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UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO E CULTURA
“STRICTO SENSU”
Maria Beatriz Barros Negrão Duarte
Publicidade e Conto de fadas: territórios de encantamento
e de adesão
Sorocaba/SP
2010
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Maria Beatriz Barros Negrão Duarte
Publicidade e Conto de fadas: territórios de encantamento
e de adesão
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação e Cultura
da Universidade de Sorocaba, como
exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em Comunicação.
Orientadora Profª Dra. Luciana
Coutinho Pagliarini de Souza
Sorocaba/SP
2010
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Maria Beatriz Barros Negrão Duarte
Publicidade e Conto de fadas: territórios de encantamento
e de adesão
Dissertação aprovada como requisito parcial para exame de
Qualificação para obtenção do grau de Mestre no Programa
de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da
Universidade de Sorocaba.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA:
Ass.:____________________________________________
Pres.: Profª Dra. Luciana Coutinho Pagliarini de Souza
Universidade de Sorocaba
Ass.:____________________________________________
1ª Exam.: Profª Dra. Mirian dos Santos
Universidade do Vale do Sapucaí
Ass.:____________________________________________
2ª Exam.: Profª Dra. Maria Ogécia Drigo
Universidade de Sorocaba
13
Dedicamos este trabalho a todos aqueles que encontram nos
contos de fadas a magia e a fantasia da infância, como também
aos que sabem que a publicidade pode ser muito mais do que
apenas vender um produto/serviço.
14
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, que nos ilumina e nos força para superarmos os
desafios de cada dia, e que nos carrega em seus braços nos momentos mais difíceis. À
Nossa Senhora, que como Mãe, não me desamparou.
Aos meus pais, Geraldo (in memorian) e Hilda, pela preocupação com a
minha educação, por todo incentivo, amor e confiança a mim depositada. Aos meus
irmãos que me apóiam sempre.
Ao meu marido Fernando, que soube com carinho e amor estar ao meu lado,
me ouvindo, me apoiando e incentivando, principalmente nos momentos em que tudo
parecia impossível.
À minha orientadora, Profª Drª Luciana Coutinho Pagliarini de Souza, muito
mais que uma orientadora, foi uma amiga dedicada e que sempre tinha uma palavra de
estímulo, que indicava os caminhos e que ao meu lado, com toda atenção e carinho fez
cobranças constantes que acabaram resultando neste trabalho.
A todos os meus professores, que ao longo da minha vida deixaram marcas
de seus ensinamentos. Especialmente às professoras Drª Maria Ogécia Drigo e Drª
Mirian Cristina Carlos Silva, que fizeram grandes e importantes contribuições no
momento da Qualificação.
Meu agradecimento também à Profª Drª Miriam dos Santos, por atender ao
convite para participar da minha banca de Defesa.
Enfim, aos meus familiares e amigos que compreenderam minha ausência.
15
Suponhamos que este é um espaço para publicidade.
E que é incumbência do autor persuadir os seus
leitores dos mais aos menos prevenidos, dos mais
refractários aos que jamais se incomodarão com tal
matéria - das extraordinárias virtualidades desta
edição, mesmo que ela não as tenha.
Nada melhor então do que tornar o texto fábula e
entrar no reino da verosimilhança. Afinal de contas,
mesmo que a lei o não reconheça (...) a
singularidade do «contrato» publicitário está aí: em
desrespeitar, por sistema, a função referencial da
linguagem. Aceite o princípio, entramos no reino da
fábula. O que começa a ser algo mais parecido com
a publicidade.
Rui Cádima
16
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo geral compreender os efeitos de sentido produzidos na
linguagem publicitária quando ela se apropria dos contos de fadas. Tendo por base as
ideias de Baudrillard para quem a eficácia da publicidade se através da “lógica da
fábula e da adesão”, parte-se da hipótese de que a temática dos contos de fada
relacionada à busca da felicidade e realização dos sonhos aproxima-se da gênese da
própria linguagem publicitária. Os objetivos específicos são 1) analisar o potencial
significativo das peças publicitárias, tendo em vista o poder de sedução ou persuasão; 2)
verificar como se dá a apropriação dos contos de fadas pelas peças publicitárias, isto é,
como se a intertextualidade: se na forma de paráfrase ou de paródia; 3) explicitar os
mecanismos estruturais que aproximam contos de fadas e publicidade tendo o modelo
dionisíaco de texto publicitário como farol. Busca-se fundamentar esta pesquisa nas
ideias de Aristóteles (1964), Perelman e Tyteca (2005), Citteli (2000), Baudrillard
(1988), Maffesoli (2005). A análise da linguagem verbal se fundamentará em
Carrascoza e Carvalho (2004), Jakobson (1971), Bakhtin (1981 e 2006) e Eco (2001),
entre outros autores.
Palavras-chave: Publicidade, Conto de fadas, Persuasão.
17
ABSTRACT
This research aims to understand the general effects of meaning produced in the
language of advertising when it makes an appropriation of the fairy tales. Based on the
ideas of Baudrillard, for whom the effectiveness of advertising happens through the
“logic of the fable and the acceptance”, we started from the assumption that the theme
of fairy tales related to the pursuit of happiness and fulfillment of dreams approaches
the genesis of the language used in advertising.The specific objectives are 1) to analyze
the potential of advertisements in view of the power of seduction or persuasion, 2)
verify how the appropriation of fairy tales by the advertisements, that is, ho w is the
intertextuality: if in the form of paraphrase or parody, 3) outline the structural
mechanisms that bring fairy tales and advertising together in the light of the Dionysian
model of advertising text. We seek to support this research on the ideas of Aristotle
(1964), Perelman and Tyteca (2005), Citteli (2000), Baudrillard (1988), Maffesoli
(2005). The analysis of verbal language is based on Carrascoza and Carvalho (2004),
Jakobson (1971), Bakhtin (1981 and 2006) and Eco (2001), among other authors.
Key-words: Advertising, Fairy Tales, Persuasion
18
SUMÁRIO
1. Introdução..........................................................................................................10
2. Capítulo I
Considerações sobre persuasão/sedução na publicidade...............................13
3. Capítulo II
Conto de Fadas: território da realização de sonhos......................................30
4. Capítulo III
Publicidade e Contos de Fadas - Qual a relação de fato?............................41
5. Capítulo IV
O potencial comunicativo das peças publicitárias para a conquista do “final
feliz”.................................................................................................................57
6. Considerações Finais.......................................................................................87
7. Referências......................................................................................................91
8. Índice de Figuras.............................................................................................97
9. Anexos.............................................................................................................98
19
Introdução
Dizer a razão pela qual viemos... Esta deve iniciar a justificativa da escolha de
um trabalho que, para ser significativo, não nasce ao acaso, mas das experiências
vivenciadas. Assim se delineiam os antecedentes, misturados aos fios dessa pesquisa
que nasceu de uma história que se propôs virar estória e outra vez história... enfim...
Era uma vez, uma menina para quem a publicidade sempre encantou e que, a
partir de agora, ela assume a autoria dessa narrativa... Lembro-me de ficar admirada e
encantada com alguns anúncios e comerciais daquela época. O tempo foi passando, e
meu interesse pela publicidade permanecia presente, mas a área da Educação despertou
também meu interesse. Assim sendo, ao chegar ao Ensino Médio, optei por fazer um
curso de Magistério e, posteriormente, graduei-me em Pedagogia. Mesmo feliz na área
de Educação, sentia que a publicidade ainda me atraia...
Ao mudar de Campinas para Sorocaba, exatamente 14 anos, surgiu a
oportunidade de realmente entrar no universo da publicidade. Em 2000 graduei-me em
Comunicação Social - com habilitação em Publicidade e Propaganda.
Desenvolvendo atividades profissionais ligadas à área de comunicação, não me
via totalmente desligada da área educacional, aos poucos consegui realizar um grande
sonho, exercer minhas duas graduações: passei a ministrar aulas no curso de
Comunicação Social.
Ao assumir a docência, a pesquisa ganhou outro valor em minha vida. Assim senti
a necessidade de me especializar, procurei então o curso de pós-graduação Latu Senso
em Administração de Marketing, tendo minha monografia o tema “Publicidade para
Crianças”.
Uma vez optando por vivenciar o mundo acadêmico, a necessidade e o interesse
pela pesquisa aumentaram, além do desejo de me aprofundar na mesma linha
investigativa. Inicialmente pensei em trabalhar a propaganda nas histórias em
quadrinhos, tendo a criança como o foco de pesquisa, mas o material encontrado não foi
interessante o suficiente para que a pesquisa se realizasse a contento. Até que me
deparei com propagandas que se apropriavam de contos de fadas e isso me instigou a
mudar de rumo...
Enfim, nas minhas idas e vindas em busca de uma indagação que fosse
significativa não para mim, mas para meus alunos ou aqueles que se interessam pela
20
publicidade no seu aspecto mais livre, alegre, encantador e altamente sedutor, deparei-
me com a seguinte questão: “que efeitos de sentido produzem as propagandas quando se
apropriam de contos de fadas?”.
no Mestrado em Comunicação e Cultura, a partir das aulas e orientações da
Profª Dra. Luciana Coutinho Pagliarini de Souza, minha orientadora, e das aulas com a
Profª Dra. Maria Ogécia Drigo, a qual me apresentou as ideias de Baudrillard, descobri
que poderia desenvolver minha dissertação, procurando responder a questão acima
apresentada e foi assim que este trabalho ganhou corpo e hoje está se tornando
realidade.
Foi a partir de Baudrillard que o olhar sobre a propaganda no seu aspecto lúdico
se fez, para nós, possível. Sua ideia de que a eficácia da publicidade se através da
“lógica da fábula e da adesão”, e sobretudo por meio da lógica da crença e da
regressão”, que despertam sentimentos de infância, de proteção e de gratificação
permitiu que caminhássemos com mais segurança nessa direção.
Partimos, assim, da hipótese de que a temática dos contos de fada que víamos
em algumas peças publicitárias relacionada à busca da felicidade e realização dos
sonhos, aproximava-se de uma linguagem que trazia na sua “genética” o ideal de
seduzir, encantar, gratificar e promover a adesão: a linguagem da publicidade.
Pensávamos na possibilidade de que a mesma estrutura desses contos pudesse se
manifestar na publicidade: na busca de realizar seu sonho, o personagem (consumidor)
ainda que encontrasse obstáculos, teria como recompensa o final feliz.
Nessa caminhada, nosso objetivo geral consistiu em compreender os efeitos de
sentido ou o potencial interpretativo que impregna a linguagem de peças publicitárias
que se apropriam do gênero contos de fadas. São nossos objetivos específicos verificar
como se a intertextualidade com os contos de fadas pelas peças publicitárias: se na
forma de paráfrase ou de paródia; analisar o potencial significativo da linguagem verbal
à luz de Carrascoza e sua proposta de classificação das mensagens segundo as estruturas
apolínea (com um viés racional) e dionisíaca (que se apoia na emoção e no humor).
O desenvolvimento da pesquisa tem início com um estudo para entendermos o
que é a persuasão e como ocorre o processo persuasivo de acordo com os pensamentos
de Aristóteles (1964), Perelman e Tyteca (2005), Citteli (2000), entre outros autores que
elaboraram seus estudos na área de comunicação, analisando os métodos de
convencimento que são intrínsecos ao discurso e que procuraram a identificação da
retoricidade da imagem, ressaltando os conceitos da retórica argumentativa e seu poder
21
persuasivo. Esse estudo constitui o primeiro capítulo.
No segundo capítulo buscamos, de acordo com as contribuições de Bettelheim
(1988), Eliade (2000), Coelho (1987), Góes (1984), Jesualdo (1982) entre outros
autores, apresentar o conto de fadas. Conhecê-lo enquanto gênero, sabermos de como se
estrutura, de suas características, nos permitirá entender a maneira como ele é utilizado
pela publicidade como forma de aludir, seduzir e persuadir o público-alvo.
No terceiro capítulo procuramos nos atentar às ideias de Baudrillard (1973) e ao
modelo dionisíaco, que se fundamenta na lógica do Papai Noel”. É esta relação que o
autor estabelece com a bula e com o aspecto lúdico proporcionado pela propaganda,
que se faz presente o conto de fadas, gênero que impregna as propagandas sobre as
quais nos debruçamos neste trabalho. Para isso desenvolvemos nossos estudos na esteira
de Nietzsche (1992), Maffesoli (2005), Carrascoza e Carvalho (2004) e Jakobson (1971)
entre outros autores.
No quarto capítulo, o foco recairá nas análises de peças publicitárias que
elegemos para nosso estudo. Centrando nosso olhar na busca de compreender o
potencial interpretativo que impregna a linguagem dessas peças publicitárias que se
apropriam do gênero contos de fadas, faremos uso do instrumental de análise de texto
verbal proposto por Carrascoza à luz das ideias de Eco (2001). Palavra e imagem em
confluência serão, finalmente, analisadas nas suas possibilidades de entrosamento
semântico a partir da classificação de Nöth.
22
Capítulo I
Considerações sobre persuasão/sedução na publicidade
O texto publicitário, objeto de nosso estudo, nasce com o propósito de
cumprir um papel: o de persuadir um auditório particular. Como ato de comunicação, o
texto se molda de maneira a atingir esse auditório, levando em conta suas características
psicossociais, seu repertório, enfim, e se investe de diferentes roupagens” nessa
façanha de operar a sedução na busca de persuadir. A tendência ao convencimento com
base na credibilidade da mensagem, na descrição exaustiva das qualidades do produto,
no uso imperativo da linguagem sofreu um recuo: “é a era da publicidade criativa, da
festa espetacular” no dizer de Lipovetsky (2009, p. 217) e sua intenção é fazer rir ou
emocionar, nada mais (SILVA, 2007, p. 161).
Neste capítulo, apresentamos algumas reflexões sobre o processo persuasivo,
trilhando um caminho, inicialmente calcado nos estudos sobre a persuasão, com base na
Arte Retórica de Aristóteles (1964), passando pela Nova Retórica de Perelman e Tyteca
(2005), e pelo pensamento de autores como Citteli (2000), Carrascoza (2004) que
elaboraram seus estudos e inúmeros ensaios na área de comunicação, analisando os
métodos de convencimento que são intrínsecos ao discurso e que procuram identificar a
retoricidade da imagem. Nosso trajeto desemboca nas ideias de Baudrillard sobre
persuasão, que fornecerão o fio para tecermos as considerações sobre nosso objeto de
estudo: propagandas que trazem os contos de fadas como temática. E assim buscamos
verificar como o processo persuasivo se apresenta na publicidade atual, sobretudo nas
que constituem nosso corpus, considerando que as estratégias de persuasão não são as
mesmas ao longo do tempo.
Começamos, fazendo menção ao mundo grego de Aristóteles. Na sociedade
ateniense, os jovens almejavam sua ascensão à vida pública, e para alcançar esse
objetivo, buscavam a eloquência, que era característica comum aos oradores que
desempenhavam função importante nas sociedades da época.
A eloquência almejada se fazia necessária para evidenciar a importância do
verossímil, ou seja, dos aspectos que se entrelaçam entre o verdadeiro e o falso, criando
assim uma lógica própria. Segundo Aristóteles (p. 20), a distinção entre o verdadeiro e o
verossímil é algo que depende da mesma faculdade, ou seja, para ele,
23
(...) os homens são, por natureza, suficientemente propensos para o
verdadeiro e na maioria dos casos alcançam a verdade. Donde, o
encontrar-nos em situação de alcançar as probabilidades, servindo-
nos do meio que nos dá a possibilidade de reconhecer a verdade.
Neste contexto, Aristóteles (p.20) destaca que é eficaz a utilização da retórica,
“porque o verdadeiro e o justo são, por natureza, melhores que seus contrários. Donde
se segue que, se as decisões não forem proferidas como convém, o verdadeiro e o justo
serão necessariamente sacrificados: resultado este digno de censura”.
Aristóteles (p.22) define retórica como “a faculdade de ver teoricamente o que,
em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”. Afirma ainda (ibidem, p.30) que o
discurso apresenta três elementos, que são: a pessoa que fala (o orador), o assunto de
que se fala e a pessoa a quem se fala (o ouvinte), explicando cada qual da seguinte
maneira:
o ouvinte é, necessariamente, espectador e juiz, se exerce as funções
de juiz terá de se pronunciar ou sobre o passado ou sobre o futuro.
Aquele que tem de decidir sobre o futuro é, por exemplo, o membro
da assembleia; o que tem de se pronunciar sobre o passado é, por
exemplo, o juiz propriamente dito. Aquele que tem que se
pronunciar sobre a faculdade oraria é o espectador.
Esses elementos resultam nos três gêneros oratórios distintos, que são definidos
como: gênero deliberativo, gênero judiciário e gênero demonstrativo, chamado também
de epidíctico. Cada um deles possui um tempo que lhe é próprio.
O gênero deliberativo, segundo o autor, é aquele no qual se delibera sobre uma
determinada questão de interesse público, ou seja, pode-se aconselhar ou desaconselhar
algo, sempre com o foco no futuro. Porém o autor esclarece que não se delibera sobre
qualquer coisa, mas somente sobre aquelas que podem ou não acontecer.
Para Aristóteles (p.30), o gênero judiciário apresenta aspectos de acusação e
defesa, incidindo sobre fatos do passado. Para isso o autor distingue três questões;
“primeira: natureza e número dos motivos que induzem a cometer a injustiça; segunda:
disposição dos que as cometem; terceira: qualidade e disposição das vítimas”. (p. 67)
O gênero demonstrativo, também chamado de “epidítico”, comporta o elogio e a
censura e é um dos três gêneros da retórica clássica. O autor explica da seguinte forma:
“tratemos da virtude e do vício, do belo e do disforme, já que são estes os fins que m
em vista aquele que elogia ou censura.” (p. 58)
24
É importante destacar aqui o que Aristóteles acrescenta sobre esses três gêneros:
Quando se louva ou se censura, quando se aconselha ou se
desaconselha, quando se acusa ou se defende, ninguém se empenha
em demonstrar o que afirmou; mas todos se propõem, além disso,
mostrar a importância, grande ou pequena do bem e do mal, do belo e
do feio, do justo e do injusto, que o assunto encerra, quer estes três
pontos sejam tratados em si separadamente, quer sejam mutuamente
postos em confronto e oposição. Donde, será manifestamente
necessário possuir premissas sobre a grandeza e a pequenez, sobre o
mais e o menos; e assim por diante nas demais matérias
(ARISTÓTELES, 1964, p. 58).
Nesta busca pelo convencimento e persuasão, Citelli (2000, p. 14) comenta que
o objetivo da retórica é justamente convencer o receptor de aspectos que não são
verdadeiros, transformando-os em verossímeis. Segundo ele, o verossímil é
(...) aquilo que se constitui em verdade a partir de sua própria lógica.
Daí a necessidade, para se construir o “efeito de verdade”, da
exisncia de argumentos, provas (...). Persuadir não é apenas
sinônimo de enganar, mas também de certa organização do discurso
que o constitui como verdadeiro para o receptor.
O convencimento e a adesão provenientes do sistema argumentativo são
formulados através da lógica da própria verossimilhança. Vários estudiosos da retórica
consideram a lógica da verossimilhança, nem melhor e nem pior que o raciocínio da
verdade, mas um raciocínio oportuno e efetivo.
O que precisa ser bem entendido é que o verossímil não é a verdade em si,
possui sua própria lógica, através da construção do discurso, com o objetivo de
encaminhar o receptor para a verdade possível. Ou seja, a verossimilhança é o
encadeamento dos fatos de acordo com os fatos que os antecederam:
a questão da verossimilhança é tratada como oposição à necessidade,
e é o próprio Aristóteles quem afirma que os fatos devem ser
analisados à luz dos fatos que os antecedem. Se algo acontece por
causa de outro fato ou simplesmente acontece depois de outro fato,
estabelece-se uma diferença entre necessidade (consequência) ou
simples encadeamento (verossimilhança). As consequências de uma
ação são úteis para convencer acerca do que representa tal ação.
A verossimilhança tem uma lógica própria, que o é obviamente a da verdade.
É a lógica da construção do discurso que guia o receptor aa verdade possível e neste
aspecto as provas, o exórdio, narração e peroração são fulcrais na constituição desta
lógica verossímil (GABRIELLI, 2007, p. 9).
25
A verdade que deseja ser transmitida deverá ser de acordo com sua própria
lógica. Entendemos, assim, que a retórica tem por objetivo convencer o receptor sobre
uma determinada verdade, o convencimento e a adesão provenientes do sistema
argumentativo possuem raciocínio específico, originado pela lógica interna da
verossimilhança.
Citelli (idem, p.18) destaca que é possível determinar e distinguir a existência de
raciocínios discursivos, “codificados pela retórica e que possuem gradações
persuasivas”, são eles: o raciocínio apodítico, raciocínio dialético e raciocínio retórico.
Veremos abaixo as definições de cada um deles e assim podemos perceber que são
utilizados na publicidade como meio de provas.
O raciocínio apodítico é aquele que se utiliza no anúncio de um tom de verdade
inquestionável, dando ao receptor uma única opção, que é consumir o produto. Sua
mensagem traz nas entrelinhas a ideia de que não atender os apelos da ação de consumo
pode significar algum tipo de exclusão social. Veremos mais à frente outras
características do raciocínio apodítico, quando analisaremos o modelo apodítico no
texto publicitário.
O raciocínio dialético aparece nos anúncios em que a mensagem oferece opção
ao receptor através de duas possíveis ações, porém a argumentação utilizada demonstra
que uma dessas opções é totalmente indesejável, sendo então descartada, assim restando
apenas uma única opção. Nos raciocínios apodítico e dialético, as mensagens visam
provar a satisfação das necessidades através das características e qualidades dos
produtos ou do serviço oferecido.
o raciocínio retórico, utiliza-se, além dos apelos lógicos, de aspectos
emocionais, tais como alegria, amor, status social, vida saudável entre outros, por meio
de figuras de retórica que procuram prender a atenção do receptor. Os apelos
emocionais utilizados na publicidade acabaram por confundir os papéis de
convencimento e informação das mensagens.
Citelli (pp. 19-20) afirma que a função das figuras de retórica é
redefinir um determinado campo de informação, criando efeitos
novos e que sejam capazes de atrair a atenção do receptor. São
expressões figurativas que conseguem quebrar a significação própria
e esperada daquele campo de palavras. Entre as figuras mais usadas
estão a metáfora e a metonímia.
Neste ponto, introduzimos as ideias de Perelman e Tyteca (2005) que, com o
26
objetivo de atualizar os preceitos da retórica clássica, estabelecem 14 âmbitos da
argumentação, destacando as bases de uma visão contemporânea das técnicas de
persuasão. Sua inclusão nesse estudo sobre persuasão faz-se importante, já que os
autores trazem um novo olhar para a velha retórica.
Logo na introdução do livro “Tratado da Argumentação: a nova retórica”, os
autores destacam que é impossível negar que o poder de deliberar e de argumentar é
uma característica (“um sinal”) do ser racional. Segundo eles (2005, p. 1) a
argumentação constitui o campo “do verossímil, do plausível, do provável”, e para ele,
não há a argumentação contra o que é evidente.
