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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC SP
Gisele Falanga Capela Fabreti
A VIVÊNCIA DA SOMBRA NA RELAÇÃO FRATERNA FEMININA:
Um caminho para a individuação
MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
SÃO PAULO
2010
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Gisele Falanga Capela Fabreti
A VIVÊNCIA DA SOMBRA NA RELAÇÃO FRATERNA FEMININA:
Um caminho para a individuação
Dissertação apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Psicologia Clínica, sob a orientação
do Prof. Dr. Durval Luiz de Faria.
SÃO PAULO
2010
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A Vivência da Sombra na
Relação Fraterna Feminina:
Um caminho para
Individuação
Gisele Falanga Capela Fabreti
Errata:
1. Página 11: último parágrafo. Sandmaier (1994)
concorda... . Leia-se: Sandmaier (1994)
anteriormente já tinha destacado... .
2. Página 13: último parágrafo. Inserir os termos ou
legal as a palavra sangue. Leia-se: Considera-se
irmão todo aquele que é ligado por laço de sangue ou
legal... .
3. Página 16: primeiro parágrafo. Substituir o termo
irmãos na primeira linha, por “ pais . Leia-se:
Por volta dos vinte anos a fratria ainda carrega os
reflexos de sua relação com os pais... .
4. Página 34: última linha. Há ausência de pontuação
(dois pontos). Leia-se: Stark diz: .
5. Página 73: décima quarta linha. Há ausência de ponto
final. Leia-se: “ Para Kat ele é o homem experiente,
que como Zeus seduz as jovens belas e inexperientes e
que as abandona frente à fúria ou presença da esposa
Hera.
6. Página 73: penúltima linha. A vírgula está deslocada.
Leia-se: Ao final do filme, no casamento de Jojo, -a
irmã de alma, emprestada pelas duas em diferentes
momentos- sempre mergulhada...
7. Página 83: última linha. Há ausência de vírgula. Leia-
se: As irmãs que ferem estão em descompasso e se pode
ver o reflexo desta falha na horizontalidade, nas
relações amorosas das irmãs.
8. Página 87: segunda linha. Após as iniciais T.J. , o
verbo atua está grafado em maiúscula. Leia-se: T. J.
atua como irmã de alma...
9. Não consta das referências bibliográficas a obra de
Kast:
KAST, Verena. Pais e Filhas, Mães e Filhos: caminhos
para a auto-identidade a partir dos complexos materno
e paterno. São Paulo: Edições Loyola, 1997.
10. Página 101: quarto parágrafo, sexta linha. A
queda da persona... . Leia-se: A queda daquela
persona... .
BANCA EXAMINADORA
Orientador:_____________________________________
Prof. Dr. Durval Luiz de Faria
Examinadora:__________________________________
Profa. Dra. Laura Villares de Freitas
Examinadora: __________________________________
Profa. Dra. Rosane Mantilla de Souza
Para minha família.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer ao meu orientador Durval Luiz de Faria por ter sido meu
guia ao longo deste processo, apontando caminhos quando estes pareciam tão
obscuros.
Aos meus professores e colegas do Núcleo de Estudos Junguianos por
partilharem seus ricos conhecimentos.
A Rosane Mantilla de Souza e Laura Villares de Freitas pela disponibilidade e
pelas inestimáveis contribuições feitas no exame de qualificação.
Às minhas amigas Sonia Vidigal e Alessandra Wainstein, sempre presentes nos
momentos de dúvida e nos caminhos que levam às soluções.
A Elisabeth e Eurico Capela por tornarem este caminho possível desde o início.
A Luciana Capela pelas pesquisas, leituras, ajudas e discussões.
Ao Daniel Fabreti por toda a paciência e incentivo amoroso, hoje e sempre.
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo compreender a vivência sombria no vínculo
fraterno feminino, observando ainda a importância da irmã no processo de individuação
da mulher.
Para isso utilizou-se do referencial teórico junguiano e da abordagem sistêmica,
buscando aproximações através da análise de vivências ficcionais trazidas pelo cinema
em três filmes: “Muito Bem Acompanhada”, “Em seu Lugar” e “Três Mulheres, Três
Amores”. A escolha da metodologia deu-se pela constatação teórica de que a relação
entre irmãs suscita muitos afetos e que os membros da fratria tendem a resguardar-se
ou atacar-se em relatos, mas nas obras culturais, os autores tendem a atribuir a seus
personagens grande autenticidade de afetos, mais que em biografias.
Verificou-se na análise que o vínculo diferenciado dá sustentação para a atuação
da sombra, mas que é a estrutura de ego que permite ou não maior ou menor
integração da sombra, promovendo mudanças de papéis familiares e na fratria, ou
levando à perpetuação dos padrões arraigados.
Palavras-chave: irmãs, fratria, sombra, arquétipo fraterno, individuação.
ABSTRACT
The aim of this work is to understand the dark experience among female siblings
bond, checking also the sister´s relevance in woman´s individuation process.
Therefore, the jungian concepts and systemic approach have been used as base
to analyze fictitious experiences shown by the movies in three stories: “The Wedding
Date”, “In her Shoes” and “Mystic Pizza”. The methodological choice has been made
based on theoretical verification that relationship among female siblings brings up
several feelings and members of sisterhood tend to guard themselves or attack each
other on their speeches, but the authors tend to be more authentic regarding their
feelings in their work compared to biographies.
In this analysis, it has been verified that this unique bond provides better
conditions for the shadow to act out, but it depends on the ego´s structure which allows
a better or worse shadow integration, fostering family and sibling´s pattern changes, or
keeping up with rooted patterns.
Keywords: sisters, siblings, shadow, fraternal archetype, individuation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 11
1. IRMÃOS
18
1.1. A FRATRIA
18
1.2. VÍNCULO FRATERNO E RELAÇÃO FRATERNA
19
1.3. A FRATRIA AO LONGO DO CICLO VITAL
23
1.3.1. Infância
23
1.3.2. Adolescência
26
1.3.3. Vida Adulta
27
1.4. A POSIÇÃO NA FRATRIA
30
1.4.1. O Irmão Mais Velho: O Primogênito
30
1.4.2. O Irmão do Meio
32
1.4.3. O Irmão Mais Novo
33
1.5. PAPÉIS ATRIBUIDOS
33
1.6. OS OPOSTOS E A RELAÇÃO FRATERNA
34
2. IRMÃS
36
2.1. JUNG E AS IRMÃS
37
2.2. A IRMÃ COMO ARQUÉTIPO
38
2.3. A IRMÃ COMO SOMBRA
39
2.4. PAPÉIS FAMILIARES
42
2.5. A IRMÃ QUE FERE
44
2.6. SUPERAR A DOR: CURAR AS FERIDAS
46
2.7. AMBIVALÊNCIA
47
2.8. AGRESSÃO NA SOMBRA
48
3. SOMBRA
50
3.1. SOMBRA NA FAMÍLIA
51
3.2. SOMBRA NA FRATRIA
54
3.3. ATUAR A SOMBRA 55
3.4. ANIMUS
56
3.5. INTEGRAR A SOMBRA
57
4. OBJETIVOS
59
5. MÉTODO
60
6. ILUSTRAÇÕES
65
6.1. TRÊS MULHERES, TRÊS AMORES
65
6.1.1 SINOPSE
65
6.1.2. ANÁLISE
68
6.2. MUITO BEM ACOMPANHADA
75
6.2.1. SINOPSE
75
6.2.2. ANÁLISE
79
6.3. EM SEU LUGAR
87
6.3.1. SINOPSE
87
6.3.2. ANÁLISE
95
7. DISCUSSÃO
103
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS 112
REFERÊNCIAS 115
11
1. INTRODUÇÃO
As irmãs de Psiquê na Mitologia Grega, Rose e Maggie no filme “Em seu
lugar” (2005), Daisy e Kat no filme “Três Mulheres, Três Amores” (1988), Cinderela e
suas irmãs no conto de fadas dos irmãos Grimm são apenas alguns exemplos nos
quais pares de irmãs e seus relacionamentos recíprocos influenciam diretamente
quem são e como se relacionam com o mundo.
Fora da ficção, no cotidiano, deparamo-nos com diferentes tipos de
relacionamentos entre irmãs. Há aqueles cuja natureza permite que as irmãs se
sustentem mutuamente nos momentos de crise e os que se rompem diante da
menor dificuldade. Há ainda as relações que, diante de eventos diversos,
imediatamente revivem antigos conflitos que não foram resolvidos. Ao final, o que se
percebe é a mutabilidade destes vínculos ao longo do ciclo vital e o quão
importantes se mostram na construção de cada membro da fratria.
É curioso, no entanto, que mesmo diante de seu grande impacto na vida das
pessoas, a ligação entre as irmãs seja um tema pouco estudado. São muitas as
produções culturais que trazem as vivências fraternas, mas raras são aquelas em
que o foco está efetivamente no relacionamento. Via de regra, ele aparece como
pano de fundo para o drama, como apenas uma contingência.
Pensando justamente na importância deste vínculo na construção da psique
feminina em geral e da personalidade de diferentes mulheres no mundo e na
escassez de estudos sobre o tema, construiu-se este trabalho.
Percebe-se que realmente estudar esta relação não é tarefa fácil. Rowe
(2007) em seu livro “My Dearest Enemy, My Dangerous Friend”, ainda sem tradução
no Brasil, faz uma importante colocação sobre a dificuldade de se estudar a relação
fraterna. São tantas as variáveis envolvidas, que o que se pode dizer com certeza
sobre esta relação é que se observam tendências e padrões, mas “[...] não há uma
coisa sequer que possa ser dita sobre todos os irmãos” (p.IX).
Sandmaier (1994) concorda com esta colocação e afirma:
Para cada par de irmãos, o exato peso de cada fator será diferente, como
serão também seus pontos de intersecção, com cada elemento
atravessando e envolvendo uns aos outros de forma que haja padrões
únicos para cada relacionamento (p.24).
12
Hock (1999) coloca que os estudos sobre os irmãos começaram há pouco
mais de um século, com o laboratório de Charles Darwin e Dr. Galton, mas ainda
hoje, dentro da psicologia pode-se encontrar muito pouco material sobre o tema,
seja na literatura nacional ou estrangeira, talvez com exceção dos estudos da
infância e com foco na relação dos filhos com a parentalidade (HAWTHORNE,
2003). Ainda assim, os estudos encontrados com foco na relação fraterna são ainda
recentes, como os de Oliveira (2005), Stark (2007), Newton (2007), Downing (2007),
Bank e Kahn (1982) e Cicirelli (1995). Como possível causa para isso, Barcellos
(2003) lembra que a psicanálise e o trio Freud, Adler e Jung abriu o século
psicológico passado com este foco: as relações parentais. Apenas recentemente a
ciência começa a mover seus olhos para novas formas de relação.
Cabe ainda colocar que dentro da Psicologia Analítica a disponibilidade de
material sobre o assunto é ainda menor, em todas as fases da vida. Talvez pelo fato
do próprio Jung não ter se debruçado especialmente sobre este tema, deixando
apenas poucas citações sobre o assunto, mas sempre com foco na
contrassexualidade (JUNG, 1989; 1997; 2003; 2007; 2008).
A relação fraterna, entretanto, existe desde que o primeiro filho do primeiro
casal deixou sua posição de filho único e recebeu um irmão. O vínculo fraterno pode
se constituir em um dos vínculos mais longos vividos, pois começa na infância e
pode nos acompanhar até o final da vida, partilhando e construindo nossa história e
identidade (OLIVEIRA, 2006; BANK e KAHN, 1982).
Esta relação é tão singular que sua natureza só se aproxima do vínculo
parental. Como o vínculo entre pais e filhos, o vínculo fraterno não se rompe. Não
existem ex-irmãos, ou ex-pais. A relação pode ser interrompida, mas o vínculo
permanece.
As emoções que acompanham este vínculo são muito variadas e geralmente
oscilam durante a vida. Interessante notar que em pesquisas realizadas como a de
Gold (1989), citada em Cicireli (1995), obteve-se dados como o que apenas 11% da
amostra pesquisada categoriza o relacionamento com o irmão ou irmã como
negativo e outros 11% como indiferente. Scott (1990), também citado por Cicirelli
(1995), refuta estes dados com índices ainda mais positivos: 95% dos irmãos
entrevistados vêem seus relacionamentos como positivos, 5% como indiferentes e
0% considera seu relacionamento hostil. Sandmaier (1994) colabora com estes
13
dados e aponta que menos de 6% dos irmãos chegam a romper suas relações um
dia.
Assim, pode-se constatar que não são apenas o ciúme e a rivalidade os
sentimentos ligados aos irmãos, como se atribui comumente, mas uma imensa gama
de emoções positivas e negativas que ajudam o sujeito a se constituir, se
reconhecer, se diferenciar e a construir ferramentas para o convívio social mais
amplo (OLIVEIRA, 2005; AKHTAR e KRAMER, 1999, SANDMAIER, 1994).
Dentro da Psicologia Analítica, considera-se que a vivência de irmandade é
arquetípica, ou seja, universal. Peay (2002) em seu livro “Soul Sisters” fala da
importância desta vivência fraterna, e que, naqueles casos em que um irmão não
está disponível, como nos casos dos filhos únicos, a vivência pode dar-se com um
irmão de “alma”, ou seja, alguém escolhido com quem se realizará esta
potencialidade. A colocação é reforçada e ampliada por Barcellos (2003):
[...] qual o verdadeiro impacto da função fraternal, constelada pela aparição
simbólica do irmão, na individuação – esteja este irmão determinado
literalmente por uma laço de sangue ou não?
[...]
Quero pensar que o irmão, como o Outro significativo, define, em níveis
mais avançados do que aqueles do influxo de pai e mãe, meu estar no
mundo, meu amor pelo mundo (p.161).
Hawthorne (2003) frisa que considera o vínculo entre irmãos diferente da
amizade, pois embora a amizade esteja presente ou não no relacionamento fraterno,
o vínculo existe de qualquer forma, já a amizade é voluntária. Esta visão não é
excludente à de Peay (2002), já que a necessidade de realização do arquétipo pode
transformar um vínculo de amizade em um vínculo de irmão.
Sandmaier (1994), apesar de valorizar enormemente as relações de amizade,
frisa que “[...] um vínculo sólido com um irmão alguém que “conhecia você
quando” e que será para sempre o elo pode promover uma confortável medida de
lá no fundo pertencer, o que não se oferece em nenhum outro lugar” (p.17).
Já Burak (apud Ripps, 1994) ainda traz uma observação preciosa: “Por causa
da genética única e os laços ambientais, a amizade entre irmãs pode vir a ser a mais
poderosa e encantadora relação que jamais teremos (p.15).”
Considera-se irmão todo aquele que é ligado por laço de sangue a, pelo
menos, um dos pais. Com as novas configurações familiares pode-se hoje falar de
irmãos, meio-irmãos, co-irmãos e irmãos sociais, sendo estes dois últimos, irmãos
14
ligados pelo casamento dos pais e irmãos “adotados” por afinidade (OLIVEIRA,
2005; ROWE, 2007; BANK e KAHN, 1982). Para este trabalho serão considerados
irmãos todas as configurações citadas.
Excluiremos, no entanto, os gêmeos, por estes apresentarem configurações,
vínculos e constituições emocionais construídas de forma absolutamente singular
em relação a outras fratrias por suas vivências únicas, como percebido por Bank e
Kahn (1982), Stark (2007) e Ripps (1994).
A relação entre irmãs, especificamente, constitui-se de forma diversa às
mistas, em que há irmãos e irmãs, e às exclusivamente masculinas. As exigências
quanto a postura das mulheres e a cultura exerceram influência significativa nesta
relação, onde as verdadeiras emoções não aparecem de forma tão clara e aberta
como entre os homens: sentimentos hostis, agressivos, e intolerância são mais
atribuídos aos homens na relação fraterna desde a infância (SILVEIRA, 2002;
APTER, 2007; STARK, 2007). Interessante pensarmos no resultado destas
omissões de sentimentos na constituição de cada uma das irmãs e o impacto desses
padrões em suas vidas como um todo.
Por suas particularidades, optou-se neste trabalho por estudar a fratria
feminina, mais especificamente díades, ou seja, pares de irmãs, pois como apontam
os estudos (OLIVEIRA, 2005; BANK e KAHN, 1982), esta configuração é a mais
comum dentro da fratria, não importando o número de irmãos e/ou irmãs que a
constituem: “Numa fratria, os irmãos comumente tendem a se organizar em pares
emocionalmente significativos, os quais podem formar relacionamentos tanto
positivos quanto negativos” (OLIVEIRA, 2005, p.120).
Aparentemente os sentimentos ditos negativos encontram espaço para se
fazerem presentes, mas de forma diversa: Cinderela servia as irmãs, que com o aval
da mãe, atuavam sua inveja sobre a irmã. Maggie, no filme “Em seu Lugar” usa a
sexualidade para encobrir sua dislexia e abusa da boa vontade da esforçada irmã
Rose, que está cansada de fazer papel de mãe.
Em comum, todos estes dramas têm lugar na vida adulta. As irmãs já saídas
da fase adolescente, a mais ou menos tempo, estão em sua busca por si mesmas
no mundo, por estabelecerem papéis além da família e da fratria e é neste caminho
que a relação fraterna serve de empurrão para a transformação dos papéis também
dentro da fratria.
15
Sandmaier (1994) e Hawthorne (2003) afirmam que é na vida adulta que se
pode, com maior eficiência, compreender a relação fraterna e transformá-la, pois
antes disso, muitas vezes, a fratria está, por conta do próprio ciclo vital, envolvida
com seu próprio desenvolvimento pessoal e sob forte influência da parentalidade.
Por esta razão, optou-se neste trabalho por estudar a relação da fratria
feminina na vida adulta, já que se pretende observar as mudanças dos papéis neste
subsistema.
A compreensão do momento do ciclo vital de cada um e da família em muito
colabora para se compreender os focos de interesse e investimento emocional dos
membros da família e da fratria em si. Cicirelli (1995), Carter e McGoldrick (1995)
compreendem a família como um sistema emocional que abrange pelo menos
quatro gerações, com suas expectativas, dramas, e cargas emocionais. Assim ao se
observar uma díade fraterna, por exemplo, não se pode deixar de considerar o
sistema maior em que está mergulhada, já que está sujeita a variações e emoções.
Dentro da família a fratria pode estar na fase adulta jovem, os pais começando a
viver o ninho vazio, ou o cuidado com os pais idosos, e os avôs sofrendo com a
perda ou a doença do companheiro. São muitas emoções que perpassam o sistema
familiar e que atingem em maior ou menor escala a todos.
Bank e Kahn (1982), Cicirelli (1995), Oliveira (2005), Hawthorne (2003),
Sandmaier (1994), Hudson (1999), Merrell (1995) e Silveira (2002) partilham do
mesmo ponto de vista no que concerne às diferenças da qualidade do vínculo na
vida adulta. Segundo os autores, até a adolescência o vínculo fraterno se altera
muitas vezes em função de fatores como a construção e afirmação da personalidade
e intervenções dos pais na relação entre os irmãos, mas, na vida adulta este laço
parece ganhar importância e persistência maior.
Importante esclarecer que a idade estipulada como vida adulta para este
trabalho é a utilizada por Leder (1991), ou seja, período de vida adulta jovem
(“young adulthood”) que compreende os vinte, trinta e início dos quarenta anos, o
que tende a corresponder à fase da vida familiar de saída dos filhos de casa para
uma vida independente, seja por conta de estudos, formação de nova família ou
necessidade de independência (CARTER e MCGOLDRICK, 1995).
Leder (1991) ainda difere os vinte dos trinta anos e início dos quarenta,
colocando-os em dois períodos distintos.
16
Por volta dos vinte anos a fratria ainda carrega os reflexos de sua relação
com os irmãos, mas o foco está em ser diferente da referência parental. Os irmãos
não costumam ser o foco do investimento emocional, inclusive de diferenciação, pois
este já teve parte de seu processo vivido durante o final da infância e adolescência,
como apontado por Oliveira (2000), ao contrário do que acontece por volta dos trinta
anos, quando o jovem adulto é impelido a mudar mais uma vez, motivado pelo
desejo de algo mais do que apenas vencer ou ser diferente de seus pais (LEDER,
1991; CARTER e MCGOLDRICK, 1995). A conquista de um espaço profissional, e
principalmente a busca por um parceiro amoroso, passam a ser os principais
objetivos da vida do jovem adulto. É nesta fase que os “irmãos reavaliam seus laços
uns com os outros e também dão um longo e intenso olhar para os outros
relacionamentos importantes (ou a falta deles) nas suas vidas” (LEDER, 1991, p.
76).
Verifica-se então, que o jovem adulto não tem mais como foco a
diferenciação, mas a conquista de ser no mundo e de formar uma nova família.
Processar emocionalmente os papéis familiares vividos pode influenciar fortemente
esta nova família que intenciona construir-se.
Cicirelli (1995) reporta que os contatos entre os pares de irmãs, em especial,
se tornam ainda mais frequentes na fase adulta e tardia da vida, mais do que entre
pares mistos ou do sexo masculino, ainda que todos os pares passem a manter
contatos mais frequentes e relatem sentimentos de maior proximidade com seus
irmãos, mesmo quando o fator distância se torna um entrave para estes contatos.
Compreender a particularidade do vínculo fraterno feminino através das
ilustrações oferecidas pela cultura é o principal objetivo deste trabalho, apoiado na
teoria junguiana, em especial nos conceitos de arquétipo fraterno e de sombra, que
podem ajudar a explicar a construção, a manutenção e a resistência deste laço que
chega a ser humanizado com irmãos eleitos, e que resiste a muitas provações.
A escolha de diferentes histórias para se observar esta dinâmica mostra-se
uma opção eficiente. Rowe (2007) em sua pesquisa percebeu que mesmo nas
biografias há certo descaso ou cuidado excessivo em preservar os irmãos, o que
empobrece a análise destas relações, e nos parece um fato bem curioso, já que aos
pais e aos cônjuges não se dedica o mesmo zelo. Entretanto, nas ficções, os autores
parecem não se importar em colocar sua concepção e até mesmo suas próprias
vivências fraternas nos personagens que criam, sendo o material abundante,
17
detalhado e rico de todos os tipos possíveis de relacionamento humano. Para este
trabalho foram selecionadas algumas histórias ficcionais como as citadas
anteriormente, atuadas no cinema.
Assim, primeiramente estudaram-se as definições e particularidades sobre o
ser irmão, para melhor compreender seu papel e suas características.
No capítulo seguinte, as diferenças entre o ser irmão e irmã são apontadas
por diversos autores, especificando-se o que difere o vínculo fraterno feminino dos
mistos ou masculinos.
O terceiro capítulo pretende, de forma sucinta, trazer os conceitos junguianos
de sombra e suas atuações dentro da fratria.
O quarto e o quinto capítulos trazem o objetivo e o método respectivamente.
O sexto capítulo intenciona analisar as histórias selecionadas segundo os
mesmos conceitos, ilustrando a dinâmica fraterna e suas transformações na vida
adulta através da atuação da sombra pelos membros da díade.
O sétimo capítulo compreende a discussão, fazendo a conexão com a teoria
anteriormente apontada.
O oitavo capítulo traz as considerações finais.
18
1. IRMÃOS
Irmãos podem ser definidos como aqueles nascidos dos mesmos pais e que,
portanto, partilhariam ao menos 50% de seus genes (OLIVEIRA, 2006). Hoje em dia,
no entanto, inúmeras configurações familiares têm ampliado este conceito, o que
poderíamos chamar de diferentes tipos de irmãos.
Há os meio-irmãos, aqueles indivíduos que possuem apenas um dos pais
biológicos em comum; os “stepsiblings” ou co-irmãos, irmãos que não têm laço de
sangue, mas que são ligados pela união de um de seus pais com um dos pais do
outro; os irmãos adotivos, que adquirem o status de irmão pela adoção legal do
indivíduo pela família e os irmãos por afinidade, que não são membros da família,
mas que são aceitos por ela como tais (OLIVEIRA, 2006, CICIRELLI, 1995).
A experiência de ser e ter um irmão é o que podemos chamar de uma
necessidade arquetípica, pois será vivida ao longo do ciclo vital de alguma forma,
seja através de laços de sangue ou afetivos. A realização deste arquétipo, dito
fraterno, é uma necessidade psíquica, pois nele se encerra o princípio da
horizontalidade, da semelhança na diferença, da mutualidade (BARCELLOS, 2003;
2009).
1.1. A Fratria
O grupo de irmãos ou fratria é inaugurado quando, dentro de uma família,
seja qual for sua configuração, nasce o segundo filho, assim, o filho único sai de seu
espaço e entra em uma nova posição, de primogênito dentro de um subsistema que
se cria, o fraterno (SILVEIRA, 2002; OLIVEIRA, 2006).
A chegada do irmão muda a ordem estabelecida e faz necessária a
adaptação e a mudança do status quo. As mudanças afetam principalmente o filho
mais velho, que agora faz parte de um sistema em que passa a ter um par, um igual.
Com o irmão é introduzida a noção de paridade. (GOLDSMID e FÉRES-CARNEIRO,
2007). A consciência de paridade difere bastante em relação à idade e à ordem de
19
nascimento, mas traz a noção clara de que não se é mais único na família e
transforma as perspectivas e os papéis familiares inevitavelmente (APTER, 2007).
1.2. Vínculo Fraterno e Relação Fraterna
Uma característica importante da relação fraterna é que os laços fraternos
podem ser os mais duradouros e longos na vida de uma pessoa, pois é pressuposto
que os pais faleçam antes dos irmãos. Assim, esta é uma experiência que nos
acompanha desde o próprio nascimento, no caso do segundo filho em diante ou, no
caso dos primogênitos, do nascimento do primeiro irmão, o que inaugura a fratria,
até o final da vida. Este vínculo não pode ser desfeito: não existem ex-irmãos. A
relação pode ser interrompida, mas o vínculo fraterno permanece até o fim da vida.
(BANK e KAHN, 1982; CICIRELLI, 1995; OLIVEIRA, 2006, SILVEIRA, 2002;
GOLDSMID e FÉRES-CARNEIRO, 2007; LEDER, 1991).
Podemos entender o vínculo fraterno segundo a definão apresentada por
Goldsmid e Féres-Carneiro (2007): “O vínculo fraterno seria uma construção
psíquica comum aos membros de uma fratria, que lhes permite distinguir-se como
subgrupo dentro do grupo familiar” (p.294).
De modo semelhante, Oliveira (2005) compreende o vínculo fraterno como
resultado de um processo inter-relacional que se constitui e define através das
trocas realizadas pelos irmãos. Este vínculo tem caráter dinâmico e duradouro e
pode ser transformado e ressignificado ao longo da vida. Desta forma, o acesso
entre os irmãos ao longo do ciclo vital pode trazer mais ou menos possibilidades de
transformação deste vínculo.
Bank e Kahn (1982) propõem que o vínculo fraterno é “a conexão entre duas
pessoas, ao mesmo tempo em nível público e íntimo, é um encaixe entre a
identidade de duas pessoas, os irmãos” (BANK e KAHN, 1982, p.15). Importante
frisar que os autores escrevem que a natureza deste vínculo pode ser tanto negativa
quanto positiva e que pode se reconfigurar ao longo da vida, mas ainda assim,
impossível de ser rompido ou desfeito.
Benghozi e Féres-Carneiro (2001) diferenciam ainda laço fraterno de relação
fraterna, definindo o primeiro pelo partilhar do mesmo laço de filiação, ou seja,
20
irmãos nascidos numa mesma família. A relação fraterna, no entanto, não depende
do laço, pode ser fria ou calorosa, próxima ou distante e conter todas as
possibilidades de sentimentos que a vivência entre pares pode trazer.
Pode-se sugerir que, embora se utilizem de nomenclaturas diferentes os
autores tratem de um mesmo elemento, o vínculo fraterno, compreendido pela
ligação afetiva, podendo este ser diverso da relação fraterna.
Segundo Cicirelli (1995), algumas características da relação fraterna são
únicas e as diferenciam das demais relações sociais:
- é geralmente um dos relacionamentos mais longos da vida;
- ser irmão é um papel atribuído, e não há dissolução do status de irmão;
- durante a infância e a adolescência os irmãos mantêm, geralmente, contato
íntimo diário, enquanto na fase adulta a intimidade é mantida à distância. Desta
forma, durante a fase adulta o relacionamento fraterno está mais sujeito a mudanças
e rompimentos por fatores externos;
- é um relacionamento relativamente igualitário, embora possa haver
diferenças quanto ao poder e posição dos irmãos dentro da fratria e da família. Na
maior parte das vezes, no entanto, há equivalência de sentimentos entre os irmãos,
o que lhes permite se relacionar como iguais;
- o relacionamento fraterno está inserido em um contexto mais amplo que
pode auxiliar na constrão da similaridade e ao mesmo tempo da diferença entre os
irmãos, através de experiências compartilhadas, que contribuiriam para a
similaridade e experiências não-compartilhadas, que possibilitariam as
singularidades.
Embora não existam ex-irmãos, ou seja, o laço e o vínculo fraternos não
podem ser quebrados, a relação é passível de rompimentos. Goldsmid e Féres-
Carneiro (2007) citam em seu artigo que em suas observações clínicas e sociais
puderam verificar o rompimento da relação entre irmãos, que se mantém por até
quatro gerações. Nestes casos observam-se os reflexos deste rompimento: primos,
filhos destes irmãos, tendem a ser distantes e pouco se encontram ou se
relacionam, perpetuando a dinâmica dos genitores.
