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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOLOGIA E NGUA PORTUGUESA
SOLANGE UGO LUQUES
Metáfora e argumentação: uma análise crítica do
discurso político
São Paulo
2010
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1
UNIVERSIDADE DE O PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOLOGIA E NGUA PORTUGUESA
Metáfora e argumentação: uma análise crítica do
discurso político
Solange Ugo Luques
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em de Filologia e Língua
Portuguesa, do Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para a obtenção do
Título de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Zilda Gaspar Oliveira de
Aquino
São Paulo
2010
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2
Autorizo reprodução e divulgação totais ou parciais deste trabalho, por qualquer
meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que
citada a fonte.
3
Nome: LUQUES, Solange Ugo
Título: Metáfora e argumentação: uma análise crítica do discurso político
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em de Filologia e Língua
Portuguesa, do Departamento de Letras
Clássicas e Vernáculas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, para a obtenção do
Título de Mestre.
Aprovada em:
_______________________________
Banca Examinadora:
____________________________________________
____________________________________________
Julgamento:
__________________________________
Assinatura:
__________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Julgamento:
__________________________________
Assinatura:
__________________________________
____________________________________________
____________________________________________
Julgamento:
__________________________________
Assinatura:
__________________________________
4
Aos meus amores,
Luiz Carlos,
Isabela,
Mariana e
Nélia,
Que me incentivaram a começar, colaboraram
pacientemente de muitas formas e foram
companheiros nessa minha aventura intelectual.
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida.
À Professora e Orientadora Dra. Zilda Gaspar Oliveira de Aquino, que me aceitou
como sua orientanda, confiou em mim, mostrou-me um mundo novo e me guiou por ele com
firmeza e carinho. Não esquecerei sua acolhida amiga, seus ensinamentos nem seus exemplos.
Às Professoras Doutoras Elisa Guimarães e Dieli Vesaro Palma, pelo respeito que
demonstraram em relação a mim e a meu trabalho e propriedade com que me aconselharam
durante o processo de Qualificação. Reafirmo minha admiração pela excelência do
conhecimento que possuem e pela generosidade com que o partilharam comigo.
À Universidade de São Paulo, USP, por ter me concedido a oportunidade e o espaço
para desenvolver este trabalho, principalmente aos professores de cujas aulas participei.
A meu marido, Luiz Carlos, por seu amor, sua paciência, seu bom humor e seu
incentivo.
Às minhas filhas Isabela e Mariana, por existirem e serem as pessoas excelentes que
são. Por seu apoio, seu carinho e ânimo nas horas difíceis. A Fernando e Leandro por amá-las.
À minha mãe, Nélia, minha eterna defensora, conselheira, colaboradora, companheira
de todas as horas. É uma bênção de Deus tê-la a meu lado como exemplo de entusiasmo pela
vida.
À minha avó, Lina Cândida, meu avô Sylvio e meu pai, Giuseppe. Sinto que, onde
quer que estejam, ainda me acompanham e vibram com minhas realizações.
A meu irmão Antônio, meus sogros e todos os parentes e amigos que me apoiaram e
incentivaram, mesmo sem compreender muito bem o que eu fazia.
A todos os colegas de estudos e pesquisas com quem convivi neste período, mas
principalmente às amigas Rafaela Baracat Ribeiro e Daniela da Silveira Miranda. Ao
Evandro, à Rosani, à Adriana e à Rosana, pelo incentivo.
À Bruna Wysocki, por ter permitido que eu usasse seu corpus transcrito (Programa
Livre) como parte desta dissertação.
6
Os estudiosos do discurso são unânimes
ao afirmarem que o discurso
produz e transforma a realidade.
Zilda Aquino
7
RESUMO
LUQUES, S. U. Metáfora e argumentação: uma análise crítica do discurso político. 2010.
172 f. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, 2010.
O presente trabalho tem como proposta estudar os efeitos de sentido produzidos pelo emprego
de metáforas discursivas, enquanto escolhas linguísticas contextualizadas culturalmente e
transmissoras de ideologia, como estratégia argumentativa construtora de significado. Além
de constituírem estratégia argumentativa de eficácia já comprovada por estudiosos como
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]), as metáforas podem também revelar valores e
ideologias, pois, como dizem Lakoff e Johnson (2002[1980]), nosso sistema conceptual é
basicamente metafórico, portanto, nosso pensamento é metaforicamente estruturado e sua
manifestação através da enunciação é reveladora da relação que temos com o mundo. Neste
estudo, em que se procede à análise de pronunciamentos e entrevistas de Fernando Collor de
Mello, por se tratar de análise do discurso político, optou-se ainda por utilizar como
abordagem teórico-metodológica a Análise Crítica do Discurso (ACD), conforme proposta de
Fairclough (1997), instrumento de estudo da linguagem como prática social, forma de ão
sobre o mundo. O objetivo é fazer um estudo crítico no intuito de desvendar a maneira pela
qual alguém exerce o controle sobre uma ocasião social através das formas linguísticas que
emprega (WODAK, 2004). As Teorias da Metáfora e a Análise Crítica do Discurso
encontram seu ponto de convergência na proposta teórica de Charteris-Black (2004), a
Análise Crítica da Metáfora. Definida por seu autor como uma abordagem semântico-
cognitiva que analisa criticamente metáforas presentes em discursos e manifestos políticos
para evidenciar sua importância como veículo da ideologia no discurso de áreas em que
influenciar julgamentos é um objetivo central, a ACM (Análise Crítica da Metáfora) foi
incluída nessa pesquisa dada a sua pertinência no estudo das escolhas metafóricas de
Fernando Collor de Mello. Foram selecionadas algumas formulações discursivas atribuídas ao
referido político, ex-presidente da República do Brasil e atual senador pelo estado de Alagoas,
amostras que, acredita-se, retratam momentos diversos de sua atribulada trajetória política,
ilustrando o teor de sua relação com o poder. A hipótese é que as metáforas nelas utilizadas
sejam reveladoras de aspectos cognitivos, culturais e ideológicos da visão de mundo de
Fernando Collor, constituam sua identidade e sejam eficientes estratégias argumentativas,
visto que se estabelecem como forma de ação e interação persuasiva em um meio social. A
análise do corpus permitiu observar que Collor, por meio da linguagem metafórica que
emprega em seus discursos, frequentemente apela à emoção e ao imaginário de seus
interlocutores na tentativa de construir uma identidade de força e combatividade e de fazê-los
aderirem às suas ideias; torna, assim, suas manifestações discursivas em fértil campo de
estudo sobre transmissão de ideologia e habilidade argumentativa.
Palavras-chave: Metáfora. Argumentação. Análise crítica do discurso. Discurso político.
Análise crítica da metáfora.
8
ABSTRACT
LUQUES, S. U. Metaphor and argumentation: a critical analysis of political discourse.
2010. 172 f. Tese (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, 2010.
This work proposes to study the effects of meaning produced by the use of discursive
metaphors, while culturally contextualized linguistic choices and ideology transmitters, as an
argumentative strategy of meaning construction. In addition to being an argumentative
strategy whose effectiveness was already proven by scholars such as Perelman and Olbrechts-
Tyteca (2005 [1958]), metaphors can also reveal values and ideologies, because, according to
Lakoff and Johnson (2002 [1980]), our conceptual system is basically metaphorical, so our
thought is metaphorically structured and its manifestation through language use may reveal
our relationship with the world. In this political discourse study, which carries out the analysis
of some of Fernando Collor de Mello’s speeches and interviews, the option was to use Critical
Discourse Analysis (CDA) as a theoretical and methodological approach proposed by
Fairclough (1997), an instrument for language study as social practice, action over the world,
therefore. The goal is to make a critical study in order to reveal how one exerts control over a
social occasion through linguistic forms he employs. (Wodak, 2004). Metaphor Theories and
Critical Discourse Analysis find their point of convergence in Charteris-Black (2004)
theoretical proposal, Critical Metaphor Analysis. Defined by its author as a semantic-
cognitive approach that critically examines metaphors in political speeches and manifestos to
highlight its importance as a vehicle of ideology in areas where influencing judgments is a
central discourse goal, CMA (Critical Metaphor Analysis) was included in this research given
its relevance in the study of Fernando Collor de Mello metaphorical choices. Some discursive
formulations assigned to that politician, former Brazil’s president and current senator for the
state of Alagoas, were selected, samples believed to depict different moments of his eventful
political career, illustrating the content of his relationship with power. The hypothesis is that
metaphors used in them are indicative of Fernando Collor’s cognitive, cultural and ideological
worldview, constitute his identity and work as efficient argumentative strategies, since they
set themselves as ways of persuasive action and interaction in a social environment. Corpus
analysis helped identify that Collor, by employing metaphorical language in his speeches,
often appeals to his counterparts emotion and imagination, in an attempt to build an identity
of force and toughness and to make them adhere to his ideas, thus turning his discursive
manifestations into a fertile field of study on ideology transmission and argumentative skills.
Keywords: Metaphor. Argumentation. Critical discourse analysis. Political discourse. Critical
metaphor analysis.
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Correspondência entre as Contribuições do discurso, as Funções e os
Significados
................................................................................................................... p. 32
Quadro 2. Modelo hierárquico-cognitivo de metáfora
.................................................. p. 39
Quadro 3. Esquema da Tríplice perspectiva de observação da metáfora
...................... p. 73
Quadro 4 . Modelo hierárquico-cognitivo de metáforas presentes no discurso de
Fernando Collor
........................................................................................................... p. 79
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .........................................................................................................12
CAPÍTULO I
DISCURSO POLÍTICO, ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E TEORIAS DA
METÁFORA
1.1 Discurso político: lugar de um jogo de máscaras .......................................... 23
1.2 Modelo mental como base da cognição política: elo entre ideologias
e discurso............................................................................................................. 27
1.3 Modelo tridimensional de análise de Fairclough............................................. 30
1.4 Teorias da metáfora: Aristóteles, Lakoff e Johnson, e Charteris-Black ...
................................................................................................................................ 34
CAPÍTULO II
A METÁFORA E SUAS INTER-RELAÇÕES: CULTURA, IDEOLOGIA
E IDENTIDADES
2.1 Cultura, Ideologia e o “esquema da FORÇA”.................................................. 45
2.2 O papel da metáfora na construção de identidades e na transmissão de
ideologias .............................................................................................................. 53
2.2.1 A seleção de uma metáfora em particular............................................... 63
CAPÍTULO III
ARGUMENTAÇÃO E METÁFORA – A TRÍPLICE PERSPECTIVA
3.1 Por que as pessoas falam metaforicamente? ................................................... 71
3.2 A Teoria da Argumentação : Metáfora como estratégia argumentativa
............................................................................................................................... 74
CONCLUSÃO................................................................................................................ 82
11
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 85
ANEXOS
ANEXO A – Transcrição de propaganda eleitoral da campanha a presidente da
República ................................................................................................... 91
ANEXO B – Reprodução do discurso de posse no Parlatório ........................................ 93
ANEXO C – Reprodução do relato “Crônica de um golpe” ........................................... .95
ANEXO D – Reprodução da transcrição da entrevista televisiva ao Programa Livre
.................................................................................................................... 106
ANEXO E – Reprodução da entrevista à revista Istoé Gente, versão eletrônica ............ 124
ANEXO F – Reprodução do discurso de posse como senador no Congresso Nacional
.................................................................................................................... 129
ANEXO G – Reprodução e transcrição de segmento de discurso da campanha a
governador de Alagoas ............................................................................... 168
ANEXO H – Normas para transcrição – Projeto NURC-SP ........................................... 170
ANEXO I – Reprodução em mídia digital da propaganda da campanha a presidente
da República (ANEXO A) e do segmento de discurso da campanha a
governador de Alagoas (ANEXO G) .......................................................... 172
12
INTRODUÇÃO
13
Inúmeros pesquisadores de todos os tempos tomaram a metáfora como objeto de
estudo, incluindo-se entre eles Aristóteles, no século IV a.C., em sua Arte Poética. Os
estudiosos do discurso interessam-se especialmente por observar as teorias que a consideram
estratégia persuasiva que visa a convencer o interlocutor através da emoção, em oposição à
razão (Perelman e Tyteca, 2005 [1958]); há ainda os que propõem o estudo das teorias
cognitivas da metáfora, como Lakoff e Johnson (2002 [1980]), dizendo ser nosso sistema
conceitual de natureza metafórica, pois certas metáforas estruturam nossa maneira de
perceber, pensar e agir.
Outro enfoque bastante atual é o de Charteris-Black (2004), que se utiliza de uma
abordagem semântico-cognitiva e analisa criticamente metáforas presentes em discursos e
manifestos políticos, propondo o que ele chama Análise Crítica da Metáfora, para evidenciar
sua importância como veículo da ideologia no discurso de áreas em que influenciar
julgamentos é um objetivo central.
No Brasil, diversos estudos sobre metáfora, seja ela empregada no discurso
pedagógico, científico, jornalístico ou político, dentre os quais se destacam as obras de Palma
(1998), que estuda a leitura das figuras de pensamento, considerando-as manifestações
linguísticas de processos cognitivos, e Sardinha (2007), que afirma serem as metáforas
recursos retóricos poderosos e procede a algumas análises de seu emprego em textos de
gêneros diversos.
O contato com o trabalho desses estudiosos permitiu observar a possibilidade de se
contribuir para os estudos discursivos em língua portuguesa ao tomar como objeto de estudo o
discurso político produzido por brasileiros. Em se tratando especificamente das manifestações
de Fernando Collor, grande parte delas proporciona ao pesquisador do discurso fonte em geral
abundante para a análise da linguagem metafórica, em especial quando se busca desvendar a
ideologia e a força argumentativa nela contidas, principalmente por seu caráter emocional,
mais que racional.
Além disso, como afirma Meyer (2007, p.82), a metáfora é “a figura por excelência da
identidade frágil”, pois ela não diz, apenas deixa subentendido o significado, convidando o
outro a concluí-lo e apresentando-se, portanto, como momento de conciliação discursiva fato
que a qualifica como estratégia argumentativa sutil, que encanta antes de persuadir. Pode-se
dizer que o locutor é o responsável pela produção da metáfora discursiva, mas sua
interpretação é partilhada com o interlocutor, pois nela cabem muitos significados implícitos
14
ou subentendidos, que, segundo Ducrot (1987), são as conclusões desse interlocutor, que
ocorrem em momento posterior ao ato de comunicação, como se tivessem sido acrescentadas
através da interpretação dele.
Na área do discurso político, a metáfora pode ser considerada recurso significativo,
pois, como afirma Charaudeau (2008), aquele é o “lugar de um jogo de máscaras”, em que
toda palavra deve ser considerada pelo que diz e também pelo que não diz, o que novamente
aponta para a importância do estudo da linguagem metafórica nas manifestações discursivas
de cunho político, pela capacidade que apresenta de transportar simultaneamente significados
de superfície e outros tantos subjacentes.
Levando-se ainda em consideração Aquino (2004), para quem o discurso político,
como campo de investigação, pode certamente ser objeto de estudos que permitam captar suas
diversas dimensões e compreender sua organização, busca-se responder, com esta pesquisa, a
alguns questionamentos que surgiram a partir de um contato mais aprofundado com o
discurso de Fernando Collor, a saber:
- Como se manifestam as metáforas, no discurso político de Fernando Collor, e de que modo
sua análise auxilia a compreender a organização do processo cognitivo desse locutor?
- Que aspectos culturais e ideológicos acerca da visão de mundo e da ação política de
Fernando Collor podem ser conhecidos a partir do estudo da linguagem metafórica utilizada
por ele ao construir sua identidade e expressar suas ideias?
- Que perspectivas da relação de poder estabelecida entre Fernando Collor e seu auditório
podem ser detectadas pela análise crítica da metáfora, tendo em vista seu caráter
eminentemente persuasivo?
A partir do que se apresenta, este trabalho visa a contribuir para o desenvolvimento
das pesquisas no domínio do discurso político, por meio de um estudo das metáforas
empregadas por Fernando Collor de Mello em suas manifestações discursivas. Busca-se
compreender o funcionamento e as particularidades da formulação de seu discurso, por meio
de uma investigação crítica e pela abordagem de fatores de ordem cognitiva, ideológico-
cultural e argumentativa na relação que tal locutor mantém com seu auditório.
O corpus constitui-se de amostras em que se levou em conta a representatividade nos
momentos de ápice, queda e retomada de poder na carreira de Fernando Collor de Mello.
Elas foram tomadas do domínio do discurso político e selecionadas por traduzirem momentos
marcantes da história pública desse político, a saber, a campanha à Presidência da República
15
em 1989, a posse para o cargo de presidente em 1990, a ocasião do Impeachment em
setembro de 1992, seu exílio do poder nos anos seguintes e sua volta à vida pública ao eleger-
se senador por Alagoas em 2006, com mandato de oito anos iniciado em fevereiro de 2007, e
sua campanha ao governo de Alagoas em 2010. A reprodução dessas sete manifestações
discursivas encontra-se na seção de Anexos da presente pesquisa (vide p. 90). Segue
detalhamento das amostras do corpus elencadas em ordem cronológica de ocorrência:
- Transcrição
1
de uma propaganda eleitoral da campanha a presidente da República em 1989 e
a sua reprodução em mídia digital, tal como foi veiculada pelas emissoras de televisão durante
o horário eleitoral gratuito. O vídeo da referida propaganda foi recuperado por meio
eletrônico através do arquivo de imagens:
http://www.youtube.com/watch?v=tVAPdnN0VxU, e a transcrição, necessária em razão de
se tratar de texto falado, foi feita segundo as normas instituídas pelo projeto NURC-SP,
também relacionadas ao final dos anexos. (ANEXO A)
- Reprodução do discurso de posse proferido no Parlatório do Palácio do Planalto, um
equivalente resumido do discurso de posse como presidente em 1990, cuja transcrição foi
recuperada no site pessoal de Fernando Collor de Mello, em 27/02/2010, pelo link
http://www.collor.com/discursos1990_002.asp. (ANEXO B)
- Reprodução do relato denominado “Crônica de um golpe”, referente à saída do governo, na
ocasião do processo de Impeachment, retirado do site pessoal de Fernando Collor de Mello,
em 27/02/2010, pelo link http://www.collor.com/livro.asp. Também uma versão
praticamente igual a essa amostra publicada na Revista Veja, exemplar número 1515, de 1º.
de outubro de 1997, em reportagem que teve o título de “A voz do vencido”, em que ele
apresenta o segmento como sendo o primeiro capítulo do livro Crônica de um Golpe A
Versão de Quem Viveu o Fato, que ele supostamente estaria escrevendo sobre sua passagem
pela Presidência e memórias sua infância, família e carreira. Preferiu-se a versão do site
pessoal. (ANEXO C)
- Reprodução da transcrição de uma entrevista televisiva concedida em agosto de 1998 ao
Programa Livre, transmitido ao vivo pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), em que o
ex-presidente é entrevistado por jovens estudantes mediados pelo apresentador Sérgio
Groisman. A referida transcrição foi retirada, com a autorização da autora, da dissertação de
Mestrado pela FFLCH-USP de Bruna Wysocki, Interação face a face: um estudo das
1
A transcrição das amostras de discurso falado foi feita a partir das normas instituídas pelo projeto NURC-SP,
projeto que estuda a Norma Linguística Urbana Culta de São Paulo.
16
estratégias discursivas na reconstrução da imagem, de 2007, que pode ser acessada através
do link http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8142/tde-05052008-153601/. (ANEXO D)
- Reprodução da entrevista concedida à repórter Neuza Sanches e publicada na página
eletrônica da revista Istoé Gente, na edição de número setenta e quatro do final de 2000,
quando se encerrava o período de oito anos de afastamento político a que foi condenado por
consequência do Impeachment, acessada em 27/02/2010 pelo link
http://www.terra.com.br/istoegente/74/entrevista/index.htm. (ANEXO E)
- Reprodução da transcrição do discurso de posse no Congresso Nacional como senador pelo
estado de Alagoas, em 15 de março de 2007, assim como publicada na página eletrônica do
Senado Federal e que foi acessada em 27/02/2010 pelo link
http://www.senado.gov.br/sf/atividade/pronunciamento/detTexto.asp?t=367005. outras
versões deste discurso, uma delas na gina pessoal de Fernando Collor, porém foi tomada a
decisão de analisar-se a versão publicada na página do Senado por motivo de considerá-la, em
tese, mais próxima da que foi efetivamente pronunciada por Fernando Collor no dia de sua
posse como senador. (ANEXO F)
- Reprodução da imagem do texto publicado na Revista Veja, edição 2172 ano 43 nº. 27,
de 7 de julho de 2010, de versão de um segmento do discurso proferido por Fernando Collor,
na capital Maceió, em 30 de junho de 2010, no lançamento de sua candidatura ao governo de
Alagoas. Acompanha a transcrição da voz de Fernando Collor, segundo as normas instituídas
pelo projeto NURC-SP, do audiovisual do segmento correspondente, recuperado por meio do
link de arquivo eletrônico de imagens acessado em 26/08/2010:
http://www.youtube.com/watch?v=fSd89VeqwlQ&feature=related, com reprodução em mídia
digital. (ANEXO G)
- Reprodução em mídia digital da propaganda da campanha a presidente da República
(ANEXO A) e do segmento de discurso da campanha a governador de Alagoas (ANEXO G).
(ANEXO I)
Na ocasião em que foram proferidas, todas essas manifestações discursivas, cuja
reprodução totaliza aproximadamente 31.800 palavras, foram registradas e transmitidas
através da mídia e, para esta pesquisa, foram recuperadas principalmente através de arquivos
eletrônicos disponibilizados no site pessoal do próprio ex-presidente, http://www.collor.com/,
da sua página atual como senador no site do senado,
http://www.senado.gov.br/sf/, do arquivo
de imagens do site de busca http://www.youtube.com/, bem como de revistas de circulação
17
nacional, como a Revista Veja e a IstoÉ Gente, esta disponibilizada em meio eletrônico em
http://www.terra.com.br/istoegente.
O corpus foi selecionado pela sua representatividade semântica e não pela categoria de
gênero, portanto, as manifestações discursivas que o compõem são de diferentes gêneros, a
saber: propaganda e discurso eleitorais, discurso de posse de cargo político, entrevista para a
mídia eletrônica, entrevista em programa televisivo e relato. Observa-se que esta composição
inclui material falado e escrito, tendo em vista a hipótese de que a utilização de linguagem
metafórica poderia ocorrer nas duas modalidades do discurso desse político.
