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REPRESENTANDO ENVELHECIMENTOS NOS PERCURSOS DA
HETERO E DA HOMOSSEXUALIDADE MASCULINA.
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14
Laura Maria Monteiro Maravilha
REPRESENTANDO ENVELHECIMENTOS NOS PERCURSOS DA
HETERO E DA HOMOSSEXUALIDADE MASCULINA.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Pernambuco, como requisito
parcial para a obtenção do grau de Mestre em
Psicologia.
Orientadora: Profª. Drª. Maria de Fátima de Souza Santos
RECIFE
2010
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Maravilha, Laura Maria Monteiro
Representando envelhecimentos nos percursos da hetero e da
homossexualidade masculina / Laura Maria Monteiro Maravilha. –
Recife: O Autor, 2010.
113 folhas.
Dissertação (mestrado)
Universidade Federal de Pernambuco.
CFCH. Psicologia, 2010.
Inclui: bibliografia, apêndices e anexos.
Envelhecimento. 4. Heterossexualidade. 5. Homossexua
lidade. I.
Título.
159.9
150
CDU (2. ed.)
CDD (22. ed.)
UFPE
BCFCH2010/29
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais;
Meu solo sagrado, minha fortaleza, minha certeza
nas horas incertas, meus entusiastas...
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AGRADECIMENTOS
Chegado este momento, é possível perceber o quanto um trabalho que parecia tão
solitário e de propriedade singular, na verdade, é feito por tantas mãos, abraçado por tantos
braços, percorrido por tantas pernas... A todas essas mãos, braços, pernas e também corações
que me impulsionaram, só me resta agradecer e partilhar a grande alegria que em mim se
realiza diante dessa conquista.
Agradeço a Deus, fonte geradora e inspiradora de todos os meus dias, por ter dito sim
aos propósitos do meu coração e ter me permitido chegar até aqui;
A todos os homens que permitiram a concretização desse trabalho, compartilhando
comigo suas vivências. E, descortinado sob sorrisos e lágrimas apresentaram o
envelhecimento que há por trás de normas hetero e homossexuais;
À GESTOS – Soropositividade, Comunicação & Gênero, na pessoa do psicólogo
Tony Lima, pela parceria, apoio e logística ofertadas na realização das entrevistas;
Ao Grupo Afinidades GLSTAL, na pessoa do seu coordenador Júlio Daniel, pelo
incentivo a esta pesquisa e a viabilização de contatos para entrevistas;
Ao Professor Ricardo Maia, pelas primeiras aproximações com a temática e o
entusiasmo em colaborar com a pesquisa;
À Professora Fátima Santos, orientadora no mais legítimo sentido da palavra, pela
suavidade e confiança que acompanharam todos os nossos encontros. Pela sensibilidade e
afeto dedicados em cada momento dessa jornada, especialmente nos últimos meses. Pelos
ensinamentos intelectuais, mas também por ensinar como não perder a leveza de Ser, neste
universo acadêmico;
Aos Professores Ângela Almeida e Raimundo Gouveia, pelas contribuições teóricas e
metodológicas à melhor realização possível desta pesquisa;
Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFPE, representado em todo seu
corpo docente que contribuiu para minha formação intelectual. À Alda, que sempre me
atendeu com solicitude e paciência, contribuindo para que todas as providências necessárias a
cada etapa do mestrado fossem efetivadas da melhor maneira possível;
Aos meus pais, pelo esforço e abdicação muitas vezes de suas próprias vidas e
vontades para que meus desejos fossem possíveis. Por sempre acreditarem em mim, amando-
me incondicionalmente e porque, quando foi preciso, reabilitaram em mim as forças, o ânimo
e a coragem de seguir nesse propósito. A eles, meu incessante amor e gratidão;
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Aos meus irmãos, Lídia e Juninho, por serem vida, presença constante e apoio sempre
que preciso. Por me lembrarem o “cheiro” de família mesmo de longe e a cada ida pra casa;
Ao meu noivo, Júnior, por ter sempre acreditado em mim e me apoiado desde o
primeiro instante de minha decisão pelo mestrado. Obrigada pela compreensão das minhas
ausências, pelo consolo dos meus receios e das minhas fraquezas, pela torcida, por alegrar-se
com minha alegria, por seu amor;
A toda minha família, tias, primas e a todos os amigos que tentaram ajudar na busca
por informantes para as entrevistas. Através do esforço de todos, foi possível concluir;
Aos meus colegas de turma, por compartilharmos de maneira tão saudável esse
momento de nossas vidas e à família que formei em Recife. De forma muito especial, a
Patrícia, Etiane e Tadzia pelos momentos em que dividimos angústias, dúvidas, alegrias,
momentos de nossas vidas que foram além da academia. À minha amiga e “anja” Jéssica, que
tornou a “casa de Recifemais familiar, a saudade de casa mais facilmente suportável e os
dias mais leves. Essa etapa foi suavizada pela presença de todas.
Ao Estado de Pernambuco e à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado
de Pernambuco – FACEPE, pela acolhida e fomento a essa pesquisa.
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Oração Ao Tempo
És um senhor tão bonito, quanto a cara do meu filho.
Tempo, tempo, tempo, tempo. Vou te fazer um pedido,
Tempo, tempo, tempo, tempo... Compositor de destinos,
Tambor de todos os ritmos. Tempo, tempo, tempo, tempo.
Entro num acordo contigo. Tempo, tempo, tempo, tempo...
Por seres tão inventivo e pareceres contínuo,
Tempo, tempo, tempo, tempo. És um dos deuses mais lindos,
Tempo, tempo, tempo, tempo... Que sejas ainda mais vivo,
No som do meu estribilho. Tempo, tempo, tempo, tempo.
Ouve bem o que te digo. Tempo, tempo, tempo, tempo...
Peço-te o prazer legítimo e o movimento preciso,
Tempo, tempo, tempo, tempo. Quando o tempo for propício,
Tempo, tempo, tempo, tempo... De modo que o meu espírito,
Ganhe um brilho definido. Tempo, tempo, tempo, tempo.
E eu espalhe benefícios. Tempo, tempo, tempo, tempo...
O que usaremos prá isso, fica guardado em sigilo,
Tempo, tempo, tempo, tempo. Apenas contigo e comigo,
Tempo, tempo, tempo, tempo... E quando eu tiver saído,
Para fora do teu círculo. Tempo, tempo, tempo, tempo.
Não serei nem terás sido. Tempo, tempo, tempo, tempo...
Ainda assim acredito ser possível reunirmo-nos,
Tempo, tempo, tempo, tempo. Num outro nível de vínculo.
Tempo, tempo, tempo, tempo... Portanto peço-te aquilo,
E te ofereço elogios. Tempo, tempo, tempo, tempo.
Nas rimas do meu estilo. Tempo, tempo, tempo, tempo...
(Caetano Veloso)
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Brasil- Esperança de vida às idades exatas por sexo: 1998/2008................13
Tabela 2 Brasil Participação relativa percentual da população por grupos de idade
na população total: 1980 / 2050....................................................................................14
Tabela 3 – Categorização das entrevistas do grupo homossexual................................54
Tabela 4 – Categorização das entrevistas do grupo heterossexual................................70
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SUMÁRIO
RESUMO......................................................................................................................10
ABSTRACT..................................................................................................................11
1 – INTRODUÇÃO......................................................................................................12
1.1 – Objetivos..............................................................................................................17
1.1.1 – Objetivo Geral...................................................................................................17
1.1.2 – Objetivos Específicos........................................................................................17
2 - ENTRE O PLURAL E O SINGULAR: UMA LEITURA SOBRE O (S)
PROCESSO (S) DE ENVELHECIMENTO (S)...........................................................19
2.1 – A Produção Social do Envelhecimento e da Velhice...........................................19
2.2 – Sexualidades Envelhecidas..................................................................................24
2.3 – Envelhecimento e Sexualidade Homoerótica.......................................................27
2.3.1 – O ‘Diferente’ Desejo pelo Igual – De qual categoria estamos falando?...........27
2.3.2 – O que há por trás da purpurina?........................................................................29
3 – TEORIZANDO ENVELHECIMENTOS A CONTRIBUIÇÃO DA TEORIA
DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS..........................................................................35
4 – MÉTODO................................................................................................................41
4.1 – Como tudo começou... A aproximação com o campo.........................................41
4.2 – Procedimentos Metodológicos.............................................................................45
4.2.1 – Ética...................................................................................................................45
4.2.2 – Tipo de pesquisa................................................................................................46
4.2.3 – População..........................................................................................................46
4.2.4 – Seleção dos entrevistados..................................................................................47
4.2.5 – Características dos sujeitos................................................................................47
4.2.5.1 – O grupo heterossexual....................................................................................47
4.2.5.2 – O grupo homossexual.....................................................................................48
4.2.6 – Instrumento de coleta de dados.........................................................................48
4.2.7 – Coleta de dados.................................................................................................49
4.2.8 – Análise de dados...............................................................................................52
4.2.8.1 – Análise de conteúdo.......................................................................................52
5 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS.................................................54
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5.1 Análise de Conteúdo das Entrevistas realizadas com o Grupo
Homossexual.................................................................................................................54
5.1.1 – Revelando as faces do envelhecimento.............................................................55
5.1.2 – Percursos de vida e o curso do envelhecimento................................................57
5.1.3 – Sexualidade no processo de envelhecimento....................................................58
5.1.4 – Envelhecimento e homossexualidade...............................................................62
5.1.5 – A negativa do envelhecimento..........................................................................67
5.2 Análise de Conteúdo das Entrevistas realizadas com o Grupo
Heterossexual................................................................................................................70
5.2.1 – Revelando as faces do envelhecimento.............................................................70
5.2.2 – Sexualidade no processo de envelhecimento....................................................74
5.2.3 – A negativa do envelhecimento..........................................................................76
5.3 Representando o Envelhecimento nos Percursos da Hetero e da
Homossexualidade Masculina.......................................................................................79
5.3.1 Envelhecimento como processo natural constituído por ganhos e
perdas............................................................................................................................79
5.3.2 – O envelhecimento como lugar e tempo de recompensas e punições................84
5.3.3 – O envelhecimento como reconfiguração da sexualidade..................................86
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................90
7 – REFERÊNCIAS......................................................................................................94
APÊNDICES...............................................................................................................100
Apêndice I – Questionário sócio-demográfico............................................................101
Apêndice II – Guia de entrevista.................................................................................102
Apêndice III Organização e categorização das entrevistas para a análise de
conteúdo......................................................................................................................103
ANEXOS.....................................................................................................................111
Anexo I – Parecer do comitê de ética em pesquisa.....................................................112
Anexo II – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE............................113
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RESUMO
Este trabalho teve o objetivo de investigar, através do referencial teórico das Representações
Sociais, as idéias de senso-comum - que circulam entre homens heterossexuais e
homossexuais- acerca do envelhecimento, a partir das diferenças que a orientação sexual traz
para suas vidas. Buscamos compreender também os processos psicossociais subjacentes à
representação social do envelhecimento para os grupos estudados; analisar a relação entre
envelhecimento e sexualidade e identificar possíveis vantagens e desvantagens vivenciadas
pelos homossexuais no processo de senescência, bem como as estratégias de enfrentamento
das possíveis desvantagens vivenciadas. A Teoria das Representações Sociais busca
compreender as teorias leigas sobre determinados objetos sociais, construídas e
compartilhadas de maneira coletiva, que orientam o comportamento dos indivíduos e a
relação social entre eles, além de justificar as práticas relativas a esses objetos. Participaram
deste estudo 16 homens a partir de sessenta anos de idade; sendo oito homens heterossexuais
e oito homossexuais. Para a coleta dos dados, utilizamos o instrumento da entrevista narrativa.
Na etapa de análise e interpretação dos dados, realizamos a análise de conteúdo clássica.
Observamos que a orientação sexual em si não é determinante para a formação de
representações sociais distintas sobre o envelhecimento. Para ambos os grupos, o
envelhecimento é representado como processo natural do desenvolvimento humano e
marcado por ganhos e perdas. Os ganhos são percebidos na experiência e aprendizado que
resultam de uma vida longa, enquanto que as perdas são objetivadas principalmente no
declínio físico e na menor inserção e interação social. O envelhecimento aparece ainda como
lugar de recompensas e/ou punições para as atitudes desenvolvidas durante a vida. A
sexualidade aparece como princípio organizador das práticas sociais que diferenciam
heterossexuais e homossexuais no processo de envelhecimento, que para estes últimos as
mudanças estéticas e a diminuição do vigor sexual decorrentes do envelhecimento os instigam
a práticas de reparação do corpo e preservação da potência sexual. Para os heterossexuais, o
declínio no desempenho sexual é encarado com conformismo e como conseqüência natural do
envelhecimento, já que a prática sexual legitimada socialmente perde sua função com o fim da
capacidade reprodutiva. Podemos inferir que tais representações apontam para um processo
plural e dinâmico no modo de se conceber o envelhecimento e a velhice nas sociedades
contemporâneas, visto que ora ancora-se em aspectos biológicos, ora em aspectos sociais ou
religiosos.
Palavras chave: Envelhecimento; Representações Sociais; Heterossexualidade;
Homossexualidade.
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ABSTRACT
The present study aimed to investigate, through the theoretical framework of Social
Representations, common sense ideas, circulating between heterosexual and homosexual men,
regarding the aging, starting from the difference that their sexual orientation bring to their
lives. We also seek to understand the psychosocial processes underlying the social
representation regarding aging for these groups in question, to analyze the relationship
between aging and sexuality and to distinguish possible advantages and disadvantages
experienced by homosexual men in the process of senescence and the coping strategies
regarding the possible experienced disadvantages. The social representation theory seeks to
understand the lay teories about certain social objects, built and shared collectively, which
guides the behavior of individuals and the social relationship between these and also
justifying the practices related to these objects. This study was carried out with 16 men, eight
heterosexual and eight homosexual, with age starting from 60 years. To gather the data, we
used the narrative interview. In the analysis stage and data interpretation, we used a classical
content analysis. It was observed that sexual orientation itself isn't determinative enough to
create different social representations regarding aging. To both groups, aging is represented
by a natural process, marked by gains and losses. The gains are noticed through experience
and learning, while the losses are mainly objectified with a physical decline, lower insertion
and social interaction. Aging also appears as a place of rewards and/or punishment for the
attitudes developed during life. Sexuality appears as an organizing social principle of social
practices, that distinguish heterosexual and homosexual men in their aging process, since, for
the latter ones, the aesthetic changes and sexual vigor decrease, due to aging, instigate them to
take care of their bodies and preserve their sexual potency. To heterosexual men, the decline
in sexual performance is seen with conformism and as a natural consequence of the aging
process, since the sexual practice legitimized by society loses its function with the end of
fertility. We can conclude that these representations indicate a dynamic and plural process in
the way of conceiving the aging process in our contemporary society, in that, sometimes
anchored in biological aspects, sometimes in social or religious aspects.
Key Words: Aging; Social Representation; Heterosexuality; Homosexuality
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1 – INTRODUÇÃO
A velhice assusta. Barros (1998) salienta que a certeza da nossa finitude sempre foi
tema de filósofos, religiosos, pensadores, homens e mulheres de todos os tempos. A
associação óbvia que se faz entre a velhice e a morte nada tem de novo, nem é própria da
atualidade, embora saibamos que se realiza diferentemente em épocas e culturas distintas. Na
sociedade contemporânea, com a exacerbação da atenção dada ao corpo, especialmente ao
corpo que seja são, vigoroso, ágil e sexualizado, a velhice incomoda por sua inexorabilidade,
independentemente de todos os saberes que investigam o corpo humano na tentativa de adiar
sua chegada e a da própria morte. É no bojo dos primados dessa sociedade que buscamos
entender como se desenrolam os diferentes processos de envelhecimento da sociedade
brasileira.
Entendendo o processo de envelhecimento e a velhice em si como fenômenos pontuais
de um determinado período histórico e cultural, circunscrito pelas relações entre subjetividade
e coletivo, voltamo-nos nessa pesquisa para a experiência de envelhecimento de diferentes
grupos sociais, sendo estes homens heterossexuais e homossexuais
1
. Os primeiros são
legitimados socialmente, enquanto que o segundo grupo é historicamente contestado e
condenado por ações normativas. Questionamo-nos, então, se a orientação sexual
2
constitui-se
como elemento determinante nas formas de representar e vivenciar o envelhecimento.
Seria a condição de heterossexualidade ou homossexualidade o bastante para definir
posicionamentos e práticas diferentes nos homens frente ao processo de envelhecimento? São
perguntas como essa que nos propomos a responder a partir desse estudo. Ademais, uma
investigação que busca dialogar com diferentes sexualidades não pode fugir à consideração
1
Todo trabalho que aborda o tema da homossexualidade incorre no risco de cair nas armadilhas da pluralidade
de sentidos e práticas que constituem o universo da (s) homossexualidade (s). Sem falar em toda a carga cultural
e política que existe por trás do termo homossexual. No entanto, queremos ressaltar que a pretensão aqui não é
respaldar tais conotações, mas entender como de alguma maneira elas povoam a relação entre envelhecimento e
homossexualidade. A adoção do termo homossexual ao longo desse trabalho traduz tão somente a condição de
homens cuja preferência sexual e afetiva está direcionada apenas para outros homens. No item 2.3.1,
discorreremos mais detalhadamente sobre a eleição do uso deste termo na presente pesquisa.
2
Orientação sexual indica a atração física e/ou afetiva que uma pessoa sente por outra, podendo ser homossexual
(quando o objeto de desejo é alguém do mesmo sexo biológico); heterossexual (quando o objeto de desejo é
alguém do sexo oposto) ou bissexual (quando o desejo é dirigido a pessoas de ambos os sexos) Nunan (2003).
14
das práticas eróticas e afetivas desses homens enquanto conteúdos formadores de identidades
grupais. Sendo assim, que relações homens idosos de orientações sexuais diferentes fazem
entre o envelhecimento e a sexualidade? Que concepções de sexualidade norteiam suas
práticas?
Trazer à tona uma discussão sobre envelhecimento a partir de orientações hetero e
homossexuais torna-se pertinente graças à tendência de necessidades de conhecimento e
atenção à população que envelhece e com ela as vicissitudes de cada grupo social. A múltipla
sociedade brasileira passa agora por transformações que acompanham a tendência mundial de
envelhecimento dos povos. Assim, como um processo homogêneo, o envelhecimento é
marcado por heterogeneidades que quase sempre não são traduzidas em números, mas a partir
delas o envelhecimento de cada um torna-se um fenômeno social.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, a esperança
de vida ao nascer da população de ambos os sexos no Brasil passou de 69,66 anos (69 anos, 7
meses e 29 dias) em 1998 para 72,86 anos (72 anos, 10 meses e 10 dias) em 2008, indicando
que um brasileiro nascido nesse ano esperaria viver 3 anos, 2 meses e 12 dias a mais que
aquele nascido em 98. A pesquisa sobre tábuas de mortalidade realizada em 2008 e publicada
em 01 de dezembro de 2009 revela as mudanças ocorridas na expectativa de vida dos
brasileiros entre os anos de 1998 e 2008, apontando a necessidade de novos saberes e práticas
sobre a “recém – nascida”, velha população brasileira.
Tabela 1 – Brasil – Esperança de vida às idades exatas por sexo: 1998/2008
Fonte: IBGE – Tábuas completas de mortalidade – 2008.
13
14
A esperança de vida do brasileiro em 1940 sequer atingia os 50 anos de idade (45,50
anos). Os avanços da medicina e as melhorias nas condições gerais de vida da população
concorreram para que, 68 anos mais tarde, esse indicador atingisse 72,86 anos em 2008.
Segundo a projeção de população do IBGE, em 2050, esse indicador deverá chegar aos 81,29
anos. Araújo, Coutinho e Santos (2006) apresentam ainda que, segundo a Organização
Mundial de Saúde OMS (2005), o Brasil será o sexto país com maior número de pessoas
idosas até 2025, o que torna urgente as investigações que contribuam para melhoria e/ou
manutenção da saúde e qualidade de vida nessa faixa etária considerando, principalmente, que
esse crescimento provoca mudanças em uma proporção geométrica, enquanto a preparação
para esta metamorfose ocorre em proporções aritméticas.
O formato tipicamente triangular da pirâmide populacional, com uma base alargada,
está cedendo lugar a uma pirâmide populacional característica de uma sociedade em acelerado
processo de envelhecimento, conforme mostram os dados da tabela abaixo.
Tabela 2 Brasil: Participação relativa percentual da população por grupos de
idade na população total: 1980/2050.
Outro indicador que mostra o processo de envelhecimento da população brasileira é o
índice de envelhecimento (divisão do número de idosos pelo de crianças). Entre 2035 e 2040
a população idosa (65 anos ou mais) poderá alcançar um patamar 18% superior ao das
crianças (0 a 14 anos) e, em 2050, essa relação poderá ser de 172,7 idosos para cada 100
crianças. Mantidas as tendências dos parâmetros demográficos implícitas na projeção da
população do Brasil, o país percorrerá velozmente um caminho rumo a um perfil demográfico
14
cada vez mais envelhecido, fenômeno que, sem sombra de dúvidas, implicará em adequações
nas políticas sociais, particularmente àquelas voltadas para atender as crescentes demandas
nas áreas da saúde, previdência e assistência social.
Não foi à toa, portanto, que, em 1994, o Estado brasileiro criou a Política Nacional do
Idoso Lei 8842/1994, que, em seu artigo primeiro, reza que “A política nacional do idoso
tem por objetivo assegurar os direitos sociais do idoso, criando condições para promover sua
autonomia, integração e participação efetiva na sociedade (p. 01).” O reconhecimento da
senescência como responsabilidade social provoca um novo olhar aos cidadãos sexagenários,
pensando suas necessidades, desejos e as implicações psicossociais que norteiam este
processo. Ainda no artigo dessa lei, inciso II é estabelecido que “o processo de
envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, devendo ser objeto de conhecimento e
informação para todos (p.01).” Esses respaldos legais ratificam a justificativa para elaboração
desta pesquisa, uma vez que buscamos conhecer e divulgar processos de envelhecimentos a
partir de diferenças constitutivas de cidadãos de direito.
A criação de dispositivos legais para regular a atenção e o reconhecimento a essa
parcela significativa da população tem culminância com o Estatuto do Idoso, instituído em
2003 “(...) destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior
a 60 (sessenta) anos (Art. 1º. Lei nº. 10. 741, de 1º de Outubro de 2003).” O Estatuto do Idoso
inaugura de maneira legítima um novo olhar para um processo naturalizado ao abandono e
estagnação.
Diante do breve panorama apresentado, revela-se urgente a necessidade de maiores
investimentos na produção do conhecimento sobre o ser que envelhece contextualizado nas
diferenças que marcam sua pertença e identidade grupal na sociedade. Posto que o
envelhecimento populacional seja um fato irrefutável e não retrátil em longo prazo, essa
pesquisa propõe–se a discutir o envelhecimento enquanto fenômeno psicossocial,
considerando de modo especial as diferenças que orientações sexuais distintas podem ou não
trazer ao processo de envelhecimento de homens a partir de 60 anos de idade. Busca-se, pois,
entender as aproximações e tensões nas representações sociais do envelhecimento de
heterossexuais e homossexuais. Por isso, concordamos com Fraiman (1995) ao atestar que,
antes de encararmos o envelhecer como uma situação globalizante e homogeneizante, é
preciso ter em vista as diferentes expressões individuais.
Porquanto nossa proposta se situa numa perspectiva de considerar os diferentes
envelhecimentos vivenciados pelos diferentes grupos sociais como forma de nos tornarmos
15
14
hábeis para lidar com esse fenômeno sem dissociá-lo do ser que envelhece em seus diferentes
contextos e histórias vividas. Para nosso estudo, destacamos, então, heterossexuais e
homossexuais masculinos, por se configurarem respectivamente como o grupo normativo e
naturalizado socialmente e como grupo diferenciado pela atração sexual divergente da
heteronormatividade estabelecida. Partindo do pressuposto que tanto o envelhecimento como a
heterossexualidade e a homossexualidade tal como os concebemos hoje, são processos sócio
históricos culturalmente definidos, buscamos apreender as teorias de senso-comum que
circulam na interface entre objetos tão polimorfos em nossa cultura.
Constatamos, então, estar diante de temas significativos à ciência e ao sábio leigo, pois
fazem parte das comunicações e práticas sociais que são insistentemente admitidos e
reformulados ao longo da história. Dessa maneira, estudar enfaticamente envelhecimento e
homossexualidade acaba por admitir a forma de um campo de investigação da psicologia e
mais especificamente como objetos de estudo da Teoria das Representações Sociais (TRS),
criada por Moscovici em 1961 para compreender como o homem comum apreende o
conhecimento elaborado cientificamente. De acordo com Jodelet (2001), as RS são “uma
forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que
contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social” (p.22). Portanto,
saber quais as concepções que estes indivíduos têm sobre o envelhecimento a partir de sua
orientação sexual, pode nos levar a compreender o significado conferido aos seus arranjos
sociais nas relações amorosas, familiares, fraternas e consigo mesmo para a velhice.
A constatação de diferentes envelhecimentos pode ser encontrada em Medrado e
Santos (1994), a partir de pesquisa realizada na Zona Rural do Nordeste para investigar a
representação social de velhice. Os dados demonstraram que, para esse grupo, a velhice é
vivida como um processo natural de desenvolvimento que levaria a ganhos no vel das
relações sociais e perdas no sentido da energia para o trabalho e na falta de motivação para a
construção de novos projetos. na Zona Urbana os sentimentos de inutilidade, solidão,
rejeição são mais presentes. Na Zona Rural, tais sentimentos não são explicitados pelos
sujeitos e as referências ao apoio familiar e à rede de relações de amizade parecem influenciar
a vivência da velhice como um lugar de respeito e amparo afetivo.
Resultados como esses corroboram as diversas formas de envelhecer a partir do lugar
de onde se fala. Se as pesquisas nos apontam que existem diferentes envelhecimentos situados
nos diferentes espaços sociais, somos levados a crer que os impactos psicossociais do
16
14
envelhecimento divergem também a partir dos diferentes grupos que envelhecem, gerando
diferentes olhares, necessidades e práticas.
A seguir, no capítulo 2, apresentamos uma discussão do envelhecimento enquanto
processo psicossocial construído histórica e socialmente. Com isso, esclareceremos a leitura
sob a qual pautamos as investigações desse estudo. Esse capítulo apresenta também uma
construção teórica em torno da sexualidade do idoso desde o silenciamento até os equívocos
dirigidos à expressão desta entre as pessoas a partir de sessenta anos. Uma secção particular é
dada ao tema da homossexualidade e a vivência do envelhecimento para esse grupo
populacional. No capítulo 3, retomamos a definição da Teoria da Representação Social,
elencando os principais conceitos e bases epistemológicas de forma a justificar seu uso como
“lentes” à análise e interpretação dos resultados obtidos. O capítulo 4 traz as descrições sobre
o método utilizado na presente pesquisa e esclarece o leitor sobre cada etapa desenvolvida
durante o período de coleta e análise dos dados. A discussão e análise dos resultados obtidos
são apresentadas no capítulo 5 de modo a responder aos objetivos propostos pela pesquisa.
Finalmente, no capítulo 6, serão organizadas as principais considerações sobre o tema em
discussão.
1.1 – OBJETIVOS
1.1.1 – Objetivo Geral
Conhecer as Representações Sociais do envelhecimento para homens heterossexuais e
homossexuais, a partir das diferenças que a orientação sexual traz para suas vidas,
identificando aproximações e tensões no conteúdo das representações destes grupos.
