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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
DEPARTAMENTO DE LETRAS
PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
DESCRIÇÃO SEGMENTAL DO PORTUGUÊS FALADO PELOS
ÍNDIOS XUKURU, EM PESQUEIRA PE
EDIGAR DOS SANTOS CARVALHO
RECIFE/ 2010
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2
EDIGAR DOS SANTOS CARVALHO
DESCRIÇÃO SEGMENTAL DO PORTUGUÊS FALADO PELOS
ÍNDIOS XUKURU, EM PESQUEIRA PE
Dissertação de mestrado apresentada ao
programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal de Pernambuco,
como requisito parcial à obtenção do
Título de mestre em Linguística.
Orientadora: Profª Drª Stella Telles
RECIFE/2010
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3
Carvalho, Edigar dos Santos
Descrição segmental do português falado pelos
índios Xukuru, em Pesqueira-PE / Edigar dos Santos
Carvalho. - Recife : O Autor, 2010.
110 folhas: il.; tab.
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal
de Pernambuco. CAC. Linguística, 2010.
Inclui bibliografia.
1. Linguística. 2. Fonética. 3. Linguagem e
línguas - Variação. 4. Xukuru. I.tulo.
801
CDU (2.ed.)
UFPE
410
CDD (22.ed.)
CAC2010-103
4
5
À Odaléia Daniel de Souza (em
memória) e a Gaudencio Vilela, pela
valorosa contribuição em minha
formação cultural e intelectual.
6
AGRADECIMENTOS
- Aos guias espirituais que norteiam minha vida;
- Aos meus pais, pelo incentivo e apoio dedicados;
- A minha irmã Dorinha por estar presente em todos os momentos da minha vida;
- Ao povo Xukuru, em especial, ao Cacique Marcos pelo apoio necessário à consecução deste
trabalho;
- Ao vereador Agnaldo Xukuru pelo incentivo e apoio para a realização desta pesquisa;
- A todos os informantes que gentilmente me acolheram em suas residências e sempre se
mostraram solícitos com a minha pessoa.
- À professora Drª Stella Telles pelos valorosos ensinamentos, carinho e paciência ofertados a
minha pessoa durante o árduo percurso trilhado para a finalização deste trabalho;
- À professora Clara Stella pelo incentivo e apoio para continuar este trabalho nos momentos
de angústia e desespero;
- Aos professores do PG-Letras da UFPE, em especial, aos professores Nelly Carvalho,
Marlos Pessoa e Kazue Saito pelas valorosas contribuições em minha formação.
- À coordenação do E-Letras da UFPE, em especial às professoras Drª Evandra Grigoletto e
Drª Dilma Luciano pela amizade e oportunidade de trabalho no E-Letras.
- À gestora da Escola Roberto Silveira, localizada no baixo do Joro, em Recife PE, Lúcia
Gorgônio, por ter me acolhido gentilmente durante o tempo que residi na capital;
- À professora Drª Siane Góis pelas contribuições em meu aperfeiçoamento profissional;
- À Profª Drª Gilda Lins que infelizmente não mais se encontra em nosso plano espiritual;
7
- Aos funcionários da secretaria do PG-Letras, em especial a Jozaías e Diva, pela atenção e
prestação dos serviços, além da preocupação em sempre atender aos nossos pedidos com
presteza;
- Aos funcionários da biblioteca César Leal pela simpatia e gentileza no atendimento;
- Aos amigos Romualdo Correia, do PG-Letras da UEPB, e André Gomes por suportarem
minhas lamentações.
- Às amigas Ayana Darla, Érica, Patrícia, Lucineide, Cristiane, Aline e Carol pelos
maravilhosos momentos que vivemos juntos, em Recife, e pelo incentivo constante;
- Aos amigos que fiz no PG-Letras da UFPE, Claudio, Nelyvaldo, Misael, Daniel, Margareth,
Carlinhos, Julia, Carla, Thais, Emanuel, Márcio, Adriano, Leonardo, enfim, a todos que
estiveram presentes nessa jornada que durou mais de dois anos.
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Pronominais
-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
(Oswald de Andrade)
9
RESUMO
Esta pesquisa tem como foco descrever os aspectos segmentais do português falado pelos
indígenas Xukuru, residentes na cidade de Pesqueira PE. O estudo foi realizado a partir de
dados orais coletados por meio de entrevista in loco. O processo metodológico utilizado para
a coleta do corpus foi norteado pelos princípios variacionistas encontrados em Labov (1972).
No trabalho, descrevemos a fonologia segmental e os processos fonológicos observados na
variedade do português falado por essa etnia, que hoje é monolíngue em português. A
descrição segmental seguiu as orientações da fonologia clássica encontrada em (HYMAN,
1975; LASS, 1984; SPENCER, 1995) e pelos estudos fonológicos do português encontrados
em (CÂMARA Jr., 1953 e 1970; BISOL, 1996 e 2002).
Palavras-chave: Lingstica; Fonologia; Variação; Xukuru
10
ABSTRACT
This research focuses on describing aspects of segmental Xukuru Portuguese spoken by the
indigenous people living in the city of Pesqueira - PE. The study was conducted from data
collected through oral interviews in loco. The methodological process used to collect the
corpus was guided by variational principles found in Labov (1972). In our studies, we
describe the phonology and the phonological processes observed in the variety of Portuguese
spoken by this ethnic group, which today is monolingual in Portuguese. The description
follows the guidance of segmental phonology found in classical (HYMAN, 1975; LASS,
1984; SPENCER, 1995) and by studies of the Portuguese found in phonological (CÂMARA
Jr., 1953 and 1970; BISOL, 1996 and 2002).
Keywords: Linguistics, Phonology, Variation; Xukuru.
11
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................................................................................. 16
CAPÍTULO 1
1.1. O povo e a terra.............................................................................................................32
1.2. Os índios e a colonização.............................................................................................34
1.3. Os caboclos do Orubá...................................................................................................36
1.4. A população Xukuru.....................................................................................................38
CAPÍTULO 2
2.1. Aspectos fonológicos do português Xukuru......................................................................40
2.2. Segmentos consonantais e suas realizações.......................................................................40
2.2.1. Realização do fonema oclusivo bilabial desvozeado /p/.................................................41
2.2.2. Realização do fonema oclusivo bilabial vozeado /b/......................................................42
2.2.3. Realização do fonema oclusivo alveolar desvozeado /t/.................................................43
2.2.4. Realização do fonema oclusivo alveolar vozeada /d/.....................................................45
2.2.5. Realização do fonema velar desvozeada /k/...................................................................47
2.2.6. Realização do fonema velar vozeada /g/.........................................................................48
2.2.7. Realização do fonema fricativo labiodental desvozeado /f/...........................................49
2.2.8. Realização do fonema fricativo labiodental vozeado /v/................................................50
2.2.9. Realização do fonema fricativo alveolar desvozeado /s/................................................51
2.2.10. Realização do fonema fricativo alveolar vozeado /z/...................................................54
2.2.11. Realização do fonema fricativo palatal desvozeado //.................................................54
12
2.2.12. Realização do fonema fricativo palatal vozeado //......................................................55
2.2.13. Realização do fonema vibrante vozeado /r/..................................................................56
2.2.14. Realização do fonema tepe alveolar vozeado //...........................................................59
2.2.15. Realização do fonema bilabial vozeada /m/..................................................................61
2.2.16. Realização do fonema nasal alveolar vozeado /n/........................................................62
2.2.17. Realização do fonema nasal palatal vozeada //...........................................................63
2.2.18. Realização do fonema lateral vozeado /l/.....................................................................65
2.2.19. Realização do fonema lateral palatal vozeada //.........................................................68
2.2.20. Realização dos glides [j] e [w]......................................................................................70
2.3. Segmentos vocálicos e suas realizações.............................................................................73
2.3.1. Realização do fonema anterior alto não-arredondado /i/................................................74
2.3.2. Realização do fonema anterior médio-alto não-arredondado /e/....................................76
2.3.3. Realização do fonema anterior médio-baixo o-arredondado //.................................76
2.3.4. Realização do fonema central baixo não-arredondado /a/..............................................78
2.3.5. Realização do fonema posterior médio-baixo arredondado //.......................................80
2.3.6. Realização do fonema posterior médio-alto arredondado /o/.........................................82
2.3.7. Realização do fonema posterior alto arredondado /u/.....................................................83
CAPÍTULO 3
3.1. Processos fonogicos naturais..........................................................................................85
3.1.1. Acréscimo dos segmentos em posição de ataque, medial e coda silábica......................85
3.1.1.1. Prótese..........................................................................................................................85
3.1.1.2. Epêntese.......................................................................................................................86
13
3.1.1.3. Paragoge.......................................................................................................................88
3.1.2. Subtração de segmentos em posição de ataque, medial e coda silábica.........................89
3.1.2.1. Aférese.........................................................................................................................89
3.1.2.2. Síncope.........................................................................................................................90
3.1.2.3. Apócope.......................................................................................................................91
3.1.3 Transposição de segmentos em posição silábica.............................................................92
3.1.3.1. Metátese.......................................................................................................................92
3.1.3.1. Rotacismo.....................................................................................................................94
3.1.4. Processos assimilatórios..................................................................................................95
3.1.4.1. Assimilação por nasalidade..........................................................................................95
3.1.4.2. Palatização...................................................................................................................97
3.1.4.3. Vocalização..................................................................................................................98
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................101
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................103
ANEXO..................................................................................................................................108
14
INDÍCE DE FIGURAS
Figura 01 Neutralização vocálica.....................................................................................27
Figura nº 02 Foto do povo Xukuru........................................................................................37
Figura 03 Mapa das sub-regiões climáticas da área indígena Xukuru do Ororubá ..........38
Figura 04 Foto do povo Xukuru......................................................................................110
Figura 05 - Foto do povo Xukuru ......................................................................................110
INDÍCE DE TABELAS
Quadro 01 Inventário fonético dos segmentos consonantais do PB..................................18
Quadro 02 Inventário fonético das vogais orais................................................................21
Quadro 03 Inventário fonético vocálico e respectivos alofones do PB.............................22
Quadro 04 Inventário fonético das vogais nasais do PB...................................................23
Quadro 05 Distribuição dos informantes...........................................................................28
Quadro nº 06 Inventário fonético dos fonemas e alofonias consonantais do português
Xukuru......................................................................................................................................39
Quadro 07 Inventário fonético dos fonemas vocálicos orais e suas alofonias do português
Xukuru......................................................................................................................................69
15
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
C Consoante
C Consoante surda
C Consoante sonora
IPA The International Phonetic Alphabet
nda nos demais ambientes
NURC Projeto de Norma Culta Urbana
PB português brasileiro
PE Pernambuco
PP português Padrão
PNP português não-padrão
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
V vogal
16
LISTA DE SÍMBOLOS
/ / transcrição fonológica
[ ] transcrição fonética
acento mais proeminente
~ variação, como em  ~ 
fronteira de palavra
/ indica contexto de realização
__ marca a posição de ocorrência do segmento
. fronteira de sílaba
realização zero (ou não realizado)
17
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A presente pesquisa tem como foco descrever sincronicamente, em nível da fonologia,
o português falado pela comunidade indígena Xukuru, localizada no município de Pesqueira-
PE. Este estudo se justifica pela lacuna de trabalhos descritivos sobre variedades populares do
português do Brasil e, em particular, sobre as variedades existentes no Estado de Pernambuco.
A análise dos dados é norteada pela literatura existente sobre teorias fonológicas
encontradas em (HYMAN, 1975; LASS, 1984; SPENCER, 1995, entre outros) e pelos
estudos sobre a fonologia do português encontrados em (MARA Jr. 1953 e 1970; BISOL,
1996 e 2002).
para a coleta de dados, para se ter uma amostra representativa da comunidade alvo,
este trabalho utilizou a metodologia proposta pela Sociolinguística variacionista encontrada
em LABOV (1972), muito embora, o tenha se pautado em análise de base quantitativa. Por
esta razão, não se usou programas de análises estatísticas, do tipo VARBRUL
1
.
O estudo descreve aspectos da fonologia segmental, apresentando a atual variação do
português falado na comunidade indígena. Vários estudos descritivos semelhantes, em
diversas reges do país, já apresentaram as variações inerentes à língua portuguesa, no
entanto, essas pesquisas tendem a relacionar as variações dialetais do português às
perspectivas teóricas da sociolinguística, com foco em fenômenos isolados, não contemplando
a descrição da fonologia da língua.
1
“O Varbrul é um conjunto de programas computacionais de análise multivariada, especificamente estruturado
para acomodar dados de variação sociolinguística. A análise se chama multivariada‟ porque permite investigar
situações em que a variável linguística em estudo é influenciada por vários elementos do contexto linguístico, ou
seja, múltiplas variáveis independentes.” (GUY e ZILLES, 2007:105).
18
A descrão sincrônica de aspectos fonológicos dialetais do português é pertinente,
pois permite uma compreensão das mudanças que a língua sofre em decorrência do seu uso
nas comunidades. Nesse sentido, do ponto de vista fonológico, o estudo da fonologia
segmental do português utilizado pelos Xukuru é relevante para a documentação e
conhecimento das particularidades da variedade do PB falado pelo grupo étnico, além de
propiciar o armazenamento de dados para pesquisas futuras que objetivem o entendimento,
quer diacrônico quer sincrônico, do mosaico linguístico do português brasileiro.
A análise sincrônica das línguas apresenta relevância por representar um forte
instrumento de preservação da cultura de um povo, além de permitir uma verificação das
propriedades estruturais inerentes às nguas estudadas. Segundo mara Jr.(1971), para
objeto de análise, qualquer modalidade linguística, seja a mais elaborada ou não, serve de
corpus para estudos descritivos.
As pesquisas em língua portuguesa no país que objetivam descrever amplamente seus
dialetos, principalmente os das regiões interioranas, ainda o poucas. Por outro lado, vários
trabalhos relevantes vêm sendo realizados sobre o português do Brasil, considerando aspectos
fonológicos e gramaticais da língua. Esses trabalhos foram desenvolvidos marcadamente após
a larga contribuição resultante dos estudos de mara Jr. Dentre eles, pode-se destacar: A
estrutura da ngua portuguesa (Câmara Jr., 1970); Português culto falado no Brasil
(Castilho,1989); Gramática do português falado I: A ordem (Castilho, 1991); Gramática do
português falado II: neis de análise linguística (Ilari, 1993); Gramática do português falado
III: As abordagens (Castilho, 1993); Gramática do português falado IV: Estudos descritivos
(Castilho & Basílio, 1996); Gramática do português falado V: Converncias (Kato, 1996);
Gramática do português falado VI: Desenvolvimentos (Koch, 1996); Gramática do português
19
falado VII: Novos estudos (Neves, 1999); Gramática do português falado VIII: Novos estudos
descritivos (Abaurre & Rodrigues, 2002) .
