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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO
Thaís Fernandes
A tradução e o ensino de latim
Orientador: Prof. Dr. Mauri Furlan
Florianópolis, dezembro de 2010.
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA TRADUÇÃO
Thaís Fernandes
A tradução e o ensino de latim
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Estudos da Tradução da
Universidade Federal de Santa Catarina
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Mestre em Estudos da Tradução:
História, Crítica e Teoria da Tradução.
Orientador: Prof. Dr. Mauri Furlan
Florianópolis, dezembro de 2010.
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3
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais,
Adílson e Maria do Carmo
Aos meus amigos e minhas irmãs,
Fernando Coelho, Juliana Ried e Thalita Zimmermann,
Sarah Fernandes e Cínthia Fernandes
Ao meu orientador,
Mauri Furlan
À Universidade Pública do Brasil.
4
RESUMO
No presente trabalho são descritos e analisados dezoito manuais que se propõem a
ensinar a tradução e a gramática do latim, com o objetivo principal de reconhecer suas
características e verificar possíveis semelhanças e diferenças entre eles. Refletimos sobre a
tradução enquanto método pedagógico empregado no ensino do latim e sobre a Abordagem da
Gramática e Tradução, que é a mais antiga abordagem utilizada no ensino de línguas
estrangeiras e que ainda se faz presente no ensino do latim. Através da análise dos manuais,
percebemos como algumas práticas da tradução encontradas neles estão ancoradas em
concepções históricas de tradução. Estabelecemos relações entre estas concepções e as ideias
de teóricos dos Estudos da Tradução como Mounin (1975) e Berman (2007).
Palavras-chave: Ensino de línguas estrangeiras, Teoria da Tradução, Ensino de latim.
5
RÉSUMÉ
Dans ce travail sont décrits et analysés dix-huit manuels qui se proposent d’enseigner
la traduction et la grammaire de la langue latine. Il a pour objectif principal de reconnaître
leurs caractéristiques et de vérifier de possibles similitudes et différences entre eux. Nous
réfléchissons sur la traduction en tant que méthodologie pédagogique employée dans
l’enseignement du latin et sur la Méthode Grammaire-Traduction, la plus ancienne méthode
utilisée dans l’enseignement de langues étrangères et dont l’enseignement du latin bénéficie
encore aujourd’hui. Au moyen de l’analyse des manuels, nous percevons comment certaines
pratiques de traduction sont basées sur des conceptions historiques de traduction. Nous
établissons aussi des relations entre ces conceptions et les idées de théoriciens de la
Traductologie, comme Mounin (1975) et Berman (2007).
Mots-clés : Enseignement de langues étrangères, Théorie de la Traduction, Enseignement du
latin.
6
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS 3
RESUMO 4
RÉSUMÉ 5
INTRODUÇÃO 8
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 10
1.1 A educação na Antiguidade 10
1.1.1 A educação grega na Antiguidade 10
1.1.2 A educação romana na Antiguidade 15
1.2 A educação no Brasil 21
1.2.1 O ensino de latim no Brasil 28
1.3 A tradução e o ensino de línguas estrangeiras 36
1.4 Teóricos da tradução 45
1.4.1 A tradução de línguas antigas 45
1.4.2 A tradução e a letra 50
2 MANUAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA LATINA 54
2.1 Grammatica Latina – A. Pinto 55
2.2 La traduction du latin – J. Marouzeau 58
2.3 O latim do Exame de Licença – V. da Nóbrega 63
2.4 Gramática latina: curso único e completo – Napoleão M. de Almeida 65
2.5 Gradus Primus – P. Rónai 67
2.6 Narrationes – B. Harmsen 70
2.7 Essentials of latin – John F. C. Richards 73
2.8 Introdução à Didática do Latim – E. Faria 76
2.9 Metodologia do latim: vida cotidiana e instituições – V. da Nóbrega 84
2.10 Guia prático de tradução latina – Tassilo O. Spalding 93
2.11 Ars Latina – Berge, Castro & Muller 96
2.12 Não perca o seu latim – P. Rónai 99
2.13 Programa de Latim: Introdução à Língua Latina – J. Comba 101
2.14 Reading latin: grammar, vocabulary and exercises – Jones & Sidwell 104
2.15 Introdução à teoria e prática do latim – Janete M. Garcia 108
2.16 Uma estranha língua? Questões de linguagem e de método – Alceu D. Lima 113
2.17 Latín Básico: Morfología, ejercicios, antología – Lindy A. Díaz 119
7
2.18 Lingua Romae I, II e III – M. Furlan, F. Coelho & Z. Gesser Nunes 121
3 ANÁLISE DOS MANUAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA LATINA 125
3.1 Abordagem metodológica 125
3.2 Apresentação do conteúdo gramatical 130
3.3 Os exercícios 133
3.4 O papel da língua materna no ensino do latim 138
3.5 O papel da tradução 141
3.6 Os manuais, a tradução e o ensino em Roma 148
CONSIDERAÇÕES FINAIS 151
REFERÊNCIAS 156
8
INTRODUÇÃO
A pesquisa proposta tem por objeto a tradução no ensino do latim, mais
especificamente o estudo de manuais nas partes que se propõem a ensinar a tradução e a
gramática desta língua, visando a reconhecer suas características e verificar possíveis
semelhanças e diferenças entre eles, com o fim último de apreender a natureza da tradução do
latim conforme ensinada aos estudantes, a partir das análises dos manuais , em
comparação com aquela de outras línguas, e refletir sobre possíveis especificidades da
tradução do latim.
O estudo das línguas modernas, segundo Yebra (1994), dá-se não somente para ler e
traduzir suas obras escritas, mas, principalmente, para entender seus falantes e para poder
expressar-se nelas oralmente e por escrito. Já o estudo das línguas clássicas se dá, sobretudo,
segundo o mesmo autor, para entender e traduzir as obras escritas nelas, e, no caso específico
do latim, ainda como conhecimento da raiz da nossa língua vernácula. Estas duas razões,
especialmente a última, levaram-me a propor uma pesquisa na área do latim, que, ainda,
carece de atenção em nosso país, embora os autores da antiguidade clássica continuem
influenciando autores contemporâneos, e a língua latina continue fornecendo-nos explicações
para fenômenos do nosso idioma. Penso que a relevância de uma pesquisa deste tipo, realizada
dentro de um programa de Estudos da Tradução, está, principalmente, em reconhecer de que
maneira algumas práticas da tradução estão ancoradas em concepções históricas de tradução,
de diferentes épocas e línguas, e ainda, em refletir sobre a tradução enquanto método
pedagógico no ensino do latim.
Para o corpus de análise, selecionei dezoito manuais. A escolha foi baseada, em parte,
na pesquisa feita por Miotti (2006) na qual a autora entrevistou professores de diversas
universidades públicas do Brasil, especialmente do estado de São Paulo, os quais informaram
os manuais utilizados no ensino do latim nas suas respectivas faculdades de Letras.
Procuramos, então, contemplar os manuais citados pelos professores, bem como outros
citados pelos autores de alguns desses manuais. A ordem em que são apresentados é
cronológica. O método de Adriano Pinto, conforme será explicado, não possui data de
publicação, porém podemos inferi-la por informações dadas na introdução da obra. No caso da
Gramática Latina de Almeida, não foi obtida a informação da data de publicação da primeira
edição, então usamos como parâmetro a década de 40, quando se deu seu surgimento.
9
Metodologicamente, como uma das primeiras metas do trabalho, efetuamos uma
descrição do objeto de estudo. Para tanto, necessitamos de uma leitura minuciosa, seguida da
exposição das principais ideias de cada manual. Após essa etapa, realizamos a análise dos
dados obtidos para se entenderem as tendências que regem cada obra. Essa análise é de vital
importância, uma vez que é a partir dela que se estabelecem as relações entre métodos e
concepções de tradução. Tal análise, no caso dos manuais escritos por autores brasileiros,
também revela de que maneira as ideias contidas nas obras estão relacionadas com concepções
pedagógicas e leis educacionais vigentes naquele período no Brasil.
Um dos pontos centrais dessa pesquisa consiste em evidenciar a concepção de tradução
por trás de cada método. Por se tratar da tradução de uma língua clássica, cuja civilização já
não existe, ocuparia ou mereceria o latim uma posição distinta de outras línguas numa teoria
da tradução? Por suas diferenças em relação às línguas modernas, possuiria a língua latina
uma especificidade na prática tradutória?
Por fim, esse trabalho busca estabelecer relações entre a crítica da tradução estampada
nas concepções de alguns teóricos da tradução, como Mounin (1975) e Berman (2007), e
aquela estampada nas páginas dos manuais de tradução do latim, intentando demonstrar
aproximações e afastamentos teóricos.
O primeiro capítulo da dissertação se dedica a embasar teoricamente o trabalho de
análise dos manuais que será feito posteriormente. No segundo capítulo, os manuais são
descritos detalhadamente e analisados individual e brevemente sob a perspectiva das teorias
apresentadas no primeiro capítulo. No terceiro, os manuais são confrontados e fazemos uma
análise geral que intentará ver aproximações e divergências entre eles. Por fim, nas
considerações finais, buscamos fazer um balanço do que foi apresentado e expor as
conclusões que tiramos das análises.
10
1 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
1.1 A educação na Antiguidade
Neste tópico pretendemos mostrar que a tradução está na base da educação
humanística ocidental desde a Roma Antiga. Baseando-nos principalmente em Marrou (1975)
e Jaeger (1989), descreveremos de que forma os gregos deram início a seu tipo de educação, e
como este foi absorvido pelos romanos. Após a análise dos manuais, tencionamos confrontar a
maneira como a tradução se apresentava na educação romana com o modo como se apresenta
nos manuais, com a intenção de perceber se aquele tipo de educação, baseado na tradução,
teve reflexos na forma como esta se mostra no ensino moderno do latim.
1.1.1 A educação grega na Antiguidade
Marrou (1975), em História da Educação na Antiguidade, apresenta uma pesquisa que
compreende um período que vai, aproximadamente, do ano 1000 a.C. ao ano 500 d.C. sobre a
educação no mundo mediterrâneo da Antiguidade. O autor define educação como
[...] a técnica coletiva pela qual uma sociedade inicia sua geração jovem
nos valores e nas técnicas que caracterizam a vida de sua civilização. A
educação é, pois, um fenômeno secundário e subordinado a esta última,
da qual normalmente representa como que um resumo e uma
condensação [...]. Isso, evidentemente, supõe certa deslocação no tempo:
é necessário, de início, que uma civilização atinja sua própria Forma, para
poder engendrar depois a educação que a refletirá (1975:06).
Jaeger (1989), em Paideia: a formação do homem grego, afirma que a educação “é
o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a sua peculiaridade
física e espiritual” (1989:03). Segundo este autor,
a natureza do Homem, na sua dupla estrutura corpórea e espiritual, cria
condições especiais para a manutenção e transmissão da sua forma
particular e exige organizações físicas e espirituais, ao conjunto das quais
damos o nome de educação. [...] Toda educação é assim o resultado da
11
consciência viva de uma norma que rege uma comunidade humana, quer
se trate da família, de uma classe ou de uma profissão, quer se trate de um
agregado mais vasto, como um grupo étnico ou um Estado (1989: idem).
A educação, ainda segundo Jaeger, não tem parte na vida e no crescimento da
sociedade, mas na sua estruturação interna e no seu desenvolvimento espiritual. A história da
educação está fundamentalmente condicionada pela mudança dos valores válidos para cada
sociedade. À estabilidade das normas válidas corresponde a solidez dos fundamentos da
educação. Assim, para Marrou, pode-se resumir a evolução da educação antiga em uma
fórmula simples, que seria a “[...] passagem progressiva de uma cultura de nobres guerreiros
para uma cultura de escribas” (1975:07), ou seja, a transformação dos valores válidos para a
sociedade grega em determinados períodos condicionou o tipo de educação vigente.
A estruturação da educação latina teve como base a educação dos gregos, por isso
apresentaremos um breve resumo da maneira como o ensino se dava na Grécia.
A educação grega a qual, segundo Marrou, só se pode conceber a partir de Homero
1
é o desenvolvimento de uma educação no princípio orientada para a formação do caráter e
do vigor físico para uma educação dominada pela técnica da escrita, voltada para a
inteligência. Uma educação, originariamente, privilégio de uma aristocracia de jovens
guerreiros, os quais recebiam conselhos e se miravam nos exemplos de um homem mais velho
a quem tinha sido confiada a sua formação. Segundo Marrou, “para o homem grego, a
educação residia essencialmente nas relações profundas e estreitas que uniam, pessoalmente,
um espírito jovem a um mais velho que era, ao mesmo tempo, seu modelo, seu guia e seu
iniciador [...]” (1975:59).
De acordo com Jaeger, o ideal de Homem, segundo o qual deveria se formar o
indivíduo, não independe do espaço e do tempo: “é uma forma viva que se desenvolve no solo
1
De acordo com Marrou, Homero é o texto base da educação grega antiga, o centro de todos os estudos: “como
disse Platão, Homero foi, no mais pleno sentido, o educador da Grécia” (1975:26). Na educação homérica se
distinguirão dois aspectos (já encontrados em Platão): “[...] uma técnica, pela qual a criança é preparada e
progressivamente iniciada em determinado modo de vida, e uma ética, algo mais que uma simples moral de
preceitos: certo ideal da existência, um tipo ideal de homem a realizar [...]” (1975:25), sendo que esta ética é uma
ética da honra, de um desejo apaixonado pela glória. Marrou explica que “é em função desta alta idéia da glória
que se define o papel próprio do poeta, que é de ordem educativa. O fim a que sua obra se subordina não é
essencialmente de ordem estética, mas consiste em imortalizar o herói. O poeta, dirá Platão, ‘cobre de glória
miríades de feitos dos antigos e assim faz a educação da posteridade’: sublinho este último traço, que parece
fundamental” (1975:31). Assim como Marrou, Jaeger entende Homero como o educador de toda a Grécia: “a
concepção do poeta como educador do seu povo – no sentido mais amplo e profundo da palavra – foi familiar aos
Gregos desde a sua origem e manteve sempre a sua importância. Homero foi apenas o exemplo mais notável
desta concepção geral e, por assim dizer, a sua manifestação clássica” (Jaeger, 1989:43). Além disso, Jaeger
afirma que Homero, juntamente com todos os grandes poetas gregos, não deve ser considerado um simples
objeto da história formal da literatura, mas “[...] o primeiro e maior criador e modelador da humanidade grega”
(1989:44).
12
de um povo e persiste através das mudanças históricas. Recolhe e aceita todas as
transformações do seu destino e todas as fases do seu desenvolvimento histórico” (1989:11).
Portanto, não se poderia falar “[...] da ‘humanidade’, da ‘cultura’, do espírito’ dos Gregos ou
dos antigos, como expressão de uma humanidade intemporal e absoluta” (1989: idem). Afinal,
segundo Marrou, a educação na Grécia começa a tomar outra direção quando perde seu caráter
essencialmente militar, contribuindo também para essa mudança o gosto pela vida esportiva
por parte dos atenienses. Afirma o autor que,
com a prática do atletismo, era todo o velho ideal homérico do ‘valor’, da
emulação, da façanha, que passava dos Cavalheiros ao Demos. A adoção
de um modo de vida civil e não mais militar havia, com efeito, transposto
e reduzido este ideal heróico tão-só ao mero plano da competição
esportiva (1975:71).
Assim, a educação aristocrática acaba por estender-se a toda a população, culminando
com o desenvolvimento da escola, pois
a uma tal educação, que interessava sempre a um número maior de
crianças, o ensino individual de um preceptor, ou de um amante, não
podia mais bastar. Impunha-se uma ação coletiva e, segundo imagino, foi
a pressão dessa necessidade social que fez nascer a instituição escola
(1975:72).
Apesar disso, a educação particular não sumirá repentinamente. Os pedagogos
continuam discutindo por muito tempo qual método de educação seria o mais proveitoso,
embora, uma vez criada, a educação coletiva tenha se tornado a mais popular, mantendo, no
entanto, os programas e a orientação geral da escola antiga. Seu ideal continua sendo de
ordem ética o homem deve ser belo e bom –, na perspectiva do autor, uma educação mais
artística que literária e mais esportiva que intelectual: o aspecto moral existe no esporte e se
realiza por meio deste. A educação grega se tornará semelhante a nossa, “[...] uma cultura
do espírito, [...] sob a influência de homens como Sócrates, que era feio, ou como Epicuro,
que era enfermiço” (1975:78).
A grande revolução pedagógica da educação helênica ocorreu na segunda etapa do
quinto século com os Sofistas, preocupados com a formação do homem político. Jaeger afirma
que o movimento dos Sofistas “no fundo não era senão uma nova forma da educação dos
nobres” (1989:236). Eles ensinavam, ao mesmo tempo, a arte de persuadir e a arte de falar,
este último aspecto não era menos importante que o primeiro. Os Sofistas, de acordo com
Marrou, foram responsáveis pela descoberta da “[...] possibilidade de elaborar e de ensinar
13
uma técnica apropriada, que transmitiria, numa forma condensada e perfeita, as melhores
lições da mais vasta experiência: a retórica” (1975:91). No entanto, Jaeger afirma que seria
superficial dizer que
aquilo que de novo e de único que liga todos os sofistas é o ideal
educativo da retórica: isso é comum a todos os representantes da
sofística, ao passo que diferem na apreciação do resto das coisas, a ponto
de ter havido sofistas, como Górgias, que só foram retóricos, e não
ensinaram outra coisa. Comum a todos é antes o fato de serem mestres da
arete política e aspirarem a alcançá-la mediante o fomento da formação
espiritual, qualquer que fosse a sua opinião sobre a maneira de realizá-la”
(1989:238).
Para Jaeger, foi com os Sofistas que a palavra paideia
2
pela primeira vez fez referência
à mais alta arete
3
humana e,
a partir da ‘criação dos meninos’ em cujo simples sentido a vemos em
Ésquilo, pela primeira vez acaba por englobar o conjunto de todas as
exigências ideais, físicas e espirituais, que formam a kalokagathia
4
, no
sentido de uma formação espiritual consciente. No tempo de Isócrates e
de Platão, está perfeitamente estabelecida esta nova e ampla concepção
da idéia da educação (1989:233).
Isócrates e Platão sucederam a geração dos Sofistas e levaram a educação antiga à sua
maturidade e forma definitiva. Segundo Marrou, a civilização clássica assumiu um único tipo
de educação, mas se dividiu entre uma de tipo filosófico cujo iniciador foi Platão , e outra
de tipo oratório, patrocinada por Isócrates. De maneira geral, este último, afirma o autor, foi o
educador da Grécia do quarto século, do mundo helenístico, e, posteriormente, do mundo
romano. Isócrates baseou sua educação, antes de tudo, na arte de bem falar, concebendo a
retórica como uma arte autônoma e suprema. Segundo Jaeger, a partir do Renascimento,
2
Segundo Abbagnano (1998), paideia é a “[...] educação do homem como tal, ou seja, educação devida às ‘boas
artes’ peculiares ao homem, que o distinguem de todos os outros animais (AULO GÉLIO, Noct. Att., XIII, 17).
As boas artes eram a poesia, a eloqüência, a filosofia etc., às quais se atribuía valor essencial para aquilo que o
homem é e deve ser, portanto para a capacidade de formar o homem verdadeiro, o homem na sua forma genuína
e perfeita” (1998:225).
3
Segundo Peters (1974), arete pode ser traduzido por excelência ou virtude. Afirma o autor que este conceito
“teve uma longa história evolutiva na cultura grega antes de ser incorporado na problemática da filosofia. [...]
não é prestada verdadeira atenção filosófica à arete antes da geração de Sócrates. [...] A própria identificação
socrática da virtude e do conhecimento foi um lugar-comum para os seus sucessores [...], e os ‘diálogos
socráticos’ de Platão dirigem-se no sentido de uma procura das definições das várias virtudes. [...] Para
Aristóteles a virtude é um meio (meson), e ele distingue entre as virtudes morais e intelectuais [...]” (1974:38).
4
De acordo com Pombo, “o grego diz, à letra, Kalon te Kagathon, «belo e bo. O Kalos Kagathos era, para os
Atenienses dos fins da época arcaica, o jovem que recebera uma educação completa e equilibrada, concretização
de um ideal de excelência que pretendia aliar, numa só palavra, a beleza física e moral: a Kalokagathia
(perfeição)” (2010:n.p.).
14
Isócrates reinou mais que qualquer outro mestre da Antiguidade na prática pedagógica do
humanismo: “do ponto de vista histórico, é perfeitamente legítimo que o seu nome seja
destacado nas capas dos livros modernos como o pai da ‘cultura humanística’ [...]. Da nossa
pedagogia parte uma linha reta que chega até ele, como até Quintiliano e Plutarco”
(1989:727). Para Jaeger, Isócrates é um sofista autêntico, que vem coroar o movimento da
cultura sofística.
Mas é a educação da época helenística (este período começa com a morte de
Alexandre em 323 a.C. e termina com a anexação da península e ilhas gregas por Roma em
146 a.C.) que se tornará a educação tradicional de todo o mundo grego, estendendo-se até o
período romano, que é de certa forma “[...] apenas uma adaptação da educação helenística aos
centros de expressão latina” (1975:154). Havia três graus de ensino: primário, secundário e
superior, correspondendo para cada um desses graus, um mestre: o instrutor primário é
seguido pelo gramático, e este pelo retórico. O objeto principal do ensino da gramática, e que
a diferenciava do ensino primário, é o estudo aprofundado de poetas e de outros autores
clássicos. Sobre estes, Marrou destaca como os quatro pilares da cultura clássica Homero
5
,
Eurípides, Menandro e Demóstenes, no entanto, a escola antiga permitia a entrada de
escritores de segunda categoria e até de autores ‘contemporâneos’.
O contato com os textos dos poetas não era, primeiramente, direto. No princípio a
criança interagia com resumos ou argumentos de alguns cantos e peças de teatro. Marrou
explica que “[...] o trabalho do gramático sobre um autor divide-se em quatro operações: a
crítica do texto, a leitura, a explicação, o julgamento” (1975:259). A crítica do texto seria o
equivalente à nossa crítica textual, porém, era menos sistemática e rigorosa; confrontava-se a
edição do mestre com a dos alunos. A leitura expressiva era o início do estudo propriamente
dito dos autores, exercício fundamental pelo fato de os livros serem manuscritos e, portanto,
não haver pontuação nem separação entre as palavras. A parte principal do trabalho era a
explicação do texto, dividida entre explicação literal e explicação literária. Segundo o autor,
era preciso, antes de tudo, entender o próprio sentido do texto, e quando
se tratava de poetas, de Homero particularmente, usando uma língua
arcaica e especial [...], as dificuldades não eram desprezíveis. De modo
que o primeiro trabalho do escolar era fazer sua ‘preparação’, ou, como
se dizia, o ‘palavra por palavra de Homero’ [...]. Dispunha esse exercício,
5
Ainda sobre Homero, Jaeger (1989) afirma: “O Pathos do sublime destino heróico do homem lutador é o sopro
espiritual da Ilíada. O ethos da cultura e da moral aristocrática encontra na Odisséia o poema da sua vida. A
sociedade que produziu aquela forma de vida desapareceu sem deixar qualquer testemunho para o conhecimento
histórico, mas a sua representação ideal, incorporada na poesia homérica, converteu-se no fundamento vivo de
toda a cultura helênica” (1989:46).
15
como ainda o fazem nossos escolares, em duas colunas: à esquerda as
palavras homéricas, à direita a interpretação [...]. Procurava precisar a
construção, o valor dos casos, transcrevia as formas poéticas e traduzia as
palavras difíceis para a língua comum do seu tempo; podia auxiliar-se
com léxicos alfabéticos, dos quais nos chegaram alguns exemplos
fragmentários (1975:261).
Porém, aos poucos, o estudo literário dos poetas passou a dividir espaço no ensino
secundário com a ‘técnica’, que era o estudo metódico dos elementos da língua, o que seria
hoje o estudo da gramática. Além de exercícios de morfologia, o aprendizado da gramática
compreendia exercícios elementares de composição literária.
Já sobre a retórica, Marrou adverte:
cuidemos, porém, de não inverter a ordem dos fatos e de não tomar o
efeito pela causa: o caráter oratório da cultura helenística não é um fato
primitivo e paradoxal, que tenha forçado a educação a ceder, à retórica, o
lugar de primeira plana ocupado por esta. Trata-se de um fenômeno
secundário e derivado. O fato primordial é que, desde os Sofistas e
Isócrates, a eloqüência jamais deixou, em meio a todas as revoluções
políticas e sociais, de constituir o principal objeto da cultura superior, o
coroamento de toda educação liberal que aspirasse à plenitude
(1975:308).
1.1.2 A educação romana na Antiguidade
Voltando-nos agora especificamente para a educação em Roma, Marrou afirma que
esta era, na sua origem, uma educação de camponeses, diferentemente da Grécia Antiga, com
sua educação cavalheiresca. A noção fundamental sobre a qual repousa a educação romana
“[...] é o respeito ao costume ancestral, mos maiorum. Revelá-lo à juventude, fazê-la respeitá-
lo como ideal incontroverso, norma de toda ação e de todo pensamento, tal é a tarefa essencial
do educador” (1975:360). O instrumento da formação romana é a família, que é o meio natural
no qual a criança deve crescer e se formar. A respeito disto, Giordani
6
completa:
[...] a educação em Roma era cuidadosamente iniciada no seio da própria
família. Cícero informa-nos sobre alguns dos fins que os romanos tinham
em vista na educação dos filhos: o domínio de si, a obediência a toda
autoridade, a começar pela autoridade paterna e a terminar pela
autoridade pública; e a benevolentia para com o próximo (1968:166).
6
GIORDANI, Mário Curtis. História de Roma. 2.ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1968.
16
A figura do pai, no caso dos meninos, era fundamental. Para Marrou, enquanto a
educação grega seria uma imitação de heróis, a romana seria uma imitação de ancestres. O
jovem romano era educado para ser um bom gerente de seu patrimônio, para o ideal do
paterfamilias. Além de mais cívica e mais familiar, Marrou afirma que a educação romana é
também mais religiosa, e esse sentimento de religiosidade tem um sentido que se poderia
dizer, talvez, mais ingênuo entre os romanos. Para Manacorda
7
em Roma a educação moral, cívica e religiosa, aquela que chamamos de
inculturação às tradições pátrias, tem uma história com características
próprias, ao passo que a instrução escolar no sentido técnico,
especialmente das letras, é quase totalmente grega. Com as palavras de
Cícero podemos dizer que ‘As virtudes (uirtutes) têm sua origem nos
romanos, a cultura (doctrinae) nos gregos’ (De orat. III, 34, 137); isto é,
a cultura romana foi uma cultura importada, uma insitiua disciplina
(Rep., II, 9, 34) (1997:73).
Os romanos, no entanto, não possuem na base de sua tradição um equivalente da
epopeia homérica. Marrou afirma que não há, na educação latina antiga, um elemento
essencialmente intelectual, o qual se desenvolveu posteriormente através da influência dos
gregos. Segundo Giordani, o contato dos romanos com a cultura grega remonta às próprias
origens de Roma, e se deu tanto indiretamente, através dos etruscos, como diretamente,
através de relações com a Campânia, e, mais adiante, com a expansão romana para o sul da
península. O autor afirma que:
[...] é sobretudo no século II a.C., após o domínio político da península
helênica, que se processa uma verdadeira revolução espiritual sob o signo
do Helenismo. Em dois pontos a reação romana triunfou, de certo modo,
contra a influência grega na educação: um diz respeito à formação
artística, outro à formação física. Com relação à formação artística, os
romanos nunca aceitaram plenamente a música, o canto e a dança tão
característicos como prazeres que não convinham à dignidade de um
romano da velha estirpe (1968:169).
Sobre a formação física, Giordani afirma que esta não se integrou aos costumes
romanos. As competições atléticas aconteciam em Roma, mas eram disputadas por
profissionais e a título de espetáculo: “o pudor tradicional dos romanos sentia-se chocado com
a nudez dos atletas gregos” (1968:170).
7
MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. Tradução de
Gaetano Lo Monaco. 6.ed. São Paulo: Cortez, 1997.
17
A escola de tipo grego, segundo Manacorda, nem sempre foi bem aceita em Roma. Os
autores romanos antigos fornecem diversas informações sobre quem teria sido o primeiro a
abrir uma escola de tipo grego em Roma, porém, elas nem sempre são unívocas. Segundo o
autor, Suetônio afirma que “[...] mais ou menos no ano de 230 a.C. ‘Espúrio Carvílio foi o
primeiro que abriu uma escola em Roma’ (Quaest. Rom., 59), um liberto do homônimo
cidadão romano que viveu na segunda metade do século III a.C.(1968:80). No entanto, uma
escola de nível mais elevado, com ensino de gramática e retórica, aparecerá somente em 169
a.C., em decorrência da embaixada de Cratete de Malo.
O surgimento deste novo nível de instrução encontrou dificuldades pois “[...] não se
tratava mais de aprender as letras do alfabeto para os fins práticos de um povo de cidadãos-
soldados, mas de aprender a ‘gramática’. Inicialmente este novo termo grego significou
apenas a arte de ler e escrever [...](1968:idem). Mais tarde, com a ampliação do ensino,
Manacorda afirma que os dois termos, o grego e o latino, assumiram o significado de crítica
dos textos, antecipando com o nome de literatura o significado atual. Para os romanos, este
tipo de estudo parecia supérfluo. Manacorda confirma isto citando Suetônio:
‘A gramática em Roma não era utilizada e menos ainda honrada, porque
o povo era rude e belicoso, e pouco se dedicava ainda às disciplinas
liberais. Também seus inícios foram modestos, se é verdade que os mais
antigos mestres, que eram ao mesmo tempo oradores e poetas, meio
gregos (falo de Lívio Andrônico e de Ênio, dos quais sabe-se que
ensinaram em ambas as línguas, em casa e fora), não faziam outra coisa a
não ser interpretar textos gregos e ler o que eles mesmos tinham escrito
em latim’ (Gram., I). Ele fala mais ou menos a mesma coisa também da
escola de retórica, o vel sucessivo à escola de gramática: ‘Tamm a
retórica em Roma, exatamente como a gramática, foi aceita tardiamente e
com dificuldade um tanto maior, dado que às vezes foi proibido até
praticá-la’ (Rhet., I) (1968:81).
Manacorda destaca o caráter repetitivo da escola antiga:
o mestre ‘gárrulo’ falava e os alunos repetiam: a memória era o
instrumento principal do ensino. Mas que tipo de memória? Sabe-se que
na Antiguidade, antes da difusão da escrita, a memória era o único e
indispensável meio de aprendizagem, e para isto serviam o verso e a
música, ou a cantilena [...] (1968:92).
Havia, ainda segundo Manacorda, outra razão para o uso da memória: “a sacralidade e
o caráter esotérico dos ensinamentos, reservados em geral a um grupo fechado, a uma casta
sacerdotal” (1968:idem). O autor exemplifica isto com uma citação de César que afirma que
18
os druidas da Gália aprendem versos de cor, por pensarem que seria um sacrilégio escrevê-los,
por duas razões: “porque não querem que nem suas doutrinas sejam divulgadas, nem aquele
que estuda, confiando na escrita, acabe descuidando da memória; coisa que acontece à maioria
que, servindo-se das letras, afrouxa a diligência para aprender a memorizar” (Bel. gal., VI, 14
apud MANACORDA, 1968:92). Manacorda informa que o uso da memória continuou a reinar
na escola, ainda que tenha sido reduzida “[...] à memorização de minúcias banais”
(1968:idem).
De acordo com Marrou, o Império Romano era eminentemente bilíngue, a ngua
grega foi “a princípio, para os aristocratas romanos, a língua internacional, a língua
diplomática, a de seus adversários e, logo, a de seus súditos orientais” (1975:378). Passado o
momento de rejeição da escola de tipo grego, os romanos entenderam o quanto o
conhecimento da retórica poderia acrescentar a um homem com ambições políticas. Desta
forma, a aristocracia romana adotou a educação grega, ministrada pelos numerosos escravos
vindos da Grécia. O mais famoso deles talvez tenha sido Lívio Andrônico.
Segundo Cardoso (2003), considera-se o marco inicial da literatura latina a tradução da
Odisseia, feita por Lívio Andrônico, por volta de 240 a.C. Este grego tarentino foi levado para
Roma ainda adolescente como escravo de uma família, quando os romanos venceram Tarento
em 272 a.C. Ele passou a se ocupar da educação dos meninos, porém havia uma grande
dificuldade: não existiam textos adequados para o ensino. Como vimos, a educação grega se
baseava em textos literários, e através destes a criança era alfabetizada. Isso levou Lívio
Andrônico a traduzir a Odisseia considerada a primeira tradução literária , utilizando,
segundo Cardoso, “[...] do grosseiro e primitivo verso satúrnio, tão diferente dos sonoros
versos gregos” (2003:08), adaptando o vocabulário latino, não habituado ao tratamento
literário. De certa forma, como afirma Marrou, a literatura latina surgiu para fornecer matéria
ao ensino. Segundo Furlan (2003), a partir desta tradução de Lívio Andrônico os autores
latinos passaram a fazer uso de modelos gregos para traduzir mais ou menos livremente os
textos, e para (re)criar suas obras. Portanto, de acordo com Furlan, a origem da literatura latina
está na tradução e imitação de modelos gregos. As traduções dos romanos mostravam seu
interesse pelas criações literárias gregas e seu desejo de edificar sua literatura.
Marrou, por sua vez, declara que
A influência grega na educação romana revela-se muito mais extensa
ainda: apresenta-se sob dupla forma; ao mesmo tempo que a aristocracia
romana educa seus filhos à grega, faz deles gregos cultos, ela duplica esta
educação estrangeira com um ciclo paralelo de estudos, exatamente
19
calcado no das escolas gregas, embora transposto em língua latina”
(1975:386).
Portanto, um romano culto saberá as duas línguas, o latim e o grego. As crianças
aprendiam o grego por um método direto, às vezes antes mesmo do latim, através da
convivência com os criados. Segundo Marrou, os romanos foram
os primeiros a explorar, sistematicamente, o benefício do estudo de uma
língua estrangeira para aprofundar o domínio de sua língua nacional:
como nossos escolares, os meninos romanos praticavam o exercício da
tradução do grego para o latim e do latim para o grego; aplicavam-se no
sentido de confrontar Cícero e Demóstenes, Homero e Virgílio [...]; de
Varrão ao Baixo Império, os gramáticos latinos recorrem ao estudo
paralelo das duas línguas, preludiando a nossa ‘gramática comparada do
grego e do latim’.
Estamos bem na origem dos métodos característicos de nosso próprio
ensino clássico. Devemos atribuir esse mérito aos latinos: o humanismo
helenístico recusou-se sempre a conceder um lugar, em seu programa de
educação liberal, a alguma das línguas estrangeiras a seus olhos
‘bárbaras’. A cultura grega, diversamente da latina, sabe e sente que é
original e autônoma (1975:395).
Os manuais escolares elaborados no começo do século III eram bilíngues, e
inauguraram o método ainda hoje seguido por alguns manuais de conversação ou de
vocabulário. Eles continham: um vocabulário greco-latino; pequenos textos simples,
apresentados em duas colunas: o texto grego e sua respectiva tradução latina ao lado. No mais,
Marrou explica que “[...] as escolas romanas, quer se trate do seu quadro, do seu programa,
dos seus métodos, limitam-se a imitar as escolas helenísticas; a adaptação ao meio lingüístico
latino não acarreta modificações profundas na pedagogia” (1975:411).
O ensino em Roma também se dividia entre uma instrução primária, seguida do ensino
da gramática e da retórica. Sobre o ensino da gramática, Marrou afirma que esta permanece
fiel ao modelo grego, “[...] apresenta os dois aspectos característicos da gramática helenística,
methodicè, historicè, ou seja, o estudo teórico da boa língua e a explicação dos poetas
clássicos, recte loquendi scientiam et poetarum enarrationem(1975:425). E Virgílio é para
os latinos o que Homero é para os gregos: o mestre por excelência. Dentre os oradores, impera
Cícero. Sobre o ensino da oratória, Marrou afirma que este tem os mesmos objetivos do
método grego, o aprendizado de um sistema complexo de regras, procedimentos e normas pré-
estabelecidos pelos Sofistas. Pode-se dizer que
20
não retórica propriamente latina: esta arte havia sido inventada,
elaborada, progressivamente aperfeiçoada pelos gregos. Os trabalhos dos
rhetores Latini do século I a.C. e de Cícero consistira apenas em fixar um
vocabulário técnico, transpondo o dos retóricos gregos, palavra por
palavra e freqüentemente de maneira muito servil [...]. A escola latina
jamais teve tradição pedagógica própria: permanece, durante todo o
Império, em contato muito estreito com a retórica grega (1975:438).
Furlan, baseando-se em Copeland (1991), afirma que a tradução era uma prática
ordinária tanto no aprendizado da gramática como forma de comentário de texto –; quanto
no da retórica – como uma forma de imitação. Ainda segundo Furlan, Quintiliano, em
Institutio oratoria, trata a tradução como um exercício retórico, que deve empregar os
recursos da retórica e concorrer com o texto original. De acordo com Furlan, podemos
distinguir duas maneiras de traduzir por parte dos romanos: uma seria a tradução gramatical,
ou palavra por palavra, ou técnica; a outra seria a tradução retórica, ou parafrástica, ou
criativa. Furlan afirma que, segundo Bassnett, o tradutor acabava por conceber a tradução
como um exercício de estilística comparada, no qual devia usar seu modelo de forma criativa.
Por fim, Marrou nos diz que Cícero ocupou o ápice da curva do conhecimento de
grego; depois dele, a partir do início do Império, o conhecimento desta língua foi decrescendo
em Roma, o que era normal, visto que a literatura latina progredia e se enriquecia. A vida
escolar antiga perpetuou-se em Roma até meados do século VI.
21
1.2 A educação no Brasil
Neste tópico apresentaremos um resumo da história da educação no Brasil, destacando
fatos que julgamos importantes para o presente trabalho, bem como as concepções
pedagógicas
8
predominantes em cada período. No tópico seguinte, exporemos um panorama
do ensino do latim no Brasil.
Ribeiro (1998)
9
aponta o ano de 1549 como o início da história da educação brasileira.
Nesta data, em cumprimento a nova política estabelecida por D. João III a respeito da
conversão dos indígenas à fé católica pela catequese e pela instrução, chegam ao Brasil quatro
padres e dois irmãos jesuítas, chefiados por Manoel da Nóbrega. Sendo assim, segundo
Ribeiro, “a organização escolar no Brasil-colônia está, como não poderia deixar de ser,
estreitamente vinculada à política colonizadora dos portugueses” (1998:18).
Os jesuítas implantaram os primeiros colégios no território, e, em 1564, segundo
Saviani (2005)
10
, foi instituída a ‘redízima’, “mediante a qual um décimo da receita obtida
pela coroa portuguesa na colônia era destinado à manutenção dos colégios jesuítas” (2005:04).
Assim a pedagogia católica se estabeleceu no Brasil e até 1759, data da expulsão dos jesuítas,
desfrutou de uma hegemonia incontestável no país.
Manoel da Nóbrega elaborou um plano de instrução que marcou a primeira fase do
período jesuítico. Segundo Ribeiro,
o plano de estudos propriamente dito foi elaborado de forma diversificada,
com o objetivo de atender à diversidade de interesses e de capacidades.
Começando pelo aprendizado do português, incluía o ensino da doutrina
cristã, a escola de ler e escrever. D em diante, continua, em caráter
opcional, o ensino de canto orfeônico e de música instrumental, e uma
bifurcação tendo em um dos lados o aprendizado profissional e agrícola e,
de outro, aula de gramática e viagem de estudos à Europa.
Não tinha, inicialmente, de modo explícito, a intenção de fazer com que o
ensino profissional atendesse à população indígena e o outro à população
‘branca’ exclusivamente (1998:22 e 23).
8
Segundo Saviani (2005), concepções pedagógicas é uma expressão correlata a ideias pedagógicas. Ainda
segundo ele, “a palavra pedagogia e, mais particularmente, o adjetivo pedagógico têm marcadamente ressonância
metodológica denotando o modo de operar, de realizar o ato educativo. Assim, as idéias pedagógicas são as
idéias educacionais entendidas, porém, não em si mesmas, mas na forma como se encarnam no movimento real
da educação orientando e, mais do que isso, constituindo a própria substância da prática educativa” (2005:31).
9
RIBEIRO, Maria Luisa dos Santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 15.ed.
Campinas: Editora Autores Associados, 1998.
10
SAVIANI, Dermeval. As concepções pedagógicas na história da educação brasileira. Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/artigos_frames/artigo_036.html>. Acesso em: 05 ago.2009.
22
A respeito de Nóbrega, Saviani afirma que “sua filosofia educacional era a concepção
que em nossa sistematização classificamos como tradicional religiosa na versão católica da
contra-reforma” (2005:04), entendendo que
a expressão “concepção tradicional” subsume correntes pedagógicas que
se formularam desde a Antigüidade, tendo em comum uma visão
filosófica essencialista de homem e uma visão pedagógica centrada no
educador (professor), no adulto, no intelecto, nos conteúdos cognitivos
transmitidos pelo professor aos alunos, na disciplina, na memorização
(2005:31).
Em 1584 teve início a elaboração de outro plano de estudos, o Ratio Studiorum, cuja
forma definitiva foi publicada em 1599. Este plano, segundo Ribeiro, concentra sua
programação nos elementos da cultura européia, o que demonstra uma falta de interesse ou a
constatação da impossibilidade de ‘instruir’ os índios. Como os recursos eram insuficientes,
era necessário concentrar-se em ‘pontos estratégicos’, “e tais ‘pontos’ eram”, de acordo com
Ribeiro, “os filhos dos colonos em detrimento do índio, os futuros sacerdotes em detrimento
do leigo” (1998:22). Desta forma, os colégios jesuítas consolidaram-se como instrumento da
formação da elite colonial.
Segundo Saviani, a concepção pedagógica vigente no Ratio seria a da pedagogia
tradicional, que, conforme já afirmamos, se caracteriza por uma visão essencialista do homem.
Para a vertente religiosa desta concepção pedagógica, segundo o mesmo autor,
tendo sido o homem feito por Deus à sua imagem e semelhança, a
essência humana é considerada, pois, criação divina. Em conseqüência, o
homem deve se empenhar em atingir a perfeição humana na vida natural
para fazer por merecer a dádiva da vida sobrenatural (2005:6).
Ainda segundo Saviani, os jesuítas procuravam defender a hegemonia da católica
contra a religião protestante, e, para isso tentavam conciliar os preceitos religiosos com as
exigências dos novos tempos, baseando-se na herança ‘clássico-medieval’. Assim, os padres
faziam uso dos textos clássicos da Antiguidade, em detrimento da literatura que lhes era
contemporânea, para fomentar a cristã e, ao mesmo tempo, lançavam mão de uma
‘pedagogia ativa’ que superava as práticas pedagógicas medievais. Saviani explica que,
com efeito, é própria dos tempos modernos a emergência do indivíduo
associado à idéia do livre-arbítrio, o que conduz ao entendimento de que
o homem em geral e, por conseqüência, também o homem cristão deve
23
ser ativo, isto é: necessita traduzir em ações a que professa não lhe
bastando meditar e orar (2005:07).
Durante este período, Ribeiro nos informa que a educação feminina se restringia a
boas maneiras e prendas domésticas. Sobre os jesuítas, a autora ressalta que a formação
oferecida por eles era marcada por uma intensa ‘rigidez’ na maneira de pensar. Os padres
dedicavam grande atenção ao preparo dos professores, faziam uma cuidadosa seleção dos
livros a serem utilizados e controlavam rigorosamente as questões a serem suscitadas pelos
mestres, especialmente em filosofia e teologia. As orientações do Ratio eram seguidas
igualmente em todas as regiões do país. De acordo com a autora, a “união entre o governo
português e os jesuítas foi conduzida em benefício maior destes últimos. Isto levou
posteriormente a um choque, culminando com a expulsão da Companhia de Jesus de Portugal
e do Brasil, em 1759” (1998:27).
A partir desta data, inicia-se a implantação das reformas do Marquês de Pombal na
instrução pública. Estas reformas, segundo Saviani, baseavam-se nas ideias laicas inspiradas
no Iluminismo e instituíam o privilégio do Estado em matéria de instrução. Embora o Estado
português ainda fosse regido pelo estatuto do padroado, vinculando-se estreitamente à Igreja
Católica, a educação era agora inspirada na pedagogia do humanismo racionalista. O sistema
introduzido pelas reformas pombalinas foi o das ‘aulas régias’, que eram “disciplinas avulsas
ministradas por um professor nomeado e pago pela coroa portuguesa com recursos do
‘subsídio literário’ instituído em 1772” (2005:07 e 08). Ao tempo dos jesuítas, segundo
Ribeiro, o ensino secundário era organizado em forma de curso Humanidades, e as aulas
régias representam, ao mesmo tempo, um retrocesso pedagógico e um avanço ao exigir novos
métodos e novos livros. A autora ainda completa: “para o ensino do latim, a orientação era a
de ser entendido apenas como um instrumento de domínio da cultura latina e admitir o auxílio
da língua portuguesa” (1998:34).
