ano, em média) e sem qualquer modificação no padrão tradicional de exploração da terra. Na verdade, este setor
permaneceu relativamente marginalizado no Plano de Metas, dada a ênfase fundamental no desenvolvimento
industrial (SERRA, 1982).
24
Os principais marcos do quadro institucional, do ponto de vista da política cambial, no início do governo de
JK, eram: Lei 1807 ou Lei do Mercado Livre, Instrução 70 e Instrução 113 da Sumoc. A Lei 1807, de janeiro de
1953, criava o sistema de taxas múltiplas de câmbio e estabelecia incentivos para a entrada de capital
estrangeiro. A Instrução 70 da Sumoc, de outubro de 1953, reformava o sistema de taxas múltiplas de câmbio, e
a Instrução 113 da Sumoc, de janeiro de 1955, permitia a importação de equipamentos e bens de produção sem
cobertura cambial. A Instrução 113 foi de grande importância para o Plano de Metas, pois, ao mesmo tempo que
concedia subsídio ao capital estrangeiro, permitia que a entrada do capital fosse realizada sem a exigência de
divisas em curto prazo e sem impacto na base monetária. Grande parte do ingresso de capital ao longo do
período se deu ao abrigo desta instrução (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990).
54
Instrução 70, com o aumento da carga tributária, e a Instrução 113, com o crédito oficial
subsidiado e a criação de um grupo executivo para organizar, incentivar e acompanhar a
implementação das diferentes metas setoriais.
O programa de investimento foi realizado via financiamento inflacionário, através da
expansão dos meios de pagamento, favorecendo a iniciativa privada, ao mesmo tempo que
praticaria o aumento de receitas via tributação (ORENSTEIN; SOCHACZEWSKI, 1990). O
esquema de financiamento se pautou em recursos públicos e em recursos estrangeiros via
atração de empresas transnacionais.
Segundo Serra (1982, p. 77), a expansão industrial que resultou da política econômica
foi liderada pelas “atividades produtivas de bens de capital e de bens de consumo duráveis
cujas taxas de crescimento entre 1955 e 1962 (média anual) foram de 26,4 e 23,9 por cento,
respectivamente”.
O Plano de Metas proporcionou um vigoroso crescimento econômico em cerca de
7,4% ao ano e uma diversificação da estrutura produtiva, tendo a indústria crescido em média
10,1% (VELLOSO, 1986). Mas, no início dos anos 60, a economia brasileira apresentou um
declínio cíclico, dentre as justificativas estava o fato de ter completado um “pacote” de
grandes e abrangentes investimentos (públicos e privados), gerando uma capacidade produtiva
que superava a demanda pré-existente, o que resultou numa crise típica de economia
capitalista (TAVARES, 1986).
A partir dos anos de 1960, a economia brasileira alterna períodos de crescimento e
desaceleração do produto interno bruto. Os demais Planos de Governo se voltam para uma das
principais preocupações, a inflação, como é o caso do Plano Trienal e do PAEG (Programa de
Ação Econômica do Governo).
No período do PAEG, duas reformas institucionais se destacam: tributária e financeira.
Segundo Hermann (2005), os objetivos explícitos da reforma tributária
25
eram o aumento da
arrecadação do governo (via aumento da carga tributária da economia, de 16% do PIB em
1963 para 21% em 1967) e a racionalização do sistema tributário. Na verdade, pretendia-se
com isso reduzir os custos operacionais da arrecadação, eliminar os impostos de pouca
relevância financeira, e definir uma estrutura tributária capaz de incentivar o crescimento
econômico.
25
Para maiores detalhes sobre a reforma tributária, ver Hermann (2005, p. 75).
55
Quanto à reforma financeira
26
, seu objetivo central era implementar no Sistema
Financeiro Brasileiro (SFB) mecanismos de financiamento capazes de sustentar o processo de
industrialização em andamento de forma não inflacionária (HERMANN, 2005).
A opção por combater a inflação gradualmente exigia a criação de um mecanismo de
proteção do retorno real dos ativos, sendo a correção monetária o principal deles, que permitiu
a reorganização do mercado de capitais (HERMANN, 2005).
Outro ponto relevante, ligado às reformas de 1964 a 1967, foi a ampliação do grau de
abertura da economia ao capital externo
27
, tanto de risco (investimento direto) quanto, e
principalmente, de empréstimos (HERMANN, 2005).
Após a política gradualista de combate à inflação, o Governo lançou, em 1968, o PED
(Plano Estratégico de Desenvolvimento), e a partir desse ano, assistiu-se a um aumento da
taxa de expansão do PIB, sinalizando uma nova fase do desenvolvimento econômico, que foi
chamada de “Milagre Econômico”.
Em 1968, a economia brasileira inaugurou uma fase de crescimento
vigoroso, que se estendeu até 1973. Nesse período, o PIB cresceu a uma taxa
média da ordem de 11% ao ano, liderado pelo setor de bens de consumo
durável e, em menor escala, pelo de bens de capital. A taxa de investimento,
que ficou estagnada em torno de 15% do PIB no período de 1964-67, subiu
para 19% em 1968 e encerrou o período do „milagre‟ em pouco mais de
20%. O crescimento do período de 1968-73 retomou e complementou o
processo de difusão da produção e consumo de bens duráveis, iniciado com
o Plano de Metas. Taxas de crescimento da ordem de 11% ao ano por seis
anos consecutivos já mereceriam a designação de „milagre econômico‟. A
façanha da economia brasileira nesse período foi ainda mais surpreendente
porque tal ritmo de crescimento foi acompanhado de queda da inflação
(embora moderada) e de sensível melhora do BP [Balanço de Pagamentos],
que registrou superávits crescentes ao longo do período (HERMANN, 2005,
p. 82).
Houve um aprofundamento do grau de industrialização da economia, em que a
indústria cresceu mais que o PIB real, a uma taxa média de quase 12% entre 1968 e 1973
(LAGO, 1990).
Para Serra (1982), o rápido crescimento da economia brasileira esteve associado à
mudança do “perfil externo”
28
, viável graças ao abundante fluxo de financiamento externo e
26
Para maiores detalhes sobre a estrutura financeira criada em 1964, ver Hermann (2005, p. 76-77).
27
Os principais expedientes criados para atrair esses recursos foram os seguintes: (1) regulamentação de alguns
tópicos da Lei 4.131 (de 1962), de forma a permitir a captação direta de recursos externos por empresas
privadas nacionais; (2) Resolução 63 do Bacen, que regulamentou a captação de empréstimos externos pelos
bancos nacionais para repasse às empresas domésticas; (3) mudança na legislação sobre investimentos
estrangeiros no país, de modo a facilitar as remessas de lucros ao exterior o objetivo era tornar o mercado
brasileiro mais competitivo na captação de investimentos diretos (HERMANN, 2005, p. 78).
56
ao rápido crescimento das exportações, mais que dobrando seu volume, inclusive sua
diversificação. Um exemplo disso são as exportações totais, que passaram de US$ 1,7 bilhão
em 1967 para US$ 6,2 bilhões em 1973, um aumento de 264%.
O período demonstrava-se favorável, tanto pelo cenário externo com abundância de
liquidez quanto pelo sistema monetário nacional, com a expansão de crédito ao setor privado,
aumento e diversificação das exportações, principalmente produtos manufaturados, que foram
beneficiados pela adoção da política cambial de minidesvalorização
29
(LAGO, 1990). Criada
em 1968, essa política foi uma das mais importantes contribuições ao balanço de pagamentos,
tanto pela manutenção do estímulo às exportações (que ocorria desde 1964) quanto pela
eliminação da especulação cambial e o aumento das importações
30
. Ademais, destaca-se a
conta de investimento direto estrangeiro que, em 1967, apresentava US$ 163 milhões e, em
1973, passou para US$ 1.019 milhões (inclusive reinvestimento); as reservas internacionais
alcançaram, neste mesmo ano, o nível de US$ 6,4 bilhões, a dívida bruta (sem deduzir as
reservas) situava-se em US$ 12,6 bilhões, sendo a dívida quida US$ 6,2 bilhões
(VELLOSO, 1986).
Em 1973, em meio ao choque do petróleo, o ciclo expansivo da economia passou por
um movimento de inflexão, sendo atingido pela aceleração da inflação
31
e seus efeitos sobre
os salários e a política de crédito (SERRA, 1982).
No ano de 1974, período em que a economia brasileira esgotara a fase expansiva
iniciada em 1967, surge o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), um novo Plano de
consolidação da estrutura industrial e um novo alento para o crescimento econômico, com o
28
Através do aumento do coeficiente de abertura estrutural da economia para o comércio exterior.
29
Cabe ressaltar a introdução da política de minidesvalorização cambial: “O grande espaçamento entre as
desvalorizações causava grandes incertezas e especulações. A equipe de Delfim Netto manteve o câmbio fixo até
4.1.68, quando o cruzeiro foi desvalorizado em 18,6%. Em 27.8.68, o cruzeiro foi novamente desvalorizado em
13,35%, mas a partir dessa data iniciou-se a política de „minidesvalorizações cambiais‟ que seria mantida até o
final do ano de 1979. Até o fim de 1973, as desvalorizações médias passaram a ser inferiores a 2% [...].”
(LAGO, 1990, p. 273).
30
As importações (por exemplo, máquinas importadas) cresceram ainda mais rapidamente que as exportações,
passando de US$ 1,4 bilhão em 1967 para US$ 6,2 bilhões em 1973, um aumento de 343% (VELLOSO, 1986, p.
129). Para Serra (1982, p. 90-91), a vigorosa expansão das importações deveu-se ao dinamismo da demanda
mundial, à relativa diversificação do parque industrial, bem como à oferta diversificada de produtos primários
exportáveis. Neste mesmo sentido contribuíram de forma importante a política de minidesvalorizações cambiais
(iniciada em agosto de 1968) e os abundantes incentivos e subsídios de natureza fiscal e creditícia.
31
A aceleração da inflação, por sua vez, teve um importante componente endógeno, as desproporções no
crescimento da economia durante o ciclo expansivo. Por exemplo, no que se refere às indústrias, tais
desproporções caracterizaram-se pelo considerável atraso do crescimento da produção de bens de produção
(máquinas, equipamentos e bens intermediários) com relação ao setor de bens de consumo duráveis, não
duráveis e da construção civil. Essa desproporção foi viabilizada pelo acelerado crescimento das importações de
bens intermediários e de capital em proporção muito superior à produção industrial. Outra desproporção ocorreu
em razão do considerável atraso da produção agrícola para o mercado interno vis-à-vis o crescimento mais que
proporcional das exportações, cujo peso na produção agrícola total passou de 12,0 para 18,6 por cento entre
1966/67 e 1973 (SERRA, 1982, p. 91-100).
57
mais importante e concentrador esforço do Estado no sentido de promover modificações
estruturais na economia desde o Plano de Metas. De acordo com o diagnóstico do Plano, a
economia brasileira em fins de 1973 apresentava “atraso no setor de bens de produção e de
alimentos, forte dependência do petróleo e tendência a um elevado desequilíbrio externo.”
(SERRA, 1982, p. 101-102).
Longe de produzir resultados semelhantes aos do Plano de Metas, segundo Serra
(1982, p. 105) o “II PND teve êxito na substituição de importações de produtos intermediários
e um resultado positivo no impulso à indústria doméstica de bens de capital, sob a ação direta
das empresas estatais ou, então, graças ao forte apoio do sistema BNDE e do CDI (Conselho
de Desenvolvimento Industrial) ao setor privado”. Nessa mesma linha de raciocínio, Carneiro
(1990) reforça a indústria como o setor líder de crescimento no período, com destaque para a
indústria de transformação, mas sem esquecer a indústria de construção civil
32
. E mais, o
autor ressalta que a política industrial centrou-se na substituição da importação nos setores de
bens de capital, insumos básicos para a indústria e no aumento da produção e da prospecção
do petróleo.
Quanto ao desempenho da indústria manufatureira, de acordo com Serra (1982), a taxa
de crescimento ficou próxima à do PIB, com destaque para o setor de bens de consumo
duráveis que cresceu 9,3% ao ano, evidenciando sua excepcional vocação expansiva, embora
tenha sido o setor que apresentou a maior desaceleração no período. O autor destaca também
o setor de bens de capital, cuja produção esteve à frente até 1976 e no período de 1976-80 sua
taxa de crescimento média excedeu à do setor manufatureiro.
Mesmo diante das vulnerabilidades econômicas internas e externas, as autoridades
optaram por aumentar as taxas de formação bruta de capital, ou seja, optaram pelo ajuste do
lado da oferta, ao invés de contrair a demanda. E se no período do Milagre Econômico (1967-
1973), a fonte do crescimento foi à utilização da capacidade ociosa no setor industrial, no
período seguinte, iniciado em 1974 (II PND), a fonte do crescimento econômico foi à geração
de novos investimentos em capacidade produtiva e infraestrutura (CARNEIRO, 1990).
No II PND, os agentes centrais da estratégia de desenvolvimento foram às empresas
estatais, responsabilizando-se pelo cumprimento das metas nos setores de atuação e na
captação de recursos no exterior, assim o Estado assumia o papel de Estado-empresário”,
formador de capital. A manutenção desse processo foi denominada estatização da dívida
32
O desenvolvimento desse setor foi incentivado pelo investimento em grandes obras públicas, bem como pela
continuidade do processo de financiamento de construção residencial (estímulo que vem desde o período do
Milagre Econômico).
58
externa” e o resultado foi um considerável aumento da dívida, e cada vez mais sob a
responsabilidade do Estado.
O que se pôde constatar no final da década de 1970 foi que a economia brasileira
apresentava forte vulnerabilidade tanto aos condicionantes externos quanto aos internos, isto
é, o segundo choque do petróleo, o aumento da taxa de juros internacional no momento em
que o endividamento externo era crescente, a deterioração da situação financeira do Estado
33
,
a pressão inflacionária com tendência aceleracionista desde 1973, gerada pelos choques de
oferta (petróleo e a quebra da safra agrícola) e pelos desequilíbrios externos.
Em suma, o Plano de Metas, o Milagre Econômico e o II PND representaram períodos
de crescimento econômico, consolidação industrial e em contrapartida a consolidação do
mercado de trabalho urbano. Cabe destacar que o processo de industrialização ainda
evidenciava um problema regional no Brasil, pois seguia concentrado no Sudeste e assegurava
a predominância de São Paulo, que, além de ter sido o centro promissor do antigo modelo
exportador, passou a ser o centro industrial e urbano do país (VELLOSO, 1986).
2.3 Década de 1980: esgotamento do modelo de desenvolvimento, crise da dívida externa
e a aceleração inflacionária
Esta seção inicia-se com a análise dos fatos que distinguiram duas fases importantes
da década de 1980.
Os anos 1981-1983 confirmariam esse prognóstico de forma dramática [o
sinal de esgotamento do modelo de crescimento baseado na substituição de
importações]: o triênio foi marcado por grave desequilíbrio no balanço de
pagamentos (BP), aceleração inflacionária e forte desequilíbrio fiscal. Essas
dificuldades inauguraram um longo período de estagnação da economia
brasileira, que com raras e curtas interrupções, se estendeu até meados da
década de 1990, caracterizando os anos 80 como uma “década perdida”. O
ano de 1984 marca o início de uma das curtas fases de recuperação
econômica (HERMANN, 2005, p. 94).
A partir do final dos anos 70, a elevada dependência da importação de petróleo e de
bens de capital e o elevado endividamento externo condicionaram a política econômica
brasileira, que se pautou por uma política restritiva de ajuste externo, baseada na contenção da
demanda agregada, e em tornar a estrutura de preços relativos favoráveis ao setor externo com
a desvalorização real do cruzeiro, a elevação do preço dos derivativos de petróleo e o estimulo
33
A deterioração do setor público estava ligada à redução da carga tributária; as empresas estatais eram focos de
déficits, devido ao enorme passivo financeiro e aos controles tarifários.
59
à competitividade da indústria brasileira (GREMAUD; VASCONCELOS; TONETO JR.,
2007).
O resultado dessas medidas de ajuste externo sobre a economia brasileira foi uma
profunda recessão no período de 1981 a 1983, quando o PIB encolheu em média 2,2% ao ano
(HERMANN, 2005). A recessão, aliada aos efeitos estruturais do II PND e aos impactos dos
choques de petróleo sobre os termos de troca, trouxe como resposta à balança comercial uma
reversão
34
, de um déficit de US$ 2,8 bilhões em 1980 para um superávit de US$ 1,2 bilhão em
1981, US$ 6,5 bilhões em 1983 e US$ 13 bilhões em 1984 (GREMAUD; VASCONCELOS;
TONETO JR., 2007).
Em 1984, assiste-se a uma reversão no quadro recessivo. Nesse ano, a taxa de
crescimento do PIB alcançou 5,3%. Nas palavras de Gremaud, Vasconcellos e Toneto Jr.
(2007, p. 417),
Ao final do regime militar
35
, a situação externa estava praticamente
equacionada, com os amplos superávits comerciais em decorrência de uma
rápida queda das importações nos anos 1981-83, e a expansão das
exportações no ano de 1984, tanto em função da recuperação da economia
mundial como da resposta do setor exportador aos incentivos e à
desvalorização cambial do ano anterior, além da maturação de uma série de
projetos do II PND que abriram novas frentes de exportação. Com isso, a
economia brasileira apresentou um significativo crescimento nesse ano
(5,3%) liderado pelas exportações.
A Nova República inicia-se assim: com a economia em trajetória de crescimento,
cerca de 5,3% em 1984 e 7,8% em 1985; uma melhoria substancial nas contas externas;
redução do desequilíbrio nas contas públicas, porém a inflação com tendência aceleracionista,
que em 1980 havia superado os 100% e em 1984 atingia 224% (GREMAUD;
VASCONCELOS; TONETO JR., 2007).
Diante desse contexto, a prioridade do novo governo era o eixo de combate à inflação.
Os planos de estabilização criados e implementados na década de 1980 basearam-se na
proposta de congelamento dos preços e salários, como foi o caso do Plano Cruzado, que se
pautou na corrente heterodoxa sem se apoiar em políticas restritivas, ainda que em alguns
34
Segundo Hermann (2005, p. 105-106), tal reversão refletiu a combinação de três fatores, essencialmente os
efeitos de duas maxidesvalorizações cambiais (da ordem de 30% cada uma) determinadas pelo ministro Delfim
Netto, em 1979 e 1983; a recessão da economia no período de 1981-83, que contraiu as importações; e a
substituição de importações promovida pelo II PND. Por conta dessa substituição, a contração das importações
foi bem maior que a do PIB durante a recessão respectivamente, de 12,4% e 2,2% ao ano e foi explicada pela
significativa redução do quantum (os preços caíram apenas moderadamente).
35
No imaginário de milhões de brasileiros que iam às manifestações pelo direito de eleger o presidente da
República, a democracia não apenas traria de volta as liberdades civis e políticas, como também o fim da
inflação, o retorno do crescimento e a sonhada redistribuição da renda (CASTRO, 2005, p. 117).
60
momentos o Plano tenha objetivado controlar o déficit público e aumentar a arrecadação, sua
base era essencialmente medidas administrativas, congelamento por tempo indeterminado e
Políticas Fiscal e Monetária Passivas; e os Planos Bresser e Verão, considerados mais
convencionais e de caráter híbrido por conter elementos ortodoxos e heterodoxos, primeiro
por atuar com Políticas Fiscal e Monetária Ativas, através da redução do déficit público via
correção das tarifas e corte nos gastos públicos, elevação da taxa real de juros e medidas de
restrição ao crédito, e segundo porque, além de recorrer ao congelamento, os planos também
fizeram uso da desvalorização cambial, acreditando que assim conteriam a crise momentânea.
Mesmo demonstrando uma melhora nas contas externas no final do período, o
Governo Sarney caracterizou-se pelo grande descontrole das contas públicas; diversos planos
de estabilização, porém a cada plano lançado a inflação caía cada vez menos e se propagava
de forma automática e rápida; pouca atenção foi dada ao controle da demanda agregada; o
congelamento, que estava presente em todos os planos, demonstrou ser uma medida pouco
eficiente e o descongelamento uma tarefa difícil de executar.
Em resumo, a década de 1980 encerrou um longo período de crescimento econômico,
apresentando uma taxa de crescimento médio do PIB real de 3,0%, enquanto na década de
1970 essa mesma taxa fora de 8,8%. A seguir, analisa-se a forma como o desempenho
econômico repercutiu sobre o mercado de trabalho.
2.4 Desempenho macroeconômico e seus impactos sobre o mercado de trabalho
O processo de industrialização analisado até o momento foi adotado como forma de
alavancar o desenvolvimento econômico, modernizar a economia, estimular a dinâmica de
outros setores e o ritmo de absorção da mão de obra. No período de 1930 até o início da
década de 1980, a produção industrial se diversificou, passando das áreas tradicionais da
primeira onda de industrialização têxteis, roupas, bebidas e processamento dos alimentos
para a segunda onda da industrialização (mais capitalizada e tecnicamente avançada)
produção de aço, automóveis, maquinaria elétrica e produtos químicos (ANDREWS, 1998).
Nesse contexto de mudança estrutural da economia, o estudo de Chahad e Luque
(1984) apresenta a taxa de crescimento da PEA ao longo do período de 1940 a 1980, para os
diversos ramos da atividade econômica, por exemplo: a Agropecuária e o extrativismo vegetal
perderam importância como fonte absorvedora de mão de obra (0,8%), enquanto houve um
crescimento significativo dos setores de Serviço (4,5%), do Comércio (4,6%) e da Indústria
(5,0%). Em parte, esse quadro expressa o alto ritmo da expansão do emprego urbano, fruto do
61
dinamismo dos setores secundário e terciário frente ao setor primário. A agricultura, por sua
vez, enfrentou um processo de modernização nos anos 60, que provocou intensa migração
rural-urbana no país. Os imigrantes se dirigiram, sobretudo, para o estado de São Paulo,
atraídos pelas possibilidades de emprego, seja no mercado de trabalho urbano ou no
segmento
36
“não organizado”. Assim, a migração dos nordestinos para o Sudeste teve fatores
de expulsão e de atração.
Noutras palavras, além do movimento de consolidação das indústrias, assiste-se
também à consolidação de um mercado assalariado urbano e industrial. Cabe destacar o
crescimento do emprego assalariado com registro e dos segmentos organizados da economia.
As atividades industriais estimularam o desenvolvimento do setor de serviços, sobretudo os
segmentos mais complexos e sofisticados, como o financeiro. O resultado foi à geração de
emprego assalariado no setor industrial e no setor de serviços.
A dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, nesse período, pode ser observada por
meio de alguns indicadores. Segundo Pochmann (2002), o processo de industrialização
possibilitou a forte estruturação do mercado de trabalho com o crescimento significativo dos
empregos assalariados e regulares, e a redução das ocupações por conta própria, das sem
remuneração e do desemprego. O grau de subutilização
37
da força de trabalho reduziu de
55,7% da PEA em 1940 para 34,1% em 1980. A taxa média anual de expansão da PEA foi de
2,6% e o emprego assalariado com registro aumentou 6,2%, no período. O emprego
assalariado total cresceu a uma taxa média anual de 3,6% e o emprego sem registro a uma
taxa de 0,6%, o desemprego variou 0,5%, o trabalho por conta própria 1,8% e o sem
remuneração 0,6%. Ou seja, esses dados evidenciavam a transformação do mercado de
trabalho nacional mencionada anteriormente, uma vez que no meio urbano a taxa média de
crescimento das ocupações no segmento organizado foi de 4,9% (acima da PEA 4,6%),
enquanto no segmento não organizado foi de 3,9%. Verifica-se também um aumento na
participação relativa, tanto do setor secundário no total das ocupações da economia, de 30,2%
em 1940 para 36,2% em 1980, quanto do segmento organizado, de 61,6% em 1940 para
70,5% em 1980. Em contrapartida, houve uma redução na participação relativa do setor
36
Por segmento organizado entende-se os postos de trabalho mais homogêneos, gerados por empresas
tipicamente capitalistas, fundamentalmente os empregos regulares assalariados, por exemplo, atividades como os
bancos, os transportes, os serviços industriais de utilidade pública, o emprego público, as atividades sociais
privadas e os profissionais liberais. O segmento não organizado compreende as formas de ocupações mais
heterogêneas, cuja organização não assume característica tipicamente capitalista, ou seja, peculiar das economias
em estágio de subdesenvolvimento, por exemplo, empregadas domésticas e o comércio de ambulantes
(POCHMANN, 2002, p. 65-66; SOUZA, 1980, p. 141).
37
Considera-se Grau de Subutilização da força de trabalho o desemprego, o trabalho por conta própria e o
trabalho sem remuneração (POCHMANN, 2002).
62
terciário no total das ocupações de 69,8% para 63,2%, assim como do segmento não
organizado, de 38,4% para 29,5%, no mesmo período.
Nos anos 80, conforme mencionado, o desempenho macroeconômico se altera em
relação ao período anterior, com reflexos na dinâmica do mercado de trabalho. Ao analisar os
indicadores entre 1980 e 1991, ainda com base em Pochmann (2002), nota-se as
consequências da ausência de um modelo de desenvolvimento, da crise da dívida externa e da
adoção de políticas de ajustamento macroeconômico. O resultado sobre o mercado de trabalho
se revela por meio de sua progressiva desestruturação, com o desassalariamento de parcela
crescente da PEA, pois o emprego assalariado com registro crescia a uma proporção menor
que o emprego assalariado sem registro e as ocupações por conta própria. Quantitativamente
isso significa dizer que as ocupações não assalariadas (conta própria e empregador) foram as
que mais cresceram nesse período, a uma taxa de 4,9% e 3,5%, respectivamente. O setor
secundário deixou de apresentar maior contribuição relativa no total das ocupações no
segmento organizado, de 20,2% em 1980 para 14,6% em 1991. Em contrapartida, houve uma
expansão nas ocupações do segmento não organizado a uma taxa média anual de 6,5%,
enquanto o setor terciário aumentou a sua participação no segmento organizado de 44,8% em
1980 para 46,3% em 1991, no segmento não organizado cresceu a uma taxa média anual de
5,2%. Ao mesmo tempo que a taxa média anual do desemprego crescia em 6,6% e mesmo
com a redução das ocupações sem remuneração em -1,7%, houve um aumento na geração de
ocupações precárias. Cabe salientar que houve uma desaceleração no ritmo de queda do
número das ocupações no setor primário da economia.
Resta refletir sobre a inserção da mão de obra negra no mercado de trabalho, seja no
período de consolidação industrial, seja ao longo da “década perdida”, a década de 1980.
O mercado de trabalho assalariado, que até a década de 1920 era praticamente
composto por imigrantes
38
, passou por algumas alterações; além do fim do subsídio à política
de estímulo à imigração européia, houve casos em que os imigrantes e seus filhos se
envolveram em difíceis negociações com os patrões na defesa de seus interesses individuais e
coletivos. Para suprir a necessidade de mão de obra do mercado de trabalho, que crescia cada
vez mais devido à fase de prosperidade econômica, ocorreram migrações nacionais para as
38
Cabe lembrar que no Rio de Janeiro a mão de obra negra já era considerada um componente importante da
força de trabalho industrial antes de 1930.
63
áreas dinâmicas, e como a procura ultrapassava a disponibilidade interna, os negros
39
foram
lentamente inseridos no mercado de trabalho.
Em conseqüência deste fato, as empresas tiveram que apelar em grau maior
ou menor para o trabalho de pessoas cuja qualificação profissional era má ou
péssima [...] Os indivíduos de cor partilharam, naturalmente, das
oportunidades de colocação e de profissionalização abertas à mão-de-obra
nacional. Por meio de entrevistas e observação direta, verificamos que essas
circunstâncias foram responsáveis, em grande parte, pela aceitação do
elemento de cor em deveras atividades econômicas (desde as braçais e
manuais até as administrativas e burocráticas), e que elas continuarão a
operar na mesma direção, pelo menos enquanto se fizer sentir a presente
escassez de mão-de-obra, especializada e não especializada (BASTIDE,
FERNANDES, 1955, p. 57).
Aos poucos, surgiram no mercado de trabalho urbano as oportunidades para a mão de
obra negra, como observa Andrews (1998, p. 164):
[...] em 1940, quase o dobro daqueles afro-brasileiros que trabalhavam na
indústria estavam trabalhando no serviço doméstico, no setor informal ou
estavam desempregados. Entretanto, esta proporção foi consideravelmente
reduzida durante a década de 1940, quando um número cada vez maior de
afro-brasileiros ingressou no setor industrial (ANDREWS, 1998, p. 164).