Mesmo considerando a extensa produção sobre o estado atual do português do Brasil,
no caso particular do estado de Pernambuco, os estudos descritivos o escassos e pouca
atenção foi dada ao registro de suas variedades dialetais. Esta observação é evidente aos
verificarmos abaixo, o conjunto dos Atlas Linguístico do Brasil,
2
cujos trabalhos iniciados na
década de 60, do século passado, no qual não se inclui o referido Estado.
Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB) 1963
Esboço de um Atlas Linguístico de Minas Gerais (EALMG) 1977
Atlas Linguístico da Paraíba (ALPB) 1984
Atlas Linguístico de Sergipe (ALS I) 1987
Atlas Linguístico do Paraná (ALPR) 1990
Atlas Lingüístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil (ALERS) 2002
Atlas Linguístico Sonoro do Pará (ALISPA) 2004
Atlas Linguístico de Sergipe II (ALS II) 2005
Atlas Linguístico de Mato Grosso do SUL (ALMS) 2007
(fonte: http://www.alib.ufba.br/atlasconcluidos.asp/20/08/2009.20:50h)
No que concerne a estudos da fonologia do português falado no estado de
Pernambuco, trabalhos recentes, como o de CARVALHO (2007), (2007) e AMORIM
(2009), vêm contribuir para o conhecimento de aspectos pontuais do português atual falado no
estado. Como tal, vale salientar que essas pesquisas se debruçaram sobre fenômenos
específicos e os examinaram à luz de Teorias variacionistas, e, por não ser seu objetivo, não
trataram da descrição global das variedades estudadas.
O presente estudo, objetivando apresentar sincronicamente aspectos fonológicos do
português falado na região do Agreste pernambucano, propõe contribuir para a caracterização
mais geral de uma variedade regional da língua.
2
http://www.alib.ufba.br/atlasconcluidos.asp
20
A pesquisa não pretende ter caráter definitivo, pelo contrário, ela tenciona suscitar
novas pesquisas lingüísticas, além de favorecer dados para futuros estudos diacrônicos.
Entendemos que o estudo das variedades do português, em especial o das variedades
faladas pelas etnias indígenas do Nordeste, é particularmente importante, considerando os
aspectos abaixo mencionados:
- povos indígenas da região sofreram o deslocamento lingüístico sem que suas nguas
ancestrais tenham sido registradas;
- o hoje (a maioria) monolíngues em português (como é o caso dos Xukuru);
- não se tem conhecimento efetivo se há ficaram traços interferência das línguas indígenas em
suas variedades atuais do português.
Neste sentido, entender o universo lingüístico de uma comunidade, que se organiza de
forma diferenciada, é fundamental para compreendermos de forma mais ampla os aspectos de
variação que estão presentes na língua portuguesa.
Para descrever aspectos da fonologia do português falado pelos remanescentes
indígenas Xukuru, em seu atual estado, a pesquisa de campo foi efetuada com 24 informantes,
nas três regiões que compreendem a terra indígena Xukuru: Agreste (Aldeias Guarda e
Cimbres), Serra (Aldeia Brejinho) e Ribeira (Aldeias Jatobá, -de-Serra e Passagem, Curral
Velho, Caldeio). A coleta de dados em regiões diferenciadas possibilitou uma análise mais
detalhada da variação lingüística do português falado pelo povo Xukuru, pautada na amostra
mais significativa de língua da comunidade.
A escolha dos informantes para a formação das cédulas seguiu critérios norteadores
da pesquisa sociolingstica de Labov (1972) e se valeu das orientações apresentadas por
Tarallo (1988). Dessa forma, para a consecução do trabalho, foram convidados a participar da
pesquisa os indígenas que atendessem os cririos de estratificação variacionista, como forma
21
de alcaarmos uma maior gama das realizações variáveis existentes na comunidade.
Entretanto, esclarecemos que a descrição por nós realizada o controlou os fatores sociais,
como regularmente o fazem os estudos variacionistas.
Os critérios utilizador foram:
1. Naturalidade:
1.a. reconhecido como índio pela comunidade;
2.b. nascido na aldeia;
3.c. residente na aldeia desde os 5 anos de idade;
4.d. ser filho de índio ou remanescente indígena da etnia Xukuru.
2. Gênero:
2.a. masculino;
2.b. feminino.
3. Idade:
3.a. 18 a 30 anos;
3.b. 31 a 49 anos;
3.c. 50 anos ou mais;
4. Escolaridade:
4.1 . escolarizado (ensino fundamental I completo)
3
4.2. não-escolarizado (nunca freqüentou a educação formal).
3
Este critério não se aplica aos informantes acima de 50 anos, visto que não foi encontrado nenhum que
apresentasse mais do que dois anos de escolarização. Vale ressaltar, ainda, que o critério de ensino fundamental I
completo (quatro anos de escolarização formal) justifica-se, neste estudo, pelo grande índice de pessoas entre
(31-49) anos com nenhuma ou pouca escolarização, que por questões particulares, muitos abandonaram a
escola para o trabalho no campo.
22
A distribuição estratificada dos falantes, no quadro 01, evidencia as características
sociolingüísticas consideradas neste estudo.
Quadro nº01 Distribuição dos informantes
24 Informantes
Masculino
Feminino
(18-30)
anos
(31-49)
Anos
(50 ou +)
Anos
(18-30)
anos
(31-49)
anos
(50 ou +)
anos
A
2
B
2
A
2
B
2
A
2
B
2
A
2
B
2
A
2
B
2
A
2
B
2
Os dados foram coletados por meio de gravações, em Gravador de Voz digital
Panasonic RR-US430, realizadas em modelos de entrevistas, por meio de narrações orais,
sobre fatos que envolvem a vida dos indígenas. As gravações têm em média até 30 minutos, e
totalizam aproximadamente 5 horas e 30 minutos. Segundo Mylroy & Gordon (2003),
dependendo dos propósitos de análise de variação, 20 a 30 minutos são suficientes.
O acesso a algumas aldeias não foi simples, a necessidade de motocicleta foi
constante, pois, muitas aldeias apresentam acessibilidade complicada, que as estradas o
têm pavimentação, e, algumas vezes, a disncia entre as residências, em certas aldeias,
tornava o percurso exaustivo. Estes fatores de acessibilidade a aldeias e casas contribuíram
para a retirada de algumas localidades do roteiro inicial de visitas.
As entrevistas sempre ocorreram nos contatos iniciais com os informantes, no entanto,
para escolha do falante ideal e aplicação do questionário, dentro das perspectivas desejadas,
algumas vezes, éramos acompanhados por um líder da aldeia, cuja função era a de apresentar
23
os informantes ao pesquisador, pois, como o fazíamos parte da comunidade, evitaríamos
gerar constrangimento e inibições aos falantes das aldeias.
Em outras situações, não foi necessário o acompanhamento dos líderes, visto que
alguns indígenas se propuseram a acompanhar o pesquisador nas visitas às residências dos
vizinhos.
Vale salientar que, algumas entrevistas foram realizadas na cidade de Pesqueira,
quando alguns indígenas estavam na escola Estadual Cristo Rei, local onde fazem o curso
Normal Médio, para atuarem na educação indígena das aldeias que residem. Estes estudantes
são trazidos diariamente para o colégio por transportes pagos pelo governo.
Para facilitar a catalogação dos dados, aplicamos antes de cada entrevista uma ficha
social de catalogação do informante
4
. O roteiro da entrevista
5
teve como foco a vida na aldeia
e as atividades realizadas para a subsistência do informante ou de sua família, além das
atividades culturais e festas religiosas realizadas nas aldeias, e a importância de tais
manifestações para sua vida, enquanto membro da comunidade.
Tendo como objetivo descrever a língua em seu estado mais espontâneo, o roteiro de
entrevista procurou deixar o informante à vontade para falar, além, de respeitar o direito de o
falante interromper sua exposição a qualquer momento. As interveões por parte do
pesquisador, durante a entrevista, tiveram com pressupostos tencionar e estimular o falante
em suas narrativas.
Os dados coletados a partir da fala dos informantes foram transcritos segundo os
parâmetros da Tabela Fonética Internacional
6
. A fonte utilizada para o registro da transcrição
4
Ver modelo da ficha de catalogação do informante em anexo 01, p. 108.
5
Ver modelo para roteiro para entrevista em anexo 02, p. 109.
6
A Tabela do Alfabeto Fonético Internacional pode ser encontrada no site:
http://www.arts.gla.ac.uk/ipa/ipachart.html
24
fonética foi a SIL IPA93
7
. Este procedimento auxiliou a identificação da variedade e forneceu
os dados para a análise fonológica da variedade dialetal do povo Xukuru.
A dissertação é composta por três capítulos:
- Capítulo I: descrevemos o sujeito da pesquisa com ênfase em aspectos geográficos e
históricos mais relevantes para a compreensão do contexto social da comunidade.
- Capítulo II: apresentamos a fonologia segmental do português falado pelo povo Xukuru,
com ênfase na descrição dos segmentos consonantais e vocálicos, e seus respectivos alofones.
- Capítulo III: descrevemos os processos fonológicos, conhecidos por metaplasmos, mais
representativos, detectados na descrição e na análise dos dados.
Considerações Teóricas
Os estudos da fonologia segmental da ngua portuguesa brasileira tiveram o seu
apogeu, na segunda metade do Século XX, principalmente, a partir dos postulados teóricos de
Câmara Jr.(1953 e 1970). Partindo dos estudos voltados para as perspectivas distribucionais
dos segmentos, tendo como base: (1) a concepção posicional distributiva dos fones e (2) os
critérios distintivos por oposição, mara Jr.(1953), identifica 19 fonemas consonânticos na
língua portuguesa. , , , , , g, , , , , , , , , , , , , .
Estes segmentos juntamente com seus respectivos alofones estão resumidos a seguir,
no quadro nº 02, a partir dos processos articulatórios envolvidos em suas realizações.
7
A fonte fonética pode ser encontrada no site: http://www.sil.org/computing/catalog/show_software.asp?id=12
25
Quadro nº 02 Inventário fonético dos segmentos consonantais do PB
8
Articulação
Maneira Lugar
Bilabial
Labiodental
Alveolar
Alveopalatal
Palatal
Velar
Glotal
Oclusiva desv
voz
p
b
T
D
k
g
Africada desv
voz


Fricativa desv
voz
f
v
S
Z
Nasal voz
m
N

Tepe voz
Vibrante voz

Retroflexa voz
Lateral voz


O segmento consonantal, de acordo com mara Jr.(1953), é um elemento que se une
à vogal para a formação da sílaba. Notadamente, em decorrência do contexto de realização do
segmento na sílaba, resultante da diversidade do processo articulatório, em sua distribuição, a
consoante pode ser intervocálica, separando duas sílabas, ou não-intervocálica, quer em
início de vocábulo, quer medial, depois de outra consoante da sílaba precedente.
9
(MARA JR., 1970, p. 48).
Nesse sentido, de acordo com o autor, a disposição dos segmentos, dentro das
palavras, possibilita a variabilidade do sistema, seja pela (a) posição do segmento, cujo
processo assimilatório de traços dos segmentos vizinhos contribui para as mudanças fonéticas,
seja por (b) meio da distribuição complementar.
8
O quadro nº 02, contendo os símbolos fonéticos consonantais pertinentes à transcrição do português brasileiro,
foi extraído de Silva (1998, p.37).
9
Estas observações juntamente com as de Silva (1998) servem de referencial para a descrição distribucional dos
segmentos consonantais e suas respectivas alofonias, no corpus levantado.
26
Para compreendermos estas reflexões, mara Jr. (1953), examina o fato de as
variantes poderem ser tensas ou relaxadas, isto é:
(...) são igualmente relaxadas a ausência de /r/ em posição pós-vocálica final e a
neutralização do contraste /l/ - /lh/ e /n/ - /nh/ diante de /i/ com a realização, apenas
do primeiro membro (/foli‟nha‟/, /compani‟a/), ou diante de /y/ a anulão da
distinção /lh/ / /ly/, e /nh/ - /ny/ como nos casos de venha e vênia (/ve‟nha‟/ -
/ve‟nya‟/) ou de olhos e óleos (/ò‟lhus/ - /ò‟lyus/).” (CÂMARA JR., 1953, p. 45).
Assim, tanto na variedade tensa quanto na relaxada, a articulação da consoante é
estabelecida pela posição ocupada pelo segmento em sua distribuição, isto é, dependendo da
vogal que antecede a consoante, pode ocorrer a neutralização de contrastes do segmento
consonantal, como observamos no exceto anterior.
Variantes do sistema consonantal
Os pesquisadores Monaretto, Quednau e Hora (1996), ao examinarem as
considerações estruturalistas de mara Jr. (1953), destacam a variabilidade de certos
segmentos consonânticos, tais como [, , , , r,]
10
, ocasionada pelo ambiente fonético de
ocorrência, além disso, ressaltam ainda que, algumas vezes, a variação pode ser específica a
uma comunidade.
A variabilidade destes segmentos no português brasileiro, em contraste com o
português europeu, pode ser consultada em Noll (2008, p. 62-73). O autor, partindo de
estudos realizados sobre a alofonia desses segmentos consonantais, nos dois países, apresenta
algumas considerações sobre os processos alofônicos dos fonemas [s, t, d, r, l, ] entre
10
Neste exemplo, optamos por usar a grafia dos fonemas a fim de sintetizar as modalidades articulatórias
dependentes do dialeto e do contexto lingstico em que eles ocorrem.
27
Portugal e Brasil, além de apresentar gráficos sobre a ocorrência destes processos, em várias
regiões do território brasileiro.
Variantes do sistema vocálico oral
Segundo Câmara Jr. (1970), um detalhe que merece consideração é a variabilidade do
sistema vocálico. Isto porque, a produção oral dos segmentos vocálicos é bem distinta da
realidade escrita, pois a língua oral não se limita às restrições de representação gráfica.
Enquanto, fonologicamente, realizamos sete sons vocálicos distintos para a formação
de palavras, tendo os segmentos médios anteriores [ e , e os médios posteriores [o] e [],
como pares de oposição entre si, somente cinco representações gráficas para os sons
vocálicos no Português, visto que o sistema vocálico revela variações decorrentes do
fenômeno da neutralização vocálica
11
.
A neutralização, de acordo com mara Jr. (1970), caracteriza-se pela perda de traços
distintivos dos segmentos vocálicos, isto é, a distribuição do fonema dentro da palavra
condiciona mudanças articulatórias e auditivas, pois, em termos fonéticos, os sons vocálicos
são passíveis a variações, principalmente, em posições átonas que favorecem a redução dos
fonemas.
A distribuição das vogais em posição nica apresenta, assim, um sistema de sete sons
vocálicos distintos, os quais podem ser observados, a seguir, no quadro 03.