Os autores (2005, p. 2) destacam um pensamento de Descartes que diz:
(...)todas as vezes que dois homens formulam sobre a mesma coisa
um juízo contrário, é certo que um dos dois se engana. Há mais,
nenhum deles possui a verdade; pois se um tivesse dela uma visão
clara e tida poderia expô-la a seu adversário, de tal modo que ela
acabaria por forçar sua convicção. (DESCARTES in PERELMAN E
TYTECA, 2005, p.2)
Destacamos abaixo 14 âmbitos da argumentação estabelecidos pelos autores que
visam atualizar os preceitos retóricos, podendo tomá-los como uma visão
contemporânea das técnicas de persuasão.
O primeiro âmbito da argumentação é “demonstração e argumentação”. Durante
muitos séculos a análise e a aceitação de argumentações se davam por meio de provas,
porém na contemporaneidade, para argumentar ou influenciar através do discurso, o
autor afirma que não é possível menosprezar as condições psíquicas e sociais, caso
contrário, a argumentação ficaria sem objeto e sem efeito. “Pois toda argumentação visa
à adesão dos espíritos e, por isso mesmo, pressupõe a existência de um contato
intelectual” (PERELMAN e TYTECA, 2005, p.16).
O segundo âmbito da argumentação é o contato dos espíritos”. Os autores (p.
16) esclarecem que, para ocorrer a argumentação, é necessário ter pelo menos dois
interlocutores que se relacionem e participem das deliberações, o que ele chama de
“comunidade efetiva dos espíritos”. Tal comunidade exige a existência de um conjunto
de condições que se traduzem em uma linguagem em comum, de uma técnica que
possibilite a comunicação, de acordo com as determinações de normas sociais.
O conjunto daquele aos quais desejamos dirigir-nos é muito variável.
27
Está longe de abranger, para cada qual, todos os seres humanos. Em
contrapartida, o universo ao qual a criança quer dirigir-se,
precisamente na medida em que o mundo dos adultos lhe é fechado,
se amplia mediante a associação dos animais e de todos os objetos
inanimados por ela considerados seus interlocutores naturais (idem,
ibidem, p.18).
Para argumentar, segundo os autores, é preciso aceitar a adesão do interlocutor,
o seu consentimento e sua participação mental. Para isso eles alertam que:
(...) querer convencer alguém implica sempre certa modéstia da parte
de quem argumenta, o que ele diz não constitui uma Palavra do
Evangelho”, ele não dispõe dessa autoridade de que faz com que o
que diz seja indiscutível e obtém imediatamente convicção. Ele
admite que deve persuadir, pensar nos argumentos que podem
influenciar seu interlocutor, preocupar-se com ele, interessar-se por
seu estado de espírito (p.18).
O terceiro âmbito da argumentação trata do “orador e seu auditório”. O auditório
pode ser “entendido como o conjunto daqueles que o orador quer influenciar e seu
conhecimento é de fundamental importância. Perelman e Tyteca (p. 23) destacam mais
do que o caráter pessoal do auditório, “as opiniões de um homem dependem de seu
meio social, de seu círculo, das pessoas que frequenta e com quem convive. (...) Faz
parte de sua cultura”.
O quarto âmbito refere-se ao “auditório como construção do orador”. Nesse
âmbito, não se pode conceber o conhecimento do auditório independentemente do
conhecimento dos meios de influenciá-lo, o auditório não é o mesmo do início ao fim
do discurso. Os autores alertam também que “nem sempre é louvável querer persuadir
alguém: as condições (...) podem parecer pouco dignas”. Porém, outro aspecto
levantado por eles é que não basta somente falar ou escrever, é necessário ser ouvido,
ser lido. “Não é pouco ter a atenção de alguém. Ter uma larga audiência, ser admitido a
tomar a palavra em certas circunstâncias, em certas assembleias, em certos meios”. Para
o desenvolvimento de uma argumentação, os autores destacam a importância da
audiência no processo persuasivo, destacando que
é preciso de fato, que aqueles a quem ela se destina lhe prestem
alguma atenção. A maior parte das formas de publicidade e de
propaganda se preocupa, acima de tudo, em prender o interesse de um
público indiferente, condição indispensável para o andamento de
qualquer argumentação (idem, ibdem, p.20).
O quinto âmbito trata da adaptação do orador ao auditório: querer ser importante
28
e ter influência sobre os receptores sejam eles adultos ou crianças. Afirmam os autores
que não pode lhes dar ordens, mas que é necessário ponderar, que os interlocutores “se
preocupem com suas reações, que os considerem membros de uma sociedade mais ou
menos igualitária”. Outro aspecto fundamental e que está em concordância com a
retórica clássica, o público determina a qualidade do orador e, pelo fato de o público
estar à mercê da distração, é preciso seguir à risca a regra da adequação do discurso ao
auditório.
O sexto âmbito é denominado “persuadir e convencer”. Neste aspecto, Perelman
e Tyteca (p.25) advertem que para conquistar diferentes elementos em um auditório
heterogêneo, o orador deve utilizar argumentos múltiplos para persuadi-los. O auditório
pode ser dividido pelo orador em grupos múltiplos, bem como um único grupo social
como, por exemplo, políticos, profissionais, religiosos.
Os autores fazem ainda a seguinte distinção: quando a argumentação é dirigida
para um auditório particular, é determinada como persuasiva; quando o objetivo é a
“adesão de todo ser racional” é chamada como convincente. Os autores destacam
também a definição de Kant sobre esses dois conceitos:
Quando é válida para cada qual, ao menos na medida em que este
tem razão, seu princípio é objetivamente suficiente e a crença se
chama convicção. Se ela tem seu fundamento apenas na natureza
particular do sujeito, chama-se persuasão. A persuasão é mera
aparência, porque o princípio do juízo desse gênero só tem um valor
individual e a crença o pode comunicar-se (...). Logo a persuasão
não pode, na verdade, ser distinguida subjetivamente da convicção se
o sujeito imagina a crença apenas como um simples fenômeno de seu
próprio espírito; mas a experiência que se faz no entendimento dos
outros, dos princípios que são válidos pra nós, a fim de ver se eles
produzem sobre uma razão alheia o mesmo efeito que sobre a nossa, é
um meio que, mesmo sendo somente subjetivo, serve não para
produzir a convicção, mas para descobrir o valor particular do juízo,
ou seja, o que nele é apenas simples persuasão... Posso guardar para
mim a persuasão, se me dou bem com ela, mas não posso, nem devo
fazê-la valer fora de mim. (KANT in PERELMAN E TYTECA, p.
32)
Para Aristóteles (idem, p. 22), existem três espécies de provas do discurso, por
meio delas pode-se verificar a credibilidade do orador, eis o que ele diz:
(...) umas residem no caráter moral do orador; outras, nas disposições
que se criaram no ouvinte; outras no próprio discurso, pelo que ele
demonstra ou parece demonstrar. Obtém-se a persuasão por efeito do
caráter moral, quando o discurso procede de maneira que deixa a
impressão de o orador ser digno de confiança.
29
O sétimo âmbito da argumentação denomina-se “auditório universal”. É
necessário destacar que um auditório difere do outro e verdades evidentes variam
bastante ao longo da história. Podemos considerar que os ouvintes buscam sua
autonomia, mesmo que inconscientemente, porém muitas vezes nossos desejos e ões
são conduzidos pela sociedade, por grupos dominantes, pelos argumentos dos oradores
e pelos meios de comunicação.
Ainda se referindo ao auditório, Perelman e Tyteca (p.32) definem como oitavo
âmbito “a argumentação perante um único ouvinte” e acrescentam: no que se refere à
oposição entre subjetivo/objetivo para distinguir convicção de persuasão, a convicção é
voltada para a verdade, para a razão, podendo ser provada; enquanto a persuasão é
“unicamente individual”.
Por outro lado, a distinção proposta pelos autores procura explicar o vínculo
estabelecido entre persuasão e ação, e entre convicção e inteligência. Com os diferentes
tipos de auditórios, o autor afirma que certos argumentos que lhe são dirigidos “não
constituem um apelo à ação imediata”. O autor comenta que a compreensão desses dois
termos é imprecisa, e a distinção entre diversos auditórios é ainda muito mais incerta.
O nono âmbito trata da “deliberação consigo mesmo”. Chaignet (apud
PERELMAN E TYTECA, pp.45-6) considera a retórica uma técnica de persuasão que
se opõe à convicção, e destaca: “Quando somos convencidos, somos vencidos apenas
por nós mesmos, pelas nossas ideias. Quando somos persuadidos, sempre o somos por
outrem”.
Como décimo âmbito “os efeitos da argumentação”, referindo-se ao fato de
que uma argumentação eficaz tende a aumentar a intensidade de adesão. Quanto maior a
intensidade de adesão, maior a eficácia da argumentação, pois desencadeia na ação
pretendida ou na disposição para determinada ação.
O décimo primeiro âmbito da argumentação se refere ao “gênero epidíctico”. A
intensidade da adesão, segundo o autor, não se limita apenas a resultados intelectuais,
mas também ao desencadeamento da ação: “é nessa perspectiva, por reforçar uma
disposição para a ação ao aumentar a adesão aos valores que exalta, que o discurso
epidíctico é significativo e importante para a argumentação”. (pp. 55-6)
O discurso epidíctico, segundo os autores, tem como objetivo aumentar a
intensidade de adesão aos valores comuns, tanto do auditório quanto do orador.
30
O discurso epidíctico e toda educação visa menos à mudança nas
crenças do que a um aumento da adesão ao que já é aceito, enquanto a
propaganda se beneficia de todo lado espetacular das mudanças
perceptíveis que ela procura realizar e que às vezes realiza. Não
obstante, na medida em que a educação aumenta a resistência a uma
propaganda adversa, é útil considerar a educação e a propaganda
como forças que atuam em sentido contrário. Por outro lado, veremos
que toda argumentação pode ser encarada como um substituto da
força material que, pela coerção, se propunha obter de mesma
natureza (p.60).
Como décimo segundo âmbito, encontramos o que é chamado de “educação e
propaganda”. A distinção entre educação e propaganda é apresentada por Perelman e
Tyteca e, sobre ela, autores comentam que são muitas as tentativas de diferenciá-las,
mas as conclusões não são, segundo eles, satisfatórias.
Enquanto o propagandista deve granjear, previamente, a audiência de
seu público, o educador foi encarregado por uma comunidade de
tornar-se o porta-voz dos valores reconhecidos por ela e, como tal,
usufrui um prestígio devido a suas funções.
A educação, na verdade, trata de aumento da adesão ao que já é aceito, enquanto
a propaganda se encarrega de mudança de hábitos. Assim, para Perelman e Tyteca
(p.56), o educador está muito mais ligado ao discurso epidíctico, que imprime ao orador
prestígio reconhecido, além de não estar envolvido em uma ação prática imediata, não
suscitar controvérsias, e de promover valores que são o objeto de uma comunhão social.
O décimo terceiro âmbito trata de “argumentação e violência”; expressando seu
entendimento de adesão contrário à violência, os autores ressaltam a importância da
liberdade de juízo e o estabelecimento de uma comunidade dos espíritos. Nesse aspecto,
Perelman e Tyteca baseiam-se em Aristóteles, no que diz respeito às considerações
sobre a distinção entre a ação sobre o entendimento e a ação sobre a vontade, sendo a
primeira totalmente pessoal e intemporal, e a segunda irracional. Para eles, essas
colocações são errôneas e levam a um impasse.
O erro é conceber o homem como constituído de faculdades
completamente separadas. O impasse é tirar da ação fundada na
escolha justificação racional e, com isso, tornar absurdo o exercício
da liberdade humana. Apenas a argumentação, da qual a deliberação
constitui um caso particular, permite compreender nossas decisões.
(p.53)
O último âmbito da argumentação, ou seja, o décimo quarto, é denominado
“argumentação e envolvimento”. Perelman e Tyteca (p.50) afirmam que o objetivo de
31
toda argumentação é aumentar a adesão a uma determinada ideia, que o autor chama de
“tese”. Para isso necessidade da argumentação fornecer provas coercivas e
demonstrativas.
Os autores afirmam que o ouvinte ganhou nova personalidade, a qual não pode
ser ignorada pelo orador. Portanto vale destacar aqui novamente que o convencimento e
a adesão, segundo os autores (p.4), são consequências, muitas vezes, do sistema
argumentativo proveniente da lógica interna da verossimilhança, que não é considerado,
nem melhor e nem pior que o raciocínio da verdade, mas sim, de um raciocínio
oportuno e efetivo.
Os autores destacam que Platão, em Fedro, afirma que a retórica digna do
filósofo é aquela proveniente da razão, condicionada pela verdade. Por outro lado, os
autores nos mostram que “vinte séculos mais tarde, Leibniz, se conta de que o saber
humano é limitado e muitas vezes incapaz de fornecer provas suficientes da verdade de
toda asserção”. (p.51)
Os recursos do texto persuasivo se apresentam ainda hoje como base da
produção da mensagem publicitária e em todo o processo de planejamento da
comunicação. São dois os focos importantes a serem analisados: o público-alvo, que
como vimos em Aristóteles e Perelman e Tyteca é chamado de auditório; e a
informação como base para a comunicação.
Mais uma vez aqui se faz necessário destacar que para Perelman e Tyteca (p.22)
é preciso um cuidado especial com o auditório, que é por eles definido como sendo um
“conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação”. Porém para a
argumentação, o conhecimento daqueles a que se pretende conquistar é uma condição
prévia fundamental.
Enfatizam a importância da propaganda em despertar o interesse do auditório,
quando dizem que:
(...) é preciso, de fato, que aqueles a quem ela se destina lhe prestem
alguma atenção. A maior parte das formas de publicidade e de
propaganda se preocupa, acima de tudo, em prender o interesse de um
público indiferente, condição indispensável para o andamento de
qualquer argumentação (p.20).
Segundo Gabrielli (2007, p. 14), são reconhecidos vários estudos sobre o papel
da comunicação na geração de necessidade de compartilhamento de um ideal social.
Sobre a informação como base para a comunicação, Gabrielli (idem, p.10) destaca que a
32
consistência da argumentação se por meio do conhecimento, acrescentando que o
próprio processo criativo da publicidade se a partir do levantamento de
informações.
A autora (pp. 14-5) ressalta ainda a existência de três mecanismos ou formas de
atuação para o convencimento. “A primeira é gerar a falsa ideia de que a mensagem
publicitária é dirigida a apenas uma pessoa, na sua individualidade”, reforçando a ideia
de que ela não é mais uma no contexto geral da massa. A segunda é a segmentação de
massa, criando a falsa ilusão de que os consumidores formam pequenos grupos
específicos. A terceira visa transformar a individualização em tendências sociais. Assim
a autora acrescenta: cria-se a consciência da necessidade de individualização, forçando
o contato do ser humano com a deliberação interna, mais um dos fatores de adesão
considerados pela retórica clássica.” Para ela, a deliberação interna significa “uma
atitude politicamente correta do ser humano voltar-se para si próprio.”
Ainda no tocante ao processo de convencimento, Eco (2001, p.169) afirma que
existem quatro critérios que distinguem sobre as possibilidades de interação entre os
recursos retóricos e ideológicos. São eles:
1. Redundância retórica e redundância ideológica.
2. Informação retórica e redundância ideológica.
3. Redundância retórica e informação ideológica.
4. Informação retórica e informação ideológica.
Tais critérios colaboram no entendimento e processo de convencimento da
retórica, seja ela gerativa quando tem o objetivo de discutir para convencer, ou
consolatória, quando conduz o interlocutor a considerar apenas o dito, atuando assim no
que é considerado seguro.
Esses formatos são utilizados na publicidade para se conseguir o convencimento
do receptor, principalmente quando demonstra estar de acordo com as regras pré-
existentes.
Seguindo esses critérios, podemos dizer que quando se dá a redundância retórica
e a redundância ideológica (critério 1), a peça publicitária não inova no uso de
elementos retóricos e nem ideológicos; quando há a informação retórica e a redundância
ideológica (critério 2), a peça publicitária inova no uso de elementos retóricos, mas não
inova no uso dos apelos ideológicos; por outro lado, quando redundância retórica e
informação ideológica (critério 3), a peça publicitária não inova no uso de elementos
33
retóricos, mas inova no uso dos apelos ideológicos; entretanto, quando encontramos
informação retórica e informação ideológica (critério 4), a peça publicitária inova no
uso de elementos retóricos e ideológicos.
Podemos afirmar que são muitas as relações entre o discurso publicitário e o
raciocínio apodítico, que se utiliza de estratégias que destacam o verossímil, o plausível.
O discurso publicitário, por sua vez, não utiliza provas evidentes, mas por meio do tom
de verdade apresentado, desperta o imaginário por intermédio dos mecanismos
apodíticos de convencimento. Mesmo destacando as características técnicas de um
produto, ressaltando seus diferenciais e a possibilidade de satisfação das necessidades
do consumidor, não como a publicidade garantir que o consumidor necessite
realmente desse produto. Como também, a publicidade não consegue garantir que o
produto consiga proporcionar toda satisfação e felicidade oferecida pelo produto e
evidenciada nos anúncios. Entretanto, a publicidade consegue eficazmente tornar o
produto o mais desejado possível sob pena de exclusão de certo grupo social, por
exemplo. Os mecanismos de convencimento utilizam-se, portanto, de sugestões em
parte irrefutáveis.
Neste contexto, percebemos que a necessidade de uma estrutura
criteriosamente estruturada, visando que a argumentação seja clara, precisa, simples e
contundente. Veremos mais adiante a estrutura organizada por Carrascoza (2004, p. 31)
com base nos pensamentos de Aristóteles que sintetiza em sua A arte Retórica (1964) as
partes de um discurso retórico composto por exórdio, narração, provas e peroração:
Exórdio - é a introdução do discurso, apresentando o assunto a ser
tratado, é o começo do discurso;
Narração é a apresentação dos fatos, de forma clara, simples e precisa
desenvolve o assunto, onde os fatos são expostos e indicados;
Provas são as informações que buscam demonstrar e comprovar o que
se narra, é a parte do discurso persuasivo, que visa dar credibilidade para
o argumento utilizado;
Peroração é o epílogo, onde se faz a recapitulação do discurso e orienta
para a ação, a conclusão.
Importante ressaltar que os estudos sobre retórica são focados no discurso verbal
oral, pois não havia na sociedade ateniense as cnicas de reprodução gráfica, assim a
34
oralidade era valorizada por se utilizar dos mecanismos de argumentação. O código
verbal aliava à voz a formatação do discurso e os elementos gestuais para a mensagem
chegar ao receptor. A imagem não era elemento discursivo importante, por isso, não era
estudada como elemento de retoricidade enquanto discurso persuasivo, embora o corpo
e o gesto possam ser considerados imagem.
O elemento persuasivo é totalmente relacionado ao discurso, porém a persuasão
através da imagem é algo que acontece desde os primeiros desenhos do homem, como
também através da escultura e da arquitetura. Muitos estudos começaram a ser
realizados desde o século XX, ou seja, é algo muito recente.
Importa destacarmos como a persuasão e as imagens se relacionam com as
questões relacionadas à visualidade. Nesta concepção de pensarmos em imagens, por
meio da arte visual, Aristóteles (1964, p. 197) salienta que existe uma identidade na
relação entre retórica e imaginação. Ele explica que:
A imagem é igualmente uma metáfora; entre uma e outra a diferença
é pequena. (...) A imagem é útil igualmente ao discurso, com a
condição de ser empregada raramente, pois é a própria da poesia. As
imagens devem ser utilizadas da mesma maneira que as metáforas,
pois que das metáforas se distinguem pela diferença por nós
apontada.
Gabrielli (idem, p. 27) comenta que “a geração da imagem na mente do artista,
entretanto, é o primeiro passo para a obtenção de um objeto a ser comunicado. Ou seja,
a ideia que criamos de uma imagem é o primeiro passo para se comunicar algo. O
segundo passo comentado por ela é a aplicação de uma técnica sobre o suporte de
interação com o receptor, ou seja, a mediação entre o objeto comunicado e o receptor.
São esses elementos mediadores que criam e reforçam a relação com a
informação comunicada e os fatores de decodificação, a persuasão está intrínseca nesse
processo de discurso, pois quanto maior for a relação entre a informação comunicada e
o receptor, “maior será a força persuasiva da mensagem”.
A persuasão não busca apenas reforçar a semelhança com o original, mas sim
despertar a naturalidade das imagens. Isso é reproduzido, por exemplo, pelos artistas
barrocos, que conseguem demonstrar no mármore uma palmeira ao vento ou os tecidos
que compõem as vestes, conforme destaca Argan (2004 p. 133 in Gabrielli, p. 35) ao
explicar a importância do movimento no discurso persuasivo:
35
O discurso empolgado, emocionado e passional é mais persuasivo,
pois sem furor não se faz arte; mas o discurso deve ser discurso, e a
pintura deve ser pintura. Chega-se até o gesto: o movimento da mão
que espalha a cor é tão eloquente como o gesto oratório. Chega-se até
a simulação do furor, mais furioso manejo do pincel, num dilúvio de
pinceladas o mais demonstrativas, mas tão persuasivas quanto um
dilúvio de palavras.
Vale destacar que, como na poética aristotélica, a arte barroca, aqui comentada,
também considera a imaginação como sendo o “pensar por imagens”, e deixa clara a
proximidade entre a retórica e a imaginação.
A visualidade como canal de comunicação é algo que atravessará séculos,
passando por modernizações e adaptações, demonstrando aspectos pacientes e afáveis,
fortes e generosos, cujos tentáculos vislumbraremos em feitos históricos, para o bem
do alcance das comunicações nestas mesmas sociedades” (idem, ibidem, p. 38).
É notório, enfim, o fortalecimento da comunicação visual mesmo não
substituindo completamente a comunicação verbal. O ato de “ver”, além de acrescentar
informações ao conteúdo verbal, “passou a significar compreender”. Nesta relação entre
linguagem visual e verbal, está a publicidade, que é um formato comunicacional de
multicódigos. Gabrielli, (p. 52) afirma:
Fato é que a informação visual ganhou espaço na vida urbana e, se é
que isso pode ser considerado uma vantagem, o alfabetismo visual
não é e nem pretende ser um sistema tão lógico quanto a linguagem
verbal; e quanto mais características da linguagem visual forem
arroladas, mais claramente se enxerga que nestes argumentos estão à
base desta nossa idade contemporânea mediada, midiatizada e em
mudança contínua.
Sobre publicidade e persuasão, introduzimos agora algumas ideias de
Baudrillard (1973). Segundo este autor (p.174), é preciso distinguir a propaganda em
dois sentidos, enquanto discurso sobre o objeto e enquanto o próprio objeto cultural.
“Não tem qualquer responsabilidade na produção e na prática direta das coisas e
contudo retorna integralmente ao sistema dos objetos”, o por tratar do consumo,
mas por ser ela própria, objeto de consumo.
Entende-se, a partir da ótica desse autor, que a função tradicionalmente atribuída
à publicidade não corresponde à função que ela desempenha atualmente. Se antes, ela se
voltava à informação, a divulgar as características do produto e promover-lhe a venda,
função objetiva e primordial, passou a persuadir e depois à persuasão clandestina (p.
