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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
PROGRAMA DE PÓ-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
A grande imprensa “liberal” da Capital Federal (RJ) e a política econômica do segundo
governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento nacional
Luis Carlos dos Passos Martins
Porto Alegre
2010
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
M386g Martins, Luis Carlos dos Passos
A grande imprensa “liberal” da Capital Federal (RJ) e a política
econômica do segundo governo Vargas (1951-1954): conflito entre
projetos de desenvolvimento nacional. / Luis Carlos dos Passos
Martins. Porto Alegre, 2010.
360 f.
Tese (Doutorado) Programa de Pós-Graduação em História,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS.
Orientador: Prof. Dr. Helder V. Gordim da Silveira
1. Brasil História Governo Getúlio Vargas. 2. Imprensa. 3.
Liberalismo. 4. Desenvolvimentismo. I. Silveira, Helder V. Gordim.
II. Título.
CDD 981.061
Bibliotecária Responsável
Anamaria Ferreira
CRB 10/1494
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Luis Carlos dos Passos Martins
A grande imprensa “liberal” da Capital Federal (RJ) e a política econômica do segundo
governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento nacional
Tese de doutoramento apresentada
como requisito parcial e último à
obtenção do grau de Doutor no
Programa de Pós-Graduação em
História, área de Concentração:
História das Sociedades Ibéricas e
Americanas.
Orientador: Dr. Helder V. Gordim da Silveira
Luis Carlos dos Passos Martins
A grande imprensa “liberal” da Capital Federal (RJ) e a política econômica do segundo
governo Vargas (1951-1954): conflito entre projetos de desenvolvimento nacional
Tese de doutoramento apresentada como requisito parcial e último à obtenção do grau de
Doutor no Programa de Pós-Graduação em História, área de Concentração: História das
Sociedades Ibéricas e Americanas.
Banca Examinadora
______________________________________________________________
Dr. Helder V. Gordim da Silveira
______________________________________________________________
Dra. Luciana Murari
______________________________________________________________
Dr. Luciano Aronne Abreu
______________________________________________________________
Dr. René Gertz
______________________________________________________________
Dr. Marco Antônio Villa-Lobos
Para realizar este trabalho, foi necessária a colaboração de diversas pessoas e
instituições, as quais apresento meu agradecimento.
Em primeiro lugar, ao professor Helder Gordin da Silveira, cuja orientação, dedicação
e estímulo foram fundamentais durante todo o processo de elaboração desta tese.
À PUCRS, pela oportunidade que me ofereceu para desenvolver esta pesquisa.
Ao Cnpeq, por ter permitido condições para o financiamento do trabalho.
À Biblioteca Nacional por ter me franqueado o acesso ao seu acervo.
Aos amigos Nádia e Michel cuja acolhida no Rio permitiu que os dias de pesquisas
nesta cidade se tornassem menos árduos e mais agradáveis.
Ao meus pais, cujo apoio e carinho deram bases para essa longa caminhada.
E, finalmente, à Nana, minha esposa, cujo apoio e incentivo fizeram com que este
trabalho fosse possível e cuja presença ao meu lado fez com que esta etapa da minha vida
tivesse sentido.
Resumo
O tema do posicionamento da grande imprensa do Rio de Janeiro e brasileira frente ao
Segundo Governo Vargas é um dos mais abordados pela historiografia especializada no estudo
deste período. A esta imprensa é atribuído um papel central na geração e na condução da crise
que provocou o término prematuro do mandato de Getúlio, com o seu suicídio em 1954. Entre
as interpretações que procuram explicar este posicionamento dos grandes diários está a tese de
que ele teve origem em diferenças incompatíveis entre o projeto econômico levado adiante
pelo presidente no seu retorno ao Catete e aquele defendido pelos jornais. Enquanto o
programa de Getúlio seria nacionalista, favorável ao desenvolvimento autônomo da economia
brasileira, anti-imperialista e, para alguns, até “popular”, a grande imprensa seria liberal e,
assim, advogava a mínima intervenção do Estado na economia e o máximo de liberdade ao
fluxo de capital e de mercadorias no país. Por isso, era defensora ou mesmo fiel aliada do
capital estrangeiro, do comércio importador e, em alguns casos, da burguesia industrial
partidária de um capitalismo associado. Porém, apesar da grande difusão dessa interpretação,
não existem estudos específicos sobre o tema, o que deixa uma lacuna àqueles que pretendem
dela se utilizar. Além disso, o Segundo Governo Vargas é considerado, por boa parte dos
especialistas em História Econômica, como o início, no país, da elaboração e implementação
de um projeto de industrialização acelerada, que tinha na burguesia industrial brasileira o seu
principal suporte social. Entretanto, embora ressaltem que este projeto implicava em uma
forte interferência do Estado na economia e procurava direcionar a aplicação dos
investimentos externos no país, estes autores contestam que ele fosse hostil ao capital
estrangeiro ou anti-imperialista, na medida em que contava como a participação desse capital
e com a ajuda dos EUA para se desenvolver. Para estes pesquisadores, o Segundo Governo
Vargas correspondeu ao início do projeto nacional-desenvolvimentista que se tornava
hegemônico no período e foi a base do grande desenvolvimento brasileiro dos anos seguintes.
Dessa maneira, se aceitarmos a hipótese de que a grande imprensa se opôs ao Segundo
Governo Vargas por causa de seu programa econômico, teríamos que aceitar também que ela
era igualmente contrária ao nacional-desenvolvimento e aos interesses da burguesia industrial
brasileira que o sustentava. O objetivo desta tese é discutir essas duas questões, ou seja,
analisar o posicionamento da grande imprensa do Rio de Janeiro considerada liberal frente ao
programa econômico de Getúlio e frente ao projeto nacional-desenvolvimentista que o
embasava. Com efeito, achamos bastante aceitável contestar esses dois pontos: tanto que as
divergências entre projetos econômicos tenham sido a base da oposição dos grandes jornais ao
governo quanto que estes jornais tenham realmente defendido uma linha programática liberal
ou neoliberal. Para tanto, selecionamos os quatros principais diários do Rio de Janeiro
geralmente considerados ou autoidentificados como liberais ou neoliberais: O Globo, O
Jornal, Correio da Manhã e Jornal do Brasil. Com base na análise desses diários,
pretendemos defender: de um lado, que havia mais aproximação do que distanciamento entre
as bases do programa econômico do governo e o apregoado por esta parcela da imprensa; de
outro lado, que ela sustentava um projeto de desenvolvimento que não pode ser considerado
propriamente liberal. Ao contrário, a maior parte dos periódicos em questão havia incorporado
ou estava incorporando muitos elementos do pensamento desenvolvimentista e cepalino,
ajudando na sua difusão e legitimação no debate público sobre o desenvolvimento brasileiro
no período contra os próprios cânones do liberalismo e do neoliberalismo.
Palavras-chave: Vargas; imprensa; liberalismo; desenvolvimentismo;
Abstract
The positioning theme of Rio de Janeiro's and Brazilian great press is one of the most
discussed by the specialized historiography in the study of this period. To this press is
assigned a central role in the generation and handling of the crisis that caused the premature
termination of Getúlio‟s mandate, with his suicide in 1954. Among the interpretations that
seek to explain this position of the major journals, is the thesis that it was caused by
incompatible differences between the economic project carried forward by the President on
his return to Catete and the one defended by the newspapers. While Getulio's program would
be nationalist, favorable to the autonomous development of the Brazilian economy, anti-
imperialist and, for some, even "popular", the great press would be liberal, and thus
advocated minimal government intervention in the economy and maximum freedom to the
flow of capital and goods in the country. Because of that, it was a defender or even loyal ally
of foreign capital, of the trade importer, and in some cases, the industrial bourgeoisie, partisan
of an associated capitalism. However, despite the wide diffusion of this interpretation, there
are no specific studies on the subject, which leaves a gap for those wishing to use it. In
addition, Vargas Second Government is considered by most experts in Economic History, as
the beginning, in the country, of the development and implementation of an accelerated
industrialization project, which had in the Brazilian industrial bourgeoisie its main social
support. However, although they emphasize that this project implied a strong interference in
the economy by the Government and sought to direct the application of foreign investments in
the country, these authors contest that it was hostile to foreign capital or anti-imperialist, as it
counted with the participation of this capital and U.S. help to develop.
For these researchers, Vargas Second Government corresponded to the beginning of the
national-development project that became hegemonic in the period and was the base of the
great Brazilian development in coming years. Thus, if we accept the hypothesis that the great
press opposed Vargas Second Government because of his economic program, we would also
accept that it was also contrary to the national development and the interests of the Brazilian
industrial bourgeoisie that sustained it. The objective of this thesis is to discuss these two
issues, in other words, examine the positioning of Rio de Janeiro's great press, considered
liberal before Getúlio's economic program and the national-development project that it was
based. Indeed, we find quite acceptable to challenge these two points: that differences
between the economic projects have been the basis for opposition to the government of the
major newspapers and these newspapers have actually defended a liberal or neoliberal
programmatic line. To this end, we have selected the four major journals in Rio de Janeiro,
generally regarded or self identified as liberals and neoliberals: O Globo, O Jornal, Correio
da Manhã e Jornal do Brasil. Based on the analysis of these journals, we intend to defend:
on one hand, that there was more approximation than detachment between the bases of the
government's economic program and touted by this portion of the press; and on the other
hand, that it held a development project that cannot be properly considered liberal. Instead,
most of the periodicals in question were or have been incorporating many elements of the
development thinking and from the United Nations Economic Commission for Latin America
and the Caribbean (ECLAC), helping in the dissemination and legitimization of the public
debate on Brazilian development in the period against their own canons of liberalism and
neoliberalism.
Keywords: Vargas, press, liberalism, developmentalism;
Sumário
INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………....
07
1 IMPRENSA, POLÍTICA E PROGRAMA ECONÔMICO NO SEGUNDO
GOVERNO VARGAS ………………………………………………………………......
16
1.1 Imprensa carioca nos “anos dourados” do jornalismo brasileiro ................................
16
1.2 Imprensa e política no Segundo Governo Vargas projetos em disputa ....................
28
1.3 A imprensa e o Segundo Governo Vargas em busca de alternativas para a
compreensão de uma relação complexa ............................................................................
45
1.3.1 O campo de produção ideológica: alternativa para entender a relação entre
imprensa e política no debate público ..........................................................................
49
1.3.2 Campo político e campo jornalístico no debate público...................................
51
1.4 Os jornais Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Jornal e O Globo um campo
jornalístico em construção ................................................................................................
70
2 A LUTA PELA LEGITIMAÇÃO DA INDUSTRIALIZAÇÃO PLANEJADA NO
BRASIL E O PROGRAMA ECONÔMICO DO SEGUNDO GOVERNO VARGAS
82
2. 1 A conjuntura internacional e o Brasil na nova ordem econômica do pós-guerra ......
82
2.1.2 O Brasil em mudança: transformações estruturais dos anos 40 e 50 ..................
84
2.2 Ortodoxia X desenvolvimentismo na luta pela industrialização do Brasil: os
termos do debate ...............................................................................................................
91
2.2.1 A busca da legitimidade da industrialização as origens do conflito ................
91
2.2.2 Liberalismo e neoliberalismo contra o caminho da servidão .............................
106
2.2.3 Cepal e o desenvolvimento alternativo da periferia ...........................................
116
2.2 O Segundo Governo Vargas política econômica e economia política ....................
131
3 PROGRAMA DE ESTABILIZAÇÃO CONFLITO ENTRE SANEAR OU
DESENVOLVER ..............................................................................................................
144
3.1 Vargas e a campanha contra a inflação .......................................................................
144
3.2 Imprensa: economia política e política na economia ..................................................
152
3.2.1 O Novo governo e a “crise” brasileira ...............................................................
152
3.2.2 Os ministros da Fazenda e a política de estabilização .......................................
158
3.2.3 Vargas, Ministério da Experiência e a estabilidade econômica .........................
164
3.2.4 Pensamento econômico nos jornais e as contradições entre sanear e
desenvolver ..................................................................................................................
185
3.2.5 Tomada de posição e identidade de classe .........................................................
195
4 POLÍTICA CAMBIAL, CAPITAL ESTRANGEIRO E PROGRAMA DE
INDUSTRIALIZAÇÃO ...................................................................................................
203
4.1. A Política Cambial .....................................................................................................
4.2 O desequilíbrio externo no debate público: os jornais discutem leis cambiais,
questão do capital estrangeiro e a posição do Brasil na economia mundial ....................
215
4.2.1 Fluxo de mercadorias e fluxo de capital: entre o livre-cambismo e o
protecionismo ...............................................................................................................
216
4.2.2 Os jornais diante da legislação cambial varguista e do decreto sobre os capitais
estrangeiros: o difícil equilíbrio entre liberdade e contingenciamento ........................
230
4.2.3 O Brasil na divisão internacional do trabalho: a opção entre país
essencialmente agrícola versus industrialização acelerada ..........................................
250
5 PROGRAMAS DE DESENVOLVIMENTO: INDUSTRIALIZAÇÃO PLANEJADA
OU REAPARELHAMENTO ECONÔMICO .................................................................
275
5.2 Os jornais e os programas em infraestrutura: o governo Vargas e o papel do Estado
no desenvolvimento da economia brasileira
292
5.2.1 A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e o Plano de Reaparelhamento ........
292
5.2.2 As indústrias de base e o setor de energia: AEP, Petrobras e Planos de
Eletrificação .................................................................................................................
303
5.3 Imprensa, Estado e desenvolvimento econômico: algumas considerações finais
325
CONCLUSÃO .................................................................................................................
338
BIBLIOGRAFIA ..............................................................................................................
346
Introdução
A imprensa é considerada um dos principais atores da cena política no Segundo
Governo Vargas, especialmente no que se refere ao seu desfecho trágico e prematuro. Durante
os últimos meses da presença derradeira de Getúlio no Catete, os grandes jornais preencheram
as suas páginas com denúncias e acusações contra o presidente e, para parte significativa da
historiografia, esta atitude foi fundamental na geração do “ambiente político” negativo que
precipitou à sua queda.
Muitos dos grandes jornais do Brasil, como o Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, e
o Estado de S. Paulo, tinham um longo histórico de conflito com Vargas cuja origem pode
ser situada ainda nos primeiros anos do Governo Provisório (1930-1934), instalado no país
logo após a Revolução de 30. Não surpreende, assim, constatar que, na eleição de 1950,
vencida por Vargas, a grande maioria dessas publicações tenha dado apoio ao candidato da
União Democrática Nacional (UDN), brigadeiro Eduardo Gomes, que disputava pela segunda
vez o posto de presidente da República, novamente sem sucesso. Nem devemos estranhar a
postura oposicionista que adotaram quando Vargas retornou à Presidência, em 1951.
Em se tratando de oposição a Getúlio, a imprensa da cidade do Rio de Janeiro ocupa
um lugar de destaque. Localizados no centro administrativo e cultural do país, os grandes
jornais cariocas tinham um enorme poder de influência na sociedade brasileira e no universo
político dos anos 50, sendo sempre citados quando o tema é o cerco que a imprensa nacional
teria feito ao presidente.
Como podemos entender tamanha oposição?
Dentre os vários motivos apontados pelos pesquisadores, duas formas de
argumentação se destacam. Embora não sejam necessariamente excludentes, elas têm
recebido pesos diferentes entre os pesquisadores.
Em uma das explicações são arrolados motivos políticos. O histórico de longos
conflitos entre Vargas e os principais jornais brasileiros, especialmente durante a ditadura do
Estado Novo período em que Getúlio procurou controlar a imprensa , teria gerado grande
animosidade desses jornais para com o presidente. Classificado seguidamente como “ex-
ditador”, “caudilho”, “demagogo” e “populista”, Vargas representaria os principais males da
política brasileira, devendo, assim, ser combatido a todo o custo. Somando-se a isso a
afinidade desses impressos com a UDN, cujo candidato à Presidência recebeu o apoio da
maioria dos impressos cariocas nas eleições de 1950, comporíamos o quadro que explica o
comportamento dos jornais.
8
A segunda explicação não exclui a primeira, mas devemos salientar que elas não são
complementares, ou seja, a aceitação de uma não leva necessariamente à concordância com a
outra. Por ela, a principal causa da forte oposição dos jornais a Vargas estaria baseada em uma
profunda incompatibilidade entre o programa econômico que o presidente teria tentando
implantar em seu Segundo Governo e aquele que era defendido pelos grandes diários do Rio
de Janeiro.
Conforme este argumento, Vargas teria levado adiante na sua volta ao Catete um
programa nacionalista e, para alguns, “popular”. Esse projeto era baseado em uma ampla
intervenção do Estado na economia e em uma forte hostilidade ao capital estrangeiro, cujo
principal objetivo era promover o desenvolvimento de um capitalismo autônomo no Brasil.
a grande imprensa seria “liberal” ou “neoliberal” e, por isso, advogava o mínimo de
intervenção estatal na economia e o máximo de liberdade ao fluxo de capital e mercadorias.
Com isso, o país iria se tornar mais apto para atrair investimentos estrangeiros e/ou
aproveitar-se melhor das trocas internacionais, exportando o que produzia melhor e mais
barato (bens primários) e importando aquilo que produzia com menos qualidade e com maior
preço (bens manufaturados).
Alguns autores procuraram explicar melhor estas teses associando as posições de
Vargas e da imprensa a grupos econômicos e sociais que se enfrentavam no período. Assim, o
governo de Getúlio seria sustentado socialmente por uma aliança entre a burguesia nacional e
as massas trabalhadoras urbanas. Já a grande imprensa era representante do capital estrangeiro
investido ou interessado em investir no Brasil, do comércio de importação-exportação ou,
ainda, do setor agrícola voltado para o mercado externo.
Para muitos analistas, estes grupos financiavam os jornais ou mesmo os corrompiam,
determinando, dessa maneira, o ponto de vista que a imprensa deveria defender. Essa
interpretação é muito difundida e, com algumas variações, a mais empregada para a
compreensão do comportamento da imprensa no período. Entretanto, muitas lacunas
permitem por em dúvida essa explicação.
Primeiro, não existem pesquisas específicas que tenham testado a sua validade. Ela é,
na verdade, muito mais decorrente de observações gerais sobre a imprensa e de relatos de
personagens da época do que de análises concretas dos jornais.
Segundo, essa tese e a maior parte dos trabalhos que a sustentam é baseada em
uma concepção bastante redutora do papel da imprensa no debate público, normalmente
limitado à condição de porta-voz dos grupos dominantes. Por ela, as tomadas de posição dos
9
jornais devem ser sempre interpretadas como a defesa dos interesses econômicos ou políticos
daqueles que financiam as publicações ou que têm poder de influência sobre elas. Situação
que seria mais grave nos anos 50, quando o jornalismo brasileiro ainda não havia adotado os
princípios de neutralidade e objetividade da imprensa anglo-saxônica, sendo formado por
jornais “partidários”, cuja linguagem e linha de conduta se confundiam e se subordinavam à
política.
Ao nosso entender, essa forma de compreensão da imprensa e de sua relação com
outras instâncias sociais é bastante discutível. Algumas análises mais recentes têm
demonstrado (Lavínia RIBEIRO; ABREU&LETTMAN-WELTMAN), por exemplo, que os
grandes jornais brasileiros dos anos 50 apresentavam maneiras próprias de inserção no
espaço público, não podendo ser considerados apenas suporte do discurso de poder de outras
instâncias sociais. O que nos leva realmente a contestar se a visão mais tradicional da
imprensa realmente é suficiente para dar conta deste aspecto.
Terceiro, a década de 1950 é considerada, pela historiografia especializada em
economia, como um período de grandes transformações econômico-sociais no Brasil.
Conforme muitos autores (BIELSCHOWSKY, FONSECA, BASTOS, DRAIBE, etc.), no
Segundo Governo Vargas foram esboçadas as bases teóricas, programáticas e institucionais de
um programa desenvolvimentista, que tentou promover a industrialização planejada da
economia brasileira.
Embora esse programa tivesse como base a ampliação do papel do Estado, ele não era
hostil ao capital estrangeiro, desejando contar com o seu apoio para investimentos em
infraestrutura e na produção de bens de consumo. Vargas preferia evitar inversões privadas
estrangeiras em setores estratégicos da economia (petróleo, hidroeletricidade) e dava
preferência para o capital público de agências como o Banco Mundial e o Eximbank. Para
esta corrente de interpretação, o governo de Vargas foi “nacional-desenvolvimentista” e
fundaria as bases para o progresso brasileiro dos anos posteriores, não havendo grande ruptura
entre o seu projeto e o levado adiante por JK na segunda metade da década de 50.
Ora, se aceitarmos essa argumentação e mantivermos a interpretação que a grande
imprensa se opôs a Vargas por causa de seu programa econômico, teremos também que
concordar que a imprensa fez oposição às bases do nacional-desenvolvimentismo e, assim, ao
próprio processo de crescimento do Brasil no período. Mas seria aceitável essa conclusão?
Mais uma vez não dispomos de pesquisas específicas sobre esse ponto, ou seja, sobre qual foi
a posição dos nossos grandes jornais frente a este programa econômico que, conforme as
10
palavras de BIELSCHOWSKY, estava se tornando hegemônico no período.
Em consequência, as três questões acima levantadas permitem justificar o estudo sobre
o posicionamento dos principais jornais cariocas a respeito do programa econômico do
Segundo Governo Vargas. Tal estudo, além de nos permitir ter uma noção mais clara sobre a
posição da grande imprensa do Rio frente a este governo, ainda pode nos oferecer elementos
para compreender melhor a visão que estes impressos apresentavam sobre as mudanças em
curso e sobre o projeto desenvolvimentista.
Com esta pesquisa procuramos avaliar como os principais jornais considerados
liberais no Rio de Janeiro abordaram as ações do governo Vargas na condução de sua
política econômica, no período de janeiro de 1951 até agosto de 1954. Entendendo por ações
tanto as propostas e as medidas próprias do Executivo quanto as reações a situações
específicas impostas a ele.
Para realizar este trabalho, delimitamos um universo composto por quatro jornais da
Capital Federal: O Globo, Correio da Manhã, O Jornal e Jornal do Brasil. Esta escolha se
ancorou em três critérios básicos:
Primeiro, selecionamos apenas jornais que pertenciam à grande imprensa da época e
que eram identificados ou se identificavam como liberais
1
; esta preferência se justifica porque
são estes impressos os mais adequados para indicar a pertinência ou não da explicação sobre o
posicionamento da imprensa que desejamos avaliar.
Segundo, escolhemos somente periódicos do Distrito Federal, porque, além de serem
os mais influentes no país, ainda não foram objeto deste tipo de estudo, como ocorreu com O
Estado de S. Paulo
2
.
Terceiro, utilizamos um critério qualitativo de representatividade para os jornais
selecionados, quer seja pelo histórico de atuação e de influência na esfera pública brasileira
como eram os casos do Correio da Manhã e do Jornal do Brasil quer seja pelo possível
impacto ou abrangência que suas tomadas de posição podiam atingir como eram os casos do
1
Todos os jornais citados eram de circulação diária e regular e apresentavam tiragem entre 60 e 100 mil
exemplares/dia, segundo os dados do Anuário Brasileiro de Imprensa 1950 a 1957, publicados em RIBEIRO,
Ana Paula Goulart. Imprensa e História no Rio de Janeiro dos anos 50. Rio de Janeiro: E-papers, 2007, p. 60) e
eram identificados ou se identificavam como liberais. Dessa amostra, então, ficaram de fora jornais de grande
circulação que não se identificavam ou podem ser considerados propriamente liberais do ponto de vista
econômico, como a Última Hora e o Diário de Notícias, e jornais que eram identificados como liberais, mas
que tinham baixa tiragem, como a Tribuna da Imprensa.
2
SARETTA, F. . O Jornal O Estado de São Paulo e Getúlio Vargas: política e economia (1951-1954). In: IX
Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Política, 2004, Uberlândia. ANAIS DO IX
ENCONTRO NACIONAL DA SOCIDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA POLITICA. Uberlandia, 2004. v.
1. p. 1-20.
11
O Jornal, órgão-líder da cadeia dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, o mais
importante conglomerado de comunicação no país, e do O Globo, o diário de maior tiragem
entre todos os selecionados.
Como não era possível e nem desejável fazer uma leitura completa de todas as edições
desses jornais durante o mandato de Vargas, a nossa pesquisa seguiu um roteiro de itens
previamente selecionados e classificados. Este roteiro foi composto por uma amostragem
qualitativa das principais ações, propostas e reações do governo nos temas essenciais de sua
política econômica. A escolha dos itens partiu da avaliação da bibliografia especializada no
assunto e das fontes primárias consultadas (discursos e propostas do governo) e a seleção dos
pontos a serem avaliados teve como objetivo compor um itinerário de pesquisa ao mesmo
tempo sucinto e representativo.
Porém, este itinerário serviu apenas como um guia inicial de pesquisa e foi modificado
e adaptado na medida em que a própria leitura dos jornais nos indicava temas relevantes para
serem trabalhados e que não eram enfatizados na bibliografia. Por outro lado, é importante
salientar que, em função da natureza da atividade jornalística, não detivemos a coleta de
material apenas nas datas dos acontecimentos selecionados, ou seja, abarcamos o seu entorno,
a fim de dar conta das antecipações ou das repercussões que os jornais deram aos mesmos.
Em linhas gerais, esse roteiro ficou dividido em três grandes categorias: as ações de
Vargas relativas à estabilização financeira, levadas adiante por seus dois ministros da Fazenda
(Horácio Lafer e Oswaldo Aranha); as principais medidas e projetos concernentes às questões
cambiais e de fluxos de capital (Lei do Câmbio Livre, Instrução 70 da Sumoc e o Decreto n
o.
30.363, sobre reinvestimento de capitais); e as medidas/ações relativas ao seu programa de
desenvolvimento econômico (Plano de Reaparelhamento, BNDE, Petrobras, Eletrobrás). Mais
tarde, esses três esquemas gerais se tornaram a base dos capítulos de análise dos jornais.
Por fim, a nossa pesquisa procurou abarcar tanto o espaço informativo (reportagens,
matérias, entrevistas) quanto o espaço opinativo (editoriais). Em virtude do nosso objetivo
central identificar o posicionamento “oficial” dos órgãos de comunicação selecionados
demos preferência para a coleta e para a análise dos editoriais. As matérias e reportagens
foram empregadas de forma complementar quando não havia posicionamento “oficial” ou
para confirmar uma posição presente nas páginas de opinião. Também utilizamos o material
informativo para verificar o destaque e a visibilidade recebida por um determinado tema entre
os diários pesquisados.
12
Com o objetivo de superar as dificuldades teóricas na abordagem da imprensa brasileira
da década de 1950, buscamos alternativas conceituais no aporte de Pierre BOURDIEU. Este
autor apresenta uma visão geral sobre a relação histórica entre o jornalismo e a política a
partir da noção de Campo de Produção Ideológica (CPI). Ele desenvolveu essa categoria para
dar conta do espaço de debate que emerge nas sociedades contemporâneas ocidentais.
Segundo BOURDIEU, o CPI é um espaço de conflito no qual se disputa a visão mais legítima
sobre os assuntos politicamente relevantes, onde projetos e programas de ação são legitimados
ou desautorizados no debate público. Entretanto, mesmo que o CPI possa realizar a tarefa que
ele classifica como função ideológica ou seja, ter um papel significativo no processo de
legitimação dos grupos sociais e seus projetos de poder , esse processo passa por uma série
de mediações, devendo incorporar os interesses específicos e a lógica interna aos produtores
culturais.
Com base no conceito de campo jornalístico devemos entender que o universo dos jornais
não é um espaço homogêneo e unificado e sim um espaço de luta, onde se uma série de
conflitos entre agentes, ideias, programas e projetos que buscam legitimidade social. Além
disso, para BOURDIEU, a atividade jornalística e a atividade política estão bastante
imbricadas neste espaço, mas ocupam funções diferentes. Mesmo que o campo político possa,
por vezes, ter uma predominância sobre o campo jornalístico, não é possível falar em
subordinação. Na verdade, campo político e campo jornalístico também estão em disputa pela
condição de porta-voz mais autorizado do corpo social, o que gera muitos conflitos entre os
seus agentes.
Por fim, devemos lembrar que o campo jornalístico, diferentemente do campo acadêmico
ou da arte erudita, apresenta um dos mais baixos graus de autonomia, na medida em que está
sempre obrigado a lidar com uma série de pressões externas: do campo político (Estado), do
campo econômico (anunciantes) e do universo de leitores. Assim, as tomadas de ação dos
agentes do campo jornalístico devem ser consideradas sempre como estratégicas, ou seja,
como uma alternativa para lidar com uma série de pressões e demandas normalmente
contraditórias entre si (uma ação que agrada os anunciantes pode desagradar os leitores, etc.).
Com base nessas reflexões, submetemos o material levantado em nossa pesquisa a
uma série de perguntas, organizadas em três sessões principais:
13
Qual foi o posicionamento de cada jornal frente aos principais pontos da política
econômica do governo Vargas? É possível constatar uma oposição sistemática a este
programa? Em caso negativo, em quais pontos houve convergência e em quais houve
divergência entre os jornais e o programa varguista? De outra parte, podemos falar de um
posicionamento uniforme entre os diversos periódicos analisados? Em caso negativo, quais
foram as principais divergências/convergências entre eles? Nos termos de BOURDIEU, que
relações podemos encontrar entre campo jornalístico e campo político nesta questão?