Interessante notar que, embora haja muitos relatos de rompimentos fraternos,
estes pouco aparecem nas produções literárias no caso das mulheres. Há relatos
sobre rompimentos e até mortes entre irmãos homens, mas no caso da relação entre
21
irmãs parece não haver a mesma sustentação emocional/cultural para que este
rompimento se mantenha.
Cicirelli (1995) coloca que a qualidade da relação entre os irmãos sofre muitas
influências e pode ser definida pela posição hierárquica assumida pelos irmãos, bem
como pelo status que cada filho adquire dentro da família. Estas diferentes posições
são determinadas pelo número de irmãos, a ordem de nascimento de cada um,
associada à posição, gênero, idade cronológica e diferença de idade entre eles.
Ainda podemos acrescentar as possíveis variações econômicas e sociais
enfrentadas pela família por ocasião do nascimento de cada um dos irmãos.
Estes pontos são reforçados por Oliveira (2000 e 2005), Bank e Kahn (1982),
que puderam identificar também em seus estudos que o contexto familiar onde os
irmãos estão inseridos é um fator fundamental para moldar o vínculo e a relação
fraterna.
A intervenção dos pais e a atribuição de modelos são importantes variáveis
para a construção da qualidade do vínculo e da relação fraterna. Pais que tendem a
proteger um filho em detrimento de outro, por exemplo, podem colaborar para
conflitos e ciúmes na fratria. Pais que se baseiam na igualdade hierárquica existente
na relação fraterna tendem à justiça e à igualdade, colaborando positivamente para
a relação entre os irmãos (SILVEIRA, 2002):
A forma como interagem pais e filhos é extremamente significativa para a
construção da relação fraterna. Isto porque, os padrões de comportamento
praticados nas interações entre os irmãos são, frequentemente,
generalizações e/ou repetições dos padrões observados na relação pais-
filhos (p. 97).
Não se pode esquecer ainda que os pais tendam a projetar na relação
fraterna entre os filhos seus próprios fantasmas em relação à suas vivências
fraternas. Trazendo estas memórias afetivas os pais podem ajudar ou comprometer
o desenvolvimento positivo do vínculo fraterno entre seus filhos através de
interferências inadequadas (GOLDSMID e FÉRES-CARNEIRO, 2007; PINQUART e
SILBEREISEN, 2005).
Da mesma forma, quando os pais são ausentes ou cuja atuação de seus
papéis familiares seja deficiente, o vínculo fraterno pode ser intensificado e os
irmãos podem apegar-se um ao outro, como base segura durante a infância e
adolescência (BANK e KAHN, 1982; OLIVEIRA, 2005). Importante frisar que este
22
tipo de apego, que se propõe à luz da Teoria do Apego de Bowby
1
, e que visa à
segurança para o desenvolvimento pode ser um grande peso para os irmãos, em
especial para aquele que passa ocupar o lugar do cuidador, trazendo consequências
importantes para a relação fraterna.
Outros fatores de influência significativa na relação fraterna são: a diferença
de idade, o acesso
2
e a diferença de sexo entre os irmãos (OLIVEIRA, 2005; BANK
e KAHN, 1982; CICIRELLI, 1995; WALKER, ALLEN e CONNIDIS, 2005). Existem,
no entanto, algumas diferenças entre os pesquisadores em relação à qualidade da
influência. Algumas pesquisas mostram que quanto maiores as similaridades entre
idade e sexo, mais efetivos seriam os vínculos, e em oposão, as grandes
diferenças etárias e de sexo contribuiriam para relações mais distantes.
As pesquisas de Brody (1998), Silveira (2002), Ripps (1994), Barnes e Austin
(1995), estas últimas citadas por Oliveira (2005), apontam em outra direção: quanto
maior a diferença de idade entre os irmãos mais afetuosa será a relação entre eles,
pois ocorre a diminuição de rivalidades e conflitos, em função de diferentes
interesses motivados pela faixa etária.
Burak (apud RIPPS, 1994) traz dados mais específicos sobre a relação
fraterna feminina, coloca ainda que famílias em que o espaço de nascimento entre
uma filha e outra dá aos pais mais tempo e a possibilidade de focar em cada uma,
ajudando as filhas a desenvolver maior individualidade e auto-estima.
As pesquisas de Oliveira (2000) e Sandmaier (1994), no entanto, apontam
para o acesso como fator de maior peso na construção do vínculo:
Mesmo possuindo idades muito diferentes e serem de sexos opostos,
desde que tenham a oportunidade de interagir dentro do contexto das
relações familiares, o acesso estará disponível e um forte vínculo pode ser
formado (OLIVEIRA, 2005, p.112).
1
Segundo a Teoria do Apego de Bowby o apego é entendido como um tipo particular de vínculo
afetivo, estabelecido através dos relacionamentos, e tendo como base a reciprocidade e o partilhar
dos envolvidos (BOWBY, 1985; 1990).
2
Acesso é compreendido como a possibilidade de se ter acesso ao irmão, a possibilidade de contato.
23
1.3 A Fratria ao Longo do do Ciclo Vital
Ter irmãos mostra-se muito importante para o desenvolvimento do indivíduo.
A relação fraterna tem um imenso impacto sobre os irmãos durante toda a vida.
Geralmente os membros da fratria sequer têm consciência da proporção de sua
influência, mas esta relação é determinante de muitas de suas outras relações
afetivas ao longo da vida (BANK e KAHN, 1982; SILVEIRA, 2002).
Mais do que isso, essa relação oportuniza o aprendizado da disputa, da
admiração, da negociação, da cooperação, da inveja, da imitação, do
diferenciar-se, do amar, do dominar, do odiar, do ceder, entre tantas outras
habilidades e sentimentos que, através destas trocas, passam a fazer parte
das características de cada um de nós. Uma das principais funções disso
tudo é que estas vivências servem como um
laboratório para as relações
sociais que serão experimentadas fora do núcleo familiar (SILVEIRA, 2002,
p.95).
1.3.1. Infância
O nascimento de um irmão é sempre vivenciado como um período de grandes
transformações na família: papéis são alterados e é necessário que se façam muitas
adaptações à nova estrutura. Este fato demanda estratégias e recursos psicológicos
dos pais e do filho mais velho, que muda para sempre de filho único para o lugar do
filho mais velho. Ou seja, tornar-se irmão exige reorganizações do sistema familiar,
presentes e futuras (SILVEIRA, 2002; OLIVEIRA, 2005; BANK e KAHN, 1982).
As pesquisas apontam que comportamentos agressivos e regressivos,
rivalidade e ciúmes podem se fazer presentes, mas que via de regra os irmãos,
quando bem preparados pelos pais, gostam e se mostram disponíveis para cuidar do
novo irmão (OLIVEIRA, 2000).
No início da infância a tendência natural é o filho mais velho atuar como
modelo, sendo imitado pelo mais novo, o que possibilita importante aprendizado de
habilidades sociais e cognitivas (CICIRELLI, 1995; OLIVEIRA, 2000; PINQUART e
SILBEREISEN, 2005).
Alguns estudos apontados por Pinquart e Silbereisen (2005), como os de
Blake (1981) e Downey (1995) mostram hipóteses curiosas sobre o efeito da relação
24
fraterna, como no modelo de diluição de recursos, que coloca que recursos
emocionais, físicos e materiais são finitos. Assim, o número de filhos e
consequentemente de irmãos, afetaria negativamente o desenvolvimento dos filhos,
pois sendo os recursos limitados, se esgotariam e poderiam diminuir a possibilidade
de desenvolvimento intelectual e emocional das crianças. No entanto, estes dados
parecem ser suplantados por um maior número de pesquisas que confirmam o
aumento de habilidades mentais e treino sócioemocional através do ensino direto ou
através da imitação de irmãos mais velhos pelos mais novos (OLIVEIRA, 2000;
PINQUART e SILBEREISEN, 2005).
Mesmo os conflitos que naturalmente surgem na relação entre pares podem
ser importantes ferramentas para o treino de habilidades sociais, que culminariam no
estabelecimento de comportamentos antissociais, nos casos de falta de supervisão
ou intervenções inadequadas (PINQUART e SILBEREISEN, 2005), ou na conquista
de importantes habilidades sociais (OLIVEIRA, 2000; SILVEIRA, 2002; CICIRELLI,
1995).
Apter (2007) coloca que a proximidade e a empatia entre as irmãs, em
especial, emergem do entendimento mútuo e das brincadeiras na infância, já que
considera as brincadeiras e jogos de imaginação e fantasia como uma forma
sofisticada de aprendizado.
Nas brincadeiras, as crianças praticam os papéis sociais e consideram seu
poder de influenciar seu ambiente; elas exploram suas esperanças e
medos, no presente e em suas vidas futuras. Seus primeiros e mais
frequentes parceiros de brincadeira são os irmãos (APTER, 2007, p.65).
Estes jogos e brincadeiras são tão importantes na infância porque ajudam na
construção e refinamento, além dos papéis sociais, da percepção e conhecimento
dos sentimentos e planos dos irmãos. Enquanto ainda não conseguem fazer a
leitura adequada de pessoas e mesmo de crianças desconhecidas, já o fazem com
eficiência dentro da fratria, habilidade que mais tarde será transposta para outras
relações (APTER, 2007). Importante colocar que há diferenças significativas nestas
relações desde o início do relacionamento quando se trata de irmãos de mesmo
sexo e de sexo opostos.
Goldsmid e Féres-Carneiro (2007), no entanto, acreditam que a relação entre
os irmãos na primeira infância será marcada por competição, amor, atenção dos pais
25
e pelo desenvolvimento da própria personalidade através da diferenciação com os
irmãos.
É comum à maioria dos autores, entretanto, a observação de que na infância
os irmãos são intensamente envolvidos uns com os outros e que seus contatos
diários são fonte de sentimentos ambivalentes, agressivos, positivos e muitas
comparações. É através destas vivências e contínuas comparações em diferentes
aspectos que os irmãos, durante a infância, constroem diferentes tipos de vínculos
com os diferentes irmãos.
Podemos compreender que, em busca de uma estabilidade emocional
mínima para o desenvolvimento, é natural que os irmãos busquem uns nos outros o
apoio necessário quando há falta de cuidados por parte de seus cuidadores adultos.
Rowe (2007) afirma que o termo “cuidador” hoje se expande para ambos os sexos,
já que não se pode mais restringi-lo às mães e mulheres embora se pense em
cuidadores como adultos.
A grande questão que acompanha este processo é que como os cuidadores
são crianças também em desenvolvimento, o cuidado que oferecem não é ideal,
além de que, podem desenvolver apegos do tipo ansiosoevitativo ou
ansiosorresistente, em que a criança pode evitar seu cuidador, por sentir que,
embora precise dele e de seus cuidados, ele não consegue fazer com que se sintam
seguros. Este padrão pode causar grande sofrimento para ambos e prejudicar de
forma terrível o vínculo e o relacionamento fraterno. Importante frisar que “O apego
entre irmãos não tem uma história natural” (ROWE, 2007, p.31). Caberia ao adulto
suprir estas necessidades.
Assim, quando Rowe (2007) fala que “O apego sempre envolve graus de
amor e ódio. Nós podemos ser apegados por laços de ódio com a mesma força que
podemos estar unidos por laços de amor” (p.31), podemos inferir quanto o papel de
cuidador pode trazer benefícios e problemas para a fratria ao longo de toda a vida.
É ainda na infância que um fato se constitui e que deve acompanhar a fratria
por toda a vida: muitos irmãos desenvolvem entre si uma linguagem única, quase
que um idioma próprio, seja através de gestual, ou de palavras ou símbolos que
serão conhecidos apenas entre eles, diferenciando a relação entre eles das demais
relações sociais. A linguagem exerce grande poder em relação ao mundo e
consolida esta relação, mais uma vez, como única e exclusiva (APTER, 2007;
CICIRELLI, 1995; BANK e KAHN, 1982; SANDMAIER, 1994).
26
1.3.2 Adolescência
A passagem de um dos irmãos para uma nova fase da vida pode ser, por si
só, um grande fator estressante da relação, que pode se refletir em toda a família.
Mesmo quando o mais velho entra na escola e o mais novo ainda está em casa,
dentro da infância, há importantes mudanças no acesso entre eles e em relação aos
interesses. O mais velho tende a ser imitado e invejado pelo mais novo que deseja
fazer parte deste novo e interessante mundo a que o irmão agora pertence
(OLIVEIRA, 2000 e 2005; CICIRELLI, 1995; BANK e KAHN, 1982).
O mesmo processo volta a acontecer na passagem de um dos irmãos, a
princípio, para a adolescência. Os conflitos antes motivados pelo ciúme e disputa
pelo amor dos pais, pelos brinquedos e espaços a serem divididos se alteram para
tentativas cada vez mais intensas de estabelecerem relacionamentos igualitários
com conflitos próprios que se estendem por toda a adolescência (Brody apud
Silveira, 2002).
Bank e Kahn (1982) frisam que uma das principais dificuldades desta fase é
que os irmãos, antes identificados um com o outro, precisam agora, ou pelo menos
um deles, se diferenciar para construir uma identidade, o que gera grandes
desencontros dentro da relação:
Com qualquer mudança perceptível no irmão, um irmão ou irmã tende a
vivenciar um sentimento de perda; se o irmão se tornou “diferente”, os dois
não poderão mais brincar ou conversar juntos como faziam antes (p.65).
Estas vivências de perda merecem especial atenção, pois podem se estender
por toda vida, causando uma ferida que enfraquecerá o vínculo fraterno. A atenção
especial por parte dos pais em explicar o que o irmão está passando, e em muitos
casos, a atenção de um terapeuta pode ser necessária para que esta passagem
seja superada sem seqüelas, trazendo a aprendizagem de que:
Os desapontamentos ou dores que estão presentes nas entrevistas podem
coexistir com uma geralmente prazerosa e cuidadosa relação cotidiana,
como acontece com qualquer vínculo estreito (MILLMANN, 2004, p.XXIII).
Oliveira (2005) e Sandmaier (1994) reforçam esta posição, explicitando que
são muitos os fatores que influenciam na construção e manutenção do vínculo
27
fraterno, mas que a atitude dos pais frente aos conflitos e dificuldades vividas, em
todas as fases da vida, pode ser um dos determinantes para a qualidade da relação
entre os irmãos. “Os pais devem incentivar negociações e contribuir para a busca de
soluções viáveis e igualitárias” (OLIVEIRA, 2005, p. 123).
As alianças encontradas entre os irmãos, citadas por Oliveira (2000), Bank e
Kahn (1982) podem ser formadas e constituídas em pares emocionalmente
significativos com relacionamentos tanto positivos quanto negativos. E é na
adolescência que podem ser abaladas, transformadas ou solidificadas.
Durante a adolescência o foco maior está fora da família, nas amizades, e
esta pode ser uma das causas para certo afastamento, que pode ser apenas
temporário. Há ainda a possibilidade de transformações muito positivas dentro do
vínculo, como no caso de um irmão mais novo que antes era muito distante de seu
irmão já adolescente e que agora passa a ter os mesmos interesses e uma nova
forma de relação e cumplicidade podem ser experimentadas (OLIVEIRA, 2005).
Oliveira (2005) aponta para o consenso entre os estudiosos em relação aos
conflitos, que atingem seu ápice na adolescência, mas, também concordam que ao
final desta fase estes mesmos conflitos e rivalidades tendem a diminuir. “A
adolescência pode ser considerada uma ‘segunda chance’ de nos tornarmos ‘irmão
do irmão’” (GOLDSMID e FÉRES-CARNEIRO, 2007, p.298).
1.3.3. Vida Adulta
O laço fraterno é valioso na velhice e na vida adulta, (OLIVEIRA, 2000;
CICIRELLI, 1995; LEDER, 1991), embora haja algumas diferenças em relação a
esta visão.
Cicirelli (1995) frisa ainda em suas pesquisas que os contatos na vida adulta e
velhice foram significativamente maiores entre pares de irmãs, que em duplas de
sexo oposto, e que a proximidade ou acesso entre eles também era relevante para o
contato mais frequente.
Goldsmid e Féres-Carneiro (2007) colocam que geralmente há um
distanciamento entre os irmãos na idade adulta, já que cada um tende a seguir seu
caminho profissional e pessoal, centrando-se na construção de seu novo e próprio
28
núcleo familiar. Acreditam ainda, que a maior ou menor proximidade pode ser fruto
de uma dinâmica familiar trazida do passado.
Constatou-se ainda que as relações entre irmãos adultos sejam construídas
de forma a evitar conflitos e rivalidades (CICIRELLI, 1995):
A despeito de sentimentos de rivalidade subjacentes, a maior parte dos
adultos mais velhos valoriza suas relações com seus irmãos e desenvolve
formas de interação que evitam conflitos e rivalidades. Como resultado,
hostilidade, agressão e violência entre irmãos na vida adulta e velhice são
relativamente raras (p.56).
Na fase adulta os afetos não variam com a idade e geralmente são descritos
de forma positiva, sendo os irmãos vistos como fonte de apoio quando necessário
(CICIRELLI, 1995; OLIVEIRA, 2005), mas a proximidade pode ser afetada por
fatores externos como casamento, nascimento dos filhos, divórcio, viuvez, doença
ou morte dos pais (CONNIDIS, 1992 apud CICIRELLI, 1995; LEDER, 1991).
Funderburg (2000) em seu artigo cita a psicóloga Carol Netzer, em entrevista,
que os fatores apontados acima podem desencadear a separação dos irmãos, mas
apenas se houver uma tensão prévia construída ao longo dos anos. O mesmo artigo
aponta, no entanto, que o dinheiro pode ser ainda um fator de crise e estranhamento
entre os irmãos, ou ainda qualquer outro fator que venha a trazer a quebra do
sistema de valores partilhados pela vida pelos irmãos, como: opção sexual,
casamentos inter-raciais, conversão para outra religião etc. A mudança de status
sócioeconômico parece ser um fator bastante comum no que se refere a abalar a
relação entre irmãos. Há forte estranhamento do outro: perde-se a referência da
familiaridade, característica básica da fratria.
Stark (2007) relata que em sua pesquisa uma das características positivas
apontadas pelas irmãs entrevistadas era justamente a sensação de familiaridade
que lhes permitia “regredir” a estágios de suas vidas quando podiam brincar ou fazer
outras coisas que faziam juntas, levando-as a reviver a família e sua história em
companhia confortável e agradável.
Uma de suas entrevistadas, Ginny, relata: “Se eu não tivesse uma irmã, eu
seria muito mais séria. Eu não sei se eu ficaria tão confortável me divertindo do jeito
que eu me divirto com a minha irmã com outra pessoa” (STARK, 2007, p.13).
A ligação com quem é e com a história pessoal faz do irmão um ser único. Ter
o irmão por perto resgata a origem, a história e a identidade (HAWTHORNE, 2003).
29
O rompimento da relação fraternal pode ocorrer quando as feridas são muito
profundas e o vínculo não oferece uma base segura para superação de dificuldades,
ou, se uma das partes se recusa a trabalhar e vencer o problema. O rompimento, no
entanto, não deixa de ser dolorido. Uma das entrevistadas de Funderburg (2000)
relata “Não há um só dia que passe sem que alguma coisa me faça lembrar dela”
(p.1). A irmã rompeu com a família sem grandes explicações, deixando um grande
vazio na fratria, em especial, porque esta não sabe as razões da irmã para esta
atitude.
Este fato retoma que o vínculo fraterno não é voluntário, pois é dado, mas a
relação, em especial na vida adulta adquire um caráter maior de escolha (WALKER,
ALLEN e CONNIDIS, 2005; BEDFORD, 2005; HAWTHORNE, 2003).
Allan (apud WALKER, ALLEN e CONNIDIS, 2005) explica que o vínculo
fraterno pode estar “dormente”, ou seja, não está ativo no dia a dia ou está em
suspenso, mas pode ser ativado durante tempos de necessidade ou de conexões
familiares. E mesmo quando o vínculo está “dormente”, a influência dos irmãos uns
sobre os outros em relação aos seus pensamentos, sentimentos e ações são
constantes, mesmo que não estejam juntos ou presentes. Os laços fraternos podem
ser ativados mesmo sem contato através de vivências diárias ou fatos que evoquem
coisas que apenas o irmão poderia compreender. Este fato mantém os irmãos
próximos afetivamente, mesmo que estejam longe fisicamente.
De forma geral, pude constatar que, na vida adulta, o relacionamento
fraterno sofre contínuos movimentos, sendo possível, a cada irmão, de
acordo com a história pessoal, valores e momento de vida, rever o
relacionamento e dar novos significados ao irmão em sua vida, sendo
possível inclusive alcançar novas formas de interação. Embora a
possibilidade de transformação e de ressignficado do vínculo esteja
presente ao longo de toda a vida adulta, sob a influência de uma série de
fatores, a memória comum construída ao longo da infância e da
adolescência, ou seja, a história vivida de forma compartilhada no contexto
familiar de origem, constitui-se um fator fundamental para o processo de
manutenção do vínculo ao longo da vida adulta (OLIVEIRA, 2005, p.131).
1.4. A Posição na Fratria
Há diferentes estudos sobre a posição na fratria e as possíveis determinações
que podem ser fruto deste “lugar” na família. As pesquisas, no entanto, divergem.
30
Stark (2007) em seu livro “My Sister, My Self” traz todo um capítulo dedicado
ao que chama de “tomb position”, ou seja, à posição na família de acordo com a
ordem de nascimento. Interessante notar que embora haja uma intenção clara de
extrair da pesquisa padrões da posição, Stark acaba levantando mais padrões de
conduta ligados a papéis familiares que padrões de personalidade.
Como utilizou entrevistas com irmãs, estas traziam algumas respostas que
permitiram categorizar padrões de papéis, como mediadora, abre caminhos,
boazinha, responsável, cuidadora, para as irmãs mais velhas a divertida, rebelde,
estranha, ovelha-negra, para as irmãs do meio e bebê da casa, favorita, “miss
perfeição” para as mais novas (STARK, 2007).
Bank e Kahn (1982) em seu estudo sobre as relações fraternas, no entanto,
não se prendem às posições diretamente ligadas à ordem de nascimento, mas
reconhecem que os papéis estabelecidos dentro da família são muito variáveis e
decorrem da realidade de cada família. Assim, o cuidador, por exemplo, é um papel
que pode ser exercido de qualquer posição da fratria, desde que haja a necessidade
de cuidado por alguma razão, seja abandono, doença etc.
O papel de cuidador é citado por grande parte dos autores estudados, como
Cicirelli (1995), Millman (2004), Rowe (2007), Ripps (1994), e recebe grande atenção
até mesmo pela frequência com que acontece. Ser responsável pelo cuidado e
desenvolvimento de um ou mais irmãos não é tarefa adequada para outro irmão na
infância, mas hoje um grande número de famílias vive esta realidade.
Fernandes, Alarcão e Raposo (2007) concluíram em sua pesquisa, no
entanto, que a posição na fratria é, entre outras variáveis, estatisticamente
significativa no que concerne a provocar variações na personalidade dos sujeitos.
1.4.1. O Irmão mais Velho: o Primogênito
O irmão mais velho sempre aparece nas pesquisas, pois sem ele não há
fratria, que só se inaugura quando o filho único se torna o irmão mais velho
(SILVEIRA, 2002; OLIVEIRA, 2006).
Rowe (2007) e Apter (2007) falam que o filho mais velho, antes filho único
sofre o que chamam de trauma, por perder a identidade que tinha até o momento do
31
nascimento do irmão. Ele deixa de ser o único e passa a ser parte, além de lidar com
a transformação ampla do espaço familiar. Sua vida nunca mais será a mesma e
este espaço está perdido para sempre.
Como apontado anteriormente, a forma com que os pais preparam o filho
para receber o novo membro da família pode ser um fator decisivo para a criação de
um vínculo positivo (ROWE, 2007; APTER, 2007; BANK e KAHN, 1982).
O irmão mais velho geralmente recebe a tarefa de cuidar do irmão mais novo
e muitas vezes, incluída nesta tarefa, quando mais ampla, está o dever de validar
este irmão, ou seja, é delegada ao irmão mais velho a tarefa de fazer com que este
irmão sinta que é gostado e que ocupa um lugar efetivo no mundo (ROWE, 2007). O
cuidar pode ser uma tarefa pesada demais para uma criança, que ainda não tem
recursos ou meios para fazê-lo, o que pode trazer consequências para o mais velho
por toda a vida. É mais comum, no entanto, que estes encargos sejam delegados às
filhas mulheres (PEREZ, 2002).
Stark (2007) verifica que muitas irmãs mais velhas carregam a eterna
sensação de nunca fazer o suficiente por seus irmãos, ou têm muito medo de errar,
o que as impede de agir de modo mais assertivo na vida, pois desde a infância
tinham objetivos altos demais para serem alcançados. Não percebiam, e algumas só
têm consciência deste fato na terapia, que a tarefa de criar ou cuidar dos irmãos em
uma fase em que não tinham ainda condições de fazê-lo de modo eficiente, gerou e
ainda gera grande angústia e frustração. Em alguns casos este papel de cuidador
fica tão impregnado que é praticamente impossível descolá-lo da pessoa.
Também é comum os filhos mais velhos carregarem o legado da família, e
assim desenvolverem maior autocrítica, tendência ao perfeccionismo e cobrança. As
antigas leis da progenitura foram fontes de muita discórdia entre os irmãos homens,
pois a eles cabia a herança familiar. Assim, apenas os homens disputavam o legado
deixado pela família, o que pode explicar a existência de tantos casos, inclusive
bíblicos, de rivalidade fraterna que chegam às últimas consequências. Para as
mulheres, no entanto, a rivalidade fica encoberta, mas não deixa de existir. O objeto
da peleja, no entanto, tende a ser o afeto e o reconhecimento (APTER, 2007;
AKHTAR e KRAMER, 1999).
Perez (2002) aponta ainda que os primogênitos em geral acreditem ser
aqueles que abrem o caminho na relação entre pais e filhos, além de se sentirem
cobrados a serem os exemplos para seus irmãos.
32
Estas tarefas atribuídas em especial aos primogênitos podem ter um grande
peso, o que sugerem as pesquisas citadas por Perez (2002), que apontam desde a
década de setenta do século vinte até a atual que a maior solicitação por
atendimento psicoterápico é dos filhos mais velhos.
1.4.2. O Irmão do Meio
Para Adler (1998) o segundo filho é aquele que vive em tensão nervosa,
lutando pelo espaço e tentando superar sempre o irmão mais velho. O autor acredita
que esta posição é ingrata, pois pode gerar sofrimento ao longo de uma vida toda, já
que este filho pode tornar esta tarefa de superação do primogênito seu ideal de vida.
Muitas vezes quando esta superação acontece o filho do meio fica perdido, sem
rumo.
A pesquisa realizada por Fernandes, Alarcão e Raposo (2007) aponta ainda
para o fato de que o filho do meio, com frequência, é aquele que não tem papel
definido dentro da família e que tende a agir com menos altruísmo, sendo mais
centrado em si mesmo. Costumam ser mais hostis e propensos a experienciar a
raiva e estados semelhantes, como angústia. Parte disso pode ser explicado pelo
fato de travarem inúmeras batalhas constantes para encontrar seu espaço e
identidade no seio familiar.
Burak (apud Ripps, 1994) fala em especial da filha do meio e diz que
geralmente sua situação é a mais difícil dentro da fratria, pois não tem papéis claros
e predefinidos como normalmente acontece com a primeira filha e a mais nova. Além
do que, segundo o autor, a irmã mais velha tende a se unir à mais nova, excluindo a
irmã do meio, que fica ainda em posição mais delicada, ou melhor, ainda mais sem
lugar.
Importante frisar que o filho do meio é diferente do segundo filho, que no caso
de uma díade, pode desenvolver características do filho mais novo.
33
1.4.3. O Irmão mais Novo
O filho mais novo tende a ser o bebê da casa e mantido nesta posição por
toda a vida, caso não se rebele em relação a isso (BRITTO, 2002). Este fato pode
ser reflexo de uma necessidade dos pais em manter um filho em casa para cuidarem
e protegerem, exercendo assim sua função parental por tempo indefinido, porém ao
custo do desenvolvimento de um dos filhos (GOLDSMID e FÉRES-CARNEIRO,
2007).
Adler (1998) defende ainda que o mais novo nunca é destronado, ocupando
sempre um lugar de grande amplitude na família. Tem muitas mães e pais, o que
inclui os irmãos que podem assumir posição de cuidado por conta própria ou por
orientação dos pais. Frequentemente é mimado e quer sempre mais que os outros.
Faz grandes planos, mas dificilmente os leva a cabo.
A pesquisa de Fernandes, Alarcão e Raposo (2007) mostra que os filhos mais
novos são mais amáveis que os filhos únicos e mais retos e complacentes que os do
meio. Parte desta tranquilidade pode ser explicada pelo fato de que os mais novos,
assim como os mais velhos, têm papéis mais bem definidos dentro da família, o que
os permite serem mais objetivos e claros nas relações familiares que os irmãos do
meio, mais propensos a jogos e a chantagens emocionais.
1.5. Papéis Atribuídos
Atribuir e assumir papéis dentro da família parece ser inevitável.
Pieri (2002), no “Dicionário Junguiano”, escreve sobre a persona: “Termo
latino que indica a máscara que o ator teatral, tanto cômico como trágico, punha no
próprio rosto no decorrer da apresentação” (p.377).
