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Universidade Federal de Sergipe
Pró-Reitoria de Pós-Graduação de Pesquisa
Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa e Ciências Sociais
Mestrado em Sociologia
A construção do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão (MASC): agentes e práticas no
campo do patrimônio cultural sergipano
Marcelo Santos
São Cristóvão-Sergipe
2010
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1
A construção do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão (MASC): agentes e práticas no
campo do patrimônio cultural sergipano
Marcelo Santos
Dissertação apresentada ao Núcleo de Pós-
Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais da
Universidade Federal de Sergipe como pré-
requisito para obtenção do título de Mestre em
Sociologia.
Orientador: Professor Dr. Hippolyte Brice
Sogbossi
Banca examinadora:
Professor Dr. Hippolyte Brice Sogbossi (UFS) - Orientador
_______________________________________
Professor Dr. Ulisses Neves Rafael ( UFS )
_______________________________________
Professora Dra. Lina Maria Brandão de Aras (UFBA)
_______________________________________
Suplente:
Professor Dr. Wilson José Ferreira de Oliveira (UFS)
______________________________________
São Cristóvão-Sergipe
2010
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
S237c
Santos, Marcelo
A construção do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão (SE) :
agentes e práticas no campo do patrimônio sergipano / Marcelo
Santos. São Cristóvão, 2010.
161f. : il.
Dissertação (Mestrado em Sociologia) Núcleo de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de Sergipe,
2010.
Orientador: Prof. Dr. Hippolyte Brice Sogbossi
1. Sociologia da arte. 2. Museu de Arte Sacra de São Cristóvão -
Sergipe. 3. Patrimônio artístico - Sergipe. I.Título.
CDU 316.7:7(813.7)
3
Agradecimentos
Ao meu orientador o professor Dr. Hippolyte Brice Sogbossi pelo cuidado de me
recolocar no caminho quando me desviava, sempre com a preocupação de não impor diretivas,
mas propor um diálogo. Estendo meus agradecimentos aos professores Ulisses Neves Rafael,
Frank Marcon e Lina Maria Brandão de Aras.
Aos funcionários do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão, principalmente, Izabel
Cristina, Conceição, Rita, Selma e Denise, que contribuíram de forma relevante para o acesso
às fontes e ao mundo dos museus e suas dimensões.
À Telma Rosita, Rosa Macário, Rosália dos Santos, Frei Enoque, Maria José
Faustino (irmã Zezé) e Raimundo Bezerra Lima (pajé Raimundo).
À Arquidiocese de Aracaju, por acolher nossas solicitações e viabilizar nosso
acesso às fontes sob sua guarda.
Às equipes do Arquivo da Universidade Federal de Sergipe, do Memorial da
Universidade Tiradentes, do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe e do Instituto Dom
Luciano Cabral Duarte.
À amiga Joceneide Cunha, por ampliar minhas perspectivas sobre a pesquisa e sobre a
vida, através de suas leituras do texto e conselhos generosos.
À minha companheira de jornada Walkíria e ao pequeno Gabriel que dividiram comigo
os momentos alegres e difíceis. A esses, somaram-se dona Nivalda, minha querida mãe,
Edileide, Wellington, Rosenaldo, seu Fausto, dona Marielza, o amigo Anselmo e a professora
Verônica Nunes. A eles dedico esse trabalho.
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Resumo
O principal objetivo deste estudo consiste em analisar a formação de uma configuração de
agentes e as práticas por eles utilizadas para instituir e manter o Museu de Arte Sacra da cidade
de São Cristóvão (MASC), localizado no estado de Sergipe. A base empírica desta pesquisa é
composta, principalmente, por fontes escritas e orais submetidas às metodologias da crítica
histórica, da história oral, do método indiciário e do esboço biográfico. Sob a inspiração do
conceito de configuração do sociólogo Norbert Elias, constatamos que foi formada, a partir de
1974, uma configuração social integrada por um grupo de agentes vinculados ao governo do
estado de Sergipe, à Igreja Católica e à Universidade Federal de Sergipe (UFS). As relações
pessoais e o discurso de preservação da memória, da história e da identidade religiosa dos
sergipanos foram os princípios que contribuíram para a formação dessa rede social. Baseados
nestes princípios, esses agentes utilizaram práticas de preservação do patrimônio cultural de
acordo com o contexto que estavam inseridas as instituições, nas quais estavam posicionados. A
presença desses agentes nesta configuração, e suas práticas, se revelaram como uma
possibilidade de distinção social. Ainda como resultado dessa configuração, os bens culturais
que corriam risco de serem dilapidados foram preservados, mesmo que em alguns momentos
estas práticas de preservação tenham gerado lutas em torno das identidades de comunidades em
alguns municípios sergipanos.
Palavras-chave: Museu de Arte Sacra de São Cristóvão; agentes; práticas.
iii
5
Abstract
The main objective of this study consists of analyzing the formation of a configuration of agents
and the practical ones for them used to institute and to keep the Museum of Sacra Art of the city
of São Cristóvão, located in the state of Sergipe. The empirical base of this research is
composed, mainly, for sources written and prays submitted to the methodologies of critical the
historical one, of verbal history, the indication method and the biographical sketch. Under the
inspiration of the concept of configuration of sociologist Norbert Elias, we evidence that it was
formed, from 1974, a social configuration integrated by a group of entailed agents the
government of the state of Sergipe, to the Church Catholic and the Federal University of
Sergipe (UFS). The personal relations and the speech of preservation of the memory, the history
and the religious identity of the peoples from Sergipe had been the principles that had
contributed for the formation of this social net. Based in these principles, these agents had in
accordance with used practical of preservation of the cultural patrimony the context that were
inserted the institutions, in which were located. The presence of these agents in this
configuration, and its practical, if had disclosed as a possibility of social distinction. Still as
resulted of this configuration, the cultural goods that ran risk to be embezzled had been
preserved, same that at some moments these practical of preservation have generated fights
around the identities of communities in some cities from Sergipe.
Key Words: Museum of Sacra Art; agents; practical.
iv
6
Lista de Figuras
Figura 1: Dom José Vicente Távora e o Governador Lourival Batista........................76
Figura 2: Fachada do MASC.......................................................................................79
Figura 3: Visitantes no interior do MASC....................................................................80
Figura 4: Dom Luciano e outro padre diante do Museu La Plata, Uruguai, 1947........82
Figura 5: Dom Luciano diante do Museu do Prado, Espanha,1955.............................82
Figura 6: Dom Luciano diante do Museu do Luvre, França, 1956...............................82
Figura 7: El Greco, Metropolitan Museum, EUA.........................................................83
Figura 8: Museu Santa Sofia, Turquia, 1954................................................................83
Figura 9: L‟ Aurige, Museu de Delfos, Grécia.............................................................83
Figura 10: Conjunto São Francisco-SE.........................................................................85
Figura 11: Fachada do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão-SE...............................85
Figura 12: Compêndio dos Franciscanos......................................................................88
Figura 13: Cartão telefônico.........................................................................................90
Figura 14: Cartão Postal. .............................................................................................90
Figura 15: Dom Luciano e o Ministro Reis Veloso......................................................96
Figura 16: Dom Luciano recebendo o título de comendador pelo Presidente Médici..96
Figura 17: Lourival Batista e Ronivon ............................................................................98
Figura 18: Reunião do Conselho Diretor da UFS (1967). Em destaque Dom Luciano..100
Figura 19: Dom Luciano e o governador Paulo Barreto (1973).................................103
Figura 20: Organograma da administração do MASC ..............................................136
Figura 21: Organograma da administração do MASC a partir de 1985.....................141
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Lista de gráficos e quadros
Gráfico 1 Distribuição do agrupamento de bens no acervo do MASC......................124
Gráfico 2 Distribuição temporal dos bens do acervo do MASC...............................125
Gráfico 3 Origem dos bens do acervo do MASC......................................................126
Quadro 1- Museus e casa de cultura nas décadas de 1960 e 1970..............................104
Quadro 2- Tipologia do Acervo do MASC...................................................................123
Quadro 3- Municípios de Origem do Acervo do MASC...............................................128
Quadro 4- Relação de parentesco e amizade nos museus sergipanos a partir da década de
1980...............................................................................................................................143
Lista de Mapas
Mapa 1- Área de procedência do Acervo do MASC....................................................130
Mapa 2- Jurisdição da Arquidiocese de Aracaju..........................................................130
vi
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Sumário
Introdução.........................................................................................................................9
Capítulo 1: Do singular ao plural: a construção da identidade nacional no campo do
patrimônio brasileiro .....................................................................................................23
1.1 Vestígios de uma teia ..............................................................................................27
1.2 Identidades e prática preservacionista.....................................................................30
1.3 Os museus e a identidade nacional ........................................................................36
1.4 Criação do Serviço do Patrimônio Histórico e a identidade nacional........................45
1.5. À meia luz...............................................................................................................55
1.6. A ditadura militar e o campo cultural....................................................................58
Capítulo 2: A construção de um museu.......................................................................67
2.1 O Clero e o campo cultural....................................................................................69
2.2 O padre e o intelectual.............................................................................................81
2.3 Uma visita ao museu: história, memória e identidade..........................................85
2.4. O lugar do Museu...................................................................................................92
2.5 Construindo a teia...................................................................................................96
2.6 A década dos museus.............................................................................................103
2.7 Relações de forças ...............................................................................................106
Capítulo 3: A construção de um discurso sobre a identidade sergipana................112
3.1 Impressões sobre o MASC....................................................................................115
3.2 Tipologia do Acervo............................................................................................121
3.3. Formas de Aquisição: Vozes e silêncios............................................................126
3.4. Administração e funcionários do MASC............................................................134
3.5 Os funcionários.....................................................................................................145
Considerações finais.....................................................................................................148
Fontes............................................................................................................................152
Referências bibliográficas...........................................................................................156
vii
9
Introdução
Em um estudo anterior, mostramos possibilidades de utilização do Museu de
Arte Sacra da cidade de São Cristóvão (MASC), no Estado Sergipe, como uma instância
na qual pode ser aplicado um dispositivo pedagógico para a promoção do ensino de
história da cultura afro-sergipana. A abordagem se restringiu no âmbito da área de
metodologia do ensino de História. Tratava-se de uma contribuição para a efetivação de
práticas educativas solicitadas pela Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de
História da África e de Cultura Africanas e Afro-brasileiras nas escolas. Focalizamos
nossas análises em parte do acervo da referida instituição, as imagens sacras
relacionadas às experiências religiosas dos afro-sergipanos no campo do catolicismo,
nos períodos colonial e imperial (SANTOS, 2008).
Durante a pesquisa, identificamos a escassez de estudos sobre a história do
museu e de seu acervo. Como resultado, refletimos sobre os limites que esta carência
poderia impor não aos pesquisadores e professores de História, mas, também, aos
profissionais de outras áreas do saber que venham a colocar o MASC como uma
referência em seus estudos ou como uma das suas práticas pedagógicas. Assim, o
conhecimento parcial sobre os processos de instituição e manutenção do museu e de seu
acervo, se não foi um obstáculo instransponível para o êxito do trabalho realizado,
apresentou-se como desafio a ser enfrentado posteriormente. Diante disso, a posição do
museu no campo do patrimônio, os agentes e as relações sociais referentes à estes
processos foram negligenciados na pesquisa citada.
Dentre às diversas possibilidades de análise que esses processos sugerem,
resolvemos retomar a questão anterior neste estudo, não só no sentido de historicizá-los,
mas, principalmente, compreender os agentes e as práticas sociais neles envolvidos.
Além da escassez de estudos, dois outros motivos presidiram a nossa opção por esse
tipo de abordagem. O primeiro, foi a incursão preliminar às fontes; o segundo, foi um
conjunto de leituras teóricas realizadas no campo da Sociologia que se mostrou
pertinente para tratar o assunto. Na leitura inicial da documentação, observamos a
preocupação dos agentes responsáveis pela constituição do acervo, criação e
manutenção do museu, em destacar a importância da instituição no que se refere à
10
preservação da história, da memória e da identidade religiosa dos sergipanos. Contudo,
estas fontes se apresentavam como vestígios, vozes sufocadas, peças desarticuladas de
um quebra-cabeça a ser montado e preenchido; fios de uma teia que precisavam ser
identificados com mais precisão, relacionados e unidos para compor um texto, um
discurso possível sobre o passado que contribuísse para expandir a nossa compreensão
sobre os processos sociais referentes à constituição e reconstrução de memórias e
identidades no campo do patrimônio cultural.
Na operação de entendermos este emaranhado de fios, nosso cabedal teórico e
metodológico necessitava ser enriquecidos com estudos em campos de conhecimentos
que nos fornecesse instrumentos para não descrever a história do MASC, mas que
também identificasse e analisasse processos e práticas culturais que pareciam emergir
da documentação consultada.
Frisamos que não estamos simplificando o conhecimento histórico a um simples
desfile de acontecimentos organizados numa perspectiva linear, nem tão pouco,
diminuindo as possibilidades de leituras sobre os processos sociais em diferentes
tempos e espaços que este conhecimento pode proporcionar, apesar da escassez da
produção histórica brasileira neste campo (JULIÃO, 2008: 10). Caso assim
procedêssemos estaríamos ignorando as diversas contribuições de historiadores e de
cientistas sociais que demonstraram a complexidade e a riqueza deste tipo de
conhecimento.
Podemos mencionar Roger Chartier, que se autodenomina como sendo um
pesquisador que se preocupa em estudar as relações entre discursos e as práticas sociais
e se interessa pelos limites e possibilidades teóricas e metodológicas da História, além
de apontar o diálogo que os historiadores devem ter com as questões sociológicas
(2002: 7-18). Porém, as primeiras fontes consultadas nos convidaram para a elucidação
de uma complexa teia de relações sociais cujo nosso percurso no mestrado de
Sociologia contribuiu para a execução dessa tarefa, ou ao menos, nos ajudou a lançar
um olhar sobre essa realidade social, que não se restringia ao espaço do MASC. Logo,
abria-se a oportunidade de adentrarmos numa questão extensamente debatida na teoria
social e na sociedade contemporânea, a construção de identidades culturais (HALL,
2005: 7), num espaço social específico, o campo do patrimônio.
11
Num primeiro momento, os processos de instituição e manutenção do museu e
seu acervo poderiam ser pensados enquanto objetos de interesse exclusivo de
historiadores pois, numa análise diacrônica, eles podem ser situados em um recorte de
espaço e de tempo bem delimitados: a cidade de São Cristóvão na década de 1970.
Contudo, este tipo de análise não é privilégio da História. Além disso, o espaço e o
tempo na historiografia contemporânea recente não são mais os critérios que
garantem a plausibilidade do conhecimento histórico.
Sociólogos como Pierre Bourdieu e Norbert Elias também utilizaram a
perspectiva diacrônica para compreenderem seus objetos de estudo. Para Bourdieu
(2004: 26) o espaço social é produto das lutas históricas, portanto, a compreensão das
práticas culturais dos agentes devem ser historicizadas, até os instrumentos analíticos,
conceitos e categorias, que são utilizados no campo científico não devem ser isentos
deste tipo de exame. A Sociedade dos Indivíduos(1994) e Mozart: Sociologia de um
gênio (1995) são dois trabalhos de Norbert Elias que podem ser integrados às obras do
campo da sociologia histórica.
Acrescentando-se ao rol dos que incentivam investigações deste tipo, podem ser
citados outros estudiosos, como por exemplo, Raymond Willams e Peter Berger. Em
uma análise sobre a sociologia da cultura, perspectiva da qual esta pesquisa também se
aproxima, Raymond Willams (2008: 33-4) reforça a possibilidade de uma abordagem
sociológica se concentrar em analisar relações sociais em tempos mais recuados. Por
sua vez, Peter Berger afirma que quando o objeto do sociólogo é construído tendo como
referência o passado, torna-se difícil distingui-lo de um historiador (1996: 30). É nesta
tênue fronteira de diálogo entre as disciplinas que procuramos nos situar.
De qualquer forma, quer seja no campo da História ou da Sociologia, tais
processos necessitam ser problematizados para se constituírem em objeto científico.
Pierre Bourdieu et al. (2005) nos auxiliam no entendimento de que o objeto sociológico
é construído levando em consideração as evidências empíricas e os conhecimentos
teóricos disponíveis no campo do saber. Estes elementos permitem a construção do
problema a ser investigado.
Foi a partir destas orientações, consolidadas pelas leituras e discussões nas
disciplinas do mestrado, que retornamos à consulta dos documentos sobre o Museu de
12
Arte Sacra de São Cristóvão e identificamos um conjunto de indícios que não só
forneciam possibilidades de reconstruirmos os processos acima citados, como também
evidenciavam as condições sociais em que eles foram efetuados bem como os agentes e
suas práticas no campo do patrimônio cultural. Portanto, começava a ser esboçada a
construção de um objeto sociológico em que uma análise resultante de abordagens
diacrônica e sincrônica poderia ser efetuada.
Apesar de adotarmos a perspectiva sociológica é importante destacar que da
construção do objeto de pesquisa à teia que este texto se constitui existe a convergência
de diversas possibilidades, alimentadas por interesses e categorias analíticas fornecidas
também por outros campos, como o da História, da Museologia e da Antropologia. No
Brasil, mais de 20 anos profissionais destas áreas vêm desenvolvendo pesquisas
sobre museus e coleções.
Para a museóloga Maria Célia Teixeira Santos, a perspectiva multidisciplinar e
interdisciplinar é fundamental para uma reflexão teórica e para as práticas dos
profissionais da área (1993: 9). Neste sentido, são diversos os olhares que os
pesquisadores podem lançar sobre o museu, principalmente se compactuarmos com a
perspectiva do antropólogo José Reginaldo Gonçalves ao afirmar que este espaço social
é “constituído, social e simbolicamente, pelo tenso entrecruzamento de diversas relações
entre grupos étnicos, classes sociais, nações, categorias profissionais, público,
colecionadores, artistas, agentes do mercado de bens culturais, agentes do Estado”
(2005: 255).
Visto neste enfoque, o museu pode ser compreendido como uma arena de lutas
culturais e palco de diversas relações e práticas sociais. Assim, conforme assinalou o
museólogo Mário Chagas, existe “um sinal de sangue” em cada museu (1999: 19). Foi
possivelmente com a intuição desse “sinal de sangue” e com a identificação de práticas
de preservação de bens culturais, reveladoras de conflitos sociais implícitos, que a
socióloga Myriam Sepúlveda Santos (2006) estudou o Museu Histórico Nacional e o
Museu Imperial de Petrópolis, ambos localizados no Estado do Rio de Janeiro. Ela
mostrou, entre outros aspectos, como foram construídos os discursos expositivos dessas
instituições. Destacou, ainda, no personalismo de seus diretores, a ênfase na construção
de uma narrativa tica sobre o passado e as estratégias de domínio do campo em
13
questão. Tal “sinal de sangue” também pode ser visto na pesquisa da historiadora Lilia
Moritz Schwarcz (2007) quando analisou a construção de representações raciais no
Brasil em instituições culturais, dentre elas os museus, na segunda metade do século
XIX e nas primeiras décadas do século XX.
Na parca produção sergipana sobre museus e sobre o campo do patrimônio
cultural, raros são os momentos em que é possível perceber que estes espaços foram
criados por agentes sociais de “carne e osso”, que têm objetivos, desempenham funções,
ocupam determinadas posições e defendem interesses individuais e coletivos.
Em um dos estudos sobre museus, Joselita Maria Santos identificou problemas
de compreensão do discurso expositivo do Museu Afro-brasileiro, situado na cidade de
Laranjeiras. Para a pesquisadora, as práticas de exposição dos bens culturais do museu
não proporcionavam uma comunicação adequada entre o museu e seu público, fato que
pode ser atribuído, dentre outros fatores, pela presença de objetos descontextualizados
(SANTOS, 1997: 73). Contudo, apesar de aguçar a nossa expectativa quanto aos
agentes construtores desse discurso, o referido estudo não aprofunda as análises sobre
esses agentes nem a posição que eles ocupam no campo cultural. Isto é importante frisar
porque os discursos expositivos dos museus não são neutros, fazem parte de uma
determinada concepção de sociedade, de tempo, de espaço, de agentes sociais. Este tipo
de análise também é carente em outros estudos sobre instituições congêneres sergipanas
(LIMA, 1994). Em consequência, a compreensão da relação entre museu e poder é
obscurecida, o “sinal de sangue” é desprezado.
As lutas culturais que envolvem os museus e seus agentes podem ser percebidas
também através da análise da prática de visita. No campo dos estudos sociológicos,
particularmente nas pesquisas que deixam evidentes os interesses sociais que estão por
trás do museu, é possível citar um dos trabalhos de Pierre Bourdieu. Em meados da
década de 1960, Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2007), empreenderam uma pesquisa
em museus de artes em alguns países europeus. O objetivo geral daquele estudo era
analisar o público dessas instituições, em particular, a prática de visitas. Os autores
chegaram à conclusão de que, principalmente devido às diferenças de escolarização, as
classes médias e superiores frequentavam e usufruíam mais dos museus do que as
classes populares. Dentre os motivos que explicam esse fenômeno estava a questão do
14
habitus. Este é definido por Pierre Bourdieu como um “princípio gerador e unificador
que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de
vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de
práticas” (2001, 21).
Aplicado ao campo cultural, habitus é o que define práticas sociais como o
gosto, as condutas e a frequência dos agentes nos museus, ou seja, pode ser entendido
como sendo a competência inculcada em determinados grupos de agentes para se
apropriarem das obras expostas de uma determinada forma, chamada de legítima. Neste
sentido, os museus desempenham a função de inculcar nos agentes que os visitam uma
determinada conduta e disposição, contribuindo, assim, para a reprodução da sociedade.
Uma outra prática em que é possível percebermos “um sinal de sangue” nos
museus é a constituição do acervo. A formação do acervo de um museu se realiza
através de pesquisas, troca, compra, empréstimos ou doações. Contudo, no âmbito do
campo do patrimônio cultural, estas práticas também revelam tensões, disputas
envolvendo agentes, grupos sociais e instituições.
A literatura museal, da qual citamos alguns exemplos, principalmente os estudos
ancorados numa perspectiva interdisciplinar, permite a compreensão de diferentes
dimensões da vida social: estética, liberdade, coerção, tempo, identidade, riqueza,
história, esquecimento, memória, poder, etc. Leituras e releituras são possíveis de serem
efetuadas, visto que os museus são instituições sociais dinâmicas.
O exame das práticas culturais de adquirir, pesquisar, preservar e expor se
constitui em uma oportunidade de revelar tais dimensões, em tempos e espaços
distintos. Contudo, diante da impossibilidade de evidenciarmos estas dimensões em sua
plenitude, ou em um só golpe, e mesmo correndo o risco de simplificar o exame de uma
instituição e de um campo tão complexo, operamos no sentido de nos aproximarmos da
dimensão social-histórica, ou seja, enquanto arena de lutas culturais. Tal aproximação se
inspira na leitura das instituições museais propostas por Mário Chagas. Este autor, ao
destacar a multiplicidade de expressões dos museus, reconhece que essas instituições
“estão atravessadas por interesses políticos diversos, por dispositivos de maior ou
menor controle social, por disputas de memória e poder” (CHAGAS, 2009: 51).
15
As práticas de adquirir, preservar e expor bens culturais, principalmente em
museus, revelam uma teia social cuja compreensão exige uma análise que leve em
consideração não apenas as relações dentro do museu, mas as múltiplas relações
estabelecidas num espaço social mais amplo, o campo cultural. Estas perspectivas
contribuíram para compreendermos a configuração social responsável pela criação e
manutenção do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão.
Nesta empreitada o uso da categoria de configuração, segundo o sociólogo
Norbert Elias, se apresentou como um instrumento analítico importante na medida em
que possibilitou a compreensão das relações sociais entre agentes situados em campos
de atuação profissional distintos. De acordo com Norbert Elias (1994: 22) as pessoas se
ligam com as outras, inclusive com as desconhecidas, por laços invisíveis, “sejam estes
laços de trabalho e propriedade, sejam de instintos e afetos”. Assim, nem sempre o
exercício de uma mesma atividade profissional, a mesma ascendência étnica, o mesmo
nível de renda e de educação garantem a coesão de um grupo social e a defesa de seus
interesses (ELIAS: 2000). Logo, agentes que aparentemente se situam em campos
sociais tão distintos, podem, a partir de alguns interesses comuns formarem uma
configuração específica suficiente para criar e manter um museu. Neste sentido, uma
das questões que aflora nessa proposta de leitura sobre a sociedade é a indagação sobre
as forças sociais que fazem com que os indivíduos constituam uma configuração
específica, e, consequentemente construam representações sobre suas identidades e se
distingam de outros grupos. Elias entende forças sociais como “forças exercidas pelas
pessoas, sobre outras pessoas e sobre elas próprias” (ELIAS, 2005: 17). Foi nesta
perspectiva que procuramos compreender como foi constituída uma configuração social
- composta por agentes com profissões, posições sociais e níveis de instruções
diferentes capaz de instituir e manter o MASC.
A pesquisa em foco teve como principal objetivo analisar a formação de uma
configuração de agentes e suas práticas que tornaram possível a criação e a manutenção
do Museu de Arte Sacra da cidade de São Cristóvão, no Estado de Sergipe.
Constatamos que, principalmente, entre as décadas de 1970 a 1990, estes agentes
utilizaram um conjunto de práticas e estratégias para a construção de uma representação
sobre a identidade, a memória e a história religiosa dos sergipanos e colocar o museu,
16
bem como alguns dos seus agentes, numa posição de destaque no campo do patrimônio
cultural sergipano.
As práticas de preservação de alguns desses agentes, como as do ex-arcebispo de
Aracaju Dom Luciano Cabral Duarte e do ex-governador de Sergipe Lourival Batista,
atingiam não o MASC, mas também, o campo do patrimônio cultural sergipano de uma
forma geral. De acordo com Norbert Elias, numa configuração social “para os
ocupantes de certas posições sociais, o caráter individual e a decisão pessoal podem
exercer considerável influência nos acontecimentos históricos” (1994: 51). Nesta
perspectiva, esses agentes tinham capital social para transitar em diferentes campos da
sociedade, o que permitiu o estabelecimento de uma rede de relações importantes para a
instituição e manutenção do MASC. As ações desses dois agentes, originalmente
posicionados nos campos religioso e político, respectivamente, são indícios de uma das
características do campo do patrimônio cultural brasileiro, qual seja, a sua
interdependência em relação a outros campos da sociedade.
Em termos gerais, existem homologias estruturais e funcionais entre os campos
(BOURDIEU, 2007: 67). O grau de dependência do campo do patrimônio cultural, e
principalmente de algumas instituições como os museus, em relação a outros campos
nos conduziu a levar em consideração as aproximações, os pontos de convergências,
enfim, as homologias com outros campos, como o religioso e o político. Isto não
significa que negligenciamos as especificidades desses campos, mas devemos ter a
clareza que, no caso brasileiro, as fronteiras do campo do patrimônio com outros
espaços sociais são porosas, tênues.
Assim, estas aproximações entre os campos sociais que exercem influência sobre
as práticas relativas ao patrimônio cultural brasileiro sugeriram o uso do conceito de
campo, desenvolvido por Pierre Bourdieu, como uma inspiração teórica. Ou seja, nesta
condição, tomamos a concepção de campo deste autor entendendo-a como um espaço
social em que os agentes, instalados em instituições ou não, procuram manter ou
conquistar uma posição de destaque em relação a outros agentes construindo e
utilizando discursos e práticas conforme seus interesses.
17
Foram realizadas pesquisas documentais nos arquivos das seguintes instituições:
Museu de Arte Sacra de São Cristóvão (MASC); Arquivo Central da Universidade
Federal de Sergipe (UFS), Cúria Metropolitana da Arquidiocese de Aracaju(CMA),
Instituto Dom Luciano Cabral Duarte (IDLC); no Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe (IHGS) e no Centro de Documentação Lourival Batista da Universidade
Tiradentes (UNIT). Além dessas instituições, empreendemos duas incursões à aldeia
dos índios xocó, no município de Porto da Folha, e às cidades de Poço Redondo e Porto
da Folha, em Sergipe. Nestes municípios realizamos entrevistas com alguns agentes no
sentido de evidenciarmos questões relacionadas à formação do acervo do MASC. Nas
instituições de pesquisas entramos em contato com fontes escritas como: ofícios, cartas,
livros de registros, documentos, notícias de jornais, projetos e publicações de catálogos.
Estas informaram, por exemplo, as relações estabelecidas entre o MASC e outras
instituições culturais e práticas de preservação dos agentes situados no campo do
patrimônio sergipano. Foram importantes para a nossa pesquisa os registros fotográficos
preservados no IDLC e no Centro de Documentação Lourival Batista (UNIT).
Na secretaria do MASC, a consulta a alguns documentos e aos livros de registros
de doações foi restrita, sendo necessária uma autorização do presidente da Fundação
Museu de Arte Sacra de Sergipe, que disponibilizou para a consulta tais documentos,
contudo, o caminho entre a autorização e a efetivação da pesquisa no museu nem
sempre foi percorrido sem os entraves inerentes a um tipo de documentação que outrora
não poderia ser consultada. De fato, apesar das tentativas, não foi possível consultarmos
os registros de doação dos bens culturais que formam o acervo da instituição. Ainda
sobre as fontes de pesquisa, é preciso registrar que a documentação do Centro de
Documentação Lourival Batista se encontra, até o momento, em processo de
catalogação, ficando comprometida a referência completa sobre as mesmas neste
trabalho.
Apesar de termos um conjunto significativo de fontes escritas, não dispensamos
a utilização da metodologia da história oral. As fontes orais foram construídas através
de entrevistas com alguns dos agentes relacionados à história do MASC. Tais
evidências são fundamentais para a reconstrução das redes sociais, de esboços
biográficos e para a compreensão de motivações das práticas dos agentes (FRANK,
18
1999: 110). Foi com o auxílio deste tipo de fonte que percebemos como a amizade, a
confiança e as relações de parentesco fizeram parte de um conjunto de valores que
contribuíram para a constituição da configuração social responsável pela
institucionalização e manutenção do MASC.
Fizemos uso de entrevistas semiestruturadas com agentes ligados ao MASC ou
às instituições situadas no campo do patrimônio sergipano. Tínhamos como objetivo
entrevistar todas as ex-diretoras do museu, contudo, apesar de alguns contatos firmados,
condições alheias a nossa vontade não possibilitaram a concretização do nosso
propósito. À princípio, não houve recusa, porém, a espera por um “momento oportuno”
nos fez prosseguir sem realizar todas as entrevistas planejadas.
A cautela dos entrevistados do MASC, como o acesso restrito a alguns
documentos escritos, nos fez adotar uma estratégia de preservar suas identidades em
alguns momentos do nosso texto. Assim, optamos por substituir alguns nomes por letras
do alfabeto. Este cuidado ficou evidente principalmente ao elaborarmos o terceiro
capítulo deste trabalho. Ressaltamos que a entidade é administrada por uma instituição
de caráter privada, portanto, alguns atos administrativos e questões foram preservados
pelo fato de alguns documentos não estarem disponibilizados em arquivo aberto ao
público ou a consulta dos mesmos serem efetuadas de forma restrita. Esperávamos
contar com as entrevistas de Irmã Wilma, primeira diretora do museu, e de Paulo
Barreto, um dos governadores que contribuíram para a criação do MASC. Estas
entrevistas, transcritas, fizeram parte de um estudo biográfico realizado pela
professora Gizelda Moraes (2008) sobre Dom Luciano Cabral Duarte, o principal
idealizador do MASC, e se encontram, até o momento, indisponíveis para consulta
pública no IDLC. O acesso a elas poderia fornecer mais informações sobre a fundação e
os primeiros anos do museu. Contudo, parece-nos que os danos não foram tão grandes,
ao menos, no que se refere ao alcance dos objetivos definidos.
A dispersão dessas fontes em diversos institutos de pesquisas, particulares e
públicos, parece-nos a percepção de um indício dos diversos campos em que nossos
agentes transitavam
1
. Esta evidência pode ser constatada com a multifacetada
1
Além da especificidade do objeto de pesquisa, não podemos esquecer que ainda predomina nas nossas
instituições de pesquisa a deficiência de instrumentos de pesquisas que permitam ao pesquisador o acesso
19
personalidade de Dom Luciano Cabral Duarte. No geral os agentes envolvidos na
criação e manutenção do MASC eram religiosos, políticos, intelectuais e funcionários
públicos que atuaram em seus respectivos campos. Contudo, o trabalho em torno da
construção e preservação da história, da identidade e da memória religiosa dos
sergipanos, através do MASC, funcionou como elemento aglutinador na formação de
uma configuração específica.
Neste sentido, enfatizamos, mais uma vez, que optamos por nos referir à noção
de campo como um espaço social em que os agentes estão posicionados de acordo com
seus capitais simbólicos e agem, e procuram interpretar a realidade social- conforme o
habitus específico do referido campo, em torno da luta por um tipo específico de bem,
conforme o sociólogo francês Pierre Bourdieu teoriza, tal uso é indicado, em Sergipe,
aos campos religioso, político e intelectual em suas formas completas.
No que diz respeito à metodologia, optamos por perseguir vestígios materiais e
imateriais deixados pelos agentes que nos permitiram compreender suas práticas e
representações sociais. Por vezes, são os pequenos indícios, as fontes opacas e escassas,
os silêncios e os gestos, na documentação consultada e nas entrevistas realizadas, que
revelam tramas sociais importantes de um agente, de uma sociedade. Neste sentido,
compreendemos a ênfase que o pajé dos índios xocó, dava à posição social por ele
ocupada, bem como o fato de ele fazer questão de colocar o cocar quando solicitamos
uma fotografia na nossa primeira visita à Ilha de São Pedro
2
.
Em outra entrevista realizada na cidade de Porto da Folha, desta vez com a
“irmã” Zezé, observamos o semblante de contentamento que a entrevistada demonstrou
e o sorriso expressado ao afirmar ser índia xocó “com muito orgulho”
3
. Não
desconsiderando a problemática da tênue fronteira que existe entre representação e
conteúdo no processo de interpretação da cultura, como nos alerta o antropólogo
Clifford Geertz (1978: 26), questão que aliás deve ser considerada até no momento da
transcrição do relato oral como discutimos em outro momento (SANTOS, 2008), tais
às fontes de uma forma mais eficaz. Entretanto, é preciso observa que esta não é uma situação apenas do
nosso Estado, se estende à vários cantos do país (PINSKY, 2006: 42-52).
2
Entrevista concedida por Raimundo Bezerra Lima(pajé Raimundo) na Ilha de São Pedro, município de
Porto da Folha (SE), em 16 de julho de 2009.
3
Entrevista concedida por Maria José Faustino (irmã Zezé) na cidade de Porto da Folha (SE), em 13 de
julho de 2009.
20
indícios revelam a ênfase dada por esses agentes no reconhecimento das suas
identidades, da posição social e o uso de objetos culturais como indicativo das mesmas.
Não menos relevantes foram os rascunhos de um dos textos que integrou um dos
catálogos do MASC. Neste rascunho a autora descreve o seu descontentamento com
agentes que deveriam cuidar do patrimônio e não o fizeram. Esta observação e outras
dificuldades citadas para manter o MASC, não estão inseridas no catálogo publicado
pela instituição, mas sobreviveu como um registro de uma ação humana situado no
campo em que atuam a memória e o esquecimento.
Priorizamos utilizar o método indiciário proposto pelo historiador italiano Carlo
Ginzburg (1991) para identificar e interpretar as fontes utilizadas na nossa pesquisa.
Diversas são as áreas de conhecimentos em que este método pode ser aplicado.
Acreditamos que a sociologia é uma delas, pois de acordo com Peter Berger “o
sociólogo é o homem que tem de ouvir mexericos mesmo a contragosto, o homem que
sente tentação de olhar através de buracos de fechadura, ler correspondências alheias,
abrir armários fechados” (BERGER, 1996: 29).
Porém, muitos desses “mexericos”, registrados no nosso “diário de campo”
permaneceram como “segredos de família”. Revelá-los, é privilégio de cientistas que se
ocupam em pesquisar períodos remotos em que as leis sobre a preservação da “vida
alheia” não os alcançam. De qualquer forma, o método indiciário aplicado amplamente
no campo da História pode, portanto, coadunar com a perspectiva sociológica. Este
método foi útil, pois algumas das fontes são documentos administrativos (ofícios,
convênios, projetos, rascunhos) que, aparentemente não deixam evidentes as estratégias
utilizadas pelos agentes numa determinada figuração do campo considerado. Este
método foi utilizado, juntamente com a Crítica Histórica. Esta consiste, basicamente, no
estabelecimento da autenticidade e sinceridade dos testemunhos.
Os agentes selecionados para as entrevistas, além dos citados anteriormente,
foram os seguintes: diretores e funcionários do MASC; ex-integrante do Conselho
Diretor do Museu (UFS) e membro do Conselho Estadual de Cultura do Estado de
Sergipe. O critério de seleção dos entrevistados foi a participação deles nas teias que
formaram a configuração dos agentes responsáveis pela criação e manutenção do
21
MASC. Conforme tentamos demonstrar, um dos principais elos que une esses agentes
são os laços de amizades estabelecidos ao longo dos anos, que inclusive, parece ser,
também um dos requisitos importantes na ascensão social de alguns destes agentes no
espaço social em que atuaram, consequentemente, fazendo parte do habitus do campo.
Selecionados alguns agentes, fizemos esboços biográficos. Estes procuraram se
distanciar da tentativa de compreendê-los “do berço ao túmulo”.
Afastamo-nos, portanto, da difícil tarefa de traçar uma biografia do agente com a
ambição de abarcarmos toda a complexidade e amplitude de uma vida (BORGES, 2001:
3). Interessou-nos, conforme as orientações do sociólogo Pierre Bourdieu (2001), situá-
los no espaço social em que estavam inseridos, trazendo elementos das suas trajetórias
que nos permitissem compreender suas posições no campo cultural e as relações sociais
nele vividas.
Assim, realizamos esboços biográficos que procuraram articular elementos
diacrônicos e sincrônicos. Na identificação da posição de alguns desses agentes, diante
de um contexto histórico social limitador das ações individuais e coletivas
democráticas, percebe-se a construção de uma configuração social que tornou possível a
criação e manutenção do MASC. Entretanto, se o recorte temporal da pesquisa
compreende parte da Ditadura Militar brasileira, e apesar de estabelecermos algumas
relações de alguns agentes com o alinhamento ao regime político, nossa proposta de
estudo não teve como preocupação principal trazer elementos biográficos da ação deles
no campo político, apesar de que, em alguns casos, isto seja inevitável. Procuramos nos
deter nas suas ações no campo cultural.
Diante dos milhares de visitantes que conheceram o Museu desde a sua criação,
em 1973, consultamos os registros de visitantes que foram selecionados pelos
responsáveis pelo MASC para deixarem suas declarações no chamado Livro de
Impressões”. Selecionamos 78 agentes, de um universo não muito amplo de pouco mais
de 150 registros de “pessoas importantes” que foram agraciadas pelos funcionários do
MASC para registrarem suas impressões sobre o Museu, entre 1974 à 2005. Excluímos
os registros pouco legíveis, aqueles que continham assinatura ou suas impressões
apresentavam muita semelhança com as dos agentes selecionados. Ressaltamos que o
tratamento dado a estes registros foi qualitativo. Nossa preocupação foi mostrar como
22
estas impressões foram utilizadas pelos agentes responsáveis pela instituição como uma
prática importante na manutenção do MASC e na distinção de seus idealizadores e
mantenedores. Este procedimento foi utilizado numa tentativa de construirmos uma
interpretação mais cuidadosa no terceiro capítulo ao operarmos com os dados
disponíveis retirados desta fonte.
A dissertação é composta de três capítulos. No primeiro, cujo titulo é Do
singular ao plural: a construção da identidade nacional no campo do patrimônio
brasileiro, situaremos os museus nas discussões em torno da construção da identidade
nacional, principalmente, durante o processo de estruturação do campo do patrimônio
cultural brasileiro, foco principal do capítulo. Em seguida apresentaremos o contexto
cultural e político que contribuiu para a fundação do MASC.
No segundo capítulo, A construção de um museu, faremos um exame da
formação da configuração social que tornou possível a criação e a manutenção do
MASC. Neste capítulo, destacaremos os principais agentes desta configuração e suas
práticas no campo do patrimônio cultural sergipano. Finalmente, no terceiro capítulo, A
construção de um discurso sobre a identidade sergipana, destacamos como a posição
deste museu no campo do patrimônio cultural sergipano está relacionada ao trabalho
dos agentes do MASC na construção do discurso sobre a preservação da história, da
memória e da identidade religiosa dos sergipanos. Procuramos, ainda, analisar as
características do acervo da instituição, as práticas de aquisição dos objetos e a prática
administrativa da instituição. Nesta pesquisa, o recurso à noção de estratégia revela as
lutas culturais entre os agentes no campo específico. Para Michel Certeau “as estratégias
escondem sob cálculos objetivos a sua relação com o poder que os sustenta, guardado
pelo lugar próprio ou pela instituição” (1994: 47). Assim, a concepção de prática
utilizada nesta pesquisa está articulada com a noção de estratégia utilizada por Michel
Certeau.
23
Capítulo 1
Do singular ao plural: a construção da identidade nacional no campo do
patrimônio brasileiro
As instituições responsáveis pela seleção, aquisição, pesquisa e divulgação de
bens culturais indicativos de memórias e de identidades de grupos sociais ocupam um
lugar de destaque na sociedade brasileira contemporânea. Assistimos a ações
protagonizadas pelo poder público e pela sociedade civil em torno da constituição,
manutenção e desenvolvimento de instituições como arquivos, memoriais, centros
culturais e museus em todas as regiões do território nacional.