11
Com relação à neutralização vocálica não a incluímos como alofonia dos sons vocálicos, para a análise desta
pesquisa, em decorrência de o processo ser presumível para os falantes da língua.
28
Quadro 03: Inventário fonético das vogais orais do PB.
Alta


Média


2º grau
Média


1º grau
Baixa

Anterior
Central
Posterior
(CÂMARA JR., 1970, p. 41)
Para compreender a redução desse quadro de vogais, Bisol (2003)
12
, pautada nos
estudos de mara Jr. (1970), examina a neutralização das vogais átonas no português. Em
seus estudos, a pesquisadora ressalta o fato de a neutralização ser um processo natural na
língua, além de funcionar como forma simplificadora do sistema linguístico, que a perda de
traços distintivos entre os fonemas vocálicos resulta em subsistemas de cinco, quatro e três
sons vocálicos, quando o som vocálico se encontrar em posição átona na palavra. Esta
redução, segundo os modelos de mara Jr. (1970), e reapresentado por Bisol (2003), pode
ser constatada abaixo, na figura nº 01.
Figura 01 Neutralização vocálica
- Pretônica - Postônicao-final - Postônica final
/i/ /u/ /i/ /u/ /i/ /u/
/e/ /o/ /e/ -
/a/ /a/ /a/
(CÂMARA JR., 1970, p. 44)
12
Para a análise da redução vocálica, a pesquisadora Bisol (2003) apenas reproduz os sistemas vocálicos
apresentados por Câmara Jr. (1970). Por isso, não reproduzimos os quadros contendo o inventário fonético
vocálico para confronto.
29
De acordo com as considerações de Bisol (2003), a mudaa entre os subsistemas é
condicionada pela elevação gradativa das vogais médias, decorrente do enfraquecimento da
sílaba. Isto é, o sistema vocálico do português é marcado por distiões articulatórias, entre os
segmentos médios posteriores [o] e [], e os médios anteriores [ e , no entanto, quando
estes segmentos ocorrem em posição átona, o sistema de sete sons vocálicos fica reduzido a
cinco, pois algumas distinções são anuladas entre os fonemas.
A partir das considerações teóricas de Câmara Jr. (1970)
13
e das reflexões de Bisol
(2003), o quadro 04, a seguir, apresenta um resumo do sistema vocálico do português e
suas alofonias, que sevem de base para a descrição da variação dialetal do PB.
Quadro nº 04
14
: Inventário fonético vocálico oral e respectivos alofones do PB.
Anterior
Central
Posterior
Não-arredondada
Arredondada
Alta
/i/ []
[] /u/
Média-alta
/e/
/o/
Média-baixa
//
[]
//
Baixa
/a/
13
A descrição dos segmentos vocálicos deste trabalho segue as orientações encontras em Silva (1998) e em
Câmara Jr. (1970).
14
O quadro 04, contendo o resumo dos mbolos fonéticos vocálicos pertinentes à transcrição do português
brasileiro, foi extraído de Silva (1998, p.81-86).
30
Sistema volico nasal
Segundo mara Jr. (1970), uma problemática semelhante aos estudos dos sons
vocálicos orais concerne às vogais nasais. No primeiro caso, o véu palatino é elevado
obstruindo a passagem de ar para as vias nasais, durante a produção do som, fazendo o ar sair
livremente pela cavidade oral; já no segundo caso, o ar penetra na cavidade nasal, em
decorrência do abaixamento do véu palatino durante a realização sonora.
Estas possibilidades articulatórias alteram a qualidade das vogais em sua distribuição.
Isto significa dizer que a produção do segmento seja oral ou nasal está condicionado a sua
distribuição dentro do contexto de realização.
Com relação à vogal nasal, segundo mara Jr. (1970), temos a problemática de a
vogal ser nasal pura ou ser nasalizada, em fuão da assimilação de traços do segmento
consonantal nasal contíguo. De acordo com mara Jr. (1970), ainda deve ser esclarecido
quando a nasalidade da vogal é assimilada de um segmento consonantal na mesma sílaba ou
por assimilação da sílaba seguinte, evidenciando o que é de natureza fonológica ou não.
Ainda segundo as considerações deste autor, somente as vogais nasais, em termos
fonêmicos, devem receber tal classificação.
No quadro 05, abaixo, pode-se verificar o resumo das vogais nasais, conforme as
observações de Câmara Jr.(1970), e resumidas por Silva (1998).
31
Quadro nº 05
15
: Inventário fonético das vogais nasais do PB
Anterior
Central
Posterior
Não-arredondada
Arredondada
Alta
/ i

Média
/e

Baixa
/a
Processos naturais fonogicos
Os processos fonológicos naturais o modificações fonéticas que não alteram o
campo semântico da palavra, pois são mudanças decorrentes do ambiente de realização do
fone, e por esta razão, limitam-se à cadeia sonora da fala.
Em seus trabalhos, Sloat, Taylor e Hoard (1978) sugerem que os processos são
considerados naturais em uma língua porque não esforço para aprendê-los. Neste sentido,
como os sons estão pasveis a mudanças em sua distribuição, os falantes promovem
alterações nas palavras de forma inconsciente a cada geração, como ressalta Coutinho (2005).
Em seus trabalhos, Lass (1984) e Spencer (1995) fazem uma revisão conceitual dos
processos fonológicos, tendo como base a língua inglesa para análise. Nestes estudos,
podemos encontrar a ocorrência de alteração fonológica por meio de inserção, subtração,
permuta ou transposição de sons.
15
O quadro nº 05, contendo os símbolos fonéticos vocálicos nasais pertinentes à transcrição do português
brasileiro, foi extraído de Silva (1998, p.91).
32
O processo de inserção ocorre quando as palavras recebem por acréscimo um
segmento sonoro aos existentes, no início (prótese), no meio (epêntese) ou no final
(paragoge) da palavra. o processo de subtração surge com a queda de um segmento no
princípio da palavra (aférese), no meio (síncope) ou no final (apócope).
Por outro lado, a permuta consiste na substituição ou troca de um fonema por outro no
interior da palavra. Dessa forma pode ocorrer como (rotacismo), a partir da substituição de
segmentos consonânticos pelo fonema /r/; como (vocalização) com a substituição do
segmento consonantal por um vocálico; além da ocorrência por (assimilação e palatização),
quando um fonema assimila traços de um segmento adjacente.
Em suma, como assinalado anteriormente, as modificações fonéticas correspondem à
pronúncia individual de segmentos. Assim, tendo como base os dados coletados,
apresentamos no capítulo 3, os conceitos e a ocorrência desses processos naturais a fim de
compreendermos a atual variação do português Xukuru.
33
CAPÍTULO 1
1.1. Os índios e a colonização
Algumas ponderações hisricas são pertinentes para inferirmos o atual contexto dos
índios no Brasil, em especial, os Xukuru
16
. Vítimas de um desrespeitoso conceito de
inferioridade, fruto da idéia perpetuada de povos bárbaros e não-aculturados incutida nos
ideais nacionais. Esta visão favoreceu uma concepção deturpada dos índios que impulsionou
perseguições e massacres por parte dos colonizadores europeus, como se observa no exceto a
seguir, extraído do Diretório dos Índios, que, instituído inicialmente aos índios do Pará e
Maranhão, o mesmo documento serviu para regulamentar Cimbres
17
, como pode ser visto no
excerto a seguir:
“Não se podendo negar que os índios deste Estado se conservaram até agora na
mesma barbaridade, como se vivessem nos incultos sertões em que nasceram,
praticando os péssimos e abomináveis costumes do paganismo, não privados do
verdadeiro conhecimento dos adoráveis mistérios da nossa sagrada religo, mas até
das mesmas conveniências temporais, que se podem conseguir pelos meios da
civilidade, da cultura e do comércio e sendo evidente que as paternais providências
do nosso augusto soberano se dirigem unicamente a cristianizar e civilizar estes até
agora infelizes e miseráveis povos, para que saindo da ignorância e rusticidade a que
se acham reduzidos possam ser úteis assim aos moradores e ao Estado, estes dois
virtuosos e importantes fins que sempre foi a única empresa do incomparável zelo
dos nossos católicos e fidelíssimos monarcas, serão o principal objeto da reflexão e
cuidado dos diretores. (COSTA, 1985, p. 43-44.)
Examinando o exposto acima é evidente o pensamento disseminado pelos europeus e
norteador das agruras vivenciadas pelos povos indígenas, após a chegada dos portugueses.
Desde o período Colonial a o atual contexto histórico, muitas ideologias e concepções sobre
16
O nome do povo é encontrado na literatura indígena brasileira ora como “Xukuru” ora como “Xucuru”. Neste
trabalho adotamos os procedimentos da transcrição fonética do Alfabeto Fonético Internacional para o fonema
oclusivo velar /k/, portanto, as variações presentes nos textos seguem o registro das obras consultadas.
17
O povoado de Cimbres foi criado em 28 de mao de 1762, substituindo o nome Monte Alegre, denominação
dada ao povoado o qual antes era conhecido por Ararobá, lugar onde os índios Xukuru habitavam. (COSTA,
1985).
34
a história indígena brasileira são questionadas, pois “a imagem que dela fazemos é o resultado
dessas interpretações, as quais, como acontece com qualquer ciência, frequentemente
„corrigem‟ e refutam explicações e pontos de vistas anteriores, que pareciam solidamente
assentados” (WHELING & WHELING, 1994:13). Neste sentido, muitos estereótipos sobre
os índios integram o imaginário brasileiro como resultado das concepções do pensamento
colonial. As reflexões desses autores ficam evidentes nos relatos de Koster (1978), sobre a
visão que lhe fora dada sobre os índios. “Não cheguei a ver algum, mas o descritos como
espantosos, com feições excessivamente feias, longos cabelos negros, caindo no rosto e nas
costas.” (KOSTER, 1978:184).
Esses estereótipos prolongaram-se por todo o processo de colonização e continuam
alimentados pelos meios de comunicação de massa, cujos conceitos de índio o condizem
com a diversidade brasileira, pois, ora apresenta características do índio pele-vermelha norte-
americano, ora qualifica a visão de índio a partir do perfil indígena amazonense,
desconsiderando a diversidade cultural de outros povos espalhados pelas regiões brasileiras,
cujas influências históricas e culturais divergem dos indígenas da região Norte do Brasil.
Na década de 80, do século passado, um relevante trabalho foi desenvolvido em torno
das concepções do índio brasileiro no livro didático
18
. O trabalho propõe uma discussão sobre
a realidade brasileira dos índios e o tratamento dessa problemática no livro didático, livre de
estereótipos e alienações históricos.
O contato entre os povos europeus e americanos sentenciou estes a sucumbirem sua
cultura, que as ordens sociais determinadas pelos europeus e as estratégias de
enfrentamento resultantes dessas ordens sociais negligenciavam e oprimiam a vida cultural
dos indígenas. Vistos como bons selvagens por uns ou bárbaros por outros, desde o período
18
Cf. PALÁCIO, et aliae., (1986).
35
Colonial aos dias atuais, o índio suportou a opressora intolerância cultural de vários povos,
cujos malefícios se revelam na exclusão ou extinção do índio na sociedade moderna, sendo,
geralmente, colocados à deriva e assistidos somente por políticas paternalistas que garantem
vagas em cursos superiores ou cota para seleção de empresas.
1.2. O antigo termo de Cimbres
Segundo Souza (1992), desde o século 17, observa-se a presença do “Sukurus(hoje
Xukuru), localizados no interior pernambucano, em cartas ou documento antigos sobre a
região. Os Xukuru atualmente habitam a Serra do Ororubá, em cujos limites territoriais
habitaram no passado os índios tapuias dos Ararobás, nome do qual popular-se-ia a Serra.
Historicamente, a região figurou como palco de grandes incursões da colonização
européia. A atual aldeia de Cimbres apresentou relevante destaque no processo de expansão
do poder Régio. Elevada a categoria de Vila em 1762, Cimbres tinha por finalidade prestar
assistência aos índios da localidade, como se observa no trecho a seguir:
(...) a fim de que deixando uns as habitações dos matos em que viviam como
irracionais e tirando-se outros da sujeição quase servil em que estavam nas antigas
aldeias, e ainda fora delas, abatidos e desprezados, conseguissem todos, por meio da
maior e melhor comunicação e da assistência em povoações civis e decorosas,
viverem com inteira liberdade de suas pessoas e com a propriedade e uso de bens,
tendo diretores e mestres para lhes darem as instruções de que carecem (...)
(COSTA, 1985, p. 40- 41).
Ao instituir Cimbres o governo facilitadamente controlava os índios da região.
Concomitantemente, por decreto, fundou-se ainda o Senado da mara de Cimbres. Por outro
lado, em 1810, Cimbres foi nomeada Sede da Comarca do Sertão, passando a compor
juntamente com Olinda e Alagoas, as três únicas comarcas da capitania de Pernambuco. A
36
hegemonia da Vila fragmentou-se somente as a transferência da Sede da Comarca para
Pesqueira, em 1836.
Notadamente, o destaque social da localidade impeliu durante anos a migração de
indivíduos oriundos de regiões diversas. Além do mais, em decorrência da abundância dos
rios e fertilidade dos solos, os brancos perseguiram, expulsaram e se apropriaram das terras
indígenas locais, como se verifica nas palavras de Barbalho (1977, p.45), no excerto a seguir:
“(...) desde a invasão dos brancos, os índios pernambucanos não mais conheciam o
que fosse paz, nem sossego e, de perseguição em perseguição, não esquentavam
canto durante muito tempo, sobrevivendo tangidos como animais daninhos,
brutalizados, escravizados, prostituídos, massacrados ou exterminados a ferro e
fogo, sem apelação. O cruel tangimento inicia-se no litoral, prolongando-se até o
extermínio total dos legítimos donos da Terra de Pernambuco, atravessando o
Agreste de ponta a ponta e varando os sertões até os seus confins. Assim, as tribos
indígenas viraram mades por força das circunstâncias e, tangidas pelos brancos,
eram, elas próprias, subindo a Borborema, quem cuidava de, por sua vez, tanger seus
irmãos ocupantes daquelas recônditas regiões por muitos consideradas inóspitas.”
(BARBALHO, 1977, p.45)
Esse comportamento nômade favoreceu o desaparecimento das línguas nativas em
função da dispersão dos indígenas. Segundo o mesmo autor (op. cit.), atualmente, existem
somente remanescentes indígenas na região, conhecidos por Caboclos do Orubá. Falantes de
português, os índios mesclam alguns vocábulos da língua nativa em seus rituais.
Diante desse cenário histórico, os Xukuru sobrevivem em condições prerias, além
de serem “mestiçados com brancos e negros, já não se diferenciam, pelo tipo físico, da
população sertaneja local” (RIBEIRO, 2002, p.69). Sua indianidade é construída por meio da
atuação política na sociedade e pela preservação da cultura dos seus ancestrais.
