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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci
POR UMA EFETIVA CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE DE
GÊNERO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO:
ANÁLISE DA NECESSÁRIA REVISÃO DO TRATAMENTO
DIFERENCIADO À MULHER NAS APOSENTADORIAS
POR IDADE E POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
DOUTORADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2010
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci
POR UMA EFETIVA CONSTRUÇÃO DA IGUALDADE DE
GÊNERO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO:
ANÁLISE DA NECESSÁRIA REVISÃO DO TRATAMENTO
DIFERENCIADO À MULHER NAS APOSENTADORIAS
POR IDADE E POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
DOUTORADO EM DIREITO
Tese apresentada à Banca Examinadora,
como exigência parcial para a obtenção
do título de Doutora em Direito (Filosofia
do Direito) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, sob a orientação
do Professor Doutor Gabriel Benedito
Isaac Chalita.
SÃO PAULO
2010
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Banca Examinadora
_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
_________________________
Às mulheres da minha vida:
Minha avó, Aparecida (in memorian)
Minha mãe, Magali
Minha filha, Isadora
Minhas irmãs, Gabriela e Giovanna....
E, aos homens da minha vida:
José, meu avô (in memorian)
Martinho, meu pai
Sergio, meu marido
Rafael e Enzo, meus filhos e
“meus filhos” Barão (in memorian) e
Bartolomeu.
Razões singulares e plurais do meu afeto e da minha existência. Dedico e
agradeço por tudo e por simplesmente existirem como minha família, desenhada
e abençoada por Deus, esteio de paz, confiança, exemplos, incentivos e,
principalmente, amor.
Agradecer é ter gratidão, é saber reconhecer todos aqueles que
contribuíram para a realização deste trabalho e em especial:
Ao Prof. Gabriel Chalita, como forma de agradecimento, saliento uma
passagem insculpida na obra “A última grande lição” de Mitch Albom que nos foi
sugerida para leitura na Disciplina Teoria Geral do Direito, por ele ministrada e por
mim cursada como um dos primeiros créditos para o Mestrado no ano de 1999 na
PUC/SP, tais ensinamentos sempre me marcaram e traduzem neste momento
aquilo que tenho a dizer: O professor se liga à eternidade; ele nunca sabe onde
cessa a sua influência”. Àquela época a frase muito me impressionou, bem como
a sua pessoa iluminada, solidária e, principalmente, aberta para a vida e para as
reflexões de seus alunos. Anos mais tarde trago à colação a célebre frase para
agradecê-lo pela oportunidade, por toda a contribuição intelectual para a feitura
deste trabalho e para sublinhar que sua eternidade em mim nunca cessará, será
um exemplo da importância de um mestre na vida de um aluno, resgatando com
certeza um de seus lemas: “educação, a solução está no afeto”.
À Profa. Márcia Alvim, grande mestre e educadora, mas além de todos
estes qualificativos, uma grande amiga, uma grande mulher.. Agradeço com
veemência a oportunidade e, principalmente, a sua amizade, seu carinho, seus
conselhos e toda a sua contribuição intelectual à confecção deste trabalho. Com
todo o seu apoio foi possível ir além. Muito obrigada.
Ao Prof. Willis Santiago Guerra Filho por sua sapiência e ensinamentos
que nos fazem refletir sobre o Direito, sobre o mundo, sobre a vida, em especial,
agradeço pelas contribuições e sugestões propostas no exame de qualificação do
presente trabalho.
À PUC/SP representada por todos os seus funcionários, agradeço nas
pessoas de Rui e Rafael pela dedicação aos alunos;
À Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em
especial, aos professores Ademar Pereira, Nuncio Theophilo Neto e Regina
Toledo Damião pela confiança, pelo carinho e por todas as oportunidades que me
foram concedidas no exercício da docência.
Aos meus alunos que me fazem renascer a cada aula.
À Professora Esther de Figueiredo Ferraz (in memorian) por ser fonte de
inspiração, paradigma de mulher, de pessoa à frente de seu tempo.
Aos amigos pelo apoio, debates, sugestões e, em especial, à Alessandra
Gabriel Braga, Andrea Boari Caraciola, Carla Noura Teixeira e Patrícia Tuma
Martins Bertolin, grandes mulheres e, principalmente, amigas, por todo o incentivo
e carinho na vida compartilhada cotidianamente.
Aos Meus Pais Martinho e Magali, sinônimos de amor incondicional.
Indispensáveis e insubstituíveis. Agradeço por estarem sempre, sempre e sempre
presentes em todos os momentos da minha vida.
Aos meus filhos Rafael, Isadora e Enzo pela benção de ser mãe, nos seus
sorrisos encontro a presença de Deus, a magia divina e inexplicável da beleza da
vida, impulsionando-me a ir sempre adiante.
Ao Sergio, meu marido e meu amor, companheiro de todas as horas e
todos os desafios, incentivo constante e otimista mesmo quando tudo parecia tão
longe. Obrigada por compartilhar mais este projeto, estando mais uma vez, ao
longo destes 24 anos ao meu lado. .
“Eu sou aquela mulher a quem o tempo muito
ensinou.
Ensinou a amar a vida.
Não desistir da luta.
Recomeçar na derrota.
Renunciar a palavras e pensamentos negativos.
Acreditar nos valores humanos. Ser otimista.
Aprendi que mais vale lutar do que recolher
dinheiro fácil.
Antes acreditar do que duvidar”.
Cora Coralina
Trecho do poema Ofertas de Aninha (aos moços)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar uma ação afirmativa presente na
Constituição Federal de 1988 concedendo favoravelmente às seguradas do
regime geral da previdência social brasileira, os benefícios da aposentadoria por
idade e por tempo de contribuição com menor tempo em relação ao universo
masculino. Tal ação afirmativa foi instituída pelo legislador brasileiro partindo de
premissas que atualmente não mais se justificam, quais sejam, a fragibilidade
biológica da mulher e a necessidade de compensação do tempo de trabalho em
razão da dupla jornada, compreendidas como o trabalho profissional (esfera
pública) e o trabalho doméstico (esfera privada). Enfocar-se-á que tal ação
afirmativa não resgata a necessária igualdade entre homens e mulheres, em
razão da mulher receber do próprio ordenamento jurídico brasileiro contornos
“protecionistas” e que não verdade são “pseudoproteções” sociais, responsáveis
pela manutenção da desigualdade de gênero, na medida em que reforçam a
tradicional tese da responsabilidade solitária da mulher no espaço da vida
privada. Propugnar-se-á no presente trabalho não pela mera extinção de um
direito, mas sim, pela substituição do benefício previdenciário acima citado por um
outro benefício denominado licença-parental capaz de gerar efetiva igualdade de
gênero no ordenamento brasileiro, nos moldes do que já está ocorrendo na
Europa, alcançado-se, por via de conseqüência, os objetivos maiores declarados
pelo Estado Democrático de Direito, a justiça e o bem-estar social.
Palavras-Chave: Mulher, sociedade, igualdade, previdência social,
aposentadoria diferenciada, licença-parental.
SUMMARY
The present work has for objective to analyze a present affirmative action in the
Federal Constitution of 1988 granting favorably to held them of the general regime
of Social welfare Brazilian retirement for age and for time of contribution with
smaller time in relation to the masculine universe. Such an affirmative action was
instituted by the Brazilian legislator leaving of premises that now no more they are
justified, which are, the woman's biological fragility and the need of compensation
of the time of work in reason of the couple day understood as the professional
work (public sphere) and the domestic work (deprived sphere). it will Be focused
that such an affirmative action doesn't rescue the necessary equality among men
and women, position that the woman is going through the juridical own Brazilian
Laws receiving outlines “protectionists” and that no truth is “pseudo-protections”
social, responsible for the maintenance of the gender inequality, in the measure in
that you/they reinforce the traditional theory of the woman's lonely responsibility in
the space of the private life. To defends in the present work not for the mere
extinction of a right, but, for the substitution of the benefit of social security above
mentioned by another benefit denominated license-parental capable to generate it
executes gender equality in the Brazilian Laws, in the molds that it is already
happening in Europe, reached her, for consequence road, the larger objectives
declared by the Democratic State of Right, the justice and the social well-being.
Word-key: Woman, society, equality, Social welfare, differentiated
retirement, license-parental.
RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo examinar la acción afirmativa en la actual
Constitución de 1988 en favor de la concesión de la comparación asegurados en
el régimen general de la brasileña edad jubilación del Seguro Social y el peodo
de cotización, con menos tiempo para el universo masculino. Esta acción
afirmativa fue instituida por el legislador brasileño a partir de premisas que ya no
se justifican hoy, a saber, las mujeres fragibilidade biológica y la necesidad de
compensación del tiempo de trabajo debido a la doble jornada de trabajo incluye
como profesional y el trabajo hogar . La atención se centrará de manera que la
acción afirmativa no recuperar la necesaria igualdad entre hombres y mujeres, ya
que la mujer está pasando por el ordenamiento jurídico brasileño se reciben
esquemas "proteccionistas" y que en realidad hay "pseudo-protección"
responsabilidad social para mantenimiento de la desigualdad de genero, ya que
refuerza la teoría tradicional de la responsabilidad única mujer en el espacio de la
intimidad. Se argumenta en este trabajo no es la simple pérdida de un derecho,
sino la sustitución de las prestaciones de seguridad social mencionados por otra
prestación llama el permiso parental, capaz de generar la igualdad de género
efectiva en el sistema jurídico brasileño, similar a lo que ya está ocurriendo en
Europa, llegó arriba, por consecuencia, los objetivos s importantes declarados
por el Estado democrático de derecho, la justicia y el bienestar social.
Palabras claves: mujer, la sociedad, la igualdad, la seguridad social,
jubilación.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1
CAPITULO 1. MULHER: UMA HISTÓRIA QUE MERECE SER CONTADA ......... 7
1.1 A importância da História como experiência jurídica e método de interpretação
para o operador do Direito ...................................................................................... 7
1.2 A mulher na Época Antiga .................................................................................. 9
1.2.1 Código de Manu ............................................................................................. 9
1.2.2 Código de Hamurabi ................................................................................. 11
1.2.3 Os egípcios e as mulheres ........................................................................... 13
1.2.4 A mulher na Grécia ....................................................................................... 15
1.2.4.1 Mulheres de Atenas: submissão como essência ...................................... 16
1.2.4.2 Esparta e as mulheres: guerreiras e não-cidadãs ..................................... 18
1.2.5 Império Romano: a mulher tutelada .............................................................. 19
1.2.6 Mulheres e a Época Medieval ....................................................................... 22
1.2.7 Mulher: da Renascença à Modernidade ....................................................... 25
1.3 Mulher e as Revoluções da Era Moderna ...................................................... 29
1.3.1 Revolução Francesa ..................................................................................... 29
1.3.2 Revolução Industrial: “preferência” pelas mulheres? ................................... 31
1.3.3 Revolução Russa: prenúncios da instituição do dia internacional da mulher 34
1.3.3.1 Dia Internacional da Mulher: controvérsias, fatos e lendas ....................... 36
1.4 As Nações Unidas na salvaguarda dos direitos humanos ............................. 38
1.4.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948 .................................... 38
1.4.2 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e Pacto
Internacional sobre Direitos Civis e Políticos -1966 ............................................... 41
1.4.3 Convenção para eliminação de todas as formas de Discriminação contra a
Mulher - 1979 ......................................................................................................... 42
1.4.4 Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra
a mulher “Convenção de Belém do Pará” -1994 ................................................ ...44
1.5 As grandes Conferências Internacionais e os direitos femininos ...................45
1.6 Brasil: a marcha evolutiva da mulher na história e na legislação.................. 47
1.6.1 A mulher e as Constituições Brasileiras ....................................................... 47
1.6.2 A mulher e o direito ao voto no Brasil .......................................................... 51
1.6.3 Os direitos da mulher na Constituição de 1988 ............................................ 54
1.6.4 Mulheres e o Novo Código Civil ................................................................... 57
1.6.5 Maria da Penha: mais do que um simples nome de mulher. Uma Lei. Uma
história de vida. ..................................................................................................... 60
1.7 Ações Governamentais contemporâneas e conquistas femininas no Brasil .... 63
CAPITULO 2. OS DESAFIOS DE SER MULHER NA ERA CONTEMPORÂNEA:
DADOS E NÚMEROS ........................................................................................... 67
2.1 Mulher e família: novos parâmetros, novos paradigmas .................................. 67
2.1.1 Um olhar crítico-reflexivo sobre o papel da mulher-mãe .............................. 69
2.1.1.1 Filhos e carreira: conciliação e maternidade tardia .................................... 72
2.1.2 Mulheres e os modernos arranjos familiares ............................................. 74
2.2 Mulher e mercado de trabalho .................................................................... 78
2.2.1 Trabalhos domésticos, informais e “femininos” ......................................... 80
2.2.2 Discrepância salarial em razão do gênero ................................................ 84
2.2.3 A sobrecarga laboral e o compartilhamento na educação dos filhos ........ 87
2.3 A mulher campesina .................................................................................... 92
2.4 “Feminização” da velhice: uma realidade mundial ........................................ 93
CAPITULO 3. MULHER: CONDIÇÃO JURÍDICA E AÇÕES AFIRMATIVAS À
LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA ......................................................................................... 98
3.1 Princípio jurídico: uma definão necessária ................................................... 99
3.2 O princípio da igualdade: notas propedêuticas ............................................ 107
3.2.1 A igualdade nas Constituições Brasileiras ................................................. 110
3.2.2 O princípio da igualdade na Constituão Federal de 1988 ........................ 113
3.3 Princípio da dignidade da pessoa humana na CF/88 ..................................... 122
3.4 Ações afirmativas e a consagração do princípio da igualdade ...................... 128
3.5 Gênero e discriminação positiva na CF/88 .................................................. 136
CAPITULO 4. AS APOSENTADORIAS POR IDADE E POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
BRASILEIRA:APORTES NECESSÁRIOS ......................................................... 139
4.1 Conceito de seguridade social e sua trajetória histórico-legislativa .............. 139
4.2 Da noção de risco social a moderna concepção de contingência
social:incursões evolucionistas ........................................................................... 146
4.3 A seguridade social na Constituição Federal de 1988 .................................. 151
4.3.1 Previdência Social e sua evolução histórico-legislatival ............................. 153
4.3.2 Tempos modernos: a Previdência Social a partir da CF/88 ...................... 158
4.4 Princípios constitucionais da seguridade social na CF/88 ............................ 160
4.4.1 O princípio da solidariedade como regente do sistema de seguridade
social ................................................................................................................... 160
4.4.2 Princípios expressos da seguridade social : análise do art. 194 da CF/88 163
4.5 O custeio e a regra da contrapartida : indispensável para o equilíbrio
financeiro e atuarial ............................................................................................. 171
4.6 Considerações propedêuticas sobre o instituto da Aposentadoria no Brasil . 173
4.6.1 Aposentadoria por idade na previdência social brasileira ..........................175
4.6.2 Previsões internacionais de seguridade social acerca da velhice como
necessidade social .............................................................................................177
4.6.3 Velhice e Previdência Social: evolução histórica pátria..............................179
4.4.1 Aposentadoria por tempo de contribuição .................................................187
CAPITULO 5. A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE E POR
TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO COM CRITÉRIOS DIFERENCIADOS PARA A
MULHER: UMA AÇÃO AFIRMATIVA QUE MERECE SER REVISTA ............... 191
5.1 Inexistência de Instrumentos Normativos Internacionais contemplando critérios
diferenciados ........................................................................................................ 193
5.2 Aposentadoria diferenciada : o “ninho vazio” e o valor social do trabalho .... 194
5.3 Argumento da “fragilidade” física da mulher e afeminização” da velhice .... 199
5.4 A aposentadoria diferenciada como medida compensatória da dupla jornada
de trabalho .......................................................................................................... 202
5.4.1 A mudança comportamental das mulheres em relação à reprodução e ao
casamento .......................................................................................................... 202
5.4.2 Mulheres com encargos familiares e a dupla jornada ................................ 206
5.5 A “pseudoproteção” e os princípios constitucionais da solidariedade,
seletividade e distributividade ............................................................................. 209
5.6 Problemas para a previdência social: a necessidade de equilíbrio financeiro e
atuarial ................................................................................................................ 212
5.7 Efetuando trocas: a implementação da Licença-Parental como garantia da
igualdade de gênero e firmamento dos direitos de co-responsabilidade familiares
de homens e mulheres ........................................................................................ 218
5.7.1 Instrumentos Internacionais instituidores dos benefícios familiares ............ 221
5.7.2 Experiências de direito comparado ............................................................ 224
5.7.3 Brasil: ecos de proposituras legiferantes ................................................... 228
CAPITULO 6. O FEMININO E O MASCULINO ENQUANTO CONSTRUÇÕES
HISTÓRICO-CULTURAIS: OS ATORES SOCIAIS INSTRUMENTALIZADORES
DA IGUALDADE DE GÊNERO ........................................................................... 233
6.1 “Sensibilização” e mudança cultural .............................................................. 233
6.2 Mulheres no poder: a participação política como forma de igualdade real,
progresso e fortalecimento ................................................................................... 235
6.3 A importância da participação feminina nos sindicatos ................................. 240
6.4 Políticas públicas de enfrentamento da discriminação nas questões de gênero
............................................................................................................................ 244
6.5 O papel da educação e da mídia na efetivação da igualdade de gênero ..... 249
6.5.1 A educação como via de acesso para a transformação social .................... 249
6.5.2 A mídia na promoção da igualdade de gênero ........................................... 258
CONCLUSÃO ..................................................................................................... 264
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 270
1
INTRODUÇÃO
“O ser humano, homem e mulher, possui um futuro aberto, ainda não
ensaiado, que pode ser trazido para o presente pela sua criatividade, expressada no
engajamento e na decisão de agir. Em outras palavras, ele o é definitivamente
refém das instituições do passado, especialmente do patriarcado, que marcaram a
história de sofrimento e de opressão de milhares de gerações e da metade da
humanidade que são mulheres. O que foi construído historicamente pode ser
também historicamente desconstruído. Essa é a esperança subjacente de mulheres
oprimidas e dos seus aliados e dos homens desumanizados pelo patriarcalismo
esperança de um novo patamar de civilização não mais estigmatizado pela
dominação de gênero”
1
.
A frase de autoria de Leonardo Boff traduz e sintetiza com maestria o nosso
intuito no presente trabalho. O tema que parte do binômio mulher-desigualdade
social é absolutamente presente nos dias hodiernos, como fruto de construções
históricas arquitetadas ao longo dos milênios, restando, por sua vez arraigados na
essência e na existência cultural dos povos.
O tema mulher permeia o cenário nacional nas suas mais variadas ordens. A
figura feminina mudou. Está mais presente, marcante, independente. O casamento e
a maternidade, únicos atributos aos quais a mulher estava atrelada em tempos
pretéritos, não mais pode ser traduzido como obrigação, mas sim, opção e
escolha.
No mercado de trabalho houve um alargamento do número de mulheres e em
algumas áreas, a passos mansos, os ecos de vozes femininas vão tomando espaço.
Contudo, apesar de sua presença no mercado de trabalho, a discriminação salarial,
a desigualdade nos postos de trabalho e a vitimização da mulher nos assédios
morais e sexuais nas relações de emprego são constantes. como que uma total
incongruência entre as normas promocionais e a realidade prática vivenciada pelo
1
Feminino e masculino:uma nova consciência para o encontro das diferenças. Rio de Janeiro:
Sextante, 2002, p. 276.
2
dito “sexo frágil”.
Indispensável salientar que o assunto “mulher” encontra uma gama de
problemas merecedores de reflexão acadêmico-científica.
Entretanto, nosso ensaio doutoral selecionou uma questão de absoluta
importância detendo-se na análise de uma ação afirmativa presente em nosso
ordenamento jurídico por meio de normas infraconstitucionais desde os idos de
1960, até atingirem o status constitucional nas Constituições de 1967 e 1988.
Trata-se do estudo dos critérios diferenciados às seguradas da previdência
social na concessão dos benefícios de aposentadoria por idade e por tempo de
contribuição previstos no Regime Geral da Previdência Social Brasileira. Tais
aposentadorias estabelecem uma margem de 5 anos “favoravelmente” às mulheres
no tocante à idade ou ao tempo de contribuão em relação ao universo masculino.
Como ação afirmativa deve ser entendida tal diferenciação,
constitucionalizada pelo legislador com o intuito de “compensar” as mulheres
partindo de duas premissas: como sexo biologicamente mais frágil do que o homem
e em razão da sua dupla responsabilidade e sobrecarga laboral, quais sejam, os
afazeres do trabalho profissional e os afazeres domésticos, compreendo-se aqui
também a responsabilidade pela educação dos filhos.
Entretanto, em razão do paradigma e estereótipo de “sexo frágil” a mulher vai
por meio do próprio ordenamento jurídico brasileiro recebendo contornos
“protecionistas” e que o verdade são “pseudoproteções” sociais, nomenclatura
que pretendemos adotar, responsáveis pela manutenção da desigualdade de
gênero, na medida em que reforçam a tradicional tese da responsabilidade solitária
da mulher no espaço da vida privada.
Demonstraremos ao longo do presente trabalho cientifico que tal
diferenciação não mais se coaduna com os tempos hodiernos, necessitando de
uma revisão urgente.
3
Não se trata de extinguir um direito, mas sim, perceber o quanto este
privilégio pode trazer prejuízos a quem é o maior interessado, no caso as mulheres,
seguradas da previdência social, nem sempre conscientes desta “pseudoproteção”.
Tanto é verdade que ao longo das explanações perceberemos que a modificação
pela paridade entre os sexos na aposentadoria não é uma tese defensável pelos
movimentos feministas, apoiando-se no fundamento que a manutenção se faz
necessária para a compensação da mulher, tendo em vista a sua dupla jornada de
trabalho. Somos adeptas da crea que tal discriminação não é positiva, mas sim
uma “pseudoproteção” que longe de dar segurança às mulheres, as relega
novamente à condição de “sexo frágil”.
Ainda, nos socorrendo dos aportes do direito alienígena, em especial do
“Velho Mundo”, a Europa, muitos são os países que estão revendo a diferença
entre os gêneros para fins de aposentadoria, tendo em vista objetivos maiores, quais
sejam, a manutenção e o equilíbrio dos sistemas previdenciários e a implementação
de políticas de seguridade social visando a conciliação entre homens e mulheres,
por meio dos direitos de compartilhamento na educação e criação dos filhos e
fortalecimento da família, como consagração efetiva da igualdade entre os gêneros.
A parentalidade passa a ser o foco das políticas governamentais e não mais
a mulher. Desta forma, vislumbra-se a criação de benefícios tais como a licença-
parental, como mecanismo de aproximação de homens dos afazeres domésticos e
da educação dos filhos, garantindo, a possibilidade de maior desenvolvimento da
mulher na esfera pública e por sua vez, a conquista masculina da esfera privada.
Fazendo nossas as palavras de Leonardo Boff acima expostas o homem merece
uma humanização, desconstruindo-o como o provedor responsável pela esfera
pública, para construí-lo novamente como pessoa aproximando-o dos filhos, do
espaço doméstico e, também, da própria vida.
Não mais a “compensação” para a mulher premiada com idade ou tempo
de contribuição inferiores, mas sim, o questionamento acerca da divisão de tarefas
entre homens e mulheres, compartilhando e incluindo também os homens naquilo
que antigamente se chamava “espaço de mulher”. Objetivamos a mudança de
arquétipos estruturados na divisão e no individualismo em prol de um lei maior, a
4
fraternidade e a solidariedade, sublinhadas no Texto Magno de 1988 como um dos
esteios do Estado Democrático Brasileiro.
Propugnamos assim, a título de lege ferenda pela inclusão no ordenamento
brasileiro da licença-parental e, de maneira gradual por meio de regras de transição,
da extinção dos tempos reduzidos de aposentadoria para a mulher nas hipóteses
citadas.
Consideramos que enquanto os benefícios e proteções sociais continuarem
tendo a mulher como foco principal, fomentaremos as diferenças e as desigualdades
permanecerão e, por via de conseqüência, excluiremos homens e mulheres
sempre, da vida em geral, quer seja no âmbito público ou no privado. Homens e
mulheres devem ser incluídos. O conceito que consideramos o necessário a ser
adotado é o de pessoa, compreendida como finalidade primeira e última da
sociedade e do Direito.
Informado o problema central de nossa pesquisa, passamos agora a
descrever a construção metodológica de nosso trabalho estruturado em seis
capítulos.
A evolução da mulher na perspectiva histórica, com vistas a demonstrar suas
revoluções, conquistas e anseios sociais se a temática contemplada no Capítulo 1.
O Capítulo 2 delineado por meio de dados e estatísticas tem por objetivo
apresentar os desafios da mulher na sociedade contemporânea, como um
personagem dotado de novos contornos indicando a necessidade de políticas
públicas mais atentas e atuantes.
A condição feminina à luz de princípios constitucionais selecionados, quais
sejam, a igualdade, a dignidade da pessoa e a instituição de ações afirmativas com
o escopo de se aprimorar a igualdade entre os gêneros serão analisados no capítulo
3.
O capítulo 4 trará os aspectos fundamentais do sistema de seguridade social,
para, assim, atingirmos as nuances dos benefícios previdenciários denominados
5
aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, tais como, evolução histórica,
a contingência social implementadora e os critérios e requisitos para a concessão
de tais benefícios.
Confeccionado o arcabouço teórico com a apresentação dos requisitos
diferenciados à segurada da previdência social brasileira nas aposentadorias em
questão, o capítulo 5 traduzirá a nossa idéia central, tal diferenciação à mulher nos
dias hodiernos deve ser revista. Nosso esteio argumentativo tra aspectos
sociológicos, culturais, psicológicos, econômicos e, principalmente, jurídicos para
que possamos defender a tese de que tal disparidade não se coaduna com o
sistema protetivo previdenciário, com o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema e,
por ainda dizer, de forma mais veemente, enaltece a desigualdade de gênero em
nosso país.
Oportuno salientar também que o emprego do termo gênero, utilizado na
temática, contempla não as diferenças entre os sexos em razão do determinismo
biológico, mas é usado para demonstrar que as difereas entre homens e mulheres
são construídas socialmente no decorrer da história. Partindo de tal fato, as
conquistas e transformações sociais não ocorrem de forma natural, o “patriarcado”, a
“esfera doméstica feminina” são características arraigadas e arquitetadas desde
tempos pretéritos em nossa sociedade e, para tanto, a mudança clama por uma
absoluta integração entre atores sociais, tais como o governo, a sociedade
organizada, que por meio de campanhas educativas e formativas debatam a
temática da desigualdade de gênero revendo conceitos e preconceitos enraizados.
Detalharemos tais instrumentos no capítulo 6 deste trabalho tendo a educação como
foco para tais transformações.
Salienta-se que, para que o bem-estar social e coletivo se mantenha devemos
pensar em termos globais e em uma ordem sistêmica livre de preconceitos, tabus e
“pseudo-proteções”. Para tanto, é importante repensar efetivamente a questão de
gênero nos dias contemporâneos, garantindo a disparidade quando esta realmente
for necessária, e afastando as proteções que longe de representarem uma
salvaguarda aos sujeitos de direito os mantém cristalizados como hiposuficientes,
trazendo as mais diversas conseqüências.
6
Imperiosas, portanto, as modificações, em especial, no que tange às questões
de gênero e as aposentadorias diferenciadas. Não restam dúvidas que os
paradigmas insertos em nossa cultura devem ser transformados, sendo substituídos
por um valor maior, o valor da fraternidade, da colaboração e do enaltecimento do
social e do coletivo, consolidando assim um dos princípios maiores da seguridade
social, a solidariedade.
de ser imperativa a aplicação dos ditames estabelecidos no art. 3
o
da
Constituição Federal, que entre os seus fundamentos elege a redução das
desigualdades como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Assim,
pretendemos demonstrar que somente pelo esforço e cooperação de todos os
atores sociais será possível consagrarmos a verdadeira igualdade e justiça social e
as mulheres devem compreender sua nova inserção social e colaborar para tal
mister, na busca pela efetiva igualdade.
Consideramos que as respostas no campo das relações humanas dependem
de muito esfoo e fiscalização dos agentes responsáveis. Mas, mais do que isto o
poder de representação deveria estar nas mãos das mulheres com o acesso
universal à educação e à informação, instrumentos catalisadores da efetiva
cidadania.
7
1.MULHER: UMA HISTÓRIA QUE MERECE SER CONTADA
Há aqueles que lutam um dia; e, por isso, são bons;
aqueles que lutam muitos dias; e, por isso, são muito
bons;
Há aqueles que lutam anos; e, são melhores ainda.
Porém, há aqueles que lutam toda a vida; esses são
imprescindíveis.
Bertold Brecht
O tema mulher é de palpitante contextualização. Incide nas mais variadas
políticas sociais e irradia efeitos no contexto global. A luta da mulher é longa,
demorada, mas sempre acirrada e constante.
Começaremos nosso trilhar científico analisando a evolução dessa luta e os
direitos já conseguidos, bem como aqueles almejados para um futuro próximo.
1.1 A importância da História como experiência jurídica e método de
interpretação para o operador do Direito
Imprescindível a importância da História para se conhecer o Direito, em
especial, para se conhecer o Direito das Mulheres. O processo evolutivo e o das
transformações daí advindas constituem a finalidade primordial da História,
reconstituindo e compreendendo o Homem e a humanidade no passado com
projeção para o futuro.
2
2
BAGNOLI, Vicente; BARBOSA, Susana Mesquita & OLIVEIRA, Cristina Godoy. História do Direito.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 2.
8
Nas palavras de Gabriel Chalita “a história é um devir, isto é, um processo de
permanente transformação. A história não é estática; está em constante construção,
por meio da atuação do homem”.
3
Em uma visão pessimista a sociedade tende a acreditar que as mulheres não
evoluíram. Entretanto, as mulheres estão caminhando rumo a mudanças, em um
processo constante de mutação, transformação e conquistas. Assim foram
conquistados os direitos das mulheres, como todos os direitos da humanidade.
Passo a Passo. Arduamente.
Desse modo, é de salutar importância que cada vitória da luta feminina seja
festejada à luz do seu momento histórico, pois cada momento no tempo é único e
indispensável para a seqüência dos fatos. O dever-ser com certeza se efetivará cada
vez mais de maneira absoluta e próspera às mulheres. A História vem mostrando
isso.
Com referida introdução gostaríamos de reafirmar a importância da História
para o operador do direito, pois a ciência do Direito evoluiu na medida do tempo e
alicerçada nas inúmeras conquistas dogmáticas. Neste sentido:
Entre as muitas razões de ser da História do Direito, destaca-se a de
que o jurídico, como todas as partes que integram o complexo da
cultura, está inseparavelmente unido às coordenadas de espaço e
tempo. Poucas realidades golpeiam tão duramente nossa existência
como o passar do tempo. Para os humanos, o tempo não é somente
uma dimensão a mais, ele integra-se em nossos projetos e forma
parte inseparável de nós.
(...)
Todas as coisas humanas estão impregnadas pelo passar dos anos.
E o devir do humano ao largo do tempo chama-se História, como a
ciência que o estuda e o reconstrói. O Direito, enquanto elemento da
cultura, não escapa a essa coordenada (...).
4
3
O Poder. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 21.
4
BERKMAN, Ricardo David Rabinovich. Bom dia, História do Direito! Rio de Janeiro: Forense,
9
Corroborando nossas assertivas cumpre trazer à colação os ensinamentos
propugnados pelo o historiador e filósofo Reinhart Koselleck quando proferiu
palestra intitulada "História e Hermenêutica" na Universidade de Heidelberg, em
comemoração ao 85° aniversário de Hans-Georg Gadamer, também presente em
16 de fevereiro de 1985:
Toda compreensão sem um índice temporal permanece muda. A
compreensão, seja ela de um texto, seja ela tomada ontologicamente
como esboço da existência humana para a qual importa o sentido,
toda compreensão é fundamentalmente dependente do tempo.
Ou seja: lidando com história, não podemos deixar de ser
hermeneutas, isto é, de trabalhar simbolicamente o passado e de
considerar o tempo fator determinante para as atividades de
compreensão e interpretação. Há mesmo na hermenêutica como
ciência da interpretação reflexões interessantes que ajudam a melhor
nos desincumbirmos de nossa atividade de intérpretes de resíduos
do passado.
5
Assim, os direitos alcançados encontram no aspecto temporal o eixo
fundamentador para sua existência e dentro deste aspecto espacial e temporal
devem ser explicados e entendidos. Se correspondem às nossas realidades ou
talvez possam em algum momento ser considerados dissonantes, o próprio tempo
explicará pois refletirá as conquistas e objetivos de uma época.
6
1.2 A mulher na Época Antiga
1.2.1 Código de Manu
Nos primórdios importante documento histórico foi o Código de Manu Quando
falamos de Código, falamos em lendas e histórias místicas que envolvem a criação
2001, p. 12-13.
5
ALBERTI, Verena. A existência na história: revisão e riscos da Hermenêutica.Revista de
Estudos Históricos. Rio de Janeiro: CPDOC, n. 17, 1996, p.12.
6
ALTAVILA, Jayme de. Origem dos Direitos dos Povos. ed. São Paulo: Icone Editora, 1997, p.
12.
10
desse Código. Dita a lenda que Brahma, de seu próprio corpo, essência e
substância, a primeira mulher e a ela deu o nome de Sarasvati. Uniram-se em
matrimônio e do casamento Manu, foi o primogênito, com a incumbência de ser o pai
da humanidade, e responsável por estabelecer leis norteadoras da convivência
social. Manu é citado pelos estudiosos como sábio, rei, escritor e também como o
único sobrevivente de um dilúvio ocorrido na Índia.Calcula-se como data aproximada
para a promulgação do Código de Manu entre os anos de 1300 a 800 a.C
O Código de Manu foi escrito em sânscrito em forma de verso e prosa, e seus
ditames relatados por meio de versos. Cada disposição legal consta de dois versos,
segundo trica criada por um santo eremita denominado Valmiki, em torno do ano
1500 a.C.
Dividido em Doze Livros, o Código de Manu expandiu-se para os territórios da
Assíria, Judéia e Grécia, comparado na era antiga como um Código que deixou suas
marcas,assim como os Romanos as deixaram para o mundo mais
contemporâneo. Contudo, não alcançou a mesma projeção do Código de Hamurabi
7
que entre as suas mais diversas disposições estabelecia algumas determinações
relativas à mulher. Encontramos diversos dispositivos consagrando a discriminação
entre homens e mulheres.
Ao nos debruçarmos na análise do art. 45 do referido Código percebemos a
absoluta submissão da mulher ao homem, por toda a sua existência, assim vejamos:
“uma mulher está sob a guarda de seu pai durante a infância, sob a guarda do deu
marido durante a juventude, sob a guarda de seus filhos em sua velhice; ela não
deve jamais conduzir-se à sua vontade”.
O Livro Terceiro do Código de Manu é responsável por ditar as regras
relativas ao matrimônio destacando as condutas e os deveres do chefe da família,
notadamente o homem, patriarca responsável e chefe maior a guiar os destinos de
sua esposa e filhos.
Ainda convém esclarecer que os Livros Quinto e Décimo Primeiro são de
7
Disponível em http://www.wikipedia.com.br. Acesso em 10 de agosto de 2008.
11
importância ímpar para os estudiosos da questão de gênero pois delimitam, no
primeiro caso os poderes de soberania dos homens sobre as mulheres, bem como,
no segundo caso enumera as transgressões e suas conseqüentes punições para se
reestabelecer a ordem social .
À título de exemplo podemos citar que o digo de Manu considerava a
mulher serva do seu marido, devendo sempre idolatrá-lo e venerá-lo perante a
sociedade, pois caso não houvesse o tão esperado respeito seriam aplicadas penas
severas.
A incapacidade da mulher nos remete à previsão da Lei de Manu: “A mulher,
durante sua infância, depende de seu pai, durante a mocidade de seu marido, em
morrendo o marido, de seus filhos; se não tem filhos, dos parentes próximos de seu
marido, porque a mulher nunca deve governar-se à sua vontade”
8
.
Finalmente, imprescindível destacar a importância da mulher como soberana,
em apenas uma condição, a condição de mãe. A preocupação dos Hindus com a
reprodução era tamanha, de maneira até mesmo a autorizar a relação da esposa
com um cunhado ou qualquer outro parente com o fito de continuidade da família e
estabelecimento de laços de descendência.
9
1.2.2 Código de Hamurabi
Hamurabi foi o sexto rei sumério durante peodo de 1730 a 1685 A.C.).
Fundador do Império Babilônico (atualmente o Iraque) e responsável pela unificação
do mundo babilônico.Seu nome se perpetua na História da Humanidade com o
8
PIMENTEL, Silvia. Evolução dos direitos da mulher: norma, fato e valor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1978. p.9.
9
Segundo o autor PINHEIRO, Ralph Lopes. História resumida do direito. 10ª ed. Rio de Janeiro:
Thex,2001, p. 54 “A preocupação era tal com relação a uma descendência varonil, que o assunto era
disciplinado deste modo:"Aquele que não tem filho macho pode encarregar a sua filha de maneira
seguinte, dizendo que o filho macho que ela puser no mundo, se tornará dele e cumprirá na sua
honra a cerimônia fúnebre. A inquietação dos hindus com a progenitora era tão grande que
chegavam a admitir a união da esposa, convenientemente autorizada, com um irmão do marido ou
outro parente.
12
legado da mais remota
10
consolidação de leis batizada de Código de Hamburabi .
Dispostas em um monumento talhado de pedra negra e cilíndrica de diorito com
2,25m de altura, 1,60m de circunferência na parte superior e 1,90m na base.
11
O texto é formado por 46 colunas de 3.600 linhas contendo 281 artigos, de 1
a 282 e excluindo-se o art. 13 por motivos de superstição. Consagra-se neste
Código, a pena de Talião “olho por olho, dente por dente” garantindo que a pena do
criminoso deveria corresponder exatamente ao crime por ele cometido, bem como
vislumbra-se nas disposições do Código uma reunião de temas entre eles:
patrimônio, família, sucessões, crimes, salários, posse de escravos, classes
profissionais e os direitos correlatos.
12
Interessante notar que não há um capítulo destinado à mulher, os dispositivos
a ela aplicados estão reunidos no título destinado à família denominado “Matrimônio
e família” delitos contra a ordem da família” dos art. 128º a 184º. Por uma análise
detalhada aufere-se que a mulher o é vista em sua singularidade, como
merecedora de regras próprias de proteção. Contudo, sua importância decorre da
reprodução, perpetuação dos laços de família, sendo a procriação uma das
finalidades precípuas do Código de Hamburabi.
Neste sentido os art. 145º permite ao homem caso a sua mulher não lhe
filhos a ter uma concubina em sua própria, mas esta mulher não terá o status de sua
mulher. O art. 146º reforça a importância da família destacando que Se alguém
toma uma esposa e essa esposa ao marido uma serva por mulher e essa lhe
filhos, mas, depois, essa serva rivaliza com a sua senhora, porque ela produziu
filhos, não deverá sua senhora vendê-la por dinheiro, ela deverá reduzi-la à
escravidão e enumerá-la ente as servas” e finalmente no art. 147º se a concubina
10
Até 1948 se suponha se tratar do Código mais antigo. Contudo, em 1952 apenas a Grande
Guerra Mundial foi descoberta a tabuinha de Istambul” batizada de digo de Ur-Namu, também
mesopotâmico, informações coletadas da obra de GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao
Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 291-292.
11
COTRIM, Gilberto. História e Consciência do Mundo. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 33.
12
GUSMÃO, Paulo Dourado de. Ob. Cit. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 291-292.
13
não produziu filhos poderia ser, como mercadoria, como objeto, vendida por
dinheiro.
O art. 138 estabelecia que se um homem quiser se separar de sua esposa
que lhe deu filhos, ele deve dar a ela a quantia do preço que pagou por ela e o dote
que ela trouxe da casa de seu pai, e deixá-la partir.
No que tange às filhas, o pai tinha poder absoluto sobre suas vidas, em
especial, seu futuro casamento, negociado por meio de dote.
O adultério da mulher era punido rigidamente e nos termos do art. 129º a
mulher e seu amante deveriam ser jogados na água, entretanto, o adultério seria
lícito caso o marido viesse a abandonar o lar, o deixando alimentos, ressaltando
mais umas das características do Código de Hamurabi o poder patriarcal e o dever
do homem como provedor da família, mulher e filhos.
O caráter de provedor também pode ser visto no art. 148º Se alguém toma
uma mulher e esta é colhida pela moléstia, se ele então pensa em tomar uma
segunda, não deverá repudiar a mulher que foi presa da moléstia, mas deverá
conservá-la na casa que ele construiu e sustentá-la enquanto viver”.
1.2.3 Os egípcios e as mulheres
Diferentemente de outras civilizações, à mulher egípcia era garantido um
status peculiar, com tratamento diferenciado e consagrado pela existência real da
isonomia entre os gêneros, a qual aflorava no seio daquela sociedade. Era a mulher
considerada, respeitada e legitimada em todos os seus atributos, garantindo ao
Egito, enquanto civilização antiga, uma condição ímpar no tratamento da questão.
13
No Egito era prática costumeira o exercício da governança da Casa Real por
mulheres habilitadas à escrita, e um dos exemplos de liderança e atuação feminina
13
NOBLECOURT, Christiane Desroches.A mulher no tempo dos faraós. (Trad.Tânia Pellegrini)
Campinas: Papirus, 1994, p. 207.
14
foi a de Hatshepsut, primeira mulher a governar um império com o titulo de Faraó do
Egito.
O historiador Ciro Flamarion Cardoso
14
destaca os diversos papéis que
poderiam ser desempenhados pelas mulheres no comando e na organização de
suas próprias vidas, podendo citar a disposição de bens, a elaboração de contratos,
o firmamento de obrigações, o exercício de funções como testemunhas, acusadoras
ou defensoras.
Ademais, cumpre ressaltar que a mesma liberdade era concedida na vida
privada com participação na herança em cotas iguais, bem como controle e gestão
do patrimônio familiar, quer na ausência temporária do marido ou decorrente do seu
falecimento.
Também importante se faz mencionar que as mulheres atuavam como
sacerdotisas, cantoras e musicistas dentro dos templos e à uma mulher da família
real poderia ser conferido o título de "Esposa do Deus”.
Ao se falar em Egito uma personagem marcante é Cleópatra que representou
um marco para aquela civilização no sentido de soberania, força e, principalmente,
como símbolo de astúcia e inteligência, pois teve filhos com os imperadores
romanos, Júlio César e Marco Antônio, com o objetivo de constituir um império
romano-egípcio.
Imperioso salientar que Cleópatra não foi uma exceção, muito pelo contrário,
seis mulheres tornaram-se faraós.Podemos citar como exemplo Hatshepsut, que
reinou por 15 anos, cerca de 1 500 anos antes de Cristo. Na mesma toada tivemos a
faraó Nefertiti que por mais de uma década configurou-se como a mulher mais
influente do Egito, reinando ao lado do faraó Akhenaton.
Tais fatos podem ser comprovados quando das análises dos túmulos de
mulheres, mostrando-as como pessoas produtivas no desempenho das profissões,
bem como no gerenciamento da vida privada e pública.
14
Algumas visões da mulher na literatura do Egito faraônico (II milênio a.C). História, o
Paulo, v. 12, p. 103-113, 1993, p. 103.
15
No que tange ao casamento, por essência monogâmico, o povo egípcio
atribuía singular importância em razão das conseqüências jurídicas, sociais e
econômicas advindas da união
15
e consideravam a herança e a sucessão como
questões salutares ao seu povo.
O divórcio era previsto quando resultante da infertilidade do casal,
incompatibilidade de interesses ou derivada do adultério feminino, menos tolerável e
mais reprimível pela sociedade egípcia mas não sem restrições; era preferível que o
marido fosse fiel à esposa
16
.
À mulher era garantida a igualdade no casamento e a maternidade exercida
de maneira plena, como sendo a mulher o núcleo fundamental, autônomo e
independente para gerir o cotidiano familiar.
17
1.2.4 A mulher na Grécia
A Grécia é tida como o berço da Filosofia e paradigma no incentivo à
educação. Tal fato pode ser comprovado nas inúmeras obras dos clássicos gregos:
Aristóteles, Platão, Sócrates, Epicuro, Xenofonte, entre outros.
Ao se falar no histórico das mulheres na Grécia nos deparamos com dois
cenários absolutamente antagônicos e que merecem explicações detalhadas. Em
um mesmo lugar era possível a identificação de dois mundos diferentes: as mulheres
de Atenas e de Esparta faziam parte de uma composição histórica absolutamente
oposta.
15
CARDOSO, Ciro Flamarion. Ob. Cit., p. 104-5.
16
Idem, ibidem.
17
De acordo com a análise de RODRIGUES, Teresa A população do antigo Egito: quantitativos e
comportamentos. Hathor (Estudos de Egiptologia), Lisboa, v. 2, p. 23-37,1990, p. 33 “a família era
a pedra angular do edfício social egípcio. Uma máxima de Ptah-Hotep traduz bem essa perspectiva,
ressaltando a importância do casamento:“Quando prosperares e construíres teu lar, Ama tua mulher
com ardor, Enche seu estômago, veste suas costas,o ungüento é um tônico para seu corpo,Alegra o
seu coração enquanto viveres,ela é um campo fértil para o seu senhor”.
16
Contudo, primeiramente é oportuno mencionar que a desigualdade de
gêneros era reinante. O incentivo à educação, à filosofia e à oratória destinava-se
desde a infância aos meninos, cabendo às meninas papéis afastados da cultura e da
intelectualidade, tanto em Atenas quanto em Esparta.Percebe-se assim que a
discriminação encontrava seu berço na mais tenra infância, preparando-os de
maneiras diferentes para a vida futura.
1.2.4.1 Mulheres de Atenas: submissão como essência
(...) Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.
Geram por seus maridos, os novos filhos de Atenas.
Elas não têm gosto ou vontade, nem defeito, nem qualidade. Têm
medo, apenas.Não têm sonhos, só têm presságios.
O seu homem, mares, naufrágios.
Lindas sirenas, morenas.
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.
Temem por seus maridos, heróis e amantes de Atenas.
As jovens viúvas marcadas e as gestantes abandonadas não fazem
cenas.Vestem-se de negro, se encolhem, se conformam e se
recolhem às suas novenas. Serenas.
(...)
Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas.
Secam por seus maridos, orgulho e raça de Atenas
.
O trecho acima exposto, composto hodiernamente pelo poeta brasileiro Chico
Buarque de Holanda, nos expressa com maestria a figura feminina em Atenas.
Preparada, educada e incentivada a uma vida doméstica, cuidando de seus filhos e
zelando por seus maridos, bravos guerreiros. Abandonadas, solitárias, subjulgadas,
em Atenas a mulher era sinônimo de aceitação, submissão. Sua função maior no
casamento era gerar os filhos de Atenas, ou seja, meramente reproduzir, com a
finalidade de perpetuar a raça e manter a descendência, bem como no caso dos
meninos prepará-los para os grandes passos no mundo da Filosofia ou da Guerra.
17
Apesar de não ser considerada cidadã, ao gerar um filho a mulher ateniense
garantiria a cidadania aos seus descendentes.
As meninas eram educadas por suas mães com o objetivo precípuo de
desenvolver no futuro atividades eminentemente domésticas entre elas: costurar,
tecer, confeccionar vestimentas para os familiares, cuidar dos filhos, dos maridos,
da limpeza, conservação e embelezamento das casas.Eram despossuídas de
direitos poticos ou jurídicos e encontravam-se inteiramente subjulgadas no mundo
social. As atenienses, como já relatado acima, viviam confinadas em suas casas à
espera de seus maridos.
Em sua obra Política, Aristóteles cita a figura de outro notável filósofo grego,
Sófocles, para demonstrar qual o papel da mulher em uma sociedade, em especial,
a grega que se traduzia por uma de suas marcas indeléveis o uso da palavra, da
oratória. Para o povo grego, a oratória como palavra expressa oralmente em
Assembléias era sinônimo de cidadania. Assim, ser cidadão significa ter o direito a
se manifestar e expor suas razões, direito este absolutamente negado à mulher, a
qual caberia apenas o silêncio, cabendo trazer à colação:
Isto nos leva imediatamente de volta à natureza da alma: nesta,
por natureza uma parte que comanda e uma parte que é
comandada, às quais atribuímos qualidades diferentes, ou seja, a
qualidade do racional e a do irracional. (...) o mesmo princípio se
aplica aos outros casos de comandante e comandado. Logo,
por natureza várias classes de comandantes e comandados, pois de
maneiras diferentes o homem livre comanda o escravo, o macho
comanda a fêmea e o homem comanda a criança. Todos possuem
as diferentes partes da alma, mas possuem-nas diferentemente,
pois o escravo não possui de forma alguma a faculdade de deliberar,
enquanto a mulher a possui, mas sem autoridade plena, e a criança
a tem, posto que ainda em formação. (...) Devemos então dizer que
todas aquelas pessoas tem suas qualidades próprias, como o poeta
(Sófocles, Ájax, vv.405-408) disse das mulheres: ‘O silêncio dá graça
as mulheres’, embora isto em nada se aplique ao homem.
18
18
Política. Brasília: UNB, 1997, p. 32 -33.
18
1.2.4.2 Esparta e as Mulheres: guerreiras e não-cidadãs
Esparta era um caso à parte na história grega, bem como na história das
mulheres.
A referida cidade tinha por caractestica básica o constante alerta em razão
da possibilidade de revoluções e combates internos, tendo em vista a existência de
um número maior de não-cidadãos espartanos, escravos e estrangeiros em seu
território. Assim, a mulher era chamada a participar de treinamento militar para
defesa do seu povo, garantindo-lhe presença nas atividades políticas e cotidianas da
polis.
Entretanto, Marcos Alvito Pereira de Souza
19
informa-nos que referidos
privilégios, mascaravam uma realidade enraizada subliminarmente, pois com tais
atitudes a família se enfraquecia, retirava-se a forma das relações conjugais e os
filhos das espartanas eram criados pelo Estado, e as esposas visitadas
ocasionalmente por seus maridos. Para o autor, as mulheres espartanas eram ainda
menos consideradas na vida social do que as atenienses, uma vez que se viam
privadas de criar os próprios filhos a partir de certa idade e de manter regularmente
um relacionamento conjugal com seus maridos. Em resumo, o que se objetivava era
fortalecer a comunidade de guerreiros em detrimento da esfera privada.
20
Na sociedade espartana observamos que suas mulheres pareciam ter uma
“liberdade” maior que as atenienses
21
, o autor em seu texto cita o filósofo Aristóteles
que considerava as espartanas como depravadas e luxuriosas, em razão da maior
19
A Guerra na Grécia Antiga. São Paulo: Ática, 1988, p. 44.
20
Idem, p. 43-44.
21
TÔRRES, Moisés Romanazzi. Considerações sobre a condição da mulher na Grécia Clássica
(século V e IV a.C.) Revista Mirabilia 1, Revista Eletrônica de História Antiga e Medieval, dez. 2001,
p.4, disponível em http://www.revistamirabilia.com/num 1/mulher.html. Acesso em 16 de outubro de
2009.
19
liberdade, acusando-as de subjulgarem seus maridos, como se observa nas
seguintes palavras:
(...) da mesma forma que o homem e a mulher são parte da família, é
óbvio que a cidade também é dividida em uma metade de população
masculina e outra metade de população feminina, de tal forma que
em todas as constituições nas quais a posição das mulheres é mal
ordenada se pode considerar que metade da cidade não tem leis. Foi
isto que aconteceu na Lacedemônia, pois o legislador, querendo que
toda a comunidade fosse igualmente belicosa, atingiu claramente o
seu objetivo com relação aos homens, mas falhou quanto às
mulheres que vivem licenciosamente,entregues a todas as formas de
depravação e da maneira mais luxuriosa.
22
Assim, aparentemente poderia até se pensar em uma igualdade entre
homens e mulheres em Esparta, mas era efetivamente uma “pseudo-igualdade”,
pois apesar da liberdade para as atividades bélicas, ainda era a mulher considerada
cidadã de classe para outras atividades, tais como o exercício pleno da vida
política e jurídica.
1.2.5 Império Romano: a mulher tutelada
A história em Roma, tempos depois se repete. Nada é “passado à limpo”. O
Direito Romano entendia a mulher como uma eterna tutelada pelos homens, pais ou
maridos, inserida em uma sociedade absolutamente patriarcal.
A educação novamente se traduzia como objeto diferenciador, marco divisório
entre meninos e meninas, que desde a tenra infânciase conscientizavam de suas
aclamadas diferenças.
Aos meninos, cultura, intelectualidade, artes, retórica, filosofia e comunicação.
Representavam a continuidade da cultura, das artes e da sabedoria de um povo.Às
meninas, o lar, os afazeres, e principalmente os filhos .
22
Política. Brasília: UNB, 1997, p. 60-61.
20
Roma Antiga propugnava pela existência de famílias numerosas como
sinônimo de poder. Em razão da precariedade das ocorrências gestacionais, muitas
eram as mortes de mulheres e crianças, sendo ainda fato corriqueiro no universo
romano o abandono de crianças deficientes. O povo romano deveria ser forte,
perfeito e belo.
O casamento para as romanas conceituava-se como um “rito de passagem”,
transferindo-se o poder e domínio do pai para o controle marital.
23
Cabendo citar:
(...) a civilização romana colocava a mulher em plano secundário.
Não lhe reconhecia equiparação de direitos ao homem (...). Como
filha, era sempre incapaz, sem pecúlio próprio, sem independência,
alieni iuris. Casada, saía sob a potestas do pai, e ingressava in domo
mariti ali se prolongando a sua condição subalterna, pois que entrava
in loco filiae e desta sorte perpetuava-se a sua inferioridade,
prolongando-se por toda a vida a capitis deminutio que a marcava, e
de que não se podia livrar numa sociedade individualista ao extremo,
(...). Naquela sociedade, não havia para a mulher outras virtudes que
as reconhecia às suas matronae: ‘ser casta e fiar lã.
24
Esperava-se das mulheres absoluta atuação na vida doméstica, cuidando de
todas as atividades inerentes à questão. E ainda, imperava para as mulheres
romanas, um fenômeno que nominamos nos tempos contemporâneos de “ditadura
da beleza”. Deveriam estar belas e cuidadas para quando seus maridos chegassem.
Seu embelezamento que envolvia cuidados diários - penteado, maquiagem e
vestuário impecável não era para si, mas para o outro. A beleza e a vaidade eram
objeto de cobrança e de submissão, nunca de auto-estima.
Quando se fala em direito romano e chefia familiar logo nos vêm à mente a
figura do pater familias, considerado o detentor de todo o poder acerca do grupo
23
Segundo COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. o Paulo: Martins Fontes, 2000, p.37, o
casamento era a primeira instituição estabelecida pela religião doméstica e considerado de suma
importância pois significa para a mulher não apenas a troca de lar, ou troca de “dono” do pai para o
marido, mas sim o abandono do lar e da religião paterna para aderir aos deuses de seu marido”.
24
PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.), Família e Cidadania o novo CCB e a vacatio legis.
Belo Horizonte: IBDFAM/Del Rey, 2002, p.391-402.
21
familiar. O pater familiar reunia em si a gestão e o poder de sacerdote,
administrador, juiz, pai e esposo. À mulher caberia honrá-lo e obedecê-lo.
Na administração da justiça o pater familias era o detentor de poderes para
aplicar penas, dispor de bens e pessoas, pois era ele quem “julgava os membros de
sua domus, como presidente do tribunal doméstico, que se reunia perante o lar”.
25
Na condição de sacerdote, era o responsável por comandar e promover o
culto aos deuses domésticos.
Em relação aos filhos, os poderes do pater eram ilimitados, pois detinha o jus
vitae necisque, o que se traduz no direito de vida e de morte sobre a prole, podendo
abandonar ou vender o recém-nascido.
26
Diante de todo esse cenário não restava à mulher outra solução a não ser a
obediência total ao poder masculino exercido pelo pater familias e também por seu
marido. Consideradas relativamente incapazes, as mulheres estavam sujeitas as
mais variadas arbitrariedades, com o cerceamento absoluto de sua liberdade, não
lhe sendo facultado nem mesmo praticar a religião sem o consentimento de seu
tutor.
Contudo, temos no início do culo II a.C. um processo de emancipação das
mulheres, pois a mulher casada mantinha-se tutelada por seu pai, mas com a gestão
de seus bens.
27
Sabe-se na época a existência de mulheres versadas em literatura.
25
FIÚZA, César Augusto de Castro. Mudanças de paradigmas: do tradicional ao contemporâneo.
In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). A família na travessia do milênio: Anais do II Congresso
Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p.30.
26
Neste sentido cabe trazer à colação os ensinamentos de ARIES, Phillippe Áries & DUBY, Georges.
História da Vida Privada. São Paulo: Cia das Letras, 1997, vol. 1, p. 23. O nascimento de um
romano não é apenas um fato biológico. Os recém-nascidos vêm ao mundo, ou melhor, só são
recebidos na sociedade em virtude de uma decisão do chefe de família: a contracepção, o aborto, o
enjeitamento das crianças de nascimento livre e o infanticídio do filho de uma escrava são, portanto,
práticas usuais e perfeitamente legais. Em Roma um cidadão não “tem um filho: ele o “toma”,
“levanta” ( tollere); o pai exerce a prerrogativa, tão logo nasce a criança, de levantá-la do chão, onde
a parteira depositou, para tomá-la nos braços e assim manifestar que a reconhece e se recusa a
enjeitá-la”.
27
Algumas modificações significativas passam a ocorrer com o advento do Império em razão da
limitação pelo Estado do poder pater familias. Torna-se comum a possibilidade de se recorrer a um
magistrado para denunciar arbitrariedades e desvios ocasionados pelos pater famílias. Neste período
22
A freqüência do divórcio aumentou. Podemos ver mulheres inteligentes e ambiciosas
como Clódia, e Semprônia (mulher de D. Júnio Bruto), que participou da
Conspiração de Catilina. Aparentemente as mulheres atuavam às vezes nos
tribunais: "Jurisperita" é o título de uma fabula togata escrita por Titínio, e Valério
Máximo menciona uma certa Afrânia no Século I a.C. como sendo uma litigante
habitual, que cansava os tribunais com seu clamor.
28
1.2.6 Mulheres e a Época Medieval
A época medieval caracteriza-se pela prevalência do discurso religioso na
vida social. A Igreja por meio de seus representantes era “a voz de Deus” na terra e
exercia o mando na esfera política e, também, nas relações privadas.
A moral medieval se fundamentava num compromisso com a “verdade divina”
encontrada em textos da Igreja a qual ditava as regras e estabelecia a ordem social.
Na ordem social medieval, os limites da identidade feminina eram descritos como
naturais e divinos, e, portanto, como imutáveis.
29
Neste contexto, a mulher possuía um status dicotômico, paradoxal, dúbio e
preconceituoso.
Como mulher original era entendida de maneira incompleta, imperfeita,
pecadora, podendo citar o mito de Eva, a qual enfeitiçava o homem arruinando-lhe a
própria vida. Esta mulher original, vivendo no estado de natureza era imperfeita,
nova condição é dada à mulher que passa a ser considerada a substituta do marido no caso de sua
falta para guarda e cuidados com os filhos.
28
ALVES, Branca Moreira & PITANGUY, Jaqueline. O que é feminismo. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1991, p.12.
29
COSTA, Grazielle Furtado Alves da. Solidariedade e soberania nos discursos sobre “mulher”
nas Conferências do Cairo de Beijing. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: 2003, p.21.
23
perigosa, sensual, sórdida. Eva concentrava em si todos os vícios simbólicos tidos
por femininos como a luxúria, a sensualidade e a sexualidade.
30
Como contraponto à figura da mulher natural colocava-se a figura ideal da
“Virgem-Maria”, a mulher santa, que transcende a sua natureza deformada e tendo
por virtudes a castidade, a submissão, a humildade, a obediência e o silêncio.
Presente de maneira marcante no discurso medieval estava profetizado que
na condição de pecadora ou de submissão, a mulher somente se completaria no
casamento, definido como a prevalência do homem enquanto ser completo, absoluto
e necessário ao desenvolvimento da alma feminina.
A função do homem no casamento era vigiar e guardar sua mulher para que
ela não desenvolvesse suas características “naturais”, permanecendo submissa e
obediente ao seu marido.
31
Era comum no discurso medieval a “prisão” das mulheres no espaço
doméstico, circundadas por muros e muralhas altíssimos para que não
esquecessem da sua real missão na terra : a afiançada de Deus para continuidade
da espécie humana. Eram banidas das discussões e administração da vida dos
castelos, serviam como figuras decorativas, esposas ou mães dos homens que
comandavam os reinos.
32
As figuras femininas que não pertenciam ao espo doméstico eram
marginalizadas: as escravas, as concubinas, as prostitutas e as feiticeiras. Tais
mulheres eram vistas como mulheres de “segunda classe”, pois permaneciam fiéis à
sua natureza pecadora, não conseguindo a redenção pelo casamento.
33
30
Idem, ibidem.
31
THOMASSET, Claude. Da Natureza Feminina. In DUBY, Georges & PERROT, Michelle. História
das Mulheres: a Idade Média. Porto: Afrontamento, 1990, p. 121-122.
32
Idem, p. 65.
33
DUBY, Georges & PERROT, Michelle. História das Mulheres: a Idade Média. Porto:
Afrontamento, 1990, p.27.
24
Quanto menos exposta ao mundo exterior a mulher medieval estivesse,
maiores as chances de transcender sua natureza pecadora. Dessa forma, a
submissão ao domínio masculino era a única forma de redenção das mulheres.
34
Entretanto, desafiando a ordem comum da época é interessante apresentar
as lições trazidas por Régine Pernoud :
Mas há algo mais surpreendente. Se quisermos fazer uma idéia
exata do lugar ocupado pela mulher na Igreja dos tempos feudais, é
preciso perguntarmo-nos o que se diria, em nosso século XX, de
conventos de homens colocados sob a direção de uma mulher. Um
projeto deste gênero teria, em nosso tempo, alguma possibilidade de
se realizar? E, no entanto, isto foi realizado com pleno sucesso, e
sem provocar o menor escândalo, na Igreja por Robert d’Arbrissel,
em Fontevrault, nos primeiros anos do século XII. Tendo resolvido
fixar a incrível multidão de homens e mulheres que se arrastava atrás
dele — porque ele foi um dos maiores pregadores de todos os
tempos —, Robert d’Abrissel decidiu fundar dois conventos, um de
homens, outro de mulheres; entre eles se elevava a Igreja, único
lugar em que monges e monjas podiam se encontrar. Ora, este
mosteiro duplo foi colocado sob a autoridade, não de um abade, mas
de uma abadessa. Esta, por vontade do fundador, devia ser viúva,
tendo tido a experiência do casamento. Para completar, digamos que
a primeira abadessa que presidiu os destinos da Ordem de
Fontevrault, Petronila de Chemillé, tinha 22 anos. Não acreditamos
que, mesmo nos dias de hoje, semelhante audácia tivesse a menor
oportunidade de ser considerada ao menos uma única vez.
35
Percebemos, portanto, a ocorrência de algumas exceções, as quais não eram
dadas as necessárias publicidades, no intuito realmente de esconder da sociedade
da época, bem como da História a ser contada.
36
34
BOCH, H. Misoginia Medieval e a invenção do amor romântico ocidental. Rio de Janeiro:
Editora 34, 1935, p.89.
35
Idade Média: o que não nos ensinaram. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1978, p 42.
36
Segundo Régine Pernoud, idem, ibidem (...)É surpreendente, também, constatar que a mais
conhecida enciclopédia do século XII é da autoria de uma religiosa, a abadessa Herrade de
Landsberg. É a famosa Hortus deliciarum (Jardim das delícias) na qual os eruditos retiravam os
ensinamentos mais corretos sobre o avanço das técnicas, em sua época. Poder-se-ia dizer o mesmo
das obras da celebre Hildegarde de Bingen. Enfim, uma outra religiosa, Gertrude de Helfa, no século
XIII, conta-nos como se sentiu feliz ao passar de estado de “gramaticista” ao de “teóloga”, isto é,
depois de ter percorrido o ciclo de estudos preparatórios ela galgara o ciclo superior, como se fazia na
25
1.2.7 Mulher: da Renascença à Modernidade
A Idade Média foi substituída por um peodo denominado Renascimento.
Algumas características básicas o compreendidas nesta fase, entre elas, o
abandono gradual do Teocentrismo, próprio das épocas anteriores, ou seja, a razão
maior estar centrada em Deus, para o Antropocentrismo, o homem no centro do
universo. O homem é um ser dotado de racionalidade, e por meio da razão e do
conhecimento as conquistas o possíveis. O uso da razão individual e a busca
absoluta pela evidência empírica eram as únicas formas para se chegar a uma
conclusão.
Quanto às mulheres renascentistas, nada mudou substancialmente,
continuava a subordinação aos homens, no espaço doméstico pelo casamento.
Todavia, é interessante notar um novo viés, um “status” diferenciado para a atuação
feminina, pois em razão da distinção entre o espaço público e privado, algumas
possibilidades surgiam.
Os homens, seres cônscios de sua racionalidade e poder, se lançam no
espaço público, deixando gradualmente o espaço privado às mulheres.
A mulher renascentista era detentora de um poder, ainda que mínimo, o poder
na esfera doméstica. Na ausência de seu marido e na organização de todos os
afazeres da vida doméstica, entre eles, a administração dos empregados, a criação
dos filhos, o poder feminino se consolidava.
Universidade. O que prova que, ainda no século XIII, os conventos de mulheres permaneciam sendo
o que sempre foram desde São Jerônimo, que instituiu o primeiro dentre eles, a comunidade de
Belém: lugares de oração, mas, tamm, de ciência religiosa, de exegese, de erudição; estuda-se a
Escritura Sagrada, considerada como a base de todo conhecimento e, também, os elementos de
saber religioso e profano. As religiosas são moças instruídas; portanto, entrar para o convento é o
caminho normal para as que querem desenvolver seus conhecimentos além do vel comum. O que
parece extraordinário em Heloísa é que, em sua juventude, não sendo religiosa e não desejando
claramente entrar para o convento, procurava, todavia, estudos muito áridos, ao ins de se contentar
com a vida mais frívola, mais despreocupada, de uma jovem desejando “viver no século”. A carta que
Pedro, o Venerável lhe enviou o diz expressamente”.
26
Ainda, importante fazer um registro acerca das mulheres de classes menos
privilegiadas que eram chamadas para trabalhar nas casas burguesas e nos
castelos, em trabalhos domésticos. Seu trabalho era preferencial em relação aos
homens, exercendo funções subordinadas, com uma “docilidade tipicamente
feminina” e com salários inferiores - um prenúncio do que viria acontecer tempos
mais tarde na história da humanidade.
Também uma outra mudança importante de ser relatada e diz respeito à
educação das mulheres. Na Renascença, em especial no início século das Luzes
(XVIII), o saber racional legitimava-se como o caminho para o desenvolvimento. O
homem não buscava mais paradigmas nos modelos sagrados e divinos, a resposta
era o auto-conhecimento centrado na razão. A educação atuava como o
instrumental necessário para se alcançar os objetivos. Até a Idade dia, qualquer
saber, senão o advindo do religioso era proibido às mulheres, ao contrário, no
Renascimento, havia o incentivo à educação para as mulheres, mas com conteúdo e
visões absolutamente diversos dos conhecimentos difundidos para os homens.
A educação para as mulheres era voltada para a preparação ao casamento e
exercício da vida doméstica e aos homens como forma de domínio e poder no
espaço público. Modelos diferentes de educação propugnavam pela aceitação dos
papéis diferentes exercidos por homens e mulheres. Fortaleciam os estereótipos
consagrando a “natureza” da mulher para a reprodução e, também, como esposa e
mãe.