Segundo Ribeiro, as reformas pombalinas tencionavam transformar Portugal numa
metrópole capitalista, tendo como modelo o que a Inglaterra era mais de um século. As
reformas tencionavam, também, estimular mudanças no Brasil, com o intuito de adaptá-lo,
enquanto colônia, à nova ordem pretendida na metrópole portuguesa. Exigia-se, para tanto,
uma formação mais ‘moderna’ da elite colonial (masculina) a fim de que esta “[...] se tornasse
mais eficiente em sua função de articuladora das atividades internas e dos interesses da
camada dominante portuguesa” (1998:35). Esta ‘nova’ formação adquirida por uns poucos
levou alguns a participarem de movimentos que chegavam a propor a emancipação política.
No entanto, Ribeiro explica que
24
a base do descontentamento não era fruto do contato com estas teorias
iluministas e sim das mudanças que estavam ocorrendo na estrutura social
brasileira [...]. Estas teorias, com o passar do tempo, vão se caracterizar
como inadequadas na interpretação e solução dos problemas internos, por
serem resultado de circunstâncias especiais de determinados países
europeus, e, enquanto tal, bastante artificiais também para os problemas
portugueses (1998:36).
Assim, no governo seguinte de D. Maria I, acontece o movimento da ‘Viradeira”, que
combatia sistematicamente o pombalismo e representava uma tentativa de voltar à tradição,
vista como o caminho a ser seguido para a resolução dos problemas.
Com o Brasil como sede da Coroa portuguesa, uma série de medidas, no que concerne
ao campo intelectual, foram tomadas, como a criação da Imprensa Régia (13-5-1808),
Biblioteca Pública (1810 franqueada ao público em 1814), Jardim Botânico do Rio (1810) e
Museu Nacional (1818). No campo da educação, segundo Ribeiro, são criados cursos por ser
necessário o preparo de pessoal mais diversificado. Com relação à concepção pedagógica,
Saviani afirma que, após 1808 teve início a divulgação do método de ensino mútuo. Este
método, de acordo com o autor, foi proposto e difundido pelos ingleses Andrew Bell e Joseph
Lancaster. Fundamentava-se no aproveitamento dos alunos mais adiantados como auxiliares
do professor e “[...] supunha regras pré-determinadas, rigorosa disciplina e a distribuição
hierarquizada dos alunos sentados em bancos dispostos num salão único e bem amplo [...]”
(2005:08).
A organização escolar brasileira, de acordo com Ribeiro, apresentava, na primeira
metade do século XIX, graves deficiências quantitativas e qualitativas. Na tentativa de
organizar um pouco o ensino são criados liceus profissionais, que, na prática, não passavam de
reunião de aulas avulsas num mesmo prédio. Assim, em 1825 foi criado o Ateneu do Rio
Grande do Norte; em 1836, os Liceus da Bahia e da Paraíba; e, em 1837, o Colégio Pedro II,
na Corte, que estava destinado a servir de padrão de ensino, com a adoção e manutenção de
bons métodos. Mas mudanças ainda se faziam necessárias e, na segunda metade do século
XIX, segundo Saviani, o método de ensino mútuo foi gradativamente substituído pelo método
intuitivo. As diretrizes metodológicas eram: “a chave para desencadear a pretendida
renovação é a adoção de um novo método de ensino: concreto, racional e ativo, denominado
ensino pelo aspecto, lições de coisas ou ensino intuitivo(VALDEMARIN, 2004a:104 apud
SAVIANI, 2005:09). Neste contexto, o método de ensino deveria ser uma orientação eficaz
para a condução dos alunos por parte do professor. Para que isso se assegurasse, foram
25
elaborados livros didáticos que, no lugar de serem um material didático para uso dos alunos,
eram destinados ao professor, servindo de modelo para a elaboração de atividades.
Segundo Saviani, a pedagogia do método intuitivo sustentou-se durante a Primeira
República. Na década de 1920 ganha espaço o movimento da Escola Nova, que passa a
disputar terreno com os educadores católicos. Ribeiro afirma que durante este período havia
um entusiasmo pela educação e um otimismo pedagógico. Acreditava-se que, ao aumentar o
número de instituições escolares, seria possível incorporar grandes camadas da população
brasileira no caminho do progresso nacional e colocar o país na mesma direção das grandes
nações. No entanto, “fazendo uma comparação entre as fases do movimento escolanovista
universal e nacional, J. Nagle considera o seguinte: ‘(...) quatro etapas se haviam sucedido,
enquanto no Brasil não havia sido atingida nem a primeira’” (1998:99).
Na concepção pedagógica nova ou moderna, segundo Saviani, a educação passa a
centrar-se na criança. Apóia-se numa visão filosófica baseada na existência, na vida, na
atividade. Contrapondo-se à pedagogia tradicional,
do ponto de vista pedagógico o eixo se deslocou do intelecto para as
vivências; do lógico para o psicológico; dos conteúdos para os métodos; do
professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a
espontaneidade; da direção do professor para a iniciativa do aluno; da
quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica
centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração
experimental baseada na biologia e na psicologia (2005:33 e 34).
A Constituição de 1934 dedica um capítulo inteiro à questão da educação (capítulo II),
no qual Ribeiro e Saviani concordam que houve um equilíbrio de forças entre católicos e
reformadores. De acordo com Ribeiro,
a reivindicação católica quanto ao ensino religioso é atendida, assim
como outras ligadas aos representantes das ‘idéias novas’, como as que
fazem o Brasil ingressar numa política nacional de educação desde que
atribui à União a competência privativa de traçar as diretrizes da
educação nacional (cap.I, art. 5°, XIV) e de fixar o plano educacional de
educação (art. 151) (1998:14).
Além disso, a lei determina a criação do Conselho Nacional e Estadual de Educação e
a aplicação de nunca menos de 10% da parte dos municípios, e nunca menos de 20%, da parte
dos estados, da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento dos sistemas
educacionais (art. 156), entre outras inovações.
26
Em 1938 é criado o INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) que, de acordo
com Saviani, transformou-se no principal centro estimulador de experiências de renovação
pedagógica. A partir de 1945, a disputa entre católicos e renovadores deixa de ser equilibrada,
e a concepção humanista moderna (representada pelos pioneiros da educação nova) passa a
predominar. Em 29 de outubro de 1948, segundo Ribeiro, foi encaminhado à Câmara Federal
um projeto de lei de diretrizes e bases da educação nacional, subscrito por Clemente Mariani,
então ministro da Educação e Saúde. Transformar-se-ia em lei somente treze anos depois, a 20
de dezembro de 1961. Sobre esta, Ribeiro afirma que “uma análise do texto da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024/61), em especial no capítulo sobre as
finalidades da educação, leva-nos a admitir um predomínio do que é chamado de concepção
‘humanista’ moderna” (1998:169). A respeito da estrutura do ensino manteve as etapas:
“ensino primário de pelo menos quatro anos: ensino ginasial de quatro anos, com as
subdivisões de secundário, comercial, industrial, agrícola e normal; ensino colegial de três
anos, subdividido em comercial, industrial, agrícola e normal, e o ensino superior” (1998:70).
A década de 60, segundo Saviani, também foi marcada por um esgotamento do modelo
renovador e uma articulação da tendência tecnicista, de base produtivista, que seria a
concepção assumida pelo grupo de militares que tomou o poder após o golpe de 1964. Ainda
segundo o autor, o ajuste do sistema educacional à nova situação após o golpe foi feito,
inicialmente, por meio da lei 5.540/68 e do decreto 464/69 no que se refere à reforma do
ensino superior e pela lei 5.692/71 no tocante aos ensinos primário e médio que passaram a ser
denominados de 1º e 2º graus. Estas leis, segundo o autor, já traziam “os princípios de
racionalidade e produtividade tendo como corolários a não duplicação de meios para fins
idênticos e a busca do máximo de resultados com o mínimo de dispêndio” (2005:19).
Saviani entende que a tendência educacional atualmente dominante no Brasil, desde o
final da década de 60, é a concepção produtivista de educação. Na década de 60, Schultz
desenvolveu ‘teoria do capital humano’. Esta teoria influenciou a educação que passou a ser
entendida “como algo decisivo do ponto de vista do desenvolvimento econômico, um bem de
produção, portanto” (2005:idem). A lei 5.692/71, mencionada no parágrafo anterior, tornou a
concepção produtivista oficial no Brasil sob a forma da pedagogia tecnicista, que foi
divulgada e implementada em todas as escolas. Ainda de acordo com Saviani,
na medida em que se processava a abertura “lenta, gradual e segura” que
desembocou na Nova República, as orientações pedagógicas das escolas
foram sendo flexibilizadas mantendo-se, porém, como diretriz básica da
política educacional, a tendência produtivista (2005:20).
27
Ao longo da cada de 80, segundo Saviani, a concepção produtivista de educação
sofreu vários ataques, mas superou todos eles. A concepção
recobrou um novo vigor no contexto do denominado neoliberalismo,
quando veio a ser acionada como um instrumento de ajuste da educação
às demandas do mercado numa economia globalizada centrada na tão
decantada sociedade do conhecimento (DUARTE, 2003 apud SAVIANI,
2005:20).
Esta visão, segundo Saviani, foi a referência para o Projeto Darcy Ribeiro apresentado
no Senado que, financiado pelo MEC, converteu-se na nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Para o autor, é ainda esta mesma visão que serviu de guia para o processo
de regulamentação dos dispositivos da LDB que culminou na aprovação do novo Plano
Nacional de Educação
11
(PNE) em janeiro de 2001. O autor alerta, no entanto, que a
manutenção desta concepção ao longo dos anos não significa que a versão da teoria do capital
humano elaborada por Schultz tenha permanecido inalterada; ela foi refuncionalizada, dando
origem a expressões como neoconstrutivismo, neotecnicismo, neoescolanovismo, entre outras.
O referido PNE de 2001, que tem a duração de 10 anos, determina que os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios elaborem planos estaduais e municipais, em concordância
com o nacional. Os objetivos do Plano, resumidamente, são:
- a elevação global do nível de escolaridade da população;
- a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis;
- a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso e à
permanência, com sucesso,na educação pública; e
- democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos
oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais da
educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação
das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes
(2001:34).
Segundo Romano & Valente
12
, o PNE não contemplou as propostas e reivindicações
dos setores democráticos e populares da sociedade: “os vetos que FHC impôs à lei, além de
radicalizarem tal característica, retiraram do PNE precisamente alguns dispositivos que a
11
BRASIL. Ministério da Educação. Plano Nacional de Educação - PNE/Ministério da Educação. Brasília:
Inep, 2001.
12
ROMANO, Roberto; VALENTE, Ivan. PNE: Plano Nacional de Educação ou Carta de Intenção?
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010173302002008000007&script=sci_arttext&tlng=es>.
Acesso em: 07 out. 2008.
28
pressão popular havia forçado a que fossem inseridos” (2002:n.p.). Para os autores, estes vetos
não decorreram do fato de que o governo tivesse um ponto de vista pedagógico diferente do
dispositivo vetado, mas de questões financeiras que estavam implicadas nos itens vetados. De
acordo com os autores, o Plano não estava dotado de verbas que viabilizassem o cumprimento
das metas e diretrizes estabelecidas, portanto, não representou um grande avanço para a
organização educacional no Brasil.
1.2.1 O ensino de latim no Brasil
Neste tópico, apresentaremos um panorama do processo que culminou na exclusão do
latim dos currículos escolares, até este se tornar exclusivo das universidades. Sobre a situação
nestas instituições, discutiremos as ideias de dois autores. Primeiramente de Valle, cujo artigo
mostra o cenário do ensino do latim em duas universidades do Rio de Janeiro, no final dos
anos 80. A segunda autora, Miotti, concentrou sua pesquisa em universidades públicas de São
Paulo, no ano de 2006. Este subcapítulo será a base para nossas reflexões a respeito dos
manuais brasileiros no capítulo posterior, ajudar-nos-á a entender como se via o ensino do
latim na época em que foram escritos, e de que forma isso influenciou sua maneira de
conceber o ensino desta língua e de apresentar seu conteúdo.
Conforme visto, no Brasil, o ensino esteve sob a responsabilidade da Companhia de
Jesus, de 1549 a 1759. Segundo Tuffani (2001), em artigo sobre o ensino do latim no Brasil,
com a expulsão da Ordem o ensino se desorganizou e ficou reduzido a seminários e algumas
poucas escolas. Somente em 1772 teve início uma organização com as cadeiras régias de nível
secundário, dentre as quais se estabeleceram as de Latim e Grego. Em 1837, como
informamos foi fundado o Colégio Pedro II, estabelecendo-se no Rio de Janeiro como a
escola-modelo para o ensino secundário no Brasil. Em 1841, o curso secundário compreendia
sete anos, durante os quais o latim era estudado. Em 1891, um decreto reduziu para cinco anos
os estudos do curso secundário, o que não foi aderido pelo Colégio Pedro II.
O período próximo à Primeira Guerra, de acordo com Tuffani, foi importante para a
renovação dos estudos clássicos no país. Anteriormente, o latim era estudado basicamente em
seminários, no curso secundário de tradição clássica (como o do Colégio Pedro II) ou em
cursos jurídicos na cadeira de Direito Romano. Porém, a perspectiva de instalação das
faculdades de Filosofia e uma maior circulação de livros fizeram com que os estudos latinos
29
ganhassem um novo ar. Nesta época surgiram intelectuais representativos para os estudos
clássicos brasileiros, como Manuel Odorico Mendes, Francisco Sotero dos Reis, João
Gualberto Ferreira dos Santos Reis, Antônio Coelho Rodrigues, Francisco Rodrigues dos
Santos Saraiva, Antônio José de Sousa e César Zama.
Em 1925, a Faculdade de Filosofia de São Paulo ofereceu o primeiro curso de Letras
do Brasil, o de Filologia Clássica (Latim e Grego). Porém, os formandos de Filologia Clássica
não recebiam o título de bacharel, somente um certificado de conclusão de curso, pois não
havia Legislação para os cursos de Letras. Somente em 11 de abril de 1931, o então Ministro
da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos, criou a Faculdade de Educação, Ciências e
Letras com o Decreto nº 19851.
Ainda segundo Tuffani, com a estabilização do ensino nas universidades brasileiras, os
estudos latinos progrediram. Houve um grande aumento das publicações de artigos, traduções
e livros didáticos. Em 1942, a Lei Capanema ampliou novamente para sete anos o ensino do
Latim no curso secundário, que, conforme vimos, havia sido reduzido para cinco anos em
1891. No entanto, não havia número suficiente de professores habilitados, e o resultado foi um
ato ministerial que permitia que professores formados em Letras Neolatinas e Anglo-
Germânicas também lecionassem latim, fazendo com que o ensino perdesse muito em
qualidade.
Em 1962, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tornou o ensino do latim
facultativo no curso secundário, praticamente extinguindo-o, ficando este limitado às
disciplinas obrigatórias dos cursos de Letras e à graduação opcional em Língua e Literatura
Latina. Um dos únicos estabelecimentos que ainda ensinava latim, dez anos depois da Lei de
Diretrizes e Bases, era o Colégio Pedro II. No ano de 1996 foi sancionada a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que caracteriza o Latim como facultativo no ensino
superior. Tuffani conclui que a obrigatoriedade do ensino e a formação desigual dos
professores não mudou desde 1942, ano da Lei Capanema.
Apesar de a lei que caracteriza o ensino do latim como facultativo ter entrado em vigor
no ano de 1996, Valle, em artigo de 1989, Os Estudos Clássicos na Universidade, já afirma
que os estudos clássicos no grau estão em crise, “entendendo crise no sentido de estado de
menosprezo ou desinteresse por esses estudos, considerados hoje como decorativos,
supérfluos, obsoletos” (1989:07). Neste artigo o autor faz uma análise do ensino do latim em
duas universidades: a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade Federal
Fluminense. Apesar de a pesquisa não abarcar todas as universidades nacionais, pensamos que
algumas questões propostas pelo autor proporcionam uma visão geral do ensino do latim no
30
Brasil, e mostram que muitos dos questionamentos feitos na época em que o artigo foi escrito
não são diferentes dos de hoje.
Uma dessas questões é a de que os alunos chegam às faculdades, com raríssimas
exceções, desconhecendo totalmente a língua latina por esta não ser mais ensinada na escola.
Portanto, os professores necessitam começar o ensino da estaca zero. Por isso, Valle afirma
que não se deve desconsiderar, no terreno didático, as novas técnicas do ensino de línguas
modernas. Na época da elaboração do artigo, um método estrutural estava começando a ser
aplicado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Um dos professores consultados por
Valle considerava que este método era “de longe, o mais recomendável aos objetivos do
ensino do latim em nossas Faculdades de Letras” (1989:11). o Professor Stamato, segundo
o autor, afirmava que
A idéia sica que nos orientou na apresentação da morfossintaxe do
latim é a de que partindo de estruturas nucleares da língua, tipo S + VI, S
+ VT + OD, se pode, através de círculos concêntricos, ir ampliando-as até
as estruturas mais complexas chegando-se finalmente à estruturação do
discurso (1989:11).
Valle, no entanto, faz objeções ao método estrutural (não especifica quais), afirmando
que prefere limitá-lo à aplicação de exercícios estruturais com o intuito de verificar certos
conhecimentos gramaticais, sem adotá-lo como um procedimento metodológico sistemático.
O panorama da metodologia usada pelos professores nas duas universidades mostrou
que, conforme poderemos observar com a pesquisa de Miotti, a ser apresentada
posteriormente, não houve muitas mudanças daquela época em relação aos dias atuais.
Segundo Valle, os professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro não faziam uso do
mesmo método em suas aulas, havia liberdade para que o professor seguisse o que acreditasse
ser a melhor metodologia. Alguns inclusive elaboravam seu próprio material, sendo que o
autor adotou, segundo ele com sucesso, o Gradus Primus
13
, de Paulo Rónai na graduação, e o
Gradus Secundus, no mestrado, com alunos de História Antiga e Medieval. Porém, o autor
adverte que “naturalmente a técnica de utilização dos dois manuais não é a mesma que
empregávamos aí por 1950 em turmas de adolescentes de 1º e ano ginasial” (1989:16), pois
os alunos mais maduros exigem que se faça uso de outro método.
Outra questão abordada por Valle no artigo é a do Parecer 283/62 do Conselho Federal
de Educação, o qual prescreve que
13
Este manual será analisado no segundo capítulo do presente trabalho.
31
no que se refere ao Latim, a sua inclusão na parte comum define-o como
simples matéria instrumental, sendo assim indispensável intensificá-lo, e
tornar obrigatória a sua Literatura, na hipótese de que venha ele a figurar
como objeto de habilitação específica (1989:19).
O autor afirma que, apesar de os professores consultados por ele divergirem em
questões metodológicas, todos concordam no ponto de que não se deve aceitar o grego e o
latim como simples matérias instrumentais. Para Valle
tratando-se de uma ngua moderna, língua viva, entendo a expressão
como todos entendem: uma língua destinada à consulta da bibliografia
estrangeira indicada nos cursos, língua que se presume imprescindível à
formação profissional. Instrumental aí tem sentido valorativo, de estudo
essencial. No caso do latim (e do grego), língua clássica, ‘língua morta’, a
ressalva ‘simples matéria instrumental’ me soa como disciplina que foi
colocada à força entre as obrigatórias, uma espécie de ‘coação
irresistível’” (1989:20).
Para Valle “o objetivo do estudo do latim e do grego é ler os textos originais”
(1989:22), desdobrando, posteriormente, este objetivo em três: o objetivo do estudo do latim
em um curso de Letras é ler, traduzir e comentar textos latinos. Levando isso em conta, na
perspectiva de Valle, os exercícios de versão teriam um papel no estudo pois possibilitam
aplicar e fixar noções gramaticais quando o aluno compara as estruturas das duas línguas,
português e latim.
Sobre o ensino de literatura latina, Valle diz estimular a leitura integral das obras, “[...]
em edições bilíngues quando possível o confronto com o original. Todos sabemos que seria
impossível exigir a curto prazo a leitura das obras no original” (1989:17). O autor relata que
“os alunos costumam dizer que às vezes tiram o vocabulário e identificam as formas
gramaticais mas não sabem ‘montar’ a tradução. Eu diria que, na verdade, eles não sabem
‘desmontar’ o texto original” (1989:24). Como a leitura dos originais não deve ser adiada, a
solução seria mesmo a leitura dos textos em boas edições bilíngues. A tradução do latim,
segundo Valle, “[...] é uma habilidade específica que se vai adquirindo através de exercício
lento, gradual, e constante, sobretudo constante” (1989:25). Veremos que esta posição mudou
atualmente, com manuais mais atualizados e com propostas metodológicas diferentes,
acredita-se ser possível a leitura gradativa e a tradução de alguns textos no original, ou com
poucas alterações, em relativamente pouco tempo, contando, claro, com a ajuda do professor e
32
de um bom dicionário. Manuais como o Reading Latin, objeto de estudo de Miotti, são
exemplos disso.
Miotti (2006) em dissertação de mestrado, O ensino do latim nas Universidades
Públicas do Estado de São Paulo e o método inglês Reading Latin: um estudo de caso,
fornece um panorama mais atual do ensino do latim em algumas universidades brasileiras,
através da análise de um manual e de entrevistas feitas com alguns professores de latim. Para a
autora, os problemas encontrados no ensino desta língua têm origem, em sua maioria, em uma
metodologia pautada em concepções imprecisas no que se refere aos objetivos do ensino de
uma língua como o latim.
Miotti discute, assim como Valle, a questão da instrumentalidade do latim, pautando-
se nas opiniões de dois autores: Lana e Lima. Para Lana, conceber o latim como instrumento
significa entendê-lo como aquilo que terá a função de aprofundar os conhecimentos da
Antiguidade Clássica, levando os alunos a essa realidade. Para Lima, autor cujo manual será
discutido no capítulo seguinte, a instrumentalidade do latim significa dar à língua antiga a
função exclusiva de servir à língua moderna.
A autora lembra que o latim, como disciplina obrigatória, foi excluído dos currículos
escolares no início dos anos 60, época em que o ensino se baseava, no geral, em uma
pedagogia de cunho tecnicista. Portanto, nesse momento, os manuais se preocupavam em
afirmar exaustivamente a importância do ensino do latim, muitas vezes se pautando na ideia
de que seu aprendizado existiria para auxiliar no aprendizado do português. O autor Nóbrega
14
é um dos que divulgavam esta ideia na época. Para Miotti, este tipo de argumento pode ter
contribuído para que o latim, durante muito tempo, fosse estudado como um pretexto para
exercitar análise sintática. A língua latina era ensinada através de aulas que privilegiavam a
exposição metalinguística, paralelamente à tradução de frases descontextualizadas, na
chamada ‘ordem direta’ e de textos que muitas vezes apresentavam pouca ou nenhuma relação
com a cultura de Roma. Além disso, o aluno deveria memorizar partes da gramática latina.
Para Miotti, este tipo de abordagem interfere negativamente no aproveitamento e no estímulo
do aluno de latim.
O objeto de seu estudo é o manual inglês Reading Latin
15
, que vem ganhando mais
espaço nas universidades de São Paulo, e que pretende modernizar o estudo das línguas
14
Dois manuais deste autor serão analisados no próximo capítulo desta dissertação.
15
Este manual também será analisado no presente trabalho no próximo capítulo.
33
clássicas, apoiando-se nos avanços da Linguística Aplicada
16
com o objetivo de preparar os
alunos para a leitura dos textos clássicos. Segundo Miotti, um dos avanços mais significativos
deste manual em relação aos precedentes é o de que o aluno, com a ajuda do professor e de
um vocabulário detalhado, entra em contato com a tradução mais cedo, sem necessidade de
qualquer conhecimento gramatical de início, levando-o a ler em latim mais rapidamente.
Porém, uma das desvantagens da adoção deste material é o fato de que este foi escrito para
alunos cuja língua materna é o inglês, e, portanto, enfatiza questões gramaticais pertinentes
para os falantes do inglês, que, muitas vezes, são secundárias ou mesmo irrelevantes para um
falante de português. Por isso, alguns professores não fazem uma simples tradução do manual
para o português, mas adaptam o conteúdo para os alunos brasileiros.
De acordo com a pesquisa da autora, muitos dos professores entrevistados afirmaram
que acabam por fabricar seu próprio material, mesclando excertos de vários manuais e
gramáticas, geralmente montando uma apostila que os alunos fotocopiam. Como vimos, esta
prática é a mesma descrita por Valle, no final dos anos 80. Atualmente, porém, em algumas
universidades, como a USP, os professores têm-se esforçado para unificar a metodologia
aplicada nas aulas de latim. A autora concorda, no entanto, que de nada vale adotar um
manual moderno se o professor continuar pautando suas aulas em uma metodologia
tradicional. Ela também adverte que não manual perfeito, e que o professor pode e deve
trazer outros materiais para a sala de aula conforme a necessidade de seus alunos, o que não
exclui a possibilidade da adoção de um manual-base para todo o curso. Este deve ser
analisado e julgado pela história, ideologia, concepção de linguagem e público-alvo que o
pressupõe.
O questionário feito com alguns professores das universidades de São Paulo e de
outros lugares do Brasil levou a autora a concluir que houve uma mudança de pensamento em
relação ao ensino do latim. Os professores se mostraram conscientes de que é preciso adotar
novos métodos e determinar com maior precisão seus objetivos. Além disso, os entrevistados
afirmaram a importância de aliar o estudo da língua com o da literatura, embora os currículos
16
Segundo Bohn (1988), “desde o início, talvez por causa do prestígio do trabalho de Fries e de Lado, ambos
preocupados com o ensino de línguas, havia uma forte tendência em relacionar o termo LA [Linguística
Aplicada] ao ensino de línguas estrangeiras. Mas, esta não era, sem dúvida, a única interpretação. Na Rússia, por
exemplo, o termo significava exclusivamente tradução automática (Cf. Els et al 1984:11). Els também salienta o
fato de que quando a Associação Internacional de Lingüística Aplicada (AILA) foi fundada em 1964 em Nancy,
França, o objetivo principal dos associados era a investigação de problemas relacionados com o ensino de línguas
estrangeiras e com a tradução automática. Mas, esta rigidez na definição do objeto da LA e nas tarefas do
lingüista aplicado foi logo perdida. O leque de opções dentro da associação se diversificou sobremaneira. O
conteúdo dos debates nos últimos congressos tem incluído praticamente todos os campos da atividade humana,
tanto em seus aspectos teóricos como práticos, em que a linguagem desempenha algum papel de relevância.”
(1988:16 e 17).
34
separem língua e literatura em disciplinas distintas. Segundo o que pode observar em sua
pesquisa, Miotti afirma que o método ideal para estudantes universitários brasileiros deve
dirigir o aluno à leitura de textos latinos o mais cedo possível, levando em conta dados sobre a
cultura, a literatura e a arte de Roma, comparando as estruturas gramaticais das duas línguas e
trazendo para a sala de aula, sempre que possível, textos relevantes da literatura de língua
portuguesa que remetam à literatura latina.
Baseando-se em Fiorin (1990), Miotti afirma que três competências fundamentais
para a leitura de textos em língua estrangeira: a competência linguística (conhecimento
internalizado da gramática e da fonologia de uma língua), a textual (a união do conteúdo a um
plano de expressão) e a intertextual (diálogo entre textos). A autora ainda acrescenta uma
quarta: a competência extralinguística, o conhecimento de mundo. No caso do aluno de latim,
este conhecimento abarca noções de história e cultura romana. Segundo Miotti a competência
linguística deve ser desenvolvida através de textos, e não de frases isoladas. Além disso, para
a autora, todo material de ensino de línguas clássicas precisa estar ligado ao objetivo do real
aprendizado do aluno e ao uso efetivo que ele fará do conhecimento adquirido. Portanto, não
há sentido em insistir em questões de oralidade, por exemplo. Para Miotti, não se deve
esquecer que a única habilidade, das quatro que definem a competência numa língua
estrangeira, a ser desenvolvida no estudo das línguas clássicas é a leitura, e, portanto, este
processo deve ser valorizado como a interação entre texto e leitor, e não apenas como uma
decodificação de enunciados.
Maranhão (2009)
17
em artigo sobre o ensino de língua latina nos cursos de licenciatura
em Letras Modernas no Brasil constata que, no geral, continuam sendo oferecidos um ou dois
semestres de latim nos referidos cursos, “[...] apesar de as Diretrizes Curriculares Nacionais
para os cursos de Letras, apresentadas às p. 29-31 do Parecer CNE/CES no 492/2001, não
determinarem com caráter de obrigatoriedade a sua inclusão na grade curricular” (2009:27). A
autora ainda aponta que, atualmente, registra-se uma ampliação na demanda de vagas nas
disciplinas de língua latina em universidades brasileiras:
segundo o jornal O Estado de São Paulo, em matéria publicada em 09 de
outubro de 2006, na USP verificou-se, em 6 anos, um aumento de 154%
no número de alunos matriculados em Latim I; em 5 anos, a UNICAMP
registrou aumento de 70% das matrículas na referida disciplina e a
17
MARANHÃO, Samantha de Moura. Reflexões sobre o ensino de língua latina em cursos superiores de Letras
Modernas. Instrumento: Revista de Estudo e Pesquisa em Educação. Juiz de Fora, v.11, n.1, p. 27-36,
jan./jun. 2009.
35
UNESP, de 118% na disciplina Introdução à Literatura Latina,
constatando o INEP/MEC aumento na demanda de vagas nas disciplinas
de latim também na UFJF, UFRGS e UFRJ (2009:28).
Dentre os objetivos comumente apontados do ensino desta língua nas universidades,
Maranhão destaca o de aprimorar a compreensão da língua portuguesa e, paralelamente, os
conhecimentos de análise sintática do português. Outro objetivo seria o de instrumentalizar o
aluno com conhecimentos que lhe preparem para a leitura dos textos originais. Juntamente
com o objetivo da leitura vem o objetivo de habilitar o aluno a traduzir os textos. A autora
alerta, no entanto, que a tradução de frases isoladas é um recurso didático inconveniente, pois
desconsidera a importância do contexto e do tipo de discurso para que o aluno escolha
adequadamente entre as opções de tradução.
Por fim, a autora conclui que
o ensino da língua latina não fundamentado nos conhecimentos
proporcionados pela pesquisa em Lingüística Aplicada, particularmente
nos que se referem ao ensino e à aprendizagem de leitura em ngua
estrangeira e à tradução, pode levar à condução equivocada do mesmo,
com o estabelecimento de objetivos inexequíveis integralmente e a
execução de atividades didáticas inadequadas (2009:31).
Analisando os objetivos do ensino do latim citados por Maranhão, vemos que,
diferentemente de Miotti, a primeira autora coloca a tradução como um objetivo a ser
alcançado durante o processo de aprendizagem. Já para Miotti, o objetivo do ensino de línguas
antigas é capacitar o aluno para a leitura dos textos clássicos, objetivo este que pode ser
conseguido através do exercício da tradução. Portanto, podemos afirmar que, para Miotti, a
tradução no ensino da língua latina é um meio enquanto que, para Maranhão, ela é um fim.
Voltaremos ainda a discutir no tópico seguinte a questão do emprego dos conhecimentos de
Linguística Aplicada ao ensino de línguas antigas, especialmente do latim.
36
1.3 A tradução e o ensino de línguas estrangeiras
Nesta seção iremos discorrer, com o apoio de alguns autores, sobre o papel da tradução
no ensino de línguas estrangeiras, confrontando estas ideias com a maneira como a tradução é
vista nos manuais. A tradução é somente uma das formas de ensinar uma língua estrangeira.
No caso do latim, é a metodologia mais usada. Ao longo do tempo, as metodologias do ensino
de línguas estrangeiras foram se aperfeiçoando, porém, conforme afirmou Miotti, não existe
uma que possa ser considerada perfeita, pois a metodologia adotada dependerá dos objetivos
que se tem ao aprender determinada ngua. Pode-se ter necessidade de aprender a gramática
da língua, ou de apenas comunicar-se verbalmente.
De acordo com Jakobson (1995)
18
, podemos distinguir entre três espécies de tradução:
1 A tradução intralingual ou reformulação (rewording) consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de outros signos da mesma
língua.
2 A tradução interlingual ou tradução propriamente dita consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de alguma outra língua.
3 A tradução inter-semiótica ou transmutação consiste na
interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não-
verbais (1995:64 e 65).
Segundo Costa (1998)
19
, no contexto do ensino de línguas estrangeiras, a tradução
intralingual é um procedimento natural e seu uso em sala de aula se de forma automática,
de modo que não encontra críticos. A tradução intersemiótica também está bastante presente,
principalmente no uso de imagens e dos próprios gestos do professor. a tradução
interlingual, conforme veremos, é muito discutida. Podemos distinguir alguns aspectos em
relação a este tipo de tradução no ensino de línguas estrangeiras: a tradução pode ser feita da
língua materna para a língua estrangeira, ou da língua estrangeira para a língua materna; ela
pode ser mental um aluno um texto na língua estrangeira e o traduz mentalmente, por
exemplo ou escrita; e ainda, como vimos no tópico anterior com Miotti (2006) e Maranhão
(2009), pode ser um exercício para a aprendizagem da língua estrangeira, ou o objetivo final
da aprendizagem. Neste trabalho lidamos somente com a tradução escrita e, após a análise dos
18
JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. Tradução: Izidoro Blikstein e Jose Paulo Paes. São Paulo:
Cultrix, 1995.
19
COSTA, Walter. Tradução e ensino de línguas. In__.: BOHN, H.I; VANDRESEN, P. Tópicos em lingüística
aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 1988.
37
manuais, veremos em quais deles a tradução é mais uma maneira de aprender a língua latina e
em quais é o objetivo ou o fim do processo de aprendizagem.
O principal problema da tradução interlingual no ensino de línguas estrangeiras é que
ela traz à tona aquilo que, muitos pensam, não deveria se fazer presente: a língua materna. De
acordo com Costa, “em geral aprende-se o código lingüístico estrangeiro em meio a um
esforço contínuo de esquecimento dos elementos que caracterizam o seu código primeiro e
que constituíam obstáculos reais ou imaginários à aquisição do novo código” (1988:282).
Sabemos que, especialmente no ensino de línguas clássicas, a tradução sempre esteve e ainda
está presente sob o prisma da Abordagem da Gramática e Tradução, sobre a qual discorremos
a seguir. No entanto, segundo Costa, “nos diferentes métodos que se seguiram (e justamente
pelo uso abusivo e ineficiente do anterior) tendeu-se a banir a tradução da sala de
aula”(1988:idem).
Em artigo sobre metodologias do ensino de línguas, Leffa (1988)
20
, distingue ‘método’
de ‘abordagem’. Para o autor, abordagem (que traduz o termo inglês approach) é o termo mais
abrangente e diz respeito aos pressupostos teóricos sobre a língua e a aprendizagem. o
método pode estar dentro da abordagem, e trata das normas de aplicação dos pressupostos de
aprendizagem, pode conter, por exemplo, normas de avaliação sobre a elaboração de um
curso. O método direto, segundo Leffa, não é um método, e sim uma abordagem. Richards &
Rodgers (1986) também definem abordagem e método de maneira semelhante a Leffa,
baseando-se no esquema proposto por Anthony (1963). Para estes autores, abordagem é o
nível no qual suposições e crenças sobre as línguas e a sua aprendizagem são especificadas; já
o método é o vel no qual a teoria é colocada em prática e escolhas são feitas em relação ao
conteúdo e às habilidades que serão ensinados. Leffa distingue também ‘aprendizagem’ e
‘aquisição’. A primeira é o desenvolvimento consciente e formal de uma língua, comumente
através da explicitação de regras. A aquisição, por sua vez, é o desenvolvimento informal e
espontâneo, normalmente através de exposição a situações informais, sem um esforço
consciente. Outra distinção feita por Leffa é ‘segunda língua’ e ‘língua estrangeira’. A
primeira é usada no contexto da sala de aula e fora deste, a segunda é usada somente no
ambiente escolar. Portanto, no presente trabalho estamos tratando da aprendizagem do latim
como uma língua estrangeira, através da tradução.
20
LEFFA, Vilson J. Metodologia do ensino de línguas. In__.: BOHN, H.I; VANDRESEN, P. Tópicos em
lingüística aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 1988.
38
Levando em conta as distinções feitas acima, a primeira abordagem conhecida como
método apresentada pelo autor é a AGT, Abordagem da Gramática e da Tradução. Segundo
Leffa, esta é a abordagem usada mais tempo na história do ensino de línguas e a que tem
recebido um maior número de críticas. A AGT surgiu “com o interesse pelas culturas grega e
latina na época do Renascimento e continua sendo empregada até hoje, ainda que de modo
bastante esporádico, com diversas adaptações e finalidades mais específicas” (1988:212).
Nesta abordagem, o ensino da segunda língua se pela primeira, ou seja, as explicações
sobre a língua estrangeira são dadas na língua materna do aluno. Os três passos essenciais para
a aprendizagem da língua dentro desta perspectiva são: “(a) memorização prévia de uma lista
de palavras, (b) conhecimento das regras necessárias para juntar essas palavras em frases e (c)
exercícios de tradução e versão (tema)” (1988:212); parte-se da regra para o exemplo. A
pronúncia e a entonação quase não têm importância nesta abordagem, a escrita é a prioridade,
desde os exercícios até a leitura final dos autores clássicos da língua. Em relação ao professor,
Leffa afirma que o seu domínio oral da língua não é um aspecto determinante, que a
maioria das atividades das aulas está no livro-texto, por isso, o que ele precisa dominar é a
gramática da língua, com suas regras e terminologias. Segundo o autor,
o objetivo final da AGT é – ou era – levar o aluno a apreciar a cultura e a
literatura da L2. Na consecução desse objetivo, acreditava-se que ele
acabava adquirindo um conhecimento mais profundo de seu próprio
idioma, desenvolvendo sua inteligência e capacidade de raciocínio
(1988:213).
Richards & Rodgers (1993)
21
apresentam sete características principais da AGT, a qual
nomeiam Grammar-Translation Method
22
:
1. A finalidade do estudo de uma língua estrangeira é aprender a língua para
ler sua literatura ou para beneficiar-se da disciplina mental e do
desenvolvimento intelectual que resultam do estudo de uma língua
estrangeira. A Gramática e Tradução é uma maneira de estudar uma
língua que primeiramente a aborda através da análise detalhada de suas
regras gramaticais, seguida pela aplicação deste conhecimento à tarefa de
traduzir sentenças e textos a partir da língua alvo e para esta. Portanto,
a aprendizagem da língua como consistindo de um pouco mais do que
memorizar regras e fatos a fim de entender e manipular a morfologia e a
sintaxe da língua estrangeira. ‘A primeira língua é mantida como sistema
de referência na aquisição da segunda língua’ (Stern 1983:455).
21
RICHARDS, Jack C.; RODGERS, Theodore S. Approaches and methods in language teaching: a
description and analysis. 9
th
.ed. New York: Cambridge University Press, 1993.
22
Neste trabalho optamos por tratar Gramática e Tradução como uma abordagem, seguindo a definição de Leffa.
39
2. Ler e escrever são os principais focos; pouca ou não sistemática atenção é
dada à fala ou à escuta.
3. A seleção do vocabulário é baseada somente na leitura dos textos usados, e
as palavras são ensinadas através de listas bilíngues de palavras, estudo
do dicionário e memorização. Num texto típico de Gramática e Tradução,
as regras de gramática são apresentadas e ilustradas, uma lista de itens de
vocabulário é apresentada com suas traduções equivalentes, e exercícios
de tradução são prescritos.
4. A sentença é a unidade sica do ensino e da prática da língua. Grande
parte da aula é dedicada a traduzir sentenças a partir da língua alvo e para
esta, e é este foco na sentença que é um traço distintivo do método. [...]
5. A precisão é enfatizada. Espera-se que os alunos atinjam padrões altos na
tradução, por causa da ‘alta prioridade ligada a meticulosos padrões de
precisão que, assim como tinha um valor moral intrínseco, era um pré-
requisito para passar no crescente número de avaliações formais escritas
que cresceram durante o século’ (Howatt 1984:132).
6. A gramática é ensinada dedutivamente – ou seja, pela apresentação e
estudo de regras gramaticais, que o então praticadas através dos
exercícios de tradução. Na maioria dos textos de Gramática e Tradução,
um resumo era colocado em seguida para ordenar os pontos gramaticais
através do texto, e havia uma intenção de ensinar a gramática de um
modo sistemático e organizado.
7. A língua materna do estudante é o meio de instrução. É usada para explicar
novos itens e para permitir comparações a serem feitas entre a língua
estrangeira e a língua materna do estudante. (1993:03/04).
23
23
Todas as traduções, quando não houver referência do tradutor, são de minha autoria. O original estará
em nota:
“1. The goal of foreign language study is to learn a language in order to read its literature or in order to
benefit from the mental discipline and intellectual development that result from foreign-language study.
Grammar Translation is a way of studyind a language that approaches the language first through detailed
analysis of its grammar rules, followed by application of this knowledge to the task of translating
sentences and texts into and out of the target language. It hence views language learning as consisting of
little more than memorizing rules and facts in order to understand and manipulate the morphology and
syntax of the foreign language. ‘The first language is maintained as the reference system in the
acquisition of the second language’ (Stern 1983:455).
2. Reading and writing are the major focus; little or no systematic attention is paid to speaking or
listening.
3. Vocabulary selection is based solely on the reading texts used, and words are taught through bilingual
word lists, dictionary study, and memorization. In a typical Grammar-Translation text, the grammar
rules are presented and illustrated, a list of vocabulary items are presented with their translation
equivalents, and translation exercises are prescribed.
4. The sentence is the basic unit of teaching and language practice. Much of the lesson is devoted to
translating sentences into and out of the target language, and it is this focus on the sentence that is a
distinctive feature of the method. [...]
5. Accuracy is emphasized. Students are expected to attain high standards in translation, because of ‘the
high priority attached to meticulous standards of accuracy which, as well as having an intrinsic moral
value, was a pre-requisite for passing the increasing number of formal written examinations that grew up
during the century’ (Howatt 1984:132).
6. Grammar is taught deductively that is, by presentation and study of grammar rules, which are then
practiced through translation exercises. In most Grammar-Translation texts, a syllabus was followed for
the sequencing of grammar points throughout a text, and there was an attempt to teach grammar in an
organized and systematic way.
7. The student’s native language is the medium of instruction. It is used to explain new items and to
enable comparisions to be made between the foreign language and the student’s native language
(1986:03/04)”.
40
Observamos que os autores, Leffa e Richards & Rodgers, destacam características
semelhantes da Abordagem da Gramática e da Tradução, embora os últimos a tratem como
um método. Porém, como alerta Pedroso (2006)
24
, os dois últimos autores não consideram
apropriado o recurso à tradução em uma abordagem comunicativa. Segundo Pedroso, isto
acontece porque Richards & Rodgers não desvinculam a tradução dos objetivos da AGT,
abordagem criticada por eles ao longo de sua obra. Ao entenderem a leitura e a escrita como
objetivos principais do recurso à tradução, consideram que este tipo de exercício é usado para
ensinar vocabulário e aspectos gramaticais através da referência à língua materna. De acordo
com Pedroso, os objetivos de caráter pragmático da abordagem comunicativa rejeitam quase
que totalmente as considerações metalinguísticas e as comparações com a língua materna,
com exceção de casos extremos, por isso, o recurso à tradução não é bem visto por esta
abordagem. No entanto, o autor entende que recorrer à língua materna do aluno é lícito, pois
“interpretar é um gesto meta e traduzir se processa nessa dimensão, ora como exercício
explícito em ambiente pedagógico, ora como recurso que nos impõe a LM
25
sem pedir
permissão porque está no comando e toda exterioridade nos chega por sua mediação”
(2006:66). Assim, longe de ser rejeitada, a língua materna é o ponto de partida e o ponto de
chegada do percurso para a aprendizagem de uma língua estrangeira.
Sobre a AGT, Pedroso afirma que esta não representava uma incongruência
pedagógica, mas uma abordagem coerente com os objetivos para os quais foi concebida: a
leitura e a escrita, partindo principalmente de textos teológicos, litúrgicos e literários.
Malmkjaer afirma, na introdução de Translation & language teaching / Language
teaching & translation, que as críticas ao uso da tradução no ensino de línguas estrangeiras
foram levantadas inicialmente no século XIX, sendo reiteradas nos anos 60 e 70 por aqueles
que acreditavam que os métodos de ensino de línguas deveriam ser diretos, naturais e
comunicativos. De fato, o que se criticava era a abordagem que Leffa (1988) denomina AGT.