174), ele explica que a publicidade “visa agora a um consumo dirigido: tem-se ficado
36
muito amedrontado ante a ameaça de um condicionamento totalitário do homem e de
suas necessidades”.
Diferentemente do que se apregoava, a força da publicidade era menor que a
esperada: o excesso de peças anula ou neutraliza o poder impactante da publicidade.
Isso leva o autor a afirmar que a publicidade persuade e, ao mesmo tempo, dissuade,
conforme veremos:
Ora, pesquisas mostram que a força de impregnação publicitária era
menor do que se pensava: rapidamente produz-se uma reação por
saturação (as diversas publicidades se neutralizam umas às outras ou
cada uma por seus excessos). De outro lado, a injunção e a persuasão
levantam contra-motivações de todo tipo e resistências (racionais ou
irracionais: reação à passividade, não se quer „possuído‟, reação à
ênfase, à repetição do discurso, etc), em suma, o discurso publicitário
dissuade ao mesmo tempo em que persuade e parece que o
consumidor é, se não imunizado, pelo menos um usuário bastante
livre da mensagem publicitária. (p.175)
Baudrillard vai mais além e explica que a publicidade não trata apenas de
divulgar o produto e destacar suas qualidades, características e marca, mas também
serve como um álibi para a ordem social global. Ele destaca que:
Se resistimos cada vez mais ao imperativo publicitário, tornamo-nos,
ao contrário, cada vez mais sensíveis ao indicativo da publicidade,
isto é, à sua própria existência enquanto segundo produto de consumo
e manifestação de uma cultura. (p.175)
O autor (175-6) afirma que a mensagem publicitária, enquanto “demonstração”
do produto, não persuade ninguém, a eficácia da publicidade se através da “lógica da
fábula e da adesão”, bem como, a “lógica da crença e da regressão”, que despertam
sentimentos de infância, de proteção e de gratificação, como é o caso do Papai Noel
exemplificado pelo autor:
É a velha história do Papai Noel: as crianças não mais se interrogam
sobre sua exisncia e jamais a relacionam com os brinquedos que
recebem como causa e efeito a crença do Papai Noel é uma
fabulação racionalizante que permite preservar na segunda infância a
miraculosa relação de gratificação pelos pais (mais precisamente pela
mãe) que caracterizara as relações da primeira infância. Essa relação
miraculosa, completada pelos fatos, interioriza-se em uma crença que
é o seu prolongamento ideal. Esse romanesco não é artificial, pois se
funda no interesse recíproco que as duas partes têm em preservar essa
relação. O Papai Noel em tudo isso não tem importância e a criança só
acredita nele porque no fundo não tem importância. O que ela
consome através desta imagem, desta ficção, deste álibi - e em que
37
acreditará mesmo quando deixar de crer é o jogo da miraculosa
solicitude dos pais e as cautelas que tomam para serem cúmplices da
fábula. Os presentes somente sancionam tal compromisso (p.176).
O discurso publicitário se faz presente e de forma eficaz através de uma imagem,
mas também através do discurso ideológico. A mensagem chega ao consumidor de
forma direta, pessoalmente ao indivíduo, demonstrando no fundo, os valores, estilos,
tensões e relações de uma determinada sociedade. Porém, o consumidor não se sente
“alienado ou mistificado” pela publicidade, mas conquistado pelo interesse e atenção
que o anunciante demonstra ao consumidor e não pelo valor intrínseco do produto
anunciado. Este passa a sentir-se existindo, amado, e “personalizado”, isso é o essencial
da publicidade, transmitindo assim, o “calor comunicativo que vem a ser a sociedade
global de consumo”. (p.180) Ou seja, o discurso publicitário desperta os desejos latentes
com grande precisão, de tal forma que os consumidores se sentem impulsionados a
adquirir o produto.
A publicidade (como o conjunto de public relations) dissipa a
fragilidade psicológica com imensa solicitude, à qual respondemos
interiorizando o apelo que nos solicita, a imensa firma produtora não
apenas de bens, mas de calor comunicativo que vem a ser a sociedade
global de consumo (p.180).
A função lúdica da propaganda é também destacada por Baudrillard (p.181), o
qual comenta que, além de desempenhar “o papel de cartaz permanente do poder de
compra, real ou virtual, da sociedade no seu todo”, a publicidade possibilita a
construção de sonhos, de fantasias e de erotismo. Com relação a isso, ele acrescenta que
o produto se erotiza não por apresentar “temas sexuais”, mas pelo fato de que a ação
de compra apresenta elementos de um “jogo amoroso”, com “obscenidade, namoro,
prostituição e carga libidinal”. E acrescenta que a publicidade traz ao consumo a própria
imagem da sociedade.
neste caso uma função reguladora essencial. Com os sonhos, a
publicidade fixa e desvia um potencial imaginário. Como os sonhos,
permanece uma prática subjetiva e individual. Ainda como os sonhos,
existe sem negatividade e sem relatividade: nada de sinal de mais ou
de menos superlativa na sua essência, é de uma imanência total. Se
os sonhos de nossas noites são sem legendas, aquele que vivemos
despertos pelos muros de nossas cidades, pelos jornais, pelas telas de
cinema é coberto de legendas, é subtitulado de todos os lados, mas
tanto um como o outro associam a fabulação mais viva às
determinações mais pobres e, assim como os sonhos noturnos têm por
38
função preservar o sono, os prestígios da publicidade e do consumo
têm por função favorecer a absorção espontânea dos valores sociais
ambientes e a regressão individual do consenso social. (p. 182)
É nesta relação que o autor estabelece com a estória ou narrativa e com o
aspecto lúdico proporcionado pela propaganda que se faz presente o conto de fadas,
gênero que impregna as propagandas sobre as quais nos debruçamos neste trabalho.
Seria o conto de fadas também uma forma de despertar os sentimentos e lembranças
infantis que, por sua vez, despertam sentimentos de proteção e de gratificação. Ele é
utilizado pela publicidade como forma de seduzir e persuadir o público-alvo. As
características desse recurso de persuasão é o que buscaremos conhecer no próximo
capítulo.
39
Capítulo II
Conto de Fadas: território da
realização de sonhos
Era uma vez...
Esse território para o qual essa expressão leva, é impregnado da promessa de
felicidade, da busca da realização de um desejo que, certamente, nos levará a um “final
feliz”.
Coincidência com o propósito da publicidade? Por enquanto, o texto irá deter-se
à descrição desse gênero para, posteriormente, serem estabelecidas as relações entre um
e outro.
Buscou-se, num primeiro momento, traçar um breve panorama da origem e da
evolução dos contos de fadas. Em seguida, alguns estudos sobre os aspectos
fundamentais para o estabelecimento do diálogo entre os contos de fadas e a
linguagem/mensagem publicitária.
Os contos de fadas surgem, assim como os mitos, em tempos remotos, na busca
de aspectos que possam oferecer respostas às necessidades de explicação do mundo e
das relações internas que caracterizam os relacionamentos e os sentimentos humanos.
A infância é caracterizada por frequentes lutas internas. Nelas, o ser humano está
sempre vinculado a outros, pelos quais nutre sentimentos ambíguos e desencontrados.
Esses sentimentos, na maioria das vezes, não encontram explicação no mundo racional
e para isso existem os contos de fadas que auxiliam nestas situações.
Bettelheim (1988, p.11) nos avisa que
Hoje, como no passado, a tarefa mais importante e também mais
difícil na criação de uma criança é ajudá-la a encontrar significado na
vida. Muitas experiências são necessárias para se chegar a isso. A
criança, à medida que se desenvolve, deve aprender passo a passo a se
entender melhor: com isto torna-se mais capaz de entender os outros,
e eventualmente pode-se relacionar com eles de forma mutuamente
satisfatória e significativa.
O que fica ainda mais claro é que a criança necessita de aparatos para que possa
se desenvolver e tornar-se um adulto. É neste momento que se pode solicitar a ajuda dos
contos de fadas. Encontram-se raízes dessa forma de elaboração em praticamente todos
os seres humanos adultos.
40
Ainda segundo o autor, o ser humano cresce sempre em busca de sabedoria,
inclusive para que possa viver e conviver com outros seres humanos. Nestes casos é
preciso entender que esta “sabedoria”, que muitas vezes pode ser chamada de
amadurecimento, será algo que o surgirá de forma mágica, mas será construída no
decorrer dos anos e dos tempos, sempre compatível à mentalidade e à vivência de uma
vida interior saudável.
O conto de fadas surge então como uma forma maravilhosa para que a criança
não compreenda seu mundo, mas também estabeleça formas de elaboração de seus
conteúdos internos.
De acordo com Jean Piaget (2002), a criança trabalha sempre com o presente e é
preciso organizar o sentido da vida para ela nesse tempo. Para a criança o passado é
passado, não tem como ser mudado, e por isso nem merece ser pensado; enquanto que o
futuro é algo que ainda não existe em sua estrutura cognitiva.
Pensando desta forma, apesar de muito antigos, os contos de fadas são obras
sempre atuais. Essa característica é perceptível já em sua estrutura: pode-se observar as
situações em que as falas e seus inícios são atemporais. Por exemplo, o “era uma vez...”,
“em um tempo muito, muito distante...”, “em algum lugar do mundo...” etc. As
referências sempre são feitas no não presente, mas se presentificam a partir do
momento em que não fica claro em que tempos ou em quais locais se dão os fatos
dentro de uma realidade objetiva, específica.
Esse fato é visto também quando se considera que o conto de fadas é,
geralmente, vivenciado em um lugar que não se identifica com a realidade da criança ou
do meio que a cerca. Sob essa ótica, os contos de fadas proporcionam à criança a
possibilidade de vivenciar, através dos próprios contos de fadas, diferentes realidades.
Muitas vezes, entretanto, esses contos trazem até a criança personagens, situações e
formas que a auxiliam no entendimento dos fatos inseridos na sua realidade.
No prefácio do livro O Juízo Moral na Criança (Jean Piaget), Yves de La Taille
comenta sobre o valor dos contos na organização do juízo moral na criança, visto que
eles oferecem uma elaboração do mundo interior e que necessita estar sempre em
consubstanciação com seu amadurecimento. Aliás, o que muitas vezes é encontrado é
um processo maturacional paralelo à reorganização moral no mundo interno (PIAGET,
1994).
Os contos de fadas, portanto, atualizam e reinterpretam questões com as quais o
homem desde sempre conviveu: conflitos com o poder, os medos, os valores universais;
41
de forma a misturar fantasia e realidade.
O ser humano tem sempre a necessidade de se ver em determinadas situações
nas quais o seu reconhecimento pode não ser tão claro e explícito, pois assim consegue
um distanciamento saudável de seus conflitos, a fim de partir para suas resoluções ou,
pelo menos, para a busca de reflexões.
Também Góes retoma o mito para caracterizar o conto de fadas. Segundo a
autora (1984, p.67), o narrar artístico do homem nasceu a partir do momento em que ele
sentiu necessidade de procurar uma explicação qualquer para os fatos que aconteciam
ao seu redor. Assim, da palavra viva e animada, da alma do povo, surgiu o mito e deste
nasceu o conto de fadas.
Segundo a autora, a narração dos mitos era “restrita a um público de iniciados”,
para posteriormente serem narrados em outros ambientes, como lares, praças públicas,
na forma de entretenimento. A mesma importância é acentuada em Mendes:
Os mitos eram tão importantes para os membros das comunidades
primitivas quanto as religiões atuais o são para os seus seguidores,
pois eram a explicação para a vida, a individual e a social, a passada,
a presente e a futura (MENDES in RIBEIRO, 2007, p.24)
Partindo de situações absolutamente reais e concretas, nas quais fatalmente as
emoções estarão envolvidas, os contos se passam em lugares apenas esboçados, fora dos
limites do tempo e do espaço, mas possíveis de se caminhar. É o mundo maravilhoso
que faz emergir a fantasia e toda espécie de pulsão criativa.
Góes (p.106) confirma esse aspecto ao dizer que o conto é uma narração
maravilhosa e novelesca, sem determinação do local das ações nem individualização
das personagens, respondendo a uma concepção infantil do universo, e de uma
indiferença moral absoluta.
Segundo Eliade (2000, p.171-2) “nos contos, o mundo é simples e transparente”,
além disso, eles apresentam aspectos de grande otimismo. A autora comenta a presença
do conto nas sociedades modernas e destaca sua função imaginária para o homem,
o conto reata e prolonga a “iniciação” ao vel do imaginário. Se ele
representa um divertimento ou uma evasão, é apenas para a
consciência banalizada e, particularmente, para a consciência do
homem moderno; na psique profunda, os enredos iniciatórios
conservam sua seriedade e continuam a transmitir sua mensagem, a
produzir mutações. Sem se dar conta e acreditando estar se divertindo
ou evadindo, o homem das sociedades modernas ainda se beneficia
dessa iniciação imaginária proporcionada pelos contos (ELIADE,
42
2000,p.174).
Coelho (1987, p.7-8) esclarece que por muito tempo a ciência procurou eliminar
as ideias de transcendência, de mistério e de sobrenatural. Porém, estamos vivendo um
novo momento, de “abertura científica”, em que está de volta a “visão mágica do
mundo”. Ela acrescenta que:
Enfim, estamos vivendo um momento propício à volta do
maravilhoso (...). O maravilhoso, o imaginário, o onírico, o
fantástico... deixaram de ser vistos como pura fantasia ou mentira,
para serem tratados como portas que se abrem para determinadas
verdades humanas (p. 9).
Essa visão mágica do mundo deixou ser algo restrito apenas às crianças, hoje é
algo de interesse dos adultos, que são muitas vezes seduzidos por essas narrativas. O
interesse dos adultos pelos contos de fadas, é algo que vem desde o início do século
XIX. (idem, ibidem, p. 72).
Coelho (p.11-13) explica a distinção existente entre os contos de fadas e os
contos maravilhosos. Ambos os contos pertencem ao “universo do maravilhoso”, porém
é notável a diferença entre eles quando analisamos determinados grupos de estórias,
pois expressam atitudes humanas bem diferentes diante da vida. Nessa distinção, os
contos de fadas A Bela Adormecida, A Bela e a Fera e Rapunzel, são narrativas que
possuem como núcleo problemático a realização essencial do herói ou da heroína,
realização que, via de regra, está visceralmente ligada à união homem-mulher. Os
contos de fadas ainda se caracterizam por revelarem amores estranhos, fatais e eternos.
Outra característica também bastante forte é que no conto de fadas está sempre
presente a promessa/possibilidade de um final feliz, no qual a realização do objetivo
final é praticamente certa.
Os contos maravilhosos, segundo a autora, o possuem fadas, desenvolvem-se
no cotidiano mágico, destacam-se pelos animais falantes, objetos mágicos, gênios,
duendes, e pela problemática social e ética do ser humano. Além de apresentar a busca
pela satisfação das necessidades sicas (estômago, sexo e vontade de poder), e suas
paixões do corpo.
Trata-se sempre do desejo de autorrealização do herói (ou anti-herói)
no âmbito socioeconômico, através da conquista de bens, riquezas,
poder material etc. Geralmente, a miséria ou a necessidade de
sobrevivência física é ponto de partida para as aventuras da busca.
(p.14)
43
Apesar de apresentarem diferenças, são muito parecidos e estão sempre ligados a
fatos entendidos como dificuldades iniciais, mas que se transformam em facilidades
para a organização interior e moral, tanto do herói da estória quanto da criança que o
conto.
Alguns contos m basicamente a mesma estrutura literária e esta repetição pode
também ser muito importante para a organização emocional e cognitiva do indivíduo
em torno das questões trabalhadas.
Em Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, tem-se o conflito da menina que
precisa se separar da mãe para amadurecer, é preciso que ela sozinha à casa da avó,
passando pela estrada ou floresta e correndo o risco de encontrar o lobo. Neste conto
podem ser vistos vários aspectos da educação/formação do indivíduo: a conseqüência da
desobediência, visto que a mãe pediu para ir pela estrada e ela quis ir pela floresta, as
experiências de amadurecimento como o sair de casa sozinha e o papel da menina que
sempre ajuda a mãe e deve ser companheira. Os conflitos entre ter o problema e
enfrentar são demonstrados claramente e são deixados no momento em que existe a
compreensão de que, sendo criança, ainda pode contar com a ajuda sempre que
necessitar (o caçador no final).
Sob o ponto de vista da psicanálise, o ponto fundamental nessa história está,
segundo Bettelheim (1988), na ameaça da devoração, símbolo das ligações edípicas que
persistem no inconsciente da menina pré-púbere e que poderá levá-la a expor-se a
perigosas seduções. Remontando as fontes de que se nutriu Perrault para escrever seus
contos, Coelho (1991, p. 97) constata em suas pesquisas que a provável célula originária
deste conto está no mito grego de Cronos. Diz o mito que o mais jovem dos Titãs,
Cronos, filho de Urano, encerra a primeira geração dos deuses cortando fora os
testículos do pai. Para não ser destronado por causa da progenitude, devora os próprios
filhos, os quais, de modo miraculoso, conseguem sair de seu estômago e o encher de
pedras. Exatamente o final escolhido pelos Irmãos Grimm.
O próprio título já anuncia no diminutivo e na cor vermelha uma ambivalência: o
vermelho é a cor que significa emoções violentas, incluindo as sexuais. Ora, segundo
Bettelheim (1988, p. 120), a menina é muito pequena para saber lidar com o que
simboliza o chapeuzinho vermelho e com o que seu uso atrai. Essa imaturidade faz com
que a menina recaia nas formas edípicas de lidar com os sentimentos sexuais, buscando
44
eliminar os competidores mais experientes.
A simbologia do ato de devoração é chave nesta leitura, já que
metaforiza o ritual de passagem ou transformação. Chapeuzinho salta
da goela: morte/escuridão ícone do princípio da realidade para
uma nova vida, a luz iniciática que se segue à descida do inferno. Re-
nasce. Passa de um estado “letárgico” para um grau mais elevado de
exisncia a partir da “morte” da inocência. Ressurge da “maldade”,
necessária neste ritual, amadurece e torna-se capaz de lidar com suas
emoções (SOUZA, 2010, p. 105).
em Cinderela, veem-se as diferenças fraternas e as trapaças que acontecem
nestas relações. As dificuldades de relacionamento fraterno colocam em jogo todas as
benevolências individuais, mas a presença da fada oferece alento e acolhimento neste
momento, fazendo inclusive com que as diferenças que caracterizam uma certa
inferioridade possam desaparecer.
O complexo de inferioridade e os conflitos de desentendimentos maternos
também são apresentados, ainda que com o suporte da fada madrinha, mostrando que a
criança inicia seu processo de organização interior, mas ainda está amparada pelos
adultos.
Estes são apenas alguns dos exemplos mais comuns e que podem demonstrar
apenas um pouco daqueles conflitos internos que podem ser apresentados, questionados
e elaborados diante das leituras e compreensão dos contos de fadas.
Os contos também trazem personagens corajosos e destemidos, que serão
posteriormente recompensados e reconhecidos pelas suas “bravas atitudes”.
Na resolução dos problemas que fatalmente aparecem, encontramos o plano da
fantasia e a introdução de elementos mágicos fadas, duendes, bruxas, anões, gigantes,
etc. Personagens do bem ou do mal definem os obstáculos a serem superados, bem
como os auxílios a serem dados. No fim, um retorno ao real, mas sempre marcado
por um desfecho que restaura a ordem e desemboca no final feliz.
Esses elementos se harmonizam de forma a envolver o leitor e assim o fazem em
decorrência, a princípio, da presença do maravilhoso. Segundo Jesualdo (1982, p.122),
“a presença do maravilhoso é que lhe caráter imaginativo, este, mais que o não-
realismo, não-verismo, é que predomina geralmente nesses contos”. Desprezar a
questão de sua possível realidade é o ponto de partida para a apreciação do conto de
fadas. É a arte da representação que se instaura e é o que importa.
Freud (1996, p. 45) relatava a importância da literatura e da mitologia para o
desenvolvimento dos indivíduos; pois demonstrava que suas questões eram
45
“elaboradas” a partir do momento em que as verdades” eram ditas de forma
amenizada. Segundo ele, os contos e os mitos são de extrema importância a partir do
momento em que o indivíduo torna-se envolvido pelas estórias e enxerga através delas
uma forma de organizar seu pensamento e seu processo de amadurecimento.
Mesmo vendo as igualdades, é possível enxergar também as diferenças,
lembrando principalmente que os mitos são extremamente trágicos e pessimistas,
enquanto os contos, sejam eles de fadas ou maravilhosos, são otimistas e sempre
voltados para uma realização positiva.
Voltemos, agora, para a estrutura narrativa dos contos de fadas, começando pelo
personagem. Em geral são poucos, mas evoluem no decorrer da estória. São
personagens que se caracterizam por serem peculiares e, exatamente por isso, se
eternizam... Quem se esquece da maldade na madrasta da Branca de Neve? Da doçura e
subserviência da Cinderela ou Gata Borralheira? Esses personagens têm origem, quer
num castelo encantado ou numa cabana humilde. Na maneira como atuam, as
características que os distinguem os aproximam do caricato, dado o exagero com que
são descritos: excessivamente bons ou maus, bonitos ou feios, valentes ou medrosos,
nobres ou mendigos. O maniqueísmo é a marca, não havendo nem uma sombra de
dúvida na definição da personalidade de cada um. Vejamos nas palavras de Jesualdo a
ampliação dessa descrição:
As qualidades físicas ou morais são nítidas em cada personagem (...):
personificam orgulho, modéstia, coragem, feiura, beleza, bondade,
maldade. De feitos ou virtudes, nenhum deles é considerado
desdenhosamente, bem ao contrário. Essas características dos
personagens são destacadas na trama dos seus atos e destinos, nos
quais, em geral, a bondade triunfa sobre a maldade, o corajoso sobre
o covarde, o belo sobre o feio, o vício é punido e a virtude exaltada
(JESUALDO. 1982, p.124).
os personagens secundários estão presentes nos avós, pais, madrastas, reis,
trabalhadores, animais dotados de alma, além de objetos animados como vassouras,
varinhas, espelhos etc. As características físicas e morais são sempre tidas e
demonstram orgulho, modéstia, coragem, covardia, bondade, maldade...
Outro elemento que já comentamos anteriormente, mas que vale a pena se
considerar, é o ambiente onde se desenvolve a ação. O lugar existe em qualquer lugar...
não um detalhamento que o torne peculiar, como acontecia com os personagens.
“Num certo lugar” é a referência geográfica. E pode ser qualquer bosque sombrio e
46
misterioso, qualquer palácio encantado habitado por reis e rainhas, príncipes e
princesas, qualquer cabana perdida, pobrezinha e solitária. Para Goes (idem, p.117), o
meio onde se desenrolam as ações dos contos, nunca é detalhado, preciso, deixa
transparecer esse país de maravilhas bem fora do tempo e do espaço. Se o espaço é
nublado, o tempo se reduz ao “era uma vez”... também se faz indefinido.