No âmbito do governo federal, uma parte significativa dessas ações podem ser
atribuída à intelectuais e aos agentes ligados, profissionalmente, ao Ministério da
Cultura (MinC) e às instituições a ele subordinadas, como o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e a Fundação Palmares. No caso da sociedade
civil, é perceptível as iniciativas de grupos e movimentos sociais que reivindicam o
atendimento de suas demandas no campo do patrimônio cultural, consequentemente, o
reconhecimento das suas identidades e do direito de ter suas memórias e histórias
reveladas. Neste caso, podemos citar as pressões exercidas no referido campo pelos
grupos étnico-raciais, como os afrodescendentes e indígenas (FONSECA, 2003: 62).
Neste quadro, não menos relevantes são as ações dos governos estaduais e
municipais para a promoção de instituições voltadas para a preservação de bens
culturais. No Estado de Sergipe, no final da primeira década do século XXI, dois
eventos estão relacionados ao contexto nacional de ampliação de ações públicas neste
campo e no envolvimento de outros agentes que, raramente eram convocados para atuar
na decisão do que deveria ser preservado. O primeiro é o incentivo do Poder Executivo
para a candidatura da Praça São Francisco, na cidade de São Cristóvão, para conseguir a
chancela de Patrimônio da Humanidade, concedida pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O segundo é a
reinauguração do Palácio Olímpio Campos, na cidade de Aracaju, capital do Estado.
A Praça, além de ser um vestígio de uma prática administrativa do governo
espanhol durante a União Ibérica (1580-1640) no Brasil, se caracteriza por abrigar um
24
conjunto de edificações construídas a partir do século XVII voltadas, principalmente,
para práticas religiosas católicas. Por sua vez, o Palácio, agora com a chancela de
museu, foi construído em 1856 com o propósito de servir de moradia para os
governadores e como palco das suas práticas administrativas
4
, em um período em que
os sancristovenses ainda praguejavam por ter perdido a condição de capital da Província
de Sergipe para Aracaju em 1855 (SANTIAGO, 2009: 95).
Situadas no campo do patrimônio cultural e submetidas aos critérios de seleção
próprios deste espaço social, após serem tombadas estas construções foram
“ressacralizadas” e ressignificadas pelos agentes encarregados de gerenciar o campo do
patrimônio, ou seja, transformaram-se em objetos de elaboração de representações e
práticas sobre a história, a memória e a identidade de agentes e grupos sociais. Foram
içadas à categoria de patrimônios históricos e instituídas também como objetos de
distinção e consagração social de intelectuais e políticos
5
.
A Praça São Francisco foi palco de importantes festas religiosas e procissões
solenes desde o período colonial. Nela, fiéis de diferentes condições sócio-econômicas e
origens étnico-raciais se aglomeravam e se distinguiam, em suas respectivas irmandades
religiosas, em torno da Festa de Nosso Senhor dos Passos, da Procissão de Cinzas e da
Procissão de Corpus Christi, dentre outras. Algumas dessas festas não ostentam a
visibilidade social que tinham em tempos de outrora, conforme relata Serafim Santiago
(2009). Com exceção da Festa de Nosso Senhor dos Passos, as outras, apesar de não
sucumbirem por completo, se constituem em vestígios de teias de diversas práticas e
representações sociais que atualmente são lembradas e reconstruídas, cotidianamente,
através da arquitetura religiosa e dos discursos elaborados por guias turísticos e
4
O Palácio continua a ser utilizado como espaço para os atos administrativos do governo. A sua
reinauguração como museu, segue a tendência do que ocorreu em outros palácios como no Distrito
Federal, na Bahia, em Alagoas e em Pernambuco. Como afirmou o governador do Estado de Sergipe, o
ambiente servirá também para receber lideranças, entregar condecorações, e receber, ao menos uma vez
por semana “cidadãos e autoridades”: apud: Jornal da Cidade, 26 mai. 2010; p. B7.
5
Em meio às comemorações alusivas ao feito da ascensão da Praça à categoria de Patrimônio Mundial,
destacam-se às práticas de elogios às autoridades públicas e civis, promessas de condecorações àqueles
que se dedicaram ao êxito do empreendimento (Cf: Jornal da Cidade, 03 de agosto de 2010,
B3;http://pracasaofrancisco.se.gov.br/novidades/2010/08/praca-em-sergipe-e-o-novo-patrimonio-cultural-
dahumanidade/;http://www.infonet.com.br/cultura/ler.asp?id=101779&titulo=cultura Acessados em 03-
08-2010). Está prática, comum no Brasil, não raramente, esmaece os esforços de tantos outros agentes
que ao longo da história, contribuíram para a inserção dos bens sergipanos na categoria de patrimônio
cultural. Além disso, sinaliza os diversos usos do patrimônio cultural pelo campo político.
25
especialistas no trato com as questões patrimoniais ou são encenadas e recriadas, com
menos pompa, pelos fiéis em momentos específicos do calendário religioso católico.
Somam-se aos intelectuais, políticos e especialistas do campo do patrimônio,
tantos outros agentes que, por diferentes motivos, reivindicam a preservação deste
patrimônio em nome do turismo, da memória, da história e da identidade sergipana,
como professores dos ensinos básico e superior, operadores do turismo e parte da
população.
As políticas públicas relativas ao patrimônio não alcançaram ainda, de forma
eficaz, tantos outros agentes que se apropriam deste patrimônio de maneira diferente do
que almejam seus formuladores, ao ponto de não considerarem os benefícios
econômicos, políticos e culturais que este patrimônio pode trazer para as suas vidas e
questionarem o grau de sentimento de pertencimento a ele. Este é um dos desafios que
as instituições que operam e cuidam do patrimônio cultural no Brasil- a exemplo do
IPHAN- enfrentam, no sentido de contribuir para a democratização deste campo e
justificar o “retorno social dos recursos aplicados na preservação do patrimônio”
(MICELI, 2001: 363).
É no campo da construção e apropriações do patrimônio, e nas lutas envolvendo
lembranças e esquecimentos, que podem ser compreendidos os posicionamentos dos
agentes sociais sobre a preservação de bens culturais. Sobre este aspecto podemos citar
alguns exemplos que ilustram as relações de forças existentes no campo do patrimônio.
Ao ser solicitada por um jornal para testemunhar sobre o título de Patrimônio Mundial
concedido à Praça, uma balconista comentou: “Eu soube desse prêmio da Unesco, todo
mundo fala nisso. Mas eu não gostei foi da forma que fizeram a praça. Tiraram os
bancos, tem uma árvore. Fica parecendo uma praça de eventos”
6
. Este relato destaca
o caráter utilitário da praça ser um espaço em que as pessoas desenvolvem práticas de
sociabilidades, como as conversas nos bancos à sombra das árvores
7
. Diferente do que
ocorre com as representações construídas pelos grupos sociais envolvidos com as
questões patrimoniais, a comparação da Praça que esta balconista estabelece tem como
6
Jornal da Cidade, Aracaju, 03 de agosto de 2010.
7
Ao observar alguns registros fotográficos da praça é possível perceber que ela teve, em alguns
momentos de sua história, um maior número de árvores, apesar de predominar no seu conjunto a escassez
das mesmas.
26
referência outras praças contemporâneas utilizadas pelo poder público e pela sociedade
civil para realizar eventos com um público amplo. A memória desta moradora diz
respeito a outras experiências, diferente das que pretendem construir, sedimentar e
inculcar os especialistas do patrimônio nas suas construções sobre o passado, com suas
diferentes estratégias. Como destacou o historiador Le Goff “apodera-se da memória e
do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos
indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas” (2000: 12).
Sobre a mesma Praça, o mesmo jornal que colheu o relato da balconista, deu a
seguinte informação: “tão logo soube da notícia, o padre da igreja São Francisco
interrompeu a missa e levou todos os fiéis para o centro da praça para uma oração que
comoveu a todos os moradores de São Cristóvão”
8
. Diferentemente do que o jornal
divulgou, a missa do domingo estava prestes a acontecer quando o pároco da cidade
soube da notícia. Segundo declaração de moradores da cidade, os fiéis foram
convidados a ir até a praça e, de mãos dadas, orarem como forma de agradecimento ao
título alcançado. Feito este esclarecimento, o que nos interessa é constatar que o
posicionamento do padre coaduna-se com a prática que a Igreja Católica espera dos seus
especialistas responsáveis pela gestão dos bens de salvação ao lidar com questões
culturais. Filho de seu tempo, ou seja, formado dentro da perspectiva do Concílio
Vaticano II(1962-1965), este agente é orientado a perceber a importância da cultura na
vida da comunidade e a promovê-la, sob diferentes formas que se apresentarem, desde
que não esteja dissociada dos valores cristãos
9
. Além disso, o posicionamento do pároco
diante do reconhecimento da Praça São Francisco como Patrimônio da Humanidade é
compreensível pela inserção da Igreja Católica, no Brasil, nas questões sobre o
patrimônio histórico, pois grande parte do patrimônio arquitetônico protegido é
composto pelos bens relacionados à Igreja Católica, a exemplo do próprio Conjunto
Franciscano, no qual se encontra o MASC.
8
Jornal da Cidade, Aracaju, 03 de agosto de 2010.
9
O posicionamento que os padres devem ter diante das questões culturais na sociedade contemporânea
foram explicitados na Constituição Pastoral Gaudim Et Spes sobre a Igreja no Mundo de Hoje, mais
especificamente, na Seção I, Situação da Cultura no Mundo Atual. EM: COSTA, Lourenço (org.).
Documentos do Concílio Vaticano II (1962-1965). São Paulo: Paulos, 1997. p.606-620.
27
1.1 Vestígios de uma teia
O movimento que foi organizado em torno da transformação da Praça São
Francisco em Patrimônio da Humanidade exemplifica a complexidade da compreensão
das práticas preservacionistas no campo do patrimônio na sociedade contemporânea,
pois nele novas e antigas práticas estão presentes. A ênfase na participação popular no
movimento em defesa deste patrimônio, registrada através de abaixo-assinados em prol
da candidatura, é um dos indícios de uma prática preservacionista recente em Sergipe,
ao menos no que diz respeito a sua amplitude e estratégias utilizadas para conseguir as
adesões. Mesmo que se trate do atendimento de uma das exigências da UNESCO, e que
já existissem dispositivos legais nacionais que garantem a participação popular na
indicação de bens representativos das suas histórias, das memórias e das identidades,
essa ação, juntamente com outras estratégias utilizadas pelos organizadores do
movimento, como a intensificação da participação dos estudantes nos eventos
organizados, demonstrou a necessidade de um diálogo entre as entidades responsáveis
pela preservação dos bens culturais e os grupos sociais a quem esses bens possam
interessar
10
.
Os critérios e as justificativas para a inserção de um bem na categoria de
Patrimônio da Humanidade são diferentes dos utilizados para elevá-lo à categoria de
patrimônio local e nacional e, consequentemente, os discursos e as estratégias dos
agentes representantes dos países interessados em alcançar o título almejado tendem a
se adequar ao espaço social no qual a disputa ocorre
11
. Logo, estamos destacando
apenas um dos aspectos que foram considerados para a obtenção do título, o
envolvimento da população com o bem local.
Neste sentido, a demonstração dos possíveis benefícios que o resultado deste
movimento traria para a população local, por exemplo, esbarra na falta de uma resposta
10
As atividades desenvolvidas junto à população local, em parte, visavam atender a um dos critérios (vi)
que justificavam a solicitação do título junto a UNESCO. Neste sentido, os proponentes deveriam mostrar
a relevância do espaço para a manifestação das expressões culturais da população. Cf : Proposição de
Inscrição da Praça São Francisco em São Cristóvão/SE na lista do Patrimônio Mundial.EM:
pracasaofrancisco.se.gov.br/ downloads/ .p.15 .Acessado, agosto de 2010.
11
Na construção do discurso que justifica a obtenção do título, mais do que a importância da praça para a
memória e a história local e nacional foi destacado a sua “singularidade”, “nobreza e harmonia”e os
“valores excepcionais universais” Cf: Proposição de Inscrição da Praça São Francisco em São
Cristóvão/SE na lista do Patrimônio Mundial. EM: pracasaofrancisco.se.gov.br/downloads/ Acessado,
agosto de 2010.
28
definitiva do poder blico, de uma forma geral, e de algumas instituições específicas,
como o IPHAN e a Secretária Estadual de Cultura, a questionamentos apresentados a
partir da década de 1940, quando as primeiras construções da cidade foram tombadas.
No campo do turismo, uma das atividades que poderiam responder, em parte, à
demanda da sociedade por benefícios vindos de uma política de preservação do
patrimônio, até o final da primeira década do século XXI, moradores e turistas
convivem com a falta de uma infraestrutura adequada para o desenvolvimento dessas
atividades (ARAGÃO, 2009). Assim, levando em consideração a fala da balconista e a
ação do padre acima mencionadas, nas práticas preservacionistas, em diferentes tempos
e espaços em que o patrimônio surgiu como uma prática social específica de um campo,
as perguntas clássicas feitas por Carlos Lemos (2004) - Por que preservar? O que
preservar? Como preservar? - continuam sendo importantes pontos de reflexões tanto na
academia quanto em outros espaços sociais.
No caso da reinauguração do Palácio do Governo, houve um tempo em que as
vozes dos trabalhadores e de outros segmentos da sociedade civil rompiam as portas e
janelas do Palácio para solicitarem o atendimento das suas demandas
12
. Contudo deste
passado da Praça Fausto Cardoso, local em que se encontra o Palácio-Museu Olímpio
Campos (PMOC), poucos vestígios da presença dos trabalhadores são evidenciados.
Essas vozes, apesar de insistentes, dependendo dos seus propósitos, podem apenas
refletir nos espelhos mudos que protegem as fotografias dos governadores que ali
passaram, possivelmente reverberaram nos visitantes consumidos pelo efeito de
deslumbramento do lugar, e, talvez, sejam sufocadas por objetos, doados pelos
familiares dos governadores
13
, que lutam para ter seu espaço no discurso expositivo do
PMOC. Discurso este que procura afetar o visitante e conduzi-lo a uma compreensão de
si e do mundo em que ele está inserido, inculcando-lhe uma determinada forma de
leitura sobre a sociedade e esquecendo outras. Na perspectiva do governador do Estado,
o PMOC é um dispositivo pedagógico para os sergipanos aprenderem a edificar o
12
Um ex-presidente de um grêmio estudantil, testemunhou seu orgulho sobre a restauração e novo uso do
Palácio e se lembra da sua participação em “diversas manifestações, sempre em frente a este Palácio”.
Grifo nosso. Cf: http://www.palacioolimpiocampos.se.gov.br/noticia/em-dois-dias-de-funcionamento-o-
pmoc-recebeu-aproximadamente-550-visitantes. Acessado em 24-07-2010.
13
http://www.palacioolimpiocampos.se.gov.br/noticia/palacio-museu-olimpio-campos-recebe-fotografias-
de-importantes-figuras-politicas-do-estado-de-sergipe. Acessado em 21-06-2010
29
futuro, através do conhecimento do passado
14
. Para o presidente da Fundação Nacional
de Arte (FUNARTE), o PMOC está relacionado a “uma redescoberta” da identidade, da
história e criação de uma “autoestima e um olhar para o futuro”
15
.
Provavelmente este Museu é uma das instituições sergipanas que mais
exemplificam a tênue e tensa fronteira entre os campos da cultura e da política,
costurada ao longo de décadas. As novas tecnologias que compõem seu discurso
expositivo e a proposta museológica utilizadas que enfatiza a preservação, pesquisa e
divulgação de bens culturais-, dividem espaço, até o momento, com práticas sociais de
outrora, inerente à dinâmica da maioria dos museus históricos públicos brasileiros,
como a celebração de determinadas memórias em detrimentos de outras; a utilização de
instituições como instâncias consagradoras de agentes políticos e intelectuais; e o
reforço da dependência de intelectuais com relação ao campo político, no sentido de
instituir e manter instituições museais.
A forma como está prevista o recrutamento dos agentes responsáveis pelos
principais cargos administrativos do POMC amplia a margem de interferência dos
governantes no desenvolvimento das atividades da instituição, visto que os cargos por
eles ocupados são comissionados
16
e, portanto, podem ser preenchidos por agentes cujas
posições estejam mais alinhadas com a configuração política do momento que com as
demandas da população objetivo maior das políticas de preservação- ou as
competências técnicas que algumas funções exigem. Esta prática é exercida, até o
momento, em outras instituições museais sergipanas administradas pelo poder público,
como o Museu Histórico de Sergipe (1960), situado na cidade de São Cristóvão e o
Museu Afro-Brasileiro (1978), localizado na cidade de Laranjeiras. Possivelmente, esta
prática não é exclusiva das instituições culturais sergipanas contemporâneas, pois ela
acompanha a história das instituições públicas brasileiras, de uma forma geral.
Analisando as relações entre o Estado e os intelectuais entre 1930 à 1945, durante o
Regime do Estado Novo, especificamente, no que se refere à ascensão aos cargos
14
Jornal da Cidade, 26 mai. 2010; p. B7.
15
http://www.palacioolimpiocampos.se.gov.br/noticia/ministro-da-cultura-fica-impressionado-com-
estrutura-do-pmoc: acessado em 23-06-2010.
16
SERGIPE. Lei 6.874, de 11 de janeiro de 2010. Dispõe sobre a criação do Palácio-Museu
Olímpio Campos, e providências correlatas. Cf: Diário Oficial 25917, do dia 15/01/2010. Aracaju.
Diário Oficial, 2010.
30
públicos pelos intelectuais desprovidos de trunfos específicos que alguns cargos
exigem, Sérgio Miceli, chegou a seguinte conclusão:
Se para a elite intelectual do regime é possível apreender os liames
entre sua competência escolar e profissional e as modalidades de
trabalho que ela assume, nesse segundo grupo, o acesso às posições
repousa, quase por completo, nas provas de amizade e, por
conseguinte, na preservação dos anéis de interesses de que são
legítimos porta-vozes e os principais beneficiários. (2001: 212)
Neste sentido, como observou Norbert Elias (1994) os instrumentos de poder
que um agente controla podem fornecer a margem de decisão que ele tem sobre a
configuração. Na medida em que, na relação de forças entre os agentes situados no
campo político e no campo cultural, os primeiros se destacam por deter e fornecer as
condições básicas materiais e institucionais que tornam possíveis a manutenção de
determinadas instituições culturais, abre-se a possibilidade dos agentes políticos
ampliarem o seu poder. Inclusive, no que diz respeito às possibilidades de intervir e
tomar decisões em discussões relativas aos aspectos museológicos e museográficos das
instituições, nas quais não tem, ou não lhes são concedidas, teoricamente, a condição de
especialistas, visto que não detêm trunfos acadêmicos para se posicionarem neste
espaço específico ou não dispõe de um habitus que lhe permita uma ação legítima.
Contudo, não se pode afirmar que os agentes inseridos nas instituições culturais
configuradas dessa forma, não tenham possibilidades de exercer suas atividades da
forma que acreditam que devam ser exercidas, mas, nas condições relatadas, quanto
mais fortes forem os laços que unem os agentes situados no campo político com os
agentes situados no campo cultural, menores são as possibilidades de liberdade de ação.
É neste contexto que compreendemos a crítica, na década de 1990, de alguns
museólogos, como Antônio Oliveira, endereçadas aos pequenos grupos que “utilizam os
museus como instrumentos de reprodução de seus interesses” (SANTOS, 1993:6).
1.2 Identidades e prática preservacionista
Tanto a Praça São Francisco quanto o Palácio Museu Olímpio Campos tem suas
existências justificadas, dentre outros fatores, por serem apresentados como patrimônios
arquitetônicos e bens culturais constituintes da história, da memória e da identidade dos
31
sergipanos. Na sociedade contemporânea as questões sobre as identidades culturais
colocam desafios aos agentes encarregados de gerenciar os bens no campo do
patrimônio cultural na medida em que novas demandas e novos agentes são inseridos
neste espaço. De acordo com Stuart Hall (2005: 10), a identidade do indivíduo da
sociedade pós-moderna se caracteriza por ser descentrada, móvel, fragmentada, assim,
pode-se conjecturar que os bens culturais oferecidos a estes agentes se diversificam e a
concorrência entre os agentes e instituições encarregadas de ofertar estes bens tenha
uma outra dinâmica.
A compreensão da emergência dessas identidades e a sua relação com as práticas
preservacionistas podem ser estabelecidas tomando como referência a análise do
sociólogo Norbert Elias (1994). Para ele, na estrutura das sociedades contemporâneas a
identidade-eu, ou seja, a individualidade é altamente mais valorizada do que a
identidade-nós, o que as pessoas têm mais em comum, o coletivo. Esta valorização da
identidade-eu não pode ser tomada como algo natural. Na Antiguidade, mais
especificamente, na República Romana, a identidade-nós de cada pessoa, ou seja, o
sentimento de pertencer à família, à tribo e ao Estado era forte. Com a integração
econômica dos Estados atuais, o problema da relação dos indivíduos com a sociedade, a
exemplo de suas identidades sociais, se coloca, em alguns aspectos diversamente do que
50 anos atrás - narra o sociólogo na década de 1980.
As identidades, portanto, são construídas e reconstruídas social e historicamente.
Consequentemente, o conceito normativo de pertencimento, adotado pela política de
preservação do patrimônio cultural predominante no Brasil até 1980, é questionável. Os
pertencimentos são múltiplos. É nesta perspectiva que se pode compreender as críticas
direcionadas às instituições museológicas que têm a guarda de bens culturais
representativos de diversos grupos sociais, mulheres e afrodescendentes e constroem
discursos expositivos que negligenciam ou sub-utilizam esses bens. É nesse movimento,
que pode ser entendido a diversidade tipológica dessas instituições como uma das ações
de determinados grupos sociais em identificar, preservar, pesquisar e expor bens
indicativos de suas memórias, histórias e identidades.
De acordo com a noção de configuração, para que um bem cultural possa ser
caracterizado como indicativo patrimonial da identidade de um grupo é necessário que
32
exista a aceitação dos integrantes desse grupo e que esses bens possam ser reconhecidos
pela sociedade em que o grupo está inserido. Entretanto, deve-se também compreender
que a identificação de um grupo com esse bem é dinâmica, móvel. Dependendo da
configuração do campo em questão esse bem pode, em um determinado tempo e espaço,
ser um elemento identitário desse grupo social ou não.
Retornemos à Praça São Francisco. Nas antigas instalações da Ordem Terceira
de São Francisco de Assis funciona, desde 1973, o Museu de Arte Sacra de São
Cristóvão. Seu acervo é formado por centenas de objetos sacros relacionados à
religiosidade católica. o móveis, jóias, quadros ou telas, imagens de santos e santas,
dentre outros objetos culturais, produzidos entre os séculos XVII, XVIII, XIX e XX.
Dentre estes, destacamos uma imagem do século XVIII, a de Nossa Senhora do Rosário
que pertenceu à Irmandade dos Homens Pretos do Rosário
17
. Exposta no Museu, ela
pode ser apropriada como um exemplar do barroco sergipano, pode suscitar lembranças
de uma prática cultural de imposição dos dogmas católicos a grupos étnico-raciais
distintos, ou ser representativa de práticas culturais (re)construtoras de memórias,
identidades e histórias de africanos e seus descendentes.
Neste sentido, para que a imagem de Nossa Senhora do Rosário seja um
indicativo de identidade dos negros da cidade de São Cristóvão é fundamental que eles
reconheçam a imagem enquanto indicativo da sua identidade e tenham a imagem
reconhecida, pelos outros grupos sociais, como pertencente a sua identidade, a exemplo
do que ocorreu com os negros da irmandade do Rosário no culo XIX (OLIVEIRA,
2008). Neste caso, estamos pensando na ideia de um tipo de identidade, a étnica-racial.
Para Fredrik Barth os traços diacríticos como o estilo de vida, a língua, a moradia e os
padrões de moralidades podem ser apontados como elementos formadores das
identidades dos grupos étnicos (1998: 194). Portanto, a imagem de Nossa Senhora do
Rosário pode ser considerada um elemento de identidade dos afro-sergipanos, ou de São
Cristóvão ou de alguma outra localidade.
17
As irmandades religiosas podem ser definidas como associações religiosas católicas de leigos, cuja
finalidade principal era promover o culto a um santo padroeiro, bem como desenvolver práticas de
assistência espiritual e material aos seus integrantes e à população das sociedades nas quais estavam
inseridas. No Brasil, elas existiram desde os tempos coloniais e podem ser classificadas segundo critérios
étnicos-raciais, sociais e econômicos adotados para a inserção de seus membros. Assim, existiam
irmandades de homens brancos, negros e pardos. A Irmandade do Rosário da cidade de São Cristóvão era
composta por negros escravos e sua presença é registrada desde o final do século XVII.
33
No mesmo museu encontrava-se também, até 1980, uma imagem de São Pedro
procedente da Igreja de São Pedro, no município de Porto da Folha/SE, mais
especificamente, nas terras em disputa entre os índios xocó e uma família de
latifundiários da região. Vencida a primeira fase do litígio, em 1979, os índios
retomaram a referida imagem do museu e a levaram para as terras reconquistadas. “A
imagem foi levada com grande solenidade e com muito júbilo do povo da ilha”
(REGNI, 1987: 218). Temos, portanto um indício de que os índios fizeram uso de um
bem cultural que contribuiu para o reconhecimento de sua identidade e de suas terras.
Assim, se reapropriaram de uma forma diferente de um bem que até então estava
exposto no museu com o propósito de provocar outros sentidos
18
.
Apesar das imagens de Nossa Senhora do Rosário e de São Pedro serem,
potencialmente, indicativos patrimoniais das identidades étnicas de grupos sociais
sergipanos, em determinados momentos e espaços, quando integraram o acervo do
MASC elas passaram por uma homogeneização do sentido dos valores, ou seja, foram
transformados em bens representativos da história, da memória, da tradição e da
identidade religiosa dos sergipanos. Daí a importância dos mediadores culturais, como
os agentes situados no campo do patrimônio, na construção de um determinado
discurso.
Diante das considerações precedentes, aceita-se a constatação de que os bens
culturais, quer sejam materiais ou imateriais, são pontos de referência que estruturam a
memória, são indicadores empíricos da memória coletiva e das identidades dos grupos
sociais e objetos de disputas entre os agentes e instituições situados no campo. A
memória fundamenta e reforça os sentimentos de pertencimento. Segundo o historiador
José Bittencourt,
A memória, em qualquer nível abordado, é fator de identidade e
acesso ao passado, faces de uma mesma moeda, e, portanto, objeto de
intervenção política. Logo, a política da memória é jogo intensamente
18
Sobre a relação entre as imagens de São Pedro e a religiosidade dos índios xocó, bem como questões
sobre esse caso específico, foram realizadas no mês de julho de 2009 três entrevistas, com o padre
responsável pela paróquia na época do retorno da imagem, com uma missionária e com o pajé do povo
xocó. Todos estes agentes o considerados testemunhas oculares pois, participaram, de forma direta,
deste processo de reconhecimento.Uma análise mais detalhada deste episódio será efetuada numa parte do
terceiro capítulo do nosso trabalho, quando estudaremos as práticas relativas ao processo de formação do
acervo do MASC.
34
disputado por competidores altamente preparados e motivados.
(2002: 207).
Nesta perspectiva, os bens patrimoniais indicativos das identidades do indivíduo
se diversificam na configuração social contemporânea, contrariando os esforços de
agentes e instituições que o percebe, ainda, como se sua identidade fosse imóvel,
definida. Abre-se então, um espaço para que outros agentes e instituições possam
utilizar táticas e estratégias que visem atender a esta demanda e lutar por posições no
campo do patrimônio e questionar discursos hegemônicos. Em consequência, os
princípios que sustentam a formação das configurações sociais em torno da adesão a um
bem indicativo das suas identidades são postos como desafios a serem objeto de
reflexões no campo científico. A Fundação Palmares, os museus de religiões
evangélicas, indígenas, de religiões afro-brasileiras, podem ser citados como exemplos
de novos agentes e instituições que procuram responder a esta nova demanda. Estes
agentes operam conforme outras mudanças na sociedade contemporânea, como a
pluralidade e a diversidade do campo religioso brasileiro, que contribui para que os
agentes encarregados de gerenciar os bens de salvação lancem táticas de tomada de
posição em outros campos. A opinião de uma internauta sobre a criação do Museu
Evangélico do Amapá pode ser inserida neste contexto
19
. Ela se expressa nos seguintes
termos:
Eu acho relevante a iniciativa da pessoa que pensou esse projeto de
museu para os evangélicos {sic}, uma vez que nos somos pessoas que
temos também{sic} o que preservarmos se tratando de cultura, o que
na maioria das vesez{sic} acontece é que não temos no nosso meio
iniciativa nesse sentido e com isso a nossa indentidade{sic} acaba
perdendo no tempo.
20
Para Ulpiano Bezerra Menezes (1992) não existem exibições ingênuas ou
neutras de artefatos em instituições como os museus históricos e antropológicos. Por
sua vez, José Bittercourt (2002) demonstrou as disputas sociais que ocorreram no
19
Cristina Bruno (1996: 296) ao discutir sobre a formação das coleções de objetos no século XVII na
Europa, aponta os interesses de católicos e protestantes neste campo. Desconhecemos, até o momento,
análises mais aprofundadas sobre o interesse dos protestantes no campo da preservação de bens culturais.
Inclusive seria interessante uma pesquisa de opinião sobre a pertinência da conservação e preservação de
bens culturais que levasse em consideração a crença religiosa dos entrevistados.
20
Cf: http://www.lucianacapiberibe.com/2006/11/29/museu-evangelico-do-amapa/ Acessado em 21-07-
2010.
35
campo do patrimônio cultural brasileiro, tendo como um dos seus principais palcos, o
IPHAN. Por outro lado, as políticas culturais dos movimentos sociais podem ser lidas
como desafiadores das políticas culturais dominantes, podendo suas demandas ir além
dos ganhos materiais e institucionais recebidos, desafiando os discursos sobre o
patrimônio que tentam justificar os ganhos econômicos que determinadas práticas
podem gerar; e a sociedade civil não é um bloco homogêneo posto que existem relações
de poder no seu interior (ALVAREZ, 2002), ou seja, é possível que dentro de
determinados movimentos sociais, existam divergências sobre os bens indicativos das
identidades dos indivíduos que deles façam parte. Logo, os agentes situados neste
campo disputam posições sociais, constroem representações e discursos que visam
manter ou modificar uma dada realidade social.
Assim, os discursos sobre a construção de identidades através das práticas de
preservação de bens culturais devem ser lidos a partir de um quadro mais amplo, pois,
desta maneira, poderemos compreender as relações sociais estabelecidas em uma
sociedade específica e a formação de configurações que tornam possíveis determinadas
práticas sociais, como a institucionalização e manutenção dos museus e a preservação
de bens culturais. Nestas práticas, seguindo a inspiração de Mário Chagas (1999)
existem sinais de “sangue”, ou seja indícios de lutas culturais.
Como os critérios para a definição de bens culturais representativos de um país
ou grupos sociais, bem como os interesses, são dinâmicos e construídos historicamente,
um trabalho de busca de consenso constante, elaborado pelos que têm posições
privilegiadas no campo. Neste caso, a utilização de estratégias como a propaganda e
o recrutamento de intelectuais e políticos que, com seus capitais sociais, possibilitam a
plausibilidade de suas representações e práticas. Neste sentido, as práticas de
preservação de bens culturais estão inseridas num espaço social em que o discurso de
uma identidade, tradição, história e memória comum se apresenta como elemento
fundamental na dinâmica do campo do patrimônio cultural, justificando, inclusive, a
manutenção ou mudança das posições dos agentes no espaço social.
A análise dos usos do patrimônio cultural como atrativos turísticos, indicativos
de identidades, de memórias e histórias de grupos sociais como dispositivo pedagógico
e como estratégias de distinção social de agentes são algumas das possibilidades de
36
compreender como os agentes e instituições sociais se relacionam e se posicionam em
um campo de lutas culturais. Não se pretende negar outras possibilidades de leituras
sobre o patrimônio, mas destacar práticas, agentes e relações sociais não tão
enfatizadas, ao menos quando se discute o campo do patrimônio cultural em Sergipe, é
um esforço válido. Trata-se, portanto de uma tentativa de olhar realidades sociais “por
trás de bastidores” conforme aconselha o sociólogo Peter Berger (1996: 40). Este olhar
se torna necessário, visto que, os museus brasileiros se encontram numa crise de
“identidade e de vocação” (JULIÃO, 2008: 9). Esta consiste no esgotamento de antigos
modelos e indefinição nos rumos a serem tomados. Situação que se torna mais
complexa com a emergência de novos atores com suas identidades e demandas a exigir
outras práticas no campo cultural.
1.3 Os museus e a identidade nacional
Situados no campo do patrimônio, os museus, principalmente os históricos,
arqueológicos e de artes, estão inseridos nos debates sobre a construção de identidades
culturais. Por seu turno, os museus antropológicos, os museus de história natural e de
ciências em geral, estão situados nas discussões sobre o lugar que devem ocupar na
defesa do meio ambiente e no desenvolvimento científico e tecnológico das sociedades
em que estão localizados. O próprio meio ambiente pode ser lido como um elemento
relevante na construção e exercício de determinadas práticas culturais importantes para
a construção e reconstrução das identidades culturais de grupos sociais. Reconhecemos
que esta descrição de funções é insuficiente para termos uma visão satisfatória da
posição dos museus no espaço social por não contemplar, por exemplo, a diversidade
tipológica e as diferentes representações sociais que podem ser construídas sobre essas
instituições e sobre os processos sociais a elas relacionados ao longo dos anos. Como
expôs o antropólogo Mário Chagas (2007),
Para além de suas possíveis serventias políticas e científicas museu e
patrimônio são dispositivos narrativos, servem para contar histórias,
para fazer a mediação entre diferentes tempos, pessoas e grupos. É
nesse sentido que se pode dizer que eles são pontes, janelas ou portas
poéticas que servem para comunicar e, portanto, para nos humanizar.
37
Apesar desta amplitude de leituras possíveis sobre os museus, e de estarmos
cientes dos riscos de um tipo de análise diacrônica, que compreende um recorte
temporal e espacial extenso, a descrição de algumas funções e os prováveis usos
políticos e científicos destas instituições sugerem a presença de discursos que procuram
justificar a existência e a relevância de práticas sociais referentes ao campo do
patrimônio nas sociedades contemporâneas.
Um dos elementos que caracterizam o campo do patrimônio cultural é a
continuidade de discursos sobre a construção de identidades, memórias e histórias. Na
trajetória dos museus brasileiros, estes discursos foram utilizados por vários agentes,
como intelectuais e políticos, para instituí-los, mantê-los e utilizá-los como instituições
de consagração social. Ciente dos limites de nossa prática desvendar as teias que
estruturam os processos e as configurações sociais, como nos aconselha o sociólogo
Norbert Elias (1994), desfamiliarizar o que é peculiar, conforme nos ensina o
historiador da cultura Peter Burke (2003: 12-3) e o sociólogo Pierre Bourdieu (2007:
60) ou decifrar uma piscadela‟ de olhos numa sociedade, como nos convida o
antropólogo Clifford Geertz (1978: 34) acreditamos serem pertinentes os estudos
sobre as questões relacionadas ao campo do patrimônio para a compreensão de uma
dada realidade social.
Considerar os bens culturais enquanto objetos disputados pelos agentes é levar
em consideração os processos e os atores “que intervêm no trabalho de constituição e de
formalização das memórias” (POLLAK, 1989: 1) e, acrescentamos, no trabalho de
construção de representações sobre as identidades. Nosso propósito é mostrar como os
discursos sobre a identidade nacional formaram configurações sociais de agentes
situados em campos distintos da sociedade que contribuíram para a criação e
manutenção de instituições culturais, como os museus. Destacamos que, nesta
aproximação, mediada principalmente por intelectuais e políticos, as instituições criadas
e mantidas por estes agentes, além de outras funções, como o desenvolvimento de
pesquisas científicas e se apresentarem como atrativos turísticos, constituíram-se em
espaços sociais de consagração e distinção destes mediadores.
Diversas representações sobre a identidade nacional foram construídas por
diferentes agentes e grupos sociais ao longo da formação da sociedade brasileira. Dentre
38
estes agentes podemos destacar intelectuais e políticos. Desde o final do período
colonial as elites intelectuais estiveram presentes em momentos de crises e de mudanças
profundas na sociedade, se colocando como defensoras da organização do país. Foi
assim no momento da Independência, em 1822, com a ênfase no discurso de
autovalorização do Brasil; na transição política do Império para a República, com as
reflexões sobre o processo de modernização do Estado; e na década de 1920, quando os
discursos dos intelectuais foram marcados pelo “credo no nacionalismo”, no qual se
buscava definir “as raízes brasileiras” (VELLOSO, 2007: 147). A presença das questões
relativas à identidade nacional nos discursos dos intelectuais não se restringiu a estes
momentos e nem se concentrou num espaço social exclusivo. Contudo, nos interessa
enfatizar neste texto a existência deste discurso num espaço social específico, o campo
do patrimônio cultural, e em uma das instituições nele inserido, o museu, nos séculos
XIX e XX.
Na formação cultural do Brasil a criação de museus esteve vinculada à
conveniência política (MACHADO, 2005: 137) e aos interesses dos grupos sociais mais
abastados. Nesta perspectiva o Museu Real, inaugurado no início do século XIX na
cidade do Rio de Janeiro, pode ser enquadrado dentro das primeiras instituições
voltadas para o atendimento da demanda da Corte Portuguesa por instituições culturais
que expressassem o nível de civilização que se encontrava. Este museu, juntamente com
a Imprensa Régia, o Real Horto e a Biblioteca Real, tinha a função de inserir a capital
do Brasil entre as cidades civilizadas. Como observou Mário Chagas,
É evidente que o Museu Real não se destinava ao João-ninguém, ao
negro escravo ou ao índio bravio, mas sim à qualificação da nova sede
da coroa portuguesa em relação às outras nações, aos interesses da
aristocracia local, dos homens ricos e livres, das famílias abastadas, do
clero católico, dos cientistas, dos artistas renomados e dos viajantes
estrangeiros.(2009: 67)
No século XIX, as discussões em torno das identidades nacionais, influenciadas
pelas ideias do evolucionismo, eram presentes em diversos países europeus e foram
apropriadas por intelectuais brasileiros instalados em diferentes instituições, como os
museus, principalmente os arqueológicos e de História Natural. Assim, além de se
39
destacarem como instituições de distinção dos grupos sociais, os museus ocuparam uma
posição significativa na construção da representação sobre a identidade nacional.
Edward Burnett Tylor, um dos “pais fundadores” do Evolucionismo Cultural, na
segunda metade do século XIX, apontou como a cultura material existente num museu
pode indicar o grau de civilização de grupos humanos (Apud CASTRO, 2006: 75).
Segundo Tylor, e seus seguidores, a cultura se desenvolve de modo uniforme. Para os
adeptos do evolucionismo as sociedades passam por estágios até atingir o grau de
civilização. Apropriando-se dessas ideias, muitos viajantes estrangeiros e intelectuais
nacionais viam o Brasil como uma sociedade atrasada, multiétnica.
Concebendo o Brasil como uma sociedade composta principalmente pela
miscigenação entre o branco, o índio e o negro, era possível através do exame da
produção material destes grupos classificá-los na escala da civilização, em comparação
com sociedades de países industrializados. Na escala de classificação, utilizando os
artefatos produzidos por esses grupos, os índios eram considerados como resquícios do
homem primitivo e exemplar das consequências negativas do processo de degeneração
que se operava na sociedade brasileira através da miscigenação. Neste discurso,
construído pelos intelectuais, influenciados pelo evolucionismo cultural, os negros eram
considerados obstáculos para o processo de civilização da nação brasileira.
Neste sentido, os museus figuraram como instituições próprias para se proceder
a análise do homem brasileiro e de sua história através do exame da cultura material. A
partir da habilidade técnica em produzir seus artefatos era possível proceder tal
classificação e buscar as origens do homem brasileiro. Assim, o evolucionismo, com
suas diferentes nuances teóricas, forneceu uma justificativa científica para os
especialistas, instalados nos museus arqueológicos e etnográficos, elaborarem a
classificação de seres humanos na escala da civilização. Esta função dos museus que
surgiu na segunda metade do século XIX enfraqueceu o caráter enciclopédico herdado
do Museu Real no início daquele século. Segue-se o período o predomínio dos museus
de História Natural
21
.
21
Baseado em coleções arqueológicas, este tipo de museu foi também criado, neste período, em outros
países das Américas Central e do Sul, a exemplo, da Argentina, da Costa Rica e do Uruguai (BRUNO,
1996: 301).
40
Tem-se, nesse período, nos campos cultural e científico uma diversidade de
agentes e instituições que também se ocuparam com a questão da construção da
identidade nacional no âmbito das idéias evolucionistas daquele momento. Além dos
museus, podem ser citadas a Escola de Direito de Recife, em Pernambuco, a Escola de
Direito Paulista, em São Paulo; os institutos históricos e as faculdades de Medicina. Os
intelectuais formados nestas instituições ocuparam cargos políticos e administrativos no
Estado. Os agentes ligados à estas instituições utilizaram a imprensa, os livros e as
revistas especializadas como dispositivos de circulação do discurso sobre a identidade
em diversos estados brasileiros. No caso dos intelectuais e dos pesquisadores
instalados nos museus, havia uma preocupação em desenvolver pesquisas etnográficas e
arqueológicas e tornar público seus resultados. Daí a importância dos catálogos e das
revistas especializadas publicadas e das exposições antropológicas realizadas pelos
museus.
