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Universidade Federal do Paraná
O conceito de civilização na Antiguidade Tardia romano-oriental: a proposta de
Justiniano e as idealizações de Cosme Indicopleustes (séc.VI).
Curitiba
2010
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Walter Oliveira Lossio Junior
O conceito de civilização na Antiguidade Tardia romano-oriental: a proposta de
Justiniano e as idealizações de Cosme Indicopleustes (séc.VI).
Dissertação apresentada como requisito
para obtenção do título de mestre em
História ao setor de pós-graduação em
História da Universidade Federal do
Paraná.
Linha de Pesquisa: Cultura e Poder.
Orientador: Renan Frighetto.
Curitiba
2010
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA
SISTEMA DE BIBLIOTECAS
BIBLIOTECA CENTRAL COORDENAÇÃO DE PROCESSOS TÉCNICOS
2
O império romano participa, então, na
dignidade do Reino Divino, que
transcende o máximo possível nesse
plano de existência qualquer outro
poder. Portanto, nunca será
conquistado, que Ele disse que esse
reino não será destruído jamais.
Cosme Indicopleustes, comparando o
reino romano como o equivalente
terrestre ao reino dos céus.
3
À minha mãe e irmã, pelo apoio incondicional em todos os momentos.
Ao professor, mentor e amigo Renan Frighetto, pela ajuda fundamental durante todo o
processo de confecção deste trabalho.
Às professoras Aline Silveira, Fátima Fernandes e Marcella Guimarães, pelos
comentários feitos durante a qualificação e a defesa, sem os quais a versão final desse
trabalho não seria possível.
Aos meus amigos, pela compreensão durante os momentos de ausência.
4
SUMÁRIO
SUMÁRIO ........................................................................................................................ 4
RESUMO ......................................................................................................................... 5
ABSTRACT ..................................................................................................................... 6
CAPÍTULO I - Oriente e Ocidente, mais do que simples conceitos geográficos ............ 7
1. Introdução ............................................................................................................. 7
2. Revisão Historiográfica ...................................................................................... 14
3. Tipologia e histórico de análises da fonte ........................................................... 20
CAPÍTULO II - O Contexto Romano Oriental: a união entre religião e política .......... 27
CAPÍTULO III - Viajantes: aproximando o Ocidente e o Oriente................................. 39
CAPÍTULO IV - Civilização, a verdadeira fronteira entre o Ocidente e o Oriente ....... 49
1. O Conceito de Civilização .................................................................................. 49
1.1. Dos gregos aos romanos .............................................................................. 49
1.2. O conceito de civilização na fonte proposta ................................................ 59
ANEXOS ........................................................................................................................ 71
Figura 1. Desenhos de Cosme, do 1 ao 8. ................................................................... 71
Figura 2. Desenhos de Cosme, 9 e 10. ........................................................................ 72
Figura 3. Desenhos de Cosme, do 11 ao 21. ............................................................... 73
Figura 4. Desenhos de Cosme, do 22 ao 27. ............................................................... 74
Explicação dos desenhos de Cosme. ........................................................................... 75
Figura 5. Obelisco de Axum. ...................................................................................... 77
Figura 6. Mapa da Renovatio Imperium ..................................................................... 77
Figura 7. Mapa das principais Rotas da Seda. ............................................................ 78
Figura 8. Sítios arqueológicos na Índia onde foram encontradas moedas romanas. .. 78
Figura 9. Mapa do Périplo do mar da Eritréia. ........................................................... 79
Figura 10. Rotas descritas e utilizadas por Cosme Indicopleustes. ............................ 79
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 80
5
RESUMO
O conceito de civilização na Antiguidade Tardia romano-oriental: a proposta de
Justiniano e as idealizações de Cosme Indicopleutes (séc.VI).
Autor: Walter Oliveira Lossio Junior
Orientador: Prof. Dr. Renan Frighetto
Trabalhar com qualquer tema relacionado à porção Oriental de nosso planeta não
é das tarefas mais fáceis. As fontes são menos conhecidas, as traduções nem sempre são
confiáveis, entre outras várias questões. Tudo isso diminuí, consideravelmente, os
parâmetros de comparação tão úteis em qualquer estudo historiográfico. Felizmente,

estes problemas e produzir obras que recolocam o Oriente no mapa.
A fonte primária desta dissertação provém de três manuscritos diferentes. O
primeiro, encontrado no século IX, foi primeiramente chamado de Vaticanus; os outros
dois, ambos encontrados no século XI, foram inicialmente denominados Sinaiticus e
Laurentianus. Muito se discute sobre a integridade da obra. Alguns autores consideram
que estes três manuscritos são partes de obras distintas, mas como não se encontrou
mais nenhuma produção literária deste mesmo autor, fez-se regra compilar e editar estes

comerciante alexandrino denominado Cosme Indicopleustes, ou Cosme, o navegador do
Índico.
A obra deixada por ele relata toda uma ideologia político-cultural do contexto de
seu autor. A unificação da católica sob a tutela de Constantinopla, proposta política e
religiosa promovida por Justiniano, aparece no texto na visão própria e singular de
Cosme, demonstrando que este aspecto se encontrava fortemente inserido na cultura
interna do Império Romano Oriental. Cosme é um paradigma inevitável entre os
pensamentos científico e religioso. Utiliza-se de fatos, dados matemáticos e inúmeros
outros artifícios quando estes o favorecem, mas sempre manipula os resultados para que
nunca ultrapassem suas pré-concepções retiradas diretamente das Sagradas Escrituras.
A obra foi escrita durante o reinado de Justiniano (527 565), imperador
nascido em Skopje, na região da Macedônia e sobrinho do imperador Justino, que havia
chegado ao trono por meios militares. Foi educado em Constantinopla e viu o conflito
com o Ocidente atingir seu ápice, com a perseguição de seu tio as seitas heréticas
cristãs. É, também, personagem considerado por muitos como o último imperador do
Império Romano do Oriente e o primeiro do Império Bizantino. Este período de
transição transpareceu em seus atos políticos. Foi com Justiniano que aconteceu a
última tentativa de uma política de reunificação dos antigos territórios do Império
Romano, além de representar a primeira vez que esta iniciativa partia do lado oriental
do território. A “Renovatio Imperium       
territórios ocidentais (como a Península Itálica e o Norte da África) e de expansão aos
territórios orientais, representados imediatamente pelos maiores rivais dos bizantinos, os
Persas da dinastia Sassânida. Resgatava-se uma velha ideologia ante ao Ocidente,
qualquer território uma vez romano é, para sempre, inalienável do império.
Palavras chave: Cosme Indicopleustes; Justiniano; Civilização; Império romano;
Relações culturais.
6
ABSTRACT
The concept of civilization in the Eastern Roman Late Antiquity: the proposal of
Justinian and the idealizations of Cosmas Indicopleutes (6
th
century).
Author: Walter Oliveira Lossio Junior
Advisor: Prof. Dr. Renan Frighetto

   
other various issues. All of this considerably decreases the comparison parameters so
useful in this kind of study. Fortunately, these restrictions are becoming "less respected"
and several authors are seeking to ignore these problems and produce works that re-
established the East on the map.
The primary source of this dissertation comes from three different manuscripts.
The first, found in the ninth century, was first called Vaticanus, the other two, both
found in the eleventh century, were originally called Sinaiticus and Laurentianus. Still,
there are debates about the integrity of the work. Some authors consider that these three
t found any more production of
the same author, these three manuscripts are normally compiled and edited as a single
work, named the "Christian Topography", written by an Alexandrian merchant and
traveler named Cosmas Indicopleustes or Cosmas, the navigator of the Indian Ocean.
The work represents the entire political ideology and cultural context of its
author. The unification of the Catholic faith under Constantinople, religious and
political proposal promoted by Justinian, appears in the text on the unique vision of
Cosmas, demonstrating that this was firmly inserted in the internal culture of the
Eastern Roman Empire. Cosmas is an inevitable paradigm between scientific and
religious thoughts. He uses facts, mathematical data and others procedures, when they
favor him, but always manipulate the final results so they never exceed his
preconceptions taken directly from the Holy Scriptures.
The work was written during the reign of Justinian (527-565) emperor born in
Skopje, Macedonia, and nephew of the previous emperor Justin, who came to the throne
by military means. He was educated in Constantinople and saw the conflict with the
West reaches its climax with the persecution of the heretical Christian sects by his
uncle. Justinian is, also, considered by many as the last emperor of the Eastern Roman
Empire and the first of the Byzantine Empire. This transition period appears in his
political acts. With Justinian occurred the last reunification attempt of the former
territories of the Roman Empire and the first time that this initiative started from the
eastern side of the territory. The "Renovatio Imperium" was an ambitious project to
reconquer the western territories (such as the Italian Peninsula and the North of Africa)
and expand to the Eastern territories, occupied by the greatest enemies of the Eastern
Roman Empire, the Persian Sassanid dynasty. That was the representation of an old
ideology well known to the Romans, any territory once a part of the empire is forever
inalienable.
Keywords: Cosmas Indicopleustes; Justinian; Civilization; Roman Empire;
Cultural relations.
7
CAPÍTULO I
Oriente e Ocidente, mais do que simples conceitos geográficos
1. Introdução
Se existe uma divisão enraizada em nosso mundo atual essa é, sem qualquer
sombra de dúvida, a divisão entre Oriente e Ocidente.
Ela é tão comum no imaginário social que parece ser absoluta, criada muito
antes da própria humanidade, ou mesmo refletir uma verdade que não gera qualquer
dúvida e, portanto, não necessita nenhuma reflexão sobre sua aplicação. o duas
grandes unidades territoriais, culturais, sociais, entre outras características, que sempre
existiram e sempre se contrapuseram, gerando em cada uma delas um desconhecimento
crônico sobre a outra.
Isso não é verdade.
Primeiramente é necessário se dizer que esses conceitos são, sim, criados e
aplicados pelos Homens. Como debate Edward Said: “(...) o Oriente não é um fato
inerte da natureza. Ele não está simplesmente ali, assim como o Ocidente tampouco
está apenas ali”
1
. Ambos foram criados para designar espaços divididos pelos próprios
seres humanos e os quais adquirem essas diferenciações apenas quando colocados em
evidência no contexto pelo qual estão sendo analisados. O Oriente sempre foi a
         -versa. Como se uma linha
imaginária dividisse não apenas esses dois extremos geográficos, mas também o modo
de pensar, agir e reagir de dois grandes grupos de sociedades que, além de se
espelharem na negação da outra, constituem um bloco homogêneo dentro de suas
próprias fronteiras.
Essa é a segunda grande idealização ingênua dessa ideia.
Pensar no Ocidente e no Oriente como dois grandes blocos homogêneos é uma
das maiores generalizações que se pode ser feita. No entanto, é conceito primordial para
a ideia 
todos aqueles que não fazem parte desse grupo sejam iguais, caso contrário a divisão se
1
SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Cia. das Letras,
2007. Pg. 13.
8
tornaria ineficiente. Essa visão é bastante forte no Ocidente, que tem uma facilidade
maior de se identificar como um bloco único. A contraparte Oriental, até por ser,
conceitualmente, uma idealização da contraparte Ocidental, tem grandes dificuldades de
se visualizar da mesma maneira, ou mesmo de conceber a sua antítese no Ocidente
como um todo. Mas ambas as agregações são ideias de fácil contestação. Não se pode
imaginar apenas um Ocidente da mesma maneira que não se pode imaginar apenas um
Oriente. As sociedades que constituem esses blocos são muito diferentes e possuem
conceitos próprios sobre essa separação. Contudo, essa noção de vários Ocidentes e

   -se para o princípio que
podem existir vári
       rubricas falsamente unificadoras
2
,
          
contraposição usadas por toda a história para embasar conflitos que dificilmente
possuem motivos unicamente ideológicos.
Para o Ocidente, o Oriente também foi sempre a origem e o destino.
Era no Oriente que se localizavam as maiores riquezas e os reinos lendários,
como o reino de Prestes João, ou o próprio Jardim do Éden. Não é difícil entender essa
percepção. Um fator importante para essas localizações lendárias é, simplesmente, o
desconhecimento. Partindo da premissa que no Ocidente todos os territórios eram
conhecidos e esses locais não se encontravam em lugar nenhum
3
, poderiam estar no
Oriente, lugar existente, mas não completamente conhecido. Quanto às riquezas, a
relação é mais direta ainda, afinal, o Oriente era, de fato, o local com o qual os
ocidentais realizavam o seu comércio mais lucrativo. Reconhecidamente cada vez mais
remoto, esse contato comercial entre as partes precisava gerar rendas abundantes, pois o
custo e a periculosidade de contatos tão distantes poderiam ser assegurados caso o
retorno fosse satisfatório. Cria-se então a ideia de que se o comércio de pequenas
quantidades de itens orientais rendia tanto para os ocidentais, as riquezas que aqueles
deveriam ter (com a abundância de material que possuíam em seus próprios territórios)
fosse algo inimaginável. Dificilmente se refletia que, para os orientais, o comércio com
os ocidentais era a fonte de imensas riquezas. Essa idéia iria se tornar ainda mais forte
2
Idem. Pg. 25.
3
Fato que comprova esta teoria é o próprio deslocamento destas lendas para a América, assim que esta foi
colonizada.
9
com o colonialismo do século XIX, que transformou as sociedades orientais nas mais
ricas e importantes colônias européias
4
.
No entanto, essa aproximação comercial nunca refletiu aos outros âmbitos
sociais de ambas as partes proporcionalmente. Por isso, trabalhar com qualquer tema
relacionado à porção Oriental de nosso planeta o é das tarefas mais fáceis. As fontes
são menos conhecidas, as traduções nem sempre são confiáveis, entre outras várias
questões. Tudo isso diminuí, consideravelmente, os parâmetros de comparação tão úteis
em qualquer estudo historiográfico. Felizmente, estas restrições são   
          
que recolocam o Oriente no mapa
5
.
Antes de tudo é interessante pontuar o conceito aqui utilizado da palavra
, a divisão oriente/ocidente seria muito
simples, tendo como o marco divisor o meridiano de Greenwich, na Inglaterra. No
entanto, quando se analisam culturas, essa divisão é muito mais flexível. A Austrália,

cultura ocidental e a reproduz em seu território, sendo considerada, por conseguinte,
parte do mundo ocidental. Portanto, esta divisão no âmbito cultural possui outro marco
divisor, o território que atualmente chamamos de Europa e, que mais especificamente
no contexto deste trabalho, poderíamos chamar de civilizações mediterrânicas.
Apesar de parecer apenas uma escolha de termos, caracterizar as civilizações
ivisão geográfica. O
termo Europa é utilizado de diversas maneiras distintas algum tempo na
historiografia. O próprio Heródoto, ao comentar possivelmente os mapas de Hecateo de
Mileto, divide o mundo em três partes, Europa, Ásia e Líbia
6
. O autor cita a dificuldade
de estabelecer os limites geográficos deste território, mas utiliza um nome previamente
estabelecido e com raízes na mitologia grega
7
. O historiador romano Flávio Josefo e o
  
4
Idem. Pg. 27.
5
Um estudo mais completo destes autores e de suas referidas obras será feito na revisão historiográfica
deste trabalho.
6
HERODOTUS. History. Vol. III. London: John Murray, 1862. Book IV. Pg. 32.
7
Na mitologia grega, Europa era a filha do rei da Fenícia, Agenor, e irde Cadmo. Foi raptada por
Zeus que se disfarçou de touro para que sua ciumenta mulher, Hera, não percebesse. Então, levou Europa
para Creta, onde desembarcou na praia de Matala. Cadmo, ao procurá-la funda a cidade de Tebas. Em
Creta, Europa teve três filhos: Minos, Radamanto e Sarpédon. Mito que, inclusive, liga o conceito de
Europa a própria origem do povo grego.
10
aborda os mesmos assuntos do gênesis bíblico, com ênfase nos três patriarcas de Israel
também utilizam o termo Europa, estabelecendo limites territoriais, como as Colunas
de Hércules (no estreito de Gibraltar, divisa com a Líbia - África) e o rio Don (na divisa
com a Ásia)
8
. Depois, o conceito de Europa seria fortemente conexo ao de cristandade
ocidental, ou seja, dos territórios de dominação cultural romano-cristã e germânica
constituindo a Hispania, a Britannia, a Germania, o reino de França e as regiões do norte
alpino e centrais da península itálica
9
. Entretanto, com a descoberta da América e a
consequente cristianização do continente, a definição de Europa correlacionada à
cultura cristã precisava ser revista
10
, que o critério adotado anteriormente não era
mais de possível aplicação prática. Esse problema foi resolvido apenas em 1730,
quando o geógrafo e cartógrafo sueco Von Strahlenberg propôs que os limites
territoriais da Europa a leste fossem os montes Urais, proposta aceita e utilizada até os
dias atuais
11
. Essa alternância de significados explicita a dificuldade de utilizar o
conceito sem as devidas precauções. Atualmente o conceito de Europa aparece ainda
mais limitado, pois remete ao bloco econômico, jurídico e cultural da União Européia.
Por esses motivos citados que este trabalho não irá se referir aos territórios como
europeus, e sim mediterrânicos. Afinal, esta ideia de unidade cultural e territorial ainda
não estava presente nessas sociedades durante o contexto aqui abordado. O mar
mediterrânico, por fim, constituía sim o centro de atividade cultural e econômico desse
mundo, tornando muito mais significativo como delimitador territorial e cultural desse
universo.
Por isso a ideia de Ocidente não está ligada exclusivamente a uma questão
territorial ou mesmo ao conceito perigosamente anacrônico de Europa. Ocidente são as
culturas que direta, ou indiretamente, foram fortemente influenciadas pela cultura greco-
romana (não a toa são estas as duas culturas chamadas de marco zero do ocidente);

forma alguma, de maneira pejorativa, mas foi escolhido por representar exatamente o
que estas culturas significaram, historicamente, aos olho
8
FRANXMAN, Thomas W. Genesis and the Jewish antiquities of Flavius Josephus. Rome: Biblical
Institute Press, 1979. Pgs. 101 e 102.
9
CANTOR, Norman F. The Civilization of the Middle Ages: completely revised and expanded edition
of Medieval history, the life and death of a civilization. New York: Harper Perennial, 1993. Pg. 185.
10
LEWIS, Martin W. & WIGEN, Kären E. The myth of the continents: a critique of metageography.
Los Angeles: University of California Press, 1997. Pgs. 23-25.
11
Idem. Pgs. 27 e 28.
11
Apesar de parecer, agora, uma questão resolvida, existe outro conceito
importante a se considerar. O que, afinal, seriam estas citadas culturas
ocidental/oriental? Mesmo nos dias atuais esta é uma questão bastante controversa,
afinal existe um grande embate ideológico entre a criação de culturas nacionais que
devem ilustrar os costumes de uma nação específica em contrapartida de uma
globalização cada vez maior e uma consequente perda da identidade local. Se esta
questão permanece como uma das grandes questões a serem discutidas na atualidade, é
de se esperar uma dificuldade ainda maior de definição em uma época em que a noção
de nação, como a que temos hoje, simplesmente não existia e um império possuía
territórios extensíssimos e uma área de influência cultural ainda maior. O império
supracitado é o romano e a cultura, a greco-romana.
Que esta é a cultura inicial do que costumamos chamar de Ocidente, pouco se
discute, mas até onde atuava seu raio de influência é, ainda, ponto flexível na maioria
dos debates sobre o tema. No interior do território imperial pouco se contesta a
importância desta, pois mesmo em territórios que preservavam sua cultura original, ou
seja, a anterior à da colonização romana, um forte legado político
12
, ou mesmo tradições
populares de mútua influência (colonizadores e colonizados)
13
estavam, ao menos,
presentes no cotidiano destas populações. No entanto, seu raio de influência era
consideravelmente maior do que os limites territoriais. Ainda mais após o ano de 380,
no qual foi promulgado, pelo imperador Teodósio, o Édito de Tessalônica, que tornava
o cristianismo a religião oficial do Império. Com esta oficialização, as áreas de
influência da cultura romana e a do cristianismo se confundiram, sendo difícil saber
qual era o real alcance de cada uma delas. É com Teodósio, também, que acontece a
formalização de um fato que complicaria ainda mais qualquer tentativa de entendimento
desta situação. Ao morrer, em 395, ele divide o território do império entre seus dois
f             -
            
(que, por sua vez, era a herdeira da tradição grega), com o passar do tempo os lados
começam a se distanciar, com o Ocidente privilegiando a tradição latina e o Oriente a
grega
14
.
12
VEGA, M. J. H. de la. Algunas reflexiones sobre los limites del oikoumene en el Imperio Romano.
In: Gerión, 23, n. 1, 2005. Pg 275.
13
PLÁCIDO, Domingo. La chora y la oikouméne: la proyección geográfica del mundo colonial. In:
Gerión, n. 15, 1997. Pg. 79.
14

