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LUZIETTE APARECIDA DA SILVA AMARILHA
SABERES E FAZERES DOCENTES REFERENTES AO
ENSINO DAS FORMAS GEOMÉTRICAS NOS DOIS
PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Campo Grande / MS
Ano 2009
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FICHA CATALOGRÁFICA
Amarilha, Luziette Aparecida da Silva
Saberes e fazeres docentes referentes ao ensino das formas geométricas
nos dois primeiros anos do ensino fundamental / Amarilha, Luziette
Aparecida da Silva - Campo Grande, 2009. 156 f. 30 cm
Orientador: Luiz Carlos Pais.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Centro de Ciências Humanas e Sociais.
1. Práticas e saberes docentes. 2 Formas geométricas. 3. Anos Iniciais do
Ensino Fundamental. I. Pais, Luiz Carlos. II. Título.
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LUZIETTE APARECIDA DA SILVA AMARILHA
SABERES E FAZERES DOCENTES REFERENTES AO
ENSINO DAS FORMAS GEOMÉTRICAS NOS DOIS
PRIMEIROS ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada como exigência
final para a obtenção do grau de Mestre
em Educação à Comissão Julgadora da
Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul sob a orientação do Professor Dr.
Luiz Carlos Pais.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Campo Grande / MS
2009
À minha mãe Zenaide, que esteve
sempre ao meu lado e não mediu
esforços para que eu estudasse.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, professor Doutor Luiz Carlos Pais, pela oportunidade de
crescimento com a sua orientação, seus ensinamentos acadêmicos e por sua
confiança no meu projeto.
Aos professores Doutor Francisco Hermes Santos da Silva, Doutor José
Luiz Magalhães de Freitas e Doutora Jucimara Rojas, por participarem da banca e
também pelas valiosas contribuições.
À direção e às professoras da escola onde esta pesquisa foi realizada, pelo
apoio em todos os sentidos, confiança e disponibilidade em colaborar.
Ao meu marido Levy, pelo amor, apoio, paciência e compreensão na minha
presença/ ausência nesta caminhada.
À minha filha Maria Fernanda, meu maior tesouro, por sua companhia
preciosa. Quando eu ficava horas na frente do computador e emitia um sinal de
cansaço, me animava com um beijinho.
À minha amiga Leia, “irmã”, companheira e ombro amigo de todas as horas,
Carlinhos, Rodrigo, Carolina e Gustavo, que me acompanharam nesta caminhada
com apoio e incentivo.
À minha segunda família Sérgio, Erô, Elza, Ju, Serginho e Saulo, pelo
incentivo às minhas escolhas, apoiando-me em tudo que faço.
À minha amiga Liliam, por suas observações pontuais, pela contribuição e
apoio, e principalmente por sua amizade e incentivos nas horas difíceis.
Às amigas Sheila Denize e Mônica, acima de tudo doutoras em
solidariedade, pelas sugestões e diálogos que foram de grande ajuda para este
trabalho.
À minha amiga Marizete, com quem realizei meu primeiro estágio de
docência, meu reconhecimento e admiração.
Às amigas Célia, Silvia, Maristela e Cristina com quem tive o prazer de
iniciar minha carreira docente, pela oportunidade, amizade e confiança.
Às amigas Claudia, Paula e Tânia, pelas caminhadas com longas conversas,
que foram valiosas para a realização deste trabalho.
Às amigas Ana Rita, Estela, Leusa, Liliana, Mariéte e Rejane, pelas palavras
de apoio e incentivo desde o meu ingresso no curso de Mestrado.
À professora Cecilia, pelos seus ensinamentos e palavras amigas, que vêm
contribuindo com minha formação desde o segundo ano do Ensino Médio.
À amiga Cidinha e toda a equipe da OMEP, que desde o meu ingresso no
curso de mestrado acompanharam nesse momento especial com palavras de
incentivo.
À amiga Geise, minha parceira no início de docência, pelos livros
emprestados e motivação constante.
À minha amiga Ordalia, por sua colaboração e por ter acreditado no meu
projeto.
Aos colegas do Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática
Escolar, coordenado pelo professor Doutor Luiz Carlos Pais: Sales, Anderson,
Heloisa, José Luiz, Tatiane, Claunice,Vanja, Kátia Carvalho, Maysa, Enoque,
Felice,Vera, Pedro, Kátia, Írio e Tarcisio pelas horas de discussão e reflexões que
compartilhamos.
Aos amigos da CNEC, minha escola de formação, onde vivi os maiores
desafios e aprendizado e a incomparável convivência com as crianças, oportunidade
de crescimento ímpar.
Aos amigos de trabalho da SEMED, que desde que souberam do meu
ingresso no mestrado, sempre tinham uma palavra de incentivo, tão importante nessa
hora, mesmo que fosse na correria de trabalho, nos corredores da Secretaria, muito
obrigada!
Minha segurança se funda na convicção de que sei algo e de
que ignoro algo que se junta à certeza de que posso saber
melhor o que já sei e conhecer o que ainda não sei. Minha
segurança se alicerça no saber confirmado pela própria
experiência de que, se minha inconclusão, de que sou
consciente, atesta, de um lado, minha ignorância, me abre,
de outro, o caminho para conhecer (FREIRE, 1996. p. 135).
RESUMO
O objetivo principal deste trabalho é analisar práticas e saberes de quatro professoras,
referentes ao ensino das figuras geométricas nos dois primeiros anos do Ensino
Fundamental e foi desenvolvido numa escola municipal em Campo Grande (MS).
Como fundamentação teórica usa a abordagem Antropológica, desenvolvida pelo
educador Yves Chevallard. Para analisar as práticas docentes utiliza a noção de
organização praxeológica, descrevendo os momentos de estudos e os objetos
ostensivos na efetivação do ensino em sala de aula. É uma pesquisa de natureza
qualitativa, numa abordagem etnográfica aplicada à Educação. Para a coleta de
dados, foi realizado um estudo dos Referenciais Curriculares para a Educação
Infantil, Parâmetros Curriculares Nacionais e o Guia do Programa Nacional do Livro
Didático. Na pesquisa de campo foram colhidos os dados sobre as memórias das
professoras quando elas eram estudantes, os registros escritos nos encontros, nas
observações em sala de aula e uma entrevista semiestruturada gravada em áudio.
Durante esses procedimentos, as participantes demonstraram como trabalham, e
quais atividades elas realizam com as crianças para o estudo das formas geométricas.
Como resultado, esta pesquisa ressalta a centralidade nas técnicas didáticas, com
ênfase no momento de institucionalização e exploração de um tipo de tarefa. Revela
também as questões relevantes e comuns nas ações desenvolvidas pelas professoras:
valorização da experiência, da visualização e a diversificação dos ostensivos com
ênfase no uso de objetos materiais relacionados ao tema estudado. As análises
evidenciaram coerência entre o que elas falam e fazem, segurança nas afirmações e
preocupação com a aprendizagem das crianças. Consideram que a aprendizagem é
um processo ativo de construção de conhecimentos e que depende essencialmente
dos conhecimentos prévios dos alunos.
Palavras-chave: 1. Práticas e saberes docentes 2. Formas geométricas 3. Anos
Iniciais do Ensino Fundamental.
ABSTRACT
The present research work was developed in a county public school in Campo
Grande/MS with four teachers and aimed to analyze the teaching practices and
knowledge referring to the study of geometric shapes in the first two years of
Elementary School. As theoretical grounding it uses the Anthropological approach
developed by the educator Yves Chevallard. In order to analyze the teaching practice
it uses the notion of praxeologic organization describing the study moments and the
language registers in the teaching practice in the classroom. It is research work of
qualitative nature in an ethnographic approach applied to education. For the data
collection a study of Curriculum References for Children’s Education, National
Curriculum Parameters and Textbook National Program was carried out .The field
research consisted of accounts of the teachers' memories of when they were students,
the registers written during the meetings, the observations made in the classroom and
a semi-structured interview recorded in audio. During these procedures, the
participants demonstrated how they work and which activities they carry out with the
children for the study of geometric shapes. As a result, this research work highlights
the centrality of the didactic techniques emphasizing the institutionalization moment
and the exploration of a kind of task. It also reveals the relevant and common issues
in the actions developed by the teachers: appreciation of experience, of the
visualization an the diversification of the ostensives focusing on the use of material
objects related to the studied theme. The analyses showed coherence between what
those teachers say and do as well as confidence in the statements and concern with
the children's learning. It considers learning as an active process of knowledge
building which essentially depends on previous knowledge.
Keywords: 1. Teaching practices and knowledge 2. Geometric shapes 3. Early years
of Elementary School
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Representação gráfica do cubo............................................................... 38
Figura 2 - Atividade cubo ....................................................................................... 68
Figura 3 - Atividade pasta de dente ........................................................................ 69
Figura 4 - Caixa de fósforos.................................................................................... 69
Figura 5 - Relacionar objetos.................................................................................. 75
Figura 6 - Identificar figuras ................................................................................... 76
Figura 7 - Contornos e formas ................................................................................ 77
Figura 8 - Relacionar representações...................................................................... 78
Figura 9 - Sólidos geométricos ............................................................................... 80
Figura 10 - Ligar os parecidos. ............................................................................... 87
Figura 11 - Figuras planas....................................................................................... 94
Figura 12 - Pintar figuras ........................................................................................ 97
Figura 13 - Nomear figuras..................................................................................... 101
Figura 14 - Encaixar figuras.................................................................................... 104
Figura 15 - Contar figuras....................................................................................... 107
Figura 16 - Relacionar figuras ................................................................................ 110
Figura 17 - Formas planas....................................................................................... 111
Figura 18 - Representação gráfica do quadrado...................................................... 112
Figura 19 - Síntese - Professora Mariluce............................................................... 122
Figura 20 - Síntese - Professora Milce.................................................................... 124
Figura 21 - Síntese - Professora Liana .................................................................... 125
Figura 22 - Síntese - Professora Ana Lucia ............................................................ 127
Figura 23 - Síntese das práticas pedagógicas.......................................................... 128
LISTA DE ANEXOS
Anexo A - Ficha sobre a formação das professoras................................................ 130
Anexo B - Entrevistas ............................................................................................. 131
Anexo C - Tabela de livros..................................................................................... 137
Anexo D - Protocolo das observações realizadas ................................................... 138
Anexo E - Tarefas realizadas nas praxeologias...................................................... 153
LISTA DE SIGLAS
GPHEME Grupo de Pesquisa em História da Educação Matemática Escolar
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PE Pesquisadora
PNLD Programa Nacional de Livro Didático
PR Professora
RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
SEMED Secretaria Municipal de Campo Grande
UFMS Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
LISTA DE ABREVIATURAS
TAD Teoria Antropológica do Didático
OP Organização Praxeológica
1C Coleção 1 - Projeto Pitanguá - Matemática. Alessandra Cora e outros
2C Coleção 2 - Matemática.Daniela Padovan e outros
3C Coleção 3 - Matemática - Paratodos - Luiz Marcio Imenes e outros
4C Coleção 4 - Construindo o conhecimento Matemática - Walderez S. Melão e
outros
1C1L Coleção 1 - Livro 1
2C1L Coleção 2 - Livro 1
3C1L Coleção 3 - Livro 1
4C1L Coleção 4 - Livro 1
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................. 15
CAPÍTULO I - TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E DEFINIÇÃO DO
OBJETO DE PESQUISA........................................................................................ 17
1.1 Minha trajetória como estudante ......................................................................... 17
1.2 As primeiras experiências como professora......................................................... 19
1.3 Definição do objeto de pesquisa .......................................................................... 20
CAPÍTULO II - REFERENCIAL TEÓRICO...................................................... 24
2.1 Documentos oficiais ............................................................................................ 25
2.2 Educação matemática na infância........................................................................ 28
2.3 Pesquisas sobre geometria nos anos iniciais do ensino fundamental.................. 31
2.4 Teoria antropológica do didático ......................................................................... 35
2.4.1 Atividade matemática ................................................................................. 36
2.4.2 Pressupostos e princípios ............................................................................ 37
2.4.3 Praxeologia.................................................................................................. 40
2.4.4 Aspectos da linguagem............................................................................... 41
2.4.5 Os momentos didáticos ............................................................................... 42
CAPÍTULO III - ASPECTOS METODOLÓGICOS .......................................... 44
3.1 A Etnografia na Antropologia.............................................................................. 44
3.2 A Etnografia na Educação.................................................................................... 45
3.3 A Etnografia na Educação Matemática................................................................ 47
3.4 A Etnografia e a TAD .......................................................................................... 47
3.5 A Etnografia e as práticas docentes ..................................................................... 48
3.6 Descrição dos procedimentos metodológicos...................................................... 49
3.7 Descrição da pesquisa de campo.......................................................................... 50
3.8 Caracterização da escola ...................................................................................... 51
3.9 As professoras...................................................................................................... 52
3.10 Os encontros....................................................................................................... 53
CAPÍTULO IV - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS PRÁTICAS DOCENTES.. 57
4.1 Memórias das professoras como alunas............................................................... 57
4.2 Análise das atividades dos livros didáticos pelas professoras ............................. 67
4.3 Análise das praxeologias das professoras ............................................................ 73
4.3.1 Tipos de tarefa............................................................................................. 74
4.3.1.1 T
1 -
Associar objetos ........................................................................ 74
4.3.1.2 T
2 -
Identificar figuras...................................................................... 75
4.3.1.3 T
3
-
Contornos e formas .................................................................. 76
4.3.1.4 T
4
-
Relacionar representações ........................................................ 77
4.3.2 Organizações praxeológicas........................................................................ 78
4.3.2.1 OP
1
- Modelos tridimensionais ....................................................... 79
4.3.2.2 OP
2
- Ligar os parecidos ................................................................. 86
4.3.2.3 OP
3
- Relacionar objetos................................................................. 92
4.3.2.4 OP
4
- Pintar figuras ......................................................................... 96
4.3.2.5 OP
5
- Nomear figuras......................................................................101
4.3.2.6 OP
6
- Encaixar figuras.....................................................................104
4.3.2.7 OP
7
- Contar figuras........................................................................107
4.3.2.8 OP
8
- Relacionar figuras .................................................................109
4.3.3 Análise das entrevistas................................................................................113
4.3.3.1 Aprender pela experiência e o uso de materiais manipuláveis .......114
4.3.3.2 Contextualização do cotidiano ........................................................114
4.3.3.3 Uso de recursos pelo professor .......................................................115
CAPÍTULO V - SÍNTESE E CONCLUSÕES ......................................................117
5.1 Síntese das práticas pedagógicas..........................................................................120
5.1.1 Professora Mariluce ....................................................................................121
5.1.2 Professora Milce .........................................................................................122
5.1.3 Professora Liana .........................................................................................124
5.1.4 Professora Ana Lucia .................................................................................125
5.2 Considerações finais ............................................................................................127
ANEXOS...................................................................................................................129
REFERÊNCIAS.......................................................................................................154
APRESENTAÇÃO
Neste trabalho, temos como objetivo analisar as práticas e saberes docentes
referentes ao ensino das formas geométricas, nos dois primeiros anos do Ensino
Fundamental, numa escola municipal em Campo Grande/MS.
Visando alcançar esse objetivo, usamos como aporte teórico a Teoria
Antropológica do Didático, que situa a atividade matemática no conjunto das
atividades humanas e suas noções fundamentais: praxeologias, atividade matemática
e momentos de estudos.
A partir de uma abordagem etnográfica aplicada à educação, no uso de seus
instrumentos: entrevistas, observações na sala de aula e análise de documentos
oficiais, buscamos responder quais são as organizações didáticas e matemáticas
implementadas pelas professoras participantes na condução do referido tema de
estudo.
No primeiro capítulo, relatamos nossa trajetória acadêmica e profissional, as
muitas indagações que fizemos como professores e formadores de professores e as
inquietações que nos acompanharam durante anos e que conduziram o
desenvolvimento de nosso trabalho.
No segundo capítulo, abordamos o referencial teórico da pesquisa, que é
fundamentada principalmente na Teoria Antropológica do Didático, proposta por
Yves Chevallard, Marianna Bosch e Josep Gascón, e também no reconhecimento do
trabalho de diversos pesquisadores na área de educação matemática que têm como
objeto o ensino da Geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
No terceiro capítulo, explicitamos os procedimentos metodológicos e os
instrumentos que utilizamos para responder nossa questão de pesquisa, neste caso, a
Etnografia aplicada à educação, na linha descrita por André (1995). Em nosso
entendimento, enfatizamos que a Etnografia, por ser ligada diretamente à questão
cultural, poderá nos conduzir na busca de dados para análise das praxeologias
docentes como fruto de experiências vividas, formação acadêmica e práticas sociais.
No quarto capítulo, descreveremos a análise dos dados que coletamos para
responder nossa questão de pesquisa: as memórias das quatro professoras
participantes quando eram alunas, a análise de atividades de livros didáticos sob a
16
ótica das professoras, e as organizações praxeológicas (didáticas e matemáticas)
implementadas por elas no trabalho com as formas geométrica planas, nas turmas de
primeiro e segundo anos do Ensino Fundamental.
No quinto capítulo, apresentamos os elementos de síntese de nosso trabalho
e ressaltamos os aspectos convergentes que caracterizam as praxeologias produzidas
pelas professoras a partir da análise dos materiais coletados: as memórias das
professoras como alunas, registro das observações em sala, das atividades realizadas
com as crianças e das entrevistas.
CAPÍTULO I
TRAJETÓRIA EDUCACIONAL E DEFINIÇÃO DA PESQUISA
Poderíamos pensar que cada um de nós, individualmente, pode
viver sem necessidade de matemática ou, pelo menos, sem
muitas das matemáticas estudadas na educação obrigatória.
Mas essa crença somente existe porque, de fato, não vivemos
sozinhos, mas em sociedade: em uma sociedade que funciona
com base na matemática e na qual existem pessoas capazes de
fazer matemática para atender às necessidades dos outros,
mesmo quando estas não reconhecem suas próprias
necessidades matemáticas (CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN,
2001, p. 45).
1.1 Minha trajetória como estudante
Nasci em Campo Grande, no dia 12 de dezembro de 1966. Passei uma parte
da minha infância em Coxim-MS. Minha história como estudante iniciou com aulas
de minha mãe em nossa casa. Ela foi minha primeira professora, que me ensinou a
ler com apenas cinco anos de idade e ainda hoje trago na lembrança o quadro-negro
na varanda de casa e a atenção que ela me dedicava. Para minha alfabetização, ela
usou uma cartilha da época, a “Caminho Suave”, que era baseada nas “famílias
silábicas”.
Embora sua atuação tivesse certo autoritarismo, felizmente um gosto
despertou em mim, pois segui estudando, querendo aprender sempre! E mesmo não
conseguindo pronunciar corretamente as palavras ou não compreendendo bem o
enredo, adorava ler as histórias em quadrinhos com que ela me presenteava.
Não fiz Pré-Escola, penso que essa turma nem existia na instituição onde
estudei pela primeira vez. Entrei na primeira série com seis anos, numa escola
municipal que existe até hoje. Eu era a única criança que já lia na classe, o que me
deixava bastante orgulhosa. A professora me pedia para ler para os colegas e também
para auxiliá-la com os outros, repetindo as “famílias silábicas” para que eles
decorassem.
No prazer de ensinar, e na convivência com os meus pares, nesses
momentos, eu me sentia um pouco professora também, desejo que futuramente pude
concretizar na companhia de muitas crianças e, posteriormente de adultos.
18
Minha vida de estudante foi diversificada ora no ensino público, ora no
particular. Resolvi que seria professora muito cedo, aos sete anos de idade. Mas logo
compreendi que dependendo da idade em que tomamos algumas decisões, nem
sempre podemos levá-las em frente. Minha diversão predileta era brincar de
professora. Passava horas à frente de uma lousa “lecionando” para minhas
silenciosas alunas: as bonecas. Vez ou outra, quando meus primos apareciam, logo
propunha a brincadeira que eles aceitavam prontamente e eu então me deliciava com
a possibilidade de “ensinar”.
Também fazia parte do meu sonho ser chamada de tia, por volta dos dez
anos de idade convivi com crianças que estudavam no “Jardim da Infância” em uma
escola particular de nossa cidade e elas contavam maravilhas da “tia” com quem
conviviam. Elas falavam das histórias, das músicas e das lições, isso alimentava
ainda mais meu sonho de ser professora.
Esse sonho tornava-se cada vez maior, porém minha mãe, que sempre foi
uma incentivadora para que eu estudasse, com muita insistência, ao final de longos
anos, convenceu-me a desistir dessa ideia. Essa não era a profissão que ela queria
para a filha. Professora, dizia ela, “não tem reconhecimento e ganha pouco”.
Quando fui para o segundo grau, atual Ensino Médio, mesmo com uma
vontade de fazer o magistério, fui matriculada em Patologia Clínica, numa escola
particular de nossa cidade.
Naquela escola tinha magistério, e de longe eu acompanhava o movimento
das alunas sempre com cartazes, fantoches, uns cadernos que mais tarde fui descobrir
que eram os relatórios do estágio e as pastas de sugestões de atividades. Fiz o
primeiro vestibular em janeiro de 1984, aos dezessete anos, para Farmácia e
Bioquímica. Não passei (e nem queria mesmo...).
No ano seguinte, feliz da vida, fiz o vestibular para Pedagogia, na UFMS.
No ato da inscrição, optei com muita convicção pela habilitação Pré-Escola. Era com
essa faixa etária que eu queria trabalhar!
O meu primeiro semestre na faculdade foi um tanto complicado, pois o sono
foi meu inimigo: era a primeira vez que estudava à noite. Mas com o tempo, a
sonolência foi vencida pelo interesse pelas aulas e cada vez mais tinha certeza de que
o errara na minha escolha!
19
1.2 As primeiras experiências como professora
Em 1986, mesmo sem magistério, e com o curso de Pedagogia em
andamento, fui admitida como professora de uma escola particular. Foi a minha
primeira realização: fui chamada de tia! Eu era inexperiente demais para entender
que esse termo tinha, na verdade um outro sentido e, mais tarde, na faculdade, fui
convidada a refletir sobre ele.
Mesmo sem experiência, mas com muita vontade de acertar, aos poucos fui
percebendo que só a vontade não bastava para administrar os conflitos que surgiam
quando eu entrava em sala de aula. A convivência com as crianças, sem que eu
estivesse preparada, fez com que surgissem inúmeras e complexas indagações.
Percebi que faltava embasamento teórico para subsidiar a minha prática e este eu fui
adquirindo com meus professores.
No espaço universitário, alguns profissionais marcaram especialmente
minha vida profissional, principalmente pelas leituras indicadas e a forma como era
conduzido o trabalho com a turma. Fui apresentada a um universo de tendências e
aprofundando meus conhecimentos. As questões das alunas eram socializadas no
grupo, que na maioria também estava em sala de aula ou queria exercer a profissão, o
que fomentava ainda mais as discussões, sobretudo as relacionadas às vivências e à
prática pedagógica.
Nossas aulas eram marcadas por mobilização e elaboração de conhecimentos,
mediados por reflexões, dilemas e dificuldades evidenciadas no coletivo. Com o
tempo, aprendi a valorizar esse espaço de formação, reflexão em grupo e sua
dinâmica. Foi um bom começo, um ponto de partida que, ao mesmo tempo me
ajudava a estabelecer relações com o que eu vivia e também como referência para a
profissional que hoje eu sou.
Com o passar do tempo, já conseguia enxergar as teorias no cotidiano da
escola e, então, me fortalecer em algumas certezas a partir da construção coletiva do
conhecimento, o estudo teórico e a análise da prática. Mesmo com muitas dúvidas,
minha vontade de realizar um bom trabalho era enorme.
Sentindo-me mais preparada para aplicar os conhecimentos adquiridos, em
março de 1989, no último ano de faculdade, fui contratada pela escola onde realizei o
estágio supervisionado, para atuar com uma turma de crianças de quatro anos. Era
20
uma escola comunitária, com uma proposta pedagógica baseada na concepção
construtivista.
Penso ter tido muita sorte, pois a proposta era inovar, pesquisar, educar e
trazer para a sala de aula o que tinha de mais avançado para nossas crianças. Nas
reuniões de estudo era discutida a prática, pois aquele grupo queria mudança, a
implantação de um pressuposto e tudo era muito debatido. Assumi com muita
responsabilidade o compromisso e aceitei o desafio de trabalhar numa proposta
diferenciada que estava sendo construída.
Minha vida de professora era permeada pela teoria que eu procurava
materializar em minha prática, buscando fazer com que o grupo de crianças
avançasse nos seus conhecimentos, também investia na relação/interação, pois
sempre acreditei na importância da criação de vínculos nessa faixa etária.
1.3 Definição do objeto de pesquisa
Como professora, uma das minhas dificuldades era com a matemática,
principalmente sobre quais noções a explorar, não sabia ao certo o que ensinar para
as crianças, restringindo o trabalho às atividades de contagem, classificação e
seriação de objetos.
Um dia, lendo o livro “Professor da Pré-escola”, dois capítulos chamaram
minha atenção: Números e algarismos e Aritmética na Pré-escola. Neles eram
tratados assuntos como o conceito de número e também os conteúdos a serem
trabalhados na Educação Infantil. Essa leitura me trouxe alguns esclarecimentos
sobre a conduta das crianças, relativas aos números, e que as relações lógico-
matemáticas, como a classificação e a seriação, não são conteúdos nem podem ser
ensinadas na escola por intermédio de atividades específicas.
Esse fato levou-me a refletir sobre o trabalho realizado por mim em sala de
aula e também me instigou a continuar estudando e aprendendo sobre matemática e
como melhor ensiná-la às crianças pequenas.
Assim, além dos estudos na UFMS, no curso de Pedagogia, passei a investir
na formação continuada, participando de cursos de extensão e seminários sobre
matemática para ampliar e aprimorar meus conhecimentos. Nesses eventos, tive a
oportunidade de conhecer e ouvir alguns pesquisadores da área, participar de
21
apresentação de relatos de experiência e também expor as dúvidas que restringiam
minha atuação como professora.
As discussões das quais eu participava e o entusiasmo pelas experiências
compartilhadas nesses encontros me levaram a um replanejamento da minha prática
educacional em relação à matemática. Nesse ínterim, em 1992, fui convidada para
assumir a coordenação pedagógica da Educação Infantil nessa escola.
Acompanhar o processo individual de cada colega, com as possíveis
intervenções, e coordenar as reuniões de estudo foi uma oportunidade de crescimento
ímpar e também o fato de que teria de acompanhar todas as salas. Tarefa que foi um
desafio imenso, pois essa função não existia na escola até então, logo eu não tinha
uma referência, a não ser minha professora de estágio na Pedagogia.
A coordenação de um trabalho exige a reflexão da teoria e da prática em
grupo, na qual todos são partes de um processo que é construído coletivamente. A
busca para uma educação de qualidade que rompia com o ensino tradicional, teve
momentos de conquistas e também alguns tropeços, porém a vontade de acertar era o
que nos fazia seguir em frente.
Esse foi um período muito marcante no exercício da profissão docente, em
que pude participar de cursos de formação, palestras (dentro e fora do estado),
conhecer outras experiências na área, socializar minhas dúvidas e constatar que as
discussões realizadas nesses eventos foram fundamentais para o meu crescimento
profissional.
Em 1995, assumi a direção da escola e, por motivos particulares, mudei da
cidade no final desse ano letivo. Ser diretora foi uma experiência marcada por muitas
inquietações, dificuldades e, na época, eu pensava que eram em função da minha
inexperiência em administrar e um pouco de imaturidade. Tempos depois, após outra
passagem pela direção, desta vez por dois anos e meio, posso afirmar que não foi
somente por esses motivos. A gestão de uma instituição escolar envolve outras
questões além da pedagógica e são muito maiores que as de uma sala de aula, o que
exige um outro perfil.
Fiquei afastada da profissão, morando em Ponta Porã, de 1996 a 1997,
período em que me casei e tive minha filha, Maria Fernanda. Em 1998, retornei a
Campo Grande e à função de professora de crianças de quatro anos.
Em 1999 voltei à UFMS para o curso de especialização em Fundamentos da
Educação, área de concentração: Psicologia. Foi uma oportunidade de rever alguns
22
professores, dessa vez com questionamentos bem diferentes dos que eu tinha na
graduação. Minha monografia teve como tema: Planejamento, mais que um
instrumento, uma atividade educativa, pois acredito na importância dessa
ferramenta para a efetivação da práxis.
A partir de 2003, comecei a ministrar a disciplina de Matemática na
Educação Infantil, nos cursos de Formação Continuada, promovidos pela OMEP-
Organização Mundial para Educação Pré-Escolar, na capital e nas cidades do interior
do nosso Estado. Essa oportunidade me propiciou crescimento profissional e
despertou em mim o desejo de ser uma pesquisadora, pois a busca pelo
conhecimento sempre foi um desafio perseguido por mim.
Essa experiência propiciou-me conviver com professores de diferentes
cidades com realidades muito distintas. Foi uma oportunidade que exigiu de mim um
aprofundamento em meus estudos acerca das práticas pedagógicas no ensino de
matemática para crianças pequenas. Era também um momento de reflexão sobre
minha prática, tarefa difícil, porém as indagações levantadas eram um ponto de
partida para o desencadear das discussões e troca de experiências.
A possibilidade de interagir com profissionais dos anos iniciais da Educação
Básica, das escolas públicas do nosso Estado, a partir dos debates e perspectivas
construídas coletivamente, instigou- me a refletir sobre as suas práticas e ampliou
minha visão sobre as possibilidades de intervenção como formadora sobre a ação
docente.
Ingressei no ensino público em 2005, quando fui aprovada num concurso
para professora de educação infantil da Rede Municipal de Ensino (REME). Não
assumi uma turma nesta época, pois fui convidada para trabalhar na Secretaria
Municipal de Educação, onde hoje faço parte de uma equipe que atende professoras
que atuam com os anos iniciais da Educação Básica das escolas municipais.
O trabalho dessa equipe é essencialmente a formação continuada em
serviço, promovendo sessões de estudos e oficinas, em que são tratados temas
relativos ao processo pedagógico nas salas de aula. Nessas reuniões, o fato de como
algumas professoras narram suas experiências no trabalho com a geometria, levou-
me a identificar dificuldades que elas enfrentam pelos seus questionamentos, como
as registradas a seguir: o que ensinar? Começo o trabalho das figuras com os sólidos
ou com as formas planas? Como ensinar? Cor é conteúdo de geometria?
23
Essas indagações, que de certa forma faziam parte da minha história, me
impulsionaram a buscar um melhor entendimento de como essa prática se efetiva nas
salas de aula. Assim, na possibilidade de realizar um curso de mestrado em
educação, o tive dúvidas de que a matemática seria a área escolhida, e a geometria
a temática do objeto de estudo.
Nesse contexto, as inquietações que me acompanharam durante esses anos
sobre a prática pedagógica no ensino de matemática, e as muitas indagações que
surgiram em minha trajetória profissional como professora e formadora, conduziram
o desenvolvimento desta pesquisa. O que me levou a definir o seguinte objeto:
práticas e saberes de professores referentes ao ensino das figuras geométricas nos
anos iniciais do Ensino Fundamental.
Para nortear nosso trabalho elencamos três objetivos específicos.
Primeiramente, procuramos identificar as orientações para o ensino da geometria nos
dois primeiros anos do Ensino Fundamental, contidas no Referencial Curricular para
a Educação Infantil, Parâmetros Curriculares Nacionais e no Guia do Programa
Nacional do Livro Didático. Em seguida, identificamos como as professoras
analisam as atividades propostas em livros didáticos para o ensino das formas
geométricas e finalmente analisamos as organizações praxeológicas implementadas
pelas professoras a partir das atividades desenvolvidas com as crianças.
CAPÍTULO II
REFERENCIAL TEÓRICO
Na atividade matemática, como em qualquer outra, existem
duas partes, que não podem viver uma sem a outra. De um
lado, estão as tarefas e as técnicas e, de outro, as tecnologia e
as teorias. A primeira parte é o que podemos chamar de
“prática” ou, em grego, a práxis. A segunda é composta de
elementos que permitem justificar e entender o que é feito, é o
âmbito do discurso fundamentado -implícito ou explícito-
sobre a prática, que os gregos chamaram de logos. O que você
tem de lembrar é que não há práxis sem logos, mas que
também não há logos sem práxis. As duas são unidas como os
dois lados de uma folha de papel. Quando juntamos as palavras
gregas práxis e logos, dá a palavra praxeologia
(CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 2001, p. 251).
Nosso objeto de pesquisa consiste na análise das práticas e saberes docentes
referentes ao ensino das formas geométricas, nos dois primeiros anos do Ensino
Fundamental, numa escola da REME, na cidade de Campo Grande, Mato Grosso do
Sul. Neste capítulo, abordaremos as orientações dos documentos oficiais, assim
como os resultados de pesquisas recentes sobre o assunto em questão e também os
pressupostos da Teoria Antropológica do Didático (TAD), proposta pelos
pesquisadores em educação matemática Yves Chevallard (1999), Mariana Bosh e
Joseph Gascón (2001). Esta teoria, que localiza a atividade matemática no conjunto
das atividades humanas e sociais, fornece-nos subsídios para analisar as praxeologias
implementadas pelas professoras participantes na coordenação do ensino das formas
geométricas.
Consideramos necessário fazer um esclarecimento sobre a presença do
Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCNEI) em nossos estudos
(BRASIL, 1998). Quando iniciamos este trabalho, em 2007, nossa opção era
delimitar a faixa etária entre 5 e 7 anos, idade que, na época, compreendia o último
nível da Educação Infantil e a 1ª série do Ensino Fundamental. Entretanto, em nosso
município, a partir do ano letivo de 2008, com base nas Leis nº 11.114/2005 e nº
11.274/2006, que se referem à ampliação do Ensino Fundamental para nove anos e à
matrícula obrigatória de crianças de seis anos no Ensino Fundamental, as crianças
desta faixa etária foram matriculadas nos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental.
