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ALEXANDRE BOTELHO BRITO
Questionando o Ensino de Conjuntos Numéricos em
disciplinas de Fundamentos de Análise Real: Da
abordagem dos livros didáticos para a sala de aula em
cursos de Licenciatura em Matemática
OURO PRETO
2010
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ALEXANDRE BOTELHO BRITO
Questionando o Ensino de Conjuntos Numéricos em
disciplinas de Fundamentos de Análise Real: Da
abordagem dos livros didáticos para a sala de aula em
cursos de Licenciatura em Matemática
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora, como exigência parcial à
obtenção do Título de Mestre em
Educação Matemática pelo Mestrado
Profissional em Educação Matemática
da Universidade Federal de Ouro Preto,
sob orientação do Prof. Dr. Frederico da
Silva Reis.
OURO PRETO
2010
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i
Catalogação: [email protected]
B862q Brito, Alexandre Botelho.
Questionando o ensino de conjuntos numéricos em fundamentos de análise real
[manuscrito] : da abordagem dos livros didáticos para a sala de aula em cursos de
licenciatura em matemática / Alexandre Botelho Brito. – 2010.
viii, 84 f.: il.
Orientador: Prof. Dr. Frederico da Silva Reis.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de
Ciências Exatas e Biológicas. Departamento de Matemática.
Área de concentração: Educação Matemática.
1. Matemática - Estudo e ensino - Teses. 2. Análise matemática - Teses.
3. Ensino superior - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Título.
CDU: 517:378.147
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS
DEPARTAMENTO DE MATEMÁTICA
MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Questionando o Ensino de Conjuntos Numéricos em
disciplinas de Fundamentos de Análise Real: Da
abordagem dos livros didáticos para a sala de aula em
cursos de Licenciatura em Matemática
Autor: Alexandre Botelho Brito
Orientador: Prof. Dr. Frederico da Silva Reis
Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação
defendida por Alexandre Botelho Brito e aprovada pela
Comissão Examinadora.
24 de Setembro de 2010.
__________________________________________________
Prof. Dr. Frederico da Silva Reis – UFOP – Orientador
COMISSÃO EXAMINADORA
_______________________________________________
Profa. Dra. Maria Clara Rezende Frota – PUC - Minas
_________________________________________________
Profa. Dra. Jussara de Matos Moreira - UFMG
2010
iii
Dedico este trabalho à minha
esposa Kewla e às amadas filhas
Marina e Isadora.
iv
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar agradeço ao Grande Arquiteto do Universo, que é Deus, por possibilitar
e abençoar quase três anos de longas viagens, muito estudo, novas amizades e muitas
vitórias!
Agradeço também ao orientador e amigo Frederico da Silva Reis (Fredão) e sua família,
afinal de contas foram inúmeras tardes/noites de orientações em dias nada oportunos...
Reveillon e fins de semana até altas horas: momentos abdicados por ele para acompanhar
os seus orientandos!
Ao ISEIB e seus alunos pela oportunidade de aplicação das atividades e convívio com
pessoas tão especiais.
À Jussara e Maria Clara pelas contribuições dadas na qualificação e defesa dessa
dissertação.
Aos amigos e companheiros de curso: Davis, Anderon, Chrisley, Carmem e Lílian,
representando todos os novos laços de amizade construídos nesse período, cujo apoio
amenizou e tornou alegre e agradável todo o processo.
À Ana Cristina, Roseli, Marger, Dale, Fred, Beth, Jussara, Felipe e Geovane, professores
dedicados com o mestrado, o aprendizado dos seus alunos e com o desenvolvimento da
Educação Matemática no Brasil.
Aos amigos de Montes Claros que, mesmo distantes, torciam por mim.
À minha Mãe Zita, meus irmãos Carla, Graciele e Gabriel, meus cunhados Durães e
Jhivago e meus sobrinhos muito queridos Analu e Pedro, os quais sempre me apoiaram,
torceram e compreenderam a minha ausência física em vários momentos. Obrigado mãe
por toda a preocupação com minha saúde, as viagens, a minha alimentação, o meu sono...
Mãe é mãe...Agradeço também ao meu pai Sinval pelos valores que me ensinou e me
tornou o homem que sou. Sei que você estaria feliz com essa vitória!
Em especial agradeço à minha amada esposa Kewla por me incentivar a lutar pelo
mestrado, ao apoio emocional dedicado, ao amor sempre presente, à compreensão, às
cartinhas deixadas na mala que acalentavam o meu espírito em Ouro Preto, à companhia
nos congressos e algumas viagens de orientação, por me buscar na rodoviária ás 5 horas da
madrugada tantas vezes, me esperar chegar de viagem até meia noite para, então, sairmos
com os amigos, enfim, você foi o apoio ideal para a concretização desse trabalho.
TE AMO!!!
Agradeço também à sua família por estar com você nas minhas ausências, o que trouxe
tranquilidade para as minhas viagens.
Finalmente agradeço às novas princesas Isadora e Marina, filhas tão desejadas que
nasceram dando exemplo de superação. Vocês chegaram para completar a nossa família e a
nossa vida!!!
v
RESUMO
O presente trabalho busca investigar como os Conjuntos Numéricos são apresentados /
abordados em livros didáticos de Análise Real utilizados em cursos de Licenciatura em
Matemática e de que forma eles podem ser problematizados / explorados na perspectiva de
um ensino que aborde dialeticamente seus aspectos intuitivos e rigorosos. A pesquisa
teórico-bibliográfica tece algumas considerações sobre o ensino de Análise Real, a partir
da discussão de questões como definição e imagem conceitual, prova formal, rigor e
intuição. Após uma análise de livros didáticos, apresentamos uma proposta didática para
ser utilizada em disciplinas de Fundamentos de Análise Real, a qual foi implementada com
alunos de um curso de Licenciatura em Matemática. As considerações destacam a
importância do professor como mediador na constante busca do equilíbrio entre rigor e
intuição, apontam para a necessidade de uma maturidade matemática do aluno e para a
postura dos professores, no percurso das disciplinas de introdução a Análise Real,
influenciando afetivamente no processo de ensino-aprendizagem.
PALAVRAS CHAVE: Ensino de Análise Real. Rigor e Intuição. Educação Matemática
Superior.
vi
ABSTRACT
This study aims to investigate how the Numerical Sets are presented / discussed in didactic
books used in Real Analysis courses in Mathematics and how they could be debated /
explored the prospect of an education that addresses their issues rigorous and intuitive
dialectically. The theoretical and research literature presents some considerations on the
teaching of Real Analysis, from the discussion of issues of definition and concept image,
formal proof, rigour and intuition. After an analysis of didactic books, we present a
proposal to be used in teaching courses in Fundamentals of Real Analysis, which was
implemented with students in a course in Mathematics. Considerations highlight the
importance of the teacher as mediator in the constant search for balance between rigor and
intuition point to the need for a student's mathematical maturity and the attitude of teachers
in the disciplines of track introduction to Real Analysis, influencing the process affectively
teaching and learning.
KEYWORDS: Teaching Real Analysis. Rigour and intuition. Higher Mathematics
Education.
vii
SUMÁRIO
Capítulo 1. Iniciando a discussão....................................................................................... 9
1.1. Introdução......................................................................................................................9
1.2. Um pouco do ensino de Análise a partir da sua história.........................................10
1.3 Discutindo as abordagens rigorosa e intuitiva em Análise.......................................14
1.4 A questão do “equilíbrio” entre rigor e intuição.......................................................17
1.5.Apresentando nossa pesquisa.......................................................................................19
1.5.1. Questão de Investigação.................................................................................19
1.5.2. Objetivos.........................................................................................................19
1.5.3. Metodologia de Pesquisa.................................................................................20
1.5.4.Estrutura da Dissertação...................................................................................20
Capítulo 2. Considerações sobre o ensino de análise real: Rigor e intuição, definições
e prova formal.....................................................................................................................22
2.1. Matemática Elementar x Matemática Formal.........................................................22
2.2. Rudimentos do Pensamento Matemático Avançado................................................27
2.3. A tensão entre Rigor e Intuição.................................................................................31
Capítulo 3. Apresentando nossa pesquisa em seu contexto e analisando livros
didáticos de análise real.....................................................................................................35
3.1. Retomando a Questão de Investigação e os objetivos..............................................35
3.2. Apresentando o Contexto da Pesquisa......................................................................36
3.3. Justificando a escolha do tópico.................................................................................36
3.4. Analisando livros didáticos.........................................................................................37
3.4.1. Análise Matemática para Licenciatura (Geraldo Ávila).............................................38
3.4.2. Análise Real – Volume 1 (Elon Lages Lima)............................................................40
3.4.3. Análise I (Djairo Guedes de Figueiredo)...................................................................41
3.4.4. Lições de Álgebra e Análise (Bento de Jesus Caraça)...............................................42
Capítulo 4. O ensino de conjuntos numéricos em disciplinas de fundamentos de
Análise Real: Apresentando uma proposta para cursos de licenciatura em
Matemática.........................................................................................................................44
4.1. Apresentando nossa proposta didática......................................................................44
viii
4.2. “História e Desenvolvimento dos Conjuntos Numéricos: Das noções intuitivas
para as definições rigorosas”.............................................................................................45
4.2.1. Atividade 1) O Conjunto dos Números Naturais.......................................................45
4.2.2. Atividade 2) O Conjunto dos Números Inteiros.........................................................49
4.2.3. Atividade 3) O Conjunto dos Números Racionais.....................................................53
4.2.4. Atividade 4) O Conjunto dos Números Irracionais....................................................57
4.2.5. Atividade 5) O Conjunto dos Números Reais............................................................61
Capítulo 5. Descrevendo nossa metodologia de pesquisa e analisando nossos dados à
luz do aporte teórico...........................................................................................................65
5.1. Descrevendo a Metodologia de Pesquisa...................................................................65
5.2. Analisando o Questionário Inicial............................................................................67
5.3. Analisando o Questionário de Avaliação das Atividades.......................................70
5.4. Analisando o Questionário Final..............................................................................73
Considerações finais...........................................................................................................76
Referências Bibliográficas.................................................................................................80
9
Capítulo 1
INICIANDO A DISCUSSÃO
“O abandono da Matemática traz dano a todo o conhecimento, pois
aquele que a ignora não pode conhecer as outras ciências ou as
coisas deste mundo”.
Roger Bacon
1.1. Introdução
Nosso primeiro contato com a Análise Matemática ocorreu no primeiro semestre de 2000,
ano em que cursávamos o sétimo e penúltimo período do curso de Licenciatura em Matemática
pela Universidade Estadual de Montes Claros. No decorrer da disciplina, o professor buscava
analisar e demonstrar tópicos corriqueiros do conteúdo matemático de números e funções, os quais,
teoricamente, os alunos já deveriam “dominar”. Sempre buscávamos através de “discussões” com o
professor, uma forma mais intuitiva de visualização dos resultados, o que sempre nos foi negado
por parte do mesmo, com a justificativa de que uma explicação “menos formal” poderia levar ao
erro.
Em 2002, o Departamento de Matemática da UNIMONTES realizou um “Curso de
Análise” com o Prof. Dr. Frederico da Silva Reis UFOP, com o objetivo de preparar
outros professores da referida instituição para atuar nos chamados “cursos emergenciais”
de Licenciatura em Matemática oferecidos pela universidade em diversas cidades da região
de Montes Claros MG. Neste curso, deparamo-nos com uma outra postura didática,
que o professor ministrou as aulas de uma forma mais intuitiva mas, mesmo assim, foi
mantido um certo “formalismo” nas demonstrações.
Neste mesmo ano de 2002, ministramos aulas de “Análise Matemática”, disciplina
com uma carga horária de 90 horas/aula, nos cursos emergenciais de Guanhães, Capelinha,
Almenara e Unaí, pela UNIMONTES, experiência esta que nos motivou a pesquisar nesta
área da Educação Matemática Superior.
Nossa terceira experiência discente com a Análise Matemática ocorreu com a Profª.
Dra. Márcia Maria Fusaro Pinto UFMG, no curso de Especialização em Educação
Matemática Superior da UNIMONTES, no ano de 2003. Neste curso, seguiu-se a mesma
tendência apresentada no curso de 2002.
10
Após cursar a disciplina Análise, em que diversas abordagens diferenciadas foram
adotadas, surgiram-me algumas inquietações, tais como:
Quais são o papel e o lugar da Análise na formação do futuro Professor de
Matemática dos Ensinos Fundamental e Médio?
Por que ensinar Análise Real na universidade não tem sido tarefa fácil?
Quais são as causas de tantas reprovações e evasões?
O uso de uma linguagem metafórica pode auxiliar o ensino de Análise Real?
Ao ingressar no Mestrado Profissional em Educação Matemática, interessei-me,
então, pela Educação Matemática no Ensino Superior e, especificamente, pelo ensino de
Análise, motivado por leituras e inquietações, às quais tento lançar alguma luz, com a
presente pesquisa.
1.2. Um pouco do ensino da Análise a partir de sua história
Iniciando por uma análise histórica, pode-se perceber que os “Elementos” de
Euclides, que foram muito utilizados no aprendizado da Matemática, não surgiram
somente de uma análise dedutiva e, mesmo após os pensamentos euclidianos devidamente
formulados, nota-se que os mesmos partiram também de pressupostos intuitivos, conforme
afirma Kline (1976, p. 54): “Mesmo essa estrutura, visando ser estritamente lógica, apóia-
se fortemente em argumentos intuitivos e definições despropositadas e até sem sentido e
em provas inadequadas, como perceberam os matemáticos do século XIX”.
Ávila (2006, p. 43) ressalta que o método axiomático foi evidenciado, pela primeira
vez, nos Elementos” de Euclides. Contudo, posteriormente, os outros matemáticos
constataram que a axiomática de Euclides compreendia falhas, além de ser incompleta. Ao
final do século XIX, David Hilbert, através da publicação do livro “Fundamentos da
Geometria”, fez uma “apresentação rigorosa de uma axiomática adequada ao
11
desenvolvimento lógico-dedutivo da Geometria Euclidiana”. Inicia-se, a partir de então, a
preocupação com as abordagens rigorosas, sobretudo, na Análise Matemática.
Conforme Kline (1976), o Cálculo surgiu com Newton e Leibniz, podendo-se citar
outros nomes que igualmente contribuíram, como Descartes, Fermat, Cavalieri, Pascal,
Roberval, Barrow, dentre outros. No século XVII, alguns matemáticos como os irmãos
Bernoulli, D’Alembert, Euler e Lagrange, procuraram estabelecer uma fundamentação
mais rigorosa para o Cálculo; porém não obtiveram êxito.
A partir daí, ficava diminuída, ao menos em parte, a importância do rigor na
formulação dos métodos, pois muitas vezes os resultados empíricos eram um teste do
valor desses métodos. A abordagem rigorosa acerca da Análise Matemática ocorreu, de
fato, no século XIX, sendo inegável a contribuição de Weierstrass e, especialmente, de
Cauchy.
Dentro da perspectiva didático-metodológica de utilização da história no ensino de
Matemática, Grattan-Guinness (1997, p. 87) salienta a importância de tratar da História da
Matemática no ensino dessa disciplina, uma vez que “a educação imita a história”.
Atentando para tal fato, Ávila (2006) evidencia, em seus livros, aspectos históricos da
Matemática em suas “Notas históricas e Complementares”, que encerram cada capítulo.
No prefácio de seu livro “Análise Matemática para Licenciatura”, Ávila (2001, pref.) faz
uma sucinta referência à importância da Análise na licenciatura, justificando a importância
das notas complementares:
Um dos objetivos principais de um curso de Análise é a prática em
demonstrações. Enunciar e demonstrar teoremas é uma das ocupações
centrais de todo professor ou estudioso da Matemática... Daí uma das
principais razões de uma disciplina de Análise nos cursos de licenciatura.
Mas, aliada a essa tarefa de praticar a arte de enunciar e demonstrar
teoremas, o aluno de licenciatura tem, na disciplina de Análise, a
oportunidade de se familiarizar com uma das partes mais importantes da
Matemática que se vem desenvolvendo desde o início do século XIX. E
para facilitar a compreensão desse desenvolvimento, e dar ao leitor uma
visão mais abrangente e enriquecedora de toda a Matemática, o presente
texto incorpora várias notas históricas e complementares ao final de cada
capítulo, como já fizemos em outros livros de nossa autoria.
Reis (2001, p. 18) afirma estar de acordo com este autor em relação às notas
históricas, ao considerá-las um “avanço” no que diz respeito aos livros de Cálculo e
Análise, ressaltando ainda que elas “refletem uma preocupação do autor em permitir /
12
contribuir para uma contextualização histórica dos conteúdos aprendidos por parte dos
alunos”.
Tendo em vista os aspectos históricos, é possível afirmar que, antes mesmo que o
Cálculo passasse a ter uma formulação rigorosa, a Análise vinha ampliando-se e sendo
aplicada com sucesso. Evidentemente, conclui-se que as importantes contribuições
advindas dos matemáticos, especialmente os do século XIX, foram formuladas baseando-
se em interpretações intuitivas. Como sugere Gascho (2003, p. 23), “todo
conhecimento que consideramos objetivo se iniciou na esfera da subjetividade”.
Lebesgue (apud KLINE, 1976, p. 69) também discorre sobre a importância da
intuição em relação à lógica:
Não se fez nenhuma descoberta na Matemática por um esforço de lógica
dedutiva; ela resulta do trabalho da imaginação criativa que constrói o
que parece ser verdade, guiada às vezes por analogias, outras por um
ideal estético, mas o que não se mantém absolutamente em bases lógicas
sólidas. Uma vez feita uma descoberta, a lógica intervém para atuar como
controle; é a lógica que, em última análise, decide se a descoberta é
realmente verdadeira ou ilusória; seu papel, portanto, embora
considerável, é apenas secundário.
Ao explanar esses fatos históricos pretende-se, de certo modo, justificar a premente
necessidade de equilíbrio entre rigor e intuição, que é fundamental no ensino de Análise
Matemática.
Observa-se que os alunos apresentam certa dificuldade e consequente temor (ou
seria o contrário?) pela Análise Matemática. Conforme afirma Pinto (2001, p.123):
Ensinar Análise Real na universidade não tem sido tarefa fácil. A Análise
Matemática baseia-se em princípios axiomáticos e sistemáticos, cujas
definições e deduções são formais e rigorosas do ponto de vista lógico. O
professor expõe o conteúdo teórico da disciplina como uma introdução
aos aspectos formais da Matemática, iniciando os estudantes na cultura
do matemático profissional.