O processo reivindicatório do povo Xukuru iniciou-se na década de 80, do século
passado. Liderados por Francisco de Assis Araújo, conhecido por Cacique Xicão, o grupo
37
indígena não limitou esforços para retomar as propriedades dos seus antepassados que foram
expulsos ou desapropriados da terra
19
.
Com as garantias do Estatuto do Índio
20
sobre a valoração e reconhecimento da
existência de comunidades éticas diferenciadas, os índios do Nordeste, que em decorrência de
fatores históricos vivenciaram uma fusão pluriétnica, propuseram novas alternativas
reivindicatórias das terras indígenas. Os índios misturados (caboclos) do Nordeste numa
tentativa de emergência ética” puseram como foco da discussão a questionável afirmação da
inexistência dos aldeamentos indígenas, impelindo a nova visão sobre a concepção da cultura
indígena e das definições sobre a construção da indianidade.
1.3. O Povo e a Terra
O povo Xukuru eslocalizado no município de Pesqueira, a 215km da Capital Recife.
Apresentando uma extensão territorial de 27.555 ha demarcada. O grupo se encontra
subdividido em três regiões: Agreste, Serra e Ribeira. Sua população está estimada em 10.360
indígenas, distribuídos e reorganizados 24 aldeias, com aproximadamente 2.165 famílias. A
extensão territorial pode ser evidenciada abaixo, na figura nº 02.
19
É importante salientarmos que os aldeamentos Xukuru foram considerados extintos em no ano de 1879, pois o
governo municipal argumentava não haver mais índios na região, em função da miscigenação dos povos.
(SOUZA, 1992).
20
Lei Nº 6.001 - de 19 de dezembro de 1973. A lei pode ser encontrada no site:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/l6001.htm
38
Figura nº 02
21
. Mapa das sub-regiões climáticas da área indígena Xukuru do Ororubá
O território se limita ao norte com a cidade de Poção e Estado da Paraíba; ao Sul com
o povoado de Mimoso; ao Leste com Pesqueira e a Oeste com Arcoverde. Muitas aldeias se
encontram banhadas pelos leitos dos Rios Ipanema e Ipojuca, o que evita a escassez de água e
garante a subsistência de várias aldeias na produção de hortaliças e frutas.
A população Xukuru dispõe de escolas indígenas para os alunos nas principais aldeias
de cada região, além de disponibilizar transporte escolar para as cidades de Pesqueira e Poção,
objetivando proporcionar acesso a maiores níveis de aprendizado que não eso disponíveis
nas aldeias.
A maioria dos índios vive do trabalho do campo, da produção de artesanatos ou
sobrevivem das políticas assistencialistas do Governo Federal, como a bolsa falia.
Geralmente, para a aquisição produtos necessários para a subsistência nas aldeias e venda dos
21
Fonte: http://www.ufpe.br/nepe/povosindigenas/mapaxucuru.htm. 13/08/2010. 17:50h.
39
artesanatos por eles produzidos, os indígenas frequentam, uma vez por semana, as feiras
livres, das cidades de Pesqueira às quartas-feiras e de Poção aos sábados.
1.4. Os caboclos do Ororubá
As considerações históricas apresentadas discorrem sobre a importância social do
povo Xukuru, de maneira a justificar a escolha dessa etnia para a análise multidialetal do
português, pois, enquanto grupo étnico particular e símbolo da resistência indígena, ver figura
03,
22
no Nordeste brasileiro, tinha uma ngua ancestral indígena, mas que por questões
históricas decorrentes do processo colonizatório, foi perdendo seu patrimônio linguístico, ao
longo dos séculos, tornando-se, assim, uma comunidade monolíngue.
Figura nº 03. Marcha pelos direitos indígenas Xukuru. 20 de maio de 2010.
Índios descendo a Serra do Ororubá para a cidade de Pesqueira.
Foto de Edigar Carvalho.
22
A marcha pelos direitos indígenas Xukuru é um movimento que ocorre anualmente no dia 20 de maio, data
que marca o dia do assassinato do Cacique Xicão, pai do atual Cacique Marcos. Os indígenas descem da aldeia
São José, após assistirem a uma missa na aldeia Pedra D‟agua, em direção a cidade de Pesqueira. Ver em anexo
03, p. 110, as figuras nº 04 2 05 com jovens indígenas prontos para a marcha.
40
Neste sentido, a escolha do povo indígena Xukuru
23
para contexto de análise não foi
arbitrária. Pois, sendo mbolo de resistência no Nordeste brasileiro por sua mobilização no
reconhecimento da indianidade, demarcação territorial e retomada de seus aldeamentos, esta
etnia tem demonstrado relevante participação nas articulações políticas junto aos órgãos
públicos e sociedade civil, tanto pelas conquistas e garantias dos direitos indígenas, quanto
pela valoração da cultura indigenista em Pernambuco.
A descrição do português falado pelo grupo étnico em foco, apresentada no capítulo
seguinte, tem caráter documental e objetiva registrar a variedade dialetal em Pernambuco,
para fins de estudos históricos e estruturais da língua portuguesa brasileira.
23
A homologação do território indígena Xukuru ocorreu somente em 30 de abril de 2001. O povo Xukuru
também contribuiu ainda para as diretrizes da educação escolar indígena do Estado, pois tem como presidente do
Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena de Pernambuco, Agnaldo Xukuru, que também exerce o cargo
de Vereador na Câmara Municipal de Pesqueira.
41
CAPÍTULO 2
2.1. Aspectos fonológicos do português Xukuru
24
Neste capítulo, discorreremos sobre os aspectos fonológicos do português da
comunidade Xukuru. Nossa descrição tem como propósito demonstrar as realizações atuais
dos fonemas consonantais e vocálicos e seus alofones. No que concerne à alofonia,
identificamos o tipo e o contexto de sua ocorrência. Os processos fonológicos envolvidos
nessas ocorrências são discutidos no capítulo 3.
Inicialmente, descrevemos o invenrio fonético das consoantes e suas respectivas
alofonias encontradas no corpus em análise. Posteriormente, tratamos das realizações
vocálicas e suas alofonias decorrentes do processo distribucional.
2.2. Segmentos consonantais e suas realizações
O quadro a seguir apresenta o resumo dos segmentos consonantais encontrados no
português falado pelos indígenas Xukuru.
24
Um pequeno glossário sobre o dialeto Xukuru pode ser encontrado no livro Xukuru Filhos da Mãe Natureza
(1997), e em Lapenda (1962).
42
Quadro nº 06: Inventário fonético dos fonemas e alofonias consonantais do português Xukuru
Articulação
Maneira
Bilabial
Labiodental
Alveolar
Alveopalatal
Palatal
Velar
Glotal
Oclusiva
p b
t d
k g
Africada
 
Fricativa
f v
s z
Nasal
m
n

Tepe
Lateral
w
 y
2.2.1. Realização do fonema oclusivo bilabial desvozeado /p/
O fonema oclusivo bilabial desvozeado /p/, no corpus analisado, apresenta somente
um alofone: o fone oclusivo bilabial desvozeado [p]. Este segmento ocupa a posição de onset
silábico, em icio de palavra (01-04), em posição intervocálica, (06-09), ao preceder
consoantes quidas [, em encontros consonantais tautossilábicos (03-05), e ao se realizar
posposto a consoantes heterossilábicas (10-13). O fonema /p/ forma sílaba com vogais orais
ou nasais (01-13).
(01)  „pedra‟
(02)  „porque‟
(03)  planejo‟
(04)  planta‟
(05)  „comprar‟
(06)  „capim‟
43
(07)  „Ipanema‟
(08)  „lápis
(09)  „capoeira‟
(10)  „espiando‟
(11)  „espojei
(12)  „experiência‟
(13)  disponível‟
2.2.2 Realização do fonema oclusivo bilabial vozeado /b/
O fonema oclusivo bilabial vozeado /b/, nos dados analisados, revela somente um
alofone: o fone oclusivo bilabial vozeado [b]. Este segmento ocupa a posição de onset
silábico, em icio de palavra (14-17), em posição intervocálica (18-20), diante das quidas
, em encontros consonantais tautossilábicos (21-24), e após consoantes heterossilábica
(25). O fonema /b/ forma sílaba com vogais orais e nasais (14-25).
(14)  barragem‟
(15)  „banho‟
(16)  barreiro‟
(17)  boi‟
25
(18)  „trabalho‟
25
Seguindo as orientações propostas em mara Jr. (1953), a transcrição dos glides será realizada com  e 
para as vogais assilábicas  e , quando em posição auxiliar de ditongo.
44
(19)  Ribeira‟
(20)  „abóbora‟
(21)  „assembleia‟
(22)  „cabra‟
(23) g „obrigação‟
(24)  „lembrada‟
(25)  „barbeiro‟
2.2.3. Realização do fonema oclusivo alveolar desvozeado /t/
O fonema oclusivo alveolar desvozeado /t/, nos dados coletados, apresenta dois
alofones em sua realização: o fone oclusivo alveolar desvozeado [t] e o fone africado
alveopalatal desvozeado [t]. A consoante ocupa a posão de onset silábico.
O segmento oclusivo alveolar desvozeado [t], em sua distribuição, ocorre em sílaba
realizada em posição inicial de palavra (26-28, 34), em posição intervocálica (29-31), além de
preceder consoante quida [] em formação consonantal tautossilábica (32-34), e se realizar
posposto à consoante heterossilábica (35-37). Este fone é realizado com vogais orais ou nasais
(26-37).
(26)  „trabalho‟
(27)  „tomate‟
(28)  „terceiro‟
(29)  „até‟
45
(30)  doente‟
(31)  planta‟
(32)  „atravessadores‟
(33)  quatro‟
(34)  „traz
(35)  ~  distância‟
(36)  ~  „importância‟
(37)  „estudar
O fonema africado alveopalatal  ocorre anteposto às vogais orais i, , , , , em
sílaba inicial de palavras (38), em posição intervocálica (39-45), e em final de palavra (40-
46). A palatização do segmento não apresenta restrição quanto à tonicidade, logo, podemos
perceber sua realização em posição pretônica, tônica e postônica (38-46).
(38)  ~  „tinha‟
(39)  ~  cultiva‟
(40)  ~  „praticamente
(41) g ~ g „antigamente‟
(42)  ~  plantio
(43)  ~  „sítio
(44)  ~  „muito
(45)  ~  muitas
46
(46) ] ~ ] „faltou‟
Os dados expostos nos permitem inferir as seguintes considerações sobre a alofonia
distributiva do fonema /t/.
A realização do segmento [t] não apresenta restrição vocálica, sendo realizado tanto
com vogais orais, quanto nasais. Já diante das vogais orais anteriores [, , da central , e da
posterior  ocorre flutuação do segmento (38-46), podendo ser realizado com o alofone
africado .
Desta forma, a distribuição alofônica pode ser representada:
  ~  .__ i, , , ,
  nda
2.2.4. Realização do fonema oclusivo alveolar vozeado /d/
O fonema oclusivo alveolar vozeado /d/ apresenta dois alofones: o fone oclusivo
alveolar vozeado [d] e o fone africado alveopalatal vozeado . A consoante ocupa a
posição de onset silábico.
A realização do fonema oclusivo alveolar vozeado [d] ocorre em posição de sílaba
inicial de palavra (47-49, 55, 57), em posição intervocálica (50-53), em encontros
consonantais tautossilábicos (54-56) anteposto à consoante líquida [], e posposto a
consoantes heterossilábicas (57-58). O fonema /d/ forma laba com vogais orais ou nasais
(47-58).
(47)  „dão‟
47
(48)  „Deus‟
(49) ] „dificuldade‟
(50)  coitadinho‟
(51)  „período‟
(52)  „estudando‟
(53)  „arremediando‟
(54)  pedreiro‟
(55) g drogas
(56)  pedra‟
(57) z desde‟
(58)  farda‟
A africada  ocorre anteposta à vogal oral [i], em laba inicial, medial e final de
palavra (59-62). Não detectamos, no corpus, nenhuma realização da palatização em
segmentos pospostos a consoantes heterossilábicas, salvo à consoante nasal fonológica, em
coda da sílaba precedente (61-62). A palatização desse segmento não apresenta restrição
quanto à tonicidade, isto é, sua realização pode ocorrer tanto em posição pretônica, nica e
postônica (59-62).
(59) ~  dei‟
(60)  ~  „tranquilidade
(61)  ~  „mandioca‟
48
(62)  ~  „índio‟
A partir das considerações acerca dos dados expostos, observamos que a realização do
segmento [d] não apresenta restrição vocálica, sendo realizado tanto com sons vocálicos orais,
quanto com sons nasais. anteposto às vogais orais anteriores [i,  ocorre flutuação do
segmento (59-62), podendo ser realizado com o alofone .
Vale ressaltar, que, diferentemente, da palatização do segmento desvozeado , a
palatização do segmento vozeado , apresenta, nos dados analisados, maior restrição
vocálica, visto que, enquanto o alofone  é realizado com as vogais i, , , , , o alofone
, restringe-se à vogal anterior [i], não apresentando realização com nenhum outro som
vocálico.
Desta forma, a distribuição alofônica pode ser representada:
  ~  .__ ,
  nda
2.2.5. Realização do fonema oclusivo velar desvozeado /k/
O fonema oclusivo velar desvozeado //, nos dados analisados, apresenta somente um
alofone: o fone oclusivo velar desvozeado []. Este segmento ocupa a posição de onset
silábico em sílaba inicial de palavra, (63-65, 69, 71-72), ocorre em posição intervocálica, (66-
69), pode preceder consoantes líquidas [, em encontros consonantais tautossilábicos (69-
72), e se realiza as consoante heterossilábica (73), am de formar sílaba com vogais orais
ou nasais, em sua realização (63-73).
49
(63)  cavar‟
(64)  „caixa‟
(65)  caibo‟
(66)  encantados‟
(67)  macaxeira‟
(68)  secou‟
(69)  criticar‟
(70)  „sacramento‟
(71)  clima‟
(72)  „clareando‟
(73)  escola‟
2.2.6. Realização do fonema oclusivo velar vozeado /g/
O fonema oclusivo velar vozeado /g/, nos dados em análise, apresenta somente um
alofone: o fone oclusivo velar vozeado [g]. Este segmento ocupa a posição de onset silábico
em início de palavra (74-75, 79-81), em posição intervocálica, (76-78), em sílaba complexa
com líquidas [, formando encontros consonantais tautossilábicos (79-81), e se realiza após
consoantes heterossilábicas (82), além de ser produzido com sons vocálicos orais ou nasais
(74-82).