Enfim, a mesma autora conclui que os contos de fadas são verdadeiras obras de
arte e recorre a Bettelheim (in Góes, 1984, p. 121) para afirmar que:
Os contos de fadas são ímpares, não só como forma de literatura, mas
como obras de arte integralmente compreensíveis para a criança,
como nenhuma outra forma de arte o é. Como sucede com toda
grande obra de arte, o significado mais profundo do conto de fadas
será diferente para a mesma pessoa em vários momentos de sua vida.
A criança extraisignificados diferentes do mesmo contos de fadas,
dependendo de seus interesses e necessidades do momento.
Consideramos que a afirmação anterior caberia muito bem para adultos: onde o
autor cita a criança, acreditamos ainda, com base em autores como Jean Piaget e
Sigmund Freud, que para os adultos os benefícios dos contos de fadas seriam os
mesmos, conforme seus interesses.
Góes (idem, p.121) acrescenta que os contos de fadas transmitem a mensagem
de uma vida compensadora e boa ao alcance de todos, independente dos problemas e
dificuldades que apareçam. Para ela, o conto de fadas é terapêutico, porque o paciente
encontra sua própria solução através do que a história demonstra sobre conflitos
internos. E apresentam de modo simples os problemas existenciais da humanidade.
Esboçados personagens, tempo, lugar, centremos-nos agora na ação, ou nos
acontecimentos que se sucedem nos contos. Ora, a ação é o motor de todo texto
narrativo e sobre a narrativa, vamos abrir um parêntese.
Lembremos que os contos de fadas se incluem na modalidade narrativa,
estudada por vários teóricos. Para Barthes (1976) a narrativa funciona como substrato
de todo discurso ela está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas
as sociedades. Para Greimas (1972), o princípio estruturador da narrativa está na
dimensão temporal dicotomizada em anterioridade e posterioridade. Para Todorov
(1980), os princípios narrativos também estão calcados na dimensão temporal de
sucessão e transformação. Segundo este autor, a mesma maneira de ver a narrativa
como encadeamento cronológico e causal está em Propp (1984). Décio Pignatari (1979)
nas descobertas de Propp, não somente no que diz respeito às funções da narrativa,
47
mas no fato de ser estruturada segundo padrões de predicação, associações por
contiguidade, ligadas a associações de causa e efeito, a constatação de que a prosa é
reino natural da contiguidade. (SOUZA, 2010, p. 70)
Foi Propp (1984), quem criou o método que analisa as invariantes estruturais da
narrativa, ou seja, os passos da narrativa que não mudam. Esse método é utilizado por
Coelho (1997, p. 100), e aqui reproduzimos exemplificando-o com Chapeuzinho
Vermelho.
Chapeuzinho Vermelho
[Invariantes] [Variantes]
Desígnio: A protagonista tem por objetivo levar até a avó
doente uma cesta de frutas e guloseimas enviada por sua mãe.
Viagem: Longe do ambiente familiar, Chapeuzinho entra na
floresta para encontrar a avó que morava num local perigoso por haver animais
ferozes, dentre eles, o lobo mau.
Obstáculo: Tendo encontrado o lobo no caminho e, inocentemente,
revelado a morada da sua avó, Chapeuzinho o encontra no lugar da avó, prontinho
pata devorá-la tal qual fizera com sua avozinha.
Mediação: Um caçador que passava por ali ouviu gritos e entrou na
casa da avó de Chapeuzinho. Encontrou o lobo adormecido de tanto comer... assim,
abriu sua barriga e tirou de lá Chapeuzinho e sua avó, sãs e salvas!!!
Conquista do objetivo: Tendo sido salvas pelo caçador, Chapeuzinho
Vermelho e a avó foram felizes para sempre...
Também acerca da narrativa, Santaella (2001), ao expor sua classificação da
linguagem verbal em Matrizes de Linguagem e Pensamento, destaca como categoria
fundamental da narrativa o encadeamento temporal-sucessivo das ações das
personagens que vão compondo os acontecimentos e define a narração como “o
universo da ação, do fazer: ação que é narrada” (idem, p. 322). Sendo aão decorrente
do conflito, qualquer tipo de narração está ligado a um confronto de forças.
O conto de fadas encaixa-se na classificação proposta por Santaella como
narrativa causal. Tal forma de narrar imprime entre uma e outra sequência narrativa
uma relação de causalidade: uma ação ou sequência encontra seu lugar porque outra
48
a determinou. Numa das submodalidades dessa classificação, que aqui não
aprofundaremos pela natureza da nossa pesquisa, ocorre que as ações estão intimamente
ligadas entre si ou com os traços de caráter da personagem, por exemplo: a ação de ser
valente determina de imediato a ação de desafiar o monstro, de derrotá-lo e de casar-se
com a princesa.
São essas relações de causalidade as que estão presentes nos contos de fadas.
Exemplificando com Chapeuzinho, temos que sua inocência levou o lobo até a casa da
avó que, acreditando ser a netinha quem batia a porta, deixou-o entrar. O lobo,
aproveitando-se agora da velhinha adoentada, a devora por inteiro, veste-se com suas
roupas, deita-se me sua cama e aguarda Chapeuzinho. A menina chega à casa da avó e,
caindo na lábia do lobo, é também devorada por ele. Antes disso, um caçador ao longe,
ouve os gritos da menina e, ao chegar na casa e encontrando o lobo adormecido com a
barriga cheia resolve abri-la e de saem a avó e a netinha vivas e felizes... Enfim, um
fato desencadeia outro fato, um é causa do outro. Mas nada ocorre tranquilamente... os
obstáculos enfrentados pelos personagens na busca de um desenlace feliz são
obrigatórios nesse percurso e tornam mais compensatório todo sofrimento transcorrido.
O que precisamos evidenciar é que a motivação das ações é sempre resolvida,
com frequência, repentinamente. “Seus prêmios e castigos são imediatos e acessíveis a
qualquer mentalidade” (JESUALDO, 1982, p.125).
Ainda segundo Piaget (2002), o ser humano tem o pensamento animista até a
puberdade e por isso tem a necessidade de utilizar-se da fantasia para que possa resolver
questões como lidar com a realidade e elaborar a estruturação do seu eu interior (ego na
linguagem freudiana).
Ribeiro (2007) salienta a importância da leitura de contos, o somente para o
conhecimento dos múltiplos recursos da língua, mas também para possibilitar ao
homem utilizar-se de sistemas de signos para entender e representar sua própria
realidade. Como percebemos na citação de Rojo destacada pela autora:
Um sistema de signos específico, hisrico e social, que possibilita ao
homem significar o mundo e a sociedade. Assim, aprendê-la é
aprender não somente as palavras e saber combi-las em expressões
complexas, mas aprender pragmaticamente os seus significados e,
com eles, os modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a
realidade e a si mesmas (ROJO 2000, p.17 in RIBEIRO ,2007).
De uma forma geral, o ser humano utiliza-se do conto de fadas ou dos contos
maravilhosos ou ainda dos mitos como ponte entre o real (muitas vezes doloroso) e a
49
fantasia (a resolução idealizada).
Pois bem, a publicidade adota essa mesma estratégia de produção de mitos ou
imersão no pensamento mágico. Não é incomum a presença de atributos mágicos ou
detentores de poderes sobrenaturais em produtos divulgados pela publicidade. Para
Barthes (1988), os publicitários são produtores de mitos. Em “Mitologias”, o autor
afirma que a sociedade capitalista é mítica por excelência. Segundo essa ótica, enquanto
produtores de mitos, os publicitários procuram intencionalmente fazer com que o
consumidor de um produto, transformado em mito, assimile o conceito que se quer
atribuir a esse produto. Assim, quem compra um automóvel, por exemplo, está
adquirindo status, glamour, sensualidade... e a inveja provocada no outro. Tudo isso
advém da mitificação do objeto, aparentemente, inerente a sua natureza.
Vimos no capítulo anterior que, sob a ótica do sociólogo francês, Jean
Baudrillard, em “O sistema dos objetos”, a publicidade ganha outro estatuto. Dois são
os aspectos que muito nos interessam nesse trabalho. O primeiro, diz respeito à
persuasão para o teórico, a publicidade dissuade ao mesmo tempo que persuade ; o
outro, é a lógica de sua eficácia que deixou de ser calcada no enunciado e na prova e
passou a ser a lógica da “crença e da regressão”.
Para atarmos essa lógica à dos contos de fadas, no próximo capítulo nos
ateremos às ideias de Baudrillard e ao modelo dionisíaco, que se fundamenta na lógica
do “Papai Noel”.
50
Capítulo III
Publicidade e Contos de Fadas - Qual a relação de fato?
Vários teóricos discutem o conceito de propaganda, sua influência social e suas
funções. Entretanto, é em Baudrillard (1973) que encontramos grande contribuição para
nosso estudo, conforme já anunciamos anteriormente.
Vimos, na esteira de Baudrillard, que a publicidade trabalha com os sonhos.
Apesar de ela se constituir a partir de uma realidade, um objeto, algo a ser vendido,
segue para a esfera do desejo, fora dos limites da realidade e constrói um mundo
próprio, mas que irá ao encontro dos desejos do consumidor.
Segundo o autor (idem, p.183), pesquisas que revelam a força da relação
“propaganda indivíduo sociedade”, no caso da ausência de propaganda, o indivíduo
se sentiria frustrado, isolado e desprezado. Assim, é possível dizer que a propaganda
auxilia o indivíduo em sua convivência social, não ativa, mas calorosa, colorida,
fantasiosa, além de proporcionar bem-estar e a satisfação de seus desejos e sonhos.
Para Carrascoza (2004), essa concepção de Baudrillard sobre a publicidade na
sua lógica de fábula”, entendida nesse contexto como narratividade, dialoga com a
elaboração textual publicitária conhecida como modelo “dionisíaco”, que a nosso ver
abriga as peças que apresentamos como objeto de estudo, cuja temática está assentada
nos contos de fadas.
O discurso dionisíaco configura-se, segundo Carrascoza, como uma das duas
grandes linhas de persuasão: a apolínea (na qual se destacam os elementos racionais) e a
dionisíaca (dominada pelos procedimentos que visam despertar emoções). Tais linhas
não são excludentes, mas complementares. O autor, desta forma, polariza entre razão e
emoção as formas de discurso.
Para compreendermos as características do modelo dionísiaco, seus modos de
tratar a persuasão, pensamos ser necessário apresentarmos o outro modelo que lhe é
avesso: o apolíneo. Tanto o modelo apolíneo como o dionisíaco são nomeados segundo
terminologia de Nietzsche (1992). Mais adiante, resgataremos esse autor para
contextualizarmos tais modelos. Salientamos ainda que ambos estão calcados nos
gêneros anunciados por Aristóteles em sua arte retórica: o apolíneo, ao gênero
deliberativo; o dionisíaco, ao gênero demonstrativo ou epidíctico. Segundo Carrascoza
(2004, p.26), os “textos apolíneos favorecem a persuasão pelo hemisfério esquerdo do
51
cérebro, ao passo que os dionisíacos o fazem pelo hemisfério direito”. O autor baseia-
se, para esta afirmação, no fato de que lado esquerdo do cérebro é “lógico, linear e
objetivo, e focaliza os detalhes. O lado direito é intuitivo, caótico e subjetivo, e capta o
quadro geral.
Tanto o modelo apolíneo quanto o modelo dionisíaco, como formas de
persuasão, estão presentes nos textos publicitários. Como mencionado, ambos se
complementam, não são excludentes, possuem recursos comuns e específicos,
“resultando em dois cânones com nítidas particularidades, que regem a tessitura do
texto publicitário de mídia impressa (CARRASCOZA, 2004, p. 185).
Uma exposição comparativa faz-se necessária, conforme anunciado
anteriormente, para traçarmos as bases de nossas reflexões e análises.
1. O modelo apolíneo: a persuasão racional
Os textos publicitários que seguem o modelo apolíneo são aqueles que buscam
persuadir o consumidor por meio da racionalidade. Muitas vezes, se apoiam no sonho,
de acordo com a acepção nietzschiana destacada por Carrascoza (p.25): é o sonho “o
espaço daquilo que é almejado pelo indivíduo, de sua aspiração”.
Recorrermos ao próprio Nietzsche (1992, p. 28-9) para retermos o significado
do sonho neste seu modelo:
A bela aparência do sonho, em cuja produção cada ser humano é um
artista consumado, constitui a precondição de toda arte plástica.(...)
Assim como o filósofo procede para com a realidade da existência, do
mesmo modo se comporta a pessoa suscetível ao artístico, em face da
realidade do sonho; observa-o precisa e prazerosamente, pois a partir
dessas imagens interpreta a vida e com base nessas ocorrências
exercita-se para a vida. As imagens agradáveis e amistosas não são as
únicas que o sujeito experimenta dentro de si com aquela
onicompreensão, mas outrossim as sérias, sombrias, tristes, escuras,
as súbitas inibições, as zombarias do acaso, as inquietas expectativas,
em suma, toda a “divina comédia” da vida, com o seu Inferno, desfila
à sua frente, não só como um jogo de sombras pois a pessoa vive e
sofre com tais cenas mas tampouco sem aquela fugaz sensação da
aparência; e talvez alguns, como eu, se lembrem de que, em meio aos
perigos e sobressaltos dos sonhos, por vezes tomaram-se de coragem
e conseguiram exclamar : “É um sonho! Quero continuar a sonhá-
lo!”. (...) o nosso ser mais íntimo, o fundo comum a todos nós, colhe
no sonho uma experiência de profundo prazer e jubilosa necessidade.
Segundo Nietzsche (p.29), Apolo representa o deus dos poderes
52
configuradores, é ao mesmo tempo o deus divinatório”. Neste contexto, Apolo
representa também a divindade da luz, reinando sobre a bela aparência do mundo
interior, da fantasia, da verdade superior, da perfeição. Outra característica de Apolo,
sua “divindade ética”, exige o “autoconhecimento”, como diz o autor, “e assim corre, ao
lado da necessidade estética, a exigência do „conhecer-te a ti mesmo‟ e „nada em
demasia‟” (p.40).
Em Bittencourt (s/a, p.163) encontramos uma importante explicação sobre
Apolo, tendo por base a visão de Nietzsche, em que deixa claro o significado do sonho
nesta concepção:
A arte aponea, cultuadora da expressão da beleza na aparência das
formas, visa então estabelecer a quietude do ânimo individual,
tornando a vida cotidiana de todo indivíduo plenamente aprazível de
ser vivida. A intensa luz natural contida na gloriosa divindade de
Apolo banhava de tranquilidade o âmago do homem olímpico, que
projetava no mundo circundante a beleza harmônica do deus,
representada principalmente no mundo dos sonhos, estado de
consciência por excelência para a manifestação da cintilação gica
do espírito apolíneo.
Voltando aos anúncios de cunho apolíneo, entendemos serem aqueles que
possuem um esquema de persuasão retórico, que visa aconselhar ou desaconselhar o
receptor, geralmente através do formato dissertativo. Tem, sobretudo, na racionalidade,
a base de sua configuração.
É predominante a valorização prática e crítica, ou seja, a propaganda apresenta,
por exemplo, indicações claras de conforto, de sabor e faz a relação específica entre
custo/benefício, bem como inovações/preço. Além disso, apresenta também outras
especificidades, como o apelo à autoridade através de afirmações e repetições. Busca
argumentar com informação, dirige-se à razão de quem para convencê-lo à ação
futura.
É perceptível que textos publicitários tenham como objetivo, primeiramente,
captar o interesse do público, que é uma condição indispensável para que se desenvolva
qualquer tipo de argumentação. Neste contexto nos apoiamos na seguinte afirmação de
Carrascoza (p. 30)
o intuito da publicidade é aconselhar o público a julgar favorável um
produto/serviço ou uma marca, o que pode resultar numa ação ulterior
de compra. Para isso, elogia-se o produto, louvam-se as qualidades e
seu fabricante, o que torna relevante também seu caráter
demonstrativo.
53
Retomamos Perelman e Tyteca (idem, ibidem, p. 74), a fim de confirmar o que
aqui afirmamos:
o contato inicial não serve apenas como condição prévia da
argumentação, mas como elemento essencial para todo o seu
desenvolvimento. A tese de adesão inicial, portanto determinará a
adesão à tese principal. É por meio dela, primeiramente, que, para
persuadir, se constroem as bases do contato entre autor e auditório,
com o intuito de determinar uma ação imediata ou futura.
Os textos apolíneos, por serem deliberativos, conforme relata Carrascoza (2004,
p. 31), enfocam um único assunto, introduzido no próprio título. O desenvolvimento
da argumentação utilizada no anúncio deve manter o contato existente entre o leitor e o
autor, por isso a necessidade de uma escolha lexical que possibilite acentuar a
intimidade com o leitor/receptor de forma a simular um diálogo impossível de ocorrer
na realidade.
Outro aspecto importante apresentado no modelo apolíneo é que os anúncios
construídos na visão lógico-racional acabam possuindo um “esfriamento” da mensagem
no sentido preconizado por McLuhan (1969) , isto é, o texto apresenta poucas
informações, com baixo grau de complexidade, tornando a leitura fluente, de fácil
decodificação.
As frases costumam ser curtas e simples, de modo a atingirem o público sem
qualquer dificuldade. Retomando as lições de Perelman e Tyteca, Carrascoza (idem,
p.37) diz que esse estilo pido é favorável ao raciocínio, e complementa “e daí advém
que os oradores concisos e breves penetrem pouco o coração e emocionam menos”.
Sendo deliberativo o texto publicitário no modelo apolíneo, uma vez que
objetiva aconselhar, é natural o privilégio das funções conativa e fática da linguagem.
Vale esclarecer, brevemente, as funções conativa e tica, a partir das ideias de Roman
Jakobson.
Segundo Jakobson (1971, p. 126), a função fática é aquela que serve
fundamentalmente para prolongar ou interromper a comunicação, através de “fórmulas
ritualizadas” ou por diálogos inteiros, tanto para verificar se o canal funciona, como
também para obter a atenção do interlocutor ou até para confirmar sua atenção. O
teórico afirma que
O empenho de iniciar e manter a comunicação é típico das aves
falantes; dessarte, a função fática da linguagem é a única que
partilham com os seres humanos. É também a primeira função verbal
que as crianças adquirem; elas têm tendência a comunicar-se antes de
54
serem capazes de enviar ou receber comunicação informativa.
A função fática instaura ou facilita a comunicação, procura assegurar a eficácia
do processo comunicativo. Sua característica principal é a de preparar a comunicação. A
mensagem é truncada, reticente, apresenta excesso de repetições e desejo de
compreensão.
A função conativa ou apelativa é dirigida, especificamente, ao receptor. A
linguagem apresenta caráter persuasivo, sedutor, procura aproximar-se do receptor, seja
ele leitor, ouvinte ou espectador. A intenção é de convencer, mudar o comportamento
do outro. É a linguagem dos textos publicitários, dos sermões, discursos, exortações,
orações, teatro didático e político.
Jakobson (1971, p. 125) nos diz que a função conativa tem sua orientação para o
destinatário e acrescenta que ela:
(...) encontra sua expressão gramatical mais pura no vocativo e no
imperativo, que sintática, morfológica e amiúde até fonologicamente,
se afastam das outras categorias nominais e verbais. As sentenças
imperativas diferem fundamentalmente das sentenças declarativas:
estas podem e aquelas não podem ser submetidas à prova da verdade.
Consideramos pertinente comentarmos aqui que as seis funções da linguagem
estão diretamente conectadas aos elementos da comunicação. Jakobson (1971, p. 123)
destaca que “a estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função
predominante”.
Desta maneira, é conveniente explicarmos as demais funções, que elas serão
retomadas mais adiante, quando expusermos as características do texto dionisíaco. A
função emotiva é a que põe ênfase no emissor. Linguagem subjetiva na qual
predominam as sensações, emoções, opiniões, reflexões pessoais, a carga emocional. O
tom é quase sempre confessional (emprego da pessoa). Jakobson (1971, p. 123)
explica que a função emotiva pode também ser chamada de “expressiva” e acrescenta,
Centrada no remetente, visa a uma expressão direta da atitude de quem
fala em relação àquilo de que está falando. Tende a suscitar a
impressão de uma certa emoção, verdadeira ou simulada. (...) A função
emotiva, evidenciada pelas interjeições, colore, em certa medida, todas
as nossas manifestações verbais, ao nível fônico, gramatical e lexical.
A função poética valoriza a comunicação pela forma da mensagem. A
55
linguagem é criativa, afetiva, recorre a figuras de linguagem e pensamento, ornatos,
apresenta ritmo, sonoridade. A função poética, no entanto, não se apresenta somente na
poesia, que se considerar, na Literatura, suas várias manifestações. Jakobson (1971,
p. 128) esclarece que
(...) qualquer tentativa de reduzir a esfera da função poética à poesia
ou de confinar a poesia à função poética seria uma simplificação
excessiva e enganadora. A função poética não é a única função da
arte verbal, mas tão somente a função dominante, determinante, ao
passo que em todas as outras atividades verbais, ela funciona como
um constituinte acessório, subsidiário.
A função metalinguística é centrada no código. A linguagem fala sobre a própria
linguagem, como nos textos explicativos, nas definições. Mas também em outras formas
de expressão: se um poeta fala em seus versos sobre a arte de fazer versos, está fazendo
uso da metalinguagem. Jakobson (idem, p. 127) afirma que “sempre que o remetente
e/ou destinatário tem necessidade de verificar se estão usando o mesmo código, estão
desempenhando a função metalinguística”, pois tem como objetivo fornecer informação
especificamente sobre o código utilizado.
Função referencial destina-se a transmitir a informação objetiva, sem
comentários nem juízos de valor. É, por excelência, a linguagem do jornalismo, dos
noticiários, de textos informativos, enfim. A linguagem deve ser denotativa, precisa. Na
Literatura é empregada nas epopeias, nas narrativas míticas.
Importante ressaltar que uma das funções se sobressai, mas o inviabiliza a
presença das outras. A função referencial, por exemplo, não estando presente no texto,
pode comprometer a inteligibilidade da mensagem, à medida que não coloca o leitor em
contato com o contexto.
Retornando ao texto apolíneo, as figuras de linguagem são próprias do discurso
aberto, mas por ampliarem a expressividade da mensagem foram transpostas para o
discurso fechado. Segundo o autor, as figuras de linguagem são encontradas em três
aspectos: figuras de sintaxe, figuras de palavras ou tropos e figuras de pensamento.
Abrimos aqui um espaço para buscarmos esclarecer, de acordo com Ferraz
(2005), os tipos de figuras de linguagem. As figuras de sintaxe podem ser elipse
(consiste na omissão de um termo que fica subentendido no contexto), zeugma (consiste
na omissão de um termo empregado anteriormente), silepse (ocorre quando a
concordância é realizada com a ideia e não sua forma gramatical pode ser nero,
número e pessoa), pleonasmo (apresenta-se na intensificação de um termo através da
56
sua repetição, reforçando seu significado), polissíndeto a repetição da conjunção
entre as orações de um período ou entre os termos da oração), assíndeto (ocorre quando
a ausência da conjunção entre duas orações), inversão, anacoluto (trata-se de numa
mudança repentina da construção sintática da frase), anáfora (consiste na repetição de
uma palavra ou expressão para reforçar o sentido, contribuindo para maior
expressividade), aliteração (refere-se à repetição de um determinado som consonantal
no início ou interior das palavras) e onomatopeia (configura-se na reprodução ou
imitação do som ou voz natural dos seres).