Segundo Malmkjaer, esta
foi planejada como um meio de ensinar línguas modernas em escolas
secundárias na Prússia no fim do século XVIII (Howatt 1984:131)
baseado no chamado método escolástico tradicionalmente usado por
indivíduos estudando a forma escrita de uma língua independentemente, e
24
PEDROSO, Sergio Flores. Tradução e ensino de línguas não-maternas. Letras & Letras. Uberlândia, v.22,
n.1, p. 51-72, jan./jun. 2006.
25
LM = língua materna.
41
também para o ensino de Latim e Grego em escolas de gramática […]
(1998:02).
26
O aluno estudava a gramática de uma língua e lia seus textos com a ajuda de um
dicionário e de uma gramática e, posteriormente, fazia a tradução destes textos. A autora
afirma que este tipo de abordagem funcionou bem para aqueles que intentavam aprender a ler,
e continua funcionando para algumas pessoas. O primeiro curso neste estilo em inglês foi
publicado em 1793 por Fick – que seguiu o modelo de um curso em francês de Meidinger – e,
para facilitar o aprendizado, utilizava a tradução de frases individuais (não de textos inteiros),
sendo que os exemplos da gramática eram especialmente confeccionados para explicar o
ponto gramatical que estava sendo trabalhado. Malmkjaer ainda explica que este método se
propagou quando as universidades de Cambridge e Oxford estabeleceram um system of public
examinations. O objetivo era fixar o estudo das línguas modernas nos currículos, e, para que
estas tivessem o mesmo status que as línguas clássicas, pensou-se que deveriam ser ensinadas
pelo mesmo tipo de abordagem, a da gramática e tradução. Segundo Malmkjaer, o Reform
Movement, que veio criticar esta abordagem, baseou-se em três princípios: “a primazia da fala;
a importância do texto ligado ao ensino e aprendizagem; a prioridade da metodologia oral na
sala de aula” (1998:03).
27
O uso de sentenças isoladas foi desaconselhado, especialmente nos
exercícios de tradução.
Em seguida, a AGT passou a ser criticada pelos novos métodos de ensino, como
Natural Method, Conversation Method, Direct Method, Communicative Approach, que se
baseavam no pressuposto de que aprender a falar uma língua estrangeira não é um processo
racional, e sim um processo intuitivo, para o qual as pessoas têm uma aptidão natural.
Malmkjaer destaca alguns argumentos contra o uso da tradução no ensino de línguas, que
resumimos em: a tradução é independente e difere das quatro habilidades que definem a
competência em uma língua; não é natural; o tempo gasto para traduzir poderia ser usado para
exercitar qualquer uma das quatro habilidades; leva os estudantes a associar equivocadamente
expressões das duas línguas; priva os estudantes de pensarem na língua estrangeira; é
apropriada para ensino de tradução, não de línguas. Porém, a autora pensa que o nível de
verdade de cada uma dessas proposições depende do tipo de tradução de que se está falando,
26
“had been devised as a way of teaching modern languages in secondary schools in Prussia at the end of the
eighteenth century (Howatt 1984:131) on the basis of the so-called scholastic method traditionally used by
individuals studying the written form of a language independently, and also for teaching Latin and Greek in
grammar schools […].” (1998:02).
27
“the primacy of speech; the importance of connected text in teaching and learning; the priority of oral
classroom methodology” (1998:03).
42
da forma como esta é apresentada aos alunos, e dos textos escolhidos para tal tarefa. Ela ainda
salienta que a tradução é uma habilidade diferente das outras quatro, pois envolve a
capacidade de relacionar dois sistemas linguísticos apropriadamente.
Em artigo incluído na obra de Malmkjaer, Schäffner
28
, citando Sewell e Higgins,
afirma que abordagens que se pautam no método comunicativo de ensino de línguas
consideram, muitas vezes, a tradução como contraprodutiva no processo de desenvolvimento
de proficiência em língua estrangeira. Porém, a autora elenca seis aspectos aos quais a
tradução como exercício pedagógico pode trazer benefícios: 1) aperfeiçoamento da agilidade
verbal; 2) ampliação do vocabulário na língua estrangeira; 3) desenvolvimento do estilo da
escrita do aluno; 4) melhoria no entendimento de como as línguas funcionam; 5) consolidação
das estruturas gramaticais da língua estrangeira para um uso ativo; 6) monitoramento e
melhora na compreensão da língua estrangeira. Para Schäffner, alguns desses benefícios são
conseguidos tanto com a tradução quanto com a versão. os benefícios de número quatro,
especialmente, e os de número três e cinco, são conseguidos com a comparação dos sistemas
linguísticos da língua materna e da língua estrangeira.
A escolha dos textos a serem traduzidos em sala de aula também é importante. No
volume de Malmkjaer, Weatherby, em artigo, discute esta questão. Para a autora, três pontos
devem ser observados no momento da escolha: 1) os textos devem ser realísticos, o professor
deve situá-los em seu contexto; 2) os textos devem seguir uma sequência, que levará em conta
os objetivos do ensino, indo dos menos complexos problemas de tradução para os mais
complexos; 3) os textos devem ter um nível de dificuldade adequado ao estágio de
aprendizagem no qual se encontram os alunos, e devem poder ser inteiramente traduzidos por
eles.
Schäffer
29
rebate algumas críticas feitas ao uso da tradução no ensino de línguas
estrangeiras. Citando Duff (1989), a autora afirma que ao traduzir o aluno pode observar
nuanças e detalhes da língua estrangeira que ele não observaria em outros tipos de exercícios.
Além disso, a prática da tradução incentiva o aluno a buscar palavras adequadas para
transmitir a mensagem que pretende, contribuindo para que ele se torne um leitor especial que
procura não apenas entender o texto que está lendo, mas também redizê-lo. Schäffer afirma
28
SCHÄFFNER, Cristina. Qualification for Professional translators: translation in language teaching versus
teaching translation. In__: MALMKJAER, Kirsten (ed). Translation & Language Teaching / Language
Teaching and Translation. Manchester: St. Jerome, 1998.
29
SCHÄFFER, Ana Maria de Moura. Reflexões sobre o papel da tradução (mental) no desenvolvimento da
leitura em língua estrangeira. Campinas, 2000. Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual de Campinas,
IEL. Disponível em: http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000213909&fd=y. Acesso em: 10 fev.2008.
43
que, ao contrário do que coloca Malmkjaer (1998), a tradução depende das quatro habilidades
e o aluno estará praticando-as enquanto traduz, pois os comportamentos, habilidades e
componentes cognitivos que operam no processo de produção textual envolvem leitura,
escrita, prática oral e compreensão auditiva para que haja entendimento do texto. Quanto ao
argumento de Malmkjaer de que a tradução pode levar o aluno a associar equivocadamente
expressões das duas línguas, Schäffer alega que
se exercícios de leitura e tradução são desenvolvidos e estudados a ponto
de o aprendiz pensar menos em termos de reprodução e/ou cópia, e mais
no modo como as línguas se relacionam, logo evidenciar-se-á para os
aprendizes que traduzir é muito mais um processo em operação constante,
não entre duas línguas separadas, mas segundo Jakobson (1970),
dentro de uma mesma língua também” (2000:21).
O que será levado em conta na relação entre as duas nguas, de acordo com Schäffer,
não é a correspondência entre uma e outra, mas se os contextos estão sendo considerados
durante o processo de construção do sentido, o que demandará mais atenção dos alunos tanto
na compreensão e leitura do texto, quanto na produção e escrita da tradução.
Sobre o papel da língua materna na aprendizagem de uma nova língua, Schäffer
posiciona-se de maneira semelhante a Pedroso (2006). Para a autora, a língua materna
fundamenta a experiência do aprendiz com outras línguas, e talvez isto explique o uso do
recurso da tradução por parte dos alunos para esclarecer suas dúvidas e inseguranças
relacionadas à outra língua. Portanto, é inevitável não recorrer à língua materna em algum
momento, até porque isso ajuda a minimizar o estranhamento do aprendiz.
Segundo Oliveira (2001), a revolução cultural ocorrida na segunda metade do século
XX, centrada na comunicação eletrônica, fez com que os conteúdos e as disciplinas do
currículo escolar fossem revistos, a fim de que o ensino se adaptasse às novas tecnologias. No
âmbito da Linguística
a mudança de ponto de vista resultou na substituição de uma visão de
língua meramente estrutural, centrada na modalidade escrita e distante da
realidade do falante e da situação de uso, por uma visão social que busca
compreender o fenômeno da linguagem a partir de sua observação no uso
quotidiano dos falantes (2001: n. p.).
Uma das consequências desta mudança foi a revisão do ensino das línguas maternas e
estrangeiras, o que causou mudanças também nos manuais e livros didáticos, que, atualmente,
ainda buscam novos métodos e técnicas. Até mais da metade do século XX, tanto o ensino da
44
língua materna (na modalidade escrita) quanto no das línguas estrangeiras (nas modalidades
escrita e falada) partia-se do estudo da gramática, para somente depois recorrer ao texto.
Segundo Oliveira, proceder deste modo significa inverter o processo natural de aquisição da
linguagem, “de acordo com o qual é a imersão do indivíduo na língua e sua exposição
constante à fala que permitem a paulatina sistematização dos usos e a conseqüente formação
de uma gramática” (2001: n.p.). Partindo-se desta perspectiva, a aprendizagem da língua
escrita deveria partir do texto, porém esta não foi a prática corrente durante muitos séculos.
Com o surgimento e a consolidação da Linguística, perceberam-se os “erros” que até
então estavam sendo cometidos no ensino das línguas. O emprego de princípios desta
disciplina no ensino, segundo Oliveira, fez surgir uma nova, a Linguística Aplicada, que se
preocupou em primeiro lugar com o ensino das línguas estrangeiras modernas, e,
posteriormente, com o ensino da língua materna. Porém, afirma o autor que, em relação ao
ensino das línguas clássicas, a aplicação das contribuições da linguística tem sido
extremamente lenta. Oliveira sugere algumas razões para este atraso:
É possível atribuir-se esse comportamento à peculiaridade do ensino
dessas línguas, em cujo estudo não se inclui o desenvolvimento das
habilidades da escrita, da fala ou da compreensão auditiva, restrito que
está à leitura, o que, aliás, de outra perspectiva pode ser considerado uma
vantagem (2001: n.p.).
Segundo o autor, durante muito tempo o ensino de línguas estrangeiras clássicas e
modernas teve o mesmo tipo de problemas, que se relacionavam ao fato de que o ensino partia
do sistema para a língua, tornando a aquisição dos elementos sistêmicos estanque. No caso das
línguas modernas, primeiro se aprendia a fonologia, depois a morfologia, e por último a
sintaxe; no caso das clássicas, primeiro a primeira declinação, depois a segunda, e assim por
diante. Para o autor, esse problema tem sido aos poucos sanado no caso do ensino das línguas
maternas e estrangeiras modernas, porém, no caso das línguas clássicas ainda muito a ser
resolvido. Para Oliveira “há duas questões básicas a serem enfrentadas: a primeira diz respeito
à didática, a outra se refere à definição do lugar que cabe (e se cabe algum) na escola ao
ensino dessas línguas” (2001: n.p.). Em relação à didática, o autor pensa que o ensino das
línguas clássicas ainda encontra dificuldades para se livrar de uma metodologia tradicional
que se fundamenta na perspectiva da gramática (sistema) > língua, e que destaca a
memorização como instrumento pedagógico.
45
1.4 Teóricos da tradução
Neste subcapítulo apresentaremos as ideias de três autores, Mounin, Yebra e Berman,
a respeito da tradução em geral e da tradução de línguas antigas. Após a exposição das ideias
desses autores e da análise dos manuais, refletiremos sobre se a tradução de línguas antigas,
mais especificamente do latim, teria particularidades que justificariam um lugar específico
para esta dentro dos Estudos da Tradução.
1.4.1 A tradução de línguas antigas
Em Os problemas teóricos da tradução (1975), Georges Mounin reúne diversas teorias
linguísticas sob o ponto de vista da tradução. O autor ainda não a disciplina de Estudos da
Tradução como independente, mas como ligada à linguística
30
: “O nosso propósito até agora
foi, portanto, fundamentar o direito que tem a tradução de figurar, como problema lingüístico
digno de nota, num tratado de lingüística geral” (1975:209). Ao mesmo tempo, Mounin afirma
que não se deve encerrar a tradução dentro das fronteiras da linguística.
O tradutor, segundo este autor, não deve conceber a tradução como mera operação
linguística. É possível traduzir o latim somente através de sua gramática, sem um estudo da
cultura latina? Para Mounin, esta operação se revela impossível. Sua definição de tradução é:
“uma operação sobre fatos a um tempo lingüísticos e culturais, mas cujos pontos de partida
e de chegada são sempre lingüísticos” (1975:215). Mounin afirma que está retomando uma
ideia que estava nos tradutores greco-latinos como Cícero: para traduzir o sentido não basta
conhecer a língua, é necessário conhecer igualmente as coisas a que o texto se refere.
Os fatos culturais são explorados por Mounin na quinta parte de sua obra, Civilizações
múltiplas e tradução. Nesta, o autor afirma que toda língua pode ser descrita como um sistema
algébrico de relações e de correlações formais. A tradução, porém, não pode ser reduzida a
“problemas de conversões algébricas formais, à passagem mecânica das fórmulas lingüísticas
de um sistema (o russo, por exemplo) para as fórmulas lingüísticas de um outro sistema (o
30
Os Estudos da Tradução, como disciplina, foram estabelecidos por Holmes, em The name and nature of
Translation Studies (1988). Neste texto, o autor caracteriza a disciplina como independente e empírica, com dois
grandes objetivos: descrever o fenômeno da tradução como este se manifesta no nosso mundo, e estabelecer
princípios gerais pelos quais este fenômeno pode ser prognosticado e explicado. Holmes ainda apresenta no
mesmo texto um mapa dos principais ramos dos Estudos da Tradução.
46
francês)” (1975:209). Isso porque uma parte da língua que pode ser redutível a um sistema
– a morfologia e a sintaxe – constituindo-se, assim, em uma espécie de álgebra. No entanto, há
outra parte o léxico que resiste a tal tratamento, e a estruturação formal e completa do
mesmo, segundo o autor, ainda não existe. Mounin explica que os próprios matemáticos
sugerem que o limite estabelecido para o emprego da expressão sistema algébrico, talvez seja
de natureza lógica, e que a matemática formal “é uma espécie de modelo vazio que adquire
a plenitude de sua validade quando verificado num mundo de significações” (1975:210), no
mundo das verificações, no qual valores aritméticos (numéricos) são atribuídos aos signos e
símbolos algébricos.
Mounin explica as ideias de Bar-Hillel para as fórmulas anteriores, de que, os modelos
matemáticos, que descrevem de modo abstrato os fenômenos da física, devem apoiar-se em
regras de correspondência com a realidade física concreta, pois a teoria em si mesma, despida
das regras de correspondência, constitui um cálculo não-interpretado. Apenas com a união
das regras de correspondência, os termos teóricos adquirem uma significação e podem ser
interpretados, tornando-se a linguagem teórica um meio de comunicação. Para Mounin, “a
lingüística descritiva moderna (a estrutural, a distribucional) obtém, ou poderia obter fórmulas
vazias, morfológicas e sintáticas desse mesmo tipo: pode-se dizer que elas refletem a estrutura
das línguas como cálculos não-interpretados (1975:211). As fórmulas só se tornam
significantes se lhes forem atribuídos valores concretos que as conectem ao mundo da
experiência não-linguística, assim, para Mounin, o léxico está para a linguística descritiva
formal como a aritmética está para a álgebra. Neste sentido, o autor demonstra ser possível ter
duas leituras linguísticas isoladas de um texto: a das estruturas formais não-interpretadas e a
das estruturas formais interpretadas por adição de valores semânticos. Mounin dá cinco provas
de que essas duas leituras seriam possíveis isoladamente: 1) línguas ainda insuficientemente
decifradas; 2) aprendizagem de línguas estrangeiras conhecimento praticamente completo
do sistema morfológico e sintático, porém conhecimento insuficiente do vocabulário; 3)
gírias; 4) jogos literários (ex.: Guimarães Rosa); 5) ‘Eu sei francês consegue-se ler a
estrutura formal, mas não uma compreensão total da sentença por não se dominar os
valores semânticos que a tornariam plenamente significante.
Na sua perspectiva, a tradução não pode permanecer no domínio do cálculo o-
interpretado, e sim deve atribuir valores semânticos concretos às fórmulas vazias, pois o
material e o produto final de qualquer tradução representam significações. Há, segundo
Mounin, duas vias de acesso às significações: a linguística e a etnográfica. O autor considera
etnografia a “descrição completa da cultura total de uma determinada comunidade”,
47
entendendo como culturas “o conjunto de atividades e de instituições através das quais essa
comunidade se manifesta” (1975:214). Baseado nesta definição, Mounin endossa a tese de
Trager: “as relações entre a linguagem e cada um dos outros sistemas culturais conterão todas
as significações das formas lingüísticas e constituirão a metalingüística dessa cultura” (idem).
Portanto, é necessário para o tradutor não apenas conhecer a língua a ser traduzida, mas
também, e em igual medida, estudar a etnografia da comunidade dessa mesma língua: “todo
tradutor que, de mil maneiras empíricas, não se tenha transformado em etnógrafo da
comunidade cuja língua traduz, é um tradutor incompleto” (1975:219).
Mas no caso do latim, o acesso às significações por meio da etnografia se revela
impossível, pois se trata da tradução de textos produzidos por uma civilização não mais
existente. A solução, segundo Mounin, está em “recorrer à história como descrição etnográfica
do passado e particularmente como exploração etnográfica empreendida por uma civilização
sobre o seu próprio passado” (1975:221). Assim, o tradutor passa de etnógrafo a filólogo.
Mounin afirma que:
a filologia constitui uma pré-edição do texto a ser traduzido (no sentido
de que ela traz para esse texto, em suas edições críticas, esclarecimentos
quanto às informações não-explícitas por ele veiculadas), assim como
uma pós-edição desse mesmo texto (no sentido de que ela acrescenta ao
texto, original ou traduzido, notas que completam o acesso às
significações) (idem).
Filologia, na sua perspectiva, é uma etnografia não-orgânica do passado.
Por isso, pode-se afirmar novamente que é possível compreender as relações formais
que constituem o sistema linguístico de uma língua (estrutura lexicológica, morfológica,
sintática) sem atingir os significados. A compreensão destes seria possível mediante outra
operação: “o conhecimento das relações arbitrárias, através do tempo, desta vez, dos mesmos
signos com seus significados sucessivamente diferentes” (1975:224). Mounin retira de Bréal
um exemplo de como resultaria a tradução sem o conhecimento histórico:
Suponhamos, diz Bréal, que para conhecer as magistraturas romanas
contamos com a etimologia e não com a história de termos como
cônsules (os que tomam assento juntos), praetor (o que caminha na
frente), tribunus (o homem da tribo), etc.: nós leríamos os textos latinos,
sem entretanto, os compreender (1975:215).
48
Dentro desta perspectiva, o autor declara que compreender o latim significaria não
saber a língua latina, mas também conhecer a história do mundo latino, tarefa do tradutor-
filólogo. A análise feita das operações executadas sob o rótulo de filologia permite concluir,
mais uma vez, que as operações de tradução têm uma natureza dupla, e que se pode
compreender, nos textos referentes ao passado, os significantes sem compreender os
significados.
Compreender os significantes sem compreender os significados é
compreender tudo aquilo que é posto ao nosso alcance pelas relações
formais que constituem o sistema lingüístico de uma língua, sua estrutura:
lexicológica, morfológica, sintática o que pode ser feito sem atingir os
significados. A compreensão dos significados, somada à anterior, é
acessível graças a uma outra operação: o conhecimento das relações
arbitrárias, através do tempo, desta vez, dos mesmos signos com seus
significados sucessivamente diferentes (1975:224).
Yebra (1994), em artigo anteriormente citado, também explora problemas específicos
da tradução de línguas antigas, especialmente do latim. Segundo o autor, a tradução de línguas
clássicas se distingue da tradução de línguas modernas pelo seu valor como instrumento para a
aprendizagem da língua que se traduz. Para Yebra, a prática da tradução deve ser o
instrumento didático mais recorrente no ensino do latim, sem que seja concebida, ao mesmo
tempo, como um simples instrumento, mas com um fim em si mesma.
Segundo o autor, a aprendizagem da tradução, em geral, demanda três coisas:
naturaleza, enseñanza e ejercicio. Já o processo da tradução compreende duas fases: a
compreensão e a expressão. Durante a leitura do original o texto começa a sofrer a influência
do tradutor e a não ser mais o mesmo, o leitor realiza inconscientemente uma rápida análise
semântica, que consta de uma análise léxico-morfológica e morfossintática, e ainda outra
pragmática. Quando algum trecho não é imediatamente compreendido, o leitor necessita, com
frequência, recorrer conscientemente a alguma ou a todas aquelas análises. A leitura de textos
latinos, segundo Yebra, demanda em especial o recurso às análises, as quais, para serem
executadas, pedem um grande conhecimento do léxico, das estruturas gramaticais e da
realidade linguística da língua por parte do leitor. E essas mesmas análises se desenvolvem na
mente do tradutor habituado aos textos latinos com muita rapidez, e, poucas vezes, tornam-se
conscientes. O erro em algumas dessas análises pode resultar numa compreensão inexata do
texto latino, e, consequentemente, numa tradução equivocada. Por isso o tradutor deve ser,
antes de tudo, um bom leitor.
49
Uma das dificuldades na tradução do latim, segundo o autor, é o caráter sintético desta
língua. A ausência de artigos é uma das características que podem confundir o tradutor. Um
exemplo seria a frase de César, de Guerra das Gálias: quod ex ea ciuitate Orgetorigis filiam
in matrimonium duxerat. Duas traduções são linguisticamente possíveis: Porque havia se
casado com a filha de Orgetórix, que era daquele país” ou “Porque havia se casado com uma
filha de Orgetórix, que era daquele país”. Para traduzir esta frase corretamente, o tradutor
precisa saber se Orgetórix tinha somente uma filha ou mais de uma. Por isso, Yebra afirma
que é importante ler toda a obra antes de traduzir o trecho escolhido, pois ela mesma pode
conter a resposta que o tradutor precisa.
Outra fonte de dúvidas são a polissemia léxica, morfológica e sintática. A polissemia
se dá em todas as línguas naturais, e, para o tradutor, é indiferente que a ambiguidade proceda
de uma autêntica polissemia (uma mesma palavra contém vários significados) ou de
homonímia (duas ou mais palavras compartilham um mesmo significante), a dificuldade é a
mesma. Encontrada uma ambiguidade, o tradutor pode conservá-la ou eliminá-la na tradução.
Segundo Yebra, para decidir entre uma ou outra atitude, o tradutor deve considerar: a) se a
ambiguidade do original é involuntária ou voluntária; b) se involuntária, perguntar-se se a
ambiguidade enriquece a mensagem; c) se é claramente involuntária e causa algum tipo de
confusão na leitura. Se a ambiguidade corresponder ao primeiro caso, o tradutor deve
conservá-la. No segundo caso, o tradutor deve fazer o possível para mantê-la, para que o leitor
possa decidir sobre a interpretação do trecho. Se a ambiguidade causa confusão, a atitude a ser
adotada pelo tradutor é discutível. No caso da ambiguidade não poder ser reproduzida na
língua de chegada, ele deve recorrer à nota de rodapé.
Sobre a tradução de poesia, Yebra explora dois problemas principais: a reprodução das
aliterações e sua tradução, se em verso ou em prosa. Sobre as aliterações, o tradutor deve
reproduzí-las quando possível, fazendo uso dos recursos da língua de chegada. sobre o
modo como se deve traduzir os versos, Yebra declara que a prosa possibilitará mais fidelidade
ao sentido, e o verso manterá o ritmo; ao mesmo tempo, a prosa destrói o ritmo, o verso
arruína a exatidão. Uma solução para a tradução dos hexâmetros clássicos seriam os versos
livres, porém, para Yebra, uma boa tradução poética em prosa é melhor que uma tradução
em verso. Entretanto, uma boa tradução em verso é melhor que uma boa tradução em prosa, e,
ainda melhor que estas seria uma boa tradução em versos livres, sendo que o tradutor deve ser,
antes de tudo, fiel ao conteúdo do original.
50
Por fim, Yebra conclui dizendo que “a regra de ouro para toda tradução é, na minha
opinião, dizer tudo que disse o original, não dizer nada que o original não diga, e dizer tudo
com a correção e naturalidade que permita a língua em que se traduz” (1994:344)
31
. A
concepção de tradução de Yebra não é isenta de questionamentos por outras linhas teóricas,
que concebem a prática da tradução de outra forma. Mas a presença deste pensador aqui em
nosso trabalho deve-se a que é um dos poucos que atualmente tem expressado uma
perspectiva da tradução do latim para nossos dias.
1.4.2 A tradução e a letra
Antoine Berman em A tradução e a letra ou o albergue do longínquo critica as teorias
tradicionais que concebem o ato de traduzir como um resgate estetizante do sentido, e analisa
algumas traduções “literais” que considera “grandes”, sendo que, para este autor, traduzir
literalmente não significa aquilo que os espanhóis chamam de uma traducción servil, e sim a
tradução do texto enquanto letra. Segundo o autor, a grande maioria das traduções se desvia
da relação literal com a letra, enquanto que as teorias da tradução condenam a chamada
tradução palavra por palavra, ou o literalismo. Tais teorias são, segundo Berman, o
“epifenômeno” de uma figura predominante na tradução ocidental. Esta se caracteriza por três
traços: culturalmente falando, é etnocêntrica; literariamente, é hipertextual; e, filosoficamente,
é platônica. Estes traços ocultam o que seria uma essência mais profunda da tradução: a ética,
a poética e o pensante, que se definem em relação à letra, que é, por sua vez, seu espaço de
jogo. Para chegar a esta essência mais profunda, Berman afirma que é necessário operar uma
destruição da figura tradicional da tradução, precedida de uma análise do que por destruir.
Esta análise é denominada por ele analítica da tradução e critica esta mesma tradição
etnocêntrica, hipertextual e platônica.
O autor se detém na tradução etnocêntrica e hipertextual (deixa de lado a questão do
platonismo), que, segundo afirma, são as formas consideradas normais e normativas de
tradução. Deve-se entender etnocêntrico como o que traz tudo à sua própria cultura, às suas
31
“la regla de oro para toda traducción es, a mi juicio, decir todo lo que dice el original, no decir nada que el
original no diga, y decirlo todo con la corrección y naturalidad que permita la lengua a la que se traduce”
(1994:344).
51
normas e valores. hipertextual quer dizer qualquer texto concebido por uma transformação
formal a partir de um texto já existente, seja por imitação, plágio, pastiche, paródia ou
adaptação. Essas relações hipertextuais estão, do ponto de vista formal, muito próximas da
tradução. A tradução etnocêntrica e hipertextual, segundo o autor, nasceu em Roma. Passado o
período em que os autores latinos escreviam em grego, veio outro em que uma tradução
massiva de textos gregos, através da anexação sistemática dos textos, das formas e termos
gregos, e que é o fundamento da literatura latina, como vimos no início deste capítulo. “Mas
os sentidos, como que capturados, trasladou-os à sua língua, como um direito de vencedor”,
“não traduzir uma palavra a partir de outra palavra, mas o sentido a partir do sentido”
(2007:31): estas duas frases de São Jerônimo são citadas por Berman como sendo a concepção
da tradução que se tornou canônica no Ocidente.
O sentido, na perspectiva da tradução etnocêntrica e hipertextual, é considerado como
um ser em si, que a tradução faz passar de uma língua a outra. A captação platônica do sentido
é etnocêntrica, segundo Berman, pois parte do pressuposto de que traduzir é apreender o
sentido, separá-lo de sua letra, “a fidelidade ao sentido é obrigatoriamente uma infidelidade à
letra” (2007:32). E, nessa concepção, ser infiel à letra estrangeira significa ser fiel à sua
própria letra, por isso Berman alega que “a captação do sentido afirma sempre a primazia de
uma língua” (2007:33), pois o sentido da obra estrangeira deve submeter-se à língua de
chegada. A primazia do sentido é a essência da tradução etnocêntrica.
Os dois princípios desse tipo de tradução apontados por Berman são: a obra estrangeira
deve ser traduzida de modo que não se “sinta” a tradução, e esta deve ser feita de maneira que
se tenha a impressão de que é desta forma que o autor estrangeiro teria escrito se o tivesse
feito na língua para a qual se traduz. Isto quer dizer que as marcas da língua de origem devem
ser apagadas, ou pelo menos restringidas, de forma que o leitor não se choque com
estranhamentos lexicais ou sintáticos. A língua da tradução neste caso é normativa, e tenta
causar no leitor de chegada a mesma impressão que foi causada no leitor de origem. A
consequência destes dois princípios é, segundo Berman, a intervenção massiva da literatura,
pois, para que não se sinta a tradução como tradução, recorre-se a procedimentos literários,
pois uma boa tradução, tem que ser escrita em “bom francês”, ou seja, em francês clássico,
para que o leitor não sinta que está lendo uma tradução. Este é o ponto no qual a tradução
etnocêntrica torna-se hipertextual.
O autor esboça então sua analítica da tradução, que diz respeito às forças deformadoras
que se exercem no domínio da prosa literária, que, “pelo fato de captar, condensar e mesclar
todo o espaço polilingüístico de uma comunidade” (2007:46), acaba se caracterizando por
52
uma certa informidade. Esta seria, segundo Berman, característica da grande prosa. Pelo fato
de o prosador ter de lidar com uma grande massa linguística, ele acaba tendo um certo não-
controle sobre sua escrita, e, “quanto mais o objetivo da prosa é total, tanto mais esse não-
controle é manifesto [...]” (2007:47). Essa massa linguística traz questões específicas à
tradução, tornando-se o principal problema desta “respeitar a polilogia informe do romance e
do ensaio” (2007:47).
As tendências deformadoras “formam um todo sistemático, cujo fim é a destruição,
não menos sistemática, da letra dos originais, somente em benefício do sentido’ e da ‘bela
forma’” (2007:48). O pressuposto para essa analítica, segundo Berman, é o de que o que
constitui a prosa é ao mesmo tempo rejeitar essa “bela forma” e o sentido, mascarando este
pela automização da sintaxe.
Estas tendências seriam treze, que, segundo o autor, dizem respeito a toda tradução,
qualquer que seja a língua, pelo menos em espaço ocidental: a racionalização; a clarificação;
o alongamento; o enobrecimento; o empobrecimento qualitativo; o empobrecimento
quantitativo; a homogeneização; a destruição dos ritmos; a destruição das redes significantes
subjacentes; a destruição dos sistematismos; a destruição ou a exotização das redes de
linguagens vernaculares; a destruição das locuções; o apagamento das superposições de
línguas. A tradução governada pelas forças e tendências apresentadas é, para Berman,
fundamentalmente iconoclasta. Em lugar de a letra absorver o sentido, este tipo de tradução
faz com que das ruínas da letra deslocada brote um sentido “mais puro”.
Finalmente, o autor analisa as traduções de Hölderlin, Chateaubriand e Klossowski.
Analisar a tradução deste último, segundo Berman, o é somente analisar o como, mas
também o porquê. Por um lado, afirma Berman, as traduções de Klossowski de Eneida e
Odisseia inspiraram duas das mais ambiciosas obras da literatura moderna, A morte de
Virgílio e Ulisses, portanto, aqueles textos não apenas continuam a influenciar, mas a
literatura moderna teve de “haurir” desta fonte. Por outro lado, no século XX uma
necessidade de reaproximação da origem, caracterizada por um grande movimento de
retradução, que é, segundo o autor, sempre e em primeiro lugar um movimento histórico. Esta
retradução moderna é, para Berman, uma memória repatriante. Estas obras foram sempre
traduzidas livremente, adaptadas, imitadas, porém isto, no século XIX, sofreu o que Berman
chama de um duplo afundamento, causado, de um lado, pela ruptura crescente da literatura, e
de outro, pela crescente dominação da filologia sob estes textos.
A filologia, de acordo com Berman, além de estabelecer e fixar os textos, também
publica traduções críticas que procuram restaurar o sentido dos textos, sem ambição literária.
53
Desta forma, as outras traduções que não tinham bases “científicas” passaram a ser
menosprezadas no sentido de que não situavam o leitor historicamente, não restituíam o
sentido da obra, como as edições filológicas, que passaram a dominar o acesso aos textos
clássicos. Este domínio da filologia, segundo Berman, “se revelou fatal para nossa relação
com as obras clássicas, porque produziu traduções fundamentalmente não legíveis. [...] Pois o
conhecimento ‘exato’ de uma obra e de uma língua não habilita em absoluto à tradução e ao
comentário” (2007:112). O movimento de retradução do século XX tenta se aproveitar das
contribuições positivas da filologia, porém em conformidade com as obras e sua relação com a
língua em que foram escritas.
A tradução de Klossowski levanta uma questão importante para a tradução do latim,
abordada por Berman, a da ordem da frase, pois tanto o francês, língua de Berman, quanto o
português são línguas analíticas, nas quais a ordem das palavras não é livre e obedece a certas
regras. Sobre esta questão, o autor evoca Foucault, que diz: “a frase latina [...] pode obedecer
a duas ordens: a da sintaxe, que as declinações tornam sensível; e a outra, puramente plástica,
que uma ordem das palavras sempre livre, mas nunca gratuita, revela” (2007:115). Em
decorrência desses fatos, o tradutor se vê diante de um impasse: de um lado, traduzir a frase na
ordem em que as palavras aparecem resultaria um texto ininteligível na língua de chegada; de
outro, colocar a frase numa ordem direta, canônica, deforma a letra do original, pois, como
afirmou Foucault, a ordem na frase latina é livre embora não gratuita. Berman encontra a
solução para este problema na já citada tradução de Klossowski da Eneida, de Virgílio.
Para o autor, a tradução de Klossowski é uma das “grandes traduções literais”
existentes. O calco
32
, para este tradutor, era obviamente impossível, por isso o que Klossowski
fez foi ater-se à textura do original e sugerir o jogo de palavras latinas virgilianas. Sua
tradução se afasta do original, mas a impressão de ser literal, distinguindo, segundo
Berman, dois planos: o primeiro é o modo geral da tradução, com uma forte latinização do
francês; e o segundo é aquele no qual a latinização acontece sem ser um calco, que violentaria
a língua de chegada. A solução está em reproduzir globalmente o jogo das rejeições, inversões
e deslocamentos do latim, de modo que estes elementos “estranhos” aconteçam, mas em um
lugar aceitável pela língua de chegada. Berman afirma que o ponto essencial é “procurar na
frase francesa as malhas, os buracos por onde ela pode acolher – sem demasiada violência [...]
a estrutura da frase latina” (2007:121), o que será possível se o tradutor procurar o não-
normatizado em sua língua.
32
Costa (1988), em artigo anteriormente citado, baseando-se em Vinay e Dalbernet (1958), define calco como
“traduz-se a forma estrangeira. Exemplo: Mise-en-scène = Puesta en escena” (1988:287).
54
2 MANUAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA LATINA
Neste capítulo os manuais escolhidos serão cronologicamente descritos e analisados
individualmente sob a perspectiva das teorias apresentadas no capítulo anterior. Em relação às
descrições, procuramos trazer aqui principalmente as questões sobre tradução, descartando
alguns pontos específicos sobre a gramática da língua que não intentamos analisar neste
trabalho. Por esta razão, algumas descrições e análises são mais extensas que outras, pois
certos manuais possuem mais elementos que nos interessam neste trabalho. Buscamos fazer
uso de vocabulário e tom equivalentes aos dos respectivos autores, de forma que o leitor possa
perceber se os manuais são prescritivos ou não. Sobre a análise, abordamos algumas questões
que são retomadas e discutidas, juntamente com outras, no capítulo seguinte.
55
2.1 Grammatica Latina – A. Pinto
Por conta do estado de conservação da obra, o foi possível encontrar sua data de
publicação, e, apesar das pesquisas feitas, também não se conseguiu obter este dado. No
entanto, o autor afirma em sua Advertência, no início da obra, que sua Grammatica veio
atender às diretrizes da reforma do então Ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco de
Campos, que data de 18 de abril de 1931. Portanto, sua publicação é posterior a este ano. Esta
reforma estabeleceu parâmetros para o ensino e admissão no ensino secundário
33
, que deveria
ser ministrado no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro ou em estabelecimentos sob regime de
inspeção oficial. Também ficou estabelecido nesta reforma que o ensino secundário
compreenderia dois cursos seriados: o fundamental e o complementar. No fundamental, a
disciplina de Latim seria ministrada nos dois últimos anos de estudos, na quarta e quinta
séries. O curso complementar se destinaria aos alunos interessados em ingressar em alguma
instituição de ensino superior, e teria a duração de dois anos, com ensino obrigatório de Latim
durante este período para os alunos que desejassem se matricular nos cursos de Direito.
Os capítulos seguintes da obra de Pinto dedicam-se a explicar a gramática do latim,
trazendo exemplos, mas nenhum exercício. A primeira parte se compõe de um capítulo que
versa sobre o Alphabeto latino, e a questão O latim e o português. A segunda parte se intitula
A Palavra, e contém os seguintes capítulos: As flexões casuaes, Dos adjectivos, Pronomes, Do
verbo, Preposições, Advérbios, Conjuncções e Interjeições. Segue então a terceira parte
intitulada A phrase. No capítulo dez o autor afirma: “entre as finalidades do estudo da língua
latina figura, como um dos seus principaes objectivos, a acquisição do habito de pensar
celere, profunda e cuidadosamente (s.d.: 143). No entanto, Pinto alerta que para se colher as
recompensas do estudo do latim é necessário um trabalho perseverante de análise do trecho
que se pretende traduzir.
Este manual partilha de alguns pressupostos teóricos da AGT, Abordagem da
Gramática e da Tradução. Segundo Leffa, conforme visto no primeiro capítulo, o objetivo
final desta abordagem seria levar o aluno a apreciar a cultura e a literatura da língua
estrangeira. Durante seu estudo, acreditava-se que o aluno iria adquirir um conhecimento mais
33
As informações seguintes foram obtidas através do link:
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/5_Gov_Vargas/decreto%2019.890-
%201931%20reforma%20francisco%20campos.htm, acessado em 01/09/2008.
56
aprofundado da sua própria ngua, além de desenvolver sua inteligência e capacidade de
raciocínio.
O modo como o autor apresenta a matéria evidencia que seu manual faz parte daqueles
criticados por Oliveira (2001), cujo artigo apresentamos no primeiro capítulo. Segundo este
autor, durante certo período, o ensino das línguas modernas e das clássicas partilharam dos
mesmos problemas, sendo o principal deles o fato de que o ensino partia do sistema para a
língua, tornando a aquisição dos elementos sistêmicos estanque. O aluno primeiro aprendia a
fonologia, depois a morfologia, seguida da sintaxe, o que é uma prática deste manual: o aluno
inicia o estudo no alfabeto latino, passando para as palavras, as flexões, para então chegar ao
estudo da frase e, por fim, conforme veremos, à sintaxe dos casos.
A ausência de exercícios de tradução é justificada pelo autor por esta ser uma
recomendação do Programa oficial, porém ele não explica que programa seria esse. Ainda
assim recomenda que, sendo um dos objetivos do estudo do latim o conhecimento da
antiguidade clássica, os autores clássicos latinos devem ser traduzidos, devendo o aluno
iniciar com autores como Eutrópio e Fedro, para em seguida passar a traduzir autores como
Virgílio, César, Horácio e Cícero. Em seguida, explica os passos que o aluno deve seguir nos
exercícios de tradução:
Para traduzir um trecho do latim para o português o alumno,
1º - Fará a leitura do trecho, de preferência em voz alta.
- Com o auxílio do Diccionario procurará conhecer o significado dos
vocábulos que se encontrem no trecho, assim como o seu valor
lexicológico.
- Dividirá o período em orações, analysará cada uma dellas,
observando as Regras de Concordância e a Syntaxe dos Casos (s.d.:144).
A tradução é o resultado de uma minuciosa análise sintática. Não preocupação por
parte do autor em abordar possíveis problemas e dificuldades que o aluno pode enfrentar em
tal tarefa. Pinto então apresenta as Regras de Concordância do adjetivo, verbo, predicativo e
pronome relativo. Em seguida versa sobre a Sintaxe dos casos, última parte que trata sobre
gramática da obra. O capítulo onze é dedicado à Literatura Latina, no qual o autor fala sobre a
influência grega na literatura latina, sobre os períodos desta última, dando exemplos de textos
de cada um deles. A última parte, Regulae Juris, traz várias frases relacionadas ao Direito com
suas respectivas traduções, o que pode nos levar a conclusão de que este manual se destinaria
aos estudantes do curso complementar que ambicionavam ingressar na faculdade de Direito.
Um dos aspectos positivos deste manual é a preocupação do autor em trazer ao aluno
57
elementos da literatura e cultura latina, e sua recomendação em usar textos de autores latinos
nas traduções. Vimos através da pesquisa de Miotti (2006), apresentada no capítulo anterior,
que atualmente se recomenda que o estudo da língua latina caminhe ao lado do estudo da
literatura, prática já exercida por Pinto.
58
2.2 La traduction du latin – J. Marouzeau
A obra foi publicada em Paris em 1931, e sua escolha se deu pelo fato de seu autor ser
constante referência a outros estudiosos da língua latina, conforme comprovaremos ao analisar
alguns dos manuais brasileiros, e por se propor a tratar de questões específicas de tradução da
língua latina. Esta é, para Marouzeau, não somente um exercício para a aprendizagem da
língua, mas uma atividade, como disse Yebra em texto já citado, com um fim em si mesma. A
obra não é dirigida a alunos iniciantes, mas àqueles que possuem conhecimentos de latim,
porém necessitam de orientações sobre como traduzir os textos latinos. Não exercícios,
apenas exemplos de frases e textos traduzidos pelo autor.
No prefácio da obra, Marouzeau afirma que traduzir não é uma arte, e sim uma técnica
que comporta um método rigoroso que pode ser aprendido. Seu objetivo é de ensinar, na
medida do possível, a técnica da tradução, levando em conta, principalmente, os
questionamentos dos alunos dos liceus e das faculdades sobre a mesma. O autor condena a
tradução que procura facilitar o texto a fim de que o leitor o compreenda, assim como aquela
tradução que o professor faz na sala de aula, que objetiva, essencialmente, fazer aparecer sob
o vestuário da tradução o esqueleto do texto. Para o autor, uma das dificuldades em traduzir o
latim é a distância temporal entre esta língua e o francês, e o fato de que representa uma
cultura e mentalidade diversas. Por isso, Marouzeau afirma que é excepcional que a tradução
do latim possa ser un calque de l’original, uma transposição. A frase latina, segundo o autor,
aparece como um conjunto de palavras sem ordem e sem ligação; antes de iniciar a tradução,
coloca-se a frase em uma ordem conveniente; tira-se disto uma tradução literal, que, mesmo
tendo o aluno uma boa gramática e um bom dicionário, está longe de se tornar uma boa
tradução. O conceito de tradução literal que Marouzeau traz é diferente do conceito de
Berman. Para este autor, tradução literal é a tradução da letra, e não a traducción servil dos
espanhóis, que parece ser como Marouzeau a entende.
A primeira parte da obra se intitula Conseils généraux, na qual o autor aconselha o
aluno a não traduzir com pressa, nem desistir rápido; ele deve avançar primeiro das palavras
latinas ao sentido, depois do sentido às palavras francesas. Sob a perspectiva de Berman, esta
afirmação (juntamente com outras encontradas ao longo do texto) revela uma concepção
etnocêntrica e hipertextual da tradução, pois o sentido é visto como um ser em si, que a
tradução faz passar de uma língua à outra. Este tipo de tradução é etnocêntrica porque
pressupõe que traduzir é apreender o sentido e separá-lo de sua letra, afirmando a primazia de
59
uma língua sobre a outra. Aqui o sentido da obra estrangeira é captado e submetido à língua
de chegada, o francês.
Em La construction, Marouzeau afirma que a frase latina porta em si mesma sua
explicação e que se deve desenrolá-la realizando o que ele chama de construção gramatical.
Esta construção supõe o conhecimento das declinações, conjugações e da sintaxe. Para
realizá-la, o aluno deve primeiro isolar as proposições, separando a proposição principal das
subordinadas. Em seguida, deve reconhecer as formas gramaticais e, finalmente, definir as
relações sintáticas. Todos esses passos são exemplificados exaustivamente. Porém, o autor
afirma que se, mesmo seguindo todos os seus conselhos, o aluno não conseguir esclarecer a
construção da frase, ele deve raciocinar aos poucos, começando pela primeira palavra da frase,
tentando descobrir se esta é um substantivo ou um adjetivo, por exemplo, seguindo assim com
o restante das palavras. Em seguida, apresenta uma carta de Plínio o Jovem e sua respectiva
tradução, exemplificando o exercício de construção gramatical.
