Download PDF
ads:
Amanda Dutra Hot
Cartas à Viscondessa: cotidiano e vida familiar no Brasil Império
(Ouro Preto, 1850 – 1902)
Mariana
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Universidade Federal de Ouro Preto
Instituto de Ciências Humanas e Sociais
Departamento de História
Programa de Pós-Graduação em História
Cartas à Viscondessa: cotidiano e vida familiar no Brasil Império
(Ouro Preto, 1850 – 1902)
Dissertação apresentada ao curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Ouro Preto, orientada pela professora Dr.ª
Andréa Lisly Gonçalves, como requisito à obtenção do
título de Mestre em História.
Mariana
2010
ads:
Catalogação: si[email protected]
H832c Hot, Amanda Dutra.
Cartas à viscondessa [manuscrito] : cotidiano e vida familiar no Brasil
Império. Ouro Preto, 1850-1902 / Amanda Dutra Hot. - 2010.
141 f. il. color., tabs.
Orientadora: Profa. Dra. Andréa Lisly Gonçalves.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto.
Instituto de Ciências Humanas e Sociais.
Área de concentração: Estado, Região e Sociedade.
1. Brasil - História - Império, 1822-1889 - Teses. 2. Família - Teses.
3. Elite - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Título.
CDU: 94(81).044/.046
Agradecimentos
Inicialmente, agradeço à Pró-Reitoria de s-Graduação e Pesquisa da
Universidade Federal de Ouro Preto (PROPP/UFOP), pela bolsa de pesquisa que me foi
concedida, possibilitando a realização deste trabalho.
Agradeço a minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Andréa Lisly Gonçalves, pela
orientação competente e cuidadosa. Agradeço tanto pela paciência demonstrada frente
às minhas inseguranças e incertezas, quanto pelo incentivo e entusiasmo a mim
dispensados. Cada leitura que fazia do meu trabalho enchia-o de um ânimo novo.
Aos professores Dr.º Renato Pinto Venâncio e Dr.º Marco Antônio Silveira pelas
preciosas críticas feitas no Exame de Qualificação, as quais foram incorporadas, na
medida do possível, ao texto final. Ao primeiro devo ainda minha gratidão pela leitura e
acompanhamento deste trabalho, mesmo antes do meu ingresso no mestrado.
Ao professor Dr.º Álvaro de Araújo Antunes sou grata por ter-me incentivado no
campo da pesquisa histórica e pelas leituras críticas que fez deste trabalho, quando ainda
era apenas um projeto.
Agradeço também aos demais professores do Instituto de Ciências Humanas e
Sociais (ICHS) que me acompanharam desde a graduação, até o mestrado, por
contribuírem na minha formação e, consequentemente, neste trabalho.
Aos funcionários do ICHS, em especial aos do Departamento de História e do
Programa de Pós-Graduação em História, pela educação e eficiência com que sempre
me ajudaram. Devo também meus agradecimentos a Maria das Graças Ogando, da
biblioteca, pelo carinho, educação e presteza com que sempre me recebeu e me ajudou a
encontrar livros até mesmo fora da biblioteca da UFOP.
Aos funcionários do IPHAN de Ouro Preto, em especial à Simone e ao Rafael
Arrelaro, por abrirem as portas deste renomado instituto para esta pesquisa.
Aos funcionários da Casa do Pilar, Carmem, Sueli e Rosa, e aos estagiários que
sempre acompanharam com muito interesse e atenção a minha pesquisa. Agradeço, em
especial, a Raquel Santos, pelo auxílio na pesquisa, mesmo depois de deixar a Casa do
Pilar como estagiária. A ela fica minha especial gratidão, pela amizade dispensada
desde os tempos da graduação, até o entusiasmo com que dividimos as descobertas
desta pesquisa.
Agradeço aos amigos que me apoiaram e incentivaram a ingressar no mestrado,
e sempre se mostraram interessados em ouvir e entender mais sobre o meu trabalho.
Aos meus familiares por entenderem minha ausência nestes dois anos de
pesquisa. Agradeço, em especial, aos meus pais, Flávio e Margarete, pelo carinho,
incentivo e compreensão a mim dispensados. Ao Germano, pelo companheirismo e por
dividir comigo todos os momentos de alegria, e tamm os de dúvidas e incertezas, que
toda pesquisa de mestrado pode acarretar.
[...] Diante da página em branco e das suas notas de
pesquisa, o historiador não tem como fugir ao dilema que
muito bem definiu um oficial de outro ocio, Lévi-
Strauss, quando assinalou que ele deve sempre optar
entre uma história que informa mais e explica menos e
uma história que explica mais e informa menos”, pois,
dependendo do nível em que se coloque, ele perde em
informão o que ganha em compreensão e vice-versa”.
Evaldo Cabral de Mello. O Nome e o Sangue, 1989.
Resumo
A presente pesquisa tem por objetivo estudar uma família da classe senhorial
ouropretana, os Teixeira de Souza Magalhães. Analisaremos este grupo familiar, usando
como representante principal, Maria Leonor de Magalhães Teixeira, baronesa e
viscondessa de Camargos. Buscaremos, também, compreender o conceito de família e a
forma de se viver em família, experimentada por este grupo da elite oitocentista
mineira. Através do estudo das correspondências ativas e passivas de Maria Leonor,
além de inventários post-mortem, auto de justificão e certidões de batismo,
poderemos esboçar as relações e redes de solidariedades vividas pelos sujeitos que as
encenaram. Acreditamos que, através do estudo do cotidiano desta família, poderemos
compreender melhor as relações familiares de outros núcleos de mesma condição social.
Os casamentos arranjados, a concessão de dotes, a aquisição de títulos de nobreza, a
extrema preocupação com a educação e a instrução dos filhos, a participação em redes
de apadrinhamento e o estabelecimento de relações clientelares devem ser vistos, no
interior deste grupo, como estratagemas usados para a perpetuação da riqueza e do
status social, tão caro às elites oitocentistas.
Palavras-chaves: Família, Elite, Cotidiano, Riqueza, Cartas, Brasil Imperial.
Abstract
This work aims to study a family from the noble class of Ouro Preto city, the Teixeira
de Souza Magalhães. This family group is analyzed, having as main representative,
Maria Leonor de Magalhães Teixeira, Baroness and Viscountess of Camargos. It is also
intended to understand the concept of family and the way of life within a family,
experienced by this group of the high social class in the nineteenth century in Minas
Gerais State. Through the study of the mails, both active and passive, of Maria Leonor,
besides post-mortem inventories, legal documents and baptism certificate, it is possible
to draw the relationships and solidarity networks lived by the characters themselves.
We believe that, through the study of the every day life of this family, we can better
understand the familiar relationships of other groups in the same social condition. The
prearranged marriages, dowry concession, acquisition of noble titles, the extreme
concern with the education and instruction of their children, the participation in favor
networks and the establishment of political machine relationships should be seen, within
this group, as strategy to perpetuate richness and social status, so expensive to 19
th
century high society.
Key words: Family, High Class, Every Day Life, Richness, Letters, Imperial Brazil.
Lista de Ilustrações
Figura 1 – Genealogia da Família Mosqueira .............................................................. 60
Figura 2 – Genealogia da Família Pimenta da Costa ................................................... 61
Figura 3 – Família Teixeira de Souza Magalhães ........................................................ 62
Figura 4 – Maria Leonor de Magalhães Teixeira ......................................................... 83
Figura 5 – Manoel Teixeira de Souza ........................................................................... 83
Figura 6 – O casal Teixeira de Souza Magalhães ......................................................... 84
Figura 7 – Maria Leonor Teixeira Baeta Neves ........................................................... 84
Figura 8 – Elisa Teixeira de Souza Magalhães ............................................................ 84
Figura 9 – Residência da Família Teixeira de Souza Magalhães ................................. 86
Figura 10 – Diploma da Exposição Nacional de 1873 ................................................. 89
Figura 11 – Diploma da Exposição Nacional de 1875 ................................................. 90
Figura 12 – Diploma da Exposição Internacional da Filadélfia de 1876 ……………. 90
Figura 13 – Ruínas da Fazenda do Tesoureiro ........................................................... 110
Figura 14 – Jornal de Minas ....................................................................................... 118
Figura 15 – Traje que pertenceu a Manoel Teixeira de Souza ................................... 127
Lista de Quadros
Quadro 1 – Número de Correspondências Analisadas ................................................. 23
Quadro 2 – Remetentes ................................................................................................ 23
Quadro 3 – Destinatários .............................................................................................. 24
Quadro 4 mero de Pedidos em relação ao mero de correspondências recebidas
........................................................................................................................................ 95
Quadro 5 – Aumento das agências dos correios em Minas entre 1830 e 1896 .......... 101
Quadro 6 Correspondências que Chegaram na Administração do Correio de Ouro
Preto ............................................................................................................................. 103
Quadro 7 Correspondências que Saíram da Administração do Correio de Ouro Preto
...................................................................................................................................... 103
Lista de Abreviaturas
AMIArquivo Museu da Inconfidência
APMArquivo Público Mineiro
CEMEMOR/UFMG – Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais da
Universidade Federal de Minas Gerais
IPHANInstituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MI – Museu da Inconfidência
Sumário
Introdução ....................................................................................................................13
1. Fontes .........................................................................................................................18
2. Capítulos .....................................................................................................................24
Capítulo 1: A família é o começo de tudo ...................................................................27
1.1. As famílias em questão: os Machado de Magalhães e os Teixeira de Souza .........28
1.2. Casamento entre elites: práticas e motivações .......................................................32
1.3. Uma nobreza em formão .....................................................................................50
Capítulo 2: A viscondessa e suas inúmeras atribuições ............................................63
2.1. A gerência da família ..............................................................................................65
2.2. O governo da casa e dos negócios ..........................................................................85
2.3. Mudança no jogo político: a intervenção feminina numa rede clientelista ............93
Capítulo 3: O cotidiano impõe seu ritmo: vivência e intimidade da boa
sociedade.......................................................................................................................100
3.1. A escrita das cartas: definindo um pacto epistolar................................................101
3.2. A sociedade das gentilezas: trocas de presentes e as intermiveis
encomendas...................................................................................................................106
3.3. Enfermidades e falecimentos: as más notícias também chegam pelas cartas........113
3.4. Quebrando a rotina do cotidiano: a vida social da boa sociedade imperial...........122
Considerações finais ...................................................................................................131
Fontes............................................................................................................................133
Bibliografia ..................................................................................................................133
13
Introdução
A abordagem da família como tema de pesquisa não é recente na historiografia
brasileira. Os primeiros estudos datam da década de 1920 e m como principais
expoentes Oliveira Vianna e Gilberto Freyre, que preocuparam-se mais em pensar a
família na sua relação com a formação do Estado Nacional. Oliveira Vianna utilizou a
noção de clã parental para abordar a família senhorial, a qual se reconheceria como um
grupo social coeso
1
. Gilberto Freyre concebeu o conceito de família patriarcal,
largamente usado e criticado pela historiografia brasileira da família. Para o autor, a
família patriarcal, e o o indivíduo, teria sido o grande agente colonizador do Brasil,
uma vez que era na e para a família que convergiam todos os interesses individuais. Esta
família cunhada por Freyre é caracterizada, principalmente, pelo predonio masculino,
manifestado no âmbito doméstico e desdobrando-se na esfera potica
2
.
O alvo de maiores críticas no trabalho de Freyre, ou seja, um suposto
predomínio da família patriarcal na sociedade brasileira colonial e imperial, até certo
ponto é questionável, uma vez que no conjunto de sua obra, Freyre ressalta que os
valores patriarcais predominam, mas não são os únicos. Entretanto, muitos estudiosos,
preocupados em proferir críticas a obra freyriana, acabam por negligenciar suas grandes
contribuões para a história da família brasileira, ou seja, a percepção do autor do peso
social e simbólico da família em nossa formação social e o pioneirismo em abordar o
cotidiano, a intimidade e a vida familiar de parte da classe senhorial oitocentista
3
.
Se os debates sobre a temática da família iniciaram-se na primeira metade do
século XX, como ressaltamos, foi apenas nas últimas quatro décadas que ganhou mais
espaço e fôlego entre os historiadores. Podemos ressaltar trabalhos como o de Iraci Del
Nero da Costa
4
, da década de 1970. O estudo tece um quadro do contexto de Vila Rica
nas duas primeiras décadas do século XIX, tendo em vista os relatos de viajantes. Estes
demonstram um quadro não muito favorável de estagnação econômica e
improdutividade, o que poderia ter interferido na formação dos domicílios e famílias de
1
VIANNA, Oliveira. Populações Meridionaes do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1938.
2
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. 49ªed. São Paulo: Global Editora, 2004. ______ Sobrados e Mucambos: decadência do
patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. São Paulo: Global Editora, 2004.
3
Referimo-nos principalmente a Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento do urbano. São Paulo: Global Editora, 2004.
4
COSTA, Iraci Del Nero da. A estrutura familial e domiciliária em Vila Rica no alvorecer do século XIX.
RIEB, (19): 17-34, 1977.
14
Vila Rica. Para formular tal hipótese e traçar os perfis domiciliários de Vila Rica, o
autor utiliza os dados populacionais extrdos de listas nominativas do ano de 1804.
No início da década de 1980, Mariza Corrêa recoloca o trabalho de Gilberto
Freyre em debate. A autora questiona a adoção do conceito de família patriarcal como
única definição para a família brasileira. Para Corrêa, mais sensato do que definir uma
estrutura familiar brasileira, seria
Sugerir a existência de um panorama mais rico, a coexistência, dentro
do mesmo espaço social, de várias formas de organização familiar, a
persistência desta tensão revelando-se [...] na constante invenção de
maneiras de escapar ou de melhor suportar aquela dominação.
5
O que Mariza Corrêa sugere é que em nossa história não persistiu apenas um tipo de
configuração familiar e que, portanto, a definição de família deve ser repensada e
ampliada através do debate. Para tanto, sugerir que exista uma história das famílias e
o da família, seria um bom começo.
Outra estudiosa que contribui para o debate nos anos de 1980 foi Eni de
Mesquita Samara. A historiadora também critica o uso, e a aplicabilidade, do conceito
de família patriarcal “nos diversos momentos da nossa história e para famílias dos
diferentes grupos sociais”
6
. Para Samara, se o conceito de família patriarcal explicou a
família brasileira num dado momento de nossa formação, esta família patriarcal mudou
com o tempo, assumindo configurações regionalmente diferentes.
Neste mesmo período, ou seja, final do anos 1970 e década de 1980, surge na
historiografia um grupo de estudiosos, dentre os quais Elizabeth Kuznesoff e Muriel
Nazzari, sobre a família brasileira, e que se difere em grande medida dos estudos
anteriores. O que caracteriza estes trabalhos é a utilização de diversas fontes, que até
então não haviam sido utilizadas em conjunto para o estudo da família, tais como
contratos de casamento, documentos de concessão de dotes, inventários, testamentos,
5
CORRÊA, Mariza. Repensando a família patriarcal brasileira. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, (37):
5-16, Mai.1981., p. 14.
6
SAMARA, Eni de Mesquita. A família brasileira. 2ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 82. A
contribuição de Samara, para o debate, pode ser vista também em: __________. Casamentos e papéis
familiares em São Paulo no culo XIX. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, (37): 17-25, Mai. 1981 e
________. A História da família no Brasil. Revista Brasileira de História, n. 17. São Paulo: Marco
Zero/ANPUH, 1988/1989.
15
tendo por objetivo relacionar “a dinâmica das unidades familiares e os aspectos
econômicos e políticos mais amplos”
7
.
Elizabeth Kuznesoff estudou a composição das unidades domésticas e suas
transformações em São Paulo no final do século XVIII e início do XIX. em outro
estudo, a autora analisa o parentesco e o clientelismo na sociedade paulista como duas
relações indissociáveis. Para Kuznesoff, o parentesco “fornecia o “cimento crucial” que
integrava as redes e permitia aos indivíduos se aproximarem uns dos outros
politicamente””
8
. Dessa forma, a família admitia pessoas não relacionadas pelo
parentesco, mas este continuava sendo o elo que mantinha e organizava a rede familiar.
Muriel Nazzari
9
desvendou a prática do dote e suas transformações, no que diz
respeito a sua composição, em São Paulo, entre os séculos XVII e XX, relacionando-as
às mudanças no contexto econômico mais geral do Brasil. Para Nazzari, à medida que a
unidade familiar passou, progressivamente, de uma unidade produtiva a uma unidade de
consumo, a prática do dote foi tornando-se cada vez mais rara, até o seu total
desaparecimento, em inícios do século XX.
No início da década de 1990, Ronaldo Vainfas
10
recoloca no centro do debate a
noção de família patriarcal, tão criticada no decênio anterior. Vainfas tentou
desconstruir as críticas proferidas ao modelo patriarcal, afirmando que patriarcalismo e
família extensa não significam a mesma coisa, como vinha sendo associado por alguns
estudos. O autor ressaltou que não se deve negligenciar o patriarcalismo no estudo da
sociedade brasileira e que não era a estrutura do domicílio que deveria ser levada em
consideração, mas os valores e a estrutura de poder.
A retomada mais recente (2007) do conceito de patriarcalismo no estudo da
família brasileira, mais especificamente a mineira, visto como um conjunto de valores e
práticas, e não como sinônimo de configuração domiciliar ou familiar extensa, se dá
através da historiadora Silvia Brügger. Em seu trabalho intitulado Minas Patriarcal, no
7
FARIA, Sheila de Castro. História da família e demografia histórica. In.: CARDOSO, Ciro Flamarion e
VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro:
Elsevier, 1997, p. 253-254.
8
KUZNESOFF, Elizabeth Anne. A família na sociedade brasileira: parentesco, clientelismo e estrutura
social (São Paulo, 1700-1980). Revista Brasileira de História, n. 17. São Paulo: Marco Zero/ANPUH,
1988/1989, p. 56.
9
NAZZARI, Muriel. Dotes paulistas: composição e transformações (1600-1870). Revista Brasileira de
História, n. 17. São Paulo: Marco Zero/ANPUH, 1988/1989.
10
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro:
Campus, 1989.
16
qual estuda família e sociedade em São João Del Rei, entre os séculos XVIII e XIX,
Brügger rompe com a idéia de que nas Minas Gerais seria o indivíduo, e não a família, o
grande fator colonizador e que a presença do Estado Metropolitano teria impedido a
consolidação dos poderes locais. A autora rompe com a dita especificidade mineira, que
diferenciaria a sociedade das Minas no que, para Gilberto Freyre, foi o grande
colonizador, ou seja, a família. Tal como Vainfas, a historiadora afirma que o
patriarcalismo deve ser compreendido “não como uma configuração domiciliar
específica, mas como um conjunto de valores e práticas que coloca no centro da ação
social a família, entendida como unidade socioeconômica, potica e afetiva”
11
.
Para além da plausibilidade ou o quanto ao uso do conceito de família
patriarcal, o estudo de Brügger deve ser entendido como um avanço no debate da
história da família mineira, uma vez que coloca em questão o entendimento desses
grupos familiares e os fatores que influíram em suas configurações, tais como os
arranjos matrimoniais e as relações de compadrio.
Fazendo uso de uma ampla gama documental, bem como aliando à história os
recursos da demografia, Sheila de Castro Faria analisa a família e a vida cotidiana na
sociedade de Campos dos Goitacazes
12
. Em outro trabalho, a autora afirma que a família
foi o ponto para onde convergiam ou se originavam todos os aspectos da vida cotidiana,
pública ou privada. A família era a responsável, ainda, por conferir aos homens
estabilidade ou movimento”, além de influir no status e na classificação social”
13
. O
indivíduo pouco ou nunca era visto e referido isoladamente, mas sempre identificado
com um grupo mais amplo, a família. Esta não se limitava, necessariamente, à
consangüinidade. Nas palavras de Sheila Faria entremeava-se à coabitação e à
parentela incluindo relações rituais e de aliança política”
14
.
Uma contribuão ainda mais recente sobre a história da família, ou das famílias,
e que traz uma abordagem diferenciada da temática é o de Mariana de Aguiar Ferreira
Muaze. Através do estudo da abastada família do Vale do Paraíba (RJ), de Mariana
11
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João Del Rei Séculos
XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007, p. 24.
12
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
13
FARIA, Sheila de Castro. História da família e demografia histórica. In.: CARDOSO, Ciro Flamarion e
VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro:
Elsevier, 1997, p. 256.
14
Idem, ibidem.
17
Velho de Avellar, a viscondessa de Ubá, a historiadora busca “entender o conceito de
família e as formas de viver em família através dos diferentes papéis exercidos no
interior desse grupo
15
. O trabalho de Muaze se diferencia dos antecessores, no que diz
respeito às formas de se escrever uma história da família, justamente por pensar a
família a partir dos sujeitos históricos que a formam, descortinando as “especificidades
regionais, culturais e de classe”
16
, ao invés de interpretá-la apenas como “domicílio,
unidade de residência e/ou unidade ecomica”
17
.
A presente pesquisa, que tem por objetivo estudar uma família da classe
senhorial ouropretana, os Teixeira de Souza Magalhães, também buscará compreender o
conceito de família e a forma de se viver em família, experimentada por este grupo da
elite oitocentista mineira. Acreditamos que, através do estudo deste grupo familiar,
poderemos compreender melhor as relações familiares de outros núcleos de mesma
condição social.
Através do estudo das correspondências ativas e passivas de Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, futura baronesa e viscondessa de Camargos, além de inventários
post-mortem, auto de justificação, certies de batismo, poderemos esboçar as relações
e redes de solidariedades vividas pelos sujeitos que as encenaram.
Amparados pela micro-história, cujo objeto, segundo Roger Chartier, o está
“nas estruturas e mecanismos que regem, fora de todo subjetivismo, as relações sociais,
mas sim nas racionalidades e estratégias que em em funcionamento as comunidades,
as parentelas, as famílias, os indivíduos”
18
, buscaremos enunciar alguns dos aspectos
que tornaram possível a perpetuação da riqueza, da inflncia e do poder desta família
por mais de meio século.
Acreditamos que perscrutar os papéis exercidos no interior desta família seja
uma forma de entendermos a lógica ou lógicas que guiavam os indivíduos que
compunham as famílias da elite imperial. O estudo do núcleo familiar dos Teixeira de
Souza Magalhães é privilegiado a este respeito, uma vez que as fontes nos mostram
diversas estratégias de ação que colocavam a família no centro das ações de seus
15
MUAZE, Mariana. As Memórias da Viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2008, p.11.
16
Idem, ibidem, p.203.
17
Idem, ibidem, p. 202.
18
CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Revista Estudos Históricos, n. 13,
1994, p. 102.
18
componentes. Os casamentos arranjados, a concessão de dotes, a aquisição de títulos de
nobreza, a extrema preocupação com a educação e a instrução dos filhos, a participação
em redes de apadrinhamento e o estabelecimento de relações clientelares devem ser
vistos como estratagemas usados para a perpetuação da condição de elite, de um grupo,
em meio a um império em constantes transformações.
Entretanto, antes que desvendemos a intimidade e penetremos no cotidiano desta
ilustre família mineira, faz-se necessário justificarmos a adoção de nosso recorte
temporal e conhecermos um pouco sobre as fontes utilizadas neste trabalho, e alguns
riscos que as mesmas podem nos reservar.
O recorte cronológico adotado é o período entre os anos de 1850 e 1902, uma
vez que buscamos privilegiar o trabalho com o uso de todas as correspondências de
Maria Leonor que comem o acervo viscondessa de Camargos, do qual falaremos
adiante. Entretanto, pediremos licença ao leitor para recuarmos estas balizas temporais
sempre que for necessário, uma vez que alguns acontecimentos antecedem o ano de
1850, tais como o enlace matrimonial de Maria Leonor Felícia da Rosa e Manoel
Teixeira de Souza, ocorrido em 1834. No que diz respeito ao final do recorte,
escolhemos o ano da morte de Maria Leonor, o ano de 1902, por representar o ano da
última correspondência de seu acervo e também por caracterizar o fim da inflncia
paterna e materna, advinda de Manoel e Maria Leonor, no interior do grupo familiar dos
Teixeira de Souza Magalhães.
1. Fontes
O espaço público oitocentista foi, cada vez mais, marcado e modelado pela
circulação da palavra escrita. O processo de modernização pelo qual o Império do Brasil
passara, dentre os quais podemos citar a criação de uma ampla malha ferroviária e a
disseminação de um serviço de correios, permitiu o aumento da troca de informações
e em menor tempo. A criação de um serviço postal favoreceu que as práticas missivistas
se arraigassem pela população instruída do Império. Como conseqüência dessa
crescente troca de correspondências, outro hábito também se revelou: o de guardar estas
cartas, o que indubitavelmente favoreceu a pesquisa histórica. Abre-se, assim, mais uma
possibilidade de investigação ao historiador: a pesquisa de correspondências privadas.
Somadas aos livros de assento, diários, tratados médicos, jornais e códigos de
19
civilidade, as correspondências privadas permitem ao historiador descortinar um
universo íntimo com muito mais amplitude e riqueza de detalhes.
As formas de escrita íntima, tais como os diários, os borradores, as
autobiografias e as cartas expandem-se juntamente com o processo de privatização pelo
qual passa a sociedade ocidental. Este processo traz consigo a valorização do indivíduo
em si e a construção de novas formas de relacionar-se consigo mesmo e com o mundo.
O indivíduo, vivendo anônimo num mundo capitalista cujos valores pautam-se mais na
maximização da produção e menos nas pessoas em si, sente-se perdido. Isto faz com
que crie estratégias de auto-afirmação, de descoberta e expressão de si, encontrando
nestas escritas pessoais um espaço privilegiado para tal.
O estudo desta literatura do íntimo tem se mostrado um campo muito fértil para
a pesquisa histórica. Através dela podemos perscrutar o cotidiano e a intimidade
daqueles que ali se apresentam como autores, remetentes e destinatários. No entanto,
estas fontes, como todas as demais, carecem de um tratamento cauteloso, pois
apresentam algumas armadilhas. Ao observarmos um trecho de carta escrita por Mário
de Andrade, vemos que ele não parecia estar tão atento a estes riscos.
Tudo será posto a lume um dia, por alguém que se disponha a
realmente fazer a História. E imediato, tanto correspondência como
jornais e demais documentos o “opinarão” como nós, mas provarão
a verdade. (Mário de Andrade)
19
Embora o trecho de autoria de Mário de Andrade sugira o uso de cartas como fonte
histórica, não se deve usá-las com a inocência manifestada pelo poeta modernista ao
conferir às cartas o poder de transmitir uma verdade única, um testemunho unívoco da
realidade vivida. Ângela de Castro Gomes, atenta para esse risco, chama a atenção para
o fascínio ou feitiço que os arquivos privados exercem sobre os estudiosos que o elegem
como locus privilegiado para pesquisa. Tal ressalva de Gomes refere-se à falsa idéia que
fazemos das fontes privadas, atribuindo-lhes um caráter de verdade absoluta e
inquestionável. Nessa perspectiva, os pesquisadores, no trato com tais registros, se
considerariam frente a uma realidade de uma época, de uma sociedade, de um
indivíduo etc tal qual aconteceu”. Segundo a autora
19
Citado no livro ANDRADE, Mário de. Cartas a Anita Malfatti. Organização Marta Rossetti Batista.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
20
por guardar uma documentação pessoal, produzida com a marca da
personalidade e o destinada explicitamente ao espaço público, ele [o
arquivo privado] revelaria seu produtor de forma ‘verdadeira’: ele
se mostraria ‘de fato’, o que seria atestado pela espontaneidade e pela
intimidade que marcam boa parte dos registros.
20
No entanto, se o documento o pode nos dizer verdadeiramente o que aconteceu, pode
nos informar o que o autor diz que viu, sentiu, experimentou, em relação a um dado
acontecimento
21
. Assim, devemos relativizar o “testemunho daqueles que os
escreveram, tendo sempre em vista as situações nas quais foi produzido o documento.
As cartas são exemplares a este respeito, uma vez que consideramos erroneamente
os missivistas como pessoas cuja intenção não é a de produzir um documento histórico,
mas a de narrar pura e fielmente acontecimentos, sentimentos àquele para quem escreve.
Porém, não devemos atribuir uma total ingenuidade à escrita de correspondências, uma
vez que todo discurso está sempre munido de intencionalidades. Intenção de comover,
quando o que está em questão são pedidos de ajuda, de favores, etc –, de demonstrar
tristeza e resignação quando a carta é de pêsames, de emocionar e apaixonar, quando
são de enamorados, etc. Esta suspeita quanto às intencionalidades está pautada na idéia
de um indivíduo que representa papéis, que atua socialmente. Dessa forma, usaria o
texto que escreve como forma de invenção/representação de si
22
, sendo este um espaço
privilegiado para encenar os diversos papéis sociais, buscando demonstrar aquilo que
gostaria que fosse visto e ocultar aquilo que não deveria ser revelado.
Outro problema com o qual nos deparamos ao elegermos as correspondências
como fonte histórica é o da sua fragmentação. Os arquivos privados, em sua maioria,
passam por uma triagem e censura – de familiares, doadores das fontes, ou dos próprios
arquivos o que faz com que parte dos documentos seja eliminada ou fique sob a
guarda da família. Deve-se ter em vista que as cartas sobreviventes a uma triagem
representam apenas versões fragmentadas e vestígios de experiências individuais e
relações familiares. Este é um problema com o qual podemos lidar aumentando a
perspicácia e atitude dedutiva para se trabalhar com as fontes, seguindo a sugestão de
20
GOMES, Ângela de Castro. Nas malhas do feitiço: o historiador e os encantos dos arquivos privados.
Estudos históricos, Rio de Janeiro, vol.11, n.21, 1998, p.121-7.
21
GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da história: a título de prólogo. In: ______. Escrita de
si, escrita da história. R.J: FGV, 2004, p. 15.
22
Idem, ibidem, p.17.
21
Carlo Ginzburg
23
, que sugere ao historiador atuar tal qual um Sherlock Homes,
seguindo traços, pegadas, vestígios, movido pela suspeita e intuição.
Ao passarem por processos de organização e arquivamento, os documentos
perdem, em princípio, sua forma original, ou seja, o trabalho daquele que preocupou-se
em guardar tais papéis, podendo ser o seu proprietário, ou alguém muito a ele ligado. Os
arquivos acabam por conferir aos seus acervos uma identidade própria, que carrega
muito daquele que o organizou, baseada em princípios diversos de agrupamentos e
descarte de materiais. O arquivo torna-se, assim, um lugar de identidades, cujo produto
final” é a soma de diferentes ações sobre ele.
As cartas pessoais merecem especial atenção quando se pretende estudar a
intimidade, as práticas cotidianas, as redes de sociabilidades, que nos fornecem pistas
de como as relações – de amizade, familiares, conjugais se davam, e de como
podemos esboçar uma rede de relações sociais dos indivíduos que nelas se apresentam.
Ora, toda troca de correspondências pressupõe uma relação de reciprocidade, em que o
indivíduo ora figura o destinatário, ora o remetente. A prática epistolar existe em
função do outro, aquele para quem se escreve, e daquele de quem se quer obter uma
resposta. Segundo Giselle Venâncio, essa prática é uma via de mão dupla, “um ir e vir
entre uma intenção anunciada, uma espera ansiosa e uma resposta que tem por função
principal o restabelecimento do início do processo
24
. Esse pacto epistolar tornar-se-ía
um contrato do qual participam, tacitamente, emitente e destinatário.
Martyn Lyons, ao estudar as correspondências trocadas por um casal neo-
zelandês na segunda metade do século XIX, mostra do que eram capazes os namorados
para cumprir à risca o pacto epistolar:
O tamanho das cartas era um ponto delicado de negociação, que
formava parte do contrato tácito entre os escritores. O ‘pacto epistolar’
exigia que uma carta longa fosse respondida em igual tamanho. [...] Se
um dos dois mandasse apenas oito páginas ou menos, seria
admoestado.
25
23
GINZBURG, Carlo. Raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas, sinais: morfologia e
história. SP: Cia das Letras, 1989.
24
VENÂNCIO, Giselle Martins. Presentes de papel: cultura escrita, e sociabilidade na correspondência
de Oliveira Viana. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.28, 2001.
25
LYONS, Martym. Práticas de leitura, práticas de escritura: cartas de amor e escritas íntimas
França e Austrália, século XIX. Juiz de Fora, Locus: Revista de História, v.4, n.2, 1998, p.55-67, p.61-62.
22
Dessa forma, quando tomados os cuidados necessários, os arquivos pessoais, e
as correspondências privadas como parte deles, enunciam-se como campo riquíssimo de
análise. Podemos desvendar os costumes, as idéias, as vivências, de um tempo e de um
lugar do qual participam seus escritores, pois evidenciam registros subjetivos de
relações sociais múltiplas. A correspondência, munida de seus digos epistolares, está
repleta de simbolismos, os quais se analisados minuciosamente permitem a
descoberta de como se configuravam as relações interpessoais, o estabelecimento de
rede de favores e trocas e as experiências privadas daqueles que a encenam.
Ao lermos as correspondências pessoais de Maria Leonor de Magalhães
Teixeira
26
, podemos apreender algumas das questões citadas anteriormente, tais como as
redes de sociabilidade e vida cotidiana criadas na presença dessa personagem. Veremos
como essa escrita constitui-se num espaço privilegiado para a crião/estreitamento de
vínculos entre indivíduos e grupos, assim como espaço de ações, quer no âmbito
público quer no privado.
Para desenvolvermos tal tarefa achamos por bem dividir essas missivas em duas
partes: correspondências emitidas e recebidas. Elas totalizam 106 cartas, que comem
o acervo da viscondessa de Camargos, armazenadas no Arquivo Histórico do Museu da
Inconfidência (Casa do Pilar), em Ouro Preto. Os documentos foram doados a esta
instituição, em meados do século XX, pela família Bernhauss de Lima, ascendentes de
Cláudio e Elisa Teixeira de Souza – filha de Maria Leonor. O acervo todo é dividido em
5 partes, a saber: Manoel Teixeira de Souza, Correspondências e Diversos da
Viscondessa de Camargos, Barões de Camargos - Filhos, Barões de Camargos
Ascendentes e Familiares e Avulsos Diversos.
Nos limites da presente pesquisa, optamos por analisar apenas a documentação
pertencente, mais diretamente, à viscondessa de Camargos. Como era de se esperar, o
número de correspondência passiva encontrado é muito superior ao da correspondência
ativa (ver Quadro 1), o que nos permite afirmar que Maria Leonor tinha o hábito de
26
Maria Leonor recebeu o título de baronesa de Camargos, juntamente com seu cônjuge Manuel Teixeira
de Souza, o barão de Camargos, em 17 de Maio de 1871. Na verdade, o título de baronesa era usado e
reconhecido socialmente de empréstimo do seu marido. Após o falecimento deste, em 1878, recebeu o
título de viscondessa de Camargos por decreto imperial de 15 de Junho de 1881. Dessa forma, na intenção
de não sermos muito repetitivos, ora nos referiremos a Maria Leonor por seu nome, ora por baronesa ou
viscondessa.
23
guardar as cartas que recebia, como uma lembrança do remetente ou como uma forma
de criar um lugar de memória entre os seus “guardados”.
Quadro 1
Número de Correspondências Analisadas
Recebidas 93
Emitidas 13
Total 106
Fonte: Arquivo Museu da Inconfidência (AMI).
Como podemos apreender através do Quadro 2, os familiares, dentre os quais
afilhados, compadres e comadres, foram seus principais remetentes, ou seja, aqueles que
mais se corresponderam com Maria Leonor, o que nos permite pensar nas cartas
enquanto ferramenta usada pela classe senhorial oitocentista para reafirmar, criar e
consolidar os laços familiares. Veremos como as cartas funcionaram como um
estratagema para manter estes laços sempre firmes, principalmente quando seus
integrantes encontravam-se em localidades distantes.
Quadro 2
Remetentes
Remetentes Número de
Cartas
%
Barão de Camargos 49 52,7
Filhos 2 2,2
Irmãos 8 8,6
Outros Parentes 2 2,2
Amigos 1 1,0
Afilhados/Compadres/Comadres
23 24,7
Outros 8 8,6
Total 93 100,0
Fonte: Arquivo Museu da Inconfidência (AMI).
No que diz respeito aos destinatários (Ver Quadro 3) da futura viscondessa, o
esposo Manoel Teixeira de Souza, se destacou nas missivas pesquisadas, tendo recebido
53,8% das cartas emitidas por Leonor. Como veremos adiante, tal número pode ser
explicado pelo fato de o casal ter vivido grande parte do tempo em cidades separadas.
Ele no Rio de Janeiro, onde atuou como Deputado e, posteriormente, como Senador do
24
Império, e ela na cidade de Ouro Preto, onde nasceu e permaneceu até a sua morte no
ano de 1902.
Quadro 3
Destinatários (cartas emitidas por Maria Leonor)
Destinatários Nº de Cartas %
Barão de Camargos 7 53,8
Francisco (irmão) 5 38,5
Elisa (filha) 1 7,7
Total 13 100,0
Fonte: Arquivo Museu da Inconfidência (AMI).
Acreditamos que a documentação pesquisada nos permiti conhecer e entender
um pouco mais a família e as relações familiares de parte da elite do Brasil oitocentista,
pois acreditamos que as vivências de Maria Leonor de Magalhães Teixeira e de sua
família, embora possam se diferir, de algum modo, dos demais grupos familiares
abastados do Império, a sua expressão individual ocorre dentro de um idioma mais
geral
27
. Estas formas de viver em família, experimentadas pela nobreza brasileira, foram
tratadas nos três capítulos que comem este trabalho, os quais veremos a seguir.