As apropriações das ideias evolucionistas no Brasil podem ser percebidas nas
histórias de alguns museus brasileiros, como o Museu Nacional (antigo Museu Real), na
cidade do Rio de Janeiro, o Museu Paulista, em São Paulo e o Museu Emilio Goeldi, no
Pará. O Museu Nacional, a partir da segunda metade do século XIX, se destacou por ter
desenvolvido pesquisas e publicado os resultados das mesmas em seus Archivos do
Museu Nacional. Tratava-se de uma revista que se distinguiu por publicar artigos que
traziam estudos relacionados aos estágios culturais de grupos sociais. Alguns desses
artigos apontavam que, levando em consideração as civilizações europeias
desenvolvidas, o Brasil era um país atrasado.
o Museu Paulista iniciou suas atividades em 1885. Nos anos seguintes
recebeu apoio da elite paulista em ascensão e, da mesma forma que o Museu Nacional,
tinha como pressuposto teórico um saber evolutivo, neste caso, cimentado pela
biologia. Por iniciativa particular, em 1866 foi criado em Belém o Museu Paraense
Emilio Goeldi. Em 1871 o governo do Estado do Pará o assumiu. Em 1891 foi
reinaugurado devido ao fortalecimento da economia da borracha com o intuito de
destacar Belém, a capital da Província, como uma “Paris do sol”. (SCHWARCZ, 2007)
Além de espaços de distinção de grupos sociais, a exemplo do Museu Paulista, e
centros de pesquisas, como o Museu Emilio Goeldi, os museus que foram criados no
41
século XIX funcionavam como veículos de ensino de história pátria. Nesta perspectiva,
as instituições museais deveriam atuar como dispositivos pedagógicos para inculcar nos
seus visitantes uma representação sobre a memória e o passado da nação que enfatizasse
a valorização dos grandes feitos dos “heróis brasileiros”. Esta representação é
compreensível visto que nos principais museus brasileiros, especificamente nos do Rio
de Janeiro, atuaram historiadores de maior prestígio do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB) que exerciam a função de “conservadores de museu
22
. A herança do
IHGB nos museus pode ser testemunhada pelo discurso de um dos sócios do Instituto.
Em 1844, Carlos Frederico Martins, afirmou que o propósito da historiografia era a
“construção da identidade do povo brasileiro” (MACHADO, 2005: 140),
consequentemente, os museus e suas exposições deveriam contribuir para a formação
dessa identidade.
Em meio à produção de um discurso sobre a identidade nacional, os museus iam
representando outros papéis, conforme estamos pontuando. Inaugurado em 1876, na
Província do Paraná, recém desmembrada de São Paulo, o Museu Paranaense,
desenvolveu atividades relacionadas à ciência, à educação e à conservação da memória.
Inicialmente instituído por particulares, pode também ser considerado como uma
estratégia das elites em se destacar local e nacionalmente. Logo, como o Museu
Paulista, o Paranaense foi concebido como uma necessidade de uma autorepresentação
da elite local no campo cultural (RANKEL, 2007). Estados menos expressivos
economicamente, neste momento, registraram também a formação de museus
vinculados a discussão sobre a formação de identidades. Este foi o caso do Museu
Provincial e do Museu Rocha (este organizado por particulares) na Província do Ceará
(HOLANDA, 2005: 8).
Apesar de em alguns momentos mostrarem disputas internas, como ocorreu
entre o Museu Paulista e o Emilio Goeldi, é possível afirmar que esses museus do final
do século XIX e nas primeiras décadas do século seguinte desempenharam duas funções
22
Alguns institutos históricos mantinham os seus próprios museus, como foi o caso do Instituto Histórico
da Bahia e de Pernambuco. Eles “tinham suas coleções formadas por plantas e animais (preservação do
exótico), e objetos de arte e históricos, funcionando como depósitos de peças que satisfaziam à
curiosidade de alguns poucos visitantes da classe letrada e a um reduzido número de pesquisadores,
descomprometidos com as mudanças que começam a surgir na sociedade brasileira” (SANTOS,1993:
30)
42
básicas: preocuparam-se com a questão da identidade nacional e se constituíram como
elementos de distinção das elites locais na sociedade brasileira, centros de prestígios e
privilégio (BRUNO, 1995: 50). Desempenhando esta última função, de distinção dos
intelectuais e espaço privilegiado para grupos políticos, os museus se aproximaram dos
institutos históricos, das faculdades de direito e medicina, e das academias de letras,
dentre outras.
Identificamos algumas tentativas de intelectuais e agentes públicos sergipanos
em criar museus no início do século XX. A primeira pode ser localizada no interior do
grupo que fundou o IHGS, na cidade de Aracaju em 1912. No primeiro estatuto desta
instituição uma proposta que pretendia “organizar um museu de história,
arqueologia, artes, usos indígenas bem como objetos que tenham pertencido aos homens
mais notáveis do Brasil, com especialidade os de Sergipe”
23
. Pela descrição do acervo
que se pretendia montar pode-se inferir que os objetivos da instituição naquele
momento estariam voltados para a exibição de bens culturais antropológicos,
arqueológicos e históricos numa perspectiva enciclopédica, em via de decadência em
outras instituições de algumas capitais brasileiras, e em consagrar determinados agentes
do seu próprio espaço social.
Posteriormente à fundação do IHGS foi criado Museu Gaudino Bicho em suas
instalações. A segunda menção a instituição de um museu no torrão sergipano, foi
lembrada por Epifânio da Fonseca Dória, membro do IHGS, em 1938. Ele foi um dos
que elaboraram uma exposição de motivos que justificavam a elevação da cidade de São
Cristóvão à categoria de monumento histórico. Nesta exposição ele menciona o desejo
do governo, explicitado dois anos antes, em reformar o Palácio Provincial de São
Cristóvão e instituir um arquivo e um museu neste espaço
24
. Esta proposta se
concretizou, em parte, em 1960, com a inauguração do Museu Histórico de Sergipe.
23
Posteriormente foi fundado o Museu Gaudino Bicho, no interior das instalações do IHGS.
http://www.ihgse.com.br/museu.asp. Acessado em 13 de agosto de 2010.
24
Diário Oficial, Aracaju. quinta-feira, 23 de junho de 1938. Nas primeiras décadas do século XX, o
cronista Serafim Santiago explicitava a sua insatisfação com o abandono que se encontra este palácio e
outras casas e sobrados de São Cristóvão que já haviam sido abandonadas ou destruídas (2009: 108).
43
Até este ponto procuramos destacar alguns dos principais papéis exercidos pelos
museus no século XIX e nas primeiras cadas do século XX. As discussões em torno
da posição da sociedade brasileira no processo civilizatório, fundamentado em teorias
evolucionistas, principalmente nos museus de história natural, caracterizou estas
instituições como centros de pesquisa. Não menos relevante foi o papel destas
instituições como divulgadoras da história pátria, funcionando como um dispositivo
pedagógico de ensino, aspecto que caracterizou os museus históricos. Por fim, a criação
de museus regionais a partir do final do século XIX ilustra o seu uso como um
dispositivo utilizado pelo campo político e intelectual para destacar os agentes
responsáveis pela sua criação e manutenção, sendo, então um dispositivo de distinção
social.
A década de 1920 foi marcada pela decadência dos museus de história natural e
a ascensão dos museus históricos, especialmente nas duas décadas subsequentes. O
caráter enciclopédico ainda persistente nos museus foi cedendo ainda mais espaço às
instituições especializadas direcionadas ao culto da história e das artes nacionais. Neste
contexto e em meio às comemorações do Centenário da Independência, em 1922, foi
instituído o Museu Histórico Nacional (MHN). Gustavo Barroso, cunhado do então
Presidente da República Epitácio Pessoa, dirigiu a instituição até 1959, quando veio a
falecer. Originário de uma família em decadência de Fortaleza do tempo do Império,
Gustavo Barroso conseguiu alcançar cargos públicos importantes, ao mesmo tempo em
que se destacava pela sua atuação como intelectual e desenvolvia atividades como
parlamentar (MICELI, 200: 134). Este intelectual foi o criador do primeiro Curso de
Museus, em 1932. Este curso formava os “conservadores de Museus” que desenvolviam
suas atividades no MHN e no Museu de Belas Artes na condição de funcionários
públicos. Os padrões estabelecidos pelo MHN tenderam a ser seguidos por outros
museus brasileiros, principalmente os históricos (GONÇALVES, 2005: 264), daí
enfatizarmos um pouco mais a sua história.
Oriundos dos estratos mais destacados da sociedade e situados num mercado
ainda restrito, os profissionais formados pelo MHN eram destinados a ocupar uma
função “em algum museu financiado pelo Estado”. Neste padrão de formação “o
significado do museu e da prática de seus profissionais era pensado a partir de uma teia
44
de relações interpessoais entre dirigentes, técnicos e membros de elite” (GONÇALVES,
2005: 65). Provavelmente esta situação os levava a representar os interesses dos
governantes. Neste momento, a definição de uma identidade nacional continuava sendo
perseguida pelo Estado brasileiro. Enfatizava-se o culto a tradição, a exaltação das
glórias da pátria
25
. A função dos museus de reforçar a identidade da nação tinha o
propósito de legitimar o poder estatal. Nesta década a sociedade brasileira passou por
uma série de mudanças que, dentre outras coisas, colocou em xeque posições de agentes
e instituições no campo político e econômico, levando ao fim a chamada República
Velha.
Na década de 1930, sob nova configuração política e em meio à processos
acelerados de urbanização e modernização da sociedade, em que o Estado procurou
consolidar seu desenvolvimento, as ideias raciológicas que explicavam o homem
brasileiro se tornaram obsoletas e o desencanto com a “civilização” europeia estava em
estado avançado, o que podia ser registrado desde a Primeira Guerra Mundial (1914-
1918). Antes desta década, ainda no plano internacional, os fundamentos do
Evolucionismo Cultural foram sendo questionados por adeptos da Antropologia
Cultural. Tendo como um dos seus principais representantes o antropólogo Franz Boas,
a Antropologia Cultural difundiu o pressuposto de que “cada cultura segue os seus
próprios caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou”
(LARAIA, 2003: 36). Assim, os escritos e ensinamentos de Franz Boas questionaram a
organização e os objetos das coleções etnográficas nos museus. Segundo Cristina Bruno
(1996: 306) Franz Boas pode ser indicado como um “símbolo das exposições
arqueológicas contextualizada”.
Intelectuais como Gilberto Freyre - influenciado pelos ensinamentos de Franz
Boas
26
-, Caio Prado Junior e Sergio Buarque de Holanda, elaboraram novas
interpretações sobre o Brasil. A obra Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre,
reeditou a temática racial, passando a explicar a formação social através de um novo
25
Nos registros de visitantes do MASC, como verificaremos nos próximos capítulos, existem
manifestações neste sentido. Cf: MASC/Livro de Impressões (1974-2010).
26
Gilberto Freyre expressou a influência de Franz Boas na constituição da sua representação sobre
museus nos seguintes termos “Se puder, é uma das coisas culturais para a qual concorrerei, quando me
reintegrar no Brasil: a organização de um museu antropológico segundo a orientação de Boas, que é uma
orientação, em grande parte, alemã” (CHAGAS, 2009: 123).
45
conceito de cultura, que enfatizava os elementos próprios da sociedade, adquirido
historicamente, através dos contatos e das influências com outros povos. Tal conceito
procurou eliminar os elementos negativos que eram atribuídos ao mestiço, resultado
destes contatos. O mestiço passou a ser identificado como o representante da identidade
brasileira. Assim, o Brasil não se caracterizaria enquanto negro, branco ou índio, mas
composto por uma mistura cultural de todos esses grupos étnico-raciais (ORTIZ, 1986:
40-41).
Apesar da existência de uma produção intelectual que enfatizava a miscigenação
racial no Brasil, os objetos representativos das culturas dos negros e dos índios tinham
um espaço reduzido na preocupação dos intelectuais e políticos responsáveis pela
criação e manutenção de instituições museais. Tal evidência aponta o preconceito
existente nos museus brasileiros que persistiu por um longo tempo na sociedade,
mesmo com a institucionalização de um órgão responsável pela preservação de bens
culturais indicativos da memória, da história e da identidade dos brasileiros.
1.4 Criação do Serviço do Patrimônio Histórico e a identidade nacional
Os países europeus organizaram estruturas governamentais e privadas para
selecionar e conservar seus patrimônios nacionais, principalmente objetos e edificações,
no século XIX. A França foi um dos primeiros a construir legislação específica com a
implantação da Inspetoria dos Monumentos Históricos (SAN‟ANNA, 2003: 48). O
Brasil foi o primeiro país da América Latina a criar uma instituição do gênero, o
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937. Contudo,
desde o século XVIII registros de tentativas de preservação do patrimônio cultural
através de iniciativas públicas ou privadas. No século XVIII, o Conde de Golveias,
criticou a transformação do Palácio das Duas Torres, em Pernambuco, em quartel de
tropas. No século XIX, o próprio Imperador D. Pedro II, atuou como um mecenas de
obras de artes e históricas. Nos primeiros anos da República alguns intelectuais e
políticos mineiros e paulistas também demonstraram preocupação com a preservação do
patrimônio Cultural (LEMOS, 2004: 35). Por fim, entre 1924 à 1933, alguns esforços
isolados de sistematização de mecanismos de defesa da preservação do patrimônio
46
cultural foram realizados pelos governos dos estados de Minas Gerais, da Bahia e de
Pernambuco, apesar de fracassados (POENER, 2000: 30-1).
Das iniciativas particulares de defesa do patrimônio nacional, realizadas antes da
criação do SPHAN, podemos citar ainda, as de intelectuais como Alceu Amoroso
Lima
27
e Carlos Drumond de Andrade. Eles utilizavam a imprensa, dispositivo comum
dos intelectuais para pôr em circulação suas representações, para demonstrar
preocupações com a perda do patrimônio colonial brasileiro (RODRIGUES, 2006: 3).
Somaram-se a estes, outros intelectuais que, diferentemente destes dois agentes,
colocaram estas preocupações num quadro mais amplo, no sentido de contemplar os
bens dos diversos grupos sociais que formavam a sociedade brasileira, dentre eles Mário
de Andrade e Astrojildo Pereira.
Mário de Andrade se preocupou com a construção de uma política cultural
democrática para sociedade da época, apontando para que essa política não só se
ocupasse com a cultura erudita, mas, também, com a cultura popular, em suas
diferentes manifestações. A pesquisa, a preservação e a divulgação dos bens culturais
que esta política deveria incentivar teria que levar em consideração a diversidade
cultural brasileira. Ao atuar no Departamento de Cultura de São Paulo(1934-1937), ele
procurou colocar em prática suas ideias, mas, sob pressão, foi afastado em 1937.
Astrojildo Pereira, um dos fundadores do Partico Comunista Brasileiro
(PCB), procurou elaborar uma política cultural para o Brasil que reconhecesse o valor
da cultura popular. Na perspectiva de Astrojildo, os intelectuais deveriam estar unidos
em torno de um “programa” que valorizasse a nossa identidade cultural (FEIJÓ, 1983).
Instalado em um partido contrário ao regime político instituído no Brasil, as sugestões e
projetos de Astrojildo Pereira, como ocorreu com a de Caio Prado Junior e tantos outros
intelectuais, não tiveram condições de serem apropriadas.
Apesar da existência de esforços como de alguns governos estaduais, à exemplo
de Pernambuco e Minas Gerais, e de intelectuais, como Mário de Andrade e Astrojildo
27
Alceu Amoroso Lima (1893-1983), no campo da literatura era conhecido como Tristão de Athaíde, “foi
jornalista, crítico literário, professor, membro da Academia Brasileira de Letras e o mais importante
intelectual católico do século XX, substituiu Jackson de Figueiredo à frente do Centro Dom Vital e da
Revista A Ordem (1928). Principal colaborador de Dom Sebastião Leme da Silveira Sintra, Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro, RJ (1930-1942)” (AZZI, 2008: 232).
47
Pereira, o campo do patrimônio cultural brasileiro se caracterizou entre o Império e as
primerias décadas do culo XX pela falta de uma política cultural sistematizada pelo
governo federal. Muitas das tentativas de proteção do patrimônio, inclusive com a
criação de museus, estavam inseridas nas disputas entre as elites regionais e o poder
central.
A criação do SPHAN ocorreu num momento em que a sociedade brasileira teve
seus direitos civis reduzidos aos interesses do Estado. Os intelectuais, como Astrojildo
Pereira e Caio Prado Junior, não escaparam desta situação. De acordo com o historiador
Boris Fausto,
O Estado Novo perseguiu, prendeu, torturou, forçou o exílio
intelectuais e políticos, sobretudo de esquerda e alguns liberais. Mas
não adotou uma atitude de perseguições indiscriminadas. Seus
dirigentes perceberam a importância de atrair setores letrados a seu
serviço: católicos, integralistas, autoritários, esquerdistas
disfarçados ocuparam cargos e aceitaram as vantagens que o
regime oferecia. (2003: 376)
Durante a vigência do Estado Novo (1937-1945) os intelectuais, que
sobreviveram ao processo de censura e controle impostos pelo regime autoritário do
presidente Getúlio Vargas, integraram a organização político-ideológica do governo
ocupando posições nas instituições que foram criadas no contexto da centralização das
atividades culturais. Estes agentes foram chamados para participar do projeto político-
pedagógico do Estado que visava „educar‟ a coletividade de acordo com seus
pressupostos ideológicos. Contudo, é necessário frisar que nem todos aceitaram
incorporar ou defender a ideologia do Estado Novo, apesar de fazer parte da estrutura
administrativa do Estado, como foi o caso de Carlos Drumond de Andrade, conforme
observou Antonio Cândido (MICELI, 2001: 74).
O projeto de controle das atividades culturais atingiu outras instituições que
foram criadas pelo Estado Novo, nas quais os intelectuais estavam inseridos. Dentre
elas podemos citar o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e o Ministério da
48
Educação e Saúde
28
. Os agentes do DIP tinham como missão orientar as manifestações
da cultura popular e controlar os meios de comunicação. Por sua vez, os agentes ligados
ao Ministério da Educação dirigido por Gustavo Capanema e composto por
intelectuais ligados ao movimento modernista, como Carlos Drumond de Andrade,
Lúcio Costa e Oscar Niemeyer- tinham como preocupação a formação de uma cultura
erudita (VELLOSO, 2007: 147-150). Foi do núcleo de intelectuais ligados ao Ministério
da Educação e Saúde que surgiu o projeto de conservação do patrimônio cultural
brasileiro, que culminou com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Esta instituição elegeu preservar os bens culturais de interesse dos grupos
sociais mais abastados da sociedade brasileira.
O projeto centralizador do Estado Novo se estendeu no campo cultural dos
Estados. Em Sergipe diversas manifestações culturais foram afetadas. No campo
educacional, se intensificou a tendência de renovação, no sentido de se constituir um
ensino laico, universal e nacionalista. Na área da comunicação, inicialmente os grupos
políticos e sociais se posicionavam de acordo com ideais getulistas, inclusive a Igreja
Católica, que lançou uma série de publicações. Contudo, com a implantação da Ditadura
de Vargas, foram criados órgãos que passaram a controlar os jornais e outras
publicações, foi instituído o Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda (DEIP).
De acordo com o historiador Ibarê Dantas,
A orientação nacional da política patrimonial também chegou a
Sergipe. O interventor Eronildes de Carvalho passou a desenvolver
iniciativas voltadas para a valorização do patrimônio histórico. Um
pequeno grupo de intelectuais cuidou da questão, elaborou relatório
sobre a situação dos prédios antigos, resultando no decreto-lei que
elevava a cidade de São Cristóvão à categoria de monumento histórico
(DANTAS, 2004: 110)
As ações estaduais no campo do patrimônio deveriam estar articuladas com as
orientações do Governo Federal, que enfatizava a importância da preservação de
indicativos patrimoniais da memória pátria. O tombamento estadual da cidade de São
Cristóvão, em 1938, está inserido no modelo da política cultural inaugurada pelo regime
28
“segundo Vakmir Chagas, é o ponto de partida para mudanças substanciais na educação, dentre outras,
a criação da Universidade. Implanta-se a gratuidade do ensino primário, o ensino religioso torna-se
facultativo.” (SANTOS, 1990: 31)
49
de Vargas. A comissão responsável pelo parecer que justificou o ato governamental de
proteção assim se expressou,
Não é possível permanecer o Estado indiferente à sorte destes
magníficos templos, tão ligados à vida histórica de Sergipe, sobretudo
para preservá-los de deturpações arquitetônicas, que viriam apagar os
traços do passado de que provieram.
É preciso não esquecer que São Cristóvão não guarda, somente,
dignos de proteção, templos religiosos.
Vários edifícios outros como o Palácio Provincial e a casa que serviu
à ouvidoria reclamam de nossos sentimentos patrióticos uma
providência imediata.(Diário Oficial, 23 de junho de 1938)
29
A partir da década de 1940, com o SPHAN já instituído, seguiram-se uma série
de tombamentos, principalmente de igrejas localizadas na cidade de São Cristóvão. Foi
durante o Estado Novo que o Conjunto Franciscano - Igreja do Convento e da Ordem
Terceira - (1941) Igreja de Nossa Senhora do Rosário (1943), as Igrejas do Convento do
Carmo e da Ordem Terceira (1943); Nossa Senhora da Vitória (1943), o conjunto
arquitetônico da Santa Casa da Misericórdia (1944)
30
, situados na cidade de São
Cristóvão. A preservação dessas construções exemplificam, em Sergipe, a política de
preservacionista de “pedra e cal” que foi adotada pelo Serviço do Patrimônio até o final
da década de 1970.
A criação do SPHAN estava inserida no contexto da preocupação dos
intelectuais e do Estado Novo em construir a identidade nacional. Neste sentido, a
elaboração de uma política no campo do patrimônio estaria afinada com a ideologia do
regime político dominante e atender aos anseios dos grupos sociais que lhe dava
sustentação. O Estado Novo procurou exaltar a história do Brasil através do
enaltecimento dos grandes vultos históricos e apontar a riqueza estética do barroco
brasileiro, enfim, trabalhar a memória no sentido de contribuir para o engrandecimento
da nação. Entretanto, além da estética, privilegiava-se um barroco sem as contradições
da escravidão, do extermínio dos índios e das questões colocadas pelos imigrantes
(BRUNO, 1995: 50). Neste sentido, a preservação de uma senzala ou de um terreiro de
candomblé, poderia trazer lembranças de resistências, conflitos e negociações de grupos
étnico-raciais marginalizados dos projetos de identidade nacional, como foi o caso dos
29
Epifânio Dória, que assina o parecer, fez parte do IHGS e é citado como um “letrado que dedicou a sua
vida à organização de diversas instituições culturais sergipanas” (SOUZA, 2001: 57).
30
BENS TOMBADOS SERGIPE/ALAGOAS. 8ª Coordenação Regional do IPHAN. Betinho Gráfica e
editora, 1997.
50
negros. Esta imagem deveria estar distante da pregada pelo Estado Novo, qual seja, a
“imagem de um país pacífico, de um povo ordeiro e trabalhador” (NEVES, 2003: 55).
A ideia era de higienizar aspectos da cultura brasileira e evitar o enfrentamento
da “preservação da diversidade patrimonial” (BRUNO, 1995: 52). É neste contexto que
é possível compreendermos a adoção do modelo de preservação de bens culturais
adotado pelo governo federal. Estavam disponíveis dois modelos de preservação de
bens culturais: o primeiro, foi elaborado por Mário de Andrade, à pedido do seu amigo
Gustavo Capanema, Ministro da Educação e da Saúde; o segundo, foi redigido por
Rodrigo Melo Franco de Andrade. Estes dois intelectuais tinham diferentes concepções
de cultura, e consequentemente de museu.
Desprovido de uma herança familiar de capital social e sem título acadêmico,
Mário de Andrade, a exemplo de outros modernistas na sua condição, encontrou no
Partido Democrático de São Paulo, a oportunidade de pôr em prática seus projetos
culturais nos quais incluía a participação do poder público como principal articulador e
promotor (NOGUEIRA, 2005: 201). Dentro do contexto de preservação do patrimônio
cultural, o município de São Paulo criou, em 1935, o Departamento de Cultura com a
função política de contribuir para o resgate da hegemonia paulista, perdida em 1930 e,
ao mesmo tempo, apresentava-se como uma alternativa de acesso às carreiras dirigentes
à intelectuais desprovidos de recursos fornecidos pelo diploma superior
31
. Através dos
serviços prestados pelo Departamento, abria-se a possibilidade de São Paulo mostrar a
sua contribuição na formação da identidade nacional. A criação deste Departamento
exemplifica a formação de uma configuração social na qual intelectuais e políticos
mantém relações de interdependências tendo como uma das bases destas relações a
construção de um discurso sobre a identidade que justifique as práticas
preservacionistas no campo cultural. Mário de Andrade atuou como diretor do
Departamento de 1935 à 1938.
A concepção de cultura de Mário de Andrade, criador do anteprojeto do
SPHAN, estava “imbuída de forte e abrangente nacionalismo”, o que aliás, era a
31
Conforme observou o historiador José Bittercourt, o projeto de Mário de Andrade “parece corresponder
a um aspecto de um projeto maior, emanado de uma elite dirigente ligada a uma região que, após
derrotada política e militarmente, pretendia reconquistar posições na estrutura do poder nacional” (2002:
197)
51
característica dos modernistas. Contudo, ele não via distinção hierárquica entre a cultura
popular e a cultura erudita, percebia o seu relacionamento. Este era um dos aspectos da
sua prática de “democratização cultural” (FEIJÓ, 1983: 54). O nacionalismo e a
concepção democrática de cultura defendidos por Mário de Andrade não foram
suficientes para fazer com que seu anteprojeto para o SPHAN, conseguisse êxito. Além
de ser representante de uma oligarquia combatida pelo novo regime político, o campo
cultural e político, naquele momento, não estavam configurados de forma a assimilar o
projeto de preservação de bens culturais nos moldes que ele pensou.
Apesar da concepção de história de Mário de Andrade ser tradicional, no
sentido de compreender a história como um desenrolar linear dos acontecimentos, sua
perspectiva sobre os museus se mostrava avançada naquele momento porque ele
defendia os museus como “agências educativas” e “apostava nos museus técnicos, com
ênfase nos ciclos econômicos do Brasil”. Fazia parte do plano de rio de Andrade a
construção de museus municipais, em que a comunidade, de acordo com a sua
identidade e seus interesses, selecionaria e comporia o acervo
32
. Percebe-se que a
política de preservação do patrimônio cultural perseguida por Mário de Andrade não
correspondia à expectativa do governo varguista.
De caráter elitista - ao privilegiar os bens que tivessem valor histórico, estético e
arquitetônico para alguns grupos sociais e excluir as manifestações e os bens culturais
de diversos grupos étnicos formadores da sociedade brasileira -, o projeto do SPHAN
que logrou êxito foi o elaborado por Rodrigo Melo Franco de Andrade, que culminou
com a instituição do decreto n° 25 no qual foram estabelecidos os primeiros dispositivos
legais para a proteção de bens culturais. O tombamento foi instituído como instrumento
legal para a proteção desses bens
33
. Casas de câmaras, sobrados e igrejas barrocas, além
de outros pertencentes ao poder público, religioso e as elites políticas e econômicas,
foram os principais alvos da ação do SPHAN. Assim, o projeto de Rodrigo Melo
32
Os acervos dos museus deveriam expressar “o valor identitário que representasse a comunidade local”,
segundo Mário de Andrade (MACHADO, 2005: 144).
33
O tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público, nos níveis federal, estadual ou
municipal. Os tombamentos federais são da responsabilidade do Iphan e começam pelo pedido de
abertura do processo, por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. Tem como objetivo
preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a
população, impedindo a destruição e/ou descaracterização de tais bens”. Este ato diz respeito a bens
móveis, imóveis e ambientais. Cf: http://portal.Iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12576
&retorn=paginaIphan. Acessado em 17-08-2010.
52
Franco de Andrade encontrou condições favoráveis para ser executado no contexto
político caracterizado pela tentativa de centralização da produção cultural.
As instituições museológicas nas quais o SPHAN, sob a direção de Rodrigo
Melo Franco de Andrade, concentrou suas iniciativas se localizaram nos Estados de
Goiás, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais, principalmente
neste último. Segundo Letícia Julião, a ação do SPHAN nos museus regionais destes
estados além de traduzir sua concepção de patrimônio, revelou uma “virada silenciosa
na cultura museológica do país”. As atividades de pesquisas, a linguagem expositiva, os
profissionais mobilizados e “os critérios e pressupostos que orientaram a formação das
coleções” são práticas que diferenciavam os museus das Missões, da Inconfidência e do
Ouro, localizados em Minas Gerais, da tradição museológica que predominava no
Brasil. Quanto às exposições, os protagonistas do passado do império brasileiro,
cederam lugar a Inconfidência Mineira, a arte colonial e a estética barroca. O incipiente
mercado de “coisas antigas” ganhou um novo impulso com a intensificação das
atividades dos peritos da arte, dos representantes da Igreja, dos funcionários e diretores
de museus. “Trocas de informações, buscas e descobertas de preciosidades insuspeitas‟
e outras práticas culturais foram construindo, paulatinamente, “os cânones do
conhecimento sobre as „antiguidades nacionais.”(JULIÃO, 2009: 142-7).
Museus mineiros, como o da Inconfidência e do Ouro, dentre outros, se
assemelhavam por reverenciar a suposta civilização mineira e pelas suas práticas de
colecionamento. Apesar de algumas diferenças, como o porte e a configuração política
nas quais foram criados, eles “conservavam fortes ligações de reciprocidade”. Dentre as
características dos seus objetos, “é notável o predomínio de objetos de arte sacra e de
mobiliário”. De acordo com Letícia Julião a predominância e o destaque de objetos de
arte sacra nesses museus podem ser atribuídos à presença forte da Igreja Católica na
sociedade colonial mineira. Além de bens da Igreja, o acervo dos museus foram
formados através de compras e com a colaboração de outros agentes e instituições,
como foi o caso da colaboração do Instituto Histórico e Geográfico de Ouro Preto para
o acervo do Museu da Inconfidência. Diante deste quadro, Letícia Julião faz a seguinte
declaração:
53
Se os museus do Sphan em Minas não se afiguravam instituições de
porte e de envergadura necessários à projeção do país no cenário
internacional, foram, todavia, cruciais para conferir coerência e
legitimidade à reescrita do passado nacional levada a cabo pelo Sphan.
Funcionaram, na dinâmica do jogo inevitável entre o discurso do saber
e o uso político desse discurso, como documentos complementares ao
conjunto dos monumentos de pedra e cal da arquitetura colonial,
prestando-se a atestar a existência de uma civilização identificada
como geradora da brasilidade. (2009: 155)
A participação do SPHAN na criação e manutenção de museus, inclusive,
propondo mudanças no campo da museologia, foi embasada pelo discurso da
construção de uma identidade nacional, o mesmo que justificava a prática de
preservação dos bens arquitetônicos. O caso dos museus mineiros citados anteriormente
é expressivo no sentido de mostrar que esse discurso foi utilizado como referência para
a continuidade ou ruptura de práticas culturais, formou configurações sociais em que
agentes de diversos campos estabeleciam relações de interdependência para a criação e
manutenção das instituições, mas que estavam articulados aos grupos políticos
hegemônicos, a elite mineira.
A continuidade de Rodrigo Melo Franco de Andrade na direção do IPHAN, por
mais de trinta anos, ultrapassando regimes políticos, não deve ser atribuído apenas às
suas habilidades pessoais e capacidades administrativas, como sugere Arthur José
Poerner (2000: 33). Deve-se buscar outros fios que constituem essa “teia”, dentre estes,
a permanência de um discurso sobre a identidade da nação, construído com diferentes
nuances e propósitos desde o século XIX, mais adequado a elite econômica e política
que se instala no poder.
No Estado Novo de Vargas, a configuração política propiciou a inserção do
projeto de Rodrigo Melo Franco de Andrade sobre o patrimônio cultural, mesmo que
tenha sido proposta outra forma de intervenção federal no campo do patrimônio.
Contudo, não se pode deixar de registrar que a ação de Rodrigo Melo Franco de
Andrade, não destoa dos ideais da elite mineira, em ascensão no cenário nacional.
Devemos, portanto, perceber a existência de uma estrutura que possibilitava a sua
liderança pessoal e carismática (SANTOS, 2006), e as práticas que eram utilizadas,
grosso modo, na política oficial de identificação, preservação e exposição de bens
54
culturais. Como observou Norbert Elias, as opções dos indivíduos “são prescritas e
limitadas pela estrutura específica de sua sociedade e pela natureza das funções que as
pessoas exercem dentro dela” (1994: 48). Neste sentido, compreende-se o êxito da
proposta de Rodrigo Melo Franco de Andrade e a prática de preservação do SPHAN até
a década de 1970.
Sobre a geração da qual Rodrigo Melo Franco de Andrade pertencia, Sérgio
Micéli tem o seguinte posicionamento, do qual também comungamos:
Essa geração de jovens intelectuais e políticos mineiros converteu sua
tomada de consciência do legado barroco em ponto de partida de toda
uma política de revalorização daquele repertório que eles mesmos
mapearam e definiram como a „memória nacional‟(2001: 360)
Além do SPHAN, os intelectuais integrantes do projeto político-ideológico do
Estado Novo foram instituídos em diversas outras instâncias culturais como
representantes da „consciência nacional‟, intérpretes da vida social. Alojaram-se no
Ministério da Educação e Saúde (1930) e no Departamento de Imprensa e Propaganda
(1939), bem como em instituições, órgãos e departamentos por eles controlados. Parte
dos intelectuais que coadunaram com a proposta de conservação elitista do SPHAN, por
exemplo, foi instalada no Museu Histórico Nacional e no Museu de Belas Artes, na
cidade do Rio de Janeiro, e no Museu Imperial na cidade de Petrópolis.
Para o pensamento político autoritário a sociedade é um ser imaturo,
necessitando, portanto, de um guia que lhe apresente “normas de ação e de conduta”.
Neste sentido, os intelectuais, conhecedores legítimos da cultura brasileira, se
constituíram em porta-vozes dos anseios populares, agentes responsáveis por sua
educação e condutores da sociedade (VELLOSO, 2007: 156). No campo do patrimônio
cultural durante o Estado Novo, eles decidiram o que preservar, como preservar e
porque preservar.
55
1.5 À meia luz
Encerrado o governo de Getúlio Vargas, teve início, no país, o chamado Período
Democrático (1945-1964). Neste período, os museus localizados nos grandes centros
urbanos iniciaram, mesmo de forma incipiente, um processo de diversificação de suas
atividades voltadas para o público, seguindo o exemplo dos museus norte-americanos.
Após a Segunda Guerra Mundial, foi criado nos Estados Unidos, a expressão “museu
dinâmico”. Tratava-se de uma prática no campo da museologia que procurava
diversificar os serviços oferecidos pelos museus, tais como serviços educativos,
concertos etc. Apesar das tentativas acanhadas de tornar mais dinâmicas as instituições
museais, principalmente, no atendimento do público escolar, em geral no Brasil, até a
década de 1970, conforme apontou a museóloga Maria Célia Teixeira, estas instituições,
permaneciam no cenário nacional como meros espaços destinados a
guardar objetos produzidos por determinados segmentos da sociedade,
apresentando em suas exposições uma mensagem de conteúdo pouco
questionador, que se esgotava na análise do passado e no objeto por si
só. (1990: 39)
A apatia qualitativa
34
que caracterizou os museus, conforme indicado acima,
contrasta com a sua proliferação numérica em diversas regiões do país, entre as décadas
de 1950 a 1960. Neste período, os museus se espalharam por iniciativas particular e
pública. Em São Paulo, por iniciativa particular, em 1967 foi fundado, na vila Mariana,
o Museu Lasar Segall. Em Sergipe, em 1960, foi fundado o Museu Histórico de
Sergipe
35
.
34
O caráter pouco questionador destas instituições foi acentuado por educadores que pretendiam utilizá-
los como dispositivo pedagógico, desde as primeiras experiências da chamada Escola Nova. Surgida no
Brasil na década de 1920, tinha como proposta de prática pedagógica colocar o aluno como centro do
processo de aprendizagem e definia o professor como um coordenador e incentivador. De acordo com
Maria Margaret Lopes, quando tem início as discussões sobre a educação permanente, na década de 1950,
“os museus, em sua grande maioria, não sofreram a influência de concepções da educação popular
existentes no país. Ao contrário, permaneceram identificados com modelos importados e adaptados de
educação permanente” (1991: 447).
35
De acordo com Ana Conceição Carvalho, a museologia sergipana na década de 1960 tinha o propósito
de “divulgação, o deleite e a instrução” (1996: 3)
56
A situação do campo do patrimônio, e dos museus brasileiros, neste período, foi
sintetizado por Cristina Bruno, dessa forma,
Enquanto intelectuais de vanguarda impulsionaram rupturas de forma
e conteúdo, no que diz respeito à música, ao teatro, ao cinema,
buscando inspiração nas raízes estéticas e políticas de um Brasil
profundo, a preservação patrimonial ficou subjugada à consagração de
heróis atrelados a um passado remoto. (1995: 52)
O questionamento posto por Cristina Bruno incentiva uma investigação mais
profunda sobre as instituições museológicas neste período. Caso contrário, teremos que
imaginar que estas instituições e os agentes que delas fizeram parte, as criaram e as
mantiveram, não foram atingidos pelos acontecimentos significativos que ocorreram na
sociedade brasileira. Se concebermos que os agentes que estão relacionados com os
museus se encontram num espaço social e nesta condição estão envolvidos com as
disputas que são travadas, quer sejam para manter ou modificar posições sociais,
como a expansão dos museus pode ser lida? Quais foram as forças sociais que
contribuíram para a proliferação destas instituições?
A aparente “apatia” dos museus históricos no que se refere aos posicionamentos
políticos, inclusive, as justificativas para sua expansão torna-se uma incógnita, visto que
se olharmos apenas para o que estava ocorrendo no campo político, perceberemos que
até as concepções de cultura e de identidade foram questionadas no chamado Período
Democrático. Neste sentido, movimentos sociais, partidos políticos, e intelectuais de
esquerda utilizaram o teatro, a poesia, o cinema e outras manifestações culturais como
dispositivos pedagógicos para a formação política dos seus agentes, inicialmente, e da
população em geral, numa fase posterior. Um dos propósitos desses movimentos era
tecer críticas contra a falta de uma política cultural do governo.
Assim, foram criados os seguintes grupos de teatros: Teatro Paulista do
Estudante (TPE), Teatro de Arena (1960), os Centros Populares de Cultura (CPC,
1960), o Teatro Opinião, dentre outros. Tratava-se de um teatro engajado, que tinha,
dentre outros objetivos, a afirmação “da identidade nacional do povo”, conforme
defendiam os CPC da União Nacional dos Estudantes (UNE) (RIDENTI, 2007: 140).
Na poesia, os poetas engajados das classes médias urbanas, refletiam sobre o caráter do
povo brasileiro, assim, operários e o homem do campo eram idealizados. O Cinema
57
Novo, composto por cineastas defensores de uma posição de esquerda, estava na linha
de frente pela busca da identidade nacional.
Com o golpe militar de 1964, a esquerda brasileira utilizou este campo como
uma arena de resistência aos novos donos do poder. (RIDENTI, 2007: 138-143). Estes
opositores encontraram um campo cultural configurado de tal forma que permitia, ao
menos até 1968, o acirramento da luta em defesa do domínio até então estabelecido. Por
um lado, existiu um esforço de se criar um Museu de Arte Negra, como foi tentado por
Abdias Nascimento, por outro, as instituições públicas do Estado ditatorial, negavam
apoio à constituição de acervos que propiciassem o fortalecimento de uma identidade
racial dos grupos sociais afro-brasileiros (SANTOS, 2007). Abre-se, portanto, um
terreno fértil para compreender o significado, em Sergipe, da criação do Museu Afro-
Brasileiro, em meados da década de 1970, mesmo com a existência de uma ditadura
mais “branda”. E fica a nossa curiosidade em compreender em meio a essa
efervescência política o crescimento do número de museus no período aliado a sua
apatia em termo de mudanças no que se refere aos aspectos museológicos, e por
consequência, ideológicos.
O esboço do cenário cultural brasileiro sob o regime militar torna compreensível
as instituições e os agentes culturais que nele operam. É sobre nova configuração
política, sem os debates abertos entre esquerda e direita, que a identidade nacional, um
dos principais pilares ideológicos, do regime, foi rediscutida. Antes, porém iremos
proceder uma descrição do aparelho repressivo da ditadura militar. Esta descrição tem o
propósito de evidenciar sob que condições agiram os agentes no campo cultural, cada
vez mais controlado pelos militares. Este passo se faz necessário visto que o Museu de
Arte Sacra de São Cristóvão e outras instituições culturais sergipanas foram criadas
neste período, e, como apontado, as instituições museais não estão imunes a
conjuntura política da sociedade em que estão instaladas.
Trata-se de um período bastante instigante para os analistas do campo cultural,
porque ao mesmo tempo em que o Regime limitou as liberdades individuais também
forneceu possibilidades para a expansão de muitas instituições educacionais e culturais,
que abrigaram muitos intelectuais e técnicos. Como frisamos, em Sergipe,
acompanhando uma tendência nacional, foi a fase em que boa parte dos museus foram
58
criados e o campo educacional apresentou maiores condições para a ascensão de grupos
sociais através de títulos acadêmicos, ao menos para os agentes que não questionaram a
orientação ideológica do regime.
1.6 A Ditadura militar e o campo cultural
O desencadeamento de golpes de Estado e a entrada de militares no cenário
político são características que marcam a história de diversos países latino americanos
entre as décadas de 1960 a 1970. No Brasil, com o golpe de 1964 os militares
assumiram funções políticas e administrativas e passaram a controlar esses campos até
1985. É necessário frisar que ao longo da história brasileira, nos momentos de crise
institucional, as forças armadas surgiram como agente político atuante. Corrigir os
desvios dos meios políticos e os resultados eleitorais fazem parte de um habitus dos
militares instituído após a proclamação da República.