Nesse período, outros fatores
40
colaboraram para que a situação do negro e do mulato
no mercado de trabalho melhorasse. Na análise de Souza (1971, p. 64),
[...] as medidas de proteção ao trabalho introduzidas pela legislação do
Estado Novo foram particularmente benéficas para o negro e o mulato. O
estabelecimento do salário mínimo, por exemplo, eliminou a política de sub-
remuneração dos trabalhadores de cor e lhes garantiu “certa equidade na
competição salarial com os brancos envolvidos nos mesmos níveis
ocupacionais”. Da mesma forma, eles se beneficiaram enormemente do
período de industrialização acelerada durante a II Grande Guerra: esse
período multiplicou as oportunidades de emprego, criando uma enorme
demanda de mão-de-obra. O aumento maciço de posições para trabalhadores
não qualificados teve especial significação para o negro e o mulato: é que
esse aumento coincidiu com a ausência de corrente imigratória volumosa,
39
O ingresso dos afro-brasileiros na força de trabalho industrial foi também auxiliado pela ação do Estado no
nível nacional na forma de Lei de Nacionalização do Trabalho, promulgada pelo regime de Vargas em 1931, que
requeria que pelo menos dois terços da força de trabalho nos estabelecimentos industriais e comerciais fossem
brasileiros natos (FERNANDES, 1965, p. 157).
40
A inerente racionalidade do mercado capitalista, como declarou Fernandes, e a indisposição dos patrões para
continuar a excluir os trabalhadores negros depois do Estado interromper o subsídio da importação de mão de
obra européia barata, iriam finalmente resultar na plena integração dos afro-brasileiros na força de trabalho
urbana. E à medida que os negros se afastavam cada vez mais no tempo da experiência injuriosa da escravidão,
pouco a pouco iam adquirindo as características psicológicas e comportamentais necessárias para competir com
sucesso no mercado de trabalho. A urbanização e a industrialização iriam criar um “novo negro” capaz de
participar do crescimento e do desenvolvimento capitalista (ANDREWS, 1998, p. 166).
64
deixando em suas mãos o suprimento quase exclusivo desse mercado de
trabalho.
Nesse ponto, cabe examinar como se deu a inserção econômico-social de negros e
mulatos, ao longo do tempo. Para isso, serão observadas algumas edições do Recenseamento
Geral da População realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Inicialmente, cabe registrar que, de 1872 a 2000, dentre os onze recenseamentos
publicados pelo IBGE, três (1900, 1920 e 1970) não incluíram a variável cor nas pesquisas.
As explicações para a ausência desse quesito foram as seguintes: nos censos de 1900 e 1920
considerou-se que era difícil perguntar à população (e para os indivíduos, responder
precisamente) sobre o seu fenótipo; e como o próprio regime político havia adotado a
estratégia de branqueamento do povo brasileiro, não fazia sentido pesquisar essa informação
(PAIXÃO; SOUZAS; CARVANO, 2004). Quanto ao Censo de 1970, não houve uma
justificativa técnica, mas sabe-se que a decisão do governo de eliminar a pergunta sobre cor
do censo deveu-se ao fato de que “eles não queriam gerar nenhum dado oficial que pudesse
demonstrar a discriminação racial no Brasil. Seus motivos ficaram claros em outras ações,
como a censura rigorosa de qualquer menção negativa às relações raciais nos meios de
comunicação e o expurgo da universidade em 1969 dos sociólogos que afirmavam a presença
de discriminação racial.” (SKIDMORE, 2001, p. 66).
Isto posto, nossa análise se concentra nos censos demográficos de 1950, 1980 e 1991,
principalmente pela possibilidade de acesso aos dados contendo as quatro categorias da
variável cor devidamente definidas (branca, preta, parda
41
e amarela) e por representarem
períodos
42
capazes de refletir tanto a expansão da economia como a sua contração. A maior
preocupação é identificar a situação dos trabalhadores negros ocupados, assim, investiga-se a
proporção de ocupados segundo os ramos de atividade econômica e posição na ocupação.
Ademais, analisa-se alguns indicadores educacionais, segundo a cor das pessoas. Os dados do
censo demográfico de 1991 são utilizados no intuito de apresentar o quadro do final dos anos
1980. Infelizmente, esse censo não foi realizado em 1990, como deveria, mas os dados de
1991 permitem visualizar a situação do mercado de trabalho ao final da chamada cada
41
No Recenseamento de 1940, as categorias eram branca, preta e amarela, e identificava-se como “pardos” todos
os casos que não se adequassem às categorias anteriores, inclusive os indivíduos que não declararam sua
cor/raça. No Recenseamento de 1950, a categoria “pardo” reapareceu no questionário como um item específico,
no caso designando todos aqueles que se identificavam enquanto mestiços (mulato, cafuzo, mamelucoeta, além
dos indígenas) (PAIXÃO; CARVANO, 2007, p. 37) .
42
O período entre 1950 a 1980 representa a fase de industrialização intensiva e da consolidação industrial; a
década de 1980 representa o final da expansão econômica, e a década de 1990 sintetiza os fatos que marcaram a
década de 1980.
65
perdida. Ressalta-se que os diversos censos demográficos não são diretamente compatíveis,
sobretudo os 1950 e 1980, devido a suas diferenças metodológicas, mas ainda assim é
possível estabelecer um quadro geral.
As Tabelas 1, 2 e 3 (apresentadas na sequência da exposição) mostram a distribuição
dos ocupados, no ramo de atividade principal, segundo a cor, para os anos de 1950, 1980 e
1991, respectivamente. Os dados apontam queda da participação de ocupados na categoria
“Agricultura, Pecuária e Silvicultura”, sobretudo para os homens brancos e negros nos três
períodos. Esse fato se deve, na interpretação de Chahad e Luque (1984, p. 32),
[...] à perda de importância das “atividades agropecuárias, extrativa vegetal e
pesca” como fonte absorvedora de mão-de-obra, ainda que isoladamente
represente, em 1980, um dos setores de atividade econômica onde se
encontra o maior percentual da força de trabalho do país [...] Certamente, tal
comportamento se insere no problema da transformação estrutural do país
que, paulatinamente, nesse período, passou por um vigoroso processo de
industrialização e urbanização cuja característica última teria que ser, como
de fato foi, uma queda na participação relativa da PEA Agrícola.
Ademais, houve um aumento de ocupados na categoria Indústria de Transformação”,
tanto para os brancos quanto para os negros, homens e mulheres. Esse resultado expressa a
importância que o setor industrial adquiriu, inclusive na geração de emprego.
Em 1950, os três ramos de atividade econômica que mais absorveram homens brancos
foram: Agricultura, Silvicultura e Pecuária (47%); Indústria de Transformação (11%);
Atividades Domésticas não remuneradas e Atividades Escolares Discentes (10%). Os
segmentos com maior presença de homens negros foram os mesmos dos homens brancos,
porém com proporções distintas: Agricultura, Silvicultura e Pecuária (57%); Indústria de
Transformação (9%); Atividades Domésticas não remuneradas e Atividades Escolares
Discentes (7%). Cabe destacar a maior parcela de negros incorporados na Agricultura,
Silvicultura e Pecuária, sinalizando sua participação mais intensa no ramo de atividade
econômica com menor rendimento médio
43
em relação à indústria de transformação.
No caso das mulheres, a maior participação das brancas foi nos segmentos: Atividades
Domésticas não remuneradas e Atividades Escolares Discentes (82%), Prestação de Serviços
(4%), e Agricultura, Silvicultura e Pecuária (4%). As mulheres negras foram absorvidas em
maior proporção nos mesmos ramos de atividade econômica das mulheres brancas,
43
O cálculo do rendimento médio para os ramos de atividade econômica foi baseado nos microdados da PNAD
2008, em virtude das dificuldades operacionais com a utilização dos Censos Demográficos. Além disso, os
diferenciais de remuneração entre os ramos de atividade econômica permanecem ao longo do tempo. O
rendimento médio dos assalariados do setor agrícola é de R$ 710,00.
66
diferenciando-se apenas na proporção: Atividades Domésticas não remuneradas e Atividades
Escolares Discentes (79%), Prestação de Serviços (7%), e Agricultura, Silvicultura e Pecuária
(4%). A análise evidência uma maior participação das mulheres negras na atividade de
Prestação de Serviços
44
, quando comparadas com as mulheres brancas.
Em 1980, os segmentos que mais absorveram homens brancos foram: Agricultura,
Silvicultura e Pecuária (27%), Indústria de Transformação (20%) e Comércio de Mercadorias
(11%). Os homens negros possuíam maior participação nos ramos de Agricultura, Silvicultura
e Pecuária (41%), Indústria de Transformação (14%) e Indústria de Construção (12%). Em
relação ao ano de 1950, o Comércio de Mercadorias
45
ganhou destaque como gerador de
emprego para os homens brancos, enquanto no caso dos homens negros se destaca a Indústria
de Construção
46
. A proporção de negros inseridos na Agricultura, Silvicultura e Pecuária e na
Indústria de Construção se revela mais elevada do que os percentuais dos brancos. Vale
destacar que esses segmentos têm rendimentos médios menores em relação à Indústria de
Transformação
47
.
O período também destaca que as mulheres brancas estavam em maior número nos
segmentos: Serviços Domésticos (16%), Indústria de Transformação (16%) e Ensino (15%).
Enquanto a maior participação das mulheres negras foi nos ramos de Serviços Domésticos
(31%), Agricultura, Silvicultura e Pecuária (16%) e da Indústria de Transformação (13%). As
mulheres negras também têm maior participação do que as brancas em setores cujo
rendimento médio se revela menor, por exemplo, o de Serviços Domésticos
48
.
Em 1991, os ramos de atividade econômica que mais absorveram homens brancos
foram: Agricultura, Silvicultura e Pecuária (22%), Indústria de Transformação (19%) e
Comércio de Mercadorias (13%). Os homens negros estavam inseridos em grande proporção
nos ramos de Agricultura, Silvicultura e Pecuária (32%), Indústria de Transformação (14%),
Indústria de Construção (11%) e de Comércio de Mercadorias (11%). Observa-se uma queda
na proporção de ocupados na Agricultura, Silvicultura e Pecuária, porém os negros seguem
com participação mais intensa do que os brancos. Além disso, a Indústria da Construção ainda
permanece como grande absorvedora de negros.
No mesmo período, os segmentos que mais absorveram mulheres brancas foram os de
Ensino (15%), Serviços Domésticos (14%), Comércio de Mercadorias (14%) e Indústria de
44
Em 2008, o rendimento médio dos assalariados do setor Prestação de Serviços é de R$ 1.132,00.
45
Em 2008, o rendimento médio dos assalariados do setor de Comércio de Mercadorias é de R$ 841,00.
46
Em 2008, o rendimento médio do setor da Construção é de R$ 995,00.
47
O rendimento médio do setor da Indústria de Transformação é de R$ 1.038,00.
48
O rendimento médio do setor de Serviços Domésticos é de R$ 361,00.
67
Transformação (14%). Vale registrar que entre 1980 e 1991, a Indústria de Transformação
iguala a posição com o Comércio de Mercadorias e os Serviços Domésticos na absorção de
mulheres brancas; o desempenho macroeconômico do período influenciou nesse resultado. A
maior parcela das mulheres negras estava incorporada nas atividades de Serviços Domésticos
(28%), Ensino (12%) e Comércio de Mercadorias (11%). O principal destaque nesse período é
a intensa presença de mulheres negras nos Serviços Domésticos.
Mais uma vez, a Indústria de Transformação cedeu lugar para o Comércio de
Mercadorias no emprego gerado para as mulheres negras. As atividades de Agricultura,
Silvicultura e Pecuária também perderam espaço para o Ensino
49
. Esse movimento se deve às
dificuldades enfrentadas pela Indústria de Transformação, mas também ao papel de destaque
que o setor de serviços assume na geração de emprego.
Tabela 1 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos de atividade principal
- 1950 - (%).
Ramo da Atividade Principal
Branco
Negro
Mulher
Homem
Mulher
Agricultura, Silvicultura e Pecuária
47
4
57
4
Indústria Extrativista
2
0
4
0
Indústria de Transformação
11
2
9
2
Comércio de Mercadorias
6
1
3
0
Comércio de imóveis e valores mobiliários,
crédito, seguros e capitalização...
1
0
0
0
Prestação de Serviços
5
4
3
7
Transportes, comunicações e armazenagem
4
0
3
0
Profissões Liberais
1
0
0
0
Atividades Sociais
1
2
1
0
Administração Pública, Legislativo e Justiça
2
0
1
0
Defesa nacional e segurança pública
2
0
1
0
Atividades domésticas não remuneradas e
atividades escolares discentes
10
82
7
79
Atividades não compreendidas nos demais
ramos, atividades mal definidas ou não
declaradas
0
0
0
0
Fonte: Censo Demográfico de 1950
49
O rendimento médio do setor de ensino é de R$ 1.444,00.
68
Tabela 2 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos da atividade principal
- 1980 - (%).
Ramo de Atividade Principal
Branco
Negro
Mulher
Homem
Mulher
Agricultura, Silvicultura e Pecuária
27
9
41
16
Extração Vegetal
0
0
1
3
Pesca e Piscicultura
0
0
1
0
Extração Mineral
1
0
1
0
Indústria de Transformação
20
16
14
13
Indústria de Construção
9
1
12
0
Serviços Industriais de Utilidade Pública
1
1
1
0
Comércio de Mercadorias
11
12
8
8
Instituições de Crédito, de Seguros e de
Capitalização
3
3
1
1
Comércio e Administração de Imóveis e
Valores Mobiliários
1
1
0
0
Transporte
6
1
4
1
Comunicações
1
1
0
0
Serviços de Alojamento e Alimentação
2
3
1
3
Serviços de Reparação e Conservação
3
0
3
0
Serviços Pessoais
1
6
1
5
Serviços Domésticos
1
16
2
31
Serviços de Diversões, Radiodifusão e
Televisão
0
0
0
0
Serviços Técnico-Profissionais
2
3
1
1
Serviços Auxiliares das Atividades
Econômicas
1
1
1
0
Serviços Comunitários e Sociais
1
2
1
1
Serviços Médicos, Odontológicos e
Veterinários
1
6
1
4
Ensino
1
15
1
8
Administração Pública
3
4
2
2
Defesa Nacional e Segurança Pública
2
0
2
0
Organizações Internacionais e
Representações Estrangeiras
0
0
0
0
Atividades não compreendidas nos demais
ramos, atividades mal definidas ou não
declaradas
0
0
0
1
Fonte: Censo Demográfico de 1980
69
Tabela 3 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos da atividade principal
- 1991 - (%).
Ramo de Atividade Principal
Branco
Negro
Mulher
Homem
Mulher
Agricultura, Silvicultura e Pecuária
22
7
32
10
Extração Vegetal
0
0
1
1
Pesca e Piscicultura
0
0
1
0
Extração Mineral
1
0
2
0
Indústria de Transformação
19
14
14
10
Indústria de Construção
8
1
11
1
Serviços Industriais de Utilidade Pública
1
1
1
1
Comércio de Mercadorias
13
14
11
11
Instituições de Crédito, de Seguros e de
Capitalização
2
3
1
1
Comércio e Administração de Imóveis e
Valores Mobiliários
1
1
0
0
Transporte
6
1
5
1
Comunicações
0
0
0
0
Serviços de Alojamento e Alimentação
3
4
3
4
Serviços de Reparação e Conservação
4
1
4
0
Serviços Pessoais
1
6
1
6
Serviços Domésticos
2
14
3
28
Serviços de Diversões, Radiodifusão e
Televisão
1
1
1
0
Serviços Técnico-Profissionais
2
3
1
2
Serviços Auxiliares das Atividades
Econômicas
2
1
1
1
Serviços Comunitários e Sociais
1
2
1
2
Serviços Médicos, Odontológicos e
Veterinários
2
6
1
5
Ensino
2
15
1
12
Administração Pública
3
4
3
3
Defesa Nacional e Segurança Pública
2
0
2
0
Organizações Internacionais e
Representações Estrangeiras
0
0
0
0
Atividades não compreendidas nos demais
ramos, atividades mal definidas ou não
declaradas
1
0
1
0
Fonte: Censo Demográfico de 1991
As Tabelas 4, 5 e 6, a seguir, mostram a distribuição de ocupados segundo a posição
na ocupação e a cor da pessoa, para os anos de 1950, 1980 e 1991, respectivamente. Entre
1950 e 1980, algumas tendências apontam para um aumento na proporção de “Empregados”,
de 49% para 64%, e uma redução de “Empregadores”, de 4% para 3%, e de “Conta-própria”,
de 29% para 26%. Ainda que não seja possível estabelecer uma comparação direta nesse
período, o mesmo compreende anos de expansão econômica, e uma possível justificativa para
o aumento da categoria “Empregados” pode ser
70
[...] o acelerado crescimento econômico obtido pela economia brasileira,
principalmente, no início da década [1970], cuja maior conseqüência foi
incorporar à força de trabalho novos contingentes populacionais. Tal
comportamento deve-se não só ao crescimento de produção em si, mas,
igualmente pelas transformações, sócio-culturais que determinam, ao longo
do processo de crescimento, uma maior participação dos segmentos
populacionais até então marginalizados (CHAHAD; LUQUE, 1984, p. 30).
Entre 1980 e 1991, os dados apontam que, no geral, o total de empregados sofreu uma
pequena redução, de 64% para 63%, que pode ser justificada pelo desempenho
macroeconômico insatisfatório dos anos 80; enquanto a participação de empregadores teve
uma pequena variação, de 3% para 4%, e a dos trabalhadores por conta própria, de 26% para
25%. Cabe destacar que o período de 1950 ao final de 1970 representou a expansão do
emprego assalariado, enquanto o período de 1980 representou uma interrupção nesse
processo.
Tabela 4 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição da ocupação - 1950
- (%).
Posição na Ocupação
Branco
Negro
Total
Homem
Mulher
Homem
Mulher
Empregados
46
64
48
63
49
Empregadores
6
1
2
0
4
Conta própria
31
13
34
18
29
Membros da Família e outra posição
17
22
17
18
17
Fonte: Censo Demográfico de 1950
Tabela 5 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição na ocupação - 1980 -
(%).
Posição na Ocupação
Branco
Negro
Total
Homem
Mulher
Homem
Mulher
Sem Remuneração
3
5
3
6
4
Trabalhador Agrícola Volante
3
1
6
3
3
Empregados
63
79
56
70
64
Empregadores
5
1
1
0
3
Conta própria
27
13
33
21
26
Fonte: Censo Demográfico de 1980
71
Tabela 6 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição na ocupação - 1991 -
(%).
Posição na Ocupação
Branco
Negro
Total
Homem
Mulher
Homem
Mulher
Sem Remuneração
2
5
3
3
3
Trabalhador Agrícola Volante
4
1
8
3
5
Empregados
60
77
54
76
63
Empregadores
7
3
2
1
4
Conta própria
28
14
32
16
25
Fonte: Censo Demográfico de 1991
Decompondo a análise por sexo e cor, a Tabela 4 mostra que a participação de brancos
e negros na condição de empregados é semelhante entre os homens e entre as mulheres. Os
dados revelam que o trabalho por conta própria é de maior importância para os negros do que
para os brancos. Além disso, a participação dos brancos na condição de empregador é mais
intensa que entre os negros. Mais uma vez, os dados indicam que os negros estão inseridos
nas posições com menor rendimento médio
50
.
No ano de 1980, a Tabela 5 aponta a maior participação de brancos, homens e
mulheres, como empregados, em relação aos negros. O trabalho por conta própria absorve
maior percentual de homens e mulheres negras quando comparados com os brancos. Nos
empregadores, essa proporção se reverte e se destaca entre os brancos. O trabalho sem
remuneração absorve proporções semelhantes entre os negros e os brancos, sejam mulheres
ou homens. E o trabalho agrícola volante tem maior percentual de negros em relação aos
brancos. Permanece a conclusão de que os brancos se inserem mais intensamente em posições
na ocupação com rendimentos médios mais elevados do que os negros.
Em 1991, os dados revelam que permanece a maior participação dos brancos, homens
e mulheres, como empregados; destaca-se também o aumento no percentual de mulheres
negras nessa categoria e, portanto, sua aproximação das mulheres brancas. Observa-se a maior
presença feminina no trabalho sem remuneração, sendo maior a diferença para as mulheres
brancas. No trabalho agrícola volante, os negros apresentam a maior participação,
principalmente os homens. Houve um aumento no percentual de brancos como empregadores,
tornando maior a sua presença nessa categoria em relação aos negros. E mesmo com o
50
O rendimento médio da posição na ocupação baseou-se nos microdados da PNAD 2008. Para o rendimento
médio dos empregados, primeiro selecionou-se as categorias da variável posição na ocupação que se classificam
como empregado assalariado, em seguida extraiu-se a média do rendimento do trabalho principal desse grupo.
Para os demais casos, a forma de calcular o rendimento médio foi através da seleção da posição na ocupação
(conta própria e empregador) e a extração da média do rendimento do trabalho. Os resultados foram: rendimento
médio do empregado R$ 1.080,00; rendimento médio do trabalhador por conta própria R$ 796,00, e rendimento
médio do empregador R$ 3.119,00.
72
aumento na proporção dos brancos como trabalhadores por conta própria, ainda assim os
negros continuam com a maior participação nessa categoria.
Por dificuldades operacionais desses censos, não se pode desagregar aqueles que estão
no emprego regulado e os que estão no emprego não regulado. Essa desagregação poderia
revelar novas divergências.
Um argumento utilizado para justificar a pior inserção do negro no mercado de
trabalho se refere ao déficit educacional. As Tabelas 7, 8 e 9, abaixo, mostram as taxas de
alfabetização para os anos de 1950, 1980 e 1991, respectivamente. Ao analisar a variação de
1950 para 1980, observa-se que houve uma variação positiva para a categoria “sabe ler e
escrever”, ou seja, mais indivíduos alfabetizados: para homens brancos a variação foi de 31%,
e 50% para mulheres brancas, enquanto para os negros a variação da taxa de alfabetização foi
muito significativa: 70% dos homens e 148% das mulheres. A explicação para a maior
variação entre os negros se deve ao menor número de pessoas que sabiam ler e escrever no
ano de comparação (1950). Entretanto, a variação negativa dessa taxa para a categoria “não
sabe ler e escrever” indica queda do analfabetismo entre os anos comparados: para os homens
brancos -60% e -62% para as mulheres brancas, e para os negros -39% dos homens e -52%
das mulheres. Noutras palavras, o analfabetismo reduziu mais intensamente entre os brancos.
Quando se analisa o período de 1980 para 1991, permanece a taxa de variação positiva
para a categoria “sabe ler e escrever”, da seguinte forma: para homens brancos 3%, e 6% para
as mulheres brancas, enquanto para os negros 18% dos homens e 12% das mulheres. A
variação negativa dessa taxa para a categoria “não sabe ler e escrever” representou uma
redução do analfabetismo maior para os homens negros (-28%) e as mulheres brancas (-27%),
seguida pelas mulheres negras (-21%) e pelos homens brancos (-19%).
Tabela 7 - Taxa de Alfabetização das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por sexo e cor -
1950 - (%).
Instrução
Branco
Negro
Homem
Mulher
Homem
Mulher
Sabe ler e escrever
Sim
66
55
36
26
Não
34
45
64
74
Fonte: Censo Demográfico de 1950
73
Tabela 8 - Taxa de Alfabetização das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por sexo e cor -
1980 - (%).
Instrução
Branco
Negro
Homem
Mulher
Homem
Mulher
Sabe ler e escrever
Sim
86
83
61
64
Não
14
17
39
36
Fonte: Censo Demográfico de 1980
Tabela 9 - Taxa de Alfabetização das pessoas de 15 anos ou mais de idade, por sexo e cor -
1991 - (%).
Instrução
Branco
Negro
Homem
Mulher
Homem
Mulher
Sabe ler e escrever
Sim
89
87
72
72
Não
11
13
28
28
Fonte: Censo Demográfico de 1991
As Tabelas 10, 11 e 12 apresentam a distribuição das pessoas, segundo o nível de
ensino e cor das pessoas para os anos de 1950, 1980 e 1991, respectivamente. O confronto das
Tabelas 10 e 11 revelam a elevada proporção de negros e brancos, homens e mulheres, como
portadores do grau elementar, isto é, entre 4 a 5 anos de estudo, no máximo. Em 1950, chama
a atenção o fato de que entre os negros esse percentual é muito mais elevado, sendo de 94%
para as mulheres e 93% para os homens, enquanto nos demais níveis de ensino uma maior
participação dos brancos.
Em 1980, os brancos se destacam no grau primário elementar: 41% dos homens e 40%
das mulheres. Nesse período, os dados revelam a grande participação dos negros no grau
incompleto
51
, com uma diferença maior para as mulheres negras. E permanece a menor
proporção de negros em relação aos brancos em níveis de ensino mais elevados, e a
divergência se acentua entre as raças quando se trata de portadores de ensino superior, nível
de escolaridade com grande presença de brancos.
Em 1991, os brancos possuem menor participação no grau incompleto quando
comparado com os negros. Um maior percentual de pessoas tinha no máximo 8 anos de
estudo e os negros se destacam com a maior participação nesse patamar de escolaridade (1º
51
O termo que utilizamos para denominar a categoria “Nenhum” foi “Grau Incompleto”. Consta na Metodologia
do Censo Demográfico (IBGE) a definição dessa categoria Nenhum: para a pessoa que frequentou, mas não
concluiu a série do ensino fundamental, o grau ou equivalente; que frequentou ou concluiu somente classe
de alfabetização; que frequentou, mas não concluiu o curso de alfabetização de adultos, ou frequentou somente a
creche (IBGE, 2000, p. 141).
74
grau). A distância entre as raças se amplia ao passar do ensino fundamental para o ensino
médio e depois para o ensino superior; os dados da Tabela 12 confirmam a maior proporção
dos brancos nesses dois níveis de escolaridade mais elevados, em relação aos negros.
Tabela 10 - Distribuição das pessoas de 15 anos ou mais de idade, segundo o sexo, a cor e o
nível de escolaridade - 1950 - (%).
Grau da última série concluída
Branco
Negro
Mulher
Homem
Mulher
Grau Elementar
79
82
93
94
Grau Médio
16
17
6
6
Grau Superior
5
0
1
0
Sem Declaração
0
0
0
0
Fonte: Censo Demográfico de 1950
Tabela 11 - Distribuição das pessoas de 15 anos ou mais de idade, segundo o sexo, a cor e o
nível de escolaridade - 1980 - (%).
Grau da última série concluída
Branco
Negro
Mulher
Homem
Mulher
Grau Incompleto
30
32
49
52
Primário Elementar
41
40
34
32
1º Grau
16
15
13
12
2º Grau
8
9
3
4
Grau Superior
5
4
1
1
Fonte: Censo Demográfico de 1980
Tabela 12 - Distribuição das pessoas de 15 anos ou mais de idade, segundo o sexo, a cor e o
nível de escolaridade - 1991 - (%).
Grau da última série concluída
Branco
Negro
Mulher
Homem
Mulher
Grau Incompleto
22
24
37
39
Primário Elementar
27
27
23
22
1º Grau
29
27
31
28
2º Grau
14
15
8
9
Grau Superior
8
8
2
2
Fonte: Censo Demográfico de 1991
É fato que tanto a industrialização quanto à urbanização, ao longo dos anos,
modificaram a mentalidade econômica do indivíduo de cor, e acentuou-se a importância da
educação nesse processo, conforme afirmava Fernandes (1955, p. 57-58):
75
As polaridades básicas da nova mentalidade em formação (simétrica, nos
pontos essenciais, à dos brancos da cidade), acentuam a importância da
alfabetização e da aprendizagem sistemática das profissões, reconhecem as
vantagens da especialização profissional na competição por colocações,
traduzem a preponderância de uma perspectiva realista na escolha das
ocupações, e por fim, o que é deveras importante, orientam a conduta dos
indivíduos de cor em um sentido competitivo, animando-os a disputar com
os brancos as ocupações em que eram admitidos, no passado, por
exceção.
A valorização da mão de obra nacional e o processo de industrialização em andamento
possibilitaram a participação do negro na economia urbana e industrial, sua colocação no
mercado de trabalho, a oportunidade de manter e aumentar os seus ganhos profissionais,
tornando-o gradualmente proletário como o proletário branco (ANDREWS, 1998).
Os dados da inserção no mercado de trabalho, segundo os ramos atividade econômica
e a posição na ocupação, apontaram para a presença dos negros em atividades de menor
remuneração. Por outro lado, os dados educacionais também revelaram o maior déficit entre
os negros. Em geral, as atividades mais bem remuneradas exigem trabalhadores mais
qualificados. Essas evidências justificam a forte presença de homens negros na Construção
Civil, no período de intensa industrialização, quando a migração Nordeste-Sudeste
representava uma possibilidade de trabalho para os negros nordestinos nos centros urbanos do
Sudeste.
Em suma, a expansão industrial gerou oportunidades tanto para os brancos quanto para
os negros, no entanto os negros se inseriram em segmentos de menor remuneração e mais
precário. Os anos 80 interromperam a expansão do mercado de trabalho urbano-industrial,
com fortes impactos para ambas as raças.