Como meio auxiliar de análise do corpus, os estudos discursivos em geral, e a ACD
em particular, apontam para a importância crucial de se considerar o contexto de uso da
linguagem, em seus aspectos históricos e sociais, visto que, segundo Fairclough (2001), o
discurso, moldado e restringido pela estrutura social, é prática de representação e significação
do mundo, contituindo-o e construindo-o em significado. Para esta pesquisa, importa,
sobretudo, situar histórica, cultural e socialmente a figura do locutor, Fernando Collor de
Mello, com a finalidade de conhecer um pouco mais sobre sua vida pública e privada e, assim,
contextualizar sua prática discursiva.
Foram consultadas várias fontes bibliográficas, entre elas o CPDOC, o Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Escola de Ciências
Sociais e História da Fundação Getúlio Vargas, por meio dos links:
http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/FernandoCollor e
http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx, e uma resumida
apresentação das informações encontradas inclui dizer que Fernando Collor nasceu no Rio de
Janeiro, então Distrito Federal, no dia 12 de agosto de 1949, filho de Leda Collor de Melo e
de Arnon de Melo, que foi governador (1951-1956) e senador por Alagoas (1963-1981). Seu
avô materno, Lindolfo Collor, foi deputado federal pelo Rio Grande do Sul e foi um dos
líderes da Revolução de 1930 e, ao afastar-se politicamente de Getúlio Vargas, em 1932,
participou da Revolução Constitucionalista de São Paulo.
O fato de a carreira política do pai, Arnon de Mello, ter-se desenvolvido entre as
cidades de Maceió, Rio de Janeiro e Brasília teve influência na vida acadêmica de Fernando
Collor. Ele estudou em colégios cariocas entre 1962 e 1966 e, ao mudar-se para Brasília em
1967, cursou o Ensino Médio e formou-se em Ciências Contábeis na União Pioneira de
Integração Social (UPIS).
18
Em 1972, então em Maceió, assumiu a direção da Gazeta de Alagoas, jornal de
propriedade de seu pai e, um ano depois, tornou-se superintendente da Organização Arnon de
Melo, grupo empresarial da família, constituído pelo jornal, a TV Gazeta, três emissoras de
rádio e uma gráfica. Curiosamente, no site oficial da Presidência da República, página do
vigésimo quarto período de Governo Republicano da Galeria dos Presidentes, a profissão de
Fernando Collor é de jornalista. (Acesso em 02/08/2010, pelo link:
http://www.presidencia.gov.br/info_historicas/galeria_pres/galcollor/galcollor/integrapresiden
te_view/)
Antes de se eleger presidente, Fernando Collor de Mello foi prefeito nomeado de
Maceió em 1979, deputado federal em 1983 e governador de Alagoas em 1987, quando se
tornou conhecido como “Caçador de Marajás’, denominação metafórica que o acompanhou
mais tarde na campanha à presidência da República, por ter empreendido um combate a
alguns funcionários públicos alagoanos que ganhavam altos salários.
Collor foi escolhido por maioria popular na primeira eleição direta para presidente,
depois de 25 anos de um regime de exceção, mas exerceu o cargo de presidente da República
apenas de março de 1990 a dezembro de 1992, quando renunciou, tentando sem sucesso
escapar ao processo de Impeachment que cassou seus direitos políticos por oito anos. Durante
esse período, o ex-presidente tentou reverter sua situação por meios jurídicos e políticos, mas
não obteve sucesso. Atravessou, desde então, períodos conturbados na vida particular com a
morte do irmão, da mãe e o assassinato de Paulo César Farias, o ex-tesoureiro de sua
campanha. Mudou-se para Miami em 1995, onde, de acordo com suas próprias afirmações,
vivia do pró-labore recebido das empresas da família, e lá permaneceu até 1998.
Voltou ao Brasil e concorreu a diversos cargos, mas só foi eleito novamente na
campanha de 2006, tomando posse como senador pelo Estado de Alagoas, em 15 de março de
2007. Resolveu adotar a questão ambiental como objetivo principal de sua atuação como
senador. No início de 2009, Collor tornou-se presidente da Comissão de Serviços de
Infraestrutura do Senado Federal e membro titular da Comissão de Relações Exteriores e
Defesa Nacional e da Comissão de Acompanhamento de Metas Fixadas pela ONU. No
segundo semestre de 2010, lançou sua candidatura ao governo do estado de Alagoas.
Como procedimento metodológico, decidiu-se iniciar pelo rastreamento da ocorrência
de metáforas e linguagem metafórica em cada uma das manifestações discursivas que
compõem o corpus, para que fosse possível observar sua frequência e reprodução, com o
objetivo de estabelecer, para cada amostra, uma ou mais metáforas conceptuais, que seriam,
19
segundo Lakoff e Johnson (2002 [1980]), o conceito metafórico estruturador de uma atividade
cotidiana que envolve a compreensão de um domínio da experiência em termos de um
domínio diferente de experiência.
Para esta pesquisa, acredita-se ser relevante analisar os significados comuns das
metáforas encontradas no corpus e estabelecer um conceito estruturador que envolva um
domínio alvo e um domínio fonte, isto é, um domínio referente aos conceitos definidos
metaforicamente, e outro, de onde se originam as metáforas escolhidas para defini-los,
respectivamente. Tal interesse decorre da concepção de que estabelecer tais domínios
concorreria para conhecer os processos cognitivos e as bases culturais e ideológicas de que
resultaram as escolhas metafóricas do locutor.
A esse respeito, Charteris-Black (2004) afirma que um grande número de estudiosos
do tema, entre eles Schön (1993), MacCormac (1976) , Lakoff & Johnson (1980), Grady
(1997) e Goatly (1997), entende que as metáforas não podem ser classificadas com um
critério linguístico superficial, porque elas são resultado de processos cognitivos subjacentes
que também precisam ser representados. Aquele autor propõe que conhecer a motivação de
determinado locutor em domínios do uso de linguagem socialmente influente melhora o
entendimento, por parte do analista, da base ideológica para a escolha metafórica e contribui
para a construção teórica, pois proporciona acesso a pensamentos que são a base do uso da
linguagem.
O que se indicou como procedimento metodológico inicial (último § da p. 18)
corresponde à primeira parte do método tridimensional de Análise do Discurso proposto por
Fairclough (2001) e aqui adotado. Trata-se da identificação e descrição de aspectos
linguísticos significativos do corpus, no presente trabalho metáforas e linguagem metafórica,
com a respectiva abstração das metáforas conceptuais. Estas, acredita-se, representam o elo
entre ideologia e argumentação, pois representam escolhas que o locutor faz com o objetivo
de persuadir seu auditório.
O segundo passo do método tridimensional de Fairclough propõe a interpretação das
relações entre os processos discursivos produtivos e interpretativos. Neste estudo, prioriza-se
a interpretação dos processos discursivos produtivos, com ênfase na análise dos aspectos
culturais e das estratégias utilizadas por Fernando Collor para a construção da imagem de si
que este locutor quer transmitir a seus interlocutores, com o propósito retórico da persuasão, e
o estudo do contexto em que os discursos selecionados ocorreram.
20
A terceira etapa do modelo de Fairclough recomenda uma explicação da relação entre
os processos discursivos e os processos sociais, isto é, aconselha que se proceda a um
esclarecimento de como a prática discursiva pode ter afetado um processo social, provocando
uma mudança.
Certamente, tem-se consciência, como analista, de que é o efeito combinado de várias
estratégias argumentativas que confere eficiência ao discurso político (Cf. CHARTERIS-
BLACK, 2005), porém, acredita-se ser possível comprovar a importante colaboração das
metáforas na produção de um discurso que pode ser apontado como causador de diversas
transformações no comportamento de grande parcela da população brasileira e no cenário
político brasileiro em geral.
A interface da Análise Crítica do Discurso de Fairclough com a Teoria da
Argumentação ocorre a partir de uma Análise Crítica da Metáfora, conforme proposta de
Charteris-Black (2004) e descrita mais adiante, que postula ser a seleção metafórica em tipos
particulares de discurso governada pelo propósito retórico da persuasão, portanto, motivada
pela ideologia.
A proposta de organização dos capítulos da dissertação é a seguinte:
CAPÍTULO I - DISCURSO POLÍTICO, ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO E
METÁFORA
Levantamento das teorias relativas ao Discurso Político segundo Charaudeau (2005) e
à Análise Crítica do Discurso, apresentando a teoria do Modelo mental como base da
cognição política e elo entre as ideologias e o discurso. Detalhamento do Modelo
Tridimensional de Análise de Fairclough (2001), que indica os procedimentos da descrição,
interpretação e explicação como os mais adequados a uma Análise Crítica do Discurso.
Revisão teórica sobre a Metáfora, com a apresentação de alguns enfoques através dos tempos,
chegando às atuais teorias sociocognitivas e à proposta de uma Análise Crítica da Metáfora.
Aplicação da teoria na análise de exemplos extraídos do corpus.
CAPÍTULO II A METÁFORA E SUAS INTER-RELAÇÕES: CULTURA,
IDEOLOGIA E IDENTIDADES
21
Levantamento dos pressupostos teóricos sobre Cultura, Ideologia e Construção de
Identidades, sobretudo quanto à questão do uso da metáfora discursiva como transmissora de
ideologia. Apresentação do ‘esquema de FORÇA’ como esquema imagético básico que
estrutura o sistema conceptual. Aplicação da teoria na análise de exemplos extraídos do
corpus.
CAPÍTULO III - ARGUMENTAÇÃO E METÁFORA: A TRÍPLICE PERSPECTIVA
Revisão teórica sobre as funções da Metáfora, as hipóteses de expressabilidade,
compactividade e vivacidade,e em especial em seu emprego como estratégia argumentativa
inserida no campo da Teoria da Argumentação. Apresentação da Tríplice Perspectiva de
Observação da Metáfora, nos aspectos Cognitivos, Ideológico-culturais e Argumentativos.
Aplicação da teoria na análise de exemplos extraídos do corpus.
ANEXOS: localizam-se a reprodução do corpus, o CD com os vídeos dos ANEXOS A e G,
além das normas de transcrição do Projeto NURC-SP.
E a metáfora consistiria em expressar os vínculos secretos entre as coisas.
Jorge Luis Borges
22
CAPÍTULO I
DISCURSO POLÍTICO,
ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
E
METÁFORA
23
1.1 Discurso político: lugar de um jogo de máscaras
Quando Charaudeau (2005, p. 8) define o discurso político como o lugar de um jogo
de máscaras, ele utiliza o conceito de máscara como “símbolo de identificação, a ponto de
nela se confundirem o ser e o parecer, a pessoa e o personagem, tal como no teatro grego.”.
Para ele, o sentido que nasce de todo ato de linguagem é o resultado do encontro entre o
sujeito que enuncia e o outro que interpreta. Estes dois sujeitos agiriam em função da imagem
que têm um do outro, e sua identidade seria a imagem co-construída resultante desse
encontro. As máscaras, portanto, constituiriam o ser presente, não necessariamente falsas ou
enganosas, mas o próprio ser em sua verdade da troca em uma situação determinada,
constituindo uma identidade em relação ao outro. Ele afirma que:
Toda palavra pronunciada no campo político deve ser tomada ao mesmo
tempo pelo que ela diz e não diz. Jamais deve ser tomada ao da letra,
numa transparência ingênua, mas como resultado de uma estratégia cujo
enunciador nem sempre é soberano. (op. cit., p. 9)
Segundo esse estudioso, um linguista do discurso não pode ignorar que a linguagem
não faz sentido se não for considerada em um contexto psicológico e social e, como
consequência, ele deve integrar à análise linguística conceitos de outras disciplinas humanas e
sociais. Entende ser preciso questionar a natureza e o funcionamento do que ele inicialmente
denomina palavra política, na medida em que “ela se inscreve em uma prática social, circula
em certo espaço público e tem qualquer coisa que ver com as relações de poder que se
instauram.” (op.cit., p. 15)
Os estudos no domínio do discurso político, aponta Charaudeau, geraram diversas
questões discutidas atualmente, dentre elas a que considera mais global por abordar a
finalidade que a análise do discurso político tem, por ser capaz de revelar “o que é a realidade
do poder, este sendo, para alguns, essencialmente uma questão de ação”; afirma, portanto, ser
necessário mostrar “que não poderia haver ação política se não houvesse discurso que a
motivasse e lhe conferisse sentido.” Ele diz que:
O discurso político não esgota, de forma alguma, todo o conceito
político, mas não política sem discurso. Este é constitutivo daquela. A
linguagem é o que motiva a ação, a orienta e lhe sentido. A política
depende da ação e se inscreve constitutivamente nas relações de influência
social, e a linguagem, em virtude do fenômeno de circulação dos discursos, é
o que permite que se constituam espaços de discussão, de persuasão e de
sedução nos quais se elaboram o pensamento e a ação políticos. A ação
24
política e o discurso político estão indissociavelmente ligados, o que justifica
pelo mesmo raciocínio o estudo político pelo discurso. (op. cit., p. 39)
Charaudeau também afirma que a situação de comunicação é que torna o discurso
político, portanto, o conteúdo do discurso não é político, mas a situação é que o politiza. A
produção de sentido no pensamento político é elaborada segundo os modos de interação e a
identidade dos interlocutores, o que leva o autor a diferenciar três lugares de fabricação desse
pensamento, com características e linguagem particulares: um lugar de elaboração dos
sistemas de pensamento, um lugar relacionado ao ato de comunicação e um lugar em que é
produzido o comentário.
Segundo esse estudioso, elaborar o discurso político como sistema de pensamento é
realizar uma atividade discursiva que procura estabelecer um ideal político em função de
certos princípios que devem servir de referência para a construção de opiniões e dos
posicionamentos.” (p. 40) É um lugar em que o discurso político é construído de maneira
mais rigorosa e teórica, com o objetivo de elaborar um sistema de pensamento coerente que
possa suscitar filiações ideológicas.
Como todo discurso social, a característica do discurso político é circular no interior
dos grupos que o constituem e até alcançar outros grupos, manifestando-se em diferentes
situações de comunicação que podem transformá-lo a ponto de fazê-lo perder suas
características originais. Este lugar de elaboração dos sistemas de pensamento não está
separado dos outros dois, de ato de comunicação e de comentário, como indica Charaudeau
(2005, p. 40):
O discurso político como ato de comunicação, concerne mais
diretamente aos atores que participam da cena de comunicação política, cujo
desafio consiste em influenciar as opiniões a fim de obter adesões, rejeições
ou consensos. Ele resulta de aglomerações que estruturam parcialmente a
ação política (comícios, debates, apresentação de slogans, reuniões,
ajuntamentos, marchas, cerimônias, declarações televisivas) e constroem
imaginários de filiação comunitária, (...) Aqui, o discurso político dedica-se
a construir imagens de atores e a usar estratégias de persuasão e de sedução,
empregando diversos procedimentos retóricos.
Nesse lugar de fabricação, as características do discurso político são interdependentes
do processo comunicativo por meio do qual ele se manifesta. No caso da presente pesquisa,
que tomou por objeto de estudo manifestações discursivas de Fernando Collor veiculadas por
diferentes meios, tais como a televisão e os endereços eletrônicos, é importante indicar que
tipo de influência política cada veículo representa, pois essa informação pode revelar por que
algumas estratégias de persuasão podem ser preferidas em detrimento de outras.
25
O lugar de fabricação do discurso político como comentário tem uma finalidade que
está fora do campo da ação política, pois o discurso a respeito do político é revelador da
opinião do sujeito que comenta, mas não necessariamente indicador de seu engajamento na
ação política. Como não no corpus amostra alguma que se constitua em opinião a respeito
da ação política de Collor, este estudo atém-se a considerar mais especificamente o discurso
político como sistema de pensamento e como ato de comunicação, a ser analisado de forma
crítica.
Uma outra questão abordada por Charaudeau (2005) que interessa a esta pesquisa é
saber em que medida a persuasão relaciona-se à razão ou aos sentimentos, um debate antigo
que remonta a Aristóteles, no século IV a. C. . Desde então, se intuia que persuadir não se
limitava apenas a raciocinar com o interlocutor, mas também que era preciso levá-lo a uma
‘disposição de espírito’ que o orientasse para a direção desejada. Mais atualmente, teóricos da
Nova Retórica, como Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]), afirmam que não se podem
descartar os sentimentos em nenhum processo de linguagem que objetiva influenciar o
interlocutor.
2
Nessa acepção, Charaudeau (2005, p. 82) lembra ainda que:
(...) convém distinguir “convicção” de “persuasão”. A primeira
pertenceria ao puro raciocínio, fundar-se-ia sobre as faculdades intelectuais e
estaria voltada para o estabelecimento da verdade. A segunda pertenceria aos
sentimentos (hoje em dia, diríamos “ao afeto”), fundar-se-ia sobre os
deslocamentos emocionais e estaria voltada para o auditório. O logos, de um
lado, o pathos de outro, a que é preciso acrescentar o ethos, que diz respeito
à imagem daquele que fala e que é igualmente suscetível de tocar o auditório
pela possível identificação deste à pessoa do orador. (...) Na elaboração do
discurso interviriam com igual importância categorias de razão e categorias
de paixão. É o que, de todo modo, se passa no discurso político.
Também sobre essa questão, Reboul (1998) afirma não aceitar a posição de quem
diferencia persuadir, que para ele seria levar a crer em alguma coisa, de convencer, com um
significado atribuído de fazer compreender, alegando que tal proposta excessivamente
dualista opõe no homem o ser de crença e sentimento ao ser de inteligência e razão, como se
as últimas características pudessem se afirmar sem as primeiras. Este autor, porém, acrescenta
que a persuasão retórica consiste em levar a crer, sem redundar necessariamente no levar a
2
Estudos que envolvem metáforas e emoções são de extrema importância, citando-se Kövecses (2003), que
aborda o papel da linguagem metafórica na transmissão das emoções; entretanto, essa o é a proposta central
desta pesquisa.
26
fazer; o contrário, ou seja, levar alguém a fazer algo sem crer nisso, está mais para o campo da
ameaça, não da argumentação.
Outro olhar sobre o discurso político em que se aborda a oposição entre convicção e
persuasão é o de Osakabe (1999) que, ao proceder à analise de amostras desse domínio do
discurso, faz uma diferenciação entre o que ele chama de discurso político teórico e discurso
político militante. Esse estudioso afirma que tal distinção não resulta de uma classificação
arbitrária, mas é decorrente das próprias condições de produção de cada um deles, que podem
ser determinadas por três critérios complementares, a saber:
... em primeiro lugar, o critério das imagens pressupostas, que o
locutor faz do ouvinte e vice-versa; em segundo lugar, o critério da
imagem que o locutor faz do referente e da imagem que pressupõe que
o ouvinte faz desse mesmo referente; em terceiro lugar, o critério da
intenção do ato que o locutor visa praticar sobre o ouvinte e do ato que
pratica para a obtenção daquele resultado. (p. 106)
Osakabe também relaciona tal classificação à diferenciação semântica que faz dos
termos convencer e persuadir, propondo que o discurso político teórico fica no plano da
convicção, da adesão a uma posição; enquanto o discurso político militante está no campo da
persuasão, pois visa não à adesão do interlocutor a uma ideia, mas sua participação ativa
para a afirmação dessa proposta.
Em exame inicial das manifestações discursivas de Fernando Collor que
correspondem ao período da campanha e posse como presidente (ANEXOS A e B), verificou-
se a dificuldade em classificar tais amostras segundo essa proposta de Osakabe, visto que,
apesar de elaboradas com o objetivo de firmar uma posição teórica, é impossível não notar a
sutil sugestão de levar o interlocutor a agir a partir da adesão às ideias propostas; afinal, a
propaganda eleitoral e o discurso de posse são convites à ação colaborativa, primeiro do
eleitor, e depois do povo brasileiro.
Essa dificuldade decorre ainda do fato de que esta pesquisa se desenvolve em
concordância com as teorias críticas de análise do discurso, que objetivam revelar os elos
entre linguagem e prática social e que consideram a linguagem, em geral, como prática social,
forma de ação sobre o mundo (FAIRCLOUGH, 1997); portanto, desconsidera a possibilidade
de um discurso político elaborado sem a intenção de levar a uma ação, ainda que esta seja
apenas uma disposição para a ação. De qualquer maneira, é indiscutível a importância da
visão de Osakabe (op. cit.), principalmente no que diz respeito ao critério das imagens
pressupostas e sua influência na argumentatividade do discurso político.
27
Assim, por ter como objeto de análise as metáforas e a linguagem metafórica no
discurso de Fernando Collor de Mello, esta pesquisa contempla, principalmente, a persuasão
no sentido que lhe conferiu Charaudeau (2005), de ação a ser exercida com base nos
deslocamentos emocionais e na possível identificação do auditório com a pessoa do locutor, já
que a produção e a interpretação da metáfora pouco dependem da razão. A identidade da
metáfora é imprecisa, tendo em vista o fato de que ela ativa os sistemas cognitivos individuais
de crenças e valores do interlocutor, num convite à sua participação em um sutil processo de
co-construção de significados.
A respeito dessa ativação dos sistemas de crenças e valores de determinado auditório,
para que haja a construção de significados comuns entre locutor e interlocutores que conduz à
persuasão, expõe-se a seguir a teoria dos modelos mentais, proposta por van Dijk (2008).
1.2 Modelo mental como base da cognição política: elo entre ideologias e discurso
Segundo van Dijk (2008), estudar as bases da cognição política implica estudar as
representações ou modelos mentais que as pessoas compartilham enquanto atores políticos,
sendo tais modelos mentais por ele definidos como interpretação pessoal de um
acontecimento ou fato externo que leva em conta crenças, valores, normas, tradições e
conhecimentos individuais ou coletivos. O autor propõe que o elo entre ideologias e discurso
seja fornecido pela teoria do modelo mental, conforme se observa:
Um elemento crucial do meu enquadre que falta às outras pesquisas sobre a
cognição política é o dos modelos mentais, que servem como a interface
necessária entre as cognições políticas socialmente partilhadas, de um lado, e
as crenças pessoais, do outro. Esses modelos também servem como as bases
cognitivas do discurso político e da ação política, e também relacionam as
macroestruturas políticas das representações partilhadas de grupos e
instituições com as microestruturas políticas das atividades dos atores
políticos. (VAN DIJK, 2008, p. 202)
O autor definira, em trabalhos anteriores (1997, p. 105), ideologias como “sistemas
básicos de cognições sociais fundamentais e como princípios organizadores das atitudes e das
representações sociais comuns a membros de grupos particulares”, e dizia que, para que elas
possam ser associadas a produções discursivas escritas e orais, é necessária uma interface
cognitiva que transforme o geral/social no específico/pessoal; as atitudes sociais em opiniões
pessoais. Os modelos, como representações mentais de experiências pessoais relativas a
28
ações, acontecimentos ou situações particulares, formam a base mental do discurso oral e
escrito localizado.