37
Enfatizava Rousseau, grande expoente do Iluminismo:
Portanto, sua educação deve estar voltada para o lar e para os
valores da maternidade. Por isso, afirma o mencionado filósofo: "a
verdadeira mãe de família,longe de ser uma mulher da sociedade,
não está menos reclusa em sua casa quea religiosa em seu claustro"
(...)A procura das verdades abstratas e especulativas, dos
princípios,dos axiomas nas ciências, tudo o que tende a generalizar
as idéias não é da competência das mulheres, seus estudos devem
37
CRAMPE-CASNABET, Michele. A mulher no pensamento filosófico do século XVIII. In DUBY,
Georges & PERROT, Michelle.História das mulheres no ocidente: do Renascimento à idade
moderna. Porto: Edições Afrontamento, 1991, p. 388.
27
todos voltar-se para a prática; cabe a elas fazerem a aplicação dos
princípios que o homem encontrou[...].
38
Compreendia-se, em uma visão utilitarista, a necessidade da mulher ter
educação com vistas a se relacionar com seu marido, bem como na ausência marital
ser capaz de dar educação aos filhos.
Diante de tais diferenças naturais” justificavam os Iluministas a tese de que à
mulher caberia a reprodução, e por via de conseqüência o exercício da condição de
criadora, mãe e responsável pelo espaço doméstico. Com as mulheres não
combinavam ideais de educação e atuação no espaço público.
Os discursos iluministas eram paradoxais, pois se insurgindo contra qualquer
contrato que legitimasse a submissão de uma parte a outra, aceitavam e
reafirmavam o casamento como “um contrato de servidão entre a mulher e o seu
senhor”.
39
A mulher e o homem permaneciam como seres diferentes na essência,
não podendo jamais ser concebidos como iguais. Sobre a mulher, ele nos legou uma
visão de inferioridade, fraqueza e submissão ao marido.
Entretanto, um paradoxo se apresentava, os iluministas defendiam a
igualdade e a não servidão, mas legitimavam a mulher como não participante do
espaço potico. Mais uma vez, se socorriam da ciência para explicar que à mulher
foi dado biologicamente o dom da reprodução, algo impossível ser feito pelos
homens, assim sendo, em razão do principal que é a reprodução seguiam-se muitos
acessórios próprios da vida doméstica e do espaço privado. As desigualdades
existentes eram próprias da natureza e segundo o conhecimento racional
sustentavam a permanência da mulher no âmbito privado.
38
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Tradução Sérgio Millet. 2. ed. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1973, p. 454.
39
CRAMPE-CASNABET, Michele. A mulher no pensamento filosófico do século XVIII. In DUBY,
Georges & PERROT, Michelle. História das mulheres no ocidente: do Renascimento à idade
moderna. Porto: Edições Afrontamento, 1991, p. 390.
28
O médico e filósofo Pierre Roussel, relata acerca do assunto:
As mulheres tinham músculos menos desenvolvidos e eram
sedentários por opção. A combinação de fraqueza muscular e
intelectual e sensibilidade emocional fazia delas os seres mais aptos
para criar os filhos. Desse modo, o útero definia o lugar das mulheres
na sociedade como mães.
40
A razão iluminista exclusivamente se aplicava aos homens, e, por
conseqüência, também a participação política. Dessa forma, justificava-se a
exclusão das mulheres do conceito de cidadania. A razão das mulheres era uma
razão estritamente doméstica, que não deveria se estender para o espaço potico e
assim:
Uma das preocupações das Luzes é pensar a diferença feminina,
diferença sempre mais ou menos marcada pela inferioridade,
tentando, ao mesmo tempo, torná-la compatível com o princípio de
igualdade baseada no direito natural. Trata-se assim de conferir às
mulheres papéis sociais: esposa, mãe... Todos os pensadores
iluministas sublinham que existe nisso, para o sexo, uma
necessidade. É por esta função, querida pela natureza, que a mulher
pode, de algum modo, ser cidadã.Frontalmente nunca é reconhecido
à mulher um estado político. Podemos dizer que a ideologia
representada no século XVIII consiste em considerar que o homem é
a causa final da mulher.
41
A compreensão do conceito de mulher para os IIuministas é de suma
importância para que compreendamos o verdadeiro papel desempenhado pelas
mulheres nas Revoluções Modernas, em especial, na Revolução Francesa.
40
HUNT, Lynn. Revolução Francesa e vida privada. In ARIES, Phillippe Áries & DUBY, Georges.
História da Vida Privada. São Paulo: Cia das Letras, 1991, p. 50.
41
CRAMPE-CASNABET, Michele. A mulher no pensamento filosófico do século XVIII. In DUBY,
Georges & PERROT, Michelle. História das mulheres no ocidente: do Renascimento à idade
moderna. Porto: Edições Afrontamento, 1991, p.406.
29
1.3 Mulher e as Revoluções da Era Moderna
1.3.1 Revolução Francesa
Uma mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve ter também o de
subir a uma tribuna esta frase é de um personagem histórico de grandioso valor para
as questões femininas, a francesa Marie Gouze (1748-1793), filha de um açougueiro
do Sul da França, e adotou o nome de Olympe de Gouges
42
para assinar seus
planfletos e petições em uma grande variedade de frentes de luta, incluindo a
escravidão, em que lutou para sua extirpação, consolidou-se como protagonista da
"Declaração dos Direitos da Cidadã"
43
, como defensora do movimento feminista em
42
Olympe de Gouges foi uma grande defensora dos direitos das mulheres. Anos mais tarde
manifestou-se contra a condenação do rei Luiz XVI e publicou a peça “As Três Urnas ou a Salvação
da Pátria”, favoravelmente aos Girondinos, ala Conservadora da Revolução Francesa. em favor dos
Girondinos (ala conservadora da Revolução), em julho de 1793 (VOLVELLE, 1988, p. 274). Teve sua
morte decretada por Robespierre sendo guilhotinada aos 3 de novembro de 1793. No momento de
sua pena de morte insurgia-se dizendo "Patriotas, vós vingareis minha morte"
43
A título de complementação trazemos ao trabalho alguns dos artigos que compõem a Declaração
dos Direitos da Mulher e da Cidadã apresentado à Assembléia Nacional da França em setembro de
1791 por Olympe de Gouges
PREÂMBULO: Mães, filhas, irmãs, mulheres representantes da nação reivindicam constituir-se em
uma assembléia nacional. Considerando que a ignorância, o menosprezo e a ofensa aos direitos da
mulher são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção no governo, resolvem expor em
uma declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados da mulher. Assim, que esta
declaração possa lembrar sempre, a todos os membros do corpo social seus direitos e seus deveres;
que, para gozar de confiança, ao ser comparado com o fim de toda e qualquer instituição política, os
atos de poder de homens e de mulheres devem ser inteiramente respeitados; e, que, para serem
fundamentadas, doravante, em princípios simples e incontestáveis, as reivindicações das cidadãs
devem sempre respeitar a constituição, os bons costumes e o bem estar geral.
Artigo 1º. A mulher nasce livre e tem os mesmos direitos do homem. As distinções sociais só podem
ser baseadas no interesse comum.
Artigo 2º. O objeto de toda associação política é a conservação dos direitos imprescritíveis da
mulher e do homem Esses direitos o a liberdade, a propriedade, a segurança e, sobretudo, a
resistência à opressão.
Artigo 4º. A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o
único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem, deve ser
reformado pelas leis da natureza e da razão.
(...)
Artigo 6º. A lei deve ser a expressão da vontade geral. Todas as cidadãs e cidadãos devem
concorrer pessoalmente ou com seus representantes para sua formação; ela deve ser igual para
30
prol de dignidade e respeito das capacidades femininas.
Igualdade, Liberdade e Fraternidade, lema de indiscuvel importância para a
Era Contemporânea, graças à Revolução Francesa, o homem se consolidou,
merecendo proteção e intitulando-se destinatário de direitos e garantias
fundamentais. Na questão de gênero a Revolução Francesa, em 1789, é de
importância ímpar para as mulheres, que são incentivadas a atuar socialmente
reclamando por melhores condições de vida e trabalho, participação no poder
político, direito à instrução e igualdade entre os sexos.
Era costumeiro à época encontrar grupos de mulheres reunidas discutindo
sua própria condição, bem como pleiteando em “alto e bom som” melhorias no
tratamento e garantias de respeito à isonomia entre os gêneros.
Havia na Revolução Francesa algo de paradoxal, pois ao mesmo tempo que
abria espaço para as mulheres na esfera pública, rompendo com paradigmas
anteriores, permitia apenas a elas assistir as reuniões sem qualquer manifestação,
pois deveriam “aprender” com os homens.
Ainda, outro fato curioso deve ser lembrado pois a Revolução Francesa,
denominada “Época das Luzes” e tendo por alicerce filosófico-científico o Iluminismo,
notadamente marcado por seus precursores Diderot e Rousseau, ministravam
teorias separatistas e justificadoras das desigualdades existentes entre homens e
mulheres, oriundas de uma “natural” condição de existência, como relatado no
tópico anterior.
todos. Todas as cidadãs e cidadãos, sendo iguais aos olhos da lei devem ser igualmente admitidos a
todas as dignidades, postos e empregos públicos, segundo as suas capacidades e sem outra
distinção a não ser suas virtudes e seus talentos.
(...)
Artigo 13.Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração, as
contribuições da mulher e do homem serão iguais; ela participa de todos os trabalhos ingratos, de
todas as fadigas, deve então participar também da distribuição dos postos, dos empregos, dos
cargos, das dignidades e da indústria.
31
1.3.2 Revolução Industrial: “preferência” pelas mulheres?
Século XVIII, Inglaterra. Berço da Revolução Industrial, uma revolução que
transformaria o mundo.
Notadamente considerada como o início da era das invenções, a Revolução
Industrial introduziu novas formas de produção, agora em grande escala, graças às
mecanizações e trabalhos seriados. A substituição, nada gradual, dos objetos
confeccionados artesanalmente pelos artesãos pela produção plural e
grandiosa.Inaugura-se a era do trabalho seriado, de propriedade do
empresário(capitalista), detentor dos meios de produção, das matérias primas, bem
como dono da força de trabalho dos operários ou proletários. Interessante notar que
até então os denominados artesãos eram os proprietários que em um regime de
economia familiar detinham a matéria-prima, bem como conheciam o processo
integralmente da construção de qualquer objeto. Eram assim conhecedores do
processo geral de produção. Na novel indústria passam a ser responsáveis por
partes, integrantes de uma linha de montagem e desconhecedores da produção do
todo e sim da parte, levando à sua alienação. Substitui-se o trabalho artesão pela
maquinofatura.
A aceleração da produção, em especial na indústria têxtil e na mineração,
conduzem à necessidade de escoamento rápido da produção, culminando na
construção de ferrovias e ampliação das bases marítimas para os outros
continentes, começa aí a busca pelo mercado global. A Inglaterra nos idos de 1840,
absolutamente mecanizada e detentora das técnicas para a larga produção,
passa a liderar não apenas a produção dos objetos a serem comercializados, mas
também passa a exportar instrumentos necessários para o escoamento das
mercadorias, tais como, vagões, locomotivas e navios.
Entre os anos de 1860 a 1900 instala-se a denominada segunda fase da
Revolução Industrial, com a disseminação das técnicas próprias da produção em
larga escala em países tais como França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda,
Estados Unidos e Japão. A segunda fase é acentuadamente estruturada pela
concorrência entre as indústrias e os países, acelerando-se o processo produtivo
32
com a utilização de novas cnicas, fruto das grandes descobertas, tais como, a
energia elétrica.
No que tange às mulheres, a Revolução Industrial representou um marco na
história da marcha evolutiva das mulheres. Paradoxalmente, é o momento no qual a
mulher deixa de estar vinculada apenas aos afazeres do lar e se lança no mercado
de trabalho. No entanto, tal fato pode parecer em uma análise precipitada como uma
grande conquista feminina, contudo, o interesse pela mão-de-obra feminina se
em razão do seu baixo custo e por sua “docilidade”, ocorrendo o mesmo com o
trabalho infantil.
44
A “prefencia” pelas mulheres encontra algumas características como nos
descreve Jean Pierre Rioux :
Se bem que nos primeiros tempos da Revolução Industrial, quando o
deslocamento da mão-de-obra ainda não foi totalmente liberado,
numerosos homens se afastam com desgosto e cólera desses
trabalhos humilhantes da caserna industrial, e uma solução se
impõe: utilizar as mulheres e as crianças. A vantagem é tripla:
vencer, pela concorrência, as resistências eventuais dos
trabalhadores homens, e baixar os salários; concentrar famílias
inteiras no trabalho industrial e assim acelerar a ruptura com o
mundo e as atividades rurais, criar a massa de mão-de-obra
disponível para o futuro; utilizar enfim a máquina com total
rendimento utilizando uma imensa força de trabalho do homem, sem
nenhum privilégio.
45
Da mesma forma Karl Marx atentava para o fato que as máquinas e sua
operacionalização tornava dispensável a força masculina, sendo possível e mais
interessante trabalhadores sem força muscular, mas como maior flexibilidade,
tornando-se o trabalho de mulheres e crianças “a primeira palavra de ordem da
aplicação capitalista da maquinaria”
46
.
44
MONTEIRO, Alice de Barros. A mulher e o Direito do Trabalho. São Paulo: 1995, LTr, p. 29.
45
A Revolução Industrial: 1770- 1880. (Trad. de Waldirio Bulgarelli). São Paulo: Pioneira, 1975, p.
148.
46
O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1984, p.23, Vol.1, Tomo 1.
33
Assim, cumpre dizer que sua jornada de trabalho era de aproximadamente 17
horas diárias, muitas vezes submetidas a condições insalubres, periculosas e
penosas, sem deixar de mencionar os constantes assédios sexuais no trabalho.
Ainda, sua remuneração chegava a representar não mais do que 60% dos valores
percebidos pelos homens.
Noticia o médico Villermé as precárias e indignas condições de trabalho das
mulheres no período, em especial, as trabalhadoras na indústria da seda, na França,
somando-se o mal cheiro das suas vestes ao debilitado estado de saúde advindo da
insensibilidade da ponta dos dedos constantemente mergulhadas na água fervente
dos vasilhames. Em razão de faltas, das mais leves, como abrir uma janela, seus
salários eram consumidos no pagamento de multas, e ainda estavam
constantemente vitimadas pelas seduções e assédios no trabalho.
47
Nas minas
48
a condição das mulheres era ainda pior, pois trabalhavam de 14
a 16 horas por dia, nuas até a cintura, ao lado de homens, trabalhando como se
homens fossem. As mulheres grávidas saiam das minas para ter filho e voltavam
dias depois de terem dado à luz, em condições de trabalho absolutamente cruéis e
desumanas.
49
Esse desenvolvimento industrial proporcionou a introdução em larga escala
do trabalho feminino e a Revolução Industrial, caracterizada pelo surgimento de
profissões antes essencialmente femininas, trouxe a disputa sexual do trabalho.
Assim, a atividade feminina era caracterizada como uma mão-de-obra mais barata e
menos produtiva, Sonia Bossa citando o socialista Sidney Webb destaca que o
combate ao trabalho feminino ocorria porque “as mulheres ganham menos que os
47
VILLERMÉ, Tableua de etat phisique et moral dês ouvriers dês manufactures v. 1 e v.2. Paris:
Renouard, 1840 pp. 345 apud MORAES FILHO, Evaristo de. O trabalho feminino revisitado.
Revista LTr: São Paulo: 1976, n. 40, p. 844.
48
Sobre as condições desumanas nas minas de carvão no norte da França é indispensável a leitura
do clássico Germinal de Émile Zola de 1885, escrito com detalhes sensorialmente percebidos pelo
leitor, graças a maestria do autor, que para composição da obra viveu e trabalhou durante dois
meses com os mineiros.
49
HUNT, Eli K. História do pensamento econômico: uma perspectiva crítica. Rio de Janeiro:
Elvesier, 2005, p. 63-64.
34
homens não por que produzem menos, mas também por aquilo que produzem é
avaliado no mercado de trabalho por um valor inferior”.
50
Como oposição aos maus tratos, à exploração e a indignidade nas condições
de trabalho, datam desta época as primeiras manifestações da classe operária, indo
desde passeatas, greves, até violentas mobilizações com depradações dos
maquinários.
Surge na Inglaterra o Coal Mining Act de 1842, proibindo o trabalho da mulher
em subterrâneos e o Factory Act de 1844 com a redução da jornada de trabalho
para 12 horas vedando-lhe o trabalho noturno. Em 1892 uma extensão da tutela
para as mulheres e menores que trabalham em magazines, restaurantes e hotéis.
Em 1874 a França proíbe o trabalho das mulheres em subterrâneos e pedreiras,
limitando a jornada de trabalho a 11 horas no ano de 1892, com a restrição a todas
as mulheres do trabalho noturno, anteriormente só previsto às menores de 21
anos.
51
1.3.3 Revolução Russa: prenúncios da instituição do dia internacional da
mulher
Na Rússia durante o império dos czares a mulher era absolutamente
desprovida de direitos jurídicos e políticos, em um cenário de fome, guerra e miséria.
A situação devastadora fez com que eclodisse a Revolução Russa em 1917,
responsável pela concretização de inúmeros direitos políticos, em especial, à
mulher.
Em Setembro de 1919, num discurso proferido na IV Conferência das
Operárias sem Partido Lenin afirmava:
50
Direito do Trabalho da Mulher no contexto social brasileiro e medidas anti-discriminatórias.
São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1998, p. 3.
51
MONTEIRO, Alice de Barros. Ob. Cit. p. 29.
35
O poder soviético, como poder dos trabalhadores, logo nos primeiros
meses da sua existência operou a mais decidida revolução na
legislação relativa às mulheres. Das leis que colocavam a mulher
numa situação de sujeição não ficou pedra sobre pedra na república
soviética.(...). Naturalmente, as leis por si não bastam, e nós não
nos contentamos de modo algum apenas com decretos.(...) Para a
completa libertação da mulher e para a sua real igualdade com o
homem, é necessário que exista uma economia social e que a
mulher participe no trabalho produtivo comum.(...) Nós criaremos
instituições modelares, cantinas, creches, que libertem a mulher das
tarefas domésticas.
52
Ainda em fevereiro de 1920, afirmava que o proletariado não poderia se
libertar totalmente sem ter conquistado a liberdade total para as mulheres.
Entre eles, podemos citar a isonomia entre homens e mulheres, o direito a
votar e ser votada, jornada de trabalho de 8 horas, direito ao trabalho em idênticas
funções e remuneração; estabilidade no emprego durante a gestação e o primeiro
ano de vida dos filhos, licença-maternidade de 8 semanas, direito à proteção
previdenciária, pensões e aposentadorias por velhice, doença e invalidez.
Para o incentivo e necessária integração da mulher no mundo do trabalho,
muitas políticas públicas foram disseminadas como a criação de creches,
maternidades e cursos para a redução do analfabetismo.
Como exemplo da conquista feminina na história soviética temos o Decreto da
Terra, aprovado a 8 de Novembro de 1917, rezando em seu ponto 6 que: O direito
ao uso da terra é concedido a todos os cidadãos, sem distinção de sexos (...)”,
abrindo assim à mulher a possibilidade de obter direitos sobre a terra que
anteriormente lhe eram negados.
A Constituição aprovada em 1918 proclamava a igualdade de todos os
cidadãos independentemente do sexo, raça ou nacionalidade. Também em 1918 foi
aprovado o primeiro Código da Família que contemplava as alterações verificadas
após a Revolução.
52
Dados disponíveis no site http://www.wikipedia.com.br Acesso em 07 de fevereiro de 2007.
36
1.3.3.1 Dia Internacional da Mulher: controvérsias, fatos e lendas
O Dia Internacional da Mulher não se configura como uma data qualquer.
Muitos fatos e lendas permeiam a história da instituição desta data, como símbolo de
comemoração das conquistas e direitos das mulheres. Os fatos e eventos ocorridos
não estão cingidos a apenas uma ocorrência, mas mescla greves, reivindicações e
lutas emNova Iorque e Chicago, bem como na Alemanha e na Rússia.
Acerca da polêmica sobre a data enfatiza Eva Alterman Blay:
No Brasil vê-se repetir a cada ano a associação entre o Dia
Internacional da Mulher e o incêndio na Triangle quando na verdade
Clara Zetkin o tenha proposto em 1910, um ano antes do incêndio. É
muito provável que o sacrifício das trabalhadoras da Triangle tenha
se incorporado ao imaginário coletivo da luta das mulheres. Mas, o
processo de instituição de um Dia Internacional da Mulher vinha
sendo elaborado pelas socialistas americanas e européias algum
tempo e foi ratificado com a proposta de Clara Zetkin.
53
Eva Alterman Blay nos contempla com uma importante narrativa sobre o
incêndio na fábrica norte-americana e que é considerado por muitos como a data
origem do dia internacional da mulher, convém compartilharmos a descrição:”
O dia 25 de março de 1911 era um sábado, e às 5 horas da tarde,
quando todos trabalhavam, irrompeu um grande incêndio na Triangle
Shirtwaist Company,14 que se localizava na esquina da Rua Greene
com a Washington Place. A Triangle ocupava os três últimos de um
prédio de dez andares. O chão e as divisórias eram de madeira, havia
grande quantidade de tecidos e retalhos, e a instalação elétrica era
precária. Na hora do incêndio, algumas portas da fábrica estavam
fechadas. Tudo contribuía para que o fogo se propagasse
rapidamente.
A Triangle empregava 600 trabalhadores e trabalhadoras, a maioria
mulheres imigrantes judias e italianas, jovens de 13 a 23 anos.
Fugindo do fogo, parte das trabalhadoras conseguiu alcançar as
53
8 de março: conquistas e controvérsias. Revista de Estudos Feministas, segundo semestre, ano
2001/vol. 9 , número 002, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 601-607.
37
escadas e desceu para a rua ou subiu para o telhado. Outras
desceram pelo elevador. Mas a fumaça e o fogo se expandiram e
Esta greve foi encerrada em 15 de fevereiro de 1910, pois os
trabalhadores das grandes empresas conquistaram melhorias.
trabalhadores/as pularam pelas janelas, para a morte. Outras
morreram nas próprias máquinas. Morreram 146 pessoas, 125
mulheres e 21 homens, na maioria judeus.
A comoção foi imensa. No dia 5 de abril houve um grande funeral
coletivo que se transformou numa demonstração trabalhadora.
Apesar da chuva, cerca de 100 mil pessoas acompanharam o enterro
pelas ruas do Lower East Side. Atualmente no local onde se deu o
incêndio foi construída a Universidade de Nova Iorque.
54
A mais divulgada referência histórica dessa oficialização, na verdade, é a II
Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em Copenhague, Dinamarca, em
1910, da qual emanou a sugestão de que o mundo seguisse o exemplo das mulheres
socialistas americanas, que inauguraram um feminismo heróico de luta por igualdade
dos sexos. Na ocasião dessa conferência, foi proposta a resolução de instaurar
oficialmente o dia internacional das mulheres.
Contudo, apesar de os relatos mais recentes trazerem sempre a referência ao
dia 8 de março, não qualquer alusão específica a essa data na resolução de
Copenhague. Clara Zetkin (1857-1933), alemã, membro do Partido Comunista
Alemão, deputada em 1920, militava junto ao movimento operário e se dedicava à
conscientização feminina. Fundou e dirigiu a revista Igualdade, que durou 16 anos
(1891-1907). Líderes do movimento comunista como Clara Zetkin e Alexandra
Kollontai ou anarquistas como Emma Goldman lutavam pelos direitos das mulheres
trabalhadoras, mas o direito ao voto as dividia: Emma Goldman afirmava que o
direito ao voto não alteraria a condição feminina se a mulher não modificasse sua
própria consciência . Ao participar do II Congresso Internacional de Mulheres
Socialistas em Copenhagen em 1910, Clara formulou propostas no sentido de ser
criado um Dia Internacional da Mulher sem precisar data. Erroneamente imputam à
Clara a definição do dia 08 de março como sendo o dia escolhido para homenagem
às mulheres.
55
54
Idem, ibidem.
55
8 de março: conquistas e controvérsias. Revista de Estudos Feministas, segundo semestre, ano
2001/vol. 9 , número 002, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, p. 601-607.
38
Alguns estudiosos acreditam que a instituição da data tem por marco a greve
geral promovida pelas operárias russas, que por via reflexa culminou com o início da
Revolução Russa de 1917. Neste dia, em Petrogrado, um grande número de
mulheres operárias, na maioria tecelãs e costureiras, contrariando a posição do
Partido, que achava que aquele não era o momento oportuno para qualquer greve,
saíram às ruas em manifestação.
Foi considerada o ponto de partida da primeira fase da Revolução Russa,
conhecida depois como a Revolução de Fevereiro. Esta greve foi documentada nos
escritos de Trotsky e de Alexandra Kollontay, ambos membros do Comitê Central do
Partido Operário Social-democrata Russo e ambos, depois, proscritos pelo stalinismo
vencedor. Mas o texto que melhor nos conta os fatos da greve das operárias de
Petrogrado é um longo trecho de Trotsky, no primeiro volume do seu livro História da
Revolução Russa.
Somente no ano de 1975, por meio de um decreto, a data foi oficializada
pela Organização das Nações Unidas (ONU) sob o seu patrocínio.
1.4 Os Documentos Internacionais na salvaguarda dos direitos humanos
1.4.1 Declaração Universal dos Direitos Humanos - 1948
Final da Grande Guerra Mundial (1939-1945) é o momento em que os
Estados se conscientizam da necessidade de reconstrução do mundo e do próprio
homem, flagelado em razão das atrocidades e tragédias ocorridas, constituindo-se,
assim, a Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo do fortalecimento
da paz e o vínculo entre os homens. O então presidente dos EUA, Franklin Delano
Roosevelt, sugeriu o nome de "Nações Unidas" e a 25 de Abril de 1945 celebrou-se
a primeira Conferência em São Francisco.
Impõe considerar que a ONU (Organização das Nações Unidas) foi criada,
logo após Segunda Grande Guerra Mundial por meio da Carta Constitutiva de 26 de
39
junho do ano de 1945 com a ratificação por 51 Estados- Membros
56
. Referida Carta
estabeleceu as intenções futuras, entre elas, a preservação das futuras gerações
quanto às guerras, o fortalecimento do homem em sua dignidade, a igualdade entre
os homens, vedadas as discriminações, a promoção do progresso social em prol de
uma vida eivada de liberdade. A criação das Nações Unidas consolidou-se como o
enaltecimento da paz, da tolerância e da solidariedade entre as nações, em busca
de justiça e bem-estar social.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela Resolução
217 da Assembléia Geral da ONU representou o marco de desenvolvimento do
Direito Internacional dos Direitos Humanos com o estabelecimento da
universalização e internacionalização de tais direitos fundamentais. Por meio de
tratados internacionais efetivou-se a salvaguarda dos direitos humanos no âmbito
das Nações Unidas.
Por meio de um detalhamento de direitos humanos concebe-se a Declaração
Universal dos Direitos Humanos como a iniciativa primeira de enumeração de
direitos humanos no âmbito do direito internacional
57
e, institui, sobretudo, como
aponta Flávia Piovesan “extraordinária inovação ao conter uma linguagem de
direitos até então inédita. Ao conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade,
a Declaração demarca a concepção contemporânea de direitos humanos, pela qual
esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e
invisível”
58
A Declaração Universal é composta por 30 artigos que definem com detença
os valores supremos que norteiam o ser humano, verifica-se no texto positivado a
56
Em 2006 a ONU possuía a participação de 192 Estados-Membros - cada um dos países soberanos
internacionalmente reconhecidos, exceto o Vaticano, que tem qualidade de observador, e países sem
reconhecimento pleno (como Taiwan, que é território reclamado pela China, mas de reconhecimento
soberano por outros países).
57
ARZABE, Patrícia Helena Massa & GRACIANO, Potyguara Gildoassu . A Declaração Universal
dos Direitso Humanos: 50 anos, p. 252, In Direitos Humanos: Construção da Liberdade e da
Igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1988.
58
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max
Limonad, 1996, p.156.
40
preocupação com o homem como objeto central, alicerçando-o em direitos e
garantias protetivas necessárias ao seu desenvolvimento digno.
O Preâmbulo da Declaração de absoluta importância para os direitos
fundamentais ressaltou entre vários pontos o reconhecimento da dignidade inerente
a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis como o
fundamento da liberdade, da fraternidade, nos termos do seu art. 1º :
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em
direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para
com os outros em espírito de fraternidade.
Considerou também para o pleno desenvolvimento do homem, a sua proteção
pelo império da lei, a promoção do desenvolvimento de relações amistosas entre as
nações, questões essas que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta,
sua nos direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso
social e melhores condições de vida com espírito de fraternidade.
Em seu art. 2º encontramos o fundamento da igualdade entre homens e
mulheres para todos os fins. Adota-se o conceito de ser humano, pessoa,
independentemente do sexo:
Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de
qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião
política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza,
nascimento, ou qualquer outra condição.
41
1.4.2 Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e
Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos -1966
Importante ressaltar que apenas em 1966 conseguiu-se o consenso para a
elaboração de dois pactos e, em 16 de Dezembro desse ano, a Assembléia Geral
adotou o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos .
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC)
foi adotado pela Assembléia Geral da ONU, por unanimidade, em 10 de dezembro
de 1966, ressalvando o fato de que 35 ratificações foram tardias e somente
conseguidas após longos dez anos, efetivamente em 3 de janeiro de 1976.
No Brasil o PIDESC foi ratificado tardiamente, apenas em 12 de dezembro de
1991 e promulgado pelo Decreto Legislativo n. 592, 6 de dezembro de 1992.
Em seu Preâmbulo, o PIDESC estabelece que o ideal do homem livre não
pode ser realizado sem a criação de condições que permitam a cada um gozar de
seus direitos econômicos, sociais e culturais,assim como de seus direitos civis e
políticos, impondo aos Estados a obrigação de promover o respeito universal e
efetivo dos direitos e das liberdades da pessoa humana.
Com a entrada em vigor, os dois pactos internacionais deram obrigatoriedade
jurídica a muitas das disposições da Declaração Universal para os Estados que os
ratificaram.
Em seu art. 3º, o PIDESC prevê o princípio da igualdade entre os sexos,
garantido a homens e mulheres o gozo de direitos políticos e civis, protegendo-os de
qualquer discriminação.
42
1.4.3 Convenção para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra
a Mulher - 1979
Elaborada na 34ª Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas e com sua
entrada em vigor na Ordem Internacional em 3 de setembro de 1981, a Convenção
para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher estabeleceu
uma diversidade de temas inerentes à igualdade e dignidade nas relações de
gênero, entre elas, segurança social, capacidade civil, trabalho, moradia, saúde,
maternidade, prestações familiares, direitos civis e políticos.
A referida convenção também denominada Convenção da Mulher (CEDAW,
sigla em inglês) Trata-se de um comitê com a responsabilidade de apresentar
anualmente ao Secretário Geral das Nações Unidas os relatórios discriminando as
medidas adotadas para a efetivação das disposições contidas na Convenção.
Composto por 23 peritas eleitas pelos Estados-parte com mandato de 4 (quatro)
anos. Entre outras funções cabe ao Comitê: examinar os relatórios periódicos
apresentados pelos Estados Partes, elaborar sugestões e recomendações, instaurar
inquéritos confidenciais e analisar proposituras apresentadas por interessados
alegando a violação de direitos previstos na Convenção.
O Brasil apresentou seu primeiro Relatório, na 29ª sessão do Comitê,
realizada em 2003 e ao examinar o Relatório o Comitê manifestou seu
reconhecimento pelos avanços alcançados pelo Brasil e expressou sua preocupação
com “as grandes diferenças existentes entre as garantias constitucionais de
igualdade entre as mulheres e os homens e a situação socioeconômica, cultural e
política em que se encontram de fato as mulheres no Estado-Parte, diferenças que
se intensificam no caso das mulheres afro-descendentes e mulheres indígenas”.
Recomendando ao Estado-Parte “que zele pela plena aplicação da Convenção e
das garantias constitucionais mediante uma reforma legislativa ampla e orientada
para proporcionar uma igualdade de direitos, e que estabeleça um mecanismo de
monitoramento para assegurar o pleno cumprimento das leis. Recomenda que o
43
Estado-Parte zele para que os encarregados de aplicar as leis em todos os níveis
tenham pleno conhecimento do conteúdo dessas leis”.
59
É o primeiro tratado internacional que delimita os direitos da mulher como
direitos humanos, se propondo a buscar ações afirmativas na consolidação da
igualdade entre os sexos bem como repreender as discriminações relativas ao
gênero.
Segundo Silvia Pimentel a Convenção da Mulher deve ser considerada como
parâmetro mínimo das ações estatais na promoção dos direitos humanos das
mulheres e na repressão às suas violações, tanto no âmbito público como no
privado. A CEDAW deve ser concebida como a grande Carta Magna dos direitos das
mulheres e que simboliza o resultado de inúmeros avanços principiológicos,
normativos e políticos construídos nas últimas décadas, em um grande esforço
global de edificação de uma ordem internacional de respeito à dignidade de todo e
qualquer ser humano. De importância ímpar a Convenção disciplina am das
garantias de igualdade, disciplinando o dever dos Estados-parte na eliminação da
discriminação contra a mulher por meio da adoção de medidas legais, políticas e
programáticas. A mera declaração formal dos direitos das mulheres não se faz
suficiente para a sua efetividade, dependendo da ação integrada dos três poderes:
do Legislativo, na adequação da legislação nacional aos parâmetros igualitários
internacionais; do Executivo, na elaboração de políticas blicas voltadas para os
direitos das mulheres; e, por fim, do Judiciário, na proteção dos direitos das
mulheres e no uso de convenções internacionais de proteção aos direitos humanos
para fundamentar suas decisões.
60
Segundo Helena Omena Lopes de Faria e Mônica de Melo apesar de vários
Estados terem ratificado esta Convenção, o alcance e a extensão da ratificação são
comprometidos em face das reservas, que atingem a essência de seus valores. Esta
Convenção é o instrumento que mais recebeu reservas, dentre as Convenções
59
Disponível em http://www.planalto.gov.br . Acesso em 30 de abril de 2008.
60
A mulher e os Instrumentos de Direito Internacional, p. 22 disponível no site
http://www.planalto.gov.br . Acesso em 20 de dezembro de 2008
44
Internacionais de Direitos Humanos, considerando que ao menos 23 dos 100
Estados-parte, fizeram no total 88 reservas substanciais.
61
O preâmbulo da Convenção reafirma a indescritível necessidade do
firmamento da isonomia nas relações de gênero, propugnando cada artigo per si
pela dignidade e respeito nos mais variados temas, relacionados ao reconhecimento
da igualdade de direitos entre homens e mulheres nas esferas política, econômica,
social e familiar, capacidade civil, nacionalidade, seguridade social, saúde, em
especial à saúde reprodutiva, à habitação e às condões de vida.
Ainda, importa dizer que a grandiosidade da Convenção reside na previsão
das denominadas “ações afirmativas” que visam assegurar o fortalecimento da
igualdade real, cabendo ao Estado, nos termos do art. da Convenção a
possibilidade de se adotar a “discriminação positiva” com a implementação de
medidas especiais e de cunho temporário para a garantia de um processo efetivo de
igualdade entre homens e mulheres.
Em seu art. 1º destaca que a expressão ‘discriminação contra a mulher’
significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por
objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela
mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e
da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político,
econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”
1.4.4 Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência
contra a mulher - “Convenção de Belém do Pará” - 1994
A Convenção Americana, inova no cenário de proteção dos direitos humanos
ao estabelecer a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte
Internacional de Direitos Humanos.
61
Convenção Sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher e Convenção
par a Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, p. 382 In Direitos Humanos:
Construção da Liberdade e da Igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria do
Estado, 1998.
45
O Brasil é membro da Organização dos Estados Americanos (OEA) desde
1951 e mediante Decreto Legislativo n. 27 de 25 de setembro de 1992.
No tocante à mulher, o sistema regional interamericano formulou a
Convenção temática de Belém do Pará ou Convenção Interamericana para prevenir,
punir e erradicar a violência contra a mulher de 1994. O tratado foi adotado pela
Assembléia Geral da OEA em 06 de junho de 1994, sendo ratificado pelo Brasil em
27 de novembro de 1995 e promulgada pelo Decreto 1973 de 01 de agosto de 1996.
A Convenção traz uma carta de direitos em que se reconhece que toda
mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os seus
direitos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais
sobre direitos humanos, dente eles: o direito a que se respeite a vida, a integridade
física, moral e psíquica, não ser submetida a tortura, à igualdade de proteção
perante a lei e da lei.
Fato relevante é a operacionalidade da Convenção Internacional que
apresenta mecanismos de acesso à jurisdição internacional nos termos dos art. 10 a
12 – conferindo legitimidade ativa a qualquer pessoa ou grupo de pessoas ou
entidade governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros
da Organização para apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
petições que contenham denúncias ou queixas de violação dos deveres dos
Estados.
62
1.5 As grandes Conferências Internacionais e os direitos femininos
Um marco para o estudo do gênero feminino está ligado a I Conferência
Mundial sobre a Mulher, ocorrida na cidade do México, momento no qual se aprovou
um Plano de Ação proclamando os anos de 1975-1985, como a Década da Mulher.
62
TEIXEIRA, Carla Noura. A mulher e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos. In
BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan (org.). Mulher,
Sociedade e Direitos Humanos: Homenagem à Profa. Dra. Esther de Figueiredo Ferraz. o
Paulo: Rideel, 2010,p. 655.
46
Em tal evento foram definias metas a serem atingidas na próxima década
(1975/1985) definindo metas a serem atingidas na próxima década tento por
alicerces: a igualdade entre os sexos e a necessidade de integração da mulher
como núcleo essencial para o desenvolvimento social e paz mundial.
Merece destaque especial que nesta Conferência propugnou-se pela inserção
de novos organismos na ONU, entre eles, o Centro da Tribuna Internacional da
Mulher e o Instituto Internacional de Fundo Voluntário.
Na II Conferência Mundial sobre a Mulher – Copenhague’80, os governos são
convocados a promoverem a igualdade entre mulheres e homens na vida social,
econômica e política; e na III Conferência Mundial sobre a Mulher Nairóbi’85,
foram aprovadas e adotadas as Estratégias Encaminhadas para o Futuro do Avanço
da Mulher
Em 1993, foi adotada a Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a
Mulher, o primeiro documento internacional com o objetivo específico de tratar da
violência contra a mulher, destacando o primordial papel do Estado no sentido de
coibir os atos atentatórios, no domínio público e privado.
Intitulada “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”, a Conferência
de Pequim partiu de uma avaliação dos avanços obtidos desde as conferências
anteriores, quais sejam, Nairobi, 1985, Copenhaguen, 1980; e México, 1975. A
participação do Brasil na Conferência de Pequim foi preparada em amplo diálogo
com a sociedade civil e incluiu a elaboração de relatório nacional que contou com
subsídios obtidos em seminários realizados em Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo,
Porto Alegre e Brasília. O Relatório sobre a Mulher na Sociedade Brasileira, enviado
à ONU, retratou avanços e dificuldades da situação da mulher no Brasil.
63
63
Ruth Cardoso, primeira dama do Brasil, esposa do Ex- Presidente Fernando Henrique Cardoso no
Seminário sobre as novas faces do feminismo e os desafios para o século XXI, realizado em Pequim,
em 1995 destacou que :O feminismo está propiciando uma transformação social, cultural e
econômica, uma reformulação das relações pessoais, e das relações privadas. A questão de gênero
ganha legitimidade e o reconhecimento de que para além da vida privada, introduz transformações
que configuram uma sociedade mais criativa e mais igualitária. Para que a mulher possa conquistar
um espaço de participação que não seja restritivo da vida privada é preciso que as relações pessoais
caminhem na direção de uma maior compreensão do que é o papel de cada um dentro de casa, sem
que nem o homem nem a mulher abandonem aquilo que sentem como importante, que é a educação
dos filhos, que é a manutenção de uma relação afetiva com os mais velhos e entre os iguais”.
Disponível no site http://www.plantalto.gov.br. Acesso em 16 de outubro de 2009.
47
Identificaram-se doze áreas de preocupação prioritária, a saber: a crescente
proporção de mulheres em situação de pobreza (fenômeno que passou a ser
conhecido como a feminização” da pobreza); a desigualdade no acesso à educação
e à capacitação; a desigualdade no acesso aos serviços de saúde; a violência contra
a mulher; os efeitos dos conflitos armados sobre a mulher; a desigualdade quanto à
participação nas estruturas econômicas, nas atividades produtivas e no acesso a
recursos; a desigualdade em relação à participação no poder político e nas
instâncias decisórias; a insuficiência de mecanismos institucionais para a promoção
do avanço da mulher; as deficiências na promoção e proteção dos direitos da
mulher; o tratamento estereotipado dos temas relativos à mulher nos meios de
comunicação e a desigualdade de acesso a esses meios; a desigualdade de
participação nas decisões sobre o manejo dos recursos naturais e a proteção do
meio ambiente; e a necessidade de proteção e promoção voltadas especificamente
para os direitos da menina.
Segundo Maria Luiza Ribeiro Viotti por meio da identificação dos objetivos a
serem atingidos nas doze áreas de atuação, busca-se orientar governos e a
sociedade na formulação de políticas visando o empoderamento da mulher como
chave para a superação dos padrões de desigualdade. Partindo-se da noção de
transversalidade busca assegurar que a perspectiva de gênero passe efetivamente a
integrar as políticas públicas em todas as esferas de atuação governamental.
Passariam os direitos das mulheres e a desigualdade entre os sexos ser tratada sob
a perspectiva dos direitos humanos e não apenas uma situação decorrente de
problemas econômicos e sociais a serem superados.
64
1.6 Brasil: a marcha evolutiva da mulher na história e na legislação
1.6.1 A mulher e as Constituições Brasileiras
A Constituição de 1824, conhecida como Constituição do Império, dedicava-
se a omitir a proteção ao princípio da isonomia em relação às mulheres. Era
considerado “cidadão” apenas o homem.
64
Conforme informações obtidas no site www.planalto.gov.br. Acesso em : 06 de fevereiro de 2007.
48
Concedia às mulheres a possibilidade de trabalharem em empresas privadas,
mas impedidas estavam do exercício de função pública, bem como do direito de
votar e de serem votadas.
Em 1891 com o advento da primeira Constituição republicana reiterou-se o
que havia na Constituição anterior sem estabelecer a mulher como cidadã.
Podemos considerar como inovação nesse Texto Magno o reconhecimento do
casamento civil e a proteção à família pelo Estado.
A Constituição de 1934 foi inovadora ao estabelecer o princípio da isonomia
entre os gêneros, com o firmamento legal da proibição de salários desiguais para
uma mesma função por motivo de sexo, a proibição do trabalho das mulheres em
condições insalubres, bem como o fortalecimento da proteção à família e à
maternidade, garantindo à gestante assistência médica e sanitária, bem como à
gestante e descanso antes e depois do parto, por meio da Previdência Social.
65
Mister se faz destacar que as Cartas Magnas de 1824, esta do Império, e a
Constituição de 1891, primeira Constituição da República, nada dispuseram acerca
da proteção à mulher no tocante à maternidade.
Ao se realizar uma análise histórica da evolução dos direitos da mulher, em
especial, no Brasil é interessante notar que foi também a partir da Constituição de
1934 que a mulher passou a ter “voz ativa na sociedade e obteve o direito de
escolher seus representantes por meio do voto direto, direito este concedido
anteriormente apenas aos homens, assunto este que será mais detalhado a seguir.
65
“Art. 121 (...)
§ 1º.: “A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem
melhorar as condições do trabalhador:
(...)
h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurado a esta descanso antes e
depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante
contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da
maternidade e nos casos de acidentes do trabalho ou de morte”.
(...)
§ 3º.: “Os serviços de amparo à maternidade e à infância, os referentes ao lar e ao trabalho feminino,
assim como a fiscalização e a orientação respectivas, serão incumbidos de preferência a mulheres
habilitadas”.
49
No que diz respeito ao casamento civil estipulava-se a sua gratuidade, bem
como uma instituição de ordem indissolúvel, destacando para o casamento religioso
a produção de efeitos civis quando celebrado perante autoridade civil e na forma da
lei.
Estabeleceu a importância da educação como dever do Estado e também da
família, pois a educação integral dos filhos é o primeiro dever e o direito natural dos
pais, devendo ter a colaboração do Estado e os filhos naturais passaram a ter
facilitado seu reconhecimento, devendo a lei assegurar a igualdade com os filhos
legítimos.
Caminhando na história surge em 1937 a chamada Constituição do período
de Estado Novo, outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas, seu artigo Art. 137, letra
“l”, determinou que :
Art. 137: A legislação do trabalho observará, além de outros, os
seguintes preceitos:
(...)
l) assistência médica e higiênica ao trabalhador e à gestante,
assegurado a esta, sem prejuízo do salário, um período de repouso
antes e depois do parto.
Faz-se primordial destacar que a Constituição de 1937 não garantiu a efetiva
proteção à trabalhadora gestante, pois embora garantida assistência à sua saúde,
bem como segurança jurídica no período de descanso antes e depois do parto, não
lhe foi conferida estabilidade no emprego
66
.
Abrindo um parênteses é necessário dizer que a Consolidação das Leis do
Trabalho foi promulgada na vigência da Constituição de 1937, que omitira no art.
137, “I” a expressão “sem prejuízo do emprego”; desta forma, limitou-se a CLT a
estabelecer no seu art. 391 que não constitui justo motivo para a rescisão do
66
CARDONE, Marly Antonieta. A mulher trabalhadora em face da Constituição Federal. Revista
de Direito do Trabalho nº. 22, nov/dez, ano 4,1979, p. 62.
50
contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de
encontrar-se em estado de gravidez
67
.
Representou, de fato, um retrocesso para as mulheres uma vez que eliminou
a expressão "sem distinção de sexo", quando diz que "todos são iguais perante a
lei".
Estabeleceu assistência à maternidade, à infância e à adolescência
obrigatória em todo o território nacional; concedendo aposentadoria à mulher com 35
anos de serviços ou, compulsoriamente, aos 70 anos de idade; incorporando a
proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade,
sexo, nacionalidade ou estado civil e instituindo a prisão civil por falta de pagamento
da pensão alimentar.
No que tange à maternidade assegurava à gestante o descanso antes e
depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário
68
,
Na Constituição de 1967 houve a redução do prazo para a aposentadoria por
tempo de trabalho, de 35 para 30 anos de serviço para a mulher, estabelecendo
constitucionalmente pela primeira vez o tratamento diferenciado à mulher no que
tange à concessão de aposentadoria por tempo de serviço.
Destacava ainda pela primeira vez a expressão descanso remunerado da
gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário, a cargo da
previdência social.
69
67
Idem, ibidem.
68
Art. 157 ( ...)
X- direito da gestante a descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário;
(...)
XIV- previdência, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, em favor da
maternidade e contra as conseqüências da doença, da velhice, da invalidez e da morte”.
69
Art. 158: “A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos
termos da lei, visem à melhoria de sua condição social:
(...)
51
A Emenda Constitucional n. 1 de 17 de outubro de 1969, em seus artigos 165,
XI e XVI reiterava os dispositivos anteriormente informados, garantindo descanso
remunerado, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário, bem
como da proteção da maternidade como responsabilidade imposta à previdência
social.
1.6.2 A mulher e o Direito ao voto no Brasil
No Brasil, após 1850, surgiram as primeiras organizações de mulheres que
lutavam pelo direito à instrução e ao voto. Os clamores femininos encontravam
expressivo coro na luta de Nísia Floresta (1809-1885), abolicionista, republicana e
feminista nascida no Rio Grande do Norte, responsável por denunciar as agruras
cometidas contra as mulheres.
Em novembro de 1917 a Professora Leolinda Daltro, fundadora do Partido
Republicano Feminino, lidera uma passeata exigindo a extensão do voto às
mulheres.
No ano seguinte, Bertha Lutz foi uma das pioneiras na luta pelo voto feminino
e pela igualdade de direitos entre homens e mulheres no país. Filha de Adolfo Lutz,
ela nasceu em São Paulo em 1894. Cientista como o pai, ela formou-se bióloga pela
Sourbone em Paris.
Em 1919 começa a se destacar na busca de igualdade de
direitos judicos entre os sexos, ao se tornar a segunda mulher a ingressar no
serviço público brasileiro, após ser aprovada em concurso do Museu Nacional, no
Rio de Janeiro. Em 1922, representou o Brasil na Assembléia Geral da Liga das
Mulheres Eleitoras, realizada nos Estados Unidos, sendo eleita vice-presidente da
Sociedade Pan-Americana. De volta ao Brasil, fundou a Federação para o Progresso
XI- descanso remunerado da gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do
salário;
52
Feminino, iniciando a luta pelo direito de voto para as mulheres brasileiras.
70
A primeira experiência com o voto feminino no Brasil acontece de fato no Rio
Grande do Norte, em 1928. Juvenal Lamartine, candidato ao governo do estado,
incluiu em sua plataforma a luta pelo voto feminino
71
. Ao se elaborar a lei eleitoral do
estado, Juvenal solicitou ao então governador, José Augusto Bezerra, a inclusão da
emenda que constou das disposições transitórias: "Art. 77 das Disposições Gerais:
No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos
os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei". Aprovada a Lei nº 660,
em 25 de outubro de 1927, várias mulheres requereram suas inscrições e, a 25 de
novembro de 1927, o juiz interino, Israel Ferreira Nunes, manda incluir na lista dos
eleitores a professora Celina Guimarães Vianna, que se torna a primeira eleitora,
não só do Brasil, mas da América do Sul. As eleitoras compareceram às eleições de
5 de abril de 1928, mas seus votos foram anulados pela Comissão de Poderes do
Senado.
Interessantes são as manifestações expostas por Ilca Labarte integrante da
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino:
O direito do voto é o caminho que os homens nos apontam para a
conquista dos demais direitos, pois a grande, a maxima questão é a
capacidade para o trabalho honesto e consciente (...). Falta a
educação, a alphabetização da mulher proletária, seja nos campos,
seja nas cidades. (...) Enquanto a mulher não tiver autonomia civil,
política ou não estará sempre sujeita a uma capitis diminutio
maxima se for da sociedade chamada elevada, saberá sophismar
tal incapacidade civil, pelas mil formas de garridice e sedução; mas
da sociedade dita inferior, que para mim não existe nem póde existir
ficará ainda mais sujeita ao domínio masculino e em peores
condições pois se a mulher ainda não possue cultura mental, o
homem proletário nada lhe fica a dever em ignorância. Como ponto
capital direi que a legislação social, puramente proteccional nada
70
LEONARDO, Patrícia Xavier & MARMO, Ana Carolina. Adolpho Gordo e Bertha Lutz: A Luta
pelo Voto Feminino. Disponível em www.centrodememoria.unicamp.br. Acesso em 22 de agosto de
2008, p. 4.
71
Idem, ibidem.
53
adianta se não tomar, como complemento logico e único, a
autonomia civil a educação vocacional e proficional da mulher.
72
Em 1932, o governo de Getúlio Vargas formado após a Revolução de 1930,
promulgou o novo Código Eleitoral pelo Decreto 21.076, garantindo finalmente o
direito de voto às mulheres brasileiras. Foi incorporado à Constituição de 1934 e,
ainda assim, apenas às funcionárias públicas estabelecendo em seu Art. 109 que “o
alistamento e o voto são obrigatórios para os homens e para as mulheres, quando
estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvas as exceções
que a lei determinar”.
O referido Código Eleitoral Brasileiro, em seu art. 2o disciplinava que era
eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma do
Código. É de ressaltar que as disposições transitórias, no artigo 121, dispunham que
os homens com mais de 60 anos e as mulheres em qualquer idade podiam isentar-
se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral. Denota-se assim a não
obrigatoriedade do voto feminino, mas que consagrou o Brasil como o quarto país da
América a disciplinar o voto feminino, estando ao lado de países, como Estados
Unidos, Canadá e Equador, respectivamente, em 1º, 2º e 3º lugares.
O direito ao voto feminino foi incorporado à Constituição de 1934, mas sendo
obrigatório apenas às mulheres que exercessem função pública remunerada nos
termos do art. 108. Verifica-se assim, a necessidade imperiosa de campanhas para
conscientização das mulheres sobre a importância do voto, um direito arduamente
conquistado, mas ainda de caráter facultativo para a maioria das mulheres.
72
Folha da Manhã 10 de junho de 1932. Direito político da mulher brasileira uma entrevista
interessante da senhorita Ilca Labarte apud KAMADA, Larissa Fabiana. As mulheres na História:
do silêncio ao grito. In BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu
Torezan (org.). Mulher, Sociedade e Direitos Humanos: Homenagem à Profa. Dra. Esther de
Figueiredo Ferraz. São Paulo: Rideel, 2010,p.57.
54
1.6.3 Os direitos os da mulher na Constituição de 1988
Como resposta a um regime ditatorial imposto pelos militares desde 1964, a
Carta Cidadã de 1988, como foi batizada, representou um marco na história
brasileira.
No que tange às mulheres temos de maneira inédita uma mobilização social
em busca dos direitos femininos, história que se inicia no ano de 1985 com a criação
pelo Ministério da Justiça do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher –(CNDM)
institucionalizando de maneira inédita a pauta das reivindicações dos movimentos
feministas. O CNDM era composto por 17 conselheiras, nomeadas pelo Ministro da
Justiça, das quais 1/3 era advindo de movimentos de mulheres. A criação do CNDM
respondia às reivindicações do Seminário Mulher e Política, realizado em São Paulo
em 1984, liderado por feministas, entre elas, Ruth Escobar.
No período da Assembléia Nacional Constituinte, junto com o movimento
feminista autônomo e outras organizações do movimento de mulheres de várias
partes do Brasil, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, criado em 1985,
conduziu a campanha nacional “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher
com a edição do documento intitulado Carta das Mulheres à Assembléia
Constituinte, resultado de uma grande mobilização do Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher, entregue ao Congresso Nacional em 26 de agosto de 1986,
pelas mãos de mais de mil mulheres.
73
Segundo Jaqueline Pitanguy, ex-presidente
do CNDM:
Esta Carta, que é sem dúvida um documento histórico, apresenta as
propostas das mulheres para uma ordenação normativa que
traduzisse um patamar de igualdade entre homens e mulheres e
afirmasse o papel do Estado na efetivação deste marco normativo.
Algumas propostas das mulheres iam além do papel que o Estado
exercera até então , expandindo o conceito de direitos humanos e
atribuindo-lhe responsabilidades no âmbito da saúde reprodutiva
advogando o reconhecimento do direito de mulheres e homens
exercerem seus direitos reprodutivos escolhendo livremente o
73
Disponível em: [http://mulheres.org.br/violencia/planobnacional.html]. Acesso em: 25 set., 2007.
55
numero de filhos e contando com informações e meios para tal, e
conclamando o Estado para desempenhar um papel no sentido de
coibir a violência no âmbito das relações familiares.
74
Segundo também assinala Silvia Pimentel “esta Carta, é no meu entender, a
mais ampla e profunda articulação reivindicatória feminina brasileira. Nada igual,
nem parecido. É marco histórico da práxis política da mulher, grandemente
influenciada pela teoria e práxis feminina dos últimos 10 anos
75
O movimento feminista deste período que atuava por meio de uma ação
direta de convencimento dos parlamentares, ficou conhecido como o “Lobby do
Batom representado pela bancada feminina composta por 26 congressistas e
conseguiu aprovar em torno de 80% de suas reivindicações, constituindo-se o setor
organizado da sociedade civil que mais vitórias conquistou. O “Lobby do Batom” foi
um movimento de sensibilização dos deputados e senadores sobre a relevância de
considerar as demandas das mulheres para a construção de uma sociedade guiada
por uma Carta Magna verdadeiramente cidadã e democrática. De 1996 à 1988 o
CNDM, juntamente com representações de organizações diversas de direitos das
mulheres da sociedade civil, visitou quase que diariamente as lideranças e os
diversos deputados , conversando, apresentando dados, estatísticas,testemunhos,
denuncias, propostas.
76
Assim, diante do cenário exposto, e não apenas no tocante aos direitos das
mulheres, mas em relação aos direitos e proteções em geral, como marco jurídico da
institucionalização dos direitos humanos deve ser vista a Constituição Federal de
1988, também denominada de Carta Cidadã, a qual representou para as mulheres
brasileiras a ampliação de seus direitos de cidadania.
74
As Mulheres e a Constituição de 1988, disponível no site http:// www.cepia.org.br Acesso em: 25
de maio de 2010.
75
A mulher e a Constituinte: uma contribuição ao debate. São Paulo: Editora Cortez, 1987, p. 72.
76
As Mulheres e a Constituição de 1988, disponível no site http:// www.cepia.org.br Acesso em: 25
de maio de 2010.
56
A pressão dos movimentos feministas, do movimento organizado de mulheres
e a articulação dos conselhos dos direitos das mulheres no processo constituinte,
resultou em importantes conquistas na Constituição Federal, na perspectiva da
igualdade de direitos entre homens e mulheres, como afirma o inciso I do art. 5º.
Art. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição;
A Carta de 1988 proclama ainda outros direitos específicos das mulheres, tais
como:
a) a igualdade entre homens e mulheres especificamente no âmbito da família (art.
226, § 5º);
b) a proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou
estado civil (art. 7º, XXX, regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, que
proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas
discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de
trabalho);
c) a proteção especial da mulher do mercado de trabalho, mediante incentivos
específicos (art. 7º, XX, regulamentado pela Lei 9.799, de 26 de maio de 1999, que
insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao
mercado de trabalho);
d) o planejamento familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado
propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito (art. 226,
§ 7º, regulamentado pela Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do
planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde); e
57
e) o dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226,
§ 8º).
Contudo, é imprescindível destacar que o mero reconhecimento formal da
igualdade entre homens e mulheres no plano legal não se torna suficiente para a
concretização da efetiva igualdade no plano fático. Infelizmente, conforme veremos
no capítulo 2, os direitos reconhecidos no ordenamento jurídico não encontram,
muitas vezes, eco na realidade prática. ainda, infelizmente, um grande hiato
entre a realidade e o ordenamento jurídico brasileiro.
1.6.4 Mulheres e o Novo Código Civil
Tão esperado por todos, em especial, pelos operadores do Direito, o novo
Código Civil em vigência desde 11 de janeiro de 2002, estabeleceu um
ordenamento jurídico compatível, principalmente no que se refere à igualdade entre
os sexos.
Logo nos dizeres propedêuticos do Novo Código Civil encontramos
importante inovação no tratamento conferido à mulher, tendo em vista a substituição
da expressão “homem” por “toda a pessoa”, ratificando as determinações do Texto
Magno de 1988.
A substituição ocorre nos diversos artigos do Código Civil no intuito de afastar
quaisquer alusões à superioridade masculina nas relações jurídicas.
A igualdade de direitos e deveres entre os cônjuges no casamento
estabelecida pelo art. 226, parágrafo da Carta Magna de 1988 é confirmado pela
inserção do art. 1511 do Código Civil de 2002.
77
77
Art. 1.511. O Casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e
deveres dos cônjuges.
58
No Código anterior as mulheres eram consideradas até como relativamente
incapazes para a prática de determinados atos, dependentes da concordância do
marido. Assim, a confirmação deste artigo vai ao encontro dos clamores femininos
para a consolidação do princípio da isonomia entre os gêneros.
Quanto ao uso do nome, importantes modificações foram trazidas no
parágrafo primeiro do art. 1.565, pois qualquer dos cônjuges poderá, portanto como
faculdade
78
e não obrigação, acrescer ao seu nome o nome de família do outro,
mais uma vez a igualdade foi instaurada juridicamente, em detrimento dos costumes
patriarcais próprios da legislação anterior.
79
Interessante notar que alguns operadores do direito, de certa maneira, vêm
percebendo que a adoção do nome de família da mulher pelo marido poderá ser
considerado na legislação “letra morta”, ou seja, norma sem efetividade, pois o
preconceito ainda é reinante e precisamos mudar toda a cultura e educação para
que tal fato se torne mais corriqueiro.
Ademais, no que tange à chefia da Sociedade Conjugal estabeleceu-se no
novo Código Civil a igualdade de ambos os cônjuges para exercê-la, bem como para
gerar a subsistência. Não mais prevalência, diga-se de passagem, na legislação,
de prevalência do homem sobre a mulher na condução da família e administração
dos negócios daquela entidade. Referida norma ratificou os ditames já estabelecidos
na Constituição Federal de 1988. Não mais, portanto, a concepção de chefe de
família, anteriormente estatuída pelo Art. 233 do Código Civil de 1916.
Havendo igualdade para gerir e administrar a família, um dos itens que
merece destaque diz respeito à subsistência familiar como dever de ambos, marido
e mulher. O Novo Código Civil manteve o art. 240 com redação da Lei nº 6.515/77, o
78
O Art. 240 do Código Civil de 1916 determinava a obrigatoriedade da adoção do patronímico do
marido pela mulher.
79
Conforme considera Silmara Juny de Abreu Chinelato. O nome da mulher no casamento, na
separação, no divórcio e na viuvez: visão do novo Código Civil In Revista do Advogado, ano
XXII, 68, São Paulo: dezembro/2002, p. 70/78 “Conservar o nome de solteira sempre foi e sempre
será questão a ser ponderada e julgada como direito à identidade. Nada tem a ver com amor, nem
com possível caracterização de “injúria” ao marido.”
59
qual estabeleceu a condição da mulher após o casamento como colaboradora do
marido em tal mister, cumprindo-lhe assegurar e gerir a família do ponto-de-vista
moral e material.
80
Confirmando os dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o
Código Civil de 2002 repetiu em seu texto a prevalência da melhor adaptação da
criança no que tange à guarda. Não mais a figura da e como certeira na
concessão da guarda, os interesses da criança estarão em primeiro lugar.
Entretanto, tal dispositivo precisará ser incorporado nos costumes da sociedade
brasileira, que ainda a mãe como protagonista no cuidado e trato dos filhos,
questão essa que será absolutamente detalhada no capítulo 2 deste trabalho.
Finalmente para mais uma vez reiterar a isonomia de gêneros, prevista na
Carta Magna de 1988, a expressão “pátrio poder” foi substituída por “poder familiar”,
garantindo a condução e administração da família por qualquer dos consortes.
Em se concluindo o presente tópico, apesar de ainda carecedor de
mudanças, o Novo Código Civil representou uma grande conquista feminina ao
normatizar as disposições da igualdade preconizadas pelo Texto Magno. Tal
igualdade, supera o nível formal das normas, é uma força motriz desencadeadora de
uma nova ordem de pensamento nacional, voltada a uma moderna concepção
social. A aplicação pragmática nos casos concretos será a responsável pela
concretização de uma sociedade mais justa e digna para as mulheres.
80
Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes,
companheiros e responsáveis pelos encargos da família..”
Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos rendimentos
do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime
patrimonial.”
60
1.6.5 Maria da Penha: mais do que um simples nome de mulher. Uma Lei. Uma
história de vida.
Brasil. Século XX. Fortaleza, capital do Ceará. Biofarmacêutica, professora
universitária, casada com um também professor universitário. Vítima durante seis
anos de agressões, duas tentativas de homicídio. Na primeira tentativa datada do
ano de 1983, o agressor disparou um tiro em suas costas enquanto dormia, tendo
por alegação se tratar de um assalto. O incidente deixou-a paraplégica no corpo e
debilitada em sua alma. As agressões não pararam por aí. Duas semanas após a
primeira tentativa, houve nova tentativa de homicídio por parte de seu marido que
tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho. À época, nossa personagem com 38
anos e três filhas entre dois e seis anos de idade tomou coragem e comunicou o fato
criminoso aos órgãos competentes e, em 1984 o Ministério Público formulou a
denúncia do agressor.
O caso foi julgado apenas oito anos depois por um Júri Popular que,
posteriormente, teve sua decisão anulada, sendo apenas em 1996 condenado a
uma pena de 10 anos, garantida sua liberdade para interposição dos recursos
previstos no ordenamento jurídico brasileiro.
Temerosa da morosidade do Judiciário brasileiro e da ocorrência da
prescrição punitiva possibilitando a não punição do agressor, nossa personagem,
com apoio de vários órgãos de luta pelos direitos das mulheres, ofertou denúncia à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados
Americanos (OEA) alegando que passados mais de 15 anos de suas agressões, seu
marido, Marco Antônio Herredia Viveros, ainda continuava em liberdade. Era a prova
cabal de que o Brasil, apesar de signatário tendo ratificado em 1995 os ditames da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher de Belém do Pará, não fazia cumprir as exigências para a erradicação da
violência e punição dos agressores.
No ano de 2001 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em seu
Informe n. 54 de 2001 responsabilizou o Estado brasileiro por negligência, omissão e
61
tolerância em relação à violência doméstica contra as mulheres, ressaltando entre as
recomendações, a necessidade imperiosa da criação de leis visando o combate à
violência doméstica no Brasil.
O agressor foi preso em outubro de 2002 quase vinte anos após o crime e
poucos meses antes da prescrição da pena.
81
Demonstrou-se para o Brasil e para o mundo a importância das Convenções
Internacionais e a sua força e efetiva aplicabilidade nos países signatários.
Traduzindo-se, não como meros instrumentos protocolares, mas sim, instrumentos
jurídicos com força cogente e imperativa.
A importância de toda esta conquista se deve a uma personagem que
“sobreviveu e pode contar”. Nossa personagem se chama Maria. Entre muitas
Marias, vítimas de agressões físicas, morais, psicológicas do cotidiano mundial.
Nossa Maria, Maria da Penha Maia Fernandes, transformou sua história de vida, em
um mote, um símbolo, representando em sua singularidade, histórias plurais, diárias
e freqüentes de mulheres que lutam contra as mazelas da violência doméstica e da
opressão masculina. Sua história de vida transformou-se em lei, a Lei 11.340 de 7
de agosto de 2006 batizada em sua homenagem como Lei Maria da Penha.
A Lei Maria da Penha trouxe à tona questões que merecem ser socialmente
discutidas, ou seja, apesar dos avanços legislativos há ainda uma situação de
desigualdade entre os gêneros na realidade pragmática, a violência doméstica tem
em sua grande maioria a mulher como tima. Estudos das mais variadas ciências
contribuem para enaltecer o poderio masculino, a sociedade patriarcal que durante
séculos e, que infelizmente ainda perdura nos dias atuais, considerou a mulher
como posse, propriedade, valendo-se de todas as prerrogativas, até mesmo da
violência física ou psicológia para manutenção deste status quo.
82
81
Sobrevivi...o relato do caso Maria da Penha. Disponível em http://www.agende.org.br. Acesso
em 29 de junho de 2010.
82
BARUKI, Luciana Veloso Rocha Portolese & BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins. Violência e
discriminação contra a mulher: finalmente o direito “mete a colher” In BOGGIO, Paulo Sérgio &
CAMPANHÃ, Camila (org). Família, Gênero e Inclusão Social. São Paulo: Memnon, 2009, p. 91.
62
Ressalta-se que a a Lei Maria da Penha apresenta características singulares
e que merecem ser informadas. Primeiramente, a lei preocupa-se sobremaneira com
a prevenção da violência doméstica. Seu objetivo o é apenas punir, mas também
educar e reeducar. É necessário o envolvimento dos homens para que o sejam
apenas e tão simplesmente “rotulados” mas sim que sejam levados a rever posições
e repensarem atitudes atitudes.
83
A referida Lei cria mecanismos importantes para coibir a violência doméstica
e tipica o tipo penal, conceituando-o de forma pormenorizada e com matizes
vanguardistas ao declarar que a “violência doméstica contra a mulher independe de
sua orientação sexual”.
Para evitar reincidências a Lei Maria da Penha proibe a condenação do
agressor em penas pecuniárias, bem como possibilita um maior âmbito de atuação
do Judiciário com a ampliação da competência material a possibilidade do
magistrado definir, nos termos do art. 14, questões relacionados aos filhos,
alimentos, separação, divórcio, entre outros.