(74) g s
50
(75) g „gado‟
(76) g negócio‟
(77) g] „pegando‟
(78) g negocia‟
(79) g ~ g „glória‟
(80) g „grande‟
(81) g gravidez‟
(82) g „largava‟
2.2.7. Realização do fonema fricativo labiodental desvozeado /f/
O fonema fricativo labiodental desvozeado /f/ apresenta somente um alofone: o fone
fricativo labiodental desvozeado [f]. Este segmento ocupa a posição de onset silábico em
sílaba inicial de palavra (83-86, 89-90), em posição intervocálica (87-88), formando onset
complexo, em encontro consonantal tautossilábico (89-91). O fonema /f/ forma sílaba com
vogais orais ou nasais (83-91).
(83) [ „falando‟
(84) [g] „formiga‟
(85) [g „fungo‟
(86) [ farmácia‟
(87) [] „difícil‟
51
(88) [] „afilhado‟
(89) [ flor‟
(90)  „fruteira‟
(91) [ sofrendo‟
2.2.8. Realização do fonema fricativo labiodental vozeado /v/
O fonema fricativo labiodental vozeado /v/ apresenta somente um alofone: o fone
fricativo labiodental vozeado [v]. Este segmento ocupa a posição de onset sibico, em
princípio de palavra (92-95), em posição intervocálica (93, 95-97), em formação
tautossibica (98), e posposto à consoante heterossibica (100). O fonema /v/ forma sílaba
com vogais orais ou nasais (92-100).
(92) [ „vivência‟
(93) [ velha‟
(94) [ „vermelha‟
(95) [ „vive‟
(96) [ „lavoura‟
(97) [ „fevereiro‟
(98)  „livro‟
(99) [ serviço‟
(100) []fervoroso
52
2.2.9. Realização do fonema fricativo alveolar desvozeado /s/
O fonema fricativo alveolar desvozeado /s/ realiza-se em posição de onset e de coda
silábica. Em posição de onset apresenta somente um alofone: o fone fricativo alveolar
desvozeado [s]; em posição de coda
26
, apresenta cinco alofones: o fone fricativo alveolar
desvozeado [s], fone fricativo alveolar vozeado [z], o fone fricativo palatal desvozeado [], o
fone fricativo palatal vozeado [] e o fone fricativo glotal vozeado []
O fone [s], em posição de onset, ocorre em sílaba localizada em icio de palavra
(101-102), em posição intervocálica (103-105, 107), e posposto à consoante heterossilábica
(110-111). Além disso, a consoante pode ocorrer seguido de vogais orais ou nasais (101-
111).
(101) [ seca‟
(102) [ sincera‟
(103) [ „assim‟
(104)  violência‟
(105) [g consigo‟
(106) [g] „castigo‟
(107)  „experiência‟
(108)  „mais
(109)  „escola‟
26
Neste trabalho não adotamos o conceito de arquifonema para a interpretação das consoantes em posição de
coda. Considera-se que nesta posição, as consoantes /S, N, l, r/ são fonemas alveolares.
53
(110) [ „recursos‟
(111) [ „terça‟
em posição de coda, em final de palavra, verificou-se que, o fone [s] pode sofrer um
processo de apagamento, o se realizando (112-115). Este tipo de apagamento, embora
ocorra com nomes, é mais recorrente com verbos. De acordo com mara Jr. (1970, p. 75),
esta alomorfia caracteriza aspectos particulares da variação da linguagem geral.
(112) [ ~ [ menos‟
(113) [ ~ [ „somos‟
(114) [ ~ [ „lápis‟
(115) [ ~ [ „ônibus‟
Observou-se ainda, em posição de coda, o fone em margem final de sílaba, anteposto à
consoante vozeada heterossilábica (116-118), apresenta variação livre, pois, nesta posição de
coda, em sílaba medial, podem ocorrer alternâncias na realização do fone, sendo possível a
ocorrência dos segmentos consonantais [z, ,  (132-134).
(116) z] ~ ] ~ ] „mesmo
(117) z ~  ~ ]mesma‟
(118) z ~  ~  desde
54
Examinou-se ainda que o fone fricativo alveopalatal desvozeado [] ocorre em posição
posvocálica anteposto à consoante desvozeada oclusiva. Nos dados analisados, foram
encontradas alternâncias entre as realizações dos alofones [s] e [] (119-124).
(119)  ~  „postura‟
(120) ] ~ ] „estudar‟
(121)  ~  „Pesqueira‟
(122) [ ~ [ está‟
(123) g] ~ g] „gostar‟
(124)  ~  „emprestado‟
A partir dos dados apresentados, observa-se que o processo alonico dependerá da
posição da consoante na sílaba. Neste sentido, a alofonia presente na distribuição do /s/ é
percebida da seguinte forma:
  ~  __.C
 ~ // .CV__
    __.C
] nda
55
2.2.10. Realização do fonema fricativo alveolar vozeado /z/
O fonema fricativo alveolar vozeado /z/ pode ocorrer em posição de onset silábico. A
distribuição desse segmento, no corpus analisado, apresenta somente um alofone: o fone
fricativo alveolar vozeado [z], na posição de onset silábico.
O fone [z] ocorre em sílaba inicial de palavra (125-127) e em posição intervocálica
(129-131). O fonema /z/ forma sílaba com vogais orais ou nasais. (125-130).
(125) [ „zoada‟
(126) [ zelosa‟
(127) g „zangado‟
(128) [g mungunzá‟
(129) [ „reduzindo‟
(130) [ casa‟
2.2.11. Realizão do fonema fricativo palatal desvozeado //
O fonema fricativo palatal desvozeado / apresenta somente um alofone: o fone
fricativo palatal desvozeado //. Este segmento, no corpus analisado, ocupa posição de onset,
em sílaba inicial de palavra (131-133), em posição intervocálica (134-139), e posposto à
consoante heterossilábica (139). O fonema // forma sílaba com vogais orais ou nasais. (131-
139).
56
(131)  „churrasqueira‟
(132) g „chegar‟
(133)  chamar‟
(134)  „bicho‟
(135)  „peixe‟
(136)  baixo‟
(137)  „caixa‟
(138)  macaxeira‟
(139) [ marcha‟
2.2.12. Realização do fonema fricativo alveopalatal vozeado //
O fonema fricativo palatal vozeado / apresenta somente um alofone: o fone fricativo
palatal vozeado []. Este segmento ocupa posição de onset sibico em sílaba realizada em
começo de palavra (140-141), em posição intervocálica (142-146), e posposto a consoante
heterossilábica (147). O segmento // forma sílaba com vogais orais ou nasais. (140-147).
(140)  „janeiro‟
(141)  „joelho‟
(142) [ feijão‟
(143)  „planejo‟
57
(144) g igrejinha‟
(145)  „cirurgia‟
(146) [ „emergência‟
(147)  „urgência‟
2.2.13. Realização do fonema vibrante vozeado /r/
A consoante vibrante vozeada /r/ apresenta apenas dois alofones: o fone fricativo
glotal desvozeado [h] e o fone fricativo glotal vozeado []. A consoante ocupa a posição de
onset e coda silábica e forma sílaba com vogais orais e nasais.
Em onset silábico o fone fricativo [h] ocorre em início (148-150) e meio (151) de
palavra, e em posição intervocálica (151-152).
(148) ] „roupa‟
(149)  „renascea
(150)  „reduzindo‟
(151)  carroça‟
(152)  „carro‟
Em posição de coda silábica, a vibrante [h] ocorre em margem final de palavra (153-
154, 158-160), anteposto à consoante (157), além de sofrer apagamento variável (158-162),
preferencialmente na posição final de palavra.
58
o fone fricativo glotal vozeado  ocorre anteposto à consoante vozeada (155-156),
decorrente do processo de assimilação do vozeamento da consoante posposta ao fone.
(153)  „lutar‟
(154)  „lucrar‟
(155)  ~  farmácia‟‟
(156)  „emergência‟
(157)  ~  „porque‟
(158)  ~  „quiser‟
(159)  ~  falar‟
(160) [ ] ~ [] „estar‟
(161)  sacudir’
(162) [ queimar‟
Am dos verbos, o fenômeno da queda é observável: em monossílabos tônicos,
substantivos, adjetivos e preposições, seguindo a regra invariável do acento nico em coda
silábica, e com vogal precedente ao segmento [h].
(163)  „por‟
(164)  „dor‟
(165)  „doutor‟
(166)  melhor‟
(167) g „lugar‟
59
Observamos, nos exemplos anteriores, a queda da fricativa em posição de coda, tanto
em nomes (164-167) como em verbos (158-162). O corpus lingstico, em análise, nos revela
uma recorrência maior do processo fonológico da queda da vibrante em verbos no infinitivo,
fato este também atestado por Callou, Moraes e Leite (1996), ao estudarem a distribuição do
segmento fricativo [h] no português do Brasil, no projeto NURC.
Observou-se, ainda, nos dados em análise, em posição de coda silábica, uma queda
gradual de sonoridade do [h] ocasionando o apagamento do fone antes de consoante vozeada
[m, d, v, g] (168-172) e consoante desvozeada [t, s] (173-175).
27
(168)  sairmos‟
(169) g „espingarda‟
(170)  serviço‟
(171)  „fervoroso‟
(172) g „lagarta‟
(173)  „hortelã‟
(174)  „alicerçada‟
(175)  „cursar‟
O apagamento em posição de coda silábica do fonema [r], em verbos no infinitivo, é
recorrente na fala de todos os informantes.
Verificamos, então, que em posão de coda silábica, uma tendência dos falantes
suprimirem o segmento [h], promovendo o seu apagamento na realização do verbo em sua
forma nominal do infinitivo. Verificando a realização zero do fonema /r/, em contexto final,
27
Sobre o aumento de soância do ataque para o pico silábico, e do decréscimo de soância do pico para a coda,
ver Monaretto, Quednau e Hora (1996).
60
no português culto, Callou, Moraes e Leite (1996) concluem que as classes morfológicas
contribuem para o apagamento do fonema, sendo mais comum a realização zero com
morfemas verbais no infinitivo, o que se confirma nos dados em análise.
Por outro lado, destacamos, ainda, que na variedade estudada, o fenômeno do
apagamento se aplica também a substantivos, adjetivos e preposições, quando a vibrante
ocorre em final de palavra (163-167).
A partir das considerações anteriores é possível representar a distribuição do alofone
da seguinte forma:
/r/  ~  / CV__ , CV __.
 / nda
2.2.14. Realização do fonema tepe alveolar vozeado //
O fonema tepe alveolar vozeado /, nos dados analisados, apresenta somente um
alofone: o fone tepe alveolar vozeado []. O segmento ocupa apenas a posição de onset
silábico, e forma sílaba com vogais orais e nasais.
Com relação a sua distribuição o fone é realizado em posição intervocálica (176-178)
e em onset complexo em formação consonantal tautossilábico (179-183).
(176)  „terreiro‟
(177)  „Pesqueira‟
(178) g inaugurado
(179)  „primeira‟
61
(180)  „trabalha‟
(181)  traz
(182)  fraquinho‟
(183) g „obrigado‟
Por outro lado, em onset complexo, em posição postônica, verificamos o apagamento
o segmento alveolar tepe  posposto às consoantes oclusivas /, , / e à fricativa /v/. Nessa
posição o apagamento é variável (184-193).
(184)  ~  padre‟
(185)  ~  „pobre‟
(186)  ~  „pedra‟
(187) ] ~ ] „quatro‟
(188)  ~  coentro‟
(189)  ~  outro‟
(190)  ~  cabra‟
(191)  ~  „livro‟
(192)  ~  „dentro‟
(193)  ~  quadro‟
62
Tendo como base os dados apresentados, a distribuição alofônica desse segmento pode
ser assim representada:
//  ~  / (C)V(C). C__V
 / nda
2.2.15. Realização do fonema nasal bilabial vozeado /m/
O fonema nasal bilabial vozeado /m/ apresenta apenas um alofone: o fone nasal
bilabial vozeado [m]. Este fonema ocupa a posição de onset e coda silábica. Na posição de
onset ocorre em sílaba inicial de palavra (195-196), em posição intervocálica (197-199), e
posposto a consoante heterossilábica (200-201). O fonema /m/ forma sílaba com vogais orais
ou nasais (194-201).
(194)  mora‟
(195)  meio‟
(196) g manteiga‟
(197) ] „homem‟
(198) [ „cemitério‟
(199) [ „costumo‟
(200) [ vermelha‟
(201) [ „enfermagem‟
Em posição de coda a consoante /m/ sofre apagamento e nasaliza a vogal precedente,
em sílaba inicial (05), medial (21) e final (197, 201) de palavra.
63
2.2.16. Realização do fonema nasal alveolar vozeado /n/
O fonema nasal alveolar vozeado /n/ apresenta apenas um alofone: o fone nasal
vozeado [n]. Este segmento ocupa a posição de onset e coda silábica. Na posição de onset a
consoante ocorre em início de palavra (202-203), em posição intervocálica (204-207), e
posposto à consoante heterossilábica (208-209). O fonema /n/ forma laba com vogais orais
ou nasais (203-210).
(202) g „negócio‟
(203) [ „não‟
(204) [ „cenoura
(205) g „inaugurado‟
(206) [ financeiro‟
(207) [ „janeiro‟
(208) [ forno‟
(209)  fornece‟
Em posição de coda a consoante /n/ sofre apagamento e nasaliza a vogal precedente,
em sílaba inicial (196-201), medial (206) e final de palavra.
64
2.2.17. Realização do fonema nasal palatal //
O fonema nasal palatal //, no corpus analisado, apresenta dois alofones: o fone nasal
palatal [] e o glide nasalizado , em variação livre, independentemente, da posição acento.
O fone palatal [] ocupa a posição de onset, enquanto o alofone  ocupada a posão de
onset e coda silábica.
O segmento nasal palatal [] ocorre em posição de onset silábico e se realiza somente
em posição intervocálica (210-211).
(210)  „junho‟
(211) [ „montanhas‟
Por outro lado, o segmento j pode ocorrer em onset silábico, em posição
intervocálica (212-217), ou em coda silábica, com o apagamento da vogal tautossilábica (218-
225).
(212) gj „bodeguinha
(213) j ~  „linha‟
(214) j ~  farinha‟
(215) j ~  lenha‟
(216) gj ~ g galinha‟
(217) j ~  „cozinhar‟
65
(218)  „coitadinho‟
(219)  direitinho‟
(220)  novinho‟
(221)  „roçadinho‟
(222)  „talinho‟
(223)  fraquinho‟
(224)  ~  estranho‟
(225)  ~  „banho‟
Considerando os dados expostos, observa-se que os alofones, quando em posição de
onset, são realizados em posição intervocálica e posposto à vogal nasalizada (212-217, 224-
225). Vale ressaltar, que o segmento apresenta variação livre, visto que, alternância na
realização dos alofones pelos falantes numa mesma palavra (213-217, 224-225).