2. Capítulos
O primeiro capítulo A família é o começo de tudo tem por objetivo apresentar ao
leitor a família em questão, ou seja, os Teixeira de Souza Magalhães. Faremos,
inicialmente, uma breve apresentação da ascendência de Manoel Teixeira de Souza, do
núcleo Pimenta da Costa, e de Maria Leonor Felícia da Rosa, dos Mosqueira. Feito isto,
veremos como os casamentos entre as famílias em questão, foram usados como
estratégias capazes de ligar importantes núcleos familiares, objetivando a manutenção e
aumento da riqueza deste grupo. a obtenção de títulos de nobreza, outro estratagema
amplamente usado pelas famílias do Império, garantia o prestígio social tão caro às
elites do século XIX. Os casamentos realizados entre as classes abastadas visavam à
criação ou estreitamento de vínculos familiares proveitosos a ambos os núcleos,
enquanto que a obtenção de títulos de nobreza funcionava como um forte atrativo para
27
MUAZE, Mariana. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2008.
25
que a família que os possuíssem tivessem noivos mais facilmente elegíveis por outras
famílias da classe senhorial. Além de um brasão de nobreza e, portanto, de um status
social privilegiado, veremos que outros fatores também influíam no momento da
escolha de noivos que entrariam para a família: o pagamento do dote, a educação e a
instrução dos nubentes, tudo era observado. Quando as famílias não encontravam os
noivos ideais em outras famílias senhoriais, elegiam um familiar, o que garantiria, am
da perpetuação do nome e do sangue daquela família, que a fortuna não se dissipasse,
permanecendo no interior de um único grupo familiar.
No segundo capítulo, A viscondessa e suas inúmeras atribuições, abordaremos
os diversos papéis familiares desempenhados pelas ricas famílias oitocentistas. Para
tanto, tomaremos como referencial as atribuições de Maria Leonor. No culo XIX, o
papel desempenhado pelas mulheres se amplia, tirando-a da clausura doméstica, que a
limitava apenas ao cuidado da casa, e permite o seu convívio social e instrução. A
maternidade, principal atribuição feminina, ganha ainda mais valorização e, da boa
educação e instrução destas futuras mães, dependerá o bom preparo educacional de seus
filhos, vistos neste momento como os futuros cidadãos do Império.
Veremos que os papéis desempenhados pela mulher de elite brasileira não
ficaram circunscritos apenas no núcleo mais central da família, ou seja, de mãe, esposa
e dona de casa. À mulher era dada, também, a função de manter os laços familiares,
criando-os e recriando-os com os passar dos anos. Para cumprir tal tarefa tecia redes de
apadrinhamentos visando a criação do parentesco através do batismo, quando o mesmo
o existia através do sangue. A manutenção de contato com os parentes, estando estes
longe ou perto, através da troca de correspondências, de presentes, de fotografias e de
recomendações também funcionavam como ferramentas de conservação da própria
família, o permitindo que os elos se enfraquecessem. Num segundo momento deste
capítulo, veremos que outro papel desempenhado por mulheres da elite imperial era o
cuidado com os bens da família e a atuação no sentido de manter e ampliar este grupo
familiar, bem como sua riqueza, como o fez a baronesa de Camargos, após enviuvar-se.
A mulher da classe senhorial também poderia atuar como mediadora da potica local
com a potica imperial, como se deu com Maria Leonor, ao redor de quem se formou
uma intrincada rede clientelista.
26
No último capítulo O cotidiano impõe seu ritmo: vivência e intimidade da boa
sociedade , trataremos de questões de ordem cotidiana, vislumbrando as ações, relações
e vivências próprias da intimidade tanto da viscondessa, quanto daqueles que a
cercavam, tendo em vista as correspondências trocadas por Maria Leonor com os filhos,
marido, irmãos e demais familiares. Veremos como o cotidiano se impõe nesta escrita
íntima, mostrando como a vida de cada dia era vivida e sentida pelos sujeitos em
questão.
27
Capítulo 1:
A família é o começo de tudo
A família, não o indivíduo, nem tampouco o Estado nem nenhuma
companhia de comércio, é desde o século XVI o grande fator
colonizador no Brasil [...], a força social que se desdobra em política,
constituindo-se na aristocracia colonial mais poderosa da América.
28
Embora as palavras de Gilberto Freyre tenham sido escritas para expressar a
importância e o poder das famílias de elite no Brasil Colonial, cremos que não seria
exagero tampouco anacronismo usá-las para definirmos as famílias abastadas do
século XIX.
A família oitocentista de elite sofreu rearranjos e adaptões, sem, contudo,
deixar de permanecer como centro irradiador do poder e “principal registro através do
qual os indivíduos entendiam seu lugar e papel de atuação no mundo”
29
. Assim sendo,
muitas das ações dos indivíduos visavam mais os interesses da família - quer no
aumento de sua riqueza, quer no aumento de seu prestígio social - do que os interesses
individuais.
Os casamentos e a obtenção de títulos de nobreza apresentavam-se, assim, como
privilegiadas estratégias
30
familiares que intencionavam o aumento do poder e da
fortuna familiar. Os matrimônios celebrados entre nubentes da mesma família, por
exemplo, apresentavam-se como forma eficiente de se evitar a dispersão do patrimônio
familiar e de se evitar que noivos de ascenncia duvidosa manchassem o nome da
ilustre família. Os enlaces promovidos entre membros de famílias distintas, todavia
pertencentes ao mesmo patamar social, como no caso de matrimônios entre famílias
nobres, que será visto a seguir, pretendiam a criação de importantes elos familiares,
proveitosos para ambas as partes. a obtenção de títulos de nobreza, auxiliava,
28
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia
patriarcal. 49ªed. São Paulo: Global Editora, 2004, p.81.
29
MUAZE, Mariana. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2008, p.153.
30
De acordo com Michel de Certeau, por estratégia entendemos o conjunto de ações vistas como oficiais,
naturais ou comuns no interior de um grupo social detentor de privilégios que o caracteriza como grupo
dominante. As estratégias, nesse sentido, partem de um ponto entendido como o centro de poder. Ver:
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano, 1: artes de fazer. 14ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
28
sobremaneira, no alcance dos objetivos das famílias de elite do império, visto que era
um atraente diferencial na eleição de noivos com os atributos ideais.
Analisaremos, então, como uma família em particular os Teixeira de Souza
Magalhães utilizou essas duas importantes estratégias, o casamento e a obtenção de
títulos de nobreza, para garantirem o aumento e a manutenção de sua fortuna familiar,
bem como o prestígio social, tão caro às elites do Brasil Imperial.
1.1. As famílias em questão: os Machado de Magalhães e os Teixeira de
Souza
Em fins do ano de 1830, dois notáveis troncos ouropretanos tomavam uma
importante decisão: a de unirem-se em uma família através do casamento. Assim, aos
oito dias do mês de janeiro do ano de 1831, a cidade de Ouro Preto pôde testemunhar a
realização desta união entre famílias, através do enlace matrimonial de Modesto
Antônio Machado de Magalhães e Francisca Carolina Teixeira de Souza. Tal união,
indubitavelmente, representaria um marco para duas distintas famílias mineiras: apenas
o primeiro elo de muitos outros que não demorariam a se formar.
E não demorariam mesmo... Apenas três anos depois, em 1834, outras núpcias
seriam abençoadas na capital da proncia de Minas Gerais, o que retificaria a união
almejada entre as famílias. Os nubentes, desta vez, eram Maria Leonor Felícia da Rosa e
Manoel Teixeira de Souza.
Por hora, cabe a nós indagarmos: quem eram estas famílias? O que pretendiam
com estas duas uniões? Modesto Antônio e Maria Leonor eram irmãos, filhos do
Comendador Fernando Luís Machado de Magalhães, abastado fazendeiro de Mariana.
Francisca Carolina e Manoel também eram irmãos, filhos do Sargento-Mor Manoel
Teixeira de Souza e Inácia Francelina Cândida da Silva, ele natural de Vila Rica e ela
do distrito de Cachoeira do Campo.
Os casamentos acima citados nos fornecem alguns indícios de que foram
arranjados entre as duas famílias pelo fato de não terem se contentado em realizar uma
união apenas, reafirmando-a e reforçando-a através de um segundo enlace. Os
matrimônios arranjados não foram incomuns no Brasil Colonial e Imperial, nem mesmo
a realização de duas ou três núpcias entre as mesmas famílias. Mas, quais seriam os
29
interesses desses grupos familiares? Talvez possamos buscar possíveis respostas no
conhecimento das genealogias dos Machado de Magalhães e dos Teixeira de Souza
31
.
Os Machado de Magalhães descendem do tronco Mosqueira, representado no
Brasil, pelo Desembargador Manuel Mosqueira da Rosa, batizado a 18 de fevereiro de
1657, natural de Vila Real, em Trás-os-Montes, Província de Portugal. Com sua esposa
Páscoa Maria Botelho, tivera um filho, Manuel Botelho da Rosa. Este, casou-se em
Minas Gerais com Ana Felícia de Sousa – natural da Freguesia de Candelária, no Rio de
Janeiro –, tendo o casal quatro filhos, nascidos no Sumidouro, Comarca de Vila do
Carmo, a saber: Manuel Botelho da Rosa, Clara Felícia Rosa da Silva Botelho, Paula
Felícia Rosa da Silva Botelho e Maria Leonor Felícia da Rosa. Esta última casou-se
com o Capitão Francisco Machado de Magalhães, natural de Vila Real, Portugal, com
quem teve oito filhos Ana Felícia Rosa de São Lourenço, Tenente Manuel Caetano da
Rosa Machado de Magalhães, Padre Antônio Carlos Machado de Magales Botelho,
Francisco Machado de Magalhães, José Mosqueira Machado de Magalhães, Caetano
José Machado de Magalhães, João Custódio Machado de Magalhães e Comendador
Fernando Luís Machado de Magalhães –, todos nascidos no arraial da Passagem de
Mariana, onde vivia o casal. Tendo em vista nossos fins no presente trabalho, nos
deteremos em apenas um destes: o Comendador Fernando Luís Machado de Magalhães,
referido anteriormente (Ver Figura 1).
Além de Maria Leonor e Modesto Antônio, o Comendador teve mais quatro
filhos
32
: Antônio Luís Botelho Machado de Magalhães Mosqueira o Brigadeiro
Mosqueira –, Annia Felícia de Magalhães Rosa, Fernando Luís Machado de
Magalhães Júnior e Francisco Machado de Magalhães Botelho Mosqueira. O
Comendador foi um grande fazendeiro na Freguesia de Camargos, Comarca de
Mariana, onde residia. Também foi membro da Junta Governativa de Minas Gerais logo
após a Indepenncia do Brasil. Em 16 de abril do ano de 1821, através de Carta Régia,
recebeu uma Comenda da Ordem de Cristo, ficando atestada sua qualidade de homem
31
Para realizarmos este esboço das origens destas duas famílias, valemo-nos das informações contidas na
genealogia elaborada pelo Cônego Raymundo Trindade e informações extraídas das correspondências,
ativas e passivas, de Maria Leonor de Magalhães Teixeira, bem como dos inventários desta e de seu
esposo Manoel Teixeira de Souza. Ver: TRINDADE, Cônego Raymundo. Velhos Troncos Ouropretanos.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1951.
32
Sobre a filiação materna de Maria Leonor e de seus irmãos, não conseguimos encontrar documentos
que a explicitasse. Entretanto, descendentes da família afirmam que a mãe de Leonor seria Maria
Fortunata Teixeira de Souza, irmã de Manoel Teixeira de Souza, que se casa com a sobrinha Leonor.
30
notável, prerrogativas que fariam de seus descendentes, noivos elegíveis por outras
famílias de elite, como parece ter sido o caso dos Teixeira de Souza, cuja ascendência
conheceremos a seguir.
O jovem Coronel Antônio Pimenta da Costa, natural de Basto, no Minho,
mudou-se para o Brasil, ainda moço, e estabeleceu-se em Cachoeira do Campo,
casando-se em 1719 com Teresa de Jesus da Silva. Um dos netos do casal foi o Capitão
Luís da Silva Vale, natural de Cachoeira do Campo, nascido no ano de 1746. Residia
em Vila Rica, onde exercia um cargo público na Tesouraria da Fazenda Real, além de
ter sido um proeminente comerciante em toda a região. Do seu casamento com
Margarida Francisca de Santa Rosa, nascem nove filhos, dentre os quais Inácia
Francelina ndida da Silva. Esta, chegada a idade de se casar, une-se em matrimônio,
no ano de 1806, com o Sargento-Mor Manoel Teixeira de Souza, descendente de
portugueses e algum tempo estabelecido em Vila Rica. Desta união nasceriam, am
de Manoel Teixeira de Souza e Francisca Carolina Teixeira, João Batista Teixeira de
Souza, Maria, Bernardo Teixeira de Carvalho e Domingos Teixeira de Souza. (Ver
Figura 2)
Através destes esboços de genealogias, podemos supor que a situação
econômico-social de ambas as famílias pode ter sido o elemento definidor para a
referida união. Os negócios predominantes entre as pessoas pertencentes a ambos os
troncos não eram iguais, mas se complementavam na busca pelo aumento de riqueza e
poder político-social, pretendidos por grande parte das famílias de elite no Brasil.
Enquanto a fonte de riqueza dos Machado de Magalhães estava concentrada na
posse de terras, a dos Teixeira de Souza encontrava-se no comércio e na posse de várias
casas em Ouro Preto. Porém, ambas as famílias se aproximavam, de certa forma, no que
tange aos cargos públicos exercidos por alguns de seus membros no oitocentos. O avô
de Manoel e Francisca – o Capitão Luís da Silva Vale atuava na Tesouraria da
Fazenda Real, e o pai de Maria Leonor e Modesto Antônio o Comendador Fernando
Luís coms a Junta Governativa de Minas na década de 1820. Podemos, entretanto,
pensar em ambas as ocupações, não apenas como fonte de renda, mas principalmente
como fonte de prestígio junto às mais altas instâncias de poder, qual seja, a própria
Coroa portuguesa, no período que antecede à Independência e, posteriormente, a
administração do império do Brasil, que estaria a se formar.
31
A diversificação dos negócios familiares foi, no século XIX, o que permitiu, em
grande parte, que as fortunas se ampliassem e se consolidassem. E isso não parece ter
passado despercebido às famílias em questão, uma vez que a união de ambas, através de
dois casamentos, cumpriu importante papel nesse sentido.
O casamento de Manoel e Maria Leonor, por exemplo, uniria a posse da terra
pertencente à família da esposa, à atuação na potica por parte do marido. Como chefe
do partido conservador em Minas Gerais, Manoel Teixeira de Souza atuou por rios
anos em importantes cargos, tais como deputado provincial e geral, vice-presidente da
província de Minas Gerais, com exercício em sete períodos. Foi também senador do
Império, atuando na corte do Rio de Janeiro até o ano de sua morte, em 1878. Segundo
o Cônego Raymundo Trindade, Manoel Teixeira de Souza “foi o potico de mais sólido
prestígio em Minas”
33
. Alguns dos grandes feitos promovidos por este ilustre
ouropretano foram a criação da Escola de Minas juntamente a Henri Gorceix –, o
ramal férreo para Ouro Preto e o Tribunal de Relação de Ouro Preto. Como
reconhecimento dos labores de Manoel Teixeira, Dom Pedro II lhe concede, no ano de
1871, o título de Barão de Camargos, ponto ao qual retornaremos adiante.
Nesta breve apresentação das famílias Machado de Magalhães e Teixeira de
Souza, à qual, explicada sua união, nos referiremos daqui em diante apenas como
Teixeira de Souza Magalhães (Ver Figura 3), intencionamos apontar alguns motivos
que poderiam ter permitido – e interessado – a junção destas em uma só família.
Buscamos mostrar, também, que o casamento funcionava como uma importante
estratégia de união de riquezas e prestígio social, tendo em vista o aumento, ou
simplesmente a manutenção, do patrimônio familiar.
Porém, para compreendermos esta prática no interior das famílias de elite
oitocentistas, é necessário conhecermos o que era e como era se casar no Brasil
Imperial. Veremos que os enlaces matrimoniais dependiam menos dos noivos em si do
que das famílias às quais estes pertenciam.
33
TRINDADE, Cônego Raymundo. Velhos Troncos Ouropretanos. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1951, p. 103.
32
1.2. Casamentos entre elites: práticas e motivações
O casamento entre elites, no século XIX, significava, além da união de famílias
que se estimavam, um grande marco na vida do jovem casal que se formava, uma vez
que, casados, constituiriam, a partir de então, um novo núcleo, uma nova família.
Tal providência fora imediatamente tomada pelos recém-casados Manoel
Teixeira de Souza e Maria Leonor de Magalhães Teixeira. Os primeiros rebentos viriam
ao mundo já na cada de 1840, e a família aumentaria progressivamente nas décadas
de 1850 e meados de 1860, quando o casal teria seu décimo quinto e último –
herdeiro, a menina Joana Teixeira de Souza Magalhães, nascida em 1865. Se o casal
teve outros filhos que não sobreviveram, o que era bastante comum, principalmente se
tratando de tão numerosa família, não podemos afirmar. Sabemos apenas que os quinze
filhos são citados no inventário de Manoel, datado de 1878, excetuando-se o
primogênito Manoel, que havia falecido à época, e que é representado pelos quatro
filhos e pela esposa no documento.
Depois de constituída tão numerosa família, cabia aos pais a criação e a
educação dos filhos, bem como a escolha dos pares a quem seus herdeiros se uniriam
através do sagrado sacramento do matrimônio. Esta última tarefa era de suma
importância, uma vez que a escolha mais acertada garantiria a
continuidade social e familiar da elite oitocentista e originava um
novo núcleo que uniria dois troncos anteriormente distintos. Essa
união era intencionalmente calculada no sentido de proporcionar a
manutenção dessas famílias como parte de um grupo seleto e
privilegiado.
34
Por se tratarem de famílias notáveis, após a escolha dos noivos e, uma vez
acertada a união, era grande a preocupação com a organização do casamento. As
cerinias brasileiras, em meados do século XIX, ainda traziam muito do costume
português. A primeira providência a ser tomada pelos nubentes consistia na abertura de
um processo matrimonial denominado banho matrimonial junto ao vigário, no qual
o casal declarava os motivos pelos quais pretendiam unir-se em matrimônio e a falta de
impedimentos para que este enlace ocorresse. Os impedimentos que porventura
34
MUAZE, Mariana. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2008, p. 54.
33
pudessem existir eram o parentesco dos noivos, do qual falaremos adiante, ou a
desaprovação por parte dos pais destes.
No que diz respeito a este último impedimento, Eni de Mesquita Samara atesta,
referindo-se ao Brasil Colonial, que a “legalização das uniões [...] dependia do
consentimento paterno, cuja autoridade era legítima e incontestável, sendo de sua
competência decidir e até mesmo determinar o futuro dos filhos sem consultar suas
inclinações e preferências”.
35
Porém, se um dos noivos não se agradasse da escolha feita
pelos pais, poderia haver o rompimento do noivado, se o pai do noivo insatisfeito assim
o consentisse.
A não aceitação do noivo por parte da noiva, ou vice-versa, nos mostra que o
filho conseguia opinar, ainda que em proporção pequena, a respeito de seu casamento.
Segundo Antonio Manuel Hespanha, o Concílio de Trento já havia iniciado esforços no
sentido de conferir aos nubentes maior autonomia na escolha dos cônjuges, restringindo
a ação familiar neste sentido, o que nem sempre pôde ser verificado na prática. Nas
palavras de Hespanha:
A família tinha o seu princípio num acto cujo carácter voluntário a
Igreja não deixava de realçar, sobretudo na sequência do Concílio de
Trento (1545-1563), onde se estabelecera, enfaticamente, que "a
causa eficiente do matrimónio é o consentimento" (Conc. Trident.,,
sess. 24, cap. 1, nº 7). Um consentimento verdadeiro e não fictício,
livre de coação e de erro e manifestado por sinais externos, requisitos
com os quais se pretendia pôr freio, tanto às pretenes das famílias de
substituirem aos filhos na escolha dos seus companheiros, como às
tentativas dos filhos de escapar a estes constrangimentos casando
secretamente
36
. [grifos nossos]
Tanto o banho matrimonial quanto os demais proclamas exigiam que as famílias
dos nubentes despendessem certa quantia em dinheiro. Sobre este processo e as somas
pagas por seu cumprimento, o viajante Auguste Saint-Hilaire observou, quando de sua
viagem pela província de Minas Gerais em inícios do século XIX:
Ainda que as partes estejam perfeitamente de acordo é necessário que
tenha lugar um processo perante o vigário da vara, e o resultado dessa
ação bizarra é uma provisão que se paga por 10 ou 12$000 réis [...] ou
35
SAMARA, Eni de Mesquita. A família brasileira. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 45.
36
HESPANHA, Antonio Manuel. Imbecillitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de
Antigo Regime. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 2008, p. 78.
34
mais, e que autoriza o cura a casar os nubentes. Se existe a sombra de
um impedimento, então a despesa sobe a 30, 40, 50$000 réis ou mais.
É verdade que não há nada a acrescentar a essas despesas para a
cerimônia do casamento propriamente dito, mas é necessário
dispender [sic] ainda 1$200 réis com as proclamas.
37
Ao contabilizar apenas os gastos oficiais com a Igreja, Saint-Hilaire
negligenciara outros gastos que se faziam tão importantes quanto estes, em se tratando
das famílias abastadas do Brasil. Elas se preocupavam, também, em organizar uma
cerinia que não devesse em nada às melhores celebrações européias, em geral, e
francesas, especificamente. Afinal, estas proeminentes famílias não poderiam fazer feio,
uma vez que mesmo sendo o casamento um ato privado, ele se desdobraria num
acontecimento público, visível e, portanto, passível de ser criticado, por toda a boa
sociedade. Assim, as celebrações tratadas com toda a “pompa e circunstância
constituíam uma forma através da qual estas famílias reafirmavam e demonstravam
possuir poder econômico e social.
Para que tal ostentação acontecesse, fazia-se necessária a presença de todas as
pessoas do convívio dos pais dos noivos, além de outras figuras importantes com quem
se pretendiam criar laços de convívio. Os convites eram feitos poucos dias antes da
celebração, através de cartas, que deveriam ser remetidas tanto pelos pais da noiva
quanto do noivo, atestando que ambos os nubentes faziam questão da presença do
convidado. Aqueles que o eram convidados para a celebração recebiam, poucos dias
depois, uma carta de participação do evento.
O Cônego José Inácio Roquette autor português de um manual de boas
maneiras, publicado no ano de 1845 sob o título Código do bom-tom, ou, Regras da
Civilidade e de bem viver no século XIX, e que ganha forte acolhida no Brasil, pela
recém-criada nobreza brasileira assim se manifesta sobre o que era de bom-tom no
que concerne à forma de convidar as pessoas a comparecerem às bodas:
Fazem-se os convites por carta, três ou quatro dias antes, rogando às
pessoas convidadas que se achem na igreja à hora designada para
assistir à nção nupcial. Quando se quer que a pessoa convidada
assista ao jantar ou festa que se deva seguir, é necessário declará-lo
expressamente no fim da carta. Manda-se sempre carta dobrada,
porque supõe-se que ambas as famílias fazem o convite.
37
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo
Horizonte: Editora Itatiaia, 1975, p. 84.
35
Aos que não forem convidados ao casamento, dá-se-lhes parte alguns
dias depois.
38
Sobre o modo como as pessoas deveriam agir, ao receberem tal convite, o
cônego complementa: “A boa criação pede que as pessoas convidadas não faltem, e
quando tiverem alguma impossibilidade devem pedir desculpa por escrito
39
.
Distribuídos os convites, eis que pouco depois era chegado o dia do casório.
Segundo Mariana Muaze, a igreja, ou capela da casa de um dos nubentes, quando estes
as tinham, era toda ornamentada com velas e flores, e enchia-se com os convidados,
todos vestindo seus melhores trajes, suas roupas de gala, tanto mais grandiosas quanto
fosse sua situação financeira e social. O noivo, posicionado no altar, vestido
elegantemente, aguardava a entrada da noiva, que adentrava a igreja toda vestida de
branco, usando um véu que cobrisse sua face e segurando um ramalhete de flores de
laranjeiras, geralmente acompanhada pelo pai ou, quando este tivesse falecido, por um
tio, ou ainda um irmão mais velho
40
.
Terminadas as bênçãos do padre, feitas após a celebração de uma missa especial
para os noivos, todos se dirigiam para a casa dos pais do noivo ou da noiva, onde
comemorariam a recente união.
As cerinias e comemorações de casamento foram, ao longo do século XIX, se
sofisticando cada vez mais, incluindo bailes e viagens de lua-de-mel ao evento, ainda
segundo Muaze
41
.
Porém, dependendo do momento em que o matrimônio ocorresse, como o de
uma perda de um ente querido, por exemplo, as famílias achavam por bem realizar
apenas uma pequena cerimônia religiosa, sem festas. Este teria sido o caso da família
Teixeira de Souza Magalhães, por ocasião do casamento de Leopoldina, filha de Maria
Leonor e Manoel, com o seu primo Antônio Mosqueira filho do Brigadeiro
Mosqueira. No mês de março do ano de 1880, Maria Leonor escreve ao seu irmão
Francisco, que residia na Itália, participando-lhe da futura união do jovem casal, bem
38
ROQUETTE, José Inácio. Código do bom-tom, ou, Regras da Civilidade e de bem viver no século XIX.
São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 89.
39
Idem, ibidem.
40
MUAZE, Mariana. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Imrio. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2008, p. 51.
41
Idem, ibidem, p.55.
36
como da morte de um irmão de Francisco e Leonor, Antônio Luís – o Brigadeiro
Mosqueira –, que era tamm pai do noivo.
Pela carta de meu filho Antônio foi o mano consciente de que é
falecido o nosso caro e estimoso irmão Antônio, foi mais um doloroso
golpe que sofremos [...]
Deixando de lado este assunto tão triste passo a comunicar-lhe que
minha filha Leopoldina está contratada para se casar com o sobrinho
Dr. Antônio Mosqueira, e que este casamento se efetuará mas sem
festas por estar muito recente o nosso luto.
42
A missiva nos permite levantar duas importantes questões concernentes aos
casamentos praticados entre as famílias de elite mineiras no oitocentos: os casamentos
arranjados, em forma de contratos entre famílias, e os casamentos endogâmicos, dos
quais falaremos a partir de agora.
Quando chegava o momento da escolha de pretendentes para desposarem suas
filhas, o que os pais das famílias abastadas de Minas Gerais levavam em consideração
eram os fatores: riqueza, condição social, cor e religião na maioria das vezes,
interligados. Os casamentos realizados entre grupos sociais diferentes poderiam ocorrer,
sendo até mesmo aceitos em alguns casos, mas, quando isto ocorria, eram mal vistos
pelos demais membros da família e da boa sociedade. Exatamente para minimizar os
riscos de que um casamento não tão desejável socialmente acontecesse, os pais não
permitiam que suas filhas e filhos elegessem seus pares, de acordo com seus caprichos.
Eles próprios se encarregavam desta tarefa, escolhendo sempre representantes de
importantes famílias e que, a seu ver, formariam uma aliança proveitosa com a sua
própria família. A seleção do noivo ou noiva era, portanto, uma seleção da família a
qual tinham interesse em se unir, sendo esta, quanto mais importante, rica e influente,
melhor.
Embora, como dito anteriormente, os casamentos entre membros de grupos
sociais diferentes fosse tolerável, muitos pais de família, principalmente nas Minas
Gerais, marcada pela “muita mestiçagem durante a era colonial
43
, segundo Gilberto
Freyre, preferiam trancar suas filhas em conventos a vê-las casadas com rapazes de
42
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu irmão Francisco. OP, 30/mar./1880. Caixa Corresponncia e Diversos.
43
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano. 15ª Ed. São Paulo: Global, 2004, p. 242.
37
ascendência duvidosa. Assim, podemos perceber, através das palavras de Freyre, que a
condição social poderia até ser aceita, mas a cor representava um impedimento
inaceitável: mesmo que não fosse a do próprio nubente, mas a de um ascendente seu,
seria suficiente para eliminá-lo como noivo em potencial. Segundo Eni de Mesquita
Samara, “[...] origem, pureza de sangue, raça e riqueza eram fatores relevantes em
determinados rculos sociais, ocasionando até a ausência de casamentos, por falta de
cônjuges elegíveis”
44
.
Quando as famílias conseguiam, finalmente, encontrar o noivo ou noiva ideal,
era necessária, ainda, a aprovação dos demais familiares. Afinal, este enlace
representaria muito mais do que uma união entre um rapaz e uma senhorita, seria a
consagração da união entre duas famílias.
Buscando alguma palavra de concordância com um casamento que estava
prestes a ocorrer, Maria Leonor escreve a seu irmão Francisco em carta já citada as
seguintes palavras: Desejo que esta união mereça sua inteira aprovação e da mana
Rosina”
45
. Esta consulta da baronesa de Camargos ao seu irmão sugere que a escolha
havia sido feita, pom era de grande importância, ao menos, comunicá-la aos demais
familiares.
No ano de 1884, ao receber notícias do casamento de outros dois sobrinhos,
Francisco remete uma carta a sua irmã. Nesta, ele faz questão de posicionar-se em
relação às uniões, demonstrando sua inteira aprovação: Felicito a mana assim pelo
casamento do Dr. Antônio como também pelo da minha sobrinha Elisa, e sobretudo
estimo que ambos encontrassem pessoas muito recomendáveis”
46
.
A referida filha de Maria Leonor, Elisa Teixeira de Souza Magalhães, realmente
realizaria um ótimo casamento, com um descendente da importante família Rocha
Brandão, o médico Cláudio Alaor Bernhauss de Lima. Já o Dr. Antônio, casar-se-ía pela
segunda vez, sendo suas núpcias com Maria Angelina Bawden, também integrante de
conhecida família mineira.
44
SAMARA, Eni de Mesquita. A família brasileira. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 44.
45
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu irmão Francisco. OP, 30/mar./1880. Caixa Correspondência e Diversos.
46
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu irmão Francisco. S/l, 10/mai./1884. Caixa Corresponncia e Diversos.
38
Os casamentos entre as elites se davam em um grupo bastante limitado, estando
“sujeitos a certos padrões e normas que agrupavam os indivíduos socialmente”
47
. Desta
forma, não é de se estranhar que a família do barão e baronesa de Camargos tenha
elegido outros filhos de barões para se unirem a seus herdeiros, o que demonstra uma
preocupação na manutenção e aumento do prestígio deste grupo familiar. Interessante
observarmos, também, que a instrução trazida pelos rapazes poderia lhes conferir
maiores possibilidades de realizar um bom casamento. Fazemos esta ressalva, tendo por
base o que ocorreu com os filhos dos barões de Camargos: três, dos quatro filhos que se
uniram a cobiçadas filhas de outros barões do Império, eram diplomados.
O primonito, Manuel Teixeira de Souza, bacharel em Direito pela Faculdade
de São Paulo, Juiz de Direito em Ponte Nova, casou-se com Maria Monteiro de Castro,
filha dos barões de Congonhas. O diplomado em Direito pela Faculdade de Recife,
Fernando Teixeira de Souza Magalhães, agregava as qualidades de ter servido como
secretário do governo provincial e como deputado na assembléia geral, abandonando,
porém, muito jovem a carreira potica para dedicar-se à sua fazenda em Mercês do
Pomba e à poesia. Casou-se com Ana Baeta Neves, filha dos barões de Louredo. Era
também filha dos barões de Louredo, Amélia Baeta Neves, que se casara com o Coronel
José de Calazans Teixeira de Souza Magalhães. Por fim, o outro filho de Manoel e
Maria Leonor a desposar a filha de ilustres barões foi o engenheiro Lucas de Souza
Magalhães, o qual se destacou ao trabalhar no projeto do prolongamento da Estrada de
Ferro Dom Pedro II. Casou-se com ndida Flora de Queis, filha dos barões de Santa
Cecília
48
.
Como temos ressaltado, as famílias mais abastadas e nobres de nome das Minas
oitocentistas, almejavam um bom casamento para suas filhas, com rapazes brancos,
ricos, de nomes importantes e reconhecidos socialmente. Porém, muitas das vezes,
tornou-se uma tarefa bastante complicada encontrar tão bons pretendentes. Nestes casos,
tal problema resolveu-se através da realização de casamentos endogâmicos, ou seja,
entre parentes consaníneos, como o casamento entre primos e o de tios e sobrinhas.
47
SAMARA, Eni de Mesquita. Casamentos e papéis familiares em São Paulo no século XIX. Cadernos
de Pesquisa, São Paulo, (37): 17-25, Mai. 1981, p.18.
48
Informações extraídas de TRINDADE, Cônego Raymundo. Velhos Troncos Ouropretanos. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1951.
39
Segundo Elizabeth Anne Kuznesoff, em seu estudo sobre a família na sociedade
brasileira, realizada em São Paulo, as formas de casamentos predominantes em meados
do século XIX, eram as endogâmicas
49
. As uniões consangüíneas entre parentes até
grau poderiam ocorrer, no século XVIII, mediante dispensa do papa vinda
diretamente de Roma. Este impedimento incluía, além da consangüinidade, o parentesco
por afinidade, ou seja, entre parentes indiretos, que pertenciam à mesma família, mas
o possuíam o mesmo sangue.
A abundância de enlaces consangüíneos entre parentes até grau tornou-se
motivo de preocupação de clérigos e governantes, acarretando em uma bula papal
expedida em Roma em 26 de Janeiro de 1790. Esta tinha o intuito de abreviar os
processos de permissão para os matrimônios, evitando as demoras e diminuído os
gastos”
50
. A partir de então, ficava a cargo das dioceses provinciais concederem a
dispensa, o que acabaria por enraizar ainda mais esta prática entre as famílias de elite no
Brasil.
Como vimos anteriormente, em trecho de carta escrita por Maria Leonor ao seu
irmão, esta ilustre família também foi adepta dos casamentos endogâmicos. Na falta de
outras famílias importantes as quais seria interessante fazer uma união, a escolha mais
acertada foi a eleição de um noivo ou noiva dentro da ppria família. Assim, aos
dezoito dias do mês de maio do ano de 1867, a filha Antônia Joaquina Teixeira de
Souza Magalhães realizava suas bodas com seu primo Fortunato Teodoro Ferreira
Bretas. O médico Antônio Teixeira de Souza Magalhães, que se tornaria o Barão de
Camargos e que atuou como importante político em Mariana, realizou suas primeiras
núpcias também com uma prima, Francisca de Magalhães Mosqueira, filha do
Brigadeiro Mosqueira. No ano de 1880, em carta citada anteriormente, Maria Leonor
anuncia ao seu iro o casamento de Leopoldina Teixeira de Souza Magalhães com seu
primo médico Antônio Luís de Magalhães Mosqueira, também filho do Brigadeiro
Mosqueira.
Os casamentos entre membros de uma mesma família apresentavam-se como
uma estratégia eficaz para garantir que os bens da família não se dispersassem, como
49
KUZNESOFF, Elizabeth Anne. A família na sociedade brasileira: parentesco, clientelismo e estrutura
social (São Paulo, 1700- 1980). Revista Brasileira de História, n. 17. São Paulo: Marco Zero/ANPUH,
1988/1989, p. 55.
50
SAMARA, Eni de Mesquita. A família brasileira. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 47.
40
também para a manutenção do prestígio familiar, não incorrendo no risco de manchar a
linhagem da família. No caso da família do barão e da baronesa de Camargos, esta
escolha se justificaria pelo interesse em manter a propriedade da Fazenda do Tesoureiro,
que pertencia anteriormente a Fernando Machado de Magalhães, pai de Leonor. Após o
falecimento de Fernando Magalhães, a referida fazenda fora dividida entre seus seis
herdeiros, dentre os quais estava Maria Leonor e Antônio Luís (Brigadeiro Mosqueira).
Dessa forma, o casamento de um casal de filhos de ambos pode ser pensado como uma
forma de impedir que as terras se dissipassem entre muitos herdeiros. Esses
matrimônios funcionavam como uma estratégia de concentrar os bens familiares em
poucas mãos, possibilitando seu aumento ou, ao menos, sua manutenção. Tal
estratagema parece ter funcionado conforme o esperado, uma vez que a fazenda aparece
praticamente intacta no inventário do barão de Camargos, datado de 1878, e no da
baronesa, de 1902.
A necessidade e prioridade, dos pais, de realizarem bons casamentos para suas
filhas, não se traduziria, porém, na urgência em fazê-lo - como vêm demonstrando
alguns estudos sobre o tema no Brasil. Contrariando os estudos de Gilberto Freyre
51
,
para quem a média de idade dos noivos no Brasil oitocentista era de 20 anos, no
máximo, estes dados comprovam que não se casava tão jovem assim; não, pelo menos,
nas Minas Gerais. A média de idade das noivas em algumas vilas mineiras, entre os
anos de 1804 e 1838, segundo Donald Ramos
52
, era de 20,8 anos. Para São João Del
Rei, entre 1831 e 1840, Silvia Brügger faz a seguinte estimativa: as mulheres casavam-
se com aproximadamente 18,9 anos e os homens com 25,7 anos
53
.
Nas fontes por nós consultadas, pudemos constatar
54
que na família de Maria
Leonor, os casamentos também não foram tão precoces, alguns ocorrendo até bastante
51
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano. 15ª Ed. São Paulo: Global, 2004.
52
RAMOS, Donald. Apud., BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São
João Del Rei – Séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007 p. 97.
53
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João Del Rei Séculos
XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007, p. 97.