12
Esta divisão territorial trouxe, inclusive, outro problema à tona, que a primeira
vista pode parecer bastante superficial, mas que colocado em seu devido contexto,
adquire muita importância, ainda mais em um trabalho como este que se propõe a
discussão de conceitos. Mesmo com a separação institucional
15
entre Roma e
Constantinopla as duas porções ainda eram chamadas de Império Romano, o Ocidental
e o Oriental, respectivamente. Mas um novo termo logo surgiu para denominar a porção
Oriental, Império Bizantino. Porém, o exato momento e que o território com centro em
Constantinopla deixa de ser Romano para se tornar Bizantino é alvo de diversas
discussões no meio historiográfico.
Alguns autores, como José Marín Riveros
16
, datam o início do império bizantino
contemporaneamente a própria construção da cidade de Constantinopla. Apesar de
parecer um conceito estranho, que em 330 o império romano ainda era
institucionalmente unificado, é uma ideia que tem tido algum apelo atualmente. Como
são categorizações feitas posteriormente à data estudada, considera-se que império
romano (oriental ou mesmo como um termo completo) e império bizantino não são
termos excludentes entre si, podem existir na mesma época, apenas ilustrando certas
particularidades. Outros autores, como Diehl, Ostrogorski, Vasilev, Lemerte e Brehiér
17
datam esta transição exatamente na divisão institucionalizada promovida por Teodósio,
no século IV. O motivo desta é bastante claro, afinal, no momento em que o território
deixa de ser único, contando, inclusive, com governantes e instituições específicas,
torna-se um bom marco da divisão da própria ideia de romanização. Mas a ideia do que
Roma representava não abandonou tão rapidamente a porção oriental do império e, a
grande maioria dos historiadores, ainda tenta posicionar esta divisão de nomes em
alguns dos futuros imperadores. Um dos mais utilizados para este fim é justamente um
dos personagens que este trabalho tem como foco, Justiniano. Por muitos
18
ele é
considerado como o último imperador romano oriental
19
e esta escolha é bastante
15
        s cidades era muito anterior a morte de
Teodósio. Logo na construção de Constantinopla, com Constantino em 330, esta adquire um papel
bastante diferente da antiga Roma. A aproximação das duas nunca foi efetiva, alternando, apenas, com
momentos de menor distância.
16
RIVEROS, J. M. & HERRERA CAJAS, H. El Império Bizantino: introducción histórica y selección
de documentos. Nea Hellás, Serie Byzantini Historia I. Universitad de Chile: Facultad de Filosofía y
Humanidades, 1998. pg. 15.
17
DIEHL, Charles. Grandes problemas da história bizantina. São Paulo: Ed. Das Américas, 1961. pg.
12.
18
Idem.
19
LOT, Ferdinand. O fim do mundo antigo e o princípio da Idade Média. São Paulo: Edições 70,
2008. pg. 296.
13
justificável. Justiniano é o último imperador que tenta levar a cabo a reunificação da
antiga Roma através de seu projeto denominado renovatio imperium; ele é o último
imperador a legislar, oficialmente, em latim; e principalmente, o último a exigir o latim
como língua oficial do território
20
. Ainda existem outros marcos propostos, como o
reinado de Leão Isáurico (717 740) ou o ano 800 (advento de Carlos Magno no
Ocidente). Mas este trabalho não resolve esta questão e sequer almeja este feito.
Utilizar-se-á, neste, o termo 
e mais direto é por ser a forma como as fontes aqui estudadas se referem ao seu
contexto. Outra razão tem sua explicação na temática aqui proposta. Como esta
dissertação tem como ponto central a discussão da ideia de civilização, é ponto comum
partir da ideia original proposta pelos autores das fontes. Mesmo na porção oriental, e
ainda muito após Justiniano, a ideia de civilização apresentada estava intimamente
ligada com o termo romano civilitas. Mesmo quando se utiliza o termo grego,
oikoumene, ainda assim este é uma sombra da tradição grega projetada e resgatada pela
tradição latina, sendo a antiga Roma, ainda, o grande exemplo a ser seguido. Mudava-se
apenas o foco.
20
KAPLAN, M.; DUCELLIER, A.; MARTIN, B. A idade média no oriente. Coleção História da
Humanidade. Lisboa: Dom Quixote, 1994. pg. 48.
14
2. Revisão Historiográfica
Como citado na introdução desta dissertação, as obras sobre o território oriental
do mundo, e mesmo da poção oriental do próprio Império Romano, são bem menos
numerosas quando comparadas com as do Ocidente. Contudo, alguns autores,
principalmente no leste europeu, desde o século XIX têm resgatado a tradição dos
estudos sobre este tema. Esta tradição de estudos orientais por autores russos não é
difícil de compreender. A Rússia por muito tempo se considerou herdeira de
Constantinopla, por ser a nova sede da Igreja Ortodoxa. Moscou era chamada de
terceira Roma e os próprios imperadores adotavam o título de Czar (César)
21
.
Mas os estudos, mesmo que ainda muito raros, começaram algum tempo antes.
Já no século XVII, o francês Charles Ducange (1610 1688) inicia a tradição de
estudos científicos sobre o tema. Essa preocupação do autor é ilustrada principalmente
Glossarium mediae et infimae latinitatis
22
Glossarium ad scriptores
mediae et infimae Graecitatis
23
nas quais, ao buscar uma totalidade quase universal,
como bastante comum no período, o Oriente assume uma igualdade de importância nos
estudos promovidos. Sua importância foi tão grande que, não sem motivos, suas obras
são frequentemente citadas por Edward Gibbon (1737 1794), historiador e autor do
The History of the Decline and Fall of the Roman Empire
24
.
No entanto, este foi um caso isolado. Logo no século seguinte, com o advento do
        
25
(como o império
romano oriental era facilmente associado) logo entraram em grande decadência, pois
essa característica, para os iluministas, relacionava-     

No século XIX, com o romantismo
26
, um novo interesse (e desta vez não
representado apenas por um caso isolado) pelo império romano oriental cresceu no meio
historiográfico. George Finlay (1799 1875), historiador britânico de ascendência
21
DIEHL, Charles. Grandes problemas da história bizantina... pg. 14.
22
Disponível na Biblioteca digital da universidade de Stanford <
http://standish.stanford.edu/bin/search/advanced/process?clauseMapped(catKey)=612209&sort=title >
Ultimo acesso em 07/09/2009.
23
Disponível na Biblioteca Digital de estudos modernos gregos <
http://anemi.lib.uoc.gr/metadata/f/4/b/metadata-01-0000493.tkl > Último acesso em 07/09/2009.
24
GIBBON, Edward. The History of the Decline and Fall of the Roman Empire. Londres: Orion
Publishing, 2005.
25
DIEHL, Charles. Grandes problemas da história bizantina... pg. 16.
26
Ibid. pg 17.
15
escocesa, é um dos exemplos deste período. Muito interessado sobre a cultura grega,
escreve sobre esta no período de dominação romana, abrangendo, obviamente, grande
        Greece under the Romans
27
estabelece um grandioso estudo da condição de uma cultura grega nos tempos de
conquistas romanas. Deste período também se destacam autores gregos, como
Constantine Paparrigopulos (1815 1891) e Spyridon Lambros (1851 1919). O
primeiro é considerado por muitos como fundador da historiografia grega moderna, sua
      History of the hellenic nation
28
é o
produto final de anos de estudos sobre o tema, iniciados em obras anteriores, como
Elements of general historyGeneral historye abrangente em
sua totalidade. O segundo, bastante envolvido com a política, foi nomeado brevemente
como primeiro ministro grego (1916 1917). Professor de história da Universidade de
Atenas, sempre se interessou pela história e cultura de seu país. Ao buscar a formação
inicial destas, funda na academia um movimento denominado Neos Hellenomnemon,
que desenvolvia estudos que focavam principalmente os períodos de dominação romana
e otomana na Grécia.
Ainda entre os representantes de uma historiografia do século XIX podemos
citar alguns alemães (nascidos na antiga Prússia). Barthold Georg Niebuhr (1776
1831), historiador (professor da Universidade de Berlim) e político (chegou a ser
diretor-chefe do Banco Nacional) teve uma prolífica vida acadêmica e diplomática. Sua
obra sobre a história de Roma
29
foi concebida durante o período no qual atuou como
embaixador na capital italiana. Apesar de basear seus estudos na historiografia latina,
principalmente pela vasta leitura de Cícero, participou juntamente com o filologista e
filósofo alemão, August Bekker (1785 1871)
30
, de estudos voltados a uma cultura
helenística. Outro que se destaca neste sentido é Ferdinand Gregorovius (1821 1891),
historiador especialista em Roma medieval. Sua obra que mais chama atenção neste
     Geschichte der Stadt Athen im Mittelalter. Von der Zeit
27
FINLAY, George. Greece under the Romans: a historical view of the condition of the greek nation
from its conquest by the romans until the extinction of the roman power in the east. Disponível no Google
Books em < http://books.google.com.br/books?id=zx9-
vUE6HF8C&dq=greece+under+the+romans&printsec=frontcover&source=bl&ots=gLr1ypURM_&sig=b
zTiv4X__HLM5Q9GvP0XfYEH7PU&hl=pt-BR&ei=73-
lSpbqF6ad8Qas6tzdDw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1#v=onepage&q=&f=false >
Último acesso em 07/09/2009.
28
PAPARRIGÓUPOLOS, Konstantinos. Epítomos istoría tou ellinikoú. Atenas: Mati, 2005.
29
NIEBUHR, Barthold Georg. History of Rome. Londres: Oxford, 1845.
30
BEKKER, A. I. et al. Bibliotheca histórica. Série Bibliotheca scriptorum Graecorum et Romanorum
Teubneriana [Scriptores Graeci]. Ed. stereot. ed. annorum 1867/68.
16
Justinians bis zur türkischen Eroberung
31
(História da Cidade de Atenas na Idade
Média. Do tempo de Justiniano até a conquista Turca). O próprio nome se torna
curioso, afinal é um livro que possui como marco temporal inicial o reinado de
Justiniano e, no mesmo título, é encarado como uma história da cidade de Atenas e,
portanto, primordialmente grega.
Mesmo com tantos nomes, o maior representante deste período provavelmente
deve ser o estudioso Karl Krumbacher (1856 1909). Especialista em literatura e língua
Geschichte der byzantinischen Literatur von
Justinian bis zum Ende des Ostroemischen Reiches
32
(História da literatura bizantina
Byzantinische
Zeitschrift
33
Byzantinisches Archiv
34
. Foi, indubitavelmente, um dos maiores e
mais produtivos estudiosos da cultura helenística e um grande incentivador de
investigações posteriores.
Graças a esse período inicial, hoje podemos notar um estudo (mesmo que
ainda em menor número com relação a sua contraparte ocidental) institucionalizado
sobre o tema, muito deste mérito cabe a geração seguinte de historiadores, do final do
XIX e começo do XX, que inseridos em diversas academias espalhadas pela Europa,
formalizaram o estudo destas questões. Da escola russa, já citada anteriormente, pode-se
destacar Nikodim Pavlovich Kondakov (1844 1925), historiador especialista em arte e
arquitetura romano oriental, foi um dos grandes incentivadores da arqueologia desta
cultura, o que claramente auxiliou o entendimento do período. Um de seus estudos, por
exemplo, analisa as iluminuras gregas e suas evoluções artísticas, demonstrando a
constante busca desta cultura pelo balanceamento do uso artístico ideal em seus
manuscritos
35
. Do Reino Unido, destacam-se John Bagnell Bury (1861 1927) e
Norman Hepburn Baynes (1877 1961). O primeiro, professor da universidade de
Cambridge, escreveu diversas obras sobre a história do mundo romano na antiguidade
tardia, especialmente de seu lado oriental.   History of the Later Roman
31
GREGOROVIUS, Ferdinand. Geschichte der Stadt Athen im Mittelalter : von der Zeit Justinians

32
KRUMBACHER, Karl. 
 New York: B. Franklin, 1970.
33
Revista Bizantina, inaugurada em 1892.
34
Arquivos Bizantinos, inaugurado em 1898.
35
KONDAKOV, N. P. Istoriia vizafituskago iskusstva i ikonografii. New York: B. Franklin, 1970.
17
Empire from Arcadius to Irene
36
History of the Later Roman
Empire from the Death of Theodosius I to the Death of Justinian
37
, publicada em 1923;
são importantes referenciais teóricos sobre o tema. Norman Baynes, professor da UCL
(University College London) possuí trabalhos de cunho generalista e introdutório, como
 Byzantium: An Introduction to East Roman Civilization
38
; mas também análises
Constantine the
Great and the Christian Church
39
.
Outro grande foco destes estudos foi a França. Alfred Nicolas Rambaud (1842
1905) foi um dos maiores especialistas sobre o assunto, com uma produção
extremamente variada sobre o mundo oriental romano. Apesar de ser muito conhecido
por sua vasta bibliografia sobre história da Rússia e da França contemporânea;
        Le monde byzantin; le
sport et l'hippodrome
40
(O mundo bizantino, o esporte e o hipódromo)
41
L'Empire
grec au Xe siècle
42
(O império grego no século X), grandes referenciais teóricos para
as gerações subsequentes. Outro expoente foi Gustave Schlumberger (1844 1929),
historiador e especialista em numismática medieval, principalmente referente aos temas
       Numismatique de l'Orient latin
43
(Numismática do oriente latino) ainda é considerado, atualmente, o principal trabalho
sobre moedas na época das cruzadas
44
. Além desta relação entre império romano
oriental e cruzadas, presente em diversas outras obras, destacam-se, também, estudos
sobre poesia épica romano oriental
45
e uma biografia do imperador Nicéforo II
46
. Ainda
36
BURY, J. B. A history of the later Roman empire, from Arcadius to Irene. London & New York:
Macmillan and Co., 1889.
37
BURY, J. B. History of the later Roman empire from the death of Theodosius I to the death of
Justinian. London: Macmillan and Co., limited, 1923.
38
BAYNES, Norman H. Byzantium; an introduction to East Roman civilization. Oxford: Clarendon
Press, 1948.
39
BAYNES, Norman H. Constantine the Great and the Christian Church. 2. Ed. London, Oxford
University Press for the British Academy, 1972.
40
De Byzantino Hippodromo et circensibus factionibus
41
RAMBAUD, Alfred N. De Byzantino Hippodromo et circensibus factionibus. New York: B.
Franklin, 1962.
42
RAMBAUD, Alfred N. 
Franklin, 1962.
43
SCHLUMBERGER, Gustave.    . Austria: Akademische Druck
Verlagsanstalt, 1954.
44
ZACOUR, N. P.; HAZARD, H. W. (ed.). The impact of the Crusades on Europe: a history of the
crusades. Volume VI. Wisconsin: University of Wisconsin Press, 1989. pg 354.
45
SCHLUMBERGER, Gustave. L'épopée byzantine à la fin du dixième siècle. França: Hachette & Cia,
1905. Disponível na American Libraries, em < http://www.archive.org/details/lpopebyzantinel01schlgoog
> Último acesso em 08/09/2009.
18
contemporâneo a estes, se encontra o supracitado Charles Diehl (1859 1944), autor
de grandes clássicos ainda bastante utilizados por quem almeja estudar a porção oriental
do império romano, sobretudo no período que hoje se convenciona chamar de
Antiguidade Tardia. Diehl, em seus livros, procurou abranger a totalidade do que ele
chamava de bizantinismo. Desde estudos sobre arte
47
, pesquisas específicas sobre
Justiniano
48
e Teodora
49
, até obras mais gerais
50
.
Seguindo esta linha temporal, historiadores dos dois últimos séculos também
tem se preocupado em debater o tema aqui proposto.   El Mundo como
Morada
51
, José Marín Riveros se dedica à análise de duas obras histórico/geográficas
Expositius Totius Mundi et Gentium, de autoria anônima; e uma bastante focalizada
nesta dissertação, Topografia Cristã, de Cosme Indicopleustes para demonstrar que,
mesmo permeadas de aspectos mitológicos, elas eram reflexo claro de como aqueles
personagens enxergavam o contexto ao qual estavam inseridos; outro artigo que merece
destaque é o de Anca Crivat-  Mirabilis Oriens: fuentes y
transmisión
52
, pois mesmo não sendo específico ao contexto que este trabalho pretende
abordar, faz uma breve revisão historiográfica das obras e personagens que, durante a
História Antiga e Medieval, se ocuparam com o estudo deste intercâmbio; neste mesmo
aspecto de traçar um histórico sobre o tema, mais dois artigos se sobressaem,
Relaciones entre el Imperio Romano y los Reinos Lejano Oriente
53
, de Sergio Meliton
   Vias de Relación entre Roma e China
54
, de Sergio Salamo
Asenjo.
Podemos destacar, também, a obra de John Haldon, professor da universidade de
Princeton, especialista em estudos helênicos e diretor do projeto Euchaita/Avkat (que
46
SCHLUMBERGER, Gustave. Un empereur byzantin au dixième siècle, Nicéphore Phocas. Paris:
Librairie de Firmin-Didot ET Cie, 1890. Disponível na Canadian Libraries, em <
http://www.archive.org/details/unempereurbyzant00schluoft > Último acesso em 08/09/2009.
47
DIEHL, Charles. L'Art byzantin dans L'Italie méridionale. Paris: Librairie de l'Art, 1894.
48
DIEHL, Charles. Justinien et la Civilisation byzantine au 6. Siècle. Paris: [s.e.], 1901.
49
DIEHL, Charles. Théodora, impératrice de Byzance. Paris, E. de Boccard, 1937.
50
DIEHL, Charles. Histoire de l'empire byzantin. Paris: A. et J. Picard, 1969.
51
RIVEROS, J. M. El Mundo como Morada: orden y propósito. In: Byzantion Nea Hellás n.25.
Universitad de Chile: Facultad de Filosofía y Humanidades, 2006.
52
CRIVAT-VASILE, Anca. Mirabilis Oriens: fuentes y transmisión. In: Revista de Filologia Románica
n.11-12. Madrid: Univ. Complutense, 1994-95.
53
ÁLVAREZ, S. M. C. Relaciones entre el Imperio Romano y los Reinos del Lejano Oriente:
verificación del intercambio a través de hallazgos de monedas romanas en la ruta de difusión del
budismo. In: Semanas de Estúdios Romanos. vol. XI. Chile: Universidad Catolica de Valparaiso, 2002.
pg. 243-258.
54
ASENJO, S. S. Vias de Relacion entre Roma y China. In: Semanas de Estúdios Romanos. vol. VI.
Chile: Universidad Catolica de Valparaiso, 1991. pg. 163-174.
19
promove pesquisas arqueológicas e históricas no centro-norte da Turquia). Com uma
pesquisa centrada nos âmbitos social, político, institucional e cultural, é autor de
diversos livros, que procuram, cada vez mais, elucidar questões importantes deste
contexto. Dentre suas obras mais atuais, encontram- The social history of
Byzantium”
55
e Byzantium in the iconoclast period: a history”
56
. Outra autora deste
tema que recorrentemente se destaca é a grega Helene Ahrweiler Nascida em Atenas,
logo entrou em contato com a historiografia francesa. Obteve o grau de doutora pela
École pratique des hautes études assumindo, em seguida, o cargo de professora na
Universidade de Paris 1 Byzance et la
mer
57
Byzance: les pays et les territoires
58
(Bizâncio: os países
e os territórios). Para finalizar, pode-se citar o historiador italiano Guglielmo Cavallo,
especialista em paleografia grega e romana, além de diplomacia histórica. Apesar de
estudar temas variados dentro de suas especialidades, foi o organizador de um trabalho
bastante específico do tema L’Uomo Bizantino
59
é ainda, sem
qualquer dúvida, um grande referencial para qualquer um que queira se aprofundar
nestes estudos.
55
HALDON, John. The social history of Byzantium. Oxford: Oxford Press, 2008.
56
HALDON, John . Byzantium in the iconoclast period: a history. Cambridge: Cambridge University
Press, forthcoming 2010.
57
AHRWEILER, Helene. Byzance et la mer. Paris, Presses universitaires de France, 1966.
58
AHRWEILER, Helene. Byzance: les pays et les territoires. London: Variorum Reprints, 1976.
59
CAVALLO, G. O Homem Bizantino. Lisboa: Presenta, 1998.
20
3. Tipologia e histórico de análises da fonte
A fonte primária desta dissertação provém de três manuscritos diferentes. O
primeiro, encontrado no século IX, foi primeiramente chamado de Vaticanus; os outros
dois, ambos encontrados no século XI, foram inicialmente denominados Sinaiticus e
Laurentianus. Muito se discute sobre a integridade da obra. Alguns autores consideram
que estes três manuscritos são partes de obras distintas, mas como não se encontrou
mais nenhuma produção literária deste mesmo autor, fez-se regra compilar e editar estes
três manuscritos como uma única obra.
As edições modernas utilizadas neste trabalho são, ou traduções para o espanhol
ou para o inglês, sendo, neste último caso, algumas edições bilíngües inglês/grego.
São elas,
- Cosme Indicopleustes. Topografia Cristiana. Trad. De J. W. McCrindle,
Hakluyt Society, 1998. Londres, 1897.
- Winstedt. The Christian Topografy of Cosmas Indicopleustes. Cambridge
University Press, 1909.
- Cosmas Indicopleustes. The Christian Topography. Disponível em
<http://www.tertullian.org/fathers/#Cosmas_Indicopleustes> Acesso em 17 jul. 2007.
- Edição bilíngüe parcial: Cosmas Indicopleustes. The Fourth Book of the
Christian Topography. Disponível em <
http://ccat.sas.upenn.edu/awiesner/cosmas.html> Acesso em 17 jul. 2007.
          maneira,
Livro I, obra de um cristão, contra aqueles que se dizem cristãos, mas acreditam e
professam, como aqueles de fora, que o céu é esférico; Livro II, teorias cristãs sobre a
forma e a distribuição dos lugares em todo o universo, com base nas Sagradas
Escrituras; Livro III, que as Sagradas Escrituras são confiáveis e dignas de fé, pois
revelam coisas que concordam entre elas e com o conjunto, tanto no Novo como no
Velho Testamento, indicando a utilidade das formas do universo; Livro IV, concisa
recapitulação, com ilustrações da forma do universo de acordo com as Sagradas
21
Escrituras e a refutação da esfera; Livro V, onde se encontra a descrição do tabernáculo
e o acordo entre profetas e apóstolos. Essa obra será chamada por nós de
TOPOGRAFIA CRISTÃ, A QUE CONTÉM O UNIVERSO INTEIRO. Livro VI,
adicional, o tamanho do sol; Livro VII, dedicado a Anastásio, provas de que o céu é
indestrutível; Livro VIII, sobre o cântico de Ezequiel e a retro gradação do sol; Livro
IX, desenho do curso das estrelas; Livro X, citações dos Pais concordantes com todo o
nosso escrito. Ainda, fora da obra, Livro XI, desenhos e descrições dos animais das
Índias, igualmente das árvores da Ilha de Taprobana. Outra parte, Livro XII, explicação
de que muitos escritores antigos, entre os estrangeiros, atestam a antiguidade das
Sagradas Escrituras compostas por Moisés e pelos profetas, os gregos parecem ter