25
Assim, o último nível da Educação Infantil foi incorporado ao Ensino Fundamental.
Entretanto, o documento destinado ao trabalho com as crianças da faixa etária do
novo 1º ano ainda é o RCNEI.
2.1 Documentos oficiais
Definida como a primeira etapa da Educação Básica, a partir da
promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em 1996, a
Educação Infantil tem sido, ao longo dos últimos anos, foco de inúmeras pesquisas
como um período de intenso aprendizado e desenvolvimento.
As ideias a respeito da educação e do cuidado na infância foram se
modificando à medida que se reconheceu a escola destinada à criança de zero a seis
anos como um espaço de aprendizagens das diferentes linguagens. Dessa maneira, o
ato de ensinar nesta faixa etária é, antes de tudo, promover um encontro da criança
com o modo como ela vê o mundo.
Os aspectos afetivos e intelectuais se combinam no ato de conhecer e
orientam a criança no desenvolvimento da leitura da realidade. A continuidade na
aquisição desses saberes, por parte das crianças, requer planejamento e
intencionalidade nas ações educativas, para que as crianças possam, assim,
ressignificar conhecimentos.
Segundo o RCNEI, a matemática é um dos eixos de trabalho orientado para
a construção de diferentes linguagens pelas crianças, para as relações com o mundo.
A aquisição dessas aprendizagens ocorre simultaneamente ao desenvolvimento das
outras: Linguagem Oral e Escrita, Movimento, Música, Artes Visuais, Natureza e
Sociedade.
Os avanços na pesquisa sobre desenvolvimento e aprendizagem, e as novas
informações a respeito da didática da matemática, permite-nos vislumbrar novos
caminhos no trabalho com as crianças pequenas. Esses estudos constatam que elas
constróem saberes sobre qualquer área, a partir do uso que se faz deles em suas
vivências, da reflexão e da comunicação de ideias e representações.
A aprendizagem das noções matemáticas é construída nas relações que a
criança estabelece com o meio, os adultos e outras crianças. E também são
importantes os conhecimentos prévios (manifestações de competências, de
26
aprendizagens advindas de processos informais) como ponto de partida que devem
ser considerados na escola.
O RCNEI indica que “a atenção dada às noções matemáticas na educação
infantil, ao longo do tempo, tem seguido orientações diversas que convivem às vezes
de maneira contraditória, no cotidiano das instituições” (BRASIL, 1998, p. 209).
No RCNEI são propostas as seguintes temáticas para o ensino da geometria:
representação da posição de pessoas e objetos, exploração e identificação de
propriedades geométricas de objetos e figuras, bidimensionalidade, tridimensionalidade,
identificação de pontos de referência e descrição de pequenos percursos. Nas
orientações didáticas propõe-se que:
Assim, à educação infantil coloca-se a tarefa de apresentar situações
significativas que dinamizem a estruturação do espaço que as crianças
desenvolvem e para que adquiram um controle cada vez maior sobre suas
ações e possam resolver problemas de natureza espacial e potencializar o
desenvolvimento do seu pensamento geométrico (BRASIL, 1998, p. 230).
A ênfase dada à contextualização é também evidenciada quando se
recomenda: “o trabalho deve colocar desafios que dizem respeito às relações
habituais das crianças com o espaço como construir, deslocar-se, desenhar etc. e à
comunicação dessas ações”.
A valorização do conhecimento que se manifesta no cotidiano tem sido
defendida nos discursos pedagógicos da atualidade. Porém, é necessário que a escola
garanta a sistematização deste conhecimento, evitando que essas orientações sejam
tomadas como “palavras de ordem” sem uma reflexão a partir da identidade de cada
instituição.
Por outro lado, é importante considerar que para relacionar o que se aprende
na escola com o que se vivencia fora dela é desejável que o educador possa, a partir
de situações planejadas, ampliar o universo que o aluno traz para a instituição,
levando em conta o que Pais (2001, p. 28) observou:
A educação escolar deve se iniciar pela vivência do aluno, mas isso não
significa que ela deva ser reduzida ao saber cotidiano. No caso da
matemática, consiste em partir do conhecimento dos números, das
medidas e da geometria, contextualizados em situações próximas do
aluno. O desafio didático consiste em estruturar condições para que
ocorra uma evolução desta situação inicial rumo aos conceitos previstos.
Nessa visão, é preciso se atentar ao entorno das crianças, aproveitando as
oportunidades que surgirem e também planejando situações nas quais elas possam
27
pensar sobre as relações espaciais: resolvendo problemas, participando de jogos e
outras atividades que envolvam raciocínio, situando-se no espaço, deslocando-se,
construindo itinerários e fazendo comparações.
Nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática (PCN) - Matemática
(BRASIL, 2001), referentes às quatro primeiras séries do Ensino Fundamental a
seleção de conteúdos para o bloco Espaço e Forma, para a primeira série, hoje 2º ano
do Ensino Fundamental de 9 anos, pela proximidade da faixa etária, não difere muito
do que está proposto para o último nível da Educação Infantil, porém é ampliada.
Entre os conteúdos conceituais e atitudinais, destacamos: a) Localização de pessoas
ou objetos no espaço, com base em diferentes pontos de referência e algumas
indicações de posição; b) movimentação de pessoas ou objetos no espaço, com base
em diferentes pontos de referência e algumas indicações de posição e sentido; c)
Descrição da localização e movimentação de pessoas e objetos no espaço, usando sua
própria terminologia: d) Observação de formas geométricas presentes em elementos
naturais e nos objetos criados pelo homem e de suas características: arredondadas ou
não, simétricas; e) Estabelecimento de comparação entre objetos do espaço físico e
objetos geométricos. Esse documento enfatiza que
Os conceitos geométricos constituem parte importante do currículo de
matemática no ensino fundamental, porque, por meio deles, o aluno
desenvolve um tipo especial de pensamento que lhe permite compreender,
descrever e representar, de forma organizada, o mundo em que vive...
Além disso, se esse trabalho for feito a partir da exploração dos objetos
do mundo físico, de obras de arte, pinturas desenhos, esculturas e
artesanatos, ele permitirá ao aluno estabelecer conexões entre a
matemática e outras áreas de conhecimento (BRASIL, 2001, p. 55).
Nos anos iniciais da Educação Básica, a experiência da criança torna- se
indispensável para a compreensão das relações geométricas e não só em relação à
geometria propriamente dita, que é uma maneira de compreender o espaço por meio
da construção de um modelo teórico caracterizado por conceitos, definições,
teoremas e proposições.
No Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), por meio do Guia do
Livro Didático, são publicadas as resenhas das coleções avaliadas e aprovadas.
Analisando o Guia de matemática de 2007, identificamos os critérios de avaliação: a
seleção e distribuição de conteúdos, diferentes articulações, abordagem dos
conteúdos, contextualização, metodologia adotada, as linguagens e a construção da
cidadania.
28
Na seleção dos conteúdos é avaliado se a coleção reúne os principais
assuntos que devem ser trabalhados nessa etapa da escolaridade e se os blocos
sugeridos nos PCN estão distribuídos de forma equilibrada.
Sobre as diferentes articulações é verificado como os campos da matemática
são articulados entre si e também os conhecimentos novos com os prévios, como por
exemplo: diversas representações gráficas, ideias associadas às operações, diversos
significados de um mesmo conteúdo e diferentes campos temáticos.
A abordagem dos conteúdos é analisada a partir da forma como são
construídos os diferentes significados dos conceitos envolvidos e o entendimento dos
procedimentos e algoritmos.
Também é analisado como são explorados os diferentes contextos, a
diversificação das linguagens, a metodologia empregada e como as atividades
contribuem para a formação da cidadania.
As situações de aprendizagem, nas quais o saber é contextualizado,
propiciam a recontextualização desse saber para níveis cada vez mais complexos, em
que a criança supera o conhecimento empírico, tornando-se cada vez mais autônoma
na aquisição de novos saberes.
Explorar o espaço como um meio de se relacionar com as formas à sua volta
é necessário, pois nessa faixa etária é que as crianças estão adquirindo o domínio de
suas relações com o espaço. É no cotidiano escolar que as ações vivenciadas fora
dele ganham sentido quando sistematizadas.
A exploração do espaço pela criança se dá pela observação e movimento, o
que inclui percepção e conhecimento das possibilidades e limitações do próprio
corpo. Para isso, é fundamental que, nas diferentes interações com o mundo, o corpo
seja vivido em todas as suas possibilidades.
2.2 Educação matemática na infância
Na infância, período de intenso desenvolvimento, o processo de construção
de conhecimento acontece a partir das interações da criança com diferentes situações
que ela estabelece: com os adultos, com outras crianças e com as informações
disponíveis no mundo. Para ela, o corpo e suas vivências são instrumentos pelos
29
quais os conhecimentos vão criando pontos significativos para que possa recriar ou
aprender novos conceitos.
Hoje, sabemos que as crianças têm muitas ideias a respeito do conhecimento
matemático (mesmo antes de iniciar sua vida escolar) que precisam ser levadas em
consideração quando pensamos no trabalho com as crianças pequenas.
Se perguntarmos a uma criança, qual a idade de sua mãe, mesmo não
sabendo ao certo, ela responderá com um número. Ao ser indagada sobre o preço de
sua lancheira, certamente dirá: 50, 60, ou seja, responderá com números. Isso sem
levarmos em conta que a maioria das crianças conta figurinhas, analisa qual o pedaço
maior do bolo, brinca de cara e coroa, joga dados, isto é, lida com noções
matemáticas o tempo todo.
Em relação ao trabalho com a matemática, nos anos iniciais de escolaridade,
não se pode considerar que a geometria possa ser trabalhada desvinculada dos outros
eixos (os números, medidas e tratamento da informação), que se entrelaçam
constituindo o campo de significações desse trabalho.
Trabalhar articulando a geometria com os outros eixos abre espaço para que
a criança se exponha por meio de sua fala, expresse-se por meio de desenhos, forma
privilegiada de externar seus pensamento e registrar informações.
A criança, ao explorar o ambiente natural, principalmente com relação à
orientação corporal e espacial, coloca toda a energia que lhe é peculiar,
experimentando assumir papéis nunca antes vividos, especialmente pelo desejo de
acompanhar a realidade sentindo-se parte dela, interferindo, buscando, inventando e
descobrindo.
A criança precisa perceber o espaço por meio das relações de significado
que ela assume em situações distintas, ou seja, é importante possibilitar a ela a
aquisição de percepção da linguagem corporal em conexão com a leitura da
realidade.
Os aspectos culturais e sociais que permeiam as atividades dão sentido e
significado para a expressão e vivência no universo infantil. Portanto, é preciso
propiciar experiências em espaços diferenciados, a partir dos quais o educando possa
estabelecer diferentes relações.
A matemática está em toda parte, dentro e fora da sala de aula, e a geometria
está presente no nosso dia-a-dia, permeando o cotidiano, mesmo que a criança não
30
perceba. A vida das crianças é permeada por essas noções, desde muito pequenas, e a
sistematização e ampliação desses conhecimentos é papel da escola.
Neste sentido, devemos estar atentos ao entorno das crianças, aproveitando
as oportunidades que surgirem e também planejando situações nas quais elas possam
pensar matematicamente: resolvendo problemas, participando de jogos e outras
atividades que envolvam raciocínio, contagem, comparações e operações aritméticas.
Nesse cenário, Lopes (2003, p.13) acrescenta “A criança precisa perceber o
número através das relações de significado que ele assume em situações distintas, ou
seja, é importante possibilitar ao aluno adquirir a percepção da linguagem numérica
em conexão com a leitura da realidade.”
Considerar que a matemática faz parte da vida das crianças é não esquecer
da bagagem que eles trazem para a sala de aula, pois a matemática está presente no
dia-a-dia de todos. Convivemos com números desde que nascemos: sistematizar e
ampliar esse conhecimento é papel da escola.
Nos anos iniciais de escolaridade, cabe aos professores trabalharem de
maneira criativa, procurando recursos e planejando estratégias para tornar as aulas
mais interessantes, motivadoras e, assim, como efetivamente coordenadores na
aquisição de conhecimentos, oferecer condições de aprendizagem para que os alunos
possam aplicar os conceitos matemáticos dentro e fora da escola.
As questões curriculares podem ser um aspecto relevante, como destacou
Smole (1996, p. 62):
Uma proposta de trabalho de matemática para educação infantil deve
encorajar a exploração de uma grande variedade de idéias relativas a
números, medidas, geometria e noções rudimentares de estatística, de
forma que as crianças desenvolvam e conservem um prazer e uma
curiosidade acerca da matemática.
Essa concepção enfatiza os conteúdos matemáticos a serem trabalhados com
as crianças de 0 a 6 anos propostos pelo RCNEI. Porém ainda nos deparamos com
práticas que se preocupam apenas em transmitir às crianças conhecimentos como:
ensino dos números por meio de contagens, reconhecimento de algarismos, nome dos
números, domínio da seqüência numérica e a denominação de algumas figuras
geométricas em atividades sem significado para o aluno.
31
2.3 Pesquisas sobre geometria nos anos iniciais do ensino fundamental
Na educação matemática, para os anos iniciais da Educação Básica, existe
um número significativo de estudos que tratam de teorias, metodologias e práticas,
recobrindo as mais variadas temáticas, tais como a formação de professores, aspectos
metodológicos, históricos, entre outros. Nesta parte do capítulo dedicada à descrição
do referencial teórico do nosso trabalho, destacaremos algumas pesquisas e estudos
que abordam o ensino da geometria nos anos iniciais da Educação Básica.
Pavanello (2004) revelou em sua pesquisa, por volta de 1989, que o trabalho
com a geometria nos anos iniciais foi de certa forma “abandonado” e não vem sendo
tratado devidamente. Uma das causas que a autora aponta para isso é o fato de os
professores, quando alunos, não terem aprendido geometria, por isso ficam inseguros
para abordá-la em sala de aula. Em consequência disso, às crianças não seria
propiciada a oportunidade de um trabalho sistematizado com as questões relativas a
espaço e formas. Para a autora
As dificuldades de professores no reconhecimento de figuras geométricas
planas, de seus elementos e propriedades, e, portanto em atividades de
classificação, indicam que o trabalho realizado com eles nas diferentes
instâncias de sua formação não lhes permitiu elaborar devidamente seus
conceitos sobre as figuras geométricas planas (PAVANELLO, 2004, p.
135)
Concordamos com a autora quando destaca que a formação inicial, em
qualquer área, não é suficiente para a preparação completa de um profissional,
enfatizando a necessidade da formação continuada para aperfeiçoar as práticas e
aprofundar conhecimentos.
Nacarato e Passos (2003) relataram seus estudos sobre a geometria no
currículo escolar e a formação de professores. Nesses estudos, a primeira priorizou as
práticas e a segunda a formação continuada. As pesquisadoras enfatizam também
uma problemática da formação
Nossas pesquisas revelaram que pouco tem se ensinado com relação à
geometria e que, praticamente, não há diferenças entre o ensino público e
o privado. Uma razão disso parece bastante simples: o profissional que
atua em ambas tem o mesmo tipo de formação; e esta formação vem
sendo marcada pela ausência do ensino da geometria (NACARATO;
PASSOS, 2003, p. 134).
32
Para as autoras, é fundamental que a escola também se constitua como um
espaço de formação, levando seus professores a compartilharem suas experiências,
evidenciando seus sucessos e dificuldades numa busca de alternativas. Nesses
momentos de trocas é possível refletir sobre a própria prática, sobretudo se o
formador de professores for criterioso na escolha do material teórico.
O professor aprende e incorpora novas práticas tendo como ponto de
partida os saberes experienciais compartilhados. Esses saberes
experienciais podem ser trazidos, socializados e discutidos pelo próprio
grupo e ressignificados ou reconstruídos mediante leituras provenientes
das ciências da educação. Contudo, mais que outros, alguns textos ajudam
a problematizar melhor os saberes experienciais e a prática pedagógica
(NACARATO; PASSOS, 2003, p. 136-137).
Os saberes adquiridos pela experiência compartilhada com seus pares
permitem além da reflexão sobre a organização do trabalho coletivo realizado na
instituição, o confronto de suas ideias com outras e permite, também, refletir sobre
seu fazer pedagógico. A formação continuada pode ser potencializada se o professor
buscar uma constante atualização com leituras e informações que possam aprimorar
sua prática.
De acordo com Lorenzato (2006), a postura do educador frente ao ensino da
matemática e sua metodologia são determinantes para o desempenho dos alunos. Um
professor que não domina o conteúdo pode se mostrar inseguro diante da turma. Por
outro lado, aquele que demonstra conhecimento conquistará respeito e admiração. O
autor afirmou “ninguém ensina o que não conhece” e apontou um problema.
Geralmente se referindo ao ensino da geometria, é comum professores se
dizerem com o direito de não ensiná-la por se sentirem inseguros; não
conhecer o assunto a ser ensinado não gera direitos ao professor, e sim, o
inevitável dever de aprender ainda mais (LORENZATO, 2006, p. 5).
O fato de não conhecer o assunto a ser estudado pode limitar as aulas ao uso
de um livro didático ou apostila sem nenhuma reflexão mais apurada do que é
proposto, “não longe vão os tempos em que aos jovens de sétima e oitava séries, a
geometria era apresentada unicamente como uma enorme coleção de teoremas a
serem demonstrados pelos alunos.” (LORENZATO, 2006, p. 7).
De acordo com Farias (2008), há uma valorização do conhecimento
geométrico nas propostas dos livros didáticos da atualidade sob uma perspectiva
diferenciada já nos anos iniciais do Ensino Fundamental quando ela afirma:
33
A geometria não é apresentada na última parte dos livros didáticos, mas
encontra-se inserida em mais de uma unidade... Importante que o
conteúdo espaço e forma, em muitos livros analisados encontra-se
integrado com outras disciplinas do currículo escolar. A
interdisciplinaridade ocorre quando as atividades estudadas são
apresentadas e trabalhadas de tal forma que interligam diferentes
disciplinas, o que amplia o significado do saber escolar (FARIAS, 2008,
p. 67-68).
Esta citação denota uma preocupação no que diz respeito à qualidade dos
livros didáticos, mesmo que muitos deles passem pela avaliação do PNLD, nenhum
material pedagógico prescinde da atuação do professor. Nesse contexto, a
experiência no magistério e a formação (inicial e continuada) são definidoras para a
orientação didática em sala de aula, pois cabe a ele adequar as propostas à turma,
selecionando os materiais didáticos mais apropriados aos objetivos a serem atingidos.
Para o ensino de geometria nos anos iniciais, os objetos são importantes por
pertencerem ao mundo material, pois nesta fase de escolaridade ainda não
predominam as abstrações. A interação com o material apresentado deve ser aliada à
orientação pedagógica, porque não se pode atribuir aos objetos o papel de
autoinstrução. Não condenamos o uso de materiais nessa fase inicial, mas o desafio é
superar a materialidade rumo à elaboração de conceitos.
Nesse sentido, ressaltamos as pesquisas de Pais sobre a articulação entre as
dimensões teórica e experimental, em que alguns elementos são destacados como
imprescindíveis para o trabalho didático e a construção do pensamento geométrico
pela criança.
O autor alerta para a necessidade de que o docente não coloque todas as
suas expectativas na manipulação de objetos materiais, para que o trabalho com a
geometria não fique restrito somente aos saberes do cotidiano.
O desenho é uma forma de representação muito importante nesta etapa da
escolaridade, pois contribui para a que as crianças possam pensar sobre algumas
questões que até alguns desenhistas enfrentam, que diz respeito à utilização do
espaço, uma delas é a relação entre as proporções dos traços. Para Deheinzelin
(1994, p. 135):
São características do desenho: a observação do espaço contido pelo traço
e do espaço exterior ao traço, as questões de ritmo, composição e
harmonia das figuras - sua distribuição no espaço da folha de papel; as
relações entre as figuras, a imagem mental que delas temos e o gesto com
que as traçamos na superfície do papel.
34
Lowenfeld e Brittain (1970), pesquisadores que exerceram grande influência
nos cursos de pedagogia nos últimos anos, na obraDesenvolvimento da Capacidade
Criadora, que versa sobre o significado da arte na educação das crianças, revelaram
alguns pressupostos básicos sobre a importância do desenho como forma de
representação.
Desenhar, pintar ou construir constituem um processo complexo em que a
criança reúne diversos elementos de sua experiência, para formar um
novo e significativo todo. No processo de selecionar, interpretar e
reformar esses elementos, a criança proporciona parte de si própria: como
pensa, como sente e como vê (LOWENFELD; BRITTAIN, 1979, p.13)
O trabalho com desenho possibilita para o professor uma significativa
compreensão do modo como as crianças pensam sobre determinados conceitos e as
relações que estabelecem entre espaço e forma, assim como os significados que elas
atribuem às representações gráficas.
Nesse sentido, Pais (2006) elegeu o desenho ao lado do objeto, conceito e
imagem mental, como elemento fundamental para a formulação dos conceitos
geométricos na representação plana do espaço e observou que a articulação entre
esses elementos influenciam diretamente na aprendizagem.
O desenho é um dos recursos mais utilizados, tanto nas atividades propostas
pelos professores como nas presentes nos livros didáticos analisados. O desenho é
reconhecido por Pais como um importante suporte didático. Ele afirma que essa
forma de representação tem um nível de maior complexidade do que o uso de
objetos. Seguindo essa linha de pensamento, Pais (2006, p. 99) afirma:
No ensino da geometria, a utilização integrada de objetos e desenhos
contribui na expansão da formação de boas imagens mentais e, assim, elas
passam pouco a pouco a se constituir um terceiro suporte de elaboração
do conhecimento. A natureza dessa forma interna de compreender a
geometria; por um lado, é bem mais complexa do que o uso de um objeto
material ou de um desenho; por outro lado, permite maior
operacionalidade na solução de problemas.
Esse autor enfatiza também que a aprendizagem da geometria é influenciada
por três aspectos: intuição, experiência e teoria que devem ser considerados pelo
professor nas práticas educativas. Assim, o saber cotidiano, a linguagem, objetos e
desenhos constituem-se em articuladores para a construção de conhecimentos.
Para conhecer um sólido geométrico, uma criança utiliza todos os seus
sentidos e, mais ainda, sua percepção. Pode tocar, jogar no chão para ouvir que
35
barulho faz, sentir a textura, o cheiro, observar as cores. A mediação da experiência
corporal é complementada pelas relações que a criança estabelece mentalmente para
a formulação do conceito de sólido geométrico.
Esse conceito nasce de inúmeras experiências perceptivas que permitem à
criança uma elaboração objetiva em que o conceito se mostra como uma enunciação
de todas as experiências anteriores voltadas para a formulação desse conceito.
2.4 Teoria antropológica do didático
Nossa pesquisa é fundamentada na Teoria Antropológica do Didático
(TAD), desenvolvida por Yves Chevallard, na década de 80, que enfatiza a
valorização da cultura e tem como objeto de investigação a atividade matemática tal
como ela se realiza nas instituições. Inserida no contexto do Programa
Epistemológico de Guy Brosseau, essa teoria tem como unidade de análise a
praxeologia, ou seja, as organizações matemáticas.
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, as organizações matemáticas
relativas ao conhecimento geométrico são realizadas por meio de atividades que
envolvem diferentes organizações didáticas, estas duas organizações formam a
estrutura básica da TAD.
Ensinar e aprender matemática nessa concepção corresponde a uma
atividade de reconstrução de organizações matemáticas para poder usá-las em novas
situações.
A TAD enfatiza a necessidade de um modelo epistemológico científico que
é composto por: Tarefas, Técnicas, Tecnologias e Teoria. Dentro deste modelo, fazer
matemática consiste em ativar uma organização para resolver determinados tipos de
tarefas, com determinados tipos de técnicas, de maneira justificada.
A TAD é contrária à visão particularista da matemática: desprezar certos
objetos por não considerá-los científicos, é o que acontece geralmente na matemática
escolar. Nessa teoria, que localiza a atividade matemática no conjunto das atividades
humanas e das instituições sociais, há a possibilidade de analisar, descrever e estudar
um conteúdo de matemática organizado (que é o objetivo da escola), o que dá
suporte para elaboração desse conteúdo didaticamente organizado para ser colocado
em prática na sala de aula.
36
Nesse sentido, Chevallard, Bosch e Gascón (2001, p. 44-45) ressaltam:
O fato de que se ensine a matemática na escola responde a uma
necessidade ao mesmo tempo individual e social. [...] A presença da
matemática na escola é uma conseqüência de sua presença na sociedade e,
portanto, as necessidades matemáticas que surgem na escola deveriam
estar subordinadas às necessidades da vida em sociedade.
Portanto, o ensino de matemática, em particular o de geometria nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, poderá se beneficiar com essa visão que tem como
ponto de partida as práticas sociais em busca da sistematização de conhecimentos.
2.4.1 Atividade matemática
A TAD organiza o conceito de atividade e a elege como objeto de
investigação principal do programa epistemológico. Nesta perspectiva, as atividades
estão na sociedade e a escola se apropria de certos tipos de atividade, as denominadas
“atividades matemáticas escolares”. Este postulado nos indica alguns pontos a serem
ressaltados: o conhecimento matemático não é único e exclusivo da escola, daí a
opção de Chevallard de se referir em seus estudos às matemáticas.
A presença da matemática na sociedade tem um valor social “cada um de
nós deve saber um pouco de matemática para poder resolver, ou quando muito
reconhecer, os problemas com os quais se depara na convivência com os demais”
(CHEVALLARD, BOSCH; GASCÓN, 2001, p. 45).
A partir desse entendimento, esse autor enfatiza que chega a ser um
reducionismo acreditar que as necessidades sociais matemáticas são apenas aquelas
que acontecem no ambiente escolar. Mesmo porque, embora sejam sistematizadas na
escola, algumas noções matemáticas podem ser aprendidas em situações do
cotidiano, como por exemplo: a percepção do espaço.
Para Chevallard, a atividade matemática é uma atividade de estudo e
reflexão sobre a prática e esta deve se dar pelas praxeologias. Dada uma atividade,
podemos analisá-la a partir dos questionamentos: Qual o tipo de tarefa? Qual a
técnica? Qual a tecnologia? Qual a teoria?
Para Chevallard, Bosch e Gascón (2001), são três os tipos de atividades
originalmente matemáticas: 1) utilizar matemática conhecida; 2) aprender e ensinar
matemática; 3) criar uma matemática nova.
37
Consideraremos neste trabalho, especialmente, o tipo número dois,
pautando-nos na ideia desta perspectiva teórica sobre a matemática ensinada na
escola, onde o professor de matemática ajuda seus alunos a buscar e utilizar os
instrumentos matemáticos que eles necessitam para modelar e resolver certas
questões desconhecidas (CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 2001, p. 55).
Para entender as práticas docentes, é necessário caracterizar as praxeologias,
o que não é tão simples, pois a identificação e definição das práticas são específicas
no contexto de cada instituição, e, segundo Chevallard, Bosch e Gascón (2001), estas
podem ser analisadas de diferentes pontos de vista e de diferentes modos por meio
das tarefas que ali são realizadas. O autor ainda ressalta o que denomina de “ecologia
das tarefas e técnicas”, ou seja, em cada instituição existem as regras e as condições
para a utilização destas em um contexto bem delimitado.
Assim, não podemos deixar de considerar que esse fazer pedagógico é
também fruto da formação inicial, das concepções sobre ensino e aprendizagem e
determinado pela cultura escolar. Outro aspecto está relacionado à questão do
planejamento e à intencionalidade do ensino.
Essas questões são tratadas por Chevallard, Bosch e Gascón (2001), quando
considera o professor como um “coordenador de estudo”, com objetivos claros, que
deve levar em conta o que os educandos têm em comum, para a formação de grupos,
em que seus componentes são capazes de estudarem juntos determinados tipos de
problemas.
Nesta perspectiva, o aluno deve ser considerado menos dependente da
atuação do professor e com mais autonomia para buscar meios de estudos
complementares.
Essa postura, nos anos iniciais, requer do professor conhecimentos relativos
à didática, à matemática e ao desenvolvimento infantil, o que é determinante para a
efetivação das práticas que se estabelecem no cotidiano.
2.4.2 Pressupostos e princípios
Conforme Bosch (2000), nas organizações matemáticas, a TAD estabelece
uma distinção dentro do conjunto de objetos matemáticos que a compõe: objetos
ostensivos e não-ostensivos.
38
Os chamados objetos ostensivos o aqueles do mundo material que se pode
ver, tocar e ouvir. São, de certa forma, os que podem ser “manipulados” pelos órgãos
dos sentidos.
Já os denominados não-ostensivos são os relativos às ideias, aos conceitos e
às crenças, portanto não são perceptíveis aos sentidos: não podem ser vistos, tocados
ou ouvidos.
Os objetos não-ostensivos emergem da manipulação dos objetos ostensivos
e, ao mesmo tempo, a manipulação dos objetos ostensivos está relacionada à
associação dos objetos não-ostensivos. Segundo a autora, toda manipulação dos
ostensivos vem controlada pela ativação ou evocação dos objetos não-ostensivos
cujas características podem ser modificadas ao longo da atividade (2000, p. 19).
Portanto, é necessário assinalar que os conceitos surgem da manipulação de
ostensivos, todavia não existe preponderância dos não-ostensivos sobre os
ostensivos, e sim uma relação dialética. Nesse sentido, Almouloud (2007, p. 121)
acrescentou:
Na análise da atividade matemática, a dialética ostensivo/não-ostensivo é,
geralmente, concebida em termos de signos e de significação: os objetos
ostensivos são signos de objetos não-ostensivos, sua capacidade de
produzir um sentido ou significado, não pode ser separada de sua função
instrumental, de sua capacidade de integrar-se nas manipulações técnicas,
tecnológicas e teóricas.
É importante destacar que a TAD não considera que um ostensivo possa
representar um único não-ostensivo, pois esse pode remeter a um complexo de não-
ostensivos e outros ostensivos. Por exemplo, a figura a seguir, o desenho feito por
uma criança, e a palavra cubo são objetos ostensivos, já o conceito de cubo e todas as
suas propriedades são objetos não-ostensivos.
Figura 1 - Representação gráfica do cubo.
39
Numa atividade matemática escolar, os ostensivos são os instrumentos
materiais utilizados na sua realização de acordo com a “ecologia” da instituição, ou
seja, as regras e as condições para utilização destes.
A dimensão ostensiva destas praxeologias, e também todos os seus
elementos implícitos (Tarefas, Técnicas, Tecnologias e Teoria), têm papel
fundamental para caracterizar os diferentes saberes mobilizados na realização da
atividade matemática em sala de aula.
A TAD situa as praxeologias em um duplo eixo: matemáticas e didáticas.
As organizações matemáticas referem-se aos saberes matemáticos desenvolvidos em
determinada instituição e as organizações didáticas às práticas do ensino desses
saberes, à forma como eles são institucionalizados.
Numa organização didática, para que a criança construa as relações
habituais com o espaço, deve ser propiciada a exploração e observação das formas
dos objetos presentes no mundo. Assim, ela forma poderá compreender essas
relações e melhor estruturá-las.
Iniciar o trabalho partindo do ambiente próximo à criança (a sala de aula, a
escola, as ruas e o bairro) para que ela procure compreendê-lo, parece primordial nas
atividades diárias. Assim como proporcionar à criança oportunidades para que ela
possa se expressar sobre diversos aspectos do seu entorno contribuirá, também, para
a formação da cidadania, orientação expressa no PNLD.
Essas atividades são tão importantes quanto os registros de pequenos
percursos por meio de desenhos, cujo objetivo é o de que a criança possa representar
o caminho que foi realizado, de forma a permitir que problemas de natureza espacial
sejam explicitados e resolvidos. Ao desenhar, as crianças se deparam com problemas
de proporção no uso do espaço, além de precisarem reelaborar suas vivências por
meio da representação.
Chamamos atenção para o fato de que as organizações didáticas estão a
serviço das organizações matemáticas, pois a cada medida ligada à dimensão didática
existem implícitos saberes matemáticos.
40
2.4.3 Praxeologia
A TAD enfatiza a necessidade de um modelo epistemológico científico que
é composto por: tarefas ou problemas, técnicas que permitem resolver os tipos de
problemas, tecnologias que descrevem e explicitam as técnicas e a teoria que
fundamenta e organiza os discursos tecnológicos.
De acordo com esse modelo, fazer matemática consiste em ativar uma
organização matemática para resolver determinados tipos de problemas com
determinados tipos de técnicas (saber fazer), de maneira justificada (saber). Nesse
contexto, todo saber fazer pressupõe um saber que fundamenta a atividade, logo os
argumentos devem oferecer à atividade descrições, explicações e justificativas
válidas.
Para isso, é necessário um aspecto fundamental: estudar problemas é um
meio que permite criar e colocar em desenvolvimento uma técnica relativa aos
problemas do mesmo tipo, que será a continuação ou meio para resolver de maneira
quase rotineira os problemas desse tipo.
Essa perspectiva pressupõe uma inseparabilidade entre o fazer e o saber
fazer. Assim, podemos considerar que os elementos tecnológico-teóricos de uma
organização matemática remetem a elaborações descritivas e valorizam as raízes
epistemológicas originadas do trabalho matemático de várias gerações.
Não se trata apenas de compreender um conceito. A atividade matemática é
considerada uma construção social e leva em conta a evolução deste conceito. É por
meio da articulação entre as organizações matemáticas entre si, as praxeologias, que
os conceitos ganham sentido.