54
Tendo em vista a fragmentação e a ausência de muitos documentos referentes à família em questão, não
pudemos realizar uma pesquisa mais sistemática a este respeito. Portanto, usaremos alguns dados obtidos,
apenas como forma de exemplificação. Devemos, assim, deixar a ressalva de não estarmos fazendo
generalizações e que estas idades podem o ter se repetido por todos os familiares, uns casando mais
novos e outros mais velhos. No entanto, tendo em vista as médias de idade citadas pela historiografia (ver
notas 51, 52 e 53), não deixa de ser inusitada esta média de idade tão elevada na família Teixeira de
Souza Magalhães.
41
tardiamente. para citarmos alguns exemplos, a mãe de Manoel Teixeira de Souza (o
barão de Camargos), Inácia Francelina, contraiu núpcias aos 28 anos; o barão aos 23
anos; o Comendador João Batista (irmão do barão) aos 27 anos; a filha Elisa, aos seus
29 anos; apenas a filha Leopoldina, pelas informações disponíveis, casou-se jovem, aos
17 anos. Outro dado indica, porém, que os casamentos na família Teixeira de Souza
Magalhães poderiam ocorrer sendo os noivos bastante novos. Em carta datada de maio
de 1882, Maria Leonor informa a seu irmão Francisco sobre as núpcias de sua neta
filha de Maria Leonor Teixeira Baeta Neves –, que estava para acontecer, explicando,
porém, que sua data fora adiada pela pouca idade dos nubentes: “O casamento da filha
da Maricota de que já deve ter notícia, foi transferido para o fim do ano com aprovação
minha por serem muito crianças os noivos”
55
. Se partirmos da data do casamento de
Maria Leonor – filha –, que ocorreu em junho de 1867 e da data da missiva que
acabamos de citar (ano de 1882), podemos apreender que a neta da baronesa de
Camargos deveria ter, no máximo, 14 anos, idade inferior à maioria das vistas até o
momento no interior desta família. A preocupação de Leonor, de serem muito jovens os
noivos para contraírem núpcias, pode ser explicada pela sua própria experiência, que
casou-se com apenas 13 anos.
Ainda no que diz respeito às idades dos noivos, é necessário que façamos duas
últimas observações. A primeira delas diz respeito à grande diferença etária entre os
noivos, que porventura poderia existir, como foi o caso de Manoel e Leonor, cuja
diferença de idade era de 10 anos. A disparidade etária não era mal vista pela sociedade,
nem em princípios do século XIX, quando o que importava era a aliança econômico-
social que o matrimônio acarretava; tampouco em fins do oitocentos, quando o amor
romântico, em voga, as justificavam, sendo que então predominava também o interesse
pessoal dos noivos, e não mais apenas o familiar
56
.
Percebemos, assim, que com o findar do século XIX, os nubentes poderiam
opinar cada vez mais sobre a união que para eles era arranjada, tornando-a satisfatória
o apenas para a família. Em suas memórias, assim escreve o mineiro Francisco de
55
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu irmão Francisco. OP, 25/mai./1882. Caixa Correspondência e Diversos.
56
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João Del Rei Séculos
XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007.
42
Paula Ferreira Rezende, sobre um casal pertencente a sua família, com grande diferença
etária:
[...] Meu bisavô, que se casou com uma sobrinha que podia ser sua
neta, e que por este fato poderia ser talvez desgraçado, nem esse
mesmo o foi; [...] ele nunca deixou, do que dou testemunho, de ser
muito amado e muito estimado por sua mulher [...].
57
A segunda observação trata-se da educação que as famílias davam a seus filhos,
bem como a que a Igreja católica se incumbia de fornecer, a qual colocava o casamento
como o único meio de as mocinhas alcançarem, de fato, a felicidade. As meninas eram
ensinadas a bordar, costurar, rezar e cozinhar, enfim, a desempenharem todas as funções
necessárias a uma boa esposa, mãe e dona de casa. As moças cresciam, assim, com uma
espécie de idéia fixa pelo casamento, querendo que este ocorresse o quanto antes, pois
eram a todo o momento assombradas pela possibilidade de ficarem solteiras.
A figura das solteironas, mulher que aos 30 anos não havia ainda se casado,
ficava sobremaneira estigmatizada pela sociedade à qual pertencia. Seu comportamento
perante os homens da família traduzia-se, como acentua Freyre, em certa submissão, em
grande medida pela dependência econômica que representava. Em relação às mulheres
da casa, principalmente perante sua mãe, seu comportamento era de companheirismo,
cumplicidade e ajuda nos afazeres diários; com suas irmãs, casadas ou casadoiras,
ficava à margem dos divertimentos desfrutados por elas. Nos dias de festa ou reuniões
familiares, a solteirona ajudava nos preparativos, na confecção dos quitutes, na
ornamentação da casa, ficando mais nos bastidores da copa e da cozinha. Ajudava a dar
banho nas crianças, arrumar os penteados das irmãs, enquanto as moças casadoiras e
casadas tocavam piano, cantavam e encantavam os familiares e convidados
58
. A figura
57
REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas Recordações. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1987, p. 57.
58
Gilberto Freyre considerava solteironas” as moças que aos 20 anos o haviam se casado. Sobre a
figura das solteironas nos embasamos na explanação de Freire em Sobrados e Mucambos: decadência do
patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 15ª Ed. São Paulo: Global, 2004, p. 243-244. Entretanto,
como vimos anteriormente, no núcleo Teixeira de Souza Magales esta pouca idade não foi uma
constante, sendo possível percebermos uniões matrimoniais com diferenciadas idades dos noivos.
43
das solteironas, como tantas outras, também não escapou da temida carapuça
confeccionada para elas, sob medida, pelo Padre Lopes Gama
59
As solteiras, quando conversam umas com as outras, nunca se
esquecem de meter em reste as suas conhecidas, que estão para casar,
ou casarão [sic] de próximo. Umas aprovam a boa eleição, outras
reprovam, porque o noivo já não é menino e anda muito à jarreta. Esta
acha-o muito feio, aquela diz que é desengraçado, mas é rara a que se
não está moendo de inveja.
60
Os dotes recebidos pelas filhas das famílias de elite certamente contribuíram
para tornar muitas senhoritas mais atraentes aos olhos dos rapazes que pretendiam se
casar, reduzindo, assim, as fileiras das solteironas.
A prática de conceder um dote às filhas constava nas leis lusitanas, como um dos
deveres do pai, que deveria, além de cuidar e alimentar, dotar a filha, ficando desta
obrigação dispensado, apenas pela comprovação de falta de condições materiais. Esta
prática européia foi trazida para o Brasil, pelos portugueses, no início da colonização no
século XVI
61
. Passando por algumas modificações e adaptações, como veremos, o dote
sobreviveu até o final do século XIX.
Grande número das famílias proprietárias dotava suas filhas no século XVII. O
dote constita-se, aí, mais pelos chamados bens de produção recursos naturais e as
ferramentas que o trabalho transforma em um produto para ser consumido ou
trocado
62
–, que eram terras, ferramentas, maquinário, gado, do que pelos bens de
consumo. Porém, estes últimos também se faziam presentes, sendo constituídos por
casas, enxoval e jóias. Os escravos e cavalos também compunham os dotes
seiscentistas, variando, porém, entre bens de produção e bens de consumo, dependendo
para isso do uso que o casal fizesse dos mesmos. O escravo, se usado como parte da
mão-de-obra das atividades que conferiam renda à família, era considerado um bem de
produção, assim como o cavalo, quando usado no transporte de cargas ou no serviço da
59
Miguel do Sacramento Lopes Gama foi um padre pernambucano, mais conhecido como padre Lopes
Gama, que realizou um intenso trabalho, nos anos 30 do século XIX, de crítica social dos costumes da
sociedade oitocentista usando, para tanto, de um jornal denominado O Carapuceiro, de sua autoria.
60
GAMA, Padre Lopes Gama. O Carapuceiro: crônicas de costumes. São Paulo: Cia das Letras, 1996, p.
104.
61
MUAZE, Mariana. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2008, p. 45.
62
NAZZARI, Muriel. Dotes paulistas: composição e transformações (1600-1870). Revista Brasileira de
História, n. 17. São Paulo: Marco Zero/ANPUH, 1988/1989, p. 89.
44
lavoura. Entretanto, se ambos fossem usados para servir à casa e seus integrantes, eram
considerados bens de consumo, segundo Muriel Nazzari.
Ainda no século XVII, o dote cumpriu importante papel no que tange à
transmissão de riqueza da família às filhas, assim como o favorecimento destas em
relação aos filhos homens da família. As filhas eram claramente protegidas
economicamente, uma vez que muitas, mesmo sem se casarem, recebiam uma fatia da
herança dos pais superior àquela deixada aos filhos homens. Estes, ao contrário das
irmãs, não usufruíam certa segurança financeira nem ao se casarem, uma vez que o dote
era concedido em usufruto, ou seja, separando o casal ou falecendo a esposa, o mesmo
voltaria a pertencer à família desta. Assim, os rapazes iniciavam uma vida
economicamente independente, no que diz respeito à fortuna dos pais, quando um
destes falecia.
No século XVIII, podemos perceber algumas mudanças no que diz respeito à
freqüência com que os dotes eram concedidos às jovens casadoiras, bem como na sua
composição. Esta prática, no setecentos, foi encontrada em menor medida do que na
centúria anterior, e o seu conteúdo comava, também, a diferir.
Os dotes compunham-se, essencialmente, por enxovais, jóias, escravos e
dinheiro. O enxoval podia conter vestimentas, roupas de cama, mesa e banho, pratarias
e mobílias para a casa, sendo, portanto, um bem de consumo. Porém, como atesta a
historiadora Muriel Nazzari, que estudou a prática do dote na sociedade paulista entre os
séculos XVII e XIX, “[...] quando enxovais valiosos eram dados como dote, os pais
estavam pensando tanto em sua utilidade, seu poder de conferir status, como em seu
possível valor de troca”
63
. As vestimentas e pratarias eram os itens de maior valor dos
enxovais do século XVII; no setecentos predominavam as pratarias, as louças e as
roupas de cama, mesa e banho; no século XIX, o destaque dos enxovais ficava por
conta das mobílias. Nazzari atenta para o fato de os enxovais terem praticamente
desaparecido dos dotes oitocentistas. A isto, ela atribui a mudança do hábito das
famílias de considerarem o enxoval como parte integrante de suas fortunas. A partir de
então, o mesmo passa a figurar como uma despesa cotidiana com as filhas, assim como
o eram a alimentação, a saúde, a educação e o vestuário.
63
NAZZARI, Muriel. Dotes paulistas: composição e transformações (1600-1870). Revista Brasileira de
História, n. 17. São Paulo: Marco Zero/ANPUH, 1988/1989, p. 90-91.
45
No entanto, embora os enxovais deixem de integrar os dotes ao longo do século
XIX, todos os objetos dele integrantes deveriam ir à colação quando os pais da
recebedora falecessem. As jóias também foram constantes nos dotes feitos pelas
famílias abastadas do Brasil. Elas representavam a exaltação do status do casal, mas
poderiam transformar-se numa reserva monetária, devido à possibilidade de vendê-las
caso necessitassem. Os escravos foram doações bastante presentes nos dotes, sendo que
no seiscentos predominaram aqueles do sexo masculino, o que pode ser explicado pelo
fato de serem uma forte mão-de-obra, que engrossaria a unidade de produção daquela
família que os recebessem. Nos dois séculos seguintes prevaleciam as escravas,
enquanto parte dos dotes, o que nos a entender que a preocupação no momento era a
de fornecer muito mais o controle da esposa sobre o seu dote, uma vez que para se
desfazer ou alugar os escravos domésticos, o marido deveria possuir o consentimento de
seu esposa
64
. Por fim, o dinheiro era o componente do dote que maior liberdade trazia
ao marido, uma vez que poderia dispor dele da forma que melhor lhe conviesse.
Os dotes, muitas vezes, serviram como forma de intervenção, e até mesmo
controle, por parte dos sogros em relação ao genro. Quando doava terras, de certa
forma, arbitrava qual seria o negócio a ser desempenhado a partir de então pelo genro;
quando uma casa integrava o dote, era a moradia da filha e seu esposo é que acabava
por ser decidida. Segundo Muriel Nazzari, na medida em que a unidade familiar passou
progressivamente de uma unidade produtiva a uma unidade de consumo, entre os
séculos XVII e XIX, a prática de dote foi tornando-se cada vez mais rara o que
também não quer dizer que tenha desaparecido. Assim, o quadro que podemos
vislumbrar em meados do século XIX difere muito dos dois séculos antecedentes: “As
filhas não eram mais favorecidas em detrimento dos filhos. Houve algumas poucas
legações a moças solteiras, e menos de um terço das famílias proprietárias davam
dotes”
65
.
No entanto, independentemente dos bens que compusessem o dote recebido, o
seu montante representava um adiantamento da legítima da filha. Assim, quando um
dos pais falecia, a dotada que quisesse entrar na partilha da herança deveria devolver
metade do dote que havia recebido por ocasião de seu casamento. Este seria agregado
64
NAZZARI, Muriel. Dotes paulistas: composição e transformações (1600-1870). Revista Brasileira de
História, n. 17. São Paulo: Marco Zero/ANPUH, 1988/1989, p. 90-91.
65
Idem, ibidem, p. 88.
46
aos demais bens do finado e repartido em montes iguais para todos os filhos. A prática
da colão do dote recebido pelas filhas ao inventário tinha como objetivo tornar a
partilha mais equitativa, evitando-se que as filhas dotadas tivessem vantagem em
relação aos demais herdeiros. Porém, essa igualdade pretendida na partilha nem sempre
ocorria, uma vez que a beneficiada pelo dote poderia escolher se queria ou não levar seu
dote à colação e participar da legítima.
Para afirmarmos em que medida essa prática, de grande parte das famílias
abastadas paulistas estudadas por Muriel Nazzari, de dotar as filhas, assemelha-se às
práticas das famílias mineiras de mesmo poder econômico, seria necessário um estudo à
parte. Porém, o que podemos, por hora, perscrutar, é o quanto essa prática paulista se
afasta ou se aproxima daquela verificada na família Teixeira de Souza Magalhães.
No dia 18 de maio de 1867, por ocasião de seu matrimônio com o primo
Fortunato Teodoro Ferreira Bretas, a filha do barão e da baronesa de Camargos, Antônia
Joaquina Teixeira de Sousa, receberia o seguinte dote no valor de 7:606$000 (sete
contos seiscentos e seis mil réis):
- Amália, escrava avaliada pela quantia de 700$000;
- Francelina, escrava avaliada pela quantia de 500$000;
- Custódio, escravo avaliado pela quantia de 1:200$000;
- A quantia de 5:000$000 em dinheiro;
- Um faqueiro, uma salva e um par de castiçais, todos de prata, avaliados pela
quantia aproximada de 206$000
66
.
Alguns aspectos relativos à composição deste dote, bem como dos outros dois
que veremos em seguida, nos permitem levantar algumas questões. Num primeiro
momento, nota-se o número de escravas superior ao de escravos, o que nos poderia
levar a concordar que realmente a composição dos dotes oitocentistas preocupou-se
mais em conceder um bem de consumo do que de produção, uma vez que as escravas
certamente atuariam no ambiente doméstico. Entretanto, ao observarmos a avaliação
destes escravos feita por ocasião da morte do barão de Camargos em 1878, veremos que
os valores de ambas as escravas somados, equivalem ao valor do escravo, o que nos
66
Informações extraídas de: AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Inventário post-
mortem de Manuel Teixeira de Souza, Barão de Camargos. Caixa 28, Auto 312, Ofício. Ano de 1878,
folha 38 (frente e verso).
47
permite pensar, também, que o valor do escravo, e o o seu sexo, é que pode ter
determinado esta escolha para o dote de Antônia Joaquina.
Outra questão a ser levantada diz respeito à inclusão da prataria, ou seja,
utensílios domésticos, certamente mais destinados à ostentação do luxo do que
propriamente ao uso cotidiano. Por fim, a predomincia, em termos de valor, do
dinheiro em relação aos demais itens, nos leva a pensar que não era do interesse do
casal Teixeira de Souza interferir na forma como o jovem casal ganharia o sustento
como ocorria nos séculos anteriores –, e sim em auxiliá-los neste início de vida.
Menos de um mês depois do casamento de Antônia, Manoel Teixeira de Souza
despenderia mais uma considerável soma de sua fortuna para dotar outra filha. Maria
Leonor Teixeira casou-se no dia 04 de junho de 1867 com Lourenço Baeta Neves,
levando junto consigo um dote no valor de 7:706$000:
- Marcelina, escrava avaliada pela quantia de 1:000$000;
- José Crioulo, escravo avaliado pela quantia de 1:500$000;
- A quantia de 5:000$000 em dinheiro;
- Um faqueiro, uma salva e um par de castiçais, todos de prata, avaliados pela
quantia aproximada de 206$000
67
.
Confirmando, uma vez mais, que a família Teixeira de Souza Magalhães, assim
como diversas outras famílias mineiras de elite, usou dos matrimônios entre famílias
notáveis como forte estratégia de manutenção de seu status social e riqueza, no dia 17
de abril do ano de 1869, ocorre mais uma união desta com a família Baeta Neves. Os
nubentes, desta vez, eram Francisca Teixeira de Souza e Antônio Pedro Baeta Neves
irmão do acima citado Lourenço Baeta Neves. O casal levou como dote, no valor de
6:756$000:
- Januária, escrava avaliada em 1:550$000;
- A soma de 5:000$000 em dinheiro;
- Um faqueiro, uma salva e um par de castiçais, todos de prata, avaliados pela
quantia aproximada de 206$000
68
.
67
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Invenrio post-mortem de Manuel Teixeira de
Souza, Barão de Camargos. Caixa 28, Auto 312, Ofício. Ano de 1878, folha 49 (frente e verso).
68
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Invenrio post-mortem de Manuel Teixeira de
Souza, Barão de Camargos. Caixa 28, Auto 312, Ofício. Ano de 1878, folha 39.
48
A avaliação dos dotes, quando estes eram levados à colação, como no caso
destas três filhas, não era uma tarefa muito simples, uma vez que raramente o pai ou a
mãe faziam um documento por escrito no ato da concessão do dote, especificando seus
valores. Muitas vezes os bens eram avaliados por pessoas diferentes, que poderiam
atribuir valores distintos aos mesmos bens doados. Portanto, o é de se estranhar que
por ocasião da morte da viscondessa de Camargos, no ano de 1902, tenham ocorrido
alterações no que tange às avaliações dos mesmos dotes avaliados pelo inventário de
Manoel. No que diz respeito aos valores em dinheiro e dos escravos concedidos às
filhas não percebemos alteração, porém, em relação à prataria, vemos que os valores se
alteram em aproximadamente 100$000 is, ou seja, em quase metade da avaliação feita
anteriormente.
A prática de dotar as filhas não era exclusiva do pai, podendo ser feita também
pela e, caso este tivesse falecido antes do casamento da filha. Assim, quando se deu o
enlace matrimonial de Elisa Teixeira de Souza Magalhães e Cláudio Alaor Bernhauss de
Lima, em meados da década de 1880 ou seja, posteriormente à morte do pai da noiva
–, a responsável por conceder um dote à filha foi Maria Leonor. Na avaliação do dito
dote, feita por ocasião do inventário da viscondessa de Camargos, Cláudio declarava
trazer à colão a quantia de dois contos e quinhentos mil réis 2:500$000, que recebeu
de dote da Viscondessa de Camargos”
69
.
Quando da morte do barão de Camargos, a 21 de agosto de 1878, e a
subseqüente abertura do inventário dos bens do finado, Antônia, Francisca e Maria
Leonor, mesmo sem saber se iriam ou não se beneficiar, tendo em vista o grande
número de herdeiros, receberam uma quantia maior pela legítima, e optaram por levar
metade de seus dotes à colação. Esta metade era referente apenas à parte doada pelo pai,
que havia falecido. Quando ocorresse o falecimento da mãe, assim, a outra metade do
dote também deveria ser “colada” aos demais bens da família para se efetuar a partilha.
A prática de levar os bens do dote à colação tornara-se relativamente freqüente a
partir da segunda metade do oitocentos, o que para Mariana Muaze, era “uma
demonstração de que o dote estava caindo em desuso”
70
.
69
AMI, Ouro Preto. Fundo Barão de Camargos. Inventário post-mortem de Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, Viscondessa de Camargos. Maço 107, 1º Ofício. Ano de 1902, folha 76 (frente e verso).
70
MUAZE, Mariana. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2008, p. 47.
49
Para muitos daqueles que optavam por abrir mão do dote, levando-o à colação, e
participar da legítima, esta era uma decisão vantajosa, principalmente quando o número
de filhos do finado era pequeno. Assim, apenas a título de exemplificação, Mariana
Velho de Avellar a viscondessa de Ubá optou por devolver o dote, recebido por
ocasião de seu casamento, no valor de 8:900$000, recebendo em contrapartida como
herança, a soma muitas vezes superior de 76:581$699
71
.
Porém, no que diz respeito à numerosa família Teixeira de Souza, pode não
parecer, num primeiro momento, ser um bom negócio o praticado pelas irmãs Antônia,
Maria Leonor e Francisca, ao optarem pela colação. As irmãs deveriam juntar ao monte
mor dos bens do finado barão a metade do dote recebido por ocasião de seus
casamentos. A metade dos dotes de todas elas representaria a quantia de quase
4:000$000 cada, o que, acarretaria em uma desvantagem, caso a parte que lhes
coubessem da legítima paterna fosse inferior a este valor. No entanto, como o total dos
bens do finado barão foi avaliado pela quantia de 206:487$614, podemos afirmar que
parecia bastante vantajoso o negócio realizado por elas, mesmo em se tratando de uma
partilha entre nada menos do que quinze órfãos. Do total dos bens, a viúva baronesa
ficara com a metade, ou seja, 103:243$807, restando igual quantia a ser dividida entre
os quinze herdeiros. Após a partilha, Francisca, Maria Leonor e Antônia puderam
constatar que a parte de 6:882$920 que lhes couberam e aos demais irmãos foi
superior à metade do dote que devolveram, o que explicaria a opção das herdeiras pela
colação.
Quando se deu a morte da viscondessa e subseqüente abertura de inventário, em
1902, as herdeiras dotadas Francisca e Maria Leonor Antônia já havia falecido a esta
época também levaram metade de seus dotes à colação, bem como Elisa, que levou
seu dote integral, recebendo todas elas e os demais herdeiros a quantia de 5:558$112
72
,
referentes à legítima da mãe, o que demonstra, mais uma vez, que tal prática poderia ser
bem vantajosa para aquelas que assim procedessem.
No entanto, é preciso ressaltar que as filhas que, porventura, ficassem com um
pequenoficit ao participarem da legítima – o que não foi o caso das herdeiras do casal
71
MUAZE, Mariana. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2008, p. 47.
72
AMI, Ouro Preto. Fundo Barão de Camargos. Inventário post-mortem de Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, Viscondessa de Camargos. Maço 107, 1º Ofício. Ano de 1902.
50
Teixeira de Souza Magalhães –, não poderiam desconsiderar que o dote, recebido no
início de uma nova vida familiar, possuía um valor inestimável, uma vez que
representava o capital com o qual o jovem casal começaria a viver, dando a estes a
oportunidade de fazer crescer o montante inicial.
Tendo em vista o que discutimos até o momento, podemos afirmar que o
casamento, e suas múltiplas facetas, apresentava-se às famílias de elite do Império,
como uma importante estratégia, pois lhes permitiam ampliar seu grupo familiar,
unindo-se a outras ilustres famílias, e perpetuar a diferenciação social que tanto
prezavam. Porém, o casamento não foi a única forma através da qual este seleto grupo
manteve sua condição e distinção. O recebimento dos títulos de nobreza também
cumpriria este papel - assunto ao qual nos deteremos a seguir.
1.3. Uma nobreza em formação
A vinda de D. João VI e de toda a Coroa portuguesa para o Brasil, no ano de
1808, traria grandes transformações para a colônia. A estadia da Real Coroa portuguesa,
como sabemos, não seria breve. Dessa forma, fez-se necessário criar mais do que
reproduzir todo um aparato burocrático e administrativo na colônia, que atendesse às
necessidades da Coroa portuguesa ali instalada.
Junto ao corpo administrativo para “transplantado, vieram também
demandas de outra ordem, tais como a criação de um ambiente digno de abrigar tão
civilizada corte européia. Visando proporcionar mais opções em termos culturais e
intencionando civilizar” a colônia, D. João VI criou algumas instituições, tais como o
museu e a imprensa régios. Como não poderia faltar, o rei português preocupou-se
também em inventar uma nobreza formada por titulares da terra, afinal de contas, um
reino sem nobres não poderia existir, ou resistir.
A concessão de títulos de nobreza revelava-se, no oitocentos, uma importante
estratégia, tanto para quem os recebia quanto para o rei, que os distribuía. Para este, era
interessante agradecer por meio desta concessão a serviços prestados por ilustres
homens à Coroa, mantendo sempre indivíduos dispostos a ajudar e a servir em
momentos de necessidade, ávidos por tão nobre recompensa. Em contrapartida, aqueles
51
que mereciam tamanha consideração real, usavam o título para demonstrar a toda a
sociedade e legitimar a distinção de suas pessoas.
Os títulos poderiam lhes proporcionar bons relacionamentos em sociedade e até
mesmo proporcionar um excelente casamento, que, como vimos anteriormente, era
crucial para a manutenção da riqueza e para o aumento do prestígio familiar. Muitos
nobres chegaram também a usar de sua condição para selecionarem os indivíduos com
os quais manteriam laços, por vezes, se desfazendo dos demais indivíduos ou famílias
que não carregavam consigo um brasão. O padre Lopes Gama, em seu O Carapuceiro,
de 28 de maio de 1839, já condenava esta atitude:
[...] o excesso é em todas as coisas vicioso. E por isso eu da
aristocracia reprovo a fofice, reprovo que o indivíduo, porque é
ou se diz nobre, queira estribar nisto o seu mérito, queira só ele dirigir
os negócios da pátria, e trate o resto dos homens com desprezo,
sobranceria e crimeza. E ainda mais me enoja tal filáucia, quando esse
título de nobreza é tão duvidoso como a existência dos habitantes da
lua, e não passa de mera presunção e fofice.
73
A crítica em O Carapuceiro demonstra que muitos, mesmo sem possuírem título
algum, usavam títulos de antecedentes para atestarem sua distinção. Isto, por si, já nos
mostra que o processo de concessão de títulos de nobreza nos trópicos diferiu, pelo
menos em parte, daquele existente na Europa.
74
O processo de titulação transplantado por D. João VI para o Brasil seguiria o
modelo lusitano tradicional, realizando, porém, algumas adaptações. A questão da
hereditariedade dos títulos é um exemplo. Enquanto as nobilitações dadas aos europeus
eram não vitalícias, mas também hereditárias, em terras brasílicas a titularidade
pertencia apenas ao seu legítimo proprietário; extinguia-se com a morte do titulado, a
menos que o rei D. João VI, e futuramente Pedro I ou Pedro II, concedesse o mesmo
título a algum outro familiar, como um filho ou esposa, por exemplo.
73
GAMA, Padre Lopes Gama. O Carapuceiro: crônicas de costumes. São Paulo: Cia das Letras, 1996, p.
316 - 317.
74
Existe uma alentada bibliografia sobre o tema para o Império Português. A título de exemplo ver
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O “Ethos Nobiliárquico no final do Antigo Regime: poder simbólico,
império e imaginário social. In: Almanack braziliense, n.02, nov. 2005 e KANTOR, Íris. Os Ramires de
outras eras em outros espaços: breves comentários sobre as formas de apropriação do ethos nobiliárquico
na América portuguesa... . Almanack Braziliense, n.02, nov. 2005. Um dos trabalhos mais representativos
sobre o assunto, voltado para a América Portuguesa é MELLO, Evaldo Cabral de. O nome e o sangue:
uma parábola familiar no Pernambuco Colonial. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000. Desnecessário insistir
no fato de que tratar do assunto, nos limites desta dissertação, ultrapassa os objetivos aqui pretendidos.
52
Além da não hereditariedade dos títulos, outra característica distinguia a nobreza
tropical brasileira da européia. Enquanto esta recebia as nobilitações “por herança” dos
pais, aquela as recebia por um caráter eminentemente meritório. Segundo Lilia Moritz
Schwarcz, muitas poderiam ser as motivações das titulações, tais como ““serviços
prestados”, “provas de patriotismo”, “por fidelidade e adesão à S.M.I.”, [...] ou até “por
trabalhos nas exposições universais
75
.O Imperador Pedro II, e antes dele D. João VI e
D. Pedro I, era o responsável por arbitrar na escolha dos que seriam agraciados com
honras e mercês. Mas, feita a escolha, quem eram os responsáveis por formalizar esta
concessão?
No ano de 1810 foi instalada na corte do Rio de Janeiro, a Nobre Corporação
dos Reis de Armas, responvel pela “formalização das mercês e títulos e cartas de
brasões”. Eram quatro funcionários reais os responsáveis por tal ocio, sendo um rei
de armas, um arauto, um passavante e um escrivão dos brasões da nobreza e fidalguia
do Império”. A atribuição do rei de armas consistia em escrever a genealogia dos
nobres, orientando-os na elaboração dos brasões”
76
, no que era auxiliado e
acompanhado pelo arauto e o passavante. O escrivão dos brasões da nobreza e fidalguia
do Império era o responsável pelo registro em livro das conceses de títulos.
Para que o recebimento do título fosse efetuado era necessário, também, o
pagamento de algumas taxas referentes à “carta de mercê nova” e ao registro da mesma
em livro, o que acabava tornando a “concessão” do Imperador um presente bastante
custoso para quem o recebia, tanto mais caro quanto mais elevada fosse a titulação.
Algumas leis e decretos preocuparam-se em estabelecer valores a serem pagos
nessas tramitações, sendo que estes variaram ao longo do século XIX. O decreto de
1879, por exemplo, estipulava os seguintes valores, de acordo com os títulos recebidos:
um duque deveria pagar 2:450$000 para usufruir de tão grande honraria; um marquês
o desembolsaria menos do que 2:020$000; um conde, visconde ou barão com
grandeza pagaria 1:575$000, um visconde e um barão despenderiam, respectivamente,
de 1:025$000 e 750$000 para pertencerem ao grupo da nobreza.
77
75
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 161.
76
Idem, ibidem, p. 171.
77
Idem, ibidem, p. 172.
53
Porém, mesmo se tratando de quantias relativamente altas, muitos pagariam
qualquer preço para usufruírem de tal distinção. Nos anos de 1822 a 1830, D. Pedro I
criou 119 títulos, número que se elevou consideravelmente no reinado de D. Pedro II:
570 titulados somente entre os anos de 1870 a 1888. Este elevado número demonstra
que, embora pudesse ser bastante custoso o recebimento de um título, não faltaram
súditos que pagaram pelo ilustre “presente”.
No entanto, se havia regulamentações e leis que regiam os custos das concessões
de títulos, como dissemos acima, o mesmo não ocorreu no tocante à seleção dos nobres.
Qualquer um que tivesse prestado serviços ao Estado era um nobre em potencial.
Geralmente, os escolhidos atuavam em atividades econômicas rentáveis, como os
fazendeiros, por exemplo, ou ocupavam cargos públicos, como os políticos, ou ainda
eram grandes negociantes, intelectuais, professores, capitalistas, médicos, banqueiros
etc.
78
Os serviços que estes ricos homens prestavam ao Imperador poderiam ser a
acolhida do imperante e de sua família, em suas casas, quando estes passassem por suas
cidades, o oferecimento de presentes, de bailes em sua homenagem, de contribuições
generosas em dinheiro para obras do Estado e, amesmo, a participação e apoio nas
atividades culturais e científicas tão bem vistas e incentivadas por Pedro II.
O recebimento do título de barão de Camargos por Manoel Teixeira de Souza
em decreto imperial de 17 de maio de 1871 parece ter sido motivado por uma junção de
rios dos fatores acima citados. Manoel era chefe do partido conservador, foi deputado
provincial, vice-presidente da proncia de Minas Gerais e senador do Império, o que
demonstra sua dedicação à potica do Império, bem como sua respeitabilidade, visto
que atuou politicamente por cerca de 30 anos. Entretanto, Manoel não foi apenas um
importante político, possuindo também outros requisitos da “lista” de D. Pedro II para
alcançar a posição de nobre. Foi grande proprietário de terras, administrando junto aos
seus cunhados a Fazenda do Tesoureiro, herdada por sua esposa Maria Leonor.
A região onde se situava o Tesoureiro, na Freguesia de Camargos, pertencente à
cidade de Mariana, foi exatamente o que inspirou D. Pedro II na elaboração do nome
que acompanharia o título de nobreza de Manoel. O monarca encarregava-se
pessoalmente da escolha dos nomes e, geralmente, usava o nome do lugar onde o
78
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 173.
54
titulado havia nascido, ou onde atuava politicamente, ou ainda onde detinha alguma
propriedade rural etc. - caso este que se aplica ao barão de Camargos.
Manoel Teixeira de Souza enquadrava-se, ainda, num outro grupo de
recebedores de títulos, aquele denominado capitalista, ou seja, que viviam de rendas de
investimentos em ações e de empréstimos concedidos a terceiros, o que é comprovado
no inventário do barão, sendo que grande parte de sua fortuna era d advinda.
Somando-se a todos os fatores mencionados, que enquadravam o potico ouropretano
no seleto grupo de merecedores e recebedores de tulos, estava a destacada atuação do
ilustre barão nas exposições internacionais, sobremaneira estimuladas por D. Pedro II.
Manoel participou de algumas dessas exposições levando o café e o chá cultivados no
Tesoureiro para apresentá-los ao mundo, no que teve bastante sucesso, uma vez que
ambos os produtos foram premiados em algumas destas, como veremos em capítulo
posterior.
Esta pequena “lista” nos leva a crer que, ao que tudo indica, não faltaram
motivos para que D. Pedro II concedesse um título de barão a Manoel. Porém, para
finalmente convencer aqueles que acreditam ter sido esta concessão despropositada,
ainda um fator crucial para a tomada de decisão do Imperador. O monarca também
agraciava um outro grupo de pessoas que não se enquadra, necessariamente, nos
anteriores. Este grupo teve o seu merecimento pela muita proximidade que gozou junto
a D. Pedro II, ou à Imperatriz D. Teresa Cristina, ou ainda junto às filhas Isabel e
Leopoldina.
Em algumas das correspondências trocadas entre Manoel e Maria Leonor, aquele
narra alguns episódios em que é visível a proximidade entre ele, alguns integrantes de
seu círculo, e o Paço Imperial e seus moradores. Assim, em carta de 14 de julho de
1860, Manoel fala de sua ida ao cortejo que se deu pelo aniversário de 13 anos da
Princesa Leopoldina: “Ontem fui ao cortejo de S. Cristóvão pelos anos da Princesa D.
Leopoldina e ao dia 29 [irei] a farda no juramento que tem de ir prestar o Senado a
Princesa Imperial
79
. No ano de 1862, Manoel relatava a Maria Leonor a visita recebida
por Francisca Carolina de Verna Magalhães da Fonseca, prima do casal, das princesas
79
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Sousa. RJ, 14/jul./1860. Caixa Corresponncia e Diversos.
55
Isabel e Leopoldina: “Anteontem teve a Chiquinha a honra de uma visita de hora das
princesas”
80
.
A família de Manoel mantinha uma relação mais estreita com a família real,
principalmente através de uma pessoa muito próxima a ambos os lados; trata-se de
Mariana Carlota de Verna Magalhães, a condessa de Belmonte, que fora preceptora de
D. Pedro II, acompanhando toda a sua educação e crescimento. A filha da condessa,
Maria Antônia de Verna Magalhães, era casada com um primo e grande amigo de
Manoel, o médico da Imperial mara Luís Carlos da Fonseca. Este, seus irmãos e sua
mãe, Ana Rodozinda Vindelina da Silva (irde Inácia Francelina, mãe do barão de
Camargos), residiam no Rio de Janeiro e mantiveram estreitos laços com o barão, uma
vez que este também residia no Rio de Janeiro devido às suas atribuões poticas,
como é possível percebermos através da leitura das correspondências trocadas pelo
casal Teixeira de Souza.
Assim, o casamento de Luís Carlos com a filha da condessa permitiu que as
famílias estivessem sempre em contato, seja nos jantares ocorridos na casa de D. Ana,
seja nas visitas feitas pelas princesas à casa de Luís Carlos que o barão freqüentava
quase diariamente –, ou nas visitas à chácara da condessa de Belmonte, onde Luís
Carlos e a filha de Mariana Carlota passaram a residir depois de sua morte, em 1855. A
respeito da chácara, Manoel assim escreve a sua esposa em 15 de junho de 1862:
[...] hoje fomos fazer um belo passeio ao Engenho Novo [...] à chácara
da condessa de Belmonte, onde se acha toda a família do Luís Carlos:
agora mesmo 7 da noite, estamos chegando, e vejo a grande diferença
que há de clima: ali goza-se de bessimos ares, entretanto aqui parece
que se esno verão. Em todos os jantares da família a que temos
assistido nunca sois esquecida bem como as meninas.
81
A proximidade com o Imperador e sua família, seja direta ou indiretamente,
através de terceiros, como no caso de Manoel, não era uma exclusividade dos homens,
que freqüentavam mais as reuniões sociais. Muito pelo contrário. As mulheres,
essencialmente, conseguiram alcançar tais títulos de nobreza, e não apenas pelos laços
construídos com a família imperial.