A terceira parte versa sobre Le sens. Segundo Marouzeau, o conhecimento da
construção não traz necessariamente a descoberta do sentido. O dicionário traz várias
definições para um vocábulo e é sempre uma tarefa difícil escolher uma. Por isso, o autor
recomenda que não se traduza as palavras uma a uma, mas que se tenha o dicionário aberto
em vários trechos, até que não reste dúvida quanto ao significado do vocábulo. Porém, o aluno
também deve saber ler sem dicionário. Por sua experiência mostrar que um grande número
de erros cometidos pelos alunos por causa da ignorância do valor dos demonstrativos, dos
possessivos, de certas conjunções, dos relativos e indefinidos, Marouzeau traz uma lista
desses, juntamente com explicações e exemplos de frases em que estão empregados.
Apresenta também tempos verbais que possam causar dúvidas. Para encontrar o sentido, diz
ele, deve-se unir, comparar, colocar em contato os termos que se assemelham, que se opõem,
que se correspondem. Novamente, o sentido é aqui visto como algo a ser captado pelo
tradutor, algo que está para ser descoberto e apreendido do original, e que é o resultado de
uma análise gramatical das sentenças.
La traduction é a quarta parte da obra. Nesta, o autor aborda, primeiramente, a questão
do dicionário, destacando mais uma vez a multiplicidade de sentidos de uma mesma palavra, e
pedindo que o aluno desconfie das traduções de expressões com frases de autores latinos que
se encontram no dicionário, pois este tem por objetivo apenas fazer compreender, e não
traduzir. Segundo o autor, toda tradução que se apresenta ao espírito deve ser submetida à
prova do contexto e somente deve ser adotada se aquela a este se adaptar sem esforço. Quando
a palavra desconhecida não for encontrada no dicionário, Marouzeau aconselha o aluno a
60
olhar além do verbete concernente à palavra a traduzir, procurando os verbetes das palavras da
mesma família. Uma pergunta frequente entre os alunos é: deve-se traduzir livremente ou
palavra por palavra? Segundo o autor, não se deve traduzir livremente, pois o tradutor tem
uma obrigação em relação ao seu texto, e deve se sujeitar a esta. Não se pode respeitar o
palavra-por-palavra, mas se deve traduzir sem o perder de vista. Deve-se traduzir provando
que se compreendeu o sentido e a construção.
O autor apresenta várias frases com construções gramaticais peculiares e suas
respectivas sugestões de tradução. Para ele, o hábito da tradução latina criou pouco a pouco
uma espécie de “língua tradicional da versão”, representada por um francês em desuso, e que
o tradutor deve evitar. Quando se apresentar uma expressão da qual se tem em francês
somente um equivalente sem valor, deve-se procurar dizer a mesma coisa na língua de todos
os dias. então exemplos de traduções tradicionais de conjunções, advérbios, substantivos e
verbos. Condena o uso do vocabulário oratório ou poético herdado dos clássicos franceses na
tradução, exemplificando. Novamente aborda a questão do dicionário, afirmando que não se
deve crer que todas as traduções possíveis ou recomendáveis são fornecidas por este, que
frequentemente as traduções que são usadas tradicionalmente, omitindo as que podem ser
sugeridas pela prática atual da língua. Finaliza esta parte apresentando uma lista de quase doze
páginas de palavras com suas respectivas sugestões de tradução.
A última parte é Le style. Segundo Marouzeau, o cuidado de satisfazer às exigências do
estilo tem em si mesmo seu pior inimigo. O aluno crê ter tudo feito quando, traduzindo um
texto latino, coloca-o “em bom francês”, que é para ele aquele tipo de língua literária
comentada acima que pode ser usada sempre, por ser de certa forma “neutra”; esta língua não
se assemelha a nada e por isso se parece com tudo, cheia de fórmulas feitas e clichês. Para o
autor, deve-se evitar essa uniformização, o aluno não deve “fazer estilo”, mas respeitar o estilo
do autor traduzido. Aqui uma concordância com Berman, que afirma que “uma obra que,
em francês, não é sentida como tradução é uma obra escrita em ‘bom francês’, isto é, em
francês clássico. Eis o ponto exato onde a tradução etnocêntrica torna-se ‘hipertextual’”
(2007:34). Ou seja, apesar de Marouzeau ver a tradução, em parte, como a descoberta do
sentido do texto, ele não considera que traduzir bem seja traduzir em francês clássico, ou em
um francês “neutro”, que não causaria estranheza ao leitor.
Marouzeau recomenda que não se desmembre a frase latina, pois, suprimir a
subordinação é também suprimir a relação entre as ideias do período, desrespeitando o
pensamento e o estilo do autor. Não se deve reproduzir a disposição da frase latina com
servidão, mesmo quando for possível, pois a ordem das palavras de cada língua possui regras
61
diferentes; a ordem das palavras deve ser interpretada. um sentido que se deve saber
descobrir. Segundo o autor, um meio de conservar a ordem do latim, usando perífrases,
inversões, reprises, mas esses recursos nem sempre são possíveis, e podem forçar a construção
francesa. Marouzeau fala da ciência da ordem das palavras em latim, que se remaneja em dois
princípios: de uma parte, tendem a se aproximar uns e outros elementos de um grupo sintático,
dispondo-se em uma certa ordem tradicional; de outra parte, tendem a romper essa ordem
pelos procedimentos da disjunção e da inversão, em vista de realizar certos efeitos. Em
seguida, apresenta algumas construções latinas com particularidades que devem transparecer
na tradução.
Na perspectiva de Marouzeau, o tradutor deve se colocar sem cessar a questão da
importância da hierarquia das ideias sugeridas pelo contexto, interrogar-se sobre as intenções,
para saber quando ele deve insinuar e quando ele deve insistir, respeitando também o tom, a
qualidade, o estilo e a maneira do escritor. Deve repetir quando no texto latino houver
repetição, quando o autor latino usar uma palavra, traduzir por uma e não por duas, respeitar a
hierarquia das palavras. Às vezes pode-se usar o estilo de um escritor francês para traduzir um
latino, segundo Marouzeau, passagens de Ovídio que suportam ser traduzidas na língua de
Delille. Mas, ordinariamente, a inspiração deve ser a língua viva e corrente, as ideias do autor
latino têm de ser repensadas no francês atual, o tradutor julgará sua tradução como julgaria um
texto original, demandando a impressão que ela daria a um leitor ignorante do latim. Deve-se
escolher entre as traduções possíveis aquela que responde melhor aos usos do francês.
Marouzeau aborda em seguida a questão da tradução de poesia. Seu argumento é o de
que para traduzir um poeta em versos são necessários muitos arranjos, omissões,
transposições, e o resultado são versos que se mostram distantes da poesia original.
Libertando-se das dificuldades formais, medidas das sílabas e rimas, o tradutor alcança a
liberdade de realizar o ritmo, a harmonia, a qualidade das palavras, produzindo a impressão do
texto original. Marouzeau alega que uma tradução em prosa é às vezes poética; uma tradução
em versos não o é quase nunca. Aqui o autor concorda em parte com Yebra, que também
considera que uma boa tradução poética em prosa é melhor que uma tradução em verso.
Porém, Yebra admite que se possa fazer uma boa tradução em versos, enquanto Marouzeau
parece privilegiar a tradução em prosa. Para este autor, a marca de uma boa tradução é aquela
que permite ter sobre o texto traduzido um julgamento de valor conforme aquele que se teria
sobre o texto a traduzir. Quer dizer que o leitor deve encontrar não somente o conteúdo exato
do texto, noções e raciocínios com suas nuanças, mas, na medida do possível, a forma que
reveste este conteúdo: qualidade do vocabulário, aspecto gramatical, forma sintática,
62
particularidades do estilo. Para o autor, o bom tradutor é aquele que procura, que se coloca
questões, que, longe de se contentar com aquilo que encontrou primeiro, começa por
desconfiar disso. Em matéria de tradução, afirma ele, poder-se-ia quase dizer que a primeira
ideia nunca é a melhor. O tradutor está a cada instante preso entre duas necessidades
contraditórias: ser fiel ao texto e ser fiel ao francês; ele não deve se furtar nem a uma nem a
outra obrigação. Na perspectiva de Marouzeau, se o tradutor permanecer a meio caminho de
uma e de outra, este meio resultado valerá mais que a espécie de “astúcia preguiçosa” que
consiste em compensar o abandono de uma obrigação pela fidelidade à outra. É nesta
condição que, melhor que um exercício de latim e que um exercício de francês, a tradução é,
para ele, um frutífero exercício de método e um ato de probidade intelectual.
Marouzeau, por um lado, parece entender a tradução, nesta obra, como a captação do
sentido que está no texto, o qual o tradutor deve passar para a língua de chegada. O autor diz
que não se deve forçar o francês impondo na tradução a construção latina, deve-se escolher
entre as traduções possíveis aquela que melhor responde aos usos do francês. A versão final
da tradução tem início em uma tradução palavra por palavra, que deve ser elaborada
posteriormente num francês que seja adequado ao estilo do autor latino, mas que não seja
estranho ao leitor francês. Poderíamos, por isso, afirmar que, de acordo com Berman,
Marouzeau privilegiaria a tradução etnocêntrica. Por outro lado, este considera que traduzir
bem nem sempre é traduzir em “bom francês”, concordando com Berman neste ponto. Uma
crítica a este manual seria o fato de que Marouzeau explora somente fatos linguísticos em sua
obra, não menciona fatos culturais sobre os romanos, embora considere uma das grandes
dificuldades da tradução do latim o fato de que esta é uma língua distante do francês
temporalmente, e representante de uma cultura diversa.
63
2.3 O latim do Exame de Licença – V. da Nóbrega
No prólogo desta obra, Nóbrega afirma que o presente volume, de 1948, foi elaborado
para aqueles que querem iniciar os estudos na língua latina. Os primeiros aspectos abordados
pelo autor são Alfabeto e pronúncia. Em seguida, Nóbrega apresenta O nominativo juntamente
com o verbo esse. Ao final, exercícios de tradução e de versão. A gramática segue sendo
apresentada nesta sequência, primeiro o ponto gramatical do capítulo é explicado, e, em
seguida, é praticado através de exercícios de tradução do latim para o português e de versão de
português para o latim, que são mais numerosos que os de tradução. Há alguns exercícios em
forma de questionários, com perguntas sobre o ponto gramatical trabalhado e algumas tarefas
de declinação de substantivos, análise de vocábulos, entre outras. As sentenças que
exemplificam a gramática são em sua maioria de autores latinos, porém as frases dos
exercícios são isoladas e de autoria do próprio Nóbrega. Além disso, não exercícios de
tradução de textos, somente de sentenças. Miotti (2006) afirma que este tipo de exercício é
decorrência de uma ideia de que o estudo do latim teria como objetivo principal exercitar
análise sintática, o que, por sua vez, ajudaria no estudo da língua materna. O uso deste tipo de
sentença também vai contra a recomendação de Weatherby (1998) apresentada no primeiro
capítulo, de que os textos a serem trabalhados em sala de aula devem ser realísticos e
contextualizados pelo professor.
No capítulo Estilo indireto, o autor define discurso indireto: “contém as palavras do
autor adaptadas à construção da sentença em que são citadas e dependentes de um verbo
declarativo” (1962a:209). Aborda nesta seção os tempos do infinitivo que são usados no
discurso indireto, os pronomes, as sentenças condicionais, traz exemplos de discursos direto e
indireto, e como exercício apenas algumas frases que o aluno deve verter do português para o
latim. Ao final da obra, trechos de vários textos de autores latinos, acompanhados de um
vocabulário e de um comentário, o qual se compõe de algumas explicações sobre nomes de
lugares, personagens citados no texto e particularidades gramaticais. Os textos são dos
seguintes autores: César, Ovídio, Cícero e Virgílio. O autor demonstra preocupação em trazer
ao leitor elementos da cultura e da história de Roma, comentando os textos literários contidos
na obra. Alguns destes textos poderiam ter sido aproveitados para os exercícios de tradução,
no lugar das sentenças isoladas e de autoria de Nóbrega.
O manual se enquadra nos pressupostos da AGT, Abordagem da Gramática e da
Tradução, explicada no capítulo anterior. Segundo Leffa, nesta abordagem parte-se da regra
64
para o exemplo, que é o procedimento seguido nesta obra: primeiramente o ponto gramatical é
apresentado, em seguida sentenças que exemplificam este mesmo ponto, que, finalmente,
será exercitado na tradução de outras sentenças. O objetivo final da AGT é levar o aluno a
apreciar a cultura e a literatura da língua estrangeira, que parece ser o mesmo do manual:
através do estudo da língua latina, o aluno pode apreciar sua literatura e com isso conhecer
parte de sua cultura.
65
2.4 Gramática latina: curso único e completo – Napoleão M. de Almeida
Esta gramática vem sendo uma referência para estudiosos do latim desde sua
publicação, e ainda é considerada a gramática latina em português mais completa. Não
conseguimos precisar a data de sua primeira edição.
No prefácio, Almeida trata da importância do estudo do latim, repudiando a crença de
que a primeira finalidade deste seria trazer benefícios ao aprendizado do português. O autor
apresenta vários fatos e depoimentos que apoiam a ideia de que o latim desenvolve a
inteligência, ajuda no raciocínio lógico, e, consequentemente na aprendizagem da matemática.
Não é para ser falado que o latim deve ser estudado. Para aguçar seu
intelecto, para tornar-se mais observador, para aperfeiçoar-se no poder de
concentração de espírito, para obrigar-se à atenção, para desenvolver o
espírito de análise, para acostumar-se à calma e à ponderação, qualidades
imprescindíveis ao homem de ciência, é que o aluno estuda esse idioma
(2000:09).
Conforme observamos em alguns dos manuais descritos, como o de Faria e o de
Nóbrega, o estudo do latim como desenvolvedor da inteligência, do raciocínio, entre outras
justificativas, é uma das formas como se legitimava o ensino de uma língua antiga num
contexto em que o ensino em geral se tornava cada vez mais tecnicista. Havia a necessidade
de validar a aprendizagem da língua latina com razões de certo modo práticas.
Sobre a tradução no ensino, afirma: “dar a alunos sem conhecimento de princípios
essenciais do latim trechos para traduzir é dar-lhes pedradas, é dar-lhes cacetadas” (2000:10).
Ou seja, para Almeida, a tradução não deve ser um exercício feito no princípio da
aprendizagem da língua, o aluno precisa antes aprender uma parte da gramática. A obra é
composta de 104 lições, com questionários e exercícios que o aumentando em
complexidade gradualmente.
Na lição 8, Almeida apresenta Normas para a tradução. As questões aqui colocadas
são de como o aluno pode traduzir particularidades gramaticais. Em primeiro lugar, o autor
comenta sobre os artigos, recomendando que na tradução para o português o aluno os coloque
apropriadamente. Depois explica o adjunto adverbial de causa, que não vem acompanhado de
preposição em latim, portanto, o aluno deve colocar na tradução a preposição correspondente.
Comenta também sobre a tradução dos casos, que vêm sem preposição, as quais devem
66
constar na tradução. Em seguida, exercícios de tradução e de versão de frases pequenas e
simples da autoria de Almeida.
Na lição seguinte, o assunto são noções da primeira conjugação de verbos ativa. Após
um exercício de tradução, Almeida responde à pergunta: qual o segredo da tradução do
português para o latim?
1- O segredo está na análise sintática, isto é, na verificação da função
exata que a palavra exerce na oração.
2- Verificada a função, veja como é a palavra em latim, a declinação a
que pertence [...] e ponha-a no caso devido (2000:40).
o segredo da tradução do latim para o português é, segundo o autor, uma vez o
aluno tendo descoberto a função sintática de cada palavra, colocar a frase latina na ordem
direta: “Por uma oração latina na ordem direta é colocar todos os termos como se a oração
fosse portuguesa, o que significa que a tradução deve seguir exatamente, palavra por palavra,
a ordem direta encontrada” (2000:41). Por estas afirmações, é possível perceber que, para
Almeida, o sucesso da tradução depende da análise sintática correta. Por conta disso, em
diversos momentos ao longo das lições, o autor traz explicações sobre a gramática do
português, para que o aluno a tenha bem entendida e possa efetuar as análises sintáticas das
frases em latim com segurança.
Na lição 10, o autor traz Outras normas de tradução. Novamente são apresentadas
maneiras de traduzir particularidades gramaticais, como o adjunto adverbial de companhia, os
possessivos, que se expressam quando necessários em latim, e algumas regras de posição,
que, segundo o autor, não são absolutas. Em seguida, um questionário com 5 questões
sobre gramática, seguido de outros exercícios de tradução e versão. Em geral, os exercícios se
compõem de frases isoladas de autoria de Almeida; são exercícios de tradução e perguntas
sobre a gramática apresentada na lição, por exemplo, informar em quais tempos se encontram
alguns verbos. Conforme o aluno avança nas lições, os exercícios vão trazendo excertos de
textos de autores latinos. Podemos afirmar que o método de ensino apresentado por Almeida
se baseia nos princípios da AGT: a gramática é exposta ao aluno, que deve decorar alguns
elementos como os tempos verbais, e, em seguida, exercitar o ponto gramatical em através da
tradução e versão de frases ou pequenos textos.
67
2.5 Gradus Primus – P. Rónai
Como vimos no artigo de Valle no primeiro capítulo deste trabalho, o Gradus Primus
era utilizado por ele nos anos 80 em cursos de graduação e mestrado. Miotti, cuja dissertação
também foi apresentada no primeiro capítulo, critica a utilização desta obra atualmente em
algumas universidades particulares do Estado de São Paulo. O manual está na décima nona
edição, o que mostra que, apesar de não estar de acordo com as abordagens de ensino de
línguas mais modernas, ainda continua sendo muito utilizado por estudantes e professores de
latim.
A primeira edição é de 1954, e em seu prefácio Rónai explica que seu trabalho reúne
em uma obra o livro de leitura, a gramática e o dicionário. Seu lema foi “dar, conforme aos
novos programas, todo o essencial, mas omitir todo o supérfluo” (2006:02). O autor afirma
que procurou não perder de vista que seu livro se destina a alunos iniciantes no estudo do
latim, alunos, na época, apenas saídos da escola primária. Isso deve ser levado em conta em
qualquer análise, pois é necessário ter ciência de que o manual foi elaborado para crianças,
numa época em que o latim ainda era obrigatório nas escolas. A ampliação dos estudos e a
sistematização das noções de morfologia virão em um trabalho posterior, o Gradus Secundus.
Rónai teve como objetivo também que a gramática e a leitura andassem sempre juntas. Sobre
os exercícios, o autor afirma que estes são variados, e não concernem somente à gramática e
ao vocabulário, mas também a rudimentos da história e das instituições romanas, além da
discussão do conteúdo dos textos. exercícios escritos e outros que podem ser feitos apenas
oralmente. Ainda afirma que “frases sentenciosas de Publílio Siro e outros escritores,
escolhidas de preferência entre as mais simples, foram enquadradas em pequenas leituras para
ficarem menos abstratas” (2006:03). as leituras narrativas ou históricas foram tiradas em
sua maioria de Eutrópio, sendo que algumas frases mais complicadas foram suprimidas ou
adaptadas a construções gramaticais mais simples.
Rónai inicia a obra explicando o sistema de acentuação adotado no livro, para então
passar à primeira lição Puella cantat. Esta é composta de orações pequenas e simples (sujeito
+ verbo), seguidas de um vocabulário. O primeiro exercício que o aluno deve fazer é traduzir
a frase Puella cantat. O autor chama então a atenção do aluno para o fato de que em latim não
artigos, por isso a frase portuguesa é mais longa que a latina. Em seguida, há alguns
exercícios de cópia de frases e de versão. As lições seguem neste mesmo esquema, o aluno a
inicia lendo as frases para analisá-las e desta análise são tirados os pontos gramaticais
68
correspondentes à lição. A análise, na maior parte das vezes, é iniciada pela tradução da frase
latina, porém, os exercícios para fixar a teoria gramatical são, em sua maioria, de versão do
português para o latim. As frases vão gradualmente ganhando complexidade, assim como a
gramática.
Há algumas sugestões para traduzir particularidades gramaticais, por exemplo, na lição
XXII, De diluuio, Rónai alerta:
O imperfeito do subjuntivo não se traduz sempre pela mesma forma em
português. Assim, nesta leitura, haberent deve ser traduzido pelo
imperfeito do indicativo. Por outro lado, na frase Sine amicitia uita tristis
esset, na XXV leitura, esset traduz-se pelo presente do condicional
(2006:80).
Nos exercícios de versão desta lição, Rónai indica entre parênteses qual tempo verbal
deve ser usado na frase em latim. Outro exemplo, da lição XXIII, De Deucalione et Pyrrha:
O neutro dos adjetivos usa-se freqüentemente como substantivo: bonum
(‘o bem’), malum (‘o mal’), etc. Estes adjetivos substantivados estão
muitas vezes no plural, quando em português se emprega o singular;
assim, omnia deve ser traduzido por ‘tudo’ (2006:82).
Ao final da obra, há quadros sinópticos dos verbos e um vocabulário latim-português.
O Gradus Primus é um manual que segue também os pressupostos da AGT: o aluno
os textos, estuda a gramática e traduz. Por ter sido elaborado para crianças, exercícios em
forma de jogos, como quebra-cabeça. Nos exercícios predominam as versões do português
para o latim, a tradução do latim para o português fica por conta dos textos que abrem cada
lição. As comparações com a ngua materna do aluno, no caso, o português, são constantes.
Porém, em alguns momentos, como na lição XXVII, o autor usa expressões que não somente
mostram diferenças entre as línguas, mas que acabam por dar uma impressão de superioridade
de uma em relação à outra: “Este tempo [pretérito mais-que-perfeito do subjuntivo] substitui
muitas vezes o passado do condicional, que falta em latim” (2006:95). O passado condicional
não é algo que “falta” em latim, é apenas uma diferença desta língua em relação ao português.
Lima, cujo manual será analisado posteriormente neste trabalho, também critica este tipo de
atitude:
a simples constatação de que ‘o latim não tem artigos’, qual mera
curiosidade, como se não fosse próprio de cada língua ter coisas que
outras não têm, é tão inócua quanto a do latim superlíngua ou a da ‘ordem
69
indireta do latim’. Não tem, pois, grave conseqüência, a menos que, com
isso, se esteja fazendo crer em suposição absurda, que o latim só existe se
passar pelo português e, portanto, que aprender latim é ‘traduzir’
passagens seletas de autores que escreveram nessa língua. Não se percebe
que a idéia em causa não é a de português, mas a de língua materna
(1995:123).
Alguns dos textos que abrem cada lição são de autoria de Rónai, nestes uma
tentativa de trazer elementos da cultura romana ao conhecimento dos alunos, o que é um
ponto positivo do manual. Porém, os textos que o autor adapta de Eutrópio são mais
adequados ao ensino do latim, pois, como vimos no capítulo primeiro, Wheaterby (1998)
recomenda que, um dos pontos a serem observados no momento de escolha dos textos a serem
utilizados em sala de aula, é o fato de serem realísticos e de estarem situados em um contexto.
No entanto, não nenhuma indicação ao aluno de que ele esteja lendo um texto adaptado de
um autor latino, indicação que possibilitaria a ele conhecer um pouco da literatura latina,
ainda que o manual tenha sido elaborado para alunos muito jovens. Vimos com Miotti (2006)
a recomendação dos professores entrevistados pela autora de que o estudo da gramática esteja
aliado ao da literatura.
70
2.6 Narrationes – B. Harmsen
Este volume, publicado em 1956, faz parte de uma coleção da Editora Vozes, Coleção
Clássicos Vozes: Série Latina. Nesta mesma década, foram publicados os manuais de Faria e
de Nóbrega em uma coleção da Livraria Acadêmica, manuais que serão analisados
posteriormente. Serão apontadas semelhanças e diferenças entre estas coleções no capítulo
seguinte.
Segundo Harmsen, em Duas palavras, espécie de prefácio, sua obra foi elaborada para
os alunos que terminaram o estudo da morfologia e iniciam o da sintaxe. Por esta afirmação,
podemos perceber que este manual se inclui naqueles criticados por Oliveira (2001) no
capítulo anterior, assim como o manual de Pinto, analisado, pois, ao pressupor que seu
aluno tenha estudado a morfologia, Harmsen mostra que entende o ensino de línguas como
a aquisição estanque dos elementos do sistema linguístico. O aluno deveria primeiro aprender
toda a parte de morfologia da língua para somente então avançar ao estudo da sintaxe,
aprendendo-as separadamente. Harmsen aconselha o método no qual o professor deve se
pautar ao fazer uso deste manual:
1) o professor mande fazer o maior número possível de traduções por
escrito, com o que muito lucrarão o latim e o vernáculo. 2) proíba o
professor terminantemente o uso de traduções. Os múltiplos manuais
escolares com ordem direta e tradução juxtalinear etc.’ são um sinal da
decadência a que chegou o ensino do latim. Nos últimos decênios
introduziu-se nos colégios e até nas faculdades o abominável costume de
o professor ditar a tradução e de o aluno decorá-la. Inútil dizer que tal
método é extremamente prejudicial ao aluno. Um único esforço, por si só,
vale mais do que cem páginas de tradução decoradas; 3) para o e
anos desaconselhamos o uso do dicionário, visto como, as mais das
vezes, daí resulta perda de tempo e energia, por serem alunos que ainda
estão iniciando o estudo do latim. Em vista disso, incluímos um aparato
bastante extenso e, se não for suficiente, os alunos redijam, então, seu
vocabulário em cadernetas, com a ajuda do professor (1956:06).
Pode-se atribuir esta decadência no ensino do latim da época, alegada pelo autor, à Lei
Capanema, de 1942, mencionada no capítulo anterior. Segundo Tuffani, esta lei ampliou o
estudo do latim no secundário para sete anos, porém, não havia um número suficiente de
professores para cobrir a demanda, o que fez com que um ato ministerial permitisse que
professores formados em Letras Neolatinas e Anglo-Germânicas lecionassem latim, o que
acarretou uma queda na qualidade do ensino, pois estes professores não haviam sido
71
preparados para lecionar a língua latina. Nesta citação também percebemos que o autor
partilhava da ideia, como Pinto, de que o estudo do latim traria benefícios para o estudo do
português, ideia que continuou a vigorar por algum tempo, conforme iremos observar em
outros manuais posteriores ao de Harmsen.
A primeira parte deste manual traz para que o aluno traduza o texto De Viris Illustribus
Urbis Romae a Romulo ad Augustum, de Lhomond. Os principais objetivos deste trabalho,
segundo o autor, são: proporcionar ao aluno uma visão da matéria em análise, fornecer um
vocabulário das palavras mais usuais e dar uma noção de aspectos da história, geografia e
instituições romanas. Para fazer a tradução, o autor aconselha:
Procure, em primeiro lugar, os membros essenciais da proposição, isto
é, o verbo e o sujeito. Tome o verbo como ‘chave de investigação’,
porque indica, pela sua terminação, a pessoa e o número do sujeito, e
também, pelo seu regime, o caso do complemento. Os romanos dão
preferência aos períodos longos (complexos). Neste caso, aprenda a
distinguir entre: A. a proposição principal, chamada assim porque contém
a idéia capital e, B. a proposição subordinada que se caracteriza pelo fato
de ser introduzida por: a) conjunção subordinativa (proposição
circunstancial): ut, cum, quia, quod, quoniam, etsi, quamquam, si, nisi,
quando, ut primum, ubi primum, antequam, priusquam, postquam, dum,
quamdiu etc; b) pronome ou advérbio relativos (proposição relativa); c)
pronome, advérbio ou partícula interrogativos (interrogação indireta)
[...]. 3º Feita a tradução literal, não tenha medo de substituir, se for
conveniente, um particípio por uma proposição subordinada ou mesmo
coordenada, ou de substituir uma proposição subordinada por uma
coordenada, etc” (1956:07).
Neste excerto, percebemos que, assim como para muitos outros autores dos manuais, a
versão final da tradução do latim é consequência de uma análise sintática que tem como
resultado, por sua vez, uma tradução literal, entendendo o termo “literal” não como Berman,
mas como uma traducción servil. O aluno, segundo Harmsen, deve, inclusive, substituir
formas gramaticais resultantes desta primeira tradução, por formas gramaticais mais
“convenientes”. Poderíamos entender “convenientes” talvez como formas menos estranhas ao
português, e que dariam como resultado uma tradução corrente e voltada para a língua de
chegada. A expressão “chave de investigação” remete à ideia da tradução do latim como um
exercício de decifração ou descoberta do sentido contido no texto latino.
as duas últimas partes da obra trazem respectivamente trechos de Cornélio Nepos e
do De Bello Gallico. Não nenhuma recomendação ao aluno, apenas os textos. Ao final,
um Resumo de Sintaxe Latina, que possui sete páginas e é, segundo o autor, propositadamente
72
incompleto. Neste, Harmsen alguns exemplos de tradução literal e “outras traduções mais
elegantes” do particípio conjunto:
1. Dux, iaculo percussus,mortuus est; o general, atingido por um dardo,
morreu; depois que o general foi atingido por um dardo, morreu; depois
de ser atingido por um dardo, o general morreu; o general foi atingido por
um dardo e morreu (1956:126).
O autor, porém, não deixa claro qual dessas traduções seria a literal, e quais seriam as
“mais elegantes”, e, em seguida, propõe que o aluno traduza três frases. Pode-se concluir que
este manual se baseia nos princípios da AGT, apresentando a tradução como único exercício
para a aprendizagem da língua. uma preocupação por parte do autor em proporcionar ao
aluno o conhecimento de alguns elementos da cultura e história de Roma, o que pode ser
percebido pela escolha dos textos, que trazem estes elementos. vários textos de autores
latinos, textos reais que contribuem não só para o estudo da língua como para o da literatura.
73
2.7 Essentials of latin – John F. C. Richards
No prefácio da obra, publicada em 1958, em Nova Iorque, Richards afirma que ela é
recomendada para alunos maduros de escolas ou faculdades que desejem aprender latim o
mais rápido possível, e para aqueles que querem estudar esta língua sozinhos. É objetivo da
obra introduzir o estudante à literatura latina enquanto ele aprende a língua. O curso consiste
em uma introdução e quarenta e uma lições, com exercícios de tradução, versão, e questões
em latim que devem ser respondidas em latim. Nas primeiras dez lições as frases a serem
traduzidas são simples e de autoria do próprio Richards. Nas lições seguintes, em sua maioria,
as frases são de autoria de escritores latinos, incluindo prosa e poesia. Porém, não nos
exercícios nenhum texto completo, somente sentenças isoladas, contrariando as
recomendações de Weatherby (1998), de que os textos utilizados em sala de aula devem estar
contextualizados. Desta forma, um dos objetivos do ensino do latim, que é o de ler os autores
romanos, será alcançado com maior dificuldade do que se o aluno fosse exposto aos textos
latinos desde o início da aprendizagem, o que contraria inclusive um dos objetivos do manual
que é aprender latim de maneira mais rápida. As sentenças dos exercícios de versão são
baseadas nas sentenças em latim a serem traduzidas. O autor afirma que
há ênfase na tradução do Inglês para o Latim, não porque se espera que os
alunos sejam bons na composição, mas porque na opinião do autor isso os
fará mais sensíveis à língua e portanto os ajudará a ler melhor. Se eles se
concentrarem somente na leitura, os resultados serão menos satisfatórios
(1958:VII).
34
Na introdução, Richards aborda questões como o alfabeto latino e a pronúncia. Na
primeira lição o assunto é o modo indicativo do verbo esse (presente, imperfeito e futuro), os
nomes da primeira declinação e os casos nominativo, genitivo e ablativo. O autor dá a
definição dos conceitos, e, às vezes traz algumas frases como exemplo, porém raramente o
aluno encontrará textos completos. O ensino da gramática não parte do texto, assim, o aluno é
levado a ver nos exemplos somente aquele determinado ponto gramatical da lição, adquirindo
os elementos gramaticais de forma estanque, isolada. Em seguida exercícios de tradução,
34
Stress is laid on translating from English into Latin, not because students are expected to be good at
composition, but because in the writer’s opinion this will make them far more sensitive to the language and will
therefore help them to read it better. If they concentrate only on reading, the results will be less satisfactory
(1958:VII).
74
de versão e perguntas em latim, sequência observada em todas as lições. Richards afirma que
o último tipo de exercícios proporcionará uma prática benéfica no método direto ou oral de
ensinar latim, que é um ponto importante para este manual. Podemos perceber pela maneira
como o autor apresenta a língua, que seu manual se baseia nos princípios da AGT, pois ele
parte da regra da gramática para o exemplo em sentenças. O ponto gramatical correspondente
deve ser exercitado pelo aluno na tradução de outras sentenças.
O autor faz comparações com o inglês constantemente, por exemplo, explicando que
os pronomes pessoais sempre são colocados antes do verbo em inglês, porém, em latim, a
pessoa do verbo é expressa pela sua terminação. Ele explica que, a partir da lição onze, as
frases dos exercícios de tradução serão, em sua maioria, de autores latinos, porém elas o
trazem a indicação de seu autor logo em seguida, somente no apêndice. Apesar da utilização
de frases de autores latinos a partir desta lição, o que é um ponto positivo, o autor as coloca
fora de seu contexto, isoladamente: não textos. Richards em alguns momentos comenta
sobre o significado de certas expressões ou de elementos da gramática, por exemplo: “Quando
um predicado genitivo é usado com o infinitivo, o significado é ‘it is the part of’. Isso é
chamado de genitivo de característica (?). Sapientis est uera dicere: It is the part if (? Of) a
wise (man) to tell the truth(1958:97)
35
. Ou em Pugnantium clamorem audiui: I heard the
shouts (shouting) of those who were fighting. Aqui pugnantium, ‘of the fighters’, é
equivalente a eorum qui pugnabant” (1958:107)
36
. Outro exemplo:
Frequentemente uma pergunta indireta em Latim é a melhor maneira de
traduzir um substantivo abstrato em Inglês, como natureza ou caráter.
Quale et quantum sit periculum nescio. I am ignorant of the nature and
extent of the danger. (I do not know of what kind and how great the
danger is.) (1958:140).
37
Este tipo de sugestão de tradução aparece algumas vezes no manual, na maior parte
destas é de como se usa uma determinada construção em latim, relacionando-se com a
composição latina e não propriamente com sua tradução: “Verbos como possum, ‘I am able’,
ou debeo, ‘I ought’, podem ser usados no indicativo na oração principal de uma condicional”
35
“When a predicate genitive is used with the infinitive, the meaning is it is the part of’. This is called the
genitive of characteristic. Sapientis est uera dicere: It is the part if a wise (man) to tell the truth” (1958:97).
36
Pugnantium clamorem audiui: I heard the shouts (shouting) of those who were fighting. Here pugnantium,
‘of the fighters’, is equivalent to eorum qui pugnabant” (1958:107).
37
Often an indirect question in Latin is the best way of translating an abstract noun in English, such as nature or
character. Quale et quantum sit periculum nescio. I am ignorant of the nature and extent of the danger. (I do
not know of what kind and how great the danger is.) (1958:140).
75
(1958:179)
38
. Em certas ocasiões, o autor detecta um problema de tradução, porém não o
aprofunda ou não dá uma solução:
Verbos intransitivos como pugno, ‘I fight’, uenio, ‘I come’, e todos os
verbos que regem o dativo não devem ser usados no passivo com o
sujeito no nominativo. O Latim usa uma construção impessoal, que
parece estranha em Inglês (1958:187)
39
.
Ao final da obra um apêndice, tratando dos seguintes assuntos: o calendário
romano, o metro latino, um sumário de termos gramaticais, a Bíblia latina, e uma revisão das
construções mais importantes e da gramática, além da indicação dos autores das frases latinas
contidas nas lições. Em seguida, um vocabulário latim-inglês e inglês-latim, e um
dicionário de pessoas e lugares. Finalmente, podemos destacar que o autor proporciona ao seu
leitor o conhecimento de elementos da cultura, história e literatura de Roma, o que é o
objetivo final de manuais pautados na AGT: levar o aluno a apreciar a cultura e a literatura da
língua estrangeira.
38
“Verbs like possum, ‘I am able’, or debeo, “I ought’, may be used in the indicative in the main clause of a
condition” (1958:179).
39
Intransitive verbs like pugno, ‘I fight’, uenio, ‘I come’, and all verbs that govern the dative must not be used in
the passive with the subject in the nominative. Latin uses an impersonal construction, which seems strange in
English (1958:187).
76
2.8 Introdução à Didática do Latim – E. Faria
Este manual, de 1959, faz parte de uma coleção publicada pela Livraria Acadêmica,
intitulada Rumos. No prefácio, Faria afirma que a obra condensará sua experiência no ensino
do latim, incluindo problemas da finalidade deste ensino e meios para que professores possam
atingir seus objetivos. A base deste trabalho, segundo o autor, é uma obra sua anterior, O
Latim e a Cultura Contemporânea.
A introdução divide-se em três partes: A querela dos antigos e modernos; A crise da
cultura e A repercussão no ensino. Nela Faria aborda questões como a discussão sobre a
superioridade ou não dos clássicos da Antiguidade sobre a cultura moderna, sintetizando os
diversos combates que existiram em torno deste mesmo assunto. A crise da cultura, segundo o
autor, começou a se manifestar em meados do século XIX, e teve como principais causas a
Revolução Industrial e os conflitos armados. Entre as consequências, os novos julgamentos de
valor em relação à cultura, e um novo conceito para ela. A repercussão disso no ensino foi a
assimilação nos programas das novas ideias científicas, julgadas então úteis à formação dos
alunos, uma reação contra o exclusivismo da cultura clássica vigente.
Nos sete capítulos seguintes, Faria descreve alguns aspectos do ensino do latim em
diversos países, que são: Inglaterra, França, Alemanha, Suíça, Itália, Estados Unidos e Brasil.
Sobre o último, o autor afirma que o ensino do latim iniciou-se com os padres jesuítas, ainda
no século XVI. Até 1759, quando os jesuítas foram expulsos pelo Marquês de Pombal, o
ensino secundário no Brasil se fazia segundo a ratio studiorum, na qual os estudos latinos
ocupavam o primeiro lugar. Como primeira consequência da expulsão, o método de ensino da
língua mudou. Sobre as reformas educacionais que aconteciam na época em que a obra estava
sendo escrita, Faria afirma que são anti-humanistas, e pretendem dar à educação nacional uma
finalidade pragmática.
O capítulo VIII intitula-se O Latim e a Cultura Contemporânea. Neste, o autor
pretende interpretar os fatos apresentados nos capítulos anteriores. Primeiramente, retoma a
questão da superioridade ou não dos estudos clássicos, especialmente na França e na
Inglaterra. Em seguida, resume a forma como a língua latina se espalhou pelo mundo, dando
origem às diversas línguas românicas e dialetos, e, posteriormente, com a criação das
universidades, a ratificação do latim como a língua da ciência, da filosofia, dos tratados, etc.
Uma das razões pelas quais seu estudo é importante, segundo o autor, é o fato de que
77
Tendo sido o latim elemento preponderante na formação de todas as
línguas de cultura ocidental, direta ou indiretamente, por meio dos
humanistas, o seu estudo fornece elementos valiosos para o mais rápido e
seguro conhecimento dessas mesmas línguas (1959:105)
Veremos que Lima (1995), cujo manual será analisado posteriormente neste capítulo,
critica esta ideia de que o latim seria uma supralíngua, e que através do conhecimento desta a
aprendizagem de outras línguas seria facilitada. Para Lima, este pensamento deve ser
abandonado e não deve ser considerado um objetivo do ensino. Nesta citação de Faria,
percebe-se uma visão do latim como um aprimorador das qualidades do estilo, como elemento
necessário de cultura, entre outras.
O capítulo seguinte versa sobre O Latim no curso secundário, no qual são abordados,
principalmente, os objetivos e finalidades do ensino do latim. Muitos destes são os
recomendados pela Classical Investigation, que foi uma pesquisa feita nos Estados Unidos nos
anos de 1921 a 1923, com o objetivo de conhecer a situação dos estudos clássicos no país
naquele período. Foram estudados, de forma aprofundada, os métodos e finalidades do ensino
do latim e do grego. Para apresentar as finalidades do ensino do latim, Faria faz uma súmula
das mesmas determinadas pela Classical Investigation:
1- Aprimoramento da habilidade de ler e entender Latim;
2- Melhor entendimento dos elementos em Inglês que estão
relacionados com o Latim;
3- Aprimoramento da habilidade de ler, falar e escrever em Inglês;
4- Aprimoramento da habilidade de ler outras línguas estrangeiras;
5- Desenvolvimento de hábitos mentais corretos;
6- Desenvolvimento de uma formação histórica e cultural;
7- Desenvolvimento de atitudes corretas em situações sociais;
8- Desenvolvimento da apreciação literária;
9- Conhecimento elementar dos mais simples princípios gerais da
estrutura da língua;
10- Melhoramento na qualidade literária da escrita dos alunos em
Inglês (1959:125-126).
40
40
1- Increased ability to read and understand Latin;
2- Increased understanding of those elements in English which are related to Latin;
3- Increased ability to read, speak and writ English;
4- Increased ability to learn other foreign languages;
5- Development of correct mental habits;
6- Development of an historical and cultural background;
7- Development of right attitudes toward social situations;
8- Development of literary appreciation;
9- Elementary knowledge of the simpler general principles of language structure;
10- Improvement in the literary quality of the pupil’s written English. (1959:125-126).
78
Entre as dez finalidades, cinco (números 3, 4, 5, 7 e 10) não estão relacionadas
diretamente com o latim, mas sim com a língua materna do aluno ou outras nguas
estrangeiras que ele venha a aprender, ou ainda com situações cotidianas da vida dele. O latim
como desenvolvedor de hábitos mentais corretos, do raciocínio, entre outros objetivos
similares, é uma justificativa encontrada em outros manuais, como veremos. Esta é uma forma
que se encontrou para explicar o ensino da língua num contexto em que o ensino em geral se
tornava cada vez mais tecnicista, e se sentia a necessidade de uma justificativa para a
aprendizagem da língua latina que fosse de certo modo prática. Segundo Miotti (2006), no
momento em que este manual foi publicado, havia uma preocupação por parte dos autores em
afirmar a importância do latim, justamente por conta desta característica tecnicista do ensino,
baseando-se correntemente na ideia de que o ensino desta língua existiria para auxiliar o
ensino do português. Como vimos, Lima (1995) critica a ideia do latim como facilitador da
aprendizagem de outras línguas.
Como alguns dos fins imediatos e mediatos, Faria destaca: compreensão da ngua
latina; objetivo filológico; educação do pensamento; instrumento para melhor conhecimento
das línguas românicas; o latim como fundamento e estrutura da língua nacional. Faria ainda
salienta outros objetivos, muitos destes pautados na Classical Investigation: o latim como
instrumento para o melhor conhecimento da língua nacional, a contribuição dos estudos
latinos para a melhor e mais rápida compreensão de uma língua estrangeira, o
desenvolvimento de “certos hábitos mentais altamente recomendáveis” (1959:140). Pode-se
perceber novamente, nos citados fins imediatos e mediatos, a preocupação em justificar
através de fins práticos, e que se relacionam não diretamente com a língua latina, o ensino da
mesma. Em relação à tradução, Faria apresenta alguns resultados obtidos pela Classical
Investigation:
A tradução do latim para o inglês foi considerada como um poderoso
auxiliar para melhorar o inglês falado e escrito pelos alunos, sendo que
tal objetivo dos estudos latinos no curso secundário foi considerado como
válido por 90% dos professores que responderam ao questionário geral
(1959:134).
Ainda a respeito da tradução, afirma:
os estudos latinos não concorrem poderosamente para uma apreciação
dos elementos de técnica literária empregados em prosa e verso, como
ainda podem concorrer poderosamente, por meio dos trabalhos de
tradução bem orientados, para desenvolverem no aluno o gosto da
79
redação literária, bem como um conhecimento prático dos recursos
artísticos de que se valem os escritores, como o emprego das imagens,
das figuras, da prosa rítmica, etc (1959:147).
O exercício de tradução do latim, assim como o ensino da língua, também é justificado
por fins práticos que não se relacionam com o próprio ensino da língua latina, mas com a
língua materna do aluno. O capítulo X, O texto latino e a edição escolar, traz questões como:
o livro em Roma, a transmissão dos textos latinos, crítica de textos, a epigrafia latina e a
edição escolar. Faria recomenda que os textos para tradução venham acompanhados de
informações sobre seus respectivos autores, e sobre aspectos da vida e da cultura romanas.
Ainda recomenda que
Nas notas de caráter gramatical, cumpre ainda insistir, principalmente em
questões de vocabulário, as aproximações com o português devem ocupar
sempre o primeiro plano, pois que o proveito será dobrado, não por se
facilitar a fixação do conhecimento do latim, como também por se
fornecer uma nova base ao conhecimento do vernáculo [...] (1959:174).