1.1.2 – Objetivos Específicos
1- Compreender os processos psicossociais subjacentes à representação social do
envelhecimento para as populações estudadas;
2 Analisar a relação entre envelhecimento e sexualidade para homossexuais e
heterossexuais;
3 Identificar quais as possíveis vantagens e desvantagens vivenciadas pelos
homossexuais masculinos no processo de senescência;
17
14
4 Investigar as estratégias de enfrentamento das possíveis dificuldades vivenciadas
no envelhecimento de homossexuais masculinos.
18
14
2 ENTRE O PLURAL E O SINGULAR: UMA LEITURA SOBRE
O(S) PROCESSO(S) DE ENVELHECIMENTO(S).
2.1 – A Produção Social do Envelhecimento e da Velhice.
A partir do século XIX surgiram, gradativamente, diferenciações entre as idades e
especialização de funções, hábitos e espaços relacionados a cada grupo etário. Tem início a
segmentação do curso da vida em estágios mais formais, as transições rígidas e uniformes de
um estágio a outro e a separação espacial dos vários grupos etários. Desse modo, o
reconhecimento da velhice como uma etapa única é parte tanto de um processo histórico
amplo, que envolve a emergência de novos estágios da vida como infância e adolescência,
quanto de uma tendência contínua em direção à segregação das idades na família e no espaço
social. (SILVA, 2008).
À medida que esse evento se impôs às sociedades contemporâneas, foi preciso
repensar e realocar socialmente as pessoas longevas e, com isso, redefinir valores, padrões e
papéis sociais. Debert (1998) anuncia que a velhice é uma categoria socialmente produzida,
distinguindo-se entre um fato universal e natural o ciclo biológico - e um fato social e
histórico – a variabilidade das formas de conceber e viver o envelhecimento.
É a produção social desse fenômeno e sua consequência natural, a velhice, que se
configura hoje como tema de grande interesse na sociedade - seja nas comunicações e práticas
cotidianas dos indivíduos, que, mesmo desejando vida longa, utilizam subterfúgios para
afastar os sinais dos anos - seja na esfera política, onde a velhice tantas vezes torna-se objeto
de barganha do poder público em favor dos interesses do Estado.
As transformações sócio–demográficas no Brasil, timidamente elucidadas entre os
anos 1970 e 1980, trazem agora de forma mais vigorosa uma reflexão sobre quem é essa
população envelhecida da qual se fala e quais mudanças advindas dessas transformações
repercutem no cenário social. Na busca de respostas a essas necessidades, pesquisadores
sociológicos, epidemiológicos e psicossociais fazem do envelhecimento seu objeto de estudo,
uma vez que nossa pirâmide etária apresenta uma crescente constante de pessoas a partir de
14
60 anos, idade considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como marco da
categoria idosa em países em desenvolvimento como o Brasil.
Cabe sempre salientar que a idade cronológica não se apresenta como um indicador
preciso para as mudanças que acompanham o processo de envelhecimento, uma vez que
vários fatores podem contribuir para influenciar esse processo durante a trajetória de vida.
Devemos ter em mente que envelhecemos de diferentes maneiras e que nem todas as pessoas
da mesma faixa etária apresentam características semelhantes.
Santos (1994) aponta que a idade torna-se, ao mesmo tempo, uma realidade biológica
e uma convenção sócio-cultural, na qual, a cada etapa do desenvolvimento, correspondem
papéis sociais específicos, valores e expectativas que exercem grande influência sobre a
percepção que o sujeito tem do mundo e sobre sua própria definição enquanto sujeito que
interage com este mundo.
Para prosseguir e não incorrermos no equívoco de construir idéias polarizadas sobre o
processo de envelhecimento, embora essas existam e se configurem como princípios
organizadores de representações sociais desse fenômeno, faz-se necessário explicitar que
partimos do pressuposto de envelhecimento como fase do desenvolvimento humano e, por
isso mesmo não estanque, desprovido de mudanças. De acordo com Neri (1995), o
desenvolvimento comporta simultaneamente ganhos e perdas. A posição central dos
psicólogos de curso de vida é que não ganho sem perda, e nem perda sem ganho. O
desenvolvimento é sempre multidirecional e multifuncional. É dessa idéia que comungamos
para a elaboração teórica e interpretação dos dados da nossa pesquisa.
Santos e Almeida (2004) mencionam que, ao considerar a velhice como uma das
etapas do desenvolvimento, não se pode esquecer que ela ocorre no jogo das relações sociais,
em que valores e preconceitos também estabelecem expectativas referentes às competências
do sujeito idoso que, por vezes, estão aquém de sua capacidade orgânica. Tais representações
têm um impacto sobre a identidade do idoso, de modo a produzir diferentes formas de velhice.
E, nessa produção, não raramente um conjunto de imagens negativas e estigmatizantes
é dirigido a essa fase da vida, como a perda dos espaços de sociabilidade constituídos a partir
do mundo do trabalho, a falência da saúde e da força física e mental. Além disso, a
expectativa de satisfação de usufruir de seu próprio tempo confunde-se com o medo do fim de
vida. Dessa forma, a velhice, acaba se configurando muitas vezes como uma morte social.
Barros (2004) lembra que é em cima dessas classificações sociais do belo e da feiúra, do bom
e do mau, do normal e do patológico que se pode perceber como nossa sociedade elabora uma
representação de velhice como experiência negativa e estigmatizada.
20
14
E é no bojo dessas idéias que muitas práticas de exclusão e de marginalidade são
dirigidas aos idosos. A essa fase da vida, estão associados declínio físico e cognitivo,
limitações afetivas e impasses sociais. As imagens e ideias que estigmatizam o
envelhecimento também o tornam massificado e equivocadamente homogêneo, posto que, ao
contrário, envolve múltiplas dimensões. A visão da velhice predominantemente marcada pela
passagem dos anos no corpo biológico deixa de lado aspectos sociais, psicológicos e culturais
que compõem o ser que envelhece.
De outro modo, ganha espaço na mídia falada e escrita também as ideias de um
envelhecimento ativo, saudável, belo e disposto. lix (2009), em pesquisa realizada para
identificar as representações sociais do envelhecimento através do discurso veiculado na
mídia jornalística, analisou 98 matérias do Jornal do Commercio, da cidade de Recife e 133
matérias do Jornal Folha de São Paulo que apresentassem publicações sobre o tema do
envelhecimento no primeiro semestre de 2009. Após análise pelo software Alceste, uma das
classes resultantes salientou discursos sobre a prática de exercícios físicos, atividades e
hábitos (uso de vitaminas e alimentação saudável, por exemplo), que proporcionem aumento
da qualidade de vida, prevenindo, reduzindo, e/ou retardando os riscos de se adquirir
enfermidades tipicamente associadas à degeneração do corpo ou mesmo evitando o
agravamento dessas condições. Nessas matérias, é evidenciada a ideia de “driblar a velhice”.
Ou seja, medicina e ciência, aparentemente, estão a serviço da negação ou evitação da
velhice, que continua a ser algo negativo, mesmo quando se colocam as descobertas que
melhoram a qualidade de vida dos idosos.
As receitas para retardar ou disfarçar os efeitos do tempo são temas frequentes de
programas televisivos, transformam-se em encartes da medicina estética e dos marqueteiros
ávidos pelo novo poder de consumo dos idosos. A questão é que, muito mais do que produzir
uma imagem positiva do ser idoso, essas ideias estão a serviço de uma “reprivatização do
envelhecimento” (DEBERT, 2003). Pois à medida que são exaltados e colocados à disposição
tantas formas e maneiras do bem envelhecer e de driblá-lo, cada indivíduo torna-se o único
responsável por seu próprio envelhecimento e dignidade na velhice. A noção de
responsabilidade individual desconsidera o conjunto de valores, práticas e condições sociais
que se impõem de maneira diferente a cada grupo social.
Entender o processo de envelhecimento da sociedade da qual participamos e na qual
atuamos é entender que a pós-modernidade ou a contemporaneidade pode ser definida a partir
de vários enfoques, mas sempre terá como característica a emergência de uma cultura
midiática em que o cenário social fundamenta-se num forte apelo ao consumo, estimulado
21
14
pelos meios de comunicação de massa, os quais contribuíram decisivamente para tornar a
imagem soberana, marcando a sociedade pelo fenômeno da estetização da vida cotidiana. A
beleza, a juventude, a felicidade, o corpo perfeito e o sucesso pessoal constituem bens ou
mercadorias que se pode adquirir (MOREIRA e NOGUEIRA, 2008).
O ideal contemporâneo dita a forma de se viver e de envelhecer condenando à
marginalidade social aqueles que vivem desprovidos dos louros da vida moderna e que
invariavelmente carregam em suas sombras as heranças dos tempos vividos em arranjos
diferenciados pela condição sócio-econômica, étnica, religiosa, de gênero, de orientação
sexual, de inserção profissional, entre tantas outras marcações definidoras do ser que
envelhece. Concordamos com Alves Júnior (2004), ao falar que a invenção de um novo
modelo de envelhecer tem sido a fórmula proposta, aparecendo por meio das políticas
públicas que acabam fortalecendo o ideário ativo, e produz a negação da velhice.
Barros (2006) alerta para o fato de que a construção social do conjunto de ideias e
práticas sobre a terceira idade se opõe ao estigma da velhice, que é percebida como o fim da
vida, como doença ou como solidão. Esses dois modelos de envelhecimento coexistem hoje
na sociedade, não necessariamente como formas incorporadas nas trajetórias de vida, mas
como pautas de questões e de referências para ação. É preciso ainda lembrar que, no contexto
brasileiro, tais modelos de envelhecimento devem ser pensados em relação às desigualdades
sociais que se expressam no enorme contingente de velhos que vivem na pobreza e, portanto,
impedidos de aderir aos elementos que compõem o perfil da terceira idade, como o consumo
de novas tecnologias e o estilo de vida que assumiu uma imagem homogênea de juventude
associada à beleza, à força e à vitalidade.
As diferentes realidades a que são submetidos os idosos no Brasil e as disparidades
com que vivenciam essa fase do desenvolvimento alertam para o risco de tornar o
conhecimento sobre essa parcela da população superficial e inexequível, a menos que os
grupos sociais sejam entendidos e compreendidos em suas particularidades. A consideração
de aspectos intrínsecos a cada grupo social é importante para a tentativa de entender os plurais
envelhecimentos que coexistem no interior de sociedades como a nossa, onde a expectativa de
vida ganha impulso e a interação entre diferentes gerações é uma realidade pungente. Como
afirma Peixoto (2004), o envelhecimento está estreitamente relacionado às formas materiais e
simbólicas que identificam socialmente cada indivíduo.
As diferenças de gênero, classes, credos religiosos, inserção profissional e orientações
sexuais estão presentes nas construções das representações e das experiências do envelhecer.
É na identificação destas diferenças e na compreensão de suas repercussões que um
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14
conhecimento e uma ação social mais eficaz serão devolutos para a parcela idosa e crescente
da população. Para Motta (1999), o conceito de experiência é particularmente útil no estudo
do envelhecimento, mas é também de importância geral, para pensar similitudes e diferenças
de vivências no interior de cada categoria social. Há, então, além das diferenças entre grupos,
hierarquias internas em cada dimensão.
Mesmo sem atingir os números já alcançados pelos países desenvolvidos, o
envelhecimento da população brasileira se apresenta como um “problema social”, que
certamente impõe políticas públicas que extrapolam as da seguridade social. Para isto deve-se
ter em conta o que significa negar a velhice e fingir que somos todos iguais, como deixa
transparecer a idealizada ‘terceira idade’ (ALVES JÚNIOR, 2009). Voltar o olhar para as
diferentes formas de representar e vivenciar o envelhecimento é repensar preconceitos,
dissipar estigmas e medos dirigidos aos mais velhos. Significa a construção de saberes e
práticas que dignifiquem a pessoa humana além de sua inserção social como criança, adulto
ou idoso.
O fenômeno da velhice numa sociedade complexa como a brasileira, na qual
coexistem padrões diferenciados desde os chamados de ‘Primeiro Mundoaté os do ‘Último
mundo’, traz à tona as contradições imanentes a todos os problemas sociais (GOLDMAN,
2009). Residem, nessas contradições, a marginalização e o esquecimento de seres humanos
admoestados numa lógica enrijecida e cruel de padronização dos comportamentos, dos ideais,
dos desejos e até dos amores e paixões.
A construção teórica feita até aqui nos respalda a propor a reflexão e análise do
envelhecimento que é representado por homens heterossexuais e homossexuais, sendo os
últimos o foco de nossa atenção como categoria socialmente distinta e marginalizada pelo
desejo sexual que expressam. O que nos propomos aqui é olhar o envelhecimento a partir da
lente singular e intrigante de um “mundo homossexual”, em que as vicissitudes desse
segmento são reveladas num processo de envelhescência, tão raramente descortinada.
E, ao se fazer referência à homossexualidade e envelhecimento, não escapamos à
reflexão de um corpo envelhecido traduzido também em desejo e em vida sexual; um ser
completo, não destituído de todas as dimensões que o formam. Nesse momento, o
envelhecimento se mostrará a partir das “tramas da hetero e da homonormatividade”
(POCAHY, 2008), esta protagonizando um jeito de viver e envelhecer num específico
contexto da sociedade brasileira.
23
14
2.2 – Sexualidades Envelhecidas
O lugar da sexualidade no processo de envelhecimento constitui um assunto
particularmente contaminado por preconceitos. As crenças equivocadas em torno da
sexualidade dos idosos estão associadas ao ostracismo que atinge esse grupo nas diversas
esferas sociais. Além disso, ainda perduram os argumentos de que, com o envelhecimento, a
atividade sexual perde fatalmente seu objetivo de procriação e, portanto, sua justificativa
social. D. Vasconcelos et allii (2004) enfatizam que, acuados entre as múltiplas exigências
adaptativas que as alterações do envelhecimento comportam, os indivíduos enfrentam
dificuldades para preservar a identidade pessoal e a integridade de alguns papéis e funções,
sobretudo aqueles relativos à sexualidade que a sociedade atentamente vigia e sanciona.
O corpo envelhecido é quase sempre visto como um corpo diáfano e desprovido de
sensualidade e desejo. Com uma visão restrita, tanto em relação à sexualidade quanto à
velhice, a sociedade, muitas vezes, classifica essa etapa da vida como um período de
assexualidade e até de androginia, isso é, um período em que o indivíduo teria que assumir
unicamente o papel de aou avô, cuidando de seus netos, fazendo tricô e vendo televisão.
Não raramente, a sexualidade do idoso está contida no rol dos atos de caráter pecaminoso e
maléfico.
La cuestión del erotismo en la vejez remitirá a los límites ajustados de um
deseo circundado por la vergüenza, la fealdad, la idea de pérdida, la envidia,
la venganza y fundamentalmente, por la disociación entre erotismo y
muerte1 y por la fuerte asociación entre esta última y la vejez.
(IACUB, 2004. p. 84)
A própria história deu conta de construir o mito da assexualidade do idoso, tendo
como referência o adulto viril. Dessa forma, toda mudança física decorrente do processo de
desenvolvimento do ser humano em sua trajetória existencial traria a diminuição, ou até
mesmo o desaparecimento do desejo; e os que tentassem manifestar a sua sexualidade
sofreriam a decepção das dificuldades impostas pela idade (RISMAN, 2005).
Como o ato sexual foi naturalizado por sua funcionalidade para procriação,
naturalizou-se também uma escala temporal, na qual a atividade sexual foi inscrita: ela não
pode começar demasiadamente cedo e não pode prolongar-se até muito tarde. Em outras
palavras, crianças e idosos são naturalmente assexuados. Oliveira et al. (2007). Consonante
com a própria história das periodizações da vida humana, a demarcação da expressão da
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14
sexualidade também se mostra a serviço do controle social e da hierarquização dos papéis nas
sociedades contemporâneas, sendo destinada ao idoso uma política de retidão, pautada no
abandono da sexualidade e das funções estranhas ao ambiente da casa e da família.
A despeito dos preconceitos e da ignorância dirigida à sexualidade do idoso,
Arcoverde (2006), sublinha que a sexualidade é uma característica humana que não se perde
com o tempo, mas vai se desenhando, conforme a história vivenciada pelo corpo vivente em
sua trajetória existencial. A escassa literatura sobre a compreensão da sexualidade do idoso
além da concepção biológica e o contingente de publicações referentes à sexualidade,
sobretudo na adolescência e em adultos jovens, ratifica o caráter assexuado do idoso atribuído
socialmente, mas não capaz de traduzir a pluralidade de vivências das sexualidades.
O que deve ser compreendido e modificado em nossa cultura em relação ao idoso e
sua sexualidade é o mito sustentado de que ela diminui automaticamente com o avançar da
idade até chegar a uma velhice assexuada. A sexualidade acompanha toda a trajetória
existencial humana, motivo pelo qual se faz necessário entender o que pode transformá-la, e
que tal transformação não faz com que na terceira idade ela seja esquecida. É importante
lembrar que o mito é construído imaginariamente sob valores e modelos que têm o jovem
como referencial, tornando a sexualidade inacessível ao idoso (ARCOVERDE, 2006).
É relevante assinalar como a sexualidade de pessoas mais longevas é destituída de
uma noção de capacidade de afeto que perdura por toda a existência do indivíduo e, como tal,
acompanha as fases de desenvolvimento deste, realizando-se de maneiras diversas e distintas
da prática sexual heterossexual orgástica. A ênfase dada à sexualidade do idoso, quando não
objetiva explicitar e alertar para as mudanças fisiológicas advindas do envelhecimento e
dificuldades práticas oriundas de uma rigidez física (CARDOSO, 2004), pauta-se na
discussão de uma medicina curativa das “naturais e inevitáveis” defasagens da sexualidade
masculina e feminina na velhice, sempre a partir de um modelo heterossexista.
A relação envelhecimento-homossexualidade masculina é ainda incipiente no universo
acadêmico. Dos 51 artigos sobre homossexualidade encontrados no Scielo, 11 versam somente
sobre a vulnerabilidade dos homossexuais à infecção pelo HIV; ou seja, mesmo entre os
trabalhos sobre homossexualidade, fica evidente que os protagonistas estão na faixa etária de
adultos jovens e quase sempre implicados com a vulnerabilidade ao HIV ou performances
sexuais, o que acaba relegando à segundo plano o indivíduo, o ser homossexual, enfatizando
exclusivamente a prática sexual homoerótica.
25
14
Em pesquisa realizada no banco de teses da CAPES, apenas 03 trabalhos relacionam
homossexualidade e envelhecimento, sendo 02 deles sobre reflexões do envelhecer em
homossexuais femininas (BIER, 2004; LIMA, 2006). Tais dados reforçam a importância de se
conhecer, a partir desses homossexuais, quais as concepções que possuem sobre
envelhecimento e suas estratégias de enfrentamento para lidar com essa fase do
desenvolvimento humano situando as implicações de ser homossexual. O que nos interessa
nesse momento é a percepção holística a partir do próprio indivíduo que, supostamente, torna-
se alvo de duplo preconceito: a velhice e a homossexualidade.
Além disso, envelhecimento e sexualidade são comumente tratados na base de um
problema, seja de ordem social, médica ou moral. Os idosos dos quais se falam, os quais se
escutam e para os quais se constroem conhecimentos sobre a sexualidade estão
majoritariamente situados na norma heterossexista da sociedade. Isso denuncia o desinteresse
em trazer à tona a possibilidade de sexualidades distintas ao longo da vida, de modo enfático,
a expressão da homossexualidade no percurso do envelhecimento. Mais uma vez, os apelos
contemporâneos da busca da beleza, do vigor físico e sexual, da inserção social a partir de
modelos normativos destituem o idoso do lugar de ser sexuado, notadamente, ser sexuado de
livre expressão de desejos tão plásticos quanto à própria noção de desenvolvimento humano.
É interessante observar que a suposição de uma velhice “inútil” e doenteexpande-se
inclusive para a área da sexualidade do idoso. A pesquisa de Santos (1994) expressa bem isso.
Ao serem questionados sobre o tema, os sujeitos afirmavam que namoro e casamento entre os
idosos eram “safadeza”, “fogo demais”. Tais significados parecem estar respaldados na moral
cristã, formadora da cultura brasileira, em que a sexualidade apenas justifica-se para a
procriação. A sexualidade na velhice, entretanto, estaria desvinculada da possibilidade de gerar
filhos e, por isso mesmo, é considerada em seus aspectos interacionais de companheirismo e
amizade ou como algo “pecaminoso” (“safadeza”, sem-vergonhice”), afastando-se, assim, da
procriação (SANTOS e ALMEIDA, 2004).
Assim, como assinala Brigeiro e Maksud (2009), os recentes investimentos da
farmacologia em direção à sexualidade constitui-se de um excelente exemplo sobre as formas
como as concepções do corpo e da saúde/bem-estar são reelaboradas nas sociedades
contemporâneas. Tais discursos enaltecem a atividade sexual como uma importante fonte de
felicidade para os sujeitos, assinalando a centralidade da penetração e da ereção, ora
reforçando a medicalização da sexualidade, ora destacando a idéia de juventude eterna, e
26
14
evocando um corpo moldável para a satisfação dos desejos. Dessa forma, é permitido ao
velho voltar ao exercício de uma sexualidade julgada perdida e insatisfatória.
Os mesmos autores citados acima realizaram um estudo em 2009 com o objetivo de
avaliar o tratamento dado pela mídia jornalística ao aparecimento do Viagra no cenário
brasileiro. Nessa pesquisa, fica evidente a ideia veiculada pelos jornais de uma velhice
assexuada, que encontra na ‘pílula do prazer’ a possibilidade de continuar dispondo da sua
sexualidade antes condenada a um triste fim. Outro relevante dado do estudo é que, nas 138
matérias analisadas, apenas uma única menção à homossexualidade (especificamente, à
prática sexual anal). Segundo os autores, nesse caso, os homossexuais masculinos não
estariam excluídos de se beneficiarem com o remédio. O erotismo anal é acionado e sobre ele
o desejo sexual seria intensificado, porém em tom jocoso:
Leve logo isso daqui
para a mulher que você ama.
Se não gosta de mulher, esse remédio não toma
senão vai andar de ré daqui até Copacabana
(Jornal popular)
Pensar o idoso a partir de sua sexualidade e especialmente a partir das diferenças
implícitas à sexualidade humana é retirá-lo da marginalidade em relação aos direitos afetivos,
sexuais e sociais, da ditadura heterossexista, dos rígidos padrões estéticos de uma pele lisa e
um corpo esbelto como únicas formas de prazer e beleza. Além disso, é alerta para as
negligências de saúde e educação sexual as quais são submetidos pelos investimentos de
políticas massificadas e estereotipadas.
2.3 – Envelhecimento e Sexualidade Homoerótica.
2.3.1 - O ‘diferente’ desejo pelo igual – De qual categoria estamos falando?
O corolário de uma sexualidade normal, sadia e socialmente justificável encontra suas
bases no conceito da heterossexualidade, que produz a norma sexual das sociedades modernas
contemporâneas. Sob a égide dessa normatização, ao longo da história das civilizações a
prática sexual que não levasse necessariamente à procriação, ou seja, à garantia de
manutenção da espécie, recebeu diversos significados e status sociais. Dentre essas práticas, o
27
14
sexo entre pessoas biologicamente iguais em suas formas anatômicas vem merecendo
destaque.
A homossexualidade, tal como a concebemos hoje, é produto das inúmeras
transformações sócio-culturais no mundo ocidental. Transformações estas ancoradas no
conhecimento médico, científico e até espiritual, que, ao longo da história das sociedades
tradicionais e hodiernas, apreenderam e reformularam as concepções de sexualidade e suas
variações, de maneira que a homossexualidade esteve sempre no trânsito de uma prática
aceita ou condenável. Assim como coloca Pinho (2008), aceitar que as formas de opressão
sexual, ou melhor, que os modos históricos de construção de sujeitos sexualizados, são modos
concretos de exercício de poder e de construção de hegemonia, seria condição preliminar para
compreender como o sexo e o desejo têm sido socialmente significados.
Segundo Foucault (1979 apud GOUVEIA 2007), a sexualidade deve ser entendida
muito além das práticas sexuais em si, pois representa não o desenvolvimento de campos
de conhecimentos diversos, como a instauração de um conjunto de normas, em parte
tradicionais e em parte morais, que se apóiam em instituições religiosas, judiciárias,
pedagógicas e médicas, como também as mudanças no modo pelo qual os indivíduos são
levados a dar sentido e valor à sua conduta, seus deveres, prazeres, sentimentos e sonhos.
Portanto, quando falamos de homossexualidade, devemos estar atentos para o fato de
que este termo não designa uma realidade em si, mas um produto do vocabulário moral da
modernidade. O conceito de homossexual é tão histórica e socialmente construído quanto
qualquer outro termo (NUNAN, 2003). A criação de uma palavra, nesse caso, corresponde à
criação de uma essência, doença psíquica ou um mal social, a depender do momento e
contexto histórico do qual ela emerge. Nunan (op. cit.) afirma que tanto homossexualidade
quanto heterossexualidade são identidades socioculturais, histórica e socialmente construídas,
que condicionam maneiras de viver, sentir, pensar, e não uma lei universal da diferença de
sexos.
A expressão da homossexualidade no Brasil tem garantido àqueles que assumem uma
orientação sexual desviante da norma” uma trajetória árdua na luta por seus direitos
enquanto cidadãos, desde o básico direito de ir e vir até a luta pelo direito de amar aquele que
lhe é igual. A verdade é que a homossexualidade está e sempre esteve no rol dos
comportamentos, ou mesmo para aqueles que assim defendem, na natureza humana, como
uma face desafiadora aos padrões da “normalidade” e aceitabilidade social. O fenômeno da
homossexualidade intriga por sua elasticidade dentro da escorregadia sexualidade humana.
28
14
E, por isso mesmo, acreditamos ser um fenômeno que concomitantemente produz atração e
repulsa nas esferas da sociedade.
Ainda assim, os termos ou desígnios criados ao longo da história da humanidade e da
sexualidade para regular a prática sexual não alcançam sua multiplicidade de expressões e as
diferentes identidades sexuais. Ao nos aproximarmos da “categoria homossexual”, deparamo-
nos com um universo de práticas distintas e identidades que se identificam e também se
distanciam. O que nos permite falar mesmo em “homossexualidades”, numa tentativa de
incluir as sexualidades marginais da sociedade.
O “universo homossexual” abriga hoje, em suas lutas em defesa de direitos civis e
dignidade humana, as lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e transexuais
3
(isso até
onde somos capazes de nomear), sem contar com as próprias variações dentro de cada um
desses grupos. Em cada nomeação dessas, estão intrínsecas questões políticas e culturais do
grupo social macro, acrescidas das regras e normas que se estabelecem no convívio cotidiano
de cada micro grupo. Esses se constituem em verdadeiras sociedades paralelas com
comportamentos igualmente padronizados e seguindo características identitárias que ora
segregam, ora unem as diferenças.
Portanto, na presente pesquisa, o termo homossexual será utilizado como significativo
de homens cuja orientação sexual e afetiva principal é para com pessoas de seu mesmo sexo
biológico. Não é objetivo nosso trazer à tona as profundas discussões de cunho político e
social que engendram as categorias sexuais, mas certamente elas balizam o olhar com o qual
nos debruçamos sobre a temática. Por hora, nosso intento é situar o leitor quanto aos
informantes deste estudo, para que não se percam na multiplicidade de conceitos e
comportamentos inerentes à homossexualidade.
2.3.2 – O que há por trás da purpurina?
Na história da humanidade, a homossexualidade, enquanto prática sexual entre sujeitos
do mesmo sexo foi diversamente interpretada, admitida e explicada. Ao atravessar diversas
épocas e culturas, observou-se que as reações a essas práticas sexuais variavam de visões
favoráveis a desfavoráveis, sendo tratada ora como algo sacramental, ritual, aceito e mesmo
3
Os movimentos sociais LGBTTT (Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros e transexuais) são
articulados em favor da defesa dos direitos dos homossexuais tendo seu início marcado por volta de 1970. De
para cá, vários avanços foram conseguidos em termos da garantia da cidadania de homossexuais, desmistificação
da homossexualidade como patologia, desvio psíquico ou moral e nos trabalhos de educação e saúde junto a essa
parcela da população.