Embora a palavra modelo não soe bem para alguns pesquisadores, porque
pode remeter a uma visão tecnicista, para a TAD este termo é usado como um
procedimento racional na atividade matemática. Desse modo, ao criar um modelo
científico, que corresponde a um saber matemático, a TAD proporciona condições
para que sejam construídas novas praxeologias ou reproduzidas as já existentes.
Por meio dos modelos, na atividade matemática, a teoria ao mesmo tempo
em que a permeia, também adquire o “status” de instrumento. Além disso, um bom
modelo pode ser referência para utilização em novas situações.
41
Os modelos são regulados por regras que são usadas para compreender e
justificá-los. O ensino tradicional é pautado por regras/fórmulas que, em sua maioria,
não são justificáveis. Na TAD, fazer uma praxeologia é construir um modelo que se
configura por: uma construção social; pode ser aplicado a vários problemas
semelhantes; uma sequência de procedimentos; funciona com base na regularidade;
abstratos e genéricos; não é necessariamente formal; sua aplicação economiza ações
e aumenta o rendimento; no modelo estão presentes os aspectos práticos e teóricos; o
uso não refletido de um modelo, repetidas vezes pode levar à mecanização exagerada
da técnica.
2.4.4 Aspectos da linguagem
As organizações didáticas para a educação matemática, nos livros didáticos,
têm se apoiado em diferentes linguagens. Especialmente para os anos iniciais do
Ensino Fundamental, a diversificação de linguagens é uma recomendação frequente
nos documentos oficiais e pesquisas sobre o desenvolvimento infantil.
As diferentes linguagens são consideradas como importantes aliadas para
que a criança se sinta capaz de compreender o mundo que a rodeia, em busca de
novos conhecimentos.
A presença de figuras coloridas é marcante e permeia os enunciados como
um apoio à língua materna. Essa linguagem tem sido muito explorada nos livros
didáticos da atualidade como um atrativo visual, muitas vezes com o objetivo de
contextualizar a situação, como, por exemplo, o uso de figuras de dados para iniciar
o trabalho com o cubo, as fotografias de obras de arte como suporte para
identificação das formas geométricas planas ou mesmo fotos de uma quadra de uma
cidade para identificar diferentes percursos. Por meio de atividades como estas, as
crianças desenvolvem noções importantes que inicialmente são intuitivas e
gradativamente se tornam conceituais.
A linguagem matemática é geralmente usada na consigna ou num texto
utilizado para a sistematização de conceitos. Em alguns casos é colocada numa caixa
de texto, chamando a atenção do leitor. Também se fazem presentes por meio de
ilustrações das formas geométricas planas, tangran, sólidos geométricos: objetos
ostensivos relacionados a inúmeros não-ostensivos da organização matemática.
42
O desenho é um procedimento muito utilizado para que as crianças
expressem seus pensamentos e, a partir daí, a noção de perspectiva é trabalhada
tomando como referência objetos vistos de diferentes pontos de vista. A partir da
atividade de desenhar objetos, em diferentes posições, ela irá evidenciar sua
percepção do espaço.
Nesta organização didática, as noções básicas podem ser evidenciadas
quando se aproveita dois ingredientes muito importantes nessa faixa etária: a
criatividade e a curiosidade, que por sua vez fomentam a investigação que possibilita
à criança diferentes percepções da realidade.
Os jogos com desafios motores e espaciais aparecem na proposta de
realização do chamado “circuito”, atividade em que as crianças são desafiadas a
passar por dentro de, subir em, pular por sobre, rastejar, equilibrar-se, deslocar-se, e
assim levá-las a evoluírem na percepção do espaço.
O registro escrito é uma prática comum em todas as atividades analisadas e
se inicia já na Educação Infantil juntamente com as outras formas de registro. Ao
analisarmos o ensino de geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental, em que
as crianças se expressam sob diferentes formas de representação, é pertinente o uso
desta perspectiva teórica na qual não existe uma diferenciação hierárquica entre elas,
seja pelo valor ou função no trabalho com a matemática.
2.4.5 Os momentos didáticos
Chevallard (1999) propôs a noção de momentos de estudo para descrever
uma organização didática. O primeiro momento seria o de contato com a organização
praxeológica ou de compreensão. É quando as relações pessoais e institucionais são
construídas. O segundo momento seria o de exploração das tarefas e de elaboração
de uma técnica relativa a este tipo de tarefas. Nesse momento, mais importante é a
elaboração de técnicas da atividade matemática que a resolução de problemas
isolados.
O terceiro momento está na constituição do entorno tecnológico-teórico.
Este é relacionado com os outros momentos anteriormente citados. O quarto
momento é o de aperfeiçoamento da técnica, tornando-a mais eficaz e confiável,
consiste na “afirmação” e prova da técnica.
43
O quinto momento é considerado o da institucionalização: definir
exatamente a organização matemática elaborada, distinguindo os elementos que
fizeram parte de sua construção e os que não haviam sido integrados. No sexto
momento, temos a avaliação que se articula com o momento da institucionalização.
São avaliadas as relações institucionais e as pessoais em relação ao objeto
construído.
Para os momentos de estudo, não existe uma ordem temporal nem uma
sequência pré-definida. Eles podem ocorrer simultaneamente ou se repetir durante o
estudo. Nesse contexto:
Cada momento do processo de estudo faz referência a uma dimensão ou
aspecto da atividade de estudo, mais do que a um período cronológico
preciso. Portanto, os momentos de estudo estão distribuídos de uma forma
dispersa ao longo do processo de estudo e não podem ser vividos de uma
só vez (CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 2001, p. 276).
Ao observar e analisar algumas atividades dos livros didáticos, e as
praxeologias das professoras, procuramos responder à seguinte questão: Quais as
práticas docentes que são efetivamente implantadas para o ensino da formas
geométricas, nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental?
Assim, pretendemos analisar as organizações praxeológicas implementadas
pelas professoras a partir das atividades desenvolvidas com as crianças na sala de
aula.
CAPÍTULO III
ASPECTOS METODOLÓGICOS
O estudo da prática escolar não pode se restringir a um
mero retrato do que se passa no seu cotidiano, mas deve
envolver um processo de reconstrução dessa prática,
desvelando suas múltiplas dimensões, refazendo seu
movimento, apontando suas contradições, recuperando a
força viva que nela está presente (ANDRÉ, 2003, p. 42).
Neste capítulo, descreveremos os procedimentos metodológicos utilizados
nesta pesquisa, os quais foram subsidiados pela Etnografia aplicada à Educação, que
conduziram nosso trabalho na coleta de dados.
3.1 A Etnografia na Antropologia
A Etnografia é uma das várias referências pelas quais podemos interpretar
as questões relacionadas à educação. Essa abordagem foi desenvolvida por
antropólogos e se caracteriza como um esquema para estudar a cultura e a sociedade.
Neste contexto, o termo Etnografia é usado por eles com dois sentidos: “1. um
conjunto de técnicas que eles usam para coletar dados sobre os valores, os hábitos, as
crenças, as práticas e os comportamentos de um grupo social; e 2. um relato escrito
resultante do emprego dessas técnicas” (ANDRÉ, 2003, p. 27).
Uma pesquisa do tipo etnográfica se apóia no fato do contato direto do
pesquisador com o objeto pesquisado. Na busca para compreender um fenômeno, o
pesquisador deve se aproximar ao máximo da situação em foco e descrevê-la
buscando articular os sentidos, ou as diversas manifestações dos sentidos, durante o
processo de estudo etnográfico.
Assim, os antropólogos, para coletarem dados, podem viver por alguns
meses, e até anos, junto ao seu objeto de estudo para a observação direta do
comportamento de um grupo social em diferentes situações cotidianas.
Um exemplo dessa modalidade são os estudos que Bronislaw Malinowski
realizou (nos anos de 1914 a 1918, durante períodos distintos), com os nativos das
ilhas Trobriand, na Nova Guiné, Melanésia. Nesse período, ele viveu entre os
45
habitantes da ilha, observando o trabalho diário, participando dos rituais e
conversando com eles na língua nativa, inclusive sem o auxílio de intérpretes.
A riqueza de detalhes dessa interessante experiência é relatada na obra
“Argonautas do Pacífico Ocidental”, publicada em 1976, atualmente uma referência
para a Antropologia. Essa pesquisa tinha como objeto o modo de economia
primitiva, detalhando o sistema de trocas utilizado pelos nativos, o Kula. O
pesquisador, na obra citada, revelou alguns princípios metodológicos usados, como
por exemplo, “condições adequadas à pesquisa etnográfica”, definidos por ele como
os mais elementares.
[...] o pesquisador deve assegurar boas condições de trabalho o que
significa basicamente viver entre os nativos [...] o pesquisador deve, antes
de mais nada, procurar afastar-se da companhia de outros homens brancos
mantendo assim em contato mais íntimo possível com os nativos. Isso
realmente só se pode conseguir acampando dentro das próprias aldeias. [...]
Através deste relacionamento natural, aprendemos a conhe-los
familiarizamos com seus costumes e crenças [...] (MALINOWSKI, 1976, p.
24-25).
Malinowski, para compreender os princípios de um fenômeno tão complexo
e suas ramificações como o Kula, procurou, por meio da Etnografia, entender a
maneira de viver daquele grupo, seus costumes, modos de pensar e agir
correspondentes às instituições e à cultura daquela comunidade. Assim, seus estudos
se tornaram um marco para a Antropologia Moderna.
3.2 A Etnografia na Educação
Embora a Etnografia tenha sua origem na Antropologia, sua extensão à
educação foi muito bem aceita, conforme os estudos de André (2003). Esta autora,
destaca que existe uma diferença de enfoques, enquanto os antropólogos têm o foco
de interesse na descrição da cultura de um determinado grupo social, a preocupação
dos educadores é o processo educativo, e esclarece que
Existe, pois, uma diferença de enfoque nessas duas áreas, o que faz com
que certos requisitos da etnografia não sejam- nem necessitem ser-
cumpridos pelos investigadores das questões educacionais. Requisitos
sugeridos por Wolcott (1988), como por exemplo uma longa permanência
do pesquisador em campo, o contato com outras culturas e o uso de
amplas categorias sociais na análise de dados (ANDRÉ, 2003, p.28).
46
André enfatiza que, um trabalho na área educacional, só pode ser
caracterizado como etnográfico “quando faz uso das técnicas que tradicionalmente
são associadas à Etnografia, ou seja, a observação participante, a entrevista intensiva
e a análise de documentos” (ANDRÉ, 2003, p. 28).
Nossa atuação como professores e formadores de professores nos identifica
como membros do grupo da instituição onde realizamos nossa pesquisa. O fato de
termos desenvolvido um projeto na escola anteriormente, foi decisivo para que nossa
interação fosse cada vez mais estreitada.
Não podemos deixar de assinalar que numa abordagem qualitativa, o
processo de análise é complexo, pois não temos regras fixas a serem seguidas. O que
nos orienta é a teoria de fundamentação com a qual trabalhamos e nossa própria
experiência como educadores. Segundo André (2008, p.40):
A importância do estudo do cotidiano escolar se coloca aí: no dia-a-dia da
escola é o momento de concretização de uma série de pressupostos
subjacentes à prática pedagógica, ao mesmo tempo que é o momento e o
lugar da experiência de socialização que envolve professores e alunos,
diretor e professores, diretor e alunos e assim por diante.
Procuramos em nossas observações, descrever as situações com muitos
detalhes da realidade estudada: ambiente da sala, diálogos, e o encaminhamento das
atividades propostas para que pudéssemos estruturar o nosso trabalho e reunir o
maior número de dados.
Em nosso trabalho, procuramos fazer uma análise das práticas efetivadas
nos encaminhamentos das professoras, com o foco nas atividades realizadas em salas
de aula com as crianças, tendo em vista os pressupostos da TAD, nosso referencial
norteador.
As práticas implementadas, por sua natureza dinâmica e singular nos
levaram a reflexões durante o processo e a questão que orienta nossa pesquisa foi se
no delimitando no desenvolver do trabalho. Por isso, optamos pelas técnicas da
Etnografia aplicada à Educação como suporte para a coleta de dados. Além dos
registros escritos (observações, encontros e entrevistas), fotografamos os materiais
utilizados pelas professoras no cotidiano da sala de aula.
47
3.3 A Etnografia na Educação Matemática
Os estudos do tipo etnográfico, de natureza qualitativa, que têm o cotidiano
escolar como objeto, também trouxeram contribuições a pesquisadores e
profissionais que trabalham com a educação matemática.
Estudiosos dessa área se apropriaram dos instrumentos propostos pela
Etnografia para desenvolverem suas pesquisas. O observamos nos trabalhos
desenvolvidos por Silva (2007), que analisou como os alunos do ensino médio fazem
matemática ao construírem o conceito de semelhança. Para isso, planejou uma
intervenção em que as atividades levavam em consideração o contexto sociocultural
dos alunos e os modelos matemáticos eram construídos a partir de situações
vivenciadas na comunidade.
Ele desenvolveu (numa turma de terceiro ano de uma escola em Belém,
onde ele lecionava), usando a abordagem etnográfica aplicada à educação, uma
pesquisa com intervenção e cujo objeto de estudo eram as atividades matemáticas
dos alunos na construção do conceito de semelhança entre figuras planas.
Silva ressaltou a contribuição do método para a interpretação dos problemas
do processo de ensino e aprendizagem, “pois o contato direto com os alunos de uma
escola pode possibilitar o reconhecimento dos discentes como portadores de uma
outra cultura tão importante como qualquer outra” (SILVA. 2007, p. 45).
Ainda sobre os conhecimentos matemáticos, Beltrame (2002) realizou uma
análise de livros didáticos de sexta e sétima séries, quanto às organizações didáticas e
matemáticas, com o objetivo de verificar como a álgebra está sendo abordada nos
anos finais do Ensino Fundamental.
Essa autora afirmou que a análise de documentos, proposta pela Etnografia,
é uma técnica valiosa de abordagem qualitativa, além de se constituir numa fonte
estável para a coleta de dados e possibilitar várias consultas, pode servir de base para
outros trabalhos.
3.4 A Etnografia e a TAD
Inúmeros fatores permeiam o cotidiano das escolas e influenciam na
constituição das práticas docentes nas instituições como, por exemplo, as situações
48
de sala de aula, as relações pessoais, comunidade, formação e percurso dos
profissionais, orientação dos documentos oficiais e produção de saberes das
professoras etc.
A Teoria Antropológica do Didático, de Chevallard (apud BOSCH, 2000),
situa a atividade matemática no conjunto das atividades humanas e sociais das
instituições. Os pressupostos da TAD, que pelo fato de permitir estudar as
possibilidades e as condições em que são realizadas as atividades matemáticas, têm
na Etnografia importantes instrumentos para a análise das práticas docentes.
Para descrever as praxeologias das professoras, e como implementam as
atividades, seria necessário estar em contato direto com elas, observando as aulas,
saber de suas memórias como alunas, entrevistá-las buscando conhecer suas
experiências e saberes construídos no percurso da profissão.
Devemos também levar em consideração que elas fazem parte de outras
instituições: família, comunidade etc., portanto cada uma tem sua história construída
por meio das diversas relações que estabelecem no âmbito cultural.
Nesse contexto, a Etnografia, por estar intrinsecamente ligada à cultura e as
práticas docentes à cultura escolar, entendemos ser pertinente aplicá-la em nossa
pesquisa por nos fornecer instrumentos de coleta de dados para analisar as
praxeologias docentes no contexto da sala de aula, identificando assim todos os
elementos que as compõem.
3.5 A Etnografia e as práticas docentes
A Etnografia surgiu com o intuito de estudar o homem em sua própria
cultura, ou seja, o pesquisador é quem se aproxima e se apropria desta cultura de seu
sujeito, uma verificação in loco de uma realidade em constante movimento da qual
ele fará parte. Na Etnografia, o conhecimento não se esgota, uma vez que é
impossível apreender toda uma realidade que está sempre em constante
transformação (ANDRÉ, 2003).
Esclarecemos que nossa opção difere da Etnografia tal qual ela é aplicada na
Antropologia, cujo interesse dos etnógrafos é a descrição de práticas, hábitos,
crenças, valores e linguagens de um grupo social para estudar a cultura e a sociedade.
49
Ressaltamos que usaremos a Etnografia adaptada à educação e que o nosso
objetivo é relacionado à cultura escolar, neste caso, às práticas e saberes docentes no
ensino das formas geométricas, nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental de
uma escola municipal de Campo Grande/MS.
Levando em consideração os aspectos socioculturais envolvidos,
entendemos que a Etnografia poderá nos indicar o percurso a ser desenvolvido para
desvelarmos nos fazeres docentes a cultura que os caracteriza, reconhecendo a
experiência pedagógica das professoras (saber-fazer), formação profissional e os
conhecimentos matemáticos (saberes).
3.6 Descrição dos procedimentos metodológicos
Descreveremos agora as etapas percorridas para o desenvolvimento de nossa
pesquisa, que tem como objeto as práticas docentes referentes ao ensino das formas
geométricas, nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, numa escola da
REME.
Após muitos encontros com o orientador, e baseados em nossa reflexão a
partir da prática como professores e formadores de professores, fizemos uma
previsão das fontes e os procedimentos que adotaríamos para a realização do nosso
trabalho. Assim, optamos primeiramente por uma análise documental, para depois
realizarmos a pesquisa de campo.
Fizemos um levantamento teórico de pesquisadores, que discutem o ensino
da geometria na Educação Básica no Brasil, leitura dos documentos oficiais: PCN/
Matemática, RCNEI/Conhecimento de Mundo/Matemática, especificamente o bloco
Espaço e Forma e também do PNLD - Matemática, para extrair os discursos
expressos nas resenhas que dizem respeito ao ensino das formas geométricas nos
livros didáticos.
Os documentos legais caracterizam-se como importantes fontes de
influência que orientam as práticas docentes no que se refere aos aspectos
metodológicos e proposta de conteúdos. Principalmente o RCNEI e os PCN que,
desde o lançamento, suscitaram muitas críticas, por vezes não consensuais, têm um
nível de importância muito grande porque, de certa forma, constituem o currículo
oficial do País.
50
Planejamos também ir a campo, onde, para a coleta de dados, foram
realizadas reuniões com as professoras, várias observações nas salas de aula e
posteriormente optamos por entrevistá-las sobre os seus procedimentos
metodológicos.
Nos encontros, registramos num caderno todos os dados fornecidos por elas,
inclusive os coletados em conversas informais sobre o trabalho realizado com as
crianças e também gravamos em fitas de áudio as entrevistas semi-estruturadas.
Do material coletado nas reuniões, que foram escritos por elas, procuramos
analisar na íntegra e não apenas parte deles, assim como o relato das memórias.
Justificamos nosso critério para a escolha dos dois primeiros anos do Ensino
Fundamental pela proximidade destes com o último nível da Educação Infantil,
nosso foco inicial de pesquisa.
3.7 Descrição da pesquisa de campo
A pesquisa de campo foi realizada no segundo semestre de 2008, numa
escola municipal da periferia de nossa cidade. Fizemos o primeiro contato com a
diretora no dia 20/10/08 para verificar a possibilidade de realizarmos nossa pesquisa
naquela instituição. Como a resposta foi positiva, marcamos para o dia 22/10/08 o
retorno para fazer o convite às professoras das turmas de primeiro e segundo anos do
Ensino Fundamental.
Na escola havia sete turmas de primeiro e três de segundo ano, com um total
de nove professoras, pois uma delas lecionava os dois períodos. No dia marcado,
como já conhecíamos algumas das possíveis participantes, e a diretora já havia
adiantado o assunto, fizemos uma rápida reunião na hora do recreio para detalhar
como pretendíamos realizar o nosso trabalho. Esclarecemos que a participação seria
voluntária e explicamos quais seriam nossos procedimentos metodológicos.
Quatro professoras do primeiro ano e duas do segundo aceitaram
prontamente ser nossas parceiras neste trabalho. Como tínhamos a intenção de
realizar com elas algumas atividades, a partir de livros didáticos, aproveitamos a
oportunidade para perguntar qual a coleção de matemática elas escolheram no
PNLD/2007 para o trabalho no ano letivo em curso.
51
No contexto desta dissertação, esclarecemos que trabalhamos com quatro
livros de quatro coleções do PNLD. Informamos que as coleções (C) e os livros
didáticos (L) serão representados pelo símbolo NC-NL, sendo que a letra N à frente
da letra C significa o número da coleção, e à frente da letra L, a série correspondente.
Da 1C, utilizamos os livros do primeiro e segundo anos, das 2C, 3C e 4C
somente o do primeiro ano.
Após contato com a diretora e o aceite das professoras, combinamos com
elas a data para o início dos trabalhos. O dia marcado, 27/10/08, era previsto em
calendário para o conselho de classe, combinamos que após esse evento nos
reuniríamos numa sala de aula da escola. Ficou acertado que a cada encontro
marcaríamos a próxima data, a que seria mais conveniente para o grupo.
Realizamos quatro encontros coletivos, observação de duas aulas de cada
turma e um encontro individual com as professoras para entrevista, que foi gravada
em fita em áudio.
3.8 Caracterização da escola
A instituição conta com oitocentos e sessenta alunos e atende da Educação
Infantil ao 9º ano do Ensino Fundamental. Funciona nos períodos matutino e
vespertino e situa-se na periferia da cidade, Jardim Botafogo.
É uma escola de porte médio, tem vinte e sete turmas, sendo duas de
Educação Infantil e vinte e cinco do Ensino Fundamental. A equipe técnica é
formada por uma diretora, uma diretoraadjunta, um secretário, um auxiliar de
secretaria, uma orientadora e duas supervisoras, uma delas atende da Educação
Infantil ao 4º ano e a outra, do 5º ao 9º ano do Ensino Fundamental. O corpo docente
da escola é formado por quarenta e sete professores, destes a maioria é do quadro
efetivo da REME e tem pós-graduação.
Tem quinze salas de aula, duas salas de informática, sala de professores,
sala de brinquedos, parque, quadra coberta, quadra de areia, sala de supervisão e
orientação. No pátio, onde as crianças fazem recreação, foram pintados jogos de
amarelinha e caracol. Tem uma cantina com produtos alimentícios à venda, mas
também é servido um lanche gratuito para as crianças que optarem pela merenda
escolar.
52
A escola possui como recursos pedagógicos: três aparelhos de televisão, um
aparelho de DVD, um data-show, quatro aparelhos de som e uma máquina
fotocopiadora. Na sala de brinquedos existem muitos jogos para uso coletivo e
também foi enviado recentemente pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED)
um “Kit” com jogos específicos para Educação Infantil e 1º e 2º anos do Ensino
Fundamental.
Segundo a diretora, a comunidade é muito participativa, os pais
comparecem às reuniões e colaboram com a instituição quando necessário.
3.9 As professoras
As seis professoras têm curso superior e apenas quatro possuem um curso
de pós-graduação lato sensu, como veremos a seguir:
Professora Venise: Cursou o Magistério de quatro anos, Pedagogia e Pós-
graduação em Matemática.
Professora Mariluce: Possui o Magistério de três anos, Pedagogia e Pós-
graduação em Métodos e Técnica de Ensino.
Professora Liana: Fez a EJA no Ensino Médio, é formada em Pedagogia
com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais, concluído em 2005.
Professora Ana Lucia: Cursou o Magistério de quatro anos numa
instituição pública e concluiu em 1996, Pedagogia em 2002 e Pós-Graduação em
Gestão Escolar concluída em 2009, na rede particular.
Professora Milce: Possui Magistério de 4 anos, que concluiu em 1979, e
fez Pedagogia numa Instituição Particular, concluída em 2004.
Professora Nair: Cursou Magistério de três anos e Pedagogia das Séries
Iniciais.
No ano letivo de 2009, durante os dias em que estivemos na escola, no
intervalo para o recreio das crianças ficávamos na sala dos professores. Em nossas
conversas, coletamos mais informações sobre a carreira profissional de cada uma
delas:
Professora Mariluce: tem trinta e nove anos, leciona há dezoito. Sempre
trabalhou nos dois períodos, às vezes em séries diferentes, mas neste ano fez a opção
de trabalhar somente no primeiro ano. Cursou a Educação Básica e a superior na
53
Rede Pública de Ensino e o curso de Pós-Graduação na Rede Particular. Contou-nos
que não se lembra do que aprendeu em geometria.
Professora Liana: tem trinta e oito anos, é professora do segundo ano,
leciona há quatro anos, mas há treze trabalha nessa escola, onde já atuou como
secretária e atendente de biblioteca. No outro período, atua na sala de informática.
Cursou da Educação Básica à Superior na Rede Pública de Ensino. Quanto à
geometria, contou que na faculdade foi mais teórico, disse que aprendeu muita
coisa sobre didática e jogos de construção. Falou que quando cursou as séries
iniciais era bem tradicional, era quadro e giz, não tinha diferencial.
Professora Ana Lucia: tem trinta e dois anos, leciona há treze na REME. É
professora do segundo ano. Lembra de geometria nas aulas de Educação Artística,
quando fazia o oitavo ano do Ensino Fundamental. Disse que sua professora era
muito brava, porém ela ficava admirada com o esquadro, régua e o transferidor que
eram enormes e feitos de madeira.
Professora Milce: tem cinquenta anos, leciona há dezoito, é professora do
primeiro ano e também atua numa turma de segundo ano no outro período.
Trabalhou seis anos numa instituição particular e nove em creches da rede pública,
com crianças de cinco a seis anos. Relatou-nos que algumas de suas crianças já
conhecem as formas geométricas planas. Quando perguntamos se ela trabalhava algo
mais em geometria, ela nos respondeu: “não, por falta do livro, a gente olha e vai
seguindo”.
3.10 Os encontros
Iniciamos o primeiro encontro fazendo uma roda de conversa com o grupo
de professoras participantes. Detalhamos os objetivos da pesquisa e como seria a
participação delas como parceiras no nosso trabalho.
Informamos a elas nossos procedimentos para a coleta de dados: entrevistas
coletivas e individuais, análise das atividades dos livros didáticos e observação nas
salas das práticas realizadas com as crianças sobre formas geométricas.
Uma das professoras perguntou se realizaríamos atividades com as crianças
e outra quis que eu explicasse melhor como seria essa observação em sala. Em
seguida, pedimos a elas que preenchessem uma ficha contendo os dados sobre a
54
formação de cada uma (anexo A), e informamos que a identificação não seria
revelada, porque usaríamos nomes fictícios no relatório de pesquisa.
O fato de termos participado anteriormente com algumas delas no
acompanhamento de um projeto de leitura promovido pela SEMED, facilitou a nossa
interação. Conversamos informalmente sobre as crianças, a nova faixa etária do
primeiro ano e notamos que elas estavam à vontade, havia um clima de descontração
entre nós.
Ainda nesse encontro, usamos uma dinâmica para levar as professoras a
relatarem as memórias das aulas de matemática quando elas eram estudantes. Para
isso, lemos uma parte da história: Alice no país dos números, de Carlos Frabetti,
que relata a vida de uma menina que dizia que a matemática não serve para nada,
mas após uma conversa informal com um matemático, por meio de perguntas, ele
mostra a Alice que a matemática está presente em nossa vida e que além de útil, pode
ser divertida.
Após comentarmos o trecho que foi lido, aproveitamos o contexto da
história e solicitamos a elas que relatassem suas memórias como alunas,
perguntando: quais lembranças vocês têm das aulas de matemática quando eram
alunas?
À medida que iam falando, anotávamos os fatos mais relevantes para o
nosso estudo. O registro dessas memórias e suas respectivas análises encontram-se
no próximo capítulo.
Nesse dia, marcamos o próximo encontro para a semana seguinte, dia
7/11/2008, quando era possível inverter o horário das aulas de Educação Física e
Artes para que todas as professoras participantes pudessem estar reunidas.
Para o segundo encontro, selecionamos três atividades de livros didáticos
diferentes: 1C-1L, 2C-1L e 3C-1L, para que elas pudessem analisar e fazer uma
proposta de um encaminhamento na sala de aula. O primeiro é o livro adotado pela
escola, os outros são livros de coleções que, numa conversa informal, elas nos
disseram que usavam como subsídios para a elaboração de atividades.
Elaboramos quatro perguntas para nortear a análise que elas fariam,
apresentamos as atividades escolhidas e pedimos para que se reunissem em duplas,
discutissem e registrassem suas respostas por escrito, para posteriormente serem
apresentadas para todo o grupo. Nossa intenção nesse momento era identificar, na
55
análise realizada por elas, quais as praxeologias implementadas a partir da proposta
de encaminhamento de uma atividade do livro didático.
Nessa participação, por meio da análise das atividades, elas explicitaram
suas praxeologias, seus conhecimentos e experiências, enfim, revelaram os saberes
desenvolvidos durante o percurso da profissão.
Para a terceira atividade planejamos duas questões a serem respondidas
pelas duplas: Para vocês, o que significa contextualização de conhecimentos? E
sistematização de conhecimentos? Esta atividade foi elaborada com o objetivo de
chamar a atenção das professoras para o termo contextualização, que implicitamente
aparecia nos registros feitos por elas e também para o termo sistematização,
considerado um critério importante nas resenhas do PNLD.
Em seguida, lemos vários trechos selecionados no PNLD que continham
esses termos e perguntamos se gostariam de mudar a resposta dada anteriormente.
Somente uma dupla se pronunciou a respeito do termo sistematização.
Após esse encontro, problemas de saúde nos levaram a interromper a
pesquisa e retornar à escola somente no início do ano letivo de 2009, quando
soubemos então pela diretora que o número de turmas do primeiro ano fora reduzido,
mas segundo ela, ainda poderíamos continuar o trabalho com as quatro professoras
que permaneceram sendo duas do primeiro e duas do segundo ano.
Esclarecemos às quatro professoras que o nosso próximo passo seria a
observação da aula de matemática. No decorrer desse encontro, fizemos para o grupo
de professoras a seguinte pergunta: quais conteúdos vocês trabalham em geometria
com as crianças? E obtivemos como respostas: formas planas, as tridimensionais (só
apresentar e nomear), vistas, semelhança, comparação com objetos.
Perguntamos ainda: com que tipo de atividades vocês desenvolvem esses
conteúdos? Então elas enumeraram: montar os sólidos (cubo, paralelepípedo, recorte
de revista (as figuras), comparação de embalagens.
Após as respostas, solicitamos a elas que planejassem uma atividade para
desenvolver com as crianças, sobre as formas geométricas, para que pudéssemos
observar o encaminhamento da aula. Proposta considerada por nós a que melhor se
aproxima do objeto de nossa pesquisa: os fazeres e saberes docentes referentes ao
ensino das formas geométricas.
56
Combinamos que as observações seriam realizadas de acordo com o horário
estabelecido pela escola para as aulas de matemática, que foram realizadas na
semana de 9 a 13/3/2009.
Do livro que a escola adotou, e de mais dois usados como subsídios para a
elaboração de atividades, elas selecionaram uma para cada turma. Somente a
professora Liana depois optou por realizar uma atividade preparada por ela, na sala
de informática. Nossa intenção era identificar no encaminhamento, nos recursos
utilizados quais organizações didáticas e matemáticas eram implementadas pelas
professoras.
Devido a problemas particulares, não conseguimos entrevistá-las em
seguida e agendamos as entrevistas somente para a semana de 13 a 17/4/09. Os
horários eram individuais, marcados para o dia reservado ao planejamento semanal.
Esclarecemos que levaríamos no máximo trinta minutos. Depois, na prática,
constatamos que nenhuma atingiu vinte minutos.
Para a entrevista, elaboramos perguntas específicas sobre a observação feita
em sala de aula para que respondessem de acordo com as atividades realizadas com
as crianças. Porém, durante a gravação, julgamos necessário acrescentar mais
perguntas de acordo com as resposta que elas davam.
Durante as entrevistas, elas relatavam como e porque planejaram a atividade
daquela maneira, justificavam a escolha dos recursos e também falavam sobre as
suas práticas para o ensino de matemática na turma em que lecionam. A transcrição
das entrevistas encontra-se no anexo B.
Finalizando este capítulo, queremos registrar o clima de cordialidade, a
camaradagem para conosco e entre as professoras, provavelmente pela proximidade
da faixa etária das crianças com que elas atuam. Numa conversa, elas contaram que
às vezes planejam algumas atividades para realizarem no pátio com as turmas de
primeiro e segundo anos reunidas.
Enfatizamos também a forma solícita com que nos recebiam a cada
encontro, a disponibilidade para a reorganização de horários junto com a supervisora
para que pudéssemos nos reunir. Esclarecemos que a referida reorganização foi
esporádica e em nenhum momento prejudicou a carga horária prevista para o
trabalho com as crianças dessa etapa de ensino.
Nos meses de abril a agosto de 2009, nos dedicamos a organizar os
materiais que foram coletados, que serão descritos e analisados no próximo capítulo.
CAPÍTULO IV
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS PRÁTICAS DOCENTES
Tanto o conhecimento como a atividade matemática, são
construções sociais que se realizam em instituições - em
comunidades, seguindo determinados contratos institucionais.
Estudar as condições de produção e difusão do conhecimento
matemático requer, pois que sejamos capazes de descrever e
analisar determinados tipos de atividades humanas que se
realizam em condições particulares (BOSCH, 2000, p. 15).
Neste capítulo, descreveremos as análises das atividades desenvolvidas com
as professoras durante a realização da pesquisa e também das praxeologias
implementadas por elas no trabalho com o tema de estudo formas geométricas.
Para isso, este capítulo está organizado em três partes: na primeira,
apresentamos as análises do discurso das professoras ao relatarem suas memórias
como alunas. Na segunda, tratamos das observações feitas por elas sobre as
atividades propostas pelos livros didáticos relativos ao tema. Na terceira, focamos
especificamente as praxeologias das professoras participantes por meio das
observações em sala de aula.