Apesar de começar com a seguinte descrição
um volume que contem a descrição mais completa de todo o mundo, tanto aquele além do
oceano como este e todos os seus territórios, juntamente com as terras do sul, desde Alexandria
até o oceano abaixo, chamado de Rio Nilo, e seus territórios adjacentes, além de todas as raças
do Egito e da Etiópia; o Golfo Arábico, seus territórios e seus habitantes, ao longo do mesmo
oceano, assim como as terras entre o rio e o golfo, com as cidades distritos e tribos que ali
habitam. O segundo volume para demonstrar que tudo o que dissemos é verdade, contra as
falsidades ditas por nossos adversários
60
.

uma ideologia político-cultural do contexto de seu autor. A unificação da fé católica sob
a tutela de Constantinopla, proposta política e religiosa promovida por Justiniano,
aparece no texto na visão própria e singular de Cosme, demonstrando que este aspecto
se encontrava fortemente inserido na cultura interna do Império Romano Oriental.
Sobre o autor, Cosme Indicopleustes, infelizmente pouco se sabe. Seu único
legado foi o texto aqui analisado, no qual, no livro II, existem algumas raras menções a

deve ter sido escolhido exatamente 

longo de toda a sua obra. Ele possivelmente nasceu em Alexandria e, por causa de sua
60
Cosmas Indicopleustes. The Christian Topography. Disponível em <
http://www.tertullian.org/fathers/#Cosmas_Indicopleustes > Acesso em 13/09/2009.
22
crença (não se pode afirmar sem uma margem de erro qual era a corrente cristã que o
autor seguia, mas o fato importante nessa situação é o de que, com certeza, ele não era
ortodoxo, única faceta cristã aceita e defendida dentro dos territórios imperiais) deve ter
entrado em conflito com a maioria dos religiosos local.
Embora o fato de que não possuía nenhum tipo de educação formal seja citado
pelo próprio autor e refletido no seu estilo de escrita, o conhecimento de alguma
bibliografia da época transparece visivelmente em seu texto. A própria escolha do titulo
da obra reflete certa preocupação neste aspecto. Ao denominá-  
grego topos = estilo e graphia = escrita) parece indicar alguns autores que, lidos por ele,
podem ter influenciado a sua forma de escrever. Alguns destes possíveis exemplos são,
inclusive, citados constantemente em sua obra. O primeiro dos autores bastante
referenciados pelo autor é Heródoto (485?420 a.C.), historiador e geógrafo grego,
nascido em Halicarnasso (atual região de Bodrum, Turquia). É cons
               
análise do passado e do presente se constitui em base filosófica do conhecimento
          simples

Escreve tanto o que presenciou em suas viagens, quanto o que ouviu falar por terceiros.
        Historias   livro
dividido em nove partes, nomeados segundo os nomes de musas da mitologia. Neste
narra as Guerras dos Gregos contra os Persas, da civilização contra a barbárie
(respectivamente), sua cidade natal, Halicarnasso, por ser uma província oriental sofreu
a pressão dos persas diretamente e este deve ter sido um dos grandes motivos que o
motivou a escrever uma obra com este teor. Outro autor muito citado é o romano Caio
Plínio Segundo (23-79), também chamado de Plínio, o velho. Considerado o mais
importante naturalista da antiguidade, defendia uma descrição verbal da natureza por ser
Naturalis Historia
um compêndio de ciências antigas distribuído em trinta e sete volumes, dedicado a Tito
Flávio, que viria a ser imperador romano (entre 79 e 81 d.C.). Faleceu devido às nuvens
de gases tóxicos quando tentava pesquisar o vulcão Vesúvio. Cosme também se baseia
muito nos estudos de Estrabão (63-24 a.C.), historiador, geógrafo e filósofo nascido na
província de Pontus (atual Amasya, na Turquia), cidade que, na época do nascimento
deste autor, se tornou uma província romana, proporcionando a ele a oportunidade de
23
seguir os estudos de diversos filósofos e geógrafos romanos. Sua principal obra se
intGeographia, na qual, em dezessete livros, descreve sobre locais e povos de
todo o mundo que lhe era conhecido à época. Aos descrever os locais pelos quais
passava, sempre defendia o domínio de Roma, se tornando um dos grandes apoiadores
da romanitas, ou o processo de expansão de Roma até onde possível. Cláudio Ptolomeu
(90-168) foi outro geógrafo possivelmente bastante lido por Cosme, este cientista
alexandrino escreveu diversos trabalhos em áreas como as de geografia, cartografia,
astronomia e mate         
Tratado), no qual ele propõe um modelo astronômico geocêntrico. No entanto, a obra
Geographia
qual Ptolomeu compila todos os dados geográficos conhecidos e difundidos no império
romano, incluindo até coordenadas de latitude e longitude.
A Bíblia é outra das fontes de conhecimento mais utilizada. Também se
       - katholikos
61
persa entre 540 e 552 e, muito provavelmente, um dos instrutores de Cosme. Seu
conhecimento prático também permeia toda obra, por isso se torna quase unanimidade
considerar que exercia o oficio de viajante constantemente. Nas descrições de suas
viagens, cita destinos como o Reino de Axum (atualmente a Etiópia), o Ceilão (atual Sri
Lanka) lugares estes que muito provavelmente tenha efetivamente conhecido e a
Índia e a China locais dos quais deve apenas ter ouvido falar.
Os viajantes cristãos eram, quase sempre, divididos em dois grandes grupos, os
comerciantes, que na maioria das vezes realizavam viagens periódicas, contudo rápidas,
com o intuito bem definido de lucrar no destino almejado; e os religiosos, normalmente
ligados a alguma ordem monástica, que partiam para territórios inóspitos a fim de
catequizar as populações locais. Os primeiros, pouco produziram, seus relatos quase
sempre se resumiam a constatações econômicas e cambiais. Os segundos eram
missionários franciscanos, dominicanos, nestorianos, entre outros que visualizavam
no Oriente uma região ainda carente de uma religião institucionalizada e, com isso, com
chances de conversão aparentemente bastante favoráveis
62
. Porém, como essas
empreitadas demandavam uma longa preparação e recursos extremamente altos, essas

61
Termo que se equivale, na jurisdição canônica, ao de Patriarca. Utilizado nas províncias cristãs da
Mesopotâmia (Pérsia), Armênia e Geórgia.
62
LABARGE, M. W. Viajeiros Medievales: los ricos y los insatisfechos. Madrid: Nerea, 1992.
24
que se submetiam a estas viagens acumulavam várias funções. Por diversas vezes,
também, os reinos cristãos aproveitavam os missionários como emissários de um poder
temporal que, igualmente, possuía fortes intenções políticas e econômicas direcionadas
ao Levante. Os monges representavam o labor e os reis, o capital que financiava as

63
favorável às duas partes envolvidas. Cosme parece se
identificar com os dois grupos, pois apesar de ser primordialmente um viajante com
intuitos teológicos ao menos foi o que tentou passar pela obra deixada o seu ofício
diário foi, muito provavelmente, o de importador de especiarias.
     ou pelo menos os cinco primeiros
tomos, núcleo original da obra
64
- foi compilado e escrito, provavelmente, entre os anos
de 547 e 549
65
. As edições atuais provêm, inicialmente, dos três manuscritos
supracitados, o Vaticanus, sem autoria identificada, incompleto pois conta com apenas
dez livros Sinaiticus e Laurentianus, ambos
do século XI, com os doze livros que conhecemos até os dias atuais e com uma menção
de autoria   
Permanecer anônimo era de vital importância para que sua obra não fosse censurada,
Três Capítulos
haviam sido condenados e consequentemente tiveram sua circulação interrompida. O
próprio nome do autor, posteriormente utilizado com frequencia é questionado, afinal
o viajante do Ìndico
Kosmas
em sua obra, o Kosmos Christianorum, o Universo Cristão.
A obra é uma defesa dos princípios cristãos, debatendo as principais questões
teológicas da época sempre em favor das teorias fundamentadas pelo conhecimento
religioso, sendo, exatamente por isso, permeada por inúmeros fatores escatológicos e
mitológicos. Mesmo que este aspecto da obra possa representar uma maior dificuldade
na análise da mesma, consiste em importante fator de inserção dos personagens em seu
próprio contexto histórico. Além disso, demonstra uma forte tendência do autor junto à
escola de Antioquia, representada pela busca constante de apenas interpretar os dados
63
Nem sempre formal e muitas vezes subliminar.
64
ELVIRA, Miguel Angel. Experiencia y Teoria en Cosmas Indicopleustes. Disponível em
<http://interclassica.um.es/investigacion/hemeroteca/erytheia/numero_6_2_1985/experiencia_y_teoria_de
_cosmas_indicopleustes > pg. 257. Último acesso em 13/09/09.
65
RIVEROS, J. M. El Mundo como Morada...pg. 139.
25
palavra inequívoca de Deus
e inquestionável fonte da ciência
66
.
Isto gera uma contradição que permeia toda a obra. Cosme é um paradigma
inevitável entre os pensamentos científico e religioso. Utiliza-se de fatos, dados
matemáticos e inúmeros outros artifícios quando estes o favorecem, mas sempre
manipula os resultados para que nunca ultrapassem suas pré-concepções retiradas
diretamente das Sagradas Escrituras. Para cada questionamento de seus opositores aos
quais seus métodos científicos não resolvam, como por exemplo, certas movimentações
         Este fato se deve unicamente a
vontade de Deus
conhecimento das teorias as quais o autor tenta refutar, pois para ele, o fato de uma
teoria não ter como base o texto dos Escritos Sagrados cristãos, já seria o suficiente para
decretar sua falibilidade.
Essa defesa incessante e literal de certos aspectos descritos na Bíblia
representados, sobretudo, pela refutação da esfera terrestre
67
fazia com que a grande
parte do ciclo intelectual da época o tratasse com pouquíssima seriedade. Dentre seus
principais críticos podemos citar Philoponus (490-570), filósofo cristão grego,
contemporâneo de Cosme e defensor da teoria da esfera terrestre, a qual divulgava na
     -891), patriarca de Constantinopla, e um dos
primeiros leitores de Cosme a comentar seu texto, o qual critica enormemente pela
tendência de interpretação literal do texto bíblico.
Por isso, a preservação da obra de Cosme muito se deve a inclusão, nas versões
         Desenhos e descrições dos
         . Este capítulo
específico provavelmente deveria ser parte de um tratado maior sobre geografia, mas
como apenas uma pequena parte foi preservada, foi devidamente compilada como um
livro adicional na obra maior e única do autor
68
. Seus desenhos e descrições de animais
e peças observados são tão detalhados que mesmo sem ter consciência Cosme foi um
66
ELVIRA, Miguel Angel. Experiencia y Teoria en Cosmas Indicopleustes...pg 261.
67
Apesar de ser normal na historiografia ocidental achar que a idéia da esfera terrestre é um fato
relativamente recente, este conceito já existe desde a Grécia clássica. Em suma, os poucos autores
ocidentais do mundo antigo ou medieval que comprovadamente combateram a esfericidade da Terra
foram exceção, eles eram geralmente ignorados ou tratados com pouca seriedade nos círculos intelectuais
de sua época. Para mais detalhes: RUSSEL, Jeffrey Burton. Inventando a Terra Plana. Ed. Unisa, 1999.
68
ELVIRA, Miguel Angel. Experiencia y Teoria en Cosmas Indicopleustes...pg. 258.
26
dos precursores da ciência arqueológica
69
. Este foi, por muito tempo, o aspecto da obra
mais apreciado, senão o único, pelos seus leitores. Exemplo disso é a declaração de
Montfaucon, editor da primeira obra completa de Cosme, em 1706, de que o Livro XI é
mais importante do que todo o restante da obra.
É somente com a análise da historiadora polonesa Wanda Wolska-Conus
(responsável pela edição mais autorizada da obra de Cosme até os dias de hoje), a partir
da década de 60 do século XX, que foi feita uma análise da obra sem os pré-conceitos
pejorativos que as marcavam até então. Este resgate proporcionou outras abordagens
possíveis, como as realizadas no citado artigo de José Marín R El Mundo
como Morada
70
        Experiencia y Teoria en
Cosmas Indicopleustes
71
interessante análise histórica de diversos comentadores da
obra de Cosme.
69
PACE B. Ed. Mondadori, 1947. pg. 30.
70
RIVEROS, J. M. El Mundo como Morada: orden y propósito. In: Byzantion Nea Hellás n.25.
Universitad de Chile: Facultad de Filosofía y Humanidades, 2006.
71
ELVIRA, Miguel Angel. Experiencia y Teoria en Cosmas Indicopleustes. Disponível em
<http://interclassica.um.es/investigacion/hemeroteca/erytheia/numero_6_2_1985/experiencia_y_teoria_de
_cosmas_indicopleustes > pg. 257. Último acesso em 13/09/09.
27
CAPÍTULO II
O Contexto Romano Oriental: a união entre religião e política
Religião e política são dois conceitos que costumam andar juntos. Apesar de
cada vez mais se formalizar a separação entre Igreja e Estado, essa divisão acontece
apenas com as instituições que representam ambas e em um âmbito legal. Política é
muito mais do que qualquer cargo administrativo relacionado a ela e religião supera
qualquer instituição que simbolize esta ou aquela crença. Ambos os conceitos são
considerados fundamentais em qualquer sociedade existente e, por isso, costumam
constituir os pilares do pensamento das populações que as habitam.
Mas, obviamente, é notável alguns casos nos quais essa relação foi mais
explícita na sociedade ou que ao menos tenha sido estudada com mais profundidade em
alguns períodos e, por isso, aparenta ser muito mais palpável do que em outras
situações. O senso comum aponta a convencionada Idade Média como o ápice dessa
relação, pois era um período no qual a Igreja Católica comandava todos os reinos
ocidentais com punho de ferro e sem qualquer contestação. Essa ideia é claramente uma
reminiscência do pensamento iluminista, que procurava contestar o período anterior o
carregando com uma negatividade absoluta. Hoje, a historiografia relativiza essas
questões e, mesmo que realmente o período marque um dos ápices da concentração de
poder político nas os da Igreja, percebe-se que os reinos ocidentais não eram tão
passivos quanto à situação e, muito menos, reféns dela.
Outro exemplo constantemente citado dessa relação é exatamente o recorte
temporal e geográfico que será abordado neste trabalho. O império romano do Oriente é
considerado por muitos como o modelo absoluto da unificação de poderes temporais e
seculares sob o mesmo personagem. Um termo chegou a ser cunhado para representar
essa sicesaropapismo
72
significa que o imperador possuía tanto a coroa (césar)
quanto a cruz (papa). Situação que iria se agravar ainda mais após o Cisma do Oriente,
que a separação das sés ocidentais e orientais e o consequente desdém do lado
oriental as designações do centro cristão localizado em Roma, tornava o encontro de
forças menos equilibrado, pois mesmo que o patriarca de Constantinopla tivesse apoio
em diversas camadas da sociedade, ele ainda residia nos territórios do imperador e
72
Conceito que será discutido posteriormente.
28
contava com um apoio externo reduzido quando comparado ao patriarca de Roma, o
papa.
A fundação de Bizâncio (atual Istambul) aconteceu em 657 a.C., por imigrantes