29
14
idealizado, ora como um costume doentio, imoral e criminoso, e, por isso mesmo, rejeitado e
condenado. É possível afirmar que, provavelmente, não há cultura que desconheça ou ignore a
existência de práticas sexuais entre sujeitos do mesmo sexo, situando-a como um fenômeno
universal da história humana e antropológica (RIBEIRO, 2005).
Diante de um fenômeno que atravessa civilizações, crenças, costumes e culturas e que
cotidianamente se refaz nas interações e nos novos arranjos relacionais advindos dessas
mudanças, é preciso estar atento aos processos psicossociais que remodelam esta categoria tão
difusa e singular. Desse modo, nos propomos a investigar o que por trás da purpurina que
compõe a imagem do homem alegre, irreverente, escandaloso, polêmico e que gosta de fazer
sexo com outros homens quando este atinge a senescência.
Se a preferência pela juventude e a antipatia pela velhice são recorrentes na história
das concepções ocidentais sobre envelhecimento, ou, pelo menos, constituem sentimentos
disseminados na chamada cultura de consumo contemporânea, eles parecem atingir o seu
ápice quando se considera a chamada “cultura gay masculina” dos centros urbanos e das
metrópoles. Nesse cenário, aparentemente marcado pelo hedonismo complacente e pela
obsessão com atributos físicos capazes de suscitar atração e desejo, em que tudo parece girar
em torno de um mercado sexual hierarquizado por critérios de juventude e beleza, não haveria
lugar para pessoas de mais idade, que carregariam os estereótipos derivados da depreciação de
sua atratividade como parceiros sexuais desejáveis e da decorrente marginalização pelos mais
jovens. Aos mais velhos, restaria pagar para desfrutar de companhia fugaz e arriscada
(SIMÕES, 2004).
Eis umas das mais comuns idéias correntes ao se pensar sobre envelhecimento e
homossexualidade nas sociedades contemporâneas. A figura do homossexual, não obstante
toda a complexa plasticidade que se desenrola nesse termo, sempre foi dirigida a um lugar
marginal nos moldes da sociedade tal como a conhecemos hoje e a construímos. Imaginamos,
portanto, que a velhice seria a abjeção dentro da abjeta homossexualidade, motivo que pode
por vezes invisibilizar esse grupo social.
O homossexual, como assinala Ribeiro (2005), vem se tornando mais visível a cada
dia na sociedade imediatamente contemporânea, através de lutas travadas por grupos,
organizações e sujeitos. Essas lutas têm se caracterizado como um esforço individual e
coletivo de dar visibilidade às condições sociais em que vivem os homossexuais, marcadas
pelo medo, humilhação, violência e marginalidade. Ao mesmo tempo, os homossexuais
buscam construir um novo espaço de sociabilidade, no qual a homossexualidade passa a ser
30
14
vista como uma expressão humana e, como tal, deve ser respeitada, redefinindo, de forma
afirmativa, o lugar do homossexual no mundo.
A década de 1990 mostrou-se fecunda para esses movimentos, com um crescimento de
organizações voltadas para a luta pelos direitos e pela cidadania homossexual, chegando a
mais de cem organizações em 2002. Por pressão delas, foram apresentados, no Poder
Legislativo (nacional, estaduais e municipais), projetos de lei que proibiam e puniam qualquer
tipo de discriminação baseada na orientação sexual. Alguns foram aprovados. Uma
expressão desses movimentos são os encontros e os seminários para discussão das questões
homossexuais, como os Seminários Nacionais de Lésbicas; os Encontros Nacionais de
Travestis; os Liberados que trabalham com a AIDS; a proposição da igualdade social, como a
aprovação do Projeto de Lei sobre a Parceria Civil; o reconhecimento do Dia do Orgulho Gay;
o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, dentre outros (RIBEIRO et allii. 2006).
No entanto, mesmo essas ações e conquistas empreendidas pelos movimentos
homossexuais ainda negligenciam a pluralidade desse universo, mais especificamente dos
idosos homossexuais. Mesmo que esse grupo não adote o perfil do velho triste, decrépito,
abandonado e discriminado, ainda assim é uma parcela que pode apresentar peculiaridades e
formas diferentes de envelhecer, bem como demandas sociais e psicológicas no
desenvolvimento de arranjos comportamentais que os ajude a existir mesmo no grupo gay.
Segundo Simões (2004), esse coorte geracional começará a chegar ao período mais avançado
da vida com sua peculiar história de percursos e enfrentamentos, que poderão conduzir a
novas concepções sobre envelhecimento e homossexualidade. Nada mais justo e necessário
que se voltar o olhar para essa parcela da população.
Muitos estudos referem-se a homens e mulheres heterossexuais e procuram entender
os significados e sentimentos do corpo que envelhece, os vínculos afetivos nessa fase da vida
e suas expectativas em relação ao envelhecimento. Por outro lado, convém ressaltar que o
envelhecimento pressupõe também, no mundo ocidental, uma vivência de tabus e
preconceitos.
Os homossexuais, aos poucos, “estão saindo do armário”, com base em sua coragem
ao enfrentar, ao aceitarem-se, e pela ousadia em se assumir perante a sociedade, por meio de
manifestos, “paradas”, leis. Exigem o direito à liberdade e à dignidade, por terem sido, por
muito tempo, discriminados e excluídos (MAKI, 2005). Dessa forma, compreender o
envelhecimento dentro das diferenças que a identidade sexual traz para a vida dos indivíduos,
entendendo sua afetividade, e todos os processos psicossociais subjacentes a elas, é buscar um
envelhecimento populacional mais saudável.
31
14
Embora seja constante, independentemente de orientação sexual, a necessidade de
maximizar a satisfação pessoal ao longo do processo de envelhecimento, mantendo autonomia
e independência do idoso enquanto isso for possível, garantindo-lhe o necessário suporte de
cuidados, permitindo-o participação na comunidade e possibilitando-o envelhecer dignamente
no local onde guarda suas memórias afetivas, seus pertences materiais, próximo a seus
parentes e amigos, isso se torna significativamente mais difícil para um idoso homossexual
(SILVA, 2009).
De acordo com Lima (2006), os estudos sobre a questão de gênero no envelhecimento
sempre apresentam como referência o homem e a mulher e a relação entre eles em uma
determinação heterossexual, o que significa afirmar que a homossexualidade não aparece
nessas pesquisas. Ao levantar questões referentes ao idoso homossexual, devemos nos
lembrar de que eles, ao contrário dos heterossexuais, tiveram que lidar durante toda a vida
adulta com a estigmatização social, sentindo-se à margem da cultura predominante. Por isso,
poderão chegar à velhice com uma carga maior de marginalização e preconceito, demandando
atenção especial dos estudos acadêmicos e da formulação de políticas públicas.
A grande maioria dos estudos de orientação sexual se concentra prioritariamente na
adolescência como fase crítica e presta menos atenção às demais etapas da vida. Desse modo,
como aponta Silva (2009), o idoso homossexual tem sido excluído de políticas, serviços
(públicos ou privados) e da proteção em lei. Suas necessidades são pouco conhecidas e
ocupam uma incômoda posição não apenas diante do modelo de “sexualidade desejável”
(heterossexual), como frente ao modelo de “homossexualidade desejável” (jovem) e ao
modelo de cuidado e atenção à saúde (centrado em entidades familiares as quais, legalmente,
homossexuais não podem formar em laços colaterais ou de descendência).
Na sociedade heterossexual, é comum o medo da velhice por vários aspectos, desde o
começo do fim de uma beleza física até a solidão. No mundo homossexual, esses medos
talvez sejam acentuados pela vivência pautada num modelo diferenciado, onde os arranjos
sociais, familiares e afetivos se circunscrevem de maneira diferenciada. Além disso, o
preconceito dos gays mais jovens em relação aos gays mais velhos é uma forma de espalhar a
opressão sofrida nos que são ainda mais oprimidos, residindo muito provavelmente umas
das maiores formas de sofrimento psíquico dos homossexuais idosos. Seria uma espécie de
‘homonormaria’ (POCAHY, 2008), em que se criam as categorias marginalizadas e
desviantes dentro do próprio segmento homossexual.
Lima (2006) enfatiza que, quando pensamos na velhice e no envelhecimento, é
inevitável não imaginar o corpo que envelhece associado aos estigmas que se agregam à
32
14
velhice, como o aparecimento de doenças, as limitações físicas que podem surgir, a
necessidade de cuidado e apoio social, a interrupção nos relacionamentos sociais. Por
conseguinte, a necessidade de adaptar-se à deterioração da saúde, às perdas, à discriminação
pela idade e ao medo de morrer, para, desta forma, evitar a interrupção do significado do ser
integral ao indivíduo que envelhece. Acredita-se que a rede de apoio social para os
homossexuais idosos pareça mais instável e insegura, visto que a maioria dos homossexuais
rompeu com vínculos familiares na família nuclear, não constituíram uma ‘família’ e não
tiveram filhos.
No entanto, essas inferências precisam ser investigadas mais a fundo e consideradas
no processo de envelhecimento desses indivíduos. Mas o que ocorre é que a escassez de
pesquisas voltadas ao envelhecimento homossexual não nos permitiu ainda conhecer essa
parcela populacional, fazendo-nos enxergar além dos estereótipos e daquilo que parecem
truísmos em relação a grupos marginalizados.
A diversidade de situações dos idosos no país, que as pesquisas retratam com muita
sensibilidade, e o fato de os idosos publicamente visíveis não serem os mais carentes criam
um impasse para os gerontólogos. Trata-se de propor ações que beneficiem os mais
fragilizados, mas não é esse o perfil dos velhos que essas ações mobilizam e que ganha
visibilidade na mídia (DEBERT, 1997).
Sinaliza-se a invisibilidade destes sujeitos e que os direitos dos homossexuais,
sobretudo homossexuais idosos, são ignorados mesmo pela comunidade científica, excluindo-
os intencionalmente ou não, da participação no processo científico e da fruição dos
benefícios que este poderá lhes trazer, uma garantia expressa na Declaração dos Direitos do
Homem, artigo XXVII. Destarte, a indiferença teórica, política, jurídica em relação a idosos
homossexuais torna-os um segmento especial, merecedor de atenção nos debates concernentes
a Direitos Humanos (SILVA, 2009).
Silva (Ibidem) confirma que a atual omissão legislativa e a timidez acadêmica a
respeito dos direitos dos homossexuais apontam para incompatibilidade não apenas com o
ideal dos Direitos Humanos, mas também com os propósitos propugnados pelo Estatuto
Nacional do Idoso e, especificamente, com o compromisso político figurado no Programa de
Ação “Brasil sem Homofobia”, cujos princípios abrangem inclusão da perspectiva da não-
discriminação por orientação sexual e promoção dos direitos humanos de “gays, lésbicas,
transgêneros e bissexuais” nas políticas públicas e estratégias do Governo Federal, produção
de conhecimento para subsidiar a elaboração destas políticas, além de reafirmação de que o
33
14
combate ao heterossexismo é dever do Estado e da sociedade. É de se notar ainda que mesmo
esse abrangente Programa de Ação contempla a criação de políticas destinadas à juventude e
às mulheres, mas cala sobre o adulto maior de 60 anos.
Idosos homossexuais existem e, além de suas diferenças, enfrentam as mesmas
dificuldades que seus pares etários heterossexuais, tais como habitação, sistema de saúde,
educação continuada, transporte, luta contra a discriminação e por serviços adequados. Essas
são demandas gerais para um envelhecimento bem sucedido e que devem ser garantidos a
todos os cidadãos sem quaisquer tipos de distinção.
34
14
3 TEORIZANDO ENVELHECIMENTOS A CONTRIBUIÇÃO
DA TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS.
Discutir sobre representação é tão antigo quanto o ato de filosofar. A representação,
como via de acesso ao real ou ao verdadeiro, teve não somente grandes defensores, como
também inimigos ferrenhos. Foi na Antiga Grécia que se esboçaram os fundamentos de tal
discussão, sinalizada pela preferência ao papel da percepção. Os pré-socráticos
desautorizaram o acesso ao ente ou ao ser via representação ou percepção, mas o mundo tal
como é seria desvendado pela dianoia, isto é, o pensamento. Por sua vez, os clássicos
admitiam a relatividade da percepção, embora não a considerassem completamente ilusória ou
fugaz, pois a percepção geraria um conhecimento válido dentro de seus parâmetros
relacionado à doxa, isto é, à opinião (PENNA, 1991).
Desde então, o ato de representar associa-se à geração de conhecimento, de
experiência do mundo real. Ao questionar-se como é consumida, transformada e utilizada
pelo homem comum uma determinada teoria científica, Moscovici (1961) propõe o conceito
de Representação Social (RS). Através deste conceito, pretendeu analisar como os indivíduos
em interação social construíam teorias sobre os objetos sociais, que tornavam viável a
comunicação e a organização dos comportamentos (VALA, 1996).
A Teoria das Representações Sociais (TRS) surge dessa forma como uma ruptura no
modelo vigente de Psicologia Social difundido pela cultura norte-americana, que se
caracterizava por uma perspectiva mais individual de análise. Moscovici, portanto, propõe
uma Psicologia Social cujo nível de análise não se restringisse aos processos individuais, mas
pensasse o indivíduo integrado ao seu ambiente histórico, político e social, uma vez que esta
disciplina deveria se ocupar do que é social e não do que é individual.
A TRS surge também contra uma epistemologia do sujeito “puro”, ou uma
epistemologia do objeto “puro”. De acordo com Guareschi (1995), a TRS centra seu olhar
sobre a relação entre sujeito e objeto. Ao fazer isso, ela recupera um sujeito que, através de
sua atividade e relação com o objeto-mundo, constrói tanto o mundo como a si próprio.
14
Para Moscovici, o conceito de Representação Social também tem origem na
Antropologia com Lévi-Bruhl, que ao tratar das representações coletivas diz que as mesmas
são impenetráveis à experiência, pois essas representações são como paradigmas, ou seja,
incomensuráveis. Ao tratar da linguagem, vi-Bruhl a considera uma forma de representação
social que está fundamentada nas representações coletivas (ARAÚJO, 2006). Também
contribuíram para a criação de postulados da Teoria das Representações Sociais, a Teoria da
Linguagem de Saussure, a Teoria das Representações Infantis de Piaget e a Teoria do
Desenvolvimento Cultural de Vigotsky. Assim sendo, após descartar a posição marxista que
encara o conhecimento das massas como irracional, ideológico, religioso e popular, baseado
inicialmente na psicanálise, Moscovici (1981 apud VALA & MONTEIRO, 1996), concebe as
Representações Sociais (RS) como:
Um conjunto de conceitos, proposições e explicações criado na vida
quotidiana no decurso da comunicação interindividual. São o equivalente,
na nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crenças das sociedades
tradicionais; podem ainda ser vistas como a versão contemporânea do senso
comum.
(VALA & MONTEIRO, 1996, p.181)
Com o conceito de Representações Sociais, Moscovici remodela o conceito de
Representações Coletivas de Durkheim:
As representações coletivas em Durkheim apresentavam razoável
estabilidade e um relativo estancamento no tocante às representações
individuais. Configurando-se em algo semelhante ao group mind, como
diria Moscovici. Consistiam em um grande guarda-chuva que abrigava
crenças, mitos, imagens, e também o idioma, o direito, a religião, as
tradições.
(ARRUDA, 2002. p. 134)
Para Durkheim as representações coletivas eram semelhantes aos objetos de estudo da
Volkerpsychologie de Wundt, tais como a linguagem, religião, costumes, mito, mágica e
fenômenos correlatos. Para Wundt, esses são produtos da interação de muitos e não poderiam
ser produzidos num nível individual. Ao distinguir entre indivíduo e a interação entre
36
14
indivíduos, Wundt estava indo à essência da questão sobre a qual Moscovici se debruçaria
(FARR, 1995).
Ao revisar esse conceito, o foco agora são as sociedades contemporâneas, flexíveis e
dinâmicas; mesmo porque a abrangência dos elementos citados acima tornava o conceito
pouco operacional, porquanto as sociedades são caracterizadas pelo seu pluralismo e rapidez
com que as mudanças econômicas, políticas e culturais ocorrem.
Moscovici sistematiza, portanto, dois processos pelos quais se formam as
representações sociais. A objetivação - o processo pelo qual o que era desconhecido torna-se
familiar, ou seja, torna concreto o que é abstrato. Transforma um conceito em uma imagem ou
em um núcleo figurativo. A ancoragem - processo que transforma algo estranho e perturbador
em algo conhecido, através da comparação com categorias já conhecidas (SANTOS, 2005). É
buscar nas nossas bases de conhecimentos prévios um “lugar” para acomodar o novo
conhecimento.
Ainda de acordo com Santos (Ibidem), as representações sociais são uma forma de
conhecimento partilhado e articulado que se constitui em uma teoria de senso comum a
respeito de um determinado objeto social. Essas teorias, construídas de maneira leiga, acabam
por constituir as funções de “dar sentido à realidade social, produzir identidades, organizar as
comunicações e orientar as condutas (p. 22).” Entretanto, para gerar representações sociais o
objeto deve ser polimorfo, isto é, passível de assumir formas diferentes para cada contexto
social e, ao mesmo tempo, ter relevância cultural para o grupo (SANTOS e ALMEIDA,
2005).
É por essas lentes que nos propomos a captar e entender as representações que homens
heterossexuais e homossexuais constroem sobre envelhecimento e como essas representações
norteiam suas práticas frente a esse processo. Além disso, a partir da compreensão dessas
teorias que se formam nesses dois grupos distintos, podemos vislumbrar algum entendimento
sobre a formação de identidades envelhecidas no percurso de orientações sexuais diferentes.
Como afirmam Almeida, Santos e Trindade (2000), as representações sociais regulam
as práticas sociais dos sujeitos. Porém, ao mesmo tempo, elas emergem das diferentes práticas
sociais, da diversidade das práticas no cotidiano. Práticas estas que por sua vez, originam-se
dos diferentes grupos sociais.
A teoria das RS se apresenta como uma proposta interdisciplinar de conhecimento,
uma vez que trata das relações de indivíduos e sociedade, com sua cultura e história (SANTOS
& ALMEIDA, 2005). Portanto, conhecer as concepções de heterossexuais e homossexuais
masculinos sobre envelhecimento e a relação com a sexualidade se faz necessário na
37
14
compreensão de tomadas de posição e estratégias de enfrentamento desses grupos frente a este
processo. Ademais, este estudo inscreve-se numa preocupação acadêmica de estudar as
diferentes dimensões da violência e exclusão social, bem como as ações políticas
desenvolvidas para o seu enfrentamento em segmentos sociais diversos.
Ao refletirmos sobre a pertinência de nosso objeto de estudo e as contribuições da RS,
afiliamo-nos a Arruda (2002), ao concluir que:
(...) estas teorias estão reabilitando o conhecimento concreto, a experiência
vivida, e reconhecendo a possibilidade de diversas racionalidades, o que é
adequado às características das multifacetadas sociedades e grupos sociais
contemporâneos às características da forma de conhecer e lidar com o saber
nessas sociedades, em que grupos diferentes têm visões diferentes de um
mesmo objeto sem que a diferença implique obrigatoriamente
desigualdade. Sociedades nas quais é preciso entender a diferença como
especificidade, como nos ensinam os movimentos de grupos minoritários.
(ARRUDA, 2002, p.133)
Desta forma, as representações sociais oferecem aos sujeitos uma codificação tanto
para as trocas simbólicas, como para nomear e classificar sua realidade social, sua história, de
forma unívoca. As representações atuam, ainda, como guias de interpretação e organização da
realidade, permitindo aos sujeitos que se posicionem diante dela e definam a natureza de suas
ações sobre essa realidade. As representações sociais são um conjunto de conhecimentos
sociais, possuindo uma orientação prática e permitindo ao indivíduo se situar no mundo e
dominá-lo (RIBEIRO et allii 2006).
Atualmente, no que podemos chamar de Escola Brasileira de Representações Sociais,
a maioria dos estudos pautam-se no desdobramento das abordagens de Jodelet, Doise e Abric
como complementares e enriquecedores da grande teoria proposta por Moscovici.
A abordagem culturalista de Denise Jodelet, desenvolvida na École des Hautes Études
em Sciences Sociales, Paris, focaliza a articulação entre as dimensões sociais e culturais que
regem as construções mentais coletivas. Jodelet define as representações sociais como o
estudo “dos processos e dos produtos por meio dos quais os indivíduos e os grupos constroem
e interpretam seu mundo e sua vida, permitindo a integração das dimensões sociais e culturais
com a história” (Jodelet 2000 apud ALMEIDA, 2001, p 137).
Em sua orientação teórico-metodológica, a autora defende que o estudo das
representações sociais deve contemplar a compreensão dos discursos que sustentam a
38
14
representação de um certo objeto social; a apreensão dos comportamentos e práticas sociais
que se relacionam às representações; o exame de documentos e registros, que contribuem para
a institucionalização de discursos e práticas e o exame do tratamento que esses discursos
recebem pelos meios de comunicação de massa (ALMEIDA, 2001).
Jodelet (1989 apud SANTOS E ALMEIDA, 2005) afirma ainda que “as
representações devem ser estudadas articulando elementos afetivos, mentais, sociais e
integrando, ao lado da cognição, da linguagem e da comunicação, a consideração das relações
sociais que afetam representações sociais e a realidade material, social e ideal sobre as quais
elas vão intervir (p.26)”.
A abordagem estrutural, desenvolvida por Jean-Claude Abric no Instituto de
Psicologia Social da Universidade de Provença, pensa as representações sociais de um ponto
de vista cognitivo, bem como estruturadas em torno de um cleo central (elementos mais
estáveis e compartilhados das representações) e regiões periféricas (mais sensíveis aos
diferentes contextos e variações individuais). Na perspectiva de Abric, as representações
sociais são ao mesmo tempo estáveis e instáveis, consensuais e marcadas por fortes diferenças
interindividuais e intergrupais. As considerações de Abric permitem refletir sobre o
mecanismo de transformação de uma representação social, que, segundo o autor, pode ocorrer
de forma progressiva, por transformações periféricas que paulatinamente modificam o núcleo
central, ou por transformações brutais, quando novas práticas põem decisivamente em xeque
o conteúdo da representação em questão e impõem mudanças em seu núcleo central.
A abordagem societal de Willem Doise, busca integrar explicações de ordem
individual com as de ordem societal (ALMEIDA, 2001). Doise considera que “o estudo das
representações sociais preconizado por Serge Moscovici necessita que se coloquem em
relação os sistemas cognitivos complexos do indivíduo com os metassistemas de relações
simbólicas que caracterizam uma sociedade” (DOISE, 2002, p.30). Para tanto, ele propõe uma
abordagem tridimensional das representações sociais, em que cada etapa da coleta de dados
investigaria uma dimensão das representações através de uma hipótese específica. A primeira
hipótese relaciona-se ao caráter partilhado de crenças entre os membros de uma população,
em relação a um dado objeto social, uma vez que as representações constroem-se sobre um
solo comum de referências simbólicas. A segunda hipótese diz respeito às diferentes tomadas
de posição em relação a um campo comum de representação de um dado objeto social. Nessa
etapa, objetiva-se explicar como e por que os indivíduos mantêm relações diferentes com um
dado objeto de representação. A terceira hipótese enfatiza a ancoragem das diferenças
39
14
individuais, considerando que as diferentes tomadas de posição se relacionam a diferentes
realidades simbólicas coletivas.
Como afirmamos anteriormente, a TRS responde aos intentos de compreensão das
idéias, teorias ou concepções que heterossexuais e homossexuais possuem sobre o processo de
envelhecimento e sua relação com o exercício da sexualidade. Uma vez que tratamos de
grupos sociais distintos pela orientação sexual, mas que comungam de um mesmo contexto
cultural e demográfico diante do fenômeno do envelhecimento, se constituindo esse em
importante objeto social para os micro-grupos que coexistem no cenário populacional
brasileiro.
40
14
4 – MÉTODO
4.1 – Como tudo começou... A aproximação com o campo.
Contar como foi feita uma pesquisa que se revelou tão desafiadora e surpreendente
não pode prescindir da história de sua motivação e aqui peço licença para trazer por alguns
instantes a escrita de maneira mais pessoal. A experiência como monitora, enquanto
graduanda em Psicologia, no projeto de extensão ‘Homossexualidade Sem Fronteiras: A
Escola enquanto Lugar de Inclusão da Diversidade Sexual
4
, realizado pelo Programa
UNIVERSIDAIDS da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas,
possibilitou minha aproximação e identificação com a temática da diversidade sexual e as
implicações psicossociais desta “livre” expressão para os atores sociais envolvidos.
De 2005 a 2007, as atividades do projeto motivaram inúmeras leituras voltadas à
compreensão da diversidade sexual e consequentemente a participação em eventos
acadêmicos e militantes da área. Eram incessantes as discussões sobre direitos dos
homossexuais, livre expressão da sexualidade, prevenção e políticas de acessibilidade aos
serviços de saúde e educação não discriminatórias. Entretanto, a maioria (se não todas) dessas
reflexões e lutas atendia ao chamado de necessidades que a priori calavam apenas os anseios
de homossexuais adultos jovens. À frente da militância e compondo os grupos de ajuda e
atenção a homossexuais, estavam pessoas jovens, falando da necessidade de jovens
homossexuais como se este segmento social encerrasse sua trajetória, seus anseios e
necessidades aos 30 ou 40 anos de idade.
Foi a ausência de discussões, da representatividade militante e de produções
acadêmicas sobre envelhecimento e homossexualidade que motivou a proposta desta pesquisa
de mestrado na tentativa de romper com a indiferença e o preconceito dirigido ao idoso
possuidor de sexualidade e sexualidade diversa, mesmo entre os que militam a favor do
4
Este projeto fazia parte de um leque de projetos de extensão e pesquisa realizados dentro do Programa
UNIVERSIDAIDS UFAL, cujo objetivo era desenvolver ações de prevenção e educação sexual na
comunidade acadêmica e na sociedade em geral. Todas as atividades do Programa são coordenadas pelo
Professor da Faculdade de Medicina, Jorge Luís de Souza Riscado. O projeto Homossexualidade sem Fronteiras
levava oficinas educativas a comunidades escolares do interior do Estado de Alagoas, desmistificando a
homossexualidade e visando minimizar a homofobia como agente de evasão escolar de homossexuais.
14
respeito às diferenças. Esta pesquisa lançou-se assim como um verdadeiro desafio na
construção teórica e prática de um novo olhar e um novo saber sobre a população idosa e
homossexual.
A proposta inaugural do presente estudo era conhecer as representações sociais de
envelhecimento para homossexuais masculinos e entender a partir das diferenças que a
orientação sexual traria para suas vidas, como esse grupo envelhece. Para tal, foi pensado
inicialmente em realizarmos a pesquisa em duas fases empíricas, das quais a primeira
consistiria na aplicação de questionários de Associação Livre para posterior análise no
software EVOC
5
e, numa segunda etapa, a realização de entrevistas semi-estruturadas para
análise no software ALCESTE
6
. Contudo, a primeira etapa da coleta de dados impunha o
número mínimo de 65 sujeitos respondentes a fim das informações serem validadas e
processadas pelo software, que necessita de, no mínimo, 300 palavras para a organização dos
dados em núcleo central e periférico. O quantitativo de respondentes se apresentava, dessa
forma, como um desafio na proposta inicial, mesmo quando o recorte por idade compreendia
homossexuais a partir de 30 anos.