A novidade, conforme apontou o cientista político Nilson Borges Filho (2007), é
que 1964 pode ser entendido como um divisor de águas da ação militar no campo
político. Antes deste marco, os militares agiam no sentido do restabelecimento da
ordem institucional para, em seguida, entregar o poder aos civis. Porém, após 1964 as
Forças Armadas assumiram o poder e estabeleceram os limites da ação civil. Nesta nova
fase, a Doutrina de Segurança Nacional
36
, ou seja, a sobreposição dos interesses da
pátria sobre os indivíduos e seus agrupamentos sociais, fornecia subsídios teóricos aos
militares para justificar o controle sobre as “mentes e os corpos” dos brasileiros. No
campo do aparelho de informação estatal, foi criado, em 1969, o Serviço Nacional de
Informações (SNI). Este órgão integrava a rede de espionagem, composta por agentes e
36
Criada nos Estados Unidos no momento da Guerra Fria, a Doutrina de Segurança Nacional tem na sua
base o pressuposto da existência de uma guerra total e permanente entre os países ocidentais e o
comunismo. Contra esse inimigo, não existe espaço para negociação. Persegui-lo é uma tarefa que o
governo norte-americano procura realizar para além fronteiras. Nesta operação, no Brasil, os aparelhos de
segurança e de informação são instituídos para exercerem controles físicos e psicológicos sobre os
considerados “inimigos da nação”. A implantação do terror para intimidar o inimigo e dissuadir os
indecisos, as prisões arbitrárias, os assassinatos e o exílio são práticas que se sustentam a partir da adoção
do Estado da Doutrina da Segurança Nacional. Além de justificar a ação dos militares sobre o “inimigo”,
a Doutrina permite a coesão do grupo que se mantém no poder. Com a existência da Doutrina da
Segurança Nacional, os pressupostos mínimos da cidadania são excluídos. (BORGES, 1997: 28-30).
59
instituições civis e militares, sendo o principal elemento do Sistema Nacional de
Informações (Sisni). Tratava-se de um produtor de informações que contribuía para a
identificação dos “inimigos” do regime. Subordinados diretamente aos militares, e na
condição de reprimir e interrogar, estavam O Conselho de Defesa Interna (Codi) e o
Departamento de Operações e Informações (DOI), o Centro de Informações do Exército
(CIE), o Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa) e o Centro de
Informações da Marinha (Cenimar).
A censura aos meios de comunicação não é uma novidade na história brasileira.
Durante o Estado Novo, Getúlio Vargas criou o Departamento de Imprensa e
Propaganda para cuidar da propaganda oficial do governo e censurar os meios de
comunicação. Os militares adequaram a censura à nova configuração política,
principalmente com a implantação do Ato Institucional 5 (AI-5), em 13 de dezembro
de 1968. Por um lado a imprensa é trazida pela pena de pesquisadores e intelectuais
como defensora da democracia e vítima da censura; por outro, como aponta o
historiador Carlos Fico (2007: 188), não deve ser esquecido o fato de que “donos de
jornais, jornalistas, produtores de cinema e de televisão” também colaboram com o
regime não apenas por interesses materiais, mas também por convicção política. Não
menos relevante é a constatação de que profissionais de agências de publicidade
comercial e agentes do campo da cultura mantinham relações com órgãos culturais
estatais responsáveis por fornecer verbas para financiamentos neste campo. Isto não
significa minimizarmos os efeitos negativos da censura imposta à peças teatrais, livros,
novelas, shows humorísticos, dentre outras expressões culturais. Mas, esta situação
demonstra quão complexa foi a relação entre artistas, censura e financiamento público e
os interesses dos agentes envolvidos nesta teia e que é uma análise simplista
percebermos essa relação apenas como um fenômeno cuja força é exercida de cima para
baixo. Nem a imprensa, nem os intelectuais e artistas, na sua totalidade, apoiaram o
golpe de 1964, ao menos uma parte destes agentes compactuou com a manutenção do
regime, ou talvez tenha até integrado os segmentos civis que contribuíram para
instituírem a ditadura dos militares no Brasil. Portanto, à sombra da ditadura, muitos
agentes e grupos sociais “deitaram em berço esplêndido”, são alguns dos “vagalumes”
da ditadura.
60
Com os partidos e os movimentos de esquerda perseguidos e inviabilizados, os
intelectuais e artistas utilizavam suas produções, no campo cultural, para expressar suas
insatisfações com o regime ditatorial implantado. Peças, como O Rei da Vela, de autoria
de Oswald de Andrade, eram encenadas pelo Teatro Oficina, e mostravam a realidade
do Brasil que deveria ser mudada radicalmente (RIDENTI, 2007: 145). Nessas
produções além das preocupações com o subdesenvolvimento e com o „caráter do povo
brasileiro‟, a „identidade nacional‟ era objeto de reflexão.
No caso da música, o movimento conhecido como tropicalismo, de 1967-8, se
destacava na música popular trazendo elementos modernos e arcaicos. Era um
movimento que procurava articular as contribuições das ocorrências culturais
internacionais daquele momento com as reflexões nacionais produzidas pelos partidos,
movimentos e intelectuais da esquerda brasileira, no final dos anos de 1950. Entretanto,
o AI-5 impôs uma pesada censura a todos os meios de comunicação.
Neste sentido, a agitação política e cultural que sobreviveu ao ano de 1964, se
findava com prisões, mortes e exílios (RIDENTI, 2007: 152). Paralelo à censura e à
perseguição aos seus críticos, a ditadura empenhou-se num projeto modernizador da
sociedade em diversas áreas da cultura, atuando diretamente através de instituições e
órgãos criados para tal fim ou incentivando a iniciativa privada, principalmente no que
se refere aos meios de comunicação. Foram criados o Ministério das Comunicações, a
Embrafilme, o Instituto Nacional do Livro, a Funarte, a Rede Globo de Televisão
37
,
dentre outros. De acordo com Marcelo Ridenti:
criou-se uma indústria cultural, não televisiva, mas também
fotográfica, editorial (de livros, revistas, jornais, fascículos e outros
produtos comercializáveis até em bancas de jornal), de agências de
publicidade etc. Tornou-se comum, por exemplo, o emprego de
artistas (cineastas, poetas, músicos, atores, artistas gráficos e
plásticos) e intelectuais (sociólogos, psicólogos e outros cientistas
sociais) nas agências de publicidade, que cresceram em ritmo
alucinante a partir dos anos 1970, quando o governo também passou
37
O Livro de Impressões do visitantes do MASC registra, em 1975, a visita de um dos diretores da Rede
Globo. Em 1980, a mesma rede de televisão patrocina a publicação de 1000 exemplares do catálogo do
MASC. Naquela oportunidade o diretor percebia o acervo do museu como um “vivo depoimento da
Riqueza espiritual desta terra”. Cf: MASC/Livro de Impressões (1974-2010); Jornal UFS Notícias, Ed.
Especial, São Cristóvão, 1981. Devemos acrescentar ainda, que um dos presidentes da Empresa
Sergipana de Turismo (EMSETUR) órgão estadual ao qual o MASC estabelecia relações-, na segunda
metade da década de 1970, era também diretor da TV Sergipe.
61
a ser um dos principais anunciantes na florescente industria dos
meios de comunicação de massa. (2007: 155)
Percebe-se que as intervenções do Estado autoritário promoveram uma nova
configuração do campo cultural, com a ampliação de instâncias de consagração para os
intelectuais da época. A intelectualidade, inclusive a de esquerda que combatia a
ditadura, paulatinamente foi se adaptando à nova situação e ocupando espaços em
universidades, “jornais, rádios, televisões, agências de publicidade, empresas públicas e
privadas” que forneciam “ótimas oportunidades a profissionais qualificados”. Tal
situação, mesmo com o processo de redemocratização em 1985, pouco se alterou
(RIDENTI, 2007: 157). A partir da década de 1980, a intelectualidade que ganhava
projeção, mesmo ocupando uma posição secundária no campo, era a que procurava, em
contato com „a realidade imediata das vidas cotidianas‟, renovar parâmetros de esquerda
como a questão da democracia e das lutas das minorias.
O Estado tomou com um dos objetivos a construção da identidade da nação,
mais especificamente, no campo do patrimônio, tem-se, dentre outras iniciativas, em
1973, o lançamento do Programa Integrado de Reconstrução das cidades Históricas. Em
1975 surge o Centro Nacional de Referência Cultural. Após a aposentadoria de Rodrigo
Melo Franco de Andrade, em 1969, assumiu a direção do SPHAN o arquiteto Renato
Soeiro, cuja gestão não conseguiu minimizar os problemas financeiros da instituição
38
.
É neste momento que novos atores, com novos projetos entraram em cena, com uma
nova conceituação de patrimônio cultural que vai além da „pedra e cal‟.
Em substituição à Renato Soeiro, assumiu, em 1979, o Instituto de Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, o artista plástico e designer Aloísio Magalhães
(BITTERCOURT, 2002). Na sua perspectiva, um bem cultural, termo que ele concebe
no campo do patrimônio e que a hoje é adotado, se constitui em uma expressão
material ou imaterial de um grupo social que diz respeito à sua memória, história e
identidade. Para este intelectual a percepção da existência de diferentes grupos étnicos-
raciais no Brasil leva à conclusão que os bens culturais de todos os grupos devem ser
38
Conforme veremos no próximo capítulo, foi na gestão de Renato Soeiro que o Arcebispo de Aracaju, e
principal idealizador do MASC, Dom Luciano Cabral Duarte, expôs sua insatisfação com a ação do Iphan
com relação à preservação do patrimônio sergipano.
62
considerados, respeitados, incentivados e preservados por uma política de patrimônio
adequada.
Nesta direção, uma das alternativas seria “a criação de uma ação ao nível de
serviços ou secretarias especiais, junto ao mais alto centro de decisões”
(MAGALHÃES, 1994: 43). Portanto, a proposta de Aloísio Magalhães se direciona
para a constituição de uma política cultural no Brasil próxima a pensada por Mário de
Andrade, na década de 1930. Porém antes de ver concretizado seu projeto, Aloísio
Magalhães faleceu, em 1982. De qualquer forma, a configuração política do regime não
permitiu as condições para tornar exequível a proposta de preservação do patrimônio
cultural brasileiro.
Levando em consideração a homologia entre os campos cultural e político, na
qual o campo do patrimônio cultural mantém relações de interdependência, o peso
exercido por este último sobre o primeiro, durante a Ditadura Militar, foi
consideravelmente maior. Os limites impostos pelo Estado, com sua política econômica
de modernização e sua política cultural orgânica, forneceram poucas chances para as
práticas de agentes cujo discurso pretendeu reorganizar o campo do patrimônio,
redistribuir as posições dos agentes e equilibrar a distribuição do poder. Mesmo que
num processo adiantado de abertura política “lenta e gradual”. Esta constatação fica
evidente quando lembramos que neste período o Estado concebeu uma política cultural
voltada para o mercado, incentivando, por exemplo, a exploração comercial da cultura
através do turismo, que muitas das vezes se dava de forma desastrosa para o patrimônio
cultural.
39
Neste sentido, esta política cultural atingiu o próprio Aloísio Magalhães ao se
referi à FUNARTE da seguinte forma:
Um dos objetivos (da Fundação) será o de transformar os bens da
União em bens rentáveis, logicamente quando isso for possível e não
oferecer risco ao imóvel. Assim, faremos o levantamento para saber
quais os imóveis que poderão ser transformados em albergues
39
Esta política, como veremos, atingiu o MASC, ora de forma negativa ora positiva. Esta relação entre
turismo e patrimônio, e seus efeitos, foi um dos pontos em que os agentes envolvidos com a criação e
manutenção do MASC tiveram que se posicionar, conforme o capítulo seguinte.
63
turísticos e entregues, por contrato, às companhias hoteleiras para
exploração comercial e que deverão ser conservados. (Apud:ORTIZ,
1986: 118)
40
.
Dentre as instituições criadas no período da Ditadura estava o Conselho Federal
de Cultura (CFC). A criação do CFC revela-se como um indício do projeto do Estado
para a construção de uma política cultural para o país. Logo, sua instalação pode ser lida
como uma tentativa do Estado sistematizar e controlar a produção cultural. Fazia parte
do Conselho intelectuais tradicionais oriundas, por exemplo, dos institutos históricos e
das academias de letras, que se autodefiniam como representativos da sociedade
brasileira. Inclusive, dirigentes, idealizadores e colaboradores de museus fizeram parte
do Conselho. Para alguns de seus membros o Brasil é identificado como um país
mestiço. Visitando o Museu de Arte Sacra de São Cristóvão, em 1981, o presidente da
Câmara de Artes do Conselho Federal de Cultura, Clarival do Prado Valadares, se
manifestou nos seguintes termos:
O que julga e decide o destino de um museu é a presença da
sensibilidade e da inteligência, permitindo aos objetos falarem da sua
natureza cultural e sociológico, como o deste exemplo, permitimos
{?} aos nossos contemporâneos e aos pósteros acreditarem na
grandeza de sua origem, no Brasil que se liberta e se afirma graças ao
talento de sua raça mestiça, sejam nominados ou anônimos e com}
memória desses que o Museu de Arte Sacra da Irmã Wilma é lição
para cada um de nós
41
.
Este mestiço representaria a unidade da diversidade brasileira. Esta concepção
de mestiço aproxima-se da ideologia da harmonia racial, seguindo assim, o rastro de
Gilberto Freyre, definido em sua obra Casa Grande & Senzala. De acordo com
Renato Ortiz, esta ideia engloba outras que transveste termos como „democracia‟ e
40
Como pretendemos discutir no próximo capítulo, as relações entre o MASC (e seus representantes) e as
instituições inseridas no campo do patrimônio sergipano gira em torno da cooperação, mas também da
disputa. Existem documentos de Dom Luciano questionando a atitude do Presidente da EMSETUR no
que se refere à reformas e aproveitamento dos templos religiosos (Cf: Documentos do IDLC). Da mesma
forma indícios de atritos entre a direção do MASC e a EMSETUR no que diz respeito à intervenção
deste junto ao Museu (Cf: ARQUIVO UFS/ Dossiê Museu)
41
MASC/ Livro de Impressões (1974-2010).
64
„liberdade‟, sendo, portanto, alvo de críticas dos movimentos negros contrários ao
conceito de “democracia racial”
42
.
Percebe-se, ainda, no discurso do CFC o culto à tradição. O Conselho Federal
de Cultura deu especial atenção ao apoio financeiro às entidades envolvidas com a
guarda e conservação do patrimônio nacional, provavelmente por ter nos seus quadros
intelectuais ligados às instituições da construção e preservação de “memórias”. uma
preocupação de manter viva a memória nacional. Neste sentido, recebe atenção especial
atividades como o “Museu Histórico”, o “Pró-memória”, o “projeto de memória do
teatro brasileiro”, o “dia do folclore”. O CFC estimula e legitima a ação do Estado
nessas áreas. Neste aspecto, o princípio orientador é a recuperação da “memória
nacional e a identidade brasileira reificadas no tempo”.
A presença dos intelectuais tradicionais opera uma questão interessante, qual
seja, a defesa do patrimônio nacional aliado a doutrina da Segurança Nacional e ao
desenvolvimento do Estado. (ORTIZ, 1986). Conforme verificaremos no próximo
capítulo, o CFC integrava a rede de instituições responsáveis pela manutenção do
MASC, na medida em que com a sua intervenção era possível realizar obras, como
reformas em museus.
Apesar dos indícios, até a década de 1980 não existia uma política cultural
adequada para absorver as novas demandas dos grupos sociais brasileiro, ao menos de
forma ampla, como fora pensado por intelectuais como Mário de Andrade e Aloísio
Magalhães. A preservação do patrimônio estava associada à ideia de criatividade. A
necessidade de um Ministério da Cultura, que estruturasse e desenvolvesse essa política
era discutida no início da década de 1970. Naquela oportunidade, o ministro da
Educação e Cultura, Jarbas Passarinho, desenvolvia debates com governadores,
secretários de estados, prefeitos e representantes de instituições culturais. Tal
preocupação foi registrada em documentos como o Compromisso de Brasília e o
Compromisso de Salvador, em 1971. Foi na Gestão deste Ministro (1969-1973) que se
42
Interessante percebermos que Dom Luciano reconhece os males do racismo, entretanto, afirma que no
Brasil, diferentemente da África do Sul e dos Estados Unidos, ele é “mais suave”. CF: DUARTE,
Luciano Cabral. Estrada de Emaú. Rio de Janeiro: Vozes, 1971, p.58.
65
desenvolveu a institucionalização da cultura no âmbito federal e concretizado o projeto
de institucionalização do MASC, que culminou com a sua inauguração em 1973.
Durante a Ditadura Militar foram criados a Empresa Brasileiras de Filmes S.A
(Embrafilme), o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), o Departamento de
Assuntos Culturais (DAC) e o SPHAN foi elevado à categoria de Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Tal desenvolvimento prosseguiu
na administração seguinte, do paranaense Ney Braga. Neste período, do governo Geisel.
Foi aprovado um documento denominado de Política Nacional de Cultura, foi realizado
o I Encontro de Secretários Estaduais de cultura, criada a Secretaria de Assuntos
Culturais, o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC) e a Fundação Nacional de
Arte (Funarte), que congregava o Museu Nacional de Belas Artes, o Serviço Nacional
do Teatro, a Comissão Nacional de Belas Artes e a Companhia de Defesa do Folclore
Brasileiro. ( POENER, 2000: 38)
Em linhas gerais, na década de 1970 o discurso dos museus se veicula ao ideal
do regime político autoritário, como ocorreu até então, mesmo com a inserção de novas
propostas de concepções sobre os bens culturais, a exemplo do projeto de Aloísio
Magalhães. Porém neste período, no campo internacional, surgem outras discussões
que podem ser sentidas no Brasil - paulatinamente - sugerindo rompimento ou
fragilização dos modelos de museu e de profissional, da relação do museu com o
público, das exposições. Acentua-se não mais uma identidade do país, enfatiza-se as
“identidades de grupos e categorias sociais.” (GONÇALVES, 2005: 268). Mas, esse
novo pensamento museal no Brasil vai se estabelecer com o processo de
“redemocratização dos anos 80”.
O ideal de museu em países norte-americanos e europeus, a partir da
década de 1970, se aliava ao respeito à diversidade cultural, à defesa
do patrimônio cultural das minorias étnicas e de povos carentes e à
integração dos museus às diversas realidades locais..,(MACHADO,
2005: 147)
A diversidade presente na configuração atual do campo do patrimônio está
ligada com processos mais amplos, como o debate sobre a democracia e participação da
sociedade civil no que diz respeito aos direitos dos grupos sociais de identificar,
66
selecionar, conservar e expor os bens culturais relativos às suas memórias, identidades e
histórias (BRUNO, 1995: 57). De acordo com Márcia Sant‟Anna foi após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) que as práticas e os processos culturais foram sendo
incorporados ao campo do patrimônio cultural, que até então, enfatizava os bens
materiais (2004: 49). Para a socióloga Maria Cecília, esta ampliação é um dos efeitos da
globalização, pois países africanos e asiáticos questionaram a perspectiva que via seus
patrimônios como exóticos, toscos e primitivos e reivindicaram o reconhecimento
mundial de seus bens, buscando, portanto, usufruir de benefícios políticos e econômicos
que tal reconhecimento promove (2003: 70-71).
É neste contexto de discussões em torno da identidade nacional, da ampliação
das instituições voltadas para a cultura, bem como da perseguição à construção de uma
política cultural voltada aos interesses do Estado e à doutrina da Segurança Nacional,
que o campo do patrimônio em Sergipe é configurado. A análise desta configuração nos
permitirá compreender a emergência do MASC e seu lugar nas relações de força neste
campo e, principalmente, como a questão da identidade está presente neste espaço
social.
67
Capítulo 2
A construção de um museu
"Este Palácio é o mesmo que nós encontramos quando meu irmão era
Bispo Auxiliar, depois quando foi nomeado Arcebispo e em outras
ocasiões em governos como o de Dr. Lourival Batista, Dr. Paulo
Barreto, Dr. João Garcez. O melhor desta obra é que não foi
construído algo novo, o que estava aqui é que foi totalmente
restaurado. O Governo do Estado está de parabéns por essa
recuperação"
Carmem Cabral Duarte
43
Poucos foram os religiosos que conheceram os moradores e frequentadores do
Palácio Olímpio Campos tão bem quanto o ex-arcebispo de Aracaju Dom Luciano
Cabral Duarte (1971-1998). A sua presença constante neste espaço é um vestígio das
proximidades do poder religioso, exercido pelos sacerdotes da Igreja Católica, com o
poder público, cujos principais agentes estaduais, são os governadores. Não se constitui
uma novidade esta aproximação, nem também as tensões por ela provocada, como
demonstraram alguns estudos acadêmicos e testemunharam diversos indivíduos e
grupos sociais, ao longo da história da República (AZZI, 2008; SERBIN, 2002). Mesmo
que se trate de um Estado laico, desde o final do século XIX, a interdependência entre
esses entes, a Igreja e o Estado, é uma das características da sociedade brasileira.
Entretanto, ao menos no que diz respeito ao campo do patrimônio cultural sergipano,
esta interdependência ainda não mereceu uma investigação mais apropriada. A análise
sobre a criação e manutenção do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão pode ser
considerada como uma tentativa de elucidar, em parte, tal aproximação, em um campo
específico.
Em 1973 o Museu de Arte Sacra de São Cristóvão foi inaugurado nas instalações
da antiga Ordem Terceira de São Francisco de Assis, na ala esquerda do Convento São
Francisco. Por um lado, tratava-se de um antigo projeto do clero sergipano que vinha a
algum tempo acumulando, em uma das salas do seu Antigo Seminário Menor, na cidade
de Aracaju, uma série de bens considerados relevantes para a história da arte religiosa
43
Cf: http://www.palacioolimpiocampos.se.gov.br/noticia/ministro-da-cultura-fica-impressionado-com-
estrutura-do-pmoc. Acessado em 23-06-2010
68
sergipana, que foi concretizado na administração do arcebispo Dom Luciano Cabral
Duarte. Por outro, o êxito deste empreendimento pode ser considerado como um dos
resultados da configuração política, religiosa e cultural da sociedade brasileira naquele
momento, que possibilitou a criação e manutenção de diversas instituições culturais, a
exemplo do MASC. Neste sentido, o convênio estabelecido entre a Arquidiocese de
Aracaju, o Governo do Estado de Sergipe e a Universidade Federal de Sergipe para a
manutenção e administração do MASC, em 1974, pode ser considerado como um dos
resultados da configuração cultural existente no período.
Os governadores Lourival Batista (1967-1970), João Andrade Garcez (1970-
1971) e Paulo Barreto de Menezes (1971-1975), lembrados pela irmã do arcebispo ao
visitar o PMOC em 2010, conforme a epigrafe acima, foram os principais protagonistas
da saga da criação do MASC. Situados em um contexto favorável à execução de
iniciativas culturais e educacionais no âmbito dos governos federal, estadual e
municipal e alinhados aos projetos dos presidentes militares, estes governadores fizeram
uso dos instrumentos fornecidos pelo regime, como a disponibilidade de contar com
uma rede de instituições culturais, conforme apontamos no capítulo anterior, para
atender as demandas dos grupos sociais que lhes apoiavam, e, ao mesmo tempo,
reproduzir a sua hegemonia. Um destes grupos era composto por integrantes de uma
parte do clero conservador, que recrutava agentes situados em outros campos, como o
intelectual e o político para executar seus projetos. É neste contexto que percebemos a
habilidade de Dom Luciano Cabral Duarte em constituir uma rede de relações que
tornou possível a criação e manutenção do MASC.
Apesar de não formarem um grupo homogêneo de agentes no que diz respeito à
origem social, ao perfil profissional e ao capital cultural, os agentes responsáveis pela
criação e manutenção do MASC formaram uma configuração social baseada em
relações pessoais e na construção de uma representação sobre a identidade religiosa
sergipana. Por meio desta representação os agentes com maior capital social
justificavam suas práticas e posições e se distinguiam socialmente no campo cultural,
em meio a uma instituição carente de poderes para suprir as demandas dos diversos
grupos sociais no campo do patrimônio cultural, o SPHAN (atual IPHAN). O objetivo
69
deste capítulo é analisar a formação da configuração social que tornou possível a
criação e manutenção do MASC.
2.1 O clero e o campo cultural
Atribui-se ao ex-arcebispo de Aracaju Dom Luciano Cabral Duarte, a iniciativa
de criar o Museu de Arte Sacra de São Cristóvão. Entretanto, não é possível
compreender o surgimento desta instituição sem inseri-la num contexto mais amplo, no
sentido de colocarmos em cena outros agentes e outras práticas relacionadas a este
acontecimento. Para Norbert Elias,
A influência de uma pessoa sobre outras, sua importância para elas,
pode ser especialmente grande, mas a autonomia da rede em que ela
atua é incomparavelmente mais forte. A crença no poder ilimitado de
indivíduos isolados sobre o curso da história constitui um raciocínio
veleitório. (1995: 91)
Esta afirmativa, num primeiro momento, nos conduz a ideia de que o indivíduo é
um “veículo passivo da máquina social”. Entretanto, para desfazer este equívoco,
Norbert Elias nos alerta para o fato de que existem possibilidades, mesmo que
limitadas, de determinado indivíduo exercer “considerável influência nos
acontecimentos históricos” (1995: 91). Esta influência varia historicamente e pode ser
apreendida com a análise da experiência. Partimos do pressuposto de que os contextos
político, religioso e cultural nos quais Dom Luciano estava inserido, quando da criação
do MASC, foram favoráveis para a execução de seus projetos pessoais, contudo, o êxito
de alguns destes projetos dependeu da sua decisão e da sua capacidade individual em
constituir uma rede de relações sociais.
A ideia de preservar objetos religiosos era cultivada pelo segundo Bispo de
Sergipe, Dom Fernandes Gomes (1910-1985)
44
. No antigo Seminário Menor o
44
Nascido no interior do Estado da Paraíba, aos 11 anos ele ingressou no Seminário da capital. Foi
ordenado sacerdote em Roma em 1932. Aos 33 anos foi sagrado Bispo de Penedo, no Estado de Alagoas.
Em 1949 assumiu o Bispado de Aracaju(1949-57)
44
. Da capital sergipana, em 1957, foi promovido para
ser o Arcebispo de Goiânia onde adquiriu a Rádio Difusora de Goiânia, fundou a Universidade Católica
de Goiás e criou em 1968, na Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte
44
, na cidade de Goiás, o Museu de
Arte Sacra da Boa Morte. Este Museu tem como objetivo divulgar “a obra do escultor goiano Veiga Valle
e conscientizar os estudantes sobre o Museu, valorizando o patrimônio e também conhecer a história da
igreja” (LOURENÇO, 2000: 97). Seu acervo foi formado por aquisições e doações.
70
Monsenhor Espiridião Góis se encarregava da tarefa de cuidar destes bens. Esta
incumbência foi passada, mais tarde, para o padre José Carvalho de Souza (SOUTELO:
1981). Portanto, apesar de não ter sido constituído um Museu de Arte Sacra na sua
estada em Sergipe, pode-se afirmar que Dom Fernandes foi um dos seus inspiradores.
Somam-se a Dom Fernandes outros clérigos que instituíram museus de artes
sacras no Brasil e se destacaram no campo intelectual. O ex-arcebisbo de São Paulo
Dom Agnelo Rossi
45
pode ser integrado a este grupo. Ele criou, juntamente com o
governador do Estado, o Museu de Arte Sacra de São Paulo em 1970. Este Museu está
localizado na ala esquerda do Mosteiro da Luz, edificação erguida no século XVIII,
fundado pelo beato da Igreja Católica Frei Antônio de Sant‟Anna Galvão
46
. Este
mosteiro foi tombado em 1943 pelo SPHAN. A Coleção inicial deste museu foi
organizada pelo primeiro Arcebispo de São Paulo Dom Duarte Leopoldo e Silva
(LOURENÇO, 2000: 450). Em 1980, o mosteiro recebeu a visita do Papa João Paulo
II
47
.
Dom Fernandes Gomes e Dom Agnelo Rossi, de acordo com Kenneth P. Serbin
(2002), foram membros da Igreja Católica com posturas políticas e práticas distintas,
levando em consideração suas atuações em um dos períodos da história do Brasil mais
difíceis para a sociedade, inclusive para o clero católico, a ditadura militar. Dom
Fernandes Gomes, em diversas oportunidades, apresentava-se e era percebido como um
clérigo progressista, crítico do tratamento dispensado pelos militares aos descontentes
com o regime, como muitos religiosos católicos. Contudo, também expressava, em
45
Dom Agnelo nasceu em 1913 em São Joaquim do Egídio, no distrito de Campinas, Estado de São
Paulo. Ingressou em 1926 no Seminário Menor Diocesano de Santa Maria, em Campinas, onde cursou
Filosofia. Partiu para Roma em 1933, sendo um dos 33 alunos fundadores do Pontifício Colégio Pio
Brasileira
45
. Foi ordenado Sacerdote em 1934. Realizou estudos de Teologia na Pontifícia Universidade
Católica Gregoriana de Roma. Fez diversas especializações e ganhou vários títulos universitários, atuou
também como professor, dirigiu diversas faculdades. Foi sagrado Bispo de Barra do Piraí, no Rio de
Janeiro, em 1956. Foi Arcebispo de São Paulo e Presidente da Conferência nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), entre 1964 a 1970. Deixando a Conferência quando foi chamado para seguir à Igreja na Cúria
Romana. Escreveu diversos livros e artigos. Cf: http: //www.arquidiocesedesaopaulo.org.br /historia/
historia _arquivos/bispos_dom_agnelo_cardeal_rossi.htm. Acessado em 12-07-2010.
46
Antônio de Sant‟Anna Galvão nasceu em Guaratinguetá, no Vale da Paraíba. Estudou no Seminário
Belém da Cachoeira na Bahia e no Convento franciscano no Rio de Janeiro. Faleceu em 1822, aos 83
anos. Seu corpo encontra-se no mosteiro da Luz. É considerado o primeiro santo nascido no Brasil. Foi
canonizado pelo papa Bento 16 em 2007. CF: http://www.freigalvao.org.br/biografia_freigalvao.htm;http:
//www.arquidiocesedesaopaulo.org.br/jornal_o_sao_paulo/2007/071023/jornal_o_sao_paulo_palava_do_
pastor.htm. Acessado em agosto de 2010.
47
http://www.museuartesacra.org.br/arquitetura.Acessado em 12-07-2010
71
alguns momentos, posicionamentos neutros, defendia a colaboração entre Igreja e
Estado. Dependendo das circunstâncias, era anticomunista, patriota ou líder religioso.
No caso de Dom Agnelo Rossi, eram raros os momentos em que se mostrava contrário
ao regime. Apesar de ter recusado publicamente uma condecoração dos militares,
predominava a sua posição aliada aos generais, inclusive, defendendo medidas
extremas propostas pelos governantes. Para Kenneth P. Serbin os posicionamentos de
Dom Fernandes exemplificam a situação da Igreja no período mais repressivo da
ditadura e expressam seus pontos de análise, quais sejam: “a dicotomia entre o público e
o privado na abordagem que os bispos faziam da ditadura, a inadequação da fórmula
progressista X conservador para o entendimento da Igreja brasileira e a flexibilidade dos
bispos e seu duplo papel de clérigos e políticos” (2002: 290).
Para além de suas diferenças, esses clérigos faziam parte de um grupo de
religiosos que procuraram obter uma posição de destaque no campo intelectual e
cultural brasileiro. Através do aprofundamento dos estudos, principalmente no exterior,
eles buscaram adquirir uma competência difícil de ser adquirida no Brasil. A aquisição
de conhecimento de idiomas, os títulos de graduação, de pós-graduação e os
treinamentos foram estratégias utilizadas pelos clérigos que almejavam ocupar melhores
posições sociais. A Igreja Católica prestigiava líderes dotados de competência religiosa
e escolar para ocupar os principais postos de comando da instituição (SEIDL, 2009: 3).
Neste sentido, a presença destes clérigos na fundação de faculdades, na atuação como
professores do ensino superior, nos campos literário e científico, e na participação na
criação de instituições culturais, como museus, deve ser observada, dentre outras
possibilidades, como práticas culturais de distinção social. É neste contexto, na
condição de um agente dotado de competências religiosa e cultural, que devem ser
compreendidas as ações de Dom Luciano Cabral Duarte na institucionalização do
MASC.
A participação dos clérigos da Igreja Católica na vida educacional e cultural de
suas comunidades foi incentivada pelo Concílio Vaticano II (1962-1965). É
compreensível, portanto, as iniciativas de padres, bispos e arcebispos na construção e
manutenção de escolas, faculdades, obras assistenciais, hospitais e instituições culturais,
como museus. Contudo, esta animação cultural, acentuada pelo Concílio, não justifica o
72
êxito de alguns dos projetos de membros da Igreja no Brasil, principalmente quando a
sociedade estava sob o regime político de uma ditadura militar. Neste sentido, a
compreensão do êxito de determinados agentes da Igreja em concretizar seus projetos
deve ser efetuada levando em consideração seus posicionamentos não apenas no campo
religioso, mas, também, em outros espaços sociais, como o político e o intelectual.
A cientista política Lucila de Almeida Neves Delgado (2007) fez uma síntese
sobre a posição da Igreja antes da emergência do clero progressista no cenário político
nacional, e, principalmente, a sua atuação durante o regime militar. Acompanharemos, a
partir deste ponto, suas análises. Entretanto, é necessário salientarmos, como a própria
autora chama atenção, que a Igreja não é um bloco homogêneo. Isto significa
reconhecer que na história das relações entre a Igreja e o Estado, entre a Igreja e a
sociedade e entre os atores que a constituem enquanto uma instituição específica,
existiram, e ainda existem, encontros e desencontros, tensões e acordos, rupturas e
permanência, próprios da dinâmica dos grupos sociais. É necessário, entretanto, destacar
a cooperação da Igreja com o Estado, no que se refere à troca de benefícios, e a sua
habilidade em desenvolver laços sólidos com este, como características relevantes do
Brasil moderno (SERBIN, 2001: 21).
Nesta linha de raciocínio, não se constitui uma tarefa fácil caracterizar os
integrantes do clero quanto ao seu alinhamento político. Logo, a linha divisória que
separa conservadores de progressistas, em algumas situações se torna tênue. Da mesma
forma que, em determinadas conjunturas, tornar-se complexa uma demarcação entre o
intelectual e o político, a ação interessada e desinteressada.
No fim de 1950 e início de 1960 foi constatada uma maior aproximação de uma
parte do clero com as camadas populares e os grupos que lutavam por transformações
sociais. Antes deste período, observa-se uma Igreja Católica que procurava se afirmar
distanciando-se do povo, no que se refere às suas demandas sociais. Sob a liderança de
Dom Sebastião Leme, juntamente com Dom Antônio dos Santos Cabral e Dom João
Becker, a Igreja se preocupou em lutar “contra o comunismo, os protestantes, os
espíritas e a mentalidade laicizante. Toda linguagem religiosa estava direcionada pela
preservação da ordem moral, pelo respeito às autoridades constituídas e pelos valores
religiosos” (DELGADO, 2007: 99).
73
Dom Leme identificava um povo ignorante no que se refere à doutrina e aos
princípios católicos, isto ficou evidente ainda em 1916, com a divulgação de sua Carta
Pastoral. Tornava-se necessário um trabalho pedagógico no sentido de superar esta
defasagem. Neste sentido, a defesa dos princípios católicos na vida pública brasileira, a
formação de uma elite intelectual e a institucionalização do movimento que seria, em
1935, chamado de ão Católica, foram os campos em que a Igreja concentrou muito
dos seus esforços. Existiram propostas mais audaciosas que defendiam uma ação mais
direta da Igreja sobre a sociedade, que procuravam dialogar mais abertamente com os
problemas sociais e compreender melhor a realidade brasileira, como a proposta do
padre Júlio Maria. Entretanto, este não tinha estrutura para a divulgação de tais ideias
nem grupos suficientemente organizados para colocá-las em prática. Logo, a proposta
de ação da Igreja concebida pelo grupo de Dom Leme se tornou hegemônica.
A institucionalização da Ação Católica Brasileira, em 1935, contribuiu para o
desenvolvimento de uma série de formas de atuação da Igreja junto à sociedade.
Paulatinamente foram surgindo grupos como a Juventude Agrária Católica (JAC),
Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude
Operária Católica (JOC) e a Juventude Universitária Católica (JUC). Outras formas de
intervenção na sociedade também foram orquestradas como consequência do
desdobramento da Ação Católica, como o surgimento de “revistas, boletins, jornais,
semanas de estudo, cursos para formar líderes mais atuantes e dinâmicos” (DELGADO,
2007: 100-101). Estes instrumentos de ação da Igreja sobre o tecido social mais amplo
se constituíram em mais um exemplo da sua capacidade em se atualizar diante das
transformações sociais ao longo do tempo, de responder às demandas sociais utilizando
estratégias e táticas para manter-se no campo religioso e assegurar sua posição
hegemônica no mesmo.
Na década de 1960 a Igreja encontrava-se polarizada. De um lado, operavam os
católicos progressistas atuando junto aos movimentos populares, sindicatos, ligas
camponesas, militares nacionalistas, intelectuais socialistas, dentre outros. De outro,
estavam os segmentos expressivos da classe média e os setores conservadores da Igreja.
Estes simpatizavam com as ideias da Escola Superior de Guerra e do desenvolvimento
de uma sociedade ao mesmo tempo conservadora e modernizante. Assim, a ação
74
repressora do Regime Militar se deu contra os segmentos da Igreja progressista, se
considerarmos os princípios da Doutrina de Segurança Nacional em que os interesses da
pátria deveriam estar em primeiro plano, mesmo que estes atentassem, como de fato
ocorreu, contra os direitos humanos e sociais.
A aproximação da Igreja com as demandas da sociedade, que inicialmente eram
propostas e efetivadas através de iniciativas individuais ou regionais, com a criação da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952, e a criação da
Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), em 1955, se institucionalizou, ganhou
uma organização e atingiu uma amplitude até então não conseguida por conta da
ineficiente comunicação entre as dioceses. Dom Hélder Câmara e um grupo ligado a
CNBB estimularam a participação dos leigos em questões sociais. Sob a sua orientação,
institutos, organismos e frentes de trabalhos foram criados, a exemplo do Instituto de
Pastoral (INP), do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (IBRADES) e do Centro de
Estatística Religiosa e Investigação Social (CERIS).
No âmbito internacional a eleição do papa João XXIII e a realização do Concílio
Vaticano II reforçaram o projeto da proposta da Igreja de se envolver com os problemas
sociais, principalmente, os dos países subdesenvolvidos. A II Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano em Medelin, realizada em 1968, sedimentou a ideia da
concepção de um leigo ativo, que deve se envolver e participar das questões sociais. De
acordo com Lucila de Almeida Delgado, a Conferência de Medelin pode ser
considerada como um divisor de águas do catolicismo brasileiro, pois é dela que se
originam as raízes da Teologia da Libertação, e é ela, juntamente com o Concílio
Vaticano II e a CNBB que geram “um verdadeiro movimento de renovação do
catolicismo” (2007: 15-16).
Institucionalizados, os seguimentos progressistas da Igreja Católica
representaram um obstáculo para o Regime Militar, na medida em que se envolviam
com as causas e as demandas de grupos e agentes sociais ansiosos por melhorias nas
suas condições de vida e na defesa de seus direitos sociais, suprimidos pelo Regime. Foi
contra esses segmentos da Igreja católica que o regime ditatorial se insurgiu e procurou
não deixar brechas para suas ações. Em defesa da Segurança Nacional, clérigos
considerados subversivos e grupos de homens armados, foram censurados, perseguidos
75
e exterminados. A estrutura institucional repressiva montada, ou aperfeiçoada pela
ditadura, foi proposta no sentido de eliminar ou diminuir os “inimigos da nação”.
Muitos dos que não sucumbiram ao sistema foram cooptados, dentre outros meios,
através da ocupação de posições em instituições educacionais e culturais, como foi
lembrado no capítulo anterior. Nestes grupos podemos incluir políticos, artistas,
intelectuais e religiosos.
O aparato institucional montado pelo regime ditatorial foi apropriado pela Igreja
Católica de duas formas, sendo que cada uma apresentou consequências distintas. O
clero progressista procurou lutar junto aos grupos contrários ao regime, denunciando a
violência praticada contra os direitos humanos. Consequentemente, sentiu o peso do
Estado sobre seus corpos e suas mentes, através das torturas, prisões, exílio e
assassinatos. Por outro lado, o clero conservador, simpático ao regime, foi poupado. Em
Sergipe, Dom José Vicente Távora
48
se aproximava da visão mais progressista da Igreja.
Dom Luciano Cabral Duarte, alinhava-se ao clero conservador. Nesta condição, ele
poderia contar com a rede de instituições culturais montada pelo regime militar.
Mesmo sob o regime ditatorial pelo qual não nutria muita simpatia, o arcebispo
de Aracaju Dom José Vicente acreditava que o bom relacionamento da Igreja Católica
com o Estado deveria ser preservado. Em um dos seus encontros com o governador
Lourival Batista, defensor do regime, D. José escreveu, no verso de uma fotografia
(figura 1), o seguinte texto: “Dialogando c amigos pelo prolongamento de uma sincera
amizade e pelo bem do nosso Estado”. Portanto, progressista ou conservador,
democrático ou ditador, a interdependência entre o poder público e o Clero sergipano
não é um elemento desprezível na sociedade brasileira
49
.
48
Dom José Vicente Távora nasceu em 1910, em Pernambuco. Tornou-se Bispo de Aracaju em 1958. Foi
criador da Rádio Cultura e do Centro Social da Arquidiocese
48
. Era tolerante e se preocupava com os
problemas que afligiam os trabalhadores rurais e urbanos. Dedicou-se aos pobres e excluídos. Suas
manifestações, inclusive muitas delas divulgadas através da Rádio, incomodavam o regime militar ao
ponto de ter sido “convidado a depor no Quartel e hostilizado de várias maneiras pelas novas forças
emergentes”. Dom Távora considerava o regime um retrocesso político. Foi perseguido. Não foi preso
devido à interferência do general Juarez Távora, seu parente. Morreu de enfarte em 1970. Bispo
progressista de Aracaju e ex-colaborador de Dom Hélder no Rio. Cf: SERBIN, Kenneth P. Diálogos na
Sombra: Bispos e militares, tortura e Justiça social na Ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
p.148.