4.1 Memórias das professoras como alunas
Lembrar-se do passado no presente possibilita-nos o prazer de
contribuir para a construção do futuro. Ações de ontem
influenciam o hoje e o amanhã, assim como as ações de hoje
podem mudar os rumos do amanhã (LIMA; LEITE, 2008, p.
216).
No desenvolvimento de nossa pesquisa, buscando elementos que pudessem
contribuir para a análise das práticas docentes relativas ao nosso objeto, iniciamos
com uma conversa com o grupo de professoras sobre as lembranças do tempo em
que eram alunas de matemática. Nessa atividade, o objetivo era identificar, nos
relatos das professoras, elementos das experiências vivenciadas quando elas eram
estudantes, que evidenciam as práticas que eram usadas por seus professores, e
relacionar esses elementos aos da atualidade, sobre o ensino da matemática, e quais
as concepções de ensino permeavam o fazer pedagógico na época.
58
Em nosso primeiro encontro, conversamos com o grupo de professoras
sobre a pesquisa e como seria a participação delas como parceiras no nosso trabalho.
Pelos diálogos e motivação aparentes, elas demonstraram se sentir à vontade para
falar conosco. Contaram sobre o trabalho em sala, o que estavam trabalhando com as
crianças e ficou evidente que havia uma boa interação entre elas.
Objetivando fomentar as lembranças das professoras da época em que eram
estudantes e para que fossem explicitadas as relações vivenciadas por elas com o
ensino e aprendizagem da matemática, escolhemos para este encontro o livro Alice
no país dos números, de Carlos Frabetti.
Lemos uma parte da história que relata a vida de uma menina, Alice, que
dizia que a matemática não serve para nada, mas após uma conversa informal com
um matemático, por meio de perguntas, ele mostra a ela que a matemática está
presente em nossa vida e que além de útil, pode ser divertida.
Após comentarmos o trecho que foi lido, aproveitamos o contexto da
história e solicitamos a elas que relatassem suas memórias como alunas,
perguntando: quais lembranças vocês têm das aulas de matemática quando eram
alunas?
À medida que iam falando, anotávamos os fatos e passagens relevantes para
o nosso estudo.
Das experiências compartilhadas por elas, destacamos as respostas mais
significativas que nos trouxeram alguns elementos para análise.
Não tenho coisa boa para lembrar das aulas de matemática. Na segunda
série, hoje terceiro ano do Ensino Fundamental, eu tinha dificuldades com
a divisão. Era uma escola católica muito rígida, com exercícios
cansativos, mudei de escola por causa da matemática e da professora. Era
horrível (Professora Ana Lucia).
Notamos, nessa fala, marcas de autoritarismo. Nesse contexto, supomos que
as atividades eram pensadas para treinar ou exercitar conteúdos explicados
anteriormente com atividades do tipo “siga o modelo”. Pareceu-nos que o trabalho
com a matemática estava intimamente ligado à mecanização. Primeiro, ensinava-se a
técnica, o que era reforçado por inúmeros exercícios de fixação. Depois, esses
mesmos conteúdos eram solicitados por meio de atividades avaliativas em que os
alunos eram levados a repetir a técnica para exercitar o algoritmo aprendido.
59
Chevallard, Bosch e Gascón (2001) ressaltam que essa prática reduz a
função social da matemática e quando encaramos que a presença da matemática na
sociedade é somente aquela advinda da escola, acontece o fenômeno que ele
denominou de “didatite”. Sobre este fato ele enfatiza:
Esse reducionismo leva a considerar que a matemática é feita para ser
ensinada e aprendida, que o “ensino formal” é imprescindível em toda a
aprendizagem matemática e que a única razão pela qual se aprende
matemática é porque ela é ensinada na escola. Reduz-se assim, o “valor
social” da matemática (o interesse social de que todos tenhamos uma
cultura matemática básica) a um mero “valor escolar”, transformando o
ensino escolar da matemática em um fim em si mesmo (CHEVALLARD;
BOSCH; GASCÓN, 2001, p. 45-46).
Nesta perspectiva, a existência da matemática não se justifica somente
porque ela é aprendida ou ensinada pelas pessoas nas instituições de ensino. O
conhecimento matemático serve para resolver certas questões presentes na sociedade.
Existem atividades que requerem esse conhecimento e não estão ligadas com o
aprender e ensinar matemática. Em seguida, outra professora deu uma declaração
similar:
Meu pai me ajudava a fazer as tarefas de matemática, pois em sala de aula
a professora sempre dizia que a minha resposta estava errada. Eu achava a
matemática difícil, não entendia o porquê das coisas, não conseguia
estabelecer relações (Professora Venise).
Com base nas memórias da professora Venise, inferimos que a tarefa
realizada por ela sempre precisava do aval da professora para que fosse considerada
correta. Com essa atitude, notamos que não era considerado o que a aluna sabia,
porque era sempre a professora a dizer se estava certo ou não. Isto pode se
transformar num problema para a aprendizagem, pois uma criança que não adquire
confiança em sua capacidade de aprender demora a avançar no processo de
estabelecimento de vínculo, tanto com os conhecimentos quanto com o educador.
Pela fala acima, conjeturamos que os conhecimentos eram transmitidos
totalmente desvinculados de sentido. Não era considerada a matemática que acontece
além dos muros da escola, nem tampouco as crianças tinham a oportunidade de
problematizar algumas questões ou estabelecer relações com outras áreas de
conhecimento. Muitas vezes, os conteúdos matemáticos eram apresentados de uma
forma tão descontextualizada que era impossível para elas fazerem generalizações ou
usar esses conteúdos como instrumentos em novas aprendizagens.
60
O fato de as crianças somente encontrarem sentido na atividade matemática
dentro da escola, porque essa lhes é apresentada como uma atividade exclusivamente
escolar, é um dos fatores que implicam no aparecimento do fenômeno denominado
por Chevallard (2001), de “irresponsabilidade matemática” dos alunos. Assim como
a atribuir aos professores, de maneira exclusiva, a responsabilidade de validar as
respostas dadas pelas crianças em sala de aula.
Nos RCNEI, a importância da contextualização no trabalho referente ao
espaço e forma é evidenciada quando se recomenda: “o trabalho deve colocar
desafios que dizem respeito às relações habituais das crianças com o espaço como
construir, deslocar-se, desenhar etc. e à comunicação dessas ações” (BRASIL, 1998,
p. 229).
A professora seguinte acrescentou a questão das punições e o auxílio do
contexto familiar, também citado pela professora anterior.
Sempre gostei de matemática, eu sou da época do castigo para quem não
acertava as respostas. Eu gostava das aulas de matemática. Minha mãe me
ensinava, ela sabia, era rápida, fazia cálculo mental rapidamente
(Professora Mariluce).
Embora não sendo professora, a mãe lhe ensinava. De acordo com a
abordagem antropológica, a educação não é limitada à relação entre o ensino e a
aprendizagem que acontece somente na escola, mas é considerada de uma forma
mais ampla, como um processo de estudo, em que a atuação dos alunos tem
relevância. Neste processo, o professor é o coordenador dos estudos, o aluno é aquele
que estuda e os pais ou outras pessoas podem ajudá-lo a estudar, desempenhando,
assim, o papel de um professor de matemática numa determinada situação.
Entretanto, é necessário que haja um elo entre estas instâncias, família e
escola, para que a comunicação e o diálogo entre escola e comunidade sejam
fortalecidos. Os pais podem, momentaneamente, assumir o papel de professores de
matemática, no auxílio de uma tarefa, desde que tenham instrução suficiente para
auxiliar a criança, mesmo que seja uma instrução informal. Aí reside o valor social
da matemática que não se aprende somente na escola. Podemos aprender com nossos
pais, amigos ou, ao contrário, poderemos desempenhar o papel de professor para
outra pessoa.
Numa instituição de ensino, o professor é o responsável por organizar as
situações de forma que o educando avance na construção dos saberes. Entretanto, a
61
relação professor-aluno deve ser mediada pela confiança e respeito mútuos. A
atuação do educador não pode se resumir à simples transmissão de conhecimentos
em que os alunos devem reproduzir as técnicas oficiais, ele deve ser capaz de formar
vínculos, integrar e reunir as crianças da turma com a qual trabalha.
A professora Liana viveu uma experiência na qual o professor tinha uma
postura inflexível, como demonstrou na declaração a seguir.
Eu me lembro do 4º ano do magistério que tinha um professor que nas
aulas mostrava várias maneiras de fazer contas, mas na hora da prova ele
queria que resolvesse somente de uma maneira: a que ele julgava a
melhor. Eu tentei vestibular para matemática, queria ser uma professora
diferente dele (Professora Liana).
Para Chevallard, Bosch e Gascón (2001), o estudo é considerado o objetivo
principal do processo didático, mas o professor não é o único responsável pelo
ensino, aquele a quem cabe validar todas as resoluções de tarefas propostas, nem os
alunos somente sujeitos do processo de aprendizagem: o papel de cada um deles é
definido de maneira menos rígida.
Nesta perspectiva, o ensino deixa de ser o objetivo último e começa a ter
um papel de instrumento de apoio para o estudo, o que produz uma
mudança fundamental na visão dos papéis de professor e de aluno. É
produzida uma importante mudança no equilíbrio das responsabilidades
atribuídas tradicionalmente tanto para o professor como para os alunos
(CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 2001, p. 201).
A relação didática, proposta pelos referidos autores, é caracterizada como
“aberta”, pois o professor não tem como prever todas as dificuldades e reações que
os seus alunos poderão apresentar durante o processo de estudo e estes também
percorrerão caminhos nunca antes trilhados, nem poderão compreender os objetivos
que o professor estabelece para escolher um ou outro tipo de atividade a ser realizada
nas aulas.
O autor destaca, ainda, que o fato de o trabalho matemático apresentado
pelos alunos não ser considerado verdadeiro acaba por fechar a relação didática,
voltando todo o enfoque das aulas para o professor, causando uma dependência
deste, o que impede os alunos de usarem estratégias pessoais, criar novos recursos e
hipóteses para a resolução de um problema.
Destacamos como essa postura do educador pode ser maléfica para a
aprendizagem, pois sabemos que a educação matemática tem uma função social.
62
Além de disciplina escolar, ela também é parte do nosso cotidiano, um elemento
decisivo para a compreensão do mundo em que vivemos e um exercício da
cidadania. Por exemplo: compreender uma tabela com os resultados de uma pesquisa
sobre a qualidade do leite vendido em um supermercado, assim como perceber a
diferença de valores na compra de produtos com embalagens similares e medidas
diferentes, ou mesmo fazer uma comparação para compras a prazo e a vista.
Na declaração que segue, notamos a presença dos chamados materiais
didáticos para o trabalho com a matemática na época em que elas estudavam.
Sempre gostei de matemática. Era ligada à vida real, mais palpável que
Português. Eu tinha uma professora que era uma senhora. Ela trazia para a
sala uma caixa com vários materiais coloridos e fazia a relação número e
quantidade com a gente (Professora Milce).
Notamos certo entusiasmo da professora ao relatar o fato. A manipulação
desses materiais é usada até hoje como uma das maneiras para as crianças operarem
com as quantidades: separar, reunir, agrupar, relacionar, comparar etc. O uso desses
objetos deve ser amparado por objetivos claros, pois assim como os jogos, eles não
têm a função de autoinstrução. A simples manipulação deles não é garantia de
aquisição de conhecimentos.
O professor não pode subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo de
material porque ele é atraente ou lúdico. Nenhum material é válido por si
só. Os materiais e seu emprego sempre devem estar em segundo plano. A
simples introdução de jogos ou atividades no ensino da matemática não
garante uma melhor aprendizagem dessa disciplina (FIORENTINI;
MIORIM, 1990, p. 4).
A importância do uso desses recursos é presença constante nos discurso dos
professores das séries iniciais da Educação Básica, porém é preciso nos atentarmos
para que esse discurso não resulte em práticas esvaziadas de sentido. Fiorentini e
Miorim (1990, p. 2) nos chamam a atenção para um aspecto considerado deficiente
O professor nem sempre tem clareza das razões fundamentais pelas quais
os materiais ou jogos são importantes para o ensino-aprendizagem da
matemática e, normalmente, não questiona se estes realmente são
necessários, e em que momentos devem ser usados.
Nacarato (2005, p. 4) também discute a presença dos materiais manipuláveis
no ensino da matemática e percebe essa problemática do ponto de vista da prática
pedagógica e da aprendizagem.
63
Muitas dessas potencialidades do material são desconhecidas dos
professores que as reduzem apenas ao trabalho com numeração na
Educação Infantil e 1º ano do Ensino Fundamental. Um uso inadequado
ou pouco exploratório de qualquer material manipulável pouco ou nada
contribuirá para a aprendizagem matemática. O problema não está na
utilização desses materiais, mas na maneira como utilizá-los.
Dessa forma, cabe ao professor uma reflexão sobre o uso de materiais ou
jogos em sua prática pedagógica. Porque, mais do que fazer uma opção por
determinados materiais, é fundamental ter a clareza dos limites e possibilidades que
estes oferecem. O conhecimento matemático não está nos objetos e sim nas relações
que possam ser estabelecidas a partir da manipulação deles.
No caso da geometria, por exemplo, Pais (2006, p. 94) aponta que “os
objetos associados aos conceitos geométricos formam um importante componente da
fase inicial da aprendizagem porque pertencem ao mundo material, onde o aluno
vivencia um estágio mental no qual não predominam as abstrações”.
Como as abstrações resultam da articulação dos ostensivos, nos quais
incluímos os materiais de apoio, a utilização destes nas aulas de matemática é uma
das formas para expandir o conhecimento, o que possibilita diferentes atividades,
mas é imprescindível a atuação do professor.
Neste sentido, o referido autor destaca:
Manipulando um objeto cúbico, o aluno pode constatar o número de
faces, vértices, arestas, o paralelismo entre as faces, número de arestas
que se encontram em um vértice e assim por diante, todavia é uma
atividade que prevê a interatividade direta com uma orientação
pedagógica, sob pena de reduzir o ensino de geometria ao plano dos
saberes do cotidiano (PAIS, 2006, p. 95).
Enfatizamos então a função do professor como o responsável pela
aprendizagem de seus alunos, planejando as situações de modo a oferecer meios para
a aquisição de conhecimentos que pretende ensinar.
Destacamos na próxima fala a tendência de se considerar conservação,
classificação e seriação como conteúdos matemáticos das séries iniciais da Educação
Básica.
Lembro do Magistério. Nessa época comecei a estudar conservação de
massa e de líquido. Antes, era só continha de ‘vezes’ e de dividir. Hoje eu
gosto de matemática, mas quando estudava achava que não, tirava nota
baixa sempre (Professora Nair).
64
Essa visão, sobretudo a partir de 1980, disseminou-se tanto nos cursos de
formação de professores, quanto nas salas de aula. Segundo o RCNEI:
Algumas interpretações das pesquisas psicogenéticas concluíram que o
ensino da matemática seria beneficiado por um trabalho que incidisse no
desenvolvimento de estruturas do pensamento lógico-matemático. Assim,
consideram-se experiências-chave para o processo de desenvolvimento do
raciocínio lógico e para a aquisição da noção de número as ações de
classificar, ordenar/seriar e comparar objetos em função de diferentes
critérios (BRASIL, 1998, p. 210).
Por isso, muitos educadores, considerando essas noções como pré-requisito
para a construção do conceito de número, conforme o RCNEI, transformaram as
provas piagetianas em conteúdos de ensino de matemática.
Kamii (1989, p. 8) revela que essa prática se deve ao uso indevido das
pesquisas psicogenéticas na educação. Segundo essa autora, “esse tipo de ensino é
uma aplicação errônea das pesquisas de Piaget”.
Os estudos de Deheizelin e Lima (1991, p. 63), revelaram que a teoria
piagetiana pode fazer uma diferença no modo como o professor conduz o trabalho
em sala de aula, mas alertam
Relações lógico-matemáticas como a classificação e seriação são
realizadas por todas as pessoas em todas as situações que envolvem o
pensamento e não apenas naquelas diretamente relacionadas à
matemática. Estas relações realizam-se inteiramente no desenvolvimento
da forma de pensar de cada pessoa, neste sentido, não são conteúdos nem
podem ser ensinadas na escola por intermédio de atividades específicas.
Esta prática privava as crianças do trabalho com conteúdos matemáticos
importantes como, por exemplo, números, operações, gráficos, medidas, espaço e
forma, que atualmente fazem parte dos quatro blocos de conteúdos previstos no
RCNEI e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001): números e
operações, espaço e forma, grandezas e medidas e tratamento da informação.
O bloco tratamento da informação não faz parte do RCNEI, porém as
pesquisas de Smole (1996), Lopes e Moura (2003) já constataram a possibilidade de
realização, desde a Educação Infantil, de atividades como: coletar, organizar e
descrever dados.
De acordo com o RCNEI, o trabalho com as noções matemáticas ao longo
do tempo tem seguido orientações diversas e ainda predominam em nossas salas de
aula ideias e práticas correntes às vezes contraditórias. São elas: repetição,
65
memorização e associação, do concreto ao abstrato, atividades pré-numéricas, jogos
e resolução de problemas (BRASIL, 1998, p. 209). Estas orientações estão descritas
a seguir.
Memorizar algarismos isolados, escrever repetidamente os algarismos,
passar o lápis em numerais pontilhados e associar algarismos a desenhos são práticas
ainda muito utilizadas. Acredita-se que, desse modo, a criança construirá o conceito
de número. Essa concepção é questionada pelos estudos sobre o desenvolvimento
infantil e pesquisas realizadas no campo da educação matemática nos anos iniciais do
Ensino Fundamental, como os já citados neste capítulo.
Já o item do concreto ao abstrato indica que, a partir da manipulação de
objetos concretos, a criança desenvolverá o raciocínio abstrato. O papel do professor
seria o de organizar as atividades matemáticas e os materiais cumpririam um papel
de autoinstrução. Nessa perspectiva, o concreto e o abstrato se caracterizam como
duas realidades dissociadas. Dissociação que não existe do ponto de vista do sujeito
que não separa, na prática, a ação intelectual da física.
As atividades pré-numéricas referem-se a experiências da pesquisa
psicogenética. Sabemos que relações lógico-matemáticas como seriação,
conservação e classificação ainda são consideradas, por alguns, conteúdos
matemáticos. Como se a lógica fosse ligada somente a uma área do conhecimento.
Segundo os estudos de Deheizelin e Lima (1991, p. 63), essas noções sustentam os
conteúdos matemáticos e “realizam-se inteiramente no desenvolvimento da forma de
pensar de cada um e, assim como o conceito de número, não podem ser ensinadas na
escola por meio de atividades específicas”.
Os jogos que envolvem as noções matemáticas requerem a participação
ativa da criança. A natureza lúdica inerente aos jogos tem servido de argumentos
para fortalecer a concepção de que a criança aprende brincando. Ressalta-se que o
jogo não diz respeito, necessariamente, à aprendizagem matemática. Ele pode tornar-
se uma estratégia didática quando as situações são planejadas e orientadas pelo
adulto visando proporcionar à criança algum tipo de conhecimento.
O jogo também pode ser usado como um instrumento para a resolução de
problemas, desde que tenha objetivos claros a serem atingidos no seu
desenvolvimento. Uma perspectiva de ensino em que as crianças pensem em
diferentes questões e que não perca o caráter lúdico e instigante.
66
A prática que tem como princípio a resolução de problemas possibilita
produzir novos conhecimentos a partir dos que já se tem em interação com novos
desafios. As situações-problema devem ser pensadas a fim de promoverem a
ampliação de repertório e se mostrarem como uma necessidade de busca de novas
informações. Em atividades como esta, as crianças terão a oportunidade de interpretar
dados, decidir caminhos para a resolução, executar e verificar se a estratégia é
adequada para aquela situação e comparar sua solução com a dos colegas.
Para o RCNEI é importante enfatizar o papel do professor nesse processo,
selecionando os problemas que serão trabalhados e também como um elemento
desafiador que confronta hipóteses e propõe discussões que promovam a
aprendizagem de uma série de habilidades, extremamente importantes para o
desenvolvimento do pensar matemático. É necessário atentar para que esse trabalho
não seja encarado como uma reprodução mecanizada de técnicas. Para isso, o
professor deve diversificar as atividades e se preparar, pois podem surgir estratégias
que nem mesmo ele havia pensado.
Algumas práticas citadas no RCNEI foram evidenciadas nos discursos das
professoras. Os elementos significativos na trajetória delas como alunas revelaram
que o ensino de matemática para quatro delas foi marcado negativamente, pois
afirmaram não gostar de matemática. Pelas declarações, o trabalho com essa área
estava associado à inflexibilidade do educador, rigidez, dificuldade, aversão e
castigos. Apenas duas disseram que gostavam de matemática e apontaram como
positivo o uso de materiais coloridos e o auxílio da família.
Constatamos que a maioria dos fatores mencionados está associada
essencialmente às práticas docentes e não a um determinado campo de conhecimento
matemático. O que nos leva a crer que, além de propostas para o ensino da
matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, presentes nos documentos
oficiais é necessário aos profissionais participarem de estudos ou projetos em que
possam socializar suas experiências e participar de discussões sobre a prática
pedagógica.
67
4.2 Análise das atividades dos livros didáticos pelas professoras
Como em nossa pesquisa iremos analisar as práticas docentes, por meio da
abordagem antropológica proposta por Chevallard, que situa a atividade matemática
no conjunto das atividades humanas e sociais, nosso foco no segundo encontro foram
as atividades dos livros didáticos e os procedimentos metodológicos implementados
pelas professoras participantes no encaminhamento dessas tarefas.
O livro didático é uma importante fonte de informação para nossa pesquisa,
pois se constitui num dos principais portadores das atividades realizadas pelas
professoras no contexto da sala de aula.
Supomos que o modo de encaminhar e implementar uma atividade revela os
saberes ligados à prática pedagógica e pode nos fornecer subsídios para analisar as
praxeologias implementadas pelas professoras participantes, na coordenação do
estudo das formas geométricas.
Além dos livros didáticos adotados pela escola, para crianças do primeiro e
segundo ano que pertencem à coleção 1C, nesta atividade trabalhamos com mais dois
títulos. Pois, como os exemplares do primeiro ano ainda não haviam sido entregues à
escola, as professoras usavam também as atividades das coleções 2C e 3C como
subsídio para o trabalho com as crianças, o que justifica nossa escolha. Esses livros
estão identificados no anexo C.
O livro destinado ao segundo ano foi adquirido pelo PNLD/2007, todavia com
a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos, fomos informados que a
Secretaria Municipal de Educação (SEMED) adquiriu os livros, pertencentes à mesma
coleção usada no segundo ano, para serem usados pelas crianças do primeiro ano.
Ressaltamos que os livros selecionados fazem parte de coleções aprovadas
pelo PNLD. Foram escolhidas três atividades, uma de cada livro de coleções
distintas. Nossa intenção, nesse momento, era identificar na análise realizada por elas
como seus saberes influenciam o encaminhamento da atividade do livro didático.
Para a realização de nossa proposta, as seis professoras foram divididas em
três duplas e trabalharam com atividades de livros diferentes. Esclarecemos que não
interferimos na formação das duplas do primeiro ano, mas pedimos que as duas
professoras do segundo ano estivessem juntas.
68
Elas foram assim agrupadas: Mariluce e Venise, dupla n.1, Ana Lucia e
Liana, dupla n.2, Milce e Nair dupla n.3, que denominaremos mais adiante pelas
siglas D-1, D- 2 e D-3. As duplas trabalharam com os livros da 1C, 2C e 3C,
respectivamente.
Apresentamos as atividades escolhidas no livro da 1ª série (usado pelas
crianças do 2º ano - PNLD/2007) e do 1º ano do Ensino Fundamental de nove anos e,
para nortear o trabalho, entregamos as perguntas para elas responderem. As respostas
dadas pelas duplas, e que seriam posteriormente apresentadas ao grupo, são estas: 1)
Na atividade proposta a consigna é clara? 2) As imagens são adequadas? 3) Quais as
ações necessárias para que as crianças realizem esta atividade? 4) Quais ações o
professor precisa para encaminhar a atividade?
Figura 2 - Atividade cubo.
Fonte: Padovan, Guerra e Milan (2006, p. 80).
69
Figura 3 - Atividade pasta de dente.
Fonte: Cora, Gastaldi e Tonello (2006, p. 88).
Figura 4 - Caixa de fósforos
70
Fonte: Imenes, Lellis e Milani (2005, p. 186-187).
Em relação à primeira pergunta, foi unânime a resposta de que a consigna
estava clara, de fácil entendimento. No que diz respeito às imagens apenas a D-1
considerou que estavam adequadas. Na atividade da figura 3, a D-2 fez uma crítica à
imagem da planificação que poderia causar dificuldade para as crianças, pois não é
proporcional à caixa montada, embora na apresentação todas concordassem que isso
não interferiria na realização da atividade, uma vez que a solicitação era para que
fosse usada uma caixa trazida de casa. Já no caso da atividade da figura 4, a D-3
observou que a cor de uma das faces do cubo poderia confundir as crianças quando
fizessem a atividade proposta.
De acordo com os pressupostos da TAD, no que diz respeito à utilização dos
instrumentos ostensivos e representação, não existe uma diferenciação de valor entre
os tipos de registro: é tão importante o cuidado ao se usar uma figura com as formas
geométricas quanto à elaboração de um enunciado.
Pais (2006 p. 54) ressalta a importância da utilização de outros instrumentos
de comunicação, em se tratando de livro didático, que devem ser explorados de
forma equilibrada, em sintonia com os conteúdos a serem abordados. Porém, observa
que “a clareza da linguagem assume uma importância especial quando se trata de
fornecer informações para o aluno realizar uma atividade ou de solicitar a resolução
de um problema”.
Nesse sentido, no que se refere ao saber escolar, esse autor destaca ainda
que a utilização das diferentes linguagens e necessária e deve ser adequada e
compatível com o nível educacional a que se destina, assim como o equilíbrio entre a
71
linguagem do cotidiano e as diferentes formas de apresentação da linguagem
científica.
Ao perguntarmos sobre as ações necessárias para que as crianças
realizassem essa atividade, observamos nas respostas certa ênfase no uso de
materiais, como podemos observar nos excertos a seguir:
Conversa sobre a figura na forma plana, manipulação dos objetos trazidos
de casa, contagem das faces e construção do cubo (D-1).
Conhecer as formas manipulando objetos como caixas diversas blocos
lógicos etc (D-2).
Montar o cubo e mudar de posição de acordo com os enunciados (D-3).
O mesmo ocorreu nas respostas à quarta pergunta: quais ações o professor
precisa para encaminhar a atividade?
Apresentação de objetos com formatos que lembrem o cubo; comparação
do cubo com objetos da sala e de casa; demonstração da importância dos
seis lados serem iguais, montagem do cubo por meio de figuras planas
(D-1).
Trabalhar com o concreto, mostrar, manipular os objetos e as caixas.
Selecionar caixas para mostrar diferentes formas (D-2).
Mostrar com um cubo já montado o que se pede na atividade (D-3).
A manipulação de objetos, pelas crianças, aparece em todas as respostas das
professoras como se fosse algo imprescindível à realização da atividade. Esta
expectativa leva os docentes, muitas vezes, a acreditarem que o uso de materiais
pelas crianças pode levá-las a descobrir propriedades e, assim, possibilitar a
abstração.
Não podemos atribuir uma função milagrosa a esses objetos, como se as
informações fossem colhidas apenas pela percepção. A atividade manual deve ser
considerada como uma primeira aproximação das ideias componentes de um
conceito.
No caso da geometria espacial, na utilização de objetos, a
tridimensionalidade, por exemplo, facilita a percepção de certas propriedades
diferentemente da leitura de desenhos, que requer um tipo inicial de abstração.
Entretanto, é imprescindível uma orientação pedagógica em que o professor, por
meio de situações contextualizadas e intencionais, possa potencializar a elaboração e
sistematização dos conhecimentos geométricos (PAIS, 2006).
72
Numa visão antropológica, a realização de uma tarefa matemática envolve
necessariamente os objetos não-ostensivos (ideias, conceitos) e os ostensivos
(materiais). Mas não existe uma preponderância de um sobre o outro e sim uma
dialética. Estes objetos não têm papel de autoinstrução, não se pode relevar a
segundo plano a atuação do professor como um coordenador dessa atividade,
evitando o que Almouloud (2007, p. 120) considerou:
Muitas vezes o professor adota uma estratégia de ensino na qual ele se
limita a mostrar aos alunos um objeto ostensivo, acreditando que estes
alunos têm condições de perceber espontaneamente uma relação entre
esse ostensivo e o objeto não-ostensivo (noções, conceitos, propriedades,
etc.) associado.
Diante da diversidade de concepções a respeito do uso de materiais
concretos no ensino da matemática, Fiorentini e Miorim 1990, afirmam que:
O professor não pode subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo de
material porque ele é atraente ou lúdico. Nenhum material é válido por si
só. Os materiais e seu emprego sempre devem estar em segundo plano. A
simples introdução de jogos ou atividades no ensino da matemática não
garante uma melhor aprendizagem dessa disciplina.
Em consonância com a ideia acima defendida, Pais (2006) enfatizou que a
presença de objetos materiais é necessária para a aquisição dos conhecimentos
geométricos, porém não é suficiente. O estudo de geometria deve ir além da
visualização e manipulação. O “concreto” não pode ser somente sinônimo de
materialidade, de algo sensorialmente perceptível. Concretas também são as relações
que as crianças podem estabelecer a partir das situações planejadas. Sendo a
matemática uma elaboração social antes de ser um saber escolar.
Sobre isso, Chevallard, Bosch e Gascón (2001) constataram que o livro
didático geralmente tem um papel de dispositivo pedagógico para a criança, porque
sua função é independente da matéria estudada. Ressalta ainda que a instituição
escolar às vezes ignora a natureza didática do problema do ensino da matemática
escolar, apelando para fatores psicopedagógicos ou para o uso de dispositivos que se
presume serem facilitadores da aprendizagem, sem de fato se preocupar com o
processo didático e destaca que:
A análise da estrutura do processo de estudo evidencia a necessidade de
criar novos dispositivos didáticos capazes de articular o trânsito entre os
diferentes momentos desse processo. Mas o desconhecimento do processo
de estudo e a tendência de interpretar em termos psicopedagógicos todas
73
as dificuldades que implicam a aprendizagem da matemática impedem
que as instituições escolares reconheçam essa necessidade (CHEVALLARD;
BOSCH; GASCÓN, 2001, p. 285).
Esse autor constatou que, além da falta de dispositivos didáticos, é crescente
a proliferação de dispositivos pedagógicos nas práticas docentes da atualidade, como,
por exemplo, os meios audiovisuais.
O que pudemos perceber é uma crença muito grande por parte das
professoras no poder dos objetos ostensivos, além dos evidenciados no livro didático,
as professoras, em suas respostas, evidenciam a importância atribuída à diversidade
dos objetos ostensivos necessários para a realização de um tipo de tarefa apresentada
no livro didático. Parece que somente os ostensivos presentes na proposta do livro (a
ilustração e o enunciado) são insuficientes para a compreensão e realização da
atividade.
Isto nos mostra três posturas: não consideram a consigna clara, o que seria
contraditório à resposta da primeira pergunta; demonstração de que o livro didático
não é o único recurso utilizado por elas para a implementação das aulas, o que revela
certa autonomia na prática pedagógica ou, conforme Pais (2006), é colocada uma
expectativa exagerada no suporte de materialidade.
4.3 Análise das praxeologias das professoras
Para a análise das praxeologias didáticas e matemáticas implementadas
pelas professoras participantes, no contexto da sala de aula, observamos o
desenvolvimento de duas aulas de matemática em cada uma das turmas, no
desenvolvimento dos temas Formas geométricas. O protocolo das observações
realizadas nas salas de aula encontra-se no anexo D.
Nossa abordagem para análise será numa perspectiva antropológica, com
base nos estudos de Chevallard (1999), em que as praxeologias são de dois tipos: as
organizações matemáticas que se referem aos saberes matemáticos desenvolvidos em
determinada instituição e as organizações didáticas que se referem às práticas de
ensino desses saberes, à forma como eles são institucionalizados.
Nas praxeologias observadas, encontramos trinta e duas tarefas que estão
reunidas e numeradas no anexo E. Entre elas identificamos quatro tipos, que
74
denominamos: Associar objetos (T
1
),
Identificar as figuras (T
2
)
,
Contornos e formas
(T
3
) e Relacionar figuras entre si (T
4
).
Esclarecemos ainda que a caracterização dos tipos de tarefas, e das tarefas
realizadas por nós é limitada ao contexto de nossa pesquisa e por meio deles
analisarmos as organizações praxeológicas no contexto das salas do 1º e 2º anos do
Ensino Fundamental de uma escola municipal de Campo Grande/MS.
Descreveremos a seguir os tipos de tarefas cujas análises foram agrupadas
de acordo com a técnica didática utilizada
4.3.1 Tipos de tarefas
4.3.1.1 T
1 -
Associar objetos
Este tipo de tarefa, que foi definido por nós, consiste em relacionar uma das
representações das figuras geométricas planas ou espaciais a um objeto do cotidiano.
Este foi um dos tipos de tarefa mais frequentes em nossa pesquisa, pois
engloba treze das trinta e duas tarefas encontradas. A partir da visualização de um
modelo material, ou foto, ou representação gráfica das figuras geométricas planas ou
espaciais, a criança deverá relacioná-los a objetos do cotidiano.