Podemos identificar uma linha de pensamento econômico coerente para avaliar os pontos
selecionados do programa de Vargas e, em caso positivo, qual foi ela? Como esta postura se
enquadrava no debate sobre o desenvolvimento brasileiro no período estudado, em outras
palavras, seguiram uma linha liberal e ortodoxa e, assim, contrária ao processo de
industrialização acelerada? E, como no item anterior, é possível falar em um posicionamento
uniforme? Se houve diferenças entre os jornais, quais foram elas?
A partir do próprio universo textual dos jornais, é possível identificar como os jornais
escolhidos procuraram se inserir no debate em questão? É possível identificar as relações que
estabeleceram entre os agentes do campo jornalístico e os agentes do campo político e
econômico, cujos interesses estavam envolvidos nos programas do governo? Essas relações
podem ser compreendidas com base na ideia de subordinação da imprensa aos demais poderes
sociais, expressada na condição de simples porta-voz de grupos externos, ou podemos
encontrar outras formas de inserção da imprensa no debate público? Por fim, partindo da
condição do campo jornalístico como de baixo grau de autonomia, quais foram as estratégias
adotadas pelos jornais pra dar conta dessas diferentes demandas externas?
Do ponto de vista metodológico, devido aos nossos objetivos de pesquisa e a natureza das
nossas fontes, empregamos a metodologia conhecida por Análise de Conteúdo (AC) ou
Análise Textual Qualitativa.
A AC consiste em um conjunto de procedimentos, amplos e variados, que orientam a
organização e a interpretação de séries textuais, permitindo o encontro de sentidos latentes à
sua superfície discursiva com base em um conjunto de perguntas previamente estabelecidas
pelo pesquisador. A Análise de Conteúdo não estabelece limites quanto ao referencial teórico
a ser usado na construção do objeto e na interpretação final das unidades textuais
selecionadas, sendo perfeitamente ajustadas as nossos questionamentos de pesquisa.
Nossa escolha pela Análise de Conteúdo se deveu a três fatores:
Primeiro, ela é particularmente adequada para pesquisas com séries documentais
14
longas como foi o nosso caso , pois autoriza recortes nos textos com base nos objetivos
específicos do historiador. Isso foi de fundamental importância para nosso trabalho, porque,
embora a Análise de Conteúdo pressuponha a leitura de todo o documento textual
considerado, permite que se faça uma coleta mais seletiva do material empírico.
Segundo, a Análise de Conteúdo permite que estes recortes sejam feitos com base em
critérios temáticos, em conformidade com nossos propósitos.
Terceiro, a Análise de Conteúdo é muito apropriada para uma pesquisa que compara o
posicionamento de diferentes jornais sobre temas comuns. Isso porque a necessidade de
organizar os elementos recolhidos em categorias facilita a comparação, tanto da forma como
um tema foi tratado em diversos momentos por um mesmo jornal quanto da maneira como foi
abordado em um mesmo momento por vários jornais.
A Análise de Conteúdo exige uma sequência de etapas que devem ser seguidas para se
obter resultados satisfatórios: escolha e delimitação do corpus de pesquisa; desconstrução
destes textos em unidades menores (unitarização); busca de relações entre essas unidades
(semelhanças, diferenças, sobreposição, exclusão, etc.), chamada de categorização; por fim,
um trabalho de interpretação sobre os elementos textuais assim organizados.
Sendo assim, gostaríamos de esclarecer um pouco melhor o processo de categorização
empregado em nossa pesquisa. De forma semelhante a que procedemos na elaboração do
roteiro, a construção das nossas categoriais iniciais partiu da análise da literatura especializada
e da documentação primária consultada em nossa pesquisa bibliográfica. Desse processo
surgiram algumas categoriais centrais, como por exemplo, a questão da energia (Petrobras,
Eletrobrás) e das agências planejadoras e/ou arrecadadoras de recursos públicos (CDI,
CMBEU, BNDE). Posteriormente, porém, conforme a leitura do material empírico foi
evoluindo, reelaboramos esse trabalho com a adaptação de algumas categorias originais e com
a introdução de novas. Introduzimos conceitos mais refinados, incorporados às categoriais
centrais, como, por exemplo, a percepção apresentada pelos jornais nos seguintes temas:
“planejamento econômico”, “conflito indústria versus agricultura” e “noção de Estado”.
Dispomos a apresentação do resultado do nosso trabalho em cinco capítulos, que
foram assim organizados:
No Capítulo I, fizemos um apanhado geral da imprensa carioca nos anos 50,
analisando o universo dos jornais e as suas relações gerais com outros espaços. Apresentamos
também uma análise das principais interpretações sobre os grandes diários do Rio de Janeiro e
a sua relação com o Segundo Governo Vargas. Depois, expomos algumas alternativas teóricas
15
que nos permitiram uma compreensão diferente dessa imprensa através do aporte de
BOURDIEU. Por fim, dedicamo-nos a analisar com mais detalhes os quatros jornais aqui
selecionados para a pesquisa, dando um panorama das principais características de cada um
no campo jornalístico do período e da forma como a historiografia interpreta as suas posições
frente ao governo de Getúlio.
No Capítulo 2, estabelecemos uma visão geral dos itens principais do debate
estabelecido no Brasil a respeito da melhor alternativa para o desenvolvimento do país,
especialmente em torno da proposta de industrialização acelerada, procurando distinguir as
correntes doutrinárias que se enfrentavam no período. Depois, fizemos uma análise sobre a
historiografia do Segundo Governo Vargas a fim de compreender como podemos enquadrá-lo
nesse debate.
Nos Capítulos 3, 4 e 5, analisamos as principais ações e programas econômicos do
governo e da forma como os jornais pesquisados se posicionaram frente a elas, seguindo a
ordem abaixo. No Capítulo 3, dedicamo-nos a estudar as medidas essenciais do governo
relativas à estabilização financeira nas gestões dos ministros da Fazenda Horácio Lafer e
Oswaldo Aranha, bem como o tema do aumento de 100% do Salário Mínimo, proposto pelo
ministro do Trabalho, João Goulart, tendo em vista os seus efeitos sobre o debate a respeito do
controle da inflação. Buscamos ainda avaliar a forma como os jornais abordaram esses
programas e, especialmente, se eles defendiam uma visão ortodoxa sobre a inflação.
O Capítulo 4 foi dedicado a analisar as medidas de Vargas sobre os problemas
cambiais e o fluxo de capital; procurando ver a forma como os jornais se posicionavam frente
a este tema e abordavam a questão da posição do Brasil na divisão internacional do trabalho e
a necessidade ou não da industrialização.
No Capítulo 5, analisamos as principais ações planejadoras de Vargas (Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos e Assessoria Econômica para a Presidência da República) e os
seus programas de reaparelhamento e desenvolvimento econômico, especialmente no setor de
energia. O nosso objetivo foi verificar a posição dos jornais sobre cada um desses programas
e, em particular, qual concepção ou concepções de Estado é possível identificar a partir
das suas tomadas de posição.
1 Imprensa, política e programa econômico no Segundo Governo Vargas
1.1 Imprensa carioca nos “anos dourados” do jornalismo brasileiro
Os anos 50 são considerados um período de grande dinamismo para os meios de
comunicações brasileiros e, especialmente, da cidade do Rio de Janeiro, principal centro
urbano e caixa de ressonância dos grandes acontecimentos culturais e políticos do país.
Nessa década, o rádio atinge o seu momento áureo. As radionovelas e os programas de
auditório garantem a este veículo uma forte penetração social e uma abrangência territorial
inigualáveis no país, tendo em vista que o Brasil ainda não dispunha de um sistema de
comunicação que pudesse ser considerado nacional. A televisão igualmente começa a dar os
seus primeiros passos, guiada pelo megaempresário de comunicação Assis Chateaubriand,
que, não satisfeito em possuir a maior rede de jornais e revistas do país, funda também a TV
Tupi, em 1950.
Apesar da importância e do poder de difusão de informações e de ideias desses
veículos, quando o tema é o jornalismo, porém, o eixo de análise se desloca do rádio mais
voltado para o entretenimento e da TV ainda em germe para a imprensa escrita, em
especial, os grandes jornais diários.
Durante o Segundo Governo Vargas, uma ampla variedade de impressos circulava
diariamente pela cidade do Rio de Janeiro. A cada manhã, várias “folhas” com significativa
tiragem, como o Correio da Manhã, O Jornal, o Diário Carioca, o Jornal do Brasil e o
Diário de Notícias, eram colocados à disposição da população carioca, enquanto à tarde,
alguns vespertinos, dentre eles o recém-criado Última Hora e o estabelecido O Globo,
disputavam esquina à esquina a preferência do leitor. Com menos regularidade e menor
penetração, os pontos de venda ainda recebiam publicações de baixa circulação, voltadas para
públicos específicos, que procuravam oferecer informações sobre um tema particular (Jornal
dos Sports), difundir uma causa (O Radical) ou representar um grupo social, étnico ou
profissional (Diário Trabalhista, A Voz de Portugal, Jornal Israelita). Toda essa profusão
de impressos caracterizava o pungente jornalismo carioca dos anos 50 pela sua considerável
variedade de títulos, apresentando, por exemplo, em 1953, 29 publicações diferentes, mais de
10% do total de jornais editados no Brasil no mesmo período, que era de 254.
1
1
Fonte: Anuário Estatístico Brasileiro, IBGE (de 1950 a 1960), apud RIBEIRO, 2007, p. 58.
17
Os historiadores da imprensa brasileira, entretanto, têm alegado que, apesar desse
número de impressos, o jornalismo carioca e brasileiro tinha como uma das suas
fragilidades a baixa tiragem, pois, raramente uma publicação atingia a marcar de 100 mil
exemplares/dia e isso, quando ocorria, era apenas na edição especial de domingo.
2
Em média,
os grandes jornais ficavam na casa dos 50 mil, sendo raros os que ultrapassavam esse limite, o
que era muito pouco, se comparado aos principais centros culturais e econômicos mundiais,
como Paris e Nova Iorque, onde os diários podiam chegar perto de 500 mil exemplares em um
único dia.
3
A pouca tiragem dos jornais brasileiros em relação aos países do centro do capitalismo
é explicada pelos especialistas por três fatores básicos: o baixo índice de alfabetização e de
escolaridade da população brasileira, que atingia níveis bem inferiores aos das nações
desenvolvidas;
4
o precário desenvolvimento econômico com consequente renda média
limitada, o que era agravado pela excessiva concentração dos ganhos; e a carência em
infraestrutura, como meios de transportes e comunicação rápidos, baratos e eficientes. Esses
três elementos em conjunto afetavam diretamente a imprensa brasileira porque restringiam o
seu mercado potencial de leitores tanto socialmente quanto geograficamente e
enfraqueciam a sua capacidade de financiamento através da publicidade comercial. Como
lembram muitos autores, o surgimento das grandes empresas jornalísticas nos países
capitalistas modernos esteve diretamente ligado ao desenvolvimento econômico e, em
especial, à industrialização, que ampliou o público leitor e disponibilizou uma plêiade de
companhias produtoras e vendedoras de bens de consumo interessadas em divulgar esses
artigos entre os seus possíveis compradores.
5
Ultimamente, porém, alguns pesquisadores, como Ana Paula RIBEIRO, têm
relativizado esta crítica, lembrando que, nesses grandes centros, a imprensa já passava por um
processo de concentração em grandes empresas. Assim, se a tiragem era maior, o número de
2
Ver, por exemplo, SÉGUIN DES HONS, André de. Le Brésil : presse et histoire 1930-1985. Paris:
L'Harmattan, 1985, RIBEIRO, Lavina M. Imprensa e Espaço Público : A Institucionalização do Jornalismo no
Brasil (1808-1964). Rio de Janeiro : E-Papers, 2004 e GOLDENSTEIN, Gisela. Do jornalismo político à
indústria cultural. São Paulo: Summus, 1987.
3
RIBEIRO, 2007, p. 58.
4
Nos anos 50, o percentual de alfabetizados era de 59%, no Estado de São Paulo, e 65%, no Estado do Rio de
Janeiro, enquanto que a população com mais de 11 anos de escolaridade, estava em apenas 3,8% e 7,3%,
respectivamente, conforme SÉGUIN DES HONS, op.cit., p. 193.
5
Ver: SCHUDSON, Michael. Discovering the news : a social history of american newspapers. [New York]:
Basic Books, 1978 e CHALABY, Jean. O Jornalismo como invenção anglo-americana Comparação entre o
desenvolvimento do jornalismo francês e anglo-americano (1830-1920). Media & Jornalismo, n. 3, p. 29-50,
2003.
18
jornais estava ficando cada vez menor, diminuindo a sua variedade, enquanto que, no Rio de
Janeiro, esse fenômeno ainda não tinha se consolidado, permitindo uma oferta mais
diversificada à disposição do leitor.
Por outro lado, não deve ser esquecido que a cidade do Rio de Janeiro configurava um
caso especial. Capital da República e dispondo de um dos melhores níveis de renda nacional e
do maior índice de alfabetização, o Distrito Federal demonstrava, segundo os dados
levantados por André de HONS, uma oferta per capita de exemplares de jornal bastante
singular: enquanto que no Brasil, em 1954, eram 37 exemplares diários por cada mil
habitantes e, em São Paulo, centro econômico da nação, tinha uma cifra de 100, na capital do
país se atingia o número de 194, ou seja, quase o dobro da metrópole paulista e cerca de um
exemplar de jornal para cada cinco moradores da cidade.
Essa forte presença da imprensa na sociedade carioca, relativamente ao resto do Brasil,
contribuía para tornar os grandes jornais do Rio de Janeiro, aliados a impressos ditos
“alternativos” como a Revista do Clube Militar, e o Jornal de Debates, este último
voltado para a abordagem de temas contemporâneos e que foi um dos espaços privilegiados
do enfrentamento de ideias em torno da questão do petróleo , no principal fórum de
discussão dos temas mais essenciais do país. Até porque, embora a abrangência desses jornais
fosse limitada, pois o mercado jornalístico da época estava muito regionalizado, por se
localizarem na Capital da República, cidade de grande tradição cultural e política nos anos 50,
estas publicações vão pretender assumir o papel de uma verdadeira “imprensa nacional”,
dando prioridade, nas suas páginas, a assuntos internacionais e à política brasileira, em
especial às ações da Presidência da República e das diferentes instituições representativas
nacionais. Além disso, mesmo que os grandes jornais carecessem de maior penetração direta
nas camadas de menor renda, eles tinham enorme repercussão sobre a própria elite política,
econômica e cultural, cujas tomadas de posição, muitas vezes, levavam primordialmente em
conta o seu possível impacto na imprensa do Rio, mesmo que este impacto não fosse
equivalente à sua ressonância em toda a sociedade carioca e brasileira.
6
Outro ponto importante a considerar é que, embora apresentasse limites estruturais
sérios, o mercado do jornalismo impresso estava em plena ascensão no Rio de Janeiro. Muitas
6
Ou seja, entre as elites políticas e econômicas e a imprensa do Rio de Janeiro seguidamente ocorria o que
Patrick CHAMPAGNE definiu como “efeito de fechamento”, pelo qual os agentes sociais que buscam
visibilidade agir prioritariamente em virtude daquilo que os meios de comunicação tendem a estabelecer como
sendo prioritário. CHAMPAGNE, Patrick. Faire L’Opinion. Paris : Les Éditions De Minuit, 1990, p. 195-196.
19
publicações novas foram criadas na cidade, entre os anos de 1940 e 1950, como a Tribuna da
Imprensa, de Carlos Lacerda, e a inovadora Última Hora, de Samuel Wainer. E, de modo
geral, os grandes jornais estabelecidos estavam aumentando significativamente as suas
tiragens e, por conta disso, o seu rendimento. Segundo os dados disponíveis, na década de
1940, a média diária de exemplares de jornal na Capital da República era de
aproximadamente 600 mil; no ano de 1952, vai ultrapassar a casa de 1 milhão, para atingir
1,2 milhão, em 1956, ou seja, dobrando em cerca de uma década.
7
A explicação para essa mudança esta baseada em diferentes fatores. Um deles é o
próprio retorno da democracia e, por consequência, o reestabelecimento da liberdade de
imprensa. Embora a política desenvolvida pelo Estado Novo em relação às empresas
jornalísticas não tenha sido apenas cerceadora e repressora, alguns analistas salientam que o
ambiente de democracia política permitiu muito mais oportunidades para inovação e
renovação jornalística, com a oferta de novos jornais e de novos produtos (cadernos de
cultura, cadernos de esportes, diários voltados para as camadas mais populares, etc.).
8
Outro fator estava no desenvolvimento econômico do país. Como veremos no capítulo
seguinte, embora ainda com grande defasagem ante ao centro do capitalismo mundial, nos
anos do pós-guerra, a economia e a sociedade brasileira vão passar por profundas
transformações, com uma das melhores médias do crescimento do PIB e da indústria de bens
de consumo entre as nações subdesenvolvidas. Isso aumentou o emprego urbano, incrementou
a renda nacional e ampliou os ganhos em salários, especialmente das camadas médias
urbanas. Entre os anos 40 e 60, a população urbana quase dobrou e o índice de escolaridade,
apesar de ainda baixo, praticamente triplicou.
9
Todos esses elementos somados nos permitem
compreender a enorme ampliação do mercado potencial para o jornalismo impresso, ao menos
até o momento em que este irá começar a perder terreno para o televisivo, mas isso virá a
ocorrer nas décadas de 60-70.
Os jornais cariocas aproveitaram bem essa nova dinâmica. Segundo Ana RIBEIRO, as
verbas de publicidade, até então relativamente modestas na composição das rendas de um
jornal, passaram a ocupar parte significativa das fontes de financiamento dos meios de
comunicação. De 1947 a 1953, conforme a autora, o volume investido em publicidade nos
jornais e nas revistas aumentou cerca de 400% (2007, p. 179). Nos anos 50, apesar da
7
SÉGUIN DES HONS, op.cit., p. 189.
8
SÉGUIN DES HONS, idem; RIBEIRO, 2007.
9
No Estado do Rio de Janeiro, o percentual de pessoas com mais de 11 anos de escolaridade, passo de 3,8%, em
1940, para 10,7%, em 1960, e a população total, cresceu de 3.611 mil habitantes para 6.611 mil,
respectivamente.
20
importância da radiodifusão e do surgimento da televisão, era para os jornais de grande
circulação que esse crescimento mais se direcionava. Em 1954, a grande imprensa
10
carioca
abocanhou 35% da verba publicitária aplicada nos meios de comunicação do Rio de Janeiro,
enquanto às revistas restou 13,3% e ao rádio e à televisão, 25%.
Por essas razões, não é de estranhar que a renda em publicidade passava a compor uma
parte cada vez mais expressiva das receitas dos jornais, muito embora, a carência de dados
confiáveis não nos permita fazer afirmações mais precisas. Apenas para ilustrar, RIBEIRO
comenta o balanço publicado pelo Correio da Manhã, em 1959, onde consta que este
impresso teria faturado Cr$ 7,4 milhões em assinaturas, Cr$ 24,8 milhões em venda avulsa e
Cr$ 236 milhões de cruzeiros em publicidade, obtendo um lucro declarado de Cr$ 16
milhões.
11
Conforme RIBEIRO e SEGUIN DES HONS, a migração das receitas dos jornais para
a publicidade, porém, acabou por provocar mudanças estruturais na imprensa carioca. No
período do pós-guerra, as verbas publicitárias começaram a se concentrar, cada vez mais, nas
agências de publicidade, quase todas estrangeiras, que eram 56, em 1940, e chegaram ao total
de 300, no final dos anos 50. As agências de publicidade passaram a aplicar, no país, métodos
mais modernos de gerenciamento dos recursos dos seus clientes, não apenas preparando o
material publicitário, mas estabelecendo critérios mais objetivos na distribuição das verbas, os
quais levavam em conta o público atingido por uma publicação, tanto em termos de qualidade
(ou seja, as camadas sociais em que ele penetrava com mais força), quanto em termos de
quantidade (a sua capacidade de divulgação). O uso desses critérios gerou um processo de
concentração das empresas jornalísticas porque os grandes jornais e os conglomerados de
comunicação passaram a receber o grosso dos recursos, enquanto os impressos de menor
porte foram sendo paulatinamente excluídos.
Jornais como O Globo (Cr$ 35,9 milhões), Correio da Manhã (Cr$ 27,5 milhões),
Diário de Notícias (Cr$ 20,5 milhões), Jornal do Brasil (Cr$ 20 milhões) e O Jornal (Cr$
19,8 milhões) aumentaram as suas receitas e especialmente abocanharam as principais fatias
desse bolo, ocupando o topo da tabela em faturamento publicitário em 1950, com destaque
10
Entende-se aqui por jornais da grande imprensa os periódicos voltados para o mercado, de circulação diária
regular e que atingiam as maiores tiragens no período. Como vimos, na década de 1950, esta tiragem oscilava
entre 50 e 100 mil exemplares/dia, conforme informações do Anuário Brasileiro de Imprensa. Rio de Janeiro,
PN, 1950-1957. Estes critérios restritivos excluem periódicos como o Jornal de Debates e outras publicações
ligadas a entidades sindicais ou partidárias, com baixa circulação, periodicidade irregular e não organizadas
como empresas. Também exclui a Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, cuja tiragem era baixa, com média
de 5 mil exemplares/dia.
11
RIBEIRO, 2007, 185-186.
21
especial para o vespertino de Roberto Marinho. O resultado foi que, entre os anos de 1953 e
1960, o total de jornais diários no Rio de Janeiro passou de 29 para 18, diminuindo cada vez
mais nos anos seguintes.
12
Outro aspecto interessante diz respeito ao tipo de produto anunciado, ou seja, quem
bancava esta verba publicitária. Segundo análise de Ana RIBEIRO, comentando os dados do
ano de 1953, o grosso da publicidade na imprensa carioca era feita por empresas estrangeiras,
que contratavam agências também estrangeiras para produzir e distribuir os seus “reclames”.
Além disso,
na primeira metade da década de 50, os maiores anúncios eram de artigos de
consumo diário, como produtos de higiene, medicamento, cigarros e bebidas.
Panorama que mudou completamente na segunda metade da década, com o
crescimento da indústria automobilística.
13
Ainda sobre os dados de 1953, a autora apresenta um quadro dos principais
anunciantes nos jornais, ocupando os primeiros lugares a Cia Antártica Paulista (Cr$ 70
milhões), a Esso Standard do Brasil (Cr$ 28 milhões), a Cia Industrial Gessy (Cr$ 28
milhões), The Sidney Ross Company (Cr$ 25 milhões), S.A. Ind. Irmãos Lever (Cr$ 20
milhões), Shell Brasil Limited (Cr$ 18 milhões), The Coca-cola Export (Cr$ 15 milhões), Cia
Cervejaria Brahma (Cr$ 14 milhões), etc.
14
Essas alterações estruturais envolveram importantes mudanças materiais e editoriais
na grande imprensa. O período dos anos 50 foi de extrema renovação do maquinário gráfico e
até das sedes físicas dos jornais cariocas. Seguindo o embalo do crescimento industrial do
país no pós-guerra e a reabertura do mercado internacional para a importação dos
equipamentos de impressão, alguns dos maiores jornais do Rio procuraram renovar as suas
oficinas, importando novas rotativas e incorporando novas tecnologias, como foi o caso de O
Globo, do Correio da Manhã, de O Jornal e do Diário Carioca, entre outros.
Para que isso fosse possível teve fundamental importância o crescimento do mercado
de leitores e da publicidade, que permitiu suporte econômico para as publicações se
aventurarem nesses investimentos. Entretanto, contribuiu ainda significativamente a posição
dos governos de Dutra e de Vargas, que facilitaram essa ampla dinamização, com uma política
de favorecimento à imprensa brasileira. Uma dessas políticas dizia respeito à importação não
apenas de máquinas e equipamentos, como também de papel. Nesse período, o papel
empregado pelos grandes jornais nacionais era praticamente todo importado e, dessa maneira,
12
Anuário de Publicidade, 1950, apud RIBEIRO, idem, p. 186.
13
RIBEIRO, 2007, pp 181-182.
14
Anuário de Publicidade, 1950, apud RIBEIRO, idem, p. 182.
22
o crescimento dos impressos dependia muito da liberalização das compras no exterior. Por
isso, os jornais acabaram saindo beneficiados da política brasileira de valorização cambial e
de seletividade das importações, estabelecida depois de 1947.
Com dificuldades em seu balanço de pagamentos, por apresentar déficits seguidos em
conta corrente, o governo brasileiro manteve, no final do mandato de Dutra e nos primeiros
anos do de Vargas, uma política de controle das importações, selecionando previamente os
setores que receberiam os dólares escassos que o país dispunha.
15
Além disso, manteve a
moeda nacional artificialmente congelada em Cr$ 18,00 por dólar, o que acabou provocando
uma valorização do cruzeiro no comércio internacional, devido à inflação que corroía o valor
interno da nossa moeda. Assim, aqueles que conseguiam licença para importar ao câmbio
oficial pagavam um preço excepcionalmente barato pra os seus produtos, o que lhes favorecia
no mercado nacional. Os jornais foram amplamente beneficiados com essa política, pois tanto
Dutra quanto Vargas colocaram o papel e os equipamentos para a imprensa dentre as
importações que deveriam receber preferência e lar mais barato, o que servia como um
enorme subsídio, o qual irá terminar apenas no governo de Kubitschek.
Um “auxílio” importante fornecido pelo governo esteve nas facilidades de crédito para
a importação de maquinários, ocorrida com particular intensidade durante a gestão do
primeiro presidente do Banco do Brasil (BB) no Segundo Governo Vargas, Ricardo Jafet, que
manteve uma criticada política de extensão creditícia, que chegou a se expandir em mais de
30% ao ano, em pleno período de combate à inflação. Muitos jornais receberam dinheiro
emprestado a justos baixos e longos prazos de amortização, podendo ainda oferecer como
garantia dos empréstimos o próprio maquinário a ser importado ou equipamentos obsoletos,
dos quais desejavam se livrar.
Quando estourou o escândalo envolvendo o jornal Última Hora, em 1953, e uma CPI
passou a investigar o esquema de financiamento dessa publicação com dinheiro público,
abriu-se a caixa-preta dos créditos à imprensa feitos pelo BB e descobriu-se, não com certo
espanto, que boa parte dos grandes impressos também era devedora do banco, sendo que os
maiores benefícios não tinham sido feitos ao jornal de Samuel Wainer, mas à cadeia Diários
Associados, de Assis Chateaubriand, e ao jornal O Globo. Apenas as empresas de Roberto
Marinho tinham obtido, entre os anos de 1950 e 1953, mas de 1 milhão de dólares em
créditos, em valores correntes, com os quais compraram três máquinas off set (para imprimir
em uma, duas e quatro cores) e uma rotativa Hoe, último tipo, tendo oferecido, como garantia,
15
O tema da seletividade das importações será tratado com mais detalhes no Capítulo IV.
23
uma antiga rotativa Goss.
16
As mudanças industriais da grande imprensa também implicaram em alterações
editoriais. Nos países desenvolvidos, onde o processo de transformação dos jornais em
negócio teve origem, notadamente nos EUA e na Inglaterra, o surgimento das empresas de
comunicação esteve associado à emergência de um novo “modelo de jornalismo”, através da
passagem do jornalismo partidário ou de opinião, para o jornalismo considerado “objetivo”,
informativo e politicamente “neutro”.
A imprensa político-partidária se caracteriza por tomar posição explícita no debate
público como porta-voz oficial do partido que representa e que a controla; ela está
subordinada à cúpula deste partido e dele tira a sua autoridade para falar na esfera pública; as
ideias que defende ganham o respaldo da força coletiva do partido e, em determinados casos,
é a principal forma de atuação pública deste último.
17
no caso da imprensa comercial e/ou empresarial, o jornal é visto como empresa
capitalista voltado para o lucro, que justifica a sua atividade e validade através dos valores da
neutralidade e da objetividade; de outro lado, este jornalismo procura legitimar a sua inserção
no debate público como uma instância informativa e fiscalizadora da condução dos assuntos
coletivos em nome do leitor-cidadão e se autorrepresenta como “espelho da realidade”,
“quarto poder” ou “cão de guarda” da política.
18
Como recorda BOURDIEU, a ideia de
objetividade surgiu no jornalismo norte-americano “como produto do esforço dos jornais
desejosos de respeitabilidade para distinguir a informação do simples relato dos jornais
populares”.
19
Essa mudança geral tinha como função construir a imagem dos jornais como
sendo “vendedores” de um novo produto cultural a “notícia” e impedir que certas
singularidades como a ligação a um partido ou a uma doutrina impedisse a máxima
16
Sobre o caso do escândalo da Última Hora e as revelações dos empréstimos do BB aos grandes jornais, ver:
RODRIGUES. Mônica S. Pelas Lentes da Tupi: uma leitura do campo jornalístico no final da Era Vargas. Rio
de Janeiro:UFRJ/IFCS, 1999 mimeo e também SODRE, Nelson Werneck. Historia da imprensa no Brasil. São
Paulo : Martins Fontes, 1983, 355 e seguintes.
17
Sobre essa forma de imprensa, ver: ALVES (a), Francisco das Neves. O partidarismo por opção discursiva: o
Echo do Sul e se discurso político-partidário. Rio Grande : Fundação Universidade Federal do Rio Grande,
2001ª, RIBEIRO, Ana P.G. Jornalismo, literatura e política: a modernização da imprensa carioca nos anos 1950.
In: Estudos Históricos, Mídia, n. 31, 2003 e ABREU, Alzira. A. & LATTMAN-WELTMAN, Fernando. A
Imprensa em Transição: O Jornalismo Brasileiro nos anos 50. Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas, 1996.