Não temos a pretensão de reduzir as dificuldades de inserção dos negros no mercado
de trabalho aos seus déficits educacionais, todavia é inegável que o menor nível de
escolaridade influenciou na inserção dos negros nos ramos de atividade econômica com
menores rendimentos.
76
3. MODELO NEOLIBERAL, PERFORMANCE MACROECONÔMICA: A
INSERÇÃO DE NEGROS E BRANCOS NO MERCADO DE TRABALHO
O propósito deste capítulo é investigar o desempenho macroeconômico da economia
brasileira no período de 1990 e 2008 e suas repercussões sobre o mercado de trabalho, em
especial sobre a inserção dos trabalhadores negros e brancos. Optamos por desagregar esse
período pelo fato de que o mesmo coincide com a emergência das denominadas políticas
neoliberais. Este capítulo, bem como o anterior, na verdade, buscam, por meio do estudo das
transformações e ajustes do mercado de trabalho brasileiro, verificar se a segregação
inicialmente imposta aos trabalhadores negros foi superada. Se no início da formação do
mercado de trabalho urbano industrial, os negros ficaram excluídos, no período atual eles
estão presentes, inclusive na posição de assalariados com carteira de trabalho assinada, em
diversos ramos da atividade econômica.
O capítulo se divide em três seções. A primeira seção analisa o desempenho da
economia na década de 1990, a partir das políticas neoliberais adotadas no inicio desses anos,
bem como as repercussões das principais medidas do Plano Real. A segunda seção
compreende uma interpretação das políticas econômicas adotadas e da dinâmica
macroeconômica no período de 2000 a 2008. A terceira seção investiga os impactos diretos do
comportamento econômico sobre o mercado de trabalho, por meio de indicadores como a taxa
de desemprego, a distribuição dos ocupados segundo os ramos de atividade econômica, a
distribuição dos ocupados segundo a posição na ocupação, a distribuição dos ocupados
segundo o nível de escolaridade e o rendimento médio mensal do trabalho principal. Esses
indicadores foram calculados para os trabalhadores negros e brancos, a partir dos microdados
das PNADs nos anos de 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
3.1 Modelo neoliberal e o desempenho macroeconômico a partir dos anos 90
O contexto econômico conturbado da década de 1980 condicionou a atenção do
Estado para a solução dos problemas inflacionários, enquanto o parque industrial brasileiro
estava obsoleto e organizacionalmente despreparado para acompanhar os avanços
tecnológicos que ocorriam nas economias desenvolvidas. A retração dos investimentos nesse
período afetava, principalmente, as indústrias de bens de capital e exigia-se da próxima
década medidas econômicas que ao mesmo tempo promovessem a estabilização dos preços e
77
permitissem a recuperação da produção (CASTRO, 2005). A década de 1990 representou a
ruptura da economia brasileira com o modelo de desenvolvimento econômico vigente desde
1930, que se baseava na elevada participação do Estado
52
nas tomadas de decisão. Sua nova
configuração baseia-se na redução das iniciativas do Estado, principalmente no que diz
respeito aos recursos para os investimentos, transferindo essa responsabilidade para o setor
privado; no processo de privatização
53
das empresas estatais e na abertura econômica,
comercial e financeira, demonstrando a maior participação da empresa estrangeira no país,
inclusive com a instalação dos oligopólios globais (CARNEIRO, 2002). O alvo de nossa
atenção serão as reformas, políticas econômicas e transformações presentes na economia
brasileira a partir dos anos 90 com maiores repercussões sobre o desempenho do mercado de
trabalho.
O início da década de 1990 foi marcado pelas idéias neoliberais
54
e é no governo de
Fernando Collor de Mello que se observam as primeiras medidas liberalizantes, pautadas na
proposta do Consenso de Washington
55
, cujos objetivos eram: resolver o problema do
descontrole inflacionário, reformar e promover uma nova inserção da economia brasileira no
cenário internacional e ajustar o papel do Estado na economia. Tais medidas também
enquadravam a reforma fiscal e monetária: disciplina fiscal, reforma tributária, taxa de juros
positiva e determinada pelo mercado, liberalização da taxa de câmbio, alteração nos gastos
sociais, com redução dos subsídios e elevação dos gastos com educação e saúde, e as medidas
52
No Modelo de Substituição de Importações (1930 a 1980) o Estado tinha três papéis fundamentais: o de
indutor da industrialização através da concessão de crédito e do uso intensivo de instrumentos cambiais,
restrições quantitativas e tarifárias, o de empreendedor a fim de eliminar os principais “pontos de
estrangulamento” da economia, e o de gerenciador dos escassos recursos cambiais, a fim de evitar sobreposição
de picos de demanda por divisas e crises cambiais recorrentes (CASTRO, 2005, p. 143).
53
As razões por detrás do processo de privatizações estão explicadas no artigo 1 da Lei 8.031 de abril de
1990, conforme o qual o Programa Nacional de Desestatização (PND) lançado em 1990 tinha os seguintes
objetivos fundamentais: reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada
atividades indevidamente exploradoras pelo setor público, contribuindo para a redução da dívida pública,
permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada,
contribuir para a modernização do parque industrial do país, permitir que a administração pública concentre seus
esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades
nacionais e contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais (GIAMBIAGI, 2005, p. 186).
54
Na década de 1990 surgiram as idéias neoliberais, que se baseavam na redução da emissão monetária,
elevação da taxa de juros, desregulamentação do mercado de trabalho, do comércio internacional e do mercado
financeiro, redução do papel do Estado, dos gastos estatais e privatização do setor público, maior flexibilização
do uso e da remuneração da mão de obra que facilitaria a geração de novas vagas de emprego (POCHMANN,
2002).
55
O Consenso de Washington refere-se a um conjunto abrangente de medidas aplicadas de maneira padronizada
nos países periféricos, por meio de políticas macroeconômicas de estabilização monetária e de reformas
estruturais liberalizantes. Surgiu, inicialmente, com o Plano Bake, em 1985, que distinguia a busca da
estabilização e o crescimento econômico e a necessidade de apoio das agências multilaterais e de reformas
estruturais. Com o Plano Brady, em 1990, foi estabelecido o critério de negociação do endividamento externo,
como forma de viabilizar o ingresso de novos recursos aos países periféricos. Ainda em 1990, o Banco Mundial,
em resposta às críticas decorrentes dos péssimos efeitos sociais resultantes da adoção das medidas de ajuste
macroeconômico, desenvolveu programas específicos para os pobres (POCHMANN, 2002, p. 184-185).
78
visando a adequação do Estado à nova dinâmica: liberalização do comércio e do fluxo de
capitais, privatização, desregulamentação da economia e melhores garantias dos direitos de
produtividade (PEREIRA; MARAVALL; PRZEWORSKI, 1996).
O Governo Collor implementou a abertura comercial
56
que promoveu um
bareateamento das importações e, portanto, as estimulou. A título de exemplo, o coeficiente
de importação passou de 5,7% em 1990 para 20,3% em 1998, porém o coeficiente exportação
teve uma oscilação menor, de 8% em 1990 passou para 14,8% em 1998 (CARNEIRO, 2002).
O aumento dos produtos importados acirrou a concorrência no mercado doméstico. As
empresas nacionais, no intuito de sobreviver e assegurar seu lugar no mercado de produtos,
iniciaram uma reestruturação produtiva baseada em inovações tecnológicas e organizacionais.
Outra alteração crucial do Governo Collor se refere ao processo de privatização
57
das
empresas estatais; além disso, permitiu a flutuação cambial. Segundo os defensores da
abertura comercial e da privatização, o resultado final seria aumento na competição e na
eficácia do setor produtivo da economia. Na tentativa de controlar a inflação, o governo
lançou em março de 1990 o Plano Collor I, que se concentrou no congelamento de preços de
bens e serviços durante 45 dias e na redução extraordinária da liquidez
58
. O choque sobre os
estoques monetários gerou uma profunda desestruturação em termos de condições de emprego
e de produção, como: corte nas encomendas, semiparalisia na produção, demissões, férias
coletivas, redução na jornada de trabalho, redução nos salários, deflação, atraso nos
pagamentos de divisas, expansão do volume e no prazo dos créditos comerciais e
desenvolvimento de meios de pagamentos alternativos (GREMAUD; VASCONCELLOS;
TONETO JR., 2007, p. 440). A contrapartida dessas reformas foi uma queda na taxa de
variação anual real do PIB de 4,3%.
Devido à persistência da aceleração inflacionária, o governo lançou no início de 1991
o Plano Collor II, uma nova tentativa de estabilização dos preços através de uma reforma
financeira via eliminação de todo e qualquer tipo de indexação da economia, considerada a
56
A reforma comercial se pautou pela eliminação das barreiras não tarifárias e pela redução das tarifas
alfandegárias.
57
De 1990 a 1994 foram privatizadas 33 empresas federais (as empresas entraram no programa
posteriormente). Os principais setores foram o de siderurgia, petroquímica e fertilizante, e o total de receitas
obtidas foi de US$ 8,6 bilhões, com transferências para o setor privado de US$ 3,3 bilhões em divisas
(CASTRO, 2005, p. 146).
58
A reforma monetária do Plano centrou-se basicamente na drástica redução da liquidez da economia, pelo
bloqueio de cerca de metade dos depósitos à vista, 80% das aplicações de overnight e fundos de curto prazo e
cerca de um terço dos depósitos de poupança. Bloqueou-se em torno de 70% do M4 da economia. O objetivo era
evitar as pressões de consumo e retomar a capacidade do Banco Central de fazer política monetária ativa, em vez
de ficar à mercê do mercado financeiro e da necessidade de rolar a dívida pública atender às necessidades da
moeda indexada (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007, p. 438).
79
principal causa da retomada da inflação. Esse Plano não conseguiu reduzir a inflação e causou
uma recessão em 1992. Segundo o estudo de Baer (1995, p. 205),
O PIB real declinou cerca de 1% em 1992, principalmente, devido à retração
industrial. Na área de bens de consumo duráveis, em especial, a produção
caiu 4% em parte em conseqüência dos baixos investimentos resultantes das
elevadas taxas de juros praticadas na primeira metade do ano, e da agitação
política do segundo semestre. A queda dos salários reais contribuiu para uma
redução no consumo.
Os Planos econômicos Collor I e Collor II fracassaram no objetivo de conter a
inflação, e o cenário interno demonstrava-se conturbado, em decorrência da sucessão de
escândalos políticos que culminariam no impeachment do presidente. Aliado à baixa
credibilidade do Estado e da moeda, esse foi um período de imobilidade econômica e de
crescente perda de confiança no governo. Em contrapartida, o cenário externo demonstrava-se
favorável, pois a combinação das altas taxas de juros com a manutenção da taxa de câmbio
real, a abertura financeira e o desaquecimento da economia internacional (o que significou
excesso de liquidez internacional) trouxeram um afluxo de capital externo
59
ao país e,
consequentemente, a elevação das reservas internacionais. De acordo com Gremaud,
Vasconcellos e Toneto Jr. (2007), a combinação dessas medidas ampliava a dívida pública,
pois a abundância de capital estrangeiro que entrava no país pressionava a expansão
monetária, e o instrumento utilizado para impedir a valorização da taxa de câmbio foi a
esterilização por meio da emissão dos títulos públicos no mercado aberto.
Em outubro de 1992, Itamar Franco assume a presidência acreditando que, para
enfrentar a inflação, era preciso realizar um ajuste fiscal. Em meados de 1993, o programa de
privatização foi totalmente restabelecido e ampliado para incluir empresas responsáveis pela
infraestrutura (como energia elétrica e transporte ferroviário). Nesse ano, a atividade
econômica havia retomado o crescimento, conforme aponta Baer (1995, p. 206): “De maio
de 1992 a maio de 1993 a produção industrial cresceu 16,3%, com a liderança dos produtos
químicos, maquinário elétrico, carros e produtos de metal que, juntos, foram responsáveis por
65% do crescimento industrial”.
O último plano de estabilização dos preços implementado no país, o Plano Real, foi
decretado em junho de 1994, com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda. O
Plano foi concebido em três fases: a primeira fase, de caráter ortodoxo, visava promover um
59
Essa volta do fluxo de recursos externos estava claramente associada ao amplo diferencial de juros: em uma
semana de aplicação no Brasil se ganhava o correspondente a um ano no exterior (GREMAUD;
VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007, p. 443).
80
ajuste fiscal capaz de estabelecer o equilíbrio das contas públicas, uma forma de eliminar a
principal causa da inflação brasileira, ou seja, o excesso de gasto público; a segunda fase, de
caráter heterodoxo, baseava-se na tentativa de eliminar a inércia inflacionária, através da
introdução de uma nova unidade de conta, a URV (Unidade de Referência de Valor), que
estimulava a completa indexação da economia; e a terceira fase referia-se à transformação da
URV em Real; após a fase de alinhamento dos preços relativos, a partir de julho de 1994,
todos os preços foram expressos obrigatoriamente em reais, o que caracterizou a queda
permanente da inflação, pois acreditava-se que nesse momento se romperia a indexação e,
portanto, a memória inflacionária, gerando a estabilização da nova moeda (CASTRO, 2005;
GREMAUD; VASCONCELLO; TONETO JR., 2007).
A estabilidade duradoura de preços tão almejada só foi alcançada no Plano Real,
devido à estratégia de ajuste fiscal, metas de expansão monetária, desindexação da economia
e âncora nominal. Num contexto de abertura econômica e de ampliação no montante de
reservas internacionais, a política de manter a taxa de juros elevada servia para controlar a
demanda e desestimular o processo especulativo; com essas medidas, principalmente o
controle da expansão monetária e da demanda, limitava-se a capacidade dos agentes
econômicos repassarem os custos para os preços. Observa-se, por um lado, que as taxas de
juros reais excessivamente altas evitavam o crescimento explosivo da demanda (após a queda
da inflação) e a fuga dos ativos reais; de outro lado, seu elevado patamar, junto com a
apreciação cambial, garantiu o influxo de capitais, e assim assegurava a constituição de
reservas internacionais e a sustentação da taxa de câmbio apreciada, dado o contexto
internacional (CARNEIRO, 2002). Mas, devido ao insucesso das metas monetárias, em 1994,
o governo decidiu mudar de âncora, substituiu a âncora monetária pela âncora cambial
(CASTRO, 2005). Esse foi outro mecanismo utilizado para romper com o processo de repasse
nos preços. A manutenção da taxa de juros elevada, juntamente com o excesso de liquidez
internacional, favoreceu a entrada dos fluxos de capitais externos, e, ao invés de acumular
reservas, o Banco Central optou por deixar o câmbio flutuar, assim impediria a pressão sobre
a expansão monetária; mas a política de câmbio flutuante provocou uma profunda valorização
cambial e ampliou a capacidade de importação.
Dada a preocupação com a natureza do capital
60
que entrava no país, o Banco Central,
em 1996, decidiu alterar o regime cambial adotando o regime de bandas de flutuação, e
60
Observava-se, nos primeiros anos do plano, forte predomínio dos chamados investimentos de portfólio ações,
fundos de aplicação financeira, fundos de privatização etc., que se caracterizam pela possibilidade de refluir
rapidamente em resposta às incertezas, queda na taxa de juros interna, aumento na taxa de juros internacional,
81
estipulou uma pequena margem dentro da qual o dólar poderia flutuar R$ 0,84 a R$ 0,86.
Assim estancava-se o processo de valorização cambial, e para isso o principal instrumento
utilizado foi a política monetária, através da administração da taxa de juros, que serviu para
controlar a demanda, conter a taxa de inflação, impedir que o desequilíbrio na balança
comercial se tornasse mais elevado e manter o país atraente ao capital estrangeiro
(GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007). Se logo após a implementação do
Plano Real, o Banco Central deixou o câmbio flutuar e a entrada de recursos estrangeiros
causou uma valorização cambial, agora no regime de bandas cambiais, quando os recursos
entram no país, são convertidos em reservas, e a forma de evitar a apreciação do câmbio e
impedir o impacto na expansão monetária foi através da esterilização, que conseqüentemente
gerou um aumento na dívida pública, o que penalizava cada vez mais o governo, devido à
diferença entre a taxa de remuneração das reservas e a taxa de juros paga nos títulos públicos
(GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007).
Após atingir a estabilização dos preços e sua continuidade, houve um impulso para a
recuperação da produção corrente com o desempenho mais acentuado da indústria, em
especial dos bens de consumo duráveis e bens de capital. Porém, em 1997 ocorreu uma
desaceleração devido à crise asiática, o resultado converteu-se em desequilíbrio nos dois anos
seguintes, devido à crise russa e à crise cambial brasileira, e sua recuperação ocorreu em
2000 (CARNEIRO, 2002).
Nesse cenário de reformas e mudanças de política econômica, a taxa média de
crescimento do PIB foi de 2,5% a.a entre 1995 e 1998. Em síntese, a partir da segunda
metade dos anos 90, a economia brasileira se caracteriza pela abertura comercial,
estabilização relativa dos preços, valorização cambial e desempenho macroeconômico
medíocre. O setor produtivo nacional intensifica o processo de ajuste produtivo, sobretudo por
meio de inovações organizacionais que representam menor custo para as empresas. O controle
relativo dos preços pressionou o setor produtivo na medida em que esgotou a possibilidade de
várias empresas ocultarem suas ineficiências por meio da elevação dos preços. Esse
mecanismo foi utilizado no período de descontrole inflacionário. A valorização cambial, por
sua vez, gerou diversas dificuldades para os setores exportadores. Vale mencionar que muitas
empresas exportadoras são intensivas em trabalho e, portanto, geram muitos empregos, como
a indústria calçadista.
necessidade de compensar perdas em outros mercados etc. (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR.,
2007, p. 460).
82
A manutenção do câmbio sobrevalorizado causou perda de reservas, atingindo US$ 1
bilhão/dia. Era evidente a necessidade de alteração do regime cambial, que ocorreu no início
de 1999. O Banco Central abandonou o regime de bandas cambiais e adotou o sistema de
câmbio flutuante, de imediato houve uma desvalorização nominal de 70% nos primeiros
meses do ano. Não se verificou uma crise profunda na economia brasileira, mas houve um
impacto contracionista sobre a demanda, queda no consumo e no investimento, e o ajuste
fiscal se baseou no aumento da arrecadação tributária e não no corte de gastos (GREMAUD;
VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007).
O Comitê de Política Monetária (Copom) adotou, em março de 1999, uma política
monetária restritiva, estipulando uma meta para a taxa de juros (Selic) na ordem de 45% a.a.;
o intuito era conter a fuga do capital estrangeiro e reduzir a especulação cambial
(GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007). Para controlar os preços, devido à
perda da âncora cambial, estabeleceu-se em julho de 1999 o Sistema de Metas de Inflação
61
,
com regras para a política monetária.
Vale ressaltar que a desvalorização cambial teve grande impacto sobre a dívida
pública, elevando-a significativamente, pelo fato de que parte dos tulos públicos estavam
atrelados ao dólar, além da taxa de juros interna. A partir da adoção das metas inflacionárias e
da redução da taxa de juros, esses gastos começaram a diminuir. Ademais, a redução dos
gastos foi influenciada também pela elevação nos resultados primários, através do aumento da
arrecadação tributária (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007).
Por fim, observa-se que o governo, no final da década de 1990, adotou um tripé de
política
62
macroeconômica que demonstrava ser consistente: metas de inflação-câmbio
flutuante-austeridade fiscal.
61
De acordo com o Sistema de Metas de Inflação, a função básica do Banco Central e da Política Monetária é o
cumprimento da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional, e o instrumento monetário para tal é
essencialmente a taxa de juros, que, por meio de seus impactos sobre a demanda influencia a inflação. Assim,
quando a taxa de inflação situa-se acima da meta, o Copom eleva a taxa de juros; quando está abaixo, o Copom
reduz a taxa de juros (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007, p. 475).
62
Com as medidas de 1999, o país passou a ter condições de enfrentar cada um desses problemas: se a inflação
preocupa, o BC atua através do instrumento da taxa de juros; se uma crise do BP, o mbio se ajusta e
melhora a conta corrente; e se a dívida pública cresce, de se “calibrar” o superávit primário (GIAMBIAGI,
2005, p. 189).
83
3.2 Política econômica brasileira e o desempenho macroeconômico no período de 2000 a
2008
A preocupação com a estabilidade dos preços e o excesso dos gastos públicos
63
continuou sendo prioridade das políticas econômicas nos anos 2000. A adoção da política de
metas inflacionárias, em 1999, demonstrou o compromisso do governo com o combate à
inflação e pode ser observado através do alcance da meta da inflação previamente
estabelecida, que no início foi fixada nos seguintes valores: 1999 (8%), 2000 (6%), 2001 (4%)
e 2002 (3,5%). Considerando o IPCA
64
(IBGE) para analisar a inflação, a alta de preços
efetiva foi de 8,9% em 1999, 6,0% em 2000, 7,7% em 2001 e 12,5% em 2002. Observa-se
que no ano 2000 atingiu-se estritamente a meta e nos anos seguintes as metas não foram
cumpridas e a inflação demonstrou sinais de aceleração. Outra medida adotada foi a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), implantada em 2000, com o objetivo de impor restrição
orçamentária para os gastos do governo, estabelecendo limites à folha de pagamento nas três
esferas do poder e ao endividamento, critério de transparência e o controle das contas públicas
(GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007). Além disso, cabe ressaltar as metas
fiscais estabelecidas pela Lei nº 9.496/97, que vinculou a renegociação das dívidas financeiras
estaduais com a implementação de um amplo programa de saneamento financeiro, e os
acordos de negociação da dívida, que incluíram um rígido programa de ajuste fiscal baseado
em metas fiscais mais severas, fim do descontrole das contas públicas e aumento da carga
tributária (GIAMBIAGI, 2005). O resultado dessas medidas foi uma significativa melhora na
situação fiscal dos Estados e Municípios, além da consolidação da melhora no resultado fiscal
do governo, com seguidos superávits primários: 3,5% do PIB em 2000, 3,4% em 2001 e 3,2%
em 2002, e com tendência de aumento para os anos seguintes.
Com a liberalização cambial houve uma desvalorização da taxa de câmbio e, com isso,
uma relativa queda das importações e aumento das exportações, o que significou a volta do
saldo positivo da balança comercial, saindo de um déficit de US$ 698 milhões em 2000 para
um superávit de US$ 2,6 bilhões em 2001 e US$ 13 bilhões em 2002. Mas, diante de um
ambiente recessivo e de alta incerteza econômica, verificou-se uma relativa estagnação no
processo de modernização (GIAMBIAGI, 2005; GREMAUD, VASCONCELLOS, TONETO
JR., 2007).
63
A despesa primária do governo central passou de 17% do PIB em 1994 para 20% em 1998 e para 22% em
2002 (GIAMBIAGI, 2005, p. 193).
64
IPCA - Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo, divulgado pelo IBGE.
84
No segundo mandato de FHC (1999 a 2002), a maior taxa de crescimento econômico
65
ocorreu em 2000, 4,3% a.a., com destaque para a taxa de crescimento do PIB industrial, 4,4%,
seguido pelo PIB de serviços, 3,8%, e pelo PIB da agropecuária, 2,1%. Cabe ressaltar,
conforme Gremaud, Vasconcellos e Toneto Jr. (2007), que, em termos setoriais, o setor
agropecuário apresentou a melhor média de desempenho econômico nos dois últimos anos do
governo FHC, 5,8% em 2001 e 5,5% em 2002, favorecida por algumas políticas específicas,
como foi o caso do programa de financiamento voltado para a renovação da frota agrícola, a
Moderfrota, além de se beneficiar com a taxa de câmbio.
Os anos de 2001 e 2002 foram, respectivamente, de baixo crescimento econômico, em
nível mundial, 2,2% e 2,8%, e nacional, 1,3% e 2,7%. Alguns fatores influenciaram esse
resultado: a crise energética no Brasil
66
; o risco do “contágio argentino”, que provocou a saída
de capital externo do Brasil ocasionando forte desvalorização cambial, e para impedir o seu
efeito sobre a pressão inflacionária, o Banco Central interrompeu o processo de queda da taxa
de juros e decidiu por aumentá-la; os atentados terroristas que abalaram fortemente os
mercados mundiais; a turbulência nos mercados financeiros internacionais (crise na Bolsa de
Nova York e Nasdaq); e o contexto de elevada aversão ao risco dos países emergentes
juntamente com a questão da eleição presidencial criaram uma crise conjuntural que
perturbou o desempenho da economia durante o ano de 2002, pois havia a possibilidade da
vitória de um partido tradicionalmente de esquerda e a incerteza dos agentes econômicos em
relação aos rumos da economia, inclusive se as reformas implementadas mais de uma
década seriam mantidas.
O final do governo FHC ficou caracterizado pela profunda instabilidade econômica,
isto é, pressões cambiais, elevação da taxa de juros, baixo crescimento econômico
67
,
aceleração inflacionária, e mesmo com a melhora fiscal através dos superávits primário, esses
65
Esse crescimento foi impulsionado por todos os componentes da demanda: as exportações apresentaram
elevado crescimento, impulsionado pela taxa de mbio, os investimentos cresceram de forma significativa,
impulsionados pela queda das taxas de juros, e o consumo acompanhou o crescimento econômico. Assim, poder-
se-ia esperar que a partir d o país retomaria o crescimento econômico (GREMAUD; VASCONCELLOS;
TONETO JR., 2007, p. 486).
66
A privatização no setor de energia foi um caso problemático. Neste, embora, a rigor, a privatização tenha se
limitado à distribuição de energia elétrica (pois 70% da capacidade de geração continuou em mãos do Estado), a
ausência de uma regulação clara que estimulasse o setor privado, combinada com a falta de maiores
investimentos das estatais, gerou uma situação em que nem o setor privado nem a Eletrobrás investiram
conforme as necessidades do país. O resultado foi uma paralisia dos investimentos e uma retração no consumo,
que culminou na crise de energia de 2001. O choque energético também significou pressão de custos e
inflacionária (GIAMBIAGI, 2005, p. 187-188).
67
A taxa média de crescimento do PIB real nos oito anos de mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso
foi baixa, 2,3% a.a., sendo que no último mandato, ainda que apresentasse melhora na situação fiscal e no setor
externo, a taxa foi ainda menor, 2,1% a.a., e inferior à do primeiro mandato, 2,5% a.a.
85
fatores contribuíram para o aumento da dívida pública
68
. Nesse contexto, em janeiro de 2003,
Luis Inácio Lula da Silva assume a presidência enfrentando os desafios de estabilizar a
economia, aprofundar a austeridade fiscal, reverter a tendência de aumento da dívida pública e
da dominância fiscal, garantir a manutenção do superávit comercial e resgatar o crescimento
econômico (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007).
O novo governo adotou medidas ortodoxas no que diz respeito à política fiscal e
monetária, ou seja, aumento da meta de superávit primário para 4,25% do PIB, redução do
gasto público, aumento da carga tributária e elevação da taxa de juros, além da renovação do
acordo com o FMI. Assim, o mercado passou a dar sinal de recuperação da confiança na
economia e as medidas geraram resultado positivo para o combate à inflação, que também foi
ajudado pela queda da taxa de câmbio em 2003, o que acabou comprometendo o crescimento
da economia nesse ano, que alcançou 1,1%, enquanto nos anos seguintes foi de 5,7% em
2004, 3,2% em 2005 e 4,0% em 2006. O bom desempenho do ano 2004 estava associado ao
forte crescimento das exportações e ao aumento do consumo interno impulsionado pelo
crédito (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007).
As metas de inflação estabelecidas no primeiro mandato do presidente Lula foram as
seguintes: 2003 (8,5%), 2004 (5,5%), 2005 (4,5%) e 2006 (4,5%). Analisando a inflação com
base nos dados do IPCA, a alta de preços efetiva no período foi de 9,3% em 2003, 7,6% em
2004, 5,7% em 2005 e 3,14% em 2006. Observa-se que foi cumprida a meta dentro do
intervalo de tolerância
69
e que uma tendência de queda. Vale destacar que em 2006 a taxa
de inflação ficou abaixo da meta.
A combinação do aumento do superávit primário
70
com a valorização cambial
contribuiu para a redução da dívida total líquida do setor público/PIB de 53,5% do PIB em
2003 para 45,9% do PIB em 2006. Cabe salientar a melhora do perfil da dívida pública, com a
quase eliminação dos títulos atrelados ao dólar, a redução dos títulos atrelados à taxa de juros
68
As pressões cambiais geravam pressões inflacionárias que eram acompanhadas por elevações nas taxas de
juros e maior elevação da dívida pública, dado perfil da dívida. Isso, por sua vez, elevava o risco-país, geravam-
se maiores pressões cambiais e inflacionárias. Configurou-se uma situação em que a elevação da taxa de juros
para combater a inflação gerava o seu oposto, ou seja, novas pressões inflacionárias. Essa situação foi chamada
na literatura como dominância fiscal (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007, p. 488).