Para ilustrar esse tipo de tarefa, recorremos a 4C1L que apresenta uma
coluna com o desenho de alguns objetos do cotidiano: lixeira, dado, uma embalagem
de chocolate e outra de hambúrguer. Em seguida, mostra a representação gráfica do
triângulo, retângulo, círculo e quadrado com a consigna: “Ligue cada objeto à forma
que ele sugere”.
75
Figura 5 - Relacionar objetos.
Fonte: Isolani et al. (2005, p. 127).
4.3.1.2 T
2 -
Identificar figuras
A partir da visualização da representação gráfica em cartazes, desenhos ou
obras de artes, identificar as figuras geométricas planas (quadrado, retângulo,
triângulo e círculo).
Das trinta e duas tarefas encontradas, doze são desse tipo. Uma das técnicas
didáticas propostas pelo livro é contar as figuras geométricas planas num desenho.
Um exemplo desse tipo de tarefa está presente na 1C1L. Para a realização dessa
tarefa, o livro fornece o desenho de um robô formado pelas figuras geométricas
planas com o seguinte enunciado: “Observe o desenho abaixo e complete com as
quantidades corretas”.
76
Figura 6 - Identificar figuras.
Fonte: Cora, Gastaldi, Tonello (2005, p. 57).
4.3.1.3 T
3
-
Contornos e formas
Relacionar os contornos das figuras geométricas planas (quadrado,
retângulo, triângulo e círculo) à representação da forma geométrica correspondente.
Das trinta e duas tarefas encontradas, quatro são deste tipo. De acordo com a
abordagem antropológica de Chevallard, na 2C1L encontramos uma atividade com
quatro tarefas sendo que uma delas, em negrito no enunciado abaixo, ilustra esse
tipo. O livro fornece o desenho da sombra de um animal e solicita que a criança o
cubra com as peças do Tangram: “Recorte as sete peças do Tangram e tente formar
a figura abaixo, colocando-as dentro do contorno. Quando você conseguir montar,
cole as peças e complete com desenhos”.
No desenho há:
Quadrado
Retângulos
Triângulo
Círculos
77
Figura 7 - Contornos e formas.
Fonte: Padovan, Guerra e Milan (2006, p. 149).
4.3.1.4 T
4 -
Relacionar representações
Dadas várias representações gráficas de figuras geométricas planas, a
criança deverá relacioná-las de acordo com o número de lados, ou pela sua forma.
Esse tipo de tarefa consiste em relacionar as figuras com o mesmo número
de lados, ou que tenham a mesma forma, a partir do fornecimento de várias
representações gráficas de figuras geométricas planas ou espaciais como o triângulo,
retângulo, quadrado, círculo, cubo, pirâmide, bloco retangular e cilindro. Para
exemplificar, apresentamos uma atividade do 4C1L que fornece a representação
gráfica das formas citadas acima e o enunciado: “Pinte da mesma cor as embalagens
que têm a mesma forma”.
78
Figura 8 - Relacionar representações.
Fonte: Isolani et al. (2005, p. 127).
4.3.2 Organizações praxeológicas
As professoras que participaram da pesquisa produziram, segundo nosso
entendimento, oito organizações praxeológicas, as quais serão identificadas, no
contexto desta dissertação, pelo símbolo OP
i
, sendo que o índice i varia de 1 a 8.
Esclarecemos que a professora Mariluce produziu as OP
1
e OP
2
, Milce as OP
3
e
OP
4
, Liana as OP
5
, OP
6
e OP
7
e Ana Lucia a OP
8
.
As atividades realizadas com as crianças enfatizaram o tema de estudo
figuras planas: quadrado, retângulo, círculo, triângulo, e as espaciais: esfera, bloco
retangular, cubo e cilindro.
Todas essas OP serão agora analisadas por meio de seus elementos: tipos de
tarefa e as técnicas que permitem resolvê-las (saber-fazer), as tecnologias que as
justificam e teorias que as fundamentam (saber matemático).
De acordo com Chevallard (1999), para descrever uma organização didática,
qualquer que seja a metodologia, mesmo que não tenhamos ciência, certos momentos
ou situações se fazem necessários para sua realização. Logo, procuramos identificar
também os diferentes momentos de estudos vivenciados pelas crianças e professoras
nas práticas observadas.
79
Como vários objetos ostensivos fizeram parte da realização das tarefas, e a
TAD preconiza na atividade matemática a articulação desses objetos, julgamos
imprescindível evidenciar as diferentes linguagens que possibilitaram a
implementação das praxeologias adotadas.
Esclarecemos que, numa visão antropológica, os momentos de estudo não
acontecem de maneira estanque, nem são relacionados à estrutura temporal do
processo com uma sequência pré-determinada, assim como os ostensivos, que são
acionados de uma forma dinâmica à medida que a organização se desenvolve.
Como cada OP se caracteriza essencialmente por uma técnica didática
diferente, resolvemos associar o nome da OP com o nome da respectiva técnica.
Portanto, para fazermos as análises das OP identificadas no contexto de
nossa pesquisa, optamos por nomeá-las com a finalidade de destacar a técnica
utilizada, as quais denominamos pelas seguintes expressões: Modelos tridimensionais
(OP
1
), Ligar os parecidos (OP
2
), Relacionar objetos (OP
3
), Pintar figuras (OP
4
),
Nomear figuras (OP
5
), Encaixar figuras (OP
6
), Contar figuras (OP
7
) e Relacionar
figuras (OP
8
).
Iniciaremos nossa análise pelas organizações praxeológicas realizadas pela
professora Mariluce, que produziu as OP
1
e OP
2,
na turma do primeiro ano matutino.
4.3.2.1 OP
1
- Modelos tridimensionais
Esta OP caracteriza-se pela presença de objetos materiais na sua realização.
A professora planejou para o encaminhamento desta OP, utilizar uma caixa contendo
as representações em plástico dos sólidos geométricos: cilindro, cubo, bloco
retangular e esfera.
80
Figura 9 - Sólidos geométricos.
Fonte: Acervo da Escola (2009).
Com esses objetos, ela propôs às crianças quatro tarefas: t
1,
t
2,
t
3,
t
4
, que se
definem, respectivamente, por relacionar a representação da esfera, bloco retangular,
cubo e do cilindro a um objeto qualquer do cotidiano.
Iniciaremos a análise pelo encaminhamento da tarefa t
1
, assinalando que
para a resolução das tarefas t
2,
t
3
e t
4
ela usou a mesma técnica que será descrita a
seguir.
A técnica didática usada pela professora Mariluce para encaminhar a
resolução da tarefa t
1
foi a dos modelos tridimensionais, a qual descrevemos da
seguinte maneira: sentar com as crianças em uma roda no chão, mostrar um objeto
tridimensional fabricado em material plástico, com o formato associado à esfera, e
em seguida solicitar às crianças que digam o nome de um objeto qualquer que tenha
formato parecido. Essa técnica mostra a importância dada à visualização e aos
objetos materiais como elementos necessários para a formação do pensamento
geométrico.
A professora pegou a representação da esfera, mostrou às crianças e iniciou
um diálogo, perguntando: “com o que se parece esse sólido”? À medida que as
crianças respondiam, ela fazia outros questionamentos, para colocar em dúvida o que
elas afirmavam, como forma de fazê-las pensar sobre suas ideias e rever suas
respostas.
81
Nesse procedimento identificamos, na prática da professora, uma iniciativa
de conduzir as crianças aos seus primeiros passos na construção do pensamento
hipotético. As ideias eram partilhadas nas informações que a professora fornecia a
partir do que o grupo verbalizava sobre o que estava vendo. As crianças estavam
muito atentas. O material parecia ser uma novidade para a turma.
Constatamos na atuação da professora, logo no início da atividade, um dos
momentos de estudos segundo a definição de Chevallard (1999). Supomos que se
tratava do momento do encontro, pois a impressão é de que algumas crianças viam
aquela representação dos sólidos pela primeira vez, o que pudemos supor que era o
primeiro encontro delas com aquele tipo de tarefa quando a professora falou: “hoje a
gente tem uma atividade bem legal para fazer. Olhem estes sólidos que nós vamos
trabalhar. Eles são diferentes, aqueles que vimos na semana passada só tinham uma
face” (apontando para uma face do cubo).
Pela afirmação acima, inferimos que na semana anterior ela havia
trabalhado com as figuras geométricas planas (o que foi depois confirmado pela
professora numa conversa). Não seria adequado, do ponto de vista formal da
linguagem matemática, dizer que as formas planas só têm uma face, pois esta
nomenclatura é pertinente aos sólidos geométricos. Identificamos essa atitude da
professora como uma tentativa para que as crianças estabelecessem relações entre
figuras planas e não planas.
Observamos, nesta organização praxeológica, a presença de vários tipos de
objetos ostensivos, na realização da atividade. Inicialmente, destacamos o uso da
oralidade na língua materna, muito utilizada pela professora nos questionamentos,
assim como pelas crianças em suas respostas. Esse registro é o mais simples e rápido,
sendo possível ser retomado imediatamente, caso seja necessário, o que permite a
modificação dos conhecimentos prévios e ampliam a compreensão da linguagem
matemática acessível na escola.
Na continuação da atividade, a professora Mariluce, mostrando a
representação da esfera para as crianças, perguntou: “com o que se parece esse
sólido?”. Duas crianças responderam: “bola, cabeça”. Ela continuou o diálogo
indagando o nome do sólido, e após algumas respostas como: “triângulo, círculo,
uma bola de tênis, a professora acrescentou: mas não é uma bola. Ela faz parte dos
sólidos geométricos, parece uma bola, se assemelha. Quem já viu a figura da Terra
82
em filme? Esse sólido nós chamamos de esfera. E esse bloco retangular, parece o
quê?”.
No diálogo anterior, encontramos os primeiros elementos tecnológico-
teóricos da técnica dos modelos tridimensionais” implementada pela professora, que
dizem respeito ao conceito de perspectiva, à nomenclatura específica dos sólidos e
suas propriedades: as faces, vértices e arestas. Nesse momento, as crianças poderiam
estabelecer relações com o mundo físico, perceber dimensões, semelhanças e
diferenças entre os objetos.
O registro material foi evidenciado no procedimento de visualizar a
representação dos sólidos em plástico resistente na cor azul, usados na técnica de
observação das características e propriedades deles, propiciando um contexto para o
desenvolvimento da percepção espacial.
Na organização didática, a professora repetia sempre o mesmo
procedimento: mostrar a representação do sólido e perguntar com o que se parece, o
que identificamos como o momento de exploração de um tipo de tarefa, em que as
crianças eram levadas a observar a representação do sólido, relacionar mentalmente a
um objeto do cotidiano e falar o nome do objeto, numa tentativa de cumprir a tarefa
proposta, sem se preocuparem em justificar suas respostas.
Intercalado ao momento de exploração do tipo de tarefa, vimos momentos
de institucionalização. À medida que o diálogo era desenvolvido, a professora
fornecia algumas informações usando os conhecimentos geométricos a partir das
respostas das crianças, o que consideramos certa formalização durante todo o
trabalho.
Segundo Chevallard, Bosch e Gascón (2001), este momento é importante,
pois cabe à professora, como a coordenadora desse estudo, chamar a atenção das
crianças para demonstrar os conhecimentos existentes na proposta. Quando ela
mostrou a representação do cilindro, perguntou: “e esse que rola? Que objetos de
casa ou da escola que lembram esse sólido?”. As crianças se arriscaram dizendo: “o
rolo do trator, roda de caminhão, rolo de pintar parede, tambor!”. Então a professora,
ao perguntar o nome do sólido e vendo que eles não sabiam, falou para as crianças:
“esse aqui é o cilindro”!
A linguagem geométrica, neste caso a nomenclatura, embora não fosse o
objetivo da aula, esteve sempre presente. Conforme vimos, a professora procurava,
sempre que oportuno, nomear as figuras sem necessariamente exigir que as crianças
83
o fizessem. Essa forma de registro era incorporada ao diálogo com as crianças de
forma a estabelecerem um vínculo entre a linguagem informal e a matemática.
Mais uma vez vimos aparecer um momento de institucionalização
promovido pela educadora, em que suas intervenções se fizeram necessárias para a
ampliação das noções geométricas, possibilitando associações e construção de
significados pelas crianças, como nestas falas: “[...] só que ele também faz parte dos
sólidos. Esse que lembra o dado, uma caixa, nós chamamos de cubo. Esse sólido nós
chamamos de bloco retangular. Ele tem dois nomes: bloco retangular ou
paralelepípedo”.
Notamos também que as crianças não tinham receio de expor suas ideias e
recorriam a conhecimentos anteriores, revelando que, embora não soubessem a
nomenclatura correta, sabiam que se tratava de figuras geométricas e diziam: “[...] é
um círculo... triângulo!”.
No desenvolvimento da OP
1
houve um predomínio da visualização e
observação de objetos ostensivos. No entanto, observar e associar não são
procedimentos exclusivos da geometria, eles são essenciais para a aprendizagem de
muitos conteúdos, permitindo à professora, na tarefa proposta, a criação de um
processo didático em que a criança, progressivamente, vai se familiarizando com
diferentes formas de representação: objetos, linguagem verbal, geométrica e, assim,
futuramente serão capazes de recriar a imagem mental dos aspectos da experiência
da visualização, mesmo na ausência dos materiais. Os conhecimentos geométricos
trabalhados a partir da visualização, numa das resenhas do PNLD, foram ressaltados
como um ponto positivo: “Na geometria, os sólidos, suas vistas e planificações são
explorados a partir de atividades lúdicas, valorizando-se a visualização” (BRASIL,
2006, p. 65).
Nos diferentes ostensivos que as crianças utilizavam para expressar seus
conhecimentos nos chamaram a atenção os gestos, um modo de comunicação que as
crianças usaram tanto para representar a forma de uma figura como para fazer um
desenho no ar. O gestual apareceu mais de uma vez, quando as crianças utilizaram os
dedos das mãos para representar a forma de uma figura plana, ou no momento de
desenhar o contorno do quadrado no ar.
Considerando o que propõe a TAD, todos os registros utilizados para a
realização de uma tarefa são igualmente importantes, o que contraria uma visão
tradicional em que a função semiótica é mais valorizada que a instrumental. Nesse
84
contexto, é tão importante a representação da esfera em modelos de plástico, assim
como sua definição conceitual ou o discurso que descreve uma de suas propriedades.
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a função dos ostensivos no
trabalho com a geometria tem um destaque nas experiências e observação das
diferentes formas de representação, que pode ser gráfica, como um desenho num
livro ou outro suporte, ou em forma de linguagem e gestos. Os modelos materiais
com suas cores, tamanhos e formas também constituem instrumentos importantes
para a comunicação de ideias.
As diferentes representações dessas figuras têm um papel fundamental no
ensino da geometria, porque permitem o desenvolvimento de um vocabulário
específico, a identificação de suas propriedades e também a diferenciação das figuras
planas e não-planas. Com base nos estudos de Chevallard, Bosch e Gascón (2001),
todas essas representações são objetos ostensivos, instrumentos que evocam objetos
matemáticos não-ostensivos e, na medida em que são acionados, vão constituindo as
praxeologias.
Neste sentido, a noção de objetos ostensivos é pertinente diante das
diferentes linguagens presentes, tanto nos livros didáticos, quanto nas praxeologias
usadas pelas professoras para o ensino de geometria nos anos iniciais.
Como pudemos observar, as crianças facilmente estabelecem as relações
com os objetos do mundo físico, pois os sólidos têm formatos facilmente encontrados
na vida social, tais como brinquedos, utensílios domésticos, embalagens e outros. A
diversificação de linguagens é uma das recomendações contidas no Guia do Livro
Didático do PNLD e deve ser adequada à faixa etária e à diversidade de cada
contexto educativo
Outro aspecto fundamental da Matemática é a diversidade de formas
simbólicas presentes em seu corpo de conhecimento. Língua natural,
linguagem simbólica, desenhos, gráficos, tabelas, diagramas, ícones, entre
outros desempenham papel central, tanto na representação de conceitos,
relações e procedimentos, quanto na própria formação desses conteúdos
(BRASIL, 2006, p. 12).
A manipulação de ostensivos materiais esteve presente o tempo todo. Esses
recursos, de um modo geral, atraíam as crianças com suas cores e variadas formas. A
utilização desses objetos é importante para o desenvolvimento de algumas
habilidades necessárias para o conhecimento geométrico: visualização, observação
85
das características, apropriação de vocabulário específico e reconhecimento das
figuras.
Esclarecemos que para a TAD, o termo manipular é usado para designar os
diversos usos possíveis desses objetos e não se restringe a uma das definições
encontradas no dicionário: “preparar com a mão”, o que, à primeira vista,
poderíamos pensar se tratar de objetos do mundo físico relacionados aos conceitos
geométricos. Nesta perspectiva, manipular tem um sentido muito mais amplo,
inclusive em nível de abstração, pois abrange a representação mental dos objetos de
estudo e todas as relações possíveis que se pode estabelecer entre eles.
Na técnica didática realizada, distinguimos os diferentes momentos
correspondentes. Nessa perspectiva, as praxeologias implementadas foram
permeadas por três momentos de estudo, que conduziram os encaminhamentos da
professora: o do encontro, da exploração do tipo de tarefa e institucionalização. Para
viverem esses diferentes momentos, as crianças contaram com a coordenação da
professora e esta com a participação e motivação daquelas na realização das tarefas
que, da forma como foram conduzidas, são denominadas pela TAD de cooperativas.
A técnica didática da roda, por sua configuração favorecer o diálogo e a
participação de todos na atividade, é um procedimento muito utilizado nos anos
iniciais da Educação Básica e aliado à presença dos objetos ostensivos (os modelos
de plástico), auxilia as crianças na tarefa de reconhecimento e classificação das
figuras, possibilitando a aproximação com as primeiras noções, desenvolvendo
percepções que futuramente serão utilizadas na elaboração de relações mais
complexas.
Percebemos que as crianças têm oportunidade de expressar o que pensam por
meio de vários ostensivos, e a professora sempre leva em conta o que elas dizem como
ponto de partida para o trabalho em sala. O que nos mostra que, nas práticas da
professora Mariluce, há uma valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, em
consonância com a ideia defendida nos PCNS que afirmam: “é fundamental que o
professor investigue qual é o domínio que a criança tem sobre o assunto que vai
explorar” (BRASIL, 2001, p. 63).
A associação de objetos do cotidiano a uma figura geométrica é um
exemplo de integração entre as formas do mundo físico e os modelos matemáticos,
objetos não-ostensivos ligados a ideias, noções e conceitos. Identificamos nesse
procedimento uma intenção de contextualizar o trabalho por meio do cotidiano do
86
aluno, que, segundo Silva e Santo (2009), num estudo sobre as formas de
contextualização do conhecimento escolarizado, “é a forma mais difundida de
contextualização do conhecimento matemático, sobretudo porque é a forma clássica
defendida por alguns dos pesquisadores da educação matemática”.
Essa também é uma orientação dos PCN, que, ao propor uma série de
conteúdos para o trabalho com os conceitos e procedimentos relativos às atividades
geométricas, recomendam o “estabelecimento de comparações entre objetos do
mundo físico e objetos geométricos esféricos, cilíndricos, cúbicos, piramidais,
prismáticos - sem o uso obrigatório da nomenclatura” (BRASIL, 2001, p. 73).
A professora, ao conduzir a atividade, promoveu uma visível articulação
entre diferentes ostensivos: gestos, oralidade (linguagem geométrica e língua
materna) e modelos materiais. A articulação de registros é preconizada na TAD, que
não estabelece uma hierarquia absoluta entre eles e sim uma valorização ao caráter
instrumental de cada um.
Assinalamos que ela embora inicie o trabalho ouvindo as crianças sobre o
que elas já sabem sobre o tema, sempre acrescenta conhecimentos que dizem respeito
à institucionalização, esses não são referentes somente às técnicas, mas também à
organização praxeológica em todo o seu conjunto.
4.3.2.2 OP
2
- Ligar os parecidos
Esta OP caracteriza-se pelo estabelecimento de relações entre as figuras
geométricas espaciais e determinados objetos do cotidiano. Ela foi realizada a partir
de uma atividade da 2C1L. Nela encontramos quatro tarefas: t
5
, t
6,
t
7,
t
8
e t
9
, que se
definem respectivamente por relacionar os desenhos de um globo terrestre, caixa de
creme dental, lata de suco, dado e caixa de sapato à representação gráfica das figuras
geométricas: cubo, esfera, bloco retangular e cilindro que tenham formatos
parecidos.
87
Figura 10 - Ligar os parecidos.
Fonte: Padovan, Guerra e Milan (2006, p. 116).
Todas essas tarefas estavam reunidas numa mesma página do referido livro
e a técnica didática para resolvê-las foi denominada por nós “Ligar os parecidos” que
pode ser descrita da seguinte maneira: a partir do fornecimento de duas colunas, uma
com o desenho dos objetos: globo terrestre, a caixa de creme dental, lata de suco,
dado e caixa de sapato e a outra com a representação gráfica das figuras geométricas:
cubo, esfera, bloco retangular e cilindro, com o seguinte enunciado: “relacione os
objetos aos sólidos geométricos com que eles mais se parecem ou são compostos,
ligando-os”. As crianças deveriam observar os objetos das duas colunas e ligar por
meio de um traço os parecidos.
Para resolver a primeira desta OP, a t
5
, a criança deveria usar a seguinte
técnica: observar o desenho do globo terrestre, relacionar mentalmente a
representação do sólido na outra coluna e ligar com um traço o desenho à
representação do sólido que tinha formato parecido.
Encontramos na técnica didática sugerida pelo livro um dos ostensivos
muito utilizados como importante recurso visual para o trabalho com geometria, nos
anos iniciais do Ensino Fundamental: os desenhos fornecidos na atividade, que
auxiliam a criança visualizar informações relativas ao espaço. As imagens servem
como um importante instrumento, um apoio para o reconhecimento e classificação
88
das figuras, possibilitando uma aproximação com as primeiras noções e propriedades
para o desenvolvimento de percepções que serão úteis ao desenvolvimento do
conhecimento geométrico, no que diz respeito à formação de imagens mentais.
Pais (2006) elegeu o desenho ao lado do objeto, conceito e imagem mental,
como elemento fundamental para a formulação dos conceitos geométricos na
representação plana do espaço e observou que a articulação entre esses elementos
influenciam diretamente na aprendizagem.
O desenho é um dos recursos mais utilizados, tanto nas atividades propostas
pelos professores como nas presentes nos livros didáticos analisados. Esse tipo de
registro é reconhecido por Pais como um importante suporte didático. Ele afirma que
essa forma de representação tem um nível de maior complexidade do que o uso de
objetos. Seguindo essa linha de pensamento, Pais (2006, p. 99) afirma:
No ensino da geometria, a utilização integrada de objetos e desenhos
contribui na expansão da formação de boas imagens mentais e, assim, elas
passam pouco a pouco a se constituir um terceiro suporte de elaboração
do conhecimento. A natureza dessa forma interna de compreender a
geometria, por um lado, é bem mais complexa do que o uso de um objeto
material ou de um desenho; por outro lado, permite maior
operacionalidade na solução de problemas.
Esse autor enfatiza também que a aprendizagem da geometria é influenciada
por três aspectos: intuição, experiência e teoria que devem ser considerados pelo
professor nas práticas educativas. Assim, o saber cotidiano, a linguagem, objetos e
desenhos se constituem em articuladores para a construção de conhecimentos.
A professora Mariluce, na roda, mostrou o livro apontando as ilustrações
dos objetos e as representações em perspectiva dos sólidos e leu o enunciado. No
desenvolvimento da atividade, observamos que houve a predominância do registro
oral, ela sempre fazia uma pergunta e as crianças se arriscavam a responder sem
medo de errar. À medida que falavam e ouviam seus colegas e a professora, podiam
gradativamente estabelecer relação entre os diferentes significados e as ideias
matemáticas contidas naquele diálogo.
A linguagem geométrica permeia todo o diálogo conduzido pela professora,
e a atividade do livro didático trouxe como registro os desenhos nas ilustrações da
atividade (a representação gráfica em perspectiva dos sólidos geométricos: bloco
retangular, cilindro, esfera e cubo), assim como dos objetos do cotidiano: caixa de
sapato, lata de suco, globo terrestre, dado e caixa de creme dental.
89
Embora algumas crianças não soubessem escrever na forma convencional, a
linguagem escrita estava presente quando elas utilizaram a ficha de chamada como
apoio para registrarem o nome na atividade. Percebemos crianças que ainda estão em
fase inicial da compreensão da escrita e faziam uma espécie de desenho das letras.
Entretanto, é interessante observar que, mesmo as crianças que não
escrevem autonomamente, compreendem a função social da escrita, ainda em
estruturação para elas. O registro efetuado permite a ampliação dos modos de
expressão e desenvolvimento. A escrita também é usada para fazer o traço para ligar
uma figura à outra.
Notamos na atuação da professora Mariluce, ao implementar a atividade
proposta pelo livro, uma integração entre diferentes ostensivos: a oralidade, o
gráfico, a escrita, a linguagem geométrica e a língua materna. De acordo com a TAD,
podemos destacar nesse procedimento que, na realização da atividade matemática,
houve a ativação de um complexo de objetos ostensivos. Na medida em que estes são
considerados instrumentos para a realização de técnicas que permitem resolver
determinadas tarefas, vão constituindo as praxeologias.
Os elementos tecnológico-teóricos relativos à técnica “Ligar os parecidos”
envolvem os conceitos da geometria espacial: perspectiva, nomenclatura específica
dos sólidos e suas propriedades (as faces, vértices e arestas). A proposta para que as
crianças comparem objetos que sejam parecidos contribui para a formação das
imagens mentais (objetos não-ostensivos), estas, por serem abstratas, supostamente
permitem maior agilidade no pensamento para posteriormente resolver determinadas
situações.
Ao recorrer a este recurso, a técnica usada pela professora que conduziu a
OP que estamos analisando tem seu significado ampliado quando é possível a
articulação com outros aspectos visuais da atividade em questão (cores, tamanhos,
posição dos objetos). Nessa atividade, a partir do estímulo visual, é necessário à
criança recorrer à comparação entre os objetos para decidir quais deles têm formas
parecidas.
Chamou-nos a atenção o fato de que a professora Mariluce realizou
coletivamente na oralidade as tarefas que deveriam ser feitas pelas crianças
individualmente. Só restou às crianças ligarem os objetos aos sólidos que já haviam
sido mostrados. Ela fez a leitura de todas as imagens da atividade, uma de cada vez, e
90
perguntava: “onde vamos ligar o cubo? E esse onde vamos ligar”? Mostrando a
representação da esfera.
Questionamo-nos ao perceber esse encaminhamento, se se tratava de uma
forma de modelização preconizada pela TAD, como uma maneira de relacionar uma
organização matemática anterior a uma nova situação em que o modelo seria
utilizado para uma reconstrução, mas no contexto percebemos uma tendência à
prática de treino, memorização e repetição já evidenciada no RCNEI.
Supomos que para algumas crianças o momento do encontro aconteceu
quando a professora mostrou a elas o livro com as quatro tarefas, leu o enunciado e
realizou oralmente a atividade com o grupo, usando a técnica da roda e
possivelmente, quando elas receberam a folha com a mesma tarefa impressa, houve
um momento de reencontro.
Vimos também o momento de exploração das técnicas visualizar e associar,
noções denominadas por Chevallard, Bosch e Gascón (2001, p. 222) como
paramatemáticas, que foram utilizadas pelas crianças como instrumentos para terem
acesso aos objetos matemáticos, mas não são consideradas como objetos de estudo
em si mesmas.
Entendemos como um momento de institucionalização quando a professora
teve o cuidado de ler o enunciado da atividade na roda e chamou a atenção do grupo:
“olhem aqui deste lado, aqui temos os sólidos e do outro lado os objetos”, apontando
um a um em cada coluna. Em seguida, perguntou se todos tinham entendido.
Algumas falas eram reformuladas por ela quando as crianças usavam um termo não
adequado.
O mesmo procedimento acontecia em relação à linguagem matemática,
quando ela sempre usava expressões próprias aos objetos matemáticos, fornecendo
informações sobre os sólidos, fosse a nomenclatura correta ou chamando atenção
para suas propriedades. Nesse caso, as noções matemáticas são, portanto, objetos de
estudo em si mesmas e servem, inclusive para o estudo de outros objetos.
Observamos a intervenção da professora sempre que necessário como, por
exemplo, quando ela mostrou a representação do cubo e perguntou: “alguém sabe o
nome desse sólido?”. Uma criança respondeu: “quadrado. Em seguida ela
acrescentou: “quadrado seria só um ladinho dele. E o nome? Como podemos chamar
esse sólido aqui?”.
91
Nos anos iniciais do Ensino Fundamental é comum que as crianças às vezes
troquem o nome das figuras um pelo outro, ou mesmo que criem nomes para formas
que elas ainda não conhecem. Porém, é necessário que o professor introduza
conceitos geométricos enquanto discutem um tema de estudo (para que elas se
familiarizem) e que servirão de base para anos posteriores da vida escolar.
A professora Mariluce circulava entre as mesas numa atitude de observação
das crianças, auxiliando a quem ainda estava com dúvidas a compreender a tarefa: “o
dadinho lembra o quê? E a lata de cerveja? E a caixa? Qual sólido a caixa lembra?”.
As crianças eram orientadas coletivamente, o tempo todo, pela professora
quando ela circulava entre as mesas dizendo: “segurem bem a folha, coloquem o
nome”. Passado algum tempo, dizia: “quem terminou pode fazer um desenho, a folha
está na minha mesa”.
Para a TAD, os papéis atribuídos ao professor e ao aluno no processo de
ensino e aprendizagem não são definidos de maneira tão rígida, embora haja uma
assimetria entre eles. Numa tarefa matemática, o professor não pode ser o único
responsável pelo seu desenvolvimento, pois é permitido na atuação dos alunos também
um protagonismo para que suas produções sejam consideradas um trabalho matemático.
O ensino, como meio do processo didático, não deve pretender controlar
de maneira absoluta o desenvolvimento desse processo. A relação
didática é uma relação ‘aberta’. À medida que o ensino de matemática se
organiza para tentar ‘fechar’ essa relação, provoca um empobrecimento
da aprendizagem matemática dos alunos (CHEVALLARD; BOSCH;
GASCÓN, 2001, p. 201).
Pelo modo como ela conduziu a atividade ficou evidente o seu papel de
coordenadora de estudos do grupo, proporcionando oportunidade para que as
crianças participassem ativamente da aula. Entretanto, sentimos também certa
ambiguidade em sua postura, ao mesmo tempo em que ela se coloca numa posição
questionadora e fornece informações, interpretamos como uma prática um tanto
espontaneísta quando uma criança se levanta ao terminar a atividade, vai até ela e
pergunta: “tá certo professora?” E ela responde: “não sei”.
É como se, por um instante ela abandonasse o seu papel, sonegando uma
informação importante para a criança, inclusive porque naquela situação ela era a
referência. Não defendemos que a criança tenha uma atitude de dependência da
professora, nem que recaia no professor a validação de todos os resultados. Mas ao
92
encarar o estudo como objeto principal do processo didático, o ensino é um dos
instrumentos.
Ela poderia, no caso, pedir que a criança explicasse como fez a tarefa,
justificasse porque ligou um objeto a determinado sólido e não a outro. Isso faz parte
do que é denominado na TAD de momento da institucionalização dos objetos de
conhecimento.
Essa é a função da institucionalização que origina de fato, uma
transformação completa da situação. Ela é realizada mediante a escolha
de algumas questões dentre aquelas que se sabe responder, relacionando-
as com outras questões e saberes. Trata-se de um trabalho cultural e
histórico que difere, totalmente, daquele que pode ser deixado a cargo do
aluno e é responsabilidade do professor. Não é, portanto, o resultado de
uma adaptação do aluno (CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 2001, p.
218-219).
Pode parecer, à primeira vista, uma utopia realizar um trabalho com esse
caráter aberto nos anos iniciais, porém numa visão antropológica é necessária ao
professor uma atitude de permanente observação das crianças, incentivando-as a se
expressarem por meio de: desenhos, oralmente ou por escrito, por gestos e outros
diferentes ostensivos que, articulados, podem auxiliar o professor no processo
didático e, assim, melhor orientar o estudo.
Finalizando a análise das praxeologias implementadas pela professora
Mariluce, destacamos três aspectos que julgamos importantes para nossa posterior
análise: diversificação e articulação dos ostensivos, uso de objetos materiais e
institucionalização.
Descreveremos agora as praxeologias da professora Milce, que produziu as
OP
3
e OP
4,
na turma do primeiro ano matutino, sobre o tema de estudo “Formas
Geométricas Planas”.
4.3.2.3 OP
3
- Relacionar objetos
Esta OP caracteriza-se pela observação de objetos da sala e o
estabelecimento de relações com as formas geométricas planas que tenham o mesmo
formato. Nela encontramos quatro tarefas: t
10
, t
11,
t
12
e t
13
que se definem
respectivamente em observar os objetos da sala de aula e associá-los às formas do
quadrado, retângulo, triângulo e círculo.
93
A técnica didática usada pela professora Milce para encaminhar a resolução
da tarefa t
10
foi denominada Relacionar objetos, que também foi utilizada para o
trabalho com as t
11,
t
12
e t
13
. Todas essas tarefas eram cooperativas e foram realizadas
coletivamente, com as crianças sentadas em suas carteiras. Podemos descrevê-la da
seguinte maneira: a professora fez uma pergunta: “Em nossa sala temos alguma coisa
quadrada?” As crianças deveriam responder dizendo o nome de um objeto que
tivesse o formato parecido. Ela repetiu a mesma técnica para as figuras: retângulo,
triângulo e círculo.