18
Ver CHALABY, Jean. O Jornalismo como invenção anglo-americana Comparação entre o desenvolvimento
do jornalismo francês e anglo-americano (1830-1920). Media & Jornalismo, n. 3, p. 29-50, 2003 e
GOLDENSTEIN, Gisela. Do jornalismo político à indústria cultural. São Paulo: Summus, 1987 e RIBEIRO,
2003.
19
BOURDIEU, Pierre. L´Emprise du journalisme. La Recherche en Sciences Sociales, Actes, n. 101-102, p. 3-9,
mar. de 1994, p. 4.
24
extensão do público leitor, exigência da adaptação de um periódico às regras de mercado.
20
Entretanto, quando analisamos a forma como os pesquisadores procuram transferir
esses modelos e, especialmente, a ideia da transição para a realidade brasileira, encontramos
uma série de dificuldades. Primeiro, esses autores apresentam uma forte discordância sobre o
momento em que teria ocorrido essa mudança ou modernização da imprensa. Nelson Werneck
SODRÉ, Juarez BAHIA e, mais recentemente, Lavínia RIBEIRO, defende a ideia de que esta
transformação ou, ao menos, os elementos mais importante da mesma teria ocorrido na
virada do século XIX ao XX, quando a antiga imprensa partidária e facciosa do período
imperial, politicamente engajada, virulenta e panfletária, vai paulatinamente sendo substituída
por jornais modernos e mais voltados para o mercado do que para o jogo político. Nas
palavras de BAHIA:
A segunda fase da imprensa brasileira começa por volta de 1880. (...) É a fase da
aventura industrial, até mesmo da consolidação, quando o jornal adquire o sentido
de empreendimento mercantil. Depois de 80, e, notadamente no alvorecer do século
XX, a imprensa ganha expressão no campo das atividades industriais, e, conquanto
noutros países de há muito assim definida, no Brasil é que, então, atinge esse
estágio. Desde logo, a tipografia de jornal perde o seu espírito artesanal para
conquistar a posição de indústria gráfica com capacidade econômica e múltiplas
possibilidades.
21
Além das mudanças organizacionais dos jornais passagem do panfleto à indústria
jornalística ocorreria uma mudança editorial, na medida em que a grande imprensa
brasileira passaria a abandonar o partidarismo e o facciosismo político em favor da
objetividade e da neutralidade jornalística. Marialva BARBOSA concorda parcialmente com
esta interpretação, ao lembrar que, no início do século, os principais diários do Rio de Janeiro,
procuravam criar para si mesmo a ideia de que eram “os olhos e ouvidos da sociedade”,
buscando marcar discursivamente a sua “independência diante de grupos e facções políticas”,
como fazia a Gazeta de Notícias, ou a sua “pretensa isenção nas notícias, que recebem um
cunho claramente informativo, deslocando a opinião política para duas colunas semanais”.
22
Outros autores, porém, como LATTMAN-WELTMAN, GOLDENSTEIN e Ana
RIBEIRO contestam essa interpretação. Segundo eles, ainda no início dos anos 50, os
principais jornais brasileiros e cariocas, embora estivessem estruturados como empresa e
20
Claro que, posteriormente, esse processo também enveredou por praticas de segmentação de público, mas
agora voltando o novo produto para procurar arregimentar leitores em parcelas específicas da população, com
base em critérios regionais, étnicos, de gênero, etc., sem mais incluir o princípio ideológico ou partidário
explícito.
21
BAHIA, Juarez. Três fases a imprensa brasileira. Editora Presença : Santos, 1960, p. 51, SODRE, Nelson
Werneck. Historia da imprensa no Brasil. São Paulo : Martins Fontes, 1983 e RIBEIRO, 2002..
22
BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa : Brasil, 1900 2000. Rio de Janeiro : Mauad X, 2007.
25
fossem voltados para o mercado existente, não adotavam os valores de objetividade e
neutralidade da escola anglo-saxônica de jornalismo mas sim a escola francesa, muito forte na
imprensa brasileira. Este estilo de jornalismo negava que a principal “missão da imprensa”
fosse se limitar a informar o seu leitor, não abrindo mão de procurar um papel diferente,
colocando-se como uma instância responsável por orientar a opinião pública. Essa
combinação de fatores deu origem a uma forma de jornalismo particular, classificado por
alguns pesquisadores como imprensa de tribuna, ou seja, “um jornalismo „de missão‟,
comprometido politicamente e convencido do poder de sua „tribuna‟ sobre a opinião
pública”.
23
Analisando as percepções dos jornalistas sobre a sua atividade, Ana RIBEIRO
demonstra que essa passagem foi muito difícil, porque o princípio de objetividade não era
hegemônico entre eles. Os mestres da profissão, originários ou vinculados à literatura, viam
com desdém essas modificações: as técnicas de redação do jornalismo norte-americano eram
consideradas um empobrecimento do texto e o predomínio do caráter informativo visto como
um rebaixamento da nobre tarefa de orientar a “opinião pública”.
24
Para a autora, porém,
apenas a adoção plena do modelo norte-americano permite à atividade jornalística atingir
especificidade e autonomia e, desta forma, impor o seu próprio regime discursivo sobre o seu
fazer profissional. Dessa maneira, dentro do quadro da década de 1950, o jornalismo
brasileiro seria uma atividade sem especificidade, praticamente indistinto da política e da
literatura, com as quais se confundia.
25
Para esses autores, contudo, a segunda metade dos anos 50 seria palco de uma intensa
transformação, a partir da qual os grandes jornais cariocas iriam dar início a um uma ampla
mudança, adotando com mais rigor e coerência os princípios de objetividade e neutralidade da
imprensa norte-americana.
Nessa conjuntura, vários jornalistas brasileiros teriam buscado, na experiência dessa
imprensa, uma nova forma de fazer jornal que teria implicado em grandes mudanças na
diagramação dos impressos, com uma paginação “mais dinâmica”, espaços “mais limpos”,
uso abundante de fotos e outros recursos gráficos, além de uma grande alteração na capa, que
deixaria de ser um espaço reservado ao noticiário internacional para se tornar uma espécie de
23
ALDÉ, Alessandra. Imprensa e política no segundo governo Getúlio Vargas. In: Redes, Rio de Janeiro, v.1, n.3,
set./dez. 1997, p. 29.
24
2003, p. 9. Ver, também: Ver: RIBEIRO, Ana P. G. Clientelismo, corrupção e publicidade: como sobreviviam
as empresas jornalísticas no Rio de Janeiro dos anos 1950? In.: Ciberlegenda, n. 8, 2002. Disponível em:
<http://www.uff.br/mestcii/ana1.htm, consultado em 20 de novembro 2008.
25
RIBEIRO, 2002, p. 285.
26
“vitrina do jornal”, apresentando pequenas chamadas para os assuntos internos. Além disso, a
informação ganharia um significativo terreno sobre a opinião, cada vez mais limitada a
editoriais, colunas e artigos assinados. Mas a mudança mais importante ficou por conta da
linguagem: os textos densos e a fala rebuscada, carregados de adjetivos e da própria opinião
explícita dos repórteres e redatores, seria trocado por narrativas mais enxutas, acessíveis e nas
quais a subjetividade do narrador deveria ser “anulada” ou “controlada”, por uma linguagem
impessoal e mais adjetiva que substantiva. Nesse processo, tivemos a introdução no
jornalismo brasileiro do lead,
26
do copy desk
27
e dos manuais de redação, que estabeleceram
uma nova “economia do discurso” jornalístico ou em um novo “regime discursivo” , uma
verdadeira autocensura interna que procurava padronizar a linguagem e, especialmente, diluir
o enunciador em uma fala impessoal e programada. Conforme os autores citados, a introdução
desse modelo teria se dado no início dos anos 50, através das experiências pioneiras de jornais
como a Última Hora e o Diário Carioca, mas apenas com o Jornal do Brasil, a partir de
1956, que ele se consolidaria na imprensa brasileira, para não mais recuar.
Entretanto, essas mudanças não afetariam, no geral, o quadro de relações entre
jornalismo e política. Conforme GOLDENSTEIN e Ana RIBEIRO, a adoção do modelo de
jornalismo anglo-saxão foi apenas parcial no Brasil. Isso porque, nos países mais avançados,
as iniciativas de renovação foram dadas essencialmente pelo próprio desenvolvimento
econômico, como consequência da industrialização, que criou as condições objetivas
necessárias para que se constituísse um jornalismo moderno e independente, capaz de
sobreviver e prosperar unicamente através de sua relação com o mercado. No Brasil, teria
ocorrido algo diferente. As alterações estruturais, necessárias para se gerar, entre nós, um
mercado de bens simbólicos que permitisse aos jornais relativa independência da política,
eram ainda insuficientes, vindo aparecer com mais força nos anos 60 e 70. Portanto, as
principais ações de modernização da imprensa brasileira, como foi o caso do jornal de Samuel
Wainer, não foram subsidiadas por empresários interessados em uma nova forma de negócio,
mas inspiradas em grupos partidários ou de pressão, que procuravam utilizar as técnicas do
jornalismo anglo-saxão para atingir primordialmente objetivos políticos.
28
Ana RIBEIRO se detém com mais cuidado nessa questão e argumenta que a venda
26
O lead é uma pequena introdução na matéria que apresenta um resumo das principais informações que devem
conter no texto, respondendo a seis perguntas básicas: “o que?”, “quem?”, “como?”, ”onde?”, “quando?” e “por
quê?”.
27
O copy desk é o redator especializado em enquadrar a narrativa do repórter nos cânones do jornalismo
informativo, editando e reescrevendo o texto original para se adaptar às novas exigências.
28
GOLDENSTEIN, op.cit., RIBEIRO, 2003, 2002 e 2007.
27
avulsa, as assinaturas e, inclusive, a publicidade, mesmo com o aumento desta na composição
da receita dos impressos, eram insuficientes para tornar os grandes jornais brasileiros
independentes dos favores políticos. Para ela, boa parte do sustento da grande imprensa vinha
de práticas clientelísticas, suborno e de chantagens, que os principais donos de jornais
empregavam para obter favores para si e para as suas empresas. Recurso semelhante era
utilizado até por jornalistas, que usavam dessas relações para complementar os baixos salários
e mesmo para enriquecer, conforme o exemplo do repórter dos Diários Associados, David
Nasser, citado pela autora.
Além disso, esta pesquisadora afirma que outros recursos poderiam servir de
instrumento para o Estado controlar os jornais, como o sistema de concessões públicas, as
quotas de papel e subsídios às importações, empréstimos, fiscalização e, por fim, a
publicidade oficial.
Tudo isso criava uma relação de forte imbricação e de subordinação do jornalismo ao
universo político, que nem a introdução do modelo norte-americano de imprensa comercial
teria condições de modificar. Na verdade, para Ana RIBEIRO, a relação próxima e promíscua
entre os jornais, o Estado e os grupos privados tornava os meios de comunicação muito
subordinados aos grupos de interesse, o que levou a um desvirtuamento do processo de
modernização da imprensa brasileira, fazendo com que
relações arcaicas, políticas muitas vezes baseadas em laços pessoais, interesses
imediatos, compadrios etc. , em certa medida, financiaram a modernização da
imprensa, fato que aponta para uma lógica bastante diferente daquela da IC nos
países capitalistas avançados, como os Estados Unidos.
29
Devemos considerar, no entanto, que interpretações desse tipo acabam tendo que se
basear em considerações muito genéricas, na medida em que faltam dados confiáveis sobre as
diversas relações que um jornal poderia estabelecer com os vários poderes sociais
simultaneamente. Muitas vezes, a principal fonte do pesquisador é o próprio depoimento dos
agentes envolvidos no processo, o que está longe de poder ser considerado como um relato
“objetivo” da realidade.
30
Além disso, como a própria análise de Ana RIBEIRO indica, as
possíveis fontes de pressão que poderiam se exercer sobre a produção de um jornal estão
longe de ser uniformes e unidimensionais. Mais do que isso, a própria descrição que a autora
faz desse universo nos permite compreender que tais pressões eram múltiplas e, por vezes,
29
RIBEIRO, 2003, p. 11.
30
Ana RIBEIRO, por exemplo, emprega muito os relatos de Samuel WAINER, cujo próprio envolvimento nos
temas em questão deve sempre nos servir de alertar para filtrarmos as suas opiniões e posições sobre essa
realidade.
28
contraditórias. Dessa forma, ela mesma alerta, por exemplo, no que se refere, ao poder de
“manipulação” do Estado sobre a imprensa, este não pode ser visto de forma linear, pois nem
mesmo a disponibilidade de todos os recursos evitou que os grandes jornais fizessem cerrada
oposição a Getúlio Vargas, em seu segundo governo.
1.2 Imprensa e política no Segundo Governo Vargas projetos em disputa
A imprensa é considerada um dos principais atores da cena política no Segundo
Governo Vargas, especialmente no que se refere ao seu desfecho trágico e prematuro. Muitos
defendem que um dos fatores de desestabilização do presidente esteve na forma como os
grandes jornais encheram as suas páginas com denúncias e acusações contra Getúlio, durante
a crise que antecedeu a sua queda.
31
Além disso, não é difícil encontrar na historiografia a
afirmação de que a maior parte destes jornais fez uma oposição sistemática e até intransigente
ao presidente, desde a campanha eleitoral até o fim de seu mandato.
32
Dentre os principais “conspiradores” da grande imprensa, normalmente cinco títulos
são os mais citados: Diário de Notícias (RJ), Correio da Manhã, O Estado de S. Paulo, O
Jornal e O Globo.
33
Chama atenção a homogeneidade deste universo, sugerindo padrões de
comportamento: nele predominam jornais da Capital Federal
34
e impressos classificados ou
autoidentificados como “liberais”.
35
Como veremos, esse predomínio não é casual.
31
Sobre essa enxurrada de acusações a Getúlio, podemos consultar: ABREU, Alzira. A. & LATTMAN-
WELTMAN, Fernando. Fechando o cerco: a imprensa e a crise de agosto de 1954. In: GOMES, Ângela (org.).
Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro : Relume-Dumará, 1994, RODRIGUES. Mônica S. Pelas Lentes da
Tupi: uma leitura do campo jornalístico no final da Era Vargas. Rio de Janeiro:UFRJ/IFCS, 1999 (mimeo),
SILVA, Hélio. 1954: Um tiro no coração. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1978, FERREIRA, Jorge. De
volta ao Catete: democracia, nacionalismo e crise política no governo Vargas (1951-1954). In: BAUM, Ana
(org.). Vargas, agosto de 1954: a história contada pelas ondas do rádio. Rio de Janeiro : Garamond, 2004 e
SODRÉ, 1983.
32
Esta interpretação está muito difundida na literatura especializada, mas encontra-se formulada de maneira
explícita em SILVA (1978) e SODRÉ (1983). Uma boa ilustração desta versão sobre a oposição intransigentes da
imprensa a Vargas foi dada por Samuel Wainer, que qualificou a postura dos grandes jornais a Getúlio como uma
“conspiração do silêncio”. Ver WAINER, Samuel. Minha razão de viver. 15. ed. Rio de Janeiro : Record, 1993,
p.142.
33
Este grupo não encerra todos os periódicos apontados como opositores ao regime varguistas, embora comporte
os jornais mais citados. Ademais, a “oposição” a Vargas não foi feita com a mesma intensidade ou sobre os
mesmos temas em todos eles. No geral, os três primeiros periódicos Diário de Notícias (RJ), Correio da
Manhã e O Estado de S. Paulo são apontados como os mais intransigentes com o governo, enquanto que ao
O Globo é atribuída uma posição moderada e ao O Jornal uma trajetória dúbia, que oscilava conforme a
mudança de interesses de seu proprietário, Assis Chateaubriand. Quando a isso, consultar ABREU &
LATTMAN-WELTMAN, 1994, op.cit..
34
Apenas o O Estado de S. Paulo não era publicado no Rio de Janeiro.
35
Escrevo o termo “liberal” entre aspas porque, como será esclarecido mais além, ele é bastante impreciso para
definir satisfatoriamente o alinhamento ideológico da imprensa brasileira na conjuntura em questão. Por ora,
29
Quando analisamos os motivos apontados para justificar essa oposição, são lembradas
causas políticas, tendo em vista que Vargas era visto como um ex-ditador, que, quando no
poder durante o Estado Novo, censurou a imprensa e perseguiu jornalistas. Além disso, era
acusado de ser populista e demagógico, sempre na expectativa de dar um novo golpe de
Estado.
36
Mas os pesquisadores apresentam outra séria razão que teria levado a esta forte
oposição: a diferença que separava e opunha Vargas e estes grandes jornais no que se refere à
condução da política econômica em seu governo.
Conforme esta explicação, Getúlio seria o portador de um programa econômico
nacionalista, que pregava ampla intervenção do Estado na economia e era hostil ao capital
estrangeiro, defendendo um desenvolvimento capitalista autônomo. Já a grande imprensa
defendia a não-intervenção estatal na economia e o máximo de liberdade ao fluxo de capital e
mercadorias. Essas medidas tornariam o país mais apto para atrair investimentos estrangeiros
e/ou se especializar na produção dos bens que lhe permitissem maiores vantagens no
comércio internacional, no caso, produtos primários. Mesmo variando em alguns pontos, nem
sempre conciliáveis, essa explicação teve grande guarida entre os especialistas do período,
sendo ainda hoje bastante aceita. Dessa maneira, iremos avaliá-la com mais detalhes.
A caracterização do Segundo Governo Vargas como nacionalista, anti-imperialista e
pregando um desenvolvimento autônomo será objeto de discussão no Capítulo II. Por hora,
iremos nos deter sobre a compreensão da imprensa como liberal e/ou contrária às bases do
programa de desenvolvimento de Getúlio.
Um dos primeiros pesquisadores a salientar a oposição programática entre Vargas e os
jornais foi Thomas SKIDMORE. Como veremos mais além, este brasilianista contesta o
“nacionalismo” do segundo mandato de Getúlio, mas, para ele, a grande imprensa brasileira
estaria filiada à corrente liberal ou neoliberal, na qual se encontravam também os economistas
desejo apenas ressaltar que a maior parte dos jornais citados, assim como o grosso da grande imprensa brasileira,
era identificada como sendo liberal. De qualquer maneira, iremos manter provisoriamente o termo liberal porque
ele restringe o universo dos grandes jornais brasileiros, na medida em que nem todos eram ou podiam ser
identificados como tal, na década de 1950. O caso mais evidente em relação a isso é dado pela Última Hora, de
Samuel Wainer. Mas, na própria amostra referida acima, o Diário de Notícias apresenta uma exceção, na
medida em que vinha construindo uma linha doutrinária mais próxima ao nacionalismo econômico (ver
CARVALHO Jr., Celso. A criação da Petrobras nas ginas dos jornais O Estado de São Paulo e Diário de
Notícias. Assis : Dissertação de Mestrado, mimeo, 2005 e PEREIRA JUNIOR, Dimas Sales. Diário de Notícias
na crise de 1955: Disputas políticas e práticas jornalísticas. Dissertação mestrado em História Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000). Apesar disso, o
Diário é classificado como liberal pelo DHBB, ao menos até 1956, o que deve ser colocado em dúvida, pois seu
envolvimento na campanha a favor do monopólio estatal do petróleo se dava desde 1948. ABREU, Alzira
Alves de et alli. (coord). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro: Pós 1930. 2. ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: CPDOC/FGV, 2001, 1851. Este dicionário, por ser de autoria múltipla, será agora referido como DHBB.
36
ABREU&LATTMAN-WELTMAN, 1994.
30
considerados “conservadores”, como Eugênio Gudin e Octavio Gouvêa de Bulhões,
empresários ligados ao comércio de importação, parte da oligarquia rural e os políticos da
UDN.
37
Conforme SKIDMORE, esta corrente estava centrada “na suposição de que o
mecanismo de preços deveria ser respeitado como a determinante principal da economia”.
Assim, medidas fiscais e monetárias, bem como a política de comércio exterior, seriam
obrigadas a seguir os princípios ortodoxos dos países centrais do capitalismo e
o capital estrangeiro deveria ser bem recebido e estimulado, como ajuda
indispensável para um país falto de capitais. (...) Esta autodisciplina aumentaria ao
máximo a mobilidade dos fatores e relegaria o Brasil ao seu papel econômico
natural, inevitável e inapelável, sob a lei inexorável de vantagem comparativa
38
Em consequência, os “neoliberais” seriam pouco entusiastas com os projetos
desenvolvimentistas que desejassem promover a industrialização acelerada do Brasil,
especialmente se este processo implicasse a ampliação da intervenção estatal na economia.
Conforme SKIDMORE, aliás, os grandes jornais adotariam esta postura não por idealismo
doutrinário, mas porque estavam associados aos empresários importadores, prejudicados com
a política de proteção da indústria nacional e de controle das importações de bens de
consumo, levada adiante por Vargas.
39
Outro historiador que apresenta uma interpretação semelhante é Nelson Werneck
SODRÉ em seu livro, hoje clássico, História da Imprensa do Brasil, o qual ainda serve como
referência a pesquisas acadêmicas mais recentes.
40
Em linhas gerais, SODRÉ, mesmo
apresentando algumas dúvidas quanto à plena identificação de Getúlio com o
“nacionalismo”,
41
defendeu que os grandes jornais brasileiros fizeram uma verdadeira
campanha contra o governo Vargas porque este levou adiante medidas que favoreciam a
independência econômica do Brasil e contrariavam os interesses do imperialismo como o
projeto de monopólio estatal do petróleo e a lei que limitava a remessa de lucros das empresas
37
Ver SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 11. reimp., Rio de
Janeiro : Paz e Terra, 1996.
38
SKIDMORE, op.cit., p. 118.
39
SKIDMORE faz essa generalização, mas, em seu texto, cita diretamente apenas dois jornais: “As principais
cadeias de jornais que apoiavam este ponto de vista eram O Globo (de propriedade da família Marinho,
intimamente ligada ao grupo de negociantes e importadores portugueses no Rio de Janeiro), e o vasto império
editorial de Assis Chateaubriand, os Diários Associados” (op.cit., p.118).
40
Entre outros exemplos, podemos citar a dissertação de mestrado de RODRIGUES, op.cit. e HAUSSEN, Dóris.
Rádio e Política: Tempos de Vargas e Perón. 2 ed. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2001, que aborda o uso do rádio
por Vargas e Perón.
41
SODRE, 1983, p. 398-399 e 401.
31
estrangeiras.
42
Para o autor, o alinhamento dos grandes jornais aos interesses do capitalismo
internacional era uma decorrência de sua organização como empresas capitalistas e, portanto,
voltadas para a busca do lucro econômico.
43
Conforme vimos anteriormente, SODRÉ
localizava a transição de um jornalismo político para um jornalismo comercial ainda no início
do século XX. Isso implicava, na posição do autor, que a grande imprensa já fosse dependente
da publicidade para o seu financiamento, nos anos 50. Considerando que a maior parte dessa
publicidade vinha das corporações internacionais que vendiam produtos no Brasil, a
conclusão era óbvia: a grande imprensa brasileira se tornara porta-voz do imperialismo, que
controlava a sua linha editorial ao financiar as suas atividades.
Essa situação de dependência estrutural determinava o conteúdo dos jornais
brasileiros, fazendo com que as bandeiras “antinacionais” defendidas por eles não
decorressem de suas próprias opções ideológicas mas fossem impostas pelas agências de
publicidade.
44
No caso do Segundo Governo Vargas, isso levou a uma verdadeira ação
conspirativa dos grandes jornais contra Getúlio e todas as demais forças identificadas com o
“nacionalismo”, “pela necessidade de serem concedidas (...) facilidades para o
desenvolvimento dos negócios dos monopólios, em nosso país”.
45
Vemos, assim, que a abordagem de SKIDMORE e SODRÉ apresenta uma
discordância no que se refere à origem da oposição da imprensa ao governo de Getúlio: para o
primeiro autor, era o vínculo dos grandes jornais com o comércio importador, enquanto, para
o segundo, era a subordinação direta ao capital estrangeiro (imperialismo). Entretanto, ambas
as explicações têm como pano de fundo o mesmo eixo, ou seja, a oposição intransigente dos
grandes jornais ao governo Vargas tinha como base a contrariedade com a política
desenvolvimentista e/ou intervencionista do governo do presidente.
Nos anos 80, em uma obra geral sobre a imprensa brasileira abordando o período entre
1930 e 1985, André de SEGUIN DES HONS seguiu um caminho semelhante ao desses
autores, embora mais ao de SODRÉ, pela filiação marxista. Para ele, uma das causas
“cruciais” da oposição dos grandes jornais “conservadores” ao governo se deu pela “questão
42
Como explica o autor, no caso do petróleo: “O imperialismo cedo percebeu que era imprescindível liquidar a
parcela nacionalista da política de Vargas. Para isso, montou, à base das agências de publicidade, gigantesca e
persistente campanha antinacionalista, visando impossibilitar a solução estatal do petróleo”. Disso resultou uma
extraordinária “campanha da imprensa (...) mobilizada pelas agências de publicidades norte-americanas” contra
os defensores do monopólio estatal do petróleo (SODRÉ, op.cit., pp. 400-401).
43
Conforme veremos mais além, essa interpretação de SODRÉ é bem semelhante ao modelo desenvolvido por
HABERMAS.
44
SODRÉ, idem, p. 398.
45
SODRÉ, ibidem., p. 403.
32
da nacionalização que agitou a imprensa durante quase três anos”.
46
Nesse conflito, o pesquisador cita a questão em torno da lei de restrição do reenvio de
capitais estrangeiros, de 1952, e os projetos propondo a criação da Petrobras e da Eletrobrás.
Iremos trabalhar com esses temas nos capítulos seguintes, mas aqui importa apontar a
afirmação de DES HONS segundo a qual a grande imprensa fez forte oposição ao decreto
sobre os investimentos estrangeiros, obrigando o governo a recuar em seus propósitos e
estabelecer uma legislação menos limitadora do que gostaria. Em relação à Petrobras, afirma
que, “se a maioria da imprensa aceitava a criação de uma empresa nacional destinada a
explorar o petróleo brasileiro (...), os cotidianos conservadores atacaram violentamente certos
aspectos do projeto”, sem deixar bem claro quais foram os itens contestados. Em relação à
parcela da imprensa que ficou ao lado do governo, o autor lembra alguns grandes jornais
“sociais-democratas”, citando o Diário de Notícias e o Diário Carioca, e a “pequena
imprensa política de opinião”. O resultado dessa pressão contra Vargas teria sido um projeto
de monopólio limitado, devido às resistências que as multinacionais e o capital privado,
escudados pela “imprensa conservadora”, teriam feitos ao programa.
As pesquisas mais recentes relativas ao conflito entre Vargas e a grande imprensa não
tem elegido o posicionamento dos jornais frente à política econômica de Getúlio como objeto
de análise. Temos, no máximo, estudos que abordam, muito rapidamente, um ou outro ponto
particular do programa do Executivo, mas com o objetivo geral de observar o comportamento
político dos impressos.
47
Quando encontramos menção ao tema da orientação econômica, é
apenas em rápidas passagens e normalmente reproduz a estrutura da argumentação exposta
acima. É o que podemos observar na pesquisa de Ana RIBEIRO sobre a modernização do
jornalismo brasileiro nos anos 50. Este trabalho não tem como o foco a relação entre os
grandes jornais e o governo Vargas e nem o seu programa econômico. Mas, quando se refere
ao assunto, também coloca as diferenças nesta questão como uma das bases da postura
oposicionista da imprensa contra Getúlio. Depois de afirmar que as diversas crises que
desestabilizaram o governo “tiveram na imprensa o seu principal locus”, comenta o seguinte,
46
SEGUIN DES HONS, op.cit., 82.
47
Quanto a isso, ver LAURENZA, Ana M. A.. Lacerda x Wainer: o Corvo e o Bessarabiano. 2 ed., São Paulo :
Ed. SENAC, 1998, e SARETTA, F. . O Jornal O Estado de São Paulo e Getúlio Vargas: política e economia
(1951-1954). In: IX Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Política, 2004, Uberlandia. ANAIS
DO IX ENCONTRO NACIONAL DA SOCIDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA POLITICA. Uberlandia,
2004. v. 1. p. 1-20. A maioria dos trabalhos mais recentes sobre a imprensa do período se dedica a abordar
aspectos formais do jornalismo da década de 1950 (como ABREU&LATTMAN-WELTMAN e RIBEIRO, 2003)
ou a posição da imprensa frente aos acontecimentos que culminaram na crise política de 1954 (neste caso,
podemos citar RODRIGUES, 1999, ABREU&LATTMAN-WELTMANN,1996, e ALMEIDA, Paulo Renan
de. Perón Vargas Ibáñez : pacto ABC: raízes do Mercosul. Porto Alegre : EDIPUCRS, 1998).
33
sobre o período JK:
A relativa estabilidade do governo de Juscelino pode ser associada à adesão que ele
recebeu de parte da imprensa liberal e conservadora. Muitos órgãos antigetulistas
aderiram, ou pelo menos não se opuseram, radicalmente, a JK. (...) O crescimento
econômico-industrial favoreceu também a relativa tranquilidade do mandato de
Kubitschek. A própria questão do nacionalismo, colocada durante o governo Vargas
em termos de anti-imperialismo e restrição do capital estrangeiro, foi amenizada
pelo desenvolvimentismo. A imprensa diária, aliás, cedia um grande espaço a
intelectuais do ISEB. As realizações econômicas do governo eram manchetes de
primeira página.
48
Em suma, vemos aqui, novamente, mesmo que de forma um pouco indireta, a
aceitação implícita da tese segundo a qual uma das causas básicas da oposição intransigente
da grande imprensa carioca ao governo Vargas estava no liberalismo da imprensa versus o
nacionalismo e o anti-imperialismo do presidente.