As figuras de palavras, também chamadas de tropos, são utilizadas com o
objetivo de se conseguir um efeito mais expressivo na comunicação, elas consistem na
utilização de um termo com sentido diferente daquele convencionalmente empregado.
Encontramos oito tipos de figuras de palavras, são elas: comparação (quando se
estabelece aproximação entre dois elementos que se identificam, ligados por conectivos
comparativos ou alguns verbos assim como, qual, tal como, parecer...), metáfora
(quando um termo substitui outro através de uma relação de semelhança resultante da
subjetividade de quem a cria. Pode também ser entendida como comparão abreviada,
quando o conectivo está subentendido), metonímia (quando substituição de uma
palavra por outra, havendo entre elas um grau de semelhança, relação, proximidade de
sentido ou implicação), sinédoque (substituição de um termo por outro, com ampliação
ou redução do sentido usual da palavra numa relação quantitativa), catacrese um tipo
de metáfora tornada hábito linguístico, sem inovação, podendo ser até mesmo
desgastada céu da boca, asa de xícara, dente de alho...), sinestesia (consiste na fusão
de sensações diferentes numa mesma expressão, podem ser sensações físicas ou
psicológicas), antonomásia (designação de uma pessoa por uma qualidade, característica
ou fato que a distingue como um apelido) e alegoria (acumulação de metáforas
referindo-se ao mesmo objeto; figura poética de expressar uma situação global por outra
que intensifique o seu significado).
Por fim, as figuras de pensamento são recursos de linguagem que se referem ao
significado das palavras, ao seu aspecto semântico, são processos que se realizam na
esfera do pensamento, no âmbito da frase, com forte emoção, sentimento, paixão. São
figuras de pensamento: antítese (aproximação de palavras ou expressões de sentidos
opostos), apóstrofe (invocação de uma pessoa ou algo, real ou imaginário, presente ou
ausente), paradoxo (aproximação de palavras de sentidos opostos e ideias que se
contradizem, referindo-se ao mesmo termo uma verdade com aparência de mentira),
57
eufemismo (palavra ou expressão utilizada para atenuar uma verdade tida penosa,
desagradável ou chocante), gradação (sequência de palavras que intensificam uma
mesma ideia), hipérbole (exagero de uma ideia, com o objetivo de proporcionar uma
imagem emocionante ou de impacto), ironia (com a intenção depreciativa ou sarcástica,
pelo contexto, pela entonação, pela contradição de termos, sugere-se o contrário do
significado real das palavras), prosopopeia (movimento, ação, sentimento animação
ou personificação), perífrase (várias palavras para expressar algum objeto, acidente
geográfico ou situação que não se quer nomear).
Importa mais uma vez destacar que o texto publicitário, seguindo o modelo
apolíneo, possui estrutura criteriosamente dividida, visando a uma argumentação clara,
precisa, simples e contundente. Essa organização está estruturada no esquema
aristotélico, desenvolvido no primeiro capítulo: exórdio, narração, provas e
peroração.
A unidade é também marca do texto apolíneo, isto é, o mesmo assunto deve ser
desenvolvido desde o título aa peroração, sem digressões. Também a circularidade é
um mecanismo que garante a unidade e a ênfase em se fixar uma ideia: trata-se de se
retomar na peroração a mesma ideia apresentada no exórdio. Dentro dessa intenção de se
acentuar ou fixar uma ideia, outro recurso inerente ao discurso publicitário é a afirmação
e a repetição. Afirma-se para tornar credível a mensagem e, com isso, conseguir adesão.
Também o uso de estereótipos ou modelos que se estabelecem como padrões (de beleza,
de atitude, enfim), tanto na linguagem visual (um gerente de banco bem vestido, bem
“apessoado”) quanto na verbal (fórmulas prontas do tipo “elo perdido”, precisão
cirúrgica” e outros...).
O presente, o “aqui e agora” é o tempo verbal que caracteriza esse modelo que se
assenta no discurso da razão. Segundo Perelman e Tyteca, é o “sentimento de presença”
que se intenta prevalecer. Contudo, fazer alusão a um passado comum, valer-se de
referência sobre a cultura, a tradição é outro recurso utilizado pelo orador para ganhar a
simpatia da plateia.
Para reforçar a adesão, é comum o uso de “lugares de qualidade e de
quantidade”, segundo Carrascoza (idem, ibidem, p. 31). O primeiro diz respeito ao
destaque da força de ser único. Independente da quantidade (caso do segundo tipo de
lugar), o importante é ser superlativo: o melhor, o maior... O lugar de quantidade, por
outro lado, utiliza-se de números para fortalecer a argumentação. Os argumentos de
superação vêm coroar esses procedimentos suasórios: estes são perceptíveis na excessiva
58
adjetivação, na repetição de palavras, no uso de prefixos “super”, “hiper”, “mega”. É
possível reconhecer nesses mecanismos descritos a presença da hipérbole figura de
linguagem representativa do exagero uma coisa é superior a outra quantitativa ou
qualitativamente.
Para apresentar o recurso relativo aos temas, que se diferenciar os termos
„tema‟ e „figura‟. A figura remete no texto ao que é concreto, constrói um simulacro de
uma realidade, “palpável” e, portanto, “visível”. Daí ser um texto marcadamente
descritivo. Por outro lado, o tema remete ao que é abstrato. Remete não ao mundo
natural, mas à natureza conceitual que se constrói no universo semântico. Em textos
apolíneos o tema é proeminente, o por outra razão, a modalidade dissertativa é a
representativa dessa modalidade.
Finalmente, na construção desse texto essencialmente temático, a rede
semântica, formada por meio de associações de contiguidade ou similaridade, é outro
recurso bastante utilizado. Uma rede semântica se constitui a partir de um paradigma
termo ou expressão que abarca uma série de outras palavras/ideias por ter com elas
algum vínculo de sentido e o campo associativo que se estabelece a partir de
associações com a palavra geradora.
Todos esses recursos brevemente descritos se prestam a compor os mecanismos
de persuasão do texto apolíneo. Vejamos a seguir que características tem o texto
dionisíaco. Lembramos que o apolíneo atua como contraponto ao modelo que agora
descreveremos.
2. O modelo dionisíaco: a persuasão permeada pelo sensível
Para iniciarmos a descrição do modelo Dionisíaco, nos reportamos a Maffesoli
que apresenta a comparação entre os dois deuses, tendo por base o próprio Nietzsche
filósofo que retomamos ao tentar especificar o valor da terminologia desses modelos.
O aponeo, se retomarmos Nietzsche, funda-se na consciência e no
autodomínio; o dionisíaco, ao contrário, é a parte da sombra, destrutiva
e desestruturada, essa “horrível mistura de sensualidade e crueldade”
(Nietzsche). Mas na boa tradição libertária (a anarquia é a ordem sem
o Estado), o caos que prevalece no dionisíaco remete a uma lida
organicidade, que, depois de Goethe, podemos chamar de uma “ordem
móvel” (beweglicher Ordnung) (MAFFESOLI, 2005, p. 52).
Nietzsche resgata a tragédia grega que apresentava Dionísio como o deus do
59
vinho, para representar os excessos, a irracionalidade e as emoções extremas, indo em
sentido contrário ao que representa Apolo, que caracteriza a organização, a
racionalidade, a moderação ou o mundo idealizado dos sonhos.
Ouçamos agora o próprio Nietzsche (1992, p. 30) para refletirmos sobre a
definição da essência do dionisíaco:
Se a esse terror acrescentarmos o delicioso êxtase que, à ruptura do
principium individuationis, ascende do fundo mais íntimo do homem,
sim, da natureza, ser-nos-á dado lançar um olhar à essência do
dionisíaco, que é trazido a nós, o mais de perto possível, pela analogia
da embriaguez. Seja por influência da beberagem narcótica, da qual
todos os povos e homens primitivos falam em seus hinos, ou com a
poderosa aproximação da primavera a impregnar toda a natureza de
alegria, despertam aqueles transportes dionisíacos, por cuja
intensificação o subjetivo se esvanece em completo auto-
conhecimento. (...) Sob a magia do dionisíaco torna a selar-se não
apenas o laço de pessoa a pessoa, mas também a natureza alheada,
inamistosa ou subjugada volta a celebrar a festa de reconciliação com
seu filho perdido, o homem.
Maffesoli faz uso de ambos os termos nietzschianos com o propósito de
demarcar as fronteiras da modernidade e da pós-modernidade. Apolo é o deus
representativo da modernidade ou do domínio da razão. Em contrapartida, Dionísio
remete à pós-modernidade e representa o retorno de uma pluralidade, ou seja, de um
retorno da emoção, da 'magia', da afetividade. Enfim, trata-se do universo do sensível
contaminando o universo da razão. Segundo o autor,
(...) podemos apreciar, por meio de um verdadeiro saber
desinteressado, desengajado, o retorno do paradigma dionisíaco,
expresso nas múltiplas reações à unidimensionalidade econômico-
tecnocrática. Rebeliões, revoltas, indiferenças políticas, importância
da proxemia, valorização do território, sensibilidade ecológica,
retorno das tradições culturais e recurso às medicinas naturais; tudo
isso, poderíamos à vontade continuar a lista, traduz a continuidade, a
tenacidade de um querer-viver, individual e coletivo, que não foi,
totalmente erradicado. É a expressão de uma irreprimível saúde
popular. A emergência de uma tática existencialmente alternativa. De
alguma forma, um exercício de reconciliação. Eis a “sombra” que
Dionísio derrama sobre as megalópoles pós-modernas. (...) Tudo isso
que é forte sinal de uma mudança de imaginário. Tudo isso que é a
marca da pós-modernidade. A elaboração de uma coerência social
vivida, paradoxalmente, de perto, mas com a ajuda dos sonhos
imemoriais, que embalam a infância de cada um de nós e que
atualizam a juventude do mundo. (MAFFESOLI, 2005, p. 5)
Ainda segundo Maffesoli (p.16), o conceito dionisíaco, ao que ele se refere como
60
“mistério dionisíaco”, propõe uma nova ordem social em que o coletivo se sobrepõe ao
individualismo.
Pois bem, o texto publicitário com a roupagem do modelo dionisíaco traz em sua
constituição os traços aqui preconizados por Maffesoli: trata-se de um texto que se
funda nos sonhos, na emoção; um texto que tem na sensibilidade seu vetor.
Fundamentando-nos em Carrascoza (2004), vejamos as especificidades desse modelo.
O texto dionisíaco encaixa-se no gênero epidíctico. Ainda que esteja voltado
para o elogio ou a censura, é um texto que assim como o apolíneo visa à persuasão.
Também faz a apologia do produto, de modo a objetivar a criação de uma certa
disposição para os ouvintes, mas o faz de outro modo. Segundo Perelman e Tyteca
(2002, p. 61):
Uma apresentação eficaz, que impressiona a consciência dos ouvintes,
é essencial não em toda argumentação, visando a ação imediata,
mas também naquela que visa orientar o esrito de uma certa forma a
fazer que prevaleçam certos esquemas interpretativos, a inserir os
elementos de acordo num contexto que os torne significativos e lhes
confira o lugar que lhes compete num conjunto. Essa “orientação ao
espírito, no fundo, resulta em direcioná-lo a um ponto de vista
favorável ao produto, com vistas, obviamente, a levá-lo a decidir-se
por uma ação.
Buscando esclarecer o discurso dionisíaco enquanto forma para se obter a adesão
do auditório, Carrascoza (p.57) nos afirma que tal discurso é utilizado
preferencialmente, “para defender valores tradicionais, valores aceitos, que não
suscitam polêmica”. No texto dioniaco, o objetivo da mensagem reveste-se de uma
intenção implícita, muito mais sutil, de maneira não formalizada e com aspectos
intersubjetivos.
Assim o autor (p.58) afirma que o modelo dionisíaco possui foco na emoção,
utiliza-se de humor, por isso assume “formato de narrativas verbais, semelhantes a
fábulas, crônicas ou contos. Os anúncios dessa variante vão buscar influenciar o
público, contando histórias.”
Neste sentido vemos aqui o objeto de estudo de nossa pesquisa, o conto de fadas
na publicidade. Carrascoza (p.58) afirma que “os anúncios dessa variante vão buscar
influenciar o público contando histórias. É uma estratégia poderosa de persuasão”, pois
segue o gênero narrativo e assim o anunciante toma o lugar de enunciador e com isto:
não manifesta diretamente sua opinião ou seu julgamento para
61
aconselhar o enunciatário, mas o faz por meio de ações e
caracterizações atribuídas aos personagens que criou, disfarçando
assim o discurso autoritário (p.65).
Santarelli (2005, p. 182) comenta que o modelo dionisíaco possui estrutura mais
solta, em “formato narrativo ou poético em que a persuasão é diluída e seduz pelos
aspectos emocionais contidos na narrativa”.
Uma vez que falamos do gênero narrativo, mais uma vez consideramos
pertinente abrir um parêntese para retomarmos os componentes da narrativa, conforme
propostos por Carrascoza (idem, ibidem, p. 67). São eles, o foco narrativo, o enredo, os
personagens, o ambiente e o tempo.
O foco narrativo é apresentado pelo narrador, que conta os fatos. Carrascoza
(p.70) esclarece que quando o foco narrativo se apresenta em primeira pessoa,
consegue-se um efeito subjetivo maior; enquanto que quando se apresenta em terceira
pessoa a objetividade é maior, pois o narrador “está ausente dos acontecimentos e a
história parece ser narrada sozinha.”
As ideias desenvolvidas no texto formam o que chamamos de enredo, o autor (p.
67) nos diz que “é a coluna vertebral da narrativa, o que sustentação à história, é sua
trama, ou seja, o entrelaçamento das linhas que formam a malha, o tecido, o texto”.
O desenrolar dos acontecimentos narrados é vivido pelos personagens, que “são
seres com individualidade e traços psicológicos próprios” (p. 67). Muitas vezes os
personagens das narrativas são apresentados nos anúncios publicitários de modelo
dionisíaco com estereótipos, que são segundo o autor:
Uma espécie de carimbo ou clichê utilizado principalmente na
composição tipográfica; mas pode designar também um carimbo
mental, ou melhor, uma ideia padronizada que se solidificou em nossa
mente e que utilizamos em nossa percepção para reconhecer ou
identificar os indivíduos, os acontecimentos e os objetos
(CARRASCOZA, p 74).
O autor (p.77) afirma ser fundamental a maneira como “os personagens se
comunicam e expõem suas opiniões, seus pensamentos e suas emoções”. No discurso
direto, tem-se a impressão do próprio personagem estar falando; no discurso indireto, é
o narrador que fala, apresentando o que o personagem diz; também a fala do
personagem pode, no discurso indireto, “invadir” a fala do narrador.
O ambiente é o cenário, o espaço onde acontece o enredo, onde os personagens
vivem e desenvolvem suas ações.
62
O tempo, segundo o autor, pode tanto ser apresentado de forma cronológica,
linear, como também de forma psicológica, sem relação específica de tempo. Os fatos
podem ser narrados “no momento em que estão se sucedendo, quando se passaram
plenamente, ou mesmo alternando o presente e o passado, valendo-se da técnica do
flashback (p. 68).
Fazendo uso de recursos da narrativa, o modelo dionisíaco busca conquistar o
público por meio da emoção e do humor, que servem como formas de se conseguir a
adesão do auditório. Mais uma vez resgatamos Lipovetsky (idem, p.216), quando
postula que a publicidade hoje em dia, pretende muito mais fazer sorrir, surpreender e
divertir” do que apenas convencer.
Destacamos ainda que os elementos visuais são relevantes num anúncio tanto
quanto o próprio texto verbal. Carrascoza (idem, p. 61) afirma que:
O que as palavras não afirmam, a imagem o faz e vice-versa. A
imagem pode inclusive reafirmar o que já foi dito em palavras, como
ocorre frequentemente nos materiais publicitários de dia impressa.
Ou seja, sempre uma fusão, uma complementaridade semiótica,
entre o código linguístico e os códigos visuais.
Sabemos que a imagem pode exercer vários papéis no convívio com o texto
verbal. Pode apenas reproduzir o que foi dito em palavras, como pode complementar ou
ainda ser superior ao texto no que diz respeito à quantidade/qualidade de informões.
Pode ainda estabelecer uma relação que pode empobrecer ou enriquecer a mensagem:
trata-se da relação de discrepância. Tudo isso é utilizado sempre no sentido de reforçar
a adesão, seja facilitando a identificação da mensagem, seja tornando-a interessante de
tal modo a conseguir outro tipo de adesão. Palavra e imagem em confluência serão
analisadas nas suas possibilidades de entrosamento semântico, no próximo capítulo.
Vale ressaltar, mais uma vez, que o texto publicitário sob a ótica do modelo
dionisíaco apresenta argumentos emocionais fortes para se atingir o objetivo proposto
pela propaganda. Para isto, diferentemente do texto apolíneo, nos textos dionisíacos é
fundamental a utilização de figuras, que elas levam o leitor/interlocutor a vislumbrar
algo existente no mundo natural ou no fictício, servem para criar o efeito de realidade.
Perelman e Tyteca (idem, p.166) destacam que é relevante a utilização de figuras,
denominadas pelos autores como “termo concreto”, para que se possa conseguir o efeito
de presença, já anunciado, que é essencial para criar a emoção necessária.
Um aspecto que parece ser próprio do discurso apolíneo, mas que se faz presente
63
no discurso dionisíaco, como estratégia de persuasão, são os testemunhais, pois
conforme diz Carrascoza (2004, p. 77), com a utilização do testemunhal a mensagem é
transmitida como se fosse uma outra pessoa falando e não o próprio anunciante, o autor
afirma que “o anunciante „finge‟ não proclamar de viva voz suas próprias qualidades. E
as mesmas palavras produzem um efeito completamente diferente”. Com isto, acontece
a personificação, ou seja, o personagem autorizado empresta seu prestígio ao produto ou
serviço anunciado. Além dos testemunhais, os textos dionisíacos apresentam muitas
vezes confissões”, demonstrando assim, sinais de sinceridade e lealdade, aumentando
ainda mais a credibilidade do público ao anunciante.
Os exemplos que podemos encontrar nos anúncios dionisíacos servem para
transformar a história narrada em uma verdade, mesmo que fictícia, isso porque a
informação principal a ser transmitida está “acobertada pela narrativa” espaço do real
e da ficção. Especificamente no território da publicidade, conforme Carrascoza (idem,
p. 80)
(...) estamos no território da ficção, notadamente das histórias, que
abrange pequenos relatos, fábulas, contos e crônicas, e é por meio
delas que a publicidade exercerá sub-repticiamente seu poder se
sedução.
De forma clara e simples, Carrascoza (p.187) faz uma consideração bastante
pertinente para nosso estudo e que nos ajuda a definir o modelo dionisíaco. Ele nos diz:
A história do texto publicitário dionisíaco é a vida prometida e
possível pelo consumo. Esse modelo é mais um artifício da
publicidade que, aderindo a uma forma e investindo num tipo de
conteúdo, em realidade procura aconselhar o uso de um produto ou
serviço não por via racional, mas envolvendo o público, em geral
mais habituado à leitura e desperto para a lógica do capital, de uma
maneira mais sutil e aparentemente inocente, oferecendo-lhe
entretenimento e emoção uma valorização portanto mais lúdica e
utópica. (idem, p. 187)
Uma vez desenvolvida a exposição comparativa entre os modelos apolíneos e
dionisíacos, consideramos relevante ao nosso estudo apresentarmos o quadro
comparativo elaborado por Carrascoza (2004, p. 186) em que ressalta os aspectos
dominantes dos dois modelos aqui desenvolvidos, destacando suas características gerais
e específicas.
64
MODELO APOLÍNEO
MODELO DIONISÍACO
Características Gerais
Características Gerais
Sonho
Embriaguez
Racional
Emocional
Fazer saber
Fazer crer
Valorização prática e crítica
Valorização lúdica e utópica
Missão
Projeto
Informação
Euforia
Dissertação
Narração
Discurso deliberativo
Discurso epidíctico
Função conativa e fática
Função emotiva e poética
Temas
Figuras
Presentificação
Preterização
Apelo à autoridade
Testemunhal
Alusões
Citações (intertexualidade)
Características Especificas
Características Especificas
Circularidade
Foco na fase narrativa da manipulação e
da sanção
Afirmações e repetições
Narração em primeira pessoa e terceira
pessoa onisciente
Lugares de quantidade e qualidade
Discurso direto e indireto
Argumentos de superação
Melopéia e fanopeia
Comparações
Exemplos
Valorização do inferior
Ilustrações
Rede semântica
História 1 (secundária e explícita) e
História 2 (principal e sugerida)
Características Gerais
Características Gerais
Sonho
Embriaguez
Racional
Emocional
Fazer saber
Fazer crer
Valorização prática e crítica
Valorização lúdica e utópica
65
Passamos agora ao próximo capítulo, em que procuraremos analisar peças
publicitárias que foram criadas seguindo o padrão estabelecido no modelo dionisíaco
(aliado aos contos de fadas), a fim de persuadir e seduzir seu auditório.
66
Capítulo IV
O potencial comunicativo das peças publicitárias
para a conquista do “final feliz”
Vimos que a publicidade apresenta formas e estratégias diversas em busca de
adesão. As formas de persuadir são reinventadas e postas à prova na sucessão do tempo.
Silva (2007, p.160) nos alerta para as três fases da publicidade na sua relação com o
produto ou objeto a ser anunciado. Na primeira, descrita como primitiva e ingênua,
vendia-se um valor de uso. Havia referência explícita ao produto: ressaltavam-se suas
qualidades e corria-se o grande risco de que essas propriedades tão celebradas não
fossem reais e, por essa razão, o engodo resultasse no fruto do “reclame”. Como
propaganda enganosa, nada mais fácil se denunciar.
A tentativa de se desvencilhar dessa denúncia delineia a segunda fase: a que
elimina o produto ou objeto. Trata-se da propaganda conceitual na qual a referência ao
valor de uso é declinada em favor do valor de troca. “A troca radical lida apenas com
signos. Nada se promete ao consumidor, salvo uma atmosfera anterior ao ato da
compra. A publicidade conceitual o pratica o pós-venda. Ela faz rir ou se emocionar.
Nada mais” (p.161).
A terceira fase da publicidade, mais que vender um conceito, deseja-se vender
um imaginário, ou seja, um reservatório de imagens e sensações e um motor que
impulsione as ações de cada consumidor” (idem, ibidem). Nenhuma promessa é feita e
o valor de troca, mais do que nunca, é posto em evidência.