Esses modelos mentais são construídos e modificados por várias manifestações de fala
e de escrita a que somos expostos durante nossa socialização, o que implica dizer que o
processamento de informações políticas, dentre tantas outras, é frequentemente discursivo,
pois a ação e a participação políticas, em grande medida, são realizadas pelo discurso e pela
comunicação, conforme indica van Dijk (2008).
Se a formação dos modelos mentais resulta não apenas de cognições sociais, mas
também de atividades discursivas, é possível acrescentar que certos grupos como a escola e a
mídia, que influenciam a formação de conhecimentos e crenças, também são capazes de
controlar, ainda que indiretamente, a formação desses modelos mentais. (AQUINO, 1997)
Neste sentido, então, pode-se entender que a produção discursiva de Fernando Collor,
veiculada pela mídia, afetasse e transformasse o modelo mental dos eleitores brasileiros, que
interpretaram tais manifestações de forma favorável ou desfavorável, aderindo ou não a elas.
De fato, ao se considerarem o contexto e as amostras do corpus relativas à época da
eleição de Fernando Collor para a presidência (ANEXOS A e B), pode-se dizer que o referido
político, de certa forma, afetou o modelo mental de boa parte de seus interlocutores, pois
conseguiu ser eleito presidente. Para isso, contribuiu a construção de sua imagem como
“caçador de marajás”, denominação que o acompanhava desde a década de 80, quando
ocupou o cargo de governador de Alagoas e entrou em conflito com funcionários públicos
alagoanos que recebiam altos salários. Assumir tal denominação durante a campanha
presidencial também teve papel decisivo na eleição, por esta imagem se ajustar às
expectativas de moralização e desenvolvimento do país que havia por parte de grande parcela
da população brasileira.
Voltando aqui ao critério das imagens pressupostas de Osakabe (1999) citado
anteriormente, seria possível dizer que houve, nessa ocasião um bom ajuste entre a imagem
que o locutor pressupõe que seu interlocutor faz do referente e a intenção do ato que este
locutor visa praticar sobre seu interlocutor. Ou seja, Collor conseguiu captar as expectativas
do eleitorado no que se referia à moralização e ao desenvolvimento do país e, a partir dessa
constatação, ajustou seu discurso para obter o resultado de persuasão esperado.
Quando, porém, analisam-se as amostras do corpus que correspondem à época que
sucedeu ao Impeachment, como a entrevista televisiva concedida ao Programa Livre, de
29
agosto de 1998 (ANEXO D), e a entrevista publicada na página eletrônica da revista Istoé
Gente concedida em dezembro de 2000 à repórter Neuza Sanches (ANEXO E), ocorre o
oposto, uma falta de sintonia entre a intenção discursiva e expectativa do interlocutor, pois,
apesar de se candidatar a vários cargos, o então ex-presidente não conseguiu se reeleger, o que
sinaliza que não conseguiu o efeito persuasivo pretendido.
Certamente, outras circunstâncias também tiveram influência para que Collor não
alcançasse os fins eleitorais propostos, tanto nas eleições de 2000, quando tentou se
candidatar prefeito de São Paulo, quanto em 2002, quando se candidatou a governador de
Alagoas, principalmente porque seus direitos políticos, cassados por ocasião do Impeachment,
lhe seriam restabelecidos ao final de 2000. Porém, em termos discursivos, numa primeira
análise de algumas expressões metafóricas presentes nas amostras do corpus referentes a tais
períodos, observa-se que uma substancial mudança no domínio metafórico fonte escolhido
para a construção da identidade de Fernando Collor, que se apresentava então como sofredor
(linha 64) e vítima de violência (linhas 93 e 107) no ANEXO D, e “cobra sem veneno”(linha
54), no ANEXO E.
Possivelmente, o emprego de tais termos consistia numa estratégia de persuasão tal
que, ao construir uma identidade de sofrimento e fragilidade em relação à violência de seus
oponentes, sensibilizasse seu auditório e reconquistasse a credibilidade perdida. Entretanto,
não foi isso o que aconteceu. Collor não conseguiu recuperar a confiabilidade, pelo menos
não a ponto de se eleger aos cargos aos quais se candidatou nesse período. Ao se estudarem
amostras do corpus correspondentes a essa época, sempre observando como fato linguístico as
metáforas utilizadas, é razoável referir que a estratégia de criar uma imagem caracterizada
pela perda de força não entrou em sintonia com os modelos mentais do eleitorado de Collor,
que não aderiu às suas propostas políticas nessa ocasião.
Além de observar a cognição política a partir da teoria dos modelos mentais de van
Dijk (2008), relacionar o discurso aos processos sociais, aqui respectivamente representados
pelas manifestações discursivas de Fernando Collor e os altos e baixos de sua carreira política,
também parece possível se for considerada a proposta de Fairclough (1997), para quem a
Análise Crítica do Discurso (ACD) revela os elos entre a linguagem e a prática social. Para
este autor, a ACD deve ser utilizada na investigação da mudança, seja ela social ou cultural,
pois ela examina as conexões entre as propriedades dos textos linguísticos e a natureza dos
processos e relações sociais (ideologias, relações de poder), evidenciando e criticando estas
30
conexões, cuja eficiência reside em grande parte no fato de serem opacas ou, pelo menos,
pouco transparentes.
Reafirmando esses objetivos, Wodak (2004, p. 225) observa que a ACD tem um
interesse particular na relação entre linguagem e poder, tomando como objetos de
investigação discursos institucionais, políticos e de gênero social e midiático, com o interesse
de “analisar relações estruturais, transparentes ou veladas, de descriminação (sic), poder e
controle manifestas na linguagem”, pois ela também é um meio de dominação e força social,
conceito com o qual concorda a maioria dos analistas críticos do discurso.
Para examinar mais intimamente a conexão entre o discurso de Fernando Collor e o
processo social em que ele se insere, com o propósito de torná-la mais transparente, optou-se
nesta pesquisa por adotar o Modelo tridimensional de análise de Fairclough, que propõe a
descrição linguística, a interpretação das relações entre processos discursivos e texto e a
explicação da relação entre os processos discursivos e os sociais, conforme exposto a seguir.
1.3 Modelo tridimensional de análise de Fairclough
Fairclough (2001, p.91) afirma que “o discurso é uma prática, não apenas de
representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo
em significado.” Este autor propõe um método tridimensional de Análise do Discurso, de que
fazem parte a descrição linguística, a interpretação das relações entre os processos
discursivos (produtivos e interpretativos) e o texto e, por fim, a explicação da relação entre os
processos discursivos e os processos sociais. A principal característica desta abordagem é que
a ligação entre o texto e a prática sociocultural é mediada pela prática discursiva.
(FAIRCLOUGH, 1997, p. 83)
Esse modelo tridimensional de análise apresenta pontos de contato com os estudos de
Halliday que, no início dos anos 1970, mostrava a importância da relação entre o sistema
gramatical e as necessidades sociais e pessoais que a linguagem precisa atender (WODAK,
2004). A abordagem funcional de Halliday (1985) registra três macrofunções linguísticas que
atuam nos textos ao mesmo tempo: a ideacional, de representar a experiência, os eventos, as
ações, os estados, enfim todos os processos, de maneira simbólica; a interpessoal, da
perspectiva de língua como ação, processo de interação social e seus usos para expressar
relações sociais e pessoais; e a textual, que se refere aos aspectos semânticos, gramaticais e
31
estruturais, constituindo a coerência e a coesão dos textos, cuja seleção significativa está
ligada a contextos sociais de interação. (RESENDE e RAMALHO, 2006).
Numa recontextualização desta abordagem, Fairclough (2001) propõe que o discurso
contribui para a construção de identidades e de sujeitos sociais, para construir as relações
sociais entre as pessoas e para a construção de sistemas de conhecimento e crença,
acrescentando que estes efeitos correspondem, respectivamente, a três funções da linguagem:
‘identitária’, ‘relacional’ e ‘ideacional’. Segundo ele:
A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais as identidades
sociais são estabelecidas no discurso, a função relacional a como as relações
sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas, a
função ideacional aos modos pelos quais os textos significam o mundo e
seus processos, entidades e relações. (op. cit., p.92)
Em trabalhos posteriores, Fairclough (2004) articulou essas funções aos conceitos de
estilo, gênero e discurso, sugerindo, em lugar das funções, três principais tipos de
significados: o significado identificacional, o significado acional e o significado
representacional, que atuariam simultaneamente em todo enunciado. O significado
identificacional, ligado a estilos, que se refere à construção e à negociação de identidades no
discurso, relaciona-se à função identitária; o significado acional, ligado aos gêneros, que
focaliza o texto como modo de (inter)ação em eventos sociais, aproxima-se da função
relacional, pois a ação legitima/questiona relações sociais; e o significado representacional,
ligado ao discurso, que enfatiza a representação de aspectos do mundosico, mental, social
– em textos, relaciona-se à função ideacional.
A partir do que propõe Fairclough (2004), e entendendo que essa correspondência
pudesse ser mais bem visualizada, propõe-se o quadro a seguir:
32
Quadro 1. Correspondência entre as Contribuições do discurso, as Funções e os Significados.
No presente trabalho, quando se considera a construção das identidades do locutor,
Collor, amigo de quem trabalha, de seu auditório, entre eles os servidores que efetivamente
trabalham, e dos adversários, por meio dos termos marajá, corrupto e turistas, na publicidade
de campanha (ANEXO A), coloca-se em evidência a função identitária da linguagem e o
significado identificacional, conforme se observa no segmento:
(1) ... você POde estar certo ... meu amigo servidor... que eu não vou demitir ninguém que trabalha...
agora... marajá ... corrupto e boa vida... esses vão pra rua... mas estes... não são funcionários públicos...
estes são turistas... (linhas 17 a 21)
Por outro lado, destacam-se a função relacional e o significado acional da linguagem,
quando se considera de que maneira a propaganda de campanha promove a interação entre o
locutor e os telespectadores, agindo para legitimar a relação de cumplicidade e aproximação
entre o candidato e seus eleitores, e como o discurso de posse (ANEXO B) é planejado para
dar continuidade à ideia de que a ação política de Collor é sagrada, portanto, deve ser apoiada.
Observe-se, no exemplo seguinte, retirado do ANEXO B, como o uso do verbo jurar e seu
complemento a vocês, evidencia o vínculo de dependência que o locutor quer estabelecer com
seu auditório e como a expressão altar de minhas convicções recupera a ideia de sacralização
das ações do locutor:
(2) Quero, neste instante, jurar a vocês, diante do altar de minhas convicções, ... (linha 19)
E, por fim, observam-se a função ideacional da linguagem e o seu significado
representacional quando, através da análise da linguagem metafórica, procura-se obter
Contribuições do discurso
Funções
Conceitos
Significados
Construção de identidades e
sujeitos sociais
Função
Identitária
ESTILOS
Significado Identificacional
Construção de relações
sociais entre as pessoas
Função
Relacional
GÊNEROS
Significado Acional
Construção de sistemas de
conhecimento e crença
Função
Ideacional
DISCURSO
Significado
Representacional
33
pistas da visão de mundo de Fernando Collor e de como ele pretende impor esta visão a seus
interlocutores, apresentando-se como líder que os conduzie solucionará os problemas da
nação. As escolhas linguístico-metafóricas presentes nos seguintes exemplos do discurso de
posse (ANEXO B) ilustram a tentativa de concretização, própria da metáfora, da ideia de
GOVERNAR como CONDUZIR POR UMA ESTRADA, um conceito metafórico que
estrutura, no discurso de Collor, a atividade de GOVERNAR, em termos de um diferente
domínio de experiência, o de CONDUZIR POR UMA ESTRADA.
(3) A transição democrática se completa neste instante...(linha 2)
(4) Temos compromissos com a justiça social, temos compromissos com o desenvolvimento, com a
liberdade e com o progresso que haverá de nortear os rumos deste País, a partir deste 15 de março.
(linhas 4 a 6)
(5) ... para que s encontremos, definitivamente, a trilha do crescimento econômico e da justiça social!
(linhas 32 e 33)
Nesses exemplos (3), (4) e (5), os termos transição, passagem de um ponto ou estado a
outro, rumos, caminho, itinerário, e trilha, pista, rastro, vereda, são desdobramentos do
conceito metafórico estruturador GOVERNAR É CONDUZIR POR UMA ESTRADA,
denominado metáfora conceptual por Lakoff e Johnson (2002[1980]), em que a
conceptualização da complexa ação de GOVERNAR, o domínio alvo, é feita por meio da
ação mais concreta de CONDUZIR POR UMA ESTRADA, o domínio fonte. Nos exemplos
(4) e (5), a aproximação do locutor em relação a seu auditório é confirmada pelo uso de
primeira pessoal do plural em “temos” e “nós”, o que reforça a ideia de partilha que o locutor
quer propor a seus interlocutores, quanto ao percurso desta ESTRADA até o “crescimento” e
a “justiça”.
Segundo Fairclough (2001), a metáfora constitui instrumental adequado para a Análise
Crítica do Discurso, pois a forma como um domínio particular da experiência é metaforizado
representa um dos marcos definidores das práticas discursivas. Como estudioso preocupado
em observar a mudança social provocada pela mudança discursiva, ele afirma que mudar a
metaforização da realidade constitui aspecto relevante da mudança discursiva com
implicações culturais e sociais. Ele cita o exemplo dos trabalhadores de educação que se
opõem a utilizar metáforas de bens de consumo ao tratar de educação, evitando caracterizá-la
como produto comercializável. O autor observa que algumas metáforas estão tão
naturalizadas em uma cultura que as pessoas não conseguem, nem desejam, escapar delas em
seu discurso e resistem fortemente a substituí-las, pois, caso isso ocorresse, significaria uma
transformação não apenas discursiva, mas no pensamento e na prática dessas esferas.
34
O fato de ter estruturado sua manifestação linguística em torno do conceito de que
GOVERNAR É CONDUZIR POR UMA ESTRADA pode fornecer pistas sobre a maneira de
perceber, pensar e agir do locutor, que se coloca em posição de dominação ao insinuar-se
como líder condutor do povo brasileiro. Essa afirmação tem como base as teorias cognitivas
sobre a metáfora, segundo as quais o ser humano utiliza o processo metafórico para construir
seu conhecimento de mundo, seus pensamentos, emoções e, por consequência, estrutura sua
maneira de manifestar-se, comunicar-se, linguisticamente ou não. São teorias relativamente
novas, desenvolvidas por estudiosos dos processos cognitivos que descobriram ter a metáfora
papel significativo neles. A seguir, apresenta-se um breve percurso desses estudos, ao menos
daqueles que mais interessam a esta pesquisa, que deseja observar a linguagem metafórica em
suas perspectivas cognitiva, ideológico-cultural e argumentativa, dentro do discurso político.
1.4 Teorias da metáfora: Aristóteles, Lakoff e Johnson, e Charteris-Black
Etimologicamente, o termo metáfora deriva da palavra grega metaphorá: junção de
dois elementos meta ("sobre") e pherein ("transporte"). Trata-se de uma palavra tomada em
outro sentido; consiste na transposição, que pode ocorrer de modos variados, como se pode
observar a partir do que afirma Aristóteles, ao tratar desse fenômeno em sua Arte Poética, por
volta de 336 a.C.:
A metáfora é a transposição do nome de uma coisa para outra, transposição
do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero ou de uma espécie
para outra por via de analogia. (...) O que a velhice é para a vida, a tarde o é
para o dia. Diremos, pois, que a tarde é a velhice do dia, e a velhice é a tarde
da vida ou, como Empédocles, o ocaso da vida. (p.274)
Aristóteles também define a metáfora como a capacidade de perceber semelhanças e
trata do valor argumentativo dessa figura em sua Arte Retórica, afirmando que sua utilização
constitui sempre um processo de enriquecimento, seja por sua função estética ou
argumentativa. Em ambos os casos, entretanto, ela irá trazer uma visão de mundo, pelo
estereótipo ou pelo contrassenso, confirmando saberes partilhados ou estabelecendo relações
inéditas, exercendo evidente persuasão (MOSCA, 1997).
Para Ricoeur (2000), que se preocupou com a maneira como a realidade de uma
pessoa é configurada por sua percepção de eventos no mundo, a metáfora é observada o
mais em uma visão substitutiva (clássica), mas interativa: o significado literal e o metafórico
35
interagem, ou melhor, a metáfora é o produto da interação específica de significados
heterogêneos, mas comuns. Não se trata apenas de confrontar objetos diferentes para
estabelecer se alguma característica de um pode ser atribuída ao outro, mas da utilização de
todo sistema de lugares-comuns, para filtrar ou dispor um outro sistema, gerando, assim, uma
nova organização conceitual; emerge, desse modo, a insubstituibilidade cognitiva da
metáfora.
Cameron (1999) observa que os inúmeros teóricos e pesquisadores desse tema
concordam apenas com um tipo geral de descrição da metáfora como forma de ver uma coisa
em termos de alguma outra coisa. Reconhecendo a importância da metáfora como forma de
pensamento e de uso da linguagem, essa autora propõe estudos que envolvam a metáfora
discursiva, aquela encontrada em situações de vida real, um método empírico de exploração
de um uso linguístico imbricado com o social e o cognitivo, proposta adotada na presente
pesquisa.
Segundo a teoria cognitivista da metáfora, desenvolvida por Lakoff e Johnson
(2002[1980], p.45), “A essência da metáfora é compreender e experienciar uma coisa em
termos de outra.Estes autores afirmam que “nosso sistema conceptual ordinário, em termos
do qual não pensamos, mas também agimos, é fundamentalmente metafórico por
natureza.” Para eles, a metáfora estrutura ações que realizamos, assim como a maneira pela
qual compreendemos o que fazemos; sua presença não se verifica apenas na seleção lexical a
que procedemos está em nosso próprio conceito, em nossos processos de pensamento,
compondo um sistema cognitivo que, por sua vez, é baseado em nossas experiências de
mundo. Eles afirmam que:
(...) a metáfora é, para a maioria das pessoas, um recurso da imaginação
poética e um ornamento retórico é mais uma questão de linguagem
extraordinária do que de linguagem ordinária. (...) usualmente vista como
uma característica restrita à linguagem, uma questão mais de palavras do que
de pensamento ou ação. (...) Nós descobrimos, ao contrário, que a metáfora
está infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no
pensamento e na ação. Nosso sistema conceptual ordinário, em termos do
qual não só pensamos, mas também agimos, é fundamentalmente metafórico
por natureza. (p.45)
Para esses estudiosos, a metáfora implica uma transposição de domínios, ou seja,
escolhe-se alguma coisa em um domínio de origem e transpõe-se para outro domínio. Lakoff
e Johnson chamam metáfora conceptual o conceito metafórico estruturador de uma atividade
cotidiana, que, a princípio, pode ser definido por meio da análise de expressões metafóricas
36
utilizadas em determinada atividade discursiva e envolve a compreensão de um domínio da
experiência em termos de um domínio diferente de experiência.
O exemplo clássico utilizado pelos autores é a metáfora conceptual DISCUSSÃO É
GUERRA, convencionalmente representado por letras maiúsculas, que não apresenta
desdobramentos em nossa atividade cotidiana em variadas expressões como: “Seus
argumentos são indefensáveis.”, mas também define o que fazemos quando participamos de
uma discussão, planejando estratégias, atacando as posições de nossos adversários e
defendendo as nossas e, finalmente, ganhando ou perdendo tal discussão.
Para Lakoff (1987), a metáfora é um importante aspecto imaginativo do raciocínio no
que diz respeito à categorização, isto é, tem um papel muito relevante na maneira como
construímos significado a partir de nossas experiências e os separamos em categorias,
diferenciando-os uns dos outros. Este autor afirma que os modelos metafóricos, mapeamentos
de um modelo de imagens em um domínio para uma estrutura correspondente em outro
domínio, podem ser um dos tipos de modelo cognitivo que auxilia a categorização, explicando
de que forma essa atividade acontece.
Em estudos posteriores, Lakoff e Johnson (1999) propuseram uma teoria cognitiva
integrada sobre o raciocínio metafórico na tentativa de explicar melhor como o ser humano
conceptualiza juízos subjetivos, tais como importância e similaridade, e experiências
subjetivas, tais como desejo e afeição, em termos de outros domínios mais concretos de
experiências sensório-motoras, como proximidade e calor. Essa teoria, chamada Teoria
Integrada da Metáfora Primária, propõe que metáforas primárias, as metáforas conceptuais em
seu estado mais primitivo, são parte do inconsciente cognitivo humano, adquiridas automática
e inconscientemente, via processos naturais de aprendizagem neural, principalmente durante
nossos primeiros anos de vida.
Neste período, a experiência é indiferenciada, e uma criança aprende a relacionar, por
exemplo, a experiência subjetiva da afeição com a experiência sensório-motora do calor
quando elas duas acontecem ao mesmo tempo, e a criança sente o calor ao ser abraçada. Mais
tarde, essa criança conseguirá diferenciar experiências e será capaz de separar os domínios da
‘afeição’ dos domínios do ‘calor’, porém associações do cruzamento desses domínios
persistirão em realizações linguísticas como ‘um sorriso caloroso’, utilizadas por ela no
futuro.
37
Em outro estudo de interesse para a presente pesquisa, Lakoff (1990) propõe a
‘Hipótese da Invariância’, segundo a qual afirma que, quando um esquema conceitual básico é
utilizado como fonte de uma metáfora, todos os componentes estruturais desse esquema são
transferidos para o domínio alvo. Tais componentes podem ou não estar explícitos no
discurso, mas o sistema conceitual torna-os potencialmente disponíveis. Tomando-se do
discurso político, por exemplo, uma manifestação em que a POLÍTICA fosse metaforizada
pelo domínio fonte da GUERRA, um esquema conceitual básico, a ação política descrita
poderia ser entendida de forma mais abrangente como se apresentasse combates metafóricos,
inimigos metafóricos, vitórias e derrotas metafóricas, mesmo que esses conceitos não
estivessem explícitos no discurso.