Segundo o mesmo autor, o termo persona pode designar um aspecto da
personalidade; uma das “sub-personalidades” que gravitam em torno do eu e que
mudam continuamente ao longo da vida; a imagem que o indivíduo mostra
externamente; o papel ou status social do indivíduo nas relações com o mundo; a
adaptação do eu ao mundo externo e ao coletivo. A persona teria a função de
34
adaptar o indivíduo ao grupo social a que pertence, garantindo seu lugar. Importante
colocar ainda que embora o foco seja de adaptação, a forma de atuação ou de
exteriorização da persona se dá com base no eu, ou seja, a persona é produto das
necessidades de adaptação externa e interna.
Assim, ao nascer dentro de uma família, o bebê encontra prontas muitas
expectativas em relação a ele, e atua constituindo ao longo de toda a vida relações
para garantir o pertencimento.
Como apontado anteriormente, cada filho, em cada uma das posições na
fratria, já tem atribuídos papéis e condutas esperadas pela família como um todo
dentro de um contexto mais amplo da cultura. Ser irmão, por exemplo, é um papel
atribuído dentro da cultura e de forma mais particular dentro de cada configuração
familiar (FERNANDES, ALARCÃO e RAPOSO, 2007; OLIVEIRA, 2005; CICIRELLI,
1995).
Cada família adota modelos de conduta e papéis a serem seguidos e que
mesmo quando um membro da fratria age de forma contrária ao proposto como
ideal, este antimodelo pode ser entendido mais como complementaridade do que
como oposição simples. Entender a ação de antimodelo é importante para analisar
as verdadeiras relações presentes nas relações fraternas que podem não estar
explícitas, ou seja, a sombra pode ser atuada (OLIVEIRA, 2005; APTER, 2007).
1.6. Os Opostos e a Relação Fraterna
Grande parte das pesquisas como as de Apter (2007), Oliveira (2005), Stark
(2007), Rowe (2007) e os textos de Downing (2007) aponta para a mesma direção:
na relação fraterna a constelação de pares de opostos dentro da fratria parece ser,
além de um padrão, um recurso importante de construção e de diferenciação dos
indivíduos dentro da família. Há ainda, como citado anteriormente, a função de
atuação de elementos muitas vezes não explícitos na dinâmica familiar. Assim, o
antimodelo poderia ser visto como “porta-voz” do grupo em questão, da família como
um todo, como da fratria.
Stark (2007) diz
35
[...] quando uma irmã desenvolve uma reputação em particular na família, a
outra irmã cresce fazendo o contraponto, porque o primeiro papel já foi
ocupado. E uma vez que a reputação de alguém é formada, é muito difícil
de ser mexida (p.27).
Este fato é exemplificado pelo depoimento de Pauline:
Quando eu tinha onze anos, eu disse que queria ser Miss Universo. Bem,
isso grudou como uma cola, pelo amor de Deus. Eu era uma criança
quando disse isso! Quero dizer, vamos lá! Mas, é assim que eles são —
eles pegam pequenos fragmentos de memórias e os prendem em você, e
isso é como se estivessem em você inteira e leva muito tempo para tirá-los
(STARK, 2007, p. 27).
A oposição de papéis, por assim dizer, pode ser a expressão dos
complementares, permitindo um maior desenvolvimento dos irmãos através do
contato com diferentes possibilidades de condutas e papéis. Esta contraposição faz
com que muitos irmãos pensem ser completamente diferentes de seus irmãos, o que
não é real (MERRELL, 1995; SILVEIRA, 2002). Muitas vezes a própria sensação de
polarização, “eu sou isso e ele é aquilo”, encobre diferenças reais, mas deve ser
motor para a pergunta sobre como se chegou a este quadro. O que esta relação
evidencia?
Merrell (1995) e Apter (2007) frisam que o vínculo fraterno existe e vai
interferir ao longo de toda a vida dos membros da fratria. O fato de ter natureza
positiva ou negativa não muda a importância desta conexão. Passa a ser tarefa da
vida adulta apreender o sentido por trás desta oposição instalada na família e buscar
o desenvolvimento através dela.
36
2. IRMÃS
A relação fraterna aplicada às irmãs apresenta algumas particularidades,
dentro das características que tornam o vínculo fraterno singular. Assim, algumas
colocações se fazem necessárias.
Importante lembrar que ser irmã, assim como ser irmão, não é uma opção,
mas uma condição imposta, de familiaridade, vitalícia e impossível de ser rompida
(DOWNING, 1998 e 1999). A relação entre irmãos, no entanto, se torna opcional
com a idade, em especial na fase adulta, embora o vínculo não seja passível de
rompimento (OLIVEIRA, 2005; DOWNING, 1999).
A relação entre irmãs é de maior proximidade afetiva do que entre irmãos de
sexos diferentes ou irmãos homens e tende a se estreitar ainda mais na vida adulta
e na velhice. O contato entre irmãs é ainda mais frequente do que entre outros pares
de irmãos (CICIRELLI, 1995). Da mesma forma a agressão, rivalidade e hostilidade
tendem a diminuir com a idade, embora sejam desde sempre, expressas mais
raramente entre irmãs do que em outras configurações fraternas. Fundamental frisar
que o afeto não varia com a idade, apenas as relações (BEDFORD, 2005; BANK e
KAHN, 1882; OLIVEIRA, 2005).
Para irmãs, as qualidades positivas do relacionamento (como similaridade
de valores, confiança, prazer na companhia umas das outras) submergem
na adolescência, depois melhoram na vida adulta e são esperadas que se
mantenham constantes na velhice (CICIRELLI, 1995, p.61).
Cicirelli (1995) fala ainda que em suas pesquisas descobriu que a percepção
de se ter um relacionamento próximo com uma irmã, seja por um irmão ou irmã, foi
apontado como um importante fator de bem-estar e como fator de contribuição para
redução de sintomas depressivos, o que não foi percebido na relação de
proximidade com um irmão, que parece ter pouca relevância para o bem-estar.
37
2.1. Jung e as Irmãs
Jung cita a irmã em sua obra algumas vezes, mas sempre no que concerne
ao par irmão-irmã ou ao masculino-feminino, ou seja, fazendo referência ao oposto
contrassexual, animus/anima. Seu foco não era nesta relação, mas na coniunctio.
Barcellos (2009) comenta que Jung dedica apenas quinze linhas em suas
memórias para falar de sua irmã mais nova, Gertrud, e que nem mesmo cita seu
nome, mas diz que ela sempre foi uma estranha para ele.
No volume IV das “Obras Completas”, Jung cita a irmã ao falar de um sonho
relatado por um paciente homem. Na análise do sonho verifica ser a figura da irmã a
equivalente à figura de mulher, ou seja, o amor pela irmã é o amor por uma mulher
(JUNG, 1989).
Nos textos do volume IX, tomo I, Jung (2007) cita em quatro diferentes
situações (§ 417, 445 e 516) a irmã, sendo que em três delas Jung refere-se
também diretamente à anima, ou seja, ao aspecto contrassexual do masculino. Há
ainda uma quarta citação, em que as três irmãs citadas, juntamente com seus
maridos representam os aspectos animal e espiritual do inconsciente (§ 435), mais
uma vez apontando a polarização masculino-feminino.
A irmã como anima ou elemento oposto ao masculino, seja na imagem do
irmão ou do sol, volta a aparecer no volume XIV (1997) em quatro parágrafos (25,
83, 131 e 149) e no volume XVI (2008) no parágrafo 357 ao referir-se ao casamento
incestuoso do irmão com a irmã nas figuras alquímicas, representativas da
transferência.
A última citação encontrada diretamente em sua obra, no volume X, aparece
na alusão da psiquiatria e neurologia como irmãs mais velhas da psicoterapia
(2003).
Jung nunca modificou diretamente sua insistência no papel central da
contra sexualidade na psicologia de ambos homens e mulheres. Sua
própria teoria psicológica continua a focar na coniunctio oppositorium, nas
polaridades e complementaridades (DOWNING, 2007, p. 134).
Jung, assim como Freud e outros estudiosos, não deu atenção às relações de
mesmo sexo em geral. A atenção maior esteve sempre focada na relação entre pais
e filhos. Adler foi um dos primeiros a se preocupar com a temática fraterna
38
(DOWNING, 2007; FERNANDES, ALARCÃO e RAPOSO, 2007; AKHTAR e
KRAMER, 1999).
A importância da relação fraterna parece ser objeto de estudos mais recentes,
mas ainda de pouca atenção por parte dos junguianos. Com exceção da grande
obra de referência sobre o assunto de Bank e Kahn, que data de 1985, encontram-
se livros e artigos específicos sobre o assunto a partir de 1990, e em livros e revistas
junguianos dentro do mesmo período. Christine Downing, Lara Newton e Gustavo
Barcellos voltaram seu olhar para esta preciosa relação, que pouco recebeu atenção
de outros teóricos, o que tornou nossa pesquisa bastante árida. A teoria sistêmica
oferece a maior parte dos dados sobre a relação fraterna. A relação entre irmãs de
mesmo sexo é ainda menos observada.
Interessante que se reflita sobre o porquê desta desatenção, já que falamos
principalmente da sombra.
Downing (1999) escreve que:
Para uma mulher, irmã é a outra pessoa mais semelhante a ela mesma
dentre todas as criaturas do mundo.
[...]
Ainda assim, essa outra pessoa tão semelhante a mim mesma é,
indiscutivelmente, outra. Mais que qualquer outra pessoa, ela serve como a
pessoa em comparação com a qual eu defino a mim mesma (p.87).
[...]
Semelhança e diferença, intimidade e diversidade – nenhuma dessas
coisas pode ser superada. Aquele paradoxo, aquela tensão, existem no
próprio âmago do relacionamento (p.88).
2.2. A Irmã como Arquétipo
Tanto a irmã quanto o irmão podem ser considerados arquétipos, e como tal,
a irmã pode aparecer na forma de projeção da transferência e tem raiz no interior.
Como arquétipo, a irmã interior “aparece de modo tão significativo no processo de
individuação que ela existe quer exista a irmã literal ou não” (DOWNING, 1999, p.
89).
Desta forma, assim como todos os arquétipos, a irmã exige que a torne real e
particular, que seja trazida para o mundo exterior, onde as imagens e vivências são
únicas e particulares. Quando não existe uma irmã real, parece que sempre existem
39
irmãs substitutas, sejam elas imaginárias ou realizadas por alguém que humaniza
este arquétipo. (DOWNING, 1999; PEAY, 2002; BARCELLOS, 2006).
A experiência do arquétipo do irmão, e da função fraternal em nossas
vidas, faz parte da atividade mitologizante da psique: mesmo sem a
vivência literal de um laço de sangue, buscamos pelo irmão e construímos
histórias fraternas. Ansiamos por um irmão, mais ou menos
conscientemente, e, ao busca-lo, buscamos esta intimidade, própria e
básica, feita de toda a segurança incondicional (ou quase) que só um
vínculo não escolhido, mas da vida toda pode conferir, um vínculo de
igualdade e semelhança (BARCELLOS, 2006, p. 41-42).
O laço entre irmãs ou irmãos de mesmo sexo talvez seja o mais volátil, tenso
e ambivalente que podemos conhecer. Não há o elemento contrassexual, e assim o
espelho está voltado para nós mesmos (DOWNING, 1999, 1998, 2007).
A relação entre irmãos de sexo oposto colabora imensamente para o
desenvolvimento dos relacionamentos contra-sexuais e se mostra mais disponível
nos materiais junguianos, talvez por trazer à tona a temática animus/anima
(NEWTON, 2007).
2.3. A Irmã como Sombra
Por ser um arquétipo, buscamos sua concretização ao longo da vida, e
mesmo quem não tem uma irmã real a busca em uma substituta para que possa
realizar este potencial. Quando há várias irmãs é possível que o arquétipo esteja
repartido entre elas, com diferentes possibilidades de um mesmo potencial
(DOWNING, 1998).
A irmã pode ser vivenciada de uma forma completamente diferente daquela
idealizada ou desejada pela outra irmã para satisfazer suas necessidades ou
desejos. A irmã que mente, engana, trai, ou atua de modo diverso ao que se espera
pode ser uma mensageira da sombra, trazendo conteúdos sombrios da outra, que é
decepcionada por seus atos.
Em certo sentido, sempre temos a irmã errada e é justamente isso que
faz dela a pessoa certa, que nos faz tomar consciência da realidade do
outro ser um outro, que nos faz perceber o que está implícito em vê-la
como um outro ser, deixá-la ser como ela é. E pode ser também que
40
exatamente por isso ela me ajude a descobrir quem eu sou (DOWNING,
1998, p. 118).
Tendemos a reagir com ferocidade quando vemos algo que não gostamos
expresso em uma pessoa com quem nos sentimos fortemente identificados
(MILLMAN, 2004, p. XIX).
No mito de Eros e Psique (HAMILTON, 1995), quando Psique é levada pelas
irmãs a verificar a identidade de seu marido, ela é lançada para a vida real.Ela vai
ver o marido pela primeira vez como ele realmente é. Assim, a suposta maldade é
motivada pela inveja e faz com que o relacionamento de Psique saia das sombras,
tornando-se real, mesmo que através de muito sofrimento. Suas irmãs atuam como
sua sombra e como ajudantes de seu processo, com ambivalência de sentimentos
típica da relação durante todo o processo (DOWNING, 1998 e 2007).
Ulanov e Ulanov (2000) em seu estudo sobre as relações de inveja, apontam
para a inveja nas relações em geral, inclusive na fraterna. Ao debaterem a história
de Cinderela e suas irmãs invejosas, percebem que as emoções ligadas à inveja são
fruto de processos inconscientes, indiferenciados e confusos. Ou seja, a inveja sobre
nossas irmãs é proveniente de um fraco contato com a sombra: a irmã invejada pode
servir de tela de projeção de conteúdos negados da irmã que inveja, fazendo com
que esta permaneça indiferenciada e ataque o objeto de sua inveja. A inveja faria ao
invejoso, então, um desserviço à individuação, drenando energia e perpetuando a
estagnação e a indiferenciação do ego. Enquanto isso não for trabalhado pelo
invejoso, não há crescimento possível.
Apter (2007) complementa:
A inveja cresce onde há mais similaridades que diferenças, e quando nós
podemos nos imaginar facilmente no lugar ou posição que a pessoa que
invejamos agora ocupa (p.51).
Este é ainda um fator de grande sofrimento, pois a irmã que inveja sente
ainda a culpa de desejar aniquilar a pessoa que também ama (APTER, 2007).
A inveja seria ainda um sentimento sombrio, segundo Zweig e Wolf (2000),
que surge do descontentamento, fruto de um desejo não realizado. Assim, aquele
que não consegue possuir o que deseja, sente-se diminuído diante daquele que
possui o objeto de seu desejo, o que leva ao ódio e à projeção de sua frustração no
outro. As irmãs de Psique desejavam uma vida igual à dela, como não podiam ter,
acabam destruindo a da irmã. Desta forma, todas estariam em pé de igualdade.
41
Assim, sejam as irmãs de Cinderela ou as irmãs de Psique, embora
motivadas pela inveja, tomadas pela sua própria sombra, atuam como gatilho para
iniciar as irmãs em suas próprias jornadas em direção a um amor mais consciente,
individual e real.
Este processo não afeta apenas quem é levado a se transformar. A atuação
da sombra traz mudanças para todos. Cada uma destas mudanças pode ser
experienciada como uma vivência de morte de um determinado aspecto, seja de sua
personalidade, seja de um papel, ou de um estágio de relacionamento.
Em relacionamentos longos, assim como em processos de longo-prazo, há
uma larga escala de variações na experiência de morte. Um tipo de morte
ocorre a cada ponto de transição.
[...]
A severidade da ferida determina como a ‘morte’ é experienciada e como a
psique se move para o próximo estágio de desenvolvimento (NEWTON,
2007, p. 145).
Esta morte ligada à transformação muitas vezes tem início em uma atuação
sombria por parte de uma ou mais irmãs em relação à outra, o que faz com que haja
um forte sentimento de traição. Esta traição produz uma ferida, que ao gerar na
psique o movimento de cura, traz também a possibilidade da mudança, do
movimento, e, portanto de um movimento em busca de um novo equilíbrio
(NEWTON, 2007).
É fundamental entender que a relação entre irmãos de sexos diferentes ou
entre irmãos do sexo masculino mostra ser muito diferente da relação entre irmãs.
O relacionamento entre irmãos homens permite, inclusive culturalmente, uma
maior carga de agressão e hostilidade (SILVEIRA, 2002). Parece ser bastante
comum que os irmãos rompam seu relacionamento com os outros, mas não é
comum que isso aconteça entre as irmãs. Nas produções culturais que podem
ilustrar esta relação, não se encontram exemplos de rompimento entre irmãs, mas
entre irmãos podemos encontrar muitos, até com desfechos mais trágicos, como a
morte de um deles.
Judith Kranz em seu livro “New York, New York", conta a saga de uma família
assolada pelo ódio do irmão mais novo pelo mais velho, de forma que toda sua vida
gire em torno de prejudicá-lo e tomar seu lugar, sempre atuando de forma discreta e
dissimulada:
42
Cutter Amberville sempre tivera tanta certeza de que Zachary tomara para
si tudo o que valia a pena possuir, que se tornou reservado e emburrado,
não dando aos pais a oportunidade de se interessarem pela vida dele.
Cutter sabia que a sombra pesada e onipotente do irmão o tinha privado do
amor e atenção que normalmente teriam sido seus. Ele fora posto de lado,
à margem da vida dos pais, e interpretava a generosidade do irmão como
ossos atirados a um cão. Quanto mais Zachary lhe dava, mais ele lhe
devia, e quanto mais Cutter devia ao irmão, mais o odiava, com um ódio
apaixonado e permanente, mais profundo que qualquer amor que ele
jamais conheceria, o ódio que só pode inspirar a inveja precoce e indizível
que um irmão sente pelo outro (KRANZ, 1976, p. 31).
Cutter sabia que o irmão o havia lesado. Este saber tão determinante pode
ser baseado apenas em sentimentos, como ocorrido no romance de Kranz (1976),
sem conexão com fatos, mas são eles que guiarão e determinarão a qualidade da
relação fraterna por toda a vida, ou até que se decida revisitar este vínculo,
trabalhando conjuntamente para modificar os papéis atribuídos e assumidos por
cada um dentro da família e da fratria.
2.4. Papéis Familiares
Um fator que colabora muito para o crescimento da sombra e a permanência
na indiferenciação é a tendência à dicotomização dos papéis familiares, como
salientado no capítulo anterior. O fato de uma das filhas já ocupar uma determinada
posição e a irmã ou irmãs terem que se contentar em assumir outro papel
“disponível” favorece os ressentimentos e o distanciamento de si mesmas.
Millman (2004) coloca que a clareza de que cada uma das irmãs, embora
tenham crescido na mesma casa com a mesma família, não tiveram as mesmas
vivências, pode ajudar muito no momento de se pensar sobre a relação, assim como
saber que sua irmã não é responsável pelas ações, preferências ou descuidos dos
pais. As irmãs tendem a afastar-se em função da forma com que são tratadas pelos
pais. Na vida adulta as irmãs passam a ter a possibilidade, menos inflamada pela
interferência dos pais, de pensar sobre seus relacionamentos fraternos.
Precisamos reconhecer que, como adultos, nós temos o poder de mudar
radicalmente nosso relacionamento com nossa irmã. E isso começa com
ter uma visão mais clara sobre ela.
43
Descobri que existe uma diferença primária entre irmãs com bons
relacionamentos e aquelas com relacionamentos conturbados: ver ou
deixar de ver a pessoa que realmente está lá (MILLMAN, 2004, p. XV).
Millman (2004) afirma que há uma irmã real e uma irmã imaginada, sendo a
segunda aquela imagem de irmã que criamos a partir de nossas necessidades e
desejos, que podem nos cegar diante da pessoa real que está diante de nós. A
primeira pode ser uma pessoa boa ou terrível, e não corresponder em nada às
expectativas da irmã, sendo, possivelmente, diferente desta. Não se pode esperar
que suas atitudes estejam de acordo com as necessidades da irmã.
A transformação desta relação, da irmã imaginada ou idealizada para a irmã
real pode permitir uma importante mudança: a dos papéis familiares impostos desde
a infância. Ou seja, entrar em contato com a irmã real, recolher as projeções,
permite uma relação verdadeira e transformadora (MILLMAN, 2004). “Existe entre as
irmãs a possibilidade de uma relação genuinamente mútua e recíproca; ambas são
doadoras e receptoras” (DOWNING, 1998, p.120).
A este respeito Downing (1999 e 2007) retoma o conceito de Otto Rank
(1976) do Duplo:
‘O Duplo atende à necessidade de um espelho, de uma sombra, de um
reflexo’.
[...] Rank considera que o relacionamento com um irmão inteiro do mesmo
sexo, um duplo, significa o relacionamento com nosso próprio eu
inconsciente, com a nossa psique, com a morte e a imortalidade.
[...]
A imagem do amor fraterno representa o nosso impulso de ir ‘além da
psicologia’ (RANK APUD DOWNING, 1999, p.91).
Downing (2007, 1999) questiona se a sombra poderia encerrar apenas os
aspectos negativos e negados do indivíduo. Desta forma, pode-se compreender o
duplo como uma dimensão quase espiritual, mas que torna impossível ao outro
encarnar estes aspectos.
A intenção de Downing é expressa no sentido de preservar o aspecto
numinoso e transcendente deste arquétipo fraterno, que precisa ser encarado com a
profundidade de algo inerente ao Self , seja através da sombra ou do duplo.
44
2.5. A Irmã que Fere
Muitas relações fraternas acabam por se desenvolver de forma negativa. Uma
irmã que cuida e se ressente de sua atribuição, ou a irmã cuidada que passa a vida
aterrorizada pelo controle da irmã cuidadora, por exemplo, são casos que podem se
arrastar por toda a vida, gerando uma relação disfuncional ou de agressão
permanente, instaurando padrões de vitimização e agressão.
Bank e Kahn (1982) e Cicirelli (1995) em suas pesquisas verificaram que
muitas destas relações disfuncionais só podem ser tratadas através de um processo
terapêutico, em que possam ser discutidos os fatos e as vivências com a ajuda de
um mediador, de modo que uma ou todas as irmãs possam ressignificar seu papel
dentro da fratria e da família, alterando padrões e ampliando possibilidades.
Quando constantemente denegrimos a nós mesmos, nos vendo como
maus ou inaceitáveis, nos causamos uma grande carga de dor. Podemos
lidar com este sofrimento de diferentes formas. A primeira, e a única que
recomendo, é que percebamos que este modo de ver a nós mesmos é algo
que aprendemos na infância quando estávamos aprendendo a ser bons.
Como algo que aprendemos, somos livres para mudar isso (ROWE, 2007,
p. 316).
Millman (2004), Leder (1991) e Hawthorne (2003) acreditam ainda que é na
vida adulta que estas reflexões são possíveis, já que nesta fase muitas das
características externas à relação podem ter se modificado: a relação entre os pais,
casamentos, separações, nascimentos de filhos, viuvez etc. O que não descarta a
fixação nestes padrões que impeçam a mudança. Stark (2007), por exemplo, coloca
que o padrão de cuidadora por vezes é tão reforçado durante a vida que, mesmo
com muito trabalho, é quase impossível de ser “descolado” de quem o exerce.
Bank e Kahn (1982) e Cicirelli (1995) concordam em dizer que muitas vezes,
quando a situação de agressão é intensa demais para o agredido, o que se deve ter
em foco é sua preservação, manter o máximo possível de sua integridade
emocional. Assim, deve-se evitar confrontos que podem não levar a nada que não
seja o agravamento de feridas a serem trabalhadas no agredido.
Rowe (2007) traz a situação em que uma mulher tem uma irmã narcisista,
incapaz de ver a outra em suas necessidades. Ela deve perceber que a irmã tem um
padrão de conduta e o que isso quer dizer. A desidealização em relação a ela
45
mesma, e ao que a outra pode oferecer em retorno, é um caminho doloroso para
estabelecer uma relação verdadeira. “Nós amamos e esperamos ser correspondidos
de forma que nos permita ter a certeza de que “eu existo, eu sou eu” e não a pessoa
que outros querem que eu seja” (ROWE, 2007, p.320-321).
Rowe (2007) completa ainda que, quando o amor desaparece, a paixão, que
inspira com a mesma intensidade o ódio, também desaparece. Assim, a visão clara
proposta por Rowe (2007) e Millman (2004) acerca de quem realmente são as irmãs
e a própria pessoa, parece ser o caminho para vencer as grandes paixões, sejam
elas de natureza positiva ou negativa, libertando uma grande carga de energia, que
pode seguir rumo ao desenvolvimento pessoal.
É importante frisar que ao se falar de vínculo ou relação positiva ou negativa,
usa-se a conceituação de Neumann (1991):
O que ajuda à integração da totalidade centrada no si-mesmo, é bom, de
qualquer índole que esta ajuda seja. E, vice-versa, é mau tudo o que leva à
desintegração, seja ‘boa-vontade’, seja o ‘valor coletivamente reconhecido’,
seja qualquer outro ‘bem em si’ (p.103).
Desta forma, uma relação de natureza negativa seria aquela que afasta um
ou ambos os membros envolvidos de seu processo de individuação.
Dentre as agressões possíveis, não está apenas o terror dos maus tratos
físicos infligidos por cuidadoras inábeis. Ódio, traição e abuso de confiança são
exemplos corriqueiros de ações que trazem grande carga de sofrimento. A
indiferença como opção não é possível, já que segundo Rowe (2007) o vínculo, uma
vez existente, apresenta uma carga afetiva, seja positiva ou negativa. A indiferença
só é possível após um longo e doloroso processo em que se esvazia esta relação.
Há, no entanto, dúvidas quanto a esta possibilidade, pois o vínculo permanece
apesar do afastamento relacional.
A mentira e a traição (ROWE, 2007) estão entre as situações relatadas como
de maior dor para a irmã que confia, e nem sempre esta confiança pode ser
restaurada. Perceber que uma irmã pode não amá-la também pode ser vivido como
traição e neste caso, da traição em particular, a dor pode desencadear o desejo de
vingança por este membro da fratria causador da dor.
Ripps (1994) dedica todo um capítulo em seu livro para falar das irmãs que
roubam maridos, namorados e companheiros. Burak (apud Ripps, 1994) considera
46
que este suposto roubo, seria a máxima rivalidade. Segundo ele, este ato cria uma
ferida tão séria que é passível de jamais ser curada, já que a confiança básica, só
vivida dentro da família, desaparece e deixa a vítima sentindo que jamais será capaz
de confiar novamente. Uma de suas entrevistadas, Elizabeth, relata que passou
muito tempo se negando a acreditar que sua própria e amada irmã a pudesse trair
com seu marido. Era vil demais acreditar que era alguém de dentro da própria
família que a destruía. Elizabeth diz que a irmã destruiu mais que seu casamento,
mas a família como um todo, pois nada voltou a ser como antes, muito menos ela
mesma. Elizabeth rompeu o relacionamento com a irmã e o ex-marido.
A grande ironia era que nossos pais sempre se esforçaram por muitos anos
para afastar os intrusos de nossa família. Como uma de minhas irmãs
apontou, foi alguém de dentro que nos acabou separando. Nós nunca mais
poderemos ser uma grande família novamente (RIPPS, 1994, p.97).
Quando crianças, as irmãs geralmente se protegem das agressões e
crueldades das suas irmãs com fantasias de vingança, raramente atuadas (ROWE,
2007; AKHTAR e KRAMER, 1999), o que nem sempre se observa entre os adultos.
Somente a compreensão dos fatos da realidade permite esta libertação: “O
fato de você amar uma pessoa não significa que ela vá amá-la” (ROWE, 2007,
p.298).
2.6. Superar a Dor: Curar as Feridas
O perdão não é uma ação, mas uma escolha emocional que só pode ser feita
quando aquela pessoa ferida percebe que aquele que a feriu não mais pode
representar um perigo. Aceitar o que aconteceu e superá-lo é o caminho para
perdoar.
Perdoar, no entanto, só é possível quando há movimentação de ambas as
partes, ou seja, quando aquele que feriu toma a responsabilidade por seus atos,
assumindo o que fez e percebe as consequências disso.
Por isso que irmãos que querem se reconciliar, precisam ter uma conversa
em que antigas feridas sejam reconhecidas e não negadas, e o perpetrador
assuma a responsabilidade por seus atos. Dizer ‘Desculpe, você me
47
magoou’ não é assumir responsabilidade pelos atos. O perpetrador deve
ser bastante específico sobre o ocorrido. Um simples ‘desculpe’ não é
suficiente (ROWE, 2007, p. 300).
Deve-se sempre estar preparado, no entanto, para que isso não aconteça.
Assim, o fracasso na reconciliação pode ser também reconfortante, mediante a
clareza de que o esforço foi feito e os motivos que levaram a reconciliação ao
fracasso. Quando não há reciprocidade ou assumir de responsabilidades, a relação
permanece truncada.
2.7. Ambivalência
Conforme citado anteriormente, Bank e Kahn (1982), Merrell (1995), Downing
(2007) e Rowe (2007) afirmam que o vínculo entre irmãos, e entre as irmãs em
especial, pode ainda se constituir como positivo ou negativo desde o início. As
intervenções parentais são um fator importante que afeta diretamente a qualidade
das relações fraternas, como confirmado por Brody (1998). Assim, algumas irmãs
estabelecem desde cedo relações baseadas no ódio, que geralmente não fenecem
durante a vida, e tem uma importante função:
Ter um inimigo significa que você é importante para pelo menos uma
pessoa, seu inimigo, e seu inimigo adiciona excitação para uma vida que,
de outra forma, seria muito monótona. Para muitas pessoas, e não apenas
para irmãos, seu ódio pelos inimigos se torna a única coisa que dá à sua
vida significado, e eles não podem abrir mão disso (ROWE, 2007, p. 67).