69
O intervalo de tolerância é de mais ou menos 2 pontos percentuais em cada ano (GREMAUD;
VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007, p. 477).
70
Deve-se destacar que esse resultado foi obtido novamente com a elevação da carga tributária, que se encontra
na faixa dos 38% do PIB, mantendo-se a tendência de elevação do gasto público, com destaque para os déficits
previdenciários e o crescimento dos gastos assistencialistas, por exemplo, o programa Bolsa Família, importante
instrumento de redução de pobreza e distribuição de renda (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR.,
2007, p. 497). O programa Fome Zero, mais uma característica do governo Lula, à medida que, além da
transferência de renda, indispensável num momento de emergência social, procura dotar as famílias que vivem
abaixo da linha de pobreza de condições para superar essa situação (SOUZA, 2008, p. 322).
86
SELIC e um aumento nos títulos pré-fixados e indexados a índices de preços (GREMAUD;
VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007).
Observou-se também o bom desempenho do setor externo com o crescimento contínuo
das exportações, aproximando-se dos US$ 100 bilhões em 2004 e atingindo US$ 137 bilhões
em 2006, um crescimento acumulado de 130%, justificado pela forte elevação do preço
internacional das commodities, crescimento econômico mundial, acesso a novos mercados
71
,
impacto positivo da desvalorização cambial e as medidas adotadas para a desoneração
tributária do setor exportador (GREMAUD; VASCONCELLOS; TONETO JR., 2007). As
importações ficaram estagnadas, quando comparados os dados de 2002 e 2003, mudando seu
comportamento a partir de então. No período como um todo, as importações passam de US$
47 bilhões em 2002 para US$ 92 bilhões em 2006, ou seja, praticamente dobraram.
A decisão do Banco Central de aumentar a taxa de juros em 2004 resultou na queda da
produção industrial, e, de acordo com Souza (2008, p. 315), os “juros altos, além de forçarem
a queda do mercado interno, impedem a realização de novos investimentos produtivos”, o que
explica o baixo ritmo da produção industrial em 2005. Segundo dados do IBGE, prossegue o
autor,
[...] a produção industrial, que crescera 8,3% em 2004, o fez a 3,1% em
2005. A desaceleração não foi maior porque o setor de duráveis manteve
o forte ritmo de crescimento que o vinha caracterizando desde o início do
ano (11,4%), puxado, sobretudo, pelas exportações de automóveis, que
cresceram 21,9% (SOUZA, 2008, p. 315-316).
No segundo mandato do presidente Lula, as autoridades econômicas reconheceram
alguns “gargalos” que travavam
72
o crescimento econômico do país, então, em janeiro de
2007 lançaram o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC
73
), cujos objetivos eram:
aceleração do crescimento econômico, aumento do emprego e melhoria das condições de vida
da população brasileira, além de estabelecer metas para o crescimento do PIB uma taxa
mínima de 4,5% em 2007 e de 5% ao ano no período 2008-2010 (SOUZA, 2008). Ressalta-se
71
Para maiores detalhes sobre as Exportações Brasileiras por destino, ver Souza (2008, p. 312-314).
72
As travas se concentravam, sobretudo, nas áreas de infraestrutura física (transporte e energia) e social
(saneamento e habitação). Por isso, para garantir a aceleração do crescimento econômico, teriam que ser feitos
investimentos nessas áreas (SOUZA, 2008, p. 327).
73
Com a implementação do PAC, ocorreram algumas mudanças na economia brasileira: (i) recuperou-se como
prioridade a idéia de desenvolvimentismo que havia preponderado na economia brasileira de 1930 a 1980; (ii)
recuperou-se também a prática do planejamento que norteara o comportamento econômico dos distintos
governos de 1930 a 1980, e (iii) recuperou-se, por fim, a visão de que ao Estado cabe um papel não apenas na
regulação da economia, mas também no investimento produtivo e na distribuição dos recursos entre os distintos
setores da economia (SOUZA, 2008, p. 329-330).
87
que o crescimento efetivo em 2007 (6,1%) e em 2008 (5,1%) ultrapassou a meta inicialmente
estipulada.
Entre 2007 e 2008, o sistema de metas inflacionárias estabeleceu o teto de 4,5% para
os dois anos. Considerando o IPCA para a análise da alta dos preços efetiva, de 4,5% em 2007
e 5,9% em 2008, observa-se que a meta foi cumprida estritamente em 2007 e em 2008 estava
dentro da margem de tolerância. O governo continuou apresentando superávit primário, de
3,4% em 2007 e 3,5% em 2008, e a dívida líquida pública com tendência de queda, 43,9% em
2007 e 38,8% em 2008, ou seja, indicadores fiscais mais sólidos.
Vale destacar que em 2008 estourou uma crise financeira internacional
74
, chamada
“bolha” do mercado imobiliário dos EUA. A crise global afetou o Brasil
75
através da forte
contração do crédito externo e doméstico, desaceleração das exportações brasileiras e
apreciação cambial, porém o impacto da crise não foi tão profundo, devido a dois fatores:
primeiro, a existência de um volumoso e contínuo superávit comercial, com média anual
acima de US$ 40 bilhões no triênio 2005-2007, e segundo, a existência de um volumoso nível
de reservas cambiais, que no final de 2007 atingiram US$ 180 bilhões (SOUZA, 2008).
Em síntese, depois de 2004 a economia brasileira teve uma boa performance
macroeconômica, influenciada inclusive pela política de recuperação do salário mínimo e pela
ampliação da oferta de crédito aos consumidores, por meio do crédito consignado.
Certamente, esse desempenho econômico influencia e determina a dinâmica do mercado de
trabalho no período analisado, como veremos na próxima seção.
3.3 Ajuste e desempenho do mercado de trabalho após os anos 90
Ao longo do século XX, o Brasil passou por importantes transformações, por exemplo,
o cenário interno apresentou fases de crescimento econômico com geração de empregos, sua
inserção no comércio internacional foi ampla e qualificada, em virtude do modelo de
74
A falência do Banco de Investimento Lehman Brothers, no dia 15 de setembro de 2008, marcou a
transformação da crise financeira internacional, iniciada no mercado americano de hipotecas de alto risco em
meados de 2007, em uma crise global sistêmica. Para o Brasil, a crise começou no último trimestre de 2008,
quando a quebra do Lehman Brothers interrompeu o crédito comercial internacional (RESENDE, 2009, p. 87).
75
No caso do Brasil, embora os bancos privados nacionais não tenham sofrido perdas por efeito da crise dos
créditos hipotecários estadunidenses, eles se entregaram ao pânico e comprimiram a oferta de crédito, punindo os
bancos menores, dependentes de aplicações (funding) dos grandes bancos, que recebem a maior parte dos
depósitos das empresas e famílias. Os pequenos bancos financiam micro e pequenas empresas, que ocupam
grande parte da população economicamente ativa. A contração de sua atividade (que não poupou também a
economia solidária) provocou redução ponderável da produção desse segmento. A grande indústria, por sua vez,
foi atingida tanto pela queda das exportações como pela diminuição do crédito aos compradores de automóveis,
eletrodomésticos e outros bens de valor elevado (SINGER, 2009, p. 93).
88
desenvolvimento econômico baseado no processo de substituição de importações, que
viabilizou um dos mais intensos processos de urbanização e industrialização. Porém, um
conjunto de restrições internas e externas ao pleno desenvolvimento das forças produtivas
começou a aparecer nos anos 1980, e como consequência, na década seguinte, houve a
interrupção das medidas desenvolvimentistas em curso e com ela a regressão do mercado de
trabalho, através da redução do emprego formal e do rendimento médio do trabalho, e a
elevação da taxa de desemprego e do grau de informalidade
76
. Portanto, os efeitos das
políticas macroeconômicas adotadas na cada de 1990 tiveram impactos negativos
77
sobre o
mercado de trabalho, demonstrando claras indicações de desvalorização e redução da
capacidade de expansão de novos postos de trabalho assalariado (BALTAR, 1996;
POCHMANN; MATTOSO, 1998).
O aumento do desemprego não foi maior porque as atividades ditas
informais (pequenos serviços, trabalhadores sem contratos, atividades
familiares sem remuneração, emprego doméstico, etc) aumentaram muito
fortemente durante os 90, principalmente no setor de serviços
(POCHMANN; MATTOSO, 1998, p. 231).
Os sinais de desestruturação do mercado de trabalho
78
ficaram mais evidentes nos anos
90, através da perda dos empregos
79
com registro, queda nas ocupações tanto do setor
primário quanto do secundário, e ao setor de serviços restava a tentativa de absorver boa parte
da mão de obra que buscava por emprego. Mas este último setor não tinha condições de gerar
a quantidade de vagas necessárias para compensar o aumento da taxa de desemprego, sendo
esse um dos motivos do crescimento da subutilização da força de trabalho (POCHMANN,
76
Segundo Ramos (2007, p. 14), o grau de informalidade pode ser definido através da incidência de relações
informais, ou seja, a razão entre trabalhadores sem carteira, por conta-própria e não remunerados sobre o total de
ocupados.
77
As grandes empresas, que vinham desde os anos 1980 subcontratando com terceiros os serviços de apoio a
suas atividades principais, aprofundaram essa terceirização de atividades, enxugando fortemente seus quadros de
pessoal. A terceirização ampliou o campo de negócios para as pequenas empresas e houve um relaxamento na
ampliação das normas que regem a atividade empresarial, facilitando a adaptação das pequenas empresas à
intensa competição, deixando de cumprir com as leis sobre impostos, contribuições sociais, zoneamento urbano,
saúde pública e relações de trabalho (BALTAR; LEONE; BORGHI, 2007, p. 4).
78
A expansão do desemprego, a reduzida geração de empregos formais e o aumento das ocupações informais
permitem identificar um quadro de acentuada precarização do mercado de trabalho, sendo marcante o aumento
do espaço do segmento não organizado da economia (setor informal, gerador de empregos de baixa qualidade e
remuneração), em detrimento de segmentos estruturados e formais (POCHMANN; MATTOSO, 1998, p. 231).
79
Os empregos perdidos a partir de 1990 resultaram do movimento de reestruturação econômica (políticas
recessivas, desregulação e redução do Estado privatização, fechamento de empresas, órgãos e demissão de
funcionários públicos , abertura comercial abrupta, taxas de juros elevadas, fatores responsáveis pelo cenário
desfavorável ao comportamento geral do emprego nacional, verificando-se rapidamente a destruição dos postos
de trabalho, que contabilizou o corte de cerca de 2,2 milhões de postos regulares e regulamentados somente nos
anos 1990/92 em todo país), introdução de novos fundamentos competitivos, marcados pelo aumento da
produtividade do trabalho e pela maior inserção externa, com alteração dos preços relativos e elevação dos
investimentos (POCHMANN, 2002, p. 85-88).
89
2002; SABÓIA, 2005). Além disso, o baixo crescimento econômico dessa década agravou
ainda mais a situação, contribuindo para o aprofundamento das formas tradicionais de
exclusão social: subemprego, informalidade e baixo rendimento, e das novas formas de
exclusão: desemprego aberto e ocupações atípicas (POCHMANN, 2002).
De 1999 a 2002, a política macroeconômica adotada proporcionou um modesto
crescimento econômico, pois o objetivo principal era o controle inflacionário. O impacto
sobre o mercado de trabalho foi um aumento significativo no ritmo de crescimento do
emprego formal e uma redução no ritmo de crescimento do emprego sem carteira assinada e
no trabalho por conta própria.
A combinação entre a continuidade da política macroeconômica adotada em 1999 e a
melhora do desempenho da economia mundial
80
no período de 2003 a 2008 estimulou as
exportações brasileiras e favoreceu uma taxa de crescimento médio do PIB de 4,2% ao ano,
antes da crise financeira mundial em setembro de 2008. A repercussão desse crescimento
econômico sobre o mercado de trabalho foi observada na maior formalização dos contratos de
trabalho e no aumento do poder de compra do salário mínimo legal (BALTAR; LEONE;
BORGHI, 2007).
Para analisar o comportamento do mercado de trabalho brasileiro no período estudado
nesta seção, utilizamos a base de dados PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio)
com dimensão nacional. Divulgada pelo IBGE, esta pesquisa foi criada em 1967 como um
levantamento trimestral, e após 1970 a coleta de dados passou a ser realizada no último
trimestre de cada ano. Em 1976 investigou-se pela primeira vez a variável cor
81
, e em 1987 a
pergunta sobre a cor das pessoas foi incorporada definitivamente ao questionário.
A análise compreende os anos de 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008, sendo o enfoque
nesse período justificado pela dinâmica econômica e seu impacto direto sobre o mercado de
trabalho. Ademais, permanecemos com o objetivo de verificar a forma como o trabalhador
negro estava inserido no mercado de trabalho no momento de expansão e contração da
economia e, para isso, investigamos a taxa de desemprego, os ramos de atividade econômica e
80
O maior ritmo de crescimento do emprego formal no período de 1999/2005 não esteve associado a uma taxa
média maior de crescimento econômico. A recuperação da ocupação e do emprego formal tem sido beneficiada
pelo desempenho do comércio mundial, que estimulou excepcionalmente as exportações do País. Além disso, o
movimento mais intenso de reestruturação das empresas e eliminação de empregos ocorreu nos anos 1990,
principalmente entre 1994 e 1998 (BALTAR et al., 2006, p. 49).
81
Nesse ano (1976), além da questão fechada com as categorias Branca, Preta, Parda e Amarela, foi feita uma
outra pergunta adicional, aberta (ou seja, de declaração livre), sobre a cor dos indivíduos. Depois dessa data, o
quesito raça/cor iria aparecer em alguns suplementos (1982, 1984, 1986) ou incluída em uma subamostras do
suplemento (1976 e 1985) [somente nas regiões metropolitanas], para ser finalmente incorporado no corpo
básico do questionário de forma definitiva no ano de 1987 (PAIXÃO; CARVANO, 2007, p. 38).
90
a posição na ocupação (incluindo a condição de emprego formal e informal) para os anos
mencionados, observando os indicadores de nível de escolaridade e o rendimento médio
mensal de todos os trabalhos, segundo sexo e cor. Os indicadores relativos aos ocupados,
como o rendimento médio mensal do trabalho, se basearam numa amostra
82
de trabalhadores
que se caracterizam por jornada de trabalho acima de 39 horas semanais e com idade acima de
23 anos. Nosso intuito foi obter uma amostra a mais homogênea possível. Para calcular a taxa
de desemprego, mantivemos apenas a seleção da idade (acima de 23 anos).
As Tabelas 13 e 14, expostas abaixo, apresentam a taxa de desemprego, segundo sexo
e cor, para os anos de 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008. No contexto geral, a taxa de
desemprego total apresentou queda de 1992 (4,4%) para 1995 (4,1%), elevou seu nível em
1999 (6,8%), ainda permaneceu elevada em 2002 (6,4%), daí em diante assumiu uma
trajetória de queda e alcançou em 2008 o nível de 4,9%. Esse último movimento da taxa de
desocupação se deve à recente melhora da performance macroeconômica.
Ao analisar esses dados por sexo, observa-se que ao longo do período estudado a taxa
de desemprego revelou-se mais elevada para as mulheres do que para os homens, uma das
justificativas está na alteração da composição da PEA
83
, que além de aumentar a participação
das mulheres adultas também reduziu o peso dos jovens, movimento que vinha ocorrendo
desde o início da década de 1990 (BALTAR, 2006). Contudo, o baixo desempenho
econômico da década citada (taxa média de crescimento 1,6% a.a.) inviabilizou a criação de
novas vagas de emprego para incorporar esse acréscimo ao contingente da população ativa, o
que acabou aumentando substancialmente a taxa de desemprego, sendo sua ampliação mais
intensa para as mulheres, fruto do aumento de sua taxa de participação no mercado de
trabalho (RAMOS, 2007). Cabe destacar também a análise da posição no domicílio, pois as
pessoas que são responsáveis pelos domicílios o obrigadas a se realocarem no mercado de
trabalho mais rapidamente, devido à provisão de recursos para o orçamento familiar. Por isso
os chefes de família estão bastante sub-representados entre os desempregados, ao contrário
82
O objetivo de estabelecer o filtro jornada de trabalho acima de 39 horas semanais e idade acima de 23 anos é
tornar a amostra o mais homogênea possível, ou seja, nessa amostra não estamos considerando os diversos perfis
de trabalhos e remunerações quando a jornada de trabalho é inferior a 39 horas semanais e nem os indivíduos
menores de 23 anos de idade que, em geral, são jovens, no primeiro emprego e com baixa remuneração.
83
As mudanças por que passou a economia brasileira, com os inexoráveis reflexos no mercado de trabalho,
alteraram o processo de decisão de ingresso na força de trabalho, mormente em função das crescentes
necessidades de maior qualificação para que uma pessoa possa almejar colocações de boa qualidade. O reflexo
maior de tal mudança se por meio da postergação do ingresso no mercado de trabalho por parte dos jovens,
que tendem a permanecer mais tempo na escola. Paralelamente, movimentos que já se faziam sentir mais
tempo em decorrência do progressivo abrandamento de posturas discriminatórias e segregacionistas
prosseguiram seu curso. Com isso, por exemplo, a participação das mulheres tem aumentado. O resultado desses
diversos fatores acaba por influenciar estruturalmente a taxa de participação e, conseqüentemente, a oferta de
trabalho (RAMOS, 2007, p. 19).
91
dos demais membros do domicílio, e mais, pelo fato das mulheres, de modo geral, terem
menor participação como chefes de domicílio, a pressão que recai sobre elas é menos intensa
(RAMOS, 2007). Além disso, a elevação da escolaridade entre elas também contribui para a
sua maior participação no mercado de trabalho e, portanto, pela ampliação do número de
mulheres em busca de ocupação.
De forma desagregada, por sexo e cor, entre 1992 e 1995, os dados indicam queda na
taxa de desemprego, de 3,5% para 3,2% dos homens brancos, de 4,2% para 4,0% dos homens
negros, de 5,0% para 4,6% das mulheres brancas e de 6,1% para 5,3% das mulheres negras,
respectivamente. Essa queda se deve ao melhor desempenho econômico do país no ano de
1995. Porém, nossos dados apontam que essa tendência não se manteve, na medida em que
no ano 1999 a taxa de desemprego se elevou para 4,8% para os homens brancos, 6,2% para os
homens negros, 8,0% para as mulheres brancas e 9,6% para as mulheres negras. Diante da
piora no desempenho macroeconômico, o mercado de trabalho se ajustou por meio de uma
elevação da taxa de desocupação.
Tabela 13 - Taxa de desemprego, segundo o sexo e a cor 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 -
(%).
Cor/Raça da Pessoa
Homem
1995
1999
2002
2008
Branco
3,5
3,2
4,8
4,3
2,9
Negro
4,2
4,0
6,2
5,7
3,8
Fonte: PNAD 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
Tabela 14 - Taxa de desemprego, segundo o sexo e a cor 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 -
(%).
Cor/Raça da Pessoa
Mulher
1995
1999
2002
2008
Branca
5,0
4,6
8,0
7,2
6,0
Negra
6,1
5,3
9,6
9,5
8,0
Fonte: PNAD 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
No ano de 2002, a taxa de desemprego continuou elevada, porém indicava um
movimento de redução em seu patamar. Esse resultado se deve à tímida variação do PIB, aos
efeitos do racionamento de energia sobre a economia, ao cenário externo que influenciou o
desempenho econômico do país no ano de 2001, e ao período eleitoral de 2002. A soma de
92
todos esses fatores inviabilizaram a criação de novas vagas de emprego com qualidade e
quantidade suficiente (SABÓIA, 2005). Dessa maneira, em 2002, o nível da taxa de
desemprego atingiu: 4,3% dos homens brancos, 5,7% dos homens negros, 7,2% das mulheres
brancas e 9,5% das mulheres negras.
A partir de 2003, o bom desempenho do comércio mundial beneficiou tanto o
crescimento econômico brasileiro quanto o mercado de trabalho, com a geração de novas
vagas de emprego. Os dados revelam, em 2008, queda na taxa de desemprego, que passou a
assumir uma nova proporção: 2,9% para os homens brancos, 3,8% para os homens negros,
6,0% para as mulheres brancas e 8,0% para as mulheres negras.
Através do cálculo do diferencial entre as taxas de desemprego
84
dos homens negros e
homens brancos, pode-se observar que a menor diferença ocorreu no ano de 1992, quando o
desemprego entre os homens negros era 20% maior do que entre os homens brancos, e
assumiu uma tendência de elevação até 2002, quando atingiu o maior diferencial, 32,6%. No
caso das mulheres, o cálculo da diferença entre as taxas de desemprego revelou ser menor em
1995, quando o desemprego entre as mulheres negras era 15,2% maior do que entre as
mulheres brancas; a partir daí, assumiu uma trajetória crescente, alcançando em 2008 o maior
diferencial, ou seja, 33,3%. Em resumo, o ajuste do mercado de trabalho via elevação da taxa
de desemprego, sobretudo até o final dos anos 90, atingiu todos os trabalhadores, mas os
trabalhadores negros enfrentaram maiores dificuldades para encontrar emprego, em qualquer
contexto econômico.
As Tabelas 15 e 16, na sequência, mostram a distribuição dos ocupados por ramos de
atividade principal, segundo sexo e cor, nos anos de 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008. Partindo
de uma análise por composição setorial
85
, observa-se que, entre 1992 e 2008, o setor agrícola
reduziu sua participação relativa na ocupação total, na proporção de 21,8% para 13,1% dos
homens brancos, de 32,3% para 19,1% dos homens negros, de 12,4% para 4,1% das mulheres
brancas e de 15,3% para 5,9% das mulheres negras, constatando-se a maior presença dos
negros nesse segmento. O setor industrial aumentou a participação das ocupações para os
homens e reduziu para as mulheres, na seguinte proporção: de 30,5% para 31,7% dos homens
brancos, de 30,2% para 34,5% dos homens negros, de 19,5% para 17,7% das mulheres
84
A diferença entre as taxas de desemprego é a razão entre o percentual de negros desempregados e os brancos
desempregados, homens e mulheres, respectivamente.
85
Para essa análise, selecionamos o peso do setor agrícola, o peso do setor industrial (composto pela soma da
Indústria de Transformação, Outras Atividades Industriais e a Construção) e o peso do setor de serviços
(composto pela soma do Comércio e Reparação; Alojamento e Alimentação; Transporte, Armazenagem e
Comunicação; Administração Pública; Educação, Saúde e Serviços Sociais; Serviços Domésticos; Outros
Serviços Coletivos, Sociais e Pessoais e Outras Atividades).
93
brancas e de 15,8% para 14,4% das mulheres negras. É possível notar que em 1992 havia
mais homens brancos inseridos nesse segmento, e em 2008 o destaque foi para os homens
negros; quanto às mulheres, o destaque pela maior participação nesse segmento foi para as
brancas quando comparadas com as negras. O setor de serviços apresentou aumento na
proporção de 47,3 para 55,1% dos homens brancos, de 37,1% para 46,1% dos homens negros,
de 67,9% para 78,2% das mulheres brancas e de 68,9% para 79,6% das mulheres negras.
Observe-se que entre os homens destacam-se os brancos pela maior presença no setor, e entre
as mulheres as negras estão inseridas em maior proporção nesse setor.
Desagregando essas informações, os ramos de atividade que mais absorveram homens
brancos foram: Agrícola, Indústria de Transformação, Comércio e Reparação. Entre 1992 e
1995, o setor Agrícola possuía a maior participação relativa no total da ocupação, 21,8% e
19,6%, mas entre 1999, 2002 e 2008 o setor de maior importância na absorção dos
trabalhadores brancos passou a ser o de Comércio e Reparação, ocupando respectivamente
19,9%, 19,6% e 20,3% dessa mão de obra. O ramo de Indústria de Transformação continuou
com grande participação na ocupação dos homens brancos entre 1999, 2002 e 2008, com
16,8%, 17,9% e 18,8%, respectivamente. Os homens negros se inseriram em grande
proporção nos ramos de atividade Agrícola, Indústria de Transformação, Construção,
Comércio e Reparação. Mesmo apresentando queda na participação relativa das ocupações, o
setor Agrícola continuou absorvendo um grande número de homens negros em 1992 (32,3%),
em 1995 (30,4%), em 1999 (28,7%), em 2002 (24,9%) e em 2008 (19,1%). O setor da
Indústria de Transformação, que em 1992 ocupava 14,1%, cedeu lugar para os ramos da
Construção e do Comércio e Reparação, que apresentaram maior participação relativa na
ocupação dos homens negros e quase na mesma proporção: em 1995, 14,8% e 14,7%; em
1999, 15,6% e 15,2%; em 2002, 16,7% e 16,3%, e em 2008, 17,5% e 16,9%, respectivamente.
Dessa forma, os setores Agrícola
86
e de Construção
87
permanecem como grande absorvedores
de trabalhadores negros, enquanto a maioria dos brancos está inserida nos segmentos de
Comércio e Reparação
88
e Indústria de Transformação
89
. Além disso, cabe frisar, o
rendimento médio dos setores Agrícola e de Construção continua menor quando comparado
com o da Indústria de Transformação.
86
Da mesma forma como fizemos na seção 2.4, o cálculo do rendimento médio para os ramos de atividade
econômica foi baseado nos microdados da PNAD 2008. Sendo assim, o rendimento médio do setor Agrícola é de
R$ 710,00.
87
O rendimento médio do setor de Construção é de R$ 995,00.
88
O rendimento médio do setor de Comércio e Reparação é de R$ 841,00.
89
O rendimento médio do setor de Indústria de Transformação é de R$ 1.038,00.
94
Quanto às mulheres, os três ramos de atividade que mais absorveram mulheres brancas
foram: Indústria de Transformação, Comércio e Reparação e Educação, Saúde e Serviços
Sociais. Entre 1992 e 1995, a importância da Indústria de Transformação para a ocupação das
mulheres brancas era de 18,3% e 17,4%, respectivamente. Em 1999, o ramo de Educação,
Saúde e Serviços Sociais passou a ter maior participação relativa na ocupação desse grupo,
com 18,2%. Entre 2002 e 2008, destacou-se o ramo de Comércio e Reparação, com 18,2% e
19,5%, respectivamente. Para as mulheres negras, em 1992, os três ramos de atividade com
maior participação na ocupação foram: Serviços Domésticos (23,8%), Agrícola (15,3%) e
Indústria de Transformação (14,8%). Em 1995, os ramos de maior importância foram:
Serviços Domésticos (26,2%), Educação, Saúde e Serviços Sociais (13,9%) e a Indústria de
Transformação (13,1%). Entre 1999, 2002 e 2008, os ramos de atividade com maior
participação relativa na ocupação das mulheres negras foram: Serviços Domésticos (27,0%),
(25,2%) e (21,4%); Educação, Saúde e Serviços Sociais (15,2%), (16,4%), (15,5%); e
Comércio e Reparação (13,2%), (14,8%) e (16,6%), respectivamente. Cabe destacar que a
maior parte das mulheres negras está ocupada no Serviço Doméstico
90
, enquanto as mulheres
brancas estão no Comércio e Reparação e na Educação, Saúde e Serviços Sociais
91
, ou seja, as
primeiras permanecem com maior representação nos ramos de atividade de menor
remuneração, enquanto as brancas continuam inseridas nos segmentos de elevada
remuneração. Contudo, é inegável o crescimento da participação das mulheres, tanto brancas
quanto negras, no setor de Educação, Saúde e Serviços Sociais, com destaque para as
primeiras.
Em resumo, observa-se um movimento geral de redução da proporção de pessoas
empregadas no setor Agrícola e também se verificou uma queda na razão de ocupados na
Indústria de Transformação, sobretudo até o final dos anos 90. Esse movimento resulta do
ajuste produtivo do período, das privatizações, da valorização cambial e das tímidas variações
do produto real. A partir do ano 2000, as alterações nas políticas cambial e creditícia, a
melhor performance macroeconômica, dentre outras mudanças apontadas na são anterior,
resultaram na recuperação da importância do emprego na Indústria de Transformação. No
caso dos homens e mulheres brancos ocupados, entre 1992 e 2008, verificou-se uma mudança
no setor que mais absorve pessoas, o que não aconteceu com os homens e mulheres negros
ocupados, pois esse papel continuou sendo exercido pelas atividades Agrícola e de Serviços
Domésticos, respectivamente, embora se registre redução nos pesos relativos desses
90
O rendimento médio do setor de Serviços Domésticos é de R$ 361,00.
91
O rendimento médio do setor de Educação, Saúde e Serviços Sociais é de R$ 1.444,00.
95
segmentos no total das ocupações. Vale ressaltar que a importância do setor de Serviços na
absorção de ocupados se elevou, embora em outros períodos esse setor assumisse papel
relevante na geração de ocupações.
Tabela 15 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos de atividade
principal - 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%).