Caracterizar a POLÍTICA como GUERRA através de metáforas facilita compreender
o conceito abstrato da POLÍTICA em termos do conceito mais concreto da GUERRA, por ser
este um conceito baseado nas imagens que temos. Lakoff afirma que boa parte do
raciocínio abstrato, senão todo ele, é uma versão metafórica do raciocínio baseado em
imagens. A ‘Hipótese da Invariância’ proposta pelo autor sugere que o raciocínio que envolve
conceitos metafóricos como POLÍTICA É GUERRA é fundamentalmente baseado em
imagens, porque o domínio fonte desses conceitos, a GUERRA, é estruturado por esquemas
de imagens.
São inúmeros os exemplos do corpus, em praticamente todas as amostras, em que se
podem identificar declarações de Fernando Collor em que desdobramentos,
correspondências, ou, como preferem os estudiosos de metáforas, os mapeamentos desta
metáfora conceptual POLÍTICA É GUERRA, como os seguintes:
(6) ... que lutei tanto em Alagoas... e iniciei uma cruzada... (ANEXO A, linhas 10-11)
(7) ... brasileiros (sic) quem eu devo essa conquista democrática:... (ANEXO B, linha 9)
(8) “Vou finalmente descansar um pouco, retemperar as forças e partir para a luta”, confortei-me,...
(ANEXO C, linha 81)
(9) (referindo-se a Ulisses Guimarães) O seu comportamento mudaria quando se iniciaram as articulações
para garantir a tomada do poder, através de um golpe de mão. (ANEXO C, linhas 339-340)
(10) ... a campanha eleitoral em 1986 a o::governo de Alagoas foi uma campanha de uma violência
brutal... que a gente talvez em filme e mesmo assim não acredita... por quê? Porque eu me
insurgi exatamente contra esses currais eleitorais... eram currais inexpugnáveis... daqueles coronéis
né?... que dominavam aqueles votos... (ANEXO D, linhas 560 a 564)
(11) ... em política não existem amigos. Existem aliados. (ANEXO E, linha 67)
38
(12) Encerrada a apuração, era preciso ensarilhar as armas do embate eleitoral e buscar a cooperação dos
adversários, que sempre respeitei... (ANEXO F, linhas 210-211)
(13) Devo-a (gratidão), também, a todos que, nas diferentes fases do processo naquela Casa, reagiram contra
a sucessão de ilegalidades cometidas. Protestaram contra os abusos de que eu estava sendo vítima e
lutaram, com as armas do direito e do bom senso, contra o ardiloso massacre que se armou com o
uso dos mais condenáveis subterfúgios. (ANEXO F, linhas 1137 a 1141)
Os termos metafóricos em destaque: lutei, cruzada, conquista, luta, tomada do poder,
golpe, campanha de uma violência brutal, insurgi, inexpugnáveis, dominavam, aliados,
armas do embate, adversários, lutaram, armas, ardiloso massacre e armou, foram tomados
do domínio fonte da GUERRA pelo locutor para expressar mais concreta e vivamente sua
visão sobre a POLÍTICA, em suas variadas articulações. Essas escolhas linguísticas que
Fernando Collor fez indicam que o seu pensamento a respeito da POLÍTICA está estruturado
em termos do conceito de GUERRA, mas, principalmente, que sua ação em relação à
POLÍTICA também é estruturada dessa forma.
Charteris-Black (2004), estudioso que também se interessa em compreender de que
maneira escolhas metafóricas, como as relacionadas ao esquema conceitual básico POLÍTICA
É GUERRA, influenciam nosso pensamento, persuadindo-nos de certas maneiras de enxergar
o mundo, faz uma adequação contemporânea dos estudos da metáfora às teorias críticas e
propõe um modelo de Análise Crítica da Metáfora para justificar escolhas metafóricas
particulares em diferentes tipos de discurso, levando a um modelo discursivo de metáfora. Ele
argumenta que examinar a influência social da ideologia, da cultura e da história pode
proporcionar uma justificativa mais convincente para escolhas metafóricas em contextos
discursivos específicos. Este autor acredita que esta abordagem “social” pode ser
complementar à visão semântico-cognitiva, que se ocupa de estudar como as metáforas são
interpretadas pelos indivíduos.
Esse autor postula que, apesar de muitos estudiosos classificarem as metáforas usando
nomenclaturas diferentes, grande parte deles concorda que essa classificação não pode ser
feita com um critério linguístico superficial, porque a linguagem metafórica é resultado de
processos cognitivos subjacentes que também precisam ser representados. Charteris-Black
propõe uma classificação hierárquica em que as metáforas seriam descritas de acordo com seu
nível de abstração, partindo do concreto discursivo até atingir um grau máximo de abstração,
em metáforas, metáforas conceptuais e chaves conceptuais, o que ajudaria na compreensão da
base ideológica da metáfora. Ele diz:
39
The analysis I have undertaken supports Lakoff’s notion of an
inheritance hierarchy in that metaphors can be described by their position in
a hierarchy according to the level of abstractness at which they are classified.
I have claimed that by analyzing metaphors in a corpus it is possible to
understand better the conceptual level of metaphor and how this relaters to
underlying ideology. I have claimed that the conceptual level is
hierarchically organized into conceptual keys, conceptual metaphors and
metaphors. The extent to which an individual will be aware that a particular
metaphor is related to a conceptual metaphor, or that a conceptual metaphor
is related to a conceptual key, will vary according to individual awareness of
metaphor. An awareness of their motivation in socially influent domains of
language use improves our understanding of the ideological basis for
metaphor choice. (CHARTERIS-BLACK, 2004, p. 244)
3
Uma aplicação de metáforas encontradas na propaganda de campanha de Fernando
Collor (ANEXO A) a partir do modelo hierárquico-cognitivo de metáfora proposto por
Charteris-Black, resulta no quadro a seguir:
CHAVE CONCEPTUAL
METÁFORA CONCEPTUAL
METÁFORA
Quadro 2. Modelo hierárquico-cognitivo de metáfora
3
Tradução livre: A análise que eu empreendi sustenta a noção de Lakoff de herança hierárquica
segundo a qual metáforas podem ser descritas por sua posição numa hierarquia de acordo com o nível
de abstração em que elas estão classificadas. Tenho afirmado que, ao analisar metáforas num corpus, é
possível entender melhor o vel conceptual da metáfora e como isto se relaciona com a ideologia
subjacente. Tenho afirmado que o nível conceptual é hierarquicamente organizado em chaves
conceptuais, metáforas conceptuais e metáforas. Até que ponto um indivíduo terá consciência de que
uma metáfora particular está relacionada a uma metáfora conceptual, ou que uma metáfora conceptual
está relacionada a uma chave conceptual vai variar de acordo com a consciência metafórica individual.
Uma consciência da sua motivação em domínios do uso de linguagem socialmente influente melhora
nosso entendimento da base ideológica para a escolha metafórica.
POLÍTICA É GUERRA
AÇÃO POLÍTICA É UM
COMBATE SAGRADO
que lutei TANto em
Alagoas...
...
e iniciei uma
cruzada
...
40
O autor justifica a utilidade do modelo explicando que as metáforas conceptuais e as
chaves conceptuais são veis de abstração da metáfora discursiva, efetivamente empregada
pelo locutor, que permitem identificar modelos de inter-relações que dão conta do significado
e da coerência da linguagem metafórica utilizada em discursos particulares. A identificação e
a descrição desses níveis propiciam ao analista o acesso a pensamentos que são a base da
linguagem, contribuindo para que se compreenda melhor a carga ideológica veiculada pelas
metáforas. Mais precisamente, Charteris-Black (2004, p. 244) diz que:
Similarly, conceptual metaphors and conceptual keys are abstract
inferences from the linguistic evidence provided by particular metaphors.
There is no reality to them other than as working models that further analysis
confirms or rejects. The purpose of inferring conceptual metaphors from
surface ones is to enable us to identify patterns of interrelationship between
metaphors that account for their meaning. Similarly, interrelating conceptual
metaphors trough the identification of conceptual keys can assist in
accounting for coherence in particular discourses. Identification and
description of these conceptual levels enhances our understanding of their
role in ideology and contributes to theory building because it provides a
point of access into the thoughts that underlie language use.
4
Charteris-Black afirma que esse modelo descritivo de Análise Crítica da Metáfora de
uma estrutura conceptual subjacente implica uma motivação cognitiva para a metáfora. As
escolhas metafóricas de um determinado locutor provêm de domínios-fonte geralmente
relacionados à sua experiência corporal, mas também à sua experiência social. Ele cita como
exemplo a experiência de conflito, coincidentemente também presente no discurso de
Fernando Collor, como sendo inerente tanto à experiência física como social. O autor sugere
que a noção de força unifica a experiência de luta - individualmente como no momento do
parto, quando lutamos para nascer - com a dimensão social da força - como na competição
existente no ambiente de trabalho, quando lutamos por uma posição de destaque profissional.
Chegar aos modelos metafóricos abstratos AÇÃO POLÍTICA É UM COMBATE
SAGRADO e POLÍTICA É GUERRA - como conceitos estruturais subjacentes às escolhas
4
Tradução livre: Igualmente, metáforas conceptuais e chaves conceptuais são inferências abstratas da
evidência linguística proporcionada por metáforas particulares. Não há realidade para elas senão como
modelos funcionais que uma análise adicional confirma ou rejeita. O propósito de inferir metáforas
conceptuais daquelas de superfície é permitir-nos identificar modelos de inter-relações entre metáforas
que o conta de seu significado. Igualmente, inter-relacionar metáforas conceptuais através da
identificação de chaves conceptuais pode ajudar a dar conta da coerência em discursos particulares. A
identificação e a descrição destes níveis conceptuais aumentam nossa compreensão de seu papel na
ideologia e contribuem para a construção teórica porque proporcionam um ponto de acesso a
pensamentos que são a base do uso da linguagem.
41
metafóricas discursivas presentes nas manifestações de Fernando Collor quando ele
conceptualiza linguisticamente sua ação política - indica que, para ele, a POLÍTICA está
estruturada em termos de COMBATE SAGRADO, GUERRA. Para Collor, fazer POLÍTICA
é como participar de uma GUERRA que envolve armas, adversários, golpes, lutas, violência,
conquistas, massacre, numa experiência unificada pela noção de força, que alternadamente é
exercida ou sofrida por ele, dependendo da posição que o locutor ocupa em relação ao poder.
Se Collor detém o poder, ele exerce a força. Se lhe falta o poder, é porque o adversário o
arrancou à força.
Relembrando a proposta de Fairclough (1997), essa análise parte da identificação e
descrição da linguagem metafórica, seguida da interpretação do processo de produção
discursiva e da posterior explicação de como a prática discursiva pode ter afetado um
processo social, pois entende-se que tal procedimento relaciona o uso de linguagem
metafórica como instrumento colaborador significativo na produção de um discurso que, em
algumas ocasiões, como a eleição de Fernando Collor de Mello a presidente, permite
evidenciar que o auditório foi persuadido a aderir às ideias que o locutor veiculou, o que
afetou diretamente o cenário político brasileiro.
Em contrapartida, houve oportunidades em que o discurso de Collor não se mostrou
efetivo e não persuadiu o auditório, como ocorre em relação às amostras do corpus que
coincidem cronologicamente com a época em que Collor ficou afastado do poder, das quais se
destacam os segmentos:
(14) ... invadiu-me um certo sentimento de alívio, como se me encaminhasse para a última batalha, a
derradeira volta de uma corrida, o tempo final de uma partida. (linhas 78 a 80)
(8) “Vou finalmente descansar um pouco, retemperar as forças e partir para a luta”, confortei-me... (linhas
81, 82)
(15) Percebi ali que o poder escapara mesmo de minhas mãos. (linha 417)
Desse período, são exemplos muito significativos os termos última batalha,
derradeira volta de uma corrida, tempo final de uma partida (exemplo 14); retemperar as
forças (exemplo 8, recuperado da p. 37); e em particular o segmento Percebi ali que o poder
escapara mesmo de minhas mãos (exemplo 15), todos retirados do ANEXO C, constituído
pelo relato denominado “Crônica de um golpe”, e referentes aos últimos momentos de
Fernando Collor no Palácio do Planalto, ao receber o resultado da votação do pedido de
Impeachment no Congresso Nacional. Todas essas expressões metafóricas remetem à perda
42
de força que Collor experimenta na ocasião e à figurativização do poder que ele escapar-
lhe.
O exemplo 15 traz a frase final do relato “Crônica de um golpe” (ANEXO C): Percebi
ali que o poder escapara mesmo de minhas mãos, em que a escolha metafórica que
conceptualiza o poder como objeto pertencente a Fernando Collor, mas que agora ‘escapa’ de
suas mãos, retrata a força concretizadora e simplificadora da metáfora, pois torna imagética e
simples a situação tão complexa e passível de inúmeras interpretações pela qual o presidente,
então impedido, estava passando.
Kövecses (2010) comenta o emprego de metáforas relacionadas a ‘controle’ que
remetem ao ato de segurar algo nas mãos, sugerindo a metáfora conceptual CONTROLAR É
SEGURAR (ALGO NAS MÃOS). A possibilidade de manipular diretamente um objeto que
se tenha em mãos, fazendo o que se deseja com ele, é a base para essas metáforas. No caso
específico do segmento empregado por Collor, é feita a menção à perda de controle, porque a
percepção expressa é de que o poder lhe escapa das mãos.
Um outro aspecto de interesse para esta pesquisa, seguindo ainda a proposta de
Fairclough, é analisar o emprego de metáforas e linguagem metafórica no processo produtivo
do discurso de Fernando Collor quanto à questão da construção da imagem de si que ele
apresenta a seus interlocutores em diversas ocasiões. Essa construção não acontece somente
pelo que o locutor escolhe dizer, mas também pela maneira como ele o diz, orientando tais
escolhas pela avaliação que faz de seu auditório. (AMOSSY, 2005)
Sendo assim, passa-se a examinar mais detidamente no corpus a questão da
constituição da identidade de Fernando Collor, pesquisando seus aspectos cognitivos e suas
motivações culturais e ideológicas, para melhor compreender de que modo se efetua a
interação entre esse locutor e seu auditório, um processo que, segundo Amossy (op. cit.),
ocorre por meio da representação, ou imagem, que fazem um do outro. No caso do presente
estudo, procura-se compreender de que modo a construção dessa representação produziu no
auditório do referido político o efeito apropriado (ou não) para que ele atingisse seus
propósitos argumentativos, visto que ele conseguiu se eleger presidente da República e
senador, mas não foi eleito para outros cargos a que pleiteou.
Contudo, para que se aprofunde a questão da constituição de identidade de Fernando
Collor por meio do exame de suas motivações culturais e ideológicas, por entender-se que tais
motivações possam auxiliar a compreender as bases do processo produtivo do discurso desse
43
locutor, acredita-se ser necessário melhor definir e diferenciar, na medida do possível, os
conceitos de cultura e ideologia, sobre os quais se pode dizer serem separados por uma tênue
fronteira semântica, o que se fará a seguir.
44
CAPÍTULO II
A METÁFORA E SUAS
INTER-RELAÇÕES: CULTURA,
IDEOLOGIA
E
IDENTIDADES
45
2.1 Cultura, Ideologia e o “esquema da FORÇA”
Retomando a proposta de Fairclough (2001) de discurso como construtor de
identidades, relações sociais e sistemas de crenças, crê-se que analisar determinados aspectos
linguístico-discursivos em manifestações discursivas, especificamente em relação às
metáforas e à linguagem metafórica, concorre para desvendar como se constitui, em tais
manifestações, a identidade cultural e ideológica do locutor, além de possibilitar que se
compreenda como este consegue a adesão de seus interlocutores às ideias que propõe.
Faz-se necessário, primeiramente, abordar os conceitos de cultura e ideologia, em que
cabem várias acepções. Segundo Silveira (2004), quando se trata do uso efetivo da língua,
exige-se dos estudiosos uma visão multidisciplinar que aborde aspectos cognitivos,
discursivos e sociais, a fim de se dar conta de noções difusas como ideologia e cultura. Entre
várias possibilidades, a autora define cultura como a memória social, o imaginário simbólico,
e o conjunto de normas e valores de um povo, e ainda acrescenta que tratar de cultura implica
tratar de identidade e ideologia.
Conforme afirma Kövecses (2006), um estudioso que tem como um de seus objetivos
pesquisar a variação metafórica tanto intra como interculturalmente, a cultura pode ser
pensada como “um grande conjunto de significados partilhados por um grupo de pessoas” (p.
335), ou ainda como sendo o “entendimento partilhado que as pessoas têm de seu mundo”. (p.
93) Ele acresce que esses entendimentos são representações mentais de uma categoria
conceptual estruturadas por modelos culturais/cognitivos, ou frames, organizações coerentes
da experiência humana.
Ainda de acordo com Kövecses, culturas podem ser diferenciadas pelos diferentes
frames que utilizam, pois estes constituem formas divergentes de entendimento sobre a
mesma área de experiência. Os frames são ao mesmo tempo de natureza cognitiva e cultural e
constituem um enorme e complexo sistema de conhecimento sobre o mundo. Esse autor
afirma que, para uma ciência cognitivo-experiencialista, o sentido é definido por frames.
A concepção de frame de Kövecses está bem próxima à teoria do ‘modelo mental’ de
van Dijk (2008), citada anteriormente, quanto aos aspectos cognitivos, pois as definições
referem-se, respectivamente, ao entendimento sobre uma área de experiência’ ou à ‘interface
entre cognições políticas e crenças pessoais’. O que difere os conceitos é que van Dijk situa o
modelo mental mais no campo pessoal, como sendo a ligação entre ideologia e discurso,
46
enquanto que, em Kövecses, o conceito de frames é apresentado de forma indiferenciada, não
necessariamente individual, mas com destaque para seu aspecto cultural, pois através dos
frames é que se diferenciaria uma cultura de outra.
Em obra anterior, Kövecses (2005) propunha que, ao pensar a cultura como
conjunto de frames partilhados, surge uma relação entre metáfora e cultura dentro da estrutura
linguístico-cognitiva, pois, como haviam sugerido Lakoff e Johnson (2002 [1980]), nós não
apenas falamos usando metáforas, mas entendemos o mundo por meio delas. Portanto,
segundo Kövecses, nosso entendimento partilhado pode ser metafórico, principalmente
quando se refere a conceitos abstratos como tempo, emoções, valores morais e instituições
sociais e políticas, e as metáforas utilizadas para o entendimento de certos aspectos
intangíveis de uma cultura podem se tornar tão importantes e inerentes a ela a ponto de
influenciar a maneira pela qual os experimentamos.
De forma mais específica, Kövecses cita que, no discurso político, são frequentes as
reformulações de conceitos por meio da utilização de diferentes metáforas por parte dos
formadores de opinião, ao participarem de debates sobre assuntos polêmicos como impostos e
guerra. (2006, p. 151) Neste sentido, a se considerar o fato de existirem diversas metáforas
baseadas em frames para cada questão cultural, quando um locutor escolhe uma metáfora
particular para atingir seus objetivos discursivos, acaba por representar a própria ideologia. A
esse respeito, Kövecses diz (2006, p.152):
A escolha de um frame metafórico particular pode dividir membros de uma
sociedade em subculturas, campos políticos, e assim por diante. Frames
metafóricos são escolhidos com base nos objetivos ou ideologia de alguém.
Eles também podem ser escolhidos por causa das diferentes consequências
que diferentes frames têm. Uma forma significativa de perceber como o
papel da metáfora é crucial na cultura é constatar que as metáforas podem se
transformar em realidade social. (...) As culturas diferem e podem ser
caracterizadas pelas metáforas conceptuais que elas tornam reais em larga
escala.
5
Para o autor, ser membro de uma cultura significa ter habilidade de produzir e
compartilhar significados com outros membros dessa cultura, aliás, ele afirma que uma
5
Tradução livre de: The choice of a particular metaphorical frame may divide members of a society
into subcultures, political camps, and so on. Metaphorical frames are chosen on the basis of one’s
goals and/or ideology. They can also be chosen because of the different consequences that different
frames have. A major way in which metaphor’s role is crucial in culture is that metaphors can turn into
social reality. (…) Cultures differ in and can be characterized by the conceptual metaphors that they
make real on a large scale.
47
grande parte da socialização envolve o aprendizado de como produzir significado em uma
cultura, e que o discurso é uma fonte de produção de sentido. Quando, conforme seus
objetivos, os membros de uma cultura produzem discursos particulares, com conteúdos que
reúnem sentidos particulares e que proporcionam uma perspectiva particularmente
significativa para uma cultura, tais discursos podem funcionar como formas de conduta
latentes e terem impacto em outros discursos dentro dessa cultura, sendo então considerados
como ideologias. (KÖVECSES, 2006)
Essas considerações estão em concordância com o pensamento de Charteris-Black
(2004, p. 28), autor que propõe a análise das metáforas como componente central de uma
Análise Crítica do Discurso (ACD), porque elas “são usadas persuasivamente para transmitir
avaliações e, portanto, constituem parte da ideologia dos textos.Ele também afirma que o
potencial pragmático que a metáfora tem de evocar respostas emocionais implica que ela é
uma forma de ação verbal através da qual a ideologia é comunicada e existe como fenômeno
social.
Tendo em vista os estudos de Kress e Hodge (1993, p. 15), segundo os quais
“Ideologia envolve uma apresentação sistematicamente organizada da realidade”, Charteris-
Black afirma que a metáfora é vital para criar tal apresentação, pois preocupa-se em formar
uma visão coerente da realidade. Ele afirma que:
Uma análise crítica dos contextos da metáfora em grandes corpora pode
revelar as intenções subjacentes do produtor do texto e, portanto, serve para
identificar a natureza de ideologias particulares. (2004, p. 28)
6
que se acrescentar ainda que, para esta pesquisa, ao se considerar conjuntamente o
significado atribuído por Kösecses (2006, p. 335) de cultura como “conjunto de
entendimentos de mundo partilhados”, e a anteriormente citada definição proposta por van
Dijk de ideologia como “sistema de cognições sociais e princípios organizadores de atitudes”
(1997, p. 105), seria possível encontrar uma convergência harmônica entre tais conceitos ao
dizer que determinada ideologia pode ser identificada por meio de uma análise das escolhas,
entre elas as linguísticas, feitas por um grupo e seus membros, dentro da cultura, para
representar uma particular organização da realidade segundo seus objetivos.