Visando a proteção integral da mulher, a lei disciplina a prisão em flagrante e
a decretão da prisão preventiva do agressor, bem como a fixação de uma
distância mínima de segurança entre a vítima e o agressor.
O Ministério Público passou a titular das ações de violência doméstica,
conjuntamente com as Associações Específicas na Temática de Gênero (art. 37 da
LMP), intervindo em causas cíveis e criminais, requisitando força policial e a
colaboração dos serviços públicos quando necessários
Louvável ainda a previsão legal de uma equipe multidisciplinar formada por
psicólogos e assistentes sociais responsáveis pelo atendimento do agressor, da
vítima e comunicação de tais dados aos juízes das causas concretas.
Para finalização do tópico em questão importante destacar que a Lei Maria da
Penha encontra-se fundamentada em princípios maiores, entre eles, o princípio da
83
Idem, ibidem.
63
dignidade da pessoa humana e a proteção integral dos direitos humanos, fato este
positivado no art. da referida Lei. Neste sentido são os ensinamentos de Carlos
Eduardo Nicoletti Camillo finalizando coroando o fechamento do presente tópico:
a violência doméstica e familiar contra a mulher é uma das possíveis
formas de violação dos direitos humanos. E a violação dos direitos
humanos não é apenas uma consequência marcada pela
negilgência, ignorância ou mesmo inobservância de uma regra. Pior
do que isso, quando nos deparamos como uma violação aos direitos
humanos, todos os princípios, todas as regras, enfim, todas as
diretrizes que traduzem, de alguma forma justiça, equidade,
segurança e dignidade humana, se encontram dilacerados, e talvez
nenhuma forma de sanção seja possível para cicatrizar as suas
feridas.
84
1.7 Ações Governamentais contemporâneas e conquistas femininas no Brasil
O Governo Federal do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reconhecendo
que historicamente as mulheres são alvo de discriminação e seus direitos, embora
previstos na legislação, pragmaticamente não são aplicados, resolveu criar a
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
Com status de Ministério, foi criada a Secretaria, pela edição da Medida
Provisória n. 103, no primeiro dia do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
com o objetivo precípuo de desenvolver ações conjuntas com todos os Ministérios e
Secretarias Especiais, tendo como desafio a incorporação das especificidades das
mulheres nas políticas públicas e o estabelecimento das condições para a
efetividade de seus direitos.
Além de assessorar o Presidente possibilitou a formulação do Plano Nacional
de Políticas Públicas para a Mulher, aprovado pelo Decreto Presidencial nº 5.390, de
84
Compreendendo o significado da dignidade da pessoa humana em face da violência doméstica. In
BOGGIO, Paulo Sérgio & CAMPANHÃ, Camila. Família(org.) Gênero e Inclusão Social. São Paulo:
Memnon, 2009, p. 27.
64
08 de março de 2005, tendo participado de sua elaboração vários ministérios.
Atualmente, a Secretaria tem como representante maior a Ministra Nilcéa Freire.
85
A Secretaria tem por competências e diretrizes formular, coordenar e articular
políticas voltadas para as mulheres; implementar campanhas Educativas e não
discriminatórias de caráter nacional; promover a igualdade de gênero com a
promoção e acompanhamento sistemático das ações afirmativas e desenvolvimento
de políticas públicas com vistas ao cumprimento de todos os Tratados e Convenções
ratificados pelo Brasil, além de promover e executar programas de cooperação com
organismos nacionais e internacionais, públicos e privados, voltados à concretização
dos ideais das mulheres.
86
A Lei 10.745 de 2003, sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
instituiu o ano de 2004 como o “Ano da Mulher no Brasil” e teve como marco a
realização da I Conferência Nacional de Política para Mulheres, sob o slogan “Faz
diferença acabar com a indiferença”.
O objetivo de tal instituição fundamentou-se no escopo de “ Estimular a
reflexão permanente, para logo promover a adoção de novas atitudes, é uma das
grandes metas que vamos perseguir ao longo deste ano de 2004. Para tanto,
concebeu-se um conjunto orgânico de atividades especialmente articuladas, com a
firme intenção de alcançar todos os segmentos sociais. Assim, vamos tratar de
85
Nilcéa Freire é médica e professora universitária, tendo se graduado na Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro em 1978. Devido à sua militância no
movimento estudantil, foi obrigada a interromper seus estudos indo residir no México, entre 1975 e
1977.
Foi assessora da Sub-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da UERJ e ao final de 1999 foi eleita
Reitora da UERJ para o mandato de 2000 a 2003, sendo a primeira mulher a ocupar este cargo em
universidades públicas do estado do Rio de Janeiro.
Em 2002, presidiu o Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro e nos seus dois
últimos anos de mandato na UERJ viveu a experiência pioneira da implantação do sistema de cotas
para alunos das escolas públicas do Rio de Janeiro e para os afro-descendentes. Informações
disponíveis no site http://www.planalto.gov.br . Acesso em 12 de agosto de 2006.
86
Informações disponíveis no site www.planalto.gov.br acessado em 12 de agosto de 2006.
65
encaminhar as mudanças reclamadas por uma sociedade que tem o dever ético de
tornar-se contemporânea de si mesma”.
87
Coordenada pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), da
Presidência da República, envolvendo mais de 120 mil mulheres, reunidas em
plenárias municipais e regionais em 2.000 municípios e Conferências Estaduais nos
26 estados e Distrito Federal, a I Conferência traduziu-se como um marco de
incontestável importância, pois efetivou o diálogo e integração de vários atores
sociais, das esferas públicas e privadas, na conscientização acerca da necessidade
de políticas integradas que garantam a consolidação da igualdade e a ampliação
dos direitos femininos.
Com a Conferência foi elaborado o Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres (PNPM) realizado por um Grupo de Trabalho Interministerial composto por
7 ministérios e 2 secretarias especiais, além do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher. Contemplando as diversidades regionais, de raça, de etnia, de geração e de
orientação sexual, o Plano engloba 5 (cinco) eixos temáticos:
1. Enfrentamento da pobreza: geração de renda, trabalho, acesso ao crédito e
à terra:
2. superação da Violência contra a Mulher - prevenção, assistência e
enfrentamento;
3. promoção do bem-estar e qualidade de vida para as mulheres: uso e
ocupação do solo, saúde, moradia, infra-estrutura, equipamentos sociais, recursos
naturais, patrimônio histórico e cultural;
4. efetivação dos direitos humanos das mulheres: civis, políticos, direitos
sexuais e direitos reprodutivos; e
5. desenvolvimento de políticas de educação, cultura, comunicação e
produção de conhecimento para a igualdade.
88
87
Informações disponíveis no site www.senado.gov.br/anoda mulher acessado em 10 de agosto de
2006.
88
Em uma entrevista à assessoria de imprensa da Universidade Nacional de Brasília, a ministra
66
Desde então importantes programas têm sido subsidiados em diferentes
setores pelo SPM. Programas como o “Pró-equidade de Gênero”, em parcerias com
o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) e a
Organização Internacional do Trabalho (OIT), que visa à promoção do compromisso
das empresas com a equidade de gênero no mundo do trabalho.
Como considerações finais, enfatizamos que no presente capítulo buscou-se
apresentar de forma sucinta um breve retrospecto histórico da mulher, seus avanços
e , suas lutas durante vários séculos, concluindo, para tanto, que apesar de muitas
conquistas, em especial, da positivação de direitos nos inúmeros instrumentos
internacionais e nacionais, a realidade e o cotidiano, demonstram que tais
conquistas legais não foram e não são efetivamente cumpridas e dotadas de eficácia
social, o que será demonstrado no próximo capítulo com a apresentação de dados
estatísticos que retratam a assimetria existente entre o direito posto e a condição
social da mulher em nosso país.
Nilcéa Freire acerca da temática destacou: “A organização das mulheres em torno de agendas
específicas resultou na ocupação de espaços tradicionalmente reservados aos homens. As mulheres,
hoje, ocupam postos da magistratura, na alta corte do judiciário, e têm espaços conquistados no
Legislativo. A sociedade de 30 anos atrás poderia imaginar uma mulher no comando do Ministério
das Minas e Energia? E de termos uma secretaria com status de Ministério somente para a promoção
de igualdade de gênero? Isso é o resultado de todo um esforço que não foi em vão. Mas, ainda,
existem muitas brasileiras que sofrem com as mais diversas formas de violência, discriminação e
salários desiguais. A grande parte da população feminina ainda tem a cara da pobreza, da miséria e
da falta de acesso. Isso reflete uma relação de poder desigual entre homens e mulheres na
sociedade. Relação esta que deixa marcas duráveis, bastante difíceis de combater”. Informações
disponíveis no site http://www.unb.br Acesso em 10 de agosto de 2006.
67
2.OS DESAFIOS DE SER MULHER NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA: DADOS E NÚMEROS
Não existe uma definição completa da mulher.Uma
mulher é uma experiência e uma energia feminina que
tece, que é tecida, que é desfeita e que se movimenta.
Koltuv Black
2.1 Mulher e família: novos parâmetros, novos paradigmas
O presente capítulo visa analisar a situação da mulher nos tempos
contemporâneos contemplando os seus principais desafios e lutas. Começaremos
nossos estudos pela tríade mulher-família- tempos modernos. E assim,
indagaríamos qual seria o perfil atual da família moderna?
A indagação encontra resposta nos dados relatados no Censo Demográfico
do ano 2000 o qual apresenta alterações substanciais quanto à estrutura familiar em
relação ao Censo de 1991.
No Brasil, segundo dados dos IBGE/PNAD e Dieese
89
, no início dos anos
2000 é contínuo o decréscimo da taxa de fecundidade total, a qual passou de 2,6
filhos por mulher, em 1992, para 2,3 filhos, em 2001.
O tamanho médio das famílias, em 1980, era de 4,5 pessoas, enquanto em
1992 3,8 pessoas, e em 2001, foi reduzido para 3,3 membros. Ademais, cumpre
lembrar que em 1998, o número médio de filhos por família era de 2 no Norte, 1,9 no
Nordeste, 1,5 no Sudeste, 1,4 no Sul, 1,5 no Sudoeste e 1,6 em todo o Brasil.
89
Dados obtidos no site http:// www.ibge.gov.br. Acesso em 12 de agosto de 2006.
68
No mesmo sentido, a pesquisa demonstrou o aumento do número de famílias
de apenas uma pessoa (9%) ou daquelas chefiadas por mulheres. Em 1991, as
mulheres eram responsáveis por 20,5% das famílias e, em 2000, por 26,7%. A
maioria (86%) das mulheres responsáveis por domicílios não tinham marido ou
companheiro.
No peodo, o mero de uniões legais caiu de 57,8% para 50,1%, e a parcela
em união consensual cresceu de 18,3% para 28,3%. No mesmo período, o número
de divórcios aumentou de 10,9 para 13, para cada 100 habitantes e o número de
separações judiciais também se elevou de 10,3 para 11,6 para cada 100
casamentos.
Sublinhe-se que o Censo de 2000 evidenciou o incremento das separações,
novas uniões e de casamento não oficiais, com as uniões consensuais elevando-se
dos 18,3% registrados em 1991 para 28,3% do total de arranjos conjugais. Verificou-
se, ademais, que a família tradicional, qual seja, casal e filhos, apesar de ainda ser
dominante, aos poucos cede passo para as famílias unipessoais e monoparentais.
Esta realidade se confirma com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) de 2008 houve um decréscimo na taxa de fecundidade: Entre as mulheres de
15 a 49 anos, para o período de 1991 a 2007, observa-se uma queda da taxa de
fecundidade de 2,9 para 1,95, ou seja, abaixo da taxa de reposição da população,
que é de 2,1.
Entre 1998 e 2008, observa-se um crescimento de casal sem filhos de 13,3%
para 16,6%, enquanto que diminuiu de 55,8% para 48,2% o número de casal com
filhos. Houve também um crescimento de 16,7% para 17,2% do número de famílias
com mulheres sem cônjuges com filhos.
Contudo, mesmo diante dos fatos e números acima assinalados a família se
reforça como uma conjugação de valores, costumes e crenças foi e sempre sea
celula mater da sociedade.
90
Contudo, o conceito contemporâneo de família passa a
90
BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Salário-Família no Direito
Previdenciário Brasileiro. São Paulo: LTr, 2006, p. 8.
69
contemplar novas formas e também dimensões, entre eles, são vocábulos vigentes :
família monoparental, família socioafetiva, entidade familiar.
Neste cenário de mudanças podemos dizer que a mulher é a principal
protagonista da questão, pois deixou seu papel tradicional de mera “cuidadora” do
lar e seus consectários, filhos e afazeres domésticos, para ingressar, de forma
expressiva, no mercado de trabalho. Cada vez mais atuante no mercado de trabalho,
a mulher prioriza a carreira, em detrimento da maternidade, relegando para idades
mais avançadas a gravidez e optando por gerar menor número de filhos, questões
estão que serão visitadas no decorrer deste capítulo.
2.1.1 Um olhar crítico-reflexivo sobre o papel da mulher-mãe
Os tempos evoluíram. A maternidade enquanto atributo e dever natural da
mulher sofre novos delineamentos, desenhando-se de maneira absolutamente
diversa de tempos pretéritos.
O século XX notadamente é marcado pela ideologia da maternidade enquanto
opção, escolha de ordem feminina. A idéia de função inerente à mulher e/ou de
natureza vocacionada para tal mister vai sendo aos poucos substituídas. A mulher
não se completa apenas enquanto existência e essência na maternidade. Ela almeja
muito mais. Sua auto-estima e sua legitimação enquanto cida passa por outras
formas do exercício da vida social. Carreira, estudos, promoções, poder são
vocábulos atualmente que fazem parte do cotidiano feminino. A mulher rompe com
os paradigmas impostos culturalmente e vai construindo sua nova história,
alicerçada no poder e possibilidade de um mundo novo.
70
Judith Bardwick
91
argumenta ainda que, historicamente, a preferência
feminina por uma carreira e uma remuneração mensal foram elementos que
contribuíram para pouco a pouco para que as funções de esposa e mãe fossem
relegadas a segundo plano, passando o sucesso profissional a forma de se obter o
auto-respeito
Ainda, oportuno frisar que além do ingresso no mercado de trabalho como um
dos motivos fundadores para o não exercício da maternidade, o avanço da ciência e
da medicina no campo da contracepção, possibilitou à mulher a mencionada opção.
Assim, nas sociedades modernas o planejamento da concepção se traduziu como
independência feminina, bem como possibilitou a maternidade como escolha. Como
motivos para a escolha podem estar elencados fatores de ordem biológica, social e
subjetiva, entre eles, o desejo de reprodução, a continuidade da própria existência,
busca de um sentido para a vida, a respeitabilidade e o reconhecimento pelo próprio
grupo social
92
.
Para muitos o “ser mãeé um papel “glamuroso” codificado e traduzido de
maneira poética e muitas vezes até “romantizado” em demasia e aí está o dilema , a
opção de escolha diante desta construção histórico-cultural.
93
As feministas mais radicais, por meio de suas associações, contribuíram para
profetizar a conscientização das mulheres acerca da maternidade responsável e
91
Mulher, sociedade, transição: como o feminismo, a liberação sexual e a procura da
autorealização alteraram nossas vidas. São Paulo: DIFEL, 1981, p. 41.
92
SCAVONE, Lucila. Maternidade: transformações na família e nas relações de gênero, In
Revista Interface: Comunicação, Saúde e Educação, v.5, n.8, 2001, p. 47.
93
Citado por SILVA, Regina Tavares da. Maternidade : mitos e realidades , Comissão para a
igualdade e para os direitos da mulheres, Cadernos Condição Feminina, p. 17. “a mãe ditoso e
santíssimo nome este! deve ser educadora, instructora, tomando, como a ave no ninho, os filhos
implumes, no seu seio, acompanhando-os com o seu alento, até ensaiarem vôo, seguindo-os, de
longe ainda, com o seu olhar, por igual ansioso e amorável, para que não vão pousar nos
espinheiros qos ferem, mas nos ramos de arvoredo onde há sombras e tranqüilidade que refrigeram
e dulcificam as calmas e amargores da vida.De todos os seres da criação nenhum, como a mulher,
tem missão tão delicada, tão constante, o espinhosa; mas, por isso mesmo que essa tarefa é
crivada de trabalhos, bordada de responsabilidades, cheia de sacrifícios, turbada de receios,
mesclada de angústias, tantas vezes banhada de grimas, ansiada de soluços, escurecida por
desalentos e abismadas de precipícios – por isso mesmo, é sublime, gloriosa, divina e santa”.
71
entenderam, de certa forma, que a maternidade, como exercício único e exclusivo da
mulher, como responsável por delimitar a esfera de desigualdade entre homens e
mulheres ensejando a denominada “opressão feminina
Para o combate desta situação fática, as feministas mais radicais recusavam
conscientemente a maternidade recusando a natureza como forma para se alcançar
a plenitude e a liberdade. Na França, destaca-se Simone de Beauvoir
94
a mais
expressiva expoente intelectual desta corrente. A autora que foi companheira
durante anos do filósofo francês Jean Paul Sartre, em sua obra demonstrava que o
papel social da mulher era um estereótipo construído por homens e até mesmo por
mulheres que aceitavam a sua condição de “naturalmente ser mulher. Seres
submissos que nasciam e cresciam para cumprir papéis moldados historicamente
pelos soberanos, considerados o primeiro sexo, detentor absoluto do conhecimento,
da educação e “proprietário” das mulheres, fossem elas, esposas, filhas, irmãs.
Eram o segundo frágil, o segundo sexo.
Sobre Simone de Beauvoir enaltece Gabriel Chalita:
Simone de Beauvoir nos convida a refletir apaixonadamente sobre o
fato de que a mulher é inferiorizada pela sua própria situação: ela
não tem passado, não tem histórico, nem sequer religião própria,
uma vez que nunca mostrou sua voz na História. Subordinou-se
sempre à voz do homem: códigos, leis, linguagem, tendo como
algemas a sua alienação. A alienação, assim, passa a ser de ambos,
assim como as vítimas que se tornam de si e do outro. A solução que
Simone propõe é que mulher e homem se reconheçam como
semelhantes, atingindo juntos a liberdade
95
.
De fato, passou-se das posições que ressaltavam as implicações sociais
negativas da maternidade para as que valorizavam seus aspectos psicoafetivos; de
94
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difel. 1975, p. 9
95
Mulheres que mudaram o mundo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005, p. 290.
72
uma forte negação para uma vibrante afirmação, espelhando provavelmente as
ambigüidades concretas dessa experiência.
96
2.1.1.1 Filhos e carreira : conciliação e maternidade tardia
Muitos doutrinadores na atualidade discutem com acuidade uma questão
geradora de indagações e angústias constantes, qual seja, enquanto mulher, a
escolha de uma vida com ou sem filhos. E ainda, ao se escolher uma vida com filhos
em que momento concebê-los e conjugá-los com as demais atividades inerentes ao
cotidiano feminino.
Ressalta-se que, a maternidade enquanto atributo necessário à completude
da existência da mulher, nada mais é do que uma construção histórico-cultural
estereotipada. Ser mulher, não significa ser mãe. Sua concretização atualmente
permeia outras intenções de vida como o trabalho, a carreira, o relacionamento com
os outros ou consigo própria.
Obviamente que a referida escolha, vista por um ângulo ou outro, é
permeada por inúmeros conflitos e pela angústia ao se optar pelo exercício ou não
96
Segundo BRUSCHINI, Cristina. Maternidade e trabalho feminino: Sinalizando tendências. In Family
Health International. Reflexões sobre gênero e fecundidade no Brasil. Research Triangle Park:
FHI, out.1995 (Projeto de Estudos da Mulher:Brasil) “A manutenção de um modelo de família segundo
o qual cabem a elas as responsabilidades domésticas e socializadoras, bem como a persistência de
uma identidade construída em torno do mundo doméstico, condicionam a participação da mulher no
mercado de trabalho a outros fatores além daqueles que se referem à sua qualificação e à oferta de
emprego, como no caso dos homens. A constante necessidade de articular papéis familiares e
profissionais limita a disponibilidade das mulheres para o trabalho, que depende de uma complexa
combinação de características pessoais e familiares. O estado conjugal e a presença de filhos,
associados à idade e à escolaridade da trabalhadora, as características do grupo familiar, como o
ciclo de vida e a estrutura familiar, são fatores que estão sempre presentes na decisão das mulheres
de ingressar ou permanecer no mercado de trabalho, embora a necessidade econômica e a
existência de emprego tenham papel fundamental. A atividade econômica exercida pelas mulheres
não depende, portanto, apenas da demanda do mercado e das suas necessidades e qualificações
para atendê-la, mas decorre também de uma articulação complexa, e em permanente transformação,
dos fatores acima mencionados”.
73
da maternidade. Ao optarem pela realização profissional poderão também encontrar
alguns estereótipos. Podendo citar:
Tudo se passa de fato como se as mulheres entrassem em
organizações estruturadas, em princípio, em um modo de idealização
masculinizado, isto é, segundo os costumes afetivos de um
grupamento de homens [...] os heróis culturais da empresa, que,
propondo modelos identificatórios, constituem entidades-chaves
entre a identidade coletiva e identidade individual, permanecem
majoritariamente construídos a partir de um genérico sexual
masculino
97
.
E assim, como a escolha é eivada de angústia, nada mais natural do que
adiá-la, concretizando-a após a consolidação da carreira e formação profissional.
Obviamente, este prazo se bastante delongando e muitas vezes não será
incomum se pensar na maternidade depois dos 35 (trinta e cinco) anos. Com a idade
mais avançada diminuem as tendências de engravidar naturalmente e, sendo tardia,
o processo gestacional fica cada dia mais dependente de intervenções médicas e
cirúrgicas para que tenha sucesso. A resultante desse conjunto de circunstâncias é a
baixa natalidade e a redução do número de componentes familiares.
Inclusive, quando da não possibilidade de gestação natural é fato comum as
mulheres recorrerem às intervenções artificiais como a inseminação artificial e a
reprodução assistida, trazendo inúmeras conseqüências às mulheres do ponto de
vista biológico
98
, social
99
e econômico.
97
BELLE, Françoise. Executivas: quais as diferenças na diferença? In: CHANLAT, Jean François.
(Coord). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1993. v. 2, p 195-
229.
.
98
Neste sentido ver a obra de SCALQUETTE, Ana Claudia Silva. Estatuto da Reprodução
Assistida. São Paulo: Saraiva, 2010.
99
Acerca das implicações da maternidade por métodos artificiais e suas conseqüências que não se
fizeram acompanhar pelo Sistema de Seguridade Social brasileiro, em especial, a Previdência Social
ver ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan & DAMIÃO, Regina Toledo. Maternidade e
previdência social: um processo de longa gestação In BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins &
ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci (org.). Mulher, Sociedade e Direitos
Humanos: Homenagem à Profa. Dra. Esther de Figueiredo Ferraz. São Paulo: Rideel, 2010, p.
485-409.
74
Para coroar nossas afirmações cumpre assinalar que:
Ao escolher se afastar do trabalho para cuidar dos filhos, certamente,
em seu retorno ao mercado, a mulher se deparará com um espaço
vazio em seu currículo e provavelmente terá que se atualizar.
Então, sentirá o impacto de possuir um projeto de vida associado ao
desejo de trabalhar e de ter o trabalho como perspectiva pessoal de
realização.
A vida de uma mulher pode ter dimensões ampliadas no mundo
contemporâneo, fora dos limites da função materna, até
recentemente a única aceita.
Assim, ser mãe não é mais condição necessária, nem suficiente para
a maturidade e satisfação. É um potencial biológico e uma vocação
psicológica que uma minoria significativa de mulheres, depois da
reflexão, reconhece não serem adequados a elas.
100
2.1.2 Mulheres e os modernos arranjos familiares
Como dito no início deste capítulo a emancipação feminina
101
aliada a
outros fatores fez surgiu novos arranjos familiares, podendo citar, entre eles, famílias
menores, famílias monoparentais e, muitas vezes, chefiadas por mulheres, fazendo
com que haja cotidianamente a necessidade de compartilhamento das tarefas
profissionais e familiares.
A emancipação feminina provoca o enfraquecimento dos laços familiares e
matrimoniais, e por via de conseqüência o mais recorrentes as dissoluções
conjugais, entre elas, separações e divórcios. Na mesma trajetória aumenta-se
significativamente o número de famílias monoparentais, quais sejam, as relações
familiares formadas por um dos cônjuges e os filhos advindos da união.
100
OLIVEIRA, Aracéles Frasson de. & PELLOSO,Sandra Marisa. Paradoxo e conflitos frente ao
direito de ser mulher. Acta Scientiarum. Health Sciences , v. 26, n. 2, p. 279-286, Maringá, 2004.
101
GOMES, Orlando. O novo Direito de Família. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1984, p. 5 destaca
que O terreno das relações de família es profundamente resolvido por fato novo, cujas
conseqüências ainda não foram devida e precisamente medidas e apreciadas, mas que repercutem
de modo decisivo na organização social e jurídica do grupo familiar. Esse fato novo é a emancipação
da mulher”.
75
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, § 4º, reconhece como
entidade familiar, a família monoparental
102
como a “entidade familiar, a comunidade
formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
Esse reconhecimento de outras formas de família feito pela Lei Fundamental
representou a repersonalização da família e a consagração do pluralismo dos
modelos familiares.E é esse pluralismo que marca a concepção contemporânea de
família, de cunho existencialista e que se baseia na realização afetiva de seus
integrantes.
Essa família plural foi reconhecida constitucionalmente, no art. 226, como
instituição social imprescindível, de tal sorte que o pprio Estado tornou-se obrigado
a conferir- lhe proteção especial.No Brasil, como não existe legislação
infraconstitucional que tenha por objeto o tratamento da família monoparental, não
delimitação acerca da configuração da monoparentalidade em relação a
determinada idade do filho ou do fato da comunidade formada por pai ou mãe e seus
descendentes viverem isolada e independentemente ou com outros parentes.Neste
sentido:
Entretanto, apesar de saber que alguns homens tendem a buscar efetivar sua
função paterna, ainda predomina, na sociedade, a idéia de que a criança ou o
adolescente permanece melhor com a mãe, o que significa dizer que a maioria das
famílias monoparentais consecutivas ao divórcio ou separação judicial são formadas
por “mulheres chefes de família”
103
que se destacar também as possibilidades de constituição de entidade
familiar fruto dos métodos artificiais de reprodução, uma vez que mulheres podem
102
Segundo LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: aspectos médicos,
religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p.327 a 380.
“A terminologia “família monoparental” só surge na França, em um estudo desenvolvido em 1981 pelo
Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos (INSEE), que utilizou o termo a fim de
distinguir a comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos das uniões constituídas por um
casal, tendo sido tal termo consagrado e mantido por toda Europa e outros países ocidentais”.
103
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais: a situação jurídica dos pais e mães
solteiras, de pais e mães separados e dos filhos na ruptura da vida conjugal. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1997, p. 58.
76
ser mães desde que haja material genético doado. Tais doações são feitas em sigilo,
o que torna essas mulheres mães independentes e únicas responsáveis pelos filhos.
Necessário se faz, pois, além da constância no texto constitucional desta
família como espécie de entidade familiar, a intervenção e proteção estatal a esta
espécie familiar afastando seus membros da marginalidade e da miséria
104
.
Conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2008 entre
1998 e 2008 aumentou de 25,9% para 34,9% a porcentagem de famílias chefiadas
por mulheres. As estruturas unipessoais passaram de 4,4% para 5,9%.
Na maioria das unidades da federação, predominam entre as chefes de
família as mulheres pretas e pardas e, invariavelmente, o rendimento mensal dos
domicílios chefiados por mulheres é inferior àquele dos domicílios cujos chefes são
do sexo masculino.
Os arranjos familiares das chefes femininas sem cônjuge, considerando os
momentos do ciclo vital familiar, concentram- se nas etapas mais avançadas deste.
Cerca de 40% das chefes femininas têm 50 anos ou mais. Nesta etapa a reprodução
biológica está completada e parte dessas mulheres dirige-se para a inatividade ou
aposentadoria.
105
A investida profissional da mulher a condição de chefe de família contou com
algumas motivações como: a necessidade de sustentação econômica da família,
logo após a perda por morte do seu companheiro, as situações de divórcio e
separações, cujas pensões foram negadas ou insuficientes ao sustento, a ppria
opção de conceber e educar filhos sozinha ou mesmo pela própria disposição
pessoal de buscar e viver só, novos desafios e espaços na sociedade.
104
LEITE, Eduardo de Oliveira. Famílias monoparentais In OLIVEIRA, José Sebastião. Fundamentos
constitucionais do Direito de Família. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002. p. 218-219 “(...) `as
famílias monoparentais não é mais possível negar ou esconder geram problemas de natureza
jurídica (pensão alimentícia, direito de guarda ou de visita, convenção do divórcio, ausência de
legislação no caso de separação de um concubinato) e, tamm, de natureza econômica (mães
desqualificadas para o trabalho, mães sem trabalho, pais sem recursos, ausência de habitação, de
seguro, de proteção social, de inserção profissional”.
105
Disponível no site http://www.ibge.gov.br. Acesso em 22 de agosto de 2006.
77
De certa forma, a condição da mulher como chefe de família, por um lado
denuncia problemas em instituições tradicionais como casamento e família, por outro
lado é uma conquista das mulheres, pois tem autonomia e pode decidir os rumos de
sua vida
106
.
Conquista que também tem a influente pressão dos movimentos sociais de
mulheres e feministas que denunciavam ações discriminatórias e reivindicavam
práticas e decisões mais justas no âmbito dos canais institucionais como organismos
políticos, sindicais, confederações e associações comunitárias.
107
A movimentação das mulheres nestes espaços ajudou a demarcar as linhas
básicas das mudanças estruturais nas sociedades contemporâneas no sentido de
provocar transformação na mentalidade e nos mecanismos legais das instâncias de
poder, com a devida inclusão de programas assistencialistas voltados à mulher
enquanto provedora familiar.
106
Quais são as implicações da mulher como chefe de família para o próprio conceito de
família?Respondendo a essa pergunta a psicanalista Nelci Andregheto do Centro de Atenção
Psicossocial da Infância e da Adolescência (CAPSi) de Carapicuíba-SP destaca que : “O conceito de
família na visão psicanalítica está ligado a processo identificatório. Há necessidade que a criança seja
reconhecida e se reconheça dentro de uma determinada herança familiar. O fato de uma mulher ser
chefe de família não tem uma relação de causa e efeito para causar qualquer dano na formação de
um indivíduo. É importante pensar que o fundamental é o reconhecimento e a transparência nas
relações sendo um forte favorecedor da saúde da família. O que quero dizer é que se um membro
cuidador (seja pai ou mãe) se sinta conflitante nas suas ações, isso sim é algo que interfere nas
relações.Há a possibilidade de uma mãe fazer as duas funções, que ela pode ter um pai
internalizado? Isso por si pode instrumentalizá-la para tal. Tudo isso não quer dizer que o pai real
não seja importante. Muito pelo contrário. O ideal é que uma família se constitua com pessoas
atuantes e fazendo suas funções de forma harmônica, inclusive às vezes transitando pelas duas
funções. Veja, as pessoas necessitam de pessoas reais e ninguém nasce de uma pessoas só. Agora,
vi casos onde homens exercem a maternagem suprindo deficiências de maternagem da figura
feminina presente na família e filhos sem grandes problemas por isso.” Disponível no site
http://www.centrodametropole.com.br. Acesso em 20 de agosto de 2006.
107
MONTALI, Lilia. Provedoras e co-provedoras: mulheres-cônjuge e mulheres-chefe de família
sob a precarização do trabalho e o desemprego. Revista Brasileira de Estudos da População,
vol.23, no.2, São Paulo July/Dec. 2006.
78
2.2 Mulher e mercado de trabalho
Muitos são os fatores que podem ser elencados como influenciadores do
incremento da mão-de-obra feminina nos tempos atuais. O controle da natalidade, a
busca de uma nova identidade feminina com o trabalho, a compreensão e a luta
feminina pela igualdade com os homens, e a necessidade da própria subsistência.
A educação, tópico que será analisado mais detalhadamente ao final desta
tese, representou um grande avanço para o ingresso da mulher no trabalho. A
mulher tornou-se consciente de sua situação no sentido de concretizar-se em
essência e existência na função profissional.
A maternidade modifica seu status para não mais se configurar como a única
forma de completude da mulher,e sim como opção, pois não é mais vista para
procriar. Vislumbram-se neste diapasão conseqüências na ordem social, com a
queda da fecundidade, da prole reduzida, e do aumento das pequenas famílias.
Além do mais, a necessidade de contribuir para o sustento de si própria como
de sua família foram fatores de importância ímpar para o cenário atual, basta se
verificar o número de famílias chefiadas por mulheres. Desta forma, o trabalho não é
visto apenas como uma atitude de poder da mulher moderna, mas sim, caso de
extrema necessidade, alterando a constituição da identidade feminina, cada vez
mais voltada para o trabalho produtivo.
Neste sentido, pelo enaltecimento da igualdade e da não discriminação
documentos não faltam. Legislação. Constituição. Tratados Internacionais.
Recomendações. Entretanto, a questão da disparidade de gênero nas relações de
trabalho ainda parece existir em uma constante. Apesar do avanço da mão-de-obra
feminina, bem como o fenômeno recente da feminização do trabalho”, temos ainda
muito sacramentado entre nós, a desigualdade nas relações de trabalho. Os
menores salários, a não promoção na carreira, o assédio moral e sexual, bem como
as exaustivas triplas jornadas de trabalho (carreira- casa- filhos) são uma realidade
factível na vida das mulheres brasileiras.
79
Atualmente no Brasil as mulheres representam 51,3% da população
brasileira, sendo 46% pretas e pardas.
No Brasil em 2001 as mulheres que estavam no mercado de trabalho como
ocupadas ou desempregadas, equivaliam a 41,9% da População Economicamente
Ativa (PEA), segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
(PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em
1995, o percentual era menor - correspondia a 40,1% da PEA.
Conforme dados da PNAD realizada pelo IBGE em 2008 dos 97 milhões de
pessoas acima de 16 anos presentes no mercado de trabalho, as mulheres
correspondiam a cerca de 42,5 milhões, ou seja, 43,7% do total.
Houve um declínio do desemprego de 10,8% em 2007 para 9,6% em 2008.
Houve uma elevação do emprego com carteira de trabalho assinada de 32,36% em
2007 para 33,58% em 2008, trazendo por via de conseqüência o crescimento da
participação feminina nas contribuições da Previdência Social
Nesta pesquisa comprovou-se um declínio do desemprego, contudo os
maiores níveis de desemprego estão entre as mulheres e os negros, sendo as
mulheres negras aquelas em pior situação, apresentando uma taxa de desemprego
de 10,8% comparada a 8,3% para as mulheres brancas.
.
80
2.2.1 Trabalhos domésticos, informais e “femininos”
Existem espaços pré-determinados na sociedade para a ocupação de
homens e mulheres, formando-se “guetos femininos”, idéia defendida pela
socióloga francesa Daniéle Kergoat,
108
No que tange aos trabalhos domésticos 96% da mão-de-obra são de
mulheres, no universo feminino o trabalho doméstico representa 15,8%, e se
compararmos o grau de formalização do contrato de trabalho, os homens que se
encontram-se neste tipo de trabalho são formalmente contratados na base de 41,4%
e as mulheres em apenas 25,8%. Conclui-se, portanto, que as mulheres se
constituem como a maioria nos trabalhos domésticos exercidos informalmente, ou
seja, sem a proteção e os benefícios legais advindos da contratação formal
Um contingente expressivo das mulheres (34%) ocupam funções mais
vulneráveis no mercado quando comparado aos homens (9%), na condição de
trabalhadoras informais, em atividades domésticas ou até mesmo em atividades
consideradas como “femininas”.
109
Algumas características da ocupação feminina nesses nichos mais
desfavorecidos ilustram a fragilidade dessa parcela da mão-de-obra, fenômeno
denominado de “precarização do trabalho feminino”.
Oportuno esclarecer que o menor poder combativo e de reivindicação se
justifica como argumento para relegar à mulher uma posição menos favorável no
mercado de trabalho.
Interessante também são as conclusões da socióloga Liliana Segnini que
estudou os trabalhadores nos bancos, demonstrando a ocorrência de uma
“feminização” desta atividade a partir da cada de 60 e, segundo os dados
coletados pela autora as mulheres representam de 50% a 70%, ao só no Brasil, mas
108
Divisão Sexual do trabalho e relações sociais de nero. In Trabalho e cidadania ativa para as
mulheres. Caderno da Coordenação Especial da Mulher: São Paulo, 2003.
109
Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php. Acesso em
17 d junho de 2010.
81
também, em outros países que forma estudados tais como Canadá, Estados Unidos,
Argentina, Chile, Espanha, França, Índia e Alemanha.
110
Convém ressaltar que os “guetos femininos” ocorrem em um primeiro na
educação, com a escolha dos cursos pelas mulheres, os quais continuam a ser
tradicionalmente aqueles ligados aos Magistério, Enfermagem, Serviço Social e
Artes. Contudo, este cenário vem sendo alterado a partir da década de 90, momento
no qual as mulheres começam a avançar nos chamados “cursos masculinos”, entre
eles a ciências sociais, negócios e direito com um aumento de 50,6% para 54,6% ou
engenharia, produção e construção,em que aumentou de 20,8% para 30,8%, no
período de 1990 2002.
É importante notar que até mesmo na filosofia e na ciência (apesar de
grandes feitos)
111
as mulheres foram discriminadas
112
em espaços, notadamente
110
Mulheres no Trabalho bancário: difusão, tecnologia, qualificação e relação de gênero. São
Paulo: EDUSP/FAPESP, 1998, 216 pp.
111
Na ciência uma das histórias que merece ser conhecida é da cientista polonesa, Marie Curie
Sklodowska (1867-1934) responsável por descobrir a substância química denominada rádio e as
questões relativas a radiotividade. Neste sentido ver a obra CHALITA, Gabriel. Mulheres que
mudaram o mundo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.
112
No texto de TIBURI, Márcia. As mulheres e a filosofia como ciência do esquecimento.
Disponível em http://www.comciência.br/reportagens/mulheres/15.shtml . Acesso em 10 de maio de
2007 declara que : A ausência histórica das mulheres da filosofia pode ser explicada de muitos
modos. O primeiro motivo a ser levantado é, portanto, o silêncio feminino facilmente observável na
um tanto escassa produção de livros e textos. As mulheres filósofas são poucas e de produção quase
rara relativamente aos homens. É claro que falo aqui em termos quantitativos. Não é possível dizer
que as mulheres escreveram muito para acobertar uma acusação de inferioridade intelectual -
argumento que, mesmo comum, não encontraria sustentação -, nem é possível dizer, entretanto, que
não escrevessem ou participassem da fundação da tradição da filosofia. É preciso enfrentar a
questão do silenciamento. Apenas a desmontagem desse processo histórico, por meio de uma
genealogia que procura verificar seus elementos originários sempre presentes e renascentes na
atualidade, permitirá compreender, pela via negativa, a verdade oculta na produção do sincio
imposto. As mulheres, é certo, participaram da filosofia, mas pela porta dos fundos, assim como de
todos os setores da vida produtiva e ativa das sociedades. A improdutividade das mulheres - que não
se esqueça - não pode ser avaliada sem a procura por aspectos que tocam na fundamentação dos
movimentos da história. A alegação de que as mulheres tenham sido, ao longo do tempo, seres do
silêncio por sua própria natureza ou que, na divisão do trabalho, tenham ficado com as tarefas do
corpo, da procriação, da casa, da agricultura, da domesticação dos animais, por questões sempre
naturais, perde sua validade. A produção do ideal da "natureza feminina", assim como de uma
"natureza do homem" ou mesmo uma "natureza humana" serve à delimitação do humano segundo a
utilidade necessária à constituição e ao interesse do poder e seus guardiões. Os filósofos sempre
tocaram com essa questão na produção do humano por meio de sua definição. As mulheres sempre
representaram mais do que a cultura excluída da cultura, ou da cena dos meios de produção e do
conhecimento: as mulheres representam a humanidade excluída da humanidade.”.
82
reservados aos homens.
113
Nas carreiras jurídicas
114
percebemos um movimento crescente no sentido de
fortalecimento das mulheres, passando o sexo feminino a representar, em 2002,
mais de um terço das categorias profissionais jurídicas.
Na Magistratura brasileira, emblemática é a atuação das juízas, que
ocupavam 19% dos postos em 1990 e chegam a mais de 30% em 2002, coroadas
pelos exemplos das Ministras do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie Northfleet
115
e Carmem Lúcia Antunes da Rocha
116
.
113
Até mesmo na Ciência e Tecnologia as mulheres são discriminadas, bastando verificar o número
de mulheres pesquisadoras em comparação aos homens, neste sentido ver o texto de ESTÉBANEZ,
Maria Elina. As mulheres na ciência regional: diagnóstico e estratégias para a igualdade.(Trad.
Sabine Righett) disponível em. Acesso em 10 de maio de 2007.
114
Sobre o tema interessante é a lição da Ministra do Superior Tribunal de Justiça(STJ), Eliana
Calmon Alves em seu texto, A Ética e as mulheres de Carreira Jurídica na Sociedade
Contemporânea, Disponível em http://www.bdjur.stj.gov.br. Acesso em 15 de agosto de 2007.
115
Conforme dados constantes e disponíveis no site http://www.stf.gov.br acessado em 4 de abril de
2007, resumidamente podemos dizer que a Ministra formou-se em Direito na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. Em 1973 foi aprovada em concurso público para o cargo Procurador da
República.Em 22 de março de 1989, foi nomeada para compor o Tribunal Regional Federal da 4a
Região, pelo quinto constitucional.Em maio de 1997, foi eleita para exercer o cargo de Presidente do
Tribunal Regional Federal da 4a/Região, no biênio 1997-1999.
Por decreto de 23 de novembro de 2000, foi nomeada, pelo Presidente da República,Fernando
Henrique Cardoso, para exercer o cargo de Ministra do Supremo Tribunal Federal, em razão da
aposentadoria do Ministro Luiz Octavio Pires e Albuquerque Gallotti. Tomou posse em 14 de
dezembro de 2000, tornando-se a primeira mulher a integrar a Suprema Corte do Brasil desde a sua
criação. Eleita por seus pares, empossou-se no cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal
Federal, em 3 de junho de 2004; e também eleita por seus pares, em sessãoplenária de 25.03.2006,
empossou-se no cargo de Presidente do Supremo Tribunal Federal,em 27 de abril de 2006,para o
biênio 2006-2008.
116
Graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em 1977. Exerceu a
advocacia e trabalhou como Procuradora do Estado de Minas Gerais. Professora Titular de Direito
Constitucional da PUC/MG e Membro da Comissão de Estudos de Direito Constitucional da Ordem
dos Advogados do Brasil. Foi nomeada para exercer o cargo de Ministra do Supremo Tribunal
Federal pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva no ano de 2006. Autora de diversas obras e artigos
científicas tem especial destaque para estudos relativos às ações afirmativas e a princípio da
igualdade no ordenamento jurídico. Informações disponíveis no site http://www.stf.gov.br acessado
em 4 de abril de 2008.
83
Entre os guetos masculinos, as engenharias liderariam o quadro no país , na
década de 1990, a parcela feminina entre os empregos formais para engenheiros
não passou de 13% - 17 mil postos - enquanto na medicina, por exemplo, elas
respondiam por um terço dos empregos formais em 1990, e alcançaram os 40% em
2000, conforme conclusões expostas na tese de doutorado da socióloga Maria
Rosa Lombardi, considera que “é possível ver a presença mais forte das mulheres
em algumas especialidades. (...) a maior presença feminina em algumas
especialidades, e não em outras, começa desde os bancos escolares e se reproduz
no mercado de trabalho, reforçando o diferencial de gênero". Segundo a pesquisa,
no ano 2000, entre os empregos formais para engenheiro químico, de organização e
métodos a parcela feminina foi mais significativa - um em cada quatro cargos era
ocupado por mulheres -, sendo bem mais rara entre os engenheiros mecânicos e
metalúrgicos.
117
Além de serem em menor número, as mulheres na engenharia ainda ocupam
cargos inferiores, não ultrapassando os níveis intermediários de chefia , supervisão e
diretoria, fenômeno conhecido como 'teto de vidro' para as carreiras das mulheres.
Considera a autora que a conquista feminina por espaço no mercado de trabalho
considerado tipicamente masculino dependerá da conjugação de várias ações entre
elas as políticas educativas e as transformações internas dentro das próprias
profissões.
118
Finalmente, para coroamento do presente tópico precisa é a lição de Belle
119
ao identificar que as escolhas profissionais da mulher configuram-se como
resultados de inúmeras negociações, entre trabalho e vida privada, podendo ser,
implícitas ou conscientes, serenas ou tensas, influenciadas também pelos grupos de
referência, njuge, família com seu meio profissional, influenciando, sobremaneira,
a escolha de sua carreira e seu destino profissional.
117
Dados disponíveis na reportagem Pesquisas revelam a generalização da informalidade entre as
mulheres ocupadas site http://www.comciencia.br/reportagens/mulheres/05.shtml. Acesso em 20 de
agosto de 2007.
118
Idem, ibidem.
119
BELLE, Françoise, Executivas: quais as diferenças na diferença? In CHANLAT, Jean François.
(Coord). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo: Atlas, 1993. v. 2, p 195 –
229.
84
2.2.2 Discrepância salarial em razão do gênero
As desigualdades de gênero e raça são eixos estruturantes da matriz da
desigualdade afirmou Laís Abramo na condição de diretora do escritório da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil.
120
As diferenças salariais entre homens e mulheres é um fenômeno de ordem
mundial, não cingido apenas aos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento,
como no caso do Brasil.
Em pesquisas publicadas pela OIT em 1999 indicam a Dinamarca (11,9%) e a
Suécia (13%), entre os países com pequena diferença salarial, a Espanha (26%),
Reino Unido (26,3%), Portugal (28,3%), Países Baixos (29,4%) e Grécia (32%)
encontram-se entre aqueles com níveis de diferenciação bem mais acentuados.
121
Pode parecer curioso, pois a Europa caminha para um progresso em termos
legislativos e também de cuidados com seus cidadãos, porém existe a desigualdade
salarial entre os gêneros em toda a Europa, significativamente menores para as
mulheres.
Além disso, acredita-se ainda de maneira equivocada que o trabalho e o
salário feminino são apenas complementares na família, o que se rebate pelos
dados do PNAD 2008 que comprovam o aumento da participação da mulher na
renda familiar que passou de 30,1% em 1992 para 40,6% em 2008, bem como a
proporção de mulheres que contribuem para a subsistência familiar, antes em 1992
39,1%, atualmente, 64,3%, num crescimento grandioso em 16 anos.
Verifica-se assim a imprescindibilidade do salário feminino para o equilíbrio
familiar. Entretanto, apesar do enorme avanço da presença feminina no mundo do
120 Desigualdades de gênero e raça no mercado de trabalho brasileiro, disponível no site
http://www.oit.org.br. Acesso em 17 de outubro de 2006.
121
Informações disponíveis no site http://www.oitbrasil.org.br . Acesso em 10 de maio de 2007.
85
trabalho, esse avanço foi marcado claramente por uma enorme “precarização”
122
,
pois não se verificou a necessária compatibilização entre o mundo laboral
profissional e a esfera doméstica, assunto este que será tratado com maior detença
no decorrer do nosso trabalho, pois se faz absolutamente necessária para a
compreensão de nossa tese.
Afirma-se, em muitos círculos, que os menores salários das mulheres em
comparação com os dos homens não se deveriam à existência de qualquer tipo de
discriminação,mas sim estariam relacionados à necessidade que as empresas
teriam de compensar esse suposto maior custo de contratação, decorrente das
normas especiais que protegem o seu trabalho (especialmente a maternidade) e dos
“problemas” causados pelas responsabilidades familiares. Esse argumento tem sido
justificativa para limitar as oportunidades de emprego para as mulheres e manter
níveis de desigualdade salarial em relação aos homens.
123
Para comprovar a veracidade de tais proposições a OIT realizou uma
pesquisa sobre o tema denominada "Questionando um mito: custos do trabalho de
homens e mulheres" lançado recentemente tomando por base 5 países (Argentina,
Brasil, Chile, México e Uruguai). Foram analisados os custos de contratação dos
assalariados de ambos sexos, excluindo o serviço doméstico.
Os resultados da pesquisa indicam que os custos monetários para o
empregador relacionados à contratação das mulheres são muito reduzidos. Eles
representam menos de 2% da remuneração bruta mensal das mulheres.
A pesquisa revela, em primeiro lugar, uma baixa incidência anual de
gestações, e, por tanto, de licenças maternidade e outras prestações a ela
associadas entre as trabalhadoras assalariadas. Essa incidência vai de um mínimo
de 2,8% na Argentina a um máximo de 7,5% no México. No Brasil, o número total de
licenças maternidade concedidas em 1999 corresponde a apenas 3,0% do total das
122
NOGUEIRA, Cláudia Mazzei. A feminização no mundo do trabalho: entre a emancipação e a
precarização. Campinas: Autores Associados, 2004, p.31..
123
Sobre a temática verificar ABRAMO, Laís Abramo, Questionando um mito: custos do trabalho
de homens e mulheres na América Latina. OITBrasil: 2005.
86
trabalhadoras assalariadas no setor privado (excluindo o serviço domestico). Esse
dado é importante, porque, muitas vezes, quando se fala nos “custos” das mulheres
associados à maternidade, a impressão que fica é que as mulheres trabalhadoras
teriam um número de filhos muito maior do que o que aparece nos dados acima
citados, ou que o “risco” da maternidade seria algo quase permanente.
Segundo a pesquisa, as contribuições das empresas para os sistemas de
seguridade social relativas à maternidade não estão relacionadas ao mero nem à
idade de mulheres empregadas. Esse tipo de financiamento busca garantir um valor
fundamental: a proteção das mulheres com relação a uma possível discriminação
associada à maternidade, consagrada tanto nas legislações nacionais dos cinco
países analisados, como em Convenções da OIT de proteção à maternidade. Além
disso, a pesquisa revela uma incidência anual relativamente baixa de gestações
entre trabalhadoras assalariadas e, portanto, de licenças-maternidade e outras
prestações a ela associadas.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –PNAD 2008
Estudo Especial sobre a mulher o rendimento médio habitual das mulheres em
janeiro de 2008 foi de R$ 956,80 enquanto que o dos homens foi de R$ 1.342,70,
deduzindo-se pela pesquisa que as mulheres recebem, em média, 71,3% do
rendimento dos homens.
124
Ainda, comparando trabalhadores com nível superior, o rendimento da mulher
é na faixa de 60% do rendimento masculino, ou seja, o aumento da escolaridade
não faz diminuir a diferença salarial entre os sexos.
Os níveis de educação têm sido um outro argumento constante para justificar
os menores salários para mulheres e negros, mas o estudo mostra que escolaridade
média das mulheres na grande maioria dos países da América Latina é superior à
dos homens no mercado de trabalho. Contudo, a realidade é que, mesmo quando
mulheres e negros possuem a mesma escolaridade que homens e não negros, o
124
Disponível em http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias. Acesso em 17 d junho de 2010.
87
salário não é igual no mercado de trabalho.
125
de ser ressaltado que o Brasil ratificou a Convenção n. 100 da OIT que
preceitua o princípio da igualdade de remuneração entre a mão-de-obra masculina e
feminina, por um trabalho de igual valor.
Ainda, nos termos da CF/88 art. 7º, inciso XXX “proibição de diferença de
salário, de exercício de funções e de critério do admissão por motivo de sexo, idade,
cor ou estado civil, bem como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em seu
art.61 também institui que sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor
prestado ao mesmo empregado, na mesma localidade, corresponderá igual salário,
sem distinção de sexo, nacionalidade ou cor”.
Denota-se, assim, como mencionado uma assimetria entre o texto positivo
e a realidade feminina, ora apresentada.
2.2.3 A sobrecarga laboral e compartilhamento na educação dos filhos
A inserção da mulher no mercado de trabalho de forma constante e contínua
trouxe inúmeras conseqüências ao atual cenário social.
Ratificando informações trazidas, a sociedade está vivenciando inúmeras
alterações no conceito nuclear das famílias, na chefia dos lares, na criação dos filhos
e na própria existência e essência da mulher.
Entretanto, sobreleva ressaltar que o espaço público está sendo conquistado
pelas mulheres, agregando-se, assim, mais um campo para os desenvolvimento de
suas atividades. Todavia, o mesmo avanço não se vislumbrou na divisão das
múltiplas tarefas domésticas existentes no mundo privado.
125
Conforme pesquisa de ABRAMO, Laís. ABRAMO, Laís Abramo, Questionando um mito: custos
do trabalho de homens e mulheres na América Latina. OIT/Brasil: 2005, p.32.
88
Desta forma, queremos dizer que a mulher ao se inserir no mercado de
trabalhou, conjugou e aliou mais esta tarefa ao seu cotidiano diário, sem dividir com
seus maridos e companheiros o espaço da vida privada e as inúmeras tarefas
domésticas.
É fenômeno notório e corriqueiro entender como “natural” a existência da
tripla jornada para a mulher, responsável por reger de maneira impecável a carreira,
os filhos e a sua casa. Percebemos que tais transformações têm afetado
sobremaneira a saúde física e psíquica das mulheres, e vêm sendo levantadas
como questão de ordem para as feministas do mundo todo, sociedade civil em geral,
bem como os atores governamentais.
O aumento de mulheres vitimadas pelo stress, o transtorno obsessivo
compulsivo pela luta contra o relógio, e principalmente, a eterna cobrança no
desenvolvimento de todas as atividades que lhe são impostas com excelência e
qualidade, ocasionaram à mulher o aumento e desenvolvimento de inúmeras
doenças de ordem psicossomática, câncer de mama e útero, cardiopatias e
obesidade.
Sendo assim, a divisão sexual do trabalho na esfera pública e privada deverá
ser repensada como questão imperativa e de ordem pública, no intuito de garantir à
mulher a real possibilidade de desenvolvimento de suas atividades profissionais,
bem como a necessidade de consolidação de um homem mais presente e preparado
para os novos tempos.
Neste sentido convém trazer à colação os ensinamentos de Rosiska Darcy de
Oliveira:
A equação da igualdade se complexifica. Não basta eliminar os
vestígios de discriminação ainda existentes no espaço público. É na
revalorização de vida privada para ambos os sexos que se anuncia
uma nova definição da igualdade.
A articulação de questões envolvendo o mundo público e a vida
privada é complexa, o que não quer dizer que seja de
equacionamento impossível ou que devam ser ignorados os
problemas que levanta, Tanto mais difíceis quanto imbricados
estiveram, sempre, mundo público e vida privada, dependendo um
89
do outro para se sustentarem. Esse equilíbrio rompeu-se. 0 mundo
público foi invadido pelas mulheres, mas vida privada continuou
estruturada em termos de emprego de tempo e de assunção de
responsabilidades como se nada tivesse acontecido, como se as
mulheres ainda vivessem como suas avós.
Como a história não anda para trás, não força humana, disso,
felizmente, podemos estar certos, capaz de levar as mulheres de
volta às "prendas do lar". Assim também, num mundo em que tudo
muda, o dia continua a ter 24 horas. 0 dom da ubiqüidade elas não
têm. Portanto, estamos todos diante de um problema da sociedade
que ela não foi capaz de resolver, e não, como muito pensam, de um
problema das mulheres que se resoIve à custa da elasticidade de
seus esforços e energias. 0 uso do tempo de homens e mulheres
tem que ser revisto em função dos novos espaços que as mulheres
estão ocupando, e isso constitui um desafio ao imaginário social.
126
Assim sendo, imperiosas devem ser as políticas públicas promotoras da
salvaguarda dos direitos femininos no tocante ao trabalho, bem como na proteção e
desenvolvimento familiar.
A redução da jornada de trabalho, a oferta de creches e outros serviços para
cuidar dos membros dependentes da família como medidas para auxiliar na coesão
social são aspectos que têm que estar inseridos dentro da formulação de políticas
que visem compatibilizar o trabalho com o desenvolvimento da família.
Os homens, mulheres, governos, empresas e toda a sociedade têm de
compreender a importância da presença dos homens no campo da reprodução, até
mesmo, para liberarem as mulheres dessa responsabilidade solitária para que elas
também possam desenvolver suas carreiras, escolarização e outras potencialidades.
O compartilhamento nas funções domésticas, na educação dos filhos de
ser socializado entre homens e mulheres, verdadeiro instrumental para o progresso
feminino e a inclusão do universo masculino na vida privada. O Estado deverá
126
Onde foi que eu errei? Seminário sobre as novas faces do feminismo e os desafios para o século
XXI: Comitê Nacional Preparatório à Sessão Especial sobre Pequim + 5. Disponível em http://
www.planalto.gov.br. Acesso em 10 de maio de 2007.
90
compreender o seu papel na produção de poticas públicas tendo a família como
ambiência privilegiada, e não mais, homens ou mulheres, considerados
singularmente. As práticas tradicionais e assimétricas nos papéis protagonizados por
homens e mulheres são as responsáveis pelo descompasso na vida laboral e na
vida privada, gerando desigualdades de renda, acúmulo de funções laborais,
desgaste físico, emocional, entre outros problemas.
Diante dessa constatação podemos afirmar que o ordenamento jurídico
trabalhista também reflete essa desigualdade. Maria Betânia Ávila sobre a
desvalorização do trabalho doméstico informa que:
(...) o tempo despendido pelas mulheres com a reprodução da vida,
com o cuidado de pessoas que não podem se auto-cuidar (idosos,
crianças, doentes, portadores de necessidades especiais), com
ações essenciais para a própria manutenção das atividades
produtivas como educação, vestimenta, alimentação, saúde e abrigo
não é contabilizado como lido para a organização social do
trabalho, tempo este fruto da expropriação do trabalho das
mulheres!
127
Exemplificando concretamente essa sobrecarga, confronte-se a grande
diferença existente entre a dedicação masculina e a feminina aos afazeres
domésticos: os homens gastam nessas atividades, em média, 9,2 horas por semana
e as mulheres, 20,9 horas, conforme dados do PNAD de 2008.
128
Estando ou não no mercado, todas as mulheres são donas-de-casa e
realizam tarefas que, mesmo sendo indispensáveis para a sobrevivência e o bem-
estar de todos os indivíduos, são desvalorizadas e desconsideradas nas estatísticas,
que as classifica como "inativas, cuidam de afazeres domésticos". Numa perspectiva
conservadora, passando a considerar na taxa de atividade feminina o percentual das
mulheres que, em 2002, se dedicavam exclusivamente aos afazeres domésticos (ou
127
O Tempo e o Trabalho das Mulheres In Um Debate Crítico a partir do Feminismo
reestruturação produtiva, reprodução e gênero. São Paulo: CUT, 2002, p. 37-38.
128
Informações disponíveis no site http://observatoriodegenero.gov.br/destaquespnad2008. Acessado
em 20 de janeiro de 2010.
91
as donas-de-casa em "peodo integral") , a taxa de atividade global das mulheres
seria muito superior,_ 72,3%, praticamente empatando com a dos homens.
As atividades remuneradas não a desvinculam de suas tarefas domésticas,
do cuidado com os seus. A preocupação com os filhos é uma constante em seu
cotidiano, seja pela falta de acompanhamento mais amiúde de sua rotina, ou pela
cobrança que esses fazem de sua ausência em casa. Assim, embora valorize o
trabalho remunerado, como forma de manter sua independência, ainda permanece
arraigado, como parte de suas funções, acompanhar o desenvolvimento de sua
prole, sendo responsável por essa assistência mesmo que à distância.
É errôneo acreditar que o vínculo afetivo é diferente entre mãe e filho, ou pai
e filho, o que importa não é a condição natural de cada um, mas a existência da
vontade e da motivação para o exercício da criação dos filhos, fato este que não
escapa ao universo masculino. Nesta seara de raciocínio, a criação dos filhos não
esta adstrita apenas à mulher, mas sim à afetividade de quem se incumbir nesta
tarefa, com plenitude e amor, podendo ser desenvolvida por homem ou pela mulher,
ou ainda pelo pai ou pela mãe.
Interessante sinalizar que os dados da PNAD/IBGE de 2008 demonstram que
a ausência de políticas públicas para o equilíbrio e o compartilhamento entre
trabalho e família trazem impactos à reprodução, sendo observado que entre
mulheres de 15 a 49 anos, para o período de 1991 a 2007, observa-se uma queda
de fecundidade de 2,9 para 1,95, filho por mulher, estando este nível abaixo da taxa
de reposição da população, fixada em 2,1.
129
Nesse sentido, engajar homens na construção de uma sociedade justa do
ponto de vista das relações de gênero significa, dentre outras questões, reconhecer
a importância da presença paterna no desenvolvimento afetivo da criança e do pai;
129
Informações constantes no documento Programa Interagencial da promoção da igualdade de
Gênero, Raça e Etnia da Organização Internacional do Trabalho (Brasil) e do Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas (UNIFEM). Disponível no site
www.oitbrasil.org.br/documentos_programa. Acesso em 21 de julho de 2010.
92
e, dessa forma, compreender o mundo afetivo, doméstico e da reprodução como
algo a ser compartilhado e dividido igualmente.
130
2.3 A mulher campesina
Oportuno esclarecer que as primeiras organizações relativas às mulheres
rurais teve início nos anos 80, com fortes atuações na Região Sul e Nordeste do
país, culminando com a fundação do “Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais
do Rio Grande do Sul MMTR-RS” em 1989 e do “Movimento da Mulher
Trabalhadora Rural do Nordeste – MMTRNE” em 1986.
No núcleo das reivindicações das mulheres campesinas está a sua inserção
como trabalhadora rural, decorrendo daí os direitos civis, trabalhistas e
previdenciários correlatos.
Ademais, outra questão freqüente na pauta das reivindicações e a condição
de proprietária rural e o acesso à programas de crédito financeiro, como mola
propulsora para o desenvolvimento das atividades comerciais destas mulheres.
Finalmente, convém trazer à colação dois outros grandes movimentos de luta
das mulheres rurícolas.
O primeiro deles “A Marcha das Margaridas”
131
realizada em sua 1ª edição no
ano 2000, representou a possibilidade de negociação direta entre o governo federal
e as mulheres do campo no que tange às suas necessidades.
130
SANTOS, Cláudia Amaral dos.Maternidades, paternidades e infâncias na mídia impressa
contemporânea. Disponível em http://www.fazendogenero7.ufsc.br. Acesso em 25 de maio de 2007
destaca que : “(...) Além das motherns, outro novo conceito é o de fatherns pais modernos. Para
estes a nova concepção de paternidade implica sobretudo participar da educação dos filhos, embora
a mãe seja citada como o elemento fundamental na vida da criança. Dessa forma, embora as
motherns venham questionando algumas atribuições culturalmente impostas a elas no cuidado
infantil, os pais seguem “participando” mais em termos de concessão, “modernidade” e moda”.
131
Tal denominação é uma homenagem a Margarida Maria Alves, líder sindical e ativista na questões
pertinentes à mulher do campo, assassinada em 1983, em Alagoa Grande, Pernambuco.
93
A partir do ano de 2000 e até os dias atuais o movimento tem reunido mais de
100 mil mulheres participantes em suas marchas.
Da igual modo, importante citar o Movimento Sem Terra (MST), que desde
sua origem tem se voltado à questão de gênero. O Movimento estimula a presença
do público feminino nos acampamentos e ocupações, bem como, favorece à mulher
campesina a efetiva participação nas discussões dos temas do movimento.
Ademais, vale frisar que o MST possui um setor de gênero voltado à a luta pela
igualdade, e entre outras atividades, possuem a denominada ciranda infantil”, uma
espécie de creche para os filhos das integrantes do MST para que possam se
engajar nas pautas de discussões e reivindicações.
2.4 “Feminização” da velhice: uma realidade mundial
É fato notório que o número de pessoas idosas vem crescendo sobremaneira
nos últimos anos. Pesquisas demonstram que com os avanços da medicina a taxa
média de expectativa de vida tem aumentado em países desenvolvidos e
subdesenvolvidos.
Atualmente 13,5 milhões são pessoas com mais de 60 anos e no cenário
mundial e até o ano de 2025 deverão ser cerca de 32 milhões.
O Brasil que é considerado um país jovem nos últimos anos tem
demonstrado um crescimento na população de pessoas de idade avançada.
Segundo o IBGE (2002), o crescimento da população de idosos, em números
absolutos e relativos, é um fenômeno mundial e está ocorrendo em um nível sem
precedentes. Em 1950, eram cerca de 204 milhões de idosos no mundo. em
1998, quase cinco décadas depois, esse contingente alcançava 579 milhões de
pessoas; um crescimento de quase 8 milhões de pessoas idosas por ano. As
94
projeções indicam que, em 2050, a população idosa será de 1.900 milhões de
pessoas, montante equivalente à população infantil de 0 a 14 anos de idade.
Atualmente uma em cada dez pessoas tem 60 anos e em 2050 estima-se que
será uma para cada grupo de cinco pessoas, e nos países desenvolvidos de uma
para cada três pessoas. No que tange aos cidadãos centenários, profetiza-se que o
aumento será de 15 vezes até o ano de 2050.
O IBGE segundo dados constantes a o ano de 2002 considerou que a
proporção de crianças para idosos diminuiu consideravelmente. Em 1980 existiam
cerca de 16 idosos para cada 100 crianças, no início dos anos 2000, passou-se
para uma proporção de 30 idosos para cada 100 crianças.
Neste contexto, a maioria dos idosos brasileiros é do gênero feminino. Em
1991 de 5,7 milhões em 1991, passando para 8 milhões em 2000, estimando-se um
total de 8,5 milhões em 2002, contra um total de 4,9 milhões em 1991, 6,5 milhões
em 2000 e 6,9 milhões em 2002 para o gênero masculino.
Em nível mundial até o ano de 2050 a população idosa alcançaria 38,3
milhões de pessoas, dos quais 58,4% (22,4 milhões pessoas) seriam mulheres,
determinando uma razão de sexos de 0,71 e existiria 14 mulheres para cada 10
homens idosos. O aumento no segmento feminino dar-se-ia a uma taxa média mais
elevada (em torno de 3% ao ano) do que a do segmento masculino (2,8% ao ano).
Como resultado haveria um aumento na participação das mulheres idosas no total
da população feminina (20,8%) contra os 15,8% esperado para os homens.
Atualmente, os estudos especializados demonstram que esta não é mais
uma tese defensável e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) no Relatório
de Estatística Sanitária Mundial de 2007 comprovou a longevidade das mulheres no
mundo. Na média mundial a expectativa de vida feminina é de 68 anos de idade e
dos homens, 64 anos.
O Japão é o país com maior expectativa com 86 anos para as mulheres,
figurando em 2º lugar o Principado de Mônaco com expectativa de 85 anos. As
mulheres da Espanha ocupam, junto às de Andorra, Austrália, França, Itália, San
95
Marino e Suíça, o terceiro posto na lista, com 84 anos, depois de ganhar um ano em
relação às estatísticas publicadas em 2006.
As mulheres de Canadá, Islândia, Suécia vivem em média 83 anos. As de
Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Finlândia, Grécia, Israel, Luxemburgo, Nova
Zelândia, Noruega, Coréia do Sul e Cingapura têm expectativa de 82 anos. As
chilenas são as mulheres da América Latina com maior expectativa de vida (81
anos), seguidas de Costa Rica (80); Uruguai (79); Argentina, Panamá e Venezuela
(78); México (77); Paraguai (76); Brasil e Equador (75); El Salvador e Peru (74);
República Dominicana (72); Guatemala (71); Honduras (70); Bolívia (67) e Haiti (56).
No final da lista, estão as mulheres da Suazilândia (37 anos), depois as de
Zâmbia e Serra Leoa (40).
Quanto aos homens, os que têm possibilidades de viver mais são os de San
Marino, com uma média de 80 anos, um a mais que nas estatísticas de 2006.