Entretanto, uma das questões que chama a atenção, tanto nos trabalhos que defendem
esta interpretação quanto naqueles que a aceitam, está na falta de suporte empírico que seja
capaz de sustentá-la. SODRÉ baseia-se em impressões gerais sobre o comportamento dos
jornais e em relatórios parlamentares que denunciavam a forte presença da publicidade
estrangeira no seu financiamento, o que surpreende em se tratando de um livro dedicado
exclusivamente à análise da imprensa. Além disso, os demais trabalhos que aceitaram ou
endossaram esta explicação igualmente não a submeteram a uma pesquisa sistemática. Ela
simplesmente foi acolhida como um pressuposto sobre o qual não cabem dúvidas ou
questionamentos maiores.
Esta lacuna, em si mesma, justificaria um exame mais acurado, ao menos para
confirmar uma interpretação tão largamente aceita. Porém, temos motivos mais fortes para
considerar essa investigação necessária, tendo em vista as próprias insuficiências que tal
explicação comporta.
Um “ponto cego” que ela apresenta é o que diz respeito ao próprio entendimento das
posições doutrinárias defendidas pelos jornais na conjuntura em questão, como podemos ver
na citação de Ana RIBEIRO. De um lado, aceitasse que a imprensa seja “liberal” ou mesmo
“neoliberal” e que, por isso, teria se oposto ao programa econômico de Vargas. Ao mesmo
tempo, afirma-se que esta grande imprensa foi mais tolerante com o governo JK por este ter
adotado o desenvolvimentismo e não o nacionalismo de Vargas.
Bem, não cabe, no escopo deste trabalho, abordar as possíveis continuidades e
diferenças entre os programas econômicos desses dois governos, embora deva-se ressaltar
48
RIBEIRO, 2007, 45-47
34
que, um bom tempo, os especialistas no assunto têm apontado mais permanências do que
rupturas entre ambos.
49
O que pretendemos chamar a atenção é que, como será detalhado no
capítulo seguinte, existia, na conjuntura dos anos 50, uma significativa diferença entre a visão
desenvolvimentista e a liberal no que se refere às principais alternativas de desenvolvimento
econômico brasileiro, que envolvia, como salientou bem SKIDMORE, questões relativas ao
papel do Estado e do capital estrangeiro nesse processo. Dessa maneira, fica uma séria
dúvida: ou os jornais trocaram significativamente de posição ou algo de inadequado nesta
explicação.
Uma solução possível a esta dúvida talvez passe pelo próprio questionamento sobre
até que ponto é adequado ou suficiente sustentar a classificação desses jornais como liberais,
especialmente quando consideramos que ser liberal, nesse período, do ponto de vista da
doutrina econômica, implicava em uma forte oposição à intervenção do Estado no livre fluxo
de mercadorias e capitais e na promoção do desenvolvimento econômico.
Nosso objetivo com esta discussão não é denunciar a falsidade ou a inadequação do
liberalismo associado ou professado pelos jornais diante de suas verdadeiras tomadas de
posição. O que desejamos é perguntar se, na conjuntura brasileira de 1950, a identificação
genérica de um jornal como liberal é suficiente para indicar o conteúdo de seu programa
econômico, dispensando-nos do trabalho de submeter suas reais tomadas de posição a uma
avaliação mais sistemática? Especialmente quando consideramos que a aceitação dessa
classificação deriva não de pesquisas específicas sobre essas tomadas de posição mas da
própria forma como esses jornais se autorrepresentavam.
Quanto a isso, é necessário recordar que liberal e liberalismo são termos com
múltiplos sentidos, muitas vezes em contradição entre si, como é o caso da divisão entre uma
corrente política defensora dos direitos individuais, das minorias e do regime democrático, e
uma corrente econômica mais preocupada em pregar as benesses do mercado.
50
Além disso, a
49
Com abordagens opostas, isso aparece em FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Nacionalismo e Economia: o
segundo governo Vargas. In: SZMRECSÁNYI, Tamás & SUZIGAN, Wilson (org.) História Econômica do
Brasil Contemporâneo. 2ª. edição. São Paulo HUCITEC/Associação Brasileira de Pesquisadores em História
Econômica/Editora da Universidade de São Paulo/Imprensa Oficial, 2002 e LESSA, Carlos & FIORI, José Luis.
Relendo a política econômica: as falácias do nacionalismo do Segundo Vargas. Rio de Janeiro: Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia Industrial, 1983, Texto para Discussão n
o
. 30.
50
Termos como liberal e liberalismo têm uma longa trajetória no mundo ocidental, apresentando diferentes
vertentes. Um bom histórico do conceito e de suas diferentes acepções pode ser encontrado no verbete
liberalismo, redigido por Nicola MATTEUCCI e publicado em BOBBIO, Norberto (org.) Dicionário de Política.
Brasília : Editora da Universidade de Brasília, 11ª. edição, 1998. páginas 686-705). Também, pode-se consultar
BOBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo : Editora Brasiliense, 1988. Para uma visão clássica do
liberalismo, ver MISSES, Ludwig. Liberalismo segundo a tradição clássica. Rio de Janeiro : José Olympo
Instituto Liberal, 1987, ROSANVALLON, Pierre. O liberalismo econômico. História da ideia de mercado.
Bauru: Edusc, 2002 e MERQUIOR, José Guilherme. O liberalismo : antigo e moderno. Rio de Janeiro: Nova
35
penetração do liberalismo no Brasil exigiu muitas adaptações, tendo que conviver com
instituições e procedimentos incompatíveis com as suas definições originais, como a
escravidão e o compadrio. Situação paradoxal que levou um autor a considerar a adoção dos
princípios liberais pela elite brasileira como “ideais fora do lugar”
51
.
Desta maneira, parece justo suspeitar que a autoidentificação de um jornal como
liberal não esclarece necessariamente sobre seu alinhamento às proposições ortodoxas em
economia, podendo gerar confusões. Este é o caso do jornal O Estado de S. Paulo,
seguidamente classificado como liberal, pela historiografia. Mas quando SARETA submeteu
as tomadas de posição econômica do jornal no Segundo Governo Vargas demonstrou que o
Estadão pregou, de forma contundente, o desenvolvimento industrial brasileiro através de
uma intervenção ativa do Estado na proteção da indústria nacional.
52
Também defendeu as
medidas restritivas adotadas por Vargas para controlar o fluxo de capital e o comércio
exterior.
53
Por estas posições, o Estadão se distanciava muito da condição de um simples
defensor das ideias liberais ou mesmo neoliberais no período, da mesma forma que parece não
ter exercido o papel de simples instrumento de defesa dos interesses ligados aos setores
tradicionais da economia (burguesia compradora e grandes produtores rurais) ou ao
imperialismo.
54
Tudo isso, aliás, fez com que SARETA evitasse classificar o jornal como
“liberal”, preferindo a categoria de “desenvolvimentismo não nacionalista”, proposta por
Ricardo BIELSCHOWSKY.
55
Este autor justifica esta posição do jornal bandeirante, à
primeira vista surpreendente, afirmando que ela nada tinha de excepcional ou adesismo ao
governo, mas refletia os compromissos deste impresso com a burguesia paulista, a grande
Fronteira, 1991.
51
A interpretação do liberalismo no Brasil como uma ideia fora do lugar foi feita por SCHWARZ, R. As ideias
fora do lugar. Estudos Cebrap 3. São Paulo, Cebrap, 1973. Para a crítica dessa interpretação, ver BRESCIANI,
M. S. M. O charme da ciência e a sedução da objetividade. Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. 1a. ed.
São Paulo: Editora UNESP, 2005. v. 1., e CAPELATO, Maria Helena Rolim. Os arautos do liberalismo:
imprensa paulista, 1920 1945. São Paulo: Brasiliense, 1989, pp 14-18).
52
SARETTA (op.cit.).
53
Segundo SARETA, sobre a política de comércio exterior de Vargas, para o Estadão “não havia grandes
discordâncias quanto à forma de enfrentar as dificuldades da área externa, do forte controle que as autoridades
teriam que exercer sobre a cessão das escassas cambiais. (...) se viu ao longo destas linhas que o periódico se
batia a favor do protecionismo para a indústria” (op.cit. p.12)
54
Além de afirmar que o “o OESP se manifestava claramente favorável à Industrialização”, SARETA ressalta
que não havia “críticas quanto à política de concessão de divisas baseadas no critério de essencialidade” que
favorecia as atividades industriais. “Não entre os editoriais compulsados qualquer defesa dos setores que se
prejudicavam com esta transferência, como foi o caso da agricultura de exportação” (op.cit, p.08).
55
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimento. 4.
ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.
36
beneficiada com o desenvolvimento industrial obtido com a política econômica de Vargas.
56
A análise de SARETA nos coloca uma segunda questão: estaria a grande imprensa
carioca, liberal e contrária ao programa de desenvolvimento de Vargas, ao defender os
interesses do capital internacional e/ou dos comerciantes importadores, opondo-se à grande
parte da burguesia industrial brasileira interessada nos resultados da política econômica de
Getúlio? Ou a saída a esta questão estaria em interpretações como a apresentada por SÉGUIN
DES HONS, para quem a “crise” do Segundo Governo de Vargas se reduziu, no final, a uma
“luta de classe”, onde “o antagonismo de interesses entre as classes populares e urbanas e a
burguesia industrial se impôs progressivamente como linha dominante do conflito”.
57
Como
veremos, interpretações desse tipo parecem não ser mais aceitáveis no atual estado das
pesquisas sobre a política econômica varguista e a constelação de interesses que ela poderia
atender ou não.
Podemos notar, assim, que a classificação genérica como “liberal” pode não ser
necessariamente adequada ou suficiente para dar conta do posicionamento dos grandes jornais
brasileiros diante das principais questões da política econômica nacional no período, sem que
façamos uma pesquisa empírica específica a respeito do tema. Em outras palavras, ainda
precisamos de estudos mais acurados sobre qual foi a verdadeira tomada de posição desses
jornais frente às propostas de desenvolvimento que se colocavam para o Brasil.
Outro ponto essencial que nos leva a colocar em dúvida o tipo de interpretação
apresentada por SODRÉ e aceita por boa parte da historiografia, diz respeito ao modelo de
compreensão do papel político dos jornais, cujos pressupostos são muito difundidos nas
pesquisas de comunicação no Brasil. Como vimos, na análise de SODRÉ, os jornais aparecem
como meros instrumentos de defesa dos interesses econômicos daqueles que os dominam,
função que seria exercida pelo forjamento consciente de uma representação falsa da realidade
a fim de ludibriar a “opinião pública”.
58
Vamos procurar avaliar um pouco melhor essa visão, que tem no marxismo a sua
56
O que leva SARETA a afirmar que “as críticas do jornal (o Estadão) ao governo federal são muito mais de
natureza política e administrativa do que relativas à economia e à política econômica” (op.cit., 8).
57
SÉGIN DES HONS, op.cit., p. 84.
58
SODRÉ nos oferece diversos exemplos dessa visão. Sobre a imprensa brasileira em 1950, o autor afirma: “A
época é das grandes corporações que manipulam a opinião, conduzem as preferências, mobilizam os
sentimentos. Campanhas gigantescas, preparadas meticulosamente arrasam reputações, impõem notoriedades,
derrubam governos” (1983:385). Ao referir-se à ação da imprensa contra Vargas, o autor emprega termos como
“mistificação” (ibid.,p.398), “ludibriar a opinião pública” (ibid.,p.402), “blitz publicitária, que abalou o país,
entorpeceu a opinião” (1983:404) ou ainda “ofensivas publicitárias (....) rigorosamente planejadas e
desenvolvidas” (ibid.,p.405).
37
matriz teórica, mas cujas questões colocam problemas importantes que ultrapassam as
discussões em torno do aporte de Marx e seus seguidores, abrangendo determinadas formas
de abordar a imprensa e a sua relação com o universo econômico, social e político.
O ponto inicial da nossa análise será um pressuposto muito difundido nos estudos de
comunicação e que Afonso ALBUQUERQUE classifica como “paradigma da manipulação da
notícia”,
59
o qual pode ser resumido da seguinte maneira: partindo-se da constatação de que a
imprensa apresenta uma visão que se considera parcial ou distorcida da “realidade”, conclui-
se obrigatoriamente que isto foi resultado da manipulação consciente da informação com vista
a atender aos interesses superiores que se impuseram sobre os jornais. SODRÉ nos oferece
vários exemplos deste paradigma,
60
que, segundo ALBUQUERQUE, é ainda hegemônico nos
estudos de comunicação no Brasil.
61
Não se trata, aqui, de negar a possibilidade da manipulação de informações pela
imprensa, mas sim de contestar que a apreensão da realidade social por parte dos meios de
comunicação possa ser prioritariamente reduzida a esta prática. As leituras baseadas
exclusivamente na ideia da ação manipulativa oferecem uma visão muito redutora do
processo comunicacional: além de conceber o receptor como alguém que aceita passivamente
a representação forjada do real como o próprio real, ela pressupõe um emissor dotado de
plena clarividência dessa realidade, capaz de manipulá-la a fim de forjar este real falsificado.
Além disso, essas leituras tendem a compartilha um pressuposto, que podemos resumir na
chamada “teoria da conspiração”, ou seja, a ideia segundo a qual os grandes jornais, por
estarem submetidos ao poder econômico ou político, agem de forma coordenada e consciente
na defesa dos interesses que se impõem sobre eles. Essa concepção é constante na obra de
SODRÉ, que frequentemente se refere à imprensa como uma unidade fechada, cuja ação na
defesa dos interesses dominantes da sociedade ocorre de forma orquestrada e consciente. Mas
é também muito comum nos estudos de comunicação e, especialmente, nas interpretações
59
ALBUQUERQUE, Afonso. Manipulação editorial e produção da notícia: dois paradigmas da análise da
cobertura jornalística da política. In: RUBIM; BENTZ; PINTO (org.). Produção e recepção dos sentidos
midiáticos. Rio de Janeiro; Petrópolis : Vozes, 1998, p. 9. Um exemplo clássico de emprego desse pressuposto
pode ser encontrado no trabalho de CAPELATO, onde se define diretamente a imprensa como “instrumento de
manipulação de interesse” (ver CAPELATO, op.cit., p. 12).
60
Sobre a imprensa brasileira em 1950, o autor afirma: “A época é das grandes corporações que manipulam a
opinião, conduzem as preferências, mobilizam os sentimentos. Campanhas gigantescas, preparadas
meticulosamente arrasam reputações, impõem notoriedades, derrubam governos” (1983:385). Expressões como
“mistificação” (ibid., p.398) e “ludibriar a opinião pública” (ibid., p.402) são comuns em sua obra.
61
Sobre o uso da manipulação na teoria hipodérmica e sua crítica, ver WOLF, Mauro. Teorias da comunicação
de massa. Leitura e crítica. São Paulo : Martins Fontes, 2003, p. 3 e 136, e sobre a crítica ao emprego dessa
noção pelo marxismo, especialmente a Escola de Frankfurt, ver THOMPSON, John B. Ideologia e cultura
moderna: teoria social critica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis : Vozes.1995, p.11.
38
sobre o Segundo Governo Vargas, onde “a grande imprensa”, por exemplo, acaba surgindo
como uma entidade única, com unicidade de vontade e de ação, e não composta por diversos
jornais que podem ter interesses distintos e formas diversificadas de compreender e se
posicionar frente à realidade social.
62
De outra parte, ao centrar a sua análise apenas ou essencialmente na manipulação, o
pesquisador descarta outras variáveis que podem interferir nesse processo de apreensão e
representação da realidade, das quais gostaríamos de salientar duas.
Primeiro, as regras, valores e rotinas da atividade jornalística imperantes em certo
momento por exemplo, a valorização do “furo”, do ineditismo e imediatismo da notícia, da
exclusividade, no jornalismo contemporâneo. Conforme muitos estudos, estas regras e valores
normalmente interferem, na forma como o jornalista seleciona e organiza os dados daquilo
que reporta, através de critérios e conceitos incorporados na sua própria experiência ou
formação profissional, sem serem resultados obrigatórios de ações conscientes manipulativas.
Conforme Mário WOLF, as chamadas “rotinas profissionais” e os “valores compartilhados e
interiorizados sobre as modalidades de desempenhar o ofício de informar” afetam a produção
jornalística de forma tão ou mais poderosa que a manipulação consciente, dando origem ao
que a bibliografia em comunicação classifica como “distorções involuntárias”.
63
Segundo, as categorias sociais de apreensão da realidade, nos termos de BOURDIEU,
as “visões de mundo”, em termos gramscianos, a ideologia, conforme pensada por muitos
autores marxistas e até mesmo o imaginário social empregado por pesquisadores como
BACSKO: todos esses conceitos, apesar de diferentes e contraditórios entre si, ao serem
aplicados na análise dos meios de comunicação, pressupõem a existência de atividades de
seleção e organização narrativa da realidade anteriores e mais “profundas” do que a
manipulação consciente, as quais exercem um papel fundamental na forma como esses meios
representam esta realidade, não podendo ser, assim, negligenciados.
64
62
Quanto a isso, SODRÉ seguidamente se refere à ação da imprensa contra Vargas falando em “blitz publicitária,
que abalou o país, entorpeceu a opinião” (1983:404), ou também em “ofensivas publicitárias (....) rigorosamente
planejadas e desenvolvidas” (ibid.,p.405). O mesmo pode ser encontrado em outros autores. D´ARAÚJO, sem os
exageros de SODRÉ, oferece-nos um exemplo disso quando afirma: “ao nível ideológico, é através da grande
imprensa que se expressam fundamentalmente às críticas dirigidas à política de Vargas. É através dela que as
insatisfações e divergências dos grupos dominantes ganham ressonância, transformando os grandes jornais em
núcleos poderosos da resistência ao governo”. (D‟ARAUJO, Maria Celina. O Segundo Governo Vargas (1951-
1954): Democracia, Partidos e Crise Política. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1982, p. 25).
63
WOLF, op.cit., 189. Ver, igualmente: ALSINA, Miquel Rodrigo. La COnstrucción de la Noticia. Paidós
Comunicación : Barcelona, 1989.
64
Iremos trabalhar com mias detalhe com alguns desses conceitos, posteriormente e, por agora, não é necessário
avaliar as suas diferentes interpretações sobre o processo de seleção e organização da realidade, mas apenas
salientar que ele não passa obrigatoriamente por uma ação consciente do sujeito. Quanto a isso, ver:
CHAMPAGNE, op.cit., BOURDIEU, Pierre. L´Emprise du journalisme. La Recherche en Sciences Sociales,
39
Quanto a este ponto, por agora, iremos nos deter na análise de como o marxismo tem
oferecido respostas para esta questão, em outras palavras, como vem sendo compreendida, no
interior dessa teoria, a relação entre interesse e ideologia na abordagem dos meios de
comunicação, a fim de avaliarmos melhor as interpretações que levantamos anteriormente.
Vejamos, em primeiro lugar, com mais detalhe a noção de interesse. Devemos recordar
que a maior parte dos pesquisadores que empregam o conceito de imprensa como instrumento
de manipulação ou de defesa de interessesrefere-se às demandas imediatas dos “donos” ou
“financiadores dos jornais”. Entretanto, dentro do próprio marxismo existe uma distinção
analítica relevante entre os interesses derivados das demandas imediatas e conscientes dos
membros da classe dominante e aquilo que é considerado como os interesses objetivos dessa
classe na manutenção das relações de produção assimétricas na sociedade, que se imporiam a
todos os “dominantes”, mesmo que não tenham consciência disso.
65
Essa diferença é importante porque dela decorrem duas formas distintas de
compreender a função dos meios de produção simbólica e sua relação com os grupos
dominantes. Em uma delas, a defesa do interesse dos dominantes é entendida como uma
pressão direta sobre os meios de comunicação e a sua função é vista como se houvesse uma
ação orquestrada e conspirativa para atingir esse fim. Na outra, a ação dos sistemas
simbólicos é funcional e não passa necessariamente pela manipulação, mas pela reprodução
de valores e normas adequados à manutenção da ordem social, retirando o peso explicativo
das pressões diretas e, assim, da conspiração. É nessa última concepção que se encaixa o
conceito de ideologia.
As duas formas de ver o problema não são sempre compatíveis, mas, muitas vezes, são
confundidas na mesma análise. A primeira concepção representa o modelo mais simples de
compreender a relação entre a imprensa e os grupos sociais, políticos e econômicos e,
consideramos lícito afirmar, provavelmente é a mais empregada. Dela deriva a concepção
muito difundida de que a inserção dos meios de comunicação na esfera pública se daria
essencialmente pela condição de porta-voz de grupos sociais que os financiam. Não se trata,
aqui, de negar que a imprensa possa cumprir esse papel, mas de alertar para o excesso de
reducionismo ao se limitar a sua inserção no debate público apenas a uma condição
Actes, n. 101-102, p. 3-9, mar. de 1994, BOURDIEU, Pierre. Sobre a Televisão. Rio de Janeiro : Jorge Zahar
Editor, 1997, BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: Enciclopédia Einaudi, s. 1. Lisboa: Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, Editora Portuguesa, 1985, p. 403 e ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de
estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de estado. 9. ed. Rio de Janeiro : Graal, 2003.
65
Conforme LACLAU, Ernesto. Política e ideologia na teoria marxista: capitalismo, fascismo e populismo. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1978, pp. 57-86.
40
meramente passiva, reflexiva ou subordinada aos poderes constituídos da sociedade.
Quanto a isso, a segunda concepção da noção de interesse parece nos dar uma resposta
mais satisfatória, na medida em que envolve o conceito de ideologia. Dentro do marxismo,
porém, há uma grande variedade de definições diferentes para ideologia e a sua relação com a
defesa dos “interesses” da classe dominante, o que leva inclusive ao questionamento se
estamos tratando de um ou de vários conceitos. Como ressaltam Terry EAGLETON
66
e John
TOMPSON
67
, o termo ideologia é bastante polissêmico, sendo empregado em sentidos não
só distintos mas também contraditórios.
68
Para a nossa análise, vamos nos deter na formulação desse conceito apresentada por
Louis ALTHUSSER porque, além de ter sido uma das mais empregadas na avaliação dos
meios de comunicação, consideramos que a forma como este filósofo se preocupou em
responder questões centrais relativas ao nosso objeto em estudo permite tirar conclusões
interessantes quanto ao emprego da noção de ideologia, tanto por suas possibilidades
analíticas, quanto por seus limites.
O conceito de ideologia de ALTHUSSER não é propriamente original, na medida em
que também se baseou nos escritos de Gramsci.
69
Ao introduzir a sua noção chave de
Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), o filósofo francês desejou, seguindo o italiano,
incorporar na teoria marxista a ideia de que o processo de dominação social nas sociedades
ocidentais não estava apenas localizado no controle sobre o Estado, cujos aparatos (militar-
66
EAGLETON, Terry. Ideologia: uma introdução. São Paulo : UNESP, 1997.
67
THOMPSON, op.cit.
68
Thompson, por exemplo, faz uma distinção entre duas variantes gerais do emprego na noção de ideologia: uma
“neutra”, onde a ideologia seria compreendida como uma ideia ou um programa sem ter nenhuma relação com o
processo de dominação social, e outra negativa ou crítica, ou seja, quando se aplica esta categoria para se fazer
uma avaliação condenatória de um sistema simbólico qualquer. Nesse caso, para o autor, “o conceito de
ideologia pode ser usado para se referir às maneiras como o sentido (significado) serve, em circunstâncias
particulares, para estabelecer e sustentar relações de poder que são sistematicamente assimétricas que (ele
chama) de relações de dominação. Ideologia, falando de uma maneira mais ampla, é sentido a serviço do poder
(THOMPSON, op.cit., p.16). Em relação à variação de sentidos do termo no marxismo, EAGLETON apresenta,
apenas em Marx, quatro sentidos diferentes da ideologia e/ou de seu papel na dominação: “A ideologia pode
denotar crenças ilusórias ou socialmente desvinculadas que se vêem como fundamento da história e que,
distraindo os homens e mulheres de suas condições sociais efetivas (...) servem para expressar um poder político
expressivo (IDEOLOGIA ALEMÃ). (...) Por outro lado, a ideologia pode designar idéias que expressam os
interesses materiais da classe social dominante e que são úteis na promoção de seu domínio (IDEOLOGIA
ALEMÃ) (...). Finalmente, a ideologia pode ser ampliada para abranger todas as formas conceptuais em que é
travada a luta de classe como um todo, o que, presumivelmente, incluiria a consciência válida das forças
politicamente revolucionárias (op.cit., p.82
)
. A essa três definições, EAGLETON ainda acrescenta uma quarta, na
qual a dominação de classe está fundamentada não em ideias mas no próprio mecanismo do sistema capitalista,
através do conceito de fetichismo da mercadoria. Nesse caso, os sujeitos sociais aderem inconscientemente à
lógica do sistema capitalista a partir do momento em que aceitam e se submetem à lógica da mercadoria (idem,
p. 83).
69
O autor italiano definiu ideologia como sendo “uma concepção do mundo implicitamente manifesta na arte, no
direito, na atividade econômica e em todas as manifestações da vida individual e coletiva” (GRAMSCI, Antônio.
Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 328).
41
burocrático) voltavam-se mais para a coerção. Ao contrário, esse processo de dominação tinha
como campo de atuação essencial um conjunto de instituições privadas (escola, igreja, meios
de comunicação, etc.), nas quais eram difundidos e inculcados os sistemas de valores
necessários à manutenção do sistema capitalista (1985, p. 72). Nesse ponto, ALTHUSSER
desenvolvia o conceito gramsciniano de Estado Ampliado, que associava tanto o aparato
estatal repressivo quanto à sociedade civil (aparatos privados de hegemonia) na construção
consenso.
70
Com esse objetivo, ALTHUSSER fez uma forte crítica ao conceito tradicional de
ideologia que separava, de uma forma muito rígida, o universo da superestrutura ideológica e
o da infraestrutura material. O filósofo francês censura em Marx o seu apelo a esta metáfora
da superestrutura e da infraestrutura para oferecer uma descrição da articulação entre a base
material e o ideológico,
71
argumentando que a ideologia é um elemento essencial da
constituição do social, agindo em todas as áreas e em todos os espaços da sociedade. Dessa
maneira, ela não é fundamental para a dominação dos excluídos como também para a
própria formação dos dominantes enquanto classe social. Sem ideologia, o sistema não se
constitui e muito menos se reproduz, e seu local de construção e de incorporação está nesses
diversos espaços sociais constituídos pelos AIE, dentre os quais encontramos os meios de
comunicação.
Essa posição leva ALTHUSSER a condenar também no “jovem” Marx e, em especial,
no texto A Ideologia Alemã, o desenvolvimento de uma noção negativa de ideologia
“concebida como pura ilusão” e, assim, como uma derivação da vida material (1985, p. 83).
Também faz este autor criticar em Marx a definição da ideologia como falsa consciência
(1997, p. 83). Ver a ideologia como falsa consciência era pensá-la nos termos da filosofia do
Sujeito clássico, opondo a falsa consciência (ideologia) à consciência verdadeira (do Sujeito
livre) e à realidade que esta ideologia desejava falsear. Uma das inovações do pensamento de
ALTHUSSER foi exatamente contestar essa noção, afirmando que a ideologia é uma visão do
mundo, uma representação, que não é falsa nem verdadeira porque não existe visão que não
70
Vemos, assim, que se constitui um equívoco afirmar que ALTHUSSER tenha defendido uma supervalorização
do Estado no controle social ou mesmo uma espécie de estatização das instituições privadas burguesas. Ao
contrário, a definição de AIE não se refere a uma propriedade ou controle do Estado sobre o privado ou
sociedade civil. Estes Aparelhos Ideológicos privados seriam “de Estado” (e não “do” Estado) pela função que
exerceriam na dominação social, divulgando e inculcando uma ideologia adequada aos interesses da classe
dominante. Ademais, a ênfase dada por ALTHUSSER está, novamente seguindo Gramsci, em deslocar o centro
da luta pela dominação do Estado, ou seja, do uso da força repressiva, para a sociedade civil e, assim, para o
embate ideológico.
71
Quanto a isso, ver ALBUQUERQUE, J. A. Guilhon. Altusser, a Ideologia e as Instituições. In.: ALTHUSSER,
Louis. Aparelhos ideológicos de estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de estado. 9. ed. Rio de
Janeiro : Graal, 1985, p. 9.
42
seja ideológica (1985, p. 85). A ideologia é uma estrutura pan-história que, para agir, não
depende da consciência que os atores sociais têm dela. Longe disso, ela pertence ao universo
do inconsciente, do que tira grande parte de sua eficácia.
72
Toda esta exposição sobre ALTHUSSER é importante porque este autor procura
apresentar, dentro do aporte marxista, a resposta para duas questões essenciais na relação
entre ideologia e interesse de classe: de um lado, a crítica à noção de consciência e de Sujeito
da consciência que pode levar à confusão entre ideologia e manipulação e, de outro lado, a
ideia de que não é possível separar o material (no caso, o social) do representacional, ou seja,
que não podemos falar na existência de classes e grupos sociais antes e independentemente da
sua expressão no ideológico. Esse ponto é muito interessante para a nossa discussão porque
introduz um elemento fundamental: o papel da ideologia na construção dos sujeitos sociais e,
especialmente, de seu próprio “interesse” como classe social que, para ALTHUSSER, não está
dado apenas pelo material, mas é construído e incorporado pelo ideológico.