da cidade
73
. Com uma posição geográfica extremamente privilegiada, sempre foi de
vital importância para as unidades políticas que integrava. Em 11 de maio do ano de
330, após uma grandiosa reforma, esta cidade seria transformada na nova capital do
império romano, sob o nome de Constantinopla, em homenagem ao imperador que
havia efetivado esta mudança, Constantino. A transferência do poder da decadente
Roma no Ocidente para uma nova e grandiosa cidade no Oriente era somente um dos
inúmeros sintomas das grandes mudanças que estavam por vir. Estas, obviamente, não
agradaram muitas das elites romanas, acostumadas com o poderio de Roma além de
estarem sediadas nessa cidade. As próprias ações imperiais dependiam de quem
ocupava este cargo, alternando entre ações que privilegiavam o lado oriental e o lado
ocidental, tornando, cada vez mais evidente as diferenças e até mesmo uma rivalidade
entre estas duas partes. Enquanto o ocidente enfrentava graves crises políticas e
econômicas, a porção oriental - fundamentada em pilares como uma cultura própria, que
abrangia o helenismo oriental e as formas administrativas da Roma ocidental; a língua
grega; e a ortodoxia religiosa - se fortalecia. A separação política efetiva foi realizada
pelo imperador Teodósio I que, ao morrer, em 395, dividiu o território entre seus
herdeiros, Arcádio e Honório, levando em consideração as enormes heterogeneidades
entre as tradições culturais gregas e latinas, tentando fortalecer o domínio romano como
um todo, pois o sistema anterior, a tetrarquia sistema político proposto por
Diocleciano (244 311) que dividia o território em quatro regiões, governadas por dois
Augustus e dois Césares (Constâncio Cloro, pai de Constantino, foi um destes césares)
era uma das grandes responsáveis pela fragmentação de poder que assolava o império,
facilitando a ações de possíveis usurpadores
74
.
Soma-se a isso que enquanto o ocidente, ao cair em mãos bárbaras, se tornava
mais ruralizado, a porção oriental, representada pela sua capital, a cidade de
73
RIVEROS, J. M. & HERRERA CAJAS, H. El Império Bizantino: introducción histórica y selección
de documentos. Nea Hellás, Serie Byzantini Historia I. Universitad de Chile: Facultad de Filosofía y
Humanidades, 1998. pg. 15.
74
KAPLAN, M.; DUCELLIER, A.; MARTIN, B. A idade média no oriente. Coleção História da
Humanidade. Lisboa: Dom Quixote, 1994. pg. 34.
29
Constantinopla, mantinha o status de grande centro urbano
75
. Constantinopla era,
Nova Roma      
mediterrânico. Junto com Constantinopla novas cidades foram construídas e mesmo as
antigas assumiram novas funções dentro da organização imperial, Alexandria (no
Egito), Antioquia, Éfeso, Corinto e Tebas são apenas alguns dos exemplos de centros
urbanos que aproveitaram este período para crescer exponencialmente. Os motivos para
este translado eram em grande parte militares. Ao mesmo tempo em que resolveria
diversos problemas logísticos da distância entre a capital imperial e as principais
campanhas militares da época; também se distanciava de uma cidade velha, seja
estruturalmente como politicamente, que além de restringir o poder imperial também era
alvo constante de investidas externas. A decadência de Roma era tão evidente que,
mesmo durante todo o período da tetrarquia, nenhum dos quatro governantes residia
efetivamente na capital imperial
76
.
Obviamente que a construção física da cidade de Constantinopla foi apenas uma
das medidas tomadas por Constantino. Foi criado todo um aparato burocrático para que
ela suportasse ser o centro das atividades políticas. Mas não era meramente uma
importação do modelo presente em Roma. A região era diferente e possuía uma
cultura própria e, por isso, muito teve que ser adaptado. No âmbito político, a grande
dificuldade foi tentar implantar um sistema burocrático de sucessão em populações que
conviviam com formas diferentes de encarar um poder central antes muito distante. As
leis promulgadas nos territórios orientais também não eram de grande ajuda, com a clara
intenção de se formar uma forte elite entre seus aliados, os imperadores romanos não
eram muito a favor de leis rigorosas de sucessão, pois poderiam ser usadas contra eles
em alguma situação, mas o contrário também fragilizava esta figura, que o sistema
proposto, o de eleições senatoriais (muitas vezes apenas uma formalidade, é verdade,
mas estas foram, também, utilizadas como legitimações de elevações ao poder
77
)
enfraquecia a figura do imperador
78
. O progresso das ideias de legitimidade teria um
grande apelo apenas no final do império, com as dinastias dos Macedônicos (que
75
CAVALLO, G. O Homem Bizantino. Lisboa: Presenta, 1998. p. 189.
76
KAPLAN, M.; DUCELLIER, A.; MARTIN, B. A idade média no oriente. Coleção História da
Humanidade. Lisboa: Dom Quixote, 1994. pg. 41.
77
Esta prática é recorrente na história romano oriental. Justino, Focas e Leão Isáurico foram apenas
alguns dos exemplos de personagens que não estavam em uma provável linhagem de sucessão e, mesmo
assim, foram elevados ao posto de imperador romano.
78
DIEHL, Charles. Grandes problemas da história bizantina. São Paulo: Ed. Das Américas, 1961. pg.
83.
30
reinariam por cento e oitenta e nove anos), dos Conmenos (cento e quatro) e dos
Paleólogos (cento e noventa e dois), apenas alguns exemplos de dinastias que
governaram por longos anos devido à nova relevância que estes aspectos sucessórios
passaram a ter. Este lento processo refletiu na população de uma forma bastante direta,
na violência. Demonstrações públicas de riqueza e de fúria descontrolada da massa
eram, até certo ponto, normais
79
, mas ao se tornar uma prática institucionalizada pelo
poder central ela passa a adquirir proporções ainda maiores. O reflexo disso na
população como um todo é de difícil constatação, pois podemos analisar através da
crescente preocupação com a segurança, demonstrada pelas leis. Na casa imperial, no
entanto, este é um dado mais concreto, de mais fácil apuração, devido à grande
documentação existente nesses casos. Em toda história oriental romana, de 395 até
1453, dos cento e sete soberanos que a governaram, apenas trinta e quatro morreram no
leito, oito morreram em guerras ou acidentes e todos os outros sessenta e cinco
abdicaram (espontaneamente ou à força) ou tiveram mortes violentas. Além disso,
aconteceram em torno de sessenta e cinco revoluções de palácio, rua ou caserna em todo
o território oriental, apoiadas pelo exército, bastante atuante na política; pela população
quando q
envolvia diretamente nas questões políticas em busca de alguma vantagem
80
.
No entanto, no âmbito religioso, os governantes orientais, desde Constantino,
souberam muito bem como trazer estas características inerentes do Oriente ao seu favor.
A sacralidade do poder imperial, tão presente nas sociedades orientais (a ideia de
submissão a um poder superior, mesmo que inapto, era fortemente associada à ordem
natural das coisas
81
) lhes trouxe uma liberdade de ação política a qual não poderiam
possuir na contraparte ocidental. O próprio Constantino, tão aclamado como o iniciador
do cristianismo oficial em Roma, durante todo o seu governo acenou com diversas
religiões; tanto o cristianismo, como o paganismo, eram aceitos e mesmo que tenha
proclamado a primeira como religião oficial do império no final de sua vida, não
condenou o paganismo ou qualquer outro credo como heresia, o Édito de Milão (313
d.C.) era um documento que instituía a tolerância religiosa como uma das bases do
império. O próprio cristianismo, em seu período inicial, se adaptou as condições que lhe
eram impostas, dificilmente propunha grandes mudanças sociais que poderiam entrar
79
CAVALLO, G. O Homem Bizantino. Lisboa: Presenta, 1998. pg. 18.
80
DIEHL, Charles. Grandes problemas da história bizantina... pg. 83 87.
81
CAVALLO, G. O Homem Bizantino... pg. 19.
31
em conflito com os poderes que, agora, o aceitavam. Um fácil exemplo disso é a citação
dai a
César o que é de César, dai a Deus, o que é de Deus
82
demonstra, ao mesmo tempo,
que uma divisão destas esferas até poderia existir, mas nunca ignorando a terrestre
83
.
Mas esta ideia não duraria muito tempo, afinal um conceito de civilização aberto
demais pode ser extremamente benéfico nos períodos iniciais de uma transição, mas não
é igualmente aceita depois que um grupo se estabelece como dominante. O grupo
vitorioso foi o dos cristãos. O paganismo logo seria condenado e a questão interna do
cristianismo debatida com imenso fervor. Os reflexos aparecem logo no codex de
Teodósio, grande modelo do código de Justiniano. Nele, a questão da heresia já é
tratada com grande atenção. Não apenas indicando o cristianismo como a única religião
aceita dentro dos territórios imperiais
Imppp. Gratianus, Valentinianus et Theodosius aaa. edictum ad populum urbis
Constantinopolitanae. Cunctos populos, quos clementiae nostrae regit temperamentum, in tali
volumus religione versari, quam divinum petrum apostolum tradidisse Romanis religio usque ad
nunc ab ipso insinuata declarat quamque pontificem Damasum sequi claret et Petrum
Alexandriae episcopum virum apostolicae sanctitatis, hoc est, ut secundum apostolicam
disciplinam evangelicamque doctrinam patris et filii et spiritus sancti unam deitatem sub parili
maiestate et sub pia trinitate credamus. Hanc legem sequentes christianorum catholicorum
nomen iubemus amplecti, reliquos vero dementes vesanosque iudicantes haeretici dogmatis
infamiam sustinere nec conciliabula eorum ecclesiarum nomen accipere, divina primum vindicta,
post etiam motus nostri, quem ex caelesti arbitrio sumpserimus, ultione plectendos. Dat. III kal.
mar. Thessalonicae Gratiano a. V et Theodosio a. I conss. (380 febr. 27).
84
mas também indicando as diferenças sociais que a escolha religiosa criava e as penas
propostas aos heréticos
82
S. Mateus, 22:21
83
BLOCH, R. & COUSIN, J. Roma e o seu destino. Lisboa: Cosmos, 1964. pg. 304.
84
             
ensinada aos romanos por Pedro, o apóstolo divino. Esta é a religião seguida pelo pontífice Damasus e
por Pedro, bispo de Alexandria, homem de apostólica santidade. Isto é, de acordo com as Sagradas
escrituras e os ensinamentos do evangelho devemos acreditar na Divindade única do Pai, do Filho e do
Espírito Santo, sob o conceito da majestosa igualdade da Santíssima Trindade. Decretamos que as pessoas
que seguem essas regras deverão ser chamadas de Cristãos Católicos. Os outros, no entanto, os quais
Julgamos dementes e insanos, devem reconhecer a infâmia de seus dogmas heréticos, o local de suas
reuniões não podem ser chamados de igrejas e deverão sofrer, primeiramente, a vingança Divina e,
CTh.16.1.2
32
Imp. constantinus a. ad dracilianum. privilegia, quae contemplatione religionis indulta sunt,
catholicae tantum legis observatoribus prodesse oportet. haereticos autem atque schismaticos non
solum ab his privilegiis alienos esse volumus, sed etiam diversis muneribus constringi et subici.
proposita kal. sept. gerasto constantino a. vii et constantio c. conss. (326 sept. 1).
85
chegando, até, a enumerar as seitas dentro do cristianismo que eram consideradas

mãos, exclusivamente pela questão religiosa.
Idem aaa. Postumiano praefecto praetorio. Omnes omnino, quoscumque diversarum haeresum
error exagitat, id est eunomiani, arriani, macedoniani, pneumatomachi manichaei, encratitae,
apotactitae, saccofori, hydroparastatae nullis circulis coeant, nullam colligant multitudinem,
nullum ad se populum trahant nec ad imaginem ecclesiarum parietes privatos ostendant, nihil vel
publice vel privatim, quod catholicae sanctitati officere possit, exerceant. Ac si qui extiterit, qui
tam evidenter vetita transcendat, permissa omnibus facultate, quos rectae observantiae cultus et
pulchritudo delectat, communi omnium bonorum conspiratione pellatur. Dat. VIII kal. aug.
Constantinopoli Merobaude II et Saturnino conss. (383 iul. 25).
86
           
catolicismo niceno, por seguir as diretrizes do concílio de Nicéia, primeiro conselho
universal da Igreja Católica, ocorrido no ano de 325; o da porção oriental era o
cristianismo que se dizia ortodoxo, apesar de também seguir as diretrizes do mesmo
concílio de Nicéia, ainda acreditava nas divisões dos territórios da cristandade em
patriarcados e considerava o papa eleito em Roma apenas como o chefe do patriarcado
romano, e não como autoridade máxima da cristandade.
85
              
seguem a cristã. É de Nossa vontade que estes hereges não apenas estejam alheios a estes privilégios,
CTh.16.5.1
86

Eunomianos, os Arianos, os Macedonianos, os Pneumatomacos, os Maniqueus, os Encratitas, os
Apotactites, os Saccophori e os Hydroparastatae, não podem se reunir em grupos, não podem formar
multidões ou atrair qualquer pessoa à sua crença, não podem possuir espaços domiciliares que aparentem
ser igrejas e não podem praticar qualquer ato, no âmbito partícular ou público, que seja ofensivo a
Santidade católica. Além disso, se existir qualquer pessoa que descumpra o que foi terminantemente
proibido, esta deve ser excluída do acordo comum presente entre todos os Homens, e a legalidade da

CTh.16.5.11
33
Mesmo assim, até o ano de 1054
87
, esta divisão não se constituía como elemento
que efetivamente dificultava a noção da unidade cristã. O mesmo não se pode dizer das
esta maneira
por questionarem sobre a natureza de Cristo imposta pelo credo Niceno. As mais
debatidas neste contexto inicial da cristandade eram o Arianismo, o Monofisismo e o
Nestorianismo.
O Arianismo foi elaborado por um cristão de Alexandria chamado Arius (256 -
336). Discípulo de Luciano de Antioquia, Arius pregava que a natureza de Cristo e a
natureza de Deus não eram a mesma coisa (negação da consubstancialidade). Cristo
seria o filho, subordinado do Deus, mas nunca a própria divindade. Este credo seria
considerado heresia e por assim rechaçado já no primeiro concílio ecumênico universal,
no supracitado concílio de Nicéia, ocorrido em 325, durante o reinado de Constantino I.
A reação foi imediata e apoiada pelo poder central por interferir tanto na política como
na religiosidade, que foi considerada quase que como uma possibilidade
correspondente a temida anarquia do meio político
88
.
O Nestorianismo tem seu advento com um monge alexandrino (que chegaria ao
bispado de Constantinopla) chamado Nestório (380 - 451), segundo o qual em Jesus
Cristo duas pessoas distintas, uma humana e outra divina, completas de tal forma que
constituem dois entes independentes. Novamente a reação da Igreja foi imediata. Como
Nestório tinha uma posição de grande prestígio, suas ideias tiveram uma ampla
propagação e novamente a instituição religiosa máxima via seu poder ameaçado por
uma querela interna. Esta doutrina foi condenada como heresia e Nestório deposto de
seu bispado no Concílio de Éfeso, terceiro concílio ecumênico universal, que ocorreu no
ano de 431.
- 456)
em reação ao nestorianismo e admitia em Jesus Cristo uma natureza, a divina. Sua
grande aceitação no Oriente em muito se deve a grande similaridade desta doutrina com
o monoteísmo intransigente tão comum nestes territórios. Foi considerada heresia no
87
É somente neste ano que ocorre a separação formal destas duas Igrejas. Também chamado de o grande
cisma do oriente, se constitui em uma seqüência de eventos que resultou na condenação mútua da outra

tão incluídas.
88
KAPLAN, M.; DUCELLIER, A.; MARTIN, B. A idade média no oriente. Coleção História da
Humanidade. Lisboa: Dom Quixote, 1994. pg. 45.
34
Concílio de Calcedônia, quarto concílio ecumênico universal, no ano de 451, presidido
pelo papa Leão Magno.
Estas foram as três principais heresias discutidas neste período inicial, mas nem
por isso eram as únicas. A lista é enorme e como se trata de uma questão extremamente
difícil de controlar, as heresias se multiplicavam em todas as direções do território
imperial. Não à toa, os concílios se tornaram uma prática bastante constante neste
momento de estabelecimento do cristianismo. Eles eram o modo pelo qual a Igreja
tentava demonstrar sua unidade, tão necessária para o almejado fortalecimento cada vez
maior desta instituição.
Se não bastasse, a tentativa de unificação do credo cristão possuía ainda outra
grande barreira. A interpretação do texto do livro fundamental da Igreja, a Sagrada
Bíblia, fomentava uma enorme discussão. A questão era tão forte que duas escolas de
interpretação do texto bíblico chegaram a ser criadas para difundir seus métodos e suas
convicções. A escola de Antioquia e a escola de Alexandria.
Na cidade de Alexandria surge a primeira corrente neste sentido, influenciados
por dois filósofos gregos Heráclito e Platão acreditavam que a verdade se
encontrava alegoricamente oculta além da letra e da realidade visível
89
. Um dos
primeiros a utilizar esta metodologia para o texto bíblico foi um judeu alexandrino
chamado Filo, que ao interpretar o antigo testamento aplicava as ideias de Platão através
de um método extremamente alegórico. Quando o evangelho alcançou a cidade e muitos
se cristianizaram, os mesmos métodos continuaram a ser aplicados neste novo contexto
e, com o surgimento da Escola Catequética de Alexandria, estas práticas se difundiram
cada vez mais, tendo como outro grande representante neste período inicial, Origines
(185-253). Este iria influenciar nomes importantes do pensamento teológico, como
Eusébio de Cesárea, Cirilo de Alexandria e Dionísio, o Grande.
A reação a esta corrente teve seu advento em Antioquia, com Luciano de
Samosata (240-312), que fundou nesta cidade uma escola de interpretação bíblica
conscientemente contrária ao método alegórico da escola de Alexandria. A metodologia
difundida por Luciano pregava uma abordagem tão literal do texto bíblico que chegou a
      gramático-histórica
90
. Esta escola
89
LOPES, Augustus Nicodemus. História da Interpretação Cristã da Bíblia. Disponível em
<http://www.monergismo.com/textos/hermeneuticas/he_augu1.pdf>. pg. 2. Último acesso em 04/08/08.
90
Ibid. pg. 5.
35
influenciou nomes como Teodoro de Mompsuesta, João Crisóstomo, Nestório (que
baseou sua teoria sobre as naturezas de Cristo neste método), entre outros.
Os concílios tentavam resolver esta questão, mas mesmo com as condenações
impostas, as doutrinas heréticas e as correntes de interpretação bíblica ganhavam força
91
em diversas regiões do império romano. As porções mais orientais do território eram
locais de imensa concentração destas, afinal constituam a rota de fuga dos seguidores
das mesmas ao serem considerados hereges pelos domínios centrais e,
sistematicamente, impedidos de permanecer nas terras da cristandade. Quanto mais
longe do centro do poder político, mais ineficiente este controle se tornava. A grande
maioria se dizia cristão, mas seria um cristão ortodoxo, um católico, um nestoriano, um
ariano, um monofisita, um maniqueu, um apolinarista, um marcionista, ...? As
possibilidades eram imensas. Destaca-se esta concentração existente na porção oriental
do território exatamente por esta ser o centro das atenções neste período. Mesmo antes
da divisão formal instituída por Teodósio I, a porção oriental do império já começava a
se constituir como o grande centro da política e da sociedade romana. Enquanto o
ocidente sofria com as invasões de diversos povos germânicos, o que acarretava em
diversas complicações políticas, econômicas e sociais; o oriente, representado pela nova
capital imperial a cidade de Constantinopla seguia na direção contrária e agregava
cada vez mais poder à sua volta.
       
entre os anos de 547 e 549
92
, durante o reinado de Justiniano (527 565). Este nasceu
na cidade de Skopje, na região da Macedônia, e era sobrinho do imperador Justino, que
havia chegado ao trono por meios militares sendo a ser, pelo que se sabe, iletrado
93
.
Justiniano foi educado em Constantinopla e viu o conflito com o Ocidente atingir seu
ápice, com a perseguição de seu tio as seitas heréticas cristãs (situação que ele tentaria,
inclusive, resolver no futuro) É, também, personagem considerado por muitos como o
último imperador do Império Romano do Oriente e o primeiro do Império Bizantino
94
.
Este período de transição transpareceu em seus atos políticos. Foi com Justiniano que
91
Exemplo disso é que ainda em 533, no segundo Concílio de Constantinopla (quinto ecumênico
universal), são discutidos e condenados os textos nestorianos de Teodoro de Mompsuesta; de Teodoreto
de Ciro; e de Ibas, também chamado como o Cisma dos Três Capítulos.
92
RIVEROS, J. M. El Mundo como Morada...pg. 139.
93
LOT, Ferdinand. O fim do mundo antigo e o princípio da Idade Média. São Paulo: Edições 70,
2008. pg. 276.
94
Considero que esta questão foi bastante abordada na primeira parte deste trabalho, por isso não a
discutirei com maiores detalhes.
36
aconteceu a última tentativa de uma política de reunificação dos antigos territórios do
Império Romano, além de representar a primeira vez que esta iniciativa partia do lado
oriental do território. A “Renovatio Imperium
dos territórios ocidentais (como a Península Itálica e o Norte da África) e de expansão
aos territórios orientais, representados imediatamente pelos maiores rivais dos
bizantinos, os Persas da dinastia Sassânida. Resgatava-se uma velha ideologia ante ao
Ocidente, qualquer território uma vez romano é, para sempre, inalienável do império
95
.
Apesar de ser um motivo que agradava as elites, somente isso não seria necessário para
mobilizar o contingente necessário a esta empreitada. Logo, outros motivos foram
manipulados, os vândalos, por exemplo, no norte de África, eram ditos arianos
perseguidores de ortodoxos; e os ostrogodos, na península itálica passavam por
problemas políticos que poderiam levar a ascensão de um usurpador ao trono.
Mesmo com particularidades, em todas as campanhas militares apenas um fator
territorial está sempre presente, o Oriente, seja ele como meta, seja ele como ponto
inicial. Nenhum dos objetivos iniciais foi alcançado, as vitórias ocidentais se tornaram
apenas temporárias e o confronto contra os Persas foi demasiadamente equilibrado para
que fosse apontado qualquer resultado definitivo. Ainda, os resultados internos foram
bastante desagradáveis à imagem de Justiniano. As terras conquistadas no Ocidente
ficaram devastadas, improdutivas e com suas estruturas sociais extremamente
subvertidas (o que explica, em certo ponto, a rapidez com que as vitórias se
transformavam em descaso). Além disso, a paz interna necessária a este tipo de
campanha foi obtida através de pagamento de pesados tributos a inimigos
provenientes do Oriente
96
, dinheiro este conseguido através de uma forte tributação
interna, fator que desagradou e indispôs a população em geral ante a este ambicioso
plano. A importância do Oriente nas pretensões, tanto de Bizâncio, quanto da Pérsia, se
tornaram tão importantes que chegavam a atingir o extremo geográfico, pois muito mais
que simples parceiros comerciais de especiarias, uma aliança com o poderoso império
da Ásia Central, o Império Chinês, muito além de resultar no controle efetivo das mais
importantes rotas comerciais entre estes dois extremos, poderia significar, finalmente, a
vitória que ambos os lados tanto almejavam
97
. O comércio, inclusive, foi o âmbito no
qual Justiniano teve sua grande (e talvez única) vitória. Após a reconquista, o
95
KAPLAN, M.; DUCELLIER, A.; MARTIN, B. A idade média no oriente. Coleção História da
Humanidade. Lisboa: Dom Quixote, 1994. pg. 32.
96
Ibid. pg. 33.
97
BROWN, Peter. El Primer Milenio de la Cristandad Occidental. Barcelona: Crítica, s/d. pg. 156.
37
Mediterrâneo voltou a ser um mar romano
98
, mas agora romano oriental. Justiniano
criou manufaturas de seda na região da Síria, fortaleceram-se as corporações comerciais
bancos (acúmulo de riquezas), comercialização de artigos de luxo (ostentação e poder)
e alimentos (grandes acúmulos urbanos), além do setor de construções (urbanização
ligada ao progresso) como um todo, criando um grande monopólio controlado pela
elite da base aliada do imperador. O desenvolvimento destas foi tão grande que, no
século IX, elas aparecem em local de destaque no livro do Prefeito do imperador
Leão VI
99
.
Justiniano foi, também, o imperador que renovou inúmeros aspectos
um rei, uma lei, uma 
            