80
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Sousa. RJ, 10/jun./1862. Caixa Corresponncia e Diversos.
81
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Sousa. RJ, 15/jun./1862. Caixa Corresponncia e Diversos.
56
É exemplar, nesse sentido, o caso de Luísa Margarida Portugal e Barros, a
condessa de Barral. Além de aia das princesas Isabel e Leopoldina, as quais
acompanhou até se casarem, a condessa também manteve estreito laço de amizade e
dizem até que amoroso com o Imperador, como o comprovam as inúmeras
correspondências trocadas por ambos até o ano de suas mortes, em 1891.
82
Outro caso
exemplar de mulher que recebeu o título de nobreza pela proximidade com a família
imperial e pelos serviços prestados dentro do Paço Imperial foi a citada Mariana
Carlota de Verna Magalhães, que educou D. Pedro II e participou ativamente de seu
desenvolvimento, recebendo como reconhecimento o título de condessa de Belmonte.
No entanto, algumas mulheres engrossaram as fileiras da nobreza brasileira,
mesmo sem a intimidade desfrutada pelas condessas de Barral e de Belmonte junto à
família do monarca. Segundo Schwarcz, as mulheres foram agraciadas em pequeno
número durante todo o Império, sendo que “apenas cerca de trinta mulheres
(aproximadamente 2,5% do total de titulados) tiveram seus atos considerados dignos de
distinção
83
.
As mulheres usufruíram o estatuto de nobreza sob duas formas distintas no
Brasil oitocentista. A primeira delas, e talvez a mais recorrente, foi o uso emprestado do
título do marido. Quando um homem casado recebia uma mercê honorífica, sua esposa
também passava a usar e a responder pelo título, por empréstimo do marido, uma vez
que apenas ele, e o o casal, o havia recebido. Como caso exemplar deste costume,
temos Maria Leonor que, após o recebimento do título de barão pelo seu cônjuge em
1871, passa a usá-lo também. Em algumas das cartas escritas por Maria Leonor,
podemos perceber que esta passou a assinar como baronesa de Camargos de maneira
bastante natural. É possível percebermos, ainda, que tal atitude era reconhecida e
legitimada socialmente, uma vez que muitos remetentes a ela se dirigiam pelo título de
baronesa.
O hábito de tomar emprestado o tulo do marido era tão arraigado e aceito
socialmente que até mesmo D. Pedro II, quando esteve na província de Minas Gerais,
no ano de 1881, em sua estadia na cidade de Ouro Preto, refere-se a Maria Leonor como
baronesa de Camargos. É interessante notarmos que, mesmo com a morte do barão no
82
PRIORE, Mary Del. Condessa de Barral: a Paixão do Imperador. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
83
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Cia das Letras, 1998, p. 176.
57
ano de 1878, a sociedade, e até mesmo o Imperador, continuam a reconhecer sua esposa
como baronesa, atestando que o título sobreviveu ao seu proprietário.
Mas, se o monarca ainda considerava Maria Leonor como digna de ser chamada
de baronesa, mesmo sem que o título a pertencesse, e mesmo depois do falecimento do
barão, após tomar conhecimento de algumas gentilezas desta junto à Imperatriz Teresa
Cristina e ao próprio Pedro II, quando estiveram em Ouro Preto, o imperador decidiu
por agraciá-la com o tulo hierarquicamente superior ao de baronesa, ou seja, o de
viscondessa de Camargos.
No entardecer de uma quarta-feira, dia 30 de março de 1881, chegava à cidade
de Ouro Preto a tão esperada comitiva Imperial, na qual, além de D. Pedro II e da
Imperatriz, constavam outros tantos funcionários imperiais. Assim narra o próprio
Imperador a sua chegada:
[...] Às 5 ½ chegada a Ouro Preto cuja vista encantou-me. Apareceu-
me na imaginação como Edimburgo. A estrada que margeia o ribeirão
do Carmo que atravessa em parte uma espécie de túnel é lindíssima. A
caleça custou-lhe a subir por estas ruas de aspecto tão original, e temia
que se pisasse alguém pois havia imenso povo e cordialíssimo
acolhimento.
84
Após dois dias de intensas visitas pelas igrejas, monumentos, escolas, hospitais,
eis que na noite de de abril é oferecido um jantar de despedida ao Imperador no
Palácio do Governador, onde estavam hospedados Pedro II e sua comitiva –, que
partiria na manhã seguinte. Neste jantar, em que estava presente também a família
Teixeira de Souza Magales, o Imperador toma conhecimento do enorme préstimo que
Maria Leonor havia feito em sua estadia em Ouro Preto. A viúva do barão de Camargos
havia oferecido alguns de seus escravos para servirem na liteira de Teresa Cristina,
alforriando-os posteriormente. A este respeito, assim anota o monarca em seu diário:
Jantar e Recepção. Entreguei 3 cartas de alforria a 3 mulheres por
intermédio do monsenhor José Augusto e do cura Sta. Ana, e soube
que a baronesa que veio com a família alforriou seus escravos que têm
servido na liteira da imperatriz.
85
84
PEDRO II. Diário da Viagem do Imperador a Minas. In: Anuário do Museu Imperial, vol. XVIII.
Petrópolis, 1957, p. 76.
85
PEDRO II. Diário da Viagem do Imperador a Minas. In: Anuário do Museu Imperial, vol. XVIII.
Petrópolis, 1957, p. 79.
58
Coincidência ou não, apenas dois meses após a data do referido jantar, D. Pedro
II concederia, por decreto imperial de 15 de junho de 1881, o título de viscondessa de
Camargos a Maria Leonor. Se o que o motivou fora a gentileza dela ao “emprestar” seus
escravos à Imperatriz ou, ainda, a sua nobre atitude em alforriá-los em seguida, não
poderemos afirmar com certeza. Porém, que se reconhecer que não faltavam
atributos à senhora Teixeira de Souza Magalhães para o merecimento do título. Na carta
de 17 de junho de 1881, escrita por Francisco à sua irLeonor, encontramos pistas de
que as gentilezas e a hospitalidade da viscondessa podem ter se manifestado em outros
atos que nos escaparam. Assim escreve Francisco: Eu estava certo, que a Mana não
deixaria de contribuir para a boa acolhença [sic] feita aos imperantes, a qual,
independentemente de opiniões poticas, devia manifestar a hospitalidade mineira”
86
.
Como a carta citada datava de 17 de junho e o decreto imperial datava de 15 de
junho, certamente nesta missiva o irmão Francisco ainda não sabia da notícia do
recebimento do título de viscondessa por Maria Leonor. Porém, em carta posterior, de 7
de setembro de 1881, o mesmode manifestar-se a este respeito:
Estimei muito que o Imperador reconhecesse novamente com este ato
os serviços que prestou ao País aquele digssimo homem que foi o
Barão de Camargos e honrasse também os merecimentos da mana
como ótima e exemplar mãe de família. Os títulos que correspondem a
méritos reais, os confirmam em público e na história ao mesmo tempo
que dão uma satisfação para quem os recebe e um exemplo para os
filhos; cá no velho mundo se diz: noblesse oblige.
87
Maria Leonor não seria a última Teixeira de Souza Magalhães a receber um
reconhecimento de D. Pedro II em forma de recebimento de títulos de nobreza. O
próximo seria o seu filho, o médico Antônio Teixeira de Souza Magalhães, que assumiu
os trabalhos poticos deixados pelo pai após sua morte, tornando-se também um
prestigioso político mineiro, atuando no Império e na República. Infelizmente o
possuímos a data do decreto imperial que o fez tornar-se o barão de Camargos,
certamente um dos últimos cidadãos a desfrutar o recebimento de um título imperial,
86
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu irmão Francisco. Florença, 17/jun./1881. Caixa Corresponncia e Diversos.
87
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu irmão Francisco. Florença, 07/set./1881. Caixa Corresponncia e Diversos.
59
uma vez que o Império, e toda a nobreza que nele se criou, nesta década de 1880,
estavam com os dias contados.
60
FIGURA 1
Genealogia da família Mosqueira*
Fernando Luís
Machado de
Magalhães
?**
f
Antônio Luís
Botelho Machado
de Magalhães
Antônia Felícia
de Magalhães
Rosa
Modesto Antônio
Machado de
Magalhães
Fernando Luís
Machado de
Magalhães Júnior
Francisco Machado
de Magalhães
Botelho Mosqueira
Maria Leonor Felícia
da Rosa (viscondessa
de Camargos)
c/c
c/c
c/c
c/c
Francisca de Paula
Procópia de
Oliveira Cata Preta
Francisca
Carolina Teixeira
de Souza
Maria Rosa de
Lungo (Rosina)
Manoel Teixeira
de Souza
Legenda
c/c = casou com
f = filhos
* Por ser a falia Mosqueira muito numerosa, optamos por abordar sua genealogia a partir do pai de Maria Leonor Felícia da Rosa (Viscondessa de Camargos), por
corresponder mais às necessidades do presente trabalho.
** Nenhum documento ou carta consultados faz menção à mãe de Maria Leonor. Entretanto, alguns descendentes da família afirmam que a mãe de Leonor era a irmã de Manoel
Teixeira de Souza, Maria Fortunata Teixeira de Souza. Por esta hipótese, Maria Leonor teria se casado com o tio.
61
FIGURA 2
Genealogia da família Pimenta da Costa*
Manoel Teixeira
de Souza
Inácia Francelina
Cândida da Silva
c/c
f
João Batista
Teixeira de
Souza
c/c
Carolina Joaquina
de Oliveira Cata
Preta
Maria Fortunata
Teixeira de
Souza
Francisca
Carolina Teixeira
c/c
Modesto Antônio
Machado de
Magalhães
Bernardo
Teixeira de
Carvalho
c/c
Carlota Carolina
Wallerstein
Domingos
Teixeira de
Souza
Manoel Teixeira
de Souza (Bao
de Camargos)
c/c
Maria Leonor
Felícia da Rosa
Legenda
c/c = casou com
f = filhos
* Por ser a família Pimenta da Costa muito numerosa, optamos por abordar sua genealogia a partir do matrimônio dos pais de Manoel Teixeira de Souza (Barão de Camargos),
por corresponder mais às necessidades do presente trabalho.
62
FIGURA 3
Família Teixeira de Souza Magalhães
Manoel
Teixeira de
Souza
Maria Leonor
de Magalhães
Teixeira
c/c
f
Manoel
Teixeira
de Souza
c/c
Maria
Monteiro
de Castro
Antônia
Joaquina T. de
S. Magalhães
Fortunato
Teodoro
Ferreira Bretas
c/c
Fernando T.
de S.
Magalhães
Ana Baeta
Neves
c/c
José de
Calazans T. de
S. Magalhães
Amélia Baeta
Neves
c/c
Francisco
Machado T. de
S. Magalhães*
Antônio T. de
Souza
Magalhães
Francisca
de
Magalhães
Mosqueira
Maria
Angelina
Bawden
c/c
c/c
Ana Elisena T.
de Souza
Magalhães*
Francisca T.
de Souza
Magalhães
Antônio
Pedro Baeta
Neves
c/c
Lucas de
Souza
Magalhães
Cândida
Flora de
Queirós
Teixeira
c/c
Elisa Teixeira
de Souza
Magalhães
Cláudio
Alaor
Bernhauss
de Lima
c/c
Josefina T. de
Souza
Magalhães*
Luís
Teixeira de
Souza
Magalhães
?
c/c
Leopoldina T.
de Souza
Magalhães
Antônio
Ls de
Magalhães
Mosqueira
c/c
Joana
Teixeira de
Souza
Magalhães*
Maria
Leonor
Teixeira de
Souza
Lourenço
Baeta
Neves
c/c
Legenda
c/c = casou com
f = filhos
* Na documentação pesquisada e na genealogia elaborada pelo Cônego Raimundo Trindade sobre a família Teixeira de Souza Magalhães, o encontramos informações sobre casamentos
dest
es quatro filhos.
63
Capítulo 2:
A viscondessa e suas inúmeras atribuões
Enquanto o marido por fora agencia, trabalha, lida e moureja por
adquirir meios de subsistência, cumpre que a mulher de portas dentro
zele, vigie, guarde e economize.
88
No número 36 d’O Carapuceiro, de 03 de agosto de 1842, intitulado O que
deve ser uma boa dona de casa”, o Padre Lopes Gama parece ter bem definido qual o
padrão de comportamento esperado da mulher oitocentista. Ser boa dona de casa, em
suas palavras, significava ser uma boa esposa e, por conseguinte, uma boa mãe.
Entretanto, se o padre carapuceiro ocupava-se em lembrar às suas leitoras qual seria o
comportamento esperado delas, nos parece um sinal de que muitas o haviam esquecido.
Dessa forma cabe nos indagarmos: qual seria o comportamento cotidiano de uma
mulher, em nosso caso específico da elite, oitocentista? Quais seriam seus papéis
desempenhados no âmbito doméstico e em sociedade?
O século XIX foi marcado por alguns processos tais como a urbanização, a
ascensão do individualismo, a europeização de valores, o advento do romantismo e os
novos discursos médico-científicos que, juntos, redefiniriam em grande medida as
formas de se viver em família. O Brasil experimentaria estas mudanças de uma maneira
bem própria e singular, e que remodelaria, de certa forma, a família brasileira
oitocentista. Esta, a partir de então, desempenharia os mesmos papéis dantes, porém de
forma diferenciada.
Ao homem, esposo e pai de família, continuaria a atribuição de produtor e
mantenedor da riqueza, além de centro irradiador do poder, uma vez que todos os
demais integrantes do núcleo familiar se subordinam, ainda que em menor medida, a ele
mesmo. Entretanto, o homem aparece auxiliado pela mulher que, por vezes,
principalmente na ausência dele, é a responsável por gerir a família, a casa e, até
mesmo, os negócios.
O papel desempenhado pelas mulheres se amplia, tirando-a da clausura
doméstica, tão criticada pelos viajantes
89
que por aqui passaram, e permitem o seu
88
GAMA, Padre Lopes. O Carapuceiro: crônicas de costumes. São Paulo: Cia das Letras, 1996, p. 403.
64
convívio social e instrução. Sua principal atribuição, a maternidade, ganha ainda mais
valorização, e, de sua boa educação e instrução dependerá o bom preparo educacional
de seus filhos, ou seja, os futuros cidadãos do Império, a quem se destinariam altos
cargos na potica. À mulher caberia, ainda, como visto nas palavras do Padre Lopes
Gama, o zelo e cuidado com a casa.
Não foram apenas os papéis dos homens e mulheres que sofreram modificações
no século XIX, mas o da criança também. A partir da segunda metade do oitocentos, a
criança começa a ganhar mais espaço na família, com a valorização da infância. Esta
valorização embasava-se na importância de se cuidar dos pequenos brasileiros, para que
se tornassem cidadãos preparados para vivenciar toda a modernidade aspirada por D.
Pedro II, que era, ele próprio, um exemplo dessa valorização. Dessa forma, a aparência,
a saúde e, principalmente, a educação, o preparo intelectual, ganham mais atenção dos
pais e de todo o núcleo familiar, dentro e fora dele, com o aparecimento de novos
produtos brinquedos, manuais de educação, roupas, remédios feitos especialmente
para o cuidado de meninos e meninas de elite.
No entanto, os papéis desempenhados pela mulher de elite brasileira não ficaram
circunscritos apenas no núcleo mais central da família, ou seja, de mãe, esposa e dona
de casa. À mulher era dada, também, a função de manter os laços familiares, criando-os
e recriando-os com o passar dos anos. Para cumprir tal tarefa tecia, no que era
acompanhada pelo marido, redes de apadrinhamentos visando a criação do parentesco
através do batismo, quando o mesmo não existia através do sangue. A manutenção de
contato com os parentes, estando estes longe ou perto, através da troca de
correspondências, de presentes, de fotografias e de recomendações também
funcionavam como ferramentas de conservação da própria família, não permitindo que
os elos se enfraquecessem. Outro papel que poderia ser desempenhado por mulheres da
elite imperial e, como veremos adiante, o foi era o de mediadora da potica local
com a potica imperial. Uma vez que o podiam, e talvez nem quisessem, atuar na
89
O viajante Auguste de Saint-Hilaire, por exemplo, passando por Minas Gerais, em meados do século
XIX, chega a registrar as seguintes palavras a respeito desta clausura, ao observar o interior das casas
mineiras: “O interior das casas, reservado às mulheres, é um santuário em que o estranho nunca penetra
[...]. Os jardins, sempre situados por trás das casas, são para as mulheres uma fraca compensação de seu
cativeiro, e, como as cozinhas são escrupulosamente interditados aos estrangeiros.” SAINT-HILAIRE,
Auguste. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1975,
p.96.
65
política oficial do império, as mulheres poderiam usar de seu prestígio, de seu nome e
de sua condição social privilegiada para intercederem por aqueles que as solicitassem,
junto às esferas mais altas do poder oficial.
Dessa forma, o presente capítulo tem como objetivo desvendar o cotidiano
familiar dos Teixeira de Souza Magalhães e a forma como seus integrantes
desempenharam os papéis familiares que lhes cabiam. Para tanto, tomaremos como
referencial, em grande parte, as relações e atribuições de Maria Leonor, mãe, esposa,
dona de casa e mantenedora dos laços desta numerosa família.
2.1. A gerência da família
A gerência da família foi, indubitavelmente, uma das principais atribuições da
mulher de elite oitocentista. O sucesso com que realizaria tal incumbência, sempre ciosa
pela manutenção e criação de laços capazes de auxiliar na perpetuação do poder e status
social de seu grupo familiar, seria determinante para o pprio êxito da família.
A análise das missivas trocadas entre Maria Leonor com o esposo, com os filhos,
com os irmãos e com os afilhados nos permite vislumbrar como a viscondessa de
Camargos teria desempenhado este papel de gerência da família. Papel esse, certamente,
intensificado e acrescido de muitas responsabilidades, uma vez que o marido
encontrava-se residindo em outra cidade Rio de Janeiro devido às suas obrigações
políticas. Dessa forma, desempenhar o papel de uma boa esposa, zelando pelo marido
mesmo à distância, fornecer uma boa educação e instrução aos filhos, cuidar da saúde e
da aparência destes, bem como encaminhá-los à boa moral e educação cristã, foram
algumas das funções exercidas pela senhora Teixeira de Souza Magalhães.
Pouco tempo após casar-se com Manoel, Maria Leonor viu-se obrigada a viver
separada do marido alguns meses do ano, de maio a agosto, uma vez que este
encaminhava-se para a corte do Rio de Janeiro para cumprir as atribuições que a potica
lhe incumbira. As epístolas trocadas entre o casal, principalmente na década de 1850 e
em princípios da de 1860, nos permitem supor que Maria Leonor e Manoel planejavam
a mudança definitiva dela e dos filhos já nascidos à época para a capital do Império,
como é possível observar no seguinte trecho de carta escrita por Manoel a Leonor:
Estive ontem em casa de Tia D. Ana, que com as Primas, se recomendam a todos,
66
desejando que se possa verificar a encantada mudança para cá [grifo nosso].
90
No
entanto, pudemos constatar que os planos do jovem casal não vingaram, indo a esposa e
filhos passarem apenas temporadas no Rio com Manoel. À falta de êxito nesta
empreitada podemos atribuir aos negócios, como a fazenda do Tesoureiro, que o casal
possuía em Camargos, que deveria ser administrada por um deles. Assim, caberia ao
papel de esposa, mãe e dona de casa, o de cuidadora zelosa dos bens do casal, como
veremos num próximo tópico. No momento queremos ressaltar mesmo é o quão
complexo poderia ser o papel de esposa numa família abastada.
A distância que se ims ao casal Teixeira de Souza Magalhães permitiu que um
rico acervo de documentação privada se formasse, como salientamos em momento
anterior, composto de inúmeras correspondências trocadas por eles. Dessa forma,
manter o relacionamento e, conseqüentemente, a família de forma harmoniosa
dependeria do contato freqüente entre Manoel e Leonor, que se fez possível através das
cartas. Nas missivas trocadas entre ambos percebemos a preocupação de Manoel com o
bem-estar, principalmente com a saúde, dos filhos e da esposa. Em carta de 26 de junho
de 1860, Manoel ocupa-se em demonstrar sua preocupação com a saúde da família, bem
como colocar a esposa e demais parentes à par do seu estado:
Com o costumado prazer recebi a sua carta de 20 do corrente, que me
certifica da sua saúde e da família, o que é para mim objeto de maior
cuidado: eu passo também sem maior incômodo, apenas com algum
defluxo, que é geral agora, que tem começado a haver algum frescor.
91
Assim, ao mesmo tempo em que preocupa-se com os seus entes e se alegra com as
notícias de boa saúde de todos, procura não dar motivos para que o núcleo familiar se
inquiete quando diz que o mal que possui “é geral agora, que tem começado a haver
algum frescor”. Porém, apenas esta justificativa talvez não fosse suficiente para
tranqüilizar a mulher, os filhos e demais familiares, sendo necessário que em 04 de
julho, ou seja, poucos dias depois da carta anteriormente citada, o futuro barão
remetesse outra missiva à esposa a fim de fazê-la saber de sua melhora
90
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 09/jul./1860. Caixa Correspondência e Diversos.
91
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 26/jun./1860. Caixa Corresponncia e Diversos.
67
Acuso a tua carta de 28 de junho estimando sumamente saber que vais
passando bem, e assim toda a família [...]: eu passo sem novidade, e já
estou livre do defluxo que me causou dores de cabeça por alguns
dias.
92
A troca de cartas acima citada nos permite constatar uma negociação, ou pacto
epistolar, do qual falaremos mais detidamente no próximo capítulo, existente entre o
casal, que teria como objetivo manter a ambos bem informados com o que se passava:
ao barão caberia dissertar sobre sua saúde, sobre seu trabalho e sobre os filhos que
residiam com ele – por estudarem no Rio de Janeiro –, além de controlar os negócios e a
família à distância, dando algumas coordenadas à esposa. À baronesa ficava a
incumbência de dar notícias de si, dos filhos e dos demais parentes, além, é claro, dos
necios da família.
Entretanto, essas constantes escritas não se reduziam apenas no ato de troca de
informações. O casal utilizava das missivas como um espaço de vivenciar o casamento,
que deveria suportar tão grande distância, e amenizar as saudades através da troca de
palavras de demonstração de afeto, cuidado e carinho. Em fins de agosto de 1853, em
vias de regressar a sua terra natal, mas tendo-o impedido um imprevisto, Manoel
escreve
Recebi a sua estimada carta de 20 do corrente e vi o prazer, que
manifestas pela proximidade do meu regresso: eu também o desejo
ansiosamente [...]. Tem pois paciência para mais uns dias que depressa
passam e não queira que eu fique mal visto como está geralmente o
José Agostinho, que safou-se calado, estando o Mello Franco aqui
[ilegível] para entrar no seu lugar.
93
Como as saudades eram amenizadas através das cartas e já que nem sempre que
o momento de se reencontrarem chegava o mesmo se concretizava, como vimos na carta
anterior, esta troca deveria ser ininterrupta. Quando um dos dois não recebia a carta
esperada aumentavam-se as preocupações que logo eram justificadas em missivas
seguintes. Tendo sido cobrada pelo esposo, dada a pouca freqüência com que lhe
escrevia Maria Leonor, responde: “Não tenho te escrito sempre por muito ocupada
92
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 04/jul./1860. Caixa Correspondência e Diversos.
93
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 26/ago./1853. Caixa Correspondência e Diversos.
68
como sabe”.
94
A falta da futura viscondessa de Camargos deveria, afinal, ser
desculpada, uma vez que não era tarefa fácil ser mãe de uma prole tão extensa, além de
esposa e administradora dos bens do casal. Entretanto, ao que parece, Manoel não era
tão facilmente desculpado quando sua esposa não recebia as cartas. Ao reclamar por
uma carta não recebida, Manoel assim se defende: Não tenho deixado de escrever-te
por um só correio, e para tanto a falta a que te referes deve proceder do correio”.
95
Certamente as faltas de Manoel na escrita das cartas eram compreendidas por
Leonor, principalmente se estas não fossem escritas para que o esposo pudesse se
poupar, estando ele com algum incômodo de saúde. Entretanto, como marido zeloso e
preocupado, mesmo doente, acamado, Manoel escrevia. Em carta de junho de 1873,
Maria Leonor repreende o esposo pelo excesso sem, contudo, se alegrar por tamanha
demonstração de estima recebida do marido:
Recebi a tua carta de 16 e fiquei bem contente de saber que te achas
melhor, apesar de estares ainda muito fraco mas o que não gostei foi
do excesso que se fizeste para escrever-me estando ainda de cama.
Peço-te que fiques em sossego até ficares bem forte e não queiras
aproveitar o tempo para adiantar corresponncias.
96
Ser boa esposa significava, além da preocupação constante demonstrada pelo
cônjuge, também a submissão ao mesmo, uma vez que este representa ainda, em
meados do século XIX, o papel de provedor do lar, materialmente e moralmente, além
de centro de poder de decisões dentro da casa e da família. As decies do esposo eram,
em grande medida, as leis que regiam a família. É claro que não podemos minorar ou
ignorar as constantes negociações que se impunham a este respeito, no entanto, sua
autoridade era muito mais respeitada do que contestada.
Assim, embora Maria Leonor tivesse uma margem de liberdade para atuar na
casa, na família, nos negócios, a obediência ao marido apresentava-se a ela como um
valor, como uma norma, mesmo que nem sempre fosse colocada em prática. Porém, o
que nos chama a atenção em carta, de junho de 1873, escrita por Leonor ao marido é
94
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magales
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Souza. OP, 14/mai./1873. Caixa Correspondência e Diversos.
95
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 04/jul./1860. Caixa Correspondência e Diversos.
96
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Souza. OP, 20/jun./1873. Caixa Corresponncia e Diversos.
69
exatamente a plena observância de tal lei, ao solicitar a sua permissão para se ausentar
de casa por uns dias para passear no sítio onde residia a filha casada Maria Leonor,
carinhosamente chamada pelos pais de Maricota: “Mande-me dizer se aprovas o passeio
ao Papagaio pois o Lourenço instiu [sic] muito comigo e me disse que tinha te
prevenido, e eu fiquei de avisá-lo logo que pede-se para ele vir buscar-me”.
97
A carta
citada nos permite pensar que apenas o pedido de Leonor poderia não ser suficiente para
o consentimento do marido, sendo necessário também o pedido ou prevenção do
genro Lourenço ao barão.
No século XIX o ser boa esposa estava associado, em grande medida, ao ser boa
mãe. Ambos os papéis se complementavam e deveriam ser bem desempenhados pela
mulher oitocentista. Prerrogativas como o cuidado com a saúde, com a instrução e a
educação estavam no rol de funções da boa mãe.
Sempre atenta às dores, constipações e defluxos dos filhos, Maria Leonor
afligia-se à menor alteração de saúde de sua numerosa prole e o demorava a remeter
uma carta ao esposo relatando todo o mal, no que este providenciava imediatamente a
consulta ao médico geralmente ao primo e amigo Luís Carlos e remetia a receita
médica, os remédios e as explicações pertinentes aos cuidados que a mãe deveria
proceder com o filho adoentado.
As missivas trocadas pelo casal nos indicam que as preocupações com a saúde e
bem-estar dos filhos eram freqüentes, entretanto alguns filhos e seus estados de saúde
mais frágeis parecem ter sido motivos de maiores preocupações que os outros. O filho
Francisco, o Chico, por exemplo, nascido ma década de 1840, inspirou muitas
preocupações dos pais por sofrer de um “incômodo reumático”, que aparece como tema
de algumas das cartas enviadas por Manoel a sua esposa. Em junho de 1860, indagando
sobre as condições de saúde do filho Chico para viajar para o liceu onde estudaria, o
preocupado barão escreve a Maria Leonor a fim de saber sobre o estado do filho “pois
nada me tens dito sobre o seu [Chico] inmodo reumático
98
.
No ano de 1862 é a filha Maria Leonor, a Maricota, que desperta a preocupação
da baronesa de Camargos, motivando a escrita de uma carta ao marido para noticiar o
97
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Souza. OP, 08/jun./1873. Caixa Corresponncia e Diversos.
98
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 22/jun./1860. Caixa Corresponncia e Diversos.
70
estado da filha, a qual ele responde: “Recebi a tua de 18 do corrente, ficando certo de
que passas bem, e toda a família, a exceção da Maricota, que está de tosse e que desejo
tenha melhorado
99
. A filha Ana Elisena, a Aninha, com apenas três anos é quem
causava inquietações à mãe em 1853, sofrendo de dores de ouvido, o que fez com que
Manoel consultasse o dico José Agostinho na corte do Rio de Janeiro, o qual
recomendou “juntar salsa ao leite por causa do incômodo ouvido
100
.
Em praticamente todas as cartas escritas pelo casal o estado de saúde dos filhos e
de ambos mereceu menção e Manoel consolou-se em muitas delas por saber que a
esposa passava bem, o que infelizmente não se verificava com os inúmeros filhos, como
destaca em junho de 1853: “[...] me dás o consolo de dizer-me que vais passando sem
incômodo, com quanto sempre amofinada com moléstias dos meninos”
101
.
Entretanto, não era apenas a saúde que amofinava a zelosa mãe da família
Teixeira de Souza Magalhães. A educação e a instrução dos filhos também ocupariam
grande parte do tempo de Maria Leonor.
A educação formal no século XIX apresentava-se como uma realidade para
poucos no Brasil Imperial, cuja sociedade era marcadamente hierarquizada, que ainda
pautada na escravidão. Até mesmo entre os grupos sociais mais abastados a leitura e a
escrita eram ainda muito restritas. Ser educado e instruído apresentava-se, assim, como
uma forma de diferenciação social no interior da própria elite: os detentores de tais
saberes seriam um grupo ainda mais selecionado dentro da boa sociedade imperial.
A educação dos meninos de elite foi, até meados do século XIX, feita nos
colégios de padres jesuítas, em seminários e, em meados do culo XIX, em “colégios
oficiais do tipo do Pedro II e com alguns dos particulares. Colégios com nomes de
santos [...] mas já sem o ar de seminários. Fundados nas cidades mais importantes do
Império e não isolados nas montanhas”
102
. O Caraça é exemplar a respeito desses
seminários isolados nas montanhas. Nas Minas Gerais, o Seminário dos Lazaristas
99
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 24/ago./1862. Caixa Correspondência e Diversos.
100
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 08/jul./1853. Caixa Correspondência e
Diversos.
101
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 26/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
102
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano. 15ª Ed. São Paulo: Global, 2004, p. 186.
71
aparece como lugar de destino de muitos meninos brasileiros. As notícias que se tinham
sobre a rigidez do lugar eram tamanhas que, segundo Gilberto Freyre, muitos pais
usavam da frase Mando-te para o Caraça” como forma de educar e amedontrar os
filhos desobedientes.
Lugar isolado, no alto das montanhas, o Caraça foi o responsável pela educação
e instrução moral-religiosa de muitos jovens oitocentistas. Seminário marcado pela
rigidez (incluindo o uso da violência na prática pedagógica), pela precariedade em
termos de higiene (não havia banheiros e os banhos davam-se em poços externos ao
prédio) e pelo uso de argumentos religiosos para a prática excessiva do jejum, não era o
destino sonhado pelos rapazes das boas famílias.
Entretanto, os meninos que se educaram nestes colégios de padres acabaram por
cumprir o papel de agentes propagadores dos hábitos civilizados quando retornavam
para suas casas, nas fazendas ou na cidade. Ainda segundo Freyre
Esses alunos de colégios de padres foram, uma vez formados,
elementos de urbanização e de universalização [...]. Nas modas de
trajar e nos estilos de vida, eles, alunos dos colégios de padres,
representavam aquela tendência para o predomínio do espírito europeu
e de cidade sobre o meio agreste ou turbulentamente rural.
103
A partir da segunda década do século XIX surgem os primeiros colégios
privados leigos no Brasil, coexistindo, assim, com os colégios de padres. Entre 1809 e
1821, no Rio de Janeiro, existiam cerca de 19 instituições de ensino particular
anunciadas na Gazeta do Rio de Janeiro. No entanto, segundo Maria Beatriz Nizza da
Silva, não era tão simples abrir um colégio, uma vez que deveriam possuir licença régia
para funcionarem. Para obter tal licença, deveriam comprovar que esta instituição de
ensino estaria em consonância com a moral e os bons costumes”.
104
Em meados do século XIX, estas casas de educação tornaram-se muito
importantes como propagadoras de instrução para os brasileiros e diminuem pouco a
pouco a predominância dos colégios de padres antes verificada. Entretanto, quer nos
colégios particulares ou nos seminários, a criança era matriculada pelos pais ainda bem
103
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano. 15ª Ed. São Paulo: Global, 2004, p. 187.
104
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. História da família no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1998, p. 223.
72
nova. Na verdade, a iniciação da instrução no que diz respeito à leitura e à escrita é que
começava cedo. As primeiras letras o chamado “ABC” eram ensinadas por
professores particulares contratados pelos pais quando a criança o tinha ainda 5 anos!
As cartas de Maria Leonor e Manoel nos permitem perceber a precocidade do
início da vida estudantil das crianças da elite oitocentista e do quanto esta classe
abastada valorizava a instrução dos membros de suas famílias. Os Teixeira de Souza
Magalhães, por exemplo, não abriram mão de educar e instruir seus 7 filhos e 8 filhas, o
que torna essa valorização da educação ainda mais significativa, uma vez que estendeu-
se também às mulheres.
Ainda no que diz respeito à idade com que as crianças começavam a serem
alfabetizadas, uma carta escrita por Manoel a Leonor em junho de 1853 nos parece
bastante esclarecedora. No intuito de saber notícias sobre os estudos dos filhos, no que
Manoel cumpre seu papel de cobrar deles e de Maria Leonor o dos empenhos
necessários ao cumprimento das tarefas escolares, como o de controlar mais de perto
tudo a este respeito (mestres, horários das aulas, comportamento dos filhos, e a
evolução e aproveitamento do aprendizado), ele escreve: “E como o os meninos com
o nosso mestre? O Chico ainda estará no ABC? Diga a ele se na minha volta eu não o
achar tendo escrito, não lhe darei um brinquedo”.
105
O trecho nos permite supor que
o filho Francisco, nascido nos anos finais da década de 1840, teria entre 5 e 6 anos, o
que demonstra que as crianças começavam a aprender o “ABC ainda bem jovens,
sendo cobradas a saberem escrever já nesta idade. Manoel demonstra que, mesmo
distante, não deixava de controlar e se inteirar da educação dos meninos, usando da
prática de puní-los caso o resultado esperado para uma dada idade não seja alcançado.
As crianças começavam a ter com o mestre as primeiras letras, como já dito, aos 6 anos
e permaneciam até os 11 ou 12 anos, ou até estarem preparadas para ingressarem nos
liceus, assim como procederiam Chico e seu irmão Antônio.
Atento ao período de matrículas no liceu e visando lembrar Maria Leonor a
ocupar-se da tarefa de inscrever os filhos no mesmo, Manoel escreve em fins de junho
de 1860: Lembro-me que estando a findar-se o mês de Junho parece que o Chico e o
Antônio devem saber das escolas para matricular-se no liceu em Julho, se é que estão
105
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 20/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
73
prontos em primeiras letras [...]”.
106
As crianças, após terem uma preparação com os
professores particulares, iam para as escolas, onde terminavam esta formação das
primeiras letras. Tendo vencido a última etapa, poderiam, então, matricular-se nos
liceus, que eram estabelecimentos de ensino secundário, último degrau antes de
ingressarem em uma faculdade. Quando D. Pedro II fez sua viagem por Minas Gerais,
em 1881, assim descreveu um liceu que visitou em Ouro Preto: “Liceu. Casa Pequena.
Os alunos interrogados agradaram-me”
107
.
O pai de Francisco e Antônio pretendia, na missiva citada, se inteirar da
situação atual dos filhos, uma vez que ingressar num liceu era um grande passo na vida
estudantil dos meninos. Ao constatar que os filhos ainda não estavam preparados nas
primeiras letras e, por conseguinte, não poderiam entrar para o liceu, Maria Leonor
escreve ao marido dissertando sobre o estágio em que os filhos se encontravam, bem
como da opinião do mestre a este respeito, ao que Manoel decide: “[...] que o Chico e o
Antônio continuam na Escola, assim que aproveitem bem a boa vontade do mestre”
108
.
O trecho citado demonstra que, embora coubesse à mãe zelar pela educação dos
filhos, participando de perto de todo o processo a ela concernente, era o pai quem
tomava a decisão final. No entanto, não podemos diminuir a sua função, uma vez que
era a sua observância e parecer em relação aos rebentos o que contava na decisão final
do pai.
A carreira estudantil dos Teixeira de Souza Magalhães não se encerraria no
liceu. Em 1873 temos notícias de Antônio, com 24 anos, estudando medicina no Rio de
Janeiro e residindo em companhia do pai. Outros filhos também estudaram em
faculdades, como visto no capítulo 1: Manoel estudou Direito em São Paulo; Fernando
fez o mesmo curso, porém em Recife; Lucas formou-se em Engenharia.
Porém, como dito anteriormente, a instrução na casa do barão e baronesa de
Camargos não se restringiu apenas aos rapazes, como se deu em muitas famílias, até
mesmo de elite, do Império. As meninas também seriam ensinadas na leitura e na
106
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 22/jun./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
107
PEDRO II. Diário da Viagem do Imperador a Minas. In: Anuário do Museu Imperial, vol. XVIII.
Petrópolis, 1957, p. 78.