Em relação ao estudo da história e meios de comunicação, este elemento leva a
questionar o papel da própria imprensa na sua relação com os sujeitos sociais cujos interesses
ela representaria. Em outras palavras, se a construção desses sujeitos e de seus próprios
interesses depende do trabalho dos AIE, as representações que estes fazem da realidade
deixam de ser meros reflexos de grupos e de interesses constituídos previamente e
independentemente desses “aparelhos”.
73
E, dessa forma, se abre uma alternativa para se
pensar um papel diferente para a inserção da imprensa no debate público que pode ser
concebido através de sua importância na constituição de sujeitos sociais.
Entretanto, em relação a esta questão, o aporte de ALTHUSSER traz também sérios
limites. Um deles foi a excessiva formalidade que deu ao conceito de ideologia e,
especialmente, a enorme uniformidade com que descreveu os seus Aparelhos Ideológicos de
72
Na análise desse processo de introjeção, ALTHUSSER introduziu no marxismo as categorias psicanalíticas de
sujeito e de interpelação. Segundo ele, a “ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeito” (1985, p. 93). Ou
seja, todo o discurso ideológico se constitui em torno de um Sujeito central (no caso do discurso religioso, este
Sujeito seria Deus), a cujos princípios os indivíduos devem se sujeitar, e em posições de sujeito (papéis sociais),
às quais cada indivíduo deve se identificar. As identidades sociais são, assim, derivadas dos discursos
ideológicos produzidos pelos AIE e inculcadas por eles nos indivíduos. Como a ideologia é uma estrutura pan-
história, não existe indivíduo que se encontre fora do processo de interpelação e sujeição. Conforme
ALTHUSSER, “você e eu já somos sempre sujeitos” (1997, p. 95).
73
”. Com efeito, essa foi a interpretação que emergiu, inspirada nos escritos de ALTHUSSER, tanto de Michel
FOUCAULT e seu conceito de “formação discursiva”, quando da escola marxista inglesa dos Estudo Culturais,
especialmente com o autor Stuart HALL e seu questionamento sobre o papel dos meios de comunicação de
massa na construção da identidade social. Quanto a FOUCAULT e o conceito de formação discursiva, ver
FOUCAULT, Michel. Arqueologia do Saber. Rio de Janeiro : Forense-Universitária, 1987. Em relação ao
conceito de identidade em Stuart HALL, ver HALL, Stuart. A Centralidade da Cultura: notas sobre as
revoluções culturais do nosso tempo. In.: Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, 22(2), p. 15-46, jul/dez
1997.
43
Estado. Ou seja, na obra de ALTHUSSER, os AIE, apesar de suas diferenças, são espaços de
produção cultural unificados pela função que exercem na manutenção das relações sociais de
dominação.
Ao nosso entender, essa visão apresenta duas insuficiências centrais, no caso dos
estudos dos meios de comunicação. O primeiro deles é que, embora ALTHUSSER tenha
ressaltado o papel ativo desses meios na construção do sujeito social, ele também tendeu a
conceber esse papel de forma muito fechada, não permitindo espaços para que os conflitos
sociais tivessem lugar em seu interior. Portanto, esse aporte não nos oferece instrumentos
intelectuais para entender como as disputas entre diferentes classes sociais e até as
divergências entre frações de uma mesma classe poderiam se expressar ou serem expressadas
nesse universo.
74
Dessa forma, ALTHUSSER não nos ajuda a superar uma grande dificuldade nos
estudos das relações entre meios de comunicação, política e história: o de conceber a
imprensa de uma época, por exemplo, como uma instituição monolítica, que age como um
corpo hermético na defesa de um “interesse” de classe ou de grupos particulares. Aporque a
concepção de interesse incorporada por esta análise acaba por ficar muito genericamente
relacionada às necessidades estruturais do sistema para a manutenção das relações de
dominação, desconsiderando todas as divergências de “interesses” que possam se gerar no
interior da própria classe dominante e, dessa maneira, interferir ou serem mobilizados nas
representações que os meios de comunicação social fazem da realidade social.
A segunda insuficiência diz respeito à total negligência com os conflitos que podem se
originar entre os sistemas de produção cultural conforme estes vão atingindo certo grau de
especialização das sociedades modernas. Essa interpretação desconsidera as disputas que se
estabeleceram entre os sistemas simbólicos na delimitação das suas próprias competências
específicas nessas sociedades, cujo desenrolar foi fundamental à configuração dos Estados
contemporâneos, como podemos verificar nas divergências entre a Medicina e o Direito que
FOUCAULT ilustrou na obra coletiva sobre Pierre Rivière.
75
Também são negligenciados os
74
Preocupado primordialmente com a reprodução social, ALTHUSSER criou um modelo no qual a sujeição
parece total. O indivíduo nasce sujeito e sempre será sujeito. E, o pior, sempre sujeito do discurso dominante,
do qual nem a classe dominante escapa. Mesmo que ALTHUSSER admita que os AIE possam oferecer
diferentes discursos de sujeição, eles estariam unidos pela função de produzir e difundir a ideologia dominante.
Há pouco ou nenhum espaço para a contestação.
75
FOUCAULT, Pierre. Eu, Pierre Riviere, que degolei a minha mãe, a minha irmã e o meu irmão : um caso de
parricídio no século XX..ed. Rio de Janeiro: Graal, 1998. RODRIGUES analisa, por exemplo, os conflitos entre
o campo religioso e as demais áreas de atividade, conforme estas foram atingindo determinado grau de
autonomia, da seguinte maneira: a partir do século XIV, “assistimos à aceleração e à intensificação do processo
de fragmentação do tecido social numa multiplicidade de esfera de legitimidade, observando-se o aparecimento
44
conflitos que se configuraram no próprio interior dos espaços de produção simbólica sobre a
definição da forma mais legítima de produção do bem ou serviço que cada um oferece. Em
termos de compreensão do papel da imprensa, o aporte de ALTHUSSER não permite
incorporar todo o conflito que se estabeleceu em torno da própria constituição do jornalismo
como uma atividade particular, com as suas próprias regras de produção discursiva, o que
modificou não apenas a sua produção linguística mas o próprio papel que ela pretende ocupar
na esfera pública, como vimos na análise da transição de um modelo de jornalismo política
para o informativo.
76
Nossa crítica a esta forma de abordagem não está em negar um possível papel da
imprensa ou dos sistemas de produção simbólica na satisfação dos interesses dominantes na
sociedade, quer conscientes ou inconscientes. Os jornais, como empresas de comunicação,
estão associados ao capitalismo e, deste modo, têm um vínculo estrutural com a defesa de
suas regras, como a liberdade de imprensa e a garantia da propriedade. O que desejamos
criticar é a noção de que os possíveis “interesses” da classe economicamente dominante se
exerçam diretamente sobre os sistemas de produção simbólica, sem nenhuma forma de
mediação interna, e que, desta maneira, a imprensa constitua uma instituição monolítica na
defesa dos mesmos, sem espaços para fissuras.
Por todas essas questões, consideramos que o entendimento da forma como a
imprensa se insere na arena de discussão deve procurar um modelo de interpretação que,
mesmo sem negar o peso das demandas sociais externas sobre os jornais, permita dar conta:
de um lado, de uma compreensão do papel dos jornais na expressão dos diversos interesses
que sobre eles se exercem para além da condição de porta-voz passivo de grupos de interesses
ou suporte da ideologia dominante; de outro lado, de uma visão da inserção da imprensa na
esfera de debates que leve em consideração a sua especificidade como espaço de produção
cultural, em especial na sua relação institucional com os demais espaços.
de novas formas de lutas que têm como objetivo o enfraquecimento e mesmo o fim do domínio hegemônico do
campo religioso sobre as esferas científicas, médica, política, jurídica.” (1990:143).
76
Quanto a isso podemos consultar as análises feitas por Patrick CHAMPAGNE (1988 e 1990) sobre os efeitos
que as transformações e autonomização do campo jornalístico francês exerceram sobre a política e outras
atividades mais tradicionais, como a Medicina, provocando profundas alterações em seu próprio exercício.
45
1.3 A imprensa e o Segundo Governo Vargas em busca de alternativas para a
compreensão de uma relação complexa
Iremos, agora, avaliar algumas interpretações sobre a relação entre imprensa e política
no Segundo Governo Vargas, que têm sido apresentadas nos últimos anos e que, a nosso ver,
podem oferecer interessantes alternativas de análise para superar os limites apresentados na
exposição acima e nos ajudar a compreender melhor o objeto aqui em estudo.
Uma dessas alternativas é dada pelos pesquisadores Alzira ABREU e Fernando
LATTMAN-WELTMAN e que, no nosso entender, oferece diferenças significativas com as
linhas que abordamos anteriormente. ABREU, por exemplo, condena a tendência de se
considerar os jornais somente como instância subordinada aos interesses externos, quando
explica a pouca presença da imprensa nas pesquisas históricas nos anos 90 pelo
fato de ela ser (a imprensa) geralmente considerada subordinada e reprodutora de
um discurso ideológico dominante. Ela se apoiaria em fontes que representam as
instituições detentoras do poder e dos interesses organizados. Não é atribuída papel
de construtora do próprio fato que divulga. Nessa concepção, baseada na teoria da
dominação, perde-se de vista os casos em que a mídia tem a iniciativa do processo
de definição e é provocadora de um acontecimento.
77
na pesquisa em que analisam o comportamento dos jornais brasileiros na crise que
levou ao suicídio de Vargas (ABREU & LATTMAN-WELTMAN, 1994), os autores nos
oferecem uma interpretação alternativa do papel da imprensa. Mesmo identificando a postura
oposicionista de boa parte dos grandes jornais contra Getúlio, apresentam duas diferenças
essenciais em relação às demais análises sobre o tema.
A primeira delas diz respeito às razões dessa oposição. Os autores não fazem
referência à divergência de interesses entre um projeto nacionalista de Vargas e o
imperialismo, procurando explicações na relação específica entre o presidente e os jornais
oposicionistas.
78
A segunda diferença está em apontar a diversidade de comportamentos dos periódicos
77
ABREU & LATTMAN-WELTMAN, 1996, p. 8.
78
De um lado, ABREU & LATTMAN-WELTMAN salientam as diferenças entre a grande imprensa e o
presidente, cuja origem estaria nas arbitrariedades cometidas por Getúlio no Estado Novo contra os jornais que
teriam gerado forte ressentimento nos proprietários e nos jornalistas perseguidos pelo regime; de outro lado,
fazem referências às diferenças surgidas durante o governo, em especial “o lançamento e o grande sucesso
jornalístico da Última Hora que “deu ao conflito novos tons e desdobramentos” (1994, p. 28).
46
frente a Getúlio. Tomando como base a cobertura do atentado contra Lacerda, dividem a
imprensa em dois blocos: os jornais que “exerceram uma dura oposição ao governo de Vargas,
antes e depois do atentado” (Diário Carioca, Diário de Notícias, publicado no Rio de
Janeiro, Estado de S.Paulo e Correio da Manhã), fazendo campanha para sua saída do
poder de qualquer maneira; os jornais que “procuraram pautar-se por um comportamento
menos emotivo, segundo os padrões contemporâneo de jornalismo” (O Globo, O Jornal e a
Folha da Manhã) e que tiveram uma postura de cautela no episódio, defendendo uma saída
constitucional para a crise.
Essa divisão, segundo os autores, é suficiente ao menos para amenizar a “hipótese
por vezes reiterada de que o cerco a Getúlio se deveu a uma campanha sistemática da
imprensa da época” (1994, p. 35), visto que apenas o primeiro grupo corresponderia a esse
perfil, descartando, deste modo, a tese da ação conspirativa e orquestrada contra Vargas.
Como podemos explicar, contudo, essa diferença? Na opinião dos pesquisadores ela se
deve a uma mescla de elementos contraditórios: para o primeiro grupo, haveria predominância
do “facciosismo e do personalismo em relação à informação” (idem, p. 41); para o segundo
grupo, predominaria um maior compromisso ideológico com o liberalismo-democrático, o
que levaria os jornais a procurar saídas sistêmicas para a crise.
Devido aos próprios limites do trabalho, os autores não chegam a aprofundar a análise,
porém apresentam orientações interessantes. No que se refere ao “jornalismo de facção”,
ressaltam a diferença frente ao jornalismo “partidário”. Para eles, não havia, “entre os jornais
pesquisados e os partidos da época, qualquer relação necessária de correspondência”; o termo
“facção” serve para se referir “a clivagens que se estabelecem prévia ou muito posteriormente
a quaisquer divergências ideológicas ou programáticas, encarnadas muito mais em
antagonismos estruturados em torno de pessoas ou claques”.
79
Nesse caso, a questão central
era a figura de Vargas: “O foco das desavenças sempre fora e continuava a ser a pessoa do
presidente da República e tudo o que ele representava então para o sistema político(ibidem,
p. 47).
No que se refere ao jornalismo comprometido com o liberalismo-democrático, os
autores não aprofundam a explicação, apenas indicam, como hipótese de trabalho futuro, a
necessidade de associar esse posicionamento diferenciado dos jornais às “características
estruturais de suas inserções na arena política e ideológica”, que ele pode ser um indicativo
“das mudanças estruturais porque passava a imprensa como um todo, que se manifestavam
79
Ver nota 31, p.45, do texto de ABREU & LATTMAN-WELTMAN, op.cit.
47
distintamente na experiência de cada veículo” (ibidem, p. 48), fazendo alusão à modernização
comercial de alguns jornais.
Por um lado, este trabalho apresenta uma nova interpretação do papel da imprensa no
segundo governo Vargas e aponta a necessidade de pesquisas que procurem avaliar a inserção
institucional específica dos grandes jornais no debate público do período.
80
Contudo, ainda se
mantém dentro dos limites da oposição entre o jornalismo político e o jornalismo empresarial,
classificando os jornais politicamente combativos como facciosos e explicando a postura
institucional apenas como derivada da introdução do modelo americano de jornalismo
industrial que se iniciava no período, sem, no entanto, apontarem maiores evidências sobre
estas relações.
Uma alternativa de interpretação é oferecida pela pesquisa de Lavina RIBEIRO, muito
embora seu marco temporal não se restrinja à década de 1950. Inspirando-se em
HABERMAS e Raymond WILLIANS, a autora procura analisar a constituição histórica
brasileira da especificidade institucional das práticas comunicativas, defendendo a hipótese de
que esta constituição seguiu uma linha de continuidade que as impediu “de dissolverem-se e
pulverizarem-se em outros setores da prática social historicamente institucionalizada” (2004,
p. 9).
Lavina RIBEIRO salienta, ainda, algumas particularidades da emergência institucional
dessa imprensa, especialmente na Primeira República, quando, segundo ela, começou o
processo de industrialização dos jornais. Uma dessas particularidades foi a sua estreita relação
com o Estado, cujo papel no subsídio e no controle da atividade jornalística diminuiu o grau
de autonomia institucional da imprensa na constituição de uma esfera pública no Brasil. Outra
particularidade esteve na relativa verticalidade do processo de instituição das práticas
comunicativas. Devido à ausência de centros urbanos dinâmicos e de uma classe média
politicamente ativa, com um perfil ideológico definido, a emergência institucional da
imprensa brasileira esteve muito ligada às elites letradas, o que limitou a sua esfera de ação a
um espaço socialmente restrito.
Isso não significou, entretanto, uma total subordinação da imprensa ao Estado ou ao
mercado. Apesar das diversas pressões que se exerceram sobre a atividade jornalística, os
jornais procuraram encontrar seu próprio espaço na esfera do debate público, especialmente
80
É bom salientar este ponto, porque, outros trabalhos também apontam a diferença da postura dos jornais frente
ao governo, como Ana RIBEIRO (2007), mas não explicam essa variação por alguma forma distinta de inserção
na esfera pública.
48
através da relação institucional que construíram com seu público leitor.
81
Para a autora, essas características fizeram com que o jornalismo brasileiro, ainda na
Primeira República, construísse seu espaço institucional combinando elementos da imprensa
informativa norte-americana com a postura político-polemista. Desta maneira, pôde dispor de
uma forma específica de “intervenção pública” e de “um território particular de discursividade
que não se confundirá mais facilmente como antes com as demais fontes públicas de produção
simbólica” (2004, p. 156).
Quando aborda a imprensa brasileira pós-45, Lavina RIBEIRO critica as análises que
procuram reduzir as mudanças estruturais nas práticas comunicativas à
dimensão material da imprensa em detrimento da sua paralela força discursiva no
plano político, a qual, não pode ser interpretada como mera reprodução da lógica
produtivista do capital investido em suas estruturas objetivas de produção.
82
Desta forma, a autora condena a interpretação de SODRÉ (1983) que retrata uma
imprensa manipulada como instrumento de persuasão política da classe média, das facções e
dos setores sociais influentes no cenário público nacional. Para ela, nesse
ambiente explicativo inexiste a possibilidade de identificação de iniciativas
singulares à especificidade institucional da imprensa e, mesmo, de qualquer outra
forma de comunicação pública, porque prevalece a determinação dos fatos
infraestruturais sobre as instituições de comunicação.
83
Conforme a pesquisadora, as múltiplas pressões que acompanham a constituição da
imprensa nesse período (como a modernização empresarial do jornalismo, as demandas da
esfera política por jornais de maior alcance e apelo público e os interesses econômicos do
capital nela investido”), não devem ser entendidas como forças que, de fora, a submeteram.
Ao contrário, foram processos que
conviveram simultaneamente no interior do instituto jornalístico, mas não como
fatores externos exercendo pressões de fora para dentro dos jornais e sim, mais
propriamente, como novas variáveis internas específicas do desenvolvimento
institucional da imprensa, sem uma necessária ordem ou hierarquia de determinação
entre elas.
84
81
Conforme declara Lavina RIBEIRO: “A variável mais importante nessa relação imprensa e Estado é o público.
Quanto mais próximo dele, menos a imprensa se vulnerabilizava às pressões estatais. A contradição da época,
entretanto, consistia na dificuldade de agregação ou de identificação clara de um público, como foi visto,
heterogêneo e sem projetos políticos próprios, ou seja, no momento em que os jornais ampliavam suas condições
materiais de discursividade, o público almejado não tinha faces e demandas discerníveis que pudessem ser
traduzidas em políticas editoriais consistentes” (2004, p. 143).
82
RIBEIRO, 2004, p. 297.
83
Idem, pp. 329-330.
84
Ibidem, p., 321.
49
Em resumo, o trabalho de Lavina RIBEIRO oferece interessantes elementos para
repensarmos o papel da imprensa no segundo governo Vargas, especialmente no que se refere
à necessidade de se compreender sua inserção na esfera pública. A única limitação em relação
ao objetivo a que nos propomos está no fato de a autora centrar sua análise na inserção
institucional da imprensa na arena de debates, sem privilegiar este espaço como um local de
conflito. Ou seja, na visão de Lavina RIBEIRO é privilegiado aquilo que haveria de comum
no trabalho da imprensa para a construção da sua inserção institucional. Os jornais não são
pensados nem no papel que poderiam exercer sobre a legitimação dos diversos interesses
sociais externos e nem como possíveis agentes culturais em disputa para dominar o espaço
institucional que criam em torno da sua discursividade própria.
Com o objetivo de procurar alternativas de análises que deem conta dessas diferentes
questões iremos recorrer à obra de BOURDIEU, em especial às noções de campo de produção
ideológica e de campo jornalístico.
1.3.1 O campo de produção ideológica: alternativa para entender a relação entre
imprensa e política no debate público
O uso instrumental dos conceitos
A noção de campo social e, em particular, a de campo jornalístico, têm sido
empregadas com relativa frequência na análise das práticas comunicativas do Brasil, tanto no
que se refere à realidade atual como em sua emergência histórica.
85
Entretanto, o uso dessas
noções merece algumas ressalvas.
O jornalismo não foi um dos objetos de pesquisa privilegiados por BOURDIEU. Em
suas obras centrais sobre os espaços de produção cultural, os meios de comunicação são
tratados de forma secundária devido à condição subordinada que ocupariam frente às áreas
mais nobres, como a arte erudita e a ciência. A noção de campo jornalístico, por sua vez,
aparece apenas nos textos mais tardios do autor,
86
e, como ressalta MIGUEL (2002), não
apresenta o mesmo grau de sistematização de outros conceitos, pois é empregada mais para a
crítica contra a hegemonia da televisão comercial no campo cultural francês do que
propriamente para a análise acadêmica.
Disso resulta que esta noção está muito marcada pelo contexto em que é usada, ou
85
Como exemplos podemos, citar RODRIGUES (1999), BERGER (1998) e MIGUEL (2002).
86
Ver quanto a isso, os textos reunidos em BOURDIEU, 1997.
50
seja, a realidade contemporânea das comunicações francesas. Além disso, se levarmos em
conta as diversas abordagens realizadas por BOURDIEU no universo da comunicação,
observamos que ele apresenta um conjunto variado de noções, como campo da indústria
cultural, campo jornalístico e campo de produção ideológica, que oferece um amplo espectro
conceitual ainda a ser explorado, mas que não foi completamente sistematizado ou
enquadrado em um único sistema.
O próprio autor nos avisa, contudo, que a noção de campo não pode ser considerada
como “o” objeto de análise (equívoco da ontologia dos conceitos)
87
e sim um instrumento
conceitual para construirmos e interpretarmos nosso objeto de pesquisa, a partir de
determinadas características essenciais.
88
Disso deriva o emprego bastante flexível que
BOURDIEU faz dessa noção, adaptada ao recorte que orienta cada investigação, tendo em
vista que nem todos os elementos pertinentes em um caso podem ou devem ser aplicados em
outro. Além disso, a abordagem de uma nova situação sempre implica em adequações e novos
questionamentos.
Sendo assim, devemos considerar que a análise de uma realidade particular, como a da
imprensa brasileira da década de 50, com base no instrumental de BOURDIEU, exige uma
seleção criteriosa dos elementos teóricos desenvolvidos pelo autor a fim de empregar aqueles
mais pertinentes à construção do objeto de pesquisa. Por outro lado, requer também a
exploração de sua obra para além dos textos específicos dedicados ao campo jornalístico, na
busca dos instrumentos mais apropriados à realidade estudada. E, na medida do necessário,
avançar nas análises específicas do autor a fim de satisfazer algumas exigências próprias ao
contexto particular que abordamos, sempre respeitando, contudo, a integridade de seu
pensamento.
87
Em relação a esta questão, consultar BOURDIEU. Pierre Introdução a uma sociologia reflexiva. In: O Poder
Simbólico. Lisboa: Perspectiva,1989,p. 19-58.
88
Como afirma BOURDIEU, condenando o “fetichismo dos conceitos e da teoria” que tende a “considerar os
instrumentos „teóricos‟, habitus, campo, capital, etc., em si mesmo, em vez de os fazer funcionar, de os pôr em
ação”: “A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia conceitual de um modo de construção do objeto
que vai comandar ou orientar todas as opções práticas da pesquisa. Ela funciona com um sinal que lembra o
que que fazer, a saber, verificar que o objeto em questão não está isolado de um conjunto de relações de que
retira o essencial de suas atividades” (1989, p. 27).
51
1.3.2 Campo político e campo jornalístico no debate público
A emergência de uma esfera de debate nas sociedades contemporâneas foi objeto de
estudo da obra clássica de HABERMAS, Mudança Estrutural na Esfera Pública. Iremos
analisar inicialmente este trabalho, pois ele oferece uma das principais referências à
compreensão da especificidade institucional da imprensa nessa arena de debate, a qual vem
sendo bastante empregada nos estudos de comunicação no Brasil.
No livro acima referido, HABERMAS desenvolveu a noção de “esfera pública
burguesa” como uma instância que intermediaria, “através da opinião pública, o Estado e as
necessidades da sociedade” (1984, p. 47).
Esta esfera pública burguesa teria emergido entre
os séculos XVII e XVIII, nas sociedades capitalistas modernas, e, segundo o pensador
alemão, pertenceria ao universo do privado, pois era constituída por pessoas privadas
enquanto público e não estava ligada ao poder do Estado, instituindo-se, ao contrário, contra
ele (op.cit, p. 43).
89
Essa esfera seria responsável pela geração da “opinião pública”, não no sentido de
opinião do público em geral, mas como opinião esclarecida. Ao ser elaborada nesse espaço
livre de toda a pressão, ela encarnaria a Razão universal, condição que lhe dava legitimidade.
Para se tornar possível, esta esfera precisou de um meio de circulação das ideias e das
informações sobre os atos de poder. Por isso, a esfera pública burguesa, apesar de ter origem
nos cafés e clubes literários, logo se associa à imprensa.
90
A presença dos jornais, como instância necessária à existência da esfera pública
burguesa, inaugura a segunda etapa da história da imprensa na visão do autor. A primeira foi a
dos pequenos periódicos comerciais surgidos nos primórdios do capitalismo, mas, nesta
segunda etapa, chamada de jornalismo político ou literário, a imprensa deixa de ser um mero
instrumento privado para se tornar uma verdadeira instituição. Mesmo que ligada a correntes
de opinião ou a partidos, sua presença é necessária para que os debates se tornem realmente
públicos. Como lembra HABERMAS, “a formação da opinião pública implicava, ao menos
na ideologia das Luzes, uma livre circulação das ideias e dos escritos, ou seja, em política, o
89
Além disso, para exercer sua função crítica, essa esfera pública deveria ser composta por homens instruídos e
livres, tanto da dependência com o Estado quanto das necessidades materiais imediatas. Apenas dessa forma
esses homens poderiam se dedicar ao debate racional, sem a interferência da pressão do governo ou mesmo dos
interesses particulares (op.cit., p.51).
90
Segundo HABERMAS, o fim da censura prévia à imprensa inglesa, por exemplo, “assinala uma nova fase do
desenvolvimento da esfera pública, possibilita o ingresso do debate na imprensa e permite a esta transformar-se
num instrumento com cuja ajuda decisões políticas podem ser tomadas perante o novo fórum do público” (idem,
p. 77).
52
desenvolvimento de uma imprensa de opinião” (op.cit., p. 52).
Entretanto, no século XIX, a relação entre a imprensa e a opinião pública passou por
uma grande transformação. As condições que possibilitaram a emergência do capitalismo
concorrencial cujo equilíbrio entre os pequenos e médios proprietários garantia uma esfera
pública composta por homens livres e cultos vão sendo paulatinamente superadas pela
concentração de recursos econômicos no capitalismo monopolista. Neste, o mercado é
dominado pelas grandes corporações cujo poder lhes permite controlar a esfera privada e,
desta forma, a esfera pública, em especial a imprensa que entra, assim, em uma terceira etapa.
Ao lado dos jornais políticos de baixa circulação começa a emergir uma nova
imprensa comercial, sendo sua prioridade maximizar o lucro econômico através da ampliação
dos leitores e da venda de espaços publicitários. Isso leva a uma mudança radical no conteúdo
dos jornais, pois a busca da extensão do público faz com que estes meios de comunicação
abandonem o papel de orientar a opinião política em favor da tarefa de apenas informar,
negligenciando a condição de instância reflexiva para se dedicar à pura sedução do leitor.
Para HABERMAS, se a comercialização da imprensa permitiu uma expansão da
esfera pública, incluindo as camadas sociais que anteriormente estavam fora do debate,
pagou-se, contudo, um preço muito caro: um grande empobrecimento dessa esfera, mediante
o rebaixamento de sua racionalidade em favor de um caráter emotivo-reivindicatório.
91
Mais
do que isso, a transformação da imprensa partidária em comercial proporcionou seu controle
pelas grandes corporações capitalistas que passaram a empregar a esfera pública como uma
instância de manipulação publicitária em prol de seus interesses privados.
Mesmo que a análise de HABERMAS esteja aqui muito simplificada, ela oferece
elementos suficientes para constatamos as semelhanças entre seu modelo e os trabalhos sobre
a imprensa brasileira na década de 1950, avaliados na unidade anterior. Notamos, no entanto,
uma grande diferença deste autor em relação às abordagens que analisamos, tendo em vista
que ele atribuiu um valor positivo ao jornalismo político ou literário, procurando entender sua
própria inserção institucional no debate público, enquanto atribui um valor negativo ao
jornalismo comercial. Para HABERMAS, aliás, essas duas formas correspondem a duas
esferas públicas diferentes, com funções distintas: uma esfera pública burguesa como local da
racionalidade (jornalismo partidário) e uma nova esfera pública como local da pura
91
Para o autor, a introdução das leis de mercado da esfera de intercâmbio de mercadorias na “esfera reservada às
pessoas privadas enquanto público” faz com que o raciocínio tenda a “se converter em consumo” e o “contexto
da opinião pública” se dissolva “nos atos estereotipados da recepção isolada” (1984:191).
53
manipulação publicitária (jornalismo comercial).
92
Portanto, mesmo que o trabalho de HABERMAS ofereça uma alternativa para abordar
o processo de institucionalização da imprensa na arena de debate, seu modelo ainda
permanece insuficiente, pois uma visão excessivamente normativa e bidimensional desse
processo, vendo, por exemplo, um jornalismo político como lugar apenas da racionalidade e
não de disputa pelo poder social, e o jornalismo comercial como espaço da manipulação
publicitária.
93
Tendo em vista estes limites, consideramos que a noção de campo de produção
ideológica desenvolvida por BOURDIEU para dar conta deste espaço de debate apresenta
vantagens na abordagem do nosso objeto específico de pesquisa.
BOURDIEU define essa noção como um
universo relativamente autônomo, onde se elaboram, na concorrência e no conflito,
os instrumentos de pensamento do mundo social objetivamente disponíveis a um
momento dado do tempo e onde se define, simultaneamente, o campo do pensável
politicamente ou, se quiser, a problemática legítima.
94
Diferentemente da esfera pública burguesa original de HABERMAS, local da pura
racionalidade, o campo de produção ideológica é um espaço de conflito no qual se disputa a
visão mais legítima sobre os assuntos politicamente relevantes no debate público.