Justinian           
patrocinium
100
, já que tentava centralizar ainda mais o poder em suas mãos. As
medidas para que isso acontecesse foram inúmeras, divide o exército em forças
territoriais e centrais; indiv    res privata  
aumento de impostos/taxas e maior rigor na fiscalização para manter as finanças
equilibradas nos territórios em seu poder. Na esfera religiosa, no entanto, foi menos
coerente em suas ações. Se, por um lado, utilizava-se da desculpa religiosa para seus
conflitos externos, tinha certa indiferença com as mesmas dentro de seu território. Na
tentativa de agradar tanto monofisitas (em especial) e ortodoxos, criou uma grande
incongruência, pois ao mesmo tempo em que, para legitimar seu poder junto à porção
ocidental do império, promulga leis de proibição a heresia e promove uma grande
perseguição a estes infiéis, negando-lhes até o direito de sucessão,
Cognovimus multos esse orthodoxos liberos, quibus nec pater nec mater orthodoxae sunt
religionis. et ideo sancimus, non tantum in casu, ubi alter orthodoxae religionis est, sed etiam in
his casibus, in quibus uterque parens alienae sectae sit, id est pater et mater, ii tantummodo liberi
ad eorum successionem sive ex testamento sive ab intestato vocentur et donationes seu alias
liberalitates ab his accipere possint, qui orthodoxorum venerabili nomine sunt decorati: ceteris
98
DIEHL, Charles. Grandes problemas da história bizantina... pg.150.
99
Ibid. pg. 146.
100
KAPLAN, M.; DUCELLIER, A.; MARTIN, B. A idade média no oriente. Coleção História da
Humanidade. Lisboa: Dom Quixote, 1994. pg. 37.
38
liberis eorum, qui non dei omnipotentis amorem, sed paternam vel maternam impiam
adfectionem secuti sunt, ab omni beneficio repellendis.
101
utilizou uma política de aproximação a estas correntes da cristandade para facilitar uma
provável aliança com as culturas de fronteira na campanha contra os Persas em sua
expansão ao oriente. Sendo assim não é impossível imaginar que diversos grupos
ligados ao nestorianismo, monofisismo ou qualquer outra heresia devem ter notado que
a situação começava a ser menos desfavorável do que as próprias leis propunham.
101
uais nenhum dos pais segue a religião ortodoxa,
e por isso Ordenamos que não apenas no caso de um parente ser ortodoxo, mas também no caso de que
nenhum deles seja, em outras palavras, que pai e mãe sigam uma seita herética, apenas a criança ortodoxa
pode suceder a seus pais, mesmo que o testamento diga o contrário, e receber presentes e doações deles.
As crianças, que assim como os pais, abraçarem crenças que não a do amor do Deus onipotente, devem
CJ.1.5.19.
39
CAPÍTULO III
Viajantes: aproximando o Ocidente e o Oriente
Viajar é um hábito comum aos nossos tempos. Massas de turistas se deslocam
periodicamente através do globo em busca de diversão, descanso ou mesmo aventuras.
A prática se encontra tão intimamente ligada a algumas tecnologias atuais que imaginar
esse fenômeno em tempos remotos se torna uma tarefa difícil para a grande maioria.
Mas, longas viagens não são exclusividade de nossa época. Desde a antiguidade, o
comércio sempre impulsionou os povos cada vez mais longe; as tecnologias necessárias
a estas empreitadas evoluíam cada vez mais rápidas; e as rotas mais utilizadas se
tornavam cada vez mais conhecidas e mapeadas.
Mas quais eram os personagens que atuavam nestas viagens? E, principalmente,
quais os motivos que os impeliam a realizá-las?
Entre os séculos XI e XIV, as grandes viagens ao Oriente, quase sempre em
busca de finas especiarias, são normalmente as mais lembradas e festejadas
102
pela
historiografia. Entretanto, as pequenas rotas internas, não apenas comerciais, mas
também diplomáticas, foram, sem qualquer dúvida, o laboratório e as provedoras
daquelas desde tempos muito anteriores. No entanto, as rotas internas em uma visão
mais ampla o representavam apenas caminhos destinados a locais vizinhos;
constituíam-se, também, como as grandes iniciadoras das rotas externas
103
. Um exemplo
bastante claro desta relação é o grande fluxo de pessoas e de melhorias nas rotas
européias destinadas a Constantinopla. Essa cidade romana representava, desde a época
de sua criação pelos gregos (quando ainda era chamada de Bizâncio) como um dos
principais pontos de saída do mediterrâneo ao Levante, e grande parte dos comerciantes
que desejavam se dirigir ao longínquo Oriente, primeiramente se colocava a caminho
dessa cidade para acumular conhecimentos e rotas favoráveis a esta futura empreitada.
As longas viagens foram, também, as grandes impulsionadoras e utilizadoras das
tecnologias da época, ao invés de contar apenas com a memória ou a indicação de guias
de confiança, necessitavam de mapas cada vez mais detalhados, muitas vezes
produzidos pelos próprios comerciantes que precediam os realizadores e melhorados
102
LE GOFF, J. O Maravilhoso e o Quotidiano no Ocidente Medieval. Lisboa: Edições 70, 1990. Pg.
32.
103
PEDRERO-SÁNCHEZ, M. G. História da Idade Média: textos e testemunhas. São Paulo: Unesp,
2000. Pg. 152-153
40
pelos seus usuários posteriores. Outros artifícios, como salvo condutos
104
, capital e
conexões, deveriam ser bem estipulados e planejados
105
, pois o risco de um
empreendimento destes era consideravelmente alto. Ao perceber isso, nota-se que nesse
período, muito mais do que um pioneirismo neste tipo de viagem, realiza, na verdade,
uma superação de marcas anteriores, que quanto maior à distância do centro que
apoiava uma expedição, maior era a necessidade de uma conexão com uma cidade
próxima, pré-estabelecida. Essa constância das rotas mais longas que estabelece a
importância das ligações duradouras e o envolvimento de comerciantes em grandes
acontecimentos demonstra, claramente, a personificação de contatos entre grupos
maiores que os escolheram como representantes
106
; filiação esta delimitada quase
sempre pela religião, afinal mesmo em uma viagem realizada por um mercador com
intenções claras de lucro financeiro, este se denominava, antes de tudo, seguidor de uma
fé.
Os judeus se lançavam ao mar com freqüência, principalmente os residentes da
península italiana. A atividade comercial não era novidade a este povo; favorecidos pela
condenação cristã a usura, sempre estiveram à frente da economia mercantil do
mediterrâneo. As comuns peregrinações religiosas rumo a Terra Santa, muitas vezes,
constituíam um primeiro passo de viagens comerciais mais longas que chegavam à
Índia e a China
107
. Outro fator determinante era a falta de um território fixo a este povo,
que ao se encontrar espalhado por todo o mediterrâneo e por grande parte do Oriente
próximo possuía a vantajosa configuração de inúmeros contatos comerciais
necessários as grandes empreitadas naturalmente. Esta diáspora não apenas auxiliava
nestas conexões, mas dotava os relatos deixados pelos judeus com características
distintas dos deixados pelos cristãos, pois além de descrever toda a burocracia, cultura,
economia e diversos outros aspectos de um território visitado, os judeus privilegiavam
descrever as comunidades de seu povo nestas regiões, incluindo dados como o número
total de judeus de certa cidade e as posições sociais ocupadas pelos mesmos. Os cristãos
iriam explorar todo o potencial comercial que se apresentava a eles apenas
104
Objeto placas de ouro, ou outros metais ou documento que representava uma defesa ainda que
não garantida contra a captura ou o pagamento de taxas internas de quem os portava. Nas viagens que
atravessavam diversos reinos diferentes, eram necessários um para cada monarca, e muitas vezes
representavam o maior risco ou dificuldade de uma jornada.
105
LABARGE, M. W. Viajeiros Medievales: los ricos y los insatisfechos. Madrid: Nerea, 1992. Pg. 38.
106
Ibid. Pg. 23.
107
         The Book of Ways and
Kingdoms”. apud. ADLER, E. N. Jewish Travellers in the Middle Ages. New York: Dover, 1987. Pg.
2.
41
posteriormente. Este avanço foi possível devido ao contato pacífico
108
com os
nestorianos e outras seitas cristãs dissidentes da Ásia, permitindo estudos e debates
sobre o monoteísmo junto a povos acostumados ao politeísmo desde tempos
imemoriais.
Os relatos deixados por estes diversos viajantes teriam um impacto imediato na
época que os acolhia. Em um primeiro momento, as viagens eram deveras perigosas não
apenas pelas forças naturais ainda bastante superiores as tecnologias humanas, mas
também a grande ignorância da maioria dos viajantes sobre os povos e a própria
geografia que os aguardava por todo trajeto. É com a intensa produção de diários ou
simples, mas competentes, relatos que este problema principia a ser sanado. Com isso,
as regiões do mediterrâneo, ou mesmo do Oriente próximo, se tornam menos
desconhecidas e conseqüentemente, menos perigosas. Apesar de trazer grandes
benefícios aos realizadores das grandes viagens, estes relatos nem sempre constituíam
uma tentativa real de ilustrar uma cultura desconhecida, deve-se, sempre, prestar
Em qualquer época, o valor
dos relatos depende da inteligência de quem os observa
109
não poderia ser mais
verdadeira. Diversos autores, inspirando-se na leitura dos textos produzidos sobre terras
distantes, criam personagens fictícios que enfrentam perigos reais e imaginários
derivados da fantasia da época e da documentação referente às viagens comerciais,
diplomáticas ou mesmo às longas batalhas tão comuns entre os povos desses dois
extremos geográficos.
Mesmo nas produções mais sérias do período, hoje, é necessário utilizar-se de
uma leitura crítica, pois como homens de seu tempo, os realizadores destas empreitadas
possuíam um imaginário mitológico muito forte, sendo esse aspecto presente na grande
maioria dos textos, seja se fundindo com características reais, seja como menções
           
compreender, em um estudo futuro, a verdadeira dimensão de uma rota utilizada. Era
muito comum nos relatos da época escrever não apenas sobre os lugares fisicamente
visitados, mas também sobre lugares próximos, de que muito se havia ouvido falar
durante o percurso, os elementos fantasiosos tendiam a aparecer mais freqüentemente
108
LOPEZ, R. O Nascimento da Europa. Lisboa: Edições Cosmos, 1965. Pg. 382.
109
Ibid. Pg. 22.
42
  
110
do que nos fatos presenciados diretamente
111
,
representando, muitas vezes, a própria ignorância do autor sobre o território ao qual ele
afirma ter conhecido pessoalmente.
O interesse pelas culturas distantes e pelo desconhecido era tão disseminado na
sociedade
112
que relatos de viagens se tornavam cada vez mais freqüentes. Um dos
primeiros relatos de viagens de que se tem notícia, é exatamente a obra que marca o
iníci             
 
confrontos entre gregos e persas, que ele denomina helenos e bárbaros, respectivamente,
não apenas apresenta os rumos do conflito ou os costumes que entraram em confronto,
mas também sobre o conceito de civilização que defendia e sobre os territórios afetados
devido a essa querela. Por ser nativo da cidade de Halicarnasso (atual Bodrum), cidade
situada na costa sudoeste da Anatólia, no golfo de Cós, deve ter sofrido as
consequências do avanço persa quase de imediato, o que explica a temática de sua
maior obra. inicia seu livro separando os atores “(...) para que as ações dos Homens
não sejam apagadas pelo tempo, nem os grandes e maravilhosos feitos demonstrados
tanto por helenos, quanto por bárbaros”
113
que fariam parte dele. No entanto, apesar da

como as que apareceriam posteriormente. Provavelmente pelo próprio convívio que
possuía com essa cultura. Não sem motivo, sua obra é frequentemente dividida entre os
quatro soberanos persas que governam o império oriental durante o período ao qual ele
descreve, Ciro (livro 1), Cambises (livro 2 e parte do livro 3), Dario (o resto do livro 3 e
os livros 4, 5 e 6) e Xerxes (livros 7, 8 e 9).
Suas viagens ilustram esse interesse, pois são realizadas exatamente nos
territórios de dominação persa. Presume-se, inclusive, que sua intenção era realmente
demonstrar a cultura e os hábitos do povo persa e seu imenso império. Os três últimos
livros, que ilustram a derrocada dos persas contra os gregos, teriam sido adicionados
posteriormente à obra, que o próprio Heródoto aceitava certas mudanças de rumos
como parte de seu ofício
114
. Dentre os territórios descritos por esse autor estão os que
110
Entre aspas devido à prática comum dos autores de não deixar claro se haviam ou não visitado o local
descrito. Artifício muitas vezes usado para engrandecer a viagem realizada, tornando-a bem maior do que
realmente foi.
111
LABARGE, op. cit., Pg. 15.
112
LOPEZ, op. cit., Pg. 380.
113
HERODOTUS. Histories. Trad. De Hery Cary. D. Appleton and company, 1899. Book I. Pg. 1.
114
Ibid. Book IV. Pg. 30.
43
hoje chamamos de Egito, Babilônia, Ucrânia, Península italiana, Sicília e Índia. Com
uma narrativa simples e fluída, fornece descrições bastante vivas dos locais, ilustrando
os hábitos, a geografia do local e as relações estabelecidas com outros povos. Descreve
as enchentes anuais do Nilo como resultado do derretimento das neves presentes ao Sul,
comentando, ainda, que não entende como pode nevar em um território tão árido;
oferece uma complexa descrição de como os ventos dos desertos afetam a passagem do
Sol nestas regiões; indica a experiência de viajantes fenícios que haviam circunavegado
a atual África e avistado o Sol ao lado direito enquanto navegavam ao Oeste; e breves
descrições da atual Índia que são das mais antigas impressões descritas deste território
por um estrangeiro. Até mesmo as passagens de sua obra mais debatidas começaram a
se confirmar através dos avanços arqueológicos nas áreas descritas por ele, suas
         
115
foram
redescobertas como marmotas
116
que habitam territórios ricos no precioso metal.
Seus relatos, no entanto, possuem diversas discrepâncias e semelhanças com
outras fontes do período e, por muito tempo, a obra foi condenada ao segundo plano
devido a essas características. Sua descrição de crocodilos, hipopótamos e da fênix são,
muito semelhantes (e provavelmente inspiradas) na obra de Hecateu chamada
Circunavegação do mundo conhecido
117
. Apesar de ter escrito sobre diversos lugares,
hábitos e animais que dificilmente visitou ou avistou pessoalmente, seus relatos são
cada vez mais resgatados para ilustrar a visão que se tinha de alguns territórios, pois se
sua descrição não representa fielmente a região, representa, ao menos, a ideia que se
tinha dela. Seus relatos foram, também, criticados na própria Grécia por questões
políticas. Sua fonte de informação do território grego era a Atenas de Péricles e, por
isso, seus relatos bastante direcionados a essa polis. Com isso, colecionou críticas da
pouca importância que sua narrativa relegava as outras. Plutarco, um tebano, chegou a
         A maldade de
Heródotodicando que o autor das “Histórias” falava mal de sua cidade, Tebas, por
ter sido negada uma permissão para que Heródoto abrisse uma escola na cidade. Dion
Crisóstomo o acusa de preconceito contra Corinto, e assim por diante. Não é
115
Ibid. Book III. Pg. 102-105.
116
      Ants' Gold: The Discovery of the Greek El Dorado in the
Himalayas” comenta, inclusive, que a confusão de Heródoto se deve a semelhança que a palavra

117
IMMERWAHR, Henry R. Herodotus. In: The Cambridge History of Classical Greek Literature:
Greek Literature. P.Easterling and B.Knox, Cambridge University Press, 1985. Pgs. 430, 440.
44
coincidência notar que exatamente Tebas e Corinto eram as duas polis que mais
desafiavam a hegemonia ateniense no período.
Outro viajante que teve como destino o Oriente foi o grego Eudoxo de Cízico
(provavelmente nascido em 130 a.C), comerciante de especiarias que relatou quatro
viagens até destinos orientais para exercer seu ofício. Suas viagens são resgatadas na
obra de Estrabão, através de um relato de Posidônio, e são consideradas uma das mais
famosas viagens de exploração dos Oceanos Índico e Atlântico
118
. A primeira viagem
de Eudoxo ao Oriente aconteceu antes do ano 116 a.C., pois a narrativa abrange um
encontro com o monarca egípcio Ptolomeu VIII Evergetes II (145 116 a.C.). Sua
aventura começa com o resgate de um náufrago hindu, uma possível criação que tem
como objetivo legitimar a viagem, que para agradecer a hospitalidade do faraó aceita
ensinar a rota à Índia ao experiente navegador grego Eudoxo. O objetivo da viagem,
então, seria o estabelecimento de uma aliança entre o monarca egípcio e os reinos
hindus, tornando Eudoxo o embaixador de tal tentativa. Retornou com carregamentos de
plantas aromáticas e pedras preciosas. Eudoxo foi o primeiro viajante reconhecido pelas
fontes que se utilizou das monções para realizar tal travessia
119
.
Durante a segunda viagem, que diz ter realizado sem nenhum tipo de guia, seus
relatos das embarcações que navegavam pelo trajeto ao qual ele mesmo traçava mostra
uma grande atividade nas regiões costeiras. Durante a volta, ventos o forçaram ao sul do
golfo de Adem. Nesta região encontrou os restos de um navio que, pela aparência e
pelas histórias descritas pelos nativos, concluiu ser de Gadir (atual Cádiz, na Espanha).
Este fato o influenciou a tentar a circunavegação da África, algo acreditado como
improvável no período de Eudoxo, mesmo com as dimensões reduzidas apresentadas
pelos mapas de Erastótenes e Estrabão. As dificuldades foram imensas e o fizeram
retornar a sua rota normal antes que pudesse concluir tal proeza.
Em sua terceira viagem, tentou cursar um trajeto alternativo para desviar do
controle portuário egípcio
120
. Busca apoio financeiro com os ricos comerciantes dos
portos de Pozzuoli-Puteoli (atual Nápoles), Marselha e Gadir ou mesmo tenta arrecadar
dinheiro através do comércio nessas cidades. Afinal, não iria partir sem uma garantia
econômica, visto os dois últimos fracassos nesse sentido em suas viagens anteriores.

118
MEDEROS MARTIN, A. & ESCRIBANO COBO, G. Los periplos de Eudoxo de Cízico en la
Mauretania Atlántica. In: Gérion. 2004, vol. 22, n
o
1. Universidad Complutense, Madrid, 1983. Pg. 216.
119
Ibid. Pg. 217.
120
Ibid. Pg. 221.
45
da região da Eritrea. Por desconhecer a língua local, se comunica através de um dialeto
básico de influência bico-fenício, bastante utilizado nas regiões costeiras e que
demonstra um conhecimento maior destas rotas do que uma primeira análise parece
indicar. Na viagem de volta, parece ter utilizado a mesma técnica de se aproveitar das
monções tanto no Índico quanto no Atlântico.
Novamente na cidade de Gadir, com o dinheiro da venda de suas embarcações e
um novo financiamento de mercadores e navegadores da cidade, organiza uma quarta
viagem à Índia
121
. Eudoxo a planejou como a maior das suas viagens, trocando as
relativamente pequenas embarcações das anteriores por grandes navios. No entanto
existem poucos dados dessa última, Posidônio informa que dificilmente ela atingiu seu
objetivo ou mesmo regressou, mas autores como Plínio e Cornélio Nepote apontam
diversas possibilidades e relatos do destino final de Eudoxo, citando, inclusive, que ele
teria conseguido realizar o que tanto tentou durante os anos, circunavegar a África.
Apesar dos pouquíssimos relatos deixados, as evidências de um forte contato
entre Roma e o Oriente, normalmente representado pelos territórios da Índia nesse
período, são abundantes. Indícios arqueológicos, literários e numismáticos comprovam
que a Índia fazia, inclusive, parte do sistema monetário romano
122
. Mesmo um dos mais
importantes mapas romanos, a tábula de Peutinger (cópia medieval de um mapa romano
             
Muziris, um dos portos mais importantes do comércio entre Roma e o Oriente no
sudoeste da Índia
123
.


isoladas de navegadores que partiam em busca de riquezas em terras totalmente
desconhecidas. Durante o reinado de Cláudio, um mercador chamado Iambos
(provavelmente da Síria) viajou até o Ceilão (atual Sri-Lanka) permanecendo por
            
Índia). No mesmo período
sexto livro, a viagem de certo Annius Plocamus, que teria sido o primeiro romano a
visitar a ilha de Tabropane, ao sul de Ceilão, retornando com presentes do governante
oriental. Diversas outras referências a nomes de comerciantes são encontradas nos
121
Ibid. Pg. 226.
122
BALL, Warwick. Rome in the East: the transformation of an empire. London: Routledge, 2000. Pg.
123.
123
Idem.
46
próprios documentos portuários, principalmente os do Mar Vermelho, renomada rota de
saída do Ocidente rumo ao Levante. Esses viajantes são gregos, romanos, árabes,
indianos, entre outros, mostrando a diversidade dos personagens que participavam dessa
atividade.