Esse avanço lhes permitiu superar os japoneses, tradicionais líderes desse
tipo de ranking. No entanto, incluindo as mulheres, a sociedade japonesa continua
sendo a que vive mais.
Após San Marino, lideram a lista Japão, Austrália, Islândia, Suécia e Suíça,
todos eles com uma média de 79 anos. Em seguida, estão Canadá, Israel, Itália,
Mônaco e Cingapura (78); Andorra, Áustria, Chipre, Espanha, França, Reino Unido,
Grécia, Irlanda, Kuwait, Malta, Noruega, Nova Zelândia, Holanda, Catar e Trinidad e
Tobago (77).
Na América Latina, os que têm perspectivas de ter uma vida mais longa são
os cubanos e os costarriquenhos, com 75 anos.
Eles são seguidos por Chile e Panamá (74); Argentina, México e Venezuela
(72); Colômbia e Uruguai (71); Equador, Paraguai e Peru (70); El Salvador (69);
Brasil e Nicarágua (68); República Dominicana, Guatemala e Honduras (65); Bolívia
(63) e Haiti (53).
96
Entre os homens, os que estatisticamente têm menor expectativa de vida são
os nascidos em Serra Leoa (37 anos), Suazilândia (38), Angola (39) e Zâmbia (40).
No nosso caso, as mulheres brasileiras têm expectativa de vida de 75 anos e
os homens de 68 anos, em média. Com referida pesquisa se concretiza a idéia da
maior longevidade feminina em relação à masculina no território brasileiro.
132
Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2008 realizada
pelo IBGE constatou-se uma maior representação de mulheres na população de
pessoas com mais de 60 anos, na base de 56,2%. Também na Pesquisa da Tábua
da Vida de 2008, O IBGE confirma que nos anos de 1980 os homens viviam 6,1
anos menos que as mulheres, sendo que essa diferença subiu para 7 anos, 7 dias e
seis meses em 2004, mantendo-se em 2008. reforçando a tese da “feminização da
velhice”.
133
Além da maior intensidade do envelhecimento nacional, a “feminização” do
processo de ampliação da população idosa requereria especial consideração para
com a situação social das mulheres idosas do Brasil por meio de políticas públicas
com o objetivo precípuo de assegurar os direitos sociais ao idoso e sua participação
efetiva na sociedade, garantindo-lhes mecanismos econômicos, educacionais e
instrumentais, a fim de integrá-los ao contexto social, conferindo especial atenção
àqueles que apresentam certas vulnerabilidades físicas.
A legislação vem avançando na busca da proteção social do idoso, tendo por
primados a preocupação com sua dignidade e bem-estar social. O princípio da
dignidade humana inserto na Carta Constitucional de 1988 constitui-se como diretriz
para o legislador infraconstitucional, bem como objetivo almejado pela República
Federativa do Brasil, estando o homem em qualquer idade em que se encontre, mas
132
Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) apresentado na 6 Assembléia Anual da
Saúde realizada em Genebra no site http://www.oms.org.br. Acesso em 20 de julho de 2010.
133
Informações disponíveis no site http://www.ibge.gov.br/noticias_presidencia. Acesso em 21 de
julho de 2010.
97
em especial na velhice, assegurado com o mínimo de bens materiais necessários
para seu desenvolvimento.
Por todo o exposto, objetivamos no presente capítulo apresentar dados e
estatísticas advindas de órgãos especializados para concluirmos que percebe-se
claramente uma modificação na vida de homens e mulheres nos tempos
contemporâneos, entretanto, as informações trazidas refletem a práxis cotidiana
corroborando que apesar de toda a evolução social e jurídica há uma enorme
distância entre os direitos positivados e a realidade feminina.
No próximo capítulo faremos uma incursão sobre os princípios constitucionais
da igualdade e da dignidade da pessoa humana, corolários do Estado Democrático
de Direito. Propugnamos pela compreensão de tais prinpios, bem como da adoção
de ações afirmativas para a implementação da igualdade, em nosso caso, da
igualdade entre homens e mulheres. O espírito crítico estará presente como forma
de demonstrar que ações afirmativas em prol das mulheres devem ser
constantemente pensadas e repensadas, e em determinados casos revistas e
substituídas por outras.
98
3.MULHER: CONDIÇÃO JURÍDICA E AÇÕES AFIRMATIVAS À LUZ
DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA IGUALDADE E DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Falar da igualdade de gênero é romper com um universo
restrito do não reconhecimento da alteridade, do outro,
da diferença, para caminhar em direção ao espaço de
eqüidade, da emancipação e do pertencimento. As
mulheres emergem como alteridade feminina,
sociocultural e política, passam a estar presente,
reconhecidamente, nas arenas da vida cotidiana, onde
se re-definem com base na cultura, na história, nas
relações de trabalho e nas formas de inserção no mundo
político, portanto, em um novo campo de possibilidades
para estabelecer convenções capazes de vencer sua
condição de desigualdade.
A Transversalidade da Perspectiva de
Gênero nas Políticas Públicas
134
O presente capítulo tem por objetivo colaborar como alicerce para a tese que
será desenvolvida. Nosso trabalho acadêmico visa analisar a situação da mulher nos
dias contemporâneos, em especial, no que tange à diferença de idade e tempo de
contribuição na aposentadoria no regime geral de previdência social. Em função das
regras diferenciadas entre os gêneros entendemos cabível uma análise acerca do
princípio da igualdade em sede constitucional, bem como do princípio da dignidade
da pessoa humana, ambos correlacionados e analisados no âmbito do
estabelecimento da diferença entre os sexos nas aposentadorias, entendida como
uma ação afirmativa voltada à compensação da mulher em razão do seu desgaste
oriundo dos afazeres do trabalho profissional (esfera pública) e familiar (esfera
privada).
Nossa trajetória seno presente capítulo a leitura do princípio constitucional
da igualdade à luz das ações afirmativas infirmadas na questão de gênero.
134
Brasília: CEPAL/SPM, 2005, p.6.
99
3.1 Princípio jurídico: uma definição necessária
O princípio é um vocábulo dotado de inúmeras significações, mas entre elas
está presente a idéia de origem, começo, base ou fundamento. O vocábulo
derivado do latim principium tem sua conotação ligada à terminologia própria da
ciência geométrica, designando as verdades primeiras.
135
Celso Antônio Bandeira de Mello considera princípio como um mandamento
nuclear do sistema com vistas a alicerçá-lo, bem como são responsáveis por dar
definição à lógica e à racionalidade do texto normativo, garantindo-se, assim o seu
desenvolvimento harmônico.
136
Trata-se de um enunciado lógico, podendo ser
implícito ou explícito, e tem por finalidade maior vincular o entendimento e aplicação
das normas jurídicas que com estes princípios se conectam.
137
Para Miguel Reale,
138
os princípios são considerados como verdades ou
juízos fundamentais que objetivam alicerçar e garantir um sistema de conceitos
aplicáveis a uma dada porção da realidade. Ademais, cumpre ressaltar a foa
interpretativa dos princípios que agasalham valores dotados de significação e
relevância jurídica.
139
Paulo Bonavides considera os princípios na atualidade - como o “oxigênio
das Constituições, pois graças a eles é possível serem alcançadas a unidade
constitucional e sua valoração normativa. Seu caráter contemporâneo estabelecido
em sede constitucional é responsável por encabeçar o sistema e orientar as demais
135
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p.
228.
136
Curso de direito administrativo. 5.ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1994. p. 450-451
137
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. o Paulo: Malheiros,
2002., p. 25-26.
138
Filosofia do Direito. 18ª ed.São Paulo: Saraiva, 1998, p. 60.
139
BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional, São Paulo:Celso Bastos
Editor, 1997, p. 134.
100
normas previstas no ordenamento jurídico.
140
Da idéia de princípio correlacionamos partimos para a noção de sistema.
Derivado do grego systema, o vocábulo em estudo compreende a noção de reunião,
método, relações entre si, voltadas a uma unidade com vistas à realização de um
fim
141
e deve ser compreendido como um conjunto de objetos e seus atributos,
denominada como repertório do sistema e, também as relações entre eles, conforme
certas regras, consideradas a estrutura do sistema. Os objetos são os componentes
do sistema, especificados pelos seus atributos, e as relações dão sentido de coesão
ao sistema. Ademais, os sistemas normativos o sistemas globais e coesos,
resultando que na variação de uma parte o todo estará afetado e vice-versa.
142
Para Maria Helena Diniz a compreensão do conceito de sistema é
indispensável para o hermeneuta :
Relacionando-a com outras normas concernentes ao mesmo objeto.
O sistema jurídico não se compõe de um único sistema normativo,
mas de vários que constituem um conjunto harmônico e
interdependente, embora cada qual esteja fixado em lugar próprio,
Pode-se-á dizer que se trata de uma técnica de apresentação de
atos normativos, em que o hermeneuta relaciona uma das normas a
outras até vislumbrar-lhes o sentido e o alcance. É preciso lembrar
que uma das principais tarefas da ciência consiste exatamente em
estabelecer as conexões sistemáticas existentes entre as normas.
143
É possível afirmar, com os conceitos até agora apresentados, que os
princípios jurídicos, hodiernamente, ocupam destacada posição na medida em que
vinculam enunciados lógicos, genéricos e dotados de fundamentalidade,
constituindo-se como vetores hermenêuticos para o intérprete Sua função
140
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 229.
141
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. p. 242.
142
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Teoria da Norma Jurídica. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, p.
140.
143
Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito. 12ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, p. 415.
101
transformadora e construtiva contribuem para a evolução, unidade e coesão do
sistema jurídico.
144
Consoante ensinamentos de José Renato Nalini os princípios:
(...) não constituem abstrações desprovidas de concreção. Exercem
uma função ordenadora, apta a indicar rumo nos momentos de
instabilidade. Mostram-se intocáveis quando da exegese de textos
básicos, nos períodos de normalidade constitucional. São sempre
atuais, mas também direcionados ao povo.
145
Contudo, indispensável relatar que os princípios quando analisados em uma
trajetória histórica ocuparam status diversos e que merecem ser informados.
Segundo Paulo Bonavides o status conferido aos princípios desenvolveu-se na
história em três fases: a jusnaturalista, a juspositivista e a fase pós-positivista. Na
fase jusnaturalista os princípios eram concebidos como ideais inspiradores e normas
universais, advindos da lei divina e natural, considerados também como a expressão
dos ideais e de justiça. Na fase juspositivista passam os princípios a integrar os
textos normativos e os códigos visando preencher as lacunas das leis. Ressalta-se
não serem dotados de superioridade em relação às leis, mas sim delas o
derivados, cumprindo o seu papel de modo subsidiário, ou seja, entram em ação
no caso de lacunas legais. E, finalmente, como visão mais contemporâneaa fase
denominada de s-positivista garantindo aos princípios o status de vértice do
ordenamento jurídico, vinculando e integração todo o sistema.
146
Por uma visão mais contemporânea do status galgado pelos princípios,
entendemos não ser possível considerar o sistema jurídico como tão somente as
normas elaboradas pelo legislador, mas também formado pela integração de regras
144
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional: Constituição e inconstitucionalidade. 3.
ed. Coimbra: Coimbra, 1996. t.2, p. 226-227.
145
Constituição e Estado Democrático. São Paulo: FTD, 1997, p. 41.
146
Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 232-235.
102
e princípios, superando-se a visão da escola positivista que conduz ao entendimento
da subsidiariedade no uso dos princípios apenas no sentido de preenchimento de
lacunas.
Considerados os grandes expoentes da jus-positivismo temos os autores
Ronald Dworkin, americano e o alemão Robert Alexy. Ambos, Dworkin e Alexy o
responsáveis por inaugurar uma nova escola batizada de “pós-positivismo”
concedendo aos princípios valor normativo e status diferenciado em contraponto a
até então vigente tese da subsidiariedade principiológica em relação às normas.
Nesta nova corrente, o gênero norma pressupõe duas espécies, as regras e os
princípios.
Ronald Dworkin, em sua teoria dos princípios, ao contrariar a escola
positivista, abordou a questão asseverando a existência de uma estrutura lógica,
pautada em critérios de classificação, a diferenciar os princípios das regras.
Preenchida a hipótese de incidências destas, são as mesmas aplicadas sob a
modalidade do tudo ou nada (all-or-nothing): são válidas e aplicáveis para o caso
concreto, ou não, sendo certo que, ao entrarem em atrito, feito um juízo de validade,
uma será excluída do sistema por invalidade, mantendo-se a outra. Diversamente,
os princípios não se submetem ao jogo do tudo ou nada, mas sim a um sistema de
peso ou importância (dimension of weight), elementos estes que não são passíveis
de uma aritmética exata, mas que devem ser verificados face ao caso concreto.
Assim é que, ao colidirem, não se excluem, sendo que um deles, aquele com peso
relativo maior, se sobrepõem ao outro por ser mais adequado à questão a ser
solucionada,sem que este perca sua validade no sistema.
147
O propósito de sua obra é construir uma teoria que busque justificar o
exercício do poder coercitivo do Estado, assentado em uma perspectiva de
legitimidade que refuja à concepções convencionalistas e pragmatistas do direito,
construídas a partir da tradição jurídico-americana. O autor embasa sua teoria
147
ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de
proporcionalidade. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, CAJ Centro de Atualização Jurídica, v. I, .
n. 4, julho, 2001, p. 8. Disponível em http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 7 de agosto de
2010.
103
tomando por base a atividade dos juízes na prática da decisão judicial, fundando a
sua crítica no convencionalismo que descreve o direito como convenções a serem
aplicadas e forjadas por instituições pretéritas. A prática jurídica estaria adstrita ao
cumprimento irrestrito de tais convenções gerando decisões de tudo ou nada, ou
seja, ou a convenção se aplica ao caso concreto que se encaixa perfeitamente na
hipótese prevista convencionalmente ou não se aplica. Ao se conjugar estas idéias
surge a necessidade moderna de se repassar a aplicabilidade de tais mandamentos
nos chamados casos difíceis (hard case) quando não há uma convenção a ser
aplicada ou até convenções divergentes, gerando assim, uma abertura discricionária
muito temerária na atuação dos magistrados libertos de quaisquer exigências ou
padrões racionais motivados para se decidir.
148
No mesmo sentido são os ensinamentos de Robert Alexy na denominada
Teoria dos Direitos Fundamentais, publicada em 1985, sendo sua importância
incomensurável para a Ciência do Direito, na medida em que também oferta bases
racionais e motivadas para a decisão dos magistrados nos casos difíceis,
amparando-os e de certa forma limitando-os com vistas a serem evitadas
arbitrariedades. Ao estarem amparados pelos princípios jurídicos - concebidos por
esta teoria como normas - os magistrados cumpririam o seu papel oferecendo
respostas racionalmente fundamentadas.
149
Para entendermos melhor enfatiza Willis Santiago Guerra Filho que as regras
possuem uma estrutura lógica dotada de tipificação com a descrição de um fato,
correlacionado a uma prescrição e uma sanção. Por seu turno, os princípios são da
mesma forma dotados de validade positiva presentes na Constituição, mas não
traduzem um fato específico o qual possa ser precisado com facilidade atribuindo-se
a conseqüência jurídica que dali decorre. Compreendem-se como indicadores
demonstrando a opção, a escolha e o valor escolhidos diante de várias opções
diante do caso concreto.
150
148
PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica Filosófica e Constitucional.Belo Horizonte: Del Rey,
2001, p. 135-136.
149
CARACIOLA, Andrea Boari. O princípio da congruência no processo civil. São Paulo:LTr, 2010.
150
Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000, p. 17.
104
Para Alexy a principal distinção entre regras e princípios reside no fato de que
estes últimos são mandatos de otimização, ao passo que as regras são normas que
somente podem ser cumpridas ou não. Princípios são normas que ordenam que algo
seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais
existentes. Por isso, como mandados de otimização podem ser cumpridos em
diferentes graus e que a medida devida de seu cumprimento não depende das
possibilidades reais como também jurídicas relacionadas com os princípios mesmos
que se encontram em colisão e necessitam ser ponderados.
151
Buscando fornecer subsídios para diferenciar princípios e regras Alexy
debruçou-se na análise da resolução dos conflitos e as formas de solução quando
envolvidos princípios e regras. Considerou, assim, como uma das bases de sua
teoria o estudo dos conflitos apresentando como conclusão que o embate entre
regras pode ser solucionado partindo de duas possíveis formas de resolução, ou por
meio da instituição de uma cláusula de exceção ou pela via da invalidação de uma
das normas .
152
Em se tratando de princípios, os conflitos não se resolveriam como base no
binômio tudo ou nada acima relatado como atributo próprio das regras jurídicas,
mas de modo diverso exigiria do intérprete uma valoração, sopesando e
ponderando os princípios colidentes a partir dos valores e do peso manifestado no
caso em concreto. Assim, diante do caso concreto e seu desenho específico os
princípios se apresentariam em diferentes graus de concretização, interligados e
interdependentes dos delineamentos próprios da situação apresentada,
consideradas as possibilidades fáticas e jurídicas in casu. Levantadas todas as
possibilidades, enfeixam-se de maneira a fornecer ao intérprete a melhor forma de
resolver. Os princípios são normas que impõem a realização de algo da melhor
maneira possível combinando-se, assim, as possibilidades fáticas e jurídicas no caso
concreto. A partir de critérios de ordem qualitativa os princípios seriam mandados de
151
Alexy, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
Constitucionales, 2002, p.82-87.
152
Idem, p.87-89.
105
otimização. Não haveria hierarquização de princípios mas sopesamento diante da
melhor forma para solucionar aquele caso concreto. Havendo colidência de dois
princípios o de maior peso no caso concreto será aplicado sem que seja invalidado o
princípio de menor peso.
Verifica-se a partir deste momento a abertura para uma atividade
racionalmente executada e fundamentada pelo intérprete por meio do processo de
ponderação.
153
Inaugura-se assim uma nova fase para a resolução dos conflitos
entre princípios partindo da ponderação, por meio do estabelecimento de um
princípio indispensável e norteador qual seja, o prinpio da proporcionalidade. .
Considerados espécie de normas ao lado das regras, apresentam-se no
ordenamento constitucional sob o mesmo peso hierárquico, sendo que a sua colisão
somente ocorre nos casos concretos, quando um princípio limita a irradiação de
efeitos do outro, momento em que o intérprete deveria aplicar a ponderação em
busca da otimização, entra em cena, neste momento a necessidade de se balizar a
ponderação por meio de um princípio indispensável para a teoria em comento, qual
seja, o princípio da proporcionalidade. Indispensável declarar que diferentemente
das regras, em havendo colidência de princípios o acatamento de um não implica
desrespeito ao outro, mas sim no caso concreto há uma dimensão de peso.
Acerca do princípio da proporcionalidade cabe trazer à colação os
ensinamentos de Willis Santiago Guerra Filho:
A exata compreensão do significado do princípio da
proporcionalidade requer uma transformação do próprio modo de
conceber a tarefa da ciência jurídica, como diversa da mera
interpretação e aplicação de normas com a estrutura de regras. As
regras trazem a descrição de dada situação formada por um fato ou
uma espécie deles, enquanto nos princípios há uma referência direta
a valores. Daí se dizer que as regras se fundamentam nos princípios.
Princípios têm um grau incomensuravelmente mais alto de
generalidade ( referente à classe de indivíduos à que a norma se
aplica) e abstração ( referente à espécie de fato a que a norma se
aplica) do que a mais geral e abstrata das regras. os princípios
trazem a noção de “determinações de otimização” isto é, um
153
Idem, p. 111-115.
106
mandamento que sejam cumpridos na medida de possibilidades,
fáticas e jurídicas, que se oferecem concretamente.
154
Na mesma sequência de idéias considera o autor que os princípios são
normas com um alto grau de generalidade em comparação às regras dotadas de
grau de relatividade baixo. Não princípio que venha a ser empregado de forma
soberana e absoluta em toda e qualquer hipótese, o que feriria a “pauta valorativa” e
cita como exemplo a pauta individual afrontando, por exemplo, a coletiva. Por meio
de um princípio de relatividade, no caso o princípio da proporcionalidade, seria
possível equacionar e balizar as incidências concretas operadas no Direito. O
princípio da proporcionalidade seria o responsável por fornecer a idéia de gradação
diante da colidência de princípios.
155
Para resumir a teoria poderíamos dizer de uma maneira simples que validade
está para as regras assim como dimensão de peso está para os princípios, que
não existem relações absolutas de preferência ou precedências no caso dos
princípios. Podemos dizer também que Alexy continua a teoria de Dworkin
reforçando a juridicidade dos princípios compreendidos como normas aos lado das
regras, e ainda, à teoria original do mestre americano Dworkin, institui o fenômeno
jurídico batizado de “mandado de otimização”.
Seguindo os ensinamentos das escolas americana e alemã temos a
contribuição do mestre português Joaquim Gomes Canotilho ao ofertar as principais
características diferenciadoras de princípios e regras, ambos catalogados na
categoria de normas.
Segundo Canotilho os princípios são normas com um grau elevado de
abstração, enquanto as regras possuem uma abstração reduzida. No que tange ao
grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto, os princípios por serem
vagos e indeterminados carecem de mediações concretizadoras, enquanto as regras
154
Proposta de Teoria Fundamental da Constituição (com uma inflexão processual) In ALMEIDA
FILHO, Agassiz & MELGARÉ, Plínio. Dignidade da pessoa humana: fundamentos e critérios
interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 321.
155
Idem, p. 322.
107
são suscetíveis de aplicação direta. No aspecto do grau de fundamentabilidade em
razão do papel que desempenha no ordenamento jurídico, estrurando-o.os
princípios possuem caráter axiológico pois derivam das idéias de justiça e de direito,
bem como possuem natureza normogenética fundamentando a edição de normas
jurídicas.
Ademais, enfatiza o mestre português as diferenças qualitativas que invocam
os princípios como normas jurídicas impositivas de uma otimização enquanto as
regras são normas que prescrevem imperativamente uma exigência podendo ser
cumprida ou o, a convivência dos princípios é conflitual e a das regras se em
razão da antinomia. Os princípios coexistem e as regras em antinomia se
excluem.Os princípios permitem o balanceamento de valores e interesse e as regras
submetem-se à gica do “tudo ou nada” em caso de conflito entre princípios estes
deverão ser harmonizados e as regras por ensejarem fixações definitivas
pressupõem a impossibilidade de manutenção de regras contraditórias no sistema.
156
Conclui-se, portanto, para dizer que os princípios hodiernamente possuem
status diferenciado e galgam a categoria de normas indispensáveis para a
arquitetura do sistema jurídico, balizando-o e calibrando-o, - para usarmos aqui uma
expressão da lavra de Tércio Sampaio Ferraz Júnior bem como garantindo ao
intérprete uma abertura e ao mesmo tempo uma limitação com vistas a ofertar
respostas otimizadas, fundamentadas e racionalmente definidas nos casos
concretos.
3.2 O princípio da igualdade: notas propedêuticas
A igualdade é a primeira base de todos os princípios constitucionais e
condiciona a própria função legislativa, de se expressar, portanto, em todas as
156
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina. p.167-
168.
108
manifestações de Estado, as quais, na sua maioria, se traduzem concretamente em
atos de aplicação da lei, ou seu desdobramento, não havendo ato ou qualquer
mandamento que possa deste princípio posso escapar ou dele se subtrair. O
conceito que reflete a essência do princípio da igualdade é da lavra de Geraldo
Ataliba, com o qual nos coadunamos com vistas a iniciar o presente tópico, nuclear
para a compreensão de nossa tese.
157
Partindo da trajetória percorrida pelo princípio em análise importa esclarecer
que seu nascedouro
158
enquanto norma posta e positivada encontra dissonância na
doutrina. Para alguns doutrinadores são considerados como marcos de sua
positivação as Constituições dos Estados Unidos da América de 1787
159
e da França
de 1791.
Fábio Konder Comparato considera como berço do nascimento do princípio
da igualdade a Revolução Francesa lastreada por seu tom libertário, edificado no
seu mote “Igualdade, liberdade e fraternidade” momento de proclamação dos ideais
para dignificação do homem em sua essência, considerando-os iguais em sua
essência não mais se justificam diferenças e discriminações em razão do
nascimento em determinada casta ou estamento. Da mesma forma a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 inaugura em seu texto com a
afirmação da mais alta valia de que os “homens nascem livres e iguais em direitos”,
compreendidos como “direitos” não a fortuna ou prestígio social, mas o fato de
serem homens, abolindo-se todas as ordens jurídicas estamentais, em especial, as
que se fundavam na prerrogativa do nascimento.
160
157
República e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 134.
158
Conforme leciona ARAÚJO, Luiz Alberto David.
Curso de Direito Constitucional. São Paulo:
Saraiva, 1998, p. 60 “os direitos fundamentais nasceram com o cristianismo,situação que elevou o ser
humano à semelhança de Deus, indicando a igualdade como condição natural”.
159
Encontra-se expressa na Declaração de Independência dos Estados Unidos “Sustentamos como
evidentes por si mesmas as seguintes verdades: todos os homens nascem iguais e são dotados pelo
Criador de certos direitos inalienáveis; entre esses direitos estão, a vida, a liberdade e a busca da
felicidade”.
160
Igualdade, desigualdades. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 1, p. 73, 1993.
109
Alguns autores, entre eles, Manoel Gonçalves Ferreira Filho
161
considera que
a igualdade enquanto texto positivado ocorreu com a Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789
162
, cabendo citar como exemplo os
ditames estabelecidos em seu art. 1º e 6º:
Art. 1º. Os homens nascem livres e iguais em direitos. As distinções
sociais só podem fundar-se na utilidade comum.
(...)
Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos
têm direito a contribuir pessoalmente, ou pelos seus representantes,
para a formação da lei. Ela deve ser a mesma para todos, quando
protege e quando pune. Sendo todos cidadãos iguais a seus olhos,
eles são igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e
empregos públicos segundo sua capacidade e sem outra distinção
além de suas virtudes e seus talentos.
Críticas à positivação do princípio da igualdade não faltaram como nos
informa José Afonso da Silva:
O conceito de igualdade provocou posições extremadas. os que
sustentam que a desigualdade é a característica do universo. Assim,
os seres humanos, ao contrário da afirmativa do art. 19 da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, nascem e
perduram desiguais. Nesse caso, a igualdade não passaria de um
simples nome, sem significação no mundo real, pelo que os adeptos
dessa corrente são denominados nominalistas. No pólo oposto,
encontram-se os idealistas, que postulam um igualitarismo absoluto
entre as pessoas. Afirma-se, em verdade, uma igual liberdade natural
ligada à hipótese do estado de natureza, em que reinava uma
igualdade absoluta.
No mesmo sentido é a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948
instituindo em seu preâmbulo o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis que se constitui
como o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Ademais, ressalta a
161
Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 19-20.
162
Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. Malheiros: São Paulo, 2004, p.23
110
referida Declaração de maneira expressa a nos direitos fundamentais do homem,
na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade dos direitos dos homens e
das mulheres, decididos a favorecer o progresso social e a instaurar condições de
vida melhores numa liberdade maior. (grifo nosso)
3.2.1 A igualdade nas Constituições Brasileiras
Analisando-se a positivação do princípio da igualdade em sede constitucional
no ordenamento brasileiro temos como marco a Constituição de 1824 outorgada por
D.Pedro I que previa em seu Art. 179, XIII – “A lei será igual para todos, quer proteja,
quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.”
Ainda o inciso IV do mesmo artigo estabelecia que todo o cidadão poderia
ser admitido aos Cargos Públicos Civis, Políticos, ou Militares, sem outra diferença
que não fosse aquela derivada de suas virtudes e talentos.
Pimenta Bueno, quanto ao princípio da igualdade estampado na Carta de
1824 ditava que:
Qualquer que seja a desigualdade natural ou casual dos indivíduos a
todos os outros respeitos, uma igualdade que jamais deve ser
violada, e é a da lei, quer ela proteja, quer ela castigue, é a da
justiça, que deve ser sempre uma, a mesma, e única para todos sem
preferência, ou parcialidade alguma.
163
Na primeira Constituição da República de 1891 tratou de estabelecer a
equiparação de brasileiros e estrangeiros quanto à inviolabilidade de direitos
relativos à liberdade, à segurança individual e à propriedade, e em seu parágrafo
declarou serem todos iguais perante a lei, não admitindo privilégios de nascimento,
foros de nobreza, bem como extinguiu as ordens honoríficas existentes e todas as
suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliárquicos e de conselho.
163
PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brasileiro e análise da Constituição do
Império. Rio de Janeiro: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1958, p.412.
111
A Constituição de 1934 estabeleceu em art. 113, item 1 a igualdade de todos
perante a lei, vedando privilégios e distinções por motivo de nascimento, sexo, raça,
profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias
políticas. Estabeleceu ainda no parágrafo 1º do supracitado artigo a proibição à
diferença de salário por um mesmo trabalho, por idade, sexo, nacionalidade ou
estado civil. Assim, temos na Constituição de 1934 de forma inédita não apenas o
proclamar do princípio da igualdade de todos perante a lei, mais o estabelecimento
expresso da proibição da discriminação em razão do gênero.
Entretanto, apesar de presente no Texto Constitucional a vedação às
discriminações entre os sexos, havia uma absoluta dissonância entre o texto
positivado e a práxis cotidiana, cabendo citar a reflexão acerca do assunto do
Ministro Marco Aurélio de Melo:
Na Constituição de 1934, Constituição popular, dispôs-se também
que todos seriam iguais perante a lei e que não haveria privilégios
nem distinções por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões
próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou
idéias políticas. Essa Carta teve uma tênue virtude, revelando-nos o
outro lado da questão. É que a proibição relativa à discriminação
mostrou-se ainda simplesmente simbólica. O discurso oficial, à luz da
Carta de 1934, foi único e ingênuo, afirmando-se que, no território
brasileiro, inexistia a discriminação.
164
Em 10 de novembro de 1937, baseada no modelo fascista europeu, foi
outorgada por Getúlio Vargas a Constituição de 1937, peodo também no qual se
institucionalizou o chamado “Estado Novo”.
Contrariamente à Constituição anterior, a Constituição de 1937 retrocedeu ao
fixar apenas a fórmula genérica da igualdade entre todos, expressa em Art.122, item
164
MELLO, Marco Aurélio. Ótica constitucional: a igualdade e as ações afirmativas. In Tribunal
Superior do Trabalho, Discriminação e Sistema Legal Brasileiro Seminário Nacional. Brasília: TST,
2001
.
112
1 suprimindo a menção expressa à proibição de discriminação entre os sexos.
165
Interessante notar que o Preâmbulo da referida Carta Constitucional não faz
alusão alguma à justiça e à igualdade declarando o Presidente da República
“atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social” que a
Nação está “profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem
resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que o Estado não
dispunha de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do
bem-estar do povo, e por isso resolvia assegurar à Nação a sua unidade, o respeito
à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz
política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem-estar e à
sua prosperidade, decretando a Constituição”.
Seguindo nossa trajetória histórica pelas Constituições chegamos à
Constituição de 1946, promulgada e considerada um marco da retomada da
democratização no país. Apesar de enaltecer os valores e o rol de direitos
individuais, considerando em Art. 141, parágrafo a igualdade de todos perante a
165
Sobre o assunto o Ministro Marco Aurélio de Mello se pronuncia fazendo um interessante paralelo
sobre a Constituições e outros Textos Legais de grande importância: Na Constituição outorgada de
1937, simplificou-se, talvez por não se admitir a discriminação, o trato da matéria e proclamou-se,
simplesmente, que todos seriam iguais perante a lei. Nota-se até aqui um hiato entre o direito -
proclamado com envergadura maior, porquanto fixado na Constituição Federal - e a realidade dos
fatos. Sob a égide da Carta de 1937, veio à balha a Consolidação das Leis do Trabalho, mediante a
qual se vedou a diferenciação, no tocante ao rendimento do prestador de serviços, com base no
sexo, nacionalidade ou idade. Essa vedação, porém, não pareceu suficiente para corrigir
desigualdades. Na prática, como ocorre até os dias de hoje, o homem continuou a perceber
remuneração superior à da mulher.
Vigente a Constituição de 1937, promulgou-se o digo Penal de 1940, que entrou em vigor em
1942. Perdeu-se, à época de tal promulgação, a oportunidade de se tratar de maneira mais eficaz a
discriminação. Foi tímido o nosso legislador, porque apenas dispôs sobre os crimes contra a honra e
aqueles praticados contra o sentimento religioso. Já na progressista Constituição de 1946, reafirmou-
se o princípio da igualdade, rechaçando-se a propaganda de preconceitos de raça ou classe.
Introduziu- se, assim, no cenário jurídico, por uma via indireta, a lei do silêncio, inviabilizando-se, de
uma forma mais clara, mais incisiva, mais perceptível, a repressão do preconceito.
Sob a proteção dessa Carta, deu-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em dezembro
de 1948. Proclamou-se em bom som, em bom vernáculo, que “todo o homem tem capacidade para
gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie,
seja de raça, cor, sexo, língua, opinião pública ou de outra natureza, origem nacional ou social,
riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”. Admitiu-se, aqui e no âmbito internacional, a
verdadeira situação havida no Brasil, em relação ao problema. Percebeu-se a necessidade de se
homenagear o princípio da realidade, o dia-a-dia da vida em sociedade. Disponível no site
http://www.stf.br. Acesso em 13 de agosto de 2009.
113
lei, não estabeleceu qualquer declaração acerca da vedação às discriminações de
quaisquer espécies.
166
A Constituição de 1967/1969 em art. 153 , parágrafo declarou que todos
são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e
convicções políticas, e ainda estabeleceu que a lei puniria pelo preconceito de raça.
Assim, temos aqui, ainda de maneira tímida, uma intenção do legislador de
constitucionalizar o combate à discriminação, apenas racial.
3.2.2 O princípio da igualdade na Constituição Federal de 1988
Dita de maneira expressa o caput do art. da Constituição Federal de 1988:
"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se
aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à igualdade, a segurança e a propriedade, (...)".
No atual Texto Constitucional o princípio da igualdade ganhou nova
concepção bastando para confirmar tal assertiva uma análise da sua inserção
topológica. Neste sentido, Carmem Lúcia Antunes, Ministra do Supremo Tribunal
Federal, destaca que nas Constituições anteriores o princípio da igualdade
apresentava-se entre os incisos ou parágrafos do artigo relativo aos direitos
166
Sobre o princípio da igualdade na Carta Constitucional de 1946 enfatizou o grande jurista Pontes
de Miranda, na obra Questões Forenses, tomo I, Parecer 25, de 1948, p. 229,230 : o princípio
‘todos são iguais perante a lei’, dito princípio de isonomia (legislação igual), é princípio de igualdade
formal: apenas diz que o concedido pela lei a A, se A satisfaz os pressupostos a, deve ser concedido
a B, se B também os satisfaz, para que se não trate desigualmente a B. Tão saturada desse princípio
está a nossa civilização que causaria escândalo a lei que dissesse, e. g., ‘só os brasileiros nascidos
no Estado-membro A podem obter licença para venda de bebidas no Estado-membro A. existem
exceções ao princípio da igualdade perante a lei, que é direito fundamental, (...) quando a
Constituição mesma as estabelece. A igualdade material é outra coisa. As concepções em torno dela
enchem o nosso século, no plano político, desde as que postulam a igualdade de todos os homens e
levariam à política do salário igual, norma que seria justa se todos fossem iguais em tudo, até as
que exageram as desigualdades psíquicas e sociais, descendo às concepções primitivas das estirpes
‘divinas’, ou ‘semidivinas’, ou ‘nobres’, das classes de servos e de escravos (...)” “No intervalo lógico
está a concepção, cronologicamente posterior e sintética, de que os homens são ‘iguais’ e ‘desiguais’.
A regra do salário mínimo é exemplo, como a da escola única, de política de igualdade material, posto
que fique à lei fixar esse salário”.
114
fundamentais reconhecidos e assegurados. O Texto Magno de 1988 instaura em art.
5º, caput, os direitos e garantias fundamentais com a referência expressa ao
princípio da igualdade jurídica, sinalizando, segundo a autora, um tratamento
diferenciado ao princípio como forma de estruturá-lo como alicerce na nova ordem
constitucional brasileira.
167
Conclui-se, assim, um novo status ao princípio da isonomia objetivado pelo
Constituinte de 1988, devendo ser concebido como base para o sistema e norteador
da melhor hermenêutica e aplicação do Direito.
Convém destacar que no Preâmbulo da Carta de 1988 a igualdade, também
foi declarada como valor, cabendo citar: “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça, foram citados como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional.”
Acerca do Preâmbulo da Constituição Federal de 1988 destaca o Ministro
Ayres Brito:
A Constituição Brasileira de 1988 tem, no seu preâmbulo, uma
declaração que apresenta um momento novo no constitucionalismo
pátrio: a idéia de que não se tem uma democracia social, a justiça
social,mas que o Direito foi ali elaborado para que se chegue a tê-
los. Em texto sobre a Constituição relatava o Presidente da
Assembléia Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, que a
Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as
instituições e convulsiona a sociedade”. então se vê, que, pela
positivação da Ordem Constitucional de 1988, reestruturando o
Estado brasileiro e reorganizando a República Federativa, não
apenas se pretendeu proibir o que se tem assentado em termos de
desigualdades de toda ordem havidos na sociedade, mas que se
pretende instituir, vale dizer, criar ou recriar as instituições segundo o
modelo democrático, para assegurar, dentre outros, o direito à
igualdade, tida não apenas como regra, ou mesmo como princípio,
mas como valor supremo definidor da essência do sistema
estabelecido. O princípio da igualdade resplandece sobre quase
todos os outros acolhidos como pilastras do edifício normativo
fundamental alicerçado. É guia não apenas de regras, mas de quase
todos os princípios outros que informam e conformam o modelo
167
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação afirmativa: o conteúdo democrático da igualdade
jurídica. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Editora Senado Federal, 1996,
julho/setembro,1996, p. 93.
115
constitucional positivado, sendo guiado apenas por um, ao qual se dá
a servir: o da dignidade da pessoa humana. (art. 1º, III, da
Constituição da República).
168
O professor Willis Santiago Guerra Filho nos oferta lição acerca de uma
estruturação de espécies de princípios cabendo citar:
A ambiência natural dos princípios jurídicos, como é fácil deduzir,
será o texto constitucional. Tendo por base a terminologia proposta
por GOMES CANOTILHO ( 1989, p. 129, e s.), inspirado em modelo
germânico, pode-se elencar, como espécies de princípios, em ordem
crescente de abstratividade, “princípios constitucionais especiais”,
“princípios constitucionais gerais” e “princípios estruturantes”. Esses
últimos são aqueles que traduzem as opções políticas fundamentais,
sobre as quais repousa toda a ordem constitucional e, logo, toda a
ordem jurídica, e que seriam, no Direito brasileiro, como deflui já do
“Preâmbulo” e o primeiro artigo de nossa Constituição, o princípio do
Estado de Direito e o princípio democrático, bem como o princípio
federativo. O princípio da isonomia pode ser apontado como um dos
princípios constitucionais gerais, assim como a isonomia entre
homens e mulheres, referida no Art. 5º, inc. I, seria exemplo de
princípio constitucional especial.
169
Importantíssimo salientar que o princípio da igualdade assegurado na Carta
Cidadã de 1988 comporta análise em suas duas dimensões, quais sejam, a
igualdade material e a igualdade formal.
Compreende-se por igualdade formal aquela estabelecida como ideal, perante
a lei. Prescreve o art. da CF/88 "igualdade de todos perante a lei". A igualdade
formal garante o tratamento de todos os cidadãos de maneira isonômica, não sendo
admitidos privilégios e perseguições tendo por instrumento a lei. É conceito
destinado, entre outros, ao legislador, incumbido de garantir um tratamento
igualitário de todos perante o ordenamento legal.
Celso Ribeiro Bastos
170
considera que o princípio da igualdade formal é
168
Teoria da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 91.
169
,.Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, p.
53.
170
Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2002, p. 318-319.
116
encontrado na maior parte das Constituições Ocidentais, e tem sua origem a partir
da Revolução Francesa, pautada como lema nos ideais de Liberdade, Igualdade e
Fraternidade
171
. Destaca o autor que referida igualdade consiste no direito de todo
cidadão não ser desigualado pela lei a não ser de acordo com critérios agasalhados
pelo ordenamento constitucional.
J. J. Gomes Canotilho, um dos grandes constitucionalistas da nossa
atualidade, assevera que haverá observância da igualdade "quando indivíduos ou
situações iguais não são arbitrariamente (proibição do arbítrio) tratados como
desiguais. Por outras palavras: o princípio da igualdade é violado quando a
desigualdade de tratamento surge como arbitrária". E segue o ilustre autor,
esclarecendo que "existe uma violação arbitrária da igualdade jurídica quando a
disciplina jurídica não se basear num: (I) fundamento sério; (II) não tiver um sentido
legítimo; (III) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável".
172
Seguindo a mesma linha de pensamento Celso Antônio Bandeira de Mello
apresenta em sua clássica obra, “Conteúdo Jurídico da Igualdade”, critérios para
aferição da discriminação, expondo:
(...) investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério
discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se justificativa
racional, isto é fundamento lógico, para, à vista do traço
desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico
construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente,
impende analisar se a correlação ou fundamento racional
abstratamente existente é, in concreto, afinado com os valores
prestigiados no sistema normativo constitucional. A dizer: se guarda
ou não harmonia com eles. Em suma: importa que exista
mais que uma correlação lógica abstrata entre o fator diferencial e a
diferenciação conseqüente. Exige-se, ainda, haja uma correlação
171
ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 335,
enfoca que “a igualdade, em contraste com tudo o que se relaciona com a mera existência, o nos
é dada, mas resulta da organização humana, porquanto é orientada pelo princípio da justiça. Não
nascemos iguais, tornamo-nos iguais como membros de um grupo por força da nossa decisão de nos
garantirmos direitos reciprocamente iguais”.
172
CANOTILHO ,J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:
Almedina. 1995, p.401.
117
lógica concreta, ou seja, aferida em função dos interesses
obrigados no direito positivo constitucional. E isto se traduz na
consonância ou dissonância dela com as finalidades reconhecidas
como valiosas na Constituição.
173
Pela leitura detida aos ensinamentos acima transcritos podemos concluir que
para a instituição de um tratamento diferenciado deverá haver um fundamento
dotado de razoabilidade, assegurando uma relação lógica entre os meios e os fins
da norma desigualadora. Ademais, para a existência da norma desigualadora é
pressuposto indispensável a sua conformação aos valores Constitucionais, sempre
dentro de uma interpretação sistemática e teleológica
174
.
Carlos Roberto de Siqueira Castro
175
nos ensina que é incorreto acreditar
que o princípio da isonomia previsto constitucionalmente nos impede que se
estabeleçam desigualdades jurídicas entre os sujeitos de direito, muito pelo contrário
a lei pode tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, é vedado
tratar de modo desigual os iguais, traduzindo-se em tratamento discriminatório a
situações idênticas. Esta liberdade conferida ao legislador lhe ampla margem de
discrição político-legislativa para a correção, minoração ou até agravamento de
situações sociais levando-se em conta as forças dominantes e a política vigente em
cada país.
173
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo:
Malheiros, 1995, p.32.
174
TABORDA, Mauren Guimarães. O princípio da igualdade em perspectiva histórica. Revista
de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 211, p. 241-268, jan-março 1998, p. 262-263 declara que:
“ A conexão entre o critério de discriminação e a finalidade da norma deverá ser razoável e suficiente,
e o elemento de discrímen não é autônomo em relação ao elemento finalidade. Pelo contrário, é uma
decorrência e tem de ser escolhido em função deste. (...) A título de comparação , vale dizer, ainda,
que atualmente, no Direito Alemão e Português, além da proibição de arbitrariedade, agrega-se à
aplicação do Princípio da Igualdade a exigência de proporcionalidade, isto é, de adequação,
necessidade, ponderação e proibição do excesso medida de valor a partir da qual se procede a
uma ponderação. Partindo dessas considerações, Canotilho constata existir uma violação arbitrária
da igualdade jurídica quando a discriminação veiculada na norma não se basear: a) em um
fundamento sério; b) não tiver sentido legítimo e c) estabelecer diferenciação jurídica sem um
fundamento razoável”.
175
O princípio da isonomia e a igualdade da mulher no Direito Constitucional. Rio de Janeiro:
Forense, 1983, p. 45.
118
Jorge Miranda destaca que
176
:
O sentido primário do princípio é negativo: consiste na vedação de
privilégios e de discriminações.
(...)
Mais rico e exigente vem a ser o sentido positivo:
a) Tratamento igual de situações iguais ( ou tratamento semelhante de situações
semelhantes);
b) Tratamento desigual de situações desiguais, mas substancial e
objectivamente desiguais “impostas pela diversidade das circunstâncias
ou pela natureza das coisas – e não criadas ou mantidas artificialmente pelo
legislador;
c) Tratamento em moldes de proporcionalidade das situações relativamente
iguais ou desiguais e que, consoante os casos, se converte para o
legislador ora em mera faculdade, ora em obrigação;
d) Tratamento das situações não apenas como existem mas tamm como
devem existir, de harmonia com os padrões da Constituição material
(acrescentando-se, assim, uma componente activa ao princípio e fazendo
da igualdade perante a lei uma verdadeira igualdade através da lei.
Finalmente, informa bio Konder Comparato que se a igualdade de
tratamento jurídico é reconhecida como um princípio constitucional inerente ao
regime democrático, quer isto significar que a foa desse princípio se impõe a todos
os ramos do Estado; não ao aplicador da lei, na esfera administrativa ou
judiciária, mas também ao próprio legislador. Em outras palavras, quando a
Constituição proclama todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput) ela está
proibindo implicitamente, quer a interpretação inigualitária das normas legais, quer a
edição de leis que consagrem, de alguma forma, a desigualdade vedada. Ao lado,
pois de uma desigualdade perante a lei, pode haver uma desigualdade da própria
lei, o que é muito mais grave.
177
Em outro aspecto, a Constituição de 1988 garante a aplicação do princípio da
igualdade material ou igualdade real que se constitui como a igualdade na realidade
fática, nas relações sociais e no seio da sociedade. Com base na igualdade material
o Texto Magno estabelece proteção e salvaguarda especial, por meio de políticas
176
Manual de Direito Constitucional. ed. rev e actual. Coimbra: Coimbra, 2000, Tomo 4, p. 238-
240.
177
Precisões sobre os conceitos de lei e de igualdade jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais,
v. 750, abril 1998, p. 17.
119
públicas a situações que merecem ser igualadas.
Impende reiterar que o princípio da igualdade jurídica já não mais se encontra
cingido a uma igualdade formal ou isonômica, mas aos poucos vai se afirmando
como uma igualdade material, por meio da implementação consciente e necessária
de hábeis políticas públicas voltadas à minoração das desigualdades e a instauração
de uma isonomia real. A declaração da igualdade perante a lei é imprescindível no
campo do reconhecimento de direito, mas o efetivo exercício dos direitos sociais,
que garantem patamares mínimos de acesso a bens considerados essenciais,
garante a igualdade material.
178
Pela análise do princípio da igualdade ao longo da História é fooso concluir
que o simples enunciado formal da igualdade nos Diplomas Positivos dos diversos
países não assegurou, pragmaticamente, a aplicação da igualdade. Na verdade a
igualdade deve ser incessantemente buscada na realidade social, a cada dia
construída. A simples enunciação do princípio nos Textos Formais o garantiu a
aplicabilidade dos preceitos. Esta idéia nos remete à necessidade de instituição e
firmamento da igualdade no cotidiano.
Acerca do tema discorre Celso Antônio Bandeira de Mello:
o preceito magno da igualdade é a norma voltada quer para o
aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não
perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria
edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime
às pessoas. A lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições,
mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar
equitativamente todos os cidadãos. Este é conteúdo político-
ideológico absorvido pelo princípio da igualdade e juridicizado pelos
textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos
sistemas normativos vigentes. Em suma: dúvida não padece que, ao
se cumprir uma lei, todos os abrangidos por ela, hão de receber
tratamento parificado, sendo certo, ainda que ao próprio ditame legal
é interdito diferir disciplinas diversas para situações equivalentes.
179
178
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Construção da Igualdade e o Sistema de Justiça no
Brasil: alguns caminhos e possibilidades. Rio de Janeiro:Lumen Iuris, 2007, p. 62.
179
Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1995, p.9-10.
120
No que tange ao tema discriminação quanto ao gênero a Constituão Federal
estabeleceu em inúmeros dispositivos a vedação à diferença entre os sexos e o
fortalecimento de ações afirmativas, tema que será tratado no próximo tópico,
visando reduzir as desigualdades
180
.
Quanto ao tema advoga Heleieth Saffioti:
Ora, a democracia exige igualdade social. Isto não significa que
todos os socii, membros da sociedade, devam ser iguais. uma
grande confusão entre os conceitos como: igualdade, diferença,
desigualdade, identidade. Habitualmente, à diferença contrapõe-se a
igualdade. Considera-se, aqui, errônea esta concepção. O par da
diferença é a identidade. a igualdade, conceito de ordem política,
faz par com a desigualdade. As identidades, como também as
diferenças, são bem-vindas. Numa sociedade multicultural, nem
deveria ser de outra forma. Lamentavelmente, porém, em função de
não haver alcançado o desejável grau de democracia, uma
intolerância muito grande em relação às diferenças (...) As
desigualdades constituem fontes de conflitos, em especial quando
tão abissais como no Brasil.
181
Oportuno sublinhar que nos tempos hodiernos o princípio da igualdade
jurídica congrega uma concepção mais ampla no sentido de instrumentalizar
condições de oportunidades e firmamento de um efetivo equilíbrio dos cidadãos no
Estado Social de Direito. A igualdade real alcançada nos remete a um dos
fundamentos proclamados pela República Federativa do Brasil, na CF/88 art. 1º,
inciso III da CF/88, a dignidade da pessoa humana.
Na interpretação do Direito Constitucional, o grande vetor
incorporado em épocas recentes é aquele que aponta para a
realização prática das normas constantes da Lei Maior. De fato,
180
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação, 1979. Documento
assinado pelo Brasil em 31/03/1981 e ratificado por meio do Decreto n. 89.460 exerceu grande
influência sobre o Constituinte de 1988, em especial, os ditames estabelecidos pelo Art. 1º da referida
Convenção, sendo oportuno transcrevê-lo: Art. “ A expressão discriminação contra a mulher
significa toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado
prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seus
estado civil, com base na igualdade de homem e da mulher, dos direitos humanos, e liberdade
fundamentais no campo político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”
181
Gênero, patriarcado, violência.o Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, p. 37.
121
partindo da premissa de que um dos principais fatores do fracasso
institucional brasileiro tem sido a falta de concretização das regras e
princípios constitucionais, a doutrina e a jurisprudência têm dirigido
sua atenção para assegurar o seu real cumprimento. Neste processo
de valorização da Constituição, a ênfase recai em procurar-se
propiciar a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos
constitucionais, fazendo com que eles passem do plano abstrato da
norma jurídica para a realidade concreta da vida. A efetividade,
significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho verdadeiro
da função social.
182
Podemos finalizar o presente tópico enfatizando que o trinômio igualdade,
dignidade da pessoa humana e ações afirmativas se fazem absolutamente
indispensáveis para a implementação de um Estado Democrático de Direito visando
eliminar toda e qualquer forma de discriminação, bem como aprimorar medidas para
a promoção da igualdade efetiva.
183
Finalizando o presente item preciosas são as palavras de Encarnación
Hernandez para quem a igualdade jurídica é insuficiente por si , posto que a
igualdade no sentido pleno pressupõe não somente a igualdade jurídica, isto é,
igualdade de tratamento perante à lei com vistas à eliminação da discriminação,
como também a igualdade de fato, isto é, a igualdade de oportunidades para exercer
os próprios direitos e desenvolver as próprias aptidões e condições potenciais, com
a necessária eliminação fática, entre elas, social, econômica, cultural e familiar
.
184
182
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas, Rio de
Janeiro: Renovar, 1993, p. 344.
183
PIOVESAN, Flávia et al. Implementação do direito à igualdade.Cadernos de Direito
Constitucional e Ciência Política n. 28. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
184
Los derechos de lãs mujeres In Jesús Ballesteros (Org) Derechos Humanos. Madrid: Gráficas
Molina, 1992, p. 156. No original em espanhol “La igualdad jurídica es insuficiente por sola. La
igualdad em sentido pleno supone no sólo igualdad jurídica, esto es, la igualdad de trato ante la leyu y
la eliminación de la discriminación de iure, sino también la igualdad de facto, esto es, la igualdad de
oportunidades para ejercer los próprios derechos y desarrollar las próprias aptidudes y condiciones
pontenciales, para lo cual es necessária la eliminación de la discriminación de facto: social,
econômica, cultural y familiar.”
122
3.3 Princípio da dignidade da pessoa humana na CF/88
Núcleo e finalidade última do Direito, eis a razão de ser da consagração do
princípio da dignidade da pessoa humana como norma constitucional positivada no
ordenamento jurídico brasileiro. Traduz-se o referido instituto como uma resposta a
todas as atrocidades vivenciadas ao longo da História da Humanidade, podendo
citar, em um passado não tão distante, como exemplo emblemático a nunca ser
esquecido como fonte de barbarismo e crueldade, os regimes fascistas e nazistas na
Europa.
Esclarece-se que é considerado um marco a instituição da dignidade da
pessoa humana como bem intangível , a Lei Fundamental de Bonn, de 23 de maio
de 1949, asseverando em seu art.1.1: “A dignidade do homem é intangível. Os
poderes públicos estão obrigados a respeitá-la e protegê-la”. A referida Lei
sacramentou em seu texto o que vinha sendo manifesto pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembléia Geral das Nações
Unidas de 10 de dezembro de 1948.
A partir da Segunda Guerra Mundial, o valor fundamental da dignidade da
pessoa humana passou a ser reconhecido expressamente nas Constituições, de
modo especial, após ter sido consagrado pela Declaração Universal da ONU de
1948. Ainda assim, muitos Estados integrantes da comunidade internacional não
chegaram a inserir o princípio da dignidade da pessoa humana em seus textos
constitucionais.
No Brasil, o Texto Magno de 1988 proclama, de maneira inédita
185
, como
fundamento basilar do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa
humana, expresso no art 1º, inciso III :
185
Podemos dizer que é inédita da maneira como foi concebida no atual Texto Constitucional de
1988, ou seja, com caráter de fundamento do Estado Democrático de Direito e sobreprincípio.
Contudo, nas Constituições anteriores havia a previsão da dignidade da pessoa humana podendo ser
citados: a Constituição Federal de 1934 (art. 115, parágrafo único); a de 1946, em seu art. 145; a de
123
Art. 1
o
A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Município e do Distrito Federal, constitui-
se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
( ...)
III – a dignidade da pessoa humana
;
A dignidade da pessoa humana tanto pode ser entendida como
sobreprincípio, como diretriz principiológica necessária para o operador do direito ou,
mais propriamente, como um valor. Para José Afonso da Silva a dignidade da
pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos
fundamentais do homem, garantindo uma densificação valorativa levando-se e conta
o seu mais amplo sentido normativo-constitucional.
186
Sobre o tema Flávia Piovesan e Renato Stanziola Vieira destacam que:
Para além de se configurar em princípio constitucional fundamental,
a dignidade da pessoa humana possui um quid que a individualiza de
todas as demais normas do ordenamento aqui estudados, dentre
eles o brasileiro. Assim, deitando seus próprios fundamentos no ser
humano em si mesmo, como ente final, e não como meio, em reação
à sucessão de horrores praticados pelo próprio ser humano,
lastreado no próprio direito positivo, é esse princípio, imperante nos
hodiernos documentos constitucionais democráticos, que unifica e
centraliza todo o sistema; e que, com prioridade, reforça a necessária
doutrina da força normativa dos princípios constitucionais
fundamentais. A dignidade humana simboliza, deste modo, um
verdadeiro superprincípio contemporâneo, dotando-lhe especial
racionabilidade, unidade e sentido.
187
1967, art. 157, inciso II, Emenda Constitucional de 1969 (art. 160). Considera MARTINS, Flademir
Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana Principio constitucional fundamental. Curitiba:
Juruá Editora, 2005, p.50 “Quando cotejada com as Constituições anteriores não deixa de ser uma
ruptura paradigmática a solução adotada pelo constituinte na formulação do princípio da dignidade da
pessoa humana. A Constituição brasileira de 1988 avançou significativamente rumo à normatividade
do princípio quando transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem jurídica
[...]”.
186
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1994,
p.96.
187
A força normativa dos princípios constitucionais fundamentais: a dignidade da pessoa humana In
PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos, 2
a
ed. revista ampliada e atualizada. São Paulo:
Max Limonad, 2003, p. 393.
124
No mesmo sentido são os ensinamentos de Carla Noura Teixeira reafirmando
o princípio da dignidade da pessoa humana como Norma-Origem como pilar primeiro
de uma ordem jurídica estruturante da própria vida humana em sociedade. que
se admitir, dogmaticamente, o princípio da dignidade humana como norma-origem
observando o seguinte binômio: por um lado, afirmação da liberdade do indivíduo;
por outro, limitador da atuação o desse mesmo indivíduo, considerado em sua
humanidade condição terrena -, como também das formas estruturantes de
manifestação e ordem como: organizações estatais, não-estatais, inter-estatais,
etc.
188
É inegável o status diferenciado do princípio da dignidade da pessoa humana,
que se traduz como a origem e o fim do Direito atual nos ordenamentos jurídicos
nacional e internacional. Contudo, o princípio em questão necessita de uma
construção e análise permanentes tendo em vista sua utilização muitas vezes
imprecisa e sem o aprofundamento científico necessário.
189
Convém esclarecer que sua colocação topográfica no Texto Constitucional de
1988 o consagra como um verdadeiro sobreprincípio estabelecendo-se como um
orientador para toda a atividade do hermeneuta. No mesmo sentido esclarece
Flademir Jerônimo Belinati Martins:
Ainda que esta opção não tenha sido consciente, e que até mesmo
os constituintes não tivessem a exata noção do que pudesse ser um
princípio fundamental, a inclusão do principio da dignidade da pessoa
188
Por uma nova Ordem Internacional: um proposta de Constituição Mundial. Tese de
Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 2009, p. 142.
189
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes.Justiça e exclusão social. Anais da XII Conferência Nacional
da OAB,p. 69-92, 1999, p. 70 preconiza que “ O princípio da dignidade da pessoa humana entranhou-
se no constitucionalismo contemporâneo, d partindo e fazendo-se valer em todos os ramos do
Direito. A partir de sua adoção se estabeleceu uma nova forma de pensar e experimentar a relação
sociopolítica baseada no sistema jurídico; passou a ser princípio e fim do Direito
contemporaneamente produzido e dado à observância no plano nacional e internacional. Contudo,
não por ser um princípio matriz no constitucionalismo contemporâneo se pode ignorar a ambigüidade
e a porosidade do conceito jurídico da dignidade da pessoa humana. Princípio de freqüente
referência tem sido igualmente de parca ciência pelos que dele se valem, inclusive nos sistemas
normativos. Até o papel por ele desempenhado é diversificado e impreciso, sendo elemento em
construção permanente mesmo em seu conteúdo”
125
humana como principio fundamental colocou-o num patamar
axiológico superior. Se é verdade que, do ponto de vista normativo,
em razão do princípio, todas as normas constitucionais situam-se no
mesmo plano, isso não impede que as normas de mesma hierarquia
tenham funções distintas. Nem mesmo todos os princípios possuem
o mesmo raio de atuação; ao contrário eles variam na amplitude de
sua influência.
190
Desempenha papel de importância ímpar para a compreensão e intelecção
normativa do sistema judico nacional. Estabelecendo a dignidade da pessoa
humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inciso
III, da CF/88) quis o legislador reconhecer a função do Estado que existe em função
da pessoa humana, sendo o homem sua finalidade última para qual devem convergir
as medidas de ordem estatal.
191
. Ademais, de ser compreendido como o
legitimador de toda atividade estatal e privada, individual ou coletiva.
Depreende-se d o potencial transformador da CF/88 ao eleger “valores-
guia” para a arquitetura do sistema jurídico, encontrando-se entre eles o princípio da
dignidade da pessoa, projetando e projetado como um texto de formação
fundamental da cultura dos direitos humanos dentro de uma sociedade pluralista.
192
Joaquín Arce Y Flórez –Valdes
193
informa que o o respeito à dignidade da
pessoa humana encerra quatro conseqüências básicas: a) a igualdade de direitos
entre
todos os homens, na qualidade de pessoas e não de cidadãos; b) proteção e
garantia ao desenvolvimento da personalidade do ser humano coibindo-se todas as
formas de obstar referida finalidade; c) respeito e salvaguarda dos direitos
inalienáveis do homem; d) não permissão da negativa dos meios fundamentais à
190
Dignidade da pessoa humana. Principio constitucional fundamental. Curitiba:Juruá Editora,
2005, p. 98-99.
191
SARLET, Ingo Wolfgang. Os Direitos Fundamentais Sociais na Constituição de 1988.Revista
Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº 1, 2001.
192
BITTAR, Eduardo Carlos . Hermenêutica e Constituição: a dignidade da pessoa humana como
legado à pós-modernidade In ALMEIDA FILHO, Agassiz & MELGARÉ, Plínio. Dignidade da pessoa
humana: fundamentos e critérios interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 251.
193
Los princípios generales del derecho y su formulación constitucional. Madrid: Civitas, 1990.
126
pessoa e seu desenvolvimento, evitando-se a existência de condições indignas e
subumanas de vida.
Consoante lições de Jorge Addame Goddard o princípio da dignidade humana
reforça o caráter da pessoa como ser inalienável:
Do ponto de vista jurídico, a dignidade da pessoa fundamenta a
grande diferença de tratamento entre as pessoas e as coisas. As
coisas (qualquer ser corpóreo, incluindo seres vivos), como não têm
domínio de si, podem ser objeto do domínio de outros e podem ser,
em conseqüência, objeto dos atos jurídicos: podem ser comprados e
vendidos, arrendados, cedidos, doados etc; ao contrário, as pessoas
não podem ser objeto de domínio nem podem ser objeto de um ato
jurídico. Por isso se diz que a pessoa é inalienável [...] É uma
dignidade que todos possuem pelo simples fato de terem a natureza
humana, independentemente de qual seja o grau de
desenvolvimento ou de perfeição de cada pessoa em particular.
Têm-na os varões o mesmo que as mulheres, as crianças a mesma
que os adultos, o estrangeiro igual à dos nacionais [...] em suma,
tem-na qualquer ser humano, porque seja qual for o seu
desenvolvimento ou perfeição, é um ser corpóreo de natureza
racional ou, como se tem preferido dizer, é um espírito encarnado.
194
Finalmente, cotejando e elaborando uma correlação necessária entre os
princípios estudados, quais sejam, da igualdade e da dignidade da pessoa humana
podemos asseverar que ambos se correlacionam e de maneira dependente, nos
levam à conclusão que a igualdade em sua essência nos conduz a dignidade da
pessoa humana
195
, igualdade esta compreendida a fim de se evitar distorções e
194
Naturaleza, Persona y Derechos Humanos. Cuadernos Constitucionales xico-Centroamérica
21, 1 ed., Instituto de Investigaciones Juridicas, Universidad Nacional Autónoma de México, 1996,
pp. 150/154: "Desde el punto de vista jurídico, la dignidad de la persona fundamenta la gran
diferencia de tratamiento entre las personas y las cosas. Las cosas (cualquier ser corpóreo
incluyendo seres vivos), como no tienen dominio de sí, pueden ser objeto del dominio de otros y
pueden ser, en consecuencia, objeto de los actos jurídicos: pueden comprarse y venderse,
arrendarse, cederse, donarse, etcétera; en cambio, las personas no pueden ser objeto de dominio ni
pueden ser objeto de un acto jurídico. Por eso se dice que la persona es inalienable... Es una
dignidad que poseen todas por el mero hecho de tener la naturaleza humana, independientemente de
cuál sea el grado de desarrollo o de perfección de cada persona en particular. La tienen los varones
lo mismo que las mujeres, los niños lo mismo que los adultos, los extranjeros al igual que los
nacionales. en suma, la tiene cualquier ser humano, porque sea cual sea su desarrollo o
perfeccionamiento es un ser corpóreo de naturaleza racional o, como se ha preferido decir, es un
espíritu encarnado".
195
Interessante notar que a Constituição da República Italiana, de 27 de dezembro de 1947,
estabeleceu no art. 3º, a igualdade e a dignidade, conjugando-os no espaço reservado aos princípios
fundamentais declarando “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a
127
discriminações injustas. Desequiparações arbitrárias e injustificadas nos conduzem
à indignidade e ao desrespeito ao ser humano
196
.
Noberto Bobbio
197
destaca que liberdade e igualdade se enraízam na
consideração do homem como pessoa e que ambos são características essenciais
do conceito de pessoa humana. A este conceito externado por Noberto Bobbio
acrescentamos aqui o ideário de respeito à pessoa humana e sua dignidade. Não há
como se falar em condição humana, em pessoa se não houver a dignidade
enquanto atributo e valor.
Como coroamento do presente tópico e também relacionando o liame
existente entre os dois princípios Ingo Wolfgang Sarlet salienta que :
o princípio da igualdade encontra-se diretamente ancorado na
dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a
Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres
humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui
pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa
humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que,
portanto, não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e
arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a
discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo,
enfim, toa e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla
dimensão formal e material.
198
Tanto isto é verdade que o bom exercício e o respeito aos princípios da
igualdade e da dignidade da pessoa humana demonstram a maturidade de uma
sociedade, e a instrumentalização necessária de meios de proteção social para o
lei”.
196
BARROSO, Luis Roberto Barroso. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de
uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo: Saraiva, ed.: 1996, p. 150, destaca
também que (...) que esses mesmos princípios funcionam como limites interpretativos máximos,
com o condão de neutralizar os sentimentos pessoais e as conveniências políticas, reduzindo a
discricionariedade do aplicador da norma e impondo-lhe o dever de motivar seu convencimento”.
197
Igualdade e Liberdade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2000, p. 07.
198
Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado.
2001. p. 89.
128
firmamento deste pprio homem, quanto maior a proteção aos Direitos Humanos
maior será o grau de desenvolvimento de uma sociedade, alicerçada no homem
como começo e fim das políticas desenvolvimentistas sociais primando pela
solidariedade e pela justiça.
3.4 Ações afirmativas e a consagração do princípio da igualdade
Affirmative action foi a expressão utilizada pela primeira vez pelo Presidente
John F. Kennedy, no ano de 1961, instrumentalizada na Ordem Executiva Federal
norte-americana número 10925 de 6 de março de 1961, instituindo a Comissão
Presidencial da Igualdade de Emprego, e obrigando as empresas empreiteiras
contratadas pelos entes públicos a aumentar a contratação de minorias
desprivilegiadas e discriminadas. Estatuía também em sua Seção 301 a proibição de
acesso ao emprego em função de raça, credo ou nacionalidade.
Passagem histórica de importância ímpar se deu no governo do presidente
Lyndon Johnson, nos idos de 1963 com a adoção do Civil Right Act (Lei dos Direitos
Civis) vedando a segregação no mercado de trabalho
199
em razão de raça, sexo, cor
ou nacionalidade, bem como a utilização dos lugares públicos.