Fonte: PNADs ajustadas e compatibilizadas 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
Tabela 16 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os ramos de atividade
principal - 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%).
Fonte: PNADs ajustadas e compatibilizadas 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
Ramos de Atividade Principal
Homem Branco
Homem Negro
1992
1995
1999
2002
2008
1992
1995
1999
2002
2008
Agrícola
21,8
19,6
18,2
15,9
13,1
32,3
30,4
28,7
24,9
19,1
Indústria de Transformação
18,9
19,0
16,8
17,9
18,8
14,1
13,1
12,6
13,3
15,5
Outras Atividades Industriais
1,9
1,6
1,4
1,1
1,4
1,8
1,7
1,4
1,4
1,5
Construção
9,7
10,4
11,1
11,5
11,5
14,3
14,8
15,6
16,7
17,5
Comércio e Reparação
18,4
19,0
19,9
19,6
20,3
13,9
14,7
15,2
16,3
16,9
Alojamento e Alimentação
3,6
3,7
3,8
3,3
2,9
2,8
3,0
3,2
2,7
2,9
Transportes, Armazenagem e
Comunicação
7,3
7,9
8,1
8,6
9,0
6,4
6,9
7,1
7,3
8,4
Administração Pública
5,9
5,7
6,1
6,2
5,7
5,2
5,5
5,1
5,5
5,3
Educação, Saúde e Serviços Sociais
2,7
2,8
3,2
3,2
3,5
1,9
2,0
2,4
2,2
2,5
Serviços Domésticos
0,5
0,8
0,8
0,8
0,7
0,7
0,9
1,0
1,1
1,0
Outros Serviços Coletivos, Sociais e
Pessoais
1,9
1,9
2,2
2,4
2,7
1,9
2,0
2,0
2,4
2,5
Outras Atividades
7,0
7,3
8,1
9,2
10,4
4,3
4,6
5,2
5,9
6,6
Atividades mal definidas ou não
declaradas
0,4
0,2
0,3
0,2
0,1
0,4
0,4
0,5
0,4
0,3
Ramos de Atividade Principal
Mulher Branca
Mulher Negra
1992
1995
1999
2002
2008
1992
1995
1999
2002
2008
Agrícola
12,4
9,1
8,1
6,1
4,1
15,3
11,8
10,1
7,8
5,9
Indústria de Transformação
18,3
17,4
16,3
16,0
16,5
14,8
13,1
11,9
12,3
13,5
Outras Atividades Industriais
0,6
0,5
0,4
0,4
0,4
0,4
0,4
0,3
0,3
0,3
Construção
0,7
0,5
0,5
0,6
0,8
0,6
0,4
0,4
0,4
0,6
Comércio e Reparação
15,1
16,4
17,3
18,2
19,5
11,4
12,5
13,2
14,8
16,6
Alojamento e Alimentação
5,7
6,1
5,8
5,4
5,4
6,6
6,9
7,4
6,5
6,9
Transportes, Armazenagem e
Comunicação
1,7
1,9
1,8
1,9
2,1
1,3
1,4
1,1
1,4
1,5
Administração Pública
6,4
6,1
5,7
5,9
5,8
3,8
4,7
4,6
4,9
5,2
Educação, Saúde e Serviços Sociais
16,7
17,3
18,2
18,0
18,4
12,8
13,9
15,2
16,4
15,5
Serviços Domésticos
11,1
12,7
13,1
13,2
11,1
23,8
26,2
27,0
25,2
21,4
Outros Serviços Coletivos, Sociais e
Pessoais
3,8
4,1
4,3
5,0
5,3
4,6
4,2
4,1
5,0
5,8
Outras Atividades
7,4
7,8
8,4
9,2
10,5
4,6
4,4
4,8
5,0
6,6
Atividades mal definidas ou não
declaradas
0,2
0,1
0,1
0,1
0,0
0,1
0,1
0,1
0,1
0,1
96
As Tabelas 17 e 18, a seguir, apresentam a distribuição de ocupados, segundo sexo,
cor e posição na ocupação, para os anos de 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008. De modo geral, os
dados indicam que os brancos, tanto homens quanto mulheres, estão mais inseridos no setor
formal
92
quando comparados com os negros, que estão em maior proporção no setor informal.
Observe-se que o setor formal, em 1992, era composto por 52,1% de homens brancos, 57,4%
de mulheres brancas, 41,5% de homens negros e 44,4% de mulheres negras; em 2008, houve
um aumento na proporção para ambos os sexos e raças, passando para 58,3% de homens
brancos, 65,9% de mulheres brancas, 52,2% de homens negros e 57,0% de mulheres negras.
Contudo, o maior contingente no emprego formal continua sendo o de trabalhadores brancos,
com destaque para as mulheres. A contrapartida desses valores refere-se ao setor informal,
que em 1992 era composto por 47,9% de homens brancos, 42,6% de mulheres brancas, 58,5%
de homens negros e 55,6% de mulheres negras; em 2008, esses valores passam para 41,7% de
homens brancos, 34,1% de mulheres brancas, 47,8% de homens negros e 43,0% de mulheres
negras. Esse contraste entre o aumento do emprego formal e a redução do emprego informal
começou a se evidenciar depois da desvalorização cambial pós-1999, e dentre as justificativas
temos, por exemplo, o ritmo de expansão do PIB, que favoreceu de forma intensa a ampliação
de novos postos de trabalho concentrados em estabelecimentos mais organizados, isto é, onde
é maior a formalização dos vínculos de emprego segundo a CLT ou o Estatuto do Servidor
Público. Outro fator a ser destacado é a fiscalização do Ministério do Trabalho na imposição
do cumprimento das leis trabalhistas (BALTAR et al., 2006).
Desagregando essas informações para analisar a posição na ocupação, observa-se que
entre 1992 e 1999 houve redução na posição de empregados com carteira assinada, de 41,6%
para 37,4% dos homens brancos e de 35,3% para 32,8% dos homens negros; note-se que o
percentual de emprego com carteira se revelou mais elevado entre os homens brancos. Em
compensação, houve um aumento na posição de empregados sem carteira, de 12,9% para
14,4% dos homens brancos e de 21,9% para 22,0% dos homens negros, e na posição de
trabalhador por conta própria, de 28,9% para 30,1% dos homens brancos e de 31,7% para
33,3% dos homens negros; observe-se que os negros compõem a maior parcela nessas duas
categorias. A posição de empregador manteve-se praticamente estável para ambas as raças,
porém uma maior participação dos brancos quando comparados com os negros. Dessa
forma, os dados revelam que, na década de 1990, homens brancos e negros estão inseridos em
92
Nesta dissertação, o setor formal compreende os assalariados com carteira, militares, funcionários públicos
estatutários e trabalhador doméstico com carteira, enquanto o setor informal corresponde aos empregados
assalariados sem carteira, trabalhador doméstico sem carteira, conta própria e trabalhador sem remuneração.
97
grande proporção nas categorias de empregado com carteira assinada e de trabalhador por
conta própria, contudo os brancos continuam se sobressaindo nos empregos regulamentados.
A partir de 2002, já era possível observar algumas modificações no mercado de
trabalho, principalmente no período pós-2003, devido ao melhor desempenho
macroeconômico. Posto isso, segundo os dados de 2002 e 2008, houve um aumento na
posição de empregados com carteira assinada, de 39,6% para 46,2% dos homens brancos e de
34,6% para 44,2% dos homens negros, verificando-se uma redução significativa na diferença
de percentual de negros e brancos com carteira assinada. Em contrapartida, houve queda na
posição de empregados sem carteira, de 14,9% para 12,4% dos homens brancos e de 22,8%
para 19,0% dos homens negros, e o mesmo aconteceu com a posição de trabalhador por conta
própria, que de 28,2% passou para 23,6% dos homens brancos e de 30,5% para 23,9% dos
homens negros. Aumentou a participação dos homens brancos na posição de empregador, de
9,1% para 9,7%, e para os homens negros manteve-se estável, de 4,3% para 4,4%. Em outras
palavras, o movimento de formalização do mercado de trabalho no século XXI atingiu negros
e brancos, embora se verifique maior participação dos trabalhadores negros entre os
assalariados sem carteira e os trabalhadores autônomos. Esse resultado se deve inclusive à
maior participação dos negros no segmento Agrícola, que conta com grande número de
trabalhadores por conta própria; além disso, o segmento da Construção também se caracteriza
por maior presença da informalidade do trabalho (conta própria e assalariado sem carteira).
Tabela 17 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição na ocupação - 1992,
1995, 1999, 2002 e 2008 - (%).
Fonte: PNAD 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
Posição na Ocupação
Homem Branco
Homem Negro
1992
1995
1999
2002
2008
1992
1995
1999
2002
2008
Empregado com carteira assinada
41,6
40,2
37,4
39,6
46,2
35,3
33,8
32,8
34,6
44,2
Militar
0,5
0,5
0,6
0,3
0,4
0,4
0,4
0,4
0,3
0,3
Funcionário público estatutário
4,9
5,3
5,4
5,5
5,7
4,0
4,8
4,6
4,4
4,9
Empregado sem carteira assinada
12,9
12,7
14,4
14,9
12,4
21,9
22,1
22,0
22,8
19,0
Trabalhador Doméstico com
carteira
0,3
0,4
0,4
0,5
0,4
0,3
0,4
0,5
0,5
0,5
Trabalhador Doméstico sem carteira
0,2
0,3
0,4
0,3
0,3
0,4
0,5
0,5
0,6
0,5
Conta-própria
28,6
29,6
30,1
28,2
23,6
31,7
32,2
33,3
30,5
23,9
Empregador
9,2
9,2
9,6
9,1
9,7
3,8
3,8
3,8
4,3
4,4
Trabalhador sem remuneração
1,8
1,7
1,6
1,5
1,5
2,2
2,1
2,0
2,0
2,3
98
Tabela 18 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e a posição na ocupação - 1992,
1995, 1999, 2002 e 2008 - (%).
Fonte: PNAD 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
No caso das mulheres, os dados relativos ao período entre 1992 e 1999 revelam uma
redução do emprego com carteira assinada, de 40,2% para 37,4% das mulheres brancas e de
30,9% para 28,2% das mulheres negras. Mais uma vez, as trabalhadoras brancas têm maior
participação no trabalho regulamentado do que as negras. Vale observar que esse diferencial
se mostra mais elevado entre as mulheres do que entre os homens. Houve aumento na posição
de empregada sem carteira, de 8,7% para 10,3% das mulheres brancas e de 12,0% para 12,3%
das mulheres negras; note-se a grande presença das mulheres negras nessa posição. Também
houve aumento na posição de trabalhadora doméstica com carteira, de 4,0% para 5,3% das
mulheres brancas e de 6,1% para 8,5% das mulheres negras. Essa maior formalização do
trabalho doméstico, em particular, resulta de pressões exercidas pelo resultado de julgamento
de processos instaurados por trabalhadoras sem carteira, além da pressão do sindicato das
domésticas. No trabalho doméstico sem carteira, notou-se a maior proporção das mulheres
negras, cujos valores passaram de 17,6% para 18,4%, enquanto para as mulheres brancas foi
de 7,1% para 7,8%. O trabalho por conta própria apresentou um leve aumento na proporção
das mulheres brancas, de 13,9% para 14,5%, e para as mulheres negras houve queda
proporção, de 16,9% para 15,2%. Na posição de empregadora observou-se a maior presença
das mulheres brancas, aumentando de 3,6% para 5,3%, em relação às mulheres negras, cuja
participação foi de 1,2% para 1,8%. Em suma, entre 1992 e 1999, as discrepâncias entre
mulheres brancas e negras são mais acentuadas do que entre homens brancos e negros.
No período de 2002 a 2008, houve aumento na categoria de empregada com carteira
assinada, de 39,6% para 45,5% das mulheres brancas e de 31,2% para 37,2% das mulheres
negras. Manteve-se estável a posição de empregada sem carteira, de 10,5% para 10,1% das
Posição na Ocupação
Mulher Branca
Mulher Negra
1992
1995
1999
2002
2008
1992
1995
1999
2002
2008
Empregado com carteira assinada
40,2
37,2
37,4
39,6
45,5
30,9
29,8
28,2
31,2
37,2
Militar
0,1
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
0,0
Funcionário público estatutário
11,1
12,9
11,6
11,0
11,3
6,9
9,0
9,0
8,8
9,4
Empregado sem carteira assinada
8,7
8,4
10,3
10,5
10,1
12,0
10,7
12,3
13,8
13,0
Trabalhador Doméstico com
carteira
4,0
4,1
5,3
6,0
5,1
6,1
7,5
8,5
9,0
8,9
Trabalhador Doméstico sem carteira
7,1
8,6
7,8
7,2
6,0
17,6
18,8
18,4
16,2
12,5
Conta-própria
13,9
14,7
14,5
13,7
11,8
16,9
15,3
15,2
14,0
12,6
Empregador
3,6
4,7
5,3
5,9
6,0
1,2
1,5
1,8
2,1
2,6
Trabalhador sem remuneração
11,4
9,4
7,8
6,1
4,1
8,4
7,4
6,5
4,9
3,8
99
mulheres brancas e de 13,8% para 13,0% das mulheres negras. Houve queda na posição de
trabalhadora doméstica com carteira, de 6,0% para 5,1% das mulheres brancas, e manteve-se
estável para as mulheres negras, variando de 9,0% para 8,9%. Para a posição de trabalhadora
doméstica sem carteira, houve uma redução para ambas as raças, mesmo assim as mulheres
negras continuam com a maior representatividade nessa posição. Também houve queda na
posição de trabalhadora por conta própria, de 13,7% para 11,8% das mulheres brancas e de
14,0% para 12,6% das mulheres negras. E manteve-se estável a posição de empregadora, de
5,9% para 6,0% das mulheres brancas e de 2,1% para 2,6% das mulheres negras; observe-se
que ainda assim essa categoria apresenta maior participação das mulheres brancas em relação
às negras. Em síntese, a formalização beneficiou as trabalhadoras brancas e negras, porém o
diferencial entre as raças no emprego regulamentado se elevou ligeiramente. Além disso, as
negras têm maior percentual de trabalhadoras domésticas do que as brancas, tal como
apontava a importância dessas trabalhadoras negras no segmento dos serviços domésticos.
Deve-se registrar também o menor diferencial entre trabalhadoras brancas e negras no que se
refere ao trabalho assalariado sem carteira e trabalho autônomo. Todavia, as diferenças entre
trabalhadoras brancas e negras seguem mais acentuadas do que entre os homens.
Na sequência, as Tabelas 19 e 20 apresentam o valor do rendimento médio mensal de
todos os trabalhos, segundo sexo e cor, para os anos
93
1995, 1999, 2002 e 2008. Antes de
efetuar a comparação dos rendimentos em anos distintos, utilizamos o deflator para
rendimentos da PNAD desenvolvido a partir do INPC
94
, dessa forma os valores das tabelas
estão expressos em reais de 1995. Através desse procedimento, observou-se que entre os
homens houve uma perda real no rendimento dio para os brancos numa variação de -5,8%
entre 1995 a 2008, e para os negros houve um ganho real de 8,1% no mesmo período. Os
dados revelam também que a distância entre os rendimentos de ambas as raças reduziu, pois
os valores monetários indicaram que em 1995 o rendimento do trabalhador negro
representava 48,2% do rendimento que o trabalhador branco ganhava, e em 2008 essa
proporção aumentou para 55,3%. O melhor desempenho do rendimento dos trabalhadores
negros no período recente pode ser atribuído à maior representação desses trabalhadores entre
aqueles que recebem o salário mínimo, e cabe destacar a significativa valorização real desse
salário, cuja média dos reajustes anuais foi de 13% entre 1998 e 2003 e 12,2% entre 2003 e
2007, sendo que “a manutenção da magnitude dos reajustes anuais de salário mínimo com
93
A opção pelo início após 1994 se deve ao fato de se evitar comparações de períodos com relativa estabilidade
de preços e períodos de inflação. Em geral, no período inflacionário existem diversos erros, como a dificuldade
dos agentes mensurarem e informarem corretamente seus rendimentos.
94
INPC = Índice Nacional de Preços ao Consumidor, apurado pelo IBGE.
100
inflação bem menor depois de 2003 fez o aumento médio anual do valor salário mínimo
passar de 3,3% entre 1998 e 2003 para 7,1% entre 2003 e 2007. (BALTAR; LEONE;
BORGHI, 2007, p. 8).
Tabela 19 - Valor do Rendimento Médio Mensal aos preços correntes de 1995 de todos os
trabalhos, segundo o sexo e a cor 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%).
Cor/Raça da Pessoa
Homem
1999
2002
2008
Branco
722,02
662,96
635,51
680,32
Negro
348,05
322,14
315,06
376,17
Fonte: PNAD 1995, 1999, 2002 e 2008.
Tabela 20 - Valor do Rendimento Médio Mensal aos preços correntes de 1995 de todos os
trabalhos, segundo o sexo e a cor 1995, 1999, 2002 e 2008 - (%).
Cor/Raça da Pessoa
Mulher
1999
2002
2008
Branca
450,40
453,44
452,76
487,54
Negra
234,47
232,42
236,96
292,02
Fonte: PNAD 1995, 1999, 2002 e 2008.
No caso das mulheres, houve um ganho real no rendimento médio para ambas as
raças, assumindo uma variação de 8,4% no rendimento das mulheres brancas e de 24,5% no
rendimento das mulheres negras. Houve uma redução na diferença de rendimento entre as
raças, pois em 1995 o rendimento da mulher negra representava 52,1% do valor que a mulher
branca ganhava, e em 2008 essa proporção aumentou para 59,9%. Semelhante ao caso dos
homens, também um grande percentual de mulheres negras que recebem o salário mínimo,
e, de acordo com a afirmação de Baltar, Leone e Borghi (2007, p. 9) e nossa análise sobre a
posição na ocupação, pode-se constatar que “as ocupações de menor renda, no entanto, foram
mais beneficiadas pelo aumento do salário mínimo legal, devido ao fato de uma maior
proporção desses trabalhadores apresentarem renda próxima ao valor do salário mínimo
legal.”
Ou seja, tanto a mulher quanto o homem negro ainda recebem menos que a população
branca, no entanto, esse hiato dos rendimentos segue uma trajetória de queda ao longo do
período analisado.
101
As Tabelas 21 e 22, a seguir, mostram a distribuição das pessoas por nível de
escolaridade, segundo sexo e cor, para os anos de 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008. Os dados
revelam que, mesmo apresentando queda ao longo do período, é grande a presença dos negros
nos níveis de escolaridade mais baixos. Por exemplo, para o nível sem instrução ou com
menos de um ano de estudo, a proporção de brancos, em 1992, era 11,8% de homens e 8,4%
de mulheres, enquanto os negros eram 30,3% de homens e 23,3% de mulheres; em 2008, a
nova proporção de brancos passou a ser 5,4% de homens e 2,8% de mulheres, e a de negros
passou para 13,3% de homens e 6,7% de mulheres. De 4 a 7 anos de estudo, em 1992, a
proporção de brancos era 33,5% de homens e 30,9% de mulheres, e para os negros a
proporção era 28,4% de homens e 29,2% de mulheres; em 2008, a proporção de brancos
passou para 23,4% de homens e 17,1% de mulheres, e a de negros passou para 27,7% de
homens e 22,4% de mulheres.
Ao subir os níveis de escolaridade, observa-se a maior presença dos brancos. Por
exemplo, de 11 a 14 anos de estudo, em 1992, a proporção de brancos era 16,9% de homens e
22,3% de mulheres, e para os negros a proporção era 8,3% de homens e 14,8% de mulheres;
em 2008, essa categoria era representada pelos brancos na proporção de 33,1% de homens e
40,8% de mulheres, e a proporção dos negros totalizava 25,3% de homens e 36,6% de
mulheres.
Assim, os dados indicam expansão no nível educacional tanto para homens quanto
para mulheres, brancos e negros, pois, em 1992, os brancos (homens e mulheres) tinham sua
maior representatividade na categoria de 4 a 7 anos de estudo, enquanto os homens negros
tinham sua maior participação na categoria sem instrução ou com menos de um ano de estudo
e as mulheres negras na categoria de 4 a 7 anos de estudo. Em 2008, os brancos passaram a ter
sua maior representatividade na categoria de 11 a 14 anos de estudo, os homens negros na
categoria de 4 a 7 anos de estudo e as mulheres negras na categoria de 11 a 14 anos de estudo.
102
Tabela 21 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e o nível de escolaridade - 1992,
1995, 1999, 2002 e 2008 - (%).
Fonte: PNAD 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
Tabela 22 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e o nível de escolaridade - 1992,
1995, 1999, 2002 e 2008 - (%)
Fonte: PNAD 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
Ao longo desta seção, foi possível observar pontos negativos e positivos quanto à
incorporação dos negros, homens e mulheres, no mercado de trabalho. Vimos que sua maior
representatividade se manteve nos ramos de atividade econômica de menor rendimento
médio, quando comparados com os brancos, e mesmo com o aumento do nível de
escolaridade; os homens negros permanecem com grande participação nos setores Agrícola e
de Construção Civil, enquanto as mulheres negras continuam fortemente inseridas no setor de
Serviços Domésticos.
É importante reconhecer que, ainda que de forma lenta, as mudanças começaram.
Os dados revelaram uma tendência de crescimento na qualificação dos negros, com a maior
presença dos homens na categoria de 4 a 7 anos de estudo e das mulheres na categoria de 11 a
14 anos de estudo. Isso os beneficiou com uma maior inserção nos ramos de atividade com
melhor remuneração, como o da Indústria de Transformação, de Educação, Saúde e Serviços
Sociais e de Comércio e Reparações. Ademais, o acréscimo de qualificação e a recente
Nível de Escolaridade
Homem Branco
Homem Negro
1992
1995
1999
2002
2008
1992
1995
1999
2002
2008
Sem instrução ou com menos de 1
ano de estudo
11,8
9,7
8,1
7,2
5,4
30,3
27,2
22,8
19,9
13,3
1 a 3 anos de estudo
16,3
15,0
12,8
11,3
7,9
22,0
21,7
20,8
18,0
13,0
4 a 7 anos de estudo
33,5
34,6
33,2
30,6
23,4
28,4
29,8
30,8
30,8
27,7
8 a 10 anos de estudo
13,2
14,1
15,4
15,5
16,0
9,5
10,2
12,1
13,5
16,8
11 a 14 anos de estudo
16,9
17,3
20,2
24,6
33,1
8,3
9,2
11,5
15,5
25,3
15 anos ou mais
8,3
9,2
10,3
10,8
14,2
1,6
1,9
2,0
2,4
3,9
Nível de Escolaridade
Mulher Branca
Mulher Negra
1992
1995
1999
2002
2008
1992
1995
1999
2002
2008
Sem instrução ou com menos de 1
ano de estudo
8,4
6,5
4,6
3,9
2,8
23,3
18,4
14,2
10,8
6,7
1 a 3 anos de estudo
13,1
11,1
8,7
7,7
4,1
19,1
17,8
15,8
13,3
8,4
4 a 7 anos de estudo
30,9
30,3
27,9
23,5
17,1
29,2
30,7
29,9
29,2
22,4
8 a 10 anos de estudo
12,5
13,6
15,3
15,1
13,6
10,2
12,1
14,6
15,2
17,5
11 a 14 anos de estudo
22,3
25,0
28,3
32,6
40,8
14,8
17,1
20,6
26,1
36,6
15 anos ou mais
12,8
13,6
15,2
17,1
21,5
3,4
3,9
4,9
5,4
8,4
103
melhora da economia brasileira favoreceram a redução da proporção de negros, homens e
mulheres, no setor informal e na taxa de desemprego.
Além do bom desempenho dos indicadores educacionais, a melhora da posição dos
negros no mercado de trabalho também contou com a afirmação de direitos através da
Constituição Federal de 1988 (por exemplo, o art. 7°, XXX, proíbe a diferença de salários e
de critério de admissão por motivo de cor, entre outras motivações) e com a participação ativa
do movimento negro na luta pela redução da discriminação racial.
Portanto, o intenso processo de segregação racial, apontado por Florestan Fernandes
em seus estudos referentes à sub-representação dos negros no mercado de trabalho brasileiro,
se alterou ao longo do tempo, conforme evidenciaram os dados analisados. Aos poucos, os
negros se inseriram no mercado de trabalho assalariado com carteira de trabalho assinada,
mas ainda permanecem em quantidade numerosa nos ramos de atividade econômica e
posições na ocupação de menor prestígio e baixo status, como a Construção Civil e o Serviço
Doméstico.
104
4. A SEGREGAÇÃO OCUPACIONAL SEGUNDO A COR DOS TRABALHADORES
NO PERÍODO DE 2002 A 2008
No primeiro capítulo discutiu-se a segregação inicialmente imposta aos negros, na
medida em que eles praticamente não se inseriram no mercado de trabalho assalariado e
urbano no período de sua implementação no Brasil. Todavia, os capítulos seguintes
evidenciaram que atualmente os trabalhadores negros se inserem nesse mercado, inclusive na
posição de assalariados com carteira assinada. Além disso, os indicadores do mercado de
trabalho apontam uma melhora na situação desses trabalhadores ao longo do tempo como
resultado da elevação da escolaridade e de suas lutas contra o preconceito.
Caberia investigar se os negros inseridos no mercado de trabalho, considerando-se o
conjunto dos ocupados e os assalariados com carteira de trabalho, têm uma participação nos
grupos ocupacionais similar à sua participação entre todos os ocupados. Se essa comparação
revelasse uma proximidade entre essas razões, não haveria segregação nos grupos
ocupacionais, porém a existência de divergências evidencia a presença da segregação nos
grupos ocupacionais. A opção pela investigação da segregação entre os grupos ocupacionais
se deve às maiores divergências identificadas quando essa comparação se realiza. Existem
outras possibilidades de investigação da segregação, como entre os ramos de atividade ou
posição na ocupação, porém nessa dissertação nos limitamos ao estudo da segregação
ocupacional, e em trabalhos futuros realizaremos outros estudos.
A literatura já evidenciou a presença de segregação ocupacional entre homens e
mulheres, como apresentado nos estudos de Ometto et al. (1997), que analisaram a segregação
por gênero no mercado de trabalho dos Estados de São Paulo e Pernambuco, e nos trabalhos
de Oliveira (1997, 1998), que analisou a segregação ocupacional por sexo no Brasil. Tais
pesquisas comprovam, portanto, que existem grupos ocupacionais femininos e masculinos.
Desse modo, optamos por investigar a segregação ocupacional entre mulheres brancas e
negras e entre homens brancos e negros. O objetivo deste capítulo é identificar se existe um
padrão de inserção distinto nos grupos ocupacionais entre brancas e negras, bem como entre
brancos e negros, no período de 2002 a 2008. Este estudo se baseia também em índices que
são adaptados ao cálculo da segregação, segundo a cor, como o Índice de Dissimilaridade de
Duncan & Duncan, o Índice de Dissimilaridade Padronizado pelo Tamanho e o Índice de
Karmel-MacLachlan. O recorte temporal se deve às transformações que ocorreram no código
de classificação ocupacional utilizado pela PNAD. O novo código de classificação adotado a
partir de 2002 não permite a compatibilização das informações relativas ao grupo ocupacional
105
com as pesquisas anteriores. Ademais, a identificação da cor dos indivíduos na PNAD se faz
por meio da autodeclaração
95
. No período mais recente, algumas pessoas podem ter alterado
sua autodeclaração de cor em função das lutas e campanhas dos movimentos sociais. Ou seja,
estamos cientes dessas influências, entretanto reconhecemos que estudos acerca da segregação
ocupacional, segundo a cor, se revelam importantes para desvendar a realidade de nosso
mercado de trabalho e confirmar a necessidade de implementação de políticas públicas.
O capítulo se divide em quatro seções. A primeira seção apresenta os principais
conceitos e estudos sobre segregação ocupacional no mercado de trabalho brasileiro. A
segunda seção analisa alguns indicadores estatísticos da segregação, segundo a cor e os
grupos ocupacionais, para o conjunto de ocupados e de assalariados com carteira de trabalho
assinada, e possui uma subseção que analisa os mesmos indicadores estatísticos da segregação
para o conjunto dos assalariados com os mesmos atributos produtivos, ou seja, acrescentamos
ao cálculo a variável faixa de anos de estudos como controle. A terceira seção refere-se às
metodologias dos índices utilizados para calcular a segregação ocupacional e está dividida em
três subseções: Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice de
Dissimilaridade Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e o Índice de Karmel-MacLachlan (KM). A
quarta seção mostra a aplicação dos índices para mensurar a segregação por grupo
ocupacional, segundo a cor, no mercado de trabalho brasileiro, e apresenta as possíveis
interpretações dos resultados obtidos.
4.1 Segregação e discriminação, segundo a cor: conceitos e distinções
A literatura acerca dos estudos de segregação ocupacional, na maioria das vezes, se
dedica aos diferenciais existentes entre os gêneros. Assim, as divergências na inserção de
homens e mulheres já se encontram devidamente evidenciadas pelas diversas pesquisas.
