Mas, agora, nos charcos da baixada, para outra vez e olha. Passam
topázios flamejantes, lanternando o negrume liso do lodo... Lírios
recendem... Esmeraldas notívagas surdem das tábuas e das ninféias, num
enxame... Há diamantes nas folículas rasteiras do lameiro... Toda uma
rutilação no pântano!... O sapo contempla.
Do empapaçado das margens, aqui, além, lá-baixo, retine uma orquestra
bárbara, trilante e áspera, entre cicios febris e coaxos rítmicos. Parece
que é o ar que retreme, que a própria treva é uma poeira efervescente e
sonora... E o sapo escuta.
Aquela massa repelente está comovida e contemplativa: e como toda a
joalheria dos insetos e o murmúrio das trevas o fazem cismador, levanta
os bugalhos para o céu, já recamado de estrelas. Deslumbra-se e extasia-
se, a ver e ouvir, numa fascinação que lhe traz à papeira regougos
surdinados, como a ensaiar um canto... (DUQUE, 1995, p. 76)
A oposição significativa da treva com o rutilar do brejo aponta a deliberada escolha
estética e ideológica dos decadentistas. As luzes e os sons harmônicos, que povoam o
charco, o lameiro, o pântano, produzidos pela “joalheria dos insetos”, seres vis na visão
dominante, comovem a “massa repelente” que é o sapo, tornando possível a reação
sensorial ao mundo sem cor, sem luz, sem música. O belo está onde não se esperava –
“rompe o asfalto”.
O sapo frui o inusitado espetáculo artístico, que, no entanto, não é totalmente capaz
de o reconciliar com o mundo fora desse contexto marginal, não lhe traz felicidade, mas
resignação com sua posição revés. Para o decadentista, a arte, ainda que de uma beleza
distinta, nascida no mauvais lieu, está fadada ao massacre do mundo moderno, e precisa
manter sua necessária posição de marginalidade.
Ah! Triste vivente, asqueroso batráquio, horrendo sapo!... que doce alma
de poeta tu possuis! Bom e simples animal, solitária e inofensiva criatura,
ninguém te quer, ninguém te ama, porque és feio, és feíssimo, tens o
aspecto nojento duma bostela, e porque não ofendes e porque não
seduzes, a maldade dos homens, que é a normalidade humana, te repele,
te injuria, te assassina!
És sapo! Sapo! Irmão dos desgraçados que se amamentaram na Desgraça,
igual aos infelizes que nasceram da Infelicidade, enxotados, batidos,
infamados, porque ninguém os quer, ninguém os quer amparar!...
(DUQUE, 1995, p. 76-77)