Para resolver a primeira tarefa desta OP, a t
10
, a criança deveria usar a
seguinte técnica: escutar a solicitação da professora, identificar na sala objetos
parecidos com o quadrado e falar o nome do objeto que se assemelha à forma
solicitada.
Os elementos tecnológico-teóricos relativos à técnica “Relacionar objetos”
são compostos pela nomenclatura das formas geométricas planas e aos não
ostensivos referentes aos conceitos de lados paralelos, número de lados, ângulos e
vértices assim como as outras propriedades. As habilidades de discriminação visual
também são necessárias, pois permitem o reconhecimento dos objetos semelhantes
aos da forma solicitada. É incentivada a pesquisa na sala em busca de objetos
semelhantes e também a capacidade de argumentar para justificar a resposta, o que
contribui para a construção de significados e conceitos.
A proposta para que as crianças procurassem objetos na sala que fossem
parecidos com as formas geométricas planas contribui para a formação de boas
imagens mentais relativas àquela forma e comecem a perceber que tipo de formas
existem, e para que serve cada uma delas no objeto encontrado.
Quando elas dizem que o “meio do ventilador” tem a forma circular,
futuramente compreenderão que a forma redonda facilita o giro, o que está
relacionado a um objeto não-ostensivo que é a capacidade de rolamento, uma
característica dos corpos redondos.
A organização didática associada à técnica da visualização é caracterizada
por estabelecer relações com objetos ausentes. Nessa técnica, a partir do estímulo da
palavra enunciada pela professora, é necessário à criança recorrer à imagem mental
imaginando um objeto que está ausente e procurar na sala outro que tenha a forma da
figura geométrica solicitada, “a formação de imagens mentais é uma conseqüência
do trabalho com desenhos e objetos” (PAIS, 2006, p. 99).
94
A organização matemática relativa a essa técnica envolve os conceitos da
geometria plana. A proposta para que as crianças visualizem na sala objetos que
sejam parecidos com uma forma geométrica plana, a qual ela só diz o nome,
contribui para a formação das imagens mentais (objetos não-ostensivos), estas, por
serem abstratas, permitem maior agilidade no pensamento para resolver
determinadas situações. Ao recorrer a este recurso, a técnica tem seu significado
ampliado quando é possível a articulação com outros aspectos visuais do
conhecimento, o que aconteceu em seguida quando a professora, além de pronunciar
o nome da figura geométrica, passou a desenhá-la com giz no quadro.
Figura 11 - Figuras planas.
Fonte: Desenho da professora Milce (2009).
No desenvolvimento da atividade, observamos que houve a predominância
do registro oral, usado pela professora e pelas crianças, e girou em torno de um longo
diálogo conduzido pela professora, que utilizou diversos ostensivos (a língua
materna, a linguagem geométrica e os desenhos) em sua praxeologia. Em nosso
entendimento, o diálogo foi permeado por três momentos de estudos que se
alternavam: avaliação, exploração do tipo de tarefa e institucionalização.
Supomos que no decorrer da atividade havia também indícios de momentos
de avaliação, pois ao perguntar para as crianças sobre qual objeto tinha determinada
forma, tivemos a impressão de que se tratava de averiguar se as crianças já
relacionavam objetos da sala com uma determinada forma geométrica plana já
conhecida por elas.
95
Usando a linguagem geométrica, que diz respeito aos nomes das formas que
seriam trabalhadas naquele dia, a professora Milce iniciou a conversa convidando as
crianças à observação: “vamos olhar em nossa sala, o que tem a forma do
retângulo?”. Elas se arriscavam a responder e a margem de acerto era grande, o que
nos levou a concluir que era uma forma conhecida: “porta, janela, armário, mesa da
professora”.
A linguagem gráfica, neste caso os desenhos, foi utilizada pela professora
assim que ela percebeu que precisava de mais um suporte para que as crianças
entendessem a tarefa proposta, a t
12
: relacionar objetos da sala ao triângulo. Então ela
desenhou um triângulo com giz no quadro e perguntou: “o que temos na sala com a
forma de triângulo?
Assim, mesmo aquelas que ainda não associavam o nome à figura poderiam
pensar sobre os objetos com a determinada forma. Porém, juntos, chegaram à
conclusão de que na sala não havia nenhum objeto com a forma triangular.
Todos esses instrumentos utilizados na realização desta atividade (objetos
materiais, linguagem matemática, desenhos, língua materna) são denominados na
TAD de objetos ostensivos, devido à capacidade de serem percebidos por um dos
sentidos, ao mesmo tempo em que evocam os não ostensivos, nesse caso, conceitos e
ideias relacionados às formas geométricas planas.
Em relação ao conhecimento geométrico, sabemos que entre determinadas
formas de representação de uma figura pode existir uma que se sobressai, criando
certa estereotipia, o que induz ao erro. Muitas vezes é notada uma dificuldade por
parte das crianças em visualizar o quadrado, porque este não está na posição padrão,
como por exemplo: quando o conceito do quadrado é representado por meio de uma
figura inclinada. Esta afirmação é corroborada nas pesquisas de Nacarato e Passos
(2003).
A professora Milce conduzia o diálogo e sempre que necessário
complementava com termos geométricos mais específicos: “o retângulo tem quatro
lados, dois maiores e dois menores”. Entendemos este e outros procedimentos
similares como momentos de institucionalização, em que ela aproveitava a
linguagem e os conhecimentos expressados pelas crianças para introduzir os objetos
de conhecimento relativos à geometria plana. À medida que faziam suas proposições,
e com as intervenções da professora durante a conversa, as crianças tinham acesso à
linguagem específica como, por exemplo, na afirmação da professora: “para
96
verificarmos que é um quadrado temos que medir e ver se os quatro lados são
iguais”.
As crianças tiveram participação ativa durante toda a realização das quatro
tarefas. Ao se depararem com a t
10
no momento em que a professora perguntou: “será
que em nossa sala tem alguma coisa quadrada?”. Suas respostas demonstravam que,
embora não soubessem ao certo, respondiam com palavras, que de certa forma,
estavam ligadas ao tema de estudo e não tinham receio de arriscar respondendo:o
quadro”. E em seguida outra criança acrescentou corrigindo: É retângulo!”.
Referindo-se à forma do quadro de giz.
O encaminhamento da professora revelou a intencionalidade educativa da
proposta ao explorar as diversas possibilidades. Chamou-nos a atenção quando ela
sugeriu às crianças que pensassem sobre esse assunto:mas se juntarmos algumas
mesas de vocês que figura nós formaremos no meio?”. Umas olharam para as outras,
arrastaram algumas carteiras e rapidamente responderam: “o círculo”. Nesse caso a
nomenclatura correta seria circunferência, mas entendemos como uma iniciativa de
guiar o olhar das crianças para a figura que seria formada.
4.3.2.4 OP
4
- Pintar figuras
Esta OP foi realizada na turma da professora Milce e se caracterizou pela
identificação das figuras geométricas planas. É composta de quatro tarefas: t
14,
t
15,
t
16
e t
17
, que se definem por identificar, respectivamente, as formas do quadrado,
retângulo, triângulo e círculo num desenho e todas elas estavam reunidas numa
mesma página da 2C1L. A técnica didática proposta foi denominada por nós de
Pintar figuras.
O livro forneceu o desenho das formas geométricas: círculo, retângulo,
quadrado e triângulo pintados de azul, vermelho, verde e amarelo, respectivamente, e
o desenho de três palhaços cujas roupas eram estampadas com as figuras geométricas
citadas, mas em branco, com o seguinte enunciado: “identifique na cena as figuras
geométricas semelhantes às indicadas abaixo. Depois, pinte-as com as cores
sugeridas”.
97
Figura 12 - Pintar figuras.
Fonte: Padovan, Guerra, Milan (2006, p. 29).
Para resolver a primeira tarefa desta OP, a t
14
, a criança deveria usar a
seguinte técnica didática: primeiramente observar o desenho e a cor da primeira
forma evidenciada no livro, neste caso a quadrada; em seguida, procurar no desenho
dos palhaços as formas parecidas e, finalmente pintá-las com a cor sugerida no
enunciado. A mesma técnica deveria ser usada para resolver as tarefas t
15
, t
16,
e t
17
.
Encontramos nessa técnica didática proposta pelo livro um dos recursos
muito utilizados para o trabalho com geometria, nos livros indicados para os anos
iniciais do Ensino Fundamental: pintar figuras, o que de um modo geral as crianças
gostam muito.
Essa atividade, pelo caráter lúdico no uso das cores, envolve as crianças na
exploração de movimentos de coordenação motora fina e também as aproxima,
mesmo que intuitivamente, do conceito de fronteira que é muito importante para a
construção do pensamento espacial.
Na organização matemática encontramos algumas recomendações sobre o
trabalho com a geometria plana, previstos nas atividades propostas nos PCN para o
trabalho de matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental, como
98
“observação de formas geométricas presentes em elementos naturais e nos objetos
criados pelo homem e de suas características: arredondadas ou não, simétricas ou
não, etc” (BRASIL, 2001, p. 73).
Ao escolher essa atividade supomos que a professora Milce deve ter levado
em conta a faixa etária da criança e o fato dela conter alguns conteúdos já
trabalhados. Além disso, é para as crianças um tanto desafiador identificar as figuras
que têm formas semelhantes em diferentes contextos e posições, o que permite o
desenvolvimento de algumas propriedades geométricas, especialmente quando a
criança busca semelhanças e diferenças entre as figuras inicialmente pelo número de
lados, o que é mais fácil de ser percebido por elas.
Entendemos que os elementos tecnológico-teóricos da técnica é fazer a
correspondência entre figuras semelhantes que envolvem conhecimentos como a
nomenclatura das formas planas e suas propriedades: lados paralelos, nº de lados,
ângulos e vértices. As habilidades de discriminação visual também são necessárias,
pois permitem distinguir semelhanças e diferenças para o reconhecimento das formas
encontradas.
A professora apresenta a atividade do livro e inicia um diálogo com as
crianças dizendo: “nós vamos fazer uma atividade com uns lápis que eu emprestei do
pré, temos que cuidar. Alguém aqui já foi num circo? O que temos num circo?”. E
ela mesma responde: palhaço, leão, tigre. Em seguida, as crianças complementam:
“girafa, elefante, macaco”. Algumas crianças ainda não sabem ler, porém notamos
que a professora não leu o enunciado, ela explicou a tarefa usando a oralidade, numa
linguagem informal: “na roupa desses palhaços tem as figuras geométricas. Eles
querem que a gente pinte as figuras e deixe bem colorido. Quando for pintar uma
figura de azul, todas iguais a ela têm de ser azul. Não esqueçam de colocar o nome”.
As crianças começam a pintar e a professora Milce circula pela sala entre as
carteiras para ver como a atividade está se desenvolvendo, quem está conseguindo
atender ao enunciado da tarefa e se há alguma interferência a ser feita. Ela continuou
questionando e orientando as crianças em pequenos intervalos, lembrando os
procedimentos sugeridos no livro: “Agora pinte os círculos de uma cor”, até que
todos terminassem a tarefa proposta.
A tarefa t
14
é a primeira da atividade proposta às crianças e inferimos que,
inicialmente, elas iriam observar a representação gráfica do círculo para depois
99
associá-la a uma das formas que estampam a roupa de um dos palhaços na ilustração
fornecida pelo livro.
Foi possível para nós constatarmos que este se tratava de um momento de
reencontro com esse tipo de tarefa, devido a nossa observação anterior na OP3, pela
participação das crianças, que demonstravam possuir certa familiaridade com as
formas geométricas planas e pelo uso da nomenclatura, tentando colocar em prática
os conhecimentos que possuíam até então sobre aquele tema de estudo.
A professora Milce aproveitava todas as oportunidades para chamar a
atenção das crianças para as formas dos objetos do mundo físico e solicitava a elas:
“quando vocês chegarem em casa, olhem o fogão e a geladeira, olhem os lados e
vejam que forma têm. Isso vai ser tarefa, amanhã vou querer saber”. Rapidamente
uma criança já antecipa: a geladeira é retângulo.
A proposta para que as crianças se reportem aos objetos que elas têm em
casa contribui para a formação das imagens mentais (objetos não-ostensivos), estas,
por serem abstratas, permitem maior agilidade no pensamento para posteriormente
resolver determinadas situações que requeiram a memória visual.
As crianças começam a estabelecer relações interessantes: “eu vi no
desenho do pica-pau um homem andando com uma roda quadrada. Então o pica-pau
cortou o quadrado com bico e fez uma roda”.
Quando terminam a atividade, elas vão entregando à professora, que em
seguida pega um saco plástico com as formas geométricas planas: retângulo,
triângulo, quadrado e círculo cortadas em E.V.A.
1
, com dois tamanhos diferentes de
cada figura e diz: “sabem também onde podemos encontrar o retângulo e o
quadrado? Na amarelinha”. Ela desenha uma amarelinha no quadro. Enquanto isso as
crianças pegam as formas de E.V.A. e tentam formar outras figuras com elas.
As figuras foram passadas para que todas as crianças pudessem tocá-las e a
professora continuou com seus questionamentos até que todas as crianças as tivessem
manipulado. Milce sempre perguntava o nome da figura, tentava fazer com que as
crianças estabelecessem relações com objetos do cotidiano e fornecia informações
quando necessárias.
1
O E.V.A (Etil Vinil Acetato) é um material de uso para fins de artesanato ou trabalhos manuais
voltados para à área do aprendizado em escolas. É mais conhecido popularmente como Material
Emborrachado, que por sua vez, destaca-se pela sua flexibilidade, a versatilidade de cores e a
infinidade de produtos que se pode confeccionar com ele.
100
A variedade dos recursos foi algo que nos chamou atenção nesta OP: o
registro material por meio das figuras em E.V.A., a língua materna nos
questionamentos da professora, das crianças e também no enunciado do livro, a
linguagem geométrica que permeou todo o diálogo e os desenhos no quadro para
ilustrar as informações que eram socializadas.
Nessa praxeologia notamos certa valorização, por parte da professora, da
experiência com objetos materiais pelas crianças, como nesta orientação: “voltem aos
seus lugares que eu vou passar de mão em mão. Passem as mãozinhas para sentirem
os lados”.
Os momentos de estudos foram alternados entre exploração do tipo de tarefa
e institucionalização, que sempre acontecia a partir de uma pergunta dirigida às
crianças ou quando a professora sentia a necessidade de fornecer uma informação a
respeito do tema de estudo como no exemplo: “e esta”? Mostrando a representação
do círculo. Uma criança respondeu: “bola”! Ela questionou em seguida: chama
assim mesmo? Então outra responde: círculo”.
Vimos isso como uma forma de promover a integração entre as crianças e
uma tentativa de trazer a validação por outra pessoa do grupo. Alguns elementos,
mesmo que numa linguagem informal, eram acrescentados e integrados ao diálogo à
medida que nova questão era apresentada pela professora: “por que é retângulo?
Porque tem dois lados bem grandes e dois pequenos. Ou mesmo na afirmação: “se
eu pegar uma régua e medir eu vou encontrar a mesma medida aqui e aqui”
(mostrando os lados na representação do quadrado em E.V.A.).
Finalmente, observamos que na segunda parte da aula, em que ela usou os
materiais de E.V.A., que no procedimento da professora havia indícios de momentos
de avaliação, em que eram realizadas algumas perguntas em relação às formas
geométricas, como por exemplo: “que figura é essa? E que cor é”? Mostrando o
triângulo. Ou mesmo em relação às propriedades das figuras: “o círculo tem lado?
Desse modo, ao descrevermos e analisarmos o encaminhamento das tarefas
que compõem esta OP, podemos inferir, que segundo a definição de Chevallard
(1999) ela foi permeada por três momentos de estudo.
Finalizando, destacamos alguns aspectos para os primeiros elementos de
síntese: valorização da atividade de visualizar, diversificação de ostensivos e uso de
objetos materiais.
101
Passaremos agora para a análise das OP
5
, OP
6
e OP
7
produzidas pela
professora Liana, sobre o tema de estudo “Formas Geométricas Planas”, na turma do
segundo ano matutino.
4.3.2.5 OP
5
- Nomear figuras
Essa OP se caracteriza essencialmente pela nomeação de figuras planas. A
professora Liana confeccionou um cartaz (Figura 13), com quatro formas: círculo,
quadrado, triângulo e retângulo. As crianças estavam sentadas à mesa e divididas em
dois
grandes grupos. Elas estavam atentas ao que a professora fazia no momento em
que esta pegou o cartaz e colou no quadro. Nesta OP identificamos quatro tarefas as
quais descreveremos a seguir.
As tarefas t
18
,
t
19
,
t
20
e t
21
estavam reunidas num cartaz confeccionado pela
professora e se definem, respectivamente, por identificar as figuras geométricas
planas: círculo, quadrado, triângulo e retângulo, a partir da visualização da
representação gráfica no cartaz nomeando-as.
Figura 13 - Nomear figuras.
Fonte: Acervo professora Liana (2009).
A técnica didática utilizada pela professora, a qual denominamos de
“Nomear figuras”, consistia em colar o cartaz na parede, apontar a representação
gráfica das figuras geométricas planas que estavam no cartaz e perguntar o nome de
102
cada uma às crianças, coletivamente. Os elementos tecnológico-teóricos associados a
essa técnica são constituídos pela nomenclatura das formas geométricas planas e suas
propriedades: lados paralelos, número de lados, ângulos e vértices.
Nessa tarefa, a partir da visualização do desenho no cartaz, a criança deverá
dizer o nome da figura apontada pela professora. A proposta envolve os conceitos da
geometria plana, em que as crianças deverão falar o nome das formas geométricas
em questão, o que requer o uso da memória visual para a formação das imagens
mentais (objetos não-ostensivos), estas, por serem abstratas, permitem maior
agilidade no pensamento para resolver determinadas situações (PAIS, 2006).
Analisando a praxeologia da professora Liana, notamos que ela utilizou
várias formas de registro e que a primeira delas, a mais usual, foi a língua materna
numa sequência de perguntas e pequenos discursos num diálogo constante, ao
apresentar oralmente o cartaz. Não houve um enunciado específico para a atividade,
contudo ficou implícito que as figuras deveriam ser nomeadas na medida em que
eram apontadas.
A linguagem geométrica foi introduzida pela dimensão ostensiva da
representação das formas por meio dos desenhos, pelo uso da nomenclatura das
figuras e também pelas propriedades que foram evidenciadas durante a atividade.
Desse modo, a professora promoveu uma combinação entre ostensivos: a oralidade
(língua materna e linguagem geométrica) e a representação gráfica das figuras no
cartaz.
A professora Liana iniciou a aula dizendo: “hoje eu preparei um cartaz para
o nosso trabalho”. Mostrou o cartaz e anunciou: “essas são as figuras geométricas
planas”. Assim que ela pronunciou as primeiras frases, identificamos como um
momento da institucionalização. É a primeira entre as praxeologias já observadas que
começa com esse momento, que permeou a atividade inteira, pois enquanto
dialogava com as crianças, sempre que necessário ela ressaltava os conhecimentos
geométricos envolvidos na resolução das tarefas propostas, como no diálogo a seguir.
Apontando a representação do círculo, ela perguntou às crianças: “qual o
nome dessa”? Sem demora uma criança responde: bola! A professora retoma
dizendo:não, esse é o círculo. O mesmo procedimento foi observado quando ela,
ao apontar a representação gráfica do quadrado, chamou a atenção das crianças para
o seguinte aspecto: “esse lado é paralelo a esse e esse é paralelo a esse” (apontando
os lados do quadrado dois a dois). Se eu medir todos os lados do quadrado, veremos
103
que eles têm a mesma medida. Ao apontar o triângulo acrescentou:esse é um dos
tipos de triângulos (era o equilátero), mas existem outros tipos.
Na apresentação do cartaz, pela forma como foi conduzida a atividade, por
meio de perguntas e respostas objetivas, julgamos que o discurso da professora foi
entremeado por pequenos indícios de momentos de avaliação. A proposta era a
visualização, seguida de perguntas, como por exemplo: “que figura é essa? qual o
nome dessa? A técnica que deveria ser usada pelas crianças era: observar o cartaz
com a representação das figuras planas e falar o nome da figura indicada pela
professora, em voz alta.
Para resolver tarefas como essas, seria necessário às crianças terem
desenvolvido as primeiras imagens mentais e as primeiras percepções sobre as
formas para poder nomear corretamente as figuras.
Pela observação da atividade, a praxeologia dessa professora demonstrou
que ela prioriza a sistematização dos conhecimentos de uma forma centralizadora,
como se a aprendizagem das crianças dependesse exclusivamente de suas instruções.
Elas praticamente não tinham a oportunidade de nomear as figuras, porque a
professora imediatamente já respondia, inclusive fornecendo informações
desnecessárias, fora dos objetivos da atividade.
Mais uma vez interpretamos como um procedimento que leva à
“irresponsabilidade matemática” dos alunos, conforme Chevallard, 2001. Não há um
envolvimento das crianças com a atividade e segundo esse autor, “implica que o
aluno dependa totalmente do professor e reciprocamente, que sobre o professor
recaia toda a responsabilidade pela aprendizagem matemática do aluno”.
E ainda ponderou que cabe ao professor decidir quais as possíveis maneiras
de organizar as praxeologias pertinentes a determinados temas, porém devemos evitar
o que é denominado por ele de “didatite”, quando o valor social da matemática é
reduzido somente à matemática escolar, ou seja, “considerar que a matemática é feita
para ser ensinada e aprendida, que o ensino formal é imprescindível em toda a
aprendizagem matemática e que a única razão pela qual se aprende matemática é
porque ela é ensinada na escola” (CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 2001, p. 45).
104
4.3.2.6 OP
6
- Encaixar figuras
Esta OP caracteriza- se pela manipulação de figuras que a professora Liana
trouxe para a realização destas tarefas, utilizando várias representações das formas
geométricas planas para serem encaixadas num molde vazado, contendo os contornos
variados.
Figura 14 - Encaixar figuras.
Fonte: Acervo da escola (2009).
Nesta OP encontramos quatro tarefas: t
22
,
t
23
,
t
24
e
t
25,
que estavam reunidas
numa mesma placa e tinham como objetivo encaixar respectivamente as
representações do quadrado, retângulo, triângulo e círculo no contorno
correspondente em um molde vazado numa placa em E.V.A.
A técnica didática de encaixar figuras, utilizada pela professora, consiste
em trazer a representação das figuras geométricas: círculo, quadrado, retângulo e
triângulo, confeccionados em E.V.A. e várias placas do mesmo material, com moldes
vazados dessas figuras e entregar para cada criança uma placa e uma quantidade de
figuras que deverão ser encaixadas no molde com o mesmo formato. Esse
procedimento destaca a importância dada à manipulação de materiais como um dos
elementos essenciais para a formação do pensamento geométrico.
Os elementos tecnológicos associados a essa técnica consistem na percepção
de algumas propriedades das formas geométricas planas por meio da manipulação e
experimentação de materiais (objetos ostensivos), uma recomendação expressa nos
PCN que, ao tratarem do ensino de geometria para os anos iniciais do Ensino
105
Fundamental, enfatizam o caráter experimental que constitui a base para o
desenvolvimento de conceitos de espaço e forma futuros.
Essa técnica é permeada pelos conceitos relativos à geometria plana. A
capacidade de discriminação aliada à memória visual é necessária para que a criança
possa associar o contorno à figura geométrica que se encontra em diferentes
posições, o que exige várias tentativas.
Cada criança recebeu uma placa e para resolver a primeira tarefa desta OP, a
t
22
, foi utilizada a técnica didática: observar a representação do quadrado, procurar
no molde vazado o contorno correspondente e encaixá-la. A mesma técnica deveria
ser usada para resolver as tarefas t
23
, t
24
e
t
25
.
Assim que a professora entregou o material às crianças, elas começaram a
brincar alegremente com as peças nas mesas, fazendo várias tentativas de encaixe,
mudando a posição da figura ou sobrepondo as representações nos contornos. Nesse
ínterim é possível observar o momento de exploração de um tipo de tarefa pelas
crianças que inicialmente montavam e desmontavam aquelas peças numa espécie de
experiência sensorial, fazendo pilhas com as formas, para em seguida analisarem o
tamanho, o número de lados e a posição.
A professora permitiu que elas manipulassem livremente as representações
das figuras por um tempo e, após a familiarização das crianças com as peças, ela
começou a caminhar entre os grupos questionando-os aleatoriamente sobre os nomes
das figuras. Desta vez era um trabalho individualizado, diferente da OP
5
, que foi
realizada coletivamente.
Nesse procedimento, tivemos a impressão de que se tratava de um momento
de avaliação, pois Liana sempre perguntava o nome da figura que a criança tinha na
mão e, a partir da resposta, a professora ou dizia o nome da figura ou acrescentava
informações sobre ela, passando para um momento de institucionalização como no
exemplo: Como chama essa figura”? (era uma figura quadrada) e a criança
respondeu: círculo. Em seguida a professora retoma: “não, essa aqui tem os quatro
lados iguais”.
Nessa OP vimos a presença forte dos ostensivos, por meio dos objetos
materiais e da língua materna na oralidade, predominando durante toda a realização
da atividade. Esses objetos discursivos e materiais ainda não sofreram o que é
denominado na TAD de redução da dimensão ostensiva. Mesmo nessa turma, onde a
maioria lê e escreve convencionalmente, a escrita não é um registro privilegiado.
106
Não estamos negando, com isso, a importância da linguagem escrita para as
crianças que estão nessa fase de escolaridade, porém numa abordagem antropológica,
a diversificação de ostensivos é sempre recomendada, assim como a articulação entre
eles não havendo diferenciação do ponto de vista do valor ou função de cada uma na
atividade matemática, como geralmente ocorre nas salas de aula dos anos iniciais da
Educação Básica.
Ao conduzir as tarefas, a professora usava a linguagem matemática na
oralidade, chamando a atenção das crianças para as semelhanças e diferenças entre as
figuras no momento da institucionalização: “Qual a diferença entre o triângulo e o
quadrado? Conta os lados do quadrado: “um, dois, três, quatro. E essa tem três
lados. Conta os lados do triângulo: “um, dois, três”.
Em relação a semelhanças e diferenças, inicialmente as crianças
observavam cores e tamanhos. Depois, aos poucos, iam estabelecendo comparações e
observando certas propriedades das figuras, como no caso do retângulo: “os dois
lados são iguais e os outros dois lados são iguais.
Nessa atividade, as crianças precisam observar características como o número
de lados, tamanho e ângulos, para depois decidir onde será colocada cada peça. Nessa
técnica, as crianças ainda não têm como apreender todos os não-ostensivos que o
material evoca, porém pode ser um instrumento simples e desafiador para o início da
sistematização das primeiras noções de percepção espacial.
Nesse contexto, julgamos necessário fazer uma referência a uma das noções
fundamentais da abordagem antropológica que diz respeito à diversificação dos
ostensivos: embora ela seja recomendada, é preciso considerar que uma técnica
didática não se limita à utilização de diferentes ostensivos, pois as crianças não têm
condições de perceberem espontaneamente a dialética entre os ostensivos e não-
ostensivos (ALMOULOUD, 2007). Daí o papel do professor como um coordenador
dos estudos, que tem como uma de suas funções promover a articulação dos
ostensivos mobilizados no desenvolvimento de uma ou mais praxeologias.
107
4.3.2.7 OP
7
- Contar figuras
Esta OP se caracteriza pela técnica da contagem das formas que compõem
um desenho e foi realizada pela professora Liana, a partir de uma atividade com o
tema de estudo Figuras Geométricas Planas. É composta por quatro tarefas do: t
26
,
t
27
,
t
28
et
29
que se definem, respectivamente, por identificar numa figura a quantidade
de formas circulares, triangulares e retangulares, enumerando-as.
As quatro tarefas estavam reunidas numa mesma folha e a técnica didática
usada pela professora para encaminhar a resolução da tarefa t
26
é denominada de
Contar figuras, que também foi utilizada para o trabalho com as t
27,
t
28
e t
29
.
Podemos descrevê-la da seguinte maneira: ela entregou o caderno, com uma folha de
sulfite colada, para cada criança com a representação gráfica das formas geométricas:
círculo, quadrado, retângulo e triângulo e logo abaixo o desenho de um barco
formado pelas figuras citadas e dizendo: “vocês vão olhar esta figura do barquinho e
contar as figuras geométricas.
Figura 15 - Contar figuras.
Fonte: Acervo da professora Liana.
108
Todas as tarefas eram para ser feitas individualmente, com as crianças
sentadas cada uma em sua carteira. Para resolver a primeira tarefa desta OP, a t
26
,
elas deveriam usar a seguinte técnica didática: observar o desenho do barco,
identificar a forma quadrada e depois contá-las.
Os elementos tecnológico-teóricos associados à técnica contar figuras” são
compostos pela observação das formas geométricas planas e suas propriedades: lados
paralelos, nº de lados, ângulos e vértices. Esta técnica envolve os conceitos da
geometria plana (no tocante à identificação das figuras que têm a mesma forma e a
mesma medida em diferentes posições) e da aritmética (no que diz respeito à
contagem e escrita dos números). Essa praxelogia da professora permite o
desenvolvimento da discriminação visual das crianças, por meio dos objetos
ostensivos presentes na atividade em que elas precisam recorrer à contagem para
escrever o número correspondente dentro da representação das formas geométricas
planas.
Ao iniciar a atividade, a professora anunciou: “no caderno de matemática, a
professora colocou uma atividade sobre as formas que a gente estudou hoje. Quais
foram”? Uma criança, sem hesitar, respondeu: “círculo, retângulo”. Entendemos esse
procedimento como um momento de avaliação, pois a partir do questionamento da
professora, a criança foi levada a buscar na memória as figuras trabalhadas na
atividade anterior. Como só foi dito o nome de duas das quatro figuras, a professora
voltou ao cartaz e disse: “vamos ler juntos, círculo, retângulo, triângulo e quadrado”.
Então pudemos observar um encaminhamento mais formal em que a professora
conduz a atividade para um momento de institucionalização, a partir de uma
necessidade observada por ela.
Nessa OP vimos aparecer tarefas que exigiam o registro numérico por parte
das crianças, numa articulação entre a geometria e a aritmética: para poder contar as
figuras era necessário primeiro identificá-las num contexto maior, que era o desenho
do barco. Na atividade integram-se também a linguagem matemática para que as
crianças observem as representações das figuras geométricas planas, a língua
materna no enunciado e a escrita na identificação do número de formas. Estes são os
denominados objetos ostensivos presentes na organização praxeológica.
Na técnica didática realizada, distinguimos os diferentes momentos
correspondentes. Nessa perspectiva, a praxeologia implementada foi permeada por
dois momentos de estudo, que conduziram os encaminhamentos da professora:
109
avaliação e institucionalização. A professora conduziu esses diferentes momentos
com as crianças, que realizaram a atividade com autonomia. Verificamos que elas
identificavam facilmente as figuras em questão, o que permitiu contá-las com
rapidez. Na medida em que iam terminando, elas começavam a pintar o barco e a
professora avisava: “quando terminar a professora vai passar na mesinha olhando o
caderninho”.
Nas praxeologias da professora Liana, quatro aspectos nos chamaram a
atenção: a diversificação de ostensivos, indícios de uma prática baseada na repetição
e uma preocupação constante com a avaliação e institucionalização. Entre a OP
6
e
OP
7
ela propôs às crianças uma brincadeira de construção com peças coloridas, o que
entendemos como uma valorização da ludicidade para as crianças dessa faixa etária.
Finalizando, apresentaremos a seguir a análise da OP
8
, produzida pela
professora Ana Lucia, com uma turma do segundo ano, no período matutino.
4.3.2.8 OP
8
- Relacionar figuras
Esta OP foi encaminhada pela professora Ana Lucia e caracteriza-se pelo
estabelecimento de relações entre figuras geométricas planas da 1C1L. É composta
por três tarefas: t
30
,
t
31
e
t
32
, que estavam numa mesma página e se definem
respectivamente por relacionar entre si as figuras com três, quatro ou nenhum lado.
Para resolver as tarefas, o livro sugeria que as crianças pintassem da mesma cor (já
determinada para cada caso) as formas com o mesmo número de lados com o
seguinte enunciado: pinte as figuras de acordo com o número de lados”.
110
Figura 16 - Relacionar figuras.
3 Lados 4 Lados Nenhum lado
Fonte: Cora, Gastaldi e Tonello (2006, p. 75).
A técnica matemática usada para resolvê-la foi denominada por nós de
“Relacionar figuras entre si” e podemos descrevê-la assim: dados alguns desenhos
indicando as cores e a legenda: vermelho- 3 lados, amarelo- 4 lados e azul- nenhum
lado e, em seguida, o desenho em branco das figuras: quadrado, círculo, retângulos e
triângulos, em três tamanhos diferentes, a criança deveria relacionar as figuras
pintando-as de acordo com o número de lados.
A tecnologia associada a essa técnica é composta pela observação das
formas geométricas planas e suas propriedades: lados paralelos, número de lados,
ângulos e vértices. Nessa técnica será necessário à criança ativar um conjunto de
habilidades de visualização, pois as figuras são de diferentes formatos e tamanhos e
estão em posições variadas. Tais habilidades são importantes para desenvolver os
processos necessários para resolver problemas de natureza geométrica. Além da
discriminação visual, a criança também poderá recorrer à contagem de lados para
depois decidir quais figuras serão pintadas da mesma cor.
Os elementos teóricos relativos a essa técnica envolvem os conceitos da
geometria plana e aritmética. Atividades como essas permitem à criança avançar na
identificação das formas, percepção de suas propriedades e classificação das formas
de acordo com o número de lados. Inicialmente ela poderá se deter nos aspectos
visuais dos ostensivos e, se necessário, recorrer à contagem para relacionar as
representações das figuras planas. Desta forma, gradativamente, passará de um nível
111
de visualização para um nível de análise de conceitos geométricos (NACARATO;
PASSOS, 2003).
