5. Mulher ou estátua: o que a razão não pode dizer | 259
De fato, Freud antecipou uma separação entre o sexo e o gênero
(apesar de não
valer-se deste termo) logo no início do século XX, ou seja, bem antes da onda feminista que
surge com maior vigor a partir dos anos 50.
Para ele, a relação entre mulher e feminilidade não era imediata. A diferenciação entre
feminino e masculino se constitui por ter ou não o falo
(e seus atributos), e não o pênis
(BIRMAN,J., 1999).
Estamos habituados a utilizar também o feminino e o masculino como
qualidades psíquicas e, da mesma maneira, transferimos o ponto de vista da
bissexualidade para a vida psíquica. Assim, nós dissemos “um ser humano,
macho ou fêmea, se comporta sobre tal ponto de modo masculino, e sobre outro,
de modo feminino (...). Esta distinção não é psicológica; quando vocês dizem
feminino, vocês pensam “passivo”. Ora, é verdade que existe tal relação. A
célula sexual masculina é ativamente móvel, vai ao encontro da célula feminina
e esta é imóvel, aguarda passivamente. Este comportamento de organismos
sexuais elementares é mesmo o modelo do comportamento dos indivíduos
sexuais no comércio sexual. O macho persegue a fêmea com o objetivo da união
sexual, ele a ataca, penetra nela. Mas, assim, apenas se reduziu, para a
psicologia, a característica do masculino ao fator da agressão. Vocês duvidarão
ter alcançado qualquer coisa de essencial, se considerarem que em muitas
classes de animais, as fêmeas são as mais fortes e mais agressivas, e os machos
são ativos somente no ato da união sexual. Até mesmo as funções de cuidado e
criação da ninhada, que nos parecem femininas por excelência, não são
frequentemente ligadas, nos animais, ao sexo feminino. (…) Mesmo no domínio
da vida sexual humana não se pode deixar de notar o quanto é insuficiente fazer
coincidir o comportamento masculino com a atividade e o feminino com a
passividade (FREUD, [1933], 1984,p. 154, tradução nossa)
.
relevantes para pensarmos a partir de qual terreno são construídas as críticas feministas - bem como os
prolongamentos teóricos e releituras que daqui surgem, como o farei ao debater com Lacan adiante.
É preciso dizer que o abandono de Freud de sua teoria da sedução marca um momento importante da psicanálise em que
migramos do real para a fantasia. Freud havia percebido que os traumas infantis (atentados ao pudor, abuso sexual,
geralmente cometidos por membros próximo das famílias, como tios, irmãos, tutores e os próprios pais) que antes eram
compreendidos como a causa da histeria de seus pacientes, eram, na verdade, produto de fantasias. A partir disso, o
fundamental era perceber que aquelas “fantasias” diziam sobre quem contava, ou seja, falava sobre os desejos e os medos
reprimidos. Com essa guinada teórica, saímos assim, do registro do “real” e do mundo concreto para o universo do
inconsciente, no qual não é a “verdade” que está em pauta.
Freud refere-se a pênis, mas não enquanto órgão anatômico, mas simbólico. Para descolar-se desta confusão, Lacan,
mais tarde, vai fazer referência apenas a falo, sinalizando a importância de não nos atermos à referência anatômica
quando nos dirigimos à posição feminina ou masculina que o sujeito pode ocupar ao longo de sua vida independente
de ser homem ou mulher
Nous sommes habitues à utiliser aussi le masculin et le féminin comme des qualités psychiques et nous avons également
transféré le point de vue de la bissexualité dans la vie psychique. Nous disons donc „un être humain, mâle ou femelle, se
comporte sur tel point d‟une façon masculine, sur tel autre, d‟une façon féminine. (…) Cette distinction n‟est pas psychologique ;
quand vous dites féminin, vous pensé « passif ». Or il est exact qu‟il existe une telle relation. La cellule sexuelle masculine est
activement mobile, va trouver la cellule féminine et celle-ci, est immobile, passivement dans l‟attente. Ce comportement des
organismes sexuels élémentaires est même le modèle du comportement des individus sexuels dans le commerce sexuel. Le mâle
poursuit la femelle dans le but de la réunion sexuelle, il l‟attaque, pénètre en elle. Mais ainsi, vous n‟avez fait que réduire, pour la
psychologie, le caractère du masculin au facteur de l‟agression. Vous douterez d‟être ainsi parvenus à quelque chose d‟essentiel,
si vous considérez que dans maintes classes d‟animaux, les femelles sont les plus fortes et agressives, les mâles uniquement
actifs dans l‟acte de l‟union sexuelle. Même les fonctions du soin et de l‟élevage de la couvée, qui nous semblent féminines pare
excellence, ne sont pas régulièrement liées, chez les animaux, au sexe féminin. (…) Même dans le domaine de la vie sexuelle