Apter (2007) frisa que, no que concerne às irmãs, o poder dos sentimentos
ambivalentes em relação à outra mulher, faz com que se tenha maior consciência de
experiências mais salientes nas relações femininas: medo de perder o amor e medo
de ser aniquilada pela rejeição.
Estas vivências no reino do feminino permitem uma ampliação da consciência
em relação à ambivalência presente em toda a relação, não só fraterna, mas
feminina: “O ‘nó’
3
que une as irmãs revela a empatia como um recurso complexo
3
The sister knot
48
usado para controlar e denegrir tão frequentemente quanto é usado para cuidar e
proteger” (APTER, 2007, p. 12).
2.8. Agressão na Sombra
O que se percebe, é que, atualmente, a agressão ficou relegada à sombra.
Ela aparece hoje em atuações terríveis em escolas, nos casos de “Bullying” em que
as meninas não apanham geralmente de suas torturadoras, mas sofrem agressões
muito mais intensas que deixam marcas profundas de maldade e prazer pelo
sofrimento. Pipher (1998) e Simmons (2002) trazem importantes contribuições para
a compreensão deste fenômeno crescente. Interessante que, não raro em casa, a
agressora pode ser a irmã.
Para se entender os perfis do agressor e da vítima, muitas vezes precisamos
recorrer à dinâmica familiar a que estas meninas pertencem. Brody (1998) relata que
as famílias e o modelo de relacionamento que os pais mantém entre si ou com seus
filhos afeta diretamente a forma com que a fratria se relaciona. Os padrões tendem a
se manter.
Simmons (2002) quando busca compreender a dinâmica do “Bullying” traz
dados que reforçam os trazidos por Brody (1998). Muitas vezes o papel de vítima ou
de agressora se perpetua dentro de casa: “Assim como as filhas aprendem a amar
como suas mães, elas também podem aprender a não terminar relacionamentos
perigosos” (SIMMONS, 2002, p.259).
A prática do “Bullying” caracterizada por agressões recorrentes a uma mesma
vítima por uma agressora, se torna mais comum à medida que a cultura incita uma
imagem de perfeição e passividade que vai contra a natureza das meninas em
particular. A agressão não tem espaço, se torna sombra e acaba atuada na vida de
milhares de meninas ao redor do mundo. Ensinar as meninas o que é agressão, e
como lidar com ela, já é parte do currículo escolar de algumas instituições que se
preocupam com o assunto. Tirar a agressividade da sombra das mulheres é um
importante fator para a diminuição de fenômenos como este.
49
Em casa, as irmãs que se ferem, ou a irmã que fere a outra, estão em
descompasso. Perderam a medida da negociação entre as emoções conflitivas que
permeiam a relação fraterna.
A rivalidade é a sombra da intimidade e da cooperação; fere diretamente
nossa capacidade de familiaridade, lançando-nos no ‘exílio’. É com o irmão
que aprendemos a dividir e compartilhar, onde aprendemos horizontalidade
nas relações; portanto, a sensibilidade para a igualdade começa aqui.
[...] O irmão é diferente e igual ao mesmo tempo, e é por meio deste
paradoxo que a alma encontra seu caminho na horizontalidade do mundo.
O irmão arquetípico é com quem podemos aprender (ou não aprender) que
diferenças não são traições (BARCELLOS, 2006, p. 47).
50
3. SOMBRA
Para chegar a desenvolver uma personalidade consciente, precisamos nos
identificar com alguma coisa, e isso implica a inevitável exclusão de seu
oposto (SANFORD, 1999, p. 79).
Encontramos o conceito de sombra postulado por Jung em “Aion” (JUNG,
2000) e em “Tipos Psicológicos” (JUNG, 1991), volumes IX-2 e VI respectivamente.
Em “Aion”, Jung (2000) traz o conceito de sombra como um dos arquétipos
que perturbam o ego, ao lado do animus e da anima. Dos três, ele acredita ser a
sombra a figura mais acessível à experiência, já que estaria mais próxima da
consciência, e seu conteúdo ser mais facilmente identificável, por se constituir de
aspectos moralmente inaceitáveis para o sujeito.
Assim, para Jung (2000, 1991) a sombra seria constituída de todos os
elementos não aprovados pela moral do ego de cada um, conteúdo que seria então
relegado a esta instância. Entrar em contato com estes conteúdos sombrios é
possível e importante, mas requer um forte esforço para reconhecer o lado obscuro
da própria psique. Uma das formas de defesa mais eficientes, segundo ele, para a
evitação da sombra, é a projeção, ou seja, a separação entre o sujeito e a
característica negada, já que esta estaria exteriorizada e colocada no outro, o que
contribui para a ilusão de que não se tem nada do que foi projetado. Stein (2006)
completa, dizendo que “A sombra não é experimentada diretamente pelo ego. Sendo
inconsciente, é projetada em outros” (p.99).
Aqui, Jung ainda coloca animus e anima como instâncias não pertencentes à
sombra, como também percebe Byington (2006):
Por ter situado o Ego como centro da consciência, e descrito a Sombra
abrangendo os símbolos somente do inconsciente pessoal, Jung limitou os
símbolos da Sombra ao gênero do Ego, atribuindo os símbolos contra-
sexuais ao Arquétipo da Anima, no homem, e do Animus, na mulher.
Posteriormente, considerou a Sombra um arquétipo (Jung, 1951, par. 19
4
),
o que confundiu ainda mais o conceito, pois não o reviu para nele incluir os
símbolos de ambos os gêneros (p.21).
4
A obra citada por Byington trata-se de: JUNG, C.G. Aion, CW 9 II. London: Routledge and Kegan
Paul, 1959 [1951].
51
Stein (2006) frisa ainda que, além da sombra, contamos com o aspecto aceito
e aprovado pelo ego como imagem a ser passada para o mundo. Ambos
constituiriam a persona, que desempenha um papel fundamental, de adaptação
social, mas que, embora esteja identificada com o ego, de certa forma, é como a
sombra, alheia ao ego. Assim, a identificação completa com a persona também
aprisiona. “Persona e sombra são usualmente o oposto mais ou menos exato uma
da outra e, no entanto, são tão chegadas quanto podem ser dois gêmeos” (STEIN,
2006, p. 100).
O trabalho com a sombra é fundamental, embora seja bastante custoso, já
que se trata de trazer à consciência justamente aquilo que não se deseja possuir
como atribuição. Sua negligência pode ter um custo muito alto. Ao rechaçar a
sombra a pessoa vive uma vida aparentemente correta, mas incompleta. Ao abrir-se
para ela, traz-se a marca da imoralidade, mas a pessoa fica mais completa, mais
próxima da totalidade. Isso em si é um grande dilema, pois se deve abrir mão da
valorizada perfeição social para o risco de assumir o que se nega. Este, no entanto,
é o caminho.
Quando o trabalho com a sombra é negligenciado, a alma se sente seca,
árida, como um recipiente vazio. Então as pessoas sofrem de depressão
em vez de embarcarem em uma descida fecunda. Quando o trabalho com
a sombra é negado, a alma se sente banida, exilada de seu habitat nos
grandes espaços da natureza, nas noites suaves do fazer amor, ou nos
objetos sagrados da arte. E as pessoas sofrem de ansiedade e solidão,
separadas do seu sentido de lugar, do mistério do Amado, e da beleza das
coisas.
Mas quando se atende ao trabalho da sombra, a alma se sente completa e
saciada. Quando o trabalho com a sombra é convidado a fazer parte de
uma vida, a alma se sente bem-vinda, viva nos jardins, acesa nas paixões,
desperta para as coisas sagradas (ZWEIG e WOLF, 2000, p.12).
3.1. Sombra na Família
Considerando que grande parte dos relacionamentos que servem de modelo
e interferem diretamente na construção da personalidade dos indivíduos está dentro
da família, não se pode deixar de falar sobre ela.
52
A criança nasce dentro de uma estrutura familiar que abarca indivíduos
diferentes, que formam um sistema, sendo os irmãos um subsistema dentro da
família.
Cada membro da família, no entanto, tem sua própria personalidade e o
desenvolvimento da personalidade dos filhos depende muito do desenvolvimento
dos próprios pais. Conforme os estudos de Brody (1998), Bank e Kahn (1982) e
Sanford (1999), fica claro que a atuação dos pais interfere diretamente na formação
da personalidade, bem como sobre a forma dos membros da família se relacionar
entre si. Assim, os pais deveriam educar seus filhos de forma que estes pudessem
entrar em contato com a sombra, efetuando a repressão necessária sobre seus
instintos e afetos mais violentos, sem romper com seu lado escuro. Sabe-se que
para isso é preciso que os pais estejam em contato com sua própria sombra e
desenvolvam estas mesmas habilidades, ou sentirão muita dificuldade em aceitar o
lado escuro dos filhos (SANFORD, 1999).
A atitude moral é fundamental para a individuação e esta só se desenvolve no
relacionamento com outras pessoas com forte ligação de amor, ou seja, geralmente
os pais ou cuidadores. Quando não se desenvolve a capacidade de relacionamento
e de sentimentos humanos, as defesas contra a sombra não existem ou são muito
frágeis, o que leva muitas vezes à identificação com a sombra e patologias
(SANFORD, 1999).
A individuação e a totalidade só são possíveis quando a personalidade
consciente tem uma certa atitude moral. Se as pessoas se identificam
abertamente com seu lado traiçoeiro, desonesto ou violento e não têm
sentimentos de culpa nem olham para dentro de si mesmas, a totalidade
não consegue emergir (SANFORD, 1999, p. 79).
Assim como o que ocorre com cada indivíduo, cada família tem uma persona,
a máscara usada para se obter aceitação e adequação social. Os comportamentos e
características considerados negativos ou desvalorizados pelo padrão estabelecido
pela família, ou que permanecem latentes, ficam ocultos, preservando a aparência
social da família, compondo a sombra familiar (ZWEIG e WOLF, 2000).
A sombra e a persona familiar se constituem e se desenvolvem juntas a partir
da vivência de seus membros. Todos que se relacionam com a família ajudam a
influenciar e a determinar o que é aceito ou não para ser expresso. Para algumas
famílias, por exemplo, a expansividade pode ser um comportamento valorizado,
53
entrando para a persona familiar e enviando automaticamente a lição de que a
timidez e a reserva não são bem vistas, constituindo assim, parte da sombra familiar.
“Desta forma, qualquer comportamento pode se tornar um conteúdo de sombra; não
é a natureza do material que determina isso, mas sim a forma como os membros da
família se relacionam com ele” (ZWEIG e WOLF, 2000, p.59).
Assim como acontece com todo conteúdo sombrio, a família geralmente não
tem consciência do conteúdo de sua sombra familiar, que geralmente guarda
segredos além do código de conduta e de valores.
A sombra familiar tende a irromper e se mostrar através de rompimento de
regras familiares, atos impulsivos, comportamentos compulsivos ou desordens
emocionais. Pode ainda ser percebida através da projeção de características não
aceitas de um dos membros em outro.
Desta forma, a família tende a se preservar e manter sua estrutura, ainda que
para isso eleja um bode expiatório, que receba o conteúdo sombrio da família e
desta forma os demais membros possam seguir seu curso, preservando o todo
(ZWEIG e WOLF, 2000).
A vergonha é outro importante recurso para que se possa identificar a
sombra:
A vergonha, então, é o guardião do portal da sombra familiar. Ela mantém
de pé a fachada familiar e reforça a negação. Encoraja a projeção, e
defende contra qualquer novo conhecimento que possa estragar a imagem
familiar. A vergonha nos separa de nós mesmos e daqueles que amamos.
Ela exila a alma familiar. Por todas estas razões, os cenários de vergonha
apontam para a cura; trazem consigo o potencial de restauração do
sentimento verdadeiro (ZWEIG e WOLF, 2000, p.64).
Em seu livro sobre a vergonha, La Taille (2002) reafirma a importância deste
sentimento, pois quem sente vergonha, “julga-se de forma negativa, porém mostra
possuir e legitimar os valores dos quais, justamente, decorre o juízo negativo” (p.
109).
Assim, através da vergonha podem-se identificar os valores que regem a vida
de cada um, pois só se envergonha quem tem moral e teme decair aos olhos dos
outros, em especial de quem lhe é caro e ainda que não haja testemunhas da
quebra do valor, há uma traição interna, o que permite que alguém sinta vergonha
sozinho, sem testemunhas.
54
Os valores aprovados pela família são legitimados e lançam à sombra os
demais. Além de seus próprios valores, a família como sistema tem os seus.
Constituir-se como membro da família e indivíduo no mundo é um grande exercício,
exige trabalho sobre a sombra familiar e individual. Os sentimentos de amor e ódio,
de amizade e rivalidade, de aceitação e desprezo, ou seja, ambivalentes e mutáveis
dentro da família, são superados e sentidos novamente dentro da convivência, e se
constituem em importantes recursos para o autoconhecimento. Pode-se perceber o
grande número de divisões internas e assim se ganha a consciência psicológica. O
confronto com a sombra tem grande potencial e coloca cada um no caminho para o
desenvolvimento da consciência familiar e individual.
3.2. Sombra na Fratria
Eu sou quem ela não é. Ela é o que eu mais gostaria de ser, mas acho que
nunca serei, e também o que mais me orgulho de não ser, mas tenho medo
de vir a ser (DOWNING, 1999, p. 88).
Ser irmão é partilhar da genética, da casa, dos mesmos pais e da mesma
educação, sendo que cada um destes pontos varia de caso para caso e são nas
variações que o vínculo se forma, assim como sua natureza.
As famílias estabelecem papéis que tendem a dividir a fratria em pares de
opostos, assim o que não me cabe, cabe ao meu irmão e vice-versa. Estes pares
são sujeitos a projeções e a ideais referentes ao papel, à persona familiar. Assim, a
sombra na fratria tende a ser grande, já que reflete a família e não apenas os
irmãos, embora isso ainda possa acontecer.
Merrell (1995) acha interessante e digna de nota a percepção de algumas
pessoas de que não têm nada em comum com seus irmãos. Acredita que aqueles
casos em particular precisam de alguma reflexão, pois podem ocultar uma dinâmica
importante. Compreender as circunstâncias em que tal sensação se estabeleceu
pode ser elucidativo, pois se pode atribuir ao irmão aqueles pontos obscuros em si
mesmo, ou seja, projetar a sombra:
Dentro de nós existe um ‘outro’ escondido; uma pessoa que é tão egoísta
como somos generosos, agressiva quanto somos passivos, ou segura e
55
autoconfiante como desejamos ser. Este self secreto é o depositário de
aspectos negativos que não podemos reconhecer em nós mesmos, e é
ainda a caverna onde enterramos o potencial positivo que temos medo de
explorar. Um uso importante da relação fraterna na vida adulta é,
inconscientemente, aprender a ver um irmão ou irmã como este self oculto.
[...] Muitas vezes as características descritas existem efetivamente em
nossos irmãos, mas existem em nós mesmos também (MERRELL, 1995, p.
15).
Ripps (1994), ao falar especificamente sobre a relação fraterna feminina,
coloca que as irmãs são representantes de algo bem específico, como ideal e como
sombra: olhar a irmã faz com que se possa ver um pouco de si mesma.
Por ser uma relação única, a sombra na fratria também tem características
importantes. Como o vínculo não se rompe, a sombra dentro da fratria precisa ser
vista e reconhecida para que o relacionamento fraterno aconteça de modo real e que
as irmãs se relacionem como tal e não apenas através de suas projeções.
3.3. Atuar a Sombra
[...] a sombra nunca é mais perigosa do que quando a personalidade
consciente perde contato com ela (SANFORD, 1999, p. 80).
Henderson (1990) lembra um velho ditado que diz que “Quando Deus es
presente, o Diabo não está muito atrás” (p.65), ou seja, sempre que a perfeição da
persona está em evidência, a sombra está, em mesma proporção, rondando a
consciência. Quanto maior a alienação da sombra, maior a energia usada para
mantê-la reprimida e a força que ela exerce para ser conhecida.
Com a identificação com o ego ideal a sombra é separada da consciência,
pode se tornar autônoma, e assim irrompe, tornando-se real e se faz perceber de tal
forma como se tivesse um corpo (HENDERSON, 1990; WHITMONT, 1995).
Negando a sombra, recusando seu contato, a pessoa fica com a vida limitada
e corre um grande risco. A questão não é se temos uma sombra, mas onde ela está.
Quanto mais adotamos a postura de fingir que ela não existe, maior a chance de ser
tomada por ela. A sombra tem o direito legítimo de expressão, e ao confrontá-la, ao
torná-la consciente, adquire-se a possibilidade de escolher quando, como e onde
56
será expressa, caso contrário, esta pode irromper de forma destrutiva e
desordenada (WHITMONT, 1995).
A sombra não é patológica por si mesma, mas apresenta grande potencial
para isso quando se nega sua existência. É nesta situação que se pode ser tomado
pelo complexo que, autônomo, se expressa de acordo com ele mesmo.
Através da projeção as pessoas podem entrar em embates importantes com o
outro e nestes confrontos podem perceber a si próprios. Abrams e Zweig (1999)
colocam:
A sombra pessoal contém, portanto, todos os tipos de potencialidades não-
desenvolvidas e não-expressas. Ela é aquela parte do inconsciente que
complementa o ego e representa as características que a personalidade
consciente recusa-se a admitir e, portanto, negligencia, esquece, enterra
[...] até redescobri-las em confrontos desagradáveis com os outros (p.17).
3.4. Animus
Em toda a obra de Jung, como citado anteriormente, a irmã é colocada
simbolicamente como elemento contrassexual, como anima em oposição ao homem.
Desta forma o irmão seria também um representante simbólico do masculino na
mulher.
Jung (1991) postula que o elemento contrassexual está presente em todos,
homens e mulheres, e geralmente se manifesta em parte conscientemente, quando
se desenvolvem características geralmente atribuídas ao sexo oposto, e muito
frequentemente, de modo inconsciente, como por exemplo, na escolha do parceiro
amoroso que tende a encarnar a projeção dos elementos da própria alma do sujeito.
“Do mesmo modo que a anima, o animus é um amante ciumento, pronto para
substituir um homem de carne e osso por uma opinião sobre ele, opinião cujos
fundamentos duvidosos nunca são submetidos à crítica” (JUNG, 1991, p.84). Anima
e animus trazem o princípio da complementaridade.
Anima e animus estão em contraposição à persona, ou seja, na luta para
manter uma adequação à máscara social, tende-se a ocultar e reprimir os conteúdos
inconscientes, entre eles o contrassexual (JUNG, 1991). É fundamental para homem
e mulher o contato com os conteúdos da anima e animus, sob pena de ficarem
57
empobrecidos. O animus em especial seria para a mulher o aspecto ancestral de
todas as vivências com os homens, além de ser criativo e engendrador.
A mulher que não entra em contato com o animus pode ser tomada por ele,
que se torna autônomo, perdendo sua feminilidade e falhando totalmente em manter
sua persona tipicamente feminina (JUNG, 1991).
Nos relacionamentos afetivos em geral, a presença do animus da mulher
pode acontecer através da projeção, em que um homem a recebe e a humaniza. Da
mesma forma, ele pode ser um interlocutor do masculino, em suas muitas facetas.
Pieri (2001) explica de modo bastante claro:
Quando a imagem da alma é transferida numa pessoa real, a relação do
sujeito com esta é limitada e, ao mesmo tempo, torna-se possível por tal
projeção, pela qual o sujeito ao entrar em relação com aquele objeto entra
em relação com uma parte de si, e não com o objeto enquanto tal (p.38).
Assim, o encontro com o elemento contrassexual pode e deve se dar ao longo
dos relacionamentos, que são ricas fontes de conhecimento sobre a própria psique.
O que não é conhecido permanece na sombra, e como tal é passível de atuações
autônomas e a mulher corre o risco de ter parte de sua personalidade usurpada pela
atuação do animus.
Jung (2006) afirma que apenas através da retirada das projeções pode-se
reconhecer que não estamos lidando com algo externo, mas com uma grandeza
interior, que deve ser apreendida e percebida como tal, para então ser diferenciada
da mulher e dos homens.
Quando se consegue se diferenciar do animus e se afirmar em relação a
ele, em vez de se deixar devorar por ele, então ele deixará de representar
apenas um perigo, tornando-se ao contrário uma energia criativa; e nós
precisamos dela, pois, por mais estranho que isso possa parecer, somente
incorporando esse ser masculino da alma, para que ele aí exerça a função
que lhe cabe, será possível ser realmente mulher no seu sentido mais
elevado e, já que ao mesmo tempo somos autênticas, também cumprir
nosso destino humano (JUNG, 2006, p. 54).
3.5. Integrar a Sombra
Zweig e Wolf (2000) colocam que trabalhando com a sombra, as feridas
inconscientes podem colocar o indivíduo ou mesmo a família toda no caminho para a
consciência. Através da traição, e das feridas criadas dentro da família ou da fratria,
58
a dor, do ponto de vista da alma, abre a consciência para outro caminho, ou
paralisa, caso se decida enterrar a ferida sem antes trabalhá-la.
Em vez de aprender inconscientemente a enterrar nossas feridas, podemos
conscientemente aprender a carregá-las, identificando nossas projeções, e
aprofundando nossa empatia pelos outros e por nós mesmos. Desta
maneira, a traição e sua ferida transformam-se em veículos para a
construção da alma.
[...]
Se uma pessoa na família começa a tornar conscientes essas feridas (‘Sim,
eu entendo que você falhou naquilo’), então este indivíduo pode provocar
reconciliação com o grupo, criando o potencial para uma família maior, e
para a emergência da alma familiar (ZWEIG e WOLF, 2000, p.62).
Berry (1998) confirma esta posição quando diz que a sombra para ameaçar a
consciência geralmente irrompe através de algo específico e inesperado. A traição e
a atuação repentina de alguém próximo, como um irmão, cumprem o papel
ameaçador da ordem da consciência com grande eficiência, o que mobiliza para a
mudança: “A conscientização advinda pela sombra procede por tensões e, mais uma
vez, constatamos que, quanto mais específico for o nosso foco nas nuanças da
diferença, maior a tensão” (BERRY, 1998, p.38).
Desta forma, a atuação da sombra mobiliza uma grande carga de energia
que, liberada de seu objeto anterior, pode seguir para um novo investimento, para
uma nova direção afetiva, transformando a psique. A atuação da sombra pode ser
um eficiente recurso para que a sombra seja vista, reconhecida e integrada,
promovendo a ampliação da consciência, ou pode levar à paralisia e ao rompimento,
quando o conteúdo sombrio expresso vai além da condição de ego para aceitá-lo,
sob pena de colocar a segurança psíquica em risco.
Integrar os opostos e o sombrio presentes no irmão envolve a aceitação de
que o outro pode ser frustrante, diferente, desapontador, sem que isso signifique que
deva ser objeto de ódio. Envolve o desenvolvimento da habilidade de experimentar a
gratidão e o amor por aquele ser que encontrará nossas necessidades apenas de
forma imperfeita. Integrar o irmão é aceitar as limitações do outro e de si mesmo. É
aceitar a imperfeição do ser (APTER, 2007).
59
4. OBJETIVO
O objetivo geral deste trabalho consiste em compreender a vivência sombria
no vínculo fraterno feminino.
Como objetivo específico, pretende-se verificar a importância da irmã no
processo de individuação feminino.
60
5. MÉTODO
Trata-se de pesquisa teórica, ou seja, intenciona enriquecer e preencher
lacunas no conhecimento, usando como foco determinado grupo (ALVES-
MAZZOTTI e GEWANSZNAJDER, 1998), no caso a fratria feminina. Desta forma, a
busca da bibliografia foi feita com foco na verificação da qualidade da relação e não
em sua incidência ou frequência, estudos mais apropriados ao enfoque quantitativo.
Sampieri (2006) e D´Allonnes (2004) afirmam que os estudos qualitativos
oferecem grande flexibilidade ao pesquisador, pois permitem que este ultrapasse os
limites da observação, ampliando-os com a análise, relacionando o que se observa
com a teoria estudada. A construção da análise se dá pelo pesquisador, e muitas
vezes se transforma ao longo do processo ativo, surgindo novas questões e
hipóteses, exigindo dele adaptações e redirecionamentos. “Seu propósito consiste
em ‘reconstruir’ a realidade, tal como é observada pelos atores de um sistema social
predefinido” (SAMPIERI, 2006, p.5).
O levantamento bibliográfico constituiu-se pelas etapas:
A coleta do material iniciou-se com a busca sobre o tema primeiramente na
obra de C. G. Jung, mas nota-se que este faz apenas referências à figura da irmã
em contraposição ao irmão, ou seja, sempre como parte do par de opostos (JUNG,
1989, 1997, 2003, 2007, 2008).
Em seguida, buscando-se autores junguianos, encontraram-se poucos textos
em português sobre o assunto: três de Gustavo Barcellos (2003, 2006 e 2009), um
de Liliana Wahba (1993) e dois de Christine Downing (1998, 1999). Ampliando-se a
pesquisa para textos internacionais, encontraram-se um livro de Christine Downing
(2007) e um de Lara Newton (2007) especificamente sobre o tema.
Diante da escassez de material encontrado, buscaram-se referências em
outras linhas teóricas, que puderam basear de modo mais abrangente os conceitos
sobre ser e ter irmão, bem como especificar os conceitos da relação fraterna
feminina, na vida adulta em pares (díades).
Há boas pesquisas na área de família no Brasil, como as de Oliveira (2000)
sobre a memória compartilhada e a realizada em 2005 com foco nas dinâmicas
fraternas no recasamento. Os estudos de Silveira (2002), Perez (2002), Goldsmid e
Féres-Carneiro (2007) também trouxeram grandes contribuições para se
61
compreender teoricamente as particularidades da fratria como relação e como
vínculo.
Autores estrangeiros reforçaram e embasaram em alguns casos o que as
pesquisas brasileiras apontaram: Bank e Kahn (1982) e Cicirelli (1995) foram autores
de referência em praticamente todas as pesquisas sobre o tema, já que realizaram
muitas pesquisas com diferentes recortes e focos.
Apter (2007), Adler (1998), Brody (1998) Hawthorne (2003), Leder (1991) e
Stark (2007) colaboraram de forma intensa, pois vindo de diferentes instituições e
realizando tipos diferentes de pesquisa apontaram muitas vezes para a mesma
direção, ainda que sem encontrarem nada de definitivo, o que realmente parece
estar na base da fratria.
O retorno à bibliografia junguiana se deu para buscar base teórica para a
análise das produções culturais selecionadas.
As obras culturais ilustram a natureza das relações fraternas femininas e suas
transformações diante de momentos de crise, o que se mostra possível conforme
Edinger (1984) afirma: “Linguagem, arte, drama e o aprendizado oferecem o espelho
de Atena para a humanidade, permitindo à psique que emerja e se desenvolva”
(p.40).
As obras trazidas são analisadas através de seus personagens, como
estudos de caso (D´ALLONES, 2004), sendo a obra ampla usada como plano de
fundo para ilustrar e ampliar raciocínios teóricos e clínicos já relatados. Sampieri
(2006) aponta como vantagem dos estudos qualitativos a análise que ele chama de
holística, ou seja, embora feita através de recortes, de partes, não se desprende ou
se perde do todo.
Levantou-se um número relativamente pequeno de obras especificamente
sobre o assunto, já que efetivamente a relação fraterna não se mostra como foco de
interesse dos autores com frequência, o que dificulta a seleção.
Dentre as histórias selecionadas, excluíram-se aquelas com diferenças
culturais marcantes, como o livro “Como água para chocolate” (ESQUIVEL, 1993),
cuja relação na fratria é profundamente marcada pelos costumes do México no
século passado. Da mesma forma as famosas histórias de Jane Austen, como
“Razão e Sensibilidade” (AUSTEN, 2009), também específicas em seu retrato da
sociedade inglesa do século XIX, marcam um tipo de relação atrelada à sociedade e
ao momento histórico. O conto de fadas vivido no cinema de modo alternativo em
62
“Para Sempre Cinderella” (1998) também foi excluído por suas particularidades
históricas. Sandmaier (1994) é bastante meticulosa em apontar as fortes influências
do pano de fundo sociocultural na construção e manutenção dos vínculos fraternos.
Selecionaram-se os seguintes filmes: “Os Queridinhos da América” (2002),
“Três Mulheres, Três Amores” (1988), “Em seu Lugar” (2005) e “Muito Bem
Acompanhada” (2006). No processo de produção do trabalho, optou-se pela
exclusão de “Os Queridinhos da América” (2002) em função do caráter intensamente
particular e até mesmo patológico das personagens, o que poderia nublar a
percepção de padrões de relação fraterna dita comum.
As obras em questão são filmes comerciais da indústria hollywoodiana, que,
embora rodados em outro país, atingem diretamente a população brasileira, que vai
aos cinemas ou os assiste em casa.
Izod (2001) em seus estudos verifica que a intensidade das emoções
suscitadas pelas imagens do cinema já seria fator suficiente para justificar a análise
de produções. O fato de filmes mobilizarem tantas emoções em seu público é indício
de que estes ativam conteúdos que ultrapassam o nível de consciência em que o
público está no momento da exibição. Assim, acompanhar estas emoções pode ser
caminho para melhor conhecer conteúdos não expressadamente conscientes.