A diversificação dos objetos ostensivos oferecidos pelo livro utiliza a
linguagem geométrica para que as crianças observem as representações das figuras
geométricas planas e a língua materna no enunciado e requer o uso do registro em
linguagem matemática pela criança, na identificação do número de lados.
Para iniciar a aula de matemática a professora preparou um cartaz com
representação gráfica das formas geométricas planas: quadrado, triângulo, retângulo
e círculo e realizou coletivamente um encaminhamento similar ao usado na OP
5
,
utilizando a técnica “Nomear figuras”.
Entendemos este procedimento como um momento de avaliação, pela forma
como este foi conduzido. Ela colocou um cartaz com as figuras geométricas planas
no quadro e disse: “Quem lembra que nós já trabalhamos essas figuras, qual é o
nome delas”? As crianças respondiam: “formas geométricas, triângulo, retângulo”.
Figura 17 - Formas planas.
Fonte: Acervo professora Ana Lúcia (2009).
112
As criaas demonstravam em suas respostas já conhecerem o assunto, o
que nos leva a concluir se tratar de um momento de reencontro com aquele tipo de
tarefa. Mesmo não dominando o vocabulário, faziam observações interessantes,
como no estudo do retângulo: “ele tem lados maiores, porque em cima e embaixo é
mais esticado, ele tem lados diferentes, não é igual ao quadrado”.
A professora propôs também algumas tarefas já realizadas na OP
2
, o que
parecia ser uma retomada de conteúdos com indícios de momentos de avaliação.
Notamos integração entre uma diversidade de ostensivos que se
intercalavam na medida em que transcorria a aula. A professora se reportava ao
cartaz, em seguida pedia que procurassem na sala objetos com formas semelhantes às
formas geométricas: “me mostrem na sala algo que tem a forma do quadrado. Agora,
o que temos na sala que tem o formato do círculo”?
Ana Lucia, sempre que oportuno, fornecia importantes informações sobre o
tema estudado às crianças, o que identificamos como momento de institucionalização:
“como é que eu sei que esse é o quadrado? Porque tem os quatros lados iguais”. Em
seguida desenha a representação de um quadrado no quadro e diz, mostrando com os
dedos das mãos: “onde essas linhas se encontram chama-se vértice”.
Figura 18 - Representação gráfica do quadrado.
Fonte: Desenho professora Ana Lúcia (2009).
113
Ana Lucia então apresentou às crianças as três tarefas: t
30
,
t
31
e
t
32
. Como o
livro ainda não havia chegado à escola, foi tirada uma cópia para cada criança (em
preto e branco) por isso ela teve de interferir: “vamos combinar, as figuras que têm
três lados vocês pintam de azul e as que tiverem quatro lados de laranja”.
A professora pediu para as crianças pegarem os lápis com as cores
combinadas e disse: “senta, não comecem a fazer ainda, vamos fazer juntos. A
professora vai fazer um só para vocês lembrarem. Primeiro vou procurar todos os
que têm três lados, tudo que tiver três lados tem que pintar de azul”.
Notamos no procedimento acima, levando em conta o que Chevallard,
Bosch e Gascón (2001, p. 122) consideraram como metodologia de ensino, “as ações
ou gestos profissionais que deve realizar o professor para guiar o processo de estudo
de seus alunos”, certa tendência a querer controlar todo o desenvolvimento da
atividade.
Percebemos que Ana Lucia não entendeu bem a atividade, quando uma
criança perguntou: “o verde é para pintar as bolas”? E ela respondeu: “não são bolas,
são os círculos. Essa não ta mandando pintar”. Mas as figuras que não tinham lados
também eram para ser pintadas. Ela circulava entre as mesas, orientando
individualmente as crianças, que não tiveram dificuldades para relacionar as figuras e
pintá-las.
Nesta OP destacamos dois aspectos que julgamos importante para nossa
posterior análise: diversificação de ostensivos e uma centralidade na figura da
professora ao conduzir a resolução das tarefas.
4.3.3 Análise das entrevistas
Para organizar esta análise, levamos em consideração a questão central de
pesquisa e procuramos respondê-la delimitando a entrevista a uma pergunta que
depois derivou outras, a partir da própria prática e respostas das professoras.
Questão central: Quais as práticas docentes que são efetivamente
implantadas para o ensino das formas geométricas nos dois primeiros anos do Ensino
Fundamental?
Questão da entrevista: Você escolheu aquela atividade para realizar com as
crianças, eu queria que você me contasse um pouquinho porque você organizou
114
daquela maneira. Fale sobre os seus procedimentos. Por que você trabalha desta
maneira as formas geométricas?
Observamos que nas entrevistas o discurso coincide com as práticas
observadas, assim como com a análise do encaminhamento das atividades dos livros
didáticos. Julgamos importante salientar que na triangulação dos dados: análise dos
encaminhamentos das atividades do livro didático e as práticas observadas em sala
de aula e nas entrevistas foram evidenciados quatro elementos que influenciam as
praxeologias das professoras, que a seguir destacamos. Agrupamos os dois primeiros
por serem diretamente relacionados.
4.3.3.1 Aprender pela experiência e o uso de materiais manipuláveis
Então sempre tem que começar com uma coisa concreta, o material
concreto para eles manusearem, para eles verem. Quando ele compara
com aquilo que ele conhece, que manuseia, tipo os brinquedos, as coisas
que tem em casa, as coisas que eles têm dentro da sala de aula, então eles
aprenderam além do registro. Quando você compara objeto com objeto
tem que dar para eles além da visão, o tato, o manuseio e assim coisa
concreta do dia a dia. (Professora Mariluce)
Porque são crianças pequenas e o entendimento deles é muito restrito e
eles entendem melhor visualizando, vendo, pegando. (Professora Milce)
Geralmente eu trabalho com sucata aquilo que eles já trazem de casa, que
é mais fácil para eles estarem memorizando é a caixinha do leite, a caixa
de sapato, a caixinha de suco que eles trazem para o lanche, o caderno, o
material que eles já têm, a circunferência do lápis, tudo isso para envolver
bem o dia a dia deles. (Professora Ana Lucia)
Porque a gente fala quadrado é muito abstrato, se eles tiverem aquele jogo
vazado, por exemplo, eles podem tocar os lados, ver que os lados são
iguais. [...] Eu gosto de trabalhar com o concreto, até porque eu tenho
crianças que nunca frequentaram a escola. Eles vieram direto da creche
para a sala de aula. Com o concreto eles pegam mais rápido as diferenças,
as semelhanças. [...] ele toca, ele compara, ele mede, ele pega as duas
figuras que são diferentes, ele tenta ver na mão qual que é a diferença.
(Professora Liana)
4.3.3.2 Contextualização do cotidiano
Quando você ta fazendo principalmente a semelhança dos objetos, eles
têm que ter essa visão e fazer ao mesmo tempo um paralelo com o que
eles têm em casa, com o que eles têm na sala. [...] Porque eu vejo assim,
que a contextualização é muito importante, o registro também é
importante, mas só que antes do registro eu tenho que partir para
contextualizar, então quando eu faço um paralelo dos sólidos geométricos
115
que é um conteúdo com as coisas que eles já veem em sala, veem na casa,
então estou contextualizando. (Professora Mariluce)
Você pode fazer, identificando, mostrando, observando a semelhança,
questionando o espaço da sala o que é parecido que é diferente o que pode
ser mudado. Nós tivemos dificuldade de achar algum objeto na sala que
tivesse a forma triangular e assim é mais fácil gravar e memorizar
relacionando com o dia a dia deles.
[...] Muita informação ao mesmo tempo, então trazendo a vivência deles,
enriquece o nosso trabalho e facilita pra eles o conhecimento. (Professora
Ana Lucia)
4.3.3.3 Uso de recursos pelo professor
Só eu falando lá no quadro não dá para eles entenderem o que é um
círculo, o que é um quadrado. Então eles têm que visualizar. Por isso é
ma is fácil para eles, e pra gente também que tá dando aula, trabalhar
através de cartazes, das figuras. (Professora Milce)
O cartaz eu fiz para enriquecer a aula. [...] é muito mais fácil visualizar
aquilo que vai ser trabalhado do que só o falado, a parte oral vem para
contribuir com o cartaz. (Professora Ana Lucia)
[...] eu gosto de colocar o cartaz, explicar primeiro, faço o agrupamento
aleatório, que eu não separo por aprendizagem, por nível de
aprendizagem, porque eu acho também que eles aprendem mais assim. E
eu vou passando nas mesinhas e perguntando para saber se eles realmente
entenderam ou se não. Porque têm alguns deles que esclarecem antes de
terminar a aula. (Professora Liana)
Esses elementos já foram examinados anteriormente na análise do
encaminhamento das atividades dos livros didáticos e encontram-se diretamente
ligados, de maneira bem expressiva, em todas as respostas.
Julgamos necessário acrescentar à nossa análise a observação de Gascón
(2003) para que esses elementos não sejam encarados como “receitas mágicas” para
os problemas que os professores que ensinam matemática nos expõem. Segundo esse
autor, “Essas soluções costumam apresentar-se em forma de slogan pedagógico que,
naturalmente, pretendem dar soluções imediatas, diretas e completas aos problemas
que o sentido comum explica as noções aceitas e vigentes na cultura escolar”
Esse autor nos alerta para o “processo de desmagificação”, uma luta para
eliminar a ideia de mentalidade mágica para a explicação dos fatos científicos, o que
consolidaria as ciências. No que diz respeito à didática das matemáticas nos chama a
atenção que ainda “estamos em pleno processo de desmagificação”, pois a adoção de
um slogan sem a reflexão mais apurada não nos permite enxergar o perigo das
respostas definitivas.
116
Durante o trabalho, sentimos segurança nas afirmações e a preocupação com
a aprendizagem das crianças. Elas evidenciaram suas metodologias de trabalho nas
explicações e assim identificamos uma coerência entre o que elas falam e o que
fazem em relação ao ensino das formas geométricas.
Baseados nessas evidências e nas análises das práticas observadas em que
predominam os momentos exploração do tipo de tarefa e o da institucionalização,
inferimos que as organizações didáticas predominantes são de tendência
construtivista, que segundo a definição de Gascón (2003) considera o momento
tecnológico-teórico e o exploratório; contextualiza a atividade de resolução de
problemas situando-a numa atividade mais ampla e considera que a aprendizagem é
um processo ativo de construção de conhecimentos, que se leva até o fim seguindo
fases determinadas e que depende essencialmente dos conhecimentos prévios.
CAPÍTULO V
SÍNTESE E CONCLUSÕES
A análise da atividade matemática requer a utilização de
noções apropriadas que permitam descrever seus distintos
componentes, assim como suas condições de produção e
reprodução (BOSCH, 2000, p. 16).
Este trabalho objetivou analisar alguns elementos praxeológicos
implementados pelas quatro professoras que contribuíram na parte experimental da
pesquisa relatada nesta dissertação, no desenvolvimento das aulas com o tema de
estudo Formas Geométricas, nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, de
uma escola da REME. Especificamente neste capítulo, apresentamos os elementos de
síntese de nosso trabalho e ressaltamos aspectos convergentes que caracterizam as
praxeologias identificadas a partir da análise dos materiais coletados: as memórias de
quando elas eram estudantes, o registro dos encontros que foram organizados para a
realização da pesquisa, as observações das atividades realizadas com as crianças na
sala de aula e as entrevistas com as professoras.
Nos anos iniciais da Educação Básica, o trabalho com o desenvolvimento
dos conceitos de espaço e forma é realizado por meio de atividades específicas.
Assim, a criança, nesta etapa de escolaridade, poderá estabelecer as primeiras
relações espaciais tendo como referência o seu esquema corporal, familiarizar-se
com a nomenclatura das formas e identificar propriedades, para, depois, fazer
reflexões e elaborar as noções mais complexas rumo às abstrações.
Em nossa análise, que foi realizada à luz dos pressupostos da Teoria
Antropológica do Didático, identificamos alguns pontos comuns na implementação
das atividades observadas, que foram conduzidas pelas professoras.
Neste trabalho, analisamos as práticas das professoras e constatamos que
nas praxeologias, o trabalho com a geometria ainda é centrado no ensino das formas,
ficando evidente que a percepção espacial, também importante nesta fase inicial de
escolaridade, não é suficientemente explorada.
Sabemos que a percepção do espaço e forma envolve atividades que
propiciam movimento e pode ser trabalhada por meio de jogos e brincadeiras, em
118
que a criança é estimulada a perceber o espaço a sua volta e interagir nele. Essas
práticas, que poderão ser investigadas num trabalho futuro, podem trazer aspectos
significativos para o ensino da geometria nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Nas praxeologias realizadas, observamos um caráter essencialmente
didático na ação das professoras no trabalho com as crianças. Entretanto, o
componente matemático, embora não sendo tão evidenciado se constitui num dos
aspectos fundamentais deste trabalho, pois em cada ação da dimensão didática estão
implícitos os saberes matemáticos.
De acordo com a TAD, as situações planejadas pelos professores devem ser
capazes de suscitar alguns questionamentos por parte dos alunos, mas esses não são
os únicos responsáveis pelo desenvolvimento das tarefas propostas. Cabe aos alunos
certa independência no desenvolvimento da organização matemática em questão.
Não extrapolamos nossas análises além dos nossos objetivos nesta pesquisa,
embora alguns aspectos suscitassem algumas reflexões e questionamentos que, a
nosso ver, dificultaram o desenvolvimento de algumas atividades, como o
planejamento, por exemplo.
Considerando o que propõe a TAD, um dos pontos que iremos destacar é a
variedade de ostensivos presentes nas praxeologias identificadas. Todas as
professoras lançaram mão dos mais diversos recursos que, articulados às outras
formas de linguagem, principalmente a oralidade, fizeram parte de todas as
atividades observadas.
As professoras revelaram uma importância muito grande no uso de
materiais e também à experiência como recurso no ensino das formas. Observamos
ainda que, nas práticas realizadas por elas, predominam os momentos de exploração
de um tipo de tarefa e da institucionalização na condução dos encaminhamentos das
atividades realizadas.
O momento da institucionalização, que se caracterizou pela valorização do
ensino da nomenclatura e algumas propriedades das figuras trabalhadas, também foi
constante na realização das tarefas, embora apenas uma professora tenha iniciado
pela institucionalização. Esse momento de estudo geralmente acontecia de forma
essencialmente associada ao momento exploratório, na medida em que as
organizações praxeológicas eram construídas. As professoras forneciam as
informações que elas julgavam necessárias, referentes aos conhecimentos
119
geométricos, o que consideramos como uma sistematização do trabalho, noção muito
presente nas orientações curriculares nacionais .
Ressaltamos que o livro didático é um recurso utilizado por elas, porém não
é a única referência para o trabalho, que não se restringe às organizações didáticas
propostas por ele. As professoras elaboram outras tarefas e diversificam os recursos
materiais além do livro e o quadro de giz, o que demonstra certa autonomia por parte
delas, provavelmente adquirida a partir de experiências anteriores.
Para a TAD, na educação matemática escolar há coisas que lhe são próprias,
mas o que é feito na escola não nasce somente nela. No contexto do grupo de
pesquisa do qual fazemos parte, passamos a conceber a ideia de que “rede de
instituições” vão contribuir na constituição do saber escolar.
Como mostramos no capítulo quatro, os saberes docentes evidenciados
pelas professoras foram construídos com base na experiência de cada uma como
aluna, na formação inicial e na prática cotidiana da sala de aula, porém os discursos
são muito parecidos.
A TAD pode contribuir com a reflexão teórica e com a prática das
professoras, na medida em que a construção do conhecimento é potencializada pelas
vivências e experiências dos alunos, mas não pode ficar restrita às questões do
cotidiano. Nesse sentido, as crianças devem não apenas estar em contato com as
noções matemáticas, mas também realizar atividades que as levem a aplicar a sua
capacidade de raciocínio e a justificar sua forma de pensar.
Na integração promovida pela professora, era possível que todas as crianças
tivessem a oportunidade de se expressar e, desse modo, iam atribuindo sentidos aos
novos conhecimentos para, gradativamente, elucidar algumas relações entre os
diferentes significados e as ideias matemáticas relativas às formas geométricas.
Nesse contexto, podemos afirmar que, na realização da atividade
matemática, os ostensivos estão presentes nos diversos tipos de linguagem que
compõem as praxeologias e servem como suporte, às vezes indispensáveis, mas não
fazem parte da atividade. Os ostensivos podem intervir na atividade, mas são apenas
“representações” de outros objetos ostensivos ou de não-ostensivos (relacionados a
ideias e conceitos) e devem ser analisados como instrumentos nas técnicas,
tecnologias e teorias e também pela capacidade destes em produzir sentidos na
análise didática dos saberes matemáticos.
120
A escolha dos ostensivos está ligada aos objetivos que o professor tem na
realização da atividade matemática, que pode variar de acordo com o contexto,
pressupostos ou a cultura escolar vigente na instituição. É muito forte na matemática
escolar a presença da escrita prevalecendo entre as outras linguagens. Todavia, nas
praxeologias observadas, identificamos que também são valorizadas outras formas de
expressão, o que consideramos muito positivo.
Na perspectiva proposta por Chevallard é necessário ao professor uma
atitude de permanente observação das crianças, incentivando-as a expressarem-se por
meio de diferentes ostensivos, que, articulados, podem auxiliar o professor no
processo didático e, assim, melhor orientar o estudo.
Percebemos certos encaminhamentos com indícios de treino e repetição, o
que muitas vezes a professora não percebia era que, depois da orientação, bastava às
crianças usar a memória. Agindo assim, mesmo que inconscientemente, esta ação
não contribui, em nosso ponto de vista, para que as crianças pensem sobre a tarefa
proposta e busquem suas próprias técnicas didáticas para resolvê-la.
Mais uma vez, o conceito de “irresponsabilidade matemática” é um ponto
importante de análise sobre as praxelogias das professoras, que desde os anos iniciais
não devem trazer para si todo o poder de validação das respostas dadas em sala de
aula, mas transferir uma parte desta responsabilidade para as crianças.
Nessa perspectiva, entendemos que uma criança na tenra idade pode ser
responsabilizada no ensino de matemática, a partir do momento em que acreditarmos
que o trabalho do professor não consiste em dar as respostas sempre, decidir tudo
sozinho. Ele tem a função de coordenar o processo de estudo durante a realização das
atividades, orientar as crianças na aproximação dos objetivos pretendidos e,
principalmente no caso da geometria, propiciar a elas a compreensão das possíveis
representações de figuras planas e espaciais, suas relações com o espaço e também
justificar seus próprios pensamentos, seja por meio de desenho, escrita, oralidade,
gestos e outros ostensivos que a atividade permitir.
5.1 Síntese das práticas pedagógicas
A partir das considerações descritas acima, passaremos a destacar a
caracterização das práticas pedagógicas implementadas pelas professoras que
participaram da pesquisa. Para maior clareza, sintetizamos nossas observações em
121
esquemas gráficos que serão apresentados e descritos a seguir, cada um dos
esquemas gráficos se constitui em setor circular, no qual resumimos as principais
características pedagógicas das professoras, finalizando com uma síntese geral
reproduzida pelo círculo gráfico que se encontra na página 128.
5.1.1 Professora Mariluce
A professora Mariluce trabalhou com o tipo de tarefa na qual as crianças
eram levadas a associar diferentes objetos, por meio das técnicas didáticas as quais
denominamos “Modelos tridimensionais” e “Ligar os parecidos”. Identificamos em
sua prática os momentos do encontro, exploração de um tipo de institucionalização.
Os elementos tecnológico-teóricos relativos à técnica utilizada são os relacionados ao
conceito de perspectiva, nomenclatura e propriedades dos sólidos.
Sua atuação revela um bom relacionamento com as crianças, que têm
oportunidade de expressar o que pensam e a professora sempre leva em conta o que
elas dizem como ponto de partida para o trabalho em sala. O que nos mostra que, nas
práticas da professora há uma valorização dos conhecimentos prévios dos alunos, em
consonância com a ideia defendida nas orientações curriculares nacionais.
Embora a professora inicie o trabalho ouvindo as crianças sobre o que elas
já sabem sobre o tema, sempre acrescenta conhecimentos que dizem respeito à
institucionalização, o que identificamos como uma forma de sistematização durante o
trabalho.
Notamos na atuação da professora Mariluce, ao implementar a atividade
proposta pelo livro, uma integração entre diferentes ostensivos: a oralidade, o
gráfico, a linguagem escrita e a geométrica.
Finalizando a análise das praxeologias implementadas pela professora
Mariluce, destacamos três aspectos que julgamos importantes: diversificação,
articulação dos ostensivos, uso de objetos materiais e institucionalização.
122
Figura 19 - Síntese - Professora Mariluce.
5.1.2 Professora Milce
A professora Milce trabalhou com tarefas nas quais as crianças deveriam
identificar as formas geométricas planas e estabelecer relações entre elas, por meio
das técnicas “Relacionar objetos” e “Pintar figuras”. Os elementos tecnológico-
teóricos relativos às técnicas utilizadas são compostos pela nomenclatura e aos não
ostensivos referentes aos conceitos de lados paralelos, número de lados, ângulos e
rtices assim como as outras propriedades.
No desenvolvimento da atividade, observamos que houve a predominância
da oralidade por meio de um longo diálogo conduzido pela professora, em que ela
utilizou diversos ostensivos (a língua materna, a linguagem geométrica e os
desenhos) em sua prática.
O encaminhamento da professora revelou a intencionalidade educativa da
proposta ao explorar as diversas possibilidades. A professora Milce aproveitava todas
123
as oportunidades para chamar a atenção das crianças para as formas dos objetos do
mundo físico.
A variedade dos recursos foi algo que nos chamou atenção nesta OP assim
como a valorização, por parte da professora, da experiência com objetos materiais
pelas crianças, como nesta orientação: “voltem aos seus lugares que eu vou passar de
mão em mão. Passem as mãozinhas para sentirem os lados”.
Os momentos de estudos foram alternados entre exploração de um tipo de
tarefa e institucionalização, que sempre acontecia a partir de uma pergunta dirigida
às crianças ou quando a professora sentia a necessidade de fornecer uma informação
a respeito do tema de estudo.
Em nosso entendimento, o trabalho desta professora foi permeado por três
momentos de estudos que se alternavam: avaliação, exploração do tipo de tarefa e
institucionalização. Finalizando, destacamos os elementos de síntese: valorização da
atividade de visualizar, diversificação de ostensivos e uso de objetos materiais.
Figura 20 - Síntese - Professora Milce.
124
5.1.3 Professora Liana
A professora Liana trabalhou com tarefas que envolviam a identificação das
figuras geométricas planas e o estabelecimento de relações entre contornos e formas,
por meio das técnicas didáticas “Nomear figuras”, “Encaixar figuras” e “Contar
figuras”. Nas quais identificamos os elementos tecnológico-teóricos associados:
propriedades e nomenclatura, lados paralelos, número de lados, ângulos e vértices. E
também a percepção espacial e aritmética.
Nos ostensivos utilizados houve uma articulação entre a representação
gráfica das formas, oralidade (língua materna e linguagem geométrica), modelos
materiais e a escrita numérica.
Foi a única que iniciou como momento da institucionalização. Esse
momento, que permeou a atividade inteira, pois enquanto dialogava com as crianças,
sempre que necessário ela ressaltava os conhecimentos geométricos envolvidos na
resolução das tarefas propostas.
Pela forma como foi conduzida sua prática julgamos que o discurso da
professora foi entremeado por pequenos indícios de momentos de avaliação e vimos
a presença forte dos ostensivos, por meio dos objetos materiais e da língua materna
na oralidade, predominando durante toda a realização da atividade.
Nas praxeologias da professora Liana, quatro aspectos nos chamaram a
atenção: a diversificação de ostensivos, indícios de uma prática baseada na repetição
e uma preocupação constante com a avaliação e institucionalização. Entre a OP
6
e
OP
7
ela propôs às crianças uma brincadeira de construção com peças coloridas, o que
entendemos como uma valorização da ludicidade para as crianças dessa faixa etária.
125
Figura 21 - Síntese - Professora Liana.
5.1.4 Professora Ana Lucia
A professora Ana Lucia trabalhou com tarefas que envolviam
estabelecimento de relação entre diferentes formas de representação, por meio da
técnica “Relacionar figuras”. Os elementos teóricos relativos a essa técnica envolvem
os conceitos da Geometria Plana e Aritmética. Foram utilizados os ostensivos:
representação gráfica das formas, oralidade (língua materna e linguagem
geométrica), e escrita numérica. Avaliação e Institucionalização.
Para iniciar a aula de Matemática a professora preparou um cartaz com
representação gráfica das formas geométricas planas: quadrado, triângulo, retângulo
e círculo. Entendemos este procedimento como um momento de avaliação, pela
forma como este foi conduzido. Ela colocou um cartaz com as figuras geométricas
126
planas no quadro e disse: “Quem lembra que nós já trabalhamos com essas figuras,
qual é o nome delas”? As crianças respondiam: “formas geométricas, triângulo,
retângulo”.
Ana Lucia, sempre que oportuno, fornecia importantes informações sobre o
tema estudado às crianças, o que identificamos como momento de institucionalização:
“como é que eu sei que esse é o quadrado? Porque tem os quatros lados iguais”. Em
seguida desenha a representação de um quadrado no quadro e diz, mostrando com os
dedos das mãos: “onde essas linhas se encontram chama-se vértice”.
Identificamos que a prática desta professora foi permeada por dois
momentos de estudo: avaliação e institucionalização e destacamos dois aspectos que
julgamos importante em nossa análise: diversificação de ostensivos e uma
centralidade na figura da professora ao conduzir a resolução das tarefas.
Figura 22 - Síntese - Professora Ana Lucia.
127
5.2 Considerações finais
A realização da atividade matemática depende da habilidade do professor,
das técnicas didáticas que ele utiliza para conduzir o processo de estudo. Às
propostas que seriam realizadas pelas crianças, as professoras procuravam incorporar
os contextos do mundo real: as experiências, as linguagens, a socialização e a
oportunidade de estabelecer relações.
Embora isso fosse comum a todas as professoras, cada uma se caracterizava
com ações quase individuais e particulares na forma de encaminhar o trabalho, na
organização do espaço da sala, na combinação de técnicas didáticas e na interação
com as crianças. Isso reforça que o fazer matemático como organização didática,
construção de um processo, é permeado de singularidades, pelas quais se procura
construir a organização matemática anunciada, parte final do processo.
Finalizando, acreditamos que o modelo espistemológico proposto pela
TAD, com todos os seus componentes, a visão antropológica de seus pressupostos,
delimitando o papel de cada instituição: escola, professor, aluno e tantas outras
envolvidas no processo de estudo, caracterizando o trabalho com as matemáticas
para além do contexto escolar poderá contribuir para a organização do trabalho em
busca do “elo perdido entre o ensino e aprendizagem” (CHEVALLARD; BOSCH;
GASCÓN, 2001).
128
Figura 23 - Síntese das práticas pedagógicas.
T
1
T
2
T
2
T
2
T
3
T
4
O
P
2
O
P
3
O
P
1
O
P
4
O
P
5
O
P
6
O
P
7
O
P
8
ANEXOS
ANEXO A
FICHA SOBRE A FORMAÇÃO DAS PROFESSORAS
Nome: ________________________________________________________________
Formação: ____________________________________________________________
Idade: ________________________________________________________________
Tempo no magistério: ___________________________________________________
Atua em outra turma além do 1º ano, qual ? ________________________________
131
ANEXO B
ENTREVISTAS
Professora Mariluce Data: 14/4/2009
PE: Você escolheu aquela atividade para realizar com as crianças, eu queria que
você me contasse porque organizou daquela maneira, a escolha dos materiais...
PR: Como eles têm cinco anos de idade, o cálculo mental deles ainda não está
pronto, então eu sempre começo do heurístico para os números, o formal. Então
sempre tem que começar com uma coisa concreta, o material concreto para eles
manusearem, para eles verem. Eu não escolhi figuras, porque as figuras são só
desenhos que estão em folha plana, então eles não teriam uma visão tridimensional
dos objetos. Quando você compara objeto com objeto tem que dar para eles, além da
visão, o tato, o manuseio e assim coisa concreta do dia a dia. Quando você ta fazendo
principalmente a semelhança dos objetos, eles têm que ter essa visão e fazer ao
mesmo tempo um paralelo com o que eles têm em casa, com o que eles têm na sala.
Tanto que eu trabalho muito com o diálogo em roda. Toda vez que eu vou começar
uma coisa diferente eu sempre vou em roda porque quando eles ficam em mesas eles
ficam dispersos, eles conversam, eles cutucam o outro. E em roda não. Em roda eu
posso sempre sentar em atividade, por isso que eu sempre trabalho em roda e é um
princípio já da sala, é uma rotina a roda.
PE: Em relação... apesar que eu fiquei só duas aulas com vocês na questão do
trabalho com a geometria você chega a propor desenho para as crianças para
trabalhar geometria o que você acha do desenho na questão da geometria?
PR: Eu sempre parto da hipótese, porque a hipótese também é muito importante.
Porque é o que eles sabem naquele momento e a geometria também é importante
como conteúdo e hoje em dia, o foco da educação é a praticidade o uso do conteúdo
para o dia a dia de cada um. O desenho é importante sim principalmente para a gente
saber o que eles sabem.
PE: É acho que o desenho revela algumas coisas ...
PR: Revela o que eles sabem.
132
PE: Você falou que é importante eles fazerem um paralelo com o que eles têm em
casa. Eu queria que você explicasse melhor o que seria isso e porque é importante
fazer um paralelo com o que eles já têm em casa?
PR: Eu falo em casa, mas é na vida cotidiana no dia a dia de cada um. Porque a
gente acha assim: eles têm só cinco anos, cinco para seis anos eles não têm ainda o
formal na cabeça, mas de jeito nenhum a criança não é um papel em branco, ela tem
tudo na cabecinha. Os conteúdos estão tudo ali, na verdade a função da escola é só
sistematizar o conteúdo para que eles possam usar no seu dia a dia, na sua profissão
no futuro, no seu emprego. E então qual que é a função da escola? É sistematizar
aquilo que eles já sabem, vamos dizer assim, dar os nomes científicos, que a
sociedade está usando para aquilo que eles já sabem.
PE: Mas também eu penso na função da escola, na questão de ampliar também...
PR: Também. Porque os conteúdos que a gente costuma falar assim: os conteúdos
são os mesmos desde a pré-escola desde a Educação Infantil, então o que vai
acontecer? Vai aumentando o grau de dificuldade tanto que às vezes tem alunos que
estão lá no sexto ou nono ano que falam assim: eu não aprendi esse conteúdo, mas
era outro nome às vezes cientificamente o nome próprio daquele assunto foi falado
de maneira diferente, mas ele está sistematizando e o grau de dificuldade está
aumentando na verdade ele vai ampliando aquilo que ele já sabe. Está pondo em
prática o que está vigente no momento em termos de estudo.
PE: Eu gostaria que você falasse um pouquinho mais do encaminhamento que você
fez na roda com a caixa e com os sólidos
PR: A roda, ela tem uma função específica no meu pensar que é o diálogo. A partir
do momento que você senta em roda ao mesmo tempo em que você olha para todo
mundo todo mundo te olha ao mesmo tempo. Então, não só no dia da pesquisa, isso é
rotina diária da sala porque a gente pára para conversar, para escutar porque quando
você ouve você tem o momento de falar também e a opinião de cada um é muito
importante e partir da opinião dos questionamentos você sabe ali quem que está
tendo dificuldade, qual é o grau de conhecimento de cada um, então o diálogo de
qualquer assunto é muito importante em roda. Então quando a gente questiona, faz
133
uma pergunta em roda pra todo mundo você tem a oportunidade de conhecer o
pensamento de todo mundo ao mesmo tempo. Às vezes você corta uma aqui outra
ali, mas de um modo geral eles sabem contar direitinho sobre um assunto, não
sabem a parte sistematizada que está de acordo com os conteúdos, mas assim as
hipótese deles são importantes e é na roda que você vê a hipótese de cada um.
PE: Falando ainda da roda eu queria que você explicasse um pouquinho melhor
porque você usa esse procedimento de fazer essa comparação entre os sólidos e os
objetos do cotidiano.
PR: Porque eu vejo assim, que a contextualização é muito importante, o registro
também é importante, mas só que antes do registro eu tenho que partir para
contextualizar, então quando eu faço um paralelo dos sólidos geométricos que é um
conteúdo com as coisas que eles já veem em sala, veem na casa, então estou
contextualizando. Eu não estou jogando somente um registro de papel, porque às
vezes no papel ele vai ter o entendimento, mas quando ele compara com aquilo que
ele conhece, que manuseia, tipo os brinquedos, as coisas que tem em casa, as coisas
que eles têm dentro da sala de aula, então eles aprenderam além do registro.
Professora Milce Data: 14/4/2009
PE: Você escolheu aquela atividade para realizar com as crianças eu queria que
você me contasse porque organizou daquela maneira com os materiais, os
cartazes, desenhos no quadro, formas geométricas em EVA e todo aquele
procedimento do diálogo com as crianças, eu queria que você me contasse um
pouquinho.
PR: Porque são crianças pequenas e o entendimento deles é muito restrito e eles
entendem melhor visualizando, vendo, pegando. Só eu falando lá no quadro não dá
para eles entenderem o que é um círculo, o que é um quadrado. Então eles têm que
visualizar. Por isso é mais fácil para eles e pra gente também, que tá dando aula
trabalhar através de cartazes, das figuras.
