vinho, para representar os excessos, a irracionalidade e as emoções extremas, indo em
sentido contrário ao que representa Apolo, que caracteriza a organização, a
racionalidade, a moderação ou o mundo idealizado dos sonhos.
Ouçamos agora o próprio Nietzsche (1992, p. 30) para refletirmos sobre a
definição da essência do dionisíaco:
Se a esse terror acrescentarmos o delicioso êxtase que, à ruptura do
principium individuationis, ascende do fundo mais íntimo do homem,
sim, da natureza, ser-nos-á dado lançar um olhar à essência do
dionisíaco, que é trazido a nós, o mais de perto possível, pela analogia
da embriaguez. Seja por influência da beberagem narcótica, da qual
todos os povos e homens primitivos falam em seus hinos, ou com a
poderosa aproximação da primavera a impregnar toda a natureza de
alegria, despertam aqueles transportes dionisíacos, por cuja
intensificação o subjetivo se esvanece em completo auto-
conhecimento. (...) Sob a magia do dionisíaco torna a selar-se não
apenas o laço de pessoa a pessoa, mas também a natureza alheada,
inamistosa ou subjugada volta a celebrar a festa de reconciliação com
seu filho perdido, o homem.
Maffesoli faz uso de ambos os termos nietzschianos com o propósito de
demarcar as fronteiras da modernidade e da pós-modernidade. Apolo é o deus
representativo da modernidade ou do domínio da razão. Em contrapartida, Dionísio
remete à pós-modernidade e representa o retorno de uma pluralidade, ou seja, de um
retorno da emoção, da 'magia', da afetividade. Enfim, trata-se do universo do sensível
contaminando o universo da razão. Segundo o autor,
(...) podemos apreciar, por meio de um verdadeiro saber
desinteressado, desengajado, o retorno do paradigma dionisíaco,
expresso nas múltiplas reações à unidimensionalidade econômico-
tecnocrática. Rebeliões, revoltas, indiferenças políticas, importância
da proxemia, valorização do território, sensibilidade ecológica,
retorno das tradições culturais e recurso às medicinas naturais; tudo
isso, poderíamos à vontade continuar a lista, traduz a continuidade, a
tenacidade de um querer-viver, individual e coletivo, que não foi,
totalmente erradicado. É a expressão de uma irreprimível saúde
popular. A emergência de uma tática existencialmente alternativa. De
alguma forma, um exercício de reconciliação. Eis aí a “sombra” que
Dionísio derrama sobre as megalópoles pós-modernas. (...) Tudo isso
que é forte sinal de uma mudança de imaginário. Tudo isso que é a
marca da pós-modernidade. A elaboração de uma coerência social
vivida, paradoxalmente, de perto, mas com a ajuda dos sonhos
imemoriais, que embalam a infância de cada um de nós e que
atualizam a juventude do mundo. (MAFFESOLI, 2005, p. 5)
Ainda segundo Maffesoli (p.16), o conceito dionisíaco, ao que ele se refere como