Já em posição de coda, condicionado pelo apagamento da vogal tautossilábica, a
análise dos dados, revela a dependência do segmento vocalizado [] ao segmento vocálico
neutralizado [], pois, o apagamento o é recorrente com outras vogais da língua. Outro
ponto que merece destaque é a classe das palavras, já que, o apagamento revelou-se recorrente
com substantivos masculinos e adjetivos, no diminutivo (218-223), embora, o apagamento
seja comum também aos substantivos masculinos e adjetivos sem sufixo diminutivo (224-
225).
Vale salientar que os substantivos femininos e os verbos realizados com vogal central
[a, ], em fim de sílaba, em posição de coda, não têm o som vocálico apagado (212-217),
66
mesmo posposto ao glide nasalizado. Assim, podemos representar a distribuição alofônica da
seguinte forma:
 [ ~ j V.__V
//  / .v__
2.2.18. Realização do fonema lateral vozeado /l/
O fonema lateral alveolar vozeado // apresenta, em sua distribuição, quatro alofones:
o segmento lateral alveolar vozeado [l], o segmento vocalizado [w], o segmento fricativo
glotal desvozeado  e o segmento tepe alveolar vozeado . O fonema pode ser realizado
tanto em onset como em coda silábica.
Em posição de onset, o segmento alveolar , condicionado ao ambiente de realização,
pode ocorrer em sílaba inicial de palavra (226-228), em formação de onset complexo (229-
231), em posição intervocálica (232-234). O fonema /l/ forma sílaba com vogais orais ou
nasais (226-234).
(226)  „lavoura‟
(227)  „ladeira‟
(228)  „lápis‟
(229)  „planejo‟
(230)  „plantar
(231)  „inclui‟
67
(232)  „alicerçada‟
(233)  „escola‟
(234)  violência‟
o alofone vocalizado [w], que também está condicionado ao contexto de realização,
ocorre em coda silábica, em posição medial (235-237), ou em margem final da palavra (238-
239).
(235) ] „Caldeirão‟
(236)  „principalmente‟
(237) g „agricultora‟
(238)  „catedral‟
(239)  „disponível‟
Foram observadas ainda alternâncias na realização do segmento lateral [l] em posição
de onset intervocálico, sendo encontrada a não-realização segmento (244). em posição de
coda, constatamos tanto a realização do segmento vocalizado [w], com o apagamento,
sobretudo em posição final de palavra (240-246).
(240)  horrível‟
(241)  „Manoel‟
(242)  „possível‟
(243)  „sol‟
(244)   família‟
68
(245)  w „difícil‟
(246)  ~  „aldeia‟
Outras alofonias que merecem destaque dizem respeito ao rotacismo do segmento
lateral alveolar vozeado [l] em posição de onset complexo, que se realiza tepe alveolar
vozeado [] (247-254), e a realização do fricativo glotal desvozeado [h], em posição de coda
(255-258).
(247)  planta‟
(248)  plantar‟
(249)  „assembleia‟
(250)  „plano‟
(251)  planteiro‟
(252)  „completo‟
(253)  „complicado‟
(254)  expliquei‟
(255)  solta‟
(256)  „volta‟
(257)  soltava‟
(258)  faltou‟
69
A distribuição alofônica do fonema [l] pode ser assim representada:
 [l] ~ [] / C__V.
[l] ~ [] / V.__V
/l/ [w] ~ [] ~ [h] / __.
2.2.19. Realização do fonema lateral palatal vozeado //
O fonema lateral palatal vozeado //, no corpus analisado, apresenta três alofones: o
fone lateral palatal vozeado [], o fone lateral palatizado vozeado [] e a vocalização da
lateral palatal [y]. O fone consonantal [] ocorre na língua portuguesa em posição
intervocálica (259-263) em onset silábico. Quando vocalizado, se ocorrer o apagamento
opcional da vogal final posposta ao segmento vocalizado [y], este ficará em coda silábica
(260-262).
(259)  ~ [ ~  „trabalhei‟
(260)  ~ [ ~ [ „trabalho‟
(261)  ~ [] ~  milho‟
(262) [ ~ [ ~ [ „velho‟
(263)  ~  „repolho‟
(264)  „espalhado‟
(265)  molhado‟
70
As alternativas articulatórias relacionadas à realização do segmento lateral palatal
revelam que o mesmo vocábulo pode apresentar variações de alonicas. Este fato ser visto ao
analisarmos os exemplos (259-261), em que ocorre a realização da lateral palatizada , em
posição intervocálica, e do segmento vocalizado .
Os dados descritos a seguir revelam a alofonia atual da lateral do português da
comunidade de fala estudada. Quando precedido pelas vogais anteriores /i, e/, com realização
alta [i], pode ocorrer o apagamento total, como a vocalização do fonema (266-271).
(266)  „afilhado‟
(267)  melhora‟
(268)  filha‟
(269)  telha‟
(270)  velha‟
(271)  vermelha‟
Salienta-se que o apagamento da vogal final, que condiciona a realização em coda do
segmento vocalizado é variável, como se pode verificar abaixo:
(272)   „velho‟
(273)   „filho‟
(274)   „trabalho‟
71
Por outro lado, em posição tônica, em posição de onset silábico, a lateral palatal 
alterna sua realização entre o segmento palatizado  e o vocalizado [y] (275-277).
(275)  ~   „mulher‟
(276)  ~  ~  „trabalhar‟
(277)  ~  ~  „folha‟
Os dados observados mostram a variabilidade na realização da variante lateral .
Tendo como base a realização nos dados coletados, é possível verificar a realização dos
alofones a seguir:
 [] ~  ~ [y] / .__V
 ~ [y] ~ [] / .__V
2.2.20. Realização dos glides [j] e [w]
De acordo com mara Jr. (1970) há uma problemática a ser considerada com relação
à compreensão dos glides, pois embora ocupem a posição de consoante, tendo uma
representação silábica CVC, eles o de natureza vocálica, o que permite uma representação
do tipo CVV. Para o autor, a problemática está na compreensão da estrutura silábicas, que
pode pressupor uma laba travada (C)VC ou uma livre (C)VV
28
.
28
Adotamos para este estudo a concepção de sílaba livre (C)VV, encontrada emmara Jr. (1970),
72
A formação dos ditongos se com o glide anterior [j], alofone vocálico de /i/ (11,
218-219, 231), e com o glide posterior sonoro [w], alofone vocálico de /u/ (42-43, 48, 62).
Como visto a seguir, no quadro nº 07.
Quadro nº07 Formação dos Ditongos
FORMAÇÃO DOS DITONGOS
Glide [
Glide [
(11)  „espojei
(35)  distância‟
(36)  importância‟
(218)  „coitadinho
(219)  „direitinho‟
(231)  „inclui‟
(42)  „plantio
(43)  „sítio
(48)  Deus
(62)  „índio‟
Tradicionalmente os ditongos em ngua portuguesa são classificados como
decrescente (11-218) e crescente (35-36), sendo que este último, em sílaba VV (glide-vogal),
resulta da ressilabação pós-lexical.
Segundo mara Jr. (1953), os glides pré-silábicos são segmentos sem valor
distintivo, pois funcionam como vogal auxiliar de ditongo, em posição assilábica. Para o
autor, somente existem ditongos decrescente como em (11, 42-43, 218), pois os crescentes
(35-36) podem ser desfeitos em hiatos sem valor distintivos. Ainda, de acordo com autor, o
ditongo crescente se configura apenas na formação de consoantes complexas [k, g] (33, 60,
73
278, 371), que nestes casos não há alternância com hiato, como pode ser observado a seguir
no quadro nº08.
Quadro 08 Ditongo em formação complexa
DITONGOS EM FORMÃO COMPLEXA
[k]
[g]
(33)  „quatro‟
(60) 
(278) g fogueira‟
(368) g „sabugueiro‟
(278) g fogueira‟
Neste caso, Collischonn (1996) com base na proposta de mara Jr. (1953), explica
que a sequência velar + glide posterior gera uma unidade fonológica, da qual resulta um
ditongo crescente pós-lexical, enquanto nos ditongos decrescentes, os glides assumem a coda
silábica, posição típica de consoante.
Outro ponto que merece destaque concerne ao apagamento dos ditongos decrescentes,
produzidos como monotongos (205, 137-138), além de monotongos com ditongos,
comumente, classificados de crescentes
29
em sílaba final de palavra (92, 104, 107), vistos a
seguir no quadro nº09.
29
Esta classificação é comum em gramáticas normativas da língua portuguesa. Câmara Jr (1970) desconsidera
essa formação como sendo um ditongo crescente, como já foi assinalado.
74
Quadro nº09 Formação de Monotongo
FORMAÇÃO DE MONOTONGO
DITONGO DECRESCENTE
DITONGO CRESCENTE
(205) g „inaugurado‟
(137)  „caixa‟
(138)  macaxeira‟
(92) [ vivência‟
(104)  „violência‟
(76) g necio‟
2.3. Segmentos vocálicos e suas realizações
Após a descrição dos aspectos consonantais do português falado pelos Xukuru,
daremos continuidade à descrição do dialeto e apresentaremos a realização dos sons vocálicos
e suas alofonias.
De acordo com mara Jr. (1953 e 1970), as sete vogais fonológicas do português
apresentam uma oposição, no domínio da palavra morfológica ou fonológica, que depende do
acento lexical. Na posição pretônica, a oposição é observada entre cinco vogais (/i, e, a, o, u/),
na posição tônica (/i, e, , a, , u/), entre as sete vogais, e na posão postônica a oposição se
reduz a três vogais (/i, a, u/).
Partindo desse comportamento fonológico, entende-se que as vogais no sistema
vocálico resultam, acima de tudo, da posição da vogal dentro da palavra, pois a distribuição
do segmento vocálico assomada às propriedades do fonema definirão as realizações vocálicas
que envolvem as alterações e o desaparecimento de propriedades articulatórias e ou acústicas
que diferenciem os segmentos vocálicos entre si.
Abaixo, no quadro nº 10, encontra-se os fonemas vocálicos do corpus analisado,
seguidos dos seus respectivos alofones.
75
Quadro 10 - Inventário fonético dos fonemas vocálicos orais e suas alofonias do português
Xukuru
Anterior
Central
Posterior
Não-arredondada
Arredondada
Alta
[i, , , , ]
[u, , , ]
Média-alta
[, ]
[, ]
Média-baixa
[, , , ]
[, , , ]
Baixa
[, , ]
2.3.1. Realização do fonema anterior alto não-arredondado /i/
O fonema vocálico anterior alto não-arredondado /i/ ocupa núcleo silábico. Este
fonema, no corpus em análise, apresenta cinco alofones: o fone anterior alto não-arredondado
[i], o fone anterior alto o-arredondado reduzido [, o fone anterior alto não-arredondado
nasal [], o fone anterior médio-baixo o-arredondado [] e o fone anterior médio-alto o-
arredondado [e].
O fone anterior alto [i] quanto a sua tonicidade pode ocorrer em sílaba pretônica (279-
281) e tônica (280, 282-284).
(279)  difícil‟
(280)  „disponível‟
(281) ii „arremediando‟
(282)  possível‟
(283)  „cultiva‟
76
(284)  vi‟
O fone anterior alto [] é realizado em sílaba postônica medial (285) e final (286) de
palavra.
(285)  „família
(286)  „lápis
o fone anterior alto nasal fonológico [] é realizado em posição pretônica (287) e
tônica (288-289) anteposto à consoante nasal tautossibica, ocupando coda silábica, e
anteposto à consoante nasal heterossilábica, em onset da sílaba seguinte (290-291).
(287)  „importância‟
(288)  „capim
(289)  pinto (filhote de galinha)
(290)  „dinheiro‟
(291)  farinha‟
O fone anterior médio-baixo o-arredondado [] pode ocorrer em posição pretônica
(292) e tônica (293), anteposto aos fonemas consonantais labiais /v, m/.
(292)  ~  „primeiro‟
(293)  ~  „vive
Embora tenhamos detectado somente uma realização com o fone anterior médio-alto
[e] (294), esta variação é comum a todos os falantes.
(294)  „Ribeira‟
77
2.3.2. Realização do fonema anteriordio-alto não-arredondado /e/
O fonema vocálico anterior médio-alto não-arredondado /e/ ocupa núcleo silábico.
Este fonema apresenta, nos dados em análise, dois alofones: o fone anterior médio-alto o
arredondado [e] e o fone posterior alto arredondado [.
O fone anterior dio-alto [e] é produzido em posição tônica: em sílaba inicial (295-
297), medial (297) ou final (299) de palavra; o fone pode ocorrer em posição pretônica (297),
em tônica inicial ( 295-296), medial (297) e em tônica final (299) de palavra.
(295)  peixe‟
(296)  feira‟
(297) [ „terceiro‟
(298) [ „porque‟
Outra realização detectada, em posição posnica final, foi a ocorrência do fone
posterior alto arredondado [, substituindo a realização do fone anterior médio-alto não
arredondado [e] (299).
(299) 
30
„bronze‟
2.3.3. Realização do fonema anteriordio-baixo não-arredondado /
30
Não detectamos no corpus outras realizações semelhantes. Outro ponto que merece consideração, é que a
ocorncia se restringiu a um único falante do sexo masculino, cuja idade é superior a 50 anos, além de o mesmo
nunca ter passado pelo processo de escolarização formal.
78
O fonema vocálico anterior médio-baixo o-arredondado // ocupa núcleo silábico.
Nos dados em análise, o fonema apresenta quatro alofones: o fone anterior médio-baixo o-
arredondado [], o fone anterior médio não-arredondado nasal [e], o fone posterior médio-
baixo [] e o fone posterior alto arredondado [].
O fone anterior médio-baixo [] ocorre em posição tônica (300, 306- 308), além da
posição pretônica: anteposto à consoante oral (301-305), e a consoante nasal (302).
(300)  „pedra‟
(301) g „negócio
(302) h „emergência‟
(303)  período‟
(304)  ~  „serviço‟
(305)  „sertão‟
(306)  „assembleia‟
(307)  „cemitério‟
(308) [p „pé‟
o fone anterior médio não-arredondado nasal [e] ocorre em posição pretônica (309,
311-312) e tônica (309, 313). O fone pode ser nasal fonológico, por assimilação da consoante
nasal tautossilábica [m, n] à vogal (309, 311-313), ou por assimilação de traços da nasalidade
da consoante heterossilábica [] (310).
(309)  enchente‟
79
(310)  ~  „lenha‟
(311)  fazendeiro‟
(312)  sentindo‟
(313)  „tempo‟
Na produção do fone anterior médio-baixo [], em posição pretônica, observou-se, nos
dados apresentados, a realização deste segmento com o fone posterior médio-baixo [] (314)
anteposto à consoante palatal vozeada heterossilábica, e com o fone posterior alto
arredondado [] (307), anteposto à consoante labial [m].