95
Entretanto, este espaço de conflito não corresponde a uma esfera pública refeudalizada,
transformada em instrumento publicitário do poder econômico dominante na sociedade.
Na análise que fez da emergência da arena de discussão nas sociedades
contemporâneas, Patrick CHAMPAGNE, pesquisador da equipe de BOURDIEU na Maison
des Sciences de l'Homme
96
, define-a como um espaço plural e de conflitos, no qual diversos
92
De qualquer maneira, é visível as semelhanças desse aporte com a interpretação apresenta por SODRÉ, que
vimos anteriormente.
93
Encontramos essas críticas mesmo em autores que procuram recuperar as principais categorias desenvolvidas
por HABERMAS na análise dos meios de comunicação como em GOMES (1998) e Lavina RIBEIRO (1996).
94
BOURDIEU, Pierre. La Distantion. Paris : Minuit,1979, p. 465. As traduções das citações originais em francês
foram feitas pelo autor desta tese.
95
Da mesma maneira, enquanto que, para o pensador frankfurtiano, “a cultura burguesa não era mera ideologia”
porque “o raciocínio das pessoas privadas nos salões, clubes e associações de leitura não estava subordinado de
modo imediato ao ciclo da produção e do consumo” (op.cit., p. 190), Patrick CHAMPAGNE parceiro de
BOURDIEU nos estudos sobre os meios de comunicação define esta opinião pública esclarecida do
Iluminismo como a opinião “das „pessoas de letras‟ que, em nome da Razão que eles pensam encarnar, erigem-se
como uma espécie de tribunal de apelação que se abre a todas as vítimas da injustiça e do arbítrio” (op.cit., p.
47). Dessa forma, essa opinião corresponde ao interesse específico dos letrados em produzir um novo princípio
de legitimidade sobre os assuntos políticos que melhor corresponda ao tipo de capital particular que dominam, a
saber, a arte do debate. O que faz da noção de opinião pública uma “ideologia profissional” (idem, p. 47).
96
A Fondation Maison des Sciences de l'Homme é uma instituição pública de pesquisa francesa, vinculada ao
Ministério da Educação, e responsável por produção científica na área de ciências sociais.
54
agentes e instituições lutam para dominar a expressão legítima da opinião pública.
97
Desta
forma, a própria definição de “opinião pública”, nas sociedades modernas, foge ao controle de
uma pessoa ou grupo, tornando-se “o resultado incerto de um conjunto de ações difíceis de
controlar por apenas um agente, até mesmo pelo próprio poder político” (1990, p.72).
Conforme BOURDIEU, o campo de produção ideológica é o lugar privilegiado da
luta simbólica, ou seja, da luta pela definição da visão mais legítima sobre o mundo social que
é também um conflito pela construção desse mundo, porque a transformação ou a
conservação da ordem social dependem da transformação ou conservação dos esquemas de
percepção dessa ordem.
98
Para este autor, a luta simbólica se essencialmente pela disputa
em torno da imposição do sentido social ou coletivo dos grupos sociais definidos por sua
posição geral na sociedade e/ou por sua posição específica em determinado campo de
produção e das características, das ideias, dos programas, dos projetos, que a eles estão
associados.
Nessa luta, os agentes investem os recursos que dispõem (nos termos de BOURDIEU,
todas as formas de capital), mas o peso maior fica por conta do que o autor chama de capital
simbólico, capital de prestígio ou autoridade socialmente reconhecida. Esse capital
simbólico, os agentes (indivíduo ou instituição) retiram basicamente das suas lutas anteriores
e ele lhes permite um poder de sanção sobre o que está em jogo na disputa.
99
Um dos
principais instrumentos e/ou trunfos em uma luta simbólica é a apropriação dos símbolos
coletivos, ou seja, das ideias, imagens, palavras, nomes, aos quais uma sociedade atribui
tradicionalmente valores positivos. Esses símbolos, por terem uma definição difusão e
instável, são objetos de constante conflito onde os agentes sociais lutam, tanto para se associar
aos sentidos historicamente mais consolidados quanto para mudar a sua definição mais
legítima, a fim de melhor adequá-los às suas características, aos seus projetos, às suas
disposições.
100
De qualquer maneira, a importância do símbolo ou do simbólico para os
97
Nas palavras do autor: “O desenvolvimento de um campo jornalístico relativamente autônomo em relação ao
campo político, de uma imprensa de grande difusão e, correlativamente, o reconhecimento do direito de
associação política e sindical também proporcionaram a entrada de uma multiplicidade de formas de expressão
políticas às margens da representação parlamentar e tiveram, entre outros, o efeito de alargar o campo dos
agentes participantes do trabalho de produção e de manipulação da noção de „opinião pública‟” (ibidem, p. 72).
98
Para o autor, aliás, a existência de um campo de produção ideológica é possível porque os recursos que
permitem elaborar e difundir as visões autorizadas sobre o mundo social estão desigualmente distribuídos na
sociedade (op.cit,. p.491). Isso permite o relativo monopólio desse campo na construção do politicamente
pensável e, conforme o autor, “quanto mais despossuídas são as pessoas, sobretudo culturalmente, mais elas se
veem obrigadas e inclinadas a confiar em mandatários para ter voz política(BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas.
São Paulo : Brasiliense,1990, p.192).
99
Ver, por exemplo, BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa : Perspectiva,1989, p.134
100
Em seus trabalhos, BOURDIEU não chega a fazer uma definição específica de símbolo ou simbólico, mas o
uso que faz desses conceitos se aproxima muito do empregado pela semiótica. Segundo autores como Charles
55
conflitos sociais está em seu enorme poder de mobilizar grupos e de legitimar àquele que dele
consegue se apropriar em determinado momento.
Em consequência, o campo de produção ideológica, assim como qualquer campo de
produção simbólica, exerce uma função ideológica,
101
ou seja, tem papel significativo no
processo de encobrimento das diferenças sociais objetivas que dão base à estrutura de uma
sociedade dividida em classes.
Mas devemos lembrar que, para BOURDIEU, existe uma diferença entre ideologia ou
produção ideológica e função ideológica. Ao contrário de THOMPSON (1992), que define
ideologia como sendo uma forma simbólica que sustenta uma relação de dominação, de
assimetria social, BOURDIEU concebe como ideologia toda a forma elaborada de
representação sobre o mundo social, normalmente produzida por um campo especializado,
como o político, o científico ou o artístico, independentemente de sua contribuição no
processo de dominação. Mas as ideologias, à medida que são empregadas como justificativas
das diferenças sociais, contribuindo para escondê-las, podem exercer uma função ideológica,
ou seja, de legitimação da ordem social.
102
Apesar desses limites, para BOURDIEU, o campo de produção ideológica exerce um
papel especial nas sociedades modernas, qual seja: através das suas disputas não apenas é
Pierce, o símbolo é um signo que indica o seu objeto com um alto grau de abstração, sem relação causal ou
semelhança com ele; para significar, o símbolo apela para relações de sentido socialmente cristalizadas, como no
caso da cobra referindo a perfídia ou a farmacologia e a pomba indicando a paz ou a sexualidade. Embora não
exista uma definição consensual, os estudos de semiótica tendem a concordar na caracterização do símbolo como
sendo, ao mesmo tempo, convencional e ambíguo ou polissêmico (EPSTEIN, Isaac. O Signo. Editora Ática. São
Paulo. 1986, 2ª. edição). Em outras palavras, o símbolo não tem um sentido natural e pode se referir a diferentes
e contraditórios significados, dependendo muito do contexto sociocultural em que é apropriado. Para
LAPLANTINE & TRINDADE, o “caráter convencional coloca o símbolo no interior do funcionamento social
com todas as suas ambiguidades, seu caráter sincrético, polissemântico (sic), que caracterizam o movimento
unitário e afetivo de todos os indivíduos de uma cultura sobre uma mesma figura sintética” (LAPLANTINE,
François & TRINDADE, Liana. O que imaginário. São Paulo: Brasiliense, 1997, p. 13). Mais além, afirmam:
“Embora não esgotem todas as experiências sociais, pois em muitos casos essas são regidas por signos, os
símbolos mobilizam de maneira afetiva as ações humanas e legitimam essas ações. A vida social é impossível,
portanto, fora de uma rede simbólica (op.cit., p. 21).O que podemos perceber pela forma como o autor analisa as
disputas dos grupos sociais em torno dos termos da linguagem comum: “Ou seja, é suficiente estudar os
símbolos ou as palavras comuns em seus usos práticos, para descobrir a necessidade de inscrever em sua
definição completa a pluralidade essencial que elas devem a esses empregos antagônicos. As situações de luta
política, nas quais esse jogo de sociedade representa uma imagem aproximada, lembra contra aqueles que
creem nas línguas de classe que as palavras e os símbolos podem ser comuns, sem jamais contra a ilusão do
consenso ser perfeitamente neutros, porque eles carregam em si a potencialidade de seus empregos antagônicos
aos quais eles se prestam” (BOURDIEU, 1979, p. 635).
101
Sobre isso, ver BOURDIEU, idem, p.11.
102
Contudo, essa função ideológica não é um atributo exclusivo das ideologias, podendo ser exercida por
qualquer representação do mundo social, mesmo as elaboradas espontaneamente pelos agentes sociais. Na
verdade, no pensamento de BOURDIEU, essas representações espontâneas da realidade, chamadas por ele de
doxa, são até mais eficazes que as ideologias propriamente ditas porque, ao agirem no nível pré-reflexivo,
permitem uma adesão imediata e não-questionada à ordem vigente.
56
delimitado o universo das problemáticas legítimas, como também ocorre o principal
mecanismo de legitimação das propostas, programas, projetos políticos, econômicos e sociais
em relação aos quais uma sociedade procura encontrar respostas para os seus principais
problemas. Em outras palavras, os agentes desse campo têm o poder de não elaborar
programas, mas também de fazê-los valer para toda a coletividade, como propostas
“autorizadas” pela força simbólica que ele pode ganhar nesse espaço.
103
Decorre daí a importância do campo de produção ideológica para o que BOURDIEU
conceitua como campo econômico, ou seja, o espaço no qual setores da produção, empresa e
até grupos profissionais disputam o controle sobre a divisão dos ganhos materiais, mas que
também é uma disputa pela legitimidade desses setores, empresas e profissionais diante da
coletividade. Devido a estarem diretamente vinculados à luta por interesses materiais, num
espaço onde o cálculo dos lucros individuais portanto o interesse econômico impôs-se
como princípio de visão dominante, senão exclusivo , os agentes do campo econômico estão
sempre necessitados de encontrar representações favoráveis capazes de lhes legitimar perante
o todo social.
104
Dessa maneira, o campo de produção ideológica é um dos principais espaços
onde podem encontrar representações, imagens, ideias, programas aptos a autorizar os seus
interesses, tanto individuais (empresas) quanto coletivos (classe social). Em outras palavras, é
no campo de produção ideológica que os seus projetos particulares podem ganhar a condição
de projetos coletivos, do interesse de toda a sociedade e não apenas do grupo ou classe que ele
beneficia mais diretamente.
105
Para o sociólogo francês, entretanto, o poder de legitimação que um campo de
produção simbólica pode fornecer a grupos econômicos e sociais e a seus projetos não é
exercido de forma direta, mas sempre respeitando a especificidade e a lógica interna de cada
um desses espaços. Segundo ele, o efeito de legitimação não pode ser entendido apenas como
resultado de uma necessária subordinação desses campos aos “interesses” sociais que se
exercem de fora de seus limites, apesar de não descartar essas pressões. No pensamento de
BOURDIEU, a satisfação dos interesses dos grupos sociais externos pelos produtos culturais
deve obedecer à lógica específica do próprio campo de produção. Em uma passagem longa
mas fundamental, o autor expressa bem essa concepção:
As ideologias devem a sua estrutura e as suas funções mais específicas às condições
103
BOURDIEU, 1979,1989 e 1990.
104
BOURDIEU, Pierre. “O campo econômico”. Política & Sociedade, n
o.
6, pp: 15-58, p. 19.
105
Ver: BOURDIEU, Pierre. “Espaço social e espaço simbólico”. In.: Razões práticas : sobre a teoria da ação.
Campinas/SP : Papirus, 1996, pp: 13-34.
57
sociais de sua produção e da sua circulação, quer dizer, as funções que elas
cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas em concorrência pelo monopólio
da competência considerada (religiosa, artística, etc.) e, em segundo lugar, por
acréscimo, para os não especialistas. Ter presente que as ideologias são sempre
duplamente determinadas, que elas devem suas características mais específicas não
aos interesses de classe ou das frações de classe que elas exprimem (função de
sociodicéia), mas também aos interesses específicos daqueles que a produzem e à
lógica específica do campo de produção (...) é possuir o meio de evitar a redução
brutal dos produtos ideológicos aos interesses das classes que eles servem (efeito de
curto-circuito frequente na crítica marxista) sem cair na ilusão idealista a qual
consiste em tratar as produções ideológicas como totalidades autossuficientes e
autogeradas, passíveis de uma análise pura e puramente interna (semiologia).
106
Como resultado, a compreensão do papel da imprensa e do universo político na
delimitação do politicamente pensável (programas, projetos e ideias políticas) exige que
consideremos com mais detalhes a lógica de funcionamento do próprio campo de produção
ideológica.
Para BOURDIEU, esse campo não é um espaço monolítico ou mesmo homogêneo,
pois dele podem participar um conjunto relativamente extenso de agentes, oriundos de
diferentes campos ou subcampos, como a imprensa, os partidos políticos e outras instâncias
representativas, cuja pretensão de se colocarem como porta-vozes de um grupo social ou de
toda a coletividade tenha sido reconhecida (BOURDIEU,1979, p. 465).
A participação desses agentes e instituições no debate público está, contudo, longe de
ser equivalente. Como todo o campo, o de produção ideológica é um espaço de relações de
força entre aqueles que o compõem, estruturando-se mediante uma hierarquia entre as
instituições e os seus integrantes. O valor de um especialista no debate público não depende,
desta maneira, apenas de seus atributos pessoais, mas é diretamente proporcional aos recursos
materiais e simbólicos que a instituição ou o campo ao qual pertence lhe permite dominar em
determinado momento (BOURDIEU, 1989, p. 55).
Isso faz do campo de produção ideológica um espaço de luta constante, no qual seus
integrantes têm um interesse objetivo em estabelecer historicamente sua competência
específica para participar do debate público (como político, jornalista, sindicalista) e valorizar
ao máximo o papel dessa competência na determinação da opinião pública legítima e, dessa
forma, o seu poder de legitimação específico, independentemente da vontade ou consciência
que tenham disso.
Para BOURDIEU, cada campo particular gera para seus membros uma forma
específica de interesse, irredutível aos interesses externos, o qual é verdadeiramente
106
BOURDIEU,1989 p. 13.
58
apreendido por aqueles que nele se inserem. Na teoria desse autor, a noção de “interesse”
ocupa uma “função de estrutura”. Ela destrói a ideologia do desprendimento, que é a
ideologia profissional dos clérigos de todo o gênero”, mas também permite eliminar a noção
de “servilismo interessado a uma função”. É atendendo a seu interesse específico em um
campo que o agente atende ao interesse específico no outro campo ao qual passa a
representar.
107
Feitas essas considerações gerais sobre o campo de produção ideológica, vamos
analisar os papéis relativos do campo político e do campo jornalístico em seu interior.
Inicialmente, não é difícil de aceitar que ambos ocupam uma posição privilegiada nesse
espaço em virtude dos recursos que dispõem: os agentes do campo político, como
mandatários eleitos que podem falar oficialmente em nome da comunidade social, e os
agentes do campo jornalístico, como detentores do (quase) monopólio dos meios de grande
difusão e, deste modo, de um grande poder de influência sobre todos os que dependem de sua
imagem pública (BOURDIEU, 1994, p. 7).
Entretanto, mesmo que isso implique em uma estreita relação entre a atividade
jornalística e a atividade política
108
também faz com que cada uma dessas áreas de atividade
tenda a seguir caminhos diferentes a partir do momento em que atinja um grau mínimo de
especificidade.
Os agentes do campo político ocupam originalmente uma posição dominante no
campo de produção ideológica. Como mandatários eleitos, dispõem da condição de falar, de
forma oficial, em nome do “povo” e, além disso, podem dominar o aparelho estatal. O
domínio sobre o aparelho de Estado, aliás, possibilita-lhes um controle sobre a nomeação
oficial (concessão de títulos, de nomes públicos, e outros) e sobre todo o capital político
objetivado nas instituições públicas. Isso leva BOURDIEU a afirmar que, embora o campo
político seja o lugar “por excelência da luta simbólica(1989, p. 173), ele também é espaço
onde se disputa um duplo poder:
por um lado, o monopólio da elaboração e da difusão do princípio de di-visão
legítima do mundo social (...) e, por outro lado, o monopólio da utilização dos
instrumentos de poder objetivados (capital político objetivado). Ela assume pois a
forma de uma luta pelo poder propriamente simbólico de fazer ver e fazer crer, de
predizer e de prescrever, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, que é ao mesmo
tempo uma luta pelo poder dos poderes públicos (as administrações do Estado)
107
BOURDIEU, 1989, p. 201.
108
Como afirma CHAMPAGNE: “Atores políticos e jornalistas estão numa situação de dependência recíproca
quase estrutural: eles estão votados a colaborar na produção da informação numa relação instrumental ambígua
que oscila permanentemente entre a admiração e a desconfiança, a amizade e a inimizade, a submissão e a
revolta” (1998, p. 45).
59
(1989:174)
109
.
O fato de o campo político ser o lugar de um duplo poder também contribui para que
ele se transforme no lugar de duas formas diferentes de conflito. Vejamos isso melhor.
De um lado, a luta política encontra parte de sua lógica por estar voltada para fora, ou
seja, “para a conquista dos eleitores” (1989, p. 183), fazendo com que o peso interno dos
produtos políticos (projetos, ideias, doutrinas) derive de sua capacidade de atingir o público
externo. Conforme o autor, “a produção das ideias acerca do mundo social acha-se sempre
subordinada de fato à lógica da conquista do poder, que é a da mobilização do maior número”
(1989, p.175). Isso significa que a lógica da luta política, no limite, force o abandono da
pureza doutrinária em favor do “alargamento da clientela, nem que seja à custa de transações
e de concessões ou mesmo de uma baralha metódica de tudo o que as tomadas de posição
originais podem ter de demasiado „exclusivo‟” (1989, pp.184-185)
110
.
De outro lado, a luta política, embora dependa da aquiescência dos “profanos”, em
grande parte, dá-se pelas relações entre os profissionais, especialmente em torno da conquista
do capital político objetivado tanto no aparelho dos partidos quanto no aparelho Estatal (1989,
p. 192).
Essa luta está baseada em ações táticas e tácitas pelas quais se elaboram as alianças
eleitorais, as maiorias parlamentares ou mesmo os apoios a um projeto. Nesses momentos, as
associações e oposições entre os partidos obedecem mais à lógica das vantagens práticas e
estratégicas na luta pela conquista e/ou manutenção do poder do Estado do que às afinidades
doutrinárias
111
. Além do mais, sendo o lugar de ações estratégicas, cuja divulgação pode
anular seus efeitos ou deslegitimar seus atores, não é de se surpreender que esse jogo interno
obedeça muito mais à lógica do segredo ou da informação comedida do que à da
109
O autor ainda afirma: “Nas democracias parlamentares, a luta para conquistar a adesão dos cidadãos (o seu
voto, as suas quotizações, etc.) é também uma luta para manter ou para subverter a distribuição do poder sobre
os poderes públicos (ou, se se prefere, pelo monopólio do uso legítimo dos recursos políticos objetivados,
direito, exército, polícia, finanças públicas, etc.). Os agentes por excelência dessa luta são os partidos,
organizações de combate especialmente ordenadas em vistas a conduzirem esta forma sublimada de guerra civil
(1989, p. 174).
110
No campo político, toda a tentativa de marcar posição pela singularidade ou “pureza” das ideias deve pagar o
preço da abdicação ao controle do poder em jogo. “Ao contrário, o partido que, se não quer ver-se excluído do
jogo político e da ambição de participar senão do poder, pelo menos do poder de ter influência na distribuição do
poder, não pode consagrar-se a virtudes tão exclusivas.” Mais do que isso, para atrair “a sua causa o maior
número possível de refratários”, ele não pode hesitar “em transigir com a „pureza‟ de sua linha e em tirar
proveito de modo mais ou menos consciente, das ambiguidades de seu programa” (1989, p.184).
111
LIJPHART (1989) nos um bom exemplo dessa tendência ao mostrar que os partidos europeus (no pós-
guerra) orientaram suas alianças parlamentares muito mais em virtude das probabilidades de construir maiorias
do que em virtude de afinidades ideológicas ou programáticas.
60
publicidade.
112
Mais uma vez, as demandas do campo político tendem a desvincular sua
lógica de funcionamento de um puro debate ideológico. Como lembra BOURDIEU: quanto
mais avançado é o processo de institucionalização do capital político, tanto mais tende a
conquista do „espírito‟ a subordinar-se à conquista dos postos” (1989, p. 195).
A lógica do campo político, por sua luta externa, torna-se incompatível com a pureza
doutrinária e, por sua luta interna, afasta seus agentes da coerência doutrinária. Como diz
BOURDIEU, quanto mais o capital político se institucionaliza, e, assim, crescem os
imperativos ligados à reprodução dos aparelhos, mais os partidos se veem “levados a
sacrificar o seu programa para se manterem no poder ou simplesmente na existência” (1989,
p.196). Entretanto, em ambas as situações, os agentes do campo político sempre estão
obrigados a contar com os serviços dos agentes do campo jornalístico, quer seja para difundir
as suas ideias, programas, características em suma, a sua “imagem pública” perante a
clientela de eleitores , quer seja para inibir a difusão daquilo que, no jogo político, é da
ordem do “segredo”, dos “bastidores do poder.” É nesse ponto que o campo jornalístico
domina recursos que lhe permite exercer forte poder de pressão sobre o político, mas é por ele
também que o jornalismo é foco de constante pressão pela política e por todos aqueles cujo
acesso ao “grande público” no conceito de Gabriel TARDE, ou seja, de um público que
pode ser reunido através dos meios de comunicação de massa é fundamental para a sua
pretensão de representante do interesse coletivo.
113
No campo de produção ideológica, o vínculo entre a política e a imprensa se dá,
originalmente, através dos jornais partidários. Nessa relação, a imprensa é uma atividade
subordinada à política não porque os partidos controlam as redações mas porque a forma
de inserção dos jornais no debate público ocorre mediante sua condição de representantes
destes partidos, da qual retiram a autoridade para falar publicamente.
114
112
Como afirma Adriano RODRIGUES: “Nas sociedades democráticas, generaliza-se hoje a idéia de que o
poder político tende para a transparência total dos seus atos, esquecendo que a lógica do poder, ao contrário da
lógica da informação, não é função de transparência mas do segredo, que detém o poder aquele que for detentor
do segredo” (1990:161). Nas sociedades onde o campo dos media penetra todo o tecido social, aumentando as
zonas de publicidade, “o trabalho do poder consiste, por conseguinte, em deslocar interminavelmente as zonas de
segredo.” (1990:162)
113
Segundo TARDE, a democracia de massa foi na medida em que surgiu a imprensa comercial, capaz de
reunir em um “grande público” indivíduos que estão fisicamente separados, geografia e socialmente: “O sufrágio
universal e a onipotência das maiorias parlamentares foram possíveis pela ação prolongada e acumulada da
imprensa, condição sine qua non de uma grande democracia niveladora; não digo de uma pequena democracia
limitada às muralhas de uma cidade grega ou a um cantão suíço” (TARDE, Gabriel de. A opinião e as massas.
São Paulo : Martins Fontes,1992, p. 91)
114
Robert MICHELS ilustra bem esse aspecto ao lembrar que, na imprensa partidária alemã, o jornalista, ao se
identificar “com toda a redação e até mesmo com o partido inteiro”, faz com que “sua voz” chegue “ao público
61
A situação acima se modifica com o surgimento da imprensa comercial, porque, como
vimos, com esta a mensagem partidária passa a ser deslocada ou mesmo banida em função do
privilégio dado à busca do lucro econômico.
115
Em linhas gerais, a análise de BOURDIEU
não nega esse processo, afirmando que a constituição de um campo jornalístico propriamente
dito se na medida em que emerge um mercado de bens simbólicos que permita aos jornais
se financiarem como base na sua relação com os leitores e anunciantes. Também aceita,
seguindo a análise de SCHUDSON, que a principal alternativa encontrada para o jornalismo
se firmar como um campo com relativo grau de autonomia esteve na construção e difusão dos
princípios de neutralidade e objetividade informativa.
Mas, a análise de BOURDIEU apresenta algumas particularidades. Uma delas é a
afirmação de que a constituição do campo jornalístico se deu mediante uma forte divisão
interna. Em suas palavras
o campo jornalístico constituiu-se como tal, no século XIX, em torno da oposição
entre os jornais oferecendo acima de tudo as „novidades‟, preferentemente
„sensacionais‟, ou melhor, „à sensação‟ e os jornais propondo análises e comentários
e procurando marcar sua distinção em relação aos primeiros afirmando os valores da
„objetividade‟.
116
Para BOURDIEU, essas diferenças fazem do campo jornalístico o local da oposição
entre duas lógicas distintas do fazer profissional: de um lado, o jornalismo considerado sério
ou de prestígio, mais cuidadoso com a qualidade do produto que oferece e que ocupa a
posição dominante nos critérios de notabilidade profissional; de outro lado, o jornalismo
“sensacionalista”, cuja produção pouco se guia pelas normas profissionais e que tem como
critério de avaliação “o reconhecimento pelo grande número, materializado na quantidade de
rendimento, no número de leitores, de ouvintes ou de espectadores” (1994, p. 4).
Dessa maneira, a posição de um jornal no interior do campo jornalístico e, por
consequência, no campo de produção ideológica depende de como ele é classificado frente
aos critérios do polo intelectual (prestígio entre os pares e os leitores mais qualificados) e do
polo comercial (vendagem). Mas depende também de qual desses polos é dominante em
determinado momento, ou seja, um jornal pode perder a sua importância se é apenas
reforçada por toda essa autoridade coletiva. As ideias pessoais adquirem assim um destaque e, por consequência,
uma força de repercussão que não teriam de nenhum outro modo” (MICHELS, Robert. Sociologia dos partidos
políticos. Brasília : Editora da Universidade de Brasília, 1982, p. 84).
115
Segundo CHALABY (2003), essa transformação tem início no século XIX e foi um processo originado nos
países de língua anglo-saxônica, onde os jornais, para obter fontes de renda próprias através do mercado, foram
levados a buscar sua autonomia do mundo político, estabelecendo seus próprios critérios de produção da
mensagem jornalística.
116
BOURDIEU,1994, p. 4.
62
dominante com base em sua posição no polo intelectual, e esse campo sofre uma
transformação, fazendo com que o polo comercial se torne mais importante.
117
A dominação
ideal, assim, é quando consegue atingir o topo em ambos os critérios. Para dar conta dessas
alterações de posição, conforme um agente jornalístico perde os seus trunfos (prestígio ou
vendagem) ou o valor desses trunfos muda de peso no interior do campo, o autor apresenta o
conceito de trajetória.
De outra parte, mesmo conseguindo se financiar pelo mercado, o campo jornalístico é,
para BOURDIEU, um dos espaços de produção simbólica de menor autonomia. Primeiro,
porque a sua própria produção (informações, opiniões, análises) é um subproduto da produção
dos outros campos (político, científico, literário, etc.). Segundo, porque a sobrevivência
mediante o mercado obriga o campo a se ver sempre na situação de dar conta de duas
demandas distintas: uma é a necessidade de estabelecer uma relação de confiabilidade com o
seu público leitor, tendo em vista que é do acesso a este público e, especialmente, da ascensão
sobre ele que retira a sua principal moeda de troca no campo de produção ideológica e no
universo de anunciantes; outra é a necessidade de atender ou ao menos evitar contrariar os
“interesses” (objetivos e subjetivos) desse universo de anunciantes, ou seja, dos setores de
produção, grupos ou empresas do campo econômico que financiam as suas atividades sem
esquecer que o próprio jornal, como empresa de comunicação, também faz parte desse
universo. Além disso, o campo jornalístico nunca está totalmente imune às pressões do campo
político, especialmente àquelas derivadas do Estado, detentor de uma série de instrumentos de
controle da informação e dos meios de comunicação (verbas, informações privilegiadas,
legislação regulatória, censura oficial e extra-oficial, etc.).
118
Por essa razão, BOURDIEU afirma que a autonomia relativa de um jornal varia muito
conforme a sua forma de financiamento, ou seja, diminuiu quanto mais este financiamento
depender das verbas publicitárias estatais e das verbas publicitárias privadas (especialmente se
os anunciantes privados estiverem concentrados) e aumenta quanto mais ele depender das
vendas por assinaturas ou de outras formas de financiamento direto do público leitor. Além
117
CHAMPAGNE (1994) nos oferece o exemplo do Le Monde que, mesmo não sendo um jornal de grande
tiragem, por muito tempo ocupou a posição dominante no jornalismo francês com base nos critérios de
excelência profissional, ditando as normas para o fazer legítimo da informação. Para BOURDIEU e
CHAMPAGNE (op.cit.) esse realidade estava mudando com a introdução da televisão comercial no país que
estava deslocando o polo intelectual da sua posição de dominação e impondo os critérios comerciais para todo o
universo jornalístico francês.