49
A conduta ambígua de alguns clérigos brasileiros é um dos elementos que caracteriza a Igreja Católica
durante o Regime. Cf: SERBIN, Kenneth P. Diálogos na Sombra: Bispos e militares, tortura e Justiça
social na Ditadura. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
76
Quando o MASC foi criado a Igreja necessitava proteger seus bens culturais, e,
de uma forma geral, seus agentes conduziam um processo de aproximação maior com a
sociedade, em diversos campos, inclusive através da cultura, conforme as orientações do
Concílio Vaticano II. Por sua vez, o governo do Estado deveria seguir as determinações
do governo federal que, naquele momento, intensificava as suas ações no campo
cultural. Logo, a cultura se tornou um espaço de diálogo entre e Igreja e Estado, apesar
das tensões explicitadas. É neste contexto que pode ser compreendida a estratégia de
Dom Luciano Cabral Duarte em criar o MASC.
Dom Luciano Cabral Duarte, nasceu em 1925. Sergipano, doutorou-se em
Filosofia pela Sorbonne(1957). Identificava-se com a pregação anticomunista e era
simpático ao Regime. Tornou-se Bispo Auxiliar de Aracaju em 1966. Foi diretor da
Faculdade de Filosofia, membro do Conselho Federal da Educação e liderou a
campanha para a criação da Universidade Federal de Sergipe. De acordo com o
historiador sergipano Ibarê Dantas (1997), Dom Luciano “nos embates não sabia
transigir. Geralmente mostrava-se inflexível e impiedoso com os divergentes e somente
descansava quando abatia os adversários”. Sobre a posição da Igreja diante da Ditadura
Militar, especialmente no governo do General Médici (1969-1974), Dom Luciano
sentenciou:
Figura 1: Encontro de Dom José Vicente Távora e o
Governador Lourival Batista.f.v
Fonte: Memorial Lourival Batista
Fonte: Acervo: Memorial Unit/Frente/Verso
77
Por que deixaria de assim proceder num momento de extraordinária
importância quando o país se lança decididamente na trilha do
desenvolvimento, delineando no horizonte sua condição de grande
potência? Será lógica a omissão da Igreja, sua indiferença à realidade?
A Igreja de há muito condenou o maniqueísmo, isto é, a divisão rígida
entre o Deus bom e o Deus mal. Tal heresia não tem, pois, respaldo
teológico. Pois bem, alguns parecem ver no Governo a incarnação
{sic} do Mal e a Igreja como a incarnação {sic} do Bem. Não tem
qualquer sentido esta posição. O Governo não é a incarnação {sic} do
Mal. (Dom Luciano Cabral Duarte Apud SERBIN, 2002: 282)
Esta posição de Dom Luciano para com o governo militar se diferencia com a
percepção que ele tinha sobre a ditadura em outro tempo e espaço. Em meados da
década de 1950, Dom Luciano empreendeu uma série viagens à países europeus como
França, Portugal, Espanha e Itália, com o propósito de adquirir recursos religiosos e
culturais. Neste período, Portugal era governado pelo Primeiro Ministro Oliveira
Salazar e passava por uma crise econômica. Dom Luciano eximiu Salazar da culpa da
crise que atingia os portugueses. É no regime autoritário que se deve encontrar a causa
das dificuldades, defendia ele, afirmando que:
Toda ditadura, mesmo branda, é um mau regime. Um regime em que
alguns querem tirar dos ombros do povo a carga onerosa de pensar, de
querer, de falar, em troca de uma aparente ordem imposta às coisas e
aos homens. E o que é mais curioso é que os grandes ricos sempre
fazem causa comum aos ditadores. Assim foi na Alemanha e na Itália,
assim é na Espanha e em Portugal. (DUARTE, 1960: 231)
Sustentada em depoimentos, a professora Giselda Morais afirmou que a posição
conservadora de Dom Luciano Cabral Duarte “facilitou o seu trânsito nos meios
governistas, permitindo-lhe ajudar pessoas em dificuldades, e mais tarde obter recursos
para implementar em Sergipe as premissas da doutrina social da Igreja” (MORAIS,
2008: 318). A autora não deixou de observar as diferenças entre os dois líderes
religiosos sergipanos, Dom Távora e Dom Luciano, entretanto, enfatizou um bom
relacionamento entre eles. Por sua vez, o cientista político Ibarê Dantas, destacou as
ações de Dom Luciano como inibidoras do trabalho de Dom José Vicente Távora.
Dantas observou ainda que uma das características de Dom Luciano é sua determinação
em conseguir atingir seus objetivos, independentemente dos meios (1997: 147-148). Na
78
nossa perspectiva, a adesão de Dom Luciano ao clero conservador e o seu alinhamento
ao regime militar facilitaram suas ações no campo cultural.
Diante das apreciações sobre Dom Luciano citadas, principalmente no que diz
respeito às suas condutas numa sociedade marcada pela privação extrema de liberdade
individual, é importante compreendermos que os indivíduos não se desfazem, como
num passe de mágica, dos projetos que traçaram para as suas vidas. Sendo o espaço
social um palco de lutas, para conseguir se manter ou modificar sua posição neste
espaço, o agente pode utilizar estratégias e táticas que, para os que não conhecem as
“regras do jogo”, se tornam inaceitáveis. Isto posto, as práticas consideradas
conservadoras por parte de alguns grupos do clero brasileiro devem ser lidas, também,
sob outro prisma. Ou seja, devem também ser interpretadas observando as
oportunidades de ascensão social que a Igreja Católica oferecia aos agentes que mais se
aproximassem do perfil de líder religioso esperado.
Naquele momento, este perfil estava relacionado com a competência religiosa e
competência escolar que os líderes católicos deveriam ter. Para conseguir tais
competências os agentes investiam na aquisição de recursos culturais. É a partir desta
leitura que deslocamos nossas atenções para as práticas sociais de Dom Luciano no
campo cultural sergipano, mais especificamente, na sua participação no processo de
criação e manutenção do MASC, no contexto da ditadura militar.
A prática de Dom Luciano em constituir redes sociais foi fundamental para o
MASC, visto que ela foi usada como uma estratégia para acionar uma série de agentes
(administradores públicos, intelectuais e políticos) e instituições culturais tanto federais
(IPHAN, Conselho Federal de Cultura, UFS) quanto estaduais (EMSETUR, Secretaria
da Cultura e da Educação) para criar e manter o Museu. Certamente, o seu posto de
Arcebispo lhe permitiu a formação dessas redes, e seu capital cultural e social tinha um
peso significativo. Contudo, a sociedade em que ele estava inserido era dotada de
instituições que permitiam o êxito de seus projetos.
Aparentemente a existência de bens culturais no acervo do MASC, que
pertenceram aos ex-arcebispos Dom Vicente e Dom Luciano, desconsidera as possíveis
79
diferenças entre eles
50
. Porém, é necessário registrar que na exposição permanente atual,
inaugurada em 2005, foi reservada uma sala exclusiva dedicada a Dom Luciano.
Certamente que o vínculo do MASC com Dom Luciano, seja por ele ter sido o
idealizador ou principal articulador que garantiu a sobrevivência e a visibilidade da
instituição no campo cultural, contribuiu para lhe dar um lugar de destaque na exposição
da instituição.
Além da sala dedicada ao registro da vida intelectual e religiosa de Dom
Luciano, organizada a partir da exposição de 2005, O MASC havia prestado
homenagens a este religioso algumas vezes, como em janeiro de 1998, quando da
comemoração do seu jubileu de ouro como sacerdote. Na ocasião foi organizada por
Ana Medina, ex-diretora do Museu Histórico de Sergipe e ligada por vínculos familiares
à Dom Luciano, a exposição intitulada “Caminhos do Pastor” (figuras 2 e 3). Esta
exposição foi bastante concorrida. Nela, pode-se destacar a presença de religiosas e
religiosos, políticos e a imprensa local no MASC.
50
Não podemos deixar de registrar que na sala de exposição “Dom Luciano”, além de um quadro, existe
um texto dedicado à memória de Dom José Vicente Távora. Escrito na década de 1960, o texto chama
atenção do clero para defender as mudanças na Igreja no sentido de ela responda às expectativas da
sociedade em que está inserida, mesmo que estas, num primeiro momento, exijam sacrifícios. Tal
engajamento parece seguir as orientações do Concílio Vaticano II, acrescidas dos rumos que a Igreja
vinha tomando anteriormente.
Figura 2: Fachada do MASC na ocasião da Exposição
Caminhos do Pastor-1998
Fonte: Acervo IDLD. Foto: Marcel Nauer
Fonte: Acervo: Memorial Unit/Frente/Verso
80
A expansão do número de museus no Brasil, em alguns períodos, é uma
incógnita que necessita ser decifrada, como apontamos anteriormente. Muitas
unidades museológicas foram criadas durante a ditadura militar, mas, pouco sabemos
sobre elas, seus agentes e suas práticas. Diante da ausência de estudos mais
aprofundados sobre estas instituições em Sergipe e sendo o MASC um museu
institucionalizado num momento de auge da Ditadura Militar (1968-1974), é plausível
afirmarmos que seus idealizadores e mantenedores estavam alinhados ao regime.
Ao consultar uma bibliografia básica sobre a história da Igreja no período da
Ditadura localizamos uma aproximação do ex-arcebispo de Aracaju Dom Luciano
Cabral Duarte criador do Museu de Arte Sacra de São Cristovão, em 1973- com o
Regime (DANTAS, 1997; SERBIN, 2002). A mesma estratégia poderia ser utilizada
para explicarmos a instituição do Museu de Arte Sacra de São Paulo, em 1970, pelo ex-
arcebispo Dom Agnelo Rossi, também simpático ao regime. Contudo, como
explicaríamos a criação do Museu de Arte de Sacra da Boa Morte criado na cidade de
Goiás, em de 1968, por Dom Fernandes Gomes, um religioso não tão bem visto pelos
militares? Podemos listar mais outros museus como o Museu Sacro São José do
Ribamar (1967) da cidade de Aquiraz, Estado do Ceará; Museu Arquidiocesano de Arte
Sacra de Mariana (1962) e, mesmo anterior à Ditadura, o Museu de Arte Sacra da Bahia
(1957), para observarmos que nos faltam base empírica suficiente para fazermos uma
ligação, mesmo que simplista, entre o museu e a realidade social que ele opera. Estas
considerações nos levam a flexibilizar nossas conclusões sobre determinados pontos
Figura 3: Visitantes no interior do MASC prestigiando a
Exposição Caminhos do Pastor
Fonte: Acervo IDLD. Foto: Aragão Stúdio,1998
Fonte: Acervo: Memorial Unit/Frente/Verso
81
identificados e justificam algumas incursões em campos diferentes do cultural, mas a
eles relacionados, como o campo político. Vimos, no capítulo anterior, como as
instituições museais brasileiras eram dependentes do campo político, ora construindo ou
reproduzido o discurso de grupos sociais hegemônicos, ora desempenhando a função de
instância consagradora e legitimadora de agentes.
evidência que o contexto político favorável ao ex-arcebispo de Aracaju Dom
Luciano Cabral Duarte e a outros clérigos que criaram museus neste período, como o
arcebispo de São Paulo Dom Agnelo Rossi, contribuiu para a criação e manutenção
dessas instituições. Num contexto de uma ditadura em que nem os clérigos escapavam
da vigilância, do controle e da punição, dificilmente este Estado disponibilizaria o
aparelho de instituições de apoio à cultura criado ou reelaborado pelo regime, aos
agentes que fossem contrários a sua proposta política-ideológica. As relações
estabelecidas entre Dom Luciano e este aparelho, bem como com os agentes situados
numa posição de destaque no campo político foram fortes. Porém, é necessário
compreendermos como essas relações permitiram a este religioso formar uma
configuração social para a criação e a manutenção do MASC.
2.2 O Padre e o intelectual
O interesse de Dom Luciano por museus não foi despertado repentinamente.
Fazia parte do habitus dos religiosos aos quais a Igreja Católica confiava seus principais
postos de lideranças. Para ocupá-los, ao menos a partir de meados do culo XX, era
necessária a aquisição de competência religiosa e cultural. Assim, após sua ordenação
sacerdotal, em 1948, o mesmo empreendeu uma série de estudos, que culminaram com
a obtenção do título de Doutor na Universidade de Sorbonne, na França, em 1957.
Entre 1954 a 1957 empreendeu diversas viagens para países em quase todos os
continentes, menos o africano. Estas experiências transformaram-se em crônicas
reunidas no livro Europa: ver e olhar(1960). Para o grupo de intelectuais da Igreja a
realização de viagens ao exterior era uma estratégia de legitimação e consagração, no
caso das “frações sociais abastadas” ou uma estratégia para conseguir uma melhor
posição no campo, distinção social (SEIDL, 2009: 2). De uma família não abastada, era
um dos três filhos de um funcionário público, e escritor, casado com uma professora
82
que não exerceu a profissão ( MORAIS, 2008: 21-33), é neste último caso que podem
ser lidas as viagens desse religioso ao exterior. Nestas viagens era possível entrar em
contato com o mundo dos museus
51
.
Durante essas viagens, Dom Luciano procurou registrar sua passagem pelos
museus, não através de crônicas, mas também através de fotografias. A presença de
postais de museus também são registros do seu gosto por estes espaços. De acordo com
o arcebispo: o Museu do Louvre (figura 6), em Paris, na França, merece várias visitas,
por seu rico acervo composto por esculturas, pinturas, ouriversaria e relíquias históricas.
Na sua perspectiva, apesar do Museu do Prado (figura 5), em Madri, na Espanha, ter seu
acervo exclusivamente composto de pinturas, pode ser considerado como um dos
melhores museus do mundo. As pinturas de Goya, retratavam os costumes e os hábitos
dos campesinos espanhóis. Por seu turno, as pinturas de Velázquez, Murilo e Goya
mereceiam ser apreciadas. Sobre outros museus, Dom Luciano fez as seguintes
observações: no Museu de Braga, em Portugal, não passa despercebida “a pequena cruz
de ferro da primeira missa no Brasil”; na Grécia, no Museu de Delfos, se destaca a
estátua “Aurige”. Dom Luciano acreditava que o artista grego conseguiu, através dela,
revelar o inexprimível. ” (DUARTE, 1960)
Alguns museus visitados por Dom Luciano
51
Um dos padres intelectuais, que fazia parte dessa elite, lembrou da sua experiência em ter aulas no
Museu do Prado e das suas funções de levar algumas pessoas do Brasil para visitar o Museu( SEIDL,
2009: 9).
Figura 6: Dom Luciano diante do
Museu do Luvre, França, 1956.
Fonte:Acervo IDLD
Figura 4: Dom Luciano e
outro padre diante do Museu
La Plata, Uruguai, 1947.
Fonte: Acervo IDLD
Figura 5: Dom Luciano diante do
Museu do Prado, Espanha,1955.
Fonte: Acervo IDLD
83
Alguns postais da coleção de Dom Luciano
Apesar de Dom Luciano demonstrar o interesse em museus e cultivar o
propósito em preservar objetos sacros antigos nas suas primeiras viagens, a
configuração política que permitiu a criação do MASC se tornou favorável apenas na
década de 1970, quando seu capital cultural, político e religioso era suficiente para
posicionar-se de forma privilegiada neste campo, a ponto de constituir uma
configuração que possa tornar o seu projeto exequível.
Além de ser elevado ao posto de Arcebispo de Aracaju, após o falecimento de
Dom Vicente, em 1970, Dom Luciano acumulou o cargo de membro do Conselho
Federal de Educação. Em 1971, ele renunciou ao cargo de Conselheiro alegando muitos
afazeres, mas em 1974, foi reconduzido ao posto, sendo parabenizado pelos presidentes
do Tribunal de Contas de Sergipe, da Assembléia Legislativa, da Associação Comercial
de Sergipe e da FIES
52
. Ocupou postos de destaque na CNBB e no CELAM. Assim,
possivelmente, a posição favorável ao regime e a crescente influência junto aos
governos federal e estadual, facilitaram a execução de seus projetos, como a criação da
Universidade Federal de Sergipe, no final da década de 1960, e o Museu de Arte
Sacra de São Cristóvão, no início da década seguinte.
Na perspectiva de Dom Luciano Cabral, a criação de um museu de arte sacra em
Sergipe seria uma das estratégias para evitar os constantes roubos e a ação do tempo,
que consumiam as imagens sacras espalhadas em várias cidades sergipanas (DUARTE,
52
Cúria Metropolitana de Aracaju/ Livro de Tombo nº 2, p.175
Figura 7: El Greco,
Metropolitan Museum, EUA,
Fonte: Acervo IDLD
Figura 8: Museu Santa Sofia,
Turquia, 1954
Fonte: Acervo IDLD
Figura 9: L‟ Aurige,
Museu de Delfos, Grécia
Fonte: Acervo IDLD
84
1977: 3). Havia, portanto, um temor que estes bens, construídos ao longo de séculos,
tivessem um destino nefasto. A preocupação deste religioso deve ser levada em
consideração enquanto uma das justificativas plausíveis para seu esforço no
empreendimento de criação do MASC.
Até hoje ocorrem tentativas de subtração de obras de artes no Brasil. Na década
de 1970 este perigo parecia estar evidente. Para Eduardo Etzel (1979: 12) dois fatores
contribuíam para a vulnerabilidade da manutenção de bens religiosos católicos,
principalmente, as imagens sacras e alfaias: A perda da veneração das imagens por parte
da população brasileira, atingida pelo processo de urbanização do interior e influenciada
pelo “pensamento humanista”; e as variadas interpretações das orientações do Concílio
Vaticano II sobre as imagens. Este concílio enfatizou a necessidade da predominância
da figura de Jesus Cristo na comunidade católica. Não contando mais com o olhar
vigilante da população sobre o patrimônio religioso e diante da demanda do mercado
cultural por esses bens, os furtos das igrejas, das capelinhas e dos oratórios na beira das
estradas contribuíam para a dispersão desse patrimônio. Assim, Eduardo Etzel
sentenciou:
Os roubos que são generalizados por todo o país, não de imagens
como de alfaias de ouro e prata, provam que a honestidade dos
guardiões está na fronteira da conivência com os ladrões, pois facilitam
o roubo pela tentação que seu comportamento antiquado provoca. O
clamor público é freqüente. Cada roubo de maior vulto provoca
comentários, acusações e apelos até de altos dignatários da igreja.
(1979: 16)
Quando assumiu a Arquidiocese de Aracaju, em 1971, Dom Luciano aqueceu o
desejo de construir um museu com o objetivo de preservar os bens religiosos da Igreja
Católica em Sergipe. Apesar de existir um acervo no Seminário Menor de Aracaju, que
foi sendo constituído a partir da administração de Dom Fernandes Gomes (1949-57),
Dom Luciano Cabral Duarte empreendeu uma campanha utilizando a imprensa e
acionando agentes, de uma rede social que estava se constituindo, com o propósito de
tornar viável o MASC.
Assim, em 1973, no ano em que completou 25 anos de vida sacerdotal, o
arcebispo de Aracaju inaugurou o Museu de Arte Sacra de São Cristóvão. Este
85
sentimento de perda que aflorou em Dom Luciano, merece ser ponderado, visto que a
sua perseguição à aquisição de recursos culturais e instâncias de consagração não devem
ser desprezados. Como apontou Mário Chagas “o jogo e as regras do jogo entre
esquecimento e memória são alimentados por eles mesmos e que preservação e
destruição, além de complementares, estão sempre a serviço de sujeitos que se
constroem e são construídos por práticas sociais” (2009: 23).
2.3 Uma visita ao museu: história, memória e identidade
Situado na ala esquerda do Convento de São Francisco
53
(figura 10), o Museu de
Arte Sacra da cidade de São Cristóvão, ocupa as instalações da antiga Ordem Terceira
de São Francisco de Assis (figura 11). Parte do seu acervo tem uma íntima relação com
ela. Desde o final do século XVIII este espaço social foi se tornando um ponto de
referência para a sociedade sergipana. Em meados do século XIX, alguns homens
rompiam as fronteiras geográficas intraprovincial para constituírem uma rede social
cujos laços de interdependência eram compostos por demandas simbólicas e materiais.
Moradores dos municípios sergipanos como Itabaiana, Itaporanga e Divina
Pastora buscavam empréstimos financeiros junto à Ordem. Outros invadiam a antiga
capital da Província para participarem da Procissão de Cinzas, realizada pela OTSF no
mês de fevereiro após o Entrudo (carnaval) e outras cerimônias religiosas. Por fim, após
53
Antigo convento Bom Jesus da Glória. Todo complexo é tombado pelo IPHAN, desde a década de 1940
Figura 10: Conjunto São Francisco-SE
Foto: Marcelo Santos, 2008
Figura 11: Fachada do Museu de Arte
Sacra de São Cristóvão-SE
Foto: Marcelo Santos, 2008
86
anos de devoção à São Francisco de Assis, alguns tinham seus corpos depositados sob o
chão da capela, como ocorreu com o capitão-mor Henriques Luis de Araújo e outros
indivíduos não tão distintos, a exemplo de Theodoro Cordeiro Guaraná e Vicente
Mandarino. Tal evidência pode ser constatada pelos visitantes do MASC através das
lápides tumulares existentes na capela, que fazem parte do museu.
De acordo com a Escritura Pública da Fundação Museu de Arte Sacra, consta
ainda uma lápide de mármore datada do início do século XX, com a inscrição do nome
do Frei Raphael M. da Silva
54
. Sobre esta última, não temos maiores detalhes, a não ser
a hipótese de que a mesma provavelmente repousava sobre o lugar, agora vazio,
próximo a outras três sepulturas citadas, diante do altar-mor da capela da Ordem. De
qualquer forma as lápides são evidências materiais que sobreviveram à ação dos homens
e do tempo como documentos que evocam memórias e histórias.
As três lápides podem ser concebidas, simbolicamente, como marcos de três
momentos da história da Ordem Terceira de São Francisco de Assis
55
. A do capitão-
mor, Henrique Luis, lança luz sobre uma fase da ordem em que os empréstimos
financeiros aos irmãos foram mais frequentes e abundantes. No último quartel do século
XVIII, homens que precisavam desenvolver seus negócios, normalmente voltados para
a produção de açúcar, recorriam aos empréstimos financeiros oferecidos pela Ordem.
a lápide do pardo Theodoro Cordeiro Guaraná rememora uma fase de tentativa de
retomada do apogeu anterior, da qual, na condição de um dos administradores, ele fez
parte. Este período está situado em meados do século XIX.
Até o final de 1870 um grupo de homens abastados, em sua maioria, brancos,
proprietários de terras e comerciantes tinham seu lugar reservado na Ordem Terceira.
Distinguiam-se, por critérios étnicos-raciais e econômicos, dos negros que
frequentavam a Irmandade dos Homens Pretos do Rosário, instalada na Igreja de Nossa
Senhora do Rosário, localizado à algumas quadras da Praça São Francisco. De uma
forma geral, além de demandas materiais, a distinção social era um dos fatores que
54
Na Escritura Pública do MASC, feita em 1985, consta, sob o número 110, uma lápide de Frei Raphael
M. da Silva, mármore do início do século XX como um bem pertencente ao Museu. Cf:ARQUIVO
UFS/PROEX/Dossiê MASC/
55
Apesar de adotarmos uma leitura metafórica dos objetos que se segue, conforme apontou Ulpiano de
Meneses (1992:7), nos vigiamos a partir de trabalhos que anteriormente (SANTOS, 2001; SANTOS,
2008)
87
justificam a sobrevivência dessas associações religiosas cujas origens remontam à Baixa
Idade Média europeia.
As lápides no chão da capela testemunham vivências religiosas de agrupamentos
humanos ao longo de centenas de anos, nem tantas. Inserida no campo religioso
sancristovense, a Ordem Terceira de São Francisco de Assis ocupava uma posição de
destaque na sociedade sancristovense devido ao capital simbólico de seus membros ser
superior, por exemplo, aos de integrantes das irmandades do Rosário e aos de Nossa
Senhora do Amparo, composta por homens pretos e pardos, respectivamente.
A lápide de Vicente Mandarino testemunha a total decadência da instituição na
década de 1880. A ausência da lápide do Frei Raphael M. da Silva, do início do século
XX, pode ser percebida como uma alegoria à fase em que as instalações da ordem foram
utilizadas por outros habitantes, não mais pelos terceiros franciscanos, com outros fins.
Neste espaço, ao longo do século XX, outras sociabilidades podem ser percebidas.
Dentre os usos profanos e sagrados, as imagens de religiosas cuidando de doentes e as
aulas de catecismo das crianças e jovens são lembradas através do depoimento de uma
das moradoras da cidade, frequentadora dessas aulas e uma das mais antigas
funcionárias do MASC
56
.
Assim, utilizando metaforicamente as lápides citadas, chegamos no final da
década de 1960 com o monumento deteriorado nas mãos do Governo do Estado de
Sergipe, cuja posse pode ser atribuída à força das determinações do Concílio Vaticano
II, que não estava suportando o peso dos mosteiros e instituições inoperantes.
Entretanto, no limiar da década de 1970 a Arquidiocese de Aracaju readquire o prédio e,
dentre outras providências, ergue o Museu de Arte Sacra de São Cristóvão, inaugurado
em 2 de setembro de 1973
57
. Este, nos seus primeiros anos, enfrentou desafios no que se
refere à constituição do acervo e manutenção do prédio.
Aliás, problemas enfrentados por grande parte das instituições museológicas
brasileiras instituídas em meio à tantos interesses, como já frisamos no capítulo anterior.
Porém, ao longo dos anos, uma configuração de agentes sociais utilizaram estratégias
56
Entrevista concedida em agosto de 2009. Uma outra funcionária afirma que neste espaço funcionava
um hospital em que freiras cuidavam de enfermos. Entrevista em 18 de setembro de 2009.
57
Gazeta de Sergipe, 2 e 3de setembro de 1973.
88
para torná-lo singular no campo do patrimônio sergipano. A instituição e o seu acervo
foram se tornando, por conta de algumas práticas próprias da configuração da
museologia nacional, uma referência material sobre a história, a memória e a identidade
sergipanas.
Antes de entrar no MASC e ver as lápides tumulares, o visitante pode observar,
no frontão localizado na parte superior da porta de entrada, o brasão da ordem
franciscana. Este retrata os braços de Cristo e de São Francisco cruzados, além do
cordão alusivo aos votos de pobreza, castidade e obediência que os aspirantes à ordem
deveriam seguir. Sobre este brasão, encontra-se uma coroa, que por conta dos ramos de
fumo e de café representados nas laterais, são indícios do poder simbólico do Imperador
D. Pedro I e das relações estreitas mantidas entre o poder civil e o religioso.
Logo após cruzar a recepção, tem-se pendurado em uma das paredes
58
, o
Compêndio dos Exercícios da Venerável Ordem Terceira de São Francisco, de 1687.
Em madeira pintada, ele traz uma série de recomendações, proibições e benefícios para
os irmãos, como, por exemplo: acompanhar os irmãos falecidos; ser obediente, e sujeito
“as justiças seculares”; ganhar indulgência plena ao se enterrar com o hábito do Santo,
dentre outros. Este documento tem duas ilustrações coloridas, em uma delas, a do centro
superior do documento, destaca-se a representação de São Francisco de Assis recebendo
as chagas (figura 12).
58
A localização dos objetos e outros elementos da exposição do MASC, quando citados, tem como
referência a disposição dos mesmos durantes nossas visitas entre 2008 e nos primeiros meses de 2010.
Figura 12: Compêndio dos Franciscanos
Fonte: Acervo/MASC
89
Após a recepção, o visitante entra em contato com uma série de telas, óleo sobre
madeira, atribuídas ao pintor pardo José Theófilo de Jesus. Este artista baiano
desenvolveu diversos trabalhos em igrejas nos municípios sergipanos, como em Nossa
Senhora do Socorro e Divina Pastora. Continuando o percurso, na “sala do Arcaz”
59
o
visitante encontra um lavabo, de pedra calcária, datado de 1725, com grande riqueza de
detalhes, típicos do barroco, trazendo o brasão dos terceiros franciscanos. Seguindo o
roteiro, é possível penetrar na capela da Ordem, onde se encontram as lápides
anteriormente comentadas. Trata-se de um dos lugares mais destacados pelos
“acompanhantes”
60
do MASC, principalmente pela pintura do teto atribuída a discípulos
do artista citado.
Ao indagarmos uma das ex-diretoras sobre a importância do MASC, ela afirmou
que o museu nos mostra a grandeza da humanidade, nos permite reconhecer a nossa
origem comum
61
, referindo-se principalmente à capela. Este espaço pode ser
considerado uma das imagens mais divulgadas do Museu. Assim, por exemplo,
milhares de exemplares de cartões telefônicos, catálogos do Museu
62
, cartões postais,
panfletos turísticos e notícias de jornais ajudaram a publicizar, mais ainda, esta capela,
conforme é possível verificar abaixo (figuras 13 e 14):
59
A denominação é utilizada desde os primeiros anos de atividade do MASC. Antiga sacristia da Ordem
Terceira, ela recebeu este nome por ter “uma velha moda em cedro e jacarandá, com características
bem marcantes da arte do século XVII” Cf: SOUZA, Wilma Alves de; SANTOS, Rosália dos. Museu de
Arte Sacra. Aracaju: UFS, 1976.p.11.
60
Denominação dada por uma das diretoras do MASC aos estagiários e funcionários que têm a função de
guia ou monitor dos visitantes do museu, além de executoras de outras atividades. Elas serão abordadas
no capítulo seguinte.
61
Entrevista concedida pela diretora F em 2009.
62
A divulgação dos museus através de cartões telefônicos, não foi privilégio apenas do MASC, outros
museus brasileiros também foram divulgados através deste meio, a exemplo do Museu Nacional, Museu
de Arte Sacra da Boa Morte (2001; 250 mil exemplares, operadora telegoiás). Apesar da curiosidade, não
enveredamos em saber quais os critérios foram utilizados para a escolha de determinados museus, e
exclusão de outros. http://todaoferta.uol.com.br/comprar/-telegoias-museu-de-arte-sacra-boa-morte-
completa-CWUGTLAFT4. Acessado em agosto de 2010.
90
Continuando o percurso, na ala direita da capela da ordem estão localizados os
ossuários pertencentes aos religiosos franciscanos. Por concessão dos terceiros, estes
religiosos foram autorizados a construírem os túmulos no espaço dos leigos. Em troca
os terceiros obtiveram autorização para poder abrir duas tribunas para assistirem as
festividades que os frades franciscanos realizavam na sua igreja
63
. Esta explicação é
pertinente haja vista ser comum a informação, equivocada, que atribui a posse dos
ossuários aos irmãos da Ordem Terceira. Aproveitando-se destes ossuários e inserindo
objetos como a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte
64
e uma imagem grande do
Cristo crucificado, formou-se um ambiente que recebeu o título de “Sala dos túmulos”.
63
AJES/ Diversificada/ Livro da OTSF.
64
Trata-se de uma imagem tomada de empréstimo ao Convento do Carmo, localizado em São Cristóvão.
Figura 13: Cartão telefônico.f.v
Fonte: Telemar
Figura 14: Cartão Postal.
Fonte: IDLD/Gráficos Brunner
91
Logo, a celebração da vida e da esperança, lembrada no ambiente da capela, cede lugar
para a lembrança da morte, destino de todos os homens. Um dos “acompanhantes” do
MASC relatou o desconforto de algumas pessoas que visitam esta sala de exposição
65
.
Destaca-se na arquitetura do museu a existência de “conversadeiras”, espécie de
bancos, junto às janelas nos pisos inferior e superior. Excluindo o espaço da capela,
percebe-se que os outros espaços ficavam reservados a longos diálogos, encontros e
negócios estabelecidos entre os terceiros franciscanos. Eram espaços de reunião, para
tratar de assuntos relacionados à organização de festas e rituais religiosos, como a
tradicional procissão de Cinzas, e de conversas relativas às atividades administrativas
como a gestão do patrimônio da instituição. Percebe-se, portanto, que as dependências
deste edifício foram utilizadas tanto para o desenvolvimento de atividades religiosas
como civis.
A descrição de aspectos arquitetônicos e do ambiente do museu, baseado na
exposição permanente elaborada em 2005, na parca produção acadêmica sobre o tema e
em fontes primárias, procurou apontar como a arquitetura do MASC pode revelar
histórias, memórias e apontar experiências sobre a religiosidade dos sergipanos de
outrora. O aproveitamento de bens tombados, principalmente das igrejas, para a
instalação de museus é uma das características do campo do patrimônio brasileiro. São
diversos os exemplos que se espalham pelo Brasil
66
. Logo, a preocupação de narrar a
história religiosa através da arquitetura e dos objetos foi publicizada pelo MASC,
através de um dos seus catálogos. Neste sentido Eurico Amado, colaborador do catálogo
de 1984, assim se expressou:
Um museu não é um mero depósito, uma coisa morta, um repositário
de memórias inúteis. Tem que ser algo vivo, capaz de reproduzir com
a maior fidelidade possível, além dos objetos expostos, a atmosfera, o
clima em que eles se inseriam. Um museu deve ser uma recriação. No
caso: uma recriação de momentos da história do nosso povo no que
tange à religiosidade. (1984: 13)
65
A nossa „acompanhante‟ relata o caso de um visitante que se identificou como seguidor do espiritismo
que se sentiu mal no referido espaço. Entrevista da funcionária 1 concedida em 18 de agosto de 2009.
66
Podem ser incluídos também casarões e palácios antigos, notadamente, os tombados nos âmbitos
municipal, estadual e federal. CF: LOURENÇO, Maria Cecília França. Guia de Museus Brasileiros. São
Paulo: Edusp, 2000.
92
De acordo com Eurico Amado, o MASC possibilita o conhecimento das raízes
brasileiras e a praça aonde ele se encontra fornece aos visitantes a convivência com “as
primeiras raízes da nacionalidade (1984: 15). As reflexões sobre a constituição de
identidades individuais e coletivas são suscitadas pela arquitetura e pelo acervo do
MASC. Sob esta inspiração alguns visitantes do museu fizeram os seguintes registros:
“O convento de São Francisco reflete a generosidade do povo sergipano e representa
uma permanente prece a Deus Onipotente pelo bem estar social do povo brasileiro”,
destacou um visitante em 1976. Já em 1981, um outro visitante afirmou que “a visita a
este museu emociona a quem quer que, com sentimento cristão, nele, veja retratada
parte da nossa magnífica história religiosa”. Por fim, em 1987 outro visitante fez a
seguinte afirmação: “a visita causou-me profunda alegria pelo meu reencontro {...} a
minha infância em colégio dos Franciscanos, no Ceará”.
67
Como apontaram a socióloga Myriam Sepúlveda e o antropólogo Mário Chagas
(2007), os indivíduos constroem suas identidades com o uso da memória e os museus
são instituições que lidam com a construção da memória. Para a historiadora Loiva
Otero Félix, “a identidade associa-se também aos espaços, onde está fixada a lembrança
de lugares e objetos presentes nas memórias, como organizadores referenciais
identitários” (1998: 42).
Neste sentido, na representação dos visitantes do Museu, a arquitetura e o acervo
do MASC se constituem em indicativos patrimoniais da identidade religiosa do
sergipano, um povo cristão e generoso, conforme relatos contidos nos documentos
consultados, a exemplo do Livro de Impressões do Museu. De acordo com a mensagem
posta para circular no catálogo do MASC de 2005, “visitar o museu é, portanto, voltar
às origens e sentir, no silêncio das paredes três vezes seculares da Capela, o palpitar da
fé de um povo”
68
.
2.4 O lugar do Museu
A escolha das instalações da antiga Ordem Terceira para abrigar um museu pode
ser resultado de diferentes interesses. O primeiro nos leva a acreditar que se tratava de
atender a uma das condições colocadas pelo Governo do Estado de Sergipe para
67
MASC/ Livro de Impressões (1974-2010).
68
Catálogo do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão. MASC/PETROBRAS/MIC, 2005, p.23
93
concluir as negociações no sentido de devolver à Igreja Católica, em particular a
Arquidiocese de Aracaju, o convento que lhe foi vendido pelo arcebispo Dom José
Vicente Távora, devido ao reduzido número de frades franciscanos que ali moravam,
em 1969. É provável que a atitude deste religioso de se desfazer do convento fora
influenciada pelas orientações do Concílio Vaticano II, que instruía a proibição de
funcionamento de institutos e mosteiros “decadentes” nos quais o houvessem
esperanças que viessem a florescer posteriormente
69
.
Assim, em 1971, quando Dom Luciano Cabral Duarte se tornou arcebispo de
Aracaju procurou o governador Paulo Barreto para readquirir o convento. Como
condição de fazer a transferência, o governo do Estado estabeleceu um acordo no qual a
Arquidiocese providenciaria a criação de um museu. Como consequência, em 1972, por
solicitação de Dom Luciano ao governador, a Superintendência de Obras Públicas do
Estado de Sergipe (SUDOPE) realizou a restauração e adaptação necessárias
70
para a
instalação do museu. Logo, num primeiro momento o museu viria a atender as ações do
governo estadual no campo cultural.
Acreditamos que a opção por São Cristóvão e pelas instalações da antiga Ordem
Terceira de São Cristóvão para a instalação do MASC fez parte de uma estratégia de
Dom Luciano para atender aos diversos interesses que esta escolha poderia contemplar.
Aproximando-se do modelo do Museu de Arte Sacra da Bahia, criado poucos anos
antes, conforme citamos. Entretanto, o fato da maioria dos museus de arte sacra estar
instalados em igrejas barrocas até o início da década 1980, conforme nos informa
Eduardo Etzel (1979), não deve ser ignorado. Esta seria outra motivação que justificaria
o espaço de instalação do MASC,
De acordo com a primeira diretora do MASC, Wilma Alves, em 1972 houve
uma reunião em Brasília em que foi sugerido que o Programa de Reconstrução das
Cidades Históricas, arquitetado pelo governo do Presidente Médici, começasse em
Sergipe com a inauguração de um museu. Tendo tomado conhecimento deste fato
através da imprensa, ela afirmou que a ideia do museu “era uma preocupação muito
69
Decreto Perfectae Caritis sobre a conveniente renovação da vida religiosa. Em: COSTA, Lourenço
(org.). Documentos do Concílio Vaticano II (1962-1965).São Paulo: Paulos, 1997, p.292
70
SOUTELO, Luiz Fernando Ribeiro. O Museu de Arte Sacra. UFS Notícias, Outubro de 1981, Ed.
Especial nº9, p.9-10.
94
forte de Dom Luciano, como bom sergipano, e ele estava nisso”
71
. Assim, um museu
em São Cristóvão estaria contemplado nos planos federais de intervenção e
desenvolvimento da cultura durante a ditadura
72
. Da mesma forma, a condição de cessão
do convento pelo governo estadual estaria atendida. Finalmente, o acervo guardado no
Seminário, em Aracaju, poderia ser mais bem preservado e outros bens poderiam ser
integrados e protegidos num espaço adequado.
O Museu de Arte Sacra foi inaugurado durante a programação do II Festival de
Artes de São Cristóvão. Dentre outras autoridades estava o Ministro do Planejamento
João Paulo dos Reis Veloso, que percorreu as instalações do MASC, acompanhado por
Dom Luciano, e visitou o museu particular de Lourival Batista (figura 15). O arcebispo
destacou a participação do governo estadual na realização do Festival e na criação do
MASC. Chamou atenção para o fato do Nordeste contribuir para o desenvolvimento do
turismo nacional com a implantação do Programa de Reconstrução das Cidades
Históricas do governo federal
73
.
71
Entrevista de Wilma Alves apud: MORAIS, Gizelda. Dom Luciano Cabral Duarte: relato biográfico.
Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade, 2008, p.308.
72
um documento apógrafo que atribui a indicação de se implantar o museu nas instalações da Ordem
a uma comissão nomeada pelo presidente Médici, através da SEPLAN, em 1973. Este documento, pelas
informações contidas, apresenta fortes indícios de ser uma das versões do catálogo produzido em 1981
pelo MASC. CF: ARQUIVO UFS/PROEX/Dossiê MASC/ Breve Histórico fornecido a título de
contribuição para conhecimento do “Museu de Arte Sacra” de São Cristóvão.
73
Jornal da Cidade, 4 de setembro de 1973, p.2.
Figura 15: Dom Luciano e o Ministro
Reis Veloso: inauguração do MASC
Fonte: Gazeta de Sergipe, 4 de set. 1973
95
Esta obra foi a primeira a ser inaugurada no Estado dentro desse programa
74
. Na
cerimônia, também esteve presente o governador Paulo Barreto de Menezes, a quem
Dom Luciano destacou o esforço para a criação do MASC. É ao poder público -
municipal, estadual e federal- que os responsáveis pelo MASC recorreram ao longo da
sua história para a manutenção e desenvolvimento da instituição. Entretanto, nesta
relação de interdependência os conflitos de interesses não deixaram de existir, conforme
verificaremos em seguida.
O propósito de preservação e exposição de bens materiais representativos da
identidade religiosa dos sergipanos, defendido pelos agentes do MASC, confronta-se,
não raro, com os interesses políticos e turísticos dos poderes anteriormente citados.
Contudo, o trânsito de Dom Luciano e alguns diretores da instituição nestes campos
possibilitou a “costura” da rede social que reduziu os conflitos e garantiu a continuidade
do MASC.
Dom Luciano conseguiu constituir um grupo de intelectuais e políticos
simpáticos as suas ideias, dentre elas a criação e a manutenção do MASC. Ao destacar a
criação do Museu e a rede social que foi constituída para tornar possível o projeto, o ex-
governador Paulo Barreto de Meneses afirmou que Dom Luciano “sabia cativar as
pessoas que tinham convívio com ele. Quantas pessoas consolidaram a sua fé no
cristianismo por causa dele” (Apud MORAIS, 2008: 309). Além de Paulo Barreto,
outros políticos, como Lourival Batista, e intelectuais, a exemplo de Eurico Amado,
fizeram parte da rede formada por Dom Luciano que colaborou para destacar o MASC
no campo cultural. Seguem, assim, esboços biográficos de alguns destes agentes.