(314) 
31
prejudica‟
2.3.4. Realização do fonema central baixo não-arredondado /a
O fonema central baixo não-arredondado /a/ ocupa cleo silábico. No corpus em
análise, a vogal apresenta três alofones: o fone central baixo o-arredondado [a], o fone
central médio-baixo não-arredondado [] e o fone central baixo não-arredondado nasal [a.
O fone central baixo [a] é produzido em sílaba pretônica (317-319, 322-323), tônica
inicial (315-316), medial (317-318, 320) ou final (321-322) de palavra.
(315) „área‟
(316)  ~  „árvores‟
31
Esta realização, juntamente, com a (307) tiveram ocorrência somente com o mesmo informante do exemplo
(299).
80
(317) [ „marcado‟
(318)  farcia‟
(319) ] „salariozinho
(320) [gd „obrigado‟
(321) ] ~  „está‟
(322) [ plantar‟
(323) [ „trabalhei‟
o fone central médio-baixo o-arredondado [] ocorre em laba átona postônica,
medial (324-325) ou final (326-327) de palavra.
(324) [ ~  sábado‟
(325) [ ~ [ „bêbado‟
(326) [ „carta‟
(327) [ „ladeira‟
a realização do fone [a, quanto à tonicidade ocorre em posição pretônica (329),
em tônica inicial (328, 330), medial (331) de palavra. A vogal nasal fonológica [a] resulta de
um processo assimilatório da consoante nasal tautossilábica [m, n] (328-331), ou pode ser
nasalizada por assimilação de traços do segmento heterossilábico nasal [] (332).
(328) [ „amplo‟
(329) [ planteiro‟
(330) [ planta‟
81
(331) [ „distância‟
(332)  montanhas‟
2.3.5. Realização do fonema posteriordio-baixo arredondado 
O fonema vocálico posterior médio-baixo arredondado / ocupa núcleo silábico. Nos
dados analisados, o fonema revela quatro alofones: o fone posterior dio-baixo arredondado
[, o fone posterior médio arredondado nasal [, o fone central baixo não-arredondado [a], o
fone central baixo nasalizado [,
O fone posterior médio-baixo arredondado [ ocorre em posição pretônica inicial
(338-343) e medial (344-345), além da posição tônica em sílaba inicial (333-334) ou medial
(335-337) de palavra.
(333)  „pobre‟
(334) g „glória‟
(335) [ „escola‟
(336) g „negócio
(337)  „território‟
(338) [ soltava‟
(339) []problema‟
(340)  „votar‟
82
(341)  „morar‟
(342)  „sofrendo‟
(343) [ „opção‟
(344) [ „violência‟
(345) [ „importância
o fone posterior médio-baixo arredondado nasal [ ocorre por processo de
assimilação total da consoante nasal tautossilábica, formando vogal nasal fonológica (346-
349), ou decorre do processo assimilatório da nasalidade da consoante heterossilábica (350).
(346)  „complicado‟
(347)  completa‟
(348)  „ aonde
(349)  comprar‟
(350)  homem‟
Verificou-se ainda em posição tônica a realização do fone central baixo não-
arredondado nasalizado [], no lugar do fone nasalizado [õ] (351). Outra variação presente no
corpus foi observada em posição pretônica, em sílaba inicial de palavra, na realização do fone
médio-baixo arredondado [], que se realizou como um segmento central baixo não-
arredondado [a] (352).
(351) 
32
„somos‟
32
Esta realização é recorrente na fala dos informantes sem restrição de sexo, idade nem escolaridade.
83
(352) 
33
„hortelã‟
2.3.6. Realização do fonema médio-alto arredondado /
O fonema vocálico posterior dio-alto arredondado / ocupa núcleo silábico. Nos
dados em análise, o fonema revela dois alofones: o fone posterior médio-alto arredondado [
e o fone central médio-baixo o-arredondado [].
O fone posterior dio-alto [] quanto à tonicidade, ocorre em silábica pretônica
(355-356), tônica (353-354, 357-358, 360-361) e postônica (359).
(353)  „outros‟
(354)  „outra‟
(355)  ~  „porque‟
(356) [ cozinhar‟
(357)  „lavoura‟
(358)  „cenoura‟
(359)  faltou‟
(360)  secou‟
(361)  plantador‟
33
Esta realização ocorreu somente na fala de uma informante, com mais de trinta anos e ensino fundamental I
completo.
84
Outra alternância que merece consideração é a possibilidade de realização do
segmento central médio-baixo [] em posição postônica final, no lugar do fone posterior
médio-alto arredondado [, como se observa em (362, 368).
(362) [
34
~  „moto‟
2.3.7. Realização do fonema posterior alto arredondado /
O fonema posterior alto arredondado /u/ ocupa a posição de cleo silábico. Este
fonema, no corpus em análise, apresenta quatro alofones: o fone posterior alto arredondado
[u], o fone posterior alto arredondado nasal [], o fone anterior alto não-arredondado [] e o
fone central baixo não-arredondado nasal [ã].
O fone posterior alto arredondado [u] quanto à tonicidade pode ocorrer em sílaba
pretônica e (366-371) e tônica (363-365, 372).
(363)  „dúzia‟
(364)  „luz‟
(365) j „cruz‟
(366)  „urgência‟
(367)  „mudando‟
(368) g sabugueiro‟
(369)  „reduzindo‟
34
Esta realização além de apresentar baixa ocorrência se restringe a falantes, cuja idade é superior a 50 anos e
que nunca passaram pelo processo de escolarização formal.
85
(370)  „ajudando‟
(371)  dificuldade‟
(372)  „tatu‟
o fone nasal posterior alto arredondado [] surge da assimilação da consoante nasal
tautossibica (373). No entanto, neste exemplo, temos uma vogal nasal fonológica, em
posição pretônica medial, e outra em sílaba pretônica inicial. Sendo que a realização da vogal
nasal, em sílaba inicial, o ocorre com o fone posterior alto [], e sim, com a nasal
fonológica central baixa [ã].
(373) g
35
„mungunzá‟
Outra alofonia vocálica detectada foi em (374) na qual o fone posterior alto , em
posição pretônica é realizado com o fone posterior alto [].
(374)  prejudica‟
As descrições dos dados consonantais e vocálicos apresentados neste capítulo servem
de registro da atual variação do português Xukuru, além de servirem de base para as análises
dos processos fonológicos naturais apresentados no capítulo a seguir.
35
Esta realização é comum aos falantes independente do sexo, idade ou escolaridade.
86
CAPÍTULO 3
3.1. Processos fonológicos
36
naturais identificados no Xukuru
Neste capítulo trataremos dos processos fonológicos encontrados na realização do
português Xukuru decorrentes da variação dialetal. Essas variações derivam da variabilidade
organizacional do sistema lingstico, que há uma tendência de os falantes, ao transmitirem
a língua, modificarem-na naturalmente, seja por aumento, subtração, permuta ou transposição
de sons dentro das palavras.
Para uma melhor compreensão dos processos, cada fenômeno se conceituado antes
de apresentarmos sua ocorrência no corpus. Vale destacar, que pelo caráter descritivo da
pesquisa não seo expostos dados estatísticos para as ocorrências dos processos.
Outro detalhe que merece consideração concerne ao fato de que para evitar retomadas
constantes ao capítulo anterior para a exemplificação das mudanças fonéticas, optou-se por
reiniciar a contagem a fim de facilitar a análise e compreensão dos dados.
3.1.1. Acréscimo dos segmentos em posição de ataque, medial e coda silábica
3.1.1.1. Prótese
Este processo é encontrado em Lass (1984), como a inserção de um segmento inicial,
normalmente uma vogal. Esta adição vocálica, em posição inicial da palavra, foi uma
ocorrência comum na passagem do latim para o português, ex.:stare estar, scutu escudo,
como nos lembra Coutinho (2005, p. 146).
36
Vale salientar que a utilização dos autores, neste capítulo, para conceituar os processos fonológicos não indica
que os mesmos criaram tais conceitos, pois estes processos são estudados há tempos dentro das transformações
lingüísticas.
87
Verificando a realização do fenômeno, percebe-se que não uma classe de palavra
específica para sua ocorrência, pois, a inserção vocálica ocorre em verbos e em nomes (01-
05).
(01)  „disponível‟
(02)  „lembrada‟
(03)  secou‟
(04) [ „plantar‟
(05)  plantador‟
Os exemplos, no corpus, apresentam, em ataque silábico, somente a ocorrência do som
vocálico [a] em posição átona pré-tônica. Vale ressaltar, que o processo apresentou poucas
realizações, não provocou mudanças no acento e nem alterou o campo semântico das
palavras.
3.1.1.2. Epêntese
O fenômeno da epêntese corresponde à modificação sonora por acréscimo de um
fonema no interior do vocábulo. Segundo Parlato-Oliveira (2009), a inserção de uma vogal
epentética objetiva tornar a palavra mais perceptível.
Verificando a ocorrência desse processo, Sloat, Taylor e Hoard (1978), ampliam o
conceito ao comentar que a epêntese ocorre quando se adiciona uma vogal ou consoante em
qualquer posição da palavra, eles ainda destacam que este processo é comum nas línguas do
mundo.
88
Na língua portuguesa a necessidade de um segmento vocálico é primordial para
manter o ritmo da estrutural da ngua. Os exemplos (06-09) revelam somente a inserção do
segmento vocálico /i/.
(06)  „adaptando‟
(07) [] „opções
(08) [ opção‟
(09) g „advogado
Segundo Câmara Jr. (1970), embora a primeira consoante constitua distintamente uma
sílaba, o ápice silábico ocorre com o acréscimo do fonema /i/, que a fala da ngua culta
procura evitar, enquanto a fala menos controlada tende a realizá-lo espontaneamente. De
acordo com Cagliari (2007), na língua portuguesa, certos vocábulos que variam
foneticamente, apresentando uma sílaba a mais ou a menos.
Além do corpus regional levantado, a ocorrência da epêntese é comum em outras
regiões do Brasil, como atesta Collischonn (2002), ao estudar a epêntese vocálica no
português do Sul do Brasil. Analisando os contextos fonológicos que incidem sobre a
epêntese, a autora expõe que tal ocorrência é mais comum em posição pretônica, do que em
postônica, visto que há uma redução maior da vogal em contextos pretônicos, como se
observa nos exemplos aqui apresentados.
Lass (1984) chama a atenção para a uma forma mais geral de entese, diferente do
tipo apresentado. Para o autor, a epêntese vocálica pode ocorrer na forma de ditongação, de
maneira assimilatória com a inserção do som vocálico [i]
37
depois de uma vogal e anteposto a
som consonantal (10-16).
37
Representado neste trabalho pelo glide [
89
(10)  traz‟
(11) g „gás‟
(12)  fruteira‟
(13)  „luz‟
(14) j „cruz‟
(15)  „arroz
(16)  „nós‟
(17) g „igrejinha‟
Abordando ainda os processos naturais da fala por acréscimo, Lass (1984),
ressalta que é igualmente comum a epêntese consonantal. O autor destaca que o retardo da
velocidade de produção entre um segmento oral e uma consoante pode tencionar o
fechamento do véu palatino antes do ponto pós-nasal ser obstruído para a realização do
segmento oral, como se observa em (17).
3.1.1.3. Paragoge
Coutinho (2005) apresenta o conceito de paragoge como a inserção de um fonema em
fim de palavra. Ao estudarem a inserção vocálica em coda silábica, os pesquisadores Hora,
Lucena e Pedrosa (2009, p. 222) argumentam que:
(...) as consoantes fricativas, por serem consoantes contínuas, poderiam ter o seu
tempo prolongado e, por conseguinte, poderiam formar um ataque de sílaba cujo
núcleo não é preenchido foneticamente, já que, com o prolongamento da consoante,
o tempo silábico seria atendido, podendo o núcleo estar vazio.(HORA, LUCENA
E PEDROSA, 2009, p.222).
90
Para os autores, essa concepção é atestada com a inserção vocálica [] após coda
silábica do segmento fricativo [z] (18-23). O preenchimento de coda silábica, nos dados em
análise, apresenta baixa ocorrência, isto é, o mais comum é a não-realização de segmentos
vocálicos nesta posição.
(18)  ~ [
(19) g ~ [g
(20)  ~ 
(21)  ~ 
(22)  ~ 
(23)  ~ 
3.1.2. Subtração de segmentos em posição de ataque, medial e coda silábica
3.1.2.1. Aférese
38
Lass (1984) apresenta o processo da aférese como o apagamento de segmentos em
posição inicial de palavra. No corpus levantado, verificou-se a queda de vogal inicial de
palavra em (24), e o apagamento do ataque silábico átono em (25-27).
(24) [gd obrigado‟
(25) ] ~  está‟
(26)  „estão‟
38
Segundo Coutinho (2005), este processo foi bastante comum no português antigo.
91
(27)  estavam‟
Cagliari (2007) chama a atenção para o fato de ocorrer, na ngua portuguesa, a
eliminação de vogais, em determinados contextos. Para ele, o falante reconhece duas
possibilidades de produção da palavra: uma realização completa e outra reduzida, como no
exemplo (25).
3.1.2.2. Síncope
Lass (1984) apresenta a síncope como um apagamento interno de segmento dentro da
palavra, sendo mais usado para se referir à subtração de vogais, porém pesquisadores que
estendem essa classificação para perdas de consonantes também.
Em nossos dados, verificamos a queda de segmentos vocálicos (28-30), consonantais
(31-37), e ainda a eliminação conjunta de vogal e consoante em posição tautossilábica (38-
39).
(28)  „abóbora‟
(29)  „área‟
(30)  ~  „árvores
(31)  „sairmos‟
(32) g espingarda‟
(33)  cursar‟
(34)  ~  padre‟
(35)  ~  pobre
92
(36)  ~  „pedra‟
(37) ] ~ ] „quatro‟
(38) [ ~  sábado
(39) [ ~ [ bêbado
Ao estudar a ocorrência da ncope em labas proparoxítonas do português, Amaral
(2002) explicita ser a síncope um femeno previsível para os falantes, visto que estes
detêm a consciência fonológica das variações.
3.1.2.3. Apócope
Segundo os conceitos expostos por Lass (1984), o femeno da apócope consiste na
queda ou perda do fonema no fim de um vocábulo. Em português um caso comum é o
apagamento dos fonemas /s/ e /r/.
Assim, percebe-se, em contexto final de palavra, o apagamento variável do fonema /r/
(40-43) e do fonema /s/ (44-45), ou apagamento total da consoante /l/ (46-48). Observamos,
também, a queda do fonema vocálico /o/, quando posposto às consoantes palatais vocalizadas
[, ] (49-52).
(40)  ~  „quiser‟
(41)  ~  falar‟
(42) [ „queimar‟
(43)  „por‟
(44) [ ~ [ „lápis‟
93
(45) [ ~ [ „ônibus‟
(46)  horrível‟
(47)  „Manoel‟
(48)  „sol‟
(49)  „joelho‟
(50)  „novinho‟
(51)  „radinho‟
(52)  „talinho‟
De acordo com Sloat, Taylor e Hoard (1978), a acope e a síncope muitas vezes
servem para reduzir o alongamento dos grupos, isto é, os grupos fonéticos são simplificados
de forma a contribuir para uma redução do esforço do falante.