Entretanto, a etapa de qualificação do projeto redefiniu de maneira significativa a
proposta e a metodologia da pesquisa. Foi sugerido pela banca de qualificação que o recorte
de idade fosse restringido a homens a partir de 60 anos. De maneira muito contundente, essa
etapa preliminar da dissertação revelou que o universo da pesquisa abarcaria experiências
muito distintas de envelhecimento, posto que uma pessoa de 30 anos de idade jamais se
aproximaria da vivência de alguém com 60 anos ou mais. Além disso, foi sugerida a inclusão
de um grupo heterossexual na amostra do estudo, pois a suposição de envelhecimentos
diferentes não poderia afirmar-se ou não a partir da escuta apenas do grupo que diverge
socialmente em sua sexualidade. Seria, então, necessário ouvir o grupo ‘normativo’
(heterossexual) para base de comparações entre os discursos.
5
Este instrumento de análise cruza duas informações: a freqüência com que uma palavra é dita (o número de
vezes que uma palavra é lembrada) e a ordem de evocação da cada palavra (se a palavra é lembrada
prontamente, ou se ela é evocada nas últimas posições). A partir desse cruzamento o software fornece quatro
informações: 1 – As palavras mais freqüentes e lembradas nas primeiras posições (Zona Central); 2 – As
palavras mais freqüentes e lembradas nas últimas posições (1ª periferia); 3 As palavras menos freqüentes, mas
lembradas nas primeiras posições (elementos de contrastes); 4 As palavras menos freqüentes e lembradas nas
últimas posições.
6
A técnica de análise lexical de conteúdo, realizada pelo software Alceste, faz uma análise de um conjunto de
palavras em um determinado contexto. Trata-se de um programa, desenvolvido na França por Max Reinert, em
1979, que permite a análise quali-quantitativa de dados textuais tomando como base as leis de distribuição do
vocabulário (análises de clustrer), através de diferentes etapas de segmentação do material discursivo
(OLIVEIRA et allii 2003).
42
14
A partir das mudanças sugeridas na amostra da pesquisa, teríamos que contar com o
mínimo de 65 homens homossexuais e 65 homens heterossexuais, todos a partir de 60 anos de
idade para realizar a primeira fase empírica. Com esta proposta, após o projeto qualificado e
devidamente autorizado pelo comitê de ética em pesquisa, fomos a campo.
Para chegar até os sujeitos da pesquisa, utilizamos a estratégia de ‘bola de neve’ ou
‘rede de contatos’, de maneira que, ao conseguir o primeiro informante, era solicitado que este
indicasse alguém conhecido por ele e que atendesse ao perfil pretendido para responder ao
questionário de Associação Livre. Assim pretendíamos atingir o quantitativo almejado. Logo
de início o grupo de homens heterossexuais mostrou-se de mais fácil acesso e sem
dificuldades para indicar outras pessoas. Todavia, o idoso homossexual revelou-se uma
população extremamente difícil de ser alcançada, mesmo recorrendo a pessoas que poderiam
funcionar como redes de contato, como representantes de ONGs ou mesmo homossexuais
mais jovens. O primeiro homossexual com 60 anos ou mais se transformava aos poucos numa
quimera.
De novembro de 2008 a abril de 2009, tentamos sem sucesso o contato com
homossexuais que pudessem colaborar com a pesquisa. Neste ponto, a remodelação do
método era inevitável, levando em conta o pouco tempo hábil que teríamos para coletar,
analisar e apresentar os dados. Resolvemos então abandonar a realização dos questionários de
Associação Livre e trabalhar apenas com entrevistas abertas, o que nos garantiria maior
flexibilidade quanto ao número de respondentes e maior celeridade, ao elegermos o critério de
saturação para encerrar a coleta de dados.
Continuamos com a mesma estratégia anterior de redes de contatos, buscando novas
fontes de articulação entre amigos, colegas e profissionais que atuassem em ONGs ou espaços
destinados a discutir e acolher as diferenças sexuais. Focamo-nos em conseguir algumas
entrevistas iniciais com o grupo homossexual, para, depois disso, investirmos nos contatos
com os heterossexuais. que o estudo seria comparativo, seria contundente termos o mesmo
número de participantes em cada grupo. O número de participantes heterossexuais seria
balizado pelo número de participantes homossexuais; como este era o grupo de menor
acessibilidade era preciso privilegiar antes estas entrevistas, pois com o grupo de
heterossexuais apenas teríamos a preocupação de igualar o quantitativo.
Em maio de 2009, através da ONG Gestos Soropositividade, Comunicação &
Gênero, na pessoa do Psicólogo Tony Lima, conseguimos realizar a primeira entrevista com
um idoso homossexual. Antes disso, firmamos uma parceria no compromisso em abordar a
temática, visto que essa era também uma demanda dos profissionais que ali atendiam. Uma
43
14
versão resumida do projeto de pesquisa foi apresentada à organização, junto com uma carta,
solicitando seu apoio para a realização da pesquisa e para a qual tivemos resposta afirmativa.
Por intermédio dessa mesma instituição, realizamos mais duas entrevistas com homossexuais.
Desses três homossexuais entrevistados, dois se disponibilizaram a indicar outra
pessoa para a pesquisa. No entanto, não tivemos êxito na continuidade dessa rede, pois apenas
um dos respondentes conseguiu de fato indicar outro contato, com o qual chegamos a marcar
um encontro para esclarecimentos sobre a pesquisa, mas o pretenso informante foi submetido
a tratamentos médicos e internação hospitalar durante o período de coleta dos dados, tornando
inviável a realização da entrevista. Aqui vale salientar o fato de que os outros dois
informantes afirmaram não se lembrar de nenhum homossexual que tivesse a idade mínima de
sessenta anos, alegando a falta de relações de amizade e o convívio apenas com pessoas mais
jovens.
No decorrer desse período, divulgamos a pesquisa nos círculos de amizade, entre
contatos profissionais e mesmo entre familiares, sempre solicitando que, a qualquer
lembrança de um conhecido ou um possível contato que levasse a homossexuais idosos,
remetessem isso à entrevistadora. Algumas pessoas nos procuraram para indicar novos
contatos na cidade de Recife- PE ou mesmo para se prontificar a divulgar a pesquisa e
procurar possíveis informantes. Porém, das três novas indicações a que tivemos acesso por
contato telefônico, dois marcaram e desmarcaram várias vezes o primeiro encontro, para
esclarecimentos sobre a pesquisa, até não atenderem mais aos telefonemas. Postura a qual
respeitamos e, para não sermos demasiadamente incômodos, abandonamos essas
possibilidades. O terceiro contato preferiu ouvir todas as questões referentes à pesquisa ainda
por telefone e em seguida pronunciou que não se sentiria à vontade para falar de sua vida
íntima, esgotando mais uma rede de contato.
A dificuldade em conseguir novos informantes e a brevidade do tempo destinado para
a coleta dos dados determinou que abrangêssemos a população estudada também para a
cidade de Maceió – AL, onde a entrevistadora havia concluído seu curso de graduação, tido as
primeiras aproximações com a temática da diversidade sexual e estabelecido alguns contatos
com representantes da militância e pesquisadores da área.
Após estabelecer algumas redes de contato na cidade de Maceió, foi possível realizar
mais cinco entrevistas com homossexuais, totalizando oito entrevistas, número com o qual
encerramos a coleta de dados por considerar que havíamos chegado à saturação nas questões
que objetivávamos estudar, além do fato de termos prolongado em demasia o período de
entrevistas, sendo necessário iniciar o tempo de análises. Dessa forma, nos voltamos ao grupo
44
14
heterossexual, para realizar igualmente oito entrevistas e iniciarmos a fase de análise dos
dados.
Segundo Gaskell (2007), um número limitado de interpelações, ou versões, da
realidade. Embora as experiências possam parecer únicas ao indivíduo, as representações de
tais experiências não surgem das mentes individuais; em alguma medida, elas são o resultado
de processos sociais. Nesse ponto, representações de um tema de interesse comum, ou de
pessoas em um meio social específico são, em parte, compartilhadas. Isso pode ser visto em
uma série de entrevistas. As primeiras são cheias de surpresas. As diferenças entre as
narrativas são chocantes e, às vezes, ficamos imaginando se ali algumas semelhanças.
Contudo, temas comuns começam a aparecer, e, progressivamente, sente-se uma confiança
crescente na compreensão emergente do fenômeno. A certa altura, o pesquisador se conta
que não aparecerão novas surpresas ou percepções. Nesse ponto de saturação do sentido, o
pesquisador pode deixar seu tópico guia para conferir sua compreensão, e se a avaliação do
fenômeno foi corroborada, é um sinal de que é tempo de parar.
4.2 – Procedimentos Metodológicos
4.2.1 – Ética
Obedecendo à Resolução nº. 196/96 IV, do Conselho Nacional de Saúde do
Ministério da Saúde (CNS MS), essa pesquisa foi enviada para avaliação ao Comitê de
Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos do Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Federal de Pernambuco (CEP/CCS/UFPE), a fim de serem validados todos os
procedimentos nos quais os participantes da pesquisa seriam envolvidos, tendo sido aprovado
em 26 de Agosto de 2008. (ANEXO I).
A participação de todos os informantes na pesquisa ocorreu de forma voluntária, após
a aceitação do convite para dela colaborar e da assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido - TCLE, conforme Resolução CNS 196/96. (ANEXO II). No que tange às
relações éticas de entrevistador e entrevistado, essas foram resguardadas também através do
TCLE, garantindo, pois, o respeito à integridade física e moral do sujeito, a preservação de
sua identidade e o sigilo das informações repassadas. Foram explícitas as condições de
voluntariedade para participar da pesquisa, sem que para isso tenham sido forçados ou
tivessem sofrido quaisquer tipos de prejuízo ou coação para nela permanecer.
45
14
No ato de transcrição das entrevistas, cada material produzido foi identificado a partir
das indicações de orientação sexual do informante e com nomes fictícios para resguardar a
identidade dos participantes.
4.2.2 – Tipo de pesquisa
A pesquisa foi realizada numa perspectiva qualitativa, pois segundo Alves-Mazzotti e
Gewandsznajder (1999), por sua diversidade e flexibilidade, essas pesquisas não admitem
regras precisas, aplicáveis a uma ampla gama de casos. Além disso, as pesquisas qualitativas
diferem bastante quanto ao grau de estruturação prévia, ou seja, quanto aos aspectos que
podem ser definidos no projeto. Essa perspectiva nos abriu, então, a possibilidade de,
quando fosse necessário, irmos moldando nossa pesquisa ao campo de investigação à medida
que dele nos aproximávamos, sem que isso acarretasse prejuízos à contribuição científica.
Além do mais, de acordo com Gamson (2006),
(...) a história da pesquisa social que lida com as sexualidades possui
elementos que são familiares àqueles encontrados nas histórias dos estudos
sobre as mulheres, dos estudos étnicos e assim por diante: é uma história
que se entrelaça com a política dos movimentos sociais, que mantém
cautela quanto as formas pelas quais a “ciência” tem sido empregada contra
os marginalizados, e que se mostra particularmente confortável com as
estratégias da pesquisa qualitativa as quais, ao menos, parecem objetivar
menos seus sujeitos, preocupar-se mais com a criação de significado
cultural e político e com dar mais espaço às vozes e às experiências que
foram suprimidas.
(GAMSON, 2006, p.345)
De acordo com Gaskell (2007) a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar
opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes
representações sobre o assunto em questão. Essa foi nossa pretensão ao olhar para o fenômeno
do envelhecimento e sua relação com a sexualidade a partir da hetero e da homossexualidade
masculina.
4.2.3 – População
A população participante da pesquisa foi de homens idosos heterossexuais e
homossexuais, seguindo critério estabelecido pela Organização Mundial de Saúde OMS,
46
14
que considera a idade de 60 anos como marco inicial da categoria idoso em países em
desenvolvimento como o Brasil. Quanto às categorias de heterossexualidade e
homossexualidade, essas foram estabelecidas segundo a condição de prática ou interesse
afetivo e/ou sexual declarados exclusivamente por pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo,
respectivamente, no momento da entrevista.
4.2.4 – Seleção dos entrevistados
Compôs o grupo de entrevistados dessa pesquisa dezesseis homens com idades a partir
de 60 anos. Destes, oito declararam-se homossexuais no momento da entrevista e oito
declararam-se heterossexuais. Dos participantes inclusos no grupo homossexual, três eram
residentes na cidade de Recife PE e cinco residentes na cidade de Maceió AL. Dentre os
participantes do grupo heterossexual, todos eram residentes na cidade de Recife – PE.
Os participantes foram convidados a colaborar com a pesquisa independente de estado
civil, nível de escolaridade, profissão, religião, raça/cor ou nível sócio-econômico. As únicas
exigências ao perfil eram a de idade mínima de 60 anos e declarar-se homossexual ou
heterossexual no momento da entrevista.
4.2.5 – Características dos Sujeitos
A fim de conhecermos os participantes do estudo, antes que iniciássemos a entrevista
propriamente dita, cada informante respondia a um pequeno questionário sócio - demográfico
com algumas questões que nos ajudassem a caracterizar quem fala e de onde falam sobre o
processo de envelhecimento e sexualidade. (APÊNDICE I).
4.2.5.1 – O Grupo Heterossexual
Os oito participantes do grupo heterossexual tinham idade entre 60 e 82 anos. Sete
deles eram casados e um viúvo. Dentre os homens casados, cinco moravam com suas esposas
e filhos ou outros parentes e dois moravam apenas com suas esposas. O único participante
viúvo desse grupo morava com duas filhas e um neto.
O nível de escolaridade de cinco desses participantes era de ensino fundamental
incompleto, tendo exercido ao longo de suas vidas atividades de pedreiro, servente,
47
14
carpinteiro e gráfico. Quatro deles estão aposentados e um, continua a desempenhar a
função de carpinteiro. Um participante possui ensino fundamental completo, tendo exercido
as profissões de agricultor e operador de bombas, hoje aposentado. Um possui nível de
escolaridade de ensino médio completo e exerceu a profissão de telegrafista, hoje se
encontrando aposentado. Apenas um dos homens heterossexuais possuía nível superior
completo e hoje é professor aposentado.
Quanto à religião, sete dos participantes declararam-se adeptos da Igreja Católica e
apenas um declarou ser evangélico pertencente à Igreja Adventista do Dia/Movimento de
Reforma.
4.2.5.2 – O Grupo Homossexual
Os oito participantes do grupo homossexual tinham entre 60 e 67 anos de idade. Todos
declararam estado civil de solteiros, sobretudo porque o Estado brasileiro ainda não legitima a
união entre as pessoas de mesmo sexo. Entretanto, um dos participantes afirmou morar com o
companheiro, com o qual mantém um relacionamento trinta anos. Três dos entrevistados
afirmaram estar namorando o mesmo parceiro há mais de um ano e quatro afirmaram não
estar envolvidos afetiva e/ou sexualmente com ninguém no momento da entrevista. Quatro
participantes moravam sozinhos e três moravam com outros parentes.
Um participante tinha nível de escolaridade de ensino médio incompleto, hoje
vigilante aposentado. Outro informante possuía ensino médio completo e ainda exercia a
profissão de jornaleiro. Um tinha nível superior incompleto e exercia a profissão de diretor de
arte. Quatro possuíam vel superior completo, sendo que um deles professor aposentado,
outro bailarino e teatrólogo aposentado; outro ainda é bancário aposentado; um outro é
produtor cultural e o último é advogado e ator, exercendo a função de professor universitário.
Quanto à religião, três dos entrevistados afirmaram ser católicos; um afirmou ser
espírita; um afirmou ter crenças católicas e espíritas e três declararam não possuir religião.
4.2.6 – Instrumento de coleta de dados
A fase empírica ocorreu em uma única etapa, na qual os participantes foram
convidados a responder a uma entrevista aberta do tipo narrativa, ou seja; uma entrevista que
tem em evidência uma situação que encoraje e estimule um entrevistado a contar a história
sobre algum acontecimento importante de sua vida e do contexto social. A entrevista narrativa
48
14
é considerada uma forma de entrevista não estruturada, de profundidade.
(JOVCHELOVITCH e BAUER, 2007). Nesse caso, o entrevistado foi encorajado a falar
sobre envelhecimento e sua experiência de envelhecer, bem como sobre sua sexualidade.
Como a entrevista narrativa dispensa a existência de um roteiro estruturado, existindo apenas
um guia com perguntas geradoras sobre o tema, elaboramos um guia sucinto para elucidar a
fala dos informantes (APÊNDICE II), o que evidencia a narrativa contada pelo entrevistado;
nesse caso, é sua própria fala quem suscita as questões do entrevistador no intuito de
responder às questões da pesquisa, caso elas não sejam ditas de maneira espontânea na
narrativa.
Para o registro das informações, foi utilizado um aparelho de MP3; posteriormente, as
falas foram transcritas para obtenção fidedigna das respostas apresentadas pelos entrevistados.
As gravações foram informadas e consentidas pelos participantes antes do início das
entrevistas.
4.2.7 – Coleta dos dados
As entrevistas foram realizadas no período de maio a julho de 2009. Conforme dito
anteriormente, após vários meses articulando redes de contatos para chegar até os informantes
da pesquisa, iniciamos as entrevistas com os homens homossexuais. Três das entrevistas
foram realizadas com homens assistidos pelos trabalhos desenvolvidos na ONG Gestos
Soropositividade, Comunicação & Gênero e nas dependências da própria organização, pois,
ao contarmos com a parceria da Gestos, sempre que alguém com o perfil de informante da
pesquisa procurava seus serviços, prontamente o serviço de Psicologia informava sobre a
pesquisa em desenvolvimento, convidava esta pessoa para entrevista e articulava o contato
com a entrevistadora, sendo que as entrevistas eram sempre marcadas na própria ONG.
As cinco entrevistas restantes foram realizadas na cidade de Maceió AL, através de
contatos com o grupo Afinidades GLSTAL, na pessoa do coordenador Júlio Daniel, o qual se
mostrou bastante interessado em colaborar conosco, articulando o contato com três
informantes. Funcionou como rede de contatos também o Professor em Psicogerontologia e
Psicologia Social, Ricardo Maia, que, em 2005, havia lecionado a disciplina de
Psicogerontologia no curso de graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas,
na qual a entrevistadora, à época como graduanda, teve as primeiras aproximações com o
tema de envelhecimento e homossexualidade. A partir desse contato, mais duas entrevistas
foram possíveis.
49
14
Dos contatos viabilizados pelo grupo Afinidades GLSTAL, dois receberam a
entrevistadora em sua casa para a realização da entrevista, após contato prévio por telefone. A
entrevistadora se apresentava como psicóloga, que estava desenvolvendo uma pesquisa sobre
a concepção de envelhecimento e sexualidade para homens heterossexuais e homossexuais. Já
nesse primeiro contato, algumas garantias iniciais eram passadas aos pretensos informantes,
sobretudo quanto às questões de sigilo das informações e anonimato das identidades. Após a
concordância dos informantes, eram agendados dia e horário para a entrevista. O terceiro
informante foi contatado no próprio local de trabalho após prévia autorização através do
Afinidades GLSTAL, onde obtivemos endereço e informações sobre o melhor horário para
procurá-lo. A entrevista foi realizada no primeiro encontro, no momento vago do horário de
trabalho.
Os contatos articulados pelo Professor Ricardo Maia os autorizou a repassar o número
telefônico para a entrevistadora. Desta forma, procedemos da mesma maneira descrita acima
para agendar as entrevistas. Um dos informantes concedeu a entrevista em sua casa e o outro
no local de trabalho.
As entrevistas com o grupo de homens heterossexuais foram todas realizadas na
cidade de Recife, pois devido à maior facilidade de acesso a esses homens, não foi necessário
recorrer a outras redes de contato fora da cidade onde se desenvolvia a pesquisa. Todas as
entrevistas foram realizadas nas casas dos informantes. Nessas entrevistas, não foi necessário
o mesmo procedimento através de contatos telefônicos prévios, pois a partir da primeira
entrevista com um dos homens que havia respondido o questionário de Associação Livre no
primeiro formato pensado para a pesquisa, outros contatos próximos foram indicados
imediatamente na própria vizinhança.
Cada entrevistado conduzia a entrevistadora à casa de um possível informante; a partir
daí eram iniciados os procedimentos de apresentação e esclarecimentos da pesquisa, havendo
o consentimento, a entrevista era realizada em seguida ou em momento mais oportuno
agendado a partir dali. Dessa forma, as entrevistas com homens heterossexuais foram
realizadas em duas semanas, sendo estendido o tempo necessário apenas para completarmos o
número de oito informantes conforme havia sido fechado para o grupo homossexual.
Cabe salientarmos aqui que, ao buscar os informantes heterossexuais, evitávamos dar
detalhes sobre os participantes da pesquisa, esclarecendo apenas que o estudo era sobre
envelhecimento masculino, sem explicitar a diferenciação entre homossexuais e
heterossexuais. Essa precaução foi tomada devido à reação de um dos idosos heterossexuais
quando ainda estávamos aplicando o primeiro modelo da pesquisa, com os questionários de
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14
associação livre. Ao explicitarmos que a pesquisa seria realizada também com homossexuais,
aquele informante demonstrou preocupação com a filiação grupal que receberia no tratamento
dos dados. O receio em ser confundido entre os homossexuais ou estar participando de uma
pesquisa onde se abordaria a temática da sexualidade fez com que houvesse receio em
responder ao questionário. Após essa reação, resolvemos agir com discrição na hora de
explicitar os grupos participantes da pesquisa para os homens heterossexuais e modificarmos
o TCLE; ao invés de citarmos homens homossexuais, substituímos pela expressão “homens
de diversas orientações sexuais”.
Antes de iniciar, a entrevistadora agradecia aos informantes pela colaboração e
explicitava de maneira sucinta o tema e os objetivos da pesquisa. Após as explicações iniciais,
eram esclarecidos os cuidados para com a garantia do sigilo e do anonimato das informações,
bem como as demais questões contidas no TCLE, que era lido; ora junto com os informantes,
esclarecendo os pontos que se fizessem necessários; ora o termo era lido em voz baixa pelo
próprio informante, segundo a sua vontade. A entrevistadora sempre indagava sobre possíveis
dúvidas quanto à pesquisa e ao documento que eles tinham em mãos.
Antes do início da entrevista, era justificado também o uso de gravador e o destino
dado às informações ali contidas. Depois de discutidas e consentidas todas as questões
pertinentes à pesquisa e ao momento da entrevista, a entrevistadora e o informante assinavam
o termo de consentimento em duas vias, sendo uma retida por ela e outra pelo participante.
As entrevistas realizadas com os homens homossexuais tiveram duração média de uma
hora, enquanto que as entrevistas com homens heterossexuais tiveram uma média de trinta
minutos. As entrevistas transcorreram de forma tranquila, em sua maioria em ambientes que
favoreceram um clima de descontração e espontaneidade dos informantes. Apenas duas
entrevistas foram realizadas em ambientes de trabalho dos informantes e tiveram algumas
intervenções externas, mas que não foram capazes de prejudicar o bom andamento e gravação
das entrevistas.
Entre os heterossexuais, as entrevistas ocorreram sem momentos de maiores emoções
ou quaisquer reações que elevassem a preocupação da pesquisadora. Já entre as entrevistas
dos homossexuais, algumas suscitaram momentos de emoção aflorada, choros, tristeza e
saudosismo, o que fez com que, em vários momentos, a fala fosse interrompida, ocorressem
rápidas ausências dos participantes do local de entrevista ou mesmo grandes momentos de
silêncio ao relembrar fatos de suas vidas. Essas reações fizeram com que a pesquisadora
mantivesse o olhar aguçado para a intervenção que causava na vida das pessoas que ali se
prontificavam a colaborar com a pesquisa. Em alguns momentos, a pesquisadora dispôs-se a
51
14
interromper a entrevista, desligar o gravador e acolher a fala emocionada dos informantes. No
entanto, nenhum deles quis retroceder à concessão daquele momento, retomando o equilíbrio
emocional e dando continuidade às suas ricas contribuições.
Ao final, cada informante agradecia pela oportunidade de falar e apresentar sua
história traduzida na linha do tempo, em suas idades e em suas sexualidades. As entrevistas
foram mais que um momento de coleta de dados, mas o próprio aprendizado em falas, rostos,
corpos e histórias distintas e semelhantes que se revelavam na trajetória envelhecida de
normas hetero e homossexuais.
4.2.8 – Análise dos Dados
Após a transcrição literal das entrevistas, procedemos à análise dos dados. As
entrevistas foram submetidas a uma análise de conteúdo clássica de acordo com Bardin
(1977) até chegarmos àquilo que seriam as representações sociais mais prementes do
envelhecimento a partir da hetero e da homossexualidade masculina. A seguir vamos
explicitar detalhadamente a etapa de análise.
4.2.8.1 – Análise de Conteúdo
A análise de conteúdo é um método qualitativo de análise de dados que busca
identificar a pluralidade temática presente num conjunto de textos, ao mesmo tempo em que
pondera a frequência desses temas dentro do mesmo conjunto, pode proporcionar, numa
comparação entre os elementos do corpus, a constituição de agrupamentos de elementos de
significados mais próximos, possibilitando a formação de categorias mais gerais de conteúdo
(NASCIMENTO e MENANDRO, 2006). Reportando-nos inevitavelmente a Bardin (1977),
temos que a análise de conteúdo consiste em:
Conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (qualitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção / recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens.
(BARDIN, 1977, p. 42)
52
14
A fim de buscarmos na análise de conteúdo o tratamento de todo material produzido
pelas entrevistas, procedemos a alguns passos que nos levaram à formação de categorias de
análise. Ainda segundo Bardin (1977), o método de investigação por categorias é o mais
rápido e eficaz na condição de se aplicar a discursos diretos e simples.
Para a análise de conteúdo inicialmente separamos o material textual em dois corpus
distintos, sendo um composto pelas falas dos homens heterossexuais e outro pelos
homossexuais, a fim de examinarmos enfaticamente as tensões e aproximações do processo
de envelhecimento e da sexualidade a partir da hetero e da homossexualidade. Logo após,
procedemos a uma leitura flutuante do material para conhecer todo o corpus textual, não pré-
estabelecemos categorias de análises, mas mantivemos o foco na apreensão dos significados
atribuídos ao processo de envelhecimento. A partir de uma segunda leitura mais detalhada,
fomos identificando e nomeando unidades de significado nas falas dos informantes. De
acordo com Araújo (2006), essas unidades podem suscitar uma hipótese ou construção no
processo de dados, aumentando as possibilidades de integrar novas informações à pesquisa.
Em seguida, buscamos examinar as interrelações entre as unidades de significado e as
reunimos em subcategorias que foram renomeadas para serem analisadas. Por sua vez, foram
examinadas as interrelações entre essas categorias menores. Por último, as categorias foram
agrupadas em eixos temáticos mais amplos conforme os conteúdos categoriais.
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14
5 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
5.1 - Análise de conteúdo das entrevistas realizadas com o grupo homossexual
A tabela abaixo apresenta a organização das categorias formadas a partir da análise de
conteúdo das entrevistas com os idosos homossexuais. A análise resultou na formação de
cinco grandes categorias, que por sua vez, foram o resultado da compilação de subcategorias
elaboradas através das unidades de significação do corpus de entrevistas que possuem relação
de sentido entre si. (Tabela 3). Esse procedimento ajuda-nos a entender o contexto de cada
representação enunciada e compartilhada pelo grupo. A seguir, vamos descrever e analisar
cada uma das categorias. Ao final da análise de conteúdo dos dois grupos entrevistados,
iremos relacionar os conteúdos para discussão e análise final dos dados.
Tabela 3 – Categorização das entrevistas do grupo homossexual
Subcategorias Categorias
*Características positivas do processo de
envelhecimento
*Características negativas do processo
de envelhecimento
*Sentimentos frente ao processo de
envelhecimento
1 – Revelando as faces do
envelhecimento
*Percursos de vida e o curso do
envelhecimento
2 – Percursos de vida e o curso do
envelhecimento
*Sexualidade
*HIV
3 – Sexualidade no processo de
envelhecimento
*Maneiras de envelhecer como
homossexual
*Homossexualidade Da definição à
exclusão
4 – Envelhecimento e
Homossexualidade
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* A negativa do envelhecimento
5 – A negativa do envelhecimento
5.1.1 - Revelando as faces do envelhecimento (categoria 1)
Essa categoria possibilita-nos acessar o universo plural de concepções, sentidos e
práticas que permeiam a experiência do envelhecimento para o grupo de idosos homossexuais
entrevistados. Nesse grupo, o envelhecimento é representado a partir de uma dualidade
valorativa atribuída a esse processo, no qual aspectos positivos e negativos lhes são
associados. Entretanto, é relevante entre os homossexuais a presença de elementos negativos
no conteúdo da representação do envelhecimento, devido, sobretudo, às mudanças estéticas e
de vigor físico, associadas por eles a esta fase do desenvolvimento humano.
No âmbito dos declínios ou das perdas associadas ao envelhecimento, são enumeradas
as mudanças físicas e estéticas, propensão a maior número de afecções orgânicas, as
mudanças na rotina e na interação social, além das alterações na atuação profissional e as
consequências advindas disso, como o ócio. Os medos da solidão, da dependência e iminência
da morte são alguns dos sentimentos que povoam o processo de envelhecimento desses
homens.
O tratamento social dispensado ao idoso nas esferas da vida cotidiana também revela a
negatividade de pertencer a essa categoria geracional. O descontentamento com as políticas de
atenção ao idoso, o abandono da família e a falta de respeito aos direitos dos mais velhos
foram algumas das queixas que surgiram nas entrevistas. A ausência de contextos que
indiquem a perspectiva de uma futuridade entre os homossexuais entrevistados aparece de
forma sintomática na representação de envelhecimento versus projetos de vida, sendo aquele
o lugar da estagnação. Apenas um dos participantes traz em sua fala alusões a uma
expectativa de vida permeada por novos planos e projetos:
Eu tenho planos de vida ainda, mas são projetos de vida que não quer dizer
que são frustrações, são projetos pra daqui pra frente, porque até agora eu
já cumpri um monte de coisa.
(Hefesto, 60 anos, homossexual).
Esses ônus do envelhecimento referidos pelo grupo de homossexuais parecem compor
uma representação ancorada numa idéia de envelhecimento produzida e compartilhada pelas
55
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sociedades ocidentais modernas, ou seja, onde envelhecer é andar na contramão da beleza,
vigor físico, capacidade de produção econômica, domínio de tecnologias e independência.
Nas sociedades contemporâneas, são esses os atributos valorizados e incorporados nas
práticas cotidianas; o envelhecimento estaria, dessa forma, inverso à lógica da pertença social.
Não é à toa que encontramos, nas formas de objetivação do envelhecimento desse grupo,
palavras e expressões como: ‘idade da cadeira’; ‘afetação de vida’, ‘ferrugem do tempo’; ‘vai
quebrando o sistema’; ‘perde o viço das coisas’; ‘desintegração’; ‘desarmamento’.
Os ‘ganhos’ ou ‘características positivas’ do envelhecimento evocadas a essa fase da
vida são representados a partir da ‘experiência’ e ‘aprendizado’ que resultam dos anos
vividos, possibilitando assim a vivência plena de todas as esferas da vida. Muito embora, este
bônus do envelhecimento seja ressaltado apenas em três, das oito entrevistas realizadas com
os idosos homossexuais, enquanto que os aspectos negativos foram lembrados por todos os
entrevistados deste grupo. Esse diferencial indica que o envelhecimento, para os
homossexuais, é vivenciado de maneira penosa, minimizando os possíveis ganhos da
experiência de envelhecer.
Os dados descritos até aqui aparentemente não pressupõem um diferencial daquilo que
costumamos encontrar nas pesquisas sobre envelhecimento desenvolvidas nas mais diversas
áreas do conhecimento (SANTOS, 1990; BARROS, 1998; PEIXOTO, 1998; VELOZ E
NASCIMENTO-SCHULZE, 1999). De fato, ao serem questionados sobre envelhecimento,
heterossexuais e homossexuais não se diferenciam de maneira polarizada sobre as idéias e
sentimentos dirigidos ao processo de envelhecer, visto que muitas das representações são
compartilhadas pelos dois grupos.
Contudo, quantitativamente, entre o grupo dos homossexuais, os aspectos negativos
são mais evidenciados que entre os heterossexuais. De acordo com Santos (1994), se a
identidade pessoal se constrói no jogo das relações sociais, uma representação social
predominantemente marcada por aspectos negativos do grupo ao qual o sujeito pertence
poderá fazer eclodir uma visão negativa de si mesmo. Por consequência, pode-se se supor que
uma representação da velhice caracterizada enquanto experiência negativa atinge certas
dimensões da identidade pessoal, tais como: a dimensão valor, a dimensão autonomia e a
dimensão poder.
Em vista disso, no grupo de homossexuais, surgem componentes particulares no
conteúdo da representação do envelhecimento. As mudanças físicas e estéticas e a falta de
disposição para atividades sociais parecem marcar de forma decisiva a maneira de se
envelhecer na condição de homossexual, uma vez que o ‘mundo gay’, apareceria como
56
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ambiente ainda mais inóspito para o envelhecimento, por uma supervalorização da forma
física, da beleza, e do vigor sexual, como podemos constatar na fala de Hipnos, 61 anos,
homossexual:
Mas aí quando você fala em velhice, acho da mulher é difícil, então eu acho
que no homossexual ainda é mais complicado porque você é super
rejeitado, sente assim, você vai em vários lugares, é... Parece que é
invisível, ninguém lhe nota porque o grupo, as pessoas, o segmento
homossexual ele é muito exigente em termos de beleza, de corpo, né, de
culto ao corpo e se na mulher, no homem heterossexual é grande, no
homossexual é maior ainda da vaidade, do corpo em forma, do corpo bem
delineado, daquele vigor juvenil. Então, é... é quase um desabamento a
velhice.
Conforme assinalou Issay (1996 apud MAKI 2005), alguns dos desafios de
desenvolvimento dos gays idosos são similares àqueles que atingem todos os idosos de nossa
sociedade: adaptar-se à deterioração da saúde, perdas, discriminação pela idade e medo de
morrer. Mas também algumas diferenças importantes. Os gays valorizam mais a aparência
física do que os heterossexuais, que frequentemente se abstêm de cuidar de sua aparência
porque isso lhes parece “narcisista”. Contudo, normalmente existe a convicção de que
preocupar-se com a aparência não é masculino, que faz com que vários homens
heterossexuais não prestem a devida atenção a seu corpo. Embora acreditando que a
desvalorização do corpo e da aparência por parte dos heterossexuais seja física e
emocionalmente nociva, esse autor considera que os gays idosos que anteriormente
mantinham uma aparência jovem e atraíam a atenção sexual por isso, e que agora são
incapazes de fazê-lo, podem perder uma importante fonte de fortalecimento de seu amor
próprio.
5.1.2 - Percursos de vida e o curso do envelhecimento (categoria 2)
Essa categoria aparece como uma peculiaridade do grupo de homossexuais
entrevistados. A noção de que o envelhecimento, não obstante todos os fenômenos
naturalizados para esta fase, é o resultado de toda uma trajetória de vida, marca esta
representação. Aqui, a obediência aos valores morais, princípios religiosos e condutas pré-
estabelecidas socialmente são a condição para se viver um envelhecimento em equilíbrio.
Nessa categoria, a influência de doutrinas religiosas é fundamental, sobretudo para
justificar o caráter pecaminoso da homossexualidade e suas consequências na velhice. Ou
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seja, o envelhecimento será bom, equilibrado e sem grandes problemas se o indivíduo, ao
longo de sua vida, foi reto, conforme princípios religiosos e morais da sociedade. Por outro
lado, um envelhecimento desequilibrado, cheio de problemas e doenças, será imposto àquele
que não foi obediente à lei de Deus e à lei dos homens. Nesse contexto, a homossexualidade
surge como causa para um envelhecimento conturbado e indigno, que se configura como
ato que transgride os preceitos divinos e sociais.
A noção de bem e mal, castigo divino e recompensas, se entrelaçam no pano de fundo
que ancora essas idéias sobre homossexualidade e envelhecimento. Nesse contexto, os males
como o HIV e o câncer aparecem como punição no momento da velhice devido aos atos
homossexuais praticados ao longo da vida. Ao mesmo tempo em que são castigados,
encontram nos males que os acometem a possibilidade de resgate para a vida espiritual
maculada pelo pecado da homossexualidade. Assim, o envelhecimento seria o momento de
reparação e consequência direta de tudo que foi praticado durante a vida inteira, ignorando ou
minimizando aspectos biológicos, fisiológicos, emocionais e sociais desse processo:
(...) teimei, insisti no erro e hoje lamento algumas coisas, nesse caso de
não estar naquela condição de paz e tranquilidade que eu poderia estar,
mas não sou um apavorado, graças a Deus e nem me sinto um derrotado
nesses casos, apenas lamento que eu poderia estar melhor se eu não tivesse
errado, se tivesse dominado as minhas emoções.
(Apolo, 67 anos, homossexual)
5.1.3 - Sexualidade no processo de envelhecimento (categoria 3)
Essa categoria traz um pouco das ideias e concepções dos idosos homossexuais sobre
sexualidade e sua vivência no processo de senescência. Para o grupo estudado, a sexualidade
é representada como algo natural, inerente a todos os seres humanos e categorizada como uma
das melhores coisas da vida, fonte de prazer e satisfação. A associação entre envelhecimento e
sexualidade é marcada por uma diminuição da libido, menor investimento em relações
fugazes e diminuição na frequência da prática sexual.
Contudo, entre os participantes desse grupo que relataram estar envolvidos afetiva
e/ou sexualmente com alguém no momento da entrevista, o sexo continua sendo algo que os
motiva e a busca por relacionamentos satisfatórios faz parte da realidade desses homens,
mesmo que ainda com menor frequência que na juventude. Apenas um dos entrevistados
58
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afirmou que o sexo tornou-se bem melhor à medida que foi envelhecendo, em comparação à
juventude:
É melhor, é bem melhor, às vezes até muito furtivo e às vezes muito
ponderado, mas um ponderado bom que não é como na juventude, pelo
menos comigo, era uma coisa muito ligeira, uma coisa, sabe? Acho que o
fogo da juventude, hoje não, é uma coisa mais calma, com mais clareza,
sabendo realmente o que vai fazer, sem certos preconceitos, isso eu não
faço, isso não pode fazer, uma coisa mais aberta, um sexo mais amplo.
(Eros, 65 anos, homossexual)
A sexualidade não aparece como característica que diferencia homens heterossexuais e
homossexuais no processo de envelhecimento. Ambos os grupos relatam a diminuição da
libido e a menor frequência de relações sexuais como características da sexualidade no
processo de envelhecimento. No entanto, o que percebemos através da análise de conteúdo é
que, entre os homossexuais, uma tentativa maior de preservar a prática sexual por mais
tempo e de manter-se atrativo, que apenas nesse grupo surgiram conteúdos referentes ao
uso de remédios e/ou outras saídas que ajudem a manter o vigor sexual. Também, apenas
entre os homossexuais, foi relatada a busca por relações sexuais venais, ou o envolvimento
em relações fugazes, visto que apenas dois dos homossexuais possuem parceiro fixo e,
mesmo assim, um deles afirma que mantém uma relação ‘aberta’ com o companheiro, sendo
permitido entre eles o envolvimento sexual com outras pessoas.
momentos em que os conteúdos do grupo são contraditórios e revelam as tensões
do processo de envelhecimento e a sexualidade, pois enquanto alguns nos dizem que o
envelhecimento para o homossexual o torna ‘uma pessoa inutilizada pra a vida amorosa
(Hermes, 62 anos, homossexual)’. E ainda que:
(...) sendo homossexual muda porque a gente perde aos 60 anos, vai
perdendo o valor sexual por dentro, que não tem mais aquela ansiedade
amorosa, se você gosta de uma pessoa fica aquele amor quase, amor de
anjo como diz a história, eu gosto da pessoa, mas aquele amor pra sexo
não é mais, não vem mais a vontade mais não.
Existem também os relatos de uma vida sexual satisfatória e uma busca pelo prazer
que ganha conotação de corrida contra o tempo. Enquanto o corpo o permite sentir prazer,
deve-se buscá-lo:
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14
(...) hoje eu vou pra cama, eu quero ter prazer e tenho que fazer isso e falo
pra pessoa que estou saindo que estou a 60 anos e por mais que digam que
isso é psicológico, eu acho que o biológico também tem preponderância.
Então, vai chegar um ponto, que eu não sei quantos anos eu ainda vou
viver, espero que sejam muitos, que eu não vou mais sentir prazer! Então,
eu tenho que sentir agora, enquanto eu sentindo, certo? Não, volto a
falar, não é que eu queira uma quantidade, mas eu quero uma freqüência
com qualidade.
Vale salientar ainda que a prática sexual foi, em muitos momentos, definida como algo
além do sexo propriamente dito, onde há ‘penetração e orgasmo, necessariamente nesta
ordem’. A sexualidade que é vivida e explorada de maneira ampla, o prolongamento das
sensações de prazer através do contato e das carícias aparece como forma de satisfação e
sinônimo de exercício pleno da sexualidade:
Bem, porque a relação sexual em si não é aquela em que se atinge o
orgasmo né, só uma sessão de carinhos, de estar perto, de dar uns amassos,
como diz a história, já é uma, vamos dizer assim, um tipo de relação sexual.
Não, porque muita gente acha que sexo é só quando relação completa,
né, penetração, orgasmo, necessariamente nessa ordem, o que não é por
né, só o fato, vamos dizer, de às vezes ele ir lá em casa, ficar lá, a gente dar
uns abraços, dar uns beijos, não, nem tirar a roupa tira, satisfaz,
entendendo? Então, já é um tipo de sexo, vamos assim dizer, né, que não se
atingiu o ... prazer, prazer, claro! Então, isso pra mim né, na minha
idade é uma das formas de me satisfazer. Como falei, não vou dizer a
você, que vou pra cama com ele, quatro, cinco vezes na semana, se eu
disser eu mentindo, né, duas vezes, na minha idade, pra mim, é o ... não
sei se é suficiente a palavra, é o bastante, entendendo? Pra o sexo
propriamente dito.
(Dionísio, 60 anos, homossexual)
A relação entre envelhecimento e sexualidade, nessa pesquisa, revelou também a
necessidade de abordar o novo e crescente fenômeno da soropositividade para o HIV entre
idosos; pois três dos oito homossexuais entrevistados declararam conviver com o vírus, tendo
descoberto sua sorologia entre os 50 e 60 anos de idade. Esse é, então, um fenômeno que
permeia suas vivências e sentimentos frente o envelhecimento e a sexualidade.
Entre os participantes da pesquisa que declararam conviver com o HIV, foi exposto o
impacto social que isso causa em suas vidas. Assim, elas são contadas antes e depois do
diagnóstico. Revelam desde o preconceito e discriminação da família e dos amigos até o medo
da morte e o receio de ser rejeitado sexualmente. O fato de conviverem com o HIV no
momento da senescência faz com que essas pessoas imediatamente associem o
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envelhecimento com a debilidade da saúde física e limitação sexual, uma vez que são
recorrentes consultas a médicos, grande quantidade de medicamentos, cuidados e restrições
reforçados.
O preconceito torna-se o grande vilão da vida dos idosos que convivem com o HIV. O
preconceito pela própria sexualidade soma-se à ignorância e ojeriza dirigida às pessoas que
convivem com o vírus.
(...) a doença em si é ruim, mas a discriminação é pior, pior que ser gay,
muito mais...
(Eros, 65 anos, homossexual)
Apesar de relatos onde o HIV limita e até extingue a vivência da sexualidade, dois dos
três participantes que declararam ser soropositivos, afirmam que o HIV o mais interfere na
vida sexual a ponto de se absterem da prática do sexo. Além disso, nessa esfera da
sexualidade, é denunciada também a negligência na prevenção contra DST’s/HIV/AIDS nas
saunas gays. Pois, em não sendo a prevenção uma preocupação da pessoa que tem ciência de
sua sorologia, muitos dos rapazes que trabalham nessas saunas não fazem ou não exigem o
uso da camisinha. Essa informação denuncia a emergência de campanhas mais maciças e
significativas nesses locais de encontros e práticas sexuais.
Saldanha e Araújo (2006), alertam que, independente do tempo de contágio, lidar com
a AIDS na terceira idade traz consigo contradições e desafios a serem enfrentados, tornando
visível o invisível, como, por exemplo, a sexualidade ou o uso de drogas na velhice, temas
carregados de preconceitos e tabus sociais. No entanto, é preciso se pensar e agir contra a
vulnerabilidade física e psicológica a que são submetidos os idosos e a invisibilidade com que
é tratado o risco dessas pessoas à contaminação pelo HIV. Por muito tempo, a falta de
educação para prevenção dirigida a essa parcela da população fez com que ela tivesse nenhum
ou pouco conhecimento sobre HIV/AIDS e menor consciência de quais medidas devia adotar
para se proteger. Essa realidade precisa mudar, a começar pelo estigma de que o idoso não
tem relações sexuais e não adota outros comportamentos que os deixa em situação de
vulnerabilidade.
Olivi et allii (2008) aponta que os profissionais de saúde têm dificuldade em
considerar a vida sexual do idoso como realidade, não incorporando-a na agenda de trabalho e
não discutindo sobre medidas preventivas às DST/AIDS destinadas a essa população. O que
se observa é que a assistência à população com 50 anos e mais é voltada, muitas vezes, apenas
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para a livre demanda com queixas estabelecidas. É necessário que os programas de
prevenção às DST/AIDS produzam material audiovisual para a população com 50 anos e mais
de idade, reforçando a urgência da promoção à saúde, enfocando também sua sexualidade.
É importante salientar que a atenção ao idoso que convive com HIV/AIDS, muito
além de alertar para o reconhecimento de sua sexualidade, de seus corpos dotados de
erotismo, prazer e afeto, devem também ser lembrados como indivíduos que trazem a
peculiaridade de viverem anos a fio com o vírus ou mesmo que trazem a experiência de serem
infectados no período do envelhecer. Esses indivíduos demandam cuidados médicos,
assistenciais e psicológicos que correspondam a todas as peculiaridades de uma existência
marcada pelos sinais dos anos e pelo emblema da soropositividade.
5.1.4 - Envelhecimento e Homossexualidade (categoria 4)
Revela algumas questões inerentes ao envelhecimento dos homossexuais
entrevistados. Essas questões vão desde a maneira de se relacionar sexualmente até o
preconceito e estigmatização social sofrida por esses homens.
Uma das características mais recorrentes nas falas dos participantes foi a existência do
fenômeno do “caso-folha”, ou seja, foi unânime o relato de relações sexuais permeadas pela
negociação financeira, como se existisse uma regra implícita nesse universo, entre aquele que
sai com homossexual e aquele que procura um parceiro. Muitas vezes, o pagamento ou a
‘troca de favores’ se de maneira implícita na relação: aquele que cobra se vale de
argumentos sobre dificuldades financeiras para pedir dinheiro em troca do ato sexual. Esse
tipo de relação já é naturalizada no “universo homossexual”. Vejamos alguns trechos:
(...) todos os garotos pedem né, todos, é sem exceção, nenhum, nenhum,
eu acho, aí eu falo, nenhum, nenhum sai com o gay, seja que idade for, se é
novo se é idoso, não, nenhum sai sem, se não for pra receber algo em troca,
é sempre assim, isso independe de idade, todos, todos, todos, aliás, só sai se
pagar, essa que é a verdade (...) E isso não me incomoda, porque se a coisa
está enraizada, não tem como fugir, né, então você esquece até que,
como vou dizer? Uma exploração entre aspas, ou que não deveria ser
assim, sair por sair, então não me afeta não. Já é implícita na relação.
(Dionísio, 60 anos, homossexual).
Existe sempre essa história do... tornou-se uma febre, uma coisa, todo
mundo transa por dinheiro, entendeu? A maioria desses molequinhos é por
dinheiro, até provoca a transa, você acha que interessado, não é,
provoca a transa. (Hefesto, 60 anos, homossexual)
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14
Outra característica marcante no grupo de homossexuais entrevistados é a
predominância de interesse por pessoas bem mais jovens na hora de se envolver afetiva e/ou
sexualmente. Esse tipo de relação indícios de uma forma elaborada para negar o próprio
envelhecimento e buscar, na complementaridade do outro, a beleza e o vigor físico em
baixa. O que nos chama a atenção, nesse caso, é que, embora adotem inicialmente um
discurso de envelhecimento como algo natural, sem demarcar suas características negativas e
critiquem a rejeição sofrida dentro do próprio segmento homossexual, esses homossexuais
idosos também rejeitam a própria figura, ao se recusarem a ter envolvimentos com pessoas da
mesma faixa etária:
(...) nunca morei com ninguém, tive vários casos, três, quatro anos, nunca
passou disso não, nunca tive casos de dez, quinze anos e sempre com
jovens, sempre com pessoas mais jovens, mesmo quando era jovem, era
com mais jovem e quando eu amadureci, até agora mesmo, sempre com
jovens.
(Dionísio, 60 anos, homossexual)
(...) gosto de pessoas jovens, eu não quero namorar ninguém da minha
idade nem em sonho! O meu namorado ele tem 30 anos (...) E o jovem, é...
O jovem é belo né, é disposto, é belo (...) Então, eu tenho a experiência, eu
tenho o traquejo, eu tenho o manuseado e a pessoa tem o corpo, entendeu?
(Hefesto, 60 anos, homossexual)
Sobre essa questão, Maki (2005), em seu estudo com homossexuais, constatou que o
gay idoso, algumas vezes, busca freneticamente esse companheiro em vista de sua realidade
de perdas. Mas são buscas pelo bem-estar que os fortaleça física e emocionalmente, como se
assim perpetuassem a vida. Ao mesmo tempo, podem trazer mais saúde e felicidade a esse
companheiro mais jovem, pois carregam consigo vivências e demonstrações de longevidade e
amor.
Em relação ao preconceito sofrido pelos homossexuais no processo de
envelhecimento, é relevante sublinharmos que a vitimização sofrida por essas pessoas em
consequência da idade se revelou muito mais ferrenha e opressora no interior do próprio
segmento homossexual. A discriminação sentida nesse segmento fundamenta-se, segundo
relato dos entrevistados, na exigência de beleza, vigor e atrativos físicos presentes nesse
universo, sendo incompatíveis com aquilo que as “bichas velhas” teriam a oferecer:
(...) eu não sou muito chegado à boate não, até porque em boate
acontece muito, pelo menos aqui, eu não sei fora daqui, os próprios
homossexuais jovens... jovens, é, discriminam os idosos, se, tenho certeza
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absoluta que se, vamos supor assim, um grupo de idosos, de homossexuais
idosos, for a uma boate, como tem aquela na rua Uruguai ali, né, e entrar
são olhados acho como E.T.’s, sabe? Usam até linguagem chula né, essas
bichas velhas aqui, como se aquele lugar fosse só pra eles.
(Dionísio, 60 anos, homossexual)
Diante desse panorama, podemos compreender porque entre os homossexuais o
envelhecimento é caracterizado muito mais por aspectos negativos e são tantas as formas de
tentar retardar ou negar esse processo natural.
Porque ele é sempre alegre por vida, ele não tem isso não, de colher
velhice, chamar ele de velho é até, ele fica enraivado muitos deles né. Eles
têm preconceito contra idade, o tempo todinho, eles não se dão como velho
não, que vem aquela psicose que, ah, um viado velho, aí tem já, aqueles que
não aceita a velhice não. Geralmente do homessexual pra o heterossexual é
diferente, mas gera mais questão de psicológico, ele, acha que é uma
pessoa inválida pra tudo, eles que têm aquele estado psicológico dele, 90%
deles né, poucos salvam, sim e o velho, o, a, o, a história da velhice pro
hetero e o homessexual é que o homessexual ele não aceita a velhice de
jeito nenhum.
(Hermes, 62 anos, homossexual)
(...) apesar de haver muita discriminação, porque é velho, você velho,
mas isso não me incomoda porque na realidade eu tenho 65 anos. Aí, sente
discriminação né, principalmente no mundo gay, quem é um pouquinho
mais velho, é bicha velha, entendeu? Teve um pouquinho de mais idade...
(Eros, 65 anos, homossexual)
Então é muito frustrante, muito decepcionante a gente conviver, porque já é
um... não existe devido às exigências da beleza física, da beleza é... é...
facial... e uma série de outras, então você é muito discriminado, muito
menosprezado, aí fica difícil, não há uma aceitação no homossexual de... de
idoso, é muito rejeitado (...) Mas a velhice realmente abate muito o
homossexual, eu acho que atinge mais do que as mulheres e os homens, os
homens não sei, mas eu tenho a impressão que sim...
(Hipnos, 61 anos, homossexual)
Outro aspecto que surgiu dentre as entrevistas nesse grupo foi o medo da solidão na
velhice, muito embora haja o reconhecimento de que ter uma família constituída numa base
heteronormativa não é garantia de amparo e cuidados na velhice; o fato de não tê-la devido à
vivência da homossexualidade torna-se um fator de certa preocupação com o futuro. Uma das
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14
formas de suprir essa possível carência de cuidados e afeto é buscar uma base financeira
sólida que possa subsidiar toda e qualquer necessidade material na velhice.
Eu acho que é o seguinte, a... a solidão, solidão não no sentido de assim, da
tristeza, mas assim, o homossexual ele não tem alguém,não tem filhos pra
cuidar, entendeu? Ou é a família, irmão, parente, não sei o quê, ou tá só na
vida, entendeu? Hoje é diferente né, você envelhecer como homossexual,
hoje é tudo diferente, mas eu tento criar uma estrutura na minha vida, pra o
futuro, porque existe essa particularidade, quando você casa e tem filhos,
na velhice você tem quem cuide de você ou pelo menos deveria tê-lo, não
necessariamente, mas é uma tendência natural e o homossexual não tem, no
máximo vai ter um companheiro, olhe lá, olhe lá. é o que eu faço a
diferença entre o hetero e o homo, a questão de ter construído essa família
e que a gente não pode construir, que até pra adotar, pra tudo, é muito
complicado né, muito complicado!
(Hefesto, 60 anos, homossexual)
Nesse universo, é nítida também a preocupação e a necessidade entre os homossexuais
de se auto-afirmarem e defenderem uma identidade homossexual que foge a estereótipos
sociais. Ao lado dessa busca por uma identidade homossexual, surgem tentativas de explicar a
orientação sexual e justificar socialmente o caráter involuntário e natural da
homossexualidade. As explicações vão desde as crenças religiosas e espirituais até os
argumentos genéticos.
(...) o problema do homossexualismo ou do lesbianismo é um problema
vamos dizer assim, de alguns tempos, o espírito carrega essas
imperfeições de alguns tempos, de outras vidas. Logicamente ele encarna
num corpo e então depois com cinco ou seis anos ele vai demonstrando
as suas tendências...
(Apolo, 67 anos, homossexual)
O homessexual (sic) não é doença, o homessexual (sic) é uma intimidade
da própria natureza, não tem esse negócio de homessexual (sic) é... é
doença, isso é mentira, isso vem do gene da própria criança que
nasce, você olha assim uma criancinha, a gente o estilo daquela
criancinha, aí a gente ver que o futuro dela é não gostar de mulher.
(Hermes, 62 anos, homossexual)
O preconceito e a discriminação familiar são outro fator que circunda a vivência dos
idosos homossexuais. A não-aceitação ou o não-entendimento da homossexualidade por parte
dos parentes acaba gerando um quadro de exclusão e abandono dessas pessoas ao longo da
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vida, exacerbando-se no momento em que se aproxima a velhice. É importante salientar que
os participantes da pesquisa são homens a partir de 60 anos de idade, o que nos leva a pensar
que a época em que esses homens assumiram sua homossexualidade diante da família e de
todo um contexto social, o próprio cenário político do país, dominado pela ditadura militar,
tornou isso mais difícil. Grandes abalos familiares, vergonha social e renegação fizeram parte
do processo de “assumir-se” na vida dessas pessoas. Muitos desses laços foram desfeitos para
nunca mais:
(...) eu comecei a sentir discriminação pelo menos de duas irmãs em casa
que ainda hoje me discrimina apenas uma que me aceitou e meu pai
quando realmente sentiu tudo isso que era eminente o meu caso, ele
praticamente me abandonou, não falava comigo, ele praticamente me
desprezou, minha mãe ainda foi mais maleável, mas tinha uma certa
indiferença, né.
(Apolo, 67 anos, homossexual)
(...) na minha época a gente tomou tiro, papai queria me matar e cortou
toda mesada, eu sofri bastante, a pressão da família e era uma vergonha, o
primeiro gay na família, uma família nobre de pai, sabe?
(Eros, 65 anos, homossexual)
(...) a minha juventude foi muito assim, oprimida, reprimida, recalcada, na
minha época quando resolvi sair de casa e assumir uma relação
homossexual, foi barra, minha mãe na época dizia, eu prefiro ter um filho
ladrão, maconheiro do que um frango!
(Hipnos, 61 anos, homossexual)
Além desses fatores, essa categoria é ainda formada pelas ideias que associam a
homossexualidade à marginalidade; mesmo entre os homossexuais, ou ideias que a
assemelham a algo ruim, indesejado, um mal. E, nesse viés, entra o preconceito da Igreja
Católica contra homossexuais, denunciado por um dos informantes ao relatar que foi
convidado a se retirar das atividades que exercia na igreja, ao revelar sua homossexualidade.
Essa questão denuncia ainda outra polêmica, que ora corrobora as ideias equivocadas da
homossexualidade como resultado de um trauma, ou tentativa de abuso sexual na infância, ora
reforça a existência da hipocrisia e da dominação política e moral exercida pela Igreja
Católica no meio social. Vejamos alguns trechos:
(...) porque toda família é o gene da história, toda família tem um gay, no
mínimo, se você procurar na linha, toda família tem um ladrão, um viado,
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uma puta, sabe? Isso faz parte do QG da vida, ninguém tem família limpa,
toda família tem um lado negro na história.
(Hermes, 62 anos, homossexual)
É pra quem acredita, essas coisas da igreja são absurdas, onde é que existe
o maior índice de homossexualismo? Dentro da Igreja Católica, n padres,
né, n padres! Inclusive, eu fui vítima de um aos 11 anos de idade, entendeu?
Poucas pessoas sabem, hoje eu abro mais, porque a princípio foi meio
traumático pra mim, eu com 11 anos de idade (...) o sabia nada da vida
eu fui vítima de um Irmão Marista.
(Hefesto, 60 anos, homossexual)
5.1.5 - A negativa do envelhecimento (categoria 5)
Os discursos reunidos nessa categoria retratam tanto as posturas de quem critica as
tentativas desenfreadas de conter o avanço da idade, como os apelos à medicina estética ou
aos símbolos sociais de juventude. A indefinição e a não identificação com o envelhecimento
aparecem como recursos marcantes de negação do envelhecimento entre o grupo de
homossexuais entrevistado.
Entre as críticas dirigidas à negação do envelhecimento, estão as que condenam o
envelhecimento mascarado, que camufla a realidade e força os indivíduos a se enquadrarem
em padrões de envelhecimento que buscam vender uma imagem do ‘novo velho’, que deve
ser bem disposto, saudável, bonito, vaidoso e sem quaisquer problemas decorrentes da idade;
a crítica atinge, sobretudo, os grupos de convivência de idosos que quando não atuam no
extremo citado, infantilizam os idosos com atividades que os distraem e tiram a
responsabilidade da convivência e do compromisso integral da família. Sobre esse último
tópico, Moreira e Nogueira (2008) afirmam que as instituições de assistência à população
idosa oferecem atividades que podem preencher o tempo ocioso de sua clientela. Tais
atividades, com o escopo de fazê-los participantes e integrados à vida social, muitas vezes são
elementos de acirramento da marginalização. É o caso de atividades que infantilizam e/ou
ridicularizam os idosos.
Esses são alguns dos sentidos apreendidos em algumas falas de crítica:
(...) eu acho outra coisa ridícula dessa, desse modernismo, a terceira idade,
nós só temos uma, nós só fazemos aumentá-la, a idade é tanto, para o ano é
mais tanto, é uma idade. A terceira idade esse negócio de atenuar,
abrandar a verdade, eu acho isso ridículo. Deve-se tingir o cabelo, que
coisa mais patética! Um homem broco, trôpego, com o cabelo pintado, que
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tem que pintar todo dia, aquelas velhinhas, coitadas, maquiadas demais,
indignas!
(Febo, 60 anos, homossexual)
Eu não quero envelhecer mais com esse negócio de terceira idade, do
clube, os velhos ali dançando, aquela coisa, eu acho aquilo tenebroso, mas
aquela é uma forma pra eles que o mundo é assim mesmo
(Febo, 60 anos, homossexual)
Em contrapartida, a dificuldade em definir o envelhecimento e a não identificação com
esse processo indicam uma forma de negar esse envelhecimento. Além disso, a maneira de se
recorrer a tratamentos estéticos para retardar os efeitos do tempo é um traço marcante na
maneira de se negar o envelhecer entre os homossexuais da pesquisa, assim como o
envelhecimento para eles é mais fortemente sentido e marcado no corpo, é no corpo que eles
tentam negá-lo:
Olhe, na verdade eu não, não, não sinto muito não viu, é... é uma coisa
muito natural, não sofri nenhum problema, eu nunca... eu nem percebi, de
repente a idade chega e a gente nem percebe, eu sou muito jovem, tenho um
pensamento muito jovem e convivo com muitas gerações e não tenho
problema não.
(Crono, 60 anos, homossexual)
(...) apesar que eu sou muito vaidoso e tento retardar o máximo, eu pinto o
cabelo porque gosto de pintar o cabelo, não gosto de cabelo branco, pode
ser que seja moda, que seja isso, seja aquilo, eu não gosto, amanhã já vou
pintar novamente que caindo a tinta (...) vou à dermatologista por
várias razões (...) também por vaidade, a última consulta que eu fiz, eu
disse, Drª. eu queria um creme pra melhorar a elasticidade da pele e
retardar o avanço das rugas.
(Hipnos, 61 anos, homossexual)
Em Debert (1997), encontramos respaldo teórico para o comportamento desenvolvido
tão fortemente pelo grupo homossexual em relação à negação do envelhecimento no reparo
com o corpo. Segundo a autora, a disciplina e o hedonismo combinam-se na medida em que
as qualidades do corpo são tidas como plásticas e os indivíduos são convencidos a assumir a
responsabilidade pela sua própria aparência. A publicidade, os manuais de autoajuda e as
receitas dos especialistas em saúde estão empenhados em mostrar que as imperfeições do
corpo não são naturais nem imutáveis, e que, com esforço e trabalho corporal disciplinado,
pode-se conquistar a aparência desejada. Dessa forma, a recompensa pelo corpo ascético não
é a salvação espiritual, mas a aparência embelezada, um eu mais disputado. Nesse novo
ideário, a subjugação do corpo através das rotinas de manutenção corporal é a pré-condição
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para a conquista de uma aparência mais aceitável, para a liberação da capacidade expressiva
do corpo. As rugas ou a flacidez transformam-se em indícios de lassitude moral e devem ser
tratadas com a ajuda dos cosméticos, da ginástica, das vitaminas, da indústria do
rejuvenescimento.
A noção de que o corpo envelhece e o espírito resiste legitima a visão do
envelhecimento marcado por determinadas dificuldades e limitações eminentemente de ordem
física, mas que se opõem a um espírito jovem, um espírito forte e cheio de vigor que
caracterizam pessoas jovens. Essa categoria, aliás, retrata bem a utopia alardeada nas
sociedades contemporâneas; é a ideia do ‘espírito jovem’ que responsabiliza o sujeito pelo seu
envelhecimento e possível afastamento social, ou seja, só é velho quem quer, pois tudo
depende de se ter e cultivar um ‘espírito jovem’.
Onde eu volto a história, vai começando o cansaço, né, e já é um sinal, não
é isso? E, mental não, até agora está assim a mil, sabe? Não sei se porque
eu tive, ensinei adolescentes, que eu ensinava o segundo grau, a
minha convivência foi com adolescentes, então isso enriquece muito,
né?. Então eu não sei ficar sentado em rodas de pessoas iguais a mim,
sabe? Iguais na idade, quero dizer. Também não tive experiência ainda,
essa é que é a verdade, é... eu tô rodeada de pessoas mais jovens do que eu,
tá entendendo?
(Dionísio, 60 anos, homossexual)
Sobre esse embotamento das formas distintas e possíveis de se envelhecer, Barros
(2006), considera que:
Construiu-se um conjunto de saberes, de técnicas de intervenção e uma
nova sensibilidade em relação à velhice, que a apresentam como um
problema social e, simultaneamente, indicam uma alternativa positiva de se
viver esta fase da vida. A juventude é eleita como modelo a ser seguido, e
não é mais compreendida como um momento da vida, mas como um modo
específico de representação de si, um modelo de comportamento e de
expressão das emoções. A juventude, positivada neste modelo, apresenta-se
como um contraste à velhice e como um padrão de vida que deve ser
estendido a todas as faixas etárias. A velhice estigmatizada, por outro lado,
não desaparece de nossa realidade. Ela é colocada, apenas, em outro lugar e
adiada para outro tempo da vida de cada um de nós.
(BARROS, 2006, p. 17)
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5.2Análise de conteúdo das entrevistas realizadas com o grupo heterossexual
A tabela abaixo apresenta a organização das categorias formadas a partir da análise de
conteúdo das entrevistas com os idosos heterossexuais. A análise resultou na formação de três
grandes categorias, que por sua vez, foram o resultado da compilação de subcategorias
elaboradas através das unidades de significado do corpus de entrevistas que possuem relação
de sentido entre si.
Tabela 4 – Categorização das entrevistas do grupo heterossexual
Subcategorias Categorias
*Características positivas do processo de
envelhecimento
*Características negativas do processo
de envelhecimento
*Sentimentos frente ao processo de
envelhecimento
*Concepções de envelhecimento
1 – Revelando as faces do
envelhecimento
*Sexualidade no processo de
envelhecimento
2 – Sexualidade no processo de
envelhecimento
* A negativa do envelhecimento
3 – A negativa do envelhecimento
5.2.1 - Revelando as faces do envelhecimento (categoria 1)
Assim como no grupo de homossexuais, essa mesma categoria traz as nuanças do
processo de envelhecimento entre os idosos heterossexuais participantes da pesquisa. Desde
os sentimentos frente ao envelhecimento até as mudanças decorrentes desse processo, as
representações transitam entre a satisfação de desfrutar as vantagens dos anos vividos até a
constatação de uma carga de declínios que vem com o tempo.
O comodismo e a solidão aparecem como características dessa fase, o que denuncia o
significado, ou a falta deste, atribuído pelas famílias e círculos sociais aos idosos. A fala de
Tote, 78 anos, heterossexual, expressa bem isso:
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Olha, eu sou tão comodista! Eu sou tão comodista, normalmente quando
muitas e muitas vezes a pessoa chega aqui, eu estou em casa sozinho (...)
Quantas e quantas vezes eu estou aqui sozinho eu vou pra li pra porta
pra ver se passa uma pessoa pra eu pelo menos falar, pra ver se ainda
tenho voz.
A diminuição ou a perda do fator produtivo surge como um componente de extrema
importância do contexto do envelhecimento. Por diversas vezes, em diferentes entrevistas, o
trabalho aparece entre os principais indicadores de mudanças para se perceber envelhecendo.
Contudo, mesmo depois de afastados de suas funções formais com a aposentadoria, a maioria
dos idosos entrevistados relata o desejo e mesmo a necessidade de continuar trabalhando para
o autosustento e da família ou mesmo para continuarem a se sentir úteis. As atividades
assumidas dentro de casa ocupam esse papel de conferir atividade, ocupação e utilidade aos
idosos:
(...) dentro de casa eu sou pedreiro, eu sou sapateiro, eletricista, não só
porque como aposentado não posso pagando tudo, mas porque eu gosto
sempre de tá fazendo alguma coisa, tando com a mente...
(Tote, 78 anos, heterossexual)
(...) ruim é o cara parado, sem fazer nada é ruim, parado sem fazendo
nada é (...) Então, é uma coisa normal, só a coisa do trabalho mermo que a
gente fica preocupado como vai.
(Hórus, 66 anos, heterossexual)
É tanta coisa que me revolta, de não poder fazer muita coisa que eu
gostava, hoje nós pobres, nós pobres pouco pode fazer as coisas, não pode
fazer tudo, eu bulo em encanação, eu bulo em elétrica, algumas coisas,
reboco de parede, minha revolta mais é essa de não poder fazer as coisas
que eu fazia antes. Eu reino, mesmo assim ainda forço e faço, o meu
problema é isso, também por isso, mas é a vida né. Mas, revolta porque a
gente quer fazer as coisas e não pode mais e outras coisas mais.
(Rá, 69 anos, heterossexual)
Veloz et allii (1999) consideram que a idade em que uma pessoa pode ser considerada
idosa ou estando na velhice é representada como uma etapa da vida onde se perde o ritmo de
trabalho. Em pesquisa realizada com pessoas entre 52 e 92 anos de idade sobre as
representações sociais da velhice, do idoso e do envelhecimento enquanto processo, a noção
de trabalho aparece como a mais importante na organização desse segundo tipo de
representação social. O trabalho aparece como aquilo que foi uma das principais habilidades
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que, pela diminuição das capacidades físicas, pela conseqüente lentidão na execução das
atividades diárias, coloca o idoso num segundo plano quanto à vida social.
As mudanças na rotina da vida social também são citadas em associação ao processo
de envelhecimento. A falta de ânimo, motivação ou mesmo dificuldades de ordem física ou
financeira impedem uma maior interação social do idoso. A iminência da morte também
aparece associada ao envelhecer e com ela a preocupação com a manutenção da família.
Vejamos alguns trechos que traduzem esses contextos.
Minha vivência é normal, todo dia eu levanto tranqüilo, sem problema
nenhum, faço os meus deveres dentro de casa, fico mais em casa, mas às
vezes eu saio, vou assim na casa de um colega meu, na casa da minha irmã,
minha distração mais é no grupo que eu freqüento porque a pessoa ficar em
casa deitado e assistindo televisão a mesma coisa o tempo todo, é
melhor o camarada procurar um lugar pra não viver mais em casa, porque
é uma distração, tem uma sinucazinha que eu gosto, um baralho, tem as
minhas colegas que eu brinco, converso e pra viver mais, né?
(Rá, 69 anos, heterossexual)
Eu vou andar, bem cedinho, vou andar... De tarde vou pra padaria, vou ali
onde tem uns amigo, vou bater um papozinho... Todo dia, às vezes, gosto de
uma novelazinha, vou assistir né, se não fosse isso eu penso que era pior
né, se não fosse uma distração era pior.
(Ptah, 82 anos, heterossexual)
E a parte negativa pra mim é você pensar que mais perto de ir embora
né, o natural é que eu primeiro né, fico pensando como vai ficar a
família, a minha velha, se eu for primeiro né...
(Geb, 65 anos, heterossexual)
As questões de saúde também são lembradas no grupo heterossexual. Maior número
de afecções orgânicas e as dificuldades impostas ao ser que envelhece tornam esse período
um momento com muitas características negativas. Entretanto, ao mesmo tempo em que essas
características negativas surgem no conteúdo das entrevistas, paralelamente são encaradas
com naturalidade e certo conformismo, pois são tidas como consequências naturais da idade.
Sentem que devem gratidão a Deus pela vida longa que atingiram. Esses idosos não se sentem
no direito ou com motivos para reclamar ou blasfemar contra esses fatores naturais do
envelhecimento:
Mas também sofre disso quem viveu verdade? Se Deus deixou eu
chegar até aqui tem que ser assim mermo, melhor ficar véio do que nem a
gente vê por aí, os moço tudo se acabando, matando, morrendo, é... é... com
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esse negócio de droga. Tudo é mais difícil no véio, mas eu vivendo bem,
graças a Deus.
(Ptah, 82 anos, heterossexual)
Desvantagem é essas parte de... de... no caso da velhice, a gente sente
dor num canto e pra um canto vai pra outro, mas a gente vai vivendo e
vai achando bom, eu espero em Deus de viver uma velhice tranqüila,
segundo as doença não atacar que é o que mais ataca por a fora, se
atacar, paciência, aí morre e o povo enterra!
(Anúbis, 60 anos, heterossexual)
O envelhecimento entre os idosos heterossexuais, embora ressaltadas as perdas e
dificuldades atribuídas a esse processo, é representado de maneira menos pejorativa do que o
foi entre os homossexuais. A naturalidade e o conformismo tornam o envelhecimento uma
experiência menos marcada pela negatividade para o grupo heterossexual entrevistado. Essa
característica é pautada pela crença religiosa de gratidão a Deus pela vida concedida e todas
as outras benfeitorias proporcionadas ao longo da vida.
O tratamento social dispensado ao idoso também surge nesse grupo ao revelar o
quanto os idosos se sentem alijados do convívio social e buscam a garantia de seus direitos. A
maneira como são tratados por motoristas de ônibus é um exemplo clássico de como os idosos
são desdenhados e ultrajados socialmente:
Agora assim, no tratamento né, umas pessoas tem a maior satisfação de
atender a gente, outros é mal, é a merma coisa, você vai pegar um
ônibus tem motorista que a gente dá com a mão, ele não para, acha que é o
dono do mundo, pensa que não vai ficar velho, nem tem pai nem mãe e é
isso mermo, só isso. O tratamento devia ser igual aos cabra novo, as
mulheres nova, porque o motorista não quer parar fora do ponto de ônibus,
mas quando vê uma menina nova, que é conhecida dele, ele para em
qualquer lugar, aí é desse jeito.
(Hórus, 66 anos, heterossexual)
O mau atendimento e o tratamento desrespeitoso nos serviços públicos e no contato
diário com pessoas mais novas revoltam e indignam os idosos, que através de suas falas nas
entrevistas reivindicam respeito e valorização social.
(...) a sociedade precisa aprender a tratar os seus velhos, porque uma
sociedade que não valoriza quem trabalhou uma vida inteira, quem educou
os homens e mulheres desse país, uma sociedade dessa não vai pra frente e
ninguém pode esquecer que se passar da juventude não vai escapar à
velhice, só isso.
(Geb, 65 anos, heterossexual)
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Outra vertente desse tratamento inadequado para com o idoso é a infantilização
dirigida a essas pessoas. Muitas vezes o sinônimo de tratar bem é deturpado com a maneira
infantil de se dirigir e cuidar da pessoa idosa e esse comportamento acaba sendo também
incorporado pelo próprio idoso como forma de se colocar no mundo:
(...) tava ficando velho né, porque quando o camarada vai chegando
numa idade, vai ficando velho, quando chega o dia, todo dia eu digo o
pessoal, todo dia eu ficando mais velho, vou voltando o tempo de
criança, tô voltando o tempo de criança.
(Hórus, 66 anos, heterossexual)
Outro dia eu tava na caixa econômica chegou um velhinho bem mais
velho do que eu, disse: “onde é a fila das crianças?”
(Hórus, 66 anos, heterossexual)
5.2.2 - Sexualidade no processo de envelhecimento (categoria 2)
Traz as concepções de sexualidade para os idosos heterossexuais entrevistados e a
vivência dessa sexualidade nesse momento de envelhecimento. A sexualidade é conceituada
como uma das coisas mais importantes na vida do ser humano, base da humanidade e fonte de
satisfação.
Sexualidade? Ah, sexualidade também não é uma coisa natural? É a maior
expressão da natureza humana, sempre existiu e disso depende a nossa
existência, não é isso? Sexualidade pra mim é natural e necessário, é a
nossa maior fonte de satisfação, é onde o homem e a mulher se completam
né, se não fosse o sexo a humanidade não existiria.
(Geb, 65 anos, heterossexual)
Além disso, assim como no grupo homossexual, o envelhecimento é associado a uma
diminuição da libido e do vigor sexual, muito embora esse fenômeno apareça relatado aqui de
forma mais amena, como uma consequência natural e que encontra uma acomodação positiva
na vivência do envelhecimento. O modelo heterossexual de relacionamento parece oferecer
uma condição mais confortável para as mudanças da sexualidade no decorrer da vida; o fato
de ter a esposa dispensa a necessidade da busca de outras pessoas para o sexo, mesmo em
relações venais. A isso se soma o fato de poderem expressar sua sexualidade e suas limitações
sem cobranças por um desempenho melhor, visto que o declínio sexual é acompanhado pelo
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casal e o homem não precisaria mais de afirmações sexuais de sua masculinidade. Outro fator
comum aos dois grupos pesquisados é a amplitude com que o sexo é descrito, enfatizando
outras formas descobertas de sentir prazer e sentirem-se satisfeitos, além do sexo
eminentemente com vistas a atingir um orgasmo através de uma penetração:
Mas a sexualidade é uma coisa normal e saudável e ela também
acompanha a fase da vida né, não vou eu com 65 anos de idade querer
competir com um rapaz de 20, 25 anos de idade que eu sei que eu não
repondo mais da mesma forma, mas isso também é natural (...) Ah, hoje
praticamente assim é uma coisa esporádica, porque como eu disse a
necessidade vai diminuindo, a importância dessas coisas , então se eu
disser que é todo dia, que é toda semana que eu disposto a ter uma
relação sexual, eu mentindo, agora é claro que o desejo ele sempre
existe, sempre existe coisas que lhe chamam a atenção, que você fica
imaginando, mas é uma coisa que é saciada de outras formas, às vezes
de pensar, olhar alguma coisa assim, mas não no desejo de querer ter
relação o tempo todo como é na juventude e o ritmo da mulher também vai
acompanhando, né? Então, hoje, assim, até existe alguma relação, mas é de
vez em quando, mas isso é sem problema, sem crise, enquanto ainda
vontade e tem condições de fazer a gente faz, mas eu sei que vai chegar o
dia que nem assim de vez em quando vai ter mais, porque como eu falei no
começo, a máquina se gasta e a gente tem que ir aceitando as limitações da
idade e eu fico muito tranqüilo porque eu sei que pra minha esposa ela
também pensa assim e a nossa relação hoje é sólida, não depende de sexo
somente, é isso.
(Geb, 65 anos, heterossexual)
A intensidade versus a qualidade de práticas sexuais aparece também no grupo
heterossexual. É enfatizada a qualidade das relações em detrimento da intensidade e
freqüência praticadas durante a juventude.
Mas eu passei a ter uma sexualidade dentro da minha idade e hoje eu tenho
qualidade sexual, não tenho a intensidade da minha época jovem, na minha
época jovem tinha muita intensidade, mas não tinha qualidade...
(Shu, 62 anos, heterossexual)
Outra questão que aparece relacionada ao binômio envelhecimento-sexualidade é o
acometimento de doenças da próstata. Afecções desse tipo são muito comuns em homens
idosos e em muitos casos a necessidade de uma cirurgia para retirada total gera casos de
impotência. Isso faz com que a sexualidade no processo de envelhecimento seja
imediatamente relacionada à falta dela, o que nos parece, nesses casos, haver maior
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negatividade do que entre os homens que relatam uma diminuição ou abandono da vida
sexual por questões da ordem afetiva ou de disposição. Portanto, a impressão que nos fica é
que deixar de ter relações sexuais porque o casal entrou num estado de maior acomodação
sexual ou porque as condições de mobilidade, flexibilidade ou outras questões orgânicas
não permitem, são encaradas como naturais; enquanto que, se o fim do sexo for motivado ou
acelerado em conseqüência de doenças da próstata, existem aí sentimentos de revolta e
tristeza associados, ou seja, é mais que deixar de relacionar-se sexualmente, é ver a
masculinidade ameaçada.
(...) eu sinto desgosto também porque eu sempre gostei muito do sexo, hoje
eu não faço mais e aí depois de uma operação que eu fiz da próstata eu não
faço mais, perdi a sexualidade, é outra coisa que me muita saudade,
desculpa eu tá dizendo, mas...
(Rá, 69 anos, heterossexual)
Nesse grupo, não aparecem falas que sugiram a busca por remédios ou quaisquer
outros tipos de estimulantes sexuais. Talvez o fato de o declínio sexual ser atribuído com
naturalidade à idade produza uma acomodação e um conformismo em se viver essa nova
condição. O que aparece são relatos em contrário a essa prática:
(...) quando a gente chega na idade, não é aquilo que era antes né, que tem
aquele grande fracasso na realidade , não vai dizer que é que nem a
gente com 50, 60 anos é que nem o jovem de 15, 20 anos, com o fracasso
sempre fica mais difícil a coisa, tanto a parte da gente como a parte da
esposa também, aquela coisa toda, mas as duas parte né, diminui nos dois
(...) Eu acho completamente erradíssimo essa história de remédio
entendendo? Eu acho completamente erradíssimo porque aquilo que tem
que ser, será, a gente tem que se conformar com aquilo que foi,
entendeu? Então, não adianta a pessoa querer ficar fazendo isso e aquilo
outro, sendo um negócio negativo, sem ser um negócio pela vontade de
Deus, tá entendendo? Aí não adianta essas coisa.
(Anúbis, 60 anos, heterossexual)
5.2.3 - A negativa do envelhecimento (categoria 3)
Reflete as críticas feitas às tentativas de retardar ou disfarçar os efeitos do tempo,
assim como revela as atitudes e pensamentos daqueles que tentam driblar a idade, seja no
combate aos sinais corporais ou mesmo na identidade jovial assumida ao longo da vida:
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‘(...) agora quem vive brigando com o tempo aí deve enfrentar muita
dificuldade, porque tem gente que não aceita, que quer retardar, quer
disfarçar, isso é antinatural, eu acho que tem todo mundo tem que se cuidar
sim, mas pra ter qualidade de vida, não pra cair nessa obsessão de ficar
jovem eternamente. É isso aí, cada coisa no seu tempo né?
(Geb, 65 anos, heterossexual)
Envelhecer pra mim, pelo fato de eu ser professor, é... (...) hoje eu sou um
amigo íntimo de Deus e pelo fato de eu ser um amigo íntimo de Deus, pra
mim não existe envelhecimento (...) e pelo fato também de ter sido professor
durante 36 anos e seis meses e ter trabalhado somente com jovem na faixa
de dez a dezoito anos (...) então eu sempre mantive aquele espírito jovem e
por conta disso eu me identifico com um espírito jovem e me identifico
muito bem com uma pessoa da minha idade e me identifico com o jovem
como se fosse um jovem e me identifico também com as crianças (...) o
envelhecimento pra mim não existe.
(Shu, 62 anos, heterossexual)
O corpo que envelhece e o espírito que resiste têm forte ligação com essas maneiras de
negar o envelhecimento. No entanto, dessa forma, não são desconsiderados os fatores
biológicos, físicos ou estéticos do envelhecer, mas esses fatores são confrontados com um
“espírito jovem” que sobrepuja todo e qualquer fator de envelhecimento e eleva as pessoas a
partir de 60 anos a condição de eternos jovens, a depender do espírito que cultivam em si
mesmas:
(...) eu tenho que respeitar a biologia da vida, porque o envelhecer
depende muito da cabeça da pessoa, porque tem o envelhecimento
biológico, o natural e o envelhecimento psicológico. Então
psicologicamente eu me sinto um menino de 20 anos, psicologicamente,
agora biologicamente, cronologicamente, eu me vejo com 62 anos que é o
natural.
(Shu, 62 anos, heterossexual)
No estudo de Santos e Belo (2000), ficou evidenciado que, na zona urbana, a
medicalização ou biologização da velhice consolida-se em um discurso em que todas as
perdas sofridas pela pessoa idosa são justificadas através do processo físico de
envelhecimento. Ou seja, ser velho corresponde a ser doente, inútil, conservador e a uma série
de atributos que compõem o estereótipo negativo da velhice. Em paralelo, surge uma
revalorização do que é jovem como sinônimo de moderno e, para aqueles velhos que mantêm
uma vida ativa, lhe atribuem o qualitativo de “velho com espírito jovem”. A velhice é
fundamentalmente um processo que provoca a degeneração física e social do indivíduo.
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Numa estratégia defensiva, os sujeitos dicotomizam os aspectos físicos dos aspectos
subjetivos. Não se reconhecem como velhos na medida em que são ativos, independentes, têm
ânimo e energia, enfim, têm “o espírito jovem”. Este discurso, característico na Zona Urbana,
parece dar à velhice uma saliência para o grupo e, por consequência, torna central esse
elemento na identidade do sujeito idoso.
Outra forma contemporânea de negar o envelhecimento ou os efeitos físicos e sociais
desse processo é a insurreição do conceito e do paradigma da “Terceira Idade”. Sob este
prisma, os velhos muito velhos corresponderiam ao perfil da debilidade física, ao declínio
no vigor juvenil a todas as características negativas atribuídas a esta fase da vida. De acordo
com Peixoto (1998), a rubrica da terceira idade é fundamentalmente empregada nas
proposições relativas à criação de atividades sociais, culturais e esportivas. Idoso simboliza,
sobretudo, as pessoas mais velhas, “os velhos respeitados”, enquanto terceira idade designa
principalmente os “jovens velhos”, os aposentados dinâmicos, como a representação francesa.
E não é por acaso que surge um novo mercado para a “terceira idade”: turismo, produtos de
beleza e alimentares, bem como novas especialidades profissionais, gerontólogos, geriatras
etc. A terceira idade passa assim a ser a expressão classificatória de uma categoria social
bastante heterogênea. De fato, essa noção mascara uma realidade social em que a
heterogeneidade econômica e etária é muito grande.
Complementar a essa idéia, Debert (1997) denuncia que as iniciativas voltadas para a
terceira idade transformam o envelhecimento em uma experiência mais gratificante; contudo,
esse sucesso surpreendente é proporcional à precariedade dos mecanismos de que dispomos
para lidar com os problemas da velhice avançada. A imagem do envelhecimento, associada à
terceira idade, não oferece instrumentos capazes de enfrentar os problemas envolvidos na
perda de habilidades cognitivas e de controles físicos e emocionais que estigmatizam o velho
e que são fundamentais, na nossa sociedade, para que um indivíduo seja reconhecido como
um ser autônomo, capaz de um exercício pleno dos direitos de cidadania (DEBERT, 1997).
Como é possível constatar, as categorias resultantes da análise de conteúdo nos
permitem apreender as nuanças do sentido e do contexto onde as representações emergem.
Além disso, foi possível vislumbrar nitidamente aproximações e tensões entre as
representações sociais do envelhecimento de homens heterossexuais e homossexuais. Ser-nos-
á possível agora fazer uma associação entre os resultados evidenciados para discuti-los e
analisá-los com maior profundidade e responder aos objetivos dessa pesquisa.
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14
5.3 - Representando o Envelhecimento nos Percursos da Hetero e da
Homossexualidade Masculina.
5.3.1 – Envelhecimento como Processo Natural Constituído por Ganhos e Perdas.
Quando convidados a falar sobre envelhecimento e sobre a experiência individual desse
processo, heterossexuais e homossexuais, embora tenham reconhecido no envelhecimento a
expressão de um processo inevitável e natural, lhes atribuíram conotações ora positivas, ora
negativas. Esta dualidade de conteúdos expressa que a teoria de senso comum construída sobre
o envelhecimento nos grupos pesquisados é a de um fenômeno que encerra em si e em seus
processos psicossociais subjacentes, aspectos que estão ancorados nas idéias de ganhos e perdas
simultâneos. Ou seja, ao mesmo tempo em que o envelhecimento é representado pela sabedoria
e experiência que garantiriam melhores arranjos comportamentais diante da vida, é também
caracterizado por uma seqüência de perdas físicas, estéticas, cognitivas e sociais. Santos (1994)
destacava que a representação social de velhice pauta-se em dois modelos não excludentes.
No primeiro, ressalta-se a experiência, a realização e a sabedoria alcançadas pela idade. Esses
ganhos garantiriam à velhice um momento de estabilidade emocional. O segundo modelo, por
sua vez, é marcado por um sentimento de perdas físicas e de status social.
O envelhecimento é representado como período da vida marcado por uma mudança
de rotina nas atividades diárias até mudanças no exercício de uma vida social ativa,
conduzindo o idoso a um redimensionamento de suas funções, posicionamentos e
contribuições na esfera familiar e social. Desse modo, envelhecer é ter subtraída a
competência de inserção e interação social. Esse conteúdo da representação denuncia o
recolhimento social do idoso, independentemente da orientação sexual. Heterossexuais e
homossexuais compartilham essa representação de envelhecimento, deixando entrever que a
orientação sexual em si não se constitui como uma diferença para perceber o envelhecimento
como fase de tais mudanças.
Estão presentes no conteúdo dessa representação processos sociais que produzem um
isolamento do idoso. À medida que os cenários de participação e interação social privilegiam
a juventude, a beleza, a força, a disposição, a capacidade de gerar renda e o poder de
consumo, os idosos sentem-se rechaçados da vida pública, pois o protagonismo é dado às
características das quais não dispõem como outrora. A falta de disposição física ou
motivação para atividades antes tidas como prazerosas e comuns à rotina acabam por impor
aos idosos a experiência de solidão e sentimentos de não pertencimento social, que o velho
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ficaria num lugar marginal ao buscar tentativas de inserção em grupos e atividades que
impõem uma segregação etária e geracional.
As transformações do corpo ao longo da vida ganham significados distintos nos
diferentes contextos sociais. Em nossa sociedade, a imagem negativa da velhice está
associada a um declínio de vitalidade; não somente porque se ultrapassou o ponto máximo
da contribuição formal como trabalhador, mas porque este mesmo limite está associado à
perda gradual da condição de controle do corpo e da mente. Os sinais negativos da velhice são
denunciados pela perda paulatina ou abrupta destas formas de controle de si, exigindo o
domínio do corpo e a vigilância constante da mente (BARROS, 2006).
Entre os homossexuais, as perdas estão fortemente relacionadas ao acentuado declínio
físico e mudanças estéticas. Esse declínio está associado à maior propensão ao acometimento
por doenças que tendem a interferir na capacidade de locomoção e independência motora do
idoso. Consequentemente, o envelhecimento vem acompanhado por um grande receio da
dependência do outro e da iminência da morte. As dificuldades impostas pelo tempo, segundo
os informantes, tornam a maioria dos idosos menos autônomos em suas atividades diárias e na
sua capacidade de suprir sozinhos as necessidades básicas à sobrevivência. O pretenso auxílio
de familiares, cuidadores ou mesmo do Estado para continuar a viver desenvolve nos idosos
grande rejeição à dependência, por não desejar dar trabalho a ninguém ou pelo medo de serem
mal tratados e negligenciados quando mais precisarem.
A questão do cuidado e da companhia no envelhecimento mais tardio se revelou como
uma desvantagem para o homem homossexual, pois a nulidade de um possível amparo por
um cônjuge ou filhos em momentos de maior debilidade é motivo de grande preocupação para
a maioria dos idosos homossexuais que não aderiram às novas configurações familiares de
uniões estáveis entre pessoas de mesmo sexo e nem se aventuraram à adoção. Numa estratégia
defensiva, mas nem por isso irreal e incontestável em nossa sociedade, encontramos
argumentos como os de Mott (2003):
E tem mais: estou cada vez mais convencido de que independentemente de
ser homo ou heterossexual, no mundo moderno urbano, qualquer velho ou
velha está ameaçado de ser abandonado pela família num asilo, de tal sorte
que ter filhos e netos não é garantia para ninguém de que será acolhido e
mantido no seio da família quando a velhice e os achaques se tornarem
insuportáveis mesmo para os entes mais queridos.
(MOTT, 2003, p. 50)
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O declínio da estética corporal constitui relevante conteúdo na formação das
representações sociais de envelhecimento para homens homossexuais, produzindo estados de
frustração e depressão diante da nova imagem que os rotula como “bichas velhas” em tom
depreciativo e estigmatizante no universo homossexual. De acordo com os homossexuais
entrevistados, o maior ônus de se envelhecer como tal é lidar com as mudanças na aparência e
o consequente preconceito que sofrem entre homossexuais mais jovens. A beleza e a boa
forma física aparecem como condições sine qua non para a acessibilidade a determinados
roteiros homoeróticos e à possibilidade de envolvimentos afetivos e/ou sexuais bem
sucedidos. Esse modelo rígido e hegemônico de beleza se apresenta como principal
desvantagem em se envelhecer na condição de homossexual, de acordo com os informantes.
Estendendo-nos na compreensão dos conteúdos formadores dessa representação entre
os homossexuais entrevistados, é mister recuperarmos as formas de relacionamento afetivo
e/ou sexual compartilhados neste grupo. O culto ao corpo belo e como fonte de prazer fazem
dele uma verdadeira vitrine de si na caça muito grande de casos” (Eros, 65 anos,
homossexual) que se desenrola no universo homossexual. Dessa forma, aquele que não atende
mais aos padrões exigidos de beleza é condenado à repulsa e ao preconceito, restringindo
inclusive suas possibilidades de prazer e companhia, sendo, na maioria das vezes, mediada
por uma negociação financeira. O “caso-folha” é um fenômeno socialmente difundido e aceito
entre os homossexuais, sobretudo entre os mais velhos.
Essa cultura de rejeição à figura envelhecida é incorporada e admitida também pelos
próprios homossexuais mais velhos. Em todas as entrevistas em que os informantes relataram
seus envolvimentos amorosos e sexuais depois de atingirem os sessenta anos, houve a
confissão explícita da preferência por pessoas acentuadamente mais jovens que eles. Com
isso, podemos presumir uma forma de negar o envelhecimento, buscando no outro a
juventude e a beleza capaz de despertar prazeres.
De acordo com Simões (2004), um impacto especialmente negativo seria provocado
pelas mudanças na aparência física: cabelos grisalhos e rugas podem compor um padrão
estético atraente para os homens heterossexuais, indicadores de caráter e sucesso; mas, entre
os homossexuais, seriam considerados repulsivos. Nesse período, enfim, a redução das
oportunidades de vida desencadearia sentimentos pesados de depressão e solidão, semelhantes
aos que presumivelmente afetariam as mulheres heterossexuais solteiras e divorciadas.
A tentativa de negar o envelhecimento aparece também nas práticas de reparação do
corpo. Nesse grupo, foi evidente a busca por medidas que minimizam ou retardam os efeitos
do tempo na pele, na silhueta, nos cabelos, inclusive na maneira de falar, vestir, comportar-se
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e até na opção por lugares de lazer e diversão. Em busca da juventude perdida, muitos
homossexuais deparam-se com a solidão e a marginalização a que são submetidos o velho e o
gay na sociedade brasileira. No entanto, modificar o corpo e a face e pagar pelos
relacionamentos desejados aparecem como estratégias de enfrentamento desses homossexuais
idosos diante das dificuldades que se lhes impõem o mundo gay.
Enfim, a experiência de envelhecer suscita medos, temores e receios, os quais se
expressam na forma de preocupações e apreensões com o futuro e com a velhice que se
aproxima. Emergem o medo da solidão, da morte, de doenças, da dependência física e
psíquica, de perder os espaços e papéis conquistados, dos conflitos intergeracionais, da
redução do poder aquisitivo e da eventual piora das condições de vida no futuro (MOREIRA e
NOGUEIRA, 2008).
As formas como esses homens homossexuais representam o envelhecimento
justificam suas condutas de negação frente a esse processo, como forma de preservar uma
identidade e inserção grupal. Como afirma Abric (1994, p. 13 apud SANTOS, 2005, p. 24)
“isto permite definir a representação social como uma visão funcional do mundo, que permite
ao indivíduo ou grupo dar sentido a suas condutas e compreender a realidade através de seu
próprio sistema de referência, logo, adaptar-se e definir seu lugar nessa realidade”.
entre os homens heterossexuais, os elementos positivos no conteúdo dessa
representação são lembrados com maior freqüência. O envelhecimento é primeiro
caracterizado como sabedoria, experiência de vida, qualidade de “ter histórias para contar”.
Em algumas falas, inclusive, o envelhecimento ou a velhice é comparado à juventude como
vantagem, sorte ou “bênção”, ao apontarem circunstâncias banais em que muitos jovens
morrem nas grandes cidades. A longevidade é atribuída como concessão divina e, por isso
mesmo, não deve ser blasfemada, reclamada ou indesejada. Isso mostra como algumas idéias
que constituem essa representação estão ancoradas na religião e nas crenças ontológicas das
sociedades ocidentais. Os sentimentos mencionados em primeiro lugar são de “prazer” e
“satisfação” em atingir esta etapa da vida.
Em contrapartida, sentimentos de conformismo e revolta também se mesclam nesses
conteúdos. O conformismo parece funcionar como mecanismo de defesa contra os
irremediáveis sinais e conseqüências do envelhecimento. Como não podem lutar contra isso,
esses homens, em sua maioria, acomodam-se com as mudanças impostas pelo envelhecer e
reorientam seus comportamentos e suas condutas. Vemos aí a representação social cumprindo
uma de suas funções:
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[A representação social] tem como funções orientar condutas, possibilitar a
comunicação, compreender e explicar a realidade social, justificar a
posteriori as tomadas de posição e as condutas do sujeito, e uma função
identitária que permite definir identidades e salvaguardar as especificidades
dos grupos.
(SANTOS, 2005, p.21)
Os elementos negativos constitutivos dessa representação, por parte dos homens
heterossexuais entrevistados, falam mais da realidade imposta por doenças típicas do
envelhecimento e uma série de limitações possíveis em decorrência disso. No entanto, é no
elemento produtivo que esses homens ancoram mais fortemente suas representações de
envelhecimento como mudanças. Posto que o trabalho é tido como categoria fundante do ser
social; ao ser afastado dessa esfera, o homem perderia também sua “natureza social”.
O envelhecimento é acompanhado de sensações de inutilidade e baixa no padrão
econômico de vida. O tempo ocioso em casa, a proibição ou vigilância da família para que o
idoso não assuma atividades que antes lhes eram confiadas, a substituição dessas por
atividades domésticas puramente de apoio logístico e a própria imposição mercadológica e
previdenciária, que empurra o idoso para a aposentadoria, são alguns dos processos que
tornam o trabalho componente central na representação desse grupo.
O fator econômico gera no idoso sentimento de preocupação com o próprio sustento e
não raramente com o de sua família, que, em muitas moradias brasileiras, a aposentadoria
do mais velho é a única renda estável da casa e, mesmo após ter retornado aos aposentos,
continua a ser o principal e/ou único provedor. Estar “parado” gera tristeza, ociosidade,
monotonia e sentimentos de inutilidade para a maioria dos heterossexuais entrevistados. Essas
representações não passam imunes também aos efeitos do ideal capitalista de nossa sociedade,
que gerar renda pela mão de obra ou pela capacidade de consumo é condição de
participação social.
Embora exista no grupo de heterossexuais entrevistados maior conformismo em
relação à própria condição do envelhecer e às mudanças advindas desse processo, também
estão presentes as tentativas de driblar os efeitos do tempo. Não obstante as críticas daqueles
que repugnam qualquer forma de maquiar o envelhecimento e foram minoria nesse estudo-,
os heterossexuais adotam uma forma positivada de negar o envelhecimento. É o espírito
jovem” o responsável por oferecer sortilégios contra o tempo. Ele, o “espírito”, seria o
responsável por manter os velhos jovens. Dessa maneira, há uma individualização na gerência
do processo de envelhecer, quando o sujeito é convocado a assumir posturas e ideias que o
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mantenham ativo, participante, confiante, atualizado e inserido socialmente, além de
conservar uma boa aparência física, que surpreenda a contagem dos anos.
Esse universo de conteúdos permeados por elementos positivos e negativos, por
processos psicológicos e sociais que ora se aproximam e ora se distanciam, revela a principal
maneira pela qual homens heterossexuais e homossexuais representam suas experiências de
envelhecimento, que tem importância no seu dia a dia e que os situa em determinado lugar e
tempo na esfera social. O envelhecimento como fase de mudanças, perdas e ganhos, regula as
práticas desses homens na redimensão de si mesmos, no convívio com seus grupos macro e
micro e mais especificamente na identificação com seus pares semelhantes na orientação
sexual. As dualidades que constituem essa representação social revelam as tensões próprias do
ato de representar; tensões que obedecem ao caráter preditivo das teorias de senso comum ao
mesmo passo que permitem a construção de novas representações.
5.3.2 – O Envelhecimento como Lugar e Tempo de Recompensas e Punições
Uma importante diferença entre a teoria das RS e outras de tendência mais positivista
e funcionalista é que aquela aceita a existência de conteúdos contraditórios, ou seja, seu
estudo e pesquisa não descartam os achados conflitantes; pelo contrário, é a possibilidade de
trabalhar com as diferenças que enriquece a compreensão do fenômeno investigado,
conferindo à teoria das RS uma dimensão dialética (OLIVEIRA e WERBA, 1998).
A confirmação dessa possibilidade se revela em conteúdos que contribuem na
formação de uma representação do envelhecimento a priori incomum e que superou todas as
expectativas propostas para essa pesquisa. É o envelhecimento tido como resultado direto de
atitudes individuais, imprimindo considerações pouco relevantes ao contexto social e orgânico
desse processo. Embora tenha sido extraída do conteúdo de apenas um informante, após um
novo olhar sobre os resultados, isso se revela em diversas nuanças das falas de homossexuais
e heterossexuais. A própria Teoria das Representações Sociais sugere que indivíduo e
sociedade não são uma antinomia e que, na voz de um, estão elementos da representação de
um grupo, de uma identidade social.
Para Doise (1990), citado em Coutinho et allii (2004), a utilização da Teoria das
Representações Sociais é bastante útil, à medida que se lida com um marco conceitual que
envolve tanto o nível intrapessoal de análise como o interpessoal e intergrupal. Dessa forma, é
possível partir das representações pessoais de objetos sociais para um exame das cognições no
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14
nível grupal, que permite ao pesquisador a apreensão dos aspectos compartilhados de uma
representação.
A representação social do envelhecimento como lugar e tempo para punições e
recompensas pelas atitudes tidas ao longo da vida pode ser identificada como uma teoria
tipicamente característica do universo homossexual, que uma das entrevistas desse grupo
versa quase que totalmente sobre essa idéia e de forma bastante contundente.
Envelhecer, por si só, faz lembrar a finitude humana. Uma vez que é chegada a última
etapa da vida, a iminência de morte povoa os pensamentos dos mais longevos. Com a
possibilidade real do fim de si mesmo e as incertezas que muito intrigam a humanidade
sobre o destino daquilo que teríamos além da matéria corporal (“a alma”), o envelhecimento
sugere a reflexão sobre as condutas admitidas nos idos anos e a resignação com os possíveis
sofrimentos, encarados como resgates espirituais. O envelhecimento traduziria, assim, a hora
de reflexões sobre a vida, arrependimentos e compreensão dos desígnios divinos.
Dessa forma, um envelhecimento sem sofrimentos, tranquilo, processado de forma
“natural”, é o resultado de uma vida de retidão de caráter e obediência aos princípios
religiosos e morais da sociedade. Do contrário, o envelhecimento será uma fase de privação,
acometimento de enfermidades e inquietação psicológica pela culpa. Essas ideias ancoram-se
fundamentalmente nas crenças religiosas do livre arbítrio, na prestação de contas ao divino e
na concessão à alma ao céu ou ao inferno, a depender da postura moral, cristã e ética seguida
no plano terreno.
No caso particular dessa pesquisa, esta representação traz em sua estrutura conteúdos
relativos à homossexualidade como ato pecaminoso, nefasto e responsável por um
envelhecimento de solidão e sofrimento. Doenças que afligem fortemente o bem estar
biopsicossocial do indivíduo, como o câncer e a AIDS, são encarados como punições
necessárias para o resgate espiritual com vista a atingir o perdão pelos pecados e um “bom
lugar” no plano espiritual. O conteúdo dessa representação deixa entrever também os
processos de ancoragem das definições de homossexualidade como pecado e manifestação
antinatural nas crenças religiosas e científicas que, ao longo da história da humanidade e da
própria sexualidade, vitimaram tantos homossexuais pelas mãos da igreja e da medicina.
que é conferida à homossexualidade a responsabilidade pela vivência de doenças,
abandono e sofrimento, conforme nosso informante, a estratégia de defesa contra esses
fenômenos e de busca pela “salvação” é abster-se da prática homossexual e de todo tipo de
desejo ou atitude que seja contrária à vontade de Deus. também a filiação a alguma crença
religiosa como forma de se aproximar dos preceitos divinos e atingir o perdão por ter adotado
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ao longo da vida um comportamento “desviante” e “indigno”. Em Jodelet (2009), vemos o
quanto a vida religiosa, alimentada por crenças e regidas por dogmas, se expressa nas práticas
individuais e coletivas. “Enfim, a religiosidade, que caracteriza a forma como os indivíduos
ou os grupos vivem a relação íntima com o divino, o supranatural ou transcendental (p. 204).”
As idéias de merecimento perante a justiça divina se fazem perceber também em
algumas posturas dos homens heterossexuais entrevistados, ao se posicionarem de maneira
resignada frente às dificuldades do envelhecimento. Dessa forma, a longevidade é muitas
vezes admitida como bênção concebida; se Deus “permitiu” que esses homens chegassem
além dos 60 anos, ele poderia definir como e até quando vivenciariam esta etapa da vida.
Nos relatos desses homens, fica implícito o ideário da sabedoria e da justiça divina sobre suas
vidas no momento em que estariam mais próximos do “julgamento” de suas “almas”. Esses
conteúdos estão ancorados em preceitos religiosos.
O conteúdo dessa representação alerta para a leitura do religioso como um fenômeno
social e como tal, agente regulador de práticas, posturas e comunicações entre os diversos
grupos religiosos da sociedade. É o religioso passível de nortear representações sociais sobre
o mundo e os indivíduos que deve merecer maior atenção da Psicologia.
Nesse sentido, Jodelet (2009) incita o campo da Psicologia e principalmente das
Representações Sociais à compreensão do religioso:
O estudo das representações sociais deveria integrar os elementos
psicológicos que estão na base do sentimento religioso: as motivações
psicológicas para crer, as emoções ligadas às crenças e às práticas, as
expectativas de benefícios que se encarnam no princípio do “do ut dês”, dar
para receber, que, característico do fenômeno de crença, reforça os
conteúdos representativos.
(JODELET, 2009, p. 221)
5.3.3 – O Envelhecimento como Reconfiguração da Sexualidade
Um terceiro elemento que emerge dos conteúdos representacionais dos homens
heterossexuais e homossexuais entrevistados é a do envelhecimento concebido como uma
reconfiguração da sexualidade, sentida como exploração de outras possibilidades de continuar
sentindo prazer na velhice, mas também como frustração pela intensidade juvenil perdida. É
possível, pois, analisar a relação que se faz entre envelhecimento e sexualidade. Nesses
conteúdos, estão imbricados os processos de redescoberta do corpo, apreensão de novos
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ritmos e formas de se relacionar sexualmente e consequentemente a redescoberta da parceira
ou do parceiro e da própria relação.
Tanto heterossexuais como homossexuais se referem à sexualidade como expressão da
natureza humana e tem status de fonte de prazer, satisfação, sendo eleita como uma das
melhores coisas da vida e condição para a existência humana. Os dois grupos compartilham
também dos aspectos que relacionam o envelhecimento ao declínio de uma atividade sexual
intensa como outrora vivenciada. Não obstante as dificuldades de ordem fisiológica
decorrentes do envelhecimento, heterossexuais e homossexuais ainda encontram motivação
para exercerem sua sexualidade, ainda que de forma quantitativamente inferior. Segundo
relato de alguns informantes, o sexo, após atingirem sessenta anos de idade tornou-se melhor
à medida que é encarado e buscado de forma plena e não nos moldes reducionistas de sentir
prazer.
Contudo, o universo homossexual apresenta suas peculiaridades ao relacionar o
envelhecimento com uma reconfiguração da sexualidade. Para os homens homossexuais, são
bem mais implicantes o declínio sexual e a performance erótica. É óbvio notarmos que isso
passa novamente pela questão estética, que marca tão fortemente este grupo, pois, à medida
que o corpo já não se apresenta mais tão ávido de desejo e desejável, acompanham aí
sentimentos de frustração e tristeza. Como estratégia de enfrentamento dessas dificuldades,
surgem os recursos farmacêuticos - citados como recorrência apenas entre os homossexuais,
ou a fuga de investimentos em relações sexuais fugazes. Fica evidente que, entre os
homossexuais entrevistados, existe uma preocupação maior em manter a atividade sexual de
forma satisfatória pelo maior tempo possível e uma menor tolerância a esse declínio, em
contrário aos heterossexuais.
O heterossexual [...] tem sua esposa, cuja disponibilidade sexual atenua o
impacto do declínio da atratividade sexual. Além disso, a crise do
envelhecimento vem mais tarde para o heterossexual, numa idade em que
sua potência sexual declinou e as expectativas em relação à significância de
sua sexualidade são consideravelmente mais baixas.
(GAGNOM e SIMON, 1973 apud SIMÕES, 2004).
Entre os homossexuais o envelhecimento traz também a compreensão da sexualidade
com amplas possibilidades de satisfação, o sexo mais comedido, mais consciente e o
privilégio dado a toda forma de carinho e contato que causam prazer, estendem a noção de
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satisfação sexual para além de um envolvimento, onde devem existir penetração e orgasmo,
nessa ordem de evocação.
Muito embora os resultados dessa pesquisa nos revelem o exercício pleno da
sexualidade por idosos em suas novas configurações, ainda é comum se negar ou ridicularizar
a existência de sexo entre as pessoas a partir de sessenta anos. O que diremos, então, da
admissão de uma diversidade sexual ativa na dita senescência? A correspondência entre esses
temas é ainda quase nula e quando pensada é ainda na base de um problema ou de uma
finitude certa:
La actividad sexual, particularmente masculina, estará ajustada a uma
correlación entre términos en donde el más joven será visto como aquel que
debe ser pasivo mientras que el más viejo debe ser activo (más allá de una
edad específica). Si esta relación entre términos no se cumple será criticada.
En el amor homosexual aparecen quejas por no poder ser ya activos por su
impotência y no poder ser pasivos por su edad.
(IACUB, 2004. p. 87)
Entre os heterossexuais entrevistados, embora se reconheça e até se lamente a
diminuição da libido e do vigor sexual, esses processos são naturalizados ao fenômeno do
envelhecimento e encontram uma acomodação na vivência desses homens pela justificativa
social e religiosa do ato sexual. Ou seja, após ter cumprido sua função de instituir uma família
e garantir a perpetuação da espécie, é natural e necessário que cesse a atividade sexual, sob
pena dos idosos serem tachados de imorais, insensatos ou tarados. Uma das formas de
acomodação deste processo que aparece de forma recorrente entre os homens heterossexuais
participantes deste estudo é o “esfriamento” da parceira; à medida que suas companheiras
aparentemente perdem o interesse pelo sexo, esses homens sentem-se mais a vontade para
manifestar também suas limitações ou ensaiar formas outras de continuar sendo dotado da
capacidade de nutrir sentimentos de afeto e desejo.
As questões de saúde também são lembradas como processo que interfere, e muitas
vezes determina, a continuidade ou não de uma vida sexual ativa. Muito comum, mesmo entre
os homens a partir de 40 anos de idade, são as doenças da próstata que, em muitos casos,
implica na sua total remoção. Em alguns homens submetidos a cirurgias desse tipo, a
sexualidade é seriamente comprometida, chegando até mesmo a cessar.
Assim como o envelhecimento, a sexualidade é reinterpretada e admitida nos
contextos históricos e sociais distintos da humanidade. Entender a relação entre
envelhecimento e sexualidade é abrir caminhos para a desmistificação e reinterpretação da
sexualidade como capacidade intrínseca ao ser humano, independentemente da sua idade e da
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14
variabilidade de suas práticas. Além disso, é tentar explicitar que como fonte de prazer que
reside no corpo autônomo dos velhos – que a sociedade insiste em aprisionar, vigiar e punir- a
sexualidade não deve estar a serviço apenas de convenções sociais ou quaisquer outros fins
que sejam extrínsecos à satisfação e voluntariedade dos indivíduos apenas porque a
quantidade de anos a que estão vivos os emoldura numa tela fria de seres assexuados.
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14
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
As representações sociais convencionalizam os objetos, pessoas ou acontecimentos
que encontram. Elas lhes dão uma forma definitiva, as localizam em uma determinada
categoria e gradualmente as colocam como um modelo de determinado tipo, distinto e
partilhado por um grupo de pessoas (MOSCOVICI, 2003, p. 34). Gerar e gerir modelos de
comportamentos, atitudes, linguagem e formas de se relacionar com o mundo à sua volta e
com o objeto da representação, traduz o caráter preditivo dessas teorias de senso comum que
elevam amadores a sábios senhores da vida cotidiana.
Ao nos propormos a investigar como homens heterossexuais e homossexuais
representavam o envelhecimento e como esta representação regulava suas práticas num plano
intra e interpessoal, partimos do pressuposto que indivíduo e sociedade não são entidades
antagônicas e, por isso mesmo, essas representações são construídas em imbricados processos
psicológicos e sociais que revelam conteúdos comuns e distintos entre os grupos
entrevistados.
Dessa forma, pudemos constatar que o envelhecimento é representado de maneira
compartilhada entre homossexuais e heterossexuais como um período da vida marcado por
mudanças constituídas ora de aspectos negativos, ora positivos. As vantagens de se
envelhecer são traduzidas na sabedoria, na experiência adquirida e na propriedade de
julgamentos acerca da vida cotidiana. O caráter negativo do envelhecimento, por sua vez, é
objetivado no passo mais lento, na rigidez dos movimentos, na diminuição de motivos para a
participação da vida social, no novo lugar adquirido nas relações familiares e com o ambiente
extra-familiar, além das dificuldades impostas pelas doenças específicas da velhice.
Embora homens heterossexuais e homossexuais compartilhem desta representação
social de envelhecimento, os aspectos negativos e a depreciação dirigida a este processo
foram predominantemente lembrados entre os homossexuais. O corpo aparece como lugar de
objetivação do envelhecimento e produzindo sentimentos de tristeza, frustração e rejeição à
própria imagem. Nesse grupo, as exigências de beleza física e vigor tornam o envelhecimento
um processo representado majoritariamente pela idéia de declínio e fortemente ancorado em
aspectos biológicos.
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A ênfase nos aspectos físicos produz posicionamentos diferenciados entre
homossexuais e heterossexuais frente ao envelhecimento. Entre os homossexuais, revelaram-
se comuns estratégias para retardar ou disfarçar as marcas do tempo em práticas de reparação
do corpo, a busca pelo convívio com pessoas mais jovens e o envolvimento sexual permeado
pela negociação financeira como forma de acesso ao jovem e ao belo, negando assim a
própria aparência.
Já entre os homens heterossexuais, embora haja um reconhecimento dos aspectos
negativos do envelhecimento, são ressaltadas as qualidades da longevidade e os sentimentos
frente ao envelhecer são de conformismo, aceitação e inclusive de gratidão a Deus pelos anos
vividos. Para a maioria destes homens, cada dia é vivido “do jeito que Deus quer” e, por isso
mesmo, o envelhecimento e a consequente velhice não devem ser mal quistos, mas recebidos
de bom grado. O caráter naturalizado do envelhecimento parece indicar entre os
heterossexuais a ancoragem em idéias utilitaristas, nas quais o corpo humano é comparado a
uma máquina que, após muitos anos de uso, vai perdendo qualidade nas funções
desempenhadas, se desgasta e para de funcionar.
É evidente a maneira como homossexuais se posicionam preponderantemente de
forma negativa frente ao envelhecimento. Esses homens passam por esta etapa da vida de
forma penosa, pois são elencados à categoria de “bichas velhas”, deixam de existir enquanto
corpos de desejo, de prazer e de beleza em virtude do forte apelo contido no segmento
homossexual pela perfeição estética. Em consequência disso, esses homens, estrategicamente,
procuram enfrentar essa dificuldade reparando o corpo, vigiando cada sinal de declínio e
cultuando, também eles, o jovem e o belo, negando a própria imagem.
no grupo heterossexual, os elementos mais significativos do conteúdo dessas
representações foram o novo status e condição financeira decorrentes da aposentadoria. O
afastamento de atividades produtivas formais torna o envelhecimento um processo permeado
por sentimentos de inutilidade e ociosidade. Numa tentativa de reparar esse quadro, muitos
idosos buscam novas ocupações, tomam para si obrigações domésticas ou procuram grupos
de convivência da terceira idade como forma de se distraírem e conservarem alguma forma de
socialização.
Dentre essas ideias de ganhos e perdas, foi possível analisar a relação entre
envelhecimento e sexualidade para heterossexuais e homossexuais. O envelhecimento é
associado como reconfiguração da sexualidade, sendo lembrado por um declínio quantitativo
no vigor sexual, mas, por vezes, é ressaltado também pela maior qualidade das relações
sexuais. O envelhecimento aparece como possibilidade de maior exploração das formas de dar
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14
e sentir prazer nas performances eróticas, pois a ênfase recai sobre um prolongamento de
carícias, gestos e atitudes afetivas que vão além de uma relação sexual orgástica.
Entre os homossexuais a relação envelhecimento-sexualidade é norteada mais uma vez
por uma noção de perda que perpassa pelo valor atribuído à estética e ao vigor juvenil de
forma muito explícita no “universo homossexual”. Para esses homens, não ser mais dotado de
atrativos físicos notáveis e não responder como outrora aos estímulos sexuais é sentido com
muito pesar, pois o segmento gay masculino rechaça as “bichas-velhas” que traz em seus
corpos a simbologia da decrepitude, o fim de um estereótipo glamoroso, dos quais todos
querem fugir.
entre os heterossexuais, a diminuição da libido ou da capacidade em manter
relações sexuais com a mesma intensidade que na juventude é encarada com maior
naturalidade e sofre uma acomodação nesse modelo relacional. Nesses casos, o “esfriamento”
é vivenciado e compartilhado pelo casal que após uma vida inteira juntos, parecem relegar ao
sexo menor influência para manter-se ligado ao outro. Ou seja, a partir dos resultados obtidos,
para o homem heterossexual, o declínio na sexualidade parece ser mais facilmente
acomodado, já que não necessitaria dispor de atrativos físicos para a conquista de uma
parceira sexual, uma vez que se relacionando maritalmente muitos anos a cobrança por
desempenho e vigor sexual não se acentuaria.
A representação do envelhecimento como lugar de recompensas e/ou punições, em
decorrência dos atos cometidos durante a vida é especialmente elaborada no grupo de
homossexuais e justifica-se pela própria homossexualidade, entendida como ato pecaminoso e
contrário às leis sociais e divinas. Essa representação está ancorada em aspectos religiosos
que impõem um comportamento de vigilância aos atos, palavras e omissões que desagradem a
Deus. A noção de envelhecimento, carregado por punições, é objetivada por participantes
homossexuais deste estudo, pelo convívio com o vírus HIV e doenças como o câncer. Esses
“males” viriam como castigo e resgate espiritual daqueles que levaram a vida sob o “erro” de
práticas homossexuais.
Mesmo predominantemente construída e compartilhada entre os homossexuais,
elementos dessa representação de envelhecimento se deixam perceber também entre os
heterossexuais entrevistados, à medida que eles entendem a própria longevidade como
recompensa, concessão divina ou merecimento. Tais resultados revelam a importância da
compreensão do fenômeno religioso enquanto acontecimento social, base de conhecimentos
em que se ancoram teorias de senso-comum sobre os mais diversos objetos sociais.
92
14
Como foi possível perceber, a orientação sexual em si não aparece como condição
determinante para diferenciar representações sociais de envelhecimento entre homens
heterossexuais e homossexuais, visto que os dois grupos compartilham muitos dos conteúdos
que emergiram neste estudo. Não houve resultados polarizados para representar o
envelhecimento a partir da hetero ou da homossexualidade; o que constatamos foram
processos psicológicos e sociais específicos à gica que rege os universos dessas
sexualidades, determinando em certas medidas posicionamentos diferentes diante do mesmo
conteúdo representacional.
Em análise anterior, Simões (2004) sinalizava esta tendência. Segundo ele, uma
conclusão que parece se impor é a de que, independentemente de seus propósitos declarados,
as investigações não têm demonstrado objetivamente que a orientação sexual per se acarrete
diferenças significativas na experiência de envelhecimento.
No entanto, considerar os diferentes processos psicossociais subjacentes às
representações sociais do envelhecimento para grupos distintos em orientação sexual se faz
necessário para entendermos as práticas que norteiam as relações interpessoais e intergrupais,
especialmente de homens homossexuais. Esses constituem população negligenciada e alijada
socialmente desde muito tempo nas sociedades ditas contemporâneas. E, como aponta
Moscovici (2009), “[...] ‘preconceito’ designa toda crença mantida simplesmente porque não
refletimos sobre ela (p.19).” Portanto, refletir sobre o envelhecimento homossexual implica
numa preocupação acadêmica de estudar as diferentes dimensões da violência e da exclusão
social, bem como intervir nas ações políticas desenvolvidas para o seu enfrentamento em
segmentos sociais diversos.
Esta pesquisa,, entre outros, apresenta resultados que apontam na direção de maiores
investimentos nas discussões sobre o tratamento social que é dispensado ao idoso e o aumento
do número de casos de HIV entre pessoas idosas e a negligência com a prevenção dirigida a
essa parcela da população ancorada numa falsa ideia de que o idoso não tem vida sexual ativa.
Além disso, os resultados obtidos a partir dessa investigação revelam modos de ser e viver
nos percursos da heterossexualidade e da homossexualidade masculina. No entanto, apontam
também a necessidade de maior conhecimento sobre o idoso homossexual e a relação
intergrupal desses indivíduos como forma de entender como se originam as representações e
práticas dentro desse segmento que ultraja física e moralmente os idosos em nome da estética.
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79721999000200015&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 10/10/2009.
99
14
APÊNDICES
14
APÊNDICE I
Questionário sócio-demográfico
Idade:_______
Orientação sexual:______________________
Naturalidade:__________________________
Nível de escolaridade:___________________________
Profissão:______________________________________
Ocupação:______________________________________
Estado civil:_____________________________________
Relacionamento afetivo e/ou sexual no momento:_____________
Mora com:__________________________________________
Religião:_______________________________________
101
14
APÊNDICE II
Guia para entrevista narrativa
1 – O que é envelhecimento para você?
2 – E sobre sua experiência de envelhecimento?
3 – O que é sexualidade para você?
4 – E sobre a sua sexualidade?
102
14
APÊNDICE III
Organização e Categorização das Entrevistas para a Análise de Conteúdo
Exemplos das unidades de significado em contexto nas entrevistas dos
homossexuais:
Experiência / Aprendizado
Olhe, envelhecimento pra mim de uma forma geral significa, como é que se diz? é,
experiência, amadurecimento, vamos dizer nesse caso, amadurecimento, experiência na vida,
é, eu creio que não só pra o homossexual, mas para todos seres humanos.’
‘(...) a velhice ela pode ser assim caracterizada por aprendizado e experiência
entendeu?’
Iminência da morte
(...) eu pensava que em envelhecendo o enfrentamento com a morte, se defrontar com
a morte no caso, fosse menos difícil, pra mim tem sido pior.’
‘ (...) eu sempre fiquei muito atordoado com isso, envelhecer e morrer.’
Solidão
‘(...) eu mermo não tenho família.’
‘(...) os amigos, eu não tenho muito amigo não, tenho poucos, tenho poucos amigos,
sabe?’
O envelhecimento como conseqüência de atitudes e comportamentos tidos durante
a vida
‘Então a construção que eu falo, é, é isso. Se sua, a infância nem tanto porque a
infância o espírito ainda não desabrochou as suas tendências, a sua personalidade em
estado latente em sua mente, mas vamos dizer assim, a partir da adolescência você já
desperta para o mundo, tem os desejos sexuais, uma série de coisas, então se ele não tiver
equilíbrio, não tiver moderação e não procurar fazer tudo aquilo que ele puder fazer de bom
e mergulhar num mundo contraditório, um mundo pernicioso, totalmente vencido pelas
paixões, pelos vícios, talvez ele nem chegue à velhice e se chegar será muito complicado.’
103
14
Concepções de sexualidade
‘Ah, sexualidade é a coisa mais normal que existe, que é inerente a todos nós né,
homossexuais ou não, pra homens e mulheres homossexuais ou não e já nascemos né. Sexo
pra mim é uma necessidade fisiológica, igual a você ter sede, você ter fome, cada um pratica
de forma diferente, claro, uns com mais freqüência, outros com mais freqüência.’
Sentimentos relacionados à soropositividade para o HIV
‘(...) sim, foi o pior, o reconhecer pra poder falar, mas agora tudo bem, a doença
em si é ruim, mas a discriminação é pior, pior de que ser gay, muito mais e agora melhor
né, bem melhor, mas mesmo assim a gente sente, sente.’
Os casos – folha
‘(...) eu freqüento a sauna, eu vou mesmo! E já fiz, já saí com garoto de programa, tudo,
não tenho, não tenho terror não, eu quero é ser feliz, é, entendeu?’
Homossexualidade e preconceito
‘(...) a minha juventude foi muito assim, oprimida, reprimida, recalcada, na minha
época quando resolvi sair de casa e assumir uma elação homossexual, foi barra, minha mãe
na época dizia eu prefiro ter um filho ladrão, maconheiro do que um frango!’
Crítica à negativa do envelhecimento
(...) e eu acho outra coisa ridícula dessa, desse modernismo, a terceira idade, nós
temos uma, nós só fazemos aumentá-la, a idade é tanto, para o ano é mais tanto, é uma idade.
A terceira idade esse negócio de atenuar, abrandar a verdade, eu acho isso ridículo. Deve-se
tingir o cabelo, que coisa mais patética! Um homem broco, trôpego com o cabelo pintado,
que tem que pintar todo dia, aquelas velhinhas, coitadas, maquiadas demais, indignas!’
104
14
Unidades de significado e subcategorias elencadas das entrevistas com
homossexuais.
Unidades de significado Subcategorias
*Experiência
*Aprendizado
Características positivas do processo de
envelhecimento
*Iminência da morte
*Mudanças físicas / estéticas
*Afecções orgânicas
*Dependência
*Maior sensibilidade emocional
*Ócio
*Mudanças na rotina
*Condições sócio-econômicas
*O fator produtivo
*Memória
*Mudanças na vida social
*Tratamento social
Características negativas do processo de
envelhecimento
*Solidão
*Frustração
*Depressão
*Ausência de projetos de vida
Sentimentos frente ao processo de envelhecimento
*O envelhecimento como conseqüência
de atitudes e comportamentos tidos
durante a vida
*A homossexualidade como causa de
um envelhecimento menos tranqüilo e
equilibrado e fonte de punições para
resgate espiritual
Percursos de vida e o curso do envelhecimento
*Concepções de sexualidade
*O sexo e a idade
Sexualidade
*Sentimentos relacionados à
soropositividade para o HIV
*Discriminação e preconceito
*A busca por curas milagrosas para o
HIV
105
14
HIV
*A Negligência com a prevenção nas
saunas gays
*Os casos – folha
*A preferência por pessoas mais
jovens
*A idade e a orientação sexual
*Formas de relacionamento
Maneiras de envelhecer como homossexual
*Homossexualidade e preconceito
*Explicações para a homossexualidade
*Homossexualidade e relações
familiares
*Associação da homossexualidade com
a marginalidade
*Identidade homossexual e
estereótipos
*Homossexualidade e igreja
Homossexualidade – Da definição à exclusão
*Crítica à negativa do envelhecimento
*A indefinição e não identificação com
o envelhecimento
*Medidas para retardar o
envelhecimento
*O corpo que envelhece e o espírito
que resiste
A negativa do envelhecimento
As unidades de significado foram destacadas a partir da leitura detalhada das
entrevistas. Cada trecho que apresentava conteúdo relevante aos propósitos da pesquisa era
destacado e nomeado. Após a leitura do material e eleição das unidades de significado,
aquelas com conteúdos afins foram reunidas em subcategorias. Essas categorias por sua vez,
foram mais uma vez reunidas em categorias mais amplas que abarcaram temáticas
semelhantes e resultaram nas temáticas de análise do conteúdo. O mesmo procedimento foi
realizado com as entrevistas dos homossexuais e dos heterossexuais em separado.
106
14
A subcategoria ‘Características positivas do processo de envelhecimento’ reuniu as
unidades de significado que apontavam para os sentidos positivos dirigidos ao envelhecer,
independente das esferas em que esses sentidos fossem atribuídos.
A subcategoria ‘Características negativas do processo de envelhecimento’ reuniu as
unidades de significado que apontavam dificuldades e mudanças negativas resultantes do
processo de envelhecimento.
A subcategoria ‘Sentimentos frente ao processo de envelhecimento’ foi formada pelas
unidades de significado que traduziam os sentimentos desencadeados pelo processo de
envelhecimento.
A subcategoria ‘Percursos de vida e o curso do envelhecimento’ foi composta pelas
unidades de significado que estavam relacionadas ao envelhecimento como uma conseqüência
direta de atitudes individuais.
A subcategoria ‘Sexualidade’ reuniu todas as concepções de sexualidade e a relação
desta com o envelhecimento.
A subcategoria HIV’ reuniu as unidades de significado que faziam referência à
descoberta da sorologia, os sentimentos diante do diagnóstico e as conseqüências em conviver
com o vírus.
A subcategoria ‘Maneiras de envelhecer como homossexual’ reuniu todos os trechos
que revelaram as peculiaridades da vivência do envelhecimento entre homossexuais.
A subcategoria ‘A negativa do envelhecimento’ foi formada por unidades de
significado que faziam referência tanto às críticas dirigidas a medidas de negação do
envelhecimento quanto às práticas de driblar os efeitos do tempo.
Essas subcategorias foram compiladas de forma a serem reduzidas em categorias mais
gerais envolvendo temáticas passíveis de dimensões analíticas em comum. Desta forma,
características positivas e negativas do envelhecimento e os sentimentos desencadeados frente
a esse processo formaram a categoria ‘Revelando as faces do envelhecimento’,permitindo
uma análise das diversas dimensões contraditórias e complementares do envelhecer que o
tornam um processo plural e multifacetado.
A subcategoria ‘Percursos de vida e o curso do envelhecimento’ por apresentar
conteúdos muito específicos e distintos do restante do corpus de entrevistas, constituiu-se ela
mesma em uma categoria final de análise.
As concepções de sexualidade, o relato de experiências sexuais e todas as questões
ligadas ao HIV formaram a categoria ‘Sexualidade no processo de envelhecimento’.
107
14
As subcategorias que elencaram os discursos sobre a vivência do envelhecimento para
homossexuais e todas as considerações sobre a homossexualidade enquanto orientação sexual
divergente da norma social resultaram na categoria ‘Envelhecimento e Homossexualidade’.
A subcategoria ‘A negativa do envelhecimento’ constituiu-se ela mesma numa
categoria final de análise.
Exemplos das unidades de significado em contexto nas entrevistas dos
heterossexuais:
Sabedoria
‘Ah, o lado bom de envelhecer é você ver os ganhos de uma vida, ver a família bem,
seus filhos bem criados, bem encaminhados e voter certeza que cumpriu seu papel como
pai, como chefe de família, tem também a questão da sabedoria que vem com o tempo, às
vezes eu fico lembrando assim as coisas do passado, as coisas que minha mãe dizia e eu nem
entendia, não dava muita atenção e hoje eu penso e faço do mesmo jeito, quer dizer, hoje eu
consigo ver a importância das palavras de minha mãe e de meu pai, porque eu vejo o quanto
eles sabiam da vida, o quanto eles eram experientes e hoje eu tento fazer com que meus filhos
e meus netos entendam isso. Essa é a parte boa de viver muito, você tem muita história pra
contar né.’
Afecções orgânicas
‘(...) não vive muito bem porque a minha velha tem problema de saúde, eu também
tenho problema de estômago, mas graças a Deus a gente não fica internado nem nada, mas
tudo bem, graças a Deus a gente vai levando.’
Prazer
‘Olha, eu vou dizer uma coisa, eu digo com muito prazer que tenho 78 anos de idade.’
‘(...) eu digo com muita satisfação que sou velho.’
Processo natural
‘Olhe, envelhecimento pra mim é algo muito natural, é uma fase da vida assim como ser
criança, adolescente, jovem, depois uma pessoa madura e conseqüentemente depois vem a
velhice, quer dizer, a gente envelhece todo dia, desde que nasce a gente está envelhecendo
e esse envelhecimento chega a um ápice a partir dos 60 anos de idade (...)’
108
14
Concepções de sexualidade
‘Sexualidade? Ah, sexualidade também não é uma coisa natural? É a maior expressão
da natureza humana, sempre existiu e disso depende a nossa existência, não é isso?
Sexualidade pra mim é natural e necessário, é a nossa maior fonte de satisfação, é onde o
homem e a mulher se completam né, se não fosse o sexo a humanidade não existiria.’
O corpo que envelhece e o espírito que resiste
‘Envelhecimento pra mim não existe, agora respeito a... eu tenho que respeitar a
biologia da vida, porque o envelhecer depende muito da cabeça da pessoa, porque tem o
envelhecimento biológico, o natural e o envelhecimento psicológico. É, então
psicologicamente eu me sinto um menino de 20 anos psicologicamente, agora
biologicamente, cronologicamente eu me vejo com 62 anos que é o natural.’
Unidades de significado e subcategorias elencadas das entrevistas com
heterossexuais.
Unidades de
Significado
Subcategorias
*Sabedoria
*Ter história pra contar
Características positivas do processo de envelhecimento
*Iminência da morte
*Fator produtivo
*Afecções orgânicas
*Tratamento social
*Mudanças na rotina
*Mudanças na vida
social
*Atividades
Características negativas do processo de envelhecimento
*Prazer
*Satisfação
*Revolta
*Conformismo
Sentimentos frente ao processo de envelhecimento
*Processo natural
*Processo normal
*Falta de cuidado com a
Concepções de envelhecimento
109
14
saúde
*Concepções de
sexualidade
*O sexo e a idade
Sexualidade no processo de envelhecimento
*Críticas às tentativas
de retardar ou disfarçar
o envelhecimento
*O corpo que envelhece
e o espírito que resiste
A negativa do envelhecimento
A subcategoria ‘Características positivas do processo de envelhecimento’ assim como
no grupo dos homossexuais, foi constituída pelas unidades de significado que aludiam aos
ganhos do processo de envelhecimento.
A subcategoria ‘Características negativas do processo de envelhecimento’ também
reuniu as unidades de significado relacionadas às perdas do processo do envelhecimento.
A subcategoria ‘Sentimentos frente ao processo de envelhecimento’ foi composta pelas
unidades de significado que evidenciavam os sentimentos que eclodiam frente ao envelhecer.
A subcategoria ‘Concepções de envelhecimento’ foi formada pelas unidades de
significado que retratavam as formas como os heterossexuais se referiam ao processo de
envelhecimento.
A subcategoria ‘Sexualidade no processo de envelhecimento’ reuniu as unidades de
significado que faziam referência às mudanças na vida sexual decorrentes da idade, as
diferentes práticas e a relação entre o sexo e a idade.
A subcategoria ‘A negativa do envelhecimento’ reuniu também aqui as idéias
referentes às críticas de negação do envelhecer bem como os exemplos de medidas de
reparação do corpo e do espírito como forma de negar o envelhecimento.
A partir da reunião dessas subcategorias, temáticas mais gerais foram submetidas à
análise de conteúdo. Desta maneira, as categorias emergentes no grupo dos heterossexuais
foram semelhantes a algumas das categorias presentes no grupo homossexual, evidenciando
que os dois grupos não possuem representações distintas sobre o envelhecimento tomando por
base a orientação sexual por si mesma. As categorias foram ‘Revelando as faces do
envelhecimento’; ‘Sexualidade no processo de envelhecimento’ e ‘A negativa do
envelhecimento’.
110
14
ANEXOS
14
ANEXO I
112
14
ANEXO II
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
INSTITUIÇÃO RESPONSÁVEL: UFPE
Você está sendo convidado a participar da pesquisa que tem como finalidade principal
investigar as representações sociais do envelhecimento para homens de diferentes orientações
sexuais. Fica acordado que as informações fornecidas não serão utilizadas para outro fim além
deste.
Estou ciente que se trata de uma atividade voluntária. Posso desistir a qualquer momento e
minha participação não envolve nenhuma remuneração. Nestes termos, posso recusar e/ou
retirar este consentimento, informando aos pesquisadores, sem prejuízo para ambas as partes a
qualquer momento que eu desejar. Tenho o direito também de determinar que sejam excluídas
do material da pesquisa informações que já tenham sido dadas.
Será utilizada a entrevista individual para a realização do trabalho de campo, gravada sob
autorização e transcrita posteriormente, para efeitos de análise, com a garantia de que apenas
a pesquisadora e possivelmente a orientadora terá acesso à íntegra das transcrições. Como
possíveis benefícios, os resultados da pesquisa poderão subsidiar o trabalho de diversos
profissionais que lidam com a população idosa no que concerne aos aspectos da diversidade
de orientação sexual. Como possíveis riscos, o momento da entrevista poderá causar algum
desconforto ou conflito para o participante, os quais o entrevistador tentará minimizar. Além
disso, a pesquisa será realizada em colaboração com a Clínica Psicológica da UFPE. Casos
especiais, se necessários, poderão ser encaminhados para atendimento por profissionais desta
instituição. A equipe de pesquisa garantirá a confidencialidade e o anonimato.
O contato para qualquer esclarecimento de que necessite, será realizado com a pesquisadora
Laura Maria Monteiro Maravilha, autora do estudo, pelo endereço: Departamento de Pós-
Graduação em Psicologia, da UFPE, localizada na s/n, Cidade Universitária; telefone: (81)
2126 8730, ou e-mail: [email protected]
Minha participação é voluntária e está formalizada por meio da assinatura deste termo em
duas vias, sendo uma retida por mim e a outra pela pesquisadora. Poderei deixar de participar
a qualquer momento, sem que isso acarrete qualquer prejuízo à minha pessoa.
Após ter lido e discutido com a entrevistadora os termos contidos neste consentimento
esclarecido, concordo em participar como informante, colaborando, desta forma, com a
pesquisa. A assinatura desse consentimento não inviabiliza nenhum dos meus direitos
legais.
Recife, ____/____/20_____. ________________________
Assinatura do participante
__________________________ _________________________
Professor participante
Responsável pela pesquisa
___________________________ __________________________
Testemunha 1 Testemunha 2
113
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