Beebe (2001) também considera a análise de filmes um recurso rico e
eficiente para compreender os arquétipos que se manifestam na atualidade, já que,
segundo ele, filmes trazem imagens arquetípicas impregnadas da cultura em que os
espectadores estão mergulhados.
Kittelson (1998) ressalta que as imagens culturais são expressões da psique,
e encerram informações, padrões, tendências e valores que evidenciam a alma
cultural, uma vez que a psique opera não apenas na esfera individual, mas também
coletiva. Desta forma, através da exploração e análise de imagens de cinema,
novelas, ou outras, que se podem atingir os sentidos mais profundos da psique.
“Em seu Lugar”, lançado em 2005, obteve renda de US$33.000.000,00, “Três
Mulheres, Três Amores” (1998) US$13.000.000,00 e “Muito Bem Acompanhada”
(2006), que foi lançado no Brasil direto em DVD, US$32.000.000,00
5
. Embora não
5
Fontes: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_filmes_de_maior_bilheteria. Acesso em 25/04/2010;
http://www.imdb.com. Acesso em 25/04/2010.
63
se aproximem das imensas bilheterias de “Titanic”
6
e “Avatar”
7
, tiveram boa
aceitação comercial e mesmo após alguns anos de disponibilidade permanecem no
mercado, o que pode indicar que ainda suscitam interesse do público. As histórias
selecionadas pertencem ao mesmo momento histórico e mesma base cultural, além
de que, em todas, para que as irmãs possam sair de papéis congelados desde a
infância, uma das irmãs atua de forma sombria, trazendo à tona, em um primeiro
momento, sentimentos negativos como a traição e a mentira. Nestas histórias
percebe-se que a atuação permite às irmãs a quebra dos papéis e no meio de tanta
dor caminham rumo à superação e à mudança.
Os filmes não foram transcritos, mas apenas apresentados através de
resumos, por serem de fácil acesso e com foco na relação fraterna a ser analisada.
Não se deram ênfase às demais relações e intrigas em função do objetivo do
trabalho. Os detalhes maiores foram colocados apenas quando necessários à
melhor compreensão da trama.
Os filmes foram analisados de acordo com categorias desenvolvidas no
confronto da bibliografia levantada com os filmes. Ao longo de análises preliminares
foi possível rever as categorias mais relevantes apontadas pela teoria e outras que
puderam ser excluídas. Seguiu-se a metodologia de Sampieri (2006), ou seja,
durante a observação dos filmes a serem analisados e confrontando-se com a base
teórica, selecionaram-se categorias que poderiam contemplar os casos estudados e
conduzir aos objetivos, bem como permitir novas questões e pontos de observação e
análise.
No trabalho de análise procuraram-se verificar o ambiente familiar mais amplo
em que as personagens estavam inseridas e os possíveis diferentes efeitos deste na
construção e manutenção da fratria. Partiu-se deste ponto para então observar as
particularidades das irmãs como indivíduos na relação fraterna.
Durante todo o processo de análise, outros dados bibliográficos específicos
se fizeram necessários, sendo inseridos no texto.
As categorias usadas foram:
6
TITANIC (Titanic), Direção de James Cameron e Roteiro de James Cameron. Co-produtor
James Cameron. Estados Unidos: Paramount, 1997. 1 DVD (194 min.), cor, legendas em
português.
7
AVATAR (Avatar), Direção de James Cameron e Roteiro de James Cameron. Co-produtor
James Cameron. Estados Unidos: 20th Century Fox, 2009. 1 DVD (162 min.), cor, legendas em
português.
64
1. Família
Estrutura;
Papéis familiares;
Momento do ciclo vital;
Ordem de nascimento;
2. Fratria
Natureza do vínculo;
Qualidade da relação;
Acesso;
Idade;
3. Sombra
Na relação fraterna
Individual;
Familiar;
4. Traição
5. Outros elementos
Animus;
Irmã de alma;
6. Transformações
65
6. ILUSTRAÇÕES
6.1. TRÊS MULHERES, TRÊS AMORES
6.1.1. Sinopse
Daisy e Kat Arujo são duas irmãs criadas na pequena cidade litorânea de
Mystic, onde moram na companhia da mãe. A vida delas é bastante simples, e a
cidade vive melhores dias quando os turistas chegam para o verão. Enquanto isso, a
cidade vive da pesca, em especial de lagostas.
A mãe, de origem portuguesa, é uma mulher calada e taciturna, que se
orgulha de Kat e se preocupa com o futuro de Daisy. A família vive em uma casa
simples, com o salário da mãe na separação da pesca e os ganhos das filhas.
Daisy é uma jovem bonita, que sonha em conhecer alguém rico e mudar de
vida, abandonando uma vida de dificuldades. Verbaliza que só tem o corpo e as
cervejas que bebe para se divertir, pois não é inteligente como a irmã e nunca irá
para uma universidade. Trabalha na pizzaria chamada “Mystic Pizza” junto à irmã
Kat e a melhor amiga das duas, Jojo, que reluta em se casar com o namorado.
Kat é a filha boazinha e esforçada. Tem três empregos, na pizzaria, no
planetário e como babá. Foi aceita em Yale para cursar astronomia, mas com bolsa
parcial, assim faz de tudo para conseguir algum dinheiro para financiar sua
educação. Tímida, ajuda na casa e não se envolve com rapazes, pois seu foco é a
universidade.
As duas irmãs e a amiga Jojo vão a um bar onde Daisy joga bilhar com um
rapaz rico e bonito que chega acompanhado de amigos e moças, todos muito
refinados, o que se torna evidente dentro da simplicidade do lugar. Ela é chamada
de prostituta por uma das garotas, que se incomoda com sua postura.
No dia seguinte Daisy recebe a visita do rapaz (Charlie) que a procurou por
toda a parte para levá-la para jantar. Ela fica deslumbrada por poder ir a lugares
luxuosos a andar com o belo rapaz de família rica.
66
Kat encontra um novo trabalho de babá para um homem (Tim) recém-
chegado à cidade, que está sozinho com a filha Phoebe, pois a esposa está em
Londres a trabalho. Há sempre a dúvida no ar sobre uma possível separação do
casal, inclusive por comentários feitos pela menina.
As duas irmãs vivem suas histórias em paralelo, com muito pouca
participação entre elas. Daisy com sua conduta voltada para o sexo, sempre se
refere às relações de forma agressiva e insinuante, o que incomoda sua irmã, que se
pauta pelo romance.
Em uma noite, ao voltar da casa de Tim, tendo recebido emprestado o suéter
que ele vestia por causa do frio, Kat observa a irmã chegar de um encontro com
Charlie despedindo-se com um beijo intenso, olha com curiosidade e se encolhe. Ao
entrarem em casa Daisy nota o suéter e provoca a irmã, dizendo que Tim está
dando em cima dela. Kat chama-a de nojenta e a irmã atira uma caixa de
preservativos para ela. A duas riem.
Daisy passa a noite com Charlie e Kat começa a se deixar seduzir por Tim.
As duas sempre que podem cutucam uma à outra em relação a Tim e a
Charlie.
Kat pergunta a Tim como é sua esposa e ele responde de forma evasiva.
Conheceu-a em Yale:
Nós nos conhecemos no primeiro ano. Engraçado pensar que você ainda
tem tudo isso à sua frente. Vejo que você examina tudo e me lembro
exatamente do que senti quando comecei em Yale. Totalmente apavorado,
mas era excitante. Sentia que chegara a hora de viver (TRÊS MULHERES,
TRÊS AMORES, 1988).
Ela pergunta se ele viveu. Ao que ele responde: “Claro, aqui estou. Ah, Kat,
as coisas acontecem. O que posso dizer?” (TRÊS MULHERES, TRÊS AMORES,
1988). Pela primeira vez Kat esquece a responsabilidade e olha apenas para si
mesma, deixando que Daisy cobrisse seu turno, na noite em que deveria jantar com
os pais de Charlie, o que precisa ser remarcado.
As duas brigam e Daisy diz: “Certo, eu sou a antipática e você o anjo, sempre.
Não importa o que aconteça. Deviam ter carimbado isso nas nossas certidões de
nascimento” (TRÊS MULHERES, TRÊS AMORES, 1988).
Daisy questiona sobre o que Tim e Kat fazem. Diz que pais que transam com
as babás não são novidade. Completa dizendo que se ela acha que o homem vai
67
abandonar a esposa para ficar com Kat, está vivendo um romance de livro. Kat fica
furiosa e ataca a irmã dizendo que ninguém a engana. Que tudo é sobre sexo.
Questiona por que Daisy não começa a cobrar pelos seus serviços, pois seria mais
honesto. Ela dá um tapa no rosto de Kat e atira o esfregão com que limpava o chão
da pizzaria para a irmã: “Limpe sua consciência” (TRÊS MULHERES, TRÊS
AMORES, 1988).
Kat se envolve com o pai de Phoebe (Tim) e acaba passando sua primeira
noite de amor com ele, acobertada pela amiga Jojo, que fica como babá da menina.
Na mesma noite, ao voltarem para a casa dele, surpreendem-se com o retorno da
esposa. Kat volta para casa devastada. Chove intensamente. Chora quieta em sua
cama e a irmã entra no quarto para pedir de forma ríspida que Kat não use mais sua
escova de cabelos. Apenas quando percebe o estado emocional da irmã, sua
postura se transforma. Daisy se oferece para pegar um chá, mas Kat pede que elas
apenas fiquem juntas. Ela abraça Kat e pela primeira vez percebe-se a verdadeira
ligação entre elas. Uma apóia a outra.
A mãe de Daisy a aborda preocupada com seu relacionamento com Charlie.
Diz que ela mesma já foi jovem um dia e que os homens também viviam atrás dela,
mas que tinha juízo. Daisy agradece a mãe por sempre fazê-la sentir-se mal. “Eu
falo palavrão, sou burra, vadia” (TRÊS MULHERES, TRÊS AMORES, 1988). A mãe
diz que só quer que a filha seja alguém. Daisy responde: “Bom, eu não vou para
Yale e vai ter que aceitar isso” (TRÊS MULHERES, TRÊS AMORES, 1988). Sua
mãe diz que não espera que vá para Yale, mas que se preocupa com ela. Daisy
assume que também se preocupa com o próprio futuro.
Em um jantar com a família de Charlie, Daisy percebe que sua condição
social e o fato de ser portuguesa são elementos usados por ele para chocar sua
família. Ela diz o quanto está decepcionada com quem ele é, pois se comportou
como um idiota durante todo o jantar. Volta para casa chateada e com raiva por
sentir-se enganada e usada.
Tim e Phoebe vão à pizzaria despedir-se de Kat e ele lhe dá um cheque para
ajudar em Yale. Eles vão embora e ela rasga o cheque. Daisy lhe dá a mão e diz
que ela não precisa tanto assim de dinheiro e que encontrará uma forma. A relação
entre elas mudou.
68
Jojo se casa e, na festa, Kat recebe da dona da pizzaria um gordo cheque
para ajudar em Yale. Charlie chega e ajuda a servir o sorvete, participando da festa.
Diz que Daisy estava certa sobre ele e pede desculpas. Quer mudar.
As irmãs e Jojo conversam na varanda. Lidam com suas histórias recém-
vividas com cumplicidade e sem críticas.
6.1.2. Análise
A família Arujo é uma família constituída pela mãe de origem portuguesa e
duas filhas, sendo Daisy a mais velha e Kat a mais nova. Nada se sabe sobre o pai
ou outros familiares. A mãe, ao longo do filme, apenas aponta a preocupação com o
futuro das filhas, que deseja que seja melhor que a vida que ela mesma leva.
Carotenuto (2004) aponta o peso deste desejo para as filhas da família:
Geralmente é pedida aos filhos uma enorme tarefa: ser bem sucedidos onde os
pais fracassaram. ... O filho deve resgatar o papel social, procurar o poder, ter um
comportamento ético; em outras palavras deve realizar algo absolutamente
extrínseco, alcançar uma meta na qual nunca pensou e a qual nunca desejou (p.
89).
Na ânsia de uma vida e um futuro melhor, a mãe projeta nas filhas suas
próprias vivências, criticando ou as refoando não em função dos avanços de cada
uma, mas de acordo com sua concepção do que é melhor. Desta forma, pode
desviar as filhas de seus próprios caminhos de alma.
As duas filhas se encontram na vida adulta jovem, em idade universitária, e
têm como foco principal a busca de parceiros amorosos. A vida profissional ainda
não é baseada na busca da satisfação, mas apenas como meio de subsistência.
Moram com a mãe e se preparam para possíveis mudanças como ir para a
universidade ou um casamento, como já observa com a amiga mais próxima, Jojo.
Durante o filme pode-se perceber a influência dos papéis estabelecidos
dentro da família sobre a relação fraterna: há a expectativa prévia de atuação de
cada uma das filhas por parte da mãe e delas mesmas. Há clara divisão de funções
e de espaços.
69
Daisy é a filha bonita e pouco inteligente que busca em um possível
relacionamento a saída para escapar da dura vida que levam. Kat é a filha dedicada,
esforçada e inteligente que não perde tempo com rapazes, pois vê nos estudos o
caminho para a mudança. A mãe em diversos momentos reforça estes papéis com
falas como “Esta é minha filha inteligente.”, ou “Já fui como você, mas também fiquei
velha. Os rapazes vão embora...”.
Cada uma das mulheres da casa já es familiarizada com seus espaços. As
mudanças não são simples e afetam o sistema como um todo. Por exemplo, quando
a mãe pede ajuda com o almoço para Daisy ela responde que Kat ajudará. Kat olha
para a mãe e as duas andam em direção à cozinha. Daisy chama a irmã para
mostrar o vestido de festa caro que comprou. Embora saiba que é um luxo fora da
realidade da família o compra, diz que vai usá-lo e depois devolver à loja. Kat a
chama de louca, mas ri e não a condena. A contraposição entre elas permite a
observação, a contemplação e o contato com elementos desconhecidos uma da
outra.
As irmãs reforçam a posição de Leder (1991) e Cicirelli (2004) sobre a vida
adulta: embora sofram a pressão das expectativas maternas, nenhuma das duas
parece atuar de forma a lutar pela aprovação ou atenção da mãe em especial. Esta
luta é antiga e permanece como pano de fundo sombrio. O foco está no mundo.
A mãe que se apresenta é bastante seca e objetiva. A afetividade parece ser
vivida na fratria e na amizade com Jojo. O materno não acolhe, exerce função de
paterno, tolhe, orienta, sinaliza.
Nota-se no início do filme que, embora vivam na mesma casa, partilhem do
mesmo círculo social e locais de lazer, a relação entre Daisy e Kat não parece ser de
muita parceria, mas de uma certa conveniência. Divertem-se juntas, conversam com
a amiga Jojo, mas sentem-se muito diferentes.
Satisfazem-se com a polarização dentro da família: eu sou o que ela não é.
De certa forma as irmãs parecem atuar na vida social mais ampla os papéis
polarizados dentro da família (ROWE, 2007). Observa-se esta transposição da
família para a vida em diversas cenas, uma delas é a cena do bar em que as irmãs e
a amiga vão ao bar local e cada uma delas age no bar de acordo com a forma de
conduta adotada em casa: Daisy com muita sensualidade, foca nos rapazes, Kat se
fecha no grupo de amigos e se diverte com recato.
70
Em um diálogo com Jojo e a irmã Kat, Daisy diz: “Não sei onde estarei em
dez anos. Posso estar morta até lá. Olha, Jojo, você tem o Bill, e você – aponta para
Kat – tem cérebro. Eu só tenho isso, e isso”– aponta para seu rosto e para o pacote
com duas latas de cerveja. Aqui Daisy deixa claro qual é seu papel e seu
autoconceito. Ela acredita ter apenas aparência e o corpo como atrativos. Não
consegue se ver de outra forma ou de reconhecer outros valores que não aqueles
estabelecidos pela família e já cumpridos pela irmã. Fica fixada no outro pólo e não
consegue se soltar dele (STARK, 2007).
Estar presa a este papel de moça vazia, pouco inteligente, faz de Daisy
alguém que busca se libertar das profecias da mãe. Quer vencer na vida, dar certo
usando as únicas armas que acredita que tem. A mãe a critica, mas não a ajuda a
encontrar outro caminho. Daisy a questiona e diz que não irá para a universidade. A
mãe diz que não quer isso, mas também não ajuda a encontrar outra forma sair do
círculo vicioso: interdita, mas não acolhe.
Não se sabe exatamente a diferença de idade entre elas, mas pode-se notar
que não deve ser muito grande, pois se encontram em proximidade física e
emocional. Há um vínculo fraterno preservado, mas que apenas ao longo do filme
vai ganhando em qualidade de relação.
Lembrando-se a definição de qualidade positiva de Neumann (1991) que
acredita que o relacionamento positivo é aquele que permite o crescimento, o
movimento rumo à individuação, nota-se que as irmãs se ajudam neste processo,
por vezes conscientemente, através do apoio mútuo, do afeto; e inconscientemente,
atuando a sombra, espelhando a outra.
Kat ri das loucuras e aventuras da irmã e se percebe que a inveja de alguma
forma, ao espionar a irmã beijando Charlie, ao voltar de um encontro. A conduta da
irmã a faz despertar para um lado seu que ela descuida e que se fará presente.Daisy
age de acordo com o contraponto da irmã: já que Kat é inteligente, ela é aquela que
só tem sua beleza e fará uso dela. Ela verbaliza acreditar que o ideal da família é a
universidade, e já que não se vê desta forma, passa a ocupar o espaço familiar que
ela acredita estar disponível e que ela exerce (MILLMANN, 2004).
Há uma intensa sombra familiar, que por ser esta casa constituída apenas por
mãe e filhas, confunde-se com a sombra materna. Esta mãe relata já ter sido jovem
e deixa a entender que já foi desejada e abandonada pelos homens que nada mais
71
queriam dela senão sua beleza e juventude. Mostra o amargor do abandono e não
quer que as filhas percorram o mesmo caminho.
Apenas o confronto claro e direto com a mãe permite que estas condutas
motivadas por um código invisível sejam questionadas e reavaliadas. Ou seja,
apenas quando a sombra familiar é explicitada é possível o confronto com seu
conteúdo e a integração.
Dentro desta família de pai desconhecido encontramos três homens que
convivem com as irmãs, trazendo o masculino, o animus para suas vidas:
O dono da pizzaria em que trabalham é o representante mais velho e frágil
diante da expressividade pungente da esposa, dona do segredo do tempero da
pizza. A relação não é fértil, o casal não tem filhos. O poder está polarizado na
mulher que castra a função do masculino fecundadora e criativa.
Charlie, por quem Daisy se apaixona, é um rapaz assombrado diante da
expressividade do pai e de seus inúmeros fracassos em se igualar a ele. Busca uma
namorada portuguesa e pobre, como forma de afronta aos supostos valores de sua
família rica.
Tim é um homem insatisfeito com seu casamento que busca na juventude de
Kat o resgate de uma parcela de sua própria vida, esquecida na época da faculdade.
Tim busca na paixão e determinação de Kat o contato com estes aspectos dele
mesmo, perdidos em um casamento morno. Quer a paixão que a juventude emana.
As irmãs são levadas a se confrontarem com o masculino através de seus
parceiros, ressignificando a imagem de homem vendida pela mãe.
Daisy percebe que projeta em Charlie o desejo de uma vida melhor e de
provar que a mãe estava errada, que ela seria capaz de ser amada e não apenas
explorada. Ela precisa viver a frustração de realizar a profecia da mãe, executada
por um parceiro que também projetava em Daisy a oportunidade de expor a sombra
de sua própria família. Ambos acabam confrontados com suas próprias hipocrisias
projetadas nos pais. Daisy aceita que a mãe tem razão e volta de carona com a
empregada da casa que é sua vizinha. Ela entra em contato consigo mesma, com
suas origens de que tanto se envergonha. Agora pode ser quem é de verdade,
assumindo-se para Charlie.
Ele se comporta de forma grosseira e imatura no jantar, usando a namorada
para confrontar os valores da família, sem perceber que eram os valores dele
72
mesmo, e não dos pais. Precisa que Daisy se assuma, para que ele possa também
se assumir.
Daisy precisa usar sua razão para apontar a Charlie a verdadeira natureza de
sua relação. O uso desta função antes sombria faz com que ela se fortaleça e possa
levar este relacionamento e um patamar verdadeiro, pois Charlie volta a procurá-la
ao final do filme, desta vez dentro do ambiente de Daisy, na festa de casamento de
Jojo, ajudando na cozinha a servir os sorvetes. Não apenas ela tenta viver o ideal,
mas agora Charlie também desce ao mundo real. Esta é a vida dela, e se vão se
relacionar, precisam se conhecer como são: dentro da cultura, da condição social de
cada um.
A relação dos dois é particularmente interessante, já que ambos carregam a
sombra familiar de suas casas. Ele assume o lugar de tudo o que o pai não valoriza
e ela também.
Confirmando o que apontam La Taille (2002) e Zweig e Wolf (2000) pode-se
ver que Charlie e Daisy espelham a sombra familiar através da vergonha. Charlie se
envergonha por não ser como o pai, e Daisy por ser pobre. Ambos revelam os
valores ocultos pela couraça da persona.
Daisy, no entanto, com a ajuda da irmã e da relação de apoio entre elas,
rompe com este padrão e se liberta. Charlie é motivado então, a ele mesmo recolher
suas projeções, pois ele também via nela o que valorizava, mas também
desprezava, preso a um sistema de valores arraigado e até mesmo distorcido.
Quando ela pode assumir a própria vida, dá a ele a possibilidade para fazer o
mesmo.
Daisy enfrenta o afastamento de Charlie quando ela assume quem é. Sanford
(1987) explica que esta é uma conduta comum nos homens que tendem a se
ressentir quando a mulher faz qualquer tentativa para desenvolver sua
personalidade, de forma que esta nova imagem supere a da anima antes projetada.
Quando ele não pode mais ver na mulher o que ele colocou sobre ela, mas quem ela
realmente é, há uma perda, uma dor que nem sempre pode ser processada de
imediato. Charlie leva um tempo para conseguir ver Daisy livre da projeção da
anima. Ao fazê-lo, opta por estar com ela.
Kat que sempre atuou com sua função pensamento como dominante,
precisou ver emergir da sombra o sentimento: Eros a tirou do eixo e fez com que
perdesse o controle. Esta emersão da sombra permitiu a ela viver o sentimento, a
73
apaixonar-se e a flexibilizar seu papel de moça concentrada, focada na vida
acadêmica futura. Ela que sempre viu o comportamento afetivo-sexual da irmã com
desprezo, atua da mesma forma, e se transforma. Kat vive a experiência de amar,
de ser traída e abandonada. Amadurece, pois vive o que não conhecia e que
desejava secretamente da vida da irmã. Não sabia, no entanto, o que poderia
acontecer. Estava enfeitiçada por sua primeira paixão, tomada por Eros.
Tim possibilitou a Kat esta vivência por ele mesmo projetar nela a sua
juventude. Ele se identifica com a moça sonhadora que deve cursar a mesma
universidade que ele cursou, e ainda tem toda a vida pela frente, além de todas as
descobertas que ele já fez e que para ela são futuras possibilidades. Ela lhe
empresta sua juventude e seus sonhos e no tempo em que estão juntos, esquece-se
de suas frustrações e conflitos. Para Kat ele é o homem experiente, que como Zeus
seduz as jovens belas e inexperientes e que as abandona frente à fúria ou presença
da esposa Hera Tim abandona Kat assim que a esposa retorna. Não ousa enfrentar
seus próprios demônios. Dá um cheque para financiar parte de seus estudos, talvez
como uma forma de participar desta vida que está por vir. Ela rasga. A vida dela
começa independentemente dele.
Ambas as irmãs foram traídas e abandonadas por seus parceiros. Precisaram
repetir a história familiar para então superá-la. Uma esteve ao lado da outra
afetivamente para que pudessem vencer a sombra da família.
A traição não é entre elas, mas vem através do masculino, do animus, tão
pouco trabalhado nesta casa. As duas irmãs se encontram com suas projeções de
um masculino mau e traidor, arraigado nos valores familiares. A traição vem mesmo
do masculino, do animus projetado em seus parceiros, de forma que pudessem
aprender sobre si mesmas e sobre a relação com os homens, que não precisa ser
de traição, mas sim verdadeira, sem projeções.
A identificação de Daisy com a mãe custou caro para esta filha. Daisy era a
filha que deveria repetir sua história e sua sorte, embora não fosse esse seu desejo,
parecia quase que inevitável. O ideal da mãe frustrada e sofrida foi inteiramente
depositado na filha diferente, Kat, que também passou a carregar um grande peso:
Kat não vivia Eros e Daisy não acreditava poder viver o Logos.
Ao final do filme, no casamento de Jojo a irmã de alma, emprestada pelas
duas em diferentes momentos , sempre mergulhada em seu imenso conflito entre
viver livre sua paixão ou se casar com seu grande amor, que as duas forjam o início
74
de uma nova etapa. Olhando para Jojo como membro honorário da irmandade pode-
se ver também o retrato mais amplo da fratria: ela não consegue aceitar o masculino
como parceiro, como cônjuge. Fica presa também a um masculino pouco
desenvolvido. Apenas quando confrontada com o limite imposto pelo noivo, ela
assume sua escolha. As três caminham juntas e se apóiam mutuamente na
superação de um padrão.
Nota-se que o elemento da conjugalidade estava na sombra. O feminino
ressentido e traído não conseguia operar a parceria, o encontro, lado positivo de
Hera, deusa grega guardiã dos casamentos. Spessoto (2007) afirma que é Hera
quem favorece o encontro, a parceria e o vínculo. É a deusa casada com o irmão,
com a horizontalidade conjugal. Protege os heróis e vive intensos encontros,
desencontros e traições com o marido e parceiro conjugal. É ela quem “[...] promove
o desenvolvimento da consciência na integração do masculino inconsciente” (p.72).
Hera move sua fúria na direção daqueles que desrespeitam ou desdenham do
casamento, do encontro conjugal. O lado sombrio da deusa se manifesta na mãe
ferida e amarga. As filhas encontram a conjugalidade e resgatam o masculino na
traição.
Byington (2008) escreve que o amor tende a diminuir quando está a serviço
de apenas uma das polaridades, o dever ou a sensualidade. Quando não há
confronto e integração da sombra, o amor (que é ilimitado) definha preso à
unilateralidade.
Jojo pode refletir a mudança que se opera na fratria como um todo: agora elas
conseguem olhar para si mesmas de uma forma diferente e aceitar novas
perspectivas: Kat vai para a universidade, Jojo se torna esposa e Daisy reinicia seu
relacionamento com Charlie, mas agora às claras, sem mentiras ou joguetes de
nenhum dos dois.
Kat e Daisy estão no início da vida adulta jovem e começam a buscar seus
lugares no mundo. O foco de suas vidas, como se pode ver na teoria de Leder
(1991), é a busca do parceiro amoroso, de um lugar efetivo no mundo como seres
independentes. Os papéis familiares as aprisionavam a uma vida em que o
masculino que traz a ordem, o criativo e a determinação estava perdido. A
integração do animus permitiu a recuperação de parte do ser mulher, sem serem
tomadas pela sexualidade desregrada ou pela ausência desta.
75
A ausência de uma figura masculina atuante pode ter colaborado para esta
situação inicial de pouca intimidade com o masculino, pois as irmãs estavam
cercadas de mulheres fortes e devoradoras, privadas e afastadas do feminino
sensual ou maternal.
A humanização do animus aparenta ter sido um importante catalisador para a
emergência da sombra, que elas viveram, entraram em conflito internamente e entre
elas, recolheram suas projeções e voltaram a unir-se, descobrindo um novo lugar no
mundo, independentes e mais completas.
O vínculo entre elas se mostrou fundamental para que pudessem dar-se
apoio mútuo. Sem isso, é provável que não tivessem tido força suficiente para
enfrentar seus próprios preconceitos e o abandono vivido dentro de casa. As duas
sustentaram-se afetivamente, e juntas tiveram forças para enfrentar a pesada
sombra familiar. Caminharam em paralelo, cada uma a sua maneira, mas em
tempos semelhantes. O apoio mútuo foi a base afetiva que permitiu a transformação.
6.2. MUITO BEM ACOMPANHADA
6.2.1. Sinopse
Kat é uma jovem inglesa que vive atualmente nos Estados Unidos, depois que
seu ex-noivo a abandonou sem explicações, após sete anos de namoro e pouco
antes do casamento. Não aguentando a pressão Kat vai embora para recuperar sua
auto-estima e reconstruir sua vida.
Sua irmã (na verdade meiairmã), filha do segundo casamento de sua mãe
com o padrasto a quem Kat adotou como pai, vai se casar, e Kat deve voltar à
Inglaterra para ser sua dama de honra. Ela se desespera por saber que o padrinho
do noivo será Jeffrey, seu ex-noivo.
Kat se desestrutura diante da perspectiva de voltar. Não conseguiu seguir
adiante com sua vida e ainda está presa à sua triste história, mas não quer
76
demonstrar. Assim, contrata um acompanhante profissional, charmoso e
convincente, para se passar por seu namorado.
Kat mostra preocupação constante em parecer adequada, e leva grande
quantidade de malas para a viagem, nada pode faltar, ela deve estar perfeita, bonita
e sexy, sempre lembrando ao ex-noivo o que ele perdeu.
Ao encontrar Nick, o acompanhante, no avião, ela se choca com a perfeição
de seus modos e aparência. A fala dele é sempre tranquilizadora e adequada.