A persuasão que buscamos analisar nesse trabalho não é a que se volta à
proposição, argumentação e conclusão e/ou convite de ação características do texto
apolíneo anteriormente descrito , mas a que busca a adesão pelo encantamento, pela
emoção e pelo humor traços marcantes do texto dioniaco que neste capítulo teremos
como foco. É aquela “orientação do espírito” no sentido de levá-lo a um ponto de vista
favorável ao produto, de modo a induzi-lo a agir. Nas palavras de Perelman e Tyteca
(idem, ibidem, p.57)
Uma apresentação eficaz, que impressiona a consciência dos
ouvintes, é essencial o em toda argumentação, visando à ação
imediata mas também naquela que visa orientar o espírito de uma
certa forma a fazer que prevaleçam certos esquemas interpretativos, a
inserir os elementos de acordo num contexto que os torne
67
significativos e lhes confira o lugar que lhes compete num conjunto.
Ao apropriar-se dos contos de fadas, a propaganda apela, primeiramente, para o
repertório coletivo e particular, para o imaginário cultural de cada leitor/receptor.
Resgata sua memória e o insere num universo familiar. O passo a passo que desemboca
no almejado final feliz, tanto pelo leitor dos contos de fadas como pelo receptor de
propagandas, dado pelos elementos estruturais da narrativa e pelos elementos
componentes do texto dionisíaco, será aqui desenvolvido nas propagandas que elegemos
para análise.
1.1 Mergulhando no “era uma vez”...
Nossa estratégia metodológica foi a de escolher apenas um conto de fadas e as
propagandas que com ele dialogam. A história de Chapeuzinho Vermelho foi a
escolhida entre todas as outras por trazer possibilidades interessantes de leitura e
análise.
Trata-se de uma das narrativas de referência entre os clássicos infantis. De
tradição oral, foi publicada pela primeira vez no ano de 1697, pelo escritor francês
Charles Perrault. Desde então, o conto é apresentado em diferentes versões, traduções e
adaptações, que têm marcado a infância das crianças nos mais diferentes países e
épocas. Uma das versões mais conhecidas e traduzidas foi escrita em 1812 pelos Irmãos
Grimm. Para que o universo de intertextualidades ou o diálogo entre os textos se
amplie, apresentamos, resumidamente duas versões
1
: a de Perrault e a dos Irmãos
Grimm.
Em Perrault, a história tem início com uma exaltação à menina: “e era a coisa
mais linda que se podia imaginar.” E assim, a trama vai se enredando do modo como a
conhecemos: a menina atravessa a floresta e encontra o lobo que lhe pergunta aonde ela
está indo e ela responde que vai à casa da avó. O lobo sai correndo, e ela fica a colher
flores, distraída. Ao chegar à casa da avó, Chapeuzinho entra e o lobo, que já chegara e
engolira a avó da menina, pede a ela para se deitar com ele, no que ocorre o já
conhecido diálogo, finalizado da seguinte forma:
1
MIRANDA, A. C e LOPES, E. C. Três versões de Chapeuzinho Vermelho: reflexões sobre a literatura
oral e infantil. http://www.ichs.ufop.br/semanadeletras/viii/arquivos/trab/e21.doc. Consulta em 26 de
julho, 2010.
68
“__ Vovó, como são grandes os seus dentes!”
“__ É para te comer!”
E assim dizendo, o malvado lobo atirou-se sobre Chapeuzinho e a comeu. Este
final nada feliz, a morte da avó e da menina, remete-nos ao rigor dos princípios morais
e educativos definidos pela Contra-Reforma, sendo a punição pela desobediência a
razão desse desfecho tão radical.
A versão dos Irmãos Grimm, agora imbuída do cristianismo e de seus
preceitos religiosos (uma vez que o pecado desobediência -, o castigo, o
arrependimento e a promessa de redimir ante as tentações) outro final à historia. Em
vez da morte da menina e da avó, aparece a figura salvadora de um caçador que abre a
barriga do lobo, de onde saem ambas. Depois, eles enchem com pedras a barriga do
lobo que, ao acordar, acaba morrendo. Além dessa modificação, outro detalhe
significativo: a menina não se deita na cama com o lobo. O conto termina com uma
frase da menina, dizendo que aprendeu uma lição: Nunca mais vou sair do caminho e
entrar no bosque quando minha mãe disser para eu não fazer isso”.
toda uma simbologia em torno desse conto de fadas. Bettelheim (1988) o
analisa sob a ótica da psicanálise e buscamos nele nos basear. O capuz vermelho que
acompanha a menina tanto na versão de Perrault como na dos Grimm, surge como
símbolo da cor do sangue, da menstruação, cor da alma, da libido e do coração. Para
Bettelheim,
Em “Chapeuzinho Vermelho”, tanto no título como no nome da
menina, enfatiza-se a cor vermelha, que ela usa declaradamente. O
vermelho é a cor que significa as emoções violentas, incluindo as
sexuais. O capuz de veludo vermelho que a avó para Chapeuzinho
pode então ser encarado como o símbolo de uma transferência
prematura da atração sexual (...). (p. 209)
O autor ressalta o fato de a menina ser muito pequena para saber lidar com o que
simboliza o chapeuzinho vermelho e com o que seu uso atrai. Essa imaturidade faz com
que a menina recaia nas formas edípicas de lidar com os sentimentos sexuais, buscando
eliminar os competidores mais experientes. No caso de Chapeuzinho, a avó não por
acaso ela dá detalhes ao lobo de como chegar à sua casa.
O dilema da menina entre o “princípio do prazer” e o “princípio da realidade” é
perceptível quando Chapeuzinho interrompe sua caminhada e, convencida pelo lobo,
69
põe-se a colher flores, a observar o canto dosssaros, esquecendo-se do que a trouxera
ali. A menina cede a desejos e torna-se vulnerável aos perigos tentações do id.
O lobo e o caçador representam nessa história a figura masculina. Id e ego se
confrontam: de um lado, o macho sedutor e violento; de outro, o herói. Bettelheim vê na
figura do pai, que aparece de maneira velada nesta história, a confluência da
contradição entre lobo e caçador: “como o lobo, que é a externalização dos perigos de
sentimentos edípicos reprimidos, e como o caçador na sua função resgatadora e
protetora.” (p.214).
Além de, metaforicamente, ser o lobo um homem sedutor em todas as versões,
recai sobre ele a simbologia da devoração (CHEVALIER & GHEERBRANT, 1982:
556) e esta simbologia se reforça na goela : “este simbolismo de devorador é o da goela,
imagem iniciática e arquetípica, ligada ao fenômeno de alternância dia-noite, morte-
vida: a goela devora e vomita, ela é iniciadora” (p. 556). O lobo, a partir desta
interpretação, pode ser comparado a Cronos, Deus grego que devorava seus filhos. A
aproximação entre Cronos e Chronos, o deus do tempo, -se não no vel sonoro,
mas também no semântico: a ambos se aplica o ato de devorar. O primeiro, literalmente
devorou seus filhos; o segundo, por sua vez, é devorador da vida, da juventude e, neste
caso especifico, da infância da menina.
A simbologia do ato de devoração, portanto, é chave nesta leitura, já que
metaforiza o ritual de passagem ou transformação. Chapeuzinho salta da goela para uma
nova vida. Passa de um estado letárgico” para um grau mais elevado de existência a
partir da morte” da inocência. Ressurge da “maldade”, necessária neste ritual,
amadurece e torna-se capaz de lidar com suas emoções.
Ela aprendeu que é melhor não se rebelar contra a mãe, nem tentar
seduzir ou permitir-se ser seduzida por aspectos ainda perigosos do
homem.(...). Ela aprendeu que é melhor assimilar o pai e a mãe e os
valores deles com mais profundidade e de uma forma mais adulta
dentro de seu próprio superego , para se tornar capaz de lidar com os
perigos da vida (BETTELHEIM, idem, p. 217).
Feitas essas considerações sobre o conto Chapeuzinho Vermelho, sobretudo sob
a ótica dos símbolos, faremos agora uma breve incursão pelos conceitos bakhtinianos de
dialogismo, polifonia e intertextualidade, à medida que são esses preceitos que fundam
o diálogo proposto entre as propagandas e o conto de fadas.
70
O conceito que permeia toda a obra de Bakhtin é o dialogismo. É o princípio
constitutivo da linguagem. Bakhtin (1979) afirma que tudo o que é dito, tudo que é
expresso por um falante, por um enunciador, o pertence a ele. Em todo discurso
são percebidas vozes, às vezes infinitamente distantes, anônimas, quase impessoais,
quase imperceptíveis, assim como as vozes próximas que ecoam simultaneamente no
momento da fala.
A concepção dialógica torna relativa a ideia da autoria individual e,
consequentemente, destaca o caráter coletivo, social da produção de ideias e textos.
Nessa lógica, a noção do eu nunca é individual, mas social. As palavras de um falante
são necessariamente perpassadas pelas palavras do outro e o discurso se estabelece
nessa teia, nesse entrecruzamento de vozes-vidas.
(...) concebe-se o dialogismo como espaço interacional entre o eu e o
tu ou entre o eu e o outro, no texto. Explicam-se as frequentes
referências que faz Bakhtin ao papel do “outro” na constituição do
sentido ou sua insistência em afirmar que nenhuma palavra é nossa,
mas traz em si a perspectiva de outra voz (BARROS, 1999, p.3).
Outro aspecto do dialogismo é o diálogo que se instala no interior dos múltiplos
textos da cultura. Essa multiplicidade de vozes no interior do texto caracteriza a
polifonia: o texto é tecido por fios dialógicos de vozes que polemizam entre si, se
completam ou respondem umas às outras(idem, p.4). Delineia-se a intertextualidade,
termo cunhado por Kristeva (1974) a partir de Bakthin. A palavra migra para outro texto
e ao mesmo tempo liga um texto ao outro, sustentando a intertextualidade. Nas palavras
de Kristeva (idem, p.64) “todo texto é um mosaico de citações, todo texto é uma
retomada de outros textos. Tal apropriação pode-se dar desde a simples vinculação a um
gênero, até a retomada explícita de um determinado texto”.
Segundo Koch (2003), ao retomar outros textos, a intertextualidade pode ser
explícita, quando indica a fonte do texto a que faz menção; ou implícita, quando o leitor
precisa acionar seu repertório de conhecimentos anteriores para perceber a significação
implícita pretendida pelo emissor.
Várias são as formas de intertextualidade: epígrafe, citação, paráfrase, paródia,
pastiche, referência... contudo, são a paráfrase e a paródia as formas de diálogo que
mais de perto tocam nosso trabalho. Vejamos por que: sabemos que as propagandas
que analisamos neste capítulo estão em diálogo manifesto ou explícito com o conto de
fadas Chapeuzinho Vermelho, a maneira como esse diálogo se processa é que vai ser
71
desvelada quer por procedimentos paródicos ou pela paráfrase. A escolha de um ou
outro é reveladora da produção de sentidos que se intenta produzir.
Comecemos pela paráfrase que do grego, para-pharasis, significava
continuidade ou repetição de uma sentença. Ela ocorre quando existe uma proximidade
entre o texto original ou de base e o que dele se apropriou sem qualquer traição do
significado contido no original. Segundo Sant‟Ana (2001, pp.27-8), a paráfrase repousa
sobre “o idêntico e o semelhante, pouco faz evoluir a linguagem. Ela se oculta atrás de
algo já estabelecido, de um velho paradigma”.
Na contramão da paráfrase, segue a paródia. Segundo, Kothe (1980, p.98)
Paródia, segundo o étimo, significa „canto paralelo‟: é um texto que
contém outro texto em si, do qual ela é uma negação, uma rejeição e
uma alternativa. Ela geralmente diz o que o outro texto deixou de
dizer e ela insiste no fato de não ter sido dito. A paródia é um texto
duplo, pois contém o texto parodiado e, ao mesmo tempo, a negação
dele. Ela é, portanto, a síntese de uma contradição, dando prioridade à
antítese, em detrimento da tese proposta pelo texto literário.
Ao contrário da paráfrase, a paródia nas palavras de Sant‟Ana (2001, p.27) “por
estar do lado do novo e do diferente, é sempre inauguradora de um novo paradigma. De
avanço em avanço, ela constrói a evolução de um discurso, de uma linguagem,
sintagmaticamente.
Para a elaboração das análises, tomamos como ponto de partida o trabalho de
Lorraine e Laurindo (2009) e buscamos ampliá-lo. Buscando em Eco (2001) os
parâmetros para penetrarmos nas malhas das peças publicitárias, delineamos o seguinte
roteiro: inicialmente, a descrição de aspectos denotativos e conotativos do registro
visual. Os conceitos de denotação e conotação estão atrelados ao signo linguístico
preconizado por Ferdinand de Saussure (2000) e às suas partes constituintes: o
significante ou o plano de expressão é a parte perceptível constituída de sons; e o
significado ou o plano do conteúdo, a parte inteligível ou o sentido. A denotação resulta
da união entre esses dois planos: o significante e o significado. Já a conotação é
resultado do acréscimo de outros significados paralelos ao significado de base da
palavra, isto é, um outro plano de conteúdo pode ser combinado ao plano da expressão.
Este outro plano de conteúdo reveste-se de impressões, valores afetivos e sociais,
negativos ou positivos, reações psíquicas que um signo evoca
2
. Assim, a denotação é a
2
Denotação e conotação.http://acd.ufrj.br/~pead/tema04/denotacaoeconotacao.html. Acesso, 27 de julho
de 2010.
72
significação objetiva da palavra, enquanto a conotação é subjetiva, afetiva e figurada da
palavra. E mais, o que é denotativo está ligado à função referencial, já descrita a partir
de Jakobson. Também a partir do mesmo autor, é possível aliar a função conotativa à
poética.
O próximo passo de nossa análise centra-se no registro verbal. Nessa instância,
buscaremos verificar a função de linguagem predominante, a presença de figuras de
linguagem. Em seguida, havendo a relação semântica entre texto e imagem, este será
nosso foco e, finalmente, virá a estrutura do modelo dionisíaco aplicada a cada “versão”
do conto nas publicidades.
1.2 O entrecruzar da publicidade e dos contos de fada na busca do “final feliz”
O Grupo Campari lançou em novembro de 2007 o Calendário Promocional
Contos de Campari para o ano de 2008, que faz uma releitura dos tradicionais contos de
fadas. Com o título Doze Contos para doze meses com Eva Mendes”, criado pela
agência francesa Grey Berville Callegary e fotos produzidas pelo fotógrafo italiano
Marino Parisotto, a atriz Eva Mendes se transforma nas personagens de Chapeuzinho
Vermelho, A Pequena Sereia, Cinderela, Branca de Neve entre outras personagens que
habitam os contos de fadas. Vejamos a Chapeuzinho que se descortina dessa peça.
73
Figura 1
1) Aspectos Denotativos do Registro Visual
Uma noite de tempestade iminente numa região desértica. À direita, um raio
ilumina o céu escuro e cheio de nuvens. Ocupando maior espaço, à esquerda, vê-se uma
mulher jovem, vestindo uma capa vermelha com capuz sobre um vestido longo, de
festa. De um lado, a saia esvoaçante cobre parte do corpo, de outro, a perna esquerda
escapa pela fenda do vestido; nos s, sandálias douradas altas. Nesta mesma perna que
se mostra, certamente devido à ventania, a mulher ampara uma garrafa de bebida
vermelha Campari. A posição das pernas é reveladora da tentativa de manter-se em
equilíbrio mediante a força do cão que ela tem na coleira. O cão mostra os dentes,
presume-se que para um visitante que não é visível na peça.
Da cabeça do animal até a da jovem mulher, é perceptível uma linha em diagonal.
O olhar dela se dirige para a mesma direção que o do cão. O fundo atrás de ambos traz
uma lareira, apenas a parte da frente. Uma chama crepita exatamente no ponto em que
um triângulo se forma, traçado pela capa vermelha que esvoaça e as costas do cão.
Outras formas triangulares são visíveis na figura da mulher como um todo, na posição
da perna da mulher, do braço que segura a garrafa, na abertura da fenda do vestido, no
74
decote em V da capa. No ponto de encontro entre garrafa e joelho, tronco e braço,
percebemos um losango. Essas formas contrapõem a forma retangular da lareira.
A função estética ou poética da linguagem visual é, sem vida, dominante, dada
a profusão de cores, a composição das formas, a ocupação do espaço, a atmosfera que
se instala, enfim.
Buscamos, na próxima etapa, ir além do sentido referencial que usamos para
descrever os elementos componentes desta peça, e buscar desvelar os outros sentidos
que podem se depreender desses mesmos elementos.
2) Aspectos Conotativos do Registro Visual
A natureza em fúria é cenário para esta peça. Um raio rasga o céu e fende uma
terra arenosa. Chevalier e Gheerbrant (2008, p.765-6), nos informam que o raio gera e
destrói ao mesmo tempo, é vida e morte. De maneira geral, é símbolo da atividade
celeste, da ão transformadora do céu sobre a terra. É como se uma manifestação
celeste enchesse de luz o cenário e anunciasse algo inusitado.
Uma jovem mulher não mais menina -, vestida de capa e capuz vermelho nos
remete a ninguém mais que uma Chapeuzinho Vermelho, agora amadurecida e capaz de
lidar com o que simboliza o seu capuz vermelho, bem como com o que seu uso atrai.
Lembremos que o vermelho é a cor que significa as emoções violentas, incluindo as
sexuais. É a cor da alma, da libido e do coração, e mais... “o vermelho vivo, diurno,
solar, centrífugo incita à ação; ele é a imagem de ardor e de beleza, de força
compulsiva, de saúde, de riqueza, de Eros livre e triunfante”. (idem, p. 945). Outra
dupla função lhe é atribuída: a de sacerdote e guerreiro. O vermelho corresponde ainda
ao fogo, ao princípio da vida e também à morte.
Chapeuzinho parece ter vindo de uma festa, de um baile talvez, é o que seu
vestido e suas sandálias nos sugerem, ou então está preparada para alguma festa que
ainda virá a acontecer... O lugar onde se encontra é bastante diverso do original (deserto
x floresta), da mesma forma, o cão que tem na coleira e que parece ser seu protetor
remete-nos ao lobo que tenta devorá-la na história original. Inversão anunciada, e a
paródia realiza o intertexto. Trata-se de um discurso ambivalente, à medida que “uma
coisa está sempre na fronteira com o seu contrário, contradizendo-a, relativizando-a”
(JOSEF, 1980, p.69).
O lobo, metáfora do homem sedutor, transforma-se no protetor, no guardião de
75
Chapeuzinho posição ocupada pelo caçador no conto de fadas. Ela agora o acorrenta e
o domina. Em posição de espreita para o ataque, o lobo aguarda um “visitante”;
também a jovem mulher, bela e altiva, olha na mesma direção que o lobo. O olhar
parece fulminante, arrebatador... e carrega a mesma ambivalência do raio, do vermelho,
um misto de amor e ódio. O fogo na lareira simulada‟, entre outras simbologias, está
ligado ao ato sexual.
Quanto à significação sexual do fogo, é preciso observar que ela está
intimamente ligada à primeira técnica de obtenção do mesmo pela
fricção, pelo atrito, pelo vaivém, imagem do ato sexual, enquanto a
espiritualização do fogo estaria ligada à aquisição do mesmo pela
percussão (p.442).
Mircea Eliade (apud Chevalier e Gheerbrant, p.442) assinala o caráter
ambivalente do fogo: “sua origem pode ser tanto divina quanto demoníaca, (pois
conforme certas crenças arcaicas, ele é gerado, magicamente, no órgão genital das
feiticeiras).
As formas geométricas que pudemos abstrair da estrutura das imagens também
estão imbuídas de simbologia. Recorremos mais uma vez a Chevalier e Gheerbrant. O
triângulo foi a forma predominante na composição dessa imagem. “O triângulo é, na
alquimia, o símbolo do fogo; e também símbolo do coração”, e mais, “o triângulo com a
ponta para cima simboliza o fogo e o sexo masculino; com a ponta para baixo,
simboliza a água e o sexo feminino”(p. 904). Na figura do losango formada pelo corpo
da mulher e pela garrafa de Campari, vemos cada um desses triângulos sobrepostos, e
sobre isso, a simbologia é reveladora...
Numa forma muito alongada, como dois triângulos isósceles
adjacentes na base, o losango significaria os contatos e os
intercâmbios entre o céu e a terra, entre o mundo superior e o mundo
inferior, às vezes também a união entre os sexos (p.558).
A simbologia do losango em si, ainda traz mais efeitos de sentido para esta
leitura: trata-se de um símbolo eminentemente feminino, conforme atestam Chevalier e
Gheerbrant, “atribui-se-lhes um sentido erótico: o losango representa a vulva (...)”.
Também o quadrado e sua variante, o retângulo, são aqui significativos. O
quadrado é “o símbolo da terra por oposição ao céu, é também, num outro nível, o
símbolo do universo criado, terra e céu, por oposição ao criado e ao criador; é a antítese
76
do transcendente.” Além disso, “muitos espaços sagrados tomam uma forma
quadrangular: altares, templos, cidades, acampamentos” (p.750), e aqui incluímos a
lareira. Apenas sua carcaça ou estrutura é intencionalmente introduzida no cenário e,
pensando-se na simbologia das formas quadrangulares, ousamos dizer que ela aqui
metaforiza o altar de um rito iniciático. A iniciação implica um ritual de passagem:
“iniciar é, de certo modo, fazer morrer, provocar a morte. Mas a morte é considerada
uma saída, a passagem de uma porta que acesso a outro lugar. À saída, então,
corresponde uma entrada. Iniciar é também introduzir.” (p. 506). Entende-se a morte,
nesse processo, como também metafórica, a morte como superação. Chapeuzinho
Vermelho na história original passa pelo ritual de passagem na metamorfose de menina
para adolescente; aqui, esse ritual se na passagem de adolescente para mulher adulta,
dona de si. A presença do fogo nesse ritual torna-o ainda mais significativo: “o iniciado
transpõe a cortina de fogo que separa o profano do sagrado, passa de um mundo para
outro, e sofre, com esse fato uma transformação, muda de nível, torna-se diferente.
Assim, Terra, Água (anunciada pelos raios), Fogo e Ar, todos os elementos da Natureza
participam desse momento em que Chapeuzinho re-nasce nessa outra história,
ampliando os significados do conto original e fazendo com que a paráfrase também se
presentifique nos fios da intertextualidade que buscamos destecer.
Afinal, essa nova Chapeuzinho Vermelho, sob a força da Natureza, num lugar
distante e ermo, numa noite tenebrosa, ao pé da lareira acesa, na companhia de um lobo
aguarda um visitante que certamente participará ativamente do ritual que se anuncia. A
bebida vermelha Campari também é parte desse ritual sagrado. Via cor, ela toma de
empréstimo todo esse poder que a mulher inspira é capaz de domar lobos -, além da
sua beleza, sensualidade, paixão, espírito guerreiro, coragem e, sobretudo, maturidade
diante das agruras da vida. Por fazer parte do ritual de passagem, a bebida também
passa por metamorfose: torna-se sagrada. Sendo assim, Campari pode ser
compartilhado pela mulher com quem quer que seja o visitante. O final que se espera...
é certamente feliz! A bebida aliada às características da personagem e às do gênero
conto de fadas , garante a passagem para um mundo muito melhor.