Nestes, elegemos como principal característica a ser analisada a participação de alguns
destes agentes no campo cultural sergipano.
74
Gazeta de Sergipe, 4 de setembro de 1973, p1.
96
Figura 16: Dom Luciano recebendo o título
de comendador pelo Presidente Médici-
Brasília, Palácio Itamarati (1974)
Fonte: Acervo IDLC
2.5 Construindo a teia
Após o governo de Celso de Carvalho (1964-1967), Lourival Batista deu
continuidade à sequência de governos militares no Estado de Sergipe. Médico, este
baiano, nascido em 1915, iniciou sua vida pública na cidade de São Cristóvão, onde foi
prefeito (1951-1954). Ocupou cargos de deputado Estadual (1947-1951) e de deputado
Federal (1959-1962 e 1964-1967) e senador (1970-1987). Lourival Batista foi indicado
pelo presidente da República Castelo Branco para governar Sergipe. Assumiu as
funções em janeiro de 1967 enfrentando dificuldades na política interna, pois procurava
contemplar rias forças políticas. Durante seu governo, em 1968, como consequência
do AI-5 (Ato Institucional n.º 5), estudantes, políticos e intelectuais foram investigados,
presos e/ou processados. Com a máquina pública fortalecida e com a facilidade de
recursos, Lourival Batista, na condição de governador, realizou obras significativas, a
exemplo da construção de um Estádio de Futebol, um edifício de 28 andares, colégios,
grupos escolares, rodovias, conjunto habitacional, dentre outras obras. Sob o governo de
Médici, Lourival Batista renunciou, em 1970, para concorrer a uma vaga no Senado.
(DANTAS, 1997: 179-187).
Em 1972, no seu primeiro mandato como senador, Lourival Batista demonstrou
a sua ação em defesa do patrimônio cultural sergipano. Neste ano, a Universidade
Federal de Sergipe realizou o I Festival de Arte de São Cristóvão (FASC)
75
. Nos
75
O FASC surgiu como uma proposta de extensão universitária e de incentivo ao turismo cultural,
preocupando-se também com a preservação do patrimônio cultural (SÁ, 1995: 74).
97
preparativos para o Festival, o senador utilizou a tribuna para destacar os realizadores e
algumas das atividades que seriam desenvolvidas
76
. Afirmou que se tratava de um
evento possibilitador do incremento do turismo no Nordeste
77
. Seu discurso coadunava
com a vontade do governo federal da época em desenvolver a área do turismo no Brasil.
Este discurso foi um dos carros-chefe da propaganda do regime militar, conforme pode
ser verificado no capítulo anterior. O FASC procurou, ao longo de suas edições,
incentivar o turismo e valorizar as tradições culturais. Após a sua criação o MASC se
tornou mais um atrativo turístico para os que visitavam a cidade de São Cristóvão.
As ações em defesa da cultura desenvolvidas por Lourival Batista e em especial
do MASC, foram reconhecidas e elogiadas, em 1977, por visitantes do Museu. Um dos
quais fez a seguinte afirmação: “Pensei que era exagero do meu amigo Lourival mas o
museu superou de muito a nossa expectativa. Meus parabéns{sic} S. Cristóvão”
78
.
Pode-se apreender do relato em apreço que a relevância do MASC ter como aliados
políticos reconhecidos, em nível federal, foi o fato de eles promoverem a divulgação da
instituição junto a seus pares e à população em geral, bem como facilitar o acesso aos
financiamentos federais para a sua manutenção, quando necessário.
Em contrapartida, as autoridades públicas colaboradoras do MASC ao receber
outras autoridades, nacionais ou internacionais, incluíam o Museu como um dos itens
do cerimonial governamental. Era uma estratégia do governo de demonstrar aos
visitantes as suas preocupações com a cultura. Neste sentido, Lourival Batista se
afirmou, pela sua trajetória política na cidade de São Cristóvão e pelo interesse em
preservar o patrimônio histórico, como um agente importante na formação da
configuração que garantiu a criação e a manutenção do MASC.
Apesar de serem evidentes as vantagens políticas que o apoio ao MASC poderia
render, não podemos desprezar o gosto pessoal de Lourival Batista por museus. Isto
pode ser constatado pelo fato de ele ter, na cidade, um museu particular, que a exemplo
do MASC, recebeu pessoas consideradas ilustres. Assim, no final da década de 1960, o
76
Jornal O Dia, São Paulo, 15 de Agosto de 1972. Apud: SÁ, Antônio Fernando de Araújo. O I FASC e a
Política Cultural do Estado Autoritário. Cadernos da UFS. História 1. Aracaju, UFS, Depto de
História/EDUFS, 1995. p.74
77
Jornal do Brasil, 15-08-1972. Apud: SÁ, Antônio Fernando de Araújo. O I FASC e a Política Cultural
do Estado Autoritário. Cadernos da UFS. História 1. Aracaju, UFS, Depto de História/EDUFS, 1995.
78
MASC/Livro de Impressões (1974-2010), 1977.
98
museu de Lourival Batista recebeu a visita do cantor Ronnie Von, reconhecido
nacionalmente (figura 17).
Após visitar igrejas e inaugurar o MASC durante o II FASC, em 1973, o
Ministro do Planejamento Reis Veloso, juntamente com outras autoridades, dentre elas
o governador Paulo Barreto, foi mais um ilustre a visitar o museu particular de Lourival
Batista
79
. De acordo com uma das primeiras diretoras do MASC, o museu de Lourival
era um “museu de tudo”, “ele tinha mania de colecionar”
80
. É considerável o número de
objetos e outros documentos acumulados por Lourival Batista ao longo de sua carreira
política
81
. Neste sentido, este político manteve uma relação íntima com a prática da
conservação, do colecionismo, se distinguindo entre seus pares. Tal prática o fazia ser
um dos principais defensores do MASC, além das relações de amizade que mantinha
com os agentes do museu, principalmente com Dom Luciano, e a ligação política que
existia com a cidade de São Cristóvão.
Em um dos seus pronunciamentos no Congresso Nacional, em 1980, o senador
Lourival Batista, então no seu segundo mandato, destacou a importância histórica da
cidade de São Cristóvão. Reafirmou suas constantes reivindicações junto ao SPHAN em
defesa deste patrimônio, agredido pela ação do tempo e pela poluição ambiental,
79
Gazeta de Sergipe, 4 de setembro de 1973, p1.
80
Entrevista concedida pela diretora B, realizada na cidade de Aracaju em 19 de maio de 2010.
81
Este acervo, do qual tivemos acesso, encontra-se no Memorial da Universidade Tiradentes, na cidade
de Aracaju.
Figura 17: Lourival Batista recebendo o cantor
Ronnie Von e acompanhantes no seu museu
particular
Fonte: Acervo Memorial Lourival Batista UNIT
99
fenômenos que atingiam as raras cidades coloniais brasileiras, complementou o
parlamentar. Discorreu sobre o andamento dos trabalhos de restauração do Convento
São Francisco e do teto da Capela da Ordem Terceira. Chamou atenção para a
existência do MASC, neste espaço, cujo acervo é composto por peças de valor
inestimáveis. Nele, afirmou o senador, “se evoca a riqueza artística que Sergipe guarda
nos seus quatro séculos de tradição e fé”. Concluiu fazendo elogios aos trabalhos
realizados pela restauradora Eliane Maria Silveira Fonseca Carvalho que, em função de
suas atribuições sofreu um acidente. Afirmou também que ela era merecedora de
“reconhecimento especial pela capacidade, valor e dedicação como vem contribuindo
para o sucesso integral das obras e serviços de restauração do Convento São Francisco
precioso relicário das tradições históricas, da fé e da cultura do Brasil”
82
.
O reconhecimento do esforço de Lourival Batista em defesa do MASC foi
registrado por um dos visitantes nos seguintes termos :“O Museu de S. Cristóvão fica de
modo indelevel {...} sua simplicidade, beleza e grandiosidade artística. Sinto-me feliz
de meu colega Lourival Batista que soube tão bem manter a nossa brasilidade”
83
.
Acrescenta-se, ainda, além da utilização da imprensa e da tribuna, o esforço de Lourival
Batista, principalmente no seu terceiro mandato de senador (1987-1995), em contribuir
para divulgar o patrimônio de São Cristóvão através do patrocínio para a publicação de
um catálogo. Este se insere no âmbito das comemorações dos 400 anos da cidade de
São Cristóvão, em 1989. Na apresentação do trabalho Lourival Batista fez um balanço
da sua atuação política e cultural nos seguintes termos:
É para mim, que me considero filho adotivo de São Cristóvão, onde
aportei nos idos de 1943, criei meus filhos e, pela generosidade dos
seus habitantes, principiei minha vida pública, inicialmente como
médico, depois Deputado Estadual, Prefeito, Deputado Federal,
Governador e, atualmente, Senador no terceiro mandato e{sic} uma
grande satisfação patrocinar a impressão deste folheto ilustrativo dos
bens culturais e históricos desta cidade que completa o seu quarto
centenário e da qual guardo e cultivo profunda afeição, recordações e
raízes. (Catálogo de 1989, p.5)
82
Diário do Congresso Nacional, Seção II, maio de 1980. Em 15 de maio de 1980, o programa
radiofônico a Voz do Brasil, divulga este mesmo discurso.
83
MASC/Livro de Impressões (1974-2010).
100
As relações entre Lourival Batista, um dos principais patronos do MASC, e Dom
Luciano Cabral Duarte, idealizador da instituição, eram muito próximas. Para uma das
primeiras diretoras do MASC, Lourival Batista cumpriu o papel de ser o “facilitador das
pegadas” de Dom Luciano
84
. Em atos oficiais e eventos sociais não eram raros os
momentos em que os dois estavam próximos, defendendo ideias relacionadas ao
campo cultural e educacional
85
. Na posse de Dom Luciano, no Conselho Diretor da
UFS, os dois não deixaram passar a oportunidade para o estreitamento e solidificação
dos laços que os uniam. Na ocasião, o governador Lourival Batista lembrou a sua
intervenção direta junto ao presidente, Marechal Humberto Alencar Castelo Branco e ao
Ministro da Educação e Cultura, professor Raymundo Moniz, para a concretização da
criação da Fundação Universidade Federal de Sergipe. Finalizou o seu discurso rogando
a Deus para que concedesse aos conselheiros a eficiência, a justiça e o equilíbrio como
algumas das qualidades que eles deveriam ter
86
.
Figura 18: Reunião do Conselho Diretor da UFS (1967). Em
destaque Dom Luciano. À direita, próximo à porta, Lourival
Batista.
Fonte: Acervo IDLD
Entre 1964 à 1982 a presença do Estado no campo cultural era forte. Portanto, a
reorientação política perseguida pelos militares ocorreu também na esfera cultural
conforme apontamos no primeiro capítulo. Durante o regime militar também houve a
84
Entrevista da diretora B realizada em 19 de maio de 2010
85
Em 1978 Dom Luciano, reconheceu a sua amizade com Lourival Batista, inclusive, dividiu com ele a
iniciativa da criação da “Promoção do Homem do Campo de Sergipe” (PRHOCASE). Cf:Memorial de
Sergipe/ Instituto Lourival Batista. Dedicatória. CF: REVISTA DOS 25 ANOS DE SACERDOCIO DE
DOM LUCIANO JOSÉ CABRAL DUARTE, 1968-1978. Rio de Janeiro: Gráfica Ollimpica
Editora/ETFSE/Governo do Estado de Sergipe. 1974; 10 ANOS DA PRHOCASE. Aracaju: Sociedade
Sergipana de Cultura. 1978.
86
Memorial de Sergipe/Pronunciamentos do governador Lourival Batista- 1967-1970- solenidade de
posse do conselho da UFS, 20 de junho. P.25 -28.
101
ampliação do ensino superior. Em Sergipe, a Universidade Federal de Sergipe (UFS) foi
criada, em 1967, seguindo o modelo de Fundação, conforme os desígnios de Dom
Luciano, apoiado por Lourival Batista e de acordo com a orientação do Ministério da
Educação (MEC). Apesar de “alguns setores de esquerda” contrários ao governo serem
favoráveis ao modelo de autarquia, diante do receio de uma possível privatização.
Finalmente a UFS foi inaugurada em 1968, o que possibilitou um novo rumo no ensino
superior em Sergipe (DANTAS, 2004: 211).
A Universidade Federal de Sergipe e o Governo do Estado se tornaram
parceiros do MASC em 1974, através de um convênio de cooperação
87
. Neste processo
a UFS reconheceu a importância do Museu para “incentivar o interesse pela arte sacra,
especialmente a arte religiosa brasileira” e “promover e estimular as pesquisas e cursos
de extensão da UFS”
88
e por isso, “o museu seria confiado à administração das três
forças capazes de representar o povo e incentivar e desenvolver o gosto pela
preservação de sua memória”
89
: a Igreja Católica, o Estado e a Universidade Federal de
Sergipe.
A união da Igreja e do Estado na formação de museus não foi realizada apenas
em Sergipe. O Museu de Arte Sacra da Universidade da Bahia (UFBA) (1958) e o
Museu de Arte Sacra de São Paulo (1970) são exemplos de instituições cuja formação
resulta de acordos e convênios entre esses entes. De acordo com o reitor da UFBA,
Naomar Monteiro de Almeida, o Museu de Arte Sacra da Bahia (MAS)
resultou de intricada obra de engenharia política, no que o Reitor
Edgar Santos era mestre, agregando interesses da Arquidiocese de
Salvador, dos governos estadual e federal e do próprio corpo docente
da UFBA, sedento por espaços de aprendizagem fomentadores da
autonomia pedagógica. (2008: 10)
Além de Lourival Batista, outros políticos fizeram parte da configuração social
do campo do patrimônio cultural sergipano e contribuíram para a manutenção do
MASC. Assim, após a renúncia de Lourival Batista, em 1970, assumiu o governo do
87
ARQUIVO UFS/PROEX/Termo de Convênio, 14 de abril de 1974 e Regimento do Museu de Arte
Sacra de São Cristóvão
88
ARQUIVO CENTRAL DA UFS/Regimento do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão,fl. 2.
89
ARQUIVO CENTRAL DA UFS/Dossiê Museu de Arte Sacra.
102
Estado o presidente da Assembleia Wolney Leal de Melo. Em seguida, no mesmo ano,
João Andrade Garcez foi escolhido pelo general Médici como o novo governador. No
governo de João Andrade Garcez “tentou-se renovar o setor educacional e desenvolveu
ação cultural, voltada sobretudo para preservação da documentação do Arquivo Público
e dos monumentos tombados pelo Patrimônio Histórico”. Foi neste governo que,
subordinado à Secretaria de Educação, o Departamento de Cultura e Patrimônio
Histórico e o Conselho de Cultura passaram a funcionar. Ressaltamos que este
departamento se constituíra como um dos principais órgãos responsáveis por possibilitar
a captação de recursos financeiros para o MASC. Nesse mesmo governo, o acervo do
Arquivo Público do Estado de Sergipe (APES) teve uma atenção mais digna.
(DANTAS, 2004: 215)
No ano seguinte, o governador nomeado foi o engenheiro civil Paulo Barreto de
Menezes (1971-1975). A ascensão deste governador é considerada o “ápice do ideário
autoritário”, de acordo com o cientista político Ibarê Dantas. De uma forma geral, Paulo
Barreto procurou atender as diretrizes do governo federal. No campo econômico,
exibindo o otimismo da época, iniciou a implantação do Distrito Industrial de Aracaju,
criou a empresa de telefonia sergipana (Telegipe) e expandiu a energia elétrica para o
interior do Estado. Sua administração foi marcada, também, pela presença de técnicos
ocupando posições significativas na estrutura burocrática. (DANTAS, 2004: 188-91).
Foi no governo de Paulo Barreto que ocorreu a criação do Museu de Arte Sacra
de São Cristóvão, considerada por ele como uma obra “das mais bonitas de Sergipe”
90
.
O governador se tornou um dos principais defensores do MASC. De acordo com o
convênio de cooperação citado anteriormente, a Universidade Federal de Sergipe se
obrigaria a administrar o MASC, a Arquidiocese de Aracaju deveria continuar obtendo
imagens e objetos sacros para a formação do acervo. Por sua vez, o governo do Estado
ficaria responsável pela segurança e disponibilização de pessoal para a administração do
Museu.
Observando a estrutura administrativa de instituições museológicas brasileiras
do gênero percebe-se que o estabelecimento de convênio é uma prática comum
90
Paulo Barreto. Apud: MORAIS, Gizelda. Dom Luciano Cabral Duarte: relato biográfico. Aracaju:
Gráfica Editora J. Andrade, 2008. p.309.
103
(LOURENÇO, 2000). No caso do MASC, a partir de 1985 a UFS não fez mais parte do
convênio. Desde então a instituição é administrada pela Fundação Museu de Arte Sacra.
Contudo, o Governo do Estado de Sergipe e a Prefeitura de São Cristóvão continuaram
apoiando o museu, principalmente com a disponibilização de funcionários dos seus
quadros efetivos ou contratados.
Figura 19: Dom Luciano e o governador Paulo Barreto (1973)
Homenagem 25 anos de vida sacerdotal- Conservatório de Música
Fonte: Acervo IDLD
Poderíamos continuar citando nomes e feitos ou dos governantes que
contribuíram para a manutenção do MASC ao longo da sua história, mas, o que
queremos evidenciar é que a rede social formada para criar e manter o MASC incluiu
agentes ligados ao campo religioso, político e cultural, confirmando através de algumas
evidências o que colocarmos de uma forma mais ampla no capítulo precedente, ou seja,
a interdependência dos agentes situados no campo do patrimônio em relação à outros
campos no que diz respeito a criação e manutenção dos museus.
2.6 A década dos museus
A institucionalização do MASC foi realizada no início da década de 1970,
momento em que, no âmbito nacional, existiu um esforço de se estruturar uma política
cultural, na qual os museus deveriam estar inseridos. Em 1976, o Ministério da
Educação e Cultura lançou a Política Nacional de Cultura. A proposta do governo
104
federal era valorizar a “cultura nacional”, especialmente as manifestações folclóricas e o
patrimônio histórico. Os intelectuais que aceitassem a concepção restrita de cultura do
regime eram agraciados com as verbas oficiais, para os que discordassem seriam
aplicados os dispositivos da censura (FEIJÓ, 1983: 68). Em Sergipe, de acordo com o
Quadro 1 (abaixo), a ação governamental no âmbito do incentivo na criação de
instituições culturais, mais precisamente, de museus, surtiu efeito.
QUADRO 1- MUSEUS E CASA DE CULTURA NAS DÉCADAS DE 1960 E 1970
Museu / Casa de Cultura
Ano de criação
Local
Responsável
Museu Histórico de Sergipe
1960
São
Cristóvão
Secretaria de
Educação
Museu da Polícia Militar
1970
Aracaju
Governo do
Estado/PM
Casa de Cultura João Ribeiro
1973
Laranjeiras
Secretaria
Especial da
Cultura
Museu de Arte Sacra de São
Cristóvão
1973
São
Cristóvão
Igreja Católica
Museu Afro Brasileiro de
Sergipe
1976
Laranjeiras
Secretaria
Especial da
Cultura
Museu de Arte e História
Rosa Faria
1977
Aracaju
Iniciativa
particular
Museu de Antropologia
(atual Museu do Homem
Sergipano)
1978
Aracaju
UFS
Museu de Arte Sacra de
Laranjeiras
1978
Laranjeiras
Igreja
Católica/Governo
do
Estado/Prefeitura
de Laranjeiras
Fonte: CARVALHO, Ana Conceição Sobral de. A Museologia em Sergipe. Perfil histórico (1973-1980). Aracaju,
1996.p.6 (digitado); NUNES, Verônica Maria M (org.). Do IHGS à UFS: construção de fazeres museológicos em
Sergipe. IN: O despertar do conhecimento na colina azulada, Aracaju: UFS (campus Laranjeiras), 2007.
RESENDE, Mário dos Santos, GUIMARÃES, Joselita Maria dos Santos. O Curso de museologia da UFS e o Museu
Afro-brasileiro de Sergipe: desafios promissores para a cultura sergipana. Revista Candeeiro. São Cristóvão. Ano
IX-vols. 13 e 14- Novembro de 2006, p.66; SAMPAIO, Roberta Barreto. O Museu do Homem Sergipano: Uma
realidade em Construção. São Cristóvão. Departamento de História, Universidade Federal de Sergipe, 2000, p. 28.
(monografia)
Extinto.Um outro museu particular extinto, do qual temos registros da década 1960, foi o do senador
Lourival Batista. Os acervo dessas instituições encontram-se no Memorial da Universidade Tiradentes,
em Aracaju.
105
Deste quadro destacamos dois aspectos. O primeiro é a influência direta da
Igreja Católica ou de alguns de seus agentes, na criação de museus, como os sacros de
São Cristóvão e Laranjeiras. Não descartamos a participação de outras instituições nem
de outros agentes que se ocuparam com o campo da museologia em Sergipe neste
período. Outra ressalva que fazemos é que a participação de membros da Igreja Católica
nas questões sobre o patrimônio cultural e, especificamente, na criação de museus, não
foi uma exclusividade do clero sergipano. A este respeito, enfatizamos mais uma vez,
basta conhecermos um pouco mais da história dos seguintes museus: Museu de Arte
Sacra do Estado de Alagoas, situados na cidade de Marechal Deodoro; Museu de Arte
Sacra da Boa Morte, no Estado de Goiás; Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de
Mariana (1962), no Estado de Minas Gerais; Museu de Arte Sacra de Santos(1968), no
Estado de São Paulo (1970), na cidade de São Paulo (LOURENÇO, 2000).
O outro aspecto a destacar é a existência de uma intersecção entre os campos religioso,
político e cultural na formação de uma configuração específica, a do patrimônio cultural
sergipano. O agente que conseguisse transitar nestes espaços teria maiores chances para
a realização de seus projetos. No campo religioso, o regime se colocou contra o clero
progressista, com o qual Dom Luciano não simpatizava. Na condição de membro do
Conselho Federal de Educação, ele acionou contatos e teve condições de operar ao
ponto de se distinguir entre os responsáveis pela criação da UFS. No campo político, as
suas relações pessoais e o alinhamento aos grupos da situação possibilitavam seu
trânsito nos governos estadual e federal, podendo então angariar recursos para a
manutenção de suas obras, que eram diversificadas
91
. Como consequência desta
homologia entre estes campos, além de ter se ocupado da responsabilidade de preservar
e expor bens culturais, o MASC foi institucionalizado como um espaço de consagração
dos agentes responsáveis pela sua criação e manutenção. No caso específico de Dom
Luciano, este Museu pode ser interpretado como um recurso a ser acrescentado à sua
competência cultural, elemento exigido aos clérigos que almejassem melhores posições
na Igreja Católica.
91
Sobre a diversidade de obras e projetos de d. Luciano, consultar: MORAIS, Gizelda. Dom Luciano
Cabral Duarte: relato biográfico. Aracaju: Gráfica Editora J. Andrade, 2008.
106
2.7 Relações de força
É perceptível a participação de políticos, intelectuais e religiosos na criação e
manutenção do MASC e as especificidades dos campos em que esses agentes estavam
inseridos provocou, em alguns momentos, tensões na configuração que foi formada em
torno da existência do Museu. A este respeito citaremos, em seguida, alguns
acontecimentos envolvendo o MASC, o IPHAN e a EMSETUR (Empresa Sergipana de
Turismo).
A ação do IPHAN em Sergipe, ao menos até o final dos anos 1970, foi objeto de
questionamento por parte de Dom Luciano. Em 17 de maio de 1977, ele enviou um
ofício ao Chefe do IPHAN, em Salvador, no qual procurou esclarecer um episódio
ocorrido por ocasião de uma reportagem que foi produzida pelo Jornal Nacional, da TV
Globo. Tratava-se de um questionamento feito pelo repórter sobre os destinos das
igrejas do Rosário e do Amparo. Foram colhidas entrevistas com o pároco da cidade de
São Cristóvão e com Dom Luciano. O arcebispo ficou sabendo, apesar de não ter
assistido à reportagem, que o depoimento do padre provocou um descontentamento do
IPHAN. Dom Luciano lembrou que a última reforma da Igreja do Rosário foi em 1945
e que na Igreja do Amparo funciona, contra o seu gosto, uma marcenaria. Tal situação
foi encontrada quando assumiu a direção da Arquidiocese em 1971. Afirmou que vem
se esforçando para modificar a situação em que se encontra o patrimônio religioso
sergipano.
Dentre as intervenções realizadas pelo arcebispo foi lembrada a reforma do
Convento São Francisco. Citou que para um edifício, que é monumento histórico, ser
preservado é necessário colocá-lo em funcionamento
92
. Assim, através de seus esforços
em constituir um acervo e com um convênio firmado com o Governo do Estado e a
Universidade Federal de Sergipe, o MASC iniciou suas atividades. Dom Luciano
afirmou que o referido museu “tem recebido personalidade de alto renome, e teve a
honra de ser objeto de um documentário (muito bem feito, de resto), da Agência
Nacional, que não lhe poupou elogios”
93
. O Arcebispo informou também que percebeu
algumas intervenções do órgão nas igrejas tombadas, entretanto, não tem sido procurado
92
Esta concepção de preservação também contribui para a escolha das instalações da Ordem Terceira de
São Francisco de Assis como sede do MASC, visto que este local se encontrava em precárias condições
de uso.
93
Reforço do MASC, enquanto uma instituição de distinção em Sergipe.
107
para ficar ciente delas. Por fim, desejava conhecer o representante do IPHAN, em
Sergipe, inclusive, se possível que lhe fosse fornecido o endereço para encontrá-lo.
94
Posteriormente, o Chefe da Diretoria do IPHAN, informou a sua satisfação com
o posicionamento do arcebispo diante da reportagem. Porém, citou uma série de
intervenções realizadas pelo Instituto em Sergipe, entre 1972 até 1977. Informou que o
IPHAN estava passando por uma reestruturação e que assim que esta se concretizasse
providenciaria a substituição do atual representante por outro, melhor credenciado
95
. A
insatisfação de Dom Luciano com as atividades do IPHAN, não se resumiu ao
representante do Instituto em Sergipe, mas, também, a um outro agente. Assim
podemos perceber a partir da narrativa de um outro acontecimento.
Em 22 de setembro de 1977, o mesmo chefe do IPHAN solicitou que Dom
Luciano chamasse atenção da Diretora pelas intervenções realizadas no MASC,
perfurações de pedras e ombreiras, além de colocação de grades, sem a autorização
prévia do Instituto. Disse que tal atitude era passível de questionamento judicial,
inclusive na esfera criminal. Anexo enviou o relatório do arquiteto do IPHAN
responsável pela inspeção, Eduardo Furtado Simas, que destacou “a maneira grosseira e
estúpida como foram executados os ilegais trabalhos, mutilando horrivelmente a
cantaria trabalhada do importante monumento tombado pelo IPHAN
96
.
Em resposta, Dom Luciano discordando da apreciação do IPHAN sobre as
intervenções realizadas no MASC, chamou atenção para a visão estreita do arquiteto
que fez a inspeção. Este não percebeu a importância de se preservar a segurança do
Museu. Informou ainda que a responsabilidade sobre as intervenções era dele, ou seja,
da Arquidiocese, e não da diretora do MASC.
Seguiu então destacando as numerosas pessoas “de alto nível cultural”
97
que
fizeram referências ao MASC e o Documentário feito pela Agência Nacional sobre a
94
IDLD caixa 1 pacotilha 7 dc. 7.13; 17-05-1977.
95
IDLD caixa 1 pacotilha 8 dc. 8.102; 30-05-1977; Até o final da década de 1970º IPHAN tinha em
Sergipe um representante. Em 1980, foi instalado um Escritório Técnico. Em 1989 se instalou a 13ª
Diretoria Regional (1989-1990). E, em 1994 foi criada a Coordenadoria Regional do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
96
IDLD caixa 1 pacotilha 8 dc. 8.106
97
É recorrente nos documentos produzidos pelos agentes ligados ao MASC a menção às pessoas de
destaque no campo social.
108
instituição. Fala do “esforço penoso e árduo da Arquidiocese de Aracaju”, na sua
gestão, para salvar o acervo artístico do Estado contra o risco de serem dilapidados.
Neste sentido, foi criado o MASC. Este museu, continuou o arcebispo, era “ o mustde
todo turista que vem a nosso Estado. Reforçou, portanto, a relevância do MASC no
cenário do turismo sergipano. Disse que as intervenções se iniciaram antes da
inauguração do museu e o IPHAN “nunca se manifestou a respeito, sendo tal silêncio
entendido como aprovação. „Qui tacet consentire videtur”.
Reafirmou a necessidade de colocação das grades por questão de segurança,
lembrou alguns episódios contra o patrimônio ocorridos nas cidades de São
Cristóvão, Maruim e Divina Pastora, como as tentativas e os roubos de imagens.
Afirmou que a filosofia que inspira o Serviço do Patrimônio no Brasil, e em todo o
mundo, é baseada na seguinte tese: “um edifício histórico que não funciona, se deteriora
inexoravelmente. Portanto, é preciso que ele funcione”. A segurança, continuou ele, é
uma das condições básicas para tornar possível esta tarefa.
98
Em correspondências posteriores, percebemos novas divergências entre o
IPHAN e o arcebispo de Aracaju. Entretanto, as relações entre esses dois agentes foram
se estabelecendo de forma menos áspera. Após sugestão do arcebispo, o Instituto
indicou um outro representante em Sergipe para cuidar dos assuntos relativos ao
patrimônio religioso em São Cristóvão - que seria a terceira Diretora do MASC e futura
superintendente do IPHAN em Sergipe - e uma arquiteta para desenvolver e
acompanhar os trabalhos de preservação e recuperação do patrimônio em Sergipe
99
. A
tímida ação ou simplesmente inércia do IPHAN, no período, não ocorreu apenas em
Sergipe no que se refere aos bens culturais protegidos através do instrumento do
tombamento, conforme uma ampla bibliografia aponta (ETZEL, 1979; MICELI, 2001;
BITTENCOURT, 2002). Entretanto, se ficarmos apenas no torrão sergipano podemos
registrar outros episódios que apontam, inclusive, a necessidade dos interessados em
preservar o patrimônio, em recorrer a agentes exteriores ao campo do patrimônio, no
caso ao Deputado Federal Lourival Batista. Em 1965, temos a seguinte notícia,
98
IDLD caixa 1 pacotilha 7 dc. 7.15/26-09-1977
99
IDLD caixa 1 pacotilha 7.
109
As signatárias da presente missiva, cantoras (sic?) e zeladoras da
Igreja Matriz desta cidade, m com o devido respeito e acatamento
apelar para o espírito católico e clarividente do eminente
correligionário amigo, no sentido de apelar ao PATRIMÔNIO
HISTÓRICO DA UNIÃO, a fim de mandar fazer um reparo urgente
no referido templo, o qual acha-se em estado (...) sofrer graves danos
materiais em geral.
100
No que se refere a momentos tensos entre o arcebispo e o governo do Estado.
Em 1982 o diretor-presidente da EMSETUR, emitiu um ofício ao reitor da UFS, Luis
Bispo, que naquele momento era a instituição responsável pela administração do
Museu, desaprovando o fechamento do MASC durante quatro dias, no final do mês de
dezembro. Afirmou ainda que tal atitude prejudicava o desenvolvimento do turismo da
cidade de São Cristóvão, desconsiderando, inclusive, o propósito para o qual o MASC
foi criado, incentivar o turismo. Ciente do ocorrido, o reitor da UFS solicitou a diretora
do Museu que se posicionasse sobre os fatos.
Ao responder às críticas da EMSETUR, a diretora do MASC justificou o
fechamento por atender a necessidade das folgas dos funcionários, afirmando, entre
outras coisas, que eles trabalhavam além do horário normal. Concluiu solicitando que o
presidente da EMSETUR apresentasse aos turistas maiores opções, pois estes, as
segundas-feiras, ficam “sem saber para onde ir e o que fazer”, além de não terem bares e
restaurantes adequados, que possam lhes atender
101
. O propósito da EMSETUR era
atender a demanda do turismo, visualizando no MASC, apenas um atrativo turístico.
A presença da EMSETUR na configuração do patrimônio cultural sergipano, e
para o MASC, em particular, era importante nas duas primeiras décadas de existência
do Museu. A parceria com a EMSETUR possibilitava o acesso às fontes e meios de
manutenção financeira da instituição, tanto no âmbito estadual quanto federal. Assim,
por exemplo, em 1976, a EMSETUR, através da sua equipe técnica, em que consta
como um dos integrantes a restauradora e artista plástica Eliane Fonseca (uma das
futuras diretoras do MASC), elaborou um projeto de restauração das “imagens
existentes naquela Casa de Cultura, hoje considerada das mais importantes do país, e do
100
Memorial de Sergipe/Memorial Lourival Batista/Documentos Pessoais- 15 de novembro de 1965.
101
ARQUIVO CENTRAL DA UFS/Dossiê Museu de Arte Sacra. Ofício nº 632, 28 de dezembro de
1982, f e v.
110
teto decorado da capela da Ordem Terceira de São Francisco, obra admirável do pintor
sacro José Theófilo de Jesus”, assim se referiu ao MASC.
A EMSETUR - lembrou o diretor- é a executora, em Sergipe, do Programa
Integrado de Reconstrução das Cidades Históricas do Nordeste para Fins Turísticos.
Afirmou que para a liberação de recursos era “condição essencial”
a interferência do
Conselho Estadual de Cultura junto ao Conselho Federal de Cultura
102
. Provavelmente
este percurso foi cumprido que no ano seguinte, o projeto foi aceito e, no convênio
firmado, os custos foram divididos entre a Secretaria de Planejamento da Presidência da
República (SEPLAN-RP), o Conselho Federal de Cultura e o Governo do Estado
103
. O
circuito pelo qual as verbas para a manutenção dos museus, naquele momento, eram
complexos. Daí a necessidade da rede de colaboradores do MASC ser ampla não no
âmbito local como nacional. Neste aspecto o político Lourival Batista e Dom Luciano
tiveram um papel importante para o MASC por conectar os fios que integravam este
circuito.
Para o patrimônio cultural, os anos sessenta foram caracterizados pela falta de
recursos financeiros, logo, as ações do IPHAN foram, quando muito, discretas
concentrando-se na prática do tombamento de bens arquitetônicos (BITTENCOURT,
2002: 204). Mesmo não tendo se ausentado por completo das questões relacionadas a
manutenção dos museus, suas ações não são muito conhecidas na maioria dos estados
brasileiros. Por sua vez, o Conselho Federal de Cultura teve uma atuação mais
dinâmica. Assim, era uma das competências desse Conselho o gerenciamento do
Programa Integrado de Reconstrução de Cidades Históricas, criado em 1973. Através
dele era possível fazer uso de recursos federais para o campo da preservação do
patrimônio cultural, de uma forma ampla, incluindo assim o apoio as manifestações
folclóricas e às instituições museais. Compreende-se, em parte, as dificuldades do
IPHAN para estabelecer uma posição dominante no campo do patrimônio sergipano na
década de 1970, a escassez de diálogo entre o IPHAN e o arcebispo durante os cinco
primeiros anos de seu governo do clero sergipano e a aproximação do MASC com os
conselhos Estadual e Federal de cultura.
102
IDLD caixa 1 pacotilha 8 dc. 8.93
103
IDLD caixa 1 pacotilha 8 dc. 8.101
111
Como já apontamos, o Conselho Estadual de Cultura foi criado pelo governador
Lourival Batista em 1967. Porém, este funcionou de fato a partir de 1970. Entre as
atribuições deste Conselho estava a de preservar, através do tombamento, os bens
culturais do Estado. É importante lembrar que, diante do pequeno poder de ão do
IPHAN, no âmbito federal, o Conselho Federal de Cultura tinha um papel relevante na
manutenção dos museus no Brasil. Portanto, ter um representante no Conselho Estadual
era ter a possibilidade de contribuir para a manutenção da obra do MASC. Duas das
diretoras do MASC integraram esse Conselho. Uma das estratégias para se tornar
conselheiro era através da indicação do governador. Para a diretora B a experiência no
Conselho Estadual ocorreu da seguinte forma:
Foi um acaso, quando eu bem não espero, Dr (.....), aquele que me
tinha nomeado professora do interior na época, não tinha ainda o
conselho de cultura e ele me mandou, fui nomeada pra o conselho de
cultura e gostei muito, porque convive com pessoas de muito valor a
representação cultural de Sergipe, tava ali.
104
Em um parecer em que ela atuou como relatora, ficou registrada a sua
preocupação com a preservação do patrimônio cultural sergipano e com os perigos que
cercavam as imagens sacras de Sergipe, ameaçadas pela ação do tempo e atos de
pessoas mal-intencionadas. No mesmo parecer o proponente externa a necessidade de se
proceder um levantamento completo “de todo acervo de interesse histórico e artístico
de Sergipe”, financiado com os recursos do Programa de Cidades Históricas do
Nordeste
105
.
Apesar destes encontros e desencontros, podemos apreender que a criação do
MASC, bem como a sua manutenção, ao menos na sua primeira década de existência,
foi realizada através da constituição de uma configuração social, na qual as relações
pessoais foram um dos princípios que caracterizaram as práticas dos agentes que a
formaram e tornou viável a realização de um projeto comum, ao mesmo tempo em que
as demandas específicas desses agentes eram supridas.
104
Entrevista da diretora B, concedida em 19 de maio 2010.
105
CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA, Camâra de Ciências, Patrimônio Histórico e Artístico.
Parecer, 1979.
Fot
o:
Mar
celo
San
tos,
200
8.
112
Capítulo 3
A construção de um discurso sobre a identidade sergipana
Até parece que São Cristóvão, o Santo, guiou as mãos que unidas,
fizeram e mantêm esta obra. E também, nesta instituição, a parte
invisível sem a qual nada estaria exposto é a soma da competência
profissional com o acervo, que só é acervo, quando é de graça. Museu
como este, Sacro é fruto da graça.
106
Otto Lara Rezende, assessor cultural da TV GLOBO
A declaração, acima, sobre o Museu e seus agentes, circulou pela sociedade
sergipana através do primeiro catálogo produzido pelo MASC em 1976. Trata-se de
uma das práticas utilizadas pelos agentes responsáveis pelo museu para dar visibilidade
à instituição recém criada e para distinguir aqueles que a constituíram e a
mantiveram
107
. O catálogo de 1976 foi publicado pela UFS, sob a coordenação da
primeira diretora do Museu Wilma Alves, a qual também era professora da
Universidade. Em preto e branco, contendo 27 páginas, o catálogo estampa, na capa,
uma fotografia externa do MASC, tirada do claustro da Ordem Franciscana. Integram o
catálogo textos da professora Wilma Alves e de Dom Luciano Cabral Duarte. No
interior da obra, em meio às fotografias, a diretora vai descrevendo as principais peças
das salas que compõem a exposição. O catálogo é um convite-roteiro para os potenciais
frequentadores do MASC. Entre as décadas de 1970 e 2000 foram produzidos seis
catálogos. Além do catálogo de 1976, outros foram elaborados nos seguintes anos:
1981, 1984, 1989, 1991 e 2005. A utilização de “impressões” de intelectuais sobre o
museu persistiu em outros catálogos, com exceção dos produzidos em 1989 e 2005.
Além das “impressões” de intelectuais sobre o MASC, que apontaremos mais
adiante, principalmente as existentes nos catálogos de 1976, 1984 e 1991, destaca-se o
apoio de políticos, instituições públicas e privadas. Assim, por exemplo, através do
106
Apud: SOUZA, Wilma Alves de, SANTOS, Rosália dos. Museu de Arte Sacra. Aracaju: UFS,
1976.p.26
107
A preocupação com a divulgação da imagem do MASC esteve presente desde o início de sua
fundação. Neste sentido, em 1974, a diretora do Museu solicitou ao reitor da UFS a autorização para a
produção de postais por uma gráfica de São Paulo. Afirmou que “A iniciativa representará para o Museu
e a UFS promoção e não trará ônus nenhum uma vez que os mesmos poderão ser vendidos durante e
depois do „III Festival de Arte de São Cristóvão‟”. Cf: MASC/Of. 6/1974.
113
presidente da EMSETUR e superintendente local da Rede Globo de Televisão
108
,
Mozart Santos, a Fundação Roberto Marinho se comprometeu a patrocinar a publicação
de 2 mil exemplares do catálogo do MASC, elaborado em 1981, dentro das festividades
do FASC do referido ano
109
e no momento em que o acervo do Museu retornava às
instalações da Ordem Terceira, após um período de reformas do prédio. Nesse período o
acervo do MASC ficou no convento do Carmo.
O catálogo de 1984 tem 32 páginas coloridas. Nesse, a arquitetura, parte do
acervo e das salas de exposição são exibidas. Três diretoras do MASC participaram da
pesquisa: Eliane Fonseca (supervisão), Tereza Cristina Carvalho e Izabel Cristina Paiva
(levantamento do acervo). O catálogo de 1991 foi produzido em “edição de luxo”, em
comemoração ao IV Centenário da Fundação da cidade de São Cristóvão. Colorido,
foi patrocinado pelo Banco do Brasil, com 160 ginas
110
. Contudo, diante da demora e
dificuldades para obter os recursos necessários não para publicar o catálogo, como
também para concluir obras atrasadas em algumas igrejas de São Cristóvão, a diretora
do MASC acionou o, então, senador Lourival Batista para contribuir na resolução do
problema
111
.
No catálogo de 1989, o MASC aparece de forma tangencial, visto que a
pretensão dos autores, dentre eles, a diretora do Museu (C), era registrar através de
fotografias as principais “relíquias da História de Sergipe e do Brasil” na cidade de São
Cristóvão, a qual estava comemorando os seus 400 anos de fundação. O texto
introdutório do catálogo foi assinado pelo senador Lourival Batista. Nesta mesma obra,
Eurico Amado, ao apresentar a cidade aos visitantes através de um pequeno texto,
finalizou denunciando as deformações que os homens estavam causando à paisagem
urbana. No seu ponto de vista de Eurico “o traçado das praças, o antigo calçamento de
108
Em 1975, o diretor da Rede Globo Walter Clark visitou o MASC e deixou a seguinte impressão: “É
até emocionante {sic} que {admiro, sic} esta mostra da arte Sacra de Sergipe, tão bem apresentada e
carinhosamente recolhida num vivo depoimento da Riqueza espiritual desta terra.” Cf: MASC/Livro de
Impressões (1974-2010), p.3. A mesma emissora, em 2005, voltou ao MASC para gravar uma
reportagem para o programa Mais Você exibido todos os dias úteis da semana. CF: : MASC/Livro de
Sugestões.