108
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 04/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
74
escrita, não chegando, entretanto, a atingir graus mais elevados da educação formal, o
que era bastante aceitável, em se tratando de senhoritas oitocentistas. A educação das
filhas estava mais voltada a uma espécie de lapidação destas, ou seja, aprendiam além
da leitura e da escrita, tudo o que tornaria uma jovem refinada e encantadora aos olhos
dos futuros pretendentes a desposá-las. Aprendiam artes, música, em especial o piano,
línguas, principalmente a francesa, matemática, afinal uma boa dona de casa deveria
saber fazer cálculos para comandar o orçamento doméstico”, e literatura.
Assim, as herdeiras da família Teixeira de Souza Magalhães se aplicariam em
todas as matérias comuns às moças das melhores famílias. E era bom que o fizessem
com bastante afinco, pois seus pais continuariam a vigilância pela boa educação de sua
prole. Ficavam atentos aos menores detalhes, tais como no formato das letras, na
evolução das meninas ao piano e o aprendizado da gramática francesa.
Manoel incumbia-se de enviar as instruções e palpites a Maria Leonor em
relação ao que as meninas deveriam fazer e em que deveriam melhorar, enquanto a
esposa atentava-se para executar sua função de mãe-educadora com muito zelo. Em
carta de agosto de 1853, Manoel escreve:
Muito estimei, saber que Manoel continua a estudar com o Jorge, ele
que se aplique ao Inglês com toda a força, por que um mestre que aqui
arranjamos para o Ouro Preto não ensina Inglês. As meninas que se
vão preparando para aprenderem o Francês e o desenho, com a mulher
do tal mestre: entretanto não seria mal que elas fossem dando a
gramática Francesa com o Jorge.
109
O trecho acima é bem ilustrativo das matérias que ficavam a cargo de estudo das
meninas, o francês e o desenho, enquanto os rapazes estudavam inglês.
O estudo de música pelas meninas, especialmente o piano, disseminou-se no
Brasil em meados do século XIX, instrumento pouco conhecido até pelas melhores
famílias até então. A partir da década de 1850, segundo Luís Felipe de Alencastro, “uma
virada na música e nas danças imperiais sucede [...] com o aumento das importações de
109
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 26/ago./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
75
piano”
110
. Uma vez adquirido o instrumento, as abastadas mocinhas logo se
empenhavam a aprender a tocá-lo. A casa de Maria Leonor possuía um destes desejados
instrumentos já na década de 1860 e, ao que parece, Antônia e Maricota já estavam bem
familiarizadas com ele: “Aí remeto por este correio a música que pede a Antônia, e bem
assim outras para a Maricota escolher outra, visto que achou muito fácil a que
remeti
111
. Entretanto, o barão não se incumbiria apenas em remeter músicas às filhas,
mas também o de efetuar os reparos no instrumento: “vejam se podem mandar-me
medidas dos bordões que faltam no piano [...], pois só assim poderei levar outros”
112
.
No processo de educação dos filhos, enquanto a mãe acompanhava dia-a-dia os
estudos, o pai apenas ficava sabendo dos resultados, seja quando Leonor escrevia
contando, como ocorreu em 1873 – “As meninas vão hoje fazer exame hoje e apresentar
trabalhos que fizeram os quais irão para a exposição de S. Francisco de Paula. Diz o
Pinheiro que a Leopoldina tem muita habilidade para o desenho, mas por hora muito
poucas lições tem aproveitado”
113
–, seja quando as próprias meninas escreviam ao pai,
dando-lhe subsídios para avaliá-las, como acontece em carta enviada por Francisca ao
pai, em que este responde à esposa: “[...] Chica, cuja letra achei muito pior do que era à
primeira vista pensei que era do Lucas ou do Luizinho”
114
.
A boa educação e a aparência dos filhos apresentavam-se, no Brasil Imperial,
como uma forma de diferenciação social. A moda foi um dos principais símbolos de
status social e riqueza no Brasil oitocentista, afinal não bastava ser abastado, devendo
também parecê-lo. Fazer com que todos conhecessem o lugar que os filhos ocupavam
na sociedade também era uma atribuição materna, cumprida com a constante
preocupação com a aparência dos filhos, o que explicaria as inúmeras menções ao tema
nas cartas trocadas entre Maria Leonor, o marido e os filhos.
110
ALENCASTRO, Luis Felipe de. Vida privada e ordem privada no Império. In: NOVAIS, Fernando A.
(coord.); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.) História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a
modernidade nacional. SP: Cia das Letras, 1997, p. 45.
111
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 09/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
112
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 13/jun./1862. Caixa Corresponncia e
Diversos.
113
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Souza. OP, 20/jun./1873. Caixa Corresponncia e Diversos.
114
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 15/jun./1862. Caixa Corresponncia e
Diversos.
76
Grande parte da correspondência passiva da viscondessa de Camargos fazia
menção à roupas, chapéus, sapatos, cortes de tecido, quase sempre ligadas à forma de
apresentação dos filhos. Ao que parece, a mãe da família Teixeira de Souza preocupava-
se muito mais com a aparência e vestimentas dos filhos do que de si mesma. Raramente
ela recebe alguma missiva que cite encomendas de roupas para si, enquanto que, para os
filhos, são muitas as citações. O marido de Leonor exercia o papel de tomar nota, pelas
cartas, de tudo o que os filhos precisavam e se encarregava de ir até o centro da cidade
para comprar tudo. Em 20 de julho de 1853, Manoel inquietava-se por ter que sair para
comprar um chapéu para o filho Manoel e, então, dar-se conta de que não dispunha
da medida da encomenda, o que cobraria a Leonor em carta de mesma data, em que diz:
Não me mandaste medida do chapéu do Manoel
115
.
O filho Manoel parecia mesmo ser bem preocupado com sua apresentação
pessoal e com as modas para homens. Em fins de janeiro de 1854, ele escreve à mãe, de
Congonhas, onde residia à época, fazendo o seguinte pedido: Peço a minha mãe para
mandar camisa de chita que aqui se usam muito tanto que furtaram a minha”
116
.
Contra as modas masculinas o padre Lopes Gama desferiu ferrenhas críticas em
seu jornal. No número 3, de 26/04/1837, d’O Carapuceiro, intitulado “Os mártires das
modas”, Lopes Gama coloca a seguinte carapuça nos moços oitocentistas, ao descrever
suas indumentárias: “A calça é tão justa [...] que não ajoelharão, nem que os queimem, e
as mangas da casaca tão estreitas e apertadas, que de força todos ficam com os braços
em atitude de quem toca rabeca”
117
. Seguir as modas era preocupação de toda a boa
sociedade do século XIX, pois conferia aos seus seguidores um status de riqueza e
civilidade. Vestir-se com roupas inspiradas, quando não copiadas, nas vestes européias,
principalmente as francesas, era uma forma de importar não apenas elegância, mas um
habitus civilizado propriamente dito. No entanto, a inadequação destas roupas ao nosso
clima fez com que estes modismos caíssem nas críticas de muita gente, estrangeiros e
brasileiros. Aqueles se espantavam, como Saint-Hilaire, ao se depararem com mulheres
usando trajes tão parecidos com os das francesas, o que para ele “podia oferecer matéria
115
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 20/jul./1853. Caixa Correspondência e
Diversos.
116
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu filho Manoel Teixeira de Souza. Congonhas, 31/jan./1854. Caixa
Correspondência e Diversos.
117
GAMA, Padre Lopes. O Carapuceiro: crônicas de costumes. São Paulo: Cia das Letras, 1996, p.160.
77
à crítica de um francês recentemente chegado de Paris”
118
. Os brasileiros, entretanto,
foram os que mais opinaram em relação à forma com que homens e mulheres se vestiam
nos trópicos. O dico oitocentista Correia de Azevedo, por exemplo, alertava sobre o
perigo da criação e crescimento da moça “envolvida sempre em vestuários
comprimentes, prejudiciais ao desenvolvimento das vísceras”
119
. o padre Lopes
Gama não se cansava de criticar o espartilho, tão usado pelas mulheres naquela centúria.
Segundo o padre “[...] as senhoritas antes querem expor-se a morrer tísicas, caquéticas,
marasmadas [...] etc, do que largarem por mão um atavio da moda, que lhes estreita as
cinturas, e sem o qual deixariam de ficar bem pentiparadas e garbosas”
120
.
Se as modas ocupavam tanto o pensamento das senhoritas oitocentistas, as filhas
de Maria Leonor e Manoel, como moças de elite que eram, não deixariam também de
observar o que estava em uso para não fazerem feio. Maria Leonor incumbia Manoel de
comprar tudo e remeter a Ouro Preto, o que era feito através de conhecidos que para lá
se dirigiam ou através de um portador pago e até pelo próprio barão, quando era
chegado o tempo de retornar a sua cidade natal. Entretanto, se, por um lado, Manoel
observava a moda, a pedido das filhas, por outro, ponderava o que mais compensava
comprar, como fez em agosto de 1860. Nesta ocasião saiu de casa para comprar
chapéus, desta vez para as meninas, e fez a seguinte observação: uns [chapéus] de
palha à amazonas [...] que estão muito em moda, mas não serve para tudo, e por isso
prefiro levar os de seda”
121
.
O casal Teixeira de Souza demonstrava aos filhos o carinho e estima que por
eles possuíam, ao zelarem pelos detalhes na criação de seus herdeiros, tais como na
educação, na saúde e na forma de se vestirem. Entretanto, em outros momentos este
cuidado e zelo eram demonstrados através de palavras escritas nas missivas, enviadas
para amenizar as saudades e as preocupações de uma mãe que estava distante dos filhos.
Tendo enviado algumas encomendas, dentre as quais biscoitos, ao filho Manoel,
Leonor recebe as seguintes palavras do primonito, em carta de 1854: Recebi as
118
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo
Horizonte: Ed. Itatiaia, 1975, p. 74.
119
Correia de Azevedo, citado por FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decancia do patriarcado
rural e desenvolvimento do urbano. 15ª Ed. São Paulo: Global, 2004, p. 235.
120
GAMA, Padre Lopes. O Carapuceiro: crônicas de costumes. São Paulo: Cia das Letras, 1996, p. 159-
160.
121
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 06/ago./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
78
encomendas que meu pai e minha mãe me mandaram [...]. Ainda o mandei as latas
que vieram com biscoitos, por falta de portador”
122
. O trecho nos mostra que Maria
Leonor não descuidava dos filhos nem quando estavam distantes, na verdade, a
distância poderia ser um fator que aumentava ainda mais estes cuidados maternos.
Com uma família tão numerosa, a baronesa de Camargos possuía mais filhos que
residiam fora de Ouro Preto, a trabalho, a estudo, ou simplesmente para residir na
cidade do cônjuge, como Antônia que morava em Caldas; Fernando, em Mercês do
Pomba; Antônio, em Mariana; Maria Leonor, em Queluz, aos quais a mãe nunca
deixava de escrever e receber cartas para obter notícias, que eram repassadas ao marido
Manoel. Ao receber carta da filha Francisca, Leonor apressa-se em transmitir as notícias
para o marido, em maio de 1873: Tive ontem carta da Chica, pelo José Ângelo, vão
indo bem, perguntei-lhe pela Maricota mas ele o soube dizer-me
123
.Por vezes, o
portador que trazia a carta complementava as notícias da missiva, uma vez que estivera
com o seu remetente. Ocupava-se tamm, em muitas vezes, de levar uma resposta
àquele.
Tendo recebido carta da filha Elisa, Maria Leonor apressa-se em respondê-la,
felicitando-a pelas boas notícias enviadas: Estimei infinitamente saber que estão todos
com saúde e contentes, sei também que vocês estão morando em uma casa vasta e boa
[...]. Porém, o que mais chama a atenção nesta missiva é a relação de cumplicidade
entre mãe e filha, demonstrada por Leonor através do desabafo feito a Elisa: Eu não
tenho tido nenhum incômodo de saúde, mas ando estes dias com uma melancolia, com
um mal-estar tão sem explicação, que eu mesma não sei o que é, tudo me aflige, e me
entristece, enerva”. O trecho citado demonstra que a relação de mãe e filha, por vezes,
se transformava numa relação de amizade, principalmente após estas se casarem,
reafirmada pela forma como a viscondessa assina a epístola e se despede: Tua mamãe e
amiga do coração
124
.
Escrever cartas aos filhos, aos irmãos, aos apadrinhados e demais parentes foi
uma das formas encontradas por Leonor, no núcleo dos Teixeira de Souza Magalhães,
122
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu filho Manoel Teixeira de Souza. Congonhas, 31/jan./1854. Caixa
Correspondência e Diversos.
123
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Souza. OP, 14/mai./1873. Caixa Correspondência e Diversos.
124
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, a sua filha Elisa Teixeira de Souza. OP, 29/abr./1885. Caixa Corresponncia e Diversos.
79
de cumprir mais um papel destinado às mulheres da elite oitocentista: o de aumentar e
manter os laços familiares sempre firmes.
O estabelecimento de laços familiares dava-se através de casamentos, como
abordamos em capítulo anterior, e de relações de compadrio. Estas se destacavam, uma
vez que ampliava os laços sociais para além da consangüinidade.
O batismo, principal sacramento da religião católica por representar a iniciação
do indivíduo na comunidade cristã, passa a contar com os padrinhos como presença
obrigatória, no século IX. Estes deveriam ser criteriosamente escolhidos pelos pais da
criança, uma vez que tinham como atribuição principal ensinar a doutrina cristã e os
bons costumes aos afilhados, além de representarem segundos pais para estes, caso os
pais naturais um dia lhes faltassem
125
.
Entretanto,o era apenas o fator religioso que determinava a escolha dos
padrinhos no Brasil oitocentista. Muitos pais eram guiados por critérios econômicos e
de condição social e política na eleição daqueles que seriam os “pais espirituais de seus
filhos. Decerto, quanto mais dinheiro, prestígio e influência social o sujeito tivesse,
mais seria um padrinho elegível. Muitas famílias usavam desta estratégia, ou seja, a
escolha de padrinhos abastados e destacados na sociedade para unirem-se a outra ilustre
família, com quem passariam a ter um parentesco ritual. É dessa sorte que Januária
Francisca Xavier e José Pinto de Sousa elegem Modesto Antônio Machado de
Magalhães e Maria Leonor de Magalhães Teixeira como padrinhos de sua filha
Januária, batizada a 19 de Dezembro de 1835
126
. Infelizmente não podemos afirmar
assertivamente qual teria sido o motivo do convite aos irmãos da família Machado de
Magalhães. Entretanto, esta prática arraigada de ligar-se a proeminentes famílias através
do batismo, nos fornece a hipótese de que este caso não seria diferente.
Se o batismo anteriormente citado nos deixa alguma vida sobre a motivação
do convite, outro nos é mais esclarecedor a este respeito. No ano de 1869, Maria Leonor
batizaria mais uma criança em Ouro Preto, desta vez acompanhada do marido, este no
papel de padrinho. A criança era Maria, filha de Filomena Vidigal Rodrigues Pereira e
125
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João Del Rei culos
XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007, p. 283.
126
Banco de Dados da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto. Projeto Coordenado pela
professora Dr Adalgisa Arantes Campos. Departamento de História/ Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Rolo 104, Vol. 498, ID Batismo 6015. Agradeço à Professora Adalgisa Arantes Campos
por disponibilizar este banco de dados para esta pesquisa e a Adriano Toledo Paiva por tê-lo gentilmente
consultado para mim.
80
Benjamim Rodrigues Pereira
127
. A profissão do pai da batizanda, doutor”, nos permite
afirmar que o casal ocuparia um lugar de destaque e prestígio na sociedade mineira.
Desta forma, a união entre famílias importantes, provavelmente motivou o convite de
Benjamim. Entretanto, a relação estabelecida poderia ser acentuada ainda mais quando
os pais da criança homenageavam a madrinha ou o padrinho colocando seus nomes na
criança batizada, o que podemos supor que ocorreu com a pequena Maria, cujo nome
representava o primeiro nome de sua madrinha.
outras famílias, usavam das relações de compadrio a serem criadas, como
uma forma de fortalecer ainda mais os laços familiares existentes. Foi, certamente,
esta a intenção de Fernando Evaristo Machado de Magalhães, sobrinho de Manoel e
Leonor, ao convidar o barão para batizar “um filho, ou filha, que espera ter”, convite ao
qual Manoel responde, dizendo que talvez tenha de mandar procurações, por não me
ser possível dar tal volta, salvo se o puder fazer sem maior transtornos [sic]
128
.
Como o sobrinho residia em São João Del Rei, o barão via dificuldades de ir até
aquela cidade para realização da cerimônia. Nestes casos, o bastante comum, dado as
distâncias dentre outros empecilhos, foi o uso das procurações. O padrinho ou madrinha
enviava uma procuração aos pais da criança ou a um parente ou conhecido, permitindo
que outra pessoa os representasse. No batizado de Anna, filha de Francisca de Paula
Mosqueira e Antônio Luís Magalhães Mosqueira, ocorrido em 11 de maio de 1867,
Maria Leonor representou, munida de procuração, a madrinha Ana Leopoldina Rosa do
Carmo
129
.
Nos batismos intra-familiares, como no de Anna, sobrinha de Maria Leonor,
acima citado, pode-se pensar que a procuração poderia ser dispensada. Entretanto, como
o batismo era uma cerimônia de extrema importância na vida do batizando, por
representar também o seu registro, as formalidades, dentre elas a procuração, deveriam
ser obedecidas.
127
Banco de Dados da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto. Projeto Coordenado pela
professora Dr Adalgisa Arantes Campos. Departamento de História/ Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Vol.10, ID Batismo 15580.
128
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 15/jul./1860. Caixa Correspondência e Diversos.
129
Banco de Dados da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto. Projeto Coordenado pela
professora Dr Adalgisa Arantes Campos. Departamento de História/ Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Vol.10, ID Batismo 15450.
81
Maria Leonor soube criar e recriar laços mesmo quando não era a madrinha do
batizando. O simples fato de representá-la lhe conferia certa importância e
consideração por parte da família da criança, no caso, seu irmão Antônio Luís, e junto a
madrinha que não pôde comparecer e a quem prestou tal gentileza.
Desta forma, os elos familiares poderiam ser criados através do batismo e do
casamento e, uma vez estabelecidos, fortalecidos através de práticas sociais tais como a
troca de presentes (ver capítulo 3), de cartas, de fotografias e de recomendações.
A futura viscondessa de Camargos se utilizaria da escrita epistolar para manter o
contato e a força dos laços com os iros e demais familiares, principalmente quando
estes residiam em outra cidade e seria difícil encontrá-los pessoalmente. Foi o caso do
irmão Francisco, residente em Florença, na Itália, de quem não se distanciou nunca por
causa das constantes trocas de correspondências. As palavras usadas na escrita também
auxiliariam na manutenção do laço entre os iros, como em carta de janeiro de 1879,
em que Maria Leonor atesta que “[...] nunca me esqueço do meu caro Francisco [...].
Não perdi ainda a esperança de nos vermos [...], pois é um dos meus maiores
desejos”
130
. Leonor também manteve coesos os laços com o irmão Antônio Luiz, com
quem trocava muitas correspondências quando se ausentava de Ouro Preto. Nestes
momentos, o irmão se encarregava de mantê-la informada sobre a cidade e os negócios
da família, bem como de demonstrar seu afeto e saudades: Eu tenho estado com muitas
saudades de todos”
131
.
Através das cartas, os familiares trocavam palavras de afeição e lembrança,
ainda que não as escrevessem, por meio das recomendações. As missivas funcionavam,
na boa sociedade imperial, como uma forma eficaz de confirmar e consolidar os laços
de família e amizade. Quando o sujeito enviava recomendações a outro, mandava, na
verdade, a lembrança de que o recomendado não fora esquecido e de que era muito
estimado.
Esta prática de ser percebida nas cartas recebidas por Maria Leonor. Muitos
dos familiares e amigos que residiam na corte enviavam, através do barão, as suas
“visitas” à futura viscondessa: “A Tia D. Ana, parentes, bem como o compadre Luiz e
130
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magales
Teixeira, ao seu irmão Francisco. OP, 31/jan./1879. Caixa Corresponncia e Diversos.
131
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu irmão Annio Luiz. OP, 15/jun./1850. Caixa Correspondência e Diversos.
82
família te mandam sempre recomendações, bem como aos meninos [...]
132
. Noutros
momentos, Manoel era quem mandava recomendações a amigos e familiares nas cartas
escritas a Leonor, como na de 08 de junho de 1853, em que estimava [...] saber das
melhoras da D. Elena: não te esqueças de visitá-la da minha parte quando fores,
recomendando-me também ao Antônio Lucas”
133
.
O envio de fotografias também funcionou como forma de demonstração de
estima e lembrança àqueles que as recebiam, além de “importante meio de
fortalecimento das reciprocidades familiares e laços de amizade no interior da classe
senhorial”
134
.
O daguerreótipo, inventado em meados do século XIX, difunde-se no Brasil,
principalmente, na cada de 1860. A fotografia aparece como um símbolo de
modernidade e de status social, o que permite a sua rápida difusão entre a elite imperial.
Esta, ávida por participar de tudo o que estava ligado à civilização e a distinção social,
transforma-se na principal consumidora dos retratos. Assim, populariza-se, entre a boa
sociedade, o hábito de trocar ou presentear, a amigos e parentes, com fotografias.
Segundo Lilia Moritz Schwarcz, uma dúzia de fotos custava, em média, 5$000 réis, na
década de 1870
135
.
Mariana Muaze acredita que a fotografia, em sua versão mais individualizada,
difundiu-se mais no culo XIX por estar mais “ligada a uma dimensão individual,
que o homem moderno necessitava reforçar uma identidade singular numa sociedade
em constante transformação”
136
.
Como a família Teixeira de Souza Magalhães acompanhou e vivenciou boa parte
das novidades advindas, principalmente da Europa, em relação às fotografias não seria
diferente. Em junho de 1862, Manoel contava a Leonor, por carta, que levara à
Chiquinha [...] retratos das meninas que foram muito apreciados, admirando-se todos
132
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 22/jun./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos.
133
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 08/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
134
MUAZE, Mariana. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2008, p.149.
135
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Cia das Letras, 1998.
136
MUAZE, Mariana. As memórias da viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editora, 2008, p.148.
83
de que em Ouro Preto se consiga tanta perfeição na fotografia”
137
. No ano de 1883, era
Leonor quem escrevia ao irmão Francisco agradecendo-o [...] pela boa lembrança que
teve de enviar-me a sua fotografia e da querida mana que avivando-me as saudades que
sinto de vocês, causaram-me entretanto grande alegria por ver que estão bem
conservados”. Em seguida, Leonor justifica a não retribuição da lembraa, alegando
que presentemente não há aqui retratista bom mas logo que pareça [sic] lhes remeterei
o o meu retrato como de mais algumas pessoas da nossa família que os manos
ainda o conhecem”
138
.
137
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 15/jun./1862. Caixa Corresponncia e
Diversos.
138
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu irmão Francisco. OP, 14/fev./1883. Caixa Correspondência e Diversos.
Fig.
4
. Maria Leonor
de Magalhães Teixeira,
a viscondessa de Camargos. Sem data.
IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, Ouro Preto.
Fig.
5
. Manoel Teixeira de Souza, o barão de
Camargos. JF Guimaes e Cia Phot. Rio de
Janeiro (RJ). Sem data. APM, Arquivo Público
Mineiro.
Algumas fotografias da família Teixeira de Souza
Magalhães
84
Os trechos de ambas as cartas representam, a princípio, certo descompasso nas
falas de Leonor e Manoel, uma vez que o marido afirma que as fotografias foram
admiradas por sua perfeição, enquanto a esposa diz não ter bom retratista em Ouro
Preto. O descompasso pode ser explicado pelo fato de que os retratistas normalmente
o se fixavam nas cidades do interior da Proncia; geralmente, andavam de cidade em
cidade oferecendo seus serviços.
Através de algumas práticas do núcleo Teixeira de Souza Magalhães, cujos
papéis foram em grande parte intermediados e executados por Maria Leonor, pudemos
conhecer como se davam as estratégias de manutenção, criação e consolidação dos fios
que formavam a mais lida teia do Brasil imperial: a família. Entretanto, cabe
colocarmos, ainda, mais dois dos papéis desempenhados pela mãe desta numerosa
Fig.
8
.
Elisa Teixeira de Souza Magalhães, a
filha
do casal, já nas primeiras décadas do século XX, e
seu esposo Cláudio Alaor Bernhauss de Lima.
Disponível em
http://www.padrevaz.hpg.ig.com.br/avo.htm
Acesso em 12/03/2010.
Fig.
6
. O casal Teixeira de Souza Magalhães,
Maria Leonor e Manoel, viscondessa e barão
de Camargos. Sem data. IPHAN, Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,
Ouro Preto.
Fig.
7
. Maria Leonor Teixeira
Baeta
Neves, filha de Maria Leonor e
Manoel. Sem data. IPHAN, Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, Ouro Preto.
85
família: a de responvel pelo cuidado dos negócios familiares, o que a obrigou a
distância do marido em alguns meses do ano e a viuvez na década de 1870; o outro
papel, o de intermediação potica, se fez possível exatamente pela condição potica
privilegiada do marido e depois do filho Antônio –, como veremos nos dois
subcapítulos seguintes.
2.2. O governo da casa e dos negócios
Como foi dito anteriormente, após o casamento de Maria Leonor e Manoel, o
casal planejava a ida da esposa e dos filhos para residir junto do marido no Rio de
Janeiro, uma vez que Manoel não poderia dar maior assistência à família devido ao seu
comprometimento com a política do império, que o obrigava a residir na corte por
alguns meses do ano. Entretanto, como também foi salientado, os planos não vingaram
e ambos viram-se obrigados a permanecer distantes por alguns períodos, o que foi
contornado com a constante troca epistolar entre ambos.
A ausência do marido em alguns momentos obrigou que Leonor assumisse mais
de perto os assuntos concernentes à manutenção e cuidado dos bens da família, o que
fez, num primeiro momento, dividindo as responsabilidades com o marido Manoel,
quando ambos cuidaram juntos dos interesses de seu núcleo familiar: ele, quando estava
no Rio de Janeiro, enviava à esposa suas sugestões e ordens por meio de cartas e ela,
estando em Ouro Preto, cuidava de colocá-las em prática, além de mantê-lo sempre a
par de tudo. No final da década de 1870, após a morte do barão forçosamente, exerceu a
função de cuidar da preservação dos bens da família contando com a ajuda dos filhos
mais velhos.
Neste subcapítulo, veremos como se deu a administração dos bens feita por
Maria Leonor, que ocupava-se desde as tarefas como o acompanhamento da obra de
reforma de sua casa em Ouro Preto, ao controle das dívidas que deveriam ser pagas ou
cobradas. Também era parte de seu papel o de supervisionar a forma como os filhos
maiores de 21 anos, solteiros, estavam fazendo uso de sua herança paterna, além de
tutelar os filhos menores de idade. Através da análise das tarefas desempenhadas por
Leonor, sozinha ou auxiliada pelo marido e filhos, e da comparação dos inventários do
86
casal, poderemos apreender, ainda que em parte, o quão satisfatório fora o cumprimento
deste papel.
No ano de 1853, o casal Teixeira de Souza realizava a reforma da casa em que
moravam, em Ouro Preto (Ver Fig. 9). Leonor desempenhava a função de acompanhar
tudo de perto, desde os materiais necessários para a execução da obra até os problemas
surgidos, procurando narrar tudo para o esposo nas cartas que lhe escrevia. Manoel,
sempre atento às solicitações da esposa, ocupava-se por providenciar tudo e remeter à
cidade de Ouro Preto. Entretanto, nem sempre Leonor agia com muita objetividade e,
em maio daquele ano, remete uma carta ao marido dizendo que a obra encontrava-se
com problemas, porém esquece-se do mais importante: o de narrar que problemas eram
esses, no que é respondida pelo esposo, em 02 de junho, da seguinte forma: “Fico certo
em tudo quanto em dizer sobre dificuldades da nossa obra, e como não explicastes quais
são essas dificuldades, nada posso dizer em sentido de remo-las [...]”
139
. Na mesma
missiva, Manoel questiona a esposa sobre o que mais poderia levar para a reforma, além
dos vidros que já iria providenciar, os quais seriam enviados no mês seguinte: “Já
comprei os vidros para a nossa obra os quais seguirão”
140
. O uso do vidro na reforma da
casa da família Teixeira de Souza não deixa de ser notável, uma vez que o mesmo
significava a ostentação do luxo e exigia, segundo Gilberto Freyre, [...] verdadeiras
audácias de transporte, através de caminhos horrivelmente maus e perigosos”
141
.
Outra constante preocupação de Manoel era a de saber se a mulher possuía
dinheiro suficiente para dar andamento à reforma, tendo em vista os seus altos custos e a
pressa que tinha de vê-la concluída. Em 20 de junho, por exemplo, a citação que fez da
139
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 02/jun./1853. Caixa Corresponncia e Diversos.
140
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 20/jul./1853. Caixa Correspondência e Diversos.
141
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano. 15ª Ed. São Paulo: Global, 2004, p. 444.
Fig.
9
. Residên
cia da Família
Teixeira de Souza Magalhães,
localizada na Praça Tiradentes,
em Ouro Preto (MG).
87
obra em sua carta foi: “Muito estimo que a nossa obra adiante: se te faltar dinheiro
avisa-me por providenciar”
142
.
A ausência de menção à reforma da casa após o mês de julho daquele ano nos
permite supor que a tarefa já estava concluída a esta data, dando espaço a outras
preocupações como, por exemplo, uma dívida que o Domiciano teria contraído com
Manoel. Assim, em maio de 1873, Leonor se preocupa com o recebimento do tal
dinheiro, ficando em vida se teria ou não cobrado a quantia, ao que confessa sua
neglincia ao esposo, talvez na tentativa de que este a pudesse lembrar do tal fato:
Tenho procurado a carta do filho do Domiciano e não a achei, mas o Fernando vai
passar uma ressalva para ver se recebe agora no fim do mês”
143
. Após constatar que,
realmente, o dinheiro não havia sido cobrado, Leonor se encarrega de dar as últimas
notícias sobre o assunto ao esposo: “Estou vendo que o cobramos o dinheiro do
Domiciano pois ele mandou a procuração ao Carlos de Andrade para cobrar a última
quantia que tinha de receber, e não mandou ordem para pagar-nos, e nem ao Albergaria
a quem deve maior quantia
144
.
Em alguns momentos, por estar distante do marido, que era o responsável pelo
provimento da casa, era Leonor quem precisava recorrer a empréstimos, os quais eram
cobrados, depois, diretamente ao barão, após o aviso que a esposa lhe remetia por carta,
como ocorreu em junho de 1873: “Acabo de receber do compadre Assis 130.000 que
serão pagos aí à sua ordem [...]”
145
.
No que diz respeito à fazenda do Tesoureiro, Maria Leonor tamm
encarregava-se de cuidar de alguns assuntos relacionados à propriedade, bem de perto,
tais como a compra de remédios para os escravos e de utensílios para uso geral. A
propriedade, situada na freguesia de Camargos, requeria muita atenção e cuidado por
parte de seus proprietários, uma vez que lá se plantava o produto que, certamente, muito
deu orgulho à família Teixeira de Souza Magalhães: o chá. Este produto parecia
destacar-se na fazenda, como bem salientado pelo Imperador D. Pedro II quando esteve
142
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 20/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
143
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Sousa. OP, 27/mai./1873. Caixa Correspondência e Diversos.
144
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Sousa. OP, 10/jun./1873. Caixa Corresponncia e Diversos.
145
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Sousa. OP, 20/jun./1873. Caixa Correspondência e Diversos.
88
em Minas Gerais, no ano de 1881. Em seu diário, o monarca revela que havia avistado a
fazenda e suas plantações de chá, ao passar por Camargos: “Depois do arraial de
Camargos, avistei na encosta de uma montanha à direita a casa que pareceu-me grande
da fazenda do Tesoureiro do barão de Camargos, e pés de c
146
. Decerto o imperador
o se esqueceria daquele produto, responsável por trazer algumas medalhas e honras
ao Brasil nas exposições internacionais, participações tão incentivadas pelo monarca.
As exposições universais surgem no final do século XVIII, disseminando-se,
porém, em meados do século XIX, alavancadas pelo capitalismo industrial. Segundo
Lilia Schwarcz, em 1844 as exposições já se apresentam organizadas em âmbito
nacional, sendo que em 1851 “se transformam em mostras internacionais, contando com
a participação de representantes europeus, americanos, orientais e africanos”
147
. As
feiras internacionais contavam, assim, com a participação de rios países, podendo
apresentar-se em quatro categorias, a saber: manufaturas, matéria-prima, maquinaria e
belas artes.
D. Pedro II, sempre atento a elevar o Brasil ao mais alto degrau de civilização e
modernidade, aderiu a estas exposições, incumbindo-se de organizar os brasileiros que
estivessem aptos para delas participar, levando o que de melhor se produzia nos
trópicos, tais como chá, tabaco, algodão, guaraná, representando nossa flora, e
maquinários e armamentos, representando nossa indústria. O monarca encarregava-se
pessoalmente de escolher os produtos nacionais que iriam representar o Brasil nas feiras
internacionais. Para tanto, organizava prévias destas exposições, realizando feiras
provinciais e nacionais, nas quais inúmeros brasileiros apresentavam seus produtos ou
invenções. Os prêmios distribuídos pelo imperador iam de medalha de cobre, medalha
de prata à menção honrosa e prêmio extraordinário.
O futuro barão de Camargos e sua família, como representantes da boa
sociedade imperial, sempre preocupada em dar todos os passos que as colocassem numa
condição de mais civilidade e modernidade, também participaram de muitas destas
exposições. Certamente, a posse de um produto de qualidade, o chá, também contribuiu,
e muito, para que esta ilustre família representasse o Brasil.
146
PEDRO II. Diário da Viagem do Imperador a Minas. In: Anuário do Museu Imperial, vol. XVIII.
Petrópolis, 1957, p. 99.
147
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São
Paulo: Cia das Letras, 1998, p.388.
89
Das feiras nacionais, em que se escolhiam os melhores produtos brasileiros, que
iriam para as exposões internacionais, Manoel participou de duas delas. A primeira foi
no ano de 1873, que certamente fora uma prévia para a exposição de Viena, ocorrida no
mesmo ano. Na exposição, ocorrida no Rio de Janeiro, o chá do Tesoureiro recebera
uma medalha de prata (Ver Fig. 10). A outra feira nacional, também ocorrida na corte,
no ano de 1875, seria, certamente, uma pré-seleção para a exposição da Filadélfia, que
aconteceria no ano seguinte. Desta exposição, Manoel “colheu bons frutos”, uma vez
que recebera uma medalha de progresso (Ver Fig. 11) pelo excelente chá que
apresentara e uma vaga para participar da exposição da Filadélfia (Ver Fig. 12), para a
qual se dirigiu no ano seguinte. Ainda no que diz respeito à participação do chá do
Tesoureiro, nas exposições internacionais, este produto tivera a oportunidade de
representar o Brasil em outro momento, no ano de 1862, quando foi premiado na
exposição de Londres, como noticiado por Manoel a Leonor, em Agosto de 1862:Diga
ao mano Antônio que o nosso chá foi premiado com medalha na exposição de Londres
como verá no jornal de hoje: foi o único do Brasil
148
.
148
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 18/ago./1862. Caixa Correspondência
e Diversos.
Fig.
10
.
Diploma da Exposição Nacional
de 1873.“Exposição Nacional do Brasil. O
Jury Geral da Exposição Nacional
inaugurada na Capital do Império [...]
conferio ao Ex.
mo
Snr.Barão de Camargos
uma medalha de prata como premio de
1ªclasse merecido pela perfeição do chá
que exhibio. Rio de Janeiro 21 de Maio de
1873.” AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo
Barão de Camargos.
90
As exposições eram verdadeiras “feiras de civilização”, em que os países
participantes tinham a oportunidade de mostrar ao mundo e ostentar o quão
civilizados e desenvolvidos eram. Entretanto, esta intenção do imperador de conferir ao
Brasil o status de civilizado e desenvolvido, colocando-o nas grandes exposições, não
surtiu o efeito esperado. Apesar de ter incentivado o desenvolvimento do Brasil e de
seus produtos, o que sempre se destacou e aguçou a curiosidade dos estrangeiros nestas
exposições foi o lado exótico da nossa flora e do nosso povo.
O chá do Tesoureiro foi presença constante nas exposições internacionais,
sempre levado por Manoel Teixeira de Souza, que acreditava na qualidade do produto
de sua fazenda. Entretanto, após a sua morte, em 1878, não temos notícias de
participação do produto do Tesoureiro nas feiras internacionais.
A morte do barão de Camargos trouxe, indubitavelmente, algumas
conseqüências não apenas para a fazenda da família, que a partir de então ficaria nas
Fig.
11
.
Diploma da Exposição Nacional
de 1875. “Exposição Nacional de 1875. O
Jury de qualificação conferio ao Sr. Barão
de Camargos Minas Gerais pelo Chá que
exhibio a Medalha de Progresso. Rio de
Janeiro 14 de Maio de 1876.” AMI, Ouro
Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos.
Fig.
12
.
Diploma da
Exposição
Internacional da Filadélfia de
1876. “International Exhibition.
1876. Certificate of Award.
Fazenda do Thezoureiro. Minas
Gerais. Tea. [...] Philadelphia
September 27
th
1876.”
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo
Barão de Camargos.
91
mãos dos seus herdeiros, mas também para Leonor que teria que controlar o uso que
seus filhos fariam desta herança paterna.