             
(habitante dos territórios egípcios), que descreve sobre as rotas que partem do Mar
Vermelho até a África, a Arábia e a Índia em sessenta e seis capítulos. Sua descrição
detalhada dos locais pelos quais as rotas descritas passam permite acurar suas
contrapartes atuais e, por isso, se tornou bastante aceito na historiografia. A obra
aparenta ser uma compilação de experiências pessoais, o que aponta para a
possibilidade de ter sido escrita por um comerciante que percorria pela rota ilustrada
com certa frequência. Pela excelente descrição da cidade e pelo contínuo uso da mesma
como ponto inicial da rota, é bastante aceita a teoria de que o autor era natural de
Berenice Trogloditica
124
, importante porto grego em territórios egípcios. Em seus oitavo
e décimo terceiro capítulos a obra aborda, respectivamente, os portos de Malao e
Opone, importantes centros comerciais no território da atual Somália.
Por volta de oitocentas stadias
125
depois de Avalites, existe outra cidade mercante melhor do que
a primeira, chamada Malao. O porto é uma área aberta sem ancoradouros, protegido por uma
fina faixa de terra que vem do Leste. Aqui os nativos são mais pacíficos. As importações são de
produtos mencionados, como túnicas e casacos de Arsinoe, taças, folhas de fino cobre, ferro e
um pouco de ouro e prata. São exportados mirra, incensos, canela, goma copal e, raramente,
escravos.
126
Então, após navegar por quatrocentas stadia ao longo de uma península e a favor
da corrente, existe outra cidade mercante chamada Oponte, na qual as mesmas
mercadorias citadas anteriormente são importadas e uma grande quantidade de canela é
produzida. Escravos, do melhor tipo, são trazidos do Egito em número cada vez maior e
uma grande quantidade de tartarugas, da melhor qualidade, é encontrada ali.
127
124
SCHOFF, Wilfred Harvey. Periplus of the Erythraean Sea: travel and trade in the Indian Ocean by a
merchant of the first century. New York: Longmans, Green, and Co., 1912. Pg. 16.
125
Antiga medida grega que se aproxima de 157 metros.
126
SCHOFF, Wilfred Harvey. Capítulo 8.
127
Ibid. Capítulo 13.
47
Os relatos deixam claro que mesmo com foco comercial, a obra foi redigida com
intenções maiores do que essa. Ao descrever a rota e as características dos povos que
habitavam as importantes cidades comerciais, ultrapassa-se puramente a questão
econômica para adentrar nas questões geográficas e culturais desse percurso, aspectos
tão importantes quanto qualquer outro envolvido no possível sucesso ou fracasso final
da empreitada.
Descreve também sobre o reino de Axum, na atual Etiópia (local bastante
importante ainda cinco séculos depois
128
, o que mostra a importância dessas rotas na
configuração de grandes centros políticos), o qual era regido por um governante de
nome Zoscales
129
; sobre o reino Himyarite (atual Arábia), unificado por um governante
a espécie de aliado de Roma
130
;
sobre o Reino do Incenso (Hadramaut)
131
; e a cidade de Rhapta (na atual Tanzânia), que
servia a um rei árabe; até chegar no destino final, a Índia. Deste território descreve as
regiões de Barygaza, porto no qual, de acordo com a obra, o comércio com o Ocidente
era feito em larga escala
Nesta cidade mercante (Barygaza) importam vinho (preferencialmente italiano, mas também
arábico e lacedônio), cobre, estanho, chumbo, topázio, coral precioso, roupas de todos os tipos,
óleo de storax, plantas aromáticas, vidros, moedas de ouro e prata (as quais geram lucro quando
convertidas para a moeda local) e óleos medicinais (em pouca quantidade, pois geram lucros
pequenos). Para o rei são trazidos acessórios de prata, pequenos cantores, belas mulheres para
seu harém, roupas dos mais finos tecidos e óleos selecionados. Enquanto isso, exportam plantas
aromáticas, marfim, ágata, roupas de algodão, seda, inhame, pimentas e diversos outros produtos
trazidos até a cidade. A viagem do Egito até esta cidade é favorecida no mês de Julho.
132
e que ainda possuía ruínas do antigo domínio grego-indiano estabelecido por Alexandre,
o Grande
133
; descreve também os reinos de Chera, Chozha e Pandyan, nos quais os
portos (como por exemplo o de Muziris) eram importantes centros de troca de temperos,
pedras preciosas e artefatos de metal e muito frequentado pelos gregos
134
.
128
É um local descrito longamente por Cosme Indicopleustes.
129
SCHOFF, Wilfred Harvey. Periplus of the Erythraean SeaCapítulo 5.
130
Ibid. Capítulo 23.
131
Ibid. Capítulo 27.
132
Ibid. Capítulo 49.
133
Hoje se sabe que Alexandre nunca chegou tão ao Sul. As ruínas representam, então, a expansão grega
na Índia posterior as incursões de Alexandre.
134
SCHOFF , Wilfred Harvey. Periplus of the Erythraean SeaCapítulos 53, 54 e 56.
48
Perceber a Índia como destino final de tantos relatos não é uma simples
coincidência. O lado Oriental não era um fator passivo nessa ilustração. Infelizmente
possuímos ainda menos informações dos viajantes que provinham do lado direito do
mapa, mas menções à Gan Ying (ou Kan Ying), primeiro mensageiro chinês enviado a
Roma, em 97 d.C., de que se tem confirmação
135
; Fa Xian (Fa-hsien), que entre 399 e
413, retornou da Índia e iniciou a divulgação de ensinamentos budistas
136
; Song Yun
(Sung Yun / Huisheng), enviado entre 518 e 521 em uma missão para recuperar
escrituras budistas na Índia e que chegaria a visitar o reino dos Hunos brancos; e Xuan
Zang (Hsuan-Tsang), budista e linguista chinês que viajou até a Índia entre 629 e 645
para traduzir os sutras dessa religião
137
; são apenas exemplos das também
movimentadas rotas que interligavam o Extremo Oriente com a Índia e,
consequentemente com o Ocidente, afinal se os chineses estavam viajando até a Índia,
mesmo que indiretamente os ocidentais que alcançavam esta região tinham acesso aos
produtos chineses, e vice-versa. O ímpeto posterior de se chegar diretamente ao
Extremo Oriente, bastante comuns nas viagens do medievo, como as famosas viagens
de Marco Pólo, nada mais foram do que a vontade de aumentar os lucros com a
eliminação do intermediário, seja ele mercadores muçulmanos (que iriam dominar essas
rotas nos anos posteriores) ou os antigos portos da Índia.
135
HIRTH, F. China and the Roman Orient. Shanghai & Hong Kong: Ares Publishers, 1885.
136
GILES, H.A. The travels of Fa-hsien (399-414 A. D.). Oxford: The University Press, 1923.
137
BEAL, Samuel. Buddhist Records of the Western World. Vol. 2. Londres: [s.e.], 1906.
49
CAPÍTULO IV
Civilização, a verdadeira fronteira entre o Ocidente e o Oriente
1. O Conceito de Civilização
1.1.Dos gregos aos romanos
Civilização, conceitualmente, é algo recorrentemente analisado pelas mais
diversas culturas historiográficas. No entanto, é sempre um estudo que necessita
especial atenção, pois todo e qualquer conceito é extremamente vinculado ao contexto
que o abrange e inúmeras interpretações podem ser atribuídas ao mesmo termo em
diferentes espaços de tempo ou mesmo em distintas localidades contemporâneas.
Atualmente, no senso comum, civilização é o exato contraponto de algo ruim,
desorganizado socialmente; ou então, um conceito relacionado à noção de tecnologia.
No âmbito político do ocidente contemporâneo, esse termo assume outra conotação, a
            
armados entre nações foram deflagrados baseados nesta perspectiva e uma missão
          
culturas ocidentais.
Contudo, historicamente, esse conceito obteve diversas alterações significativas
e, muitas vezes, chegou a assumir significados completamente diferentes. Não os levar
em consideração seria cometer, simplesmente, o maior pecado historiográfico, o
anacronismo.
A primeira cultura, no Ocidente, que se pode afirmar possuir uma intensa
preocupação referente à delimitação deste conceito foi a dos gregos. Para eles, o
conceito de oikoumené, usualmente (e erroneamente, diga-se de passagem) traduzido

de grego traduzem este termo como, Oikos: residência, casa; Oiken: habitar / habitado,
Oikoumené: terra habitada. Entretanto, o termo oikoumené, como era comum entre os
vocábulos gregos, tinha um significado muito mais amplo. O universo que este
vocábulo delineava era bastante restrito e não possuía nem de perto a abrangência
totalizante com a qual, hoje, o utilizamos. Os territórios da Pérsia, por exemplo, na
50
condição em que se encontravam, não faziam parte deste. Obviamente eram territórios

última, civilizado, a palavra-chave para se entender esse significado). O mundo ao qual
eles se referiam neste termo não era constituído por todos os territórios habitados por
seres humanos. Mas sim territórios que possuíam características fundamentalmente
similares as que eles consideravam       
           
possível entre os povos era, exatamente, a ideia da oikoumené. Apesar de hoje em dia
parecer uma tarefa simples entender esta divisão e separar em duas partes bastante
distintas as culturas que poderiam fundamentar e as que não poderiam fundamentar esse
conceito de oikoumené grega, essa ilusão logo se torna aparente, que as próprias
culturas que as compunham tinham imensa dificuldade em se definir como um grupo

diferenças do que similaridades.
É difícil falar em uma religião grega, o panteão basicamente era o mesmo, mas a
importância dos deuses, os ritos em homenagem a eles, os mitos celebrados com suas
figuras e até mesmo suas personalidades variavam de cidade-Estado para cidade-Estado;
a organização social e política também era diferente em cada uma delas, o próprio nome
com a qual elas se denominavam diferia e iam desde a democracia até a basiléia,
passando pela aristocracia e pela oligarquia (entre tantas outras); as leis, como não
poderiam deixar de ser, eram próprias de cada unidade administrativa e refletiam a
sociedade única que cada uma delas possuía. A lista é imensa, poder-se-ia continuar
ilustrando tantos outros fatores que causavam esta citada desagregação, mas o propósito
deste trabalho é exatamente o contrário, tentar evidenciar como uma noção de unidade
se espalhou por estes territórios.
A primeira, e talvez a mais fácil, de se apontar é a unidade linguística. Por mais
diferentes que fossem as cidades-estado, todas elas tinham como língua oficial o grego.
Mesmo assim, se este fosse o único elo que as unissem o mesmo seria demasiado frágil,
afinal para se adentrar na oikoumené grega bastaria aprender este idioma e logo o
restritivo universo cultural se tornaria tão abrangente que perderia seu próprio propósito
de existência. Outro ponto chave para se entender como essa noção de unidade foi
-
politéia), o resultado
51
final deveria obedecer algumas normativas as quais faziam parte da estruturação do
próprio conceito de uma cidade-estado. É nesta questão que aparece a importância da
comparação com um elemento externo. Como qualquer segregação, a unidade grega não
seria possível sem a presença de um componente exterior que a contraponha e a
justifique. Não à toa, esta frágil unidade foi fortalecida em momentos de confrontação
com este ambiente externo (como na guerra contra os Persas, exemplo máximo dos que
não eram integrantes da oikoumené
na
deste período, os persas, que se deflagra a guerra entre os gregos, a chamada guerra do
Peloponeso). Dois autores que ajudam a entender essa tênue relação são Xenofonte e
Demóstenes. O primeiro vive entre os persas e chega a interessantes conclusões
comparativas entre gregos e persas, tanto no âmbito cultural, social ou político. Para
Xenofonte, a grande diferença da monarquia persa ante as politéias gregas era a relação
do monarca com o grupo que o apoiava diretamente. Se naquela região o monarca
realmente estava acima dos demais (representado, inclusive, como uma divindade); na
Grécia, qualquer que fosse o sistema adotado pela pólis, o poder era dividido e,
principalmente, regulamentado, por um grupo de pessoas que estavam, efetivamente, no
mesmo patamar do detentor deste poder
138
. Essa comparação, apesar de não ser
explicitada como tal, se torna uma óbvia alegoria aos conceitos de civilidade, ou
melhor, de oikoumené. O segundo autor, Demóstenes, escreve em um período mais
           
conclusões sobre a tentativa macedônica de se tornar hegemônica sobre a Grécia, sua
crítica está sempre direcionada aos males que esta condição representaria a forma grega
de se organizar em todos os âmbitos de sua tradição, afinal, ao aceitar se subjugar a um
monarca externo e superior aos demais, a oikoumené grega desapareceria
139
.
Nota-se, então, claramente o ponto principal deste importante conceito que

de um poder pessoal. Para os gregos, este poder precisava conhecer limites e, acima de
tudo, respeitá-los. Da democracia ateniense à oligarquia espartana, todas precisavam se
preocupar com essas questões e nunca ceder, pois ao fazê-lo estariam recaindo sobre o
maior pecado político possível, a tirania. Para eles, esta palavra estava intimamente
138
XENOFONTE. Anábase. Évora: Sementes de Mudança, 2008.
139
DEMÓSTENES. As Três Filípicas: oração sobre as questões da Quersoneso. São Paulo: Martins
Fontes, [s.d.].
52
ligada à ideia de demagogia
140
e representava o meio de se fazer política nos territórios
periféricos aos seus, ou seja, o modo dos que se encontravam fora da civilização, da
oikoumené. A preocupação em não reproduzir esta forma de governo dentro dos
territórios gregos é antiga e aparece nas obras iniciais da historiografia grega.

141
, se tornando o
modelo inicial das análises deste mundo considerado exterior ao deles. A partir desta
obra, todos os outros autores que se preocupavam com estas questões estabeleceram
uma dicotomia inexorável entre a basiléia (forma política difundida entre os gregos, na
qual o(s) governante(s) deviam explicações aos seus pares) e a monarquia oriental
(forma de poder na qual o governante assumia um poder sem limites). Obviamente, esta
não era uma divisão de fácil delimitação e muitas vezes cumpriam papel político
importante na legitimação de golpes políticos. Qualquer monarca escolhido, mesmo
dentro de uma basiléia é, potencialmente, um tirano
142
, sua legitimação como
governante sempre depende da força política do grupo que o apóia. Disputas internas
eram comuns e a acusação de tirania por um grupo de elevado poder político de uma
pólis normalmente deflagrava confrontos políticos que poderiam levar até a troca de
governantes em golpes legitimados através do conceito subjetivo de civilização.
Contudo, o modelo grego logo seria suplantado. Com o advento de Felipe II da
Macedônia e a subseqüente vitória deste sobre aqueles, o conceito de civilização iria
adquirir novas particularidades. Não seria, agora, apenas uma fronteira entre os que
viviam dentro dela e os que viviam fora, na barbárie; nem simplesmente um motivo
para que se pudesse defender a hegemonia local, mas também um dos motivos que
impulsionaram Felipe II e, posteriormente, seu filho Alexandre a uma expansão
territorial como nunca se havia visto nos territórios ocidentais. Não que isso fosse de um
ineditismo absoluto. Os gregos utilizavam esta ideia com um princípio bélico, mas ou
eram campanhas rápidas e pontuais, quase sempre ao largo do mediterrâneo, ou para
embasar a defesa de territórios internos, como feito na campanha para conter o avanço
dos Persas. Felipe e Alexandre seguiram em outra direção, tentavam levar a civilização
até o mais longe possível. Surgiu assim a cultura helênica, baseada na cultura grega,
mas com tantas influências como a quantidade dos territórios que eram conquistados.
140
SUAREZ, D. P. Las formas del poder personal: la monarquía, la realeza y la tiranía. In: Gérion,
2007. 25. n. 1. pg. 127.
141
Ibid. pg. 128.
142
Ibid. pg. 132.
53
Alexandre seria considerado, inclusive, como o primeiro grande exemplo
ocidental de um governante que tentou se tornar um conquistador universal
143
.
Existiram outros antes dele que tinham este objetivo, mas foi ele o primeiro a
transformar esta ideia em ações de proporções inimagináveis. Seus feitos seriam tão
grandiosos que qualquer governante futuro ao querer demonstrar a grandeza de suas
façanhas logo se equiparavam ou eram equiparados (seja pela comparatio, aemulatio ou
imitatio
144
), dentre outros, a Alexandre. Essa prática perdurou por longos séculos.
Justiniano, no século VI d.C., ainda foi um dos muitos que se equiparava a Alexandre,
não apenas por pertencer a uma família macedônica, mas também por Alexandre
permanecer como uma forte figura no imaginário político do mundo romano.
Não à toa, o grande herdeiro, no Ocidente, da preocupação com conceituações
similares foi exatamente este mundo romano, simbolizado pela sua capital, a cidade de
Roma e, posteriormente, Constantinopla. A oikoumené grega se tornava a ciuilitas
romana, termo que, dentro da história de Roma, adquiriu significados diversos e muitas
vezes até antagônicos. Diferente dos gregos, os elementos agregadores dos romanos
eram identificados mais facilmente. Isso se deve a própria organização social destes,
mais centralizada e institucionalizada do que a daqueles. Mesmo com um território
maior e inúmeras divisões provinciais, a existência de uma instituição central do poder
sempre esteve presente, sendo os dois exemplos máximos, o Senado republicano,
efetivamente uma instituição; e na figura do Imperador, que muito mais do que o
comandante supremo do império era toda uma instituição, representada, sim, por um
indivíduo, mas com características que o ultrapassavam. Os romanos diferiam dos
gregos, também, quanto a sua posição dentro de um universo mais amplo; se ambos se
consideravam superiores a todos os outros, os romanos utilizaram muito mais esta
questão como uma importante premissa expansionista. Roma foi, no Ocidente, o
primeiro grande exemplo de uma expansão (em todos os âmbitos, territorial, cultural,
político, entre outros) em larga escala, pois foi a primeira unidade política que a
manteve por longos séculos. Estas conquistas eram realizadas, em sua maioria, através
143
PAGOLA, E. T. La influencia del modelo de Alejandro Magno em la tradición escipiónica. In:
Gérion, 2003, 21, n. 1. pg. 138.
144
Neste mesmo artigo de Elena Torregaray Pagola é feita uma excelente descrição destas três formas de
equiparação muitas vezes entendidas, equivocadamente, como sendo a mesma coisa. A comparatio, ou a
comparação, era o estabelecimento de paralelos por terceiros, que escreviam sobre personagens históricos
tomando como modelo um que o antecedeu; a imitatio, ou a imitação, era um desejo consciente do
imitador de plagiar tanto os atos como as ões de seu modelo; por fim, a aemulatio, ou a emulação, era
voltada as grandes realizações, tentava-se fazer o que o modelo havia feito e, se possível, asuperá-lo,
mas sem, necessariamente, imitar seus meios.
54
de guerras. Essa foi uma característica muito exaltada por este povo, as vitórias
militares eram sinais claros das exaltadas virtudes, como glória e honra. Mas conquistar
novas terras era apenas o primeiro passo, que muitos antes de Roma haviam dado em
proporções semelhantes. O grande sucesso de Roma foi que pela primeira vez no
Ocidente, o povo conquistador tinha meios e o interesse necessário para manter estas
conquistas. A este processo os historiadores atuais costumam chamar de
romanização
145
, que nada mais era do que a adaptação das culturas locais para que
fossem incluídas no mundo romano. Apesar de ser uma estratégia que se baseava no
consenso, na tolerância e na integração (Roma não excluía os nativos da administração
da nova colônia)
146
o processo de inclusão não era tão profundo para que permitisse a
inserção destes no conceito de civilização romana; eram súditos, mas sem cidadania
147
.
Essa tênue linha muitas vezes causava subversão dos ideais em jogo, tanto do romano,
quanto do conquistado. O cartaginês Tertuliano, um dos mais importantes escritores
latinos da antiguidade, ao se dirigir aos seus compatriotas, resume esta ambígua
situação na pergu Quid nunc, si est Romanitas omni salus, nec honestis tamen
modis ad Graios estis?
148
.
Nota-se, então, o porquê da preocupação com estas conceituações. Não eram
todos que poderiam fazer parte do seleto grupo que, ao menos na teoria, tinha
possibilidades de participar ativamente da sociedade. Em um primeiro momento, o
termo ciuilitas 
antigas famílias aristocráticas da monarquia romana que tinham direitos sociais
delimitados. No entanto, com as conquistas sociais da plebe já durante o período
          
Roma. Romano, ou civilizado (pois nesse período esta era a relação entre estes termos),
eram aqueles que falavam latim, viviam nos territórios romanos e possuíam autonomia
para participar das decisões políticas que organizavam a vida dentro dos domínios de
Roma. Faltava, então, definir quem representaria o lado oposto desta alegoria, pois
como já citado anteriormente neste trabalho, a definição de limites só se torna realmente
visível quando uma contraposição é feita. Para o termo ciuilitas, foi contraposto o termo
145
Apesar de ser um termo muito utilizado atualmente, as fontes do período utilizavam outro vocábulo, o
de romanitas. MOLINA, Alejandro B. Orbe romano e imperio global: la romanizacion desde Augusto a
Caracalla. Santiago: Editorial Universitaria, 2007. pg. 55.
146
Ibid. pg. 46.
147
BLOCH, R. & COUSIN, J. Roma e o seu destino...pg. 417.
148