A pesquisadora salienta que a transição do ensino secundário para o superior, assim
como a do ensino de Cálculo para a Análise, nas universidades, tem provocado grande
impacto entre os estudantes. Isso se deve ao fato de que os conteúdos são abordados de
diferentes formas e possuem metodologias distintas. Tanto na escola elementar quanto nos
cursos de Cálculo, no ensino superior, são utilizados aspectos computacionais e de
13
manipulação simbólica” que levarão a um resultado final. Nesse tipo de prática, a obtenção
dos conceitos matemáticos se através de experimentações, utilização de gráficos e
imagens visuais que possibilitarão a construção de argumentos para comprovar os
teoremas e afirmações. Em contrapartida, nota-se que a Análise Matemática tem sido
essencialmente dedutiva, procurando formas puramente abstratas.
Essa transição deve ser feita com cautela. Do contrário, a mesma pode apresentar-se
perniciosa aos alunos, uma vez que a Análise desperta o receio dos estudantes pela sua
abordagem lógico-formal e definições rigorosas. O temor dos alunos mediante essa
disciplina pode também estar envolto pelo “mito” de que esse conteúdo, por ter um aspecto
formal e rigoroso, é o mais difícil da graduação e o responsável pelas reprovações e até
mesmo pelas evasões dos discentes do curso de Matemática.
Outro pressuposto que contribui para esse “mito” nas universidades é o próprio
professor que ministra a matéria que, dependendo de sua postura e tipo de abordagem,
despertará ainda mais temor e aversão dos alunos. Reis e Masson (2003, p. 4) coadunam
com este raciocínio ao afirmar que “há casos em que o professor ainda cultiva uma ideia de
que a disciplina é ‘boa’ quando se reprova um grande número de alunos. Todos estes
fatores contribuem intensamente para a reprovação em massa”.
A dificuldade dos alunos em enfrentar e se adaptar aonovo” e, por vezes, o pouco
interesse dos professores em utilizar práticas diferentes das tradicionais, pode contribuir
para o fracasso dos estudantes, não apenas na Análise Matemática, como em todo o curso
de graduação. Percebe-se que no ambiente da universidade existe certa resistência, por
parte de alguns professores, com relação às mudanças das estratégias de ensino da Análise,
como afirmam Reis e Masson (2003, p. 4):
É preciso aplicar / trabalhar uma nova metodologia buscando os
resultados desejados para “convencer” alguns professores de que existe
uma solução, e uma solução muito simples, de levar o conhecimento sem
causar tantas reprovações e evasões e mantendo o mesmo (ou até
melhorando) nível do conteúdo programático da disciplina.
14
1.3. Discutindo as abordagens rigorosa e intuitiva em Análise
Para iniciarmos essa discussão, buscaremos a definição encontrada em alguns
dicionários para o termo intuição:
1) Apreensão direta, imediata e atual de um objeto na sua realidade individual;
1
2) Pressentimento, espécie de instinto pelo qual se adivinha, descobre ou conhece o que é
ou deve ser;
2
3) Conhecimento imediato e claro, sem recorrer ao raciocínio.
3
Encontramos, nos mesmos dicionários, definições filosóficas para o termo intuição:
1) Contemplação pela qual se atinge em toda sua plenitude uma verdade de ordem diversa
daquelas que se atingem por meio da razão ou do conhecimento discursivo ou analítico;
1
2) Percepção, conhecimento claro, direto imediato e espontâneo da verdade sem auxílio do
raciocínio;
2
3)Conhecimento claro, direto, imediato e espontâneo da verdade.
3
Ao analisar as definições supracitadas, Reis (2001, p. 70) recorre à categorização da
intuição feita por Perminov (1988) e Fischbein (1978), concluindo que a intuição a que nos
referimos nas demonstrações de Análise Real são “resultantes de um processo que envolve
claramente, um treinamento intelectual feito de forma sistematizada ao longo dos vários
anos de instrução que precedem ao ensino universitário” e, nesse processo, os alunos
fazem uso, inclusive, de inferências por analogia.
Ao fazer uma análise das provas / demonstrações matemáticas, o autor infere que o
movimento do processo de produção do conhecimento matemático tem uma fase inicial
1
Novo Dicionário da Língua Portuguesa- Aurélio Buarque de Holanda Ferreira- Editora Nova Fronteira-Rio
de Janeiro-1986.
2
Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa - Caudas Aulete – Editora Delta-Rio de Janeiro-1974.
3
Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa – Mirador Internacional – Editora Melhoramentos – São Paulo-
1975.
15
mais empírica e intuitiva e uma fase seguinte de aperfeiçoamento da prova, momento em
que o rigor se faz mais presente.
Os questionamentos feitos até aqui não significam que o ensino de Análise
Matemática deva ser puramente intuitivo, mesmo porque o formalismo e o rigor são
características intrínsecas a tal conteúdo. Entretanto, de se destacar Grattan-Guiness
(1997, p. 81) quando o mesmo afirma que “a História da Matemática ensina muito
claramente que, de fato, o rigor se em níveis, os quais, portanto, devem ser
especificados antes de se avaliar o trabalho matemático do estudante”.
Mediante tal afirmação, aconselha-se selecionar qual o nível de rigor mais
apropriado, do ponto de vista didático-pedagógico. Para tanto, deve-se atentar ao fato de
que os estudantes já vêm do ensino secundário com uma formação matemática pré-
estabelecida e como ressaltam Soares e outros (1999, p. 95), é ingenuidade acreditar que
os alunos vão abandonar suas imagens, construídas ao longo da vida escolar, para
substituí-las de imediato por uma definição formalmente correta apresentada pelo professor
de um curso de Análise na universidade”.
Outra questão relevante é que a Análise Matemática faz parte da grade curricular de
cursos que formarão futuros professores, como no caso específico da Licenciatura em
Matemática. Segundo Reis (2001, p. 83), o problema da relação entre rigor e intuição
parece afetar tanto o formador de professores de Matemática quanto o futuro professor de
Matemática, uma vez que este último tende a fazer uso das mesmas estratégias de ensino
que foram aplicadas no seu processo de formação profissional:
Os professores universitários, formados sob uma perspectiva técnico-
formal, enfatizam / priorizam o conhecimento específico do conteúdo em
sua ação enquanto formadores de professores e estes, os últimos na
“hierarquia docente” encabeçada por seus formadores, tendem a
reproduzir em sala de aula nos ensinos fundamental e médio uma
adaptação do “show” de conhecimentos específicos dados por seus
formadores, mestres e doutores de inquestionável conhecimento
matemático.
Consoante com Kline (1976), Reis (2001, p. 26) ressalta que a prática de se utilizar
uma abordagem puramente rigorosa no ensino de Análise pode resultar na dificuldade de
aprendizagem dos discentes, estimulando-os a simplesmente memorizar os teoremas e
provas:
16
Analisando os cursos de Análise ministrados na graduação, parece-nos
que numa boa parte deles um excesso de formalismo e rigor na
exposição dos temas, o que pretendemos compreender. Diante desta
prática, resta aos alunos, a memorização dos principais resultados e de
suas demonstrações que, espera-se, tenham sido entendidos
intuitivamente no Cálculo.
Com o intuito de identificar os obstáculos para os alunos, num primeiro contato
com uma abordagem formal, Pinto (2001, p. 125) realizou uma pesquisa em que trabalhos
individuais escritos e entrevistas foram feitos com alunos de Licenciatura em Matemática
da Universidade de Warwick, Inglaterra, investigando as estratégias usadas pelos
estudantes ao longo do curso de Análise. Segundo a pesquisadora:
Os estudantes são provenientes de um sistema educacional onde o ensino
de Matemática está principalmente centrado em cálculos e na
manipulação de símbolos, bem como na exploração de conceitos a partir
de suas propriedades. A Análise formal passa a requerer dos alunos um
trabalho com definições que envolvem quantificadores múltiplos e lógica
proposicional. Estudantes podem fazê-lo como se estivessem iniciando
uma construção nova, compartimentalizada das imagens prévias e
deixando a reconciliação com experiências anteriores para depois, ou,
partindo do conhecimento prévio, reconstruindo-o.
Nesta pesquisa, dois tipos de estudantes foram identificados. O primeiro procura
utilizar “seu conhecimento prévio essencialmente para extrair significado, ou seja , para
produzir um significado para a nova experiência dentro do próprio contexto em estudo no
momento.” A autora afirma que é possível extrair significado, não de modo mecânico,
mas também reflexivo. o segundo é composto por estudantes que fazem uso de
experiências anteriores para “atribuir significado ao novo contexto. Sua estratégia principal
é de explorar o conceito novo, analogicamente, interpretando-o”.
Os alunos que extraem significado tendem a lidar com a disciplina de maneira não
reflexiva, apenas decorando as provas e teoremas, pois não conseguem relacioná-los
conceitualmente para o efetivo entendimento. Acontece então, uma reprodução das
soluções sem se preocuparem com os devidos argumentos. Em contrapartida, os alunos que
atribuem significado procuram refletir sobre os teoremas, e em decorrência fazem um
“esforço cognitivo maior” do que aqueles que simplesmente memorizam os resultados.
Nesse caso, os estudantes fazem analogias entre os conceitos, representações e imagens
que dominavam, previamente, procurando tornar a reelaborar tais conceitos. Embora
17
utilizem um procedimento intuitivo, esses alunos produzem deduções formais. Como
ressalta Pinto (2001, p. 132), “à medida que a análise prossegue, episódios sugerem
estratégias para elaboração de respostas satisfatórias do ponto de vista matemático-formal
muito próximas a abordagens que poderiam ser classificadas como informais”.
Para a autora, os estudantes que se apóiam na aprendizagem de cor”,
inevitavelmente, acabam por construir um conhecimento completamente instrumental.
Esse recurso, muitas vezes, é utilizado pelo fato dos estudantes não verem uma outra
alternativa para obterem boas notas e passarem nos exames finais, que o professor não
faz uso de uma abordagem menos formal. Como comprovação deste temor dos alunos
pela Análise ser o responsável pelas evasões, vale explicitar um trecho de uma entrevista
da pesquisa de Pinto (2001, p. 142), com uma aluna de licenciatura:
Eu vou para outro planeta quando se fala de Análise. Para mim, é
completamente surrealista. É um choque em várias pessoas do
grupo...várias pessoas...acho que ninguém entende aquilo. Muitas pessoas
estão ficando muito frustradas com isto. Eu tenho vontade de jogar os
livros para cima e... levantar e ir embora. (Laura, primeira entrevista)
Este relato nos faz refletir sobre qual é, então, o papel da Análise na formação do
futuro professor de Matemática teórica e praticamente.
1.4. A questão do “equilíbrio” entre rigor e intuição
Ávila (2006) propõe, no prefácio de seu livro Introdução à Análise Matemática,
que haja um “equilíbrio” entre as abordagens formal e intuitiva, embora o rigor seja
inerente ao curso de Análise:
Um curso se Análise, Cálculo, ou qualquer outra disciplina matemática,
deve, antes de tudo, transmitir idéias. E isto, muitas vezes, é prejudicado
em exposições carregadas de formalismo e rigor. Até mesmo em cursos
mais avançados, a insistência excessiva nesses elementos da apresentação
frequentemente dificulta a transmissão das ideias e do próprio
aprendizado.
Assim como Ávila, outros autores pesquisadores estão de acordo com o fato de que
deve haver um equilíbrio entre o rigor e a intuição. Reis (2001), por exemplo, concebe o
rigor e a intuição como entidades não-dicotômicas e complementares, mas pondera que o
18
ponto de equilíbrio acontece na prática pedagógica de cada professor, ao refletir sobre que
abordagens ou estratégias deve utilizar no ensino dos diversos conteúdos. Esta relação
entre o rigor e a intuição na prática da sala de aula será retomada no capítulo seguinte.
Outro aspecto interessante nesta discussão é a importância da prática pedagógica do
professor para que se tenha uma abordagem mais intuitiva ou mais rigorosa. Machado
(2001, p. 13), por exemplo, afirma que o uso de metáforas e alegorias no ensino da
Matemática, na abordagem de determinados conteúdos, pode contribuir para reduzir o
excesso de formalismo recorrente, em especial, no ensino de Análise Matemática: “A
utilização da linguagem metafórica é ‘um poderoso instrumento’ para a construção
analógica de pontes entres os temas considerados”.
O pesquisador cita, como exemplo, uma aula em que o conjunto dos números
naturais será pensado como uma enumeração dos “infinitos quartos” de um hotel (também
conhecido como o “hotel de Hilbert”). Alguns problemas propostos são: como hospedar
mais um hóspede, mais um número finito de hóspedes ou mais uma quantidade enumerável
de hóspedes, estando todos os quartos do hotel ocupados? Essa associação é útil para que
as idéias acerca da aritmética transfinita, propostas por Cantor, sejam compreendidas de
uma maneira mais clara, uma vez que esse tipo de abordagem é menos rigorosa.
Assim, a abordagem intuitiva nos cursos de Análise é proposta e investigada por
vários pesquisadores. Espera-se, então, que os docentes utilizem abordagens mais
intuitivas, que produzam um melhor resultado em termos de aprendizado e, porque não
dizer, também de redução do número de reprovações.
Acreditamos que isto é possível e pode ser feito sem abandonar de forma alguma o
formalismo intrínseco à Análise Matemática. Trata-se de diminuir a distância entre a teoria
e a prática, pois como afirma Reis (2001, p. 8), “há a necessidade de um rompimento com
o ensino formalista atual, tendo em vista, principalmente, a formação de um professor de
Matemática com multiplicidade e flexibilidade de conhecimentos específicos, pedagógicos
e curriculares”.
19
1.5. Apresentando nossa pesquisa
Neste momento, apresentaremos em linhas gerais, nossa questão de investigação,
nossos objetivos e nossa metodologia de pesquisa. Posteriormente, delinearemos de forma
mais detalhada nossa pesquisa em seu contexto.
1.5.1. Questão de Investigação
Com base em nossos questionamentos e leituras, elaboramos a seguinte questão
passível de investigação:
Como os Conjuntos Numéricos são apresentados / abordados em livros
didáticos de Análise Real utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática e de
que forma eles podem ser problematizados / explorados na perspectiva de um ensino
que aborde dialeticamente seus aspectos intuitivos e rigorosos?
Tal questão de investigação a ser respondida na pesquisa situa-se na linha de
pesquisa “Educação Matemática Superior, Informática Educacional e Modelagem
Matemática”, desenvolvida no Mestrado Profissional em Educação Matemática da
Universidade Federal de Ouro Preto.
1.5.2. Objetivos
- Discutir o ensino de Análise Real no contexto da Educação Matemática no Ensino
Superior;
- Analisar livros didáticos de Análise utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática;
- Apresentar uma proposta de ensino de Conjuntos Numéricos para disciplinas de
Fundamentos de Análise Real em cursos de Licenciatura em Matemática.
20
1.5.3. Metodologia de Pesquisa
- Pesquisa teórico-bibliográfica sobre Educação Matemática no Ensino Superior,
destacadamente sobre o ensino de Análise Real;
- Pesquisa documental, a partir da análise da apresentação e da abordagem dos conceitos
de Conjuntos Numéricos, em livros didáticos de Análise Real utilizados em cursos de
Licenciatura em Matemática;
- Pesquisa de campo com alunos do curso de Licenciatura em Matemática do ISEIB
Instituto Superior de Educação Ibituruna, em Montes Claros MG, a partir do
planejamento, implementação e avaliação de atividades didáticas sobre Conjuntos
Numéricos.
1.5.4. Estrutura da Dissertação
Após este Capítulo 1, no qual apresentamos as idéias iniciais do nosso trabalho,
partiremos para o Capítulo 2, no qual teceremos algumas considerações sobre o ensino de
Análise Real, procurando explorar as relações entre rigor e intuição, definições e prova
formal.
Na sequência, o Capítulo 3 apresenta nossa pesquisa em seu contexto e a análise da
apresentação e da abordagem dos Conjuntos Numéricos, em livros didáticos de Análise
Real utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática.
No Capítulo 4, apresentamos uma proposta de ensino de Conjuntos Numéricos para
disciplinas de Fundamentos de Análise Real em cursos de Licenciatura em Matemática.
no Capítulo 5, procuraremos analisar os dados obtidos em nossa pesquisa de
campo, à luz de possíveis categorizações emergentes, a partir de nossos instrumentos de
coleta de dados.
Por fim, tecemos as Considerações Finais, tentando retomar aspectos de nossas
pesquisas teórico-bibliográfica, documental e de campo, relacionando-os a nossos
objetivos e a nossa questão de investigação.
Como apêndice da dissertação, apresentamos como produto educacional do
Mestrado Profissional em Educação Matemática da UFOP, uma proposta didático-
pedagógica para disciplinas de “Fundamentos de Análise Real” em cursos de Licenciatura
21
em Matemática, incluindo atividades didáticas relacionadas à “História e
Desenvolvimento dos Conjuntos Numéricos: Das noções intuitivas para as definições
rigorosas”.
Os temas abordados nestas atividades são:
1) Números Naturais: Do problema do princípio da contagem para os Axiomas de Peano;
2) Números Inteiros: Do problema da comparação de medidas para as estruturas de Anel e
Domínio de Integridade;
3) Números Racionais: Do problema da razão de grandezas para a estrutura de Corpo;
4) Números Irracionais: Do problema da incomensurabilidade de segmentos para a Teoria
das Proporções de Eudoxo;
5) Números Reais: Do problema da representação da reta numérica para os Cortes de
Dedekind.
22
Capítulo 2
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE ANÁLISE REAL:
RIGOR E INTUIÇÃO, DEFINIÇÕES E PROVA FORMAL.
“O rigor se dá em níveis”.
Grattan-Guinnes
2.1. Matemática Elementar x Matemática Formal
O ensino de Análise Real nas universidades tem se destacado por altos índices de
reprovação. Esta é uma constatação de Bortoloti (2009) ao investigar as relações entre
afeto e cognição no contexto da disciplina Análise Real num curso de Matemática
(licenciatura e bacharelado). Ao mencionar um percentual de reprovação na faixa de 47%
(na universidade em que a pesquisa foi realizada), a autora nos chama atenção para a
importância de se identificar aspectos emocionais que influenciam diretamente o
desempenho dos alunos na disciplina, especialmente nos momentos de avaliação formal.
No intuito de enumerar algumas possíveis justificativas para as relações de afeto e
cognição, Bortoloti (2009, p. 158) pontua:
Inferimos que todo o domínio afetivo estava entrelaçado nessa relação,
pois, ao falarem desta disciplina, os alunos expressaram não as
emoções, como também algumas atitudes, às vezes baseadas em crenças
construídas ao longo do processo de ensino e aprendizagem.
Apesar deste não ser o foco de nossa pesquisa, nossa experiência docente com
Análise realmente aponta para uma “tensão” em seu ensino, que frequentemente é
relacionada, pelos alunos, aos momentos avaliativos, dentre outros.