200
O questionamento
199
Sobre a temática conferir GILLIAM, Ângela. Um necessário instrumento de inclusão publicado
no Jornal Folha de São Paulo, 3/11/1996, p. 5-3.:“ (...) a ação afirmativa não foi uma preferência. Foi
um instrumento por meio do qual puderam ser minimizadas as preferências antes concedidas a
outros grupos. Ela representava a oportunidade de se competir por empregos com outros grupos
demográficos, por meio do “nivelamento do campo de ação”. Ela nunca representou a garantia de
empregos, apenas a oportunidade de se obtê-los.Mas os conservadores redefiniram a ação afirmativa
de modo a significar “preferências raciais” (seleção baseada exclusivamente numa identidade racial
específica) cotas (um número fixo) e “discriminação inversa”. Mas a ação afirmativa nunca significou
“cotas” , conceito este que possui uma relação histórica com o passado norte-americano e que foi
aplicado pela primeira vez às políticas imigratórias excludentes durante a década de 1920. As
pessoas que eram objeto das políticas imigratórias restritivas do governo naquela época eram
imigrantes gregos, italianos e portugueses, europeus orientais, como católicos poloneses e judeus
russos, e os irlandeses racialmente discriminados. Durante esse período, o ingresso de alguns grupos
populacionais asiáticos nos EUA foi excluído. Assim, quando se denigre a ação afirmativa, retratando-
a como um sistema excludente de cotas quando, na realidade, representa uma luta pela inclusão
o que se está fazendo é virar a história de ponta-cabeça”.
200
Mister assinalar o famoso discurso do Presidente Lyndon Johnson na Howard University
considerada a universidade da elite negra “Liberdade não é o bastante. Não se apagam as cicatrizes
de séculos dizendo: agora você é livre pra ir aonde quiser, fazer o que desejar e escolher os líderes
que lhe agradem. Você não pega uma pessoa que por anos, esteve presa por correntes e a
liberamos, a levamos para o início da linha de partida de uma corrida, e então dizemos “você es
livre para competir com todos os outros, e ainda acrescentamos que fomos completamente justos.
Assim não é o bastante apenas para abrir as portas da oportunidade. Todos os cidadãos devem
129
da igualdade real de condições, ocorrido nos EUA, após o pronunciamento histórico
do Presidente Lindon B. Johnson, em 1965 na Howard University, desencadeou e
incentivou a adão da ação afirmativa norte-americana, tendo em sido aprovado
em 1964 o Título VII da Lei dos Direitos Civis proibindo a discriminação no emprego
de minorias raciais, sobretudo os negros, e mulheres.
O primeiro critério de definição de ação afirmativa ocorreu, sob a
administração de Nixon, na orientação a empregadores, situados em áreas
demográficas estratégicas, de ofertar empregos a pessoas qualificadas pertencentes
a diversos grupos raciais, dentro de objetivos flexíveis e por um tempo também
flexível. Desta maneira, a representação racial de tais grupos dentro da empresa
seria melhorada. A Suprema Corte referendou o plano e em 1974 foi assinada
ordem executiva colocando também a mulher sob a proteção da Lei de 1964,
proibindo a discriminação no ambiente de trabalho por questões de gênero. Também
estão incluídas as questões de idade (The Age Discrimination in Employment Act),
de portadores de deficiência (The American with Disabilities Act) e de remuneração
igual para igual trabalho (The Equal Pay Act)
201
.
No Brasil, o primeiro registro histórico de ação afirmativa datado de 1968 e
destinado a população negra é relatado pelo pesquisador Hélio Santos
202
em
Relatório produzido para a Organização das Nações Unidas (ONU) em 1999.
Referida ação afirmativa diz respeito à manifestação de técnicos do Ministério do
Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho (TST) favoravelmente à criação de uma
lei que compelisse as empresas privadas a manter uma percentagem mínima de
empregados negros, na ordem de 20%, 15% ou 10% de acordo com o ramo de
atividade e a demanda, visando, assim coibir a discriminação racial. Tem-se também
como registro histórico a Lei n. 5465/68 a qual disciplinou reserva de vagas na
ordem de 50% nos estabelecimentos de ensino Médio Agrícola para candidatos
possuir a habilidade necessária para atravessar essas portas”. Disponível em http://www.uol.com.br.
Acesso em 20 de setembro de 2007.
201
Informações disponíveis em http://www.uol.com.br. Acesso em 20 de setembro de 2007.
202
SANTOS, Hélio Santos et al. Políticas Públicas para a população negra no Brasil. Relatório da
ONU, 1999, p. 222.
130
agricultores ou seus filhos.
No ano de 1983 por meio do Projeto de Lei n. 1.332 de 1983 o Deputado
Federal Abdias Nascimento propôs ações destinadas aos negros, qual seja, a
reserva de 20% de vagas a mulheres negras e 20% par homens negros candidatos
ao serviço publico, criação de instrumentos de incentivo para as empresas privadas
no combate à discriminação, produção de folheteria e literatura para o fortalecimento
e inclusão de afro-brasileiros, e, finalmente a inclusão de uma disciplina acerca da
história dos afro-descentes, suas origens e estabelecimento no solo brasileiro
203
.
O conceito de igualdade material pressupõe o dinamismo do Estado que
buscará empreender esforços com o intuito de promover a igualdade de
oportunidades que se justificam na medida em que visam mitigar as desigualdades
econômicas e sociais existentes em certos grupos fragilizados ao longo da história.
Tais ações são batizadas de “ações afirmativas” também denominadas no Direito
Europeu de “discriminações positivas”, propugnando pela igualação promovida pelo
fomento de oportunidades.
Guilherme Machado Dray assevera que a noção de “igualdade de
oportunidades” surge como um ponto de encontro entre duas grandes tradições
jurídico-ideológicas existentes a propósito da igualdade: a liberal, que ao assentar na
neutralidade do Estado, concebe a igualdade de oportunidades como uma igualdade
de condições jurídicas independentemente da existência de desigualdades de meios
factuais; e a social, que assenta no restabelecimento da própria igualdade factual,
como condição necessária para a promoção de uma igualdade real. Assim,
enquanto que a primeira a igualdade de oportunidades de um ponto de vista
estritamente “formal” , a segunda, pelo contrário, concebe a igualdade de um ponto
de vista “material” apelando por isso a uma visão “positiva” e “intervencionista” da
igualdade.
204
203
Dados obtidos no texto de MOEHLECKE, Sabrina. Ação Afirmativa: história e debates no
Brasil. Cadernos de Pesquisa – FCC. São Paulo, n. 1, fasc. 117, p. 197-217, nov. 2002, p.222.
204
O princípio da igualdade no direito do trabalho: sua aplicabilidade no domínio específico da
formação de contratos individuais de trabalho. Coimbra: Almedina, 1999, p. 89.
131
Considera ainda o autor que a “igualdade de oportunidades” de contorno
absolutamente formal e própria de um Estado Liberal, vem sendo, em razão do
Estado Social de Direito, substituída por uma noção de igualdade material atenta à
correções das desigualdades por meio das discriminações positivas.
205
No mesmo caminho seguem as ponderações de José Joaquim Gomes
Canotilho asseverando que:
Uma das funções dos direitos fundamentais ultimamente mais
acentuada pela doutrina (sobretudo a doutrina norte-americana) é a
que se pode chamar de função de não-discriminação. A partir do
princípio da igualdade e dos direitos de igualdade específicos
consagrados na constituição, a doutrina deriva esta função primária e
básica dos direitos fundamentais: assegurar que o Estado trate seus
cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais. (...) Alarga-se [tal
função] de igual modo aos direitos a prestações (prestações de
saúde, habitação). É com base nesta função que se discute o
problema das quotas (ex.: parlamento paritário de homens e
mulheres) e o problema das affirmative actions tendentes a
compensar a desigualdade de oportunidades (ex.: quotas de
deficientes).
206
de ser salientado que o termo “discriminação positiva” é tido por inúmeros
autores como sinônimo de “ação afirmativa”.A discriminação denominada de positiva
se afina com o Texto Constitucional de 1988 em especial com os ditames
estabelecidos no art 3º, incisos I, III e IV da CF/88, cabendo citar:
Art. 3o. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
(...)
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais.
IV -promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
.
205
Idem, p. 111.
206
Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3a ed. Coimbra: Almedina, 1999, p. 385.
132
Acerca do dispositivo constitucional supracitado se manifesta o Ministro
Marco Aurélio de Mello :
Do artigo 3º vem-nos a luz suficiente ao agasalho de uma ação
afirmativa, a percepção de que o único modo de se corrigir
desigualdades é colocar o peso da lei, com a interatividade que ela
deve ter no mercado desequilibrado, a favor daquele que é
discriminado, que é tratado de forma desigual. Nesse preceito são
considerados como objetivos fundamentais de nossa República,
construir prestem atenção a esse verbo uma sociedade livre,
justa e solidária; segundo, garantir o desenvolvimento nacional-
novamente temos aqui o verbo a conduzir, não a uma atitude
simplesmente estática, mas a uma posição ativa; erradicar a pobreza
e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e,
por último, nos que nos interessa, promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, idade e quaisquer outras formas
de discriminação. Posso asseverar, sem receio de equívoco, que se
passou de uma igualização estática, meramente negativa, no que se
proibia a discriminação, para uma equalização eficaz, dinâmica,
que os verbos “construir, garantir` erradicar e promover, implicam,
em si, mudança de óptica, ao denotar ação. Não basta discriminar. É
preciso viabilizar e encontramos na Carta da República, base para
fazê-lo – as mesmas oportunidades. Há de ter-se como página virada
o sistema simplesmente principiológico. A postura deve ser, acima de
tudo, afirmativa.”
207
A escolha do verbo promover presente no inciso IV do art. da Carta Magna
de 1988 demonstra a postura assumida pelo legislador constituinte objetivando uma
atitude pró-ativa, gestora e produtora de resultados. Não basta apenas conclamar a
igualdade, é preciso ir além buscando instrumentos fomentadores da concretização
cotidiana da igualação.
O vocábulo promover pressupõe movimento, impulso, trabalho, realização,
fomento, proposição, acepções estas encontradas como sinônimas no Dicionário da
Língua Portuguesa.
208
A promoção do bem de todos deve ser compreendida como
uma ação afirmativa vedando a discriminação e buscando a igualdade por meio da
adoção de condutas para a construção de uma nova roupagem no cenário nacional.
A concepção moderna de Estado de ser dinâmica, deixando de lado a
passividade, na busca da concretização da igualdade substancial, devendo ser
207
O Direito ao Trabalho da Pessoa Portadora de Deficiência. São Paulo : LTr, 2004. p. 135-136.
208
Dicionário Prático da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1993, p. 742.
133
citado o entendimento de Joaquim Barbosa Gomes e Fernanda Duarte Lopes Lucas
da Silva:
Significa que se universaliza a igualdade e promove-se a igualação:
somente com uma conduta ativa, positiva, afirmativa,é que se pode
ter a transformação social buscada como objetivo fundamental da
República... Se fosse apenas para manter o que se tem, sem figurar
o passado ou atentar à história, teria sido suficiente, mais ainda, teria
sido necessário, tecnicamente, que apenas se estabelecesse ser
objetivo manter a igualdade sem preconceitos, etc. Não foi o que
pretendeu a Constituição de 1988. Por ela se buscou a mudança do
conceito, do conteúdo, da essência e da aplicação do princípio da
igualdade jurídica, com relevo dado à sua imprescindibilidade para a
transformação da sociedade, a fim de se chegar a seu modelo livre,
justa e solidária.
209
Verificamos também a busca pela igualdade material como princípio
aclamado pela Ordem Econômica Constitucional estabelecendo em seu art. 170,
inciso VII:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
(...)
VII – redução das desigualdades regionais e sociais (...)
IX tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e
administração no País.
Ainda, em seu art. 37 preceitua o Texto Constitucional a salvaguarda e a
proteção ao mercado de trabalho ao deficiente ditando em seu inciso “VIII A lei
reservará percentual
210
dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras
209
As Ações Afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva, Série Cadernos do
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal n. 24, p. 86 por ocasião do Seminário
Internacional As minorias e o Direito ocorrido em Brasília (DF) nos dias 12 a 14 de setembro de 2001.
Disponível no site http://www.ufsm/afirme/artigos. Acesso em 12 de maio de 2008.
210
Cota constitui-se como um dos instrumentos para efetivação das ações afirmativas e firmamento
da igualdade material. Trata-se de reserva de número ou porcentagem de vagas ou lugares
previstos legalmente.
134
de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.
Importante repisar o papel desempenhado pelas ações afirmativas que devem
ser utilizadas pra a efetivação do equilíbrio e da igualdade de oportunidades, não se
perdendo de vista os limites garantidores da inclusão da minoria, visando romper
preconceitos e não criar novos.
211
Vale trazer à colação os ensinamentos do Ministro
Joaquim Barbosa Gomes:
Atualmente as ações afirmativas podem ser definidas como um
conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à
discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem
nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da
discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a
concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens
fundamentais como a educação e o emprego. Diferentemente das
políticas governamentais antidiscriminatórias, baseadas em leis de
conteúdo meramente proibitivo, que se singularizam por oferecerem
às respectivas vítimas tão somente instrumentos jurídicos de caráter
reparatório e de intervenção ex post facto, as ações afirmativas têm
natureza multifacetária. Visam a evitar que a discriminação se
verifique nas formas usualmente conhecidas isto é, formalmente
por meio de normas de aplicação geral ou específica, ou através de
mecanismos informais, difusos, estruturais, enraizados nas práticas
culturais e no imaginário coletivo. Em síntese, trata-se de políticas e
mecanismos de inclusão concebidos por entidades públicas, privadas
e por órgãos dotados de competência jurisdicional, com vistas à
concretização de um objetivo constitucional universalmente
reconhecido o da efetiva igualdade de oportunidades a que todos
os serem humanos têm direito.
212
Como conclusão acerca do conceito de ações afirmativas podemos defini-las
como medidas excepcionais e temporárias, destinadas aos grupos historicamente
segregados, oprimidos e discriminados visando por meio de políticas públicas,
possibilitar possibilidades para que atinjam a igualdade material, resgatando valores
como a justiça, o bem-estar social e a cidadania de tais grupos. Ressalta-se que um
traço de importância ímpar das ações afirmativas traduz-se como a temporariedade
211
VILAS-BOAS, Renata Malta. Ações Afirmativas e o princípio da igualdade. Rio de Janeiro:
Editora América Jurídica, 2003, p. 30.
212
O Debate Constitucional sobre as Ações Afirmativas In Santos, Renato E; Lobato, Fátima (org.)
Ações Afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais. Rio de Janeiro: DP & A,
2003, p. 27.
135
das medidas, não se legitimando a manutenção perpétua das medidas de cunho
estritamente emergencial.
Segundo Maria Aparecida Gugel
213
são identificados três modelos de
atuação Estatal visando eliminar as variadas formas de discriminação.
No primeiro paradigma há a concentração de políticas públicas voltadas para
leis e regulamentos vedando e punindo condutas consideradas discriminatórias. São
criados mecanismos de controle e instrumentos facilitadores da ação jurisdicional
em casos concretos. no segundo modelo as políticas públicas encaram o
fenômeno de forma mais abrangente, reconhecendo que a discriminação é resultado
de um complexo sistema de relações, manifestando-se de maneira múltipla. tem
múltiplas manifestações. Neste modelo são verificadas as instituições de cotas como
forma de recuperação dos efeitos discriminatórios havidos em tempos passados em
relação aos grupos segregados.
no terceiro paradigma a ciência e o reconhecimento que as
discriminações têm origem fora do mercado de trabalho e as políticas públicas
buscam ampliar o cardápio de oportunidades, com a adoção de serviços de apoio
visando enfrentar e recuperar as desigualdades dos grupos discriminados.
Entende a autora que no Brasil adota-se o segundo paradigma de ação
afirmativa o qual pode ser verificado pela previsão de política nacional de proteção
às mulheres (art. 7º, XX, Constituição), estabelecida no artigo 373-A, CLT e, de
pessoas com deficiência (art. 37, VIII, Constituição, Leis 7.853/89 e 8.112/90), com
políticas blicas instituídas e medidas legais de proteção e correção de distorções
que afetam o acesso ao trabalho.
Carmem Lúcia Antunes Rocha considera que por meio da desigualação
positiva há a promoção da igualação jurídica de forma efetiva fazendo com que os
grupos histórico e culturalmente discriminados encontrem a igualação social. Por
meio das ações afirmativas tem-se a possibilidade de serem superados o isolamento
213
Ação Afirmativa é um dever do Estado. http://www.uol.com.br. Acesso em 10 de maio de 2009.
136
e o rebaixamento social das minorias segregadas.
214
Finalmente, oportuno destacar que as ações afirmativas não buscam apenas
proibir, mas vão além, no sentido de promover, diversificar e trazer ao mundo o
pluralismo. Importante ratificar a natureza educativa das ações afirmativas visando
transformar o contexto sócio-potico-cultural, induzindo transformações no
imaginário coletivo acostumado com a idéia de supremacia e opressão de uma raça
sobre a outra, do homem sobre a mulher. Por meio da exemplaridade as ações
afirmativas alcançariam um caráter mais perene congregado à uma maior
“diversidade” e “representatividade” dos grupos minoritários nas esferas públicas e
privadas, engajados na luta de se eliminar os efeitos pretéritos da discriminação que
custam a ser esquecidos.
215
3.5 Gênero e discriminação positiva na Constituição Federal de 1988
Encontramos no Texto Constitucional exemplos de discriminações voltadas à
mulher. Como dito anteriormente, ao serem promovidas discriminações o que se
deve observar é o liame lógico entre o fato e a necessidade de desigualação
216
.
214
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação Afirmativa: o conteúdo democrático do princípio da
igualdade jurídica. Revista de Informação Legislativa. Brasília, ano 33, n. 131, jul;set, 1996, p.283-
295.
215
GOMES,Joaquim Barbosa. O Debate Constitucional sobre as Ações Afirmativas In Santos, Renato
E; Lobato, Fátima (org.) Ações Afirmativas: políticas públicas contra as desigualdades raciais.
Rio de Janeiro: DP & A, 2003, p.29-30.
216
Sobre o assunto sábias são as lições de BENEVIDES, Maria Vitória Benevides. Democracia de
iguais, mas diferentes. In Mulher e Política: gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores.
São Paulo: Fundação Perseu Abramo,1998, p. 140-141: É evidente que não se supõe a igualdade
como “uniformidade” de todos os seres humanos com suas saudáveis diferenças de raça, etnia,
sexo, ocupação, talentos específicos, religião e opção política, cultura no sentido mais amplo. O
contrário da igualdade não é a diferença, mas a desigualdade, que é socialmente construída,
sobretudo numa sociedade tão marcada pela exploração classista. As diferenças não significam,
necessariamente, desigualdades, isto é, não existe uma valoração hierárquica inferior/superior na
distinção entre pessoas diferentes. Homens e mulheres são obviamente diferentes, mas a
desigualdade estará implícita se tratarmos essa diferença estabelecendo a superioridade masculina,
por exemplo. O mesmo pode ser dito das diferenças culturais e étnicas. Em outras palavras, a
diferença pode ser enriquecedora, mas a desigualdade pode ser um crime”.
137
O art. 7º em seus incisos XVIII e XIX enuncia duas discriminações positivas
necessárias para o universo feminino:
Art. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social
XVIII licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário e
com a duração de cento e vinte dias;
(...)
XIX proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos específicos, nos termos da lei.
A necessidade de estabelecer à gestante o direito à licença, bem como o
salário-maternidade, garantindo-lhe garantia do emprego e do salário é de ordem
imperiosa, compreendida a maternidade como direito social, previsto no art. da
CF/88. A proteção da mulher neste caso se faz clara tendo em vista ser a
maternidade biológica atributo próprio e inerente à condição feminina.
Quanto à criação de incentivos específicos para a proteção do mercado de
trabalho da mulher, os dados colacionados no Capítulo 2 do presente trabalho
comprovam a efetiva discriminação da mulher no mundo laboral, traduzida como
menores salários, maior vitimização nos assédios morais e sexuais, bem como seu
afastamento das atividades profissionais quando da gestação e da criação dos
filhos, tarefas ainda de natureza essencialmente femininas, não compartilhadas na
práxis cotidiana com seus companheiros.
Contudo, a Constituição Federal de 1988 assinala como uma ação afirmativa
a possibilidade de aposentadoria pelas mulheres em idade e tempo inferior àquela
concedida aos homens.
Este é o objeto da nossa tese e sobre o qual nos deteremos de maneira mais
aprofundada nos próximos capítulos, convindo, por agora, apenas mencionar que
esta ação afirmativa idealizada em um primeiro momento pelo Constituinte de 1967
no que tange ao tempo de contribuição e, posteriormente, por idade e por tempo de
contribuição pelo constituinte de 1988 não apresenta mais razões lógicas para a sua
138
manutenção, configurando-se como uma “pseudoproteção” fomentadora de
desigualdade entre os gêneros e ratificação de estereótipos que não mais se
coadunam com os tempos hodiernos.
139
4. AS APOSENTADORIAS POR IDADE E POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO NO REGIME GERAL DA PREVIDÊCIA SOCIAL
BRASILEIRA: APORTES NECESSÁRIOS
Onde começam os direitos humanos? Em pequenos
lugares, próximos de casa - tão próximos e tão pequenos
que não podem ser vistos em nenhum mapa do mundo.
No entanto eles formam o mundo da pessoa, o bairro em
que a pessoa mora (...) a fábrica, a fazenda ou o
escritório onde ela trabalha. Esses são os lugares onde
cada homem, mulher e criança procuram a igualdade na
justiça, a igualdade nas oportunidades, a igualdade na
dignidade, sem discriminação. Se esses direitos não
significarem nada nesses lugares, eles terão muito pouco
significado em qualquer lugar.
Eleanor Roosevelt
4.1 Conceito de seguridade social e sua trajetória histórico-legislativa
É da racionalidade humana o pensar sobre a sua existência. O homem é o
único ser que detém a capacidade de raciocinar sobre a sua própria vida, bem
como, saber que tal existência é finita. A projeção para o futuro faz com que o
homem se amedronte com o porvir, com as incertezas. A preocupação com a
segurança é vivenciada por todas as sociedades das mais arcaicas às mais
modernas, cada qual exercitando mecanismos e instrumentos de proteção
217
próprios para cada época.
Esta idéia, escolhas individuais pautadas na preocupação com o grupo,
coincide com a origem da passagem da proteção individual para a proteção coletiva
217
Segundo RUSSEL, Bertrand. Ética e Política na sociedade humana. Rio de Janeiro: Zahar,
1977 p. 167, “quando um homem primitivo nas brumas da pré-história guardou um naco de carne
para o dia seguinte depois de saciar a fome, aí estava nascendo a Previdência”.
140
em sociedade para fins de compreensão do fenômeno da seguridade social.
Neste trilhar histórico é possível concluir que a evolução da seguridade
social consubstancia-se na história da transferência constante e gradual de
responsabilidades a pessoas e/ou grupos mais fortes
218
, e neste cenário estará a
família assumindo a sua tarefa. Contudo, a capacidade financeira e econômica da
família contra os imprevistos é limitada.
Corroborando tal assertiva Maurice Stack interpreta estar na família, como
núcleo essencial, as raízes da seguridade social, tendo em vista a existência de
solidariedade entre as gerações, o poder e responsabilidade do chefe em relação
aos demais entes familiares, bem como a existência de atividades de planejamento
e previsão para o seu próprio funcionamento. Esclarece ainda o citado autor que
nos tempos antigos até meados do século XVIII a família recebia a colaboração de
vizinhos; (instituições religiosas locais e o município) pelas associações
profissionais e pelo empregador ou proprietário das terras, para a proteção nos
casos de imprevistos e infortúnios.
219
Mozart Victor Russomano
220
informa que os agrupamentos profissionais da
Índia, dos Hebreus e dos Árias, presentes no Código de Hamurabi, possuíam
interesses assistenciais, e da mesma forma, eram os colégios gregos e romanos.
Os romanos se reuniam em associações denominadas collegia compostas
por produtores e artesãos com objetivos mutualistas de cooperação e
218
DAIBERT, Jefferson. Direito Previdenciário e acidentário do trabalho urbano. Rio de Janeiro:
Forense, 1978, p. 17 “Na hora do perigo, o homem volve instintivamente o olhar para seu semelhante,
à espera de que o próximo socorra em seu auxílio, remediando-lhe a debilidade. Se assim é, por que
não penar nisso antes que as coisas aconteçam, propondo aos outros um sistema em que esse
auxílio seja o um favor, mas o resultado de esforços e compromissos realizados em conjunto? Em
outros termos: se a economia efetuada individualmente não satisfaz, por que não realizá-la em
comum”.
219
História e evolução da Seguridade Social. Revista dos Industriários. São Paulo: Fev/1953, n.
31,
p. 05-16.
220
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de previdência social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
p.3-13.
141
solidariedade.Na Grécia, em especial, em Atenas vislumbram-se as associações
mutualistas de ordem profissional nominadas de hetérias.
Tais ocorrências no estudo histórico podem ser conceituadas como as
sementes originárias para a evolução da salvaguarda de cunho individual e,
posteriormente, após a constatação da sua fragilidade a necessidade de
institucionalização de uma proteção coletiva e social.
Nesta seara sobreleva dizer que a proteção social evoluiu para combater a
precariedade das iniciativas individuais, bem como o caráter voluntário e moral de
tais atitudes dos componentes do grupo diante das adversidades. Ao ser atribuída à
sociedade, a proteção e salvaguarda dos membros do grupo deixa de ter caráter
moral, passando a ser dotada de juridicidade, como norma cogente e imperativa
221
.
Considera-se como marco da institucionalização da proteção social a Poor
Relief Act, ou Lei dos Pobres, do ano de 1601, na Inglaterra, no reinado da rainha
Isabel I, estabelecendo auxílios públicos aos necessitados. Por meio de tal
determinação, os necessitados recebiam seus auxílios das Paróquias responsáveis
pela distribuição.
Convém citar ainda a nos idos de 1891 a edição da Encíclica
222
Rerum
Novarum do papa Leão XIII, considerado como marco inaugural da Doutrina Social
da Igreja, ditando as principais ações e atividades necessárias à consolidação da
justiça e do bem-estar social.
221
BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Salário Família no Direito
Previdenciário Brasileiro. São Paulo: LTr, 2007 p. 20.
222
Encíclicas eram consideradas como cartas enviadas pelos bispos a seus colegas de uma mesma
região, como forma de fortalecer a doutrina da Igreja. Contudo, com o pontificado do Papa Bento 14 o
documento passou a ser considerado como manifestação da Sé Apostólica para toda a Igreja.
142
Indispensável destacar na Alemanha a criação por Otto Von Bismarck, o
Chanceler de Ferro, da primeira norma de cater protetivo dirigida aos
trabalhadores em 17 de novembro de 1881, estabelecendo seguros aos
trabalhadores atingidos por infortúnios, tais como a doença, a velhice, a invalidez e
os acidentes, ocasionando o afastamento do trabalho e a diminuição dos seus
numerários para a sua sobrevivência e de sua família. No ano de 1883 foi editada na
Prússia a primeira lei do Seguro-Doença também de sua autoria.
223
Estabelecendo a tríplice contribuição dos empregados, empregadores e do
Estado também em 1883, foi criado o seguro-doença obrigatório para os
trabalhadores da indústria e em 1889 os seguros de invalidez e velhice.
Bismarck é de absoluta importância para a história da seguridade social
considerado como o germinal da evolução de uma proteção individual de ordem
caritativa para uma proteção coletiva própria dos grupos de trabalhos. Batizado de
Plano Continental a referida estrutura de normas inaugurou uma das grandes bases
do sistema de seguridade social calcado no planejamento do custeio tendo por início
a comunhão de esforços, com a tríplice contribuição de empregados , empregadores
e do Estado. Suas idéias serviram de paradigma influenciando diversos países entre
eles, a Áustria, que instituiu o seguro-enfermidade em 1888; a França e sua
legislação relativa a acidentes de trabalho, a Hungria em 1907 e os Países
Escandinavos, em 1911 disciplinando o seguro-enfermidade.
Destacando a singularidade do modelo alemão enfatiza Ilídio das Neves
:
Como se sabe, ocorreu na Alemanha, nos últimos 20 anos do século
XIX, a primeira iniciativa sistematizada e organizada, de protecção
social obrigatória e garantida pelo Estado, embora dirigida apenas a
determinados grupos de cidadãos(trabalhadores). Esta medida,
223
Enfatizando a importância do modelo alemão para a compreensão do instituto o autor português
NEVES, Ilídio das. Direito da Segurança Social. Coimbra: Coimbra Editora, 1996,
p. 149
informa que “Como se sabe, ocorreu na Alemanha, nos últimos 20 anos do século XIX, a primeira
iniciativa sistematizada e organizada, de protecção social obrigatória e garantida pelo Estado, embora
dirigida apenas a determinados grupos de cidadãos(trabalhadores). Esta medida, histórica em si, na
sua concepção e nos seus efeitos na Europa, que deu início aos modernos sistemas de
previdência e segurança social, partiu da idéia de uma nova responsabilidade do Estado, para além
da tradicional actuação em matéria de assistência social., na promoção e na garantia desse
protecção social mediante a utilização de técnicas igualmente novas”.
143
histórica em si, na sua concepção e nos seus efeitos na Europa,
que deu início aos modernos sistemas de previdência e segurança
social, partiu da idéia de uma nova responsabilidade do Estado, para
além da tradicional actuação em matéria de assistência social., na
promoção e na garantia desse protecção social mediante a utilização
de técnicas igualmente novas.
224
Atravessando o Oceano Atlântico temos outro fato histórico de importância
ímpar para a seguridade social: a Grande Depressão de 1929 ocorrida nos EUA em
razão da “Quebra da Bolsa de Valores” gerando para os americanos desemprego,
miséria e condições precárias de vida.
Em 1932 a perda contínua do poder aquisitivo, as demissões em massa,
falência de empresas trouxeram aos americanos angústia, medo e descrédito. Neste
cenário em 1932 temos a eleição do Presidente Franklin Delano Roosevelt, que
em seu primeiro discurso de tomada de posse alertou aos americanos que A única
coisa que temos de temer é o próprio medo”.
Roosevelt objetivava formas de expandir o país e proteger a grande massa,
agora em uma situação de flagelo total. Criou-se assim um pacote de medidas
denominadas de New Deal (Novo Acordo) visando a criação de empregos pelo
próprio Estado o que foi efetivando gerando a construção e restauração de 400 mil
quilômetros de estradas, 40 mil escolas, contratação de 50 mil professores,
instalação de mais de 3,5 milhões de metros de tubulações de água e esgoto, entre
outros no
Criou-se o denominado Estado do Bem-Estar social (Welfare State) com o .
Estado intervindo na economia e também devemos lembrar a importância do o
Social Security Act criando um programa de seguro social destinado ao pagamento
de aposentadorias a trabalhadores com 65 anos ou mais, bem como o auxílio-
desemprego.
225
224
Idem, p. 149
225
Informações obtidas no texto do historiador Renan Garcia Miranda
New Deal vida nova aos EUA, Especial para a Folha de S.Paulo. Disponível em
http://www.uol.com.br. Acesso em 10 de março de 2008.
144
Continuando nosso trilhar histórico no ano de 1941 temos os planos
idealizados pelo Lorde William Beveridge. Sob o mote “Do berço ao túmulo(Social
security from the cradle to the grave) tal plano instituía a mais ampla proteção aos
cidadãos e suas famílias diante de necessidades sociais e, para tanto, unificava os
seguros sociais existentes; estabelecia a universalidade de proteção social para
todos os cidadãos; impunha a igualdade de proteção social e determinava a tríplice
forma de custeio, com maior predominância do custeio estatal.
226
Como salientado no Capítulo 1 com o final da Grande Guerra Mundial
(1939-1945) estabelece-se paras os Estados a necessidade de reconstrução do
mundo e do próprio homem, fragilizado pelos terrores da guerra. Neste desiderato
a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) visando estabelecer paz,
vínculo e solidariedade entre os homens, este último a base e o esteio da
seguridade social para se alcançar justa e bem-estar social.
Para instrumentalização das intenções acima expostas aprovou-se pela
Resolução nº 217 da Assembléia Geral da ONU, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos positivando-se a preocupação com o homem como objeto central,
226
STACK, Maurice, Ob. Cit. p. 11-12 destacava que O plano Beveridge (1942) e as
Recomendações da OIT sobre garantia dos meios de vida e assistência médica(1944) atraíram a
atenção geral quanto à oportunidade:
a) de estender a Seguridade Social à totalidade da população;
b) de reconhecer a unidade essencial das funções de garantia dos meios de vida, que até então
figuravam em regimes diferentes;
c) de reconhecer a unidade essencial dos serviços sanitários preventivos e curativos;
d) de conceder benefícios iguais pelo menos ao mínimo vital, compreendidos os salários-família;
e) de manter os princípios do seguro e, especialmente, o da contribuição dos segurados;
f) de reconhecer que a Seguridade Social torna-se impossível sem uma política de pleno emprego e
não constitui mais que uma parte da campanha total para a liberação da necessidade;
g) de prever serviços complementares de assistência social a fim de cobrir as necessidades não
satisfeitas pelo seguro social”.
145
destinatário de direitos e garantias protetivas necessárias ao seu desenvolvimento
digno.
Em seu art. 85 vislumbramos a proteção integral ao ser humano, dignificado,
e amparado em suas necessidades, cabendo citar:
Artigo 85. Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de
assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive
alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos os serviços
sociais indispensáveis, o direito à seguridade social no caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de
perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu
controle.
Devemos citar também e com objetivos mais específicos à seguridade social
a instituição no ano de 1952 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) da
Convenção n. 102 denominada Norma Mínima de Seguridade Social, preceituando
a efetivação de uma proteção mínima de protão a todos os membros da
sociedade, o que denominamos de princípio da universalidade. o princípio da
universalidade.
A partir da edição da Norma Mínima de Seguridade Social passamos a
perceber a instituição nos Textos Constitucionais dos direitos sociais, entre eles, os
direitos trabalhistas e previdenciários, podendo citar como exemplo do chamado
“Constitucionalismo Social” a Constituição do México, de 1917 a primeira a incluir
em seu art. 123 a previdência social em suas disposições, seguida em 1919 pela de
Weimar que em seu art. 163 disciplinou ao Estado a responsabilidade de proteção
nas necessidades do povo alemão quando atingido pelo desemprego e ausência de
subsistência.
A partir da análise histórica do instituto da seguridade social é possível
depreender sua importância bem como conceito e objetivos. A seguridade social
visa por meio da comunhão de esforços dos diversos atores sociais, entre eles,
empregados, empregadores, Estado e sociedade em geral, comunhão a que se dá o
nome de solidariedade social um dos princípios norteadores e fundantes do sistema,
146
a proteção ao homem diante dos infortúnios, libertando-o da miséria e das
necessidades.
Manuel Alonso Olea e José Luis Tortuero Plaza com precisão declaram a
seguridade social como um conjunto integrado de medidas públicas ordenadas em
um sistema de solidariedade e que visam prevenir e remediar os riscos pessoais
por meio de prestões individuais agregando a idéia de que tais medidas são
voltadas para a proteção geral de todos em situações de necessidade, garantindo
assim um nível mínimo de rendimento.
227
Ainda resta declarar que o conceito de seguridade social na atualidade está
interagido com a idéia de necessidades do indivíduo e não como no início,
contemplado que era, como proteção para aqueles que exerciam atividade
profissional. Ademais, na medida em que a seguridade social se torna um serviço
de ordem pública, dever do Estado, congregando uma solidariedade social e não
apenas profissional, própria das origens do seguro social, o conceito de seguridade
social como garantia de renda cede espaço para uma conceituação mais ampla
como garantia de um mínimo vital aos membros da sociedade.
228
Pelo o que foi exposto, resta claro o papel desenhado a ser cumprido pela
seguridade social, que por meio de objetivos definidos e políticas públicas
articuladas, visa estabelecer a proteção do homem, salvaguardando-o das
necessidades sociais, garantindo assim, a consolidação do bem-estar e da justa
social.
4.2 Da noção de risco social à moderna concepção de contingência social:
incursões evolucionistas
Dotado de racionalidade e responsabilidade, pela consciência do seu
próprio existir, individualmente ou em grupos, o Homem se mostrou preocupado
227
Instituciones de Seguridad Social. 11ª ed. Madrid: Ed. Madrid, 1988, p. 38.
228
DUPEYROUX, Jean Jacques. O Direito à Seguridade Social. Revista dos Industriários. São
Paulo: 1963, n. 94, p. 27.
147
com a própria sobrevivência e preservação de sua vida diante das ameaças
conhecidas ou ignoradas. Os temores que afligem o homem em seus diversos
momentos históricos poderiam ser catalogados como riscos, em razão da sua
ameaça, imprevisibilidade, incerteza e condicionada ao futuro.
Diante de tais ameaças mais uma vez o Homem aprimorou-se para tentar
compreender os eventos danosos, estabelecendo e implementando condutas ativas
que mesmo sem afastá-los, buscavam minorar seus efeitos.
Em muitos casos tornou-se consciente que existem riscos previsíveis, mas
inevitáveis, tais como a morte e a velhice. Assim, correlata à idéia de libertação do
temor da necessidade está plasmado o conceito do seguro social buscando
condições exeqüíveis que garantissem ao indivíduo a proteção contra os riscos
comuns da vida.
229
Nos primórdios da proteção social a salvaguarda dizia respeito aos riscos,
compreendidos como eventos futuros, incertos e sem previsibilidade. A evolução do
instituto da proteção social foi sendo aos poucos modificado para abranger a
concepção de assecuratória das necessidades sociais e o apenas dos riscos.
Mas, qual seria a diferença? Temos casos em que as necessidades sociais são
eventos intencionados pelo agente
230
, por exemplo, a constituição de uma família, a
maternidade biológica ou adotiva, o casamento, entre outros, e que são objeto de
proteção da seguridade social.
231
Importa ressaltar ainda que a análise histórica da seguridade social
229
ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social. Revista
IAPI, 1975, vol. 17, p. 25.
230
Como fortalecimento de nossa argumentação podemos citar as sábias palavras de Armando de
Oliveira Assis, Ob. Cit, p. 29: O risco social conforme pretendemos modelar, é o perigo, é a
ameaça a que fica exposta a coletividade diante da possibilidade de qualquer de seus membros, por
esta ou aquela ocorrência, ficar privado dos meios essenciais à vida, transformando-se, destarte,
num nódulo de infecção no organismo social, que cumpre extirpar (...) “Hoje em dia é muito
freqüente usar-se a expressão no plural riscos sociais porque a cada uma das eventualidades
suscetíveis de causar desequilíbrio na vida do trabalhador e de sua família, se dá o nome de “risco”:
doença, invalidez, morte e até maternidade”.
231
BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan. Ob. Cit., p. 26.
148
demonstra que as primeiras leis previdenciárias tiveram como gênese a proteção do
trabalhador. E assim constata-se não ter sido qualquer tipo de trabalhador que
inspirou a criação do seguro obrigatório, mas sim o chamado proletário ou operário,
isto é, aquele que trabalhava na indústria, submetido a horário, a ordens e
percebendo salário mensal. Era este trabalhador, em razão das suas atividades
diárias, que encontrava-se mais sujeito a vicissitudes da miséria e da falta de
provimentos no caso de ser atingido pelos eventos danosos, denominados naquele
momento histórico, de riscos. Assim, ocorrendo o risco estaria o operário fadado ao
estado de necessidade e impossibilidade de subsistência de si próprio e de sua
família.
232
No entanto, de se mencionar que o Seguro Social apesar de seu
nascimento com o Direito do Trabalho buscou transformar e ultrapassar a proteção
do homem enquanto trabalhador, ampliando o seu horizonte e compreendendo-o
como “um ser digno de segurança e credor da solidariedade de seus
semelhantes”.
233
Protegia-se o trabalhador, e na verdade o homem, enquanto
cidadão, deveria ser protegido. Esta mudança de conceito foi de indescritível
importância para a nossa disciplina, pois enalteceu a verdadeira missão do sistema
de seguridade social, qual seja, o de proteger o indivíduo diante das necessidades
sociais, enquanto cidadão e componente de uma determinada coletividade
234
.
A idéia de risco social como algo de acontecimento futuro, imprevisível e
incerto aos poucos vai cedendo lugar para as denominadas “necessidades sociais”
que não significam em um primeiro plano, riscos na acepção técnica do termo, mas
configurar-se-ão como fatos influenciadores na subsistência do cidadão e
merecedores de uma proteção social, a fim de garantir uma sobrevivência saudável
e moralmente digna. Desta forma, do conceito de risco como base do seguro social,
passou-se à noção de contingência humana, mais ampla.
235
232
CARDONE, Marly Antonieta. Seguro Social e Contrato de Trabalho. São Paulo: Saraiva, 1973,
p.13.
233
DERZI, Heloisa Hernandez. Os beneficiários da pensão por morte. São Paulo, Lex Editora,
2004, p. 63.
234
ASSIS, Armando de Oliveira. Ob. Cit, p. 29.
235
Idem, p. 14.
149
É o que acontece, por exemplo, no momento de constituição da família. O
segurado, desejando perpetuar laços de amor e de descendência, ampliará suas
situações de necessidade em razão do incremento do número de componentes do
núcleo familiar. Visando ampará-lo surgem os benefícios familiares.
Constitui-se, assim, o salário-família a tradução mais vanguardista de que o
conceito de risco, sinônimo de prejuízo e incerteza, evoluiu. Os filhos, comemorados
e festejados, são centelha divina e não trazem consigo o malfadado prejuízo, mas
sim uma sobrecarga financeira para o núcleo familiar, razão pela qual existem os
abonos familiares colaborando na provisão de numerários.
236
No decorrer de todo o trabalho destacamos que o sistema de seguridade
social vem sendo cenário de constantes mutações. Neste diapasão o denominado
“risco social” como aquele evento futuro, incerto e imprevisível que geraria um
eventual dano ou prejuízo ao segurado, aos poucos vai sendo substituído para ser
considerado como “necessidades sociais” as quais são algumas vezes voluntárias e
pré-concebidas.
Outro exemplo para melhor compreensão da evolução do conceito de
necessidade social é o benefício instituído pela Lei 10.421/2002 denominado
salário-maternidade à mãe adotiva. Neste cenário de hodiernas transformações
resta evidente que a adoção não se configura como um ato incerto e imprevisível,
muito pelo contrário, depende do querer, da vontade e do agir do interessado em
proceder à adoção, que dependerá de um processo judicial para sua concretização.
A adoção se traduz como verdadeiro ato de fraternidade e assim sendo,
somos sabedores de que o sistema de seguridade social está absolutamente
alicerçado no princípio da solidariedade, na busca pela justiça social e promoção da
dignidade humana. Portanto, ao selecionar esta necessidade como merecedora de
proteção social o legislador infraconstitucional dignificou o instituto da adoção no
236
BALERA, Wagner Balera & ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan.Ob. cit., p. 122.
150
Brasil, exatamente no momento em que percebemos muitas crianças abandonadas
na busca de um lar.
237
Neste sentido sábias são as palavras de Armando de Oliveira Assis
pontificando que :
Completadas tôdas as eventualidades que representavam perda de
salário independemente da vontade do trabalhador, o seguro social
culminou com a atenção dada a determinadas eventualidades que,
em verdade, não podem ser classificadas nem como eventos
imprevistos, nem como riscos. Essas eventualidades se referem aos
casos em que em virtude de fatos normais da existência humana, o
trabalhador se a braços com um acréscimo de responsabilidade
econômica, como sejam o matrimônio, o nascimento de um filho, ou
a existência de uma prole numerosa. Como se nota, nem o
matrimônio, nem a maternidade são riscos, na acepção técnica do
têrmo. Mas, não obstante, foi possível incluir êsses fatos, geradores
de sobrecarga econômica para os trabalhadores, no número de
eventualidades componentes de sistemas de seguro social.
238
Paul Durand
239
considera que o risco é um acontecimento desafortunado na
maioria das vezes, como na doença, na morte, no incêndio considerado nessa
acepção como sinistro. Mas qualificativo risco também pode ser aplicado a
acontecimentos futuros: a sobrevivência do segurado, nos casos de seguro de vida,
o matrimônio, o nascimento de um filho, nos seguros de casamento ou nascimento.
Finalmente, devemos compreender apoiando-nos nos ensinamentos de Ilídio
das Neves que a missão fundamental do sistema é a de assegurar de forma
organizada a salvaguarda dos cidadãos contra determinados riscos da existência,
tendo em vista que os efeitos danosos afetam não apenas às pessoas
individualmente consideradas, mas sim a sociedade em seu conjunto, cabendo ao
Estado a responsabilidade nas políticas sociais.
240
237
Neste sentido é a nossa obra Salário-Maternidade à mãe adotiva no Direito Previdenciário
Brasileiro. São Paulo: LTr, 2005.
238
Idem, ibidem.
239
La Politica Comtemporánea de seguridad social. Madrid: Ed. Ministério do Trabajo Y Seguridad
Social. Madrid: Ed. Ministerio do Trabajo y Seguridad Social, 1991 (Colleción Seguridad Social, n. 4),
p.22.
240
NEVES, Ilídio das. Ob. Cit., p. 19.
151
4.3 A seguridade social na Constituição Federal de 1988
Na Constituição Federal de 1988 temos insculpido o conceito de seguridade
social em Art. 194 estabelecendo que: “A seguridade social compreende um
conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência
social”.
Portanto, é a seguridade social
241
formada pela tríade assistência social,
saúde e previdência social.
A seguridade social constitucionalmente engendrada por princípios previstos
no art. 194 tem por objetivos principais a consolidação de um Estado de Bem-Estar
Social, cumprindo seu papel institucional de busca pela justiça e paz social, com a
redução das desigualdades, promoção da dignidade da pessoa humana e proteção
do homem diante vicissitudes e necessidades sociais.
Em razão de melhor delimitação do objeto de nosso estudo que se insere na
previdência social optamos pela simples conceituação de ordem constitucional dos
demais elementos da seguridade social que são a assistência social e a saúde.
O art. 203 da CF/88 disciplina a assistência social ditando que:
Art. 203 A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por
objetivos:
I a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e
à velhice;
241
OLIVEIRA, Moacyr Velloso Cardoso de. Previdência Social. Rio de Janeiro: Freitas, 1987. p. 21
considera a seguridade social como : “Conjunto de medidas adotadas pelo Estado, por meios de
organizações próprias ou subvencionadas, destinadas a prover as necessidades vitais da população
do país, nos eventos básicos previsíveis e em outras eventualidades, variáveis segundo as condições
nacionais, que podem verificar-se na vida de cada um, por meio de um sistema integrado de seguro
social e de prestação de serviços sociais, de cuja administração e custeio participam direta ou
indiretamente, os próprios segurados ou a população mesma, as empresas e o Estado”.
152
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de
deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei.
A assistência social está regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência
Social (Lei n. 8.742 de 7 de dezembro de 1993) e um dos principais traços distintivos
em relação à previdência social é o seu caráter não-contributivo, ou seja, sem a
devida contraprestação contributiva do hipossuficiente visando apartar as situações
de pobreza e miserabilidade mediante a atuação concreta do Estado.
Nesse sentido, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen
242
consideram a
assistência social como uma das vias de proteção destinada aos sujeitos não
assegurados pela Previdência Social, que é dotada de caráter contributivo, visando
oferecer condições de sobrevivência frente às necessidades e à miséria com
dignidade
.
Considera Damião Alves de Azevedo
243
que o conceito e a definição de
assistência social deve ser reforçado nos dias atuais não como elemento caritativo,
historicamente assim considerado, mas sim como dever e obrigação do Estado por
meio da implementação de políticas públicas engajadas no enfrentamento da
pobreza, na redução das desigualdades regionais e conclamação do bem-estar e da
justiça social. Os objetivos propugnados pelo art. 203 da Constituição e reafirmados
no art. da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), 8.742/93. ratificam ser a
242
Direito da Seguridade Social: prestações e custeio da Previdência, Assistência e Saúde.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 264.
243
Por uma compreensão constitucionalmente adequada da Assistência Social. Disponível em:
http;//www.mj.gov.b. Acesso em 14 de abril de 2008.
153
assistência social um dos instrumentos de promoção dos direitos sociais, elemento
da seguridade social, visando garantir oportunidades para aqueles cidadãos
desprovidos e necessitados. A assistência visa em análise última a efetivação do
Estado Democrático de Direito Brasileiro.
Quanto à saúde estabelece a Constituição Federal de 1988 em seu art. 196:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação”.
Importa ressaltar que a saúde, assim como a assistência social, se distingue
da previdência social pela sua não contributividade, sendo compreendida como
compreendida direito público subjetivo alicerçada no princípio da universalidade,
pois se constitui como um direito de todos e dever do Estado, atuando na esfera
prevencionista, bem como recuperadora.
Em razão da relevância das ações e dos serviços de saúde caberá ao Poder
Público, nos termos do art. 197 do Texto Magno de 1988, promover as atividades de
regulamentação, fiscalização e controle
.
244
4.3.1 Previdência Social e sua evolução histórico-legislativa
O doutrinador Augusto Massayuki Tsutiya
245
nos oferta uma didática
contribuição para a compreensão das fases do desenvolvimento da legislação
previdenciária, denominadas:
244
No mesmo sentido ressalta TESSLER, Marga Inge Barth em seu artigo O direito à saúde: A
saúde como direito e como dever na Constituição Federal de 1988. Revista do Tribunal Regional
Federal da Região. Porto Alegre, a. 12, n. 40, p. 78 : “Não dúvida da fundamentalidade do
direito à saúde. Foi a Constituição de 1988 a primeira das nossas Cartas políticas a reconhecer
explicitamente e assegurar este direito. É o segundo dos direitos sociais, logo após a educação. O
artigo 196 da Carta de 1988 inscreve a saúde como ‘direito de todos e dever do Estado’. Este dever
do Estado será garantido através de políticas sociais e econômicas, objetivando a redução do risco
de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços públicos para
a sua promoção, proteção e recuperação”.
154
a) Fase da Implantação (1923- 1933)
b) Fase da Expansão (1933-1960)
c) Fase da Unificação (1960-1977)
d) Fase da Reestruturação (1977-1988)
a)Fase da Implantação (1923- 1933)
Com o governo de Getúlio Vargas ocorre enorme expansão do direito social
mediante a criação das diversas caixas e institutos de proteção de categorias
profissionais determinadas.
246
No Brasil, a Revolução de 1930 ensejou o reconhecimento de diversos
direitos sociais, inclusive seguros obrigatórios contra velhice e doença. Neste
momento o sistema deixou de ser estruturado por empresa sendo extensivo às
categorias profissionais, como o Instituto de Aposentadorias em Pensões dos
Marítimos (IAPM), dos Comerciários (IAPC), dos Bancários (IAPB), dos Industriários
(IAPI), dos empregados em Transporte de Carga (IAPETC), dos Servidores Públicos
do Estado (IPASE).
Tem-se como marco histórico da Previdência Social no Brasil a Lei Eloy
Chaves, Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923, disciplinando a criação da
Caixa de Aposentadorias e Pensões para os trabalhadores nas estradas de ferro do
em âmbito nacional. Entre os benefícios elencados estavam a aposentadoria por
invalidez, ordinária (tempo de serviço), pensão por morte e assistência médica. Em
1926 os benefícios previdenciários foram estendidos aos portuários, empregados
dos serviços de telégrafos e radiotelégrafos, serviços de força, luz e bondes.
245
Curso de Direito da Seguridade Social. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 10-11.
246
Entre as categorias estão: IAPETEC – Instituto de Aposentadoria de Pensões dos empregados em
transporte de Carga; IAPM Instituto de aposentadoria e pensões dos marítimos; IPC Instituto de
Aposentadorias e Pensões dos Comerciários.
155
Outra mudança foi o sistema de financiamento. Como ocorria na lei Eloy
Chaves o sistema era custeado pelos empregados, empregadores e usuários do
sistema ferroviário, mas sem a participação do Estado. A partir de 1930 a
contribuição para o sistema era feita pelos empregados, pelos empregadores, cuja
contribuição incidia sobre a folha de pagamentos, bem como de financiamento do
Estado com recursos obtidos através de taxa cobrada sobre artigos importados. A
Constituição Federal de 1934 estabelecia esta forma de custeio tripartite, tornando a
contribuição obrigatória.
b) Fase da Expansão ( 1933-1960)
A Constituição de 1934 disciplinava a cobertura de algumas contingências,
entre elas, velhice, invalidez, maternidade, morte e acidentes do trabalho. No
tocante à aposentadoria estabelecia a compulsoriedade aos servidores públicos
aos 68 anos de idade, aposentadoria integral aos servidores com 30 (trinta) anos
de serviço ou em decorrência de acidente, estabelecendo como limite da
aposentadoria os vencimentos da atividade.
A Constituição de 1937 manteve o que vinha sendo disposto na
Constituição de 1934.
Em 1943, em pleno período da vigência do Estado Novo de Getúlio Vargas,
foi editada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), sendo assegurados diversos
direitos aos trabalhadores brasileiros.
Na Constituição de 1946 o termo “previdência social foi alterado para
“seguro social” e o custeio mantinha-se financiado pela tríplice fórmula
empregados, empregadores e Estado. Na vigência da Constituição de 1946 houve
uma unificação e uniformização das políticas legislativas, em especial com o
Regulamento Geral dos Institutos de Aposentadorias e Pensões implementado por
meio do Decreto 35.448, de de maio de 1954, unificando os princípios gerais
relativos aos institutos de aposentadorias e pensões.
156
b) Fase da Unificação ( 1960-1977)
O ano de 1960 foi marcado pela instituição da Lei Orgânica da Previdência
Social (LOPS) Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, que unifica os textos esparsos
sobre a matéria. A LOPS padronizou o sistema implementando novos benefícios
como auxílio-natalidade, auxílio-funeral e auxílio-reclusão, elevou o teto do salário-
de-contribuição para cinco salários mínimos.
Muito importante para a estabilidade financeira do sistema foi a criação da
Emenda Constitucional n. 11 de 31 de março de 1965 instituidora do princípio da
preexistência do custeio em relação ao benefício, determinando que “nenhuma
prestação de serviço de caráter assistencial ou de benefício compreendido na
previdência social poderá ser criada, majorada ou estendida sem a correspondente
fonte de custeio total”.
Em 21 de novembro de 1966, pelo Decreto 72/66, ocorreu a unificação de
todos os Institutos e criação do INPS Instituto Nacional de Previdência Social, que
iniciou suas atividades em 2 de janeiro de 1967.
Em 1967 sob a égide da chamada “Ditadura Militar” o Texto Supremo
vigente à época não inovou, apenas ratificou os direitos estabelecidos na
Constituição anterior.
No ano seguinte, regulamentou-se a previdência social do trabalhador rural
(decretos-lei nº 564, de 1º de maio de 1969, e 704 de 24 de julho de 1969).
A Emenda Constitucional 1, de 1969, não inovou muito em termos dos
direitos à previdência social. O que não se pode falar da Emenda Constitucional
18, de 30 de junho de 1981, que fez a previsão da concessão de aposentadoria
integral para o professor após 30 anos e, para a professora após 25 anos de efetivo
exercício em funções de magistério.
Os rurícolas foram alvo de proteção social a partir da Lei Complementar
11/71 denominada de FUNRURAL.
157
Os empregados domésticos passaram a integrar a Previdência Social
brasileira a partir da edição da Lei n. 5.859/72.
O Ministério da Previdência e Assistência Social foi criado em 25 de junho de
1974, através da Lei 6.136, desmembrando-o do Ministério do Trabalho e da
Previdência Social.
A Lei 6.226, de 14 de julho de 1975, dispôs sobre a contagem reproca,
para efeito de aposentadoria, do tempo de serviço público federal e de atividade
privada.
d) Fase da Reestruturação (1977-1988)
Por meio da Lei 6.435, de 15 de julho de 1977, foram regulamentadas as
entidades de previdência privada. Tem-se esta data como o início das entidades de
previdência complementar, justamente porque neste período, após a unificação dos
sistemas com a criação do INSS em 1966/1967, bem como do Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (criado pela Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966) ocorreu
uma espécie de intervenção pública no mercado de trabalho, abrindo espaço para a
criação dos fundos de pensão, nos modelos preconizados pela Lei nº 6.435/77.
O Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), foi
instituído através da Lei n° 6.439, de 1° de setembro de 1977, criado com o objetivo
de reorganizar a Previdência Social integrando assistência médica, farmacêutica e
social. Era dividido entre o INPS Instituto Nacional de Previdência Social; INAMPS
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social; LBA Fundação
Legião Brasileira de Assistência; FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estado do
Menor; DATA-PREV Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social;
IAPAS Instituto de Administração Financeira da Previdência Social; e CEME
Central de Medicamentos (que foi transferido para o Ministério da Saúde em 1985).
158
4.3.2 Tempos modernos: A Previdência Social a partir da CF/88
Para melhor intelecção do assunto nos tempos contemporâneos
pretendemos analisar a Previdência Social da Constituição Federal de 1988 e as
diversas Emendas Constitucionais que foram implementadas desde a sua
promulgação. Declara o art. 201 do Texto Constitucional:
Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma geral, de
caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios
que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá nos
termos da lei, a :
I cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade
avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego voluntário;
IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda; e
V- pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou
companheiro e dependentes.
É, portanto, a previdência social a institucionalização estatal de um seguro,
destinado à pessoa, filiada ao sistema, e vitimada pela necessidade social. Pode
ainda ser entendida como meio dotado de eficácia do qual se utiliza o Estado no
intuito de proceder à distribuição da riqueza nacional, objetivando o bem-estar da
coletividade.
247
Consoante as disposições do art. 201 da CF/88 percebemos as
características básicas da previdência social: caráter contributivo, filiação obrigatória,
proteção a riscos determinados pela legislação e equilíbrio financeiro e atuarial.
Mister se faz salientar que filiação é ato prévio e obrigatório que consiste no
247
BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan. Ob. Cit, p. 32.
159
ingresso do indivíduo no sistema. Para tanto é suficiente o início da prestação de
serviços quer seja como empregado, autônomo, empresário ou rurícola. A filiação é
operada de modo automático posto que dotada de caráter cogente e de ordem
pública. A filiação investe o indivíduo na qualidade de segurado da Previdência
Social. Entretanto, tal regra comporta uma única exceção, a da filiação facultativa de
quem queira ingressar no sistema por vontade própria.
O sistema da previdência social protege riscos determinados especificados na
lei. Tais riscos encontram-se delimitados nas leis que regem o sistema e os incisos
do art. 201 da Carta Magna de 1988 traduzem as contingências que são objeto de
amparo social. Cumpre transcrevê-lo:
Art. 201 ( ...)
I cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade
avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego voluntário;
IV- salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos
segurados de baixa renda; e
V- pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou
companheiro e dependentes.
Verifica-se, portanto, que a Constituição Federal de 1988 relaciona os
eventos merecedores de proteção social e neste intuito devem ser entendidos
como aqueles capazes de colocar em situação de necessidade os que vierem a ser
atingidos por tais ocorrências.
Finalmente, a garantia do bom funcionamento do sistema exige o respectivo
equilíbrio financeiro e atuarial, mediante coordenação dos ingressos e de saídas,
nos termos da regra da contrapartida, expressa no art. 195, § 5
o
da Constituição
Federal de 1988.
160
4.4 Princípios Constitucionais da seguridade social na CF/88
4.4.1 O princípio da solidariedade como regente do sistema de seguridade
social
A Carta Magna de 1988 elege como um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, em seu art. 3º, inciso I a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária.
Mais adiante em seu art. 195, ao tratar do custeio da Seguridade Social
declara que o financiamento do sistema será feito por toda a sociedade, direta e
indiretamente. Encontra-se, portanto, o princípio da solidariedade, umbilicalmente
ligado a outro princípio da seguridade social, de notada grandeza previsto no art.
194, inciso VI da CF/88 o da diversidade da base de financiamento.
Denota-se assim, que o legislador constituinte objetivou firmar como propósito
da sociedade brasileira a instituição dos laços de solidariedade necessários à
construção de uma sociedade livre, justa, desenvolvida, com a promoção do bem de
todos e apartamento das desigualdades regionais.
A solidariedade para o Estado Democrático de Direito Brasileiro deve ser
concebida como sinônimo de desenvolvimento, justiça social, bem-estar e paz.
248
O vocábulo solidariedade nos remete à concepção de ligação entre pessoas,
responsabilidade mútua, congregação de interesses individuais para o
248
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 2001, p. 90,
enfatiza que “A solidariedade social é projeção de amor individual, exercitado entre parentes e
estendido ao grupo social. O instinto animal de preservação da espécie, sofisticado e desenvolvido no
seio da família, encontra na organização social amplas possibilidades de manifestação. Pequeno o
grupo social, a solidariedade é quase instintiva. Vencendo o natural egoísmo, aquele que ajuda o
próximo sente que um dia poderá ser ajudado. Essa ajuda, sem perspectiva de reciprocidade, é
moral; com certeza de reciprocidade, é seguro social. A solidariedade familiar é a primeira forma de
assistência que o ser humano conhece e à qual recorre quando da instalação da necessidade;
depois intervêm técnicas de proteção social mais elaboradas”.
161
desenvolvimento comum, vinculação de indivíduos em prol de um bem maior,
comunhão de responsabilidades.
249
A doutrina social da Igreja trabalha com um dos pilares para a instauração da
justiça social e do desenvolvimento, a noção de solidariedade, cabendo citar:
O termo “solidariedade” exprime em sua síntese a exigência de
reconhecer, no conjunto dos liames que unem os homens e os
grupos sociais entre si, o espaço oferecido à liberdade humana para
prover ao crescimento comum, compartilhado por todos. A aplicação
nesta direção se traduz no positivo contributo que não se há de
deixar faltar à causa comum e na busca dos pontos de possível
acordo, mesmo quando prevalece uma lógica de divisão e
fragmentação; na disponibilidade a consumir-se pelo bem do outro,
para além de todo individualismo e particularismo. O princípio da
solidariedade implica que os homens do nosso tempo cultivem uma
maior consciência do débito que têm para com a sociedade em que
estão inseridos: são devedores daquelas condições que tornam
possível a existência humana, bem como do patrimônio, indivisível e
indispensável, constituído da cultura, do conhecimento científico e
tecnológico, dos bens materiais e imateriais, de tudo aquilo que a
história da humanidade produziu. Um tal débito de ser honrado
nas várias manifestações do agir social, de modo que o caminho dos
homens não se interrompa, mas continue aberto às gerações
presentes e às futuras, chamadas juntas, umas e outras, a
compartilhar a solidariedade do mesmo Dom.
250
O ano de 2000 foi eleito pela Conferência Geral das Nações Unidas como o
“Ano Internacional por uma Cultura de Paz” tendo por escopo estabelecer diretrizes
para uma “cultura da paz” no novo milênio. Como resultado dos esforços
comungados por diversos países e capitaneados pela ONU e pela UNESCO foi
elaborado o “Manifesto 2000 por uma Cultura de Paz e Não-Violência”, o qual
ressalta a cota de responsabilidade individual comprometendo-se com o futuro da
Humanidade.
249
Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa 11ª. ed., supervisionada e
consideravelmente aumentada, São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1996, p. 1127.
250
Compêndio de Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 2009, p. 117-118.
162
Entre outros, o documento estabelece o respeito à vida, à digna, à
diversidade, ao pluralismo, e em especial estabelece novas formas de construção da
solidariedade
251
.
No campo da seguridade social a solidariedade é concebida como princípio
necessário e indispensável para o funcionamento do sistema e considera Wagner
Balera:
Quaisquer que sejam os direitos sociais de quem cuida o Direito
Previdenciário, a peculiaridade inerente a esse conjunto de
modalidades de proteção jurídica e social é a idéia de cooperação
entre os membros da sociedade para que o bem comum seja
alcançado. E, anexa a esta, a idéia segundo a qual não existe bem
comum sem que para seu alcance concorram todos e cada um dos
partícipes da comunidade.
Ora, para a compreensão dos direitos sociais, não sendo possível
olvidarmos a noção de bem comum, é fundamental que aceitemos
também como prévia- a noção de solidariedade.
A existência do edifício social decorre, em nosso entender, dessa
noção de solidariedade, inerente à vida social.
252
A solidariedade social corresponde, portanto, a um princípio que estrutura os
Estados Sociais, notadamente, conhecidos como Estados Providência, possui
caráter político, econômico e social na medida em que cabe ao Estado promover o
bem de todos, e na união de forças individuais os enlaces tornam-se vínculos
jurídicos atrelados à implementação da proteção social. Desta forma, a solidariedade
se processa não por motivações caritativas ou sentimentos altruístas, mas sim visam
implementar o financiamento de benefícios destinados aos cidadãos mesmo em
razão de uma diminuta ou até mesmo nula capacidade contributiva.
253
251
O Manifesto se preocupa com a proteção à mulher destacando como uma de suas diretrizes
“Contribuir para o desenvolvimento de sua comunidade, com a ampla participação da mulher e o
respeito pelos princípios democráticos, de modo a construir novas formas de solidariedade.
252
Noções preliminares de Direito Previdenciário.o Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 20
253
SCHWARZ, Rodrigo Garcia. Sistema de seguridade social e o princípio da solidariedade:
reflexões sobre o financiamento dos benefícios. Revista de Doutrina da Região, Porto Alegre:
ago. 2008, n. 25, p. 12.
163
Portanto, a solidariedade social traduz o reconhecimento das desigualdades
existentes no ambiente social. É por meio da troca institucionalizada pelo Estado
que, de acordo com a capacidade contributiva de uns em favor da necessidade de
outros, o princípio da solidariedade se efetiva.
254
Finalmente, por meio da
solidariedade se consolidam os objetivos do Estado Democrático de Direito, quais
sejam, a efetivação da justiça e do bem-estar social
255
.
4.4.2 Princípios expressos da seguridade social : análise do art. 194 da CF/88
Partiremos agora para a análise dos princípios expressos no art. 194 da
Carta Maior de 1988 destacados pelo legislador constituinte como objetivos
explícitos do sistema de seguridade social. Disciplina o Texto Constitucional:
Art. 194. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a
seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I – universalidade da cobertura e do atendimento;
II uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais;
III seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e
serviços;
IV- irredutibilidade do valor dos benefícios;
V- eqüidade na forma de participação no custeio;
VI – diversidade da base de financiamento; e
VII caráter democrático e descentralizado da administração,
mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores,
dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos
colegiados.
254
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 2001, p. 90.
255
BALERA, Wagner & ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Ob. Cit., p. 38-39.
164
a) Princípio da universalidade da cobertura e do atendimento
O art. 194, I da CF/88 que alberga o princípio da universalidade da cobertura
e do atendimento, topologicamente dá início ao leque dos princípios, escolhido pelo
legislador constituinte como ferramenta para intelecção e norteamento de todo o
sistema.
256
O princípio em questão contempla dois aspectos: o da universalidade
objetiva e da universalidade subjetiva. Por universalidade subjetiva compreendem-
se os sujeitos de direitos a serem protegidos nas necessidades sociais, havendo a
universalidade no atendimento. a universalidade de cobertura, universalidade
objetiva, enfoca as necessidades sociais que serão contempladas para proteção
social.
257
O dispositivo em comento inaugura o novo ideário do legislador constituinte
de 1988 na garantia da satisfação das necessidades vitais, firmando no texto
positivado a seguridade social em seu viés mais contemporâneo.
b) Princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais
257
Acerca do assunto cabe citar o entendimento de Zélia Luiza Pierdoná no artigo intitulado A
inclusão previdenciária dos trabalhadores informais brasileiros: uma proposta para amenizar o
problema. Disponível no site http://www.mackenzie.com.br/faculdadedireito/publicação. Acesso em
18 de agosto de 2008: “O princípio enunciado no art. 194, parágrafo único, inciso I da Constituição,
revela a adoção de um sistema protetivo amplo, o único capaz de atingir o bem-estar e a justiça
sociais, que são objetivos da ordem social, conforme art. 193, comentado. O princípio em apreço
está em consonância com o sistema adotado - seguridade social, uma vez que esta amplia a idéia de
seguro social,o qual é dirigido apenas aos trabalhadores.
O princípio em comento prevê a universalidade da cobertura e do atendimento. A universalidade da
cobertura corresponde às situações de riscos (objetos da seguridade social). É o elemento objetivo da
universalidade. Constitui um vir a ser, uma vez que somente haverá a universalidade propriamente
dita quando todas as situações de risco forem atendidas.
a universalidade do atendimento, que é a dimensão subjetiva do princípio, está ligada aos
destinatários das prestações de seguridade social”.