109
UFS Notícias, Outubro de 1981, Ed. Especial nº 9 p.2
110
O catálogo de 2005 e a reforma feita no MASC foram patrocinados pela Petrobrás.
111
Memorial de Sergipe/ Relatório da Fundação Museu de Arte Sacra enviado ao senador Lourival
Batista em 1990.
114
pedras e ali a imoralidade da luz de neon. Dessa desapiedade depredação salvou-se
intacta a praça do Convento de São Francisco.”
112
O catálogo de 1991 reproduz o texto de Eurico Amado, publicado pela primeira
vez no catálogo de 1984. A apresentação ficou a cargo de Dom Luciano Cabral Duarte
e um outro texto foi escrito por Eliane Maria Silveira da Fonseca. O catálogo apresenta
parte do acervo do museu da seguinte forma: Santas Mulheres; Imagens de Roca; santos
homens; Cristo Crucificado; Deus menino; Oratório e Nicho; As Jóias do Museu e
Alfaias. Logo após, é apresentado um inventário com nome da peça, material utilizado,
século, altura, procedência; doação ou a quem pertenceu. Em seguida, vem o texto de
agradecimento, citação de doadores e homenageados. Cita o material em inglês e em
português, bem como as fontes de consulta. Em um dos trechos do texto de Eurico
Amado, reproduzido na sobrecapa do catálogo (originalmente posto em destaque no
catálogo de 1984), uma sugestão dos benefícios que os potenciais visitantes podem
ter ao conhecer a instituição. De acordo com o escritor,
Os que visitam o Museu de Arte de São Cristóvão não convivem
apenas com o passado: revivem sua própria história, descobrem
aspectos dos seus fundamentos, identificam um pouco mais de suas
próprias realidades. Sobretudo, descobrem a imensa riqueza das
raízes brasileiras.
113
Através da pena da historiadora Maria Thétis Nunes, é possível fazermos um
pequeno esboço da biografia de Eurico Amado. A pesquisadora o caracteriza como um
jornalista brilhante, de cultura humanista, que apesar de passar grande parte do seu
tempo distante das terras sergipanas, não se absteve de pensar nos problemas e no
desenvolvimento da sua terra natal. Era um articulador entre os intelectuais sergipanos e
os do sul do país, “onde tinha trânsito livre”. Na sua passagem pela Universidade
Federal de Sergipe, facilitou a publicação de obras de professores sergipanos em
editoras do Rio de Janeiro e de São Paulo
114
. No MASC, Eurico Amado deixou sua
112
CARVALHO, Eliane Maria Silveira Fonseca. São Cristóvão e seus monumentos: 400 anos de
história: Aracaju: S/E, 1989,p.7
113
AMADO, Eurico. Museu de Arte Sacra de São Cristóvão-SE. EM: CARVALHO, Eliane Maria
Silveira Fonseca. Museu de Arte Sacra São Cristóvão-SE. Brasília: Senado Federal/Centro
Gráfico/Museu de Arte Sacra, 1984. p.15
114
Jornal Gazeta de Sergipe, Aracaju, 23/24 de dez. 1984.p.3
115
contribuição em catálogos da instituição. Para este intelectual, o apelo ao culto do
passado e da tradição possibilita aos visitantes construir as suas identidades. Como
vimos, segundo o autor, aqueles que procurarem o MASC poderão se encontrar consigo
mesmo e perceber o quanto as imagens e os objetos sacros, que compõem a exposição,
podem fazê-los compreender as bases, católicas, da nossa sociedade - esta é uma das
mensagens que os agentes do MASC procuram fazer circular através desta publicação.
Um dos incentivadores do catálogo, conforme apontamos foi o político Lourival
Batista. Este catálogo teve o patrocínio da Fundação Banco do Brasil.
O catálogo de 2005 tem 35 páginas coloridas. Está composto de um texto
abordando a história do convento e do museu. No final do texto o visitante é chamado a
sentir “o palpitar da de um povo”. As fotografias destacam a arquitetura do museu,
algumas representações de Nossa Senhora e de Jesus Cristo. Este catálogo foi
elaborado dentro da nova proposta museológica e museográfica do MASC. Ele foi
patrocinado pela Petrobrás.
3.1 Impressões sobre o MASC
Preservar a memória, a história e a identidade religiosa dos sergipanos é uma das
funções que o MASC cumpre, de acordo com a leitura de alguns catálogos do Museu
postos para circular entre 1976 à 2005. Diante desta constatação, partimos para ouvir as
vozes das testemunhas oculares para tentar compreender as suas apropriações sobre o
discurso elaborado pelo Museu, seus objetos e a sua exposição durante a visita que
realizaram à instituição neste período.
Foi possível verificar as apropriações feitas por um grupo de visitantes, cujos
integrantes foram selecionados pelos agentes responsáveis pelo MASC para registrar
suas declarações no Livro de Impressões do Museu (1974-2010). No processo de
apropriação do discurso produzido pelo MASC um grupo específico de visitantes viu
na instituição o cumprimento de objetivos pedagógicos, tais como: o de mostrar “o
passado de glória do Estado de Sergipe”; de incentivar o “aprimoramento cultural de
nosso povo”; de apontar para a juventude a importância de “preservar seu passado”. E
116
mais, “relembrar de que no passado havia um maior cuidado com a religião e a arte”,
afirmou um outro visitante
115
.
Em 1981, o Comandante do IV Exército, Ênio Gouveia Santos, visitou o Estado
de Sergipe e o Museu de Arte Sacra, no qual deixou uma impressão que destaca a
contribuição do MASC para a pátria. O propósito da viagem deste militar, após ser
recebido pelo governador Augusto do Prado Franco no Palácio Olympio Campos, era
visitar o 28º Batalhão de Caçadores
116
. Entretanto, na sua agenda, a exemplo de outras
autoridades que estiveram em Sergipe no período, abriu um espaço para conhecer o
MASC. Segundo o comandante Ênio, o Museu é “uma obra que honra e significa a
lembrança de um passado rico de glórias e de heroísmo e que vai, com a mecê{sic} de
Deus, assegurar um futuro rico de amor e paz para nossa Pátria”
117
. Conhecer o passado
para construir um futuro promissor e pacífico é uma das tarefas da instituição. Sobre a
contribuição do MASC em desenvolver o sentimento de pertencimento à pátria, de uma
identidade nacional, em 1985, o presidente do Instituto Internacional de Pesquisas
Históricas e professor da Universidade do Rio de Janeiro fez a seguinte declaração:
Este museu é fruto do valor presente, dos que nele cultuam um
passado, com a reverência da dignidade. Fez-me sentir mais brasileiro,
em um momento histórico em que as coisas de nossa cultura parecem
não sensibilizar, à altura, nossos dirigentes. Ele continua sendo um
templo.
118
Em geral, percebe-se que o caráter religioso e pátrio são características
destacadas pelos visitantes do MASC ao entrar em contato com a sua arquitetura e a sua
exposição
119
. Estas “vozes” foram apropriadas pelos responsáveis pela criação e
115
MASC/ Livro de Impressões (1974-2010),
116
Gazeta de Sergipe, 12 de novembro de 1981, p.5.
117
MASC/ Livro de Impressões (1974-2010),11 Nov 1981, p.13
118
MASC/ Livro de Impressões (1974-2010), 1985.
119
Eis outras impressões dos visitantes: “vivo depoimento da riqueza espiritual desta terra”; “precisa-se
muitos deste para o Brasil, para, perpetuarmos a História”; “o culto da tradição, renovado pelas gerações
que se sucedem, eis um dos aspectos que se revelam neste museu”; “O convento São Francisco reflete a
generosidade do povo sergipano e representa uma permanente prece ao Deus Onipotente pelo bem estar
social do povo brasileiro” (1976); “...o exemplo do passado sadio do povo sergipano”; “...faz-no lembrar
de que no passado havia um maior cuidado com a religião e artes” (1977); “...sentimos toda uma
atmosfera de uma história religiosa, que é parte integrante da história do Brasil (1977); “...este museu
muito bem representar o quanto de explendor do apogeu religioso do nosso país (1978){sic}”; estímulo
a “formação de uma consciência na comunidade sergipana”(1978); “é uma realidade em favor do belo e
da cultura” (1979); “emociona a quem quer que, com sentimento cristão, nele, veja retratada parte da
nossa magnífica história religiosa” (1981); “Alegro-me ver que s, brasileiros, ainda sabemos velar e
117
administração do museu e incorporadas na produção de práticas com o propósito de
garantir uma posição privilegiada do museu no campo do patrimônio cultural sergipano.
Foi com a divulgação do grande número de visitantes, locais, nacionais e internacionais,
incluindo ministros, senadores, embaixadores e destacadas personalidades, que a
direção responsável pelo MASC argumentou, junto a Universidade Federal de Sergipe,
em 1981, a necessidade da elaboração de um novo catálogo que atendesse as
necessidades do público
120
.
Por sua vez, não raro, estes visitantes, reconheciam, através de registros no
Livro de Impressões, o esforço dos agentes responsáveis pela criação e manutenção da
obra necessária para o conhecimento da história, da tradição, da memória e da
religiosidade do homem sergipano e brasileiro. Essa posição de destaque no campo do
patrimônio brasileiro foi sintetizada, em 1994, por Rubens Recupero, nos seguintes
termos:
É uma alegria rara poder encontrar tanta beleza, bom gosto e
dedicação afetuosa a melhor herança de nossa história: as imagens que
encarnaram as esperanças, a fé e a aspiração de um mundo melhor dos
que nos precederam na obra de construção do Brasil. Conheço os
demais museus de arte sacra do nosso país mas nenhum conseguiu
como o de São Cristóvão não preservar a arte do passado mas
manter a presença viva e consoladora da serenidade que emana da
vida espiritual. Temos todos uma enorme dívida de gratidão para com
todos os que criaram e tornaram possível este belo museu.
121
Foi possível identificar no Livro de Impressões do MASC a presença de
embaixadores, museólogos, ministros e altos funcionários do governo Federal. Estas
visitas foram utilizadas pelos agentes do MASC, dentre outros propósitos, para justificar
a existência e manutenção da instituição. Em 1975 chega em Sergipe o Embaixador da
República Democrática Alemã Sr. Gunther Severin, em visita oficial para tratar de
negócios relacionados ao Know-How e de máquinas para explorar o potássio sergipano.
cultuar nossos valores culturais e religiosos, pois se disse que um povo sem passado não tem futuro”
(1982); “guarda da memória luso-brasileira” (1984); “...Este é o Brasil grande, imenso!” (1984); “Fez-me
sentir mais brasileiro” (1985); “representação e tradição histórica do seu povo” (1987); “um orgulho na
história e no poder criativo da religiosa (1991); “um pouco da memória sacra do nosso estado”. Cf:
MASC/ Livro de Impressões (1974-2010).
120
ARQUIVO CENTRAL DA UFS/PROEX/Dossiê MASC/Projeto n° 167, 1981.
121
IDLD/ Pac 4 cx.33: Rubens Recupero, Brasília 11 de junho de 1994.
118
No final da visita presenteou o governador José Rollemberg Leite com “um binóculo de
alta precisão de fabricação de seu País” e foi agraciado com “um quadro a óleo de pintor
sergipano, com motivo regional”
122
. O Embaixador passou pelo Museu sem deixar
mensagens, apenas registrou sua presença
123
. Em 1983, a Ministra da Educação, Ester
de Figueiredo Ferraz, veio a Aracaju tendo como alvos da visita a Delegacia Regional
do Ministério da Educação e Cultura e os monumentos históricos da cidade de São
Cristóvão.
No Editorial da Gazeta de Sergipe, críticas à Ministra por não ter visitado as
Escolas Técnicas Federal de Sergipe e Agrotécnica, nem a Universidade Federal, na
qual poderia ter mantido um diálogo com os professores, afirmou o editor. Chegou a
declarar que a visita é mais a Dom Luciano Cabral, colega no Conselho Federal de
Educação
124
e citou o Conselho Estadual de Educação e Cultura, como um dos locais
que também foi agraciado com a sua presença. Ao visitar o MASC, a ministra destacou
o esforço da população, dos poderes público e religioso em benefício da cultura e
reconheceu a cooperação entre Dom Luciano, o governador do Estado e a Universidade
Federal de Sergipe “pela riqueza e beleza da obra realizada”
125
.
Essas duas visitas foram lembradas por uma das ex-diretoras do MASC ( C ), em
um dos seus relatórios enviados à Universidade Federal de Sergipe, na época,
instituição responsável pela administração do Museu. Afirmou ainda que o referido
embaixador não deixou sua mensagem registrada no devido livro, mas enviou uma carta
elogiosa à instituição. Por outro lado, as ponderações feitas pela ministra tomaram o
seguinte destino:
Enviamos tal declaração à todos os órgãos da imprensa falada, escrita
e televisionada. Registramos também a passagem dos jornalistas dos
principais jornais de São Paulo como o da Folha, O Estado de São
Paulo, A Gazeta de São Paulo e outros, o que resultou numa
divulgação jamais alcançada com repercussão nacional.
O Estado de São Paulo em sua matéria referiu-se como um dos
melhores Museu de Arte Sacra do País, lembrando os Museus da
Europa.
126
122
Gazeta de Sergipe, sexta feira 27 de junho de 1975, p.1.
123
MASC/Livro de Impressões (1974-2009). 26- 06- 1975.p.2
124
Gazeta de Sergipe, sábado, 26 de novembro de 1983.
125
MASC/Livro de Impressões (1974-2009). 25/11/83. p.15
126
ARQUIVO CENTRAL DA UFS/PROEX/Dossiê MASC/ ofício de fevereiro de 1984.
119
Os exemplos expostos se constituem em indícios de que o MASC foi criado e se
desenvolveu, além de um espaço de preservação e exposição de bens culturais
religiosos, como uma instituição de consagração social dos agentes que o conceberam,
mantiveram e o administraram. Neste sentido, a presença de visitantes ilustres se
constituiu uma das estratégias dos agentes responsáveis pelo MASC para colocá-lo
numa posição hegemônica no campo do patrimônio cultural sergipano. O uso de
veículos de comunicação foi um dos dispositivos desta estratégia. É interessante
observarmos que, ao longo da história do Brasil, os meios de comunicação foram
utilizados, dentre outras coisas, como dispositivo de consagração e promoção de
intelectuais, políticos e governantes. Os museus, muitos dos quais estes agentes
estiveram/estão presentes ou representados, não dispensaram este dispositivo, conforme
apontamos no primeiro capítulo.
Compreende-se, ainda, a função pedagógica do MASC. Tratava-se de
possibilitar uma aula de história pátria, de sensibilizar o público que o visitasse a
conhecer o passado do povo brasileiro católico-, de orgulhar-se de sua identidade.
Diversos registros deixados no Livro de Impressão do MASC chamam atenção para “o
culto da tradição”, o “passado de glória” de Sergipe, a integração “presente e passado
para o futuro”, a lembrança do “passado sadio do povo sergipano”.
Além de aspectos estéticos e do culto ao passado, a arquitetura e a exposição do
MASC suscitavam outras percepções, como o caráter da religiosidade dos brasileiros.
Assim, o presidente do Supremo Tribunal Federal, em 1976, ilustra esse propósito. O
magistrado veio a Sergipe, para proferir uma palestra intitulada “Visão sobre o
Supremo Tribunal”, no auditório da Biblioteca Pública Ephifanio Dória, durante o II
Seminário de Estudos Jurídicos da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Sergipe
127
.
Para ele, o convento e o Museu representavam “além da grandeza artística, a fé cristã do
nosso povo”.
128
É a mão de Deus que da “vida e alma” ao Museu, afirmou, mais um
visitante. Este Museu projeta a “fé milenar”, sentenciou um outro. Assim, na
perspectiva de alguns visitantes, o MASC se destacava no incentivo à construção da
127
Gazeta de Sergipe, sexta feira 04 de junho de 1976, p.2.
128
MASC/Livro de Impressões (1974-2010) / Djaci Falcão Paes do S.T.F, 03-07-76, p.3
120
identidade nacional, do culto ao passado e dos valores tradicionais e religiosos da
sociedade sergipana.
Um dos elementos cruciais da representação desta identidade é a religiosidade.
Esta pode ser percebida através dos bens culturais produzidos pelos grupos sociais em
diferentes tempos e espaços. Porém, há de se registrar, segundo o cientista político Iba
Dantas, que em Sergipe na década 1960, existiam 60 terreiros, 46 templos protestantes e
13 centros espíritas, além das 98 igrejas católicas (excluídas as capelas) (2004: 166-7).
Porém, dos bens materiais tombados pelo Conselho Estadual de Cultura, entre 1972 a
2000, é possível listar apenas um terreiro, Filhos de Obá, na cidade de Laranjeiras
(PETERSON: 2008). No caso do Patrimônio Nacional, o tombamento de bens culturais
materiais afro-brasileiros teve início em 1982, com o tombamento do terreiro de
candomblé Casa Branca, em Salvador, na Bahia. Diante da diversidade de instituições e
experiências religiosas existentes no Brasil e apesar do país não ter mais uma religião
oficial desde o início da República, o catolicismo imprimiu seu poder sobre os
governos, utilizando diversas estratégias e táticas em diferentes campos, como o do
patrimônio.
Assim, se os brasileiros têm uma identidade, a religião católica vai se
constituindo como um dos elementos dela. Logo, a posição hegemônica da Igreja
Católica no campo religioso se afirmava também no campo do patrimônio cultural na
medida em que muitos templos católicos foram preservados em grande quantidade, em
detrimento aos de outros credos religiosos. De acordo com o antropólogo Gilberto
Velho (2006: 4), além das razões artístico-arquitetônicas existem outras que levam um
bem a ser preservado por meio do tombamento. Logo, o campo do patrimônio
apresenta-se como um espaço social de lutas culturais em torno da construção de
identidades. Estes embates podem ser percebidos através de práticas preservacionistas
como selecionar, adquirir e expor objetos alçados à categoria de bens culturais.
121
3.2 Tipologia do Acervo
129
Numa perspectiva que atribui aos objetos expostos a materialização de um
discurso museológico e, por conseguinte, a efetivação de práticas de determinados
grupos sociais que visam provocar uma leitura sobre a sociedade, mesmo que no
processo de apropriação desse texto exista uma margem de liberdade dos leitores que
pode até os levar a construir suas próprias representações, diferentes das almejadas
pelos produtores do discurso, as investigações sobre a aquisição destes objetos pelas
instituições museológicas merecem ser efetuadas. Mesmo que, como é nosso caso,
estejam sujeitas a críticas no que diz respeito ao aprofundamento teórico e metodológico
que esta empreitada exige. Caso nos sirva de alento, sustentamo-nos na evidência de
que poucos são os estudos dedicados à análise das políticas de aquisição e exposição
dos acervos dos museus brasileiros, e podemos incluir o “torrão sergipano”. Este
silêncio parece fundamentar uma crença que atribui a estas instituições a condição de
“casas da memória” e as delegam à “nobre função de preservar um passado real e uma
herança que é comum ao conjunto de cidadãos brasileiros”, conforme observou a
socióloga Myriam Sepúlveda dos Santos (2007: 3). Assim, os moradores dessas “casas”
bem como seus “vizinhos”, cada vez mais “familiarizados” ou especializados no trato
dos objetos sob sua proteção, utilizam estratégias e táticas que contribuem para a
manutenção ou mudança de posições sociais no campo em que operam.
Neste sentido “se aprendemos a ler palavras, é preciso exercitar o ato de ler
objetos, de observar a história que na materialidade das coisas” (RAMOS, 2004:
p.21). A este processo de leitura, no campo da museologia, é o que Ulpiano Bezerra
Meneses chama de “desfetichização” do objeto, ou seja, partimos do objeto para
fazermos uma leitura sobre a sociedade (1994: 27). A compreensão das possibilidades
de pesquisas sobre os objetos integrantes dos acervos dos museus nos permite entender
determinadas realidades sociais. A este respeito, no campo da Antropologia, podemos
acompanhar um estudo realizado pelo professor do Museu Nacional, João Pacheco de
Oliveira (2007). O antropólogo analisa uma pintura intitulada Menino Bororo,
pertencente ao Museu Nacional, com o propósito de reencontrar histórias esquecidas ou
129
Entre os critérios utilizados para a organização dos acervos dos museus brasileiros podem ser citados:
origem, natureza, coleção, tipologia e cronologia. CF: LOURENÇO, Maria Cecília França. Guia de
Museus Brasileiros. São Paulo: Edusp, 2000.
122
encobertas. Trata-se de uma tela, produzida no final do século XIX que compõe uma
exposição do Museu.
João Pacheco de Oliveira apresenta três tipos de abordagens possíveis de serem
adotadas para analisar o objeto. A primeira, chamada de morfológica, visa produzir
taxonomias e série tecnológicas. Este tipo de abordagem se destacou na tradição do
evolucionismo cultural. O outro, procura inserir os objetos e as imagens nas unidades
socioculturais de que procedem, é uma tentativa de um resgate cultural (OLIVEIRA,
2007: 3). Segundo João Pacheco Oliveira, ambas as abordagens são pouco críticas por
considerar os objetos de forma isolada e não perceber as diversas utilizações a que eles
estão sujeitos. Feitas estas apresentações, Oliveira apresenta uma terceira possibilidade.
Na sua perspectiva, para reencontrar as estórias esquecidas ou encobertas, o pesquisador
deve analisar a história da coleção em que o retrato faz parte por outra via. Neste
sentido, se apropriando de fontes diversas, sem perder o foco no objeto analisado, ele
constrói a história da formação da coleção, chegando, inclusive, a identificar as
motivações que levaram a construção do quadro e o contexto da sua doação ao Museu
Nacional. Operando com conceitos, fontes históricas e bibliográficas, o estudioso revela
tensões e relações sociais, formas de agir e pensar, que, dentre outras coisas, procuraram
negar parte da história de um povo, os Bororó.
Continuando a sua análise o pesquisador chega à conclusão de que o quadro do
Menino Bororo é uma farsa. Fez parte de uma estratégia de construção de uma memória
que visava encobrir histórias. Dentre elas, a forma como inúmeros índios foram mortos,
na segunda metade do século XIX, em Mato Grosso. Dessa forma, o antropólogo nos
previne, e o mais importante, nos fornece uma possibilidade de nos afastarmos de
ilusões de autenticidade e representatividade que uma coleção etnográfica pode nos
apresentar.
Feitas as considerações precedentes, é necessário evidenciar que não faz parte
dos nossos propósitos a “desfetichização” de objetos e nem, a partir deles, evidenciar
histórias e memórias. Se em alguns momentos isto foi tentado o fizemos com o
propósito de apresentar as práticas sociais de preservação dos agentes pertencentes à
configuração social que se constituiu para criar e manter o MASC. Feitas essas
123
ressalvas, iremos ao ponto que pretendemos abordar na altura do nosso texto, qual seja,
a apresentação de uma tipologia do acervo do MASC.
Tomando como referência o catálogo produzido pelo MASC em 1991, que até
hoje é acessado pelos funcionários para identificar os bens existentes no acervo, é
possível construirmos uma tipologia do acervo e analisarmos os processos de
apropriação dos bens que foram incorporados a ele. Este catálogo lista 472 bens
130
. A
tipologia do acervo adotada na classificação dos bens culturais do MASC, no presente
estudo, toma como referência a classificação temática de bens religiosos proposta por
Verônica Maria Meneses Nunes em seu livro Glossário de Termos Sobre religiosidade
(2008). O principal motivo que nos leva a considerar suas indicações é o fato de que tal
estudo se fundamenta em fontes documentais cartorárias sergipanas produzidas entre o
final do século XVIII e início do XX.
Levando em consideração que a temporalidade do acervo do MASC se situa
entre os séculos XVII e XX, a classificação proposta pela referida pesquisadora tornar-
se pertinente para procedermos nossas análises. Dentre os agrupamentos temáticos
adotados pela autora, destacamos os abaixo descritos, acrescentando o agrupamento de
joias, bens que não são necessariamente religiosos, mas que foram integrados ao acervo
do MASC.
QUADRO 2 - TIPOLOGIA DO ACERVO DO MASC
Agrupamento/tipologia
Descrição geral
Alfaias
objetos de ouro ou prata, utilizados na celebração da
missa ou aplicação do viático (extrema unção) aos
enfermos. Objetos: turíbulo, cálice, ostensório, custódia,
naveta, varas do pálio, cruz processual
Construção religiosa ou
elementos integrantes
“mosteiro, convento, capela, altar, sacristia, cartela, arco
cruzeiro, dossel , púlpito, sacrário, retábulo, cantaria,
fachada, portada, frontispício
Imagem
representação de um objeto pelo desenho, pintura ou
escultura. Representação da Divindade, dos santos,
pequena estampa que representa um assunto religioso
Vestes litúrgicas
Sistema de Vestuário em relação a certas épocas ou
povos. Na pesquisa, aborda-se a indumentária sacerdotal
batina, barrete, hábito, capelo, cogula, e os paramentos
130
Catálogo do Museu de Arte Sacra de Sergipe. Aracaju: Fundação Banco do Brasil/ Gráfica J.
Andrade, 1991.
124
litúrgicos- as vestimentas bordadas ou agoladas com que
os sacerdotes celebram certas cerimônias religiosas
Mobiliário
Confessionário, arcaz, credencia, sólio, cátedra, estala
Ornamento
Adorno, atavio, ornado dos santos: coroa, resplendor,
tonsura, cajado, rosário, diadema, tocheiro, castiçal,
toalha de altar, cruz processual, frontal, cirial
Altar e suas peças
Ara, tabernáculo, cruz, castiçal, sacrário, velas, dossel
Jóias
Anel, brincos,...cuja composição material é formada por
ouro, prata e pedras preciosas ou semi-preciosas
Fonte: NUNES, Verônica Maria Meneses. Glossário de Termos Sobre Religiosidade. Aracaju: Tribunal de Justiça;
Arquivo Judiciário do Estado de Sergipe, 2008.
GRÁFICO 1 - DISTRIBUIÇÃO DO AGRUPAMENTO NO ACERVO DO MASC
8%
3%
38%
10%
8%
13%
10%
10%
Alfaias
construção
religiosa
Imagens
Vestes
liturgicas
Mobiliário
Ornamento
s
Altar e suas
peças
Jóias
FONTE: Catálogo do Museu de Arte Sacra de Sergipe. Aracaju: Fundação Banco do Brasil/ Gráfica J. Andrade,
1991.
No primeiro catálogo produzido pelo MASC, em 1976, os objetos eram
classificados por coleções: escultura, pintura, paramentaria, ourivesaria, e mobiliário.
Tratou-se de classificar e apresentar os objetos a partir de temáticas. Levando em
consideração as informações contidas no catálogo de 1991, do conjunto dos bens do
MASC sobressaem as imagens de santas e santos católicos. Eles representam 38% do
acervo indicando a preferência dos idealizadores do MASC por estes objetos (gráfico
1). O culto aos santos é uma das características da religiosidade católica no Brasil,
125
principalmente à Nossa Senhora sob diferentes invocações, como Nossa Senhora do
Rosário, Nossa Senhora do Amparo, Nossa Senhora da Vitória, dentre outras, cujas
imagens estão presentes no MASC. Esta especificidade não é esquecida no catálogo de
2005. Segundo este “a exposição privilegia as invocações e resgata a história de cada
uma delas, fornecendo informações sobre a vida dos santos e outras que possibilitam
uma leitura diferenciada do acervo e sua contextualização”
131
.
GRÁFICO 2 DISTRIBUIÇÃO TEMPORAL DOS BENS DO ACERVO DO
MASC
4%
23%
41%
32%
Século XVII
Século XVIII
Século XIX
Século XX
FONTE: Catálogo do Museu de Arte Sacra de Sergipe. Aracaju: Fundação Banco do Brasil/ Gráfica J. Andrade,
1991.
Conforme podemos constatar no gráfico 2, apenas 27% dos objetos que formam
o acervo do MASC estão situados entre os séculos XVII e XVIII. Portanto,
diferentemente da representação criada sobre o acervo da instituição, a maioria dos bens
culturais preservados pelo MASC não pode ser incluído como barroco, se levarmos em
consideração o marco cronológico que define este estilo, que, historicamente, é o
período colonial. A maioria do acervo, 41%, recebeu a datação do século XIX, abrindo-
131
Catálogo do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão. MASC/PETROBRAS/MIC, 2005, p.23.
126
se um espaço para pesquisadores que desejam se aprofundar sobre a discussão sobre o
barroco e suas características no século XIX.
3.3. Formas de Aquisição: Vozes e silêncios.
A montagem do acervo do MASC foi feita basicamente através de duas
práticas: A primeira se deu por meio de doações. Nesta, agentes e instituições eram
sensibilizados, através de campanhas públicas ou por laços de amizade e familiares
junto ao arcebispo e diretores, a ceder bens ao museu. A segunda se fez através das
solicitações diretas às paróquias subordinadas à diocese. Nesta última se situa
processos de aquisição que se fazia de uma forma mais elaborada, não raro, neste
encaminhamento se verificava uma violência simbólica
132
contra aqueles que tinham a
posse de um bem cultural que interessava ao MASC. As formas de aquisição de bens
deste Museu são típicas no campo da museologia brasileira e mundial.
GRÁFICO 3 - ORIGEM DOS BENS DO ACERVO DO MASC
22%
78%
Doados
Integrados do
Acervo do
Clero
FONTE: Catálogo do Museu de Arte Sacra de Sergipe. Aracaju: Fundação Banco do Brasil/ Gráfica J. Andrade,
1991.
132
Trata-se do poder de alguns agentes, detentores de saberes específicos ou de determinada autoridade,
em impor as suas vontades sobre as dos outros grupos ou agentes sociais. Ver: BOUDIEU, Pierre. O
poder simbólico. 11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, pp. 9-12.
127
De acordo com os dados do Gráfico 3, 22% do acervo do MASC é resultado de
doações. Foram doações individuais e coletivas. Por iniciativa individual, por exemplo,
foi doada ao museu a imagem de Nossa Senhora da Boa Morte pelo colunista João de
Barros
133
. Os laços de amizade de Dom Luciano com o colunista eram estreitos e talvez
este fato contribuiu para motivá-lo a fazer tal doação. Dom Luciano guardava entre seus
papéis recortes de jornais sobre as atividades desenvolvidas por João de Barros. Por sua
vez, encontramos o colunista defendendo o Arcebispo de notícias que procuravam
colocar em dúvida as boas ações do religioso. Ainda a título de doação, Frei Martinho,
provincial dos franciscanos no Nordeste, autorizou a ida do Crucifixo, confeccionado
por um artista português do século XIX em tamanho natural, para o museu
134
. Esta
doação ocorreu, no momento em que, por intermédio do Arcebispo, o convento
franciscano estava sendo reformado e readquirido pelo Clero sergipano.
Sobre as doações coletivas, podemos citar as realizadas pelas famílias Nabuco e
Maciel, por intermédio de Maria de Carmo Souza. Esta atendeu a solicitação de Dom
Luciano doando joias, imagens sacras, alfaias e paramentos (MELO, 2004: 51). Outros
amigos e admiradores do arcebispo se somaram à galeria dos que contribuíram para
compor o acervo do MASC. A influência direta dos agentes responsáveis pelo MASC
sobre os doadores foi utilizada não por Dom Luciano, mas também por uma das ex-
diretoras, conforme relata uma funcionária da instituição
135
. A diretora C, em um dos
relatórios enviados ao reitor da UFS, cita a doação, em 1983, de imagens pertencentes à
antiga Santa Casa de Misericórdia de São Cristóvão
136
. No ano seguinte ela registra “a
doação de sete peças de valor.”
137
Nesta modalidade alguns bens foram doados de forma condicional
138
. Neste
sentido, por motivo de segurança e conservação, em 1985, o prefeito da cidade
sergipana de Carmópolis, um vereador e o padre autorizaram a ida da coroa da imagem
de Nossa Senhora do Carmo ao Museu, sendo que, quando necessário, para as
133
Em 198 era Secretário Geral do Conselho Estadual de Cultura e Presidente da Associação Sergipana
de Cultura. Cf: Jornal Hi-Sol, 23, 24 de set. e 03 de outubro de 1981, p.2
134
Arquidiocese de Aracaju/Livro de Tombo.
135
Entrevista da funcionária 1, concedida em 18 de setembro de 2009.
136
ARQUIVO UFS/PROEX/Dossiê MASC/ Relatório de Atividades,1983.
137
ARQUIVO UFS/PROEX/Dossiê MASC/ Relatório de Atividades,1984.
138
Identificamos também o caso de um representante de uma família doadora que observou, em 2008,
algumas providências que deveriam ser adotadas para garantir a exibição de forma segura do objeto
doado. Cf: MASC/Livro de Sugestões.
128
solenidades religiosas na cidade, ela pudesse ser transladada de volta
139
. A imagem de
Nossa Senhora Santa‟Ana, da Capela Sant‟Ana do Massacará, no município de
Carmópolis, também foi doada com a condição de que pudesse ser retirada do museu,
anualmente, quando da realização de sua festa
140
.
Nesta prática de doação condicionada os objetos culturais sacros são
ressacralizados. A natureza sacra dos objetos é percebida quando eles fazem parte das
práticas religiosas do catolicismo, sendo criados especificamente para tal finalidade.
Nelas, eles servem aos cultos, público ou privado, dos diversos santos que compõem o
panteão da Igreja, animam ou exteriorizam a dos devotos. Retirados dos templos
perdem suas funções. Porém, no museu, são ressacralizados pelo fato de ganharem
singularidade, proteção e atenção diferente de outros objetos que não são selecionados
para integrar este espaço, portanto, mudam de sentido, compõem um outro discurso,
obedecem a uma nova “gramática”.
Enquanto objetos culturais musealizados, apesar do poder de coesão - imprimido
pelo novo discurso, que procura lhes dar sentido, compor uma mensagem-, eles se
tornam “danados”, ou seja, se deixam ler de diferentes formas, sob diversos ângulos,
sob a perspectiva material, artística, histórica, além da religiosa. Com a prática da saída
do museu, eles se ressacralizam, desta vez, a natureza do discurso religioso não lhes
permite muitas possibilidades de leituras, são reintegrados a um discurso cujos
elementos que lhes dão sentido são regulados, controlados pelos especialistas do campo
religioso, os padres.
A ação direta de Dom Luciano sobre as paróquias foi a segunda prática de
constituição do acervo do MASC, pois 78% do acervo resulta deste processo (gráfico
3). Itabaiana, Nossa Senhora do Socorro, Laranjeiras, Aracaju e São Cristóvão, são
algumas das paróquias que cederam imagens para integrar o acervo do MASC,
conforme Quadro 3.
139
IDLD/ Cx 33, pacotilha 3.
140
Uma das doadoras de imagens colocou como condição da “doaçãoa retirada da imagem do Museu
quando no dia de sua “Festa”. CF: MELO, Maria do Carmo Bezerra. Capela Sant’Ana do Massacará.
Esboço de uma interpretação Histórico-Cultural. São Cristóvão: DHI/UFS, 2004. p.51 (monografia)
129
QUADRO 3 - MUNICÍPIOS DE ORIGEM DO ACERVO DO MASC
Cidades
Porcentagem
São Cristóvão
55%
Aracaju
15%
Santo Amaro
2%
Laranjeiras
1%
Outras 16 (juntas)
27%
A maioria dos bens que compõem o acervo do museu é originária de cidades que
podem ser agrupadas em três bacias hidrográficas: Vaza Barris, Sergipe e Japaratuba.
Sendo que, mais da metade do acervo do MASC é procedente das cidades de São
Cristóvão e Aracaju. A área indicada no Mapa 1 concentra cidades cujas igrejas são
centenárias, consequentemente, nela a possibilidade de existência de bens culturais
(imagens) mais antigos é, potencialmente, maior do que outras cidades sergipanas.
Ressaltamos que esta área concentra os municípios que mais se destacaram na produção
de cana-de-açúcar a partir do século XVIII. Logo, se deu prioridade à objetos sacros
das igrejas localizadas nos municípios indicados no Quadro 3. A semelhança entre o
Mapa 1 e 2, bem como o fato de apenas 22% do acervo ser resultado de doações, nos
leva a afirmar que a maioria do acervo do MASC resultou da ação direta de Dom
Luciano que, através da sua autoridade de arcebispo, recolheu os bens das igrejas sob a
sua jurisdição. Tal fato, fragiliza o discurso construído por alguns agentes ligados ao
MASC que supervaloriza a constituição do acervo da instituição como resultado de
doações espontâneas
141
.
141
Uma das diretoras do MASC que entrevistamos afirmou que o acervo da instituição foi adquirido
através de doações espontâneas. Entrevista concedida pela diretora B realizada na cidade de Aracaju em
19 de maio de 2010
130
MAPA 1- ÁREA DE PROCEDÊNCIA DO ACERVO DO MASC
MAPA 2 - JURISDIÇÃO DA ARQUIDIOCESE DE ARACAJU
Fonte: Mapa político do Estado de Sergipe, destacado pelo autor a área de
concentração dos municípios sergipanos dos quais se originou o acervo do
MASC/
FONTE:Cúria Metropolitana de Aracaju-SE
131
A ação direta de Dom Luciano na aquisição desses bens, não raro, encontrou
resistência das comunidades nas quais eles estavam inseridos. O próprio Dom Luciano
reconheceu a antipatia da população em ceder seus bens culturais religiosos
142
. Este
fato pode ser constatado dentro e fora da sua jurisdição eclesiástica. Assim, fazendo
parte da jurisdição da arquidiocese de Aracaju
143
, alguns paroquianos da cidade de
Rosário do Catete
144
não se sentiram muito confortáveis com a ideia de ceder a imagem
de São João ao MASC. Em uma carta enviada por irmã Angelina Colavitti ao
Arcebispo, há uma afirmação de que tal imagem era “o único objeto de valor que a
Paróquia possui, o que para eles seria grande sacrifício se desfazerem”. Ao mesmo
tempo, a religiosa citou a tentativa frustrada de irmã Wilma, primeira diretora do
MASC, em conseguir imagens junto a Associação de Caridade da cidade. A irmã
Angelina atribuiu o insucesso à falta da “parte preparatória psicológica” junto à
população local. Antes de chegar a essa indicação, afirmou que a irmã Wilma “falou
alto no cartório diante de várias pessoas” que levaria as imagens da Associação a mando
de Dom Luciano. Logo, a tática da Irmã Wilma não obteve sucesso. Irmã Angelina fez
esse relato em agosto de 1973, ou seja, um mês antes da inauguração do MASC
145
.
Assim como Rosário do Catete, moradores da cidade de Laranjeiras, também se
mostraram insatisfeitos com a ideia de terem suas imagens sacras depositadas no
MASC.
Fora de sua jurisdição o arcebispo de Aracaju também enfrentou resistências. No
final da década de 1970, Dom Luciano fez duas investidas para obter as imagens dos
índios xocó. Na primeira, acompanhado pelo bispo de Propriá, Dom José Brandão, o
obteve êxito, pois foi questionado pelos xocó sobre a propriedade das imagens e
presenciou a disposição dos índios de derramarem até sangue, se fosse preciso, para que
as imagens continuassem sob a propriedade dos donos origninais. Na segunda tentativa,
novamente por intermédio do bispo de Propriá, Dom Luciano levou um grupo de
142
IDLD/Cx 1 pacotilha 7 dc. 7.15
143
Vale lembrar que além da Arquidiocese de Aracaju, desde 1960, temos em Sergipe, as dioceses de
Estância e Propriá, governadas por diferentes bispos.
144
“De acordo com levantamentos históricos locais, as terras ocupadas pela cidade de Rosário do Catete
pertenciam ao antigo Engenho Jordão de Jorge Almeida Campos, que às doou para a construção da capela
de Nossa Senhora do Rosário, imagem que teria sido encontrada por escravos, nas matas adjacentes.” Cf:
“Rosário do Catete é „Tradição e Cultura‟”. Correio de Sergipe, Aracaju 10 out de 2009, B6
145
IDLD/Correspondências da década 1970. Pac. 8 . 03/08/1973.
132
imagens para o MASC, contudo, firmou compromisso para que em qualquer momento
que os xocó quisessem as imagens teriam de ser devolvidas.
Para Frei Enoque, que acompanhou o processo, a necessidade dos índios em
cultuar seus santos, na igreja de São Pedro, localizada na ilha de São Pedro, bem como a
luta contra a exploração a que estavam submetidos, foram ingredientes fundamentais
para que os xóco iniciassem o processo de reconhecimento de seus direitos sobre a terra,
que outrora lhes pertencia, conforme atestam vários documentos históricos
146
. As
imagens sacras e a igreja de São Pedro são bens considerados importantes pelos índios
xocó, de acordo com os nossos entrevistados. Uma líder da comunidade afirmou que a
luta dos xóco foi motivada pelos roubos das imagens que estavam ocorrendo
147
. De
acordo com o pároco, a igreja construída em 1724, servia, dentre outras coisas, como
local de proteção, reunião e oração dos índios durante o clima tenso das disputas, entre
índios e fazendeiros, pela terra no final de 1970 e nos primeiros anos da década
seguinte
148
.
O pajé dos xocó ressaltou a importância das imagens sacras para seu povo. Ele
destacou a história da construção da igreja a partir da lenda” de “São Pedro fujão”
149
,
que narra a história de uma imagem pequena que foi encontrada, em tempos remotos,
por um índio anônimo na ilha de São Pedro. Este índio levou a imagem para a Caiçara,
uma parte das terras do território indígena em que viviam. Entretanto, misteriosamente,
a imagem retornava para a ilha, e o processo se repetia. Finalmente, foi construída a
igreja de São Pedro na ilha, morada final da imagem. Nesta igreja existia, além dessa,
outras imagens de São Pedro e de outros santos, que foram “sumindo” paulatinamente.