Por outro lado, nem toda perda sonora é foneticamente motivada, algumas supressões
de sons, como o caso do sândi, são de motivação morfofonêmica ou fonotática, portanto,
outras relações como as categorias sintáticas envolvidas devem ser levadas em consideração,
dependendo da análise desenvolvida.
3.1.3. Transposição de segmentos em posição silábica
3.1.3.1. Metátese
A metátese é uma transposição de fonemas. Sua ocorrência gera uma reorganização do
segmento no interior da palavra, de modo que o fone pode mudar de posição dentro da própria
94
sílaba ou migrar para outra sílaba. Segundo Spencer (1995), o fenômeno é comum a qualquer
língua.
Ao estudarem a metátese no PB, em manuscritos do século XVII a XXI, Hora, Teles e
Monaretto (2007) inferem que para se compreender os fatores sincrônicos que incidem sobre
o processo evolutivo da fonologia, é importante considerar fatores sociolingüísticos a fim de
se obter uma explicação aceivel do reordenamento de segmentos no PB. Pois, entre os
séculos XVII a XIX, o processo de metátese o se limitava ao português não-padrão, nem
correspondia a erros de fala, nem o pouco resultava de aspectos diacrônicos de algumas
palavras.
Em nossos dados, encontramos a transposão da consoante quida [] em sílaba
tônica (53-54), permutando para a sílaba átona pretônica. em (55), o segmento aspirado
pretônico [h], ocupando a posição de coda silábica, reorganiza-se por permuta silábica entre
os segmentos contíguos e passa para a formação de onset complexo, realizando-se com
líquida [].
(53)  pedreiro‟
(54)  catedral‟
(55)  ~  „porque‟
Embora, na comunidade estudada, a metátese tenha se revelado como um fenômeno
restrito a poucas palavras, os exemplos apresentados são comuns na fala de quase todos os
informantes.
95
3.1.3.2. Rotacismo
O termo rotacismo é originário do latim rhõtacismus e resulta na pronúncia da
vibrante /r/ no lugar de outra consoante (CUNHA, 1982), neste caso, pela lateral /l/. Segundo
Ladeforged e Maddieson (1996), há uma relação entre ticos e laterais, pois, estes
compartilham de traços fonéticos semelhantes, pois são relativamente soantes. Os autores
ainda esclarecem que a vibrante /r/ e a lateral /l/ apresentam similaridades distribucionais,
visto que são as únicas consoantes a formarem onset complexo, em formação tautossilábica,
além de se realizarem em coda silábica.
Em nosso corpus, encontramos alternância entre a consoante lateral /l/ pela vibrante /r/
realizada como tepe vozeada [], em posição pretônica e tônica (56-59), formando onset
complexo. Já a lateral /l/ vocalizada [w], em coda sibica (60-63) alterna com o fricativo
desvozeado [h], tamm em posição pretônica e tônica.
(56)  planteiro‟
(57)  completo‟
(58)  complicado‟
(59)  expliquei‟
(60)  solta‟
(61)  „volta‟
(62)  „soltava‟
(63)  „soltava‟
96
Este processo fonológico é comum a praticamente todos os informantes da
comunidade.
3.1.4. Processos Assimilatórios
3.1.4.1. Assimilação por nasalidade
Cagliari (2002) expõe que a assimilação se caracteriza pela aquisição de propriedades
fonéticas entre sons vizinhos, cujo compartilhamento de traços os assemelham.
Neste sentido, um tipo comum de processo assimilatório é a nasalização de vogais
quando adjacentes a consoantes nasais. Segundo Spencer (2005), a assimilação pode ser
progressiva (da esquerda para a direita) ou regressiva (da direita para a esquerda), dessa
forma, a assimilação é influenciada pela direção e contigüidade dos segmentos. Sloat, Taylor
e Hoard (1978) chamam a atenção para o fato de a assimilação regressiva ser mais ampla do
que a progressiva.
Assim, a assimilação presente em (64-66) cujos segmentos nasais tautossilábicos [m,
n], em coda silábica, nasalizam as vogais precedentes, transformando-as em vogais
fonológicas, caracterizam o processo assimilatório regressivo. Este tipo de processo aparece
em Lass (1984) como assimilação de contato.
(64)  „planta‟
(65)  comprar‟
(66)  „capim‟
Semelhantemente, outro tipo de assimilação nasal regressiva, porém sem formar vogal
fonológica, é descrita por Câmara Jr. (1970). Segundo o autor, ao antecipar o abaixamento do
97
u palatino, articulação necessária para a produção do segmento heterossilábico, o falante
nasaliza a vogal precedente ao segmento nasal, como em (67-69), porém esse contato
assimilatório não transforma a vogal em fonológica, pois ela apresenta somente uma leve
nasalação.
(67)  planejo‟
(68)  „Ipanema‟
(69)  „disponível
Am do mais, as vogais podem assimilar a nasalidade do segmento palatal nasal []
ou do seu correspondente vocalizado [j], quando anteposto a tais segmentos (70-76).
(70) j ~  „linha‟
(71) j ~  farinha
(72) j ~  „lenha‟
(73) gj ~ g galinha‟
(74) j ~  „cozinhar‟
(75)  ~  estranho‟
(76)  ~  „banho‟
Assim, o processo assimilatório por nasalidade está condicionado à distribuição dos
segmentos. Neste sentido, a assimilação total dos fonemas /m, n/ à vogal anteposta, em
posição de coda, tem função fonológica distintiva, como observou Câmara Jr. (1970).
98
Por outro lado, em posição de onset silábico a assimilação revela-se parcial, pois não
possui fuão fonológica, como examinou mara Jr. (1970), visto que sua ocorrência resulta
somente do processo articulatório, como se observa em (70-76).
Segundo Lass (1984) ainda a assimilação distante: metafonia, ou seja, uma
assimilação de vogais sem contato heterossilábico. Em nosso caso, temos a harmonização
vocálica presente em (77), em cujo processo, a vogal média [o], em posição pretônica,
assimila a altura vocálica da sílaba posposta (BATTISTI e VIEIRA, 1996).
(77)  „costumo‟
3.1.4.2. Palatização
A palatização das oclusivas alveolares [t, d] resulta da assimilação exercida,
geralmente, pela vogal /i/ ou pelo glide [j] sobre estas consoantes. Articulatoriamente, de
acordo com Câmara Jr. (1953) as modificações, no dorso da ngua, ocorridas em combinação
com o palato dio, durante a realização dos sons, transformam as consoantes [t, d], em
africadas [t, . Tamm constatamos a palatização do segmento lateral palatal [], com
representação [, em (78-79).
(78)  ~ [ ~  „trabalhei
(79)   falia‟
Em nossos dados, a ocorrência da africada desvozeada [t] (80-84) apresenta a
palatização com ampla variabilidade de vogais, o se restringido ao segmento vocálico [i],
99
como na realização da africada vozeada [d] (85-88). Este fenômeno o apresenta, em sua
realização, limites quanto à tonicidade na distribuição do segmento africado.
(80)  plantio
(81)  sítio
(82)  „muito‟
(83)  muitas‟
(84) ] „faltou‟
(85)  dei
(86)  tranquilidade‟
(87)  mandioca‟
(88)  „índio‟
Assim, uma consoante oclusiva alveolar [t, d] pode se tornar uma africada [t, d]
quando anteposto a som vocálico. Neste sentido, o processo de palatização é resultado da
cópia de traços do segmento contíguo.
3.1.4.3. Vocalização
Segundo Coutinho (1976), a vocalização se caracteriza pela conversão de um fonema
consonantal por um vocálico. Em nossos dados, encontramos a vocalização do segmento
lateral alveolar [l], com representação do glide recuado [w] (89-93). A consoante apresenta
100
uma variação posicional, em coda silábica, como assinala mara Jr. (1953). Neste sentido,
os traços distintivos o afetados, pois a elevação do dorso da língua em direção ao véu
palatinho, resulta em uma articulação velarizada pela supressão do movimento da ponta da
língua, induzindo o arredondamento dos lábios e consequentemente a realização do segmento
com o glide [w].
(89) ] Caldeirão‟
(90)  „principalmente‟
(91) g „agricultora
(92)  catedral‟
(93)  „disponível‟
a consoante lateral palatal [], revela uma articulação vocálica [i], representada pelo
símbolo [y], na posição do segmento consonantal lateral (94-97).
(94)  espalhado‟
(95)  molhado‟
(96)   velho‟
(97)   „filho‟
Processo similar sofre a consoante nasal palatal [], em posição intervocálica ou em
coda - decorrente do apagamento da vogal final-, manifesta uma realização vocálica
nasalizada, registrada aqui, com o glide [j] (98-101).
101
(98)  novinho‟
(99)  „roçadinho‟
(100)  „talinho‟
(101)  „fraquinho‟
De acordo com Silva (1998), foneticamente a consoante [] intervocálica corresponde
ao segmento vocálico nasalizado [j]. Ainda, segundo a autora, na produção vocalizada do
segmento não ocorre a obstrução na cavidade oral, articulação necessária para a realização da
consoante como uma nasal palatal [].
102
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo apresentado centrou-se na descrição da fonologia segmental do português,
falado pelos indígenas Xukuru, residentes nas regiões do Agreste, Ribeira e Serra, cujas áreas,
situadas na zona rural de Pesqueira PE, pertencem ao território indígena Xukuru.
A pesquisa procurou descrever a variedade dialetal presente na comunidade indígena a
fim de contribuir para o conhecimento dos aspectos dialetais do PB, no Estado de
Pernambuco, para a caracterização mais geral de uma variedade regional da ngua,
principalmente, em situações de fala espontânea.
As propostas variacionistas, que nortearam a coleta de dados, possibilitaram uma
amostragem representativa do grupo em estudo. Porém, a análise quantitativa comumente
aplicada nos estudos sociolingüísticos foi descartada para esta pesquisa, tendo em vista, que o
cerne da pesquisa era sincronicamente apresentar as variantes do PB e suas atuais alofonias,
na comunidade de fala, e não isolar fonemas para aplicar análises estatísticas de ocorrência.
as considerações geográficas e históricas sobre o grupo ético objetivaram esclarecer
as atuais condições culturais do povo indígena e sua reorganização social, para um melhor
entendimento da seleção do grupo étnico, como sujeito da pesquisa.
Neste sentido, os aspectos sincrônicos descritos ao longo do trabalho evidenciaram as
particularidades fonológicas do português falado pelo grupo étnico. Pois, com relação à
descrição segmental dos fonemas consonantais, identificamos uma variabilidade alofônica na
realização dos seguintes fonemas: / , ,  , ,  , , , , ,  , ,
 , ,  , , , ,  , , enquanto os demais fonemas consonânticos o
apresentaram mais do que uma realização. Esta amostragem das variedades presentes no PB
da comunidade favoreceu uma análise dos fonemas que estão em variação livre.
103
Já, na descrição dos sons vocálicos e seus respectivos alofones foi possível detectar
uma ampla variabilidade de realizações. Esta exposição permitiu uma amostragem fonológica
das particularidades fonéticas da variação dialetal, como podemos observar nas realizações
alofônicas a seguir:  [i, , , , ] ,  [, ],  [, , , ],  [, , ], 
[, , , ],  [, ],  [u, , , ]. Assim, a variedade dialetal descrita serve de
registro para estudos futuros sobre os aspectos diacrônicos da língua PB.
No que se refere aos processos fonológicos naturais identificados nos dados, tais como
inserção, subtração, transposição e transformação de segmentos, procurou-se conceituar cada
processo e exemplificar suas ocorrências a partir dos conceitos linguísticos, evitando qualquer
explicação com base em conceitos ideológicos de boa língua.
que, do ponto de vista fonológico, este trabalho contribui para a documentação dos
aspectos descritivos da ngua portuguesa para fins de estudos históricos, além de revelar as
possibilidades de reorganização interna das palavras na língua, e, consequentemente, favorece
do ponto de vista social para a valoração das variantes, erroneamente, tachadas de erradas, ao
mesmo tempo, que serve para a comunidade conhecer a sua maneira de falar.
E, por fim, a pesquisa contribui para o retrato do mosaico do falar pernambucano,
servindo o como um recorte das variedades, mas como uma fotografia da língua em um
dado espaço e tempo.
104
BIBLIOGRAFIA
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109
ANEXO 01
Ficha social para catalogão do informante
Informante :___ Áudio ___ Data: ___/___/____
Duração da entrevista:_________________
01) Nome:__________________________________________________________________
02) Endereço:_______________________________________________________________
03) Data de nascimento:____/____/_____
04) Naturalidade:_____________________
05) Escolarização formal:________________________
06) Nunca estudou ( )
07) Profissão: __________________________
08) Você recebe ajuda financeira do Governo? ( )sim ( ) não
09) Qual é a ajuda financeira que você recebe do Governo? __________________________
10) Você é casado(a)? ( )sim ( ) não
11) Você tem filhos? ( )sim ( ) não
12) Quantos filhos você tem? ____
13) Você costuma sair da aldeia? ( )sim ( ) não
14) Quando você sai da aldeia para onde vovai?__________________________________
15) Quanto tempo você passa fora da aldeia quando você sai dela? _____________________
16) Você pretende morar fora da aldeia algum dia? ( )sim ( ) não
17) Por que você não gostaria de sair da aldeia?_____________________________________
18) Por que você gostaria de morar fora da adeia?___________________________________
19) Onde você gostaria de morar se ssse da aldeia?_________________________________
20) Você costuma ver televisao? ( ) sim ( )não
21) Você costuma ouvir rádio? ( )sim ( ) não
22) Você tem religião? ( )sim ( ) não
23) Qual é a sua religião?__________________
110
ANEXO 2
ROTEIRO PARA ENTREVISTA
1 Você gosta de morar na aldeia? Por quê?
2 Quais as vantagens de morar na aldeia?
3 Quais as dificuldades que você encontra por morar na aldeia? ( limitações na saúde,
educação, transporte etc)
4 O que você costuma fazer para se divertir na aldeia?
5 Qual a seca mais difícil que você já passou aqui na aldeia?
6 Quais as comidas que você gosta de preparar?
7 Você já trabalhou ou trabalhar no campo (roçado)? Por quê?
8 Qual é a importância de Deus na sua vida?
9 Qual é a festa mais importante dos índios para você? Por quê?
10 Por que vose considera índio?
111
ANEXO 3
Figura º04
Índio Xukuru: Marcha ingena Xukuru, 20 de maio de 2010.
Figura nº 05
Índio Xukuru: Marcha indígena Xukuru, 20 de maio de 2010
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