118
Nas palavras do autor: o “campo jornalístico tem uma particularidade: é muito mais dependente das forças
externas que todos os outros campos de produção cultural, campo da matemática, campo da literatura, campo
jurídico, campo científico. Ele depende muito diretamente da demanda, está sujeito à sanção do mercado, do
plesbicito, talvez mais ainda que o campo político” (BOURDIEU, 1997, p. 76)
63
disso, levando em conta as próprias análises de BOURDIEU e CHAMPAGNE, podemos
afirmar que, quanto mais for consolidada a posição de um periódico no interior do seu campo
de produção ou seja, quanto maior for o seu público leitor e quanto mais confiança receber
desse público menor será a sua necessidade de se submeter às pressões diretas que podem
vir do exterior do campo.
119
Em outras palavras, mesmo sendo o campo jornalístico um dos
espaços sociais de menor autonomia, quanto mais próximo um jornal estiver das posições
dominantes em seu campo e quanto mais essa posição derivar de seu capital no polo
intelectual (capital de prestígio), menos ele se submetido às pressões imediatas dos outros
campos, notadamente do político e do econômico, embora nunca esteja totalmente livre delas.
Disso tudo deriva que, para BOURDIEU, a tomada de posição dos agentes do campo
jornalístico só pode ser entendida quando levamos em conta as questões acima e que, por isso,
essas tomadas de posição são sempre estratégicas.
Estratégia é um conceito fundamental na análise de BOURDIEU e serve como chave
de leitura para a compreensão da ação dos agentes sociais no interior de seu campo. Dizer que
as suas tomadas de posição são sempre estratégicas não significa falar que são
necessariamente derivadas de um cálculo consciente, embora a existência desse cálculo não
esteja descartada. Afirmar que as tomadas de ação dos agentes culturais são estratégicas ou
seguem uma estratégia significa dizer, para o autor, que estas tomadas de posição não são
totalmente livres, mas que elas devem corresponder (dar uma resposta) a uma série de
demandas e pressões que se exercem sobre estes agentes, quer estas demandas e pressões
sejam internas ao seu campo de produção (derivadas das lutas com outros agentes, por
exemplo), quer sejam externas (derivadas dos conflitos com outros campos ou mesmo da
relação com financiadores e público consumidor).
120
No caso dos jornais, portanto, poderemos compreender as linhas de ação de um
agente considerando o conjunto de pressões derivadas da posição desse agente no campo, da
posição de seu campo frente aos demais, da sua posição diante de possíveis financiadores e
diante de seu público leitor. A estratégia do agente jornalístico individual (jornalista) ou
coletivo (jornal) surge como uma decorrência possível desse verdadeiro campo de forças,
resultante que o autor também chama de estratégia discursiva, na medida em que estas
119
Isso está especialmente na análise que CHAMPAGNE faz do campo jornalístico francês e da posição
dominante do Le Monde em seu interior. Ver: CHAMPAGNE, op.cit.
120
Para BOURDIEU, embora o cálculo consciente não esteja descartado, em boa parte das vezes os agentes de
um campo respondem a estas pressões a partir da sua incorporação em esquemas de pensamento, como as
categorias profissionais do jornalista, que lhe permite uma forma de ver a realidade já adequada às demandas que
têm de atender no interior de seu campo de produção. Ver, sobre isso, BOURDIEU, 1997, p. 55-58.
64
demandas acabam por se inserir, de uma forma ou de outra, na sua fala, no seu discurso,
mesmo que implicitamente, naquilo que ele deixa de mencionar, por exemplo.
121
Isso deve ficar bem claro, porque, quando vamos considerar a tomada de posição dos
jornais em relação aos programas econômicos, não devemos esperar que eles sigam
necessariamente uma argumentação coerente e teoricamente bem fundada. A busca da
coerência, do rigor e dos argumentos bem fundamentados é própria do campo acadêmico, da
luta entre intelectuais, cientistas e seus pares. No campo jornalístico, essa argumentação segue
uma lógica muito mais flexível, de adaptação à realidade concreta, à necessidade de atender
às suas demandas específicas, quer estas venham do próprio campo, do universo político, do
econômico ou mesmo da relação com o público leitor. Compromissos que inexistem ou são
bem menos relevante no universo fechado das academias e das revistas científicas.
Após toda essa argumentação, vem, entretanto, uma questão fundamental: não
obstante a importância dessas observações para a nossa pesquisa, devemos considerar que,
conforme a própria análise de BOURDIEU, a imprensa brasileira e carioca dos anos 50 ainda
não pode ser considerada compondo um campo, ao menos com o grau de autonomia que a
constituição de um mercado de bens simbólicos, ainda incipiente no Brasil, poderia lhe
fornecer. Ademais, a própria incorporação parcial e deturpada dos critérios de objetividade
jornalística, como mostrou a pesquisa de Ana RIBEIRO, seria um grande limitador dessa
autonomia.
Mas deveríamos concluir daí, como faz a autora, que o campo jornalístico era
totalmente subordinado ao político e ao literário, não tendo especificidade própria?
Ao nosso entender, consideramos sustentável responder negativamente a esta questão.
Ou seja, mesmo que o mercado de bens simbólicos ainda estivesse em construção e que a
incorporação dos princípios de objetividade fosse apenas parcial, achamos pertinente afirmar
121
Sobre isso, o autor nos oferece um exemplo bem ilustrativo, no qual analisa um debate televisivo sobre um
tema polêmico, procurando desvendar as estratégias empregadas por agentes do campo jornalísticos, políticos e
da ciência social: “De fato, a cena que se representa no palco, as estratégias que os agentes empregam para levar
a melhor na luta simbólica pelo monopólio da imposição do veredicto, pela capacidade reconhecida de dizer a
verdade a respeito do que está em jogo no debate, são expressão das relações de força objetivas entre os agentes
envolvidos e, mais precisamente, entre os campos diferentes em que eles estão implicados e em que ocupam
posições mais ou menos elevadas. Dito por outras palavras, a interação é a resultante visível e puramente
fenomênica, da interseção entre campos hierarquizados. (...) As estratégias discursivas dos diferentes atores, e
em especial os efeitos retóricos que têm em vista produzir uma fachada de objetividade, dependerão das relações
de força simbólicas entre os campos e dos trunfos que a pertença a esses campos confere aos diferentes
participantes ou, por outras palavras, dependerão dos interesses específicos e dos trunfos diferenciais que, nesta
situação particular de luta simbólica pelo veredicto neutro, lhe são garantidos pela sua posição nos sistemas de
relações invisíveis que se estabelecem entre os diferentes campos em que eles participam” ( BOURDIEU, 1989,
p. 55-56).
65
que a imprensa carioca dos anos 50 não pode ser considerada como totalmente subordinada ao
universo político, sem uma forma própria de inserção no debate público e sem nenhuma
especificidade como campo de produção.
Para entendermos isso, primeiro devemos levar em conta que o processo de
constituição do campo jornalístico nem sempre seguiu o modelo anglo-saxão, ao menos no
mesmo ritmo. Como o próprio BOURDIEU salienta sobre outros campos de produção
culturais (1987, p. 140), devemos considerar o modelo descrito acima como uma construção
limite, ou seja, como um parâmetro para orientar a análise, que a constituição concreta do
campo jornalístico em uma formação econômico-social específica obedece às particularidades
históricas da mesma, podendo apresentar diversas variações e combinações.
Esse é o caso do próprio modelo francês, no qual a emergência do campo jornalístico
se deu de forma diferente (BOURDIEU, 1994, p. 4), porque os valores anglo-saxões entraram
tardiamente e deram origem, além de uma grande resistência,
122
a formas totalmente novas do
fazer profissional (FERENCZI, 1993). Na imprensa francesa, permaneceu uma combinação
entre o jornalismo combativo e o doutrinário, chamado de jornalismo de tribuna, com a
entrada, paulatina e indireta, das normas do jornalismo empresarial anglo-saxão. Isso não
impediu que, na opinião de autores como o sociólogo Gabriel TARDE, a imprensa não
conseguisse buscar a sua própria forma de inserção na esfera pública e, assim, escapasse à
subordinação completa da política.
Mais do que isso, segundo esse autor, é antes a política que se obrigada a se
modificar perante a emergência de um “jornalismo combativo”, mas sem dependência com
partidos, a fim de se adaptar a nova lógica das “sociedades de massa”.
123
O que ao que ele
chama de “publicista”, ou seja, o responsável pela “mediação” entre o político e o “grande
público”, um enorme poder sobre todo o debate público, devido a sua capacidade inigualável
122
No artigo em que compara a emergência do jornalismo na França e nos Estados Unidos, CHALABY constata:
“Cerca de 1890, quando as práticas jornalísticas americanas começaram a ser relativamente espalhadas em
França, eram, ainda, percebidas como algo estrangeiro e nefasto. Em 1888, Émile Zola, escritor e jornalista,
expressava o seu desconforto com o facto de „o fluxo incontrolado de informação levado ao extremo… estar a
transformar o jornalismo, a matar os grandes artigos de discussão, a crítica literária, e a dar cada vez mais
importância aos despachos noticiosos, a notícias triviais e aos artigos dos repórteres e dos entrevistadores‟”
(2003, p. 36).
123
Referindo-se à imprensa francesa do século XIX, TARDE afirma: “A imprensa mobiliza tudo o que ela toca e
vivifica, e não há aparente igreja tão imutável que, a partir do momento em que se submete à lógica da
publicação sem interrupção, não dê sinais visíveis de mutações interiores impossíveis de dissimular. Para
convencermos dessa eficácia ao mesmo tempo dissolvente e regeneradora inerente ao jornal, basta comparar os
partidos políticos de antes do jornalismo com os partidos políticos do presente. Não eram eles, outrora, menos
ardentes e mais duradouros, menos agitados e mais tenazes, mais inextensíveis e infrangíveis, mais refratários as
tentativas de renovação ou de esfacelamento? (...) Nada era mais raro, na antiga França, que o surgimento de um
novo partido; em nossa época, os partidos estão em remanejamento perpétuo, em palingenesia e geração
espontânea" (TARDE, op.cit.,p.47)
66
de criar e mobilizar uma “opinião pública”:
Estes [referindo-se aos publicistas], bem mais que os homens de Estado, mesmo
superiores, fazem a opinião e conduzem o mundo. E, quando se impõem, que trono
sólido é o deles! Compare-se ao desgaste tão rápido dos homens políticos, mesmo
dos mais populares, o reinado prolongado e indestrutível dos jornalistas de grande
talento, que lembra a longevidade de um Luís XIV ou o sucesso indefinido dos
ilustres autores de comédias e tragédias. Não existe velhice para esses autocratas.
124
Esse caso é muito semelhante à realidade brasileira da década de 1950, na qual os
jornais combinavam diferentes estratégias de fazer jornalismos, inspirados na tradição
francesa (SILVA, 1991).
Conforme vimos na unidade anterior, o jornalismo carioca deste período apresentava
características híbridas e contraditórias: para alguns autores (GOLDENSTEIN, 1987; ABREU
& LATTMAN-WELTMAN, 1998; RIBEIRO, 2003), passava por um momento de transição
entre o jornalismo político e o empresarial; para outros (SODRÉ, 1983; Lavina RIBEIRO,
2004), esta mudança havia começado no início do século XX e os jornais (especialmente
para Lavina RIBEIRO) combinavam, em uma fórmula particular, o jornalismo combativo
com o jornalismo comercial, visto que a grande imprensa procurava se organizar com
maior ou menor sucesso como empresa jornalística.
125
Como vimos com ABREU & LATTMAN-WELTMAN, essa imprensa combativa e
engajada, entretanto, não pode ser definida como jornalismo partidário, pois os jornais não
estavam vinculados a partidos. Para compreendermos a lógica de funcionamento dessas
publicações, precisamos fazer algumas considerações.
Primeiro, é necessário fazer uma separação formal entre o que podemos chamar de
jornal partidário, cuja inserção no debate público se mediante a condição de órgão de
partido, e o que podemos considerar como jornal doutrinário ou de tribuna.
126
Este último,
apesar de combativo e polêmico, não legitima a sua participação no debate público através de
um vínculo oficial com um partido, mas sim da sua identificação com bandeiras e campanhas
124
TARDE, op.cit., 44.
125
Lavina RIBEIRO descreve da seguinte forma esta combinação de elementos, na década de 1950: “Havia,
basicamente, dois processos simultâneos no interior da prática jornalística. O primeiro, relativo à ampliação da
base de capital (publicidade, assinaturas, classificados, venda avulsa, financiamentos privados e estatais), à
racionalização da sua estrutura organizacional interna (centralização, hierarquização e especialização das
funções) e dos processos de construção do texto jornalístico (diversidade formal e temática, cultivo de fontes,
filtros da informação, ética do profissionalismo e definição de linhas editoriais). O segundo, sua intensa
participação no cenário político” (2004, p. 297).
126
Podemos encontrar um exemplo do emprego dessa diferença nos trabalhos de ALVES (2001a e 2001b) sobre
os jornais rio-grandinos, especialmente o Diário do Rio Grande, cuja inserção na esfera pública se dava como
um jornal que defendia uma doutrina em prol do bem comum e não de um partido. Muito embora, no período
imperial, tivesse convergência entre a doutrina da “ordem” que o jornal defendia e o Partido Conservador, nem
sempre as posições coincidiam.
67
políticas que procura associar ao bem da coletividade.
Lavina RIBEIRO nos oferece um bom exemplo desta postura, ao afirmar que parte do
jornalismo brasileiro, ainda na Primeira República, tentou construir, para os leitores, sua
inserção institucional no debate público através da combatividade política em nome de linhas
de pensamento ou bandeiras coletivas que desejava fazer vitoriosas, sem vínculo com
partidos. Uma das formas de realizar essa tarefa, segundo a autora, estava no empenho dos
jornais em liderar campanhas de caráter coletivo, através das quais pudessem ser reconhecidos
pelo seu “compromisso com o bem público”. Isto fez com que, segundo Lavina RIBEIRO, se
podia encontrar periódicos como O País, ligados ao governo,
observa-se que muitos dos jornais de porte empresarial participaram ativamente no
cenário político da época, para além das orientações desejadas pelo Estado. Foram
responsáveis por alguns movimentos de grande participação popular (como, por
exemplo, no evento da Revolta da Vacina) e conseguiram manter um público-leitor
relativamente solidário aos termos fixados por suas políticas editoriais.
127
Dessa forma, voltando ao universo conceitual de BOURDIEU, podemos então aceitar
que o jornalismo doutrinário ou de tribuna, embora não se guie primordialmente pelos
critérios de objetividade e neutralidade jornalística, também procura construir uma forma de
inserção específica no campo de produção ideológica, a qual se mediante a sua
identificação com doutrinas e campanhas políticas e não com agremiações partidárias.
Disso deriva que a participação desse tipo de jornal na esfera de debate, por mais que
possa se assemelhar à postura de um “partido”, não deve se confundir com ela, porque esta
imprensa de tribuna deve seguir sua própria linha de inserção institucional. Mesmo que a
atuação de um destes jornais possa coincidir com a linha de ação de um partido com o qual se
aproxima ideologicamente, muitas vezes o compromisso do jornal com determinadas
bandeiras ou campanha histórias, a partir das quais constrói a sua relação de legitimidade com
o seu público, o obriga a entrar em choque com este grupo político ou adotar uma estratégia
conciliatória ou intermediária, para não depreciar o seu capital de credibilidade junto aos
leitores. O que leva a aceitar que a compreensão das tomadas de posição dos jornais nesse
espaço deve também incorporar, não sua trajetória ascendente ou descendente, mas as
próprias tomadas de posição com que tradicionalmente eles se identificam.
127
RIBEIRO, 2004, p. 146. Além disso, a possibilidade de construção da especificidade institucional da
imprensa mediante campanhas públicas, apesar de inicialmente mobilizar apenas alguns periódicos, acabou
afetando todo o espaço jornalístico, pois “mesmo integrando a hoste governista, os jornais viam-se
necessariamente constrangidos a participar do embate de opiniões e informações promovido pelos diversos
outros (sic) jornais de maior circulação” (loc.cit., p. 146).
68
Da mesma maneira, não se deve esquecer que o jornal normalmente se encontra
submetido a demandas de ordens distintas, oriundas dos diferentes interesses e pressões que
sobre ele se exercem (econômicas, políticas, doutrinárias). Essa situação é muito própria da
realidade brasileira da década de 1950, na qual, como vimos, conviviam, de forma combinada
e contraditória, diferentes modelos do fazer jornalístico. Em consequência, a interferência do
provável compromisso de um jornal com “bandeiras” e “campanhas” deve ser visto a partir do
conceito de estratégia que abordamos anteriormente, ou seja, sempre combinando diferentes e
contraditórias demandas que se exercem sobre o discurso de um jornal.
Por outro lado, não podemos descartar, como apontam muitas análises,
128
que o
próprio sucesso da imprensa de tribuna em se estabelecer publicamente como uma instância
combativa, mas separada de partidos, favorecia a possibilidade de grupos políticos ou
econômicos tentarem criar ou financiar um jornal “independente” a fim de fazer valer seus
interesses de forma mais eficaz. Mesmo nesse caso, a distinção que estabelecemos continua
pertinente, porque, apesar dos vínculos que prendem um jornal fora de seu espaço de
produção, ele está obrigado a construir a sua autoridade frente aos leitores e aos demais
agentes sociais a partir das regras de inserção institucional do campo jornalístico e não de
outro. Em qualquer uma das situações, o poder do jornal em interferir no debate público
depende da relação de confiança que estabeleceu com seu público, cuja construção e
manutenção exigem certos compromissos, os quais não podem ser totalmente abandonados
sob pena de degradá-la. Não devemos esquecer que a essência do jornal é o texto e a relação
com o leitor é a base da sua força institucional e, diferente do agente político, cujo veredicto
eleitoral ocorre em interregnos de quatro ou mais anos, o jornal tem que prestar contas à sua
clientela diariamente.
Em resumo, mesmo que o jornalismo ainda não corresponda à condição de uma
instância neutra e objetiva voltada para a informação e procure construir sua inserção no
debate público através da combatividade política, a lógica de funcionamento do campo
jornalístico e a do campo político não se sobrepõem totalmente. Além disso, ainda se
aceitarmos que, nos anos 50, o campo jornalístico, em função de seu baixo grau de autonomia
financeira e institucional, pudesse ocupar uma posição inferior em relação ao campo político,
isso não implicaria em submissão total (“servilismo da imprensa”).
Ademais e esse ponto é fundamental mesmo que use um “regime discursivo” e
uma forma de inserção no debate público aproximado ao do jogo político, isso não significa
128
GOLDSTEIN, op.cit., ABREU&LATMAN-WELTTMAN, 1994, BARBOSA, op.cit., etc.
69
obrigatoriamente total subordinação dessa “imprensa de tribuna” ao campo político. Ao
contrário, pode gerar constantes conflitos entre os agentes do campo jornalístico e os demais
agentes do campo de produção ideológica na luta pela condição de interlocutor mais
autorizado da “coletividade” na esfera de debates: apesar de não disporem da autoridade
derivada da representação legal que o político pode obter por meio do voto, os agentes
jornalísticos, ao pretenderem ocupar uma posição intermediária ou de intermediação entre o
corpo político e o corpo social, acabam muitas vezes por disputar com esse corpo político a
condição de defensor mais legítimo do “interesse coletivo”. Disputa que seguidamente leva o
próprio campo jornalístico a produzir um efeito de corrosão do capital de credibilidade da
política (políticos, partidos, instâncias representativas) como forma adequada e eficaz de
representação da coletividade.
129
Os elementos expostos acima constituem um esboço das características e necessidades
derivadas da inserção institucional de um jornalismo que se diz doutrinário ou de tribuna, com
base nas categorias conceituais de BOURDIEU. No entanto, como alerta o próprio autor,
trata-se de um modelo de comportamento, ou seja, de uma construção limite para
interpretação da realidade que oferece parâmetros de comparação, mas que não pode ser
confundida com a realidade concreta, normalmente mais complexa e contraditória.
De qualquer maneira, este esboço é suficiente para orientar a compreensão da forma
específica de comportamento do jornalismo de tribuna ou doutrinário no debate público diante
de outros modelos de imprensa, como a empresarial e a partidária.
129
CHAMPAGNE, op.cit., pp. 137 e 193.
70
1.4 Os jornais Correio da Manhã, Jornal do Brasil, O Jornal e O Globo um campo
jornalístico em construção
Para encerrarmos este capítulo, iremos fazer uma pequena descrição de cada um dos
jornais selecionados para esta pesquisa, procurando compreender como eles se situavam no
interior desse campo jornalístico e quais são as principais interpretações sobre as suas
tomadas de posição frente ao governo Vargas e a sua política econômica.
Correio da Manhã
130
O Correio da Manhã era um dos jornais mais tradicionais da imprensa carioca nos
anos 50. Impresso matutino, contava com dois cadernos, sendo que o primeiro ficava
reservado aos assuntos políticos e o segundo era voltado mais para temas do cotidiano da
cidade, às notícias culturais e às esportivas.
O primeiro caderno, composto por oito ou doze páginas, seguia um modelo bastante
“clássico”, destinando a capa e a manchete, normalmente, para o noticiário internacional,
como faziam os jornais considerados “sérios” ou de prestígio no período. Ao noticiário
nacional era reservada a contra-capa e, no geral, três ou quatro páginas no interior da edição.
Excepcionalmente, alguma notícia nacional podia ocupar a primeira página e a manchete, mas
era uma situação muito rara.
Os espaços de opinião eram bastante destacados. Artigos assinados de intelectuais e
personalidades ilustres ocupavam a página dois, como Frederico Augusto Schmidt e o
economista Eugênio Gudin. Na página quatro, ficavam os editoriais do jornal, normalmente
compostos por um texto maior e em destaque, à esquerda, e alguns textos menores abaixo.
Também tínhamos a prestigiosa coluna não assinada Tópico&Notícias e, em alguns dias da
semana, o artigo assinado do editor-chefe do jornal, até 1953, o influente Costa Rego.
Em termos de visual e de linguagem, o Correio da Manhã seguia um modelo
conservador, com uma diagramação pesada, composta majoritariamente por texto e com
pouco uso de imagem. A linguagem era bastante elaborada, com reportagens e editoriais
normalmente bem escritos, mas que evitavam muitos excessos verbais, fruto do empenho do
130
Sigo aqui informações contidas no verbete sobre o Correio no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro,
DHBB, op.cit., pp. 1625-1632, nas observações contidas na obra de SODRÉ (1983) sobre o jornal, na pequena
trajetória do periódico descrita na edição dedicada ao mesmo da série Cadernos de Comunicação Série
Memórias publicação da Secretaria Especial de Comunicação Social da Prefeitura do Rio de Janeiro, 1985 e
na pesquisa de Ana RIBEIRO, 2007.
71
editor, que contratou uma forte equipe de repórteres, articulistas e redatores, entre os quais
estavam Graciliano Ramos e Aurélio Buarque de Holanda, responsáveis pela revisão
(RIBEIRO, 2007, p. 66).
No que se refere ao público leitor, embora não se disponha de dados confiáveis, os
principais analistas e relatos de época, afirmam que o CM, apesar de ter uma origem mais
popular, nos anos 50 estava voltado para a elite, sendo o mais “elitista” entre os diários
cariocas, concentrando o seu público na “alta burguesia e classe média alta”.
131
Era, também,
um dos jornais de maior tiragem, com média de 70 mil exemplares/dia.
Não existem, porém, dados precisos sobre o financiamento do jornal, mas conforme
vimos anteriormente, no final da década de 50, a sua principal fonte de receita estava nas
verbas publicitárias. Conforme o levantamento apresentado por Ana RIBEIRO, com base em
uma tabela da publicação Anuário de Propaganda, sobre a parcela de cada jornal na
publicidade distribuída nos anos 50, o Correio ocupava o segundo lugar, logo atrás de O
Globo. Ademais, conforme os dados apresentados por esta mesma autora sobre a distribuição
dos anúncios, os artigos anunciados no CM se encontravam especialmente entre os “produtos
e serviços para a classe alta” (automóveis de luxo, iates, moda, decoração, objetos de arte) e
“produtos e serviços para a classe média superior” (automóveis, televisão, geladeiras,
máquinas de lavar, móveis).
132
De todos os jornais do Rio, o Correio da Manhã era considerado o mais prestigiado.
Isso pela qualidade de seu texto e dos profissionais da redação. Mas também pelas posições
políticas que tomava.
133
Desde sua fundação, em 1901, por Lúcio Bittencourt, ficou marcado
por ser um periódico de extrema combatividade na arena de debate, sustentando campanhas
públicas, como o boicote à vacinação obrigatória em 1904, mas sem se vincular ou se
subordinar a partidos ou grupos políticos. Ao contrário, em uma época em que a imprensa
brasileira era acusada de adesismo ao governo, trilhou, muitas vezes solitariamente, o
131
Conforme RIBEIRO, 2007, p. 65,
132
Idem, p. 188. Nesse levantamento, a autora apresenta os dados correspondentes à Anuário Brasileiro de
Imprensa (ANI), de 1953. Na tabela que contém esses dados, são disponibilizados 4 categorias de produtos:
“produtos e serviços para a classe alta”, “produtos e serviços para a classe média superior”, “produtos e serviços
para a classe média inferior” e “produtos e serviços para a classe operária”, onde são dispostos alguns exemplos
dos artigos correspondente a cada categoria, mas não é disponibilizada os critérios para a classificação não a
metodologia empregada para se fazer o levantamento.
133
Conforme depoimento do jornalista Carlos Heitor Cony: “Trabalhava em outros jornais e percebia que o
pessoal do Correio da Manhã era o mais prestigiado nas salas e comitês de imprensa da época. Muitas vezes,
uma autoridade, um político, um artista de renome dava uma entrevista coletiva mas todos percebiam que o
entrevistado estava falando apenas para o Correio” (Cadernos de Comunicação, 1985:56). Ou ainda conforme o
jornalista e político, Marcio Moreira Alves: “O Correio da Manhã foi, durante 50 anos, num tempo em que não
existiam rádio nem TV, o jornal político mais influente do Brasil. Era mais do que um jornal” (ibid., p.63).
72
caminho da oposição aos presidentes da República Velha.
Durante o primeiro governo Vargas, fez oposição ao presidente e ficou famoso por
dois episódios de desafio à censura estatal: em um deles, em 1937, lançou, em um polêmico
editorial, a candidatura de José Américo de Almeida à Presidência da República, encampando
o seu nome; em 1945, protagonizou o “furo” à censura getuliana, ao publicar uma entrevista
com o mesmo José Américo, reclamando pelo retorno de eleições. Muito embora a
interpretação desse episódio gere controvérsia, parte da literatura atribui ao mesmo grande
responsabilidade pelo desencadeamento da redemocratização.
134
No período democrático, o Correio apoiou as candidaturas de Eduardo Gomes à
Presidência da República, mas nunca teve vínculos diretos com a UDN. Ao contrário, o então
proprietário do jornal, Paulo Bittencourt, rompeu com Gomes, seu amigo pessoal, quando este
tentou fazer do jornal um órgão udenista em apoio às atitudes do partido no jogo político.
Conforme o verbete do DHBB, durante este episódio: “O jornal insistia no que denominava
„ortografia da casa‟, ou seja, em sua linha política sem compromissos com quaisquer partidos
e orientada por uma nítida inspiração liberal.”
135
Se considerarmos válidas essas características, não fica difícil perceber que o Correio
da Manhã ocupava uma posição de destaque no interior do campo jornalístico do período e,
especialmente, no campo de produção simbólica, sendo que as suas tomadas de posição,
devido ao prestígio adquirido pelo próprio jornal, tinham um forte poder legitimador das
causas que defendia. Em outras palavras, era o jornal melhor posicionado, se levarmos em
conta os dois polos de legitimação do campo desenvolvidos por BOURDIEU (prestígio e
vendagem), apresentando uma posição dominante e uma trajetória ascendente consolidada nos
anos 50.
Não temos, entretanto, muitas informações sobre quais seriam as “causas” defendidas
por este jornal no período estudado. Segundo alguns autores, nos anos 50, ele adotava uma
postura política moderada e fazia apologia da sua falta de compromisso com partidos.
136
Era
considerado, porém, um jornal antivarguista, tendo se oposto à sua candidatura à Presidência,
em 1950, e adotado uma das posturas mais radicais para a sua saída na crise que encerrou o
governo.
137
Em termos de orientação doutrinária, não existem estudos a respeito. O jornal é
134
DHBB, p. 1628.
135
Idem, p. 1629.
136
RIBEIRO, 2007, p. 65.
137
ABREU&LATTMAN-WELTMAN, 1994.
73
considerado, de forma genérica como “liberal”, embora sem que se especifique muito em que
sentido se empregue esse conceito. Em relação à sua posição frente à política econômica do
Segundo Governo Vargas, o DHBB afirma o seguinte: “A despeito de seu oposicionismo, o
Correio da Manhã exerceu grande influência durante o Segundo Governo Vargas, chegando
a pesar nas decisões políticas. Sendo inteiramente contra o monopólio estatal do petróleo”. O
Dicionário ainda lembra que o CM publicou uma entrevista com o mr. Anderson, presidente
da Standar Oil,
em que chegava a defender, com base em seus pressupostos liberais, um princípio de
reciprocidade no que se referia à exploração do petróleo no Brasil, da mesma forma
que os brasileiros o poderiam fazer nos Estados Unidos. No entanto, uma vez criada
a Petrobras, o jornal passaria a defender-lhe 'o imenso patrimônio, propriedade do
povo brasileiro, contra a exploração política'
138
.