Dentre eles, a imagem de Nossa Senhora do Rosário
150
.
Os índios trabalhavam como meeiros nas propriedades regionais. Eram bastante
explorados e não tinham liberdade de se expressar, inclusive, praticar seus rituais
146
Entrevista de Frei Enoque, 2009.
147
Entrevista concedida por Maria José Faustino (irmã Zezé) na cidade de Porto da Folha (SE), em 13
de julho de 2009.
148
Entrevista de Frei Enoque, 2009.
149
A lenda de santos fujões não é estanha em outros municípios sergipanos, como em Itabaiana, e
brasileiros. Apresenta-se como “mito fundador” de uma determinada devoção a um santo, bem como
justifica a construção de igrejas para abrigá-lo.
150
Esta como outras, estão sob a guarda do Museu. Cf: Entrevista concedida por Raimundo Bezerra
Lima(pajé Raimundo) na Ilha de São Pedro, município de Porto da Folha (SE), em 16 de julho de 2009
133
religiosos e suas festas. A igreja estava abandonada e muitas imagens de santos foram
vendidas, pelos “supostos proprietários” da terra, ou roubadas. As poucas que restaram
foram guardadas pelos índios. Sobre a época da luta dos índios para a retomada de suas
terras, o frei narrou um episódio. Afirmou que em uma ocasião, se deslocou até a ilha
para realizar rituais relacionados à festa de São Pedro, juntamente com os índios, mas
foi impedido de entrar na igreja
151
. Mesmo assim, foi rezada uma missa na frente da
igreja e foi realizada uma romaria. Durante o processo de luta pela terra, e por sua
identidade enquanto índios, a igreja foi um importante ponto estratégico. Era que as
mulheres e as crianças se protegiam quando da iminência de um possível ataque de
policiais e de pessoas favoráveis aos fazendeiros, perseguidores dos índios
152
.
Um outro acontecimento reforça a ligação dos índios com suas imagens e a
igreja. Entre 1979 e 1980, aproximadamente, os índios da aldeia de São Pedro, no
município de Porto da Folha, levaram “com grande solenidade e com muito júbilo do
povo da ilha” a imagem de São Pedro que estava sob a guarda do Museu de Arte Sacra
de São Cristóvão ( REGNI, 1988: 218). Possivelmente esta foi a imagem roubada da
aldeia antes da reintegração da posse das terras dos índios. Após ser recuperada, em
Águas Belas, no Estado de Pernambuco, ficou no MASC em um curto período
153
,
sendo, então, conduzida à cidade de Porto da Folha/SE e, em seguida, à ilha de São
Pedro. Na ocasião, em meio às comemorações, danças e choros, foi criado um cântico
que, em uma de suas passagens, diz o seguinte:
Olhe São Pedro
O senhor não tá
Vive arrudiado
Dos índios xocó
154
Os fatos narrados até este ponto deixam evidente a importância dos objetos
sacros para as sociedades em que estavam inseridos. Ao mesmo tempo, eles denunciam
a vulnerabilidade de alguns desses bens à ação ilícita de alguns agentes para obtê-los.
151
Uma das índias que participaram do ato afirma que todos os índios deveriam ter tentado entrar à força
na igreja. Cf: Entrevista concedida por Maria José Faustino (irmã Zezé) na cidade de Porto da Folha
(SE), em 13 de julho de 2009.
152
Entrevista de Frei Enoque, 2009.
153
Entrevista concedida por Maria José Faustino (irmã Zezé) na cidade de Porto da Folha (SE), em 13 de
julho de 2009.
154
Este cântico é citado também pelo pároco, Frei Enoque, ao lembrar do episódio.
134
Este cenário era percebido também pelos órgãos do governo responsáveis pela proteção
do patrimônio cultural sergipano. Neste sentido, diante da fragilidade em que se
encontravam os “objetos sacros de maior interesse histórico e artístico” nas igrejas, o
Conselho Estadual de Cultura, em 1979, sugeriu a possibilidade dos bispos sergipanos
recolhessem e preservassem no Museu esses objetos. Refletindo sobre tal projeto,
mesmo dando parecer favorável à sugestão do Conselho por conta da falta de segurança
nas igrejas, uma das conselheiras, e ex-diretora do MASC, emitiu sua opinião nos
seguintes termos:
A nossa gente do interior tem um carinho comovente pelas imagens de suas
igrejas.
No período em que estivemos na direção do Museu de Arte Sacra de São
Cristóvão, testemunhamos a emoção com que o povo simples visitava as
imagens saídas de suas paróquias e em exposição no Museu.
155
Estes episódios fornecem uma ideia das dificuldades enfrentadas pelos criadores
e mantenedores do MASC para formar o acervo da instituição. Por outro explicitam
processos dramáticos cujo discurso construído pelos agentes da instituição não deixam
transparecer. Assim, no discurso da instituição, o que é colocado em primeiro plano é a
unidade do povo sergipano através de suas imagens, representativas da memória, da
história e da identidade religiosa.
3.4. Administração do MASC
A disposição dos bens culturais do MASC por temáticas é uma herança dos
primeiros anos da instituição. Esta nos parece ser, ainda, a forma como estão dispostos
os objetos na exposição atual, resultante das últimas propostas museográfica e
museológica executadas no MASC em 2005, por uma empresa contratada sob o
patrocínio da Petrobrás. A exclusão da participação de agentes responsáveis pelo
funcionamento e administração do MASC na construção dessas propostas, revela uma
continuidade com o passado da instituição, qual seja, a pequena margem de liberdade
desses agentes em atuar sobre o referido espaço por conta da dependência do MASC
aos interesses de agentes bem posicionados no campo político.
155
CONSELHO ESTADUAL DE CULTURA, Camâra de Ciências, Patrimônio Histórico e Artístico,
1979. Cópia gentilmente cedida pela diretora B. p.3
135
Até 1985, por conta do convênio estabelecido entre a Arquidiocese de Aracaju, o
Governo do Estado e a Universidade Federal de Sergipe, os funcionários e
administradores do MASC formavam uma configuração resultante da intersecção dos
campos político e religioso, cuja consequência, em alguns momentos, revelava tensões,
conforme apontamos no capítulo anterior. Mesmo com a criação da Fundação Museu de
Arte Sacra a situação destes agentes no que se refere ao grau de autonomia para refletir
e exercer seus trabalhos na instituição ainda sofre restrição por conta do vínculo
empregatício a que estão submetidos.
Criado o MASC um dos problemas foi pensar em administrá-lo. Segundo Dom
Luciano esta tarefa coube inicialmente à Universidade Federal de Sergipe. Levando em
consideração esta instituição, a administração do MASC pode ser compreendida em
duas fases ao longo da sua história. A primeira se inicia no ano em que a instituição é
instalada, em 1974 e finda em 1985, quando é criada a Fundação Museu de Arte
Sacra
156
. As características básicas dela são: o controle administrativo da Universidade
Federal de Sergipe, a constituição do acervo e a formação de uma rede de
interdependência capaz de assegurar a manutenção do MASC e destacá-lo no campo
cultural sergipano, conforme apresentamos no capítulo anterior.
Com a criação da Fundação, a UFS deixa de administrar o MASC iniciando-se,
assim, a segunda fase. Esta tem como principal característica a tentativa de desenvolver
uma maior autonomia financeira e administrativa da instituição. Esta é a fase em que o
MASC se encontra. Apesar destas distinções, a formação de uma rede interpessoal e o
estabelecimento de alianças institucionais são as principais características
administrativas do MASC nestas fases.
156
A Secretaria da Fundação foi instalada na Casa da Cultura de São Cristóvão. Cf: Catálogo de 1989.
p.35.
136
FIGURA 20 ORGANOGRAMA DA ADMINISTRAÇÃO DO MASC
(1974-1985)
Conforme é possível observar, no organograma acima (figura 20), na primeira
fase da administração do museu foram estabelecidos dispositivos legais para garantir a
existência, manutenção e desenvolvimento do MASC. O Convênio de criação e o
Regimento Interno definiam a organização administrativa do MASC. Entretanto, a sua
eficiência era minada pela porosidade da fronteira que separava os campos político,
religioso e cultural. Esta pode ser atribuída à política de alianças estabelecidas na
instituição em que os agentes procuravam ter atendidas suas demandas específicas.
Para o governo estadual o MASC representaria um Centro de Cultura, atrativo
para turistas e instância de distinção de sua preocupação com a preservação da cultura
material dos sergipanos. Para a Universidade Federal de Sergipe o Museu se constituiu
num espaço de extensão de suas atividades e demonstrativo de apoio à cultura
sergipana. para a Igreja, uma demonstração da arte e da seculares dos sergipanos,
expressa na arquitetura e objetos, bem como um espaço singular para a guarda de seus
objetos sacros de valor. Logo, é compreensível a indisposição de Dom Luciano com a
proposta da EMSETUR, em 1977, de transformar a Igreja do Rosário num Salão de
Exposições e a do Amparo em um Teatro de Arena. Para o arcebispo, isto significaria a
Museu de Arte Sacra
de São Cristóvão
Arquidiocese de
Aracaju
Universidade Federal
de Sergipe
Governo do Estado de
Sergipe
Conselho de Direção
Diretor Executivo
Serviço Técnico
Serviços Gerais
Secretaria
Fonte: ARQUIVO UFS/PROEX/Termo de Convênio, 14 de abril de 1974 e
Regimento do Museu de Arte Sacra de São Cristóvão.
137
desfiguração do aspecto religioso das igrejas e afetaria “a própria característica da
cidade marcada pelo misticismo”
157
.
Em uma correspondência dirigida ao reitor da UFS, o Arcebispo de Aracaju,
relatando os fatos ocorridos nos festivais de 1976 e 1977, destacou, dentre outras, a
atitude reprovável dos jovens que “foram vistos colocando cigarros nas bocas mudas
das imagens” e o roubo de pedaços de “um velho sacrário da Igreja do Amparo” para
serem utilizados como “souvenirs” (Apud: BEZERRA, 2002: 35). Em 1982, durante o
XII FASC, o comportamento de participantes do Festival é questionado. Desta vez, a
irmã Palmira da Silva Gonçalves, responsável pelo Convento de São Francisco, relata
ao Arcebispo algumas situações ocorridas em uma das noites nas dependências do
convento, como o uso de entorpecentes e bebidas alcoólicas, práticas de relações
sexuais hetero e homossexuais. Diante de “tanta baderna e tanta imoralidade, dentro de
uma casa de respeito” procurou tomar as devidas providências. Porém, afirma ter
sofrido agressões verbais por parte de um funcionário da universidade.
158
Nesta fase, apesar de não está determinado no convênio de cooperação, a direção
do MASC participava da organização das atividades do FASC, mesmo porque as duas
primeiras diretoras do MASC eram professoras da UFS, instituição que organizava o
FASC. Desde o primeiro, em 1972, Dom Luciano apoiou o evento e nos anos seguintes,
a direção do MASC se fazia presente oferecendo cursos ou integrando comissões de
organização do FASC. Por conseguinte, em 1981, Dom Luciano é reconhecido por este
apoio, pelo seu empenho dedicado ao MASC, administrado pela UFS, bem como por
ceder os conventos do Carmo e de São Francisco para o desenvolvimento de
atividades
159
.
A professora B, foi uma das primeiras diretoras do MASC, portanto, participou
dessa primeira fase, vejamos seu perfil biográfico. Sendo uma dentre os nove filhos de
pequenos proprietários rurais do interior de Sergipe, a professora B. nasceu em 1924.
Migrou para Aracaju, capital do Estado, nos primeiros anos. Para a sua mãe, a mudança
de residência era a possibilidade de realizar o sonho de “dar a seus filhos a educação
157
Arquivo IDLD/Cx 1 pacotilha 7. 04-04-1977
158
IDLD / Cx 33, pacotilha 3.
159
Cf: Jornal Hi-Sol, 23, 24 de set. e 03 de outubro de 1981, p.2
138
que não pôde ter”. Desprovida da herança familiar de capital social, a professora
investiu na aquisição de trunfos escolares e culturais para alcançar uma posição de
destaque no seu campo de atuação. Foi no Grupo Escolar General Siqueira que B fez
seu curso primário e iniciou sua trajetória de aquisição de capital cultural. Logo, após
continuou seus estudos na Escola Normal.
É nesta fase, com o exemplo da professora Marina Nabuco, que a sua vocação
para o magistério foi alimentada. Além de Marina somaram-se outros mestres que
contribuíram para a sua formação na Escola Normal, cujo reconhecimento encontra-se
na sua fala. Formada em Magistério, lecionou durante um ano no interior do Estado,
seguindo a trajetória comum às moças que terminavam este tipo de curso. Contudo,
acreditava que deveria sempre “progredir, ir para a frente” profissionalmente. Assim,
após ter despertado o interesse de um de seus professores durante a realização de um
curso de aperfeiçoamento, foi indicada para fazer um curso na Escola Nacional de
Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro. Retornando
à Sergipe, foi ensinar Educação Física na Escola Normal. Da lembrança diante desta
disciplina, se destaca o desencanto com as condições difíceis para aplicar o que
acreditava ser necessário para o desenvolvimento do seu trabalho.
Foi com a fundação da Faculdade de Filosofia de Sergipe (FAFI) que a
professora B conseguiu dar início a concretização de um dos seus sonhos: ter um
diploma de Ensino Superior. Logo, incentivada pelo padre Luciano, ela integrou a
primeira turma de Letras da Faculdade. De um encontro casual, iniciaram-se os “laços”
profissionais e de amizade entre esses dois agentes, que foram se estreitando ao longo
do tempo
160
. Em 1957, o mesmo padre a indicou como professora substituta de Língua e
Literatura Francesa da referida faculdade. Em 1959 aceitou o convite de dirigir o recém
inaugurado Ginásio de Aplicação. Em 1968 iniciou a sua carreira como professora
titular de Língua e Literatura Francesa do Instituto de Letras, Artes e Comunicação da
Fundação Universidade Federal de Sergipe. Sobre sua entrada na UFS, a professora B.
afirmou
160
Em 1950, o Padre Luciano envereda-se na tarefa de recrutar “profissionais liberais, pessoas com
formação superior e cultura reconhecida, a fim de conquistar professores para a nova instituição de
ensino”. Oferece “encargos e estudos” Cf: (GIZELDA, 2008: 77).
139
eu tava até no Rio, quando foi formar o primeiro grupo de professores
da Universidade, ninguém entrou por concurso, entrou pelo seu valor
pessoal, pelo conhecimento dos mestres. No meu, caso, com o
conhecimento de Dom Luciano.
A professora B informou que existiu o “concurso”, inclusive, ela se submeteu,
mas, conforme podemos verificar na sua fala, o “valor pessoal” e o “reconhecimento
dos mestres” foram os dois principais critérios de recrutamento dos primeiros
professores da UFS. Foi nesta Universidade que a professora B. experimentou a
possibilidade de ver concretizado mais um de seus sonhos: fazer um curso de
aperfeiçoamento na Sorbonne, na França. Segundo ela, era a realização de uma antiga
promessa feita por Dom Luciano. Contudo, é preciso acrescentar a este motivo, a
inserção de B numa configuração social propícia para a concretização desse desejo.
Neste momento, o aumento dos recursos intelectuais através do aprofundamento de
estudos, no âmbito local ou internacional, bem como as possibilidades do crescimento
do capital econômico foram duas das consequências resultantes da criação da UFS
(DANTAS, 2004: 212) que, provavelmente, atingiu não B, mas como também seus
pares.
Apesar de estar inserida numa configuração social propícia para a concretização
de mais um dos seus sonhos profissionais, parece-nos que o peso dos valores familiares,
neste momento, foi maior que o aumento dos recursos culturais que o curso na
Sorbonne poderia render, visto que, em 1973, B tivera que interromper seus estudos
diante do falecimento do seu pai. Foi neste contexto, de sofrimento pessoal, que recebeu
o “convite” do então Arcebispo Dom Luciano para que ocupasse o cargo de diretora do
MASC. O “convite” foi feito nos seguintes termos:
“Eu sei que você está muito triste por causa de seu pai você vai
{risos} se alegrar” {risos}. Então, eu fui conseguir todo o meu
“d,aplomb”, a minha maneira de trabalhar, de dirigir, ele me botou
porque sabia que eu dirigia o Ginásio de Aplicação, que é... foi um
dos primeiros, é uma coisa linda, era lindo esse trabalho.
161
A sua experiência como administradora, segundo B, foi um dos motivos que
contribuíram para a sua escolha como a primeira diretora do MASC. Ela já havia
161
Entrevista concedida pela diretora B realizada na cidade de Aracaju em 19 de maio de 2010.
140
exercido outros cargos administrativos. Além do Ginásio de Aplicação, administrou a
Faculdade de Filosofia, na ausência de seu diretor, o padre Luciano, e o Colégio
Estadual de Sergipe. Sobre esta última experiência, lembra-se do momento em que
conseguiu manter a instituição “de pé”, diante daquelas “revoluções lá dos estudantes”.
Ao iniciar suas atividades no MASC, a professora B não tinha conhecimento
sobre o que “era um museu”. Tal conhecimento foi sendo adquirido através do
autodidatismo e do convívio com a professora Wilma alves. Esta era uma religiosa
ligada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e lecionava História da Arte. Era
considerada pela professora B, uma especialista nesta área. As duas dividiram a direção
do MASC por mais de quatro anos. Logo, existiu uma divisão de trabalho. A professora
B, representante do Conselho Diretor do MASC, estava encarregada de resolver as
questões burocráticas, por seu turno, a professora Wilma dedicava-se às questões
museológicas e museográficas, como a aquisição do acervo e organização da exposição
da instituição.
Dentre as suas funções, estava a administração dos funcionários que trabalharam
no museu. A professora B afirmou que empregou “quase todos” os funcionários da
instituição com os quais desenvolveu intensos laços de amizades. Estes funcionários
eram preparados por ela e “sabiam das exigências” para o bom funcionamento do
Museu. A idoneidade, a polidez ao atender os visitantes, a apresentação pessoal, o amor
ao trabalho e ao museu eram ingredientes que constituíam, segundo ela, o modelo de
funcionário a ser seguido nos primeiros anos da instituição e, que até este momento, é o
esperado.
Em 1985, na tentativa de buscar uma maior autonomia para o MASC foi criada a
Fundação Museu de Arte Sacra (Figura 21). Oficialmente, pretendeu-se adquirir a sua
independência financeira e administrativa. Entretanto, os recursos humanos continuaram
atrelados ao poder público, pois os funcionários da instituição permaneceram sendo
mantidos pelo Governo do Estado, especialmente pela Secretaria de Estado da
Educação.
Por não dispor em sua estrutura administrativa de mecanismos que incentivem a
execução de atividades em museus, como a existência de cargos específicos nem um
141
plano de carreiras, alguns funcionários e diretores dessa e de outras unidades
museológicas administradas pelo Estado ou a ele conveniadas, relataram as dificuldades
para continuarem desenvolvendo tarefas nesta área, apesar de demonstrarem o gosto
pelo que faziam, cujo aprendizado, com algumas exceções, foi adquirido de forma
autodidata, como é comum em unidades museológicas brasileiras, até o momento. Este
foi um dos desafios apontados por duas das diretoras desta instituição. Uma delas, a
professora F que nos concedeu depoimento, justificou sua passagem repentina, de 6
meses, por temer perder vantagens trabalhistas que a sua carreira possibilita. Sendo
professora, na sala de aula ela teria direito a uma aposentadoria especial, fora da sala,
esta vantagem se reduziria
162
.
Diante deste quadro, não é possível afirmar que a estrutura administrativa nesta
segunda fase obteve o êxito almejado, visto que a dependência do MASC em relação
aos poderes públicos, nos âmbitos estadual e municipal, continuou. Interessante
observarmos que a maioria das diretoras exercia o magistério. Este é um item que não
deve ser desprezado na prática de recrutamento destes agentes, visto que, nesta condição
a cessão de seus serviços para o MASC poderia ser efetivada, de acordo com os
convênios estabelecidos com a secretaria da educação estadual. Ainda dentro deste item,
no que diz respeito às relações de forças, não devemos esquecer que um dos parceiros
do MASC, a UFS, deixou de ser conveniada ao Museu, portanto, não contribuía mais
com a administração da instituição.
FIGURA 21 - ORGANOGRAMA DA ADMINISTRAÇÃO DO MASC A PARTIR
DE 1985
162
Entrevista concedida pela professora F, em 04 de agosto de 2009
Fundação Museu de
Arte Sacra
Serviço técnico
Secretaria
Serviços Gerais
Diretor
Fonte: ARQUIVO UFS/CECH/DHI/Fundação Museu de Arte Sacra de
Sergipe/Escritura Pública.
142
O recrutamento das diretoras do MASC foi pautado nas relações pessoais, de
parentesco e de amizade, principalmente na segunda fase. Estas relações formam uma
configuração social específica, em detrimento aos atributos técnicos que o cargo parece
exigir dos postulantes. Esta evidência nos parece plausível visto que alguns diretores do
MASC, também tenham sido diretores de outras instituições como o Museu Histórico
de Sergipe, em São Cristóvão e o Museu Afro-Brasileiro, na cidade de Laranjeiras.
Contudo, devemos registrar que uma das diretoras do MASC, a professora E, que
ocupou também a direção do Museu Afro-Brasileiro, além de ser formada em História
tem o tulo de Museóloga provisionada, e ao longo dos seus 18 anos no campo da
museologia fez outros investimentos através de cursos específicos. De acordo com seu
relato, o interesse pelos museus foi cultivado desde a adolescência
163
. Este caso,
portanto nos levou a procurar outras respostas para a ocorrência dos princípios que
basearam a escolha de diretores da instituição. Antes, porém, é relevante observamos
que as relações entre as diretoras dos museus, às vezes, era fundamental para a
manutenção dessas instituições. Algumas dessas diretoras, em alguns momentos, com
recursos financeiros próprios, custeavam material básico para a manutenção da
instituição que estava sob sua responsabilidade. Outro dado importante é que por
estabelecerem vínculos de amizade haviam trocas constantes de conhecimentos e
experiências tanto no que se refere aos aspectos museológicos quanto museográficos.
Provavelmente, pelo fato das unidades museais sergipanas, de uma forma geral,
estarem situadas na interseção entre os campos políticos e cultural, é exigido dos
dirigentes a habilidade de transitar nestes espaços sociais para administrar as
instituições que lhes são confiadas. Nestes campos, o uso dessas relações foi importante,
o que não é uma singularidade apenas deste espaço social, como sugerimos no primeiro
capítulo. Entre os intelectuais brasileiros e sergipanos desde o final do século XIX esse
dispositivo era utilizado para ascensão e permanência em cargos públicos mais
concorridos, mesmo que, posteriormente, este recurso tenha sido substituído por uma
maior competência cultural, adquirida através do diploma superior. No caso do MASC,
possivelmente este trânsito era maior para os diretores da primeira fase, conforme
podemos apreender do perfil biográfico da diretora B, e o poder que ela tinha de até
163
Depoimento fornecido pela professora E, em agosto de 2010.
143
providenciar a inserção de alguns agentes no serviço público, como ocorreu também
com a primeira diretora do Museu.
No caso do MASC, pela natureza do valor dos bens a serem salvaguardados e
expostos e pela dependência do campo político - cujos interesses sobre o incentivo à
cultura variam de acordo com a configuração política dominante, e o perfil do seu
secretariado, conforme depoimento da diretora F, o que resulta na forma como o apoio a
instituição é concedido- conjecturamos que o princípio de escolha de seus diretores
baseados na relação de amizade e parentescos foi uma estratégia para a manutenção da
instituição desde a sua criação. Esta evidência é plausível se observarmos, a posição
central que a diretora C
164
teve na administração do Museu.
Tendo estabelecido um grau de amizade com o ex-arcebispo Dom Luciano e
com o ex-governador Lourival Batista e conhecendo os princípios que garantiram a
criação e a manutenção do MASC, na nossa perspectiva, ela (C) é um elemento
explicativo para a prática de recrutamento de diretores para o MASC baseada nos
princípios de amizade e confiaa. Tal percepção pode ser justificada, levando em
consideração o quadro abaixo e o esboço biográfico de outra ex-diretora do Museu, a
professora F.
QUADRO 4 - RELAÇÕES DE PARENTESCO E AMIZADE NOS MUSEUS
SERGIPANOS A PARTIR DA DÉCADA DE 1980
165
Museu de Arte Sacra
Museu Histórico de
Sergipe
Museu Afro-Brasileiro
C
C
D (parente de C)
D (parente de C)
D (parente de C)
F
E (indicada por C)
I (parente de C)
F (indicada por C)
J (parente de G)
G ( indicada por C)
164
Apesar de algumas tentativas, não conseguimos entrevistá-la.
165
Foram excluídas deste quadro as duas primeiras diretoras do MASC, A e B, por não terem dirigido
outras instituições museais na década anterior.
144
A professora F se formou em História em 1979, pela Universidade Federal de
Sergipe. Desse período lembra-se das aulas de História da Arte com a professora A,
uma das ex-diretoras do MASC, e de sua dedicação em lecionar a disciplina. Nascida no
interior do Estado de Sergipe, assumiu a direção do museu por alguns meses, em
substituição a diretora D, sobrinha da ex-diretora C. Esta, na época, ao deixar o cargo de
Secretária da Educação do município de São Cristóvão e após observar um trabalho de
educação patrimonial desenvolvido por F, a convidou para ocupar a direção do MASC.
É necessário destacar que F fora antes convidada a ser secretária de C através de I, irmã
de C, que destacou o trabalho que F vinha desenvolvendo no campo da educação
patrimonial.
Segundo F, na sua administração era C quem mantinha os contatos necessários
com instituições e agentes que contribuíam para a manutenção do MASC. F declarou
que C era que cuidava de tudo. Na verdade o museu sempre foi a menina dos olhos de
{C}”. A influência de C na administração do MASC, após a sua saída da direção era
constante. Uma funcionária do museu afirmou que “por vida foi {C}, a diretora daqui.
Até hoje, o povo diz que ela saiu, mas ela é quem resolve tudo”.
Além desses relatos, lembramos que quando solicitamos acesso à documentação
no MASC, a ex-diretora C foi consultada. Estas evidências nos conduz a conjecturar
que as principais decisões relacionadas à administração do MASC eram tomadas por C,
cabendo as suas sucessoras uma papel secundário. É neste contexto que podemos
compreender, em parte, porque na última reforma da instituição a participação da
diretora G, no sentido opinar sobre a construção da nova exposição, fora desconsiderada
pelos órgãos responsáveis pelos serviços.
Antes de assumir a direção do MASC, F dava aulas de História na cidade de São
Cristóvão. Ela lembra a importância de um curso de Educação para o Patrimônio
ministrado por C, que influenciou sua prática pedagógica. Dessa experiência F lembrou
que,
tinha um grupo de reisado, ai a gente resgatou o reisado, a chegança
porque lá em São Cristovão tem um grupo de chegança, tem um grupo
de reisado, eu falei com o pessoal desses grupos, eles foram ensinar
aos meus alunos as coisas reais, verdadeiras, eu fiz na escola a
apresentação numa tarde disso, reisado, chegança e pastoril e
145
simultaneamente a isso eles fizerem as maquetes dos monumentos
históricos da cidade e o museu tava incluído, então pra puxar isso, não
ficar só na maquete, eu levava os meninos pro museu.
A ex-diretora F afirmou ainda que um dos eventos que mais marcou a sua
administração foi o aniversário do político Lourival Batista, colaborador do MASC e
amigo pessoal de C. Este evento contou com o patrocínio da Prefeitura de São
Cristóvão e do governo do Estado. Disse ainda, que toda a cidade se envolveu no
evento. Este episódio ilustra uma das características do MASC, qual seja, estar inserida
entre as instituições responsáveis por consagrar determinados agentes sociais,
principalmente políticos.
A falta de autonomia econômica do MASC e o tipo de relações sociais
estabelecidas por seus fundadores e dirigentes com os órgãos que o mantinham, em
alguns momentos, levou a instituição a funcionar como uma extensão do poder público,
e como tal ficando propensa às relações específicas deste poder, que nem sempre são
compatíveis com as demandas dos agentes e das instituições situadas no campo
cultural
166
.
3.5 Os funcionários
Além da direção, no MASC existe um grupo de funcionários encarregados da
manutenção e acompanhamento dos visitantes do museu. São funcionários do governo
do Estado colocados à disposição da instituição através de convênios estabelecidos entre
o MASC e os governos estadual e municipal. A gratuidade de acesso, a exposição da
instituição aos alunos da rede pública parece ser uma das consequências desses
convênios
167
. A trajetória profissional de alguns desses funcionários indica a
intermediação direta das primeiras diretoras para o acesso deles ao serviço público.
Outros faziam parte dos estabelecimentos de ensino da Secretaria Estadual de Educação,
sendo, portando, cedidos para o museu. Com exceção da equipe de segurança, a
maioria desses “acompanhantes” é do sexo feminino. Esta última característica pode ser
também verificada em outras instituições museológicas sergipanas, a exemplo do
166
Entrevista da professora F, concedida em 04 de agosto de 2009.
167
A diretora E afirma que durante a sua gestão foi instituída a gratuidade de acesso dos moradores da
cidade de São Cristóvão ao Museu. Entrevista realizada em agosto de 2010.
146
Museu de Sergipe e o Museu Afro-Brasileiro de Laranjeiras (CARVALHO, 2006;
RESENDE, 2006).
A aprendizagem das atividades inerentes ao museu se deu de duas formas:
através de ensinamentos passados das mais antigas funcionárias para as mais novas e de
treinamentos específicos oferecidos pela direção do MASC
168
. No relatório direcionado
a UFS, em 1984, ficou assim registrado,
O Museu estando com o seu acervo restaurado sentimos a grande
necessidade de ter gente especializada em limpá-lo. Então decidimos
deslocar uma funcionária (....) para o Centro de Restauração, e que
mais se identificando com o serviço pois antes de ser contratada pelo
Estado para trabalhar no Museu treinava conosco e lá, a ensinei
como limpar poeira e casa de aranha em trabalhos de Arte, como
também fixar policromia e detectar possível infestação de insetos
xilófagos nas peças museológicas. (Não é qualquer pessoa que pode
executar tal tarefa devido o valor e fragilidade das mesmas).
169
O relato dessa diretora, em 1984, chama atenção para a necessidade de
funcionários especializados para desenvolver serviços no MASC. Entretanto,
predomina, na história do MASC, funcionários cuja formação não é especifica para o
tipo do trabalho inerente à instituição, apesar de alguns esforços empreendidos por
alguns diretores para qualificá-los através de cursos. A diretora E também chamou
atenção para a necessidade de funcionários especializados.
O trabalho dos funcionários do MASC foi reconhecido como importante para a
instituição ao longo da sua história. Um dos visitantes do MASC, na década de 1970,
fez a seguinte observação: “limpeza, asseio, acolhimento dos funcionários, até as peças
raras, tudo isso retrata a passagem{sic} da cultura, da Arte, do Progresso em S.
Cristóvão, projetando a milenar”
170
. Na mesma década uma funcionária do Museu
Histórico da cidade do Rio de Janeiro, que visitou o MASC, assim se expressou:
Quero deixar registrada a boa impressão que tive deste museu. O
acervo é verdadeiramente muito bom. A disposição das peças,
iluminação, circulação dos visitantes está impecável. que se
registrar também a apresentação e educação dos funcionários do
museu, que vigiam mas não intimidam. Parabéns a todos.
171
168
Entrevista de uma funcionária realizada 01 de setembro de 2009, e de uma diretora realizada em 2009.
169
ARQUIVO UFS/PROEX/Dossiê MASC/ ofício de fevereiro de 1984.
170
MASC/Livro de Impressões(1974-2010)
171
MASC/Livro de Impressões(1974-2010), p.5
147
De acordo com Denise Grinspum, em uma exposição os textos de parede, os
folhetos, os áudio-tours e os cd-rom, são importantes instrumentos de mediação
utilizados pelos museus. Contudo é importante o contato com os monitores, pois eles
são a “fala” e o “ouvido” da exposição, conclui a autora (2000: 42). Apesar da
importância desses agentes atribuída por especialistas em museus, a situação desses
funcionários, no que se refere à valorização e o seu reconhecimento profissional está
distante do ideal
172
.
Os registros elogiosos aos funcionários do MASC foram constantes durante as
próximas décadas. Em 1997, o povo de São Cristóvão e os funcionários são
parabenizados por tornarem possível o conhecimento deste “Maravilhoso Museu”
173
.
Entretanto é possível identificarmos também críticas relativas aos funcionários do
MASC e aos procedimentos da instituição em relação à proteção do seu acervo. Assim,
um professor universitário da Bélgica, critica o fato de ter sido seguido, “como
suspeito”, por dois funcionários do museu após ter sido negada a sua solicitação de tirar
fotografias da exposição
174
. É, portanto, entre elogios e críticas que a direção e
funcionários do MASC convivem num ambiente pensado e desenvolvido para guardar e
expor os bens culturais indicativos da identidade religiosa sergipana.
172
De acordo com os depoimentos colhidos de duas funcionárias 1 e 2. Esses depoimentos foram
colhidos, separadamente, nos dia 1 e 18 agosto de 2009.
173
MASC/Livro de Impressões (1974-2010)
174
MASC/Livro de Impressões. (1974-2010).p. 29
148
Considerações finais
Iniciamos nosso percurso situando a posição dos museus no campo do
patrimônio cultural brasileiro. Percebemos que, no processo de gênese e estruturação
desse campo, iniciado nas primeiras cadas do século XX, as instituições museais
participaram das discussões sobre a identidade nacional.
A preocupação com a identidade nacional estava presente entre os intelectuais
desde a primeira metade do século XIX. Quando estes se instalam nas instituições
científicas como os institutos históricos, faculdades de direito e de medicina, bem como
nos museus etnográficos e históricos, tal discurso, consubstanciado com elementos
raciais, procurou se estabelecer como dispositivos de controle social. Inseridos no
campo intelectual, os debates sobre a identidade nacional e seus elementos
constitutivos, dentre eles, os bens culturais patrimoniais, foram objetos de disputas entre
os intelectuais que estavam dispostos no referido campo.
Muitos desses agentes, ao se instalarem nos órgãos e instituições públicas ou
representarem interesses ligados aos grupos sociais dominantes, construíram
representações sobre a identidade nacional no sentido de garantir e reproduzir tais
posições. Neste sentido, os bens culturais eleitos como indicativos da identidade
nacional tiveram como um dos critérios básicos para serem identificados, preservados e
divulgados, as suas relações com memórias e histórias que negassem as tensões sociais.
Os patrimônios materiais eleitos como dignos de serem protegidos pelo poder
público foram os ligados à religião Católica e aos “Senhores Coloniais”. Assim, igrejas,
casas-grandes e sobrados coloniais foram os principais bens protegidos pela instituição
que ficou, desde 1937, encarregada de desenvolver políticas públicas de proteção e
divulgação dos bens culturais indicativos da identidade dos brasileiros, o Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ser brasileiro, portanto, era reconhecer os
feitos dos grandes homens (estudar a história pátria), conhecer e admirar a beleza dos
estilos artísticos (principalmente o barroco) e lembrar sentimentos que estruturam a
personalidade dos indivíduos e constroem relações pacíficas entre os agentes (a
religião).
149
O exame da institucionalização do SPHAN foi relevante para compreendermos
as disputas que existiram no campo cultural brasileiro. Dentre elas, enfatizamos o
projeto preservacionista que foi adotado pelo Estado brasileiro. A proposta do
intelectual Mário de Andrade, que procurava ampliar o conceito de patrimônio e
demonstrar a sua importância para a construção das diversas identidades dos grupos
sociais brasileiros, foi derrotada pela de Rodrigo Melo Franco de Andrade, próxima da
representação de patrimônio elaborada pelos grupos sociais dominantes, política e
economicamente.
Rodrigo Melo Franco de Andrade ocupou a direção da instituição até o final da
década de 1960. Neste período o número de museus cresceu. Entretanto, nestas
instituições, principalmente nos museus históricos, era possível perceber a distinção dos
objetos e dos discursos elaborados, ou seja, grupos sociais como mulheres, negros e
índios, não tinham suas demandas atendidas.
Ao longo do culo XX, grupos sociais, intelectuais e organizações partidárias
contrários à concepção de identidade nacional reducionista, oficialmente estabelecida,
procuraram forjar uma concepção de identidade que contemplasse a diversidade cultural
do país. Entretanto, como ocorreu, com a proposta de Mário de Andrade, nas quatro
primeiras décadas do século, a configuração social não contemplou tais propostas.
Nas duas últimas décadas novos agentes se apresentam no campo cultural com
possibilidades de terem atendidas suas demandas por direitos à identidades, memórias e
histórias. Em alguns momentos a configuração social se apresentou menos favorável
aos debates. Um desses momentos, no Brasil foi o período da Ditadura Militar. Neste
período o regime militar, no sentido de centralizar e controlar o campo cultural, criou
uma rede de instituições capaz de efetivar sua política cultural.
Foi neste contexto de ampliação e controle do campo cultural que foi criado o
Museu de Arte Sacra de São Cristóvão, em Sergipe. Este museu foi criado por um grupo
de agentes situados no campo político, cultural e religioso, em 1973. Dentre estes
agentes se destacaram o ex-arcebispo de Aracaju, Dom Luciano José Cabral Duarte, e
os ex-governadores de Sergipe, Lourival Batista e Paulo Barreto.
150
A participação de Dom Luciano neste processo foi decisiva. Este agente estava
situado numa posição social privilegiada no campo religioso e intelectual, visto que
integrava a elite intelectual do clero conservador e transitava com distinção nos campos
político e cultural da época. Dotado de competências religiosas e educacionais, a
institucionalização do MASC atendia sua demanda por distinção social.
Neste sentido, e em meio a um contexto político que lhe era favorável, utilizou-
se de práticas preservacionistas, sustentadas no discurso de defesa da história, da
memória e da identidade religiosa dos sergipanos, para adquirir os recursos e os
parceiros necessários para o êxito da sua empreitada. Inclusive, se posicionava de forma
distinta no campo do patrimônio.
Os recursos financeiros para a criação e manutenção de sua obra eram garantidos
pela existência de uma rede de instituições estaduais e federais criadas pelo regime e
acionadas pelos integrantes da configuração, quando necessário. Através de suas
relações pessoais com autoridades locais e federais ele promovia o MASC e garantia a
sua manutenção. Por sua vez, às práticas de promoção da instituição utilizadas pelos
agentes ocupantes do cargo da direção, como a publicização do reconhecimento do
trabalho dos idealizadores e mantenedores do MASC bem como as homenagens
realizadas, distinguia socialmente os principais integrantes desta configuração. Neste
sentido, os agentes com maior poder nos seus respectivos campos, eram distinguido
entre seus pares.
Os ex-governadores que mantinham relações próximas, inclusive de amizade,
com o Arcebispo Dom Luciano, a exemplo de Lourival Batista e Paulo Barreto, davam
sustentação ao projeto de Dom Luciano através de práticas preservacionistas sustentadas
nos discursos de defesa da memória, da história e da identidade religiosa dos
sergipanos. Através da imprensa, da tribuna ou interferindo diretamente no sentido de
atender às demandas do Museu, esses políticos eram agraciados pela distinção
concedidas pelos visitantes ilustres do MASC, bem como, ocasionalmente, pelas
homenagens do MASC em alguns eventos promovidos pela instituição. Eram elementos
fundamentais desta configuração visto que proporcionavam a manutenção da
instituição através de convênios estabelecidos com instituições integrantes da rede
federal de manutenção das instituições culturais.
151
No âmbito exclusivo da instituição, os agentes responsáveis pela sua
administração se ocuparam em construir um discurso sobre a memória, a história e a
identidade sergipanas a partir das impressões dos visitantes ilustres da instituição.
Embaixadores, altos funcionários e políticos, foram alguns dos agentes que tiveram sua
passagem pela instituição “comemorada”.
A passagem destes agentes pelo MASC era uma espécie de atestado de distinção
da instituição dentre os museus congêneres. A imagem do museu e seu acervo eram
divulgadas através de catálogos e da imprensa. Normalmente estes catálogos eram
patrocinados graças às relações pessoais estabelecidas entre os agentes, ou através do
acionamento da rede de instituições culturais, inclusive privadas. A dependência dos
diretores e funcionários com o campo político, já que se tratavam de funcionários
públicos cedidos ao MASC, limitava a ação desses agentes, inclusive, dificultando ou
eliminando as possibilidades da realização de projetos pessoais que incluíam o MASC.
Contudo, a configuração de agentes que se formou em torno da criação e manutenção da
instituição, possibilitou a ascensão social de alguns deles, e as relações de amizade que
foram constituídas foram um importante elemento nos laços de interdependência entre
esses agentes.
Foi baseado nos laços de parentesco e de amizade, que a instituição foi dirigida
durante o período analisado. Na construção do discurso da instituição se destacava a
especificidade e a raridade do acervo do Museu, bem como a sua representatividade no
que se refere à memória, a história e a identidade religiosa dos sergipanos. Contudo o
processo de constituição do acervo da instituição revela práticas de violência simbólica,
visto que as comunidades das quais os bens eram retirados, não raro, reagiam de forma
negativa às práticas preservacionistas pretendidas pela instituição.
Diante do exposto percebemos que os agentes que formaram a configuração
responsável pela criação e manutenção do MASC, utilizaram práticas preservacionistas,
e, portanto, sociais que, em muitos momentos, revelaram a distância entre os produtores
e os consumidores de bens culturais, bem como, construíram uma representação de
preservação que atendeu às demandas de determinados agentes e grupos sociais.
Contudo, não podemos ignorar a possibilidade da contribuição desses agentes na
preservação de bens que, provavelmente, não sobreviveriam até este momento.
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