De Pallio. 4, 1. Amsterdan, 2005.
55
barbarie. Se o primeiro representava a cultura romana, o segundo significava todas as
outras. Obviamente que os romanos notavam as imensas disparidades entre as culturas
nas quais costumavam incluir dentro de um mesmo conceito, mas diferenciá-las não era
um propósito que os servia.
Durante um longo período, este conceito iria permanecer com poucas alterações,
apenas se adaptando a fatos pontuais na qual uma revisão fosse necessária. Isso, até o
século IV, quando um novo elemento se torna primordial para entender a nova
configuração deste ideal. Este elemento é o cristianismo, que no século IV, com os
éditos de Milão e de Tessalônica, é permitido dentro do império romano até se tornar a
religião oficial (respectivamente). Surgia um novo elemento. Os cristãos, alguns ainda
considerados bárbaros pelos romanos, não podiam manter essa condição, que Roma,
agora, era a defensora formal desta fé. Agrega-se ao termo da ciuilitas o conceito de
christianitas. Logo, para se tornar cidadão era necessária uma conversão e, logicamente,
aos convertidos facilitava-se a participação na sociedade. É importante lembrar que o
cristianismo não surgiu no exato momento em que foi incorporado pelo mundo romano.
Era uma religião muito tempo instituída e, portanto, também teve que se adaptar a
esta nova situação. A questão da escravidão, por exemplo, foi posta de lado, pois iria de
encontro com uma das bases sociais e econômicas do império que a acolhia. A própria
idealização do trabalho foi readaptada para que o impacto dos ideais católicos não fosse
tão à contramão do que defendia a organização política romana, exemplo máximo é a
ideoOra et Labora
149
, que promovia uma valorização do trabalho
através da aceitação do sofrimento. Além disso, a Igreja cristã logo se adaptou, também,
a organização social romana, se o império estava dividido em províncias, a Igreja criou
as dioceses para contemplá-las e os patriarcados para agrupá-las em blocos maiores de
mais fácil administração. Nas cidades, se aproveitava da situação do Ocidente para
promover a Igreja como ó único meio de salvação e sobrevivência do Império (aqui a
própria ideia da ciuilitas christianitas aparece), nos campos se utilizava das figuras dos
            
difusão da fé cristã
150
.
Mesmo com toda essa adaptação, o cristianismo não era uma baliza tão simples
de se seguir como parece. Apesar de aparentar uma unidade, é sempre necessário se
149
 Roma e o seu destino...pg. 305.
150
KAPLAN, M.; DUCELLIER, A.; MARTIN, B. A idade média no oriente. Coleção História da
Humanidade. Lisboa: Dom Quixote, 1994. pg. 45.
56
perguntar de qual cristianismo se estabeleceriam estes limites. Ainda mais quando se
analisa o contexto no qual a integridade territorial romana é desmantelada pelas
invasões e consequentes conquistas de diversos povos germânicos. Grande parte destes,
ao se estabelecer no antigo território imperial, logo tentou copiar diversas características
romanas e o cristianismo foi uma delas. Mas o cristianismo que chegou a esses povos
nem sempre foi o defendido pela instituição religiosa. Por isso ocorreram nesta época os
primeiros concílios, os quais definiram os rumos que a Igreja necessitava para delimitar
estes concílios
foi o de Nicéia e nele foram decididos quais seriam os princípios básicos da cristã,
baseado na santíssima trindade e de como esta habitou o corpo de Cristo. Constitui-se
hoje). O importante
é perceber que para existir esta preocupação algo digno de atenção e que contrariasse
esse direcionamento dogmático precisaria ter acontecido. Neste caso, se torna bastante
claro de que o concílio nada mais foi do que uma resposta ao Arianismo, que estava
encontrando uma grande aceitação entre os reinos germânicos estabelecidos dentro das
antigas regiões de Roma.
Concílios posteriores, como os de Éfeso e da Calcedônia, tiveram motivos
semelhantes. Respectivamente, combateram as doutrinas nestoriana e monofisita. Todas
as três, ao serem rejeitadas pela Igreja se tornaram heresias e, consequentemente,
proibidas dentro de terras cristãs. A rota de fuga destas ideologias foi a única possível, o
Oriente. Essa difusão do cristianismo ao Oriente através de ideologias consideradas
heréticas causou uma situação interessante, principalmente na porção oriental de Roma.
Na constante confrontação com os Persas e os Árabes (que logo se tornariam
muçulmanos) esses cristãos refugiados constituíam o grupo de mais fácil acesso. Essa
situação se tornaria tão enraizada que mesmo muito tempo depois, no século XIII,
Marco Pólo, em sua famosa viagem à China, ainda considera encontrar nestes grupos
barbarie.
Os próprios concílios, de uma maneira geral, ajudam a entender como o Oriente
e o Ocidente do império romano encaravam a questão religiosa de uma maneira
diferente. Enquanto os realizados no Ocidente debatiam muito mais questões ligadas a
terra ou a organização da própria riqueza adquirida, os do Oriente debatiam questões
teológicas profundas
151
. Se o concilio de Nicéia estipulou o credo básico da Igreja, o de
151
BLOCH, R. & COUSIN, J. Roma e o seu destino...pg. 305.
57
Constantinopla elevou a capital oriental do império ao mesmo patamar de Roma,
decisão que desagradou, principalmente, os outros patriarcados (Antioquia, Alexandria
e Jerusalém), causando diversas reações regionais contra estas deliberações. O concílio
da Calcedônia, além de condenar a doutrina monofisita, é considerado como o
verdadeiro fundador da ortodoxia, pois elevou o patriarca de Roma acima de todos os
outros, o reverenciando com o título de papa, além de aumentar ainda mais a primazia
do patriarca de Constantinopla no Oriente, na tentativa de diminuir o impacto da
primeira decisão
152
.
De fato, os embates entre os patriarcas aconteciam muito mais internamente do
que entre as duas porções territoriais, mas este é um fato de fácil percepção. O patriarca
de Roma, agora chamado de papa, tinha mais preocupação em demonstrar poder no
Ocidente que poderia aproveitar a grande desagregação política dos reinos
germânicos para se tornar o grande centralizador de poder nesta região (fato que
efetivamente aconteceu), do que enfrentar o imperador do lado oriental, que
centralizava o poder em sua figura, aliado a disputas com o patriarca de Constantinopla,
também instituído com o poderio na região pela própria Igreja.
O patriarca de Constantinopla, por sua vez, dificilmente interferia nas questões
ocidentais, pois tinha grandes disputas em seu próprio território, seja com os outros
patriarcas, seja com o imperador, muito ligado às questões religiosas. Neste segundo
caso, contudo, as reivindicações patriarcais não eram uma causa tão perdida como a
historiografia costuma alegar. Muito desta ideia se deve a cunhagem do termo
         
Roma. O termo nada mais é do que uma junção de outros dois vocábulos, césar e papa,
indicando que o detentor deste tulo possuía autoridade máxima para questões tanto
temporais, como seculares. Primeiramente, é importante citar que os próprios
imperadores não se designavam com este título e ele sequer aparece nas fontes orientais.
O mais provável é que este tenha sido um termo criado no Ocidente com intuito de
enfraquecer o poder do patriarca de Constantinopla para demonstrar a vantagem da
Igreja ocidental em possuir seu próprio território, além de relacionar o poder religioso
com o suposto detentor do mesmo em áreas orientais, o imperador
153
. Conflitos entre os
dois eram relativamente constantes, contudo o mais comum era uma convivência
152
KAPLAN, M.; DUCELLIER, A.; MARTIN, B. A idade média no oriente...pg. 47.
153
GEANAKOPLOS, Deno J. Church and State in the Byzantine Empire: a reconsideration of the
problem of caesaropapism. In: Church History, Vol. 34, No. 4 (Dec., 1965). pg. 381-382.
58
pacífica entre patriarca e imperador visando o bem do império de uma forma geral.
Quando não resolvidos de maneira em que ambos os lados concordassem, a última
palavra pertencia, normalmente, ao imperador, mas somente essa característica não é
suficiente para institucionalizar essa situação. As leis também não eram parâmetros
fáceis de entender, as atribuições dos cargos de patriarca e imperador não estavam em
códigos organizados, mas sim em princípios produzidos internamente em cada uma das
repartições. Confundia ainda mais a idealização do império oriental romano como a
mimese perfeita do reino dos céus, na qual o imperador tinha a obrigação de defender os
cristãos e sua organização
154
. Soma-se a tudo isso a própria interferência do imperador
no processo de escolha dos patriarcas e aparenta-
um significado correto no contexto ao qual era direcionado. Entretanto, é necessário se
observar as questões por outro prisma para se entender o grande equívoco da utilização
deste conceito. Os imperadores, por exemplo, não possuíam autoridade para, sozinhos,
definir as questões mais importantes da fé, as relativas aos dogmas da religião. Para isso
precisavam convocar os concílios, na qual a decisão seria tomada pela deliberação de
religiosos, o patriarca incluso. Os imperadores poderiam até tentar influenciar as
decisões conciliares, mas nunca ignorar este procedimento. Uma forte interferência do
poder temporal em assuntos seculares não causava apenas uma oposição do clero, mas
também da população em geral, que não costumava ver com bons olhos estas
intromissões
155
. Resumindo, esta questão sempre recaía sobre as personalidades de
quem ocupava ambos os cargos. Se o imperador fosse uma pessoa de caráter forte e com
uma ampla base de apoio, suas decisões quase sempre deviam ser aprovadas pelos
meios que fossem necessários, mas a recíproca era verdadeira e patriarcas poderosos
poderiam ser grandes influenciadores de políticas imperiais.
154
Ibid. pg. 385.
155
Ibid. pg, 390.
59
1.2.O conceito de civilização na fonte proposta
O autor escolhido como fonte para este trabalho se insere exatamente nesta
 (mesmo que convertidos),
  ente, imaginando poder contar
com a participação dos cristãos exilados neste extremo geográfico. Por isso surgem,
neste período, diversas obras que ilustram a distribuição dos lugares da Terra. Mais do
que tratados geográficos, eram tentativas de se incluir certas sociedades dentro do
          -se,
então, que a obra de Cosme possui muito mais do que um simples sentido geográfico ou
teológico. Existe um aspecto muito pouco trabalhado, bastante implícito, que parece
transcender todas as querelas políticas e religiosas discutidas anteriormente e que possuí
um objetivo exatamente contrário, o de agregar. E o conceito chave para se entender
esta faceta da obra é, novamente, o de civilização, de oikumene christianitas. Cosme,
em sua obra, muito discretamente, parece indicar uma via alternativa, mas não inédita e
muito menos contrária, desta noção tão cara aos poderes políticos da época. Mesmo se
referindo aos locais e comunidades que em uma primeira análise parecem divergir das
políticas oficiais, com uma visão mais aprofundada mostra-se em total sintonia com os
acontecimentos do grande centro político, econômico e religioso de sua época, a cidade
que atraía para si todos os olhares, Constantinopla.
Ao promover um levantamento das comunidades cristãs dentro e fora do
império, exatamente nas regiões que Justiniano pretendia ou reconquistar ou expandir
seu domínio, fica a pergunta: teria Cosme Indicopleustes direcionado sua obra ao
Imperador? E se assim o fez, teria tentado propor a ele que o caminho mais rápido para
esta expansão seria o de revalidar as diferentes correntes da cristandade sob sua tutela,
pois estas estavam difundidas nos alicerces dos territórios pretendidos? Apesar de
ficar claro que a iniciativa parte muito mais do viajante para o imperador do que o
contrário pois Justiniano dificilmente teria encomendado a obra diretamente a Cosme
quando se analisa o contexto juntamente com algumas passagens da obra, as
perguntas acima parecem fazer muito sentido.
Como a sacralidade do poder imperial é um dos pilares fundamentais da vida
política bizantina, a religião se tornava um dos caminhos, e talvez o mais direto deles,
para que uma concepção de civilização alcançasse as partes mais remotas. Mesmo se
60
essas constituíssem comunidades ilhadas em territórios de dominação distinta, elas
sempre tendiam a se identificar mais com as outras diversas populações cristãs,
próximas ou distantes, do que com as imediações territoriais que as circulavam. Nota-se
que Cosme incluía seus anseios dentro de todo um imaginário inerente a construção da
imagem do poder imperial
156
, Imperator Defensor Christianitas, onde um cristão,
a civilização e é dever do imperador protegê-lo. A grande barreira para essa concepção
aparenta ser a de que esses cristãos orientais seriam na verdade, em sua maioria,
hereges, pois acreditavam em dogmas condenados pelos concílios e era, pelo contrário,
função do imperador perseguí-los e expulsá-los da civilização. Essa ideia parece se
agravar quando se lembra que Justiniano foi um dos imperadores mais ativos nessa
perseguição dos hereges dentro do território imperial. Contudo, as comunidades que
Cosme descreve e de certa maneira defende o se encontravam dentro do império
romano e a aceitação de cristianismos distintos ao do credo niceno fora dos territórios
imperiais não era uma exclusividade de Justiniano e muito menos acabou com a morte
dele. As forças centralizadoras ocidentais, historicamente, têm mais facilidade em
aceitar ideias diferentes das pregadas como verdade absoluta quando estas se encontram
fora de seus domínios e ainda mais quando podem auxiliá-las de alguma maneira. E esta
era a situação, os territórios pretendidos tinham comunidades cristãs estabelecidas
muito tempo e estas tendiam a se identificar com a cristandade ortodoxa de

percebe que as políticas imperiais não apenas de Justiniano, mas da própria Igreja
assumiam tons diferentes quando relacionadas ao Ocidente ou ao Oriente. Por isso
propõe o caminho que, na sua visão, facilitaria os projetos de ambos os lados. Se as
comunidades cristãs consideradas hereges poderiam facilitar a expansão da civilização
ao Levante, essa civilização as aceitaria novamente como parte dela.
Não é coincidência, também, que um dos aspectos principais da obra seja a
              
provar que as Sagradas Escrituras estavam certas, o autor pôde discorrer sobre as
comunidades cristãs que habitavam esses lugares. Direcionar esta análise no lado
oriental do império, onde as comunidades são, em sua maioria, monofisitas ou
nestorianas (em suma, consideradas heréticas) tornava-se quase como uma proposta de
156
CREMADES, Fernando Checa. Imágenes y Lugares: el sitio del retrato del rey. In: Quintas Jornadas
de Estudios Históricos organizadas por el Departamento de Historia Medieval, Moderna y
Contemporánea de la Universidad de Salamanca, 1995. pg. 60.
61
que esta expansão ao Oriente só seria possível caso a cristã fosse realmente unificada
sob a proteção do imperador.
A defesa da cristandade se torna a defesa da civilização. Se antes Roma era o
estandarte da civilitas, Constantinopla se torna o equivalente da christianitas. A ideia de
que o Império Romano era um império universal, que abrigaria toda a raça humana e
estenderia sua soberania e hegemonia por todo o mundo (orbis terrarum) aparecem
desde a época de Augusto
157
, no século I a.C. Mas ainda se faz necessária uma
explicação, este conceito não pode ser aplicado como o seria nos dias de hoje. Esta
confusão entre oikumene e a Terra em sua totalidade, notada claramente em Cosme, não
é de forma nenhuma apenas um desejo de que o império por ele defendido, através da fé
por ele proclamada, atingisse os quatro cantos do planeta. Claro que o era também, mas
para ele o Império Cristão sempre seria universal meramente por considerar os que
estavam alheios a este fora da noção de civilidade e, por assim dizer, exclusos de
qualquer classificação até que se civilizassem, neste caso, se cristianizassem.
Esta relação é bastante fácil de entender. Uma forte analogia entre o cargo
imperial, a cidade de Constantinopla e o cristianismo era bastante comum neste
contexto. E entendê-la não é das tarefas mais complicadas. A ideia de Roma, como
instituição própria e centro de tudo, estava cada vez mais prejudicada com as inúmeras
perdas territoriais no Ocidente. Todas as instituições, como as magistraturas, perdiam
proporcionalmente a este fato, o poder e a autoridade que outrora possuíam. Restava,
apenas, uma possibilidade da concentração desta característica, a figura do imperador
do Oriente. O poder de Roma estaria, então, relacionado diretamente a este cargo, muito
mais do que a pessoa que o exercesse, mas as diretrizes que a mesma teria que observar.
Roma já não estava mais em Roma, e sim na figura do imperador
158
. Este poder tornou-
se, portanto, bastante oscilante, que dependia da pessoa que ocupava este cargo. A
relação deste com a cidade de Constantinopla é ainda mais direta. Constantinopla era a
nova Roma, sede do império, ou ao menos o que restava dele, e cidade eterna. Era o
grande baluarte da civilização e o local no qual o antigo esplendor romano sobrevivia.
Possuía uma grande população urbana, era um imenso centro comercial, com diversas e
importantes rotas passando por seus territórios; e cultural, com algumas das mais
importantes universidades do mundo mediterrâneo. Mas muito mais do que isso, era
157
VEGA. M. J. Hidalgo de la. Algunas Reflexiones sobre los limites del olkoumene em el Império
Romano. In: Gérion. 2005. 23. n. 1. pg. 274.
158
BLOCH, R. & COUSIN, J. Roma e o seu destino...pg. 419.
62
uma cidade cristã desde quase a sua fundação
159
. Se o cristianismo era uma das mais
fortes características deste novo conceito de civilização, Constantinopla era o seu
símbolo.
Cosme Indicopleustes demonstra em diversas passagens de sua obra
compreender esta situação. Ainda mais por ter sido contemporâneo de um personagem
que elevou estas relações exponencialmente, o imperador Justiniano. Proveniente de
uma família macedônica, Justiniano assume o trono sucedendo a seu tio, Justino. Os
anos iniciais de seu governo são bastante conturbados. Sua grande vitória na revolta
popular de Nika
160
é considerada, por muitos historiadores, como o ponto de virada de
seu governo. Foi somente após esse acontecimento que pode governar com a autoridade
pela qual ficaria conhecido até os dias de hoje e partir nas empreitadas que
simbolizariam sua administração. Como comentado anteriormente, a mais célebre
destas foi, sem duvida alguma a tentativa de expansão territorial, a chamada renovatium
imperium. Esta ação imperial foi controversa em alguns pontos. Se dentro dos territórios
orientais Justiniano era um ferrenho defensor do ortodoxismo, nos territórios que
almejava conquistar, seja no Oriente, seja no Ocidente, esta questão era relevada.
Especula- sua politicamente forte
e com tendências monofisitas esposa, a imperatriz Teodora. Mas somente este fato
não explicaria tanta aproximação de Justiniano com estes grupos. Fica claro que
realmente o imperador buscava utilizar estes grupos para tentar cumprir um objetivo
maior, a ampliação da fé cristã e consequentemente de seus domínios, já que ele
personificava a figura terrena central desta crença.
Foi exatamente essa característica que possibilitou alguns escritores, como
Cosme, visualizar a unidade cristã englobando, novamente, as crenças pouco
condenadas pelos concílios. Os grupos dos quais ele tentava se aproximar cada vez mais
facilitavam essa identificação, pois viam no imperador, mesmo com as freqüentes
condenações as suas crenças pelos concílios da Igreja, a chance de retornar a civilização
da qual haviam sido excluídos. Cosme personifica essa tentativa, desde o começo de seu
texto, transparece a tentativa da inserção da porção Oriental do território e do aspecto
159
KAPLAN, M.; DUCELLIER, A.; MARTIN, B. A idade média no oriente...pg. 41.
160
    ta popular ocorrida em Constantinopla no ano de 532. Inicia-se no
hipódromo da cidade e assume proporções tão grandes que transfere um grande caos a toda cidade. Após,
aproximadamente, uma semana de hostilidades e a quase renúncia do imperador, seu principal general,
Belisário, cerca o hipódromo e massacra os grupos políticos (Verdes e Azuis, principalmente) envolvidos
na insurreição.
63
religioso na questão civilizacional. No primeiro capitulo de sua obra, ele procura definir
quem faz parte da cristandade e quem não o faz, ou seja, quem faz parte da civilização e
Contra aqueles que se dizem cristãos,
mas acreditam e professam, como aqueles de fora, que o céu é esférico
161
. Apesar de
parecer uma simples discussão de um preceito (de que a Terra seria plana) o qual apenas
alguns acreditavam e que, inclusive, chegou a causar certa repulsa à obra de Cosme, é
mais do que isso, demonstra a tentativa do autor, um herege, de se adaptar aos preceitos
da ortodoxia nicena, a mesma que condenava sua crença, mas que também
regulamentava a posição que ele aspirava ao grupo que procurava representar.
Alegações como esta
Aqueles que chamar
alegam acreditar no que nós dizemos e no que dizem aqueles que estão contra s (...) de
maneira alguma eles podem ser considerados como um de nós, tentam ocupar uma posição
intermediária, como casas vazias suspensas no ar, sem alicerce sob elas e sem nada que as segure
pela parte superior.
162
são extremamente freqüentes por todo o capítulo e bastante questionáveis na obra de um
autor que, ao que tudo indica, era um desses que acreditava em algumas questões
propostas pela ortodoxia e em outras não. Mas a própria dúvida causada pelo próprio
Cosme, que em momento nenhum se declara abertamente como um nestoriano, parece
fornecer indícios de uma possível resposta.
As indicações ao nestorianismo de Cosme permeiam toda a obra. Quando cita
parte de seus dados biográficos, no segundo livro
163
, o nome de maior destaque dado a
um de seus professores é o de Patricius, arcebispo da Pérsia no período em que esse
território era, quando cristão, predominantemente nestoriano, sendo o próprio arcebispo
bastante ligado a este viés religioso. Cosme chega a chamá-lo de homem divino e ilustre
professor (provavelmente um dos personagens que apresentou a Cosme toda a
bibliografia clássica da qual ele tem conhecimento, mesmo sem possuir estudos
formais). Outro indício é fornecido quando, ao enumerar as seitas heréticas, nomeia os
161
COSMAS INDICOPLEUSTES. Christian Topography. Trad. de J. W. McCrindle, Hakluyt Society,
1998. Londres, 1897. pg. 13.
162
Idem.
163
Ibid. Pg. 14.
64
apolinários, os maniqueus, os marcionistas, os eutiquianos e os arianos
164
. Difícil
imaginar um esquecimento das maiores seitas heréticas do período, o monofisismo e o
nestorianismo. Essa supressão precisa de motivos fortes para ter sido feita. Imagina-se,
então, que não apenas seja a seita a qual Cosme seja seguidor, mas também por ambas
serem as mais presentes nas áreas as quais ele descreve e, consequentemente, as que ele
espera conseguir unificar no conceito de civilização
165
. Soma-se a isso o fato de que
suas exposições das Sagradas Escrituras e suas descrições do Mundo seguem as ideias
de Teodósio de Mompsuesta e Diodoro de Tarsus, dois dos principais professores do
nestorianismo e de que sempre que descreve sobre a figura de Cristo e sobre a
encarnação da Palavra, utiliza de expressões normais dos nestorianos
166
, tratando as
naturezas de Jesus e Cristo como distintas, mas referentes à mesma pessoa. Mas tudo
isso é questionado por uma única expressão utilizada em uma passagem de sua obra, na
       Mãe de Deus     
defendia o nestorianismo. As possíveis explicações para essa passagem são diversas.
Pode indicar, como o próprio desconhecimento do nome do autor
167
sugere, uma obra
escrita por várias mãos, afinal a ideia de inspirar uma nova aceitação de seitas tão
difundidas no Oriente não deveria encontrar dificuldade de aceitação em certos grupos.
Ou ainda que Cosme não foi o redator final da mesma, pois indica que a escreveu em
um mosteiro, muito após as suas viagens. Não seria impossível imaginá-lo ditando o
conteúdo para que outras mãos, nem sempre com os mesmos ideais, a escrevesse.
Essa é uma questão que ficará aberta. O importante aqui é perceber que
indiferente da seita que seguia, era uma via alternativa ao ortodoxismo. Por isso, sem
qualquer sombra de dúvida, o medo de represálias deveria ser bastante forte no autor,
afinal a condenação do nestorianismo e do monofisismo e a retaliação aos escritos
dessas doutrinas (no cisma dos três capítulos) eram extremamente recentes. Adiciona-se
a isso o direcionamento que sua obra parece adquirir, pois se o autor desejava inserir um
determinado grupo dentro de um projeto civilizacional da ortodoxia cristã, precisava
164
Ibid. Pgs. 212 e 213.
165
Os próprios conflitos entre as seitas heréticas eram muito mais comuns em territórios ocidentais.
Utilizando inclusive as duas suprimidas por Cosme, sabe-se que o monofisismo surgiu como resposta e
crítica ao nestorianismo, tornando-se as duas ideologias totalmente opostas. No Oriente, no entanto, após
a condenação de ambas, o que mais se via era uma convivência pacífica e muitas vezes até interligada no
sentido de tentar uma unificação total da cristã, unindo 
pois tentavam se integrar a ele, e não aniquilá-lo), o ortodoxismo.
166
COSMAS INDICOPLEUSTES. Pgs. 187 e 188.
167
O que não se constitui algo incomum. Cosme pode ser um digo para Cosmos assim como João