6
Tradução livre de : Critical analysis of the contexts of metaphor in large corpora may reveal the
underlying intentions of the text producer and therefore serves to identify the nature of particular
ideologies.
48
Retomando Kövecses (2006), ao conceituar discurso como fonte de produção de
sentido e do processo de socialização, já que ser membro de uma cultura significa ter
habilidade de produzir e compartilhar significados com outros de seus membros, pode-se
entender por que Fernando Collor muitas vezes faz escolhas metafóricas com base na cultura
nordestina brasileira. Mesmo que, a princípio, considere-se a presença frequente do falar
nordestino no discurso de Collor por consequência de seu nascimento em uma família
tradicional do nordeste, não se pode desprezar a hipótese de que o objetivo do locutor, ao
escolher expressões de apelo mais popular de dada região, seja entrar em sintonia linguística
com o povo nordestino, principalmente o de Alagoas, seu reduto eleitoral, partilhando
significados com propósitos persuasivos.
Encontram-se abaixo reproduzidos segmentos que atestam essa sintonia entre Collor e
a população nordestina. No ANEXO B, Discurso de Posse no Parlatório, encontra-se o
exemplo 16, em que o recém-eleito presidente faz questão de ressaltar sua estima e sua
ligação com o estado de Alagoas e o nordeste brasileiro em geral, ao referir-se a eles
utilizando os possessivos minha e meu e o qualificativo querida. No ANEXO C, o relato
“Crônica de um Golpe”, encontra-se o exemplo 17, em que ele comenta com orgulho a calma
e a valentia da então esposa Rosane Collor durante a saída do Palácio do Planalto, atribuindo-
as como qualidades próprias dos nordestinos. Ressalte-se, ainda no exemplo 17, o uso do
possessivo minha, com o qual o locutor se aproxima da gente do Nordeste.
(16) Volto, também neste momento, o meu pensamento para a minha querida Alagoas, para o meu
Nordeste, para todos os recantos deste País, de Norte a Sul,... (linhas 24 e 25)
(17) Permanecia calma. Acho que nela se alevantara a tal valentia sertaneja, própria da minha gente do
Nordeste. Rosane carregava uma dignidade da qual me orgulharei sempre. (linhas 69 a 71)
Vilela (2002), outro estudioso dos processos cognitivos metafóricos, afirma
que, segundo o paradigma cognitivista experiencial, nossas capacidades simbólicas baseiam-
se em nossa experiência corporal de movimento, percepção e manipulação, para estruturar e
conceptualizar experiências abstratas, sendo a metáfora, em grande medida, responsável por
essa operação, pois é “um processo mental em que se estrutura um conceito a partir de outro.”
(p. 108) Este autor ainda salienta que, além da experiência corporal, as realidades cultural e
social também servem de base para o processo de conceptualização. São suas palavras:
O paradigma cognitivo cultural (ou, melhor dito, a antropologia cognitivo-
cultural) considera que os símbolos e as caracterizações através das quais
representamos nossa experiência e a realidade não provêm apenas da nossa
estrutura corporal ou mental, mas constituem convenções e adaptações a
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uma realidade cultural e social. Uma cultura consiste numa rede de sistemas
de significado, concepções e esquemas interpretativos que se geram,
aprendem, activam, constroem e se mobilizam em práticas sociais, normas
impostas por instituições, incluindo as linguísticas. São jogos culturais que
tácita ou explicitamente se instalam em nós, criando disposições habituais,
valorizações ou desvalorizações. (op. cit., p. 110)
Levando em consideração essas ideias, é lícito supor que as escolhas linguístico-
metafóricas que Fernando Collor faz para representar conceptualmente sua realidade reflitam
suas experiências culturais e sociais, uma representação que contém indícios do que este
locutor valoriza e desvaloriza. Nesse sentido, observa-se que grande parte de suas escolhas
metafóricas remete ao que se convencionou chamar de ‘esquema de FORÇA’, que a maioria
dos estudiosos concorda em considerar como um dos esquemas imagéticos básicos na
estruturação do sistema conceptual, conforme afirma Kövecses (2003).
Nesse ‘esquema de FORÇA’, é possível isolar alguns fatores como as entidades que
exercem ou sofrem forças, em direção à ação ou inação; e o resultado da interação dessas
forças: o fortalecimento, o enfraquecimento ou o equilíbrio entre as entidades, distinções
marcadas pela linguagem. (2003, p. 62) O fato de Collor conceptualizar metaforicamente
abstrações como o exercício do poder ou a perda dele por meio de conceitos que remetem a
FORÇAS pode ser explicado porque tal esquema desenvolve-se em todos os seres humanos
conforme eles vão experimentando vários tipos de forças que neles operam e que os afetam.
As forças externas do vento, da tempestade, ou a força que o ser humano imprime ou
sente num contato físico, mais leve ou mais brusco, são exemplos dessas FORÇAS concretas,
a chamada base experiencial da metáfora, adquirida corporal ou culturalmente, e que servirá
para conceptualizar domínios mais abstratos. Essa conceptualização ocorre porque, de alguma
forma, um locutor percebe uma conectividade entre dois domínios de experiência, justificando
que ele ligue conceptualmente esses domínios. Kövecses exemplifica dizendo que “se s
frequentemente experienciamos raiva como sendo ligada a calor corporal, nós vamos nos
sentir justificados em criar e usar a metáfora conceptual RAIVA É UM FLUIDO QUENTE
NUM RECIPIENTE.” (2010, p. 325)
Entretanto, o domínio fonte da FORÇA não é o único a que Collor poderia recorrer
para metaforizar suas ideias; portanto, quando Collor opta por esse domínio fonte, entende-se
que ele o prioriza entre tantos que poderia escolher, revelando a ideologia que o move. Em
exemplos listados a seguir, pode-se observar que Collor considera a sociedade brasileira o
foco de onde emanam FORÇAS que asseguraram o processo democrático que o elegeu
50
(exemplo 18); ou como o próprio locutor aplicou ou aplicará a FORÇA, ao narrar passagens
mais agressivas de sua juventude (exemplo 19), ou prometer ‘caçar’ (e não apenas ‘procurar’)
os corruptos se eleito (exemplo 20); e como ele sofre a FORÇA, geralmente aplicada de
forma violenta por seus adversários, quando, estando afastado do poder, tenta construir uma
identidade de vítima injustiçada (exemplo 21).
(18) ... o processo democrático assegurado pelas forças vivas da sociedade brasileira. (linhas 13 e 14,
ANEXO B)
(19) Enfrentei sem hesitar, no braço e inutilmente (porque acabamos todos detidos), nos anos 60, os
policiais que...(linhas 112 e 113, ANEXO C)
(20) ... a CAça aos maraJÁS... (linha 13, ANEXO A)
(21) vocês todos se lembram que quem comandou... esse processo contra mim... foi o então presidente da
câmara dos deputados... chamado Ibsen Pinheiro... que três ou quatro meses após aH é:: eles terem me
arrancado da presidência... eles mostraram a sua verdadeira face... ( linhas 90 a 94, ANEXO D)
Interessa, para este estudo, observar o emprego diferenciado que se pode fazer a partir
da seleção de linguagem, principalmente a metafórica, referente ao domínio fonte da FORÇA.
Enquanto, nas amostras do corpus correspondentes aos tempos de campanha e posse
(ANEXOS A e B), Fernando Collor se apresenta no comando da situação, como condutor,
lutador, caçador, no ANEXO C, na “Crônica de um golpe”, é possível localizar uma seleção
metafórica que indica a perda de FORÇA. Apesar de mesclar rias passagens da vida do
político em alguns trechos até bastante confusos para o leitor menos inteirado do assunto,
grande parte dessa narrativa refere-se ao último dia que o Presidente passou no Palácio do
Planalto, 29 de setembro de 1992, aguardando aflito a votação do pedido de Impeachment
pelo Congresso Nacional, que terminaria por destituí-lo do cargo de presidente da República.
Numa sugestão de que lhe falta FORÇA para prosseguir, o relator cita a prece que fez na
saída de seu gabinete antes de se encontrar com os jornalistas que o aguardavam:
(22) ... parei um momento para uma breve oração, concluindo quase com um sussurro: “dai-nos forças, meu
Deus, para que superemos tudo isso com dignidade e fé.” (linhas 64 a 66, ANEXO C)
Mais adiante, ainda no ANEXO C, no exemplo 14, recuperado da p. 41, o locutor
admite sentir certo alívio com a notícia da aprovação do pedido de Impeachment, pois pelo
menos ela seria o fim daquela angústia, e indica sua percepção sobre o fim daquela caminhada
conceptualizando sua saída do poder, respectivamente, como GUERRA, CORRIDA DE
AUTOMÓVEL e PARTIDA DE FUTEBOL, uma seleção metafórica bem ao gosto de quem
sempre cultivou uma imagem de esportista saudável.
51
(14) ... invadiu-me um certo sentimento de alívio, como se me encaminhasse para a última batalha, a
derradeira volta de uma corrida, o tempo final de uma partida. (linhas 78 a 80)
Também do ANEXO C, no exemplo 8, recuperado da p. 37, é possível identificar a
ideia de que a parada, o Impeachment, está sendo considerada por ele apenas como um
intervalo, para que as FORÇAS perdidas sejam recuperadas com o objetivo de partir
novamente para a luta, forma simbólica de definir a retomada do poder.
(8) “Vou finalmente descansar um pouco, retemperar as forças e partir para a luta”, confortei-me...
(linhas 81, 82)
A valorização da FORÇA, seja ela positiva e indicativa de entusiasmo, energia,
potência, vigor, vitalidade, quando se refere à sua identidade, à sua maneira enérgica de
enfrentar dificuldades; seja ela negativa, aludindo a coação, violência e truculência, quando
exercida por seus adversários ou quando ele perde o poder, é uma constante nas escolhas
metafórico-discursivas de Collor. Ele expressa o exercício de poder como empenho físico, e
conceptualiza a oposição dos adversários, e a consequente perda de poder, como se lhe
estivessem aplicando intenso sofrimento físico.
Fica claro, no exemplo 23, segmento do ANEXO F, o discurso de posse como senador
da República quando Collor retoma sua carreira política, que ele quer dar por encerrada essa
sofrida fase de ostracismo. Essa manifestação discursiva marca seu retorno ao poder e nela o
político retoma termos metafóricos que o apresentam como vítima de violência, mas para citar
que o sofrimento serviu-lhe como aprendizagem e o fortaleceu. Essa recuperação da FORÇA,
por meio da volta ao poder, ocorre como consequência de sofrimentos impostos
metaforizados como mossas, marcas deixadas por pancadas, e cicatrizes, mas que trouxeram
proveitosas lições:
(23) ... os episódios que aqui vou rememorar obrigaram-me a padecer calado e causaram mossas na minha
alma e cicatrizes no meu coração. Se o sofrimento e as injustiças provocam dor e amargura, podem
também nos trazer proveitosas lições. (linhas 3 a 6)
Tal constância do uso da simbologia da FORÇA, principalmente na construção de sua
identidade e na expressão de seu modo de governar e enfrentar adversidades, revela uma visão
de mundo que privilegia o exercício dinâmico e enérgico da FORÇA, o que o coloca mais
como quem exerce autoridade com firmeza próxima da força física, mais impetuosa do que
racionalmente, mais próximo da emoção e da paixão do que da razão.
No decorrer da entrevista ao Programa Livre, transcrita no ANEXO D, Collor afirma:
52
(24) ... o que eu sei que tenho é o seguinte... é o que muitos de vocês m... eu não sei fazer nada na minha vida
que não seja com paixão... com ardor e ((risos e gritos do auditório)) com vontade ((risos e gritos do
auditório)) não não a paixão piegas ((risos)) não... não cês estão entendendo... não é essa paixão não é
essa paixão piegas paixão piegas é uma paixão no sentido de me dedicar inTEgralmente àquilo que eu
tô fazendo... (linhas 333 a 339)
Essa disposição mais emocional admitida por Fernando Collor pode ser uma das
razões de ele frequentemente utilizar-se de linguagem metafórica, pois, como afirma
Kövecses (2003), a linguagem emocional é amplamente metafórica em diversos idiomas, a
fim de captar a variedade e intangibilidade das experiências emocionais, únicas para cada ser
humano. Ele acrescenta ainda que, metodologicamente, essa linguagem é importante para
desvendar essas experiências, não apenas por refleti-las, mas também por criá-las.
Nessa mesma direção, Vilela (2002, p. 111), ao teorizar sobre as influências culturais e
sociais da expressão de emoções, diz que “o indivíduo é o ‘locus’ do emocional, mas é o
envolvimento social que determina que emoções se exprimem ou se silenciam”. (p.111). Ele
também crê que as emoções criam disposições para comportamentos e atuações, como afirma
no segmento:
As emoções o são apenas sentimento, mas também disposições
episódicas para comportamentos, atuações, respostas ou reações
relativamente a uma norma social. emoções hipervalorizadas,
hipercognitivizadas. É o modelo cultural e o modelo cognitivo a
interpenetrarem-se. A intercompreensão é possível porque partilhamos,
numa comunidade, os mesmos esquemas. (op. cit., p. 11)
Em outra perspectiva, ao produzir um discurso em que é vital a aquiescência do
interlocutor, como é o político, em que tudo o que é dito é pensado com o objetivo da
persuasão, Collor intui que suas escolhas serão bem entendidas e aceitas por seus
interlocutores, principalmente pelo eleitorado nordestino, que valoriza a FORÇA como
qualidade positiva de um governante, provavelmente uma herança do coronelismo na região.
Neste sistema de poder paralelo, definido como uma complexa rede de relações que permeia
todos os níveis de atuação política e
que não ocorreu exclusivamente no nordeste, os
“coronéis”, ou chefes políticos, exerciam domínio econômico e social por meio de práticas
que remetiam a autoritarismo e impunidade. (CARVALHO, 1997)
Acrescente-se a isso o fato de o nordestino ser comumente caracterizado como homem
‘forte’ por enfrentar condições climáticas adversas como a seca e suas consequências na
agricultura e pecuária e, ainda assim, resistir, para que se possa justificar mais completamente
a valorização da FORÇA como qualidade positiva do povo do nordeste. Consciente dessa
53
valorização, um locutor que pretenda influenciar os julgamentos de seus interlocutores dará
preferência a escolhas linguísticas por estes valorizadas. Ao estudar mais detalhadamente a
ocorrência da metáfora no discurso, principalmente a metáfora nova ou pouco convencional,
Kövecses (2010) observa:
(...) em geral, o destinatário exerce um papel em nosso modo de selecionar
itens linguísticos para nossos propósitos particulares no discurso. Mais
geralmente, uma parte do que nós sabemos sobre o destinatário com toda
probabilidade tem papel importante na seleção da metáfora. (p. 295)
7
A seleção metafórica no discurso de Collor certamente tem uma base cultural e
ideológica, mas sem dúvida leva em conta seu interlocutor, aqui representado pelo povo
nordestino, seu eleitorado mais fiel. Como locutor consciente, o político seleciona itens
linguísticos que sejam valorizados culturalmente por seus interlocutores, pois essa sintonia
linguística pode fazê-lo alcançar mais facilmente seu objetivo retórico de exercer o poder
político como representante da população.
Essa relação entre locutor e interlocutor, ou entre o orador e seu auditório como os
denomina Amossy (2005, p. 125), será examinada mais detidamente a seguir, principalmente
por conta de sua importância na construção da imagem ou identidade do locutor, sempre
orientada no sentido de causar ‘boa impressão’ e efetiva persuasão ao auditório a que se
dirige. Cabe ressaltar que, para esta pesquisa, foram considerados coincidentes os termos
identidade, adotado por Fairclough (2001) ao dizer que o discurso contribui para a construção
de ‘identidades sociais’ e ‘posições de sujeito’, e imagem de si, construída e reconstruída
discursivamente pelo locutor, proposta de Amossy (2005).
2.2 O papel da metáfora na construção de identidades e na transmissão de ideologias
A relação entre o locutor e seu auditório, além das circunstâncias em que tal relação
ocorre, é objeto de observação de diferentes estudos discursivos, em especial aqueles que se
ocupam da argumentação. A esse respeito, Amossy (2005) afirma que “a interação entre o
orador e seu auditório se efetua necessariamente por meio da imagem que fazem um do
7
Tradução livre de: (…) in general, the addressee plays a role in how we select linguistic items for our
particular purposes in the discourse. (…) More generally, a part of what we know about the addressee
in all probability plays a role in the selection of the metaphor. (p. 295)
54
outro”. E ‘imagem’ aqui significa a representação, as ideias e as reações que ambos
apresentam naquela situação única. A avaliação que um locutor faz de seus interlocutores o
orienta a escolher suas estratégias discursivas e a moldar sua imagem, para produzir em seu
auditório a impressão apropriada às circunstâncias. Essa autora acrescenta ainda que a eficácia
de um discurso depende da autoridade de que goza o locutor entre seus interlocutores. (p. 124)
Em concordância com esses conceitos, acredita-se que Fernando Collor tenha levado
em consideração as características de seu auditório todas as vezes em que se dirigiu a ele, seja
por meio de propaganda eleitoral, relato, discursos de posse ou entrevista, na tentativa de
construir uma imagem que produzisse impressão positiva junto a seus interlocutores,
contribuindo para o êxito em seu propósito retórico. Ainda sobre este tema, Amossy diz:
O orador constrói sua própria imagem em função da imagem que ele faz de
seu auditório, isto é, das representações do orador confiável e competente
que ele cser as do público.(...) No momento em que toma a palavra, o
orador faz uma ideia de seu auditório e da maneira pela qual será percebido;
avalia o impacto sobre seu discurso atual e trabalha para confirmar sua
imagem, para reelaborá-la ou transformá-la e produzir uma impressão
conforme às exigências de seu projeto argumentativo. (op.cit., p. 125)
Em se tratando de discurso argumentativo, condição própria do discurso político e
comum a todas as amostras do corpus estudado, Perelman e Tyteca (2005 [1958], p. 20)
afirmam que, “para que uma argumentação se desenvolva, é preciso que aqueles a quem ela se
destina lhe prestem alguma atenção”, portanto o locutor precisa apresentar-se de forma a
causar uma impressão positiva em seu auditório e, consequentemente, a cativá-lo. Como
auditório e circunstâncias variam constantemente, o locutor (assim chamado em oposição ao
termo orador porque aqui estão sendo consideradas tanto manifestações faladas quanto
escritas) precisa desenvolver a habilidade de interpretar, a cada manifestação, que imagem de
si apresentar para conseguir a adesão de seu público.
É preciso acrescentar que a construção da imagem do locutor não acontece somente
pelo que ele diz a seu respeito, mas também pela forma como ele diz. Amossy (2005, p. 127)
aponta que “É o conjunto das características que se relacionam à pessoa do orador e a situação
na qual esses traços se manifestam que permitem construir sua imagem.” Além disso, a
construção e reconstrução da imagem acontecem com a ajuda de modelos culturais, esquemas
pré-existentes a que os novos dados se integram.
Para este estudo, é significativo observar como Fernando Collor constrói e reconstrói
sua imagem por meio da seleção metafórica que utiliza em seu discurso, conforme seus
55
objetivos argumentativos, pois o corpus analisado é constituído de amostras representativas
de diversas fases da carreira desse político. O conjunto dessas manifestações discursivas
reflete a alternância de sua posição em relação ao poder, ora exercendo-o, ora tentando
recuperá-lo, portanto apresenta a construção de diversas identidades, cuja análise permite
inferir as diferentes avaliações que o locutor fez de seu auditório e do contexto discursivo,
além de ajudar a elucidar o sucesso ou fracasso de seu projeto argumentativo.
Para compreender melhor o processo de construção de identidade que Collor
desenvolveu por meio da análise das metáforas que ele empregou em seu discurso, será
preciso, além de examinar o contexto em que esse discurso foi produzido, estabelecer a
relação entre a metáfora discursiva e a metáfora conceptual (Cf. p. 35). Em razão de, em
geral, a metáfora discursiva ser o desdobramento de uma metáfora primária, resultado de
processos cognitivos inconscientes que dão estrutura a nosso pensamento (LAKOFF e
JOHNSON, 1999), é possível relacionar termos metafóricos encontrados nas amostras do
corpus a um determinado conceito estruturador, ou metáfora conceptual, e, através deste,
vislumbrar a ideologia subjacente.
Cabe ainda uma vez relembrar que o conceito de ideologia aqui adotado é o proposto
por van Dijk (1997, p. 105), para quem:
As ideologias são definidas como sistemas básicos de cognições sociais
fundamentais e como princípios organizadores das atitudes e das
representações sociais comuns a membros de grupos particulares. Desta
forma, controlam indiretamente as representações mentais (modelos) que
formam a base interpretativa e a “inserção” contextual do discurso e
respectivas estruturas.
O estudo da construção da identidade ou imagem de si no discurso de Fernando
Collor, como de qualquer outro locutor, exige que se conheça o contexto cultural da sua
produção discursiva. A importância deste conhecimento é reconhecida por Goodwin e Duranti
(1992) ao dizerem que um evento não pode ser adequadamente entendido, interpretado ou
descrito, a menos que se considerem, para além dele, outros fenômenos em que este evento
está inserido, tais como cenário cultural, situações de fala, suposições contextuais partilhadas.
Delineando de forma geral o contexto em que Fernando Collor pode ser situado como
locutor, é relevante levar em consideração a ideologia que estrutura os modelos mentais desse
político: trata-se de um sistema socialmente adquirido de princípios organizadores de atitudes
que ele procura transmitir e que se constituiu em sua vivência como indivíduo que nasceu
membro de uma tradicional e poderosa família de empresários da comunicação e políticos de
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atuação nacional. Seu avô materno, Lindolfo Collor, e o pai, Arnon Afonso de Farias Mello,
destacaram-se por exercer cargos políticos de realce inclusive no âmbito federal. A carreira
política do pai, Arnon de Mello, que se desenvolveu entre as cidades de Maceió, Rio de
Janeiro e Brasília, teve influência até na vida acadêmica de Fernando Collor que, nascido no
Rio de Janeiro, obteve seu diploma universitário em Brasília.
Antes de se tornar presidente, Fernando Collor de Mello foi prefeito nomeado de
Maceió, deputado federal e governador de Alagoas, época em que se tornou conhecido como
“Caçador de Marajás”, denominação metafórica que o acompanhou mais tarde na campanha à
Presidência da República, por ter empreendido um combate a alguns funcionários públicos
que ganhavam altos salários. A consecução de vitórias políticas, como a eleição para
Presidência da República em 1990, é indicativa de que, nessas ocasiões, ele obteve sucesso
em persuadir seu auditório ao articular ideologia, base de um sistema de crenças
compartilhadas pelo grupo social acostumado a situações de poder ao qual pertence, com a
produção e a partilha de sentido em seu discurso.
Ao examinar a transcrição da propaganda de campanha (ANEXO A), pode-se
observar a construção de três identidades distintas: a do locutor, o político Fernando Collor de
Mello, a do grupo de adversários corruptos que ele pretende enfrentar e a do auditório - este
último caracterizado como “amigo” e “trabalhador”, em oposição aos funcionários públicos
corruptos. As duas primeiras identidades, de Collor e dos corruptos, são as mais vivamente
caracterizadas com linguagem metafórica, como se pode verificar nos exemplos a seguir:
(25) ... foi para acabar com esta pouca vergonha... minha gente... que lutei TANto em Alagoas... e iniciei
uma cruzada que chegou ao Brasil inTEIro... a CAça aos maraJÁS...(linhas 10 a 13)
(1) ... você POde estar certo ... meu amigo servidor... que eu não vou demitir ninguém que trabalha...
agora... marajá ... corrupto e boa vida... esses vão pra rua... mas estes... não são funcionários públicos...
estes são turistas... (linhas 17 a 21)
No exemplo 25, o termo cruzada, que tem por definição no Novo Dicionário Aurélio
(FERREIRA, 1975): “Expedição militar de caráter religioso que se fazia na Idade Média
contra hereges ou infiéis.”, define metaforicamente a trajetória política de Collor até aquele
momento, evocando o domínio da GUERRA. Entretanto, não se trata de uma guerra qualquer,
mas um COMBATE SAGRADO, interpretação que o componente semântico religioso do
termo cruzada autoriza. Assim sendo, poder-se-ia definir como POTICA É UM
COMBATE SAGRADO um possível conceito metafórico estruturador, ou metáfora
conceptual, que se refere à identidade desse político.
57
Enfatizando a sugestão de FORÇA e belicosidade do termo cruzada, localiza-se, no
mesmo exemplo 25, outro desdobramento de POLÍTICA É UM COMBATE SAGRADO.
Trata-se do verbo lutei, também metafórico, visto que, certamente, não houve enfrentamento
físico entre Collor e seus oponentes. Esta luta a que o candidato se refere aconteceu à época
em que foi eleito governador do estado de Alagoas, em 1986, durante a qual implantou um
estilo polêmico de governo que pretendia sanear e moralizar a administração pública. Vem
desse período a denominação “caçador de marajás” que, no corpus estudado, vem
representada pela expressão caça aos marajás, presente neste mesmo exemplo.
A expressão metafórica caça aos marajás remete tanto ao locutor (caça/caçador)
quanto a seus oponentes (os marajás). O termo caça acrescenta à ideia de COMBATE o
sentido da busca, da perseguição a criminosos ou animais, além de constituir uma metáfora
gramatical, ou seja, o uso de um recurso gramatical para expressar uma função que não lhe é
própria. A função primordial, de designar ações, do verbo caçar aqui foi desempenhada por
caça, que não seria literalmente um substantivo, cuja função principal seria nomear, mas uma
metáfora do verbo caçar.
8
Na mesma expressão, o termo marajás é usado para caracterizar os adversários de
Fernando Collor, funcionários públicos corruptos que ocupam cargos com altos salários, o
alvo da cruzada moralizadora do orador. No exemplo 1, retomado da página 32, observa-se a
caracterização dos ‘corruptos’, daqueles que devem ser combatidos, por termos como marajá,
boa vida e turistas, evocando, no imaginário dos interlocutores, as facilidades e privilégios de
quem tem uma posição de destaque, que marajá significa ‘grande rei’ e é o título dos
príncipes ou potentados da Índia (FERREIRA, 1975), que, imagina-se, passeiam e não
precisam trabalhar, diferentemente daqueles cidadãos comuns, “professores” e “médicos”,
que compõem o auditório a quem Collor se dirige, como ocorre no segmento:
(26) (...) com você professora professor médica médico que educa os nossos filhos que toma conta da sa-ú-
de dos nossos filhos e não é reconhecido com um salário DIGno...(linhas 1 a 3)
Dessa forma, são construídas três identidades distintas: a primeira é a do locutor, um
guerreiro combativo, que já lutou e promete travar um combate sagrado enfrentando os
8
A respeito do conceito de metáfora gramatical, Sardinha (2007, p. 45) afirma que este é “um termo usado na
linguística sistêmico-funcional em referência ao uso de um recurso gramatical para exprimir uma função que não
lhe é intrínseca.” O exemplo que o autor é o uso de um substantivo em lugar de um verbo, como em ‘sua
mudança’ em vez de ‘ele mudou’, no qual a função original de designar ações do verbo ‘mudar’ passou a ser
exercida por um substantivo, cuja função original seria nomear coisas, o termo ‘mudança’. Essa passagem,
chamada nominalização, é um processo metafórico, pois o substantivo mudança’ não é literalmente um
substantivo, mas uma metáfora do verbo ‘mudar’.
58
privilegiados corruptos, os denominados marajás (aqui representando a segunda identidade),
em defesa dos injustiçados servidores públicos, que fazem parte do auditório, a terceira
identidade. Destaca-se ainda a inclusão do possessivo nossos referindo-se tanto aos filhos dos
interlocutores quanto aos filhos do próprio Fernando Collor, como forma de aproximação e
partilha de significado entre locutor e auditório. Além dessas três identidades, ainda é possível
vislumbrar a construção de uma quarta identidade, que também será combatida, os poderosos,
numa tentativa quase imperceptível do locutor de se fazer desvincular dos políticos mais
tradicionais e colocar-se mais ao lado do brasileiro trabalhador:
(27) ... será que é justo um apadrinhado dos poderosos ganhar até cinQUENta salários para ficar sentado
no seu TROno de maraJÁ... (linhas 6 a 8)
Utilizando-se da expressão apadrinhado dos poderosos, o locutor vincula os
funcionários corruptos a supostos padrinhos poderosos que protegeriam seus privilégios. O
termo trono, cujo significado literal é “sólido elevado em que os soberanos se assentam nas
ocasiões solenes” (FERREIRA, 1975), é uma metáfora do lugar privilegiado e seguro que
estes corruptos ocupam, evocando sua situação de poder. Identificando estes apadrinhados
como adversários, que devem ser caçados e combatidos, o locutor constrói para si uma
imagem positiva, contrária à corrupção, de alguém que vai combatê-la fortemente, como se
exercesse um dever sagrado.
O vídeo da referida propaganda, que também faz parte do corpus analisado, possibilita
observar a tentativa de confirmar esta identidade de força e combatividade por parte de
Collor, pois sua postura é altiva, séria e enérgica, sua dicção é relativamente acelerada, mas
com pronúncia bem articulada, sem hesitações, o que poderia ser caracterizado como um
‘falar forte’, denominação utilizada por Charaudeau (2008, p.171). Este autor afirma que,
embora os julgamentos sobre a vocalidade sejam culturais, o “falar forte” é percebido em
todos os lugares como o oposto de “falar frouxo”, construindo um ethos, ou, como diz
Amossy (2005), uma imagem de si, de líder político poderoso e combativo.
No discurso de posse no Parlatório, reproduzido no ANEXO B e do qual foi obtida
uma transcrição disponível na página eletrônica pessoal de Fernando Collor que pode ser
acessada pelo link
http://www.collor.com/discursos1990_002.asp
, pode-se dizer que o tom é mais
brando, mesmo porque, a ocasião da posse como presidente eleito é uma celebração em que
este prefere caracterizar seus interlocutores como “amigos” e, mais figurativamente, como
“descamisados” e “pés descalços”, numa alusão à precariedade das condições sociais do povo
brasileiro a quem dirige sua fala, como se pode observar nos exemplos:
59
(28) Minha gente amiga do Brasil, ...(linha 1)
(29) ...voltar o melhor do meu pensamento e a maior das minhas preocupações para a imensa maioria de
brasileiros (sic) quem eu devo esta conquista democrática: aos descamisados, aos pés descalços,
àqueles que querem justiça social no País, para poder viver condignamente.(linhas 8 a 11)
Cabe ainda observar que Collor recuperou o termo metafórico descamisados’ do
peronismo, movimento político de caráter popular, porém autoritário ao reprimir
manifestações contrárias, ocorrido na Argentina entre os anos de 1945 a 1955. Eram figuras
centrais desse movimento o general Juan Domingo Perón e sua esposa Eva Perón,
respectivamente representados como ‘pai’ e mãe’ dos ‘descamisados’, numa referência
simbólica a sua total dedicação à causa dos mais humildes. O termo, que genericamente
significava povo ou massa, no imaginário peronista era característico do amigo do líder,
aquele que arregaçava as mangas e realizava o trabalho necessário ao desenvolvimento do
país. (SANTOS, 2001, p. 166)
Parece que muito desse significado é recuperado no ‘descamisados’ de Collor, ao
referir-se à imensa maioria dos brasileiros a quem ele credita a conquista democrática de sua
eleição à presidência, um exemplo de como a metáfora pode exercer a função de proporcionar
coerência intertextual a uma variedade de discursos em diferentes períodos históricos.
Segundo Kovecses (2010), essa coerência é alcançada quando se herda e se usa uma metáfora
particular em discursos de épocas diferentes, numa espécie de reciclagem linguística.
Tentativas de aproximação em relação ao auditório, numa sugestão de igualdade e
companheirismo, ainda podem ser verificadas em outros segmentos da mesma amostra do
corpus (ANEXO B), em que se localiza a primeira pessoal do plural, o pronome inclusivo
“nós”, ou quando o recém-eleito presidente coloca-se ‘espacialmente’ próximo ao povo:
(30) Todos nós temos compromissos...(linha 4)
(31) ... ao lado do povo brasileiro, da sociaedade (sic) civil organizada, ...(linhas 21 e 22)
É preciso ressaltar que este discurso de posse não é o proferido no Congresso Nacional
diante de senadores e deputados depois da assinatura do termo de posse, mas um similar, só
que mais curto e mais informal, feito no Palácio do Planalto, após a subida da rampa e a
colocação da faixa presidencial, no Parlatório, uma espécie de construção externa ao palácio,
em que os políticos se colocam numa posição de destaque perante o público a que se dirigem
durante as solenidades oficiais. Neste discurso de posse, não há, como na propaganda de
campanha, a caracterização dos “antagonistas” corruptos que devem ser enfrentados. Mas
60
ainda permanece a ideia de POLÍTICA É UM COMBATE SAGRADO, portanto, autorizado
por Deus, e da “sacralização” da ação política em termos metafóricos como:
(32) ... uma luta que incandesceu este País, ...(linha 12)
(33) ... e o processo democrático assegurado pelas forças vivas da sociedade brasileira
.(linhas 13 e 14)
(34) ... democracia tão duramente conquistada.(linha 4)
(35) ... juro a vocês, diante do altar de minhas convicções, ...(linha 21)
Os termos luta, na caracterização da campanha, forças, que alude à dificuldade
suplantada para assegurar o processo democrático, e conquistada, sugestivo de que a
democracia foi conseguida com grande esforço, são desdobramentos da ideia de COMBATE,
enquanto o termo altar, repetido mais uma vez logo em seguida, indica que as convicções de
Fernando Collor ocupam um lugar SAGRADO.
Todas essas considerações levam a inferir que essas manifestações discursivas de
Fernando Collor veicularam uma ideologia que valoriza a FORÇA e a combatividade, além
da sacralização das ações, o que equivale dizer que suas causas são nobres, portanto, o
justificados quaisquer meios que ele utilizará para atingir seus objetivos. Tais conceitos são
expressos, principalmente, pelas metáforas contidas nos termos lutei/luta, cruzada, caça aos
marajás, forças, conquistada e altar destas amostras. Entende-se que a ideologia veiculada
por meio deles persuadiu o eleitorado, tendo em vista o resultado positivo alcançado pelo
candidato às eleições presidenciais e sua grande popularidade no início de mandato.
nas manifestações que correspondem a seu exílio político, ANEXOS C, D e E, e
até mesmo no seu discurso de posse como senador em março de 2007 (ANEXO F), Fernando
Collor se apresenta como injustiçado e violentado por seus adversários, construindo uma
identidade que, a se considerar seu afastamento do poder, não foi bem acolhida por seus
interlocutores. São vários os exemplos em que se pode destacar a linguagem metafórica
empregada na caracterização de mártir e sofredor indefeso, a quem os adversários políticos
truculentos sempre infligem golpes e agressões, deflagrando uma verdadeira guerra política.
Destacam-se, entre eles:
(36) Fiquei só. Enquanto no Congresso a traição se manifestava e o golpe se consolidava, no meu gabinete
nada se ouvia. (ANEXO C, linhas 23 a 25)
(37) Nem deixaria de enfrentar aqueles tolos que tentavam dar legitimidade a um ato de força. (ANEXO C,
linhas 120-121)
61
(38) ...e se agora posso relembrar aqueles momentos com o distanciamento do tempo, é porque a vitória, no
final, seria minha. Uma vitória contra todas as manobras engendradas e deflagradas em praticamente
todo o território nacional pelas mesmas forças retrógradas que mantêm o Brasil neste anacronismo
cruel,... (ANEXO C, linhas 122 a 126)
Nos exemplos 36 e 37, fica patente a conceptualização do Impeachment, ato legítimo
democraticamente decidido pelo Congresso Nacional por meio do voto dos parlamentares,
como ato violento sofrido pelo locutor por conta dos termos golpe e ato de força. No exemplo
38, a linguagem metafórica remete ao domínio da GUERRA, constituindo um desdobramento
da metáfora conceptual POLÍTICA É GUERRA, como fica claro pelo emprego de termos
como vitória, com sentido positivo referindo-se ao próprio Collor, manobras engendradas e
deflagradas e forças retrógradas, estes últimos com sentido pejorativo, referindo-se às
supostas atitudes desleais dos adversários.
É apropriado observar que quando a FORÇA é exercida pelos adversários sobre o
locutor ela tem uma conotação negativa. No exemplo seguinte, do mesmo ANEXO C, o termo
metafórico marionetes é usado para caracterizar os manifestantes que o aguardavam fora do
Palácio, agindo, segundo a imagem simbólica que Collor lhes atribui, por consequência da
FORÇA negativa de outros. Essa caracterização é reforçada pelo termo seguinte massa de
manobra, conhecida qualificação metafórica de grupo que age sem consciência, guiado por
ideologia alheia, um cuidado do locutor que impossibilita culpar o povo, seus eleitores, pelas
próprias atitudes.
(39) observei, através da vidraça, as figuras tristes de manifestantes que agiam como marionetes sem
vontade própria, massa de manobra fiéis (sic) à velha máxima de mudar algo, qualquer coisa, para não
mudar coisa alguma. (linhas 128 a 130)
No ANEXO D, uma entrevista concedida em 1997 a um programa em que o auditório
era composto basicamente por adolescentes, Fernando Collor também se apresenta como
vítima de adversários violentos e desonestos, na tentativa de reconstruir sua imagem política
perante o público jovem. A considerar-se que na transcrição da entrevista existem várias
manifestações de desagrado por parte da platéia, e que Collor se reelegeria a um cargo público
apenas em 2006, a tentativa foi frustrada. São exemplos dessa amostra do corpus:
(40) veja que... eu me apresento hoje diante...diante de todos vocês... tendo sido... o homem público...
mais investigado desse país... o mais humilhado o mais xingado o mais achincalhado o mais
execrado... e seguramente o mais investigado... o último homem público que sofreu alguma coisa
parecida... em termos de:: de::... investigação... foi o doutor Getúlio Vargas... em 1950... e que
lamentavelmente não suporTOU... aquela pressão e deu fim a sua própria vida...(linhas 61 a 67)
(41) e não que... meia dúzia de gatos pingados... no Congresso Nacional... se arvorem no direito de em
nome de 35 milhões de eleitores... de fazerem o que fizeram...(linhas 85 a 87)
62
(42) Eles... os anões do orçamento... eles sim... estavam assaltando o tesouro nacional... eles sim...
estavam fazendo as ...é as diabruras e travessuras que todos nós conhecemos... e se eles me
arrancaram da presidência... é porque minha gente... seguramente eu não era um deles... e não
estava fazendo o jogo deles (linhas 91 a 95)
(43) ... foi uma violência atrás de outra porque não me foi dado direito de defesa em nenhum instante
não me foi dado ah: oportunidade de poder falar... dentro ((risada)) dentro do processo... de
modo que as coisas foram acontecendo assim de uma forma ah:... violenta... e ah: ah ah
inclusive...(linhas 106 a 110)
(44) ... importante é que seja dado oportunidade...(sic) ao povo brasileiro de fazer o seu juízo dentro de um
ambiente de razoável tranqüilidade... (sic) sem que haja um clima de emoção... transbordando pelas
ruas... de modo a dizer... esse fulano aqui é é culpado... temos que crucificá-lo ele é o causador de
tudo e tal... (linhas 144 a 148)
Os termos sofreu (exemplo 40), violência e violenta (exemplo 43) e crucificá-lo
(exemplo 44) retratam a imagem de sofrimento físico a que o locutor diz ter sido submetido
pelos adversários. No exemplo 40, Collor inclusive se compara a Getúlio Vargas, também
pressionado por seus oponentes, deixando subentendida a ideia de ser mais forte que o
presidente suicida, visto que escolheu reagir de maneira diferente à pressão exercida. A
caracterização dos adversários como meia dúzia de gatos pingados (exemplo 40), anões do
orçamento que assaltam o tesouro, fazem diabruras e travessuras, arrancam-no da
presidência (exemplo 42) e querem crucificá-lo (exemplo 44) revelam a tentativa de construir
uma imagem negativa de seus antagonistas, atribuindo-lhes desonestidade e uso da violência
contra o locutor.
Em dezembro de 2000, na entrevista que Fernando Collor concede à repórter Neusa
Sanches da revista eletrônica Istoé Gente, à época do final de seu exílio político, transcrita no
ANEXO E, o político anuncia que dará uma festa para comemorar sua volta à vida política e
divulga seus planos de candidatar-se novamente a algum cargo, se não a presidente, pelo
menos a senador por Alagoas, plano que acabará por se realizar apenas na eleição de 2006.
No exemplo 45, ao ser indagado sobre como era estar fora da política, ele se refere
metaforicamente a essa situação como inferno. Mais adiante, no exemplo 46, ele abranda a
caracterização do exílio conceptualizando-o como interrupção de seu caminho, que agora ele
pretende retomar com a candidatura ao Senado.
(45) Os dois anos depois que saí do governo, foram os piores de minha vida. Eu não acredito em inferno, na
concepção comum que as pessoas crêem. Acho que o inferno é o que a gente vive aqui mesmo. Mas
essa concepção de inferno, eu vivi nesses dois anos. (linhas 69 a 73)
(46) Nas democracias ocidentais o caminho natural de ex-presidentes é o Senado. A única exceção é nos
Estados Unidos, onde o ex-presidente é mumificado em vida. Ganha uma biblioteca e cinco seguranças
e não pode ser mais nada e vai fazer palestras. Se eu tivesse cumprido o meu mandato, teria tentado o
Senado, em 1998. Houve uma interrupção política, que agora estou retomando. (linhas 104 a 108)
63
Comparando-se essas verbalizações de Collor às feitas na fase em que estava no
poder, anteriormente representada pelas transcrições de uma propaganda de campanha
(ANEXO A) e do seu discurso de posse como presidente (ANEXO B), quando foi
estabelecida a metáfora conceptual GOVERNAR É CONDUZIR POR UMA ESTRADA e
Collor se colocava como condutor do povo brasileiro, pode-se perceber por meio dos termos
caminho e interrupção e da ideia de retomada da vida política e do poder que algumas de suas
declarações ainda são desdobramentos dessa metáfora.
Em outro segmento da mesma entrevista (exemplo 47), nota-se ainda a referência a
FORÇA, quando Collor declara que veio candidatar-se em São Paulo, segundo ele, o estado
que detém as forças econômica e política, para pôr à prova sua capacidade de eleger-se a um
cargo público. Ele caracteriza metaforicamente seu alívio e sua tranquilidade com a expressão
alma lavada, mas não abre mão de também evidenciar que em sua retomada FORÇA e o
faz com a utilização do substantivo ímpeto. A jornalista pergunta se ele não será mais
candidato por São Paulo e ele responde:
(47) A minha vinda para São Paulo prova que eu não estava atrás de um mandato. Se assim fosse, eu tentaria
ser eleito em Alagoas. São Paulo detém as forças econômica e política. Antigamente, o peso político
estava dividido entre Minas Gerais, Rio, Rio Grande do Sul e São Paulo. E hoje os grandes partidos, os
maiores políticos e os principais debates estão em São Paulo. Assim, vim para cá para mostrar que estou
com a alma lavada, tranqüila (sic) e com o mesmo ímpeto. Embora com muito mais ponderação,
experiência e amadurecimento. (linhas 96 a 102)
Entretanto, a realização metafórica que merece uma análise mais profunda, realizada a
seguir, por consistir numa metáfora nova, isto é, original ou pouco usual, é a do exemplo 48,
também do ANEXO E, e que ocorre quando Collor responde à pergunta sobre qual teria sido
o pior momento do seu período de afastamento da política:
(48) Passei dois anos, logo depois da minha saída do governo, em que eu não conseguia dormir antes das
sete da manhã. Foi na época em que ainda morava na Casa da Dinda, em Brasília. Assistia a todos os
noticiários, lia compulsivamente os jornais. Eu chorava. Tinha abatimento profundo. Um político sem
mandato é como uma cobra sem veneno. (linhas 53 a 57)
2.2.1 A seleção de uma metáfora em particular
Acredita-se que a análise da metáfora da cobra sem veneno seja bastante significativa,
pois ela representa a conceptualização que o locutor faz do político que o tem mandato,
condição que ele experimentava à época em que foi entrevistado. Se tomado fora do contexto
em que se encontra, o segmento Um político sem mandato é como uma cobra sem veneno faz
64
referência a um político indefinido, contudo, tal segmento finaliza uma resposta em que
Collor usa a primeira pessoa, nos termos minha e eu, para falar da própria rotina depois da
saída do governo, portanto, pode-se afirmar que o locutor também fala de si mesmo. O fato de
tal expressão ser antecedida de uma narrativa que relata o comportamento abatido do locutor
no início do exílio político permite observar uma relação causal que se enuncia na
caracterização metafórica e que remete a ele como político sem mandato.
A preocupação em verificar a autenticidade das declarações de Fernando Collor
durante a entrevista revista eletrônica Istoé Gente (ANEXO E) incluiu contatos por meio de
correio eletrônico com a entrevistadora, repórter Neusa Sanches, confirmando que a
reprodução das respostas do ex-presidente Fernando Collor, em especial da metáfora
complexa Um político sem mandato é como uma cobra sem veneno corresponde ao que ele
efetivamente disse, não tendo sido objeto de edição. A denominação ‘metáfora complexa’,
atribuída ao segmento em análise, segue orientação de Lakoff e Johnson (1999), que dizem
haver metáforas complexas ‘moleculares’ compostas de átomos, as metáforas primárias, que
se agrupam para formá-las, a partir de conhecimentos e crenças aceitos em determinada
cultura.
No caso de se fazer uma descrição da anatomia da metáfora complexa Um político sem
mandato é como uma cobra sem veneno, conforme propõem os autores citados (op. cit.),
poderíamos dizer que a crença cultural de nossa sociedade que a originou é a de que ‘Políticos
que exercem cargos públicos para os quais foram eleitos são pessoas poderosas’, e que as
metáforas primárias que a compõem seriam PESSOAS SÃO ANIMAIS e PODER É FORÇA.
Numa composição desses conceitos metafóricos primários, pode-se encontrar metáforas
conceptuais como POLÍTICOS SÃO COBRAS, animais cuja força vem do veneno, TER UM
MANDATO É TER FORÇA, PODER POLÍTICO É FORÇA ANIMAL, e até mesmo o seu
correspondente negativo PERDA DE PODER POLÍTICO É PERDA DE FORÇA, do qual o
segmento metafórico-discursivo em questão é um mapeamento possível, pela situação de
perda de poder em que o locutor se encontra.
9
No segmento Um político sem mandato é como uma cobra sem veneno, a metáfora é
expressa discursivamente na estrutura clássica A é como B’, por meio da qual se permite
compreender o aspecto de um conceito A, neste caso o ‘político sem mandato’, em termos do
9
É necessário acrescentar que a seleção de tal elemento do léxico (cobra) pode remeter a diversos
significados, como poderosa, perigosa, traiçoeira, não confiável, e que, no contexto em que se
encontra tal realização, a primeira possibilidade (poderosa) parece ser a que se põe em evidência.
65
conceito B, a ‘cobra sem veneno’, conforme propõe a teoria cognitivista de Lakoff e Johnson,
2002 [1980], p. 47), em que esses autores afirmam que “A essência da metáfora é
compreender e experienciar uma coisa em termos de outra.”. Neste caso, o conceito de
‘político sem mandato’, aqui constituindo o domínio alvo, ou seja, o conceito mais abstrato a
ser definido, é transposto a outro domínio de experiência, mais concreto, a ‘cobra sem
veneno’, o chamado domínio fonte, numa operação que facilitará a conceptualização.
Em suma, Collor, ao explicar o estado emocional que subjetivamente experimentava,
em decorrência de seu afastamento compulsório da política, recorre a uma expressão que
remete ao comportamento de um animal sem forças, uma cobra que perde seu veneno. Vale
também destacar que o segmento em que ele utiliza a metáfora vem em seguida ao termo
abatimento, que já contém o significado de diminuição de forças, de esgotamento e prostração
em que o locutor se encontra.
Pesquisando-se a vasta simbologia da cobra, ou serpente, em Chevalier e Gheerbrant
(2009, p. 814) encontra-se uma contraposição desse animal ao homem, caracterizados como
rivais, mas opostos complementares. Esses autores afirmam que “há algo da serpente no
homem e, singularmente, na parte de que o seu entendimento tem o menor controle.”, o que
autoriza dizer que a cobra representa no homem o que ele tem de mais instintivo,
incontrolável.
Por outro lado, embora para uma parcela significativa da cultura ocidental dos dias de
hoje a serpente seja considerada uma força hostil e desencadeie aversão e temor, nas culturas
ditas primitivas, incluindo-se a tupi-guarani, ela se mantém como arquétipo completo e
fundamental ligado às fontes da vida, da fecundidade, do rejuvenescimento por causa da
troca de pele - e da imaginação. Tais valências simbólicas, aparentemente contraditórias, são,
porém, complementares e indispensáveis à realização da harmonia. A poesia, as artes, as
ciências médicas, principalmente estas últimas, por incluírem a serpente em seus símbolos
profissionais, encarregam-se de reabilitar sua simbologia mais positiva. (op. cit.)
Chama a atenção para a análise o fato de que, entre tantas formas de definir sua
experiência como político sem mandato, Fernando Collor teria escolhido a imagem da cobra
sem veneno para fazê-lo, numa associação que pode ser considerada pouco usual. A esse
respeito, Kövecses (2010, p. 289) afirma que, em discursos reais, frequentemente nos
deparamos com metáforas novas ou não convencionais, o que ele chama de ‘criatividade
metafórica’. Essa criatividade, segundo o autor, pode ocorrer devido à influência de aspectos
66
contextuais do discurso, como o contexto linguístico imediato, o que se sabe sobre as
entidades participantes do discurso, os cenários físico e social, além do contexto cultural.
Neste caso em particular, parece adequado dizer que a conceptualização metafórica do
político sem mandato por meio da imagem da cobra sem veneno pode ter sido influenciada
culturalmente, dada a criação e a educação de Fernando Collor, nascido no Rio de Janeiro,
mas descendente de tradicional família de Alagoas, região nordeste do país. Na cultura
nordestina, o hábito de conceptualizar o SER HUMANO por meio do domínio fonte dos
ANIMAIS é bastante comum, haja vista as denominações “cabra” e “cabra macho”, utilizadas
com frequência para identificar a força e a resistência do homem do povo no nordeste
brasileiro.
Ao estudar a influência cultural na variação metafórica, Kovecses (2005) sugere que as
metáforas baseadas em experiências cognitivas universais, em geral as denominadas
‘primárias’, como CAUSAS SÃO FORÇAS, pouco variam e podem, portanto, ser
consideradas universais. Entretanto, a variação metafórica também é importante, e a tendência
é que as metáforas complexas - como o exemplo aqui estudado Um político sem mandato é
como uma cobra sem veneno – sejam manifestações de como um conceito abstrato primário
nesse caso PODER É FORÇA - pode ser entendido em uma variedade de diferentes formas
interculturais Este pesquisador acredita que as culturas influenciam enormemente quais
metáforas conceptuais complexas emergem das metáforas primárias, portanto as
considerações culturais são mais importantes na análise das metáforas complexas.
Num posterior estudo sobre metáforas que contempla os domínios fonte mais comuns,
Kövecses (2010) afirma que o domínio fonte dos ANIMAIS é extremamente produtivo,
principalmente como forma de conceptualizar seres humanos, isto é, frequentemente pessoas
são caracterizadas em termos de propriedades de animais. Este estudioso também afirma que,
aparentemente, a grande maioria das metáforas relacionadas a animais referem-se a
características negativas dos seres humanos, apresentando o foco significativo das metáforas
conceptuais COMPORTAMENTO HUMANO É COMPORTAMENTO ANIMAL e
PESSOAS SÃO ANIMAIS como de objeção ou de ‘indesejabilidade’. (op. cit., p. 153)
Sobre essa colocação, parece que a escolha do termo cobra, principalmente ao ser
empregado por um político que procura construir uma imagem positiva de si mesmo como é
Fernando Collor, não contemple os aspectos negativos de sua personalidade, como uma
primeira interpretação pode fazer supor, mas refira-se à inutilidade de ser um político sem
67
mandato, comparativamente à inutilidade de ser uma cobra sem veneno. Vale lembrar
também que as cobras atacam, inoculando seu veneno no suposto inimigo, quando se
sentem ameaçadas, numa espécie de legítima defesa, uma característica desse animal que,
transposta para conceptualizar o político, pode desculpá-lo de qualquer atitude mais agressiva,
já que ele só ‘atacaria’ ao se sentir ameaçado.
Certamente as considerações anteriores referem-se preferencialmente ao processo
discursivo produtivo, pois não foi possível verificar com profundidade o processo
interpretativo de tais manifestações. Porém, expressões metafóricas como ‘cobra sem
veneno’, usadas com o propósito retórico de “defender uma ideia enfaticamente”, podem ser
objeto de potenciais ‘usurpações’ contra as intenções do locutor e ser usadas contra ele.
(KÖVECSES, 2010, p. 287)
A metáfora, referida na presente pesquisa como figura de identidade frágil
(MEYER, 2007), carrega em si muitos significados possíveis, característica que pode se
mostrar de grande utilidade na produção do discurso político, mas que também pode provocar
uma interpretação indesejada por parte do locutor. Talvez Fernando Collor não tenha avaliado
a probabilidade da sua opção em comparar-se metaforicamente a uma cobra ser mal
interpretada por seus interlocutores, mas esse detalhe não pode passar despercebido ao
analista do discurso. O termo cobra pode sim emprestar um significado negativo à
caracterização da identidade de Collor, como a maioria das caracterizações metafóricas com
domínio fonte em cobra - como animal venenoso, traiçoeiro - o fazem.
A metáfora discursiva constituiu um importante instrumento utilizado por Fernando
Collor na construção de uma identidade em que o conceito de FORÇA é a base, afirmação
observável por meio das metáforas conceptuais estabelecidas para as amostras pesquisadas.
Na propaganda de 1989 (ANEXO A) e no discurso de posse em 1990 (ANEXO B), ao
pleitear ou exercer cargos públicos, estabeleceram-se as metáforas conceptuais: POLÍTICA É
UM COMBATE SAGRADO e GOVERNAR É CONDUZIR POR UMA ESTRADA, em que
é possível identificar o Collor lutador e condutor, exercendo a FORÇA.
Quando Collor é afastado do poder, período representado nas amostras: “Crônica de
um Golpe” (ANEXO C) e a entrevista ao Programa Livre (ANEXO D), o político caracteriza-
se metaforicamente enfraquecido como vítima de algozes violentos, seus adversários. Ao final
desse período de exílio político, na entrevista à Istoé Gente (ANEXO E), pode-se ainda
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estabelecer a metáfora conceptual PERDA DE PODER POLÍTICO É PERDA DE FORÇA,
um indício de que o poder é a FORÇA perdida.
Do discurso de posse como Senador (ANEXO F), em 2007, em que Collor relembra
detalhadamente episódios do exílio, foram retirados os exemplos seguintes, cuja análise
permite apontar as metáforas conceptuais POLÍTICA É GUERRA, sobre o exercício da ação
política, e SOFRIMENTO É FERIMENTO FÍSICO, sobre a FORÇA que seus adversários
exercem sobre ele, como estruturas subjacentes que remetem ao esquema da FORÇA.
Observa-se que os termos combate e trégua, do exemplo 49, perseguição e cavalo de
batalha, do exemplo 50, e ataques, do exemplo 51, são expressões metafóricas que
conceptualizam o exercício da AÇÃO POLÍTICA por meio do domínio da GUERRA. os
termos marcas e martírio, do exemplo 49, mossas e cicatrizes, do exemplo 52, violência, do
exemplo 53, e imputações, mutilação e imposto, do exemplo 54, são seleções metafóricas que
definem SOFRIMENTO como FERIMENTO FÍSICO.
(49) Durante a semana destinada à votação e apuração das eleições de 3 de outubro, cessou temporariamente
o combate encetado pelas marcas deixadas pelos pleitos de 15 de novembro e 17 de dezembro de 1989.
Foi a única trégua em todo aquele martírio. (linhas 1337 a 1340)
(50) Isso aqui é uma perseguição, é uma ação deletéria, o Governo não vai fornecer qualquer tipo de
informação para que essa CPI se transforme em um cavalo-de-batalha contra o Governo. (linhas 858 a
860)
(51) Mais uma vez convocou-se o Congresso Nacional para reunir-se em caráter extraordinário, no período
de 25 a 31 do mesmo mês. O ato legítimo custou-me novos e virulentos ataques, incompatíveis com a
dignidade e a seriedade do ambiente em que foram proferidos,... (ANEXO F, linhas 1461 a 1464)
(52) (...) os episódios que aqui vou rememorar obrigaram-me a padecer calado e causaram mossas na minha
alma e cicatrizes no meu coração. (linhas 3-4)
(53) A violência cometida com a suspensão de meus direitos políticos... (linha 1756)
(54) ... de todas as imputações que suportei, restaram a mutilação de meu mandato e o ostracismo político
que me foi imposto. (linhas 1746 a 1748)
Nesse discurso, reproduzido no (ANEXO F), o locutor propõe passar a limpo toda a
sua trajetória até aquele momento para assumir seu mandato e recompor-se fisicamente’,
retomando sua carreira política. Os segmentos metafóricos ‘uma pessoa inteira’ (exemplo 55)
e virar definitivamente aquelas páginas doídas da minha vida pública’ (exemplo 56) dos
exemplos que seguem, anunciam a condição de mudança na construção da identidade, num
início de retomada de poder.
69
(55) Obrigado, enfim, a todos aqueles que se pronunciaram dando-me as boas-vindas e fazendo-me sentir,
finalmente, uma pessoa inteira,...(linhas 1805-6)
(56) Hoje, dia 15 de março de 2007, conforme V. Exas. Afirmaram, posso virar definitivamente aquelas
páginas doídas da minha vida pública... (linhas 2064-2065)
Todavia, construir identidades não é a única função metafórica a ser examinada neste
estudo. Considerou-se necessário conhecer ainda outras razões de se utilizarem metáforas em
nossa comunicação, principalmente no discurso político, em que, como afirmam Chilton e
Ilyin (1993) a metáfora desempenha um papel heurístico, ou cognitivo, de instrumento
conceitual que auxilia as pessoas a pensarem sobre situações novas, utilizando conceitos
conhecidos e/ou mais concretos. Outra questão de interesse é relacionar a escolha metafórica
do locutor, carregada da ideologia que ele valoriza, a seu propósito argumentativo, ou seja,
compreender como acontece sua opção por determinada metáfora como objeto persuasivo, o
que demanda um estudo mais apurado a respeito da metáfora inserido na Teoria da
Argumentação.
70
CAPÍTULO III
ARGUMENTAÇÃO
E
METÁFORA:
A TRÍPLICE PERSPECTIVA
71
3.1 Por que as pessoas falam metaforicamente?
Gibbs (1994, p.124) indica três hipóteses para explicar por que as pessoas falam
metaforicamente: as hipóteses de expressabilidade, compactividade e vivacidade. A hipótese
da expressabilidade propõe que a metáfora permite veicular ideias que não poderiam ser
facilmente expressas por meio da linguagem literal. A hipótese da compactividade sugere que
as metáforas possibilitam a comunicação de complexas configurações de informação de
maneira econômica. E, por fim, a hipótese da vivacidade veicula a ideia de que, utilizando
linguagem metafórica, os falantes podem expressar imagens mais ricas, detalhadas e vívidas
de sua experiência fenomenológica e subjetiva, do que se usassem linguagem literal.
Retome-se do exemplo 25, (página 56), a metáfora da “Caça aos marajás” (ANEXO
A), muito significativa na campanha de Collor, visto que foi até empregada como slogan de
campanha e, na variação “caçador de marajás”, identificava o perfil do candidato:
(25) ... foi para acabar com esta pouca vergonha... minha gente... que lutei TANto em Alagoas... e iniciei
uma cruzada que chegou ao Brasil inTEIro... a CAça aos maraJÁS...(linhas 10 a 13)
Com base na hipótese de expressabilidade de Gibbs, é possível dizer que a referida
metáfora consegue exprimir a variedade de pensamentos e características contidas no termo
‘caça’, que engloba perseguição e submissão, numa clara alusão à posição de superioridade
em que se coloca o locutor, que ele será o ‘caçador’ a dar cabo dos ‘marajás’. Este último
termo, ‘marajás’, é tomado mais pelo sentido negativo que acrescenta aos funcionários
públicos e, depois, durante a campanha, a todos os ‘corruptos’ a serem combatidos, pois
pretende realçar o fato de que eles trabalham pouco, principalmente em comparação ao
modelo de trabalhador empenhado que Collor constrói em sua fala, representado pelo
auditório a quem se dirige.
Pode-se ainda dizer que tamanha quantidade de informação foi transmitida de maneira
bastante compacta (hipótese da compactividade) e de forma muito mais rica (hipótese da
vivacidade), pois as imagens da figura do ‘caçador’ que persegue e subjuga o ‘marajá’, além
de remeterem a movimento e atitude, de certa forma embelezam o que é comunicado ao
auditório. O uso desta e de outras metáforas na prática discursiva de Fernando Collor
configura uma clara preferência do locutor, principalmente quando o objetivo é persuadir, por
usos de linguagem que privilegiam aspectos subjetivos e emocionais, em detrimento de outros
com apelo mais racional.
72
Num desdobramento da definição aristotélica de que a metáfora é uma forma de dar a
uma coisa um nome que pertence a outra, Chilton e Ilyin (1993, p.9) afirmam que as
metáforas são usadas para comunicar e fazer compreender situações problemáticas em termos
de situações mais familiares, ‘lubrificando’ um possível atrito nas interações entre os
indivíduos. O emprego da metáfora ajudaria a evitar referências diretas a assuntos mais
delicados, minimizando a responsabilidade do orador em relação a atos de fala mais
ameaçadores, uma característica de grande utilidade no discurso político, cujos temas são
frequentemente polêmicos.
Remetendo ainda ao uso da metáfora no discurso político, Chilton e Ilyin (op. cit.)
acrescentam que, do ponto de vista cognitivo, a metáfora pode ser um instrumento heurístico
para a exploração de novos conceitos políticos. Uma nova metáfora, como no caso da
denominação “caçador de marajás”, assumida por Fernando Collor durante sua campanha
para presidente, pode introduzir novas opções à imaginação e ao pensamento político,
sobrepondo-se a conceitos já existentes.
Esses autores estudaram expressões metafóricas extraídas do discurso político
europeu, tais como ‘cortina de ferro’, e explicam que, quando uma nova metáfora veiculada
pela mídia é tão significativa a ponto de atrair a atenção pública, os políticos tentam controlá-
la e interpretá-la, pois uma hábil manipulação desta metáfora pode levar à implantação da
nova ideia política que ela representa. Além disso, uma nova proposta política é expressa por
meios verbais e resulta em ações correspondentes a essas formulações e declarações, e é
provável que a metáfora presente nessas manifestações discursivas, além do heurístico,
também desempenhe um papel interacional. Segundo Chilton e Ilyin:
The first point is that at the stage at which a coherent policy discourse is
developed, it is likely that metaphor plays both a heuristic and an
interactional role. By ‘heuristic’ here is meant the cognitive function of
metaphor: metaphor as a conceptual instrument that enables people to think
about situations that are new, complex or remote. By ‘interactional’ here is
meant the function metaphor has as a means of, for instance, avoiding direct
reference, of creating common ground, or of maintaining contextual
continuity and cohesion. (1993, p. 10)
10
10
Tradução livre: O primeiro ponto é que, na fase em que é desenvolvido um discurso coerente sobre
uma política, é provável que a metáfora desempenhe um papel heurístico e interacional. Por
'heurística' aqui se entende a função cognitiva da metáfora: metáfora como um instrumento conceitual
que permite que as pessoas pensem sobre situações que são novas, complexas ou remotas.
‘Interacional’ aqui significa a função que a metáfora tem como meio de, por exemplo, evitar referência
direta, criar terreno comum, ou manter a continuidade e a coesão contextuais.
73
O fato de Fernando Collor ter se apropriado da metáfora “caçador de marajás”,
denominação que surgiu na mídia no início de seu mandato como governador em Alagoas, em
1987, por motivo de se recusar a pagar salários que considerava exagerados a funcionários
públicos de Maceió, pode ser um bom exemplo das funções heurística e interacional que uma
metáfora desempenha na promoção de um novo conceito político. Como ela atraiu a atenção
pública, durante a campanha à presidência em 1989, Fernando Collor tratou de reforçar a
ideia de combate à corrupção que a denominação metafórica continha, combinando-a com a
imagem de um candidato jovem e ousado. Além disso, por meio da manipulação dessa
metáfora, implantou a ideia que ela representava, certamente com o objetivo retórico de
persuadir seus interlocutores.
Completando a metodologia sugerida por Fairclough (1997, p. 83) de descrição
linguística, que apontou utilizações metafóricas relevantes no corpus selecionado, de
interpretação da função cognitiva da metáfora e das relações ideológico-culturais dos
processos produtivos do discurso de Fernando Collor, para sugerir uma explicação de como
esse discurso afetou práticas sociais, o presente capítulo acresce às duas perspectivas
abordadas nos capítulos anteriores, a saber: a cognitiva e a ideológico-cultural, a observação
da argumentatividade contida na metáfora, ou seja, da ocorrência da metáfora discursiva com
o propósito retórico da persuasão. Compor essa tríplice perspectiva de observação, acredita-
se, ajudará a conhecer melhor as razões das escolhas metafóricas desse interlocutor,
contribuindo para uma melhor compreensão de seu discurso.
Cognitiva
Ideológico-cultural
Argumentativa
Quadro 3. Esquema da Tríplice perspectiva de observação da metáfora
11
Como sugere Guimarães (1997, p. 151), a linguagem figurada, e por consequência a
linguagem metafórica, pode também ser observada em estudos sobre argumentação, pois
constitui forma de expressão que atrai a atenção do leitor ou ouvinte, devido ao efeito de
concretude que provoca neles, concorrendo para conquistar sua adesão. Esta estudiosa, ao
11
Sugestão de Palma, a partir da proposta deste trabalho.
Tríplice
Perspectiva de
Observação da
Metáfora
74
considerar a ocorrência de figuras de retórica e argumentação, afirma que é possível
relacionar os efeitos delas a fatores gerais de persuasão, e que sua análise está, por isso
mesmo, subordinada a uma análise prévia da argumentação, o que será feito a seguir.
