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Nosso século [XX] foi marcado por duas grandes revoluções. A primeira foi
a revolução modernista, nos anos 20. A segunda foi a revolução pop,
momento em que a poesia foi sequestrada pela música, numa sequência de
movimentos que, de fins dos anos 50 a fins dos 60, levaram da bossa nova ao
tropicalismo. O impacto da primeira revolução foi tão forte, que fez do
século um século modernista. O impacto da segunda abalou o lugar cultural
do poema, ao situá-lo entre o livro e canção. (MORICONI, 2002, p. 25)
Retomamos, portanto, a discussão entre letra de música e poema, que, a partir de
agora, será permeada por uma perspectiva histórica, tentando pontuar os elementos que fazem
da Geração Coca-Cola uma herdeira do regime militar, da abertura política, do hippismo, do
punk, do pop, do rock, do desbunde, da bossa-nova, da Tropicália, do multiculturalismo, da
antropofagia. Na verdade, a segunda metade do século XX fará rebrilhar a íntima relação que
havia entre poesia e música, que remonta a antiguidade e tem um momento fundamental com
a poesia provençal da Idade Média.
Por isso, muitos pesquisadores vão buscar na história da lírica as origens da relação
entre palavra cantada e palavra escrita. Observando o termo escolhido por Aristóteles, em sua
Poética, é possível constatar que a própria nomenclatura “gênero lírico” já deixa entrever a
proximidade entre poesia e música, uma vez que aparece vinculada a um instrumento musical,
a lira, com a qual, frequentemente, era acompanhado o poema, a esse tempo, inseparável da
melodia. Reflexos dessa relação são percebidos em outras nomenclaturas que se atribuem à
poesia e são originárias do jargão da música, tais como balada, canção, canto, ritmo, melodia
e cantiga.
Sobre esta última, é oportuno destacar sua íntima relação com o trovadorismo, que
perpassou a Idade Média, especialmente entre os séculos XII e XV, e que se caracterizou pela
produção de cantigas (de amor, de amigo e de escárnio e maldizer). Tais cantigas são, na
verdade, poemas cantados. Perceba-se que no trovador estão concentradas e mescladas as
figuras do poeta e do melodista. Assim, para essa cultura, na qual a oralidade era a forma de
expressão preponderante para as artes da palavra, o cancionista/ compositor era o poeta, e a
tentativa de diferenciar as duas esferas não fazia sentido.
A separação entre a palavra escrita e a palavra falada/ cantada pode ser vinculada à
invenção da imprensa no século XV, que se deu em meio ao racionalismo, enaltecido pela
cultura renascentista emergente, a qual culminará no Iluminismo do século XVIII. Este, por
sua vez, tem no enciclopedismo, portanto, na palavra escrita, um de seus principais alicerces.
O que se quer demonstrar aqui é que, a partir da invenção da imprensa, a cultura
eminentemente oral vai perdendo prestígio e, desse modo, a palavra cantada passa a ser