65
proclamá-la mesmo que não acreditasse em todos os aspectos por ela defendidos.
Enfim, uma nova discussão dos dogmas conflitantes poderia ser feita em igualdade
de condições a partir do momento que todos, novamente, fizessem parte do mesmo
grupo.
No segundo livro de sua obra, ainda com a mesma intenção de provar que a
Terra teria um formato plano, Cosme começa a descrever os locais pelos quais passou
durante as suas viagens e as populações que habitavam. Neste livro as influências de
diversos autores são claramente notadas e o próprio Cosme chega a citá-las. Mesmo
indicando, como já citado, que não possuía educação formal, não é complicado entender
como teve acesso a essas obras. Por constantemente exercer o ofício de viajante,
necessitava conhecer os trabalhos geográficos do período, pois se lançar a tamanha
empreitada sem apreciar anteriormente trabalhos que descreviam as rotas que deveria
traçar é algo, aqui sim, impensável. Sem contar a influência que teve de alguns dos mais
famosos professores da época, como o supracitado Patricius, que mesmo sem
formalmente o tomarem como discípulo, devem ter lhe apresentado alguma da
historiografia que admiravam.
De Estrabão e Ptolomeu, ele copia o estilo, procurando ser o mais fiel possível
nas descrições geográficas que propõe em sua obra; das Sagradas Escrituras, busca toda
a fundamentação de seu conhecimento e das experiências vividas, adequando todas elas
aos preceitos religiosos que defende; de Heródoto, Cosme empresta a metodologia,
escreve não apenas sobre o que viu, mas também sobre o que somente ouviu falar. (...)
os fatos que eu acabei de narrar são tanto resultados de minha própria observação
como contados por comerciantes que frequentemente exercem suas atividades nestas
regiões (...).”
168
Seu livro é uma grande coletânea de acontecimentos tanto vividos pelo autor
como de reproduções de histórias que lhe foram contadas e a divisão entre estas é
bastante difícil de realizar, já que o autor não explicita onde uma acaba e outra começa e
que temos pouquíssimas informações adicionais de suas viagens com as quais
poderíamos traçar paralelos válidos. Uma rota possível é passível de ser imaginada,
sendo qualquer desvio muito grande uma provável inserção de narrativas de terceiros,
mas como o livro não segue uma linearidade temporal, esta característica se torna ainda
mais complicada de ser analisada com exatidão matemática. Mas esta o é, sequer, a
168
COSMAS INDICOPLEUSTES. Pg. 28.
66
intenção deste trabalho. O importante, aqui é compreender porque os locais citados
assim o foram e como estas citações servem ao propósito do autor.
Para Cosme a divisão entre cristãos (lembrando-se aqui que, ao menos pelo que
consta em seus escritos, o nestorianismo e o monofisismo não eram enumerados como
seitas heréticas) e não cristãos é tão forte que, mesmo quando os dois grupos concordam
em algum aspecto, Cosme os critica por não acreditarem da forma como ele acha que
deveriam, um bom exemplo deste caso é um dos fundamentos de sua obra, a divisão dos
lugares do mundo.
Mesmo os pagãos, aproveitando os ensinamentos de Moisés, dividem todo o mundo em três
partes, Ásia, Lybia e Europa, sendo a Ásia a parte ao leste; a Lybia ao sul se estendendo ao
oeste; e a Europa ao norte, também se estendendo ao oeste. Também dizem os pagãos, e com
razão quando referente a este assunto, que nesta nossa parte do mundo existem quatro golfos que
penetram do oceano (...).
169
Para Cosme, explicações diversas, mesmo que com resultados iguais a que ele
propõe, não podem ser aceitas por qualquer um que se considere verdadeiramente
cristão, ou como este trabalho tenta relacionar, civilizado. A mesma descrição, na
versão de Cosme, precisa constar que o mundo é circundado por um oceano externo e
que este separa os territórios terrenos do paraíso terrestre, que os seres humanos habitam
esta região após a viagem de Noé com sua bíblica arca e que as três divisões territoriais
propostas tem relação direta com a divisão do território pelos mesmos filhos de Noé,
alegando até semelhanças dos nomes dos povos que, em sua época, habitavam essas
regiões com supostos fatos bíblicos. Com essa analogia tão direta, o autor transfere a
importância da que defende até os primórdios da criação humana. Para ele, existiam
os que acreditavam na verdadeira e os que não acreditavam, mas todos provinham
dela e a ela deveriam voltar. Dependia do defensor da Igreja, o imperador romano,
redirecionar esforços a isso e demonstrar o conhecimento, a civilidade, que estes povos
tinham perdido pela história.
Mas Cosme não gastou seu tempo tentando propor uma maneira de como essa
tarefa poderia ser realizada. Aqui temos um novo paradoxo na obra de Cosme, pois ao
              
169
Ibid. pg. 23 e 24.
67
rejeita de uma maneira tão veemente que sequer propõe uma forma de convertê-los.
Apesar de não se encontrar explícito no texto, a obra tem a finalidade de indicar que os
redutos de civilização, ou seja, as comunidades cristãs previamente estabelecidas nos
territórios orientais deveriam ser protegidas do inimigo externo, através de qualquer
método. A conversão até poderia acontecer, mas de maneira esporádica e interna. A
política oficial deveria, então, favorecer o corpo cristão constituído, isso porque,
provavelmente, Cosme, por ser um viajante que frequentemente percorria estas terras,
deveria ter algumas relações pessoais com estes grupos.
A primeira descrição mais completa, de uma de suas viagens, que consta em sua
obra é referente ao reino de Axum, mais especificamente da cidade de Adulis e do trono
real de mármore que adornava a cidade.
Na costa da Etiópia, a duas milhas da costa, existe uma cidade chamada Adulê, na qual existe um
porto axômita muito freqüentado por mercadores provenientes da cidade de Alexandria e do
golfo Elanitico. Logo na entrada oeste da cidade, rota para Axômis, encontra-se um grande trono
de mármore. Este trono pertenceu a um dos Ptolomeus, os quais subjugaram este reino a sua
autoridade.
170
Começar seu relato com este reino, e mais especificamente com a descrição
deste trono não é mera razão do acaso. O reino de Axum, não muito tempo, havia
adotado o cristianismo (no século IV, o monarca Ezana adota essa religião e é batizado
sob o nome de Abriha). No entanto, não era qualquer tipo de cristianismo e muito
menos provável que tenha sido o catolicismo ortodoxo. Essa conversão aconteceu,
muito provavelmente, devido à grande influência das comunidades heréticas cristãs que,
ao fugir da perseguição ortodoxa, se estabeleceram no norte do continente africano. A
inscrição no trono, descrita nos mínimos detalhes por Cosme, novamente serve ao seu
propósito. Apesar de ser uma descrição com inúmeras referências pagãs, por ser
bastante completa e descrever alguns fenômenos naturais incompreensíveis a época,
Cosme aproveita para manipular os fatos e descrevê-los como profecias bíblicas. Com
isso estende o domínio cristão a este mundo, que mesmo não aceitando a verdadeira
no momento da construção deste monumento, sofria as conseqüências da mesma.
170
Ibid. pg. 28.
68
Ao continuar a descrição de suas viagens, as rotas por ele descritas certamente
não são, exatamente, as percorridas por ele durante suas viagens. O texto final foi
produzido posteriormente e relata mais do que apenas uma de suas rotas habituais.
Quando eu estava nestas partes do mundo, a mais ou menos vinte e cinco anos atrás,
no início do reinado de Justino
171
. Por isso confusões e rotas impossíveis são
provavelmente falhas na memória do autor ou mesmo desvios propositais na tentativa
de se demonstrar algo. Neste segundo caso, fica clara a intenção do autor de tentar
direcionar a leitura de sua obra e com isso influenciar seus possíveis leitores. A rota
final que Cosme descreve, norte africano, mares da Índia, ilhas ao sul do continente e
rotas para um grande território produtor de seda (provavelmente a atual China ou
territórios adjacentes), nada mais é do que a própria rota de fuga dos cristãos
considerados heréticos pela ortodoxia iniciada pelo concílio de Nicéia. Discutir questões
dogmáticas e políticas durante a viagem por esses territórios e utilizá-los para
comprovar suas teorias, por mais absurdas que pudessem parecer, forma uma forte
analogia destes territórios com os padrões exigidos de civilização. Novamente um
paralelo com o projeto expansionista de Justiniano e a ideologia que estes grupos
defendiam da finalidade do império romano precisa ser feita. Justiniano, ao propor a
reconquista não tinha a mínima intenção de retornar ao antigo sistema de governo,
queria criar um novo, baseado no antigo, mas centrado em sua pessoa, na figura do
imperador. Seu maior artifício era utilizar a ideia de que Roma era o império celestial,
mas não a Antiga Roma, a sua Roma. Cosme concordava com isso e utilizava
comparações com o texto bíblico para comprovar essa doutrina.
E nos dias destes reis, o Deus dos céus irá organizar um reino que nunca deverá ser destruído
ou conquistado por outros, deverá durar para sempre” (Dan, ii, 44). (...) aqui ele se refere a
Jesus Cristo e, em outras palavras, apesar de subliminarmente, ao império romano,
contemporâneo ao nascimento de Jesus. (...) a expressão “para sempre” deve ser aplicada como
ao que se refere ao Lorde Cristo, ou seja, que significa uma duração infinita (...) essa expressão
aplicada ao império romano, que é contemporâneo ao nascimento de Cristo, significa que o
império não poderá ser destruído enquanto esse mundo existir (...) e mesmo que por causa de
nossos pecados, bárbaros hostis justaponham o domínio romano por alguns momentos, o valor
daquele que governa o império irá continuar invencível, pois ele não restringe, mas aumenta a
influência do cristianismo.
172
171
Idem.
172
Ibid. pg. 31.
69
Nesta passagem todas as características mais importantes a esse trabalho do
texto de Cosme aparecem. A ideia de Roma como um império de infinita duração estava
cada vez mais abalada com as constantes derrotas para os bárbaros no ocidente.
Justiniano se apóia nesta ideia na tentativa de reunificar estes territórios, mas suas
vitórias não são efetivamente um sucesso. Cosme parece propor uma via que em
primeira análise parece alternativa, se no Oriente o poder de Roma ainda é forte que a
tentativa de unificação e expansão comece por este extremo geográfico e, para isso, o
caminho mais fácil e rápido é o da unificação dos diversos cristianismos presentes
nestas regiões. Roma cumpriria o seu papel de império eterno e o imperador o seu, de
defensor da sustentação desta ideia, o cristianismo.
É importante notar, também, que esta tentativa de civilização do Leste não é algo
proposto inicialmente por Cosme. Os autores gregos historicamente preferem voltar
suas atenções ao Levante em detrimento aos territórios ocidentais. As possíveis
explicações para esse fato são inúmeras. A primeira deve ser remetida a própria relação
que esses lados têm conservado ao longo dos anos. Se a lembrança grega do Ocidente
remete a derrota, política, cultural, social e em quase todos os aspectos, ante aos
romanos; o Oriente sempre foi o lado do qual os gregos saíram vitoriosos, seja no
confronto direto, como nas guerras médicas contra o poderoso império persa, seja
através da grande expansão de Alexandre, que mesmo se constituindo como um
estrangeiro, um macedônico, levou a cultura helênica ao Oriente de uma forma jamais
imaginada anteriormente. A divisão de Roma em Oriente e Ocidente iria aumentar ainda
mais essas lembranças, afinal a parte oriental, que tinha como centro o antigo território
grego discute cada vez mais a supremacia da cultura grega ante a latina e o período
estudado marca exatamente a transição desta situação, que Justiniano foi o último
imperador a legislar oficialmente em latim e aceitava a língua grega quase como uma
segunda língua oficial do império.
O primeiro grande exemplo desta corrente de pensadores gregos preocupados
com o Oriente no projeto de civilização pode ser o próprio Heródoto, que nas suas

o do apologista grego do século segundo, Aristides de Atenas (também chamado de
Santo Aristides ou Marciano Aristides). Convertido ao cr

habitam a Terra, os bárbaros, os gregos, os cristãos e os judeus, de acordo com a sua
70
divisão. O interessante da sua obra é a relação direta que faz entre bárbaros e gregos,
chegando a comparar as divindades gregas com os povos bárbaros. Tudo isso para
deixar claro que o caminho certo a ser seguido, o caminho da civilização, era o do
cristianismo e que tanto gregos, quanto bárbaros, deveriam ser os primeiros a aceitar
essa situação.
                
inventando mais deuses do que deveriam. Alguns desses deuses são homens, outros mulheres,
mas todos são adúlteros e assassinos, invejosos e ciumentos, apaixonados e irados, parricidas,
ladrões e raptores.
173
Apesar de parecer uma obra que não suporte discussões, várias questões foram
debatidas e as respostas só puderam ser fornecidas quando as análises da obra de Cosme
se desprenderam da característica mais criticada no próprio autor, privilegiar apenas as
características literais do texto. A própria insistência dele em defender concepções, até
certo ponto, ultrapassadas em sua própria época faz parte de importante dado a ser
analisado para a compreensão do autor. O historiador italiano Arnaldo Momigliano,
grande expoente quando se analisam as permanências culturais nas sociedades, ao
Igreja que rompe conscientemente com seus
princípios e suas instituições é inconcebível
174
. Não que o contrário fosse impensável
no contexto de Cosme, mas a aplicação de tantos métodos científicos durante o processo
foi o que causou a grande repulsa de sua obra nos meios intelectuais. Mas novamente,
somente se relevando estes aspectos que poderemos entender que Cosme, por mais
estranho que possa parecer, estava apenas tentando encontrar o seu (e do grupo que ele
se considerava representante) conceito de uma das ideias mais básicas de qualquer
cultura, o conceito de civilização.
173
HARRIS, J. R. The Apology of Aristides. Vol. 1, Texts and Studies. Cambridge: Cambridge
University Press, 1891. Pg. 40.
174
MOMIGLIANO, Arnaldo. As Raízes clássicas da Historiografia Moderna. Tr. Maria Beatriz Borba
Florenzano. Bauru: EDUSC, 2004. pg. 194.
71
ANEXOS
Figura 1. Desenhos de Cosme, do 1 ao 8.
Fonte: Cosme Indicopleustes. Topografia Cristiana. Trad. De J. W. McCrindle,
Hakluyt Society, 1998. Londres, 1897.
72
Figura 2. Desenhos de Cosme, 9 e 10.
Fonte: Cosme Indicopleustes. Topografia Cristiana. Trad. De J. W. McCrindle,
Hakluyt Society, 1998. Londres, 1897.
73
Figura 3. Desenhos de Cosme, do 11 ao 21.
Fonte: Cosme Indicopleustes. Topografia Cristiana. Trad. De J. W. McCrindle,
Hakluyt Society, 1998. Londres, 1897.
74
Figura 4. Desenhos de Cosme, do 22 ao 27.
Fonte: Cosme Indicopleustes. Topografia Cristiana. Trad. De J. W. McCrindle,
Hakluyt Society, 1998. Londres, 1897.
75
Explicação dos desenhos de Cosme.
Desenho 1. A figura a direita representa a cidade de Adulê. A figura a direita,
um viajante etíope da rota entre Adulê e Axomê. A figura no canto inferior esquerdo é a
inscrição copiada por Cosme, nela aparece a figura de Ptolomeu Eugertês, em uma pose
de guerra. O trono representado na parte inferior direita é creditado, por Cosme,
erroneamente, ao mesmo Ptolomeu. No entanto foi construído em Adulê por um
conquistador axomita.
Desenho 2. Representação do céu e da terra. A linha divisória representa o
firmamento.
Desenho 3. Figura das águas acima do firmamento.
Desenho 4. Representação da grande montanha, além do sol e da lua abaixo do
firmamento. Explicação de Cosme para o dia e a noite.
Desenho 5. Oikoumené, mundo habitado.
Desenho 6. Representação retangular da terra em que vivemos, com o oceano
que a circunda e a terra exterior a esse oceano, onde ficaria o trono do paraíso e a
morado do ser humano antes do dilúvio. Estão representados, também, os quatro golfos
que penetram nos continentes, além dos rios provenientes do paraíso.
Desenho 7. Representação da Terra com as paredes que procedem dos céus. São
mostrados os quatro golfos, a grande montanha e o relevo.
Desenho 8. Representação da grande montanha com as três rotas em diferentes
alturas do caminho que o sol percorre, tornando os dias mais longos ou mais curtos.
Desenho 9. Figura do mundo de acordo com o sistema ptolomaico. São
mostrados os doze signos do zodíaco com os nomes dos meses em romano e egípcio. A
Terra, no formato que Cosme abominava, está no centro, circundada pelas orbitas, em
ordem, da Lua, de Mercúrio, de Vênus, do Sol, de Marte e de Júpiter.
Desenho 10. Representação dos antípodas para provar sua impossibilidade.
Desenho 11. Representação das vestimentas dos pagãos que habitavam a Ática.
Desenho 12. Representação externa do tabernáculo. A linha dupla no centro,
desenhada do norte ao sul representa o véu que divide o tabernáculo em santuário
interno e externo. A parte a direita representa o santuário externo, que contém a mesa da
76
divisão do pão, o cajado de Aarão, as duas mesas da lei e a serpente. No interno estaria
a arca do testemunho.
Desenho 14. Delineação da cobertura do tabernáculo e os grampos pelos quais
eram unidas.
Desenho 15. Representação da mesa do tabernáculo e do candelabro de 7 velas,
cada uma representando um dos dias da semana.
Desenho 16. A arca do testemunho. Acima dela representação dos querubins.
Ao lado a figura de Zacharias, em um dos lados, e Abia, no outro.
Desenho 17. Representação do interior do tabernáculo.
Desenho 18. Acima os seres celestiais, no meio os seres terrenos e abaixo os
enterrados.
Desenho 19. Delineação do tabernáculo e de como as relíquias estavam
dispostas em seu interior.
Desenho 20. Melchisedek em seus trajes reais
Desenho 21. Visão frontal e lateral de Aarão em seus trajes religiosos.
Desenho 22. Um círculo com os doze meses do ano e o que é produzido em cada
um deles.
Dos desenhos 23 ao 27, todos são representações da fauna e da flora de
Taprobane.
77
Figura 5. Obelisco de Axum, descrito por Cosme em suas viagens ao Norte da
África.
Fonte: http://www.ethioembassy.org.uk
Figura 6. Mapa do Império no auge das conquistas de Justiniano na Renovatio
Imperium
Fonte: http://2eso.wordpress.com/2006/11/26/analisis-de-un-mapa-historico/
78
Figura 7. Mapa das principais Rotas da Seda.
Fonte: http://www.people.hofstra.edu/geotrans/eng/ch2en/conc2en/silkroad.html
Figura 8. Sítios arqueológicos na Índia onde foram encontradas moedas romanas.
Fonte: BALL, Warwick. Rome in the East: the transformation of an empire. London:
Routledge, 2000.
79
Figura 9. Mapa do Périplo do mar da Eritréia.
Fonte: http://de.academic.ru/dic.nsf/dewiki/1092147
Figura 10. Rotas descritas e utilizadas por Cosme Indicopleustes.
Fonte: Criação própria.
80
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