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Apêndice
ANOTAÇÕES ESPARSAS SOBRE OS AZUIS
As anotações que se seguem não pretendem conduzir a nenhuma conclusão.
Não é intenção deste trabalho um estudo rigoroso e histórico sobre a cor
azul. Tal estudo seria algo vasto, considerando a variedade das questões e
referências encontradas. Essas informações foram recolhidas, em sua maioria,
do estudo sobre a cor azul de Michel Pastoureau, dos estudos sobre cor e
cultura de John Gage, da Doutrina das cores de Goethe e do curioso tratado
sobre o simbolismo das cores do autor do século XIX, barão Frédéric Portal.
A seleção das informações seguiu somente um critério: aquele que aproxima
os conteúdos estudados do viés poético da pesquisa ― luz, luminosidade,
transição de tonalidades, penumbra, escuridão ―, portanto, de certa forma,
um tanto arbitrário. Ao eleger determinadas informações em detrimento
de outras, revelou-se uma tendência a agrupar, como numa escala, brilhos,
qualidades e tonalidades cromáticas. Desde as primeiras experiências com
o azul, o que mais chamou a atenção foi a difi culdade em fi xar qualquer
imagem em sua luminosidade. Algo sempre se apresentava deslocado,
recuado, turvo, fugidio, vibrante como a própria trajetória da percepção da
cor, de sua fabricação, nomeação, utilização e simbologia.
Um arco-íris sem azul
As opiniões antigas propuseram de três a cinco cores para o espectro,
com exceção de Ammianus Marcellinus, que elevou este número para seis.
Curiosamente, nenhum autor antigo, seja grego ou romano, mencionou a
cor azul no arco-íris. Xenophanes, Anaximenes e, posteriormente, Lucrécio
mencionaram somente vermelho, amarelo e violeta. Epicurus descreveu o
vermelho, o verde, o amarelo e o violeta. Sêneca, por sua vez, descreveu
púrpura, violeta, verde, laranja e vermelho, e Ammianus Marcellinus, púrpura,
violeta, verde, laranja, amarelo e vermelho. Nem mesmo os grandes pensadores
do século XIII, como Robert Grosseteste, John Pecham, Roger Bacon, Thierry
de Freiberg, Witelo ― embora tenham avançado no entendimento do arco-
íris ―, em comentários sobre a obra Metereologica, de Aristóteles, e sobre o
tratado de óptica Alhazén, como os antigos, descreveram o azul no espectro
como nós o percebemos.
Termos cambiantes para uma cor distante
O termo tekhélet, na Bíblia hebraica, refere-se provavelmente a um denso e
profundo tom de azul. O termo pode denotar, por outo lado, algum tipo de
corante derivado de um animal marinho, talvez o múrice (murex). Os estudos
parecem apontar para o fato de que nenhum dos crustáceos (incluindo
o múrice) utilizados para corantes no Mediterrâneo Oriental durante o
período bíblico, produziu claramente um corante estável e defi nido. Pelo
contrário, esses moluscos forneceram uma ampla gama de tons, entre os
quais vermelho, preto, azul e inúmeras tonalidades de violeta, às vezes até o
verde e o amarelo. Os termos gregos glaukos e kyaneos, são as expressões
mais utilizadas para o azul. Durante o período homérico, o termo kyaneos ―
provavelmente referia-se originalmente a um mineral ou um metal, evocando
mais a “sensação” da cor do que a sua tonalidade real ― denotava tanto o
azul brilhante da íris quanto os vestuários negros do funeral. Nunca o azul
do céu ou do mar. Dos sessenta adjetivos que descrevem os elementos e as
paisagens na Ilíada e na Odisseia, apenas três apresentam-se como termos