3) Estrutura
Ainda que o texto verbal não se faça presente, é possível reconhecer na linguagem
visual o discurso demonstrativo ou epidíctico que comanda a variante dionisíaca. Mais
77
do que apontar o produto, ressaltar suas qualidades e vender um valor de uso, o que
recairia na primeira das três fases da publicidade descritas por Silva (2007): “primitiva e
ingênua”, esta peça publicitária conta uma história na qual o produto ganha a conotação
do sagrado. No lugar de tornar evidentes os atributos do Campari, as metáforas, as
descrições, a atmosfera instaurada evocam imagens do produto aliadas a um ambiente
de sonhos. As qualidades do produto associadas a esse ambiente e ao que ele representa
vendem um imaginário, ou seja, imagens e sensações e um motor que impulsiona as
ações de cada consumidor (Silva, idem, p.161). A emoção é o motor nesta peça. A
paródia, enquanto coloca ao avesso a hierarquia da história original Chapeuzinho e
lobo , enquanto inverte os papéis de dominador e dominado, propicia o gostinho de
uma boa vingança. A função estética ou poética atrai, convida ao olhar, instiga a
reflexão para se perceber a transgressão.
Chapeuzinho Vermelho menina e mulher faz o convite para se entrar no
mundo fantasioso no qual o Campari também protagoniza. É o texto dionisíaco
exercendo a persuasão via sedução. Vejamos no quadro abaixo como as fases da
narrativa sobre as quais se estrutura o texto dionisíaco subjaz no texto visual da
propaganda analisada. Neste ponto, recorremos a Carrascoza (2004) para explicitar
essas etapas sequenciais.
A primeira fase é a manipulação, na qual um personagem tenta convencer o outro
a fazer algo que este último deseja ou deve fazer. Segundo o autor, há vários tipos de
manipulação, entre as quais:
A tentação (quando se propõe uma recompensa para que o
manipulado faça alguma coisa), a intimidação (em que o manipulador
leva o manipulado a uma ação por meio de ameaça), a sedução (na
qual o manipulador busca a persuasão ressaltando as qualidades do
manipulado) e a provocação (na qual o manipulador julga
negativamente a competência do manipulado) (p.68).
A segunda fase é a competência. Nela o personagem que deve fazer algo
adquire a competência (um saber e um poder) para realizá-lo” (p. 69). Na terceira, a
performance, o personagem realiza a ação e, finalmente, na última fase, denominada
sanção, “pelo que executou, o sujeito do fazer recebe um castigo ou uma
recompensa”(p. 69).
No quadro a seguir, buscamos desenvolver cada uma dessas fases.
Considerando-se que estamos analisando uma narrativa visual, muitos dos sentidos que
78
arrolamos são sugeridos pela imagem. O conhecimento da história original permite que
preenchamos algumas lacunas.
Estrutura do
Modelo Dionisíaco
Aplicação à propaganda Contos de Campari / Chapeuzinho
Vermelho
Manipulação
O “outro” personagem é apenas sugerido na cena. É alguém
que se anuncia pelo olhar da Chapeuzinho, pela postura de
ataque do lobo à espreita do “inimigo”, pelo ambiente
sofisticado e cheio de magia, mas ainda não se fez visível. A
manipulação se por meio da tentação: que recompensa pode
esperar o manipulado senão o de protagonista do ritual de
passagem da jovem que se transformará em mulher? A festa
está preparada, perceptível na roupa elegante e na garrafa de
Campari que deve, certamente, selar a comemoração.
Competência
O poder de atração de Chapeuzinho, sua beleza e suas escolhas:
da roupa, do ambiente, da bebida... dão-lhe competência para
seduzir.
Performance
A jovem prepara todo o ambiente de sedução. Acorrenta o lobo,
acende a lareira para receber o “visitante” e leva uma garrafa de
Campari para o que será a “grande festa”.
Sanção
Também é apenas sugerido o final da história, mas
considerando-se que ela dialoga com a original, pode ser
feliz. Numa outra circunstância de iniciação, Chapeuzinho
aguarda aquele que a fará mulher. A recompensa será, então,
completa.
Passemos para a próxima análise.
Criado em 2005 pela agência Almap BBDO para o cliente O Boticário, o anúncio
veiculado em revistas e outdoor é classificado como institucional, pois visa à
formulação de um conceito. A marca Boticário é que está sob foco.
79
Figura 2
1) Aspectos Denotativos do Registro Visual
Vemos, em primeiro plano, ocupando quase todo o lado esquerdo, uma jovem de
cabelos lisos e louros, cuja franja esconde um dos olhos. Seu rosto oval recebe o
contorno de um capuz vermelho que se sustenta numa capa, também vermelha.
O fundo azul remete ao céu e o branco a algumas poucas nuvens.
Do lado superior direito do anúncio, encontramos o logotipo retangular do
anunciante, como uma assinatura presente no céu.
2) Aspectos Conotativos do Registro Visual
Tendo o céu como cenário e, despontando dele, a bela moça loura de capuz e
capas vermelhos nossa nova Chapeuzinho remete-nos a uma entidade celeste. O céu
simboliza, segundo Chevalier e Gheerbrant (2008, p.227), os poderes superiores ao
homem, a divindade, a “manifestação direta da transcendência, do poder, da perenidade,
da sacralidade: aquilo que nenhum vivente da terra é capaz de alcançar”. Também o
capuz carrega uma simbologia. Para Jung (apud idem, p.185) “o capuz simboliza a
esfera mais elevada, o mundo celeste. Cobrir a cabeça significa mais do que se tornar
invisível: significa desaparecer e morrer”. Interpretamos esse “morrer” no sentido
metafórico: morte como passagem para outra faz]se da vida... Também o uso de capuz
era comum em ritos de iniciação (idem, ibidem). Ora, os ritos de iniciação, como
dissemos, são inerentes ao mundo maravilhoso das estórias encantadas. Segundo Mircea
80
Eliade (2000), o mundo maravilhoso tem o papel de reatualizar as provas iniciatórias ao
nível do imaginário. A estrutura do enredo iniciatório impregna os contos: a superação
de obstáculos, as tarefas, as provas e, sobretudo, a passagem de um estado letárgico à
ressurreição simlica, que separa a faixa da imaturidade da idade adulta. Esta última
iniciação é a que de perto toca nossa estória e, mais uma vez, se faz presente nessa
versão da Boticário. Ainda sobre o capuz, outros intérpretes fazem do dele um símbolo
fálico.
Com todos esses “ingredientes” simbólicos, Chapeuzinho surge grandiosa,
sensual, cheia de poder pois advinda do céu. O cabelo loiro liso com franja disposto ao
redor da cabeça de forma a emoldurar o belo rosto e ao mesmo tempo escondendo o
olho esquerdo da jovem, nos remete ao que Chevalier e Gheerbrant (idem, p.154)
destacam como sendo também a imagem dos raios solares e uma característica das
divindades terrestres. O olho direito, que mira fixamente ao longe, parece querer
hipnotizar a todos que a observam criando uma aura de mistério sobre as pretensões de
nossa Chapeuzinho Vermelho.
Sua boca colorida de um vermelho forte e sedutor demonstra sua força criadora, e
simboliza “um grau elevado de consciência, uma capacidade organizadora através da
razão. (...) Uma força capaz de construir, de animar, de ordenar, de elevar”, ao mesmo
tempo em que, segundo os autores, simboliza também a capacidade de confundir, de
rebaixar, de mediar (idem, ibidem, p.133). Sugerindo assim o seu poder de confundir e
domar os homens no slogan “Use o Boticário e ponha o lobo mau na coleira.
A atmosfera criada atrai a atenção do receptor, desperta a sensação de que a
Chapeuzinho Vermelho, personificada pela jovem, possui a força e o poder de dominar
a situação vivenciada, no caso, a de fazer o lobo mau se submeter e, consequentemente,
os homens... Reside a força da paródia: a inversão do texto original, da mesma forma
que na peça anterior, se pela submissão do lobo à sedução da agora jovem mulher
Chapeuzinho.
Do lado superior direito do anúncio, encontramos o logotipo retangular do
anunciante, como uma assinatura presente no céu. O retângulo, segundo os mesmos
autores (2008, p.779), é também chamado de quadrado-sol, simboliza a relação
estabelecida entre o céu e a terra, “e o desejo dos membros da sociedade de participar
nessa perfeição.” Usar Boticário é atrair os “lobos maus” para, enfim, domá-los, quer
pelos cosméticos que reavivam as cores, as formas; quer pela fragrância que impregna
pele, cabelos. Os produtos da Boticário atuam nesse clima de sedução.
81
3) Registro Verbal
Aliada à linguagem visual, a linguagem verbal é outro recurso de persuasão.
Segundo Baudrillard (1973, p.229), a linguagem publicitária é conotação pura, e o
discurso é sempre alegórico. Enquanto a denotação permite a informação, a conotação
abre o leque de sentidos, amplia as possibilidades de significação.
As palavras num texto publicitário não desempenham papel passivo. Segundo
Carvalho (2002, p.22), o vocabulário “não é apenas reflexo ou a reprodução de novas
concepções históricas, sociais, científicas. Ele pode também defini-las, ao mesmo tempo
em que sofre sua influência. As palavras, em resumo, o exprimem as coisas, mas a
consciência que temos dela”. Assim, o slogan da peça “Use o Boticário e ponha o lobo
mau na coleira”, faz referência explícita ao conto de fadas Chapeuzinho Vermelho e a
toda a simbologia que ele traz.
Lembremos que o slogan caracteriza-se por ser um texto curto, condensado e
sintético, características estas que tornam proeminente a função poética, segundo
Jakobson (1971). Ainda sobre o slogan, Carrascoza (2006, p.56) afirma que se trata de
um elemento pragmático de comunicação suasória, e resulta obviamente de um
trabalho esmerado do emissor com a linguagem, objetivando obter a memorização da
mensagem de forma mais rápida e profunda por parte do destinatário”.
Verbos no imperativo, tornam mais explícito o apelo ao receptor, tornam explícita
a função conativa da linguagem, o que nos leva ao modelo apolíneo, contudo a alusão
feita ao conto de fadas traz de volta a leveza que o tom de ordem impregna a
mensagem. A brincadeira com a conhecida estória recompõe o universo lúdico que, via
paródia, faz de Chapeuzinho uma supermulher a quem todo e qualquer “lobo mau” se
submete.
Não na mensagem verbal referência direta a nenhum produto especificamente,
apenas à marca Boticário. Reside justamente em seus produtos o poder de sedução sem
limites.
4) Relação entre o registro visual e o verbal
Para tratarmos da relação palavra e imagem, tomaremos como referência a
82
tipologia proposta por Nöth
3
. Este autor faz um levantamento de pontos de vista de
vários teóricos acerca dessa relação. Mas é a relação semântica que aqui buscamos
descrever. Segundo Nöth, o diálogo entre texto/imagem pode ocorrer em níveis
variados, desde a forma mais redundante até um alto grau de informatividade.
Redundante é a relação em que a imagem é um eco do texto verbal. Nada
acrescenta a ele. O autor faz menção à superioridade do texto verbal remetendo-se a
Barthes (1969, p.6), quando afirma que a imagem é apenas uma duplicata de certas
informações que um texto contém. Trata-se de uma visão bastante logocêntrica que
acentua a inferioridade da imagem, que não passa de um complemento do texto.
A dominância quer da imagem, quer do texto se frente à supervalorização de
um ou de outro. Na ausência de um, o outro dá conta, plenamente.
Na complementaridade, texto e imagem são necessários para o significado
global da mensagem. Cada um desses códigos informa com seu potencial máximo.
Barthes (1969, p.7) define essa complementaridade com o conceito Relais, que consiste
num arranjo em que “as palavras, juntamente com as imagens, não passam de
fragmentos de um sintagma mais geral, e a unidade da mensagem se realiza em uma
instância mais elevada”.
Também de Barthes é a relação de Ancoragem, relação na qual a palavra escolhe
um possível sentido da imagem polissêmica por natureza em detrimento de outros.
O texto verbal ancora assim a imagem, captura significados possíveis na “cadeia
flutuante” de sentidos que subjaz à imagem. A ancoragem direciona e orienta a leitura,
daí seu caráter ideológico. Segundo Barthes, a ancoragem tem uma função de
elucidação,
(...) mas esta elucidação é seletiva; trata-se de uma metalinguagem
aplicada não à totalidade da mensagem icônica, mas somente a alguns
de seus sinais; o texto é verdadeiramente o direito de olhar do criador
(e então da sociedade) sobre a imagem: a ancoragem é controle, ela
detém uma responsabilidade face à força projetiva de figuras (...)
(p.8)
Finalmente, a relação de discrepância encerra essa tipologia. Discrepância, para
Nöth, é a contiguidade sem contexto entre o texto e a imagem. A imagem transmite um
conteúdo que contradiz o do texto seja por um descuido do autor, seja intencionalmente.
3
NÖTH, W. Manual de semiótica. São Paulo: EDUSP (no prelo). Texto cedido pelo autor.
83
Este último caso, pode construir circunstâncias interessantes de produção de sentidos,
pois exige um olhar mais aguçado para estabelecer articulações criativas.
No caso do texto publicitário que examinamos, a relação que estabelece com a
imagem é de complementaridade, vejamos por quê. O slogan Use o Boticário e ponha
o lobo mau na coleira” aciona em nossa imaginação a estória de Chapeuzinho
Vermelho, mas às avessas. A imagem da mulher não é mais a da menininha que está
diante do dilema da passagem da infância para a adolescência. Vestida de Chapeuzinho
está uma mulher linda, sensual e poderosa, assim como a Chapeuzinho anterior que,
literalmente, acorrenta o lobo mau. Unidas, palavra e imagem informam esse outro
momento da personagem cujo poder de sedução, certamente pelo uso de produtos
Boticário, faz com que qualquer homem (lobo mau) se submeta. Realização de todos os
desejos, promessa de final feliz.
5) Estrutura:
Mais uma vez, a propaganda está fundada no modelo dionisíaco apresentado por
Carrascoza (2004, p. 65), à medida que “busca influenciar o leitor por meio de uma
história.”
O narrador deste anúncio orienta o receptor a usar qualquer produto da Boticário
para obter uma determinada recompensa, ou seja, tenta persuadir o receptor a decidir-se
pela ação.
O texto dioniaco, segundo o autor, é usado principalmente quando o produto já é
conhecido do público e também “de marcas absolutas que dominam seu segmento de
mercado no top of mind -, revelando-nos ser uma estratégia voltada para aumentar a
adesão do que é admitido e o mais controverso.” Como é o caso do anunciante em
questão.
De acordo com o quadro proposto por Carrascoza (2004, p. 186) encontramos
nessa peça publicitária as seguintes características do texto dionisíaco:
Estrutura do
Modelo Dionisíaco
Aplicação ao Anúncio O Boticário / Chapeuzinho Vermelho
Manipulação
Também usando a tática da tentação em que se propõe ao
manipulado a recompensa de domesticar “lobos”, a
84
manipulação se estabelece.
Competência
Chapeuzinho Vermelho usa produtos diversos da marca O
Boticário e adquire o poder de domar lobos e homens.
Performance
A performance dá-se pela sugestão. Supõe-se que Chapeuzinho
Vermelho tenha ficado mais sedutora ao usar cosméticos,
sabonetes, perfumes da marca O Boticário.
Sanção
Chapeuzinho Vermelho domina o lobo mau e todas as mulheres
que desejarem fazer o mesmo, estão convocadas a usar
produtos do Boticário. Esta é a recompensa maior.
A próxima propaganda foi criada pela agência JWT para o lançamento do novo
Trident Splash da empresa Adams. Veiculada em revistas e outdoor é classificada como
promocional, pois destaca as qualidades específicas do produto.
Figura 3
85
1) Aspectos Denotativos do Registro Visual
Vemos em primeiro plano do anúncio, a imagem de uma jovem sorridente de
vestido curto xadrez vermelho e branco, com babado e aventalzinho também brancos,
capa e capuz vermelhos, sapatilha preta, meia calça branca. A jovem segura com o
braço direito e mão na cintura uma cesta coberta com um pano xadrez vermelho e
branco. Com a mão esquerda, ela segura a barra do vestido. O destaque é que a jovem
está aberta ao meio com zipper, de onde sai o lobo mau. O fundo é em tons de laranja e
amarelo.
O lobo é o elemento surpresa proposto no anúncio, pois transmite a ideia de que o
receptor será surpreendido pelo novo Trident, agora com recheio.
Do lado superior direito do anúncio, encontramos o slogan: “Todo mundo tem um
recheio surpreendente. Qual é o seu?
Do lado direito inferior a imagem em primeiro plano do produto em branco
com recheio verde à mostra, no fundo de um lado vemos um pedaço de melancia e
folhas de horte e do outro um morango e metade de um limão. Abaixo temos a
imagem de duas embalagens do produto, relacionando com as frutas que fazem
referência aos sabores do produto. Centralizado abaixo das embalagens a indicação
“surpreenda-se”.
No canto inferior esquerdo temos a marca do anunciante.
2) Aspectos Conotativos do Registro Visual
A imagem nos remete, além de Chapeuzinho Vermelho, à conhecida fábula de
Esopo O lobo em pele de cordeiro.
Na fábula, o lobo tem a brilhante ideia de se disfarçar para conseguir comida;
assim, vestiu-se com pele de cordeiro e foi se juntar ao rebanho. Como conseguiu
enganar o pastor, foi levado ao entardecer para dentro do celeiro com as demais
ovelhas. Porém, durante a noite, o pastor foi ao celeiro buscar uma ovelha para se
alimentar, chegando , escolheu a maior que encontrou: era justo o lobo vestido de
cordeiro. Assim, acabou-se o engodo.
Nesta peça publicitária, o lobo se veste de Chapeuzinho Vermelho, surpreendendo
o receptor, eis a relação com o objetivo proposto, surpreender o consumidor do chiclete
Trident com um recheio inesperado.
86
A jovem demonstra, como na fábula de Esopo, meiguice e delicadeza, reforçados
pelas os uma na cintura e outra segurando a barra do vestido. o lobo que sai de
dentro da menina demonstra ser mau, com dentes à mostra e aparência de bravo,
aparece no exercício de sua ferocidade.
Vimos anteriormente que ao lobo é dada a simbologia de devorador, contudo,
nessa peça, uma inversão... quem passa a ser devoradora é Chapeuzinho. Paródia
novamente. Essa atmosfera inusitada criada pelo anúncio surpreende o receptor e atrai
sua atenção para a inesperada cena da Chapeuzinho Vermelho personificada pela
menina “devoradora”. Diferentemente das anteriores, Chapeuzinho continua sendo uma
criança e o clima de sedução, ainda que a ela caiba o papel de devoradora, não se
instala.
A imagem do produto em sintonia com os ingredientes principais que dão o
diferencial aos sabores, enfatizam o recheio, que é a novidade do produto em questão.
3) Registro Verbal
O anunciante como certo o fato de que todo mundo tem um recheio.
Encontramos um aspecto conotativo da palavra recheio, tanto pode estar voltado para
um sentido culinário que faz referência ao chiclete, como é o caso da peça analisada,
como para um sentido “espiritual”, subjetivo, quando se refere às imagens. Podemos
entender que a alma da menina é o lobo... Será que todas as meninas tem um lobo
dentro de si? O que esconde na alma de uma menina?
Aqui a proposta é clara, se todo mundo tem um recheio, é claro que o novo
Trident Splash também terá um recheio surpreendente. E o slogan ainda convida o
receptor a se posicionar, indagando sobre seu sabor preferido. A promessa é a de que o
receptor irá se surpreender com a novidade apresentada. Por isso deixa explicito com o
texto informativo em que diz: Novo Trident Splash. O Trident com recheio líquido
que é um splash de sabor.” Ironia, talvez seja a figura de linguagem preponderante.
4) Relação entre o registro visual e o verbal
O anúncio de caráter promocional utiliza-se do texto e da imagem para destacar o
novo diferencial do produto, agora com recheio. Para isso, o texto inicia com uma
questão a ser respondida pelo receptor: “Todo mundo tem um recheio surpreendente.
87
Qual é o seu?”.
O diálogo entre palavra e imagem que verificamos nesta peça assenta-se, a nosso
ver, na relação de ancoragem: a palavra “recheio” dá o sentido que a propaganda espera,
ela aponta, funciona como chamariz. Barthes (1964, p. 38-41 apud NÖTH) explica que
uma das principais formas de referência recíproca entre texto e imagem é a ancoragem,
pois “o texto dirige o leitor através dos significados da imagem e o leva a considerar
alguns deles e a deixar de lado outros. [...] A imagem dirige o leitor a um significado
escolhido antecipadamente.” Para Nöth, a ancoragem é uma forma de relação indexical
entre texto e imagem: o texto dirige a atenção do receptor em direção a determinados
elementos da imagem, ou seja, dirige a interpretação da imagem.
5) Estrutura
De acordo com Carrascoza podemos dizer que esse anúncio segue o modelo
dionisíaco. Destacamos aqui seu comentário feito pelo autor referente à afirmação de
Lipovetsky sobre a publicidade atual privilegiar o fazer sorrir, surpreender e divertir, do
que simplesmente convencer o público alvo. Podemos dizer que o que ele diz vem
diretamente ao encontro da proposta dessa peça publicitária, senão vejamos:
sabendo que essas são ações almejadas pelo espírito dionisíaco, é
fundamentar ressaltarmos que esse fazer sorrir, surpreender e divertir
está a serviço do esforço em se conquistar a adesão ao que é
anunciado, de se tentar convencer o público por meio também da
emoção e do humor (2004, p. 60).
O narrador desta propaganda desafia o receptor a descobrir e experimentar o novo
produto que está sendo apresentado, e ao impor ao receptor que este se surpreenda,
tenta de forma lúdica persuadi-lo a decidir-se pela ação.
Utilizando a estrutura proposta por Carrascoza (2004, p. 186) podemos perceber a
relação existente entre o anúncio da Trident e as características do texto dionisíaco:
Estrutura do
Modelo Dionisíaco
Aplicação ao Anúncio Trident / Chapeuzinho Vermelho
Manipulação
Usando a tica da intimidação, na qual induz o manipulado a
uma ação por meio da ameaça, possa descobrir o que no
88
interior da personagem, do próprio receptor e do produto
anunciado.
Competência
Chapeuzinho Vermelho pode também ter um recheio
surpreendente como o produto anunciado.
Performance
De maneira explicita é proposta a idéia de que a delicada
Chapeuzinho Vermelho também possui o seu lado forte e
surpreendente, como o novo Trident.
Sanção
A recompensa se dá à aquele que aceita o desafio de descobrir o
novo recheio experimentando o novo Trident, como fez
Chapeuzinho Vermelho, assim se surpreenderá.
As novas versões até aqui apresentadas trazem uma Chapeuzinho poderosa, que
subjuga o lobo e o domina. Em duas delas, o lobo é literalmente posto na coleira tanto
na imagem, quanto no texto verbal. É o dominado que, por uma inversão paródica,
passa a ser o dominador. Esse poder é emprestado para o produto anunciado. Vejamos
se o mesmo se verifica na próxima propaganda que faz parte da Campanha Contos de
Melissa criada em 2007 pela agência BorghiErh/Lowe. Podemos classificá-lo como
promocional, pois de forma lúdica e inusitada, apresenta a personagem Chapeuzinho
Vermelho usando um dos modelos da coleção Melissa.