Na perspectiva de se explorar mais aprofundadamente esta tensão”, julgamos ser
necessário discutir qual é a abordagem adequada para a sala de aula de Análise. Entretanto,
é necessário, antes, apontar algumas razões para se ensinar Análise.
Moreira, Cury e Vianna (2005) categorizam as justificativas dadas por 31
matemáticos de 14 instituições universitárias e de pesquisa do Brasil, para apoiar o ensino
de Análise Real no curso de Licenciatura em Matemática.
23
Uma primeira categoria levantada diz respeito às contribuições da Análise Real
para a construção do “pensamento matemático” do Professor de Matemática. Segundo
Moreira, Cury e Vianna (2005, p. 30):
A disciplina de Análise Real deve ser obrigatória na licenciatura porque
possibilitaria ao professor da escola sica, entre outras coisas,
desenvolver o “pensar matematicamente”, observar “como os
matemáticos pensam”, compreender “o que significa Matemática” ou,
ainda, ter acesso, mesmo que parcial e restrito, a uma cultura específica,
“a cultura matemática”.
Outra categoria localizada diz respeito ao aprofundamento teórico-formal de
conceitos matemáticos trabalhados na Educação Básica, a partir do estudo de alguns
conceitos básicos de Análise Real, mas que são trabalhados naquele nível de ensino.
Segundo Moreira, Cury e Vianna (2005, p. 22):
A disciplina proporciona uma compreensão sólida e profunda dos
conceitos básicos da matemática escolar, explica os “porquês” e maior
segurança ao futuro professor da escola. Proporciona a construção de
uma visão integrada e logicamente consistente da matemática elementar,
em substituição a uma visão que a concebe como um amontoado
desconexo de fórmulas e regras.
Uma última categoria levantada concebe a Análise Real como um momento /
ambiente instrumental da própria Matemática. Segundo Moreira, Cury e Vianna (2005, p.
24): “A disciplina constitui, para o aluno, um espaço de percepção da Matemática como
instrumento que permite um entendimento profundo de certos fenômenos naturais e que
tem aplicações em outras ciências”.
Nas três categorias, é notória a relação da disciplina com a Matemática elementar a
ser “ensinada” pelos futuros professores. Assim como entendeu / percebeu, um grupo de
alunos participantes da pesquisa de Bortoloti (2009, p. 160) que concedeu à disciplina de
Análise Real uma grande importância, devido ao fato de a mesma se constituir num espaço
de “construção de conceitos básicos, para a ampliação da compreensão do pensamento
matemático, pois esta disciplina é um dos fundamentos para o desenvolvimento de uma
Matemática mais avançada”.
24
Voltando a Moreira, Cury e Vianna (2005), os pesquisadores identificaram que
alguns alunos entendem a Análise Real como um momento de “construção de conceitos
básicos” (grupo 2) e outros acreditam que, a partir daí, pode-se chegar ao desenvolvimento
de uma “Matemática mais avançada” (grupo 1). Nesta perspectiva, Moreira, Cury e Vianna
(2005, p. 38) concluem:
O conhecimento matemático, em sua sistematização lógico–formal-
dedutiva e suas formulações conceituais com base nas “estruturas”
como é usualmente apresentado na disciplina Análise Real, por exemplo
está longe de ser suficiente para dar conta das questões que se colocam
para o professor em sua prática pedagógica.
em relação à discussão do elo entre a Matemática formal e a Matemática a ser
ensinada pelos futuros professores dos Ensinos Fundamental e Médio, Moreira, Cury e
Vianna (2005, p.39) ponderam que a articulação entre conhecimento matemático e prática
docente é uma tarefa “excessivamente complexa”, mesmo para um professor licenciado.
Parece consenso que esta articulação vai se fortalecendo na medida em que o
professor ganha experiência docente. Entretanto, é fundamental que tal articulação
comece a ser discutida no processo de formação inicial do professor, em seu curso de
licenciatura. Logo, a disciplina de Análise Real ganha fôlego na medida em que, a partir do
estudo de conceitos básicos trabalhados na Educação Básica, abre-se espaço para a
reflexão sobre questões relacionadas “ao papel, ao dimensionamento adequado e à
contribuição efetiva que um enfoque ‘avançado’ pode oferecer ao processo de articulação
da formação do professor com a prática na escola” (MOREIRA, CURY E VIANNA, 2005,
p. 40).
Nesta perspectiva, podemos discutir a importância da disciplina de Análise Real
para um curso de Licenciatura em Matemática sob duas óticas: focando-nos na sua
permanência ou não na matriz curricular, ou discutindo a abordagem que deve ser dada à
disciplina pelos seus professores, o que perpassaria pela discussão do seu papel na
formação / fortalecimento do elo “Educação Básica – Análise Real”.
Moreira, Cury e Vianna (2005) discutem a permanência ou não da Análise Real nos
cursos de licenciatura, argumentando que a decisão recai sobre a abordagem que se ou
que se deva conferir à disciplina. Então, este é o foco pelo qual optaremos, uma vez que ao
discutirmos tal abordagem, tentaremos discutir a prática docente do professor de Análise
Real.
25
No campo legal, o parecer CNE/CES 1.302/2001 publicado no dia 05 de dezembro
de 2001, remete os conteúdos de “Fundamentos de Análise” como obrigatórios nos cursos
de Licenciatura em Matemática, coadunando com as idéias de Reis (2001) que defende a
importância da Análise Real na formação inicial do Professor de Matemática que, mesmo
ao atuar nos Ensinos Fundamental e Médio, necessita de uma consolidação e
aprofundamento de seus conhecimentos específicos do conteúdo matemático.
Realmente, concebemos a Análise como uma ponte entre a formalização dos
conceitos e conteúdos que serão ensinados pelo Professor de Matemática em sua futura
prática docente. Entretanto, acreditamos que, para que isto aconteça, a relação do conteúdo
estudado em Análise com a Matemática da sala de aula dos Ensinos Fundamental e Médio,
deve ser um elo fortemente trabalhado no curso de Análise Real. Neste sentido, Bortoloti
(2009, p. 150) destaca que estas questões “nos fazem refletir se não poderíamos pensar em
uma organização e sistematização do conhecimento matemático, a partir da prática do
professor da escola e não necessariamente da prática do matemático”.
De nossa experiência discente e docente, parece-nos coerente afirmar que o ensino
de Análise Real está sistematizado e organizado privilegiando a prática do matemático
(aqui, entendemos por matemático, o pesquisador em Matemática Pura e/ou Aplicada,
geralmente oriundo de cursos de bacharelado), mesmo nas disciplinas ministradas no curso
de licenciatura.
Entretanto, as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de
Licenciatura em Matemática, tratadas no parecer do Conselho Nacional de Educação
Câmara de Educação Superior, Parecer CNE/CES 1.302/2001, estabelecem algumas
competências e habilidades específicas do professor de Matemática nos seguintes termos:
“O licenciado em Matemática deverá ter a capacidade de elaborar propostas de ensino-
aprendizagem de Matemática para a educação básica”.
Assim sendo, mesmo numa disciplina de formalização de conceitos como a Análise
Real, é fundamental que aconteça uma articulação, um entrelaçamento maior entre a
Educação Básica e a formação docente, coadunando com as propostas de Nacarato e Paiva
(2006) e Zaidan (2009).
Outro viés interessante desta discussão é a tensão entre a “coerência” da
Matemática elementar e a “conseqüência” da Matemática formal (PINTO, 2009). O
descompasso entre a Matemática elementar, trabalhada nos Ensinos Fundamental e Médio
26
e a Matemática formal, trabalhada nos cursos de licenciatura, é evidente na literatura atual.
Tall (1992, p. 498) já alertava:
No final dos anos setenta e início dos oitenta, muitos autores perceberam
o desencontro entre os conceitos como formulados e concebidos pelos
matemáticos formais, e como interpretados pelo estudante aprendiz. Por
exemplo, foram observadas dificuldades no entendimento do processo de
limite quando secantes tendem para tangentes, de conceitos geométricos,
da noção de função, limite e continuidade, do significado de diferencial,
convergência de seqüências, limites de funções, a tangente, a intuição de
infinito, e assim por diante.
Um exemplo interessante vem de Zuffi (2004, p. 1) que, ao propor uma sequência
didática sobre funções para a formação de professores do Ensino Médio, ressalta os
resultados de sua primeira pesquisa (ZUFFI, 1999), relacionados às disciplinas de Cálculo
e Análise, da seguinte forma:
Os professores analisados, apesar da formação que tiveram em disciplinas
de graduação como aquelas citadas anteriormente, continuavam a
apresentar grandes dificuldades de expressarem seus conhecimentos
sobre funções sem a ajuda de um livro didático e, mesmo quando
conseguiam fazê-lo, era através de uma linguagem matemática que trazia
inconsistências com aquela usualmente aceita pela comunidade
matemática e que se espera ser alcançada pelos alunos do Ensino Médio,
pelo menos nas fundamentações básicas sobre o tema em questão.
Esse resultado contradisse, num certo sentido, a hipótese inicial da sua pesquisa,
pois a autora considerava que, após ter um grande contato com o tema funções em
disciplinas avançadas de Matemática dentre outras, Análise Real o professor seria
capaz de relacionar os conhecimentos vistos e ampliar os significados atribuídos aos entes
matemáticos de domínio, contradomínio, imagem e à própria definição formal e informal
de função.
Podemos remeter esta discussão a um desencontro (como denominado por Tall,
1992) entre a formulação formal de um conceito (no caso, o conceito de função) por parte
do professor de Análise Real e sua interpretação de significados, por parte dos alunos de
Análise Real, os quais, futuramente, serão os professores de Matemática da Educação
Básica.
Outro episódio significativo ocorreu quando da reformulação do curso de
Licenciatura em Matemática da UFMG (em vigor desde 2009). Zaidam (2009) relata que o
novo projeto daquele curso destaca a importância de “o futuro professor ser preparado para
27
compreender a realidade em que atuará como profissional”, sendo capaz de compreender
os raciocínios típicos da Matemática. Com essa finalidade, a nova proposta do curso de
Matemática da UFMG concebe mudanças na parte prática do curso, propiciando o
compartilhamento dos institutos com a Faculdade de Educação, o esforço para romper com
o modelo “3+1”, para se colocar em prática “o princípio da flexibilização curricular”
(ZAIDAN, 2009, p.42). Cabe ressaltar que o modelo conhecido por “3+1”, muito comum
no final do século passado, contemplava 3 anos iniciais de disciplinas de conteúdo
específico, seguidos de 1 ano final de disciplinas de conteúdo pedagógico.
Então, essa “mudança de atitude” também não poderia ocorrer nas disciplinas
tradicionais de conteúdo específico? Os cursos de licenciatura têm abortado o esquema
3+1, o que é um avanço; mas ainda não ocorreu, de fato, uma integração da Matemática
formal e específica com as disciplinas didáticas. Acreditamos que o professor de Cálculo,
Álgebra e Análise Real deve buscar essa integração em sua prática docente, ainda que isto
seja uma tarefa extremamente complicada.
2.2. Rudimentos do Pensamento Matemático Avançado
Adotaremos para o Pensamento Matemático Avançado a caracterização apresentada
por Tall (1991, 1992) em duas componentes principais: definições matemáticas precisas,
incluindo o estabelecimento de axiomas em teorias axiomáticas, e dedução lógica de
teoremas a partir das mesmas. Tall (1992) infere que a transição para esse nível de
conhecimento (avançado) é uma “transição difícil”, pois parte de um nível em que as idéias
e conceitos matemáticos se baseiam de forma intuitiva para outro em que os conceitos são
alicerçados em definições formais, cujas propriedades são “construídas” através de
deduções lógicas.
Inicialmente, deve-se discutir qual o papel da definição no estudo de Matemática.
Poincaré (1908, apud TALL, 1992, p. 496) já questionava:
O que é uma boa definição? Para o filósofo ou o cientista, é uma
definição que se aplica a todos os objetos a serem definidos, e se aplica
somente a eles; é a que satisfaz as regras da lógica. Mas em educação não
é isto; é a que pode ser entendida pelos alunos.
Dentro da perspectiva proposta por Poincaré, o Movimento da Matemática
Moderna intentava explorar os conteúdos com definições que buscavam o fácil
28
entendimento pelos alunos; entretanto, tais objetivos não foram alcançados, por
dificuldades em relação à linguagem e ao desenvolvimento teórico. Tall (1992, p. 497)
destaca a importância de se levar em consideração o conhecimento prévio dos alunos:
“Portanto, a experiência dos alunos, anterior ao seu encontro com as definições formais,
interfere profundamente na maneira com que eles formam as representações daqueles
conceitos”.
Discutindo a construção da estrutura individual do conhecimento, Tall e Vinner
(1981, p. 152), recorrem aos termos imagem conceitual e definição conceitual assim
concebidos:
Nós usaremos o termo imagem conceitual para descrever a estrutura
cognitiva total que está associada com o conceito, que inclui todas as
figuras mentais e propriedades e processos associados. À medida que a
imagem conceitual desenvolve, ela não precisa ser coerente durante todo
o tempo. [...] Nós nos referiremos à porção da imagem conceitual que é
ativada num tempo particular como imagem conceitual evocada. Somente
quando aspectos conflituosos são evocados simultaneamente é que
poderá ocorrer um sentimento de conflito ou confusão.Por outro lado, [...]
definição conceitual é a forma de palavras usadas para especificar o
conceito.
Acreditamos, assim como Tall e Vinner (1981), Reis (2001), Vinner (1991), Hanna
(1989) e Pinto (2009), que o processo de transição para o Pensamento Matemático
Avançado é influenciado pelo pensar individual, pelas imagens conceituais de cada aluno e
os conflitos de pensamentos, acarretados por uma nova descoberta matemática (entende-se
por isso, como uma nova descoberta individual, que pode ou não ser uma descoberta
genuína em Matemática). Segundo Papert (1980, p. 121):
O conhecimento novo contradiz frequentemente o velho, e a
aprendizagem efetiva requer estratégias para lidar com tal conflito.
Algumas vezes as partes conflitantes de conhecimento podem ser
reconciliadas, algumas vezes uma ou outra deve ser abandonada, e outras
vezes, as duas podem ambas conviver a salvo, mantidas em
compartimentos mentais separados.
Outra contribuição a esta discussão vem de Davis e Vinner (1986, p. 284) que
defendem que a aprendizagem de uma ideia nova não precisa, necessariamente, destruir
ideias anteriores construídas. Segundo os pesquisadores:
29
Em geral, a aprendizagem de uma ideia nova não destrói uma ideia
anterior. O estudante, ao se deparar com uma questão ou tarefa, tem
agora duas ideias, e pode reter a nova ou a velha. O que es na aposta
não é o possuir ou não possuir uma ideia nova; e sim a seleção (na
maioria das vezes inconsciente) de qual delas será retida.
Ao ter um primeiro contato com uma definição formal de certo tópico da disciplina,
o estudante “busca” a construção da sua definição conceitual, de forma fortemente
enraizada pelo seu convívio com o conteúdo, mesmo que posteriori à apresentação da
definição formal. Tall (1992, p. 499) exemplifica esta questão da seguinte forma:
[...] mesmo quando se apresenta uma definição formal aos estudantes, sua
grande experiência com exemplos de funções com propriedades
implícitas comuns faz com que os estudantes desenvolvam uma imagem
conceitual de função, pessoal, que implicitamente possui tais
propriedades. Por exemplo, se as funções trabalhadas o
predominantemente apresentadas como fórmulas, isto conduz o estudante
a acreditar que a existência de uma fórmula é essencial para uma função.
Esse fato reforça a hipótese de que a definição conceitual é construída não apenas
pela definição formal (muitas vezes, extensa), mas também pela forma com que o conteúdo
é costumeiramente trabalhado. No caso específico de função, uma abordagem pode
priorizar as fórmulas, ou o estudo de gráficos ou, ainda, a caracterização da função pelo
seu domínio, contradomínio e a sua imagem. Essa abordagem focada pode ter influenciado
na não-identificação de uma função quando apresentada na forma algébrica, e sua
respectiva identificação quando apresentada na forma gráfica, conforme destaca Tall
(1992) ao se referir às dificuldades manifestadas pelos estudantes nas transformações
gráficas das funções acarretadas por deslocamentos e deformações.
A forma como a Matemática é trabalhada pelo docente e as definições formais dos
conceitos matemáticos criam, de acordo com Vinner (1991), um problema sério para o seu
aprendizado: o conflito entre a estrutura da Matemática como concebida pelos matemáticos
e os processos cognitivos de aquisição dos conceitos.
O trabalho do professor de Matemática está justamente neste conflito, tendo como
objetivo construir um elo entre os dois. Este trabalho é fortemente influenciado pela
abordagem dos livros didáticos, que geralmente trabalham no esquema, noções primárias
axiomas teoremas, e geralmente não traduzem o processo pelo qual a Matemática foi
desenvolvida. Se, então, a Matemática é desenvolvida por um processo e é ensinada por
outro, isso não sugere problemas em seu ensino? No mínimo, tal questão deve nos levar a
30
pensar em uma pedagogia mais apropriada, pois, “o ensino deve levar em consideração os
processos psicológicos comuns de aquisição de conceito e raciocínio lógico” (VINNER,
1991, p. 65).
Para exemplificar essa situação, Vinner (1991) cita a definição de valor absoluto de
um número, encontrada em livros didáticos:
| x | =
<
.0;
,0;
xs ex
xs ex
A seguir, o pesquisador questiona, em se tratando de um primeiro contato com a
disciplina, se não seria mais conveniente definir o valor absoluto de um número como a
distância desse número ao zero, ou, de forma ainda mais simples e clara, definí-lo como o
número sem seu sinal.
Dentro desta linha de pensamento, podemos questionar a definição “weirstrassiana”
de continuidade de uma função num ponto: f(x) é contínua em x = a se, e somente se, dado
ε > 0, existe δ > 0, tal que, se | x – a | < δ, então | f(x) – f(a) | < ε.
Em um primeiro contato com a disciplina, deveria se buscar uma abordagem inicial
mais intuitiva, identificando a idéia de definição com a verificação das condições:
i) Existência de f(a);
ii) Existência do limite de f(x) quando x a;
iii) Verificação da igualdade entre o limite de f(x) quando x a e f(a) (condição
que, implicitamente, sintetiza as demais).
Voltamos a afirmar que o ensino de Análise Real não deve e não pode descartar a
definição formal. Entretanto, estamos discutindo a sua abordagem como ocorre atualmente.
O aluno deverá reconhecer e entender a definição formal, até mesmo porque ela será
necessária para se trabalhar com equações algébricas e desigualdades envolvendo o valor
absoluto.
Ao trabalharmos com a definição rigorosa de um conteúdo, num primeiro
momento, o aluno até poderá usá-la, mas sem compreendê-la em sua plenitude, ou com um
mínimo de compreensão desejada; mas, ao trabalhar inicialmente de forma mais intuitiva,
31
o aluno torna-se mais apto a compreender o conteúdo num nível mais elaborado, na sua
definição formal.
Logo, devemos preencher a célula” da imagem conceitual, com uma
abordagem mais intuitiva, para, posteriormente, trabalharmos com a “célula” da definição
conceitual, com um tratamento mais rigoroso.
Nesse momento, julgamos ser necessário um aprofundamento dos termos
intuição e rigor, o que faremos a seguir.
2.3. A tensão entre Rigor e Intuição
Retomando a questão da transição para o Pensamento Matemático Avançado, vale
ressaltar que, na prática pedagógica de Análise Real, ela pode ser identificada com a
transição entre uma noção intuitiva dos conceitos e uma demonstração rigorosa dos
resultados, o que nos remete à tensão entre rigor e intuição, discutida por Reis (2001).
Em sua experiência docente, Reis (2001) sempre se questionou sobre as causas das
dificuldades apresentadas pelos alunos no curso de Análise, além das altas taxas de
reprovação historicamente inerentes a ela, mesmo sendo os tópicos de Análise
anteriormente trabalhados na disciplina de Cálculo.
Uma característica atribuída a essas disciplinas, é que no Cálculo o conteúdo é visto
de forma mais intuitiva e muitas vezes explorando os aspectos gráficos e geométricos;
em Análise Real, prima-se pelas definições formais de conceitos e pela demonstração
rigorosa das propriedades sob a forma de teoremas.
Devemos discutir essa transição Cálculo-Análise, muitas vezes reduzida à transição
intuição-rigor, buscando responder, ou pelo menos refletir sobre as questões que envolvem
o processo de aprendizagem em Análise Real. Esse debate pode contribuir para que o
Professor de Matemática do Ensino Superior reflita sobre que metodologias de ensino se
apresentam para o ensino de Matemática e, mais especificamente, para as disciplinas de
Introdução à Análise Real.
Esse rigor presente no curso da disciplina Análise evidencia a história do seu
surgimento, mais especificamente, o movimento de “Aritmetização da Análise”, assim
citado por Baron e Bos (1985, p. 43):
A transição do Cálculo para a Análise no século XVIII não foi somente
uma questão de crescimento e divisão em subcampos; envolveu também
32
uma transformação fundamental em sua natureza. O Cálculo, por volta de
1700, era ainda essencialmente orientado para a Geometria. Tratava de
problemas sobre curvas, empregava símbolos algébricos, mas as
quantidades de que se utilizava eram principalmente interpretadas como
ordenadas e abscissas de curvas, ou como outros elementos de figuras
geométricas. Durante a primeira metade do século, diminuiu o interesse
pela origem geométrica dos problemas e os matemáticos passaram a se
interessar mais pelos símbolos e fórmulas do que pelas figuras. A Análise
tornou-se o estudo e manipulação de fórmulas.
Esse movimento tornou-se difícil e intrincado, mas acabou se concretizando,
permitindo ao conteúdo de Análise (além da visão simplista de ser o estudo e manipulação
de fórmulas) ser a dedução lógica de um conjunto de postulados que caracterizam o
sistema dos números reais.
De toda forma, ao caracterizar o movimento da aritmetização, vários autores o
classificam como a rigorização do cálculo, o que de fato é! Mas afirmar que o rigor estava
presente no “surgimento da Análise” não equivale a dizer que é o principal foco da
disciplina. Concordamos com Boyer (1974) quando diz que ao avaliar desenvolvimentos
da Matemática devemos sempre ter em mente que as ideias atrás das notações são, de
longe, “a melhor metade”.
O fato é que a busca da formalização do Cálculo, que culminou com a
aritmetização da Análise, proporcionou a valorização do rigor e sua busca, não em
Análise, mas em todas as áreas que constituem a Matemática Pura.
Pierpont (1899) resume o pensamento da matemática pura ao declarar que o que
pode ser provado deve ser provado” (What can be proved should be proved); entretanto,
ele relata a importância das ideias da seguinte forma: De nossa intuição, nós temos as
noções de curvas, superfícies, continuidade, etc. Ninguém pode mostrar que as
formulações aritméticas são coextensivas com seus conceitos intuitivos correspondentes”
(PIERPONT, 1899, p. 400-401).
A inquietação de Pierpont e de outros matemáticos de sua época era que o “preço a
ser pago” pelo desenvolvimento da Matemática no século XIX o deveria “custar” uma
total separação do mundo de nossos sentidos.
Voltando às relações entre o rigor e a intuição, seriam estas entidades totalmente
dicotômicas? Para Tall (1991, p. 20):
O movimento do pensamento matemático elementar para o avançado
envolve uma transição significante: de descrever para definir, de
convencer para provar de uma maneira lógica baseada nas definições.
33
Esta transição requer uma reconstrução cognitiva, a qual é vista durante a
luta inicial dos estudantes universitários com as abstrações formais,
enfrentadas por eles no primeiro ano de universidade.
Parece-nos que a intuição é, então, o ponto inicial da busca do rigor, permanecendo
ativa durante todo o processo sendo, pois, complementar ao rigor!
Pinto (2009) destaca que não temos apenas dois percursos para a construção de uma
Matemática avançada, trabalhando de uma Matemática denominada de intuitiva para outra
denominada de formal. Na realidade, podemos pensar tal situação como uma reta com
dupla seta, em que uma extremidade é representada pela intuição e a outra pelo rigor,
apresentada por Reis (2001, 2009), sugerindo que o trabalho do professor pode situar-se
em qualquer um dos pontos dessa reta contínua. Na prática docente, o ponto de equilíbrio
é, ou pelo menos deveria ser, um ponto móvel e dinâmico.
Hanna (1989, p.45) afirma que não infidelidade à Matemática ao buscar, tanto
quanto possível, uma explicação matemática em detrimento de uma prova matemática”,
‘mesmo abrindo mão do rigor’ (grifo nosso). Isto não quer dizer que o rigor não tem seu
papel na construção do conhecimento matemático nem deva ser “deixado de lado”, em
algum momento. Reiteramos as idéias de Reis (2001) que o rigor deve aparecer / acontecer
em níveis.
Tanto uma “prova que prova” como uma “prova que explica” devem estar implícitas
de rigor, e de acordo com a necessidade, usá-lo em maior ou menor grau. Usamos aqui os
termos apresentados por Hanna (1989), “provas que provam”, como sendo aquelas que têm
a única função de provar a veracidade de certa propriedade matemática, muitas vezes
vazias de significado prático, e “provas que explicam” como aquelas que, além da função
necessária de verificar essa veracidade, demonstram / apresentam propriedades e
características do que se está demonstrando, tornando-as mais inteligíveis e claras aos
olhos dos discentes, sem dever nada às “provas que provam”.
Outra discussão interessante sobre as provas e seu papel no ensino de Matemática é
feita por Garnica (2002, p. 6), ao afirmar que a prova rigorosa pode ser “considerada como
uma – dentre as várias – forma de argumentação acerca do objeto matemático”.
Esta questão nos remete, novamente, à importância do papel do professor na escolha /
seleção do que e de que forma fazer a transposição entre a Matemática e o seu ensino.
Entretanto, é reconhecida a dificuldade de caminhar da história da evolução da Matemática
para a sala de aula. Essas discussões devem levar os professores das disciplinas de
34
Introdução a Análise Real, principalmente nos cursos de licenciatura, a reconhecer,
segundo Reis (2009, p. 93), que:
[...] o “rigor acadêmico”, dominante no mundo das publicações e
apresentações de trabalhos, artigos científicos e outros, não pode ser
transposto de uma maneira direta, mecânica ou simplista para o ensino.
Essa transposição, na verdade, deveria proporcionar uma exploração
múltipla e flexível dos conceitos, de modo que os mesmos sejam
intuitivamente significativos e compreensíveis, tendo um tratamento de
validação e demonstração (isto é, rigor) compatível ao contexto de ensino
(instituição; Licenciatura ou Bacharelado; conhecimento prévio dos
alunos, etc).
Nesta perspectiva, nos próximos capítulos, passaremos a discutir o ensino de
Análise Real, especificamente, do tópico de Conjuntos Numéricos, iniciando por analisar
alguns livros didáticos de Análise utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática e
apresentando nossa proposta didática para o ensino deste tópico, em disciplinas de
Fundamentos de Análise Real de cursos de Licenciatura em Matemática.
35
Capítulo 3
APRESENTANDO NOSSA PESQUISA EM SEU CONTEXTO
E ANALISANDO LIVROS DIDÁTICOS DE ANÁLISE REAL
“Pessoas influenciam pessoas: professores e outras pessoas
influenciam atitudes sobre os conteúdos de ensino e sobre o próprio
aprendizado.”
Robert Mager
3.1. Retomando a Questão de Investigação e os objetivos
Observa-se, em geral, que nos cursos de Matemática, ocorre uma uniformidade de
metodologias nas modalidades de Bacharelado e de Licenciatura em algumas
universidades e, em certas instituições, até mesmo a integração dos alunos das duas
modalidades de curso numa mesma disciplina. Em ambas as situações, o aluno do curso de
Licenciatura em Matemática não tem acesso a uma abordagem e uma metodologia próprias
aos tópicos trabalhados em Análise Real.
Outro fator importante na elaboração da nossa questão de investigação é o foco
dado ao rigor na abordagem dos conteúdos, mais especificamente, no ensino de Conjuntos
Numéricos, especialmente nos livros didáticos.
Nosso interesse de pesquisa era o tratamento do tópico de Conjuntos Numéricos, de
uma perspectiva intuitiva até uma abordagem rigorosa, a partir da análise de livros
didáticos. Diante dessa perspectiva, definimos a seguinte questão de investigação:
Como os Conjuntos Numéricos são apresentados / abordados em livros
didáticos de Análise Real utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática e de
que forma eles podem ser problematizados / explorados na perspectiva de um ensino
que aborde dialeticamente seus aspectos intuitivos e rigorosos?
36
Lembramos que nosso objetivo geral é a discussão sobre o ensino de Análise Real
no contexto da Educação Matemática no Ensino Superior e nossos objetivos específicos
são a análise de livros didáticos de Análise utilizados em cursos de Licenciatura em
Matemática (que será feita neste capítulo) e, a partir desta análise, a apresentação de uma
proposta de ensino de Conjuntos Numéricos para disciplinas de Fundamentos de Análise
Real em cursos de Licenciatura em Matemática (que será feita no próximo capítulo).
3.2. Apresentando o Contexto da Pesquisa
Nossa pesquisa de campo foi realizada no 2º semestre letivo de 2009 com os alunos
regularmente matriculados na disciplina de Introdução a Análise Real”, obrigatória no
curso de Licenciatura em Matemática da Faculdade ISEIB Instituto Superior de
Educação Ibituruna, de Montes Claros MG. O professor da referida disciplina foi o
presente pesquisador. Estavam matriculados na disciplina 21 (vinte e um) alunos do 5º e do
6º períodos de um curso cuja previsão total é de 3 anos e meio.
A ementa da disciplina era composta por: Preliminares de Lógica; Conjuntos
Numéricos; Números Reais, Enumerabilidade, Comensurabilidade; Sequências e Séries;
trabalhados numa carga horária de 60 horas/aula. Adotamos como bibliografia básica o
livro “Análise Matemática para Licenciatura” de Geraldo Ávila.
No estudo dos Conjuntos Numéricos, foram implementadas as 5 (cinco) atividades
relacionadas aos números naturais, inteiros, racionais, irracionais e reais (a serem descritas
no capítulo seguinte).
3.3. Justificando a escolha do tópico
Os Conjuntos Numéricos são estudados em vários níveis de apresentação /
abordagem, desde o Ensino Fundamental, passando pelo Ensino Médio, até chegar ao
Ensino Superior. este fato justificaria a necessidade de discutirmos como acontece
sua formalização e seu ensino em cursos de formação inicial e continuada de Professores
de Matemática.
Dentro da própria estruturação matemática por áreas de conhecimento, também é
destacada a importância deste tópico na fundamentação e gênese de conceitos centrais na
teoria matemática, como exemplifica Zuffi (2004, p. 3) ao afirmar que um estudo do
desenvolvimento histórico do conceito geral de “função” revela que este se deu “num
37
processo longo e delicado, com a necessidade de contribuições de muitos matemáticos de
renome, bem como das contribuições obtidas com o desenvolvimento das Teorias de
Conjuntos e de construção dos Números Reais”.
Parece-nos óbvio que outros conceitos como sequências de números reais, limites e
continuidade de funções reais, assim como derivadas e integrais, estão relacionados a
definições e propriedades dos números e seus conjuntos. Assim, acreditamos que o ensino
de Conjuntos Numéricos tem um lugar nuclear no ensino de Análise Real e, porque não
dizer, no ensino de Matemática, de uma maneira geral.
Portanto, iniciaremos por uma breve análise de alguns livros didáticos de Análise
Real utilizados em universidades brasileiras.
3.4. Analisando livros didáticos
Entendemos que o livro didático desempenha um importante papel no ensino de
Matemática, por refletir um conjunto de saberes de seu autor, experienciados em sua
formação matemática e em sua prática docente, que contribui, à sua medida, com a
formação matemática e com a prática docente daquele professor que adota este livro.
Por isso, julgamos necessário analisar a apresentação e a abordagem dos Conjuntos
Numéricos em livros didáticos de Análise Real utilizados em diversas universidades
brasileiras, conforme pudemos constatar em uma pesquisa nos programas curriculares de
universidades tais como UFOP, UFMG, UNIMONTES, dentre outras.
Escolhemos para analisar os seguintes livros:
- Análise Matemática para Licenciatura. Geraldo Ávila. São Paulo: Edgard Blücher,
2006;
- Análise Real – Volume 1. Elon Lages Lima. Rio de Janeiro: IMPA, 1993;
- Análise I. Djairo Guedes de Figueiredo. Campinas: UNICAMP, 1996.
Além destes, escolhemos também um livro “diferenciado” dos demais por buscar
uma integração entre Álgebra e Análise na apresentação dos conceitos relacionados a
números, apesar do mesmo não poder ser considerado uma referência bibliográfica
“principal” para disciplinas como Fundamentos de Análise”, “Introdução à Análise”,
38
“Análise Real”, “Análise I” (nomes que aparecem em diversas grades curriculares de
cursos de Matemática), da mesma forma como os anteriores são citados:
- Lições de Álgebra e Análise. Bento de Jesus Caraça. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1959.
Como categoria de análise, procuraremos, inicialmente, apresentar algumas ideias
dos autores retiradas dos prefácios de seus respectivos livros, como forma de apresentá-los
e/ou de apresentar a sua visão sobre a Matemática ou o conhecimento matemático.
A seguir, buscaremos dar um panorama geral da abordagem dos livros aos
Conjuntos Numéricos, destacando a eventual presença de elementos históricos, o
desenvolvimento teórico do assunto e a natureza dos exercícios propostos mais diretamente
relacionados ao tema. Não nos preocuparemos com o aspecto quantitativo dos exercícios,
pois acreditamos que, de uma maneira geral, todos os exercícios envolvendo números reais
podem ser associados a um conjunto numérico, mesmo estando relacionado a conceitos
específicos como enumerabilidade ou supremo e ínfimo de um conjunto.
3.4.1. Análise Matemática para Licenciatura (Geraldo Ávila)
No prefácio de seu livro, Ávila afirma que o mesmo foi escrito para alunos de
Licenciatura em Matemática e por esta razão, difere dos livros de Análise direcionados aos
cursos de Bacharelado. Outra diferença pontuada pelo autor esna apresentação de certos
tópicos sobre os números reais que são considerados relevantes nos cursos de Licenciatura.
Mas, talvez, a grande diferença na maneira de apresentação dos vários assuntos destacada
pelo autor é uma “atenção maior ao desenvolvimento das ideias e aspectos históricos da
disciplina”.
Ainda segundo Ávila (2006, pref.), a sequência Cálculo Análise deve ser assim
entendida:
Numa primeira disciplina de Cálculo, as apresentações costumam ser
feitas de maneira intuitiva e informal, com pouca ou nenhuma
demonstração rigorosa. Esse procedimento é seguido, em parte por razões
didáticas, mas também por razões ligadas á própria natureza dos tópicos
tratados [...] É precisamente uma apresentação logicamente bem
organizada de todos esses tópicos do Cálculo que constituem uma
primeira disciplina de Análise.
39
Assim, o autor considera que um dos principais objetivos de uma disciplina de
Análise é a prática em demonstrações e mais, considera “inadmissível” que alguém que
pretenda ensinar Matemática sinta-se deficiente ou despreparado face à tarefa de se
enunciar e demonstrar teoremas.
Por fim, o autor destaca a oportunidade que se tem, na disciplina de Análise de
familiarização com uma das áreas mais importantes de toda a Matemática.
Realmente, o livro de Ávila se diferencia dos demais por incorporar em seu texto,
diversas notas históricas e complementares ao desenvolvimento da teoria. Isto parece
refletir uma postura diferenciada do autor ao entender que a história do desenvolvimento
dos conceitos matemáticos pode contribuir para a compreensão / construção destes
conceitos, postura com a qual coadunamos e procuraremos explorar em nossa proposta.
Os Conjuntos Numéricos são tratados no Capítulo 2 Números Reais parte e
no Capítulo 3 – Números Reais – 2ª parte.
Os conjuntos dos números naturais e inteiros aparecem no parágrafo inicial,
restringindo-se apenas à sua nomenclatura e simbologia, ou seja, não uma descrição
mínima de seu desenvolvimento histórico, muito menos de sua formalização. O primeiro
conjunto a ser explorado é o conjunto dos números racionais, identificados como frações
na forma irredutível, com destaque para sua notação decimal e para a questão das dízimas
periódicas.
A seguir, os números irracionais são “concebidos” como números cuja
representação decimal não é nem finita nem periódica. A primeira demonstração
apresentada é da irracionalidade da raiz quadrada de 2. Concluindo esta parte inicial, os
números reais são introduzidos como sendo todo número que é racional ou irracional.
Após trabalhar com os conceitos de conjuntos, finitos, infinitos e enumeráveis, a
questão dos números irracionais volta à cena, com o problema das grandezas
incomensuráveis, relacionadas à medição de segmentos e à existência de segmentos
incomensuráveis. O exemplo explorado é o caso do lado e da diagonal de um quadrado.
Após abordar o retângulo áureo e a divisão áurea, Ávila apresenta a Teoria das Proporções
de Eudoxo como a “solução para a crise dos incomensuráveis”.
Neste momento, volta a ter destaque uma visão histórica do desenvolvimento da
Matemática até o século XIX, com a formalização dos números reais por Dedekind. São
apresentados o conceito de corte de Dedekind, a relação de ordem e operações com
números reais, culminando com o Teorema de Dedekind (“Todo corte de números reais
possui elemento de separação”). A conclusão da teoria de números reais ocorre a partir das
40
definições de supremo e ínfimo de um conjunto, com a obtenção da completicidade dos
reais.
Ao longo do escopo textual, são propostos diversos exercícios relacionados a
propriedades dos números racionais (com destaque para a determinação de fração geratriz),
irracionais (com destaque para a irracionalidade de raízes quadradas de números primos) e
reais (com destaque para demonstrações com cortes e densidade dos racionais e
irracionais).
3.4.2. Análise Real – Volume 1 (Elon Lages Lima)
No prefácio de seu livro, o autor informa que a finalidade do mesmo é servir de
texto para um primeiro curso de Análise Matemática, pois nele, os assuntos são expostos
de maneira simples e direta, “evitando-se maiores digressões”. Uma expectativa apontada
pelo autor é de facilitar o trabalho do professor no que se refere à seleção dos tópicos
escolhidos para compor a ementa da disciplina.
Lima (1993, pref.) manda a seguinte mensagem para os leitores, assim por ele
idealizados:
Os leitores que tenho em mente são alunos com conhecimento
equivalente a dois períodos letivos de Cálculo, de modo a terem
familiaridade com as idéias de derivada e integral em seus aspectos mais
elementares [...] Espero, além disso, que eles tenham uma noção
razoavelmente clara do que seja uma demonstração matemática.
Outro destaque do livro feito pelo próprio autor é uma grande quantidade de
exercícios propostos que servem para fixação da aprendizagem” e se constituem numa
oportunidade para o leitor verificar se realmente “entendeu o que acabou de ler”.
Realmente, a grande variedade e qualidade dos exercícios propostos se constituem
num dos pontos de destaque do livro de Lima, inclusive, remetendo para a seção de
exercícios algumas proposições e propriedades que não são demonstradas no
desenvolvimento textual.
Os Conjuntos Numéricos são tratados no Capítulo 1 Conjuntos Finitos e Infinitos
e no Capítulo 2 – Números Reais.
O conjunto dos números naturais é inicialmente apresentado através dos Axiomas
de Peano. Seguem as definições das operações e suas propriedades. Os conjuntos dos
41
números inteiros e racionais são expostos apenas como exemplos de conjuntos
enumeráveis, sem qualquer tratamento histórico, muito menos formalizado.
o conjunto dos números reais é explorado de maneira totalmente formalizada,
passando pela sua caracterização enquanto corpo, depois enquanto corpo ordenado e,
finalmente, enquanto corpo ordenado completo (“Todo conjunto não-vazio de números
reais, limitado superiormente, possui supremo”).
Ao longo do texto, são propostos diversos exercícios dentro dos diversos tópicos
de cada capítulo. São exploradas proposições e propriedades dos números naturais (com
destaque para a indução matemática) e reais (com destaque para demonstrações de
desigualdades).
3.4.3. Análise I (Djairo Guedes de Figueiredo)
No prefácio de seu livro, o autor afirma que o mesmo foi escrito para leitores que
tenham uma certa familiaridade com algumas “técnicas” do Cálculo Diferencial e Integral
de funções reais de uma variável real. A justificativa para esta pressuposição é que o livro
não contém um grande número de exercícios mais mecânicos ou “problemas do tipo
computacional”.
Figueiredo (1996, pref.) crê que um aluno que vá cursar Análise já deve ter passado
por um curso inicial de Cálculo, destacando que:
O curso de Cálculo, sendo mais superficial, é mais consoante com o nível
do aluno que entra na universidade. Por outro lado, fornece rapidamente
uma ideia do que é o Cálculo, do tipo de problemas que resolve e das
suas aplicações a outros ramos do conhecimento. Assim, o leitor que
começar a ler este trabalho [...] apreciará melhor certos pontos que
poderiam parecer filigranas às pessoas que os vissem pela primeira vez.
Por fim, o autor comenta que, pelo fato do texto ser escrito com o rigor que a
Análise ganhou no decorrer do século XIX, a fundamentação dos números reais é logo
apresentada no primeiro capítulo. Através dos exemplos e de observações, procura-se
estimular o espírito crítico e despertar curiosidade por outros cursos de Matemática.
De fato, são apresentados diversos exemplos e discussões interessantes, que podem
ser de grande valia para o futuro Professor de Matemática em formação, especialmente
relacionados a funções, tema explorado ao longo de vários capítulos.
42
Os Conjuntos Numéricos são tratados no Capítulo 1 Números Reais, que inclui
ainda sequências e séries de números reais.
Assim como em Ávila, a apresentação dos conjuntos dos números naturais e
inteiros restringe-se apenas à sua nomenclatura e simbologia, ou seja, não uma
exploração de seu desenvolvimento histórico, nem ocorre sua formalização. O primeiro
conjunto a ser tratado é o conjunto dos números racionais, que recebe um tratamento de
corpo, a partir da definição desta estrutura algébrica.
A seguir, os números irracionais são introduzidos com a demonstração de que a
hipotenusa de um triângulo retângulo de catetos iguais a 1 não é um número racional. Tal
fato é destacado como um indicador de uma “deficiência” dos racionais e que motiva a
procura de um conjunto numérico mais amplo e cujos elementos estejam em
correspondência biunívoca com os pontos de uma reta.
Nesta perspectiva, o conjunto dos números reais é apresentado e explorado de
maneira totalmente formalizada, enquanto corpo ordenado completo, culminando com o
Postulado de Dedekind (“Todo subconjunto não-vazio de números reais, constituído de
elementos positivos, tem um ínfimo). São feitos também comentários sobre a determinação
de um número real, seguidos de uma breve apresentação da noção de cortes de Dedekind.
Ao longo do texto, são propostos diversos exercícios intercalados ao
desenvolvimento teórico dos diversos tópicos. São exploradas algumas propriedades dos
números naturais (com destaque para a sua não limitação) e reais (com destaque para
demonstrações de desigualdades modulares).
3.4.4. Lições de Álgebra e Análise (Bento de Jesus Caraça)
No prefácio de seu livro, Caraça afirma ter dado um maior desenvolvimento a cada
um dos capítulos do livro, não no âmbito geral da exposição, como também na parte
complementar aos diversos assuntos.
Caraça (1959, pref.) justifica assim sua atitude como autor e escritor: “Procedi
assim, com dupla intenção: a de levar o aluno a travar, ou poder travar, conhecimento com
um domínio mais vasto do que aquele que lhe é imediatamente exigido; a de dar ao
professor maior mobilidade na escolha anual da matéria a expor”.
De fato, o livro de Caraça se constitui numa obra diferenciada e que deveria ser lida
por professores de Álgebra e de Análise, pois as teorias dos números são desenvolvidas de
43
forma analítica e sintética, e servem como uma rica referência teórico-bibliográfica para
qualquer disciplina nestas duas áreas da Matemática.
Os Conjuntos Numéricos são tratados ao longo de toda a 1ª parte do livro, intitulada
Números, destacando-se: Capítulo I Números Naturais; Capítulo II Números
Racionais; Capítulo III Números Relativos; Capítulo IV Os conjuntos I, R
±
e P;
Capítulo V – Números Reais.
A abordagem de todos os conjuntos numéricos parte de uma introdução e de uma
“histórica”, na qual é pontuado, inclusive, o aparecimento dos conjuntos em livros de
Matemática. Para cada conjunto numérico, são apresentadas as operações e propriedades,
destacando os aspectos “algébricos”.
A teoria axiomática ganha força com o conjunto dos números naturais; as estruturas
algébricas são retomadas na sistematização dos conjuntos inteiros e racionais; merece um
grande destaque a evolução histórica dos números irracionais, a qual precede a abordagem
dos números reais, definidos tanto por corte quanto por sucessões convergentes (“De todo
corte se pode extrair um par de sucessões convergentes; todo par de sucessões
convergentes determina no conjunto dos reais um corte”).
Outro aspecto merece destaque no livro de Caraça. Ao final de cada capítulo, o
autor apresenta indicações bibliográficas recomendadas para diversos tópicos abordados ao
longo do texto, como por exemplo, a gênese da noção de número natural, propriedades
específicas de números racionais e cortes de Dedekind.
Em relação aos exercícios, uma preocupação com uma escrita mais textual e
menos simbólica de resultados relacionados aos diversos conjuntos numéricos,
especialmente aqueles mais voltados para as propriedades aritméticas dos números. Nota-
se também, a presença de diversos exercícios comumente encontrados nos livros didáticos
de Álgebra, em meio a exercícios mais tradicionais de Análise. Isto parece refletir uma
postura diferenciada do autor ao entender que os aspectos algébricos e analíticos são
complementares no desenvolvimento dos conceitos matemáticos, postura com a qual
coadunamos e procuraremos explorar em nossa proposta.
Consideramos que a abordagem de Caraça consegue envolver elementos intuitivos
na apresentação rigorosa dos Conjuntos Numéricos. Entretanto, devido ao enfoque
algébrico-analítico, o texto é bastante denso em se tratando de referência bibliográfica para
disciplinas de Fundamentos de Análise Real.
44
Capítulo 4
O ENSINO DE CONJUNTOS NUMÉRICOS EM DISCIPLINAS DE
FUNDAMENTOS DE
ANÁLISE REAL: APRESENTANDO UMA PROPOSTA PARA
CURSOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA
“A Matemática é a rainha das ciências e a Teoria dos Números é a
rainha das matemáticas”.
Gauss
4.1. Apresentando nossa proposta didática
A partir da análise dos livros didáticos realizada no capítulo anterior, pudemos
elaborar uma proposta didática para o ensino de Conjuntos Numéricos, passível de
utilização em disciplinas de Fundamentos de Análise de cursos de Licenciatura em
Matemática.
Na elaboração, procuramos levar em consideração, alguns questionamentos
levantados por Pinto (2009, p. 27), que sempre nos inquietaram, tanto quanto discente
como docente de Análise Real:
Que sentido faz a Matemática formal para um futuro matemático, em um
primeiro curso na área? Mais especificamente, seria possível descrever o
processo (ou processos) cognitivo(s) por meio do(s) qual (is) um
estudante de Matemática se relaciona com definições formais e
deduções? Como as experiências anteriores dos alunos [...] referenciam a
teoria matemática formal, estruturada, a ser compreendida?
Parece-nos claro que tentar responder a estas questões demanda uma investigação
criteriosa por parte dos educadores matemáticos / pesquisadores em Educação Matemática.
Entretanto, acreditamos que se deve manter um foco quando se trata do Ensino Superior de
Matemática, como descreve Tall (1992, p. 495): “O foco principal da Educação
Matemática em níveis superiores é o iniciar o aprendiz na totalidade do mundo do
45
matemático profissional, não somente em termos do rigor que é requerido, mas também na
vivência das experiências que fundamentam os conceitos”.
Nesta perspectiva, procuramos elaborar nossa proposta, tentando apresentar um
pouco da história do desenvolvimento dos conceitos como elemento importante na sua
própria construção, buscando uma identificação dos conjuntos com suas estruturas
algébricas correspondentes e, por fim, primando por uma abordagem que caminhe da
intuição para o rigor de uma maneira suave e contínua.
4.2. “História e Desenvolvimento dos Conjuntos Numéricos: Das noções intuitivas
para as definições rigorosas”
Nossa proposta se intitula “História e Desenvolvimento dos Conjuntos Numéricos:
Das noções intuitivas para as definições rigorosas” e se divide em 5 (cinco) atividades
relacionadas aos números naturais, inteiros, racionais, irracionais e reais.
Cada atividade possui objetivos específicos e é seguida por alguns exercícios
retirados dos livros didáticos analisados no capítulo anterior e outros de nossa própria
autoria.
4.2.1. Atividade 1) O Conjunto dos Números Naturais
Objetivos: Apresentar elementos do desenvolvimento histórico dos números naturais e
alguns aspectos de seu processo de formalização, segundo os Axiomas de Peano.
1.1) Da Intuição...
O conceito de número com o qual estamos familiarizados, e que é tão
essencial na sociedade de nossos dias, evoluiu muito lentamente. Para o
homem primitivo, e mesmo para o filósofo da Antiguidade, os números
estão intimamente relacionados com a natureza. Para o homem civilizado
de hoje, o número natural é um ente puramente matemático, uma
conquista de seu pensamento. (Fernandes e outros, 2005, p. 19)
Esta afirmação dos pesquisadores acima faz-nos refletir sobre o quão importante
para o homem de diversas culturas e sociedades foi a criação dos números, para representar
quantidades e a partir daí, fundamentar o próprio processo de contagem.
46
A princípio, este processo era, nada mais, nada menos, do que uma tentativa de se
estabelecer uma correspondência entre os objetos a serem contados (por exemplo, ovelhas,
gados, etc) com o chamado “conjunto de contagem”, o qual continha elementos familiares
à cultura e cotidiano das pessoas (por exemplo, pedras, dedos da mão, etc).
Entretanto, este processo de contagem ficava restrito a pequenas quantidades,
gerando a necessidade de sua aplicação a casos que envolviam uma maior quantidade de
objetos. A saída para este problema foi, então, buscar uma representação simbólica e um
certo conjunto de regras e/ou procedimentos que permitissem a representação de um
“número qualquer” de objetos. Mas como isso seria possível?
Muitos dos conjuntos criados para este fim continham de 5 a 60 símbolos
básicos”, como os sistemas de numeração egípcio, grego e romano. Atualmente, quase
todos os povos do mundo utilizam o sistema numérico hindu-arábico, inventado pelos
indianos e introduzido pelos árabes, na Europa.
Este sistema é “decimal posicional”. Decimal, pois utiliza 10 símbolos, chamados
algarismos, que são 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 0. Posicional, pois qualquer número pode ser
expresso por estes algarismos, que têm valores distintos de acordo com a posição que eles
ocupam na representação do número.
Todavia, não podemos fixar datas para o surgimento dos números naturais, como
hoje os conhecemos:
IN = { 1 , 2 , 3 , ... }
A respeito do conceito de número natural, Caraça (1959) afirma que o mesmo é
muito remoto e constitui uma das primeiras manifestações do despertar da inteligência no
homem. Contudo:
[...] esse conceito deve, durante muitos séculos, ter estado
identificado, por assim dizer, com os objetos a que dizia respeito;
muito mais tarde adquiriu o caráter de generalidade e abstração
com que hoje o usamos. Foi certamente assim para os primeiros
matemáticos gregos... Em Euclides (cerca de 300 a.C.) encontra-se
uma noção de um número natural mais elaborada sem, no
entanto, possuir o caráter de generalidade que lhe damos hoje.
(Caraça, 1959, p. 4)
47
Mas o que seriam esta generalidade e abstração relacionadas ao conceito de um
número natural que temos hoje?
1.2) ... para o Rigor !
Segundo Lima (1993), toda a teoria dos números naturais pode ser deduzida de 3
axiomas, conhecidos como “Axiomas de Peano”.
São dados, como objetos não definidos, um conjunto IN, cujos elementos são
chamados de “números naturais” e uma função s: IN IN. Para cada n IN, o número
s(n) é chamado o “sucessor de n”.
A função s satisfaz aos seguintes axiomas:
A1) s é injetiva, isto é, números diferentes possuem sucessores diferentes:
m ≠ n s(m) ≠ s(n) ou ainda, s(m) = s(n) m = n;
A2) Existe um único número natural que não é sucessor de nenhum outro; ele é chamado
de “um” e é representado pelo símbolo “1”. Assim:
1 ≠ s(n), n IN;
A3) Se X é um subconjunto de IN tal que 1 X e, para todo n X temos também que s(n)
X, então X = IN.
Este último axioma é também designado como “Princípio da Indução Matemática”,
pois, noutras palavras, quer dizer que:
“Se é uma propriedade referente aos números naturais que é válida para 1 e, se do
fato de um número natural n gozar de pudermos concluir que seu sucessor s(n) = n + 1
também goza da propriedade , então podemos concluir que a propriedade é válida
para todos os números naturais”.
48
Na visão de Caraça (1959), Peano partiu de 3 conceitos primitivos: unidade,
número e sucessor. Por outro lado, buscou relacionar estes conceitos por meio de 5
proposições:
1) A unidade é um número;
2) Todo número tem um, e um só sucessor, que é um número;
3) Se dois números têm o mesmo sucessor, então são iguais;
4) A unidade não é sucessor de nenhum número;
5) Se uma classe S de números contém a unidade e se a classe formada pelos sucessores
dos números de S está contida em S, então todo número pertence a S.
Entretanto, mesmo com a formalização de Peano, os matemáticos estão longe de
estabelecer um acordo a respeito das teorias axiomáticas dos números naturais. Como o
próprio Peano verificou, existem várias sucessões” diferentes da “sucessão dos números
naturais” que satisfazem aos seus axiomas.
Exercícios
1) Use o Princípio da Indução Matemática para provar que:
1 + 3 + 5 + 7 + ... + (2n –1) = n
2
, n = 1, 2, 3, ...
2) Sabemos das Progressões Aritméticas que:
1 + 2 + 3 + ... + n =
2
)1(
+
nn
. Prove esse resultado por indução.
3) Dados os números naturais a e b, com a < b, prove que existe um número natural m tal
que a + m = b.
49
4) Um elemento a IN chama-se antecessor de b IN quando se tem a < b mas não
existe c IN tal que a < c < b. Prove que, exceto 1, todo número natural possui um
antecessor.
4.2.2. Atividade 2) O Conjunto dos Números Inteiros
Objetivos: Apresentar elementos do desenvolvimento histórico dos números inteiros e
alguns aspectos de seu processo de formalização, segundo as estruturas algébricas de Anel
e Domínio de Integridade.
2.1) Da Intuição...
Com o desenvolvimento do raciocínio matemático e de suas aplicações, surgiram
algumas situações ainda não definidas na perspectiva de se trabalhar somente com os
números naturais. Foi o que ocorreu na China antiga.
Eles operavam com os números naturais precedidos de uma barra vermelha ou por
uma barra preta, que tinham significados opostos. Era a idéia “primitiva” de números
negativos e positivos, usados em situações diversas para representar excesso e falta.
Apesar de operar facilmente com esses novos “entes” matemáticos, os chineses,
assim como aconteceu com Diofanto de Alexandria (século III), não os consideravam
verdadeiros para solucionar algumas equações. Nestas situações, Diofanto limitava-se a
classificar o problema como absurdo. Já os europeus, nos séculos XVI e XVII, admitiam
que esses problemas tinham soluções falsas ou impossíveis.
Assim o fez Michael Stifel (1487-1567) que se negou a admitir os números
negativos como raízes de uma equação, chamando-lhes de numeri absurd”. Cardano
chamou-os de “numeri ficti”.
Apenas no século XVIII, houve uma interpretação dos números positivos e
negativos como sendo “segmentos de direções opostas”. Assim, o 1 seria um segmento de
uma unidade para a direita enquanto que o 1 seria o segmento de uma unidade para a
esquerda. Agora sim, fazia sentido pensarmos no elemento neutro:
Se bem que a idéia de zero, de não-existência, esteja sem dúvida ligada à
noção de quantidade, a verdade é que, nem nas mais antigas civilizações
conhecidas, nem nos povos mais primitivos de hoje, se encontra o zero
tomado como número nem o uso de um símbolo para o zero. Este é
50
relativamente recente e a sua introdução foi devida às exigências da
numeração escrita. (Caraça, 1959, p. 15)
Coadunando com o autor citado, o zero será considerado um número inteiro, o
elemento neutro “separador” dos números positivos e negativos. Teremos, então, o
conjunto dos números inteiros como o conhecemos hoje:
Ζ = { ... , – 3 , – 2 , – 1 , 0 , 1 , 2 , 3 , ... }
Comparando-o com o conjunto dos números naturais, vemos que apesar dos
números realmente usados no processo de contagem “natural” serem os inteiros positivos,
os inteiros negativos conseguiram preencher uma lacuna que existia, quando se pensava
em comparação de medidas e grandezas.
Esta “criação humana” dos inteiros foi, portanto, fundamental para o
desenvolvimento não da Matemática, mas de toda a Ciência de uma maneira geral, pois
hoje, vemos com muita “naturalidade” uma representação numérica negativa quando
analisamos a temperatura de um local ou um extrato bancário.
2.2) ... para o Rigor !
Com o intuito de definir formalmente o conjunto dos números inteiros, vamos
relembrar a definição de duas estruturas algébricas de grande importância: Anel e Domínio
de Integridade.
Sejam A um conjunto e (+) e (.) duas operações em A, chamadas de “adição” e de
“multiplicação”. A terna (A,+,.) será chamada de Anel se as operações gozarem das
seguintes propriedades:
A1 (A adição é associativa) Quaisquer que sejam a, b e c A, tem-se que:
(a + b) + c = a + (b + c)
A2 (A adição é comutativa) Quaisquer que sejam a e b A, tem-se que:
a + b = b + a
A3 (Existe um elemento neutro da adição) Existe um 0 A tal que:
51
a + 0 = a , para todo a A
A4 (Todo elemento possui um simétrico) Para todo a A, existe um – a A tal que:
a + (– a) = 0
M1 (A multiplicação é associativa) Quaisquer que sejam a, b e c A, tem-se que:
(a . b) . c = a . (b . c)
M2 (A multiplicação é comutativa) Quaisquer que sejam a e b A, tem-se que:
a . b = b . a
M3 (Existe um elemento neutro da multiplicação) Existe um 1 A tal que:
a . 1 = a , para todo a A
MA (A multiplicação é distributiva em relação à adição) Quaisquer que sejam a, b e c
A, tem-se que:
a . (b + c) = a . b + a . c
É fácil verificarmos que, da forma como a adição e a multiplicação estão definidas
no conjunto dos números inteiros, a terna (Z,+,.) é um anel, no qual o elemento neutro da
adição é o número inteiro “0” e o elemento neutro da multiplicação é o número inteiro “1”.
Existe também uma outra estrutura algébrica com propriedades muito interessantes
que é um Domínio de Integridade. Um anel (A,+,.) será chamado de Domínio de
Integridade (ou Anel de Integridade) se, além das propriedades anteriores de anel, for
válida a seguinte propriedade:
M4 (Propriedade da Integridade para a multiplicação) Sejam a e b A, tais que a .
b = 0, onde 0 é o elemento neutro da adição. Então:
a = 0 ou b = 0
(Z,+,.) é, portanto, um domínio de integridade, pois, de fato, se a e b Z, a 0 e b
0, então a . b 0.
52
Exercícios
1) Ache o erro na “demonstração” da seguinte afirmação, obviamente falsa:
“Todos os números inteiros positivos são iguais, ou seja, para todo n IN é verdadeira a
asserção P(n): 1 = ... = n”.
i) P(1) é verdadeira, pois 1=1;
ii) Suponha P(n) verdadeira; logo, 1 = ... = n1 = n. Somando 1 a cada membro da última
igualdade, segue que n = n + 1; logo, 1 = ... = n 1 = n = n + 1 e, portanto, P(n + 1) é
verdadeira.
Portanto, pelo Principio da Indução Matemática, concluímos que P(n) é verdadeira
para todo n IN.
2) Seja f: Z Z uma função tal que, para quaisquer que sejam a e b Z,
f(a + b) = f(a) + f(b). Pede-se:
a) Mostre que f(0)=0;
b) Mostre por indução que f(n) = n.f(1), para todo n Z
+
;
c) Mostre que f(–n) = –f(n), para todo n Z;
d) Conclua que f(n) = n . f(1), para todo n Z.
3) Seja a um número inteiro. Mostre que:
a) Se a
2
é par, então a é par;
b) Se a
2
é divisível por 3, então a é divisível por 3.
4) Mostre que o algarismo das unidades do quadrado de um número inteiro, no sistema
decimal, só pode ser 0, 1, 4, 5, 6 ou 9.
53
4.2.3. Atividade 3) O Conjunto dos Números Racionais
Objetivos: Apresentar elementos do desenvolvimento histórico dos números racionais e
alguns aspectos de seu processo de formalização, segundo a estrutura algébrica de Corpo.
3.1) Da Intuição...
O conhecimento dos números fracionários é muito remoto. Eles
introduziram-se naturalmente no cálculo pela necessidade de
exprimir numericamente a medida de certas grandezas. (Caraça,
1959, p. 35)
Segundo o autor, se encontra menção aos números fracionários no “Papiro de
Rhind”, documento egípcio datado de 1500 a 2000 a.C., pertencente ao British Museum. A
idéia básica é descrita a seguir.
Dado o segmento de reta
AB
, e tomando como unidade de medida o segmento
CD
, no caso, que é o mais frequente, de
CD
não estar contido um número (inteiro) de
vezes em
AB
, procura-se um segmento de comprimento L que seja “parte alíquota” de
AB
e
CD
(isto é, ela se contém um número inteiro em ambos os segmentos). Se
med
CD
=n.L e med
AB
=m.L, o resultado da medida exprimir-se-á dizendo que o
segmento
AB
contém m das n-ésimas partes de
CD
, ou m n-avos de
CD
, ou que a
medida de
AB
tomando como unidade
CD
é o novo número
n
m
; com o mesmo
significado temos ainda a igualdade:
med
AB
=
n
m
. med
CD
.
Nesta primeira definição, Caraça (1959) aborda razão de segmentos para definir
“números fracionários”. Ávila (2006, p. 20) ressalta a diferença de razão para fração:
AB
e
CD
são segmentos, não números. É por isso que “razão” não é o mesmo que
“fração”. Os gregos não usavam “frações”, apenas “razões”. E não escreviam
CD
AB
para
indicar a razão de dois segmentos (aqui, AB e CD são as medidas dos segmentos).
54
Mesmo nos dias de hoje, costuma-se escrever AB:CD=m:n, e dizer “AB está para
CD assim como m está para n”. Quando indicamos a razão com
CD
AB
, em vez de AB:CD,
não devemos confundí-la com fração.
3.2) ... para o Rigor !
Definimos “anel” na atividade do conjunto dos números inteiros, exemplificando
com o “domínio de integridade” (Z,+,.). Para definirmos o conjunto dos números racionais
vamos relembrar outra importante estrutura algébrica, a estrutura de Corpo.
Segundo Figueiredo (1996), um corpo K é um conjunto de elementos x,y,z,..., onde
se acham definidas as operações de adição (isto é, a cada par de elementos x e y em K
corresponde um único elemento de K que se designa por x + y) e de multiplicação (isto é, a
cada par de elementos x e y em K corresponde um único elemento de K que se designa por
x.y) satisfazendo às propriedades que seguem:
1) Leis comutativas: x + y = y + x , x.y = y.x ;
2) Leis associativas: (x + y) + z = x + (y + z) , (x.y).z = x.(y.z);
3) Existência de um zero: existe um elemento 0 K tal que:
x + 0 = x , para todo x K;
4) Existência de uma unidade: existe um elemento 1 K tal que:
x.1 = x , para todo x K;
5) Existência de um simétrico: dado x K, existe –x K tal que:
X + (– x) = 0;
6) Existência de um inverso: dado x K, x ≠ 0, existe x
– 1
K tal que:
x . x
– 1
= 1;
7) Lei distributiva: (x + y) . z = x . z + yz.
55
Temos então, que o conjunto dos números racionais Q, munido das operações
usuais de adição e multiplicação, é um corpo, onde:
Q = { p / q; tais que p, q Z e q ≠ 0 }
Para representar o conjunto Q na reta real R, representamos dois pontos, o “0” e o
“1”. Os inteiros são facilmente marcados tomando o segmento de extremidades “0” e “1”
como unidade. Os racionais são obtidos por subdivisões adequadas do segmento unidade.
Domingues e Iezzi (1984) observam que os anéis Z e Q são ambos, “comutativos
com unidade” (vale a comutatividade das operações e a existência da unidade). Para ambos
vale a Propriedade da Integridade, também conhecida como lei do anulamento do produto.
Mas, enquanto no anel Z somente o “1” e o “–1” admitem inverso (que também pode ser
chamado de inverso multiplicativo” ou ainda “simétrico multiplicativo”), no anel Q, todo
elemento não nulo admite inverso. Este fato nos sugere a definição a seguir:
“Um anel K, comutativo com unidade, recebe o nome de corpo se todo elemento não nulo
de K admite inverso multiplicativo, isto é:
a K, a ≠ 0, b K / a. b =1
Tal elemento b é chamado inverso de a e será denotado por a
– 1
.”
Se agora relacionarmos corpos com domínios de integridade, temos um resultado
muito interessante:
Proposição: Todo corpo K é um domínio de integridade.
Demonstração: Sejam a e b elementos de um corpo K tais que a.b = 0. Suponhamos que
um deles, por exemplo, a, é não nulo. Então, existe a
-1
K, tal que: a.a
– 1
= 1. Multiplicando
os dois membros da equação a.b = 0 por a
– 1
, temos:
a
– 1
.a.b = a
– 1
.0 1.b = 0, ou seja, b = 0.
Assim, provamos a lei do anulamento do produto em K que é, então, um domínio
de integridade.
56
Vale ressaltar que a recíproca desse teorema não é verdadeira, pois, como
mencionamos, Z é um domínio de integridade, porém não é um corpo, uma vez que seus
únicos elementos “inversíveis” são o “1” e o “– 1”.
Uma outra abordagem interessante que é a definição de número racional feita por
Hefez (1993, p. 35), na qual o autor destaca o “senso comum” de identificação de um
número racional com uma fração, mas expressa o que consideraessencial” no conceito de
fração:
“Frequentemente, define-se um número racional como sendo uma fração
b
a
com a e b
números inteiros e b 0. Mas o que é fração? O essencial numa fração
b
a
é o par
ordenado (a , b) e a relação de igualdade
b
a
=
'
'
b
a
(a.b’ = a’.b)”
Isto é o ponto de partida para se definir um corpo de frações de um domínio de
integridade qualquer. Em particular, Q pode ser definido como o corpo de frações de Z
(Ver Hefez, 1993, p. 35).
Exercícios
1) Prove que a dízima periódica 0,232323...é igual a
99
23
, explicando todos os passos da
demonstração.
2) Reduza à forma de fração ordinária as dízimas periódicas a seguir:
a) 0,777...
b) 1,666...
c) 0,170170...
d) 1,2727...
57
e) 0,343343...
f) 0,270270...
g) 21,4545...
h) 3,0202...
i) 5,2121...
j) 0, 999...
3) Estabeleça a seguinte regra: Toda dízima periódica simples é igual a uma fração
ordinária, cujo numerador é igual a um período e cujo denominador é constituído de tantos
noves quantos são os algarismos do período. (“dízima periódica simples” significa que o
período começa logo após a vírgula; fique entendido também que a dízima não tem parte
inteira).
4) Mostre que a soma, a diferença, o produto e a divisão de dois números racionais é um
número racional.
4.2.4. Atividade 4) O Conjunto dos Números Irracionais
Objetivos: Apresentar elementos do desenvolvimento histórico dos números irracionais e
alguns aspectos de seu processo de formalização, segundo a Teoria das Proporções de
Eudoxo.
4.1) Da Intuição...
A origem histórica da necessidade da criação dos números irracionais
deve-se simultaneamente a fatos, intimamente relacionados, de ordem
geométrica e aritmética. (Caraça, 1959, p. 87)
58
O autor refere-se à existência de certos segmentos então chamados de
“incomensuráveis” entre si, isto é, segmentos que não possuem uma medida comum entre
si. No campo aritmético, a existência de segmentos incomensuráveis equivale à
impossibilidade da existência de números racionais que representem esses segmentos, ou
ainda, “à impossibilidade da existência, sempre, de um número racional raiz exata de
outro”. (Caraça, 1959, p. 87)
A incomensurabilidade da diagonal do quadrado era conhecida na escola
pitagórica”, mas a sua descoberta não se desenvolveu em conjunto dos números, como nos
parece natural; foi tratada como a razão de segmentos incomensuráveis.
Continuavam a considerar apenas os números racionais, desenvolvendo-se ao lado
uma teoria geométrica. A separação da Aritmética com a Geometria em compartimentos
estanques é essencialmente de ordem filosófica.
Mas a busca pela formalização dos conjuntos numéricos e a criação da Geometria
Analítica com Fermat e Descartes, no século XVII, exigiu uma mudança de atitude em
relação a esses dois campos, preparando assim o caminho para o tratamento aritmético das
incomensurabilidades:
Newton uma definição de número, a partir da razão de grandezas,
que compreende tanto os números racionais como os irracionais. no
século XIX, porém, com Weierstrass, Méray Dedekind e Cantor,
apareceram teorias dos números irracionais satisfatórias do ponto de vista
do rigor científico. (Caraça, 1959, p. 87)
Figueiredo (1996) também aborda a incomensurabilidade da diagonal do quadrado
da seguinte forma:
[...] a hipotenusa de um triângulo retângulo isósceles não é comensurável
com os catetos, isto é, se os catetos têm comprimento 1, então a
hipotenusa não é racional. Portanto, o ponto P da reta R, obtido traçando-
se a circunferência centrada em 0 e raio igual à hipotenusa, não
corresponde a um racional (ver Figura 2 abaixo) (Figueiredo, 1996, p. 4)
59
O autor não apenas cita a sua incomensurabilidade, mas demonstra a
irracionalidade da hipotenusa.
Demonstração:
Suponhamos, por contradição, que a hipotenusa seja um racional p / q. Podemos
supor que p e q são primos entre si. Pelo Teorema de Pitágoras, (p / q)
2
= 1 + 1, ou seja, p
2
= 2q
2
. Logo, p
2
é um inteiro par, o que implica que p é par, isto é, p = 2r. Portanto, 4r
2
=
2q
2
, ou seja, q
2
= 2r
2
, de onde se segue que q é par. Ora, p e q, sendo números pares, não
podem ser primos entre si. Essa é a contradição!
A demonstração acima explicita a existência de pontos da reta (real!) que não
correspondem a elementos de Q, indicando uma insuficiência dos racionais no
“preenchimento” desta reta.
4.2) ... para o Rigor !
Desde o século V a.C., época dos pitagóricos, acreditava-se que dados dois
segmentos AB e CD (aqui representados sem a barra superior, por simplificação de
notação), sempre existiria um terceiro segmento EF contido um número inteiro de vezes
em AB e em CD. Uma simples reflexão intuitiva nos sugere que essa é uma ideia muito
razoável pois, caso um certo EF não sirva, podemos procurar outro “menor” que satisfaça a
condição de ser submúltiplo comum de AB e CD.
Dois segmentos são ditos comensuráveis quando existe o segmento EF capaz de
medí-los um número inteiro de vezes.
Ao contrário do que nos induz a intuição geométrica, existem segmentos
incomensuráveis, o que foi motivo de muita surpresa para todos os matemáticos da época.
A priori, a sua aceitação não foi unânime, acarretando a chamada “crise dos
incomensuráveis” (BOYER, 1974; EVES, 1997).
Ávila (2006) apresenta como exemplo inicial de segmentos incomensuráveis, o
lado e a diagonal de um quadrado.
Seja o quadrado a seguir de lado AC e diagonal AB.
60
Vamos supor, por absurdo, que os segmentos AC e AB são comensuráveis. Isto
implica que existe um terceiro segmento λ, submúltiplo comum de AC e AB. Com centro
em A e raio AC tracemos o ponto D na diagonal AB. Seja DE o segmento perpendicular à
diagonal AB, com E CB. De certo que os triângulos ACE e ADE são congruentes (AC =
AD, AE é lado comum e os ângulos ADE e ACE são retos) sendo, portanto CE = ED.
Como o triângulo BDE é retângulo isósceles (já que o ângulo formado pela diagonal e um
lado é de 45º), concluímos que BD = DE. Logo:
AB = AD + BD = AC + BD , isto é, AB = AC + BD
Como o segmento λ é submúltiplo comum de AC e de AB, ele será submúltiplo de
BD (que seria a diferença entre AB e AC). Temos também que:
AC = BC = BE + EC = BE + BD , isto é, AC = BE + BD
Como o segmento λ é submúltiplo comum de AC e de BD (como demonstramos
acima), ele será submúltiplo de BE. Então, o mesmo segmento λ será submúltiplo comum
de BE e BD, segmentos esses que são, respectivamente, a diagonal e o lado do quadrado
BDEF. Ora, a mesma construção geométrica que nos permitiu passar do quadrado original
ao quadrado menor BDEF pode ser repetida com este último para chegarmos a um
quadrado menor ainda; e assim por diante, indefinidamente, de modo que esses quadrados
vão se tornando arbitrariamente pequenos. Dessa maneira, provamos que o segmento λ
deverá ser submúltiplo comum do lado e da diagonal de um quadrado tão pequeno quanto
desejemos. Como foi “fixado” no primeiro passo, isto nos leva a um absurdo!
Concluímos, portanto, que o lado e a diagonal do quadrado são segmentos
incomensuráveis.
61
Então, a partir desta idéia, podemos concluir que a razão entre dois segmentos
incomensuráveis não é um número racional; logo, será um número irracional.
A formalização do conjunto dos números irracionais, ou R Q, foi feita por
Eudoxo, em sua Teoria das Proporções (ver ÁVILA, 2006, p. 50).
Exercícios
1) Prove que
3
é irracional.
2) Prove que
p
é irracional, onde p>1 é um número primo qualquer.