É dessa sorte que, já em inícios do ano de 1879, a baronesa de Camargos viu-se
impelida a procurar o juiz de órfãos de Ouro Preto para tentar controlar o que já havia
fugido, de certa forma, do seu alcance, ou seja, o filho Luis Teixeira de Souza. Maria
Leonor pretendia fazer uma justificação na intenção de interditar o filho de 22 anos que,
desde a morte do pai, [...] deixou a casa paterna para quando não está viajando por
mera recreação, viver recolhido na Freguesia de Camargos, onde em nada se ocupa, e só
despende e com largueza”
149
. A mãe de Luis argumentava que pela pouca idade e
experiência do filho, era notória “a prodigalidade, e incapacidade daquele herdeiro para
administrar seus bens”
150
. Sobre o pródigo, Antonio Manuel Hespanha se utiliza do
jurista português, do século XIX, Loo, que assim definia o sujeito incapaz de
administrar seus bens:“[...] aquele que dissipa os seus bens dilapidando-os, sem ter nem
regra nem tempo nas despesas; ou o que fala como sensato, mas actua como
insensato
151
.
Segundo algumas testemunhas ouvidas pelo juiz, e segundo a própria
justificante, Luis estaria realizando péssimos negócios e, conseqüentemente,
desbaratando a fatia da herança paterna que acabara de receber, no valor de quase
7:000$000 de is. Como exemplo destas más transações, temos a compra de [...] duas
bestas por novecentos e cinqüenta mil réis, quando a metade valiam”
152
ou a contração
[...] com diversos, a juros elevados, empréstimos de dinheiro, só para gastar
improdutivamente”
153
.
Outra testemunha alegava, o que era confirmado pela própria baronesa, “que o
dito seu filho, a quinze dias alforriava gratuitamente a Querino, escravo avaliado no
inventário de seu pai por um conto e seiscentos mil réis [...], quando ao menos que seja
149
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Auto de Justificação, Códice 442. Auto 9261, 1º
Ofício, p. 03.
150
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Auto de Justificação, Códice 442. Auto 9261,
1º Ofício, p.16.
151
LOBÃO, Citado por HESPANHA, Antonio Manuel. Imbecillitas. As bem-aventuranças da
inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 2008, p. 57.
152
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Auto de Justificação, Códice 442. Auto 9261,
1º Ofício, p.04.
153
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Auto de Justificação, Códice 442. Auto 9261,
1º Ofício, p.05
92
sabido, não havia motivo razoável [...] que o impelisse a um ato de tanto sacrifício
154
.
O mais interessante nesta última justificativa para a interdição foi exatamente a
explicação de uma das testemunhas, que ouvira do próprio Querino, que havia sido
alforriado, pois dissera ele ao justificado que como escravo não podia servi-lo, mas
apenas à justificante, que era a sua senhora. Salientou, ainda, que poderia servi-lo
como forro, o que teria ocasionado a sua alforria.
Devemos salientar que a intenção de Leonor o era a de recuperar a herança de
seu filho que, mal a havia recebido, já a havia toda consumido. Segundo o próprio juiz,
[...] a justificante não teve em mira salvar a módica herança paterna que coube a seu
filho, pois a mesma já se acha comprometida pelo ônus que ele em tão pouco tempo e
tão imprudentemente tomou. Procura sim evitar que outro tanto suceda com a
materna”
155
. Leonor, certamente, estaria preocupada com a reputação do filho, uma vez
que a prodigalidade, nas palavras de Manuel de Almeida e Sousa de Lobão, advogado e
tratadista português setecentista, poderia destruir a sua “fama pública”, como é possível
apreendermos no seguinte trecho: “[...] a prodigalidade é uma depravação da mente que
leva ao disndio da própria substância [da pessoa], afastando-a da razão e do juízo e
destruindo a sua fama blica, tornando-se o pródigo candidato à impotência de alma
que é própria dos animais selvagens”
156
.
Avaliando, assim, a pouca capacidade de Luis em administrar qualquer negócio,
bem como a reputação de Leonor de “mãe e mãe que sabe cumprir seus deveres”, o juiz
profere a seguinte sentença para Luis: “[...] julgado o justificado Luis Teixeira de Souza
Magalhães interdito para que pessoa alguma possa com ele fazer transação, sob pena de
nulidade, nomeio curador o Comendador João Batista Teixeira de Souza, que [...]
administrará a sua fortuna na forma da lei”
157
.
Dessa forma, Leonor conseguiu impedir, através da lei, que o filho dissipasse
sua fortuna, com a intenção de protegê-lo. Entretanto, como teria lidado a baronesa de
Camargos com a sua própria herança?
154
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Auto de Justificação, Códice 442. Auto 9261,
1º Ofício, p.06.
155
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Auto de Justificação, Códice 442. Auto 9261,
1º Ofício, p.44 (verso) e 45.
156
LOBÃO. Notas de uso práticas e críticas [...] a Melo. I, ad I, tit. 12, § 9. Lisboa, 1818. Citado por
HESPANHA, Antonio Manuel. Imbecillitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de
Antigo Regime. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 2008, p. 57.
157
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Auto de Justificação, Códice 442. Auto 9261,
1º Ofício, p.52 (verso) e 53.
93
Do inventário de Manoel, datado de 08 de abril de 1879, totalizando uma fortuna
de 206:487$614 réis, ficou estabelecido que cada herdeiro arremataria um quinhão de
6:882$920 réis e Leonor, como meeira do casal, ficaria com os seus 103:243$807
is
158
.
Entretanto, muitas foram as crises capazes de afetar a economia do Brasil, que
ocorreram entre a morte do barão e a morte da viscondessa de Camargos, em 1902.
Como exemplo de acontecimentos que abalaram a economia do país, temos a abolição
da escravidão, em 1888, e a proclamação da república, em 1889. Decerto, o primeiro
deve ter abalado, enormemente, as fortunas das famílias da elite oitocentista,
principalmente a dos Teixeira de Souza Magalhães, que possuíam uma propriedade
rural. É sob este prisma, ou seja, destes dois acontecimentos, que devemos enxergar,
pelo menos em parte, o desgaste da fortuna deste núcleo familiar. Esta totalizava, no
inventário de Maria Leonor, o montante de 55:581$120
159
, o que representaria,
aproximadamente, a metade do total herdado pela viscondessa. À primeira vista,
podemos afirmar que a administração de Leonor dos bens do casal teve um insucesso,
entretanto, ao pensarmos nas transformações ocorridas no Brasil e nos próprios quase
25 anos desta administração, veremos que ela teve sim seu êxito.
2.3. Mudanças no jogo político: a intervenção feminina numa rede
clientelista
De todo o acervo documental de Maria Leonor, um grupo de cartas se destaca,
de certa forma, das demais, não pela concentração, mas pelo assunto que continham.
Tais missivas referem-se a pedidos dirigidos a baronesa e viscondessa de Camargos
requerendo favores poticos e ecomicos. É sabido que o barão de Camargos encenou
uma vida potica como deputado, senador e vice-presidente da província de Minas
Gerais de bastante relevância na história mineira, atraindo um exorbitante número de
pedidos de favores através de correspondências. O que nos salta aos olhos, ao
observarmos as correspondências da baronesa, é que não foi somente a ele que se
dirigiram tais pedidos, sendo parte deles dirigido a ela (66,7 % das correspondências
158
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Inventário post-mortem de Manuel Teixeira de
Sousa, Barão de Camargos. Caixa 28, Auto 312, 1º Ofício. Ano de 1878.
159
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Inventário post-mortem de Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, Viscondessa de Camargos. Maço 107, 1º Ofício. Ano de 1902.
94
recebidas de pessoas que não eram familiares tinham como motivação o pedido de
favores). Isto nos permite acrescentar às diversas atribuições de Maria Leonor, também,
a de intervenção e atuação numa teia potica. Assim, o que nos cabe investigar através
das fontes é até que ponto os remetentes consideravam Maria Leonor capaz de
intermediar essa rede de pedidos de forma satisfatória. A pergunta que se apresenta é:
por que estes emitentes não se dirigiram diretamente ao barão? Uma vez que a ela se
dirigiam, cabe também indagar, como poderia uma mulher de família tradicional
mineira ajudá-los, quando a ordem das coisas dizia que às mulheres não caberia a
interferência no espaço público? Assim, munidos dessas questões, e também das fontes,
tentaremos analisá-las na tentativa de encontrarmos as possíveis respostas e entender
como se dava o cumprimento de mais este papel encenado pela futura viscondessa de
Camargos.
É sabido que a política exercida no Império foi marcada pelas práticas
clientelistas, como o comprovam pesquisas de alguns historiadores
160
. Por clientelismo
entendemos as trocas entre partes desiguais envolvendo bens públicos”
161
, sejam eles
cargos, aumentos (salariais ou de pensão), liberação de verbas, obtenção de baixa ou
dispensa de funções militares, entre outros. Tal manifestação política foi uma prática
bastante arraigada, o que o demonstram as inúmeras correspondências recebidas
diariamente pelo barão de Camargos, estando este na corte do Rio de Janeiro:
Tenho me visto em apuros com os pedidos daí e de todos os pontos da
província sobre tudo quanto se pode imaginar, nem que eu tivesse em
minhas mãos todo o governo do estado: obriga-me isto a escrever
diariamente 10, 12 cartas em resposta, e nem assim tenho podido pôr
em dia a minha corresponncia que tem ainda atraso de mais de 150
cartas, e tenho respondido mais de 500 depois que estou aqui!
162
160
Richard Graham analisou os pedidos feitos a quatro poticos do império, sob a lógica do clientelismo
(1997); José Murilo de Carvalho elaborou um estudo desta prática na transição Imrio-República,
analisando a corresponncia passiva de Rui Barbosa (2000) e Marcella Marques Bonsembiante
investigou a rede clientelista que se formou em torno do Barão de Camargos (2006), apenas para citar
alguns deles.
161
CARVALHO, José Murilo de. Rui Barbosa e a razão clientelista. Dados, vol.43, n.1, Rio de Janeiro,
2000.
162
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 11/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
95
Que um importante potico do Império como o foi Manoel Teixeira de Souza
figure numa rede clientelista de tamanha amplitude é, de certa forma, de se esperar. O
que nos causou certa estranheza, num primeiro momento, foi encontrarmos em meio às
correspondências de Maria Leonor, um número razoável de pedidos dirigidos a ela. (Ver
Quadro 4)
Quadro 4
Número de Pedidos em relação ao número de correspondências recebidas (exceto
de familiares)
163
Pedidos Outros
Assuntos
Total
Nº de cartas 6 3 9
% 66,7 33,3 100,0
Fonte: Arquivo Museu da Inconfidência (AMI).
Dessa forma analisaremos, a partir de agora, as missivas escritas com a intenção
de obter favores, buscando compreender como os remetentes consideravam a baronesa
capaz de intermediar essa rede de forma eficaz.
Em carta datada de junho de 1860, o barão responde a correspondência enviada
por sua esposa a ele, na qual ela comenta um pedido de emprego que recebera, bem como
a ocupação que tais pedidos têm causado em seu dia a dia: “Fico certo em tudo quanto em
dizer em sua carta, e estimarei que arranjes o emprego para o genro do senhor Pinto: eu
me vejo também por cá atarantado de pedidos e empenhos [grifo nosso], e que já não
estranho pois é a minha mofina”
164
. Os pedidos a baronesa pareciam tantos que, em 1872,
ela escreve ao barão comentando sobre as cartas que recebia: “Tenho me visto atropelada
com cartas e pedidos; o que me em em apuros, assentam que eu também sou chefe de
partido
165
.
É interessante perceber como uma mulher se insere numa trama potica
clientelista, na qual entra sem perceber, uma vez que aqueles que escrevem as cartas
pedindo que ela interceda por eles são quem a integram a essa rede. Ora, mas uma vez
163
Desconsideramos as cartas recebidas por familiares por constatarmos que, nesta documentação, os
pedidos eram provenientes apenas de outros grupos que não os familiares. No século XIX eram
considerados familiares também os afilhados, compadres e comadres.
164
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 16/jun./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos.
165
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Souza. OP, 02/set./1873. Caixa Correspondência e Diversos.
96
inserida, a baronesa tinha por opção não ouvir e não atender aos apelos, não sendo isso o
que aconteceu.
Alguns dias depois da carta acima citada, Manoel volta a responder a Maria
Leonor, desta vez tratando de outro pedido que ela, em nome de terceiros, fizera a seu
esposo. O pedido referia-se a um aumento de pensão almejado por Francisco Mateus que
solicitara à baronesa que fizesse chegar ao Ministro, através da fala do barão, o seu
pedido de reajuste de pensão. À carta de sua esposa Manoel responde: “Nada posso por
ora dizer quanto à pretensão do Xico Mateus, pois nem ânimo tive ainda de falar ao
Ministro, por ver as dificuldades que hoje por aumento de despesas: farei entretanto a
diligência na primeira ocasião oportuna”
166
. Pouco mais de uma semana depois, o barão
escreve voltando a falar no assunto, desta vez alegando ser “impossível obter o aumento
de sua pensão, pois é muitas [sic] intenções de seus, que não tem sido atendidas em
conseqüência do déficit do s. esposo isto mesmo lhe podes dizer”
167
. Manoel Teixeira
deixa claro que, devido ao aumento de despesas do governo do Império, seria impossível
atender ao pedido de Francisco Mateus, incumbindo Maria Leonor de lhe dar a infeliz
notícia. O barão de Camargos, como percebemos nas correspondências emitidas a sua
esposa, reclamava periodicamente dos excessivos pedidos que recebia, como também o
fazia a baronesa, o que nos faz suspeitar que recebera mais pedidos do que pudemos
constatar em seu acervo pessoal.
No ano de 1861 quem remetia à baronesa uma epístola requerendo favores era a
sua amiga Josefina Nunan. A forma como se dirige a Maria Leonor “Minha prezada
amiga”, bem como a forma que se despede “De Vossa Excelência sincera e atenciosa
amiga”, nos permitem concluir de antemão que o laço que as unia era de amizade, o que
teria permitido à Josefina fazer o seguinte pedido:
Confiada na sua amizade, e bondade para comigo e minha família
animei me a dirigir lhe esta pedindo lhe para por mim pedir ao
Excelentíssimo Senhor Teixeira toda a sua valorosa proteção a favor
de meu primo Carlos Calisto Andrade, que pretende a um dos lugares
de terceiros Escriturários, que se acham vagos na Tesouraria desta
Província. Eu conheço a merecida inflncia, que o Excelentíssimo
166
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 02/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
167
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Bao de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 11/jul./1860. Caixa Correspondência e Diversos.
97
Senhor Teixeira goza nesta corte, e assim creio que ele poderá por seu
intermédio, ou por dos seus numerosos amigos obter do Ministro da
Fazenda a nomeação do meu primo. Peço a Vossa Excelência para
empregar todos os seus esforços a fim de alcançar do Excelentíssimo
Senhor Teixeira todo seu apoio, e proteção a favor de meu primo. Ele
já fez exame e resultado mesmo creio, que vai por este mesmo correio
são muitos os pretendentes e com alguma proteção; mesmo eu quase
que tenho certeza de que só a proteção de Excelentíssimo Senhor
Teixeira seja suficiente para que meu primo seja nomeado
168
.
A carta acima nos permite observar um dado interessante: a intervenção de uma mulher
Josefina em favor de um homem da família Carlos Calisto –, denotando uma
aparente inversão de papéis. Numa sociedade patriarcal, como era a oitocentista, ver
uma mulher tomando partido de um homem é minimamente inusitado. Porém, através
da leitura da carta, percebemos que a relação de proximidade e de amizade da
destinatária e da remetente explica a iniciativa de Josefina. Esta, por possuir maior
intimidade com Maria Leonor embora use de alguma formalidade na missiva tinha
mais possibilidades de ser atendida do que seu primo Carlos Calisto.
Outras mulheres também dirigiram cartas a Maria Leonor, considerando ser esta
capaz de intervir junto ao barão e alcançar favores de forma mais eficiente. Parece ter
sido o caso da comadre de Leonor, Maria Thereza, que escreve pedindo sua intercessão
junto ao compadre barão, para que este escreva ao Juiz dos Órfãos, a fim de que não
proceda a partilha dos bens de seus filhos na data estipulada. Maria Thereza parecia
preocupada com o futuro dos filhos e também com as dívidas que seu esposo contraíra
em seu nome, mas em benefício de terceiros, e solicita ajuda da baronesa para impedir a
partilha dos bens dos órfãos.
[...] Eu tenho passado mal desde o dia 7 deste dia em que por ordem
do Senhor Juiz de Órfãos, que citada para no prazo de 8 dias ia
mandar proceder a partilha do meu casal ora se o fosse as
complicações que a de seu finado compadre ter tomado quantias para
outras pessoas e ser responsável como fiador de alguns, ora em
liquidar estas contas não pudesse sem grande prejuízo, ou para melhor
dizer quase que nada fica para os órfãos
169
.
168
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de sua amiga Josefina Nunan. OP, 06/mai./1861. Caixa Correspondência e Diversos.
169
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de sua comadre Maria Thereza. Boa Vista 10/abr./1867. Caixa Correspondência e Diversos.
98
Assim, Maria Thereza pretende, através do seu pedido, evitar que a herança de seus
filhos seja usada para cobrir dívidas de terceiros, a quem o seu finado esposo quis
ajudar.
Mesmo após a morte do barão de Camargos, em 1878, os pedidos à baronesa
o cessam. A partir de então os requerentes dirigem-se a Maria Leonor – agora
viscondessa de Camargos – pedindo sua intercessão junto ao seu filho Antônio Teixeira
de Souza o segundo barão de Camargos. Em carta cuja data não é visível, mas nos
permite afirmar que é posterior ao falecimento do barão, Eugênia da Silva Gomes
escreve uma súplica a Maria Leonor para que esta conseguisse junto ao segundo barão
de Camargos a baixa de Antônio Moraes, seu filho, da Infantaria a qual servira por
quase vinte anos. Da carta de Eugênia Gomes podemos apreender o lugar que a
remetente ocupava na hierarquia social, pela forma humilde e submissa que se dirige à
Leonor – “Excelentíssima Senhora a vossos pés venho submissamente valer-me do
patronio de Vossa Excelência” e que se despede “ficando eu sempre eternamente
agradecida a Vossa Excelência como humilde serva”. Na tentativa de convencer Maria
Leonor, a mãe do soldado da infantaria alega que:
Este tem requerido por vezes a sua baixa e o lhe tem sido possível
alcançar por meio algum, posto que com o tempo que serviu na
campanha [Guerra do Paraguai], já passou do tempo em que foi
recrutado na passagem de Mariana, e este trabalhando para sustentar a
mim e as suas irmãs, e sendo meu filho o único arrimo que tenho em
meu socorro e de minhas filhas, e além disso hoje casado, peço a
Vossa Excelência para fazer-me com que meu filho possa obter a
baixa por interseção do Excelenssimo Senhor Barão, pois que o
mesmo Senhor nada quisera fazer que não faça, e nem também as suas
palavras deixarão de ser atendidas, assim como eu espero na benigna
bondade de Vossa Excelência me ouvir as minhas súplicas [...]; pois
que isto é uma grande esmola que Vossa Excelência faz a uns infelizes
e desgraçados.
170
Por fim, é do ano de 1881, o último pedido dirigido à baronesa de Camargos,
remetido pelo Bispo de Diamantina. O sacerdote pedia a ajuda de Maria Leonor para a
liberação de uma verba que a Assembléia Provincial teria votado em favor de uma
igreja de Diamantina, que só se efetivaria com o aval de seu filho barão de Camargos
170
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de Eugênia da Silva Gomes. S/d. Caixa Correspondência e Diversos.
99
Chegou-me a Vossa Excelência um favor, que, me asseguraram,
alcançarei. A Assembléia Provincial este ano votou um auxílio de
vinte contos de réis para obras do templo do Sagrado Coração de Jesus
desta cidade, mas para obter-se esta quota é necessário que o
Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da Província ordem para
que se entregue esta quantia
171
.
A análise das correspondências nos permite afirmar que Maria Leonor possuía
uma influência que sobrevivera com a morte de seu njuge. Da mesma forma,
podemos afirmar que a importância potica de sua família também perpetuou-se, tendo
passado de pai para filho, o que permitiu a continuidade dos pedidos e sua atuação, de
certa maneira, na esfera blica da sociedade. Essa atuação foi possível, certamente,
pela extrema quantidade de cartas recebidas por seu esposo e posteriormente por seu
filho. Os remetentes a elegeram como uma forma de encurtar as distâncias que os
separavam dos políticos, bem como uma intercessora capaz de persuadir marido e filho,
se assim quisesse, alcançando de forma satisfatória os pedidos que lhes eram
conferidos.
171
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de João, Bispo de Diamantina. Diamantina, 05/out./1881. Caixa Correspondência e
Diversos.
100
Capítulo 3:
O cotidiano impõe seu ritmo: vivência e intimidade da boa sociedade
O presente capítulo procura fornecer ao leitor, através de alguns fragmentos das
missivas de Maria Leonor, pistas de como a família Teixeira de Souza Magales vivia
a sua rotina. As várias mensagens entrelaçadas, embora sem a preocupação de dispô-las
em qualquer ordem cronológica, nos permitem vislumbrar o ritmo desse cotidiano no
passar dos dias.
Numa primeira parte das epístolas, trataremos de questões de ordem cotidiana,
vislumbrando as ações, relações e vivências próprias da intimidade tanto da
viscondessa, quanto daqueles que a cercavam. Enunciaremos temas corriqueiros, que
aparecem com freqüência nas cartas, tais como as relações de Maria Leonor com seu
cônjuge, barão de Camargos, com quem trocou grande parte das correspondências
pesquisadas, dada a distância que separava o casal, pela vida de potico atuante do
barão na corte do Rio de Janeiro. Com ele trocava palavras de demonstração de
saudades e afeto muito sutilmente, deve-se salientar bem como a constante
preocupação com os filhos (educação, saúde, etc), haja vista que alguns deles
estudavam fora de Ouro Preto e outros residiram por algum tempo na corte com o barão.
Outros temas recorrentes nas missivas são os nascimentos, falecimentos,
doenças e prescrões médicas – note-se que à distância –, diversões do dia a dia
(jantares, bailes, saraus, viagens curtas), as modas da corte o barão se encarregava de
reparar nos vestidos, chapéus que desfilavam as senhoritas no Rio de Janeiro,
remetendo todas as notícias da última moda para a esposa e filhas –, festas religiosas, as
preocupações e menções ao clima e, finalmente, as intermináveis encomendas feitas da
corte bem como o envio de presentes – que se davam principalmente entre madrinhas e
afilhadas.
As cartas não narram somente temas, narram também um tempo do cotidiano
vivido. Este tempo nos leva a conhecer vários meandros de uma mesma família: seus
relacionamentos, preocupações, tristezas, melancolias, mas também recordações e
alegrias. É tamm um espaço de aproximação de entes que se estimam, de
comemorações, de envio de boas notícias, enfim um espaço que faz viverem os
fragmentos da vida de cada dia.
101
3.1. A escrita das cartas: definindo um pacto epistolar
O século XIX foi marcadamente o século em que o Brasil caminhava a passos
largos rumo à modernidade. A vinda da corte para o Brasil, em 1808, trouxe consigo
novos hábitos de consumo e vivência que não passariam despercebidos pelas elites,
ávidas por estarem em consonância com os modos de ser europeus.
Até fins do século XIX as atenções, no que diz respeito aos novos – e modernos
– hábitos de viver, estavam voltadas para o Rio de Janeiro, capital Imperial. Saber o que
estava se passando na corte moda, festas, músicas, potica – era o desejo de todas as
famílias abastadas.
Visando atender a estas expectativas, bem como ligar de maneira mais eficiente
a corte às demais cidades do Império, a rede de correios amplia-se e estrutura-se. No
caso específico de Minas Gerais, foram criadas várias agências na primeira metade do
oitocentos, visando diminuir a carência de comunicação regular e institucionalizada
entre a capital do império com Minas Gerais, e principalmente, com seu maior centro
político e econômico Ouro Preto
172
.
A implantação crescente de agências dos correios em Minas Gerais era
determinada, em grande medida, pelos avanços ocorridos na província. O aumento das
instalações dos trilhos ferroviários, a implantação de fábricas dos mais diversos
segmentos e o aumento populacional podem explicar, por exemplo, o expressivo
crescimento do mero de agências dos correios entre 1830 e 1896, resultando num
salto de 18 para 632 agências, como podemos visualizar no quadro abaixo,
demonstrando que num espaço de tempo de pouco mais de 60 anos o número de
estabelecimentos foi multiplicado, aproximadamente, por 35.
Quadro 5
Aumento das agências dos correios em Minas entre 1830 e 1896
Ano População
(Minas Gerais)
Agências
1830 900.000 18
1861 - 72
1865 1.620.190 -
1870 - 123
172
RODARTE, Mário Marcos Sampaio. O caso das Minas que não se esgotaram: a pertinácia do antigo
núcleo central minerador na expansão da malha urbana da Minas Gerais oitocentista. Belo Horizonte:
CEDEPLAR, 1999. Dissertação/ FACE/UFMG.
102
1882 2.647.845 -
1888 3.018.807 557
1896 3.424.330 632
Fonte: LIMA, Kléverson Teodoro de. Práticas missivistas
íntimas noinício do século XX. Belo Horizonte: FAFICH,
2007, p. 50. Dissertação de Mestrado
Aproveitando-se dessa disseminação de empreendimentos que tinham por
função, pelo menos em parte, fazer a palavra circular através das correspondências, uma
parcela da população ouropretana não se fez de rogada e arraigou nesta sociedade o
hábito de escrever cartas. Isto pode ser demonstrado pelos dados que apontam para o
grande número de cartas que chegavam e saíam da capital da Província de Minas
Gerais. No ano de 1857, das 98.205 correspondências que saíram da administração do
correio de Ouro Preto, 34.962 (35,60%) eram documentos oficiais, 25.532 (26,00%)
eram jornais e outros impressos, e nada menos do que 37.711 (38,40%) eram cartas.
Para o mesmo ano, o número de cartas sobre as correspondências totais que chegaram à
administração dos correios desta cidade, são ainda mais significativos. De um total de
78.879, 20.059 (25,43%) correspondiam a ocios, 23.851 (30,24%) a jornais e outros
impressos e nada menos que 34.969 (44,33% e, portanto, quase a metade do total)
consistiam em cartas. No final da década de 1860, no ano de 1869, os dados
demonstram que o número de cartas que chegaram na administração de Ouro Preto
(104.290, portanto 44,5 %, de um total de 234.380 correspondências) continua
superando o número de 17.117, portanto 7,3 %, de ocios expedidos. Estes números
são bastante significativos quando nos questionamos se as agências dos correios haviam
se multiplicado para atender essencialmente às demandas do governo provincial e
imperial, visando ligar diferentes pontos, mantendo-os comunicáveis, ou se estariam
também a serviço de outras práticas não tão ligadas à administração do Império.
Tomando por base os quadros 6 e 7, podemos afirmar que grande parte das
correspondências eram sim destinadas às esferas governamentais, afinal, se tratava da
capital provincial, mas o todas elas. Considerando, ainda, o expressivo número de
cartas que chegaram a Ouro Preto entre os anos de 1852 a 1869, podemos supor que
outros interesses impulsionaram estes elevados números: o estabelecimento de redes
sociais, de vínculos pessoais e estreitamento de relações de amizade, o que nos permite
afirmar que os correios trabalharam muito a serviço de inúmeras atividades sociais.
103
Quadro 6
Correspondências que Chegaram na Administração do Correio de Ouro Preto
173
Anos Ofícios Cartas Jornais e Outros
Impressos
Total
N.º % N.º % N.º % N.º %
1852 11.567 12,95 46.497 52,04 31.285 35,01 89.349 100
1853 12.192 12,52 48.208 49,51 36.970 37,97 97.370 100
1857 20.059 25,43 34.969 44,33 23.851 30,24 78.879 100
1858 22.709 28,93 35.843 45,65 19.957 25,42 78.509 100
1859 23.225 29,18 39.804 50,00 16.573 20,82 79.602 100
1860 27.326 29,21 48.416 51,75 17.820 19,05 93.562 100
1869 17.117 07,30 104.290 44,50 112.973 48,20 234.380 100
Fontes:
APM, dice SP 509, Carta da Administração dos Correios de Ouro Preto ao Presidente de Província,
datada de 23 de fevereiro do ano de 1854;
APM, Códice SP 833, Carta da Administração dos Correios de Ouro Preto, assinada por Antônio Xavier
da Silva, ao Presidente de Província Conselheiro Carlos Carneiro Campos, datada de 3 de abril do ano de
1860;
APM, Códice SP 509, Carta da Administração dos Correios de Ouro Preto, assinada por Annio X. da
Silva, ao Presidente de Província, datada de 23 de fevereiro do ano de 1854;
APM, Códice SP 776, Carta da Administração Geral do Correio de Ouro Preto, 19 de Fevereiro de 1859;
APM, Códice SP 898, Carta da Administração Geral dos Correios de Ouro Preto, 4 de Junho de 1861;
APM, dice SP 1.380, Carta da Administração Geral dos Correios de Ouro Preto, 29 de Janeiro de
1870.
Quadro 7
Correspondências que Saíram da Administração do Correio de Ouro Preto
174
Anos Ofícios Cartas Jornais e Outros
Impressos
Total
N.º % N.º % N.º % N.º %
1852 18.670 11,10 44.047 26,19 105.495 62,72 168.212 100
1853 18.171 9,47 47.209 24,61 126.477 65,92 191.857 100
1857 34.962 35,60 37.711 38,40 25.532 26,00 98.205 100
1858 40.084 40,53 38.152 38,58 20.665 20,89 98.901 100
1859 43.280 43,29 40.881 40,89 15.812 15,82 99.973 100
1860 44.988 41,23 46.106 42,26 18.012 16,51 109.106 100
1869 28.152 10,58 95.941 36,07 141.905 53,35 265.998 100
Fontes:
APM, dice SP 509, Carta da Administração dos Correios de Ouro Preto ao Presidente de Província,
datada de 23 de fevereiro do ano de 1854;
APM, Códice SP 833, Carta da Administração dos Correios de Ouro Preto, assinada por Antônio Xavier
da Silva, ao Presidente de Província Conselheiro Carlos Carneiro Campos, datada de 3 de abril do ano de
1860;
APM, Códice SP 509, Carta da Administração dos Correios de Ouro Preto, assinada por Annio X. da
Silva, ao Presidente de Província, datada de 23 de fevereiro do ano de 1854;
APM, Códice SP 776, Carta da Administração Geral do Correio de Ouro Preto, 19 de Fevereiro de 1859;
APM, Códice SP 898, Carta da Administração Geral dos Correios de Ouro Preto, 4 de Junho de 1861;
173
RODARTE, Mário Marcos Sampaio. O caso das Minas que o se esgotaram: a pertinácia do antigo
núcleo central minerador na expansão da malha urbana da Minas Gerais oitocentista. Belo Horizonte:
CEDEPLAR, 1999. Dissertação/ FACE/UFMG.
174
Idem, ibidem.
104
APM, dice SP 1.380, Carta da Administração Geral dos Correios de Ouro Preto, 29 de Janeiro de
1870.
A rede de sociabilidade família, amigos, compadres de Maria Leonor
escrevia, e escrevia muito. Tudo era motivo para de pena em punho, remeter uma
missiva a alguém narrando nascimentos, falecimentos, doenças, festas, solicitando
encomendas, pedidos, enfim, tudo o que dizia respeito à vida cotidiana figurava nas
cartas.
O ato de remeter uma carta implicava necessariamente numa resposta. Criava-se
um pacto, uma relação de reciprocidade que uma vez iniciada, não deveria ser quebrada,
incidindo mesmo em obrigatoriedade. A prática missivista, assim, encurtava distâncias e
unia laços conjugais, de amizade, familiares, na medida em que o sujeito que escreve
espera, obriga, impele o outro a responder.
Assim, quando o barão de Camargos escreve a sua esposa percebemos o tom da
reciprocidade: “escrevo-te esta sem ter alguma tua a que deva resposta, pois a de 20
respondi ontem, e pelo correio que ontem chegou não tive carta tua nem de pessoa
alguma de Ouro Preto; parece que todos se apostaram ao não escreverem-me”
175
.
Podemos abstrair deste trecho dois sentimentos que envolviam o Barão no ato da
escrita: a cobrança e o ressentimento. O primeiro pode ser notado na fala “escrevo-te
esta sem ter alguma tua a que deva resposta”, o que demonstra a falta de Maria Leonor
para com seu njuge: ela devia ter escrito, mas não escreveu; ou denota o
desprendimento do Barão que, mesmo sem ter carta a que responder, animou-se a
escrever a Maria Leonor dando notícias suas. O segundo sentimento que apreendemos
na escrita de Manoel Teixeira, o ressentimento, pode ser percebido no trecho parece
que todos apostaram ao não escreverem-me”, o que demonstra a expectativa daquele de
receber notícias de sua província a cada mala dos correios que dela chegava. O
descontentamento do barão pela falta de notícias da família também nos permite pensar
a troca intensa de correspondências entre o casal e o estabelecimento do pacto epistolar
como uma forma de manter o controle da casa e da família, mesmo a distância. Mas, ao
que tudo indica, estas tentativas de controle nem sempre eram eficazes, o que fica
comprovado pela falta de respostas da esposa, o que tanto amofinava o barão. Esta falta
175
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 27/jun./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos.
105
para com o barão, tão assíduo em suas respostas, bem como sua cobrança podem ser
apreendidas em carta emitida em 1862.
Ontem não recebi carta tua nem de pessoa alguma da família, o que
podendo ser devido a qualquer esquecimento da hora do Correio, não
deixou contudo de amofinar-me, pois quando não recebo ao menos
duas linhas de casa fico sempre receoso de ter havido algum
incômodo o que permita Deus não tenha acontecido.
176
Ao mesmo tempo em que nota-se uma clara expressão de descontentamento e
preocupação do remetente, por não ter recebido carta de seus familiares, este se consola
por um possível esquecimento de postar a carta por parte daqueles e demonstra mais
uma vez seu desprendimento dentro do pacto epistolar: mesmo sem carta a responder
ele escreve. Assim o fizeram outros tantos que mesmo sem nada receber, deram o
primeiro passo para o início do ciclo, remetendo sua cartinha. Referimo-nos, como
exemplo, a missiva de Antônio Luis, irmão da futura baronesa e viscondessa de
Camargos, residente em Ouro Preto e que escreve a ela, quando esta encontrava-se na
corte do Rio de Janeiro passando uma temporada. A carta inicia-se praticamente com
um apelo, pois ele escreve: “ainda não lhe mereci uma cartinha
177
e conclui dizendo
que a vai esperar, senão Maria Leonor ficará sem notícias do sobrinho Antônio “já de
dentinhos querendo gaguejar algumas palavras e principiando andar”. Observamos nesta
outra missiva um aspecto interessante. Ora, o irmão quer notícias da ir e dos
sobrinhos: “mande-me dizer se a minha Maricota ainda está tão bonitinha como foi
d’aqui, a Antonica se ainda está gorda, o Manuelzinho os outros todos, quero uma
citação de todos um por um”
178
. Ele deixa claro que se a “mana” não lhe responder ele
o mais mandaria notícias do sobrinho e que perderá os momentos de maiores
transformações – e mais velozes – do desenvolvimento, qual seja a infância. Dando esse
gostinho à irmã, ele espera poder contar com sua resposta. Ao que parece a tática surtira
efeito, já que em carta posterior (15/06/1850) Antônio Luis acusa “a recepção da sua
apreciável cartinha”.
176
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 13/jun./1862. Caixa Corresponncia e
Diversos.
177
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu irmão Antônio Luis. OP, 20/jan./ 1850. Caixa Corresponncia e Diversos.
178
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu irmão Antônio Luis. OP, 15/jun./ 1850. Caixa Corresponncia e Diversos.
106
3.2. A sociedade das gentilezas: trocas de presentes e intermináveis
encomendas
As cartas remetidas a baronesa, tendo como destino a cidade do Rio de Janeiro
eram raras, visto que a mesma passava pouco tempo na corte, permanecendo maior
parte do tempo em Ouro Preto. Mas quando, acompanhada dos filhos, ia ao Rio passar
uma temporada junto ao barão que habitava quatro meses por ano, de maio a
agosto, cumprindo obrigações poticas não faltavam cartas, principalmente quando o
assunto eram as encomendas. Aproveitando que Maria Leonor encontrava-se na corte,
lugar por excelência cercado de bom gosto e bons produtos, muitos solicitavam que esta
lhes trouxessem coisas: “passo a incomodar-lhe para fazer-me obséquio de trazer-me
três xales de casimira azul [...] e não se aborreça com estes incômodos que eu moro em
um lugar que não tenho remédio se o ocupar a quem pode me servir”
179
.
Quando a baronesa regressava a Ouro Preto quem ficava incumbido das
encomendas, tanto dela quanto de terceiros, era o barão. Ao que parece este não gostava
muito, como notamos em seu desabafo:
Se porém passo bem de saúde, não deixo de viver amofinado pelas
saudades e pela falta de tempo para cuidar de cartas incontínuas, e das
encomendas.[...] Estou vendo que para arranjar as encomendas me
será preciso falhar ao Senado algum dia, o que por ora não tenho
podido fazer.
180
Em carta anterior já podíamos notar o desagrado que as intermiveis encomendas
causavam a Manuel Teixeira: “vingo em destruir-me com as compras das
encomendas”
181
. Talvez não seja difícil ao leitor entender as lamentações do esposo de
Maria Leonor, tendo em vista o teor das encomendas. Em carta enviada ao barão a 2 de
setembro de 1873, Maria Leonor encomenda, para uma amiga, “uma trança para cabelo
que tenha dois palmos de cumprimento e de cor castanho escuro” e ainda faz uma
179
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de sua amiga. 18/ago./1850. Caixa Correspondência e Diversos..