Figura 4
89
1) Aspectos Denotativos do Registro Visual
Vemos em primeiro plano ocupando quase toda a área central do anúncio um lobo
com jaqueta de couro e óculos pilotando uma moto Harley Davidson e levando na
garupa uma jovem sorridente vestindo uma regata com capa e capuz solto vermelhos,
seu cabelo está preso por uma fita vermelha, usa cinta-liga branca e sapatilhas
vermelhas.
A jovem carrega uma cesta com toalha xadrez vermelha e branca que deixa à
mostra uma garrafa de champanhe.
Com tons de verde e marrom, o cenário é de uma floresta com árvores, plantas,
flores, folhas, cogumelos e três coelhos brancos no gramado, um macaco bege e uma
coruja nos galhos das árvores. um tronco de árvore do lado direito do anúncio que
possui uma cara de bruxa.
Entre as árvores percebe-se uma clareira, iluminando a cena.
Não nenhuma referência explícita ao anunciante, a o ser pelo fato da
personagem utilizar um par de sapatilhas, não há também nenhum texto, nem slogan.
2) Aspectos Conotativos do Registro Visual
A referência ao conto de fadas Chapeuzinho Vermelho se pela presença do
lobo, que aqui é um motoqueiro; da jovem trajada numa versão mais moderna, à moda
Chapeuzinho, e também da floresta. Na história original, a menina indica para o lobo o
caminho que o levará na casa da avó; nesta versão apresentada para a Campanha Contos
de Melissa, Chapeuzinho Vermelho não demonstra não obedecer às orientações de
sua e que a aconselha a o se desviar do caminho, como vai junto com ele de
carona para o seu destino (a casa da avó?).
A floresta, segundo Chevalier e Gheerbrant (2008, p.439), é um santuário e
simboliza o inconsciente; as árvores representam a vida, quem sabe aqui a nova vida de
Chapeuzinho. Pois é a floresta como santuário o cenário para a fuga veloz do lobo com
sua Chapeuzinho Vermelho.
O lobo mau antropomorfizado mostra-se neste anúncio com certo ar de safadeza,
de esperteza. A jovem que personifica Chapeuzinho Vermelho aparece sorridente como
se estivesse gostando de fugir com o lobo. Sua capa ao vento, as folhas soltas voando e
a poeira levantada, demonstram estarem em velocidade, o que chama a atenção dos
90
animais presentes na cena que servem também como testemunhas da ação.
É significativa a presença de animais na cena. Os coelhos e o macaco
presenciando a fuga são, para Chevalier e Gheerbrant (p. 540-542), símbolos da
fantasia, do imaginário; são companheiros, cúmplices, alimentam a juventude e podem
ser associados à puberdade.
Representando muitas mulheres que gostariam de estar na mesma situação,
fugindo não com um lobo mau, mas com seu herói, a atmosfera criada por essa
propaganda atrai a atenção do receptor, pois sugere que usando Melissa tudo pode
acontecer, pode-se derrubar barreiras e tradições. A referência ao produto anunciado se
dá apenas pela sapatilha vermelha usada pela personagem.
Assim, esse anúncio de caráter promocional, utiliza-se apenas da imagem para
destacar a marca conhecida do público desde 1979. Com originalidade, o anúncio
chama atenção do receptor, para que ele perceba a mensagem transmitida de forma
conotativa.
3) Estrutura
O anúncio em questão instiga o receptor através da sedução e do humor,
elementos que caracterizam o modelo dionisíaco.
Estrutura do
Modelo Dionisíaco
Aplicação ao Anúncio Contos de Melissa / Chapeuzinho
Vermelho
Manipulação
A sedução como forma de manipulação busca a persuasão
ressaltando as qualidades do manipulado, vemos nesta peça o
lobo mau que seduz Chapeuzinho Vermelho.
Competência
Chapeuzinho Vermelho usa Melissa e esse produto a torna
menina sapeca, transgressora de normas, ávida pelas aventuras
e pelos perigos que a vida oferece.
Performance
O anúncio sugere que Chapeuzinho Vermelho usando sapatilha
Melissa conquista a liberdade e foge com o lobo para uma nova
aventura.
Sanção
Chapeuzinho Vermelho conquista o final feliz com o lobo mau.
Ao contrário das propagandas anteriores, em que Chapeuzinho dominava o lobo,
91
a propaganda da Melissa apresenta Chapeuzinho seduzida novamente... Ela se submete
ao poder atrativo de um lobo play boy, motoqueiro, aventureiro e cheio de charme. As
relações novamente se invertem: o lobo passa a ocupar a posição de dominador e
Chapeuzinho, a da menina que aceita encurtar o caminho para a casa da vovó, desta vez,
na garupa de uma moto possante. O que pode acontecer no caminho se anuncia na
garrafa de champanhe que a menina/moça leva na cesta, no ar de satisfação da menina
arteira que usa Melissa... e do lobo. Uma versão mais moderna, mas que traz os
elementos da história original sob outra roupagem. Pensando desta forma, seria a
paráfrase e não a paródia a condutora do diálogo intertextual. Assim, deduz-se que o
Lobão” tentará comera avó e a menina. Ora, o verbo comer é bastante polissêmico,
nessa nova versão, também um uso mais ousado poderia ser autorizado.
Veremos agora um anúncio de caráter institucional, produzido pela agência
chilena Unitas/RNL para Campanha Anistia Internacional do Chile, contra a violência
que acontece dentro dos lares e destrói inúmeras famílias.
Nesta Campanha, personagens do conto de fadas se apresentam de forma bastante
chocante. Foram criadas duas versões em que as mães se transformam Branca de Neve e
Chapeuzinho Vermelho e ambas sofrem violência doméstica. Como nossas análises
estão voltadas ao conto de Chapeuzinho Vermelho, analisaremos essa peça
especificamente.
Figura 5
92
1) Aspectos Denotativos do Registro Visual
Vemos em primeiro plano, ocupando quase todo o lado esquerdo, uma jovem de
cabelo castanho de franja, usando capa e capuz vermelho e vestido tomara-que-caia
estampado. Essa jovem demonstra estar muito assustada, com medo, afinal seu rosto
apresenta ter sido arranhado. Nossa Chapeuzinho Vermelho nesta versão está acuada,
temerosa, angustiada.
A luz ao fundo, clareia os troncos de algumas árvores, mas nossa personagem se
apresenta agachada como se quisesse se esconder na escuridão provocada pelas
árvores.
A cesta no canto inferior esquerdo parece ter sido virada, está caída, a
impressão de todas as guloseimas que estavam dentro terem caído ao chão.
No canto superior direito -se os seguintes dizeres: Mom was reading me a tale,
till daddy came back…, traduzindo lemos: Mamãe estava lendo um conto pra mim, até
que papai voltou...
No lado direito inferior há o logo da campanha da Anistia Internacional e abaixo o
seguinte texto: Violence against women is violation of human rights. Denounce.
(Violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos. Denuncie.)
A imagem é contundente e torna a função conativa ou apelativa da linguagem
proeminente. A função poética também se verifica, dada a organização dos elementos
qualitativos na composição.
2) Aspectos Conotativos do Registro Visual
Novamente a floresta se faz cenário, bem como a simbologia de um santuário
desenvolvida. Além da floresta, a capa vermelha e a cesta nos remetem ao conto de
fadas Chapeuzinho Vermelho, porém numa versão muito triste, preocupante, pois a
atmosfera em que se apresenta a jovem personagem é de medo, violência, agressão,
ansiedade.
Seu olhar marcado pela maquiagem escura transmite a insegurança e sofrimento
por qual passa nossa Chapeuzinho. Os arranhões em seu rosto devem doer.
A floresta se mostra ainda mais fria, assustadora, ameaçadora.
Não se mais ninguém, mas supomos que o lobo mau esteja presente, escondido
ou quem sabe, à espreita, observando a jovem acuada, para, mais tarde, violentá-la
93
novamente.
O tom escuro reforça a mensagem transmitida. A atmosfera de suspense e medo
criada atrai a atenção do receptor, desperta a sensação de perigo e chama atenção para
um assunto muito sério, a violência contra as mulheres.
3) Registro Verbal
Mom was reading me a tale, till daddy came back…Violence against women is
violation of human rights. Denounce (Mamãe estava lendo um conto pra mim, a que
papai voltou Violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos.
Denuncie.). Com este texto, a Campanha Anistia Internacional, chama a atenção dos
receptores pela inusitada e chocante cena, em que a personagem se mostra violentada e
amedrontada.
Percebemos que o narrador é uma criança, que conta o momento em que seu pai
chega e sua mãe é obrigada a parar de contar história para ela. É a impressão da criança
sobre os atos de seus pais. Salientamos aqui, como estratégia de persuasão, um aspecto
que se faz presente no discurso dionisíaco: as confissões. O uso desse recurso faz com
que a mensagem demonstre sinceridade e lealdade; acentua a credibilidade do blico
ao anunciante, e mais, intensifica a função emotiva, estreitando os laços entre
anunciante e receptor. Nesse território, a subjetividade é predominante.
A referência é direta tanto ao conto de fadas como à violência a qual a personagem
vivencia nesta versão. O slogan sugere uma estória dentro de uma história: a estória é o
conto de fadas contado pela mãe, a história é a realidade que interrompe a ficção e mata
os sonhos.
As reticências deixam pairar o suspense no ar. O receptor/leitor faz inferências
sobre o que pode ter ocorrido nesse espaço de suspensão da fala, até que o complemento
(...) Violência contra as mulheres é uma violação dos direitos humanos. Denuncie.”
Vem quebrar o devaneio.
4) Relação entre o registro visual e o verbal
Na imagem, Chapeuzinho se encontra na mais dramática das situações. Não
humor, não se vê o lúdico. O foco se dá no trágico, nos moldes dos contos de fadas mais
tradicionais. Aproxima-se, então, da versão de Perrault, a de que o lobo come a menina
e a avó, sem a interferência de nenhum salvador. Comer no sentido literal, devorar e
94
sorver o sangue.
Percebe-se um momento de aflição e dor recortado de um contexto de ataque, de
fúria animalesca, mas protagonizada por um ser humano. Nesta versão, o lobo mau é o
próprio pai.
A relação entre palavra e imagem que prepondera nesta peça é a
complementaridade, a qual se sob diversos aspectos. Encontramos em th a
afirmação de que aquilo que falta à imagem pode ser complementado pelo texto verbal.
Segundo ele, essa complementaridade pode ser percebida de forma clara na justaposição
entre palavra e imagem, pois “as imagens ilustram textos, ao passo que os textos
comentam as imagens.” É o que observamos nesta peça que se utiliza do conto de fadas
para despertar o receptor para um problema de grande importância, a violência contra
mulheres, dentro de seus lares, no seio da família.
A inversão paródica se faz anunciar: no conto original, Chapeuzinho Vermelho
consegue, com a ajuda do caçador, prender o lobo mau e salvar a vovozinha. Nesta
versão, Chapeuzinho não teve a mesma sorte, foi violentada pelo lobo mau, está
ameaçada, acuada, com medo, seu rosto e sua alma doem. Ao invés do tradicional “final
feliz”, aqui o final é triste. Chapeuzinho está sofrendo.
O narrador é a criança que assiste assustada à cena de violência sofrida por sua
mãe, e o pior... é o próprio pai que acaba com o universo do conto de fadas.
4) Estrutura:
Classificamos o anúncio como institucional, seu objetivo é despertar para o
problema da violência contra as mulheres e, para isso, os criadores buscaram no modelo
dionisíaco suporte para desenvolver o tema.
De acordo com Carrascoza (2004, p. 60), o texto publicitário dionisíaco busca
persuadir através de relatos ficcionais. Nesta peça, ficção e uma triste realidade se
confundem. Outro dado que choca é o fato de a denuncia ser feita pela voz de uma
criança, falando de um assunto extremamente sério (assunto que não é de criança...). O
conto de fadas aqui é utilizado para enfatizar esses desacertos e despertar o receptor,
invocando a memória da infância para assim denunciar a violência doméstica.
Estrutura do
Aplicação ao Anúncio Anistia Internacional / Chapeuzinho
95
Modelo Dionisíaco
Vermelho
Manipulação
Considerando-se que na manipulação o personagem é
convencido a realizar um desejo, pensamos que o desejo a ser
realizado pela personagem central é o de se libertar da
opressão, da violência sofrida.
Competência
A única forma de realizar seu desejo é denunciar.
Performance
Não está explicita no anúncio, mas uma sugestão de que
Chapeuzinho Vermelho tenha sido violentada pelo lobo mau,
aqui representando o pais do narrador, o que a faz se esconder
com muito medo. Seu sentimento de pavor é usado para que a
denúncia ocorra.
Sanção
A recompensa aqui é se esperar que a denúncia feita surta efeito
e que o fim da violência doméstica possa ser o final feliz dessa
história real.
Nesta análise que encerra esse capítulo, o conto de fadas é usado como a maneira
mais fácil de se apelar para a consciência coletiva e denunciar a violência sofrida pela
mulher. O ataque vai muito além do físico, a violência é simbólica... Agride-se todo um
imaginário no qual a presença do lúdico, da ingenuidade, dos sonhos é subtraída.
A denúncia está exatamente no ato de se roubar esses ingredientes tão essenciais à
vida. Aniquilar o final feliz é destruir as condições mais elementares da existência.
96
Considerações Finais
Baudrillard, ao olhar a propaganda sob o foco de seu aspecto lúdico, se fez
essencial para tentarmos compreender os efeitos de sentido produzidos na linguagem
publicitária quando esta se apropria dos contos de fadas. Buscamos nos apoiar em sua
ideia de que a eficácia da publicidade se dá, sobretudo, através da “lógica da crença e da
regressão”, que despertam sentimentos de infância, de proteção e de gratificação.
A partir daí, buscamos entender como se dá o processo de persuasão na esteira
da retórica de Aristóteles e dos pensamentos sobre a nova retórica de Perelman e
Tyteca, das reflexões de Citteli, Silva, Santaella e outros.
Consideramos relevante aqui ressaltar que os estudos iniciais sobre retórica m
foco no discurso verbal oral, uma vez que a oralidade era valorizada por se utilizar dos
mecanismos de argumentação na sociedade ateniense, além do que, não havia na época
a possibilidade de obter reprodução gráfica. O código verbal aliava à voz a formatação
do discurso e os elementos gestuais para a mensagem chegar ao receptor. A imagem, na
época, não era importante, por isso não era estudada como elemento de retoricidade
enquanto discurso persuasivo. Ainda que o elemento persuasivo seja considerado
totalmente relacionado ao discurso verbal, a persuasão através da imagem é algo que
acontece desde os primeiros desenhos do homem, como também através da escultura e
da arquitetura.
Nossos estudos nos apontam que os recursos do texto persuasivo se apresentam,
ainda hoje, como base da produção da mensagem publicitária e em todo o processo de
planejamento da comunicação, com o objetivo de se conseguir o convencimento do
receptor; mas uma outra forma de discurso se fez anunciar, e é justo ela é que nossa
pesquisa buscou investigar.
Retomando as ideias de Baudrillard, destacamos mais uma vez que o discurso
publicitário se faz presente e de forma eficaz através da imagem e do discurso
ideológico. O consumidor recebe a mensagem de forma direta, dirigida pessoalmente a
ele, demonstrando assim os valores, estilos, tensões e relações predominantes numa
determinada sociedade.
Para ele, a função lúdica da propaganda vai além de desempenhar “o papel de
cartaz permanente do poder de compra, real ou virtual, da sociedade no seu todo”, a
publicidade possibilita a construção de sonhos, de fantasias e de erotismo.
97
É nesta relação estabelecida pelo autor, entre o aspecto lúdico da fábula e
publicidade, que se faz presente no conto de fadas: gênero que impregna as propagandas
analisadas neste trabalho.
O conto de fadas é utilizado como forma de despertar os sentimentos e
lembranças infantis que, por sua vez, despertam sentimentos de proteção e de
gratificação. Ele é utilizado pela publicidade como forma de seduzir e persuadir o
público-alvo. As características desse recurso de persuasão foram destacadas nas
análises realizadas.
Vale destacar que os contos de fadas, bem como os mitos, surgiram na busca de
oferecer respostas às necessidades de explicação do mundo e das relações internas que
caracterizam os relacionamentos e os sentimentos humanos.
No conto de fadas está sempre presente a possibilidade de um final feliz, no qual
a realização do objetivo final é praticamente certa. Esta meta dos contos de fadas vem
ao encontro do objetivo da publicidade: fazer com que a mensagem chegue ao
consumidor de forma lúdica e, assim, através do entretenimento, conseguir o seu
convencimento e levá-lo à ação. A publicidade trabalha com os sonhos... conforme
vimos em Baudrillard, a publicidade ao se constituir a partir de uma realidade, de um
objeto, de algo a ser vendido, parte do universo do desejo fora dos limites da realidade
constrói um mundo próprio que vai ao encontro dos desejos e expectativas do
consumidor.
De acordo com a concepção de Baudrillard sobre a “lógica da fábula e da
adesão”, bem como da “crença e da regressão” que permeiam a publicidade,
encontramos em Carrascoza os conceitos que nos levaram a entender a complexidade
existente no discurso publicitário em busca da persuasão. Nesta linha de persuasão
apontada por ele, encontramos os modelos apolíneo e dionisíaco, ambos oriundos de
ideias de Nietzshe. No modelo apolíneo percebemos que os elementos que constituem a
mensagem publicitária nesse formato possuem características racionais, enquanto que
no modelo dioniaco vemos os elementos que visam despertar a emoção, a fantasia, o
imaginário, cuja temática está assentada nos contos de fadas.
Vimos em Maffesoli a confirmação de que o texto publicitário baseado no
modelo dionisíaco traz em sua constituição os sonhos, a emoção; é um texto que tem na
sensibilidade seu vetor. Neste contexto, consideramos pertinente acrescentarmos a
afirmação de Santarelli (2005) que diz ser o modelo dionisíaco detentor de uma
estrutura mais solta, em “formato narrativo ou poético em que a persuasão é diluída e
98
seduz pelos aspectos emocionais contidos na narrativa”.
Nossos estudos confirmaram o conceito de que a imagem exerce vários papéis na
relação com o texto verbal. Além de reproduzir o que foi dito em palavras, pode
complementar ou ainda ser superior ao texto no que diz respeito à quantidade/qualidade
de informações. A imagem é utilizada com o objetivo de reforçar a adesão, seja
facilitando a identificação da mensagem, seja tornando-a interessante de tal modo a
conseguir outro tipo de adesão. Portanto, o texto publicitário, sob a ótica do modelo
dionisíaco, apresenta argumentos emocionais fortes para se atingir o objetivo proposto
pela propaganda e conseguir a adesão almejada. Enfim, Carrascoza nos mostra que a
história do texto publicitário apoiado no modelo dionisíaco apresenta a vida prometida e
possível pelo consumo, aconselhando, não de forma racional, o uso de um produto ou
serviço, mas sim de forma sutil, inocente, lúdica e utópica, através do envolvimento
com o receptor.
Percebemos que ao apropriar-se dos contos de fadas, a propaganda apela, para o
repertório coletivo e particular, para o imaginário cultural de cada receptor. Conforme
dito anteriormente, resgata sua memória e o insere num universo familiar. Tanto quanto
o conto de fadas, a publicidade desemboca no almejado final feliz, dado pelos
elementos estruturais da narrativa e pelos elementos componentes do texto dionisíaco.
Buscamos, enfim, analisar nesse trabalho a persuasão que busca a adesão pelo
encantamento, pela emoção e pelo humor traços marcantes do texto dionisíaco o é a
que se volta à proposição, argumentação e conclusão e/ou convite de ação
características do texto apolíneo.
Nossa estratégia metodológica foi a de escolher apenas um conto de fadas para
análise e as propagandas que com ele dialogam. Optamos pela história de Chapeuzinho
Vermelho por trazer possibilidades interessantes de leitura e análise. Este conto foi
apresentado em diferentes versões, traduções e adaptações. Ao pesquisarmos as peças
que apresentassem esse conto, encontramos também diferentes versões, traduções e
adaptações, e isso foi algo que nos motivou ainda mais a realizar as análises propostas.
Assim analisamos a relação entre palavra e imagem nas suas possibilidades de
entrosamento semântico, no contexto do modelo dionisíaco presentes em cinco peças
publicitárias nos seguintes anunciantes Campari, o Boticário, Trident (Adams), Mellissa
e uma campanha institucional em combate à violência contra mulher.
Em todas as peças encontramos referências diretas ao conto de Chapeuzinho
Vermelho, ora pela presença do lobo mau, da menina/moça Chapeuzinho e da capa e
99
gorro vermelhos.
Nestas peças, Chapeuzinho o se apresenta mais como uma simples menina
ingênua, mas sim, sensual, jovem, dinâmica e alegre. Com exceção da peça criada pela
Anistia Internacional de combate à violência doméstica, que apresentou uma
Chapeuzinho Vermelho medrosa, ameaçada, sofrida, angustiada, violentada.
Vimos as características do modelo dionisíaco presente em todas as peças, como
um suporte real de persuasão para se conseguir a adesão almejada. A intertextualidade
se deu, por sua vez, tanto na forma de paráfrase como de paródia.
De acordo com a hipótese que havíamos, inicialmente, levantado para a
realização de nossa pesquisa, constatamos que é real o ideal de seduzir, encantar,
gratificar e promover a ação através de uma publicidade lúdica, que por meio do
entretenimento do conto de fadas é possível criar uma “lógica de adesão”.
Pensamos, ao final de nossa pesquisa, termos trazido algumas quase-respostas
para esse universo o extenso e impossível de ser capturado na sua totalidade. Se
trouxemos quase-respostas, ficaremos felizes com a possibilidade de que essa pesquisa
seja resgatada e que se avance a partir das nossas reflexões, e mais e mais... até que seja
“quase possível” que o final seja “quase-feliz!
100
Referências
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TODOROV, T. Os gêneros do discurso. Martins Fontes, São Paulo: 1980.
106
ÍNDICE DE FIGURAS
1. Figura 1 Contos de Campari.............................................................64
2. Figura 2 O Boticário...........................................................................70
3. Figura 3 Trident.................................................................................75
4. Figura 4 Contos de Melissa................................................................79
5. Figura 5 Anistia Internacional..........................................................82
107
Anexos
Destacamos a seguir algumas peças que encontramos de acordo com o modelo
dionisíaco, apoiadas nos contos de fadas.
NIVEA (spray autobronzeador)
108
GPS
109
FOX
110
PARQUES DA DISNEY
“Where a Whole New World Awaits” (Onde Um Mundo Todo Novo Espera)
Jeniffer Lopez e Marc Anthony Aladin.
111
“Where Dreams Run Free”
(Onde os Sonhos são Livres) Jéssica Biel - Pocahontas
Beyoncè Knowles Alice no País das Maravilhas
112
Scarlett Johansson - Cinderela
David Beckham Príncipe Philip de A Bela Adormecida
113
Gisele Bundchen - “Where You Never Have to Grow Up
(Onde Você Nunca tem que Crescer)
Rachel Weisz A Branca de Neve
114
Julie Andrews - A Fada Azul de Pinóquio
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