3) Prove que a soma ou a diferença entre um número racional e um número irracional é um
número irracional. Mostre, com um contra-exemplo, que o produto de dois números
irracionais pode ser um número racional.
4) Prove que o produto de um número irracional por um número racional diferente de zero
é um número irracional.
4.2.5. Atividade 5) O Conjunto dos Números Reais
Objetivos: Apresentar elementos do desenvolvimento histórico dos números reais e alguns
aspectos de seu processo de formalização, segundo os Cortes de Dedekind.
5.1) Da Intuição...
A Matemática desenvolveu-se extensamente nos tempos modernos (isto
é, a partir do século XVI), a o início do século XIX, mesmo sem
qualquer fundamentação dos diferentes sistemas numéricos.
Trabalhavam-se livremente com os números racionais e irracionais,
desenvolvendo todas as suas propriedades, sem que houvesse uma teoria
embasando esse desenvolvimento. (Ávila, 2006, p. 55)
62
Esta nota histórica nos mostra dois aspectos interessantes no desenvolvimento dos
números reais.
O primeiro aspecto diz respeito a uma sensação de dever cumprido” que muitos
matemáticos sentiram ao se construírem os números irracionais que agora, unidos aos
racionais, formavam o conjunto dos números reais, um conjunto realmente “completo”, no
sentido de que, se associado a uma reta contínua, cada elemento deste conjunto era
representado por um ponto na reta e, da mesma forma, cada ponto desta reta representava
um elemento deste conjunto. Assim, “completou-se” a idéia da reta real da maneira como
hoje a conhecemos:
IR = Q (IR – Q)
____
__________
______
_______
______
___
___
________
_______
– 4 – 2 – 3/2 0 1
2 2
π
Outro aspecto é que muitos matemáticos se sentiam incomodados”, pois, muitos
conceitos matemáticos importantes como limites, derivadas e integrais (só para ficarmos
em conceitos do Cálculo Diferencial e Integral), estavam baseados numa noção que até
então não estava “rigorosamente formalizada”: a noção de “número real”.
Nesta perspectiva, muitos matemáticos do século XIX fizeram acontecer um
movimento que ficou conhecido como a “Aritmetização da Análise” (ver REIS, 2009) que
se revelou em diversas tentativas de dar ao Cálculo (e, portanto, a toda a Matemática) um
padrão de formalização e rigor que, necessariamente passava, naquele momento, pela
“urgência” de se ter uma definição precisa, rigorosa e inabalável de número real.
5.2) ... para o Rigor !
Vários matemáticos do século XIX cuidaram da construção dos números
reais, dentre eles Richard Dedekind, Karl Weierstrass, Charles Méray e
Georg Cantor. Mas as teorias dos números reais que permaneceram
foram a de Dedekind e a de Cantor. (Ávila, 2006, p. 57)
A partir de agora, faremos uma breve exposição das idéias centrais da teoria de
Dedekind, destacando inicialmente a definição de “corte”, que é considerada fundamental
dentro da perspectiva, então inovadora, de se pensar num número real como um “par de
dois subconjuntos”.
63
Definição
Um corte de números reais ou, simplesmente, corte, é um par ordenado de
subconjuntos do conjunto dos números racionais não vazios (E , D), tal que:
i) E U D = Q
ii) Todo elemento de E é menor que todo elemento de D, isto é:
Se x E e yD, então x < y.
Teorema de Dedekind
Todo corte possui um elemento de separação. Este elemento é o número real com
o qual ele é identificado.
Exemplos:
1) E = { x Q / x 3}
D = { x Q / x > 3}
(E,D) = 3
2) E = { x Q
ou (x Q
+
/ x
2
< 2)}
D = { x Q
+
/ x
2
> 2}
(E,D) =
2
Nos exemplos acima, os números reais 3 e
2
são os elementos de separação dos
respectivos cortes.
A demonstração deste teorema é bastante elaborada e, em alguns casos, o mesmo é
enunciado até como “Postulado de Dedekind” (Figueiredo, 1996, p. 9).
Entretanto, o que vale destacar é que, a partir deste teorema, formalizamos o
conceito de número real (que, então, é identificado com o seu corte), formalização esta,
que vinha sendo perseguida desde os primórdios do desenvolvimento dos sistemas
numéricos (ver JÚDICE, 2007).
64
Exercícios
1) Prove que entre dois números reais distintos sempre uma infinidade de números
racionais (isto é, o conjunto dos números racionais é denso em IR).
2) Prove que entre dois números reais distintos sempre uma infinidade de números
irracionais (isto é, o conjunto dos números irracionais é denso em IR).
3) Mostre que dado um número real positivo a, existe um natural n tal que
n
1
< a.
4) Defina cortes para os seguintes números reais:
a) 2
b) π
Passaremos, agora, a descrever nossa metodologia de pesquisa, detalhando a
implementação de nossa proposta com alunos de Licenciatura em Matemática.
65
Capítulo 5
DESCREVENDO NOSSA METODOLOGIA DE PESQUISA E
ANALISANDO NOSSOS DADOS À LUZ DO APORTE TEÓRICO
“É importante notar que o ser humano é o principal ator nesta
modalidade de pesquisa, e não procedimentos que substituam
idéias e insights”.
Marcelo de Carvalho Borba
5.1. Descrevendo a Metodologia de Pesquisa
Basicamente, podemos classificar nossa pesquisa como qualitativa em relação a
seus objetivos e também em relação a seus métodos, uma vez que intentamos, na visão do
aluno, investigar as contribuições de nossa proposta de ensino de Conjuntos Numéricos
para o ensino de disciplinas de Fundamentos de Análise Real, a partir das observações
feitas em sala de aula e das interações entre os alunos manifestadas quando da
implementação das atividades.
Como instrumentos de coleta de dados, recorremos ao diário de pesquisa e a 3 (três)
questionários abertos: um Questionário Inicial, aplicado antes do inicio da atividade
(setembro de 2009); um Questionário de Avaliação de Atividades, aplicado ao fim da
atividade (outubro de 2009); e um Questionário Final, aplicado ao final do projeto (outubro
de 2009). As anotações no diário de pesquisa eram feitas pelo presente pesquisador, após
cada aula, levando em consideração os comentários feitos pelos alunos no decorrer das
aulas.
Iniciando o semestre letivo, desenvolvemos o capítulo de Preliminares de Lógica,
fundamental para conhecer melhor o perfil da turma, que continha alunos de diferentes
períodos. Após a finalização deste primeiro capítulo, aplicamos o Questionário Inicial,
respondido individualmente, contendo as seguintes questões:
66
1) Em sua opinião, qual é o papel das demonstrações em Matemática? Comente!
2) Quais são as principais dificuldades que você manifesta ao demonstrar resultados
(propriedades, teoremas, etc)? Dê exemplos!
3) Você acha que as demonstrações e, de uma maneira geral, o rigor é importante para sua
formação enquanto futuro Professor de Matemática dos Ensinos Fundamental e Médio?
Justifique!
Nas aulas seguintes, começamos a desenvolver nossas atividades de Conjuntos
Numéricos (naturais, inteiros, racionais, irracionais e reais) utilizando, em média, 2
horários de 50 minutos (2 aulas) para a leitura, discussão e apresentação da atividade e
mais 2 horários de 50 minutos (2 aulas) para discussão e resolução dos exercícios. Tal
procedimento foi utilizado para cada uma das 5 atividades que, portanto, foram
desenvolvidas em 5 semanas letivas, já que a carga horária da disciplina era de 4 horas/aula
semanais.
Ao fim da atividade, aplicamos o Questionário de Avaliação de Atividades,
preenchido individualmente, que continha as seguintes questões:
1) Na realização das atividades, onde ocorreram suas maiores dificuldades? Explicite!
2) A realização das atividades contribuiu para uma ressignificação dos seus conhecimentos
em relação aos Conjuntos Numéricos? Em que aspectos ou tópicos do conteúdo?
3) Você tem alguma sugestão de mudança ou acréscimo nas atividades ou na sua forma de
realização, visando sua real aplicação didática? Descreva!
Como forma de conclusão de nosso projeto de pesquisa e tentando retomar
algumas questões do Questionário Inicial, aplicamos o Questionário Final, respondido
individualmente, que continha as seguintes perguntas:
1) Você considera importante para o Professor de Matemática o aspecto do rigor
matemático presente nos enunciados e demonstrações dos resultados? Justifique!
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2) Quais seriam alguns dos principais tópicos do conteúdo matemático dos Conjuntos
Numéricos em que a realização das atividades didáticas pode contribuir para sua
aprendizagem? Por quê?
3) Em relação às dificuldades que você manifestava ao demonstrar resultados
(propriedades, teoremas, etc), você considera que houve algum avanço no sentido de
superação das mesmas? Dê exemplos!
Passaremos agora, para a análise destes questionários, procurando destacar algumas
observações feitas em sala de aula e as interações entre os alunos manifestadas quando da
implementação das atividades. Tais observações foram registradas em nosso “diário de
pesquisa de campo”.
Cabe destacar que, dos 21 (vinte e um) alunos do curso de Licenciatura em
Matemática do ISEIB matriculados na disciplina de “Introdução à Análise Real”, apenas 4
(quatro) residiam em Montes Claros MG; os outros 17 (dezessete) residiam em cidades
circunvizinhas, deslocando-se diariamente para a faculdade no período noturno, chegando
às 19:00 horas para o início das aulas e retornando para as suas cidades de origem às 22:30
horas. Por isso, apenas 12 (doze) alunos efetivamente responderam aos questionários, pois
o preenchimento dos mesmos sempre ocorria em horários extraclasse.
Por questões de natureza ética, identificaremos os 12 (doze) alunos participantes da
pesquisa (respondentes dos questionários) apenas por números. Dentre estes 12 (doze)
alunos, 7 (sete) estavam cursando o período (Alunos 1 a 7) e 5 (cinco) cursavam o
período (Alunos 8 a 12).
5.2. Analisando o Questionário Inicial
Em setembro de 2009, aplicamos o Questionário Inicial, objetivando identificar a
opinião dos alunos sobre o papel das demonstrações, as dificuldades por eles manifestadas
ao demonstrar resultados e a importância das demonstrações e do rigor para a formação do
Professor de Matemática.
Em relação ao papel das demonstrações em Matemática, a grande maioria dos
alunos destacou a demonstração como forma de “comprovação” ou de “validação” dos
resultados.
68
Inicialmente, 2 (dois) alunos (Alunos 1 e 4) ressaltaram a importância das
demonstrações para a “compreensão” da Matemática sem, entretanto, explicar melhor
porque isto acontece.
Estas ideias nos remetem a Hanna (1989) tanto ao ressaltar o papel de uma prova
que prova” quanto de uma “prova que explica”, que ambas têm como função provar a
veracidade de uma propriedade matemática. Entretanto, os Alunos 1 e 4 destacaram ainda
o papel da demonstração como um instrumento que contribua para se compreender a
propriedade matemática. Então, temos as duas “faces” das demonstrações propostas por
Hanna (1989), a “prova que prova” e a “prova que explica”; a primeira, com a única
função de comprovar a veracidade de um teorema e a segunda que, além de comprovar a
veracidade do teorema, ajuda no processo de aprendizado / entendimento da respectiva
propriedade.
O caráter de generalidade de uma demonstração, conforme destacado por Garnica
(2002), foi apontado por um aluno, com um papel relevante:
É muito importante, pois através dela (da demonstração) passamos e
conseguimos perceber o que muitas vezes não percebemos nas resoluções
com números. (Aluno 6)
De fato, acreditamos que uma demonstração (por ser rigorosa e generalizadora) tem
o papel de estender e comprovar propriedades e resultados que, até se cursar a disciplina de
Análise Real, muitas vezes são verificados pelos alunos somente através de exemplos
numéricos, como é o caso de propriedades de conjuntos numéricos (“racional mais racional
é racional”) ou de propriedades de limites de funções (“limite da soma é a soma dos
limites”). Assim, a Análise Real cumpre seu importante papel na transição para um
pensamento matemático avançado (TALL, 1991).
Apenas um aluno apresentou uma perspectiva negativa sobre o papel das
demonstrações em Matemática:
Creio que se trata de formalidade e que, às vezes, esta formalidade me
deixa confusa e desanimada. (Aluno 5)
Como a disciplina ainda estava no início, talvez a confusão a que o aluno se referia
estivesse relacionada a alguma disciplina cursada anteriormente, na qual as demonstrações
tiveram um lugar de destaque na metodologia desenvolvida (como, por exemplo, a
disciplina de “Estruturas Algébricas”). Entretanto, pela nossa experiência discente e
69
docente, esta parece ser a realidade de muitos alunos de Análise Real e, porque não dizer,
do curso de Matemática, em geral.
Já em relação às principais dificuldades manifestadas pelos alunos na demonstração
de resultados matemáticos, muitos relataram a dificuldade de “escrever o seu pensamento”.
Esta dificuldade estava presente no questionário de 7 (sete) alunos:
Na maioria das vezes, a minha dificuldade é não saber por onde começar
e também escrever de maneira clara o que estou pensando. (Aluno 11)
A dificuldade de escrever pode ser estar associada à natureza dos dois processos:
“pensar matematicamente” (MOREIRA, CURY e VIANNA, 2005) e “descrever o
pensamento matemático” (TALL, 1991). Acreditamos que o “pensar matematicamente”
tem um caráter basicamente intuitivo, influenciado pela “imagem conceitual” que os
alunos trazem das ideias matemáticas; já o “descrever o pensamento matemático” tem um
caráter basicamente rigoroso, influenciado pela “definição conceitual” que os alunos
tentam agregar às ideias matemáticas.
Esses relatos coadunam com a pesquisa de Pinto (2001), que destacou o curso de
Análise Real como uma introdução dos alunos nos aspectos formais da Matemática, “não
sendo a sua docência, uma tarefa fácil”.
Um aluno destacou a necessidade de conhecer profundamente o tema a ser estudado
(e demonstrado!), sob pena de ter como maior dificuldade a elaboração e organização do
que se deve demonstrar:
O maior domínio do conteúdo ajudaria na separação e definição da
sequência das ideias utilizadas, de forma a melhor atender às
necessidades da questão. (Aluno 3)
Finalizando o questionário inicial, atentamos à importância dada aos alunos para as
demonstrações e o rigor na sua formação, enquanto futuros professores dos Ensinos
Fundamental e Médio.
Eles foram unânimes ao reafirmar a importância das demonstrações para um
professor desses níveis de ensino. Entretanto, podemos identificar duas categorias distintas
de justificativas dadas para as suas respostas. Alguns alunos apontaram que o rigor e as
demonstrações têm a finalidade principal de comprovar a veracidade das propriedades
estudadas, servindo de garantia para o seu uso:
70
Devemos mostrar, ou melhor, demonstrar aos alunos a veracidade de
determinadas propriedades e teoremas. Com isto, os alunos terão uma
crença maior no conteúdo. (Aluno 7)
Ainda nesse viés, outros alunos chamaram atenção para a possibilidade do uso de
uma propriedade, após ser demonstrada, como “ferramenta de trabalho” para futuras
demonstrações, na mesma perspectiva de Moreira, Cury e Vianna (2005):
Além do conhecimento das fórmulas e cálculos, precisamos saber por que
elas funcionam e como foram concebidos. Além de usá-las para provar
que algumas novas relações podem ser feitas. (Aluno 8)
Outro grupo de alunos considera as demonstrações, com todo o rigor inerente a
elas, como uma etapa do processo de aprendizagem, seja do aluno ou do professor. Alguns
a consideram importante para o aprendizado do aluno (Alunos 1 e 4) e a grande maioria
(Alunos 2, 3, 5, 9, 10, 11 e 12) a consideram importante para o aprendizado do professor,
assegurando-lhe confiança e domínio da disciplina a ser ministrada na sala de aula:
Certamente, as demonstrações servirão de amparo nos momentos de
questionamentos por parte dos alunos em relação ao professor, e o rigor
ajuda a diminuir os possíveis equívocos cometidos durante o estudo
destes conceitos, formalizando os trabalhos a serem realizados. (Aluno 3)
Um aluno destacou ainda, que o conhecimento advindo da demonstração, acarretará
numa maior segurança do professor e numa melhor metodologia para aplicarmos em sala
de aula; mas não esclareceu se essa “melhor metodologia” seria a própria utilização da
demonstração em sala de aula ou se seria uma consequência do aprofundamento do
conteúdo pelo professor ao utilizá-la na preparação de suas aulas.
Percebemos que os alunos pesquisados atribuem ao rigor e às demonstrações, a
mesma função de “provar” a veracidade de uma propriedade e de entendê-la” , assim
como apontado por Hanna (1989), tanto ao se manifestarem sobre o papel das
demonstrações na Matemática, de uma forma geral, quanto ao se manifestarem sobre o
papel das demonstrações na formação do professor dos Ensinos Fundamental e Médio.
5.3. Analisando o Questionário de Avaliação das Atividades
Em outubro de 2009, aplicamos o Questionário de Avaliação das Atividades,
objetivando identificar as dificuldades manifestadas pelos alunos na realização das
71
atividades, a contribuição das mesmas para uma ressignificação dos conhecimentos
relacionados aos Conjuntos Numéricos e ainda, levantar possíveis sugestões de mudança
ou acréscimo nas atividades ou na sua forma de realização.
Em relação às dificuldades encontradas pelos alunos na realização das atividades
propostas, muitos ainda consideraram como maior entrave, a dificuldade em expressar as
idéias matemáticas. Em contrapartida, muitos relataram que sentiram dificuldades no
momento de “escrever matematicamente”, buscando se “expressar em palavras”:
Minha maior dificuldade foi exatamente na questão da transformação de
dados matemáticos seguindo o rigor. Consigo expressar em palavras, mas
não matematicamente. (Aluno 1)
Antes da aplicação das atividades, percebemos através do Questionário Inicial, que
os alunos tinham como maior dificuldade a escrita das ideias matemáticas, tanto nas
demonstrações densas de simbologia matemática como nas demonstrações mais textuais
(aqui, o estamos relacionando uma ou outra à questão de demonstrações mais rigorosas
ou mais intuitivas). A dificuldade era, então, expressar as suas idéias “no papel”:
Tenho dificuldade de escrever, colocar no papel o que penso. (Aluno 6
Questionário Inicial)
Na maioria das vezes é [...] escrever de maneira clara o que estou
pensando. (Aluno11 – Questionário Inicial)
Colocar no papel as demonstrações, mesmo notando a veracidade dos
fatos; descrever as relações. (Aluno 8 – Questionário Inicial)
Tenho grande dificuldade, escrever é muito difícil. Às vezes, sabemos,
mas não conseguimos colocar no papel. (Aluno 4 – Questionário Inicial)
As vezes, não entendo direito como vou escrever aquilo que sei através
da prática e transformar em escrita. (Aluno 5 – Questionário Inicial)
No questionário da avaliação das atividades, então, eles relataram que tinham
dificuldade de escrever e demonstrar matematicamente (demonstrações densas de
simbologia matemática), mas conseguiam se expressar textualmente. Pudemos notar, de
nossas observações em sala de aula, que um exemplo dessa situação foram as
demonstrações que envolviam sucessores de números naturais. Alguns alunos utilizaram
termos como “sucessor de um número” e sucessor do sucessor de um número”, mas
nenhum deles utilizou as simbologias “s(n)” e “s(s(n))” com n IN.
72
É claro que um Professor de Matemática precisa saber se expressar sobre alguns
conceitos não somente utilizando simbologias. Entretanto, também é fundamental para
futuros professores dos Ensinos Fundamental e Médio, conhecer profundamente a
simbologia matemática, até mesmo como forma de escolher as melhores explicações sobre
o que os símbolos matemáticos representam.
Ao analisarmos as respostas dadas pelos alunos às contribuições das atividades para
uma ressignificação dos seus conhecimentos em relação aos Conjuntos Numéricos,
percebemos uma visão positiva dos mesmos em relação às atividades, mas as respostas
infelizmente não contribuíram para a elaboração de categorias significativas, uma vez que
foram muito simples e evasivas. A maioria dos alunos respondeu apenas que as atividades
contribuíram, havendo poucos destaques dos aspectos ou tópicos do conteúdo. Apenas 3
(três) alunos elaboraram um pouco mais suas respostas:
Sim, este tipo de trabalho desperta uma outra visão analítica sobre a
composição e operações com conjuntos. (Aluno 3)
Sim, pois com os exemplos e atividades foi possível compreender melhor
a teoria dos conjuntos. (Aluno 1)
Sim, acho que em todos os aspectos e tópicos, pois percebi que meu
desenvolvimento em relação a conjuntos foi surpreendente. (Aluno 4)
Em relação a sugestões de mudança ou acréscimo nas atividades ou na sua forma de
realização, na realidade, alguns alunos apresentaram sugestões de continuidade do projeto,
apontando como fator positivo a “forma agradável e proveitosa de abordar um conteúdo
tão complexo como a Análise Real” (Aluno 3), numa perspectiva muito próxima de
Bortoloti (2009). Outro fato destacado foi a abordagem intuitiva e histórica no início de
cada atividade:
Você deve continuar abordando os conteúdos com esta naturalidade, e
apresentando a história do surgimento dos conteúdos. (Aluno 1)
Como sugestão de mudança, os alunos foram unânimes em pedir um maior número
de exercícios, pois como a média foi de 4 (quatro) exercícios por atividade, não foi
possível, segundo eles, uma “memorização dos processos de resolução”. Eles queriam que
os exercícios seguissem um modus operandi, que os permitissem, após a resolução do
primeiro exercício, seguir o “mesmo padrão” para os demais.
73
Entretanto, comparando com disciplinas como Cálculo Diferencial e Integral (aqui
nos referindo a alguns aspectos mais manipulativos), sabemos que em Análise Real a
variedade de resolução dos exercícios é maior, basicamente, de demonstrações de
propriedades diversas, o que exige uma diversificação de argumentações e uma
flexibilidade de pensamento (REIS, 2001). Ademais, o processo “siga o modelo” contradiz
a visão de que os exercícios fazem parte do processo de aprendizagem, não servindo
apenas como “instrumentos de memorização”.
5.4. Analisando o Questionário Final
Em outubro de 2009, foi aplicado o Questionário Final, respondido
individualmente, objetivando retomar, de certa forma, questões levantadas no Questionário
Inicial, na perspectiva de identificar a importância do rigor matemático para o Professor de
Matemática, alguns tópicos dos Conjuntos Numéricos em que a realização das atividades
contribuiu para a aprendizagem e ainda, possíveis avanços na superação das dificuldades
manifestadas pelos alunos na demonstração de resultados, ao iniciar a disciplina.
Em relação à importância dada, como Professor de Matemática, ao rigor
matemático presente nos enunciados e demonstrações de resultados, 11 (onze) alunos
conferiram ao rigor um papel muito importante para a sua formação e apenas um aluno
afirmou que o rigor não é importante, justificando que às vezes “ele atrapalha e limita o
raciocínio e a liberdade de pensar” (Aluno 5).
Dentre aqueles que ressaltaram a importância do rigor, a maioria dos alunos
(Alunos 1, 3, 4, 6, 7, 8 e 11) o fez defendendo-o como fundamental para organizar,
sistematizar e validar as propriedades matemáticas:
A presença do rigor matemático no processo ensino/aprendizagem de
Matemática, a torna uma disciplina organizada e sistematizada,
garantindo credibilidade ao conteúdo proposto. (Aluno 7)
Achamos interessante a relação entre a intuição e o rigor pensada por um aluno ao
destacar que “aquilo que vem a fundamentar a intuição é exatamente o rigor!” (Aluno 3).
Estaria essa fundamentação, na visão do aluno, atrelada a uma forma de se trabalhar de
forma intuitiva, sendo o rigor uma diretriz do processo dessa aprendizagem intuitiva?
Difícil de se afirmar com certeza!
74
Outro grupo de alunos (Alunos 2, 9, 10, e 12) atribuiu ao rigor a função didática de
“ensinar” (HANNA, 1989), ressaltando também a utilização do rigor no desenvolvimento
do raciocínio crítico do aluno e no seu aperfeiçoamento. Entretanto, houve quem
destacasse que:
Mesmo sendo o rigor de suma importância, devemos a todo momento
buscar diferentes formas para transmitir os objetivos tanto nos
enunciados como nas demonstrações. (Aluno 2)
Em relação aos principais tópicos de Conjuntos Numéricos para os quais as
atividades contribuíram para sua aprendizagem, a maioria dos alunos (Alunos 1, 2, 3, 4, 7,
8, 9, 10, 11 e 12) afirmou que todo o conteúdo foi elucidado pelas atividades realizadas,
justificando que os Conjuntos Numéricos constituem um tema fundamental na prática
docente do Professor de Matemática:
Todos. É fundamental o conhecimento de conjuntos numéricos, eles serão
essenciais no cotidiano profissional da educação em Matemática. (Aluno 7)
Percebemos, pelas respostas, que alguns alunos se esquivaram de selecionar os
tópicos em que as atividades mais contribuíram para sua aprendizagem, alegando
simplesmente que todos os conteúdos são muito importantes e, portanto, devem ser
contemplados com a “mesma ênfase”.
Um aluno (Aluno 5) destacou a atividade de Números Inteiros, como aquela em que
ele sentiu maior dificuldade na resolução dos exercícios. Conjecturamos que isto pode
estar relacionado ao fato de que, na atividade de Números Naturais, os 2 (dois) exercícios
iniciais eram de demonstração por indução, tema estudado pelos alunos anteriormente e os
2 (dois) últimos eram efetivamente “novidade”. Já na atividade de Números Inteiros, todos
os exercícios apresentavam novos desafios.
outro aluno (Aluno 6) destacou a atividade de Números Irracionais, por tratar de
um tópico bastante abstrato. De nossas observações em sala de aula, percebemos essa
“abstração” dos números irracionais relacionada à diferença com as atividades anteriores.
A atividade de Números Naturais é iniciada relatando o processo de contagem de objetos
(abordagem “concreta” para os alunos); a atividade de Números Inteiros trabalha com a
ideia de excesso e falta, relacionando-os com os números positivos e negativos (abordagem
também concreta” para os alunos); a atividade de Números Racionais busca relacioná-los
com a razão de segmentos (outra abordagem “concreta” para os alunos).
Logo, até então, as atividades tinham um certo cunho “prático” para os alunos,
diferentemente da atividade de Números Irracionais, que buscou abordá-los a partir de
75
segmentos incomensuráveis. A questão é que o senso comum aponta para a inexistência de
segmentos incomensuráveis, isto é, a grande maioria dos estudantes acredita sempre na
possibilidade de existência de um submúltiplo comum” a quaisquer outros dois
segmentos! Aqui, provavelmente, resida a dificuldade de “abstração” levantada pelo aluno.
Finalmente, em relação aos avanços percebidos pelos alunos na superação das suas
dificuldades apresentadas inicialmente nas demonstrações de resultados, apenas 3 (três)
alunos (Alunos 9, 10 e 12) manifestaram que ainda apresentam as mesmas dificuldades
iniciais, relatando possuir uma grande dificuldade com as demonstrações. Uma observação
interessante a ser feita nesse caso é de que todos os referidos alunos cursavam o período
do curso. Os demais alunos (Alunos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 11) acreditam ter obtido avanços,
relatando uma melhoria na escrita das idéias matemáticas utilizadas nas demonstrações e
na sua organização. Um aluno afirmou ter sido a primeira vez que pesquisou / estudou a
escrita de demonstrações, sinalizando para uma “introdução ao Pensamento Matemático
Avançado”, com as ideias intuitivas sendo substituídas por (ou evoluindo para) conceitos
alicerçados em definições formais (TALL, 1991):
Pela primeira vez pesquisei a fundo quanto à escrita. Percebi que antes, o
medo de errar me impedia de raciocinar harmonicamente, mas agora
entendi que a escrita segue um sistema coordenado de ideias que tem que
ser rigorosamente obedecidas. (Aluno 5)
Nessa perspectiva, alguns alunos (Alunos 2, 4 e 8) relataram muitas dificuldades
iniciais na escrita e, especialmente, nas demonstrações (já destacadas aqui, na análise do
Questionário Inicial), mas perceberam sua evolução com o decorrer das atividades. Essas
dificuldades iniciais podem estar relacionadas ao processo de formulação da definição
conceitual, quando as imagens conceituais normalmente entram em conflito (TALL e
VINNER, 1981). A construção da definição conceitual envolve um processo de
construção-desconstrução-construção contínua da imagem conceitual, até que ocorra uma
acomodação a ponto de permitir a formatação da definição conceitual (VINNER, 1991).
Também é um processo natural de evolução para o Pensamento Matemático Avançado”
(TALL, 1991).
Acreditamos que, a partir da presente análise dos nossos dados, podemos elaborar
algumas categorizações como forma de conclusão de nossa pesquisa.
76
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Um problema que vale a pena ser atacado prova seu valor contra-
atacando”.
Piet Hein
Neste momento de conclusão de nossa pesquisa, procuraremos retomar os objetivos
inicialmente propostos. Acreditamos que nossa metodologia de pesquisa possibilitou
contemplar tais objetivos na medida em que buscamos instrumentos de pesquisa adequados
para esse fim. Assim, intentamos:
- Discutir o ensino de Análise Real no contexto da Educação Matemática no Ensino
Superior: Essa discussão foi feita nos Capítulos 1 e 2, os quais podem ser considerados
frutos de nossa pesquisa teórico-bibliográfica sobre Educação Matemática no Ensino
Superior, destacadamente sobre o ensino de Análise Real. Cabe destacar também que essa
pesquisa nos forneceu o embasamento necessário para dar um aporte tanto para a análise
dos dados quanto para a análise dos livros didáticos;
- Analisar livros didáticos de Análise utilizados em cursos de Licenciatura em
Matemática: Essa análise foi feita no Capítulo 3 e pode ser considerada fruto de nossa
pesquisa documental sobre a apresentação e a abordagem dos conceitos de Conjuntos
Numéricos, em livros didáticos de Análise Real utilizados em cursos de Licenciatura em
Matemática. Cabe destacar que esta análise nos forneceu diversos elementos e ideias para a
apresentação de nossa proposta de ensino;
- Apresentar uma proposta de ensino de Conjuntos Numéricos para disciplinas de
Fundamentos de Análise Real em cursos de Licenciatura em Matemática: Essa
apresentação foi feita no Capítulo 4 e permitiu a realização de nossa pesquisa de campo
com alunos do curso de Licenciatura em Matemática a partir do planejamento,
implementação e avaliação de atividades didáticas sobre Conjuntos Numéricos. Cabe
destacar que essa proposta de ensino constitui um produto educacional do nosso mestrado
profissional.
77
A partir de agora, então, tentaremos elaborar um conjunto de respostas à questão
que norteou nossa investigação:
Como os Conjuntos Numéricos são apresentados / abordados em livros
didáticos de Análise Real utilizados em cursos de Licenciatura em Matemática e de
que forma eles podem ser problematizados / explorados na perspectiva de em ensino
que aborde dialeticamente seus aspectos intuitivos e rigorosos?
1. Sobre a apresentação e a abordagem dos livros didáticos de Análise Real
Os livros didáticos aqui analisados não se balizam, de uma maneira geral, por
trabalhar “linearmente” todos os Conjuntos Numéricos. Isto talvez se explique pelo fato de
que a própria história dos números revela uma construção “não-linear”
Optamos por seguir uma certa linearidade, presente também nos livros do ensino
médio, na confecção das nossas atividades e execução dos trabalhos em sala de aula.
Pinto (2009) ressalta o aspecto “impactante” para os alunos de um primeiro curso
de Análise Real, no qual os alunos de Licenciatura em Matemática se iniciam na cultura do
matemático profissional. Sendo assim, achamos prudente fazer um estudo gradativo dos
Conjuntos Numéricos, buscando referenciá-los historicamente, destacando conexões com
os aspectos algébricos e, principalmente, considerando os níveis de rigor, sobre os quais
dissertaremos a seguir.
2. Sobre a importância dos níveis de rigor no ensino de Análise Real
Considerando a importância do rigor no ensino e na aprendizagem de Análise,
consideramos fundamental o papel do professor como mediador na busca do equilíbrio
entre rigor e intuição na prática pedagógica. Assim, buscamos iniciar as atividades fazendo
uma abordagem histórica e intuitiva, objetivando contribuir para uma reelaboração da
imagem conceitual dos alunos; a partir daí, iniciamos um trabalho que pode ser
considerado “mais rigoroso”, tentando contribuir para uma composição da sua definição
conceitual. Entretanto, essa diferenciação não coincide, necessariamente, com a transição
“Da intuição... para o rigor!” feita em nossas atividades. Isto porque acreditamos que tal
transição deve ser um processo contínuo e dialeticamente construído na prática, pelo
professor.
78
Logo, acreditamos também na influência da forma de se expressar do professor, que
deve buscar usar uma linguagem mais próxima do aluno, tanto no que se refere aos
aspectos intuitivos, quanto no que se refere aos aspectos rigorosos.
Reafirmamos aqui as ideias defendidas por Reis (2009), de que o rigor deve ser
trabalhado em níveis, cabendo ao professor a tarefa de explorá-lo, levando em
consideração as diversas componentes do processo de ensino e aprendizagem, tais como os
aspectos sócio-histórico-culturais dos alunos, a realidade por eles vivenciadas, a exigência
da disciplina ministrada, o nível de ensino (Fundamental, Médio, Superior ou Pós-
graduação) e os objetivos e metodologias de cada disciplina. Defendemos, portanto, que o
rigor é fundamental no ensino de Análise Real, mas que deve ser buscado de forma
gradativa, levando-se em consideração todo o contexto da sala de aula.
3. Sobre a questão da maturidade do aluno de Análise Real
Conforme Moreira, Cury e Vianna (2005), a Análise Real tem a particularidade de
se constituir em um espaço de percepção da Matemática como um instrumento de
entendimento profundo de certos fenômenos naturais e de aplicações em outras ciências,
proporcionando uma compreensão sólida e profunda dos conceitos básicos da Matemática
escolar. Exigem-se, então, habilidades até então pouco exploradas em outras disciplinas do
curso de licenciatura e uma certa “maturidade” dos alunos, muitas vezes ainda não
consolidada.
Ao submetermos a nossa proposta didática a alunos de diferentes períodos (no caso,
e períodos) em uma mesma sala de aula, percebemos diferenças possivelmente
influenciadas por essa heterogeneidade. Entre os alunos participantes de nossa pesquisa,
todos os 7 (sete) alunos matriculados no período apresentaram uma evolução no
“pensar matematicamente” e no “descrever o pensamento matemático”, o que pode ser
associado a somente 2 (dois) dos 5 (cinco) alunos matriculados noperíodo. Ressaltamos
que não foi objetivo da nossa pesquisa, investigar qualitativamente as “diferenças de
desempenho” entre tais alunos.
Isto nos leva a sugerir que a disciplina de Análise Real se adequa melhor aos
períodos finais do curso, época em que os alunos têm uma maior experiência matemática,
adquirida em todas as disciplinas dos períodos anteriores, destacadamente em Cálculo,
Teoria dos Números, Estruturas Algébricas e Geometria Euclidiana.
79
4. Sobre as relações em sala de aula de um curso de Análise Real
Apesar de não ser o objetivo principal desse trabalho, preocupamo-nos com as
relações em sala de aula no processo de ensino e aprendizagem, tendo uma atenção
especial com o vocabulário usado nas explanações e em conversas informais, dentro e fora
do ambiente da sala de aula, para desmistificar, ou pelo menos atenuar, o receio
apresentado pelos alunos diante da disciplina de Análise Real, muitas vezes provocadas
pelo próprio docente que “mistifica” o seu trabalho. Essa atenção ao vocabulário estava
presente também durante as explicações do conteúdo, onde nos pautamos pelo uso de uma
linguagem mais próxima do aluno.
Outro destaque foi o posicionamento dos alunos em relação ao seu esforço
individual com relação à frequência e ao interesse na implementação das atividades,
atitudes essas inerentes ao sucesso de todo o processo de aprendizagem, conforme
discutido por Bortoloti (2009), ao investigar as relações entre afeto e cognição em um
curso de Análise Real para a licenciatura. A autora nos chamou a atenção para a influência
de aspectos emocionais na aprendizagem, corroborando com Lorenzato (2008, pref.) ao
afirmar, no prefácio do seu livro, que as motivações da escrita surgiram no
“reconhecimento de que a metodologia de ensino empregada pelo professor é determinante
para o desempenho dos seus alunos, tanto cognitiva como afetivamente.”
5. Sobre algumas críticas e perspectivas futuras
Em relação às críticas apresentadas pelos alunos como “sugestões” de alteração de
nossas atividades, concordamos que, de fato, os exercícios devem estar presentes em um
maior número; além disso, devem ser elaborados e/ou selecionados de acordo com alguns
objetivos pré-estabelecidos, propiciando uma melhor ressignificação do conteúdo.
Acenamos com essas sugestões, para futuras pesquisas...
É claro que isto não significa que acreditamos em exercícios elaborados dentro de
um “padrão manipulativo” como em outras disciplinas, pois as especificidades da
disciplina de Análise Real apontam para uma diversidade de habilidades, com vistas à
transição para um Pensamento Matemático Avançado (TALL, 1991).
Esperamos, por fim, que nossa pesquisa contribua para a discussão do trabalho
docente com Análise Real e que possa ser fértil na geração de pesquisas futuras.
80
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