Nosso propósito, neste capítulo, é o estudo da segregação segundo a cor, no mercado de
trabalho, entre mulheres brancas e negras, bem como entre homens negros e brancos.
O termo segregação no mercado de trabalho significa uma assimetria na contratação
de trabalhadores pelas empresas, baseada em certas características, como por exemplo: sexo,
95
Segundo Valle Silva (1999, p. 105-106), a coleta de dados sobre a cor em sua forma censitária oficial baseia-se
na suposição de que qualquer que seja a identidade racial ou preferência verbal que o respondente tenha para
indicar a sua cor, a pergunta na sua forma fechada em categorias pré-determinadas é compreendida como uma
referência à característica física/demográfica cor da pele. E, como tal, respondida de forma aproximadamente
correta. É claro que, como as demais características individuais, está sujeita a erros de mensuração, embora esses
sejam certamente menores do que aqueles envolvidos na mensuração de características mais propriamente
socioeconômicas, tais como educação e ainda mais notoriamente sujeita a erro renda individual.
106
cor, nacionalidade e qualificação profissional (Bahia et al., 2009). Consequentemente, isso
induz a uma tendência de concentração dos trabalhadores em segmentos distintos, tendendo à
formação de setores e guetos ocupacionais. A segregação ocupacional
96
segundo a cor pode
ser definida como a maior presença de brancos ou negros em distintos grupos ocupacionais.
Essa distribuição pode se alterar no tempo, porém uma elevada proporção de trabalhadores de
cor diferente permanece concentrada em distintos grupos ocupacionais. Muitas vezes se nota
que a segregação ocupacional impõe uma concentração de indivíduos, em razão de sua cor,
em grupos ocupacionais de baixos rendimentos (OLIVEIRA, 1997; ARAÚJO; RIBEIRO,
2002).
Em geral, os estudos sobre diferenciais no mercado de trabalho se restringem à
discriminação do trabalho. Segundo Ometto et al. (1997), existem distinções entre os
conceitos de segregação ocupacional e discriminação, conforme explicam:
[...] o conceito de discriminação ocupacional é mais estrito do que o de
segregação ocupacional. Ele implica não apenas que homens e mulheres
estejam segregados em diferentes ocupações, mas também a existência de
duas condições adicionais: que as ocupações nas quais mulheres se
concentram sejam pior remuneradas; e que essa distribuição diferenciada dos
gêneros entre as ocupações não resultem de diferenças de qualificação ou de
escolha, mas de restrições impostas às mulheres no acesso a determinadas
ocupações (OMETO et al., 1997, p. 394).
Embora os autores diferenciem os conceitos a partir do estudo da ocupação segundo o
gênero, essa diferenciação poderia ser estendida para as análises acerca da inserção de
trabalhadores segundo a cor.
Oliveira (1997) também apresenta definições desses conceitos em seu estudo sobre a
inserção no mercado de trabalho segundo o gênero. Para a autora, a discriminação se refere
ao tratamento desigual de homens e mulheres, com base em atributos não produtivos e que
são irrelevantes para o desempenho das atividades laborais. A segregação ocupacional por
sexo se verifica em situações em que homens e mulheres dotados dos mesmos atributos
produtivos são inseridos em postos de trabalho distintos. Também essa distinção dos
conceitos pode ser aplicada aos estudos segundo a cor. Na verdade, a discriminação se deve à
atitude consciente do empregador, que algumas vezes se recusa a empregar determinados
trabalhadores em virtude de seus atributos não produtivos, ao passo que a segregação pode ser
observada na elevada participação de indivíduos de determinada cor em certos grupos
96
Cabe mencionar a existência de segregação horizontal e segregação vertical. Entende-se por segregação
horizontal a concentração feminina em poucos setores e atividades. A segregação vertical refere-se à
concentração da ocupação em funções com pouco poder de decisão (ARAÚJO; RIBEIRO, 2002, p. 5).
107
ocupacionais. Esse fato, no entanto, pode resultar de diversos fatores, tais como a cultura, a
história e as distintas dinâmicas econômicas regionais. Todavia, pode existir um
entrelaçamento entre a segregação ocupacional e a discriminação, na medida em que esta
última pode ser um dos fatores que estabelece a segregação.
Conforme mencionamos acima, um dos estudos acerca da segregação ocupacional foi
desenvolvido por Ometto et al. (1997). Os autores investigaram a segregação e a
discriminação entre homens e mulheres nos estados de São Paulo e Pernambuco, no período
de 1981 a 1990, e constataram que mulheres e homens encontram-se segregados em distintas
ocupações. O índice de dissimilaridade ou de deslocamento de Duncan
97
revelou que a
segregação ocupacional por gênero nesses estados varia de 58% a 65%. Para eliminar a super-
representação em determinadas ocupações e sua sub-representação em outras, a força de
trabalho feminina (ou masculina) deveria ser redistribuída (deslocada). No estado de São
Paulo, o índice de Duncan variou de 0,635 em 1981 para 0,590 em 1990. Em Pernambuco, no
mesmo período, esse índice se elevou de 0,590 para 0,651.
Oliveira (1997), por sua vez, investigou as tendências ocupacionais da participação
feminina no mercado de trabalho não agrícola. Para isso, utilizou os dados da PNAD de 1981
e 1990, com um recorte por sexo, ocupados não agrícolas e grupos ocupacionais. A autora
calculou os índices convencionais
98
de segregação, segundo os atributos pessoais e
profissionais, na tentativa de captar alguma mudança na segregação. No caso da variável de
controle grupos de idade, observou que entre 1981 e 1990 verifica-se uma redução dos índices
em todos os grupos de idade. Assim, os padrões de inserção da mulher no mercado de
trabalho se tornaram mais semelhantes aos dos homens, uma vez que o tempo transcorreu
para ambos. Se a variável de controle for o grupo de anos de estudo, os indicadores de
segregação se reduzem na medida em que se eleva o nível de escolaridade dos ocupados não
agrícolas. Noutras palavras, em níveis mais elevados de educação formal a segregação por
sexo se atenua.
Em resumo, os trabalhos referidos apontam a existência de segregação ocupacional
por gênero, que, no entanto, se revela mais ou menos intensa na presença de variáveis de
controle. Em nosso estudo, optamos por separar mulheres e homens e investigar a segregação
entre mulheres brancas e negras, bem como entre homens negros e brancos.
97
Os valores assumidos pelo índice de dissimilaridade ou de deslocamento de Duncan variam de zero a um.
Quanto mais próximo de zero, mais perfeita é a integração dos sexos nas ocupações, ou seja, a distribuição de
homens e mulheres é semelhante à estrutura ocupacional; e quanto mais próximo de um, mais segregado é o
mercado de trabalho (OMETTO et al., 1997).
98
Segundo a autora, os índices de segregação convencionais são: índice de dissimilaridade (D), índice de
dissimilaridade padronizado (Ds) e índice de associação global (A).
108
Realizamos extensa pesquisa sobre a bibliografia que trata da segregação segundo a
cor no mercado de trabalho brasileiro, e somente encontramos o artigo de King (2009). Os
dados utilizados são provenientes das PNADs de 1989 e 2001. A autora constatou, a partir da
PNAD de 2001, que as mulheres negras se concentram no grupo das ocupações agrícolas e as
mulheres brancas nas ocupações administrativas. Os homens negros se encontram
concentrados nos grupos ocupacionais agrícolas e industriais, enquanto os homens brancos se
concentram nos grupos industriais, administrativos e agrícolas.
King (2009) calculou o índice de dissimilaridade, segundo a cor e o sexo, para o ano
de 2001, e o resultado apontou que de 23% a 60% da força de trabalho feminina (ou
masculina) branca (ou negra) deveriam mudar de ocupações, a fim de ser identicamente
distribuídos entre as ocupações conforme o grupo com o qual eles foram comparados. O
resultado também indicou que o grau de segregação ocupacional é mais alto por sexo do que
por cor, sendo cerca de duas vezes mais elevado. E ao analisar a segregação ocupacional
segundo os anos de estudo, a autora concluiu que a segregação segundo a cor aumenta na
medida em que o nível de escolaridade se eleva, enquanto a segregação segundo o sexo atinge
seu menor nível entre os mais estudados.
4.2 Indicadores estatísticos da segregação, segundo a cor e os grupos ocupacionais no
período de 2002 a 2008
Nosso estudo acerca da segregação ocupacional se concentra no período de 2002 a
2008. Restringimos-nos a esse período pelo fato de que após o ano de 2002 uma nova
classificação dos códigos das ocupações (CBO 2002) foi adotada pelo IBGE na aplicação do
questionário da PNAD
99
. Essas mudanças não permitem mais a comparação entre as
informações relativas às ocupações anteriores ao ano de 2002 e o período posterior. Ademais,
estudos sobre segregação ocupacional segundo a cor que considerem extenso período podem
incorrer em diversos erros, porque na PNAD a identificação da cor dos indivíduos se baseia
na autodeclaração, a qual se altera no tempo, sobretudo se considerarmos que os movimentos
sociais atuaram no passado recente no intuito de despertar a tomada de consciência por parte
da população acerca de seus valores. Cabe observar que nesse estudo as pessoas de cor negra
correspondem àquelas que se declararam pretas e pardas.
99
ACBO 2002 segue uma gica hierárquico-ocupacional, sendo que 2.422 ocupações são agrupadas em 596
famílias ocupacionais.
109
Se negros e brancos fossem dotados de idêntico conjunto de possibilidades
profissionais, a distribuição dessas pessoas entre as ocupações deveria ser semelhante. Em
outras palavras, o percentual esperado de postos de trabalho, em cada grupo ocupacional
preenchido por negros e/ou brancos, deveria ser semelhante aos seus percentuais no total da
força de trabalho. A partir dessas proporções, podemos ter indícios da existência de
segregação segundo a cor entre os grupos ocupacionais.
Para o cálculo dessas proporções, realizamos alguns filtros na amostra de
trabalhadores da PNAD, no intuito de obter grupos de trabalhadores mais homogêneos em
termos de atributos produtivos e inserção no mercado de trabalho. Inicialmente nos
restringimos aos ocupados com mais de 23 anos de idade e que trabalham mais de 39 horas
semanais. No levantamento estatístico apresentado neste capítulo consideramos os
agrupamentos dos títulos ocupacionais inseridos na variável derivada (V4810), do dicionário
de pessoas da PNAD. A agregação desses títulos resulta em oito grupos: dirigentes em
geral
100
, profissionais das ciências e das artes
101
, técnicos de nível médio
102
, trabalhadores dos
serviços administrativos
103
, trabalhadores dos serviços
104
, vendedores e prestadores de serviço
do comércio
105
, trabalhadores agrícolas
106
e trabalhadores da produção de bens e serviços e da
reparação e manutenção
107
.
No ano de 2002, os trabalhadores brancos representavam 56% dos ocupados, enquanto
os negros correspondiam a 44%. Em 2008, a proporção de brancos se reduz para 51%, ao
passo que os negros atingem 49% (Tabela 23). Ou seja, elevou-se a participação de negros
entre os trabalhadores do sexo masculino
108
. Nos anos de 2002 e 2008, os percentuais de
trabalhadores brancos e negros, nos grupos ocupacionais de vendedores e prestadores de
serviço do comércio e de trabalhadores da produção de bens e serviços e de reparação e
manutenção, são semelhantes aos percentuais do total de ocupados brancos e negros (Tabela
23). Nos outros grupos ocupacionais prevalece uma diferenciação entre suas proporções de
homens negros e brancos e aquela encontrada na população total, em ambos os anos. Em
100
O cálculo do rendimento médio foi baseado nos microdados da PNAD 2008. O rendimento médio nominal
dos Dirigentes em geral foi de R$ 2.887,00.
101
Em 2008, o rendimento médio nominal dos profissionais das ciências e das artes foi de R$ 2.634,00.
102
Em 2008, o rendimento médio nominal dos Técnicos de nível médio foi de R$ 1.420,00.
103
Em 2008, o rendimento médio nominal dos trabalhadores de serviços administrativos foi de R$ 876,00.
104
Em 2008, o rendimento médio nominal dos Trabalhadores dos serviços foi de R$ 511,00.
105
Em 2008, o rendimento médio nominal dos Vendedores e Prestadores de Serviço do Comércio foi de R$
641,00.
106
Em 2008, o rendimento médio nominal dos Trabalhadores agrícolas foi de R$ 333,00.
107
Em 2008, o rendimento médio nominal dos Trabalhadores da produção de bens e serviços e da reparação e
manutenção foi de R$ 753,00.
108
Entre 2002 e 2008, a variação do número de homens brancos ocupados foi de 8%, enquanto para negros essa
variação alcançou 27%.
110
geral, existem maiores proporções de brancos nos grupos ocupacionais com maiores
rendimentos médios, enquanto os negros se destacam em grupo ocupacional de baixo
rendimento, como no caso de trabalhadores agrícolas.
Tabela 23 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os grupos ocupacionais - 2002
e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Homem
Branco
Homem
Negro
Homem
Branco
Homem
Negro
Dirigentes em geral
76
24
72
28
Profissionais das ciências e das
artes
80
20
76
24
Técnicos de nível médio
68
32
63
37
Trabalhadores dos serviços
administrativos
63
37
57
43
Trabalhadores dos serviços
50
50
44
56
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
58
42
54
46
Trabalhadores agrícolas
44
56
41
59
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
53
47
46
54
Total
56
44
51
49
Fonte: PNAD 2002 e 2008
A Tabela 24 mostra que em 2002 a composição da força de trabalho feminina incluía
60% de brancas e 40% de negras. Transcorridos seis anos, essa proporção passou para 55% de
mulheres brancas e 45% de negras. Nota-se uma ampliação da participação das mulheres
negras entre os trabalhadores do sexo feminino
109
.
109
Entre 2002 e 2008, a variação do número de mulheres brancas ocupadas foi de 13% e o de negras, 30%.
111
Tabela 24 - Distribuição dos ocupados, segundo o sexo, a cor e os grupos ocupacionais - 2002
e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Dirigentes em geral
80
20
73
27
Profissionais das ciências e das
artes
80
20
73
27
Técnicos de nível médio
61
39
61
39
Trabalhadores dos serviços
administrativos
69
31
63
37
Trabalhadores dos serviços
48
52
43
57
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
61
39
54
46
Trabalhadores agrícolas
55
45
46
54
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
63
37
57
43
Total
60
40
55
45
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Em 2002 e 2008, observa-se que as proporções de mulheres negras e brancas inseridas
no grupo de vendedores e prestadores de serviços são similares aos percentuais dessas
mulheres entre a força de trabalho feminina. No ano de 2002, o grupo de técnicos de nível
médio também revela a mesma similaridade, bem como o grupo de trabalhadores da produção
de bens e serviços e da reparação e manutenção. Para 2002 e 2008, verifica-se maior
proporção de mulheres brancas nos grupos de maior remuneração, enquanto o percentual de
negras se destaca em grupos de baixos rendimentos (trabalhadores agrícolas).
Em resumo, as tabelas 23 e 24, geradas a partir dos filtros anteriores, apontaram um
descompasso entre a proporção de negros e negras nos grupos ocupacionais em relação aos
seus percentuais na força de trabalho masculina e feminina. Além do que, brancos e brancas
predominam em grupos ocupacionais de melhor rendimento.
Todavia, optamos por realizar novo filtro na amostra e separamos os assalariados com
carteira do conjunto das demais posições na ocupação. Como apontamos no capítulo 1, os
negros e negras foram inicialmente excluídos do mercado assalariado urbano, mas essa
realidade se alterou ao longo do tempo. Conforme os dados dos capítulos 2 e 3, as pessoas de
cor negra se inseriram no mercado de trabalho como assalariados, inclusive entre os
portadores de carteira de trabalho assinada. Resta investigar se a possível superação de uma
segregação imposta inicialmente não esconde uma nova segregação ocupacional entre os
assalariados com carteira. Consideramos importante o estudo em separado da segregação
112
ocupacional entre assalariados com carteira assinada e funcionários públicos, porque os
critérios de seleção e admissão se distinguem nesses casos. Em geral, o processo de seleção
dos cargos públicos se faz por meio de concursos, ou seja, pela via meritocrática, enquanto no
setor privado os candidatos devem ter um conjunto de atributos produtivos, mas o background
familiar também pode exercer influência, assim como os atributos não produtivos dos
candidatos, como a sua cor. Posto isso, interpretamos a segregação ocupacional somente entre
os assalariados com carteira de trabalho assinada.
As tabelas seguintes (25 e 26) se referem às pessoas com idade superior a 23 anos,
jornada de trabalho acima de 39 horas semanais e que se inserem no mercado de trabalho
como assalariados com carteira de trabalho assinada. Mais uma vez, adotamos filtros que
pudessem minimizar a heterogeneidade dos atributos produtivos dos trabalhadores e das
formas de inserção no mercado de trabalho.
No ano de 2002, 59% de homens brancos e 41% de homens negros integravam a força
de trabalho masculina, porém em 2008 essa proporção passou para 52% de brancos e 48% de
negros (Tabela 25). A análise temporal permite observar que houve um aumento na
participação dos homens negros entre os assalariados com carteira de trabalho assinada
110
.
Tabela 25 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor e os grupos
ocupacionais - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Homem
Branco
Homem
Negro
Homem
Branco
Homem
Negro
Dirigentes em geral
77
23
72
28
Profissionais das ciências e das
artes
83
17
80
20
Técnicos de nível médio
68
32
63
37
Trabalhadores dos serviços
administrativos
64
36
58
42
Trabalhadores dos serviços
50
50
44
56
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
63
37
58
42
Trabalhadores agrícolas
45
55
36
64
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
57
43
48
52
Total
59
41
52
48
Fonte: PNAD 2002 e 2008
110
No período de 2002 a 2008, a variação no número de homens brancos assalariados com carteira foi de 23% e
no de negros, 66%.
113
Em 2002 e 2008, as proporções de assalariados negros e brancos, somente no grupo
ocupacional dos trabalhadores da produção de bens e serviços e da reparação e manutenção,
se revelaram próximas dos percentuais de negros e brancos entre os assalariados do sexo
masculino (Tabela 25). Novamente, as proporções de assalariados negros se destacam em
grupos ocupacionais de baixos rendimentos, ao passo que entre os brancos se verifica
tendência oposta.
Por outro lado, a Tabela 26 mostra que, em 2002, a proporção de assalariadas brancas
correspondia a 63% e as negras a 37% no total da força de trabalho do sexo feminino, mas no
ano de 2008 esses percentuais se alteraram, no caso das trabalhadoras brancas reduziu para
57%, enquanto para as trabalhadoras negras elevou para 43%
111
.
Tabela 26 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor e os grupos
ocupacionais - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Dirigentes em geral
81
19
74
26
Profissionais das ciências e das
artes
81
19
77
23
Técnicos de nível médio
66
34
63
37
Trabalhadores dos serviços
administrativos
70
30
64
36
Trabalhadores dos serviços
52
48
44
56
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
68
32
61
39
Trabalhadores agrícolas
47
53
36
64
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
65
35
58
42
Total
63
37
57
43
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Em 2002 e 2008, as participações das assalariadas brancas e negras no grupo
ocupacional dos trabalhadores da produção de bens e serviços e da reparação e manutenção se
mostraram semelhantes aos percentuais das brancas e negras na força de trabalho feminina
global (Tabela 26). Vale ressaltar que, no ano de 2002, essa similaridade também se observa
no grupo ocupacional de técnicos de nível médio. Nesses anos, as mulheres negras também se
destacaram nos grupos ocupacionais de menor remuneração, como o de trabalhadores
111
No período de 2002 a 2008, a variação no número de mulheres brancas assalariadas com carteira foi de 28% e
no de negras, 65%.
114
agrícolas e o dos serviços, contudo, as brancas têm maior representatividade nos grupos
ocupacionais de alta remuneração.
Em resumo, ao considerarmos o conjunto de ocupados (assalariados, autônomos,
empregadores e sem remuneração) ou nos restringirmos aos assalariados com carteira de
trabalho assinada, observamos que os trabalhadores negros e negras se inserem nos grupos
ocupacionais de forma distinta de suas participações na força de trabalho masculina ou
feminina. Ademais, esses trabalhadores se destacam nos grupos ocupacionais de menor
remuneração. Assim, as estatísticas descritivas indicam a existência de segregação
ocupacional, segundo a cor.
4.2.1 Indicadores estatísticos da segregação, segundo a cor, os grupos ocupacionais e as
faixas de anos de estudo no período de 2002 a 2008
O mais adequado no estudo da segregação ocupacional é a comparação de indivíduos
com os mesmos atributos produtivos. Um dos atributos que influencia as possibilidades de
incorporação dos indivíduos em distintos postos de trabalhos são os anos de estudo, sobretudo
o término de um ciclo educacional. A conclusão dos ensinos fundamental, médio ou superior
altera significativamente as probabilidades das pessoas obterem ocupações de melhor
remuneração. Como apontado anteriormente, os negros têm níveis de escolaridade menores
em relação aos brancos. No intuito de controlar esse atributo produtivo, investigamos a
segregação ocupacional pela cor para assalariados com carteira que têm mais de 23 anos de
idade e com jornada de trabalho acima de 39 horas semanais, segundo grupos de anos de
estudo. Ou seja, as novas tabelas geradas consideram esse filtro. As faixas de anos de estudo
eleitas foram: de 0 a 7 anos, 8 a 10 anos, 11 a 14 anos e 15 anos ou mais.
Para os trabalhadores que têm de 0 a 7 anos de estudo, a Tabela 27 revela que a força
de trabalho masculina, em 2002, constituía-se de 51% de homens brancos e 49% de homens
negros, e em 2008 essa proporção passou para 43% e 57%, respectivamente. A comparação
entre esses anos aponta que se ampliou a participação dos negros entre os trabalhadores do
sexo masculino que têm de 0 a 7 anos de estudo.
115
Tabela 27 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 0 a 7 anos - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Homem
Branco
Homem
Negro
Homem
Branco
Homem
Negro
Dirigentes em geral
61
39
57
43
Profissionais das ciências e das
artes
53
47
54
46
Técnicos de nível médio
60
40
46
54
Trabalhadores dos serviços
administrativos
56
44
52
48
Trabalhadores dos serviços
48
52
43
57
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
57
43
49
51
Trabalhadores agrícolas
42
58
34
66
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
54
46
43
57
Total
51
49
43
57
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Em 2002 e 2008, as participações de negros e brancos se revelaram similares aos seus
percentuais na força de trabalho, para o grupo ocupacional dos trabalhadores da produção de
bens e serviços e da reparação e manutenção. Em 2008, essa similaridade também atinge os
grupos ocupacionais dos trabalhadores de serviços e de técnicos de nível médio. Nesse ano
verifica-se uma elevação do número de negros entre os assalariados que têm de 0 a 7 anos de
estudo, ao mesmo tempo que novos grupos ocupacionais revelam que as participações de
brancos e negros são similares àquelas encontradas no conjunto dos assalariados do sexo
masculino.
Os negros se destacam em grupos ocupacionais de baixa remuneração, enquanto os
brancos que têm nível de escolaridade próximo se sobressaem em grupos de maior
rendimento. Deve-se mencionar que a amostra de trabalhadores no grupo de profissionais de
ciências e das artes, que têm de 0 a 7 anos de estudo, se revela pequena e pode comprometer
os resultados apontados na Tabela 27.
Em relação às mulheres que têm de 0 a 7 anos de estudos, a Tabela 28 indica que, em
2002, as mulheres brancas representavam 54% e as mulheres negras 46% da força de trabalho
feminina. No ano de 2008, a proporção de brancas reduziu para 46% e a parcela de negras se
elevou para 54%. Observa-se uma ampliação da participação das negras nessa força de
trabalho.
116
Tabela 28 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 0 a 7 anos - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Dirigentes em geral
51
49
50
50
Profissionais das ciências e das
artes
62
38
80
20
Técnicos de nível médio
62
38
54
46
Trabalhadores dos serviços
administrativos
63
37
62
38
Trabalhadores dos serviços
50
50
43
57
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
68
32
58
42
Trabalhadores agrícolas
46
54
33
67
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
66
34
55
45
Total
54
46
46
54
Fonte: PNAD 2002 e 2008
As proporções de brancas e negras nos grupos ocupacionais não se revelaram similares
a suas participações na força de trabalho feminina que tem de 0 a 7 anos, exceto no caso de
trabalhadores do grupo dirigentes em geral, no ano de 2002. Todavia, a amostra de mulheres
brancas e negras nesse grupo ocupacional, bem como no grupo de profissionais das ciências e
das artes, mostra-se reduzida e, portanto, os resultados da Tabela 28 não são confiáveis. As
negras se destacam em grupos de baixa remuneração, como o de trabalhadores agrícolas, e as
brancas sobressaem em grupos de rendimento mais elevado, como o dos trabalhadores
técnicos de nível médio.
A Tabela 29 apresenta a distribuição dos assalariados do sexo masculino, que têm de 8
a 10 anos de estudo. Em 2002, a força de trabalho foi constituída por 59% de homens brancos
e 41% de homens negros; em 2008, essa proporção passou para 49% de homens brancos e
51% de homens negros. Nesse caso se verifica também uma redução na proporção de
trabalhadores brancos entre esses assalariados.
117
Tabela 29 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 8 a 10 anos - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Homem
Branco
Homem
Negro
Homem
Branco
Homem
Negro
Dirigentes em geral
72
28
70
30
Profissionais das ciências e das
artes
81
19
76
24
Técnicos de nível médio
58
42
51
49
Trabalhadores dos serviços
administrativos
58
42
53
47
Trabalhadores dos serviços
52
48
45
55
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
59
41
50
50
Trabalhadores agrícolas
74
26
49
51
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
61
39
49
51
Total
59
41
49
51
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Em 2002 e 2008, as proporções de assalariados brancos e negros, nos grupos
ocupacionais de técnicos de nível médio, vendedores e prestadores de serviço de comércio e
dos trabalhadores da produção de bens e serviços e da reparação e manutenção, foram
semelhantes aos percentuais desses trabalhadores (brancos e negros) no total dos assalariados
que têm de 8 a 10 anos de estudos. No ano de 2002, essa similaridade também se verifica para
os trabalhadores negros e brancos do grupo de trabalhadores dos serviços administrativos,
enquanto em 2008 essa proximidade se nota para os trabalhadores negros e brancos do grupo
de trabalhadores agrícolas (Tabela 29). A amostra que se refere ao grupo de profissionais das
ciências e das artes se revela pequena, e mais uma vez não podemos confiar nesses
percentuais.
Na faixa de 8 a 10 anos de estudo ampliou-se o número de grupos ocupacionais em
que não se verifica a segregação segundo a cor entre os homens, em relação aos resultados do
grupo de 0 a 7 anos de estudo. Assim, a desvantagem da forte inserção dos negros em grupos
ocupacionais de menor remuneração se reduziu.
No que concerne às mulheres que têm de 8 a 10 anos de estudo, em 2002, as brancas e
negras correspondiam, respectivamente, a 61% e 39% da força de trabalho feminina (Tabela
30). No ano de 2008, a proporção de brancas reduz-se para 51% e o percentual de negras se
eleva para 49%.
118
Tabela 30 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 8 a 10 anos - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Dirigentes em geral
74
26
59
41
Profissionais das ciências e das
artes
62
38
88
12
Técnicos de nível médio
60
40
64
36
Trabalhadores dos serviços
administrativos
68
32
62
38
Trabalhadores dos serviços
55
45
42
58
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
67
33
56
44
Trabalhadores agrícolas
45
55
49
51
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
64
36
60
40
Total
61
39
51
49
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Para as assalariadas nessa faixa de anos de estudo, deve-se observar que vários grupos
tiveram amostra reduzida e, portanto, os percentuais desses grupos não são confiáveis, tais
como: dirigentes em geral, profissionais das ciências e das artes, técnicos de nível médio e
trabalhadores agrícolas (Tabela 30). Somente no ano de 2002 as proporções de brancas e
negras se revelaram similares aos percentuais delas na força de trabalho feminina que tem de
8 a 10 anos de estudo. A interpretação da segregação ocupacional para as mulheres brancas e
negras nesse grupo de anos de estudos fica comprometida diante da insuficiência das amostras
de vários grupos ocupacionais.
Quanto à faixa de 11 a 14 anos de estudo, nota-se que em 2002 os homens brancos e
negros correspondiam, respectivamente, a 66% e 34%, e no ano de 2008, esse percentual para
os brancos reduz-se para 56% e eleva-se para os negros, alcançando 44% (Tabela 31). Mais
uma vez, cresce a participação dos negros na força de trabalho, agora para os que têm de 11 a
14 anos estudo.
119
Tabela 31 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 11 a 14 anos - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Homem
Branco
Homem
Negro
Homem
Branco
Homem
Negro
Dirigentes em geral
75
25
68
32
Profissionais das ciências e das
artes
75
25
65
35
Técnicos de nível médio
69
31
62
38
Trabalhadores dos serviços
administrativos
66
34
57
43
Trabalhadores dos serviços
53
47
46
54
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
67
33
62
38
Trabalhadores agrícolas
68
32
41
59
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
63
37
53
47
Total
66
34
56
44
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Nos anos estudados, os percentuais desses brancos e negros nos grupos de
trabalhadores da produção de bens e serviços e da reparação e manutenção e de trabalhadores
dos serviços administrativos se mostram próximos das proporções de brancos e negros entre
os assalariados nessa faixa de anos de estudos (Tabela 31). Ademais, em 2002, verifica-se
essa similaridade também para o grupo de vendedores e prestadores de serviços. Os negros se
destacam em grupo ocupacional de menor rendimento médio, como o de trabalhadores de
serviços, enquanto brancos sobressaem em grupo de remuneração mais elevada. Cabe
observar que a amostra no grupo de trabalhadores agrícolas se revela reduzida e, portanto, não
se pode confiar nas proporções de brancos e negros desse grupo.
Em relação às mulheres inseridas na faixa de 11 a 14 anos de estudo, nota-se que em
2002 as negras representavam 33% e as brancas 67%; no ano de 2008, a proporção de
mulheres negras se eleva para 41%, enquanto o percentual de brancas se reduz para 59%
(Tabela 32). Nesse grupo de anos de estudos também se verifica uma queda da participação
das brancas e elevação das negras.
120
Tabela 32 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 11 a 14 anos - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Dirigentes em geral
76
24
71
29
Profissionais das ciências e das
artes
76
24
68
32
Técnicos de nível médio
63
37
59
41
Trabalhadores dos serviços
administrativos
68
32
63
37
Trabalhadores dos serviços
55
45
48
52
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
67
33
61
39
Trabalhadores agrícolas
52
48
42
58
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
66
34
58
42
Total
67
33
59
41
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Em 2002 e 2008, as participações de negras e brancas, nos grupos de trabalhadores da
produção de bens e serviços e da reparação e manutenção, trabalhadores dos serviços
administrativos, técnicos de nível médio e de vendedores e prestadores de serviço do
comércio, se mostram similares aos seus percentuais na força de trabalho feminina nessa faixa
de anos de estudos (Tabela 32). Verifica-se ainda que as negras têm maior peso em grupo de
baixo rendimento, como o de trabalhadores de serviços, ao passo que as brancas se destacam
em grupo de renda mais elevada, como o de dirigentes em geral. Somente no grupo de
trabalhadores agrícolas observou-se uma amostra reduzida de pessoas brancas e negras,
comprometendo as participações obtidas nesses grupos. É digno de nota que, entre as
mulheres negras e brancas mais escolarizadas, existem indícios de redução da segregação, ou
seja, se reduz o destaque que as negras assumem nos grupos de menores rendimentos.
Focalizando a faixa de anos de estudos de 15 anos ou mais, a Tabela 33 aponta que,
em 2002, os homens negros equivaliam a 13% e os brancos a 87%; no ano de 2008, a
participação dos negros se elevou para 21% e os brancos permaneceram em 79%. Mesmo no
grupo que tem as pessoas com maior escolaridade verifica-se uma ampliação da participação
dos negros.
121
Tabela 33 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 15 anos ou mais - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Homem
Branco
Homem
Negro
Homem
Branco
Homem
Negro
Dirigentes em geral
90
10
84
16
Profissionais das ciências e das
artes
88
12
83
17
Técnicos de nível médio
86
14
78
22
Trabalhadores dos serviços
administrativos
78
22
72
28
Trabalhadores dos serviços
69
31
63
37
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
88
12
75
25
Trabalhadores agrícolas
56
44
48
52
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
76
24
64
36
Total
87
13
79
21
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Nos anos de 2002 e 2008, os percentuais de negros e brancos no grupo de
trabalhadores de nível técnico se revelaram similares a suas participações na força de trabalho
masculina (Tabela 33). Contudo, em 2002, essa similaridade pode ser encontrada também nos
grupos de profissionais de ciências e das artes e de dirigentes em geral. Entre brancos e negros
de elevada escolaridade ainda existem indícios de segregação ocupacional. Outro ponto
importante refere-se à ampliação dos grupos ocupacionais cuja amostra se revela reduzida,
quais sejam, trabalhadores dos serviços, vendedores e prestadores de serviço, trabalhadores
agrícolas e trabalhadores da produção de bens e serviços e da reparação e manutenção. Não
podemos interpretar com significativa confiança os resultados dos percentuais desses grupos.
A Tabela 34 indica a distribuição das assalariadas com 15 anos de estudo ou mais. No
ano de 2002, as proporções de brancas e negras foram respectivamente de 85% e 15%, mas
em 2008, no caso da participação de negras verificamos novamente uma elevação para 22%,
enquanto os percentuais de brancas se reduzem para 78%.
122
Tabela 34 - Distribuição dos assalariados com carteira, segundo o sexo, a cor, os grupos
ocupacionais e a faixa de anos de estudo de 15 anos ou mais - 2002 e 2008 - (%).
Grupos Ocupacionais
2002
2008
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Mulher
Branca
Mulher
Negra
Dirigentes em geral
92
8
80
20
Profissionais das ciências e das
artes
84
16
80
20
Técnicos de nível médio
83
17
82
18
Trabalhadores dos serviços
administrativos
83
17
76
24
Trabalhadores dos serviços
91
9
58
42
Vendedores e prestadores de
serviço do comércio
84
16
77
23
Trabalhadores agrícolas
100
0
14
86
Trabalhadores da produção de bens
e serviços e de reparação e
manutenção
78
22
76
24
Total
85
15
78
22
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Em 2002 e 2008, os percentuais de negras e brancas se revelam próximos daqueles
verificados na força de trabalho feminina, nos seguintes grupos ocupacionais: profissionais de
ciências e das artes e trabalhadores dos serviços administrativos (Tabela 34). No ano de 2002,
essa similaridade se verifica também no grupo técnicos de nível médio, ao passo que em 2008
observamos essa proximidade para o grupo de dirigentes em geral. No caso das mulheres
verifica-se uma alteração nos grupos que indicam ausência de segregação ocupacional,
contudo permanecem as mesmas quantidades de grupos. Além disso, esses grupos têm
rendimentos maiores.
Recapitulando, no período de 2002 a 2008, os negros e as negras elevam suas
participações entre ocupados e assalariados, segundo os grupos ocupacionais. Isso se deve em
parte à maior variação do número dessas pessoas na condição de ocupadas ou assalariadas em
relação à variação de brancos e de brancas. Assim, negros e negras também ampliaram sua
proporção entre os assalariados segmentados, nas diversas faixas de anos de estudo.
Os dados apontaram que entre os ocupados (assalariado com carteira, funcionário
públicos, militar, autônomo, empregador e sem remuneração) e assalariados com carteira de
trabalho assinada se constata a segregação ocupacional entre brancos e negros, bem como
entre negras e brancas.
Utilizamos também filtros que permitem investigar essa segregação para diversas
faixas de anos de estudo, no caso de assalariados com carteira. Todavia, os resultados são
123
heterogêneos a partir desses recortes. Entre os menos escolarizados, que têm de 0 a 7 anos de
estudo, verificamos a existência de segregação ocupacional entre homens brancos e negros,
assim como entre mulheres brancas e negras. No grupo de 8 a 10 anos de estudo, verifica-se
redução da segregação ocupacional para homens negros e brancos, enquanto para mulheres os
resultados não são conclusivos. Nas faixas de 11 a 14 e de 15 anos ou mais de estudo se
revela de forma um pouco mais evidente a minimização da segregação ocupacional entre as
mulheres negras e brancas, porém entre os homens brancos e negros não se nota indícios de
redução significativa dessa segregação. Ou seja, o esforço de escolarização das negras
coincide com minimização da segregação ocupacional, embora não seja o caso dos homens
negros. Entretanto, esse filtro que controla os anos de estudo, ainda que adequado na medida
em que regula importante atributo produtivo, gera uma dificuldade que se deve à redução da
amostra em vários grupos ocupacionais, portanto as conclusões realizadas a partir desse
recorte padecem de limitações.
4.3 Índices de segregação ocupacional, segundo a cor: metodologias
Conforme a seção anterior apontou, uma possibilidade de mensurar a segregação
ocupacional segundo a cor é a comparação entre a proporção de brancos e negros nos grupos
ocupacionais e suas participações no total da população ocupada. Existem outras formas de
mensurar essa segregação, como a estimativa de índices. A literatura sobre a segregação
ocupacional, em geral, utiliza o índice de dissimilaridade de Duncan & Duncan (D) e o índice
de dissimilaridade padronizado pelo tamanho (D
s
). O índice de Karmel-MacLachlan (KM)
também permite medir a segregação ocupacional, embora seja menos difundido entre os
estudiosos.
Vale destacar que, ao estudar qualquer índice de segregação, deve-se considerar quatro
critérios indispensáveis: i) equivalência organizacional, a combinação de duas ocupações que
têm estrutura de segregação idêntica ou a divisão de um grupo ocupacional em unidades com
idêntica estrutura de segregação não alteram o valor do índice; ii) invariância no tamanho,
quando o total da população cresce a uma proporção fixa, o valor do índice permanece
constante; iii) simetria por sexo, quando o número relativo de mulheres utilizadas no cálculo
do índice é substituído pelo valor correspondente de homens e vice-versa, o valor do índice
não é afetado, e esta propriedade evita a existência de dois valores diferentes para um índice,
que poderia levar a movimentos contraditórios; e iv) o princípio de transferência em sua
forma fraca, que consiste na transferência de uma mulher da ocupação feminina para uma
124
ocupação masculina, e sua substituição por um homem da ocupação masculina conduziria a
uma redução no valor do índice (WATTS, 1998).
Esta seção se divide em três subseções. A primeira diz respeito à metodologia do
Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), adaptado para medir o nível de
segregação ocupacional segundo a cor dos trabalhadores. A segunda subseção se refere à
forma de mensuração do Índice de Dissimilaridade Padronizado pelo Tamanho (D
s
),
calculado sobre um número fixo de categorias como se fossem do mesmo tamanho; este
índice também foi adaptado para medir o grau de segregação segundo a cor dos trabalhadores.
A terceira subseção aborda a metodologia do Índice de Karmel-MacLachlan (KM), que
também foi adequado para mensurar a segregação segundo a cor dos trabalhadores.
4.3.1 Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D)
O índice de dissimilaridade de Duncan & Duncan (D) é um dos mais utilizados para
captar a existência e o grau de segregação no mercado de trabalho. Esse índice permite
comparações ao longo do tempo e pode mensurar a segregação ocupacional segundo o sexo
homens e mulheres e a cor brancos e negros (OLIVEIRA, 1997). À guisa de ilustração, a
fórmula abaixo (1) expressa o cálculo da segregação ocupacional entre homens negros e
homens brancos:
J
j
jj
HB
HB
HN
HN
D
1
2
1
(1)
onde:
J
= número total de ocupações;
j
HN
= número de indivíduos de um grupo (homens negros) na ocupação j;
HN
= número de homens negros ocupados na força de trabalho total;
j
HB
= número de indivíduos no grupo de comparação (homens brancos) na ocupação j;
HB
= número de homens brancos ocupados na força de trabalho total.
Esse indicador fornece a proporção de homens negros (ou brancos) que deveriam
mudar de ocupação para que a participação dessas pessoas em cada ocupação seja igual a suas
participações na força de trabalho total. Ou seja, se essas mudanças fossem realizadas, se
eliminaria a segregação ocupacional (OLIVEIRA, 1997). Os valores do índice D variam entre
zero e um, sendo que, quanto mais próximo de zero, mais próximo da perfeita integração dos
125
grupos analisados nas ocupações, ou seja, os grupos analisados teriam a mesma estrutura
ocupacional
112
; e quanto mais próximo de um, maior seria a segregação ocupacional.
Contudo, alguns estudos apontam o índice de dissimilaridade como uma medida não
satisfatória, porque ao defini-lo como a proporção da força de trabalho que deve mudar de
ocupação para que a segregação ocupacional seja eliminada, propõe-se uma alteração na
estrutura ocupacional, ou seja, no tamanho relativo das categorias ocupacionais. Além disso,
esse índice se altera conforme as transformações se verifiquem na estrutura ocupacional.
Assim, o índice tem limites como uma medida longitudinal válida
113
. Por outro lado, o índice
de dissimilaridade (D) é invariante na composição por cor, o que permite seu uso para
comparar períodos com diferentes taxas de participação de negros e brancos na força de
trabalho (OLIVEIRA, 1997; WATTS, 1998).
4.3.2 Índice de Dissimilaridade Padronizado pelo Tamanho (D
s
)
O índice de dissimilaridade padronizado pelo tamanho (D
s
) é calculado sobre um
número fixo de categorias ocupacionais comparáveis, sendo considerado uma medida
absoluta padronizada de segregação que trata todas as ocupações como se fossem do mesmo
tamanho (OLIVEIRA, 1997, 1998). A equação 2 ilustra a forma de mensurar a segregação por
cor através do índice de dissimilaridade padronizado pelo tamanho (D
s
):
J
j
j
j
j
j
J
j
J
j
j
j
j
j
s
T
HB
T
HB
T
HN
T
HN
D
1
1
1
2
1
(2)
onde: = número total de homens negros e homens brancos na ocupação
jj
HBHNj
; os
numeradores
j
j
T
HN
e
j
j
T
HB
indexam as proporções de homens negros e homens brancos
na ocupação j; os denominadores ajustam tais valores sobre as proporções prevalecentes nas
ocupações (OLIVEIRA, 1997, 1998).
112
Por exemplo, se os homens negros fossem 40% da força de trabalho, o índice seria zero se cada ocupação
fosse preenchida com 40% de trabalhadores negros. Neste sentido, não tem importância os números absolutos de
homens brancos e homens negros na força de trabalho, mas sim a distribuição percentual desses trabalhadores ao
longo das ocupações (OLIVEIRA, 1997).
113
Segundo Oliveira (1997, p. 27), mudanças no número e tamanho das ocupações: quanto maior o tamanho de
uma categoria ocupacional e maior o número de categorias, maiores os valores da segregação.
126
Ao ponderar os termos pela soma das proporções de cada cor nas diferentes
ocupações, o índice D
s
elimina a dependência marginal estabelecida com a estrutura
ocupacional, porque padroniza cada uma das ocupações j ao mesmo tamanho, não permitindo
que as mudanças no tamanho das ocupações ao longo do tempo afetem o valor do índice.
Entretanto, esse procedimento de ponderação gera uma estimativa enviesada, por aumentar o
impacto das categorias pequenas e diminuir a influência das maiores categorias; além disso,
surge uma nova dependência quanto às transformações que podem ocorrer com a composição
por cor ao longo do tempo (OLIVEIRA, 1997, 1998; ARAÚJO, RIBEIRO, 2002).
Assim, tanto o índice de dissimilaridade (D) quanto o índice de dissimilaridade
padronizado pelo tamanho (D
s
) possuem limitações que impedem o controle simultâneo das
mudanças na estrutura ocupacional e na composição por cor da força de trabalho, que são os
determinantes da segregação ocupacional por cor (OLIVEIRA, 1998).
4.3.3 Índice de Karmel e MacLachlan (KM)
O índice de Karmel-MacLachlan (KM) foi criado com o objetivo de superar as
dificuldades que surgem ao comparar a evolução dos índices de segregação D e D
s
ao longo
do tempo. Este índice descreve a proporção de pessoas (homens brancos e homens negros)
que precisam mudar de grupo ocupacional (com substituição), mantendo constante a estrutura
ocupacional e a participação (dos homens negros e dos homens brancos) no total da força de
trabalho (KARMEL; MACLACHLAN, 1988). Esta interpretação aponta o primeiro
contraste entre o índice KM e os índices D e D
s
, pois o índice KM cogita a existência
simultânea da invariância tanto na estrutura ocupacional quanto na composição por cor da
força de trabalho, o que não ocorre com os demais índices. A equação (3) ilustra a forma de
medir a segregação por cor através do índice KM:
ii
aHNHBa
T
KM 1
1
(3)
onde:
a
= proporção de homens brancos no i-ésimo grupo ocupacional;
i
HB
= número de homens brancos no i-ésimo grupo ocupacional;
i
HN
= número de homens negros no i-ésimo grupo ocupacional;
T
= total da força de trabalho.
127
De acordo com Karmel e MacLachlan (1988), para satisfazer o critério de invariância
na estrutura do grupo ocupacional e de distribuição idêntica de homens brancos e homens
negros na força de trabalho, após a redistribuição é necessário ter
i
aT
homens brancos e
i
Ta)1(
homens negros no i-ésimo grupo ocupacional, onde
iii
HNHBT
. Sendo assim,
assume-se, sem perda de generalidade, que
ii
aTHB
(e
ii
TaHN )1(
) pode ser visto como
ii
aTHB
homens brancos e
ii
HNTa )1(
homens negros precisam mudar de grupo
ocupacional. Desta forma, o número de pessoas, segundo a cor, que precisam mudar para ou
do grupo ocupacional é
iiii
HNTaaTHB )1(
(KARMEL; MACLACHLAN, 1988).
A equação (4) mostra que os índices KM e D estão relacionados
114
da seguinte
maneira:
DaaKM )1(2
(4)
Assim, quando não segregação
0D
e
0KM
. Se segregação,
DDaa 5,0)1(2
, como o valor máximo de
1D
, então o valor máximo de
5,0KM
(SALAS, 2004).
4.3.4 Segregação ocupacional, segundo a cor, no mercado de trabalho brasileiro no
período de 2002 a 2008
Esta seção se refere aos resultados dos indicadores utilizados para mensurar a
segregação ocupacional, segundo a cor, (D, D
s
e KM) no mercado de trabalho brasileiro, e
suas possíveis interpretações, sendo a primeira análise realizada para o conjunto dos ocupados
(Tabelas 35 e 36) e a segunda análise restringindo-se ao conjunto dos assalariados com
carteira de trabalho assinada (Tabelas 37 e 38). Não realizamos cálculos dos indicadores de
segregação ocupacional para assalariados com carteira de trabalho controlando os grupos de
anos de estudo, porque verificamos que em diversas situações teríamos uma amostra reduzida.
Contudo, estamos cientes da necessidade de obter, na amostra eleita, trabalhadores que
tenham a maior semelhança possível em seus atributos produtivos quando mensuramos os
indicadores de segregação ocupacional.
Para analisar o nível de segregação ocupacional entre os ocupados brancos e negros, as
Tabelas 35 e 36 basearam-se numa amostra com os mesmos filtros
115
utilizados na seção 4.2,
ou seja, ocupados com mais de 23 anos de idade e que trabalham mais de 39 horas semanais.
114
Para maiores detalhes de como surge a relação entre o índice KM e o índice D, ver Karmel e MacLachlan
(1988, p. 188-189).
128
Os dados da Tabela 35 evidenciam a existência de segregação ocupacional segundo a
cor entre os ocupados. O índice D mostrou que, em 2002, 16% dos homens negros (ou
homens brancos) teriam que mudar de grupo ocupacional para que a razão por cor em cada
grupo de ocupação fosse a mesma do total dos ocupados brancos e negros na força de
trabalho. Seis anos depois, em 2008, os dados revelaram um pequeno aumento no valor do
índice D, sendo que 17% dos homens negros (ou homens brancos) precisavam trocar de grupo
ocupacional para eliminar a segregação ocupacional por cor. Mesmo com essa pequena
variação, a análise temporal aponta a manutenção da segregação ocupacional entre os homens
negros e brancos.
Tabela 35 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice de Dissimilaridade
Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-MacLachlan (KM), para os
ocupados brancos e negros - 2002 e 2008.
Índices
2002
2008
D
0,16
0,17
D
s
0,21
0,21
KM
0,08
0,08
Fonte: PNAD 2002 e 2008
O índice D
s
(tabela 35) também indicou a existência de segregação ocupacional,
segundo a cor, no período analisado e com valores superiores aos do índice D
116
. Entre 2002 e
2008, os dados apontaram que não houve alteração no nível de segregação ocupacional entre
os homens, segundo a cor, na medida em que o índice D
s
apontou que 21% dos homens
negros (ou homens brancos) deveriam mudar de grupo ocupacional para que a distribuição
por cor em cada grupo de ocupação fosse igual à distribuição por cor no total dos ocupados
em 2002 e em 2008.
Entre 2002 e 2008, o índice KM apontou a permanência da segregação ocupacional
segundo a cor, indicando que 8% dos homens negros e homens brancos teriam que mudar de
grupo ocupacional para se obter o nível da segregação igual a zero, mantendo invariantes
tanto a proporção de homens negros e homens brancos no total da força de trabalho quanto a
estrutura ocupacional (Tabela 35).
115
O mesmo filtro utilizado para gerar as Tabelas 23 e 24 da seção 4.2.
116
O diferencial entre os valores de D e D
s
reflete que a estrutura ocupacional, ou seja, o tamanho relativo das
categorias ocupacionais influencia na segregação; quando os grupos menores são tomados como de mesmo
tamanho dos maiores, o valor do indicador da segregação aumenta, o que quer dizer que os grupos menores são
menos integrados em relação à média. Neste sentido, D
s
estaria superdimensionando o impacto dos pequenos
grupos ocupacionais sobre a segregação geral (OLIVEIRA, 1998, p. 2507-2508).
129
Em relação à segregação ocupacional entre as mulheres ocupadas, brancas e negras, o
índice D revelou que 19% das mulheres negras (ou mulheres brancas) teriam que trocar de
grupo ocupacional para que a razão por cor em cada grupo de ocupação fosse a mesma do
total das ocupadas brancas e negras nos anos de 2002 e 2008 (Tabela 36). o índice D
s
, em
2002, apontou que 19% das mulheres negras (ou mulheres brancas) teriam que mudar de
grupo ocupacional para que a distribuição por cor em cada grupo de ocupação fosse igual à
distribuição no total da força de trabalho branca e negra, dessa forma se eliminaria a
segregação ocupacional segundo a cor. Em 2008, o índice D
s
mostra uma pequena variação,
ou seja, a proporção de mulheres negras (ou mulheres brancas) que precisariam trocar de
grupo ocupacional passou para 18%. Ainda que a variação seja pequena, o nível da
segregação ocupacional feminina em seis anos reduziu um ponto percentual. Entre 2002 e
2008, o índice KM aponta que, para eliminar a segregação ocupacional segundo a cor seria
necessário que 9% das mulheres negras e das mulheres brancas fossem realocadas, mantendo
constante a estrutura ocupacional e a proporção de mulheres negras e brancas no total da força
de trabalho (Tabela 36).
Tabela 36 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice de Dissimilaridade
Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-MacLachlan (KM), para as
ocupadas brancas e negras 2002 e 2008.
Índice
2002
2008
D
0,19
0,19
D
s
0,19
0,18
KM
0,09
0,09
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Em resumo, entre 2002 e 2008, nota-se em geral uma estabilidade nos patamares de
segregação ocupacional entre os ocupados homens brancos e negros, bem como entre
mulheres negras e brancas. Quase todos os índices apontaram a existência de uma segregação
ligeiramente mais intensa entre as mulheres negras e brancas em relação aos homens negros e
brancos.
Na tentativa de captar o nível de segregação ocupacional entre os assalariados brancos
e negros, utilizamos o mesmo filtro
117
da seção 4.2 (Tabelas 37 e 38), ou seja, pessoas com
idade superior a 23 anos, jornada de trabalho acima de 39 horas semanais e que inserem no
mercado de trabalho como assalariados com carteira de trabalho assinada.
117
O mesmo filtro utilizado para gerar as Tabelas 25 e 26 da seção 4.2.
130
Os dados da Tabela 37 apontam a existência de segregação ocupacional entre os
assalariados negros e brancos. No ano de 2002, o índice D indicou que 14% dos homens
negros (ou homens brancos) teriam que mudar de grupo ocupacional para que a razão por cor
em cada grupo de ocupação fosse igual à razão por cor na força de trabalho como um todo,
assim se eliminaria a segregação ocupacional. Em 2008, a proporção de homens negros (ou
homens brancos) que deveriam mudar de grupo ocupacional assume o valor de 16%, ou seja,
a variação temporal indica um incremento pequeno nas diferenças ocupacionais entre os
trabalhadores brancos e negros.
Tabela 37 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice de Dissimilaridade
Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-MacLachlan (KM), para
assalariados brancos e negros 2002 e 2008.
Índice
2002
2008
D
0,14
0,16
D
s
0,21
0,22
KM
0,07
0,08
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Por outro lado, o índice D
s,
revelou que em 2002 seria de 21% o percentual dos
homens negros (ou homens brancos) que teriam que mudar de grupo ocupacional para que a
distribuição por cor em cada grupo de ocupação fosse igual à distribuição no total dos
assalariados negros e brancos, enquanto em 2008 esse indicador assume o valor de 22%, o
que significa um pequeno aumento na segregação ocupacional segundo a cor (Tabela 37). O
índice KM, por sua vez, mostrou que 7% dos homens negros e homens brancos precisavam
mudar de grupo ocupacional para que o nível de segregação fosse igual a zero, mantendo
invariante tanto a estrutura ocupacional quanto a proporção de assalariados negros e brancos
no total da força de trabalho em 2002. Em 2008, o índice KM indicou um pequeno aumento
no seu valor, passando para 8% a proporção de homens negros e homens brancos que
precisavam ser realocados (Tabela 37).
No que concerne às assalariadas negras e brancas, a Tabela 38 revela que em 2002 e
2008, 19% das mulheres negras (ou mulheres brancas) deveriam trocar de grupo ocupacional
para que a razão por cor em cada grupo de ocupação fosse igual à razão por cor no total das
assalariadas. O índice D
s
apontou que em 2002 20% das mulheres negras (ou mulheres
brancas) teriam que mudar de grupo ocupacional para que a proporção das mulheres, segundo
a cor, fosse a mesma do total das assalariadas brancas e negras. Em 2008, a proporção de
mulheres negras (ou mulheres brancas) que deveriam mudar de grupo ocupacional é de 22%,
131
ou seja, houve um pequeno aumento na segregação ocupacional entre brancas e negras. Por
fim, o cálculo do índice KM, para 2002 e 2008, indicou que 9% das mulheres negras e
mulheres brancas teriam que mudar de grupo ocupacional para se eliminar a segregação
ocupacional segundo a cor, mantendo invariante a estrutura ocupacional e a proporção de
assalariadas negras e brancas no total da força de trabalho.
Tabela 38 - Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D), Índice de Dissimilaridade
Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e Índice de Karmel-MacLachlan (KM), para
assalariadas brancas e negras 2002 e 2008.
Índice
2002
2008
D
0,19
0,19
D
s
0,20
0,22
KM
0,09
0,09
Fonte: PNAD 2002 e 2008
Em resumo, todos índices apontaram que no período de 2002 a 2008 a segregação
ocupacional entre assalariados brancos e negros se elevou, enquanto entre as assalariadas
negras e brancas se verifica na maioria das vezes uma estabilidade em seus patamares. Mais
uma vez, a segregação ocupacional se revela ligeiramente mais intensa entre as assalariadas
negras e brancas em relação aos assalariados negros e brancos.
Vale ressaltar que as comparações dos índices que medem a segregação ocupacional
para os ocupados e assalariados revelam que entre mulheres negras e brancas, bem como entre
homens brancos e negros os patamares são semelhantes. Ou seja, o padrão de segregação se
revela similar inclusive entre ocupados definidos de forma mais ampla e assalariados com
carteira.
Conforme motivos expostos anteriormente, elegemos para o cálculo dos índices de
segregação ocupacional o período de 2002 a 2008, que efetivamente não compreende extenso
lapso temporal. As mudanças nas situações de segregação no mercado de trabalho exigem
determinado período de tempo para serem modificados, conforme o estudo do autor Albelda
(1986) sobre a segregação ocupacional no mercado de trabalho dos EUA, segundo sexo e
raça, no período de 1958 a 1981. Os dados indicaram uma tendência de queda rápida no
índice (D) entre as mulheres negras e brancas (de 49,9% em 1958 para 17,2% em 1981), e
entre os homens negros e brancos (de 40,0% em 1958 para 23,8% em 1981). Mesmo se
tratando de períodos distintos, observamos que o grau de segregação no mercado de trabalho
brasileiro é próximo do patamar americano nos anos 80.
132
No capítulo 1 apontamos que os negros foram inicialmente alijados da participação no
mercado de trabalho assalariado e urbano, mas essa segregação total se alterou com o passar
do tempo e atualmente se verifica a participação de negros entre os assalariados.
De 2002 a 2008, nosso país experimentou importantes mudanças em seus indicadores
socioeconômicos. Um dos mais graves problemas existentes no Brasil se refere às
desigualdades distributivas, no entanto o índice de Gini apresentou redução de 0,589 em 2002
para 0,547 em 2008 (IPEA/DATA). Em geral, as mudanças nos indicadores de distribuição
de renda também são lentas ao longo do tempo, porém no período recente se verifica uma
queda significativa. Diversos fatores contribuíram para essas modificações, tais como a
política de valorização do salário, os programas de transferência de renda, os benefícios
previdenciários e a retomada do bom desempenho do mercado de trabalho (DEDDECA,
2008). Noutras palavras, as modificações significativas nos coeficientes de distribuição dos
rendimentos resultaram de políticas públicas comprometidas com a melhora do cenário
distributivo. Por outro lado, nesse contexto os indicadores de segregação ocupacional entre
homens brancos e negros, bem como entre mulheres negras e brancas se mantiveram
praticamente estáveis, apontando a necessidade de políticas públicas com o intuito de reduzir
os diferenciais existentes entre os trabalhadores negros e brancos. É imperativo que sejam
discutidas propostas e formuladas políticas públicas que promovam transformações nessa
realidade desfavorável à população negra.
133
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao consolidar a transição para o trabalho livre no Brasil, observa-se que não houve
a incorporação imediata da mão de obra negra no incipiente mercado de trabalho, muito
pelo contrário, sua inserção na força de trabalho assalariada foi lenta e gradual, tendo que
aguardar até o início da década de 1930, quando a mão de obra nacional passou a suprir as
necessidades do mercado de trabalho, que respondia aos estímulos do crescimento
econômico do país.
O primeiro capítulo apontou as principais transformações ocorridas no período
entre 1850 e 1930, no que se refere à formação do mercado de trabalho livre. Além disso,
buscou-se explicar o porquê da marginalização da mão de obra negra no mercado de
trabalho assalariado, logo após a Abolição da Escravatura, baseando-se em três correntes
de pensamento: a Escola Sociológica de São Paulo, representada por Florestan Fernandes e
Octávio Ianni, que atribuem à “herança escravista” a responsabilidade pela deformação do
ex-escravo, que impediu seu ajuste cultural, econômico, político e social à nova ordem em
expansão, o que caracterizou a inexistência da socialização do ex-escravo pelo e para o
mercado de trabalho livre, impossibilitando a sua integração imediata à força de trabalho
assalariada. Contudo, os sociólogos acreditavam que o avanço da industrialização e o
desenvolvimento capitalista eliminariam o critério cor presente no sistema produtivo e na
estratificação social; a Escola Sociológica do Rio de Janeiro, representada por Carlos
Hasenbalg, cujo argumento era a persistência do racismo e da discriminação racial,
fenômenos que atuaram na marginalização dos negros no mercado de trabalho desde a sua
formação e que causaram a subordinação social desse contingente da população, que
perdura até hoje. O autor concorda com o argumento de que a herança da escravidão
influenciou nas relações entre os grupos raciais, mas discorda da análise de que a realidade
vivida pelos negros é justificada apenas como parte residual dos padrões arcaicos de
relações sociais moldadas durante a escravidão. Além disso, não compartilha do mesmo
otimismo liberal de que a industrialização e o desenvolvimento econômico eliminaram o
critério raça da base das relações sociais do sistema de produção, pois acreditava que nesse
momento a competição ficara mais acirrada e esse critério continuaria importante para o
recrutamento às posições da hierarquia social; e o pensamento do economista Celso
Furtado, que considerou a vivência no sistema escravista a responsável pelo reduzido
134
desenvolvimento mental do ex-escravo, pois reconhecia que a falta de educação e preparo
prévio dificultaria sua adaptação imediata ao novo regime de trabalho e à sociedade de
classes, inclusive por não ter hábitos de vida familiar e nem idéia de acumulação de
riqueza; alegava que essa incapacidade do recém-liberto se ajustar a nova ordem emergente
não era congênita, mas fruto da deformação causada pelo sistema escravista.
Esse resgate histórico apontou a segregação inicialmente imposta aos negros,
devido à não inserção dos mesmos no incipiente mercado de trabalho urbano.
A valorização da mão de obra nacional e o processo de industrialização, a partir de
1930, possibilitaram a incorporação da mão de obra negra no mercado de trabalho urbano e
industrial. Dessa forma, o objetivo do segundo capítulo foi identificar a situação dos
negros ocupados, e para isso analisamos o período entre 1930 e 1980 acompanhando o
funcionamento e a dinâmica do mercado de trabalho diante do desempenho
macroeconômico nacional, partindo do estudo do modelo nacional desenvolvimentista,
dividido em duas fases: o período de 1930 a 1955, a fase da industrialização restringida,
que ficou marcada pela expansão industrial e do emprego urbano, mas sem a
implementação da indústria pesada e sem grandes avanços tecnológicos; e o período de
1956 a 1980, a fase da industrialização intensiva, caracterizada pela implantação de um
bloco de investimentos altamente complementares, com profundo avanço tecnológico que
proporcionou a instalação da indústria pesada, e pelos programas econômicos que
instigavam o crescimento e o desenvolvimento da indústria no país (Plano de Metas,
Milagre Econômico e II PND), que inclusive proporcionou a consolidação do mercado de
trabalho urbano. Esse contexto foi alterado na década de 1980, devido à crise da dívida
pública, a criação de diversos planos de estabilização, mas nenhum com sucesso
duradouro, e pela aceleração inflacionária, dinâmica que refletiu sobre o desempenho do
mercado de trabalho.
Os dados analisados neste capítulo indicaram que a expansão industrial gerou
oportunidades tanto para os brancos quanto para os negros, mas confirmou a maior
presença de negros nos ramos de atividade econômica e posições na ocupação de menor
remuneração, e os dados educacionais revelaram o maior déficit entre os negros, um dos
argumentos que justificam sua maior presença na Construção Civil e no Serviço
Doméstico, pois reconhece-se que as ocupações de maior remuneração exigem
trabalhadores mais qualificados. A década de 1980 interrompeu a expansão do mercado de
trabalho urbano-industrial, com forte impacto para ambas as raças.
135
O terceiro capítulo também teve como alvo a análise do desempenho
macroeconômico no período entre 1990 e 2008 e suas repercussões sobre a dinâmica do
mercado de trabalho, principalmente no que diz respeito à inserção dos trabalhadores
segundo a cor. Nesse período foi implantado um conjunto de reformas econômicas,
medidas liberalizantes e de inserção externa. O modelo neoliberal pode ocupar o centro das
decisões política, econômica e promover uma mudança nos paradigmas que conduziam a
economia brasileira até então. Além da interrupção das medidas de desenvolvimento
adotadas anteriormente, as políticas macroeconômicas seguidas na década de 1990
(redução da emissão monetária, elevação da taxa de juros, desregulamentação do mercado
de trabalho, privatização, redução do papel do Estado, dos gastos estatais, entre outros)
tiveram impactos negativos sobre o mercado de trabalho, como a redução do emprego
formal, do rendimento médio do trabalho, das ocupações tanto do setor primário quanto do
secundário, aumento da taxa de desemprego, do grau de informalidade e da subutilização
da mão de obra. O ajuste do mercado de trabalho, diante da piora do desempenho
macroeconômico (até o final dos anos 90), foi através da elevação da taxa de desemprego,
que atingiu todos os trabalhadores, mas os negros enfrentaram maiores dificuldades para
encontrar emprego, em qualquer contexto econômico.
A melhora da economia no período de 1999 a 2002 teve impacto sobre o mercado
de trabalho, aumentando o ritmo de crescimento do emprego formal e a redução do ritmo
de crescimento do emprego sem carteira assinada e do trabalho por conta própria. O
crescimento econômico nos anos de 2003 a 2008 proporcionou a maior formalização dos
contratos de trabalho e o aumento do poder de compra do salário mínimo, embora os dados
tenham evidenciado a maior participação dos negros entre os assalariados sem carteira e os
trabalhadores autônomos. Contudo, tanto a mulher negra quanto o homem negro ainda
recebem menos que a população branca, esse hiato dos rendimentos demonstrou uma
trajetória de queda ao longo do período analisado. Os dados indicaram também a expansão
do nível de escolaridade para os brancos e para os negros, homens e mulheres, mesmo
assim os negros permanecem com sua maior representatividade nos ramos de atividade
econômica de menor rendimento médio, ou seja, os homens negros continuam com grande
participação nos setores Agrícola e de Construção Civil, enquanto as mulheres negras
continuam inseridas em grande proporção no setor de Serviços Domésticos.
Cabe destacar que as mudanças já começaram, pois os dados mostraram uma
tendência de aumento na qualificação dos negros, maior participação dos homens negros
com 4 a 7 anos de estudo e das mulheres negras com 11 a 14 anos de estudo, beneficiando-
136
os com uma maior inserção em ramos de atividade com melhor remuneração, como
Indústria de Transformação, Educação, Saúde e Serviços Sociais, e Comércio e
Reparações. A expansão do nível de escolaridade e a melhora da economia brasileira
favoreceram a redução da proporção de negros, homens e mulheres, no setor informal e na
taxa de desemprego, considerando-se que a afirmação dos direitos através da Constituição
Federal de 1988 e a participação ativa do movimento negro na luta contra a discriminação
também contribuíram para esse resultado.
Nota-se, portanto, que o processo de segregação inicialmente apontado desde a
origem do mercado de trabalho se alterou ao longo do tempo, pois os dados evidenciaram
que os negros, aos poucos, se inseriram no mercado de trabalho assalariado com carteira de
trabalho assinada, mas continuam com grande representatividade nos ramos de atividade
econômica e posição na ocupação de pior remuneração e baixo prestígio.
O quarto capítulo buscou investigar se os negros, homens e mulheres, inseridos no
mercado de trabalho, considerando o conjunto de ocupados e os assalariados com carteira
de trabalho, têm uma participação nos grupos ocupacionais similar à sua participação entre
todos os ocupados. Os indicadores estatísticos utilizados nesse capítulo, para os anos de
2002 e 2008, apontaram que, entre o conjunto de ocupados e dos assalariados com carteira,
os trabalhadores negros e negras se inserem nos grupos ocupacionais com proporções
distintas das suas participações no total da força de trabalho masculina e feminina. Além
disso, mais uma vez constata-se que os brancos e brancas predominam em grupos
ocupacionais de melhor rendimento, enquanto os negros e negras possuem maior
participação nos grupos ocupacionais de menor rendimento. Essa primeira análise
indicou a existência de segregação ocupacional segundo a cor dos trabalhadores. A
segunda análise, ainda com base nos dados de estatística descritiva, foi realizada para
indivíduos com os mesmo atributos produtivos, acrescentando-se a variável de controle
faixa de anos de estudos. Os dados evidenciaram que a participação dos negros e negras se
ampliou entre os assalariados, nas diversas faixas de anos de estudo, mas também apontam
que entre os menos escolarizados (de 0 a 7 anos de estudo) existe segregação ocupacional
entre homens brancos e negros, e entre as mulheres brancas e negras, na faixa de 8 a 10
anos de estudos. Observamos a redução da segregação ocupacional entre os homens
brancos e negros, mas os dados não são conclusivos para as mulheres brancas e negras; na
faixa de 11 a 14 anos de estudo e de 15 anos ou mais de estudo, os dados indicam a
redução da segregação entre as mulheres brancas e negras, mas não se nota indícios de
redução significativa para os homens brancos e negros. Observa-se que o esforço de
137
qualificação das mulheres negras coincide com a redução da segregação ocupacional, mas
o mesmo não ocorreu com os homens negros.
Para investigar a existência e mensurar o grau da segregação segundo a cor dos
trabalhadores, utilizamos três índices: Índice de Dissimilaridade de Duncan & Duncan (D),
Índice de Dissimilaridade Padronizado pelo Tamanho (D
s
) e o Índice de Karmel-
MacLachlan (KM). Estes índices indicam a proporção de trabalhadores que deveriam ser
realocados para que a proporção de brancos e negros em cada grupo ocupacional seja igual
à proporção do total da força de trabalho segundo a cor, eliminando assim a segregação.
Quando aplicados ao mercado de trabalho brasileiro, no período entre 2002 e 2008, para o
conjunto dos ocupados, observou-se a existência de segregação, mas com certa
estabilidade nos seus patamares entre os homens brancos e negros, bem como entre as
mulheres brancas e negras. No mesmo período, para o conjunto dos assalariados com
carteira de trabalho, todos os índices apontaram a existência de segregação ocupacional,
sendo que para os homens brancos e negros o grau da segregação elevou-se, enquanto para
as mulheres brancas e negras verifica-se na maioria das vezes uma estabilidade em seus
níveis.
Com os resultados obtidos nesta dissertação, pode-se sugerir que o diferencial de
inserção no mercado de trabalho é de cunho mais estrutural do que conjuntural, o que
implica a necessidade de políticas públicas específicas que favoreçam a redução da
segregação ocupacional e que garantam a oportunidade de acesso a todos os brasileiros.
138
REFERÊNCIAS
ALBELDA, Randy P. Occupational Segregation by Race and Gender. Industrial and Labor
Relations Review. v. 39, n. 3, p. 404-411, april 1986.
ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). São Paulo: Edusc,
1998. Cap. 4, p. 149-193.
ARAÚJO, Verônica Fagundes; RIBEIRO, Eduardo Pontual. Diferenciais de salários por
gênero no Brasil: uma análise regional. Revista Economia do Nordeste, Ceará, v. 33, 2,
abril-junho 2002. p. 1-22.
BAER, Werner. A economia brasileira. São Paulo: Nobel, 1995. 416p.
BAHIA, Luiz Dias et al. A evolução da segregação por qualificação profissional ao nível das
firmas. Rio de Janeiro: IPEA, jun. 2009. p. 7-20. (Texto para Discussão 1406). Disponível
em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1406.pdf>. Acesso em: 10 maio
2010.
BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade. Estagnação da economia, abertura e crise do emprego
urbano no Brasil. Revista Economia e Sociedade, Campinas, n. 6, p. 75-111, jun. 1996.
BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade. Formação, estruturação e crise do mercado de trabalho
no Brasil. In: DEDECCA, Cláudio Salvadori; PRONI, Marcelo Weishaupt (Org.). Políticas
públicas e trabalho: textos para estudo dirigido. Campinas: UNICAMP/IE; Brasília:
Ministério do Trabalho e Emprego; Unitrabalho, 2006. Cap. 1, p. 9-27.
BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade et al. Evolução do mercado de trabalho e significado da
recuperação do emprego formal nos anos recentes. In: DEDECCA, Cláudio Salvadori;
PRONI, Marcelo Weishaupt (Org.). Políticas públicas e trabalho: textos para estudo dirigido.
Campinas: UNICAMP/IE; Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego; Unitrabalho, 2006.
Cap. 2, p. 29-51.
BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade; LEONE, Eugenia; BORGHI, Roberto A. Z.
Diferenças de Renda do Trabalho no Brasil: 2004 e 2007. Trabalho apresentado ao XI
Encontro Nacional da ABET (Associação Brasileira de Estudos do Trabalho), Campinas:
UNICAMP, 2009, p. 1-14. Disponível em: <http://starline.dnsalias.com:8080/abet/
trabalhosite/trabalhosite.asp>. Acesso em: 10/05/2010.
BARBOSA, Alexandre de Freitas. A formação do mercado de trabalho no Brasil. São Paulo:
Alameda, 2008. 360p.
BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Relações raciais entre negros e brancos em São
Paulo. São Paulo: Anhembi, 1955. 554 p.
BRASIL. Senado Federal. Estatuto da Igualdade Racial. Brasília, 2003.
139
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil meridional: o negro na
sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. Cap.
5, p. 187-238.
CARNEIRO, Dionísio Dias. Crise e esperança: 1974-1980. In: ABREU, Marcelo de Paiva
(Org.) A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio
de Janeiro: Campus, 1990. Cap. 11, p. 295-322.
CARNEIRO, Ricardo. Desenvolvimento em crise a economia brasileira no último quarto
do século XX. Campinas: UNESP, 2002. Parte III, p. 227-398.
CASTRO, Lavínia Barros de. Esperança, frustração e aprendizado: A história da Nova
República (1985-1989). In: GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André; CASTRO, Lavínia
Barros de; HERMANN, Jennifer (Org.). Economia brasileira contemporânea (1945-2004).
Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. Cap. 5, p. 116-138.
CASTRO, Lavínia Barros de. Privatização, abertura e desindexação: A primeira metade dos
anos 90. In: GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André; CASTRO, Lavínia Barros de;
HERMANN, Jennifer (Org.). Economia brasileira contemporânea (1945-2004). Rio de
Janeiro: Elsevier, 2005. Cap. 6, p. 141-165.
CHAHAD, José Paulo Z.; LUQUE, Carlos Antônio. Políticas econômicas, emprego e
distribuição de renda na América Latina. São Paulo: IPE/FEA/USP, 1984. Cap. 1, p. 27-54.
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 6. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994. p. 228-265.
DUNCAN, Otis Dudley; DUNCAN, Beverly. A Methodological Analysis of Segregation
Indixe. American Sociological Association. v. 20, p. 210-217, 1955.
FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 2. ed. São Paulo:
Dominus, 1965. 332 p.
FERNANDES, Florestan. The Weight of the Past. Daedalus. Cambridge, Mass., v. 96, n. 2, p.
560-579, Spring 1967.
FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Publifolha, 2000. 276 p.
GERABA, Ademir. O mercado de trabalho livre no Brasil 1871-1888. São Paulo:
Brasiliense, 1986. 213 p.
GIAMBIAGI, Fábio. Estabilização, reformas e desequilíbrios macroeconômicos: os anos de
FHC (1995-2002). In: GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André; CASTRO, Lavínia Barros de;
HERMANN, Jennifer (Org.). Economia brasileira contemporânea (1945-2004). Rio de
Janeiro: Elsevier, 2005. Cap. 7, p. 166-195.
GIAMBIAGI, Fábio. Rompendo com a ruptura: o governo Lula (2003-2004). In:
GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André; CASTRO, Lavínia Barros de; HERMANN, Jennifer
(Org.). Economia brasileira contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
Cap. 8, p. 196-217.
140
GREMAUD, Amaury Patrick; SAES, Flávio Azevedo Marques; TONETO JÚNIOR, Rudinei.
Formação econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997. Cap. 3 e Cap. 4.
GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELLOS, Marco Antônio Sandoval; TONETO
JÚNIOR, Rudinei. Economia brasileira contemporânea. São Paulo: Atlas, 2007. Cap. 16-18,
p. 398-506.
HASENBALG, Carlos. Desigualdades raciais no Brasil. Dados Revista de Ciências Sociais,
Rio de Janeiro: IUPERJ, n. 14, 1977.
HASENBALG, Carlos. 1976: As desigualdades raciais revisitadas. Revista Ciências Sociais
Hoje, Anpocs, Brasília, n. 2, p. 179-197, 1983.
HASENBALG; Carlos; SILVA, Nelson do Valle. Estrutura social, mobilidade e raça. São
Paulo/Rio de Janeiro: VÉRTICE/IUPERJ, 1983.
HASENBALG, Carlos. O negro na indústria: proletarização tardia e desigual. Revista
Ciências Sociais Hoje, Anpocs, Brasília, p. 13-31, 1992.
HASENBALG, Carlos. Entre o mito e os fatos: racismo e relações raciais no Brasil. Dados
Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro: IUPERJ, v. 38, n. 2, p 355-373, 1995.
HASENBALG, Carlos. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte:
UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2005. Cap. I-VI, p. 17-204.
HERMANN, Jennifer. Reformas, endividamento externo e o “milagre” econômico (1964-
1973). In: GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André; CASTRO, Lavínia Barros de;
HERMANN, Jennifer (Org.). Economia brasileira contemporânea (1945-2004). Rio de
Janeiro: Elsevier, 2005. Cap. 3, p. 69-92.
HERMANN, Jennifer. Auge e declínio do modelo de crescimento com endividamento: o II
PND e a crise da dívida externa (1974-1984). In: GIAMBIAGI, Fábio; VILLELA, André;
CASTRO, Lavínia Barros de; HERMANN, Jennifer (Org.). Economia brasileira
contemporânea (1945-2004). Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. Cap. 4, p. 93-115.
IANNI, Octávio. As metamorfoses do escravo: apogeu e crise da escravatura no Brasil
meridional. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962, 312 p.
IANNI, Octávio. Raças e classes sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1966, 258 p.
IANNI, Octávio. Escravidão e racismo. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1988, 142 p.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censos
Demográficos de 1950, 1980, 1991 e 2000.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional
de Amostragem por Domicílio de 1992, 1995, 1999, 2002 e 2008.
141
JACCOUD, Luciana; BEGHIN, Nathalie. Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da
intervenção governamental. Brasília: IPEA, 2002. 67 p. Disponível em: < http://www.mp.pe.
gov.br/arquivo/gt_racismo/artigos_doutrina/desigualdade_racial.pdf>. Acesso em: 4 jan.
2010.
KARMEL, T; MACLACHLAN, M. Occupational sex segregation increasing or decreasing?
The Economic Record, Australia, n. 64, p. 187-195, 1988.
KING, Mary C. Occupational Segregation by Race and Sex in Brazil, 1989-2001. USA. The
Review of Black Political Economy, New York, n. 36, p. 113-125, 2009.
KOWARICK, Lúcio. Trabalho e vadiagem: a origem do trabalho livre no Brasil. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987. 133 p.
LAGO, Luiz Aranha Corrêa do. A retomada do crescimento e as distorções do “milagre”:
1967-1973. In: ABREU, Marcelo de Paiva (Org.) A ordem do progresso: cem anos de política
econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990. Cap. 10, p. 233-294.
LESSA, Carlos. 15 anos de política econômica. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 11-34.
MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio: contribuição à revisão crítica da
formação e do desenvolvimento da economia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1988, Cap. II,
p. 89-173.
NOVAIS, Fernando. A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 6.
ed. São Paulo: Hucitec, 1995. p. 57-116.
OLIVEIRA, Ana Maria Hermeto Camilo de. A segregação ocupacional por sexo no Brasil.
1997. 109 f. Dissertação (Mestrado em Demografia) Centro de Desenvolvimento e
Planejamento Regional, Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, 1997.
Disponível em: < http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/MCCR-76AR2
B/1/ana_maria_hermeto.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2010.
OLIVEIRA, Ana Maria Hermeto Camilo de. Indicadores da segregação ocupacional por sexo
no Brasil. Trabalho apresentado no ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS
POPULACIONAIS DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS POPULACIONAIS
(ABEP), 11. , Caxambu, 1998. Anais... Caxambu: ANPED, v. 1, p. 2499-2526. Disponível
em: <http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/PDF/1998/a227.pdf>. Acesso em: 1 jun.
2010.
OMETTO, Ana Maria Holland et al. A Segregação por gênero no mercado de trabalho nos
Estados de São Paulo e Pernambuco. Economia Aplicada, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 393-423,
1997.
ORENSTEIN, Luiz; SOCHACZEWSKI, Antônio Cláudio. Democracia com
desenvolvimento: 1946-1951. In: ABREU, Marcelo de Paiva (Org.) A ordem do progresso:
cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Rio de Janeiro: Campus, 1990. Cap.
7, p. 171-195.
142
PAIXÃO, Marcelo; SOUZAS, Raquel; CARVANO, Luiz Marcelo. A arte do encontro:
levantamento das fontes de dados sobre as desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro/São
Paulo: LAESER/IE/UFRJ, 2004. 108 p. Disponível em: < http://www.laeser.ie.ufrj.br/pdf/
Arte_do_encontro.pdf>. Acesso em: 23 set. 2009.
PAIXÃO, Marcelo; CARVANO, Luiz Marcelo. Oficina de indicadores sociais (Ênfase em
relações raciais). Rio de Janeiro: LAESER/IE/UFRJ, 2007. 164 p. Disponível em:
<http://www.laeser.ie.ufrj.br/pdf/Cartilha_Oficina.pdf >. Acesso em: 23 set. 2009.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; MARAVALL, José Maria; PRZEWORSKI, Adam.
Reformas econômicas em democracias novas: uma proposta social democrata. São Paulo:
Nobel, 1996. 224p.
POCHMANN, Márcio; MATTOSO, Jorge. Mudanças estruturais e trabalho no Brasil. Revista
Economia e Sociedade, Campinas, n. 10, p. 213-43, jun. 1998.
POCHMANN, Márcio. Trabalho sob fogo cruzado. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2002. 205 p.
PRADO JÚNIOR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 23ª ed. São Paulo: Brasiliense,
1994, p. 269-377.
RAMOS, Alberto Guerreiro. O problema do negro na sociologia. In: SCHWARTZMAN,
Simon (Org.). O pensamento nacionalista e os “Cadernos de nosso tempo”. Brasília:
UnB/Câmara dos Deputados, 1981. p. 39-69.
RAMOS, Lauro. O desempenho recente do mercado de trabalho brasileiro: tendências, fatos
estilizados e padrões espaciais. Rio de Janeiro: IPEA, jan. 2007. 46 p. (Texto para Discussão
1255). Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1255.pdf.>.
Acesso em: 20 maio 2010.
REISS, Gerald Dinu. O crescimento da empresa industrial na economia cafeeira. Revista de
Economia Política, São Paulo, v. 3, n. 2, p 67 - 101, abr./jun. 1983.
RESENDE, André Lara. Em plena crise: uma tentativa de recomposição analítica. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 23, n. 65, p 73-87, 2009.
SABÓIA, João. Mercado de trabalho no Brasil: fatos e alternativas. In: SICSÚ, João; Paula,
Luiz Fernando de; MICHEL, Renaut (Org.). Novo-desenvolvimentismo: um projeto nacional
de crescimento com equidade social. Barueri: Manole; Rio de Janeiro: Fundação Konrad
Adenauer, 2005. Cap. 10, p. 217-237.
SALAS, Carlos. Segregación y discriminación laboral por sexo. México: Documento de
Trabajo, Departamento de Sociologia, UAM Iztapalapa, 2004, p. 1-44.
SANTOS, Sales Augusto dos. A formação do mercado de trabalho livre em São Paulo:
tensões raciais e marginalização social. 1997. 144 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia) -
Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília, Brasília, 1997. Disponível em:
<http://www.tst.gov.br/Ssedoc/PaginadaBiblioteca/teses/salesmestrado.pdf>. Acesso em: 7
mar. 2009.
143
SERRA, José. Ciclos e mudanças estruturais na economia brasileira do pós-Guerra. In:
BELLUZZO, Luiz G. de M.; COUTINHO, Renata (Org.). Desenvolvimento capitalista no
Brasil: ensaios sobre a crise. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 56-121.
SILVA, Nelson do Valle. Morenidade: modo de usar. In: HASENBALG, Carlos; SILVA,
Nelson do Valle; LIMA, Márcia (Orgs.). Cor e estratificação social. Rio de Janeiro: Contra
Capa Livraria, 1999. Cap. IV, p. 86-106.
SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo: Alfa Ômega,
1978. 120 p.
SINGER, Paul. A América Latina na crise mundial. Estudos Avançados, São Paulo, v. 23, n.
66, p. 91-102, 2009.
SKIDMORE, Thomas E. Temas e metodologias nos estudos das relações raciais brasileiras.
Tradução Valter Ponte. Novos Estudos CEBRAP, n. 60, p. 63-76, jul. 2001. Disponível em:
<http://www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/temas_e_metodologias.pdf>. Acesso em: 20
ago. 2009.
SOUZA, Amaury de. Raça e política no Brasil urbano. Revista de Administração de
Empresas, Rio de Janeiro, v. 11, n. 4, p. 61-70, out./dez. 1971.
SOUZA, Nilson Araújo de. Economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula. São
Paulo: Atlas, 2008. Cap. 12 e 13, p. 286-340.
SOUZA, Paulo Renato Costa. A determinação dos salários e do emprego nas economias
atrasadas. 1980. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - UNICAMP, Campinas, 1980.
Cap. V, p. 135-154.
TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro:
ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 11-182.
TAVARES, Maria da Conceição. Acumulação de capital e industrialização no Brasil.
Campinas: UNICAMP, 1986. Cap. 3, p. 97-137.
THEODORO, Mário. As características do mercado de trabalho e as origens do informal no
Brasil. In: JACCOUD, L. (Org.). Questões sociais e políticas sociais no Brasil
contemporâneo. Brasília: IPEA, 2005. Cap. 3, p. 94-126.
THEODORO, Mário. Formação do mercado de trabalho e a questão racial no Brasil. In:
THEODORO, M. (Org.). As políticas públicas e a desigualdade racial no Brasil 120 anos
após a abolição. Brasília: IPEA, 2008. Cap. 1, p. 15-43.
VELLOSO, João Paulo dos Reis. O último trem para Paris: Getúlio a Sarney “milagres”,
choques e crises do Brasil moderno. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. 489 p.
WATTS, Martin. Occupational Gender Segregation: Index Measurement and Econometric
Modeling. Silver Spring: Demography, v. 35, n. 4, p. 489-496, 1998.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo