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MESTRADO PROFISSIONAL EM PODER JUDICIÁRIO
FGV DIREITO RIO
RICARDO LUIZ NICOLI
AUDIÊNCIA ÚNICA E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NOS JUIZADOS
ESPECIAIS CÍVEIS
Rio de Janeiro
2010
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RICARDO LUIZ NICOLI
AUDIÊNCIA ÚNICA E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NOS JUIZADOS
ESPECIAIS CÍVEIS
Dissertação para cumprimento de requisito à
obtenção de título no Mestrado Profissional
em Poder Judiciário da FGV Direito Rio. Área
de concentração: jurisdicional de fim.
Orientadora: Professora Doutora Leslie Shérida Ferraz
Rio de Janeiro
2010
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NICOLI, Ricardo Luiz. Orientadora: Profa. Dra. Leslie Shérida Ferraz.
Audiência única e a duração razoável do processo nos juizados especiais cíveis. v. 1, 144 pg.
Rio de Janeiro, 2010.
4
Dedico este trabalho aos meus pais Nilson e Elba,
à minha mulher Edilma e às minhas filhas Ana
Laura e Mariana.
5
Agradecimentos
virou lugar comum dizer que não se consegue realizar um trabalho acadêmico
sem a ajuda de outras pessoas. E estou repetindo esse chavão porque ele é uma verdade
insofismável. Por isso, penso que esse espaço é muito reduzido para agradecer a todos aqueles
que contribuíram para a conclusão dessa dissertação. A minha lista, certamente, não é
exaustiva, pois seria impossível nomear todos aqueles que de alguma forma colaboraram.
Gostaria de começar agradecendo ao Tribunal de Justiça do Estado de Goiás que
me permitiu investir tempo na minha formação jurídica e profissional.
Agradeço à Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro -
FGV DIREITO RIO -, pela oportunidade de estudo e pela experiência de vida proporcionada.
À professora Leslie Shérida Ferraz, minha orientadora, que tão generosamente me
acolheu como seu orientando quando a “luz no fim do túnel” parecia estar se apagando.
Ao professor José Ricardo Cunha, que além das inesquecíveis aulas de ética,
possibilitou o meu retorno ao curso após o indeferimento do meu primeiro pedido de licença
pelo Tribunal de Justiça.
Ao professor Sérgio Guerra, notável mestre, por me ampliar os horizontes no
estudo do direito, pelo incentivo e a possibilidade de publicar meu primeiro artigo. Também
minha admiração e respeito pela condução competente e profissional da pós-graduação da
FGV DIREITO RIO.
Sou grato aos professores que contribuíram para a minha formação na pós-
graduação, em particular, aos professores: Andréa Diniz, Antônio Carlos Porto Gonçalves,
Armando Cunha, Carlos Affonso Pereira de Sousa, Delane Botelho, Guilherme Leite
Gonçalves, Leandro Molhano Ribeiro, Leslie Shérida Ferraz, Maria Elisa Bastos Macieira,
Mauriti Maranhão, Paulo Roberto Motta, Roberto Bevilacqua e Yann Duzert, pelos
ensinamentos recebidos.
Agradeço com especial carinho à equipe do Centro de Justiça e Sociedade,
começando pelo professor supervisor Luiz Roberto Ayoub, o grande líder Carlos Alexandre
Machado Melman (a quem eu ainda estou esperando para aquele passeio de bicicleta no
Leme), Fernanda Fustagno de Abreu, Patrícia Lemos Quintanilha e Aline Santiago Santos.
Obrigado pelo carinho, dedicação e compreensão com as dificuldades de um mestrando de
Goiás na Cidade Maravilhosa.
Aos amigos Ivanyr, Carmem e Fernando, pela acolhida e apoio logístico e por
tornar mais fácil e agradável a nossa vida no Rio de Janeiro. À Manu, Beatriz, Luiza, tia
Vânia e tio Cezar, nossa nova família carioca.
Aos professores que aceitaram participar da banca de defesa, professores doutores
Leandro Molhano, que me acompanha desde o exame de qualificação e Nivaldo dos Santos,
que gentilmente atendeu ao convite, além, é claro, da minha orientadora, professora doutora
Leslie Shérida Ferraz, já mencionada.
Aos meus colegas de mestrado, turma 2007 e 2008, com os quais tive o privilégio
de obter conhecimento e fecundos diálogos e discussões sobre o Poder Judiciário, em especial
a Mariana Picanço e a Márcia Leal, que se mostraram as amigas “certas das horas incertas,”
dentro e fora da sala de aula. Obrigado pela amizade. Estou esperando vocês na terra do
pequi.
Aos meus colegas de magistratura, pela amizade, contribuição e incentivo. A
dedicação e abnegação de vocês em prol da sociedade me fazem sentir orgulho de pertencer
ao Poder Judiciário goiano.
À minha família, minha referência e razão de tudo. Aos meus pais Nilson e Elba,
que com sacrifício e muito amor, dedicaram suas vidas para os filhos, estando sempre por
6
perto dando apoio às nossas decisões. Vocês me ensinaram que sem valores morais e sociais
eu não chegaria a lugar nenhum. Aos meus irmãos Abelardo, Nilson e Luis Gustavo, que
desde o primeiro vestibular me incentivaram, vibraram e estiveram ao meu lado em cada
realização. Agora vou deixar de escrever a dissertação. Estou voltando para a vida, aguardem-
me! Às minhas cunhadas e sobrinhos pelo apoio recebido. De maneira especial à Edilma,
minha mulher, pelo incentivo na realização dos meus objetivos. Sem a sua dedicação integral
à nossa família, assumindo, por vezes, sozinha as responsabilidades por nossas filhas. Sem
seu amor e compreensão nos momentos de angústia, nada disso teria sido possível, ou teria
sido muito mais difícil. Obrigado ainda pelas leituras dos textos, críticas, sugestões e pela
companhia e ternura durante meus estudos pelas madrugadas adentro. À minhas filhas Ana
Laura e Mariana, exemplo divino do quanto a vida é ainda mais bela. Agradeço todos os dias
a Deus por todos vocês estarem vivendo este momento comigo.
Agradeço, por fim, e antes de todos, a Deus e ao Divino Pai Eterno, pela minha
vida e proteção.
7
RESUMO
Esta dissertação pretende demonstrar que os Juizados Especiais Cíveis Estaduais, regulados
pela Lei 9.099/95, orientados pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade,
economia processual e celeridade, que foram criados em decorrência da necessidade de
viabilizar um maior acesso à justiça, principalmente da população mais carente, com redução
de custos e simplificação de procedimentos que possibilitassem os julgamentos dentro de um
prazo razoável, na realidade da práxis forense, estão sendo desvirtuado dos seus objetivos.
Neste sentido, o estudo apresenta números comprovando que os Juizados Especiais
cumpriram seu desiderato de proporcionar o acesso ao judiciário, mas que passaram a padecer
do mesmo problema da justiça comum: a morosidade na entrega da prestação jurisdicional.
Além da incompatibilidade de estrutura com a atual demanda que obviamente vai ensejar
lentidão nos Juizados, o estudo apresenta como motivo para esse quadro a conduta dos juizes,
responsáveis pela administração do processo, que reproduzem nos Juizados o formalismo e a
burocracia inerente ao processo civil comum, ao instituir, em evidente descompasso com a lei
e seus princípios, um procedimento com duas audiências, sendo uma para conciliação e outra,
nos casos em que não é obtido acordo, para instrução e julgamento, em dias distintos,
aumentando o tempo de duração dos processos. O estudo conclui que a utilização de
audiência única, além de ser uma determinação legal e estar em sintonia com seus princípios,
proporciona celeridade nos julgamentos, diminuindo o custo e o tempo de espera dos
litigantes, obstáculos do acesso à justiça que a Lei nº 9.099/95 procurou remover.
Palavras-chave: Juizado Especial Cível. Juizado. Acesso à justiça. Celeridade. Audiência
única. Audiência. Conciliação. Instrução e julgamento. Tempo razoável do processo.
Tempestividade.
8
ABSTRACT
This dissertation intends to show that the State Civil Small Claims Courts, regulated by the
Law 9.099/95, guided by the principles of orality, simplicity, informality, procedural
economy and celerity, which were created because of the need to make a greatest access to
justice viable, mainly among the poorest, with the reduction of costs and simplification of
procedures that could make the judgements within a reasonable period possible, in the
forensic custom reality, are being misconstrued from their purposes. In this sense, the study
shows numbers that confirm that the Small Claims Courts accomplished their aim to provide
the access to the judiciary, but started to suffer from the same problem of ordinary justice:
slowness in the delay of jurisdictional execution. Besides the structure incompatibility with
the current demand that will obviously cause slowness in the Small Claims Courts, the study
shows the reason for this way of acting of the judges, responsible for the administration of the
process, that reproduce in the Small Claims Courts the formality and the inherent bureaucracy
of regular Civil law, when it establishes, in evident lack of measure with the law in its
principles, a procedure with two formal audiences, one for conciliation, another when an
agreement is not reached, for instruction and judgement, in separated days, increasing the
time of process duration. The study concludes that the use of a single formal audience,
besides being a legal determination, is also in syntony with its principles, and provides
celerity in the judgements, reducing the cost and the waiting time of the litigants, obstacles to
the access to justice which the law 9.099/95 tried to remove.
Key words: Civil Small Claims Court. Small Claims Court. Access to justice. Celerity.
Single formal audience. Formal audience. Agreement. Instruction and judgement. Reasonable
process lasting. Seasonable.
9
LISTA DE TABELAS
Tabela nº 1 - Casos Novos por Estados: Juizados Especiais Estaduais e Justiça Comum
Estadual - 2008..........................................................................................................................91
Tabela nº 2 - Indicadores dos Juizados Especiais Estaduais - 1º grau......................................93
Tabela nº 3 - Indicadores da Justiça Comum Estadual - 1º grau...............................................93
Tabela nº 4 - Prazos nos Juizados Especiais Cíveis - números totais.......................................95
LISTA DE FIGURAS
Figura nº 1 - Fluxograma do modelo de audiência única com conciliador e juiz...................118
Figura nº 2 - Fluxograma do modelo de audiência única sem o conciliador..........................119
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................11
1 - Limitação do tema..............................................................................................................11
2 – Plano de trabalho e metodologia........................................................................................15
1. ACESSO À JUSTIÇA........................................................................................................17
1.1. Notas introdutórias............................................................................................................17
1.2. As repercussões das ondas de Cappelletti no direito processual brasileiro.......................24
1.2.1. A primeira onda: assistência jurídica gratuita aos necessitados.........................25
1.2.2. A segunda onda: representação dos interesses difusos.......................................27
1.2.3. A terceira onda: uma concepção mais ampla, um novo enfoque de acesso à
justiça............................................................................................................................31
1.3. Acesso à justiça: direito e garantia....................................................................................33
1.4. Acesso à justiça: direito natural, humano e fundamental..................................................33
1.5. Pactos internacionais sobre o acesso à justiça...................................................................38
1.6. Efetividade do direito de acesso à justiça..........................................................................42
2. OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS...............................................................................51
2.1. Evolução legislativa...........................................................................................................51
2.2. Finalidade dos Juizados Especiais.....................................................................................55
2.3. Características básicas dos Juizados Especiais e o acesso à justiça .................................58
2.5. Princípios orientadores dos Juizados Especiais.................................................................64
2.5.1. Oralidade.............................................................................................................65
2.5.2. Simplicidade e Informalidade.............................................................................68
2.5.3. Economia processual..........................................................................................71
2.5.4. Celeridade...........................................................................................................73
2.5.5. Conciliação.........................................................................................................75
3. O TEMPO DO PROCESSO NOS JUIZADOS E A AUDIÊNCIA ÚNICA.................79
3.1. Princípio constitucional da duração razoável do processo...............................................79
3.2. Tempo razoável e Juizados Especiais Cíveis....................................................................85
3.3. A morosidade nos Juizados Especiais: alguns dados estatísticos.....................................87
11
3.4. A audiência única, o desvirtuamento da lei e o aumento do tempo do processo..............97
4. SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA AUDIÊNCIA ÚNICA ...........................109
4.1. Nota sobre a estrutura e o aparelhamento dos Juizados...................................................109
4.2. Informações indispensáveis aos litigantes.......................................................................111
4.3. Organização e planejamento das rotinas administrativas................................................112
4.4. Maneiras de operacionalizar a audiência única...............................................................116
4.5. Fluxograma do modelo de audiência única com conciliador e juiz ................................118
4.6. Fluxograma do modelo de audiência única sem o conciliador........................................119
4.7. Institucionalização da audiência única.............................................................................120
4.8. Outros benefícios decorrentes da audiência única...........................................................120
4.8.1. Redução dos serviços cartorários e do custo operacional.................................121
4.8.2. Aumento do número de acordos........................................................................122
4.8.3. Redução das execuções ....................................................................................124
4.8.4. Redução do custo do processo para as partes...................................................124
4.8.5. Efetividade do processo....................................................................................126
CONCLUSÃO.......................................................................................................................128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................131
12
INTRODUÇÃO
1. Limitação do tema
Esta dissertação tem como ponto de partida a experiência propiciada pelo dia a dia
das atividades desenvolvidas no exercício da judicatura nos Juizados Especiais Cíveis, que em
conjunto com estudos acadêmicos e dados estatísticos pesquisados, revelam que a realidade
da práxis forense, por diversos motivos, pode desvirtuar os objetivos da lei.
No que se refere ao tema proposto, considerou-se a sua relevância para a
sociedade contemporânea que muito conclama do Poder Judiciário a facilitação do seu
acesso com instituição de órgãos e procedimentos que garantam uma prestação jurisdicional
dentro de um prazo razoável.
Para isso, o legislador criou os Juizados Especiais que foram instituídos em
decorrência da necessidade de viabilizar um maior acesso à justiça, principalmente da
população mais carente, com redução de custos e simplificação de procedimentos que
possibilitassem maior celeridade aos julgamentos. Posteriormente reforçou a sua preocupação
com a demora na entrega da prestação jurisdicional ao incluir no rol dos direitos fundamentais
a duração razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação
O trabalho desenvolve-se, portanto, coma a análise da sistemática procedimental
empregada nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, regulado pela Lei nº 9.099/95.
Dados do Conselho Nacional de Justiça CNJ -,
1
divulgados em 2009, revelam
que somente no ano de 2008 foram protocolados nos Juizados Especiais Estaduais mais de 4
(quatro) milhões de novos processos,
2
números que pela sua grandiosidade revelam a
importância desse sistema
3
para a resolução de conflitos do cidadão.
Não dúvidas de que os Juizados Especiais Cíveis cumpriram parte do seu
desiderato, ou seja, possibilitaram acesso ao judiciário para uma camada da população que
não dispunha de mecanismos estatais para solucionar seus conflitos, e por isso tinham que
1
Órgão do Poder Judiciário encarregado do controle da atuação administrativa e financeira do próprio Poder
Judiciário (art. 92, I-A e art. 103-B, ambos da Constituição da República de 1.988).
2
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça CNJ Justiça em números - 2008. Disponível em
<http://www.cnj.jus.br> Acesso em: 12 jul. 2009.
3
“O sistema dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal é formado pelos Juizados Especiais Cíveis,
Juizados Especiais Criminais e Juizados Especiais da Fazenda Pública.” (definição contida no parágrafo único do
art. 1º da Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009.)
13
renunciar aos seus direitos ou resolvê-los por outros meios (nem sempre lícitos), fenômeno
esse que o professor Kazuo Watanabe denominou de “litigiosidade contida”.
4
Atendidas as expectativas iniciais de acessibilidade, os Juizados Especiais
começaram a sofrer uma incessante tendência de expansão de sua competência
5
. Atualmente
vários projetos de lei tramitam no Congresso Nacional visando ao alargamento da
competência dos Juizados.
6
Em 2001 foi contemplada a Justiça Federal
7
, ou seja, mais um canal de acesso à
justiça para resolução dos conflitos envolvendo a União, principalmente questões
previdenciárias e habitacionais.
8
Recentemente, no final de 2009, foi publicada a Lei
12.153, que dispõe sobre os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do
Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, que entrará em vigor no dia 23 de junho de
2010.
Porém, se de um lado os Juizados Especiais garantiram acesso à justiça de uma
parte da sociedade que até então se via excluída, por outro, esse acesso provocou uma
sobrecarga de demandas, que por serem incompatíveis com a estrutura judicial existente,
comprometeram a celeridade na entrega da prestação jurisdicional, um dos escopos da Lei
9.099/95. É o que revelam os dados estatísticos apresentados pelo CNJ.
Segundo seus levantamentos, a taxa de congestionamento
9
dos Juizados Especiais
Estaduais
10
é da ordem de 50,6%, ou seja, mais da metade das ações protocoladas no período
de estudo (2008) ainda estão aguardando sentença final, enquanto a carga de trabalho -
4
De acordo com esse autor, dentro da normalidade os conflitos de interesse são solucionados sem a necessidade
da intervenção estatal, através de negociação direta das partes interessadas ou por intermédio de terceiros (tais
como parentes, vizinhos, amigos, líderes comunitários, autoridades eclesiásticas, advogados). Mas nas
comunidades mais populosas, o relacionamento entre as pessoas é mais formais e impessoal, o que leva a
diminuir a eficiência dos mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos. WATANABE, Kazuo. Filosofia e
características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados
Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1985, p. 2.
5
Por intermédio da Lei 9.841/99 permitiu-se a possibilidade das microempresas de encaminhar suas
reclamações nos Juizados Especiais.
6
Vide <http:www.camara.gov.br> e <http:www.senado.gov.br>.
7
Emenda Constitucional nº 22, de 18.03.1999 e Lei nº 10.259/2001.
8
O Relatório Anual 2008 do CNJ informa que atualmente tramitam nos Juizados Especiais Federais dois
milhões de ações. Disponível em <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 12 fev. 2009.
9
Taxa de congestionamento é uma medida do número de processos para os quais não foi prolatada sentença
durante o período de estudo, ou seja, ela indica o número de processos que estão “parados” aguardando sentença.
Essa taxa ajuda a medir a morosidade no julgamento dos processos. A taxa de congestionamento é medida pela
divisão do número de sentenças que extinguem os processos pela soma do número de casos novos com o número
de casos pendentes de julgamento. Fonte: CNJ. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 12 fev.
2009.
10
Esses números referem-se aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais.
14
relação entre o número de casos novos e os pendentes de julgamento e o número de
magistrados -, foi superior a 9.000 processos por juiz.
11
Com essa alta taxa de congestionamento e esse acervo de processo, é facilmente
perceptível que os Juizados Especiais padecem do mesmo mal de outros ramos do Poder
Judiciário: a morosidade na entrega da prestação jurisdicional.
Essa lentidão na solução dos conflitos também é ratificada pela pesquisa realizada
pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais - CEBEPEJ -
12
, em parceria com a
Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça – SRJ/MJ, no ano de 2006
13
, em
nove capitais, que chegou à conclusão de que o processo de conhecimento nos Juizados
Especiais Cíveis Estaduais durava em média 349 dias
14
. A Lei 9.099/95 previu que os
processos deveriam terminar com a sentença de mérito em 30 (trinta) dias.
15
Com isso, a conclusão é que o princípio do acesso à justiça - que não pode ser
entendido apenas como acesso ao judiciário, mas, e principalmente, também como um direito
à tutela jurisdicional efetiva e em prazo razoável - foi duramente prejudicado, impondo a
necessidade de se buscar mecanismos para garantir a presteza nos julgamentos dos Juizados.
Entretanto, as mazelas da demora na entrega da prestação jurisdicional não se
restringem puramente ao elevado número de ações, sempre desproporcional ao número de
juízes e servidores, precariedade das estruturas judiciais ou ausência de gerenciamento, além
da carência crônica de recursos, mas, principalmente, pela resistência a uma “nova filosofia e
estratégia no tratamento dos conflitos de interesses”
16
que os Juizados Especiais trouxeram ao
mundo jurídico, em contraponto ao formalismo tradicional do processo.
Orientada pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia
processual e celeridade,
17
visando preferencialmente uma solução conciliada dos conflitos,
11
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Justiça em mero - 2008. Disponível em
<http://www.cnj.jus.br.>. Acesso em: 12 jul. 2009.
12
O Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais é uma associação civil, não governamental, sem fins
lucrativos, que objetiva desenvolver estudos e pesquisas sobre o sistema judicial brasileiro. O CEBEPEJ foi
fundado em 1999, por profissionais do Direito e das Ciências Sociais, diante da constatação da escassez de
informações e estudos científicos relativos à Justiça brasileira. Disponível em <http://www.cebepej.org.br.>.
13
CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis Estudos. Pesquisa realizada para a Secretaria de Reforma do
Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível em:
<http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009.
14
Compreende todas as etapas do processo de conhecimento: distribuição, audiência de conciliação, audiência
de instrução e julgamento, sentença de mérito, interposição e julgamento de recurso.
15
Arts. 16 e 27.
16
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características sicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In:
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1.
17
Art. 2ª.
15
resumido o procedimento em uma audiência,
18
a Lei nº 9.099/95 trouxe em seu bojo
inovações para simplificar e abreviar procedimentos
19
com o desígnio de reduzir custos e
acelerar o processo.
Portanto, a regra é o procedimento oral, simples, acessível e célere, com a
concentração dos atos processuais, buscando sempre que possível em audiência única a
conciliação ou, se for o caso, a instrução processual e imediatamente o julgamento, desde que
não haja prejuízo para defesa.
Ocorre que, na prática forense, os princípios norteadores dos Juizados Especiais,
em especial os da economia processual e celeridade, estão sendo sacrificados, que a regra
da unificação das audiências cedeu lugar para ao agendamento de no mínimo duas audiências
em momentos distintos, contribuindo para aumentar o tempo de duração do processo.
20
Esse artifício produz prejuízos para o jurisdicionado, pois retarda a sua “saída” do
Poder Judiciário, aumentando os desgastes naturais de uma batalha judicial e anulando os
benefícios adquiridos pela conquista do acesso formal à Justiça.
Com essa realidade, ocorreu um completo desvirtuamento dos princípios e regras
procedimentais da Lei dos Juizados Especiais, ficando comprometido o acesso à justiça para o
cidadão envolvido em causas de menor complexidade e valor econômico e a esperança de
romper a crença generalizada de que a Justiça é lenta, cara, complicada
21
e somente para os
abastados.
Uma das alternativas para tentar minimizar esse quadro e impedir o
comprometimento do funcionamento desse essencial microssistema
22
da Justiça é a mudança
da prática de procedimentos dos aplicadores do direito.
18
Arts. 16 e 27.
19
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In:
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1.
20
Juizados Especiais Cíveis Estudos. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de Reforma do
Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação constatou que, com
exceção do Rio de Janeiro, em todos os demais Estados, na prática, convencionou-se divorciar as duas
audiências, aumentando o prazo de duração do processo. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso
em: 12 fev 2009; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma
análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2008, p.122-180.
21
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In:
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 2.
22
Termo muito utilizado na doutrina para designar a estrutura dos Juizados Especiais, que seria parte do
subsistema Poder Judiciário que é parte do sistema Justiça.
16
Os juízes, responsáveis pela condução dos trabalhos judiciais, precisam estar à
frente dessas mudanças, com uma revisão de procedimentos formais enraizados na prática
forense, buscando uma adequação em consonância com o espírito da Lei.
Assim, diante da constatação do problema da morosidade que ameaça o
funcionamento dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, o tema está limitado à análise dos
princípios e das questões técnico-processuais previstos na Lei 9.099/95 que prescreve a
concentração dos atos processuais com a realização de apenas uma única audiência de
conciliação, instrução e julgamento, nos casos de não ocorrer uma composição amigável.
Essa hipótese, que não exige qualquer mudança na legislação, promove um
enxugamento processual e procedimental que muito pode contribuir para desafogar os
Juizados, possibilitando a garantia do acesso à justiça de forma efetiva e menos morosa sem,
contudo, comprometer a observância do contraditório, da ampla defesa e da segurança
jurídica.
Nesse contexto, a hipótese de trabalho é demonstrar que a utilização do
procedimento com audiência única pode reduzir o tempo de tramitação dos processos nos
Juizados Especiais Cíveis Estaduais, e, consequentemente, proporcionar julgamentos mais
rápidos, melhorando a ampliação do acesso à justiça.
2. Plano de trabalho e metodologia
A dissertação desenvolve-se buscando a solução nas fontes doutrinárias e no
sistema normativo vigente, além do suporte de dados estatísticos e pesquisas divulgadas. O
trabalho está dividido em quatro capítulos, além dessa introdução.
No primeiro capítulo expor-se-á uma visão geral do movimento internacional
sobre o direito ao acesso à justiça a partir dos estudos de Mauro Cappelletti.
Após essa abordagem geral, será enfatizada a natureza de direito e garantia
fundamental do acesso à justiça, inclusive com citações de sua abordagem em Pactos
internacional, e, por fim, da sua efetividade, aí contidos a necessidade de redução do tempo (e
consequentemente dos custos) para que o sistema seja “igualmente acessível a todos,
23
pois
o fator tempo é um elemento determinante para garantir e realizar o acesso à justiça.
23
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,
Fabris, 1988, p. 8.
17
É nesse contexto que surgem os Juizados Especiais, que tem como objetivo a
busca da ampliação do acesso à justiça através de um procedimento simplificado, rápido e
barato.
No segundo capítulo, em um primeiro momento, será abordada a evolução
legislativa até o atual sistema normativo que abrange os Juizados Especiais, sua criação, sua
implantação, sua finalidade, suas características básicas e será depois feita uma apresentação
detalhada dos princípios que orientam os Juizados Especiais, tudo dentro da perspectiva do
direito a uma tutela jurisdicional tempestiva, sem a qual não se realiza o direito de acesso à
justiça.
No terceiro capítulo, será objeto de estudo o princípio da razoável duração do
processo e da celeridade no trâmite processual, que vem expresso no artigo art. 5º, inciso
LXXVIII, da Constituição da República e o tempo nos Juizados Especiais, com apresentação
de alguns dados estatísticos demonstrando a demora na resolução dos conflitos.
Também será analisado o rito da audiência na Lei 9.099/95, e como a
burocracia e a tendência de assemelhar o rito dos Juizados ao rito do processo civil
desvirtuam o espírito da lei no dia a dia nos Juizados, descaracterizando seus princípios e
comprometendo a celeridade na entrega da prestação jurisdicional com o aumento do tempo
do processo ao utilizar o procedimento de realizar duas ou mais audiências em dias distintos.
No quarto e último capítulo, apresenta-se uma proposta prática para
implementação da audiência única, o que vai possibilitar a efetivação dos princípios
orientadores dos Juizados Especiais com maior pragmatismo e flexibilidade e menor
solenidade, tudo visando a garantia e realização do acesso à justiça (sob a ótica da brevidade
jurisdicional).
Este trabalho, além de estar revestido de uma preocupação prática, isto é, na
resolução de um problema, objetivo maior de um Mestrado Profissional,
24
não descuidou da
abordagem acadêmica.
Pretendeu-se, assim, neste estudo, demonstrar a necessidade de uma mudança na
prática procedimental dos Juizados Especiais Cíveis, que devido a recalcitrância dos adeptos
ao formalismo do processo civil tradicional, foi desnaturado em suas regras e princípios, com
reflexos diretos no tempo de tramitação dos processos.
24
Em entrevista ao Jornal O Globo, no dia 21/06/2009, o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior - CAPES -, Jorge Almeida Guimarães, afirmou que o mestrado profissional tem um
foco específico de resolução de problemas. O acadêmico, não”.
18
1 DO ACESSO À JUSTIÇA
1.1 Notas introdutórias
O acesso à justiça é tema que muito desperta interesse de juristas e cientistas
dos mais variados ramos do saber científico, comportando, por isso, as mais variadas
acepções, tendo passado, ao longo dos anos por grandes transformações, com interpretações e
abordagens distintas, dependendo da perspectiva e ideologia
25
do observador.
26
Portanto, pode-se dizer que o conceito do acesso à justiça é suscetível a
influências de natureza política, filosófica, religiosa, sociológica, econômica e jurídica, mas
todos objetivando um maior acesso da população em geral, principalmente dos menos
favorecidos economicamente, aos mecanismos e procedimentos para realização de uma
justiça equitativa, rápida e eficaz.
Essa evolução da discussão sobre o tema do acesso à justiça ganhou corpo com os
estudos de Mauro Cappelletti, professor da Università degli Studi di Firenze e do Instituto
Universitário Europeu, catedrático da Stanford University, que realizou pesquisa em
diferentes países acerca do acesso à justiça, denominado Projeto Florença (Florence
Project).
27
25
O termo ideologia, de acordo com Noberto Bobbio, tem uma gama de significados diferentes e o seu múltiplo
uso pode produzir dois tipos gerais de significados, sendo um significado fraco e outro significado forte. “No seu
significado fraco, Ideologia designa o genus, ou a species diversamente definida, dos sistemas de crenças
políticas: um conjunto de idéias e de valores respeitantes à ordem pública e tendo como função orientar os
comportamentos políticos coletivos. O significado forte tem origem no conceito de Ideologia de Marx, entendido
como falsa consciência das relações de domínio entre as classes, e se diferencia claramente do primeiro porque
mantém, no próprio centro, diversamente modificada, corrigida ou alterada pelos vários autores, na noção de
falsidade: a Ideologia é uma crença falsa. No significado fraco, Ideologia é um conceito neutro, que prescinde do
caráter eventual e mistificante das crenças políticas. No significado forte, Ideologia é um conceito negativo que
denota precisamente o caráter mistificante de falsa consciência de uma crença política.” In: BOBBIO, Noberto;
MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et al].
Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12ª ed., 2002, Vol. 1, p. 585.
Ver também CHAUI, Marilena de Souza. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.
26
CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova
sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p.3. FERRAZ, Leslie Shérida.
Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em
Direito Processual) Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o Paulo, 2008, p.69; BEZERRA,
Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. 2ª ed. Revista.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 126; CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba:
Juruá, 2008, p.57.
27
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988; GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti:
análise teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro.
19
Nesse trabalho foram colhidos dados empíricos com os objetivos de identificar e
conhecer os obstáculos mais frequentes ao acesso à justiça, além de conhecer programas bem
sucedidos acerca do tema. O resultado da pesquisa foi apresentado em um relatório geral que
Cappelletti publicou, juntamente com Bryan Garth
28
, no final da década de 70, que
posteriormente foi traduzida uma versão resumida para o português por Ellen Gracie
Northflleet.
29
É certo que em diferentes períodos históricos ocorreram movimentos perseguindo
o ideário de justiça e a possibilidade de acesso à ordem jurídica,
30
mas foi a partir do
surgimento dos direitos sociais, os denominados direitos de segunda
31
geração,
32
que eclodiu
na doutrina internacional uma nova concepção do processo e a preocupação com um acesso à
justiça que não fosse apenas um mero acesso formal ao Judiciário.
33
No Estado Liberal
34
nos séculos XVIII e XIX, sob influência da filosofia
individualista dos direitos, quando se acreditava que os prêmios e as vicissitudes de cada um
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 20; MARQUES, Alberto Carneiro. Perspectivas do processo
coletivo no movimento de universalização do acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2007, p.15-16; FONTAINHA,
Fernando de Castro. Acesso à Justiça: da contribuição de Mauro Cappelletti à realidade brasileira. Rio de
Janeiro: Lumen Juris Editora, 2009; JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo.
Revista de Estudos Históricos, 18, 1996, p. 1. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf>
Acesso em: 08 abr. 2009.
28
Professor de Direito na Universidade de Bloomington (USA).
29
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988.
30
Para um estudo aprofundado sobre o acesso à Justiça em diferentes períodos histórico ver: LIMA FILHO,
Francisco das C. Os movimentos de acesso à justiça nos diferentes períodos históricos. Disponível em:
<htpp://www.unigran.br/revistas/jurídica/ed_anteriores/04/_artigos/03.pdf>. Acesso em: 14 abr. 2009;
CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova
sistematização da teoria geral do processo – Rio de Janeiro: Forense, 2007.
31
A doutrina classifica os direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseados na ordem
cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos. Os de primeira geração são os direitos e
garantias que dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, surgidos institucionalmente a partir
da Magna Carta de 1215, assinada pelo rei João Sem Terra. Os de segunda geração são os direitos sociais,
econômicos e culturais, inspirados e impulsionados pela Revolução Industrial europeia a partir do início do
século XIX. Os direitos de terceira geração, chamados de direitos de solidariedade ou fraternidade, que
compreendem o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao
progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, como o direito dos consumidores.
Fala-se, ainda, em direitos de quarta e quinta gerações que decorreriam dos avanços no campo da engenharia
genética (quarta) e os que envolveriam a compaixão, o cuidado e o amor por todas as formas de vida (quinta).
Porém, essas novas gerações de direitos ainda não foram reconhecidas explicitamente no ordenamento jurídico e
nem consenso na doutrina. Fontes: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 17ª ed. São Paulo:
Atlas, 2005. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 1ed. São Paulo: Editora Método, 2007.
p. 694-695. PAROSKI, Mauro Vasni. Direitos fundamentais e acesso à Justiça na Constituição. São Paulo:
Ltr, 2008. p. 113-122.
32
A doutrina também classifica como dimensões, pois entende que uma etapa complementa a outra. Quando se
fala em geração, pode-se passar a idéia de que uma etapa superou a outra.
33
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta
concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Ed., 2005, p. 11.
34
O Estado Liberal pode ser definido como uma das formas do Estado Moderno (o Estado Social é a outra
forma), que emergiu progressivamente deste o século XIV. No sentido jurídico o Estado Liberal é uma fase
20
dependiam do seu único desempenho - reflexo da política do laissez faire
35
- e refletiam nos
procedimentos judiciais utilizados para a resolução dos conflitos, o direito ao acesso à justiça
significava apenas um direito individual e formal de propor ou contestar uma ação.
36
Naquela época prevalecia a teoria de que o direito de acesso à justiça era um
direito natural, anterior ao próprio Estado, não necessitando de uma ação deste para sua
proteção, exigindo apenas que o Estado não permitisse a aplicação da vingança privada.
37
Não
havia qualquer preocupação dos órgãos estatais em garantir aos cidadãos a proteção dos seus
direitos, desprezando, consequentemente, o direito do acesso à justiça.
38
Na prática, o acesso ao judiciário somente podia ser obtido por aqueles que
pudessem suportar os seus custos e suas delongas, ou seja, o acesso era formal, mas não
efetivo - no sentido de ser acessível a todos e correspondia à igualdade, também formal, e
não efetiva.
39
Com a transformação da sociedade e o surgimento do Estado Social,
40
sob a
influência da teoria marxista,
41
essa visão individualista e limitada a quem dela pudesse
ulterior do Estado Moderno, a do “Estado de direito, fundado sobre a liberdade política (não apenas privada) e
sobre a igualdade de participação (e não apenas pré-estatal) dos cidadãos (não mais súditos) frente ao poder, mas
gerenciado pela burguesia como classes dominantes, com os instrumentos científicos fornecidos pelo direito e
pela economia na idade triunfal da Revolução Industrial In: BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et al]. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1ed., 2002, Vol. 1, p. 425-431. Para uma
melhor compreensão sobre o Estado Liberal e o Estado Social, ver BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao
Estado Social. Rio de Janeiro. Fundação Getúlio Vargas, 1972.
35
Laissez Faire (deixar fazer), “Palavra de ordem do liberalismo econômico, proclamando a mais absoluta
liberdade de produção e comercialização de mercadorias. O lema foi cunhado pelos fisiocratas franceses no
século XVIII, mas a política do laissez-faire foi praticada e defendida de modo radical pela Inglaterra, que estava
na vanguarda da produção industrial e necessitava de mercados para seus produtos. Essa política opunha-se
radicalmente às práticas corporativistas e mercantilistas, que impediam a produção em larga escala e
resguardavam os domínios coloniais. Com o desenvolvimento da produção capitalista, o laissez-faire evoluiu
para o liberalismo econômico, que condenava toda intervenção do Estado na economia.” In: SANDRONI, Paulo.
Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 465.
36
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 9.
37
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 9.
38
PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis. Questões de processo e de
procedimento no contexto do acesso à justiça. Editora Lumen juris. Rio de Janeiro, 2004, p.16.
39
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 9-11.
40
O Estado Social é uma das formas do Estado Moderno, sendo caracterizado como uma resposta direta às
necessidades das classes subalternas emergentes que não eram atendidas pelo Estado Liberal, obrigando uma
intervenção cada vez mais forte do Estado nos campos econômicos e social com o objetivo de proporcionar aos
cidadãos padrões de vida mínimos. Fontes: BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et al]. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12ª ed., 2002, Vol. 1, p. 429-430; SANDRONI, Paulo. Dicionário de
Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 313.
41
Norberto Bobbio diz que o Marxismo é um “conjunto das idéias, dos conceitos, das teses, das teorias, das
propostas de metodologia científica e de estratégia política e, em geral, a concepção de mundo, da vida social e
política, consideradas como um corpo homogêneo de proposições até constituir uma verdadeira e autêntica
21
usufruir, típica do liberalismo econômico,
42
começa a perder força e o pensamento dominante
passou a preocupar-se mais com o coletivo do que com o individual e a garantia de acesso à
justiça passou a ser considerada como direito social fundamental básico,
43
buscando não uma
igualdade formal, mas uma igualdade material que possibilitasse a todos o acesso aos seus
direitos.
44
Com o reconhecimento dos direitos sociais de segunda geração, a sociedade fez
exigir uma atuação mais positiva do Estado, no sentido de garantir sua real efetivação.
45
A
partir daí surgiram vários estudos e manifestações para garantir um maior acesso à justiça,
não somente para os afortunados, mas para todas as camadas da população.
No Brasil, segundo Eliane Junqueira,
46
o tema acesso à justiça passou a ter maior
atenção a partir dos anos 80, com a publicação do trabalho produzido por Mauro Cappelletti e
Bryan Garth, embora as justificativas não fossem as mesmas dos países desenvolvidos.
47
‘doutrina’, que se podem deduzir das obras de Karl Marx e de Friedrich Engels.” BOBBIO, Noberto;
MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Trad. Carmem C. Varriale [et al].
Brasília: Editora Universidade de Brasília, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 12ª ed., 2002, Vol. 1, p. 738.
Paulo Sandroni, pela ótica econômica, definiu o Marxismo como uma “fundamentação ideológica do moderno
comunismo. Abrange uma filosofia e uma sociologia. Mudou os rumos da economia política, principalmente
com a obra O Capital, de Marx, que expõe a teoria da mais valia e considera o capitalismo um modo de produção
transitório, sujeito a crises econômicas cíclicas, e que, por efeito do agravamento de suas contradições internas,
deverá ceder o lugar ao modo de produção socialista, mediante a prática revolucionária. A teoria política
marxista, chamada de socialismo científico, considera que a luta de classes é o motor da história e que o Estado é
sempre um órgão a serviço da classe dominante, cabendo à classe operária, como classe revolucionária de
vanguarda, lutar pela conquista do Estado da ditadura do proletariado.” In: SANDRONI, Paulo. Dicionário de
Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 518.
42
O liberalismo econômico foi definido e estruturado pela doutrina de pensadores como François Quesnay, Jonh
Stuart Mill, Adam Smith, David Ricard, Thomas Malthus, J.B. Say e F. Bastiat, que consideravam que a
economia, da mesma forma que a natureza física, é regida por leis naturais, universais e imutáveis, cabendo ao
indivíduo apenas descobri-las para melhor atuar de acordo com essa ordem natural. Dessa forma, os
comerciantes estariam livres da intervenção do Estado e da pressão de grupos sociais e poderiam alcançar
naturalmente o máximo de lucro com o mínimo de esforço. Essa doutrina aplicou os princípios do laissez-faire
no comércio internacional, ou seja, o livre comércio entre as nações, condenando as praticas mercantilistas, as
barreiras alfandegárias e protecionistas. Porém, com o desenvolvimento do capitalismo e a formação de
monopólios no final do século XIX, que geraram concentração de renda e propriedade, seus princípios entraram
em contradição, sendo necessária a intervenção do Estado para a racionalização e a evolução da economia.
Fonte: SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005, p. 486-487.
43
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 11-12.
44
PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis. Questões de processo e de
procedimento no contexto do acesso à justiça. Editora Lumen juris. Rio de Janeiro – 2004, p.16
45
ANNONI, Daniele. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá, 2008, p.
113.
46
JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos Históricos,
18, 1996. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf> Acesso em: 08 abr. 2009.
47
Para Eliane Junqueira o movimento de acesso à justiça (acess-to-justice movement) ocorrido nos “países
centrais” deu-se em razão da “expansão do welfare state e a necessidade de se tornarem efetivos os novos
direitos conquistados principalmente a partir dos anos 60 pelas ‘minorias’ étnicas e sexuais”, enquanto no Brasil
ele ocorreu em função da “necessidade de se expandirem para o conjunto da população direitos básicos aos quais
a maioria não tinha acesso tanto em função da tradição liberal-individualista do ordenamento jurídico brasileiro,
como em razão da histórica marginalização sócio-econômica dos setores subalternizados e da exclusão político-
jurídica provocada pelo regime pós 64.” In: JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar
22
Essa evolução da discussão sobre o tema ganhou força e o acesso à justiça passou
a representar o acesso efetivo à justiça,
48
que para garantir essa efetividade Cappelletti e Garth
identificaram três obstáculos a serem transpostos para a afirmação e reivindicação dos
direitos, quais sejam: (i) custas judiciais, (ii) possibilidades das partes e (iii) problemas
especiais dos interesses difusos.
49
Sobre as (i) custas judiciais, os referidos autores afirmam que os litigantes
precisam suportar as despesas com os processos judiciais, incluindo os honorários de
advogados e peritos, que agem como uma importante barreira ao acesso à justiça,
50
pois torna
muito dispendioso para o demandante propor uma ação judicial, em que na maioria das vezes
ele não tem a certeza do sucesso.
51
Nos casos que envolvem causas de pequeno valor os custos podem exceder o
montante do valor em disputa, tornando a demanda completamente inviável. Outro fator que
impede o acesso à justiça é o tempo para a solução judicial, pois a delonga aumenta os custos
financeiros e pressiona as partes economicamente fracas a abandonar suas causas ou aceitar
acordos por valores inferiores aos que teriam direito.
52
Outra barreira seria (ii) as possibilidades das partes, expressão empregada no
sentido de que alguns litigantes possuem vantagens em relação a outros, fator de desequilíbrio
para o acesso à justiça.
As pessoas ou grupos que possuem mais recursos financeiros estão em posição
privilegiada, tanto para suportar as delongas do litígio, como para produzir provas de maneira
mais eficiente,
53
como também aquelas com uma melhor ‘capacidade jurídica’ pessoal, pois
essas têm um conhecimento jurídico básico para reconhecer um direito juridicamente exigível
ou saber buscar um aconselhamento jurídico qualificado.
54
retrospectivo. Revista de Estudos Históricos, 18, 1996, p.1 Disponível em:
<http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2009.
48
Na definição de Cappelletti, “Primeiro, o sistema deve ser acessível a todos; segundo, ele deve produzir
resultados que sejam individual e socialmente justos.” In: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à
Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 8-9.
49
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 15.
50
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 15-18.
51
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 17.
52
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 20.
53
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 21.
54
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 23-24.
23
Há, ainda, relacionados às possibilidades das partes, os litigantes ‘habituais’,
55
que
levam vantagens sobre os litigantes ‘eventuais’, uma vez que podem desenvolver maior
experiência, planejamento, diluição de custos, estratégias de defesas, etc., impondo outras
barreiras ao acesso à justiça para aquela camada da população que eventualmente litiga nos
tribunais.
56
Cappelletti e Garth ainda descrevem os (iii) problemas relacionados com os
interesses difusos como uma outra barreira ao acesso à justiça. Primeiro, porque nem todos
possuem legitimidade para buscar a tutela judicial para corrigir um interesse coletivo, e
segundo, porque na maioria das vezes o prêmio individual para buscar essa tutela é pequeno
demais, desestimulando o cidadão comum.
57
Na visão desses autores, todas essas barreiras são mais pronunciadas para as
pequenas causas e para demandantes individuais e pobres, especialmente contra grandes
organizações.
A solução prática para esses problemas do acesso à justiça aconteceu, nos países
ocidentais e mais desenvolvidos, especialmente nos Estados Unidos,
em uma sequência mais
ou menos cronológica, e foi estruturada por Cappelletti e Garth em três etapas, denominadas
“ondas renovatórias”.
A primeira “onda” concentrou-se no objetivo de proporcionar assistência jurídica
gratuita para os pobres, em decorrência da constatação de que os custos com advogados são
uma barreira para o acesso à justiça.
De acordo com as pesquisas do Projeto Florença, apesar de reconhecer o direito
de acesso à justiça, os países ocidentais prestavam os serviços de assistência judiciária de
forma inadequada, geralmente por advogados particulares, sem qualquer contraprestação, o
que, em uma economia de mercado, limitava o trabalho dos bons advogados que tendiam a
dispensar mais tempo para seus trabalhos remunerados.
58
55
A distinção entre litigantes habituais e eventuais está baseada na “frequência de encontros com o sistema
judicial,” ou seja, aquele que frequentemente está demandando com alguém na Justiça e aquele que nunca ou
poucas vezes esteve em juízo. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH Bryan. Acesso à justiça. Tradução de Ellen
Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 25.
56
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 25-26.
57
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 26-28.
58
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 31-32.
24
A partir do início do século XX começou um programa de reformulação do
sistema de assistência judiciária pelos países ocidentais, “de modo a remunerar os advogados
mais adequadamente.”
59
Na segunda “onda”, para tornar efetivo o acesso à justiça, Cappelletti e Garth
destacam o problema da representação dos interesses difusos e coletivos, que não tinham
proteção na concepção tradicional do processo civil, por ser vista apenas como uma questão a
ser resolvida entre duas partes e com interesses individuais.
60
A terceira “onda” é uma concepção mais ampla de acesso à justiça, considerando
as outras “ondas como complementares de uma série de proposições para melhorar o
acesso,
61
com atuação nas instituições, pessoas e procedimentos para processar e mesmo
prevenir litígios, o que Cappelletti e Garth denominam de “um novo enfoque de acesso à
justiça”.
A primeira dessas proposições apresentadas são as alterações nos procedimentos
judiciais, com melhoria e modernização tornando-os mais acessíveis e adequados para a
resolução dos conflitos, tudo em busca da efetividade do processo.
Outras proposições seriam a mudança na estrutura judicial, com a criação de
outros tribunais e o uso de pessoas leigas ou paraprofissionais no Judiciário e nas instituições
essenciais à justiça, e modificações no direito processual, inclusive com utilização de métodos
alternativos de solução de conflitos.
62
Embora os autores reconheçam os avanços da assistência judiciária gratuita para
os pobres e a representação de interesses difusos e coletivos - e nem desprezam tais soluções -
afirmam que elas não o suficientes para assegurar no nível prático o acesso à justiça, sendo
necessária atenção ao conjunto geral de instituições, recursos humanos, técnicas e
procedimentos para processar e prevenir conflitos nas sociedades modernas.
Essas tendências são marcadas pelas reformas dos procedimentos judiciais, pela
utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos (conciliação, arbitragem e
mediação), pela criação de instituições especiais para determinados tipos de causas de
59
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 32-47.
60
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 49-50.
61
PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis.Questões de processo e de
procedimento no contexto do acesso à justiça. Rio de Janeiro: Editora Lumen juris, 2004, p. 26.
62
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 67-90.
25
particular “importância social” e mudanças nos métodos utilizados para a prestação de
serviços jurídicos.
63
Percebe-se, assim, que é nessa terceira
64
“onda” que se encontram os Juizados
Especiais, por representar o acesso à justiça de forma adequada para a solução dos conflitos
de pequeno valor, de forma ágil, sem custas e sem formalismos exacerbados.
1.2 As repercussões das ondas de Cappelletti no direito processual brasileiro
No Brasil o movimento do acesso à justiça não acompanhou o mesmo caminho
das três “ondas renovatórias” dos países desenvolvidos, que aqui elas surgiram
praticamente juntas a partir da década de 80, em decorrência de movimentos internos no
processo político e social da abertura política e pela exclusão da grande maioria da população
de direitos básicos sociais.
65
Esse talvez seja o motivo pelo qual, no Relatório Geral do Projeto Florença,
Cappelletti e Garth mencionam a legislação brasileira uma única vez, quando citam a Lei da
Ação Popular (Lei 4.717/65), ao tratarem da representação dos interesses difusos (segunda
onda).
66
Mesmo assim, no Brasil, as várias transformações legislativas e doutrinárias do
movimento de acesso à justiça podem ser identificadas com cada um desses momentos (ou
onda), principalmente sob a ótica do ordenamento processual.
63
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 75-159.
64
A doutrina fala no surgimento de uma quarta onda no movimento de acesso à justiça, que surge a partir da
verificação de que a formação e a atuação adequada dos operadores do direito é condição para a mudança do
sistema de justiça e para o acesso à justiça. A tese é defendida por Kim Economides, professor do Departamento
de Direito, da Universidade de Exeter, Inglaterra, que trabalhou junto com Mauro Cappelletti no Projeto
Florença. Para o mencionado professor, essa quarta onda deve direcionar a atenção sobre o “acesso dos cidadãos
ao ensino do direito e ao ingresso nas profissões jurídicas” e “uma vez qualificados, o acesso dos operadores do
direito à justiça. Tendo vencido as barreiras para admissão aos tribunais e as carreiras jurídicas, como o cidadão
pode se assegurar de que tanto juízes quanto advogados estejam equipados para fazer ‘justiça’.”
ECONOMIDES, Kim. Lendo as ondas do “Movimento de Acesso à Justiça”: epistemologia versus metodologia?
In: Dulce Pandolfi... [et al]. (orgs). Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio
Vargas, 1999, p. 61-76. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao_intelectual/arq/39.pdf>. Acesso em 03
fev. 2010.
65
JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo. Revista de Estudos Históricos,
18, 1996, p.2. Disponível em: <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/201.pdf>. Acesso em: 08 abr. 2009.
66
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 56.
26
1.2.1 A primeira onda: assistência jurídica gratuita aos necessitados
Como dito anteriormente, a primeira “onda” renovatória foi no sentido de facilitar
o acesso à justiça para a população mais carente, com a oferta de assistência jurídica gratuita
aos necessitados, superando o obstáculo econômico.
As pessoas carentes economicamente são levadas a renunciar a seus direitos
diante do alto custo do processo, representado pelo pagamento de custas, taxas e
emolumentos judiciais, bem como honorários de peritos e advogados.
67
No Brasil, a primeira iniciativa para superar esse obstáculo foi a edição da Lei
1.060, de 5 de fevereiro de 1950, que estabeleceu normas para a concessão de assistência
judiciária aos necessitados, assim considerados todos aqueles cuja situação econômica não
lhes permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do
sustento próprio ou da própria família.
68
Essa lei disciplina que a assistência judiciária compreende a isenção das taxas
judiciárias, emolumentos e custas devidos ao Estado; despesas com as publicações dos atos
oficiais; indenizações devidas às testemunhas; honorários de advogados e peritos; despesas
com a realização do exame de código genético - DNA - requisitado pela autoridade judiciária
nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.
69
Na verdade, desde a Constituição de 1934 (art. 113) havia previsão do direito e
garantia de assistência judiciária aos necessitados. Na Constituição de 1937 ela foi retirada,
voltando a constar nas Constituições de 1946 (art. 141, § 35), de 1967 (art. 150, §32) e na
Emenda Constitucional nº 1 de 1969 (art. 153, §32).
70
Entretanto, somente na Constituição de 1988 esse direito e garantia fundamental
foi aperfeiçoado, inclusive com distinção terminológica, pois, ao invés da previsão de
assistência judiciária, trouxe previsão de assistência jurídica, integral e gratuita aos
necessitados.
71
A expressão jurídica tem um sentido mais amplo do que a palavra judiciária, pois
engloba a assistência judicial, isto é, o patrocínio gratuito da causa por um advogado ou
67
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta
concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Ed., 2005, p. 64.
68
Art. 2º, parágrafo único, Lei nº 1.060/50.
69
Art. 3º, Lei nº 1.060/50.
70
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 11ª ed. - São Paulo: Editora Método, 2007, p.611.
27
defensor cuja remuneração ficará a cargo do Estado, além da isenção de pagamento de custas
e despesas processuais, até a informação, orientação e aconselhamento para a prática de todos
os atos jurídicos, sejam judiciais ou extrajudiciais, como a realização de atos notariais e a
defesa em processos administrativos.
72
Para instrumentalizar esse direito e garantia, a Constituição de 1988 elevou a
Defensoria Pública ao status de instituição essencial à função jurisdicional do Estado, com
autonomia funcional e administrativa, incumbida da orientação jurídica e defesa, em todos os
graus, dos necessitados.
73
As atividades da Defensoria Pública da União e dos Estados foram
regulamentadas pelas Leis Complementares 80, de 12 de janeiro de 1994, e 98, de 3 de
dezembro de 1999.
Destaca-se que embora a Defensoria Pública esteja prevista constitucionalmente,
ela não foi implementada em todos os Estados (e nem mesmo pela União), e em muitos dos
quais ocorreu essa implementação, elas ainda funcionam de forma precária sendo
imprescindível dotá-las de condições humanas e materiais para viabilizar o acesso à justiça
daqueles desprovidos de recursos econômicos, que são a maioria dos que integram a
sociedade brasileira.
74
71
Art. 5º inciso LXXIV da CF/88: O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficiência de recursos.
72
Para maiores informações sobre o tema ver também: ALVES, Cleber Francisco. Justiça para todos!
Assistência jurídica gratuita nos Estados Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,
2006, p.262; GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise
teórica desta concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 75; BARBOSA MOREIRA, J.C. O direito à assistência jurídica:
evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo, RePro 67/130, apud LENZA, Pedro. Direito
Constitucional Esquematizado – 11ª ed. São Paulo: Editora Método, 2007, p.612.
73
Art. 134 da CR/88.
74
SOUSA, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2ª ed., 2008,
p. 47- 48. O autor destaca o seguinte diagnóstico de estudo sobre a Defensoria Pública no Brasil: “1. A estrutura
da Defensoria Pública da União é pequena - até maio de 2004, haviam sido criados 111 cargos de defensores
públicos da União para todo o país. A Defensoria Pública da União esta a ser implantada lentamente de tal modo
que seu número de membros é muito baixo em relação ao quadro da defensoria estadual. De acordo com o
‘Pacto de Estado em Favor do Judiciário’, no plano federal, o número de defensores não chega a 10% do número
de unidades jurisdicionais a serem atendidas, daí que uma das metas do pacto seja superar o descompasso entre
as Defensorias Públicas da União e dos Estados. 2. Os quadros das defensorias públicas estaduais também são
reduzidos em relação às necessidades de uma sociedade como a brasileira. A cobertura do serviço é baixa - 996
comarcas m serviços de Defensoria Pública, o que corresponde a 39,7% do total de comarcas existentes no
país. Apenas em 6 unidades da Federação todas as comarcas são cobertas pelos serviços prestados pela
Defensoria Pública. Acresce que os serviços da defensoria são, em regra, menos abrangentes nas unidades da
Federação com os piores indicadores sociais. Por fim, nas defensorias dos estados e do Distrito Federal, em
média um defensor público para cada 83.222 destinatários potenciais de seus serviços. Como parece óbvio, essas
deficiências acabam por resultar na prestação de uma assistência jurídica e judicial selectiva.” [...]. Para saber o
resultado completo do referido estudo, ver: II Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil. Disponível em
<http://www.mj.gov.br> Acesso em: 16 abr. 2009.
28
A assistência jurídica gratuita ainda é prestada por advogados dativos nomeados
pelo Estado, pelas Procuradorias Estaduais e até pelo Ministério Público, principalmente nas
cidades interioranas onde não foram instituídas as Defensorias Públicas. Outras organizações
da sociedade civil também desempenham relevantes serviços de assistência jurídica, com
destaque para os Escritórios Modelos de diversas Faculdades de Direito.
75
1.2.2 A segunda onda: representação dos interesses difusos
A segunda “onda” pode ser resumida no esforço para resolver o problema de
“representação dos interesses difusos, assim chamados os interesses coletivos ou grupais.”
76
No Brasil, a legislação especificou e definiu os interesses coletivos (em sentido
amplo) em direitos difusos, coletivos (em sentido estrito) e individuais homogêneos.
Os direitos difusos são os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam
titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”; os direitos coletivos
(em sentido estrito), os “transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base”; e os direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de
origem comum.
77
Essa segunda “onda” provocou uma mudança substancial no sistema processual,
de tradição individualista e liberal, que antes era utilizado para solucionar conflitos
individuais, entre duas partes, e passou a buscar mecanismos e institutos para efetivação dos
direitos sociais, de interesses comuns.
Como referido anteriormente e mencionado no trabalho de Cappelletti e Garth,
o Brasil criou a Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, denominada Lei da Ação Popular, que
possibilitou a qualquer cidadão pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos
ao interesse público de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
75
Sobre o tema consultar: SILVA, Luiz Marlo de Barros. O acesso ilimitado à justiça através do estágio nas
faculdades de direito – Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
76
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 49.
77
Art. 81, parágrafo único, incisos I, II e III, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
29
Para José Mário Wanderley Gomes Neto
78
o grande indicativo dessas mudanças
foi a alteração de conteúdo experimentada pelo instituto da legitimidade ad causam,
79
com a
expansão conceitual da substituição processual.
80
No Brasil, o marco dessa segunda “onda”, muito embora houvesse outras leis
específicas para a defesa de determinados direitos metaindividuais,
81
foi a edição da Lei
7.347 de 24 de julho de 1985, conhecida por Lei da Ação Civil Pública, que disciplina a ação
civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
A referida lei, que tem sua matriz na class action
82
americana, atribuiu
legitimidade para propor ação ao Ministério Público, à Defensoria Pública,
83
à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; autarquia, empresa pública, fundação ou
sociedade de economia mista ou associações, constituídas há pelo menos um ano e que
incluam entre as suas finalidades institucionais, proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à
ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico
e paisagístico.
84
A Lei 9.494,
85
de 10 de setembro de 1997, mudou a redação do art. 16 da Lei
da Ação Civil Pública limitando a coisa julgada à competência territorial do magistrado
78
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta
concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Ed., 2005, p. 83.
79
Legitimatio ad causam: “Legitimação para a causa que é uma das condições da ação, consistente na
pertinência subjetiva da ação, pois esta pode ser proposta por quem tiver a titularidade do interesse
subordinante, ou prevalente, da pretensão, em face daquele cujo interesse, de consequência, esteja subordinado
ao do autor (Alfredo Buzaid). Trata-se, como diz José Frederico Marques, da legitimação para agir judicialmente
como autor ou réu, ou melhor, da titularidade do direito de ação.” In: DINIZ, Maria Helena. Dicionário
Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2005, vol. 3, p. 89.
80
Substituição processual é o “ato pelo qual uma pessoa, nas hipóteses admitidas legalmente, litiga em juízo em
nome próprio em defesa de direito alheio”. (Waldemar Mariz de Oliveira) In: DINIZ, Maria Helena. Dicionário
Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2005, vol. 4, p. 545.
81
Lei nº 4.717/65 da Ação Popular; Lei nº 6.938/81 do Meio Ambiente.
82
Class Action: Ação Coletiva. Nos EUA, é a prática processual que consiste em agrupar grande número de
pessoas que têm o mesmo interesse no litígio, para ingressarem em juízo com uma só ação coletiva, permitindo o
acesso a litigante economicamente fraco e o desafogamento do Judiciário.” In: DINIZ, Maria Helena. Dicionário
Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2005, vol. 1, p. 709.
83
Incluída pela Lei nº 11.448, de 15 de Janeiro de 2007.
84
Art. 5º da Lei nº 7.347/85.
85
Para Nelson Nery Júnior, a redação dada pela Lei 9.494/97 é inconstitucional e ineficaz. “Inconstitucional
por ferir os princípios do direito de ação (CF 5º, XXXV), da razoabilidade e da proporcionalidade e porque o
Presidente da República a editou, por meio de medida provisória, sem que houvesse autorização constitucional
para tanto, pois não havia urgência (o texto anterior vigorava doze anos, sem oposição ou impugnação), nem
relevância, requisitos exigidos pela CF 62 caput para que o Presidente da República possa, em caráter
absolutamente excepcional, legislar por MedProv. Ineficaz porque a alteração ficou capenga, que incide o
CDC 103 nas ações coletivas ajuizadas com fundamento na LACP, por força do LACP 21 e CDC 90. Para que
tivesse eficácia, deveria ter havido alteração da LACP 16 e do CDC 103. De conseqüência, não limitação
territorial para a eficácia erga omnes da decisão proferida em ão coletiva, quer esteja fundada na LACP, quer
no CDC.” In: NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado:
30
prolator da decisão, ferindo a principal filosofia da lei, que é atuar de forma coletiva,
resolvendo com uma única decisão uniforme questões de um número indeterminado de
jurisdicionados.
Essa alteração tem o efeito de fazer multiplicar as ações individuais nos juízos,
quando tudo poderia ser resolvido em uma única sentença.
Com o advento da Constituição de 1988 fora instituído o mandado de segurança
coletivo,
86
para proteger direito líquido e certo, quando o responsável pela ilegalidade ou
abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições
do Poder Público.
O mandado de segurança coletivo visa à defesa dos direitos difusos, coletivos ou
individuais homogêneos, permitindo que pessoas jurídicas defendam o interesse de seus
membros ou associados, ou ainda da sociedade em geral, como no caso dos partidos
políticos.
87
Outra inovação da Constituição de 1988 foi prever o mandado de injunção,
88
que
será concedido quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos
e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania. Da mesma forma que o mandado de segurança, o mandado de injunção poderá ser
coletivo, sendo legitimadas, por analogia, as associações de classe devidamente constituídas,
conforme já reconheceu o Supremo Tribunal Federal.
89
Na década de 90 ainda surgiram o Estatuto da Criança e do Adolescente
90
e o
Código de Defesa do Consumidor,
91
que também objetivam a proteção judicial dos interesses
individuais, difusos e coletivos.
Essas inovações legislativas destacam-se por propiciar outras alternativas às
instituições públicas tradicionais na defesa dos direitos e interesses metaindividuais,
e legislação extravagante. - São Paulo: Editora dos Tribunais, 7ª ed., rev. e ampl., 2003, p. 1349; No mesmo
sentido: MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 746, nota 7 e 748-749; GRINOVER,
Ada Pellegrini...[et al]. digo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7ª
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 848-851.
86
Art. 5º, inciso LXX, CR/88.
87
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas – 17ª ed., 2005, p. 147.
88
Art. 5º, inciso LXXI, CR/88.
89
STF - Ementa: Constitucional. Mandado de Injunção Coletivo. Sindicato: Legitimidade Ativa. Participação
nos lucros: C.F., art. 7º, XI. I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite legitimidade ativa ad
causam aos sindicatos para a instauração, em favor de seus membros ou associados, do mandado de injunção
coletivo. II. - Precedentes: MMII 20, 73, 342, 361 e 363. III. - Participação nos lucros da empresa: C.F., art . 7º,
XI: mandado de injunção prejudicado em face da superveniência de medida provisória disciplinando o art. 7º,
XI, da C.F. MI 102 / PE Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Relator p/ Acórdão: Min. CARLOS VELLOSO
Julgamento: 12/02/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 25-10-2002 PP-00025.
90
Lei nº 8.069/90.
31
principalmente com a legitimação de associações, sindicatos, partidos políticos ou grupos
privados.
92
Todavia, Cappelletti e Garth advertem sobre a necessidade de fortalecer esses
grupos privados para a defesa dos seus interesses difusos, que, ao contrário dos sindicatos
de trabalhadores que são geralmente bem organizados, estruturados e dispõem de know how
na defesa dos direitos coletivos de seus associados, outras organizações privadas ainda não
conseguiram tais condições, inviabilizando uma representação judicial adequada.
93
Essas deficiências podem levar as associações a exercerem de forma muito
precária suas funções na defesa judicial de seus filiados, ou mesmo uma sobrecarga de
trabalho dos membros do Ministério Público.
94
Pesquisas realizadas até o ano de 1996 por pesquisadores da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro - UERJ -, com o objetivo de saber se a lei que regulou a ação civil
pública estava atendendo às expectativas, apresentadas na obra do professor Paulo Cezar
Pinheiro Carneiro,
95
indicam que 60,92% das ações civis públicas protocoladas na comarca da
capital do Rio de Janeiro foram propostas pelo Ministério Público Estadual.
Outras 6,9% das ações foram ajuizadas pela Defensoria Pública, e 18,39%, pelo
município do Rio de Janeiro. Ou seja, quase 87% das ações civis públicas são protocoladas
pelos órgãos públicos. As associações respondem por apenas 10,34%.
Esses dados reforçam as preocupações de Cappelletti e Garth no sentido da
necessidade de fortalecer as associações para que possam defender em juízo o direito de seus
associados. Na prática, elas se limitam a apresentar denúncia ao Ministério Público para que
esse órgão promova individualmente a ação.
96
91
Lei nº 8.078/90.
92
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 59.
93
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 59.
94
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à Justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta
concepção como “movimento” de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Ed., 2005, p. 91.
95
CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova
sistematização da teoria geral do processo – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 205-210.
96
CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova
sistematização da teoria geral do processo – Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 211-212.
32
1.2.3 A terceira onda: uma concepção mais ampla, um novo enfoque de acesso à justiça
Mesmo com os progressos alcançados pelas “ondas” anteriores, por intermédio da
ampliação de acesso pela assistência jurídica aos necessitados e a busca de mecanismos para a
representação de interesses metaindividuais, que beneficiaram não apenas os economicamente
fracos, mas a sociedade em geral, essas duas “ondas” contêm limitações, uma vez que
cuidaram basicamente do direito de representação judicial de interesses antes não
representados ou mal representados.
97
Por essa razão, a terceira “onda” tem um alcance muito mais amplo, que inclui a
advocacia pública e privada, judicial ou extrajudicial e o conjunto geral de instituições e
mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e prevenir litígios. O método
da terceira “onda” não exclui o das duas primeiras, mas as complementam.
98
Nas duas “ondas” anteriores, as limitações do acesso à justiça eram de ordem
econômica e organizacional, enquanto na terceira “onda” um dos obstáculos a ser transposto
será a estrutura do sistema processual, com a criação de novos mecanismos para defesa
efetiva dos direitos sociais, adaptando o processo ao tipo de litígio, já que o processo
tradicional pode não ser o melhor caminho.
99
Outra mudança necessária é a alteração na estrutura organizacional do Poder
Judiciário, com a criação de outras arenas judiciais e utilização de métodos alternativos de
resolução de conflitos.
100
No Brasil, destacam-se a criação dos Juizados de Pequenas Causas, em 1984,
101
inspirados nas Small Claims Court
102
da cidade de Nova Iorque, e que posteriormente, com a
promulgação da Constituição da República de 1988,
103
passaram a fazer parte da estrutura do
Poder Judiciário e foram denominados Juizados Especiais, disciplinados pela Lei nº 9.099, de
26 de setembro de 1995.
97
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 67.
98
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 67.
99
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 69-71.
100
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 69-73.
101
Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984.
102
CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas
Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas.
Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 23-36.
33
Cappelletti e Garth afirmam que os Juizados Especiais de certa forma resumem o
movimento de acesso à justiça, porquanto atendem ao desafio de criar órgãos eficazes,
informais, acessíveis e de baixo custo para a defesa dos direitos do cidadão comum,
principalmente em confronto com adversários poderosos e experientes.
104
Os Juizados Especiais por sua própria natureza são especializados, salientam
Cappelletti e Garth, “uma vez que lidam com uma parcela relativamente estreita no que diz
respeito à legitimidade e à matéria”.
105
Ainda podemos mencionar a Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe
sobre a arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis e está
dentro das reformas e alterações previstas nessa terceira “onda”. Atualmente tramita no
Congresso Nacional projeto de lei para instituir a mediação judicial e extrajudicial.
106
Com a Emenda Constitucional nº 45 – conhecida por Reforma do Judiciário - de 8
de dezembro de 2004, foi permitida a descentralização das atividades dos Tribunais de Justiça
dos Estados, com a constituição de Câmaras regionais, “a fim de assegurar o pleno acesso do
jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo.”
107
Também com essa Emenda Constitucional foi institucionalizada a Justiça
Itinerante, com a realização de audiências e demais funções da atividade
jurisdicional,
108
embora essa previsão constasse implicitamente na Lei dos Juizados
Especiais
109
e muitos Estados se utilizassem desse instituto por meio de atos
administrativos baixados pela presidência dos Tribunais.
110
103
Art. 98, inciso I, CR/88.
104
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 113.
105
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 113..
106
Projeto de Lei nº 4827/1998 (Câmara dos Deputados) e Projeto de Lei nº 94/2002 (Senado Federal).
107
Art. 125, § 6º da CR/88.
108
Arts. 107, §, 2º, 115, § 1ºe 125, § 7º da CR/88.
109
Lei 9.099/95, art. 94 - “Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora da
sede da Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de acordo
com audiências previamente anunciadas.”
110
AZKOUL, Marco Antônio. Justiça Itinerante. 215 f. Tese (Doutorado em Direito Constitucional) -
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, 2006, p. 124. Disponível em:
<http://www.sapientia.pucsp.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=2326>. Acesso em: 02 mai. 2009.
34
1.3 O acesso à justiça: direito e garantia
A Constituição da República refere-se aos direitos e garantias fundamentais, em
regra, como expressões sinônimas. A doutrina, no entanto, faz distinção entre os dois, cuja
origem está doutrina alemã, ao utilizar o termo direito para referir-se ao direito material, e
garantias para reportar-se aos institutos jurídicos-políticos estatais criados para resguardar
tais direitos.
111
Um dos primeiros a fazer essa diferenciação no direito brasileiro foi Rui
Barbosa,
112
ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem
existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em
defesa dos direitos, limitam o poder.
113
Dessa forma, as disposições declaratórias instituem os direitos; as assecuratórias
instituem as garantias, sendo muito comum juntar-se na mesma disposição constitucional ou
legal a declaração do direito com a fixação da garantia.
114
Em resumo, “os direitos são bens e vantagens prescritos na Constituição,
enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos
aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.”
115
Nesse entendimento, o acesso à justiça apresenta-se ao mesmo tempo como um
direito e uma garantia fundamental. Como direito, por estar previsto na Constituição, dentre
outros, o direito de pleitear a tutela jurisdicional, de assistência jurídica aos necessitados, do
devido processo legal, da duração razoável do processo, etc. Como garantia, para assegurar a
fruição desses direitos (e dos princípios fundamentais), por meio de uma prestação
jurisdicional acessível a todos, adequada, em tempo hábil e eficaz.
116
1.4 O acesso à justiça: direito natural, humano e fundamental
111
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: rgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 154.
112
BARBOSA, Rui. A Constituição e os actos inconstitucionaes do Congresso e do Executivo ante a justiça
federal. Rio de Janeiro: Companhia Impressora, 1893, p. 187. BDJur, Brasília, DF. Disponível em:
<http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/21512>. Acesso em: 21 dez. 2009.
113
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. - São Paulo: Atlas, 2005, p. 28.
114
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. - São Paulo: Atlas, 2005, p. 28.
115
LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2007, p. 695.
116
CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 188.
35
Também as expressões direitos naturais, direitos humanos e direitos
fundamentais são utilizadas,
117
com certa constância, como sinônimas,
118
e até mesmo como
gênero e espécies uma das outras, embora a doutrina faça distinções conceituais, ainda que
entre elas ocorram ligações significativas.
Antes de qualquer consideração, é necessário esclarecer que não é objetivo deste
trabalho formular a conceituação sobre essas expressões, trazer as suas origens e evoluções
históricas ou fazer um estudo aprofundado sobre suas distinções.
119
A intenção é apenas fazer
uma ligação entre o acesso à justiça e esses direitos, reforçando, assim, a importância do tema
para a cidadania e consolidação da democracia.
Os direitos naturais são inerentes à natureza do ser humano e anteriores a
qualquer outro direito. É um direito universal e válido para todos os povos e em todos os
tempos.
120
Alguns doutrinadores consideram essa terminologia ultrapassada.
121
Direitos humanos é uma expressão com significado mais amplo, conforme
comenta Danielle Annoni:
[...] apontando para todos os direitos do ser humano, quer tenham sido eles
positivados ou não. Em regra, guarda relação com o Direito Internacional,
por referir-se às posições jurídicas que reconhecem o ser humano como
sujeito de direitos, de direitos humanos, sem sua vinculação com o
reconhecimento desses mesmos direitos pela ordem constitucional ou
infraconstitucional de determinado Estado. Aspiram, pois, a uma validade
universal, para todos os povos e tempos.
122
117
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: rgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 36; BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da
realização do direito. – 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 116.
118
Existem outras expressões com significados semelhantes, como direitos humanos fundamentais, direitos do
homem, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos morais, direitos do cidadão, etc. No entanto,
por entender que essas expressões são apenas variações terminológicas derivadas das expressões apresentadas,
estando abrangidas pelas suas conceituações, fiz a opção de trazer os conceitos de apenas das três expressões
mais comuns.
119
Para um estudo mais detalhado sobre os temas ver: ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à
Justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 30-38; BEZERRA, Paulo Cezar Santos.
Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito. ed. Revista. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008, p. 113-126. DORNELLES, João Ricardo W. O que são Direitos Humanos. São Paulo:
Brasiliense, 2006; COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo:
Saraiva, ed. 2001; BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2004; SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 5ª ed., 2005; VIEIRA, Oscar Vilhena. Direitos Fundamentais: uma leitura da
jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2006.
120
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. – 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 116.
121
Para maiores detalhes ver BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 21-82.
36
A expressão direitos humanos, ainda segundo Danielle Annoni, pode sofrer
diferenças conceituais em decorrência da sua contextualização histórica, cultural e jurídica de
determinado povo. Entretanto, uma conceituação mais moderna entende-o como “aqueles
essenciais ao desenvolvimento digno da pessoa humana”, pois remete “à proteção da
integridade física e moral”.
123
Os direitos humanos foram positivados ao longo dos tempos em vários Tratados
Internacionais.
124
No Brasil, a Constituição brasileira disciplina no parágrafo do artigo
que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados pelo
Congresso Nacional serão equivalentes às emendas constitucionais, ou seja, a própria
Constituição atribuiu hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de
direitos humanos, não podendo ser desrespeitada por legislação infraconstitucional.
125
Os direitos fundamentais (stricto sensu), por sua vez, são os direitos do homem
jurídico, ou seja, aqueles direitos reconhecidos e positivados pelo direito constitucional de
determinado Estado.
126
A Constituição da República de 1988 concretizou o direito de acesso à justiça
como direito fundamental por meio de vários incisos contidos no artigo 5º, do Título dos
Direitos e Garantias Fundamentais, tais quais:
XXXV – a lei não excluíra da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;
LIV ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal;
122
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: rgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 36.
123
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: rgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 34-35.
124
Declaração de Direitos de Virgínia (1776); Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789);
Declaração Universal dos Direitos do Homem (ONU, 1948); Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem (OEA, 1948); Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa
Rica, etc.
125
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ementa: "Habeas corpus" Prisão civil Depositário Judicial - A
Questão da infidelidade depositária Convenção Americana de Direitos Humanos (Artigo 7º, 7) Hierarquia
constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos – Pedido deferido. Ilegitimidade jurídica da
decretação da prisão civil do depositário infiel.
HC 90450 / MG Minas Gerais - Habeas Corpus: Relator(a):
Min. CELSO DE MELLO - Julgamento: 23/09/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma Publicação: NDJe-
025 Divulg 05-02-2009 Public 06-02-2009. Ement Vol-02347-02 PP-00354. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br.>. Acesso em: 05 mai. 2009.
126
ANNONI, Daniele. O Direito Humano de Acesso à Justiça no Brasil. Porto Alegre: rgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 36.
37
LV aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados
em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes;
LXXIV o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos.
LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação;
Paulo Cezar dos Santos Bezerra
127
argumenta que os direitos fundamentais foram
influenciados pelos direitos naturais, pois as normas que regem o direito à vida, à integridade
física, à liberdade e outras mais, são, ao mesmo tempo, direito natural, porque impostas e
válidas para todos, sem necessidade de sua positivação pelo legislador, e direito fundamental,
já que consagradas em diversas Constituições.
O direito à justiça, como o direito à vida ou à liberdade, é um direito que antecede
o Estado, portanto à lei e ao processo.
128
O acesso à Justiça não pode ser visto apenas em seu
aspecto formal, ou processual, de possibilidade de acesso ao Judiciário. A justiça sempre foi
perseguida pela humanidade. Todo e qualquer relato histórico das civilizações demonstra a
sua busca pela justiça
129
. A luta pela justiça é inerente à natureza humana. Logo, o direito de
acesso à justiça é um direito natural.
130
Nesse sentido, posiciona-se Paulo Cezar Santos Bezerra,
131
afirmando que:
Quando se pensa em justiça, não se está apenas querendo observar o aspecto
formal da justiça, nem seu caráter processual. Argumenta-se com um valor
que antecede a lei e o processo. O acesso à justiça pois, nessa perspectiva, é
um direito natural, um valor inerente ao homem, por sua própria natureza.
127
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 120.
128
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.
129
A história da civilização contada pela doutrina cristã relata que Deus fez justiça ao aplicar uma pena em Caim
por ter matado seu irmão Abel. Fonte: Bíblia Sagrada, Gênesis 5, 9.
130
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.
131
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.
38
Por outro lado, o direito de acesso à justiça é um direito formal que garante a
qualquer pessoa propor e contestar uma ação. É um direito que nasce junto com o Estado. Ele
está efetivado pela Constituição e pela legislação infraconstitucional. Assim, nesse sentido, o
acesso à justiça é um direito fundamental.
132
Na verdade, os direitos somente se realizam se for possível reclamá-los perante os
tribunais, ou seja, “o direito de acesso à justiça é o direito sem o qual nenhum dos demais se
concretiza. Assim, a questão do acesso à justiça é primordial para a efetivação de todos os
direitos.”
133
Com isso, o direito de acesso à justiça passou a ser reconhecido como um dos
direito mais fundamentais do homem,
134
no sentido de que torna possível a materialização de
qualquer outro direito,
135
pois a incapacidade do Estado de garantir sua efetivação, pela
ausência de mecanismos de materialização dos direitos reconhecidos, corresponde à negação
do próprio Estado e principalmente da democracia.
136
Cappelletti e Garth identificam o direito de acesso à justiça como um direito
humano e também um direito fundamental:
De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido
como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e
sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na
ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça
pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental o mais básico
dos direitos humanos de um sistema jurídico moderno e igualitário que
pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.
137
(sem grifos
no original)
Parece acertada a conclusão dos autores, pois como os direitos humanos são um
princípio geral do Direito Internacional e estão codificados em vários tratados e declarações
132
BEZERRA, Paulo Cezar Santos. Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do
direito. – 2ª ed. Revista. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 122.
133
SADEK, Maria Tereza A. Efetividade de direitos e acesso à Justiça. In: Reforma do judiciário. BOTTINI
Pierpaolo, RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (Coords). São Paulo: Saraiva, 2005, p. 274.
134
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 12.
135
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. In: FARIA, José
Eduardo (org.) Direito e Justiça: A função social do judiciário. São Paulo: Editora Ática, 1989, p. 45.
136
ANNONI, Daniele. Direitos humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá, 2003, p.
114.
137
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 11-12.
39
internacionais que expressamente tratam do acesso à justiça (ver item 1.4), este também é
considerado um direito humano.
Em reforço, Ronnie Preuss Duarte, com apoio no ordenamento jurídico Português,
sustenta que a base fundamental do direito de acesso à justiça é o princípio da dignidade da
pessoa humana (elemento essencial dos direitos humanos), já que este princípio somente pode
ser protegido e garantido enquanto for assegurada ao cidadão a possibilidade de recorrer ao
Poder Judiciário para tutelar seus direitos, principalmente aqueles que gozam de dignidade
constitucional.
Parece-nos extreme de quaisquer dúvidas que o direito de acesso a justiça
(onde está compreendido, portanto, o direito de acesso aos tribunais e ao
justo processo) não tem como base jusfundamental a dignidade da pessoa
humana, mas que ele é dotado de uma relevância qualificada, à exata medida
que assegura a própria realização dos demais direitos fundamentais. À
mingua de tal garantia, os direitos e interesses subjetivos (todos eles, frise-
se) quedam carentes de qualquer condição de praticabilidade, tornando-se
meras proclamações formais, completamente esvaziadas de conteúdo.
138
(sem grifos no original)
Em consequência de todo esse acoplamento entre os conceitos apresentados pela
doutrina, pode-se deduzir que o direito de acesso à justiça é, ao mesmo tempo, um direito
natural, humano e fundamental.
1.5 Pactos internacionais sobre o acesso à justiça
A Declaração Universal dos Direitos do Homem das Organizações das Nações
Unidas (ONU), de 1948, sem dúvida é o diploma internacional que mais se destaca na
importância dos direitos fundamentais (e humanos).
No plano normativo essa Declaração impulsionou o processo de generalização da
proteção internacional dos direitos humanos, resgatando o ser humano como sujeito de
Direito Internacional, motivando a criação de vários outros mecanismos e sistemas de
138
DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra.
Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 83-87.
40
proteção, sendo seus princípios hoje considerados princípios gerais do Direito no que se refere
à matéria.
139
O artigo da referida Declaração da ONU estabelece que “Todo o homem tem
direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem
os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”
140
o artigo 10 prescreve que “Todo o homem tem direito, em plena igualdade, a
uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir
de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”.
141
Da simples leitura desses preceitos pode-se extrair de imediato as garantias de (i)
acesso à justiça; (ii) gratuidade nesse acesso; (iii) efetividade; (iv) juiz natural e imparcial; (v)
publicidade e (vi) contraditório.
142
Ronnie Preuss Duarte faz uma ressalva importante ao observar que o assinalado
no artigo 8º pode parecer, inicialmente, restringir o acesso à justiça apenas contra violações de
direitos fundamentais, no entanto:
Se hoje, sobretudo nos países em que se consagra uma ‘cláusula aberta’ dos
direitos fundamentais (a exemplo de Portugal, Espanha e Brasil),
consenso quanto à dupla dimensão, respectivamente formal e material dos
direitos fundamentais, tal entendimento não era existente em 1948, época da
proclamação da DUDH
143
. Assim, por ‘direitos fundamentais reconhecidos
por lei’, dicção do referido dispositivo, deve entender-se ‘direitos
subjetivos do cidadão’ afastando-se, por tal razão, uma postura interpretativa
de características limitadoras [...].
144
Na Comunidade Europeia, sob a influência da Declaração Universal da ONU,
decidiu-se instituir um sistema próprio para proteção dos direitos humanos do cidadão
europeu, que resultou na Convenção Europeia de Direitos Humanos, assinada em Roma, no
ano de 1950. Essa Convenção influenciou o direito interno dos Estados membros, que aos
139
ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: rgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 93.
140
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm> . Acesso em: 06 mai. 2009.
141
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/deconu/textos/integra.htm> . Acesso em: 06 mai. 2009.
142
DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra,
Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 59.
143
DUDH significa Declaração Universal dos Direitos Humanos.
144
DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra,
Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 59-60.
41
poucos emendaram suas Constituições para incluir os direitos proclamados pela
Convenção.
145
No artigo 6º da Convenção Europeia está previsto que:
146
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e
publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial,
estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus
direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer
acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser
público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou
ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da
moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade
democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada
das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente
necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade
pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto
a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma
minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;
b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;
c) Defender se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha
e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido
gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o
exigirem;
d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a
convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas
condições que as testemunhas de acusação;
e) Fazer se (sic) assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou
não falar a língua usada no processo. (sem grifos no original)
Esse artigo é complementado pelo artigo 13º:
147
Qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente
Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância
nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que
actuem no exercício das suas funções oficiais. (sem grifos no original)
145
ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: rgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 95.
146
Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-
04-11-950-ets-5.html> . Acesso em: 06 mai. 2009.
147
Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-
04-11-950-ets-5.html> . Acesso em: 06 mai. 2009.
42
De acordo com esses dispositivos, qualquer pessoa tem direito de (i) acesso aos
tribunais; (ii) julgamento em prazo razoável; (iii) publicidade; (iv) juiz natural e imparcial; (v)
ampla defesa e (v) assistência jurídica gratuita para garantir acesso efetivo à justiça.
148
Além dos mencionados dispositivos, outros ainda informam o direito de acesso à
justiça, como por exemplo, o artigo 7º, princípio da legalidade; artigo 34º, direito à petição
individual; artigo 40º, direito à audiência pública e acesso aos documentos; artigo 45º, direito
à sentença fundamentada.
149
Também sob a influência da Declaração Universal dos Direitos Humanos da
ONU, a Organização dos Estados Americanos - OEA -, em 1969, instituiu a Convenção
Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.
Essa Convenção apresenta diversos dispositivos que indicam ser constituidores de
direitos e garantias que respaldam o acesso à justiça, como os que garantem a qualquer pessoa
impetrar habeas corpus, ainda que sem formação técnico-jurídica (art. 7º, número 6);
prestação jurisdicional em prazo razoável, e por juiz natural e imparcial; devido processo
legal; assistência jurídica gratuita; duplo grau de jurisdição, etc. (art. 8º).
150
148
DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça: os direitos processuais fundamentais. Coimbra,
Portugal: Coimbra Editora, 2007, p. 62.
149
Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-
04-11-950-ets-5.html> . Acesso em: 06 mai. 2009.
150
Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas
pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.
3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.
4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação
ou das acusações formuladas contra ela.
5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra
autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de
ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias
que assegurem o seu comparecimento em juízo.
6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este
decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção
forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua
liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de
tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa
ou por outra pessoa.
7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária
competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.
Artigo 8º - Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz
ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente
comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias
mínimas:
43
Também merece referência a Convenção de Haia sobre o Acesso Internacional à
Justiça, de 25 de outubro de 1980, à qual o Brasil não está filiada, que regula assistência
jurídica internacional entre os Estados Contratantes para os processos judiciais em matéria
civil e comercial.
O direito de acesso à justiça pode originar-se de outras normas internacionais que
contenham disposições referentes ao processo judicial, em particular, e à justiça de um modo
geral.
No Brasil, por força do artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição de 1988, os
direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes de tratados internacionais
em que o Brasil seja parte,
151
como no caso da Declaração da ONU e do Pacto de San José da
Costa Rica.
1.6 Efetividade do direito de acesso à justiça
Quando se fala em acesso à justiça vem logo a ideia do ingresso facilitado ao
Judiciário. Essa concepção está restrita ao simples acesso ao Judiciário, como se fosse um
facilitador do direito de petição
152
perante os órgãos judiciais.
a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não
fale a língua do juízo ou tribunal;
b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada;
c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;
d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de
comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;
e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo
a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido
pela lei;
f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como
testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos;
g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e
h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.
3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.
4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos
mesmos fatos.
5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.
Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso
em: 06 mai. 2009.
151
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional promulgado em 5 de
outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nºs 1/92 a 56/2007 e pelas Emendas
Constitucionais de Revisão nºs 1 a 6/94. – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.
152
Art. 5º, inciso XXXIV, letra “a”, CR/88.
44
Entretanto, a concepção moderna do termo acesso à justiça tem uma dimensão
muito mais ampla, no sentido de possibilitar aos cidadãos um acesso efetivo, moderno e
igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os direitos de todos.
153
Para o professor Kazuo Watanabe a questão do acesso à justiça não pode ser
estudada apenas pela perspectiva de acesso aos órgãos judiciais. “Não se trata apenas de
possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à
ordem jurídica justa.”
154
Segundo o referido autor, são dados elementares desse direito à ordem jurídica
justa: (1) direito à informação; (2) direito de acesso à justiça adequadamente organizada e
formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de
realização da ordem jurídica justa; (3) direito à preordenação dos instrumentos processuais
capazes de promover a efetiva tutela de direitos; (4) direito à remoção de todos os obstáculos
que se anteponham ao acesso efetivo à justiça com tais características.
155
Para efetivar esse direito, ensina Watanabe, é preciso uma nova postura mental,
devendo pensar a ordem jurídica e as instituições pela perspectiva do destinatário da justiça,
que é o povo, e não do Estado, de modo que o problema do acesso traz à tona não apenas um
programa de reforma, mas também um método de pensamento.
156
Hoje, lamentavelmente, a perspectiva que prevalece é a do Estado, quando
não do ocupante temporário do poder, pois, com bem ressaltam os cientistas
políticos, o direito vem sendo utilizado como instrumento de governo para
realização de metas e projetos econômicos. A ética que predomina é da
eficiência técnica, e não da equidade e do bem-estar da coletividade.
157
Cappelletti e Garth apontam que a efetividade perfeita do direito de acesso à
justiça poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas’, sendo o resultado de uma
153
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,
Fabris, 1988, p. 12.
154
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1988, p. 128.
155
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1988, p. 135.
156
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1988, p. 128.
45
demanda judicial dependente apenas dos méritos jurídicos das partes, sem qualquer influência
de variáveis externas
158
ao Direito, mas que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação
dos direitos.
159
Porém, segundo os mesmos autores, como essa perfeita igualdade é utópica,
que as diferenças não podem ser completamente erradicadas, a questão é saber quantos dos
obstáculos ao acesso efetivo à justiça podem ser atacados.
160
Como foi abordado alhures, Cappelletti e Garth identificaram esses obstáculos
nas (i) custas judiciais, (ii) possibilidades das partes e (iii) problemas especiais dos interesses
difusos. Esses três elementos que obstam o acesso à justiça estão relacionados com fatores
econômicos, sociais e culturais.
161
Os obstáculos econômicos verificam-se pelo elevado custo do processo, que a
“resolução formal de conflitos é muito dispendiosa (...) na maior parte das sociedades
modernas”.
162
No Brasil esse custo é formado pelas despesas com as custas iniciais, citações,
intimações, publicação de editais, perícias, honorários advocatícios, preparo para recurso, etc.
Cappelletti e Garth revelam que em determinados países os custos de uma
demanda eram muito elevados e que a relação entre o valor da causa e o custo do processo
aumentava à medida que baixava o valor da causa.
A esse fato acresce-se o tempo empregado para resolução do conflito, que é um
adicional no custo do processo para as partes, principalmente o cidadão mais fraco
economicamente, pressionando-o a abandonar a causa ou aceitar acordos desfavoráveis.
163
No Brasil, relatório divulgado pela Secretaria de Reforma do Judiciário do
Ministério da Justiça, denominado Judiciário e Economia, citando dados coletados pelo
157
WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade moderna. In: PELLEGRINI, Ada Grinover;
DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo (coords.). Participação e Processo. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 1988, p. 128.
158
José Cichocki Neto identifica dois grandes polos problemáticos e limitadores ao acesso à Justiça: um de
natureza exoprocessual, referente a fatores sociais, políticos e econômicos, bem como ao método de
interpretação do direito e outro de natureza endoprocessual, constituído por limitações decorrentes da
instauração e desenvolvimento da própria relação processual. In: CICHOCKI NETO, José. Limitações ao
acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 188.
159
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 15.
160
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 15.
161
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo:
Cortez, 1995, p. 168.
162
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 15.
163
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 20.
46
Ministério da Fazenda
164
junto a instituições financeiras, demonstra que as despesas com o
processo (custas, honorários, etc.) e a demora na resolução dos conflitos em grande parte das
vezes desestimula a propositura de uma ação judicial, com efeitos negativos nos contratos de
crédito e investimentos.
[...] se o cidadão lesado recorrer à Justiça brasileira para ver garantido seus
direitos, perderia no processo entre 43,2% e 17% do valor da causa no
menor e maior valor do contrato, respectivamente pela modalidade
extrajudicial, que é mais simples e mais rápida (de até 1 ano em se
considerando que não sejam interpostos embargos à execução). O rito
processual mais complexo pode durar até 8 anos entre as fases de
conhecimento, de liquidação e determinação do valor e execução da sentença.
Se o processo tiver curso até o fim, para valores até R$ 500,00, verifica-se que
o custo é superior ao valor da causa, o que inviabiliza o uso do serviço
judicial. Mesmo para o maior valor de contrato considerado no estudo, de R$
50 mil, quase 76% desse valor se perderia ao longo do processo judicial, o
que explica o porquê do desestímulo do cidadão de recorrer ao serviço
jurisdicional. De fato, da perspectiva do proponente do pleito, que tem um
direito a ser ressarcido, é economicamente viável levá-lo até seu termo
caso seja uma causa de alto valor ou se disponha de estrutura jurídica
permanente, como no caso das empresas de grande porte. do lado da parte
ré, é economicamente vantajoso estender o pleito até seu último recurso, pois
o valor da sentença não sofre atualização na mesma proporção que o
rendimento oferecido por ativos financeiros.
165
Essa situação é sentida com maior intensidade nas causas de pequeno valor,
chegando os custos a exceder o montante discutido no processo, tornando a demanda uma
futilidade.
166
Esses obstáculos econômicos atingem mais os cidadãos com menos recursos
econômicos, já que são eles basicamente os autores das ações de menor valor e é nessas ações
que a justiça é proporcionalmente mais cara.
167
Em decorrência desse conjunto de fatores - custo e tempo - o sistema judicial
passa a ser utilizado pelo demandante que não tem razão, o que é um contrassenso.
Essa contradição pode gerar um efeito secundário, mas que tem impacto direto no
tempo de duração dos processos, pois ela fomenta a busca pelo judiciário não para proteger
164
Dados produzidos pela Secretaria de Política Econômica em 2004 no documento intitulado de “Reformas
Microeconômicas e crescimento de longo prazo”. Fonte: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em 01 maio 2009.
165
Disponível em: <http://www.mj.gov.br>. Acesso em: 01 mai. 2009.
166
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 19.
167
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo:
Cortez, 1995, p. 168.
47
um direito, mas para impedir a realização desse direito ou pelo menos protelar o cumprimento
de uma obrigação, provocando o aumento do número de ações judiciais que
consequentemente refletem na lentidão do Judiciário.
Nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, “quanto maior for a demora do
processo, maior será o dano imposto ao autor e, por consequência, maior será o benefício
conferido ao réu”.
168
Quanto aos obstáculos sociais e culturais, estes constituem um dos campos de
investigação da sociologia da administração da justiça. Boaventura de Sousa Santos faz a
seguinte observação:
[...] a sociologia da administração da justiça tem-se ocupado também dos
obstáculos sociais e culturais ao efectivo acesso à justiça por parte de classes
populares, e este constitui talvez um dos campos de estudo mais inovadores.
Estudos revelam que a distância dos cidadãos em relação à administração da
justiça é tanto maior quanto mais baixo é o estrato social a que pertencem e
que essa distância tem como causas próximas na apenas factores
econômicos, mas também factores sociais e culturais, ainda que uns e outros
possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as
desigualdades econômicas. Em primeiro lugar, os cidadãos de menores
recursos tendem a conhecer pior os seus direitos e, portanto, a ter mais
dificuldades em reconhecer um problema que os afecta com sendo jurídico.
[...]. Em segundo lugar, mesmo reconhecendo o problema jurídico, como
violação de um direito, é necessário que a pessoa se disponha a interpor a
acção. Os dados mostram que os indivíduos das classes baixas hesitam muito
mais que os outros em recorrer aos tribunais, mesmo quando reconhecem
estar perante um problema legal. [...] ou seja, quanto mais baixo é o status
sócio-econômico da pessoa acidentada menor é a probabilidade que
interponha uma acção de indenização
.
169
Desse modo, as possibilidades das partes de que falam Cappelletti e Garth, isto é,
a sua condição sociocultural, tem interferência direta no acesso efetivo à justiça.
As pessoas e organizações que dispõem de melhores condições econômicas têm
maiores facilidades de acesso à justiça. Elas podem pagar para recorrer à justiça e ainda
podem suportar a demora de um litígio. Além disso, a parte que pode despender maiores
gastos tem uma condição melhor de produzir suas provas do que a outra, desprovida de
168
MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação de tutela. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 10ª ed.,
2008, p. 274.
169
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo:
Cortez, 1995, p. 169.
48
recursos financeiros.
170
Isto é, a desigualdade econômica é um fator inseparável da
problemática do acesso à justiça.
Outro ponto acerca das possibilidades das partes é o que Cappelletti e Garth
chamam de capacidade jurídica pessoal, que se relaciona com as vantagens de recursos
financeiros e diferenças de educação, meio e status social.
171
Num primeiro plano está a condição de reconhecer a existência de um direito
juridicamente exigível. Mesmo as pessoas dotadas de maiores condições econômicas têm
dificuldades em compreender o ordenamento jurídico. As leis se multiplicam rapidamente e
são compreensíveis apenas para os aplicadores do direito, fazendo com que as normas fiquem
distantes da realidade social.
172
Mesmo consumidores bem informados, por exemplo, raramente se dão
conta de que sua assinatura num contrato o significa que precisem,
obrigatoriamente, sujeitar-se a seus termos, em quaisquer circunstâncias.
Falta-lhes o conhecimento jurídico sico não apenas para fazer objeção a
esses contratos, mas até mesmo para perceber que sejam passíveis de
objeção.
173
Na realidade, de qualquer maneira, as pessoas de baixa renda são mais atingidas
nesta questão. Elas possuem maior dificuldade de obter informações sobre seus direitos e não
sabem distinguir e reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível e menos ainda
como ajuizar uma ação.
Como observa Boaventura de Sousa Santos:
Quanto mais baixo é o estrato sócio-econômico do cidadão menos provável é
que conheça advogado ou que tenha amigos que conheçam advogados,
menos provável é que saiba onde, como e quando pode contactar o advogado
e maior a distância geográfica entre o lugar onde vive ou trabalha e a zona da
cidade onde se encontram os escritórios de advocacia e os tribunais.
174
170
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 21.
171
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 22.
172
MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais
do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 36.
173
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 23
174
SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo:
Cortez, 1995, p. 170.
49
Outra importante questão que merece destaque diz respeito ao que Cappelletti e
Garth, citando Galanter, definiram como litigantes eventuais e habituais, baseado na
frequência de encontros com o sistema judicial.
175
Os litigantes eventuais nunca ou poucas
vezes estiveram perante um juiz, enquanto o litigante habitual está acostumado com as lides
forenses.
As vantagens dos litigantes habituais seriam:
1) maior experiência com o Direito possibilita-lhes melhor planejamento do
litígio; 2) o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais
casos; 3) o litigante habitual tem oportunidade de desenvolver relações
informais com os membros da instância decisora; 4) ele pode diluir os riscos
da demanda por maior número de casos; e 5) pode testar estratégias com
determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em
relação a casos futuros.
176
Para as empresas também é muito mais fácil administrar uma demanda judicial do
que para o cidadão comum. As empresas normalmente possuem advogados ou um corpo de
advogados bem preparados que são contratados independentemente do número de ações que
serão propostas ou defendidas em nome da empresa, e quanto mais habituais for a sua
litigância, mais ela pode atenuar os seus riscos e custos.
As despesas com suas demandas judiciais estão contabilizadas nos custos da
empresa e fazem parte na formação do preço de venda de seus produtos ou serviços, ou seja, a
ela transfere para seus clientes os custos e riscos das suas ações judiciais, enquanto o cidadão
comum tem que assumir os riscos e suportar sozinho o ônus de uma derrota judicial.
177
Portanto, os litigantes parecem possuir uma igualdade de armas, mas essa
igualdade está somente nas regras processuais, sendo prejudicada em conformidade com a sua
condição sociocultural.
178
Por final, Cappelletti e Garth falam dos obstáculos relativos aos direitos difusos,
como os ambientais e dos consumidores, cujo problema básico, na ótica dos autores, que eles
175
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 25.
176
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 25.
177
MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais
do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 38.
178
GOMES NETO, José Mário Wanderley; PORTO, Júlia Pinto Ferreira. Análise sociojurídica do acesso à
justiça: as implicações no pluralismo jurídico do acesso à ordem jurídica justa. In: GOMES NETO, José rio
Wanderley (org.) Dimensões do acesso à justiça. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2008, p. 162.
50
apresentam “é que, ou ninguém tem direito a corrigir a lesão a um interesse coletivo, ou o
prêmio para qualquer indivíduo buscar essa correção é pequeno demais para induzi-lo a tentar
uma ação.”
179
Os direitos coletivos (em sentido amplo) pertencem a todos e ao mesmo tempo
ninguém os representa de forma privada sem que ocorra ação de um grupo.
180
É que o sistema
processual clássico foi concebido para a solução de conflitos individuais, envolvendo duas
partes ou um número restrito de pessoas.
Para superar esse problema não basta a atribuição de legitimidade ad causam ativa
individual, é preciso fortalecer e estruturar as associações civis para enfrentar os problemas
que atingem seus associados, como adverte Marinoni,
181
citando pronunciamento de
Cappelletti em congresso realizado em Curitiba:
o consumidor isolado, ainda que não seja necessariamente pobre, encontra-se
inevitavelmente em uma situação de desvantagem diante do grande
empresário; o mesmo vale para o ambientalista diante das poluições
provocadas pelas grandes indústrias em geral quanto aos danos
(externalities) causados em larga escala. Produção e poluição, na estrutura
da moderna economia, são fenômenos de massa, que atingem categorias
inteiras de pessoas. Somente organizando-se, e assim unindo as próprias
forças, é que os consumidores de um mesmo produto ou as vítimas de uma
poluição ambiental, poderão se contrapor à potência dos empresários e dos
grandes poluidores.
Essas barreiras apresentadas não exaurem o tema e nem foram transpostas
totalmente no Brasil. A sociedade está sempre em transformação e por isso exige um contínuo
movimento de acesso à justiça. Noutra palavras, identificado os obstáculos, devem ser
propostas soluções práticas para esses problemas.
A efetividade do direito de acesso à justiça corresponde ao seu grau de eficiência
na consecução dos seus fins, ou seja, na realização de seu objetivo de proporcionar um acesso
à ordem jurídica justa.
179
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 26.
180
GOMES NETO, José Mário Wanderley; PORTO, Júlia Pinto Ferreira. Análise sociojurídica do acesso à
justiça: as implicações no pluralismo jurídico do acesso à ordem jurídica justa. In: GOMES NETO, José rio
Wanderley (org.) Dimensões do acesso à justiça. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2008, p. 162.
181
MARINONI. Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos fundamentais
do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 39.
51
A credibilidade do Poder Judiciário está condicionada à facilidade de seu acesso
por todos os segmentos e classes sociais
182
e pela sua eficiência, ou seja, pela solução ágil dos
conflitos que lhe são submetidos.
A tempestividade na resolução dos conflitos, ou seja, a duração razoável do
processo, é pressuposto do acesso à justiça, além de estar contido, como veremos, em diversas
legislações e pactos internacionais.
Nesse contexto, os Juizados Especiais é uma das respostas para superar as
barreiras do acesso à justiça, ao mesmo tempo em que resgata a confiança da população na
Justiça.
183
Com um rito simplificado, o sistema é capaz de imprimir celeridade no
procedimento e consequentemente efetividade, aspectos importantes na ampliação do acesso à
justiça, pois permitem aos cidadãos obterem uma solução mais rápida para seus conflitos,
evitando que em função de um formalismo inadequado para dirimir questões de menor
complexidade, sejam produzidos morosidade judicial e o consequente congestionamento nos
Juizados, como tem acontecido na justiça tradicional.
182
“...o sistema deve ser igualmente acessível a todos”. CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à
Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 8.
183
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In:
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 2.
52
2 OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS
2.1 Evolução legislativa
Influenciados pelos trabalhos de Cappelletti no denominado Projeto Florença,
juristas brasileiros idealizam uma nova instância para resolução de conflitos de pequeno
valor, baseada na conciliação, na gratuidade, na simplificação processual e procedimental e na
agilidade no trâmite processual.
A primeira experiência prática partiu da Associação dos Juízes do Rio Grande do
Sul - AJURIS - em parceria com o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
184
, no início dos
anos 80, com a criação do Conselho de Conciliação e Arbitragem, que apesar de não ter
existência legal e nem função judicante, com juízes trabalhando fora do horário de expediente
forense,
185
foi bem sucedida alcançando altos índices de conciliação.
186
Na mesma época, o governo federal, através do Ministério da Desburocratização,
sob a coordenação do então ministro Hélio Beltrão, procurava pôr em prática ideias voltadas
para a eliminação da burocracia desnecessária e consequentemente melhorar o desempenho
do Estado com economia de tempo e dinheiro. Para isso, instituiu-se o Programa Nacional da
Desburocratização (1979), tendo como secretário executivo o advogado João Geraldo Piquet
Carneiro.
187
Na análise das reclamações feitas pela população que chegavam ao Programa de
Desburocratização, Piquet Carneiro pôde constatar que grande parte queixava-se da
dificuldade de acesso à justiça em decorrência do alto custo do processo e da morosidade do
184
O primeiro Conselho foi instalado no dia 23 de julho de 1982, na comarca de Rio Grande, sob a
responsabilidade do juiz Antônio Guilherme Tanger Jardim. Logo depois foram instalados Conselhos de
Conciliação e Arbitramento no Estado do Paraná e Bahia. Detalhes da implantação desses Conselhos ver em:
VIANNA, Luiz Werneck. et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro:
Revan, 1999, p. 167-170; BARCELLAR, Roberto Portugal. Acesso e saída da justiça. Disponível em:
<http://www.tj.pr.gov.br/juizado/downloads/doutrina/acessoesaidadajustica.pdf>. Acesso em: 27 mai. 09.
185
O Conselho era órgão não jurisdicional e os conciliadores recrutados entre advogados, membros do
Ministério Público, Procuradoria do Estado, juízes aposentados, todos voluntários, sem remuneração e por isso
prestavam serviço no horário noturno, após o horário de suas atividades profissionais. Fonte: MORAES, Silvana
Campos. Juizado especial cível. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 84.
186
SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, ed., 1999, p.
10.
187
No endereço eletrônico <http://www.desburocratizar.org.br> pode-se obter maiores explicações sobre as
propostas e conquistas desse programa.
53
Judiciário, principalmente para questões de baixo valor econômico e reduzida complexidade
jurídica.
188
Diante dessa realidade, constatou-se que o principal problema do Judiciário
brasileiro a ser resolvido era criar mecanismos para possibilitar a uma grande parcela da
população (a maioria, na verdade) acesso a uma Justiça que fosse barata, rápida e eficaz.
Como não havia recursos materiais e humanos para uma grande e global reforma,
optou-se por desenvolver um procedimento especial para as pequenas causas como forma de
aliviar esses problemas para as pessoas de menor poder econômico.
189
A primeira medida do Ministério da Desburocratização foi conhecer a
experiência de outros países nessa área, em particular, dos Juizados de Pequenas Causas da
cidade de Nova York (Small Claims Court). Piquet Carneiro fez uma análise dos antecedentes
daquele Juizado e um estudo do seu funcionamento e estruturação, inclusive sob o ponto de
vista do acesso pela população.
190
Em seguida o Ministério da Desburocratização formou uma comissão para
discutir a criação dos Juizados de Pequenas Causas no Brasil, composta pelos juristas Kazuo
Watanabe, Cândido Rangel Dinamarco, Caetano Lagrasta Neto, Ada Pellegrini Grinover,
Paulo Salvador Frontini, entre outros membros, sendo presidida por João Geraldo Piquet
Carneiro.
191
Essa comissão tinha a tarefa de elaborar o anteprojeto de lei dos Juizados a partir
dos estudos realizados nos Juizados de Nova York e da experiência prática dos Conselhos de
Conciliação e Arbitragem do Rio Grande do Sul.
Após quase três anos de debates no meio acadêmico e profissional sobre os
Juizados de Pequenas Causas, o Congresso Nacional aprovou a Lei 7.244 que foi
sancionada e publicada em 7 de novembro de 1984, criando os Juizados Especiais de
Pequenas Causas para julgamento de causas até 20 (vinte) salários mínimos.
192
188
CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas
Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas:
Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.23.
189
CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas
Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas.
Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.24.
190
CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas
Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas.
Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.25.
191
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 18.
192
CARNEIRO, João Geraldo Piquet. Análise da estruturação e do funcionamento do Juizado de Pequenas
Causas da cidade de Nova Iorque. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas.
Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p.26.
54
A implantação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas teve um ritmo muito
lento, sendo que poucos Estados o colocaram em funcionamento, malgrado a carência de
recursos materiais e de pessoal.
193
A procura inicial por parte da população foi pequena, devido até mesmo à falta de
conhecimento, mas com o passar do tempo e a divulgação nos meios de comunicação o
cidadão foi descobrindo uma justiça mais acessível, barata e rápida.
194
Com a Constituição de 1988, que em seu art. 98
195
, inciso I, determinou a criação
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o sistema ganhou força e novos Juizados foram
instalados por todo o país, sendo que alguns Estados editaram leis para regulamentar o
processo e procedimento desse novo órgão, diante da inércia do legislador federal, como
ocorreu nos Estados de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Paraíba.
196
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, julgando um habeas corpus do Estado da
Paraíba, declarou inconstitucional a lei que regulamentava os Juizados Especiais naquele
Estado, sob o argumento de que somente a União teria competência para legislar sobre o
funcionamento desses órgãos.
197
193
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 51.
194
SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, ed., 1999, p.
10.
195
Na verdade, a Constituição da República de 1988 faz referência ao Juizado de Pequenas Causas, no art. 24,
inciso X, enquanto o art. 98, inciso I, trata dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Essa diferença de
nomenclatura suscita alguma dúvida sobre a possibilidade de existência de dois órgãos jurisdicionais distintos:
um para julgamento das pequenas causas (art. 24), e outro para as causas de menor complexidade. Muito embora
eu entenda que tenha ocorrido a unificação do sentido desses dois termos pela Lei 9.099/95, que ela
revogou expressamente a Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas (7.244/84), não como negar que
eles são distintos, pois pequenas causas (valor) não são a mesma coisa que menor complexidade (matéria). O
próprio STF, no julgamento do Habeas Corpus 71.713 da Paraíba, fez distinção entre os dois institutos
(“Dada a distinção conceitual entre os juizados especiais e os juizados de pequenas causas (cf. STF, ADIn 1.127,
cautelar, 28.9.94, Brossard), aos primeiros não se aplica o art. 24, X, da Constituição, que outorga competência
concorrente ao Estado-membro para legislar sobre o processo perante os últimos.”). Atualmente, na Câmara dos
Deputados, tramita a Proposta de Emenda à Constituição 358/2005, que muda entre outras coisas, a redação
do art. 98, incluindo a expressão pequenas causas. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoes>.
Acesso em: 28 ago. 2009.
196
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 52.
197
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Constitucional. Habeas Corpus 71.713/PB. Plenário. Relator Min.
Sepúlveda Pertence. I. [...]. II. Juizado especial: competência penal: "infrações penais de menor potencial
ofensivo": critério e competência legislativa para defini-las: exigência de lei federal. [...]1. As penas cominadas
pela lei penal traduzem presumidamente a dimensão do potencial ofensivo das infrações penais, sendo legítimo,
portanto, que as tome a lei como parâmetro da competência do Juizado Especial. 2. A matéria, contudo, é de
processo penal, da competência legislativa exclusiva da União. [...] 4. Conseqüente inconstitucionalidade da lei
estadual que, na ausência de lei federal a respeito, outorga competência penal a juizados especiais e lhe demarca
o âmbito material.
55
Para suprir essa lacuna legislativa, foram apresentados seis projetos de lei no
Congresso Nacional (Deputados Federais Jorge Arbage, Manoel Moreira, Dazo Coimbra,
Gonzaga Patriota, Michel Temer – apenas a parte criminal – e Nelson Jobim).
198
Na Câmara Federal o relator foi o deputado Ibrahim Abi Ackel, que apresentou
um substitutivo,
199
aproveitando na área cível o projeto do deputado Nelson Jobim e, na área
penal, absorveu o projeto do deputado Michel Temer, que tinha apresentado proposta da
Associação Paulista de Magistrados - APAMAGIS - e do Ministério Público do Estado de
São Paulo.
200
Após tramitação regular no Congresso Nacional o texto foi sancionado com
apenas um veto, no artigo 47, que possibilitava recurso aos Tribunais locais de decisões não
unânimes das Turmas Recursais.
201
Publicada em 26 de setembro de 1995, a Lei 9.099 regulamentou os Juizados
Especiais veis e Criminais (e revogou a Lei 7.244/84 que travava das pequenas causas)
estabelecendo, na área cível, competência para as causas de menor complexidade até 40
(quarenta) salários mínimos.
202
Na área criminal a competência é para infrações de menor potencial ofensivo, ou
seja, as contravenções e os crimes com pena de até um ano (art. 61). Posteriormente, em
2006, a lei nº 11.313, alterou a redação do artigo 61 da Lei nº 9.099, ampliando a sua
competência para os crimes de pena máxima não superior a dois anos
Em 1999, foi promulgada em 18 de março a Emenda Constitucional 22, que
dispôs sobre os Juizados Especiais Federais, sendo esses regulamentados pela Lei 10.259,
de 12 de julho de 2001.
198
SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, ed., 1999, p.
10.
199
Substitutivo é uma das espécies de Emendas que os parlamentares podem apresentar como acessória de uma
proposição (projetos de emenda à Constituição, projetos de lei ordinária, de lei complementar, de decreto
legislativo e de resolução). A Emenda substitutiva é a apresentada como sucedânea a parte de outra proposição,
denominando-se ‘substitutivo’ quando alterar, substancial ou formalmente, em seu conjunto; considera-se formal
a alteração que vise exclusivamente ao aperfeiçoamento da técnica legislativa.” In: BRASIL. CONGRESSO.
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento interno da mara dos Deputados ed. Brasília: Câmara dos
Deputados, Coordenação de Publicações, 2003.
200
SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, ed., 1999, p.
11.
201
SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, ed., 1999, p.
11.
202
Art. 3º, inciso I.
56
Os números
203
demonstram o acerto na criação dos Juizados Especiais. Porém,
esse sucesso tem provocado inúmeras tentativas de alargamento da sua jurisdição.
Atualmente, com uma simples consulta ao sítio eletrônico da Câmara dos Deputados
204
é
possível verificar a existência de mais de uma centena de projetos destinados a alterar ou
ampliar a competência dos Juizados Especiais.
Certamente que a legislação precisa ser aprimorada para acompanhar a dinâmica
da sociedade, todavia, alterações muito profundas podem descaracterizar a finalidade e as
características desse microssistema de justiça comprometendo a sua funcionalidade.
2.2 Finalidade dos Juizados Especiais
Quando se fala em acesso à justiça, como já foi afirmado anteriormente, fala-se de
acesso a uma ordem jurídica justa que possibilite uma “prestação jurisdicional efetiva,
adequada e tempestiva.”
205
Esse propósito estava expresso em diversos trechos da Exposição de Motivos da
Lei nº 7.244/84, que instituiu os Juizados Especiais de Pequenas Causas, dos quais destaco:
[...]
3. Os problemas mais prementes, que prejudicam o desempenho do Poder
Judiciário, no campo civil, podem ser analisados sob, pelo menos, três
enfoques distintos, a saber: a) inadequação da atual estrutura do Judiciário
para a solução dos litígios que a ela afluem, na sua concepção clássica de
litígios individuais; b) tratamento legislativo insuficiente, tanto no plano
material como processual, dos conflitos coletivos ou difusos que, por
enquanto, não dispõem de tutela jurisdicional específica; c) tratamento
processual inadequado das causas de reduzido valor econômico e
conseqüente inaptidão do Judiciário atual para a solução barata e rápida
desta espécie de controvérsia.
4. A ausência de tratamento judicial adequado para as pequenas causas o
terceiro problema acima enfocado afeta, em regra, gente humilde,
desprovida de capacidade econômica para enfrentar os custos e a demora de
uma demanda judicial. A garantia meramente formal de acesso ao Judiciário,
sem que se criem as condições básicas para o efetivo exercício do direito de
203
Somente no ano de 2008 foram ajuizados mais de 4.000.000 (quatro milhões) de novos processos nos
Juizados Especiais Estaduais. Fonte: Relatório Justiça em números 2008. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 28 ago. 2009.
204
Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 26 mai. 2009.
205
WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça. Rio de
Janeiro, Ano 3, nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, p. 36.
57
postular em juízo, não atende a um dos princípios basilares da democracia,
que é o da proteção judiciária dos direitos individuais.
5. A elevada concentração populacional nas áreas urbanas, aliada ao
desenvolvimento acelerado das formas de produção e consumo de bens e
serviços, atua como fator de intensificação e multiplicação de conflitos,
principalmente no plano das relações econômicas. Tais conflitos, quando não
solucionados, constituem fonte geradora de tensão social e podem facilmente
transmudar-se em comportamento anti-social.
6. Impõe-se, portanto, facilitar ao cidadão comum o acesso à Justiça,
removendo todos os obstáculos que a isso se antepõem. O alto custo da
demanda, a lentidão e a quase certeza da inviabilidade ou inutilidade do
ingresso em Juízo são fatores restritivos, cuja eliminação constitui a base
fundamental da criação de novo procedimento judicial e do próprio órgão
encarregado de sua aplicação, qual seja o Juizado Especial de Pequenas
Causas.
206
(sem destaque no original)
[...]
Essas ideias fundamentais de facilitação do acesso à Justiça pelo cidadão comum,
especialmente pela camada mais humilde da população que inspiraram a criação da Lei dos
Juizados de Pequenas Causas
207
permaneceram no propósito dos Juizados Especiais criados
pela Constituição de 1988 e foram regulamentados pela Lei nº 9.099/95.
208
Para Kazuo Watanabe, a finalidade primordial dos juizados é a de “facilitação do
acesso à Justiça pelos cidadãos comuns e principalmente pelos mais humildes, cuidando de
distribuir justiça pela forma que privilegie a convivência harmoniosa das pessoas”.
209
Não há dúvidas de que o principal objetivo dos Juizados Especiais foi o de
democratizar o acesso à justiça para as camadas mais carentes economicamente da população,
206
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 208-214.
207
O termo “pequenas causas” não deve ser entendido como questões simples ou menos importantes, ao
contrário elas podem representar questões complexas, como aquelas que discutem valores fundamentais. Essa
terminologia foi muito criticada, porque para o cidadão das camadas mais pobres da população, o seu direito
violado, embora possa ser juridicamente considerado de pequeno valor econômico, para ele, individualmente,
pode representar uma “grande causa” ou ser a “causa” da sua vida. Além disso, até pela quantidade de processos
ajuizados anualmente nos Juizados, pode-se perceber que as causas de “pequeno valor” são de grande
importância econômico-social.
208
WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça. Rio de
Janeiro, Ano 3/nº7 - 2º semestre/1.999 Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros AMB, p. 32. Na
justificativa do Projeto de Lei 3.689, de 1989, de autoria do então Deputado Nelson Jobim, que foi utilizado
para a criação da Lei 9.099/95, consta trecho indicativo de que as ideias e os propósitos da Lei 7.244/89
permaneceriam na nova Lei para os Juizados: [...] Os Juizados Especiais Cíveis recebem tratamento afeiçoado à
legislação existente sobre o Juizado Especial de Pequenas Causas, que se mostrou útil e suficiente onde
implantado, [...] comprovando a funcionalidade do sistema e a adequação do procedimento. Por isso, parte-se do
princípio de que os Juizados Especiais previstos na Constituição da República devem guardar as mesmas
características dos juizados implantados pela Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984, cujos dispositivos foram
aproveitados para a elaboração do texto. (Diário do Congresso Nacional, 10/07/1990, p. 8433. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 10 fev. 2009.)
209
WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça. Rio de
Janeiro, Ano 3/nº7 - 2º semestre/1.999 – Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, p. 34.
58
mas também para aqueles que de alguma forma eram desestimulados (custo-benefício ou
lentidão) a buscar no Judiciário a solução para seus conflitos
210
.
Cândido Rangel Dinamarco lembra que existiam duas preocupações centrais
quando foi instituída a Lei 7.244/84 e repito, essas preocupações foram mantidas com a
Lei 9.099/95 -, que são facilitar o acesso à justiça e “tornar mais célere e ágil o processo
destinado a pacificar os litígios”, ou seja, além de cumprir o mandamento constitucional de
prestação do serviço jurisdicional, fazer com que o Judiciário apresente resultados úteis em
tempo razoável para evitar que os conflitos incomodem mais do que o aceitável.
211
Essas são as finalidades diretas, lembra a professora e pesquisadora Dra. Leslie
Ferraz
212
, havendo ainda algumas finalidades indiretas, como o resgate da credibilidade
popular no Poder Judiciário, que ao possibilitar a uma parcela da sociedade – até então
excluída da proteção judicial - a resolução das suas causas cotidianas, deixa de ser vista como
uma instituição burocrática, lenta, e acessível a poucos afortunados.
Além disso, pela simplificação de seus procedimentos e facilidade de seu acesso,
os Juizados Especiais estimulam as pessoas comuns a lutar por seus direitos, “o que promove
a cidadania” e ainda estimulam a “participação social na administração da justiça”, na medida
em que os conciliadores e árbitros são recrutados na própria comunidade local.
213
Ainda nas palavras da professora Leslie Ferraz, ao criar uma justiça com
procedimentos menos formais e buscando sempre que possível a conciliação, os Juizados têm
um papel importante para “mudar a mentalidade dos operadores do direito” estabelecendo-se
gradativamente uma cultura de paz na sociedade e de justiça menos burocratizada e mais
informal.
214
Uma questão merece ser sublinhada: a finalidade dos Juizados Especiais nada teve
ou tem a ver com a crise da Justiça tradicional, em especial com a sua morosidade e falta de
210
FUX, Luiz. Juizado Especial Cível. In: BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e
criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de
Janeiro: Forense, 2002, p. 8.
211
DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das Pequenas Causas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p.
2.
212
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica.
235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p.11.
213
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica.
235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p.12.
214
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica.
235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p.12.
59
efetividade.
215
A sua razão de ser, nunca é demais repetir, foi a de democratizar o acesso à
justiça, através de um procedimento simples, barato e rápido.
2.3 Características básicas dos Juizados Especiais Cíveis e o acesso à justiça
Os Juizados Especiais Cíveis
216
são competentes para as causas de menor
complexidade até 40 (quarenta) salários nimos,
217
bem como as causas previstas no art.
275, inciso II, do Código de Processo Civil, a ação de despejo para uso próprio e para as
ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a 40 (quarenta) salários
mínimos.
218
Os Juizados Cíveis também são competentes para promoverem a execução dos
seus julgados e dos títulos extrajudiciais, também no valor limite de até 40 (quarenta) salários
mínimos.
219
Ficam excluídas da sua competência as causas de natureza alimentar, falimentar,
fiscal e de interesse da Fazenda Pública,
220
e também as relativas a acidentes de trabalho, a
resíduos e ao estado e capacidade das pessoas.
221
O autor pode optar pela propositura de sua ação nos Juizados ou no juízo cível
comum. A Lei 7.244/84 previa expressamente no seu art. que caberia ao autor optar ou
não por demandar nos Juizados. Muito embora a Lei nº 9.099/95 não tenha repetido a
expressão por opção do autor, a doutrina
222
e a jurisprudência
223
firmaram entendimento que
215
WATANABE, Kazuo. Finalidade maior dos juizados especiais cíveis. Revista Cidadania e Justiça. Rio de
Janeiro, Ano 3, nº7 - semestre/1.999 Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros AMB, p. 32-37;
SADEK, Maria Tereza A. Juizados Especiais. O processo inexorável da mudança. In: SLAKMON, Catherine;
MACHADO, Maira Rocha; BOTTINI, Pierpaolo Cruz (Orgs.) Novas direções na governança da justiça e
segurança. Brasília-DF: Ministério da Justiça, 2006, p. 251; WATANABE, Kazuo. Filosofia e características
básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de
Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 3;
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2004, p. 104.
216
Usarei os termos Juizados, Juizados Especiais e Juizados Especiais Cíveis para designar os Juizados Especiais
Cíveis Estaduais instituídos pela Lei nº 9.099/95.
217
A Lei utilizou dois critérios: a complexidade e o valor da causa.
218
Art. 3º, incisos I, II, III e IV.
219
Art. 3º, § 1º.
220
A Lei nº 12.153, de 22 de dezembro de 2009 instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública.
221
Art. 3º, § 2º.
222
Sobre esse tema ver: SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro:
Forense, 4ª ed. revista, ampliada e atualizada, 2009, p. 20-23; CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais
Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris ed., 2009, p. 23-27;
NERY Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação
extravagante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, ed.s rev. e ampl., 2003, p. 1520; FRIGINI, Ronaldo.
Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. Leme/SP: JH Mizuno, 2007, 3ª ed., p.80.
60
permanece a facultatividade do autor, sendo os Juizados Especiais mais uma alternativa de
acesso à justiça e não a única para as causas de menor complexidade e reduzido valor
econômico.
Como ficou ressaltado no capítulo anterior, um dos principais entraves para o
efetivo acesso à justiça é o custo do processo. Nos Juizados Especiais não cobrança de
qualquer valor para ajuizar uma ação. Essa gratuidade alcança, inclusive, os honorários
advocatícios
224
que a parte vencida não é obrigada a pagar.
Somente no caso de recurso para a Turma Recursal
225
será cobrado o preparo
226
,
que compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas para a
propositura da ação, salvo no caso das partes beneficiárias da assistência jurídica gratuita, que
em hipótese alguma será cobrado o pagamento de quaisquer custas, taxas ou despesas.
227
O patrocínio de advogado para o ingresso nos Juizados é facultativo para as
causas até 20 (vinte) salários mínimos.
228
O próprio interessado pode ir diretamente à
secretaria dos Juizados e apresentar seu pedido, escrito ou oral.
229
Juntamente com as custas e
despesas processuais, os honorários advocatícios são um dos principais empecilhos à
efetividade do direito de acesso à justiça, que por vezes torna-se economicamente
desinteressante pleitear a tutela judicial em razão do elevado custo de tais encargos.
Nas causas superiores a 20 (vinte) salários mínimos, em que é obrigatória a
presença de advogado, a lei determina que em cada Juizado Especial sejam implantadas as
curadorias e os serviços de assistência judiciária, para que os mais humildes não fiquem
impossibilitados de resolver seus conflitos pela intervenção estatal.
230
A citação e as intimações serão em regra por cartas. Não se admite a citação por
edital, medida muitas vezes utilizada para evitar procrastinação da demanda em benefício do
réu. As intimações ainda poderão ser feitas por qualquer outro meio idôneo, como telegrama,
223
Enunciado 1 do Fórum Nacional de Juizados Especiais FONAJE: “O exercício do direito de ação no
Juizado Especial é facultativo para o autor.”
224
No processo civil comum a parte vencida é condenada a pagar os honorários de advogado da parte vencedora
e as custas ou despesas processuais.
225
Art. 41, § 1º: “O recurso será julgado por uma turma composta por três Juízes togados, em exercício no
primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado.”
226
O preparo é o pagamento das custas dentro dos prazos fixados em lei para que o processo tenha
prosseguimento normal. Fonte: DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico ed. rev. atual. e aum. São Paulo,
2005, vol. 3, p. 805; GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri (org.). Dicionário técnico jurídico ed. São
Paulo: Rideel, 2006, p. 452.
227
Art. 54.
228
Art. 9º.
229
Art. 14.
230
Art. 56.
61
telefone, internet, etc., evitando a expedição de cartas precatórias
231
e, consequentemente, a
morosidade no trâmite processual.
No procedimento dos Juizados não se admite qualquer forma de intervenção de
terceiros (nomeação à autoria, denunciação da lide e chamamento ao processo) nem de
assistência (art. 10). Essa proibição também visa garantir a celeridade do processo. A
intervenção de terceiros no processo gera uma multiplicidade de atos que causam a demora na
solução do litígio, prejudicando a parte que teria de suportar os ônus de uma delonga
desnecessária.
Os serviços de cartórios poderão ser prestados fora da sede da Comarca, assim
como a realização das audiências. A intenção do legislador é exatamente garantir o acesso à
justiça daqueles que não têm condições de se deslocarem até o Fórum, seja por questões
econômicas, físicas ou socioculturais, além de aproximar o Judiciário da população.
232
Esse dispositivo atendeu à seguinte observação feita por Cappelletti e Garth:
O desafio é criar foros que sejam atraentes para os indivíduos, não apenas do
ponto de vista econômico, mas também físico e psicológico, de modo que
eles se sintam à vontade e confiantes para utilizá-los, apesar dos recursos de
que disponham aqueles a quem eles se opõem.
233
Em complementação à possibilidade de realização de atos e audiências fora da
sede da comarca está a realização de atos processuais em horário noturno, conforme
dispuserem as normas de organização judiciária.
234
Desse modo, os trabalhos nos Juizados poderão ser ininterrupto, em horário
diurno e noturno, o que consequentemente amplia o acesso à justiça facilitando para os
trabalhadores que nem sempre podem ausentar-se do trabalho durante expediente para
comparecer a um órgão da justiça e reivindicar seus direitos.
A ideia do funcionamento à noite seria a regra, com o “aproveitamento da
capacidade ociosa dos prédios e de outros equipamentos”,
235
garantindo uma economia de
231
Arts. 18 e 19.
232
TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e
Criminais: comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 738.
233
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 97.
234
Art. 12.
62
recursos materiais para Poder Judiciário. Entretanto, na prática, parecem ser poucos os
Juizados com funcionamento no horário noturno.
Outra característica importante dos Juizados Especiais Cíveis é não admitir
recurso contra decisão interlocutória,
236
e o recurso contra sentença deve ser recebido, em
regra, apenas no efeito devolutivo, podendo o juiz atribuir efeito suspensivo para evitar dano
irreparável,
237
o que contribui para agilizar o trâmite processual, além de valorizar a decisão
do juiz de primeira instância (juiz do fato), que está em contato direto com as partes e as
provas
238
.
O recurso é julgado por uma Turma Recursal, composta de três juízes de primeiro
grau de jurisdição. Não caberá recurso das sentenças homologatórias de conciliação ou do
laudo arbitral.
239
A intenção é sem dúvida de limitar o uso protelatório dos recursos para
garantir uma maior rapidez na solução do litígio.
Nos Juizados Especiais Cíveis somente as pessoas físicas serão admitidas a propor
ação, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas 1º, art. 8º). São
expressamente proibidos de ser parte o incapaz, o preso, as pessoas de direito público, as
empresas públicas da União, a massa falida
240
e o insolvente civil
241
(art. 8º).
As restrições são justificadas. O incapaz não pode fazer qualquer concessão
quanto aos seus direitos, e isso inviabiliza a conciliação, que é o escopo precípuo dos Juizados
235
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In:
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 7.
236
Na Lei 9.099/95 não consta proibição expressa sobre a recorribilidade de decisões interlocutórias, porém,
grande parte da doutrina entende dessa forma, bem como da jurisprudência: Enunciado 15 FONAJE:
Nos
Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC. na
Lei que instituiu os Juizados Especiais Federais - Lei nº 10.259/2001 -, consta no seu artigo 5º que, ressalvado os
casos de deferimento de medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação, somente
será admitido recurso de sentença definitiva.
237
Art. 43.
238
Alexandre Freitas Câmara advoga tese interessante – apesar de ser doutrinariamente isolada, como ele mesmo
alerta que em sede de recursos nos Juizados Especiais Cíveis, não se pode reexaminar provas, sendo permitido
apenas analisar questões de direito, devido à ausência de contato imediato dos membros da Turma Recursal com
as fontes da prova oral, e sua valoração por esse órgão implicaria violação à oralidade processual. Ver: mara,
Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro:
Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 12.
239
Art. 41.
240
Direito falimentar. Acervo de bens do comerciante falido, que constituem o ativo e o passivo de seu
patrimônio, arrecadado pelo síndico na falência, por estar sujeito à execução coletiva, cujo produto será rateado,
na forma da lei, entre os seus credores.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed.
rev. atual. e aum., volume 3, 2005, p. 248.
241
Direito civil. Estado em que se encontra pessoa, que não exerce atividade empresarial, de não poder pagar a
seus credores as obrigações assumidas, ante o fato de seu ativo ser inferior ao passivo, ou seja, as suas dívidas
excedem ao montante de seus bens.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, ed. rev.
atual. e aum., volume 2, 2005, p. 991.
63
Especiais.
242
Da mesma forma a massa falida e o insolvente civil, pois o ndico e o
administrador não podem celebrar livremente acordos, necessitando da participação dos
credores.
No caso do preso, como a presença pessoal da parte na audiência é obrigatória,
não seria possível a sua realização. E mesmo que fosse permitida a condução do preso até o
Fórum, o alto custo com o sistema de segurança e transporte tornaria inviável
economicamente a demanda.
243
Quanto às pessoas jurídicas de direito público, estas foram excluídas porque a
ideia inicial era possibilitar o acesso à justiça ao cidadão comum, desprovido de recursos e
meios para postular e defender seus direitos. As empresas públicas, em tese, dispõem de
estrutura e recursos para a defesa dos seus direitos, não sendo necessário utilizar da “justiça
do cidadão”.
244
As empresas da União foram excluídas em decorrência da competência da Justiça
Federal (art. 109, I, CR/88). Entretanto, com a edição da Lei 10.259/01, que regulou os
Juizados Especiais Federais, passou-se a admitir a União e suas autarquias no polo passivo
desses Juizados (art. 6º, II, Lei nº 10.259/01).
Embora a regra geral da Lei 9.099/95 seja de que somente pessoa física possa
ser parte nos Juizados Especiais Cíveis, a Lei 9.841, de 5 de outubro de 1999, denominada
Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte
245
, permitiram às microempresas
246
proporem ação perante os Juizados Especiais.
247
242
GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e juizados de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord).
Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1985, p. 147.
243
CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio
de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 56.
244
DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo: Revista dos Tribunais – 1986, p.
35.
245
A Lei 12.126, de 16 de dezembro de 2009, alterou a redação do § do art. da Lei 9.099/95, para
incluir, entre outros, as microempresas como parte legítima para propor ação perante os Juizados Especiais
Cíveis, repetindo as determinações contidas na Lei nº 9.841/99.
246
Com relação às microempresas, embora exista a preocupação de que os Juizados Especiais tornem-se sua
agência de cobranças, descaracterizando a sua vocação para a solução de conflitos individuais, também é de ser
considerado a existência de inúmeras dessas empresas ou firmas individuais, de modesta expressão econômico-
financeira (prestadores de serviços, como alfaiates, costureiras, pedreiros, vidraceiros, eletricistas, mecânicos de
eletrodomésticos, encanadores, amoladores de facas, etc.) e impedir essa via judicial para solução de seus
conflitos, pode representar a sua inviabilidade operacional. Por outro lado, a permissão das empresas de
pequeno porte (assim definidas aquelas com receita bruta superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$
2.400.000,00) de proporem ações perante os Juizados pode representar um sério desvirtuamento das suas
finalidades.
247
Art. 38 da Lei nº 9.841/99.
64
Em 2006, a Lei Complementar 123, autorizou expressamente as empresas de
pequeno porte a serem admitidas como proponentes nos Juizados Especiais Cíveis
Estaduais.
248
Recentemente, a Lei 12.126, de 16 de dezembro de 2009, alterou a redação do
§ 1º do art. 8º, para incluir no rol dos legitimados a propor ação perante os Juizados Especiais
as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público,
nos termos da Lei 9.790, de 23 de março de 1999, e as sociedades de crédito ao
microempreendedor, nos termos do art. da Lei 10.194, de 14 de fevereiro de 2001. (art.
8º, § 1º, incisos III e IV)
Característica marcante dos Juizados Cíveis é a busca incessante pela solução
consensual das partes. A conciliação é o espírito motor dos Juizados Cíveis (ver item 2.7.1),
pois além de ajudar a manter os relacionamentos entre os litigantes - já que a decisão
pressupõe aceitação mútua, não existindo vencido ou vencedor - a solução do conflito é
imediata, sem a incidência do tempo no processo, diminuindo os custos financeiros,
psicológicos e sociais do processo.
Todo esse instrumental, se bem utilizado pelos aplicadores do Direito (juízes,
advogados, membros do Ministério Público, serventuários, etc.), dentro da filosofia e
princípios que norteiam os juizados, resultará na mudança da realidade da justiça brasileira
contribuindo para atacar a denominada litigiosidade contida.
Portanto, os Juizados inauguraram uma forma diferente de solucionar
conflitos sociais pelo Estado. Reduziram-se os custos processuais, a duração
do processo, as formalidades e as possibilidades de produção de provas; o
julgamento passou a ser proferido por um juiz mais socializado, em contato
com o cidadão comum, e menos formal. Este juiz dirige o processo com
liberdade para apreciação das provas, conferindo, ao prolatar a decisão,
especial valor às regras de experiência comum ou técnica, com eqüidade, ou
seja, prolata a sentença através da exteriorização de um sentimento,
decidindo segundo sua convicção pessoal no fato jurídico concreto para,
somente após, embasar legalmente sua decisão.
249
Todas essas inovações processuais e procedimentais da Lei dos Juizados Especiais
foram concebidas para alcançar o seu objetivo de democratizar o acesso à justiça, sempre
248
Art. 74 da LC nº 123/2006.
249
SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. As garantias constitucionais das partes nos juizados especiais cíveis
estaduais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 76.
65
através de um processo rápido, sem custos e adequado para resolução de conflitos do dia a dia
das pessoas pobres.
250
2.4 Princípios orientadores dos Juizados Especiais
Conforme adverte Cândido Dinamarco, o direito processual brasileiro
incorporou certos princípios que são as vigas mestras do nosso ordenamento jurídico, dentre
eles os princípios da igualdade das partes no processo, como o contraditório e a ampla defesa
que representam “a alma viva de todo procedimento que aspire a ter a dignidade de
processo”.
251
A Lei dos Juizados Especiais não renegou ou menosprezou esses e outros
princípios que são a base dos sistemas processuais contemporâneos, ao contrário, além de
preservá-los, inseriu outros, específicos, que representam a ordem de um “novo processo”,
252
um “conjunto de inovações que vão desde uma nova filosofia e estratégia no tratamento dos
conflitos de interesses até técnicas de abreviação e simplificação procedimental”.
253
Além dos princípios de caráter geral que informam todo o ordenamento jurídico
brasileiro, a Lei 9.099/95 informa que o processo nos Juizados será orientado pelos
critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade (art. 2º).
Embora a lei utilize o termo critérios, trata-se de verdadeiros princípios,
254
pois
representam uma bússola para orientar todo o processo e procedimento dos Juizados
250
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In:
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1- 7.; DINAMARCO, ndido Rangel. Princípios e
critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas
Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984 São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 102-118;
DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1986, p 1-3.
251
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 102-106.
252
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 106.
253
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas: In:
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1.
254
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Cíveis e
Criminais: comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 68.
66
Especiais, inclusive para dimensionar as atividades dos sujeitos processuais,
255
em especial,
do juiz, que é o responsável por cumprir o ideal de uma justiça de qualidade e rápida.
256
É importante destacar que os princípios são interligados e não hierarquia em
abstrato entre eles, e somente haverá sobreposição de um pelo outro, diante do caso
concreto.
257
2.4.1 Oralidade
O princípio da oralidade preconiza que a palavra oral deve prevalecer sobre a
palavra escrita. Isso o quer dizer a substituição total de uma forma pela outra, mas a
superioridade do modo oral pelo modo escrito, sem a sua exclusão, que é inevitável a
documentação de atos essenciais (até em razão da segurança jurídica),
258
ou seja, o “processo
oral é aquele que oferece às partes meios eficazes para praticarem os atos processuais através
da palavra falada, ainda que tenham que ser registrados por escrito”.
259
O principio da oralidade é o norteador de todo o processo nos Juizados
Especiais,
260
inclusive com previsão constitucional,
261
sendo ele fundamental para a
255
A doutrina classifica os princípios em gerais ou fundamentais e informativos. Os princípios informativos
contêm regras de cunho geral e abstrato e se aplicam a todas as regras processuais. Os princípios gerais ou
fundamentais são mais específicos e referem-se a um determinado ordenamento jurídico, de acordo com as suas
especificidades e características. Esses princípios representam as diretrizes políticas e ideológicas do processo.
Ver: CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 14ª ed., 1998, p. 50; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias;
TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: comentários à Lei
9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 68; WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord). Curso
avançado de processo civil, volume 1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. ed. rev., atual.
e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 66; ALVIM, Arruda. Manual de direito processual
civil, volume 1: parte geral. – 10ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 25.
256
Expressão utilizada por Cândido Rangel Dinamarco. In: DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das
pequenas causas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 39.
257
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 329.
258
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Cíveis e
Criminais: comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 70.
259
ROCHA, Felippe Borring. Juizados Especiais Cíveis: aspectos polêmicos da Lei 9.099/95, de 25/9/1995.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 5ª ed., 2009, p. 7.
260
GUEDES, Jefferson Carús. Princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil
brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 134.
261
Art. 98, inciso I. juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a
conciliação, o julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor
potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a
transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. (destaque nosso).
67
composição dos demais princípios da simplicidade, informalidade, economia processual e
celeridade.
A Lei 9.099/95 privilegiou a forma oral na realização dos atos processuais,
desde a apresentação do pedido inicial (art. 14), passando pela gravação em meio magnético
dos atos processuais (art. 13, § 3º), pela desnecessidade de conversão escrita da prova oral
(art. 36) até a fase de execução dos julgados (arts. 52 e 53), fazendo o registro apenas dos atos
essenciais para a resolução do conflito, o que evidencia a ênfase no princípio da oralidade
como forma de garantir tempo razoável na solução dos litígios.
262
O princípio da oralidade é gerador de outros princípios ou subprincípios que
visam à aproximação do juiz com as partes e provas
263
e à presteza na duração do processo.
São eles os princípios da concentração, imediatidade, identidade física do juiz e
irrecorribilidade das decisões interlocutórias.
O princípio da concentração manifesta-se pela redução do número de atos
processuais e pelo encurtamento do tempo entre esses atos.
264
Isso se concretiza com a
concentração os atos processuais em uma única oportunidade, no caso dos Juizados, na
audiência de instrução e julgamento, que deve ser realizada em seguida à audiência de
conciliação, na hipótese de não haver acordo.
265
É na audiência de instrução e julgamento, ato mais importante do procedimento,
que o princípio da oralidade se manifesta com maior intensidade,
266
quando será oferecida a
defesa (que pode ser oral), caso frustrada nova tentativa de conciliação, produzidas todas as
provas (inclusive oral), resolvidos todos os incidentes e proferida a sentença (também oral)
com a sua publicação em audiência e intimação das partes.
267
Esse subprincípio tem
associação direta com o princípio da economia processual que será abordado no item 2.6.4.
O princípio da imediatidade preconiza que o “juiz deve proceder diretamente à
colheita de todas as provas, em contato imediato com os litigantes, bem como propor a
262
Os arts. 279 e 417 do Código de Processo Civil contêm dispositivos semelhantes permitindo a documentação
das provas por outros meios idôneos.
263
GUEDES, Jefferson Carús. Princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil
brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 56.
264
GUEDES, Jefferson Carús. Princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil
brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 63.
265
Art. 27.
266
GAULIA, Cristina Tereza. Juizados especiais cíveis: o espaço do cidadão no Poder Judiciário. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005, p. 97.
267
Art. 28.
68
conciliação, expor as questões controvertidas da demanda, dialogar com as partes e com seus
advogados sem maiores formalidades”.
268
É a imediatidade com as partes, que se manifesta na audiência, durante a colheita
da prova, que está a essência do princípio da oralidade, pois impõe ao julgador sua
participação direta na produção da prova, podendo observar todas as ações e reações das
partes e testemunhas, como a expressão facial, o tom de voz e gestos, que vão formar de
maneira mais rápida e justa a sua convicção.
269
O princípio da identidade física do juiz impõe que o mesmo juiz que comece,
termine o trâmite processual, ressalvada as hipóteses previstas em lei.
270
Em verdade, a
intenção desse princípio é garantir que o mesmo juiz que colheu a prova em audiência profira
a sentença, exatamente para preservar as impressões subjetivas colhidas das partes e
testemunhas que não são possíveis de serem reproduzidas por escrito.
Essa é a conexão desse princípio com o princípio da oralidade, que preconiza a
superioridade do procedimento oral ao procedimento escrito. Este, o procedimento escrito,
por sua vez, é indiferente se a prova é colhida na frente do juiz que vai julgar ou um terceiro
julgador, pois a convicção é formada pela prova escrita.
A Lei 9.099/95 foi explicita na obrigatoriedade de respeitar esse princípio ao
determinar que:
Art. 40. O Juiz leigo que tiver dirigido a instrução proferirá sua decisão e
imediatamente a submeterá ao Juiz togado, que poderá homologá-la, proferir
outra em substituição ou, antes de se manifestar, determinar a realização de
atos probatórios indispensáveis.
Outro princípio decorrente da oralidade é o da irrecorribilidade das decisões
interlocutórias, para evitar paralisações ou interrupções que possam retardar o andamento do
processo. Nos Juizados Especiais a regra é que as decisões interlocutórias serão impugnáveis
somente ao final, com o mérito, em recurso próprio, previsto no art. 41.
271
O que ocorre não é
268
TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e
Criminais: comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 76.
269
GUEDES, Jefferson Carús. Princípio da oralidade: procedimento por audiências no direito processual civil
brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 62.
270
CPC, art. 132 “O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado,
licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu
sucessor.”
271
Esse princípio provoca posições divergentes tanto na doutrina quanto na jurisprudência, embora o Fórum
Nacional de Juizados Especiais FONAJE –, tenha editado enunciado pela impossibilidade do cabimento do
recurso de agravo (Enunciado 15).
69
propriamente a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, mas seu retardamento, pois elas
podem ser apreciadas juntamente com o mérito, no recurso próprio.
Entretanto, esse princípio deve ser mitigado no caso de decisões que possam
trazer dano irreparável para a parte prejudicada, podendo esta utilizar, nesses casos, de
mandado de segurança.
272
A Lei nº 9.099/95 estabeleceu várias atividades das partes e do juiz balizadas pelo
princípio da oralidade, tais como: outorga de mandado verbal ao advogado (art. 9º, §3º);
possibilidade de formular o pedido inicial oralmente na secretaria do Juizado (art. 14, § 3º);
faculdade de formular contestação oral (art. 30); interposição de Embargos Declaratórios
oralmente (art. 49); pedido de execução de sentença oral (art. 52, IV); dispensa da prova oral
ser reduzida a escrito (art. 36).
O princípio da oralidade, enfim, contribui não para a celeridade no
procedimento como também para uma decisão mais justa, uma vez que possibilita o julgador
a ter um diálogo direto com as partes e testemunhas, podendo aquilatar melhor a realidade dos
fatos.
273
2.4.2 Simplicidade e informalidade
Estes dois princípios estão diretamente relacionados a um com outro princípio, o
da instrumentalidade das formas.
274
Luiz Fux
275
ensina que a simplicidade é instrumento da
informalidade e que ambos são consectários da instrumentalidade. Se o ato processual atingir
sua finalidade, mesmo que não tenha atendido alguma formalidade prevista em lei, deverá ser
considerado válido (art. 13).
O princípio da simplicidade indica que os procedimentos nos Juizados Especiais
devem ser os mais simples possíveis, para que as partes possam compreender todas as fases
272
A Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Federais, especificou nos artigos 4º e 5º as exceções
para recurso contra decisões interlocutórias.
273
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 687.
274
Art. 154, CPC: “Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei
expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade
essencial”.
275
BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do
processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 95.
70
do processo, e não fiquem totalmente alheias ao que acontece durante o tramite processual e
por isso sintam intimidados em procurar o Judiciário.
A simplicidade no procedimento o torna compreensível para os que não são
iniciados nas lides forenses, aproximando-os e estimulando-os a procurar o Poder Judiciário
para resolução de seus conflitos.
276
Cappelletti e Garth enfatizam que “Se a lei é mais compreensível, ela se torna
mais acessível às pessoas comuns.”
277
A eliminação dos atos solenes, a supressão do tradicional formalismo e ritos
processuais, a ausência de burocracia, propiciando o contato direto das
partes entre si e com os membros do Juizado, possibilitam a simplificação de
seu funcionamento e a agilização da prestação jurisdicional, minimizando,
por outro lado, para o Estado, os custos de manutenção do novo aparelho
judiciário. É uma tentativa válida de abrir as portas da Justiça ao homem
comum.
278
(sem destaque no original)
No art. 14, § 1º, a Lei 9.099/95 determina que o pedido será feito de forma
simples e acessível, ao passo que o art. autoriza as partes a postularem seus direitos sem a
assistência de advogados.
Por isso, a simplicidade também deve nortear todo o comportamento dos
aplicadores do direito, em especial do juiz, que deve esquecer as solenidades inúteis e o
tecnicismo exagerado e estar mais atento ao direito postulado do que à forma. Nos Juizados, o
julgador não pode avaliar com o mesmo rigor técnico uma petição feita pessoalmente pela
parte (que nem sempre é alfabetizada ou tem informação suficiente sobre seus direitos) como
se avaliasse uma peça redigida por advogado, sob pena de inviabilizar os objetivos da lei.
O princípio da informalidade, por sua vez, significa que os atos processuais
exigirão o mínimo de solenidades. “Nada obsta que o juiz busque soluções alternativas de
ordem procedimental para obter uma prestação da tutela jurisdicional mais rápida e hábil a
adequar a ação de direito material àquela de direito processual” (não destaque no
original).
279
276
PINHO, Humberto Dalla Bernardina. Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2ª ed., 2009, p. 340.
277
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 156.
278
BOMFIM, B. Calheiros. Juizados de pequenas causas. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Destaque, 1995, p. 14.
279
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; TOURINHO NETO, Fernando da Costa. Juizados Especiais Cíveis e
Criminais: comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 79.
71
O princípio da informalidade indica que o processo nos Juizados Especiais deve
ser deformalizado,
280
ou seja, deve-se repudiar o formalismo exagerado que apenas delonga a
prestação jurisdicional. Aliás, a deformalização é uma tendência do direito processual.
281
A Lei nº 9.099/95 em diversos dispositivos mostra a sua preocupação com a
informalidade processual, tanto que proclamou a liberdade das formas como regra geral (art.
13).
Esse preceito também é proclamado como regra geral no processo civil comum
(art. 154 do CPC), porém, como lembra Cândido Dinamarco, a grande vantagem da Lei dos
Juizados Especiais é que ela não faz como o Código de Processo Civil, “que depois de
proclamar a liberdade formal acaba por cercar cada ato com tantas exigências, que emerge
afinal um sistema de legalidade das formas, em vez daquele solenemente prometido.”
282
Talvez seja por isso que a Lei nº 9.099/95 não indicou o Código de Processo Civil
como legislação supletiva, sendo aplicável somente naquilo que não contrariar tais princípios,
ou, quando é expressamente previsto, como na fase de execução (art. 52).
O princípio da informalidade está diretamente relacionado com o acesso à justiça,
pois o excesso de formalismos intimida o cidadão leigo e mais humilde, que não compreende
e espanta-se com tantas fases e atos solenes, sentindo-se “prisioneiro em um mundo
estranho”.
283
Sua tendência natural é isolar-se do Poder Judiciário, além de provocar demora
na conclusão das causas devido ao tempo gasto em etapas que são dispensáveis.
Dentre os diversos dispositivos na lei que assegura a simplicidade e a
informalidade, podemos citar os seguintes exemplos: os atos processuais poderão ser
realizados em outra comarca por qualquer meio idôneo de comunicação, e não pela forma
tradicional da carta precatória. (art. 13, § 2º); a citação por oficial de justiça
independentemente de mandado ou carta precatória (art. 18, inciso III); intimação realizada
por qualquer meio idôneo de comunicação (art. 19); todas as provas produzidas na audiência
de instrução e julgamento, ainda que não requeridas previamente, comparecendo as
testemunhas independentemente de intimação (arts. 33 e 34); sentença concisa (art. 38);
280
Ada Pellegrini Grinover conceitua a deformalização do processo com a utilização da “técnica processual em
busca de um processo mais simples, rápido, econômico, de acesso fácil e direto, apto a solucionar com eficiência
tipos particulares de conflitos de interesses.” GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito
processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990, p. 179.
281
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1990, p. 179.
282
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 106-107.
283
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 24.
72
E ainda: o julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a
indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva; se a sentença for
confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão (art. 46);
início da execução da sentença condenatória através de pedido oral e sem citação (art. 52,
inciso IV); alienação de bens penhorados pode ser deferida ao devedor, credor ou terceira
pessoa idônea (art. 52, VII); dispensa de publicação de editais em jornais nas alienações de
bens de pequeno valor (art. 52, VIII).
Como podemos perceber, os princípios da simplicidade e informalidade
possibilitam aproximar o cidadão da Justiça por intermédio de um procedimento básico,
singelo, que facilita o entendimento sobre seus direitos e sobre o processo judicial, mas que,
sobretudo, é voltado para impedir que a demanda se prolongue inutilmente.
2.4.3 Economia processual
O princípio da economia processual também não é exclusivo do procedimento dos
Juizados Especiais. Ele é informador de toda a ciência processual.
Se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado
com relação aos bens que estão em disputa. E mesmo quando não se trata de
bens materiais deve haver uma necessária proporção entre fins e meios, para
equilíbrio do binômio custo-benefício. É o que recomenda o denominado
princípio da economia, o qual preconiza o máximo resultado na atuação do
direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais.
284
Portanto, esse é o objetivo central do princípio da economia processual: obter o
máximo de resultado da lei com o nimo de atos processuais. Trata-se de uma
racionalização do procedimento com a finalidade de diminuir o tempo e o custo do processo,
tornando-o mais eficiente.
Nos Juizados, as questões que lhe são submetidas para apreciação - menor
complexidade e pequeno valor econômico - exigem o menor gasto de tempo (e dinheiro)
possível, para que não sejam inviabilizados os possíveis benefícios do processo.
284
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria
Geral do Processo. São Paulo: Malheiros Editores, 24ª ed., 2008, p.79.
73
O princípio da economia processual exerce a importante função de proporcionar
meios para que os outros princípios possam realizar seus fins, que permite a agilização do
procedimento com a utilização de formas seguras e não solenes, sem a necessidade de
anulação de atos que não tragam prejuízos para as partes, embora realizados sem a ritualidade
prevista
285
.
Decorre ainda desse princípio a possibilidade de cumulação de pedidos no mesmo
processo, o julgamento simultâneo da ação principal e do pedido contraposto e a
permissividade de alegações diversas no processo de matérias próprias de incidentes que
seriam apresentados em autos apartados,
286
bem como a decisão de plano desses incidentes
surgidos durante a audiência.
Além disso, é na audiência que esse princípio exerce a sua primordial finalidade
de obter o máximo de resultado com o nimo de esforço processual. Da interpretação dos
artigos 21 a 27 da Lei 9.099/95 extrai-se a necessidade de concentração dos atos
processuais em uma única audiência, que abrange a fase da conciliação, a instrução do
processo e o seu julgamento.
Essa concentração de etapas pode, de fato, contribuir para solucionar de forma
mais breve os processos, pois economiza tempo e dinheiro, tanto para o Poder Público quanto
para os cidadãos, que o têm que voltar diversas vezes aos Juizados para ver seu processo
finalizado.
[...] é preciso privilegiar a concentração dos atos processuais, empregando-se
esforços para que o processo todo possa desenvolver-se em uma única
audiência [...], desde a fase de conciliação, passando-se pela sua instrução e
imediato julgamento.
287
O princípio da economia processual é de extrema importância para o acesso à
justiça, porquanto proporciona uma resposta jurisdicional mais rápida e barata, pois, com
foi dito e é sempre salutar repetir, a lentidão do processo é fator de desestímulo,
285
BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do
processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 93.
286
BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do
processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 93.
287
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 690.
74
principalmente para o hipossuficiente, que tem maior dificuldade para suportar os ônus
decorrentes da demora processual desnecessária.
288
Esse princípio - como os demais - tem o escopo de garantir maior brevidade ao
processo nos Juizados Especiais, utilizando um procedimento concentrado, sem protelação,
sem a intervenção de terceiros e sem recursos de decisões interlocutórias.
289
O princípio da economia processual está expresso nos seguintes artigos: art. 15
(cumulação de pedidos conexos); art. 17, parágrafo único (dispensa de contestação formal e
apreciação conjunta na mesma sentença dos pedidos principal e contraposto); art. 19, §
(dos atos praticados na audiência, considerar-se-ão desde logo cientes as partes); art. 31
(dispensa de reconvenção nas ações dúplices); art. 38 (dispensa de relatório na sentença); art.
52, inciso III (intimação de sentença na própria audiência em que foi proferida).
2.4.4 Celeridade
Conforme vem sendo exposto minuciosamente, um dos motivos que afastam o
cidadão comum do Poder Judiciário é a percepção de que a justiça é lenta. Também já foi dito
que o tempo é um dos componentes dos custos do processo, e atinge de forma mais intensa as
pessoas mais pobres, além de, por vezes tornar economicamente inviável uma demanda,
290
provocando desestímulo na população em procurar solução das suas controvérsias através da
Justiça estatal.
O princípio da celeridade é de vital importância para o direito processual e tem
guiado a maioria das escolhas legislativas nas diversas reformas processuais que vêm
acontecendo nos últimos tempos,
291
tanto que ganhou status constitucional ao ser inserido no
288
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 690.
289
SCHELEDER, Adriana Fasolo Pilati. As garantias constitucionais das partes nos juizados especiais cíveis
estaduais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 76.
290
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 20.
291
Exempli gratia: Leis nº 8.950/94; 8.952/94; 10.352/01; 10.358/01; 10.444/2002; 11.187/05; 11.232/05;
11.276; 11.277/06; 11.280/06, etc. A celeridade no procedimento também vai nortear o trabalho da Comissão de
Juristas instituída pelo Senado Federal para elaborar o Anteprojeto do Novo Código de Processo civil, conforme
consta do relatório apresentado pela referida comissão dos resultados da primeira fase dos trabalhos. De acordo
com o ministro Luiz Fux, presidente da comissão, a “ideologia norteadora dos trabalhos da Comissão foi de
conferir maior celeridade à prestação da justiça [...] visando tornar efetivamente alcançável a duração razoável
do processo [...].”
75
rol dos direitos fundamentais da Constituição da República de 1988 por intermédio da
Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004 (Reforma do Judiciário).
292
No caso específico dos Juizados Especiais, a Constituição estabeleceu que o
procedimento seja oral e “sumariíssimo”, indicando o caráter célere que deve imperar na
tramitação das causas de menor complexidade.
O princípio da celeridade é “um dos princípios de mais acentuada aplicação no
procedimento das pequenas causas, porque ele constitui mesmo um dos pilares do sistema e
dela se fala a todo momento [...]”
293
e indica que o processo deve demorar o mínimo
possível.
294
Nos Juizados Especiais os prazos são exíguos (art. 16 e 27), e o procedimento é
concentrado em poucos atos, a fim de evitar demora desnecessária na conclusão do processo.
Em busca de uma resolução tempestiva do conflito, o princípio da celeridade está
presente em todo momento no procedimento dos Juizados. Feito o registro do pedido na
Secretaria do Juizado, será designada a audiência de conciliação, e não prosperando acordo
entre os litigantes, nem instituído o juízo arbitral, instaura-se, imediatamente a fase de
instrução e julgamento (arts.24, 27 e 28).
Pelo princípio da celeridade, em consonância com os princípios da economia
processual e oralidade, a audiência deve ser única e indivisível, com a concentração de todos
os atos, pois se estabelecer mais de uma audiência, abre-se caminho para a dilação
desnecessária entre elas, subvertendo o procedimento “sumariíssimo” determinado no art. 98,
da Constituição da República.
Nos Juizados a sentença pode (e deve) ser prolatada de imediato, no caso de não
comparecimento do demandado na audiência (art. 23). Como dito, a audiência não deverá ser
interrompida, mesmo no caso de testemunha faltosa, quando o juiz poderá determinar a sua
imediata condução (art. 34, § 2º).
Sempre buscando a celeridade no procedimento, a legislação ainda possibilita,
sem necessidade de registro prévio e citação, a imediata instauração da audiência de
conciliação, quando ambas as partes comparecem ao Juizado (art. 17). A Lei prevê a
292
Art. 5º, LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Sem grifos no original)
293
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 109.
294
CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio
de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 19.
76
impossibilidade de citação por edital (art. 18 § 2º), que é mais uma causa de procrastinação do
processo.
A rapidez na solução das demandas que o princípio da celeridade objetiva, talvez
seja a maior esperança daqueles que buscam os Juizados para solução de seus problemas.
Em resumo, todos os princípios dos Juizados Especiais se relacionam e se
complementam no sentido de eliminar toda e qualquer barreira que possa impedir uma justiça
acessível, rápida, barata, adequada e justa (no sentido de dar razão a quem a tenha).
2.5 Conciliação
A busca pela conciliação é uma característica de todos os órgãos judiciais
encarregados da resolução dos conflitos definidos como de pequeno valor ou de menor
complexidade.
295
Nos Juizados Especiais, a conciliação é a base de todo o seu sistema
processual, previsto no art. 98, inciso I, da Constituição da República e no art. da Lei
9.099/95.
Como bem observa Ada Pellegrini Grinover,
296
o escopo precípuo dos Juizados é
a busca incessante da conciliação. A tentativa de conciliação é o primeiro ato que se realiza
após a formação do processo. É por esse motivo que não podem ser partes, perante os
Juizados, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, a massa falida e o
insolvente civil, por não poderem livremente transigir.
Cappelletti
297
ensina que as decisões obtidas pela autocomposição tendem a ser
mais facilmente aceitas do que as impostas por uma sentença proferida unilateralmente pelo
juiz, uma vez que elas preservam a autonomia das partes e são baseadas no consenso e com
grande possibilidades de ganhos recíprocos.
298
295
Os estudos realizados por Cappelletti e Garth mostraram que a conciliação é a principal técnica de solução de
conflitos nos tribunais de pequenas causas de países como a Suécia, Austrália, Estados Unidos, Japão, etc. Ver:
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,
Fabris, 1988, p. 83-87 e 108-109.
296
GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e juizados de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo (coord).
Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais, 1985, p. 147.
297
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 83.
298
SOUSA. Aiston Henrique de. A equidade e seu uso nos Juizados Especiais Cíveis. Porto Alegre: Sérgio
Ântonio Fabris Ed., 2005, p. 170.
77
O objetivo de promover o acesso mais fácil à camada mais humilde da população
fez surgir a necessidade de utilização de institutos que evitassem o processo,
299
fazendo com
que a solução dos conflitos fosse feita de forma mais simples, deformalizada, célere e com o
menor custo possível, motivo pelo qual a conciliação foi eleita o ato processual de maior
importância no procedimento dos Juizados Especiais.
300
No dizer de Dinamarco, a conciliação é a alma do processo dos Juizados
Especiais.
301
[...] a composição amigável é a melhor forma de solucionar conflitos
jurídicos e sociológicos, a medida que a sentença de mérito de
procedência/improcedência do pedido põe termo apenas à lide no plano do
direito, não extinguindo, necessariamente, o litígio dos contendores na órbita
social, onde reside a efetiva pacificação
302
.
A Lei 9.099/95 deu tanta importância para conciliação que em diversos
momentos ela é uma etapa processual obrigatória antes de passar para outra fase do processo.
Ela é o primeiro ato processual a ser realizado após a formação do processo. A sua busca é
incessante até a extinção do feito.
O legislador possibilitou a sua realização mesmo nas causas em que o valor
exceda o limite de 40 (quarenta) salários mínimos,
303
e não restringiu sua aplicabilidade aos
Juizados, incluindo uma hipótese genérica de conciliação em qualquer causa ou juízo, valendo
299
GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1990, p. 190.
300
DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo
(coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. o Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1985, p. 135; GRINOVER, Ada Pellegrini. Conciliação e juizados de pequenas causas.
In: WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 147-160; CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso
à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Fabris, 1988, p. 108-111; MARINONI, Luiz
Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 5ª ed. rev. atual. e ampl., 2006, p. 696; BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais
cíveis e criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente.
Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 220; SOUSA. Aiston Henrique de. A equidade e seu uso nos Juizados
Especiais Cíveis. Porto Alegre: Sérgio Ântonio Fabris Ed., 2005, p. 165; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Manual das pequenas causas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1986, p. 70.
301
DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado de pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo
(coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. o Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1985, p. 135.
302
TOURINHO NETO. Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Estaduais
Cíveis e Criminais: comentários à Lei 9.099/1995. São Paulo: Revista dos Tribunais ed. reform., atual. e
ampl., 2005, p.218.
303
Art. , §3º. “A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao
limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.”
78
a sentença com título executivo judicial (art. 57). E ainda delegou para os Estados a
possibilidade de instituir juízos de conciliação para toda e qualquer causa (art. 58).
A Lei dos Juizados Especiais fala em sessão de conciliação, e não em audiência,
porquanto a intenção era de que fosse realizada uma sessão, presidida pelo juiz togado ou
leigo, com todos os litigantes incluídos na pauta do dia, para que fosse esclarecido a todos
sobre as vantagens da autocomposição. Em seguida, os processos seriam distribuídos entre os
conciliadores, juízes leigos e juiz togado.
304
Entretanto, na prática, essa sessão não acontece, pois são designados horários
distintos para os processos e todas as partes ficam aguardando serem chamadas de acordo
com o horário pré-estabelecido, quando então participam de uma audiência de conciliação.
305
Como foi dito, em razão da essencialidade da conciliação ao procedimento dos
Juizados Especiais, é obrigatória a presença das partes na audiência (obrigatória é a presença,
não a realização do acordo), sob pena de não comparecendo o demandado, ser decretada a sua
revelia, sendo considerado verdadeiros os fatos alegados na petição inicial.
306
Ausente o
autor, o processo será extinto sem julgamento de mérito.
307
Nos Juizados Especiais as audiências de conciliação podem ser presididas, além
do juiz togado, por juízes leigos ou conciliadores que poderão atuar sozinho, mas sob
orientação do primeiro (art. 22).
Os juízes leigos
308
e os conciliadores são auxiliares da justiça, sendo estes últimos
selecionados entre bacharéis em Direito e aqueles entre advogados com mais de cinco anos de
experiência. (art.7º).
A presença desses auxiliares da justiça permite uma maior celeridade no
andamento do processo, na medida em que dividem o trabalho com o juiz togado, com melhor
304
DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo
(coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. o Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1985, p. 135; CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e
Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 97-98.
305
DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo
(coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. o Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1985, p. 135; CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e
Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 5ª ed., 2009, p. 97-98.
306
Arts. 20 e 23.
307
Art. 51.
308
Os juízes leigos são juízes não togados, auxiliares da justiça, que presidem alguns atos processuais, com a
audiência de instrução e julgamento, podendo proferir decisão que será submetida ao juiz togado. Até 2006,
quando foi realizada a pesquisa sobre Juizados Especiais pelo CEBEPEJ, dos Estados pesquisados, apenas os
Estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul instituíram a figura do juiz leigo. Na doutrina registros de
que nos Estados do Mato Grosso do Sul, Paraíba e Paraná também existam juízes leigos. Ver: CÂMARA,
Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 5ª ed., 2009, p. 52.
79
aproveitamento do tempo e evitando uma sobrecarga de serviço. Nas palavras de Cândido
Dinamarco, o conciliador “vale como multiplicador da capacidade de trabalho do juiz”
309
.
O juiz ou conciliador deve iniciar a audiência explicando as vantagens da
conciliação e os riscos do litígio (art. 21). Também é necessário explicar que a conciliação é
irrecorrível, para que as partes não sejam pegas de surpresa.
Obtido acordo, é lavrado termo e homologado pelo juiz togado. A sentença
homologatória de conciliação é irrecorrível (art.41).
Na audiência de conciliação, não existindo acordo e não instituído o juízo
arbitral,
310
passa-se à audiência de instrução e julgamento.
Na execução, após a penhora, o devedor é intimado para comparecer à audiência
de conciliação, quando o juiz ou conciliador poderá buscar o meio mais pido e eficaz para a
solução do litígio, como o pagamento parcelado do débito, dação em pagamento
311
ou a
imediata adjudicação
312
do bem penhorado, podendo oferecer embargos caso frustrada a
conciliação (art. 53, §§ 1º e2º).
A conciliação é um importante instrumento para alcançar a efetividade do acesso
à justiça, porquanto permite julgamentos imediatos em audiência, dando oportunidade às
partes de serem seus próprios julgadores, o que possibilita o fim do conflito com o
restabelecimento da paz e harmonia entre os contendores, ou seja, o fim maior da justiça, a
pacificação social.
309
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 113.
310
Embora exista a previsão de arbitragem nos Juizados Especiais ela, infelizmente, não é utilizada. A
arbitragem (estatal) prevista na Lei 9.099/95 contém algumas diferenças da arbitragem (privada) da Lei
9.307/96. Entre elas, podemos destacar: na arbitragem da Lei dos Juizados Especiais a escolha do árbitro é feita
dentre os juízes leigos. Na Lei 9.307/96 a escolha é livre pelas partes, podendo ser qualquer pessoa (art. 13 da
Lei 9.307/96). Nos Juizados o procedimento da arbitragem é fixado na lei, enquanto na Lei da Arbitragem o
procedimento é determinado pelas partes na convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um
órgão arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às partes delegar ao próprio árbitro,
ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento (art. 21, Lei 9.307/96). Nos Juizados Especiais o árbitro
apresenta um laudo para homologação do juiz togado, enquanto isso não acontece na Lei da Arbitragem, onde é
é proferida uma sentença arbitral.
311
Direito civil. É o acordo liberatório feito entre o credor e devedor em que aquele consente na entrega de uma
coisa diversa da avençada. Por exemplo, se A’ deve a ‘B’ uma quantia em dinheiro e propõe saldar seu débito
mediante a entrega de um terreno, sendo aceita sua proposta pelo credor, configurada estará a dação em
pagamento, extinguindo-se a relação obrigacional, por ter a mesma índole do pagamento, sendo, porém,
indireto.” DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, ed. rev. atual. e aum., volume 2,
2005, p. 1.
312
Direito processual civil. Ato judicial de índole coativa pelo qual se opera a transferência de propriedade de
certos bens a determinadas pessoas, mediante o pagamento do preço ou reposição da diferença, em razão de
processos de execução, execução fiscal, inventário e condomínio de coisa indivisível.” DINIZ, Maria Helena.
Dicionário jurídico. São Paulo: Saraiva, 2ª ed. rev. atual. e aum., volume 1, 2005, p. 120.
80
3 O TEMPO DO PROCESSO NOS JUIZADOS E A AUDIÊNCIA ÚNICA
3.1 Princípio constitucional da duração razoável do processo
Um dos maiores problemas enfrentados pelo Poder Judiciário é a morosidade no
trâmite dos processos
313
, fato que tem despertado atenção dos aplicadores e estudiosos do
direito, pois a demora na resolução dos conflitos causa às partes envolvidas ansiedade,
angústia, desconforto e enormes prejuízos de ordem material e moral, além de aumentar o
descrédito da população na Justiça.
Aliás, essa é uma preocupação mundial,
314
pois não é somente no Brasil que a
lentidão da justiça tem causado debates na sociedade, sendo que em vários outros países
315
existe uma crescente percepção de que a entrega da prestação jurisdicional deve ser mais
célere.
316
Essa preocupação com o tempo de duração dos processos judiciais não é de
hoje,
317
pois mais de meio século recebeu regulação pelos organismos internacionais de
313
Para o ministro Gilmar Mendes, presidente do STF e do CNJ, o maior problema do Judiciário é a morosidade.
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=8266:para-presidente-
do-cnj-morosidade-e-o-maior-desafio-da-justica-brasileira&catid=1:notas&Itemid=169>. Acesso em: 15 ago.
2009; TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 100; SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A morosidade no poder
judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 147; DUARTE,
Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. o Paulo: LTr, 2009, p. 15; BRASIL.
Ministério da Justiça. I Pacto Republicano de Estado por um Judiciário mais rápido e republicano, 2004 e II
Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo, 2009. Disponível em:
<http://www.mj.gov.br/data/Pages/MJ8E452D90ITEMID87257F2711D34EE1930A4DC33A8DF216PTBRNN.
htm>. Acesso em: 15 set. 2009.
314
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,
Fabris, 1988, p. 20, nota 21; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça
qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 170; DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo
civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 57-62; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A efetividade do processo
de conhecimento. São Paulo. Revista de Processo, ano 19, nº 74, abril- junho, 1994, p. 128.
315
“A demora no andamento dos feitos, diga-se de passagem, está longe de constituir problema específico da
Justiça brasileira; muito ao contrário, ela atormenta especialistas e leigos em todos os países de que se têm
notícia. Quase nenhum congresso, dentre tantos que se vêm promovendo, pelo mundo afora, no campo do direito
processual, deixou de incluí-la no temário.” In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A justiça no limiar de
novo século. Disponível em: <http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf>.
Acesso em 12 dez. 2009.
316
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,
Fabris, 1988, p. 20, nota 21; DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São
Paulo: LTr, 2009, p. 57-62.
317
na Carta Magna de 1215 constava que não poderia ser protelado o direito de qualquer pessoa a obter
justiça. Fonte:<http://www.direitoshumanos.usp.br/counter/Doc_Histo/texto/Magna_Carta.html>. Acesso em: 11
jun. 2009.
81
proteção aos Direitos do Homem, determinando que os julgamentos fossem realizados em
prazos razoáveis sem demora injustificada.
A Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950 - que é uma exegese da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela Assembleia Geral da ONU
em 1948 -, garante no artigo 6º, nº 1 que:
1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e
publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e
imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação
dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de
qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve
ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa
ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da
moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade
democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida
privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada
estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a
publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
318
(Sem
grifos no original)
O Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos, aprovado pela Assembleia
Geral da ONU, em 16 de dezembro de 1966, e ratificado pelo Brasil em 24 de Janeiro de
1992,
319
prevê em seu artigo 9º, nº 3:
Todo o indivíduo preso ou detido sob acusação de uma infração penal será
prontamente conduzido perante um juiz ou uma outra autoridade habilitada
pela lei a exercer funções judiciárias e deverá ser julgado num prazo
razoável ou libertado. A detenção prisional de pessoas aguardando
julgamento não deve ser subordinada a garantir que assegurem a presença do
interessado no julgamento em qualquer outra fase do processo e, se for caso
disso, para execução da sentença
320
(sem destaque no original)
318
Disponível em: <http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/tidhregionais/conv-tratados-
04-11-950-ets-5.html>. Acesso em: 10 jun. 2009.
319
O Brasil aceitou a adesão ao Pacto, sem reservas, mas, no tocante às suas disposições facultativas, essas não
foram ratificadas, ficando, assim, de fora o artigo 41 e os dois protocolos facultativos. Fonte:
<http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/pb/dhparaiba/2/civis.html>. Acesso em: 10 jun. 2009.
320
O artigo 14º, 3, letra “c” também faz referência a um julgamento sem demora excessiva. Disponível em:
<http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/pacto2.htm>. Acesso em: 10 jun. 2009.
82
A Convenção Americana sobre Direito Humanos de 1969 Pacto de San José da
Costa Rica –, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992
321
em seu artigo 8º, 1,
dispõe:
Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e
imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer
acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e
obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza.
322
(Destaque nosso)
Da mesma forma consta referência ao direito a um julgamento rápido na
Declaração dos Direitos do Bom Povo da Virgínia, de 1776,
323
Constituição dos Estados
Unidos de 1787
324
e em várias outras Declarações.
325
Embora o tema não seja novo, nunca esteve tão em voga como na atualidade,
sendo intensificada sua discussão a partir do fenômeno da globalização
326
(que também não é
um fenômeno novo
327
), principalmente a globalização econômica, que provocou a
transnacionalização dos mercados de insumos, produção, capitais, finanças e consumo,
321
O governo brasileiro depositou a Carta de Adesão (ratificação) junto à Organização dos Estados Americanos
OEA no dia 25 de setembro de 1992, porém, foi a partir do Decreto presidencial 678 de 06 de novembro de
1992, publicado no Diário Oficial da União em 09 de novembro de 2009, que o Pacto entrou em vigor. Fonte:
ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 120.
322
Disponível em <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>.
Acesso em: 10 jun. 2009.
323
Disponível em <http://www.cefetsp.br/edu/eso/cidadania/declaracaovirginia.html.> Acesso em: 27 abr. 2009.
324
Emenda VI: Em todos os processos criminais, o acusado tedireito a um julgamento rápido e público, por
um júri imparcial do Estado e distrito onde o crime houver sido cometido, distrito esse que será previamente
estabelecido por lei, e de ser informado sobre a natureza e a causa da acusação; de ser acareado com as
testemunhas de acusação; de fazer comparecer por meios legais testemunhas da defesa, e de ser defendido por
um advogado. (Destaque nosso) Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br>. Acesso em: 27 abr.
2009.
325
Ver também: Declaração dos Princípios sicos de Justiça relativos às Vítimas de Criminalidade e de Abuso
de Poder; Conjunto de princípios para a proteção de todas as pessoas sujeitas a qualquer forma de detenção ou
prisão Resolução da ONU; Convenção Europeia para Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades
Fundamentais; etc.
326
Globalização é um “conceito aberto e multiforme que denota a sobreposição do mundial sobre o nacional e
envolve problemas e processos relativos à abertura e liberalização comerciais, à integração funcional de
atividades ecomicas internacionalmente dispersas, à competição interestatal por capitais voláteis e ao advento
de um sistema financeiro internacional sobre o qual os governos têm uma decrescente capacidade de comando e
controle. Nessa perspectiva, globalização é um conceito relacionado às ideias de ‘compressão’ de tempo e
espaço, de comunicação em tempo real, on-line, de dissolução de fronteiras geográficas, de multilateralismo
político-administrativo e de policentrismo decisório”. FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica Direito e
Conjuntura. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 3.
83
estabelecendo uma forte concorrência comercial mundial que exigiu das empresas e mercados
uma reestruturação com a finalidade de maximizar seus lucros e minimizar os custos.
328
Essa competição comercial promoveu um avanço da tecnologia com o
desenvolvimento da informática, da internet e das comunicações em geral, afetando os
processos decisórios, que são cada vez mais rápidos, independentemente das distâncias e dos
fusos horários.
329
A globalização econômica provocou uma transformação no Estado, que através
das privatizações, do fim dos monopólios e do controle de preços e da abertura comercial,
possibilitou uma influência das “sociedades de organizações”
330
na definição de políticas
públicas, em especial nas políticas macroeconômicas, reduzindo o poder e a importância do
Estado na regulação da economia e, consequentemente, na vida em sociedade.
331
Com essas transformações muitas das transações antes realizadas dentro do
aparelho de Estado, ou coordenadas por ele, começaram a ser feitas no mercado, passando a
economia a pautar tanto as decisões políticas quanto as decisões jurídicas,
332
ou seja, o
cidadão, antes centro do universo político e jurídico, foi substituído pela lei do mercado.
333
Todo esse fenômeno gerou várias tendências, entre elas a necessidade de
desburocratizar e simplificar mecanismos processuais visando à agilidade nos trâmites dos
processos, devido à incompatibilidade da concepção de tempo previsto nas legislações
processuais e a concepção de tempo da economia, que se torna cada vez mais instantânea em
razão da evolução das tecnologias das comunicações.
334
Em decorrência desses fatos, os agentes econômicos e comerciais passaram a
reivindicar reformas e adequações legislativas com a finalidade de garantir maior rapidez
decisória e mais previsibilidade nas decisões jurídicas, com o objetivo de reduzir custos, gerar
e aumentar confiança nas empresas e nos mercados.
327
A globalização não é um fenômeno recente na história e mesmo na antiguidade provocava alguns surtos de
modernização econômica, cultura e jurídica. Ver FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada.
São Paulo: Malheiros, 2002, p.60.
328
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 150.
329
FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica – Direito e Conjuntura. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 76-77.
330
Termo utilizado por José Eduardo Faria para denominar as “organizações complexas”, aí incluídos os grandes
conglomerados econômicos e financeiros que são constituídos, orientados e estruturados para atingirem objetivos
específicos e se caracterizam, entre outras coisas, pela capacidade de agir estrategicamente, pela extrema
sofisticação de suas formas de atuação e pela permanente reivindicação de interesses sociais segmentados. In:
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 172-178.
331
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 165-182.
332
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 178.
333
ARNAUD, André-Jean. O direito entre a modernidade e globalização. Rio de Janeiro: Renova, 1999,
p.232.
334
FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica – Direito e Conjuntura. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 76.
84
A pressão desses segmentos sociais causou uma inquietação de tal dimensão no
legislador brasileiro que ele fez inserir na Constituição da República, no Título dos Direitos e
Garantias Fundamentais, o princípio da duração razoável do processo e os meio que garantam
a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII).
335
Embora somente a partir a Emenda Constitucional 45/2004 que esse preceito
tenha passado a constar explicitamente da Constituição,
336
o direito à duração razoável do
processo estava inserido em nosso ordenamento, por força dos pactos internacionais
ratificados pelo Brasil, conforme acima referidos.
337
Mesmo antes da inserção dessas regras internacionais em nosso arcabouço
jurídico,
os direitos de duração razoável do processo e da celeridade processual estavam
contemplados no texto constitucional pelo princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV e
LV) ou pelo princípio da eficiência aplicável à Administração Pública (art. 37, caput,
CR/88).
338
Assim, o que antes poderia ser entendido apenas como um dos componentes dos
princípios do devido processo legal e da eficiência,
339
- ou ainda em decorrência da garantia
contida no inciso XXXV, do art. 5ª, da Constituição da República
340
, que assegura não o
acesso à justiça, como a devida e efetiva proteção contra qualquer forma de violação de
direitos e no próprio princípio da dignidade da pessoa humana
341
-, passou a ser um princípio
programático consagrado expressamente no texto constitucional com o objetivo de tornar
mais célere a tramitação dos processos na esfera judicial e administrativa.
335
Art. , LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
336
Constituições de vários outros países, a exemplo das Constituições da Espanha, Portugal, Itália, Estados
Unidos, Canadá, etc., e Declarações e Convenções internacionais constam referência a necessidade de um
julgamento sem dilações indevidas. Ver: ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil.
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 175-205; RODRIGUES, Clóvis Fedrizzi. Direito
Fundamental à duração razoável do processo. In: Revista Direito e Democracia: revista do Centro de Ciências
Jurídicas / Universidade Luterana do Brasil. Canoas: Ed. ULBRA, vol. 7, 1, sem. 2006, p. 101-116.
Disponível em: <http://www.editoradaulbra.com.br/catalogo/periodicos/pdf/periodico10_7_1.pdf>. Acesso em:
11 jun. 2009.
337
CR/88, art. 5º, § Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela dotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil
seja parte.
338
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 94.
339
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 94.
340
Art. 5º, XXXV: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
341
“É certo, por outro lado, que a pretensão que resulta da nova prescrição não parece situar-se fora do âmbito da
proteção judicial efetiva, se a entendermos como proteção assegurada em tempo adequado. A duração indefinida
ou ilimitada do processo judicial afeta não apenas e de forma direta a idéia de proteção judicial efetiva, como
compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que permite a
transformação do ser humano em objeto dos processos estatais”. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO,
Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2007, p. 485.
85
De qualquer forma, o certo é que o direito de duração razoável do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação estão inseridos na Constituição como um
direito mínimo e fundamental, e, portanto, deve irradiar sobre todas as regras
infraconstitucionais e nortear os órgãos judiciais para a entrega de uma prestação jurisdicional
em tempo adequado.
Essa orientação constitucional autoriza (e obriga) o Poder Público, em especial o
Judiciário, a adotar mecanismos e procedimentos para garantir uma prestação jurisdicional
tempestiva, evitando que a demora cause danos irreparáveis e angústia nas partes e seus
familiares, que vai aumentando conforme o tempo passa sem que se tenha uma resposta
definitiva.
Indubitavelmente a prestação jurisdicional deve ser entregue em um lapso
temporal razoável, sob pena da demora na resolução dos conflitos tornarem economicamente
inviável o uso do serviço judiciário, significando que o sistema judicial só em parte protege os
direitos - pois embora possibilite o acesso, não realiza o direito em tempo hábil -, além de
poder gerar proveitos para a parte que não tem razão, que se utiliza da demora processual para
não cumprir seu dever, o que representa um contrassenso.
Essa contradição pode suscitar um efeito secundário, mas que tem impacto direto
no tempo de duração dos processos, uma vez que ela fomenta a busca pelo Judiciário não para
proteger um direito, mas para impedir a realização desse direito ou pelo menos protelar o
cumprimento de uma obrigação, provocando o aumento do número de ações judiciais que
consequentemente refletem na morosidade do Judiciário.
Os Juizados Especiais com a prevalência dos princípios da oralidade,
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, “têm sido apontados como
uma das melhores soluções, dentro da estrutura do judiciário, de celeridade para a solução das
contendas e aproximação da decisão judicial dos cidadãos [...]”.
342
(sem destaque no original),
contribuindo a um tempo para ampliar o acesso à justiça
343
(art. 5º, XXXV) e para a
duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII,).
Uma decisão judicial para ser justa tem que ser proferida tempestivamente, sob
pena de não produzir os resultados esperados. Dessa forma, o tempo é imperativo da justiça e
de seu acesso, pois “[T]ão injusto quanto se negar um direito a quem a ele faz jus é
342
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, ed.,
2008, p. 57-65.
343
Como já foi destacado, no direito de acesso à justiça já está implicitamente proclamado o direito a resolução
do processo no menor tempo possível.
86
reconhecê-lo intempestivamente, quando a utilidade do seu exercício já foi destruída ou
mitigada pela ação implacável do tempo.”
344
3.2 Tempo razoável e Juizados Especiais Cíveis
Como a regra constitucional não trouxe uma definição ou a fixação de um prazo
limite para demonstrar o que seria prazo razoável, o grande problema é defini-lo. Os prazos
processuais fixados na legislação infraconstitucional podem e devem ser um parâmetro, mas
não o único
345
, pois se assim o desejasse, o legislador teria feito menção expressa na norma
constitucional.
Até mesmo a conceituação do termo duração razoável é tarefa difícil, já que ele se
enquadra no que a doutrina chama de conceito jurídico indeterminado, vago ou fluído
346
, ou
seja, são aqueles que “a norma não determina o exato e preciso sentido desses conceitos, haja
vista que estes não admitem uma rigorosa e abstrata quantificação ou limitação, somente
devendo ser identificados, caso a caso, diante do fato real.”
347
Na realidade essa indeterminação não é uma imperfeição linguística, mas sim uma
técnica utilizada pelo legislador, porque nem sempre é possível determinar todas as situações
fáticas em que de ser aplicada, somente sendo possível essa quantificação ou limitação no
caso concreto, além de ser uma forma de manter a lei atualizada aos anseios da sociedade no
momento histórico em que ela é aplicada.
348
Por isso é que o legislador não estabeleceu qualquer prazo rígido para conclusão
dos processos, já que não teria condição de prever todas as variáveis que influenciam o tempo
de tramitação dos mesmos, como por exemplo, a complexidade da causa, o comportamento
344
OLIVEIRA. Rogério Nunes. A morosidade da entrega da jurisdição e o direito à razoável duração do
processo judicial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, ano 2003/2004, 4/5, p. 609. Disponível em:
<http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista04e05/Discente/07.pdf>. Acesso em: 14 set. 2009.
345
Segundo Danielle Annoni, a jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos Humanos - THDH - tem
estabelecido três indicadores gerais, a serem observados com as particularidades de cada caso, quais sejam: a) a
natureza da ação ou a complexidade do assunto; b) a conduta das partes ou o comportamento dos litigantes e de
seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo; e c) a conduta das autoridades nacionais ao
examinarem a matéria ou a atuação do órgão jurisdicional. In: ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso
à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008, p. 210-211.
346
MELO, João Paulo dos Santos. Duração razoável do processo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2010, p. 108.
347
GUERRA, Sérgio. Controle judicial dos atos regulatórios. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005, p.171.
87
das partes, a conduta do juiz e servidores, a atividade dos advogados,
349
o tipo de
procedimento, a estrutura do Poder Judiciário,
350
a acessibilidade de provas, a quantidade de
processos,
351
etc.
Além disso, o tempo é imprescindível para a maturação do processo, necessário
para assegurar às partes o exercício pleno de todas as suas garantias constitucionais e
processuais, principalmente o direito ao devido processo legal, com os seus corolários da
ampla defesa e do contraditório, que são indispensáveis para proporcionar uma decisão justa e
segura.
352
Por essas razões, não se pode utilizar os prazos legais da legislação
infraconstitucional processual como único critério para determinar o prazo razoável.
353
Não se
pode imaginar que o texto legal suplantar os obstáculos do dia a dia vivenciado pelos
julgadores.
Com efeito, a definição do que é um prazo razoável para duração do processo vai
ser sempre relativa, com a utilização de critérios legais, objetivos – que é a fixação dos prazos
na legislação infraconstitucional processual e de interpretação jurisprudencial,
354
pois é no
cotejo dos casos concretos que o limite será estimado de acordo com a realidade de cada
unidade judiciária.
355
No caso da Lei 9.099/95, ela fez previsão de que o julgamento deve ocorrer no
prazo máximo de 30 (trinta) dias, sendo 15 (quinze) dias para a realização da audiência única
de conciliação, instrução e julgamento (se for o caso). Não sendo possível a realização
348
NICOLI, Ricardo Luiz. Discricionariedade e integração de conceitos jurídicos indeterminados: os limites do
controle positivo das questões técnicas complexas pelo Poder Judiciário. In: GUERRA, Sérgio (org.)
Transformações do Estado e do direito. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p. 148.
349
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 147-158.
350
CR/88, art. 93, inciso XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda
judicial e a respectiva população.
351
Na tentativa de solucionar a questão da quantidade excessiva de processos por juiz, a Emenda Constitucional
45 inseriu um novo inciso no art. 93: “XIII o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à
efetiva demanda judicial e à respectiva população.”
352
ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: rgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 196; DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr,
2009, p. 19.
353
ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: rgio Antônio Fabris
Editor, 2008, p. 198.
354
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus 87319/SP, Turma, julgado em 22/04/2008
publicado no DJe em 19/05/2008. Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA; Habeas Corpus
91029/SP, 6ª Turma, julgado em 23/04/2009, publicado no DJe em 25/05/2009. Relator Ministro OG
FERNANDES; Habeas Corpus 106249/SP, Turma, julgado em 28/10/2008, publicado no DJe em
10/11/2008. Relatora Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG). Disponível
em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 15 set. 2009.
355
SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2007, p. 147-158.
88
imediata da audiência de instrução e julgamento, a lei diz que ela deverá ser designada para
um dos 15 (quinze) dias subsequentes. (arts. 16 e 27).
Dessa forma, por determinação legal, o julgamento deve ocorrer no período entre
15 (quinze) e 30 (trinta) dias a contar do registro da petição na Secretaria do Juizado. Por
outro lado, a Lei dos Juizados Especiais não estabeleceu qualquer prazo para outras fases do
processo e nem para o julgamento dos recursos e da execução.
No plano teórico esse prazo é o ideal, porém, como salientado, ainda que a lei
possa estabelecer alguns parâmetros para aferir se o tempo dos processos são razoáveis,
somente à luz das especificidades de cada caso concreto, com análise de todas as variáveis
capazes de influenciar no andamento do processo, é que se poderá saber se ele é ou não
moroso.
3.3 A morosidade nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais: alguns dados estatísticos
Não existem muitas pesquisas ou dados estatísticos específicos e elaborados em
escala nacional com a utilização de critérios científicos acerca do tempo médio de duração
dos processos
356
nos Juizados Especiais Cíveis Estaduais,
Como bem observa Ricardo Quass Duarte,
357
existe um paradoxo quando o
assunto é tempo do processo: “se de um lado, é notório que a Justiça é lenta e que os
processos no Brasil levam muito tempo para serem resolvidos; de outro lado, não
comprovação científica e idônea a sustentar tal afirmação”.
358
356
BARBOSA MOREIRA, Jo Carlos. A justiça no limiar de novo século. Disponível em:
<http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2009. O autor
afirma: “Se nos indagarem em que dados objetivos nos baseamos para discutir, por exemplo, o tema da duração
dos processos, seremos forçados, de modo geral, a confessar que de quase nada dispomos. O gosto pelos
levantamentos estatísticos rigorosos decididamente não faz parte dos hábitos culturais brasileiros, neste como em
outros terrenos.”
357
DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 67.
358
Sob a coordenação dos então Desembargadores José Carlos Barbosa Moreira e Felippe Augusto de Miranda
Rosa, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro realizou, em 1990, uma pesquisa sobre a duração do
tempo dos processos. Apesar das limitações da pesquisa e dos dados levantados, que fora realizada somente
em varas cíveis da comarca da capital e em processos do rito ordinário e sumaríssimo (atual rito sumário), sem
abranger outros tipos de procedimentos, como ações possessórias, cautelares e especiais em geral, foi possível
identificar nos processos pesquisados que a maioria demorava em média dois anos para serem concluídos. Para
ver o resultado completo da pesquisa consultar: BARBOSA MOREIRA, José Carlos; ROSA, Felippe Augusto
de Miranda Rosa. Duração dos processos: discurso e realidade. Projeto Auto-análise do Poder Judiciário. In:
Justiça: promessa e realidade: o acesso à justiça em países ibero-americanos. Associação dos Magistrados
Brasileiros - AMB - (org.); tradução Carola Andréa Saavedra Hurtado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p.
379-402.
89
Todavia, no cotidiano - em especial daqueles que militam profissionalmente nos
Juizados Especiais ou quem tem ou teve alguma demanda nesses órgãos de justiça - é comum
ouvir reclamos sobre a demora nos julgamentos,
359
além, é claro, dos trabalhos acadêmicos
360
e doutrina especializada relatando a morosidade (também) nesse microssistema.
A pesquisa que melhor retrata o tempo de tramitação dos processos nos Juizados
Especiais Cíveis Estaduais e, talvez a única, foi feita pelo Centro Brasileiro de Estudos e
Pesquisas Judiciais CEBEPEJ - em parceria com a Secretaria de Reforma do Judiciário, do
Ministério da Justiça – SRJ/MJ, no período compreendido entre dezembro de 2004 e fevereiro
de 2006, em nove capitais: Belém, Belo Horizonte, Fortaleza, Goiânia, Macapá, Porto Alegre,
Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
361
Após a instalação do Conselho Nacional de Justiça
362
- CNJ -, passou-se a fazer
um estudo sobre o desempenho dos diversos órgãos da justiça de todo o país, através dos
dados estatísticos fornecidos pelos próprios tribunais,
363
projeto denominado Justiça em
Números. Atualmente esse é o levantamento estatístico mais completo e detalhado, porém,
não indica o tempo médio de duração dos processos.
A morosidade no relatório do CNJ é retratada a partir da taxa de
congestionamento, que é a quantidade de processos pendentes de sentenças em relação aos
que estão em andamento. Chega-se a taxa de congestionamento fazendo a divisão do número
de sentenças que extinguem os processos pela soma do número de casos novos
364
com o
número de casos pendentes de julgamento em um determinado período.
365
359
Segundo Ricardo Quass Duarte existe um paradoxo: “de um lado, é notório que a Justiça é lenta e que os
processos no Brasil levam muito tempo para ser resolvidos; de outro lado, não comprovação científica e
idônea a sustentar tal afirmação”. Ver maiores detalhes em: DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no
processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 64-68.
360
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008; FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais
Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual)
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
361
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS – ESTUDOS. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de
Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível
em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009.
362
Órgão do Poder Judiciário encarregado do controle da atuação administrativa e financeira do próprio Poder
Judiciário (art. 92, I-A e art. 103-B, ambos da Constituição da República de 1.988).
363
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Justiça em número, 2008, p. 2-4. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 17 set. 2009.
364
Os casos novos são considerados todos aqueles que foram protocolados ou registrados dentro de determinado
período, na hipótese, dentro do ano de 2008.
365
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Justiça em mero, 2008, p. 261. Disponível em
<http://www.cnj.jus.br.> Acesso em: 09 set. 2009.
90
Na realidade, a taxa de congestionamento é importante para avaliar o desempenho
do serviço judiciário, a sua capacidade de dar vazão aos processos recebidos, todavia, repito,
não indica a duração média dos processos.
Em muitos casos pode ocorrer de inúmeros processos estarem aguardando
julgamento há alguns anos, enquanto outros, por razões que não estão subordinadas ao
desempenho judiciário
366
serem julgadas rapidamente, distorcendo uma análise mais
particularizada do tempo dos processos.
367
O relatório do CNJ não indica qual é o índice ideal para a taxa de
congestionamento, e nem se pode dizer que quanto menor melhor, pois o processo também
exige um tempo mínimo antes do seu julgamento, que é o tempo necessário para assegurar as
garantias constitucionais e processuais das partes, como o devido processo legal, o
contraditório e a ampla defesa.
É por isso que a norma fala em tempo razoável. O tempo e o processo são
indissociáveis. O processo não nasce, desenvolve e termina em um tempo só.
368
O tempo
também gera benefícios para o processo, pois ele é necessário para o amadurecimento da
decisão e consequentemente para sua justeza.
369
Mesmo que este seja conciso em razão da
simplicidade e informalidade procedimental, o processo tem um tempo mínimo.
370
Nem mesmo nos Juizados Especiais, cujo processo orienta-se pelos critérios
da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade
(art. 2º, Lei 9.099/95) e da concentração dos atos principais em audiência
(tentativa de conciliação, oitiva das partes, colheita das provas, apresentação
da defesa e prolação da sentença), é possível dispensar-se um espaço de
tempo para que o processo seja concluído, pois, antes da realização da
audiência, é necessário que o demandante deduza seu pedido em juízo, bem
como que o demandado seja citado, com antecedência suficiente a preparar
sua defesa e reunir provas em seu favor. Além disso, uma vez proferida a
sentença, um espaço de tempo necessário a que o perdedor exerça o seu
366
Acordo extrajudicial, desistência, reconhecimento imediato do pedido, extinção sem julgamento do mérito,
etc.
367
Outro problema na pesquisa do CNJ é que, no caso específico dos dados estatísticos dos Juizados Especiais,
não existe separação dos dados colhidos nos Juizados Cíveis daqueles colhidos nos Juizados Criminais, ou seja,
a taxa de congestionamento (e os outros indicadores também) refere-se aos processos cíveis e criminais juntos, o
que prejudica uma análise mais minuciosa e realista sobre os Juizados Cíveis, que é o objeto deste estudo.
Também vale considerar que podem ocorrer outras distorções, como é o caso dos processos que estão suspensos
por força da regra do art. 89 da Lei 9.099/95, que ficam constando como se estivessem em andamento sem
julgamento entre o período de 2 a 4 anos.
368
DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 36.
369
DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 42.
370
DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 36.
91
direito de recorrer e para que a decisão seja reexaminada por um
colegiado.
371
O que não pode e tem que ser combatido diariamente é o tempo excessivo,
injustificado, desnecessário e prejudicial para as partes. O tempo que gera angústia, abalos
psicológicos, prejuízos materiais, etc.
De qualquer forma, pela ausência de dados mais específicos, não se pode
desconsiderar a taxa de congestionamento, pois embora ela não possa mensurar o tempo dos
processos, é um parâmetro a ser utilizado para aferir a capacidade de processamento dos
litígios encaminhados aos Juizados Especiais, o que vai refletir diretamente no tempo de
duração dos processos.
Os dados apresentados no último relatório
372
do CNJ revelam que a taxa de
congestionamento dos Juizados Especiais Estaduais
373
é da ordem de 50% (cinquenta por
cento)
374
, ou seja, metade das ações em andamento no período de estudo (2008) não foram
julgadas no mesmo ano.
Anualmente são protocolados mais de 4.000.000 (quatro milhões)
375
de casos
novos nos Juizados Especiais Estaduais por todo o Brasil - média que se mantém nos últimos
cinco anos.
376
Ora, se compararmos com a justiça comum,
377
percebe-se que a quantidade de
casos novos
378
nos Juizados Especiais representa quase 35% (trinta e cinto por cento) do total
de casos novos daquela Justiça
379
(tabela nº 1)
Nos Estados do Acre e Amapá o número de ações novas protocoladas nos
Juizados supera os números da justiça comum, ou seja, a afluência de processos é maior no
microssistema dos Juizados do que na justiça tradicional (tabela nº 1).
371
DUARTE, Ricardo Quass. O tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009, p. 36.
372
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça CNJ Justiça em Números 2008 Disponível em
<http://www.cnj.jus.br.> Acesso em: 09 set. 2009.
373
Esses números referem-se aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais.
374
Houve uma pequena queda na taxa de congestionamento entre 2004 (53,7%), 2005 (50,5%), 2006 (48,9%).
Em 2007 foi registrado um aumento (51,1%) e 2008 (50,6%) manteve a média dos últimos cinco anos. Fonte:
Justiça em Números 2008 – Disponível em <http://www.cnj.jus.br.> Acesso em: 09 set. 2009.
375
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça CNJ Justiça em Números 2008 Disponível em
<http://www.cnj.jus.br.> Acesso em: 09 set. 2009.
376
Foram 3.538.072 de novos processos em 2004; 4.073.400 em 2005; 4.161.564 em 2006 e 4.113.152 em 2007.
Fonte: Justiça em Números 2008 - Série Histórica. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br >. Acesso em: 07 set.
2009.
377
Quando for utilizado o termo justiça comum, o relatório refere-se a todos os ramos da justiça Estadual.
Quando constar Juizado Especial, refere-se aos Juizados Estaduais Cíveis e Criminais.
378
Processos novos que foram protocolados durante o ano em estudo – 2008.
379
Na Justiça Federal, os casos novos dos Juizados Especiais é quase o dobro da justiça comum Federal.
92
Em outros Estados como Rio de Janeiro, Espírito Santo e no Distrito Federal, o
volume de processos novos ajuizados anualmente nos Juizados é quase idêntico ao da justiça
comum.
A tabela nº 1 demonstra o número de casos novos nos Juizados e na justiça
comum no ano de 2008.
Tabela nº1 - Casos Novos por Estados: Juizados Especiais Estaduais e Justiça Comum
Estadual - 2008
LITIGIOSIDADE - 2008 Casos Novos nos Juizados Especiais -
1º grau
Casos Novos na Justiça Comum
Estadual – 1º grau
Acre
40.879
31.784
Alagoas 26.446 70.117
Amapá
29.493
29.098
Amazonas 44.401 80.270
Bahia 176.792 485.575
Ceará 58.288 237.414
Distrito Federal
131.674
189.768
Espírito Santo
94.711
113.829
Goiás 95.043 398.941
Maranhão 45.389 130.809
Mato Grosso 75.338 167.219
Mato Grosso do Sul 110.578 218.310
Minas Gerais 570.768 985.361
Pará 28.269 149.348
Paraíba 50.336 121.684
Paraná 214.094 678.447
Pernambuco 98.733 215.321
Piauí 20.358 87.706
Rio de Janeiro
622.426
653.170
Rio Grande do Norte 58.010 100.176
Rio Grande do Sul 566.400 1.549.287
Rondônia 40.037 125.657
Roraima 1.935 11.993
Santa Catarina 56.847 653.390
São Paulo 901.765 4.597.878
Sergipe 29.976 101.635
Tocantins 23.623 69.571
TOTAL 4.212.609 12.250.758
Fonte: Elaboração própria a partir do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Disponível em
<http://www.cnj.gov.br>. Acesso em 09 set. 2009.
93
Essa expressiva quantidade de processos naturalmente provocou uma sobrecarga
nos Juizados Especiais,
380
e tem reflexo direto no tempo de tramitação dos processos, e,
consequentemente, no direito de acesso à ordem jurídica justa, porquanto a celeridade no
procedimento está relacionado diretamente com a efetividade da tutela jurisdicional e a sua
demora corresponde a própria denegação da justiça.
381
O relatório do CNJ ainda mostra que o número de processos novos por juiz nos
Juizados Especiais é de 4.627, enquanto para os juízes da justiça comum esse número é de
1.424. A carga de trabalho do juiz da justiça comum é de 5.277 processos, enquanto nos
Juizados Especiais esse número sobe para 9.035 processos
382
(tabelas nº 2 e nº 3).
Entretanto, na justiça comum o número de magistrados é quase 10 (dez) vezes
maior que nos Juizados Especiais. Enquanto a justiça comum possui 8.603 juízes, os Juizados
somam apenas 906 juízes (tabelas nº 2 e nº 3).
É sabido que uma comparação com a justiça comum deve ser vista com muita
prudência em razão das inúmeras variáveis que os diferenciam, principalmente em relação aos
procedimentos e formalidades que não se aplicam aos Juizados.
Entretanto, fazendo um confronto somente entre o número de processos que estão
em andamento e o número de magistrados no último relatório apresentado, considerando que
os litígios nos Juizados Especiais representam quase 35% de todo o movimento forense da
justiça estadual, para haver uma equivalência com a justiça comum, seria necessário elevar o
número de juízes dos Juizados Especiais para aproximadamente 2.960 julgadores, ou seja, um
aumento da ordem de 850% (oitocentos e cinquenta por cento).
Esse comparativo demonstra a necessidade de melhor estruturar os Juizados
Especiais que, mesmo com uma grande procura pela população, não recebe investimentos
proporcionais a sua demanda.
383
Apesar das diferenças apresentadas, a taxa de congestionamento, como revelado
anteriormente, nos Juizados Especiais está em torno de 50%, enquanto na justiça comum ela
380
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 12. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009.
381
TUCCI, Rogério Lauria; TUCCI, José Rogério Cruz. Devido processo legal e tutela jurisdicional. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 100.
382
Todos dados relativos ao ano de 2008.
383
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, ed.,
2008, p.61-62. Esse autor constata que “Na análise dos juizados especiais brasileiros, um dos principais
problemas apontados é a existência de uma distorção no tratamento dos juizados no interior dos tribunais,
quando comparado com o tratamento dispensado à justiça comum. De facto, quando analisamos a parte do
orçamento da justiça afectada aos juizados especiais e a comparamos com a que é atribuída à justiça comum,
podemos chegar à conclusão de que os juizados especiais estão a ser vítimas de uma enorme injustiça
orçamental.”
94
sobe para quase 80%, ou seja, ela é maior 60% do que nos Juizados, revelando que
microssistema atende o jurisdicionado de forma mais rápida, e, portanto, eficiente, do que na
justiça comum (tabelas nº 2 e nº 3).
Por outro lado, esse paralelo entre os dois ramos do Judiciário indica que os
Juizados Especiais estão absorvendo alguns procedimentos e a burocracia da justiça comum,
deixando de cumprir seus princípios norteadores quanto a informalidade, simplicidade,
economia processual e celeridade. Esta hipótese pode ser comprovada pela velocidade do
processamento de seus litígios, que de acordo com os números do CNJ, consegue solucionar
apenas metade dos casos novos recebidos anualmente.
As tabelas nº 2 e nº 3 resumem alguns indicadores referentes ao Juizado
Especial e justiça comum Estadual.
Tabela nº 2 - Indicadores dos Juizados Especiais Estaduais - 1º grau
LITIGIOSIDADE
2004
2005
2006
2007
2008
Casos Novos
3.538.072
4.073.400
4.161.564
4.113.152
4.212.609
Número de Sentenças
3.154.978
3.755.365
4.065.142
3.991.470
4.072.377
Casos Novos por Magistrado
4.155 4.839
4.731
4.451
4.627
Carga de Trabalho
7.707
9.250
9.063
8.832
9.035
Número de magistrados
866
839
874
924 906
Taxa de Congestionamento
53,7%
50,5% 48,9%
51,1%
50,6%
Fonte: Elaboração própria a partir do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Disponível em
<http://www.cnj.gov.br>. Acesso em 09 set. 2009.
Tabela nº 3 - Indicadores da Justiça Comum Estadual - 1º grau
LITIGIOSIDADE
2004
2005
2006
2007
2008
Casos Novos
9.607.571
9.434.832
10.462.176
11.437.664
12.250.758
Número de Sentenças
6.650.840
7.258.425
7.882.254
8.479.165
9.258.589
Casos Novos por Magistrado
1.257 1.179
1.259
1.343
1.424
Carga de Trabalho
4.609
4.587
4.787
5.113
5.277
Número de magistrados
7.742
8.002
8.310
8.518 8.603
Taxa de Congestionamento
80,7%
80,0% 80,2%
80,5%
79,6%
Fonte: Elaboração própria a partir do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça - CNJ - Disponível em
<http://www.cnj.gov.br>. Acesso em 09 set. 2009.
95
Em suma, os dados do CNJ revelam que os Juizados Especiais cumpriram seu
objetivo de ampliar o acesso à justiça, oferecendo uma nova arena judicial
384
para solução dos
litígios de pequeno valor e menor complexidade,
385
que até então não tinham acolhimento
pelas vias tradicionais da justiça, em decorrência da desproporcionalidade entre os custos do
processo (tempo, despesas processuais e honorários) e os seus possíveis benefícios
386
.
Também revelam que a morosidade nos Juizados pode ser atribuída a um aumento
expressivo do número de demandas para uma infraestrutura deficiente, ou seja, os dados
mostram a incapacidade dos Juizados em processar, de forma célere, os litígios que lhe são
apresentados.
387
na pesquisa realizada pelo CEBEPEJ, específica quanto ao tempo de duração
dos processos nos Juizados Especiais Cíveis, constatou-se que o processo de conhecimento,
que engloba as fases de distribuição, audiência de conciliação, audiência de instrução,
sentença de mérito e interposição e julgamento do recurso, duraram, em média, 349 (trezentos
e quarenta e nove) dias.
388
(tabela nº 4)
Quando há necessidade de execução de sentença,
389
a média de duração dessa fase
é de 300 (trezentos) dias. Na soma dessas duas fases conhecimento e execução a duração
média é de 649 (seiscentos e quarenta e nove) dias (tabela nº 4).
A pesquisa também analisou o prazo para realização dos dois principais atos
processuais nos Juizados Especiais Cíveis, que são as audiências de conciliação e de instrução
384
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 12. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009.
385
SALOMÃO, Luis Felipe. Roteiro dos juizados especiais cíveis. Rio de Janeiro: Destaque, ed., rev. ampl.
e atual., 2009, p. 14; VIANNA, Luiz Werneck. et al. A judicialização da política e das relações sociais no
Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 187; CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação,
instalação, funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 135;
FAISTING, André Luiz. O dilema da dupla institucionalização do Poder Judiciário: O caso do Juizado
especial de pequenas causas em São Carlos. 99 f. Dissertação de Mestrado Centro de Educação e Ciência
Humana da Universidade Federal de São Carlos, São Paulo, 1988; SALOMÃO, Luis Felipe. Sistema nacional de
juizados especiais. Revista Cidadania e Justiça Rio de Janeiro, Ano 3/nº7 - semestre/1.999 Revista da
Associação dos Magistrados Brasileiros AMB, p. 141; FARIA, Anderson Peixoto de. O Acesso à justiça e as
ações afirmativas. In: QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati de Queiroz (Org.) Acesso à Justiça. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2002, p.14; CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS CEBEPEJ.
Juizados Especiais Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 12. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>.
Acesso em: 12 fev. 2009.
386
O termo justiça comum ou justiça tradicional que serão utilizados com muita frequência neste capítulo
correspondem a todos os outros ramos do Poder Judiciário dos Estados (cível, família, fazenda pública, criminal,
etc) do 1º grau de jurisdição.
387
FERRAZ, Leslie Shérida. Uma justiça de olhos bem abertos. In: Revista Custo Brasil, ano 4 20, edição
abril/maio 2009. Disponível em: <http://www.revistacustobrasil.com.br/20/pdf/6.pdf>. Acesso em: 01 out. 2009.
388
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS - CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudos, p. 37. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de Reforma do Judiciário do
Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível em:
<http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009.
96
e julgamento.
390
Para a realização da audiência de conciliação o prazo médio foi de 70
(setenta) dias, enquanto a audiência de instrução e julgamento realizou-se no prazo de 189
(cento e oitenta e nove) dias
391
(tabela nº 4).
A pesquisa ainda apresentou o tempo médio entre o registro do pedido na
secretaria do Juizado e a sentença de mérito, que foi de 193 (cento e noventa e três) dias, ou
seja, mais de 6 meses. Embora a diferença entre o prazo da audiência de instrução e
julgamento e o prazo para sentença seja muito pequena, é um indicativo de que a sentença não
está sendo proferida em audiência, conforme previsto no art. 28 da Lei nº 9.099/95 (tabela 4).
Tabela nº 4 - Prazos nos Juizados Especiais Cíveis - números totais
Fase do processo
Dias
Audiência de conciliação
70
Audiência de Instrução e Julgamento
189
Prazo entre o pedido e a sentença de mérito
193
Processo de Conhecimento
349
Processo de Execução
300
Duração média - conhecimento e execução
649
Fonte: Elaboração própria com base nos dados estatísticos apresentados pelo CEBEPEJ.
Como foi dito anteriormente, a Lei nº 9.099/95 estabeleceu o prazo máximo de 30
(trinta) dias para o julgamento nos processos, sendo 15 (quinze) dias para a realização da
primeira audiência, e na hipótese de necessidade de uma segunda audiência, mais 15 (quinze),
momento em que será proferida a sentença (arts. 16 e 27).
No caso dos Juizados Especiais, não se pode dizer que a legislação tenha
influência negativa no tempo de duração dos processos, já que além de estabelecer um
procedimento simples, informal, com regras processuais claras e objetivas, sem previsão de
intervenção de terceiros ou recursos que possam protelar o andamento do feito, ainda
389
A pesquisa indicou que a execução de sentença ocorre em 15,3% do total de casos e em 45,7% das sentenças.
Fonte: CEBEPEJ – Juizados Especiais Cíveis: estudo, p. 37.
390
A pesquisa apresentou dados referentes a todos os processos pesquisados e também para os casos que
passaram por todas as fases. Optou-se por apresentar os dados dos casos que passaram por todas as fases porque
ele demonstra o tempo médio de cada uma delas.
391
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS - CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudos, p. 37. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de Reforma do Judiciário do
Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível em:
<http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009.
97
estabeleceu um prazo para sua conclusão.
Embora o prazo máximo de 30 (trinta) dias seja adequado para as causas de
competência dos Juizados Especiais - que são de pequeno valor e baixa complexidade
exigindo, portanto, uma solução rápida para não comprometer o proveito econômico esperado
com a demanda ou onerar de forma excessiva os demandantes, principalmente de baixa
renda
392
-, no plano prático tem demonstrado ser exíguo.
Os números apresentados
393
têm mostrado que esse prazo nem sempre é
compatível com a realidade,
394
devido a fatores externos que não dependem somente da
eficiência dos Juizados, como a exemplo da grande quantidade de processos ajuizados que
sobrecarregam a pauta
395
de audiência, e a dificuldade de citação e/ou intimação das partes,
396
principalmente nos grandes centros urbanos, provocando sucessivos adiamentos e novos
agendamentos de audiências, comprometendo o tempo de duração do processo.
De qualquer maneira, o prazo médio de mais de 6 (seis) meses para receber uma
sentença de primeiro grau, ou de quase 1 (um) ano até o julgamento do recurso, conforme
demonstrado pela pesquisa (se houver execução o prazo se estende mais 300 dias), não é
razoável para os objetivos pelos quais os Juizados Especiais foram criados.
Certamente essa demora na entrega da prestação jurisdicional não está restrita
puramente ao elevado número de ações, sempre desproporcional ao mero de juízes
397
e
servidores,
398
precariedade das estruturas judiciais
399
ou ausência de gerenciamento,
400
além
392
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,
Fabris, 1988, p. 20-21.
393
E a experiência também.
394
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 138.
395
Pauta é o termo utilizado na prática forense para referir-se as datas e, consequentemente, o prazo para
realização das audiências.
396
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica.
235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p. 178; CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 138.
397
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Estrutura e funcionamento do Poder Judiciário. In: JUSTIÇA:
promessa e realidade: o acesso à justiça em países ibero americano. Organização Associação dos Magistrados
Brasileiros, AMB: tradução Carola Andréa Saavedra Hurtado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p. 41- 42.
398
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 79, 88-90; SALOMÃO, Luis Felipe. Sistema
nacional de juizados especiais. Revista Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro, Ano 3/nº7 - semestre/1.999
Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros AMB, p. 141; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Acesso à
justiça & efetividade do processo: a ação monitória e um meio de superação dos obstáculos? Curitiba: Juruá,
2006.
399
SCHUCH, Luiz Felipe Siegert. O acesso à justiça e autonomia financeira do poder judiciário: a quarta
onda? Curitiba: Juruá, 2006, p. 162. CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá,
2008, p. 113-115.
400
CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 113-115; NALINI,
Renato. A rebelião da Toga. - Campinas, SP: Millennium Editora, 2006, p. 12-13.
98
da carência crônica de recursos
401
, mas, e principalmente, pela resistência a uma “nova
filosofia e estratégia no tratamento dos conflitos de interesses”
402
que os Juizados Especiais
trouxeram ao mundo jurídico, com menos burocracia e mais simplicidade, em contraponto ao
formalismo tradicional do processo comum.
A pesquisadora Luciana Gross Cunha
403
realizou pesquisa nos Juizados Especiais
Cíveis do Estado de São Paulo e constatou que a rotina de trabalho nas Secretarias dos
Juizados não se distingue em “nada de cartório do juízo comum. A burocracia do sistema
também pode ser notada pelos documentos e ‘peças processuais’ que compõem cada um dos
processos nos JECC, que por sua vez em nada se diferenciam de um processo do juízo
comum.”
É a mesma a constatação quanto ao trabalho dos juízes. Segundo Luciana Gross,
os números indicam que “os princípios do sistema dos juizados não o cumpridos e que
alguns procedimentos e a burocracia que atende o juízo comum são reaproveitados pelos
juizados”.
Os juízes que atuam no sistema dos juizados reproduzem a sua atuação e o
papel exercido no juízo comum, o que afeta de forma definitiva o
desempenho dos juizados quanto à informalidade e à simplicidade que o
sistema, de acordo com a legislação, prometia imprimir nos procedimentos
de solução dos conflitos
.
404
3.4 A audiência única, o desvirtuamento da lei e o aumento do tempo do processo
A norma prescreve que a audiência de instrução e julgamento terá início
imediatamente após a audiência de conciliação, ou seja, no mesmo ato processual, caso não
ocorra acordo ou não seja instituído o juízo arbitral (art. 27).
401
NALINI, Renato. A rebelião da Toga. Campinas, SP: Millennium Editora, 2006, p. 12-13; SCHUCH, Luiz
Felipe Siegert. O acesso à justiça e autonomia financeira do poder judiciário: a quarta onda? Curitiba: Juruá,
2006, p. 162. CICHOCKI NETO, José. Limitações ao acesso à justiça. Curitiba: Juruá, 2008, p. 113-115;
402
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. In:
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1.
403
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 115.
404
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 115.
99
A audiência de instrução e julgamento somente não se realizará logo após a sessão
de conciliação se puder resultar em algum prejuízo para a defesa, a exemplo da ausência de
alguma testemunha intimada (normalmente as testemunhas são levadas pelas partes), ou outra
prova que o juiz entenda necessária e não esteja disponível naquele momento.
Nas hipóteses de adiamento da audiência, a lei determina que a sua realização será
designada para um dos quinze dias subsequentes (art.27).
Na audiência de instrução e julgamento concentram-se toda a fase instrutória,
postulatória (resposta do réu) e decisória do procedimento.
405
A defesa poderá apresentar sua
resposta de forma escrita ou oral, e todos os documentos exibidos por uma das partes, a outra
se manifestará imediatamente. Não haverá adiamentos e nem interrupções, sendo que todos os
incidentes que possam interferir no regular prosseguimento da audiência serão decididos
naquele momento (art. 29).
Na contestação a parte demandada poderá alegar toda matéria de defesa, exceto
arguição de suspeição ou impedimento do juiz, que se processará na forma do Código de
Processo Civil (art. 30).
Não será admitida a reconvenção porque ela retarda o procedimento e
compromete o princípio da celeridade. Todavia, poderá o demandado apresentar pedido em
seu favor, desde que fundado nos mesmos fatos que constituam objeto da controvérsia (art.
31). É a denominada ação dúplice, que permite o réu na contestação deduzir pedido
contraposto.
Não previsão de prazo para debates orais ou apresentação de memoriais. Após
a oitiva das partes e colhida todas as provas, imediatamente deve ser proferida a sentença (art.
28), de preferência, oralmente, atendendo aos princípios da oralidade, informalidade,
simplicidade e celeridade.
Como ocorre na audiência de conciliação, o comparecimento pessoal das partes na
instrução e julgamento é obrigatório, pois mais uma vez será tentada uma solução amigável,
além de também ser uma decorrência do princípio da oralidade, que exige o contato direto do
juiz com as partes e as testemunhas, estabelecendo um diálogo entre ele, autor e réu, sem
formalismos e com simplicidade, para que possa melhor conhecer a realidade dos fatos.
406
405
DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo no juizado das pequenas causas. In: WATANABE, Kazuo
(coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. o Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1985, p. 137.
406
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 109.
100
A importância da audiência é tamanha que a própria lei estabelece que a ausência
do autor é causa de extinção do processo (art. 51, I) e a ausência do demandado implicará a
sua revelia, com a presunção de veracidade dos fatos alegados no pedido inicial (art. 20).
O legislador ao instituir os Juizados Especiais preocupou-se com o tempo e os
custos que os atos dispensáveis podem acarretar ao jurisdicionado, principalmente para os
mais pobres, que são as maiores vítimas dos custos do processo.
407
Todo o sistema dos Juizados foi concebido com a supressão do tradicional
formalismo do processo para simplificar o seu funcionamento com o objetivo de agilizar a
prestação jurisdicional.
Como visto no capítulo anterior, o princípio da oralidade, que é o norteador de
todo o processo nos Juizados, somente será possível com encurtamento das distâncias entre os
atos processuais para que o julgador possa ter um melhor aproveitamento das impressões
colhidas pelo contato direto com as partes e testemunhas, e que ainda estão vivas na sua
memória.
408
Essa diminuição do espaço entre os atos realizados dentro do processo é alcançada
com a concentração
409
de todos (ou quase todos) os atos em um único momento, isto é, em
uma única audiência de conciliação, instrução e julgamento.
410
Pelo princípio da oralidade em grau máximo, norteador do rito
sumariíssimo, a audiência a se realizar há de ser uma, única e indivisível,
por isso que, não obtida a conciliação, passa a audiência para a tentativa de
instituição do juízo arbitral (art. 24); não prosperando, adentra-se,
imediatamente, na fase de instrução e julgamento, desde que não resulte
prejuízo para a defesa (art. 27). (Sem destaques no original.)
411
Superada a fase conciliatória e não instituído o Juízo arbitral, diz a Lei que
se passe ‘imediatamente à audiência de instrução e julgamento’, tendo em
vista o princípio da concentração, pois o ideal é que todos os atos sejam
407
FISS, Owen. Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade.
Coordenação da tradução Carlos Alberto de Salles; tradução Daniel Porto Godinho da Silva, Melina de Medeiros
Rós. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 125.
408
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas: In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo :
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 109.
409
KOMATSU, Roque. Notas em torno dos deveres processuais dos juízes. In: SALLES, Carlos Alberto de
(coord.) - As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro - Homenagem ao Professor Kazuo
Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 702.
410
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias.
Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 36.
411
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 205.
101
praticados numa única oportunidade.
412
(Sem destaques no original)
Para Paulo Cezar Pinheiro Carneiro
413
a lei dos Juizados Especiais priorizou a
rapidez como forma de garantir a efetividade do processo. Com isso, “não obtida a
conciliação, será de imediato realizada a audiência de instrução e julgamento [...]”.
Guilherme Bollorini Pereira,
414
ao sustentar, no mesmo sentido, a necessidade de
concentração dos atos processuais, diz que o ideal “é que à sessão de conciliação, caso resulte
infrutífera, deve se seguir a audiência de instrução e julgamento [...]”.
Candido Rangel Dinamarco,
415
em artigo comentando a Lei dos Juizados de
Pequenas Causas de 1984, já advertia sobre a necessidade da realização simultânea das
audiências, caso não houvesse acordo na audiência de conciliação, recomendando que nessa
hipótese a “fase instrutória do procedimento terá lugar imediatamente, instalando-se a
audiência logo em seguida à conciliação mal sucedida [...]”. E ainda completa que, depois de
instalada a instrução, “não haverá adiamentos nem interrupções da audiência.”
A própria Exposição de Motivos do anteprojeto da antiga Lei 7.244/84, que
criou o Juizado de Pequenas Causas, precursora da Lei 9.099/95, que instituiu os Juizados
Especiais, demonstrava claramente a intenção de fosse realizada uma única audiência:
[...] a celeridade do processo motivou o estabelecimento de ato único, onde
se devem desenvolver todas ou quase todas as etapas pertinentes à
exposição, instrução e julgamento da causa, isto é, a sessão de conciliação
e julgamento. Nessa sessão única as partes são ouvidas e é tentada sua
conciliação; são colhidas todas as provas e, enfim, é proferida a
sentença. Praticamente, se realizam fora desta sessão os atos
concernentes à apresentação da petição inicial e à citação do réu ou
intimação de testemunhas [...]
416
(Sem destaques no original.)
412
FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis. Leme/SP: JH Mizuno, 2007, 3ª ed.,
p. 302.
413
CARNEIRO, Paulo César Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma
nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 122-123.
414
PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis: questões de processo e de
procedimento no contexto do acesso à justiça. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2004, p. 178.
415
DINAMARCO, ndido Rangel. O processo no juizado das pequenas causas: In: WATANABE, Kazuo
(coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. o Paulo: Ed.
Revista dos Tribunais, 1985, p. 136-137.
416
Exposição de Motivos 007, de 17 de maio de 1983, do anteprojeto de lei que dispõe sobre a criação do
Juizado Especial de Pequenas Causas, apresentado pelo então Ministro de Estado Hélio Beltrão, Coordenador e
Orientador do Programa Nacional de Desburocratização lio Beltrão. In: BONFIM, B. Calheiros. Juizados de
pequenas causas – 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Destaque, 1995.
102
Como ficou assinalado alhures, a Lei nº 9.099/95 disciplinou que após o
registro do pedido na Secretaria do Juizado, será designada a sessão de conciliação a realizar-
se no prazo de 15 (quinze) dias. Se não ocorrer a autocomposição das partes, e estas não
optarem pelo juízo arbitral (que definitivamente não foi institucionalizado nos Juizados), deve
ser realizada, imediatamente, a audiência de instrução e julgamento, ou seja, a conciliação, a
instrução e o julgamento se farão em uma única audiência (arts. 16 e 27).
Além dessa determinação legal, os princípios da oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade possibilitam um procedimento
descomplicado, desburocratizado, sintético, sem formalismo excessivo que possa
comprometer a agilidade na entrega da prestação jurisdicional. A previsão de uma única
audiência para conciliação, instrução e julgamento é uma decorrência desses princípios que
orientam os Juizados Especiais.
Entretanto, na prática forense,
417
conforme demonstrado pela pesquisa realizada
pelo CEBEPEJ,
418
a lei e os princípios norteadores dos Juizados Especiais Cíveis estão sendo
sacrificados, que a regra de uma única audiência cedeu lugar para o agendamento de duas
audiências
419
em datas distintas, comprometendo a presteza na tramitação do processo, que
era uma das promessas mais alvissareiras da Lei 9.099/95.
420
Esse desvirtuamento da lei acontece desde o momento inicial, quando feito o
registro do pedido na Secretaria do Juizado é designada data para realização apenas da
audiência de conciliação. Realizada essa, não ocorrendo acordo, faz-se designação de nova
417
REINALDO FILHO, Demócrito Ramos. Juizados especiais cíveis: comentários à Lei 9.099/95. São
Paulo: Saraiva, 2ª ed., 1999, p. 161; FRIGINI, Ronaldo. Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis.
Leme/SP: JH Mizuno, 3ª ed., 2007, p. 303; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados
especiais cíveis estaduais e federais – São Paulo: Saraiva, 9ª ed. rev. e atual., 2007, p. 175; CENTRO
BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. São
Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009; FERRAZ, Leslie Shérida.
Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese (Doutorado em
Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p. 122-180.
418
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudo. São Paulo, p. 85, 2006. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009;
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235
f. Tese (Doutorado em Direito Processual) Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p. 122-180.
419
Athos Gusmão Carneiro lembra que a audiência pode ser um fator de retardamento do processo. Vide a
respeito em: CARNEIRO, Athos Gusmão. Audiência de instrução e julgamento e audiências preliminares.
Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 5-6.
420
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudo. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 12 fev. 2009;
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235
f. Tese (Doutorado em Direito Processual) Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p. 180.
103
audiência para instrução e julgamento em data (muito) posterior
421
, tendo as partes que
aguardarem meses para apresentarem suas provas.
O procedimento que deveria ser sumariíssimo,
422
com a concentração das
audiências e um único ato, é transformado em procedimento comum ordinário,
423
que é
excessivamente longo, exigindo a designação de uma primeira audiência “preliminar” para
tentativa de conciliação, e não sendo obtido o acordo, marca-se outra data para audiência de
instrução e julgamento (art. 331, § 2º, CPC).
Esse artifício de realizar duas audiências produz prejuízos para o jurisdicionado,
já que retarda a sua “saída” do Poder Judiciário,
424
sendo que o tempo de espera para as partes
apresentarem suas provas quase triplica (item 3.3, tabela 4: conciliação, 70 dias; instrução e
julgamento, 189 dias), aumentando os desgastes naturais de uma batalha jurídica e anulando
os benefícios adquiridos pela conquista do acesso formal à justiça.
O divórcio das audiências representa a absorção do formalismo e da burocracia
inerente ao processo civil tradicional,
425
que acabam sendo reproduzidos pelos juízes na sua
atuação nos Juizados, ficando comprometida a celeridade na resolução dos conflitos que a Lei
pretendia imprimir.
Mauro Cappelletti e Bryan Garth
426
advertiam sobre a possibilidade dos
“tribunais” de pequenas causas, que foram criados para serem mais rápidos, incorporar as
solenidades do processo ordinário, tornando-se, “quase tão complexos, dispendioso e lentos
quanto os juízos regulares (devido, particularmente, à presença dos advogados e à resistência
dos juízes em abandonar seu estilo de comportamento tradicional, formal e reservado).”
421
Item 3.4, tabela 4.
422
A Constituição da República de 1988, além de enfatizar a utilização do procedimento oral, ainda estabeleceu
que ele deve ser sumariíssimo.” (art. 98, I).
423
O procedimento ordinário é seguido de acordo com as “regras gerais e comuns a todo processo judicial, sem
qualquer alteração ao que está estabelecido para o comum ou geral das ões. [é] a marcha processual para todas
as causas, a que não se atribua rito especial ou próprio.” SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico.
Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 988-989.
424
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudo. São Paulo, 2006. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 12 fev. 2009;
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235
f. Tese (Doutorado em Direito Processual) Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p. 125 e 180.
425
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 138.
426
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,
Fabris, 1988, p. 96-97.
104
Nesse aspecto se insere a advertência do professor Kazuo Watanabe
427
de que os
Juizados Especiais instituíram não somente um novo tipo de procedimento, e sim um
“conjunto de inovações, que vão desde nova filosofia e estratégia no tratamento dos conflitos
de interesses até técnicas de abreviação e simplificação procedimental”. O Juiz mais ativo e
menos formal é uma característica básica dos Juizados Especiais.
428
Os aplicadores do direito, em particular o juiz que administra o processo, é
precisam “rever integralmente velhos conceitos de direito processual e [...] antigos hábitos
enraizados na mentalidade dos profissionais, práticas irracionais incompatíveis [...]”
429
com a
moderna processualística e com o juiz contemporâneo.
430
Na arguta advertência de Dinamarco, é preciso um “novo método de pensamento”
dos estudiosos e aplicadores do direito, deixando de lado o excessivo formalismo “e abrindo
os olhos para a realidade da vida que passa fora do processo”.
431
Entre os deveres processuais de direção do processo, cabe ao juiz eliminar os
trâmites desnecessários, que impedem a agilização da conclusão do feito.
432
O próprio Código
de Processo Civil estabelece o dever do juiz “velar pela rápida solução do litígio.” (artigo 125,
II, CPC.), adotando medidas para racionalizar, otimizar, inovar e melhor aproveitar o aparato
legal para a solução de conflitos sem prolongamentos desnecessário.
O juiz é o administrador do processo
433
e, portanto, principal responsável pelo
tempo de duração do mesmo. Ao juiz cabe a tarefa de assegurar o cumprimento dos atos e
procedimentos processuais previstos na lei, não permitindo qualquer desvio que possa
prejudicar o regular andamento do feito, “pois os bons resultados de uma boa lei dependem
fundamentalmente dos homens que se disponham a dar-lhes adequada atuação.”
434
427
WATANABE, Kazuo. Filosofia e características básicas dos juizados especiais de pequenas causas. In:
WATANABE, Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de
1984. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 1.
428
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,
Fabris, 1988, p. 103.
429
DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual das pequenas causas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
1986, p. 1.
430
NALINI, Renato. A rebelião da Toga. Campinas, SP: Millennium Editora, 2006, p. 146.
431
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo 13ª edição. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008, p. 320.
432
KOMATSU, Roque. Notas em torno dos deveres processuais dos juízes. In: SALLES, Carlos Alberto de
(coord.) - As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro - Homenagem ao Professor Kazuo
Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 718.
433
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O juiz como administrador do processo. In: SALLES, Carlos Alberto de
(coord.) - As Grandes Transformações do Processo Civil Brasileiro - Homenagem ao Professor Kazuo
Watanabe. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 735.
434
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 107.
105
Os juízes que atuam nos Juizados Especiais precisam estar atentos para os reais
escopos da Lei, e menos apego às formas, “sabendo criar soluções ágeis e adequadas às
situações que se apresentem, recusando-se denotadamente a cair em rotinas formais do
processo tradicional”.
435
Os juízes que atuam no sistema dos juizados reproduzem a sua atuação e o
papel exercido no juízo comum, o que afeta de forma definitiva o
desempenho dos juizados quanto à informalidade e à simplicidade que o
sistema, de acordo com a legislação, prometia imprimir nos procedimentos
de solução dos conflitos.
436
Todo o procedimento nos Juizados Especiais tem por fundamento a eliminação de
atos inúteis e a flexibilização de todos os atos necessários,
437
abolindo o formalismo para que
o processo atinja seu objetivo mais rápido, sem ritualismos dispensáveis ou formas pré-
estabelecidas.
Com esse entendimento, Cândido Rangel Dinamarco lembra que:
Os juizados são filhos de um movimento desburocratizador que se instalou
no país na década dos anos oitenta, com a idéia de que as complicações e
formalismos processuais constituem inexplicáveis e ilegítimos entraves ao
pronto e efetivo acesso à ordem jurídica justa.
438
Os juízes devem ser sensíveis e ativos para ajustar a lei às necessidades do homem
comum, que precisa de uma justiça rápida, simples e de baixo custo.
439
Como a opção pelos
juizados é facultativa, se fosse do interesse do demandante uma procedimento mais complexo
e longo, certamente ele teria optado pelo juízo comum.
435
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas. In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo:
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 107.
436
CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação, funcionamento e a
democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 115.
437
DINAMARCO, ndido Rangel. Os juizados especiais e os fantasmas que os assombram. In: Fundamentos
do processo civil moderno. Tomo II, edição rev. e atual. por Antônio Rulli Neto. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 1427.
438
DINAMARCO, ndido Rangel. Os juizados especiais e os fantasmas que os assombram. In: Fundamentos
do processo civil moderno. Tomo II, edição rev. e atual. por Antônio Rulli Neto. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 1427.
439
CAPPELLETTI, Mauro; Garth, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre,
Fabris, 1988, p. 93-94.
106
Os dados demonstram que a realização de audiências em dias distintos tem
onerado a duração do processo. Na pesquisa realizada pelo CEBEPEJ
440
constatou-se que das
nove capitais pesquisadas, apenas no Rio de Janeiro
441
foi institucionalizada a prática de
unificar a audiência de conciliação em instrução e julgamento,
442
“diminuindo sobremaneira o
tempo de duração dos processos” reduzindo para 3 (três) meses o tempo até o seu
julgamento.
443
Isso demonstra que o é apenas nos Juizados ou comarcas com pequeno
movimento que a audiência única é possível de ser implementada. No Rio de Janeiro o
movimento processual nos Juizados somente é menor do que no Estado de São Paulo.
444
Outra comprovação prática da viabilidade da concentração das audiências foi o
projeto denominado Juizado Especial Cível em ação: audiência una sai do papel e vira
realidade, desenvolvido na cidade de Quixadá, no Ceará, que concorreu ao III Prêmio
Innovare: a justiça do século XXI.
445
Esse projeto consiste, como o próprio nome diz, na realização de audiência una,
ou seja, na realização da audiência de instrução e julgamento imediatamente após a audiência
de conciliação frustrada. Ele foi idealizado exatamente pela constatação de que nos Juizados,
em regra, acontecem duas audiências em datas distintas.
De acordo com a juíza Ijosiana Cavalcante Serpa, responsável pelo projeto, a
medida possibilitou a redução do tempo de tramitação dos processos em média até 60
(sessenta) dias.
No Estado de Goiás, a juíza Geovana Mendes Baia Moises, então titular do
Juizado Especial Cível e Criminal da comarca de São Luis dos Montes Belos, passou a
utilizar o procedimento com audiência única em novembro de 2006, com redução
440
JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS – ESTUDOS. Pesquisa realizada pelo CEBEPEJ para a Secretaria de
Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça em nove cidades de diferentes unidades da Federação. Disponível
em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009.
441
Durante a realização deste trabalho, enviei, via e-mail, questionário para os juízes titulares e substitutos com
atuação nos Juizados Cíveis no Estado de Goiás (Estado que exerço a judicatura), sendo que das respostas
obtidas, 86,7% dos juízes não utilizam o procedimento com audiência única.
442
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 85. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br> Acesso em: 12 fev. 2009;
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235
f. Tese (Doutorado em Direito Processual) Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p. 125 e 180.
443
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 85. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br > Acesso em: 12 fev. 2009.
444
Item 3.4, tabela 1.
445
Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/innov/propostas/verBanco/3/612 >. Acesso em: 23 set.
2009.
107
considerável no tempo de tramitação dos processos. Transcrevo parte da entrevista realizada
com a Dra. Geovana Baia e os números por ela apresentados:
Antes as audiências eram realizadas em duas etapas, a primeira de
conciliação e, caso não ocorresse o acordo, era designada a audiência de
instrução e julgamento que distava de 3 a 4 meses da audiência de
conciliação. Em novembro de 2006 foi implantado o sistema de
convolação de audiências. Este sistema realiza num dia as audiências de
conciliação e instrução e julgamento, ou seja, caso não obtida a conciliação,
as partes já passam para a sala de instrução e julgamento onde será procedida
a instrução e proferida a sentença. Com este novo método a duração dos
processos reduziu em muito.[...] O resultado é muito satisfativo, pois no
sistema antigo a duração dos processos em sua maioria era superior a 7
meses, com o novo método a duração média de processos é de 3 meses.
[...] A prolatação de sentença durante a audiência também é ato que
economiza em muito do prazo processual, uma vez que as partes são
intimadas da sentença na própria audiência, dispensando conclusões e
intimações por parte das escrivanias. [...] A duração razoável de um
processo nos Juizados cíveis é de três meses. Muito embora o índice mais
acentuado de duração seja de dois meses é preciso considerar os casos em
que a parte reside em outra comarca o que deverá distanciar um pouco a
audiência convolada, mas não poderá ser mais de três meses do
protocolamento da inicial.
Essa medida não requer qualquer alteração legislativa, ao contrário, ela apenas
segue estritamente o que foi determinado pela lei. O rito com uma única audiência é a regra
nos Juizados. A exceção para a realização de duas audiências já está prevista na própria lei, no
caso, quando houver prejuízo para a defesa, ou seja, alguma situação que impeça a colheita de
toda a prova em uma única audiência (art. 27), ou, no caso do réu apresentar pedido
contraposto, a critério do autor, poderá ser designada nova data (art. 31, parágrafo único).
Atualmente a tendência no direito processual, mesmo no procedimento comum
ordinário, é a sumarização do processo,
446
com audiência una para todos os procedimentos, a
exemplo do que aconteceu nas alterações legislativas da Lei de Tóxicos (Lei nº 11.349/06), do
processo penal, inclusive nos procedimentos do júri, (Leis 11.689/08 e 11.719/08), e no
processo trabalhista (Lei nº 9.957/2000).
Os Juizados Especiais não podem caminhar no sentido contrário. Com muito
maior razão, pela própria essencial dos Juizados - que foram idealizados para dirimir, com
446
ZANDERDINI, Flávia de Almeida Montingelli. Tendência universal de sumarização do processo civil e a
busca da tutela de urgência proporcional. 310 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo, 2007.
108
rapidez e baixo custo, matérias simples, corriqueiras do dia a dia do cidadão comum, de
pequeno valor econômico e baixa complexidade, ao contrário do processo penal, por
exemplo, que tutela bem jurídico como a liberdade -, não razão alguma a ele imprimir um
rito destinado à tutela dos conflitos de alta complexidade probatória.
A previsão de uma única audiência coaduna com a finalidade primordial dos
Juizados Especiais de facilitar o acesso à justiça, que tem como um dos seus aspectos mais
relevantes a questão do tempo.
447
Não é por outra razão que os Juizados Especiais são orientados por princípios que se
destinam a ter
o máximo de resultado na aplicação da lei com o mínimo de atividades
processuais,
448
buscando sempre que possível concentrar em ato único e indivisível,
449
a
tentativa de conciliação, a instrução processual e o julgamento, para não atrasar o término do
processo e eliminar de forma mais rápida os conflitos surgidos no meio social, impedindo a
sensação de injustiça e contribuindo para mitigar o fenômeno da litigiosidade contida.
450
Em que pese os dados estatísticos apresentados demonstrarem um excessivo
número de demandas nos Juizados Especiais para um reduzido contingente de juízes, o que
implica uma demasiada carga de trabalho e consequente superlotação da pauta de audiências,
o fracionamento das audiências de conciliação, instrução e julgamento não trazem qualquer
benefício para o desenvolvimento do processo.
Nesses casos, a fragmentação das audiências em datas diferentes serve apenas
para aliviar momentaneamente o trabalho do juiz - que a primeira audiência será presidida
por conciliador -, e passar a impressão para as partes e seus advogados de que “o processo
está andando”, aliviando a pressão sobre o julgador para “despachar” rápido, pois após
designada uma audiência para tentativa de um acordo, nenhuma outra atividade processual
será praticada antes da sua realização.
447
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 20; MORALLES, Luciana Camponez Pereira. Acesso à justiça e princípio da igualdade.
Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2006, p. 77; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Acesso à justiça &
efetividade do processo: a ação monitória e um meio de superação dos obstáculos? Curitiba: Juruá, 2006, p. 52;
MELO, João Paulo dos Santos. Duração razoável do processo. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
2010, p. 53; ANNONI, Danielle. O direito humano de acesso à justiça no Brasil. Porto Alegre: Sérgio
Antônio Fabris Editor, 2008, p. 181 - 206.
448
CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais: uma abordagem crítica. Rio
de Janeiro: Lumen Juris – 5ª ed., 2009, p. 18.
449
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 207.
450
DINAMARCO, Cândido Rangel. Princípios e critérios no processo das pequenas causas: In: WATANABE,
Kazuo (coord). Juizados Especiais de Pequenas Causas. Lei 7.244, de 7 de novembro de 1984. São Paulo :
Ed. Revista dos Tribunais, 1985, p. 110.
109
Conquanto não haja outros estudos e pesquisas sobre o procedimento de realizar
mais de uma audiência nos Juizados, em qualquer cenário, seja em um Juizado Especial de
uma pequena comarca do interior com reduzido número de ações, ou de uma grande capital,
como no caso do Rio de Janeiro,
451
com um número expressivo de demandas, a realização de
duas audiências tende apenas a prolongar o tempo de espera pela decisão definitiva do
processo.
Essa conclusão é até mesmo por uma questão lógica, pois não possibilidade de
prazo menor na conclusão do processo quando é necessário um lapso de tempo maior para a
realização de duas audiências.
Observe na tabela 4, do item 3.2.1, que o prazo que o processo fica parado na
Secretaria do Juizado esperando a data para realização da segunda audiência (119 dias) é
maior do que o prazo para realização da audiência de conciliação (70 dias), que poderia ser
convolada imediatamente em instrução e julgamento, reduzindo o tempo de espera
452
que o
processo fica na prateleira aguardando o dia para a realização de outro ato processual.
O rito previsto na Lei dos Juizados é simples e célere. Se ele está se tornando
complexo e moroso é pela predisposição de assemelhá-lo ao rito do processo civil. Desse
modo, não concentração dos atos, economia processual e celeridade se a audiência se
multiplica (mais de uma audiência) ou se divide (adiamento), frustrando a própria essência
dos Juizados e sua razão de ser.
451
CENTRO BRASILEIRO DE ESTUDOS E PESQUISAS JUDICIAIS – CEBEPEJ. Juizados Especiais
Cíveis: estudo. São Paulo, 2006, p. 85. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br >. Acesso em: 12 fev. 2009;
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235
f. Tese (Doutorado em Direito Processual) Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p. 180.
452
Tempo que os autos ficam na Secretaria do Juizado parado esperando a próxima rotina a ser realizada
(juntada, publicação, conclusão, etc) ou a próxima audiência. Fonte: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria
de Reforma do Judiciário. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD - Pesquisa realizada
pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais - CEBEPEJ e Escola de Direito de São Paulo da
Fundação Getúlio Vargas - DIREITO GV. Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais.
Brasília/DF, 2007, p. 24. Disponível em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 13 ago. 2009.
110
4 SUGESTÕES PARA IMPLANTAÇÃO DA AUDIÊNCIA ÚNICA
Não obstante a implementação da prática da audiência única nos Juizados
Especiais Cíveis ser algo relativamente simples, não necessitando, como dito, de qualquer
alteração legislativa ou elaboração de norma para este fim, porquanto a regra expressa é o rito
“sumariíssimo” com uma única e indivisível audiência, algumas providências administrativas
podem ser executadas para operacionalizar com sucesso o procedimento e evitar o adiamento
ou a necessidade de cisão das audiências, impedindo com isso, que a exceção (duas
audiências), não se torne regra.
Consoante já demonstrado, a lei prevê somente duas hipóteses em que a audiência
de instrução e julgamento não se realiza imediatamente após a tentativa frustrada de
conciliação: quando resultar prejuízo para a defesa, ou, a pedido do autor, para responder ao
pedido contraposto do réu.
Na primeira hipótese, o prejuízo para a defesa pode ficar evidenciado quando
houver alguma circunstância que impeça a colheita de toda a prova em uma única audiência,
como exemplo, a ausência justificada de testemunha, necessidade de prova pericial não
complexa, a realização de inspeção de coisas ou pessoas pelo próprio juiz e outras razões do
mesmo gênero, mas desde que a parte apresente razões fundamentadas, pois, sempre é salutar
repetir, a regra é a concentração dos atos num único momento processual
453
(art. 27).
Na segunda hipótese, no caso do demandado apresentar pedido em seu favor, o
autor poderá solicitar a designação de outra data para realização de audiência de instrução e
julgamento, quando apresentará resposta ao pedido do autor (art. 31, parágrafo único).
Essa hipótese também é exceção, pois o próprio autor tem interesse (em regra)
que a questão se resolva rapidamente e somente em circunstâncias excepcionais, ele faz
requerimento de prazo para responder.
4.1 Nota sobre a estrutura e o aparelhamento dos Juizados
453
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais veis. In: TOURINHO NETO, Fernando da Costa;
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: comentários à Lei 9.099/95. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 4ª ed. reform., atual. e ampl., 2005, p. 228.
111
Para o melhor sucesso de qualquer proposta que tenha a finalidade de solucionar o
problema da lentidão na entrega da prestação jurisdicional, a estrutura do Poder Judiciário
está diretamente relacionada,
454
exigindo uma correlação entre o número de processos e o
número de juízes
455
e servidores.
456
Sem esse equilíbrio, a carga de trabalho é um elemento impeditivo para a
celeridade dos processos.
457
A própria Constituição da República previu no art. 93, inciso
XIII, que para efetivar a prestação jurisdicional em tempo razoável é preciso que existam
juízes em número proporcional a quantidade de processos e a respectiva população.
458
Acresce-se a isso, a carência de estrutura física e de equipamentos. Aliás, o
problema da estrutura deficiente no Judiciário é notório,
459
embora deva-se reconhecer, tem
melhorado muito nos últimos anos, principalmente em Estados como o Rio de Janeiro e
Goiás, que dispõem e administram recursos próprios provenientes das taxas e custas
judiciárias, não dependendo do Poder Executivo para financiar suas despesas de custeio.
Por considerar que na maioria dos Juizados
460
a carência
461
de recursos humanos e
materiais
462
é um fato,
463
a presente proposta não inclui fazer sugestões sobre a composição
454
MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do processo civil: o acesso à justiça e os institutos
fundamentais do direito processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 32.
455
“[...] problemas nos juizados especiais estaduais; as instalações são precárias e o número de juízes e
magistrados é insuficiente.” In: SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça.
São Paulo: Cortez, 2ª ed., 2008, p.61-62.
456
A celeridade no trâmite processual também encontra limite na capacidade humana de produzir.
457
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Estrutura e Funcionamento do Poder Judiciário no Brasil. In:
JUSTIÇA: promessa e realidade: o acesso à justiça em países ibero americano. Associação dos Magistrados
Brasileiros - AMB - (org.); tradução Carola Andréa Saavedra Hurtado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996, p.
41.
458
Art. 93, XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à
respectiva população.
459
Para José Carlos Barbosa Moreira é “Impossível falar de melhora na qualidade do serviço judiciário sem
aludir à necessidade de utilização mais intensa dos modernos recursos tecnológicos. [...] Tampouco se e em
dúvida a habitual insuficiência dos orçamentos destinados à Justiça. Está longe de implementar-se plenamente a
promessa constitucional de autonomia financeira; e aparelhar órgãos judiciais para o desempenho eficaz de suas
funções nunca se incluiu entre as preocupações mais fortes de nossos administradores. um déficit crônico,
que remonta a épocas distantes, e não se conseguirá suprir da noite para o dia.” In: BARBOSA MOREIRA,
José Carlos. A justiça no limiar de novo século. Disponível em:
<http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf>. Acesso em 12 dez. 2009; No
mesmo sentido da crônica deficiência da estrutura material e pessoal do Judiciário ver: SCHUCH, Luiz Felipe
Siegert. O acesso à justiça e autonomia financeira do poder judiciário: a quarta onda? Curitiba: Juruá, 2006,
p. 161-178; ABREU, Pedro Manoel. Acesso à justiça e juizados especiais: o desafio histórico da consolidação
de uma justiça cidadã no Brasil. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008, p. 62.
460
“De um modo geral, deficiências nas infra-estruturas material e pessoal, e até mesmo nas instalações, o
que está a exigir, em cada unidade da Federação, uma avaliação completa desses Juizados e um investimento
corajoso na melhoria desse importante canal de acesso à justiça.” In: BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria
de Reforma do Judiciário. Pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais -
CEBEPEJ. Juizados Especiais Cíveis: estudo. Brasília/DF, 2006, p. 12. Disponível em:
<http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 13 ago. 2009.
461
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, ed.,
2008, p.61-62. Esse autor constata que “Na análise dos juizados especiais brasileiros, um dos principais
112
ideal de servidores
464
e recursos tecnológicos necessários para que se tenha um desempenho
satisfatório.
Como o objetivo é apresentar um método prático e simples para implantação da
audiência única, não necessidade de alteração no quadro de pessoal ou equipamentos,
sendo possível aproveitar a estrutura existente, sem qualquer acréscimo - a despeito da falta
de uma estrutura material e pessoal adequada e da multiplicação de demandas -,
465
a adoção
da audiência única vai contribuir para a agilidade do procedimento em qualquer cenário,
mesmo que as condições de trabalho sejam precárias.
4.2 Informações imprescindíveis aos litigantes
problemas apontados é a existência de uma distorção no tratamento dos juizados no interior dos tribunais,
quando comparado com o tratamento dispensado à justiça comum. De facto, quando analisamos a parte do
orçamento da justiça afectada aos juizados especiais e a comparamos com a que é atribuída à justiça comum,
podemos chegar à conclusão de que os juizados especiais estão a ser vítimas de uma enorme injustiça
orçamental.”
462
A pesquisadora Luciana Gross Cunha, realizou, em 2004, pesquisa nos Juizados Especiais paulista para saber
sobre a sua realidade, constatando, entre outras coisas, que “Apesar da ampliação do sistema, não houve a
integração dos juizados na organização da Justiça do Estado, nem a criação de estrutura, como varas e cargos
próprios para os juizados. Em São Paulo, os juizados ainda não fazem parte da estrutura do Poder Judiciário
estadual, não dispondo de varas próprias, de cargos, nem de juízes nomeados. Os juízes que atuam nos juizados
paulistas não são juízes titulares, podendo, a qualquer momento, ser transferidos por designação da presidência
do Tribunal de Justiça.”. In: CUNHA, Luciana Gross Siqueira. Juizado especial: criação, instalação,
funcionamento e a democratização do acesso à justiça. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 79.
463
A carência estrutural dos Juizados Especiais em todo o Brasil levou o CNJ a editar a Recomendação 4, de
30 de maio de 2006, que recomenda aos Tribunais de Justiça contemplar verba específica no orçamento do Poder
Judiciário destinada aos Juizados Especiais. Disponível em: <http://www.cnj.gov.br>. Acesso em: 14 dez. 2009.
464
CR/88, art. 93, inciso XIV - os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos
de mero expediente sem caráter decisório.” O constituinte derivado parece ter se inspirado na norma processual
contida no art. 162 § do CPC (Lei 8.952/94) que prevê a possibilidade dos servidores executarem de ofício
atos como a juntada e a vista obrigatória. Esse preceito constitucional inequivocamente leva em consideração a
necessidade de descentralização e desburocratização das rotinas cartorárias com o claro objetivo de assegurar
maior rapidez ao desenvolvimento do processo, além de preservar a capacidade decisória dos juízes, evitando o
seu desperdício de tempo e energia com despachos sem conteúdo axiológico que podem ser executados pelos
servidores judiciais.
465
“O simples aumento da população, que entre nós nada faz crer que se detenha a curto prazo, já seria, por si só,
causa de sobrecarga de trabalho. Nem se trata, apenas, de levar em conta a progressiva elevação do número de
habitantes: na verdade, à medida que se vão disseminando o conhecimento dos direitos, a consciência da
cidadania, a percepção de carências e a formulação de aspiração, correlatamente emerge, na população já
existente, a demanda até então contida, sobe a percentagem dos que pleiteiam, reclamam, litigam: e, por maior
relevância que possam assumir outros meios de solução de conflitos, seria perigoso apostar muito na perspectiva
de um desvio de fluxo suficiente para aliviar de modo considerável a pressão sobre os congestionados canais
judiciários.” In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A justiça no limiar de novo século. Disponível em:
<http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2009.
113
A primeira providência a ser tomada para evitar as hipóteses de adiamento da
audiência acima explanadas será fazer constar do mandado de citação do réu e da intimação
da parte autora, em linguagem simples e objetiva, as seguintes informações:
a) a audiência de conciliação, caso não seja obtido acordo, será convertida imediatamente em
audiência de instrução e julgamento (art. 27), momento em que o réu deverá apresentar
resposta ao pedido do autor (oral ou escrita) e apresentar todos os documentos e provas que
julgar necessários para provar o seu direito (arts. 28 e 33);
b) as testemunhas, até o número de três para cada parte, deverão comparecer na audiência
levadas pela própria parte que as tenha arrolado, ou apresentar requerimento na Secretaria do
Juizado para intimação judicial daquelas que não comparecerão voluntariamente, com
antecedência mínima de cinco dias da audiência (art. 34);
c) a ausência do réu poderá dar ensejo a sua revelia, considerando como verdadeiro os fatos
apresentados pela parte autora (art. 20). A ausência do autor extinguirá o processo, com a sua
condenação nas custas processuais (art. 51, I, § 2º);
d) é facultada a assistência de advogados para as causas de até vinte salários mínimos (art. 9º),
ou seja, as partes não são obrigadas a comparecerem acompanhadas de advogado, podendo
fazer a sua defesa oralmente, sem rigor técnico, da mesma forma que é possível a parte autora
formular o seu pedido diretamente na Secretaria (art. 14, §3º c/c art. 30).
e) sendo necessário, a parte que não tiver condições financeiras de contratar advogado, pode
requerer assistência judiciária gratuita, que será deferida pelo juiz.
4.3 Organização e planejamento das rotinas administrativas
Feitas essas comunicações às partes, a Secretaria do Juizado deverá atentar para
que o réu seja citado com tempo hábil para preparar sua defesa.
Joel Dias Figueira Júnior
466
sustenta que, fazendo a combinação do prazo
estabelecido na parte do art. 16 - que determina que a audiência seja realizada no prazo de
15 dias -, com o prazo do § 1º do art. 34 - que estabelece o mínimo de 5 dias para
apresentação do rol de testemunhas na Secretaria -, entende que o correto seria o réu ser
466
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 243.
114
citado com pelo menos 10 dias de antecedência da audiência designada, prazo suficiente para
preparar sua defesa.
Luiz Fux
467
advoga a tese de que como as partes dispõem de 5 dias antes da
audiência para apresentar o devido rol, presume-se que esse seja o prazo mínimo entre a
citação e a realização da audiência, até porque a defesa pode ser feita oralmente durante a
audiência.
Essas questões devem ser observadas pela Secretaria do Juizado. Parece estar com
a razão o entendimento de Figueira Júnior, pois embora o tempo seja inimigo do processo e
do princípio da celeridade, ele é também um componente essencial ao princípio do
contraditório e da ampla defesa e fundamental para a segurança jurídica.
Na prática, somente em raríssimas exceções consegue-se designar audiências no
prazo de 15 dias estabelecido na lei. Mas, de qualquer maneira, para evitar adiamentos ou
prejudicar o direito de defesa, é prudente a Secretaria do Juizado ficar atenta para o lapso
temporal entre a data da citação do réu e o dia da audiência.
Mesmo porque, se for necessário a parte requerer a intimação das testemunhas, e
não houver tempo hábil, não será possível realizar a audiência de instrução e julgamento
imediatamente após a tentativa frustrada de conciliação, o que ocasionaria retrabalho à
Secretaria.
Como qualquer rotina administrativa cartorária, a Secretaria do Juizado deve
sempre conferir os processos que estão aguardando audiência com alguns dias de
antecedência, verificando se todas as partes e testemunhas foram intimadas, se não
nenhuma pendência para ser resolvida antes da audiência e que possa resultar no seu
adiamento.
Outro procedimento administrativo importante e que tem resultados positivos é a
instituição de pautas temáticas, ou seja, a designação de data de audiência para resolução de
processos que envolvam questões iguais ou semelhantes.
O ato que consome maior tempo da audiência é a oitiva de testemunhas. Por essa
razão, não é possível designar muitas audiências para um único dia, pois pode acontecer de
não se conseguir realizar um número expressivo de acordos, e consequentemente, ser
necessário converter a audiência de conciliação em instrução e julgamento, tendo que ouvir
um grande número de testemunhas e não haver tempo hábil.
467
FUX, Luiz. Juizado Especial Cível. In: BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e
criminais e suspensão condicional do processo penal: a Lei 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de
Janeiro: Forense, 2002, p. 225-226.
115
Porém, nos Juizados uma grande parte das demandas não necessitam da produção
de prova oral (oitiva de testemunhas ou inquirição de técnicos), sendo o direito das partes
comprovado exclusivamente por prova documental, envolvendo matéria unicamente de
direito ou sendo de fato e de direito, e não houver necessidade de produzir prova oral, a
exemplo das questões que discutem cláusulas contratuais, cobrança indevida por parte de
empresas prestadoras de serviços públicos e instituições financeiras, alguns caso de dano
moral e de direitos do consumidor em geral.
Assim, pode-se estabelecer previamente um dia na semana ou quinzenalmente -
isso vai depender do fluxo de demandas - para os casos que, em princípio, não exigem
produção de prova em oral.
Com essa medida, tendo em vista que não haverá necessidade de ouvir nenhuma
testemunha, as audiências são mais ligeiras e consequentemente, pode-se realizar uma
quantidade maior em um mesmo dia.
Esse planejamento de pautas por temas ainda favorece que o juiz sentencie um
maior número de processos ao final da audiência,
468
já que, além de estar viva na sua memória
os fatos relatados durante a instrução, facilita ao julgador fazer um estudo prévio das questões
que serão discutidas naquela pauta, visto que os temas são relacionados. Assim, o juiz pode (e
deve) já colacionar doutrina e jurisprudência, inclusive preparar minutas de sentença, sobre os
temas em julgamento, para, se for o caso, já proferir a sentença
469
ainda na audiência.
Outra medida que pode ser adotada é fazer uma triagem dos processos que
comportam julgamento antecipado. Durante a audiência de conciliação, se os litigantes não
chegarem a um acordo naqueles casos que envolvem matéria unicamente de direito, o
conciliador indaga das partes se elas desejam realizar a audiência de instrução e julgamento
com o juiz para uma nova tentativa de conciliação, ou se desejam o julgamento antecipado.
É muito comum algumas empresas adotarem a estratégia de não realizarem
acordos,
470
o que inviabiliza qualquer tentativa de composição na audiência de conciliação ou
468
No entendimento de Joel Dias Figueira Júnior, no procedimento sumariíssimo, atendendo ao princípio da
oralidade, o juiz deve decidir em audiência, mesmo porque, a lei não prevê a hipótese dos autos serem conclusos
para o juiz sentenciar em seu gabinete com maior tranquilidade. Para o autor, essa prática reprovável é herança
do antigo Direito Lusitano, cuja tradição terminou por incorporar-se na praxe forense brasileira. FIGUEIRA
JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais veis. In: TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA
JÚNIOR, Joel Dias. Juizados Especiais Cíveis e Criminais: comentários à Lei 9.099/95. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 4ª ed. reform., atual. e ampl., 2005, p. 230-232.
469
Art. 38 - A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes
ocorridos em audiência, dispensado o relatório.
470
A pesquisadora Leslie Ferraz, que participou da pesquisa realizado pelo CEBEPEJ, sobre os Juizados Cíveis,
narra em sua tese de doutorado entrevista que realizou com um advogado de um escritório especializado em
contencioso de massa de grandes empresas, com atuação predominantemente nos Juizados Especiais, que muitas
116
mesmo na audiência de instrução e julgamento, independentemente do preparo e habilidade
do conciliador ou do juiz.
Assim, havendo a concordância de ambas as partes, o processo é encaminhado
diretamente para julgamento, sem necessidade de realizar outra audiência. Essa medida alivia
a pauta do juiz para que ele dispense tempo somente com aqueles casos em que realmente
existe a possibilidade de realizar uma autocomposição entre os litigantes, e ainda nos casos
que exige a colheita da prova oral.
Quando for imperiosa a produção de prova oral, o depoimento pessoal das partes e
das testemunhas poderá ser gravado em fita magnética ou equivalente, conforme faculta a Lei
dos Juizados Especiais (art. 13 § 3º), principalmente levando em consideração que o art. 36 da
Lei 9.099/95, diz que a prova oral não será reduzida a escrito, devendo a sentença referir,
no essencial, os informes trazidos nos depoimentos.
Com esse procedimento, o desenvolvimento da audiência é muito mais ágil, pois
sem a necessidade de fazer qualquer registro escrito (na prática, o que se tem visto é a
transcrição integral do depoimento da testemunha em termo próprio - outra consequência do
formalismo herdado do juízo comum), o tempo despendido é muito menor,
471
que não
necessidade do juiz ficar ditando a resposta das partes e testemunhas para o escrevente digitar
no termo de audiência.
Além disso, a prova da oral em mídia digital propicia uma maior efetividade do
princípio da oralidade, sendo que com a gravação não há qualquer deformação no depoimento
prestado, que é registrado integralmente, sem interrupções (no sistema ditado com registro
escrito atrapalha o raciocínio e a exposição do depoente), com toda riqueza de detalhes,
adotam essa gica de não fazerem acordo para não abrir precedentes e assim não estimular a propositura de
mais demandas. Nas palavras do advogado entrevistado, “Se um acordo acontece, é por acidente, por descuido
ou por medo do advogado local de que o juiz sentencie contrariamente. Mas esses são casos isolados e
patológicos; a regra é que as grandes empresas o façam acordo, sobretudo se for uma demanda de
consumo repetitiva, que é a esmagadora maioria dos casos.” E o advogado continua com a seguinte
afirmação: “Vou te dar um exemplo de um caso importante, envolvendo uma grande empresa de cartão de
crédito e um banco, que utilizavam uma prática considerada abusiva: se o titular do cartão fosse correntista e não
pagasse a fatura do cartão no dia do vencimento, o saldo mínimo da fatura era debitado de sua conta corrente.
Mesmo que seja uma prática discutível, enquanto não houvesse uma decisão definitiva a respeito em Cortes
superiores, o banco ia adotando a medida, e, obviamente, recusando-se a fazer qualquer acordo nos Juizados.
Você não imagina o ganho financeiro da instituição. Mesmo que ela tivesse que pagar indenizações por dano
moral, ela ainda saía no lucro, porque são poucas as pessoas que vão atrás do sei (sic) direito.” In: FERRAZ,
Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica. 235 f. Tese
(Doutorado em Direito Processual) Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, p.
110-121. Essa estratégia também foi relatada por um colega do curso de mestrado que durante muito tempo
advogou para instituições financeiras que tinham contenciosos de massa nos Juizados Especiais.
471
De acordo com o juiz Ezequias da Silva Leite, idealizador do projeto Prova oral em mídia digital, na
comarca de Sobral/CE, a redução do tempo fica em torno de 50% a 80% do tempo gasto com o registro escrito.
Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/prova-oral-em-midia-digital-1556>. Acesso em 20
dez. 2009.
117
permitindo ao julgador aquilatar melhor os depoimentos colhidos (mesmo que outro juiz
venha a proferir a sentença terá com a percepção de quem colheu a prova) e proferir decisões
mais justas.
472
Essa prática, além de reduzir o tempo necessário para o registro dos depoimentos,
evita questionamentos sobre o conteúdo das transcrições, facilitando, inclusive, a análise por
parte dos órgãos recursais, que poderá aquilatar com fidedignidade a prova colhida,
propiciando maior segurança aos depoimentos.
Um simples gravador de fita magnética ou de qualquer outra dia digital, com
dois microfones, é suficiente para a gravação da prova oral. Nos Juizados em que estão
implantados o Processo Judicial Digital - PROJUDI -, a gravação é feita e armazenada
diretamente no próprio sistema, sem necessidade de qualquer outro aparelho eletrônico. São
necessários apenas alguns ajustes técnicos que normalmente são feitos pelo pessoal que
suporte ao programa. Até a sentença pode ser oral, o que imprime mais agilidade ao
procedimento.
A parte interessada que desejar poderá requerer, a suas expensas, a transcrição da
gravação (art. 44). Nesse caso, entenda-se por transcrição, a reprodução de uma fita para
outra, que é facilmente realizada (ou do PROJUDI para qualquer mídia digital).
Na prática, a parte apresenta na Secretaria do Juizado uma fita, CD, ou DVD e em
poucos minutos terá uma cópia integral do que foi gravado em audiência. Para a hipótese de
recurso, é feita a remessa da fita original diretamente com o recurso para a Turma Recursal
473
(no PROJUDI os membros da Turma ouvem os depoimentos diretamente pelo sistema) .
4.4 Maneiras de operacionalizar a audiência única
A audiência única pode ser realizada de duas formas: com ou sem a colaboração
de um conciliador. A primeira forma, com um conciliador, serão necessárias duas salas, uma
para a audiência de conciliação, e outra para a instrução e julgamento.
472
LEITE, Ezequias da Silva. Prova oral em mídia digital. Projeto realizado na comarca de Sobral/CE. Projeto
premiado como “Destaque na prática” no Prêmio Innovare. Disponível em:
<http://www.premioinnovare.com.br/praticas/prova-oral-em-midia-digital-1556>. Acesso em 20 dez. 2009.
473
CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e federais São
Paulo: Saraiva, 9ª ed. rev. e atual., 2007, p. 248.
118
A audiência inicia-se com a tentativa de conciliação, presidida pelo conciliador,
na sala de conciliação. Obtido o acordo, ele é imediatamente levado ao juiz que faz a sua
homologação, saindo as partes intimadas. Se a parte ré, embora citada e intimada, não
comparecer, decreta-se a sua revelia (salvo se do contrário resultar da convicção do juiz) e o
juiz também profere de imediato a sentença.
Não havendo a conciliação, passa a audiência de instrução e julgamento, que será
realizada em outra sala, e presidida pelo juiz, enquanto o conciliador começa outra audiência.
Mesmo na audiência de instrução e julgamento o juiz novamente tenta a conciliação.
Se o acordo outra vez o é obtido, o réu apresenta sua defesa, oral ou escrita. As
partes apresentam os documentos, com manifestação naquele mesmo momento da parte
contrária, resolução de preliminares (que podem ser resolvidas também na sentença) e
incidentes por ventura arguidos. Em seguida, colhem-se os depoimentos pessoais e
testemunhais, se for necessário. Após o encerramento da colheita das provas, o juiz, sempre
que possível, profere a sentença, saindo as partes intimadas, e se desejarem (recurso é
admitido quando feito por advogado), podem recorrer oralmente.
Na outra forma a dinâmica é a mesma, porém, sem a presença do conciliador, pois
é o juiz que realiza pessoalmente as duas audiências. O juiz abre a audiência única tentando
obter uma solução consensual. Não sendo possível a conciliação, passa-se para apresentação
da defesa e em seguida a colheita da prova oral. Se for apresentado algum documento a outra
parte já se manifesta.
Nesse formato, conquanto possa ocorrer uma sobrecarga de trabalho para o juiz,
que tem que presidir todas as audiências, e consequentemente absorvendo maior tempo,
diminuindo a sua capacidade de produção, pode-se compensar utilizando o conciliador (que
legalmente consta da estrutura de pessoal dos Juizados) para fazer pesquisa de doutrina e
jurisprudência, bem como preparar despachos, decisões e minutas de sentenças.
Por outro lado, ainda que não haja comprovação estatística, mas a experiência
diária tem demonstrado isso, a quantidade de acordos realizados tende a ser maior quando a
audiência é presidida pelo juiz, já que muitas partes declaram “preferir” fazer qualquer acordo
somente após ouvir o juiz.
Nessa forma não é preciso haver duas salas, economizando espaço e
equipamentos.
119
4.5 Fluxograma do modelo de audiência única com conciliador e juiz
Figura nº 1
Petição advogado Atermação
Protocolo designa data
para audiência de
conciliação, instrução e
julgamento – Parte
autora sai intimada data
audiência
Autos encaminhado para
secretaria providenciar
citação.
Conciliação
Houve acordo? Não
Concluso para sentença Sim
Questão
controvertida
unicamente de
direito?
Autos e partes
encaminhadas para
audiência de instrução e
julgamento
Não
Sentença
Recurso?
Turma
Recursal
SimTrânsito em julgado Não
Arquivamento
Execução
Sentença Homologatória Sim
Satisfação
espontânea?
Não
Sim
Extinção desistência,
revelia?
Ausência de citação,
intimação, providência
da secretaria?
Ajuizamento
Protocolo
Se houver mais de um
juizado faze-se a
distribuição
No caso de petição enviada por
advogado pela internet, via PROJUDI,
no momento do registro da petição, o
próprio sistema já escolhe uma data
preestabelecida e intima o advogado,
no mesmo instante
Essa fase acontece somente se o juiz
não for realizar a audiência de
instrução e julgamento (triagem prévia
pelo conciliador com anuência das
partes)
Não
Sim
Nesses casos a sentença é
proferida imediatamente e as
partes intimadas.
120
4.6 Fluxograma do modelo de audiência única sem o conciliador
Figura nº 2
Petição advogado Atermação
Protocolo designa data
para audiência de
conciliação, instrução e
julgamento – Parte
autora sai intimada data
audiência
Autos encaminhado para
secretaria providenciar
citação.
Audiência de
conciliação, instrução e
julgamento
Houve acordo?
Concluso para sentença no
caso em que ela não é
proferida em audiência
Recurso?
Turma
Recursal
SimTrânsito em julgado Não
Arquivamento
Execução
Sentença Homologatória
Satisfação
espontânea?
Não
Sim
Extinção desistência,
revelia?
Ausência de citação,
intimação, providência
da secretaria?
Ajuizamento
Protocolo
Se houver mais de um
juizado faze-se a
distribuição
No caso de petição enviada por
advogado pela internet, via PROJUDI,
no momento do registro da petição, o
próprio sistema já escolhe uma data
preestabelecida e intima o advogado,
no mesmo instante
Nesses casos a sentença é
proferida imediatamente e as
partes intimadas.
Apresentação de defesa,
produção de prova e
sentença
Não
Sim
121
4.7 Institucionalização da audiência única
se disse que “cada Juizado é o ‘império’ do juiz, seguindo, em regra, o seu
estilo de gerência e de prestação jurisdicional [...]”.
474
Ou seja, diante da ausência de
uniformização das regras de procedimento os resultados obtidos em cada unidade judiciária
dependem do esforço pessoal e da capacidade criativa e de gestão do juiz.
475
Isso implica dizer que com as mesmas regras do jogo, com condições idênticas de
trabalho, dependendo do esforço e dedicação dos magistrados, os resultados são muito
diferentes.
476
.
Entretanto, para diminuir a dependência ao fator pessoal e minimizar essas
distorções - mesmo que sempre haja juízes abnegados, que, à custa do sacrifício pessoal e
com muita criatividade, conseguem vencer a batalha contra o volume de processos, sendo
uma realidade inexorável que na condução dos trabalhos em qualquer unidade judicial, o fator
pessoal sempre será determinante para o bom resultado -, melhor seria que o procedimento
com audiência única fosse institucionalizado pelos Tribunais, não ficando a critério exclusivo
do juiz a sua implantação ou não.
Essa institucionalização ou padronização no procedimento não significa
ingerência na liberdade ou independência do julgador, pois, na realidade, sempre é bom
repetir, a lei expressamente determina que a audiência de instrução e julgamento ocorra
imediatamente após a conciliação mal sucedida.
4.8 Outros possíveis benefícios com a prática da audiência única
O propósito principal do procedimento com audiência única, pelas razões já
expostas, é a redução do tempo de tramitação dos processos. Entretanto, a celeridade no
474
VIANNA, Luiz Werneck. et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de
Janeiro: Revan, 1999, p. 215.
475
Para Boaventura de Sousa Santos, “A organização adequada do juizado depende muito do perfil do juiz
encarregado sendo ideal que, ao menos nos juizados das comarcas mais importantes, exista sempre um juiz
exclusivo, com formação adequada e comprometido com o perfil e as finalidades do juizado”. In: SANTOS,
Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez, 2ª ed., 2008, p. 62.
476
BARBOSA MOREIRA, José Carlo. A justiça no limiar de novo século. Disponível em:
http://www.almeidafilho.adv.br/academica/index_archivos/novoseculo.pdf. Acesso em: 12 dez. 2009.
122
procedimento pode possibilitar outros benefícios, que a demora na resolução dos litígios é
uma anomalia do sistema que pode ser utilizada por aqueles que não querem cumprir suas
obrigações.
4.8.1 Redução dos serviços cartorários e do custo operacional
Conforme foi explicado, a audiência é designada no momento em que a parte
demandante registra o seu pedido na Secretaria do Juizado, de saindo intimada. Em
seguida é expedido mandado de citação para a parte demandada com o dia e horário da
audiência (art. 16).
Nos casos de conciliação frustrada, se não ocorrer a convolação imediata da
audiência de conciliação em instrução e julgamento, todo aquele trabalho inicial da secretaria
deverá ser repetido, ou seja, haverá uma duplicação dos serviços cartorários.
É importante salientar também que com este novo método, é reduzido o
trabalho da escrivania, pois pelo despacho inicial é determinada a
intimação da parte para comparecer em audiência acompanhada de
testemunhas e, para apresentar a contestação (Juíza Geovana Mendes Baia
Moises).
Pode-se até dizer que normalmente as partes sairão da audiência de conciliação
intimadas da data da futura audiência de instrução e julgamento, e que não seria nenhum
trabalho a mais para os serventuários da Secretaria. No entanto, na prática, nem sempre a
dinâmica dos procedimentos segue esse formato.
A audiência de conciliação é presidida, na maioria dos Juizados, pelos
conciliadores. Se não é obtido acordo, como o conciliador não dispõe da agenda do juiz, é
comum os autos serem encaminhados para a Secretaria, que faz conclusão dos mesmos ao
Juiz para que a data da futura audiência de instrução e julgamento seja definida.
Todos esses atos realizados pela Secretaria são desnecessários se a audiência é
única. Além do tempo perdido, são óbvios os custos com a (dupla) utilização de material de
expediente e o desperdício da força de trabalho dos serventuários que poderiam ser
empregados em outras rotinas.
123
Mesmo se considerarmos que esse procedimento em alguns casos não acontece da
maneira narrada, e que a audiência de instrução e julgamento seja definida pelo próprio
conciliador, saindo as partes intimadas, os retrabalhos na Secretaria serão realizados, como
a juntada de documentos e termos, numeração, os registros no sistema de informática,
intimação de testemunhas (se for requerido), deslocamento dos autos nas prateleiras do
Juizado, (no caso do processo virtual, o trabalho é o mesmo, que feito diretamente no
computador), conferência, enfim, todo o trabalho é duplicado, realizado em dois momentos
que poderiam ser feitos apenas uma vez.
Cada ato procedimental realizado dentro da Secretaria do Juizado implica uma
série de outros pequenos atos, isto é, mesmo que seja a simples juntada da ata da audiência de
conciliação frustrada, envolve o recebimento, o registro, a remessa e a entrega dos autos para
o servidor responsável, a disponibilização para a rotina seguinte, a colocação no armário (ou
escaninho) para aguardar o dia da audiência, a publicação no Diário da Justiça, etc.
477
Todo esse retrabalho gera custos, e em um universo de milhares de processos, tem
repercussão direta e considerável no custo operacional, onerando o orçamento do Judiciário
que necessita aumentar os valores financeiros para as despesas com material de consumo
(utilização de papel, impressão, caneta, energia elétrica, desgaste de equipamentos, etc) e
pessoal (necessidade de elevar o quadro de servidores). Também são eliminadas as idas e
vindas desnecessárias à conclusão, já que o feito depois da audiência única somente retornará
ao juiz se a sentença não tiver sido proferida.
Além disso, com a diminuição dos serviços cartorários também se reduz a
necessidade de mais servidores nos Juizados, pois vários mandados e atos deixam de ser
expedidos, aliviando, inclusive, a carga de trabalho dos Oficiais de Justiça.
4.8.2 Aumento do número de acordos
477
BRASIL. Ministério da Justiça. Secretaria de Reforma do Judiciário. Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento – PNUD - Pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais -
CEBEPEJ. Análise da Gestão e Funcionamento dos Cartórios Judiciais. Brasília/DF, 2007, 55 p. Disponível
em: <http://www.cebepej.org.br>. Acesso em: 13 ago. 2009.
124
A demora do processo sempre beneficia o réu que não tem razão,
478
que se utiliza
do Judiciário para ganhar tempo e protrair a obrigação de satisfazer o credor.
Embora seja de difícil comprovação com dados empíricos, mas a experiência
profissional indica, e é facilmente perceptível por quem milita nos Juizados Especiais, o réu
que não tem razão (principalmente os litigantes habituais) dificilmente celebra um acordo na
audiência de conciliação quando ele sabe que terá outra oportunidade para fazer o acordo por
ocasião da audiência de instrução e julgamento que será realizada somente meses depois.
Com isso, o réu que não tem razão utiliza a demora em seu benefício e retarda o
cumprimento de sua obrigação, diluindo seus custos com o tempo do processo.
Posteriormente, na ocasião da audiência de instrução e julgamento, como ele sabe que o juiz
tentará mais uma vez a autocomposição das partes, realiza o acordo que lhe é favorável (e a
parte autora que tem razão facilmente aceita o acordo para não demorar ainda mais a receber
seu crédito) e que poderia ter sido obtido há tempos atrás.
Entretanto, se o réu que não tem razão, souber que o procedimento será
concentrado, com apenas uma audiência, e que se perder a oportunidade de realizar um bom
acordo, poderá ter um custo maior com uma sentença judicial, tenderá a realizar o acordo e
não arriscar a imprevisão de uma condenação judicial.
Essa também é a constatação a que chegou a juíza Ijosiana Cavalcante Serpa,
responsável pelo projeto Juizado Especial Cível em ação: audiência una sai do papel e vira
realidade. “[...] posto que muitos acordos são obtidos durante a fase de instrução ou após a
prolação da sentença por iniciativa daquela parte que desejava fazer uso da demora no
processo para se beneficiar de algum modo ou ganhar tempo”.
479
No mesmo sentido a percepção da juíza Geovana Mendes Baia Moises:
Importante destacar que com a convolação das audiências, o número de
acordo na audiência de conciliação foi elevado no dobro da quantidade
anterior. Tal fato é em decorrência de a parte requerida não poder ganhar
tempo para propor nova proposta na audiência de instrução e julgamento que
é realizada em seguida. Munidos de bons conciliadores, os juízes poderão
marcar de 10 a 15 audiências/dias, pois em raras exceções ocorrem o
convolamento de 25% (vinte e cinco) por cento das audiências.
478
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da
demanda. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed., 2002, p.20.
479
Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/innov/propostas/verBanco/3/612>. Acesso em: 23 set.
2009.
125
Portanto, a prática de realizar audiência única pode influenciar diretamente no
percentual de acordos realizados e contribuir para uma solução ainda mais rápida e
consensual.
4.8.3 Redução das execuções
Se realizar audiência única pode aumentar o percentual de acordos, também pode
diminuir o número de execuções judiciais, ou seja, os acordos são cumpridos voluntariamente
sem a necessidade de nova intervenção do aparato judicial.
É que as decisões consensuais, em que os litigantes constroem junto o acordo,
tendem a ser mais aceitas pelos litigantes, com a satisfação do direito da parte feito de forma
voluntária e mais rápida do que aquelas impostas unilateralmente pelo juiz.
480
Essa pressuposição pode ser corroborada pela pesquisa do CEBEPEJ. Segundo a
pesquisadora e professora Leslie Ferraz, o percentual de execução nos processos decididos
por sentença de mérito supera, em média, 42% o percentual das execuções nos processos em
que houve acordo.
481
Dessa forma, a prática da audiência única diminui o número de execuções e
consequentemente o tempo de duração dos processos, já que o cumprimento do acordo é feito
de forma espontânea em percentual superior daqueles obtidos por intermédio de uma sentença
de mérito.
4.8.4 Redução do custo para as partes
Quanto maior o tempo de espera para solução de um conflito, maior é o custo para
as partes.
482
480
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 83.
481
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica.
235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p. 164-165.
482
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 20.
126
Nos Juizados Especiais não são cobradas custas judiciais, porém, a demora
excessiva ou a realização desnecessária de duas audiências em dias distintos acarreta custos
para as partes, que têm despesas com deslocamentos até o Fórum, com alimentação, com
faltas ao trabalho, etc.
Para aqueles que estão acompanhados de advogados, não raras vezes, os
honorários são cobrados por “audiência realizada”, uma vez que os valores disputados não são
significativos para uma cobrança sobre o valor da condenação, e ainda por não haver
honorários de sucumbência nos Juizados.
E como foi dito, esses custos são mais significativos para as partes com menor
recursos financeiros (repita-se, insistentemente: motivo maior dos Juizados Especiais), que
têm dificuldades em suportar o tempo excessivo de um litígio,
483
e por vezes o acréscimo
dessas despesas comprometem seus reduzidos orçamentos.
484
Além desses custos econômicos, ainda os custos relacionados com o desgaste
psicológico provocando pelo conflito que aumenta com o passar do tempo e com necessidade
de comparecer (desnecessariamente) ao ambiente da justiça mais de uma vez para debater
sobre os fatos que desencadearam o litígio.
A lentidão do processo provocada pela espera de uma audiência que poderia ser
realizada em um único momento, pode “significar angústia, sofrimento psicológico, prejuízos
econômicos e até mesmo miséria.”
485
A realização de apenas uma audiência além de diminuir o tempo do processo,
pode amenizar todos esses custos para as partes.
Alguns podem argumentar que com apenas uma audiência, a parte poderá ter um
custo maior procurando reunir provas (testemunha e documento), quando poderá ser
desnecessária se houver um acordo. Porém, na verdade, esse custo não é maior do que os
provenientes da espera prolongada da demanda, com as consequências acima mencionadas.
E, de qualquer maneira, as partes não vão aguardar o resultado imprevisível de
uma audiência de conciliação para começar a providenciar as provas que existam a seu favor.
Nenhum demandante ou demandado, por mais confiança que tenham, pode antecipar o
resultado de uma batalha judicial.
483
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 21.
484
FERRAZ, Leslie Shérida. Juizados Especiais Cíveis e acesso à justiça qualificado: uma análise empírica.
235 f. Tese (Doutorado em Direito Processual) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo,
2008, p. 175.
485
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória e julgamento antecipado: parte incontroversa da
demanda. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 5ª ed., 2002, p. 15.
127
Na prática, os demandantes vão para a audiência de conciliação com as provas
que vão produzir, e diante dessa realidade, sopesam os prós e contras e são mais ou menos
flexíveis diante de uma proposta de acordo. No caso de um acordo, por exemplo, dispensar a
testemunha que estava aguardando não vai frustrá-la, ao contrário, essa sempre é a esperança
de quem vai testemunhar.
4.8.5 Efetividade do Judiciário
O tempo é um dos componentes da efetividade do processo,
486
que, por mais
acertada que seja uma decisão, se ela não for realizada em tempo hábil,
487
isto é, se ela não for
contemporânea à lesão ou ameaça de lesão do direito,
488
poderá não ser mais útil ou eficaz em
decorrência da ação implacável do tempo.
489
Nesse passo, a realização desnecessária de duas audiências, quando se poderia
obter os mesmos resultados, de forma mais rápida, somente com uma única audiência em um
procedimento “sumaríssimo” como o dos Juizados Especiais, viola o direito de um acesso
efetivo à justiça,
490
uma vez que tão injusto quanto negar o acesso ao judiciário
491
é não fazer
a entrega da prestação jurisdicional em tempo adequado.
Com efeito, se o procedimento utilizado com audiência única é mais rápido,
diminui o trabalho burocrático, favorece o acordo entre os litigantes, reduz as execuções
486
ZANDERDINI, Flávia de Almeida Montingelli. Tendência universal de sumarização do processo civil e a
busca da tutela de urgência proporcional. 310 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade
Católica, São Paulo, 2007, p. 26-32.
487
MARINONI, Luiz Guilherme. O Direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos
direitos fundamentais. Disponível em: <http://www.professormarinoni.com.br>. Acesso em: 16 out. 2009.
488
BATISTA, Weber Martins; FUX. Luiz. Juizados especiais cíveis e criminais e suspensão condicional do
processo penal: a Lei nº 9.099/95 e sua doutrina mais recente. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 92.
489
“A morosidade e a falta de transparência geram descrédito e prejudicam a prestação da atividade jurisdicional
por diminuírem-lhe a eficácia e a legitimidade. A solução de alguns litígios revela-se inócua quando não ocorre
no tempo adequado.” In: BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Relatório Anual do CNJ - 2008, p. 45.
Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/conteudo2008/relatorios_anuais/relatorio_anual_cnj_2008.pdf>.
Acesso em: 20 dez. 2009.
490
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre, Fabris, 1988, p. 20-21.
490
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 242-243.
491
De acordo com Luiz Guilherme Marinoni, “a demora do processo jurisdicional sempre foi um entrave para a
efetividade do direito de acesso à justiça.” In: MARINONI, Luiz Guilherme.
O custo e o tempo do processo civil
brasileiro. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, p.37-64. Disponível em:
<http://www.calvados.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewPDFInterstitial/1770/1467>. Acesso em: 20
mar. 2009.
128
judiciais e os custos para as partes e para o Poder Público. É até uma obviedade dizer que ele
é mais efetivo.
129
CONCLUSÃO
Este trabalho teve por objetivo contribuir para o aperfeiçoamento do Poder
Judiciário, em particular dos Juizados Especiais, apresentando uma solução prática que
possibilite uma prestação jurisdicional rápida, possibilitando a um tempo, a garantia
constitucional da duração razoável do processo e o princípio da celeridade que rege o
procedimento.
Embora não seja uma novidade, pois decorre do próprio texto da lei, mas que a
prática forense cuidou de desvirtuar, a audiência única pode minorar um obstáculo para que
os Juizados processem em tempo adequado as demandas que lhes são apresentadas.
O termo acesso à justiça tem uma dimensão ampla e não pode ser compreendido
apenas como o direito de ingressar em juízo, mas, e principalmente, como o direito à tutela
jurisdicional em prazo razoável, que, como vimos, alguns obstáculos que outrora impediam
esse acesso foram removidos e o problema atual está na saída do cidadão do Poder Judiciário.
Essa preocupação fez o legislador incluir na Constituição da República, no rol dos
direitos e garantias fundamentais, o direito a duração razoável do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII, CR/88).
Neste contexto, os Juizados Especiais Cíveis Estaduais se constituíram, por
intermédio da gratuidade de seus serviços, na simplicidade dos procedimentos e na promessa
de celeridade na resolução dos conflitos de menor complexidade e pequeno valor econômico,
em uma importante e diferenciada arena judicial para superar os obstáculos do acesso à
justiça.
Entretanto, os números apresentados (ainda que sejam poucos) demonstram que
essa rapidez nem sempre é uma realidade e que os Juizados Especiais já estão padecendo do
principal problema do Poder Judiciário, qual seja, a morosidade na entrega da prestação
jurisdicional.
Pôde-se constatar que essa lentidão que também afeta os Juizados Especiais pode
ser debitada a vários fatores, porém, não se pode dizer que a legislação tenha influência
negativa no tempo de duração dos processos (como é comum ser uma justificativa da
morosidade no processo civil tradicional), já que além de estabelecer um procedimento
simples, com regras claras e objetivas, ainda estabeleceu um prazo para sua conclusão.
Nos Juizados Especiais os atos processuais são realizados, basicamente, em um
único momento, na audiência, como forma de garantir rapidez ao procedimento. Assim, não
130
obtida a conciliação, imediatamente passa-se para a instrução e julgamento, quando são
realizados todos os atos demais postulatórios (defesa), probatórios e decisórios.
Também foi possível verificar que por resistência ou incompreensão aos
princípios que o sistema dos Juizados Especiais adotaram - estabelecendo uma nova estratégia
no tratamento da resolução dos conflitos de sua competência, com menos burocracia e mais
celeridade -, os juízes reproduzem o formalismo do processo comum, aumentando
desnecessariamente o tempo do processo ao agendar duas audiências em dias distintos.
Esse desvirtuamento da lei acontece desde o momento inicial, quando é feito o
registro do pedido na Secretaria do Juizado e é designada data para realização apenas da
audiência de conciliação. Realizada essa, não ocorrendo acordo, faz-se designação de nova
audiência para instrução e julgamento em data posterior, tendo as partes que aguardar meses
para apresentar suas provas e suportar os custos dessa espera.
Com essa prática, o procedimento que deveria ser “sumariíssimo”, com a
concentração das audiências e um único ato indivisível, é transformado em procedimento
comum ordinário, que é excessivamente longo, desnecessário e dispendioso para solucionar
os conflitos de menor complexidade e valor econômico.
Em todo o procedimento nos Juizados Especiais tem-se por fundamento a
eliminação de atos inúteis e a flexibilização de todos os atos necessários, abolindo o
formalismo para que o processo atinja seu objetivo mais rápido, sem ritualismos dispensáveis
ou formas pré-estabelecidas.
Ao juiz cabe a tarefa de assegurar o cumprimento dos atos e procedimentos
processuais previstos na lei, não permitindo qualquer desvio que possa prejudicar a celeridade
processual e procedimental.
Muito embora fatores como as deficiências de recursos humanos e materiais
também comprometam o tempo do processo nos Juizados Especiais, o que se agrava com o
elevado número de processos que é conduzido para cada um dos juízes, esses entraves
poderão ser atenuados com o melhor aproveitamento do aparato legal à disposição dos
Juizados, sem prolongamentos desnecessários e com a utilização do procedimento de acordo
com seus princípios.
Verificamos que a medida não requer qualquer alteração legislativa, ao contrário,
ela apenas segue estritamente o que foi determinado pela lei. O rito com uma única audiência
é a regra nos Juizados. Essa medida se revela como importante meio de agilização do trâmite
processual, satisfazendo as partes e a sociedade como um todo, ao tempo em que fortalece e
melhora a credibilidade do Poder Judiciário.
131
A previsão de uma única audiência se coaduna com a finalidade primordial dos
Juizados Especiais de facilitar o acesso à justiça, que tem como um dos seus aspectos mais
relevantes a questão do tempo de duração dos processos. Nesse procedimento, que não é
fastidioso repetir, segue a rigorosa observância da lei, não violando qualquer direito
processual ou constitucional.
Verificou-se que apenas no Estado do Rio de Janeiro a prática da audiência única
é institucionalizada e que houve uma redução do tempo de julgamento, sendo o processo
instruído e julgado em três meses, conforme relatado na pesquisa feita pelo CEBEPEJ.
Vimos que outras experiências também foram bem sucedidas, como o projeto
Juizado Especial Cível em ação: audiência una sai do papel e vira realidade, desenvolvido
na comarca de Quixadá, no Ceará, pela juíza Ijosiana Cavalcante Serpa, que obteve um prazo
médio de 60 dias de tramitação dos processos.
E ainda os resultados da comarca de São Luis dos Montes Belos, Estado de Goiás,
quando a juíza Geovana Mendes Baia Moises, com a audiência única, conseguiu reduzir o
tempo de tramitação dos processos de 7 meses para 3 meses.
Por fim, em consonância com os objetivos de um mestrado profissional, que é
voltado para a solução de problemas, apresentamos uma proposta prática para implementação
da audiência única, visando permitir uma padronização e otimização dos trabalhos na
Secretaria dos Juizados para evitar adiamentos que possam comprometer a realização da
audiência única.
Com o estudo desenvolvido espera-se contribuir, ainda que de forma tímida e
restrita, com o aperfeiçoamento dos Juizados Especiais indicando pontos de estrangulamento
ocorridos durante o andamento processual e que comprometem o acesso à justiça
proporcionado pela criação do sistema, bem como o preceito constitucional da razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Diante da carência de dados estatísticos e estudos nesse sentido, fica a sugestão
para ampliação dos estudos e a realização de uma pesquisa de campo específica - que apesar
da intenção inicial, não foi possível aqui apresentar - demonstrando que possíveis desvios dos
princípios orientadores dos Juizados Especiais podem comprometer a sua finalidade de
facilitar o acesso à justiça pela via da deplorável morosidade processual.
132
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