165
O princípio em questão contemplado pelo art. 194, inciso II compreende-se
como um desdobramento do princípio da igualdade amplamente trabalhado no
capítulo 3 e considerado como um dos esteios do Estado Democrático de Direito
Por meio de tal imposição visou o legislador constituinte corrigir as inúmeras
injustiças de tratamento dadas à população rurícola. A Carta Cidadã de 1988
buscou por meio da seguridade social, minorar tais efeitos nocivos.
Salienta-se que até a Constituição Federal de 1988 os rurícolas não estavam
protegidos previdenciariamente de maneira ampla, o que havia era uma limitada
proteção prevista no Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRORURAL,
instituído pela Lei n. 11/71.
c) Seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços
Ao pesquisarmos os vocábulos “selecionar” e “distribuir” algumas
considerações de ordem semântica se fazem necessárias.
Contudo, em primeiro plano é possível afirmar que o voluto do legislador
constituinte foi o de intencionalmente agregar estes conceitos em um mesmo
dispositivo, restando clara, a ligação e a interdependência que deverá nortear a
atuação do hermeneuta responsável por sua aplicação.
Assim, “selecionar” e “distribuir” o vocábulos que encerram concepções
semânticas que se integram, mas cada qual possui a sua especificidade.
“Selecionar” segundo o dicionário é o ato ou efeito de escolher, separar.
Referida escolha possui sempre um fundamento que a norteia. Salienta-se que é
da essência humana o ato de selecionar, escolher.
No início do presente capítulo destacamos que a racionalidade humana em
seu aspecto mais filosófico aponta para um homem conhecedor de sua finita
existência e a sua propulsão pela realização de projetos. Ao realizar determinadas
166
tarefas cada homem escolhe e seleciona de acordo com suas vocações pessoais,
desejos, crenças e valores os objetivos preferidos. O ato de projetar-se por meio da
racionalidade comunga escolha, intenções e projetos.
No campo da seguridade social o ato de selecionar é atribuído ao legislador
que entre as necessidades e contingências sociais deverá escolher aquelas mais
propícias e indispensáveis para serem implementadas. Traduz-se como um
comando de imperativa aplicação e que deverá estar pautado na implementação de
políticas públicas que atendam aos objetivos conclamados no Texto Constitucional.
Hão de ser escolhas legítimas, fundamentadas e voltadas à produção de bem-estar
e justiça social
Partindo, do binômio necessidade-possibilidade caberá ao legislador
identificar as contingências e verificar as possibilidades financeiras para a criação e
implementação de novos benefícios
.
Consideramos também que a seletividade impõe ao legislador um molde a
ser cumprido levando-se em conta o contexto social, cultural, político e econômico
como esteio e fonte motivadora para a seleção das contingências sociais.
Deve o legislador no momento da escolha atentar para o momento histórico
priorizam as contingências sociais que reflitam em absoluto as necessidades a
serem prestigiadas.
“Distribuir”, por seu turno, conceitua-se como repartir, espalhar, dar ou
entregar a diversas pessoas.
Assim, no campo da seguridade social o binômio seletividade-distributividade
traduz-se como a escolha das necessidades sociais mais imperativas e a
distribuição de tais benefícios/serviços aos indivíduos mais necessitados, de forma
a abranger o maior número de destinatários, visando a produção efetiva da
promoção de justiça e bem-estar social.
Adriana Zawada Melo trabalhando o tema com maestria em sua tese de
167
doutoramento considera que a conjugação da seletividade e da distributividade
levam à produção da igualdade material no ordenamento brasileiro, cabendo citar:
(...) Considerando, pois, todos esses elementos e, sobretudo, o
propósito a que se destinam, os princípios da seletividade e da
distributividade são projeções da igualdade no sistema de proteção
social. E da igualdade entendida em seu sentido positivo, de
prescrever, em certas situações, discriminações ou restrições com o
objetivo de impedir que as conseqüências derivadas das
desigualdades fáticas, relacionadas à renda dos indiduos atinjam
a dignidade intrínseca de cada ser humano ou o pleno exercício de
seus direitos civis, políticos e mesmo sociais.
O ponto central dessas considerações é que a atuação conjunta dos
princípios da seletividade e da distributividade foi expressamente
desejada e consignada pela Constituição de 1988, de modo a atingir
aquelas finalidades definidas constitucionalmente e a preservar e
promover os valores prestigiados como base do ordenamento
jurídico brasileiro, os quais se reconduzem, em última instância, à
igualdade em seu sentido positivo.
Tal conclusão é perfeitamente coerente com a relevância que o
constituinte de 1988 atribuiu à igualdade, dando-lhe um conteúdo
bem mais denso que nas constituições anteriores, voltado à
consecução da igualdade material, e por isso, projetando-a em
vários campos, especialmente nos direitos sociais. A igualdade,
dirigida a preservar e promover a dignidade da pessoa humana,
passou a ser o elemento de unidade da Constituição, dando um
forte viés promocional ao direito constitucional.
258
Como encerramento do presente tópico cabe dizer que a aplicação de
referido dispositivo constitucional na práxis concreta sofrerá muitas vezes
limitações de ordem econômica, o que não significa renunciar ao ideal, mas sim
adaptar às circunstâncias que incutem um ritmo diferente de implantação.
259
d) Irredutibilidade do valor dos benefícios
258
A igualdade no sistema de proteção social: os princípios constitucionais da seletividade e
da distributividade. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo (USP), 2004, p. 262-263.
259
BALERA, Wagner. Noções preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin,
2004, p. 86-87.
168
Este princípio tem por finalidade precípua garantir o poder real de compra de
bens e serviços dos indivíduos na qualidade de cidadãos, em face das constantes
desvalorizações da moeda, resultado de um longo processo histórico de inflações a
que está sujeita a economia no Brasil.
É princípio análogo ao expresso no art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal
o qual delineia a irredutibilidade dos salários aos trabalhadores. No que diz respeito
ao direito previdenciário, a esta garantia (art. 194, IV) acresce-se o princípio da
manutenção do valor real dos benefícios, previsto no parágrafo do art. 201 da
CF/ 1988 e também no art. 14 da Emenda Constitucional n. 20/98, tratando, em
essência não ser a simples irredutibilidade do valor nominal, mas também
preservação efetiva do poder aquisitivo, como salvaguarda do cidadão em razão do
processo inflacionário presente em nosso país.
260
e) Eqüidade na forma de participação no custeio
O princípio em comento tem por finalidade assegurar o princípio da
igualdade substancial, qual seja, o custeio efetivar-se-á nos termos da capacidade
contributiva de cada sujeito social. É norma análoga ao princípio da capacidade
contributiva previsto no Direito Tributário. Sua aplicação no Direito Previdenciário
diz respeito aos participantes no custeio do sistema de seguridade social de acordo
com suas possibilidades financeiras.
Traduzindo de uma maneira simples “quem pode mais, paga mais”
percebermos as maiores contribuições voltadas às empresas e de outro ponto a
facilitação de pagamento de contribuições com alíquotas menores, exemplo da
dona de casa, visando a inclusão previdenciária.
260
FORTES, Simone Barbisan & PAULSEN, Leandro. Direito da seguridade social: prestações e
custeio da previdência, assistência e saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 35-36.
169
f) Diversidade da base de financiamento
O legislador magno de 1988 inovou ao incluir o novo financiamento da
Seguridade Social até então custeado de maneira tríplice, qual seja, pelos
empregadores, trabalhadores e Estado.
A diversidade da base de financiamento consolida-se como a instauração da
solidariedade social, ou seja, haverá a participação de todos direta ou indiretamente
para o custeio do sistema de seguridade social.
Para implementar os ideários de universalização da cobertura e do
atendimento, especificamente proposto no inciso I do art. 194 do cardápio dos
princípios da seguridade social, imperiosa se faz a participação de todos os atores
sociais para implementação de tais políticas públicas.
Declara o art. 195 da Constituição Federal de 1988:
Art. 195 A seguridade social será financiada por toda a sociedade,
de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos
provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na
forma da lei, incidentes sobre:
a)folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço,
mesmo sem vínculo empregatício;
b)a receita ou o faturamento;
c)o lucro;
II do trabalhador e dos demais segurados da previdência social,
não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão
concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o
art. 201;
III – sobre a receita de concursos de prognósticos;
IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei
a ele equiparar.
170
Salienta-se que o sistema anteriormente adotado pela legislação brasileira e
que se baseava no custeio tríplice, suportados por trabalhadores, empregadores e
União já não mais atendia aos clamores da seguridade social, e na Carta Magna de
1988 o constituinte fez por bem instituir a “diversidade da base de financiamento” a
qual, conjugada com os demais instrumentos, implementará plenamente a
seguridade social, alicerçada no fundamento da universalidade da cobertura e do
atendimento.
Em considerações iniciais é de se destacar a seguridade social constituída
com base no princípio da universalidade da cobertura e do atendimento é ideário
esculpido na Carta Magna de 1988 é o que irá orientar o legislador como um
horizonte a ser alcançado.
Comungando esforços para a obtenção deste ideário tratou o legislador
constitucional de estabelecer o financiamento para se alcançar tal objetivo, e para
tanto ditou regras no sentido de serem estabelecidas diversas bases de
financiamento do Sistema de Seguridade Social. Contudo, estamos ainda em uma
fase de transição e a universalidade não se encontra devidamente implementada.
Entretanto, vale dizer que caminhamos para atingi-la e nesse desiderato o
financiamento será de suma importância para instituição do plano de proteção
social universal.
Resta claro e convém repisar que, um dos primeiros passos para se alcançar
os objetivos traçados é estabelecer um custeio calcado no planejamento, na
previsão, no estudo, pois a partir deste necessário planejamento estará
engendrado um plano com suporte atuarial para implementação da política de
Seguridade Social
.
g) Caráter democrático e descentralizado da administração mediante órgãos
colegiados
171
Transparência, participação popular, cidadania e fortalecimento da
Democracia devem ser consideradas as razões principais que motivaram a inclusão
de tal princípio no rol do sistema de seguridade social.
Com certeza clara e cristalina é possível asseverar que o legislador
constituinte considerou de extrema importância a participação democrática dos
atores sociais envolvidos nas questões pertinentes ao sistema de seguridade
social.
Assim, associações e órgãos colegiados formados por trabalhadores,
empresários, aposentados e representantes do Poder Público são chamados a
intervir nos processos, analisando e decidindo políticas públicas de seguridade
social. O princípio garante maior transparência ao sistema, gerando, por
conseguinte, controle e fiscalização das atividades desenvolvidas pelos órgãos
responsáveis. Tal mandamento está intimamente ligado à idéia de cidadania,
participação popular e fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
4.5 O custeio e a regra da contrapartida: indispensável para o equilíbrio
financeiro e atuarial
A intenção do legislador ao incluir este princípio foi precipuamente a de
planejar e controlar o equilíbrio necessário para a concessão de benefícios e a
existência de dotação orçamentária apta à cobertura das contingências sociais.Tal
comando é denominado por muitos doutrinadores como princípio da preexistência
do custeio em relação ao benefício ou serviço.
Sua origem no ordenamento jurídico brasileiro se deu pela edição da
Emenda Constitucional n. 11, de 31 de março de 1965 que acrescentava o § 2
o
ao
art. 157 da Constituição de 1946 para estabelecer que “nenhuma prestação de
serviço de caráter assistencial ou de benefício compreendido na previdência social
172
poderá ser criada, majorada ou estendida sem a correspondente fonte de custeio
total”.
Na Constituição de 1988 encontra-se disciplinado no § 5
o
do art. 195 da
Constituição de 1988 com a seguinte redação: “nenhum benefício ou serviço da
seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente
fonte de custeio total”.
O dispositivo em comento guarda absoluta relação com o art. 201 da Carta
Cidadã de 1988 que delimita a necessidade de equilíbrio financeira e atuarial e
propõe :Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma de regime geral,
de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem
o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá nos termos da lei (...)”. ( grifos nossos)
Configura-se o plano de custeio como o pressuposto necessário para a
criação, modificação (aumento/redução) e cobrança de qualquer contribuição. A
seguridade, assim como a segurança e a certeza, forma parte do patrimônio jurídico
dos segurados, de seus dependentes e, também, do contribuinte.
Ao nos debruçarmos na análise dos anseios propugnados pelo art. 201 da
CF/88 combinado com o art. 195, parágrafo 5
o
, percebemos que os dispositivos
pretendem o equilíbrio financeiro e atuarial do Sistema tomando-se por base a
regra da contrapartida dentro de um contexto global e não individualmente
considerados cada espécie de contribuição ou benefício. Assim sendo ao se
estender, majorar ou até diminuir benefícios a análise deverá ser feita de maneira
global e sistemática e como corolário deste pensamento fazemos nossas as
palavras de Marcus Orione Gonçalves Correia:Frise-se que o equilíbrio financeiro
desejado pelo dispositivo deve ser considerado dentro de um contexto de
globalidade de política previdenciária e não de forma isolada
261
.
Se raciocinarmos de maneira diversa e não dentro de um Sistema
constituído pelas mais variadas formas de financiamento, a cada criação,
261
Digressões a respeito da inconstitucionalidade do fator previdenciário. Revista do Advogado.
São Paulo: set/2000, n. 60, p. 61.
173
majoração ou extensão de benefícios deveria ser criada uma nova fonte de custeio,
sem se pensar no fundo que já vem sendo constituído.
Por todo o exposto, asseveramos que a função precípua do presente
capítulo foi a de estabelecer as premissas e os aportes teóricos acerca do
funcionamento da seguridade social no ordenamento jurídico brasileiro, em
especial, pela análise do subsistema de Previdência tendo em vista que o objeto
nuclear de análise desta tese está cingido à compreensão dos benefícios
previdenciários denominados aposentadoria por idade e por tempo de contribuição
e suas rmulas “protecionistas” das diferenças de requisitos entre homens e
mulheres para a sua obtenção.
Enunciamos que metodologicamente iremos dissertar sobre a
“pseudoproteção” dada à mulher na ordem constitucional e infraconstitucional
brasileira ao estabelecer a diferença de idade e tempo de contribuição para fins de
aposentadoria em comparação aos homens.
Iniciaremos nossos estudos trazendo à luz de maneira mais abrangente o
instituto da aposentadoria, em especial, nos detendo nas aposentadorias por idade e
por tempo de contribuição, nucleares para a compreensão de nossa tese.
Para a concretização de nossos entendimentos, focalizaremos as
necessidades imperativas para mudanças de paradigmas em prol de objetivos
maiores: a manutenção do sistema, a solidariedade, o bem-estar social e a
consagração efetiva do princípio da igualdade entre homens e mulheres.
4.6 Considerações propedêuticas sobre o instituto da Aposentadoria no Brasil
Entre as necessidades sociais, a aposentadoria foi uma das primeiras
preocupações na legislação previdenciária pátria. A preocupação com o porvir, a
necessidade de se estabelecer uma segurança para o futuro no peodo de
inatividade, consubstanciou-se desde sempre uma das maiores aflições do Homem.
174
Considera-se a aposentadoria
262
como a “prestação por excelência da Previdência
Social, juntamente com a pensão por morte, pois ambas substituem o rendimento do
próprio segurado ou de seus dependentes.
263
Eloy Chaves, responsável pela primeira legislação previdenciária do país, nos
idos de 1923 em seu de apresentação do projeto de lei que foi batizada em sua
homenagem reforçou a tese acima dizendo:
O homem não vive para si e para a hora fugaz, que é o momento
de sua passagem pelo mundo. Ele projeta sua personalidade para o
futuro, sobrevive a si próprio em seus filhos. Seus esforços, trabalho
e aspirações devem também visar, no fim da áspera caminhada, ao
repouso, à tranqüilidade.
264
Nesta seara importante salientar que o vocábulo aposentadoria nos remete à
idéia de retirar-se para os aposentos, deixar de trabalhar, repousar e “colher os
frutos” da época laboral.
São presentes no ordenamento jurídico brasileiro as aposentadorias por
invalidez, especial, idade e tempo de contribuição. No entanto, para a intelecção do
262
Neste sentido sábias são as lições de Lawrence Thompson na obra Mais velha e mais sábia : a
economia dos sistemas previdenciários. (Trad. Celso Barroso Leite) Brasília : Ministério da
Previdência Social, (Coleção Previdência Social), p. 37 : “A miopia ocorre porque algumas pessoas
dão muito pouca importância à utilidade de consumo futuro quando tomam decisões econômicas.
Para os fins dessa discussão, a preocupação é que os jovens o insuficiente atenção às suas
necessidades de consumo na aposentadoria e poupam muito pouco. Com a idade eles perceberiam
as conseqüências dessas ações anteriores e concluiriam que erraram. Julgariam, porém, que ao
compreenderem o erro seria tarde demais para corrigi-lo. Erros sistemáticos de julgamento como
esse não seria problema importante sob muitos aspectos da vida econômica. Quase todas as
decisões econômicas ocorrem num ambiente em que as conseqüências de decisões passadas não
lhes agradam, as pessoas tomam decisões diferentes quando surge de novo a oportunidade de
decidir. Assim, quaisquer conseqüências de erros sistemáticos de julgamento são limitadas. As
decisões sobre rendimentos de aposentadoria são únicas. São tomadas no começo da vida, mas as
conseqüências aparecem bem mais tarde, quando descobrem que cometeram um erro não
poupando o suficiente enquanto trabalhavam, e as pessoas não podem mais fugir das
conseqüências. Uma intervenção coletiva para anular os efeitos da miopia levará as pessoas a
poupar uma parte maior dos seus ganhos enquanto trabalham, para poderem ter um padrão de vida
melhor na aposentadoria. A intervenção melhora os resultados do mercado livre na medida em quem
está perto da idade de aposentadoria vem a compreender que a intervenção anterior obrigou a
proceder de uma maneira que agora acredita ter sido correta”.
263
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de & LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário.
5ª ed. São Paulo: LTr, 2004, p. 503.
264
Informações disponíveis em http://www.consultorgov.br. Acesso em 30 de agosto de 2009.
175
objeto do nosso trabalho, qual seja, a análise de tempos diferenciados para os
gêneros, nos ateremos ao estudo das aposentadorias por idade e por tempo de
contribuição.
4.6.1 Aposentadoria por idade na previdência social brasileira
Adverte Eliane Romeiro Costa:
O processo de envelhecimento e a velhice são riscos, problemas
essenciais que orientam a formação do seguro das pessoas. A idade
para a aposentadoria, a aposentadoria por idade ou a idade
avançada no sistema de seguridade social representam questões
sociais e econômicas.
A idéia de risco social admite como valor fundante da seguridade
social o predomínio da noção de humanidade, da integridade
humana, da coesão, da solidariedade social sobre o valor do
individualismo, do egoísmo, do interesse privatístico. O seguro
orienta-se, por conseguinte, na seleção dos melhores, dos piores,
dos menores e dos maiores riscos, distintos na organização, na
concepção de valor e integrados ou não nos conteúdos de direitos
sociais em um ordenamento jurídico.
265
Pelos dizeres acima expostos confirmamos que a velhice se traduz como uma
preocupação de ordem social. Conceito elástico e derivativo das inúmeras
modificações sociais, a velhice vem ganhando novos contornos e roupagens.
Cumpre observar preliminarmente que, a velhice nunca foi um conceito
absoluto no decorrer dos tempos, seja do ponto de vista biológico, psicológico ou
cronológico.
À medida que ocorre um avanço tecnológico-científico o percebidas
claramente como conseqüências, mudanças nos índices de mortalidade mundial e,
via de regra, aumento da expectativa de vida.
265
Previdência Complementar na Seguridade Social: o risco velhice e a idade para a
aposentadoria. São Paulo: LTr, 2003, p. 139.
176
Resta claro, portanto, que uma inter-relação absoluta entre o progresso da
humanidade nas ciências biológicas e a determinação do conceito de velhice, idade
avançada, terceira idade, fase de pessoa idosa, podendo todos os vocábulos citados
ser considerados sinônimos.
Deve ser dito que a velhice sempre preocupou a Humanidade como um todo,
mas atualmente preocupa de modo formal, razão pela qual ao Estado é incumbida a
tarefa de proteger as pessoas nesta fase da vida.
Como conceituar a velhice? inúmeras formas, mas nenhuma estabelece
de maneira absoluta a essência do conceito.Em função da dificuldade de
determinação, deve ser frisado que o conceito de velhice é algo em transição, ou
seja, de acordo com os tempos e os progressos científicos; seu conceito é
redirecionado, como forma de encaixe nas novas necessidades.
Do ponto de vista médico, a Organização Mundial da Saúde (OMS), define a
velhice através de um critério cronológico, sendo para aqueles cidadãos que
atingem a idade de 65 (sessenta e cinco) anos, sem diferenciação de sexos.
A Organização Internacional do Trabalho, (OIT) na Convenção 102,
utilizando-se do mesmo critério da OMS disciplina como velhice os cidadãos que
atingem 65 (sessenta e cinco) anos.
Resta claro, que no presente conceito a idéia de velhice está relacionada ao
critério de forças para o trabalho e a concessão de aposentadoria. Tal conceito tem
um tratamento jurídico previdenciário, estabelecendo critérios cronológicos para a
velhice e a obtenção do benefício. Em função de seu caráter lógico-dedutivo e
generalista não cabe à lei estabelecer critérios subjetivos para classificação de quem
é considerado inserido na fase de velhice. Cabe apenas à lei definir critérios
cronológicos para a conceituação, não sendo convenientes elocubrações
discricionárias para a definição de cada ser humano.
177
Com relação à denominação usada pela Constituição Federal de 1988, em
seu princípio foram usadas as palavras velhice e idoso, e é sabido que um dos
constituintes responsáveis pela elaboração do texto, Ulisses Guimarães, teve muitas
dificuldades em encontrar o melhor sinônimo para a conceituação.
Após uma década, a Emenda n. 20 de 15 de dezembro de 1998, em seu
artigo 201 optou por conceituar como idade avançada, nos termos definidos no
Dicionário Aurélio, quando tratava do tema aposentadoria, questão a ser tratado de
forma mais detalhada no próximo tópico do presente trabalho.
Importa ressaltar que o tema velhice e os direitos a ela concernentes ainda
engatinham. Conforme visto somente a partir de 1970 a sociedade brasileira
conscientizou-se da necessidade de estabelecer uma política específica de atenção
às pessoas de idade avançada.
Entretanto, há inúmeros dispositivos nacionais e internacionais preconizando
o direito do idoso, como categoria de direito fundamental.
4.6.2 Previsões internacionais de seguridade social acerca da velhice como
necessidade social
Como apresentado na trajetória histórico-legislativa da Seguridade Social,
oportuno ratificar que em 1893 Otto von Bismark, Chanceler da Alemanha, implantou
um seguro social destinado à invalidez e velhice.
A doutrina social da Encíclica Rerum Novarum foi considerada como
“documento social do século” e o papa Leão XIII, em 1891, assim preconizava:
É necessário prover de modo especial a que em nenhum tempo falte
trabalho ao operário e que haja um fundo de reserva destinado a
fazer face, não somente aos acidentes súbitos e fortuitos
178
inseparáveis do trabalho industrial, mas ainda à doença, à velhice e
aos reveses da fortuna.(grifo nosso)
Destaca-se que a Rerum Novarum , consubstanciada em regras de Direito
Natural, firmou seus objetivos essenciais de justiça social, em especial destacando a
importância do Estado na proteção da necessidade social, velhice.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 definiu a proteção à
velhice, assim determinando em seu artigo 85 :
Todo Homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a
si e a sua família bem-estar social, inclusive, alimentação, vestuário,
habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o
direito à seguridade no caso de desemprego, doença, viuvez,
velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle.” (grifo nosso)
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem refere-se à
velhice, bem como as Convenções n. 35, 36 e 37, todas da OIT, delimitando o
seguro-velhice na indústria, comércio e agricultura.
As prestações de velhice estão previstas na Convenção 102 da OIT nos
artigos 26 a 30. Antes de 1952 a OIT havia se preocupado com a velhice. O tema
foi tratado na 17ª Conferência em 1933 e na Convenção n. 128 e na Recomendação
131 de 1967. Ademais, a Convenção 102 da OIT exige que todos os países que
adotem garantam prestações que protejam a velhice.
A velhice se fixada em razão do critério cronológico. A idade exigida não
deveria ser superior a 65 anos. Todavia, poderá ser fixada uma idade mais elevada,
considerando a capacidade de trabalho das pessoas com mais idade de um
determinado país.
Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em
Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, conhecido como “Protocolo de
San Salvador que ao tratar da previdência social elenca, entre os benefícios
179
previdenciários, a aposentadoria por idade:
Toda pessoa tem direito à previdência social que a proteja das
conseqüências da velhice e da incapacitação que a impossibilite,
física ou mentalmente, de obter os meios de vida digna e decorosa.
No caso de morte do beneficiário, as prestações da previdência
social beneficiarão seus dependentes.(grifo nosso)
Entretanto, alguns textos normativos apesar de atuais silenciam quanto à
proteção à velhice, entre eles: Declaração de Estocolmo (1972), Declaração da
Filadélfia (1944), entre outros.
4.6.3 Velhice e Previdência Social: evolução histórica pátria
Na legislação infraconstitucional o Decreto Legislativo n. 4.682 de 24 de
janeiro de 1923 – Lei Elói Chaves já trazia a previsão do benefício. O art. 10
estabelecia os benefícios de duas ordens: aposentadoria ordinária e aposentadoria
por invalidez.
O art. 12 estabelecia a aposentadoria ordinária ditando que complete com
tantos trinta avos quantos forem os anos de serviço até o ximo de 30, ao
empregado ou operário que, tendo 60 ou mais anos de idade, tenha prestado 25 ou
mais, até 30 anos de serviço. Salienta-se que não havia diferenciação na idade entre
homens e mulheres.
Foi a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), Lei 3.807 de 26 de agosto
de 1960, a primeira legislação a estabelecer no ordenamento brasileiro a diferença
de idade de aposentadoria por velhice entre homens e mulheres conforme ditames
do art. 30 que dita:
Art. 30 A aposentadoria por velhice será concedida ao segurado que,
após haver realizado 60 (sessenta) contribuições mensais, completar
65 (sessenta e cinco) ou mais anos de idade, quando do sexo
masculino, e 60 (sessenta) anos de idade, quando do feminino e
consistirá numa renda mensal calculada na forma do parágrafo 4º do
180
Art. 27.
Parágrafo A data do início da aposentadoria por velhice será a da
entrada do respectivo requerimento ou a do afastamento da atividade
por parte do segurado, se posterior àquela.
Parágrafo Serão automaticamente convertidos em aposentadoria
por velhice o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez do
segurado que completar 65 ( sessenta e cinco) ou 60 (sessenta)
anos de idade, respectivamente, conforme o sexo.
Parágrafo A aposentadoria por velhice poderá ser requerida pela
emprêsa, quando o segurado houver completado 70 (setenta) anos
de idade ou 65 (sessenta e cinco) conforme o sexo, sendo, neste
caso compulsória garantida ao empregado a indenização prevista
nos arts. 478 e 497 da Consolidação das Leis do Trabalho, e paga,
pela metade.
No Brasil, a Constituição de 16 de julho de 1934 e em seu art. 121, parágrafo
1º, alínea h foi a primeira a incluir as aposentadorias por idade e por invalidez,
ditando seu art.121:
Art. 121. A Lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as
condições de trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a
proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país.
Par. A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos,
além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador:
(...)
h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante,
assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo
do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante
contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor
da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de
trabalho ou morte. (grifo nosso)
A Constituição de 1937 manteve a proteção à velhice em seu art. 137
topograficamente inserido no capítulo da Ordem Econômica:
181
Art. 137 . A legislação do trabalho observará, além de outros, os
seguintes preceitos:
(...)
m) a instituição de seguros de velhice, de invalidez, de vida e para os
casos de acidentes do trabalho.
Em seu art. 157, inciso XVI a Constituição de 1946 ditava que:
Art. 157 A legislação do trabalho e da previdência social obedecerão
aos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da
condição dos trabalhadores:
(...)
XVI previdência mediante contribuição da União, do empregador e do
empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da
doença, da velhice, da invalidez e da morte.
Ainda, a Carta Magna de 1967 catalogava em seu artigo 158, XVI
“previdência social nos casos de velhice”, devendo ser citado:
Art. 158. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes
direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de
sua condição social:
(...)
XVI previdência mediante contribuição da União, do empregador e
do empregado, para seguro-desemprego, proteção da maternidade e
nos casos de doença, velhice, invalidez e morte.
A Constituição Federal de 1988, antes da Emenda n. 20, em seu artigo 201,
inciso I relatava que os planos de previdência iriam cobrir os eventos decorrentes
da velhice. Contudo, com a edição da Emenda n. 20, houve substituição da
expressão velhice, por idade avançada, cabendo citar:
182
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime
geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados os
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá,
nos termos da lei a:
I cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade
avançada; (grifo nosso).
Percebe-se assim, que o termo velhice, foi substituído pela expressão idade
avançada. Ademais, a Constituição de 1988 foi a primeira a “constitucionalizar” a
diferença de idade para aposentadoria entre homens e mulheres, estatuindo em
seu art. 202, parágrafo 7
o
, inciso II :
Art. 202 (...)
7
o
É assegurada a aposentadoria no regime geral de previdência
social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:
II 65 ( sessenta e cinco) anos de idade, se homem e 60 (sessenta)
anos de idade, se mulher, reduzido em 5(cinco) anos o limite para os
trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas
atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o
produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
A razão da mudança na terminologia se deve ao fato que o termo “velhice”
ainda é entendido por alguns como vexatório e preconceituoso. Sérgio Pinto Martins,
assim se manifesta acerca da nova terminologia:
266
a denominação utilizada atualmente é mais correta, pois o fato de a
pessoa ter 60 ou 65 anos não quer dizer que seja velha. pessoas
com essa idade que m aparência de dez, vinte anos mais moça,
além do que a expectativa de vida das pessoas hoje tem atingido
muito mais de 60 anos. Daí porque se falar em aposentadoria por
idade, quando a pessoa atinge a idade especificada na lei.
O mestre Celso Barroso Leite destacava que o benefício da aposentadoria
por idade a 1991, época da aprovação do atual Plano de Benefícios, se
266
Direito da Seguridade Social. São Paulo: Atlas, 1997, p. 123.
183
denominava aposentadoria por velhice. A nova denominação se destinou a atenuar
a conotação negativa.
267
A Lei 8.213/91 disciplina os critérios para a concessão do benefício, cabendo
ressaltar que a partir deste diploma legal, a aposentadoria por velhice, passou a
denominar-se aposentadoria por idade.
Na aposentadoria por idade temos as espécies relativas aos segurados
urbanos, aos segurados rurais e uma terceira modalidade denominada
aposentadoria compulsória.
Nos termos do artigo 51 da Lei 8231/91 a aposentadoria compulsória por
idade pode ser requerida pela empresa desde que o segurado empregado tenha
cumprido o período de carência e completado 70 (setenta) anos de idade se do sexo
masculino ou 65 (sessenta e cinco) anos se do sexo feminino.
Importante destacar que no Regime Pprio de Previdência Social, relativo
aos funcionários estatutários, não houve a diferenciação de idades na aposentadoria
compulsória de homens e mulheres, a qual ocorrerá quando o servidor ou servidora
completar 70 anos de idade.
Ressalta-se que todas as informações acima expostas têm aplicabilidade para
os trabalhadores urbanos, e a partir de agora, em razão das especificidades
trataremos dos trabalhadores rurais.
O trabalhador rural até a Constituição da República de 1988 estava excluído
do sistema previdenciário brasileiro, restando-lhe apenas um benefício assistencial
ou integrar-se à Previdência Social Rural, no caso de empregador ou trabalhador
rurais.
O Programa de Assistência Rural (PRORURAL), ligado ao FUNRURAL, foi
criado no ano de 1971 e previa a aposentadoria por velhice e por invalidez para
trabalhadores rurais maiores de 70 anos de idade, no valor de ½ salário mínimo;
267
Dicionário Enciclopédico de Previdência Social. São Paulo: LTr, 1996, p. 12.
184
pensão, equivalente a 70% da aposentadoria, e auxílio funeral, para dependentes do
beneficiário; serviços de saúde, incluindo assistência médica, cirúrgica, jospitalar e
tratamento odontológico, além dos serviços sociais.
Destaca-se que no caso do FUNRURAL as mulheres seriam beneficiadas
diretamente caso fossem chefes de família ou assalariadas rurais
268
.
Com a Constituição de 1988 e instituição da seguridade social e seus
princípios magnos temos no art. 194, inciso II a uniformidade e equivalência dos
benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, este dispositivo consagra com
sabedoria o respeito ao princípio da igualdade ou isonomia, afastando
discriminações em razão do local onde a pessoa trabalhar.
De acordo com as modificações introduzidas, as mulheres trabalhadoras
rurais passaram a ter direito à aposentadoria por idade, a partir dos 55 anos,
independentemente de o cônjuge ser beneficiário ou não, ou receberem pensão
por falecimento do cônjuge, bem como salário-maternidade.
A aposentadoria por velhice era concedida somente ao trabalhador rural (e
não à trabalhadora) que completasse 65 anos de idade, sendo cabível à mulher
apenas se fosse chefe ou arrimo de família da unidade familiar, num valor único de
50% do maior salário mínimo do país.
O atual Texto Constitucional assim se encontra redigido
:
Art. 202: (....)
I aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos
sessenta, para a mulher, reduzidos em cinco anos o limite de idade
para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que
exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste
incluído o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.
268
Na legislação anterior, nos termos do parágrafo único do art. da Lei Complementar n.11/71, a
unidade familiar compunha-se de apenas um trabalhador rural, os outros membros eram seus
dependentes. Desta forma, apenas o chefe ou arrimo da unidade familiar era devida aposentadoria
por idade, posto que era ele o único considerado como segurado especial da Previdência Social,
sendo reservada aos demais membros do grupo familiar a condição de dependentes daquele .
185
Esse reconhecimento, por sua vez, era de difícil comprovação, tendo em vista
que grande parte do trabalho feito por elas é invisível, sendo geralmente declarado
como 'ajuda' às tarefas executadas pelos homens e, com freqüência, restrito às
atividades domésticas, mesmo que essas incluam atividades vinculadas à produção.
Assim, no início consideradas como 'dependentes', seja dos pais ou dos maridos,
passam paulatinamente a serem vistas como 'autônomas', portadoras de direitos
individuais, o que lhes permite serem incorporadas como beneficiárias da
previdência social.
269
O enquadramento das mulheres como beneficiárias da previdência social
rural era dificultado pela incompatibilização da organização do trabalho familiar
relativamente ao enquadramento individual da regulamentação. Todo o raciocínio e
argumentação, tanto das lideranças como dos trabalhadores rurais, seja 'homem' ou
'mulher', é pautado no caráter familiar e interdependente do trabalho, ao passo que a
legislação enquadra o indivíduo 'trabalhador', 'chefe da família', etc. e seus
'dependentes'
270
.
As mudanças advindas para a mulher campesina, infelizmente de maneira
tardia, trouxeram sua maior valorização enquanto mulher e cidadã, pois passou a ser
destinatária de direitos fundamentais de proteção social, não apenas na condição de
dependente, mas também de titular de direitos e figura pró-ativa na ordem social.
Não foi só merecimento, mas sim o seu reconhecimento enquanto cidadã
Por todo o exposto, denota-se pelo firmamento do Texto Constitucional de
1988 uma diferenciação nas idades de aposentadoria para urbanos e rurais e,
consideramos que tal disparidade não significa uma afronta ao princípio da
igualdade, mas sim uma maneira de atenuar a penosidade dos serviços no campo.
269
BRUMER, Anita Brumer. Previdência social rural e gênero. Revista Sociologias. Porto Alegre:
jan./jun. 2002, n. 7, p.2.
270
Idem, ibidem.
186
Na mesma linha de raciocínio, esclarecedoras são as palavras de Adriane
Bramante de Castro Ladenthin:
Quanto à diferença entre as idades de aposentadoria por idade da
população urbana e da população rural justificativa congruente,
diante da natureza da filiação.
Num primeiro momento, visualizando o prinpio constitucional
trazido pelo art. 194, parágrafo único, inciso II, em que é determinada
a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais, pode-se pensar que a Constituição
Federal (art. 201, parágrafo ) ao estabelecer idades distintas para
os dois tipos de trabalhadores, teria infringido o princípio em
comento.
Se assim fosse entendido, ou a idade do trabalhador rural deveria se
igualar à idade do trabalhador urbano, ou a deste último teria que se
igualar à do primeiro para que fosse cumprido o mandamento
constitucional de uniformizar os benefícios e os serviços entre eles.
Contudo, se fossem iguais as idades exigidas de trabalhadores
urbanos e rurais, não haveria uniformidade na forma exigida pelo
princípio constitucional.
(...)
O legislador constituinte não infringiu nenhum princípio quando
estabeleceu idades diferentes para as populações urbanas e rurais.
Na verdade, essa diferença busca exatamente a igualdade. Se as
idades fossem iguais, estaríamos diante de uma desigualdade.
271
Encerrando a presente análise salientamos que é noção cediça que o
trabalhador rural exerce atividade extremamente penosa, desgastante, justificando a
idade antecipada para o direito à aposentadoria previdenciária. Seria possível até
considerar a atividade dele especial, pois seu trabalho, que o expõe às condições
variáveis do tempo e aos raios solares, sujeitando-o a sofrer doenças malignas,
pode ser considerado prejudicial à sua saúde e à sua integridade física.
272
271
A aposentadoria por idade no regime geral de Previdência Social, Dissertação de Mestrado.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), 2007, p. 74.
272
Idem, ibidem.
187
4.6.4 Aposentadoria por tempo de contribuição
A aposentadoria por tempo de serviço existe no Brasil desde a Lei Elói
Chaves, Decreto n. 4.682 de 24 de novembro de 1923 e era disciplinada em seu art.
12.
A denominação aposentadoria por tempo de serviço, em substituição à
terminologia aposentadoria ordinária prevista anteriormente na Lei Elói Chaves, foi
instituída pela Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) Lei n. 3.807/1960 e sua
redação original exigia além do tempo de serviço, o cumprimento do requisito idade.
Para fazer jus ao benefício, o segurado deveria comprovar o tempo de serviço de 35
ou 30 anos, tratando-se de aposentadoria integral ou proporcional e a idade mínima
de 55 anos.
Em 1962 houve o advento da Lei nº 4.130, de 28/08/1962 e inovou ao eliminar
o requisito da idade mínima, independendo assim, da idade do segurado, bastando
apenas o preenchimento do requisito tempo de serviço, idênticos para homens e
mulheres, ou seja, 35 anos para aposentadoria integral e 30 anos para a
aposentadoria proporcional.
Com o Decreto-lei n. 66/1966 houve mais uma inovação, fundada na
necessidade de equilíbrio financeiro do sistema com a instauração do instituto da
carência, conceituado como o lapso de tempo no qual o segurado contribui para o
sistema, quantificado de acordo com cada tipo de benefício, mas não pode receber
os benefícios mesmo diante da contingência social. O referido Decreto estabeleceu
carência de 60 meses para as aposentadorias.
A constitucionalização da diferença de tempo de serviço entre homens e
mulheres - que se traduz como temática central de nosso trabalho- efetivou-se na
Constituição de 1967 declarando:
188
Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes
direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de
sua condição social:
(...)
XX - aposentadoria para a mulher, aos trinta anos de trabalho, com
salário integral;
A aposentadoria por tempo de contribuição está prevista na Carta Magna de
1988 no art. 201, parágrafo 7º, inciso I tendo sofrido grande modificação com a
Emenda n. 20 de 15 de dezembro de 1998 com a alteração da aposentadoria por
tempo de serviço para a aposentadoria por tempo de contribuição.
Ressalta-se que tal modalidade de aposentadoria não está prevista na
maioria dos sistemas previdenciários. Celso Barroso Leite retrata o benefício em
nosso país e no resto do mundo:
A aposentadoria por tempo de serviço como benefício previdenciário
é uma virtual peculiaridade brasileira; e talvez isso explique o afinco
com que nos aferramos a ela. No resto do mundo ela a bem dizer
não existe; ou melhor, existe apenas na Itália, onde pode ser
concedida aos 35 anos de contribuição, mas sem direito de continuar
trabalhando ou de voltar ao trabalho; e no Kuwait e no Líbano, onde
bastam 20 anos de contribuição, também com afastamento
obrigatório da atividade
.
273
Muito se discute acerca do risco na aposentadoria por tempo. Existe uma
corrente que nega o tempo de serviço como risco ou contingência social merecedora
de salvaguarda previdenciária. Não se trata de uma contingência social porque não
acarreta supressão ou diminuição do ganho normal, bem como fomentaria
aposentações precoces e prejuízos ao Sistema Previdenciário. A outra corrente
defende que este benefício foi instituído desde a Lei Eloy Chaves, marco legal da
previdência brasileira, e corresponde a uma esperança aguardada por grande parte
da população, haja vista a expectativa de sobrevida do brasileiro que é baixa, bem
como as condições penosas de trabalho, fazendo com que o trabalhador decorridos
273
O século do desemprego. São Paulo: LTr, 1994, p. 105.
189
vinte e cinco ou trinta anos de trabalho, se encontre com sua capacidade física e
mental muito diminuída.
274
Ademais, além do desgaste outro argumento a comprovar a manutenção do
benefício é a dificuldade do trabalhador ser absorvido pelo mercado de trabalho
absolutamente preconceituoso em relação à idade nos tempos contemporâneos.
Entretanto, como solução do bom senso necessário se faz estabelecer um limite
mínimo de idade para o gozo do benefício com vistas a não serem incentivadas as
aposentadorias precoces as quais poderiam gerar prejuízos aos cofres da
Previdência.
275
Da mesma forma, acerca do risco que envolve o benefício em questão
doutrina Zélia Luiza Pierdoná:
na aposentadoria por tempo de serviço ou de contribuição, o risco
protegido, de certa forma, é a velhice, não a biológica, mas a
“laboral”
276
. A conjuntura e a tecnologia, dentre outros fatores, têm
contribuído para o desemprego, o qual se agrava ainda mais no caso
do trabalhador idoso e de meia idade. Esses trabalhadores são
considerados velhos pelo mercado de trabalho, quando se
aproximam dos cinqüenta anos. Dessa forma, embora um
trabalhador de meia idade não seja velho biologicamente, o é para
274
VIDAL NETO, Pedro. Natureza Jurídica da Seguridade Social. Tese de Doutorado. Universidade
de São Paulo (USP), 1993, p. 123.
275
ROCHA, Daniel Machado da. Regime Geral de Previdência Social e prestações previdenciárias In
FREITAS, Wladimir Passos de. Direito Previdenciário: aspectos materiais, processuais e penais.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 91.
276
No mesmo sentido é o entendimento de VASCONCELLOS, Marisa. Aposentadoria por Tempo
de Contribuição: estrutura e princípios constitucionais aplicáveis. Dissertação de Mestrado.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) 2004, p. 144: “Na aposentadoria por tempo
de serviço, atual aposentadoria por tempo de contribuição, o fator tempo de serviço seria a origem do
direito ao benefício.Ao questionamento de haver ou o risco na aposentadoria por tempo de
contribuição, propomos, com base na doutrina nacional e estrangeira que a palavra contingência”
deve ser compreendida em sentido genérico, podendo ser subdividida em: risco e evento”.
O primeiro, o risco, estaria relacionado aos aspectos físicos ou naturais a qualquer indivíduo o
segurado- independentemente da idade.
No segundo, no evento, estariam presentes situações relacionadas aos aspectos concretos da
realidade que de certa forma podem implicar com a parte fisiológica, mas não de forma absoluta. São
entre outras hipóteses a de desemprego, a de impossibilidade de emprego depois de certa idade e o
próprio desgaste das pessoas, o qual divergirá de pessoa a pessoa. Assim, no evento o que se
protege é a capacidade laboral”.
190
fins de obtenção de um posto de trabalho.
277
É definida como benefício previdenciário tendo por hipótese normativa a
exigência de 35 anos de contribuição, se homem e 30 anos de contribuição, se
mulher, ou seja, estabelecendo menor tempo para o público feminino. Havia também
a possibilidade da aposentadoria com proventos proporcionais sendo de 30 anos
para o homem e 25 anos para a mulher, opção que foi extinta com a edição da
Emenda Constitucional n. 20/98, respeitadas as regras de transição.
278
Tal regra de privilégio às mulheres também se estabelece na aposentadoria
por tempo de contribuição do professor, sendo exigidos 30 anos se do sexo
masculino e 25 anos se do sexo feminino. Salienta-se que os professores e
professoras universitárias devem comprovar o tempo de 35 anos se homem e 30
anos se mulher.
Feitos os aportes propedêuticos necessários, partiremos no próximo capítulo
para análise dos critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria por
idade e tempo de contribuição às mulheres, considerados, em nossa opinião, como
“pseudo-proteções” fomentadores da desigualdade de gênero e reprodução do
estereótipo feminino do “sexo frágil” e responsável pelos cuidados familiares e
domésticos, próprios dos espaços privados.
277
PIERDONÁ, Zélia Luiza. A velhice na seguridade social brasileira. Tese de Doutorado.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), 2004, p. 186.
278
Foram delimitadas pela Emenda Constitucional n. 20/1998 as seguintes regras de transição:
a) para a aposentadoria integral, cinqüenta e três e quarenta e oito anos de idade, combinados com
trinta e cinco e trinta anos de contribuição (respectivamente, para homens e mulheres), mais um
tempo adicional de contribuição, equivalente a vinte por cento do tempo de contribuição que, em
16/12/1998, faltava para que o segurado atingisse aquele mínimo de trinta e cinco ou trinta, conforme
o caso;
b) para a aposentadoria proporcional, cinqüenta e três e quarenta e oito anos de idade, combinados
com trinta e vinte e cinco anos de contribuição (respectivamente, para homens e mulheres), mais um
tempo adicional de contribuição, equivalente a quarenta por cento do tempo de contribuição que, em
16/12/1998, faltava para que o segurado atingisse aquele mínimo de trinta ou vinte e cinco, conforme
o caso
191
5.A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POR IDADE E POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO COM CRITÉRIOS DIFERENCIADOS À MULHER:
UMA ÃO AFIRMATIVA QUE MERECE SER REVISTA
A capacidade transformadora da segregação não está
no homem que é, inclusive, partícipe da própria
identidade feminina, mas na rejeição da auto-reprodução
da segregação pelas próprias mulheres, em especial no
ambiente familiar. Antes de criar mecanismos externos
de promoção de igualdade, é necessário sentir-se igual,
desejar ser igual, crer na igualdade, convertendo a
consciência de si mesma em um motor que propulsiona
por diversos mecanismos de pressão social a igualdade
de oportunidades e o reconhecimento da dignidade e o
orgulho de ser mulher.
Aldacy Rachid Coutinho
279
Nos deteremos no presente capítulo a indagar acerca de uma ação afirmativa
destinada à mulher na Carta Magna de 1988.
O tema comporta debates acirrados entre os que pretendem a reforma do
Sistema Previdenciário Brasileiro e de outro lado, muitos são aqueles que defendem
a manutenção do benefício nos termos expressos pelo Constituinte Originário de
1988.
Trabalharemos com a ação afirmativa exposta no art. 202 da CF/88 que
estabelece critérios diferenciados a homens e mulheres, concedendo a
aposentadoria por idade e por tempo de contribuição, com idade e tempo reduzidos
em cinco anos ao público feminino filiado ao sistema previdenciário brasileiro.
Partiremos da idéia de “pseudoproteção” trazida pela ação afirmativa que
279
Relações de gênero no mercado de trabalho: uma abordagem da discriminação positiva e
inversa, p. 2. .Disponível em http: www.internetlex.com.br acesso em 20 de agosto de 2004.
192
está em nosso ordenamento desde a Constituição de 1967 e que demonstra a
necessidade de modificação, acompanhando, assim, o caráter emergencial das
medidas afirmativas com vistas à igualação.
Defenderemos que as mudanças caminham no sentido de se efetivar a
verdadeira igualdade entre homens e mulheres, e o benefício diferenciado à mulher,
longe de implementar a igualdade entre os gêneros, firma-se como uma “pseudo-
proteção” repisando o espaço privado, filhos e afazeres domésticos, como próprio
do universo feminino.
Veremos na seqüência que não argumentos para a manutenção de tal
discrimen sob pena de serem mantidos os estereótipos tão combatidos, mas ainda
recorrentes, de preconceito à mulher.
Muitos são os fatores que permeiam o tema e merecem uma análise dotada
de acuidade e detalhamento e, neste caminhar, iniciaremos nosso tópico como uma
indagação e que para ser respondida deve ser analisada por múltiplas vertentes.
Trata-se de proteção ou “pseudoproteção” destinada à segurada da
previdência social brasileira a diferença favorável em relação aos homens de 5 anos
de idade ou tempo nas aposentadorias por idade e por tempo de contribuição?
Para responder a esta indagação percorreremos vários argumentos de ordem
interdisciplinar entre eles, sociológicos, psicológicos, econômicos, políticos e,
principalmente, jurídicos que embasam a imperiosa necessidade de revisão da
matéria.
Os argumentos tradicionalmente utilizados para a manutenção desse
diferencial são, entre outros, a compensação pelo tempo de afastamento do
mercado de trabalho, quando do nascimento dos filhos bem como a sua
responsabilidade quase que exclusiva pelas responsabilidades familiares; sua
fragilidade física em relação ao homem; a dupla jornada ao ter que conjugar vida
193
profissional e vida doméstica
280
.
Partiremos para a análise de todos os pressupostos que envolvem a questão,
tendo por escopo precípuo afastá-los, demonstrando ao final que a manutenção de
tal privilégio às mulheres não deve mais subsistir no ordenamento jurídico brasileiro.
Sigamos então este caminho.
5.1 Inexistência de Instrumentos Normativos Internacionais contemplando
critérios diferenciados
Como primeiro argumento é oportuno afirmar que não encontramos nos
Diplomas Internacionais, tais como, Convenções, Tratados ou Recomendações que
estabeleçam ou incentivem a criação de diferenças na idade ou no tempo de
contribuição nas aposentadorias.
Ao nos debruçarmos na análise dos principais Instrumentos Internacionais
podemos perceber que todos propugnam pela igualdade entre os gêneros e o
desenvolvimento de políticas para a redução das desigualdades em geral.
Entre os diversos documentos internacionais que garantem a igualdade de
gênero podemos citar:
a) Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher e a
Convenção Interamericana sobre Concessão de Direitos Políticos à Mulher, ambas
de 1948.
b) Convenção n. 100 de 1951: que estabelece a igualdade de remuneração de
homens e mulheres;
280
Idem, ibidem.
194
c) Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, de 1952
d) Convenção 111 sobre Discriminação em Emprego e Profissão de 1958, todos
ratificados pelo Brasil.
e) Convenção sobre a Eliminação de Todas as formas de Discriminação, 1979.
Documento assinado pelo Brasil em 31/03/1981 e ratificado por meio do Decreto n.
89.460, que teve influência absoluta sobre o Constituinte. Em tal Convenção
devemos destacar o exposto no art. 1º:
Art. 1º. A expressão discriminação contra a mulher significa toda
distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por
objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou
exercício pela mulher, independentemente de seus estado civil, com
base na igualdade de homem e da mulher, dos direitos humanos, e
liberdade fundamentais no campo político, econômico, social, cultural
e civil ou em qualquer outro campo.
No mesmo sentido o as Convenções Internacionais relativas aos conteúdos
de seguridade social, as quais não estabelecem diferenciações de idade em prol das
mulheres.
Portanto, como conclusão do presente tópico depreende-se que a idade
diferenciada para a aposentadoria não encontra respaldo nos Documentos
Internacionais, muito pelo contrário, as Convenções Internacionais reforçam a tese
da igualdade e do fundamento da redução das desigualdades sociais.
5.2 Aposentadoria diferenciada: o “ninho vazio” e o valor social do trabalho
Segundo estudiosos do tema quando atingida a maturidade a mulher se
abarcada por diversos fenômenos psicológicos, entre eles, e o que nos interessa no
presente trabalho o fenômeno denominado “ninho vazio”.
195
O “ninho vazio”, conhecido como a época em que os filhos se emancipam,
partem para seus novos destinos e as mães se sentem em grande parte
abandonadas e deprimidas. inúmeros estudos mostrando uma grande relação
entre os processos depressivos e a partida dos filhos. Em conseqüência dessas
mudanças, a mulher tende a realizar uma revisão de sua vida e do papel que passa
a ocupar na dinâmica familiar e em suas demais relações interpessoais. Ela poderá
se questionar sobre suas escolhas, considerando-as desfavoráveis a si e a sua
família, depreciando seu valor pessoal. A menopausa, o crescimento dos filhos, a
sobrecarga em suas responsabilidades quando necessita cuidar de seus pais e a
aposentadoria são eventos que lhe indicam as perdas inevitáveis da maturidade
.
281
Em tal época, as mulheres que já trabalhavam costumam encontrar nos
afazeres profissionais a saída e a sua complementação para o espaço vazio deixado
pelo crescimento de seus filhos. A emancipação dos filhos em relação às mães é um
processo doloroso e angustiante para ambas as partes. Neste sentido:
As dificuldades das mães em deixar os filhos crescerem e se
tornarem independentes podem ser do mesmo teor das delas
mesmas poderem crescer o suficiente para serem autônomas no
mundo. De um modo geral, mulheres sempre têm um medo atávico
(às vezes pânico) de não ter quem cuide delas. Quando
transportamos essas idéias para o mundo contemporâneo de
aparente independência feminina, ao trabalho, aos estudos e
também às famílias em que a ausência dopai é um fato (filhos
criados pela mãe, avó, tias, irmãs) e até em “produções
independentes”,nos perguntamos se o mito ficou para trás, no
passado ou se sutilmente ainda o passamos de pais para filhos.
Entra geração e sai geração, os problemas parecem que mudam,
mas apenas na aparência. Os valores masculinos e femininos
sobrevivem às máquinas, à tecnologia de comunicação, ao
computador de última geração, ao celular, às viagens
interplanetárias. Todo mundo ainda procura seu par (grande parte
das vezes em inúmeras tentativas casa e descasa e volta a
descasar). No fundo todos nós, homens e mulheres, por mais
independentes e “bem resolvidos”, buscamos alguém com quem
compartilhar nossas alegrias, nossos medos e esperamos que
aquele ou aquela que escolhemos satisfaça nossos desejos e
aspirações e nos dê segurança e crédito para sermos o que somos.
Daí os conflitos, pois é missão quase impossível um satisfazer as
necessidades do outro (a). E tudo isso parece que vira traição.
281
CARVALHO, Isalena Santos & DECNOP, Vera Lúcia. Mulheres na maturidade e queixa
depressiva: compartilhando histórias, revendo desafios. Revista PSICOUSF, v. 11, n. 1.
Disponível em http://www.scielo.br. Acesso em 12 de fevereiro de 2007.
196
Tantas promessas não cumpridas, expectativas e sonhos frustrados.
Na verdade não somos emancipados enquanto seres. Assim também
reagem os filhos, cujas expectativas de amor incondicional, de
segurança e de que sejam providas suas necessidades (de criança,
até perder de vista) frustram e resultam em conflitos entre pais e
filhos.
De um modo geral os pais, especialmente as mães, esperam que os
filhos (principalmente os filhos homens) realizem todos os sonhos e
expectativas de suas vidas e que eles se tornem autônomos e
independentes. Daí o paradoxo, porque este é o grande medo dos
pais - o ninho vazio. O crescimento e emancipação dos filhos, em
grande parte dos casos, causam solidão.
282
Em outros casos, as mulheres tradicionalmente afetadas aos afazeres do lar
tentam se lançar no mercado de trabalho para novas realizações e algumas
dificuldades são encontradas, cabendo citar:
Mulheres que nunca trabalharam fora de casa podem se sentir
defasadas no que se refere às capacidades necessárias para lidar
com o mundo externo, caso decidam ou necessitem enfrentar o
mercado de trabalho. No momento em que os filhos não dependem
mais delas como antes e quando estão começando a ser definidas
como "velhas demais", é que precisam aventurar-se fora. A
organização do trabalho remunerado ainda "não reconhece seus
esforços de maneira proporcional às suas contribuições. E as
mulheres, tipicamente, não foram socializadas para esperar ou exigir
o reconhecimento que merecem". Contudo, muitas mulheres, após a
dificuldade inicial diante do novo contexto, adquirem confiança e
prazer com sua nova independência. Podem descobrir em si
competências que até então não puderam desenvolver em razão do
tempo dedicado aos filhos ou a outras atividades, com a valorização
de seu potencial. Desse modo, percebe-se que as mulheres tendem
a enfrentar muitos desafios na maturidade.
283
Desta maneira, estando no mercado de trabalho ou na iminência de
adentrar nos quadros profissionais, em torno dos 50 aos 55 anos, a mulher se
deparará com uma grande dificuldade, por se aposentar mais cedo que o homem,
ou seja, 5 anos antes, estará fadada a ser preterida nos postos de trabalho, bem
282
Mulher e filhos : duas faces do mesmo problema das dificuldades de emancipação. Revista
Mulher e Família, Unicamp/São Paulo - ANO III - nº 8.
283
Idem, ibidem.
197
como nas promoções profissionais. Não dúvidas que neste momento o universo
masculino se apresentará como o mais indicado para contratações e incentivos na
carreira, pois ainda terão mais tempo de atividade laboral até a aposentadoria.
Traduzindo a problemática em questão, não dúvidas que as empresas
vêem as mulheres como aptas à aposentadoria em idade inferior ao homem.
nos idos de 1976 Evaristo de Moraes Filho ao se debruçar sobre o estudo
das diferenças que privilegiavam as mulheres na Lei Orgânica da Previdência Social
(LOPS) e na Constituão de 1967 destacava:
Ao fim da vida, mãe ou não, é menos necessária a presença da
mulher no lar, já com os filhos ( se os teve) adultos e com vida
independente. Na mocidade ou idade madura, até os 40 ou 45 anos,
é que se tornava mais exigida a presença da mulher em casa, como
o fizera a legislação francesa com o movimento de femme au foye”,
dando alocações previdenciárias à mulher que, por motivos
domésticos, pretendesse ou se visse obrigada a permanecer em
casa, deixando ou ajustando-se do trabalho fora do lar.
284
Imperativo salientar que o trabalho representa o papel de regulador da
organização da vida humana, em que horários, atividades e relacionamentos
pessoais são determinados conforme as suas exigências, sendo fundamentais para
a vida social. As atividades exercidas, ao longo da vida, servem de ponto de
referência para as pessoas, sendo difícil desarticular-se dessas referências .O ser
humano cresce preparando-se para o trabalho e necessita dele, não por uma
questão de sustentabilidade, como de crescimento pessoal. Para o homem, o
trabalho representa a própria vida.
285
Tanto é verdade que a Constituição Federal de
1988 enalteceu como um dos princípios da ordem social: o primado do trabalho.
João Paulo II, em 1981, na Encíclica Laborem exercens compreende o
trabalho humano, como indispensável para o funcionamento coerente e engrenado
284
O trabalho feminino revisitado. Revista LTr, v. 40, n. 7, São Paulo, julho de 1976, p. 856-857.
285
BULLA, Leonia Capaverde & KAEFER, Carin Otilia. Trabalho e aposentadoria: as repercussões
sociais na vida do idoso aposentado.Revista Textos & Contextos. N. 2, ano II, São Paulo: dez.
2003, p. 3.
198
da ordem social, bem como para a promoção da dignidade do trabalhador e de sua
família. Dignidade e trabalho são lados da mesma moeda, que se interpenetram e
coexistem para a solidificação da paz e da justiça social, preconizando:
O trabalho, de alguma maneira, é a condição que torna possível a
fundação de uma família, uma vez que a família exige os meios de
subsistência que o homem obtém normalmente mediante o trabalho.
Assim, trabalho e laboriosidade condicionam também o processar-se
da educação na família, precisamente pela razão de que cada um «
se torna homem » mediante o trabalho, entre outras coisas, e que o
facto de se tornar homem exprime exactamente a finalidade principal
de todo o processo educativo. Como é evidente, entram aqui em
jogo, num certo sentido, dois aspectos do trabalho: o que faz dele
algo que permite a vida e a manutenção da família, e aquele outro
mediante o qual se realizam as finalidades da mesma família,
especialmente a educação. Não obstante a distinção, estes dois
aspectos do trabalho estão ligados entre si e completam-se em
vários pontos.
286
No mesmo sentido é a Carta Magna de 1988 ao estabelecer como objetivo o
valor social do trabalho ditando em seu art. 1º:
Art. A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e dos Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V- o pluralismo político. ( grifo nosso)
Ademais imperativo destacar que a Carta Magna de 1988 inscreve o valor
social do trabalho em mais dois artigos, dotados de notada grandeza, quais sejam,
inserindo-o como fundamento da ordem econômica no art. 170 e da mesma forma,
como fundamento da ordem social.
286
JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Laborem Exercens, sobre o trabalho humano no nonagésimo
aniversário da Rerum Novarum, de 14 de setembro de 1981, ponto 10.
199
E é justamente neste momento de adaptação à nova vida sozinha, sem o
encargo da criação dos filhos e sem a presença do companheiro, que a mulher será
desprezada como força de trabalho ativa. Assim, em nossa opinião afirmamos que a
aposentadoria em tempo inferior será uma norma prejudicial às mulheres.
5.3 O argumento da “fragilidade” física da mulher e a “feminização” da velhice
Outro argumento a ser analisado para em nossa concepção ser descartado
como hipótese autorizante da aposentadoria diferenciada para a mulher, é a
fragilidade biológica do sexo feminino e, portanto, merecedora de maior proteção do
ordenamento.
Segundo dados expostos no segundo capítulo deste trabalho e já catalogados
pela Organização Mundial da Saúde (OMS), vislumbramos no século XX e início do
XXI um fenômeno batizado pelos especialistas de “feminização da velhice”,
compreendido como a maior longevidade da mulher em relação ao homem. No
Brasil convém relembrar que a média de vida chega a ser de 8 anos a mais para as
mulheres.Tais dados coletados mundialmente afastam a idéia de “sexo frágil” da
mulher.
Neste sentido, Zélia Luiza Pierdoná destaca:
A razão do nosso entendimento é que a diferença não se justifica,
uma vez que o benefício previdenciário é o substitutivo dos
rendimentos do trabalho, quando diante da incapacidade laboral. Os
dados estatísticos demonstram justamente o contrário, ou seja, a
mulher vive mais e mantém, por mais tempo, a capacidade laboral.
Assim, se considerássemos a justificativa da existência de um
benefício previdenciário, a idade e o tempo deveriam ser iguais para
homens e mulheres, ou, ao contrário, um tempo maior à mulher.
Além disso, entendemos que não se pode utilizar a proteção
previdenciária como compensação de uma dupla jornada de
trabalho. Ao contrário, referida justificativa, ou seja, a dupla jornada,
demonstra a existência, ainda maior, de capacidade laboral.
287
287
A proteção previdenciária da mulher como exercício de cidadania. In ARAÚJO, Adriane Reis &
200
Na mesma esteira de pensamentos o professor Evaristo de Moraes Filho
nos idos de 1976, advogava a tese de ser inconcebível a diferença de idade de
aposentadoria entre os gêneros, tendo em vista a longevidade feminina e as
responsabilidades familiares não tão presentes para a mulher após os 50
(cinqüenta) anos:
Mas é na questão da aposentadoria, na idade mínima para poder
requerer aposentadoria por velhice, que a nosso ver, se a maior
discriminação a favor da mulher. (...) Honestamente, não
encontramos fundamento para este favor à mulher, com uma
diferença de cinco longos anos. Constitui dado pacífico, que a mulher
é mais resistente, menos fgil biologicamente do que o homem, em
suma, é mais longeva. O número de viúvas no mundo é cada vez
maior do que os dos viúvos.
288
Analisando todos os dados expostos reforçamos a tese confirmativa da
longevidade e capacidade laborativa da mulher, não estando mais configurada a
necessidade de aposentadoria em tempo inferior a dos homens. Consubstanciada
na máxima da necessidade social a ser protegida pelo sistema previdenciário
estaríamos diante de uma hipótese legal a ser modificada, homens e mulheres
devem se aposentar na mesma idade.
No mesmo sentido é a opinião de Wagner Balera:
Como se sabe, o sistema previdenciário da maior parte dos países
do mundo teve inspiração no modelo alemão, de Bismarck. Pois
bem, a lei alemã, tida ainda em nossos dias como das mais
avançadas do mundo, estabelece idade mínima de 63 anos para o
homem e de 60 para a mulher. O segundo sistema modelar, o do
Reino Unido, inspirado nas conhecidas propostas do Lorde
Beveridge, exige a idade mínima de 60 anos para ambos os sexos.
Nem se diga que estamos buscando comparar nossa realidade com
a de países de economia avançada, nos quais a situação dos
trabalhadores é bem mais confortável. Quem se detiver no perfil
FONTENELE-MOURÃO, Tânia (org.) Trabalho de Mulher: mitos, riscos e transformações. São
Paulo: LTr, 2007, p. 164.
288
O trabalho feminino revisitado. Revista LTr, v. 40, n. 7, São Paulo, julho de 1976, p. 856-857.
201
daqueles que chegam à aposentadoria por tempo de contribuição
não estará diante da imensa massa marginal da população que,
mesmo dispondo de formal enquadramento no sistema
previdenciário, só logra obter a aposentadoria por velhice.
Comparemo-nos com dois dos nossos vizinhos do Mercosul, os
únicos dois que podem ser considerados paradigmáticos em tema
de previdência: o Uruguai, no qual a idade mínima está fixada em 60
anos e a Argentina que, mais rigorosa, exige 65 anos dos homens e
60 as mulheres. Aliás, a Argentina, seguindo os modelos já vigentes
em diversos países da União Européia, estabeleceu um gradiente
progressivo na implantação da idade mínima.
Talvez deva ser esse o itinerário a ser percorrido pelo Brasil. Que se
fixe, desde logo, a idade mínima de 55 anos para ambos os sexos e
que, de tanto em tanto tempo, tal idade venha a ser aumentada
como decorrência da melhoria das expectativas de vida da
população. A diferença de idade entre homens e mulheres não
encontra qualquer justificação demográfica ou estatística. Portanto,
que também se busque a igualdade neste ponto, em período de
tempo razoável.
Eis alguns pontos de um debate que é, ao mesmo tempo,
necessário e inadiável.
289
Outro argumento a ser mencionado é que na aposentadoria especial,
considerada por muitos doutrinadores como espécie de aposentadoria por tempo de
contribuição em atividades especiais, quais sejam, sujeito o segurado a eventos
nocivos e penosos, em hipóteses previstas em 15, 20 ou 25 anos para a
aposentação, não há previsão legal para a diminuição destes tempos em se tratando
de segurada mulher.
Verifica-se assim que se realmente a mulher é considerada mais frágil no que
tange à idade e ao tempo de serviço, deveria o ser, necessariamente, nas condições
de aposentadoria especial, merecendo o tratamento diferenciado, o que não se
verifica.
289
Terceira Idade: é preciso estabelecer uma idade mínima para a aposentadoria publicado no
site http://www.consultor jurídico.com.br. Acesso em 28 de fevereiro de 2007.
202
5.4 A aposentadoria diferenciada como medida compensatória da dupla
jornada de trabalho
Compreendemos o argumento em questão como o núcleo de nosso trabalho
e que sustenta a nossa tese, bem como nos faz refletir sobre a necessidade
preemente de alteração do ordenamento, o que faremos ao final deste capítulo
apresentando não apenas a proposta de retirada de um benefício do sistema
jurídico, mas sim, efetuando uma troca com vistas à efetivação da igualdade entre
homens e mulheres.
Indispensável esclarecer que quando da criação da norma diferenciadora dos
critérios de concessão para aposentadorias por idade e por tempo de serviço
(nomenclatura da época) favoravelmente às mulheres o fundamento maior para tal
direito foi a sobrecarga laboral, o acúmulo de trabalho em razão da dupla formada
advinda dos afazeres profissionais e domésticos, compreendendo-se aqui, os
cuidados com a família, marido e filhos.