Eles chegam a Londres após viajar durante a noite. Kat olha por cima do
banco para Nick, perfeitamente arrumado, enquanto ela está borrada e descabelada,
depois da noite incômoda no avião. Chegam ao local onde é feita a primeira
recepção. Kat parou em um bar para trocar de vestido, já que a gravata de Nick era
da mesma cor da roupa que usava e ela não queria parecer que estivessem
combinando demais. Ao se depararem com a primeira pessoa a quem Kat precisa
apresentar Nick, ela o arrasta para dentro da chapelaria, onde faz o pagamento e
combina os fatos sobre eles, sobre profissão e como se conheceram caso
perguntem.
A irmã de Kat, Amy, a encontra e cumprimenta de forma esfuziante, mas de
modo rápido e superficial e vai embora. Apenas comenta casualmente quem era o
sortudo.
A mãe começa a recepcionar os convidados ao microfone, fala sobre a
decepção do casamento de Kat e precisa ser interrompida para que volte a falar
sobre os noivos.
Kat se encontra com Jeffrey na frente no banheiro e começa uma conversa
sem graça quando a prima chega e a leva, dizendo que a está salvando não dele,
mas dela mesma. “Seu problema Kat, é que você é boa demais!” (MUITO BEM
ACOMPANHADA, 2005).
Nick traz um drinque para Kat, que a irmã pede para si:
[Amy:] “Me dá isso aí?” [E aponta para o copo de Kat.] (MUITO BEM
ACOMPANHADA, 2005).
Kat lhe empurra o copo no balcão e Amy coloca um canudo na boca
esperando que Kat lhe coloque o copo na exata posição para que tome o conteúdo.
[Amy:] Quer saber o que eu mais adoro nisso, Kat?
[Kat:] Que finalmente há uma razão para o mundo todo girar ao seu redor?
[Amy:] Exatamente! (MUITO BEM ACOMPANHADA, 2005).
77
Nick conhece Jeffrey, que aparenta estar muito infeliz, e diz que ama uma
moça que está na festa com outra pessoa.
Ao retornarem para a casa dos pais de Kat, ela e Nick são acomodados no
antigo quarto dela. Ele vai para o banho e tira a roupa com tranquilidade, dizendo
que olhar faz parte do pacote. Eles conversam sobre a profissão de Nick e Kat se
mostra muito curiosa. Diz que leu um artigo sobre ele em que fala que toda mulher
tem a vida amorosa que deseja. Kat questiona se ele acha que ela quer ser solteira
e infeliz. Ele diz que sim, que apenas quando ela não quiser mais se sentir assim,
ela mudará sua vida. Ela pergunta a Nick o que ele achou de Jeffrey, ao que ele
responde que o achou um ser egoísta e inofensivo, mas atormentado.
Kat vai à despedida de solteira de Amy, onde as meninas bebem muito e Nick
leva a bolsa que ela havia esquecido no carro. Amy se mostra enciumada pela
atenção que Nick recebe das moças e pelos comentários que a prima T. J. faz a
respeito dele. Kat deixa de ser o centro das atenções e não lida bem com isso,
passando a agir de forma disfarçada, porém enciumada.
Amy expõe a irmã quando comenta com um amigo, Woody, que Kat havia
terminado com ele na adolescência, pois ele tinha mau-hálito. Woody percebe o
desconforto de Kat e se apressa em dizer que entende, já que ela era a menina mais
bonita da escola. Amy diz que a irmã foi sempre eleita a mais bonita, a que tem os
olhos mais bonitos, a que envelheceria melhor etc. Kat se sente desconfortável.
Amy diz: “Você é minha meia-irmã, mas eu a amo por inteiro!” (MUITO BEM
ACOMPANHADA, 2005).
Na saída da despedida de solteira, Amy e a irmã cantam juntas pelas ruas
através do teto solar do carro. Kat passa no caixa eletrônico e saca uma boa quantia
em dinheiro.
Ao chegar à casa, Kat seduz Nick e passa a noite com ele no barco do pai, na
lateral da casa. Na manhã seguinte diz não se lembrar de nada. Eles começam
então uma discussão sobre a noite e sobre dinheiro. Saem da casa e vão para o
interior, onde o casamento acontecerá na manhã seguinte.Estão em um churrasco,
quando o noivo procura Amy, mas não a encontra. O pai de Kat sugere a Nick que
vá buscá-la. Nick presencia Amy e Jeffrey de mãos dadas e ele pedindo que ela diga
o que quer. Jeffrey sai, Amy e Nick conversam. Jeffrey procura Kat e tenta falar algo,
mas são interrompidos.
78
Mais tarde, todos estão sentados ao redor da mesa, a mãe fala que acredita
que a razão das filhas não se darem bem é um menino, Toni, o primeiro namorado
de Kat. Bunny diz que sabe que as filhas hoje mal se toleram e que antes de Toni
eram inseparáveis:
[Bunny (mãe):] Eu culpo o Toni pelas minhas duas filhas não se darem
bem. Não, não neguem, vocês mal se toleram. Começou logo que a gente
se mudou para cá. Minhas duas meninas brigaram por causa do Toni
“Mijão” e nunca mais fizeram as pazes.
[Amy:] Dizem que Kat e eu éramos inseparáveis.
[Bunny:] Se Kat comesse uma banana era Amy quem a vomitava.
[Kat:] É, estávamos comendo e vomitando em perfeita harmonia até que o
Toni me acompanhou da escola até em casa um dia. Ele foi meu primeiro
namorado.
[Amy:] Toni começou a irgnorar Kat porque queria brincar comigo [ela diz
com orgulho.] Deixa pra lá, o ponto é que Toni acabou levando uma
cadeirada na cara.
[Bunny:] Era de plástico e de tamanho infantil, mas houve alguns pontos
envolvidos.
[T.J.:] Conta, Bunny, foram mais de quinze pontos! (MUITO BEM
ACOMPANHADA, 2005).
Kat vai à adega buscar mais vinho e é seguida por Jeffrey que, mesmo com
Kat dizendo que não quer mais saber deles dois, conta que terminou com ela porque
dormiu com Amy. Ela se choca e sai correndo sendo amparada por Nick, até que
Amy o acusa de ter contado à Kat. Kat se revolta com ele. Nick vai embora.
À noite Amy agradece a Kat por não ter falado nada na frente do noivo (Ed).
Kat lhe diz que não se preocupe, não vai falar nada para que a irmã tenha o tempo
certo para contar a Ed o que fez, e que no dia do casamento irá sorrir e fazer as
coisas certas, mas que nesta noite não vai fingir que está tudo bem.
No dia do casamento, Kat e seu pai conversam e ela vai à procura de Nick,
que já saiu a caminho do aeroporto.
Amy decide contar tudo a Ed, que sai da sacristia após a conversa e
persegue Jeffrey até que este suma.
Kat consola Amy, mas o casamento acontece, Nick traz o noivo de volta e na
festa as duas irmãs estão felizes. Amy diz a Kat que a ama.
79
6.2.2. Análise
As irmãs retratadas no filme, Amy e Kat, são filhas de uma família
reconstituída, com uma filha do primeiro casamento da mãe, Kat, que além de
receber um novo pai nada se sabe sobre o verdadeiro pai de Kat no filme em
breve ganhará também uma irmã. Ela precisa então conquistar um espaço dentro da
nova família, e em pouco tempo perde sua posição para assumir o lugar de irmã
mais velha, deixando o espaço anterior para sempre. A fratria se inaugura com o
nascimento de Amy, mas não se conhecem os fatos sobre a preparação de Kat para
o nascimento da irmã ou a conduta dos pais, o que pode ter influenciado na relação
dela com a irmã (SILVEIRA, 2002; OLIVEIRA, 2006).
Sabe-se que Kat, embora seja enteada, é tida pelo padrasto como filha, o que
é recíproco. A ligação entre eles é mais forte do que a ligação dela com a própria
mãe ou da irmã com o pai. Ele é sua grande estrutura, enquanto Amy não parece ter
nenhuma ligação especial na família, a não ser com a irmã, e ainda assim pauta esta
relação no ciúme e na inveja.
A figura da mãe parece cumprir pouco seu papel cuidador. Aparentemente o
afeto provém mais do pai do que da mãe. Pode-se perceber que há uma importante
carência afetiva nas jovens. Kat espera a aprovação do masculino e Amy, que
sempre se percebe como segunda escolha, atua como aquela que rouba da irmã
aquilo que sozinha não dá conta de conseguir.
Embora não se saiba exatamente qual a diferença de idade entre as duas
filhas, pode-se verificar que não aparenta ser superior a cinco anos, o que é
considerado por alguns autores como um intervalo de tempo que favorece a
convivência da fratria, mas não a qualidade da relação, mais fortemente influenciada
pela forma com que os pais interferem e cuidam dos filhos (FISCHEL, 1997). Elas
mantiveram durante a vida um vínculo estreito, com grande acesso uma à outra,
partilhando da mesma casa, regras e círculo social. Aparentam ter mantido um
vínculo positivo durante a infância, o que se sugere ter mudado apenas na
adolescência, por ocasião do primeiro namoro de Kat, quando, segundo o relato da
família, as duas passaram a não se suportar mais, pois Amy tenta roubar a atenção
do rapaz, o que enfurece a irmã, que dirige sua raiva para o namorado, mas não à
irmã.
80
Agredir o masculino que expõe a sombra familiar parece ser um recurso
eficiente por bastante tempo na vida das irmãs, até que esta forma de
funcionamento a serviço da manutenção da persona da família não se sustente
mais.
Kat fica muito tempo presa a um jogo inconsciente cujas razões autênticas
ignora. Acaba projetando em fatos externos, como o abandono pelo noivo, um
incômodo que vai além dos acontecimentos em si. O desmascaramento da realidade
a obrigaria a entrar em contato e a questionar verdades afetivas que sempre
considerou como certas. Assim, ao projetar sobre o noivo o abandono, mantém um
mecanismo familiar eficiente, que preserva as regras familiares e a persona
(CAROTENUTO, 2004).
O distanciamento físico acontece já na fase adulta jovem, em que estão no
filme, quando Kat deixa a Inglaterra e vai para os Estados Unidos. As irmãs já têm
uma vida profissional constituída, que não está em foco, mas sim a busca de um
parceiro amoroso e a descoberta de seus papéis sociais mais amplos. Kat sai em
busca de seu lugar no mundo, pois não conseguiu superar o aprisionamento em que
ela mesma se colocou. Ali na Inglaterra era a noiva abandonada, nos Estados
Unidos seria quem quisesse ser.
Carotenuto (2004) chamaria o distanciamento, a fuga, de traição positiva da
família, ou seja, Kat precisou de um afastamento físico para estar verdadeiramente
só redescobrir-se em uma situação nova, particular, individual, sem referências
externas antigas, o que permitirá uma atitude crítica em relação a ações e valores
usados como referências até então. Kat tenta fundar um espaço para criar uma nova
postura de vida, correndo o risco de não corresponder às expectativas familiares.
Mas a distância ainda não foi suficiente. Embora tenha tido alívio e podido
criar uma nova persona, ela permaneceu enraizada nos papéis antigos que foram
imediatamente ativados com a perspectiva de voltar para casa. Ao contrário do que
propõe Carotenuto (2004), Kat não conseguiu fazer mudanças na essência, precisou
de um confronto com a sombra e a verdade para superar a família.
Com efeito, ao nos retirarmos do mundo, reduzimos a intensidade e
redefinimos a qualidade da intervenção dos outros em nós. O nosso
incômodo e o nosso bem-estar adquirem novo centro de gravidade; isso
significa que já não representamos uma ramificação da psique de quem
está ao nosso lado, mas podemos, por exemplo, aceitar ou rejeitar um
81
pedido, reconhecer suas modalidades e restituir seu sentido profundo
(CAROTENUTO, 2004, p.87).
Pode-se refletir ainda que Kat talvez não tenha sido tão bem sucedida nesta
empreitada em função de não ter acesso à verdade. Nunca entendeu o abandono,
mas não sabia ser uma traição e que esta abrangia toda a família. Havia uma
persona familiar a ser mantida e ela pagava o preço. Assim, Kat tentava se construir
sobre uma mentira. Não havia possibilidade de real integração da sombra, pois esta
continuava guardada e era sinalizada pelo incômodo que sentia. A superação não
era possível, pois não conhecia os fatos reais.
Os relatos feitos pela família ao longo do filme e as condutas de Kat e Amy
apontam para uma clara vivência de papéis também definidos pela ordem de
nascimento em que Amy sempre espera ser cuidada e mimada pela irmã, que a
serve e supre as vontades dela, sem nunca a deixar satisfeita. A irmã mais nova
enciumada e a irmã mais velha que cuida, tolera e mima estão presentes durante
todo o filme. Kat cede espaço para receber a irmã, e esta vai lhe tirando várias
coisas ao longo da vida, e Kat cede sempre, ainda que inconsciente de alguns
destes “roubos”, como o de seu próprio noivo.
Burak (apud RIPPS, 1994) defende que o “roubo” do parceiro da irmã é a
expressão da máxima forma de rivalidade e pode trazer feridas de uma profundidade
incurável. O noivo foi o último grande roubo de Amy, mas o que mais ela tirava de
Kat?
Pode-se questionar se Kat havia tirado de Amy seu pai, que demonstra muito
mais afeto pela enteada. Poderia Amy passar a vida tentando reaver o masculino
roubado? “[...] a luta por alguma coisa passa a ser luta contra alguma coisa”
(CAROTENUTO, 2004, p. 90, grifo do autor). Amy pode ter escolhido a luta contra a
irmã, brigando na verdade por afeto.
As irmãs estavam ligadas pelo ciúme e pela rivalidade, o que fez com que
passassem a adolescência e a vida adulta até então em uma proximidade superficial
e falsa. O vínculo firmado na infância persistiu, mas a relação foi empobrecida em
qualidade.
Oliveira (2000 e 2005), Cicirelli (1995), Bank e Kahn (1982) e Millmann (2004)
convergem em suas pesquisas no que se refere à diferença de idade das irmãs que,
ao entrar uma delas na adolescência, pode gerar na mais nova uma profunda
admiração e desejo de ter o que a outra experiencia. O momento de descompasso
82
de desenvolvimento pode ser uma oportunidade para estreitamento e resgate de
uma relação ou outro ponto de perda. No caso de Kat e Amy, a adolescência
deflagra um conflito latente que se arrasta para a vida adulta.
Embora estivessem muito próximas física e socialmente, houve um
importante distanciamento emocional. Uma nunca viu a outra verdadeiramente, o
que apenas aumentou o estranhamento entre elas, pois passaram a conviver com
suas projeções a respeito uma da outra.
Kat via na irmã aquela pessoa de quem tinha de suportar os excessos e
cuidar. Era cutucada e provocada, mas nunca reagia, mostrando-se passiva. Tinha
que dar amor, cuidar, mas com o preparo que uma criança tem para cuidar de outra.
Não sabia disciplinar ou dar limites. Aceitava o papel de cuidadora estabelecido há
muito tempo, e jamais tentava se desvencilhar dele, pois assim correria o risco de
desagradar aos pais (BANK e KAHN, 1982; STARK, 2007).
Amy parecia ainda presa à adolescência, quando invejava a irmã popular e se
dedicava a mostrar ao mundo que esta não era perfeita, porém de forma velada,
mantendo a persona familiar. Amy dizia, sempre que tinha a oportunidade, que a
irmã era a mais bonita, a mais popular, a que envelheceria melhor etc. Não perdia
jamais a oportunidade de deixar Kat envergonhada com algum relato feito em
confiança que deixava escapar.
Sandmaier (1994) diz que um dos elos poderosos entre os irmãos é a história
partilhada. O fato de um irmão dominar a história e segredos do outro pode
fortalecer este elo ou fazer dele uma arma poderosa. Amy usa a história e os
segredos como arma, expondo a vulnerabilidade da irmã de uma forma que só
irmãos podem fazer.
Funderburg (2000) lembra que uma das características básicas da fratria é a
familiaridade. Desta forma, quando Amy e Kat passam a viver através de projeções
uma da outra, perde-se a referência de fratria. A relação é de afastamento, de
estranhamento.
Kat escondia uma forte insegurança sob a máscara da perfeição, de garota
popular, bonita e disputada. Não foi preparada para perder e perdeu seu noivo. Não
conseguiu se levantar sozinha da queda e precisou ir embora.
A faixa etária em que as duas se encontram, da vida adulta jovem, é a mais
propícia para o recolhimento das projeções e do contato efetivo com a irmã, pois já
não é mais o foco da vida da jovem a aceitação ou a luta pela preferência dos pais,
83
mas sim a conquista de um lugar no mundo e busca por um parceiro (SANDMAIER,
1994; HAWTHORNE, 2003). Este fato parece ser um pouco contraditório caso não
se entenda a diferença entre os momentos das duas: Amy ainda presa à luta pelo
amor ao pai, transfere a disputa para os outros homens da vida da irmã e Kat quer
apenas se libertar de uma grande dor que não entende.
Há dois pontos fundamentais para a compreensão de Kat: primeiro o
aprisionamento no papel de boa filha, o que sempre a impediu de agir de acordo
com suas verdadeiras emoções; segundo, ficou presa ainda à vivência com o ex-
noivo, não conseguiu processar o abandono, e paralisou sua vida afetiva. Ou seja,
Kat estava fixada em um complexo, o que não permitia que seguisse sua vida com a
desenvoltura necessária.
Amy, por sua vez, parece nunca ter visto a irmã como realmente era, apenas
invejava a persona exibida por Kat e seu sucesso social que desejava para si
mesma.
A relação de inveja de Amy em relação a Kat confirma o que Ulanov e Ulanov
(2000) falam a este respeito: não importava o que Kat fizesse, a inveja jamais
diminuía. Caso Kat se rebelasse seria invejada por isso, ficando passiva seria
invejada por consegui-lo. Aprisionada no lugar de invejada, Kat pagava o alto preço
de ser sempre atacada por princípio. A inveja a afastava da irmã, que a feria o tempo
todo e a fazia refletir se seria merecedora disso. Kat se mostra desconfortável com o
papel que exercia na comunidade durante a infância e a adolescência. Demonstrava
sentir-se embaraçada por ser boa, admirada e bonita. Mesmo tendo sido
abandonada pelo noivo, a irmã que vai se casar ainda a inveja.
Kat carrega um grande fardo que é manter a alto custo a persona de
perfeição pessoal e familiar. Amy depositou ainda sobre a irmã suas projeções e
frustrações. Ao tomar da irmã o que esta possuía, ela se sentia mais poderosa. Eros
e poder em contraponto. Ao lutar por um espaço de poder, Amy afastou-se
afetivamente da irmã e jamais se permitiu vê-la como ser humano, com falhas e
limitações.
Barcellos (2006) nos lembra que a rivalidade é a sombra da intimidade e da
cooperação. Lança a fratria ao exílio e impede que se desenvolvam as habilidades
inerentes da horizontalidade. As irmãs que se ferem estão em descompasso e se
pode ver o reflexo desta falha na horizontalidade nas relações amorosas das irmãs.
84
Há ainda o espaço da sombra familiar. Pouco se sabe sobre a qualidade da
relação entre os pais, mas há uma família que se une para um casamento e que fala
abertamente sobre as mazelas e problemas, sempre regados a muito vinho. A
família sabe dos fatos ocorridos entre as irmãs e esconde de Kat o que pode ser a
chave para sua libertação, já que a falta de resposta e de entendimento a impediu
de seguir adiante. Ao mesmo tempo, o distanciamento desta família e da própria
história deu a Kat a possibilidade de descobrir novas facetas de si mesma. É difícil
imaginar que a jovem tensa e insegura que volta dos EUA seja a mesma moça
popular que Amy cita sempre. A família está a serviço de si mesma e esconde sua
verdade. Há a traição entre eles, mas esta fica selada em um acordo de silêncio.
La Taille (2002), Zwei e Wolf (2000) mais uma vez comprovam suas
afirmações em relação à vergonha quando se observa Kat: a vergonha do abandono
e da traição revela a sombra da família. Ela encarna o bode expiatório da família,
que mantém a custo pessoal a persona familiar.
Interessante que quando Kat descobre sobre a dupla traição, ela já havia
superado seu fantasma: foi como ser arrastada novamente para o drama.
Aparentemente o sistema fraterno e seus companheiros estavam presos nesta rede.
Kat não podia sair sozinha, mas deu a todos a possibilidade de encontrar novas
alternativas.
Jeffrey serviu, a esse respeito, como objeto de atuação da sombra, foi preso
na rede da fratria e serviu como instrumento de transformação das relações. Foi
através dele que as irmãs entraram em contato com a verdadeira natureza uma da
outra. Foi o masculino imaturo de Jeffrey que trouxe o caos, e o masculino
ponderado de Nick e do pai que restabeleceu o equilíbrio.
Em um primeiro momento Kat culpou Nick: os homens são sempre culpados
para ela. Ela não confia neles. E precisou de outro homem, do pai, para rever esta
desconfiança. Ele cita a entrevista dada por Nick à revista e repete sua fala sobre a
mulher ter a vida amorosa que deseja, mas se recusa a acreditar que aquela seja a
vida desejada por ela. Nick e o pai são dois espelhos voltados para ela e refletem a
mesma imagem, não dá mais para fugir da responsabilidade dela mesma.
Chachere (2004) diz que “Apenas uma mulher que ama a verdade por si só
será capaz de integrar o animus (p. 43)”. As irmãs precisam recolher as projeções
feitas sobre os homens de sua vida a reconhecer o que pertence a cada uma delas
e às suas almas. Kat não confia e acredita que homens traem, embora sempre
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espere o grande amor e busque o perdão. Amy quer o amor dos homens, mas antes
precisa amar a si mesma.
Quando as irmãs recolhem suas projeções, confrontadas com a verdade
interna e familiar, resgatam a própria criatividade e inspiração, lançando-se a
relações honestas.
Ed, o noivo, também foi vítima da dinâmica fraterna, pois Amy o escolheu por
permitir que sua imagem de boa moça e de adequação fosse preservada. O casal
jamais se relacionou verdadeiramente, mas com suas projeções. Quando Amy conta
a verdade, e Ed pode aceitar a verdade, casa-se com a verdadeira Amy, imperfeita,
mas autêntica e completa.
O animus atua como catalisador para a mudança. Humanizado na figura do
pai, traz o princípio da ordem ao apontar o caminho para Kat e Nick. Nick mobiliza
Kat, Jeffrey desestrutura as irmãs e Ed assume uma postura mais firme e máscula
ao se confrontar com a traição de Jeff. O animus atua muitas vezes, seja como
Hermes, traidor, mas mensageiro, seja como o velho sábio que traz a verdade e o
caminho em suas palavras.
Amy traiu a irmã e o noivo traiu Kat. Kat foi duplamente traída, mas a fúria que
a tirou de sua letargia foi a segunda traição, a da irmã. Amy ter sido o pivô de seu
abandono foi demais para ela, e permitiu que Kat pudesse sair de sua máscara de
adequação, o que se vê no diálogo entre as duas no quarto do hotel:
[Amy:] Eu só queria te agradecer por não me expor na frente do Ed. Eu
quero contar, mas não na véspera do casamento. Você sabe que o
momento tem que ser perfeito.
[Kat sorri e se vira de frente para a irmã.]
[Kat:] Você tem razão. Tem que ser na hora certa. Para quando ele ouvir
que você transou repetidamente com o melhor amigo dele ele não achar
que o mundo inteiro está desabando e que não há saída, já que você o
convenceu a se casar com ele.
[Amy:] Kat...
[Kat:] Não se preocupe, seu casamento será perfeito. Amanhã eu vou sorrir
e dizer as coisas certas e você vai lidar com Ed quando estiver pronta. Mas
agora, esta noite, eu não vou fingir que está tudo bem. (MUITO BEM
ACOMPANHADA, 2005).
Kat, pela primeira vez em muito tempo diz à irmã exatamente o que pensa.
Ela está liberta da persona, em contato consigo mesma e com seus sentimentos.
Ama a irmã, mas está ferida por ela e pela primeira vez reage a isso. Ao lidar com a
irmã verdadeira, real, Kat pode vencer as paixões antes fixadas e libera grande
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carga de energia, que agora usa para o desenvolvimento pessoal (ROWE, 2007;
MILLMANN, 2004). Embora se mantenha adequada no dia seguinte, agindo de
acordo com as normas sociais e ocultando seus verdadeiros sentimentos, Kat abriu
uma porta entre ela e a irmã que nunca existiu: a da honestidade a qualquer preço.
Ela deixou de se preocupar tanto com os outros em relação a ela, pois sua imagem
foi destruída diante de todos e ela foi a última a saber. Seu grande medo, ficar
despida de sua persona, se realizou e ela fez um esforço muito grande durante
tempo demais para descobrir que foi tudo em vão.
Kat passou muito tempo buscando respostas, mas nunca quis ver a verdade.
Prendeu-se a falsas esperanças. A irmã foi o emissário da sombra: a traição lhe
permitiu sentir a verdadeira dor, com causa real, e não em suas fantasias. Ao ver
Jeffrey e a irmã verdadeiramente, ela se liberta e permite-se sair de um papel antigo,
o da moça invejada e perfeita que lhe acompanhou por toda a adolescência. Ela
abandona a persona social e familiar cristalizada para poder adaptar-se de forma
mais criativa e flexível às exigências do meio, ou seja, adequando sua persona de
forma saudável (MILLMANN, 2004; DOWNING, 1998).
Amy precisava derrotar Kat, pois sua inveja assim ordenava. Quando o fez,
no entanto, percebeu que nada havia mudado em sua vida. Não vencera, apenas se
enganara também. Eram duas vidas pela metade. Ela havia dedicado a vida a
vencer a irmã, e não tinha outros objetivos próprios. Agora, rivalidade vencida, Amy
está de volta à própria vida.
Rowe (2007) lembra que há relações construídas sobre o afeto negativo,
sobre o ódio, por exemplo. Nestas relações ter um inimigo, alguém a quem vencer
ou destruir dá sentido à vida de quem odeia, pois sente que é importante para pelo
menos uma pessoa, o inimigo, pois faz diferença na vida dele. Amy, embora não
odiasse verdadeiramente a irmã, odiava o ideal que ela representava e dedicou a
vida a destruir esta imagem. Quase destruiu a irmã.
O que se percebe ao final do filme é que havia um vínculo positivo verdadeiro
no início, que se desvirtuou ao longo da vida, mas a sombra, trazida pela traição,
permitiu que ele fosse recuperado e as mazelas perdoadas. Uma estava ligada à
outra, não importa de que forma.
T. J., a prima, exerce também um papel interessante, já que dá voz ativa aos
pensamentos de todas as mulheres, com sua forma debochada. Ela auxilia no
caminho, funcionando como irmã postiça, cuidando de Kat, preservando-a,
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ocupando o lugar que Amy deixou vazio. Talvez sem sua interferência, muitos
pontos não fossem escancarados. T.J. Atua como irmã de alma (PEAY, 2002;
BARCELLOS, 2003), a mensageira que traz a verdade, que permite a ligação
verdadeira. É também um importante elemento externo catalisador, pois com seu
deboche e jeito divertido coloca sobre a mesa muitas das cartas que não eram
vistas.
A bebida também ajuda, na maioria das situações, a revelar conteúdos
sombrios. A cultura inglesa, cheia de formalidades e censuras, precisa de algo que
autorize o não dito a surgir. A bebida atua desta forma: Kat bebe e se permite passar
a noite com Nick. Amy bebe e fala de sua inveja e quase confessa sua traição. Kat e
Amy, bêbadas após a despedida de solteira, se abraçam carinhosamente na
limusine pelo teto solar. No almoço todos bebem vinho e a história de Toni emerge.
Nick, o único americano, não bebe, mas conta seu segredo a Ed, pois este está
bêbado. A bebida é instrumento de Dioniso e atua como libertador do reprimido.
Sem ela, a alma inglesa centrada no forte controle do ego permaneceria enterrada
com seus segredos.
6.3. EM SEU LUGAR
6.3.1. Sinopse
Maggie está bêbada na festa de dez anos da formatura do Ensino Médio.
Sem emprego ou formação, largou os estudos sem concluí-los, pois tinha muita
dificuldade na escola. Era disléxica e foi encaminhada para a classe especial, que
chamava de classe dos retardados.
Rose, a filha mais velha, trabalha em um escritório de advocacia bastante
conceituado. Acima do peso, compra muitos sapatos de grife, pois não importa o que
aconteça com seu corpo, eles sempre servirão. O fato é que raramente os usa, a
não ser para sentir-se bela em casa, quando os experimenta.
Rose diz:
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Existem mulheres mais magras, que usam sutiã de renda, tangas de seda
e outras coisas criadas para excitar os homens. Uma tanga ficaria ridícula
em mim. Uso calcinhas de algodão. A minha vida se resume a trabalhar até
tarde, planejar viagens que nunca faço e curtir o amor nas páginas dos
romances, porque coisas deste tipo nunca acontecem comigo. (EM SEU
LUGAR, 2005).
Rose acabou de passar a noite com Jim, um colega do escritório bastante
bonitão. Ela mal acredita em sua sorte. O telefone toca e é o rapaz que estava com
Maggie na festa. Pede que Rose vá buscá-la, pois está completamente bêbada.
Rose diz: “Coisas assim, por outro lado, acontecem o tempo todo!” (EM SEU
LUGAR, 2005).
Rose tenta deixar a irmã na casa do pai, mas sua entrada é barrada por
Sydelle, a madrasta. Ela impede até mesmo que Rose fale com o pai, que está
dormindo. Diz que sua filha virá no dia seguinte e que o pai deve estar descansado.