O capítulo seguinte intitula-se A tradução e a versão, no qual o autor faz várias
alusões à obra de Marouzeau analisada no presente trabalho, La traduction du latin. Faria
afirma que houve uma renovação nos estudos latinos e que,
segundo esta renovação, a tradução tomou o primeiro lugar nos trabalhos
escolares, sendo postergados, de uma vez por todas, os obsoletos
exercícios de versificação, bem como os de composição latina, na qual
incluímos além dos discursos latinos as versões para o latim (1959:177).
E pergunta: “Se, entretanto, a tradução é considerada como o principal trabalho
escolar, será que também ela não foi atingida por novos métodos preconizados igualmente por
esta renovação?” (1959:178). A partir desta questão, o autor elencará os principais objetivos
da tradução no ensino do latim. Em primeiro lugar, está o aprendizado do latim pelo
intermédio da tradução, ou seja, Faria não o ato de traduzir como tendo um fim em si
mesmo, mas como um meio para chegar ao conhecimento da língua latina. Em segundo lugar,
“devem ser encarados os objetivos de caráter cultural e de ordem disciplinar que se poderão
alcançar por meio deste exercício” (1959:178). Segundo o autor, o trecho latino somente
deverá ser traduzido depois de interpretado e compreendido, “uma vez que a tradução é
sobremodo um exercício estilístico pelo qual se procurará passar um texto de uma língua para
outra” (1959:179). Na tradução, segundo Faria,
80
ter-se-á em vista, essencialmente, o estilo do autor, que deverá até certo
ponto transparecer na tradução, bem como o gênero literário da obra
determinará também em português a escolha de uma linguagem que lhe
seja apropriada. Assim, a língua que empregarmos para traduzir um poeta
épico não poderá ser a mesma de que nos iremos valer quando
procurarmos fazer a tradução de um poeta elegíaco, de um orador, ou de
uma carta familiar. Daí facilmente se deduz que a tradução, propriamente
dita, transcende o simples aprendizado da língua latina, sendo o objetivo
por ela visado essencialmente de caráter cultural, pela contribuição
valiosa que vem prestar ao melhor conhecimento do vernáculo, e
principalmente da redação literária portuguesa (1959:179).
Para traduzir, o autor afirma que se requer o conhecimento perfeito tanto da língua
alvo quanto da ngua fonte, e que, por isso, os professores devem pedir ao aluno nos exames
escolares apenas uma interpretação do texto latino, “uma vez que este, em exíguo espaço de
tempo, não terá elementos para se entregar à difícil tarefa da tradução propriamente dita”
(1959:180). Desta forma,
corresponde, pois, a interpretação ao primeiro dos objetivos dos estudos
latinos, isto é desenvolver no aluno o poder de compreensão do texto.
Repousa ela na leitura dos textos efetuada de sorte a facultar a
compreensão direta e segundo a ordem das palavras e das orações em
latim, e não, pelo processo da chamada ordem direta, [...] um método
francamente condenável (1959:180).
Faria afirma que se considera condenável praticar a tradução no início de um curso de
línguas estrangeiras modernas, e recomenda-se que o professor se utilize desde o princípio
unicamente da língua a ser ensinada, não ensinando a gramática formal, o que é conhecido,
segundo ele, como método direto. No caso do ensino do latim, o autor pensa que também este
se deve pautar em um método direto, que obviamente não empregará o latim como uma língua
viva, “mas que visará antes do mais a compreensão direta do texto. Assim, desde a primeira
aula do curso, deverá o aluno entrar em contato direto com o texto latino, aliás escolhido
especialmente para esse fim [...].” (1959:181). Ou seja, o ensino da gramática não deve ser
isolado, e sim deve partir do texto. Ainda em relação aos textos, o autor recomenda que estes
sejam fáceis, mas não de autoria do professor, condenando também o uso de frases soltas.
Estas recomendações a respeito dos textos estão em sintonia com as de Weatherby (1998), que
vimos no primeiro capítulo, de que os textos devem estar de acordo com o nível de estudo da
língua no qual se encontra o aluno. A crítica ao uso de frases soltas também foi elaborada por
Miotti (2006), podendo-se concluir que, no que concerne aos textos usados no ensino de
81
línguas, o método proposto por Faria está em consonância com as recomendações mais
modernas.
Faria afirma que “deverá ser a tradução a última operação a ser executada, tendo-se em
mira exclusivamente a mais perfeita fixação dos conceitos emitidos pelo autor latino e, em
segundo lugar, a melhoria na redação portuguesa do aluno” (1959:184). Pode-se perceber
nesta afirmação a tradução vista novamente como um meio para exercitar a gramática
aprendida e aperfeiçoar a composição de textos em língua materna. Faria apresenta então um
texto latino de Sexto Rufo, demonstrando como este poderia ser trabalhado em sala de aula, de
acordo com as ideias colocadas por ele anteriormente.
Como os objetivos principais visados pela tradução, Faria destaca em primeiro lugar
“maior precisão no conhecimento do léxico latino especialmente, e em geral dos vários
matizes semânticos do emprego das formas e construções latinas” e “melhoria e progresso na
redação portuguesa de caráter literário, bem como maior correção nos modos de expressão
escrita e oral do aluno na língua vernácula” (1959:189). Segundo o primeiro destes objetivos,
a tradução significaria um exercício complementar da interpretação, que teria como objetivo
principal fixar as noções gramaticais vistas. A tradução também deve tentar acompanhar o
movimento da frase, o gênero da obra e o estilo do autor. Faria recomenda que se conserve o
sentido estilístico da ordem das palavras do texto latino, e que nunca se retalhem as orações
latinas, transformando-as em várias pequenas frases na tradução. Além disso,
não se deverá também na tradução deixar de seguir o original nos
processos especiais de expressão, sendo antes necessário qu’elle
respecte la manière et le ton de l’écrivain.’ (Marouzeau, La traduction
du latin). Destarte, se uma repetição no texto latino, a mesma
repetição deverá ser conservada pelo tradutor. Se o autor usa de
vocábulos quase sinônimos, cumpre conservar na tradução a mesma
gradação das expressões do original. Se para traduzir uma palavra em
sentido próprio se deve empregar outra em sentido próprio, quando no
texto aparecer a expressão rara ou o termo nobre dever-se-á na tradução
procurar uma equivalência perfeita. Diga-se o mesmo das perífrases
como também das imagens. As figuras igualmente devem ser
conservadas (1959:195).
Estas recomendações o muito parecidas com as contidas no manual de Marouzeau,
já analisado. Por todas estas dificuldades que a tradução apresenta, Faria reitera a ideia de que
somente os alunos adiantados no estudo da língua latina é que devem exercitá-la, mesmo
concebendo a tradução principalmente como um modo de exercitar o conteúdo gramatical.
82
Na opinião do autor, a composição latina e a versão provavelmente são, em parte,
responsáveis pelo desamor dos alunos pelo estudo do latim. Estes exercícios devem ser
banidos das salas de aula por não corresponderem mais aos objetivos do ensino moderno desta
língua. A composição latina não tem mais lugar no ensino do latim visto que este não é mais
veículo de comunicação como foi no passado. a versão, segundo o autor, não tem
cabimento como processo de aprendizagem do vocabulário latino, porém poderia ser
justificado como um meio de verificação deste vocabulário ou do conhecimento gramatical da
língua, se não houvesse outros métodos que apresentassem melhores resultados, porém não
cita quais seriam estes métodos. “Por tudo isso achamos que as vistas do professor se devam
voltar unicamente para a leitura e interpretação dos textos latinos autênticos. Use ele estes
mesmos textos para os exercícios de gramática [...].” (1959:202). a tradução é para Faria
uma arte, e, ao mesmo tempo, “[...] um exercício difícil que se aprende principalmente pela
prática da própria tradução” (1959:193).
O estudo gramatical e a orientação lingüística é o assunto do capítulo XII;
questões sobre pronúncia, declinações, desinências, sintaxe e estilística. No capítulo XIII, A
aquisição do vocabulário, Faria afirma que a língua latina possui poucos vocábulos e com
muitos significados, o que constitui uma dificuldade para o aprendiz, e que o estudo da língua
deve sempre partir de unidades concretas, as orações. Neste sentido um avanço em
relação aos manuais que iniciavam o estudo pela morfologia, como o de Harmsen,
Narrationes, que analisamos anteriormente. O capítulo seguinte se intitula O comentário, e
trata do comentário do texto, que é compreendido pelo autor como “tudo o que possa
concorrer para a completa compreensão do pensamento do autor latino, valendo assim, a um
tempo, pelas leituras e anotações que devem acompanhar as edições escolares [...]
(1959:256). O comentário deve iniciar com a localização do trecho na obra do autor, seu
estilo. Neste devem também constar fatos culturais que estejam relacionados com o texto,
além de explicações sobre gramática e vocabulário. Em seguida, há alguns exemplos de
comentário. No último capítulo, A preparação funcional do professor, o autor descreve como
é o caminho percorrido no Brasil e no exterior por aqueles que almejam ensinar a língua
latina. Finalmente, Faria apresenta uma vasta bibliografia sobre língua e literatura latina.
Podemos afirmar que o método que Faria propõe para o ensino do latim é pautado na
AGT, pois a tradução é vista como um exercício de fixação dos conteúdos gramaticais vistos
anteriormente pelo aluno, embora o autor em alguns momentos recomende que o professor
adie o início do uso da mesma no processo de ensino. Tem os mesmos objetivos que Leffa
entende como os objetivos da AGT: levar o aluno a apreciar a cultura e a literatura da língua
83
estrangeira, enquanto proporciona ao mesmo um conhecimento mais profundo de sua língua
materna e o desenvolvimento de sua inteligência e raciocínio. Poderíamos acrescentar a estes
objetivos o desenvolvimento do estilo de escrita do aluno e o latim como um facilitador para a
aprendizagem de outras línguas estrangeiras, apontados pela Classical Investigation e
endossados por Faria.
84
2.9 Metodologia do latim: vida cotidiana e instituições – V. da Nóbrega
Este manual, publicado em 1962, faz parte, assim como o de Faria, da coleção Rumos
da Livraria Acadêmica. Estes dois trabalhos têm objetivos semelhantes: auxiliar professores
em suas aulas de língua latina, expondo o que pensam ser mais importante para o seu estudo.
Na introdução, o autor comenta a Lei de Diretrizes e Bases que entraria em vigor no
ano seguinte ao da publicação do manual, e que daria liberdade às instituições para a
elaboração de seus currículos, o que faria com que muitas dessas suprimissem o estudo do
latim por falta de conhecimento da importância desta língua. Por isso, Nóbrega enaltece a
importância das coleções Rumos e Biblioteca Brasileira de Filologia, que estavam
contribuindo para os estudos humanísticos no Brasil. Este contexto justificará o tipo de
objetivo que o autor relacionará ao ensino do latim. Já no prefácio à primeira edição, Nóbrega
afirma que os maiores inimigos do latim são aqueles professores que, entre outras coisas,
“mandam decorar tradução; são os que sabem traduzir dissecando os elementos da frase tal
qual faria um mestre de anatomia diante dum cadáver inerte” (1962b:19).
A obra é dividida em três partes; a primeira trata de aspectos metodológicos do ensino
do latim. No capítulo I são apresentados os Fundamentos básicos do ensino do latim. Para o
autor, não basta justificar os estudos latinos apenas pelo interesse próprio, mas é preciso
apresentar motivos que validem esse conhecimento, o que será conseguido, segundo ele,
tomando o humanismo como ponto de partida. Portanto,
se aceitarmos essa concepção de humanismo, seremos obrigados a
reconhecer a necessidade do ensino de latim, porque ele nos fornece um
dos elementos indispensáveis para que possamos sentir, em sua
plenitude, as raízes e a própria essência de nossa civilização (1962b:35).
Segundo Nóbrega, alguns dos objetivos do estudo do latim no curso secundário são:
contribuir para a preparação de um terreno apropriado para o desenvolvimento dos
conhecimentos científicos; auxiliar no desenvolvimento da concentração, paciência,
perseverança, precisão, análise e generalização; auxiliar ao estudo da língua materna e de
outras línguas, e também de outras disciplinas. Destes objetivos, Nóbrega destaca o estudo do
latim como contribuição inestimável para o estudo do português, o desenvolvimento do
raciocínio, e a facilidade que proporciona para o estudo das demais línguas. Já sobre os
exercícios de tradução de textos latinos, o autor afirma que, desde que graduados e bem
85
orientados, “permitirão desenvolver o espírito de observação do aluno e contribuirão para
formar um estilo claro e conciso” (1962b:38). O professor pode aproveitar os textos
trabalhados para comentar aspectos da cultura romana. Na área da ciência, o conhecimento do
latim permite a fácil aquisição da nomenclatura científica, proporciona o hábito de pesquisar e
melhora a compreensão dos pensamentos filosóficos. Destaca também o estudo do latim como
instrumento de civismo, para a formação de líderes, e para as profissões liberais. nestes
objetivos uma semelhança com os de Faria: o estudo e a tradução do latim são justificados
através de fins práticos que pouco, ou nada, tem a ver com a própria língua latina, como o
desenvolvimento do raciocínio, do estilo de escrita do aluno, entre outros. Nóbrega também
destaca, assim como Faria, o estudo do latim como uma contribuição para a aprendizagem de
outras línguas estrangeiras e para o aperfeiçoamento da língua materna do aluno. Como
comentado, o ensino do latim passava por um momento de desvalorização, por isso os autores
dos manuais deste período procuravam justificá-lo através de razões práticas que
influenciassem em outras disciplinas, como o português e as nguas estrangeiras, ou em
outros aspectos da vida do aluno.
No capítulo II, Objetivos do estudo do latim: seus problemas, um pouco do
histórico desta questão. Para Greene, que escreveu no princípio do século XX, o objetivo
imediato do ensino do latim seria a leitura inteligente de um texto latino. Já para John Lord,
em conferência proferida em 1910,
o objetivo fundamental do estudo do latim não seria proporcionar o
conhecimento duma literatura antiga, nem formação cultural, nem o
fornecimento de subsídios acidentais para uma educação espiritual. O
objetivo fundamental deste ensino seria uma disciplina que contribui de
maneira excepcional para a maior finalidade da educação: o
desenvolvimento do poder de pensar com exatidão (1962b:54).
Assim como Faria, Nóbrega comenta a Classical Investigation, apresentando os 19
objetivos assinalados pela investigação. Entre eles destaca-se o de número 5: “Maior
desenvolvimento do poder de pensar e expressar o pensamento através do processo de
tradução do latim para o inglês correto” (1962b:55). Em seguida, o autor explana sobre um
inquérito semelhante promovido no Colégio Pedro II. Os professores, entre outras questões,
deveriam apontar quais os objetivos a serem alcançados que consideram mais importantes no
ensino do latim. Para tal pesquisa, foram utilizados os 19 objetivos apresentados pela
Classical Investigation, juntamente com outros 10 objetivos elaborados de acordo com o
ensino no Brasil. Dentre os objetivos que os professores consideram mais importantes está:
86
“Maior desenvolvimento do poder de pensar e expressar o pensamento através do processo de
tradução do latim para o português vernáculo” (1962b:81). Para o autor, os objetivos do
ensino do latim podem ser classificados em cinco grupos: a) objetivos humanísticos; b)
objetivos de aplicação; c) objetivos de formação literária; d) objetivos de caráter disciplinar; e)
objetivos histórico e social. Novamente são reafirmados os objetivos de caráter prático,
anteriormente comentados.
No capítulo III são apresentados Métodos de ensino do latim de autores variados.
Nóbrega afirma que “os métodos de que nos servimos no ensino de qualquer matéria devem
ser considerados como instrumentos que nos conduzirão aos objetivos.” (1962b:102). O
primeiro método apresentado por ele é o de Englar. Este autor comenta que, antigamente,
depois de o aluno ter aprendido as regras gramaticais é que ele as aplicaria na tradução dos
textos, mas, de acordo com os novos processos,
os alunos irão à procura de vocabulário, formas de sintaxe, e reunirão os
resultados de suas pesquisas. Assim, procurarão sintetizar, memorizar,
praticar e ler, à primeira vista, as palavras de uso mais comum
(1962b:103).
Outro método apresentado pelo autor é o de Inglis, que trata das condições para que se
consiga um bom resultado no ensino de uma disciplina de caráter clássico, que são: “a)
instruções metodológicas tendo em vista a capacidade, interesse e necessidade dos alunos; b)
adaptação às leis do ensino; c) adaptação de instrução aos objetivos e valores que justificam os
estudos clássicos” (1962b:105). No entanto, Nóbrega não opina sobre qual método seria o
mais adequado.
No capítulo seguinte, Linguística: síntese histórica, Nóbrega resume a história da
Linguística, dividindo-a em fases e informando quais foram os principais autores e obras de
cada uma destas. Em seguida, o autor comenta separadamente a escola francesa e a linguística,
destacando nomes como Meillet, Ernout e Marouzeau por seus trabalhos no âmbito dos
estudos latinos. Sobre a aplicação da linguística ao ensino do latim, Nóbrega afirma ser
relevante o professor chamar a atenção dos alunos para os fatos referentes à gramática
histórica. Ele também deve ter conhecimentos de linguística para poder explicar aos alunos a
fonética ou a sintaxe sugeridas pelo texto latino.
No capítulo V, Nóbrega discute Leitura, tradução e versão. Em relação ao primeiro
tópico, o autor faz considerações sobre sua importância, avaliando esta como imprescindível
no ensino do latim, e como o primeiro passo a ser dado pelo iniciante nos estudos. Comenta
87
que “Marouzeau, no capítulo dedicado à prática do latim, reconhece a importância da leitura,
que considera o exercício mais difícil e, ao mesmo tempo, mais salutar” (1962b:130).
Nóbrega afirma que duas grandes correntes que opinam diferentemente sobre os
processos para a leitura do latim: “numa delas colocam-se os professores que julgam dever o
latim ser lido como latim e na outra, os que admitem o exame das categorias gramaticais das
palavras contidas no texto lido” (1962b:132). Em relação à primeira corrente, Nóbrega afirma
que Hale, em 1886, fez um comunicado no qual mostrava que os estudantes deviam ler as
frases em latim na ordem em que o autor colocou as palavras, o que não era feito na época.
Para que este método proposto por Hale tenha resultados, três requisitos seriam necessários:
a) o aluno deve ter perfeito conhecimento das flexões, pois, em caso
contrário, perderá o fio do raciocínio, se for obrigado a parar a fim de
consultar a gramática; b) acentuado conhecimento do vocabulário, a tal
ponto que possa reconhecer nove, dentre dez palavras do texto; c)
conhecimento geral de todos os princípios de sintaxe utilizados no texto
(1962b:133).
Embora, segundo Nóbrega, alguns autores pensem que este método pode ser
aplicado em alunos com conhecimento da língua latina adiantado, ele pensa que este pode sim
ser aplicado em alunos iniciantes no estudo do latim, porém os textos devem ser escolhidos
com cautela, e as dificuldades contidas nos mesmos devem aumentar gradativamente. Ainda
sobre a leitura, a opinião de Nóbrega é a de que esta dará ao aluno uma ideia geral do
pensamento do autor, porém, “o sentido exato desse pensamento, em profundidade, poderá ser
buscado posteriormente com a tradução e a interpretação” (1962b:133). A tradução aqui é
vista como um processo de decodificação que resultará na descoberta do sentido oculto no
texto.
Segundo Nóbrega, Carr indica três motivos que poderiam trazer dificuldade para a
leitura do latim como latim:
a) os textos empregados e a falta de conexão entre estes e o estilo dos
clássicos. Muitas vezes os alunos passam bruscamente da tradução de
frases isoladas para o tipo, de certo modo complexo, do estilo dos
‘comentários’ sobre a guerra gaulesa, de César; b) a ânsia de traduzir. O
aluno, antes de concluir a leitura tem a sua atenção voltada para a
elaboração da tradução; c) a falta de hábito de leitura do latim como
latim (1962b:134).
Pensamos que estas dificuldades poderiam ser evitadas se o aluno entrasse em contato
com textos de autores latinos (mesmo que adaptados) desde o início do processo de ensino.
88
Não partilhamos da opinião de que a tradução possa atrapalhar o processo de leitura, conforme
veremos com outros manuais, os dois processos podem caminhar juntos, como pensa
Nóbrega.
No que se refere à tradução, Nóbrega discute inicialmente a questão se é ou não
possível traduzir, através de definições de vários autores sobre o que é a tradução. O autor
novamente afirma que a leitura do texto latino proporciona uma ideia geral do assunto, e a
tradução do mesmo faz com que o pensamento do autor latino seja aprendido em sua
totalidade. Leitura e tradução não seriam processos autoexcludentes, mas complementares
para o alcance de um mesmo objetivo. A tarefa do tradutor seria complicada, pois este teria de
transportar para a língua em que se pretende traduzir todo o pensamento do autor, expresso em
língua estrangeira; para Nóbrega, todas as ferramentas devem ser utilizadas para que “o
pensamento do autor seja, de fato, retratado com a maior fidelidade possível” (1962b:141). O
autor distingue dois tipos de tradução: a subjetiva e a objetiva. A primeira é aquela que se faz
para si mesmo quando se lê ou ouve algo em língua estrangeira. Já a segunda
é a que proporciona ao ouvinte ou ao leitor os elementos vernáculos
necessários a colocá-los em condição de apreender, ao tomar
conhecimento do texto transposto
41
, o verdadeiro pensamento do autor,
que o exprimiu em língua diferente daquela que está sendo utilizada pelo
tradutor. É óbvio acrescentar que esse novo texto deve ser redigido em
linguagem correta e de acordo com os cânones estilísticos da língua
usada para a tradução (1962b:142).
Nóbrega privilegia a língua de chegada na tradução, que o tradutor deve se ajustar
aos cânones estilísticos da língua para a qual está traduzindo.
Há diferentes métodos para traduzir um texto latino. O primeiro apresentado por
Nóbrega é o de Shedd, que divide a tradução em três processos: 1) processo de simples
transverbalização; 2) o processo que fornece a tradução literal; 3) o processo que conserva a
ordem da ênfase sem obedecer à construção gramatical, que Nóbrega qualifica de tradução
literária. Em seguida, o autor traduz um trecho de um texto de Cícero, aplicando cada um dos
processos de Shedd, e conclui que o primeiro deles, o de transverbalização, não como
resultado um texto que ele consideraria como escrito em português. o segundo processo
41
Arrojo (2002) critica a ideia de que a tradução seja um processo de transporte de significados de uma língua
para outra. Segundo a autora, nesta perspectiva o tradutor é um mero transportador de significados, que não deve
interferir no texto, nem interpretá-lo. Para Arrojo, “[...] o próprio significado de uma palavra, ou de um texto, na
língua de partida, somente poderá ser determinado, provisoriamente, através de uma leitura” (2002:23), e o
próprio significado não é algo estável ou fixo, mas dependente de seu contexto. Portanto, é impossível ocorrer
uma transferência total de significado.
89
consiste, na sua opinião, numa troca de lugar das palavras, que, posteriormente, serão
arranjadas de acordo com a ordem da língua-alvo. Finalmente, o terceiro processo mantém a
ordem enfática latina, sem se preocupar com a construção gramatical. Tradução literal, para
Nóbrega, não é simplesmente uma traducción servil, porém, ao mesmo tempo, não se
aproxima do conceito de tradução literal de Berman. O processo de traduzir literalmente, para
Nóbrega, viria antes de um “arranjo” no texto da língua de chegada, o que permite dizer que a
versão final da tradução é vista como um exercício de estilo na língua para a qual se está
traduzindo. Neste terceiro processo, segundo Nóbrega, não preocupação com a construção
gramatical, o que significa que um nominativo sujeito do original poderá, por exemplo, ser
transformado em um objeto direto na tradução, o que demonstra uma preocupação em relação
à fluidez no texto na língua de chegada, no sentido de que a tradução não deve ter estranhezas.
Outro processo de tradução apresentado é o de Smalley. São dez conselhos para se
obter uma boa tradução:
1- Ler tudo em latim, tentando apreender o sentido sem traduzir para a
língua vernácula;
2- apreendendo o sentido, ler toda a oração isoladamente, em latim,
tentando apreender o significado, ainda sem traduzir para a língua
vernácula;
3- se o significado não estiver claro, procurar compreendê-lo analisando
cada palavra que encontrar do seguinte modo e, para isto é aconselhável:
a) ler uma parte do discurso;
b) localizar a forma;
c) dar todos os significados e usos possíveis;
4- Quando uma palavra esclarecer o significado de outra anterior,
retraduzir do princípio;
5- terminando uma oração, passe-a para uma linguagem correta;
6- terminando, traduza tudo rapidamente, para a linguagem correta;
7- ler mais uma vez em latim: se o significado de qualquer parte do
trecho não estiver claro, traduza novamente aquela parte;
8- não procurar uma palavra no dicionário até estar seguro de que não
pode atinar com o seu significado;
9- antes de procurar uma palavra no dicionário conclua a forma que deve
encontrar;
10- tentar raciocinar o significado duma palavra por relações existentes
entre palavras latinas e vernáculas (1962b:145 e 146).
Neste método, o sentido é algo que deve ser apreendido e a tradução deve ser feita em
uma linguagem correta, porém o autor não especifica o que seria uma linguagem correta.
Pode-se inferir que seria, assim como pensa Nóbrega, uma linguagem sem estranhezas, e que
corresponderia àquilo que se considera a norma padrão da língua da tradução.
90
O método de tradução apresentado em seguida é o de Hoffmann, que condena o
processo de primeiramente localizar os membros da frase para então chegar ao sentido, o
contrário é que deve ser feito, ou seja, em primeiro lugar compreender o todo e somente
depois a relação dos membros. Nóbrega passa então a discutir a contribuição da escola alemã
em relação aos diferentes processos utilizados para o ato de traduzir. Inicia com Neumann,
que, após a análise do método de Hoffmann, conclui que a tradução é a reprodução de um
texto escrito em língua estrangeira em um alemão o mais correto possível. Para alcançar essa
tradução, deve-se primeiro ter compreendido a frase em suas partes individuais e como um
todo perfeito. A compreensão da frase, portanto, é anterior à tradução, e, somente através do
sentido de palavras individuais ou da ideia é que se chega à compreensão geral do texto. Seu
processo consiste em três partes: “1) o sentido da palavra (Wortübertragung); 2) a
compreensão da frase (Satzverständnis); 3) a tradução” (1962b:148). Já Krache condena o
método de construir para traduzir. Ele recomenda que, feita a leitura de um texto, façam-se
comentários sobre a ideia contida em grupos de palavras, na mesma ordem em que estas
aparecem no texto. Klinz, por sua vez, estabelece uma série de recomendações para as
atividades escolares:
a) o ponto de partida da forma total e do ponto principal é
incondicionalmente necessário; b) a compreensão do conteúdo, isto é, o
conjunto conhecido por meio da interpretação é pressuposição para uma
boa tradução da maior parte do texto; c) o aluno necessita para a tradução
tanto de uma revisão criadora e crítica, quanto a combinação provocada
por uma fantasia criadora, porém ligada ao assunto e ao tempo; d)
traduzir é uma atividade lingüística. A diferença dos meios lingüísticos
do original e da língua para a qual se traduz deve ser expressa na
tradução (1962b:150).
Para Nóbrega, o processo recomendado para a tradução tem início na leitura, na qual
se deve apreender o sentido geral do pensamento do autor. O aluno deve ler na ordem da frase
latina e nunca na chamada ordem direta. Somente depois de haver lido o texto é que se poderá
examinar detidamente as orações que compõem cada período. Unicamente depois de
cumpridos estes passos é que se deverá traduzir, quando não restar dúvida quanto ao sentido
geral do texto. Nóbrega recomenda que não sejam traduzidos trechos fracionados, mas sempre
textos que obedeçam a uma sequência, por exemplo, traduzir num semestre um canto inteiro
da Eneida no lugar de vários excertos da obra. Para o autor, “a tradução será tanto mais
próxima da perfeição, quanto melhor consiga refletir, na língua vernácula, o pensamento
expresso na língua, que se deseja traduzir” (1962b:153). Portanto, uma boa tradução é aquela
91
que contém a ideia do texto original, o que é resultado desta concepção de que o sentido é algo
a ser apreendido e que, portanto, deve estar na tradução. Não há uma grande preocupação com
questões gramaticais. O autor apresenta algumas sugestões de Marouzeau ao tradutor de latim:
a) Não acrescentar: traduzindo, por exemplo, novus por ‘novo e estranho’;
b) Não suprimir: traduzindo vivus ac superstes por ‘sobrevivente’;
c) Não decompor: stupens não é ‘profundamente admirado’;
d) Não recompor: cupidus habendi não é o equivalente puro e simples de
‘interessado’;
e) Não repetir o que não existe: militum virtutem civium fortitudine metiri
será mal traduzido por ‘medir a coragem dos soldados pela coragem dos
cidadãos’;
f) Não deixar de repetir o que está repetido: animus excelsus excelsa petit
será traduzido por ‘um espírito elevado procura as grandezas’
(1962b:153).
Para Nóbrega, o aluno não deve consultar o dicionário a todo o momento, mas
primeiro esgotar todos os recursos de tentar encontrar o sentido do vocábulo pelas regras de
formação de palavras ou pelo contexto. A última etapa da tradução seria a verificação, por
parte do tradutor, do português, que deve estar claro e correto. Em seu texto, o tradutor pode
mudar a forma, mas não a ideia, o pensamento do autor deve ser privilegiado em relação à
forma na tradução.
A respeito da versão, o autor considera que esta é “o recurso mais eficiente de que o
professor dispõe para aquilatar o grau de conhecimento sobre a parte gramatical explicada,
sem recorrer ao processo pouco pedagógico de fazer perguntas isoladas de morfologia ou de
sintaxe latina” (1962b:157). Os exercícios de versão, segundo ele, quando bem elaborados,
não induzem os alunos a erros por causa da comparação entre as duas línguas. Para comprovar
sua ideia, dá exemplos de exercícios de versão. O pensamento de Nóbrega a respeito da versão
é contrário ao de Faria, cujo manual faz parte da mesma coleção, e que pensa que esta não
deve ser aplicada no ensino, conforme já vimos.
Nóbrega se mostra contrário ao chamado método direto de ensino de línguas. O
principal motivo para isto é que o tempo para o ensino do latim é escasso, portanto,
empregar parte deste na composição sobre algum assunto fora do mundo latino, pode
prejudicar os conhecimentos que poderiam ser adquiridos através do contato permanente com
os autores clássicos. Para utilizar este método, o professor também terá de adaptar o
vocabulário latino com expressões modernas, que posteriormente não serão encontradas pelos
92
alunos nas obras clássicas. Portanto, Nóbrega conclui que este método seria adequado
somente ao ensino de línguas modernas.
O capítulo seguinte versa sobre A importância do vocabulário. O seu conhecimento,
segundo o autor, não passa apenas pela consulta das palavras no dicionário, e seu estudo deve
ser sempre feito em função dos textos. O autor apresenta então considerações de dois teóricos,
Lodge e Harriman. O primeiro afirma que, para se ler o latim, é necessário conhecer as formas
e os princípios fundamentais da sintaxe, possuir um bom vocabulário e ter bastante prática na
arte da tradução. Já Harriman recomenda: “a) no primeiro ano de estudo, o vocabulário deve
conter cerca de 550 palavras; b) o vocabulário deverá ser constituído de palavras tiradas de
autores clássicos como César, Cícero e Virgílio; c) na seleção das palavras, devem ser
preferidas as que apresentarem certa relação com a língua vernácula” (1962b:172).
A segunda parte da obra traz Noções sobre a vida privada dos romanos, e destaca
aspectos como a educação, a casa romana, vestimenta, refeições, religião, entre outros. A
terceira parte versa sobre as Principais Instituições e síntese histórica. No final, há um
capítulo especial sobre O latim e a Ciência Jurídica, seguido de um apêndice com as Normas
estabelecidas para o ensino do latim no Colégio Pedro II.
Pode-se concluir que o manual partilha dos mesmos objetivos da AGT: levar o aluno a
apreciar a cultura e a literatura da língua estrangeira, ao mesmo tempo em que o processo de
aprendizagem do latim aperfeiçoa os conhecimentos da língua materna e desenvolve sua
capacidade de raciocinar. A tradução, juntamente com a versão, é o principal exercício para
que o aluno chegue a ler os textos clássicos da língua latina. Os métodos de tradução que
Nóbrega traz de outros autores serão discutidos com maior profundidade no próximo capítulo.
93
2.10 Guia prático de tradução latina – Tassilo O. Spalding
Publicada em 1973, esta obra, segundo seu autor, tem caráter prático, e objetiva
auxiliar aqueles que querem recordar o latim ou se adestrar termo usado pelo autor na
técnica de tradução de trechos dos autores latinos. No prefácio, Spalding afirma que sua obra
não é uma gramática nos moldes convencionais, pois não segue a ordem tradicional da
matéria, nem se detém em regras. Para o autor, uma das principais dificuldades na
aprendizagem do latim é o fato de esta ser uma língua sintética. Para estudar com este método,
o leitor deve ter conhecimento do latim e saber de cor as declinações e o verbo, que têm
caráter consultivo no livro, o qual tem muitos exemplos, pois, para o autor, a repetição é muito
importante para o processo de aprendizagem.
Na primeira parte, intitulada Generalidades, Spalding ressalta a necessidade de
conhecer as desinências e de usar corretamente os artigos no momento em que o aluno for
traduzir o texto em latim, que, diferentemente do português, esta língua não possui artigos.
O autor oferece algumas sugestões de tradução, como a maneira de verter para o português
possessivos junto de nome próprio, aconselhando também que o aluno explicite no texto em
português os possessivos omitidos em latim. No decorrer das explicações momentos em
que o autor compara as duas línguas, numa tentativa de facilitar o entendimento da gramática
latina por parte do aluno. Chama a atenção para o fato de que no latim o verbo se encontra no
fim da oração e afirma que o sentido da língua será sempre claro e o mesmo, qualquer que seja
a posição das palavras, por isso, o aluno não deve se deixar enganar pela ordem na qual elas
aparecem.
A segunda parte versa sobre a Análise. Nesta, o autor afirma:
Para traduzir Latim, é necessário que o aluno saiba bem analisar. Que é
analisar? É saber reconhecer o sujeito, o predicado, o objeto direto, os
complementos nominais, o complemento agente da passiva, o
complemento predicativo, o complemento aposto e o vocativo (1983:16).
O sucesso da tradução é consequência de uma boa análise sintática, ideia que
encontramos em outros manuais. Em seguida, define sujeito, predicado, verbo transitivo e
verbo intransitivo (objetos), verbo de ligação e complemento nominal, dando exemplos de
frases em latim e em português nas quais estes elementos aparecem.
94
Na quarta parte, Spalding faz uma Súmula das declinações. Aborda brevemente a
questão do gênero, do número e de como identificar cada declinação pelo genitivo; apresenta
as cinco declinações e algumas palavras declinadas como exemplo, comentando as exceções.
Aconselha:
É mister que o estudioso anote ou decore as expressões que os
dicionários costumam trazer; preste atenção nos modismos; atente no
modo de construir a oração latina e como os bons tradutores a vertem
para o Português. O Latim, como todas as línguas, apresenta vocábulos
que têm os mais variados significados: a arte do bom tradutor consiste
em escolher o sentido exato exigido pelo contexto (1983:63).
Por esta citação, percebe-se que este manual está pautado nos pressupostos da AGT.
Spalding considera importante que o aluno siga os três passos descritos por Leffa, no capítulo
anterior, como essenciais para a aprendizagem da língua: memorização prévia de palavras;
conhecimento das regras que mostrarão a relação entre as palavras e frases; e, finalmente,
exercícios de tradução e versão. Na sexta parte, Acusativo com infinitivo, Spalding sugere
algumas regras práticas para a tradução de certas particularidades gramaticais:
a) Quando a oração subordinada, em Latim, é construída com o verbo
esse, ‘ser’ e tem um predicativo do sujeito, o predicativo irá, também,
para o acusativo [...]. b) [...] Digo que tu podes vencer os inimigos’,
Dico te hostes uincere posse’. Esta oração, em Latim, tem dois sentidos,
é ambígua e, portanto, errada: ‘Digo que os inimigos te podem vencer’ e
‘Digo que tu podes vencer os inimigos’. Em Latim, nesses casos, usa-se,
então, a voz passiva: ‘Aio hostes a te uinci posse, ‘Digo que os inimigos
podem ser vencidos por ti’. [...] e) O sujeito do infinito vem sempre
expresso, ainda quando é idêntico ao verbo da oração principal. [...] A
identidade do sujeito da oração subordinada substantiva objetiva direta
com a da principal se exprime com o pronome reflexivo se, tanto para o
singular como para o plural [...]. O se latino não se traduz! f) Se a oração
infinitiva (subordinada) for redigida por um verbo que significa ‘esperar,
prometer, ameaçar, jurar, fazer voto’, etc, usa-se o infinito futuro, porque
tais verbos de si mesmos indicam ação futura; em Português, porém
traduzem-se pelo tempo do verbo da oração principal e infinito
(1983:89/90).
Sobre o Ablativo Absoluto, Spalding afirma
quando no ablativo absoluto não aparece nenhum particípio verbal,
significa isto que se trata do verbo esse empregado de modo latente ou
subentendido [...] e a oração deve ser traduzida para o Português como
‘sendo’, ‘estando’ etc ou uma oração subordinada adverbial temporal [...]
(1983:92).
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O ablativo absoluto, segundo o autor, ainda pode ser traduzido por oração subordinada
adverbial temporal, oração subordinada adverbial condicional, oração subordinada adverbial
concessiva ou oração subordinada adverbial conformativa. As sentenças que aparecem nos
exercícios são de autoria do próprio Spalding, o textos inteiros, somente frases isoladas,
o que pode no mínimo atrasar a leitura de textos latinos por parte do aluno, pois ele não estará
em contato com textos desde o início do processo de aprendizagem. Também não estará em
contato com autores latinos, ou seja, o estudo da literatura não se dá ao mesmo tempo que o da
gramática.
A última parte da obra se intitula Método de traduzir:
Dizem os mestres que para se traduzir Latim, o primeiro passo é saber
muito bem e de cor as cinco declinações e o verbo latino. Depois deverá
conhecer as particularidades sintáticas principais [...]. [...] é mister,
porém, que tome cuidado com o nominativo, caso do sujeito, não por
causa do seu valor sintático mas também por ser o elemento principal,
junto com o verbo, pelo qual se começa a tradução (1983:96).
Segundo Spalding, alguns casos podem oferecer dificuldade para a tradução, ele
apresenta alguns destes dando exemplos de como traduzi-los.
É da índole do Latim usar dois verbos sinônimos, para reforçar o sentido
e dar ênfase à expressão. A boa tradução portuguesa, muita vez, preferirá
um verbo e um adjunto adverbial: Te oro atque obstetor, ‘Rogo-te
instantemente’ (e não: Rogo-te e peço-te com instância) [...] (1983:97).
Em seguida apresenta suas Normas para a tradução: 1) procurar o sujeito; 2) procurar
o verbo, o predicado; 3) por na ordem direta; 4) analisar palavra por palavra colocando juntos
substantivos e adjetivos correspondentes ou adjuntos; 5) depois da análise e verificado o caso
de cada palavra, e consequentemente a função sintática de cada uma, o aluno deve traduzir a
frase uerbum ad uerbum, isto é, tradução justalinear, palavra por palavra; 6) depois de obter o
sentido, faz-se a tradução literária baseada na versão literal. Em outro ponto do manual,
Spalding havia afirmado que se deve começar a análise pelo verbo. A tradução aqui é vista
como um exercício de estilo, que será feito após uma análise sintática da frase, a qual
fornecerá uma tradução que o autor chama de literal. Assim como nos outros manuais, a
concepção de tradução literal aqui é diferente da de Berman e quer dizer uma traducción
servil.
96
2.11 Ars Latina – Berge, Castro & Muller
O manual Ars Latina foi publicado em 1970 e oito anos depois estava na décima
nona edição, o que demonstra a popularidade deste manual no Brasil. Miotti (2006) nos
informa que este manual é ainda utilizado como base para a elaboração de apostilas por parte
de professores de latim das universidades pesquisadas pela autora.
Os autores iniciam a obra com a Exposição do método, na qual afirmam que seu curso
“dá noções práticas de latim, conforme o estilo clássico de César e Cícero” (1978:09). A razão
para a adoção deste estilo, segundo eles, é a de que o classicismo é requerimento importante
para a aprendizagem de um idioma como o latim, que é uma língua morta e, portanto, sua
estrutura só pode ser depreendida da literatura. Porém, é objetivo deste método, que os autores
chamam de “método ativo”, ensinar também a conversação em latim. As recomendações mais
modernas em relação ao estudo desta língua, como vimos com Miotti (2006) em capítulo
anterior, são de que a única habilidade, das quatro existentes no ensino de línguas, a ser
desenvolvida no processo de aprendizagem é a da leitura, escrever, ouvir e falar, portanto,
seriam habilidades excluídas.
Segundo os autores, a língua será ensinada gradualmente, através de análises o aluno
depreenderá as regras do idioma. Alertam que “o método de concentração requer,
forçosamente, que a regência do português seja criteriosamente combinada com o programa
de latim” (1978:10), recomendando que o mesmo professor ministre as duas disciplinas, ou
seja, é preciso que o aluno tenha um bom conhecimento da gramática do português para que o
estudo do latim seja proveitoso. O curso Ars Latina compreende 7 anos, sendo que o presente
volume corresponde ao primeiro e segundo anos, e foi baseado em uma obra de mesmo nome
publicada na Alemanha, e em outras obras citadas pelos autores. No entanto, eles alertam que
seu volume “não é simples tradução. Segundo os abalizados mestres, adaptamos,
transfundimos, e melhoramos a matéria por eles apresentada, de sorte que o manual ficou de
sabor genuinamente brasileiro” (1978:11).
Os autores se propõem, então, a oferecer sugestões práticas ao professor de como
iniciar as aulas de latim. O professor deve escrever uma proposição no quadro (a sugestão dos
autores é Brasilia terra est), fazer com que os alunos a repitam em voz alta, em seguida deve
ajudá-los a descobrir sentido das palavras da frase, chamando a atenção para aspectos
gramaticais do latim, como a ausência de artigos. Assim deve o professor suceder com as
demais proposições, até que os alunos possam traduzir as restantes sozinhos. Através das
97
traduções o professor deve ajudar os alunos a depreenderem as noções gramaticais do latim.
Ele deve usar sempre o quadro-negro e incentivar os alunos a falarem em latim entre si.
Procedendo desta forma, afirmam os autores, o método beneficiará a regência do português. O
estudo da língua parte, portanto, não do texto, mas de sentenças isoladas, de autoria do
professor, e a consequência deste estudo seria a aquisição de um conhecimento mais denso de
seu próprio idioma, o que nos leva a concluir que este manual partilha dos pressupostos da
AGT.
O primeiro capítulo traz a primeira declinação. Os autores apresentam os casos através
de várias frases curtas em latim, isoladas e elaboradas por eles, alternando explicações sobre a
gramática latina e portuguesa. Há algumas frases as quais o aluno deve traduzir do latim para
o português, e outras que deve verter do português para o latim, e que vão ganhando
complexidade gradualmente. Há também um Exercício de conversação, com perguntas que os
alunos devem fazer e responder entre si, relacionadas a um pequeno texto de autoria dos
autores do manual, exemplo: Quis arat? – Quid ancillae parant?, entre outras. Os autores não
se restringem a explicar somente as declinações, conforme outros elementos vão aparecendo,
por exemplo verbos, esclarecimentos breves para que o aluno tome conhecimento dos
mesmos, porém, os elementos da gramática ainda são ensinados de forma isolada, crítica feita
por Oliveira, no capítulo anterior.
O capítulo dois versa sobre a segunda declinação, e segue os mesmos moldes do
anterior. Os textos contêm assuntos próximos dos alunos, como seu dia a dia na escola, além
de assuntos relacionados à cultura romana.
No capítulo seguinte os autores abordam o verbo esse, que também explicado através
de pequenas frases que o aluno deve traduzir. Todos os capítulos seguintes explicam a
gramática desta forma, as frases para tradução e versão têm maior complexidade, porém não
há sentenças de autores latinos.
Em alguns momentos, os autores dão sugerem traduções para certas particularidades
gramaticais, como no capítulo oito: Cum é também conjunção. Significa quando (e porque).
Podemos também traduzi-lo por uma oração preposicional infinitiva: ao... Rege o subjuntivo
(1978:68), porém não aprofundam a questão da tradução do latim em nenhum dos dezesseis
capítulos que compõem o livro.
Ao fim da obra um Apêndice gramatical, no qual há tabelas das declinações,
observações acerca destas, dos adjetivos, pronomes, verbos, enfim, um resumo do que foi
exposto ao longo dos capítulos. Por último, os autores disponibilizam um Vocabulário das
lições, no qual a nota: “Os termos entre parênteses são, muitas vezes, elucidativos. Não
98
entram, sempre, na tradução.” (1978:139). No apêndice, textos, sentenças e informações de
autores latinos. Fazemos aqui uma crítica quanto ao fato de alguns provérbios não trazerem a
referência do autor.
Resumindo as críticas em relação ao manual, afirmamos que os exercícios de
conversação não cabem no ensino de uma língua do passado. Outro ponto negativo é o uso de
frases isoladas e de autoria dos autores do manual, tanto como exemplo para as explicações da
gramática, como nos exercícios. Se o latim é uma língua morta e, portanto, sua estrutura
pode ser depreendida da literatura, como afirmam os próprios autores na Exposição do
Método, a ngua deveria ser ensinada através de textos de autores latinos, adaptados, é claro,
ao nível de conhecimento dos alunos. Conforme o manual avança, os exercícios contêm
textos, e não somente sentenças isoladas, porém continuam sendo de autoria dos autores,
sendo que muitos não têm qualquer relação com a literatura ou a cultura romana.
99
2.12 Não perca o seu latim – P. Rónai
Publicado em 1980, este volume elaborado por Rónai tem por objetivo auxiliar as
pessoas que não estão familiarizadas com a língua latina, por esta ter sido eliminada dos
currículos escolares. A obra se compõe majoritariamente de uma coletânea de palavras e
frases latinas frequentemente citadas, apresentadas com suas traduções e explicações, seguidas
de uma gramática do latim resumida. A frase final da orelha do livro nos uma ideia do
objetivo deste: “Não perca o seu latim: atualize-o para melhorar o seu português”, ou seja, o
autor crê que o estudo do latim traz benefícios ao estudo do vernáculo, um dos pressupostos
da AGT, como vimos no capítulo anterior.
Na introdução, Rónai explica que sua obra, “se destina aos que não sabem latim, mas
também aos sabedores” (1980:11). Para o autor, o latim não morreu, apenas se transformou
nas línguas românicas que conhecemos hoje: português, castelhano, francês, italiano, romeno.
Em seguida, o autor apresenta um pequeno texto com questões de Acentuação e
pronúncia. Posteriormente, encontra-se a parte mais extensa da obra, Palavras e frases latinas
freqüentemente usadas, colocadas em ordem alfabética, numa lista de aproximadamente 170
páginas. O vocábulo ou sentença em latim é traduzido e em seguida é apresentado um
comentário sobre seu significado, seguido de citações de textos nos quais a sentença foi usada
(incluindo autores brasileiros). Finalmente, Rónai apresenta a bibliografia das obras mais
frequentemente consultadas na área de estudos latinos. Neste sentido, o manual aproxima das
recomendações de Miotti (2006), de que os textos usados no ensino sejam de autores latinos, e
que sejam trazidos, sempre que possível, textos relevantes das literaturas de línguas
portuguesa que remetam à língua latina.
A última parte da obra se compõe de uma Sucinta gramática latina. Inicia-se com uma
explicação sobre Substantivos e adjetivos, como decliná-los, bem como observações acerca
das declinações (gênero, radical, terminações, defectivos, declinação irregular, sentido
peculiar de certos casos), e a questão da declinação dos nomes gregos. Posteriormente, o autor
explica os Pronomes, seguidos dos Verbos regulares e dos Verbos irregulares. Logo após
vêm as Preposições, Posposições, Interjeições, os Numerais e os Advérbios. Por último, a
parte de sintaxe, Sintaxe de concordância, das orações independentes, dos casos e das
orações dependentes. Em toda esta parte sobre a gramática há muitas tabelas e exemplos de
frases latinas.
100
Neste manual, portanto, a tradução aparece antes da gramática, embora esta primeira
parte componha-se somente de sentenças isoladas, não de textos. O leitor entra em contato
com a língua e a tradução antes mesmo de ter qualquer conhecimento gramatical. A parte
sobre a gramática, no entanto, tem um caráter apenas consultivo, traz a morfologia separada
da sintaxe, ou seja, a língua ainda é apresentada de forma estanque, crítica feita por Oliveira
em capítulo anterior.
101
2.13 Programa de Latim: Introdução à Língua Latina – J. Comba
A obra de Comba não possui introdução, por isso, não se pode saber com certeza a que
tipo de aluno o autor está se dirigindo, nem os seus objetivos com este trabalho. Foi publicada
em 1985 e, em 1986, estava na oitava edição, o que demonstra a popularidade do manual. O
primeiro capítulo traz Exercícios de Análise Morfológica, pois, segundo o autor, em nota:
“Ninguém inicie o estudo da análise SINTÁTICA, se não conseguir fazer com facilidade a
análise morfológica (simplificada) das frases destes exercícios; para isso muito hão de auxiliar
a gramática e o dicionário da Língua Portuguesa” (1986:05). Os exercícios são de análise
morfológica do português. Iniciam com o artigo e substantivo; o autor fornece um modelo de
análise que o aluno deve seguir no exercício seguinte. Este esquema se repete com Adjetivo e
numeral, Verbo, Pronome, Advérbio, Preposição, Conjunção e Interjeição. Para Comba o
ensino parte do sistema para a língua, como afirma Oliveira, em capítulo anterior. Os
elementos da gramática são adquiridos de forma estanque, como o próprio Comba afirma:
primeiro se aprende a morfologia, depois a sintaxe.
Em Noções de Análise Sintática da Oração, o autor conceitua oração e introduz os
verbos de ligação e verbos transitivos e intransitivos. Em seguida, o aluno deve encontrar nas
frases em português de dois exercícios os nomes e os verbos, classificando-os em verbo de
ligação, transitivo direto, transitivo indireto ou intransitivo, ou seja, preocupação em que o
aluno saiba a gramática do português. Comba então apresenta os Termos essenciais da
oração, nos mesmos moldes como apresentou as noções de análise anteriormente, com uma
pequena introdução e exercícios de análise de frases em português. Depois, apresenta os
Termos integrantes da oração, seguidos dos Termos acessórios da oração.
O terceiro capítulo intitula-se A Língua Latina, neste, o autor dá informações históricas
sobre o idioma. O capítulo seguinte, Elementos de fonética, traz as primeiras palavras em
latim do livro. Primeiramente, o autor apresenta o alfabeto latino e elementos sobre a
pronúncia do latim, abordando também a questão da quantidade das sílabas, a acentuação e os
verbos da primeira conjugação em alguns tempos. Ao final do capítulo um exercício de
tradução de verbos e de versão de outros.
No capítulo Morfologia dos substantivos e dos adjetivos, Comba introduz as
declinações. Em seguida, apresenta mais detalhadamente a primeira declinação, para exercitá-
la o aluno deve declinar algumas palavras. Depois, ele é apresentado ao primeiro exercício de
tradução, um pequeno vocabulário, para ajudá-lo na tradução de pequenas orações latinas
102
com palavras da primeira declinação. O aluno também deve verter outras orações do
português para o latim. Estas frases não têm qualquer relação entre si, e são, provavelmente,
de autoria do próprio Comba, muitas não tem relação com a cultura ou literatura romana. O
autor passa então a explicar o verbo esse, apresentando sua conjugação e dois exercícios
semelhantes aos do final do capítulo anterior, juntamente com dois exercícios de tradução e
versão de frases curtas. Um exemplo destes últimos é Puellae amant coronas rosarum; sobre
esta frase Comba aconselha: “a tradução de rosarum poderia ser ‘das rosas’ ou ‘de rosas’;
neste exemplo deve-se, porém, escolher a segunda” (1986:32). Logo após, Comba apresenta a
segunda declinação, da mesma maneira como apresentou a primeira. Continua alternando a
apresentação de verbos das quatro conjugações com a apresentação de adjetivos, adjuntos
adverbiais e o restante das declinações. muitos exercícios após a explicação de cada um
desses elementos, na sua maioria exercícios de versão, juntamente com exercícios de
declinação de palavras. O autor sugere a tradução para particularidades gramaticais, como: “[o
adjunto de companhia] responde às perguntas: com quem? com quê? com que cousa? e
traduz-se com o caso ablativo precedido pela preposição cum: Ego cum Antonio ambulo [...]”
(1986:43). Há também neste capítulo alguns exercícios de leitura, que compreendem pequenos
textos, provavelmente confeccionados por Comba, sobre animais, deuses e outros assuntos
relativos à cultura romana, e alguns provérbios e sentenças famosas de autores latinos.
O sexto capítulo versa sobre os Graus do adjetivo; neste o autor explica como se forma
o comparativo, afirmando que “a conjunção que (ou do que) traduz-se por quam(1986:78).
Os outros capítulos seguem com explicações de gramática e exercícios de tradução, versão e
leitura, semelhantes aos dos capítulos anteriores, alternando frases e textos do autor com
sentenças de autores latinos. No oitavo capítulo, Morfologia dos pronomes, por exemplo, o
autor explica que: “o pronome ESTE traduz-se por hic, haec, hoc [...]” (1986:93) e “o
pronome pessoal ELE, ELA traduz-se por ille, illa, illud, e, menos freqüentemente, por is, ea,
id, ou ipse, ipsa, ipsum” (1986:94).
Tanto nos textos para leitura do capítulo nove, quanto nos textos dos capítulos
anteriores, o autor traduz entre parênteses alguns vocábulos e expressões que possam trazer
alguma dificuldade ao aluno no momento de traduzir. Como exemplo, no texto deste capítulo:
Saeculo undeuicesimo magnus puerorum educator (educador), cui nomen (chamado)
Ioannes Bosco [...]” (1986:106).
No capítulo dez, o assunto são As conjugações latinas, das quais o autor fala sobre
algumas generalidades (aconselha os alunos a decorar o verbo amare), para depois apresentar
os modelos das quatro conjugações. Em seguida, discorre sobre os modos e tempos, incluindo
103
as formas primitivas, a formação dos tempos e desinências e terminações nos verbos. Nesta
parte, Comba aconselha como traduzir alguns tempos verbais, como exemplo:
em latim o futuro do pretérito; o futuro do pretérito simples traduz-
se, em geral, pelo imperf. do subjuntivo (Amarias = amares), e o futuro
do pretérito composto traduz-se, em geral, pelo mais que perfeito do
subjunt. (Terias sido amado = amatus esses) (1986:116).
Na parte do manual em que se encontram os verbos somente exercícios de versão
do português para o latim. Os outros capítulos também contêm explicações sobre a gramática
e exercícios nos mesmos moldes dos anteriores. O capítulo onze versa sobre as Preposições, o
autor as explica e logo após um exercício de versão e algumas leituras em latim, e outras
em português sobre aspectos da cultura romana, textos de autoria do próprio Comba. Em
seguida traz algumas fábulas de Fedro e trechos do Antigo e Novo Testamento em latim.
Depois apresenta noções a respeito dos autores dos quais retirou as sentenças que aparecem no
decorrer da obra e um pequeno dicionário latino-português e português-latino.
Este manual compartilha dos princípios da AGT, seu objetivo é o de levar o aluno a
apreciar a cultura e a literatura romana. preocupação em trazer ao aluno estes elementos
através dos textos, porém textos literários poderiam ser usados nos exercícios e não somente
frases isoladas de autoria provável de Comba.
104
2.14 Reading latin: grammar, vocabulary and exercises – Jones & Sidwell
Esta obra foi publicada pela primeira vez em 1986 e, segundo Miotti, alcançou em
2005 sua 18ª edição para o volume Text e a 19ª edição para o volume Grammar, vocabulary
and exercises. O volume Text compõe-se apenas textos. O Grammar, vocabulary and
exercises contém a gramática e exercícios de aplicação, e será aqui nosso objeto de
investigação, juntamente com a introdução do volume Text, que é a introdução do curso
Reading Latin.
Na citada introdução, os autores explicam que este manual foi elaborado para
iniciantes jovens, adultos e universitários que objetivem aprender latim clássico ou medieval.
Um aluno universitário levaria, em média, dois anos, com três ou quatro horas de estudo
semanais, para completar o curso, o qual foi baseado em uma obra anterior dos mesmos
autores, o Reading Greek. Eles afirmam que as duas obras se diferenciam em três pontos. Em
primeiro lugar, diferenciam-se pelo fato do latim requerer mais exercícios que o grego. Em
segundo lugar, para que o estudante possa eventualmente ler em latim, é preciso que desde o
início ele entre em contato com a frase latina na ordem em que foi escrita. Finalmente, os
autores criaram uma seção, Deliciae Latinae, na qual trazem textos de outros períodos da
língua latina que não o clássico, bem como exploram a influência desta ngua no vocabulário
da língua inglesa.
Jones & Sidwell explicam então a metodologia que a ser seguida pelo aluno. Este
deve, com a ajuda do vocabulário do volume de gramática ou do professor, ler e traduzir a
seção correspondente do volume de textos. Em seguida, o professor deverá explicar somente
os pontos gramaticais correspondentes àquela seção, o que poderia ser feito antes do aluno
começar a traduzir, porém os autores sugerem que a explicação seja dada após a tradução,
para que o aluno tente primeiramente entender o texto sozinho. Depois, os alunos devem
aprender cuidadosamente o Learning Vocabulary da seção, assim como a gramática, além de
executar os exercícios, que podem ser feitos em sala de aula ou não, como o professor preferir.
No entanto, os autores sugerem que os Reading exercises sejam feitos oralmente em sala de
aula, ao menos no início do curso. O manual é capaz de levar o aluno a ler mais rápido em
latim, pois ele entra em contato com o texto latino mesmo que adaptado e o exercício da
tradução antes mesmo de receber qualquer explicação gramatical, o que é um avanço em
relação aos outros manuais. Mas ao sugerir que o aluno aprenda o vocabulário, os autores
estão incentivando a memorização mecânica de vocábulos. Neste sentido, o manual segue os
105
passos descritos por Leffa, em capítulo anterior, para a aprendizagem de uma língua dentro da
perspectiva da AGT: memorização de uma lista de palavras; ciência das regras para conectar
as palavras em frases; por fim, exercícios de tradução e versão. Em Reading Latin, os dois
últimos passos são invertidos: primeiro o aluno exercita a tradução apenas com o
conhecimento do vocabulário, depois aprende a gramática.
no volume Grammar, vocabulary and exercises, os autores especificam as quatro
partes que compõem cada seção: Running Vocabulary, Learning Vocabulary
42
, Grammar and
exercises e Deliciae Latinae. Sobre os exercícios, os autores afirmam que assinalaram ao
longo do volume aqueles que consideram opcionais, mas recomendam que o professor,
juntamente com os alunos, decida quais são necessários. Ao final do volume também uma
gramática abrangendo todos os pontos gramaticais trabalhados, acrescida de algumas
informações que não se encontram ao longo das seções.
Em Introduction, um pequeno vocabulário, seguido de uma lista de oito palavras,
separadas em nomes, verbos e outros que devem ser aprendidas pelo aluno. O conteúdo da
gramática é a conjugação do verbo sum no presente do indicativo, ressaltando os autores que
este verbo é o mais comum em latim. Explicam que, enquanto o inglês faz uso de duas
palavras para dizer I am, o latim faz uso de apenas uma, pois o final do verbo indica a
pessoa do discurso. constante comparação do latim com a língua materna do aluno. Os
exercícios desta seção são de versão de sujeito + verbo do inglês para o latim, e de tradução do
latim para o inglês de frases simples. Os excertos a serem traduzidos nesta seção pertencem a
Aulularia de Plauto. A seguir, destacaremos elementos de algumas seções.
A seção 1A contém as mesmas subseções que a Introduction: vocabulário, vocabulário
a ser aprendido pelo aluno, gramática e exercícios. Os pontos gramaticais desta seção são: a
primeira e a segunda declinações, os seis casos e o verbo amo; ressaltando os autores que os
casos são de vital importância para o latim, e que estes devem ser aprendidos com perfeição,
que, diferentemente do inglês, no latim a ordem das palavras não determina sua função
gramatical. Em seguida, alguns exercícios nos quais o aluno deve declinar alguns nomes,
traduzir sentenças do latim para o inglês, e, posteriormente, passá-las para o plural em latim.
uma pequena explicação sobre preposições, juntamente com o significado das mais
comuns, in, ad + acusativo. e in + ablativo. Após, o aluno deve verter do inglês para o latim
sentenças que contém preposições. Os autores trazem, então, uma Translation hint: “é
42
Encontram-se no Learning Vocabulary as palavras que deverão ser aprendidas pelo aluno, pois não constarão
em outro Running Vocabulary, a menos que ocorram nos textos seguintes com outro significado. Ao final do
volume, porém, um vocabulário completo (Latim – Inglês e Inglês – Latim), contendo todas as palavras que o
aluno possa encontrar nos textos e seus respectivos significados.
106
extremamente importante que as palavras latinas sejam apreendidas na ordem em que
aparecem na sentença, mas a decisão sobre o significado final da sentença deve ser suspensa
até que todas as pistas necessárias sejam dadas” (2003:14)
43
; duas frases exemplificam a
maneira como o aluno deve começar a traduzir. Os autores analisam as palavras na ordem em
que aparecem na frase, por exemplo, em aulam igitur clam sub terra celo, a análise começa
por aulam, o significado da palavra é dado e conclui-se que é um acusativo, seguindo assim
com as outras palavras. Outro exercício desta seção é o de leitura, no qual o aluno deve ler
algumas sentenças em latim, e, sem traduzir, deve dizer, em latim novamente, qual é o sujeito
do segundo verbo de cada uma. Depois, deve traduzir as sentenças para o inglês. também
um exercício de análise sintática de versos em inglês e outro exercício de tradução do latim
para o inglês e do inglês para o latim.
Na seção 1B aparece pela primeira vez um texto de Deliciae Latinae, com, entre
outras, algumas sentenças retiradas da Vulgata que o aluno pode compreender com facilidade,
além de outra subseção chamada Everyday Latin, com expressões latinas ainda usadas hoje na
língua inglesa.
Na seção 1D, os autores exemplificam como o aluno pode traduzir algumas palavras
em determinados contextos: domus usado com preposições significa ‘house’. Mas quando
significa ‘home’ é usado sem a preposição das seguintes maneiras: domum ‘(to) home’; domi
‘at home’; domo ‘from home” (2003:51)
44
. Algumas sentenças a serem traduzidas pelos
alunos nos exercícios são frases de autores como Cícero e Ovídio, porém a maioria dessas é de
autoria de Jones & Sidwell.
Na seção 1F, o Reading Exercise / Text Exercise tem o seguinte cabeçalho: “leia esta
passagem, traduzindo na ordem das palavras, definindo a função de cada palavra e
antecipando a construção. Traduza em inglês correto. Então leia a passagem em voz alta em
latim, expressando corretamente, pensando do princípio ao fim no significado enquanto lê”
(2003:74).
45
Muitas vezes ao longo do volume os autores aconselham o aluno a traduzir na
ordem em que as palavras aparecem.
Sobre o ablativo de descrição, na seção 1G, os autores comentam:
43
“It is extremely important that Latin words be taken in the order in which they appear in a sentence, but that
judgement about the final meaning of the sentence be suspended until all the necessary clues have been
provided” (2003:14).
44
domus used with prepositions means ‘house’. But when it means ‘home’ it is used without the preposition in
the following ways: domum ‘(to) home’; domi ‘at home’; domo ‘from home’” (2003:51).
45
“Read this passage, translating in word-order, defining the function of each word and anticipating the
construction. Translate into correct English. Then read the passage aloud in Latin, phrasing correctly, thinking
through the meaning as you read” (2003:74).
107
O ablativo é usado para descrever as qualidades que pessoas ou coisas
têm, as quais permitem que estas ajam do modo como agem. Este é o
ablativo de descrição, exemplo: uir summa uirtute ‘a man with / of great
courage’, iuuenis nulla continentia ‘a young man with / of no self-
control’. Traduza tais ablativos como ‘with’ num primeiro momento,
então ajuste para produzir uma versão mais polida em inglês (2003:80).
46
diversas sugestões de tradução ao longo do manual, os autores na maior parte das
vezes aconselham o aluno a fazer uma primeira tradução que seria literal, e em seguida ajustá-
la num inglês mais correto, ou mais fluente. Na seção 5B, por exemplo, há a sugestão de como
o aluno pode traduzir o ablativo
: “este tipo de construção do ablativo absoluto é de fato muito comum em latim. Como não é
muito comum em inglês, é melhor não decidir por uma tradução completamente literal”
(2003:330)
47
. Ao final deste volume, há uma gramática e um apêndice, The Latin language.
O manual se baseia na perspectiva da AGT, e pretende levar o aluno a ler e apreciar a
literatura latina, assim como sua cultura, através dos textos que ele traduz e que são adaptados
de textos de autores latinos. Além disso, Jones & Sidwell trazem informações e textos sobre
outros períodos da literatura latina, que não o clássico. Os textos são sempre contextualizados,
e informações sobre seus respectivos autores. O ensino da gramática parte do texto e do
exercício da tradução. Concordamos com Miotti sobre o avanço deste manual em relação aos
precedentes: o aluno, com a ajuda do professor e um vocabulário detalhado, entra em contato
com a tradução mais cedo, e não necessita de conhecimento gramatical prévio para realizar os
exercícios, o que o leva a ler em latim mais rapidamente.
46
“the ablative is used to describe the qualities people or things have which have enable them to act as they do.
This is the ablative of description, e.g. uir summa uirtute ‘a man with / of great courage’, iuuenis nulla
continentia ‘a young man with / of no self-control’. Translate such ablatives as ‘with’ first time round, then
adjust to produce a smooth English version” (2003:80).
47
“This style of ablative absolute construction is very common indeed in Latin. Since it is not very common in
English, it is best not to settle for a wholly literal translation” (2003:330).
108
2.15 Introdução à teoria e prática do latim – Janete M. Garcia
Este manual foi publicado em 1993. Na introdução, a autora explica que ele é o
resultado de um projeto de pesquisa em língua latina desenvolvido no Departamento de
Linguística, Línguas Clássicas e Vernácula do Instituto de Letras da Universidade de Brasília.
A obra é dividida em unidades que trazem a teoria e a prática através dos textos, sendo que da
primeira há somente o essencial, a ênfase é dada na prática. A autora afirma que “ensinando o
aluno a raciocinar e refletir sobre a língua latina como um sistema linguístico, conseguimos
abolir a tão massacrante decoração” (1993:11).
A obra é dividida em duas partes, a primeira é Morfologia Nominal. A unidade um tem
como conteúdo questões como a origem do latim, o alfabeto latino, a quantidade, pronúncia e
a acentuação. Na unidade seguinte, o assunto são as características morfossintáticas, na qual a
autora diferencia o latim do português por ser o primeiro uma língua sintética, mostrando
através de um exemplo a proximidade de alguns vocábulos (puella amicae rosam dat a
menina dá uma rosa à amiga). Dessa maneira, o aluno deve deduzir que na frase em latim não
artigo e preposição (no caso da oração anterior), para que o manual entre na questão dos
casos, desinências, flexões e declinações, definindo cada um destes elementos, e cada um dos
casos. A autora é muito clara em suas explicações, e ao mesmo tempo tenta fazer com que o
aluno deduza os aspectos gramaticais através de exemplos, recomendando que este consulte a
gramática e o dicionário sempre que tiver dúvidas, e não perca tempo decorando, por
exemplo, qual caso regem as preposições. No entanto, a gramática é explicada através frases
isoladas e de autoria de Garcia, os exemplos também se compõem de sentenças deste tipo.
Porém, nos exercícios, como veremos, há textos completos.
Na unidade quatro, a teoria começa a se aliar com a prática. O conteúdo apresentado é
relativo à primeira declinação, aos verbos sum e amo no presente do indicativo, a algumas
preposições e orientações sintáticas para facilitar o trabalho dos alunos com os textos. Em
relação à prática, há pequenos exercícios mesclados com as explicações teóricas, como
declinação de algumas palavras, conjugação de verbos, entre outros. Sobre as preposições,
nesta unidade Garcia afirma que “são muito simples de serem traduzidas desde que saibamos
a essência de sua noção semântica” (1993:37). Sobre a tradução da preposição cum, por
exemplo, a autora recomenda:
109
a preposição cum aparece com o caso ablativo configurando o
complemento de companhia; entretanto, quando a situação do contexto
indica um conflito, devemos observar se a simples tradução com não
apresentará ambigüidade, devendo nesse caso ser traduzida por contra
(1993:37).
O exemplo dado é Caesar cum germanis pugnat(1993:37). A autora explica que,
traduzindo a frase por “César luta com os germanos”, pode-se dar a impressão de que César e
os germanos eram aliados, o que não é verdade. O aluno precisa ter conhecimento da história
de Roma e não somente conhecimentos gramaticais para traduzir esta frase de forma que não
haja interpretações erradas por parte do leitor. Neste sentido, Garcia revela uma concepção de
tradução semelhante a de Mounin (1975), que vimos no capítulo anterior: a tradução é uma
operação sobre fatos linguísticos e culturais, e, sem o conhecimento dos últimos fatos, a
operação da tradução se revela impossível. A autora do manual procura auxiliar o aluno
através de explicações como a acima citada sempre que possíveis dificuldades de tradução
aparecem, abordando questões pertinentes.
Na parte de orientações sintáticas para o trabalho de tradução dos textos, Garcia afirma
que “o essencial para uma tradução correta é um atento trabalho de análise morfossintática; a
tradução será mera conseqüência” (1993:38), ou seja, uma boa tradução depende de uma boa
análise. Comenta que, nestes primeiros textos, as orações serão simples e que o aluno deve
analisá-las uma de cada vez. As orações foram elaboradas pela autora. Há uma observação no
início dos exercícios: “a análise morfossintática dos vocábulos deverá ser feita da forma mais
completa possível até que o aluno faça este trabalho automática e mentalmente” (1993:40).
Como exemplo, a autora analisa cada frase do primeiro texto sintaticamente, traduzindo-as
posteriormente.
Na unidade cinco, também há exercícios para fixar a teoria gramatical. A autora
recomenda que sejam seguidas as mesmas orientações gramaticais da unidade anterior, porém,
como os três textos desta unidade são mais complexos, com aproximadamente quinze linhas
cada um, Garcia dá orientações mais específicas:
nas linhas 13 e 14 do texto, encontram-se várias denominações para a
flauta; a diferença está no material usado para confeccioná-la. Para a
tradução, é aconselhável que se conserve o ]nome da planta que foi usada
na feitura do instrumento (1993:66).
Novamente, Garcia aborda dificuldades que o aluno possa enfrentar no momento da
tradução. Sobre o segundo texto, a autora trata de questões gramaticais que possam suscitar
110
dúvidas, mais especificamente sobre uma oração que aparece neste texto: Bona cena
Alexandro erit”. Segundo Garcia, esta pode ser encarada como
1. o verbo sum como verbo de ligação e, portanto, apresentando sujeito,
predicativo e o complemento de interesse; a tradução será: ‘A ceia será
boa para Alexandre’. 2. a segunda possibilidade de tradução seria a de
encarar o verbo sum como intransitivo, com o significado de existir e o
complemento de interesse; a tradução seria: ‘Existirá uma boa ceia para
Alexandre’, o que seria uma tradução forçada para o português, pois, na
verdade, a questão semântica estaria encaminhando para uma nova opção
de tradução que respeitaria uma típica construção latina. 3. é comum, no
latim, a construção do verbo sum como intransitivo, mais um dativo
indicador do elemento interessado ou possuidor; na verdade, neste tipo
de construção, o verbo sum adquire a significação de ter e o dativo
(complemento de interesse) indica o possuidor ou o sujeito que tem; a
tradução será: ‘Alexandre terá uma boa ceia’ (1993:67).
A autora não informa qual possibilidade de tradução seria a mais adequada em sua
opinião, o aluno deve decidir depois da tradução do restante do texto. Sobre o primeiro texto
para tradução da unidade seis, a autora explica algumas particularidades gramaticais, e sugere
traduções para sentenças específicas. Os outros três textos desta unidade seguem este modelo,
e têm aproximadamente o mesmo número de linhas do anterior, com frases também curtas,
porém com construções gradativamente mais complexas.
A segunda parte da obra se intitula Morfologia Verbal, e a primeira unidade tem como
conteúdo as quatro conjugações regulares (morfologia e princípios sintáticos), o verbo sum e
seus compostos.
Garcia comenta sobre a tradução do particípio presente: “na tradução do latim para o
português, o particípio presente corresponde geralmente a uma oração subordinada relativa e
por vezes pode ser traduzido como o gerúndio do português” (1993:122). Comenta também
sobre o gerundivo, afirmando que este
é uma das expressões mais flagrantes do sintetismo do latim em relação
ao analitismo do português. Vale observar que a significação de uma
palavra do latim necessita de várias no português para traduzi-la, o que
acarreta, por vezes, dificuldades para o tradutor que acaba optando por
traduzir o Gerundivo pelo Gerúndio [...]; este fato provoca quase sempre
um prejuízo estilístico, atenuando a intenção da mensagem que o autor
quer transmitir (1993:124).
como exemplo deste caso um trecho da obra De Bello Gallico, de César:
“minimeque...atque ea, quae ad effeminandos animos pertinent, important”. A tradução mais
111
comum deste trecho, segundo Garcia, é “raramente importam as coisas que servem para
enfraquecer os ânimos (1993:124). Segundo a autora, este tipo de tradução omite as noções
de obrigatoriedade futura e de passividade:
a tradução que guardaria a força intencional do Autor não ficaria tão
agradável à índole lingüística do português mas que, sem dúvida, seria
mais fiel ao original é a seguinte: ‘raramente importam as coisas que
servem para os ânimos que deverão ser enfraquecidos (1993:124).
Aqui uma contradição, pois a autora opina que a melhor tradução seria a primeira.
Ao mesmo tempo, chama a atenção para o fato de que, privilegiando a língua de chegada, a
tradução acaba por omitir certos aspectos do texto original e que a construção que “guardaria a
força intencional do autor” não é a mais comum por ser estranha ao português. Portanto,
Garcia optou pela tradução mais fluente, embora critique a tradução que privilegia a língua de
chegada, o que Berman considera, conforme o primeiro capítulo, a tradução etnocêntrica:
aquela que traz tudo à sua própria cultura, normas e valores; o sentido da obra estrangeira é
submetido à ngua de chegada. Este tipo de tradução tem como princípio traduzir de modo
que não se “sinta” a tradução, o que se percebe na opção de tradução de Garcia sobre frase de
César.
Os textos usados para fixar a teoria destas unidades são de autores latinos, Fedro e
César, pois a esta altura, segundo a autora, o aluno percorreu toda a gramática latina e está
em condições de traduzi-los. A unidade onze é uma introdução ao trabalho com os textos, na
qual a autora informações sobre a situação da obra e de seu autor no contexto literário,
político e social. Estas informações são justificadas pela autora:
tendo uma, ainda que breve, noção sobre o autor, bem como da situação
histórica, política e social da época e do contexto literário em que es
inserido o texto abordado, o aluno poderá melhor entender o que estará
traduzindo e com isto poderá orientar-se quanto à escolha do vocabulário
oferecido pelo dicionário (1993:191).
Mais uma vez a autora mostra preocupação em levar ao seu leitor elementos culturais e
literários, externos ao texto, e chama a atenção para sua influência na tradução. A unidade
doze traz a orientação para o trabalho morfossintático dos textos. Garcia apresenta o texto
base, para, em seguida, dar o exemplo de como o aluno deve trabalhar com este. Primeiro,
segundo a autora, deve-se delimitar um pequeno trecho para iniciar o estudo. Depois, faz-se a
análise morfológica, seguida da análise sintática e, finalmente, a tradução. Recomenda que,
112
após a análise sintática, o aluno coloque o texto segundo a ordem do português. Mesmo após a
tradução feita, o aluno deve continuar trabalhando com o texto, organizando as análises feitas
para que estas sejam completas e corretas. Vemos aqui, outra vez, a ideia de que a tradução
depende diretamente do sucesso da análise.
Na unidade treze os textos a serem traduzidos são de Fedro. A autora sugere passos
que o aluno deve seguir para chegar à tradução (os mesmos da unidade anterior) e traduz uma
oração seguindo esses passos como exemplo. Na unidade seguinte os textos são de César, e
devem ser traduzidos conforme as recomendações já dadas.
A última unidade tem como conteúdo exemplos e sugestões de provas para a avaliação
da aprendizagem do aluno, com os respectivos gabaritos. As provas são no mesmo modelo
dos exercícios do livro, algumas perguntas, análises morfológicas e traduções. Os textos
são adaptações e trechos integrais de Fedro e César.
Este manual se baseia nos princípios da AGT, os exercícios de tradução são os
responsáveis pelo sucesso na aprendizagem do latim. A autora mostra preocupação em trazer
ao aluno subsídios da cultura e literatura latina, acreditando que, com estas informações, o
aluno estará mais bem preparado para traduzir. No início do manual, os textos eram de autoria
de Garcia, os textos de autores latinos só aparecem na segunda parte do manual, pois, segundo
a autora, o aluno não estaria antes preparado para encará-los.
113
2.16 Uma estranha língua? Questões de linguagem e de método – Alceu D. Lima
Publicada em 1995, esta obra dirige-se aos professores de cursos de Letras que terão
como alunos adultos iniciantes no estudo do latim. Na introdução, Lima afirma que
estudos lingüístico-literários, mesmo os que têm por objeto Roma e o seu
prestigioso idioma, correm sério risco de se converterem em
conservadorismo arrogante e oco, se não tiverem por cerne reflexão
honesta sobre a humanitas e o que nela possa vir a ser o fundamento do
referido processo democrático, segundo exigências de uma concepção
modernizadora e progressista (1995:16).
O autor critica o então currículo mínimo dos cursos de Letras, vigente no Brasil a
partir de 1962, que define o latim como ‘simples matéria instrumental’, excluindo
expressamente do ensino a literatura latina. Vimos no capítulo anterior que Miotti e Valle
também criticam este currículo, concordando que o latim não deve ser encarado apenas como
uma língua instrumental.
Lima divide a obra em três partes: nas duas primeiras o autor criticará os chamados
erros da tradição humanística no âmbito do ensino do latim; a última parte tratará mais
diretamente do ensino deste, trazendo exemplos de como o professor pode trabalhar certas
questões em sala de aula. O autor adverte que “[...] a idéia com que aqui se trabalha é a de que
‘o latim é uma língua viva do passado’ e, portanto, em relação a esse passado cabem as
providências que diferenciam o seu ensino do de qualquer língua estrangeira presente”
(1995:19).
A primeira parte da obra intitula-se Latim e Ensino de Latim, na qual o autor
continuará, primeiramente, a discussão sobre o currículo mínimo de Letras e o papel que a
língua latina vem desempenhando nestes cursos:
[...] tem ele [o latim] sido de alguma utilidade na formação do
profissional do ensino que as licenças de letras têm por obrigação
fornecer à escola de e graus, cujo alcance postula-se que venha a
ser, nos termos da Constituição do país, art. 208, itens I e II, de caráter
obrigatório, como instância que visa ‘ ao pleno desenvolvimento da
pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho’?” (1995:24).
Segundo Lima, a resposta menos desconcertante para esta pergunta é a de que “em
aulas de latim se aprende português” (1995:24). Miotti faz essa mesma crítica, como vimos no
114
capítulo anterior, afirmando que este argumento, de que o latim seria uma forma de
aperfeiçoar o conhecimento do português, pode ter contribuído para que a língua fosse
estudada como um pretexto para exercitar análise sintática. O objetivo do ensino do latim
segundo o currículo federal, na perspectiva do autor, é inspirado no humanismo tradicional, e
esta inspiração não cabe mais em um ensino moderno desta língua.
em relação à literatura, o autor afirma que, sem os textos, os quais, no caso de uma
língua antiga, são seu único testemunho, “não por que pensar na linguagem como fator da
formação humana” (1995:25). Ele ainda continua:
É quando, desconhecendo a oposição complementar língua vs fala, se
apresentam autores como se fossem já a própria ngua, uma língua feita
de lugares-comuns, por mais que lapidares, que se faz do latim uma
língua morta! Entenda-se: morta, particípio de matar, não de morrer.
Morta de ser tomado na sua força transitiva, tendo como agente o
ensino de latim da tradição. Morta, sinônimo de matada, não de falecida
(1995:25).
O autor critica mais uma vez o currículo que, ao definir o latim como matéria
instrumental, exclui a literatura do ensino desta língua e “excluí-la e ainda assim manter o
rótulo ‘Língua Latina’ é ceder à insensatez de por em foco o instrumento e deixar nas trevas o
único objeto que justifica sua existência e utilidade” (1995:45). Neste sentido o autor
concorda com Miotti que, em sua pesquisa, concluiu que o ensino da língua latina deve estar
aliado ao da literatura.
Lima recrimina a escola humanista, afirmando que esta se preocupa com regras,
quadros que o aluno deve decorar, e pouco, ou quase nada, com a reflexão a respeito da
língua. Comenta também a respeito da pronúncia do latim que, por ser restaurada, não
exercerá, segundo o autor, o mesmo papel que a oralidade tem no ensino de línguas
estrangeiras modernas. Critica o modo como a tradução se apresenta tradicionalmente nas
salas de aula:
Unidades léxicas correntes da língua materna como: aluno, ensinar,
professor, etc., de formação latina evidente, conhecimentos específicos
da gramática escolar latina, incluindo-se neles o dos verbos de regência
especial ou a separação clássica entre ‘demonstrativos’ hic, iste, ille e
anafóricos is, ipse, idem, e, ainda, preocupações um pouco mais
avançadas, que levem a evitar, nos exercícios de tradução e versão, a
simples correspondência vocabular, aliciante, mas ingênua; nada disso
diminui os riscos de anacronismo que a ‘tradução’ latina, se é que ela é
possível, de um enunciado tão singelo como: Esse professor ensinará
115
latim aos alunos do primeiro ano de letras envolveria, apesar da forte
tentação a fazê-lo, dentro de uma visão humanística”(1995:48/49).
Na segunda parte da obra, Em busca da forma, Lima volta a refletir sobre a expressão
‘língua morta’, utilizada para designar línguas antigas como o grego e o latim. Segundo o
autor, esta expressão é uma figura que se refere à fala, mas que é muitas vezes generalizada e
atribuída ao todo da língua. Por isso ele dará preferência para a expressão ‘língua do passado’,
em detrimento de ‘língua morta’. Afirma que, neste mesmo trabalho, a ideia que servirá de
ponto de referência para o ensino é a da expressividade dos signos, o que implica que o
professor abra mão de certos procedimentos neste processo, como o da memorização
mecânica de dados que, como vimos, é solicitada em alguns manuais, como o Reading Latin.
Também não se deve ensinar o latim como uma supralíngua, “sobre a comparação mais ou
menos consciente, mais ou menos explicitada, com outros idiomas supostamente desprovidos
da mesma sofisticação gramatical do latim escolar” (1995:69).
Na terceira parte, Lima comenta sobre as contribuições que as novas teorias
linguísticas podem dar ao estudo do latim:
e é ai, nos avanços do pensamento moderno sobre as nguas, incluídas,
cabe insistir, as antigas, que se há de jogar a sorte do latim na escola, não
numa discussão erudita sobre vocábulos e sua evolução fonética ou sobre
qual a melhor pedagogia para decorar ‘declinações’ (1995:84).
Oliveira, em capítulo anterior, comenta que a aplicação das contribuições da
linguística ao ensino de línguas antigas tem sido lenta. Isso é uma consequência das
particularidades destas línguas em relação às nguas modernas. Miotti, ao apresentar sua
pesquisa sobre o Reading Latin, afirma que os avanços da Linguística Aplicada, se forem
usados como apoio para o estudo do latim, podem ajudar o aluno a ler os textos com maior
rapidez.
Em seguida, o autor comenta sobre a dificuldade inicial dos alunos em usar o
dicionário latino, pois “a própria localização de uma entrada nos dicionários latinos poderá ser
problemática para qualquer variante de nome ou verbo que não sejam respectivamente o
nominativo singular e a pessoa singular do indicativo [...]” (1995:85). Lima, ainda nesta
parte, resume suas idéias contidas na obra. Destacaríamos, dentre estas, o pensamento de que
o latim não pode ser tomado como uma ‘simples matéria instrumental’, se levarmos em conta
a observação de Benveniste:
116
Na verdade, a comparação da linguagem com um instrumento, e é
preciso que seja com um instrumento material, se se quer que a
comparação alcance um mínimo de inteligibilidade, deve encher-nos de
desconfiança, como toda noção simplista sobre a linguagem. Falar de
instrumento é colocar em oposição o homem e a natureza. A enxada, a
flecha, a roda, não estão na natureza. São algo fabricado. A linguagem
está na natureza do homem, que não é quem a fabricou. (1966:259 apud
1995:87).
O autor explica que, ao mesmo tempo em que se deve deixar de lado o “mito da
instrumentalidade da língua”, deve-se abandonar a ideia de que o latim seria uma supralíngua,
e que através de seu conhecimento estariam abertas as portas para a aprendizagem de muitos
outros idiomas. Vimos que esta ideia se encontra em alguns manuais que analisamos, como
por exemplo o de Faria e o de Nóbrega, que se baseiam nas recomendações da Classical
Investigation, a qual coloca como um dos objetivos do ensino das línguas clássicas o benefício
que estas trazem para o estudo de outras línguas.
Sob a perspectiva de Saussure, Hjelmslev e Benveniste, Lima declara que não se pode
mais admitir práticas tradicionais no ensino do latim, que há muito tempo foram extintas do
ensino de línguas modernas, conforme afirmou Oliveira, em capítulo anterior, sobre a
aplicação dos avanços da linguística no ensino das línguas. Ressalta, porém, que não se deve
aplicar indiferentemente os mesmos métodos para uma língua moderna e para o latim, afinal,
Uma coisa é o trabalho docente feito com quem aprende, na qualidade de
língua, aquela que é falada ainda hoje pelos que a possuem, na
atualidade, como língua materna, sem esquecer que ela pode ser
fielmente reproduzida na sua realização oral por meios técnicos de
grande eficácia e, assim, ser submetida sistematicamente a tratamento
metalingüístico, fático e performativo (pode-se ensinar inglês em inglês);
outra, o que se faz com quem apenas busca preparar-se para ler textos no
latim dos romanos, não mais falado (1995:92).
Ao mesmo tempo, o autor afirma que, apesar de não se poder usar a oralidade no
ensino do latim, deve-se conceber este como qualquer outro idioma, “logo, o método ideal
para o latim nunca poderá estar muito longe do das línguas atualmente faladas, deste se
distinguindo onde razões, que sequer são lingüísticas e sim históricas, o desaconselhem”
(1995:97).
Sobre como o professor deve iniciar o ensino do latim, o autor declara que
[...] basta para isso colocar ante os olhos dos principiantes um texto-
documento em sua versão o quanto possível original, se assim se pode
dizer, e outra vernácula, voltada mais para a organização lingüística do
117
que para a expressão de outros fatos da cultura de Roma; que se confira o
privilégio, mais do que ao léxico, a expedientes de morfossintaxe
oracional e frasal e que uma atitude contrastiva ao professor o ensejo
de mostrar diferenças e semelhanças pedagogicamente interessantes entre
os idiomas, adequadas portanto aos objetivos do ensino. Essa espécie de
descontração consciente diante dos fatos do léxico atende a duas
exigências didáticas: evitar o carro diante dos bois de uma tradução
prematura, pois não se trata de traduzir, sem os refinamentos técnicos de
uma tal especialidade, e sim de ir descobrindo, gradualmente, por trás das
oposições de formas nominais e verbais, uma língua cuja validação é
sempre função de um sentido, ainda que lacunoso, impreciso e
aproximado [...]” (1995:115).
Nesta citação, Lima demonstra novamente que é contra iniciar a aprendizagem do
latim pelo exercício da tradução. O método de ensino desta língua deve ter início em uma
comparação entre um texto latino e sua tradução em português. Este texto deve ser
[...] tão íntegro quanto o consiga transmitir a obra dos filólogos, e dele
induzir, até onde for possível, mediante a reiteração desinencial e
cumulativa, propositadamente estimulada, as oposições básicas
responsáveis pela formação de uma unidade oracional e frasal no interior
do sistema lingüístico (1995:117).
O autor então um exemplo de como proceder nestes termos usando um texto de
Catão, o qual ele submeteu a um processo de normalização, que consiste em secionar o texto
em enunciados simples “[...] capazes de por em evidência a iteração dos morfemas
gramaticais distribuídos no sintagma, segundo regras recorrentes e recursivas, responsáveis
por essa via pela aquisição gradual, mas nem por isso menos global do sistema” (1995:120).
Estes enunciados vêm acompanhados de uma tradução, como por exemplo: Pater famílias
uilicum uocat./ O patrão chama o criado. A partir destas sentenças, escolhidas de acordo
com o ponto gramatical a ser trabalhado, o professor pode fazer com que os alunos observem,
através da leitura, o funcionamento da língua. O aluno não traduzirá neste momento, mas a
tradução está presente pois é através desta que ele poderá comparar as duas línguas e assim
entender o funcionamento do latim.
Lima é contra a memorização mecânica de qualquer parte da gramática, e sim a favor
do saber consciente. Para isso, o autor recomenda que sejam feitos exercícios sobre o assunto
trabalhado, e que o professor solicite aos alunos que formulem em latim, oralmente a princípio
e depois por escrito, respostas a perguntas que o professor pode fazer em língua materna, a
respeito dos textos trabalhados. O professor pode ter como referência obras tradicionais sobre
o ensino do latim, porém não precisa acatar a terminologia usada por estas, nem seus métodos.
118
Sobre a voz passiva, o autor recomenda:
vem daí que a recepção de verbos na passiva deve, na prática, passar
pelos seguintes cuidados básicos de leitura:
- voz passiva propriamente dita, a ser traduzida em português por
construção correspondente;
- indeterminação do sujeito, a ser traduzida pelos procedimentos
correspondentes, incluindo-se o se indeterminador (ou apassivador);
- verbo depoente, a ser traduzido por formas da ativa: florentem cytisum
sequitur lasciua capella: ‘fogosa cabra persegue o cítiso florido’
(Virgílio, Buc., II, 64).
Cumpre, além disso, lembrar que, conforme a situação ou contexto
léxico, uma forma passiva latina, entende-se muito bem e melhor numa
tradução reflexiva (1995:151/152).
Lima admite, então, que uma construção gramatical latina seja mudada para um outro
tipo de construção na tradução para o português, de forma que o texto seja melhor entendido.
O autor conclui seu trabalho afirmando que, seguindo as premissas por ele elaboradas, o aluno
de latim deve estar em condições de entender uma frase em sua estrutura morfossintática, no
espaço de um ano, com uma média de quatro horas semanais de estudo. Repete que as
declinações e as conjugações não devem ser decoradas, mas entendidas, para que o aluno
reconheça-as e saiba usá-las em uma situação real de comunicação, mesmo que esta situação
seja a leitura de um texto. Também adverte que
O procedimento da normalização deve ser utilizado para cada novo
componente da sintaxe frasal, mas a condição da eficácia de semelhante
expediente é que os fatos anteriores da morfossintaxe estejam sob
perfeito controle; a isso não se chega pela simples repetição dos
exercícios de tradução de frases isoladas, mas tomando parte ativa no
diálogo, instância instauradora do discurso (1995:162).
Novamente Lima critica os exercícios de tradução, dando preferência ao processo de
normalização. Apesar disso, a tradução faz parte do processo de aprendizagem do método
proposto por ele, no sentido de que é através da comparação entre original e tradução que a
gramática é aprendida.
119
2.17 Latín Básico: Morfología, ejercicios, antología – Lindy A. Díaz
Este manual foi publicado na Colômbia em 2006 e é o resultado de um projeto para o
desenvolvimento de material didático para o ensino do latim do Departamento de Lenguas de
la Universidad Pedagógica Nacional da Colômbia. Optamos por analisá-lo pelo fato de ser
uma obra atual, com a qual seria possível contrastar os manuais publicados há mais tempo.
Na introdução, a autora faz um resumo sobre a história do latim, sua origem e as
línguas que dele se originaram; faz algumas observações gerais sobre os casos, o gênero e as
declinações. Os capítulos seguintes trazem toda a gramática da obra: Primera declinación;
Segunda declinación; Tercera declinación; Cuarta declinación; Quinta declinación;
Adjetivación; Comparativos y superlativos; La conjugación latina; Pronombres; La
preposición; La conjunción e El adverbio. muitos exemplos, tabelas e algumas poucas
sugestões de tradução de particularidades gramaticais: “A conjunção enclítica –que se une à
palavra como um sufixo e para traduzi-la se antecipa a esta mesma palavra. Exemplo: Romani
Germanique (romanos y germanos). O mesmo ocorre com a enclítica –ue” (2006:67)
48
.
Os exercícios estão à parte da gramática, separados de acordo com a ordem do
conteúdo gramatical: os primeiros são exercícios da primeira declinação, em seguida
exercícios da segunda declinação, e assim sucessivamente. exercícios de declinação de
palavras, tradução de sintagmas, como pulchra rosa, e versão de expressões semelhantes. Em
seguida a autora sugere algumas frases simples de sua autoria para que o aluno analise e
traduza. O último exercício é também de análise e tradução, mas do espanhol para o latim.
Pelo modo como o conteúdo é apresentado no manual, podemos concluir que, para a autora, a
tradução deve ser exercitada somente após a aprendizagem da gramática; primeiro o aluno
estuda o ponto gramatical, depois segue até a seção de exercícios correspondente. Caberia
aqui a crítica feita por Oliveira no capítulo anterior: a aquisição dos elementos da gramática é
estanque, o aluno aprende inicialmente a primeira declinação, depois passa para a segunda e
assim por diante. Os exemplos são de frases isoladas, a gramática não é ensinada através dos
textos, destinados somente para os exercícios.
48
“La conjunción enclítica –que se une a la palabra como un sufijo y para traducirla se anticipa a esta misma
palabra. Ejemplo: Romani Germanique (romanos y germanos). Lo mismo ocurre con la enclítica –ue(2006:
67).
120
A última parte da obra é uma Antología latina. O primeiro autor apresentado é Fedro.
Há um parágrafo com informações sobre o autor, em seguida uma seleção de suas fábulas. Em
algumas frases destas a autora fornece o caso, o tempo do verbo e a função gramatical junto
de palavras selecionadas. Em seguida, az traz um Guía de traducción, com passos que o
aluno deve seguir para traduzir os textos:
1.Fazer a análise palavra por palavra, seguindo o modelo anterior. 2.
Identificar todo o vocabulário. 3. Uma vez identificado o verbo e
adequada a concordância, buscar seu correspondente nominativo. 4.
Organizar os demais casos, tendo sempre em conta a concordância
substantivo-adjetivo ou pronome e seu antecedente. 5. Lembrar a
importância das preposições e os casos que elas regem” (2006:105)
49
.
Como em outros manuais analisados, neste a análise sintática também precede a
tradução. A autora exemplifica os passos acima, traduzindo e analisando algumas frases
retiradas das fábulas de Fedro. O segundo autor apresentado é Cícero, também um
parágrafo sobre o autor e sua obra, e, em seguida, trechos de De Amicitia. O Guía de
traducción deste autor tem algumas frases analisadas e traduzidas como exemplo, além de
pequenas explicações sobre particularidades gramaticais. Este mesmo esquema é seguido no
restante da antologia, que traz ainda os autores César, Ovídio, Virgílio e Horácio.
A autora revela uma preocupação em contextualizar os textos que serão traduzidos
pelo aluno, o que é um dos pontos positivos deste manual. Este está dentro dos pressupostos
da AGT, intentando levar o aluno a apreciar a cultura e a literatura latina, e exercitando a
gramática através da tradução de sentenças e textos.
49
1. Hacer el análisis palabra por palabra, siguiendo el modelo anterior. 2. Identificar todo el vocabulario. 3. Una
vez identificado el verbo y aplicando la concordancia, buscar su correspondiente nominativo. 4. Organizar los
demás casos, teniendo siempre en cuenta la concordancia sustantivo-adjetivo o pronombre y su antecedente. 5.
Recordar la importancia de las preposiciones y los casos que ellas rigen (2006:105).
121
2.18 Lingua Romae I, II e III – M. Furlan, F. Coelho & Z. Gesser Nunes
Lingua Romae I (2009), Lingua Romae II (2009) e Lingua Romae III (2010) são os
três volumes de um manual elaborado para as disciplinas de Língua Latina I, II e III,
respectivamente, do curso de Letras Português a distância da Universidade Federal de Santa
Catarina. Cada volume corresponde a um semestre de estudo de latim. O primeiro volume é de
autoria de Furlan & Coelho, os dois últimos foram escritos por Furlan & Nunes. Na
introdução do primeiro volume, os autores informam que optaram por uma abordagem
metodológica estruturalista, por pensarem que esta é a mais adequada levando-se em conta as
características do ensino na modalidade a distância. Explicam que,
o que chamamos aqui de abordagem estruturalista nada mais é do que o
conhecimento do sistema lingüístico latino a partir da análise das
relações e das funções dos elementos que constituem aquele sistema,
elementos estes tomados como estruturas isoladas da língua,
apresentadas gradualmente, de forma a somente chegarem a compor o
todo ao término do programa estabelecido; é a apresentação da língua
latina mediante uma gramática estrutural (2009:07).
Ou seja, a aquisição dos elementos da gramática se dará de forma estanque, crítica
feita por Oliveira no capítulo anterior. Porém, segundo os autores, alguns exercícios do
manual estão pautados em um modelo comunicativo, salientando que seu objetivo não é o de
que o aluno decore regras, mas que entre em contato com o sistema de uma língua de
declinações. “Conhecer a língua do Lácio, sua literatura, sua história e cultura é reconhecer
nossa própria identidade social e cultural” (2009:08).
O manual é dividido em oito unidades. Na primeira, o aluno entra em contato com um
breve histórico da língua e literatura latinas, bem como com considerações sobre seu sistema
gráfico e fonético. A unidade dois traz ao aluno uma noção geral do sistema linguístico latino:
relação entre caso e função sintática; gênero; número; declinações; vogal temática, radical e
tema. O latim é uma língua sintética, e suas diferenças em relação às línguas analíticas são
explicadas, assim como a correspondência entre os casos e as funções sintáticas. Furlan &
Coelho afirmam que “comumente constitui a grande dificuldade para o aprendizado da língua
latina: o desconhecimento da gramática tradicional do português” (2009:31), ressaltando que
conhecer a última é fundamental para a aprendizagem do latim, pois a gramática do português
foi baseada na da língua latina. Outros manuais analisados destacaram a importância do
122
conhecimento da gramática tradicional do português, o manual de Comba, por exemplo, traz
inclusive exercícios de análise de frases do português, como o de Almeida, visto
anteriormente.
A terceira unidade versa sobre o nominativo e o acusativo da 1ª declinação e o
presente do indicativo da e conjugações. Os autores comparam, por vezes, o latim com o
português:
Na oração acima encontramos o verbo de ligação, por excelência: esse,
ser, que liga, geralmente, sujeito a predicativo do sujeito. Como em
português, é também em latim um verbo auxiliar, isto é, serve para a
conjugação dos verbos na voz passiva e nas conjugações perifrásticas
(2009:36).
Nesta unidade aparecem os primeiros exercícios. O aluno deve traduzir, com a ajuda
de um vocabulário, algumas sentenças simples do latim para o português, e passar algumas
sentenças latinas do singular para o plural. Após uma explicação sobre verbos, outros
exercícios de tradução, e exercícios nos quais o aluno deve responder qual é a conjugação, a
pessoa e o número de alguns verbos. Há, ao final da unidade, mais um exercício de tradução e
outro de versão do português para o latim. Diferentemente do Reading Latin, por exemplo,
manual no qual o aluno traduz antes mesmo de qualquer explicação gramatical, a tradução
aqui é um exercício a ser feito após a aprendizagem da gramática.
Outra referência feita à gramática do português:
A função que o ablativo exerce é de adjunto adverbial. Este, vale
lembrar, consiste numa palavra ou expressão que indica circunstâncias
que precisam o fato expresso por um verbo, um adjetivo ou um advérbio.
A função de adjunto adverbial não deve ser confundida com a classe de
palavras que a exerce. Em Pedro corre rápido, Pedro corre devagar,
Pedro corre porque quer e Pedro corre com dificuldade, temos,
respectivamente, um adjetivo (rápido), um advérbio (devagar), uma
oração adverbial causal (porque quer) e, finalmente, uma locução
adverbial (com dificuldade), todos exercendo a função sintática de
adjunto adverbial, embora sejam palavras de classes distintas (2009:49).
Na unidade cinco o aluno deverá aprender sobre os casos genitivo e vocativo em seus
principais empregos e o pretérito imperfeito do indicativo da e conjugação. A
semelhança entre as desinências, que pode confundir o aluno no momento da tradução, é
abordada pelos autores:
123
As dúvidas com relação à semelhança destas desinências bem como de
outras desinências entre si vão se esclarecendo à medida em que vamos
analisando a oração. Primeiramente é fundamental que se tenha
conhecimento do vocabulário e das possibilidades de classificação das
palavras (verbo, sujeito, adjetivo, preposição, etc.). O procedimento mais
eficaz a ser seguido é partir da análise do verbo. Se o verbo estiver no
singular, vamos em busca de um nominativo singular; se estiver no
plural, buscaremos um nominativo plural ou mais de um nominativo, se
for o caso. Depois voltamos ao verbo e analisamos que tipo de predicado
temos e o que ele pode exigir: nominativo, acusativo, dativo (predicativo
do sujeito, objeto direto, objeto indireto). Por fim, detemo-nos nos
elementos acessórios da oração: genitivo, ablativo, vocativo (adjunto
adnominal, complemento nominal, adjunto adverbial, aposto e vocativo)
(2009:58).
Nesta unidade um exercício no qual o aluno deve analisar alguns verbos e traduzi-
los em seu tempo, modo e pessoa, depois deve conjugá-los em todas as pessoas, no presente e
no imperfeito do indicativo, escrevendo seus significados em português.
A unidade seis trata especificamente da segunda declinação. Traz exercícios de
tradução do latim para o português, e um quadro o qual o aluno deve completar com a
declinação, o caso e o número de alguns vocábulos.
A unidade seguinte versa sobre adjetivos de 1ª classe e os verbos da primeira e
segunda conjugações no futuro do presente do indicativo, e traz exercícios de tradução do
latim para o português e do português para o latim. O aluno também deverá formar frases em
latim utilizando certos verbos e o vocabulário já estudado.
A última unidade tem como conteúdo os pronomes possessivos e o imperativo
presente. O aluno deve traduzir algumas frases e passá-las para o plural, além de fazer um
exercício de escolha de alternativa correta do imperativo. Por fim, há um vocabulário geral.
O volume dois do manual segue a mesma abordagem metodológica do primeiro
volume, o aluno continuará avançando aos poucos no conhecimento da gramática latina. Este
volume possui uma quantidade maior de exercícios, além de fazer mais referências à
gramática do português que o primeiro. Além disso, o aluno entra em contato com textos e
não somente com frases isoladas, como aconteceu no primeiro volume. um trecho da
Vulgata (Gênesis, 1:1-8) e sua tradução para o português com lacunas que o aluno deve
preencher, juntamente com um questionário sobre questões linguísticas do texto. também
informações sobre a tradução feita por São Jerônimo. Frases de autores latinos também podem
ser encontradas nos exercícios de tradução.
O terceiro volume é semelhante ao segundo, abarcando pontos mais complexos da
gramática do latim como: acusativo com infinitivo, ablativo absoluto, orações coordenadas e
124
subordinadas e orações subordinadas adjetivas e adverbiais. Ao final deste volume, segundo
Furlan & Nunes, o aluno “terá recebido o instrumental necessário para prosseguir sozinho no
estudo da língua de nossos antepassados e no aprofundamento desta ‘última flor do Lácio,
inculta e bela’ (Olavo Bilac), a língua portuguesa” (2010:07). Neste volume, o aluno continua
entrando em contato com a literatura latina através de textos e frases, como, por exemplo, um
trecho do Satyricon de Petrônio e sua tradução feita pelo autor Furlan. O aluno deve ler o
texto e sua tradução, encontrar cinco frases com o uso do subjuntivo e identificar os modos e
tempos verbais do trecho selecionado. Há também um excerto das Bacchides de Plauto, no
qual o aluno deve identificar orações com acusativo com infinitivo e, ainda, um trecho das
Confessiones de Santo Agostinho e outro de um texto de Eutrópio.
Este manual, em seus três volumes, se baseia nos princípios da AGT: a tradução é um
exercício de fixação do conteúdo gramatical. Talvez por conta das características do ensino na
modalidade a distância, os autores não tenham se servido de textos completos nos exercícios
do primeiro volume, somente de sentenças isoladas e de sua autoria. No entanto, conforme o
aluno avança no estudo da gramática, textos e frases de autores latinos lhe são apresentados.
Os autores concluem que, “nosso manual passa agora, encerrada a disciplina, a servir como
uma gramática básica da língua latina” e entendem que, após o estudo destes três volumes, o
aluno estará capacitado para continuar seus estudos da língua latina sozinho.
125
3 ANÁLISE DOS MANUAIS DIDÁTICOS DE LÍNGUA LATINA
Neste capítulo, aprofundamos algumas questões discutidas anteriormente, bem como
propomos novos pontos de debate. Os pontos escolhidos foram aqueles que ocorreram na
maioria dos manuais, além de outros que foram suscitados pela teoria exposta no primeiro
capítulo. Cada subcapítulo corresponderá a um desses pontos. Esta análise, por certo, não é
exaustiva, nem definitiva.
3.1 Abordagem metodológica
Após proceder à descrição dos manuais, podemos afirmar que todos se baseiam ao
menos em alguns dos princípios da AGT descritos por Leffa (1998) no primeiro capítulo,
exceto o manual de Lima (1995), que propõe uma maneira diferente de se trabalhar com o
latim. Conforme já visto, a AGT é a abordagem usada mais tempo no ensino de línguas
estrangeiras, e surgiu justamente por conta do interesse pelo latim e pelo grego na época do
Renascimento. Esta abordagem, de acordo com Malmkjaer (1998), foi e ainda é muito
criticada por autores de outras abordagens, que acreditam que aprender uma língua não é um
processo puramente racional, mas intuitivo. Além disso, a AGT é recriminada porque o
desenvolvimento da habilidade oral é menos importante nessa perspectiva. Baseando-nos na
distinção entre abordagem e método de Leffa, feita no primeiro capítulo, podemos afirmar que
os manuais, excetuando novamente o de Lima, partem de uma mesma abordagem, a AGT,
porém possuem métodos diferentes.
No geral, não preocupação por parte dos autores em esclarecer ao leitor em qual
abordagem está pautado seu manual. Somente Furlan & Coelho (2009), no primeiro volume
de Lingua Romae, afirmam optar por uma abordagem estruturalista por conta das
características do ensino na modalidade a distância, abordagem na qual os volumes seguintes
continuam se pautando. No entanto, vários autores informam a metodologia que deve ser
usada pelo leitor do manual, entendendo metodologia como o método que comporta as regras
de aplicação dos pressupostos da aprendizagem da língua. Para Harmsen (1956), o método
mais adequado, no qual o professor deverá se pautar para fazer uso de seu manual, é exercitar
ao máximo a tradução, o que trará benefícios não para o estudo do latim, mas também para
126
o do português. Faria (1959) afirma que o estudo do latim pode se pautar num método
direto, no entanto, este não empregará o latim como uma língua viva, e sim terá como objetivo
a compreensão direta do texto. O aluno deve entrar em contato com textos de autores latinos
desde a primeira aula, e o ensino da gramática deve partir destes mesmos textos. A tradução, o
último exercício, será feita com o intuito de fixar os conceitos do autor latino e melhorar a
redação portuguesa. Nóbrega (1962b) apresenta sugestões de metodologias de alguns autores,
porém não sugere uma metodologia própria. As metodologias apresentadas diferem
principalmente na questão de exercitar a tradução antes ou depois da aprendizagem da
gramática. Estas metodologias também entendem de forma diferente a leitura do latim, no que
concerne à ordem das frases nos textos, se direta ou não. Nóbrega se mostra contrário ao
ensino do latim sob a perspectiva do chamado método direto de ensino de línguas, pois para
isso seria necessário adaptar o vocabulário latino com expressões modernas, que
posteriormente não seriam encontradas pelos alunos nos textos clássicos. Os autores de Ars
Latina (1978), por sua vez, afirmam que seu manual se pauta num método ativo, pois
pretendem ensinar a conversação em latim. o método a ser utilizado pelo leitor do manual
de Jones & Sidwell (2003) é, com a ajuda do vocabulário, ler e traduzir os textos selecionados
para depois, com a ajuda do professor, estudar os pontos gramaticais correspondentes,
exercitando-os em seguida. Para Lima, não se deve aplicar indiferentemente os mesmos
métodos para o ensino de uma língua moderna e para o ensino do latim, pois se está tratando,
por um lado, de línguas que são faladas ainda hoje como línguas maternas; o francês pode ser
ensinado em francês, por exemplo. O latim, por outro lado, é ensinado através da língua
materna do aluno, com a finalidade da leitura dos textos clássicos, e não da comunicação oral.
No entanto, Lima alerta que o latim deve ser considerado um idioma, e que seu método não
pode se distanciar muito daquele usado no ensino de línguas estrangeiras modernas. O método
proposto por este autor constitui-se da comparação de um texto em latim com sua tradução; a
partir disto, o professor deverá explicar a gramática.
Em relação aos três passos que Leffa descreve como essenciais para a aprendizagem de
uma língua na perspectiva da AGT memorização de uma relação de palavras; conhecimento
das regras que permitirão agrupar essas palavras em frases; e exercícios de tradução e versão –
, podemos afirmar que estes se encontram nos manuais analisados, porém nem todos os passos
estão em todos os manuais.
O primeiro passo, a memorização, é uma prática condenada por alguns e aconselhada
por outros. Conforme vimos no primeiro capítulo, a memorização e a repetição já eram
características da escola antiga. Manacorda (1968), ao falar sobre o ensino em Roma, destaca
127
a memória como o principal instrumento de ensino. Saviani (2005) liga a memorização à
concepção pedagógica tradicional que, segundo o mesmo autor, inclui correntes pedagógicas
que se articularam desde a Antiguidade (como assinalou Manacorda), e tinham em comum
“uma visão filosófica essencialista de homem e uma visão pedagógica centrada no educador
(professor), no adulto, no intelecto, nos conteúdos cognitivos transmitidos pelo professor aos
alunos, na disciplina, na memorização” (2005:31).
Quatro manuais aconselham que alguma parte da gramática da língua seja decorada
pelo aluno: Spalding (1983) afirma que este deve saber de cor as declinações e o verbo, e
Comba (1986) também aconselha que o aluno decore alguns verbos, como amare. Na
metodologia elaborada por Jones & Sidwell, o aluno deve aprender uma lista de vocábulos, ou
seja, saber de cor o significado de cada um, antes de iniciar a tradução dos textos e o estudo da
gramática. Também Almeida (2000) aconselha a memorização: “o que é preciso, tão somente,
é saber de cor, muito bem de cor, as desinências de cada declinação [...]”(2000:32). outros
manuais condenam a prática da memorização. Harmsen e Nóbrega (em Metodologia do latim:
vida cotidiana e instituições) reprovam o exercício incentivado por alguns professores de
decorar traduções justalineares. Garcia (1993), por exemplo, afirma que o professor deve
ensinar o aluno a refletir sobre a língua latina como um sistema linguístico e estimulá-lo a usar
a gramática e o dicionário como materiais de consulta quando houver alguma dúvida,
abolindo a “decoração”. Furlan & Coelho declaram que o objetivo de seu manual não é que o
aluno decore regras, mas que entre em contato com o sistema da língua latina. O restante dos
manuais analisados não comenta a memorização. Portanto, podemos afirmar que esta não é
mais uma prática aconselhada pelos manuais, mesmo alguns dos mais antigos, como o de
Harmsen, a condenam. De modo que, é uma questão para reflexão que manuais com
propostas modernas para a aprendizagem do latim, como o Reading Latin, ainda incentivem
os alunos a realizarem a memorização mecânica de vocábulos.
O segundo passo descrito por Leffa, o conhecimento das regras da ngua, será
comentado no próximo subcapítulo, Apresentação do conteúdo gramatical.
Sobre os exercícios terceiro passo da AGT , a maior parte dos manuais os traz,
exceto os manuais de Pinto (s.d), Faria (1959), Marouzeau (1943) e Nóbrega (1962b). Nestes,
somente alguns exemplos de frases de que o professor pode fazer uso em sala de aula, e
conselhos de como o aluno deve proceder ao traduzir os textos. Os manuais de Lima e Rónai
(1980) também não trazem exercícios, mas frases e textos em latim com suas respectivas
traduções para que o leitor os compare, e esta comparação deverá auxiliar no estudo da
128
gramática. Nos próximos subcapítulos abordamos com mais atenção os exercícios de tradução
e versão encontrados nos manuais.
Leffa e Richards & Rodgers (1993) definem que o objetivo final da AGT é o de fazer
com que o aluno aprecie a cultura e a literatura da língua estrangeira. Durante a obtenção deste
objetivo, pensava-se, o estudante aprofundaria os conhecimentos sobre seu próprio idioma, e
desenvolveria sua inteligência e capacidade de raciocínio. A escrita é o mais importante, desde
os exercícios iniciais até a leitura final dos autores clássicos da língua, e a sentença é a
unidade básica do ensino e da prática da língua. A língua materna do aluno é o meio de
instrução, e esta é usada para explicar os itens gramaticais e é comparada ao idioma
estrangeiro. Nem todos os manuais analisados explicitam quais são seus objetivos, ou o que
pensam ser os objetivos do ensino do latim. No entanto, através das descrições, percebe-se que
alguns deles ainda partilham das mesmas ideias que Leffa atribuiu à AGT. Pinto, por exemplo,
afirma que o objetivo de estudar o latim seria a aquisição do hábito de pensar mais rápido e
profundamente. Já em seu manual, Faria apresenta como objetivos e finalidades do estudo do
latim, por exemplo, o desenvolvimento de hábitos mentais corretos e de atitudes corretas. Em
Metodologia do latim: vida cotidiana e instituições, Nóbrega afirma que estudar latim no
curso secundário contribuiria para o desenvolvimento dos conhecimentos científicos, da
concentração, paciência, perseverança, precisão, da capacidade de análise e generalização.
Além disso, o latim proporcionaria o hábito de pesquisar e seria um instrumento de civismo.
Seguindo esta mesma direção, Almeida, em sua Gramática, afirma que o latim não dever ser
aprendido para ser falado, mas para aguçar o intelecto, o poder de observação, aperfeiçoar a
concentração, desenvolver o espírito de análise, para acostumar-se à calma e à ponderação.
Todos os manuais descritos usam a língua materna do aluno como meio de instrução
para a aprendizagem do latim. O estudo desta língua como auxiliar ao estudo da língua
materna, e também ao estudo de outras línguas, é uma opinião partilhada por alguns dos
manuais analisados, como o de Faria, que, ao apresentar os objetivos e finalidades descritos
pela Classical Investigation, afirma que o estudo do latim melhoraria o entendimento dos
elementos em inglês que estão relacionados com o latim, assim como a leitura, a fala e a
escrita em inglês, além de aprimorar a habilidade de ler em outras línguas estrangeiras.
Nóbrega, em Metodologia do latim: vida cotidiana e instituições, faz afirmações semelhantes
às de Faria. Os autores de Ars Latina também sustentam que o estudo do latim beneficia o
estudo da gramática do português. Rónai, em Não perca o seu latim, assegura que atualizar os
conhecimentos da língua latina melhorará o conhecimento do leitor sobre o português. O
129
manual Reading Latin apresenta subseções que mostram a influência do latim na língua
inglesa, e evidenciar esta influência é um dos objetivos da obra.
Os objetivos finais traçados pelos manuais são, em sua maioria, similares aos da AGT:
fazer com que o aluno aprecie a cultura e a literatura da língua estrangeira, enquanto estuda
sua gramática. No entanto, outros objetivos ainda foram apresentados. Marouzeau objetiva
ensinar, na medida do possível, a técnica da tradução. Semelhante a Marouzeau, Spalding
objetiva auxiliar os que querem recordar o latim ou se adestrar na técnica da tradução de
autores latinos. Os autores de Ars Latina esperam que o aluno aprenda a conversação em
latim. Garcia pretende ensinar os alunos a raciocinarem e refletirem sobre a língua latina como
um sistema linguístico. Furlan & Coelho esperam que o aluno entre em contato com o sistema
de uma língua de declinações.
130
3.2 Apresentação do conteúdo gramatical
De acordo com Leffa (1988), o segundo passo da AGT é o conhecimento das regras da
língua que permitirão agrupar em frases as palavras aprendidas. Nesta perspectiva, o aluno
deve estudar a gramática para depois ler os textos da língua estrangeira e, em seguida, traduzi-
los. Segundo Oliveira (2001), conforme visto no capítulo primeiro, durante muitos séculos o
ensino de línguas procedeu dessa maneira. Segundo o autor, isso vai contra o processo natural
de aquisição de uma língua pois é a imersão do indivíduo na língua e sua exposição à fala que
permitem que o aluno aos poucos sistematize os usos da ngua e, consequentemente, forme
uma gramática. Os avanços da Linguística e as novas ideias a respeito do ensino de línguas
mostraram que a melhor maneira de aprender uma língua é entrar em contato com os textos e
a fala desde o início do ensino. Este problema foi discutido e aos poucos sanado no ensino de
línguas modernas, porém, após a análise dos manuais, percebe-se que, no ensino do latim,
uma língua não mais falada, a prática inversa ainda persiste.
Os manuais de Nóbrega (1962a), O latim do Exame de Licença; Rónai (2006), Gradus
Primus; de Berge, Castro & Muller (1978) e de Jones & Sidwell (2003) são os únicos nos
quais a gramática é explicada a partir de uma frase em latim. Os manuais de Faria (1959) e
Lima (1995) recomendam que o ensino de gramática parta dos textos. Nos outros manuais, os
conceitos gramaticais são expostos aos alunos e, em seguida, eles lerão frases que servirão de
exemplo para o ponto gramatical explicado. Nos manuais de Harmsen (1956), Spalding
(1983) e Rónai (1980) a gramática possui um caráter consultivo, não muitas explicações,
nem abundância de exemplos, e o leitor precisa ter um conhecimento prévio de latim para que
possa usá-los.
Observando o tipo de texto usado para exemplificar a gramática, percebemos que, no
geral, os autores servem-se de frases soltas. Conforme vimos com Richards & Rodgers (1993)
no primeiro capítulo, a sentença é a unidade básica de ensino e prática da língua na
perspectiva da AGT. Richards (1958), os autores do Ars latina (1978), Garcia (1993), Lima
(1995), Díaz (2006) e Furlan & Coelho (2009), no primeiro volume de Lingua Romae, usam
quase que exclusivamente exemplos fabricados em seus manuais. Faria (1959) e Nóbrega
(1962b) não usam exemplos. No entanto, Faria (1959) recomenda que as frases que
exemplificarão a gramática não sejam soltas, nem de autoria do professor; o ensino da
gramática deve partir do texto. Já Nóbrega (1062b) não especifica como devem ser os
exemplos, mas recomenda que desde o início do estudo o aluno entre em contato direto com
131
os autores latinos. O restante dos manuais faz uso de frases de autores latinos ao lado de frases
de autoria dos próprios autores dos manuais. Segundo Malmkjaer (1998), o primeiro curso sob
a concepção da AGT foi elaborado por Fick (1793). Neste manual os exemplos de gramática
eram especialmente confeccionados para explicar o ponto gramatical que estava sendo
trabalhado. Este tipo de prática, como vimos, ainda sobrevive em alguns dos manuais que aqui
analisamos.
De acordo com Oliveira (2001), durante muito tempo o ensino de línguas estrangeiras
clássicas e modernas teve o mesmo tipo de problemas: o ensino partia do sistema para a
língua, tornando a aquisição dos elementos sistêmicos estanque. O manual de Pinto (s.d) é um
deles, no qual o autor optou por organizar o conteúdo da gramática isoladamente: o aluno
deve estudar primeiro a primeira declinação, depois a segunda, e assim sucessivamente;
depois aprenderá os adjetivos, os pronomes, preposições, advérbios e verbos, tudo
separadamente. Somente depois de estudar cada um destes pontos, o aluno entrará em contato
com a sintaxe do latim, com os casos, sentenças e, por fim, com os textos. Este tipo de ordem
“tradicional” do conteúdo foi durante muito tempo a forma mais comumente encontrada no
ensino do latim. No manual de Nóbrega (1962a), o autor explica primeiro separadamente cada
caso, porém somente no final do livro um capítulo sobre a sintaxe dos casos, antes disso o
aluno estudará isoladamente cada ponto gramatical, da mesma forma que no manual de Pinto.
O manual de Richards (1958) não segue a ordem seguida, por exemplo, pelo manual de Pinto.
Cada lição traz diversos pontos gramaticais, porém, a explicação destes não parte de textos
nem de sentenças. As explicações dos pontos gramaticais são seguidas por um vocabulário
que por sua vez é seguido pelos exercícios. Comba (1986) apresenta em seu manual apenas a
morfologia do latim; a sintaxe, segundo ele explica, será abordada em outro volume. O autor
também não divide a gramática na mesma ordem usada por Pinto, porém o estudo dos pontos
gramaticais não parte de textos nem de frases. Garcia (1993) divide seu manual em
“Morfologia nominal” e “Morfologia verbal”, mas a autora não segue a ordem “tradicional”
da gramática, que é explicada sempre detalhadamente, porém não parte de textos. Almeida
(2000) organiza sua gramática de modo que a cada lição corresponda um ponto gramatical, e
as explicações não partem de textos nem de frases, no entanto, são muito detalhadas e bem
exemplificadas. Não segue a ordem “tradicional” da gramática. O manual de Díaz (2006)
segue esta ordem (a mesma de Pinto): a autora primeiramente apresenta toda a gramática com
pouquíssimos exemplos, e os exercícios são colocados ao final do livro. As explicações não
partem de textos nem de frases. Os três volumes de Lingua Romae não seguem a ordem
132
“tradicional”, mas as explicações também não partem de textos nem de frases. exemplos e
os exercícios se intercalam com a gramática.
Sobre estes aspectos que comentamos no parágrafo anterior, percebemos que alguns
manuais têm uma perspectiva que poderíamos dizer mais moderna. O manual de Rónai
(2006), Gradus Primus, em relação a estes aspectos, representa um avanço. As lições, como
dito, iniciam-se com textos, e os pontos gramaticais a serem explicados são suscitados por
estes mesmo textos. Cada lição traz dois ou mais pontos gramaticais para serem aprendidos; o
aluno pode ver como eles funcionam nos textos. Faria (1959) afirma que o estudo da
morfologia “[...] de forma alguma deve preceder a leitura dos textos mas ser orientado em
função desta mesma leitura” (1959:217). O autor entende que a sintaxe e o vocabulário devem
ser ensinados da mesma maneira, a partir dos textos. Nóbrega (1962b) também recomenda que
o estudo do vocabulário seja feito em função dos textos, mas não se aprofunda mais em outras
questões sobre gramática. O manual Ars latina (1978) é outro que o segue a ordem
“tradicional” de organização da gramática. Além disso, a explicação dos pontos gramaticais é
feita a partir de frases e pequenos textos. O Reading Latin (2003), como foi assinalado, é
um manual no qual a gramática é exposta ao aluno após a leitura de um texto e de sua
respectiva tradução. Este manual também não segue a ordem “tradicional” da gramática, e esta
é explicada de maneira detalhada. Lima (1995), como foi comentado, recomenda que o
estudo da gramática do latim parta dos textos, mais especificamente da comparação de um
texto latino com sua versão em português, e o professor deve destacar mais os elementos de
morfossintaxe que o léxico.
Por todas as considerações feitas neste tópico, podemos afirmar que, no que concerne
ao ensino da gramática, muitos manuais não seguem as recomendações mais modernas da
Linguística Aplicada, como o ensino da gramática a partir dos textos. Além disso, muitos
manuais ainda fazem uso de uma ordem do conteúdo gramatical na qual o aluno estuda
primeiro toda a morfologia para somente depois estudar a sintaxe do latim. Isso acaba por
atrasar o contato do aluno com os textos latinos e, consequentemente, a aquisição de sua
competência de leitor destes mesmos textos.
133
3.3 Os exercícios
Como informamos no primeiro tópico deste capítulo, os manuais de Pinto (s.d.),
Marouzeau (1943), Faria (1959), Nóbrega (1962b), Rónai (1980) e Lima (1993) não trazem
propriamente exercícios, porém todos fazem recomendações de exercícios que o professor
pode propor para o aluno de latim, recomendações estas que foram descritas no capítulo
dois. Em todos os outros manuais exercícios de tradução e, dada a quantidade e a
frequência com que eles aparecem ao longo das obras, poderíamos dizer que são o principal
modo de fixação do conteúdo gramatical por parte dos alunos.
No primeiro capítulo, mostramos algumas críticas ao ensino de línguas estrangeiras
através da tradução. Vimos que Leffa (1998) afirma que a AGT é a abordagem usada mais
tempo na história do ensino de línguas e a que tem recebido o maior número de críticas.
Apresentamos também alguns argumentos de Malmkjaer (1998) contra o uso da tradução no
ensino de línguas: a tradução independe e difere das quatro habilidades que determinam a
competência em uma língua; não é natural; o tempo gasto para traduzir poderia ser empregado
no exercício de qualquer uma das quatro habilidades; leva os alunos a associar expressões das
duas línguas; priva os alunos de pensarem na língua estrangeira; é apropriada para ensino
de tradução, não de línguas. No entanto, Malmkjaer afirma que estes argumentos não são
verdadeiros em todos os casos; o nível de verdade destes dependerá do tipo de tradução de que
se fala, da forma como esta é apresentada aos alunos e do tipo de textos escolhidos para esta
prática.
Schäffer (2000) rebate algumas dessas críticas, alegando que a tradução depende sim
das quatro habilidades e o aluno estará praticando-as enquanto traduz. Esta autora ainda
afirma que, se os exercícios de tradução forem desenvolvidos de modo a levar o aluno a
pensar sobre a forma como as línguas se relacionam, considerando os contextos envolvidos
durante o processo de tradução, este aluno estará mais atento tanto na compreensão e leitura
do texto, quanto na produção e escrita da tradução. Já Shäffner (1998) apresenta alguns
argumentos a favor da tradução no ensino de línguas estrangeiras: melhora na agilidade
verbal; ampliação do vocabulário na língua estrangeira; aperfeiçoamento do estilo; melhoria
no entendimento do funcionamento das línguas; fixação das estruturas gramaticais da língua
estrangeira; melhora na compreensão da língua estrangeira.
Miotti (2006) afirma que a única habilidade, das quatro que definem a competência
numa língua estrangeira, a ser desenvolvida no estudo das línguas clássicas é a leitura,
134
portanto, o objetivo do ensino do latim é a leitura dos clássicos. E esta competência
linguística, ainda segundo a autora, deve ser desenvolvida através de textos, e não de frases
isoladas. Além disso, conforme afirma Maranhão (2009), o uso de exercícios de tradução de
frases isoladas não leva em conta a importância do contexto e do tipo de discurso para que o
aluno escolha adequadamente entre as opções de tradução. Para Miotti, o material utilizado no
ensino de línguas clássicas deve ligar-se ao objetivo do real aprendizado do aluno e ao uso
efetivo que ele fará do conhecimento adquirido, por isso, os exercícios de oralidade deveriam
ser excluídos. Neste sentido, os argumentos citados por Malmkjaer de que o tempo gasto para
traduzir poderia ser empregado no exercício de uma das outras quatro habilidades de
competência em uma língua não se aplica ao ensino do latim. A tradução como exercício
pedagógico pode trazer muitos benefícios, especialmente no ensino de línguas antigas, nas
quais a fala, a audição e a escrita não têm a mesma importância que a leitura.
Sobre os exercícios de tradução encontrados nos manuais, podemos dizer que nos
manuais de Nóbrega (1962a), Richards (1958), Spalding (1983), Comba (1986) e Furlan &
Coellho (2009), no primeiro volume de Lingua Romae, a prática da tradução é feita apenas
através de frases soltas. O restante dos manuais traz, além de frases soltas, textos de extensões
variadas para o aluno traduzir. Nóbrega usa frases de autores latinos como exemplo, mas as
frases dos exercícios são de sua autoria. Em Rónai (2006) há frases e textos de autores latinos.
Em Harmsen (1956) há somente pequenos textos, de autores como Lhomond, Fedro, Cornélio
Nepos e César. Em Richards (1958) há frases de sua autoria e de autores latinos. Spalding
(1983) traz frases de sua própria autoria somente. Os autores de Ars Latina (1978) trazem
sentenças isoladas mas também textos, porém, ambos são de sua autoria. Comba (1986)
apresenta frases soltas e textos, de sua autoria e de autoria de autores latinos; traz provérbios e
sentenças famosas e textos de autores como Fedro, além de trechos do Antigo e do Novo
Testamento em latim. O Reading Latin possui seis partes: a cada uma das três primeiras
primeiras corresponde um texto de um autor latino (Plauto) que deve ser traduzido antes do
estudo da gramática. As demais partes trazem distintos autores e gêneros literários. Na
primeira parte, por exemplo, o aluno deve traduzir a Aulularia de Plauto adaptada. Sobre este,
Miotti afirma: “embora o texto não mantenha as expressões do original ipsis litteris (como
passa a acontecer nas próximas seções), todo o sentido inclusive muitos detalhes estilísticos
e marcações cênicas permanece preservado” (2006:64). Na segunda parte, o texto a ser
traduzido é Bacchides, também de Plauto; na terceira é Amphitruo do mesmo autor; na quarta
é o texto de cero In Verrem; na quinta é o Catilinae coniuratio, de Salústio e In Catilinam,
de Cícero; e na sexta textos variados: Cícero, César, Lucrécio e Catulo são alguns dos
135
autores. No volume de gramática e exercícios, há outros exercícios de tradução, tanto de frases
soltas como de pequenos textos, de autoria de Jones & Sidwell e de autores latinos também.
Em Garcia somente textos, alguns de sua autoria e outros de autores latinos como Fedro e
César. No manual de Almeida, frases soltas e, mais ao final, alguns pequenos textos.
frases de Publílio Siro e os textos são de Cícero, Fedro, Virgílio, Horácio e Ovídio. O manual
de Díaz contém frases soltas de autoria dela e uma antologia com textos a serem traduzidos
pelo aluno de Fedro, Cícero, César, Horácio, Ovídio e Virgílio. No primeiro volume do
manual Lingua Romae, as frases são, em sua maior parte, de autoria dos autores. Nos outros
dois volumes há frases e textos de autores latinos.
Além dos exercícios de tradução do latim para a língua materna, encontramos nos
manuais exercícios de versão da língua materna para o latim. Alguns autores admitem que a
versão seja um exercício frutífero para o aprendizado do latim, outros não a incluem pois
pensam que, pelo latim não ser mais usado para a composição, somente para a leitura, este
tipo de exercício não teria sentido, e que os mesmos benefícios conseguidos pela versão
poderiam ser obtidos somente pela tradução.
Os seguintes manuais trazem exercícios de versão: Nóbrega (1962a), Rónai (2006),
Richards (1958), Berge, Castro & Müller (1978), Comba (1986), Almeida (2000), Jones &
Sidwell (2003), Díaz (2006) e Furlan & Coelho (2009). Richards, conforme descrevemos no
capítulo anterior, justifica os exercícios de versão afirmando que não se espera que os alunos
aprendam a escrever em latim, mas que eles se tornem mais sensíveis à ngua e, portanto,
melhores leitores. Faria (1959), conforme vimos no segundo capítulo, considera que, após a
renovação que se deu nos trabalhos escolares, as versões para o latim deveriam ser excluídas,
pois não correspondem mais aos objetivos do ensino moderno desta ngua. Nóbrega (1962b),
ao contrário, pensa que a versão é o recurso mais eficiente para que o professor verifique o
grau de entendimento do aluno a respeito do ponto gramatical explicado. Dos dezoito manuais
analisados, nove trazem exercícios de versão, o que comprova que, conforme dissemos, nem
todos os autores consideram que este seja um exercício relevante para o estudo do latim, e não
é um recurso tão usado quanto é a tradução.
também outros tipos de exercícios, além dos de tradução e versão. Alguns manuais
trazem, inclusive, exercícios de gramática da língua materna do aluno, que serão comentados
em tópico posterior. Em vários manuais encontramos questionários, como no manual de
Nóbrega: “1 Por que a palavra Gallia na primeira frase do exercício termina em a? 2 Por
que provincia também termina em a? 3 – Qual a função de Italiae? 4 – Em que caso está? Está
em nominativo? Por que não? 5 Indique todos os genitivos no exercício acima” (1962a:12).
136
No manual de Comba, questionários em português de compreensão dos textos lidos. No
manual de Almeida, questionários em todas as lições. Na lição sobre o nominativo, por
exemplo, o aluno deve responder: “1 – Quantos elementos podemos encontrar numa oração? 2
Quais são os elementos que podemos encontrar numa oração? 3 Que é sujeito? 4 Como
se descobre o sujeito de uma oração?” (2000:15), entre outras.
falamos sobre a memorização no primeiro tópico deste capítulo, e de como alguns
autores de manuais a incentivam. Alguns exercícios também incentivam a esta prática,
destacamos o manual de Almeida. O autor recomenda que o aluno decore, exercício por
exercício, o vocabulário correspondente” (2000:35). Em outro questionário, o autor alerta:
“Não se por satisfeito enquanto não souber responder a todas as perguntas sem consultar
uma única vez a lição” (2000:55). A lição 49, inclusive, intitula-se “Como decorar um
verbo?”. Em uma lição posterior a esta, o autor recomenda ao aluno: “[...] decorar os tempos
primitivos e o significado dos verbos das diversas regras da lição” (2000: 240). Ainda
outras recomendações como esta em outras lições.
Um tipo de exercício que aparece em vários manuais (Rónai, Jones & Sidwell, Furlan
& Coelho) é passar do singular para o plural ou do plural para o singular frases, verbos ou
nomes. Também exercícios em que o aluno deve mudar o tempo verbal da frase ou texto
(Rónai, Díaz), ou identificar o tempo verbal, conjugação e pessoa de uma lista de verbos
(Furlan & Coelho).
Outro tipo de exercício recorrente nos manuais é declinar palavras ou sintagmas em
alguns casos (Nóbrega, Rónai, Richards, Comba, Almeida, Jones & Sidwell, Díaz, Furlan &
Coelho) e conjugar determinados verbos em determinados tempos (Rónai, Almeida, Jones &
Sidwell, Díaz, Furlan & Coelho). Em alguns manuais (Nóbrega, Jones & Sidwell, Furlan &
Coelho) os autores pedem que o aluno combine, de acordo com caso, gênero e número,
adjetivos com nomes, ou pronomes com nomes. A análise sintática e morfológica também
aparece como exercício em alguns manuais (Nóbrega, Rónai, Comba, Garcia, Jones &
Sidwell, Díaz).
O Reading Latin é o único manual que traz exercícios de escansão de versos.
Como comentamos, os exercícios de oralidade não fazem mais sentido no ensino do
latim de hoje. No entanto, alguns manuais trazem exercícios deste tipo, como o de Rónai.
Diversas vezes o autor propõe ao aluno exercícios como este: “3. Dizer em latim: Aos poetas.
Para as escolas. À rã. Para uma rainha” (2006:22). Outro exemplo é do manual Ars Latina. No
tópico Exercício de conversação, que aparece em algumas lições ao longo da obra, os autores
pedem que o aluno responda em latim perguntas escritas em latim sobre os textos previamente
137
trabalhados. Por exemplo, após ler um pequeno texto sobre a guerra entre Persas e Espartanos,
o aluno deve responder: “Ubi sunt angustiae Thermopylarum? – Quis Persas exspectat? – Ubi
habitant Persae? – Quae est causa pugnae? – Ubi pugnat Leonidas? – Quis superat pugna? –
Quem necant? Cui obtemperant Spartiatae? (1978:31). Richards também propõe
exercícios de oralidade: “Responda as questões em latim: 1. Ubi estis hodie? 2. Ubi est nostra
Academia? 3. Ubi sunt puellae? 4. Ubi erat agricola? 5. Est-ne Roma in Europa? 6. Est-ne
Graecia in Africa? 7. Ubi cras erimus?(1958:10). No Reading Latin, há exercícios em que o
aluno deve ler sentenças em latim e dizer em latim o sujeito do verbo.
Sem dúvida, a prática da tradução ainda é o principal exercício encontrado nos
manuais analisados, porém, ainda encontramos outros tipos de exercícios, que, geralmente,
concernem à fixação de pontos gramaticais específicos. No geral, os exercícios são suficientes
em todos os manuais. Percebemos ainda a presença de exercícios mecânicos, como declinação
de palavras e sintagmas, conjugação de verbos e mudança de plural para singular. Este tipo de
exercício é importante para que o professor veja se o conteúdo gramatical foi compreendido
pelos alunos, assim como a tradução de frases soltas, mas não é exclusivo.
138
3.4 O papel da língua materna no ensino do latim
Conforme já discutimos, o uso da tradução no ensino de línguas estrangeiras – uma das
características da AGT é muitas vezes criticado, pois isso implica a presença da língua
materna do aluno no processo de aprendizagem. Ao analisarmos os manuais, percebemos que
todos ensinam o latim através da língua materna. Portanto, podemos afirmar que esta tem um
papel primordial no ensino da língua latina, é através dela que o aluno aprende a língua
estrangeira, e os benefícios desta aprendizagem, segundo alguns autores, refletir-se-ão na
língua materna.
Uma das abordagens que rejeita especialmente as comparações com a língua materna é
a abordagem comunicativa, conforme vimos no primeiro capítulo com Pedroso (2006). Este
autor entende que o recurso à língua materna é justificável, pois é por sua mediação que o
aluno recebe a língua estrangeira. Schäffer (2000), segundo apresentamos no primeiro
capítulo, partilha das ideias de Pedroso, afirmando que a ngua materna fundamenta a
experiência do aprendiz com outras línguas, e por isto ele recorrerá a ela quando tiver dúvidas
ou inseguranças em relação à língua estrangeira.
Todos os manuais analisados, conforme afirmamos, recorrem à língua materna do
aluno para ensinar o latim. Além disso, a língua materna é muitas vezes usada como
justificativa para o ensino da língua clássica, o que é um dos pressupostos da AGT: aprender a
língua estrangeira traria benefícios para o estudo da língua materna do aluno, inclusive para o
estudo de outras línguas também. Faria (1959), Nóbrega (1962b), Berge, Castro & Müller
(1978), Rónai (1980) e Jones & Sidwell (2003) são autores que acreditam que o estudo do
latim poderá beneficiar o estudo da língua materna do aluno, seja pela melhoria do estilo ou
pelo melhor entendimento dos elementos da língua materna que estão relacionados ao latim,
este benefício seria maior no caso das línguas românicas.
Alguns manuais discutem pontos gramaticais e propõem exercícios sobre a língua
materna do aluno. Comba (1986), por exemplo, traz exercícios nos quais o aluno deve analisar
pequenas orações conforme o modelo:
João: subst. masc. sing.
chegará: verbo, 3ª pess. sing. futuro do presente simples, indicativo
ativo.
Os: art. def. masc. pl.
meninos: subst. masc. pl.
139
são amados: verbo, pessoa pl., presente indicativo passivo.
(1986:06)
também neste manual exercícios de classificação de verbos em português e de
análise sintática de frases soltas em português. Almeida (2000) também traz exercícios de
análise sintática e ainda, nos questionários, perguntas sobre conceitos da gramática do
português, como:
1- Que se entende por complemento, quando se fala em verbo quanto
ao complemento’?
2- Considerados quanto ao complemento, todos os verbos são iguais? Por
quê?
3- Que é verbo de predicação completa? Que outro nome tem?
Exemplos. (2000:22)
Além disso, Almeida em alguns momentos faz referência à sua “Gramática Metódica
da Língua Portuguesa”, pedindo que o aluno a consulte em caso de dúvidas. Berge, Castro &
Müller (1978) aconselham que o professor de latim seja também o professor de português dos
alunos, e que os programas destas duas disciplinas estejam ajustados. O uso deste tipo de
exercício pode ser justificado pela importância do conhecimento e da clareza dos conceitos
gramaticais da língua materna do aluno para a aprendizagem de certos pontos gramaticais da
língua latina. Na aprendizagem dos casos, por exemplo, o aluno precisa entender o que é um
sujeito e um predicativo do sujeito para aprender o caso nominativo, ou, como vimos nas
questões acima propostas por Almeida, o aluno precisa entender a regência dos verbos para
que possa compreender os casos acusativo e dativo, e assim por diante.
Furlan & Coelho (2009) não trazem exercícios sobre a língua materna do aluno, mas
ressaltam a importância do conhecimento da gramática tradicional do português para a
aprendizagem do latim pois, segundo os autores, o desconhecimento da gramática do
português consiste muitas vezes na maior dificuldade para o aprendizado da língua latina. Os
autores ainda afirmam que: “a gramática tradicional portuguesa foi estabelecida a partir da
gramática latina, e o conhecimento daquela é imprescindível para o conhecimento desta”
(2009:31).
Outro tipo de exercício que faz referência à língua materna é o de etimologia e aparece
nos manuais de Richards (1958) e Jones & Sidwell (2003). No primeiro, um exemplo seria um
exercício em que o aluno deve informar qual palavra latina deu origem a certas palavras em
inglês como action, literature e wine. Já no Reading latin, conforme vimos no segundo
capítulo, os autores exploram a influência do latim no vocabulário da língua inglesa em
140
diversos momentos. uma seção no manual chamada Everyday Latin, que explora
expressões latinas ainda usadas hoje na língua inglesa. Também exercícios de etimologia
semelhantes aos que se encontram em Richards.
Podemos afirmar que, no ensino do latim, a língua materna não tem somente um papel
de mediadora da aprendizagem da língua estrangeira. Alguns dos autores acreditam que os
conhecimentos adquiridos no estudo desta língua trarão benefícios e proporcionarão ao aluno
um conhecimento mais aprofundado de sua própria língua. Conforme já informamos, estas
ideias são características da AGT, abordagem na qual se baseiam quase todos os manuais
analisados. Além disso, em todos os manuais há pontos da gramática do latim que são
ensinados através da comparação com a língua materna do aluno, o que confirma a afirmação
de Schäffer de que a língua materna fundamenta a experiência do aprendiz com outras línguas.
141
3.5 O papel da tradução
Como vimos até agora, a tradução é o principal exercício no ensino do latim e os
manuais analisados se baseiam, com exceção de Lima (1995), nos princípios da AGT. Vimos
também que alguns autores criticam o uso da tradução no ensino de línguas, no entanto,
conforme afirmou Pedroso (2006), isto acontece porque estes autores não desvinculam a
tradução dos objetivos da AGT, que é uma abordagem muito criticada. Richards & Rodgers
(1993), exemplos destes autores, caracterizam a sentença como a unidade básica do ensino e
da prática da língua na perspectiva da referida abordagem, e ainda afirmam que grande parte
do tempo das aulas é empregado na tradução de sentenças. Malmkjaer (1998) informa que o
primeiro curso escrito em inglês baseado nos princípios da AGT fazia uso de exercícios de
tradução de frases individuais. Além disso, conforme vimos no tópico anterior, alguns autores
criticam o uso da tradução por esta implicar a presença da língua materna. No entanto,
observamos que os exercícios de tradução, desde que adequados, são uma boa maneira, talvez
a única, de ensinar o latim.
Ao descrever e analisar os manuais, percebemos que usos distintos da tradução, o
que pode revelar maneiras diferentes de conceber a tradução por parte dos autores dos
manuais. Marouzeau (1943), Faria (1959) e Nóbrega (1962b) são autores que procuram
discutir a tradução em suas obras, conforme vimos no capítulo primeiro. Estes manuais não
têm uma preocupação em ensinar a gramática do latim, o objetivo deles é antes discutir pontos
sobre o ensino desta língua. Nos manuais restantes não uma explicitação do que os autores
pensam sobre tradução, como nos três últimos citados, mas sim algumas citações que
podemos analisar numa tentativa de perceber como estes outros autores entendem a tradução.
No geral, os autores dos manuais apontam como dificuldades para traduzir o latim
características da gramática da língua, a distância temporal entre o latim e a língua materna do
aluno e o fato de esta língua representar uma cultura e mentalidade diferentes das do aprendiz.
Sobre as dificuldades da gramática, os autores destacam, principalmente, o caráter sintético da
língua latina, a ausência de artigos e a polissemia léxica, morfológica e sintática. A partir das
dificuldades apontadas, alguns autores tentam fornecer elementos, sejam de gramática ou de
cultura, que auxiliem os alunos no exercício da tradução.
Na maior parte das vezes, segundo descrevemos no capítulo anterior, auxiliar o aluno
na prática da tradução significa explicar particularidades da gramática do latim, o que
142
geralmente é feito através de frases soltas, sem mostrar posteriormente como aquela
particularidade apareceria num texto de um autor latino. Podemos citar novamente, como um
exemplo desta prática, o manual de Berge, Castro & Müller: Cum é também conjunção.
Significa quando (e porque). Podemos também traduzi-lo por uma oração preposicional
infinitiva: ao... Rege o subjuntivo (1978:68). Outra prática encontrada comumente nos
manuais é o autor simplesmente traduzir frases ou expressões que o aluno supostamente não
conseguiria traduzir sozinho, sendo que, na maioria dos casos, esta tradução não é
acompanhada de nenhum tipo de explicação, seja gramatical ou cultural, e espera-se que o
aluno simplesmente copie a sugestão do autor.
De acordo com a definição de Mounin (1975) vista no primeiro capítulo, o tradutor
deve ser um etnógrafo, e o tradutor de línguas antigas, um filólogo. Isto significa que não
basta ter conhecimento da língua que se traduz e da língua para a qual se traduz, é preciso
conhecer também e em igual medida a etnografia da comunidade falante daquela língua. No
caso do latim, uma língua cuja civilização não mais existe, o tradutor deve recorrer à história
como descrição etnográfica do passado. Alguns manuais procuram fornecer elementos
culturais que auxiliem o aluno no exercício da tradução, como o de brega (1962a), que
comenta os textos a serem traduzidos, acrescentando informações sobre a cultura e a história
de Roma. Richards (1958), em algumas lições, traz notas sobre alguns vocábulos e frases nas
quais informações sobre obras latinas em que eles aparecem, ou informações que
relacionam o vocábulo e a cultura de Roma. Faria (1959) recomenda que os textos para
tradução venham acompanhados de informações sobre seus respectivos autores, e sobre
aspectos da vida e da cultura romanas. Rónai (1980) também traz informações culturais e
históricas. Juntamente com as frases de autores latinos, Rónai coloca excertos de textos de
autores não-latinos que dialogam com elas. Jones & Sidwell (2003) procuram situar os textos
a serem traduzidos na história da literatura de Roma, trazendo informações sobre os autores e
sobre a cultura da época. Neste aspecto, destacamos o manual de Garcia (1993), no qual a
autora discute problemas de tradução não somente no âmbito linguístico, mas também no
cultural, conforme descrevemos no tópico correspondente a este manual no capítulo anterior.
Outra tentativa de auxiliar os alunos feita por muitos autores é a de organizar o
processo da tradução em passos que o aluno deve seguir para ter sucesso neste exercício.
Pinto aconselha que o aluno divida o período em orações e analise cada uma delas,
observando as regras de concordância e a sintaxe dos casos. Marouzeau recomenda que o
aluno opere o que ele chama de “construção gramatical”. Para realizá-la, ele deve separar a
143
proposição principal do período das proposições subordinadas, reconhecendo as formas
gramaticais e definindo as relações sintáticas. Harmsen sugere um procedimento semelhante,
no qual o aluno deve encontrar primeiro os membros essenciais da proposição, o verbo e o
sujeito. No caso dos períodos longos, ele deve distinguir entre a proposição principal e a
subordinada e traduzir palavra por palavra, adequando, em seguida, o texto da tradução ao
português. Nos manuais de Spalding, Almeida e Díaz, com pequenas diferenças, o aluno
basicamente deve analisar todas as palavras da oração, colocá-la na ordem direta e traduzi-la
palavra por palavra. Segundo Spalding, esta tradução revelará o sentido da frase e, baseando-
se nela, o aluno deverá fazer uma tradução literária. Nóbrega (1962b) apresenta os processos
de tradução de diversos autores e, para ele, a tradução tem início na leitura, na qual se deve
apreender o sentido geral do pensamento do autor. O aluno não deve ler na chamada ordem
direta. Feita a leitura, ele deve examinar detidamente as orações que compõem cada período e
iniciar a tradução.
No geral, podemos dizer que os autores entendem a tradução como a descoberta do
sentido do texto, que começa na análise das palavras e proposições da frase e culmina no
“arranjo” do que eles chamam de tradução literal (diríamos palavra por palavra) numa
tradução mais fluente ou tradução literária. Segundo vimos no primeiro capítulo, Berman
(2007) afirma que, na tradução etnocêntrica e hipertextual, o sentido é um ser em si, que a
tradução faz passar de uma língua a outra. A primazia do sentido é a essência da tradução
etnocêntrica. De acordo com o autor, os dois princípios deste tipo de tradução são: a obra
estrangeira deve ser traduzida de maneira que não se “sinta” a tradução e esta deve dar a
impressão de que é assim que o autor estrangeiro teria escrito se o tivesse feito na língua para
a qual traduziu. Analisando os passos de tradução recomendados pelos autores dos manuais,
podemos perceber que o sentido do texto latino deve ser captado pelo aluno, é algo que está
ali no texto para ser descoberto e passado à língua materna. Expressões como “descoberta do
sentido” (Marouzeau), “chave de investigação” (Harmsen), “transportar para a ngua o
pensamento do autor” (Nóbrega), ou ainda “em seu texto, o tradutor pode mudar a forma, mas
não a ideia, o pensamento do autor” (também Nóbrega), ou “escolher o sentido exato”
(Spalding) encontradas em alguns manuais, comprovam esta ideia de que o sentido do texto
latino seria algo a ser descoberto pela análise sintática e, após a tradução palavra por palavra,
ele se revelaria. Após esta “descoberta”, o aluno poderá “arrumar” sua tradução, tendo sempre
como direção a língua de chegada e o que nela é considerado padrão ou normativo,
exercitando seu estilo. Isso mostra que, em geral, o que se entende e se ensina como tradução
nos manuais analisados, é o que Berman critica e chama de “resgate estetizante do sentido”. A
144
tradução, nos manuais, seria como que uma “prova” de que o aluno entendeu o texto, pois os
autores dos manuais acreditam que, através dela, o aluno compreenderá o pensamento do
autor estrangeiro de forma completa, o que podemos perceber por afirmações como a de
Marouzeau, de que o aluno deve traduzir provando que compreendeu o sentido e a construção.
Ou de Nóbrega (1962b), que afirma que a leitura proporciona uma ideia geral do texto, mas a
tradução faz com que o pensamento do autor latino seja apreendido em sua totalidade.
Alguns autores também recomendam o tipo de linguagem que deve vigorar na
tradução. Dentre estes, a maioria recomenda que a tradução seja feita em “português correto”
ou “inglês correto”, no entanto não uma discussão nem um maior detalhamento do que
seria “correto” na opinião destes autores. Já Marouzeau entende que a tradução deve ser feita
na ngua de todos os dias, o aluno deve evitar as fórmulas feitas, os clichês e a língua
“neutra”. O aluno deve respeitar o estilo do autor a ser traduzido e pode usar o estilo de um
escritor francês para traduzir um latino. Por exemplo, passagens de Ovídio que suportam
ser traduzidas, segundo Marouzeau, na língua de Delille. No entanto, no geral, a inspiração
deve ser a língua viva e corrente, o francês atual. Para Faria, o estilo do autor e o gênero da
obra literária devem transparecer na tradução, a língua empregada para traduzir um poeta
épico não pode ser a mesma empregada para traduzir um orador, por exemplo. O tradutor deve
conservar as figuras, repetições e a gradação das expressões do original, sem retalhar as
orações. Para Nóbrega, além de traduzir em linguagem clara e correta, o tradutor deve
observar os cânones estilísticos da língua usada para a tradução. Spalding aconselha que se
observe, anote e decore as expressões trazidas pelos dicionários e pelos bons tradutores.
Analisando estas recomendações, percebemos que os autores dos manuais pensam que
se deve privilegiar a língua de chegada na tradução, que deve ser clara, correta e fluente. É
possível distinguir entre estas recomendações os dois princípios da tradução etnocêntrica
elaborados por Berman, de que a obra estrangeira deve ser traduzida de maneira que não se
“sinta” a tradução e esta deve dar a impressão de que é assim que o autor estrangeiro teria
escrito se o tivesse feito na língua para a qual traduziu.
No manual de Spalding (1983), comprovando a ideia de que a tradução final deve ser
baseada em uma primeira tradução palavra por palavra, o autor traduz um trecho de um texto
de Cícero, De Senectute (84 a 85). Para isso, primeiro Spalding apresenta o texto original em
latim. Em seguida, o mesmo texto é apresentado em latim, porém as orações são colocadas na
ordem direta, embora o autor saliente que não aprova este sistema pois
145
além de deturpar e alterar profundamente o texto, de modo que se torna
irreconhecível, o que é fazer grave injúria ao escritor, que é antiestético e
pouco didático tal meio, pois o aluno deve aprender o Latim como ele
realmente é, e não desfigurado à moda portuguesa, para seu próprio
conforto. Mas, visto assim ser exigido nas escolas e nos exames
vestibulares, aí fica o modelo. Sob protesto, porém (1983:99 e 100).
Depois, o autor faz uma tradução justalinear e, a partir desta, apresenta o que ele
chama de tradução literária. A seguir, apresentaremos o texto original, o texto em português
da tradução justalinear seguida da tradução literária, com o intuito de identificar e discutir as
diferenças entre as duas traduções. Não intentamos fazer uma análise exaustiva das traduções,
apenas usá-las como forma de exemplificar a visão de tradução deste autor. Não
apresentaremos o texto colocado em ordem direta por não ser relevante para esta reflexão.
Trecho original latino: Quid enim habet uita commodi? Quid non potius
laboris? Sed habeat sane ; habet certe tamen aut satietatem, aut modum.
Non lubet enim mihi deplorate uitam, quod multi, et ei docti, saepe
fecerunt : neque me uixisse poenitet; quoniam ita uixi, ut non frustra me
natum existimem ; et ex uita ita discedo, tanquam ex hospitio, non
tanquam ex domo. Commorandi enim natura deuersorium nobis, non
habitandi locum dedit.
O praeclarum diem, quum ad illud diuinum animorum concilium
coetumque proficiscar, quumque ex hac turba et colluuione discedam !
Proficiscar enim non ad eos solum uiros, de quibus ante dixi, uerum
etiam ad Catonem meum, quo nemo uir melior natus est, nemo pietate
praestantior : cuius a me corpus crematum est (quod contra decuit, ab
illo meum) : animus uero non me deserens, sed respectans, in ea profecto
loca discessit, quo mihi ipsi cernebat esse ueniendum (CÍCERO apud
Spalding, 1983 :99).
Tradução justalinear: Que de prazeres, com efeito, a vida possui? Antes,
que na vida não são trabalhos? Mas admitamos que ela (a vida) os tenha
(prazeres) certamente contudo traz ou a saciedade ou o termo. Pois não
me agrada chorar a vida, o que muitos fizeram muitas vezes, e esses eram
pessoas doutas: e não me arrependo de ter vivido; pois que vivi assim
que julgo que o nasci em vão, e saio assim da vida, como de uma
hospedaria, não como de uma casa (do seu lar). Pois a natureza nos deu
uma estalagem para morarmos, não um lugar para habitarmos.
Ó dia brilhante, quando eu partir para aquela assembléia divina e reunião
de almas, e quando eu partir desta turba e desta lama! Pois eu partirei não
para junto daqueles varões, dos quais eu falei antes, mas também para
junto do meu querido Catão, do qual nenhum varão que nasceu é melhor
(do que ele), nenhum lhe é superior em piedade: o corpo do qual foi
cremado por mim (ao contrário ele é que deveria ter cremado o meu):
mas sua alma não me abandonando, mas voltando-se (para mim) partiu
certamente para aqueles lugares, onde ela via que eu iria um dia”
(1993:100 e 101).
Tradução literária: Quais são, com efeito, os prazeres da vida? Ou antes,
na vida, que não são sofrimentos? Admitamos que tenha prazeres; esses
146
prazeres têm seu termo e trazem a saciedade. Com efeito, não me agrada
deplorar a vida, o que muitos fazem muitas vezes, e esses são pessoas
doutas: não me arrependo de haver vivido, pois vivi de tal maneira que
estimo não ter nascido em vão, e vou-me, assim, desta vida, como quem
sai duma hospedaria, não como do seu lar. Pois a natureza nos deu uma
estalagem para demorarmo-nos e não lugar de habitação.
Ó dia brilhante aquele em que partir para a assembléia divina e para a
reunião das almas, e em que deixarei esta turba terrestre e esta lama!
Partirei, com efeito, não para ir ter com aqueles varões dos quais
pouco falei, mas também para o meu filho Catão, o melhor homem que
jamais nasceu, o mais terno dos filhos! Seu corpo foi incinerado por
mim, quando, ao contrário, ele é que deveria cremar o meu. Mas sua
alma o me abandonou, partiu, sem dúvida, voltando-se para lançar-me
um olhar de ternura, para aqueles lugares onde ele via que eu iria um dia”
(1983:101 e 102).
O autor muda a função sintática de algumas palavras da tradução justalinear para a
literária. Na primeira frase da tradução justalinear “Que de prazeres, com efeito, a vida
possui?” vida exerce a função sintática de sujeito e seu vocábulo correspondente no texto de
Cícero uita está no caso nominativo. Na tradução literária, o autor muda a frase para:
“Quais são, com efeito, os prazeres da vida?”, ou seja, de sujeito na primeira tradução, vida
passou a exercer a função de adjunto adnominal, o que claramente não é uma função
desempenhada pelo caso nominativo latino. Já na frase
Pois não me agrada chorar a vida, o que muitos fizeram muitas vezes, e
esses eram pessoas doutas: e não me arrependo de ter vivido; pois que
vivi assim que julgo que não nasci em vão, e saio assim da vida, como de
uma hospedaria, não como de uma casa (do seu lar)
é traduzida literariamente como
Com efeito, não me agrada deplorar a vida, o que muitos fazem muitas
vezes, e esses o pessoas doutas: não me arrependo de haver vivido,
pois vivi de tal maneira que estimo não ter nascido em vão, e vou-me,
assim, desta vida, como quem sai duma hospedaria, não como do seu lar.
Algumas das mudanças ocorridas da primeira tradução para a segunda são: mudança
do tempo verbal de fecerunt; na primeira tradução é traduzido por fizeram, que está no
pretérito perfeito do indicativo; na segunda é traduzido por fazem, no presente do indicativo.
Em latim, o verbo está no pretérito perfeito, conforme a tradução justalinear. A mudança deste
tempo verbal acarreta a mudança do verbo de ligação seguinte: “eram pessoas doutas” fica
são pessoas doutas” na tradução literária. “saio assim da vida, como de uma hospedaria” que,
na tradução literária ficou: “vou-me, assim, desta vida, como quem sai duma hospedaria”. A
147
alteração da pontuação e o acréscimo de palavras como desta (no lugar de da), quem e sai
contribuem para que a segunda tradução seja um texto mais fluente e menos estranho a um
leitor de português.
Catonem meum é traduzido na tradução justalinear como “meu querido Catão”, na
tradução literária o autor traduz por “meu filho Catão”. Ainda nesta frase, “nenhum lhe é
superior em piedade” é traduzido literariamente por “o mais terno dos filhos”. O último
período deste excerto, que é um período longo, é dividido em dois na tradução literária,
enquanto que, na tradução justalinear, o autor havia conservado o período longo. Ainda no
último período, na tradução literária, o autor acrescenta “para lançar-me um olhar de ternura”,
oração que não existe no texto em latim e que não se encontrava também na tradução
justalinear. No geral, percebemos que as frases que na tradução justalinear parecem
“truncadas” são modificadas pelo autor de modo a parecerem mais “fluentes” na tradução
literária. Este procedimento pode revelar a ideia da tradução como um exercício de estilo.
148
3.6 Os manuais, a tradução e o ensino em Roma
Segundo vimos no tópico anterior, os manuais analisados têm, no geral, uma
concepção etnocêntrica da tradução, segundo a definição de Berman (2007). De acordo com
este autor, a tradução etnocêntrica e hipertextual nasceu em Roma, no período em que os
romanos começaram um processo de tradução massiva de textos gregos. Conforme vimos no
primeiro capítulo, o marco inicial da literatura latina foi a tradução da Odisseia por Lívio
Andrônico e, a partir dela, os autores latinos usaram os modelos gregos traduzindo-os de
forma mais ou menos livre. Furlan (2003) afirma que o tradutor romano acabava por conceber
a tradução como um exercício de estilística comparada, e o modelo era usado de forma
criativa. O autor ainda distingue duas formas de traduzir dos romanos: a tradução gramatical,
ou palavra por palavra, e a tradução retórica. No âmbito do ensino, Marrou (1975) informa
que, antes de tudo, procurava-se entender o sentido dos textos em grego e, para isso, o aluno
procurava assimilar a construção, o valor dos casos e traduzir as palavras mais difíceis para a
língua comum.
Lembrando-nos da maneira como descrevemos no tópico anterior o processo da
tradução sugerido pelos autores dos manuais, percebemos algumas semelhanças com o ensino
na Roma Antiga. De acordo com os manuais, o primeiro passo no exercício da tradução é
também entender o sentido do texto e, em seguida, analisar as frases. A tradução final é um
exercício de estilo, no entanto, nos manuais esta é menos “livre” que a tradução feita pelos
romanos. Podemos também comparar os procedimentos de tradução dos manuais com os dois
modos de tradução dos romanos abordados por Furlan. Os autores dos manuais, no geral,
recomendam que o aluno faça uma tradução palavra por palavra, que seria a tradução
gramatical, e depois melhore seu texto, que seria a tradução retórica.
Os romanos objetivavam melhorar seu estilo através da tradução e estudar os recursos
estilísticos dos autores gregos. Conforme vimos ao longo deste trabalho, umas das crenças em
relação à tradução e aprendizagem do latim é de que estas melhorariam o estilo de escrita do
aluno, pois ele conheceria, conforme Faria (1959) os “recursos artísticos de que se valem os
escritores, como o emprego das imagens, das figuras, da prosa rítmica, etc” (1959:147).
Podemos dizer que a maneira como a tradução é apresentada e entendida nos manuais é
semelhante à maneira como os romanos a entendiam.
A respeito dos manuais escolares dos romanos, Marrou afirma que estes eram
bilíngues, continham um vocabulário greco-latino e pequenos textos, apresentados da seguinte
149
forma: duas colunas, uma com o texto grego e a outra, ao lado, com sua tradução latina. Se
observarmos os manuais selecionados neste trabalho, podemos dizer que também são
bilíngues, possuem um vocabulário em latim e na língua materna do aluno, além de pequenos
textos. No entanto, nem todos apresentam a tradução na língua materna do aluno. De certa
forma, poderíamos dizer que o que mudou efetivamente foi o fato de que o aluno não tem a
tradução na sua ngua materna ao lado do texto em latim, a tradução é ele quem deve fazer
como forma de aprender a gramática da língua, embora, conforme já vimos, a tradução
também estivesse presente no ensino dos romanos. Conforme vimos no tópico anterior,
Spalding (1983) procede de maneira semelhante ao final de sua obra, quando compara o texto
em latim com sua tradução justalinear. Porém, este não é um procedimento difundido na obra
como um todo. Já Lima (1995) sugere que a aprendizagem do latim inicie com um texto latino
e sua tradução em português, a qual deve ser mais voltada para a organização linguística do
que para a manifestação de fatos culturais. O professor deve mostrar diferenças e semelhanças
entre os idiomas, submetendo o texto latino ao que Lima chama de um processo de
normalização, que evidenciaria o funcionamento da língua, o que é um procedimento
semelhante ao que descrevemos como o ensino em Roma.
Segundo Marrou, os romanos foram os primeiros a explorar, sistematicamente, o
benefício do estudo de uma língua estrangeira para aprofundar e aperfeiçoar o domínio da sua
língua materna, através da tradução e comparação entre textos gregos e latinos. Comparando e
analisando estas informações com as descrições dos manuais e o tópico “O papel da língua
materna no ensino do latim”, deste capítulo, é possível perceber que a ideia de que estudar
uma língua estrangeira pode melhorar o estudo da língua materna ainda se encontra nos
manuais de latim. O procedimento para o alcance deste benefício também é o mesmo:
tradução e comparação de textos da língua estrangeira e da língua materna. No caso do
português, do francês e do espanhol, esta crença é ainda mais forte por serem estas línguas
românicas. No entanto, percebemos que, mesmo nos manuais em inglês, Essentials of latin
(1958) e Reading latin (2003), os autores destacam, por exemplo, vocábulos em inglês que
têm suas origens no latim e comparam elementos da gramática latina e inglesa.
Podemos ainda perceber outra semelhança entre o ensino dos romanos e os manuais
analisados: a memorização. Manacorda (1968), ao falar sobre o ensino em Roma, destaca a
memória como o principal instrumento de ensino e o caráter repetitivo da escola. E esta é uma
das características da AGT, abordagem que surgiu justamente com o ensino de grego e latim.
A partir do corpus analisado, percebemos que nem todos os manuais incentivam a
memorização: apenas quatro manuais, em algum momento, sugerem que o aluno decore um
150
ponto da gramática: Spalding (1983), Comba (1986), Almeida (2000) e Reading Latin (2003).
Nos exercícios dos manuais, a presença de exercícios mecânicos, que pode ser relacionada
com a repetição na escola antiga, destacada por Manacorda.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nosso principal objetivo neste trabalho foi o de descrever e analisar manuais que
ensinam o latim através da tradução, intentando distinguir características desta de acordo com
o modo como ela aparece nos manuais, bem como possíveis semelhanças e diferenças entre
eles.
A pesquisa bibliográfica nos mostrou como a educação grega foi a base para a
educação romana, na qual a tradução tinha um papel primordial. Na Grécia, a educação era
baseada em textos literários e os romanos, ao adotarem este tipo de educação, necessitavam de
textos para o ensino, o que impulsionou o escravo Lívio Andrônico a traduzir a Odisseia para
o latim, inaugurando assim a literatura romana. A partir desta tradução os autores romanos
passaram a traduzir os textos gregos e usá-los como modelos literários. Em Roma, segundo
Marrou (1975), inaugurou-se a prática de se estudar uma língua estrangeira para benefício do
estudo da língua materna.
Ao descrever e analisar os manuais percebemos que práticas de tradução encontradas
neles estão fundamentadas em concepções históricas de tradução, especialmente naquelas da
Roma Antiga e do Renascimento, quando se acentuou o interesse pelas culturas grega e latina.
Foi possível ver semelhanças entre a prática de tradução recomendada pelos manuais e a feita
pelos romanos. O procedimento que o aluno deve seguir, segundo a maior parte dos manuais,
é, primeiramente, entender o sentido do texto traduzindo-o palavra por palavra, em seguida
analisar detidamente as frases e, por fim, “arranjar” a tradução de modo que esta se torne mais
fluente e estilisticamente mais elaborada. Os dois modos de tradução dos romanos abordados
por Furlan (2003) a tradução gramatical e a tradução retórica podem ser comparados com
o procedimento recomendado pelos manuais: a tradução gramatical seria a tradução palavra
por palavra e a tradução retórica seria o “arranjo” que estilizará a primeira tradução. Com o
segundo tipo de tradução os autores romanos objetivavam melhorar seu estilo e conhecer os
recursos estilísticos dos autores gregos. Esta ideia é partilhada por autores de alguns manuais,
que pensam que o exercício da tradução do latim ajuda os alunos a escreverem melhor seus
textos em suas línguas maternas, pois, ao traduzir, os alunos estariam estudando gramática,
comparando as línguas e, ainda, conhecendo os recursos de que se valem os escritores.
Poderíamos então afirmar que a maneira como a tradução é apresentada e entendida nos
manuais é semelhante à maneira como os romanos a entendiam. Os autores dos manuais, no
152
geral, também acreditam, assim como os romanos, que o estudo da língua estrangeira trará
benefícios para o estudo da língua materna do estudante.
Alguns autores dos manuais apontam dificuldades da tradução do latim, das quais
poderíamos citar características da gramática da língua (ausência de artigos, caráter sintético,
entre outras), a distância temporal entre o latim e a língua materna dos estudantes e o fato
daquela língua ser representante de uma cultura e mentalidade diferentes das dos alunos.
Partindo da constatação destas dificuldades, os autores procuram oferecer elementos
gramaticais e culturais que auxiliem o aluno no momento da tradução. Esta preocupação em
trazer informações sobre a cultura e a história de Roma aos alunos, revela que os autores
pensam que para traduzir não é suficiente o conhecimento apenas da língua latina, concepção
de Mounin (1975) a respeito da tradução: “uma operação sobre fatos a um tempo
lingüísticos e culturais, mas cujos pontos de partida e de chegada são sempre lingüísticos”
(1975:215). Este autor diferencia, no entanto, o acesso a estes dados culturais para a tradução
de línguas vivas e para a tradução de nguas cuja civilização não mais existe, como é o caso
do latim. Neste, o acesso às informações sobre a cultura e a civilização será obtido através da
história e da filologia, o tradutor se transformará em filólogo. Pelas características da língua
latina, pelas dificuldades apresentadas pelos autores dos manuais e pelo fato da tradução desta
língua, juntamente com outras como o grego, ser ao mesmo tempo o modo e por vezes o
objetivo da aprendizagem da mesma, pensamos que esta merece uma posição distinta das
línguas modernas em uma teoria da tradução, principalmente por não existir mais uma
civilização falante desta língua e por todos os problemas que isto acarreta ao tradutor.
No geral, a tradução aparece nos manuais de duas maneiras: como um objetivo a ser
atingido após o estudo da língua ou como um exercício para chegar à meta final que seria a
leitura dos clássicos, sendo que esta última é a mais frequente. Se observarmos a frequência e
a quantidade de exercícios de tradução nos manuais, podemos dizer que estes são o principal
modo de fixação do conteúdo gramatical. A tradução é entendida em grande parte dos
manuais como a descoberta do sentido do texto. Esta começa na análise das palavras e
proposições da frase e tem seu fim no “arranjo” do que os autores dos manuais chamam de
“tradução literal” (resultado desta primeira análise) numa tradução literária, correta e fluente.
De acordo com Berman (2007), entender o sentido como algo que se transporta de uma língua
para a outra através da tradução é característica da tradução etnocêntrica e hipertextual, cujos
dois princípios são: a obra estrangeira deve ser traduzida de maneira que não se “sinta” a
tradução e esta deve dar a impressão de que é assim que o autor estrangeiro teria escrito se o
tivesse feito na língua para a qual traduziu. De modo geral, o que se entende e se ensina como
153
tradução nos manuais analisados é aquilo que Berman critica e chama de “resgate estetizante
do sentido”. Para a maior parte dos autores dos manuais, traduzir “corretamente” seria como
que uma “confirmação” de que o aluno entendeu o texto latino, pois eles acreditam que
através do ato de traduzir o aluno compreenderá o pensamento do autor estrangeiro
completamente. A língua de chegada na tradução deve ser privilegiada e deve ser clara,
correta e fluente: distinguimos aqui os dois princípios da tradução etnocêntrica de Berman.
Ao compararmos os manuais mais antigos com os mais novos no quesito abordagem
metodológica vimos que não grandes inovações por parte dos últimos e que, com exceção
do manual de Lima (1995), todos se baseiam pelo menos em alguns dos princípios da AGT.
No entanto, percebemos que a abordagem utilizada pelos autores dos manuais não é
explicitada pela maioria deles. A AGT surgiu justamente com o interesse pelas culturas grega
e latina no período do Renascimento e se vimos que somente um dos manuais analisados não
a segue, podemos afirmar que esta abordagem continua presente no ensino do latim. Porém, se
entendermos metodologia como o método que comporta as regras de aplicação dos
pressupostos da aprendizagem da língua, podemos afirmar que cada manual segue uma
metodologia própria. Leffa (1988) distingue três passos como essenciais para a aprendizagem
de uma língua na perspectiva da AGT: memorização de uma relação de palavras;
conhecimento das regras que permitirão agrupar essas palavras em frases; e exercícios de
tradução e versão. Todos estes passos se encontram nos manuais, porém, alguns manuais não
contêm todos os passos, ou a ordem destes é mudada. A memorização, instrumento didático
da escola antiga, encontra-se em poucos manuais. o segundo passo encontra-se em todos.
Os exercícios de tradução, quando não encontrados nos manuais, são recomendados por seus
autores. Quanto aos objetivos finais da aprendizagem do latim traçados pelos manuais, eles
são, em geral, semelhantes aos da AGT: fazer com que o aluno aprecie a cultura e a literatura
da língua estrangeira, enquanto estuda sua gramática, beneficiando também o estudo da língua
materna.
Também foi possível, através da análise e descrição dos manuais brasileiros, compará-
los com a concepção pedagógica vigente no momento de sua publicação. Os manuais de
Pinto, Nóbrega, Rónai e Harmsen, publicados respectivamente antes de 1931, em 1948, 1954
e 1956, ainda baseiam-se parcialmente na perspectiva da Escola Nova, na qual a criança é o
centro da educação, a visão filosófica desta concepção fundamenta-se na existência, na vida,
na atividade. Estes manuais estão voltados tanto para as crianças quanto para os estudantes
adolescentes que aprendiam latim na escola. No manual Gradus Primus, por exemplo, Rónai
preocupa-se em trazer textos com assuntos que sejam do interesse dos alunos mais jovens e
154
que tenham relação com a vida deles. Nos outros manuais, os autores procuram, em especial,
dar ferramentas aos estudantes para que eles possam ter êxito nos exames necessários para o
ingresso no curso de Direito naquele período.
Nos manuais seguintes publicados no Brasil, percebemos a influência da tendência
tecnicista, que foi a concepção assumida pelos militares após o golpe de 1964, e que tinha
como princípios a racionalidade e a produtividade. Para Saviani a tendência educacional
atualmente dominante no Brasil, desde o final da década de 60, é a concepção produtivista de
educação, que se tornou oficial no Brasil sob a forma da pedagogia tecnicista. Em 1962, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional tornou o ensino do latim facultativo no curso
secundário, praticamente extinguindo-o, ficando este limitado às disciplinas obrigatórias dos
cursos de Letras e à graduação opcional em Língua e Literatura Latina. A combinação da
pedagogia tecnicista e da extinção do latim da escola produziu manuais preocupados em
justificar o estudo desta ngua através de razões práticas, como a melhoria do português dos
alunos, e morais, como a melhoria dos hábitos corretos, da concentração, paciência, entre
outras. Podemos citar como exemplos disso os manuais de Nóbrega, Berge, Castro & Müller,
Spalding, Rónai e Comba. A gramática nestes manuais também aparece de forma mais
resumida ou com caráter consultivo apenas. Através das razões práticas e do enxugamento do
tempo de estudo da língua, com gramáticas mais resumidas, os manuais procuravam cumprir
os requisitos da concepção tecnicista de racionalidade e produtividade, de se fazer o máximo
no menor tempo possível. nos últimos manuais, os de Garcia, Lima e nos 3 volumes de
Lingua Romae, percebemos que o foco é no ensino superior e nos objetivos do estudo do latim
neste contexto, cujo principal deles é a leitura dos clássicos.
Foi possível ao longo do trabalho também refletir sobre a tradução enquanto método
pedagógico no ensino do latim. Após a análise dos manuais, pensamos que a prática da
tradução pode ser sim um meio eficaz de ensinar o latim, e não deve ser abandonada por
professores nem por alunos. Se analisarmos os argumentos citados por Malmkjaer (1998)
contra a tradução no ensino de línguas, percebemos que alguns não fazem sentido se levarmos
em conta o que se entende como os objetivos do ensino do latim atualmente. É fundamental
que o aluno entre em contato com os textos latinos o mais cedo possível.
Sobre o ensino da gramática, percebemos que a maior parte dos manuais não está em
consonância com as recomendações modernas da Linguística Aplicada: o ensino, em geral,
não parte dos textos e o conteúdo em alguns manuais é ensinado de forma que o aluno aprende
a morfologia separada da sintaxe. Desta maneira, o contato com os textos de autores latinos é
155
atrasado e, por fim, a aquisição da competência de leitor destes textos do aluno é também
adiada.
A respeito da metodologia usada no ensino do latim, Miotti (2006) entende que esta
deve se adequar aos objetivos do ensino de tal língua:
se o propósito de certo curso é dar um panorama geral da estrutura do
latim, a estratégia didática será muito diversa daquela exigida se o
propósito é permitir acesso aos textos; se essas metas se confundem, a
metodologia de ensino e, por conseqüência, a sua eficácia, ficam
comprometidas (2006:94).
Na opinião da autora, o método ideal para estudantes universitários brasileiros deve ter
como meta conduzir os alunos à leitura de textos originais o mais rápido possível, levando
sempre em conta informações sobre a cultura, a civilização, a literatura e a arte romanas, de
maneira que esses textos façam sentido na tradição a partir da qual foram escritos. Além disso,
esse método deve ainda comparar, quando for conveniente, estruturas do latim e da língua
materna do aluno e trazer para a leitura trechos relevantes da literatura em língua portuguesa.
Se levarmos em consideração estes conselhos, veremos que a maior parte dos manuais não os
cumpre ao seu máximo potencial e a consequência é, novamente, o atraso na leitura dos textos
originais.
Assim como Miotti, pensamos que a metodologia utilizada no ensino do latim deve se
adequar aos objetivos de ensino desta língua, portanto, não poderíamos apontar um dos
manuais analisados como sendo melhor que os outros. No entanto, se concordarmos que o
ensino de latim nas universidades brasileiras tem como objetivo instrumentalizar o aluno para
a leitura de textos clássicos, talvez o manual mais adequado seja o Reading Latin, embora
exista a barreira da língua em que ele foi escrito. Pensamos que isto é compensado pelo fato
de o aluno poder começar a traduzir textos de autores latinos no início do curso e, assim,
estar em contato direto com a literatura e a cultura romanas. O aluno, traduzindo este tipo de
texto e estudando a gramática, conseguirá ler os textos clássicos com mais rapidez. Ao
professor caberia fazer relações pertinentes com a gramática do português e com textos de
língua portuguesa que sejam relevantes neste contexto.
156
REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática latina: curso único e completo. 29.ed. São
Paulo: Saraiva, 2000.
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