Culturalmente, e isto se encontra enraizado até hoje, a mulher destinatária da
norma seria uma mulher sobrecarregada pelo espaço doméstico, eis a razão da
ação afirmativa, beneficiando-a.
Desta feita devemos analisar nos dias hodiernos a mulher sob duas óticas,
quais sejam, as mulheres sem marido ou filhos e as mulheres com encargos
familiares.
5.4.1 A mudança comportamental das mulheres em relação à reprodução e ao
casamento
Partiremos para a análise do benefício às mulheres sem maridos ou filhos, ou
seja, sem a chamada dupla jornada.
203
Um dos argumentos comumente utilizados para a existência da aposentadoria
da mulher em idade diferenciada diz respeito à tradicionalmente denominada “sobre-
jornada”, em razão do cuidado com os afazeres domésticos, marido e filhos.
Contudo, este é um argumento a ser revisto, pois estabelece que toda mulher
estará diante de responsabilidades familiares. Este fato vem sendo redesenhado
pela sociedade, e é crescente no mundo atual o número de mulheres que optam por
uma vida sem relacionamentos conjugais ou a presença de filhos.
mulheres que, por escolha, priorizam outras áreas e nelas se realizam.
Assim, não que se falar em excesso de trabalho, bem como sobrejornada
autorizante de aposentadoria em idade inferior a do homem. Cresce o número de
mulheres, mesmo casadas, que não têm filhos.
Para relembramos os dados colacionados neste trabalho no capítulo 2, no
Brasil, segundo dados dos IBGE/PNAD e Dieese
290
, no início dos anos 2000 é
contínuo o decréscimo da taxa de fecundidade total, a qual passou de 2,6 filhos por
mulher, em 1992, para 2,3 filhos, em 2001.
O tamanho médio das famílias, em 1980, era de 4,5 pessoas, enquanto em
1992 3,8 pessoas, e em 2001, foi reduzido para 3,3 membros. Ademais, cumpre
lembrar que em 1998, o número médio de filhos por família era de 2 no Norte, 1,9 no
Nordeste, 1,5 no Sudeste, 1,4 no Sul, 1,5 no Sudoeste e 1,6 em todo o Brasil.
Esta realidade se confirma com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) de 2008 houve um decréscimo na taxa de fecundidade: Entre as mulheres de
15 a 49 anos, para o período de 1991 a 2007, observa-se uma queda da taxa de
fecundidade de 2,9 para 1,95, ou seja, abaixo da taxa de reposição da população,
que é de 2,1.
290
Dados obtidos no site http:// www.ibge.gov.br. Acesso em 12 de agosto de 2006.
204
Entre 1998 e 2008, observa-se um crescimento de casal sem filhos de 13,3%
para 16,6%, enquanto que diminuiu de 55,8% para 48,2% o número de casal com
filhos. Houve também um crescimento de 16,7% para 17,2% do número de famílias
com mulheres sem cônjuges com filhos.
Em relação à temática pronunciava Evaristo de Moraes Filho:
é tempo de separar-se o sexo do estado civil e da maternidade,
logo nem todas as mulheres que trabalham chegam a ser mães;
ademais se houver inaptidão, a causa da aposentadoria não será
mais por tempo de serviço nem por velhice, e sim por invalidez.
Não seria também uma forma de discriminação fazer a mulher se
aposentar cinco anos mais cedo do que os homens? Não se
pretende que seja ou continue a ser vítima de qualquer preconceito
ou mau julgamento, e sim que se deseja coerência no tratamento da
matéria.
291
No que tange à nupcialidade observou-se nas últimas décadas decréscimo
significativo no volume de casamentos legais. No peodo, o número de uniões legais
caiu de 57,8% para 50,1%, e a parcela em união consensual cresceu de 18,3% para
28,3%. No mesmo período, o número de divórcios aumentou de 10,9 para 13, para
cada 100 habitantes e o número de separações judiciais também se elevou de 10,3
para 11,6 para cada 100 casamentos
292
.
Sublinhe-se que o Censo de 2000 evidenciou o incremento das separações,
novas uniões e de casamento não oficiais, com as uniões consensuais elevando-se
dos 18,3% registrados em 1991 para 28,3% do total de arranjos conjugais. Verificou-
se, ademais, que a família tradicional, qual seja, casal e filhos, apesar de ainda ser
dominante, aos poucos cede passo para as famílias unipessoais e monoparentais.
Oportuno mencionar que com os rompimentos conjugais na idade madura do
casal, a necessidade do ingresso da mulher no mercado de trabalho tardiamente
e a idade para a aposentadoria em tempo inferior ao homem poderá representar um
291
O trabalho feminino revisitado. Revista LTr, v. 40, n. 7, São Paulo, julho de 1976, p. 856-857.
292
Dados obtidos no site http:// www.ibge.gov.br. Acesso em 12 de agosto de 2006.
205
obstáculo para sua inserção.
293
Vale ressaltar que tanto o aumento dos declarados “sozinhos” quanto a
diminuição do tamanho da família não decorrem apenas dos divórcios. As
prioridades em outros ramos da vida social, levando ao adiamento do casamento,
junto com a dificuldade de encontrar parceiros(as) no mercado matrimonial, resultam
em aumento dos sem-cônjuges, destacando-se neste caso o sexo feminino.
No mesmo diapasão são os ensinamentos de Mauro Antônio de Paiva:
Cremos necessário e oportuno, por ocasião de uma próxima e
eventual reforma, rediscutir-se a discriminação dos sexos no tocante
aos requisitos para obtenção de benefícios previdenciários. O fato de
a mulher moderna ter menos filhos do que suas antecessoras, aliado
à sua maior expectativa de vida em relação ao homem, parece
minimizar o impacto psicológico que, em outros tempos, causava nas
pessoas a tese da dupla jornada.
294
Sendo assim, os encargos familiares resultantes do casamento e da prole não
podem ser mais os fundamentos autorizantes para a dita “compensação” na
aposentadoria para a mulher. Em razão dos novos contornos contemporâneos no
que tange à reprodução e ao casamento, tais fundamentos perderam sua
cientificidade e, portanto, merecem ser revistos.
Finalmente, o voluto de proteção do legislador baseado na compensação da
293
VIEIRA, Priscila Faria & PEDRO, Mônica Varasquim no artigo denominado Gênero:
multiplicidade de representações e práticas sociais. Disponível em
http://www.centrodametropole.org.br. Acesso em 30 de maio de 2008 destacam que “Gênero:
Diversidade de discursos e práticas sobre trabalho e desemprego: Após longo período de inatividade,
cuidando da família e da casa, será um outro evento familiar que as fará voltar à procura de trabalho:
a separação ou o abandono de seus companheiros.
Trabalhar fora de casa passa a ser, então, uma necessidade à sua sobrevivência e de seus filhos.
Mas, nesse momento, quando as encontramos em nosso trabalho de campo, elas se deparam com
um contexto de acentuado e crescente desemprego na Região Metropolitana de São Paulo. Com
baixa qualificação e escolaridade, idade por volta dos 47 anos e grande período de inatividade, isto é,
sem experiência recente de trabalho, a volta ao mercado de trabalho passa a ser um ideal
inatingível.”
294
Aposentadoria por tempo de contribuição: um benefício em extinção? Disponível no site
http://www.academia.adv.br. Acesso em 10 de julho de 2010.
206
dupla jornada não se justifica na mulher sem encargos familiares. Não o que se
compensar, razão pela qual não há que se pensar em aposentadoria diferenciada,
5.4.2 Mulheres com encargos familiares e a dupla jornada
O segundo argumento e importância central para a escolha de nosso tema de
Doutorado e confeão do trabalho diz respeito à aposentadoria diferenciada como
forma de compensar a mulher sobrecarregada pelos encargos familiares.
Ao se inserir no ordenamento jurídico brasileiro uma norma de caráter
protecionista à mulher supunha-se à época que se tratava de uma forma de
compensação pelo acúmulo de suas funções, compreendidas como o espo
público de suas atividades profissionais e o espaço privado de sua vida doméstica,
educação de seus filhos e manutenção de sua família.
Tal medida foi inserta como ação afirmativa com vistas à igualação entre os
sexos. Entretanto, a própria norma parte de uma premissa com vistas a reforçar a
desigualdade entre os sexos, assinalando ser o espaço da vida doméstica próprio do
universo feminino.
À época, ou seja, nos idos de 1960, momento da edição da primeira norma
diferenciadora prevista, como informado anteriormente na Lei Orgânica da
Previdência Social (LOPS) pouco se advogava a favor da paridade entre os sexos
nas funções exercidas na família, muito pelo contrário, a família era obrigação da
mulher, e, assim, nada mais justo do que ser esta mesma mulher “compensadapela
legislação quando exercesse também uma atividade profissional.
Na verdade, ainda hoje, primeira década do século XXI, muitos são aqueles
que consideram o espaço doméstico próprio das mulheres, o que se depreende da
análise dos dados estatísticos trazidos confirmando a superioridade do número de
horas gastas semanalmente pelas mulheres nos afazeres domésticos em relação
aos homens.
207
Acreditamos que tal privilégio em tela se configura como uma
“pseudoproteção”, pois à relega ao plano de “sexo frágil”, inferior, submisso e
tradicionalmente responsável pelos afazeres domésticos.
Contudo, ao nos debruçarmos na análise de discriminações e diferenciações
a homens e mulheres nos textos positivados, devemos sempre nos questionar
razões justificadas para tal diferenciação? Entendemos que são apenas justificadas
as diferenças de tratamento entre homens e mulheres no que tange às normas
relativas à gravidez e maternidade
.
Comungando das mesmas idéias Lucy Mary Marx Gonçalves da Cunha:
(...) desconhecemos qualquer estudo sério e bem fundamentado com
dados estatísticos que autorize a conclusão de prematura
incapacidade feminina em relação ao homem.
(...)São admissíveis diferenças apenas quando indispensáveis para
proteger a mulher, diante de certas peculiaridades, como a gestação,
porém jamais medidas que venham exclusivamente em detrimento
de seus direitos. (...).
295
Assim, a adoção de privilégios ou de discriminações injustificadas podem
significar a opressão da própria mulher e não a sua emancipação, posto que, na
medida em que as mulheres têm mais regalias jurídicas, não porque se intentar
uma busca pela igualdade no cotidiano, tendo em vista a compensação de
desequilíbrios culturais pela própria norma jurídica.
296
Fortalecendo a tese da isonomia entre os gênero e a não concessão de
critérios diferenciados nas aposentadorias por idade e por tempo de contribuição
Nogueira defende que qualquer que fosse a causa, tal cavalheirismo legislativo
agora se afigura anacrônico, duvidoso e até ofensivo na medida em que insiste na
295
A aposentadoria compulsória feminina. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo, n. 077, p.
58-63, jan./mar -1995
.
296
CARDONE, Marly Antonieta Cardone. Previdência, Assistência e Saúde na CF/1988. São
Paulo: LTr, 1989, p. 76.
208
velhice ou incapacidade produtiva das sexagenárias, ou menospreza a pugna
feminista pela repartição igualitária dos direitos e deveres humanos, entre estes os
encargos domésticos.
297
O objetivo de uma política de paridade deve ser promover a igualdade de
homens e mulheres no exercício da cidadania, e não sancionar as desigualdades
por meio de medidas protecionistas como esta da aposentadoria, que tende a
reforçar uma diferença na perspectiva da igualdade a ser indagada no cotidiano da
vida doméstica, tanto nos espaços públicos quanto nos espaços privados.
Salienta-se que, para que o bem-estar social e coletivo se mantenha devemos
pensar em termos globais e na ordem sistêmica livre de preconceitos e tabus. Para
tanto é importante repensar efetivamente a questão de gênero nos dias
contemporâneos, garantindo a disparidade quando esta realmente for necessária, e
afastando as protões que longe de representarem uma salvaguarda aos sujeitos
de direito os mantém cristalizados como hipossuficientes, trazendo as mais diversas
conseqüências.
Pretendemos demonstrar que somente pelo esforço e cooperação de todos
os atores sociais será possível consagrarmos a verdadeira igualdade e justiça
social e as mulheres devem compreender sua nova inserção social e colaborar para
tal mister, lutando contra as discriminações e as “pseudo-proteções” previstas no
ordenamento jurídico, bem como na sua realidade pragmática cotidiana.
Somos defensoras que a aposentadoria em tempo inferior à mulher está
longe de ser uma medida compensatória nos dias atuais, e pode se configurar como
uma “proteção” exacerbada e inibidora do desenvolvimento profissional desta própria
mulher.
Como conclusão, não se defende a simples instituição de critérios iguais para
homens e mulheres nas aposentadorias aqui tratadas, isso nada resolveria no
297
A crise moral e financeira da Previdência Social. São Paulo: DIFEL, 1985, p. 68.
209
tocante à igualdade de gênero. Propugnamos pela revisão do cenário atual com a
implementação de um benefício que preconize a consagração da igualdade de
gênero com a inclusão de homens e mulheres. Devemos tornar homens e mulheres
iguais nos espaços públicos e nos espaços privados. A mulher avançou e vem
conquistando os espaços públicos, mas o mesmo não pode ser dito em relação à
população masculina quanto aos espaços privados, afazeres domésticos e cuidados
com a família.
Ser igual é igualar-se em todos os sentidos, exceção feita apenas às
diferenças de ordem biológica. No mais, ser igual é ocupar a dimensão da vida de
maneira similar, é exercer papéis que são próprios das pessoas, quer sejam,
homens ou mulheres.
No próximo tópico avançaremos para apresentar uma nova discussão
preconizada nos mais diversos sistemas de seguridade social do mundo, a
rediscussão dos benefícios às mulheres para a implementação de benefícios
visando como objetivo principal as famílias, asseguradas por uma combinação de
políticas sociais que ampliam as oportunidades de comunhão do espaço público e
do espaço doméstico, redefinindo e reafirmando os papéis de homens e mulheres
na sociedade contemporânea.
5.5 A “pseudoproteção” e os princípios constitucionais da solidariedade,
seletividade e distributividade.
Conforme explicitamos anteriormente a solidariedade é valor fundante de
todo o sistema de seguridade social. Assim, o legislador constituinte propugnou pelo
ideário da universalidade consubstanciada e alicerçada nos esforços comuns de
todos os atores sociais, de forma direta e indireta.
Sendo assim, e como comprovam os dados relativos às condições das
mulheres no século XXI, inadmissível se faz a manutenção de proteções que não
apresentam qualquer fundamento de ordem científica.
210
Muito pelo contrário, a ação afirmativa estabelecida no tocante à diferença de
idade e de tempo em prol das mulheres tornou-se perene desnaturando o próprio
instituto da ação afirmativa, já vislumbrado no capítulo 3, e que visa a solução
temporária e emergencial no intuito de oferecer respostas a grupos historicamente
discriminados. A medida de diferença de idade para aposentadoria vem se
perpetuando no cenário brasileiro e fazendo com que as mulheres, em sua grande
maioria, acreditem que se trata de uma proteção, quando na verdade o que se
fomenta é o fortalecimento das diferenças entre os gêneros e firmamento da classe
feminina como de somenos relevância.
Imprescindível asseverar ainda que inadmissíveis devam ser as garantias e
os privilégios de determinadas categorias, sem qualquer fundamento científico, em
detrimento do conjunto da coletividade
298
. Neste sentido, os legisladores, em
primeiro momento, e os operadores do direito devem sempre questionar que a
seguridade social se mantém como uma engrenagem bem tecida e em
funcionamento graças aos princípios contidos no art. 194 da CF/88.
Solidariedade, seletividade e distributividade devem ser analisadas de forma
conjugada, orientadas pelos valores maiores da República Federativa do Brasil entre
eles, a dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades e a promoção da
justiça social.
Ao selecionar e distribuir deverá ter o legislador como diretriz a necessidade
de amparar as contingências necessárias que reflitam as reais necessidades
daquele momento. É da história da previdência social a transformação contínua da
seleção de contingências sociais, espelhando cada qual ao seu tempo, as
necessidades oriundas daquele momento social.
Assim sendo, quando estabelecida a diferença de idade e de tempo de
298
JHERING, Rudolf Von. A finalidade do Direito. (Trad.) Heder K. Hoffman. São Paulo: Bookseller,
2002, p. 98-99: “Na teoria social lugar para o indivíduo, mas na teoria individualista não existe
lugar para a sociedade – o todo contém a parte, mas a parte, que quer existir só para si, exclui o todo.
Se a parte coloca como fim a sua prosperidade particular, então o todo pode arruinar-se. Já se o todo
coloca como fim a sua prosperidade, deflui necessariamente a preocupação com a parte, pois que o
todo não pode estar são se a parte estiver doente”.
211
contribuição em prol das mulheres, havia o entendimento acerca do maior desgaste
feminino da mulher em relação ao homem, referido argumento já não mais se
justifica em razão da maior longevidade das mulheres, merecendo a necessária
revisão.
299
A solidariedade é um dos princípios presentes no Estado Democrático
Brasileiro enuncia na CF/88, e em especial, constitui-se como uma das diretrizes
indispensáveis ao funcionamento da seguridade social. Dotado de importância ímpar
para a arquitetura do sistema, o princípio da solidariedade estrutura e dignifica as
relações sociais promovendo a redução das desigualdades e no entende de Willis
Santiago Guerra Filho, com quem encerramos o presente tópico:
Os direitos humanos – e os direitos fundamentais, no plano do direito
posto, positivo vêm adquirindo uma configuração cada vez mais
consentânea com os ideais projetados pelas revoluções políticas da
modernidade, tão bem representados pela tríade “liberdade,
igualdade e fraternidade”. Atualmente, já se pode perceber com
clareza a interdependência destes valores fundamentais: sem a
redução de desigualdades, não há liberdade possível para o conjunto
dos seres humanos, e sem fraternidade ou melhor, “solidariedade”
para sermos mais “realistas” visto que a fraternidade às vezes não
existe sequer entre os verdadeiros irmãos-, sem o reconhecimento
de nossa mútua dependência, não como indivíduos, mas como
nações e espécies naturais- também dependemos do ambiente
natural não atinamos para o sentido da busca de liberdade e
igualdade.
Pode-se dizer que o Direito, nessa conjuntura, de assentar-se em
uma ordem constitucional que, em sendo aquela própria de um
Estado Democrático, impõe deveres de solidariedade aos que
compõem uma comunidade política, a fim de minorar os efeitos
nefastos da desigualdade entre eles em relação à sua liberdade e ao
respeito à dignidade humana.
300
299
Consoante entendimento de ASSIS, Armando de Oliveira. Compêndio de Seguro Social. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1963, p. 154 “não devem imperar para o operador do direito
interpretações que privilegiem grupos em detrimento da coletividade, cabendo citar : “ Qualquer
interpretação generosa, de cunho individualista, que imponha à instituição gravames não previstos,
torna-se em verdade, vantagem pessoal sustentada pela coletividade segurada. Destarte, por muito
que se comova o humano coração do interpretador, o do julgador ante um caso pessoal, terá que ser
contido pela indelével lembrança de que o seguro social é uma instituição de direito público onde o
social é a palavra de ordem e em conseqüência não pode, o deve, sob hipótese alguma, ser
deformado por interesses privados, de pessoas ou de grupos”.
300
Proposta de Teoria Fundamental da Constituição (com uma inflexão processual) In ALMEIDA
FILHO, Agassiz & MELGARÉ, Plínio. Dignidade da pessoa humana: fundamentos e critérios
interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 319-320.
212
5.6 Problemas para a previdência social: a necessidade de equilíbrio financeiro
e atuarial
O planejamento em matéria de previdência social constitui-se como diretriz
indispensável para a manutenção do sistema.A própria Constituição Federal ao
tratar do tema estabelece:
Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma de regime
geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá
nos termos da lei (...)”. ( grifos nossos)
Depreende-se, assim, que para o bom funcionamento do sistema necessário
se faz um equilíbrio nas contas públicas. Para o futuro, a garantia da efetividade do
pagamento dos benefícios depende de um Plano de Custeio bem engendrado,
concomitantemente, com a manutenção dos benefícios. Esta é uma equação que
não deve ser relegada a segundo plano.
Impõe sublinhar que na pauta do dia das discussões entre os mais variados
atores sociais está o orçamento da previdência social e as perspectivas de futuro.
Temos, o financiamento da Seguridade Social disciplinado na Constituição de
1988 em seu artigo 195, incisos I a III, parágrafos 1
o
ao 11, verifica-se assim que a
Seguridade Social, a partir de 1988 será custeada direta e indiretamente.
Quando mencionamos o financiamento direto, verificamos o emprego da
tríplice fórmula, ou seja, a cargos dos trabalhadores, empregadores e do Poder
Público, fórmula esta que vem se mantendo no texto constitucional desde os idos da
Constituição de 1934.
Quanto à rmula indireta de custeio temos a sociedade como um todo com
as dotações orçamentárias das pessoas de direito público que fazem parte da
estrutura fundamental do Poder: a União, os Estados e Territórios, o Distrito Federal
213
e os Municípios, apostadores de concursos de prognósticos e demais
contribuições
.
301
Também de se mencionar, como visto alhures no Capítulo 4 que a
seguridade social constituída com base no princípio da universalidade da cobertura
e do atendimento é ideário esculpido na Carta Magna de 1988 é o que irá orientar
o legislador como um horizonte a ser alcançado. Comungando esforços para a
obtenção deste ideário tratou o legislador constitucional de estabelecer o
financiamento para se alcançar tal objetivo, e para tanto ditou regras no sentido de
serem estabelecidas diversas bases de financiamento do Sistema de Seguridade
Social. Contudo, estamos ainda em uma fase de transição e a universalidade não
se encontra implementada como gostaríamos. Entretanto, vale dizer que
caminhamos para atingi-la e nesse desiderato o financiamento será de suma
importância para implementação do plano de proteção social universal.
Resta claro e convém repisar que um dos primeiros passos para se alcançar
os objetivos traçados é estabelecer um custeio calcado no planejamento, na
previsão, no estudo, pois a partir deste necessário planejamento estará
engendrado um plano com suporte atuarial para implementação da política de
Seguridade Social.
Ao atendermos os anseios propugnados pelo art. 201 da CF/88 combinado
com o art. 195, parágrafo 5
o
, também analisado, considerado como a
necessidade de prévio custeio para a existência de benefícios, o equilíbrio almejado
pelo dispositivo deve ser considerado em um contexto global de política
previdenciária.
302
Consideramos que se as mudanças nas condições sociais se operam as
mudanças jurídicas devem acompanhá-las. É o que ocorre na aposentadoria
diferenciada entre os gêneros, por todos os argumentos analisados, e garantia do
301
BALERA Wagner. A Seguridade Social na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989, p. 48.
302
CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Digressões a respeito da inconstitucionalidade do fator
previdenciário. Revista do Advogado/AASP, n. 60, São Paulo: Setembro/2000, p.61.
214
equilíbrio atuarial, não sentido em se manter aposentadorias precoces da
mulher, tendo por bases cienficas a ampliação da sua longevidade.
Em um encontro futuro de contas públicas, as mulheres que atualmente já se
constituem em grande parte, gerarão um ônus e um déficit para os caixas da
previdência social brasileira.Há que se repensar a idade e a longevidade feminina
em termos de gastos públicos, partindo-se do pressuposto da solidariedade,
também insculpido no Texto Constitucional.
Pode-se dizer que a diferenciação de idades para aposentadoria em privilégio
às mulheres não merece continuar existindo, tendo em vista a mudança dos
comportamentos sociais e o afastamento da falsa idéia de fragilidade física e
biológica do sexo feminino, nos termos dos últimos dados divulgados cientificamente
pela Organização Mundial de Saúde no ano de 2007.
Coroando a mesma linha de raciocínio anteriormente exposto cumpre trazer à
baila os ensinamentos do economista Fábio Giambiagi:
Uma olhada na tabela ajuda a entender a questão. No Brasil, uma
mulher de 60 anos de idade tem uma expectativa de viver até os 82
anos, enquanto que na mesma época da vida, um homem espera
viver, na média, até os 79 anos. A diferença entre um caso e outro é
de três anos. Isto é, se homens e mulheres se aposentassem à
mesma idade, a mulher receberia a aposentadoria por um número
maior de anos. Como, além disso, a mulher se aposenta antes, ela é
beneficiada de forma tplice em termos atuariais, que a alíquota
que paga é a mesma que a dos homens. Primeiro, na contagem do
tempo de contribuição ganha um adicional de cinco anos: se
contribuiu por 30 anos, tem o seu fator previdenciário contabilizado
como se tivesse contribuído por 35. Segundo, se aposenta antes que
o homem. E terceiro, vive mais. As regras deveriam se tornar um
pouco mais restritivas, minimizando esse conjunto de vantagens.
Estamos falando de um favor fiscal, que tem um custo: continuar a
permitir que as mulheres se aposentem por tempo de contribuição,
conforme indicam as estatísticas, na média, aos 52 anos, implica ter
menos recursos disponíveis para atividades importantes que estarão
sendo negativamente afetadas pela proporção crescente do
Orçamento consumida pela Previdência. A falta de recursos para
investimentos é parte desse enredo
303
.
303
Proposta para a Previdência (III): a regra das mulheres, artigo publicado no Jornal O Valor
Econômico, acesso em 24 de fevereiro de 2007.
215
Por todos os argumentos expostos resta claro que as mudanças legislativas
se fazem imperiosas. Entretanto, de ser salientado que são necessárias regras
de transição para todos aqueles que se encontram filiados ao sistema. Enfatiza-
se, que as regras de transição, em matéria de direito previdenciário no Brasil, já não
são mais novidade.
Imprescindível salientar que em reunião no Fórum Nacional da Previdência
Social, ocorrida em 10 de abril de 2007 destacou-se que dos 23 países que
compõem a Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico
(OCDE), sete manifestaram a intenção na convergência de a convergência de idade
entre homens e mulheres.
À título de exemplo podemos apresentar as mudanças que vêm sendo
operadas na Inglaterra que está equiparando a idade de homens e mulheres em 65
anos. Esta idade será implementada a partir de 6 de abril de 2020. Esta alteração se
dará gradualmente num período de 10 anos entre 2010 e 2020. O tempo de
contribuição irá conseqüentemente aumentar para as mulheres, atingindo o mesmo
patamar que os homens, para quem o exigidos 49 anos de contribuição.
Em Portugal, Alemanha, Espanha a idade de aposentadoria de homens e
mulheres se aos 65 anos. Na França proposta do governo tramitando no
Parlamento para que a idade mínima seja alterada e fixada em 62 anos para
homens e mulheres.
Nos Estados Unidos a idade é de 66 anos para homens e mulheres. Da
mesmo forma se no Canadá e no México aos 65 anos para homens e mulheres,
respeitados outros critérios também exigidos de carência e tempo de contribuição
idênticos para ambos os sexos..
Na América do Sul podemos citar o exemplo do Uruguai e Paraguai, ambos
pertencentes ao MERCOSUL, assim como o Brasil, concedendo aposentadoria por
216
idade para homens e mulheres aos 60 anos.
304
No Peru o Instituto de Previdência Social por meio das disposições legais
estabelece 60 anos para aposentadoria por idade para homes e mulheres. Na
Bolívia 65 anos para homens e mulheres e no Equador é possível a aposentadoria,
segundo uma escala de critérios, a partir dos 60 anos levando-se em conta o tempo
de contribuição até se atingir os 70 anos de maneira idêntica para homens e
mulheres.
305
No mesmo sentido são as lições do economista Fábio Giambiaggi acerca da
necessidade de regras de transição:
Alguém pode alegar que regras diferenciadas em favor das mulheres
existem em outras legislações nacionais. É verdade. Porém, é
preciso considerar duas coisas. Primeiro, que muitos países que
tinham regras diferenciadas estão migrando para a igualdade entre
os sexos em matéria de aposentadoria, como é o caso dos países da
União Européia. E, segundo, que embora de fato ainda existam
muitos países com regras mais favoráveis para as mulheres, isso
ocorre em relação a um parâmetro em que as regras de
aposentadoria para os homens são bastante rígidas. O caso típico é
o de ter uma norma conforme a qual os homens se aposentam aos
65 anos e as mulheres aos 60. O que confere singularidade ao caso
brasileiro é que aqui as mulheres podem se aposentar por tempo de
contribuição cinco anos antes em relação aos homens que, por sua
vez, também se aposentam, por esse regime, muito cedo. O
resultado é que, enquanto em diversos países as mulheres se
aposentam antes dos homens, mas aos 60 anos, no Brasil podem se
aposentar aos 50 ou 51 anos, o que é um exagero.
Qual é a solução? Adotar uma regra pela qual a diferença entre os
requisitos para as aposentadorias masculina e feminina diminua dos
atuais cinco anos para dois anos, na base de uma redução de um
ano a cada cinco anos. Assim, cinco anos depois de uma certa data,
a diferença cairia para quatro anos e em dez anos para três, até
completar a transição em 15 anos, quando a diferença entre os
sexos cairia para dois anos. Trata-se de uma regra razoável, gradual
e que afetaria apenas moderadamente as mulheres de meia idade
que hoje estão no mercado de trabalho, incidindo mais severamente
sobre as jovens - que creio que aceitariam a medida com
304
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e Associação Internacional de
Seguridade Social publicados no Jornal O Estado de São Paulo, Caderno Economia, datado de 29
de junho de 2010, p. B 3.
305
Todos os dados coletados acerca das aposentadorias nos países selecionados acima estão
disponíveis no site da Associação Internacional de Seguridade Social http://www.issa.int. Acesso em
18 de junho de 2009.
217
naturalidade. O país deveria pensar seriamente em uma regra como
essa.
306
Seguindo o mesmo entendimento oportuna é a lição de Vivian Aranha Sabóia:
Com efeito, o direito à proteção social deve estar na base de um
sistema previdenciário amplo e inclusivo. Por essa razão, a reforma
da previdência deve ser capaz de garantir a solidariedade, promover
justiça social, ampliar e incluir direitos, eliminar eventuais privilégios e
contribuir para a redução das desigualdades de classe e de gênero.
Uma reforma previdenciária justa deveria incorporar uma lógica
igualitária e redistributiva, diferentemente da gica individualista e
famialista que orienta e reforça o seu caráter de seguro,
reproduzindo desigualdades tanto de classe quanto de gênero. Isso
envolve a implementação de políticas específicas de emprego e de
previdência social que promovam a igualdade sexual no mercado de
trabalho e a divisão das tarefas domésticas sem distinção de
gênero.
307
Finalmente, é oportuno concluir que o estabelecimento de critérios
diferenciados pelo pprio Texto Constitucional não se configura como violação ao
princípio da igualdade. O que pretendemos é a modificação dos critérios para
concessão dos benefícios acima relatados – aposentadoria por idade e por tempo de
contribuição- a serem alterados por meio de Emenda Constitucional.
Ressalta-se que a Emenda Constitucional, em nosso entender, deverá
extinguir os benefícios paulatinamente, garantindo às seguradas filiadas ao
sistema, o direito a usufruírem das regras de transição, comumente empregadas
no ordenamento previdenciário brasileiro.
Ademais, propugnamos também que haja na própria Emenda Constitucional a
previsão de uma “troca de benefícios” com a inserção em nosso sistema de
seguridade social do benefício denominado de licença-parental, com vistas à efetiva
igualdade de gênero e desconstrução de estereótipos historicamente arquitetados.
306
Proposta para a Previdência (III): a regra das mulheres, artigo publicado no Jornal O Valor
Econômico, acesso em 24 de fevereiro de 2007.
307
As desigualdades de gênero na Previdência Social na França e no Brasil. Caderno CRH,
Salvador, v. 19, n.46. p. 123-131, jan/abr.2006, p.125.
218
Passamos então a apresentá-lo no próximo tópico.
5.7 Efetuando trocas: a implementação da Licença-Parental como garantia da
igualdade de gênero e firmamento dos direitos de co-responsabilidade
familiares de homens e mulheres.
De tudo que foi exposto, percebe-se que a seguridade social é chamada a
cumprir importante papel, alicerçada em seus objetivos e instrumentos, de instância
redutora das desigualdades sociais. Mediante a promoção social da pessoa
humana; buscando a paz e a proteção dos eventos que geram necessidades, o
sistema arma a sociedade com importantes e claras salvaguardas, pois a
concretização dos direitos sociais e das questões atinentes à igualdade de gênero
conclamam a efetiva atuação do Estado por meio de políticas públicas inclusivas,
trazendo para a prática todo o arcabouço normativo.
Consideramos que a previdência social, como um dos elementos formadores
da seguridade social em nosso país, desempenha papel de extrema relevância
mediante a promoção social da pessoa humana, protegendo-a dos eventos que
geram necessidades.
Os mecanismos promocionais para se garantir a devida compensação devem
ser oferecidos na idade das necessidades sociais, qual seja, na época de criação e
educação dos filhos pequenos, época em que se demanda maior atenção dos pais.
Razão pela qual, mecanismos para o comprometimento na criação dos filhos devem
ser oferecidos a homens e mulheres. Ao falarmos nas questões femininas também
estamos falando na participação masculina na criação dos filhos, muitas vezes
excluídos por papéis e arquétipos estereotipados.
Desta feita, percebemos que o conceito de família nos dias atuais passa por
novas roupagens acrescendo em seu seio a igualdade de gênero. Por esta ótica,
podemos dizer que a educação e sustento dos filhos não cabe prioritariamente a
um dos cônjuges, mas sim a ambos.
219
Apesar das modificações havidas com o universo feminino, em especial seu
maciço ingresso no mercado de trabalho, a maternidade, o lar e a criação dos filhos
ainda é um estereótipo de cunho feminino. Muitas vezes, devemos nos indagar que
somos criados para desenvolver nossa vida desta ou daquela maneira, sem nos
questionar se tais fatos não são produtos culturamente e historicamente construídos.
Ademais, importante pensarmos que ao incluir apenas as mulheres em tais tarefas
ditas domésticas, por ordem lógica estamos excluindo os homens.
Convém reafirmar que os benefícios previdenciários previstos no
ordenamento brasileiro, enfocam, primordialmente, os direitos reprodutivos das
mulheres, oferecendo mínimas possibilidades aos homens de se comprometerem
com o exercício da paternidade responsável, bem como ignorando a existência de
famílias homoafetivas e monoparentais masculinas. Nesse contexto, nota-se que o
aparato legal contribui no mínimo para a manutenção e a reprodução de uma
realidade bastante desigual no que diz respeito à divisão sexual do trabalho
reprodutivo
308
.
O cuidado das crianças está previsto na Constituição Federal, art. 227, como
um dever e um direito do Estado, da sociedade e da família - das mães e dos pais -,
ou seja, homens e mulheres têm o mesmo dever e a mesma capacidade de cuidar
de seus filhos, sendo necessário o reconhecimento de uma licença para os dois.
No entanto, timidamente, os dados atuais demonstram homens mais
participativos e conscientes no engajamento em tais tarefas. Oportuno dizer, que
apesar de tais avanços sociais, mais acentuados no “Velho Continente”, e ali estão
as legislações mais vanguardistas sobre o assunto, no Brasil ainda a legislação
sobre incentivos para o compartilhamento das tarefas domésticas pelos homens é
absolutamente escasso.
Defendemos que mudanças legislativas são de ordem imperiosa, posto que
308
PINHEIRO, Luana; GALIZA, Marcelo; FONTOURA, Natália. Novos arranjos familiares, velhas
convenções sociais de gênero: a licença-parental como política pública para lidar com essas
tensões. Revista de Estudos Feministas, vol.17 n..3 Florianópolis Sept./Dec. 2009, p.12.
220
ao se estabelecer uma licença aos homens para cuidado dos filhos, estar-se-á
estabelecendo a igualdade entre os gêneros, e facilitando o ingresso, permanência e
real estabilidade da mulher no mercado de trabalho. Tal licença, constante na
Europa, denomina-se licença-parental.
Esta seria na verdade a medida compensatória e igualadora dos direitos da
mulheres em relação aos homens. Nunca se a aposentadoria em idade
diferenciada. Precisamos de igualdade no momento em que os problemas de
sobrecarga estão acontecendo efetivamente, ganhar 5 anos de presente para um
eventual descanso, por tudo que já dissemos é levar a mulher a uma posição
reiterada de cidadã de classe, bem como oferecer-lhe a inatividade precoce, a
criação de medos e transtornos de ordem psicológica.
Contudo, na idade de criação dos filhos pequenos, muitas vezes coincidente
com o firmamento de suas atividades profissionais é que precisará da salvaguarda
familiar, bem como das políticas Estatais voltadas à proteção da família.
O ideal seria a instituição também da licença-parental, dada a necessidade de
proteger a criança, de atenuar as desigualdades provenientes dos encargos
familiares e de tornar o pai co-responsável pelos cuidados e educação dos filhos.
Sucede que o progresso nessa área será atingido se vier acompanhado de uma
infra-estrutura social capaz de proporcionar à família maior disponibilidade de
creches e pré-escolas, com longa duração da jornada escolar, aliada à modificação
da mentalidade da mulher e do homem, conscientizando-os de que os encargos
domésticos também deverão ser repartidos.
309
A divisão das responsabilidades no âmbito familiar é um aspecto significativo
de uma evolução cultural e, dada a sua lentidão, clama por um início imediato, que
poderá ser retardado por concessão de vantagens ou proteções especiais à
mulher.
310
309
BARROS, Alice Monteiro. Direito do Trabalho da Mulher. o Paulo:LTr, 1995, p.23.
310
Idem, p. 498.
221
Ana Maria Goldani destaca a real necessidade de compartilhamento entre a
vida doméstica e laboral por meio da propositura de novos modelos de participação
de homens e mulheres, em seus trabalhos e na vida doméstica. Este modelo,
denominado de Universal Caregiver Model of Gender Equity, tem sido implementado
em países da Comunidade Européia, com políticas públicas que ofertam benefícios
financeiros, serviços e outras ajudas para famílias com crianças cujos pais trabalham
fora. O escopo maior de tais políticas é a proteção social das famílias, dos filhos e da
continuidade das relações de emprego dos genitores, muitas vezes obrigados a se
desvincularem de seus postos de trabalho para criação dos filhos.
311
Mudar a divisão sexual do trabalho doméstico é, enfim, uma pré-
condição para concretizar essa cidadania mundial através de uma
efetiva igualdade social e sexual. Enquanto a divisão do trabalho
doméstico for assimétrica, a igualdade será uma utopia. Se o papel
das políticas públicas em favor da igualdade entre homens e
mulheres pode ter conseqüências positivas, apenas a mudança da
correlação de forças no interior da esfera dita “privada” poderá
contribuir para uma melhor distribuição do trabalho invisível, do
trabalho de compaixão e de dedicação, de altruísmo, de
disponibilidade permanente, tornando abordável às mulheres – e não
apenas virtualmente aos homens e a um punhado de “mulheres
excepcionais” – um espaço próprio, um tempo “para si”, e o acesso à
criatividade, que é possível apenas a partir de uma afirmação de si
enquanto sujeito autônomo.
312
5.7.1 Instrumentos Internacionais instituidores dos benefícios familiares
Convém informar que desde os idos de 1960 a noção de “responsabilidades
familiares” está na agenda da OIT, devido à maior inserção das mulheres no
mercado de trabalho. Em 1965, foi aprovada a Recomendação nº 123 sobre o
emprego de mulheres com responsabilidades familiares. No entanto, essa
recomendação trata dos “problemas enfrentados por mulheres na tentativa de
conciliar família e trabalho, sem questionar a maior carga de trabalho doméstico das
311
Família, gênero e políticas: famílias brasileiras nos anos 90 e seus desafios como fator de
proteção. Revista Brasileira de Estudos de População, v.19, n.1, jan./jun. 2002.
312
HIRATA, Helena. O universo do trabalho e da cidadania das mulheres um olhar do feminismo e
do sindicalismo. In COSTA, Ana Alice et. al. Reconfiguração das relações de gênero no trabalho.
São Paulo : CUT, Brasil, 2004, p.20.
222
mulheres”.
313
A Recomendação n. 123 foi aprimorada posteriormente pela Convenção no.
156 sobre trabalhadores e trabalhadoras com Responsabilidades Familiares e pela
Recomendação no. 165, ambas de 1981.
A Convenção nº 156 enfoca a necessidade dos Estados desenvolverem
mecanismos dentro do sistema de seguridade social de apoio e assistência à família
e à criança, considerando as necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras com
responsabilidades familiares. Define também que os Estados deverão promover
medidas de orientação e formação profissional para possibilitar a inserção, a
manutenção e a reintegração desses trabalhadores e trabalhadoras ao setor
produtivo.
A referida Convenção enaltece a “mudança nos papéis tradicionais atribuídos
aos homens, de modo que a crescente presença da mulher no mercado de trabalho
teria que ser acompanhada pela maior participação masculina na vida familiar e nos
afazeres domésticos”, bem como dispõe sobre o direito à licença parental, a ser
usufruída, pelo homem ou pela mulher, após o gozo da licença-
maternidade.Determina também o direito a peodos de afastamento, a cargo da
Previdência Social, para cuidar de filhos doentes, e, finalmente, destaca o papel do
Estado na promoção da educação de homens e mulheres, preparando-os para o
compartilhamento das atividades profissionais e familiares.
A Recomendação no. 165, tem por objetivo complementar a Convenção no.
156, reafirmando a importância da ampliação da oferta de serviços de proteção
social e da melhoria de sua infra-estrutura para garantir o bom desempenho das
responsabilidades familiares e fomentar a repartição equilibrada das
responsabilidades no grupo familiar. Em seu art. 22, 1 disciplina que qualquer dos
313
GOMES, Ana Virgínia Moreira. A OIT e a disseminação do combate à discriminação contra a
mulher no trabalho: indo além das convenções e recomendações. In BERTOLIN, Patrícia Tuma
Martins & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan (org.). Mulher, Sociedade e Direitos
Humanos : Homenagem à Profa. Dra. Esther de Figueiredo Ferraz. São Paulo: Rideel, 2010,
p.168.
223
pais deve ter a possibilidade, após a licença pós-natal, de tirar a licença parental,
garantida sua estabilidade no emprego nas mesmas condições anteriores à licença.
A Convenção no. 156 e a Recomendação no. 165 avançam em comparação à
Recomendação no. 123, em dois aspectos principais. Primeiro, porque não
consideram a conciliação trabalho e família como um problema enfrentado apenas
pelas mulheres, e segundo porque definem o direito à igualdade de oportunidades
para os trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares.
314
E em segundo lugar porque a Recomendação 123 compreendia que as
responsabilidades familiares eram aquelas adstritas ao cuidado com os _filhos,
enquanto na Convenção 156 amplia essa definição, incluindo também aquelas
relacionadas a outros membros da família que dependam do cuidado ou sustento
do trabalhador ou trabalhadora, preocupando-se com o contexto atual do índice
crescente de envelhecimento da população.
Importante destacar ainda 98ª Sessão da Conferência Internacional do
Trabalho, reunida em Genebra em junho de 2009 com uma importante contribuição
da América Latina com a elaboração do Relatório Regional Trabalho e Família: rumo
a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social, em um trabalho
conjunto entre a Organização em um trabalho conjunto entre a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD), e a contribuição de diversos países latino-americanos.
Esse Relatório tem por objetivo o aprofundamento das discussões de poticas
propostas na Agenda Hemisférica de Trabalho Decente, lançada em maio de 2006,
durante a XVI Reunião Regional Americana da OIT.
Com o título Organizar o trabalho a favor da co-responsabilidade social”, um
dos capítulos do Relatório estabelece as principais diretrizes para o enfrentamento
314
Trabalho e Família: rumo a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social.
Relatório da Organização Internacional do Trabalho-2009(OIT), p. 506. Disponível no site
http://www.oit.org.br com acesso em 15 de abril de 2010.
224
de um dos maiores desafios contemponeos: a noção de co-responsabilidade e
compartilhamento da vida pessoal, familiar e o trabalho, devendo citar:
a necessidade de legislação sobre licenças paternidade por nascimento de um
filho ou filha, remuneradas e de duração adequada, com o objetivo de permitir o
convívio dos pais com seus filhos e filhas desde os primeiros dias de seu
desenvolvimento.
• a avaliação das licenças paternidades já existentes na legislação de diversos
países, com a análise aprofundada de sua efetividade na prática social;
a recomendação de se incluir no ordenamento legislativo de cada país a licença
parental, remunerada e de duração adequada, que pode ser tirada após o término
da licença maternidade,por ambos os cônjuges de modo seqüencial e de forma
compartilhada,
.
a recomendação de se legislar sobre licenças familiares remuneradas por motivos
de responsabilidades familiares (por exemplo, em caso de enfermidade de filhos ou
filhas ou outras pessoas dependentes), para que possam ser gozadas por um
determinado período ou como flexibilização do horário de trabalho.
E ainda a possibilidade de licenças não remuneradas, com garantia do posto de
trabalho, para criação ou cuidado de outros dependentes.
Finalmente, oportuno afirmar que tais direitos estariam cingidos à categoria de
benefícios previdenciários, a serem cobertos pelos sistemas de seguridade social.
5.7.2 Experiências de direito comparado
Podemos citar ainda a experiência modelar da Suécia com legislação datada
de 1974, outorgando-lhe o título de primeiro país do mundo a transformar a licença
maternidade em um sistema de licença remunerada tanto para a mãe como para o
225
pai, com o objetivo de reafirmar a igualdade de gênero, o acesso da mulher ao
mercado de trabalho, o fortalecimento dos homens no compartilhamento das tarefas
domésticas e criação dos filhos, e por via de conseqüência direta, o fortalecimento
da família como núcleo social privilegiado e destinatário de políticas públicas.
315
O sistema sueco de seguridade para os pais parece também marcar o início
de uma época em que, paralelamente à ênfase dada à redução dos diferenciais
econômicos e de bem-estar relativos às classes sociais, a questão de gênero passa
a assumir um lugar cada vez mais destacado na agenda pública do país. O grande
ingresso das mulheres no mercado de trabalho prenunciava a debilitação do
tradicional modelo familiar do provedor e da dona-de-casa, e o Estado sueco
começa a implementar políticas formuladas não apenas com o intuito de reduzir as
diferenças nas médias salariais e nas condições de trabalho entre homens e
mulheres, mas também visando a tornar mais igualitária a divisão de tarefas no
âmbito doméstico.
316
Entre os auxílios podemos citar:
Auxílios para os pais (Föräldrapenning): após o nascimento do filho
ou a adoção de uma criança que ainda não tenha dez anos, os pais
têm direito a uma licença remunerada de até um máximo de 450 dias
(quinze meses). A licença é sujeita à tributação, sendo considerada
quando dos cálculos para a aposentadoria. Os pais podem escolher
quando tirar a licença remunerada, mas o benefício não é mais
concedido após a criança ter terminado o primeiro ano da escola
compulsória, o que geralmente acontece aos onze anos de idade. Se
ocorrerem nascimentos múltiplos, os pais têm direito a mais 180 dias
315
Neste sentido trazemos à colação as informações obtidas no texto de FARIA, Carlos Aurélio
Pimenta de. Entre marido e mulher, o estado mete a colher: reconfigurando a divisão do
trabalho doméstico na Suécia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.17, n.48, São Paulo,
fev. 2002 disponível no site http://www.scielo.br com acesso em 15 de março de 2009, cabendo citar:
Em países como a Áustria, Holanda, Japão e Austrália, por exemplo, legislações similares foram
introduzidas apenas no início dos anos de 1990 (OECD, 1995). Nos países nórdicos, os pais
passaram a ter direito a compartilhar a licença remunerada após o nascimento da criança nos
seguintes anos: Suécia (1974), Noruega e Finlândia (1978), Islândia (1980) e Dinamarca (1984). Na
Escandinávia, somente na Suécia e na Noruega uma parte da licença é reservada exclusivamente
para o pai (licença remunerada como um direito individual, não apenas como um direito da família); e
somente na Suécia (1979) e na Finlândia (1988) os pais de crianças pequenas têm o direito de optar
por uma jornada de trabalho de seis horas (com redução proporcional dos salários)”.
316
Idem, ibidem.
226
de licença no caso de gêmeos, a mais 360 dias no caso de trigêmeos
e assim por diante. A forma de usufruir a licença pode variar: por
tempo integral, por meio expediente ou apenas durante um quarto da
jornada diária de trabalho. Quando os pais têm a custódia conjunta
da criança, cada um tem direito à metade do total dos dias de licença
remunerada. Se um dos pais não tiver condições de cuidar da
criança, devido a doença, incapacidade física ou outras razões
similares, o outro tem direito a todo o período de licença remunerada.
Também é possível transferir a licença remunerada para o
parceiro(a), garantindo-se, entretanto, trinta dias que são
intransferíveis; essa transferência deve ser formalizada junto ao
escritório do seguro social mais próximo. Pais solteiros têm direito a
todos os 450 dias de licença. Esse auxílio para os pais pode ser
concedido antes do nascimento da criança para compensar o fato de
o auxílio gravidez não ser concedido durante os dez dias que
precedem o parto e/ou para que os pais possam freqüentar cursos
de puericultura e congêneres. Após o nascimento, o auxílio para os
pais é pago para aquele que toma conta da criança. Ambos os pais
podem receber o auxílio simultaneamente, relativo a meio expediente
de licença, se assim desejarem.
Auxílios temporários para os pais (Tillfällig Föräldrapenning): quando
a criança ou a pessoa que geralmente toma conta dela está doente,
os pais têm direito a uma licença remunerada por um máximo de
sessenta dias anuais por criança, período esse que,
excepcionalmente, pode ser prolongado até 120 dias. O benefício
está disponível até que a criança atinja os doze anos de idade. Se a
criança tem necessidade de cuidados especiais, o auxílio temporário
pode ser estendido até que a criança tenha dezesseis anos. Os
benefícios auferidos também são proporcionais à renda. Em 1995, os
primeiros catorze dias da "licença para cuidar de uma criança
doente" eram compensados com 80% dos rendimentos daquele que
se licencia.
317
Importante documento acerca do tema foi lançado neste ano, trata-se da
Diretiva da União Européia, n. 2010/18 do Conselho de 8 de março de 2010 que
aplica o acordo revisto sobre a licença-parental aos países congregados. Trata-se a
Diretiva de fonte do direito comunitário, não possuindo caráter obrigatório, mas são,
entretanto, fontes inspiradoras com importância cabal para as diretrizes internas de
cada país, no fomento de ações e públicas.
Nas motivações e fundamentos da Diretiva n.18 estão ressaltados pontos de
extrema importância considerando “que as políticas da família devem contribuir para
a concretização da igualdade entre homens e mulheres a ser encarados no contexto
317
Idem, ibidem.
227
da evolução demográfica, dos efeitos do envelhecimento da população, da
aproximação entre as gerações, da promoção das mulheres na vida ativa e da
partilha das responsabilidades de cuidados entre homens e mulheres”.
Houve, assim, a instituição da licença-parental em um peodo não inferior a
quatro meses, aos trabalhadores de ambos os sexos, com filhos naturais ou
adotivos, com até 8 anos de idade, critério a ser definido por cada Estado Membro,
para exercerem as responsabilidades familiares cuidando de seus filhos de forma
compartilhada.
Em Portugal sob a égide do Decreto n. 91/2009 o benefício da licença-
parental, cabendo transcrever trechos selecionados da exposição de motivos do
texto legal que reforçam a adoção de tal medida visando a efetivação da igualdade
de gênero:
XVII Governo Constitucional reconhece, no seu Programa, o
contributo imprescindível das famílias para a coesão, equilíbrio social
e o desenvolvimento sustentável do País.
Reconhecendo a importância e a necessidade de criar medidas que
contribuam para a criação de condições favoráveis ao aumento da
natalidade, por um lado, mas também à melhoria da conciliação da
vida familiar e profissional e aos cuidados da primeira infância,
(...) a adopção de medidas e acções destinadas a combater as
desigualdades de género, promover a igualdade entre mulheres e
homens bem como a conciliação entre a vida profissional, familiar e
pessoal, elegendo-se como prioridade, nomeadamente, a criação de
condições de paridade na harmonização das responsabilidades
profissionais e familiares.
No âmbito da protecção à parentalidade, que constitui um direito
constitucionalmente reconhecido, a segurança social intervém
através da atribuição de subsídios de natureza pecuniária que visam
a substituição dos rendimentos perdidos por força da situação de
incapacidade ou indisponibilidade para o trabalho por motivo de
maternidade, paternidade e adopção.
O novo regime de protecção social elege como prioridades o
incentivo à natalidade e a igualdade de género através do reforço
dos direitos do pai e do incentivo à partilha da licença, ao mesmo
tempo que promove a conciliação entre a vida profissional e familiar
e melhora os cuidados às crianças na primeira infância através da
228
atribuição de prestações pecuniárias na situação de impedimento
para o exercício de actividade profissional.
Importante é o exemplo latino americano de Cuba que em 2003 atualizou o
Decreto Lei 234 com o objetivo de instituir a Licença Parental visando o
compartilhamento familiar na criação dos filhos naturais ou adotivos a 1 ano de
vida. Concluída a licença maternidade, a mãe e o pai podem decidir qual deles
cuidará do filho ou filha, a forma que distribuirão esta responsabilidade até o primeiro
ano de vida e quem receberá o benefício equivalente a 60% da base de cálculo da
licença maternidade. O período no qual a e ou o pai estejam recebendo este
benefício para o cuidado das crianças é considerado como tempo de serviço para os
efeitos da previdência social.
5.7.3 Brasil: ecos de proposituras legiferantes
No Brasil, esse debate vem se ampliando na esfera pública. A II Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres, realizada em agosto de 2007, colocou na
pauta algumas questões relativas ao tema que foram incorporadas ao II Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres (SPM).
O equilíbrio entre trabalho e família foi o tema da OIT para as comemorações
do Dia Internacional da Mulher de 2009 e também para a discussão que se realizou
na 98ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em junho de 2009, em
Genebra.
Esse tema também vem sendo tratado desde 2005 pela Comissão Tripartite
de Igualdade de Oportunidades e de Tratamento de Gênero e Raça no Trabalho
(CTIO), presidida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que é composta por
representantes do governo, trabalhadores e empregadores.
Como pauta central do debate está a apreciação da Convenção 156 da OIT
229
sobre trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades.A Convenção 156 traz
importantes orientações para a elaboração de poticas nacionais que contribuam
para uma compatibilização satisfatória dos trabalhos remunerados e não
remunerados, que promovam o compartilhamento de responsabilidades entre
homens e mulheres, bem como a igualdade de oportunidades e não discriminação
de trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares. Além disso,
coloca a necessidade de serem adotadas medidas que levem em consideração as
necessidades deste grupo de trabalhadores/as, incluindo o desenvolvimento de
serviços comunitários, públicos e privados de assistência à infância e às famílias.
Contudo, começamos a perceber prenúncios de mudanças, tendo em vista o
tema responsabilidade familiares e igualdade de gênero ter sido incluído como
discussão geral na agenda da 98ª Sessão da Conferência Internacional do Trabalho,
reunida em Genebra em junho de 2009.
Convém ressaltar que houve uma importante contribuição da América Latina
com a elaboração do Regional Trabalho e Família: rumo a novas formas de
conciliação com corresponsabilidade social, em um trabalho conjunto entre a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), e a contribuição de diversos países latino-americanos.
No Brasil, foram realizados dois eventos, com a parceria do Escritório da OIT
no Brasil e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da
República: um seminário nacional tripartite e um estudo nacional sobre o tema.
Realizado em Brasília no mês de março de 2009, o Seminário Nacional
Tripartite O Desafio do Equilíbrio entre o Trabalho, Família e Vida Pessoal teve por
principal resultado a aprovação de um documento com os principais pontos dos
debates, resumindo as propostas e as estratégias para o equilíbrio entre trabalho,
família e vida pessoal no país.
A segunda atividade foi a realização do estudo nacional Políticas de Equilíbrio
de Trabalho, Família e Vida Pessoal no Brasil: avanços e desafios no início do
século XXI, apresentando um levantamento das poticas conciliatórias entre trabalho
230
e família existentes no país, a partir das múltiplas estruturas e arranjos familiares da
atualidade, evidenciando quais os grupos que têm acesso a tais benefícios e quais
estão excluídos, e fazendo recomendações de medidas para sua inclusão.
A Comissão Tripartite de Igualdade de Oportunidades e de Tratamento de
Gênero e Raça no Trabalho (CTIO) encaminhou à discussão da Conveção 156 para
a Comissão Tripartite de Relações Internacionais, visando a sua submissão ao
Congresso Nacional.
Em janeiro de 2010, o Ministro de Estado do Trabalho e Emprego solicitou ao
Ministro de Estado das Relações Exteriores o encaminhamento da Convenção 156 à
Casa Civil com vistas à sua submissão ao Congresso Nacional. Durante os meses
de janeiro e fevereiro, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), realizou atos de
lançamento do “Abaixo Assinado pela Ratificação da Convenção 156” em todos os
estados em que a entidade atua, convidando os seus sindicatos filiados a
conhecerem a referida Convenção e assim se engajarem pela sua ratificação.
Mais do que proteger homens e mulheres iniciativas legiferantes neste sentido
são responsáveis por firmar o intuito de fortalecimento da família objetivado pelo
legislador constituinte ao ditar em seu artigo 226 que a “A família, base da
sociedade, tem especial proteção do Estado”.
Neste sentido, projeto de lei do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-
SE) acrescentando à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e à Lei 8.213/91, o
benefício da licença parental (PLS 165/06), O projeto garante aos pais o direito à
licença parental nos primeiros seis anos de vida de cada filho, inclusive os adotivos
ou sob guarda judicial. Importante trazer à colação as razões justificadores expostas
no intróito da propositura do referido projeto de Lei:
JUSTIFICAÇÃO
A questão afeta ao trabalho da mulher, especialmente àquelas que
têm filhos, deve sempre ser analisada com todo o cuidado, pois elas
estão entre os trabalhadores mais atingidos pela informalidade e pela
discriminação no ambiente de trabalho, tendo menos acesso a
cargos de chefia e recebendo,em média, salários menores.
231
No Brasil, a desigualdade entre homens e mulheres no acesso,
progressão e remuneração no mercado de trabalho é uma dura
realidade. A mulher é mais atingida pela informalidade e, até mesmo
nesse meio, aufere uma remuneração menor que a do homem.
A forte concentração na informalidade e em contratos de trabalho
temporários, terceirizados e precários, assim como o fato de ser vista
como responsável principal pelos afazeres domésticos e pela criação
dos filhos, faz com que a trabalhadora que se encontra nessas
condições não se veja como tal. Não conscientização e, portanto,
mobilização na luta por melhores condições de trabalho, inserção no
mercado formal e filiação ao sistema previdenciário.
A mulher entrou em larga escala no mercado de trabalho nos idos da
revolução industrial para atender ao imperativo da lógica de mercado
que exigia maior produção a um custo mais baixo. Seu trabalho era
mal remunerado e explorado em condições degradantes, em
jornadas estafantes.
Assim, a legislação teve que vir em seu socorro, estabelecendo uma
série de medidas de proteção, buscando, por intermédio do
tratamento normativo diferenciado, realizar, materialmente, o
princípio da igualdade.
Modernamente, se discute, entretanto, se tais medidas não se voltam
contra a própria trabalhadora, constituindo óbice à sua inserção no
mercado de trabalho, contribuindo para a manutenção do estigma da
“força de trabalho de segunda categoria”.
Nesse contexto, é muito importante discutir se as ações afirmativas,
que têm se traduzido num tratamento legislativo diferenciado e de
proteção, por seu caráter de onerar a mão-de-obra feminina, devem
ser extintas ou se, apesar desse ônus, por uma necessidade
pedagógica, devem ser mantidas.
As iniciativas legislativas mais afinadas com o momento atual do
mercado de trabalho e com o papel da força de trabalho feminina têm
optado pela segunda hipótese, qual seja, manter a proteção, mas
com a fundamental diferença de que se tem optado por retirar o foco
da mulher e centrá-lo na família, ampliando a noção de que a
responsabilidade pelo lar é de homens e mulheres, indistintamente.
Assim sendo, apontamos que as legislações mais avançadas, de
países como Itália, Portugal e França, para nomear somente alguns,
prevêem,além da licença-maternidade propriamente dita, fundada em
questões biológicas inafastáveis da figura feminina, períodos de
afastamento para o cuidado com a prole que podem ser gozados
tanto pelo pai, quanto pela mãe.
Esse tipo de previsão legal, chamada de Licença-Parental,diminui o
custo da mão-de-obra feminina, porque ameniza a discriminação de
gênero no mercado de trabalho. Nessa ótica legislativa, os filhos são
vistos omo responsabilidade do casal e não da mulher,
exclusivamente. A proteção é direcionada para a família e não para o
mercado de trabalho da mulher, de modo a evitar mais exclusão e
discriminação salarial em relação às obreiras.
Por essas razões e por serem justos os propósitos que nortearam a
apresentação da proposta, esperamos contar com o apoio dos
nossos pares para que a iniciativa venha a merecer o acolhimento e
aprovação desta Casa do Congresso Nacional.
Sala das Sessões, Senador ANTONIO CARLOS VALADARES
232
Assim sendo, a maneira “compensatória” para promoção da mulher não seria
o seu afastamento do trabalho em idade inferior na maturidade, mas sim, a presença
de seu companheiro no momento mais árduo das tarefas cotidianas, qual seja, na
criação dos filhos e formação da sua família. Trata-se, desta feita, de norma
imperativa que irá propiciar às mulheres seu fortalecimento e não-discriminação na
vida profissional, e aos homens, a atribuição de um papel que muitas vezes não lhe
é concedido, o de ser pai em sua plenitude.
Finalmente, a equidade deve ser vista como o objetivo maior de uma
sociedade democrática e caberá ao Estado em comunhão com diversos atores
sociais a atuação pró-ativa na busca de políticas públicas, que objetivem não
apenas a salvaguarda das famílias nos aspectos legais, mas o crescente e contínuo
estímulo do processo de transformação das convenções sociais de gênero na
direção de uma sociedade mais igualitária.
Com a manuteão de benefícios que reforçam os tradicionais papéis
vivenciados pela mulher ao longo da história, longe de protegê-la estamos
construindo a sua exclusão, o mesmo podendo ser dito em relação aos homens.
A previsão de licenças compartilhadas representa uma ação proativa do
Estado na garantia da aplicação do mesmo dever e do mesmo direito de cuidado
com os filhos a mães e pais, garantidos em diversos diplomas legais em nosso
ordenamento. A mudança de perspectiva contribuirá para a construção de novos
modelos de masculinidade e feminilidade que irão valorizar os direitos de co-
responsabilidade, o compartilhamento de tarefas por homens e mulheres no espaço
privado e o exercício da paternidade responsável.
318
318
PINHEIRO, Luana; GALIZA, Marcelo; FONTOURA, Natália. Novos arranjos familiares, velhas
convenções sociais de gênero: a licença-parental como política pública para lidar com essas
tensões. Revista de Estudos Feministas, vol.17, n.3, Florianópolis Sept./Dec. 2009.
233
6.O FEMININO E O MASCULINO ENQUANTO CONSTRUÇÕES
HISTÓRICO-CULTURAIS: OS ATORES SOCIAIS
INSTRUMENTALIZADORES DA CONCRETIZAÇÃO DA IGUALDADE
DE GÊNERO
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum
destino biológico, psíquico, econômico define a forma
que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o
conjunto da civilização que elabora esse produto
intermediário entre o macho e o castrado que qualificam
de feminino.
Simone de Beauvoir
319
6.1 Sensibilização e mudança cultural
Educação e Direito caminham juntos. De nada adianta mera edição de
normas se não houver a preocupação em preparar a sociedade para recebê-la e
torná-la efetiva.
Atualmente, no campo da Sociologia Jurídica muito se discute o papel do
Direito se seria o de mero controlador das relações sociais ou indo além, o de
transformador destas mesmas relações.
É fato recorrente que os fatos sociais caminham absolutamente de forma
mais rápida do que a edição de normas, fazendo com que haja um descompasso
grandioso entre os fatos do mundo e os fatos regulados pelo Direito.
319
O segundo sexo: a experiência vivida. São Paulo: Difel, 1975, p.9.
234
Entretanto, mudanças são implementadas pelas normas mas os valores
culturais arraigados em dada sociedade as impedem de prosperar.
Temos noção inequívoca que a mera instituição da licença-parental no Brasil
por meio de legislação não será o bastante para garantir a sua efetividade no seio
social.
Vivemos, por tudo que já relatamos no decorrer deste trabalho, em uma
sociedade patriarcal, com valores culturais construídos no binômio homem-provedor,
mulher-cuidadora.
É possível a mudança gradual, contínua e de longo prazo para a
implementação da igualdade de gênero, momento no qual não falaremos mais em
atributos do homem ou da mulher, mas sim, atributos da pessoTais transformações
sociais dependeram de uma rede de atores sociais que em comunhão irão traçar as
diretrizes a curto, médio e longo prazo para tais modificações.
Acreditamos que a transformação está estritamente relacionada à
“sensibilização cultural”, expressão esta escolhida pela Organização Internacional do
Trabalho para nominar e empreender esforços na busca pela igualdade de gênero.
As atitudes em relação às desigualdades e discriminações entre homens e
mulheres sofrerão alteração quando se instaurarem mecanismos de
sensibilização e conscientização social. Lembrando-se, todavia, que a discriminação
não é uma decorrência apenas das leis, mas dos condicionamentos psicoculturais
advindos de mitos e crenças enraizados na estrutura da sociedade patriarcal em que
vivemos, contra os quais homens e mulheres devem-se insurgir
.
320
Desta forma, com a finalidade de promover estas mudanças e em
consonância com a Convenção 156 da OIT (Art. 6), o Estado deve promover uma
320
Trabalho e Família: rumo a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social.
Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 2009, p. 506. Disponível no site
http://www.oit.org.br com acesso em 15 de abril de 2010.
235
política de sensibilização e transformação cultural, que se constitui como uma tarefa
planejada a longo prazo e que envolvem inúmeras instâncias e setores para a sua
implementação.
Informação é a palavra-chave necessária para o desenvolvimento de todo
este processo. Alerta a Organização Internacional do Trabalho a necessidade
imperiosa de Campanhas de informação com vistas a divulgar a temática da
igualdade de gênero, envolvendo a sociedade como um todo, e em especial,
trabalhadores, sindicatos, empresários, educadores, os meios de comunicação,
para promover a melhor compreensão sobre o princípio de igualdade de
oportunidades e tratamento, e da instauração de políticas em prol dos direitos de
conciliação.
Tais mudanças podem ser desencadeadas de inúmeras formas por meio de
campanhas educativas, construção de parcerias sociais, engajamento dos veículos
de comunicação, sindicatos, empresas, organizações, associações e a atuação pró-
ativa do Poder Público sublinhando-se a importância ímpar na articulação de
políticas públicas e o fomento de normas legisladas com vistas à promoção da
igualdade e dos direitos de cidadania.
6.2 Mulheres no poder: a participação política como forma de igualdade real,
progresso e fortalecimento de gênero
Por razões histórico-culturais acreditamos que na política se vislumbra a
menor participação das mulheres. Apesar de estar aumentando em uma boa
proporção, pois desde o final da Grande Guerra Mundial, 1945, a presença de
mulheres no parlamento aumentou mais de cinco vezes, mas ainda é insuficiente.
Sendo assim, constitui como um dos objetivos do milênio pela UNICEF o
incremento da atuação feminina no poder político.
Para comprovar tais assertivas nos valemos dos dados fornecidos no
Relatório da UNICEF que seguindo o ritmo atual de crescimento da proporção de
236
mulheres em parlamentos nacionais cerca de 0,5% no mundo todo –, a paridade
de gênero nas legislaturas nacionais só será alcançada em 2068.
Em todos os parlamentos mundiais as mulheres estão sub-representadas: em
julho de 2006, representavam pouco menos de 17% dos parlamentares do mundo.