180
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 09/ago./1860. Caixa Correspondência
e Diversos.
181
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 14/ago./1853. Caixa Correspondência
e Diversos.
107
ressalva que, sem vida, desafiaria a capacidade de observão do barão: “mas que
seja a imitação de cabelo
182
.
Nesta sociedade Imperial, marcada pelos pedidos de encomendas, devido a
precariedade do comércio de algumas cidades e das longas distâncias, é perceptível
também outra marca: a das gentilezas. Em várias cartas pudemos notar o quão arraigado
era o hábito de agradar com presentinhos, acompanhados de cartas, ora partindo de
Maria Leonor, ora a ela se destinando. Em uma das missivas pudemos constatar ambas
as situações, em que a baronesa recebe um agrado de sua afilhada Eulália Silva: “tomo a
liberdade enviar a Vossa Senhoria essa toalha despida de perfeição, para nela limpar os
pés, e rogo aceitar, e não reparar a insignificância da oferta pois é uma prova de
amor
183
, e remete outro acompanhado de uma cartinha rascunhada na carta recebida,
em que demonstra sua gratidão:
Também recebi o delicado mimo de toalha [...] o qual muito aprecio
não por ser mais uma prova de sua amizade, como pelo bordado,
que bem mostra a perfeição dos seus trabalhos. [...] Rogo-lhe o favor
de aceitar esse insignificante corte de tecido, que é apenas um sinal de
lembrança.
184
Segundo Jo Inácio Roquette, cônego português que escreveu um código de boas
maneiras e etiqueta no século XIX, depois das visitas e da comunicação, o laço social
mais extenso e variado é a comunicação epistolar”
185
. Se o estabelecimento desse pacto
epistolar viesse acompanhado da troca de presentes e gentilezas, então é que manteria
bastante coesas as redes de sociabilidade, quer envolvendo familiares ou não.
Em alguns casos, aquele que enviava um presente ao destinatário da carta,
aproveitava também para enviar outro para alguém que daquele estivesse próximo. Este
foi o caso de Maria da Conceição Monteiro de Castro, sobrinha da baronesa que, ao
enviar um casal de pombos para Josefina”, filha de Maria Leonor, aproveitava para
182
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Souza. OP, 02/set./1873. Caixa Correspondência e Diversos.
183
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de sua afilhada Eulália Silva. Gualaxo, 01/mar./1855. Caixa Corresponncia e
Diversos.
184
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Rascunho de resposta a carta recebida por
Maria Leonor de Magalhães Teixeira, de sua afilhada Eulália Silva. Gualaxo, 01/mar./1855. Caixa
Correspondência e Diversos.
185
ROQUETTE, JoInácio. Código do bom-tom, ou, Regras da Civilidade e de bem viver no século
XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 266.
108
remeter “outro para minha tia fazer o favor de mandar entregar a tia Chiquinha que é
para minha afilhada”
186
. Embora não possamos afirmar qual a verdadeira finalidade do
presente remetido, uma vez que os pombos não são aves canoras e, geralmente, nem
eram mantidos em gaiolas, devemos salientar que no século XIX, a posse de pássaros
pelas mulheres era muito bem vista pelos cânones civilizatórios, o que pode ter
motivado Maria da Conceição Monteiro de Castro a enviar tal presente. Roquette, ao se
referir às práticas apreciadas pela boa sociedade, em seu manual de etiqueta, aconselha
Uma gaiola bonita e asseada, habitada por um lindo cantor dos
bosques, cujas brilhantes cores e mavioso gorjeio anunciam
perenemente uma das maravilhas da criação, um aviário em que se
admire a variedade destes engraçados animais, são, não um objeto
de diversão permitido às senhoras, mas um emprego mui louvável de
seus desvelos.
187
O trecho citado nos permite supor que a boa sociedade da qual Maria Leonor era parte
preocupava-se, assim, em estar em consonância com a educação e os modos ditos
civilizados que figuravam na Europa, até mesmo no que tange aos presentes que
enviava.
Mas Maria Leonor não era apenas a destinatária dos mimos, sendo na maior
parte das vezes a emitente. A baronesa, porém, não se mostrava gentil apenas com seus
familiares, como no caso em que envia um amável cartão acompanhado de cento e
sessenta mil réis a uma escola dirigida pelo Padre Domingos Alvanelle, situada em
Cachoeira do Campo, que de imediato remete-lhe os agradecimentos: em tempo recebi
o amável cartão de Vossa Senhoria de 17 do corrente e mais 160$000 de esmola para as
Escolas Dom Bosco”
188
.
Escrevendo de Florença, na Itália, seu irmão Francisco lhe agradecia, em 17 de
junho de 1886, os presentes que esta lhes (a ele e a sua esposa Rosina) enviava,
suvenires com um significado todo especial, já que provenientes da Fazenda do
186
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de sua sobrinha Maria da Conceição Monteiro de Castro. Boa Vista, 17/jul./1863.
Caixa Corresponncia e Diversos.
187
ROQUETTE, JoInácio. Código do bom-tom, ou, Regras da Civilidade e de bem viver no século
XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 394-395.
188
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, do padre Domingos Alvanelle. Cachoeira do Campo, 30/set./1896. Caixa
Correspondência e Diversos.
109
Tesoureiro, que pertencia aos irmãos
189
Maria Leonor, Fernando, Francisco e Antônio
Luis.
Fico muito agradecido a mana pelo seu gentil pensamento de enviar-
me um presente [ilegível] do Tesoureiro [...]. O chá puro e bom é
muito difícil encontrar-se no mercado. Hei de fazer-me muita honra a
goiabada de Minas e por tanto muito obrigado a mana.
190
Em carta escrita no mês seguinte, Francisco ainda faz menção à tamanha delicadeza de
sua irao remeter os presentes que, sem vida alguma, seriam inesquecíveis por
muitos anos já que enviara 7 grandes latas dele [chá]; e 12 latas de goiabada”.
Francisco menciona ainda o grande sucesso que o chá fizera na Europa: [o chá] tem
agradado muito às pessoas a quem dei um pouco para (tomarem) idéia de um produto
brasileiro, que uma irminha faz fabricar com tanta perfeição” e acrescenta, com ares
de nostalgia “eu porém o acho muito mais saboroso pelo que não posso tomar um taça
dele sem provar saudades”
191
.
O chá, ao qual Francisco se refere, era cultivado na fazenda da família o
Tesoureiro como produto principal. Numa época em que nas fazendas mineiras as
atenções estavam voltadas para a pecuária e agricultura – com ênfase em outros gêneros
alimentícios que o o chá –, não deixa de ser curiosa tal produção. E não era uma
produção qualquer, deve-se acrescentar, já que o dito chá fora premiado até no exterior,
tal era sua qualidade, como vimos no capítulo anterior.
A fazenda do Tesoureiro era uma propriedade que o pai de Maria Leonor
Fernando Luis Machado de Magalhães havia deixado aos filhos. Estes se revezavam
para cuidar das terras que situam-se no distrito de Camargos, em Mariana. Numa carta
já citada, Antônio Luis escreve a sua irmã contando as novidades: “o nosso Thesoureiro
está agora muito bom com o maquinismo novo. [...] Tem engenho de serra [...] temos 40
e tantos carneiros [...] e vai-se fazer [...] assim mais 2 teares para as pretas tecerem
189
Através do esforço do Cônego Raimundo Trindade, de realizar uma primorosa genealogia das ilustres
famílias ouropretanas em seu livro Velhos Troncos Ouropretanos (Revista dos Tribunais, 1951), tomamos
conhecimento de que Maria Leonor possuía 5 irmãos: Antônio Luís, Antonia Felícia, Modesto Antonio,
Fernando Luis Júnior e Francisco. Porém, através de toda a documentação consultada, tivemos mais
conhecimento apenas dos três irmãos Fernando, Francisco e Antônio Luís, o que nos leva a crer que
Maria Leonor tivera mais contato com estes, ou que os outros dois faleceram mais cedo.
190
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu irmão Francisco. Florença, 17/jun./ 1886. Caixa Correspondência e Diversos.
191
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu irmão Francisco. Florença, 11/ago./ 1886. Caixa Correspondência e Diversos.
110
algodão
192
. Ao que se sabe, e que fica ratificado com a leitura das cartas, apesar de
possuir um engenho e atividades agrícolas, predomina o cultivo de chá em terras do
Tesoureiro.
O cultivo de chá foi ganhando importância gradualmente ao longo do século
XIX. Como afirmamos anteriormente, encontrar fazendas em Minas Gerais como a do
Tesoureiro, cuja agricultura predominante era o plantio de chá, era incomum. No
entanto, a existência de poucas plantações de chá em outras propriedades não deve ser
atribuída a uma suposta pequena importância se comparada a outros produtos. No que
diz respeito ao incentivo dos poderes públicos para o estabelecimento das lavouras
mineiras, Francisco Iglésias atesta que
Apesar dos obstáculos, a lavoura conseguiu impor-se. Embora
pequeno, o se pode negar o auxílio dos poderes públicos
provincial e imperial ao trabalho do campo. A assistência aparece
com os pedidos feitos pelo Conselho da Província desde 1825; [...]
Aparece nas isenções tributárias para incremento de certas espécies,
como se viu em 1839 com o chá [...]. No Jardim Botânico de Ouro
Preto uma cadeira de ensino agrícola é criada, especialmente para a
cultura do chá, em 1840.
193
Em carta datada de 1836, Fernando Pereira de Vasconcelos diretor do Jardim
Botânico de Ouro Preto alertava a Antônio da Costa Pinto presidente da proncia
de Minas sobre a necessidade de elaboração de um regimento interno, para ajudá-lo a
monitorar as visitas e distribuição de plantas e chás, visto que a procura destas era
192
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu irmão Antônio Luis. OP, 15/jun./1850. Caixa Corresponncia e Diversos.
193
IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Sérgio Buarque e CAMPOS, Pedro Moacyr
(dir.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Monárquico. Dispersão e Unidade. 4ªed. Rio de
Janeiro/São Paulo: Difel, 1978, p. 393.
Fig. 13. Ruínas da Fazenda do
Tesoureiro. Camargos, Distrito de
Mariana. Foto: Janine Ojeda. IPHAN,
Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional, Ouro Preto. Ano
de 2009.
111
grande, sendo impossível ele conseguir estar ao mesmo tempo lidando com a terra e
com a documentação e papéis relativos ao funcionamento do dito Jardim em dias de
grande movimento. O naturalista ouropretano tamm atentava para a dificuldade de
aumentar a produção do chá, visto que a procura pelo mesmo era tão grande que
tornava-se impossível atender a demanda e fazer crescer a sua cultura. Tal reclamação
do diretor do Jardim Botânico pode ser percebida através do trecho:
[...] algum chá tenho fabricado e parte delle tenho dado por amostra
[...]. Devo informar a V. Ex.ª que pouco chá tem sido feito porque não
é possível aproveitar a sua folha, e ao mesmo haver a semente
necessária para aumentar a sua cultura e distribui-la pelos particulares,
que as exigem em grande porção.
194
Com o aumento e incentivo da produção de chá, esta bebida ganha popularidade,
entre as elites, de tal forma que, em 25 de Outubro de 1848, o Jornal do Commercio
anunciava: Vende-se uma preta de nação a qual sabe cortar e coser tanto camisas de
homem como costuras de senhora as mais difíceis, engomma, lava, cosinha, faz doces
de calda de todas as qualidades, [...] aprompta um ce tudo que é servido a uma
perfeita mucama”
195
. Esta nota de jornal nos permite pensar que eram tarefas básicas
pré-estabelecidas a uma boa escrava, além de cozinhar, lavar e costurar, a de fazer um
chá, o que demonstra que esta atividade vinha se tornando corriqueira nas melhores
casas do Império.
Nas missivas em que a fazenda do Tesoureiro é citada, pouco se fala da
presença de escravos, mas uma particularmente, nos mostra alguns aspectos do
tratamento dado a eles, pelo menos em um contexto no qual a instituição o contava
com inteira legitimidade. No ano de 1881, Francisco escreve da Ilia, onde residia, a
sua irmã dando algumas recomendações. Como um dos irmãos Antônio Luis havia
falecido no ano anterior, tinha restado à então viscondessa de Camargos os cuidados
com a propriedade, visto que Francisco morava no exterior e Fernando, ao que parece,
começou a ter sérios problemas de saúde supomos problemas mentais
196
ainda na
194
APM, Arquivo blico Mineiro. Informações sobre o Jardim Botânico em 1836. Belo Horizonte.
Edição: Imprensa Oficial de Minas Gerais, volume 17, páginas 436-438, data de publicação: 1912.
195
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano. 15ª Ed. São Paulo: Global, 2004, p. 337.
196
No ano de 1853, as cartas recebidas por Maria Leonor, de seu esposo, apontam para uma desavença
familiar entre a baronesa e o irmão Fernando, motivada por alguma partilha de bens na família
112
década de 1860, indo residir no Rio de Janeiro. As recomendações consistiam na
concessão de liberdade a alguns cativos pertencentes a Francisco
Envio a mana as respectivas cartas de liberdade a fim de entregar aos
destinatários no dia 7 de setembro [...]. Eu desejo porém que a carta de
liberdade destinada ao Joaquim crioulo e sua mulher seja logo
entregue a eles, e bem assim os duzentos mil réis que a Maria Antonia
obteve de munifincia imperial para sua liberdade, renunciando eu a
indenização, porque eu tinha em mente libertar os meus escravos.
Se a mana ou algum dos meus sobrinhos quisesse encarregar-se desse
dinheiro para ir dando a eles, a medida que precisassem, seria o
melhor, e ao mesmo tempo uma obra de caridade a eles[...].
Recebendo de uma só vez a quantia, é de [ilegível] que a terminem no
mesmo dia em um copioso brinde a [ilegível] liberdade
197
.
Francisco, que tencionava libertar seus escravos desde 1878, “temendo que a minha
liberdade assanhasse os outros escravos”, não o fizera naquela ocasião. Porém, um dos
cativos, Firmino, conseguiu sua liberdade antes de 1881, sob a condição de que
empregasse os duzentos mil réis correspondentes à compra da alforria numa obra de
caridade. O “mano” de Maria Leonor a aconselha, nesta mesma carta, que liberte
também os escravos dela já que “depois que os escravos vão pensando senão em
antecipar o dia da liberdade, trabalham o menos que podem” e a conservação do
Tesoureiro “não pode ser onerosa”
198
. Esta correspondência menciona também os
envolvendo a fazenda do Tesoureiro e, posteriormente, o adoecimento do irmão, indo residir no Rio de
Janeiro. Nestas cartas, Manoel envia palavras de consolo e calma à esposa, tais como “[...] vejo que muito
trás sofrido teu espírito: queira Deus não sofras também na sua saúde atento o teu estado eu te peço que te
eleves acima desses excessos são previstos” (RJ, 08/jun./1853). Em outra missiva, Manoel desabafa:
“Sinto que o mano Fernando ainda se lembra do Tesoureiro, e melhor seria ele elevasse o seu espírito a
coisas que lhe fossem mais honrosas, isto me desgosta profundamente” (RJ, 20/jul./1853). Na década
seguinte, no ano de 1860, as citações de Fernando nas cartas são sempre fazendo referência ao seu estado
de saúde e às visitas feitas por Manoel a ele no Rio de Janeiro: “O Luiz [médico e primo do barão]
informa-me que o mano Fernando vai passando na mesma, isto é bom de saúde, mas no estado de
indiferentismo e hesitação de costume” (RJ, 01/jun. 1860). Em outras cartas, Manoel dá notícias do irmão
de Leonor: “Ainda não pude ir ver o mano Fernando [...]: sei entretanto que ele vai passando na mesma,
isto é pacífico, mas no mesmo estado de esquecimento”(RJ, 08/jul./1860). Finalmente, é de 15 de Julho
de 1860, a última carta que faz menção a Fernando, quando o barão relata a esposa o seu estado: Fui
hoje visitar o mano Fernando, o qual não tem sofrido alterações em seu estado de saúde [...]; falei-lhe da
família e ele pouco interesse mostrou, suas ideias acodem-lhe a custo mas está tranquilo. Não vejo por
hora esperanças de melhoras, que garantam o seu antigo estado: ao menos nada lhe falta”(RJ,
15/jul./1860).
197
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu irmão Francisco. Florença, 17/jun./1881. Caixa Corresponncia e Diversos.
198
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu irmão Francisco. Florença, 17/jun./1881. Caixa Corresponncia e Diversos.
113
planos dos dois irmãos de vender a propriedade, o que não parece ter acontecido, visto
que ela consta no inventário da viscondessa, de 1902.
Quando a fazenda era citada nas cartas, o que foi feito inúmeras vezes, o assunto
que mais se destacou foi uma epidemia que teria grassado entre os moradores da
propriedade em 1862, e que teria feito com que muitos caíssem doentes, cessando
apenas três meses depois do seu início. Essa constante menção às doenças também pode
ser constatada em outras correspondências, mostrando que, num tempo em que se estava
tão vulnerável às moléstias, devido à precariedade da medicina e dos cuidados com a
higiene pessoal e pública, as pessoas preocupavam-se em relatar umas as outras como
andava a saúde de todos os familiares e das demais pessoas do convívio. Antônio Luis,
anos antes da epidemia que sofrera o Tesoureiro, afirmava que embora a corte devesse
ter muitos divertimentos é melhor, e não se está tão exposto as epidemias, não
dúvida alguma”
199
, no que, os fatos depois o demonstraram, estava equivocado.
3.3. Enfermidades e falecimentos: as más notícias também chegam
pelas cartas
Os anos 1850 e 1860 foram marcados, no que diz respeito à saúde, ou à falta
dela, sobretudo, pelos surtos de febres que, segundo Luis Felipe de Alencastro,
agravavam-se com as chuvas de verão
200
. É nesse contexto que cria-se o hábito, entre a
boa sociedade residente na corte, de ir-se passar o veraneio em Petrópolis. A viagem
“surgia como uma solução de sanitarismo urbanístico, como uma medida profilática em
benefício da família real e da elite da corte”
201
.
Em praticamente todas as cartas trocadas entre Manoel Teixeira e Maria Leonor
(56 cartas, no total), as doenças e estado de saúde (deles, dos filhos, amigos, parentes)
eram os primeiros temas das missivas:
Andava desde o correio passado sumamente aflito com a notícia da
sua constipação, em que não me falas, sinal de que ficastes dela
bem: ainda bem, pois na verdade é mortificante para quem está
199
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu irmão Antônio Luis. OP, 15/jun./1850. Caixa Correspondência e Diversos.
200
ALENCASTRO, Luis Felipe de. Vida privada e ordem privada no Império. In: NOVAIS, Fernando A.
(coord.); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.) História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a
modernidade nacional. SP: Cia das Letras, 1997, p. 67-68.
201
Idem, ibidem, p.68.
114
ausente saber de inmodos cuja gravidade se não pode calcular pelas
simples exposições de uma carta
202
.
A combinação do casal de trocar cartas praticamente todos os dias (com intervalos de
apenas um ou dois dias) tinha a intenção justamente de se tranquilizarem em relação à
saúde, já que era grande a distância que os separava. Em julho de 1860, Manoel escreve:
eu passo também otimamente, e admiro mesmo a boa saúde que aqui [Rio de Janeiro]
tenho gozado, a exceções de algum defluxo que tive, e dores de cabeça por uns 8
dias”
203
.
Dessa forma, mesmo à distância, era possível saber de quase tudo que se
passava. É interessante, nesse aspecto, o trecho de uma carta em que o barão, sabendo
da desconfiança de Leonor de estar grávida, faz recomendações em relação a sua saúde:
“Muito estimei saber que não tens sofrido maior incômodo, com o quanto estejas
desconfiada de que te achas de esperanças: recomendo-te que tenhas toda a cautela,
evitando principalmente alguma contrariedade ocasionando o mal.”
204
. Apenas dois dias
depois, Manoel volta a escrever: “vejo que estás passando melhor dos teus incômodos,
atribuindo-o à (abstenção) do vinho do Porto; não o duvido, mas seria preciso que
fizesse algum exercício pois é o melhor remédio para teus inmodos”
205
. A tentativa de
controlar a família, a que nos referimos anteriormente, é bem demonstrada nestes
trechos em que o barão sugere a sua esposa que faça exercícios sicos, supondo ser a
falta destes a causa de seus males. Este controle da mulher pelo homem fica
visivelmente expressado em algumas das cartas que veremos a seguir, em que Manoel
envia receitas e conselhos médicos à esposa, elucidando também uma tentativa de
controle sobre o corpo.
Não era raro, no século XIX, que as pessoas trocassem receitas de chás, xaropes,
etc para acabar com as enfermidades. No caso das correspondências de Maria Leonor
202
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 08/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
203
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 09/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
204
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 14/jun./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos.
205
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 16/jun./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos.
115
vemos uma variável dessa prática: a consulta a médicos por correspondência. A
baronesa remetia carta ao barão enumerando e explicando os sintomas, quer dela quer
dos filhos, e ele procurava os médicos no Rio de Janeiro dois de seus amigos para
analisarem os sintomas. A seguir o barão enviava a receita médica e, quando fosse o
caso, os medicamentos.
Durante o século XIX na Europa Ocidental ocorreu uma tenncia a substituição
das práticas não médicas tradicionais por uma progressiva medicalização das doenças.
No Brasil Imperial essa tendência também foi ganhando espaço, mesmo que
timidamente. A chegada da família real, no início do século, atraiu a vinda de
profissionais europeus para os trópicos, dentre os quais estavam os médicos. Estes
foram se enraizando e, na medida em que conseguiam adentrar na rede parafamiliar
tradicional, foram ganhando a confiança dos brasileiros e prestígio enquanto
profissionais. Porém, em terras brasileiras, não foi apenas essa medicina tradicional que
vingou. Muito pelo contrário, sendo possível perceber uma heterodoxia no que concerne
às práticas médicas mais comuns entre os brasileiros. Estes viviam com “um pé” nas
práticas ortodoxas, outro na homeopatia e pode-se dizer que até aos santos se recorria
quando o assunto era doença: São Brás, contra as doenças da garganta; São Sebastião,
contra as epidemias da varíola, etc
206
.
À luz dessa diversidade de práticas de cura que permeavam o Império, é que
devemos ler as trocas de informações médicas entre Maria Leonor e Manoel Teixeira.
Em carta datada de 8 de junho de 1853, o barão escreve: “conversei com o Dr. Jo
Agostinho sobre o incômodo de Aninha [filha do casal] e ele é de opinião que deve-se
juntar salsa ao leite por causa do inmodo ouvido”
207
. O Dr. Jo Agostinho era
bastante procurado pelo Barão, aparecendo em algumas outras cartas, fato que era de se
esperar, visto que o casal possuía quinze filhos.
Maria Leonor também aproveitava as missivas para relatar ao cônjuge sobre a
saúde de outros parentes. No ano de 1860, foi a cunhada Carolina que motivou a escrita
206
Para uma exposição mais ampliada das idéias contidas nesse parágrafo, ver ALENCASTRO, Luis
Felipe de. Vida privada e ordem privada no Império. In: NOVAIS, Fernando A. (coord.);
ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.) História da vida privada no Brasil. Império: a corte e a
modernidade nacional. SP: Cia das Letras, 1997, p. 73-77. Também sobre o assunto, consultar:
FIGUEIREDO, Betânia. A arte de curar: cirurgiões, médicos, boticários e curandeiros no século XIX em
Minas Gerais. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2002.
207
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 08/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
116
de uma carta ao esposo. Em conseqüência desta, Manoel procura novamente o Dr.
Agostinho, como apreendemos no seguinte trecho: a respeito da Carolina, consultei Dr.
Agostinho o qual ficou de dar-me o receituário, que ainda irá dentro desta”. Por motivo
que desconhecemos não conseguiu enviar o receituário, anotando num cantinho abaixo
na carta: “a receita da Carolina irá pelo seguinte correio
208
.
Poucos dias depois, Maria Leonor envia uma carta a Manoel relatando alguns
incômodos que sofria e, após consultar ao médico Luiz – primo e amigo do barão tais
sintomas, o marido lhe responde:
Consultei ontem ao primo Luiz, o qual pela minha exposição disse,
que supõe será alguma pedra na bexiga, mas que é isso negócio fácil
curar-se, e que não tem graves conseqüências; disse ele que convém
que vá usando bicarbonato de soda, tomando 4 (gr) por dia, sendo dois
de manhã e 2 a tarde em água com açúcar, ou de qualquer outro modo,
não precisando de misturar ácido tartárico: que convinha também
fazer injeções de água morna na bexiga quando sofrer mais
dificuldades de expelir a urina, e introduzir uma sonda de prata para
observar a existência da pedra, mas que em todo caso como tens de vir
para o ano, então se fará o que melhor convier eu levarei a sonda e
seringas, próprias. Sobre a Aninha lhe disse também o que sofre, e ele
ficou de receitar
209
.
Este trecho nos apresenta o que parece ser o ápice da tentativa de controle do corpo
feminino, por parte do marido. Manoel, ao receber a descrão dos sintomas da esposa,
procura o médico sendo este, como dito anteriormente, seu amigo e primo repassa
os inmodos a este e, então, remete a Maria Leonor a receita e as instruções de
como proceder. O barão não parecia estar disposto a aceitar um maior contato entre o
médico e sua esposa, assumindo toda a intermediação das “consultas”. Mas não
podemos também, e não devemos, descartar a hipótese de que a procura pelo médico no
Rio de Janeiro dava-se pelas melhores condições da medicina da corte.
Uma prática um pouco diferente da apresentada por Manoel e Leonor, e que foi
bastante recorrente no Brasil oitocentista, como atesta Rita de Cássia Marques
210
, foi a
208
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 15/jul./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos.
209
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 22/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
210
MARQUES, Rita de Cássia. Cartas de homens para o “Médico de Senhoras”. CRONOS: Revista de
História. Pedro Leopoldo, n.6, 2002.
117
escrita de cartas por homens aos médicos, objetivando consultá-lo para as suas esposas
e filhas. Eles o faziam, segundo a autora, através de cartas escritas ao médico, na qual
narravam os sintomas e as enfermidades de suas mulheres. Esta prática certamente
disseminou-se em locais de difícil acesso, como nas cidades do interior da província, e
de precariedade de médicos. Marques não descarta também que esta prática tenha se
arraigado devido às formas de pensar a mulher à época, ou seja, como um ser recatado e
que deveria ser preservado. O trecho de uma carta enviada, por um marido, ao médico
oitocentista Dr. Werneck, é exemplar a respeito do controle que o homem fazia de sua
esposa e de seu corpo:
Ilmo. Dr. Werneck.
Minha mulher não tem obtido melhoras com a tintura de iodo, e, não
tem podido ir aos banhos, porque todas as manhãs têm enjoado
muitíssimo.
Ela pede (e eu estou de acordo) [grifo nosso] para que se façam as
cauterizações, ao menos uma, diz ela, a fim de ver se obtém
primeiramente alguma melhora [...]
211
.
Os diagnósticos não eram fáceis de fazer, tendo em vista que o paciente não era
examinado e, neste caso, nem era aquele que descrevia os sintomas ao médico. Portanto,
muitos desses diagnósticos falhavam, o que parece ter acontecido com Maria Leonor.
Duas semanas depois da carta acima citada, o barão volta a escrever, confirmando que o
problema era bem outro, decorrente dos meses iniciais de gestação de sua esposa:
Com grande prazer recebi a tua carta de 4 do corrente, pois nela me
dizes que o tem sido preciso usar de remédios, por que vais
passando sem maior inmodo, o que denotas que o teu sofrimento
(procede) como eu sempre presumi da queda do estiro, e não da
bexiga, ou coisa semelhante, pois o Luiz Carlos me havia dito que a
queda do estiro se podia dar enquanto a gravidez o estivesse
adiantada, e é isto o que se vai verificando
212
.
Alguns anos depois, em 1862, o Agostinho é novamente solicitado pelo barão:
quando te mandei dizer o que aconselhava o Primo Agostinho para teu incômodo,
211
CEMEMOR/UFMG. Arquivo Werneck, Correspondências. Bilhete, sem data. Citado por MARQUES,
Rita de Cássia. Cartas de homens para o “Médico de Senhoras”. CRONOS: Revista de História. Pedro
Leopoldo, n.6, 2002, p. 172.
212
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 09/ago./1860. Caixa Correspondência
e Diversos.
118
deixei de remeter a receita da fermentação, o que hoje faço acrescentando que os banhos
devem ser de erva moura misturada com malvas”
213
. Dias depois ele torna a escrever,
desta vez alegando que consultará tanto o Agostinho, quanto ao Luiz Carlos: “falei ao
Agostinho sobre a Carolina [...] mas amanhã hei de consultar também ao Luiz
Carlos”
214
.
Como tivemos oportunidade de observar nos excertos citados e que pode ser
exemplificado a partir de jornais da época (Ver Fig. 14), fica difícil distinguirmos o que
tinha de medicina tradicional, de homeopatia e de crendices e superstições nas receitas e
conselhos apresentados pelos médicos, ratificando as palavras de Alencastro, do quão
vasta era a cultura popular médica no oitocentos.
O jornal de Minas, de 02/01/1980, e que se repetiu por muitos números, trazia a
propaganda de uma água milagrosa, a Francisco José, capaz de curar “todos os casos em
que é necessário o uso de purgativos”
215
.
213
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 01/ago./1862. Caixa Correspondência
e Diversos.
214
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 21/ago./1862. Caixa Correspondência
e Diversos.
215
APM, Arquivo Público Mineiro. O Jornal de Minas, Edição 1, Ouro Preto, 02/01/1890.
Fig.1
4
.
Jornal de Minas
.
Água
Purgativa Francisco José, considerada
milagrosa pela propaganda do jornal:
“Muitta Atenção
A melhor de todas as águas
medicinaes é a mineral natural da
famosa fonte Francisco José. O
Jornal de Minas, Edição 1, Ouro
Preto, 02/01/1890
119
Em diversos casos parece que a medicina da época, não conseguiu atingir seus
objetivos com sucesso, o que poderia explicar os elevados índices de mortalidade no
Brasil Imperial. Várias missivas traziam como assunto, além dos inúmeros outros
citados, a morte. A morte de alguém, um familiar, um conhecido, sempre é citada pelos
missivistas. No mês de março de 1880, a baronesa escreve ao seu irmão Francisco,
confirmando a notícia da morte do outro irmão, Antônio Luis: “Pela carta de meu filho
Antônio foi o mano consciente de que é falecido o nosso caro e estimoso irmão
Antônio, foi mais um doloroso golpe que sofremos depois de tantas perdas, no decurso
de apenas 5 anos”
216
.
Certamente a baronesa referia-se à morte do barão e a outras, as quais não
tomamos conhecimento pela documentação, quando fala de “tantas perdas”. De fato, o
sofrimento não terminaria por , já que em 1881 quem viria a falecer era o seu filho
Francisco. O irmão de Maria Leonor, homônimo de seu filho que falecera, escrevia em
junho de 1881:
Tenho hoje a recepção da sua prezada carta de 26 de abril, com a qual
me participa a inesperada notícia do falecimento do meu sobrinho
Francisco; fiquei muito sentido não porque recordava muito dele,
mas também por causa da mana a quem o faltam poucas
semelhantes aflições com tão numerosa família.
217
Francisco aproveita a mesma carta para, antevendo a morte de um irmão do barão,
devido ao seu precário estado de saúde, prestar suas condolências a Maria Leonor:
A notícia que me do estado do Sr. João Batista, me faz supor que a
estas horas terá terminado seus dias com sentimento de quantos o
conheciam, e apreciaram suas virtudes. [...] Sei que a perda do seu
ótimo cunhado será muito sensível a mana e aos sobrinhos por isso
lhes recomendo resignação
218
.
E os falecimentos não cessariam, visto que em 1883 são a filha da baronesa
Leopoldina e a filha do falecido Antônio Luis Francisca que morrem. Fernando, o
filho de Maria Leonor, assim a escreve:
216
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu irmão Francisco. OP, 30/mar./1880. Caixa Correspondência e Diversos.
217
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu irmão Francisco. Florença, 17/jun./1881. Caixa Corresponncia e Diversos.
218
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu irmão Francisco. Florença, 17/jun./1881. Caixa Corresponncia e Diversos.
120
Não acabava de receber a comunicação do falecimento da minha
cunhada e prima Chiquinha, eis que me chegava a notícia vinda por
carta de Queluz para a Lagoa, do igualmente prematuro e lamentável
falecimento de minha irmã Leopoldina! E dessa sorte vai se
desfolhando de dia em dia a árvore frondosa de nossa família ainda há
pouco tão numerosa e contente! Como hei de exprimir a dor que se
concentra por uma série tão longa de reveses e de infortúnios, como os
que sobre nós tem passado? Eu não vejo outro remédio de não chorar,
e pedir a Deus que nos dispense o lenitivo que Ele pode derramar
como bálsamo consolador no coração dos que sofrem
219
.
Em momentos de perdas como estes muitos eram os que, não podendo estar
presentes, enviavam palavras de carinho e consolo por meio de cartas a baronesa. Sendo
assim, Delfina Olímpia Ferreira, afilhada de Maria Leonor escreve:
Sendo tão grande a perda, que com palavras se o pode minorar,
resta-nos a única consolação de que no prêmio de suas virtudes foi
encontrada a S. D. Leopoldina perpétua compensação às efêmeras
alegrias da vida, e que na posse da bem-aventurança, a morte é antes
um benefício que, se permite o sentimento das saudades repele a
tristeza incompatível com a idéia da eterna felicidade
220
.
O século XIX foi, para a boa sociedade imperial, marcadamente um século
preocupado com a boa educação e o cumprimento das regras de etiqueta, que tinham
por objetivo conferir aos seus membros o título de civilizados. Esses manuais de
civilidade regulavam não apenas o comportamento, mas também a própria forma de
escrever cartas, o que parece ter sido o caso da carta escrita pela afilhada de Leonor, que
acabamos de citar.
No subcapítulo “Cartas de Pêsames”, do Código do Bom-Tom, José Inácio
Roquette aconselhava: Toda a carta de pêsames será curta e o seu único objeto é o de
aprovar o justo motivo que aflige a pessoa que padece a aflição, juntando algumas
reflexões e conselhos consolatórios, os quais devem ser tirados da religião”
221
. Ao
analisarmos o trecho escrito por Delfina Ferreira, percebemos que ambos os elementos
219
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu filho Fernando. Mercês de Pomba, 19/jul./1883. Caixa Correspondência e
Diversos.
220
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de sua afilhada Delfina Olímpia Ferreira. OP, 03/jul./1883. Caixa Corresponncia e
Diversos.
221
ROQUETTE, JoInácio. Código do bom-tom, ou, Regras da Civilidade e de bem viver no século
XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 285.
121
citados por Roquette podem ser encontrados: o motivo justo para o sofrimento da
baronesa, em “sendo tão grande a perda, que com palavras se não pode minorare os
conselhos consolatórios retirados a religião, em resta-nos a única consolação de que no
prêmio de suas virtudes foi encontrada a S. D. Leopoldina perpétua compensação às
efêmeras alegrias da vida, e que na posse da bem-aventurança a morte é antes um
benefício”.
Ao que parece, nem sempre era a morte a Grande Ceifeira quem procurava
os seus contemplados; por vezes eram algumas pessoas que iam ao seu encontro, como
foi o caso daqueles que se suicidavam. A leitura das correspondências, mesmo com
todas as suas fragmentações, nos permite citar um caso emblemático a este respeito.
João Carlos era mestre, professor de Manuel, um dos filhos mais velhos do casal. Parece
que sofria com alguns problemas de ordem psíquica, dado o seu estado “transtornado”
citado em carta de Manoel a Maria Leonor, o que interrompia os estudos do menino:
“Muito sinto que o João Carlos esteja outra vez transtornado, convém entretanto que o
Manuel não deixes de aproveitar os [ilegível] intervalos”
222
. Apenas uma semana após a
escrita da carta, o barão volta a escrever, lamentando o suicídio relatado por Leonor, e
se mostrando preocupado com o destino dos estudos de Manuel, o que nos faz pensar
que o mestre havia se matado:
Muito me sensibilizaram as notícias, que me destes do suicídio
havido. [...] Não sei como há de o Manoel continuar os seus estudos
conm que ele se esforce agora mais no latim, e que vá estudando em
casa as outras matérias até aparecer outro mestre [grifos nossos].
Lembro que o João Carlos tinha em seu poder por empréstimo um
livro do Manoel: o Manual do Bacharelado em francês: é preciso
que se procure por isso
223
.
Embora não possamos afirmar categoricamente – pela falta de informações mais
claras e pontuais que o suicida seja o mestre João Carlos, é possível supô-lo dados os
indícios.
222
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 20/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
223
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 26/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
122
3.4. Quebrando a rotina do cotidiano: a vida social da boa sociedade
imperial
O clima, que certamente foi um dos vilãos para a saúde dos brasileiros,
desencadeador de moléstias, também foi um assunto bastante abordado nas missivas de
Maria Leonor: era a expressão do tempo ditado pela natureza, e o andar do cotidiano
dependia dele. As correspondências de Maria Leonor nos permitem conhecer as noções
de tempo que figuravam na vida de integrantes da boa sociedade imperial. Este tempo
era um tempo plural, marcado pelos nascimentos, crescimentos das crianças e
falecimentos de entes queridos, e também pelo tempo natural, das fortes chuvas e dos
dias de intenso calor.