134
Professora Ana Lucia Data: 16/4/2009
PE: Você escolheu aquela atividade para realizar com as crianças eu queria que
você me contasse um pouquinho porque você organizou daquela maneira. Você
trabalhou com cartaz, sobre os seus procedimentos. Por que você trabalha desta
maneira as formas geométricas?
PR: As crianças já têm um contato com as formas geométricas no dia a dia deles, só
que não é sistematizado e pra eles é muito mais fácil visualizar aquilo que vai ser
trabalhado do que só o falado, a parte oral vem para contribuir com o cartaz. Você
pode fazer, identificando, mostrando, observando a semelhança, questionando o
espaço da sala o que é parecido que é diferente o que pode ser mudado. Nós tivemos
dificuldade de achar algum objeto na sala que tivesse a forma triangular e assim é
mais fácil gravar e memorizar relacionando com o dia a dia deles.
PE: Você usou aquele cartaz para trabalhar com as crianças, é um recurso que
você sempre utiliza ou você utiliza outros. Que materiais você tem usado para
trabalhar geometria?
PR: O cartaz eu fiz para enriquecer a aula, mas geralmente eu trabalho com sucata,
aquilo que eles já trazem de casa, que é mais fácil para eles estarem memorizando é a
caixinha do leite, a caixa de sapato, a caixinha de suco que eles trazem para o lanche,
o caderno, o material que eles já têm, a circunferência do lápis, tudo isso para
envolver bem o dia a dia deles.
PE: E por que você acha importante sempre relacionar um conteúdo, um tema
trabalhado com o dia a dia das crianças?
PR: A criança entra para o nosso segundo ano ainda muito imatura, então as
cobranças que são envolvidas para elas, são muitas. Muita informação ao mesmo
tempo então trazendo a vivência deles enriquece o nosso trabalho e facilita pra eles o
conhecimento.
135
Professora Liana Data: 16/4/2009
PE: Você escolheu aquela atividade para realizar com as crianças eu queria que
você me contasse um pouquinho porque você organizou daquela maneira os
materiais que você usou, os procedimentos. Eu queria que você contasse por que
você trabalhou daquela forma?
PR: Eu quando eu estou apresentando um assunto novo eu gosto sempre de trazer
uma aula diferente, como eles tinham visto isso só no primeiro ano, eu estava
retomando. Eu gosto de trabalhar com o concreto, até porque eu tenho crianças que
nunca frequentaram a escola. Eles vieram direto da creche para a sala de aula e tem
aqueles que têm deficiência, que não tem laudo médico, que a gente já encaminhou e
tem comprovação que ele tem algum tipo de deficiência. Com o concreto ele pegam
mais rápido as diferenças as semelhanças, eu gosto de colocar o cartaz, explicar
primeiro, faço o agrupamento aleatório que eu não separo por aprendizagem, por
nível de aprendizagem porque eu acho também que eles aprendem mais assim. E eu
vou passando nas mesinhas e perguntando para saber se eles realmente entenderam
ou se não. Porque têm alguns deles que esclarecem antes de terminar a aula
PE: Eu queria que você falasse mais um pouquinho por que você acha que
trabalhar com o concreto para essa faixa etária é tão importante?
PR: Porque a gente fala quadrado é muito abstrato se eles tiverem aquele jogo
vazado, por exemplo, eles podem tocar os lados, ver que os lados são iguais. Se eu
colocasse só um desenho para eles representarem não ia ser igual com as
características do quadrado, porque eles não têm aquela coordenação motora, ia ficar
todo torto, diferente. O círculo, por exemplo, compara o círculo, não tem lado é
redondinho. Os lados do triângulo, eu acho que eles aprendem mais assim
PE: A partir da experiência...
PR: Da experiência de tocar, de montar. Às vezes um se confunde com o nome da
figura e outro colega fala esse aqui não é, esse não é quadrado, esse é triângulo,
porque o lado é diferente, só tem três, o quadrado tem quatro, ajuda bastante aqueles
que tem mais dificuldade
PE: É, um ajuda o outro
136
PE: Eu acompanhei duas atividades com essa turma e gostaria de saber no
trabalho com geometria se você usa desenho, se você acha que o desenho é
importante nessa faixa etária para aprendizagem da geometria. Eu queria que
você falasse um pouquinho disso.
PR: Eu acho importante porque o desenho, através do desenho ele representa as
formas também. Na sala a gente trabalha muito com o desenho, a gente expõe aqui
fora, a gente tem no caderno, ou coloca num cordão que a gente tem aqui. E eu
sempre coloco para eles que a gente transpõe por exemplo na urbanidade aqui na
geometria da cidade. Tem muita coisa bonita, eu trabalhei com eles os pontos
turísticos, então a gente fez a praça, o relógio que a gente colocou um retângulo com
um círculo em cima, a praça da araras, a gente trabalhou vários monumentos
utilizando essas figuras. E na informática também representando no PAINT, até foi
algumas para a SEMED.
PE: Naquele dia eu percebi assim você fez todo aquele trabalho de exploração
com os moldes vazados, com as forma em EVA e depois passou para a atividade
que era na folha, a atividade de escrita, eu queria que você falasse um
pouquinho disso
PR: Eu gosto quando eu estou começando um assunto novo eu sempre gosto de
trabalhar com o concreto primeiro, se a escola não tem o jogo a gente providencia,
confecciona alguma coisa pra eles tocarem, para ele perceberem a semelhança, as
diferenças, eles também trocam muito entre si. Às vezes algum coleguinha confundiu
o nome, o colega que é mais espertinho já orienta e fala: não, essa aqui é outra figura,
para depois a gente passar para o papel. Porque o papel pra mim é tão simplório, que
ele ajuda, mas é mais difícil dele entender as diferenças. Quando ele tá com o
concreto, ele toca, ele compara, ele mede, ele pega as duas figuras que são diferentes,
ele tenta ver na mão qual que é a diferença.
PE: Eu via que às vezes alguns sobrepunham as figuras
PR: Colocavam um sobre o outro, ele tenta colocar no lugar errado, ele vê que não
dá certo, se o triângulo não encaixa no quadrado ele já percebe também que não dá
para colocar, que tem diferença no número de lados, se são iguais, se não são.
137
ANEXO C
TABELA DE LIVROS
COLEÇÃO CÓDIGO AUTOR EDITORA Ano
1C- Projeto
Pitanguá
024737
Alessandra Cora, Maria
Virgínia Gastaldi,
Denise Tonello
Moderna 2006
2C-Matemática 024736
Daniela Padovan, Isabel
Cristina Guerra,
Ivonildes Milan
Moderna 2006
3C-Matemática-
Paratodos
024690
Luiz Marcio Imenes,
Marcelo Lellis e Estela
Milani
Scipione 2005
4C-Construindo o
conhecimento
024781
Clélia Maria Martins
Isolani, Regina Rocha
Villas Boas, Vera Lucia
Andrade Anzzolin e
Walderez Soares Melão
Ibep 2005
138
ANEXO D
PROTOCOLO DAS OBSERVAÇÕES REALIZADAS
OP
1
- PROFESSORA: Mariluce DATA: 10/3/2009
Descrição da sala: Entramos na sala às 9h10. Apresentamos-nos às crianças. Havia
vários cartazes na parede: chamada, calendário, parlendas, letras de músicas
folclóricas, tipos de brinquedos e brincadeiras, personagens de histórias em
quadrinhos, três alfabetos ilustrados, cada um com quatro tipos de letras. As mesas,
apropriadas ao tamanho das crianças, estavam agrupadas de três em três. Às 9h15min
a professora chama para a roda. É o primeiro momento do dia com ela, pois antes
tiveram aula de Artes e Educação Física. O grupo rapidamente faz uma roda no chão
e a professora inicia um diálogo que será transcrito a seguir.
P: Hoje a gente tem uma atividade bem legal para fazer.
Ela pega uma caixa com os sólidos geométricos.
P: olhem estes sólidos que nós vamos trabalhar. Eles são diferentes, aqueles que
vimos na semana passada só tinham uma face ( aponta para uma face do cubo).
P: o que se parece esse sólido? Mostrando a esfera.
C: bola.
C: cabeça.
P: alguém sabe o nome desse sólido?
C: triângulo.
P: será que é um trngulo?
C: não. É um círculo.
Nesse momento, uma criança faz uma forma triangular com os dedos das mãos e diz:
o triângulo é assim.
P: olhem, faz de novo!
C: é bola
C: é um círculo.
C: uma bola de tênis.
P: mas não é uma bola. Ela faz parte dos sólidos geométricos, parece uma bola, se
assemelha. Quem já viu a figura da Terra em filme? Esse sólido nós chamamos de
esfera. E esse bloco retangular, parece o quê?
139
C: um banco.
P: olhem o lado, qual figura poderia lembrar?
C: uma mala.
C: uma casa.
P: que mais, que outros objetos, de casa ou da escola ele lembra?
C: um armário.
C: um quadro.
P: o quadro seria só uma das faces, um lado. Vocês sabem o nome desse sólido?
C: não.
C: quadrado.
C: olha o quadrado no chão. Mostrando a forma de um quadrado.
A professora mostra as faces e chama a atenção que são de formatos diferentes. Uma
criança aponta uma caixa retangular que está em cima da mesa.
P: E o nome? Qual o nome deste sólido? Mostrando o bloco retangular.
C: esse é grande!
P: como nós podemos chamar esse sólido?
C: triângulo.
P: esse sólido nós chamamos de bloco retangular. Ele tem dois nomes: bloco
retangular ou paralelepípedo. Do que são feitas as casas?
C: tijolos.
P: não parece um bloco retangular?
C: parece.
P: e esse? Mostrando o cubo. Que objeto a gente tem em casa ou na escola que
parece com ele?
C: dado, caixa.
P: alguém sabe o nome desse sólido?
C: quadrado.
P: quadrado seria só um ladinho dele. E o nome? Como podemos chamar esse sólido
aqui?
C: a gente pode chamar de X.
C: dá para chamar de objeto.
P: só que ele também faz parte dos sólidos. Esse que lembra o dado, uma caixa nós
chamamos de cubo.
Agora a professora pega o cilindro.
140
P: e esse que rola? Que objetos de casa ou da escola que lembram esse sólido?
C: o rolo do trator que constrói a calçada.
C: parece uma roda de caminhão.
P: e em casa que objeto ele lembra?
C: um copo.
C: aquilo que faz a massa.
C: rolo de pintar parede.
C: lâmpada, igual essa daqui da sala.
P: que mais lembra essa forma?
C: a janela.
C: não. A janela é assim. Desenha uma forma quadrada com os dedos no ar.
C: parece um tambor.
P: esse aqui é o cilindro.
Mostra agora todos juntos e pergunta: Desses aqui qual que rola? Coloca um a um
no chão para que rolem.
OP
2
- PROFESSORA: Mariluce
Ainda na roda, mostra a atividade do livro.
P: agora nós vamos fazer uma atividade. Entrega para todos a atividade.
Entra uma criança na sala e pede um caderno para a professora. Ela diz ao grupo:
esperem um minutinho que eu já volto, vou pegar um caderno para ele, dirigindo-se
até o armário. Quando volta, lê o título da atividade para o grupo: Explorando as
formas.
P: o que nós vamos escrever aqui nesta linha? ( mostrando a linha reservada para a
identificação.
C: o nome.
A professora lê então o enunciado da atividade, e chama atenção do grupo: olhem
aqui deste lado, aqui temos os sólidos e do outro lado os objetos. Aponta um a um
em cada coluna.
P: O que é isto?
C: a Terra.
O globo terrestre, corrige a professora.
P: E este?
C: uma pasta de dente.
141
P: isso, caixa de creme dental.
P: e este?
C: lata de cerveja.
P: Vamos ler o rótulo?
C: é suco!
P: embaixo da lata de suco tem o quê?
C: um dado.
P: e embaixo do dado?
C: uma caixa, de ferramenta.
P: O que tem nessa caixa dá, para ver?
C: sapato.
P: desse outro lado temos os sólidos, onde vamos ligar o cubo?
C: no dado.
P: e esse onde vamos ligar? Mostrando a esfera.
C: na Terra.
P: no globo terrestre.
Neste momento entra uma pessoa avisando que uma criança terá de sair mais cedo
para ir ao médico.
P: onde eu estava?
C: na bolinha.
P: embaixo temos o paralelepípedo, onde vamos ligar?
C: na caixa.
P: embaixo temos o cilindro, aquele que rola...
C: na cerveja! Interrompendo-a.
P: na lata de suco. Alguém tem alguma dúvida? Vamos para as mesas, observem
direitinho e podem ligar. Ligar o sólido àquele objeto que ele lembra.
A professora circula pelas mesas e diz: segurem bem a folha, coloquem o nome.
Passado algum tempo, ela diz: quem terminou pode fazer um desenho, a folha está
na minha mesa.
Uma criança se levanta vai até ela, e pergunta: tá certo professora? E ela responde:
não sei. Todos começam a se levantar, porém ela pede que esperem nas mesas.
Notamos que algumas crianças ainda precisam do auxílio da ficha de chamada para
escrever o nome. Muitas já estavam desenhando.
A professora auxilia uma criança junto à mesa, indagando: o dadinho lembra o quê?
E a lata de cerveja? E a caixa? Qual sólido a caixa lembra?
142
Em torno das 10 h, a última criança entregou a atividade, despedimo-nos da turma e
da professora.
OP
3
- PROFESSORA: Milce DATA: 10/3/2009
Descrição da sala: Entramos na sala às 7h15, as crianças estavam sentadas em filas.
A sala é espaçosa, arejada, na parede havia muitos cartazes: com parlendas, letras de
músicas folclóricas, lista com o nome das crianças, alfabeto com quatro tipos de letra
com ilustrações e um cartaz com as formas geométricas planas: retângulo, triângulo,
quadrado e círculo. As mesas são adequadas ao tamanho das crianças, tem ainda dois
armários e uma prateleira. A turma é composta de trinta alunos, mas faltaram três
neste dia.
A seguir trazemos a transcrição da aula: a professora iniciou um diálogo.
P: Será que em nossa sala tem alguma coisa quadrada?
C: O quadro.
C: É retângulo!
P: O retângulo tem quatro lados, dois maiores e dois menores.
C: nossa sala!
P: e o meio do ventilador?
C: bola!
P: que figura geométrica é?
C: é círculo!
Neste momento a professora desenha um triângulo no quadro e pergunta.
P: o que temos na sala com a forma de triângulo?
Nenhuma criança responde. A professora desenha agora um retângulo e um quadrado
e pergunta:
P: o que temos na sala com estas formas?
C: o chão.
A criança aponta para a forma quadrada no chão.
A professora desenha agora o círculo e indaga:
P: e esse?
C: círculo!
P: vamos olhar em nossa sala o que tem a forma do retângulo.
C: porta, janela, armário, mesa da professora.
143
P: mas se juntarmos algumas mesas de vocês que figura nós formaremos no meio?
C: o círculo.
P: e para verificarmos que é um quadrado temos que medir e ver se os quatro lados
são iguais.
OP
4
- PROFESSORA: Milce
P: Nós vamos fazer uma atividade com uns lápis que eu emprestei do pré, temos que
cuidar. Alguém aqui já foi num circo? O que temos num circo?
E ela mesma responde: palhaço, leão, tigre.
C: girafa, elefante, macaco.
P: vocês sabiam que existe uma campanha contra os maus tratos aos animais de
circos? Agora os circos têm: palhaços, trapezistas. Hoje eu trouxe uma atividade
que tem um personagem do circo, ele sempre anda com roupa colorida.
C: é o palhaço!
Agora a professora mostra a atividade.
P: na roupa desses palhaços tem as figuras geométricas. Eles querem que a gente
pinte as figuras e deixe bem colorido. Quando for pintar uma figura de azul, todas
iguais a ela tem de ser azul. Não esqueçam de colocar o nome.
Ela começa a entregar a atividade e diz:
P: quantas figuras nós temos no desenho?
C: quatro.
P: então vou entregar quatro lápis de cores diferentes. Querem escolher uma figura
para pintar primeiro?
C: o círculo.
C: o retângulo ( várias crianças escolheram)
C: o da bicicletinha ( referindo-se ao desenho do palhaço numa bicicleta)
P: então vamos escolher o palhacinho do retângulo.
As crianças começam a pintar e a professora caminha pela sala. Passado algum
tempo, a professora mostra uma atividade ao grupo e diz:
P: olhem que lindo o do João Pedro!
P: e depois de pintar o retângulo, qual nós vamos pintar?
C: o triângulo.
144
Passa mais um tempo e a professora diz olhando a atividade:
P: João Pedro já pintou todos! Você entendeu direitinho!
A professora caminha pela sala e diz: vocês estão caprichando! Sabia que existem
outras figuras que nós vamos aprender? O cubo.
C: pode pintar as mãos? ( do palhaço da figura)
P: pode.
A professora caminha pela sala entre as carteiras, olhando, questionando, orientando
e diz para uma criança: agora pinte os círculos de uma cor.
P: quando vocês chegarem em casa, olhem o fogão e a geladeira, olhem os lados e
vejam que formam. Isso vai ser tarefa, amanhã vou querer saber.
C: a geladeira é retângulo.
As crianças começam a se levantar para entregar a atividade e a professora diz:
voltem aos seus lugares. Ela chama uma pessoa que está passando no pátio e pede
para pegar as formas geométricas que estão em outra sala. Neste momento, convida
as crianças para cantar uma música. Elas iniciam uma cantoria. Quando terminam, a
professora começa a cantar: Terezinha de Jesus... e todos acompanham. A moça traz
as formas geométricas planas: retângulo, triângulo, quadrado e círculo cortadas em
EVA, dois tamanhos de cada uma que estão num plástico.
P: que figura é essa? E que cor é? Mostrando o triângulo.
C: triângulo.
P: e esta? Mostrando o círculo.
C: bola!
P: chama assim mesmo?
C: círculo.
P: e esta? Mostrando o retângulo.
C: retângulo.
P: por que é retângulo? Porque tem dois lados bem grandes e dois pequenos.
P: e esta? Mostrando o quadrado.
C: quadrado.
P: se eu pegar uma régua e medir eu vou encontrar a mesma medida aqui e aqui
(mostrando os lados). Quando vocês crescerem vão ver essas figuras de novo.
P: mais uma tarefa: perguntar para a mamãe se ela conhece estas figuras, se ela não
conhecer, vocês vão ensinar para ela.
As crianças começam a dispersar.
145
P: o círculo tem lado?
C: Não é uma bola.
P: porque ele é uma esfera.
P: antigamente as rodas eram quadradas, será que dava para rodar direito? Depois
uma pessoa muito inteligente criou a roda. Onde encontramos rodas?
C: avião, bicicleta
C: eu vi no desenho do pica-pau um homem andando com uma roda quadrada.
Então o pica-pau cortou o quadrado com bico e fez uma roda.
P: agora eu vou passar as figuras.
Disse isso e entregou as figuras para a primeira criança da fila. Neste momento
muitos deles se levantam.
P: voltem aos seus lugares que eu vou passar de mão em mão. Passem as mãozinhas
para sentirem os lados. Sabem também onde podemos encontrar o retângulo e o
quadrado? Na amarelinha.
Ela desenha uma amarelinha no quadro. Enquanto isso as crianças pegam as formas
de EVA e tentam formar figuras com elas. As crianças não prestam muita atenção ao
que a professora diz.
P: e o triângulo? onde será que a gente vê? E mostra o triângulo.
P: o que aqui na sala o que parece o triângulo? E na sorveteria? A casquinha de
sorvete.
Ela pega um triângulo e um círculo e monta uma figura de sorvete.
P: E agora, o que parece?
C: um sorvete.
P: sabe que outra coisa parece o círculo? As frutas.
C: maçã, laranja, uva, banana.
As crianças estão cada vez mais dispersas, uma coloca o triângulo na cabeça fazendo
de chapéu, outras andam pela sala ou conversam. Neste momento a professora pega
um livro e mostra a elas.
P: este livro vocês vão receber daqui uns dias. Mostra as figuras geométricas planas
no final do livro. A gente vai ver um monte dessas figuras, nós vamos destacar e
colar num outro lugar.
Algumas crianças se levantam, conversam, andam pela sala e correm também. A
professora chama atenção deles dizendo: Tá difícil. A Lú nem está escutando a
professora. Então nós vamos ver bastante dessas figuras, é um livro lindo!
146
Dispersos...
Ela mostra uma atividade do livro.
P: nesta nós vamos contar quantos lados tem cada uma. Aqui tem muita atividade
com estas figuras. E começa novamente a mostrar uma a uma perguntando: o que se
parece com essa figura?
São 8h25, neste momento ela inicia a música do lanche (meu lanchinho..., meu
lanchinho...) Despedimo-nos das crianças, agradecemos a ela, e saímos da sala.
OP
5
- PROFESSORA: Liana DATA: 12/3/2009
Descrição da sala: Chegamos à sala às 7h20 e nos apresentamos às crianças. A sala
é espaçosa e bem arejada. Tem dois armários, vários cartazes na parede: rotina,
calendário, chamada, poesias, músicas folclóricas, um gráfico, um alfabeto ilustrado
com os quatro tipos de letras e um de sílabas. A turma, que é composta por 25 alunos
(faltou somente um neste dia) estava dividida em dois grandes grupos. Há uma aluna
com deficiência física, numa cadeira de rodas, com uma professora ao lado para
auxiliá-la.
A professora confeccionou um cartaz com as figuras planas: círculo,
quadrado, retângulo e triângulo, que foi fixado no quadro. Começa então um diálogo
com as crianças:
P: Hoje eu preparei um cartaz para o nosso trabalho. Mostra o cartaz e diz:
Essas são as figuras geométricas planas.
P: Qual o nome dessa? Apontando para o círculo.
C: bola!
P: não, esse é o círculo.
P: quem sabe o nome desse? Apontando para o quadrado? Esse lado é
paralelo a esse e esse é paralelo a esse (aponta os lados dois a dois). E os lados são
iguais ou diferentes?
C: diferentes.
P: diferentes? Se eu medir todos os lados do quadrado, veremos que eles têm
a mesma medida.
P: e esse? Apontando para o triângulo. Esse é um dos tipos de triângulos, mas
existem outros tipos.
147
P: como se chama esse? Aponta para o retângulo e já diz: retângulo.
OP
6
- PROFESSORA: Liana
A professora entrega para cada criança uma placa de EVA, uma espécie de
molde vazado com as figuras geométricas planas. As crianças montavam e
desmontavam aquelas peças.
Ela caminha entre as mesas, questionando aleatoriamente as crianças sobre os
nomes das figuras.
P: Como chama essa figura? Apontando um quadrado.
C: círculo.
P: não, essa aqui tem os quatro lados iguais. Qual a diferença entre o
triângulo e o quadrado? Mostrando estas duas figuras. A criança não responde.
P: Essa aqui tem quatro lados. Conta os lados: um, dois, três, quatro. E essa
tem três lados. Conta os lados: um, dois, três.
Neste momento, ela se dirige a outra criança, apontando o círculo e pergunta:
qual o nome dessa figura que você está montando?
A criança não responde. A professora insiste: essa figura tem lado?
C: não.
Passa o tempo, as crianças brincam alegremente com as peças nas mesas. A
professora senta com algumas, pega um círculo e um triângulo e pergunta a elas:
qual a diferença entre essas duas peças? As crianças não respondem. Então ela
deixa o triângulo sobre a mesa e pega um quadrado.
P: qual a diferença entre essas figuras?
Como as crianças não respondem, ela começa a contar os lados de cada
figura. Algumas crianças se levantam. A professora vai até o cartaz que está no
quadro e volta a perguntar:
P: qual o nome dessa figura? Apontando o círculo.
C: bola.
C: círculo.
P: o círculo tem lado?
P: não.
P: qual o nome dessa? Apontando o quadrado.
C: quadrado.
148
P: por que é um quadrado?
C: porque ele tem lado.
P: porque todos os lados são iguais, têm a mesma medida.
P: e essa como chama? Mostrando retângulo.
C: retângulo.
C: os dois lados são iguais e os outros dois lados são iguais.
P: olhem o que ele disse! Repete o que você disse. Pede ao garoto e ele repete.
A professora pede às crianças que comecem a guardar as placas de molde
vazado, pega então uma sacola grande com aquelas peças tipo Lego e coloca sobre
uma das mesas. Algumas crianças pegam as novas peças e começam a construir
alguns brinquedos, enquanto os outros ainda guardavam as placas vazadas. Ela
distribui então o material para o outro grupo.
Quando uma criança mostra à professora o que construiu ela sempre elogia.
Anda entre as mesas e começa a conversar sobre os que eles estão montando. Alguns
se levantam e vão até ela mostrar as construções feitas. (8h)
P: o que você fez?
C: professora, olha que doido! Mostrando duas construções.
Uma pessoa chama a professora e ela vai até a janela para atender, depois se
dirige até a criança com deficiência e pergunta: o que você fez?
C: um caminhão, meu pai e minha mãe.
A professora conversa com os grupos, senta à mesa com eles, elogia os
trabalhos, sempre demonstrando interesse. Volta-se novamente para a criança com
deficiência e conversa sobre o que esta construiu. Depois pede às crianças que
comecem a guardar as peças. Ela vai passando a grande sacola e eles vão colocando
as peças. (8h15).
OP
7
- PROFESSORA: Liana
P: no caderno de matemática, a professora colocou uma atividade sobre as
formas que a gente estudou hoje. Quais foram?
C: círculo, retângulo.
A professora volta ao cartaz e diz: vamos ler juntos: círculo, retângulo,
triângulo e quadrado.
149
Pega um caderno e diz: vocês vão olhar esta figura do barquinho e contar as
figuras geométricas. Quando terminar a professora vai passar na mesinha olhando o
caderninho. Quem terminar pode fazer um desenho da sua imaginação. Vocês
construíram muitas coisas e depois farão o registro no caderno. Entrega o caderno.
Às 8h30 algumas crianças terminam de contar as figuras e começam a pintar
o barco, neste momento chega uma pessoa na sala avisando que o horário do lanche
será antecipado. A professora pede a elas que deixem os cadernos na mesa que ela irá
olhar. Despedimos-nos e eles logo saíram para o lanche.
OP
8
- PROFESSORA: Ana Lucia DATA: 12/3/2009
Descrição da sala: Chegamos à sala às 9h10. Apresentamos-nos às crianças. A sala
tem na parede alguns cartazes: dois alfabetos ilustrados, um com quatro tipos de letra
e outro com dois tipos de letra, calendário, poesia, letra de música folclórica e outros
com as sílabas. As crianças tiveram aula de Artes e Educação Física antes do
intervalo. Elas estão sentadas em filas. A professora inicia a aula:
P: vamos marcar o calendário. Que mês nós estamos?
C: abril.
P: primeiro de maio tá vermelho por quê?
C: não tem aula.
C: é feriado.
A professora marca com um “ x” no dia 30 e diz:
P: vamos ler o último texto que nós trabalhamos, peguem o caderno para a
leitura do dia. Que livro eu li na terça feira?
C: “Pode pai”.
P: e na quarta feira, qual texto eu li?
C: “As borboletas”
P: vamos ler. Leitura coletiva a gente faz passando o dedinho. Qual o título
do poema?
C: “As borboletas”
Todos leem o texto com as professora. Em seguida, ela pede a uma criança
que pegue os cadernos de matemática. Enquanto isso, escreve o cabeçalho no quadro.
Ela coloca um cartaz com as figuras geométricas planas e dizendo:
150
P: Quem lembra que nós já trabalhamos essas figuras, qual é o nome delas?
C: formas geométricas.
C: triângulo, retângulo.
P: nós conversamos que tudo que a gente conhece tem um nome. Qual o
nome deste? Apontando no cartaz o círculo e diz: círculo.
P: e este? Mostrando o quadrado.
Ninguém respondeu.
P: como eu sei que aquele é um círculo? Aponta de novo o círculo.
C: porque parece uma bola.
P: e bola rola?
C: rola.
P: e esse? Mostrando o triângulo.
Ninguém respondeu.
P: e esse? Apontando o retângulo. Como vamos lembrar o quadrado não é
igual ao retângulo?
C: ele tem lados maiores.
C: porque em cima e embaixo é mais esticado.
C: ele tem lados diferentes, não é igual ao quadrado.
A professora lê, apontando no cartaz as figuras e seus respectivos nomes.
P: me mostrem na sala algo que tem a forma do quadrado.
C: o quadro.
Acho que ela não escutou, porque o quadro da sala tem formato retangular.
P: e agora, o que temos na sala que tem o formato do círculo?
Procuraram por um tempo e depois uma criança apontou para o centro do
ventilador de teto que tem a forma circular.
P: na sala tem alguma coisa com a forma do triângulo?
C: tem.
P: qual? Achou alguma coisa?
C: mesa.
P: a mesa tem três lados?
C: não.
P: me mostrem o que tem com a forma do quadrado?
Depois de muito procurarem, uma criança disse: a boca da lata de lixo. Era
quadrada mesmo!
151
P: então a única que nós não achamos foi algo com a forma de triângulo.
A professora coloca outro cartaz no quadro e diz: eu trouxe este cartaz só que
eu não sei escrever o nome delas, vocês me ajudam. As crianças começam a soletrar
e ela vai escrevendo. (9h40)
Despertou nossa atenção, um menino que não participava da aula e estava
pintando uns desenhos no caderno dele. Após escrever os nomes das figuras no
cartaz a professora pediu às crianças que copiassem no caderno as figuras e seus
nomes.
10h- Passa um tempo, muitos ainda não terminaram a atividade do caderno, a
professora pega a atividade do livro e mostra para eles dizendo: a primeira parte
desta atividade nós vamos fazer juntos, é coletiva. Coloquem o nome e esperem que
a professora vai explicar.
Aquele menino continua sem participar. A professora cola uma atividade no
quadro e diz: prestem atenção! A gente nasce sabendo? Então tem que prestar
atenção para aprender.
P: quantos quadrados tem aqui? Apontando a figura diz: vamos contar. E
contam juntos. Quantos círculos tem aqui? E novamente contam juntos.
P: como é que eu sei que esse é o quadrado? Porque tem os quatros lados
iguais. Olhem onde está escrito e complete.
Ela faz a leitura do enunciado: o quadrado tem __________ e _____ vértices.
Então ela diz: aqui tem que colocar o número quatro.
Neste momento, ela desenha um quadrado no quadro e diz mostrando: onde
essas linhas se encontram chama-se vértice.
P: quantos vértices tem o quadrado?
C: quatro.
P: isso são quatro encontros. Então vamos colocar o quatro. A frase agora
está completa. E realiza novamente a leitura da frase.
P: vamos combinar, as figuras que têm três lados vocês pintam de azul e as
que tiverem quatro lados de laranja.
Ela pede para eles pegarem os lápis com as cores combinadas e diz: senta não
comecem a fazer ainda, vamos fazer juntos. A professora vai fazer um só para vocês
lembrarem. Primeiro vou procurar todos os que têm três lados, tudo que tiver três
lados tem que pintar de azul.
152
Ela mostra a atividade de uma criança dizendo: olhem, ela não pintou fora da
figura!
C: o verde é para pintar as bolas?
P: não são bolas, são os círculos. Essa não tá mandando pintar.
Ela anda entre as mesas e diz: esperem que eu vou explicar a última
atividade.
P: soltem o lápis na mesa e prestem atenção! Olhem aqui!
E lê o enunciado
Marquem um “X” naquelas que vocês pintaram da mesma cor.
C: o “x” aonde?
P: eu acabei de explicar! Marque naqueles que você pintou da mesma cor.
Às 10h20min. Foi encerrada a atividade, nos despedimos das crianças e
saímos da sala.
153
ANEXO E
TAREFAS REALIZADAS NAS PRAXEOLOGIAS
TIPO DE TAREFA
Tarefa
Definição
T1 T2 T3 T4
t
1
Associar a representação da esfera em modelo
de plástico a um objeto qualquer do cotidiano.
X
t
2
t
3
t
4
Associar respectivamente a representação
bloco retangular, cubo e do cilindro a um
objeto qualquer do cotidiano.
X
t
5
Ligar um globo terrestre a representação
gráfica de um sólido que tenha a forma
parecida.
X
t
6
t
7
t
8
t
9
Ligar respectivamente o desenho de uma caixa
de creme dental, lata de suco, dado e caixa de
sapato à representação do cubo, esfera, bloco
retangular e cilindro que tenha formato
parecido.
X
t
10
Observar os objetos da sala de aula e associá-
los à forma do quadrado.
X
t
11
t
12
t
13
Observar os objetos da sala de aula e associá-
los às formas do retângulo, triângulo e círculo
respectivamente.
X
t
14
Identificar a forma do quadrado num desenho
fornecido pelo livro e pintá-la.
X
t
15
t
16
t
17
Identificar respectivamente as forma do
retângulo, triângulo e círculo num desenho
fornecido pelo livro e pintá-las.
X
t
18
Identificar o desenho do quadrado num cartaz,
nomeando-o.
X
t
19
t
20
t
21
Identificar respectivamente o desenho das
figuras geométricas planas (retângulo,
triângulo e círculo) num cartaz, nomeando-os.
X
t
22
Encaixar as representações do quadrado em um
molde vazado no contorno correspondente.
X
t
23
t
24
t
25
Encaixar respectivamente as representações do
retângulo, triângulo e círculo em um molde
vazado no contorno correspondente.
X
t
26
Identificar numa figura a quantidade de formas
quadradas enumerando-as.
X
t
27
t
28
t
29
Identificar numa figura quantidade de formas
circulares, triangulares e retangulares
enumerandos-as.
X
t
30
t
31
t
32
Relacionar entre si as figuras com três, quatro
ou nenhum lado respectivamente.
X
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