Em dez países não há mulheres no parlamento, e em mais de 40 outros as mulheres
constituem menos de 10% dos legisladores.
Os países nórdicos têm as taxas mais altas de participação, com 40% de
mulheres entre o Senado e a Câmara. Os Estados Árabes têm a posição mais baixa,
com média regional de menos de 8%.
As mulheres estão menos representadas no nível ministerial do que no
parlamento. Em janeiro de 2005, mulheres ocupavam 858 posições ministeriais em
183 países, representando apenas 14,3% dos ministros governamentais do mundo.
Dezenove governos não tinham nenhuma mulher à frente de ministérios; e entre
aqueles que incluíam mulheres nas pastas ministeriais, na maioria dos casos
tratava-se apenas de uma representação simbólica, envolvendo uma ou duas
mulheres ministras. Em março de 2006, apenas três países Chile, Espanha e
Suécia – tinham alcançado paridade de gênero em pastas ministeriais.
Nesse contexto devemos indagar: por que é tão importante a participação das
mulheres na política?
O envolvimento de mulheres nas etapas iniciais da formulação de políticas
ajuda a garantir que os programas levem em conta as necessidades femininas e
outras decorrências ligadas à família e à criança, ajudam a transformar o ambiente
político. Sua influência o é sentida apenas em leis mais vigorosas em favor da
criança e da mulher: elas contribuem também para que os organismos decisórios
tornem-se mais democráticos e sensíveis às questões de gênero.
237
Aumentar a participação de mulheres na política é fundamental para
promover igualdade de gênero, fortalecer a mulher e garantir os direitos da criança.
As barreiras de ingresso formal que ainda se mantêm devem ser derrubadas, e as
mulheres devem ser estimuladas e apoiadas pelos partidos políticos para que
permaneçam no cargo.
Grupos de mulheres precisam ser reconhecidos como agentes importantes de
aumento de poder e de desenvolvimento. Governos e agências de desenvolvimento
devem incluí-los em suas estratégias de redução de pobreza e encorajar parcerias
de longo prazo. Trabalhando com organizações de mulheres no nível da
comunidade, e canalizando recursos de desenvolvimento por meio delas, as
agências internacionais de desenvolvimento podem ajudar a aumentar a
probabilidade de que os recursos atinjam os membros mais vulneráveis das
comunidades pobres – mulheres e crianças. Envolver as mulheres nos estágios
iniciais de poticas de desenvolvimento contribui para assegurar que os programas
serão planejados visando às necessidades de mulheres e crianças
321
.
Muitos países têm se utilizado do sistema de cotas para garantir a presença
feminina no espaço político
322
, contudo, para que sejam realmente eficazes devem
as cotas estar alicerçadas em leis bem engendradas, am de contar com a
participação consciente e motivada de todos os atores sociais da política, entre eles,
partidos políticos, juristas, legisladores e até mesmo o eleitorado.
Resultados são colhidos em todo o mundo com a implementação de cotas
para mulheres, Ruanda, passou do 24º lugar, em 1995, para o lugar, em 2003;
321
Relatório da UNICEF A situação mundial da infância 2007. Disponível no site
http://www.unicef.org/brazil/smi/dest4.htm. Acesso em 17 de junho de 2009.
322
Conforme informações obtidas no Relatório da UNICEF A situação mundial da infância 2007.
Disponível no site http://www.unicef.org/brazil/smi/dest4.htm. Acesso em 17 de junho de 2009. “O
número de parlamentos constituídos por pelo menos 30% de mulheres – uma medida de participação
parlamentar feminina reconhecida pela Plataforma para a Ação de Pequim, de 1995 aumentou
quatro vezes ao longo dos últimos dez anos. Algumas das mudanças mais dramáticas na
representação política feminina ocorreram em países anteriormente devastados por conflitos, tais
como o Afeganistão, onde as mulheres, antes excluídas da política, representam hoje 27,3% dos
legisladores. Burundi e Timor Leste também são exemplos de países pós-conflito onde hoje as
mulheres representam uma proporção apreciável dos parlamentares (30,5% e 25,3%,
respectivamente). Os níveis de representação de mulheres nesses três países são exemplos do
sucesso na introdução do sistema de cotas durante suas transições políticas”.
238
Costa Rica avançou do 25º lugar, em 1994, para o 3º lugar, em 2006. O Afeganistão,
que não era nem sequer classificado, e as estatísticas de sucesso compreendem
países tais como África do Sul, Argentina, Burundi, Iraque e Moçambique.
Ainda, cumpre dizer que entre os 20 países que têm mais mulheres no
parlamento, 17 (ou 85%) estão utilizando algum tipo de sistema de cotas.
No Brasil, temos as Leis 9.100/1995 e 9.504/1997, responsáveis por
disciplinar cotas mínimas destinadas às candidatas do sexo feminino nas eleições.
Sobre o assunto se manifestou Joaquim Barbosa Gomes e Fernanda Duarte Lopes
Lucas da Silva relatando que :
As mencionadas leis representam,em primeiro lugar, o
reconhecimento pelo Estado de um fato inegável: a existência de
discriminação contra as brasileiras,cujo resultado mais visível é a
exasperante sub-representação feminina em um dos setores-chave
da vida nacional o processo político. Com efeito, o legislador
ordinário, consciente de que em toda a história política do País foi
sempre desprezível a participação feminina, resolveu remediar a
situação através de um corretivo que nada mais é do que uma das
muitas técnicas através das quais, em Direito Comparado,são
concebidas e implementadas as ações afirmativas: o mecanismo das
cotas.
As Leis nos 9.100/1995 e 9.504/1997tiveram a virtude de lançar o
debate em torno das ações afirmativas e, sobretudo,de tornar
evidente a necessidade premente de se implementar de maneira
efetiva a isonomia em matéria de gênero em nosso país. As cotas de
candidaturas femininas constituem apenas o primeiro passo nesse
sentido. Se é certo que é preciso tempo para se fazer avaliações
mais seguras acerca da sua eficácia como medida de transformação
social, não dúvida de que se anunciam alguns resultados
alvissareiros, como o incremento significativo, em termos globais, da
participação feminina nas instâncias de poder.
Assim, as mencionadas leis consagram a recepção definitiva pelo
Direito brasileiro do princípio da ação afirmativa.Ainda que limitada a
uma forma específica de discriminação, o fato é que essa política
social ingressou nos moeurs politiques da Nação, uma vez que foi
aplicada sem contestação em dois pleitos eleitorais
323
.
323
As Ações Afirmativas e os processos de promoção da igualdade efetiva, Série Cadernos do
Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal n. 24, p. 86 por ocaso do Seminário
Internacional As minorias e o Direito ocorrido em Brasília (DF) nos dias 12 a 14 de setembro de 2001.
Disponível no site http://www.ufsm/afirme/artigos. Acesso em 12 de maio de 2008.
239
No Brasil, o II Plano Nacional de Política para Mulheres do ano de 2008
estabeleceu diretrizes para a participação das mulheres nos espaços de poder e
decisão. Partindo de um número ínfimo e assustador o Plano relata que no Brasil as
mulheres representam apenas 8,9% do total de deputados federais e senadores.
Entre os objetivos do Plano está o fortalecimento da participação igualitária,
plural e multirracial das mulheres nos espaços de poder e decisão, a promoção
cultural da sociedade com vistas à formação de novos valores e atitudes em relação
à autonomia e empoderamento das mulheres.
Busca-se com o referido plano estimular a ampliação da participação das
mulheres nos cargos de decisão dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em
todos os níveis, respeitando-se os recortes de raça/etnia. Contudo, esta ampliação
precisará contar inicialmente com o estímulo da participação feminina nas bases de
representação, tais como movimentos sociais,sindicatos, conselhos de naturezas
diversas, entre outros.
Entre as metas para se alcançar o fim proposto estão a garantia de efetiva
aplicação da Lei 9.504/97, considerando a proporção das mulheres negras e
indígenas na população, ampliar em 20% nas eleições de 2010 o número de
mulheres no Parlamento Nacional (Câmara e Senado Federal), bem como
Assembléias Legislativas Estaduais e Câmara de Vereadores, considerando a
proporção das mulheres negras e indígenas na população.
Contribuir para a criação e o fortalecimento de conselhos estaduais de
promoção e defesa dos direitos das mulheres nas 27 Unidades da Federação, bem
como nos Conselhos Municipais referentes a salvaguarda dos direitos da mulher na
totalidade dos municípios com mais de 100 mil habitantes;
22
240
6.3 A importância da participação feminina nos sindicatos
Pode parecer curioso, mas todos os aspectos ligados à questão feminina e
que foram abordados anteriormente se comungam e contribuem para explicar o
porquê da inexpressiva presença da mulher nos órgãos sindicais.
O desempenho de inúmeras responsabilidades, traduzidas pelo excesso de
carga laboral oriunda do exercício profissional, bem como na esfera doméstica, faz
com que as mulheres coloquem a participação em movimentos sindicais como algo
de menor importância.
Somado a tudo isso encontramos também a herança histórica que
obstaculizou a presença da mulher no espaço público, bem como o exercício de
poder e tomada de decisões. Apesar de recorrente, esta idéia deveria ser repensada
e combalida pelas próprias mulheres, as protagonistas e maiores interessadas na
disseminação da igualdade no mundo do trabalho.
Mulheres engajadas são sinônimos de maior conscientização e reivindicação
nas questões de gênero. Podem se configurar como essenciais para que os homens
reavaliem a sua própria condição.
Concluímos assim que em um primeiro momento as mulheres ainda não
estão cientes de seu poder de luta e persuasão, razão pela qual os números
demonstram a tímida participação do universo feminino nos movimentos sindicais.
O Censo Sindical do IBGE, realizado em 2001, indicou que esta baixa
participação acontece tanto na composição do quadro de associados quanto nas
diretorias sindicais. Mesmo quando estão presentes nas diretorias, as mulheres
geralmente não estão nos cargos considerados mais importantes, que são: a
presidência, a secretaria geral e a tesouraria. Em 1995, elas representavam apenas
1/3 dos associados a sindicatos profissionais, em 1998, 35,7% e em 2002, 37,4%.
Nesse último ano, a maior concentração de sindicalizadas era vinculada ao setor
241
Social (31%),_ onde têm grande peso estabelecimentos de ensino e da área da
saúde e ao setor agrícola (23,5%),.
Contudo, as convenções coletivas são de absoluta importância para o
aprimoramento dos direitos e a introdução de inúmeras garantias trabalhistas,
consolidando às mulheres a eqüidade de gênero.
Em agosto de 2003, o DIEESE publicou um estudo denominado "Negociação
Coletiva e Eqüidade de Gênero no Brasil - Cláusulas relativas ao trabalho da mulher
1996-2000", no qual apresenta dados analisados de 94 documentos entre
convenções e acordos coletivos, abrangendo 30 categorias profissionais,
pertencentes aos setores industrial, comercial e de serviços de catorze unidades da
Federação das diferentes regiões geográficas do país,com o objetivo de localizar,
sistematizar e analisar as cláusulas que abordam o trabalho da mulher e as relações
de gênero no trabalho. Foram analisados 94 documentos por ano, entre 1996 e
2000, abrangendo, aproximadamente, trinta categorias profissionais.
As cláusulas localizadas foram agrupadas em sete temas: gestação,
maternidade/paternidade, responsabilidades familiares, condições de trabalho,
processo e exercício do trabalho, saúde da mulher e eqüidade de gênero.
324
A grande maioria das garantias está relacionada à gestação, maternidade e
responsabilidades familiares - cerca de 80% do total. Os outros 20% estão
distribuídos entre os temas condições de trabalho (com 8%), exercício do trabalho
(menos de 2%), saúde (em torno de 5%) e eqüidade de gênero (próximo a 4%).
Embora os resultados não apontem para uma melhoria significativa da
situação da mulher no mercado de trabalho, é preciso reafirmar a importância da
negociação coletiva na regulamentação das relações de trabalho, tanto no que se
refere à introdução de garantias ausentes da legislação como à ampliação de
direitos previstos. É nesse processo que se asseguraram conquistas como
324
SANCHES, Solange; GEBRIM, Vera Lúcia Mattar. O trabalho da mulher e as negociações
coletivas. Estudos Avançados USP, São Paulo, v. 17, n. 49, p.99-116, set./dez. 2003.
242
estabilidade ao pai, liberação para o acompanhamento de filhos, extensão dos
prazos legais de estabilidade da gestante e de utilização de creches
325
.
É interessante observar que todas as cláusulas que têm por finalidade dar
garantias relativas à gestação referem-se apenas à trabalhadora, excluindo o futuro
pai do processo de gestação. Garantias como o abono de faltas do pai para
acompanhar a gestante nos exames pré-natais ou sua estabilidade no emprego
durante a gravidez da companheira não foram negociadas nos contratos coletivos
pesquisados.
No que tange ao respeito à eqüidade de gênero, a pesquisa realizada pelo
DIEESE destacou 16 categorias, que significam 17% do total que estabelecem
garantias contra a discriminação. A maioria das Convenções reforçam
determinações legais, enfocando a igualdade de remuneração quando decorrente do
exercício de mesma função. Nove referem-se à igualdade de remuneração entre
todos os trabalhadores e dois explicitam as diferenças salariais que serão aceitas.
Outra assegura que haverá igualdade de oportunidade à mulher para concorrer a
cargo de chefia e outra, ainda, igualdade de condições de trabalho, salário e
progressão funcional. Duas categorias afirmam que não haverá distinção de
qualquer natureza.
Importante notar que as Convenções Coletivas em nada inovam, pois se
limitam a descrever os comandos legais cogentes sobre a matéria, sem nada
acrescentar acerca de punições, penalidades ou medidas afirmativas gerando a
reversão do quadro de desigualdades presentes no espaço laboral brasileiro.
Conforme o Relatório da OIT denominado “Trabalho e Família: rumo a novas
formas de conciliação com co-responsabilidade social” tendo por foco a América
325
Sobre a igualdade de nero e o direito à creche para filhos, citamos decisão proferida pela
Desembargadora Relatora Dra. Jane Granzoto Torres da Silva do Tribunal Regional do Trabalho da
2ª Região – S.P Proc. º 01463200644402009 – originário da 4ª Vara do Trabalho de Santos/SP.
“Ementa: Auxílio-creche previsto em norma coletiva para todos os empregados. Devido ao
trabalhadores do sexo masculino.
Estabelecer o auxílio-creche somente para os empregados do sexo feminino, contém traços
discriminatórios, diante do teor do artigo 5º, I, da Constituição Federal, sobretudo na sociedade
contemporânea, onde os núcleos familiares são formados por homens e mulheres, em igualdade de
condições sociais e profissionais. Ademais, institutos como o auxílio-creche, os afastamentos
decorrentes de nascimento e adoção de filhos e tantos outros, visam acima de tudo o bem estar da
criança, como beneficiário direto, independentemente de quem o perceba indiretamente, pai ou mãe”.
243
Latina, desde os idos de 1990 muitas são as organizações sindicais à frente da
inserção de debates acerca da igualdade de gênero para o fomento de estratégias
de ação.
Tomando-se por base as Convenções e Recomendações da OIT a tendência
geral é em diversos países é da ampliação dos ampliação dos conteúdos relativos à
situação das mulheres trabalhadoras e a promoção da igualdade de gênero.
Também menciona o referido Relatório que estão sendo criadas “Unidades da
Mulher Trabalhadora” dentro das estruturas sindicais, bem como reformas
estatutárias para o estabelecimento de cotas de participação feminina nos órgãos de
representação e decisão sindical.
O Relatório da OIT acima citado elenca as estratégias de negociações
coletivas de diversos países ampliando os direitos e as ações relativas à igualdade
de gênero. Cabendo citar:
Atualmente, os marcos legais de países latino-americanos cumprem
com os pontos centrais das convenções da OIT em matéria de
proteção à maternidade e a negociação coletiva tem sido um
poderoso instrumento para alcançar estas conquistas. Ao analisar as
cláusulas relativas a temas de gênero, o estudo mencionado aponta
que 91% delas se referiam à proteção à maternidade e às
responsabilidades familiares. Pouco mais da metade (55%), delas
representavam um avanço em relação ao estabelecido na legislação
trabalhista do respectivo país. Os 45% restantes reafirmavam os
dispositivos dessa mesma legislação.
No Caribe, os sindicatos têm conquistado acordos sobre temas não
cobertos pela legislação com vistas a ampliar o período de licença
maternidade. O sindicato de bancos e seguros (Banking, Insurance
and General Worker´s Union, BIGWU) de Trinidad e Tobago, que
representa os trabalhadores de mais de 60 empresas, em sua
maioria mulheres, conseguiu negociar o período de 14 semanas de
licença maternidade em 75% das convenções coletivas (uma
semana adicional); e no caso de uma companhia de seguros, se
conquistou o período de 16 semanas.
Nos países do Caribe de língua inglesa, não existem leis sobre
licença maternidade e, com relação a este tema, vários sindicatos
têm conquistado avanços, que variam desde dois dias até duas
semanas de licença, no caso de algumas empresas em Antigua e
Barbuda. Em Barbados, a duração da licença paternidade negociada
nas convenções coletivas é, normalmente, de cinco dias e está
244
incluída em aproximadamente 15 instrumentos. A mencionada
BIGWU de Trinidad e Tobago conseguiu negociar a licença
paternidade de três dias em 75% de suas convenções coletivas; e de
cinco dias, em 25% dos casos.
326
O papel ativo das organizações sindicais em matéria de conciliação entre
trabalho e vida familiar não apenas contribui para fortalecer estas políticas, mas
também resulta em maior força perante a população trabalhadora.
Ademais, oportuno destacar a importância da negociação coletiva como um
instrumento às mãos dos trabalhadores e trabalhadoras para que negociem direitos
e normas mais favoráveis. A presença de mulheres nos sindicatos faz com que as
Convenções Coletivas, resultado das mencionadas negociações tragam direitos
relacionados à consolidação da igualdade de gênero, afastando discriminações ao
público feminino.
6.4 Políticas públicas de enfrentamento da discriminação nas questões de
gênero
É forçoso reconhecer a necessidade da atuação pró-ativa do Estado na
implementação de Políticas Públicas e neste sentido podemos dizer que o governo
federal brasileiro demonstrou no início do século XXI um sinal indescritível de apoio,
proteção e ratificação da importância dos direitos da população feminina, com a
criação da Secretaria da Mulher com status de Ministério Federal. Tal secretaria
constitui-se como um marco irradiador de propostas e políticas voltadas à igualdade
de gênero.
Entre os inúmeros documentos, debates, propostas e publicações advindas
da referida Secretaria, algumas iniciativas e instrumentos merecem ser ressaltados
abaixo.
326
Trabalho e Família: rumo a novas formas de conciliação com co-responsabilidade social.
Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), 2009, p. 506. Disponível no site
http://www.oit.org.br com acesso em 15 de abril de 2010.
245
a)Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres tem sua origem I
Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM) convocada pelo
Presidente da República no ano de 2004.
Estruturado em quatro áreas de atuação:autonomia, igualdade no mundo do
trabalho e cidadania; educação inclusiva e não sexista;saúde das mulheres, direitos
sexuais e direitos reprodutivos; e enfrentamento à violência, visa desenvolver
políticas e mudanças na ordem contemporânea com o fito de efetivar o bem-estar, a
justiça social e a igualdade da população feminina nas relações de gênero.
Ademais, o Plano considerando a diversidade de raça e etnia, encontra-se
organizado sob cinco eixos temáticos:
Eixo 1 – Enfrentamento da pobreza: geração de renda, trabalho, acesso ao crédito e
à terra.
Eixo 2 Superação da violência contra a Mulher prevenção, assistência e
enfrentamento.
Eixo 3 – Promover o bem-estar e qualidade de vida para as mulheres: uso e
ocupação do solo, saúde, moradia, infra-estrutura, equipamentos sociais, recursos
naturais, patrimônio histórico e cultural.
Eixo 4 Efetivação dos Direitos das Mulheres: civis, políticos, direitos sexuais e
direitos reprodutivos.
Eixo 5 Desenvolvimento de políticas de educação, cultura, comunicação e
produção de conhecimento para a igualdade.
246
Entre os objetivos perpetrados pelo Plano Nacional de Políticas para as
Mulheres, podemos citar :
a) Capacitação e qualificação dos agentes públicos em gênero, raça e direitos
humanos;
b) Produção, organização e disseminação de dados, estudos e pesquisas que
tratem das temáticas de gênero e raça;
c) Criar e fortalecer os mecanismos institucionais de direitos e de políticas para as
mulheres.
b)Programa Brasil, Gênero e Raça
Cumpre destacar a criação de um programa de cooperação técnica entre a
OIT e o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil, com o objetivo de melhorar as
condições de cumprimento e observância dos princípios e diretrizes das Convenções
100 e 111, referida parceria resultou no Programa Brasil, Gênero e Raça, o
qual por meio de Núcleos de Promoção de Igualdade e de Combate à
Discriminação (em seus diversos aspetos: gênero, raça, pessoas com deficiência,
portadoras de HIV e doentes de Aids, assédio moral, entre outros), organizados nos
estados da Federação nas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) vem
implementando atividades de promoção e fiscalização no mundo do trabalho e as
relações de gênero.
O Ministério do Trabalho e Emprego tem buscado incorporar à sua missão
institucional o princípio da igualdade de oportunidades e do combate a todas as
formas de discriminação, considerando três eixos principais entre eles: 1)
desenvolvimento de programas e ações integradas;2) formação de gestores
públicos; 3) apoio institucional às ações governamentais e privadas;
Entre as prioridades de objetivos estão a qualificação dos profissionais nas
temáticas de promoção da igualdade de oportunidades e de combate à
discriminação no mundo do trabalho junto às Delegacias Regionais do Trabalho e
nas Secretarias do Ministério do Trabalho e do Emprego.
247
c)1º Programa Pró-Eqüidade de Gênero
O Programa Pró-Eqüidade teve início no ano 2005/2006 pela Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, em uma
parceria com OIT- Organização Internacional do Trabalho e UNIFEM - Fundo de
Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher. O Referido programa teve
slogan inicial Práticas de equidade de gênero tecendo a política de igualdade de
oportunidades no mundo do trabalho, resultando na sua primeira edição na outorga
do selo Pró-Equidade a onze empresas, exclusivamente às empresas públicas e de
economia mista.
O objetivo do programa é a promoção da igualdade de oportunidades entre os
gêneros em empresas e instituições por meio do desenvolvimento de novas
concepções na gestão de pessoas e na cultura organizacional, e lançado como
forma de cumprimento das diretrizes fixadas pelo Plano Nacional de Políticas para
as Mulheres (PNPM), já mencionado anteriormente.
As empresas participantes foram analisadas no seu cotidiano de trabalho e no
que tange ao tratamento dispensado às questões inerentes às relações de gênero,
com vistas a identificar os possíveis problemas e ações de combate à discriminação.
Por meio dos dados colhidos, elaborou-se um diagnóstico objetivando
fortalecer e reconstruir as novas estratégias cio-culturais que devem ser
disseminadas no mundo coorporativo, tomando-se por base as mudanças de
paradigmas e a contemporaneidade da inclusão e incentivo à colaboração entre os
gêneros, transformando assim a cultura organizacional e a gestão de pessoas.
Conforme dizeres do 1º Relatório do Programa Pró-Eqüidade de Gênero:
Isso significa a migração da produção de leis sobre eqüidade de
gênero para a aplicação de legislação com o foco na mudança de
práticas já existentes, considerando que não neutralidade das
empresas em seus atos de: organizar, contratar, formar e promover
248
as/os empregadas/os. Às empresas cabe a responsabilidade de
alterar a tradicional estrutura da divisão assimétrica entre homens e
mulheres nas relações de trabalho, a partir da formação,
recrutamento, promoção e remuneração de pessoal.
Nesse programa, as empresas que promoverem e difundirem práticas
exemplares de eqüidade de gênero receberão o Selo Pró-Eqüidade de Gênero, o
qual possibilita medir os avanços do compromisso da empresa com a eqüidade de
gênero e poderá ser utilizado pelas empresas em seus documentos, em expedientes
internos e externos, em campanhas e peças de promoção institucionais.
O referido programa muito elogiado é a exata tradução de uma ação
afirmativa com o intuito de mudar o paradigma da vida laboral das mulheres e
estimular a adoção de novas práticas no âmbito da gestão de pessoas e da cultura
organizacional de empresas, contribuindo para a eliminação de todas as formas de
discriminação no ingresso, remuneração, conquistas e estabilidade no emprego.
Como breves considerações podemos dizer que alguns passos são
necessárias à efetivação da igualdade real e formal, bem como consolidação da
justiça social no que tange à problemática das relações de gênero:
- Identificação do problema;
- Discussão do tema em grupos nacionais e internacionais;
- Fortalecimento da legislação dos países;
- Fortalecimento da fiscalização e do papel da mídia como divulgadora de
dados sobre o assunto;
- Ações e campanhas governamentais destinadas aos mais variados
segmentos da sociedade no sentido de denunciar e disseminar informações
no combate à discriminação.
249
Como conclusão do presente capítulo trazemos à colação os ensinamentos
profetizados no Seminário As Novas Faces do Feminismo e os Desafios para o
Século XXI Comitê Nacional preparatório à Sessão Especial da AGNU sobre Pequim
+ 5, pelas pesquisadoras Sônia Onufer Corrêa e Maria Betânia de Melo Ávila, no
texto Movimento de mulheres - Uma Definição Possível destacando que para o
feminismo e o exercício efetivo da democracia e da cidadania necessária se faz uma
relação harmoniosa entre as esferas público e privada no sentido de um olhar mais
crítico e voltado para o combate à herança histórico e cultural da mulher, cabendo
citar :
As novas gerações constituem a materialização mais concreta do
futuro que se precipita. São mulheres, são iguais e são diferentes. As
vezes, as vemos felizes e auto-determinadas. Freqüentemente, as
consideramos menos solidárias. Sentimo-nos "piores", mas também
"melhores". Preservamos, não sem razão, o gosto de nosso
heroísmo. Nosso heroísmo as aborrece, ou até mesmo ameaça.
Tanto nós quanto elas estamos, sobretudo, apegadas a experiência
do mundo que nos coube, que lhes cabe. extensos problemas
de comunicação, entendimento, transferência de saber, tolerância,
aceitação da alteridade: dilemas e dramas da transmissão. À
diferença dos homens, que desde muito apreenderam as tecnologias
do transmitir -- heranças, poderes, dons -- nós mulheres estamos
apenas estamos tocando os contornos deste desafio. Mas não
como iludir as dores e complexidades da tarefa.
327
6.5 O papel da educação e da mídia na efetivação da igualdade de gênero
6.5.1 A educação
328
como via de acesso para a transformação social
Qual a finalidade da Educação? Em nossa concepção traduz a educação,
singularmente, como a força motriz de uma sociedade, o sustentáculo para as ações
dos indivíduos, o esteio necessário para a consolidação de uma vida digna e
327
Informações disponíveis no site http://www.spem.gov.br. Acesso em 15 de maio de 2009.
328
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996 salienta que “Ai de nós, educadores [e educadoras] se deixamos de sonhar
sonhos possíveis [...]Os profetas são aqueles ou aquelas que se molham de tal forma nas águas da
sua cultura e da sua história da cultura e da história do seu povo, que conhecem o seu aqui e o seu
agora e, por isso, podem prever o amanhã que eles [elas] mais do que advinham,realizam”.
250
instrumento para a concretização da cidadania
329
.
A educação está prevista no Texto Constitucional no art. como um direito
social e reiterada no Título da Ordem Social em seu art, 205 como um direito de
todos e um dever do Estado.
Quando aplicamos as diretrizes constitucionais devemos compreender que o
voluto do legislador constituinte foi além da garantia de educação formal, mas sim
contemplou a educação como o instrumento propiciador da formação do
cidadão.Sintetizando a referida intenção destaca Gabriel Chalita:
Em obediência à Carta da ONU e a Constituição Federal de 1988.
Trata-se de formar um cidadão – não um mero receptor passivo -, um
membro da sociedade com visão de liderança, de participação, de
intervenção que não esteja alijado de processos decisórios porque
sabe como intervir em questões de seu interesse e de sua
comunidade, que por isso é crítico, é atuante, é responsável. Um
cidadão que lute para que o profundo abismo entre incluídos e
excluídos seja diminuído e, quem sabe um dia eliminado. Um
cidadão que não seja iludido com promessas vãs nem tentado a
vender sua consciência, ou seja, homens e mulheres livres.
330
Comungando das mesmas idéias discorre Márcia Cristina de Souza Alvim:
Para a Educação, segundo e se pode perceber no texto
constitucional, os legisladores abriram um horizonte ampliado, que
vai além da garantia à educação formal e qualificação para o
trabalho. O objetivo parece ter sido o de alcançar e atender ao pleno
desenvolvimento do ser humano, reiterando, com seu conteúdo, uma
das formas de concretude do Princípio Dignidade da Pessoa
Humana, o nosso chamado supraprincípio (art. 1º, inciso II, da
Constituição Federal) e, ao mesmo tempo, demonstrando também a
preocupação com a formação do homem como ser social,
facultando-lhe condições para o exercício da cidadania.
331
329
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita. 10ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p. 65 esclarece
sobre a indissociável ligação entre educação e cidadania discorrendo que: “Deve contribuir para a
autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como
tornar cidadão. Um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade
em relação a sua pátria. O que supõe nele o enraizamento de sua identidade nacional”.
330
Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Editora Gente, 2001, p.126.
331
ALVIM, Márcia Cristina de Souza. Educação, Cidadania e acesso à justiça. Revista Mestrado
em Direito – UNIFIEO – Centro Universitário FIEO, ano 4, n. 4, Osasco:EDIFIEO, 2001, p. 98.
251
Diante deste cenário o sistema educacional tem um papel fundamental na
socialização de papéis de gênero e o dever de propiciar uma educação que valorize
meninos, meninas e jovens. Por isso, constitui uma instância privilegiada para a
promoção de modelos democráticos e de eqüidade de gênero, por meio de
modificações nos currículos escolares e nas práticas docentes. A discussão sobre a
vida profissional e familiar deve ser parte dos programas educativos, para o que se
faz necessária a capacitação daqueles que os desempenham nos distintos âmbitos
da educação e da formação profissional.
O Tratado de Amsterdam introduz o caráter transversal ou horizontal de
igualdade de gênero no Tratado da Comunidade Européia, em seus arts. e 3º. O
artigo 3-2 determina que em todas as atividades contempladas no presente artigo,
a Comunidade terá o objetivo de eliminar as desigualdades entre homem e mulher e
promover sua igualdade.”
A transversalidade é considerada hoje um dos critérios mais importantes para
o alcance da igualdade efetiva, mais especificamente, a igualdade efetiva entre
homens e mulheres. Em verdade, para haver uma real igualdade de gênero, é
necessária uma mudança em outros ramos do direito e em outras ciências, como a
educação, uma vez que na maioria dos países, junto com a desigualdade jurídica e
econômica, também existe um grande problema cultural, que, mesmo atualmente,
a idéia de que são as mulheres as únicas (ou as principais) responsáveis pela vida
familiar
332
e pelo cuidado dos filhos, das pessoas mais velhas e deficientes da
família, é, ainda, muito forte.
A mudança de tais estereótipos será possível no nosso entender pela
educação. A educação é força matriz neste processo. Envolver meninos e meninas
332
Gabriel Chalita inaugura nas primeiras linhas de sua obra Educação: a solução está no afeto,
São Paulo: Editora Gente, 2001, p. 17-20 a necessidade de discutir o tema educação tendo por início
a instituição família e destaca : “Não se experimentou para a educação informal nenhuma célula
social melhor do que a família. É nela que se forma o caráter. Qualquer projeto educacional sério
depende da participação familiar: em alguns momentos, apenas do incentivo; em outros, de uma
participação efetiva no aprendizado, ao pesquisar ao discutir, ao valorizar a preocupação que o filho
traz da escola(...) A preparação para a vida, a formação da pessoa, a construção do ser são
responsabilidades da família. É essa a célula- mãe da sociedade, em que os conflitos necessários
não destroem o ambiente saudável”.
252
para novos desenhos nas questões de gênero se faz urgente e necessário.
Os próprios Pactos Internacionais sinalizam sobre esta questão. Neste
sentido, o artigo 13 do Pacto Internacional das Nações Unidas, relativo aos direitos
econômicos, sociais e culturais datado de 1966 reconhece não apenas o direito de
todas as pessoas à educação, mas que esta deve visar ao pleno desenvolvimento
da personalidade humana, na sua dignidade; deve fortalecer o respeito pelos direitos
humanos e as liberdades fundamentais; deve capacitar todas as pessoas a
participar efetivamente de uma sociedade livre. Temos aí, portanto, um marco
jurídico importante para a reivindicação da educação para a cidadania.
Outro importante marco jurídico de abrangência mundial é a Convenção
para a eliminação de todas as formas de discriminação contra mulheres da ONU de
1979. Em seu artigo 5º estabelece que os Estados membros devem tomar as
medidas necessárias para "modificar os padrões sociais e culturais na conduta de
homens e mulheres, visando a eliminação de preconceitos e práticas derivadas da
crença na inferioridade ou superioridade de um dos sexos". No artigo 10º estabelece
que devem ser tomadas todas as medidas para implementar programas de
educação mista, garantindo direitos iguais às mulheres e promovendo revisão nos
textos didáticos preconceituosos e na própria metodologia do ensino. Nos dois casos
trata-se de estimular iniciativas de educação para a democracia, nos termos aqui
defendidos.
Ainda a Resolução n. 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU)
propugna pela igualdade entre homens e mulheres disciplinando “as mesmas
condições de orientação profissional, de acesso aos estudos e de obtenção de
diplomas nos estabelecimentos de ensino de todas as categorias, nas zonas rurais e
urbanas. Enfatiza ademais a Resolução que “essa igualdade deverá ser assegurada
na educação pré-escolar, geral, técnica e profissional, assim como em qualquer
outra forma de capacitação profissional, finalmente propõe a eliminação de
qualquer concepção estereotipada dos papéis masculino e feminino em todos os
níveis e em todas as formas de ensino mediante encorajamento à educação mista e
a outros tipos de educação que contribuam para alcançar este objetivo e em,
particular mediante a revisão dos livros e programas escolares e adaptação dos
métodos pedagógicos.
253
A educação para a cidadania democrática consiste na formação de uma
consciência ética que inclui tanto sentimentos como razão; passa pela conquista de
corações e mentes, no sentido de mudar mentalidades, combater preconceitos e
discriminações e enraizar hábitos e atitudes de reconhecimento da dignidade de
todos, sejam diferentes ou divergentes; passa pelo aprendizado da cooperação ativa
e da subordinação do interesse pessoal ou de grupo ao interesse geral, ao bem
comum. Se falamos em ética, trata-se de confirmar valores; nesse sentido, a
educação para a democracia inclui o desenvolvimento de virtudes políticas
decorrentes dos valores republicanos e democráticos
333
No mesmo diapasão são os ensinamentos de Hannah Arendt:
A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o
bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal
gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e
a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde
decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-
las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e
tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender
alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez
disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum.
334
Os homens devem ser educados como poderosos aliados na luta pela
igualdade, por meio da implementação de iniciativas educacionais que demonstrem
a necessidade do compartilhamento diário das atividades, anteriormente entendidas
como femininas, ou de mulher, decidindo e cooperando conjuntamente.
Homens e mulheres desde a sua criação devem ser educados para a vida em
sua plenitude. A clássica divisão de tarefas femininas e masculinas, as quais são
apreendidas já na tenra infância, não mais podem prosperar.
Importante salientar que muitas das construções culturais relativas aos papéis
333
BENEVIDES, Maria Victoria A cidadania ativa In BORBA, Ângela; FARIA, Nalu & GODINHO,
Tatau (org). Mulher e política Gênero e feminismo no Partido dos Trabalhadores. São Paulo :
Editora Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 27.
334
Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 247.
254
desempenhados por homens e mulheres têm início na infância, e sendo assim, faz-
se imprescindível a implementação de mecanismos que rompam com tais diretrizes
no momento de formação da personalidade das crianças, consideradas seres em
desenvolvimento consoante as diversas ciências e também consolidado em textos
positivados nos ordenamentos nacionais e internacionais, cabendo citar em solo
pátrio o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90). Para compreender
melhor a questão trazemos interessante análise da psicóloga Rosely Sayão:
[...] TODOS OS ESTEREÓTIPOS PRESENTES NO PAPEL DA
MULHER SÃO TRANSMITIDOS DE MANEIRA SUTIL E
SEDUTORA
O problema maior da educação de meninas é que todos os
estereótipos ainda presentes no papel da mulher são transmitidos de
maneira sutil e sedutora. Por mais que se tenha tratado do
assunto, na primeira infância a escolha dos brinquedos para as
meninas, por exemplo, reflete a maneira como a sociedade
responsabiliza a mulher pelas tarefas domésticas.
Enquanto as meninas ganham réplicas de utensílios domésticos,
muitas adultas ainda carregam esse estereótipo. ouvi, por
exemplo, jovens mulheres declararem que seus maridos as ajudam
muito nos trabalhos domésticos. Ora, ajudar não é se
corresponsabilizar.
Aliás, é na escola de educação infantil que podemos testemunhar
que a atribuição social pela educação de crianças pequenas é dada
às mulheres. É rara a presença de homens nessa função, não é?
A construção da identidade feminina é um processo social que não
podemos naturalizar, ou seja, ninguém nasce mulher, se comporta
de tal maneira por ser do sexo feminino. A mulher é construída e,
nesse mundo em transformação, os pais precisam saber que é deles
grande parte dessa função.
335
Neste cenário, as mulheres-mães, principalmente, genitoras de filhos meninos
devem desempenhar um papel social ainda mais importante, qual seja, o de Criar os
seus “meninos” como cidadãos e homens preparados ao companheirismo com sua
335
A construção da mulher, texto disponível para consulta site http://www.gabrielchalita.com.br.
Acesso em 20 de março de 2010.
255
futura mulher. Apenas na colaboração mútua nos afazeres domésticos, na criação
dos filhos, entre outras atividades anteriormente relegadas às mulheres, farão com
que a igualdade se instale de maneira digna e plena.
336
O acesso à educação deve ser entendido como garantia aos homens e
mulheres, como arma no combate à discriminação. Meninas educadas serão
melhores conhecedoras de sua condição como titular de direitos, terão melhores
condições de reivindicar, bem como planejar sua vida profissionalmente e em razão
da família. Com maior nível educacional as mulheres terão gestações planejadas,
famílias planejadas e suas próprias vidas não estarão à mercê de outros, mas de si
própria. No que tange aos aspectos de saúde pública, mulheres mais informadas
são mulheres mais cientes de suas responsabilidades no cuidado e trato com os
filhos.
Em uma nova era de desafios, a escola pode e deve lidar concretamente com
essas questões e trabalhar, de forma corajosa, com as diferenças que unem (e
nunca separam) meninos e meninas. Desse trabalho, será possível construir uma
condição em que o masculino e femininos se mantenham singulares e, sobretudo,
plurais
337
.
O Relatório Pró Mulher em seu Eixo Temático 5 denominado
Desenvolvimento de políticas de educação,cultura, comunicação e produção do
conhecimento para a igualdade” estabelece ações afirmativas voltadas à educação
para a igualdade de gênero, tendo por base:
a) Contemplar ações estratégicas nas instâncias de decisão e execução de políticas
educacionais para uma pedagogia não sexista, anti-racista e anti-homofóbica, em
direção a uma educação para a igualdade, respeitando as diferenças.
336
Conforme defendemos em artigo denominado Mulheres e aposentadoria diferenciada: será
mesmo um justo diferencial? In Anais do 19º Congresso Brasileiro de Previdência Social
promovido pela Editora LTr em São Paulo em junho/2006, p. 52-53.
337
VIANNA, Cláudia. Depoimento inserido na matéria jornalística denominada Masculino e
feminino:plural In Revista Educação, n. 109. Disponível no site
http://www.revistaeducacao.com.br/textos. Acesso em 13 de agosto de 2008.
256
b) Propiciar e estimular a abordagem das questões de gênero em suas interfaces
com a educação nos processos de formação continuada fornecendo informações
regulares sobre como tais questões se relacionam com o desenvolvimento do
currículo, tornando tais questões pauta permanente do trabalho pedagógico.
c) Atuar para interferir nos conteúdos programáticos e curriculares e nas práticas de
ensino, de avaliação e de gestão escolar, visando a formação teórica e prático-
reflexiva em questões de gênero e educação enquanto elemento fundamental para a
sua qualidade.
d) Avaliar os livros didáticos e recursos pedagógicos, integrando a dimensão de
gênero,raça, etnia, orientação sexual, de geração e deficiência visando não
eliminar estereótipos e preconceitos, mas principalmente construir e orientar
parâmetros de análise quanto aos textos e imagens.
e)Traçar diretrizes para que os cursos profissionalizantes o reproduzam
estereótipos de aptidões supostamente naturais para as mulheres e os homens,
possibilitando as mulheres, especialmente as jovens, terem acesso a formação nas
diversas áreas, ampliar o universo profissional das mulheres, bem como romper com
a cultura tradicional de que a mulher não precisa estudar.
Compreendemos que não se faz uma educação de qualidade sem uma
educação cidadã, uma educação que valorize a diversidade. Assim, se querermos
pensar na solidez desta e das futuras gerações o preparo para o exercício da
cidadania se torna indispensável, conforme destaca Gabriel Chalita:
Trata-se de formar um cidadão – não um mero receptor passivo -, um
membro da sociedade com visão de liderança, de participação, de
intervenção que não esteja alijado de processos decisórios porque
sabe como intervir em questões de seu interesse e da sua
comunidade, que por isso é crítico, é atuante, é responsável. Um
cidadão que lute para que o profundo abismo entre incluídos e
excluídos seja diminuído, e quem sabe um dia, eliminado. Um
cidadão que não seja iludido com promessas vãs nem tentado a
vender sua consciência, ou seja, homens e mulheres livres.
338
338
Educação: a solução está no afeto. São Paulo: Editora Gente, 2001, p. 126.
257
Quanto ao tema há inúmeros projetos que visam a democratização do tema e
como paradigma podemos citar o Guia Ensino e Educação com Igualdade de
Gênero na Infância e na Adolescência – Guia prático para educadores e educadoras
elaborado pela equipe do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de
Gênero (Nemge/USP). No discurso de lançamento da 2ª edição do referido Guia Eva
Alterman Blay Coordenadora Cientifica do NEMGE destacou :
.
O que quer dizer o título Guia: Ensino e Educação com Igualdade
de Gênero na Infância e na Adolescência?
O que está sob este título? Qual a pressuposição?
Que vivemos numa sociedade onde não existe igualdade entre
homens e mulheres, que esta é uma sociedade machista, onde de
modo geral existe uma relação de dominação dos homens sobre as
mulheres o que pode ser verificado numa leitura quase diária dos
jornais ou pela TV: a violência contra as mulheres, seja a violência
interpessoal, doméstica ou numa relação afetiva entre homens e
mulheres.
Como se formam estas relações desiguais?Como se organizam as
relações na vida cotidiana?
Este Guia mostra exatamente como socializamos uma criança
menino ou menina numa desigual relação social de gênero. Vejam
que não se confunde gênero como sinônimo de sexo. Meninos e
meninas tem sexos biológicos diferentes. Ótimo. O problema surge
quando a partir das diferenças biológicas construímos diferenças
sociais. Nada legitima que a partir de diferenças biológicas sejam
construídas relações sociais de gênero desiguais, hierárquicas e de
poder. Construção e desconstrução. Esta desigualdade é construída
e, portanto, pode ser desconstruída. O que este Guia pretende é
desconstruir, na raiz educacional, a formação das relações de
desiqualdade e dominação-subordinação. È mostrar como elas se
formam e como podem ser modificadas.
Nossos e nossas docentes não escapam desta socialização
machista, que prega o patriarcado, que a mulher não seja autônoma,
não possa decidir sua carreira, seu trabalho. Ao contrário, mostra
que pode e deve haver uma divisão sexual do trabalho ao invés de
uma divisão desigual que destina todas as tarefas domésticas, o
cuidado dos filhos, dos doentes, dos Idosos à mulher.
Neste Guia são abordadas varias formas de preconceito:de gênero,
de etnia, de idade,de classe social, com relação ao corpo, etc.
Observe-se que cada tipo de preconceito se traduz numa forma de
relação hierárquica, ou seja, numa expressão de Poder
339
.
339
Disponível no site http://www.usp.br/nemge/guia.doc. Acesso em 15 de agosto de 2009.
258
Como coroamento do presente tópico consideramos a educação como base
para a formação do cidadão e da sociedade, trata-se de uma conquista, de um
processo de busca constante de construção do conhecimento e nos dizeres de
Márcia Alvim “não se nasce cidadão, torna-se cidadão
.
340
6.5.2 A mídia na promoção da igualdade de gênero
Mercadoria. Exploração. Irresponsabilidade. Preconceito. Exclusão. Objeto.
Mercado. Agressão. Utilitária. Produto. Lucro. Falta de respeito. Violência.
Mercadoria. Imagem deturpada. Lastimável. Sexo. Exploração. Produto. Horror.
Estereótipo. Coisificação. Inclusão deformadora. Opressão. Consumo. Mercadoria.
Corpo. Ditadura. Objeto. Desvalorizão. Objeto. Violência. Banalização.
Desigualdade. Discriminação glamourizada. Violência.” Com estas palavras as
participantes da Roda de Conversa “Mulher Mídia e Controle Social”, realizada pelo
Observatório da Mulher no FSM 2009, definiram a relação mídia e mulher, ao se
apresentarem ao grupo.
341
No mesmo sentido são os dados trazidos e colacionadas na sequência pela
jornalista Christina Brandão no texto A imagem da Mulher na mídia: TV, cultura,
ficção, crítica, história e teatro na TV”
342
destacando os estudos da também jornalista
americana G. Tuchmann, realizados em Nova York, em 1988, para se comprovar a
“aniquilação simbólica” das mulheres nos meios de comunicação, os quais
contribuem para reforçar valores estereotipados e discriminatórios presentes na
sociedade. Interessante notar que a pesquisa realizada enfoca o conceito de
340
ALVIM, Márcia Cristina de Souza. Os Direitos da Mulher e a Cidadania na Constituição Brasileira
de 1988 In BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins & ANDREUCCI, Ana Cláudia Pompeu Torezan (org.).
Mulher, Sociedade e Direitos Humanos: Homenagem à Profa. Dra. Esther de Figueiredo Ferraz.
São Paulo: Rideel, 2010, p.75.
341
Informações disponíveis no site http://observatoriodamulher.org.br. Acesso em 12 de agosto de
2010.
342
Informações disponíveis no site http://www.oclick.com.br/colunas/brandao. Acesso em 12 de
agosto de 2010.
259
“representação simbólica”, ou seja, não como a sociedade realmente se apresenta,
mas como deveria ser representada.
Apesar de as mulheres norte americanas representarem 51% da população e
mais de 40% da força de trabalho, proporcionalmente, poucas mulheres são assim
retratadas. Muito pelo contrário, são vistas como pessoas desprotegidas, carentes e
frágeis sendo o trabalho profissional um adversário na construção da família feliz.
Ao analisar a televisão e a imprensa norte-americanas entre as décadas de
50 e 70, Tuchmann observa que na televisão, as mulheres são notadamente sub
representadas, pois são retratadas como ineficazes ou menos competentes que os
homens, enfocando paras as mulheres notadamente as “profissões femininas”, tais
como, enfermeiras, professoras do ciclo básico, entre outros.
Os homens representados são geralmente dominantes, ativos, agressivos e
autoritários, desempenhando papéis importantes e variados que quase sempre
exigem profissionalismo , eficiência, racionalidade e força. Ao contrário, as mulheres
são geralmente subordinadas, passivas, submissas e marginais , desempenhando
um número limitado de tarefas secundárias e desinteressantes, confinadas em sua
sexualidade , em suas emoções em sua domesticidade.
Em 1990, uma pesquisa britânica realizada para Broadcasting Standars
Council, revelou que existem duas vezes mais homens do que mulheres nos
anúncios publicitários; 89% dos anúncios tinham narração com voz masculina,
mesmo quando a propaganda retratava proeminentemente as mulheres: as
mulheres retratadas nos anúncios publicitários eram sempre mais jovens e mais
atraentes do que os homens .Uma entre três apresentava aparência de modelo
.50% das mulheres possuíam de 21 a 30 anos em comparação a 30 % dos homens .
Os homens eram representados em empregos assalariados duas vezes mais que as
mulheres e o trabalho era descrito como crucial para a vida deles, ao passo que para
as mulheres os "relacionamentos"eram mais importantes .Apenas 7% da mostra
exibia mulheres sozinhas fazendo o serviço doméstico . mas representava duas
vezes mais do que os anúncios com homens lavando e limpando.Quando o homem
aparecia cozinhando tratava-se de uma ocasião muito especial que exigia
260
habilidades e não era retratado como um trabalho doméstico . Também as mulheres
casadas eram retratadas duas vezes mais que os homens casados.
343
No Brasil, a cada início de verão os veículos de comunicação são invadidos
pelas propagandas de cerveja, em sua grande maioria as prodões estão
baseadas no binômio mulher-cerveja. Utilizando de linguagem direta, ou até mesmo
de nuances subliminares os publicitários abusam e expõem as mulheres como
produtos a serem “consumidos” pelos homens, como se cerveja fossem. São
retratadas com alto apelo sexual e extrema submissão. Em alguns casos o próprio
slogan dos produtos são “mulheres objeto”. Felizmente, tem havido uma crescente
pressão da sociedade em geral para que tais propagandas sejam retiradas do
mercado e cumprindo este papel temos inúmeros relatos expostos no site do
CONAR.
344
Atualmente, no sentido de “tentar” afastar os preconceitos relativos às
mulheres as agências em seus comerciais, e até mesmo os programas televisivos
procuram apresentar uma “mulher moderna” considerada aquela com ltiplas
atividades e compromissos, mas pecam ao defini-la como um ser desprovido de
emoção e de certa forma “masculinizado”. A chamada “mulher moderna” para ser
343
Idem, ibidem.
344
Sobre o assunto ver o artigo publicado no Jornal “O Valor Econômico” de 14 de julho de 2008
Para alguns, é impossível vender cerveja sem mulher “Enquanto isso, o velho truque de associar
mulher e cerveja passou a ser usado com alguma parcimônia, embora ainda seja o principal apelo
nos cartazes em pontos-de-venda. A dupla "mulher e cerveja" permanece forte em pelo menos duas
grandes marcas: Kaiser, da Femsa, e Antarctica, da AmBev.
O viés machista das campanhas de cerveja é um calcanhar-de-aquiles para a publicidade. "Fico
especialmente incomodado com as ações do mercado de bebidas que usam a mulher como objeto
sexual", diz Dalton Pastore, presidente da Abap. "Não precisa ser assim". Nas novas restrições a
anúncios de bebidas, ditadas pelo Conar e em vigor desde 10 de abril, é definido que o apelo à
sensualidade não deve ser a tônica da mensagem e modelos não podem ser tratados como objetos
sexuais.As mudanças não são simples de seguir, dizem alguns publicitários. "Mulheres bonitas fazem
parte do código (de comunicação) da categoria cerveja", afirma Antonio Fadiga, presidente executivo
da Fischer América. "Mas estamos atentos à dose de sensualidade na propaganda". No final de
junho, o filme da Kaiser "Garotas nas tampinhas" foi suspenso por determinação do Conar.
Calebe Ferres, superintendente de contas da agência Almap BBDO, responsável pela campanha da
Antarctica, não sabe dizer se a marca continuará explorando o tema "Bar da Boa". "Não acredito que
seja difícil fugir disso (mulher e cerveja), mas se esse apelo continua sendo usado é porque está
arraigado na cultura brasileira”.
261
aceita no campo profissional precisa masculinizar-se, criando novamente outro
estereótipo.
Consideramos que a mulher não pode ser mera expectadora no processo
midiático, mas sim, produtora de conhecimentos e comunicação. As Políticas
Públicas de cultura e produção do conhecimento devem estar consubstanciadas na
construção de práticas para a igualdade, potencializando as ações comunicativas e
educacionais promovidas por mulheres como referência cultural e cienfica e neste
sentido estão estruturados os planos da Secretaria de Políticas para Mulheres do
Governo Federal visando a igualdade de gênero na Comunicação, cabendo ao
Estado democratizar os meios de comunicação e promover a implantação de
políticas públicas de comunicação de caráter regulador e fiscalizador, garantindo o
acesso efetivo dos diferentes segmentos da população a informação e a liberdade
de expressão das mulheres.
.
“Promover uma cultura de igualdade: desafio ou utopia?Esta é a pergunta
que inaugura o título VIII Cultura, Comunicação e Mídia igualitárias, democráticas
e não discriminatórias do II PNAD estabelecendo diretrizes para a igualdade de
gênero.
O Relatório estabelece eixos de atuação focando objetivos e metas a serem
desenvolvidas para se alcançar como resultado final a igualdade de gênero na
produção da cultura e na difusão das informações pela mídia em geral.
Entre os objetivos encontramos elencados podemos citar a construção de
uma cultura igualitária, democrática e o reprodutora de estereótipos de gênero,
raça/etnia, orientação sexual e geração, bem como a promoção da visibilidade das
mulheres com a divulgação de suas inúmeras formas de expressão.
Estabelece-se ainda na categoria de objetivos gerais a facilitação do acesso
das mulheres aos meios de produção cultural e de conteúdo para todos os veículos
de comunicação e mídia e ainda, de importância absoluta para o tema, a elaboração
de um marco regulatório para o sistema de comunicação visando conscientizá-los e
inibi-los quanto à veiculação de comunicações discriminatórias e abusivas.
262
No que tange aos objetivos específicos o plano visa incentivar
comportamentos e atitudes que não reproduzam conteúdos discriminatórios e que
valorizem as mulheres em toda a sua diversidade, nos veículos de comunicação,
valorizando as iniciativas e a produção cultural das mulheres e sobre as mulheres e,
assim, contribuindo para ampliar a presença feminina nos diferentes espaços de
poder e decisão na mídia nacional.
Finalmente, são definidas como metas a elaboração de um diagnóstico sobre
a representação da mulher na mídia, em todas as regiões do país; Promover a
articulação de cinco redes de monitoramento, uma para cada região do país, para
denúncias de abordagens discriminatórias de gênero, raça/etnia e orientação sexual
na mídia em geral;
Entre as muitas ações, imperiosa se faz a elaboração de um código de ética
para os meios de comunicação de massa com o objetivo de coibir e punir os
excessos nas exibições que envolvam as relações de gênero, bem como a
confecção em conjunto com o CONAR, órgão de auto-regulamentação da
publicidade, diretrizes para a divulgação da imagem feminina na publicidade.
Concluímos pois que os diversos atores sociais aqui expostos, interagidos e
interligados, poderão contribuir de maneira decisiva na superação dos estereótipos
de gênero, promovendo o debate blico sobre os mais variados temas
correlacionados à igualdade entre homens e mulheres e, em especial, que nos
interessa no presente trabalho, a discussão acerca da distribuição do trabalho
produtivo e as responsabilidades de cuidados na esfera privada. Entendemos que
somente a partir da conscientização da sociedade como um todo, por meio de um
esforço permanente de sensibilização com vistas às mudanças culturais teremos um
solo fecundo para a recepção de normas mais vanguardistas com a certeza de sua
aplicação e eficácia no seio social.
Finalizamos o presente tópico com os ensinamentos de Gabriel Chalita sobre
a necessidade de transformação, de mudanças e de “correção das rotas” em busca
da expansão do ser humano que no futuro aprenderá com o passado, mas sempre
buscando as melhores formas para continuar e evoluir :
263
A ampliação do universo remete o homem a um outro momento da
história, não havendo propriamente uma ruptura, mas um processo
de constante transformação. O homem debruça-se sobre os
ensinamentos dos antepassados, podendo acatá-los, corrigi-los e
expandi-los, imprimindo-lhes novo sentido. Ao ser humano é possível
corrigir a rota, buscando melhores maneiras de prosseguir. Por isso
pode até mudar totalmente o caminho. No entanto, é capaz de
arriscar um novo caminho por conhecer o passado. Há, dessa
maneira, em certos momentos históricos, um conflito de
cosmovisões. Como um desenlace. A busca de novas metas parece
negar o passado Não creio que isso aconteça. Ao ser humano é
dado inventar e descobrir. Esse movimento de descobrir e
redescobrir está na base do dinamismo histórico. O que o passado
havia encoberto o presente descobre. Mas o fato já estava em germe
no passado, semeado nele, e no entanto, escondido.
345
345
O Poder. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 22.
264
CONCLUSÃO
Submissão, maternidade, beleza, religiosidade, e, principalmente, “sexo
frágil”, são vocábulos inerentes à mulher ao se visitar a história da humanidade. A
conotação de “sexo frágil”, que atualmente está sendo revista, foi arquitetada como
“mito” na evolução histórica feminina. Consideramos que a construção de um
estereótipo fragilizado e submisso perpassa por inúmeros aspectos, entre eles,
culturais, ideológicos, sociais, políticos, econômicos, que por sua vez, interligados se
espraiam para o sistema judico.
A condição da mulher nos tempos contemporâneos evoluiu. Destaca-se que,
a maternidade, historicamente considerada atributo e dever natural da mulher, sofre
novos delineamentos e, no culo XXI, a mulher já não se completa apenas
enquanto existência e essência na maternidade. Sua auto-estima e sua legitimação
enquanto cidadã passa por outras formas do exercício da vida social. A maternidade
enquanto atributo necessário à completude da existência da mulher, nada mais é do
que uma construção histórico-cultural estereotipada. Ser mulher, o significa ser
mãe. Para o universo feminino o ser mulher contemporâneo está permeado de
inúmeras outras intenções como fundamentos da existência, entre eles, o trabalho, a
carreira, o relacionamento com os outros ou consigo própria.
A emancipação da mulher e seus múltiplos interesses ensejam significativas
alterações nos vários campos da vida social, em especial, na família. As famílias
contemporâneas comungam arranjos diferenciados, proporcionados por estas
modificações na filosofia de vida das próprias mulheres. um aumento de famílias
menores, famílias monoparentais e, por via reflexa, família chefiadas por mulheres,
as quais conciliam a vida profissional e a vida familiar, buscando sustento de seus
entes.
Na história da luta feminina no Brasil temos marcadamente vitórias
culminando nos tempos hodiernos com uma Carta Cidadã de 1988 que confere às
mulheres a igualdade nas questões de gênero, bem como o Código Civil de 2002
265
afinado sobremaneira com o Texto Constitucional, reforçou os direitos femininos
delineados à luz da igualdade de gênero
Atribui-se, atualmente, ao princípio da isonomia um novo status objetivado
pelo Constituinte de 1988, devendo ser concebido como base para o sistema e
norteador da melhor hermenêutica e aplicação do Direito. O princípio da igualdade
jurídica não mais se encontra cingido à igualdade formal ou isonômica, mas aos
poucos vai se afirmando como uma igualdade material, por meio da implementação
consciente e necessária de hábeis políticas públicas voltadas à minoração das
desigualdades e a instauração de uma isonomia real.
O princípio da igualdade alberga uma concepção mais ampla no sentido de
instrumentalizar condições de oportunidades e firmamento de um efetivo equilíbrio
dos cidadãos no Estado Social de Direito. A igualdade real alcançada nos remete a
um dos fundamentos proclamados pela República Federativa do Brasil, a dignidade
da pessoa humana, sobreprincípio e diretriz principiológica necessária para o
operador do Direito ou, mais propriamente, como um valor. Define-se como
fundamento da República Federativa do Brasil, como a origem e o fim do Direito
atual nos ordenamentos jurídicos nacional e internacional.
Igualdade e da dignidade da pessoa humana se correlacionam e de maneira
interdependente, nos levam à conclusão que a igualdade em sua essência nos
conduz à dignidade da pessoa humana, visando evitar distorções e discriminações
injustas.
A promoção do bem de todos deve ser compreendida como uma ação
afirmativa vedando a discriminação e buscando a igualdade por meio da adoção de
condutas para a construção de uma nova roupagem no cenário nacional. A
concepção moderna de Estado de ser dinâmica, deixando de lado a passividade,
na busca da concretização da igualdade substancial. A escolha do verbo promover
presente no inciso IV do art. da Carta Magna de 1988 demonstra a postura
assumida pelo legislador constituinte objetivando uma atitude pró-ativa, gestora e
produtora de resultados. Não basta apenas conclamar a igualdade, é preciso ir além
buscando instrumentos fomentadores da concretização cotidiana da igualação.
266
Igualdade, dignidade da pessoa humana e ações afirmativas se fazem
absolutamente indispensáveis para a implementação de um Estado Democrático de
Direito visando eliminar toda e qualquer forma de discriminação, bem como visando
aprimorar medidas para a promoção da igualdade efetiva.
Conceito novo incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro pela Carta
Magna de 1988, a seguridade social formada pela tríade Previdência, Assistência e
Saúde por meio de objetivos definidos e políticas públicas articuladas, visa
estabelecer a proteção do homem, salvaguardando-o das necessidades sociais,
garantindo assim, a consolidação do bem-estar e da justiça social.
A aposentadoria e os meios de subsistência do cidadão no momento de sua
inatividade sempre se consubstanciaram como um preocupação acerca do
porvir.Verificamos que, atualmente, as Aposentadorias por idade e tempo de
contribuição comportam requisitos privilegiados às mulheres para sua concessão,
premiando-as com 5 anos em relação aos homens.
Os privilégios concedidos às mulheres têm status constitucional, previstos na
Carta Magna de 1988. Entretanto, os Documentos Internacionais, tais como,
Convenções, Declarações, Recomendações e outros, não estabelecem como
parâmetro a referida diferença para concessão de aposentadoria às mulheres. Os
documentos, em geral estabelecem como valor maior a igualdade de gêneros e o
combate à discriminação.
A diferença de 5 anos outorgada às mulheres, no próprio Texto Constitucional
desafia outros artigos também de natureza constitucional quais sejam, em seus
artigos 5º, a isonomia entre homens e mulheres, bem como em seu art. 3º, o
fundamento da não-discriminação e redução das desigualdades sociais.
A aposentadoria em idade e tempo diferenciados é de ser considerada um
privilégio e uma “pseudo-proteção”, pois representa um retrocesso na análise
sistemática e histórica da vida das mulheres, que lutam pela isonomia e para serem
consideradas um “sexo forte e igual”. Admitirmos a referida “pseudo-proteção” é
aceitar a fragilidade feminina, e, por via de conseqüência, uma menor capacidade
perante os homens.
267
Dados estatísticos e científicos são responsáveis na contemporaneidade para
demonstrar as mudanças operadas no sexo feminino e que não mais justificam a
aposentadoria em tempo precoce.
Ademais, indefensável também a tese de que a aposentadoria em tempo ou
idade inferior às mulheres deve ser uma maneira de compensar a “dupla jornada”,
constituída por vida profissional e responsabilidades familiares (casa, marido e
filhos). Este é um argumento a ser revisto, pois estabelece que toda mulher esta
diante de responsabilidades familiares. Este fato vem sendo redesenhado pela
sociedade, e é crescente no mundo atual o número de mulheres que optam por uma
vida sem relacionamentos conjugais, bem como filhos. mulheres que por opção
priorizam outras áreas e se realizam nelas. Dados demonstram que têm diminuído o
número de casamentos, filhos por família, e a maternidade como vocação, mas sim,
escolha.
Contudo, consideramos que no caso de mulheres com famílias, marido e
filhos, a compensação ao final de sua vida por meio de aposentadoria diferenciada
nada representa. Os mecanismos de compensação devem ser oferecidos na idade
das necessidades sociais, qual seja, no momento de criação e educação dos filhos
pequenos, época em que se demanda maior atenção dos pais. Ao falarmos nas
questões femininas também estamos falando na participação masculina na criação
dos filhos, muitas vezes excluídos por meio de papéis e arquétipos histórico e
culturalmente estereotipados.
Nesse sentido, engajar homens na construção de uma sociedade justa do
ponto de vista das relações de gênero significa, dentre outras questões, reconhecer
a importância da presença paterna no desenvolvimento afetivo da criança e do pai;
e, dessa forma, compreender o mundo afetivo, doméstico e da reprodução como
algo a ser compartilhado e dividido igualmente. Envolver os homens nestas questões
é liberar as mulheres dessa responsabilidade solitária para que elas também
possam desenvolver suas carreiras, escolarização e outras potencialidades
Esta seria na verdade a medida compensatória e igualadora dos direitos das
mulheres em relação aos homens, nunca a aposentadoria em idade ou tempo
268
diferenciados. Ganhar 5 anos “de presente” para um eventual descanso, por tudo
que dissemos, é levar a mulher a uma posição reiterada de cidadã de classe,
bem como oferecer a ela a inatividade precoce, a criação de medos e transtornos de
ordem psicológica, interiorizando a submissão, a servidão e a inferioridade como
vocábulos próprios do mundo feminino.
À exemplo de países europeus que estão revendo seus critérios para as
aposentadorias de homens e mulheres, não está em no benefício da aposentadoria
diferenciada à mulher, a efetiva compensação da sobrecarga feminina, mas sim, no
estabelecimento de políticas que enalteçam as famílias, por meio do fortalecimento
do pai na criação dos filhos e divisão das responsabilidades familiares. Este
fenômeno, vem sendo chamando de co-responsabilidade, traduzindo-se em
benefícios previdenciários e medidas assistenciais aos homens denominadas de
licenças-parentais.
Contudo, a mera edição de normas para os chamados direitos de
compartilhamento ou de co-responsabilidade, que vêm despontando nos fecundos
solos do Direito Europeu, não é suficiente para a efetividade e aplicabilidade de tais
direitos em solo brasileiro, pois deve estar devidamente acompanhada de um
preparo cultural da sociedade para lhe garantir a eficácia e efetiva construção da
igualdade de gênero.
Nesse sentido, diversos os atores sociais que deverão ser chamados à
preparação desta mudança cultural.
No campo da política e das organizações as mulheres ainda não se
conscientizaram que quanto maior o seu engajamento nas questões de gênero,
maior seseu poder de reivindicação e obtenção de direitos. Ainda é tímida esta
participação de mulheres nas pautas de reivindicações e somos da opinião que em
um primeiro momento as mulheres ainda não estão cientes de seu poder de luta e
persuasão.
Por meio da implementação de políticas públicas, homens e mulheres desde
a sua criação devem ser educados para a vida em sua plenitude. O acesso à
269
educação deve ser entendido como um poderoso instrumento de combate à
discriminação.
Cabe ao Estado democratizar os meios de comunicação e promover a
implantação de políticas públicas de comunicação de caráter regulador e
fiscalizador,garantindo o acesso efetivo dos diferentes segmentos da população à
informação e à liberdade de expressão das mulheres.As Políticas Públicas de cultura
e produção do conhecimento devem estar consubstanciadas na construção de
práticas para a igualdade, potencializando as ações comunicativas e educacionais.
Ressalta-se que a mulher não pode ser mera expectadora no processo midiático,
mas sim produtora de conhecimentos e informação.
A educação e a comunicação têm papel ímpar no aprimoramento das
questões ligadas ao sexo feminino. Na medida em que a mulher tem acesso à
educação e à informação, seu poder de reivindicação e decisão sofre significativo
aumento, gerando às próprias mulheres garantias e direitos antes denegados.
Finalmente, consideramos que a previdência social se traduz como
importante instrumento para a consolidação do Estado de Bem-Estar Social e para
que haja o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, bem como a manutenção do
princípio da solidariedade necessária se faz a conjugação de esforços para tal
mister. Cabe às mulheres compreenderem a necessidade de colaboração e esforço,
bem como de seus novos contornos na sociedade contemporânea. Atingir a
igualdade significa querer ser igual. que se querer ser igual e não se admitir
privilégios indevidos, propugnando-se sempre pela edição de normas vanguardistas
que com o tempo representarão a verdadeira igualdade de gênero, do ponto de vista
formal e também material em nosso ordenamento jurídico.
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