224
Se chovia demais não se saía de casa: “Ainda não pude ir ver o mano Fernando,
porque nas tardes, enfim tenho tentado fazê-lo, tem chovido e eu evito as umidades"
225
.
Mas com o prolongar das chuvas não teve como Manoel delas escapar, já que precisava
ir ao Senado. Assim, alguns dias depois da escrita da carta anterior, ele diz: “Apesar da
chuva, que tem havido estes dois dias não deixei ainda de ir ao Senado”
226
.
Em carta datada de maio de 1853, os escritos do barão nos mostram a dimensão
e os estragos causados pelas chuvas na corte, que como sabemos, tinha uma precária
estrutura urbana
Já não se fala por aqui de febres, principalmente depois do dilúvio que
aqui houve, que por muitos dias inundou a cidade e a destruiu em
muitos lugares, causando enormes prejuízos chegou-se a andar em
gamelas e jangadas pela Rua do Lavradio e outras entrou água em
todas as casas de certas ruas a ponto de obrigar os moradores a
abrigarem-se sobre as mesas e mobílias; enfim não notícias de
outras felizmente não tivemos novidade. Em casa, apenas temos ainda
o nosso passeio ainda com alguns palmos d’água, que não tem por
onde sair.
227
224
MAUAD, Ana Maria e MUAZE, Mariana. A escrita da intimidade: história e memória no diário da
viscondessa do Arcozelo. In. : GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de
Janeiro: FGV, 2004, p. 224.
225
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 08/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
226
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 11/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
227
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 26/mai./1853. Caixa Corresponncia
e Diversos.
123
As chuvas também paralisavam a vida social na corte, como confirmam os
seguintes trechos de cartas recebidas por Maria Leonor, de seu esposo: “as chuvas ainda
se reproduzem, e por isso o bailes, nem coisa que preste”
228
e “não saímos hoje de
casa, nem para ir à missa, por ter chovido todo o dia”
229
.
Quando o sol resolvia aparecer, isto também era informado na missiva,
parecendo ser o clima mais desejado por Manoel: “o tempo aqui tem estado ora
temperado, ora até caloroso, mas não em excesso. Não parecendo estação de frio: se
fosse sempre assim não havia nada melhor”
230
. As estações do ano, por vezes, se
prolongavam como parece ter sido a sensação de Maria Leonor, quando escreve ao
barão em junho de 1873: “muito calor tem feito aqui, o veranico principiou a 25 de
dezembro e ainda continua”
231
. Se o clima esfriava, logo chegavam a Manoel as notícias
das conseqüências que este causava a sua prole: “com o costumado prazer recebi a tua
de 12 do corrente, vendo por ela todavia que o frio tem sido aí excessivo, causando
constipações e dores de dente às meninas”
232
.
Por sorte as chuvas davam bastante trégua, permitindo que a vida social, tanto
em Ouro Preto quanto no Rio de Janeiro, acontecesse. O que entrava em cena eram as
festas religiosas e leigas, bem como os jantares, as idas a teatros e óperas, tudo narrado
nas correspondências trocadas por Maria Leonor e Manoel. As festas religiosas,
principalmente as procissões, pareciam agradar bastante o casal. Em maio de 1853, o
barão escreve: “notificamos a bela procissão do Corpo de Deus e muito aplaudi é a
228
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 02/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
229
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 03/ago./1862. Caixa Correspondência
e Diversos.
230
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 20/jun./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos. Arquivo Fundo Barão de Camargos. AMI, Ouro Preto.
231
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Souza. OP, 08/jun./1873. Caixa Corresponncia e Diversos.
232
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 17/jun./1862. Caixa Correspondência e
Diversos.
124
primeira festa, que vejo este ano, a não ser uma peça dratica no teatro de S. Pedro
que não tive ânimo de agüentar toda”
233
.
Na leitura das cartas podemos perceber que o barão, ao mudar-se para o Rio não
gostava muito de festas, acostumando-se pouco a pouco com a movimentada vida da
corte, e dela participando mais. Porém, as procissões pareciam encantá-lo. No ano de
1862, torna a acompanhar a procissão do Corpo de Deus, narrando a bela festa com ares
de nostalgia: “hoje fui assistir à Procissão do Corpo de Deus, que esteve muito bonita, e
muito me lembrei de ti e das meninas”
234
. A procissão de São José, assistida pelo barão
dois anos antes também aparece numa das cartas, acompanhada de um comentário sobre
o crescimento populacional na cidade: “assistimos a procissão de São José, que também
passou pela nossa rua: foi extraordinária a ocorrência de povo pelas ruas até 10 horas da
noite, parece que a população tem dobrado em 4 anos!”
235
. Este sentimento de Manoel,
de que a população da cidade do Rio de Janeiro havia dobrado em quatro anos, não
passava de uma simples impressão. Pelo censo de 1872 é possível percebermos que a
população não cresceu de forma tão expressiva no ano citado pelo barão. No ano de
1849, por exemplo, a população total do Rio era de 268.386 habitantes, enquanto que no
ano de 1872, era de 274.972 habitantes, totalizando um crescimento de 6.586, no
decurso de 23 anos
236
.
Anos mais tarde, com o barão e alguns filhos já falecidos, Maria Leonor escreve
a Elisa, sua filha, lembrando com saudades das comemorações religiosas do mês de
maio: amanhã coma o mês de Maria aqui na Matriz, começa o mês das festas, e
também apertam mais as saudades de tempos melhores e já passados”
237
.
As narrativas de Manoel, sobre as festas que freqüentara, nos permitem
descortinar um pouco como era a vida social das elites na corte, mesmo que, por vezes,
233
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 26/mai./1853. Caixa Corresponncia
e Diversos.
234
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 19/jun./1862. Caixa Corresponncia e
Diversos.
235
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 18/jun./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos.
236
FLORENTINO, Manolo (org.). Tráfico, cativeiro e liberdade (Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX). Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p.335.
237
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu esposo Manoel Teixeira de Souza. OP, 29/abr./1885. Caixa Corresponncia e Diversos.
125
frequentados por “obrigação”: “poucas vezes tenho ido a teatros, a bailes será amanhã
[o] isso mesmo para ver o Cassino, e para se dizer que os deputados de Minas não o
freqüentam por econômicos: a diretoria mandou desta vez cartões a todos os deputados
e para tanto não há remédio
238
. Outra missiva aponta um aspecto bastante curioso: o do
reconhecimento do papel do dinheiro para o pertencimento aos altos escalões da
sociedade: “ontem fomos a um magnífico jantar do Antônio José pelos anos da D. Ana
[...] foram todos os deputados de Minas: não há nada como ter dinheiro, bom gosto e
alegria”
239
.
O ano de 1860 também parece ter sido repleto de divertimentos na corte, embora
o tanto quanto estava habituado o barão: pouco tenho me divertido, tendo ido duas
vezes ao teatro rico, e amanhã pretendo ir à partida do Marquês de Olinda, a cujo
convite faltei uma vez”
240
. Poucos dias depois, Manoel volta a citar os compromissos
sociais que compareceria: “hoje, temos outro baile em casa do Ministro do Império, e
amanhã um jantar de alguns senadores em Hotel da Europa, no qual eu entro
também”
241
. Estes dois festejos são narrados em carta escrita dois dias depois, com um
interessante comentário, de que forjava-se um hábito novo na corte, o de dividir a conta:
anteontem fui ao baile do Ministro do Império, e ontem a um jantar que no Hotel da
Europa demos a nós mesmos alguns membros do senado em número de vinte e tantos,
entretanto cada um com 10 mil is; é bom meio de comer-se bons petiscos para pouco
dinheiro”
242
. E parece que os senadores gostaram da prática, que repetem a festa:
anteontem tivemos o nosso jantar de senadores e deputados conservadores em número
238
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 26/jun./1853. Caixa Corresponncia e
Diversos.
239
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 14/ago./1853. Caixa Correspondência
e Diversos.
240
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 27/jun./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
241
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 02/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
242
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 04/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
126
de 80, é visto que foi coisa esplêndida, custou 1:600$000 réis tocando 200$000 réis a
cada um
243
.
Curiosa é a missiva de agosto de 1862, em que o barão parece justificar suas
farras, como resposta a algum comentário feito por Maria Leonor:
Faz pois idéia de como passaríamos aborrecidos não tendo por
distração, senão o infalível gamão que trabalhou todo o dia. Conto-te
estas coisas, para não pensares que estou num labirinto de
divertimentos, pois sei que é esse o juízo que fazem ordinariamente as
senhoras mulheres [...]: não é assim! [...] Não tenho mais nada que
contar, pois à exceção de uma vez ao teatro Lírico, outra ao de S.
Pedro, e outra ao circo, não tenho ido a mais parte alguma
244
.
As palavras de Manoel certamente nos fazem comprovar que a vida de um potico
vivendo na corte do Rio de Janeiro devia ser muito mais movimentada. Na tentativa de
se justificar, o barão acaba por acrescentar mais uma saída ao seu rol de diversões: a ida
ao circo, que não consta em nenhuma das cartas anteriores.
As festas certamente foram um lugar privilegiado para que o barão pudesse
reparar as modas que estavam em uso na corte, missão que as filhas o incumbiram. E,
diga-se de passagem, ele cumpriu tal tarefa com bastante afinco. No mês de junho do
ano de 1860, escreve: “diga às meninas que não tenho tido ainda bastante tempo para
reparar as modas mas, que estão ainda em uso os balões, os chapelinhos pequenos como
o seu com capinhas compridas”
245
.
Era preocupação constante entre as famílias de elite a aparência: não bastava ser
rico, tinham que parecer ricos também. Ao investigarem o cotidiano e a intimidade da
viscondessa do Arcozelo através de registros deixados num diário, Ana Maria Mauad e
Mariana Muaze constatam que a preocupação com a aparência e, principalmente, com a
vestimenta dava-se por ser “imprescindível para os membros da elite dominante que o
243
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 10/jun./1862. Caixa Corresponncia e
Diversos.
244
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 03/ago./1862. Caixa Correspondência
e Diversos.
245
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 01/jun./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos.
127
lugar de prestígio que ocupam na pirâmide social condiga com a imagem que o restante
da sociedade faz desse lugar”
246
.
Numa sociedade demasiadamente marcada pelo “parecer”, em que o que
aparentemente diferenciava o ser escravo de ser livre era o uso de sapatos, por exemplo,
é explicável que as mulheres quisessem saber das modas da corte. Mas estas certamente
o eram as suas únicas “vítimas”. Em carta de janeiro de 1854, o filho Manoel escreve:
peço a minha mãe para mandar camisa de chita que aqui se usam muito tanto que
furtaram a minha”
247
.
Sobre os trajes masculinos, Gilberto Freyre atesta que, enquanto os homens
andavam dentro de casa de chambre, “nas ruas ostentava[m] condecorações e insígnias
de mando”
248
. Freyre afirma, ainda, que algumas publicações de jornais oitocentistas
traziam em seus anúncios “dragonas, fardas, plumas”, “chapeos armados para
Cavalleiros da Ordem de Christo” e ainda “espadins de corte para titulares
249
. Este tipo
de ornamentação masculina era, certamente, mais apreciado por aqueles titulares do
Império, que não se contentavam em possuir um brasão, mas queriam ostentá-lo
também através de suas vestes, como parece ter sido o caso de Manoel Teixeira de
Souza. (Ver Fig. 15)
246
MAUAD, Ana Maria e MUAZE, Mariana. A escrita da intimidade: história e memória no diário da
viscondessa do Arcozelo. In. : GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de
Janeiro: FGV, 2004, p. 214.
247
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu filho Manoel Teixeira de Souza. Congonhas, 31/jan./1854. Caixa
Correspondência e Diversos.
248
FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do
urbano. 15ª Ed. São Paulo: Global, 2004, p. 215.
249
Idem, ibidem.
Fig.15. Traje que pertenceu a Manoel
Teixeira de Souza, o barão de Camargos.
MI, Museu da Inconfidência. Ouro Preto.
128
Mas sem dúvida alguma eram a baronesa e suas filhas as mais preocupadas com
os figurinos. Já começando a se inteirar da moda em vigor, escreve o barão:
Diga às meninas que lhes mandarei os figurinos, o que já me tinha
lembrado de fazer, mas esperava poder mandar ao mesmo tempo
alguma fazenda: será bom que elas digam o que mais precisam para
não comprar inutilidades. Os balões estão assim no vigor da moda,
mandem dizer se querem que os mande, mas é preciso que os vestidos
tenham muita roda. Em geral andam as senhoritas de vestidos justos e
manteletes pretos de cambraia ou veludo até abaixo
250
.
As correspondências nos trazem uma saborosa leitura quando versam sobre este
tema, com os interessantíssimos comentários do barão. Um mês após a escrita da carta
acima, tendo recebido um pedido do filho Fernando, em que pede ao pai um capote, este
responde: diga ao Fernando que recebi a sua carta, em que pede o capote, mas isso é
traje que já o se usa: entretanto verei o como arranjamos isso
251
. O trecho citado
pode aludir a dois aspectos significativos: a um cuidado do barão, como pai zeloso que
era, em não querer contrariar o pedido do filho, como também a certo descompasso que
poderia existir entre a moda da capital do Império e da capital da província mineira.
Entretanto, o cuidado do barão com os filhos e sua preocupação em não
desagradá-los, pode ser percebida também em outras missivas. Em agosto de 1862 teria
o barão enviado umas fazendas para que se fizessem saias para as suas filhas.
Entretanto, ao que parece, faltara pano e Manoel sugerira que se fizesse uma emenda, o
que teria desagradado a baronesa e as meninas. À reclamação destas, responde o bao:
“vejo o que me dizes sobre as saias das meninas, pois ainda acho que se poderia muito
bem unir os panos de umas com as outras, apesar da diferença dos bordados, que
ninguém dava pela coisa, mas como não aprovam, darei outro remédio
252
.
Não deixa de ser curioso ver um homem opinando com tanta propriedade nas
modas femininas, sabendo inclusive das preferências das mulheres. Numa outra
missiva, considerando ter feito uma boa compra de tecidos, ele escreve:
250
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 29/jun./1860. Caixa Corresponncia e
Diversos.
251
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 09/jul./1860. Caixa Correspondência e
Diversos.
252
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 01/ago./1862. Caixa Corresponncia e Diversos.
129
As sedinhas foram uma verdadeira pechincha, pois servem até para
vestido das meninas para passeio etc, podendo cada uma fazer dois
vestidos, e também as pequenas: custaram o preço de chitas, e
entretanto sempre são sedas. Os 3 cortes de são 1 o escuro para
você, 1 para Maricota, e 1 para Annia
253
.
E, o contente em apenas comprar e remeter os cortes de tecido, o barão explica como
devem ser costurados os modelos: “os destas devem ser tiras como um fofo, que se faz
da mesma fazenda franzindo-se como crespo para baixo uma tira larga de 1 palmo ou
1½ , e para cima listrinhas”
254
.
Manuel não reparava apenas nas roupas, os chapéus também estavam em sua
mira. Depois de bastante reparar ele descreve: “há uns muito modernos de palha de
malha à amazonas redondos com abas de veludo com plumas brancas ou pretas, mas
o servem para tudo, salvo para mocinhas que usam deles em todos os atos, para as
grandes em passeios”
255
, mostrando que além de ver o que se usava era importante
relatar quem, onde e quando se podia usar.
Anos mais tarde, tendo o barão falecido, as notícias de moda vinham de fora do
país, mostrando que essas preocupações foram se sofisticando. No ano de 1882, Maria
Leonor escreve ao seu irmão Francisco, agradecendo os jornais de modas que este havia
remetido da Europa: “tenho recebido os jornais de modas e muito lhe agradeço”
256
.
Mas, ao que parece, nem todos eram fiéis seguidores dos mandos e desmandos
da moda. E é então que entra em cena o nosso cônego Roquette, sempre atento às
normas de etiqueta. O personagem, que escreve o código de boas maneiras aos dois
filhos, ao dirigir-se à filha Eugênia, referindo-se à moda, aconselha a não se prender a
esta: “o nome de moda diz mudança, inconstância” e “se, pois, a moda muda a cada
instante, por que razão serás tu escrava de sua inconstância?”
257
[grifos do autor].
253
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 07/jun./1862. Caixa Corresponncia e Diversos.
254
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 07/jun./1862. Caixa Corresponncia e Diversos.
255
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, de seu esposo Manoel Teixeira de Souza. RJ, 09/ago./1860. Caixa Corresponncia e Diversos.
256
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta emitida por Maria Leonor de Magalhães
Teixeira, ao seu irmão Francisco. OP, 25/mai./1882. Caixa Correspondência e Diversos.
257
ROQUETTE, JoInácio. Código do bom-tom, ou, Regras da Civilidade e de bem viver no século
XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1997, p. 386.
130
Pudemos perceber, através da leitura e análise de alguns trechos das
correspondências de Maria Leonor, o quão ricas estas fontes podem se apresentar,
principalmente para conhecermos um pouco mais o cotidiano das famílias mais
abastadas do Império. Decerto se fôssemos citar todos os pormenores sem perder na
importância e riqueza para os estudos históricos contidos nas missivas, nos faltaria
espaço num capítulo. Acreditamos ter conseguido ao menos esboçar as vivências
cotidianas da rede de pessoas que cercava a família da viscondessa de Camargos, dando
a conhecer detalhes para uma maior compreensão da complexidade de relações que
envolviam a boa sociedade imperial.
131
Considerações finais
E dessa sorte vai se desfolhando de dia em dia a árvore frondosa de
nossa família ainda há pouco tão numerosa e contente!
258
A série de falecimentos no núcleo Teixeira de Souza Magalhães, que iniciara-se
em fins da década de 1870 com a morte de Manoel, e que, como demonstram as
palavras de Fernando, continuaram na década seguinte, abalaria para a sempre a
estrutura sólida desta numerosa família.
No presente trabalho tivemos a oportunidade de conhecer, através dos registros
íntimos de Maria Leonor de Magalhães Teixeira, como a noção de família era concebida
e vivenciada por parte da elite oitocentista mineira. O estudo das correspondências
privadas de Maria Leonor, que se tornaria baronesa e viscondessa de Camargos, nos
permitiu entender alguns dos significados da família e como esta vivência familiar era
experimentada pelas classes senhoriais.
Vimos que a manutenção da riqueza, do poder e do status social era encarada
o através de interesses individuais, mas acima de tudo, como um interesse coletivo,
que permitiria que aquele grupo familiar continuasse a existir e a gozar de um estatuto
privilegiado na sociedade imperial.
Os casamentos arranjados, a aquisição de títulos e brasões de nobreza, a
participação em tudo o que estivesse ligado à modernidade, como as exposições
internacionais, a criação de redes de solidariedade e de apadrinhamentos, as constantes
trocas epistolares entre familiares, apresentaram-se como principais perpetuadores da
instituição mais lida e de maior prestígio nos anos do Império: a família. Tais
estratégias eram práticas cotidianas, tecidas e reforçadas com o passar dos dias no
interior desta família.
A instituição familiar foi a maior referência para grande parte das elites
oitocentistas. Era na ou para a família que quase todas as ações individuais convergiam,
sendo que os interesses individuais, eram quase sempre sobrepostos pelos interesses
familiares. Tal constatação nos permite pensar, então, que era o sentimento de
258
AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos. Carta recebida por Maria Leonor de
Magalhães Teixeira, de seu filho Fernando. Mercês de Pomba, 19/jul./1883. Caixa Corresponncia e
Diversos.
132
pertencimento que a família emanava o que permitiu que o núcleo familiar dos Teixeira
de Souza Magalhães existisse e resistisse, enquanto pertencente a uma classe abastada,
por um período de mais de meio século, numa sociedade em constante transformação.
133
Fontes
Auto de Justificação, Códice 442. Auto 9261, Ofício. AMI, Ouro Preto. Arquivo
Fundo Barão de Camargos.
Correspondências emitidas e recebidas por Maria Leonor de Magalhães Teixeira,
Viscondessa de Camargos. AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de Camargos.
Caixa Correspondência e Diversos.
Inventário post-mortem de Manoel Teixeira de Souza, Barão de Camargos. Caixa 28,
Auto 312, Ofício. Ano de 1878. AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão de
Camargos.
Inventário post-mortem de Maria Leonor de Magalhães Teixeira, Viscondessa de
Camargos. Maço 107, Ofício. Ano de 1902. AMI, Ouro Preto. Arquivo Fundo Barão
de Camargos.
Bibliografia
ANDRADE, Mário de. Cartas a Anita Malfatti. Organização Marta Rossetti Batista.
Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil. São Paulo: Melhoramentos,
1976.
ARTIÈRES, Philppe. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v.11,
n.21, p. 9-34, 1998.
BONSEMBIANTE, Marcella Marques. Barão de Camargos: A razão clientelista em
Minas Gerais (1840-1853). Franca: Unesp, 2006. (Dissertação de Mestrado)
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais e
AMADO, Janaina (orgs.). Usos e abusos da história oral. RJ: Ed. Da Fundação Getúlio
Vargas, 1998.
___________. A leitura, uma prática cultural. In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas
da leitura. SP: Estação da Liberdade, 2001.
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João Del
Rei – Séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007.
CALLIGARIS, Contardo. Verdades de autobiografias e drios íntimos. Estudos
Históricos. RJ, v.11, n.21, 1998.
134
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. A elite política imperial. RJ:
Campus, 1980.
___________. Rui Barbosa e a razão clientelista. Dados, vol.43, n.1, Rio de Janeiro,
2000.
CASTRO, Celso. O diário de Bernardina. In: GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita
de si, escrita da História. RJ: FGV, 2004.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano, 1: artes de fazer. 14ª Ed. Petrópolis:
Vozes, 2008.
CHARLE, Christophe. Como anda a história das elites e da burguesia? Tentativa de
balanço crítico da historiografia contemporânea. In: HEINZ, Flávio M. (org). Por outra
história das elites. RJ: FGV, 2006.
CHARTIER, Roger. A História Cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel,
1988.
________________. A história hoje: vidas, desafios, propostas. Revista Estudos
Históricos, n. 13, 1994.
CORRÊA, Mariza. Repensando a família patriarcal brasileira. Cadernos de Pesquisa.
São Paulo, (37): 5-16, Mai. 1981.
COSTA, Iraci Del Nero da. A estrutura familial e domiciliária em Vila Rica no
alvorecer do século XIX. RIEB, (19): 17-34, 1977.
DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e Poder em São Paulo no século XIX.
São Paulo: Brasiliense, 1984.
_______________. Hermenêutica do Quotidiano na Historiografia Contemporânea.
Revista Projeto História, v. 17, 1998.
D’INCAO, Maria Ângela. Mulheres e família burguesa. In: PRIORE, Mary Del (org.).
História das mulheres no Brasil. 2 ed. SP: Contexto, 1997.
DUBY, Georges e PERROT, Michelle (orgs.). Escrever a história das mulheres. In:
História das Mulheres no Ocidente. O século XIX. V.4. SP: Ebradil; Porto:
Afrontamento, 1990.
DUBY, Georges. Prefácio. In. VEYNE, P. (org.). História da vida privada: do Império
Romano ao ano mil. São Paulo: Cia das Letras, 1992.
ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano
colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
135
______________________. História da família e demografia histórica. In.: CARDOSO,
Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Donios da História: ensaios de Teoria
e Metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.
FERREIRA, Marieta de Morais. Correspondência familiar e rede de sociabilidade. In:
GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de si, escrita da História. RJ: FGV, 2004.
FIGUEIREDO, Betânia. A arte de curar: cirurgiões, médicos, boticários e curandeiros
no século XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2002.
FLORENTINO, Manolo (org.). Tráfico, cativeiro e liberdade (Rio de Janeiro, séculos
XVII-XIX). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
FOUCAULT, Michel. A escrita de si. In: O que é um autor? Lisboa: Vega, Passagens,
1992.
FRAISSE, Geneviève e PERROT, Michelle. Introdução: ordens e liberdades. In:
História das Mulheres no Ocidente. O século XIX. V.4. SP: Ebradil; Porto:
Afrontamento, 1990.
________________. A mulher civil, pública e privada. Introdução. In: DUBY, Georges
e PERROT, Michelle (orgs.). História das Mulheres no Ocidente. O século XIX. V.4.
SP: Ebradil; Porto: Afrontamento, 1990.
FRAISSE, G. Da destinação ao destino. História filosófica da diferença entre os sexos.
In: DUBY, Georges e PERROT, Michelle (orgs.). História das Mulheres no Ocidente.
O século XIX. V.4. SP: Ebradil; Porto: Afrontamento, 1990.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o
regime da economia patriarcal. 49ªed. São Paulo: Global Editora, 2004.
_______________. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e
desenvolvimento do urbano. o Paulo: Global Editora, 2004.
GALVÃO, Walnice N; GOTLIB, Nádia. Prezado senhor, prezada senhora. Estudos
sobre cartas. SP: Cia das Letras, 2000.
GAMA, Padre Lopes Gama. O Carapuceiro: crônicas de costumes. São Paulo: Cia das
Letras, 1996.
GAY, Peter. A experiência burguesa: da Rainha Vitória a Freud. A educação dos
sentidos. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
GINZBURG, Carlo. Raízes de um paradigma indiciário. In: Mitos, emblemas, sinais:
morfologia e história. SP: Cia das Letras, 1989.
136
GODINEAU, Dominique. Filhas da liberdade e cidadãs revolucionárias. In: DUBY,
Georges e PERROT, Michelle (orgs.). História das Mulheres no Ocidente. O século
XIX. V.4. SP: Ebradil; Porto: Afrontamento, 1990.
GOFFMANN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes,
1975.
GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo.
In:_____. Escrita de si, escrita da História. RJ: FGV, 2004.
______________. O ministro e sua correspondência: projeto potico e sociabilidade
intelectual. In: GOMES, A. de C. (org.). Capanema: o ministro e seu ministério. RJ:
FGV, 2000.
______________. Nas malhas do feitiço: o historiador e os encantos dos arquivos
privados. Estudos históricos, Rio de Janeiro, vol.11, n.21, 1998.
GONÇALVES, Andréa Lisly. História e Gênero. BH: Autêntica, 2006.
GRAHAM, Richard. Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro:
Editora UFRJ, 1997.
GRAHAM, Sandra Lauderdale. Caetana diz não. História de mulheres da sociedade
escravista brasileira. São Paulo: Cia das Letras, 2005.
GUARINELLO, Norberto Luiz. História científica, história contemporânea e história
cotidiana. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.24, n.48, p. 13-38, 2004.
HABERMAS, Jürgen. A família burguesa e a institucionalização de uma privacidade
ligada ao público. In.: Mudança estrutural na esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1984.
HEINZ, Flávio M. Considerações acerca de uma história das elites. Logos, Canoas,
v.11, n.1, p.41-52, maio 1998.
HELLER, Agnes. Estrutura da vida cotidiana. In.: O cotidiano e a história. Ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
HESPANHA, Antonio Manuel. Imbecillitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas
sociedades de Antigo Regime. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 2008
HEYMANN, Luciana Quillet. As obrigações do Poder: relações pessoais e vida
pública na correspondência de Filinto Müller. Rio de Janeiro:UFRJ, 1997. (Dissertação
de Mestrado)
HORTA, Cid Rebello. Famílias governamentais de Minas Gerais. In: Seminário de
Estudos Mineiros. Belo Horizonte: UFMG, 1956.
137
HUNT, Lynn. Revolução francesa e vida privada. In.: História da Vida privada. Da
Revolução Francesa à primeira Guerra. São Paulo: Cia das Letras, 1991.
IGLÉSIAS, Francisco. Minas Gerais. In: HOLANDA, Sérgio Buarque e CAMPOS,
Pedro Moacyr (dir.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil Morquico.
Dispersão e Unidade. 4ªed. Rio de Janeiro/São Paulo: Difel, 1978.
JULLIARD, Jacques. A potica. In: LE GOFF, Jacques e NORA, Pierre (dir.).
História: novas abordagens. RJ: Francisco Alves, 1988.
KANTOR, Íris. Os Ramires de outras eras em outros espaços: breves comentários
sobre as formas de apropriação do ethos nobiliárquico na América portuguesa... .
Almanack Braziliense, n.02, nov. 2005.
KUZNESOFF, Elisabeth Anne. A família na sociedade brasileira: parentesco,
clientelismo e estrutura social (São Paulo, 1700-1980). Revista Brasileira de História,
n. 17. o Paulo: Marco Zero/ANPUH, 1988/1989.
LANGSDORFF, E. de. Diário da Baronesa de Langsdorff relatando sua viagem ao
Brasil por ocasião do casamento de S. A. R. o Príncipe de Joinville: 1842-1843.
Florianópolis: Ed. Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000.
LE GOFF, Jacques. A História do Quotidiano. In.: História e Nova História. 3 ed.
Lisboa: Teorema, s/d.
LEITE, Miriam Moreira. A condição feminina no Rio de Janeiro, século XIX. SP:
Hucitec; Brasília: INL, 1984.
LEITE, Ilka Boaventura. Antropologia da viagem: escravos e libertos em Minas Gerais
no século XIX. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1996.
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In: FERREIRA, Marieta de Morais e AMADO,
Janaina (orgs.). Usos e abusos da história oral. RJ: Ed. Da Fundação Getúlio Vargas,
1998.
LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In: RÈMOND, René (org.). Por
uma história política. RJ: FGV, 2003.
LEWKOWICZ, Ida. Vida em família: caminhos da igualdade em Minas Gerais (séculos
XVIII e XIX). São Paulo: USP, 1992. (Tese de Doutorado)
LIMA, Kleverson Teodoro de. Práticas missivistas íntimas no início do século XX. BH:
FAFICH, 2007. (Dissertação de Mestrado)
LIMA JUNIOR, Augusto de. Vila Rica de Ouro Preto: síntese histórica e descritiva.
Belo Horizonte: Augusto de Lima Jr., 1957.
138
LYONS, Martym. Práticas de leitura, práticas de escritura: cartas de amor e escritas
íntimas França e Austrália, século XIX. Juiz de Fora, Locus: Revista de História, v.4,
n.2, 1998, p.55-67.
MALERBA, Jurandir. Algumas histórias da vida privada de determinadas classes
sociais em certas regiões do Brasil. Revista Tempo. Rio de Janeiro, vol.3, n.6, 1998, pp.
215-228.
________________. O Brasil Imperial (1808-1889): Panorama da história do Brasil
no século XIX. Maringá: Ed. UEM, 1999.
MARQUES, Rita de Cássia. Cartas de homens para o “Médico de Senhoras”. CRONOS:
Revista de História. Pedro Leopoldo, n. 6, 2002, pp. 164 – 173.
MARTINS, J. de S. Apontamentos sobre vida cotidiana e História. Anais do Museu
Paulista, n.4, 1996.
MATOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. A formação do Estado Imperial. 4 ed.
RJ: Access, 1999.
MATOS, Maria Izilda S. de. Do blico para o privado: redefinindo espaços e
atividades femininas. Cadernos Pagú. São Paulo: Unicamp, p. 97-115, 1995.
_________________. Na trama urbana: do público, do privado e do íntimo. Projeto
História. São Paulo: Educ, n.13, p.129-149, 1996.
_________________. Cotidiano e cultura. História, Cidade e Trabalho. Bauru, SP:
Edusc, 2002.
MAUAD, Ana Maria. In: NOVAIS, Fernando A. (coord.); ALENCASTRO, Luiz Felipe
de (org.) História da Vida privada no Brasil. Imrio: a corte e a modernidade nacional.
SP: Cia das Letras, 1997.
MAUAD, Ana Maria e MUAZE, Mariana. A escrita da intimidade: história e memória
no diário da viscondessa do Arcozelo. In: GOMES, Ângela de Castro (org.). Escrita de
si, escrita da História. RJ: FGV, 2004.
MUAZE, Mariana de Aguiar Ferreira. Os guardados da viscondessa: fotografia e
memória na coleção Ribeiro de Avellar. Anais do Museu Paulista, vol.14, n. 2. São
Paulo, 2006.
______________. As Memórias da Viscondessa: família e poder no Brasil Império. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.
MELLO, Evaldo Cabral de. O nome e o sangue: uma parábola familiar no Pernambuco
Colonial. Rio de Janeiro: Topbooks, 2000.
139
______________________. O Fim das Casas-Grandes. In: NOVAIS, Fernando A.
(coord.); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.) História da Vida privada no Brasil.
Império: a corte e a modernidade nacional. SP: Cia das Letras, 1997.
MIGNOT, Ana Cristina; BASTOS, Maria Helena; CUNHA, Maria Teresa. Refúgios do
eu: educação, história, escrita autobiográfica. Florianópolis: Mulheres, 2000.
MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O Ethos” Nobiliárquico no final do Antigo Regime:
poder simbólico, império e imaginário social. In: Almanack braziliense, n.02, nov.
2005.
MORLEY, Helena. Minha vida de menina. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
MUZART, Zahidé Lupinacci. Cartas muito íntimas Escrúpulos de herdeira. Revista
Brasil de Literatura. Disponível no site: www.rbleditora.com.br
NAZZARI, Muriel. Dotes paulistas: composição e transformações (1600-1870). Revista
Brasileira de História, n. 17. São Paulo: Marco Zero/ANPUH, 1988/1989.
NOVAIS, Fernando A. (coord.); ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org.) História da
vida privada no Brasil. Império: a corte e a modernidade nacional. SP: Cia das Letras,
1997.
NOVAIS, Fernando A. Condições da privacidade na colônia. In: SOUZA, Laura de
Mello e (org.). História da vida privada no Brasil. Cotidiano e vida privada na América
portuguesa. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
PEDRO II. Diário da Viagem do Imperador a Minas. In: Anuário do Museu Imperial,
vol. XVIII. Petrópolis, 1957.
PERROT, Michelle. Mulheres. In: Os excluídos da história: operários, mulheres,
prisioneiros. RJ: Paz e Terra, 1992.
___________ (org.). Introdução. In.: História da Vida privada. Da Revolução Francesa
à primeira Guerra. São Paulo: Cia das Letras, 1991.
___________. Identidade, igualdade, diferença: o olhar da história. In: As mulheres e os
silêncios da História. Bauru: Edusc, 2005.
PETERSEN, Silvia Regina Ferraz. Dilemas e desafios da historiografia brasileira: a
temática da vida cotidiana. História e Perspectivas. Uberlândia, v.6, p.25-44, jan./jun.
1992.
PRIORE, Mary Del. História do cotidiano e da vida privada. In: CARDOSO, Ciro F. e
VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História. Ensaios de teoria e Metodologia.
RJ: Campus, 1997.
140
___________. Ritos da vida privada. In: História da vida privada no Brasil I: o
cotidiano e vida privada na América portuguesa. SP: Cia das Letras, 1997.
___________. Condessa de Barral: a paixão do Imperador. Rio de Janeiro: Objetiva,
2008.
QUINTANEIRO, Tânia. Retratos de mulher. O cotidiano feminino no Brasil sob o
olhar de viageiros do século XIX. Petrópolis: Vozes, 1995.
REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas Recordações. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1987.
RODARTE, Mário Marcos Sampaio. O caso das minas que não se esgotaram: a
pertinácia do antigo núcleo central minerador na expansão da malha urbana da Minas
Gerais oitocentista. BH: CEDEPLAR, 1999. (Dissertação de Mestrado)
ROQUETE, José Inácio. Código do bom-tom, ou, Regras da Civilidade e de bem viver
no século XIX. São Paulo: Cia das Letras, 1997.
RUAS, Eponina. Ouro Preto: sua História, seus templos e monumentos. Ouro Preto:
Ed. FFF, 1950.
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas
Gerais. BH: Editora Itatiaia, 1975.
SALLES, Fritz Teixeira de. Vila Rica do Pilar. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo:
Ed. da USP, 1982.
SAMARA, Eni de Mesquita. Casamentos e papéis familiares em São Paulo no século
XIX. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, (37): 17-25, Mai. 1981.
___________________. A família brasileira. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
___________________. A História da família no Brasil. Revista Brasileira de História,
n. 17. o Paulo: Marco Zero/ANPUH, 1988/1989.
SANTOS, Ana Maria Pessoa dos. Cartas do sobrado. RJ: UFRJ/ECO, 2000. (Tese de
Doutorado)
SCHWARCZ, Lilia Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos
trópicos. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
SENNET, Richard. O declínio do homem público. SP: Cia das Letras, 1988.
_______________. Carne e pedra. Rio de Janeiro: Record, 2006.
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. História da família no Brasil colonial. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1998.
141
TELLES, Norma. Escritoras, escritas, escrituras. In: PRIORE, Mary Del (org.). História
das mulheres no Brasil. 2 ed. SP: Contexto, 1997.
TRINDADE, Cônego Raymundo. Velhos Troncos Ouropretanos. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1951.
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil.
Rio de Janeiro: Campus, 1989.
_________________. História da vida privada: dilemas, paradigmas, escalas. Anais do
Museu Paulista, n. 4, 1996.
VASCONCELLOS, Sylvio de. Vila Rica: formação e desenvolvimentos Residências.
Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1956.
VASCONCELOS, Eliane. Carta missiva. Revista Brasil de Literatura. Disponível no
site: www.rbleditora.com.br
VENÂNCIO, Giselle Martins. Presentes de papel: cultura escrita, e sociabilidade na
correspondência de Oliveira Viana. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n.28,
2001.
VIANNA, Oliveira. Populações Meridionaes do Brasil. São Paulo: Editora Nacional,
1938.
VINCENT-BUFFAULT, Anne. Da amizade: uma história do exercício da amizade nos
séculos XVIII e XIX. Tradução de Maria Luiza Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 1996.
ZUQUETE, Afonso Eduardo Martins (org.) Nobreza de Portugal e do Brasil. Lisboa:
Enciclopédia, vol.3, 1960.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo