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MODELANDO XAMÃS:
O CASO DA TENDA DO SUOR
Karina Rachel Guerra Braga
Orientador: Prof. Dr. Edmundo Marcelo Mendes Pereira
Universidade do Rio Grande do Norte
Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
Departamento de Antropologia
Natal, Inverno de 2010
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MODELANDO XAMÃS:
O CASO DA TENDA DO SUOR
Karina Rachel Guerra Braga
Dissertação submetida ao corpo docente do
Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
parte dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Mestre em Antropologia Social.
Orientador:
Prof. Dr. Edmundo Marcelo Mendes Pereira
Natal, Inverno de 2010
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MODELANDO XAMÃS:
O CASO DA TENDA DO SUOR
Karina Rachel Guerra Braga
Dissertação submetida ao corpo docente do
Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, como
parte dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Mestre em Antropologia Social.
Aprovada por:
___________________________________________
Prof. Dr. Edmundo Marcelo Mendes Pereira -PPGAS/RN- Presidente
____________________________________________
Profa. Dra. Elisete Schwade PPGAS/UFRN
____________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo de Azeredo Grünewald UFCG/PB
____________________________________________
Profa. Dra. Elaine Tânia Freitas PPGAS/UFRN (Suplente)
_____________________________________________
Natal/RN
Inverno de 2010
4
Braga, Karina Rachel Guerra
Modelando Xamãs: O caso da tenda do Suor /
Karina Rachel Guerra Braga. Natal/RN: UFRN,
PPGAS, 2010 xi, 183 p.: il:16
Orientador: Prof. Edmundo Marcelo Pereira
Dissertação de Mestrado Antropologia
Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
Departamento de Antropologia/ DAN/PPGAS
Referências Biográficas: f. 166-174
1. Nova Era. 2. Novos Movimentos Religiosos. 3.
Rituais 4. Dissertação (Mestre UFRN/ DAN/
PPGAS) 5. Modelando Xamãs: o caso da tenda
do suor
5
Agradecimentos
Fico profundamente grata ao meu orientador, Prof. Edmundo Pereira, com quem muito
aprendi através de seus questionamentos desafiadores e observações pertinentes, com
sua infinita paciência e sensibilidade, na elucidação das experiências no campo e das
questões envolvidas na pesquisa bibliográfica.
As professoras Eliane Tânia e Elisete Schwade, membros da banca de qualificação,
agradeço a leitura crítica, discussão e preciosas sugestões de bibliografia e
possibilidades de organização. E de modo especial, a Profa. Tânia, por suas lições
motivadoras, por sua conversa atenciosa e pelo convívio.
Minha gratidão ao Prof. Rodrigo Azeredo pela participação na banca de defesa.
Aos colegas de turma, em especial ao colega Augusto, pelas conversas sobre a pesquisa.
Fico também imensamente grata à amiga Roberta Forastieri, por tudo. Ao corpo docente
do PPGAS agradeço por suas inestimáveis lições de antropologia: Luis Assunção, José
Guilherme e Andréa Osório.
Agradeço também ao CAPES pela bolsa concedida, propiciando-me condições
favoráveis de pesquisa.
Minha gratidão pelos ensinamentos ao amigo e homem-medicina: Sthan Xanniã.
Também sou grata ao Dr. Negron, Bull e Bill, Yatamalo, Amauri, Tarumã pelos
ensinamentos e por terem me recebido de forma tão carinhosa. Também agradeço a
Dom Vidal Ayala, Carlos, Sra. Josefina, Miguel e Benício por ter me hospedado em suas
casas tão gentilmente e me acolhido do frio de Cuzco.
Agradeço também a João Victor, Artur e Hugo.
Mitakuye Oyassim!
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RESUMO
MODELANDO XAMÃS: O CASO DA TENDA DO SUOR
Karina Rachel Guerra Braga
Orientador: Prof. Dr. Edmundo Pereira.
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social,
DAN//PPGAS, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Antropologia Social.
Este trabalho focaliza o fluxo do conhecimento xamânico nos centros urbanos, que é
sustentado por uma rede de interação a que intitulo de circuito neoxamânico. Os grupos
praticantes do denominado xamanismo urbano, ou neoxamanismo, constituem um
segmento do fenômeno Nova Era. Não o considero um trabalho de religião, mas, uma
pesquisa sobre um caso peculiar, sobre tradução de rituais indígenas e seus atores no
meio urbano. Focalizo as redes globais que os ligam a “indígenas da aldeia” e o
intercâmbio de saberes práticos e simbólicos, formando uma linhagem de modeladores,
alimentada pela centralidade do conhecimento e na tradução de rituais e práticas de
cura. A cosmologia indígena é vivenciada na metrópole como modo de vida através de
vivências em rituais tornando global o local. A partir da atuação desses atores evidencio
questões como tradução, modelagem e poder pessoal. O trabalho de pesquisa, a
aprendizagem e o fluxo de relações que formam um jogo de constituição de poder das
autoridades neoxamânicas. Busquei principalmente situações nos eventos de
xamanismo urbano organizados por Sthan Xanniã, no Rio de Janeiro, São Paulo e
Minas Gerais principalmente.
Palavras-chave: Xamanismo. Neoxamanismo. Rituais. Cura. Tradução
Natal, Setembro de 2010
7
SUMÁRIO
Introdução- Trilhando o mundo do neoxamanismo
1. Apresentando a tenda do suor, 9
2. Entrando no campo, 11
3. A proposta metodológica, 14
4. Breve histórico da tenda no Brasil: articulações em rede, 16
5. Modelando xamãs: o caso da tenda do suor, 18
Capítulo 1
Primeira porta: A Nova Era e o neoxamanismo
1. O movimento neoxamânico e a Nova Era, 22
2. A cosmologia de Castaneda, 29
3. A cosmologia de Michael Harner, 36
4. O pensamento de Mircea Eliade e Joseph Campbell, 39
5. Elementos do pensamento e das práticas neoxamãs, 44
6. As categorias sociais do movimento, 46
7. O trabalho espiritual e material, 51
8. A purificação do corpo: os rituais de purificação, 52
9. O corpo unificado na tenda do suor: a reconstrução da pessoa, 56
Capítulo 2
Segunda porta: a tenda do suor
1. A tenda do suor, 64
8
2. Montagem da tenda, 68
3. Entrando na tenda do suor: “retornando ao útero materno”, 74
4. Fases da tenda do suor, 75
5. Análise do ritual, 76
6. A origem da tenda do suor, 82
7. A simbologia das varas, 83
8. A semântica do ritual, 86
9. O público: clientes em busca de cura, 95
Capítulo 3
Terceira porta: modelando xamãs
1. A trajetória de Sthan Xanniã: do Nordeste ao Novo México, 100
2. O xamanismo e o xamã urbano, 104
3. Iniciação: cursos, jornadas e batismos. Tornado-se um buscador, 109
4. Modelando xamãs e conhecimentos, 114
5. Da tradução a bricolagem, 117
6. Em busca do poder pessoal: a individualização, 120
7. “Despertando o seu xamã interior”: a reconstrução de si mesmo, 123
8. O xamã interior, 127
Capítulo 4
Quarta porta: O circuito neoxamânico: a “rede de poder”
1. As regularidades da rede de irregularidades, 131
9
2. O calendário de encontros neoxamânicos, 135
3. Os centros xamânicos,139
4. Relações dentro da rede de apadrinhamento: “rede de poder”, 144
5. A ABRAX , 153
Considerações finais, 159
Referências, 165
Anexos, 174
10
INTRODUÇÃO
Desejo aqui apresentar o percurso através do qual nasceu esta pesquisa e pontuar
questões metodológicas que considero fundamentais para a sua compreensão.
Apresentarei ainda, em linhas gerais, o processo de aprendizado e as atividades de
alguns atores que se articulam em rede global, um intercâmbio de saberes práticos e
simbólicos construindo o que chamo de circuito neoxamânico. Discutirei ainda algumas
questões teóricas que norteiam esse universo apresentando um roteiro para sua leitura.
Apresentando a tenda do suor
A tenda do suor é uma das tradições mais difundidas na América do Norte
indígena. Os primeiros europeus que a descreveram foram os espanhóis. Eles
observaram que entre os povos nativos do México era chamada de temezcalli. (teme é a
palavra na linguagem Asteca, Nahuatl para banho. Calli é a palavra Nahuatl para
“casa”). Os missionários espanhóis e vários conquistadores passaram quase tanto tempo
descrevendo o Temezcalli quanto tentando erradicá-lo. Uma ou outra variedade do
suador foi encontrada em praticamente toda a América do Norte. No nordeste, as tendas
são construídas com varas de salgueiro e podem ser cobertas com casca de bétula ou
peles. Nas planícies, esse alojamento era coberto com peles de búfalo, enquanto na
Califórnia, a casa era tanto para suar como lugar de habitação e centro cerimonial. No
extremo noroeste, casas suor às vezes eram feitas de tábuas de cedro e até mesmo o
polar Inuit envolvidos no suor em seus iglus (BRUCHAC, 1942).
A prática de despejar água sobre pedras aquecidas para produzir um banho de
vapor e limpeza é comum, , em muitas partes do mundo não sendo uma prática limitada
aos povos indígenas do continente americano. Os primeiros europeus a visitar o México
não foram os espanhóis, mas os escandinavos, estes teriam se sentido mais à vontade
com o Temascal. O savusauna ou sauna da Finlândia é muito parecido com o temazcalli
indígena; se tendas do suor estão se tornando mais comum agora, talvez estejam
voltando à forma original como era antes da dominação europeia e da desaprovação
11
oficial do governo dos Estados Unidos. Esta proibição fez o suador muito menos
comum no período compreendido entre 1930 e 1960.
Bruchac (ibidem) explica que a tenda mais difundida e praticada hoje é de
tradição Lakota Sioux, chamada Inipi. Os Lakota persistiram com às Inipi, enquanto
muitas outros grupos indígenas americanos foram forçados pela pressão dos
missionários e pelo governo federal a desistir de apresentar a tenda. Em algumas
Comunidades Indígenas a prática ficou por gerações sem ser realizada, devido à pressão
de autoridades civis e da igreja. Homens e mulheres que sabiam o suador morreram sem
passar seus conhecimentos para a próxima geração.
Nas últimas três décadas, os anciãos lakota têm ensinado suas cerimônias
sagradas em outras comunidades nativas que pretendiam restabelecer o suador. Eles
também compartilharam com os índios que cresceram nas áreas urbanas fora das
reservas. A prática no suor Inipi foi trazida pelos anciãos em presídios de segurança
máxima para o benefício dos presos indígenas. Para o movimento indígena americano,
formado em 1968, o suor tornou-se uma base espiritual para uma consciência política
crescente.
O resultado desse compromisso com a partilha de suas tradições foi que um
número de Lakotas e os não-lakotas (que foram treinados por um professor lakota)
viajaram pelo continente oferecendo o Inipi ao seu próprio grupo e, por vezes, para não
índios. Atualmente, parece os povos indígenas que são encontrados no Canadá e nos
Estados Unidos, estão usando tendas do suor.
A Tenda do Suor ou “sauna sagrada”, “Inipi”, “Sweat Lodge” ou “Temascal” é
construída com varas flexionadas unidas em formato de iglu e revestida por cobertores.
Em seu interior é cavado um espaço circular onde são colocadas pedras incandescentes
de forma ritual e chamadas de avozinhas. Os participantes sentam em círculo no seu
interior e acompanham com rezas as quatro fases distintas, demarcadas pelo abrir e
fechar da porta. É um dos rituais mais difundidos no que chamo de circuito
neoxamãnico e, segundo seus atores, representa simbolicamente “o ventre que gera a
vida”. Um dos modelos que se utiliza para estabelecer o ritmo de sua dinâmica e suas
passagens é o do próprio corpo do ser humano, sendo a função central de cada fase a de
“limpar” e “fortalecer” o corpo e o espírito.
12
A primeira fase ou rodada da tenda, representada pela Terra, está ligada à
estrutura óssea, com a sustentação, com os pés e as pernas, com a “energia” do primeiro
“chakra”, com o “corpo material”. É o momento de se “reconciliar com a natureza
interna”, com o “próprio ser”.
A segunda fase está associada ao elemento Água, ao “corpo emocional”, aos
sentimentos, ao ventre. Convida-se para “perdoar e ser perdoado”, para “liberar” os
sentimentos de culpa, a “lavar as emoções e o coração”.
A terceira fase está ligada ao Ar, a “inteligência que permite escolher o caminho
correto”, ao “retorno da luz que ilumina tudo”, que “clareia o caminho”.
A quarta fase está associada ao Fogo, à “transmutação total”, à “troca” e à
“regeneração”, o que permitiria “ressurgir como seres novos do ventre da tenda”.
Essa estrutura ritual básica é recorrente em todas as tendas pesquisadas, as
variações como rezas, adornos, instrumentos, tempo de duração, o definidas pela
performace do focalizador que se adapta a diferentes públicos por onde passa, assim a
prática da sauna indígena é difundida e repassada de forma flexibilizada
1
.
Entrando no campo
Considero que iniciei minha entrada no campo em outubro de 1998 quando
participei durante o no Encontro Holístico de Natal, de um “workshop xamânico”
conduzido por Marise Dantas, mais conhecida por Yatamalo. A psicóloga paraibana
entrou vestida como índio norte-americano, pois segundo ela teria vivido entre eles em
“vidas passadas” e dizia ter aprendido os rituais com um pagé da tribo Potiguara em
Baia Formosa/RN. O tema do workshop era “resgate do animal de poder”. Ela tocava
maracá, tambor, e leu um “baralho xamânico”, meditação para ver o “animal de poder”
e incensos indianos. Meus questionamentos sobre o papel dos integrantes nesse evento
eram inúmeros: o que move essas pessoas? Quem são elas? O que têm em comum?A
partir daí iniciei minha busca pessoal participando de outros eventos que ajudassem em
minha busca por desenvolvimento pessoal. A princípio não tinha a intenção de fazer
uma análise mais profunda sobre este campo social, mas no momento da escolha
acadêmica o tema se mostrou apropriado.
1
Flexibilizada: termo nativo para as adaptações feitas no ritual da tenda para atender ao público.
13
Em março de 2007, fiz minha primeira entrada na tenda do suor, em Parnamirim
(RN) a convite de uma amiga. A tenda, uma armação circular de varas coberta por
lençóis de para conter o calor de pedras previamente aquecidas em uma fogueira.
Aparentemente uma sauna rústica, que segundo Tarumã, condutor da tenda, reproduzia
um antigo ritual indígena norte-americano. Foi uma experiência única que eu poderia
resumir com duas palavras: desapego a sensação de que tudo em mim que não servia
mais estava sendo descartado, e um sentimento de poder entorpercedor de reconstrução
de mim mesma... O ar quente e úmido a visão das pedras incandescentes, o som da reza,
o cheiro das ervas queimadas, dos instrumentos, os gemidos... Ao mesmo tempo, o
contexto ritualístico de abrir e fechar das portas na escuridão e a entrada da luz que
aliviava o calor me estarreceram: era a primeira vez que presenciava algo assim...
Sentia-me em um mundo atemporal, não me sentia só, e ao mesmo tempo um
sentimento de pertencimento e unidade, de conexão com todos os seres vivos tomou
conta de mim. Nascia, aí, uma nova paixão, que veio alinhar uma jornada pessoal de
dez anos, da qual esta pesquisa é um dos frutos. Meu interesse pelos rituais xamânicos
foi marcado, portanto, desde o inicio, por este duplo viés: uma busca existencial pessoal
e um fascínio antropológico pelos modelos culturais criados ao redor dos seus encontros
rituais.
Paralelamente participava de encontros de desenvolvimento pessoal, fora de
Natal e em um nesse encontro conheci Sthan Xanniã, que viria a ser meu principal
colaborador na pesquisa. Comecei a participar mais efetivamente dos encontros que
aconteciam em Natal/RN, como cerimônias de lua cheia ou lua nova, mas sempre com
os mesmos atores. Nesta época, eu estava iniciando as disciplinas obrigatórias do
Mestrado em Antropologia Social e tinha decidido estudar xamanismo. Um campo
muito amplo como dizia meu orientador. Percebemos que as “cerimônias de lua cheia” e
“tendas do suor” realizadas em Pium distrito do município de Parnamirim/RN,
focalizadas
2
por neoxamãs locais, nos levavam a seguir uma espécie de rede que
interligava atores em diversas partes do continente, a partir de então, seguindo a rede
2
Focalizadas- termo nativo usado para o ato de conduzir os trabalhos durante o ritual da tenda do
suor,dependendo da” linha de atuação a tenda pode ser conduzida ou “corrida”por um neoxamãs
habilitado .
14
que se apresentava fui levada a participar de cerimônias em João Pessoa, Minas Gerais,
São Paulo, Rio de janeiro, São Paulo e Peru.
Em Dezembro do de 2008, seguindo a rede parti para outra viagem o Peru
seguindo o fluxo da rede até a fronteira com a Bolívia. Quando voltei diante da
constatação da dimensão da rede que se formava e por sugestão de meus orientador,
decidi delimitar o campo empírico da pesquisa A tenda em Parnamirim era apenas a
ponta na rede que passei a chamar de circuito neoxamânico. Partindo de cerimônias de
lua cheia e de tendas do suor realizadas, escolhemos seguir as diversas articulações
presentes de forma montar parte de uma ampla rede social (BARNES, 1987). Na
maioria das vezes apenas o focalizador (o dirigente da cerimônia) conhecia sobre a
pesquisa. Quando por algum motivo falava sobre o trabalho, alguns que estavam no
processo de aprendizagem demonstravam interesse em ler o resultado. Os eventos eram
realizados de forma a atender ao público-alvo com data e locais pré-agendados, vendido
para turistas ou simpatizantes do circuito neoxamânico divulgados em sites individuais
ou dos centros xamânicos, por meio de e-mail, panfletos, cartazes, divulgação em
revistas especializadas ou divulgação boca a boca em locais como, congressos, palestras,
centros holísticos, sítios ou granjas (em que realizam encontros) ou a própria aldeia
indígena.
Nesses três anos, participei de nove tendas entre fevereiro de 2008 e fevereiro de
2010, com seis focalizadores diferentes. Paguei o mesmo valor que todos os outros
participantes em diversos eventos (ritual de lua cheia, busca da visão e tendas), os
valores variavam entre cinquenta a setecentos e cinquenta reais, obtendo entrevistas e
filmagens em troca de ajuda na divulgação, organização, limpeza (cozinhar, lavar pratos
e roupas, arrumar), na produção de material para venda (pães e biscoitos). Minha
participação no campo foi além da observação participante, atuando como uma espécie
de observação participada. A presença da tenda do suor como ritual de “purificação” e
“limpeza” antes ou não de uma jornada ou encontro é constante no circuito, recebendo
todo tipo de participantes, aprendizes, curiosos e “buscadores” sendo uma situação ideal
para analisar a rede em que está inserida.
Para além de fazer uma descrição etnográfica material e simbólica da tenda,
pretende-se, a partir dela, fazer o mapeamento das redes de “apadrinhamento” dos
neoxamãs, o modo como conhecimentos são repassados e adaptados a novos contextos
15
unindo “xamãs da aldeia” com neoxamãs urbanos formando um jogo de produção
mútua de autoridade. Essa rede que une modeladores
3
se concretiza em cursos de
formação “xamânica universal”, unindo diferentes práticas e símbolos em cerimônias de
celebração; em encontros e vivências em centros holísticos e lugares considerados como
sagrados. Os encontros são realizados com o objetivo de proporcionar ao participante
“vivenciar” a “cosmologia indígena” através de saunas sagradas, buscas da visão, ou
cerimônias com enteógenos.
4
A proposta metodológica
Quando fui apresentar meu projeto na banca para seleção do mestrado em 2007,
jamais imaginei os caminhos que minha pesquisa, os textos antropológicos e o convívio
com colegas e professores dentro e fora da sala de aula, me levaria. Assim como
Malinowisk vendo a canoa se distanciar da praia, o caminho me parecia obscuro e
confuso repleto de dialetos e formas próprias de expressão, de teorias e experiências
com uma infinidade de novas informações (para mim) aos poucos, foi dando lugar a
inúmeras possibilidade de pensamento. Surgiram assim atrás da nuvem de fumaça
diferentes caminhos repletos de possibilidades e saberes diversos.
Recebi autorização para filmar ou gravar a montagem e fazer entrevistas com os
integrantes, não sendo permitido filmar no interior da tenda. A participação nos rituais
dentro da tenda me afetava fisicamente e emocionalmente, seja pelo calor interno ou
pela escuridão e desconforto da situação que me encontrava, uma situação fora de tudo
que conhecia sobre observação participante. Para sistematizar as informações que se
encontravam dispersas após a saída da tenda, meu orientador sugeriu elaborar um
quadro sinótico, para inserir os elementos presentes no ritual e suas etapas, e assim
anotar suas particularidades evitando questionamentos durante o ritual aos participantes.
Pude assim, detectar as recorrências. Além de participar do maior número possível de
tendas, nesse período. Recebi em conversa com os participantes da tenda indicações de
3
Modelador: termo nativo usado no sentido de modelagem de comportamento que envolve a observação e o
mapeamento dos processos de comportamento que formam a base de algum tipo de desempenho excepcional. O
objetivo do processo de modelagem é identificar os elementos essenciais de pensamento ou crenças e de ação
exigidos para produzir a reação ou resultado desejado. Mais adiante, voltamos a esse tema.
4
Enteógeno foi um termo proposto pos Wasson ET. AL(1969), eleito para livrar-se de rótulos tais como droga ou
alucinógeno, desgastados e carregados de preconceitos, além de conflituosos com relação às visões nativas. Segundo
MacRae(1992, p.16), entógeno deriva do grego antigo entheos que significa “Deus dentro”, o neologismo entoógeno
significaria então “o que leva o divino para dentro de si”;Ott (1993:104-105) o seu significado como literalmente
“realizing the divine within”.
16
bibliografia, sites especializados e nomes com personagens que eram constantemente
citados. Para conhecer mais sobre o campo fiz buscas na Internet, pesquisando em sites
nativos e me inscrevi em listas de bate-papo.
Focalizei ao longo desse processo questionamentos oriundos do campo: É o
xamanismo um potencial humano universal? Posso eu converter-me em xamã? Cada
vez mais pessoas na sociedade atual estão se fazendo estas perguntas. O número de
revistas e oficinas que se ocupam do xamanismo é atualmente significativo. Mas nem
todos são iguais, e o universo neoxamânico é muito grande. Trata-se de um fenômeno
relativamente novo que ganhou projeção na última década e, considerando a
complexidade e diversidade do tema, ainda não tem muitos estudos a respeito. Muitas
formas de neoxamanismo usam elementos da religião norte-americana. Isto exige do
pesquisador um grau de ousadia (acompanhada de permanente angústia) para lidar com
um objeto de estudo que se insere num campo em construção: implica enfrentar dilemas
teóricos (entre o estudo de religiosidade ou de antropologia urbana), rever referenciais,
escolher estratégias de investigação, num oceano de práticas e agentes.
Optei por recortar um modelo da tenda do suor, dentre todas que participei, um
caso para demonstrar uma pitada nesse oceano de cosmologia, será tratada aqui como
situação social (MITCHELL, 1957), uma teia que envolve diferentes atores, práticas e
aprendizados e rede de conexões. Peço desculpas aos meus colaboradores por este
trabalho não conter todas as informações recebidas, primeiro porque é um campo sem
limites, segundo porque minhas obrigações metodológicas me levam a recortar e definir
um campo empírico, mesmo que virtual, flutuante, mas cheio de representatividade.
Assim, procurei focar na recorrência do ritual da tenda, o aprendizado dos atores de
poder e a rede de relações nutrida por este ritual. Tentarei como Bateson (1958, p. 281),),
quando explica em um epílogo ao seu livro Naven, e diz que seu projeto é um
“entrelaçamento de três níveis de abstração”: o primeiro é o nível concreto dos dados
etnográficos; o segundo, mais abstrato, é o do ordenamento dos dados para criar
“diversas imagens da cultura”; e o terceiro, ainda mais abstrato, uma análise
meticulosa dos procedimentos mediante os quais se montam as peças do quebra-cabeça”.
Kenney (1997, p. 45) acrescenta que examinar atentamente os níveis inerentes à própria
tentativa de compreender um fenômeno é um método epistemológico aplicável à terapia.
17
Isso explicaria a abrangência do trabalho antropológico de Bateson (ibidem) e sua
aplicabilidade em diversas áreas do conhecimento.
Descrevo assim uma das tendas e o movimento de seus participantes e
focalizadores. As implicações do estar na tenda e seus efeitos nos participantes,
independente das razões que os levaram a esta prática, seus efeitos são incontáveis e
incontroláveis comparados ao de tomar uma “medicina” preparada com “plantas do
poder”. No geral esse trabalho pretende descrever e analisar as atividades de alguns
atores que fazem parte do que chamo circuito neoxamânico que se articula em redes
globais que ligam a neoxamã e “indígenas da aldéia” em intercâmbios de saberes
práticos e simbólicos. Partindo de “cerimônias de lua cheia e de “tendas do suor”
realizadas em Pium distrito do município de Parnamirim/RN, focalizadas
5
por neoxamãs
locais, fui levada, ao seguir a rede, passando por João Pessoa, Minas Gerais, São Paulo,
Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, e daí ao Peru.
Breve histórico da tenda no Brasil: articulações em rede
Os dados produzidos em entrevistas e pesquisas em sites especializados situam a
origem da tenda do suor em duas linhas de chegada ao Brasil no fim da década de 1980:
através da Native American Church dos Estados Unidos, ou da Igreja Nativa do Fogo
Sagrado de Itzachilatlan, México.
De acordo com Tony Paixão, co-fundador do Centro de Estudos Xamânicos (RJ),
representante da Native American Church no Brasil, a tenda do suor foi introduzida no
Brasil em 1988, no Sítio das Tocas em Posse, Rio de Janeiro, por Carlos Sauer,
massoterapeuta iniciado em 1986 no neoxamanismo pelo antropólogo e neoxamã
Michael Harner dos Estados Unidos.
Em 1995, o modo de vida (Way of Life) da Native American Church uniu três
amigos brasileiros: Carlos Sauer, Lino Py e Tony Paixão, quando estes começaram seu
aprendizado com o caminhante Hector Mario Gomes. Em 1995, o Projeto Arco-íris, grupo
realizador de eventos alternativos composto por nove membros do qual Tony Paixão
fazia parte, convidou Hector Mario Gomes e Carlos Sauer para a realização da primeira
5
Focalizadas: termo nativo usado para o ato de conduzir os trabalhos durante o ritual da tenda do suor,
dependendo da linha de atuação, a tenda pode ser conduzida ou “corrida”por um neoxamã habilitado.
18
Cerimônia de Medicina da Native American Church no Brasil, e incluiu também a
cerimônia da Tenda do Suor, que aconteceu em Aiuruoca-MG.
Em 1996, nos EUA, Carlos Sauer foi adotado pelos anciões cheyenne Billy
Turtle e Nelson Turtle como filho. Nelson Turtle e sua “família” são responsáveis por
manter e divulgar a cerimônia da Cerimônia da Meia Lua (Half Moon Way) e o uso do
cacto sagrado peyote. Em 1997, o chefe cheyenne veio ao Brasil com seu filho adotivo
Carlos Sauer, com o apoio de Tony Paixão. Nelson liderou aqui algumas Cerimônias de
Medicina Nativa e da Tenda do Suor, quando também adotou Tony Paixão e Lino Py
como filhos. Em 2003, Rogério Favilla se uniu aos três “irmãos” Carlos, Lino e Tony, e
em 2005 e também foi adotado por Nelson Turtle. Em seguida, novos integrantes, Bull e
Bill, se uniram ao grupo e também foram adotados por Nelson. Nelson voltou ao Brasil
em 1999 e 2000 para passar conhecimentos e para a realização de mais cerimônias. Em
2000, depois de um convite Carlos e Nelson tiveram a oportunidade de visitar no
Espírito Santo um chefe indígena da tribo Guarani chamado Tupã. Neste encontro
especial, os dois anciões rezaram juntos e fumaram tabaco. Em 2005, Nelson Turtle
retornou ao Brasil e vem dando continuidade aos ensinos e preparação dos jovens
líderes de cerimônias.
Figura 1-1995- 1º cerimônia da Native American Church em Aiuruoca MG.
19
Figura 2- 1995 Fotos do interior da tenda do suor. Foto Centro de estudos xamânicos-RJ
A segunda linha tem como origem a Igreja do Fogo Sagrado de Itzachilatan
representado pelo seu presidente, Aurélio Dias Tekpankalli. Nela, a tenda é chamada de
Temascal e seus focalizadores chamados de corredores, o que parte do princípio de que
o fluxo da tenda corre sozinho. Nesta linha de atuação, os rituais são realizadas por
“Corredores de Temazcal”, habilitados pela Igreja Nativa para conduzir essa cerimônia.
Esta linha é seguida pelo Sthan Xanniã e pelo condutor da tenda que acontece todos os
meses em Parnamirim/RN.
Modelando xamãs: o caso da tenda do suor
Considero a elaboração desta pesquisa um ritual de passagem para o mundo da
antropologia, experimentar um novo olhar disciplinado, produzir dados, pensar sobre
estruturas de relações, compreender símbolos e códigos nativos da disciplina. Posso me
considerar uma simpatizante adepta das práticas de cura aprendendo a transitar, agora,
no mundo da academia, da ciência, encontrando formas de entrada através do diálogo de
20
saberes, como o concebem José Jorge de Carvalho (1998) quando propõe um diálogo
em de igualdade entre antropologia e esoterismo, ambos visões de mundo e contra-
discursos da modernidade, e Otávio Velho (1998) quando reconhece haver, hoje, mais
ganhos do que perdas no abandono de uma distinção forte entre reflexão e prática e em
uma aproximação entre epistemologias.
Assim, após apresentar minha preparação ritual (ou seja, a estrutura básica da
pesquisa, os procedimentos, referenciais teóricos, dúvidas e questionamentos
metodológicos, assim como minha posição enquanto pesquisadora, a entrada no campo,
a rede e as relações construídas com meus interlocutores), proponho aproveitar a
estrutura do ritual da tenda, situação base, para apresentar este trabalho, para analisar a
rede, estruturando os capítulos como uma metáfora que representa o ritual da tenda,
portas que se abrem e fecham em uma sequência de desconstrução e reconstrução dos
resultados da pesquisa. Rodadas em que o físico, o pensamento, o espírito e as emoções
do campo social estudado são apresentados.
No primeiro capítulo, apresento o movimento neoxamânico, suas raízes ou
interlocuções para situar perspectivas e as origens do pensamento neoxamânico, suas
distintas cosmologias e sua ligação com o movimento Nova Era através da análise de
diversas categorias usadas por seus integrantes. Apresento algumas discussões sobre o
tema, considerando os aspectos que demarcam a sua especificidade e que caracterizam
as suas práticas, experiências e discursos.
No segundo capítulo, apresento a descrição etnográfica de uma seqüência de
eventos em que participei durante um encontro, onde atuei como observadora
participante em todos os momentos. Tento descrever o que vi, ouvi e senti dentro da
tenda, sua estrutura de funcionamento, seus atores, os instrumentos, o público, enfim, o
processo de construção de dados, a análise do ritual até a opção pela descrição através
do modelo situacional.
No terceiro capítulo, proponho uma interpretação da narrativa da trajetória do
meu colaborador Sthan Xanniã, com ênfase na construção de identidade do neoxamã,
enquanto gestor das emoções”. Usando uma categoria nativa, modelagem, apresento o
processo de aprendizagem e suas fontes, seus instrumentos, práticas terapêuticas.
21
Também investigaremos através da trajetória do Sthan Xanniã como o grupo constrói
sua cosmologia fortemente inspirada nos moldes da espiritualidade da Nova Era.
No quarto capítulo, a última rodada, ligada à expressão, forneço um panorama e
análise do circuito neoxamãnico fazendo uso da noção de rede social. Ao longo deste
estudo, procuro demonstrar como xamãs e neoxamãs interligam-se a estas novas redes
urbanas (Magnani1995,1996,1999) e as redes terapêuticas neoxamânicas que vêm
ganhando autonomia no interior do universo da Nova Era (TAVARES, 1998).
Finalmente, a saída da tenda, apresento as considerações finais deste estudo, o
modo como ao final a grande rede que une modeladores e seus públicos são também
modelados pelos padrões que o circuito neoxamânico vai ganhando.
22
CAPÍTULO 1
A Nova Era e o Neoxamanismo
Neste capítulo pretendo situar origens e formação do pensamento neoxamânico,
de sua cosmologia, em especial em sua relação com o movimento Nova Era. Apresento
o campo de discussões sobre o tema, considerando os aspectos que demarcam a sua
especificidade e que caracterizam as suas práticas, experiências e discursos.
O movimento neoxamânico e a Nova Era
No Brasil, Luis Eduardo Soares, em ampla pesquisa conduzida no Instituto de
Estudos da Religião (ISER), na cidade do Rio de janeiro, estudou um fenômeno que
denominou nova consciência religiosa. Ele o definiu como um tipo de
experimentalismo cultural e religioso, um revival do interesse intelectual, político e
existencial pelas “terapias disciplinares esotéricas ou práticas alternativas” por camadas
médias intelectualizadas das grandes metrópoles urbanas (SOARES 1994, p. 122). De
acordo com o autor, existe uma forte correspondência entre a modernidade e a nova
consciência religiosa. A modernidade caracteriza-se pelo deslocamento da religião, onde
o compromisso religioso seria, nas suas palavras, mais um exercício de opção da
subjetividade pessoal. Para ele, essa nova consciência representaria, desta forma, a
realização, talvez mais rigorosa e radical, da experiência religiosa moderna, parecendo
ser, ao final, o último avatar do “racionalismo moderno ocidental” ou a expressão mais
radical de um de seus efeitos mais significativos (SOARES, 1994, p. 211).
No Brasil, as representações e ações correlatas ao universo deste trabalho
chamado neo-esotérico tornaram-se visíveis no decorrer da década de 1990,
acentuando-se nos anos 1990. É certo que algumas de suas características remetem a
décadas anteriores, em especial a um conjunto de conteúdos veiculados no contexto da
“contracultura”, o que é assinalado por diversos autores.
O aparecimento do fenômeno Nova Era, nos Estados Unidos, ocorreu a partir
dos anos de 1970 e 1971. É nesse período que se torna visível enquanto movimento
23
religioso, protagonizado por estratos sociais médios e médios altos, da sociedade
americana. Pode-se sugerir que a principal característica de seus simpatizantes está
relacionada a um “grande apetite espiritual”, que apresenta em concomitância a uma
contraposição ao domínio eclesiástico, marcado por um discurso que denuncia a
falência da Igreja, isto é, do Cristianismo, considerado um tipo de espiritualidade vazia
e contenedora de um forte apelo ao individualismo utilitário.
Assim a crise religiosa e a crise política trouxeram importantes consequências
políticas, sociais e culturais para a sociedade norte-americana. A “nova consciência
religiosa” nascida da erosão de legitimidade do modo de vida norte-americano, chegou
aos anos 1970 como um conjunto coerente de símbolos para aqueles jovens que se
encontravam orientados pela cultura da busca do autoconhecimento por meio das drogas.
Eliade talvez possa ser considerado um dos precursores na área de estudo do esoterismo
moderno. No seu livro Ocultimo, bruxaria e correntes culturais nos EUA, pressupõe
que seja um tipo de religião pop, segundo a qual haverá uma grande renovação da era
pós-Aquarius, seja o esoterismo mais tradicional que nega a possibilidade de uma
renovação cósmica e histórica, sem uma destruição do mundo moderno.
As origens do movimento Nova Era
Heelas (1996, p. 41) considera as origens mais remotas do movimento Nova Era
e, por extensão, do neoxamanismo no Romantismo do século XIX (em sua vertente
americana, os “transcendentalistas”: Emerson, Thoreau e Whitman), e nos movimentos
esotéricos ocidentais do século XIX - ou “orientalistas“, no dizer de Campbell ( 1997) -,
tais como os swedenborguianos
6
e os teosofistas (como Helena Blavatsky) que
configuram aquilo que em seu trabalho Heelas denomina por “contracultura do fin de
siècle”. Heelas também considera Carl Jung como figura-chave. O período que se
seguiu do início do século XX até os anos 1960 é pontuado por Heelas através de
6
Swedenborguianos: Seguidores das ideias de Swedenborg Os Escritos admiráveis que foram publicados a partir
desse período têm influenciado mentes de homens, mulheres e crianças, tanto pessoas humildes quanto da realeza,
anônimos ou lustres famosos, como Carlyle, Ralph Waldo Emerson, Baudelaire, Balzac, William Blake, Helen Keller
e Jorge Luís Borges. No entanto, esses mesmos escritos teológicos e espirituais são motivo para que se façam
julgamentos parciais e de interesses, lançando dúvida sobre a sanidade mental do autor e sua reputação científica
anterior. Por causa de sua teologia, Swedenborg sofreu censura e forte perseguição por parte de religiosos cristãos em
seu país, onde seus livros foram proibidos. De fato, a doutrina por ele exposta abala as bases da crença tradicional do
cristianismo, a saber, em um Deus dividido em três pessoas, num sacrifício sanguinário de uma pessoa (o Filho), para
aplacar a ira da outra pessoa (o Pai). Mais sobre E. Swedenborg em <htp://www.swedenborg.com.br/
24
diversos nomes que seriam consolidadores do movimento Nova Era, tais como: Aldous
Huxley e suas experiências com plantas psicoativas no Novo México; o poeta hindu
Rabindranath Tagore; Teilhard de Chardin; gurus indianos estabelecidos no ocidente,
como Yogananda; Allan Watts e suas obras sobre meditação Zen; os romances de sabor
esotérico de Herman Hesse, entre outros. Heelas ainda pontua, nos anos 1960, dois
marcos importantes para a produção da “sensibilidade” Nova Era: a fundação da
comunidade alternativa de Findhorn, na Escócia, e o centro de estudos de Esalen, na
Califórnia para o qual contribuíram nomes como o escritor Aldous Huxley, o
antropólogo Gregory Bateson, os psicólogos Abraham Maslow, Carl Rogers, Eric Berne
e Fritz Pearls , entre outros.
Nesse período, continua Heelas, diversos centros inspirados em religiosidades
orientais ou pagãs foram fundados em território norte-americano e este tipo de
sensibilidade mostrou-se em crescimento evidente. Bloom (1997, p. 181) apelida
“California Orphism” ao movimento Nova Era, vendo-o como parte da Gnose” esta,
uma das cosmologias que fundamenta a American Religion”. A jornalista Marilyn
Ferguson (1980, p. 139) aponta que os anos 1960, especialmente aqueles vividos na
Califórnia, no centro cultural criado em Esalen (o “centro do potencial humano”),
demarcaram uma “revolução de valores”, a partir do que ela denomina “a matriz
americana para a transformação”. Ela aponta nomes ligados ao centro de Esalen, como
Aldous Huxley, o bioquímico Linus Pauling, os psicólogos Carl Rogers, Abraham
Maslow e Rollo May, o teólogo Paul Tillich, Bateson e “um jovem estudante chamado
Carlos Castaneda”. Capra (1995, p. 16), físico e escritor nativo, consideram os anos
1960 “não tanto uma década quanto um estado de consciência, caracterizado pela
expansão transpessoal, questionamento da autoridade, senso da possibilidade das coisas
e vivência da beleza sensual e do espírito comunitário”. Capra elogia a filosofia de
protesto hippie que ele encontra quando chega à Califórnia e evoca, saudoso, “os
festivais de rock, as drogas psicodélicas, a nova liberdade sexual, a vida comunitária, os
muitos dias com o pé na estrada”. Ele também frequentou Esalen.
Esalen (Esalen Center for Theory and Research), evoca o nome de um grupo
indígena californiano extinto. A região, antigo cemitério tribal esalen, tornou-se um
centro cultural, graças à família Murphy (CAPRA, 1995, p. 17). Desde sua fundação no
final dos anos 1960 até hoje, constituiu-se uma espécie de fórum livre onde ocorrem
palestras, seminários, oficinas a respeito dos temas mais diversos, dentro de um espírito
25
da contracultura, ou, em termos atuais, dentro do espírito de uma cultura alternativa:
ecologia, esoterismo, antropologia e mitologias comparadas, política e economia
alternativas, experiências psi e estados alterados de consciência, uso de plantas e drogas
psicoativas, artes e filosofia, disciplinas orientais, medicinas e práticas de curas
alternativas etc.. Esalen também seria o reduto de scholars dispostos a exercitar um
loose think, em contraposição aos rigores acadêmicos determinantes de um strict think
como dizia Bateson. Esalen é um elo que liga antropólogos como Bateson; o amanismo
de Castaneda, de Michael Harner e de Jean Halifax; mitólogos como Joseph Murphy;
físicos e matemáticos como Capra; psicólogos e psiquiatras dedicados à pesquisa
informal a respeito de consciência alterada, e outros difusores de uma cultura alternativa
que se propõe a “encontrar pontes entre oriente e ocidente” (Cf: site Esalen, 2004).
Michael Harner deu conferências em Esalen, de1984 a 1988, no mesmo auditório em
que Gregory Bateson havia falado sobre Mind and Nature.. Castaneda fora visto por
Capra num bar hippie frequentado pelos habitués de Esalen, proferindo uma palestra
sobre o xamanismo Yaqui (Capra, ibidem).
Elizete Schwade (2001) trata a Nova Era como um fenômeno de uma nova busca
de caminhos espirituais, misticismo contemporâneo, práticas esotéricas, apesar de
aparecer como marcado pela individualidade, como ações (e opções) individuais,
apresenta algumas regularidades: possui princípios organizadores, comporta temas
recorrentes, referencia-se em práticas consolidadas que se articulam e ganham
expressão, através de redes, encontros, vivências, rituais e na construção de referências
reconhecidas coletivamente.
Esse evento articula-se com outras expressões do chamado movimento Nova Era,
fenômeno que vem adquirindo visibilidade crescente, nas últimas décadas. Disseminado
pela mídia, "feiras sticas", livros, palestras e workshops, comportam interpretações e
vivência sincrética de fragmentos que remetem a diferentes tradições religiosas e não
religiosas, resultando em práticas e discursos de diversos matizes, os quais envolvem
expectativas de mudança pessoal, sacralização do self e da natureza, práticas de cura,
terapias corporais, celebrações, meditações.
Nesse sentido, o evento é uma das manifestações de um fenômeno cosmopolita
(HANNERZ, 1992), uma vez que reúne indivíduos de diversas partes do país, de
diferentes nacionalidades e, até mesmo, de diferentes etnias, que dialogam, fazem e
trocam experiências e sensibilidades, interagem a partir de uma linguagem polissêmica,
26
o que caracteriza o universo complexo das práticas e representações da chamada Nova
Era.
Schwade (2001) faz um apanhado das diversas denominações propostas, tanto
na forma como a elas se dirigem os adeptos, quanto nos recortes acadêmicos. Destes
últimos, Soares (1994) define como "complexo alternativo"; "Nova Era" é o termo
utilizado por Amaral (1998); D 'Andrea (1996) fala em "New Age"; Maluf (1996) refere-
se a uma "Cultura Neo-Religiosa e Neo-Espiritual", e Magnani (1998) denomina "Neo-
Esotérico". Entre os "Religiosidades em Construção" é um termo utilizado aqui em
sentido similar ao que é empregado por Amaral (1999) como "práticas semi-religiosas
propriamente Nova Era" (1999, p. 63), que se definem pelo diálogo entre aspectos
oriundos de diferentes tradições religiosas. Não obstante se caracterizarem por este
diálogo, cabe registrar a importante observação de Stoll (1999) acerca do perigo de
escamoteamento dematrizes religiosas e filosóficas que orientam a constituição de
novas sínteses religiosas, em "[...] um amálgama de 'velhas' e 'novas' tradições". Stoll
fundamenta essa reflexão no estudo aprofundado da trajetória do Médium Luíz
Gasparetto, chamando a atenção para a necessidade de uma pesquisa detalhada dessas
novas sínteses e suas relações com tradições religiosas já consolidadas.
Divide os trabalhos acadêmicos sobre a Nova Era três bases de questões:
Uma primeira questão localiza-se em recortes circunscritos do exercício da
religiosidade, assinalando, de modo especial, novas formas de expressões do
sincretismo religioso. A religiosidade e suas manifestações plurais, entrelaçadas com
práticas e conteúdos disseminados através do neo-esoterismo, estão contempladas de
diferentes formas nos estudos citados neste segundo conjunto. Amaral (1999), direciona
seu enfoque sobre o trânsito religioso, seus conteúdos e práticas, argumenta um
“sincretismo em movimento” sustentando que, “[...] mais do que um substantivo que
possa definir dentidades religiosas bem demarcadas, Nova Era é um adjetivo para
práticas espirituais e religiosas diferenciadas e em combinações variadas, independente
das definições e inserções religiosas de seus praticantes” (1999, p. 48).
Já um estudo efetuado por Stoll (1999), em reflexão sobre duas lideranças
religiosas espíritas que por meio de sua história pessoal e carreira religiosa personificam
modos diversos de "ser espírita" no Brasil (os Médiuns Chico Xavier e Luiz Gaspareto),
refere-se à aproximação do médium espírita Luiz Gasparetto com algumas das
expressões do universo neoesotérico, o que significou a produção de uma nova “síntese”,
27
“... um arranjo particular de ideias e prátic
origem".
Alguns trabalhos apresentados na forma de papers mencionam outras questões,
ainda em relação ao que alguns chamam de “sincretismo”. A constatação da
incorporação de elementos e práticas esotéricas (realizações de palestras, cursos e
meditações envolvendo estudos de técnicas terapêuticas como reiki, cromoterapia etc)
em um terreiro de Umbanda em São Paulo (SOUZA & SOUZA, 1999), apesar de o
estudo ser apenas indicativo desta possibilidade, traz elementos importantes para pensar
desdobramentos singulares do entrelaçamento de práticas e conteúdos do neo-
esoterismo com universos religiosos estabelecidos no Brasil. Outro estudo é o de
Castro Martins (1999) sobre a dinâmica da doutrina do "Vale do Amanhecer",
assinalando uma espécie de sincretismo entre elementos do cristianismo, do
espiritualismo e da umbanda, organizados em uma referência efetuada, na construção do
espaço sagrado sede da comunidade, a elementos Egípcios, Africanos, Incas, Maias, etc.
O sincretismo é ainda alvo de reflexão considerando a construção de trajetórias
espirituais no contexto da sociedade carioca (CARNEIRO, 1998), no propósito de
pensar a busca da religiosidade, enquanto projeto na modernidade, e também expressão
da "reflexividade" e "destradicionalização" em contexto urbano.
O segundo eixo de questões contempla a construção de discursos alternativos
sobre o corpo e a saúde. Do corpo como veículo de liberação e prazer (Martins, 1999), à
enfase no corpo nas técnicas psicoterapêuticas (RUSSO, 1993), e novas concepções nas
relações doença/cura, no contexto da "neo-espiritualidade" e "neo-religiosidade" (Maluf,
1996). A ênfase no corpo vai ser mencionada ainda em trabalhos voltados para a
discussão da espiritualidade terapêutica (TAVARES, 1999), e na idéia de uma "cultura
corporal alternativa", que ganha sentido frente à noção de "corpo civilizado", conforme
argumenta Albuquerque (1998 e 1999). São diferentes abordagens que remetem, de um
lado, à emergência de concepções sobre o corpo e sua utilização como mecanismo de
autopercepção, autoconhecimento; de outro, argumentam processos históricos por meio
dos quais são elaboradas diferentes ênfases no corpo, em que a reflexão sobre este
aponta alternativas para o estabelecimento da condição de um corpo saudável, prazeroso.
Uma terceira questão é a referência a estas práticas como produtoras de estilos
de vida. É sobre indicadores da configuração de estilos de vida que se evidenciam
28
especificidades de práticas e conteúdos, o que pode ser percebido nos estudos de artes
divinatórias, como a astrologia (VILHENA, 1990), o Tarô (TAVARES, 1999), e na
abordagem das "terapias alternativas" (MALUF, 1996). Nas organizações das práticas
neo-esotéricas e sua implementação espacial, Magnani, (1999) defende o delineamento
de comportamentos no interior da metrópole. A referência ao estilo de vida verifica-se
também no campo da "experimentação religiosa", envolvendo a emergência de grupos
"mísitico-esotéricos", em Brasília/DF (SIQUEIRA, 1998). É ainda o estilo de vida dos
pais que, de acordo com Reis (1998), demarca a opção por "escolas alternativas" para os
filhos, questão identificada em estudo envolvendo escolas vinculadas a grupos místico-
esotéricos, em Brasília/DF. A referência ao estilo de vida está presente também no
privilégio do segmento de adeptos ao neoesoterismo por opções selecionadas de lazer
(viagens, participação em eventos, literatura, filmes, entre outros), citados com
freqüência em diversos estudos como demarcadores de comportamentos dos adeptos
que, conforme enfatiza Schwade (2001) apud Magnani (1999), constituem [...] um
estilo de vida claramente reconhecido, com valores, padrões de consumo e formas de
sociabilidade peculiares”. (p. 18). Trata-se da referência a comportamentos delineados
por meio do contato e interação com o neo-esoterismo, dando visibilidade a um
fenômeno cujas expressões têm especial ressonância junto a segmentos médios urbanos.
Neste trabalho abordo o movimento da Nova Era considerando,
simbolicamente, a segunda questão, enquanto corpo e saúde, mas também a terceira,
também enfatizando a geração de práticas produtoras de estilo de vida. Além disso,
opero com o modelo rede de relações (BARNES, 1987) para, apesar da ênfase dos
atores do campo na variação das práticas encontradas, mostro como a rede de relações
que a todos posiciona também modela padrões individuais, como no processo de
modelagem de um neoxamã, que entitula o terceiro capítulo. A seguir, apresento
algumas cosmologias neoxamânicas, ou molduras de pensamento, recorrentemente
citadas no circuito percorrido por esta pesquisa: a de Carlos Castaneda e a de Michael
Harner, Mircea Eliade e Joseph Campbell. Note-se, todos da área de ciências sociais.
29
A cosmologia de Carlos Castaneda
No prólogo de seu livro The Eagle’s Gift (O Presente da Águia), Castaneda
(1982) escreveu o que se segue:
Embora eu seja antropólogo, este não é um trabalho de mera antropologia; ainda
assim baseia-se nela, pois foi iniciado anos atrás como uma pesquisa de campo
antropológica. Eu estava interessado, na época, em estudar os usos das plantas
medicinais entre os indígenas do sudoeste e do norte do México. Minha pesquisa
evoluiu para outra área com o passar dos anos, como conseqüência de seu próprio
momento e do meu próprio desenvolvimento. O estudo das plantas medicinais deu lugar
ao estudo de um sistema de crenças que parecia atravessar as fronteiras de, pelo menos,
duas culturas diferentes. A pessoa responsável por essa mudança de enfoque do meu
trabalho foi um índio Yaqui do norte do México, Dom Juan Matus, que mais tarde me
apresentou a Dom Genaro Flores, um índio Mazatec do México central. Ambos eram
praticantes de uma ciência antiga, que em nossa época é comumente denominada
feitiçaria, sendo considerada uma forma de primitiva ciência médica ou psicológica,
mas que na verdade é uma tradição de praticantes extremamente autodisciplinares e de
uma práxis extremamente sofisticada.
Os dois homens passaram a ser mais meus mestres que informantes, mas
continuei a ver minha tarefa como um trabalho de antropologia. Passei anos tentando
descobrir a matriz cultural daquele sistema, a aperfeiçoar uma taxonomia, um esquema
classificatório, uma hipótese de origem e disseminação. Todos os esforços foram vãos,
pois, no final, as forças compulsórias inerentes àquele sistema desviaram minha busca
intelectual e me levaram a ser um participante.
Etnografia ou romance? No prefácio do livro de Castaneda A Erva do Diabo,
Walter Goldsmith define o texto como “etnografia e alegoria”. Se a etnografia é o
trabalho do antropólogo, a alegoria pode ser o falar simbólico que expressa as categorias
nativas. No caso, o texto de Castaneda, a novidade é que etnografia e alegoria convivem,
imbricam-se, hibridizam-se. O texto, longo, continua. Castaneda nele afirma que tudo
que escreve não é ficção, embora tenha consciência de que tudo é muito estranho,
parecendo irreal. De qualquer forma, o uso que Castaneda faz da palavra “antropologia”
confere à nossa disciplina um estatuto situado numa condição liminar: ao mesmo tempo
ciência objetiva e veículo de divulgação de uma Gnose ou sabedoria primeva. Esta
última, sem a antropologia, não poderia ser extensamente conhecida. Esta sabedoria é
explicitada diversas vezes por Castaneda, como no trecho acima, em que ele fala de
“uma ciência antiga, que em nossa época é comumente denominada feitiçaria”. Capra
(1995, p. 28), que conheceu Castaneda na Califórnia, enxerga na sua obra uma visão de
mundo, que compara ao taoísmo: “Constatei que os ensinamentos das tradições índias
30
americanas, expressos pelo lendário brujo yaqui Dom Juan, estão muito próximos aos
da tradição taoísta transmitidos pelos lendários sábios Lao-Tse e Chuang-Tzu.
Castaneda, em toda a sua obra literária, denomina por “homem de conhecimento”
ao sujeito que busca por esta sabedoria. . Em Castaneda, a antropologia é apenas o meio,
ou o pretexto, para se tornar conhecidos os conhecimentos e as experiências que ele se
propõe a apresentar. Pode-se também afirmar que, em sua obra, “o antropólogo”, como
cientista e especialista, confere um estatuto maior de seriedade e de confiabilidade à tal
Gnose. Além disso, o antropólogo, no contexto castanedano, é um mediador entre a
própria realidade consensual” e a “realidade da bruxaria”, e uma figura passível de
transitar entre estes dois mundos e também de sofrer metamorfoses, passando de
cientista social a bruxo, ou vice-versa, conforme o momento.
Castaneda encerra o prólogo do livro citado relatando que, após perder contato
com Dom Juan e Dom Genaro, volta novamente ao México e encontra uma rede de
discípulos destes, os quais esperam que Castaneda seja seu nagual, ou seja, seu líder
espiritual. Castaneda concedeu uma entrevista
7
à revista Veja (1975, p. 356). Na
entrevista, Castaneda não se define mais como antropólogo, mas ele se coloca como um
“bruxo”, revelando a sua tarefa no mundo e o caminho que o “bruxo” deve percorrer
para tornar-se um “homem de conhecimento”. Fala ainda do processo de se romper a
“realidade de consenso” e se adentrar em outra realidade, a “realidade da bruxaria”.
Castaneda denomina a realidade comum de “consenso social” e coloca que o
caminho do conhecimento consiste em romper este consensual e experimentar uma
relação nova com a outra realidade. O que Castaneda descreve em sua obra como um
todo seria o seu aprendizado com o xamã Dom Juan Matus. Também pode ser lido, de
modo metafórico, como a interessante tensão determinada pelo processo de fusão entre
o pensamento do antropólogo (“que quer anotar tudo”) e o pensamento mágico do
nativo (“que vive a realidade da bruxaria”). Impossível saber quando se trata de
descrição objetiva e etnográfica e quando é ficção. Castaneda, ou Dom Juan, dialogam
com os personagens que vão sendo tecidos como num romance, através de imagens, de
7
Esta entrevista teria sido incomum, uma vez que o próprio Castanheda declarou preferir, por uma opção
filosófica própria da brujeria, o anonimato. Somente teria dado informações parciais sobre ele as revistas
Time e Psichology Today. Segundo o texto da entrevista, Carlos César Arana Castanheda teria nascido no
Peru em 1935, embora tenha declarado a Time ter nascido no interior de São Paulo, Brasil. Fazendo uma
ressalva, Castanheda teria morrido de câncer em Los Angeles, em 1998. De qualquer modo, ele teria sido
antropólogo, teria trabalhado na UCLA, em Los Angeles, Califórnia. Na entrevista a Veja, ele afirma que
seus livros publicados não seriam romances, mas teriam um fundamento autobiográfico e também relação
com a sua tese de doutoramento, referente ao uso ritual de plantas medicinais pelos índios mexicanos.
31
metáforas, por analogias, a respeito de categorias estranhas, exóticas, em geral e penso
eu - não muito claramente explicadas. Uma “segunda atenção” é necessária, para que se
“veja” “o Espírito”, uma entidade totalizante, multifacetária e misteriosa, manifesta nos
fenômenos naturais e cotidianos. A “primeira atenção” é a consciência ordinária. A
“segunda atenção” é uma consciência mais ampla. A “terceira atenção” é a consciência
post-mortem, “um presente da Águia”.
Na sua obra Journey to Ixtlan (Jornada para Ixtlan: Castaneda, 1972) o autor
detalha a visão de mundo de Dom Juan: a realidade é o que vemos e sentimos porque
somos condicionados a interpretar as nossas percepções de uma forma padronizada e
herdada. O mundo seria ego-construído. Assim, um passo importante seria desfazer essa
ego-construção que nos faz ver a realidade de uma forma fixa e acreditar na sua
substancialidade. A essa descontrução Dom Juan o nome de “parar o mundo”. Esse
processo consistiria em fazer desaparecer a realidade consensual, descontruindo a
consensualidade fundamental do próprio ego. Um passo inicial, descreve o texto, seria o
de renunciar à história pessoal de cada um.
Deixar de lado os papéis familiares, filiações, costumes e ligações herdadas por
linhagem ou parentesco, ou papéis sociais construídos desde o passado. Dom Juan faz
apologia da morte, como uma companheira que está sempre à nossa esquerda, disposta a
nos ensinar as essencialidades da existência. Dom Juan ensina Castaneda sobre a
importância de superar a rotina, que nos fixa aos padrões repetitivos, modela hábitos e
automatismos. Esta superação da rotina pode ser obtida quando o indivíduo se torna um
“caçador” - este não tem rotina. O passo seguinte é tornar-se inacessível ao mundo, ao
social, envolvendo-se numa redoma de mistério e de indisponibilidade para os vãos
interesses sociais.
Pode-se dizer que o próprio Castaneda, como personalidade, seguiu tal preceito
minuciosamente. “Não estar disponível significa que você evita esgotar-se a si e aos
outros”, diz Dom Juan. Um passo seguinte é tornar-se “guerreiro”. Isto, diz o texto,
significa cumprir sua missão no mundo com responsabilidade, sem se preocupar com as
conseqüências. “Precisamos da disposição do guerreiro para todos os atos. Senão
ficamos fracos e feios. Não existe poder numa vida que não tenha essa disposição”,
ensina Dom Juan. “Um guerreiro, ao contrário, é um caçador. Calcula tudo. Isso é
controle. Mas, uma vez terminados os cálculos, ele age. Entrega-se. Isso é abandono.
Um guerreiro não é uma folha à mercê do vento. Ninguém pode empurrá-lo; ninguém
32
pode obrigá-lo a fazer coisas contra si ou contra o que ele acha certo.” Dom Juan
enfatiza, aqui, a noção nativa que se torna marcante para os seguidores do
neoxamanismo: a noção de “poder pessoal”. Ao desconstruir sua percepção de realidade
ego-convencional, o guerreiro abre-se ao Poder, deixa de ser um sujeito passivo perdido
no destino do mundo.
Deve-se aprender a arte do “não fazer” para se obter o Poder. O não fazer” é
outra forma de falar da desconstrução das percepções. percebemos e avaliamos a
realidade das coisas a partir de uma relação construída em nossa mente que se
fundamenta no que fazemos ou não com tais coisas. Quando paramos de olhar para os
seres, deixando de “fazê-los”, eles se tornam apenas “visão”. Enfim, o livro trata
basicamente de outra forma de perceber o mundo, “parando-o”, transpondo nossos
condicionamentos mentais, culturais, que determinam nossa forma passiva de viver.
Neste texto, não referência ao uso do peyote para se obter outros estados de
consciência, como é descrito em The teachings of Dom Juan (Erva do Diabo:
Castaneda, 1975) e em A Separate Reality (Uma Estranha Realidade:Castaneda,1981).
Neste texto, a aquisição do ensinamento é apresentada como algo puramente
psicológico, sem que se afirme a necessidade ou validade do uso de ervas psicoativa.
Castaneda explica, na introdução de Viagem a Ixtlan, que Dom Juan utilizava
apenas três plantas psicoativas: o peyote (Lophophora williamsii); o estramônio (Datura
inoxia) e um dos cogumelos Psilocybe. O efeito da ingestão dessas plantas determinava
o que Castaneda denomina por “estados de realidade não comum”. Castaneda afirma
que tais experiências não constituem alucinações, mas sim o ingresso em outras formas
de realidade. “Dom Juan entendia e explicava as plantas como sendo veículos que
conduziriam ou levariam o homem a certas forças impessoais, ou “poderes, e que os
estados que elas provocavam eram os “encontros” que o feiticeiro tinha de ter com
aqueles poderes, a fim de conseguir controle sobre eles “(ibidem, 11).
Em Tales of Power (Portas para o Infinito: Castaneda, s/d), Dom Juan apresenta
detalhes outros sobre duas categorias de seres: o tonal e o nagual, os quais se opõem
como uma polaridade relativa à dicotomia “realidade consensual/realidade da
bruxaria”. . “O tonal é um guardião que pode ser representado como um animal”
(ibidem, 117s). Ele é um “organizador do mundo”. A pessoa social é produzida pelo
tonal. “Tudo quanto sabemos e fazemos como homens é obra do tonal”. “Neste
momento, por exemplo, aquilo que está empenhado em dar sentido à nossa conversa é o
33
seu tonal: sem ele só haveria sons estranhos e caretas e você nada compreenderia do que
estou falando”. “Digo, pois, que o tonal em todos nós foi transformado num guarda
mesquinho e despótico, quando deveria ser um guardião de larga visão”. “O tonal é tudo
que somos”. “O tonal começa no nascimento e termina com a morte”. “O tonal faz as
regras pelas quais se apreende o mundo”. O nagual (ou naual) é uma categoria elástica,
polissêmica; e é ainda diametralmente oposto e distinto ao tonal. “O nagual é a parte de
nós para a qual não existe descrição: nem palavras, nem nomes, nem sensações, nem
conhecimento”. “O nagual está ali, onde paira o poder”. Dom Juan tenta definir o
nagual utilizando-se de uma ontologia negativa: “ele não é isto”, “ele não é aquilo”,
“ele não é esta coisa”. Se se disser que o nagual seja isto, ou seja aquilo, ou que seja
“Deus”, cai-se no domínio do tonal. O tonal é o conhecido, o definível, o compreensível.
O nagual é o desconhecido, é o indefinível, é o incompreensível. “Na vida do
feiticeiro é o nagual o responsável pela criatividade”. Castaneda afirma ter tido sonhos
estranhos e experiências aterradoras ou delirantes com sombras e com entidades
misteriosas da floresta. Em diversos desses momentos, no texto, Dom Juan afirmava
que seu discípulo estivera “diante do nagual”. Quando Dom Genaro, xamã poderoso,
aparentemente aparece em dois lugares ao mesmo tempo, produzindo um sósia de si
mesmo que fala com Castaneda, Dom Juan afirma que este defrontara-se com “o nagual
do Dom Genaro”. Do nagual emana o Poder.
Castaneda romanceou, ou seja, inventou todas estas categorias, ou realmente faz
um relato das mesmas a partir de uma real cosmologia indígena mexicana, ou as duas
coisas? Um tom daquele espírito que Campbell (1997) denomina “orientalismo”,
parece-me, existe como um pano-de-fundo por trás da trama dos enredos. Por outro lado,
parece realmente haver categorias peculiares às cosmologias indígenas meso-
americanas nos textos. Nagual e tonal são, de fato, categorias nativas encontradas entre
vários grupos indígenas meso-americanos, no México e na Guatemala. Mauss (1974, p.
144) argumentou, a respeito:
No termo naual, no México e na América Central, acreditamos que se possa
reconhecer uma noção correspondente [a outros etnônimos correlatos, que
explicam a eficácia da magia, entre outros povos]. Ali é tão persistente e tão
difundida que se pretendeu transformá-la na característica de todos os sistemas
religiosos e mágicos compreendidos pelo nome de nagualismo. O naual é um totem,
ordinariamente individual. Mas é mais: é uma espécie de gênero muito mais vasto.
O feiticeiro é naual, é um naualli; o naual é especialmente o seu poder de
34
metamorfosear-se, a sua metamorfose e sua encarnação, do que se que o totem
individual, a espécie animal associada ao indivíduo quando de seu nascimento,
parece ser uma das formas de naual. Etimologicamente, a palavra, segundo Saler,
significa ciência secreta; e todos os seus diversos sentidos e seus derivados estão
ligados ao sentido original de pensamento e de espírito. Nos textos Nauatl, a
palavra significa o que está oculto,encoberto, disfarçado. Assim, esta noção sugere
como a de um poder espiritual, misterioso e separado, que é bem o que a magia
supõe.
O exotismo das categorias que Castaneda apresentou soaram de modo sinérgico
à contracultura dos anos 1960 e 1970, quando também se liam as revelações esotéricas
do suposto monge tibetano Lobsang Rampa, quando Timothy Leary pregava o uso de
substâncias psicodélicas como forma de transcendência, e quando gurus indianos
apresentavam sua cosmologia mística de libertação através da meditação O estranho e o
absurdo, o místico, o transgressivo, o hippie bom selvagem, o surrealista, o psicodélico,
o lisérgico delirante, eram cantados através do rock e expressavam-se através de uma
estéticaprópria em sintonia com as sensibilidades emergentes a partir dessa época.
Segundo os textos, Dom Juan teria sido o mestre de uma sabedoria xamânica
esotérica de raízes pré-colombianas. Esta Gnose duvida da realidade empírica como
única e absoluta e afirma a existência de outras realidades, cujo alcance transforma o
homem. Como observou Atkinson (1992) esta proposta xamânica assume uma posição
rival/complementar em relação às sabedorias orientais, tais como yoga, sufismo,
budismo, taoísmo, que vieram permear os setores mais espiritualistas da contracultura
dos anos 1960 e 1970.
De qualquer forma, realidade ou ficção, os livros de Castaneda, assim como os
manuais de xamanismo de Michael Harner, no mínimo contribuíram como catalisadores
do processo de construção cultural de uma Gnose neoxamânica ocidental-
contemporânea. O xamanismo ao estilo Castaneda, ou ao estilo Harner cosmologias
inspiradas na sabedoria e na figura do velho xamã/bruxo ameríndio - teria seu ambiente
ideal de surgimento e de popularização nesta atmosfera gnóstica californiana da
contracultura.
O estilo de Castaneda inspirou seguidores: nos anos 1980, o médico psiquiatra
Carl Hammerschlag escreveu seu aprendizado xamânico entre os índios Hopi do Novo
México (Hammerschlag, 1994 e 1995). Nos anos 1990, a também médica psiquiatra
russa Olga Kharitidi descreve sua iniciação xamânica na Sibéria (Kharitidi, 2001).
Seguindo a mesma esteira, no Brasil, o ex-guerrilheiro Alex Polari descreve sua
35
iniciação ao Daime, no Amazonas, com o Padrinho Sebastião (Polari, 1992). outros
exemplos literários, à exaustão. Outros dois autores nativos que também se identificam
como antropólogos são Jean Halifax (Halifax, 1991) e William Lyon (Lyon, 1991).
Halifax trabalha nas universidades de Columbia e de Miami e também no Musée de
l‟Homme de Paris. Halifax foi palestrante em Esalen, na década de 1980. Sua linha de
pesquisa é a antropologia do xamanismo como prática de cura e segue um viés
comparativo entre xamanismo e budismo. Lyon é ligado às universidades da Califórnia
e de Berkeley. Lyon trabalha muitos anos com o xamã Sioux Black Elk e ambos
viajam, escrevem artigos e dão conferências juntos.
Uma característica que aqui interessa, relativa à Castaneda e a Harner, bem
como a Halifax e Lyon, é que estes autores se identificam nos prefácios, nas orelhas e
nos textos de seus livros como antropólogos. Para o leitor leigo, a antropologia adquire,
assim, um estatuto especial, ao tornar-se uma disciplina mediadora privilegiada e
portadora legitimada da mensagem dos xamãs. O antropólogo passa a ser visto como
aquele misto entre aventureiro e pesquisador, que descobre segredos insólitos dos xamãs
- os quais passam a afetar a sua biografia irremediavelmente - e que resolve
compartilhar com o leitor os segredos que aprendeu. Não fosse o antropólogo, parece
nos dizer esse campo social, tais segredos ficariam retidos, não divulgados, no reduto do
xamã. Ao olhar do leitor interessado, em especial do leitor ligado ao neoxamanismo, o
antropólogo que usando a metáfora de Castaneda - atravessou a fronteira do nagual”,
passando por experiências psicológicas no mínimo perturbadoras, torna-se ele mesmo
um xamã, ou seja, um nagual. Ele descreve sua experiência de campo “de dentro”,
como observador participante, muito participante. Entretanto, mesmo entre os autores
não antropólogos que descrevem sua própria trajetória iniciática e biográfica com xamãs,
uma certa preocupação em expor e em explicar categorias nativas ao leitor se apresenta
como estilo literário característico. Por exemplo, Kharitidi (idem) descreve
detalhadamente, num dos seus capítulos, um ritual siberiano de cura xamânica, do qual
participou, e explica ao leitor, reproduzindo diálogos, o significado de cada detalhe do
ritual. Por isto, Vitebsky (2001) denomina este tipo de literatura de “antropologia
popular” ou o que Labate (2004) chama de “antropologia da prática”.
36
A cosmologia de Michael Harner
Harner foi professor de antropologia na Columbia University, em Yale, na
Universidade da California, Berkeley, e na Graduate Faculty of the New School for
Social Research, Nova York. Harner também trabalhou no departamento de
antropologia na New York Academy of Sciences. Também foi palestrante em Esalen.
Harner e Castaneda conheciam-se pessoalmente, eram amigos e, conforme relata em
seus livros (HARNER, 1995, p. 114; HARNER 1973, p. 140), conversavam, trocando
informações, a respeito de xamanismo. Seus trabalhos de campo incluíram o Alto
Amazonas, o oeste norte-americano, o ártico canadense, e as ilhas Lapland. São quatro
os seus livros publicados: The Way of the Shaman, Hallucinogens and Shamanism, The
Jivaro e uma novela, Cannibal.
Desde 1961, Harner tornou-se publicamente um neoxamã. Nos anos 1970, ele
fundou uma escola de neoxamanismo, em Mill Valley, California: The Fundation for
Shamanic Studies. O livro mais popular e importante de Harner, para o universo
neoxamânico, é The Way of the Shaman (O Caminho do Xamã). Trata-se de um manual
de práticas corporais e mentais para que o leitor se torne, apenas lendo o livro e
praticando, um xamã. No livro, Harner (1995) começa narrando sua experiência
etnográfica entre sociedades amazônicas, fazendo apologia da figura do xamã e do
xamanismo, e descreve rituais xamânicos dos quais participou. Ainda na introdução,
Harner elogia o pioneirismo de Castaneda, dizendo:
Sem levar em conta as questões que surgiram a propósito de seu nível de
ficcionismo, os livros de Carlos Castaneda, prestaram valioso serviço ao
introduzirem muitos ocidentais na aventura e na emoção do xamanismo e de
alguns princípios legítimos nele envolvidos. Nas páginas que se seguem não
recapitularei o material acerca dos livros de Castaneda, nem dei a mim
mesmo a tarefa de mostrar equivalências entre seus conceitos e os aqui
apresentados. Para a maioria dos leitores dos seus livros, entretanto, muitos
dos paralelos devem ser bastante óbvios. Uma das coisas que devo ressaltar
é, todavia, que Castaneda não enfatiza a cura em seus livros, embora essa
represente uma das mais importantes atividades do xamanismo. Talvez isso
aconteça porque em seu livro Dom Juan está basicamente ligado ao tipo de
xamanismo guerreiro (ou feiticeiro).
37
Em sequência, Harner afirma que sua principal meta é, diferentemente de
Castaneda,“fornecer um manual introdutório de metodologia xamânica para a saúde e a
cura”. Harner não está enfaticamente interessado em explicitar uma Gnose xamânica,
como seu antecessor. Harner está interessado em ensinar seus leitores a se tornarem
curandeiros. Sua finalidade é mais diretamente prática, e menos empenhada em expor
uma cosmologia. No primeiro capítulo, Harner descreve momentos de sua pesquisa de
campo entre os índios Conibo e os Jívaro como antropólogo, no final dos anos 1950. O
que ele descreve é sua primeira experiência pessoal com a ayahuasca: ele seres
estranhos, ouve sons musicais maravilhosos, e é confrontado com dragões voadores,
que se identificam como “senhores do mundo” e que lhe revelam coisas a respeito da
origem da humanidade. Harner ficou muito impressionado com sua “viagem”. Os
Conibo ofereceram-lhe a experiência como alternativa à sua indisposição de falarem a
respeito de sua cosmologia, relata Harner. O antropólogo declara, então, que teve com
estes índios Conibo o início de seu aprendizado xamânico. Ele a entender que foi
neste momento, com os Conibo, que o antropólogo permitiu, atravessando um limiar, o
surgimento do neoxamã, como um duplo, eu diria. Com os Conibo, Harner aprendeu a
“técnica de viajar ao mundo profundo”, que se tornou parte essencial da “viagem
xamânica” urbana. Harner retornou aos Estados Unidos.Mas, no início dos anos 60,
volta novamente à América do Sul para estudar os Jívaro equatorianos (entre os quais
havia estado anteriormente) que descrevera em sua monografia (HARNER, 1963).
Todavia, Harner declara que não viera, como antes, estudar etnograficametne os
Jívaro, mas viera aprender com eles sobre como conseguir um tsentsak, um “espírito
auxiliar”. Ele procura então por Akashu, um famoso xamã jívaro. Harner relata como foi
submetido ao banho de cachoeira iniciatório dos Shuar, destinado a contatar os
ancestrais. Esse banho de cachoeira iniciatório é imposto pelos Jívaro aos jovens
guerreiros, como um rito de passagem, conforme Harner descrevera em sua tese
(Ibidem). Após o banho, Harner foi convidado pelos xamãs a ingerir uma poção feita de
maikua (Brugmansia sp.). Essa mesma planta é usada ritualmente pelos Jívaro como
parte do processo para se obter um espírito protetor (arutam) para o menino, descrevera
Harner (ibidem). Harner relata sua experiência sob efeito da planta: descreve seu medo,
sua sensação de morte e sua visão de seres reptílicos. Só depois disso, os xamãs
ensinam Harner a adquirir seus espíritos auxiliares, os tsentsak. Ao descrever a natureza
do tsentsak, Harner praticamente repete o que havia escritoem sua monografia sobre os
38
Jívaro (ibidem, p. 152s.). Os xamãs bons (pener uwisin) usam seus tsentsak somente
para curar doentes enfeitiçados pelos xamãs maus (wawek uwisin). O tsentsak é portanto,
simultaneamente, um espírito auxiliar de cura e um espírito auxiliar para a feitiçaria. Os
tsentsak tem um aspecto visível e um aspecto invisível, que é o verdadeiro aspecto. Sob
efeito de ayahuasca, o xamã Jívaro pode ver os tsentsak como dados que entram ou que
saem do corpo da vítima. Ele pode sugá-los e exibi-los ao paciente. Harner (1995, p. 48-
49) relata que o xamã pode até mesmo exibir um tsentsak visível que havia colocado em
sua boca, oculto, antes da sessão. Ele então faria com que o tsentsak inimigo, dentro do
paciente, fosse absorvido pelo tsentsak visível, oculto. Assim, o xamã reúne o dardo
invisível dentro do objeto que ocultara em seu corpo. Diz Harner (ibidem): “Ao cair
assim na armadilha dentro da boca, a essência bem depressa é apanhada e absorvida
pela substância material de um dos tsentsak do xamã curandeiro. Então ele “vomita” o
objeto e mostra-o ao paciente e à sua família, dizendo: „Agora, eu fiz sua sucção. Aqui
está”. A exibição, na mão do xamã Jívaro, do mal extraído e materializado ao paciente,
tal como Harner descreve, diga-se de passagem, é muito similar à exibição que Sapaim
realiza. Sapaim, entretanto, não apenas suga o dardo invisível, mas também o retira
manualmente da pele, sob forma de uma massa cerosa que depois ele faz sumir.
Continua Harner (ibidem): “Explicar ao leigo que já tinha aquele objeto na boca de nada
valeria, e o impediria de mostrar tal objeto como prova de que havia efetuado a cura”.
Harner relata que retornou em 1960 e em 1973, especificamente para aprender mais
com os xamãs Jívaro. Relata ainda que aprendeu muito também com xamãs indígenas
da América do Norte: Sioux, Salish, Wintum e Pomo. Ele acrescenta que esse tipo de
xamanismo dos índios norte-americanos, por não fazer uso de plantas psicoativas, “foi
particularmente útil para levar os ocidentais à prática do xamanismo” (ibidem). Todo o
tempo, Harner fundamenta-se em fontes etnográficas: Franz Boas, Charles Wegley,
Reichel- Dolmatoff, Kroeber, Ruth Benedict e outros. Harner afirma que aprendeu
muito também com a literatura etnográfica disponível a respeito do xamanismo.
Nos capítulos seguintes do seu manual de xamanismo, Harner explica o que ele
denomina “estado xamânico de consciência” e “viagem xamânica ao interior da terra”.
Ele ilustra seu texto com inúmeros exemplos etnográficos e fornece referências
bibliográficas. Harner ensina, passo a passo, ao leitor interessado, como este pode
realizar esta “viagem xamânica”. De qualquer forma, a noção que Harner passa a de que
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o xamã utiliza um objeto como apenas veículo de algo invisível que ele acredita existir,
e que esse objeto ainda incrementa a eficácia simbólica da prática.
Harner ainda apresenta um capítulo inteiro sobre os “animais de poder” e
“nagualismo”. Ele corrobora a distinção que Castaneda faz em sua obra entre nagual e
tonal. Continua Harner seu manual, ensinando ao leitor interessado como realizar
“práticas de poder” para reencontrar seu espírito protetor afastado ou perdido o que
traria maior condição de saúde e de integridade física e psíquica ao praticante. O autor
descreve, para tal, métodos que teria aprendido com os Jívaro, com os Salish, bem como
os que teve acesso por meio da literatura etnográfica. Ele também trata dos “grandes
sonhos”, aqueles sonhos que são significativos para o xamã. Alguns sonhos são
mensagens enviadas pelos espíritos auxiliares, afirmando que “os sonhos não são
simbólicos, mas sua interpretação é que é simbólica”. Por fim, Harner ensina como
curar, retirando “energias intrusas” por meio da sucção ou do uso do tabaco, métodos
tradicionais dos xamãs ameríndios.
Em 1973, Harner organizou uma coletânea de estudos de diversos antropólogos
interessados no xamanismo e no uso de plantas psicoativas. Ele próprio inseriu três
ensaios de sua autoria, entre os dez que compõem o livro Hallucinogens and
Shamanism (HARNER, 1973). Nesse período, Harner havia fundado a sua escola
para estudos xamânicos e, paralelamente, continuava ligado à academia. No primeiro
dos três ensaios de Harner, intitulado The sound of Rushing Water, ele começa
descrevendo sua experiência com o ayahuasca entre os Jívaro, e relata a cosmologia e
as práticas pertinentes aos xamãs desse povo. Pode-se dizer que é um resumo de seu
trabalho sobre os Jívaro (Harner, 1963), mas voltado ao xamanismo urbano. No segundo
ensaio, intitulado The role of Hallucinogenic Plants in European Witchcraft, Harner faz
uma abordagem etnobotânica e historiográfica a respeito da utilização de ervas mágicas,
pelas assim chamadas “bruxas” na Europa do final da Idade Média e da Renascença.
Harner postula que as visões, os vôos e as metamorfoses em animal atribuídas às bruxas
seriam, de fato, efeitos psicotrópicos das ervas ritualmente utilizadas por elas. “Quando
falamos de alguém que “irradia hostilidade”, trata-se quase de uma expressão latente da
opinião xamânica”. Autodenomina-se “amigo de Carlos Castaneda e relata uma
conversa ocorrida entre eles a respeito do uso ritual da planta Datura pelos índios
mexicanos. No terceiro ensaio, Common Themes in South American Indian Yagé
Experiences, Harner continua fundamentado no material de sua etnografia entre os
40
Jívaro, citando também outros etnólogos e suas pesquisas com outras sociedades
indígenas que também fazem uso ritual da planta. O foco de Harner neste ensaio são as
“alucinações” (termo usado por ele) que os nativos relatam como efeito do uso do
ayahuasca (ou yagé). Harner enumera: 1- a alma sai do corpo e realiza uma viagem,
como se voasse; 2- visão de serpentes e de jaguar ; 3- visão de demônios ou deidades; 4-
sensação de ver à distância pessoas, lugares e cidades; 5- experiência adivinhatória,
especialmente sensação de ver acontecimentos envolvendo crimes homicídios e
roubos e de identificar feiticeiros que adoeceram ou mataram pessoas. A conclusão de
Harner é a que é um fato que, mesmo entre povos indígenas tão distantes e de contextos
culturais tão diversos, os efeitos do yagé são tão regulares. Haveria um universal neste
processo.
O pensamento de Mircea Eliade
Em 1951, o historiador das religiões Eliade publicou sua obra Le Chamanisme et
lês techniques archaiques de l’extase (ELIADE, 1998). Antecedendo Castaneda e
Harner, Eliade contribuiu para que a expressão russa “xamanismo” fosse se tornando
conhecida na segunda metade do século XX. Eliade constrói uma figura sintética o
xamã a partir de elementos cosmológicos e práticos comuns entre diversas sociedades.
O que ele destaca são as semelhanças, mais do que as diferenças. Nesta obra, Eliade
reúne dados etnográficos e historiográficos a respeito dos xamãs, dividindo o estudo por
regiões: xamãs da Ásia Central e Setentrional; xamãs das Américas; xamãs do sudeste
da Ásia e da Oceania.
Segundo o autor, as formas mais completas e “puras” de xamanismo podem ser
encontradas entre os povos siberianos e centro-asiáticos. Eliade ainda vai ao passado,
aos antigos povos germânicos, aos gregos, aos antigos hindus. Eliade trata também dos
sonhos xamânicos, discorre sobre a noção xamânica de espíritos auxiliares, sobre a
indumentária dos xamãs etc. O estudo de Eliade é bastante detalhado e enciclopédico.
Apesar disso, críticas à sua obra. Perrin (1995) acusa-o de generalizar demais e de,
através do um “comparativismo”, construir elos entre diferentes culturas, “reduzindo os
xamanismos muito heterogêneos a algo semelhante, de forma pouco precisa e muito
vaga”. De modo enciclopédico - Perrin observa Eliade produz uma categoria
totalizante, sustentada por um “engajamento místico do autor”. Perrin acusa Eliade de
41
partir do pressuposto que o êxtase xamânico seria uma realidade ontológica. Perrin
(ibidem, p. 17) denomina isto de “eliadismo”. Langdon (1996:14) critica-o dizendo que
Eliade “se preocupou demais com o xamã enquanto indivíduo deixando em segundo
plano o papel social exercido por este, além de caracterizar o xamanismo puro como o
que possui mais critérios „arcaicos‟”.
De qualquer forma, tanto Langdon quanto Perrin reconhecem que o estudo de
Eliade é muito bem detalhado, que ele reuniu informações muito precisas e que
ampliam o conhecimento do assunto. Os próprios etnólogos que trabalham com a
antropologia do xamanismo utilizam as informações de Eliade, reconhece Perrin. Ele
próprio, inclusive. Além disso, Mircea Eliade é outra referência literária importante para
os praticantes de neoxamanismo.
Para começar, a própria autodefinição dos nativos como “xamãs”, vem de um
lexema originalmente siberiano, divulgado por meio da obra de Eliade. O próprio
Harner (1995, p. 50) baseia-se em Eliade para usar o termo “xamã” e “xamanismo”:
“Tal como Mircea Eliade observa, o xamã distingue-se dos outros tipos de mágicos e
curandeiros pelo uso que faz de um estado de consciência que Eliade, a exemplo da
tradição mística ocidental, chama de êxtase‟”. Harner substitui a palavra “êxtase”,
proposta por Eliade, pela expressão própria “estado xamânico de consciência” (EXC).
Dentro do conjunto de termos apresentado pela literatura e as demais fontes
utilizadas pelos praticantes do fenômeno chamado de neoxamanismo, muitos podem ser
os termos utilizados para se autodefinir. Sthan, por exemplo, não identifica a si mesmo
como “xamã”, mas como “condutor de cerimônia”. Castaneda definia Dom Juan como
“bruxo”, ou “feiticeiro”, não como “xamã”. Nos textos de Michael Harner aparecem,
portanto, os termos “xamã” e “xamanismo”, de forma consagrada. Os alunos neoxamãs
de Harner dão continuidade ao hábito. E como Harner também observa (ibidem):
“Xamã é uma palavra da ngua dos povos Tungus da Sibéria e foi adotada amplamente
pelos antropólogos para se referirem a pessoas de uma grande variedade de culturas
não-ocidentais que eram antes conhecidas por palavras tais como „bruxo‟, „feiticeiro‟,
„curandeiro‟, „mago‟, „mágico‟ e „vidente‟. Uma das vantagens de usar a palavra é que
falta a ela as sugestões preconceituosas e as significações conflitantes associadas a
rótulos mais familiares.
42
Joseph Campbell
Um autor importante para os neoxamãs, muito citado, é o mitólogo norte-
americano Joseph Campbell (1904-1987). Carminha Levy no livro sobre mitologia dos
animais A Sabedoria dos Animais: viagens xamânicas e mitologia (Levy e Machado,
1999) faz referências a Campbell. O autor também é conhecido e citado pelos
psicólogos junguianos que praticam “terapia xamânica” (FEINSTEIN & KRIPPNER,
1997).
Campbell está um tanto próximo de Mircea Eliade, mas difere deste por propor
uma mitologia comparada com um enfoque mais psicológico, com conotações
esotéricas, inspirado na psicologia de Carl Jung e fundamentado em uma enorme
bibliografia de etnologia e de literatura geral. Campbell busca os universais os
vínculos mentais inconscientes que transcendem formas culturais e que tornariam una a
humanidade - e recorre a todos os antropólogos que, em algum tempo, tenham
defendido tal noção. Apesar de reconhecer que “neste campo sensível e cheio de
armadilhas (o reino maravilhoso do „As Mães‟, de Goethe), o poeta, o artista e certos
tipos de filósofos românticos (Emerson, Nietzsche, Bergson, por exemplo), tem mais
sucesso”, Campbell investe na disciplina antropológica. Cita artigos de Franz Boas e
Claude Kluckhohn, que debateram junto à antropologia norte-americana a questão dos
universais. Recorre também a Paul Radin, bem como a Freud, a Tylor e a Frazer.
Campbell é muito bem informado a respeito das obras de etnólogos, principalmente
daqueles da Escola da Cultura e Personalidade norte-americana, que pesquisam
mitologia comparativa. Não encontrei, em suas bibliografias (CAMPBELL 1990, 1997,
2002, 2003), nenhuma referência a Lévi-Strauss. Campbell inspira-se também no aluno
de Humboldt e mestre de Boas, Adolf Bastian; cita outros antigos, como os difusionistas
(Frobenius, por exemplo), ou mais contemporâneos, como Ruth Benedict, além dos
ingleses, como Malinowski e Radcliffe-Brown, e artigos diversos de periódicos de
antropologia.
Campbell (1997, p. 59) acusa Durkheim de ter criado um método de estudo das
sociedades que atomiza as categorias etnológicas e que faz perder de vista a noção de
uma totalidade cultural que, não fosse assim, levaria a etnologia à constatação de
universais presentes em todas as culturas sob formas locais. Esta constatação de uma
“sabedoria universal” multilocalizada, nas palavras de Campbell (ibidem), daria
43
profundidade à etnologia ela se tornaria “menos exotérica e mais esotérica”. Campbell
cita Tylor e Frazer como antropólogos fiéis a esta noção de universais e também Bastian,
o qual propunha a noção de um coletivo depositário de “idéias elementares
(Elementargedanken), capaz de se apresentar em cada sociedade como “idéia étnica”.
É quando Campbell, tomando emprestados os termos “esotérico” e “exotérico”, de um
artigo de Franz Boas (The Ethnological Significance of Esoteric Doctrines Cf. Boas,
1966, p.312). No texto de Boas, o discípulo de Bastian defende a importância dos
estudos etnológicos a respeito das doutrinas esotéricas dos povos tribais, às quais ele
contrapõe às doutrinas exotéricas destes povos (“idéias étnicas”).
Boas (ibidem) propõe que as doutrinas esotéricas sejam tratadas “like any other
system of philosophy”. uma “antropologia esotérica”, contraposta a uma “antropologia
exotérica” (ibidem, p. 94) e propõe que o estudo dos mitos dos diversos povos não se
restrinja a uma “etnologia coletora e apenas descritiva de conglomerados de metáforas”,
mas sim que sejam procurados os fundamentos constituídos pelas Idéias Elementares”
por baixo deste material. Da mesma forma, Campbell propõe que a etnografia da arte e
da poesia dos diversos povos passa a fazer sentido quando se apreende as Idéias
Elementares” subjacentes a essas expressões estéticas. Campbell (ibidem) ainda critica
Bronislaw Malinowski, acusando-o de continuar, dentro da antropologia anglo-
americana, a “miopia durkheiniana”. Continua Campbell dizendo que Malinowski
“acrescentou uma nova dignidade ao movimento que, em meados da década de 30,
culminou com uma espécie de cúria professoral, dedicada à tese de que a humanidade
não é uma espécie, mas uma massa infinitamente variável, modelada por um demiurgo
autocriado, a „Sociedade‟. A idéia de que o homem pudesse ter um caráter psicológico,
além do físico, foi, ex cathedra, anatematizada como „mística‟”.
A crítica de Campbell é direcionada ao método durkheimiano de enfoque
centrado na sociedade, nos fatores societários, e não na psicologia coletiva dos povos (a
Volkerpsicologie germânica). Apesar da crítica de Campbell a Durkheim, é ainda em seu
sobrinho, Mauss, que trabalha a partir da noção durkheimiana de “representação
coletiva”, onde encontramos uma noção de universalidade afinada a uma “antropologia
esotérica”. Mauss (1974), por exemplo, concebe e discute a noção do mana melanésio
como um universal, peculiar ao juízo apriorístico do pensamento mágico, categoria
encontrada, sob nomes diferentes, em diversas sociedades diferentes as quais Mauss
44
enumera , passando pelos gregos e indianos, pela alquimia, pelos grupos indígenas
diversos, pelos australianos e por outros.
Os textos de Campbell, contém diversos mitos indígenas, de povos das Américas,
da África, da Oceania, e também de povos considerados extintos recolhidos de
pesquisas historiográficas e arqueológicas pelo autor. Ele enfatiza, de modo especial, o
xamanismo como um fundamento universal de todas as religiões extintas e vivas e a
este um tratamento claramente junguiano, ou seja, como detentor de arquétipos
(elementos comuns, “estruturais”, relacionados ao inconsciente coletivo). Ele com
simpatia a noção dos antigos antropólogos da difusão geográfica de grandes temas
mitológicos, mas também acredita que a mente humana, por si mesma, tenha a
capacidade de reproduzir determinados conteúdos arquetípicos presentes nos mitos e
nos sonhos individuais. Campbell também procura reconhecer aquilo que os psicólogos
junguianos (FEINSTEIN e KRIPPER, 1997) denominam por "mitologia pessoal”, qual
seja, a manifestação desses arquétipos míticos universais na vida pessoal: o coletivo se
manifestando no individual.
Elementos do pensamento e das práticas neoxamãs
A partir dos distintos autores apresentados, índices do que podemos chamar
generalizando de pensamento neoxamânico, podemos apresentar alguns eixos mais
gerais, para além das trajetórias pessoais, desse pensamento, de quais fontes ele se
alimenta, e com que pressupostos.
A Imagem do índio, do “primitivo”
O neoxamanismo privilegia a figura do Índio, com ênfase sobre o xamã, como
ícone que centraliza todos os anseios por uma revolução cultural e espiritual do
Ocidente. Como também já foi discutida, a figura do bom selvagem permeia esse “Índio”
e lhe dá as qualidades que o vinculam à Natureza. O “Índio” é portador de coisas
desejáveis, de uma forma de existência desejável, e que o Ocidente Moderno precisa
recuperar. Ele concebido como “perfeitamente integrado e vive em harmonia com as
45
energias da Natureza” e, sendo assim, pode ensinar ao homem urbano como recuperar
esta harmonia perdida. A existência do “Índio” é calma, paradisíaca, serena e ele pode
transmitir ao homem urbano as formas de se viver em tranquilidade. O Índio” não é
predador da Natureza, mas um preservador. E, assim, “os povos da floresta” podem
ensinar ao homem urbano moderno como respeitar a Natureza e como não ser tão
predador. Mesmo quando ele é um “selvagem”- quando mata para comer ou quando
guerreia para sobreviver- ele o é tendo uma sabedoria “instintual”, conforme uma
expressão de Sthan. O “primitivo”, aqui, não é desvalor, mas um modelo.
O “Índio” tem uma ligação mística com o mundo invisível, com o espiritual, é
portador de uma sabedoria esotérica coisas que o homem Branco agnóstico e
desiludido perdeu, mas anseia reencontrar. O “Índio” torna-se, assim, uma imagem em
negativo do homem urbano contemporâneo. Um evolucionismo às avessas em que o
primitivo é o “evoluído”. Gramacho e Gramacho (2002, p. 13) elaboram uma definição
nativa de xamanismo que contém implícita uma contraposição ao estilo de vida
moderno-ocidental. Dizem eles:
Xamanismo é um estado de consciência, encontrado em todas as épocas, desde o
surgimento do primeiro homem sobre a face da Mãe Terra, desenvolvido para
compreender o meio ambiente e viver pacífica e harmonicamente com ele. Nesta
prática, o xamã esquece a questão de dominar a natureza e procura entrar em
perfeito estado de comunhão com ela pelo contato que faz com as forças
cósmicas e energias intrapsíquicas que lhe possibilitam receber as mensagens dos
povos mineral, vegetal, elemental e animal, entre os quais se inclui o próprio ser
humano. Aí também ele consegue perceber a unidade sagrada da realidade que
permeia todasas outras dimensões além das que conhecemos e devidamente
codificamos. Por isto mesmo, as práticas xamânicas são opostas ao centralismo
da cultura e do conhecimento ocidentais limitados por visões reducionistas e
pobres da natureza, do espírito, do sagrado e do próprio homem.
No estudo da astrologia Vilhena(1990) cita que o primeiro tipo de fronteira
simbólica a ser evocada para identificar os seus praticantes seja comum na sua validade
e/ou eficácia. Segue citando Lena Petrossian que ao descrever a “crença astrológica
moderna” no livro coordenado por Morin, procura estabelecer “uma escala de crença,
que vai desde a astrológica ao antiastrologismo, passando pelo cepticismo e a
indiferença (1972, p. 152). Em meio a este contínuo encontraríamos uma „crença
intermitente‟, crença semilúdica, indecisa, crença truncada, ambivalente, mas crença” (p.
153). O “semi-crente” hesitaria entre os impulsos de seu “espírito racional-crítico” e de
seu inconsciente (p. 155)
46
Enfim, usando o pensamento de D‟Andrea, pode-se afirmar que o movimento
Nova Era é moderno porque nasce de processos culturais historicamente acentuados na
alta modernidade, particularmente por meio de movimentos contraculturais ocidentais.
A Nova Era é a própria tradução religiosa das tendências globalizantes, reflexivas e
psicologizantes e, nesse sentido, o fenômeno compreende bem mais do que uma religião
ou movimento. A Nova Era é a própria modernidade se movendo para dentro do campo
religioso, tranformando-o e adaptando-o ao contexto problemático e possibilitador deste
início de milênio. Neste contexto, o xamã, ou melhor, o neoxamã, é um de seus
representantes e porta-vozes por excelência.
As categorias sociais do movimento
Luiz Eduardo Soares (1994) em seu trabalho sobre a “nova consciência religiosa”
fez um inventário dos temas principais que compõe os aspectos da cosmologia
alternativa e que são submetidos a tratamentos, recortes, seleções combinatórias e
hierarquizações específicas, gerando configurações culturais que articulam símbolos,
valores, emoções e, certamente, padrões psíquicos particulares. O processo chamado de
focalização ilumina, sobretudo, o trinômio corpo-espírito-natureza e as díades saúde-
doença, equilíbrio-desequilíbrio, respeito-violência, restauração-devastação,
reconciliação-ruptura, harmonia-desarmonia, fluência-bloqueio, comunicação-repressão,
abertura-racionalização, intuição-razão, puro-poluído, essência-máscara, comunidade-
individualismo, afetividade-interesse, integração-competição, mistério-ciência, unidade-
fragmentação.
A categoria-chave, por seu papel mediador - seja no interior dos vários sistemas
compostos a partir das combinações desses ingredientes com algumas tradições
culturais, seja entre sistemas, estabelecendo passagens -, parece-me ser energia,
substrato, a um tempo material e espiritual, da vida. A dupla face da energia torna-a
presente (como dimensão constitutiva de sua vitalidade, isto é, de sua manifestação
saudável) no corpo e no espírito, no homem e em seu ambiente, a natureza. Pelo menos
uma coisa nós temos em comum, entre nós e com a natureza: a energia. O trinômio se
resolve em uma dialética, em que se passa na cultura alternativa a natureza engloba o
homem, ambas as dimensões humanas. O sentido dinâmico da energia torna a
articulação simbólica do trinômio realmente um processo daí a propriedade da analogia
47
com o movimento dialético e a integração do espírito na natureza confere ao processo
uma tonalidade mística, cuja expressão primeira seria a modalidade fraca de panteísmo
de que parece estar revestido o culto ecológico, sempre presente no mundo alternativo.
A síntese que incorpora corpo e espírito sob o signo da energia confere à natureza
qualidades que humanizam, espiritualizando-a. A extensão da espiritualidade à natureza
libera para a transcendência o que fora apenas vida inteligente, no homem.
Transportando para a natureza, o espírito se desindividualiza, se descola da
personalidade e de suas complexas singularidades, assumindo a identidade difusa de
uma presença conectora inteligente, isto é, dotada de sentido ou inteligibilidade e
movida segundo a orientação determinada por sua ordem imanente. A ordem se revela à
intuição humana e, por vezes, à razão, inscrevendo-se na raiz comum universal de seu
espírito.
O caráter sintético ou unificador e abrangente ou integrador da natureza-
produzido graças à mediação simbólica operada pela categoria energia- lhe atribui o
escopo da totalidade e o sentido de comunhão inteligente. À natureza, afinal, pertencem
todos os setores. Os homens participam da unidade superior compartilhando
modestamente com a estrutura totalizante o acesso á significação universal, propiciado
pelos arquétipos que a representam, dado que constitui expressões essenciais e
imutáveis da vida espiritual. Ampliada ao extremo, convertida em totalidade, a natureza
desdobra-se na categoria inclusiva cosmos, traduzindo, assim, o movimento triádico
para o registro sincrônico. À ideia de totalidade representada pela categoria cosmos
correspondem o conceito e o sentimento de pertencimento, que diluem a singularidade
individualizante e realça a centralidade dos círculos comunitários e dos laços de ligação
ao ambiente ecológico, inclusive para a formação da identidade. Paralelamente,
totalidade acrescenta ao conceito subjacente “comunhão inteligente” uma dimensão de
completude, plena de consequências. Comunhão inteligente designa, como vimos, a
inteligibilidade da natureza, isto é, seu caráter ordenado de sentido e, simultaneamente,
sua disponibilidade relativa ao acesso humano. A completude resulta da extensão de
ambas as propriedades- acesso humano(sempre condicionado) e organização motivada
ou significativa- a todos os elementos do universo, em todos os momentos.
Harner (1995) dedicou um capítulo de seu livro à técnica de extração de
“energias intrusas”. Harner compara a noção de energia intrusa à noção biomédica de
infecção. Afirma ainda que “as energias intrusas, assim como as doenças contagiosas,
48
parecem ocorrer com maior frequência nas áreas urbanas”. Harner diz que o trabalho do
terapeuta xamânico de extrair energias intrusas é perigoso e requer experiência, e
consiste basicamente de sucção, “semelhante ao que é feito em culturas xamânicas na
Austrália, na América do Norte, na América do Sul e Sibéria”.
Rowland Barkley é um neoxamã australiano “iniciado por aborígenes”, que
ensina a modificar o “DNA genético” e que fala do universo como um “arranjo de
energia quântica”, uma maior diversificação à categoria “energia intrusa”, aproximando,
assim, a cosmologia neoxamânica das categorias da física quântica. Somam-se as
tradições ameríndias norte-americanas e sul-americanas, bem como a polinésia e a celta,
além da tibetana e também o esoterismo gnóstico-medieval do Graal. Barkley fala de
“implantes” e outras atuações patologizantes do coletivo, do social, sobre o indivíduo:
os implantes e as relíquias seriam exatamente formas, modelos de comportamento de crenças
que o impostos, de tal forma que você age não conforme a sua alma, ou seu espírito, mas
conforme modelos vindos de fora e que são introjetados dentro de você e que são interessantes
de serem retirados para que você se reconecte com a tua plenitude, com a sua integridade, com a
sua essência originária.
O terapeuta xamânico deverá utilizar, durante a sucção, “espíritos auxiliares de
plantas de poder” e “cantigas de poder”, diz Harner. Acredito que tenha sido alguma
“cantiga de poder” o que ouvi Sthan dizer, ou cantar, durante a sessão.
Harner observa que deve o xamã urbano cuidar para que não engula a energia
intrusa que infecta o paciente a qual é sempre uma “criatura repelente”, que pode ser
visualizada através de “viagem xamânica”. Soares afirma que a “energia é a moeda cultural
do mundo alternativo”, que prepara o terreno simbólico para o desenvolvimento de uma
linguagem comum, independente das diversidades. Sua centralidade contribui também para o
estabelecimento de uma vasta rede de vasos comunicantes entre os diversos submundos
alternativos e simbólicos mais convencionais. Todas as díades que projetam valor sobre o
tríptioco cosmológico alternativo (corpo-espírito-natureza) são regidas pela referência à
“energia”.O equilíbrio é aferido na balança da energia (SOARES, 1989, p. 129).
A cura xamânica, ativa o fluxo da energia represada ou bloqueada no corpo, esta deve
fluir naturalmente no indivíduo saudável. Não se trata, porém de uma energia, especificamente
humana, mas de uma energia cósmica presente no universo como um todo. Russo (1993, p. 191)
concilia este princípio segundo a concepção de Louis Dumont, o holismo se caracteriza pelo
fato de constituir um universo basicamente hierárquico, baseado no valor diferencial dos
elementos que o compõem, na complexidade e na noção de englobamento do contrário. A noção
de totalidade abole as diferenças e nivela todos os seres e coisas que compõem o universo. O
49
que vemos aí, na verdade, é o achatamento das diferenças a que se refere Dumont quando
descreve o universo individualista. Mais do que uma concepção totalizante (ou holística) do
mundo, o que parece haver é uma concepção universalizante de homem, na qual todo ser
humano encarna dentro de si, não a humanidade- como seria típico do universo individualista,
mas a natureza. A natureza é uma categoria de caráter nivelador e igualitário, que sobrepuja as
diferenças sociais e nega a possibilidade de diferença cultural (RUSSO, 1993, p. 192).
Outra categoria encontrada no universo xamânico é a de “trabalho”- designa o empenho
espiritual- mais ou menos associado ao cuidado direto do corpo-, realizado segundo disciplinas
mais ou menos ritualizadas. A “energia” aproxima a versões religiosa e não religiosa do mundo
alternativo. O “trabalho espiritual” aproxima as tendências religiosas entre si, ensaiando uma
linguagem comum: as práticas são diferentes, as orientações são distintas, mas toda a
diversidade é posta entre parênteses quando os interlocutores se põem de acordo quanto ao
sentido comum que subjaz ás particularidade.
A natureza: o feminino
Outra categoria recorrente no meio da Nova Era, em geral, a noção da Natureza
como entidade animada de gênero feminino. As grandes idéias que fundamentam esta
noção são a de “interconectividade entre todos os seres” e a de que “somos todos partes
de um todo”, como observa Heelas (1996, p. 84). A grande metáfora relativa a isto foi
articulada na teoria de Lovelock (1991) “a hipótese Gaia” a Terra como um ente
vivo e dotado de sensibilidade. Os neoxamãs, especificamente, buscam na noção
indígena, ou considerada indígena de “Mãe Terra”, a referência ideal para sua noção do
planeta como feminino, da natureza como ser vivente e animado. O panteísmo
xamânico é reelaborado para um panteísmo urbano. A natureza (ou Terra) é uma
“grande alma”, um ser psíquico, e, portanto, aquele com o qual se pode entrar em
comunhão a partir de práticas psíquicas. Nos diversos segmentos Nova Era, em geral,
em especial na Bruxaria, um discurso que retoma as deusas pagãs Ísis, Deméter,
Perséfone, Diana, Gaia e outras como representações da Natureza (SCHWADE,2001;
ALBANESE, 1990). O ponto em comum é a sacralização da natureza, ou da Terra,
através da categoria da Deusa, em contraposição ao domínio de uma visão patriarcal e
antropocêntrica dos saberes e das práticas dominantes no Ocidente. Tanto o
ecofeminismo, quanto as cosmologias Nova Era, concebem a vida planetária a partir de
50
noções como interconectividade como unidade orgânica - e de uma espiritualidade
(feminina) imanente.
O mundo seria melhor se a humanidade cultivasse mais um modo de pensar
feminino, pregam tanto os ideólogos verdes quanto os new-agers.. Vitebsky (2001:151)
também chama a atenção para uma distinção importante entre o xamanismo dos povos
tradicionais e o neoxamanismo: a insistência neste último no sentido da emergência do
feminino, ou do ecofeminismo.A Mulher Novilha de Búfalo Branco, por exemplo, é
comparada Buffalo Calf Woman é, de fato, heroína cultural entre os Sioux e outros índios norte
americanos , conforme relata Steinmetz (1988), em sua descrição da religião dos Oglala
Lakota.
Nessa perspectiva, a natureza do espaço urbano, além de feminina, é encantada,
povoada por seres invisíveis, os quais são referidos por metáforas oriundas das
cosmologias indígenas. Viveiros de Castro (2002:487), referindo-se às epistemologias
indígenas, diz que para os xamãs amazônicos “conhecer bem alguma coisa é ser capaz
de atribuir o máximo de intencionalidade ao que se está conhecendo”. Para o xamã
amazônico, todos os eventos do mundo tendem a ser encarados como ações, como
intencionalidade, observa Viveiros de Castro (ibidem:488). Bem, para os neoxamãs
também é assim, também esta intencionalidade nas coisas. A diferença que percebo
entre as duas cosmologias, porém, é que os neoxamãs separam mais firmemente o
“humano” do “natural”, enquanto o Índio tende a não fazer esta distinção. “Natureza”,
para os xamãs urbanos, por outro lado, é uma categoria muito mais delimitada, mais
claramente "não-humana”. Isto o impede, todavia, que eles também vejam por detrás
dos ditos fenômenos naturais uma intencionalidade, produzida por uma infinidade de
entidades invisíveis, “anjos”, “seres elementais”, “fadas”, “energias”, vínculos
misteriosos com um “inconsciente coletivo” etc.. Sthan conversa com o espírito das
pedras, as “Avós”. As pedras segundo eles são os primeiros habitantes da terra assim
como os espíritos das árvores. Tais espíritos, entretanto, não são gente”, mas são
explicados como “forças da natureza”. Os fenômenos naturais adquirem alma e
sensibilidade, semelhante embora não de forma idêntica - ao animismo das sociedades
tradicionais. Neoxamãs e xamã cada qual a partir de sua cosmologia entendem que
uma cadeia de seres invisíveis por detrás dos fenômenos empíricos. Pode haver
assim, uma aparente convergência de cosmologias que, ao olhar dos nativos urbanos,
decorre de um continuum entre eles e os xamãs ameríndios.
51
Campbell (ibidem) ressalta uma relação entre a “Deusa” e uma espiritualidade
de imanência, ou seja, onde a divindade insere-se nos fenômenos naturais. A Natureza
reveste-se, assim, de um caráter sagrado. O convívio “harmonioso” e mágico com a
Natureza, proposta neoxamânica fundamental, construiu-se concomitantemente às
ideologias ambientalistas surgidas ao longo dos séculos XIX e XX. De todo modo,
independente da interpretação, a categoria-espaço Natureza é cara para o circuito
neoxamânico. Os encontros de grupos dão-se, preferencialmente, em locais ermos, fora
do meio urbano (embora não muito distantes deste). É essencial ao xamã urbano o
contato com as árvores, com a mata, com o “natural”, com o “selvagem”. Assim,
embora os antropólogos utilizem a expressão “xamanismo urbano”, os participantes
destes encontros não se pretendem urbanos pelo menos naqueles momentos.
Trabalho espiritual e material
Esse trabalho espiritual deve ser também acessado economicamente. Amauri, um
dos praticantes pesquisados, quando organiza os rituais diz: Traga uma contribuição que
vou repassar para a aldeia, referindo-se ao grupo Potiguara de Baia Formosa/RN, sem
especificar uma quantia exata, procedimento pouco comum no universo neoxamânico.
Neste caso específico de Amauri, que acompanhei em diversos rituais durante toda
pesquisa a uma idealização da figura do índio potiguara, para ele, ele é índio. Uma
variação nesse universo. Podemos ouvir de novos integrantes. Pra quê índio quer
dinheiro?” Neste caso, o Branco esperava que o indígena se comportasse de um modo
tal que não houvesse, por parte deste, qualquer interesse monetário em sua prática de
cura. Um neoxamã, na cidade, poderia cobrar, pois é Branco. Mas, sendo Índio,
deveria estar imune às tentações do capitalismo é o que esperam o consulente urbano
e também alguns praticantes de neoxamanismo.
O valor das quantias varia de acordo com o status social e articulação política do
seu patrocinador que divulga para o seu círculo de amizade. Mesmo assim, quando são
chamados representantes da aldeia como é o caso de Wianã dos Kariri-Xocó de Alagoas,
amigo do Sthan. Wiannã, em uma conversa explica com fluência de quem conhece o
mercado, como poderia vir a Natal fazer um ritual de Jurema, caso eu organizasse um
grupo, assim como Sapaim explica em Aragão(2004):
52
Mesmo no Xingu,“os pajés estão cobrando em dinheiro”. Sapaim estipulou, por
exemplo, em três mil reais o preço de uma pajelança realizada numa aldeia Juruna.
Em uma palestra em Minas, Sapaim disse: “agora a gente quer é dinheiro, mesmo, a
gente precisa de dinheiro pra comprar as coisas”.
Assim como Sapaim, Wiannã apreendeu rapidamente que no meio neoxamânico
as mercadorias palestras, consultas, rituais, oficinas, encontros e objetos artesanais
são comercializadas a preços realmente elevados. Os eventos neoxamânicos, em geral,
são extremamente caros, muitas vezes cobrados em valores indexados no dólar. O
neoxamanismo não é, em geral, um ambiente propício economicamente às pessoas
menos favorecidas. Em seu artigo, Joralemon (1990) observa que, em geral, a interação
entre xamãs tradicionais e nativos Nova Era produz uma comercialização incrementada,
no meio urbano.
A mudança na forma de pagamento do pajé xinguano, tradicionalmente realizado
através de colares ou de objetos manufaturados, e agora também ou apenas através de
dinheiro, certamente tem relação com as mudanças sociais que ocorrem no Xingu a
partir da interação com os valores capitalistas da sociedade nacional. Existe, nas aldeias
xinguanas, todo um “consumismo” de bens ocidentais, que Hugh-Jones (1992)
considera característico dos índios das terras baixas sul-americanas. Isto se traduz, entre
outras situações possíveis, na explícita e evidente excitação que as pessoas destas
aldeias expressam diante dos “presentes” que os Brancos que chegam como visitantes
devem trazer-lhes.(Aragão) Quando partem, os Brancos ainda podem receber pedidos e
encomendas de mais presentes. Senti perfeitamente esta afirmação quando visitei alteias
no Peru, fui orientada pelo neoxamã a levar presentes para todos e no final, além de
encomendas como varas de pescar, sai madrinha de Ana Ly, uma garotinha órfã de pai e
mãe, seu pai adotivo insistia que para garantir o seu futuro seria importante ter um
amiga brasileira, segundo ele para quando ficar maior poder estudar no Brasil.
A purificação do corpo: os rituais de purificação
O “ritual de cura”, como entende o neoxamã, que pode assumir distintas formas
(como a tenda do suor) é uma prática corporal, estabelecida pelo grupo que pode “abrir
a consciência” para essas realidades internas, ou sobrenaturais, que fundamentam a sua
cosmologia. A interioridade, bem como o acesso ao invisível, vinculam-se, portanto,
também às dimensões e às dinâmicas corporais. Esses procedimentos direcionados a um
processo de totalização, dão ao trabalho do neoxamã uma dimensão ao mesmo tempo
53
terapêutica e religiosa. Constituem aquilo que Tavares (1999) denomina por
“espiritualidade terapêutica”.
Não vejo, entretanto, como necessariamente excludentes as distinções entre
terapia e religiosidade: as duas categorias convivem na sensibilidade tanto de nativos de
aldeia quanto urbanos. Concordo com a noção de Tavares (ibidem) de “espiritualidade
terapêutica” como a síntese dos nativos dessas duas instâncias. A distinção territorial
entre “técnica terapêutica” e “religião” é mais ética do que êmica. O universo das
religiões tem mostrado, à exaustão, exemplos de práticas de cura como elemento
inerente. Esta, aliás, é uma das reivindicações das “terapias holísticas”, ou
“xamanísticas”, qual seja, a de recuperar, resgatar, a espiritualidade do gesto terapêutico
o que caracteriza uma crítica às práticas secularizadas da moderna biomedicina.
Jonhson (ibidem, p. 173) propõe que a escola de neoxamanismo criada por
Michael Harner teria mais a ver com os discursos da psicologia e da psicoterapia
modernas, ou seja, produzidas pela “modernidade radical” e pelo “discurso da
mobilidade e do agenciamento do individual”, e muito menos com formas tradicionais
de xamanismo. Como Jonhson, o discurso neoxamânico contém uma apologia do
processo que Jung denomina por “individuação”, o qual enfatiza um Self capaz de
escolhas e de inovações em termos de trajetória social ou espiritual, e que deve
transcender um ego ou persona constrangidos pelas limitações sociais da pessoa
categorias que não se encontram nas cosmologias xamânicas tradicionais. Este discurso,
portanto, é ocidental-moderno concordo com Jonhson. Por outro lado, o xamã
tradicional é considerado por alguns como uma pessoa capaz de estabelecer para si uma
trajetória idiossincrásica é o mais “individualista” de sua aldeia devido à sua posição
diante do sagrado, ao acúmulo de poder e de bens ganhos como pagamento
(MÉTRAUX, 1977, p. 68; ELIADE, 1998, p. 46).
Essa noção remete-me a uma analogia com o que diz Dumont (1995), sobre um
“indivíduo-fora-do-mundo” – o asceta ou renunciante da sociedade hindu:
Naturalmente, para o sociólogo, o renunciante está na sociedade no sentido de que
ela organiza suas relações para ele também, mas o renunciante é um homem que
abandona seu papel social para assumir um papel ao mesmo tempo universal e
pessoal; esse é o fato crucial, subjetivo e objetivo”. Assim, se o xamã é individualista
(talvez fosse melhor dizer: (“idiossincrásico”), o é por que assim prescreve a sua
sociedade tribal onde, aliás, não ocorre a ideologia do individualismo ocidental.
(DUMONT, 1995, p. 245).
54
Esta forma de aprendizado, em que o corpóreo inteiro é solicitado, não ocorre
apenas dentro da iniciação neoxamânica. Ela também é um elemento axial dentro da
iniciação do xamã tradicional: ele deverá sofrer corporalmente privações, dores, deverá
experimentar plantas de sabor horrível, eméticos, laxantes, sudoríficos, e deverá dançar,
fumar, vomitar, delirar, tornar-se febril e entrar em transe.
Os neoxamãs sabem a respeito dessa condição liminar do xamã, e a procuram.
Há, todavia, uma distinção marcante aqui envolvida. Vilaça (2004) registra a noção
indígena de alma (a “sombra”, ou o “duplo” do corpo, em algumas nguas indígenas)
como uma instância derivada do corpo e inteiramente condicionada pelas relações
corporais que se estabelecem.
Para o neoxamã, a psiquê é o determinante da experiência, e não o corpo. Esse é
apenas um veículo da psiquê. Assim, o xamã tradicional, ao efetivar suas experiências
corporais liminares, não as entende como “psíquicas”, mas como resultantes da
continuidade corpórea em relação ao animal ele está mantendo relações sociais (ou
corporais) com o animal, que, dentro desta outra perspectiva, é percebido como humano.
Para o neoxamã, a experiência implicada na Viagem é a de um contato com a
animalidade.
Ingold (2000) explica a noção de aprendizado como síntese entre corporal e
psíquico
8
, torna-se mais clara a compreensão do que tanto os índios, quanto os nativos
urbanos, buscam perfazer através da iniciação. O significado das experiências
xamânicas e neoxamânicas - seria não apenas algo intelectual, mas algo vivido
corporalmente, através dos sentidos e das percepções mais primárias. Este aprendizado
teria que ser incorporado através de um longo processo socializante. “Incorporado”,
significa dizer, apreendido pelo corpo e através do corpo.
Entretanto, o corpo, entre xamãs e neoxamãs, têm significados completamente
distintos. Os últimos têm no corpo a “marca” de suas individualidades pré-existentes.
Os xamãs tradicionais têm uma noção relacional de pessoa, como discutido no capítulo
anterior: “gente” ou “animal” são resultados temporários de alguma experiência
corporal. Para o xamã tradicional, uma Viagem espiritual significa também uma Viagem
corporal o corpo muda com a Viagem e a Viagem é a mudança do corpo. Para os
neoxamãs, uma Viagem espiritual é uma experiência psíquica.
8
Remeto-me, assim, à noção de Ingold (2000) de skill, de um aprendizado onde os vínculos e
interrelações culturais se corporificam embodied mind.. Diz Ingold: “learning is not a transmission of
information, but an education of attention”.
55
O aprendizado através do corpo seria, na cultura xinguana, decorrente do imenso
período de treinamento e privações, de jejum, de abstinência, de fome e de isolamento
pelo qual tem de passar o futuro pajé, além de toda a cultura ameríndia apreendida por
ele desde a infância. Há que se passar por um processo de sofrimento. Desjarleis (1993,
p. 17) passou por uma experiência xamânica de transe, entre xamãs do Nepal, e foi
advertido pelo xamã de que sua experiência fora, na verdade, nada significativa. A partir
disto, este autor problematiza a transcrição intercultural do transe e coloca que as
imagens descritas pelos xamãs nativos em transe parecem ser as mesmas imagens de
seu universo estético.
Sthan, em uma de nossas conversas, fala de “limpar as memórias do corpo, do
osso, a ênfase recai sobre o corpo”, ou seja, sobre o corpo como foco sobre o qual o
neoxamã trabalha, e que reúne em si mesmo, simultaneamente, a cultura, a natureza, a
interioridade, a identidade e as vivências externas incorporadas pelo indivíduo. Mesmo
a PNL (Programação Neuro-Linguística), o neoxamanismo, e que alguns praticantes
definem como um “tipo de auto-hipnose baseada na linguagem” tem a proposta de uma
re-estruturação da postura corporal/comportamental através de novos comandos verbais
internalizados o que é fundamentado, em parte, nas teorias comunicacionais de
Gregory Bateson (1972).
Russo (1993, p. 115) observou que entre os praticantes de terapias ditas
alternativas, ou seja, no âmbito da Nova Era, uma interseção conceitual entre
“psicológico” e corporal”, categorias imbricadas e cujas fronteiras são fluidas: “Um
dos exemplos dessa fluidez está no próprio fato de estarmos lidando com terapias
psicológicas que se denominam corporais. Esta denominação indica que as fronteiras
tradicionais (tanto para a medicina quanto para a psicologia „oficiais‟) entre corpo e
mente deixam de nortear o trabalho terapêutico”. Esta ênfase e re-significação dadas ao
corpo, tornando-o uma unidade corpo-mente, presente no neoxamanismo, é parte do que
podemos chamar de uma cosmologia ocidental urbana. Merleau Ponty (2000, p. 123)
escreveu: “O meu corpo é simultaneamente objeto e sujeito. Como reconciliar esses
dois pontos de vista? Ele é uma coisa que tem uma relação particular com as coisas, e
que nos fornece o grau zero os lugares do espaço”. No neoxamanismo, esta ontologia do
corpo produz alguns elos interessantes com as cosmologias indígenas que também
centralizam o corpo como categoria identitária e demarcadora das diferentes naturezas
cosmológicas, conforme a tese do chamado “perspectivismo ameríndio”.
56
Viveiros de Castro (2002, p. 443), a respeito das noções amazônicas de
corpo/alma, aproxima-as das noções polares de gêmeos e de placenta/corpo: “A divisão
entre corpo e alma manifesta a mesma polaridade. Como a placenta, a alma é um
aspecto separável da pessoa, um duplo seu. A minha „alma gêmea‟, no caso amazônico,
é na verdade meu gêmeo-alma: é a minha própria alma, jamais própria, pois ela é meu
„outro lado‟, que é o lado do Outro”. Vilaça (2004) observa que alma e corpo são
instâncias imbricadas, no pensamento indígena: corpo e alma são como faces opostas da
mesma coisa, são duplos, um pertencente ao visível, outro, ao invisível. A referência,
entretanto, é o corpo pois como diz Viveiros de Castro (ibidem, idem), “a alma é a
dimensão eminentemente alienável, porque eminentemente alheia, da pessoa amazônica.
Em ambas as cosmologias, a urbana e a indígena, cada qual em seu universo
próprio de significados, o corpo é mais do que somente a anatomia, é o locus da cultura.
Para as cosmologias indígenas, mudando-se o corpo, muda-se a alma; mudando-se a
forma corporal, muda-se para uma outra condição ontológica, de humana para animal,
ou vice-versa, ou de velho a jovem, e vice-versa. Se Caracaraí retira sua roupa de velho,
torna-se jovem novamente. Se Ayupu veste uma roupa de pássaro, ele voa como um. O
Kalapalo que se vestia como onça, se transformava numa onça mesmo, embora não
fosse uma “onça de verdade”. O dançarino que veste uma roupa ritual de Mamaé, se
metamorfoseia no Mamaé. Para o Índio, os processos envolvidos nas transformações
corporais ganham o nome de alma. “A metamorfose corporal é a contrapartida
ameríndia do tema europeu da conversão espiritual” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p.
390).
Para os neoxamãs e terapeutas corporais urbanos, o corpo não é em si
transformável, ele não é uma roupa que possa ser trocada, mas é vinculado à alma
entendida esta como subjetividade humana. A alma, sim, é transformável. Neoxamãs,
reichianos e pajés trabalham, todos, sobre a corporalidade de seus clientes. Porém, os
pajés pensam em termos perspectivos: o corpo é mutável, através da mudança de
“roupas”, ele pode passar de humano para não-humano ou vice-versa. O corpo dos
urbanos é sempre humano, sem mudanças perspectivas. Apesar disto, o corpo ou, mais
bem, distintos corpos configuram-se, assim, como elos comuns entre estas diferentes
cosmologias.
57
O corpo unificado: a reconstrução da pessoa
O ego, como noção construída pelo Ocidente, e que centraliza o indivíduo
(MAUSS, 1974B; DUMONT, 1993) - a partir da persona clássica, passando pela noção
cristã de pessoa, a noção de interioridade e a ideologia do individualismo moderno - é
posto sob suspeição, preterido por um outro Self, uma “verdadeira pessoa mais
profunda”.
A jornada é um processo individual, interior, de liberação da imaginação e que
possibilita alcançar o Eu Superior [...] Quando a imaginação está livre do controle
do intelecto e do ego nos tornamos aptos a contatar as forças curadoras internas que
beneficiam todos os aspectos da nossa vida, como saúde, solução de problemas e
bem-estar. (GRAMACHO e GRAMACHO, 2002, p. 107).
A categoria Eu Superior, ou Self (com maiúscula) é recorrente no mundo Nova
Era. Heelas (1996, p. 19) sintetiza a ontologia nativa:
Aparentemente contraditório é o fato das obras de Castaneda e Harner afinarem-se
muito bem com aquilo que Dumont (1993) denomina por “ideologia do
individualismo” modernoocidental. É uma proposta de autoconhecimento e de
obtenção de um “poder pessoal” (o que analiso à frente), a partir de uma trajetória
iniciática a ser percorrida pelo próprio indivíduo. A proposta implica em um
determinado estado de solidão espiritual. O indivíduo é o ator privilegiado de todo
o drama iniciático. Há, entretanto, uma passagem ontológica do ego para a
dimensão de um Self - passagem que é metaforizada, entre outras formas, através
da dualidade tonal (o ego) e Nagual (o Self). Em Porta para o Infinito, Castaneda
(s/d, p. 123) diz reproduzir um ensinamento do Yaqui Dom Juan, que fala em “duas
partes de nós”. Durante e logo após o nascimento, somos todos Nagual. Aos
poucos, o tonal vai se desenvolvendo e oblitera o Nagual. Tornando-nos tonal,
começamos a pensar em dualidades, de forma dialética: bem e mal, certo e errado,
espírito e matéria, corpo e alma etc.. Segue-se um diálogo onde Castaneda propõe
que o tonal seja o ego comum e o Nagual, o “Ego Transcendental‟. Como discuti
atrás, tonal e nagual são categorias indígenas mesoamericanas.
Assim, elas aparecem no neoxamanismo como metáforas que sinalizam a via de
transcendência que parte do ego na direção de um Eu Superior”. O conhecimento e o
poder, e sua obtenção ou não, dependem da forma através da qual o sujeito, o ego,
interage e interpreta a realidade. Mudando esta forma de interagir e de perceber, tudo
muda. um ego que produz uma “realidade consensual” que torna todo indivíduo
passivo, vítima das circunstâncias. Mas há um “outro eu” que produz uma “segunda
atenção” (como diz Castaneda) que possibilita a entrada do sujeito em outras formas
dinâmicas de realidade, de modo ativo, ou seja, gerando poder. Aqui há outra metáfora.
58
O processo todo é uma integração das partes, que passariam a ser governadas
pelo Nagual. O ego é essencialmente dividido, múltiplo, um composto de facetas. O
Nagual é a restauração de uma unidade perdida, uma totalidade a ser atingida, mas irreal
porquanto ainda não realizado. O Nagual/Self , por outro lado, é concebido como meta-
individual, uma vez que promove vínculos entre o sujeito e o cosmo, entre a pessoa e a
Natureza, entre a singularidade e a totalidade.
Os pressupostos da Nova Era e do neoxamânismo de renúncia ou de
transformação do ego entendido como a fonte de males além de seu tom
“orientalista” (CAMPBELL, 1997), também são herdeiros dos ideais místicos e
utópicos dos românticos que, paradoxalmente, convidavam o indivíduo livre a um
“holismo”: a superação do “eu” por um Todo. Os neoxamãs também colocam como um
ideal a obtenção de um “estado de consciência xamânico”, caracterizado por uma
espécie de “enlouquecimento” produtivo, onde o ego é desintegrado. Harner (1995, p.
28) relata sua experiência de desmembramento sinérgico à noção de Castaneda de
desfazer a “realidade de consenso” em troca de uma “realidade de bruxaria” ao
experimentar a ayahuasca, entre os Jïvaro:
Fiz-me consciente de meu cérebro. Senti fisicamente que ele tinha sido dividido
em quatro veis distintos. Na superfície superior estava o observador, o
comandante, consciente da condição do meu corpo e responsável pela tentativa de
manter o coração funcionando.
Percebi, mas apenas como espectador, a visão que emanava do que pareciam ser as
partes mais profundas do cérebro. Imediatamente abaixo do nível mais alto, senti
uma camada entorpecida, que parecia ter sido posta fora de ação pela droga, e ali
não estava. O vel seguinte era a fonte de minhas visões, inclusive a do barco da
alma.
Posso corroborar, tendo experimentado o Daime, que, de fato, senti-me
“desintegrada” em aspectos perceptuais-cognitivos que, normalmente, todos sentimos
como integrados. Neste sentido, eu vejo como pertinente reconhecer alguns pontos em
comum entre a experiência de desintegração do ego, produzida pela farmacológica
“experiência xamanística da planta de poder”, e as experiências de entusiasmo,
“gnósticas” de “perder -se em Deus” - que Bloom (1997) vincula aos carismáticos e
pentecostais.
O neoxamanismo produziu um individualismo peculiar, onde o ego é um
composto a ser superado em direção a uma experiência de “inteireza” (como
59
freqüentemente diz Sthan). O ego é construído de partes, não é “sólido”, é um processo
alterável. Ele pode ser fragmentado entre “uma parte que observa”, em “outra parte que
é observada”, em “lembranças”, em “condicionamentos”, em hábitos, em “tendências
familiares” (o equivalente ao que representa o corpo para o Índio ou para sociedades
onde a pessoa seja uma entidade relacional, como as melanésias), como me disse Sthan.
Assim, o ego não é entendido como o verdadeiro centro individual. O que é então o
indivíduo para o neoxamã? O que subsiste? Uma outra categoria é o que subsiste, mais
totalizadora, o Self, ou “Eu Superior”. O neoxamanismo possui toda uma psicologia de
um outro Eu, que também apreende detalhamentos da psicologia profunda de Carl Jung,
que também faz distinção entre um ego comum, como consciente, e um Self
inconsciente. Uma noção de pessoa relacional como a dos Jívaro, por exemplo, nos
quais Harner muito se fundamentou para construir categorias neoxamânicas oferecem
aos nativos urbanos elementos ontológicos onde o ego tem uma natureza relacional com
outros seres e eventos. Através da ayahuasca, Harner relata a modificação de sua
subjetividade ocidental para uma “condição xamânica”.
Esta prática pode ser exemplificada pelo silêncio exigido em algumas jornadas
xamânicas. Quando subimos a montanha em fevereiro do ano passado, para o local da
busca da visão, o condutor do grupo chamava atenção para o “estar em silencio para
ouvir e sentir o corpo”. Da mesma maneira parte dos coordenadores de sessões
terapêuticas que incluem a palavra e seus próprios julgamentos e valores criando um
novo inter-agente dentro do paciente, seu Eu superior. A negação da autoridade ao
facilitador nos workshops, que incluem movimentos corporais criando um novo agente
no aluno: seu corpo. Na aula habitual de técnicas corporais, o mestre ordena, o aluno
obedece ao mestre e o corpo do aluno obedece ao aluno.
Nos workshops do complexo alternativo, e nas jornadas xamânicas como a
busca da visão, segundo explicação de Sthan, toda equipe “sente” o que o corpo do
aluno faz por si próprio. Antigamente era um guia ou anjo por buscador, mas agora o eu
diminui o grupo, nem todos os anjos ficavam sentindo como deveriam. Portanto, sempre
a partir da definição do mestre, o corpo do aluno adquire os atributos de um agente
autônomo, de cuja ação alunos e mestre são simples testemunhas. A atribuição de
características individuais ao corpo tais como julgamento, vontade e saber, que se
60
produz nas classes assim redefinidas, exprime-se em frases frequentemente
intercambiadas em contextos da Era e do neoxamanismo.
O corpo-agente, inconsciente de seu condicionamento social, -se assim como
fonte de um agir autônomo liberado não somente da autoridade do mestre, mas também,
da mente do aluno. O esforço por atingir com um movimento corporal um modelo
mental de “bom movimento” está expressamente proibido nos workshops do complexo.
A mente está atenta ao que o corpo faz, não ordena ao corpo fazer. Acontece deste modo,
na prática, uma inversão na hierarquia corporal habitual para as classes escolarizadas. O
corpo do aluno ou paciente torna-se autônomo da mente que, da mesma maneira que o
coordenador ou mestre, subordina-se a ele como testemunha atenta de suas operações
livres.
Desse modo, podemos dizer que o xamanismo indígena é corpo-centrado: o
sujeito define-se através de relações e perspectivas corporais. O neoxamanismo,
herdeiro do individualismo ocidental, é psico-centrado: o sujeito é um núcleo interior
psicológico. O sujeito não é somente humano. Decorre disto que o xamã amazônico
como postula Viveiros de Castro (ibidem) é aquele que pode atravessar as barreiras
corporais, mudando sua perspectiva como sujeito e sua forma de ver o mundo. O sujeito
do xamã urbano é sempre o mesmo, independente da forma, da experiência ou do
“estado de consciência” como revelou Ubiratan, outro colaborador, em seu
depoimento. Apesar da permanência do sujeito, Ubiratan afirma que “virou onça”, como
diria um xamã amazônico. Experimentar seus “Animais” o que significaria mudar de
perspectiva e de situação como sujeito, para o xamã tradicional é a metáfora da
experiência interior e subjetiva, pessoal, sem mudança de perspectiva, dos xamãs
urbanos. Assim, noções de pessoa de povos indígenas, de nativos polinésios, do
hinduísmo, do budismo e de outras sociedades são reelaboradas pelos nativos urbanos
como parte de sua prática e a partir de suas noções de pessoa.
Neste contexto geral, práticas como a tenda do suor atendem as categorias do
esoterismo teosófico do século XIX, que recolhe categorias do budismo e do hinduísmo,
a pessoa não sendo uma unidade total em si, mas formada por um conglomerado de
aspectos, de partes, de “corpos” (“físico”, “vital”, “emocional”, “mental”),
desmontáveis durante o processo de iniciação ou na morte (BLAVATSKY, 1973).
Através da noção ontológica dos “sete chakras”, o indivíduo é compreendido como uma
61
totalidade ao mesmo tempo heptamembrada, pois cada um dos sete chakras produz um
aspecto independente de consciência e de corporalidade: o indivíduo é sete em um. Tal
noção múltipla permite aos praticantes análises complexas referentes à pessoa. Assim,
quando um integrante apresenta assimetria entre sua palavra e suas ações, não está bem
resolvido quanto aos seus chakras ou alinhado. Nesse tipo de análise da pessoa,
concebe-se que “parte” desta possa estar bem, em harmonia, enquanto “outra parte” da
pessoa possa apresentar alguma dinâmica problemática.
Enfim, essa noção de múltiplos componentes do sujeito também fundamenta a
explicação neoxamânica para o processo de perda de alma (a tradução urbana do soul
loss dos xamãs tradicionais). “Perda de alma” questão analisada antes - significa,
para o neoxamã, algum aspecto da alma sequestrado, pois a alma é um composto de
partes e de aspectos ligados à família, ao ambiente físico, à vida profissional, à
identidade sexual etc. aqui uma dicotomia peculiar: por um lado, o neoxamã
fundamenta-se sobre a noção de um sujeito individual (não divisível), cuja metáfora
mais perfeita é o Self gnóstico; por outro lado, fundamenta-se sobre a divisibilidade do
sujeito como ego, enquanto instância inferior a este Self. Para os xamãs urbanos, as
noções nativas-tradicionais de sujeito relacional servem muito bem como metáforas
referentes a este segundo ego divisível.
Apesar das ontologias neoxamãs fundamentarem-se sobre uma noção múltipla
do sujeito binária (ego-Self), no mínimo, ou até setenária , suas cosmologias não
escapam daquela ideologia do individualismo, peculiar ao ocidente moderno, discutida
por Dumont (1993). Apesar da ontologia do sujeito neoxamã afirmar um “meta” relativo
ao indivíduo, quando este tornar-se-ia, assim, uma essencialidade ao mesmo tempo
decomponível e transcendental, suas práticas e estratégias situam-se dentro do
individualismo ocidental moderno. Tendo internamente um Self, diversos chakras, ou
diversos aspectos da alma, é o indivíduo como tal o ator que percorre o caminho
esotérico, o ator que aceita o desafio, o ator que pratica os exercícios. E, além disto,
como descreve Sthan, é o indivíduo que percorre a Viagem Xamânica sem
desintegrar-se, sem sofrer metamorfoses em algum Outro, através de “dimensões”
propostas pelas cosmologias urbanas, o que é diferente do xamã tradicional, que pode
sim metamorfosear-se em algum Outro. O indivíduo pode ser um ego (concebido pelos
nativos como um “eu ilusório”), ou pode ser um Eu Superior (concebido como um “eu
verdadeiro”) – mas sempre um “eu”. Entretanto, é esta ontologia urbana - onde a pessoa
62
é constituída por um Self mais permanente que o ego, onde as ontologias nativas não
ocidentais tornam-se metáforas dos múltiplos aspectos atribuídos a este ego, que lhes
permite pensar no sujeito como um ser que “reencarna” (troca de corpos e de
personalidade, mantendo-se um Self). É também o que lhes permite tratar dos problemas
como determinados por “processos reencarnatórios” de uma “vida passada”. É também
o que lhes permite vivenciar a noção xamânica de “resgate de [pedaços da] alma”-
que a alma é decomponível. É também o que lhes permite pensar no sujeito como uma
multiplicidade de segmentos, sendo que um desses segmentos pode se apresentar com
problemas, enquanto que os demais podem estar normais construindo, assim, toda
uma patologia “gnóstica”. É também esta ontologia que permite aos nativos urbanos
traduzir os atos do xamã tradicional. Assim, por exemplo, quando Wiannã ou Sapaim
faz suas pajelanças em parceria com neoxamãs, os últimos explicam os atos do pajé do
modo seguinte: “Ele tratou dos chakras dele”; “o Pajé fez uma limpeza no corpo vital
dela”. Assim, o xamanismo tradicional é traduzido para uma linguagem “gnóstica”. A
noção mesma do que seja um xamã é expressa e construída, pelo neoxamã, através desta
ontologia. Sthan definiu um xamã como “aquele indivíduo que cultiva integridade, auto-
conhecimento, talento e poder pessoal”. Enfim, qualificativos de uma Self Spiritality.
A integridade do sujeito, para o xamanismo urbano, firma-se muito mais na alma.
Tanto é assim, que mesmo as ditas “terapias corporais” urbanas, como observa Russo
(ibidem) são também referidas como “psicoterapias”. O xamã não manipula a alma, mas
“a energia do corpo”, como diz Sapaim. Sapaim, durante uma pajelança, toca o tempo
todo o corpo (py: pele, forma ou corpo, em kamayurá) de seu paciente - enquanto afirma
que está “trabalhando a energia dele”-, e a doença ou mesmo a dor são elementos
materializáveis e destacáveis do corpo. Os terapeutas reichianos dizem o mesmo a
respeito de se “trabalhar a energia através do corpo” e também tocam o corpo de seus
clientes. Entre os neoxamãs, têm uso recorrente as terapias orientais ditas “de toque”
tais como o reiki, o shiatsu, e diversos tipos de massagens, “realinhamento de chakras
etc.. A categoria esotérica chakra, freqüentemente referida e utilizada pelos nativos
urbanos e provenientes do pensamento teosófico/hindu, implica numa relação entre
operações psíquicas e localizações corporais: manipulando tais localizações, manipula-
se a mente. A instância psíquica do indivíduo, seu ego, é subdividida em sete elementos,
correspondentes aos sete chakras, por sua vez correspondentes a sete centros corporais
63
(períneo, umbigo, região epigástrica, região precordial, garganta, fronte e ápice do
crânio).
Para encerrar, diante dessa aproximação entre distintas epistemologias
xamânicas, podemos dizer que a pajelança indígena tradicional coincide com a prática
neoxamânica de técnicas corporais como procedimento psicoterapêutico. Quando os
xamãs urbanos percebem que Sapaim também “trabalha o corpo”, entendem que ele faz
o mesmo que eles, ou seja, entendem que ele está também “trabalhando os chakrase,
portanto, a “mente”, ou a “alma”, do paciente. Assim, para os neoxamãs, o corpo tem
ampliada a sua esfera de significação, transcendendo a mera forma física, e inserindo-se
em uma dimensão psicológica.
64
CAPÍTULO 2
A tenda do suor
Neste capítulo, assim como na primeira rodada de uma tenda, estarei enfatizando
a parte física, apresentando os dados que embasam esta pesquisa, cujo objetivo é
apresentar a descrição de uma cerimônia a partir de informações registradas por mim.
Participei de todas as etapas desse encontro, desde a organização, preparação,
montagem e realização de uma tenda do suor. Essa tenda foi escolhida como modelo por
conter todos os elementos representativos do circuito neoxamânico, objeto deste
trabalho. Tentei seguir o método usado por Gluckman (1940) na sua Análise de uma
situação social na Zuzulândia Moderna e o detalhamento de Mitchell (1940) na Dança
Kalela. Minha intenção é ressaltar os pontos que considero relevantes para a análise do
circuito neoxamânico.
A tenda do suor
“A Tenda do suor utiliza todos os poderes do universo como a terra e as coisas que
crescem da terra; água; fogo; e ar. Trabalhar com energias espirituais é um processo
sagrado e poderoso quando executado pelas razões certas e por uma pessoa experiente.
Tomem certas precauções antes de entrar em uma cerimônia de purificação, pois as
bênçãos recebidas estarão além de sua imaginação” (Black Elk. Secret pipe, 1971).
Em fevereiro de 2008, participei do Metaforum Internacional, encontro
intercultural que promove eventos e cursos de “desenvolvimento pessoal” em
Programação Neurolinguística (PNL). Esse evento é promovido cinco anos pelo
terapeuta alemão Bernd Isert
9
, durante o mês de fevereiro no Brasil, especificamente na
cidade de Mendes, no Rio de Janeiro, a 96 km da capital do estado. O mesmo evento é
realizado quinze anos no mês de julho na cidade de Veneza, na Itália. No Brasil, o
evento acontece num antigo seminário católico, distante dois quilômetros de Mendes,
hoje terceirizado. Naquele momento eu tinha acabado de ingressar no mestrado em
Antropologia Social, com o objetivo de pesquisar os xamãs urbanos e não tinha ideia de
9
Bern isert, Terapeuta alemão especialista em cibernética, vem ao Brasil anualmente.
65
quem poderia colaborar comigo. Estava no curso de Trainer
10
para concluir minha
formação em PNL, quando na terceira manhã Neuma
11
, assistente da turma, apresentou
a todos Sthan Xanniã. Com voz grave e pausada, Sthan disse que tinha acabado de
participar da busca da visão, uma espécie de retiro xamânico guiado por ele no período
do carnaval na reserva ecológica do Matutu, no estado de Minas Gerais. Gravamos uma
entrevista no dia seguinte, na qual ele me contou sobre sua vida e me presenteou com
uma latinha de rapé, uma mistura de de ervas, para segundo ele, curar a sinusite que
me dava dor de cabeça.
Todos os presentes no seminário foram convidados a participar, à noite, de uma
dança conduzida por Sthan, que iniciou no salão principal, onde explicou os princípios
da roda xamânica, segundo a “tradição navajo”, a homens e mulheres de diferentes
idades e nacionalidades. Tudo foi explicado com voz pausada e tradução consecutiva.
Ele demonstrou os passos e o ritmo, conduzindo o grupo que, de mãos dadas, foi
formando uma roda. Sua voz grave e pausada e o som do tambor conduziam o grupo a
repetir o rezo em conjunto. Em seguida, fomos conduzidos para fora do salão, em
direção aos jambeiros. A dança agora seguia embaixo de árvores em torno de uma
fogueira feita pelos empregados do hotel. Sthan explica a importância de “reverenciar
os quatro elementos: água, terra, fogo e ar”, de “dançar o feminino e o masculino em
volta do fogo”. O cenário parecia deslumbrante aos meus olhos, as labaredas subiam em
meio à escuridão da noite e pessoas de diferentes culturas, características físicas
distintas, nguas de várias origens, dançavam e gritavam ao som das batidas de tambor
e do canto do Sthan. Embora já tenha participado de outros rituais, fiquei impressionada
como em tão pouco tempo, uma hora aproximadamente, quase setenta pessoas que mal
se conheciam, ou não falavam a mesma língua, se uniram ao redor da dança.
Voltei ao Metaforum em 2009. No site da organização, verifiquei que seriam
oferecidos três cursos com conteúdo xamânico, sendo assim distribuídos: semana:
Terapia de Iniciação com Arquétipos Xamânicos, semana: Xamanismo ritualístico
com tenda de suor e produção de tambores, semana: Curso de Formação Básica Ouro
Verde em parceria com Fogo Sagrado. Os cursos seriam conduzidos respectivamente
por: Rowland Anton Barkley (australiano), Sthan Xanniã (brasileiro) e a dupla Carlos
10
Trainer: capacitação para ministrar cursos de programação neurolinguística- PNL.
11
Neuma, psicóloga que já havia concluído sua formação em PNL.
66
Henrique e Ernani Fornari (brasileiros), todos representantes da rede que eu começava a
montar. Cheguei certa de que sairia dos três cursos com um bom material com
focalizadores diferentes. No entanto, segundo os responsáveis pelo evento, os cursos
foram cancelados por falta de inscrições.
Expliquei sobre a pesquisa aos organizadores do evento e solicitei que me
permitissem convidar Sthan para conduzir apenas a tenda do suor que estava prevista na
segunda semana, Eles aceitaram contanto que eu me encarregasse de todos os detalhes
logísticos. Liguei para o Sthan para estabelecer uma melhor relação entre as duas partes
e ele aceitou, desde que o evento (a tenda) cobrisse os custos de deslocamento,
hospedagem e alimentação, para ele e mais duas pessoas de apoio: Danielle, auxiliar
para focalizar a tenda, seria a guardiã das pedras, e Júnior Patta, que seria o homem do
fogo.
Fiquei encarregada de divulgar a tenda, fixar avisos nos murais e recolher o
pagamento das inscrições para fazer uma tenda do suor. Assim, produziria material para
a pesquisa participando, além do ritual, de sua divulgação, construção da tenda e
preparação do fogo. Cada participante pagou em média cem reais. Durante toda a
semana, eu e uma amiga divulgamos a tenda que aconteceria no sábado à tarde.
Explicamos como seria e esclarecemos as dúvidas. Devido ao número de interessados
em participar da tenda, e a incompatibilidade de horário de alguns em relação horário do
sábado, abrimos uma tenda para o domingo, no mesmo horário. Eu nunca havia
participado de uma tenda do suor conduzida por Sthan Xanniã e as referências eram
provenientes dos dados produzidos em entrevistas no ano anterior e buscas na internet
sobre sua atuação no universo neoxamânico.
Sthan chegou à sexta à noite, com seis horas de atraso, segundo ele devido ao
tempo ruim. Confesso que estava apreensiva com a demora, pois tínhamos vinte pessoas
inscritas para a tenda do sábado. Ele fez uma pequena palestra para explicar os
procedimentos da cerimônia aos participantes, e demais interessados, no salão principal
do Centro Marista. Logo após a palestra, outras pessoas se inscreveram para a tenda do
67
domingo. Neste momento, ele fez alguns esclarecimentos sobre a tenda, respondeu
perguntas do público e aproveitou para divulgar a busca da visão
12
.
Sthan segue:
Acontecem quatro rodadas: a primeira é do físico, para eliminar
toxinas ou memórias que estejam nas células. A segunda rodada vai
trabalhar a parte emocional, envolve uma libertação dessa parte
emocional. Na terceira, a mental, para libertar os medos, os fantasmas.
A quarta é uma rodada para a parte espiritual e quando a gente está
falando de espiritualidade, não estamos falando de religião. A tenda
representa a casa que renasce, é uma cerimônia muito simples uma
vez que você se permite[...] existem rezas e ervas específicas para
cada situação... nós entramos primeiro e depois entra a água, e na hora
de sair, a água sai primeiro que representa a bolsa d‟água estourando
quando a mãe está pronta para ter seu filho, ali dentro não é coletivo
cada qual reza à sua maneira, eu vou jogando ervas medicinais que
vão trabalhando esses quatro estágios, e o processo acontece. A
saída da tenda é vista como um momento de renascimento, livre de
suas dificuldades, o participante pode, enfim, mostrar-se ao mundo,
expressar-se e vivenciar o prazer[...] (gravado em Mendes/RJ em
13/02/2009).
Ao final da palestra, alguns interessados conversaram rapidamente com Sthan
sobre seus receios em participar da tenda. Daniela
13
vendia pulseiras e colares indígenas
brasileiros e venezuelanos. Havia também o CD Kariri-Xocó Canta, gravado ao vivo em
Porto Real do Colégio/AL (2008), exposto em uma mesa. Sugeri ao grupo dormir em
outro hotel menor no centro de Mendes. O Centro Marista estava lotado e, além isso, o
preço do hotel era três vezes menor.
Encontrando o local adequado para a montagem da tenda
No dia seguinte, que amanheceu chovendo, marcamos para ir ao Centro Marista.
Informei os locais indicados pela organização do evento para fazer a tenda, o campo de
futebol no alto do morro cercado de árvores e isolado, mas não tinha água por perto.
12
Busca da visão: Espécie de retiro espiritual xamânico assim chamado pela tradição lakota.
13
Daniela Duarte é atriz desde 1993. Professora e educadora de teatro. Formada em história e antropologia,
seus ensinamentos são fortemente influenciados pelo Xamanismo e técnicas nativas de cura dentro da arte.
Fundou, em 2000, o Núcleo de estudos das práticas do homem, na cidade de Rio Grande-RS. Ministra
oficinas de Imersão e estudos dramáticos para o resgate e Expressão livre do Homem, Técnicas e
expressão de cura. Expressão corporal e o mergulho nas máscaras pessoais. Formada pela Escola de Arte
Dramática EAD-ECA USP-SP, é pesquisadora de teatro com técnicas “laboratório livre do homem”.
68
Fomos averiguar as condições do local e seguimos estrada acima caminhando. Sthan e
Dani ficam embaixo. Eu, Júnior Patta e uma amiga iniciamos a caminhada em direção
ao local indicado. Chuva, lama e muita subida, aproximadamente 40 minutos depois,
chegamos ao campo de futebol, que estava alagado. O campo era uma clareira no alto
da serra, cercada de arbustos e árvores. Ouvia-se um som de água corrente, mas não se
sabe de onde vinha. Era impossível montar a tenda naquele lugar, nenhuma lenha
pegaria fogo naquele lamaçal.
Retornamos e levei o grupo até uma pequena cachoeira atrás do bar, o local era
um pouco visível. Sthan gostou do lugar e decidiu que faria a montagem da tenda ali
mesmo. Ele mediu as direções e conversaram sobre a direção da porta e do fogo. Para
adaptar a tenda ao local, a porta teria de ficar para o norte, onde, segundo ele, o costume
é abrir a porta da tenda em direção ao leste, o tamanho da tenda (dependia do número de
participantes), local do repouso das pedras... Escuto tudo, fotografo e filmo as
conversas.
Por volta das nove horas da manhã, Sthan me diz que a tenda seria ali mesmo e
explicou que adaptaria a estrutura da tenda às condições do local. Disse que precisava
de: quarenta varas de bambu, gramínea abundante na região, que substituiria o
salgueiro, de cinco a seis metros cada; seis metros quadrados de madeira para o fogo;
cem pedras de aproximadamente 20 centímetros cada com forma arredondada; barbante
para amarrar as varas e folhas de bananeira para forrar o chão, um brinde, segundo ele
para ficar mais confortável.
Seriam necessários sete homens para ajudar a carregar a madeira, as pedras e
cortar as bananeiras, um bate estacas e uma pá. Sthan trouxe 30 cobertores de lã, uma
caixa de alfinetes para segurar os cobertores e um saco plástico preto que cobriria a
armação. O hotel disponibilizou um trator com carroça e tudo deveria estar pronto para
acender o fogo às 13 horas, a tempo para aquecer as pedras e iniciar a entrada na tenda
às 15 horas.
Montando a tenda do suor
Tem início a montagem da tenda. O ajudante de Sthan, Júnior Patta, marca o
ponto central do círculo com um pequeno furo. O tamanho da tenda foi determinado de
acordo com o número de participantes. Primeiramente foi desenhado um círculo no
69
chão, fixando uma vara onde seria o centro, amarrando uma ponta do barbante na vara e
outra na enxada, formando um raio de aproximadamente 2 metros. Cava-se marcando a
circunferência no chão, definindo o espaço interno da tenda. Quatro centímetros de
diâmetro seria, de acordo com ele, espaço suficiente para até vinte e cinco pessoas. Em
seguida, foi cavado um buraco no centro, de um metro de diâmetro e cinquenta
centímetros de profundidade, que segundo Sthan simbolizava o “buraco do grande
mistério do ventre”. A terra extraída serviu para forrar o chão onde ficou a fogueira,
montada a sete metros em frente da porta, onde foi feito o fogo sagrado. No perímetro
da circunferência, são perfurados 16 buracos menores com distâncias iguais para fixar
as varas de bambu onde são colocadas as varas para curvar. Antes da colocação das
primeiras varas, Sthan, com chocalho na mão, rezou e colocou um pouco de tabaco em
cada buraco, incluindo o do centro local das pedras quentes na hora da cerimônia.
Figura 3: Curvatura das varas principais. Foto: Karina Braga
70
A
s varas são colocadas duas a duas, iniciando pelos buracos onde ficou definida a entrada
da tenda, e amarradas formando o que é descrito como “um grande casco de tartaruga”,
simbolizando “o útero da grande mãe”. Durante a montagem da tenda, Sthan explicou a
sequência de colocação das varas e sua simbologia. Segundo ele, as duas primeiras
varas devem definir a porta de entrada, as duas seguintes cruzam pelo meio formando a
sustentação principal da tenda. Seguindo as intermediárias até completar o total de
dezesseis varas de sustentação. As varas restantes são colocadas na horizontal,
formando círculos em torno da tenda, simbolizando a “divisão dos mundos”, formando
o desenho de uma estrela de seis pontas no centro. O último círculo em cima é feito com
cipó. A primeira vara horizontal simboliza o reino mineral, o segundo o vegetal, o
terceiro o animal, e o quarto um círculo no topo, a „unidade que corre em cima‟ como
frisou.
Assim, após a montagem da tenda, ela contém as “sete direções sagradas”: leste,
oeste, sul e norte, mais os três reinos. As direções também representam feminino,
masculino, sábio, criança. Cada bambu tem uma reza, um espírito, e o local que o
participante ocupa no interior da tenda, será influenciado pela reza da vara, e também a
direção, masculino, feminino, criança e o sábio. Os participantes pedem lembrar de
momentos de vida, nem sempre agradáveis e Sthan escolhe as ervas específicas de cura
para cada situação.
Figura 4: Quadro final da tenda do suor. Foto: Karina Braga
71
Após a fixação das varas com barbante, trinta cobertores de lã unidos com
alfinetes segurança foram colocados para formar a cobertura da tenda. Dentro da tenda,
Daniela verificava os pontos de passagem de luz. O objetivo era garantir a escuridão
total no interior da tenda. Um cobertor é preso pelas pontas na parte superior da
abertura, colocado como porta, para abrir e fechar diversas vezes durante o ritual. Por
cima dos cobertores, colocamos uma lona plástica preta, presa com pedras no chão para
impermeabilizar e aumentar o calor dentro da tenda. Daniela varreu e limpou com palha
o interior, organizando as palhas de bananeira e forrando o chão. Sthan brincou,
afirmando que para esse público deixou a tenda mais confortável, dizendo que não é
“sempre que tem”. Era preciso flexibilidade como as varas que se curvam em arco como
ensina a tenda, disse ele. O buraco do centro é deixado livre, sem palhas, para facilitar a
entrada das pedras incandescentes.
Concluída a montagem da tenda, Daniela convidou as mulheres presentes para a
montagem de uma tartaruga modelada com barro e água, que deveria ficar paralela ao
fogo, à direita da porta. A tartaruga simbolizava a fertilidade, por isso devia ser
construída somente por mulheres. Ficou com aproximadamente setenta centímetros de
diâmetro. Colhemos flores para decorá-la, era uma espécie de altar onde os participantes
Figura 5: Fogo sagrado e tenda coberta. Foto: Karina Braga
72
poderiam colocar seus objetos pessoais para “consagrar” antes de entrar na tenda.
Enquanto isso, Júnior Patta, o homem do fogo, quer dizer, responsável por manter o
fogo aceso e entregar as pedras a Dani dentro da tenda. A fogueira estava posicionada a
sete passos em frente à porta e cercada por uma fileira de pedras em arco. Júnior
montava o fogo com os trabalhadores do Centro Marista, alternando em camadas pedras
e madeira. O fogo seria aceso três horas antes da entrada na tenda, para garantir que as
pedras estivessem bem quentes. Sthan coordenava o trabalho enquanto conversava
comigo e separava as ervas que trouxe para usar, além do maracá, tambor, balde para
colocar água, um par de chifres de alce e uma latinha de rapé que cheirava com
frequência. A seguir, a planta baixa que fiz do cenário:
Figura 1Planta baixa da montagem. Fonte: caderno de campo 1
73
A Chegada dos participantes
Figura 7: Participantes da tenda. Foto: Karina Braga
Eles chegaram devagar. As mulheres foram orientadas para virem de roupa de
banho, usando também uma canga ou saia. Para os homens, short ou sunga. Aos poucos,
vão se chegando e perguntam por onde entram, se o espaço não é muito pequeno, se
caberão todos etc. Somos vinte e três participantes no total do primeiro dia: seis
alemães, dois portugueses, uma chilena, nove brasileiros, um suíço, Sthan Xanniã, como
focalizador, Júnior Patta como homem do fogo e Daniela Duarte, guardiã das pedras e
uma tradutora de alemão.
Apenas dois participantes conheciam a tenda. Pedi que Sthan explicasse a eles
sobre como deveriam proceder e respondesse as possíveis dúvidas de última hora.
Júnior inicia explicando a necessidade de não cruzar a linha do fogo, que vai da fogueira
até a porta de entrada da tenda, pois esta é o caminho dos espíritos. Sthan segue
esclarecendo, retomando a estrutura de quatro rodadas:
74
A primeira rodada será para o físico, com ervas específicas para curar
o corpo. A segunda rodada será para a área emocional, problemas
hormonais e retenção de líquidos. Na terceira, a parte mental, tudo que
envolva pensamento, medos, fobias ou quem teve problemas no
nascimento costuma vir à tona. A quarta é aquilo que você acredita e
aquilo que você reza. A prática é utilizada no sentido de “eliminar a
sujeira do corpo, da mente, do sentimento e do espírito”, com um
sentido de higienização corporal e purificação espiritual. O próprio
formato da tenda, circular, lembrando o casco de uma tartaruga,
simboliza o retorno ao ventre feminino uma espécie de “encontro
consigo mesmo na escuridão (Gravado em vídeo no Centro Marista
Mendes/RJ em 14/02/2009).
Como apenas dez por cento dos participantes da tenda conheciam o ritual,
com experiências anteriores de referência, a curiosidade e as conversas paralelas com
indagações sobre o modo de se comportar no interior da tenda eram constantes. Para
tranquilizar os participantes, Dani, a assistente do focalizador, explica:
É importante cultivar a presença e não querer salvar o outro, pois o
outro tem seus processos, tudo que você quiser falar jogue em sua
respiração, mas se você realmente quiser compartilhar, peça a
permissão ao Sthan, ele estará canalizando todos os processos de
todos e saberá se você deve falar ou não. Ele é o canalizador que
estará facilitando a gente conduzir os nossos processos, é a pessoa a
quem a gente pode se entregar para confiar nossos processos de cura,
tudo que acontece lá dentro é sobre cura e para cura. Mesmo que você
tenha que sair, tudo é processo de cura, tudo é evidente. Caso você
tenha necessidade de cantar mesmo que não saiba, é importante
expressar, pois o canto abre os portais de cura, conduzindo você pra
liberação das coisas que você precisa liberar, medos que precisa
abraçar, olhar de frente, acolher, as canções servem de fonte de
conhecimento e cura, são sons potentes que vibram a cura, geralmente
são “arrei arrá” como mantra, que se repetem e se repetem (Gravado
em vídeo no Centro Marista Mendes/RJ em 14/02/2009 )
Entrando na tenda: “retornando ao útero materno”
O homem do fogo pede para que todos formem uma fila. As mulheres devem
ficar na frente e os homens, no final da fila. Ele relembra que todos devem dar a volta
na tenda da esquerda para a direita, contornando a tenda e o fogo sagrado. A “linha dos
espíritos”, entre a porta e o “fogo sagrado”, não deve ser cruzada. Era preciso dar quatro
75
voltas, parar em frente, estender os braços para o alto em frente ao fogo, dizer o seu
nome em voz alta e seguir até a porta da tenda, sempre em sentido horário, fazendo um
círculo envolvendo a tenda e o fogo. Nesse período, Dani entra na tenda e traz na mão
um punhado de capim-santo que acendeu no fogo, “limpando” o interior da tenda com
as ervas e cantando. Quando terminou, sentou na entrada para receber as pessoas. Ela
era a guardiã das pedras, chamadas carinhosamente de avozinhas, segundo eles, por
serem as primeiras habitantes da terra.
Após a limpeza da tenda, com ervas e rezas, os participantes entram em fila. Era
preciso estar de joelhos para entrar, posicionar a testa no chão e dizer em voz alta: por
todas as minhas relações”. Os outros respondem “Arrô”. Seguindo orientações de Dani,
entraram de quatro pés, em sentido horário. Circulando o buraco cavado no centro da
tenda, se posicionavam sentando onde desejassem, mas dando passagem para quem
chegasse ao redor da abertura no centro da tenda, receberá as pedras quentes. Dani
orientava a todos a sentarem mais ao fundo, liberando a passagem para os outros,
formando duas carreiras em círculo. Os participantes alemães sentaram todos juntos, do
lado esquerdo da porta, e próximos a tradutora.
Quando todos estavam acomodados, Dani, com dois chifres de alce na mão,
(para arrumar as pedras quentes no buraco), recebeu do homem do fogo, as primeiras
quatro pedras e explicou que estas são “em honra às quatro direções” e que a cerimônia
representa, simbolicamente, o retorno ao ventre materno. Mostrando o lugar ao seu lado
na entrada onde Sthan ficará sentado, diz que ele irá “dirigir o trabalho”, quer dizer
“conduzir a cerimônia” e que a tenda tem o seu fluxo próprio. Ela segue lembrando o
significado das quatro direções: o leste, “como eu vejo”, o oeste, “como eu penso”, o sul,
“como eu sinto” e o norte, “como eu expresso”. Antonella, tradutora de alemão pede
que falem de forma mais pausada.
Fases da tenda do suor
Sthan entra na tenda, segura seu material que inclui ervas específicas escolhidas
antes de entrar na tenda e instrumentos como um tambor, um maracá e um cachimbo
com tabaco, explica novamente qual a intenção da primeira rodada, que é para o físico.
Ele diz que todos devem aproveitar para trabalhar problemas físicos, como sinusite,
falta de ar, dores do corpo etc. e que rezas e reflexões serão usadas, ou não, de acordo
76
com a necessidade. Pede mais pedras e o balde com água que ficou na porta (o último
objeto solicitado ao entrar) e convida o homem do fogo a entrar na tenda.
A primeira rodada: “curando o corpo físico”
“Tunka-shila” chamou Sthan em dialeto lakota e traduziu: “tragam as
avozinhas”... Sete pedras foram colocadas no buraco do centro da tenda. Cantando,
Sthan espera Dani arrumar as pedras no buraco. O homem do fogo entra e traz o balde
com água. A porta é fechada. O focalizador iniciou a primeira fase explicando que
“devemos honrar” a direção leste, a Terra. Essa fase está ligada à estrutura óssea, com a
sustentação, com os pés e as pernas, com o nosso corpo material, é para o corpo físico
eliminar toxinas ou memórias que estejam nas células. Era o momento de se “reconciliar
com a natureza interna, com nosso próprio ser, a maneira como vemos o mundo”. Entre
um canto e outro, vai depositando ervas sobre as pedras quentes e um perfume preenche
a tenda ficando agradável respirar. Ele joga água sobre as pedras com uma concha e
quando a água toca na pedra, um vapor quente preenche todo interior da tenda e entra
pelos pulmões, um calor entra pelas narinas e a sensação é de “queimar por dentro”.
Senti meu rosto ardendo como se estivesse sendo queimado por labaredas. Fiquei
sentada em frente à porta, na primeira fileira e atrás das pedras, podia sentir o calor
diretamente em mim. Algumas pessoas tossiam ou gemiam. A tradutora fica por uns
instantes sem poder falar.
Sthan falava da necessidade de soltar e curar as dores físicas, de não se apegar a
elas. Orientou que para amenizar o calor, se pode baixar a cabeça e respirar na grama ou
passar areia molhada pelo corpo. Apesar do calor no interior da tenda, o solo é frio, pois
segundo eles, a mãe terra acolhe. Coloquei areia no meu corpo molhado de suor e
mantive minha cabeça firme até o fim da rodada. Sthan entoava um canto em língua
lakota enquanto Dani e Júnior tocavam maracá, agradecendo os ensinamentos recebidos
através das “pedras e da mãe terra”.
Aproximadamente depois de quarenta minutos, a porta foi aberta, equilibrando o
ar quente. Houve um pequeno intervalo de dez minutos para o homem do fogo pegar
mais pedras. Sthan sai com ele para escolher as pedras e Danicontinua cantando no
interior da tenda. Fala também, estimulando a auto-reflexão e lembrando que é um
processo individual, para não interferir no processo do outro. Dani organiza as pedras
77
encaixando-as para dar espaço às que estão por vir, convidando a todos a falarem alto
“Ayoo mitakuye ayas‟in,” que quer dizer por “todas as minhas relações”, chamando o
homem do fogo para trazer as avoelitas.
A segunda rodada: “curando as emoções”
Sthan retorna, anunciando o início da segunda fase, que está ligada às emoções,
pois objetiva trabalhar tudo o que envolve a parte emocional do participante,
provocando uma “libertação das emoções”, associada ao elemento água, ao “corpo
emocional”, aos sentimentos, ao ventre. O focalizador segue falando e convida a todos a
“perdoar e ser perdoado”, a liberar os sentimentos de culpa, a “lavar as emoções e o
coração” dos sentimentos diversos. O homem do fogo insere pela porta as pedras
quentes uma a uma. Dani recebe um total de sete pedras. Ele inicia a reza novamente.
As ervas e o vapor quente tornavam o calor quase insuportável. Sthan canta: “Eu sou
onça sou beija-flor, essa força que me guia é à força do amor. Essa força que me guia é à
força do criador”.
Sthan convidou a todos para gritarem bem alto, liberando as emoções reprimidas.
“Libere tudo que o reprime com um grito”, dizia ele. Além de muitos gritos, escutei
também alguém soluçar. Por um momento fiquei atordoada e emocionada. Ele respinga
água em todos. Alguns participantes tossem, outros deitam no chão. Alguém pediu para
sair porque precisava ir ao banheiro. Eu, assim como a maioria dos participantes,
estava toda suja de barro, suada, com o cabelo molhado como se tivesse acabado de
tomar banho. Após meia hora, ou mais, ele chama pela porta, que foi novamente aberta.
De acordo com Sthan, o tempo de abertura e o fechamento da porta, em uma tenda, são
determinados pelo participante mais “fraco” ou que suporta menos o calor. Algumas
vezes, no intervalo de uma rodada muito quente, são abertas as quatro portas e apenas
neste momento, quando a porta foi aberta, quem quisesse poderia sair para banhar-se na
cachoeira. Era possível sair da tenda se o participante desejasse. Uma uma, em sentido
horário, as pessoas saíram em silêncio. Após a cerimônia, ele me explicou que estava
sendo flexível, como ensina a tenda.
78
A terceira rodada: “curando a mente”
O homem do fogo insere mais nove pedras e tem início a terceira rodada. Sthan
lembrou que essa fase esligada à mente, como se pensa, e para começar a “libertar os
medos”, os “fantasmas”, situações que sabotam o nosso dia a dia. Essa fase está ligada
ao ar, à “inteligência do ser”, que permite “escolher o caminho correto”, ao retorno da
luz que ilumina tudo, que clareia o caminho para que não tropecemos e avancemos com
passo seguro e firme na vida. A moça do meu lado está deitada, chora e sacode o corpo,
ocupando um espaço considerável em ralação ao tamanho da tenda. O momento é de
grande calor, diferentes reações acontecem de forma individual, mas novas estratégias,
positivas e encorajadoras, são desencadeadas por Sthan, que incentiva a descoberta de
um “poder pessoal”. O esforço ritual é dirigido no sentido de ressignificar as
perturbações. Ele acende o cachimbo com tabaco e passa, em sentido horário, para que
todos que desejem possam “compartilhar”, dando uma baforada. A porta é fechada e
neste momento, mais ervas e água são adicionadas às pedras quentes. Tocando o tambor,
Sthan segue entoando um canto que fala da jurema preta. Por um instante, me veio à
memória a imagem de uma câmara de gás. E ao mesmo tempo me senti muito tranquila.
Uma sensação de paz, de fim e início de algo novo. A porta é aberta pela terceira vez e
após um pequeno intervalo, atendendo ao chamado, o homem do fogo insere mais treze
pedras incandescentes no interior da tenda.
A quarta rodada: “curando o espírito”
A porta é fechada pela última vez, dando início à quarta fase. Sthan prosseguiu
explicando a última fase, que trabalha” a “transmutação total”, a “troca” e a
“regeneração”, o que, simbolicamente, permite “ressurgir como seres novos do ventre
da tenda”. Inicia desta vez em espanhol, o canto que fala das avoelitas. Pediu que todos
refletissem sobre a forma como se “expressam na vida”, e expressassem a
espiritualidade, rezando em voz alta, de acordo com o que cada um acredita. Neste
momento, muitas vozes ecoam com pedidos, desculpas, agradecimentos; orações como
o pai-nosso e a ave-maria podiam ser ouvidas.
79
A saída da tenda: o nascimento
Sthan abriu a porta, colocou o balde de alumínio com água para fora da tenda e
explicou que simboliza a “bolsa do ventre que arrebenta”. Os participantes se deslocam
em sentido horário e saem um a um, simbolizando o “nascimento”. Sthan fica do lado
de fora da tenda, ao da porta, derramando água na cabeça de cada um que saía.
Alguns iam em direção à cachoeira ou deitavam na grama por alguns instantes, a
maioria permanecia em silêncio reflexivo, agradecendo, com um abraço, ao homem do
fogo, ao focalizador e a cada participante, seguindo para tomar um banho frio ou trocar
de roupa.
Todos os participantes foram convidados a se reunir às oito horas, logo após o
jantar. Gravei os depoimentos com a permissão de todos. Esses relatos serão
apresentados no segundo capítulo, ou seja, na segunda rodada deste trabalho.
Análise do ritual
Apresentei acima uma amostra dos meus dados de pesquisa de campo, partes de
diversos eventos que, embora ocorridos em diferentes partes do mundo e envolvendo
distintos grupos de pessoas, foram interligados pela minha presença como observador
participante. Prefiro chamar de observação participada, devido à característica do ritual.
Escolhi entrar diversas vezes na tenda, que não tinha permissão de gravar ou filmar o
processo. Desse modo, fui literalmente afetada pela temperatura, sons, desconfortos,
pensamentos e emoções surgidas a cada momento das rodadas e tendas que participei.
Por meio dessas situações, e do seu contraste com outras situações vividas e não
descritas, tentarei delinear a rede de ligações que se desenhou desde a primeira tenda do
suor que participei em Parnamirim/RN, no ano de 2008.
Segundo Gluckman (1940), quando se estuda um evento como parte do campo
da Sociologia, é conveniente tratá-lo como situação social. Para ele, uma situação social
é o comportamento, em algumas ocasiões. Dessa forma, a análise do evento da tenda
revela o sistema de relações subjacentes entre os atores, os eventos, o aprendizado e as
crenças e valores que movem o pensamento do circuito neoxamânico.
Nesse sentido, cabe ressaltar que, segundo a administração, era a primeira vez
que acontecia uma tenda naquele Centro Marista. A disponibilidade do centro católico
80
se deve ao fato de sua administração ser terceirizada e locar partes das dependências à
organização do Metaforum Internacional. A pedido da organização do Metaforum,
coloquei um cartaz no mural em frente à sala principal, com informações sobre o evento,
para que os interessados em participar da tenda pudessem se inscrever. O boca a boca
circulou a ponto de as vagas serem preenchidas rapidamente.
O fato de grupos de diferentes nacionalidades participarem de uma tenda do suor
construída por empregados de um centro católico, focalizada por um xamã urbano,
tendo um caboclo pai de santo como homem do fogo e uma artista de teatro como
guardiã das pedras, mostra que juntos formam uma rede que denominei aqui circuito
neoxamãnico, com modos específicos de comportamento. As “alianças” entre esses
diferentes grupos podem formar uma estreita rede de relações na qual todos os atores
envolvidos devem ser vistos como dotados de agência, possuindo discursos e interesses
próprios, sendo reconhecidos entre seus pares e também os reconhecendo. Esses
interesses, assim como o significado atribuído aos diferentes elementos materiais e
simbólicos que circulam no âmbito dessa rede, são negociados na interação. Somente a
partir dessa perspectiva, pode-se começar a entender o comportamento dos indivíduos
da forma como os descrevi.
Mais adiante, examinarei a validade dessa abordagem para o estudo da mudança
social nos centros urbanos e na vida das pessoas. Quero salientar que a recorrência da
tenda do suor neste circuito deve, necessariamente, ser o ponto de partida de minha
análise para o estudo da rede que se forma. Os eventos ocorridos devem ser
relacionados a um sistema no qual, pelo menos uma parte, consiste de relações xamãs
urbanos/xamãs da aldeia, e destes com seus clientes.
Os encontros
Os encontros e vivências são realizados em diferentes locais, mas estão
interligados, preservando uma estrutura básica, mas com variações, adaptados ao
contexto e dependendo da performance e conhecimento do focalizador. Atendendo em
cidades diferentes, é comum centros de atendimento estarem localizados em sítios de
cidades próximas às capitais, na casa da cidade do neoxamã (alguns têm mais de uma
casa) ou em locais alugados, onde são oferecidos cursos de iniciação xamânica,
vivências, palestras, rituais de lua, cerimônias nativas, “encontros” de “tradições”
81
diferentes com focalizadores de outros países ou etnias, atendimentos individuais com
massagens, banhos, leitura de cartas. Atendimento em grupo ou in company” (ou seja,
para empresas). Passei alguns dias no espaço Filhos da Terra em Cotia/São Paulo, onde
mora Sthan, e visitei outros no interior do Rio de Janeiro e no Peru, onde a estrutura
básica é composta de alojamento, salão, cozinha coberta (mas ao ar livre) e casa de
apoio. Todos ficavam próximos a grandes centros urbanos perto de reservas florestais e
com muita área verde para vivências. Nestes centros, a estrutura de varas para a tenda
ficava permanentemente montada, sendo coberta apenas para a realização da cerimônia.
Os focalizadores
Durante a pesquisa de campo encontrei neoxamãs de diferentes formações, com
diversos interesses de atuação e sua própria rede de seguidores, mantendo relações com
xamãs, trocando interesses, práticas e símbolos. Os xamãs urbanos ou neoxamãs em sua
maioria apresentam-se como tendo sido “autosselecionados”, seja por um sonho, ou
desejo de romper com os padrões de vida comum. Segundo Sthan, o aprendizado vai
além do conhecimento da literatura nativa e antropológica, a participação em cursos de
formação xamânica e práticas afins como cerimônias de mudança de estação, encontros
e convívio com algum “xamã indígena da aldeia”. Além de passar por diferentes “rituais
de passagem” de acordo com a tradição que escolhe. Para ser focalizador da tenda, por
exemplo, é preciso passar por no mínimo quatro buscas da visão
14
. Uma jornada com
duração de no mínimo quatro dias em um local pré-definido o buscador, como é
chamado, forma um círculo de pedras no chão e fica em meditação sem comer ou beber
água. Seu orientador chefe do “clã” fará o seu batismo, ele receberá um nome nativo e o
direito de focalizar tendas do suor.
O aprendiz de xamã incorpora novos habitus repetindo práticas corporais,
aprendendo uma linguagem verbal e não verbal. Lembrando Goffman (1975), passa
pelo processo de idealização e instalação de crenças no qual o sujeito incorpora e
idealiza os valores oficialmente reconhecidos pelo universo xamânico e neoxamânico.
Mais adiante, examinarei como o processo de modelagem entre xamãs e neoxamãs, mas
14
Busca da visão: Ritual de passagem dos índios lakota, para despertar o poder pessoal. Nesse ritual, o
buscador, como é chamado o participante, vai para um local isolado, faz um círculo de pedras no chão e
fica por alguns dias em jejum para meditar.
82
também como, ao final, a rede do neoxamanismo também é modeladora, impondo
modos de agir e pensar, bem como sendo central para o reconhecimento da autoridade
de cada praticante.
O controle das impressões define o status na rede e garante a idealização e
mistificação em torno do seu papel, bem como para fortalecer o eu social do neoxamã
em sua rede e na rede que une focalizadores (GOFFMAN, 1975). Na busca de linhagens
que fundamentam suas práticas e vocação, muitos neoxamãs que fizeram sua iniciação
nos Estados Unidos, Peru ou México, ou que mantêm vínculos com “mestres indígenas”
nesses países, pretendem, mais recentemente, fundar uma linha de continuidade com
tradições dos “índios brasileiros” (MAGNANI, 1999). O novo habitus vai além de
posturas, inclui ornamentos corporais como colares, braceletes, cocares, tornozeleiras,
brincos, anéis de diferentes “tradições” e etnias.
Os ajudantes
Estas relações podem ser profissionais, por apadrinhamento ou por amizade. Os
conhecimentos adquiridos são capitais que determinam a posição na rede. Essa posição
estratégica garante o reconhecimento dos demais. Esses conhecimentos podem ser de
diferentes “tradições” que são adaptadas e relidas e chamadas de “linhas” de trabalho. O
Aprendiz “adotado” segue a “linha básica” de seu padrinho, mas de acordo com o
contexto e campo de atuação ou público alvo, flexibiliza (adapta) sua prática ao contexto.
O processo de modelagem atua como forma de entrada na rede e aperfeiçoa a
construção da performance do neoxamã (como veremos na capítulo 3). Pode atuar como
homem do fogo, ou guardiã das pedras ou ajudar a montar a tenda. Quanto mais
conhecimento, maior será a posição de poder que ocupa. Esse poder pode ser
intensificado em suas redes pessoais onde atuam diretamente, por meio da participação
em “conselhos de tradição” ou encontros transnacionais.
Alguns atores ocupam posições estratégicas, podendo ou não ser neoxamãs.
São promotores, ligados, ou não, a um grupo específico. Promovem eventos, mediam
relações e fazem a interligação entre os grupos locais, nacionais e internacionais. Atuam
numa troca de comunicação de forma direta ou indireta na rede, suas relações podem ser
diretas ou íntimas com grupos ou neoxamãs específicos. Uma última posição isolada
83
seria a de neoxamãs que tem um número menor de contatos e, no entanto, mantêm
relações com a rede local e esporadicamente com a rede nacional ou internacional. De
acordo com as posições ou posturas escolhidas, a rede pode isolar o neoxamã, isso vai
depender da sua rede de amizades ou da postura profissional que escolhe para inserir
novas práticas ou escolher novas relações de amizade. Para ser inserido na rede, é
necessário fazer um mínimo de modelagem e permitir ser modelado por ela.
A origem da tenda do suor
Sthan e outros focalizadores que encontrei fazem uso de elementos da cultura
lakota para explicar a origem da tenda do suor. A cerimônia de purificação inipi foi
trazida por Kanka, a mulher búfalo branco, para que eles pudessem purificar-se física,
mental, emocional e espiritualmente. “Sou mulher”, disse ela. “Minha língua fala a
verdade, não existe nada de malfazejo dentro de mim”. Em seguida, ofertou aos lakota
um longo tubo estreito, a laringe Búfalo ela esticara e secara para o alento do homem.
“Este tubo, disse ela, torna visível o alento de vocês. Usem com sabedoria dos
antepassados, para unir o povo e fazer com que a suas palavras sejam sempre
harmoniosas”, conta Wallace Alce Negro (2000)
15
.
Foi ela que ofertou aos lakota-sioux as sete cerimônias sagradas que constituem
a “ossatura” de sua cosmogologia. Várias cerimônias caíram em desuso, mas outras
continuaram vivas, ressurgindo durante os últimos quarenta anos: a dança do Sol, a
busca da visão e a tenda do suor. Essas cerimônias moldam a vida dos Lakota, mas são
os segredos do cachimbo e da tenda do suor que dão equilíbrio. Elas representam os
ritos de purificação e estão presentes e integradas em todas as cerimônias e durante toda
vida lakota. A tenda é um lugar de realização, visão e redenção. Encontrei registros na
literatura nativa do uso como ritual para pedir, agradecer ou purificar no início de outras
15
Wallace Alce Negro (1863-1950) ancião Sioux Oglala, ,nascido no Dakota do Sul. Alce Negro recebeu
desde a mais tenra idade o ensinamento do avô, o famoso Nicholas Alce negro. Um dos últimos xamãs
ameríndios a ser educado dentro da tradição e a ter trilhado a “estrada vermelha sagrada”. Sobre a vida de
W. Alce Negro, ver Wallace Black Elk e William S Lyon, Les Voies sacrees d’um Sioux lakota, Le Mail,
Éditions Du Rochers, Mônaco.
84
cerimônias e também para ajudar no tratamento de dependentes químicos e abuso de
álcool. No estado de Santa Catarina a tenda do suor tem sido usada para fortalecer a
identidade dos jovens guaranis. No caso do não índio, é usado em encontros
neoxamânicos para favorecer o encontro com seu “guerreiro interior”. As saunas
sagradas são eventos sociais que aproximam e solidificam grupos em um conjunto
comum de práticas mentais, espirituais e proporcionam relaxamento físico. Segundo
Sthan, o foco da reza não é o ser, mas toda criação. Vai além do egocentrismo em
direção à “mãe terra” e a força dos elementos do sol, fogo, ar e água; para sentir-se parte
da criação e integrado com o universo.
Simbologia das varas
Segundo Sthan, quando as varas, que pela tradição deveriam ser de salgueiro
branco, que formam o quadro de tenda lakota, são cortadas, o tabaco é deve ser
colocado para mostrar agradecimento por seu sacrifício. Na literatura nativa, esse
reconhecimento da contribuição dos salgueiros na construção dos polos da tenda evita
doenças, podendo atrair problemas de saúde para a pessoa que construir a tenda e para
aqueles que dela participam, caso não seja considerada. Essa reverência normalmente é
dita como uma parte essencial de qualquer montagem
Sthan afirma que na impossibilidade da participação no corte, esta oferenda é
feita nos buracos que vão receber as varas. Presenciei a reza dos buracos por duas vezes.
Cada etapa da preparação da tenda do suor tem um significado especial. Entre os lakotas,
por exemplo, quando os polos da tenda são dobrados e amarrados no topo, os polos de
passagem formam um quadrado cujos lados representam as quatro direções. Quando a
estrutura é concluída, os polos formam o desenho de uma cesta ou um casco de
tartaruga. A curvatura das varas do salgueiro é vista simbolicamente como o arco do céu.
Elas também são o reforço da tenda, que simboliza em algumas culturas nativas uma
tartaruga, em outras como um urso e entre nações indígenas do noroeste do pacífico dos
Estados Unidos, como o corpo do criador de todas as coisas. Embora aqui no Brasil
outras varas possam ser usadas, como o bambu, na maioria das entrevistas que fiz, e
85
ouvi que pela tradição lakota, as varas de uma tenda deveriam ser de salgueiro
16
e cada
uma delas tinha um significado, embora nem todos “lembrassem” ou por alguma razão
faziam mistério sobre o assunto. Com o tempo, tive acesso ao desenho que me foi
fornecido por Sthan no qual a cosmologia lakota é mapeada no layout da tenda.
Figura 8: Simbologia da tenda segundo os lakota.
Fonte: Chefe Lame Deer em Sarkis(1994)
17
.
16
Gilmore Melvin: o autor etnobotânico de Fumaça de pradaria (datar), um livro sobre a vida dos índios
do Missouri Vally, explicou a escolha dos salgueiros, em termos que ele havia aprendido a partir de vários
anciãos indígenas que compartilhavam seus conhecimentos com ele. O salgueiro é uma árvore que se
encontra sempre crescendo ao longo da água. Parece fluir, portanto, que o salgueiro tinha uma relação
especial com a água, "o elemento água é necessário ao homem e aos outros seres vivos”.
17
Vale salientar que este esquema me foi presenteado por Sthan quando lhe perguntava sobre os
significados da tenda.
86
Segundo explicações fornecidas por Sthan, as varas representam os dezesseis
grandes mistérios no desenho de sua estrutura. Da primeira à quarta vara, os espíritos
superiores; da quinta à oitava vara, os espíritos associados; da nona à décima segunda
vara, os subordinados; e da décima terceira à décima sexta, os inferiores. Dependendo
do local onde o participante estiver sentado no interior da tenda, será afetado pela
direção e enquadrado pelo grupo de espíritos associados a cada vara ou conjunto de
varas.
18
De acordo com os entrevistados, isto nem sempre é compartilhado, pois a
perícia do focalizador está na observação das reações das pessoas que sofrem a
influência do local escolhido para participar do ritual.
Simbologia da disposição das varas no interior da tenda
Espíritos superiores
1. WI Sun O primeiro ser criado , trazendo luz para o
mundo
2. SKAN, movimento O movimento do universo. O
sangue que pulsa no corpo (feminino), o vento solar
(masculino).
3. MAKA, Mãe terra O espírito tem a forma da terra;
4. INYAN, Stone O espírito Inyan
Espíritos associados
5. HANWI, Lua Criado como companhia para o Sol
para iluminar o lado escuro da terra
6. TATE. Vento Skan criou o vento para ajudá-lo
7. UNK Satisfação e prazer Maka o florescer da mãe
terra, criado de sua essência a beleza do espírito prazer,
o prazer e satisfação da vida, a energia feminina da terra.
8. WAKINYAN, a essência do equilíbrio, criado o seres
do trovão
Espíritos subordinados
9. TATANKA OYATE, Nação búfalo(masculino)
10. TOB TOB Urso
11.WANI, As quarto direções,
12. YUM, patrono do amor
Espíritos inferiores
13. NIYAN, espírito do homem
14. NAGI, fantasmas
15. SICUN, Intelecto
16. YUMEN WHOUA, O material
18
Sthan me forneceu este quadro apresentado por Helene Sarkis segundo informações do Chefe lakota
Archie fire Lame Deer da tribo Minneconju Sioux-Rosebud Reservation (1994).
87
Segundo Sthan, nem todos os líderes de tendas conhecem a fundo esta
simbologia. Um líder ou condutor experiente deveria saber a medicina de cada vara, e o
momento de usar cada erva, cada canto e a batida do tambor ou maracá adequados para
ajudar a “curar” a perturbação que o espírito da vara está mostrando para a pessoa que
está embaixo dela, assim como os mistérios do grupo que os espíritos ou as forças
sobrenaturais estão revelando.
Na cosmologia lakota houve divisões quadripartidas de tudo: quatro cores
(vermelho, verde, azul, amarelo), quatro mistérios superior (sol, céu, terra,
rocha), quatro classes de deuses (superior, espíritos associados, subordinados,
inferiores), quatro elementos no céu (sol, lua, céu, estrelas), quatro peças de
tempo (dia, noite, mês, ano), e quatro ventos que correspondem aos quatro
pontos cardeais. Todos estes são simbolizados pela cruz lakota-dentro-um-
círculo, um símbolo que aparece em todas as Américas. Para os lakota, é o
aro "sagrado" e representa a totalidade de seu povo (STEINMETZ, 1990).
De acordo com vários focalizadores, a disposição das varas na montagem da
tenda obedece a uma simbologia, representando a cosmologia lakota apresentada no
quadro abaixo, segundo informações de Lame Deer e sistematizado por Sarkis (1994).
A semântica do ritual
Antes de uma tenda, é comum que o focalizador faça uma pequena apresentação
para explicar o significado do ritual, que, seguindo a prática neoxamânica pode ser
realizado por todas as pessoas indiscriminadamente, desde que, para isso elas se
coloquem disponíveis. Segue um pressuposto dos encontros da Nova Era que para
participar não é exigida qualquer sistematização dogmática ou institucionalizada de
Forças negativas
Forças positivas
ANOGETE, mulher com duas faces
IKTOMI, aranha
KANKA, anciã
KSA, deusa da água
WAZI, ancião do norte
TOB TOB, Oito direções do vento
TATE, vento
YUMENI, vento e tempestade
Mercúrio
Saturno
Vênus
Netuno
Marte
Plutão
Urano
Júpiter
88
conhecimentos, herdados ou transmissíveis, via igreja ou religião (AMARAL, 2000, p.
56).
A tenda é oferecida inicialmente como ritual de purificação dos índios norte-
americanos. Além da origem, há outras regularidades significativas. A maior recorrência
presente é a variação na atuação, apesar de o focalizador receber a permissão para
liderar ou “correr” tendas de chefes indígenas ou de iniciados por estes e pertencerem a
uma terceira geração na tradição americana ou mexicana cada um acrescenta sua
releitura, fazendo uma espécie de bricolagem dos seus conhecimentos pessoais com a
estrutura básica da tenda. Outra visível regularidade é a organização do ritual que não
varia, apresenta uma estrutura básica, de quatro rodadas delimitadas pela abertura das
portas e entrada das pedras.
Essas adaptações e realinhamentos, que, segundo Sthan, “não são feitos em
rituais na aldeia”, são apresentadas como demonstração de flexibilidade, que para a
proposta analítica aqui evidenciam uma característica comum aos rituais do
neoxamanismo. Não só a possibilidade de variação no uso dos repertórios culturais, mas
a expectativa de que de alguma forma o ritual apresentado pelo focalizador tenha
alguma distinção frente às práticas de outros líderes.
Abaixo apresento a organização recorrente nas tendas que participei, citando os
elementos presentes em cada fase, rodada ou abertura de portas:
Destaco as seguintes informações para este exercício antropológico: a tenda é
apresentada como vivência intensa, segundo Amaral (2000, p. 68), “podendo variar de
acordo com seu objetivo ou intenção, mas obedecendo a uma estrutura básica das
Figura 9: Tabela 1-Fases do ritual e seus respectivos elementos. Fonte: quadros sinóticos de 1 a 9
89
vivências”. Parte-se geralmente de um estado de insatisfação geral ou desconexão, o
clímax e a libertação. A estratégia ritual é causar a sensação de estar fora do mundo, é
ativar a busca interior pela tomada de consciência das perturbações internas do sujeito
ampliadas na escuridão do interior da tenda e “curadas” pelo calor que sai das pedras
aquecidas, o aroma das ervas e o vapor de água quente.
Os instrumentos
Sobre os instrumentos utilizados, podemos citar: cachimbo, bastão, penas de
águia, sacolas para guardar ervas e vestimentas cerimoniais, podendo ser
confeccionados em rituais ou oficinas específicas ou presenteados em viagens sem
necessariamente seguirem uma linha de tradição. As ervas empregadas nos rituais, ou
atendimentos de cura, são de diferentes origens, podendo vir do Amazonas, Peru,
Estados Unidos, Canadá ou China, adquiridas em uma rede constituída por coletores
indígenas da região e distribuída por empresas especializadas e para vendidas em
armazéns e lojas do ramo ou raizeiros em feiras comuns. É comum da apresentação do
neoxamã a prática de experimentar novas ervas, aprender a confeccionar instrumentos
de diferentes etnias e exibir ornamentos diversificados. O controle das impressões serve
de status também para garantir a idealização e mistificação em torno do seu papel e
fortalecer o eu social do neoxamã em sua rede e na rede que une focalizadores
(GOFFMAN, 1975).
O tambor
O tambor, com visto aqui, é um instrumento musical sobre o qual os
neoxamãs têm todo um conhecimento fundado em referências extraídas de pesquisas
acadêmicas etnomusicológicas as quais explicam os efeitos psicofisiológicos dos sons
ritmados de baixa-frequência, indutores de “estados alterados de consciência”. Numa
entrevista concedida por Harner (apud NICHOLSON, 1987, p. 42), este afirma que “o
tambor é um equivalente das drogas psicoativas usadas pelos xamãs”. Ele faz uma
apologia do poder xamânico do tambor, como indutor substituto aos estados alterados
de consciência, sem a complexidade envolvida no uso de “plantas de poder”. Needham
(1979), um dos pesquisadores acadêmicos citados pelos xamãs urbanos, fala de um
90
“vazio cultural” produzido pelo som rítmico do tambor; e que, assim, traz à tona certos
processos primários de percepção, respostas psiconeurológicas básicas. Por outro lado,
o tambor dos nativos é um objeto carregado de simbolismo que se reveste de um caráter
especial nos rituais neoxamânicos: é o “cavalo do xamã”, conforme uma expressão
utilizada pelos xamãs tradicionais siberianos, citada por Eliade (1998).
A esse respeito, Sthan comenta que existem dois instrumentos fundamentais
dentro da cultura nativa: o tambor e o chocalho. O som do tambor lembra o mesmo som
que ouvimos quando estamos no ventre de nossa mãe, o seu batimento cardíaco junto
com o da sua mãe formam um som alternado. Toda vez que você toca o tambor, está
tocando o coração. Você tem que aprender a entender o seu coração, como ele bate,
ouvi-lo, segui-lo A gente é quem faz o tambor com o simbolismo destinado a isso.
O tambor é um objeto útil, um instrumento e ao mesmo tempo uma entidade
xamânica dotada de alma. Pode-se dizer o mesmo do chocalho, como uma variante do
tambor. Sobre o tambor, disse-me Sthan:
O tambor eu uso... É aquela definição clássica do tambor como cavalo do xamã, aquele que
ajuda a fazer com que as pessoas entrem num estado expandido de consciência, e quando elas
expandem estes estados de consciência elas entram em contato com aspectos internos que
estavam escondidos mas que estavam atuando de forma escondida e quando estes aspectos
vem à tona eles são fáceis de serem harmonizados. É o primeiro passo que a gente harmoniza
dos aspectos internos é trazer à tona esta consciência, esta presença de estados que estavam
agindo inconscientemente e de uma forma mais escondida. E o tambor eu uso desta forma e
uso também como uma forma de limpeza quando você reverbera o tambor, o som, isto atua
de uma forma ressonante, a energia do tambor, e muitas coisas são harmonizadas através
deste som de tambor, da reverberação deste som.O chocalho eu uso como instrumento de
limpeza, de purificação, ele ajuda também com seu som rítmico a estados de expansão de
consciência dos corpos mais sutis das pessoas um barulho de chuva que ajuda dentro da
consciência das pessoas[...] Uma ideia de purificação, de limpeza, isto faz com que as
pessoas firmem interiormente, até na sua consciência normal, com esta ideia de chuva, de
purificação e de limpeza e isto ajuda profundamente o trabalho.
Nas técnicas neoxamânicas, o som vibrante e percussivo do tambor é um
elemento ritual básico. Segundo Needham (apud AMARAL, 2003), a percussão o
ritmo, cujo efeito no sentimento das pessoas é condicionado pela cultura produz um
impacto imediato, afetivo/corporal que Needham relaciona com o conceito de
“existência espiritual”. Os sons percussivos não dependem de material, de técnicas ou
de ideias específicas, eles podem ser feitos com o corpo humano, pelo contato abrupto
ou através de partes ressonantes do meio ambiente. Fenômeno elementar e primário, as
averbações produzidas por instrumentos, quaisquer que sejam eles, proporcionam
efeitos não apenas estéticos (culturalmente contingentes), mas corporais: um
91
arrebatamento, um tremor interno, que pode ser mais ou menos consciente, mas que é
inevitável. “A não contingência da percussão a qualquer dos mundos vazia, portanto, de
conteúdos sociais fica associada, assim, no sentimento arrebatado, à comunicação com
um “outro mundo”, ou melhor, ao seu “deslocamento” ou passagem” para um “outro
mundo” (ibidem). Os tambores, como todos os instrumentos de percussão, seriam,
assim, universalmente eficientes em cerimônias que visam o contato com os espíritos, o
“xamanismo, e nos rituais que marcam a “passagem” formal dos participantes de um
estado (místico ou social) para outro.
Plantas e ervas
Outro recurso terapêutico desse universo são as ervas considerados como
espíritos “aliados”, conforme a expressão de Castaneda. As ervas são “instrumentos de
mudança de consciênciae, ao mesmo tempo, entidades animadas e dotadas de forte
conteúdo simbólico. Cada erva tem sua personalidade própria. Trata-se de um “aliado”
com qualificações personalísticas específicas, com “temperamentos” e intencionalidades
próprias. Sua utilização determina um tipo de experiência espiritual peculiar seja a
ayahuasca, sejam os cogumelos don-pedrito, seja o peyote, seja até mesmo a Nicotiana
tabacum, ou alguma erva cuja ação psicotrópica não seja tão evidente, mas que tenha
atributos gicos como a arruda (Ruta graveolens) ou a artemísia (Artemisia sp),
entre outras.
Elas podem ser dadas, ou vendidas, pelo neoxamã, ou simplesmente prescritas
em um receituário para que possam ser adquiridas em casas especializadas em produtos
alternativos e esotéricos. Num curso de dois dias de duração, numa clínica de psicologia
no Rio de Janeiro, Kaká Werá Jecupé também conhecido de Sapaim e competidor nos
mesmos espaços neoxamânicos explicava, em uma arandu mbaikuará (“roda de
sabedoria”, em guarani), sobre a personalidade de algumas “plantas de poder”: “o
espírito do tabaco é como uma pessoa pintada de verde e que tem um manto lilás igual à
sua flor, é poderoso, pesado, masculino, capaz de desagregar energias”; “o espírito da
sálvia é todo dourado, mais suave, feminino”; “o manjericão é como uma dama toda
verde, com manchas douradas e prateadas”; “a jiboia é uma planta que vive no escuro, é
negativa, capaz de sugar vitalidade”; “a babosa é um planta que está se oferecendo
agora para curar o câncer”; “tem uma planta na mata atlântica que conversou comigo e
92
disse-me que ela pode curar a AIDS, mas ainda não me deu permissão para revelá-la ao
público”.
toda uma lista de espécies botânicas, encontrada em obras de fitoterapia
popular e utilizada pelos neoxamãs iniciados como “homens de medicina”. Sthan afirma
que não conhece botânica medicinal, não é “iniciado” neste item, mas utiliza algumas
plantas mágicas e recomenda alguns chás e extratos vegetais. uma “botânica
xamânica”, que, até onde pude saber, é em grande parte um ensinamento oral e que
inclui o uso das “plantas de poder” como a ayahuasca e o peyote, por exemplo e de
certas plantas cuja presença no ambiente determina certos efeitos ditos “harmonizadores
das energias”. Por exemplo, a guiné (Pettiveria alliacea) “protege o ambiente”; a salvia
(Salvia officinallis) “fortalece as energias do indivíduo” etc. O uso de incensos indianos
e de “defumadores” é uma extensão deste aprendizado de botânica xamânica.
Invariavelmente, as sessões de terapia xamânica são aromatizadas através de incensos,
ou então de perfumes “aurasoma”, ou de ambos. Sapaim, aliás, adotou esse
procedimento durante suas pajelanças e frequentemente acendia incensos, além do
tabaco. Pareceu-me que nessas práticas estão presentes alguns elementos das
cosmologias afro-brasileiras, nas quais determinas plantas têm ligação com orixás
específicos.
Aragão (2004) afirma que, ao olhar do universo xamânico, Sapaim é um
“homem de medicina”, ou seja, um conhecedor das ervas medicinais. Em geral, percebi
que, da parte dos xamãs urbanos, atribuem-se a todos os pajés o conhecimento de ervas
o que nem sempre é fato. Coincide aqui, entretanto, que também do ponto de vista
xinguano, Sapaim é, além de pajé, um “raizeiro” (üapó-ayat, “dono das raízes”, entre
outras denominações). E, assim, uma das importantes atividades promovidas por
Sapaim quando entre os neoxamãs é a de realizar excursões às matas para o
reconhecimento de espécies medicinais ou mágicas. Nesse contexto, Sapaim afirma com
frequência: “eu conheço qualquer planta”. O que ele ensina a respeito passa a ser
praticado.
Oráculos
As “terapias oraculares” mais recorrentes entre os xamãs urbanos são as cartas
do Tarô e o Calendário Maia. Alguns xamãs urbanos, como Carminha Levy, também
93
recomendam e utilizam o Ifá do candomblé
19
. Essas terapias têm, aos olhos do público,
o poder de analisar a ordenação dos acontecimentos, de prever desafios e revelar
tendências futuras do cliente. São utilizadas como sinalizadores de mudanças que
devem ser realizadas por este, para que a “cura” no sentido mais amplo possível do
termo seja obtida.
Atualmente, Sthan palestra sobre as profecias do calendário Maia
20
para 2012.
O uso do Calendário Maia é um exemplo interessante de como a cosmologia
neoxamânica inclui uma nova ordenação do mundo, como alternativa à vigente noção
linear de tempo noção linear esta que “foi instalada em nossa consciência”, como
afirma Maria Nicx, a partir da imposição histórica do calendário gregoriano, praticado
desde o ano de 1582. O fato de o calendário ser “maia” e pertencer a uma antiga
sociedade pré-colombiana indígena é um fator representativo para o xamã urbano.
Nessa questão do Calendário Maia, como substituto ideal para o moderno calendário
gregoriano, estabelece-se a questão que Lévi-Strauss (1976) coloca como a dialética
entre “pensamento selvagem” e “pensamento domesticado”, questão esta que serviu de
subsídio para o debate de Vilhena (1990) a respeito da convivência entre Astrologia e as
modernas noções de tempo e de astronomia.
As palavras de poder
Os cânticos variam de acordo com o repertório do focalizador. No modelo de
tenda apresentado aqui, as canções variavam desde músicas do repertório lakota,
mexicano ou brasileiro, acompanhadas por tambor e maracá. Algumas tendas que
participei entoavam somente cânticos de origem lakota ou mantra em idioma lakota.
19
Observei que apenas Carminha Levy e Roland Barkley fazem analogias as práticas do candomblé ou
umbanda. Esse pode vir a ser um ponto de aprofundamento no estudo dos neoxamãs, o que não foi o caso
nesta pesquisa.
20
O Calendário Maia representa uma noção de tempo cíclico, estruturado sobre relações metafóricas e
metonímicas, e sobre o qual é creditado uma poderosa relação determinística sobre os fenômenos. Basta
dizer que os nativos acreditam que sua adoção global possa “mudar o modo de pensar das pessoas” e
ainda que, sendo ele utilizado como oráculo individual, possa também “sintonizar o indivíduo com as
energias vivas do cosmo”. A hipótese de Vilhena é a de que a Astrologia se sustenta sobre relações lógicas,
ou analógicas, “selvagens”, semelhante à lógica dos sistemas mágico-classificatórios das sociedades
tribais. Da mesma forma, o Calendário Maia, pode ser identificado, em seu momento atual de
ressignificação, como uma “astrologia ameríndia” apreendida pelo universo Nova Era. uma
superposição de “influências astrais”, pois as metáforas de um calendário não excluem as de outro.
94
A noção de mantra
21
, ou “palavra de poder”, é parte daquelas práticas esotéricas
que, em seu conjunto, Bloom (1996) denomina “Gnose”. Esta noção da palavra-ação é
comum os xamãs urbanos. Estes também possuem a noção de que a palavra o mantra
exerce uma ação sobre o fenômeno, pois “o mantra é o objeto que ele representa”.
(ELIADE, 1996, p.180). Justamente, repetindo os mantras indígenas” sejam eles
Kamayurá, Sioux, Guarani, polinésios ou Navajo a ação ocorrerá do mesmo modo.
É por esse motivo que textos, como em Gramacho & Gramacho (2002), trazem
um glossário do léxico sioux. Em alguns rituais que participei, era comum pedir que os
homens proferissem determinadas palavras em língua lakota, e as mulheres, outras. O
ritual, originalmente indígena, é assim, sob este aspecto, “orientalizado”. Uma
convergência de significados ocorre aqui por conta de que, também para o pajé
xinguano e para diversos xamãs de outros grupos indígenas em geral, a palavra exerce
um efeito sobre os acontecimentos assim como a dança e o som da flauta. A eficácia
da oração também é pressuposto do xamanismo urbano.
As palavras atuam de forma cognitiva e os gestos, posturas e movimentos a
linguagem atuam de forma inconsciente. A linguagem inconsciente, segundo Goffman
(1975), vantagem ao público para perceber possíveis assimetrias ou incongruências
no processo da comunicação. No caso dos atores, assim como para os neoxamãs, era
necessária muita prática para poder dominar esta linguagem e convencer o público. Para
Bandler & Grinder (1977), a linguagem não verbal passada através do movimento
corporal é muito mais poderosa do que a concordância verbal (cognitiva). Segundo
esses autores, damos mais importância ao comportamento não verbal de uma pessoa do
que a suas palavras. Quando os dois conflitam, tendemos a acreditar na parte não verbal
da mensagem. A pós uma palestra que assisti em um encontro no Rio, um das pessoas
que conversei fez o seguinte comentário: “vi quando caiu do bolso do xamã uma cartela
de comprimidos. Não entendi”. O público espera uma vestimenta que reproduza
imagens e ícones indígenas preestabelecidos nas representações mais gerais urbanas.
Durante as entrevistas, observei a linguagem dos neoxamãs e verifiquei um
padrão recorrente: quanto maior era o seu leque de técnicas terapêuticas, mais sua
linguagem inconsciente era treinada, a linguagem corporal como padrão respiratório,
postura, gestos acompanhada da velocidade da voz, volume e ritmo pausado, alem de
21
Mantra termo sânscrito de uso recorrente no meio Nova Era, “palavra mágica”, “palavra de poder”.
Provém dos diversos textos sobre hinduísmo e Yoga, familiares ao público da Nova Era.
95
emitir sons característicos como tossidas, suspiros e hesitações. Um controle de
impressos gerando suspense, estados de reflexão ou emoção interna.
A linguagem verbal pode ser expressa através de mantras, ícaros, cantigas, rezas,
cantos, contos metafóricos ou feedback dentro ou fora do momento ritual independente
da língua utilizada. Segundo Sthan, o que importa é o som em alguns momentos no
interior da tenda. Por isso, ele pedia para não traduzir o que ele estava cantando ou
rezando. Assisti uma entrevista gravada do xamã Cheyene Turtle, que focalizou as
primeiras tendas do suor no Brasil em sua última visita. A repórter solicitou que fizesse
uma reza em sua língua nativa e logo após o fim da reza, ela pediu que ele traduzisse.
Ele simplesmente disse que não rezou para ela, mas para o grande espírito. O mantra
não precisa ser compreendido, em termos idiomáticos, precisa ser repetido fielmente em
termos “vibratórios”, como uma sonoridade musical específica que, somente assim,
exerce um poder sobre os fenômenos visíveis ou sobre os mundos psíquicos e invisíveis.
Pude observar, entre os xamãs urbanos, o uso frequente de citações verbais, e
mesmo de leituras em grupo, das obras de antropólogos que realizaram pesquisas que
focalizam o ameríndio e o xamanismo. Esse enfoque na disciplina da antropologia tem
uso peculiar, como fonte de conhecimento e de afirmação do próprio neoxamanismo.
Por diversas vezes, ouvi frases como: “vamos fazer agora um exercício espiritual dos
xamãs lakota, que foi descrito no livro de um antropólogo chamado fulano de tal”.
Harner é uma leitura obrigatória em cursos de neoxamanismo, uma vez que
propõe e descreve rituais a partir de sua própria pesquisa etnográfica com os Jivaro e do
convívio com xamãs de grupos diversos, como Conibo, Sioux Lakota, Esquimós,
Aborígenes australianos etc.. Seus rituais tem o objetivo principal de promover a cura,
num sentido amplo deste termo, incluindo males corporais, problemas materiais e
buscas espirituais . Castaneda, por outro lado, enfatiza mais o que se poderia chamar de
uma “Gnose xamânica”, uma via de sabedoria, a busca por “outras realidades”, através
do uso de plantas psicoativas.
As práticas terapêuticas
Sthan se define como mestre de cerimônia e homem-medicina. Seu trabalho é
como um resgate da autoestima e a tenda do suor é um exemplo disso, tendo como fim
resolver os problemas emocionais, “botar pra fora”. Faz um “resgate da alma”,
96
explicando: “a parte da massagem nativa eu procuro muito integrar, o físico, o
emocional, o mental e o espiritual é à base disso tudo”. Segundo ele, tudo está dividido
em quatro para a humanidade: ciência, arte, filosofia e religião. Esses são os quatro
“pilares da humanidade”. Retoma: “Então procuramos unir esses pilares porque às vezes
o teu coração está somatizando no físico, no próprio emocional e até no espiritual”.
Sthan disse que a tenda do suor faz uma espécie de “Regressão às Vidas
Passadas” (TVP)
22
e “Renascimento”
23
. São práticas terapêuticas que consistem em
uma proposta de “viagem retrógrada no tempo”, à “vida intra-uterina”, ao passado pré-
natal ou intra-uterino. Compreendendo as encarnações passadas ou os traumas da
gestação própria, procura superar alguma dificuldade atual. Baseiam-se em processos de
hipnose induzida, técnicas de relaxamento e de respiração rítmica, e na interpretação do
que é imaginado na “tela mental” do participante.
O público: clientes em busca de “cura”
Daniela Duarte conta sobre a primeira vez que fez uma tenda do suor e fala
sobre o seu trabalho interno na tenda:
Trabalhei da minha tendência depressiva ao vicio da ilusão. Foi meu
primeiro trabalho de cura, saí modificada, fez um start no meu coração
saí da tenda amando em estado de gratidão e fui me aprofundando
cada vez mais os cânticos que devem estar, sendo bem natural
focalizar a tenda sigo meu coração fazendo a passagem e mergulhar, é
um trabalho de doação. Os trabalhos nativos não querem ensinar
ninguém, seja quem você é, a ter gratidão por me mostrar a
abundância na miséria das relações, é tudo simples umas bananeiras
uma fogueira, umas pedrinhas um plástico, tudo integrado, não precisa
pagar uma fortuna. Pensar em precisar de dinheiro, dinheiro, doar de
coração tem muito amor (Mendes/RJ, 15/02/2009).
22
A Terapia de Regressão a Vidas Passadas é um recurso terapêutico, através do método de regressão de memória,
onde o paciente é levado a retroceder cognitivamente a estágios de seu passado, desta ou de supostas vidas passadas,
sob estado ampliado de consciência (relaxamento) mantendo-se consciente durante todo o processo. Disponível em:
<http://www.humaniversidade.com.br/regressao.htm .
23
O Rebirthing é uma técnica desenvolvida e difundida pelo Human Ptential Movement. O renascimento foi criado
por Leonardo Orr, na década de 1970, na California. Para ele, as primeira impressões do bebê, despertadas no
momento do nascimento, ficam gravadas no seu inconsciente e se transformam mais tarde em padrões de
comportamento. As marcas do nascimento são equivalentes às de um trauma. O objetivo da técnica seria reviver
física e psicologicamente a experiência do parto e suportá-la. Esta técnica funda-se em mecanismos de respiração
alterada, através de uma respiração muito mais profunda e rítmica do que a habitual (Jornal Sannyas 1998, p. 8-10)
em (Labate, p.141).
97
Como Daniella, que foi guardiã da pedras na tenda do Sthan, o público, a
maioria pertencente às camadas médias, busca curar problemas físicos, depressão,
ansiedade, stress, novas relações ou, apenas, buscar o autodesenvolvimento. Consome
produtos desde adornos de decoração, CDs, DVDs, livros roupas, bijuterias e serviços
como atendimentos, congressos, tendas, jornadas xamânicas, pacotes turísticos,
cerimônia com bebidas sagradas e cursos de iniciação oferecidos pela rede em seus
pontos de venda como lojas, livrarias e feiras especializadas. Independente da
nacionalidade, alimenta a rede fornecendo base material econômica com seu fluxo em
constante movimento em listas de discussão, presença nos eventos, troca de emails,
hospedagem de participantes e xamãs, favorecendo a ampliação e extensão da rede
xamânica. A divulgação dos encontros e eventos pode ser vista em programas
específicos na rádio e na TV, em revistas especializadas, em sites na internet dos centros
xamânicos ou sites pessoais, em listas de discussão e pela troca de emails e anúncios em
blogs.
Trago também o depoimento de Antonella Sigaud, tradutora, que me enviou por
email um relato sobre sua experiência da tenda do suor no Metaforum 2009 na cidade
de Mendes/RJ, no Seminário Marista:
A porta se fecha. Somos mais ou menos 25 pessoas dentro de uma
tenda minúscula coberta com cobertores e plástico preto de forma que
fique totalmente escura por dentro. Estamos sentados em dois círculos
concêntricos, colados uns aos outros ao redor de um buraco que a
mulher e xamã acabou de encher até o topo de pedras incandescentes
tiradas da fogueira por seus companheiros de preparação de ritual e
trazidas uma por uma para ela. Sem óculos nem lentes de contato, eu
me sinto em um obscuro e nebuloso mundo, e não sei ainda se isto é
um sonho ou um pesadelo. As pedras jogam um pouco de luz sobre os
contornos do perfil de nossa guia e, mesmo sem vê-la direito, sinto sua
beleza desconcertante e sua admirável força. Sua voz é límpida e
profunda e creio que todos os marinheiros de primeira viagem aqui,
como eu, se agarram à sólida suavidade dela como se ela fosse uma
taboa flutuando inocente no meio de um oceano assassino. Ela alterna
entre canções que remetem à terra e às florestas, aos rios e aos
espíritos da natureza, e explicações sobre o ritual em si, uma prática
purificadora muito antiga realizada em inúmeras tribos, que eu vou
traduzindo para os alemães sentados ao meu lado enquanto sentimos
um calor crescente.
Por alguns segundos eu me pergunto como fui parar nesta situação,
trabalhando como intérprete dentro de um recinto minúsculo prestes a
98
se transformar em fornalha, e uma parte de mim ri de mim mesma,
indagando se eu ainda não me acostumei à minha própria loucura. A
resposta é não. O xamã, sentado agora ao lado dela, toma a palavra e
depois começa a cantar em línguas indígenas com uma voz gutural
que pouco a pouco preenche todo o espaço, tal qual o vapor que vai
subindo do buraco no qual a espécie de divindade está jogando água e
ervas aromáticas cujas propriedades de cura e purificação eles
invocam através da música e daquilo que parecem ser orações
ancestrais. Estamos no útero da terra, dizem eles, estamos nos
preparando para nascer e, por isso, precisamos morrer para o passado,
purificar as mágoas, suar as emoções tóxicas. E o suor cai em bicas. O
ar é maciço e fervilha nas narinas como lava vulcânica. Já não consigo
mais traduzir nem respirar. Nem os xamãs falam. Alguns instantes de
silêncio ardente me levam ao início, me lembram que eu quase morri
aos dois meses de idade por dificuldades respiratórias. Um
formigamento começa a subir pelas minhas mãos e braços. Estou
morrendo queimada. Não saída. Mas, de repente, algo em mim
reluta e meu corpo se debate. Quero me levantar. Quero viver! Eu
grito e alguns jatos de água fria o jogados sobre meu rosto. Todos
começam a gritar e gemer, jorros gelados atravessam o vapor
mortífero e se abatem sobre as faces atormentadas, é um crescendo de
agonias moribundas que apenas cessa quando a porta é aberta. Os
curandeiros nos relembram a importância de levarmos nossas cabeças
ao solo quando o calor fica insuportável, pois a terra é fresca e ela nos
acolhe. Pois a terra é mãe. Eu havia me esquecido disso. Entretanto,
sinto-me covarde por não resistir em silêncio, firme e inabalável como
uma rocha, mas a deusa em mim me liberta de meu juiz interior ao
sussurrar: Por pior que seja a situação, sempre um recurso”. Algo
me diz que a verdadeira força é filha da doçura, que esta é a dádiva
deste momento e que eu sempre levarei esta lição em meu coração.
Logo, eu me abaixo com avidez, rasgo a folha de bananeira usada para
revestir o chão, cheiro a grama, tomo a terra enlameada entre os dedos
e lambuzo meu rosto, meus braços, meu ventre e minhas pernas com
ela. Semi-refeita do choque, eu me lembro que estou trabalhando e
recomeço a traduzir.
Depois da segunda rodada de calor efervescente, nós rastejamos para
fora da tenda. Quando saímos, a xamã nos recebe com sorrisos e
carinhos maternais, com água fresca e regeneradora sobre a fronte e o
corpo, enquanto ela canta com sua voz de ninfa: “terra meu corpo,
água meu sangue, ar minha mente, fogo meu espírito”. Leve e feliz, eu
rolo lentamente na lama, o cheiro de vida me inebria, a luz do dia me
abençoa, a fogueira crepita alegremente, a cachoeira retumbante me
convida ao longe, e eu sinto gratidão pulsando em cada poro de meu
ser. Estou mais viva que nunca. Viver não basta. É preciso viver de
“verdade”.
A narrativa do sentimento de Antonella como participante na tenda de Sthan é
explicada por Lame Deer (1994) a entrada dos espíritos positivos e negativos na tenda
para agir em conjunto e apontar nossas fraquezas, falhas, pontos fortes e presentes. O
99
objetivo desses “seres sobrenaturais” é forçar-nos a ver os nossos diversos aspectos, a
própria honra e nossa duplicidade, como parte do ser humano, o que nos guia para a
“compreensão”, a “mudança”, a “totalidade verdadeira”, e “equilíbrio” (SIRKS, 1994).
O objetivo deste trabalho, neste sentido, é refletir sobre essas práticas, seus
sujeitos, suas trajetórias e o que podemos aprender com elas, com os atores que fazem
parte do que podemos chamar de circuito neoxamânico: redes que articulam o global ao
local. O xamã, homem da medicina, mestre de cerimônia, maestro ou curandeiro e o
neoxamã ou xamã urbano, no circuito xamânico, ampliam seu campo de atuação
transformando sua percepção e noção de mundo a partir das articulações das redes
locais, nacionais e globais.
Mas ao final, na rede neoxamã, na realização do conjunto de práticas em
eventos, acompanhamos o que Appadurai (1997) chama de indigenização, de tornar
local, ser lido (material e simbolicamente) a partir do local os fluxos culturais que nos
chegam, mediados pela rede, de locais distantes como o extremo oriente e a Sibéria.
Cada tenda do suor que aparece vai ganhando a feição dos contextos locais, adequando-
se às necessidades do público presente. O “movimento global heterogêneo” do
neoxamanismo, como diz Jean Langdon (2008), acrescenta ao xamanismo urbano
elementos indígenas e não indígenas, nos convidando a pensar o termo como uma
categoria dialógica que emerge na interação entre diferentes atores, sendo os seus
significados negociados na interação.
100
CAPÍTULO 3
Modelando xamãs
Neste capítulo, enfatizo no processo de formação de um neoxamã, em especial, a
administração das emoções e tensões entre mestres e aprendizes, e entre mestres e
clientes. Através da trajetória de Sthan Xanniã, apresento o processo de modelagem no
circuito neoxamânico.
Figura 10: Da direita para a esquerda: Marcelo, Wiannã, Sapain, Sthan, Léo Artese, Ciro
Leãoo (Sthan)
A trajetória de Sthan Xanniã: do Nordeste ao Novo México
101
Figura 11: Sthan Xanniã Fonte: <http:www.filhosdaterra.etc>.
Apresento abaixo a entrevista que fiz com Sthan Xanniã, focalizador da tenda do
suor que apresentei como modelo no capítulo anterior. Pedi que se apresentasse, falasse
de sua vida, sobre seu aprendizado, isto é, quando, onde e com quem aprendeu as
técnicas com que trabalha hoje. Por sua representatividade na rede mapeada (na cidade
e na aldeia), pela disponibilida
de em dar informações e pela quantidade de material produzido em campo, a trajetória
central que trabalho aqui é a de Sthan Xanniã, que se auto-representa como sendo
“iniciado” dentro das “tradições e culturas indígenas” brasileiras (Tupi-Guarani) e norte
americana (Navajo). Através da relação com Sthan, tanto foi possível descrever e
analisar o modelo da tenda do suor, quanto, tomando-o como “alfa”
24
(BARNES, 1987),
construir parte da rede social do neo-xamanismo.
Meu nome de nascimento é Curuma. Nasci no ano de 1970, 12 de dezembro
de 1970. Na época de meu nascimento, quando você vai para escola você não
pode chamar curuma que significa pequeno gavião que canta, então o que
eles fazem, eles faziam agora não fazem mais, então eles pegam um nome
qualquer o sobrenome de duas famílias e te dão um sobrenome. Então eu
24
“Alfa”: Integrande da rede de relações , que será adotada sua perspectiva sobre a rede.
102
tinha um avô, que meu pai é filho de índio com branco, minha mãe é índia
com índia, meu pai era um americano com o nome de Sthan Lei, então eles
colocaram o meu nome de sthan Nei, ai ficou Stanei Ribeiro Alves, porque
tinha que ter um nome, não podia chamar pequeno gavião que canta tinha que
ter esse outro nome, era obrigatório... eu tenho dois documentos. Um deles é
da Funai com o nome de Curuma, sou índio de tribo Tupiguara, Ceará no vale
do Ipu no vale dos Guaraciabas. Fica de 9 a 10 horas de Fortaleza. Distrito
de Ipu Fica na Fronteira entre Fortaleza e Guaraciaba que é serra e o único
lugar ali que tem bastantes cachoeiras. São três nações que ali vivem
Guaraciaba, Tupiguara e Potiguara, eu estou acima da serra. que nome de
Pai não tem. Está como ausente. Pois meus pais não m nome, pois não tem
registro oficial, Alguns chamavam meu pai de e minha mãe de Graça.
Minha avó era curandeira da tribo, chamava Quité. Ela vem de uma família
de curandeiros Ela era curandeira, rezadeira e parteira. Eu aprendi com ela,
eu saí da aldeia por volta dos meus 10 e 11 anos de idade. Fui para o Rio de
Janeiro. Como meu pai era mestiço ele não podia ficar na aldeia, pois
mestiços não podiam estar na aldeia, que vinham de fora. Aí ele pegou minha
mãe e foi pra o Rio de Janeiro no bairro do Leme. estava alfabetizado
quando fui, e sofri alguns preconceitos tipo tudo eu era o culpado então tinha
palmatória, então minha mãozinha conheceu muita palmatória. Meu pai foi
ser porteiro e minha mãe doméstica. Eu sou filho único, por parte de pai
tenho outros irmãos, mas por parte de mãe, filho único.
Fui estudar em uma escola militar, no forte do leme em uma escola militar
chamada São Thomas de Aquino, e fui estudando e estudando e por volta dos
meus 16 pra 17 eu fui fazer uns trabalhos ligado a comercial na Espanha ...
sempre fiz as minhas regras, sempre fiz as minhas coisas né, e meu objetivo
quando fui pra o Rio de Janeiro, foi ajudar o meu pai e minha mãe, a rezar
por eles para eles melhorarem e tudo, então meu pai depois de uns 5 ou 6
anos pintou um convite ele teve a oportunidade de se tornar um empresário e
um dos donos da abadia que é um serviço de imobiliária, então ele saiu de
porteiro e aos poucos ele virou um empresário. E nessa mesma época estava
uma época de brincadeira de dança estava na moda Lambada, salsa,
merengue e uma turma me desafiou, aquela coisa de aha... você não leva jeito
pra fazer isso e ai eu entrei brinquei, enfim e em questão de uma mês eu
estava em uma Cia e fui ensaiarrecebi uma bolsa da Carlota Portela, entrei
para um grupo chamado “Em Cena” em seguida recebi o convite pra dançar
com o “Kaoma” e ai ficamos viajando e nessa época o Kaoma estava
estourando com essa coisa de Europa , fui pra Paris isso tinha 16 pra 17 anos,
fiquei seis meses com Kaoma e depois fui dançar com Paco Melodia, depois
uma temporada com Jipsi King e depois finalizei com Sade. Quando estava
com Sade na Espanha, em Barcelona fazendo apresentação, eu conheci um
ancião Navajo, me conheceu, pois ele tinha ido visitar a neta que tinha uma
loja de sovines e essas coisas indígenas assim e me convidou pra ir para o
novo México na cidade de Albuquerque. Um mês depois larguei tudo e fui, e
foi onde fiquei dois anos com os Navajos e ai eu tive que voltar ao Brasil
rapidamente, voltei e fiquei direto .
... Ah, com os Navajos a gente fazia casa, e quando precisava fazer um bico
fora a gente ia limpar piscina, que ganha por hora 10 dólares a hora, para
poder se manter. A intenção era se aprofundar nas curas mesmo, coisa que eu
fazia . Sim porque minha avó já tinha dito que eu atravessaria os oceanos
foi um sonho dela, e paralelo a isso nesse período que estava na Europa, e ia
estudando aromoterapia, astrologia, tarô, e fui me aprofundando né, eu
dançava e estudava, e fazendo cursos e quando eu voltei pra fazer medicina
no Rio e abandonei Medicina no último ano que foi fundamental para o
conhecimento em anatomia e patologia pois trabalho muito junto a médico. E
agora estou pensando e precisando ver se eu termino se eu resgato pontos
essas coisas todas, eu vou ver direitinho, agora devido a outros mercados que
estão se abrindo, essa parte acadêmica, está fazendo falta, alguns lugares
103
assim, embora eu trabalhe hoje muito dentro de empresas essa coisa de
motivação, esta tendo bastante trabalho, mas tem uma parte assim que
precisa.....Faço muito trabalho pra educadores, dou aula na PUC de São
Paulo, na USP, em Pós. Enfim... Mas aí continuando a história dos Navajos, e
lá eu fui treinado pra ser não um curador como um líder de cerimônias, um
líder de cerimônias onde aprendesse a liderar cerimônias de tenda do suor,
busca da visão, e essa que eu fiz agora.
Sobre seu mestre: Esse curandeiro que era o chefe que era por nome de
Thãni Tisô. E o trabalho dos Navajos[....] É ele me adotou. É ele foi
primeiro para o Novo xico e depois de um mês eu fiquei pensando que
principio um cara, escuta Oh! Vamos largar tudo comigo, ou seja, ficaria
louco né, eu fui mais louco e eu é que fui. aprendeu a cerimônias...Aí teve
uma troca também porque muita coisa ligada a ervas né, dos nossos estados,
aqui, eu fiz isso né, eu. Eu voltei cedo por causa do serviço militar que era
obrigatório e ai eu tive que fazer CPOR. 18 pra 19 anos. Ai eu tive que voltar
e ai eu fui... E acabei servindo.... Do serviço militar, fui fazer CPOR, ai[...] já
aproveitei pra fazer CPOR fui para um agrupamento e fui parar na selva, ai
fui pra o batalhão da selva amazônica, porque fui fazer SE forças especiais,
porque lá eu também ficava junto as tribos, ajudando,enfim que era uma
facilidade já que não tinha jeito de escapar , aí fui pra onde me sentia
bem.Terminei e saí e continuei fazendo o trabalho de cura, estudando e
levando, ai temporada estive no Brasil temporada fico fora. Fui indo e
voltando. Minha avó falou pra mim. que ia ser curandeiro, ela era, mais do
que minha mãe. Porque é assim, oh... Na realidade tem uma coisa dentro da
aldeia, que é assim: os mais velhos são pais de todos, pais e mães de todos,
então é... É a referência como a gente aqui pai e mãe, o tem muito esse
apego. Tem o respeito, tem as honras que você dá, mas não tem muito esse...,
afeto tem, então tem gente que vai ficar mais com o tio, porque o tio é bom
de caça ou é bom em fazer farinha o outro é bom em ralar mandioca, o outro
é bom em artesanato e o outro é bom .. Sabe... É você tem opções daquilo
que você vai se identificar. Então aquela pessoa que você convive mais, é
como se fosse mais o seu pai ou mais a sua mãe, entendeu, porque o sentido
assim de união, pelo menos posso assim responder pela minha, era muito
grande,sabe, são coisas que não precisa estar alguém mandando fazer, pra
você estar fazendo, pra você ver, tem um processo construtivo, o senso
mesmo de unidade de construção em conjunto, de crescimento em conjunto.
Aos 5 anos de idade ela me apresentou pra o fogo. Me levantou na fogueira.
E eu fiquei por cinco ou seis meses, mais ou menos, tendo pesadelos, eu via
uns olhos bem profundos me olhando... E ela falou que com tempo você vai
entender.
... Não. Teve momentos assim principalmente em que a gente começa a
conhecer culturas diferentes, por exemplo eu na escola né, de repente, existe
duas profissões que vocês são estimulados dentro das aldeias a seguir ou é
advogado, ou fazer advocacia ou fazer medicina: uma pra entender de leis e
outra pra entender de cura. São as duas coisas: uma pra entender de conflito
de terras e essas coisas todas e tem muitos Índios que vão entrar na parte de
Antropologia né, hoje tem muitos, tem grandes aí, tem o Daniel Manduruku
tem o Ailton Krenake tem o próprio Kaká Werá Jecupé que está estudando,
mas, que são áreas totalmente diferentes.
... E por exemplo o Daniel Manduruku é um contador de histórias nato,
vários livros, trabalha com crianças, sabe, você olha ele, você fica, você
escuta ele contando as histórias, você baba, nossaaaa...e ele é um doce de
pessoa, grandão, é um doce de pessoa. Então quando firmou mesmo esse
despertar foi quando eu fui para os Navajos. Digamos assim: OK, não vou
fazer mais nada disso, não vou fazer mais aquilo ou aquilo outro né, até
mesmo que eu podia ter seguido, pois eu estava no auge da dança, com
pessoas de nomes ... Então e aquilo tudo, então eu fui guardando grana,
104
guardando, guardando grana, e aproveitando e estudando, investindo né,
principalmente na coisa da Europa, e quando eu estava na França eu estava
no berço da aromaterapia, conhecer ter acesso estar na Itália né?, tive acesso
com alguns rabinos ao Vaticano, estudar com profundidade os arquétipos do
tarô, toda a parte de arqueonologia, né?... O tarô como um processo muito
profundo e paralelo a isso eu tava, eu me interessei também pela
cinesiologia, quando estava chegando pela região pela família Aragão eu
tinha uma maré mansa uma cliente maravilhosamente bem chamada Renen,
ela tinha um instituto de cinesiologia lá em Aurioca, que era muito bom então
e eu falei Ahh e quando eu fui pra Aldeia, não você tem que abraçar isso aqui
mesmo?[...] eu mesmo me falei. Então foi quando eu fui pra minha primeira
busca de visão que foi de 13 dias, que foi muito sofrida que eu achei que ia
morrer, foi lá, foi lá com os Navajos, foi em Sedona .
Eu tenho todo um amparo para conduzir a busca.. Não você fica assim é[...]
por exemplo: quando eu levo o grupo [...] O grupo pra fazer, então hoje a
gente tem... É a mesma que eu fiz lá. Não essa de 13 dias que é dividida em 4
dias, tem outra que é de 7 dias, tem outra que é de 9 dias e tem outra que é
de 13 dias.... É eu entrei nessa de (risos).
Dentro do modo de apresentar e ter reconhecida certa autoridade no circuito
neoxamânico, a apresentação de uma trajetória de iniciação é central. No caso de Sthan,
tendo como grupo em que se iniciou, além de sua origem indígena, os Navajo, e como
curandeiro por quem foi adotado, Thãni Tisô. Nesse sentido, apesar de em muitos
momentos fazer uso de elementos da cultura lakota para dar significado às suas práticas,
seu aprendizado se dá mesmo é entre os Navajo. De todo modo, é possível que dentre os
Navajo tenha aprendido práticas e conceitos lakota, uma vez ser comum entre os índios
norte-americanos a troca de elementos culturais como danças e saunas. Como diz
Bruchag (1993, p. 2), em especial tomando a sauna lakota como a mais conhecida, as
saunas estão entre “as tradições mais difundidas entre os nativos norte-americanos”. E
além de ter sido iniciado, Sthan transitou por distintos lugares e posições ao longo da
rede até alcançar o reconhecimento que tem hoje de seus pares, constituindo um nome e
uma posição na rede, e uma clientela. Mas como disse no início, a trajetória de Sthan
para além de suas particularidades, é bom exemplo também de alguns dos processos de
formação e das características gerais encontrados no circuito neoxamânico.
O xamanismo e o xamã urbano
Por intermédio dos estudos antropológicos estão sendo resgatados os conhecimentos xamânicos
mais antigos. Eles chegam às universidades, consultórios, workshops e palestras e tem servido
de suporte e gatilho para uma nova consciência em relação à natureza do próprio homem.
105
(Gramacho & Gramacho, 2002,)
As palavras acima são de dois autores nativos e demonstram o uso dos textos de
antropologia como fonte de referências e de categorias para o neoxamanismo. Os
antropólogos que se debruçaram sobre neoxamanismo, referidos na introdução deste
trabalho (tais como Atkinson, 1992; Perrin, 1995; Magnani, 1999; Vezeilles, 1991), e
também os próprios atores desse campo concordam que esse movimento teria surgido
nos anos 1970, dentro da contracultura, através de elaborações de textos etnográficos
sobre o xamanismo textos de Castaneda, de Michael Harner e de Eliade. Os
praticantes urbanos de neo-xamanismo são, conforme verificaram Amaral (1998) e
Magnani (1999), pessoas adeptas também de várias outras práticas esotéricas, tais como
tarô, astrologia, terapias alternativas (reiki, regressão para vidas passadas, fitoterapia,
terapia com cristais, florais de Bach), meditação transcendental etc.
Essas práticas são reunidas, somadas, e os neoxamãs transitam de uma para
outra como observaram os antropólogos citados. Essa característica dos neoxamãs os
insere como partícipes das redes que formam os circuitos da Nova Era. Nesse contexto,
distingue-os, entretanto, um uso peculiar que evoca elementos culturais indígenas.
um interesse marcante destes por “coisas de índio”, em especial pelas “cosmologias
primitivas”, e, daí, um interesse marcante por trabalhos etnográficos, pela antropologia.
Vitebsky (2001, p. 151) fala de uma “antropologia popular”. Trata-se de autores
que assumem uma postura liminar entre um discurso “acadêmico”, descritivo, e um
discurso “nativo”, apologético (ibid). Apropriados por nativos urbanos, tornam-se
material bibliográfico de referência. Estão entre os mais citados: Castaneda (1971,
1975); Harner (1973); Hell (1999); Kakar (1997); Nicholson (1987); Piras (2000);
Walsh (1993) e Zimmerman (2002). Por outro lado, antropólogos mais “acadêmicos”
tais como James Frazer, Levi-Strauss, Hubert Baldus, Betty Mindlin, Viveiros de Castro
e Darcy Ribeiro - são citados e incluídos em bibliografias de neoxamãs, como ocorre no
compêndio de “mitologia dos animais” de Carminha Levy (LEVY e MACHADO,
1999), por exemplo.
No caso do neo-xamanismo, abriu-se uma porta possível para que partes das
cosmologias nativas (mesmo que ressignificadas) dos povos colonizados fossem
difundidas no meio da cultura ocidental dominante. Csordas (2002) menciona este
fenômeno qual seja, o da “difusão de religiões nativas para o ocidente” como
peculiar ao processo de globalização. Além disso, estas cosmologias “primitivas”
106
inspiraram as bases epistêmicas da contracultura dos anos 1960 e 1970 (HEELAS, 1996;
ALBANESE, 1990).
A moda de contestação de valores dos jovens rebeldes beatniks dos anos 1950
ainda sobrevivia nos anos 1960. Em 1968, Marcuse conclamava os estudantes em Paris
que promoviam o que chamavam de “revolução cultural”. Os Beatles surgiam na mídia.
Havia um clima de rebeldia e mudança nos meios universitários e artísticos. Protestava-
se contra a Guerra do Vietnã.
Neste mesmo período, o doutorando em antropologia pela Universidade da
Califórnia, Carlos Castaneda, escrevia e publicava seu primeiro texto, sua dissertação de
mestrado (Os ensinamentos de Don Juan. Uma forma yaqui de conhecimento)
25
, extrato
romanceado de sua tese, tratando da cosmologia de um velho xamã yaqui. Próximo às
questões então contemporâneas e californianas de Aldous Huxley e Timothy Leary
sobre a expansão da consciência pelo uso de psicoativos, Castaneda lança no mercado
mais uma possibilidade espiritual, no momento fervilhante. Havia um zeitgeist um
“espírito de época”, noção que Bateson utiliza em seu Naven (1981, p. 112) - propício a
esse tipo de proposta. Foi nessa intensa fermentação criativa da contracultura que surgiu
um tipo de sensibilidade que privilegia a volta ao “primitivo”, ao Índio e à sua magia, a
possibilidade de uma espiritualidade “alternativa”, “pagã”, revestida pela estética do
bom selvagem americano e do retorno à natureza. Assim, os fundamentos teóricos do
neo-xamanismo propriamente dito como um segmento específico do movimento Nova
Era vinculam-se, principalmente, ao espírito da contracultura e nela à popularização
de trabalhos de antropologia norte-americana nos anos 1960 e 1970. Também se vincula
aos textos produzidos por estudiosos de religiões e de mitologias comparadas.
O xamã e neoxamã
O conceito de xamã varia de cultura para cultura. A palavra xamã vem da língua
siberiana tungue e indica o mediador entre mundo humano e o mundo dos espíritos. O
xamã foi associado a religiões animistas consideradas gicas e o conceito de “agente
mágico” tornou-se um dos significados do termo xamã. Na introdução de Ritos de
Passagem (GENNEP, 1903), Salon Kimbala sugere que “uma dimeno de doença
mental pode se manifestar porque um número crescente de pessoas vem sendo forçado a
25
The teaching of Don Juan, a Yaqui way of knowledge, 1968.
107
dar cumprimento a suas tradições sozinhas, com símbolos privados”. Langdon (1996)
cita um artigo brasileiro (VIERTLER, 1981) em que se analisa especificamente o
conceito de xamã e identifica-se em trabalhos etnográficos vários nomes utilizados para
indicar os mediadores entre mundo humano e sobrenatural, tais como xamã, chefe
cerimonial, sacerdote, pajé, profeta, adivinho, curador, homem-deus, benzedor,
medicine-man, feiticeiro, médico-feiticeiro, road man. Ela aponta a falta de um conceito
suficientemente amplo e flexível, frente a essa diversidade das manifestações (ibid).
Neste trabalho, ainda que atualmente os praticantes estejam abandonando esse nome,
26
classifica-se de neoxamãs todos aqueles envolvidos na rede que vem sendo montada
desde os 1970, urbanos, que em suas práticas terapêutico-religiosas vem misturando
diferentes elementos socioculturais, com grande adaptabilidade a diferentes públicos.
Além disso, esse mesmo campo social faz a distinção entre “xamãs da aldeia” e “xamãs
da cidade”.
Montei biografias de alguns dos neoxamãs que conheci na pesquisa de campo,
totalizando quinze biografias de homens e mulheres entrevistados por mim. Apresento
em seguida o recorte empírico que me foi possível fazer do circuito:
1. Sthan Xanniã Mestre de Cerimônia do Centro Filhos da Terra Cotia/São
Paulo;
2. YatamaloPsicóloga Xamã do Centro Taba da Águia João Pessoa/PB;
3. TarumãEstudante de Psicologia Focalizador tenda do Suor
Parnamirim/RN;
4. UbiratamReformado da Marinha Brasileira faz consultas e Rituais-Ceará-
Mirim/RN;
5. AmauriFuncionário do Ibama Xamã faz rituais de lua e batismos
Natal/RN;
6. Vidal AyalaAposentado Faz cerimônia e leitura das folhas de Coca-
Ollataytambo/Peru;
7. Carlos YevesXamã peruano Lima /Brasil/Espanha;
8. Donato–Leitura de folhas de Coca e cerimônia dos Q‟ero/Cusco/Peru;
9. Carlos Engenheiro Civil e Mestre de cerimônia dos Q‟ero/Cusco/Peru;
10. Tom BestAntropólogo americano forma grupos e aulas de xamanismo nos
Estados Unidos e Europa/ Texas/USA;
26
E assumindo simplesmente o de xamãs.
108
11. Margareth Osóro Médica pediatra, Porto Alegre, Rio Grande do Sul;
12. Ernani Fornari, Mendes/ RJ;
13. Toni Paixão, Nova Friburgo;
14. Bull e Bill (Aldeia do Sol, músicos e agricultores);
15. Participantes, aprendizes, fornecedores e simpatizantes (153 no total).
No período de 2008 a 2009, participei de nove tendas do suor, cinco com
focalizadores/condutores diferentes, duas Busca da visão, cinco Rituais de lua cheia e Nova,
quatro palestras em Encontros, todos seguindo a rede de ligações de Sthan Xanniã.
Na medida em que fui cruzando os dados produzidos, ficaram evidentes algumas
variáveis comuns a todos: a variação das práticas, a ligação com xamãs “indígena da
aldeia” e a transmissão de conhecimento e autoridade através apadrinhamentos. Além
disso, um outro aspecto importante da “cosmologia” do xamanismo urbano: a crença em
uma missão de cura.
A principal atribuição do xamã urbano é a de “curar”. Entretanto, “curar”, para o
entendimento neoxamânico, implica em algo mais amplo que somente aliviar sintomas
de doenças. “Curar é afastar o medo”, definem os nativos urbanos Gramacho e
Gramacho (2002). também no neoxamanismo uma autoassumida vinculação com as
premissas da psicologia profunda de Carl Jung. Muitos neoxamãs também são
psicoterapeutas junguianos, como é o caso da própria mestra de neoxamanismo
brasileira Carminha Levy que introduziu vários outros, inclusive Yatamalo, meu
primeiro contato no universo xamânico. “O xamanismo pode ser entendido como uma
psicoterapia que recorre aos símbolos e às imagens mitológicas indígenas para despertar
processos terapêuticos internos nas pessoas”, disse-me, certa vez, Sthan. Achterberg
(1996, p. 17), psicóloga junguiana e neoxamã, define xamanismo como “técnica de
curar usando a imaginação”.
27
Essa autora traça toda uma extensa rede de relações entre
imaginação e rituais arcaicos de cura”, imaginação e medicina, imaginação e
psicologia, imaginação e ativação das defesas imunológicas e de circuitos cerebrais
ligados às defesas orgânicas etc. Ela vai buscar, então, entre os relatos etnográficos das
cosmologias xamânicas, em Harner, em Castaneda e em Eliade, e na obra de Carl Jung,
os elementos ritualísticos, os símbolos de diversos povos, como material de trabalho
27
Jung desenvolveu técnicas de imaginação ativa ao estudar as escolas orientais de meditação, ao mesmo
tempo em que recusava o transe (VON FRANZ, 1977, p. 95s).
109
utilizável pelo terapeuta neoxamã, tendo como processo básico deixar a “imaginação
criativa” produzir qualquer mensagem ou símbolo significativo. É isto, ensinado por
Harner (1980), que fundamenta o ritual da “viagem xamânica”. Ou, dito de outra forma,
usando termos de alguns dos autores, os símbolos oriundos das culturas ameríndias são
traduzidos pelos nativos urbanos também a partir de modelos junguianas.
Observei também uma certa linguagem dos neoxamãs que entrevistei e
verifiquei um padrão recorrente, quanto maior era o seu leque de técnicas terapêuticas,
mais sua linguagem corporal era treinada, como padrão respiratório, postura, gestos
acompanhada da velocidade da voz, volume e ritmo pausado, além de emitir sons
característicos como tossidas, suspiros e hesitações. Tudo isso aliado a um controle de
impressões (GOFFMAN, 1975) gerando suspense, estados de reflexão ou emoção
interna. A linguagem verbal-musical pode ser expressa através de mantras, ícaros,
cantigas, rezas, cantos e pequenos contos. Segundo Sthan, o que importa é o som em
alguns momentos no interior da tenda, momento em que pedia para não traduzir o que
ele estava cantando ou rezando. Certa vez, assisti uma entrevista do xamã cheyene
Turtle, que focalizou as primeiras tendas do suor no Brasil em sua última visita. A
reporter solicitou que fizesse uma reza em sua língua nativa, logo após o fim da reza ela
pediu que ele traduzisse. Ele simplesmente disse que não rezou para ela, mas para o
grande espírito. Nesse sentido, o mantra não precisa ser compreendido, em termos
idiomáticos, precisa ser repetido fielmente em termos “vibratórios”, como uma
sonoridade musical específica que, somente assim, exerce um poder sobre os fenômenos
visíveis ou sobre os mundos psíquicos e invisíveis.
Por fim, pude observar, entre os xamãs urbanos, o uso frequente de citações, e
mesmo de leituras em grupo, das obras de antropólogos que realizaram pesquisas que
focalizam o indígena e o xamanismo. Esse enfoque na disciplina da antropologia tem
uso peculiar, como fonte de conhecimento e de afirmação positiva do próprio neo-
xamanismo. Por diversas vezes, ouvi frases como: “vamos fazer agora um exercício
espiritual dos xamãs navajo, que foi descrito no livro de um antropólogo chamado
fulano de tal”.
110
A iniciação: cursos, jornadas e batismos. Tornando-se um buscador.
Wianã, buscador que encontrei nas buscas que participei, comenta sua entrada
no xamanismo:
Comecei com esta história de xamanismo... Conheci um mestre me deu um
nome, ele me iniciou e na outra semana ele faleceu. Virou águia e a partir daí
e continuei o trabalho dele, o trabalho que venho fazendo na busca da visão
que faz parte dos rituais xamânicos. Ele me fez prometer que faria minha
busca para melhorar enquanto pessoa (Busca da visão, Matutu/Minas
Gerais,2009).
Sobre a iniciação de pessoas que queiram ser xamãs, Agustin Gusmão, neoxamã
peruano, diz a Léo Artese:
Não sou eu que inicio. É a pessoa que vai saber em que momento ela se
iniciou, com a sua experiência. O que faço é reunir pessoas que queiram
trabalhar com o São Pedro, explicar-lhes no que isso consiste, para que cada
um vá buscar a informação que está por ser descoberta (Disponível em:
<http: xamanismo.com.br>.)
Tanto o xamanismo indígena de Sapaim e os xamanismos de outros grupos
indígenas e o neo-xamanismo, propõem todos uma forma de iniciação que privilegia
também a experiência corporal. O canto e a dança indígenas são traduzidos pelos
nativos urbanos para uma estética peculiar, recriados através de danças e de cantos
próprios, e assim reproduzidos na mata próxima ao centro urbano. Não é suficiente
apenas a imaginação. Os conteúdos imaginados devem ser representados, expressos,
atuados através do corpo. O aprendizado semântico não acontece somente por meio de
leitura ou através de exposições teóricas.Muito mais do que isto, ele se através de
exercícios lúdicos, do movimento corporal, de danças, de imitações de animais, de
posturas, de respiração e de “viagens” de imaginação, subjetivas, mas que, a todo
momento, serão externalizadas.
Na formação do xamã e nas suas visões um conjunto de técnicas corporais e
um habitus (MAUSS, 1974) específicos de sua cultura. Ele observa que podemos notar
uma estreita relação entre as visões xamânicas e a mitologia, a organização social e a
111
criação artística. Ou seja, as “visões” e as experiências xamânicas seriam algo cultural-
específico. Eliade (1996, p. 264) classifica quatro itens que caracterizariam
especificamente um xamã:
1) uma iniciação que comporta o despedaçamento, morte e ressurreição
simbólicos do candidato, implicando, entre outras coisas, descida aos
infernos e ascenção ao céu; 2) a capacidade visual do xade fazer viagens
extáticas na qualidade de curador (ele busca a alma do doente, raptada pelos
demônios, capturando-a e reintegrando-a ao corpo, escolta a alma do morto
aos infernos etc.); 3) o domínio do fogo (o xamã toca invulneravelmente o
ferro incandescente, caminha sobre brasas etc.) e 4) a faculdade do xamã de
assumir formas animais (voar como pássaro, por exemplo) e tornar-se
invisível.
Segundo Aragão (2004), na cosmologia xinguana do pajé, expressa por Sapaim,
quase todos estes elementos eliadianos estão presentes, exceto pela ausência do domínio
do fogo. As atribuições de metamorfose em animal e da invisibilidade existem, embora
ligadas à figura do feiticeiro. Sapaim sai de seu corpo e voa e resgata almas raptadas;
Sapaim visita os outros mundos invisíveis dos Mamaé.
Aragão (2004) descreve um “duro” e “sofrido” processo de aprendizado, de
socialização e de iniciação payé-omoé (ele traduz), que teria desenvolvido em
Sapaim tais aptidões, tradicionalmente presentes em todos os pajés xinguanos passados
por esse processo de formação. No caso dos neoxamãs, tais atribuições também estão
presentes. Todavia, acontecem assumidamente como jornadas de natureza imaginária,
como exercícios psicológicos de imaginação ou “sonhos acordados”. O psicológico do
nativo urbano, entretanto, assume uma concretude peculiar, o imaginado torna-se real,
concreto, atuante no mundo empírico. Diferentemente das vivências sofridas a que se
submete o pa xinguano, tais processos iniciáticos são, nos neoxamãs, muito mais
brandos e, pode-se dizer, aventuras psicológicas essencialmente lúdicas. Pude
presenciar Sapaim “pegar Mamaépor diversas vezes. Ele sofre, sua, chora, arfa por
falta de ar, geme, pode cair ao chão, está “morrendo”...
Aragão (ibid) conclui que apesar de um certo expressivismo, ou emotivismo
Nova Era, a experiência dos xamãs urbanos jamais tem este o grau dramaticidade de
experiências como a de Sapaim, assemelhando-se mais a um relaxado estado meditativo,
um jogo emotivo , ou a uma experiência de “brincar sério”. A atribuição eliadiana do
xamã dominar o fogo é substituída entre os xamãs urbanos pelos rituais de firewalking
(Amaral, 1998, p. 110s) uma ritualização de espírito lúdico que consiste em saltar
112
sobre braseiros e de chamuscar a sola dos pés e que tem ainda como variante o
“brincar com a fogueira”, essencial nos encontros de Lua Cheia
28
.
A atribuição de transformação corporal do xamã em animal é substituída, entre
os neoxamãs, por “vivências” corporais de “deixar o animal dançar”, e que consistem,
basicamente, em brincar de imitar animais; ou então equivale a um processo psicológico
de se deixar permear interiormente por qualificativos que evocam este ou aquele animal.
Detalhe essencial é que todos esses processos lúdicos são ao mesmo tempo ritualizados,
sérios, revestindo-se de um caráter simbólico produtivo, efetivo. Os neoxamãs,
incluindo Sthan, também podem se transformar em animais, da seguinte forma:
Quando realmente você tem que adentrar numa outra dimensão existe
inclusive a transformação do xamã em um animal onde ele vai trasmutado
neste animal, realizar alguma coisa. O trabalho de neo-xamanismo que eu
tenho mais conhecimento não chega a utilizar isto com muita frequência, pelo
contrário, isto são momentos extremamente raros, únicos, e de extrema
necessidade.
O que existe realmente é esta expansão de consciência onde esta consciência
que está presente aqui e agora sob a forma humana ainda permanece, ainda
continua. em casos de transes extremamente profundos onde existe esta
necessidade de adentrar de outras formas em outros mundos existe a
possibilidade do xamã realizar esta transformação, não necessariamente com
este nome, do mundo da sucuri, do mundo do macaco, mas de mundos outros
que são os mundos das energias sutis, azuladas, das energias verdes, são
identificadas mais por cores. E eles se transmutam realmente nestas outras
dimensões, ele se torna um ser do verde, do azul, vai... (Busca da Visão,
Matutu/Minas Gerais fevereiro (2010).
Sthan utiliza, portanto, outra “técnica” para experimentar a transformação em
animal: ela “viaja” sob os efeitos da ayahuasca e da “tenda de suor” (cujos efeitos
fisiológicos da hiportermia podem também induzir, teoricamente, estados alterados de
consciência). A partir dessa “técnica” também admite que “virou bicho”, sentindo “até
mesmo o pelo da onça”, mas enquanto “seu corpo descansava na grama”. Em sua
experiência, o seu corpo é desvinculado da mente, e a mente é que assume a condição
de onça. Aqui, não é a forma física que muda, mas a “alma”. Mesmo que alguns xamãs
ameríndios também afirmem que podem virar bicho enquanto seu corpo é visto
dormindo como relata Vilaça (2004), os atributos do corpo e da alma entre
ocidentais e indígenas são diferentes.
Embora estejam em grupo, espera-se que suas experiências sejam individuais,
íntimas, nem sempre reveláveis em público. A “viagem xamânica”, ou “jornada
28
Assisti a uma dessas experiências ritualizadas em julho de 2002, em Minas Gerais.
113
xamânica”, experiência axial do processo, consiste em um exercício longo de imersão
na própria interioridade, ativando a “natureza interior”, florestas e paragens habitadas
por “animais de poder” e por “xamãs interiores”. Essa experiência interior, subjetiva,
deve ser melhor realizada, entretanto, dentro da mata, nas cercanias das pedras, das
montanhas, de grandes árvores. Embora o contato seja com a Natureza, com o exterior,
com seres objetivos, a proposta é de uma “viagem interior”, psicológica, espiritual.
Harner (1995, p. 174) a seguinte instrução aos neófitos em neoxamanismo para que
estes possam encontrar uma “planta de poder”, comunicando-se com a flora:
Primeiro, caminhe por uma floresta, pradaria, deserto ou qualquer área
primitiva. Enquanto andar pela área selvagem, mantenha-se consciente de sua
missão: encontrar a planta que será seu espírito auxiliar. Quando parecer que
uma planta atrai especialmente a sua atenção, sente-se junto dela e se
familiarizando com os seus detalhes. Explique-lhe que você terá que tirar
parte dela ou toda ela para o seu trabalho e desculpe-se antes de tirar-lhe
um pedaço ou arrancá-la. Se for uma moita ou uma árvore, bastará que retire
um galho, que é o suficiente para permitir a identificação botânica.
Na busca da visão, Sthan as mesmas instruções para visualizar o espírito da
planta. Sob uma forma animal qualquer, o iniciando deverá poder perceber que as
plantas têm um “aspecto oculto”, cuja aparência é a de um animal específico. Harner
(ibid) relata ter aprendido esses procedimentos com os xamãs Jívaro. Cada planta tem
um “espírito auxiliar”, um “animal”.
Ocorre como momento inicial de todos os rituais neoxamânicos de que participei,
uma sacralização do espaço. Essa sacralização realiza-se por meio de re-significação da
prática xamânica dos índios norte-americanos falantes do tronco Algonquin como
Cheyenes, Ojibwa, Cree, Sioux, Pawnee, Mandan e outros. Steinmetz (1998) confirma a
consagração ritual das quatro direções entre os Sioux. Schlesier (1993, p. 101),
pesquisando detalhes cosmológicos envolvidos no ritual cheyene denominado massaum,
comenta a sacralização nativa do espaço, através da invocação dos espíritos animais
guardiões das quatro direções sagradas e do Centro. Encontrei referências à inserção
indígena do espaço no âmbito do sagrado entre os Guarani, conforme comentada por
Nimuendaju (1987, p. 32), em relação ao processo de nominação (as crianças que
nascem apresentam qualidades psicológicas dependentes de sua origem celestial do
oeste ou do leste, sendo, a partir disto, nomeadas pelo pajé); e, com relação à disposição
espacial/circular das aldeias alto-xinguanas, em Franchetto (2002). Lévi-Strauss (2004,
p. 59) detalhes da aldeia Bororo, onde o espaço é ordenado conforme as quatro
114
direções, cada uma delas vinculada a determinado clã ou a determinados heróis
mitológicos. Viveiros de Castro (1984:192s) apresenta uma cosmologia Araweté das
direções do espaço, a qual envolve os espíritos, os mortos e certos animais especiais.
Reichel Dolmatoff (1975, p. 76) registra a noção das direções do espaço como
vinculadas a diferentes espíritos, entre os Tukano. os animais invocados no ritual
neoxamânico e relativos às direções do espaço, assim como as palavras rituais
praticadas, realmente pertencem à cosmologia dos índios de fala Algonquin
(BRIGHTMAN, 1993; HARROD, 2000). Ainda que sejam apenas proximações entre
realidades distintas, ao menos, seguramente, fazem parte dos repertórios de citações e
mesmo de usos nas práticas neoxamânicas.
Os ritos de passagem marcam mudanças do indivíduo na estrutura social e, de
acordo com os conceitos de liminaridade e communitas de Turner (1974), essa
passagem envolve algo como um renascimento. Para mudar de status o indivíduo de,
primeiro, distanciado da estrutura social, como se morresse ou deixasse de existir
naquela posição que ocupava na sociedade. Passa, então, por um processo liminar, em
que está fora da sociedade, em que é colocado em um estado de igualdade e humildade,
desprovido de status. então o indivíduo volta a ser integrado na estrutura social,
ocupando agora uma nova posição, como se renascesse. No nosso caso, passa a ser um
buscador, alguém que após um processo dramático, se limpou, se curou, razão pela qual
pode limpar, pode curar.
Modelando xamãs e conhecimentos
Aragão(2004) usa o verbo parodiar em sentido idêntico ao que é utilizado por
Afonso (s/d, p. 14), quando este compara as práticas do Santo Daime e os xamanismos
indígenas tradicionais, remetendo a origem do termo à Idade Média: “A paródia era
exercida sobre o próprio tema sagrado, sem, ao mesmo tempo, constituir a sua
ridicularização. Esta complexidade quer dizer que se inverte, mas não se subverte o
objeto”. Parodiar envolve outros atos de manipulação dos símbolos, tais como
ressignificação, recontextualização e tradução. Parodiar envolve, também, um ato de
mímesis/apropriação do Outro. Paródia tem aqui, portanto, um sentido re-criativo, re-
115
produtivo, distante da conotação original de “burlesco” e nos serve para pensar a
aproximação entre xamãs urbanos e xamãs de aldeia.
O xamã urbano parodia, segundo Aragão (2004), as práticas do xamã tradicional,
reinserindo-as em outros fundamentos e lógicas cosmológicos. O neoxamã acredita,
assim, dar continuidade ao que faz e ao que pensa o xamã tradicional. Esse, conforme é
descrito nos textos de Harner, de Castaneda, pode conversar com os seres naturais,
atribuir sensibilidade e consciência a uma pedra ou a um objeto inanimado como um
tambor ou uma flauta. O xamã tradicional é visto como animista. O neoxamã o imitará,
mas a partir de uma forma peculiar, ocidental, de animismo. O neoxamã pensa de
acordo com as categorias do naturalismo objetivante ocidental, descrito atrás. aqui
um encontro entre dois mundos diferentes, entre duas epistemologias. E desse encontro
surgem convergências, divergências e equívocos.
Segundo Aragão (2002), o xamã urbano toca tambor, veste adornos plumários e
assim conversa com os seres naturais pedras, montanhas, árvores e animais; pratica
rituais onde ouve os conselhos do seu tambor e dialoga com formigas. O animismo do
indígena torna-se um modelo, um modo de se evocar a unidade homem-natureza. A
paródia das práticas indígenas torna-se um elemento distintivo do neo-xamanismo em
relação ao naturalismo animista Nova Era em geral.
Entrevistei o antropólogo americano Tom Best, que ministra cursos de
Programação Neurolinguistica em vários países. Ele reuniu um grupo de trinta pessoas,
acampando no Arizona com um xamã peruano para modelar sua estrutura de padrão de
pensamento. Seus integrantes queriam saber onde, o quê, como, por quê, quem era, de
onde vinha e qual a estrutura superficial e profunda de sua linguagem. Tom, assim
como Sthan, leva grupos aos Alpes peruanos para fazer in loco o aprendizado. A maioria
dos integrantes são familiarizados com técnicas profundas de pensamento que
Gregory Baterson (1958) definiu:
Um padrão como um agregado de eventos ou objetos os quais
permitirão em algum grau (melhor do que ao acaso) que se ache/descubra
quando o agregado não está disponível para inspeção. Este termo também é
associado, frequentemente da estrutura profunda por trás de uma coleção de
estruturas superficiais.
Essa estrutura é relatada por Richard Bandler e John Grinder(1977) em seu
livro A estrutura da Magia, Bandler&Grinder citam H. Vaihinger: operações de cárater
quase misterioso, que vão de encontro ao procedimento comum de um modo mais ou
116
menos paradoxal. Elas são métodos que dão ao espectador a impressão de mágica, caso
ele próprio não seja iniciado ou igualmente hábil no mecanismo. que esse
instrumental não está baseado em nenhuma teoria psicológica ou abordagem terapêutica
preexistente, gostaríamos de apresentar uma simples visão geral dos processos humanos,
a partir dos quais criamos esses instrumentos. O grupo estudado usou o processo
modelagem.
Segundo Robert Dilts (2004), o objetivo do processo de modelagem na PNL não
é obter a descrição “certa” ou “verdadeira” do processo de pensamento de determinada
pessoa, mas fazer um mapa instrumental que permita aplicar de maneira proveitosa as
estratégias que modelamos. Um “mapa instrumental” é aquele que nos permite agir de
modo mais efetivo a “exatidão ou “relidade” do mapa é menos importante do que a
sua “utilidade”. Assim, a aplicação instrumental das micro, macro, e metaestratégias que
modelamos de determinado indivíduo ou grupo de indivíduos envolve a sua colocação
em estruturas que nos possibilita utilizá-las para algum objetivo prático, que pode ser
igual, ou diferente daquele para o qual o medelo as utilizou inicialmente. Tom Best e
seu grupo, modelando as estratégias de pensamento de Dom Américo Yabar aceleravam
o processo de aprendizado, que Castaneda e Harner demoraram mais tempo para
adquirir. Assim, Kenney, Roland, Sthan e outros na atualidade ampliam seu leque de
práticas mesmo estando por períodos curtos em contato com seus mestres xamãs ou
neoxamãs.
A ideia geral é a seguinte: cada um de nós cria uma representação do mundo em
que vivemos isto é, criamos um mapa ou modelo que usamos para gerar nosso
comportamento. Nossa representação do mundo determina em grande escala o que será
nossa experiência do mesmo, como percebemos o mundo, que escolhas teremos à
disposição enquanto nele vivermos. Bandler & Grinder continua citando H. Vaihinger
(ibid):
É preciso lembrar que o propósito do mundo das ideias como um
todo, o mapa ou modelo não é fornecer o retrato da realidade isto seria uma
tarefa definitivamente impossível mas antes prover-nos de um instrumento
para descobrir mais facilmente o nosso caminho pelo mundo. Não dois
seres humanos que tenham exatamente as mesmas experiências. O modelo
que criamos para guiar-nos no mundo baseia-se em parte , em nossas
experiências. Cada um de nós pode, então criar um modelo diferente de
mundo que partilhamos e assim chegar a viver uma realidade um tanto
diferente.
Os autores (ibid) estabelecem dois pontos centrais a que se deve estar atento.
Primeiro, uma diferença necessária entre o mundo e qualquer modelo ou
117
representação particular do mesmo. Segundo, os modelos do mundo, que são criados
por cada um de nós, serão eles mesmos diferentes. diversas maneiras de demonstrar
isso, mas o que nos interessa aqui são os que denomino com “magos” terapêutas que
chegam à psicoterapia oriundos de abordagens variadas e usam técnicas de trabalho que
parecem ser dramaticamente diferentes. Descrevem as ações que executam com
terminologias tão distintas que suas percepções do que fazem não parecem ter nada em
comum. Muitas vezes observamos essa gente trabalhando com alguém, e ouvimos
comentários de espectadores que insinuavam que esses “magos da terapia” davam saltos
intuitivos tão fantásticos que tornavam seu trabalho incompreensível. Todavia, enquanto
as técnicas desses magos são diferentes, eles partilham algo em comum: introduzem
modificações nos modelos dos pacientes, as quais permitem a estes um maior número
de opções em seu comportamento. O que vemos é que cada um desses magos tem um
mapa ou modelo para as modificações dos modelos do mundo de seus pacientes isto é,
um metamodelo que lhes permite expandir e enriquecer efetivamente os modelo de
seus pacientes de algum modo que torne a vida destes mais rica e mais digna de viver.
O reconhecimento dos padrões envolve processos ou procedimentos pelos quais
procuramos encontrar quais particularidades ou características são as mais importantes
para se atingir um determinado objetivo. O modo mais simples de obter esse
reconhecimento de padrões é encontrar um grupo de indivíduos capazes de realizar o
fenômeno escolhido e encontrar as similaridades e diferenças entre eles, considerando
as características que decidimos explorar. O objetivo da modelagem não é encontrar o
comportamento médio desses modelos mas, sim, determinar quais características
específicas e em que nível todos têm algo em comum e quais são as características
variáveis.
Obviamente, na prática, os resultados na eficácia dessa magia e na crença da
magia, podem variar bastante dependendo das modelagens que o próprio circuito
neoxamânico impõe a seus participantes. Aqui no caso, o conjunto de relações que une
mestres, aprendizes, clientes e promotores.
Da tradução à bricolagem
Se o que podemos pensar com uma epistemologia neoxamã supõe paródia, supõe
tradução, também supõe a combinação de distintos conhecimentos oriundos de distintas
118
fontes. Podemos tomar como exemplo as adaptações que Sthan faz no processo ritual
chamado de busca da visão:
Eu mantenho a origem o mais próximo possível. Lógico que não entro mais
na questão, por exemplo: quando o pessoal sobe para a busca da visão, o
pessoal sabe que tem uma barraca que tem comida, tem medicamento a
policia florestal me acompanha, o corpo de Bombeiros me acompanha, os
hospitais da cidade me acompanham, todos ficam sabendo, tem um grupo
com um louco em cima, fazendo um trabalho de jejum, um trabalho de
força de tudo, mas se eu precisar eu passo um rádio e venham aqui, então tem
uma estrutura onde você vai se entregar, vai confiar totalmente e pode ir
tranquilo então tem um segurança. É diferente se eu tiver trabalhando com
índio. Quando eu estou trabalhando com os outros índios é uma estrutura
totalmente diferente, aonde cada qual vai levar pra seu rculo suas ervas,
seus remédios e tudo que podem precisar ali dentro.
A bricolage, noção que Lévi-Strauss propõe em seu O Pensamento Selvagem,
ajuda a entender como os nativos operam, produzem suas categorias, “costurando-as” a
partir de fragmentos de cosmologias indígenas diversas, e recompondo um universo de
significados novo. Lévi-Strauss (1976, p. 36) chama de bricolage um entre dois níveis
estratégicos de conhecimento: a bricolage, “aproximadamente ajustado ao da percepção
e da imaginação”; e o conhecimento científico, que não se apoia na
imaginação/percepção. Lévi-Strauss (ibidem, p. 38) coloca a bricolage como o
procedimento produtor da elaboração mítica. A bricolage é um modo de operar, não
uma cosmologia em seu “núcleo denso”. Assim, haverá por detrás da bricolage uma
sensibilidade, determinada por certas confluências históricas, culturais, societárias, que
fazem com que os nativos operem como bricoleurs desta forma. Como uma bricolage, o
pensamento neoxamânico é mítico, mais que isto, produto de todo um “espírito de
época”. A sua bricolage, entretanto, difere daquela do pensamento mítico das
sociedades tradicionais porque também incorpora elementos do pensamento científico
moderno. Sthan segue comentando sobre a diferença:
[...] e essa questão da convivência, quando eles m uma ideologia deles
dominante, eles sabem que um tem que ajudar o outro, aquela coisa toda,
então assim, eles estão mais preparados para uma situação dessas, mas as
pessoas aqui fora, digamos né, leigas que não têm essa ideia, que o
individualismo é uma coisa mais presente, como é isso lá, quando eles
chegam não querem mais sair, ou voltar ou não era isso que eu queria, de
onde vêm essas pessoas?
119
... é que tem muitas misturas né, e isso vai de tribo pra tribo, isso vai de tribo
pra tribo, então tem muita gente que acha que vida de índio é uma vida boa, e
não é né, é uma vida que simplesmente, é... eu acho que tem muito
preconceito e falta muita informação né. outro dia eu estava em um seminário
no trampo em Paris, no mês retrasado e eu perguntei pra outros colegas que
estavam gente de outra academia e eu perguntei pra eles assim: diga um
iluminado indígena que você conhece? (silêncio)... vocês ouviram falar em
algum iluminado indígena?
A alma do seu universo mítico enraíza-se naquelas sensibilidades próprias da
contracultura dos anos 1970 que geraram o movimento Nova Era nas gnoses
esotéricas ocidentais, no orientalismo e no neopaganismo e também nas interpretações
nativas da etnologia, da física, da psicologia, da genética. Noções como “arquétipo”,
“inconsciente coletivo”, mandala”, o “xamã interior”, oriundos da psicologia
junguiana, estão presentes no discurso do nativo.
Categorias oriundas do esoterismo oriental/teosófico também estão presentes
por exemplo, noções como carma, chakras e reencarnação. Também é evidente a
proposta romântica de um retorno à Natureza (ALBANESE, 1992; CAMPBELL, 1997).
As ressignificações nativas da física quântica e a noção de “mudança de DNA” são
propostas, por exemplo, pelo xamã Rowland Barkley que forma discípulos em vários
países, incluindo o Brasil. Sthan faz os mesmos tipos de correlações:
Em vários lugares do mundo das 4 grandes nações, por exemplo o meu
trabalho hoje, quando eu falo de nativo eu não falo do nativo da pele
vermelha, eu estou falando do nativo pele branca, do nativo pele amarela, do
nativo pele negra, então o Índio Japonês , pouca gente sabe do índio Japonês
são os Jaibes da ilha de ROKA, os índios brancos, os lituânicos, o pessoal ali
próximo da Sibéria, são os índios Brancos, índios negros ai tem os zulus, tem
os aborígenes, são totalmente índios negros, então muito dessas técnicas são,
a constelação familiar, pô constelação familiar é uma técnica xamânica,
nascidas nos Zulus, o Beheling Helingn foi aprendeu com os Zulus,
moldou e sistematizou aquilo e trouxe pra . Traduziu, de um jeito de 7
gerações, coisas que os “Cheroquis” já fazem os Navajos já fazem, os
“Yanomâmis” fazem, “Q‟eros” fazem do Peru, então não é nenhuma, mas
alguém foi traduziu aquilo de forma que possa estar sendo usada.O trabalho
todo de renascimento é de origem nativa, todos...
Volto a tratar desses elementos científico-cosmológicos no próximo capítulo. O
nativo urbano percebe que faz e considera produtiva esta síntese a partir dos diferentes,
refazendo-os num Todo que, para ele, é satisfatório. Sthan justifica esse procedimento
da seguinte forma: “a gente vive num mundo globalizado onde a gente adquiriu formas
de várias culturas diferentes”. Partindo disso, vejo o new-ager neoxamã também como
120
um tradutor de diferentes linguagens para uma língua franca a qual ele denomina
“filosofia perene”.
Quanto à “recuperação xamânica de almas”, o neoxamã também o faz.
Entretanto, faz isso dentro de um outro universo de significados, num contexto
psicologizado, ligado à noção de traumatismos psíquicos e de “partes da alma” que
precisam ser resgatadas, utilizando uma linguagem psicológica também oriunda das
noções moderno-ocidentais de interioridade e biografia, as quais fundamentaram as
cosmovisões de Freud e de Jung. Para o neoxamã, a alma é um composto, um composto
de aspectos, de “corpos”, de faculdades, de chakras, de elementos cronológicos e
biográficos, de episódios e de “traumas”. Usando a expressão que traduz a ação referida
pelo xamã tradicional “recuperar a alma” o neoxamã realiza uma operação
psicológica de resgate. A operação do xamã tradicional encontra, assim traduzida
conforme a linguagem do nativo urbano, o seu equivalente. O xamã urbano recupera
partes de alma que estão perdidas, fragmentos de uma totalidade psíquica que deveria
estar íntegra. Quem, ou quais “entidades”, roubariam partes da alma?
Na cosmologia do xamã urbano (pelo menos na sistematizada por Sthan), os
espíritos que causam males trabalham como oportunistas que se aproveitam de uma
falha psicológica, de uma “mentira”, ou de um “modelo de comportamento”, construído
ao longo da biografia do sujeito. O mal psicológico acarreta um vínculo indesejável
com as “entidades”. Cabe ao neoxamã cortar esse vínculo, afastar tais espíritos,
mudando a disposição psicológica do seu cliente. Esse raciocínio o de espíritos
oportunistas que possuem a vítima é observado nos exorcismos “cultos de libertação”
dos evangélicos e dos carismáticos (MARIZ, 1997, p. 45) e nas sessões espíritas de
“desobsessão” (CAVALCANTI, 1983). Bloom (1991, p. 175) nesses rituais da
American Religion um elemento comum entre xamanismo e as religiões pentecostais e
carismáticas.
Diferente dos pajés xinguanos, que lidam com os Mamaé e continuamente
sofrem por isto, os neoxamãs na cidade encontram mais facilmente seus “Animais de
Poder” e “de Sabedoria” e os significados possíveis destes, apenas fechando os olhos,
relaxando, dançando e entrando em “consciência expandida”. Não é nada tão sofrido,
comparado à doença iniciática do pajé. Talvez, o mais difícil seja a quebra de uma certa
sisudez do Branco adulto e socializado conforme nosso padrão de normalidade, na
direção de experiências que suscitam o lúdico infantil aquilo que Jung denomina o
121
puer, a criança (VON FRANZ, 1977, p. 110). Como disse Sthan, “o xamanismo é uma
brincadeira séria”. Harner (1995) propõe diversos jogos xamânicos para exercitar este
aspecto lúdico-iniciatório.
Nesse mesmo sentido, um dos rituais utilizados por neoxamãs é o jogo de bola
Sioux, em que se combinam elementos lúdicos e esotéricos diversos, tais como a
divisão do espaço em “direções sagradas”, vinculadas aos Animais, e uma personagem
que fica no centro do jogo, “a criança”. Sthan descreveu-me esta “técnica”: O pajé
tradicional sofre, enquanto o neoxamã opta pelo “brincar sério” ambos em sua
trajetória iniciática em direção ao invisível. Mas ambos, cada qual em seu próprio
contexto de simbolismos e de significações, operam como interventores e como
mediadores entre o mundo dos homens e o mundo dos espíritos.
Em busca do poder pessoal: a individualização
Em entrevista, o neoxamã peruano,Agustin Gusman, fala sobre a perda do poder
pessoal:
Existe vida em cima e embaixo da terra. seres que muitas vezes tratam de surpreendê-lo, e
de repente você tem uma emoção. Daí sua sombra cai em mãos dos entes que habitam debaixo
da terra. É que a sua sombra cai. A partir desse momento, falta-lhe algo, e isso se converte
em dor de qualquer enfermidade. E até que ela não seja curada, até que não seja feito um ritual,
a sua sombra não regressará ao seu corpo. Enquanto ela não regressar, você ficará assim
assustado, sentindo que alguma coisa lhe falta, lhe dói, que você perdeu a sua identidade.
A aspirada integração das diversas partes da pessoa numa totalidade produz,
entre outras coisas, aquilo que os nativos urbanos reconhecem como “poder pessoal”. O
qualificativo “poder” ou “de poder” aparece com frequência nos diálogos entre
Castaneda e Dom Juan. O “poder” é a superação do xamã das limitações e dos
condicionamentos existenciais restritivos impostos ao indivíduo “egóico” comum. Uma
“planta de poder” é uma erva auxiliar do processo de iniciação do xamã. Uma “cantiga
de poder” é uma invocação das energias” poderosas que invisivelmente movem o
mundo. Um “objeto de poder” é um talismã mágico. Mas o “poder” é “pessoal”, ou seja,
individual. O “poder pessoal” é uma qualidade essencial ao xamã, conforme a
cosmologia de Castaneda. Num diálogo com Dom Juan, Castaneda pergunta
122
(CASTANEDA, s/d, 14S) “Como posso chegar à explicação de um feiticeiro?”. O índio
responde:
Acumulando o poder pessoal. O poder pessoal o levará com toda facilidade à explicação de um
feiticeiro [...] Tudo o que fazemos, tudo o que somos, reside em nosso poder pessoal. Se temos
o suficiente, uma palavra que nos for pronunciada pode ser suficiente para mudar o rumo de
nossas vidas. Mas, se não tivermos suficiente poder pessoal, o fato de sabedoria mais
significativo nos poderá ser revelado sem que tal revelação faça a menor diferença.
O objetivo do neoxamã é atingir um estado, uma condição, em que seu “poder
pessoal” seja suficientemente forte, “carregado” para uma nova dimensão de
conhecimento. Em Castaneda, o “poder pessoal” serve ao propósito gnóstico, ou seja,
de se tornar uma qualidade da pessoa que a capacite a “ver” a “realidade incomum”: o
Nagual. O processo envolvido é o de percepção de que a pessoa comum é uma entidade
decomponível em aspectos, em partes, e sua integridade é uma ilusão.
Harner, por sua vez, mantém em sua obra essa noção de “poder pessoal”. Na
etnografia de Harner (1963, p. 139), essa noção pode ser observada no estudo sobre os
Jívaro, quando ele descreve o processo iniciático de aquisição do espírito guardião o
arutam , o qual implica:
Upon acquiring this arutam soul, the person feels a sudden power surge into
his body, accompanied by a new self-confidence. The arutam soul is
supposed to increase a person‟s power in the most general sense. This power,
called kakarma, is believed to increase one‟s intelligence as well as simple
physical strength, anda also to make it difficult for the soul possessor to lie or
commit other dishonorable acts [...].
Noção similar é descrita ainda nos anos 1920 por Boas (2004, p. 318), que
comenta o processo do índio norte-americano de domesticar seu espírito guardião:
[...] O poder mágico que o homem assim adquire pode lhe dar capacidades especiais: pode torná-
lo um caçador, um guerreiro ou um xamã de sucesso; ou pode lhe dar poderes para adquirir
riquezas, sucesso no jogo ou o amor das mulheres.
O poder pessoal referido por Castaneda e Harner seria uma ressignificação do
mesmo karma do Jívaro e o poder do manitu dos índios algonquinos da América do
Norte. O “poder pessoal” xamânico ameríndio converte-se em categoria que serve ao
individualismo moderno-ocidental: a noção “cosmo-centrada” verte-se em “ego-
centrada” Em Castaneda e em Harner, como neoxamãs, o “poder pessoal”, além de
qualidade condicional para o conhecimento, é também apresentado como uma qualidade
interessante para a saúde e para o equilíbrio fisiológico do indivíduo. Esse poder é
123
obtido pelo constante chamamento do “animal de poder”. Aqui, portanto, uma categoria
cosmológica indígena é recontextualizada justamente porque apresenta uma certa
equivalência semântica para a noção de Self ocidental, Nova Era.
É o “animal de poder” que confere ao indivíduo que o invoca o seu “poder
pessoal”. Diz Harner (1995, p. 115):
Os xamãs de há muito perceberam que o poder do espírito guardião ou tutelar
torna a pessoa resistente às doenças. A razão é simples: ele propicia um corpo
vigoroso que resiste à intrusão de forças exteriores. Do ponto de vista
xamânico, num corpo cheio de poder, simplesmente não lugar para a fácil
entrada de energias intrusas e prejudiciais, conhecidas, na realidade, como
doenças.
E Harner acrescenta (ibidem): “Um poder animal ou espírito guardião, como
aprendi desde o início com os Jívaro, não aumenta a energia física da pessoa e a sua
capacidade de resistir a doenças contagiosas, como também aumenta sua acuidade
mental e autoconfiança. O poder faz com que até mesmo mentir seja mais difícil”.
O Poder Pessoal assume, entre os neoxamãs, o papel de uma metáfora referente
à noção de uma integralidade do indivíduo, do Self o poder que pode ter a pessoa. E a
meta, aqui, não é a de enfraquecer esse poder, mas, justamente, de fortalecê-lo. Sthan
afirma que o grande problema dos indivíduos contemporâneos é a perda do poder
pessoal, a causa de todo enfraquecimento, de toda doença, de todo insucesso financeiro,
afetivo e social.
Ao tornar o mundo mais próximo das nossas próprias mãos, ao deixar os poderes
superiores mais acessíveis à nossa própria vontade, simbolicamente mais controláveis, o
poder pessoas é como a prática da magia que delimita, define e aproxima os resultados
que promete. A magia é a capacidade de modificar o mundo através de atos de caráter
ritual, é um conjunto de técnicas de manipulação do sobrenatural orientadas a alcançar
propósitos específicos.
Nesse sentido, o poder pessoal atua assim como a magia ativando o
empowerment
29
e ajustando o foco, delimitando a ambição, parcializando-a. A religião
às vezes em função da vida eterna, procura moralizar nossa vida neste mundo. a
magia, não procura introjetar nos humanos quaisquer preceitos de moralidade ou
29
Empowerment: Não há uma palavra adequada em português para traduzir este termo inglês. Sua
tradução literal seria empoderamento (em-poder-amento, que tem haver com poder). A ideia
é "empoderar" o fiel (poder para resolver seu problema imediato).
124
inocular em nós qualquer sentimento de culpa. Como repete Sthan muitas vezes: Tudo
é uma questão de escolha, você escolheu, então seja feliz com suas escolhas!”. Sua
regra de ouro, a única regra geral, é seguir à risca o figurino ritual. Na melhor ou na pior
das hipóteses, a magia é amoral. Uma via de salvação diferente da via moral, não
necessariamente o seu contrário. Para o pensamento de Sthan, não o Mal com letra
maiúscula, assim como não o Bem. São categorias próprias do pensamento
metafísico-religioso. Sofrimento e desventura, enfermidade e aflição, tudo é efeito de
uma escolha cuja solução pode ser outra escolha. Simples. Nada de culpas. Onde
Magia é vontade de poder; religião vontade de obedecer.
“Despertando o seu xamã interior”: a reconstrução de si mesmo
O antigo idealismo mágico dos românticos produziu a categoria “inconsciente”
(Unbewust), que veio fundamentar a prática e a teoria da psicanálise freudiana e da
psicologia de Jung (ANDRADE, 1990). Para os românticos, apenas a aventura
intelectual e imaginativa da introversão em direção ao inconsciente é capaz de abrir os
horizontes cognitivos do indivíduo às verdadeiras raízes da realidade, da outra e
verdadeira realidade. A verdade não está na racionalidade, mas no fim de uma viagem
ao inconsciente. Gusdorf (ibidem) ainda ressalta a relação entre o idealismo mágico
romântico e as noções da alquimia diga-se de passagem, um material de análise
sempre presente em Carl Jung e referência recorrente entre autores “gnósticos”. A
alquimia é a química da interioridade, a combinação e tensão entre os substratos da
mente e da alma. Jung compara a alma a um laboratório alquímico, recorrendo às
imaginações dos antigos gnósticos medievais, dos alquimistas e dos sticos
rosacrucianos (JUNG, 1984, 1985, 1986, 1990, 1991, 2003). Jung entendia que a
alquimia seria uma continuação direta das doutrinas gnósticas heréticas do início do
cristianismo (JUNG, 1991: passim).
Jung é frequentemente apontado e citado por neoxamãs como um pesquisador que
promoveu o resgate de imaginação, que se debruçou de modo produtivo sobre a
possibilidade de um mapeamento do mundo interior e das vias de acesso a este através
da análise dos sonhos, através dos símbolos da alquimia e do xamanismo, através da
análise e utilização de técnicas tribais de alteração de estados de consciência. Gramacho
e Gramacho (2002, p. 14) apontam Jung como o responsável pelo resgate desse material
125
“primitivo” que vem fundamentar a prática e a cosmologia do xamanismo urbano:
“Desde o início do século XX, estudiosos e curiosos voltaram-se para resgatar o
conhecimento do qual falavam alguns remanescentes dessas culturas consideradas
primitivas e começaram a perceber o seu valor e o quanto o homem havia se desviado
do conhecimento e do caminho original. Dentre eles destacam-se o psicólogo e
psicanalista Carl Gustav Jung, o sociólogo Michael Harner (1975), o antropólogo e
escritor Carlos Castaneda, Mircea Eliade, especialista em culturas primitivas entre
outros”.
Sabemos que Jung se interessava por xamanismo. Em suas obras, ele menciona
frequentemente a figura do xamã e, para tal, recorre a Mircea Eliade e às noções deste
sobre xamanismo e religiões arcaicas. O próprio Jung, no ano de 1924, submeteu-se à
experiência de vir até a América e passar alguns dias em uma aldeia indígena, Pueblo,
no Novo México, em companhia dos xamãs nativos que celebravam rituais para o sol
(JUNG, 1990; STORR, 1977, p. 33). Ele estava interessado na afirmação dos índios
Pueblo de que o sol era pai deles. Isto o ajudaria a compreender as afinidades
epistemológicas entre mitos e os delírios dos psicóticos (os quais ele considerava como
mitos personalizados que não são compreendidos). Jung foi recebido pelo líder
espiritual dos Pueblo, Ochway Biano (Lago-da-Montanha), e conversou
demoradamente com ele, fazendo longas caminhadas pelas altas trilhas nas montanhas.
Repetiu-se, neste encontro, a relação de aprendizado do Índio para o Branco,
semelhante ao que é descrito por Castaneda em relação a Dom Juan. A conversa entre
Jung e Ochway foi registrada em suas memórias (JUNG, 1990) e tem um conteúdo
bastante “xamânico”, no sentido de se referir às questões religiosas e cosmológicas dos
Pueblo. O índio Pueblo desafiou Jung a compreender, por exemplo, “como o mundo
todo surgiu dali, daquela montanha onde viviam os Pueblo”.
Jung interessou-se profundamente pelas cosmologias ameríndias e citava os mitos
e a conhecimento dos xamãs como exemplo do possível acesso à sabedoria latente no
inconsciente. Jung ficou impressionado, sobretudo, quando o líder espiritual Pueblo
disse-lhe que “o homem ocidental só consegue pensar com a cabeça, mas não é capaz de
pensar com o coração”. Jung via nos xamãs tradicionais um exemplo bem sucedido de
viagem ao mundo do “inconsciente”. O xamã contraporia à racionalidade ocidental um
conhecimento advindo “do coração”. Assim, para ele, o conhecimento dos xamãs se
fundamentaria em arquétipos universais e, portanto, representa uma continuidade com
126
outros conhecimentos esotéricos, tais como a Alquimia e a Gnose as quais, também
para Jung, representariam o resultado e a descrição de viagens ao inconsciente. Jung era
simpático às relações que Mircea Eliade elaborava entre mitos arcaicos, entidades
xamânicas, figuras da alquimia e cosmologias dos mais variados povos. Tais relações
comprovariam a universalidade dos arquétipos e a realidade do “inconsciente coletivo”.
Em sua noção totalizante de um “inconsciente coletivo”, Jung postula que essa
instância psicológica é habitada por entidades “não-eu” universais e polimorfas, as quais
denomina arquétipos” ou “dominantes”. O inconsciente coletivo pode enlouquecer ou
tornar sábio um homem, afirma Jung. Ele é o primordial, do qual e para o qual todas as
religiões e práticas xamânicas convergem, propõe Jung. Os “arquétipos” são os deuses
das diversas cosmologias, os quais, polimorfos, continuam a existir num eterno tempo
psicológico e que assumem manifestações peculiares nas singularidades de cada
indivíduo e de cada cultura. Entre os arquétipos diversos existentes no “inconsciente
coletivo”, Jung admite um arquétipo especial: o “xamã Interior”, ou “Demônio Mágico”,
também denominado “O Velho Sábio”: “a imagem deste demônio deve pertencer a um
dos estágios mais elementares e arcaicos do conceito de deus. É o tipo do primitivo
feiticeiro da tribo ou xamã, personalidade dotada de poderes excepcionais, carregada de
força gica. Frequentemente aparece como uma figura de pele escura, de tipo
mongoloide, quando representa um aspecto negativo, eventualmente perigoso. Às vezes
é difícil ou quase impossível, diferenciar essa figura da sombra; mas quanto mais
dominante for a nota mágica, mais fácil a diferenciação. Isso não é de pouca
importância, visto que pode revestir-se do aspecto muito positivo do Velho Sábio”
(JUNG, 1985, p. 87). Phillemon era o nome do “xamã interior” de Jung, com o qual ele
relata ter mantido longas e proveitosas conversas e ter obtido grandes revelações (JUNG,
1990). Phillemon foi descrito e desenhado por Jung como um velho de barbas, ornado
com chifres e adornos xamânicos e que teria sido um antigo gnóstico helênico.
Storr (1977, p.14), biógrafo de Carl Jung, relata a tendência desde sempre de
personificar, ou seja, de dar uma identidade própria, aos aspectos distintos da mente.
Esse procedimento de Jung é usual também entre os neoxamãs, inspirados nas imagens
das cosmologias ameríndias, quando dão aos “aspectos internos do indivíduo” a
identidade de Animais específicos: “Urso”, “Lobo”, “Leão”, ou “Animal de Poder”, ou
“Animal de Cura” etc.
Storr (ibidem) diz o seguinte:
127
Assim, alguns arquétipos, especialmente figuras de “anima”, “animus” e “velho sábio”,
oram personificados dessa maneira. Além disso, Jung encorajou os seus pacientes a
manterem diálogos com essas “figuras provenientes do inconsciente” como se fossem
pessoas reais nomundo externo. Para ele, provavelmente, eram tão reais, de fato, quanto
as pessoas com quem estavam em contato na vida cotidiana. A linguagem que ele usa a
respeito de tais figuras sugere que, como os médiuns acreditam, Jung considerava-as
existentes num “mundo imperecível”, manifestando-se de tempos em tempos através da
psique de um indivíduo. Na sua autobiografia, por exemplo, Jung refere-se a uma figura
que teve origem num de seus sonhos e a quem deu onome de Philemon. Essa figura,
escreve Jung, ensinou-lhe a objetividade psíquica e a realidade da psique. Mantendo
conversas com ele, Jung acabou convencido de que Philemon possuía uma introvisão
superior e gerava pensamentos, dentro da mente de Jung, que ele próprio não teria sido
capaz de conceber.
Xamã interior
Independente de seus usos e semânticas, podemos dizer que no processo de
modelagem por que passa um noviço, este é o ponto de chegada, a conquista da
possibilidade de uma carreira. Essa noção junguiana de uma figura interior, de um
“xamã interior”, aparece de modo muito recorrente no discurso e nas fontes literárias
neoxamânicas e também na literatura junguiana, tornando indefinidas, frágeis, as
fronteiras entre um “terapeuta xamânico” e um “terapeuta junguiano”, em certos
momentos. Assim, é possível encontrarmos em um texto de psicologia uma série de
exercícios de mentalização para a evocação do “xamã interior”, de um estilo
imaginativo bem próximo daqueles exercícios xamânicos de Michael Harner
(FEINSTEIN e KRIPPNER, 1997). Essa linha terapêutica situa-se dentro daquilo que
esses autores junguianos denominam “mitologia pessoal” e inclui o estudo de mitos de
povos ágrafos. Feinstein e Krippner afirmam (ibidem, 49s) que o “xamã interior” detém
o poder de comunicar, como mediador interno, o mundo da consciência de vigília com
aqueles “outros mundos”; detém o poder de alterar os acontecimentos cotidianos,
produzindo situações inusitadas e necessárias; detém o poder de orientar a “mitologia
pessoal” do indivíduo. Os autores comparam tais poderes do “xamã interior” com os
poderes equivalentes, no mundo externo, dos xamãs tribais. Após tais considerações, os
autores convidam o leitor a relaxar e a manter um encontro interno com seu “xamã,
cumprimentando-o e dialogando com ele. Em diversos encontros lembro-me de Sthan
pedindo aos presentes que, durante sua “Viagem Xamânica”, ao som do tambor mágico,
todos estivessem abertos para o encontro com o seu “xamã interior”: ele teria algum
128
recado importante. Um dia, descendo a montanha, após minha segunda busca da visão,
Sthan me disse que sabia mais de mim do que eu mesma.
Heelas (1996, p. 46s) a presença de Jung, não exclusivamente no xamanismo
urbano, mas em todos os segmentos Nova Era. O autor considera Jung, a teósofa e
mística Helena Blavatsky, do culo XIX, e o místico sufi Gurdjeff “três figuras chave”
e antecedentes importantes da contracultura, influenciadores das cosmologias Nova Era.
O papel destes três estaria em enfatizar a realização espiritual de um Self interno.
Von Franz (ibidem, p. 210) chega a comparar o seu trabalho de psicoterapeuta
com o do xamã:
Além disto, a terapia de grupo precisa evidentemente de um líder, cuja função deve ser
considerada mais de perto. Da perspectiva histórica, o papel do padre, bem como o do médico e
do psicoterapeuta, remonta ao do xamã e do curandeiro dos povos primitivos, entre os quais este
era mais especificamente o guardião do ritual tradicional, e aquele, o protetor da vida da alma,
especialmente no tocante ao modo correto de morrer e à jornada adicional da alma depois da
morte. Curar a alma do indivíduo e os estados coletivos de possessão é, na verdade, a principal
tarefa do xamã. Se encontrar um demônio ou um espírito ou seja, em termos psicológicos, um
conteúdo arquetípico do inconsciente -, um homem comum será possuído por ele e, em
consequência, ficará doente. O mesmo costuma acontecer com o xamã durante o período de
iniciação, mas ele sabe como livrar-se e como curar a si mesmo por meio do tipo certo de
comportamento diante do mundo do espírito. Isso o capacita a, mais tarde, ajudar os sofredores
comuns que não podem ajudar a si mesmos. As experiências simbólicas interiores vividas pelo
xamã no decorrer do seu período de iniciação são idênticas às experiências simbólicas que o
homem moderno vivencia no processo de individuação. Pode-se, portanto, dizer que o xamã ou
curandeiro era a pessoa mais individualizada, isto é, mais consciente, do grupo a que pertencia.
Isso lhe conferia, ao lado de outros membros do grupo, uma autoridade natural, emanada de seu
interior. Mas desde o começo, mesmo nesse estágio inicial, aparecia a sombra do xamã, ou seja,
o mágico negro psicopata, que abusava de sua experiência interior (a experiência do mundo do
espírito) para fins pessoais de poder. O verdadeiro xamã tem um poder que ele não procurou: os
espíritos, particularmente o arquétipo do self, ficam ao seu lado; mas o mágico negro reivindica,
com o seu ego, o poder coletivo, estando, por essa razão, psiquicamente enfermo. Os exemplos
disso são Rasputin, Hitler e figuras semelhantes. Todavia, o processo de individuação é
incompatível com toda espécie de reinvindicação de poder social. O mesmo acontece quando
uma pessoa finge ser líder liberal bem-intencionado e moderado ou um “paternal pastor de
almas”.
Expressando uma visão romântica do xamã, na qual se separa o poder xamânico
propriamente do poder político-pessoal, von Franz, no texto acima, traduz a experiência
de “ser xamã” para a experiência do processo psicológico individualizante, descrito
conforme os termos modernos-ocidentais junguianos. Esse tipo de tradução é recorrente
entre autores neoxamânicos mais intelectualizados. E a obra de Jung presta-se muito
bem a tal procedimento.
129
A figura do bom selvagem, do primitivo sábio, fascina as pessoas simpáticas às
ideias de Jung porque representam uma porta aberta para aspectos insólitos daquilo que,
em sua cosmovisão, seriam os conteúdos misteriosos do “inconsciente coletivo”. Por
outro lado, a cosmovisão junguiana presta-se muito bem como uma das fontes de
categorias para a cosmologia dos neoxamãs. As categorias ocidentais junguianas
possibilitam a domesticação de categorias exóticas dos primitivos. Jung contribuiu com
a redenção da figura do xamã antes, um histérico. Autores diversos ajuizavam que o
xamã seria um tipo de histérico ou vítima de um quadro psicopatológico que mantinha
sua condição como já abordei em capítulo anterior.
Vitebsky (2001, p. 139) pontua que, a partir dos anos 1960, houve uma
transformação dessa noção sobre o xamã, que culminou com a busca pelas experiências
psicodélicas hippies. O autor não menciona, entretanto, o fato de que também a difusão
da psicologia de Jung contribuiu para uma outra interpretação das ditas “experiências
com o inconsciente”, através dos estados de transe, através de indução por drogas
psicoativas ou mesmo como interpretação da experiência da loucura. O “inconsciente”
junguiano, diferente do “inconsciente” freudiano, contém uma sabedoria latente, contém
figuras arquetípicas tais como o “Velho Sábio”, o Xamã Interior e assim anuncia a
“viagem” até estes paramos como a essência do processo iniciático, algo diverso de um
processo destrutivo e caotizador. Deduz-se das teorias de Jung que o xamã é um bem
sucedido nesta viagem, enquanto o louco pode ser considerado como o xamã que se
perdeu na jornada e foi tragado pelos processos catalizadores do inconsciente.
Não cabe ao escopo deste trabalho estabelecer a plausibilidade ou não da teoria
junguiana do “inconsciente coletivo” e dos “arquétipos”. Não cabe aqui discutir as
teorias de Jung, tal como fez Shanon (2003 e 2003), concluindo pela insuficiência das
teses junguianas para se explicar os conteúdos das visões do ayahuasca. Pretendo
somente discutir a relação de continuidade entre as ideias de Jung, entendidas como
uma cosmologia nativa, e as outras categorias cosmológicas dos neoxamãs e new-agers:
os últimos incorporam noções do primeiro. Shanon (2002), após experimentar o
ayahuasca, passou a se interessar pelo conteúdo das visões produzidas pela planta,
considerando esta questão, qual seja, se os animais vistos constituiriam ou não
universais relativos ao que Jung denomina “inconsciente coletivo”. Shanon (ibidem, p.
690s) pergunta-se se pode, então, haver algo que não seja culturalmente determinado
130
ou seja, ele se aproxima da questão de Joseph Campbell: a de universais atuantes sobre
os humanos que independem de determinismos culturais.
Considerações finais
Na pesquisa de campo encontrei neoxamãs de diferentes formações, com
diversos interesses de atuação e sua própria rede de seguidores, mantendo relações com
xamãs, trocando interesses, práticas e símbolos. Como foi dito, o aprendizado reúne
além de leituras, cursos de formação xamânica e práticas afins, participação em
cerimônias e encontros e, o essencial convívio com algum “xamã indígena” (ou “xamã
de aldeia”). Incorporar novos habitus, repetindo práticas corporais, aprendendo uma
linguagem verbal e não verbal. Segundo Goffman (1975), podemos estar diante de um
processo de idealização e instalação de crenças no qual o sujeito incorpora e idealiza os
valores oficialmente reconhecidos pelo universo xamânico e neoxamânico. É por isso
que nos propomos estudar tanto os processos de modelagem entre xamãs e neoxamãs,
como também, ao final, a rede do neoxamanismo como um todo, igualmente
modeladora, impondo modos de agir e pensar, bem como sendo central para o
reconhecimento da autoridade de um dado praticante.
O novo habitus vai além de posturas corporais, inclui ornamentos corporais
como colares, braceletes, cocares, tornozeleiras, brincos, anéis de diferentes “tradições”
e etnias. As “alianças” entre esses diferentes grupos podem formar uma estreita rede de
relações na qual todos os atores envolvidos devem ser vistos como dotados de agência,
possuindo discursos e interesses próprios, sendo ao mesmo tempo reconhecidos entre
seus pares e também os reconhecendo. Esses interesses, assim como o significado
atribuído aos diferentes elementos materiais e simbólicos que circulam no âmbito dessa
rede, são negociados na interação.
131
CAPÍTULO 4
O circuito neoxamânico: a “rede de poder”
Neste capítulo apresento os centros do circuito neoxamânico da rede de
interação mapeada durante esta pesquisa, partindo da tenda do suor em
Parnamirim/RN e fazendo conexões com uma rede local, regional e transnacional. As
relações das partes envolvidas , público e atores simultaneamente; a centralidade das
informações que definem e suas redes ou clãs e a posição política de seus atores
gerando um dinamismo e variação permanente, familiarizando o estranho.
As regularidades da rede de irregularidades
Magnani (1999) fez um estudo das principais práticas do xamanismo urbano
com presença na cidade de São Paulo e classificou as atividades, a grosso modo, em
cinco linhas, que, numa primeira classificação, foram divididas a partir de indícios
autorreferenciais:
a) “Norte-americana”: sua principal referência são os ritos, mitos e práticas
xamânicas atribuídas a grupos indígenas situados no território dos Estados
Unidos e Canadá.
b) “Andina”: sua referência é a cultura de grupos da região dos Andes,
incluindo sua porção amazônica e também práticas xamânicas do território do
México e da América Central; em alguns casos se faz alusão a plantas
psicoativas, como peyote, ayahuasca, don pedrito etc. Em outros casos,
trabalha-se evocando principalmente parte das cosmologias daqueles grupos.
c) “Indígena brasileira”: desenvolvida e conduzida por membros de
diferentes nações indígenas do território brasileiro, escolarizados e com bom
trânsito em diversos setores da sociedade nacional como universidades, ONGs,
órgãos governamentais, instituições religiosas e espaços do circuito
neoesotérico. Tem como base referências a uma “cultura indígena” em geral,
ainda que com alusões a este ou aquele grupo, sem que mantenham
necessariamente algum tipo de relação permanente com suas aldeias.
132
d) “Eclética”: articula elementos de várias tradições desde, por exemplo, as
tibetanas pré-budistas, as da Ásia Central e do Norte, passando pela
incorporação de alguns elementos das regiões afro-brasileiras até, finalmente,
pela inclusão de certas formulações referidas a determinadas especialidades
científicas.
e) “Independente”: constituída por praticantes que utilizam algumas
técnicas xamânicas tradicionais para efeitos terapêuticos e em sessões mais
fechadas; trata-se de experiências em consultório que procuram estabelecer e
explorar relações entre determinadas propostas das ciências psicológicas com
tradições xamânicas, vistas como outra via de acesso às dimensões do
inconsciente.
Mais do que qualquer segmento da Nova Era, é via xamanismo que se valoriza e
constitui uma tradição, na forma de uma sabedoria que se acredita estar contida nos
gestos e crenças “conservados” em “ritos primitivos”, transmitidos oralmente, associada
a referências a certas formulações atribuídas a este ou aquele ramo da ciência, o que
corrobora para legitimação desses “antigos saberes”. A Pipa Sagrada, por exemplo,
também chamada de chanupa, um cachimbo, é presenteada entre mestre e aprendiz. Na
literatura lakota, a mulher búfalo branco, símbolo de pureza e renovação, trouxe como
presente o conhecimento dos segredos da Pipa Sagrada. Estes dois conceitos objeto e
cerimônia, símbolo e ritual são o coração de todo crença espiritual lakota, reproduzida
em todos os centros que visitei. Organizando o campo que une diversos atores e
tradições, Léo Artese, neoxamã do Céu da Lua Cheia
30
classifica dois tipos de
xamanismo:
Atualmente o xamanismo pode ser dividido em duas escolas. O xamanismo tradicional
que segue as tradições nativas e o neoxamanismo que adapta a essência com práticas
terapêuticas e de linhas diversas numa realidade urbana. O xamanismo cobre práticas de
cura de ancestrais primitivos e indígenas ao redor do mundo. Gosto de trabalhar num
conceito de Xamanismo Universal, que une o xamanismo tradicional e o neoxamanismo
num movimento para uma "Nova Consciência", fazendo conexões entre os
conhecimentos esotéricos do Oriente e do Ocidente, sem cair na xenofobia dos povos do
passado e nem na banalização típica de muitos movimentos New Age.
Atualmente muitos xamãs, inclusive no Peru, rezam para Cristo e aceitam que Jesus foi
um Xa Iluminado. Podemos numa abordagem mais abrangente dizer que a Doutrina
30
Site xamanismo.com.br.
133
Santo Daime é um xamanismo cristão, assim como a Native American Church nos EUA, a
Umbanda , a União do Vegetal, a Barquinha, o Catimbó, os cerimoniais com cogumelos de
Maria Sabina, e outros. Existem traços do xamanismo em todas as religiões: no Budismo
Tibetano, no Judaísmo, no Tantrismo, no Cristianismo. Isso torna muito desafiante a tarefa
de separar o que é e o que não é xamanismo, pois tudo está conectado!
Quando percebemos a conexão Universal entre nós e todos os que viveram e que estamos
todos ligados, conectados, compreendemos que todas as histórias fazem parte da nossa
história. A consciência da conexão é vital ao aprendizado da convivência mútua. Ninguém
vence sozinho. Todos têm a necessidade de nos conectar com algo fora de nós, com nossos
companheiros de caminhada e com algo maior que nós todos. No xamanismo, procuramos
aprender com as vozes dos ancestrais, dos velhos, das tradições, das crenças. Esse
aprendizado é básico para podermos traçar o mapa de nosso caminho de acordo com o livre
arbítrio.
Wagner Fraga, xamã urbano do Clã Lobo do Cerrado, assim representa os
líderes espirituais que conheceu no seu caminho de aprendizado:
31
Geralmente pelo que eu pude observar nesses anos de estudo no Caminho Sagrado, poucos
conseguem ir além da jornada de iniciação. Líderes Espirituais verdadeiros são raros. E
raros também são as pessoas de conhecimentos, no meu caso, eu posso contar nos dedos
das duas mãos essas pessoas. Não quero dizer que não existam mais do que cinco Líderes
Espirituais, mas eu nesses anos de estrada só conheço esse número. Muitos dos que
trilharam essa estrada pararam no meio do caminho, e ficaram satisfeitos em se tornar
curadores. Converteram-se em mestres do seu próprio caminho. E há aqueles que são
seduzidos pelo poder. Começam a cair sob o fascínio de seu próprio poder, seduzido por
sua própria pessoa. Perdem-se durante o trajeto. E a jornada pode durar pelo resto de suas
vidas.
O domínio da prática vai depender do conhecimento técnico adquirido no
processo de aprendizagem do xamã urbano. Dentro da variação, usando a distinção de
Goffman (1975) identifico os neoxamãs com domínio de práticas limitadas, atuam no
sistema sem compromisso com toda cosmovisão neoxamânica, sua atuação é localizada,
não atuam diretamente na rede, mas se alimentam dela; a segunda está relacionada ao
que chamo de catalizadores; eles têm um domínio mais abrangente de práticas, lideram
ou atuam em clãs e núcleos xamânicos, formam subgrupos dentro da rede e atuam
diretamente por vezes interferindo ou definindo o seu fluxo; o terceiro são os eremitas,
31
Site xamanismo.com. autor de "Caminhando com os Ventos" - Wagner Frota
134
que vivem à margem da rede seu processo de aprendizagem, que varia entre o contato
com xamãs da aldeia e a literatura nativa e antropológica, sua interferência na rede é
limitada e depende de seus simpatizantes, um ponto permanente de transição e
autoilusão do ideal xamânico.
A noção de redes / redes sociais nasce na Antropologia Social. Em 1940,
Radcliffe-Brown usa o termo "redes". Barnes (1972) preocupava-se com a
heterogeneidade dos usos da noção de redes, alertando que a ideia de "redes" pudesse
tornar-se mais uma palavra da moda, sem definição clara, nem uso específico. Barnes
(1972) e Mitchell (1969), referem-se à necessidade de distinguir o uso metafórico do
analítico no que se refere às redes.
Para Barnes (1972), não existe uma teoria de redes sociais, sendo possível a
adaptação da noção de rede a diversas teorias. A concepção básica de redes tanto para
uso metafórico, quanto para o uso analítico seria a de que a configuração de vínculos
interpessoais entrecruzados, está de forma inespecífica conectada às ações dessas
pessoas e às instituições da sociedade.
A ideia que permeia a metáfora de redes é a de indivíduos em sociedade, ligados
por laços sociais, os quais podem ser reforçados ou entrarem em conflito entre si. A
expressão rede social total cunhada por Radcliffe-Brown na década de 1950, pretende
caracterizar a estrutura social enquanto uma rede de relações institucionalmente
controladas ou definidas. Como ressalta Boissevain (1987), revendo os fundamentos
dos conceitos de Radcliffe-Brown, haveria um pressuposto básico da existência de uma
estrutura social que pudesse ser isolada e comparada com outras estruturas sociais,
através do isolamento de relações sociais institucionalmente controladas.
Bossivain (ibidem), em sua crítica, nos adverte quanto à necessidade de
observarmos as constantes mudanças a que estão submetidas às relações sociais e a
impossibilidade de que sejam apreendidas e descritas somente em termos de normas.
Radcliffe-Brown parece ter usado a noção de rede numa abordagem metafórica, na
medida em que nos remete a uma imagem de interconexão de relações sociais, sem
deter-se na especificação das propriedades dessas interconexões.
Mitchell (1969) nos indica que como metáfora a noção de rede não permite a
percepção de vários aspectos das relações sociais tais como ausência de ligação,
intensidade, status, papel social. A preocupação de Mitchell (ibidem) parece ser a de
tensionar as duas possibilidades de uso, o metafórico e o analítico, na medida em que
135
também sugere os limites colocados para o uso analítico de redes que limitaria a
representação de pessoas em "nós" de uma rede, e os relacionamentos entre eles em
"linhas" ou "elos". Nesse sentido, o mesmo autor lembra que a noção de redes sociais
como método de análise deve ser usada de modo complementar a outros métodos da
Sociologia e da Antropologia. A partir dessas ideias, montei o que chamei de circuito
neoxamânico, reunindo centros e diversos atores a partir da colaboração de Sthan (Alfa)
e as pesquisa no campo.
O calendário de encontros neoxamânicos
Os eventos do calendário no xamanismo urbano movimentam o circuito e
podem ser periódicos ou sazonais. No segundo grupo, cuja referência é o “ciclo do sol”,
os Festivais são os Equinócios e Solstícios, respectivamente de primavera e outono,
verão e inverno. Marcam as estações do ano. Abaixo o quadro de relações apresentado
por Léo Artese e suas relações com o calendário gregoriano:
32
a) Equinócio de Outono Celebrado no dia 21 de março. O outono é
simbolizado pelo Oeste, o Urso Negro, significa a meia-idade de nossa vida,
quando fazemos uma introspecção a fim de procurar a sabedoria e conhecimento,
equiparados ao inverno e a idade avançada. Tempo de banir o que não se deseja
mais, de deixar cair as “folhas secas”, e se preparar para a interioridade, tal
como a natureza oculta do inverno.
b) Solstício de Inverno Início em 21 de junho. O inverno é o começo do
ciclo - o nascimento do Sol, trazendo de volta à luz, tirando-nos da escuridão. O
Norte é a direção associada ao Inverno, ao Búfalo Branco. Período de
purificação. Nesta data o sol renasce do ventre escuro da Mãe Terra,
simbolizando a renovação das esperanças, novas promessas de alegria e
realizações. Marca a espera de uma nova luz, simbolizada na ênfase ao fogo,
para que a escuridão do inverno não domine o mundo.
c) Equinócio de Primavera Início em 21 de setembro. Tempo de
recomeçar, de plantar sementes em nossos jardins e sementes para o nosso
32
http://www.xamanismo.com.br/Universo/SubUniverso1193138775?sortcol=1;table=2;up=0#sorted_table
136
próprio processo de crescimento durante o novo ciclo. A Direção Leste é
associada à Águia, à alvorada e novos inícios. Assinalado como rito de
fertilidade, que celebra o nascimento da primavera e o redespertar da vida na
terra.
d) Solstício de Verão Início em 21 de Dezembro. É o período para libertar
forças escuras do nosso interior, de celebrarmos em conjunto e de nos
prepararmos para o declínio da força solar. O Sul (norte para o Hemisfério Sul) é
direção associada ao Verão. É a época do crescimento rápido, para se alcançar a
plenitude com o Coiote. É celebrado, no Hemisfério Sul, obedecendo ao início
do verão.
Estação
Vôo
Ciclo da Terra
Cerimônia
Pagã
Corresponde
Hemisfério
Sul
Hemisfério
Norte
A Colheita
Amadurecimento
Lughnassadh
Missa do Pão
01 de
fevereiro
1 de agosto
Verão
Crescimento
Litha
São João
21 de
dezembro
21 de junho
Última
Colheita
Decomposição
Samhain
Finados
30 de abril
31 de
outubro
Fertilização
Fertilização
Beltane
Santo
Antonio
01 de
novembro
01 de maio
Germinação
Germinação
Imbolc
Candelária
01 de
agosto
01 de
fevereiro
Outono
Morte
Mabon
Ação de
Graças
21 de
março
21 de
setembro
Primavera
Nascimento
Ostara
Páscoa
21 de
setembro
21 de
março
Inverno
Renovação
Yule
Natal
21 junho
21 de
dezembro
Tabela 1
137
Jornadas xamânicas
As jornadas xamânicas são vivências que podem ser realizadas em centros
urbanos ou em locais mais afastados como sítios, pousadas ou reservas ecológicas. No
geral tem uma mesma estrutura: (1) o facilitador explica a dinâmica do encontro e sua
linha de atuação; (2) em seguida, os participantes se apresentam e falam da sua intenção
de estar no encontro. Cada integrante segura um bastão, que lhe garante a palavra.
Dependendo do tipo de jornada, são acrescentadas atividades, cuja frequência e duração
depende do tempo previsto para o encontro, variando de um fim de semana iniciando na
sexta à noite até o domingo depois do almoço, ou como no caso da busca da visão, pode
variar de 4, 7 ou 13 dias consecutivos.
Os programas também podem apresentar práticas de viagem xamânica,
confecção de teias de sonho, a invocação dos “Animais de Poder”, o conhecimento das
“ervas de poder” (ou ervas mágicas) e “ervas de cura” (ou ervas medicinais), “vivências”
rituais em grupo, dança, canto etc. As práticas nos cursos, consistem de exercícios em
grupo, basicamente corporais, e exercícios individuais. Nos encontros que participei, a
maior parte do tempo era dedicada à prática da viagem xamânica, quando todos os
participantes deitavam-se sobre o chão e, assim, ao som marcado de um tambor
percutido por Sthan, se propunha deixar a mente divagar e descer ao “mundo profundo”,
indo ao encontro dos animais, dos “totens internos”. Depois de cada viagem, os
participantes sentavam-se em círculo e trocavam impressões a respeito de suas
experiências. Sthan ouvia os relatos e complementava, dando algumas explicações. As
características atribuídas a esses Animais assumem assim, conforme a interpretação dos
praticantes, do processo de imaginação, significados específicos vinculados ao
momento da biografia do indivíduo em questão e também significados vinculados à
personalidade deste.
As jornadas xamânicas são constituidas por práticas corporais que incluem
relaxamento, danças, ensino e prática de técnicas de cura, autocura, massagem,
autoconhecimento, realizada em grupo, em pares ou isoladas (como no caso da busca da
visão); ritos envolvendo defumações, fogueira, confecção de lanças, flechas, máscaras,
pintura corporal etc; práticas específicas para obtenção do estado alterado de
consciência ou realização da viagem xamânica através da sauna sagrada, toque de
138
tambor e chocalho, relaxamento com indução e, em alguns casos, utilização ritual de
planta psicoativa (MAGNANI,1999).
As referências são sempre a ritos, mitos, lendas e práticas atribuídas de forma
geral aos “indios norte-americanos”, às vezes particularizados como este ou aquele
grupo - Cherokee, Hopi, Chyenne, Lakota etc. O objetivo é encontrar seu “animal de
poder”, “planta de poder”, “animal de cura”, “pedra de poder”, todos com intensão de
“resgate do poder pessoal” e ativação do “xamã interior” ou “curador interno”. As
jornadas de que participei seguiam a mesma sequência apresentada por Magnani (1999).
Na linha do grupo de Toni Paixão, um discurso de autenticidade, como Bull e Bill,
proprietários da Aldeia do Sol- Mendes/Rio de Janeiro, quando iniciam a tenda do suor
contando sua trajetória e o mito lakota de criação. Ambos são afilhados do ancião Turtle,
indio chyenne padrinho do Centro de Estudos Xamânicos do Rio de Janeiro ligado a
Native American Church-USA.
As viagens xamânicas
Da década de 1970, o neo xamanismo herdou a noção psicodélica de “viagem”
presente no movimento hippie, na contracultura em geral, e que era aplicada à
experiência alucinógena. Além da própria noção de “peregrinação mística” em si, o
universo Nova Era e por extensão, o neoxamanismo, apreendeu a categoria viagem e
suas práticas. Assim, os xamãs urbanos falam: “vamos fazer uma viagem” com um
sentido próximo daquele que os hippies e usuários de LSD dos anos 1970. Com
frequência, a noção de “viagem” como experiência interna, subjetiva, sobrepõe-se à
noção de “viagem” como deslocamento geográfico. “Viagem” refere-se à noção de uma
entrada para um espaço interior, para o interior do sujeito. A palavra “viagem” se torna,
assim, metafórica. A longa e difícil “viagem” do aprendiz “branco” até o deserto, ou até
a aldeia indígena, onde poderá aprender segredos iniciáticos com os xamãs, imagens
que como vimos fazem parte do cenário que se desenvolve nas obras de Castaneda e
Harner, em especial no sentido de “viagem iniciática”.
As viagens a “lugares sagrados”
O circuito também alimenta uma forma de turismo xamânico que é composto de
diversas atividades organizadas, por exemplo, no Peru, para que estrangeiros
139
experienciem “plantas do poder”. O turismo xamãnico inclui: centros que oferecem
atividades para turistas como curandeiros autônomos que disponibilizam seus serviços
para os mesmos; guias que conduzem os estrangeiros até centros ou os curandeiros
tradicionais e tours organizados por agências de viagens (algumas das quais possuem,
inclusive, representantes na Europa e nos Estados Unidos).
O turismo xamânico está interessado na busca da “cultura” do outro, no suposto
manancial de conhecimentos aborígenes que supõe “preservado” fora dos centros
urbanos. O esforço do turista xamânico pode ser maior do que o do consumidor das
práticas da Nova Era do neoxamanismo urbano, que envolve um deslocamento e
uma predisposição à eventual radicalidade da experiência. Ao mesmo tempo, o turismo
xamãnico está voltado para o desenvolvimento da sua própria consciência. uma
ambiguidade entre o desejo pelo tradicional e a opção por uma apropriação moderna da
tradição. Pode haver mesmo uma consciência acerca da natureza encenada dos rituais
especialmente produzidos para o turista. Não pretendo, com isso, afirmar que esses
rituais são mais ou menos autênticos, mesmo porque as atividades ritualísticas são
sempre dramatizadas para uma determinada audiência. Nesse sentido, o turista
xamânico é um bom representante da categoria híbrida moderno-tradicional e da tensão
inerente a este projeto de modernidade. Há, como nos demais casos, graduações e
variações internas nesta categoria. A tipologia apresentada aqui é fluida: uma mesma
pessoa pode ser um neoxamã e ao mesmo tempo estar envolvida com o turismo
xamãnico e assim por diante.
Os Centros xamânicos
Na região sudeste, uma rede neoxamânica de centros que prestam serviços
organizando cerimônias, cursos e atendimentos. Desses grupos socialmente organizados
e de articulação, escolhi os mais representativos, os quais, usando a nomenclatura de
Sthan, chamarei de Clãs. Apesar de estarem interligados no circuito neoxamânico, sua
característica mais marcante talvez seja a variação tanto na origem das linhas de
trabalho quanto nos campos de atuação. Por vezes, nos grandes encontros, atuam como
uma comunidade, ainda que variável e fluida.
140
Grupo Lua Cheia, Léo Artése
Léo Artese é formado em locução e radialismo. É professor de comunicação
verbal, especialista em marketing, consultor empresarial, terapeuta holístico,
acupunturista. Nos seus termos, começou sua “vida espiritual” aos 11 anos de idade,
tendo passado por várias linhas espiritualistas. Estudioso de xamanismo, foi iniciado
recebendo bênçãos para compartilhar ritos e cerimônias xamânicas nativo-americanas
(Chanumpá Inipi) e peruanas (Ayahuasca). É Presidente do Céu da Lua Cheia, núcleo
do Santo Daime ligado ao Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu
Serra (CEFLURIS) u do Mapíá Amazonas. É Coordenador do Grupo Lua Cheia,
que produz as Jornadas Xamânicas: Vôo da Águia”. Autor dos livros: O Vôo da Águia
e O Espírito Animal, ambos editados pela editora Roca. É proprietário do site
http://www.xamanismo.com.br/ e moderador do grupo de estudo virtual: Xamanismo
Universal. 15 anos conduz cerimônias, ritos e grupos de estudos de xamanismo no
país.
Instituto Paz Geia, Carminha Levy
O Instituto de Pesquisas Xamânicas PAZGEIA (1999) apresenta-se como
primeira escola de neoxamanismo do Brasil, oferecendo cursos de introdução ao
xamanismo, sendo filiado a Michael Harner, antropólogo, criador da Fundation for
Shamanic Studies (Fundação para Estudos Xamânicos) nos EUA. Através de seus
cursos, visa obter a integração da memória arcaica xamânica com temas científicos
modernos da Antropologia e Psicologia. Sua metodologia se desenvolve com estudos
detalhados de textos xamânicos de autores consagrados (Michael Harner, Mircea Eliade,
entre outros) e de teorias psicológicas (Erich Noimanm, Ken Wilber, psicologia
arquetípica, transpessoal, teoria Junguiana, entre outras). A esses estudos são aliadas
práticas xamânicas, que através de “Estados Alterados de Consciência Xamânica”
(EACX), sempre obtidos ao som das batidas do tambor, permitem ao estudante ter o seu
próprio contato com a memória ancestral xamânica. Sthan trabalhou na Paz Geia
durante dois anos ministrando curso de “cura nativa”. Tendo assumido o xamanismo até
na denominação, mas com a ressalva de que se trata de uma escola e um instituto de
pesquisa, o espaço coordenado por Carminha Levy, oferece curso regulares de formação
e transita por todas as tradições, ainda que tenha desenvolvido uma linha própria,
141
denominada de “xamanismo matricial”
33
, caracterizado pela ênfase no “resgate do
aspecto feminino” dessa prática.
Suas relações na rede internacional, inicia-se na amizade com Michael Harner, a
expoentes do xamanismo globalizado como Foster Perry, Nadia Stepanova, Rowland
Barkley. Suas novidades e suas contribuições advêm do que classifica como uma
“antiga tradição” consolidada, como a da xamã buriata Nadia Stepanova, e de um
discurso cientificista, como é o caso de Barkley, assim qualificado no folheto que
anunciava uma de suas vindas: “Xamã australiano com especialização em
reprogramação do CNA sutil, PNL, terapia Holográfica da linha do Tempo, Terapia do
Eu Superior”.
Filhos da Terra, Sthan Xanniã
Como vimos, Sthan se apresenta como mestre de cerimônia e homem-
medicina, terapeuta holístico e vibracional. Conheceu a cosmologia lakota quando viveu
com os Navajo nos Estados Unidos. Índio de nascimento, ele usa rezas e tradições
nativas brasileiras e norte-americanas. Vive em Cotia/SP, onde tem um centro chamado
Filhos da Terra. Lidera cerimônias de tenda do suor, busca da visão, plantas sagradas,
danças de cura e canções de poder. Ministra cursos de cura nativa. Atende e dá palestras
e workshops na região sudeste. Tem ligações com Haroldo do Fogo Sagrado. Sthan tem
como propósito resgatar a plenitude e bem-estar do corpo, coração, mente e espírito.
Native American Church e o Cento de Estudos Xamânicos do Rio de Janeiro, Tony
Paixão
A NAC, Native American Church teve início nos Estados Unidos no final do
século XIX. Sua origem está relacionada a uma série de fatores que incluíram a
existência de “cerimônias nativas antigas”, a introdução do cristianismo entre os
indígenas norte-americanos no século XIX e as pressões demográficas que colocaram
esses indígenas em contato com grupos mexicanos que consumiam o peyote
(Lophophora williamsii). No final do século 19, foram introduzidos elementos cristãos
nos rituais nativos de alguns povos indígenas das planícies do sul dos Estados Unidos e
33
O “xamanismo matricial” propõe-se a recuperar a “tradição do feminino”, que considera reprimida
durante milênios pelas instituições de tipo patriarcal (SCHWADE, 2001).
142
do norte do México, dando origem a um culto pan-indígena. A formação da NAC,
oficialmente incorporada em 1918, está vinculada a uma tentativa de “preservar e
proteger as práticas nativas”, inclusive contra a perseguição legal (JONES, 2005).
A NAC também é conhecida como peiotismo ou “religião do peyote”, numa
referência ao consumo desse cacto durante os seus rituais. Estima-se que o peiotismo
seja praticado por mais de 50 grupos indígenas, tendo cerca de 250.000 adeptos nos
Estados Unidos e no Canadá. também indícios de que as controvérsias relacionadas
ao uso do peyote provocaram amplas reações por parte de grupos indígenas,
contribuindo para que o consumo desta planta se tornasse um dos principais traços
diacríticos atuais da identidade dos indígenas desta região. Em 1994, uma emenda do
American Indian Religious Freedom Act (AIRFA), lei americana de 1978 que visa
proteger as práticas religiosas indígenas, tornou legal o consumo ritual do peyote nos
Estados Unidos, no entanto somente para pessoas que fazem parte de tribos indígenas
oficialmente reconhecidas pela Federação.
34
Carlos Sauer, Tony Paixão, Carlos, Lino Bull e Bill também foram adotados por
Nelson. Road Man Nelson Turtle faleceu em fevereiro de 2010, enquanto eu estava na
Aldeia do Sol. Sua filha Cristine ligou dos EUA, solicitando ajuda financeira para o
velório do pai.
Fogo Sagrado, Haroldo Evangelista Vargas
O nome oficial do Fogo Sagrado é Igreja Nativa Americana do Fogo Sagrado
de Itzachilatlan, numa referência ao vínculo reivindicado com a NAC (Native American
Church). O Fogo Sagrado foi oficializado no início da década de 1980 nos Estados
Unidos, por um mexicano, Aurélio Diáz Tekpankalli, atual líder espiritual e “chefe”
dessa rede. O grupo que parte de uma rede internacional reivindica uma ligação com a
Native American Church, realizando diferentes práticas inspiradas nos grupos indígenas
34
O American Indian Religious Freedom Act ou AIRFA é uma lei federal dos Estados Unidos aprovada
em 1978. Foi criado para proteger e preservar os direitos religiosos e práticas culturais dos grupos
indígenas norte-americanos, esquimós, aleuts e nativos havaianos. Esses direitos incluem o acesso a
locais sagrados, a liberdade de devoção através de direitos tradicionais e o uso e posse de objetos e
plantas considerados sagrados, tais como penas ou ossos de águia (espécie protegida nos Estados Unidos)
ou o peyote, que consiste numa parte integrante das cerimônias praticadas por membros de grupos como a
NAC. O AIRFA exigiu que todas as agências governamentais parassem de interferir no livre exercício das
práticas nativas (vide <http://en.wikipedia.org/wiki/American_Indian_Religious_Freedom_Act>, acesso
em: dez. 2009). Para ter acesso ao texto completo do AIRFA, ver: <http://www.nps.gov/history/local-
law/fhpl_IndianRelFreAct.pdf>.
143
norte-americanos, especialmente os Lakota. no Brasil, o grupo começou a organizar
suas atividades no final da década de 1990, dirigido pelo jovem médico e psiquiatra
Haroldo Evangelista Vargas. As principais cerimônias realizadas no contexto do grupo
são as rodas de shanupa, o temazcal, a busca da visão, a dança do sol e as cerimônias
de medicina. Esses ritos são considerados como “herança de nossos antepassados”, e
teriam sido mantidos através das gerações até chegar aos nossos dias (TEKPANKALLI,
1996 apud ROSE, 2010, p. 89).
Segundo Sthan, Haroldo foi influenciado pela avó na infância, quando começou
a praticar meditação e oração. Posteriormente, aproximou-se de práticas espirituais de
inspiração oriental, como as pregadas pelo guru indiano Bagawan Shree Rajneesh, mais
conhecido como Osho, cujos ensinamentos tiveram ampla disseminação e impacto no
Ocidente, influenciando principalmente o circuito Nova Era.
35
Mais tarde, quando
estava cursando a graduação em medicina na Universidade Federal de Santa Catarina,
Haroldo trancou o curso para viajar pela América Latina. Durante essa viagem, quando
estava no Chile, começou a participar de um grupo conhecido como Condor Blanco.
36
Foi conduzindo encontros e vivências no âmbito desse grupo que conheceu a
Tekpankalli. Posteriormente, desvinculou-se do Condor Blanco e passou a viajar para a
América do Sul para participar de rituais do Fogo Sagrado. Ao concluir suas viagens,
Haroldo retornou ao Brasil, onde começou a organizar as atividades do Fogo Sagrado,
35
Osho, que nasceu em 1931, foi um místico indiano que assumiu o papel “professor
espiritual” e obteve inúmeros seguidores internacionais. Seus ensinamentos sincréticos
enfatizam a importância de qualidades como a meditação, consciência, amor, celebração,
criatividade e humor. Sua popularidade cresceu marcadamente depois de sua morte. Ele
também é conhecido pelas controvérsias que gerou, sendo apelidado por alguns como
“guru do sexo” devido à sua atitude aberta em relação à sexualidade e criticado por
muitos devido ao fato de possuir uma grande coleção de carros Rolls-Royce. Chegou a
ser deportado dos Estados Unidos antes de formar seu ashram em Pune, Índia, o
atualmente famoso Osho International Meditation Resort (ver:
<http://en.wikipedia.org/wiki/Osho_(Bhagwan_Shree_Rajneesh, acesso em dezembro
de 2009).
36
Segundo o site do grupo: “Cóndor Blanco es una organización internacional, cuya
sede principal está en Chile, en la Región de la Araucania. Cóndor Blanco es reconocida
mundialmente por crear Líderes de todo el mundo a través de un proceso de crecimiento
personal, desarrollo humano e integración con la naturaleza. La organización cuenta con
representantes en los siguientes países: Argentina, Brasil, Perú, Colombia, Venezuela,
México, Francia, España y Estados Unidos. Misión y Visión: Formar seres Integrales”
Disponível em: <http://www.condorblanco.com/montanha.html>., acesso em: nov.
2009.
144
tendo estabelecido a sede do grupo na fazenda de Segualquia, na região das serras
catarinenses.
Taba da Águia, Yatamalo
Marise Dantas, conhecida como Yatamalo, trabalha com “terapias xamânicas”.
Com formação em psicologia, utiliza as técnicas conhecidas e reconhecidas pela
profissão, tais como as técnicas de entrevista, ou técnicas reichianas, ou a livre-
associação de ideias, entre outras técnicas, associadas às “técnicas xamânicas”. Sua
Mestra é Carminha Levy, do Instituto Paz Geia. Yatamalo conta que alguns anos,
quando retornou para João Pessoa, o Conselho de Psicologia foi ao seu consultório e
exigiu que ele tivesse um local isolado para atendimento e um divã. Para renovar sua
carteira, montou o “cenário” exigido pelo Conselho e foi conversar diretamente com o
presidente. Conta que nunca mais teve problemas.
Relações na rede de apadrinhamento: “a rede de poder”
As recorrências na uniformidade de procedimentos entre todos os atores citados
e suas respectivas organizações vão depender da linha de estudo que desenvolve e do
nível de flexibilidade do terapeuta, que por sua vez vai determinar o seu fluxo de
movimento na rede.
Os centros são espaços físicos e estruturados servindo como ponto de encontro
para um grupo ou comunidade que usando a nomenclatura do xamanismo chamo de clã.
Para limitar o campo empírico, privilegiei os centros com maior representatividade em
número de citações dos entrevistados como: O Clã Águia Dourada, o Céu de Lua Cheia,
a Paz Géia, o Fogo Sagrado, o Centro de Estudos Xamânicos do Rio de Janeiro e a Taba
de Águia (Águia prateada), além de alguns grupos informais. Esses centros foram
escolhidos por desenvolverem trabalhos com um maior número de pessoas, tendo como
enfoque práticas terapêuticas de “medicina nativa”, sites com um número considerável
de informação, tempo de atuação e articulação. São partes da grande rede social para
exame analítico. Também foram as mesmas instituições que forneceram referências e
nomes de pessoas envolvidas no universo neoxamânico, nas quais se basearam os
contatos com os integrantes que foram compondo o circuito apresentado por mim.
145
O circuito neoxamânico estudado durante a pesquisa visa à mobilização de
recursos, materiais e simbólicos. É uma rede que se fundamenta nos princípios e
práticas e referência de grupos indígenas, que estão representados em noções associadas
como a “antiguidade”, a “ancestralidade” e a “origem”. É um dos principais
mecanismos acionados para construir a retórica da legitimidade do grupo.
Os atores considerados na pesquisa foram indicados a partir do elenco de
pessoas que têm algum envolvimento nos encontros. Uma parte deles se encontra
vinculado a um centro, enquanto outros transitam fluidamente na rede. Sua atuação vai
de simpatizantes ou usuários, os promotores, aprendizes, mestres e iniciadores.
Na análise da estrutura e dinâmica das redes, levou-se em conta o pertencimento
de cada indivíduo. Embora alguns tenham duplo pertencimento, foi privilegiado aquele
por meio do qual os indivíduos se inserem e são reconhecidos no ambiente social das
redes.
Os elos da rede foram desenhados a partir da indicação, por cada entrevistado,
de nomes de pessoas com as quais mantinham contato em função de sua frequência nos
encontros, objetivo na participação, as relações profissionais e de amizade, desde que
essas fossem reconhecidas pelos centros (entrevistas informais, fotos em sites, lista de
bate-papo na internet).
No processo metodológico da pesquisa, foram estabelecidos dois caminhos que
juntos contribuíram para o estudo dos atores envolvidos no universo empírico. O
primeiro, através da categoria de campo social, considerando a partir das trajetórias
pessoais atributos, movimentação e discurso dos atores. O outro caminho buscou uma
visão relacional desses atores a partir da análise de redes. Isso significa pensar as
pessoas, além do que elas são, em termos de estruturas sociais, considerando que através
das relações e das situações criadas a partir desses intercâmbios, elas se posicionam com
mais flexibilidade na vida social de forma local, regional e internacional.
Os centros de encontro do xamanismo urbano em geral designam um tipo de ação
coletiva orientada para a “mudança” (cura), em que um grupo de pessoas ou clã é
dirigido, de modo hierárquico, por um xamã urbano. Uma das ideias que fundamentam
a cosmologia desses clãs é a de que todos são “indígenas”, porque todos são “filhos da
146
terra”. Assim, seríamos os “descendentes originais dessa terra nativa”, sendo que nossa
origem e ascendência estariam na “memória milenar” da terra e do universo. O
propósito de estarmos aqui seria recordar a “verdade original”, a memória e os
conhecimentos mais antigos, que estariam ligados à relação com a Mãe Terra. Dessa
maneira, a “missão” é unir todas as pessoas diante do mesmo Fogo Sagrado, para que
seja possível regressar ao “ensinamento puro”, à “essência do conhecimento dos nossos
antepassados” (TEKPANKALLI, 1996). Acredita-se também que estamos todos
relacionados, que todos temos uma mesma origem e um mesmo fim (TEKPANKALLI,
2007).
A noção de rede é também utilizada pelo xamanismo urbano para representar-
se, usando a metáfora da teia da aranha. Conforme um mito hopi: “tudo está ligado a
tudo”. Nas palavras de Gramacho & Gramacho (2002):
Na rede universal, todas as coisas estão inter-relacionadas. Cada coisa faz parte do Todo, e
podemos entender cada uma em si quando conseguimos compreender a forma como ela
se conecta com as demais partes deste Uno. O arquétipo destes ensinamentos é a Avó
Aranha. Observe: quando ela tece a sua teia nos lembra que o Universo é uma rede onde
tudo está inter-relacionado. Na teia da Avó Aranha estão os ensinamentos sobre nosso
passado, presente e futuro. Por meio de seus círculos, pontos e fios invisíveis aprendemos
que as relações não clareadas devidamente no passado não conseguem fluir no presente e
comprometem nosso crescimento visando o futuro.
Outra ideia importante é a de que as práticas rituais estariam presentes em
diversas ou mesmo em todas as culturas indígenas da América. Dessa maneira,
apesar de serem realizados de diferentes formas, eles teriam uma essência” comum,
associada a uma “Tradição Indígena da América”. Percorrer esta viagem em diversas
direções e somar, multiplicar e “ecletizar”, é o elemento axial do processo de iniciação
do xamã da Nova Era. A noção fundamental aqui é a de soma. Somando-se os diferentes,
obtém-se uma nova totalidade que seria mais “elucidativa”. E conhecer não se limita
somente a ler a respeito. É necessário “vivenciar”, experimentar, passar por cnicas
corporais. Para tanto, acontecem eventos, oficinas, workshops, rodas de sabedoria,
compartilhadas por outros interessados. Nesse sentido, para o xamã urbano, raramente a
iniciação é um processo pessoal, de mestre a discípulo.
Em geral, trata-se de um processo que envolve um grupo, ou grupos distintos,
formados por indivíduos caminhantes, que erram entre uma e outra província de
147
significado (AMARAL, 1998). Trata-se de uma rede onde o maior número possível de
malhas deve ser percorrido e explorado.
Magnani (1999) ressalta que o xamanismo urbano é um circuito derivado do
circuito Nova Era. E que não se trata de mais um modismo nesse eclético caldeirão: no
contexto altamente cosmopolita e globalizado no universo neo-esotérico em que está
inserido, representa uma importante vertente de tal fenômeno. Apesar do ecletismo de
cada um dos arranjos, resultado das leituras e experiências individuais de seus mentores,
é possível distinguir a presença de uma matriz básica, subjacente às principais
modalidades descritas e a algumas de suas derivações. Segundo Magnani (ibidem), o
xamanismo urbano acompanha a mesma matriz do movimento neo-esotérico, esta
matriz dando um suporte discursivo mais geral ao próprio universo do neo-esoterismo.
Nesse contexto, uma tríade organiza as diferentes versões dos discursos neo-esoterismo:
totalidade, comunidade, indivíduo. No polo da totalidade, o que aparece com mais
frequência nas propostas xamânicas é a Natureza e suas variantes como a Mãe Terra, o
Planeta, o que está em consonância com a perspectiva imanentista corrente do universo
Nova Era, segundo a qual a ideia de um deus pessoal é subsistituida por uma noção
abrangente divinizada da própria natureza.
O polo da comunidade é ocupado de várias formas: em primeiro lugar pelas
próprias populações indígenas, às vezes como uma vaga referência, mas também de
forma “realista”, por meio da presença de algum de seus membros nos encontros e
sessões do neoxamanismo, o que é sentido como uma garantia de “autenticidade” para
essas reuniões. Em segundo lugar, aparace em virtude da trajetória dos facilitadores das
sessões que passaram por algum processo de iniciação conduzido por um xamã de
determinada linha e que eles consideram seu mestre, garantindo a legitimidade da
“linhagem”. E, por último, o outro tipo de comunidade nesse vértice do triângulo é
construído pelos próprios participantes dos encontros, membros de uma comunidade
que se dissolve ao término de cada encontro, podendo ou não voltar a reunir-se, no todo
ou em parte, no próximo evento. Neste sentido, corresponde à ideia de comunidade que
caracteriza a dinâmica do circuito neo-esotérico em geral: efêmera, transitória, aberta.
O polo do indivíduo é apontado, dentro dos estudos voltados para o fenômeno
Nova Era, da espiritualidade contemporânea e das práticas alternativas, como aquela
dimensão em que a modernidade deixou suas marcas sob as formas da “psicologização”,
148
“reflexividade”, “autonomia pessoal”. É especialmente enfatizado nos círculos do
xamanismo urbano. Como foi mostrado, a capacidade xamânica é tributo de cada um:
os ritos, as técnicas e os exercícios desenvolvidos nas diferentes linhas são considerados
meios suficientes e capazes de modificar a direção dos fluxos internos, de transmutar o
peso de eventos pessoais traumáticos, de redirecionar pulsões negativas, de atingir os
recônditos da subjetividade.
Clãs
Na leitura geral da rede, os clãs podem representar uma instituição, um subgrupo
específico e mesmo identificar a movimentação em torno de um determinado problema.
Foram considerados os clãs e os subgrupos ligados a Sthan e os de maior articulação.
Apresentamos neste capítulo os cinco clãs de maior representatividade e articulação
na rede, três deles visitados por mim. Considerei a identificação da ABRAX (de que falo
mais adiante) de 64 condutores nacionais e internacionais de práticas xamânicas, nas
regiões Sudeste, Centro-oeste, Nordeste e Sul do Brasil, todas com pelo menos um xamã
urbano.
É interessante ressaltar aqui a ausência da identificação pela instituição de xamãs
urbanos na região Norte do paíis. No entanto, observando o desenho da rede e
confrontando-o com os dados qualitativos da pesquisa, percebe-se claramente a existência
de quatros grandes subgrupos de densidade: (1) um formado pelos membros do Centro de
estudos de Xamanismo do Rio de Janeiro ligado a Native American Church; (2) um outro
ligado o CEFLURIS, o Céu de Lua Cheia e o Daime; (3) Fogo Sagrado ligado e a (4) Paz.
Isso significa que, através das medidas e da observação da rede traçada, foi possível
verificar os discursos e movimentação dos atores, fazendo da rede mais do que somente
um aglomerado de pessoas, mas também um norteador para a sacões dos sujeitos que por
ela se movimentam.
149
Entre os 64 condutores encontrados em entrevistas e sites, cinco centros foram
denominados clãs, por serem liderados por um xamã urbano identificado na pesquisa de
grande atuação no campo social. A importância disso está em identificar essas pessoas
como as principais responsáveis por estabelecerem relações e facilitarem as trocas de
informação entre seu campo e os demais, alinhavando uma rede composta de pessoas de
origens e pertencimentos tão diferentes, em que alguns atores desempenham, por algum
tempo, o papel de ponte, fazendo com que a informação circule pelo ambiente total da rede
em movimentação constantemente. No mapa abaixo, observa-se fluxo e contra-fluxo
latino americano que pesquisei:
A Centralidade dos atores
A centralidade de um ator significa identificar a posição em que ele se encontra em
relação às trocas e à comunicação na rede. Embora não se trate de uma posição fixa,
hierarquicamente determinada, a centralidade em uma rede traz consigo a ideia de poder.
Quanto mais central é um indivíduo, mais bem posicionado ele está em relação às trocas e
à comunicação, o que aumenta seu poder na rede.
150
A centralidade é, então, a posição de um indivíduo em relação aos outros,
considerando-se como medida a quantidade de elos que se colocam entre eles. O fato de os
indivíduos com mais contatos diretos em uma rede não serem necessariamente aqueles que
ocupam as posições mais centrais pode ser explicado através do conceito de abertura
estrutural. Um indivíduo com poucas relações diretas pode estar muito bem posicionado
em uma rede por meio da utilização estratégica de suas aberturas estruturais.
A ideia da utilização de aberturas estruturais baseia-se na otimização das relações e
maximização dos contatos, o que interfere diretamente na centralidade de um indivíduo no
ambiente das redes.
Tomando o exemplo das relações Clã Águia Dourada, no recorte aqui apresentado
formado pelos grupos A, B e C, todos se comunicam entre si. Tem-se, nesse grupo, uma
quantidade x de informação nova. Supõe-se agora que (A) Sthan não se comunique
atualmente com (B) Carminha Levy , mas mantém contato com (C) Léo Artése e com um
outro ator, Haroldo (D), pertencente ao Fogo Sagrado que não mantém contato direto com
os outros integrantes. Nesse caso, a quantidade de novidade cresce consideravelmente,
porque foi eliminado um elemento de redundância (B) e acrescentado um elo de fora (D).
Segundo Sthan, suas relações com o Fogo Sagrado são políticas, pois enquanto Igreja esta
tem a autorização do consumo do peyote e outras “bebidas sagradas”. O Fogo Sagrado,
segundo ele, é muito organizado politicamente e faz um importante trabalho de identidade
dos jovens índios guaranis. Este ano, Sthan participou da Sun Dance oferecida por Haroldo.
Nesse caso, além da troca de saberes, Haroldo atua na rede como Iniciador. Tarumã, que
faz tenda do Suor em Parnamirim RN, foi iniciado por ele.
Como em uma rede social os indivíduos não obtêm informação apenas dos seus
contatos diretos, pude observar, pelas informações colhidas em campo, que, com a mesma
quantidade de contatos, como é o caso de Sthan que recebe um número maior de
informação porque ele otimiza seus contatos. Em termos práticos, a informação que vinha
de (B) era redundante. Ao estabelecer contato com outro ator (D), (A) não perde as
informações de (B), que vêm através do seu contato com (C) e ainda abre caminho para
informações vindas de outros ambientes (D).
151
Observei também xamãs urbanos com atuação isolada na rede, como é o caso de
Ubiratam, de Ceará Mirim/RN, e Vidal Ayala, de Ollantaytambo/Peru. Eles mantêm um
caderno com anotações de antigos clientes com atendimentos entre 2000 e 2010. Em uma
média de 723 depoimentos com uma frequência decrescente de atendimentos cada vez
mais espaçados nos últimos dois anos. Recebem informações através de visitas esporádicas
de amigos de amigos da rede, limitando sua atuação. Neste cenário, podemos dizer que
quanto mais se permite ser modelado pela rede, maior pode ser o poder de atuação. A esse
espaço dos "não contatos" chamamos abertura estrutural ou "ausência de relação entre
atores em uma rede (o elemento crucial da estrutura da rede)" (EMIRBAYER;
GOODWIN,1994, p. 14-49). Esse conceito recupera, de alguma forma, a valorização dos
elos fracos: "Os elos fracos são pertinentes para compreender os atores sociais, que não
seriam descritos em função de seus elos fortes" (GRANOVETTER, 1973, p. 1360-1380).
Para os objetivos da pesquisa, foram estudadas três modalidades de posicionamento
da rede: centralidade do conhecimento (Clãs), da intermediação (mestres e iniciadores) e
de proximidade (patrocinadores e simpatizantes). Apesar de ser pensada aqui a
centralidade, seu contrário, ou seja, a posição periférica, também tem seu papel na
dinâmica das redes sociais. É também através da periferia que uma rede pode se abrir para
novas informações, para a comunicação com ambientes externos.
Mestres e iniciadores: centralidade do conhecimento
Um ator é central em relação à informação, quando, por seu posicionamento, recebe
informações vindas da maior parte do ambiente da rede, o que o torna, entre outras coisas,
uma fonte estratégica. Na rede do xamanismo urbano pesquisada, os atores com maior
centralidade da informação são aqueles que, nos diferentes campos junto a ABRAX, mais
se destacam na interação com xamãs da aldeia; tem maior número de integrantes em seu
clã, xamãs urbanos de sua rede parcial onde atua, seja no papel mestre ou iniciador, seja no
de articuladores do universo do xamanismo urbano. Sua posição estratégica é devidamente
reconhecida pelos demais participantes da rede. O alto índice de centralidade da
informação faz com que esses atores tornem-se referências dentro do xamanismo urbano a
nível local, regional e internacional, cada um desempenhando sua função. Seja à frente de
152
um clã, como mestre, na organização de eventos, ou como xamãs híbridos, circulando e
participando de eventos a nível global, essas pessoas aumentam a movimentação, a
comunicação e a capacidade de mobilização da rede.
Xamãs híbridos: centralidade da proximidade
Em relação à proximidade, um ator é tão mais central quanto menor o caminho que
ele precisa percorrer para alcançar os outros elos da rede. Isso mede, em última análise, a
sua independência em relação ao controle de outros. Destaca-se como exemplo, na rede
social traçada aqui, nessa categoria, Rowland Barkley, australiano que emergiu, em função
da inovação no tipo de informação, “mudança de frequência do DNA Sutil” que chama a
atenção de toda a rede. Isso significa que ela caminhou da periferia em direção ao centro,
conseguindo alcançar com certa facilidade os demais elos. A informação circulou por todo
o ambiente da rede, aumentando e atualizando a informação a nível global. Roland estuda
os arquétipos do candomblé, levando esses ensinamentos para a rede internacional.
Embora em posições diferenciadas, os atores que têm destaque em relação à
centralidade de proximidade são basicamente os mesmos que os dados mostraram serem
centrais no caso da informação. apenas uma variação no campo de atuação. Tony
Paixão faz visitas constantes à Espanha e circula por diversas cidades da Europa, sua
posição, se aproximando, dessa forma, do xamã híbrido. Portanto, vem ressaltar o papel de
mediação e apoio desempenhado pelas redes, o que faz com que alguns de seus membros
circulem por diversas áreas, estabelecendo contatos estratégicos que podem ser ampliados
quando neoxamãs deixam suas redes locais para atuarem na rede internacional.
Os intermediadores: “patrocinadores” e simpatizantes
A posição de intermediários está ligada à frequência de atuação de um ator como
"ponte", facilitando o fluxo de informação do circuito neoxamânico. Um sujeito pode não
ter muitos contatos, estabelecer elos fracos, mas ter uma importância fundamental na
mediação das trocas. O papel de mediador traz em si a marca do poder de controlar as
informações que cirvulam na rede e o trajeto que elas podem percorrer. Em primeiro lugar
porque essa posição de intermediário se deve a uma capacidade de aperfeiçoar os contatos,
agindo de forma estratégica. Em segundo lugar, porque o papel de mediação implica um
exercício de poder, de controle e filtro das informações que circulam na rede.
153
Através de listas de bate-papo, blogs, emails e rede local de amizades, eles podem
atuar como divulgadores da informação. Na análise dos dados, o destaque é para a variação
desse papel. Em um momento, um ator pode ser intermediário em sua rede local
patrocinando a chegada de outros atores que trazem novas informações, e num segundo
momento, este mesmo ator troca de posição com o primeiro ou de região. O papel de
mediação se deve, muito provavelmente, a densidade de suas relações na rede. Abaixo a
trajetória do Sthan, a trajetória da pesquisa e o fluxo e contrafluxo transnacional:
A ABRAX (Associação Brasileira da Xamanismo)
O Primeiro Encontro de Xamanismo Universal realizado em 13 a 20 de março
de 2005 foi o maior realizado em nosso país. E talvez tenha sido um momento ápice
na articulação de todos os centros e posições das redes que conformam o circuito
neoxamânico. A fundação da ABRAX teve como objetivo contribuir para a revitalização
das práticas xamânicas, por séculos desprezadas, ao mesmo tempo em que reflete o
interesse crescente pelo dos temas em torno do Xamanismo em nossa sociedade. Face a
nossa responsabilidade com aqueles que procuram o equilíbrio através das práticas
xamânicas, promove a união e conscientização dos praticantes do Xamanismo.
Respeitando a diversidade das linhas espirituais, espera aprender uns com os outros,
contribuindo assim para o alargamento de novos horizontes. As atividades desse
encontro variavam em ritos, cerimônias, mesas redondas, conferências especiais,
debates, vivências, oficinas, exposições de painéis, vídeos, pinturas e fotos. A Comissão
Organizadora foi composta por: Léo Artése, Clêudio Bueno, Cyro Leão, Sthan Xanniã,
Carminha Levy, Armando Austregésilo. Contou com a Consultoria de Beatriz Labate e
realização de Léo Artése e da Associação Lua Cheia. A realização ficou a cargo da PAX
37
com o apoio da Associação Lua Cheia, PAX,Filhos da Terra,Paz Geia.
37
Participantes por ordem alfabética:Alice Kyomi Tachibana - Ana Vitória Vieira Monteiro - Ana Paz -
Aristóteles Barcelos Neto - Armando Austregésilo - Bia Labate - Carminha Levy - Clarice Mota - Claudio
Crow Quintino - Celso Fortes - Cesar Sartorelli - Cidão de Xan- Clêudio Bueno - Cyro Leãoo - César
Cruz - Daniel Mundurucu - Débora Gabrich - Eliane Potiguara - Edvaldo Oliveira da Cruz - Elza Carolina
Piacentini - Eveli Przepiorka - Fabiano Yawabone (Kaxinawa) - Gabriela Hess- Héctor Othón - Sthan
Barbosa - José Guilherme Magnani - Karen Rupanco - Léo Artése - Leopardo Kaxinawa - Liana
Utinguassú - Lucia Gentil - Luis Pereira - Maly Caran - Marcos Reis - Maria Luiza Rezende - Marise
Dantas - Yatamalo - nica Von ss - Nelson Neraniel - Ni-Hí - Otávio Leal - Dr. Paulo Urban -
Patricia Fox - Renato Stuztman - Rogério Bari Meri - Rogério Favilla - Rowland Barkley - Sasha
Dreamworker - Sergio Frug - Silvia Brezzi - Sthan Xanniã - Tânia Gori- Cacique Timóteo Verá Popygua -
154
Segundo ABRAX, o público contou com estudiosos, condutores e praticantes de
xamanismo do Estado de São Paulo, terapeutas holísticos, profissionais da área de
saúde, espiritualistas de diversas linhas, estudantes de ensino médio e interessados em
geral. O encontro também tinha como objetivos:
a) Divulgar as práticas xamânicas, relacionando-as ao contexto contemporâneo;
b) Possibilitar o contato e a união entre os condutores de xamanismo;
c) Avaliar e refletir sobre a expansão do interesse pelo xamanismo no Brasil e suas
consequências;
d) Propor um Código de Ética sobre o exercício das práticas xamânicas: “De que
forma as práticas podem contribuir para indivíduos, empresas e comunidades?
Como avaliar a legitimidade das múltiplas atividades atualmente oferecidas?”
e) Divulgar os espaços de xamanismo, o perfil de seus líderes, o calendário de
atividades e os produtos que oferecem.
f) Criar o “Dia do Xamanismo Universal”, para que sejam promovidos encontros
anuais;
g) Celebrar o Equinócio de Outono 2005 e o Ano Novo Astrológico.
Gláucia Buratto Rodrigues de Mello, antropóloga carioca e pesquisadora da
FAPERJ, comenta sobre o Primeiro Encontro Brasileiro de Xamanismo: O I Encontro
Brasileiro de Xamanismo aconteceu do 13 ao 20 de março de 2009, em São Paulo.
Foram oito dias intensos de atividades programadas que incluíram palestras, vivências e
oficinas, por uma troca de experiências e saberes, versando sobre o xamanismo e
conhecimentos afins. No final do evento, foi oficialmente fundada a Associação
Brasileira de Xamanismo, com a nomeação de Léo Artése para a presidência.
Participaram do encontro lideranças e pajés indígenas, como Timóteo Verá Popgyua
(Guarani), Ni-í (Katukina), Wiannã (Kariri xocó) e Leopardo Yawabanê (Kaxinawá),
entre outros; xamãs urbanos e terapeutas alternativos diversos, como Léo Artése, Sthan
Xanniã, Carminha Lévy, Cyro Leão, Clêudio Bueno, Vera Tanka, Tony Paixão, Tatiana
Menkaiká, Zilda Carvalho, Yatamalo, entre outros.
Tony Paixão - TCHYDJO (Kariri Xocó) - Vânia de Lara Crelier - Vera Fróes - Vera Tanka - Wagner
Nazareth - Walter Dias Jr. - Dr. Wilson Gonzaga - Wyannã (Kariri Xocó) - Zilda Carvalho
155
O evento contou também com a presença de antropólogos, como Bia Labate,
José Guilherme Magnani, Leila Amaral, Renato Sztutman, entre outros; pesquisadores e
interessados diversos no campo do xamanismo. Na organização do encontro, o universo
neoxamâmico pode ser grandemente iluminado em suas múltiplas expressões: pajelança
indígena; xamanismo mongol, siberiano, celta, crístico, alquímico, dos chakras e
tântrico; práticas espirituais dos índios norte-americanos (busca da visão, animais
totêmicos e de poder, sauna sagrada); uso de substâncias psicoativas (jurema,
ayahuasca, kambô, peyote, ervas medicinais); o papel do feminino, calendário sagrado,
relações entre xamanismo e psiquiatria, continuidades e descontinuidades entre o
xamanismo e o neoxamanismo, além de danças, cantos e vivências, círculo de mulheres,
Toques de Tambores, rodas de cura e cerimônias da entrada do equinócio de outono e do
Cachimbo Sagrado.
Segue abaixo o comentário de Beatriz Labate
38
a respeito do evento em texto
escrito para o site Comunidade Virtual de Antropologia, gentilmente cedido pela autora
para o blog Alto das Estrelas:
O evento teria sido perfeito, ao meu ver, se tivesse incluído, na sua extensa pauta, espaço,
palestrantes e articuladores com foco político sobre as reivindicações, problemas da saúde, das
terras e das várias tensões que afligem e vitimam desde sempre os povos indígenas. Da mesma
forma, seria interessante uma maior articulação entre os antropólogos e as lideranças indígenas,
por um esforço mais efetivo de encontrarem juntos uma linguagem comum para as articulações
necessárias, o que contribuiria também para melhor iluminar as demandas de um e as funções de
outro diante da sociedade moderna, sob a bandeira comum da humanidade. Mas, este foi apenas
o primeiro encontro. Torçamos e contribuamos para que outros venham, para que o encontro
tenha regularidade anual, para que o movimento ganhe força e visibilidade e para que este amplo
e fecundo universo seja melhor conhecido, na sua lógica e coerência internas, na sua
potencialidade sagrada e na sua efetiva realidade sociocultural. Que a experiência do primeiro
encontro permita ajustes para que os próximos sejam cada vez melhores. Rio de Janeiro,
mar/abr/2005.
O enfoque está na organização e no papel dos atores que conduzem os clãs e
orientam o direcionamento da rede. Segundo Sthan, que atuou na coordenação do encontro,
a atuação da ABRAX foi limitada pelo direcionamento disperso dos seus integrantes. O
objetivo maior era o de legitimar as práticas do xamanismo urbano e institucionalizar o
movimento. As dificuldades de organizar uma coletividade de pessoas de modo não
hierárquico, com redes locais egocêntricas contribuíram para essa dificuldade.
38
Vide <http://www.antropologia.com.br>.
156
O fenômeno do xamanismo urbano articula práticas políticas das ações
localizadas, de redes em movimento na busca de metodologias que permitam entendê-
las. Trata-se também de perceber as interconexões entre o local (regional) e o global
(transnacional), através do qual ainda persistem noções rousseaunianas de que os
“verdadeiros povos” indígenas são totalmente adaptados ao seu meio e vivem em
perfeita harmonia com a natureza. Nessa visão idílica, se os índios da aldeia começam a
vestir roupas, usar relógios, dirigir carros, utilizar câmaras de vídeos e beber Coca-Cola,
foram contaminados, aculturados e deixam de ter o que nos dizer.
É importante ressaltar que o desenho das redes sociais desse estudo representa um
recorte empírico, ou seja, situa-se em um espaço e tempo definidos. O espaço, neste caso, é
constituído pelas regiões Sudeste, Sul e Nordeste e suas ligações internacionais e o período,
os anos de 2007 e 2010. A rede, no entanto, continua a se movimentar, a fazer novos
contatos, fortalecer elos ou enfraquecer laços. A leitura da rede se deu, especialmente, a
partir do campo de pertencimento das pessoas: clãs, amizades e frequência dos encontros.
É apenas um recorte, um fragmento que, como toda rede, tem um alto grau de mutabilidade.
Seus integrantes estão também em contato com outras redes e espaços sociais.
Considerações finais
Para concluir este trabalho, pretendo retomar e sintetizar os principais símbolos
e significados entre atores, pensamentos, metáforas, práticas, ritos e estéticas que
circulam no âmbito circuito neoxamânico. Dessa maneira, busco explicitar que o
trânsito desses símbolos e significados ocorre em muitas vias; que os intercâmbios e
apropriações que têm lugar nessa rede dão-se em vários níveis e lugares; e que os
diálogos entre os diferentes atores que fazem parte desse circuito são multidirecionais.
O universo do xamanismo urbano tem como base a ideia de que todas as
tradições indígenas têm uma mesma “essência” e a consequente “busca” por uma
espiritualidade pan-indígena universal. Fundamenta-se também na concepção das
plantas como “medicinas” e como detentoras de uma “sabedoria ancestral”, vinda dos
“antepassados”; na inspiração na Native American Church e nos grupos indígenas norte-
americanos que consomem o peyote, que marca grande parte do simbolismo ritual dos
157
grupos; e ainda na ancestralidade, alteridade radical e “indianidade” dentro de um
discurso Nova Era.
Não posso deixar de lembrar a importância dos veículos modernos de
comunicação visual de massa o cinema e a televisão como produtores poderosos de
imagens do Índio, assimiladas pelos espectadores. O cinema, como espetáculo, foi
introduzido no Brasil quase um século, e sua repetidora, a televisão, a pouco menos
de meio século. O Apache, o Comanche, o Sioux, pintados para a guerra, montados em
cavalos ligeiros, portando rifles de repetição e cocares compridos e trajando roupas de
peles franjadas, habitando tipis de pele de búfalo, fumando o cachimbo da paz com os
soldados da cavalaria do general Custer que os trairiam, são figurações cinematográficas
por demais presentes no imaginário popular brasileiro.
Minha hipótese quanto a isto é a de que certa representação existente
séculos do Índio nos Estados Unidos foi “forte” o suficiente, em termos imagéticos,
para destacar-se sobre qualquer outra representação nativa. Ou seja, o Índio norte-
americano, e também sua imagem construída pelo cinema e pela televisão, é mais
representativa nos Estados Unidos do que a imagem de outros grupos étnicos xamânicos.
E esta imagem norte-americana foi exportada, tornou-se transnacional à medida que o
neoxamanismo difundiu-se por outros países.
O Índio, antes massacrado, transfigura-se no hierofante de uma nova revolução
planetária, revela-se como o bom selvagem de Rousseau, que é não apenas bom, mas
também sábio, e que, visto assim, passa a inspirar uma nova ordem cosmológica,
proposta pelos xamãs urbanos, estes modernos tradutores e críticos.
É lícito supor, portanto, que a revalorização da questão indígena é fator de
avanço e tem a ver com uma postura autocrítica frente à nossa própria sociedade, que
não parece tão avançada para um monte de insatisfeitos que anseiam também por novos
ou velhos horizontes utópicos. A sociedade contemporânea recria os índios como um
novo valor, que precisa da existência de índios reais, sobreviventes da colonização,
como testemunhas vivas dele próprio.
Como vimos, as referências dos atores sobre quem seriam seus pais fundadores
sempre caem sobre nomes norte-americanos, tais como Michael Harner, Carlos
Castaneda, Joan Halifax, Jamie Sams e outros. Apesar de Harner ter descrito bastante
em suas obras o xamanismo dos Índios sul-americanos, os Jívaro em especial, a estética
dos xamãs urbanos foi, aos poucos, sendo construída predominantemente a partir dos
158
hábitos, dos rituais e das cosmologias dos Índios das planícies norte-americanos:
Navajo, Lakota, Hopis e outros grupos do Hemisfério Norte.
Há, na interpretação dos xamãs urbanos, a noção de uma universalidade a ser
recuperada esta também procurada pelos psicólogos junguianos e pelos terapeutas da
Nova Era. Busca-se uma universalidade constituída por arquétipos elementos que
possibilitariam, justamente, que se fizesse qualquer tradução. O que é traduzido de uma
linguagem para outra, de uma cosmologia para a outra, supõe-se, seria o mesmo,
revestido sob outras roupagens, no caso, étnicas, indígenas.
Assim, penso que o recorte dos xamãs-urbanos e das suas práticas de tradução
revela-se em sintonia com um processo mais amplo das sociedades moderno-ocidentais.
Um exemplo disso é a Cerimônia de Medicina, na qual vemos combinada uma profusão
de elementos que apelam para a dimensão sensorial: tambores, cantos, aromas, as
plantas consideradas sagradas que produzem modificações no estado de consciência, os
longos discursos expressos nas rezas, fumaça, silêncio... Todos os elementos presentes
nesta cerimônia, incluindo a meticulosa atenção aos detalhes, contribuem para que esta
experiência seja destacada do fluxo da vida cotidiana e percebida com uma intensidade
especial.
A preocupação com os detalhes, com a organização do espaço, e de cada pessoa com sua
vestimenta, também apontam para uma valorização das dimensões estéticas da experiência,
que neste contexto são notadas com uma atenção não usual. Desta maneira, através do
acionamento de uma série de mecanismos poéticos e estéticos e do uso de vários meios
comunicativos expressados simultaneamente, produz-se uma experiência em relevo ou
intensificada. As qualidades estéticas envolvidas na experiência da performance ritual
contribuem para que o corpo seja envolvido em sua totalidade, num engajamento sensorial,
cognitivo e emocional que propicia a transformação da experiência (LANGDON 2007B).
A semelhança entre os elementos encontrados nos ritos realizados nos diferentes
espaços que fazem parte da rede da aliança das medicinas, permite identificar a
construção de uma estética comum, característica desse contexto. A preocupação com
esses diferentes aspectos organização, disposição e decoração dos espaços cerimoniais;
formas de se vestir; processos rituais (mais ou menos detalhados); cantos; instrumentos;
elementos utilizados durante os ritos etc., aponta para a ênfase dada à dimensão estética,
aspecto que tem um lugar central em todos os ritos realizados nesses distintos espaços.
Entre os nativos mais engajados, esse estilo revela-se no modo cotidiano de se
vestir (por exemplo, adornos indígenas e estampas que evocam o Índio, o xamã) e na
decoração de ambientes, no vocabulário, nos valores adotados, além da preferência por
determinadas práticas e rituais que evocam o xamanismo indígena. Sendo assim, os
159
neoxamãs procuram assumir caracteres peculiares dentro do quadro geral da assim
chamada Nova Consciência religiosa. No contexto dos nativos urbanos, as fronteiras
não são físicas, não são concretas tornam-se estilos.
Circulam no âmbito desta rede uma série de ritos, entre os quais os principais
são a cerimônia de medicina, o temazcal, a busca da visão e a dança do sol. A
cerimônia de medicina acontece em diferentes espaços ligados ao xamanismo urbano.
As formas de se vestir dos participantes dos ritos geralmente incluem roupas e
acessórios típicos, que fazem referência a um “universo indígena”: podem ser vestidos e
túnicas bordados com motivos dos grupos indígenas norte-americanos; ponchos ou
xales com desenhos andinos; cabelos trançados; brincos de penas; colares de sementes;
enfeites com miçangas coloridas vindos de índios distantes como os Huichol, um pouco
mais próximos como os Kaxinawa, ou mais perto ainda, como é o caso dos Guarani; e
assim por diante.
Para os nativos urbanos, figuras como Sapaim são a expressão de um estilo de
xamanismo. Mais um estilo, dentre outros, que pode ser colecionado. Por outro lado,
indígenas como Wiannã, Sapaim e outros, carregam consigo e levam para a aldeia,
significados do “mundo dos Brancos”. Os neoxamãs brancos atualizam na metrópole, ,
as elaborações feitas por etnólogos sobre os significados indígenas. Os etnólogos trazem
sua tradução do Outro para o mundo dos Brancos pela ciência e, assim, são
transformados em fornecedores de estilos de xamanismo. Por isso, são venerados como
cúmplices de uma revolução neoxamânica de consciência. Os Índios e os citadinos
incluindo os neoxamãs e os clientes -, todos presentes no âmbito da metrópole,
configuram aquele fenômeno de hibridismo que tem como dinamismo a tradução e a
formação de redes.
É nesse contexto “moderno” da mútua tradução onde pode ocorrer uma
dissolução de qualquer “grande divisor” que, como Goldman (1999), repartiria a
antropologia em duas áreas: a antropologia das sociedades complexas (“nós”) e a
etnologia dos povos sem escrita (“eles”). Ao estudar a trajetória de aprendizado do
Sthan Xanniã e sua atuação entre os neoxamãs, aprendizes e clientes no circuito
neoxamânico, as cosmologias envolvidas encontram-se imiscuídas, emaranhadas num
novelo mas num novelo que pertence à modernidade urbana. Interessou-me o
processo de modelagem dos indígenas da aldeia no âmbito urbano.
160
A tradução como decifração caberia ao antropólogo, teoricamente pressuposto
como capaz de fazer calar seu universo próprio de significados para, assim,
compreender as categorias do universo de significados do nativo. O antropólogo deve
deixar falar o nativo e, assim, efetivar a sua tradução. Este trabalho de ouvir o nativo
e de efetivar a tradução dos significados que o antropólogo faz, todavia, pode afetá-lo.
Que o digam Castaneda e Harner.
O antropólogo é um tradutor bastante treinado. Leenhardt (1983), escrevendo
sobre seu trabalho de campo junto aos nativos da Nova Caledônia, define bem as
possibilidades criativas de novos significados envolvidas na tradução. Reproduzo aqui a
frase deste antropólogo/missionário, conforme citada em Clifford (1998, p. 246), em seu
livro sobre Leenhardt:
O trabalho do tradutor não é interrogar seus ajudantes nativos, como se compilasse
dicionários humanos, mas sim provocar seu interesse, despertar seu pensamento... Ele não
cria uma língua; esta é composta pelo próprio nativo; é o produto e a tradução de seus
pensamentos.
Ao traduzir, o antropólogo pode descobrir novos significados, como ocorreu
com Leenhardt ao tentar traduzir “redenção” para a língua dos nativos. Estes ensinaram-
lhe um outro significado, uma outra metáfora para o termo, que o antropólogo
desconhecia (CLIFFORD, ibidem, p. 245). Parece evidente que, por outro lado, também
os nativos aprenderam um referencial novo para a sua metáfora. Assim, traduzir está
próximo da invenção de novas conexões entre signo e significado.
A modelagem acontece na repetição de práticas, adotando cosmologias (ou
partes de cosmologias), crenças e valores do modelo de mundo do xamã da aldeia. Além
disso, os nativos urbanos tornam heróis culturais indígenas entidades divinas em sua
mitopráxis: a “Mulher Novilha de Búfalo”, ou “a deusa Lua”, por exemplo. Entre os
nativos urbanos, ocorre a busca por uma vivência espiritual possibilitada pela mudança
de consciência, que é veiculada pela invocação dos espíritos animais, pela
transformação das coisas e dos seres, pela afirmação do sagrado invisível e imanente.
Os animais míticos, espíritos, aliados e demais forças invisíveis do cosmo habitam a
própria interioridade do indivíduo que, assim transformado, busca transcender o
mundo mecanizado de aparências. O objetivo é despertar o xamã interior, ou seja, o
poder pessoal de cada um de cura. Aqui, o neoxamanismo transcende a rede Nova Era,
critica a modernidade ocidental e também reavalia a posição desta mesma modernidade
161
frente aos conhecimentos e às práticas dos grupos antes agredidos e humilhados pelo
processo de construção histórica do Ocidente indígenas, aborígenes, os povos tribais
em geral.
Como dito, os neoxamãs mesclam, fazem bricolage, reunindo diversos
elementos culturais de “povos tradicionais” norte e sul-americanos, polinésios,
siberianos, asiáticos e as recompõe em uma estética peculiar própria. Todavia, nos
grupos que conheci e entre os autores nativos que li, ficam em evidência aqueles
elementos atribuídos ao Índio norte-americano as roupas franjadas, os mocassins de
pele, o uso ritualizado das “tendas de suor”, a ingestão do peyote, as palavras cantadas e
ritualizadas em língua sioux-lakota (por exemplo, Ina Maka é “mãe-Terra”, Wakan,
“sagrado”, Unci Hanwi, “a avó lua” etc), os “Animais de Poder” são, preferentemente,
animais da fauna norte-americana alces, ursos, lobos cinzentos, águias reais etc. Os
postais e representações gráficas do indígena, entre os neoxamãs, também são clara e
preferenciamente referentes à figura do Índio nortea-mericano, de nariz aquilino, cocar
longo, trajando roupas de pele de búfalo e fumando um cachimbo da paz, tendo ao
fundo um tipi cônico. Vi estampas desse tipo em diversos ambientes neoxamânicos.
O movimento se articula ao longo de um calendário anual de atividades e
cerimônias, promove oficinas de finais de semana, que são realizadas em locais a céu
aberto, junto à natureza, onde os participantes o índios levam suas tendas portáteis e
sacos de dormir. O local é consagrado através de pedras que simbolizam os poderes do
cosmo. Local e participantes são purificados pelo tabaco. Promovem-se então rituais de
meditação e de preces. Tambores, cantos, danças, rituais de cura através de cristais,
bênçãos às crianças. Albanese (1990) coloca a mensagem central do movimento Sun
Bear como a da convicção de que a Terra é um “ser vivente”, sendo agora submetida a
um profundo processo de transformação e de purificação conforme determinadas
profecias da Nova Era. “A humanidade precisa ajudar a Mãe Terra a se curar, ela está
doente por ter absorvido os venenos produzidos pelos homens”, é a mensagem de Sun
Bear, xamã norte-americano, que é filho de mãe Ojibwa e de pai norueguês:
Mas também podemos identificar nos índios os portadores de algum elemento de futuro.
Pode ter a ver com a falta de horizontes utópicos da nossa avançada sociedade, com a
decadência das ideologias e das religiões, com a crise de identidade que avassala as pessoas
do mundo moderno. Os índios, as florestas e os direitos humanos, que em alguma medida
existem, encarnam utopias modernas com uma dose maior de realismo. Talvez seja este o
162
valor perdido no passado, e pode ser que as pessoas busquem nele algo de que necessitam
para construir um futuro melhor [...] (ALBANESE, 1990, P. 156).
Além da ênfase nas dimensões estéticas na produção de uma experiência
intensificada, ao longo dessa descrição de uma cerimônia de medicina do Fogo Sagrado,
é possível perceber alguns dos elementos importantes da cosmologia do grupo.
Observamos, dessa forma, como novos xamãs urbanos surgem ao lado de
indígenas que passam a ser mediadores privilegiados, em especial de conhecimento.
Uma extremidade não é exatamente equivalente a outra, porém há uma relação de troca,
de complementaridade, e às vezes até mesmo de dependência. Por um lado, temos
índios (ou supostos indígenas) dispostos a serem reconhecidos em determinados ciclos e
camadas urbanas (para além de uma eventual legitimidade nos seus locais de origem);
por outro, brancos em busca de indígenas ou outros métodos e recursos capazes de
diplomá-los como xamãs. Trata-se de um intricado sistema que (re)cria e mercantiliza
novas simbologias e rituais.
Pode-se falar, quanto a isso, numa espécie de esforço mútuo de uma totalização
da humanidade, cujas metáforas são a sincronia de seus rituais e a conectividade
cibernética. O retorno ao natural e ao não tecnológico, tão característico das propostas
da Nova Era, e, por conseguinte, das propostas neoxamânicas, é aqui estrategicamente
suspenso, em prol da negociação com o universo dos recursos da asta tecnologia
informacional. As noções da física quântica e da genética (exemplo: Rowland Barkley),
da arqueologia e astronomia (exemplo: o calendário maia), da antropologia (Harner e
Castaneda e obras de etnologia), das ciências das religiões comparadas (das obras de
Eliade), da botânica e etnobotânica (o xamanismo dos cogumelos e do peyote e o
ayahuasqueiro, por exemplo). Inclui também a ressignificação das teorias psicológicas
de Jung e a análise psicológica junguina dos mitos, de Joseph Campbell. Além disso, o
uso peculiar de categorias esotéricas teosóficas/orientais. Esse corpus de conhecimento,
ou seja, esta Gnose, constitui o conteúdo da rede em si.
Um “campo de possibilidades”, como diria Schutz (1979), configura-se como
rede neoxamânica. Esse campo de possibilidades não se encontra, todavia, cristalizado,
concentrado em algum ponto ou em alguma instituição, mas difuso, distribuído ao longo
de uma rede de linhas de comunicação informacionais, sinérgicas e sincrônicas. Essa
rede inclui a internet, as publicações, os meios midiáticos, mas, principalmente, a
“conexão telepática e sinérgica entre os diversos participantes do toque de tambor”
163
(ibidem). Os não humanos também participam dessa rede e incluem: “seres extra-
terrestres”, espíritos, “elementais”, o “povo animal”, “o povo planta”, “o povo mineral”
e “seres extra-dimensionais”
Uma das premissas básicas do neoxamanismo é a de que um saber esotérico
indígena a ser recuperado, reconstruído. A missão do neoxamã seria, justamente, a de
realizar esse resgate. Assim, o neoxamanismo o seria algo novo, na concepção do
nativo urbano. Tanto é assim que este não se reconhece como “neoxamã” e suas práticas
não são “neoxamanismo”: o nativo urbano é “xamã” e sua prática é “xamanismo”.
Talvez por isso, recentemente alguns dos autores do campo estejam abandonando o uso
do termo neoxamã, e passando a operar simplesmente com o de xamã para todas as
posições que vão da aldeia à cidade.
Ao longo deste texto, empreguei inúmeras vezes termos como fluxos, redes,
circuitos, circulação. Antes de finalizar, gostaria de refletir brevemente sobre tais
conceitos. Numa discussão a respeito do lugar da globalização na história das ideias
antropológicas, o antropólogo Ulf Hannerz (1997) mostra como fluxos, mobilidade,
recombinação e emergência tornaram-se temas favoritos nesta disciplina, estando entre
as palavras-chave da antropologia transnacional. Entre esses termos, talvez os mais
pertinentes para o presente trabalho sejam fluxo e emergência.
Segundo Hannerz (ibidem), a ideia de fluxo remete ao deslocamento de algo no
tempo e no espaço e, ao mesmo tempo, tem um sentido essencialmente temporal. Por
sua vez, a noção de fluxos culturais implica a constante reorganização da cultura no
espaço, estando, portanto oposta ao pensamento estático. Assim, pensar em fluxos
culturais sugere uma espécie de continuidade e passagem, indicando a proposta de “uma
compreensão mais geral da aquisição cultural constantemente em curso” (HANNERz
1997, p.18).
Os “xamanismos hoje (ATKINSON, 1992) não representam um fenômeno
universal homogêneo nem um sistema cosmológico que possa ser pensado como
exclusivamente “nativo” e “tradicional”, ou como sendo confinado ao desenvolvimento
histórico das culturas indígenas. Diferentes atores encontram-se envolvidos no revival
global deste fenômeno antropólogos, jornalistas, organizações ambientais,
profissionais da área da saúde, indígenas e neoxamãs, entre incontáveis outros (ROSE e
LANGDON no prelo). Mais ainda, ao mesmo tempo em que o xamanismo está
florescendo no Ocidente, ele reaparece e se fortalece nas “tribos remotas”, com a
164
ressalva de que estas não são mais tribos nem remotas (VITEBSKY, 2003). As
identidades indígenas hoje estão sendo criativamente reformuladas em resposta à
necessidade de negociar em meio a tensões e contradições entre múltiplos discursos
políticos (CONKLIN, 2002). Assim, a ênfase contemporânea no “xamã” e nos
“conhecimentos xamânicos”, tanto no interior do ativismo indígena como em âmbitos
mais amplos, está relacionada a tendências internacionais que abrangem áreas diversas,
como o direito ambiental e a política pós-colonial de movimentos pan-indígenas.
Somado a isto, da mesma maneira que os new agers apropriam-se das práticas
xamânicas, os xamãs indígenas mostram-se igualmente capazes de se apropriarem de
uma variedade de tradições culturais diferentes, o que aponta para a dinamicidade e as
dimensões inesperadas que o fenômeno do xamanismo vem tomando no mundo
contemporâneo (LANGDON, 2007).
Por outro, constitui um reflexo de processos locais, nacionais e internacionais
mais amplos que envolvem a representação do xamã e da medicina indígena no
imaginário nacional e no mundo Ocidental (ROSE e LANGDON no prelo, 2010). Os
diferentes fluxos, diálogos e negociações que constituem a rede da aliança das
medicinas, bem como seu caráter multidirecional, nos levam a questionar a ideia de
culturas homogêneas com fronteiras claras e bem definidas (LANGDON, 2007). Mais
ainda, este estudo de caso chama a atenção para a relação entre local e global,
colocando em evidência que, especialmente hoje, não é mais possível pensar os
xamanismos nativos sem levar em conta os contextos dialógicos mais amplos nos quais
estes se encontram inseridos e em cuja construção contribuem ativamente.
165
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http://www.pazgeia.org.br
STHAN XANNIÃ - Tenda do suor, Busca da Visão, Plantas Sagradas, Danças de Cura
e Canções de poder. Núcleo de Estudos e Terapias Filhos da Terra.
http://www.aosfilhosdaterra.com.br
172
CYRO LEÃO. Cerimônias de Equinócio, Solstícios e Luas, Jornadas Xamânicas,
Resgate de Alma. Ministra cursos de xamanismo e técnicas de terapias xamânicas. Faz
atendimentos individuais e de grupo. Trabalha com as técnicas de: Ativação do DNA
Espiritual, Liberação dos Cordões Energéticos traumáticos, Florais, Massagem
Ayurvédica, Constelação Familiar entre outras. http://www.xamaurbano.com.br
YATAMALO MARISE DANTAS - Taba da Águia - Roda de Cura, vivências, cantos,
cura xamânica, Cachimbo Sagrado. João Pessoa, Paraíba - [email protected]
ZILDA CARVALHO -Inipi, Busca da Visão, Cachimbo Sagrado - São José dos
Campos e Araçariguama , http://www.tribodaterra.org/inipi
SYLVIE SHINING WOMAN - Inipi , Eagle Dance , Vision Quest , ritos de passagem
individuais e coletivos , morte e renascimento , roda de cura ( soul retriever ) , lodge de
ensinamentos , resgate do feminino , cerimônias de solstícios e equinócios.
http://www.castelaralvorada.com / contato
TATYANA MENKAIKÁ -É terapeuta xamânica, taróloga, e pesquisadora dos sistemas
de medicinas ancestrais como o nativo norte-americano e andino. Guardiã de Chanupa
Wakan(Cachimbo Sagrado) e condutora de Tendas de Purificação. Terapeuta em vários
sistemas de terapia complementar e xamânicos. Facilitadora de rodas de cura e círculos
femininos, especialista em terapia de resgate de alma. Fundadora e editora do portal
Terra Mística.
http://www.terramistica.com.br / http://www.caminhoancestral.com.br
STEFAN FRANK - É terapeuta xamânico. Facilitador de rodas de cura e jornadas
xamânicas, terapia com tambor, liberação energética, resgate de alma, medicina
tradicional chinesa e terapias complementares. Caminhante da Boa Estrada Vermelha, é
guardião de Chanupa Wakan (Cachimbo Sagrado). http://www.terramistica.com.br /
http://www.caminhoancestral.com.br
FOGO SAGRADO DE ITZACHILATLÁN NO BRASIL - Haroldo Vargas Paulo
Poletto(Tlaloc) - Cerimônias de Medicina, Temazcal, Dança do Sol, Busca de Visão,
Cachimbo Sagrado. Santa Catarina, SC. http://www.fogosagradodobrasil.com.br
ROWLAND BARKELY (AUSTRALIANO) -Cura Holográfica Reprogramação do
DNA Sutíl [email protected]
173
FIlMES
AUSTRÁLIA, Stuart Beattie, Baz Luhrmann, Ronald Harwood e Richard Flanagan,
baseado em estória de Baz Luhrmann, Direção Baz Luhrmann, produção:G. Mac
Brown, Catherine Knapman e Baz Luhrmann, 20th Century Fox Film Corporation /
Bazmark Films, 2hs e 45 min , USA,2008
BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR, Jean-Claude Carrière e Hector
Babenco, baseado em livro de Peter Matthiessen, Direção Hector Babenco, Produção
Saul Zantz, Universal Pictures, 3hs e 06 min, USA, 1991.
DANÇA COM LOBOS, Michael Blake, baseado em livro de Michael Blake,Direção e
produção Kevin Coster, Majestic Film / Tig Productions, 3 hs , USA,1990.
KUARUP , Antonio Callado, Diretor Ruy Guerra, Elenco: Taumaturgo Ferreira,
Fernanda Torres, Cláudio Mamberti, Umberto Magnani, Ewerton de Castro, Roberto
Bonfim, Cláudia Raia, Rui Resende, Dionísio Azevedo, Claudia Ohana, Maitê Proença,
Lucélia Santos, Ruy Polanah, Cláudio Ferrario, Mauro Mendonça, Brasil,1989.
O GUARDIÃO DOS SONHOS, John Fusco, Direção de Steve Barron, elenco:August
Schellenberg, Eddie Spears, Gary Farmer, John Trudell, Alex Rice, Dakota House,
Hallmark Entertainment, Sextant Entertainment Group Inc., canadá, 2003.
SPIRIT O corcel Indomável, John Fusco, direção: Kelly Asbury , Lorna Cook,
produção:Jeffrey Katzenberg e Mireille Soria , DreamWorks SKG, 01 h e 22 min,
USA,2002
UM HOMEM CHAMADO CAVALO, Elliot Silverstein, Elenco,Judith Anderson,
Richard Harris, Dub Taylor, William Jordan, Jean Gascon, Manu Tupou, Corinna Tsopei,
James Gammon, Eddie Little Sky, Michael Baseleo 114 min,USA,1970
174
ANEXOS. O material de divulgação encaminhado por Sthan Xanniã para divulgar a
tenda:
Resgatando a plenitude
Sauna Sagrada
Cuidando das feridas do Masculino e Feminino
O principal propósito desta cerimônia é o de purificar e harmonizar as nossas diferentes
partes; nosso corpo, emoções, energia e espírito, de forma que, uma nova maneira e
sentido de SER, possam se fazer presente em nós e em nosso caminho. Nossos corpos e
espíritos são levados a uma purificação e desintoxicação dos acúmulos que as
experiências excessivas e descontroladas da vida física nos trazem ao longo do tempo.
Dentro deste importante trabalho estaremos utilizando banho de ervas que nos ajudaram
a potencializar o propósito da cerimônia.
Esta Cerimônia Sagrada será totalmente dedicada ao cuidado com a Essência do
Espírito e do Masculino e Feminino. As dores e ferimentos serão cuidados, assim como
as intenções de caminhar por novas estradas serão direcionadas e firmadas.
A Tenda do Suor, representação própria do Grande Ventre da Mãe Terra, acolhe,
sustenta e aconchego a todos que queiram mergulhar no vazio da escuridão, escutar
os próprios corpos e transformar os padrões estagnados, sem ter vergonha de si mesmo.
a oportunidade real e direta de utilizar e experimentar as medicinas naturais dos
quatro elementos: fogo, água, terra e ar... Todos eles, agindo de forma conjunta, nos
auxiliando no trabalho de aprendizado e transformação dos nossos padrões hereditários
e de comportamentos pessoais em uma energia mais positiva e satisfatória de ação.
Pedras incandescentes são retiradas do centro do fogo da vida e levadas ao centro da
Tenda. O calor e o vapor liberados nos transmitem possibilidades de cura, antigos e
novos conhecimentos e lições. O formato flexível e circular com os diversos desenhos
175
geométricos que são configurados na Tenda cria um fluxo energético que nos ensina a
não julgar, mas sim, partilhar gentilmente o amor e o carinho que recebemos. O ciclo de
canções e preces feitas para as Quatro Direções e seus Guardiões permite que os
participantes tenham diferentes pontos de vista acerca de seu propósito e de sua
purificação.
2. Benefício da Tenda do suor segundo Sthan Xanniã:
SISTEMA MUSCULAR
Permite o relaxamento do sistema muscular. Alivia contraturas musculares
(encolhimento de um músculo), dores nas costas (desde os ombros até as cadeiras),
dores nas articulações, tendões etc., graças aos efeitos da temperatura e dos aromas
oleosos das plantas que são usadas
SISTEMA CIRCULATÓRIO
Através da alta temperatura e da ablução de água fresca e ervas aromáticas, consegue-se
um aumento da circulação sanguínea. Os vasos sanguíneos se dilatam, facilitando a
expulsão de toxinas do corpo, a eliminação de ácido úrico, colesterol etc. Esta
movimentação no sistema circulatório ajuda também a corrigir problemas de varizes,
úlceras varicosas, formigamento das mãos e pés, pressão alta etc.
SISTEMA IMUNOLÓGICO
Aumenta a produção de leucócitos (glóbulos brancos) do corpo. Tem-se observado que
pessoas que tem experimentado uma série de Tendas e que padecem de doenças
crônicas ou recorrentes, diminuem suas enfermidades, e, se adoecem, aumentam sua
capacidade de recuperação.
SISTEMA ENDÓCRINO
Em uma Tenda uma pessoa pode eliminar as toxinas necessárias para depurar o seu
corpo pelo suor: ácido úrico, problemas de pele, gorduras, impurezas da pele e
minimização da artrite. Além disso, ao suar, melhora-se o funcionamento dos rins. Toda
esta eliminação (gorduras, impurezas etc.) auxiliam num emagrecimento saudável
melhora-se o funcionamento dos rins.
SISTEMA NERVOSO
Durante a Tenda é produzido um efeito relaxante e estimulante do organismo, ajudando
a tratar problemas tais como stress, insônia, tensão nervosa, etc. Além disso, atua a nível
psicológico, permitindo uma melhor compreensão de suas questões emocionais e
problemas pessoais.
176
PELE
A pele atua como um mecanismo regulador da temperatura interna do organismo. Se a
temperatura na Tenda supera, em alguns casos, os 50 C, no corpo existe um mecanismo
de auto-regulação interna que não permite ultrapassar os 38 C. A pele é como um
terceiro rim, através do qual se podem eliminar as toxinas acumuladas. O que acontece
em muitos casos, principalmente nas pessoas que moram em ambientes poluídos é que
os seus poros são obstruídos. Com a alta temperatura da tenda estes poros são reativados.
A renovação da pele é estimulada, pois a descamação é favorecida. Além disso, é
facilitada a formação do manto ácido, vital na proteção das infecções cutâneas.
APARELHO RESPIRATÓRIO
Banhos de vapor são largamente empregados no tratamento de gripes, bronquites, asmas,
sinusites e rinites. Ao elevar-se a temperatura e combinar-se o vapor com o aroma das
plantas medicinais, produz-se automaticamente uma desobstrução das vias respiratórias.
É ativada também a sua irrigação de uma forma impressionante, chegando a 7 (sete)
vezes das condições normais. um aumento do fluxo sanguíneo que somado à
expansão dos pulmões e dos brônquios facilita a expulsão das toxinas acumuladas.
3.Busca da visão ou Vision Quest
Sthan fala como será a cerimônia:
...são sete dias de cerimônia no 1 dia agente chega, no 2 dia agente faz a
tenda,descansamos pela manha subimos a montanha 4 dias em jejum mediato
dentro de um circulo mesmo chovendo para é um trabalho que ajudar agente
refletir como agente ta caminhando da forma como estamos caminhando como
estamos fazendo nossas escolhas e como lidamos com nossos medos, fazemos um
circulo e ficamos e fica naquele circulo sem sair por quatro dias sem comer e sem
beber geralmente as pessoas não fazem nada e 100 não sentem fome. E quase todos
os anos de busca de visão, metade tem acima de 50 anosa sessenta anos e os mais
novos é que ficam com medo. Então é uma cerimônia bem tranqüila agora vamos
dar as mãos e fazer uma dança.( todos se organizam para formar um circulo de
mãos dadas)
177
4. Explicação sobre a jornada da busca da visão por Sthan:
A busca da visão é um antigo "rito de passagem", no qual o buscador é enviado a um
Local de Poder para jejuar, orar e pedir uma visão por três ou quatro dormindo ao
relento e às vezes sem água. O objetivo dessa atividade, chamada pelos Lakota de
"Subida da Colina", é colocar a prova e desenvolver seu poder pessoal. À medida que
você que você contempla a natureza, você exercita a paciência e a perseverança
esperando por uma visão. A busca da visão não deixa de ser uma peregrinação simbólica
que favorece sua conexão com a essência, o seu Wanagi (Eu Superior)
Dentro do Xamanismo, existem diversas formas de realizar a busca da visão. Além de
uma viagem a um local de poder e o tradicional jejum de três ou quatro dias, podem ser
realizadas caminhadas solitárias, em região de difícil acesso, onde é colocada a prova a
capacidade de sobrevivência e força espiritual. Existem algumas jornadas interiores na
escuridão de uma Sauna Sagrada, de uma Kiva ou de um quarto fechado durante dias. A
busca de visão pode ser tão simples como a solidão de uma tarde, vendo o sol se por
numa montanha ou no mar.
Qualquer que seja a forma, a busca da visão pode transformar sua vida. Simplesmente
este é um ritual que ajuda a tranqüilizar-se, concentrar-se e sintonizar-se com os Poderes
Superiores e obter respostas para alguns de seus problemas mais complexos. Além de
auxiliá-lo com algumas visões para contribuir para o bem estar de nossos irmãos e a
preservação da Mãe Terra. Em meio à natureza, e com sua permissão arranje sete pedras
(Um xamã não se considera superior, ou inferior a nada, nem mesmo as pedras, portanto
pegue as pedras se lhe for permitido) do tamanho de sua mão, mais ou menos.
Deite-se melhor que seja em meio à natureza, mas esta parte pode ser feita em casa,
ou no seu local de poder) e cubra-se com um cobertor ou lençol; coloque duas pedras
abaixo dos pés (as pedras, todas, devem prender o cobertor), estas ajudam a ter
habilidade para caminhar nos mundos interiores; coloque duas nas mãos (ao lado delas,
e sempre acima do cobertor), para ter habilidade de tocarem a essência espiritual;
coloque duas acima dos ombros, estas fornecem habilidade para ouvir-ver-sentir e
expressar as visões percebidas; coloque uma acima da cabeça, esta fortalece e
representa a intenção da viajar. Cubra a cabeça com um cobertor, chapéu, vende-se, etc,
para ficar bem escuro. Ouça as batidas do tambor (na falta deste, conecte-se com a sua
178
pulsação e com o ritmo da própria Terra). Decida ou intua, qual dos oito caminhos
deseja seguir:
LESTE: A abertura, encorajar sua direção e objetivo de vida, avaliar novos começos e
projetos, avivar suas esperanças;SUL: Realização, encontrar seu poder, realizar seus
propósitos, buscando seu autoconhecimento, desenvolvendo seu potencial ;OESTE:
Interiorização, assimilar e compreender as experiências, reforçar sua responsabilidade,
encontrar a cura ;
NORTE: Sabedoria, aceitação, silencio, buscar o apoio e a orientação dos ancestrais,
contatar a sabedoria inata;
NORDESTE: Inspiração, buscar novas fontes de inspiração na Natureza, arte, música,
livros, meditação;
SUDESTE: Força do Guerreiro, agir como guardião e defensor da liberdade, buscar
confiança, auto-afirmação, seus talentos ;
SUDOESTE: Intuição, através do equilíbrio ser receptivo para novas percepções, estar
atento aos sinais buscando conhecimento ;
NOROESTE: Purificação, reprocessar-se para finalizar um ciclo e começar outro,
buscar a verdade em tudo; Pedir a presença de seu animal de poder e de seu mestre-
xamã interior. Procure uma das entradas para o outro mundo (fendas em rochas, ocos de
árvore, cavernas, símbolos, espirais anti-horário para descer, horário para subir).Ao
entrar no mundo interior, a cognição deve mudar. Abandone todos os seus conceitos e
julgamentos, pois lá as coisas nunca são o que se imagina. Você poderá encontrar
animais, humanos, divindades, elementais, etc. Uns poderão "falar" (comunicar-se de
alguma forma) com você, outros te ignorarão.
O importante é prestar atenção a tudo! A escuridão e a imobilidade embaixo do cobertor,
preso pelas pedras, as batidas do tambor ou do pulsar da Terra, e a sua intenção
facilitam o desprendimento do seu espírito a se deslocar para mundos interiores e planos
diferentes. Quando o tambor mudar o ritmo, ou quando lhe for intuído, volte e anote
tudo! Inclusive símbolos, formas, etc.
5 . Sobre a viagem ao Peru : http://caminhossagrados.multiply.com/journal
179
Sthan Xannia comenta: "...
Quando pensei em realizar este trabalho, em primeiro lugar recebi um chamado
muito forte das Trilhas Sagradas do Peru para guiar grupos e servir de ponte aos
Filhos da Terra, possibilitando a cura profunda, a restauração dos fragmentos do
Espírito da Alma e do Corpo... Conversei com cada um dos líderes locais e eles me
disseram que sonhavam com este momento em que os nossos corações estariam
unidos em prol de um objetivo maior. Esta será uma jornada de cura e resgate, onde
meu coração chama a todos que buscam o conhecimento, a cura e a paz."
Encontro no Peru
Venha conosco nessa viagem Peru 2008
O autoconhecimento é um mapa que chega. Um mapa que chega com referências de nós
mesmos. Essa é a oportunidade de celebrar a vida observando a si mesmo e resgatando
por meio da natureza a atitude ideal para a condução da sua própria vida.
Essa é uma viagem que percorrerá trilhas cerimoniais, ainda hoje preservadas no Peru e
que somente os curadores e nativos tem acesso a esse conhecimento guardado nesses
núcleos de expansão energéticos na terra. As lendas nativas nos contam que os
ancestrais recomendavam a todos os "Filhos da Terra" que fossem ao encontro das
"Trilhas Sagradas" e dos chamados "Locais de Poder".
Pois esses lugares ofereçam consciência, integração, renovação, confiança, esperança e
paz. São ao mesmo tempo santos e sagrados. Pisar nessa terra é mergulhar em sua
verdadeira história. São locais onde nos deparamos com o que é divino e nos e
encontramos com nosso próprio espírito que nos relembra de quem realmente somos.
À medida que as pessoas abrem a mente e se abrem para si mesmas, começam a
perceber qual a sua relação com a consciência. No meu trabalho como curador, eu busco
fazer com que as pessoas entendam de uma forma mais nítida, mais clara, o sentimento
interior de todo esse movimento, tornando-as parte desse todo. O desenvolvimento
espiritual do homem é uma longa e árdua jornada, uma aventura por terras ancestrais e
sagradas, que envolve uma drástica transmutação dos elementos normais da
personalidade, um despertar das potencialidades até agora dormentes, uma elevação da
consciência para novas regiões e um novo funcionamento da dimensão interna.
180
Nossos ancestrais relatavam que, quando um local sagrado é visitado de maneira
cerimonial, a Terra desse local possibilita a imediata re-conexão dos fragmentos da
Alma e do Espírito. O objetivo desta viagem é permitir que cada pessoa à medida que
percorra esses locais sagrados possa acessar níveis profundos de cura, focando várias
questões mal trabalhadas em seu dia-a-dia que acabam por se transformar em de stress,
angústia, depressão, medos, ausência de foco, perda de energia.
"Experiências reais trarão maiores conhecimentos de quem somos e para onde vamos,
possibilitando acessar uma cura mais profunda, criando um melhor aproveitamento do
nosso cotidiano" Sthan Xannia, Xamã, estará realizando cerimônias nativas em "Locais
de Poder", acompanhado de líderes de cerimônias locais com o objetivo de permitir que
cada um se reconecte com sua própria maestria. A visitação por esses caminhos
sagrados, que trazem em sua essência a sabedoria de nossos ancestrais. Conduzindo
cerimônias nos principais locais e Templos dos Mestres Incas, promoverá o contato com
as antigas tradições desta civilização, abrindo canais de poder onde cada participante do
grupo tea chance de se re-conectar ainda com a sua própria energia ancestral. Além
de este país proporcionar "um sentir natural" da energia da Mãe Terra, estar nesses
lugares nos coloca diante da jornada de crescimento, evolução e felicidade de nossa
alma.
Esta é sua possibilidade de assumir o controle do que acontece dentro e fora de você -
suas reais necessidades que seu Eu Interior tanto espera que as assuma.Esta é uma
especial oportunidade para você desfrutar a maestria da FELICIDADE e PLENITUDE
DE VIDA!
181
CERIMÔNIA NATIVA
BRASILEIRA
O RITUAL DA
JUREMA
Dentre os Rituais que fazem parte da
Tradição Indígena Brasileira
(especialmente nas Tribos do
nordeste),está o Ritual da
Jurema.Esta,uma árvore típica do
agreste,possui em sua composição,
poderoso princípio ativo
curativo,sendo eficazmente utilizada
séculos,na cura de diversos males
do corpo e da alma.
Da maceração de sua casca e raiz
em água,extrai-se a Bebida Sagrada
da Jurema ,que é a utilizada nos
Rituais de Cura e Pajelanças.Seu
preparo é feito todo com rezas e canções
específicas,fazendo desta uma Bebida altamente
Espiritual.
A Jurema atua principalmente nos bloqueios do Corpo
Físico.Promove uma desintoxicação profunda em todos
os órgãos e vísceras,bem como depura e equilibra os
níveis de açúcar e gordura no sangue.Expulsa toxinas,é
vermífuga e aumenta a imunidade.
No Campo Emocional e Espiritual,a Jurema promove
valiosas descobertas acerca de si mesmo e da origem
dos males que se instalaram no Corpo,bem como ajuda
a despertar,de forma acolhedora, uma poderosa
conexão de Amor e Gratidão com o Criador!
Oportunidade imperdível à todos que desejam a CURA
REAL para os males do Corpo e da Alma.Ideal para quem decidiu por desapegar-se de
antigos e destrutivos padrões de crenças e hábitos e deseja uma Renovação de Vida em
todos os aspectos!
Facilitador: WYANÃ : Mestre de Cantos e Marada Tribo KARIRI XOCÓ(AL).Mestre
de Cerimônias.Curador Nativo e profundo conhecedor das Ervas Medicinais de sua
tribo(especialmente a JUREMA).Como Mestre de Toré,traz em suas canções e na Maestria
182
da Maracá, Poderosa Medicina,sendo a grande aliada na obtenção da Cura de diversos
males do Corpo e da Alma.
Sobre a Jurema:
É usada nos rituais do Catimbó e pajelanças, principalmente entre os índios Jês e
Tapuias e Kariris (BR). O preparo da bebida e o cerimonial eram secretos. Era usada
por médicos-feiticeiros, juntamente com o fumo e o maracá, para abençoar, aconselhar
e curar. A ingestão permite ao pajé entrar em contato com seus espíritos ancestrais. Na
Umbanda, Jurema é a dona das ervas mágicas.
Segundo Sangirardi Jr.,os pajés indigenas ensinaram aos brancos e mestiços os
mistérios da pajelança, e esta influiu no Catimbó. O "Cauim" (cachaça com Jurema), dá
um sentimento de plena energia, de paz com o mundo e com nós mesmo, de empatia
com todas as criaturas. (fonte: www.xamanismo.com.br)
Os interessados deverao entrar em contato para falar com Wyanna,
explicando seu proposito e fechar a sua vaga. Numero máximo de
participantes: 20 pessoas. Investimento: R$ 350 a vista ou em ate 3x
R$ 137 com Primeiro pgto ate dia 25/07.
Local: Aos Filhos da Terra - Sede Cotia R. das Dalias, 7 - Morro Grande - Cotia. Fone (11)
4616-0695 veja aqui o mapa
Mais informacoes sobre o trabalho : 11 5505-4208 ou 8551-7152
Helder de Andrade
"Caminhante das Nuvens"
Xamanismo e Praticas Nativas/Naturais
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