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Em outra performance, conforme relata Jeudy (2002), Orlan vestiu-se com uma
roupa que representava seu corpo nu, com um alvo quadrado pintado sobre a genitália.
Na mão, trazia uma paleta e, entre seus lábios, um pincel. Em seguida, Orlan arrancou
o alvo, mostrando os pêlos de seu púbis, depois começou a arrancá-los um a um, a
colá-los sobre a paleta e a recuperá-los para pintar no vazio. Se na tradição pictórica, a
mulher tinha três funções como modelo, a virgem, a mãe e a prostituta, a artista
pretende ignorar tais papéis, transformando-os num só. Ao criar suas performances,
Orlan afirma que “o corpo não é senão um traje” (JEUDY, 2002, p. 118), portanto,
mutável, sujeito a combinações diversas, podendo, como uma roupa, ser customizado e
feito sob medida pelo indivíduo.
A partir de 1987, Orlan começou a realizar intervenções radicais em seu próprio
corpo, submetendo-se a cirurgias plásticas que, segundo ela desfiguram e refiguram
seu rosto e provocam uma mudança completa na imagem, uma revolução nos
conceitos de natureza e cultura. Cada intervenção é uma revolta contra o inato, o
inexorável, a natureza. Nessa desconstrução do próprio corpo, via cirurgia, Orlan
interroga os padrões de beleza construídos pela cultura e denuncia as pressões sociais
exercidas no corpo, expõe as camadas subcutâneas da sua pele, através dos cortes
cirúrgicos que abrem fendas em seu rosto. Orlan mostra o que a superfície da pele
esconde, folheia seu corpo camada a camada, pele a pele, revela a interioridade carnal,
orgânica, material, a corporeidade da interioridade. O uso da superfície da pele ferida e
inchada, pela cirurgia, é um desafio as imagens da mídia, que veiculam formas perfeitas
de beleza do corpo.
Uma das intervenções da artista sobre o corpo foi resultado de performances que
reconstituíam o seu rosto com diferentes modelos da história da arte. Orlan faz a
desconstrução da imagem mitológica feminina, com o nariz da escultura de Diana, a
boca de Europa de Boucher, a testa da Mona Lisa de Leonardo da Vinci, o queixo da
Vênus de Botticelli e os olhos da Psyché de Gerome. Porém, estas não foram
escolhidas pela sua beleza artística ou por serem conhecidas, foram escolhidas pelo
seu peso histórico e mitológico que as tornou parte da história e cultura ocidental.