Rose a enfrenta, mas acaba levando Maggie para sua casa, pois Sydelle bate a
porta. As duas vão embora e comentam sobre a madrasta e sua filha a quem chama
“minha Márcia”, sempre tão perfeita!
Maggie dorme no sofá de Rose e se surpreende com um homem na casa.
Brinca com a irmã e antes de dormir fala de Pão de Mel, um cachorro que tiveram na
infância por um único dia.
Maggie encontra Jim pela manhã ao sair do banheiro e faz certo charme para
ele, enquanto Rose se mostra pouco à vontade pela situação e com o fato de ter um
homem em sua casa. Ao saírem, Jim não encontra seu dinheiro, Maggie o pegou
escondido.
Enquanto Rose trabalha, Maggie mexe em suas coisas. Ignora os pedidos da
irmã para que não o faça e experimenta tudo, em especial seus sapatos, que
sempre pega e usa sem permissão.
Rose deixa algumas vagas de emprego selecionadas no jornal, mas Maggie
opta por um teste de “V.J.” na MTV. Não é aprovada por não conseguir ler o
“teleprompter”. A dislexia a impede.
Rose almoça com uma amiga a quem conta sobre Jim, e ela lhe diz que
romances de escritório podem acabar muito mal. Rose comenta que Maggie está
novamente em sua casa até que encontre um emprego:
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[Amy:] Você fala isso como se fosse algo remotamente possível de
acontecer! Por que você permite que ela faça isso com você?
[Rose:] Porque ela é minha irmã. (EM SEU LUGAR, 2005)
Em reunião do escritório, Rose é chamada por Jim para acompanhá-lo em
uma viagem de negócios a Chicago. Rose fica animada, pois acredita que seja uma
oportunidade para que os dois passem o final de semana juntos.
No dia seguinte, Maggie chega em silêncio depois de ser reprovada no teste.
Rose tenta fazer novamente o currículo da irmã, ao que ela resiste. Ela foi mandada
embora de seu último emprego em uma loja por causa de um desconto que não
havia conseguido calcular. Riem juntas das irresponsabilidades de Maggie, mas
Rose não perde o foco:
[Maggie:] Ora, vamos, você realmente não quer fazer isso agora, quer?
[Rose:] Não, mas eu também não quero você no meu sofá pelos próximos
três meses.
[Maggie:] Eu deixo você fazer meu currículo e você me deixa fazer sua
maquiagem (EM SEU LUGAR, 2005).
Após alguns protestos, Rose acaba cedendo e Maggie pega sapatos para
inspirá-las. Rose diz que quando se sente mal gosta de se agradar. Comida a
engorda, roupas nunca ficam boas, sapatos sempre servem.
As duas saem juntas e Rose usa a maquiagem feita por Maggie. São
paqueradas e Rose se diverte. As duas sentam em uma lanchonete, riem muito
falando da madrasta Sydelle e de “sua Márcia”, tão perfeita, enquanto elas não são.
Fazem o pedido da refeição e Rose estraga o clima perguntando se estariam
contratando na lanchonete. Maggie pergunta por que Rose não consegue apenas se
divertir.
[Rose:] Você precisa de um emprego, Maggie. E tem um mundo todo de
comércio lá fora que não tem nada a ver com sexo. Onde pessoas
realmente ganham dinheiro sem seduzir ninguém.
[Maggie:] Obviamente, ou você morreria de fome.
[Rose:] Você não vai ter esta aparência para sempre, sabe? Eventualmente
você será mais velha e todos os homens que te bancam agora estarão
comprando drinques para meninas com metade de sua idade, e o que você
fará então? É melhor pensar em alguma coisa, pois vagabundas de meia
idade não são bonitas. São patéticas.
[Maggie:] Ótimo. [Levanta-se e vai embora.]
[Rose:] O que está fazendo? Sente-se Mag. Mag? [Mas ela vai embora]
(EM SEU LUGAR, 2005).
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Rose vai à empresa para a viagem a Chicago, mas Jim não aparece e manda
outro rapaz, Simon, em seu lugar. Ela fica furiosa e é uma companhia desagradável
por toda a viagem, a despeito dos esforços de Simon em ser simpático.
Maggie pega outro sapato de Rose emprestado para procurar emprego e
acaba com o salto quebrado. Maggie, usando suas próprias botas consegue
emprego em um “pet shop”, como lavadora de cães.
Sydelle liga para Maggie e pede que ela tire suas coisas da casa do pai, pois
quer fazer um quarto de berçário para “minha Márcia”, que ainda não tem filhos,
tampouco está grávida, mas “um dia estará”. O pai não se coloca, apenas abraça a
filha e vai se trocar para não se atrasar para o jantar. Enquanto o pai e a madrasta
saem, Maggie fuça pela casa e encontra muitos envelopes endereçados a ela
escondidos em uma gaveta. São cartões de natal e aniversário, enviados pela avó
que ela não sabia ter, com dinheiro dentro.
Saindo de seu trabalho Maggie percebe que o carro de Rose fora guinchado e
segue dois homens que se oferecem para levá-la ao pátio. Apenas no caminho
percebe sua ingenuidade e quase é estuprada. Foge com o carro da irmã ainda com
a presilha na roda.
Rose chega de viagem e encontra a casa absolutamente bagunçada e a irmã
deitada em sua cama com um cachorro que pegou emprestado do “pet shop”, pois
não queria ficar sozinha após a noite terrível que teve. Rose nem a ouve, diz que
está cansada, o avião atrasou, tem que estar no tribunal em vinte minutos e não tem
espaço em sua cabeça para os problemas de Maggie. “Deixe apenas os lençóis
limpos e que o cão já tenha ido embora quando eu chegar” (EM SEU LUGAR, 2005).
Rose descobre que seu carro está com a roda bloqueada e se destempera. Cancela
sua presença no tribunal e diz à irmã que ela sempre estraga tudo.
[Rose:] Não está dando mais, Maggie. Eu não aguento. Quero que vá
embora. Agora. Hoje. Antes que eu volte do trabalho.
[Maggie:] Para onde vou?
[Rose:] Não é problema meu! Você é problema seu! Trate de se virar! (EM
SEU LUGAR, 2005).
Rose encontra Jim e é incisiva sobre sua decepção e pela primeira vez é vista
de forma diferente, com valor, por ele.
Maggie caminha pela casa arrastando um saco de lixo com suas coisas,
vestindo apenas uma camisa e os sapatos da irmã, a quem chamou de vadia; abre a
91
porta para um surpreso Jim que veio se desculpar com Rose. Ela chega a casa e
flagra Jim com Maggie na cama. Maggie sai do quarto correndo para falar com
Rose.
[Rose para Jim:] Eu gostava de você. Eu realmente gostava. Ela nem vai
se lembrar do seu nome. Na verdade, ela nem sequer consegue soletrá-lo.
Não é, Mag?
[Maggie começa a recolher suas coisas e o saco de lixo.]
[Rose:] Quer tentar? Vamos lá! J I M. Bonita, mas uma burra!
[Maggie:] Cale a boca sua porca gorda!
[Rose:] Você realmente me chamou de porca gorda? Você é minha irmã e
o melhor que pode fazer é me chamar de porca gorda? Saia da minha vida!
(EM SEU LUGAR, 2005)
Jim dá carona a Maggie até a estação de trem. Ela cobra duzentos dólares
pela transa. Decide ir para Miami e conhecer a avó.
Maggie chega a Miami e liga para Ella, a avó, que a vai buscar feliz pela visita
da neta, que é fria e não faz nenhum esforço para conhecê-la de verdade, agradá-la
ou seguir as regras. Apenas usufrui sua hospitalidade como uma parasita. Quer
saber por que os avós nunca estiveram presentes e se surpreende pelo pai ter
ocultado das filhas a verdade.
Enquanto isso Rose chora na cama com sua amiga que diz que pelo menos
Maggie foi embora e pergunta por quem ela está chorando, já que nenhum dos dois
merece suas lágrimas.
“[Rose:] Sabe Amy, sei que você está certa, mas queria que às vezes você
apenas pudesse dizer ‘Que droga! Que pena que isso aconteceu com você’” (EM
SEU LUGAR, 2005)
Rose vai devolver o cachorro no “pet shop” e se oferece como “passeadora
de cães” (dog walker) “free lancer”. Abandona o trabalho no escritório e passa a
viver uma nova vida.
O pai se choca com a mudança e pergunta por Maggie. Rose descobre que
ela não está com ele e tenta falar com ela, mas seu celular não existe mais.
Encontra Simon que a leva para almoçar após muita insistência, o que logo se
torna um hábito.
Maggie diz à avó que está de férias, mas esta começa a se incomodar com a
postura da neta, que a cobra sobre sua distância da vida delas. A avó fala da
doença da filha, Caroline que era esquizofrênica e que o genro não a queria por
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perto. Ele culpava a sogra por tudo e depois da morte da esposa não a quis perto de
suas filhas. Caroline matou-se com o carro, deixando um bilhete para a mãe pedindo
que cuidasse de suas filhas. Ela se sente culpada por não tê-lo feito. A amiga de
Ella, senhora Lefkowitz, diz que sua neta parece uma menina manipuladora e
egoísta, e que agora é um bom momento para ajudá-la. A relação das duas começa
a mudar quando a avó a surpreende procurando por dinheiro. Ela quer três mil
dólares para ir para Nova York. A avó diz que não tem, mas oferece um trabalho e
diz que a ajudará a guardar seu dinheiro.
Em uma conversa com Simon, Rose fala que não quer mais seu emprego,
que não gostava realmente do que fazia, mas tinha medo de não ter todas aquelas
pessoas para agradar e tarefas para fazer. Era como se tudo aquilo desse sentido a
sua vida e que sem isso, ela se desmancharia. Agora está bem sem isso.
Rose e Simon passam a sair, além de jantar, para ir a jogos de basquete. Ele
lê para Rose os romances que ela costumava ler. Os dois passam sua primeira noite
juntos. Ela apaga a luz e ele acende. Ela apaga e ele acende. Ele confessa que
sempre gostou dela e que ficou feliz quando foram designados para ir a Chicago,
pois achou que seria correspondido.
Rose está feliz, saudável, em forma e tem um namorado, o que a enche de
orgulho.
Maggie começa a ajudar na casa de repouso. Um senhor pede que ela leia
para ele, mas ela foge.
A avó, Ella, segue o conselho dos amigos e instala TV a cabo, o que abre
uma porta para conversar com a neta. Elas falam sobre a primeira transa.
“[Ella:] Talvez eu tivesse conversado sobre isso se eu tivesse uma irmã.
Desde pequenas eram tão ligadas como eu nunca fui com ninguém. Ainda são
unidas assim?” (EM SEU LUGAR, 2005).
Maggie diz que sim. A avó pergunta por que nunca fala sobre Rose. Maggie
não tem coragem de contar à avó sobre a briga ou sobre o rompimento. Finge saber
tudo sobre Rose, e que ela não viria visitá-las por estar ocupada demais.
Na casa de repouso, o senhor cego pede novamente que Maggie leia para
ele: [Maggie] “Sou uma leitora lenta”. [Senhor cego] “Também sou um ouvinte lento”
(EM SEU LUGAR, 2005). Ele percebe a dificuldade, identifica a dislexia, passa a
ajudá-la a vencer suas dificuldades e Maggie ganha fluência e confiança. Ele
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trabalha com ela a interpretação e compreensão dos textos. Ela gosta, descobre-se
inteligente e muda de conduta.
Rose começa a usar seus sapatos. É pedida em casamento.
Sydelle é ácida como sempre e fala muito de sua filha durante o jantar de
noivado de Rose, que conta ao pai que ela e Maggie tiveram uma discussão.
Simon pergunta sobre ela, mas Rose ainda não lhe conta o motivo da briga.
Ella pergunta a Maggie sobre Rose. “Eu não sou suficiente para você?” (EM
SEU LUGAR, 2005). Maggie fica brava quando a avó pergunta sobre Rose ou sobre
a mãe.
Maggie conta sobre a mãe com grande carinho e tem a ilusão de que ela era
mais especial do que realmente foi. Seu destempero e descontrole foram percebidos
por Maggie como alegria e espontaneidade.
Ella revela para a neta que Caroline não tinha condições de ser mãe, que
deveria tomar medicação todos os dias e que o relacionamento com o pai dela era
passional demais.
Sydelle organiza um terrível chá de cozinha para Rose, com um vídeo que a
humilhou na frente de todos.
Maggie passa a atuar como “personal shopper” para as senhoras do centro
de repouso. A avó ajuda a administrar a agenda e o novo negócio.
Rose vai a um casamento e descobre que seu sapato está com o salto
quebrado. Maggie o colou com goma de mascar. Na festa Jim aparece e pede
desculpas a Rose por tudo.
[Rose:] Por sua causa, não faço idéia de onde minha irmã está. O telefone
dela está desligado, ela não sabe que fiquei noiva. Minha própria irmã,
minha melhor amiga. O pior é que não posso falar com ninguém sobre isso.
Se contar ao meu pai ele vai ficar furioso por eu não cuidar dela. E seu
contar ao Simon... Eu não posso contar ao Simon, porque ele vai odiá-la e
isso eu não suportaria (EM SEU LUGAR, 2005).
Simon os vê juntos e fica muito bravo, pois cobra confiança de Rose e diz
estar cansado da situação. Ele a quer por inteiro.
“[Simon:] Isso não tem nada a ver com ele. É entre eu e você. Você não fala
comigo, não me conta o que se passa dentro de você. Conte-me. Assim, não vou me
casar com você” (EM SEU LUGAR, 2005).
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Ella mexe nas coisas de Maggie e manda uma carta a Rose, que vai ao
encontro do pai para entender o que houve: como tem uma avó e nunca soube?
O pai conta a Rose que a avó sempre foi controladora, queria que Caroline
ficasse sob medicação, e assim fugiram dela. Rose vai até a avó e encontra Maggie.
Rose é irônica e dura com Maggie e a ignora sempre que possível. Maggie
não tolera a atenção da avó com a irmã.
Maggie se choca que a irmã vá se casar com alguém que ela não conhece.
Pede desculpas a Rose.
A avó resgata fotos de Caroline e das meninas quando pequenas. Maggie
relata a história de Pão de Mel e Rose a reconta com a realidade de uma mãe
esquizofrênica em surto. Maggie se choca, pois suas lembranças são muito
romanceadas e Rose sabe de tudo como realmente aconteceu. Ela colocava música
para que Maggie não ouvisse as discussões dos pais sobre as ações da mãe. Ela
nunca soube da realidade. Rose se criou sozinha e criou a irmã, que era pequena
demais para ver a realidade.
Rose conta que Simon desmanchou o noivado.
Maggie discute a situação com as senhoras do condomínio. Elas sugerem
que diga a Simon que Rose está grávida. Dizem ainda que ela não parece chocada,
pois sabem tudo sobre ela.
Maggie conhece o neto do senhor para quem lia. Ele morreu pela manhã e
ela fica muito triste. Ele falava de Maggie para o neto, o que a deixa feliz.
Simon aparece na festa do condomínio.
Rose: O que eu tinha deixado de falar a você tinha a ver com a Maggie. Eu
a estava protegendo como sempre faço. Você precisa saber disso, porque
se por acaso decidir se casar comigo, ela vai transformar sua vida num
inferno. Vai implorar para que eu a expulse, interne ou mate, e eu vou
querer também, mas nunca o farei. Pois sem ela, não faço sentido.
Simon: Você está bem, agora se parece com você (EM SEU LUGAR,
2005).
Maggie pede que a irmã não compre o vestido de noiva. Será seu presente.
Rose vai se casar em um dos restaurantes a que ia com Simon.
Maggie conta a Simon muitas coisas sobre Rose. Simon a interrompe e diz
que também a conhece.
Ella e o pai das meninas se desculpam um com o outro.
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Rose e Simon se casam. Maggie é a madrinha e antes que a cerimônia
comece Maggie recita um poema de E.E. Cummings para a irmã:
Carrego seu coração comigo
Eu o carrego no meu coração
Nunca estou sem ele
Onde quer que vá, você vai comigo
E o que quer que faça
Eu faço por você
Não temo meu destino.
Você é meu destino, meu doce
Eu não quero o mundo por mais belo que seja
Você é meu mundo, minha verdade
Eis o grande segredo que ninguém sabe.
Aqui está a raiz da raiz
O broto do broto
E o céu do céu
De uma árvore chamada vida
Que cresce mais que a alma pode esperar
Ou a mente pode esconder
E esse é o prodígio
Que mantém as estrelas à distância
Eu carrego seu coração comigo
Eu o carrego no meu coração. (CUMMINGS APUD EM SEU LUGAR,
2005).
Rose se casa.
Rose tira o sapato de Ella e pede a Maggie que o devolva à avó. Elas brincam
sobre Simon ser sexy. Rose vai embora e se despede da irmã que volta para a festa.
6.3.2. Análise
Rose e Maggie são, respectivamente, a filha mais velha e a mais nova. A
família era originalmente formada por elas, o pai e a mãe, sendo esta esquizofrênica.
Embora não se tenha muitos dados da história da família, o filme se passa na
atualidade, com as duas filhas na idade adulta jovem, Rose em crise com sua vida
como um todo, inclusive a profissional e Maggie, que não tem exatamente uma
carreira, mas apenas uma sequência de empregos que lhe permite o sustento
básico. As duas estão em busca de um parceiro amoroso e transformar suas vidas,
buscando sair dos papéis atribuídos que aprisionam a ambas.
96
Rose é a cuidadora e Maggie a cuidada. Mantiveram um vínculo e uma
relação de muita proximidade, mas conforme se verifica ao longo do filme, nem
sempre de verdadeira intimidade.
Para que se possa entender como estes papéis foram instituídos nesta
família, faz-se aqui o resgate da história oferecida.
Caroline havia sido diagnosticada com quadro de esquizofrenia e tinha crises
constantes. Sua mãe, Ella, acreditava que a filha não tinha estrutura mínima
emocional ou estabilidade para constituir uma família e em especial ser mãe. Desta
forma Caroline se casa, mas foge do convívio mais frequente com a mãe, pois esta
insistia na necessidade do remédio.
Caroline e o marido acreditavam que se perderiam um do outro, que a relação
entre eles não seria a mesma, caso ela estivesse sob medicação. Optam então em
tolerar e lidar com as crises, que se tornam cada vez mais frequentes. Caroline tem
duas filhas, e estas acabam perdendo a mãe de forma trágica, já que ela se suicida,
deixando uma grande dor na família. Perdem também o pai, pois este nunca mais se
refez da perda. As filhas nunca tiveram este dado, assim como nunca mais viram os
avós maternos, colocando-as em isolamento familiar.
Recusando a medicação, Caroline, a mãe, com a anuência do marido vivia
dentro de suas limitações, apresentando condutas vexatórias e fora da realidade.
Não conseguia realizar suas tarefas domésticas diárias, deixando por vezes de
cumpri-las ou as fazia de forma alterada. Assim, Rose ajudava, em especial no
cuidado de Maggie, garantindo a sobrevivência de ambas.
Rose sempre teve clareza da inadequação dos comportamentos da mãe, o
que não acontecia com Maggie, por conta da idade e das interferências da irmã, que
sempre a poupou de enxergar a verdade em relação à mãe.
Maggie compreendia a mãe de forma romanceada e sentia as condutas da
mãe como espontâneas e divertidas, referência que carregou por toda a vida. A mãe
em suas crises não cuidava delas, pelo contrário, tendia a expor as filhas e as
colocava em situações de risco.
A consciência de Rose acerca do quadro da mãe se reflete na construção de
sua persona de mulher executiva, que apenas faz, esvaziada de alma. Jamais
questiona, sob pena de então entrar em contato com seu vazio interior.
Após a morte de Caroline, o pai rapidamente se casa com Sydelle, viúva, mãe
de uma filha idealizada, “minha Márcia”. As enteadas são estorvos em sua vida e ela
97
reforça em Rose o papel de quem cuida de Maggie. Sem Rose, Maggie não teria
quem olhasse por ela.
Sydelle é a personificação da mãe sombria, encarnada na figura popular da
madrasta, que como a de Cinderela veio para a casa do novo esposo com as filhas
despejando-a de seus aposentos e jogando-a no borralho. Sydelle faz o mesmo a
cada dia, e mesmo depois de adulta, Maggie é expulsa da casa do pai por várias
vezes, seja por inadequação ou por rejeição. Sydelle é a bruxa devoradora, que
destrói, que aniquila. O materno vivenciado por Rose é omisso ou sombrio. O de
Maggie é ilusório, tanto quanto à mãe esquizofrênica ou quanto a Sydelle, a
promessa de uma mãe que jamais teve.
Sydelle pede o quarto de Maggie para a própria filha, ou melhor, ordena-lhe
que saia, e mais uma vez, o pai nada faz.
O pai, omisso e culpado, nada faz em prol das filhas. Deixa a Sydelle o
cuidado das meninas, pois ambos não querem assistir. A madrasta despeja sobre as
enteadas todo seu rancor por jamais ter conseguido superar o amor do marido por
Caroline. Assim, ela pune as meninas. Projeta na filha Márcia o ideal e a perfeição
que aquela família jamais terá.
Maggie se apresenta ao mundo através de sua sexualidade e de seu corpo.
Sente-se pouco capaz cognitivamente, o que compensa com a exploração da
aparência e do sexo, garantindo assim seu lugar no mundo. Na família o espaço do
cognitivo já estava ocupado por Rose.
Rose, a irmã mais velha, é a cuidadora. Cuida de Maggie, dos dramas da
família e passa todo o tempo tentando encobrir os deslizes da irmã. Verbaliza até
mesmo que o pai vai ficar furioso por ela não ter cuidado direito da irmã. Sente-se
responsável e fixada a este lugar.
Profissionalmente Rose atua da mesma maneira: cumpridora de suas tarefas,
jamais questiona sua própria satisfação. Diz que apenas fazia o que era pedido, sem
nunca se perguntar sobre a validade disso, pois temia que sem tarefas sua vida não
tivesse sentido.
Desde muito pequena Rose se constituiu através de sua utilidade. Caso a
perdesse, deixaria de ser desejável. Não percebia o próprio valor desvinculado do
fazer.
Verena Kast (1997) quando fala de mulheres com complexo materno
originalmente negativo, ilustra este conceito com dois casos em que irmãs assumem
98
em parte o papel de cuidadoras e gerentes das vidas de suas irmãs por sentirem-se
desprovidas de valor, uma vez que foram fruto de relação negativa com a mãe.
Entende-se o negativo neste conceito como aquilo que afasta o indivíduo de um
melhor desenvolvimento. A assertividade, a eficiência para o controle e o cuidado
são estratégias de sobrevivência para pessoas desprovidas do sentimento de valor
interno. Elas acreditam mesmo que são as próprias culpadas por sua infelicidade. É
apenas através de um trabalho de conscientização que se permitem livrar-se da
culpa e conquistar seu direito à existência.
Como cuidadora precoce, Rose não deu conta de preparar sua irmã para o
mundo, assim como a si mesma. Fez o melhor que pode, mas não conseguiria suprir
cuidados que apenas um adulto poderia oferecer.
O pai impõe a Rose a eterna tarefa do cuidado de Maggie e assim isenta-se
de toda a responsabilidade. Maggie não é problema dele. Aparentemente este pai se
encontra alheio a tudo, anestesiado por uma perda, por um luto que não se encerra.
Hollis (1999) diz que “O pássaro negro da culpa não apenas corrói a
qualidade do presente, como também nos amarra sempre ao passado” (p.33). O pai
representado no filme está preso ao passado, amarrado a uma imensa culpa por
não ter internado a esposa ou não ter feito o tratamento corretamente. Ele se
condena a uma eterna prisão com uma torturadora que tudo faz, tira seu brio, suas
vontades, sua decisão. Ele apenas segue em sua culpa, em sua dor, sem poder
absolver-se por seus crimes de alma.
Esta redenção só se observa ao final do filme quando o pai e Ella se
encontram e podem perdoar-se mutuamente por seus erros e consequências. De
acordo com este processo, Hollis (1999) diz: “quando o arrependimento é genuíno,
quando a recompensa efetiva ou simbolicamente transpirou, podemos vivenciar a
graça da remissão” (p.35).
Rose nunca se permitiu sair de seus papéis familiares. A persona instalada e
mantida a alto custo começa a lhe pesar. Já não está mais feliz, mas ainda não
encontra forças suficientes para sair da paralisia e da cristalização. O montante de
energia deve ser muito grande para produzir esta mudança. Jung (1997) diz que:
Os conflitos mais penosos, quando superados, deixam na sua esteira uma
segurança e uma paz ou um abatimento que será difícil perturbar ou difícil
curar, e inversamente: serão necessários precisamente opostos fortíssimos
e sua conflagração, para que se produzam resultados valiosos e duradouros
(p.25).
99
Ela quer ser outra mulher. Aquela dona dos sapatos definida por Maggie:
Sapatos como estes não deveriam estar trancados em um armário.
Deveriam viver uma vida de escândalo e paixão, transando com um
milionário em um beco, enquanto a esposa frígida espera na limusine,
achando que ele foi ao bar pegar o celular (EM SEU LUGAR, 2005).
Rose precisa de sapatos, instrumentos de fantasia, mas que ainda
mantenham seus pés firmes ao chão. Rose jamais usa estes sapatos, pois ainda
não se sente dona dos atributos a eles associados.
Maggie, por sua vez, encarna os atributos que vê projetados nos sapatos da
irmã. Sempre quebra os saltos e os devolve com remendos malfeitos com goma de
mascar. Tenta, como se vestisse a pele de um leão, emprestar-lhes a força, mas
isso não acontece. Não são seus sapatos, não são suas habilidades. Note-se que
ela apenas consegue um emprego quando quebra o salto do sapato de Rose e usa
as próprias botas. Apenas quando usa seus atributos passa a encontrar um lugar
real no mundo.
Talvez esta seja a história de Maggie: uma grande mentira, uma grande
ilusão. Vive uma vida pouco real, sem história, sem casa, sem identidade. Sua
existência está apoiada integralmente em Rose, a única com quem pode contar.
Maggie, com raiva da irmã que a empurra para a própria vida, a fere
mortalmente em seu ponto mais frágil: a sexualidade, o desejo, o afeto. Maggie não
pode permitir que Rose saia do lugar que sempre ocupou e a sabota. No entanto é
esta mesma atitude sombria, motivada pela raiva e pela vingança, que rompe com
os padrões. É o que mobiliza em Rose o montante gigantesco de energia acumulada
no complexo para que se pudesse lançar à mudança. Rose e Jim a lançam nesta
jornada de autoconhecimento e libertação.
Jim serve como meio, é o representante fraco do sexo masculino, manipulado
pelos poderes de sereia de Maggie, que o seduz pelo sexo. Ele se arrepende e só
depois percebe o que fez, mas não há movimentos efetivos de reparação. Ele
sempre trata Rose com pouco cuidado e a engana quanto à viagem para Chicago.
Ele a manipula, dando a falsa ilusão de haver um relacionamento. Jim somente
começa a vê-la de modo diverso quando Rose se coloca e o enfrenta no escritório,
mostrando seu desagrado pela forma com que ele atuou. Jim é fraco como seu pai:
um homem manipulável, seduzido pelo poder do sexo e da beleza, mas também
100
vazio de afeto. No casamento em que voltam a se encontrar, Rose não lamenta o
fim do relacionamento entre eles, mas o fato de ter resultado na separação dela com
a irmã.
Importante colocar que Rose já estava muito próxima de seu limite. Maggie
estava brava por ter sido expulsa de casa, mas Rose já não podia mais suportar. A
carga estava pesada demais. Não conseguia mais ouvir a irmã, recebê-la
verdadeiramente dentro de si. A conexão já estava frágil demais e Maggie se
segurava o quanto podia. O movimento era de Rose, não dela.
Maggie estava acostumada a sofás. Esta era sua vida: viver de passagem
puxando seu saco de lixo. Ela se coloca como uma ambulante, uma sem-teto que
leva o pouco que tem em um saco que arrasta pela vida. Que outras coisas estariam
dentro do saco? Bly (1999) usa esta imagem para falar da sombra: a comprida
sacola que carregamos atrás de nós. “Quando colocamos muita coisa na nossa
sacola particular, o resultado é nos sobrar pouca energia. Quanto maior a sacola,
menor a energia” (p.35). Maggie carrega seu mundo, e sua sombra. Rose tem sua
sexualidade na sombra e Maggie seu cognitivo. Maggie atua a sombra de Rose,
“roubando” Jim pelo sexo e ativando na irmã seu complexo já em ebulição.
Rose não suporta mais a própria vida e lamenta sua sorte. O amor por
Maggie é grande demais para que se permita ficar aliviada pela perda. A dor é
maior. A traição foi na verdade um empurrão para a mudança que iria, em algum
momento, acontecer.
Ela larga o emprego e abre as portas para outra vida, sem planos, sem
tarefas, com uma liberdade que jamais se permitiu ter. Não tem ninguém para
cuidar, pela primeira vez, que não dela mesma. Ela se permite ainda, embora com
resistência, deixar que Simon visite sua vida, um tipo diferente de masculino, que
nutre, cuida e alimenta. O masculino que atua o materno que ela nunca teve.
Já Maggie encontra na avó Ella a aceitação que jamais viveu. Mostra-se
como é: arrogante, folgada e auto-indulgente. Não se interessa por ninguém que não
ela mesma e não faz esforço nenhum para nada. Todos têm o dever de cuidar dela.
É Ella que a confronta pela primeira vez, que assume o papel de mãe, que acolhe,
mas ensina o caminho e não apenas empurra o problema. Ella encara Maggie de
verdade e a assume. Uma vez aceita como é, Maggie pode mudar.