3.2 A Teoria da Argumentação: Metáfora como estratégia argumentativa
Guimarães (1997) afirma que, atualmente, consideram-se os termos argumentação e
retórica como quase sinônimos, concepção também adotada para o presente estudo. No
passado, a retórica aristotélica consistia na arte de falar em público de forma persuasiva para
conquistar a adesão dos ouvintes, um objetivo que é o mesmo de qualquer processo
argumentativo, seja ele oral ou escrito. Houve, porém, um período em que a retórica foi
desacreditada, por se limitar ao estudo das figuras de estilo, processo que foi revertido com o
surgimento da pragmática, quando o discurso e a argumentação tornaram-se objetos de
destaque nos estudos linguísticos.
São os estudos precursores de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005 [1958]), entre
outros mais recentes como os de Plantin (2008 [2005]) e Reboul (1998 [1991]), referidos a
seguir, que promovem a aproximação entre a retórica aristotélica e a teoria da argumentação,
considerando-a ato linguístico de persuasão e buscando caracterizar as diversas estruturas
argumentativas.
A respeito desse renascimento, dessa refundação dos estudos sobre a argumentação
como uma “Nova Retórica”, o subtítulo da obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005
[1958]), e tema também de uma publicação contemporânea a essa - de Toulmin (1958) sobre
a utilização dos argumentos - Plantin (2008 [2005], p. 8) afirma que a construção de um
pensamento autônomo da argumentação dessa época foi, sem dúvida, estimulada pela vontade
de encontrar uma noção de “discurso sensato”, no sentido de democrático, racional, em
oposição aos discursos fanáticos dos totalitarismos. Esse autor também diz que toda utilização
estratégica de um sistema significante pode ser legitimamente considerada uma retórica,
portanto, existem uma retórica do verbal, do não-verbal, do consciente e do inconsciente.
Porém, a argumentação retórica é especificamente definida por ser referencial, isto é, formular
o problema dos objetos, dos fatos; probatória, isto é, oferecer, ao menos, a melhor prova;
polifônica e ter como objeto a intervenção institucional planejada.
75
Quanto às questões da argumentação por meio de estratégias que privilegiam as
emoções e a afetividade, o autor reconhece que, em oposição ao campo da argumentação
pura, segundo a qual o discurso argumentativo deveria ser impassível e impessoal, rejeitando
os afetos e o comprometimento da pessoa com o próprio discurso, estudos contemporâneos
sobre emoções tendem a mostrar que uma relação complexa e não tão facilmente
dissociável entre razão e emoção. Para esse estudioso, a análise argumentativa ainda tem que
encontrar meios de abordar de modo integral a questão da afetividade, num modelo de
construção discursiva de conteúdo tanto lógico quanto patêmico.
Um outro autor que estuda o discurso persuasivo, Reboul (1998 [1991], p. 227),
afirma que “retórica é a união íntima entre estilo e argumentação”, combinando as definições
de Perelman e Tyteca (2005 [1958]), que veem a retórica como arte de argumentar,
convencer; e a de Morier (1981), Genette (1969) e Cohen (1966), que consideram a retórica
um estudo do estilo, das figuras, daquilo que torna literário um texto. Reboul ressalta a
importância desse elemento comum a estas duas posições, a articulação dos argumentos e do
estilo numa mesma função, definindo retórica como “arte de persuadir pelo discurso”.
Quando Reboul investiga de que maneira um discurso se torna persuasivo, distingue
meios de ordem mais racional e outros de ordem mais afetiva, alegando que, em retórica,
razão e sentimentos são inseparáveis. Ele cita os argumentos que se integram no raciocínio
silogístico e os que se fundamentam em exemplos como meios de competência da razão, além
de relacionar à afetividade o ethos, caráter que o orador deve assumir para chamar a atenção e
conquistar a confiança do auditório, e o pathos, os desejos e as emoções do auditório, de que
o orador poderá tirar partido para impressionar seus interlocutores. (1998 [1991], p. XVII)
Reboul (op. cit.) afirma que a função persuasiva do discurso comporta dois aspectos, o
argumentativo e o oratório, neste último, incluindo os gestos, o tom e as inflexões de voz do
orador. Indica que figuras de estilo como a metáfora e a hipérbole podem ser tanto
consideradas oratórias, por agradarem ou comoverem, como argumentativas, por expressarem
com mais contundência um argumento ao condensá-lo. (p.XVIII) Para este autor, a figura
seria uma licença estilística que o orador usa para facilitar a aceitação do argumento, para
falar distintamente e com vivacidade.
Esse mesmo autor ainda relaciona as funções hermenêutica, heurística e pedagógica da
retórica, enfatizando sua importância na arte de compreender o sentido das palavras, de
descobrir o verossímil e de aprender a bem dizer. Reboul (op. cit.) admite ser a arte necessária
76
à expressão, pois, sem ela, seria difícil inspirar confiança ou ser compreendido; entretanto,
aconselha a não confundir arte com artifício, pois um discurso que parece artificial é ineficaz,
não consegue persuadir. Talvez resida aqui a ineficiência do discurso de Fernando Collor nos
períodos em que se afastou do poder, pois a criação de uma identidade de injustiçado e vítima
da violência de seus adversários soou artificial a seus interlocutores, não propiciando que
atingisse seu propósito argumentativo.
A inserção dos estudos sobre a metáfora na construção do discurso persuasivo também
pode ocorrer quando se observa a definição, já tão conhecida, proposta por Perelman e
Olbrechts-Tyteca sobre a Teoria da Argumentação, que “estuda as técnicas discursivas que
permitem provocar ou aumentar a adesão das mentes às teses que se apresentam ao seu
assentimento” (2005 [1958], p.4). Tais autores consideram central, na arte de persuadir, o
papel do gênero epidítico, denominação proposta por Aristóteles aos discursos de louvor ou
censura, persuasivo por criar consenso e comunhão em torno de alguns valores e desencadear
emoções que levem à adesão a esses valores e, consequentemente, à ação, num claro processo
de interação social. Para Perelman e Olbrechts-Tyteca, a razão nem sempre é suficiente para
persuadir. Eles afirmam que:
(...) quem visa a uma ação precisa, que se desencadeará no momento
oportuno, deverá, ao contrário, excitar as paixões, emocionar seus ouvintes,
de modo que se determine uma adesão suficientemente intensa, capaz de
vencer ao mesmo tempo a inevitável inércia e as forças que atuam num
sentido diferente do desejado pelo orador. (op. cit. p.52)
Ao analisarem-se as amostras do corpus, pode-se observar que Fernando Collor
utiliza-se tanto de estratégias argumentativas que apelam à razão, como daquelas que
pretendem convencer pela emoção. Entretanto, a esta pesquisa interessa estudar a utilização
que Collor faz de linguagem metafórica enquanto estratégia argumentativa que pretende
persuadir mais por emocionar do que por raciocinar junto a seu auditório.
Ao caracterizar, como nos exemplos retomados das ginas 56 e 33 que seguem, sua
ação política como luta, cruzada e caça aos marajás (exemplo 25), e colocar-se como
parceiro/condutor do povo brasileiro no caminho do desenvolvimento com os termos
metafóricos transição, rumos e trilha (exemplos 3, 4 e 5), o político envolve seu auditório
num clima emocional pela utilização imagens ricas e detalhadas de experiências concretas.
(25) ... foi para acabar com esta pouca vergonha... minha gente... que lutei TANto em Alagoas... e iniciei
uma cruzada que chegou ao Brasil inTEIro... a CAça aos maraJÁS...(linhas 10 a 13)
(3) A transição democrática se completa neste instante...(linha 2)
77
(4) Temos compromissos com a justiça social, temos compromissos com o desenvolvimento, com a
liberdade e com o progresso que haverá de nortear os rumos deste País, a partir deste 15 de março.
(linhas 4 a 6)
(5) ... para que nós encontremos, definitivamente, a trilha do crescimento econômico e da justiça social!
(linhas 32 e 33)
Perelman e Olbrechts-Tyteca (op. cit.) apontam para a importância argumentativa da
metáfora pelo fato de a considerarem uma analogia condensada, sendo que esta desempenha o
papel de estruturar e situar um tema num âmbito conceitual. Estes estudiosos salientam que o
valor argumentativo da metáfora vem-lhe da analogia que lhe subjaz e ela esconde. O poder
persuasivo da metáfora estaria no envolvimento que ela suscita entre locutor e auditório por
acionar, em sua produção e recepção, modelos mentais aparentemente comuns entre ambos, o
que os aproxima por meio da emoção. O segmento seguinte ilustra bem estas afirmações:
(57) ...com o dinheiro que se desperdiça HOje com os marajás nós vamos ISSO SIM... pagar melhores
salários ao funcionário público que REalmente trabalha...(linhas 21 a 23)
O fato de caracterizar metaforicamente seus oponentes como marajás, ou seja,
príncipes que não trabalham, justifica o fato de combatê-los, pois seu salário é um desperdício
que poderia servir para pagar melhor quem realmente trabalha. Neste caso, a escolha
metafórica constitui uma estratégia sutil de argumentação, que envolve o interlocutor mais
pelo que oculta do que pelo que revela. Em períodos mais recentes, entretanto, depois da
retomada do poder ao assumir o cargo de senador, Fernando Collor prioriza uma seleção
linguística menos sutil, como acontece com o exemplo abaixo, segmento extraído do ANEXO
G:
(58) ...(e) a minha mão peSAda vai cair em cima deles:... ((aplausos)) e eles vão deixar::... e eles vão
deixar::... vão deixar:: a sociedade alagoana em paz...
O segmento faz parte do discurso de lançamento da candidatura de Fernando Collor ao
governo de Alagoas, ocorrido em 30 de junho de 2010, em Maceió. Sentindo-se fortalecido
por quase quatro anos como senador, Fernando Collor pronuncia, nesta ocasião, um discurso
em que recupera elementos metafóricos relativos ao exercício da FORÇA. Versões dessa
manifestação foram divulgadas nos mais variados meios de comunicação, entre eles a revista
Veja, edição 2172 – ano 43 – nº. 27 de 7 de julho de 2010, que a publicou, na seção Panorama
Veja Essa, p. 60. Embora a análise efetuada a seguir refira-se à transcrição do audiovisual,
conforme o exemplo 58, a reprodução da imagem publicada em Veja vem a seguir, a título de
ilustração:
78
(ANEXO G)
Como é costume nos discursos de campanha, como esse, no segmento uma
promessa vinculada à recuperação de poder que remete à metáfora conceptual CONTROLAR
É SEGURAR (ALGO NAS MÃOS), que também foi determinada como subjacente ao
relato “Crônica de um golpe”, ANEXO C. Naquela ocasião, o poder estava ‘escapando das
mãos’ do locutor, enquanto, no exemplo 58, a situação se inverte, pois a afirmação de que
a ‘mão de Collor’, expressão metafórica com base metonímica que toma parte do corpo de
Collor, a mão, para significar a totalidade de sua pessoa, vai cair sobre seus adversários, caso
ele se eleja governador.
A expressão a minha mão pesada, em que um ‘peso’ é atribuído à mão, antecipa ainda
que essa mão controladora, ao recuperar o poder, imprimirá FORÇA ao atingir os
perseguidos, o que parece ser, como também anuncia a revista Veja, uma retomada do estilo
que valoriza o exercício da FORÇA nas manifestações discursivas de Fernando Collor. Na
verdade, a considerar os estudos efetuados nesta pesquisa, é possível constatar que Fernando
Collor nunca abandona o esquema da FORÇA em seu discurso, ele apenas muda a direção
dessa força, que ele aplica ao exercer o poder, e com a qual é atingido, quando o poder lhe
escapa das mãos. Para ele, PODER É FORÇA.
A metáfora PODER É FORÇA pode ser considerada uma chave conceptual, conforme
nomenclatura proposta por Charteris-Black (2004, p.244) e descrita anteriormente na
página 38 desta pesquisa, por seu grau maior de abstração, que estaria subjacente a metáforas
conceptuais como POLÍTICA É UM COMBATE SAGRADO, GOVERNAR É CONDUZIR
POR UMA ESTRADA, CONTROLAR É SEGURAR (ALGO NAS MÃOS), PERDA DE
PODER POLÍTICO É PERDA DE FORÇA, POLÍTICA É GUERRA, já estabelecidas para as
diversas amostras do corpus estudadas. Segue uma possível representação esquemática dessa
afirmação:
79
CHAVE CONCEPTUAL
METÁFORAS CONCEPTUAIS
METÁFORA
Quadro 4 . Modelo hierárquico-cognitivo de metáforas presentes no discurso de Fernando
Collor
As escolhas metafóricas de Fernando Collor permitiram chegar à chave conceptual
PODER É FORÇA porque foram observadas em relação a seus aspectos cognitivos, culturais
e argumentativos. Considera-se que tais escolhas revelam seu processo cognitivo, suas
influências culturais e ideológicas, e indicam que, para Collor, o exercício da ação política
envolve FORÇA, seja ela favorável ou contrária a ele. Além disso, porque ele crê que essa
escolha seja também valorizada por seus interlocutores, utiliza-a como elemento persuasivo.
Autores como Lakoff e Johnson (2002[1980], p. 238-239) também confirmam o poder
argumentativo da metáfora ao dizer que ela é capaz de provocar uma resposta imediata,
“guiando nossas futuras ações, de acordo com ela.” Ainda para estes autores, as metáforas
podem funcionar como eficientes estratégias argumentativas, porque elas “sancionam ações,
justificam inferências e ajudam a estabelecer metas.”
Charteris-Black (2004) diz que a metáfora, como transmissora de significados
expressivos, não pode ser ignorada em seu papel de formadora de opiniões, constituindo,
fundamentalmente, um ato discursivo de persuasão, porque convida a uma percepção
partilhada que transcende o sistema semântico. Este autor comenta que, com o surgimento das
PODER É FORÇA
POLÍTICA É UM COMBATE SAGRADO
CONTROLAR É SEGURAR (ALGO NAS MÃOS)
PERDA DE PODER POLÍTICO É PERDA DE FORÇA
a minha mão peSAda vai
cair em cima deles:...
80
abordagens semântico-cognitivas da metáfora e o crescimento da Análise Crítica do Discurso,
estudiosos como Chew (2000), Musolf (1998) e Chilton e Ilyin (1993), entre outros,
realizaram inúmeros estudos sobre o uso de metáforas em diferentes tipos de discurso
político, relacionando, cada um na medida de seus interesses, as características linguísticas da
metáfora com temas como racismo, nacionalismo ou ética. O que essas pesquisas têm em
comum é que as metáforas são vistas como importantes meios de conceptualizar temas
políticos e construir visões de mundo.
Preocupado também com a questão da escolha metafórica, Charteris-Black (2004)
afirma que o objetivo retórico da persuasão é fator importante para que o locutor opte por esta
ou aquela realização discursiva e que, portanto, em muitos casos, a escolha metafórica é
motivada pela ideologia, uma dimensão da metáfora revelada pela Análise Crítica do
Discurso.
Esse autor diz que um mesmo tema poderia ser comunicado por meio de diferentes
metáforas, conforme a ideologia subjacente a ele, além do que, de acordo com a perspectiva
ideológica, também é possível empregar as mesmas metáforas de modo diferente. Charteris-
Black (op. cit.) cita o exemplo do discurso político, em que não é obrigatório usar metáforas
de conflito e, se isso ocorre, tais metáforas tanto podem ser usadas para atacar o ponto de vista
do oponente, como para representá-lo como agressor. Por essas razões, o autor afirma que o
emprego de diferentes aspectos do domínio fonte corresponde a diferentes perspectivas
ideológicas.
Este estudioso reivindica que uma teoria completa da metáfora deve incorporar às
abordagens linguísticas e semânticas tradicionais, uma perspectiva pragmática, que
interprete a escolha metafórica com referência aos propósitos de uso dentro de contextos
discursivos específicos, apontando que escolhas metafóricas podem ser orientadas por
considerações cognitivas, semânticas e pragmáticas, além de ideológicas, culturais e
históricas. Ele acrescenta que:
There is nothing, then, deterministic about metaphor use – as cognitive
linguistics implies. The communicative purpose (or speaker intention) within
a particular context of use will activate the affective potential of metaphor by
exploiting different aspects of its individual and/or social motivation. (…)
Once metaphor choice is seen as a conscious selection of one linguistic form
to make a discourse persuasive, we can explain this choice with reference to
both social and individual considerations. A certain combination of these is
81
likely to be effective in persuading by arousing particular emotions. (p.
249)
12
Pode-se dizer, então, que, ao se considerar este aspecto da produção do discurso
metafórico orientada por considerações individuais e sociais, existe a possibilidade de
estabelecer uma relação particular entre discurso e ideologia ao analisar as manifestações
discursivas de Fernando Collor. Neste sentido, reconhece-se que suas escolhas metafóricas
discursivas não são aleatórias, têm objetivo argumentativo, e as metáforas conceptuais
subjacentes a elas refletem seu sistema cognitivo e suas raízes culturais, possibilitanto que,
num nível maior de abstração, a ‘chave conceptual’ PODER É FORÇA, resuma a ideologia
que as governa.
12
Tradução livre: Não nada, então, determinista sobre o uso da metáfora como a entender a
linguística cognitiva. O propósito comunicativo (ou intenção do locutor) dentro de um contexto
particular de uso ativará o potencial afetivo da metáfora explorando diferentes aspectos de sua
motivação individual e/ou social. (...) Uma vez que a escolha metafórica é vista como uma escolha
consciente de uma forma linguística para tornar um discurso persuasivo, podemos explicar esta
escolha com referência tanto a considerações sociais como individuais. Uma combinação destas duas é
provavelmente efetiva ao persuadir por despertar emoções particulares.
82
CONCLUSÃO
83
Este trabalho teve por proposta estudar as metáforas presentes no discurso de
Fernando Collor de Mello com o intuito de compreender a organização de seu processo
cognitivo, conhecer suas motivações culturais e ideológicas e detectar a natureza da relação
de poder estabelecida entre esse locutor e seu auditório, tendo em vista o caráter persuasivo
das manifestações tomadas do discurso político. Para atingir tais objetivos, efetuou-se uma
análise que se nomeia crítica, por descrever as metáforas discursivas utilizadas por tal locutor,
interpretá-las ao encontrar as metáforas conceptuais subjacentes a elas e explicar de que
maneira esse processo discursivo refletiu e produziu uma realidade.
Para contemplar de forma integrada essa multiplicidade de aspectos da linguagem
metafórica empregada por Collor, foi proposta uma Tríplice Perspectiva de Observação da
Metáfora (cognitiva, ideológico-cultural e argumentativa), a partir da qual pôde-se constatar
que, de maneira simbólica e apaixonada, esse locutor tem apelado ao imaginário e à emoção
de seus interlocutores, por meio de seu discurso permeado de linguagem metafórica.
As escolhas linguístico-metafóricas que Fernando Collor faz para representar
conceptualmente sua realidade, construindo sua identidade e expressando suas ideias em
relação à política, refletem suas experiências cognitivas, culturais e sociais e representam
conceitos que ele valoriza e que acredita serem valorizados por seus interlocutores. No
conjunto das manifestações discursivas que compõem o corpus, amostras que representam a
alternância de sua posição em relação ao poder, ora exercendo-o, ora tentando recuperá-lo, as
metáforas discursivas analisadas foram tomadas como desdobramentos de conceitos
estruturadores - as metáforas conceptuais - indicadores de como funciona o processo
cognitivo de Fernando Collor e de quais são suas influências culturais e ideológicas.
Assim, os conceitos estruturadores a que se chegou pela análise da metáfora discursiva
no discurso desse político e que estão representados pelas metáforas conceptuais POLÍTICA
É UM COMBATE SAGRADO, GOVERNAR É CONDUZIR POR UMA ESTRADA,
CONTROLAR É SEGURAR (ALGO NAS MÃOS), PERDA DE PODER POLÍTICO É
PERDA DE FORÇA, POLÍTICA É GUERRA, SOFRIMENTO É FERIMENTO FÍSICO
remetem ao chamado ‘esquema de FORÇA’, apontado por muitos estudiosos, entre eles
Kövecses (2003), como um dos esquemas imagéticos básicos que estruturam o sistema
conceptual humano.
A retomada da definição de metáfora como modelo cognitivo em que um domínio
fonte mais concreto é utilizado para conceptualizar um domínio fonte mais abstrato permitiu
84
constatar que Fernando Collor, ao escolher realizações linguístico-metafóricas às quais
subjazem conceitos como COMBATE, SEGURAR (ALGO NAS MÃOS), PERDA DE
FORÇA, GUERRA e FERIMENTO FÍSICO, todos envolvendo o exercício ou a perda de
FORÇA, para metaforizar POLÍTICA e PODER, priorizou o domínio da FORÇA, entre
tantos outros que poderia escolher, e revelou sua ideologia. A observação, num grau mais
elevado de abstração em relação à metáfora discursiva, permitiu ainda chegar à chave
conceptual PODER É FORÇA, um conceito que permeia todo o discurso de Fernando Collor,
que aplica FORÇA ao exercer o PODER e é atingido por ela quando lhe arrancam o PODER
à FORÇA.
O esquema imagético da FORÇA, fundamental na estruturação do sistema conceptual
e na transmissão de ideologia, mostrou-se também significativo nas análises realizadas tendo
em vista a questão cultural. De fato, na região nordeste, local de origem e atuação política da
família Collor de Mello, tradicionalmente valoriza-se a FORÇA como qualidade humana
positiva, especialmente quando se trata de um homem público, um político. Assim, é de se
esperar que seu eleitorado se identificasse com esse valor, indiscutível para o povo dessa
região.
Quanto à perspectiva argumentativa, é também possível afirmar, conforme propõe
Charteris-Black (2004), que a seleção metafórica utilizada pelo interlocutor foi ainda
motivada pelo propósito retórico da persuasão e, portanto, pela ideologia, neste caso de que
PODER É FORÇA, pois convida a uma percepção partilhada dessa concepção, construindo
uma visão de mundo em que o interlocutor é co-participante. No discurso político, planejado e
produzido com objetivo persuasivo, é vital a aquiescência do interlocutor; portanto, é preciso
utilizar-se de elementos linguísticos que se creia serem também valorizados pelo auditório,
para que ocorra a persuasão, a adesão às ideias propostas.
Ao analisar a relação que Fernando Collor de Mello tem com a política e o poder,
dadas as amostras, tanto de discurso falado como escrito do corpus que se investiga, foi
possível observar o quanto o estudo sobre as metáforas discursivas pode contribuir para o
aprofundamento de questões sobre cognição, influência cultural, transmissão de ideologia e
habilidade argumentativa. Destaque-se ainda que proceder à análise a partir da interface entre
estes campos revelou-se prática significativa para a compreensão do discurso político.
85
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
86
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