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que um ou outro ouvinte não conheça a palavra inquérito. Nesse caso o narrador [sem interrogar o
auditório] fará uma observação complementar: “Queria o rei que o prefeito abrisse um inquérito, isto
é, fosse, de casa em casa, ouvindo os moradores, tomando notas, indagando...”).
Respondeu o prefeito, em tom grave, e inclinando-se diante do rei: (Mude ligeiramente o tom de
voz para mostrar que é outra pessoa que fala. Ao dizer “inclinando-se diante do rei”, faça uma espécie
de salã [com gestos estudados, discretos]).
- Esse inquérito que Vossa Majestade acaba de ordenar é inútil. Posso, desde já, informar qual era
o dono da pequenina luz azul... que feriu os olhos de Vossa Majestade. (Toda a frase deve ser proferida em
tom grave, bem pausada, e com todo o respeito. [É o prefeito que falando ao rei]. O tratamento de
Vossa Majestade não era adotado pelos árabes. O prefeito diria: “esse inquérito, ó Rei!, que acabais de
ordenar, é inútil”. A última frase: “que feriu, etc.”, pode ser suprimida”).
Espantou-se o rei ao ouvir aquilo. (Faça, a narradora, gesto de espanto. Arregale os olhos, abra
os braços... Nada de exageros. Tudo com muita naturalidade). E disse:
- Já sabe, então, qual era o dono da pequenina luz azul? (Não esquecer que a frase é proferida
pelo rei. Fale devagar, bem devagar, em tom de pessoa muito curiosa).
O prefeito inclinou-se outra vez e, com um sorriso orgulhoso, declarou:
- Aquela luz provinha do oratório de minha casa.
- Do seu oratório? (Não se trata, propriamente, de oratório, no sentido corrente do vocábulo.
O prefeito teria, em sua casa, uma sala de orações com o mirab, indicando a direção de Meca. A
narrativa [do ponto de vista muçulmano] deixa de ser ortodoxa).
- Sim – confirmou o prefeito –, do meu oratório. Passei a noite em orações, pedindo a Deus pela
preciosa saúde de Vossa Majestade! Pela saúde e pela felicidade do rei. (Gesto expressivo. Ampliar o
gesto com o auxílio da ponteira).
Ora, o rei, ao ouvir aquela inesperada declaração do prefeito, ficou sinceramente comovido.
(Simplifique a frase. Conte o caso abreviando tudo). E disse:
- Muito aprecio a sua amizade, amigo Prefeito. A sua dedicação... Passar a noite acordado por
minha causa, em orações! Que maravilha! (Expressão adequada, meio declamatória, para salientar a
alegria, a admiração do rei). Saberei corresponder aos cuidados que lhe mereço.
Retirando-se o prefeito, o rei mandou chamar o ministro.
Veio o ministro. Era um homem alto, de barbas pretas, meio calvo. Usava, na orelha esquerda, um
brinco de ouro em forma de meia-lua. (Esse brinco é um detalhe pinturesco. Trata-se de uma espécie de
talismã. A alusão ao brinco alonga a narrativa e permite que o ministro atravesse o salão e chegue até
à presença do rei. É uma forma de ganhar tempo, prendendo a atenção dos meninos: “O ministro
tinha um brinco!”).
- Meu caro Senhor Ministro – declarou o rei – , resolvi dar o premio de cinco mil moedas de ouro
ao prefeito desta formosa cidade de Jidda!
- Cinco mil moedas! Moedas de ouro! Mas isto é um dinheirão! – protestou o ministro. Que teria
feito o governador da cidade para merecer tão valioso presente?
- Praticou uma ação nobre e sublime – explicou o rei. (A voz é solene. Pausada. Um pouco de
ênfase).
E narrou ao ministro, do princípio até o fim, o misterioso caso da pequenina luz azul. (Não há
necessidade de repetir o que já foi contado. Recapitular, apenas, os pontos essenciais. Sugerir).
- E sabia o sr. Ministro qual era a origem da luzinha azul? Era o oratório do bom prefeito. O
prefeito passara a noite de vigília, rezando pela saúde e pela felicidade do rei!
Ao ouvir aquilo, o Ministro mostrou-se profundamente abalado. Ficou pálido. Uma ruga na testa.
Parecia trêmulo. Até o brinco meia-lua tremia. (Novos detalhes pinturescos. São como adornos para a
narrativa. Servem, especialmente, espicaçar a imaginação infantil).
E disse ao rei (Dentro da forma literária a repetição “...e disse”, “o rei disse...” “...disse o
prefeito”, constitui grave e imperdoável senão. Na apresentação do conto, em narrativa, devemos
evitar esses torneios inúteis de frase: “Acrescentou o rei”, “Acudiu o prefeito”, “Protestou o ministro”,