É nas mãos da sabedoria expressa de dois anciãos, dois sábios, que Maggie
pode se transformar: a avó Ella e o paciente cego do hospital, o antigo professor que
101
lhe ensina vencer a crença do não saber. Os dois apostam nela e fazem com que
encontre dentro de si forças para se encontrar. Pela primeira vez ela é o que é, sem
sexo, como pessoa e como atuação.
Interessante que durante todo o tempo, nem Maggie nem Rose conseguem
assumir o rompimento. A ferida está aberta e há muita dor. Mas não querem que a
ferida seja extirpada, mas curada. Elas precisam uma da outra, ainda que a distância
tenha sido fundamental.
O afastamento pode ser muitas vezes um recurso de fundamental importância
para que o círculo vicioso seja quebrado e se possa tratar o indivíduo. Bank e Kahn
(1982) afirmam que em alguns casos, para se salvar os indivíduos é necessário que
a fratria se afaste, assim podem-se descolar os papéis cristalizados e permitir a cada
um dos indivíduos a transformação.
Com o afastamento, Maggie vivencia o ser filha única com a avó, um lugar
que nunca conheceu. Assim como Cohen (apud RIPPS, 1994) aponta, a irmã mais
velha sempre deseja voltar a ser filha única. Maggie, que experimenta o lugar de
primogênita na relação com Ella, chega a verbalizar a questão “Eu não sou
suficiente?” (EM SEU LUGAR, 2005), diante do desejo da avó de conhecer Rose.
Este tipo de questionamento surge diante de relações de ciúme e rivalidade, que era
o momento da relação entre Rose e Maggie.
A chegada de Rose é um grande transtorno para Maggie, que perde sua
posição e passa a ter alguém para desmascará-la. Ela teme que Rose quebre a
lealdade entre elas e mostre quem ela realmente é em público, poder este inerente
aos irmãos que partilham uma história (BANK e KAHN, 1982). Mas Rose nunca o
faz. Na realidade, Maggie já havia sido desmascarada há muito tempo pelas demais
idosas do lugar. A senhora Lefkowitz chega a mesmo a dizer que não fizesse cara
de chocada, pois todas já sabem como ela é de verdade. A queda da persona a
liberta, pois, não tendo mais que esconder quem é, pode assumir-se e buscar a
superação. Como Hollis (1999) coloca, é preciso perceber que somos assim e
somos aceitos desta forma. A aceitação do ser nos liberta para sermos perdoados e
para seguirmos adiante.
A conversa das duas com a avó sobre a mãe e suas lembranças explicita a
sombra familiar. Pela primeira vez se apropriam de sua história verdadeiramente.
Rose partilha o peso, Maggie entra em contato com a verdade e Ella pode se
perdoar por suas escolhas em relação à filha. O confronto com o grande segredo,
102
com o tabu da família as liberta para uma relação verdadeira e para a compreensão
de suas histórias e caminhos. Agora todas podem seguir em frente.
O último perdão é de Rose em relação a Maggie. A traição permitiu que toda
a história se transformasse. Ela é enganada mais uma vez pelas mulheres do
condomínio e por Maggie. Simon chega atraído pela suposta gravidez de Rose, sem
que esta nada saiba, e fazem as pazes.
Rose pode ser verdadeira e falar abertamente sobre Maggie. Ela era mesmo
metade, pois grande parte de quem ela é estava distante dela. Agora, com a irmã,
está completa e pode realmente estar com Simon.
Maggie, por sua vez, perde seu mestre quando o professor falece, mas este
lhe garante o lugar no mundo ao falar dela para o neto com carinho. Ela não mais
ocupa o lugar de assunto desagradável, de problema, mas agora é lembrada com
valor. Maggie mudou sua história.
Maggie compra o vestido de noiva da irmã, ou seja, valida a transformação
que tanto tentou impedir. Todos estão mais felizes, impelidos também à revisão: pai,
avó, madrasta. Sydelle perde seu poder e passa a ser a sombra do pai delas: pouco
atuante, nada consegue encontrar para comer de seu agrado no casamento. Não
tem nada mais para ela nesta relação.
O poema lido no casamento ilustra a relação das irmãs: são uma unidade,
mas agora diferenciadas. Embora uma carregue a outra, são duas, e juntas nunca
estarão sozinhas.
103
7. DISCUSSÃO
Três histórias diferentes foram usadas para ilustrar a relação fraterna feminina
na fase adulta jovem. Nos diferentes processos e trajetórias de vida pode-se
perceber a importância da estrutura familiar como base para o vínculo fraterno e
para a construção e manutenção da relação entre as irmãs.
A família de Rose e Maggie (EM SEU LUGAR, 2005) é a que oferece mais
dados da história e da construção da relação entre as duas. É esta mesma riqueza
de detalhes que nos permite entender com mais propriedade como se construíram
os papéis e a base que sustentava a relação das duas. Já Kat e Amy (MUITO BEM
ACOMPANHADA, 2006) tinham poucos dados antigos, apenas foi sinalizado que no
início da adolescência, por ocasião do primeiro namoro de Kat, a relação antes
percebida como harmônica vem abaixo, expondo a sombra reprimida. Kat e Daisy
(TRÊS MULHERES, TRÊS AMORES, 1988) oferecem ainda menos história
pregressa, mas vê-se com clareza o quanto elas retornam uma à outra como modelo
de apego e de segurança. É no colo uma da outra que buscam aconchego nos
momentos de dor, compensando uma mãe que se mostra pouco afetuosa.
A posição de nascimento não é sinalizada nas histórias como dados
relevantes, mas sim os papéis determinados na família. Estes são vividos até a vida
adulta, momento em que as fratrias das histórias estão. Embora não seja dado foco
a esse fato, Maggie e Amy, irmãs mais novas, confirmam a visão de Britto (2002) e
Adler (1998) de que os filhos mais novos tendem a ficar presos ao papel de eternos
bebês da família, ocupando sempre um grande espaço e mobilizando inclusive os
irmãos a assumirem o papel de cuidadores.
Stark (2007) lembra ainda que em alguns casos o papel de cuidador em
especial fica tão impregnado que é praticamente impossível descolá-lo da pessoa e
que esta função parece ser mais comumente atribuída à irmã mais velha, embora se
encontre constelada em qualquer que seja a posição de nascimento, diante da
necessidade.
Todas têm como foco comum a busca pelo parceiro amoroso e por seu lugar
no mundo, independentes da família. As disputas pelo amor e atenção familiares
parecem reduzidas e permitem, como Oliveira (2005) e Cicirelli (1995) escrevem,
104
rever o relacionamento entre os irmãos e dar novos significados às vivências,
alcançando novas formas de interação.
No caso de Maggie, em especial, como a vivência materna é tardia, a
competição e o ciúme pela atenção da avó Ella só se mostram no momento em que
as irmãs constelam um novo espaço familiar, em que os papéis estão em
construção. Vivem tardiamente o que se vive na infância para então fazer o processo
de superação e transformação adequado ao momento em que se encontram. Stark
(2007) afirma que a possibilidade de retorno às fases anteriores da vida é uma das
características da fratria, que fornece a familiaridade necessária para reviver a
família e sua história. Este retorno acontece ainda em um momento quando a fratria
enfrenta um processo de perda em que a familiaridade está abalada pelo ruir dos
papéis anteriores, mas ainda assim, o vínculo sustenta a transformação.
Todas as irmãs tinham acesso fácil umas às outras e o intervalo de idade não
se mostra relevante, o que vem confirmar as posições de Oliveira (2005), Bank e
Kahn (1982), Cicirelli (1995), Sandmaier (1994) e Walker, Allen e Connidis (2005) de
que o acesso e a menor diferença entre idades se mostram como fatores
facilitadores na construção do vínculo e na manutenção da relação.
Embora todas as configurações familiares sejam diversas, as três fratrias se
organizam em díades (OLIVEIRA, 2005; BANK e KAHN, 1982), mesmo aquelas em
que há irmãs de alma por perto. As amigas e primas entram e saem, mas o vínculo
fraterno é central e o mais importante afetivamente nas três histórias apresentadas.
Amy e Kat, assim como Maggie e Rose, fazem parte de famílias
reconstituídas por novo casamento: a primeira pelo casamento da mãe de Kat e a
segunda pelo pai de ambas. A família de Kat e Daisy é matriarcal, não havendo
dados sobre o pai ou outros membros da família extensa.
A qualidade do vínculo nas fratrias varia, por exemplo, quanto ao processo
histórico de construção deste relacionamento, revelado pelas narrativas. A relação
cujo vínculo dá mostras de ser mais intenso é o das irmãs Rose e Maggie, já que a
intensidade de seus conflitos, e de seu sofrimento, não é só proporcional à traição,
mas à carga afetiva investida na relação.
A história de Amy e Kat em particular tinha uma grande sombra que
acompanhava não só a fratria, mas a família. Tinham um bom vínculo, herdado da
infância, mas a relação vinha sofrendo com o afastamento emocional crescente
entre as irmãs, o que culmina no distanciamento físico de Kat, que se muda para a
105
América. A relação fraterna está mergulhada e não pode ser entendida afastada
desta constituição e funcionamento familiares.
Kat e Daisy formam a díade mais jovem das três. Estão mais próximas
fisicamente, pois ainda moram na mesma casa, partilham do cotidiano do lar e da
mãe. As duas mostram bom vínculo e uma relação constante, mas que ainda assim
guardava, sob um espesso código familiar, valores e condutas que se interpunham
entre elas, marcando a relação fraterna e se estendendo para as relações amorosas
e sociais, afetando a persona de cada uma. A família começa a se confrontar com
seus valores e sua sombra, que precisa ser vista e integrada. O esfregão entregue
por Daisy à irmã mostra que não podem mais se esconder em papéis antigos: cada
uma deve assumir seu lugar no mundo, suas ações e desejos, mesmo que entrem
em choque com os antigos padrões estabelecidos. A relação parece ser mais
estável que as outras duas, sendo também o conteúdo sombrio menos intenso.
A interferência das estruturas familiares na construção do vínculo e das
relações fica sempre muito evidente, pois além de fatores como acesso, diferença de
idade e ordem de nascimento, a influência da intervenção parental e da estrutura da
família com seus papéis atribuídos se fazem determinantes de muitos aspectos na
relação e vínculo fraternos (CICIRELLI, 1995; BANK e KAHN, 1985; OLIVEIRA,
2000 e 2005).
A maternagem é um ponto frágil nas três vivências. Kat e Amy têm uma mãe
presente, porém a figura afetiva é o pai. Kat e Daisy têm uma mãe preocupada com
a sobrevivência, mas que pouco demonstra ou dá afeto. Maggie e Rose tinham uma
mãe doente, que não exercia a maternagem, e uma madrasta que também não
exercitou esse papel. A figura materna só é resgatada pela avó Ella, com as netas já
adultas. O que se nota é que, no caso específico de Maggie e Rose, como podemos
analisar por termos acesso a esta história, pode-se deduzir que esta falta da
maternagem, aliada às cobranças do pai, pode ter levado Rose a assumir a função
de cuidadora de Maggie, o que se arrastou por toda a vida.
Verena Kast (1997) ajuda a compreender estas mulheres ao falar dos efeitos
de uma vivência originalmente negativa com o materno. Elas carregam o peso de
sentir que são responsáveis por sua infelicidade e que não têm direito à existência.
Cuidar, executar tarefas ou se assumir como um peso para os outros parecem ser
caminhos comuns para este complexo, que precisa ser trabalhado, libertando-as de
um lugar de culpa e infelicidade.
106
A vivência do materno negativo marca a vida de cada uma delas à sua
maneira, mas permeia o dia a dia, já que buscam no mundo o direito a existir, o
reconhecimento ou a confirmação de sua culpa pela infelicidade.
Os papéis familiares em geral se mostram perpetuados nas histórias.
Cuidadoras, cuidadas, a irmã inteligente, a irmã limitada, a certinha e a que dá
trabalho, entre outros. Os papéis estão sempre dicotomizados e as polaridades
ativas. As irmãs atuam como espelho sombrio uma da outra: ela é o que eu não sou.
Downing (1999) aponta que esta dicotomização é muito rica, desde que não seja
cristalizada e estanque. O espelho oferecido por aquela mais parecida e ao mesmo
tempo tão diferente é a forma mais intensa, rica e também possivelmente sofrida de
autoconhecimento, que só a fratria pode oferecer dessa forma.
Importante frisar que os vínculos nas três fratrias tinham caráter positivo, ou
seja, não apoiados em sentimentos destrutivos como o ódio, por exemplo. Este
sentimento existia sim como polaridade do amor e como tal poderia ser constelado
em qualquer momento.
O paradoxo de ser igual e diferente ao mesmo tempo é vivido pelas irmãs das
fratrias apresentadas o tempo todo: seja como fato ou como desejo e admiração.
Como aponta Barcellos (2006), é numa vivência ambivalente e paradoxal que a alma
pode encontrar seu caminho, pois na horizontalidade podemos aprender que
diferenças não são traições. O ferir o diferente evidencia a patologia, a hybris, ou
seja, a perda da justa medida.
Nas relações observadas verificou-se ainda que todas as irmãs ocupavam
papéis opostos ou complementares dentro da família, o que sustenta as
observações feitas por Apter (2007), Oliveira (2005), Stark (2007), Rowe (2007) e
Downing (2007).
Os autores apontam que este pode ser um importante recurso para a
diferenciação da personalidade e permitir que cada uma encontre seu verdadeiro
espaço. O que se viu, no entanto, foi que os pares se mantiveram aprisionados
nestes papéis mesmo na vida adulta, precisando de uma imensa mobilização
energética para modificar esta posição. Ou seja, a dicotomização de papéis é um
recurso importante que pode se tornar limitador e aprisionante caso não seja
superado. Estas oposições são apenas uma etapa do processo, em que depois se
deve verificar as identificações, as similaridades na diferença, completando o círculo
de desenvolvimento e chegando à autonomia, à tolerância. As irmãs dos filmes
107
permaneceram neste primeiro papel, negando-se a integrar as similaridades e a
evoluírem.
Além disso, aparentemente, sempre uma delas era a portadora da sombra
familiar, atuando na vida pessoal e familiar estes conteúdos sombrios, gerando
prejuízos para o sistema familiar, fraterno e para elas mesmas. Veja-se o caso de
Daisy, que se condenava a uma vida de superficialidade e acreditava só poder ter
relacionamentos baseados na atração sexual. Foi através da libertação dela e da
irmã que as duas puderam se movimentar, Daisy em busca de uma relação
verdadeira em que pudesse realmente se colocar e mostrar; Kat a entrar em contato
com sua sexualidade adormecida, integrando-a a um intelecto já desenvolvido. A
oposição congelada se quebra, elas podem dividir experiências comuns e serem
mais inteiras.
O mesmo acontece com Maggie e Rose, já que Rose estabelece uma relação
afetiva verdadeira com Simon e faz as pazes consigo mesma, realizando suas
tarefas e seguindo uma vida d qual se orgulha, com sentido. Maggie vence a
imagem de menina burra e consegue encontrar seu lugar no mundo, deixando de
arrastar seu saco de lixo. Agora tem um lugar, uma identidade, funções e valor para
as pessoas com quem convive e que a conhecem como é. Maggie era a sombra da
família: carregava em suas costas o fracasso intelectual, a dependência, a evidência
de que havia faltado estrutura para sua formação. Ela atuava os medos e os
fracassos de todo o sistema familiar.
Interessante que em determinado ponto do filme “Em seu Lugar” a “minha
Márcia” idolatrada pela madrasta Sydelle também pode assumir sua sombra,
envolvendo-se com um homem de outra religião e adotando condutas que antes
teriam sido atribuídas apenas a Rose ou Maggie. A mudança dentro da fratria afeta
todo o sistema familiar, que se altera irremediavelmente.
Kat e Amy no filme “Muito Bem Acompanhada” também precisaram entrar em
contato com a sombra familiar, oculta por uma persona de adequação mantida a alto
custo por Kat e uma persona de amor incondicional que ocultava a inveja da irmã e
os conflitos latentes atuada por Amy. Kat e Amy não demonstram com tanta clareza
a questão dos opostos em um primeiro momento, mas sim uma relação de
complementaridade e de ambivalência, de papéis já vividos que deixavam a outra
sem a opção de ter a mesma vivência: uma é bonita e a outra não poderia ser da
mesma forma. Kat era sempre a primeira e Amy sempre vinha atrás. A perpetuação
108
da ordem de nascimento enfurecia Amy, que fez a traição máxima da confiança, de
acordo com o que coloca Cohen (apud RIPPS, 1994) dormindo com o noivo da irmã.
Os fatos apresentados nos levam a confirmar o que colocam Zweig e Wolf
(2000) sobre a sombra familiar, que, junto com a persona familiar, gera um sistema
de autopreservação, em que todos os seus membros são regidos por códigos nem
sempre expressos de moral e conduta que visam salvaguardar os segredos e
conteúdos familiares. Quando alguém expõe a sombra, a família como um todo sai
de sua automatização e se reorganiza, permitindo ainda a transformação de seus
membros e criando uma nova sistemática. Enfrentar a sombra, nestes casos, parece
ser o único caminho para a libertação, que pode transformar o sistema, ou fazê-lo
cindir, permanecendo a mudança localizada nos membros que não mais se
encaixam.
A traição sexual também é motor para a mudança entre Rose e Maggie.
Quando há sexualidade na sombra, esta pode ser atuada e seus efeitos são sempre
devastadores. Hollis (1999) nos lembra que “a sexualidade e a raiva são os mais
problemáticos dos encontros com a sombra, pois elas são vivenciadas pelo mundo
do ego, e pelo coletivo, como anárquicas, perturbadoras da ordem social, fora de
controle” (p.128). Desta forma a traição encontra caminho na sexualidade para trazer
a sombra à tona da relação, causando ainda a raiva que mobiliza outros conteúdos
sombrios. Como a base das relações fraternas relatadas nos dois filmes era de boa
qualidade, sobrevivem a este fato e permitem a transformação.
Carotenuto (2005) completa dizendo que aquele que trai está implicado na
integração de certos elementos de sua própria personalidade e deste modo a traição
se torna um instrumento de conhecimento. O traído é chamado para dentro deste
movimento, que pode se tornar, para além da dor, uma via de desenvolvimento.
Burak (apud RIPPS, 1994) considera o “roubo” do parceiro da irmã como
símbolo supremo da rivalidade latente entre as irmãs e completa dizendo que a
ferida causada por este ato pode ser imensa, profunda e destruir por completo uma
família, já que abala a confiança básica construída na relação fraterna e familiar.
Aquele que deveria ser parceiro e proteger rouba e destrói. Uma das entrevistadas
de Ripps (1994) chega a dizer que sabe que a irmã roubou seu marido por inveja,
por ser uma pessoa com muitas dificuldades, quis a vida dela e levou seu parceiro,
destruindo toda a família. Esta mulher, Elizabeth, rompeu com sua irmã, e até o
momento da entrevista, nunca mais havia falado com ela novamente. Elizabeth,
109
como a personagem Rose, não culpa o marido, mas a irmã, pois era ela a pessoa
mais importante e em quem a maior confiança estava depositada.
Por que Rose não rompeu com Maggie ou Kat com Amy e Elizabeth o fez?
Elizabeth relata que após o rompimento verificou que, na verdade, sua relação com
a irmã nunca havia sido de confiança, mas uma relação de mão única:
[...] a verdade é que não confiava na minha irmã. Nossa proximidade foi o
resultado da necessidade dela, não minha. Eu preenchia suas
necessidades, mas ela não fazia o mesmo em relação às minhas. Eu tirei
muito pouco de nosso relacionamento e nunca confiei nela desde que se
tornou adulta. Ela era uma semente podre e meus instintos me diziam para
não confiar nela. Ela foi atrás do meu marido porque queria a minha vida
(RIPPS, p. 94-95).
Nota-se que a relação era disfuncional desde o princípio. Já havia
desconfiança e vínculo frágil entre elas. A sombra sempre habitara fortemente esta
relação e veio à tona de forma devastadora, causando o rompimento. Rose e
Maggie, Kat e Amy tinham na base de sua relação um vínculo forte de afeto e amor,
que foi sufocado por papéis familiares e uma crescente inveja e rivalidade entre elas.
A traição trouxe a sombra à tona e elas se libertaram, regatando o vínculo positivo
de antes, embora não sem muito sofrimento e dor. Ripps (1994) traz também o caso
de Sheila, que após ter o marido roubado pela irmã, levou muito tempo para
começar a se curar desta ferida, e que hoje se ressente por ter perdido a irmã.
Hollis (1999) traz uma importante contribuição para que se entenda a dor da
perda relatada por Rose e por Sheila.
A experiência da perda só pode ser aguda quando algo de valor esteve na
nossa vida. Se não existe a experiência da perda, não houve nada de
valor. Para sofrer a dor, nos é exigido que reconheçamos o valor do que
nos foi conferido (HOLLIS, 1999, p.58).
A dor da perda existe porque havia algo de valioso. Depois da cura, a energia
investida naquele papel estará agora disponível para um novo caminho.
É importante compreender ainda que a traição seja uma forma de perda, em
que o que se perde é a inocência, a confiança (HOLLIS, 1999).
Uma criança pode ser traída pelos pais através da negligência ou do abuso e
tende a levar para toda a vida um padrão de relacionamento em que a traição se
repetirá, pois esta é a sua verdade, o legado de uma vivência do passado que
domina e define as escolhas do futuro. Rose viveu este padrão na relação com os
110
pais. Desta forma, a traição de Maggie era esperada, pois sempre foi abandonada.
Jim também não tinha motivos que o levassem a não traí-la. Quando Maggie o faz,
no entanto, mobiliza energias mais profundas e esta verdade pode ser questionada.
A traição pode ser um chamado ao crescimento e o perdão é a única medida capaz
de nos libertar do passado (HOLLIS, 1999).
Em todas as histórias o vínculo fraterno é posto à prova pelas irmãs. Sabe-se
que a traição surge sempre da relação e vem a serviço da vida, da individuação.
Carotenuto (2005) sustenta esta posição dizendo:
Podemos também dizer que quem trai pode ser considerado fiel à vida,
porque a traição visa inconscientemente a transformar o vínculo inicial: não
tenho a coragem ou a força de transformar a relação existente e então,
com o impacto violento de um terceiro, posso revolucionar aquela situação
e portanto ver o que acontecerá. É como se através do engano eu quisesse
romper limites (p.123-124).
Ser traído, trair, tirar a mão que dá sustentação e permitir a queda são
estratégias inconscientes de mudar a ordem corrente e restabelecer a ligação com o
verdadeiro caminho de desenvolvimento, da individuação.
Importante lembrar o que Neumann (1991) em seu livro “Psicologia Profunda
e Nova Ética” chama de ética da individuação, em que a psique busca a
individuação, e para isso precisa abster-se de julgamentos morais no sentido de
valorar os caminhos que a psique encontra para conduzir o indivíduo à sua trajetória
de alma. A totalidade abrange as polaridades, e entre elas o bem e o mal, o racional
e o irracional, entre outras. Superar a unilateralidade de uma realidade condicionada
por valores culturais pode ser uma forma de se retomar o caminho para o
acolhimento da realidade do mundo, integrando-a em uma unidade mais alta. Desta
forma, a traição do ponto de vista moral pode servir a um propósito que vai além da
moralidade, mas integra suas polaridades visando a individuação.
A relação fraterna parece abranger diferentes aspectos, que vão muito além
daqueles vivenciados dentro de um relacionamento comum ou mesmo conjugal, pois
remete às origens, à construção de ser, à história e ao sentimento primal de
pertencimento e confiança. Ser traída pela irmã coloca a mulher em seu mais
profundo abismo, pois aquela que é sua igual, que complementa o papel na família a
abandona, a deixa cair. Sobreviver à queda parece ser o mais eficiente modo de se
crescer. Hollis (1999) chega a defender que a elaboração da traição é o caminho
111
para se tornar adulto, pois amar apenas com segurança faz com que se permaneça
criança, na imaturidade da idealização.
A sombra na fratria parece ir mais fundo e também mobilizar as mais
arraigadas estruturas e verdades da mulher.
Cada uma das irmãs das díades teve a oportunidade de confrontarem-se
umas com as outras, recolhendo projeções e reconstruindo seus caminhos.
112
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação teve como objetivo compreender a vivência da sombra na
relação fraterna feminina, usando para isso a análise de três filmes cujas
protagonistas eram irmãs.
Cada uma das personagens pôde se confrontar com elementos sombrios
pessoais e familiares, o que criou a oportunidade para a ressignificação de papéis
estabelecidos dentro da família e da fratria.
Pode-se observar ainda como as mulheres tendem a atuar seus papéis
familiares na vida social mais ampla, perpetuando padrões de atuação e relação.
A fase de vida escolhida para esta observação foi a vida adulta jovem que
compreende dos vinte a meados dos quarenta anos, sendo que cada década tem
suas características particulares. Ver as personagens mais jovens, como Kat e Daisy
(Três Mulheres, Três Amores, 1988), que estão mais próximas da adolescência,
permite verificar o quanto a mãe e suas expectativas têm um peso maior sobre as
duas do que nas outras duas histórias, em que as irmãs já estão entre os vinte ou
trinta e poucos anos. Assim, a visão de Leder (1991) de que esta idade seria a mais
propícia para se rever e transformar o relacionamento fraterno e estender estas
mudanças para outros relacionamentos importantes parece ser confirmada.
A vivência sombria dentro da fratria mostra ter um forte impacto sobre seus
membros, em especial pela relação e vínculos únicos que compreende. As irmãs
falam de uma dor mais intensa e se percebe uma mobilização de sentimentos
profunda quando se vive a sombra na fratria. As amizades e mesmo as traições
familiares e conjugais parecem menos dolorosas quando vêm de fora. A dor de ser
ferido por alguém de “dentro”, que deveria ser seu aliado e guardião de sua história
e segredos, mostra ser particularmente impactante (DOWNING, 1999; RIPPS, 1994;
ROWE, 2007).
Deduz-se assim, que a vivência sombria na fratria feminina, mais emocional e
com menos carga de agressão consciente (CICIRELLI, 1995) pela intensidade de
emoções que suscita pode ser um importante catalisador para a individuação.
A irmã, segundo Downing (1999), é igual e indiscutivelmente outra. É de certo
modo a irmã “errada”, pois sempre aponta para o diverso na igualdade. Barcellos
113
(2006), Downing (1999) e Peay (2002) lembram que esta vivência é arquetípica,
fundamental e será realizada com alguém ao longo da vida, seja na fratria ou fora
dela, com uma irmã de alma. A vivência da diferença na igualdade, da
horizontalidade funda as outras relações de paridade.
Viver a irmandade pode ser um rico caminho para o encontro com o Self, pois
permite a integração das polaridades. Ser igual e diferente, singular e semelhante é
função do fraterno (DOWNING, 1999; BARCELLOS, 2006).
Para a mulher que vive ainda mergulhada em uma cultura que tende a
reprimir a agressividade e a rivalidade, a fratria traz estas vivências sem pedir
permissão a valores culturais. Segue a ética da individuação (NEUMANN, 1991),
empurrando cada uma das irmãs para o contato com o inconsciente.
A fratria dá maior sustentação que os outros vínculos para vivenciar o
sombrio? As histórias analisadas mostram que sim, pois a irmã é um elemento
importante demais para ser descartado. Abrir mão da irmã é desistir de parte de sua
própria história, de um lugar na família.
Faz-se importantíssimo nos trabalhos terapêuticos que se explore mais não
apenas a história individual, mas ainda a constituição e dinâmica familiares e a
fratria, pois muito se pode compreender a partir daí. Uma mulher descolada da
família e da fratria é apenas uma parte. Não se pode ignorar a história, papéis e
relações que a formaram e que ainda vivem dentro dela.
O analista deve ainda ter cuidado na exploração, pois assim como os pais
tendem a projetar na fratria dos filhos suas próprias vivências fraternas, o terapeuta
pode incidir no mesmo caminho, o que pode nublar a percepção da vivência fraterna
do paciente.
A teoria junguiana traz à luz os conceitos de sombra, arquétipos e
individuação, sem os quais não se poderia compreender os fenômenos observados
da mesma forma. O arquétipo fraterno como tal é uma necessidade.
A teoria sistêmica ajudou imensamente a compreender estes fenômenos
dentro de um sistema familiar mais amplo e dentro de um subsistema interligado, o
fraterno.
A conexão entre as duas teorias permitiu o compreender da fratria de modo
mais amplo e completo. O fraterno, além de ser uma vivência arquetípica, é ligado e
interdependente de um sistema maior, o familiar. As vivências dos complexos
114
paterno e materno estão em pontos fundantes do fraterno. Sem esta observação,
têm-se uma visão parcial e limitante de uma função muito mais abrangente.
Estudar a fratria feminina, que é permeada por conteúdos sombrios familiares
e pessoais, ajudou a ter uma visão muito mais rica de como se constitui a psique
feminina e seus papéis sociais. Não há ninguém que não traga em si parte de sua
família e seus irmãos. A irmã mulher, suscita em sua igual o que só esta pessoa
pode trazer. A vivência fraterna feminina é única e insubstituível.
O fato de irmãos homens poderem atuar mais abertamente a agressão e a se
desfazerem de suas relações fraternas com mais frequência aponta para mais um
estudo interessante, pois a sustentação pode não ser apenas cultural, como se
aponta anteriormente. Como se constrói a psique masculina na vivência fraterna
com suas especificidades merece futura atenção.
115
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