Argumenta-se, também, que, “a partir do decreto de janeiro de 1952, impondo um
limite de 10% para as remessas de lucros, o Correio tornou a atacar Getúlio Vargas,
acusando-o de inclinar-se para a esquerda,” embora não haja informação sobre o
posicionamento do jornal frente ao próprio decreto ou outros programas do Executivo.
139
Jornal do Brasil
De todos os jornais pesquisados, o Jornal do Brasil era o mais antigo, tendo sido
fundado em 1891. Nos anos 50, o JB apresentava uma composição editorial e gráfica bastante
peculiar. Era um órgão matutino, dividido em dois cadernos, como o Correio da Manhã,
dedicando o primeiro ao noticiário nacional e internacional e, o segundo, a assuntos de
cotidiano, esportes e cultura. Mas, em seu primeiro caderno, este diário reservava as quatro
páginas iniciais para a publicação de classificados populares. Na primeira, havia ainda um
pequeno espaço para a chamada de matérias contidas no interior da edição, sendo que a
manchete era sempre ligada a assuntos internacionais. A política nacional ocupava a contra-
capa e as páginas adjacentes. A página cinco era totalmente destinada à opinião, com
editoriais, colunas e artigos assinados.
A estratégia de ocupar as quatro primeiras páginas do jornal com anúncios
classificados foi adotada nos anos 30, como uma alternativa para superar a crise financeira
pela qual passava o JB, prática que iria perdurar até 1956, quando o jornal irá sofrer uma
profunda reforma que se tornou uma das experiências pioneiras de introdução do modelo
norte-americano de jornalismo no país.
138
DHBB, op.cit., 1629.
139
Idem.
74
A adoção do esquema de classificados, inovador para os anos 30, vai conseguir manter
o JB com relativa autonomia financeira, sendo apontado, pelos especialistas,
140
como o único
dos grandes diários que, nos anos 50, não dependia da publicidade para o seu financiamento,
sendo bancado pelos classificados e pela venda aos leitores. Esse aspecto pode ter tornado
este jornal um dos raros periódicos no universo jornalístico do período pouco dependente das
pressões externas vindas dos anunciantes, embora, nos dados apresentados por Ana RIBEIRO
sobre a divisão da publicidade em 1950, ele ocupe o quarto lugar como captador desses
recursos, o que não era uma posição a ser desconsiderada.
De qualquer maneira, segundo os analistas, as opções editoriais e comerciais do JB
vão fazer este impresso perder prestígio na condição de órgão noticioso e de influência nos
acontecimentos políticos.
141
Além disso, durante os anos 50, ele começa a apresentar uma
sensível queda em sua tiragem, que vai passar de 60 mil exemplares/dia, em 1951, para 40
mil, em 1954. Ou seja, em termos de campo jornalístico, percebemos que o jornal transcorre
uma trajetória bastante descendente, que só vai reverter com a reforma de 1956.
142
Por outro lado, a posição do JB parece ser bastante peculiar em termos de público
leitor, na medida em que, dos grandes jornais, é considerado o mais identificado com as
“camadas de menor renda”, onde encontraria parte de seus leitores e, especialmente, os
consumidores dos classificados. Essa identificação com as camadas mais populares vai,
inclusive, render-lhe o apelido pejorativo de “jornal das cozinheiras”.
143
O que talvez se
refletisse na publicidade que ele atraía. Pois, conforme informação disponibilizada pela
pesquisa de Ana RIBEIRO, o JB está presente nas três últimas categorias elencadas
(“produtos e serviços para a classe média superior”, “produtos e serviços para a classe média
inferior” e “produtos e serviços para a classe operária”) e ausente na primeira (“produtos e
serviços para a classe alta”).
144
Porém, essa mesma “inclinação popular” não parece se refletir
na linguagem e na diagramação do jornal, que seguia o padrão da grande imprensa, com
textos rebuscados e pouco uso de fotografias e outra imagens, o que iria mudar com a
renovação de 1956.
Para entendermos melhor a trajetória deste impresso e suas bandeiras tradicionais, é
bom termos em conta um pouco da sua história. Este jornal, como vimos, foi fundado em
1891, logo após a Proclamação da República, por um grupo político vinculado ao Império
140
RIBEIRO, 2007, p. 155 e DHBB, op.cit..
141
DHBB, op.cit., p 2869.
142
RIBEIRO, 2007, p. 60.
143
DHBB, loc.cit.
144
RIBEIRO, 2007, p. 188-189.
75
recém-terminado. Mas os excessos de combate ao regime republicano teriam trazido
impopularidade ao jornal, que foi depredado por uma multidão e, logo depois, vendido para
uma sociedade anônima.
145
A partir de 1894, o JB adotou uma nova postura, abandonando os debates políticos
inflamados de outrora e procurando se colocar como “popular”, ou seja, “como defensor dos
oprimidos e divulgador de suas queixas e reclamações (…), voltando-se basicamente para os
assuntos cotidianos da cidade de interesse das massas”, como notícias sobre carnaval, festas
populares e
as denúncias das condições de vida das populações menos favorecidas. Surgiram as
colunas e seções 'O bife', 'Os crimes de polícia', „Subúrbios' e outras, todas voltadas
para os problemas e as reivindicações das populações periféricas. O jornal adquiriu
amplo prestígio entre as camadas populares, a ponto de muitas pessoas a ele
recorrerem para registrar suas denúncias.
146
Segundo o DHBB, nessa fase, o jornal passou a caracterizar-se mais como um órgão
informativo do que opinativo e a preocupação com as camadas populares levou aos demais
impressos a chamarem, jocosamente, o JB de “O Popularíssimo”, epíteto que ele adotou
como uma forma de autopromoção. Nesse período, o jornal procurou renovar-se
graficamente, tornando-se o diário mais moderno e inovador da virada do século XIX para o
XX.
147
Mas as dívidas adquiridas com a renovação do parque gráfico trouxeram aos seus
proprietários grandes dificuldades financeiras, levando a sua venda para um dos seus
credores, o futuro conde papal Pereira Carneiro, que manteria o controle do jornal até 1954,
ano de sua morte.
Daí para diante o jornal vai procurar tomar posturas políticas contidas e manteria uma
linha ligada ao conservadorismo católico, que permaneceria até a reforma de 56.
148
Durante os
anos 30 e 40, segue uma conduta moderada frente ao governo Vargas. Não apoiou a Aliança
Liberal em 1930, sendo, por isso, empastelado, o que o levou a adotar uma posição mais
cautelosa com o novo presidente. Apoiou Vargas no golpe de Estado em 1937 e manteve uma
política de conciliação com ele, durante os anos de 1937 a 1945, endossando, porém, a
deposição de Getúlio, neste último ano, sem se envolver excessivamente na questão.
149
Segundo o DHBB, o JB irá dar “discreto apoio a Eduardo Gomes em 1950”, mas se
colocar a favor da legalidade diante da “tese da maioria absoluta da UDN”. Durante o
145
DHBB, op.cit., 2868.
146
DHBB, loc.cit.
147
SODRÉ, op.cit.
148
DHBB, op.cit., 2869.
149
DHBB, loc.cit.
76
governo Vargas, é considerado um jornal neutro ou de oposição moderada ao presidente.
Em relação ao posicionamento doutrinário do jornal até este período, temos poucas
informações disponíveis. Afirma-se que o JB era liberal, católico e conservador.
150
Mas não
se tem dados sobre o seu ponto de vista no que se refere a programas econômicos. Em relação
ao Segundo Governo Vargas, o DHBB apenas informa, de maneira um pouco confusa, que:
Iniciando o segundo governo Vargas, o jornal discutiu sua política econômica anti-
inflacionária. Em relação ao debate entre Horácio Lafer, ministro da Fazenda, e
Ricardo Jafet, presidente do Banco do Brasil, o jornal apoiou a posição ortodoxa do
primeiro, que pregava o combate à inflação através da restrição do crédito.
O Dicionário ainda salienta que, na área trabalhista, o JB “fez restrições à atuação de
João Goulart no Ministério do Trabalho, sem, contudo, radicalizar as suas críticas, temendo
desagradar seus leitores, que em sua grande maioria, segundo Martins Alonso, eram 'gente do
povo'.”
151
O Jornal
O Jornal era o carro-chefe da cadeia Diários Associados, pertencente ao
megaempresário da comunicação, Assis Chateaubriand, que tinha uma rede formada, nos anos
50, por 28 jornais, três revistas (dentre elas, O Cruzeiro) e 19 estações de rádio, aos quais
ainda foi incorporada a TV Tupi, no Rio de Janeiro, em 1950. Além de advogado, senador da
República pelo PSD e jornalista, Chateaubriand era também proprietário de fazendas e dono
dos laboratórios Shering, tendo ficado conhecido por empregar o seu império da comunicação
para obter benefícios políticos e econômicos.
O impresso de Chateaubriand seguia o mesmo padrão dos grandes jornais estudados
no período: divido em dois cadernos. No primeiro, o predomínio era do noticiário
internacional na capa e na manchete, sendo as notícias nacionais na contra-capa e nas páginas
próximas. Como o Correio da Manhã, a página quatro era reservada à opinião, onde
podíamos ler os editoriais do jornal, alguns artigos assinados por jornalistas importantes da
casa, como Theophilo Andrade e, em alguns dias, os próprios escritos de Chateaubriand.
Nos anos 50, O Jornal não era um diário de grande projeção. Sua tiragem ficava em
torno de 60 mil exemplares/dia e não era apontado como um dos impressos de maior prestígio
político e jornalístico ao contrário do Correio da Manhã , muito provavelmente pelas
próprias posturas controvérsias de seu proprietário. Na verdade, em termos de influência, a
posição deste impresso era reforçada pela condição de “órgão líder” dos Diários Associados,
150
Idem.
151
Ibidem.
77
título que constava em sua capa, embora, conforme Ana RIBEIRO, essa liderança se
restringisse “ao papel de paradigma que era reservado na cadeia e se exercia mediante a
transcrição dos artigos de Chateaubriand estava e de outros redatores e colaboradores de
projeção” (2007, p. 78).
Em relação ao financiamento de O Jornal, as informações são muito imprecisas, não
havendo dados concretos publicados sobre as suas receitas ordinárias. Provavelmente, era
uma combinação entre publicidade, vendas e a entrada de recursos “extras" obtidos por seu
proprietário. Em termos concretos, no levantamento apresentado por Ana RIBEIRO sobre a
divisão das verbas publicitárias, nos anos 50, O Jornal ocupa apenas a quinta posição, com
cerca de pouco mais da metade dos recursos obtidos por O Globo e ficando atrás do próprio
JB. A respeito da sua distribuição entre os produtos anunciados, o diário de Assis
Chateaubriand se encontra nas quatro categorias elencadas na tabela apresentada por Ana
RIBEIRO.
152
Todos esses elementos colocariam O Jornal ocupando uma posição intermediária no
campo jornalístico da década de 50, com tendência descendente. Na verdade, o seu peso nesse
campo dependia mais da rede a qual estava associado do que propriamente a do seu poder de
influência na definição do politicamente pensável no período estudado.
No que se refere ao posicionamento político do periódico e, especialmente, ao seu
relacionamento com Vargas, Chateaubriand manteve, com os seus jornais, momentos de
aproximação e distanciamento de Getúlio. Deu grande apoio à Aliança Liberal, em 1930, mas
também endossou a Revolução Constitucionalista, de 1932, o que acabou lhe custando o
confisco do seu jornal e o seu exílio. A fim de reaver o controle do diário, Chateaubriand
procurou reaproximação com Getúlio, evitando conflitos com ele durante o resto do seu
primeiro governo.
153
Os anos 50 iriam provocar uma reaproximação entre Assis Chateaubriand e Vargas,
pois, dos jornais da grande imprensa carioca, apenas o diário de “Chatô” deu apoio à
candidatura de Getúlio. uma controvérsia sobre a origem desse apoio, iniciado com uma
famosa entrevista feita por Samuel Wainer com o futuro presidente, que acabou lançando
prematuramente a sua candidatura, em 1949, precipitando o processo eleitoral. Wainer alega
que a iniciativa foi sua, com Chateaubriand apenas endossando-a depois, na medida em que
viu as possíveis repercussões positivas para si e para a sua rede, com o retorno de Getúlio ao
152
RIBEIRO, 2007, pp. 188-189.
153
DHBB, op.cit., 2863.
78
Catete.
154
Enquanto outras interpretações, como a contida no DHBB, afirmam que a iniciativa
foi do proprietário da rede Diários Associados.
155
Independentemente disso, o fato é que a rede de Chateaubriand deu cobertura à
campanha de Vargas e, conforme o próprio DHBB, O Jornal teria oferecido apoio ao governo
em seus dois primeiros anos. Ana RIBEIRO, por sua vez, apresenta uma tabela elaborada pelo
Anuário Brasileiro de Imprensa, em 1954, que classifica este periódico entre os “neutros”
156
e,
ABREU&LATTMAN-WELTMAN, como vimos acima, colocam-no entre os opositores
moderados de Getúlio, às vésperas de seu suicídio.
Em termos de alinhamento doutrinário, não existem pesquisas sobre O Jornal, apenas
análises, como as apresentadas no DHBB, que colocam o seu proprietário como partidário da
livre-iniciativa e, especialmente, defensor da necessidade de aplicação de capitais estrangeiros
no país. No que se refere ao governo de Vargas, o Dicionário coloca exatamente a diferença
entre Chateaubriand e a percepção de Getúlio sobre o papel do capital estrangeiro como o
motivo do afastamento de dono dos Diários Associados do governo, especialmente no caso do
petróleo.
157
Ana RIBEIRO, por outro lado, afirma que “Vargas identificava-se com as frações
da burguesia interessadas em um projeto autônomo de desenvolvimento, enquanto
Chateaubriand se apoiava (como, de resto, a maioria dos outros empresários de comunicação)
nos setores que apoiavam um projeto associado”, mas, ao mesmo tempo, considera que, tal
diferença, “não impediu Chateau de se aproximar, em muitos momentos, do ditador e de
outros líderes populistas”.
158
O Globo
Dos jornais pesquisados, O Globo é o único que é vespertino, ou seja, a sua edição
saía à tarde, o que deve sempre ser levado em conta quando se deseja fazer a comparação dele
com os demais diários do período. Além disso, este impresso apresentava outras diferenças
importantes.
Ele era dividido em dois cadernos, como os jornais anteriores, que a diagramação e
154
WAINER, op.cit.
155
DHBB, op.cit., 2863.
156
RIBEIRO, 2007, p. 61.
157
“Iniciado o segundo governo Vargas, entretanto, as divergências vieram à tona. Chateaubriand considerava
impossível tanto do ponto de vista econômico quanto financeiro e técnico, o ingresso do Brasil na exploração
petrolífera, sem auxílio externo. (…) Para Chateaubriand, os investimentos externos deveriam financiar não a
prospecção de petróleo, como também a construção de portos, ferrovias e rodovias” (DHBB, op.cit., p. 2863).
158
RIBEIRO, 2007, p. 74.
79
a divisão interna do noticiário de O Globo eram muito distintas. Este diário reservava a sua
primeira página não ao noticiário internacional. Ela era diagramada com um conjunto de
pequenas manchetes, que serviam como “anúncio” das matérias e reportagens que comporiam
a edição. Além disso, era dada prioridade ao noticiário nacional, sendo que a manchete
principal do dia normalmente ficava com os temas de economia ou política brasileira. Dessa
maneira, este jornal apresentava uma linha editorial mais moderna que os outros impressos
pesquisados, a qual também se refletia na diagramação, com o uso de “títulos dinâmicos” e o
recurso de fotografias e charges, que povoavam as páginas do jornal, inclusive a capa. Outra
característica interessante é que O Globo não tinha um local específico para os seus editoriais,
que poderiam aparecer na própria capa, na página dois ou na três, conforme o grau de
relevância do tema. Ademais, os editoriais não tinham uma regularidade obrigatória. Em
termos de linguagem, no entanto, não encontramos muitas diferenças entre O Globo e os
outros periódicos aqui selecionados, pois seus textos eram carregados e rebuscados, não
havendo incorporação de recursos como o lead. Isso indica que, apesar de ser um vespertino,
OG não era um jornal voltado prioritariamente para as camadas populares como os demais
que circulavam nesse horário, como A Notícia e, posteriormente, a Última Hora.
Um ponto importante a considerar é que, nos anos 50, ao contrário do JB, O Globo é
um jornal em plena trajetória ascendente no campo jornalístico que se constitui no período.
Sua tiragem é uma das que mais cresce no pós-guerra, atingindo a média de 100 mil
exemplares/dia, em 1951, e chegando a 120 mil, em 1952, voltando a cair um pouco nos anos
de 1953 (100 mil) e de 1954 (110 mil), muito provavelmente pela ascensão do vespertino
Última Hora, que lhe passa a fazer uma competição acirrada nesse momento. De qualquer
maneira, o diário de Roberto Marinho é um dos que mais se moderniza e investe em
renovação do parque gráfico e, como vimos, também em termos editoriais, embora não esteja
entre os jornais pioneiros na introdução do modelo de jornalismo norte-americano.
Sobre o financiamento, as informações existentes são precárias, mas, é muito provável
que este periódico retirasse a maior parte da sua renda das verbas publicitárias, já nos anos 50.
Os dados apresentados por Ana RIBEIRO, com base em levantamento do Anuário de
Publicidade, mostram O Globo ocupando o primeiro lugar na lista das preferências pelos
anunciantes, com uma parcela das verbas publicitárias bem acima do segundo colocado, o
matutino Correio da Manhã.
159
Em relação ao tipo de artigo anunciado no jornal, ele tem
presença nas quatro categorias constantes pela pesquisa do Anuário Brasileiro de Imprensa,
159
RIBEIRO, 2007, p. 186.
80
apresentadas pela autora acima citada.
160
O que talvez reflita o público do próprio jornal, pois,
ainda conforme RIBEIRO, este estava distribuído entre as classes “alta”, “média” e as
“camadas populares”.
161
No que se refere à sua história, O Globo fundado em 1925, por Irineu Marinho, e
tendo à sua frente, desde 1931, o seu filho mais velho, Roberto Marinho caracterizou-se, até
os anos 50, como um jornal de pouco envolvimento político, procurando assumir uma posição
de discrição, sem muita interferência em assuntos públicos. Conforme o DHBB, OG teria
dado apoio discreto à Revolução de 30 e ofereceu ampla cobertura à Revolução
Constitucionalista de 1932. Mas, durante o Estado Novo, o jornal teria cedido às pressões do
governo, sendo que Roberto Marinho chegou a participar do Conselho do DIP.
No final desse período, porém, O Globo aderiu aos movimentos que defendiam a
redemocratização do país e, nas eleições de 1945 e 1950, apoiou o candidato udenista
Eduardo Gomes. Em relação ao governo Vargas, uma sensível diferença de opinião entre
os analistas. Alguns classificam O Globo como neutro ou de oposição discreta ao governo,
162
enquanto outros afirmam que, este jornal, após a posse de Getúlio, “fez intensa oposição a seu
governo”.
163
A partir dessas análises, somos levados a pensar que, embora de trajetória ascendente
do ponto de vista das vendagens, O Globo não apresentava a mesma posição privilegiada no
que se refere à sua história de combatividade política ou associada à defesa de bandeiras
públicas, como era o CM, provavelmente perdendo para este, no critério de prestígio entre os
profissionais e o público elitizado.
Por outro lado, em termos de posicionamento doutrinário, temos afirmações mais
categóricas. vimos que SKIDMORE colocava O Globo como um jornal neoliberal,
defensor do capital estrangeiro e do comércio de importação e exportação. O DHBB
corrobora com essa impressão, afirmando que durante o debate sobre desenvolvimento do
Brasil, “era o principal porta-voz da linha neoliberal”, embora cite como fonte o próprio
brasilianista. no Segundo Governo Vargas, o Dicionário afirma que O Globo manteve-se
fiel aos princípios neoliberais”, mas teria apoiado o Plano Lafer, de reaparelhamento
econômico. Em relação ao decreto de reinvestimento de capitais, o DHBB defende que O
160
Idem, pp. 188-189.
161
RIBEIRO, 2007, p. 91. Aqui a autora cita uma pesquisa feita pelo IBOPE, publicado pelo Anuário Brasileiro
de Imprensa, em 1955. Não há dados sobre os critérios de classificação desses grupos.
162
RIBEIRO, idem, p. 61, aponta a neutralidade conforme tabela do Anuário Brasileiro de Imprensa, de 1954. Já
ABREU&LATMAN-WELTMAN indicam a posição de oposição discreta, no caso da crise final do governo.
163
DHBB, op.cit., 2543.
81
Globo manifestou-se contra o decreto presidencial que limitava em 10% a remessa de lucros”,
e emprega uma declaração de Ricardo Marinho, irmão de Roberto, para afirmar que o jornal
“jamais se posicionou contra o capital estrangeiro, cujo ingresso era considerado benéfico na
medida em que concorria para o enriquecimento do país”. Por fim, o DHBB lembra que OG
“desencadeou também violenta campanha contra a Petrobras”.
164
As análises demonstra que, por ser um jornal neoliberal e defensor do capital
estrangeiro, O Globo teria muitos motivos para se opor ao programa econômico de Vargas, o
que o teria levado a fazer acirrada oposição ao governo, inclusive encampando a tese do
impeachment proposta pela UDN.
165
O levantamento geral que apresentamos acima sobre os jornais pesquisados é parcial e
fragmentado, mas, mesmo assim, é útil por nos oferecer alguns parâmetros que podemos usar
na nossa análise empírica, especialmente para perceber quais nos pareceram pertinentes para
entender a tomada de posição dos diários aqui em análise e quais não o são.
A próxima etapa do nosso trabalho será a de analisar com mais detalhe o grande
debate que ocorreu em torno do processo de desenvolvimento brasileiro do pós-guerra e a
forma como o programa econômico do Segundo Governo Vargas se insere dentro do mesmo.
164
DHBB, loc.cit. Ana RIBEIRO também reforça essa interpretação (2007, 93).
165
Essa última interpretação, porém, é rejeitada por ABREU&LATTMAN-WELTMAN, como vimos
anteriormente, pois este autores colocam O Globo com uma posição mais moderada, procurando uma saída
constitucional para a crise.
2 A luta pela legitimação da industrialização planejada no Brasil e o programa
econômico do Segundo Governo Vargas
2. 1 A conjuntura internacional e o Brasil na nova ordem econômica do pós-guerra
O período entre os anos de 1940 e 1960 foi de intensas transformações no panorama
internacional. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, as grandes potências vencedoras
EUA e URSS viram-se obrigadas a reorganizarem o mundo nos novos parâmetros existentes
após o conflito inicialmente de forma conjunta, depois, em amplo antagonismo.
Entre os países capitalistas, essa organização se deu pela égide dos EUA, o qual
emerge do conflito não apenas vitoriosos mas como a principal potência mundial, tanto do
ponto de vista militar quanto do ponto de vista econômico.
1
Em se tratando de reorganização mundial, contudo, havia muito o que fazer, pois,
como afirma MALAN, essa tarefa envolvia duas “vertentes”: recompor, de um lado, os
aspectos geopolíticos e, de outro lado, os aspectos econômicos.
2
Do ponto de vista geopolítico, a nova ordem mundial se constituiu mediante a luta
travada entre as duas grandes potências pela conquista e/ou fortalecimento de zonas de
influência, tanto nas regiões diretamente envolvidas na guerra como a Europa e a Ásia
quanto naquelas em que, embora longe das áreas conflagradas, poderiam se tornar palco para
novas disputas de poder, como era o caso da América Latina (MALAN, op.cit., p. 57).
Na estratégia estadunidense do pós-guerra, tal disputa acabou resultando na Doutrina
Truman e no início da Guerra Fria, em 1947.
3
do ponto de vista econômico, os EUA
procuraram promover uma retomada do fluxo internacional de capital e do comércio exterior,
na expectativa de que a sua posição privilegiada entre os demais países capitalistas lhe
1
Conforme PECEQUILLO: “Em 1945, a posição de poder norte-americana era extremamente mais avançada do
que em 1918, com uma vantagem política, militar, estratégica e econômicas incomparáveis”. PECEQUILO,
Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos : continuidade ou mudança? 2a. ed., Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 2005. p. 126.
2
MALAN, Pedro Sampaio. Relações Econômicas Internacionais do Brasil (1945-1964). in Boris Fausto (org.),
História Geral da Civilização Brasileira, Tomo III: O Brasil Republicano, vol.: Economia e Cultura, 1930-
1964, 2ª ed., São Paulo, Difel, 1986.
3
Sobre isso, devemos recordar que, muito embora as relações entre EUA e URSS estivem se deteriorando desde,
no mínimo, a conferência de Potsdam, na Alemanha, em 1945, “oficialmente” a Guerra Fria inicia apenas com
um discurso do presidente ao Congresso norte-americano, em março de 1947, solicitando a aprovação de uma
verba de $ 400.000.000 para auxiliar a Grécia e a Turquia na recuperação de suas economias e para a repressão
ao comunismo. De outra parte, o pronunciamento presidencial refletia a política da “contenção” defendida pelo
diplomata norte-americano, George Frost Kennan (PECQUILO, op.cit., p. 146),
segundo a qual
a URSS era uma
potência expansionista que desejava controlar militarmente o mundo e difundir globalmente o comunismo,
devendo ser necessariamente contida (MAGNOLI, Demétrio. Da Guerra Fria à Détente: política internacional
contemporânea. Campinas : Papirus, 1988, p. 27). Tarefa que caberia aos EUA e cuja execução marcaria uma
inflexão na política externa norte-americana até então caracterizada pelo isolacionismo.
83
permitisse maior expansão econômica. Para tanto, era essencial combater as principais
características da economia internacional no entre-guerras, a saber, o protecionismo, o
nacionalismo econômico e as práticas de trocas bilaterais.
4
Objetivo que as principais
lideranças estadunidenses perseguiram desde o início da década de 1940, quando começaram
a negociar com a Inglaterra os rumos econômicos mundiais do pós-guerra, negociações que
culminaram no
acordo de Bretton Woods, assinado em New Hampshire, subúrbio de Nova
York, em 1944, por representantes de mais de quarenta países.
Como resultado desses entendimentos, surgiram duas instituições-chave para a
economia mundial nos anos posteriores: o Fundo Monetário Internacional (FMI) que seria
responsável pela estabilização das taxas de câmbio e, assim, pelo estímulo ao comércio
internacional
5
e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD ou
Banco Mundial) que deveria resolver o problema de liquidez em dólares do novo sistema,
tendo em vista que a Europa estava sem condições de pagar por suas importações dos EUA.
Contudo, a principal estratégia deste Banco seria, conforme BASTOS,
pavimentar o caminho para que novos investimentos privados pudessem ser
realizados [...]. Ou seja, o banco não devia financiar empreendimentos que
expulsassem investidores privados ou, em geral, apoiar governos que não
concordassem com políticas “sadias” de atração de capitais externos.
6
Do ponto de vista do comércio internacional, porém, a tarefa de regulação não ficou
por conta do organismo pensado em Bretton Woods, a OIC (Organização Internacional do
Comércio) mas sim do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade).
7
O GATT não era
propriamente um tratado e nem um órgão independente, tendo sido formado através de uma
série de acordos entre os países participantes. Baseava-se na “ideia de que o livre câmbio e a
divisão internacional do trabalho representa[vam] um ideal que deve[ria] ser atingidos pelas
4
FRIEDEN,Jefry. Capitalismo Global: história econômica e política do século XX. Rio de Janeiro : Jorge Zahar
Editores, 2008, p. 276 e p. 285. Conforme HIRST & THOMPSON, entre as duas Grandes Guerras, a “atividade
econômica internacional (e interna) caiu drasticamente (o comércio exterior caiu cerca de dois terços, entre 1929
e 1933, abrangentes controles de capitais foram introduzidos, houve desvalorizações e deflações). Na esteira de
tudo isso, emergiram blocos de poder protecionistas beligerantes que, em última análise, lutavam para desafiar a
existência um do outro.” (HIRST, Paul & THOMPSON, Grahame. Globalização em questão: a economia
internacional e as possibilidades de governabilidade. Petrópolis : Vozes, 1998, p. 78). Por essas razões,
MÜLLER afirma que não “parece exagero pensar que no imediato pós-guerra (1945-55) a grande preocupação
da política internacional norte-americana era a possibilidade do ressurgimento dos „capitalismos nacionais‟”
(MÜLLER, Geraldo. Introdução à economia mundial contemporânea. São Paulo : Ática, 1987, p. 38).
5
BAER, Mónica & LICHTENSZTEJN, Samuel. Fondo Monetário Internacional y Banco Mundial: Estratégias
y Política Del Poder Financeiro. Caracas : Editora Nueva Sociedad, 1987. Ver também: SOLOMON, Robert. O
Sistema Monetário Internacional 1945-1976. Rio de Janeiro : Zahar Editores, 1979, p. 28.
6
BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A construção do nacional-desenvolvimentismo de Getúlio Vargas e a
dinâmica de interação entre Estado e mercado nos setores de base. Campinas: IE-UNICAMP, 2007 (Texto para
Discussão), p. 16.
7
Em português, Acordo Geral de Tarifas e Comércio.
84
nações civilizadas”. Além disso, os “signatários se empenhavam em não suspender as suas
tarifas aduaneiras e a conceder a seus parceiros o tratamento de nação mais favorecida”,
8
fazendo com que todos os governos fossem obrigados a oferecer as mesmas taxas para
qualquer país assinante. Também foi acertado que as tarifas alfandegárias seriam reduzidas a
cerca de um terço de seu valor vigente, o que, obviamente, favorecia as nações
industrializadas exportadora de bens manufaturados e, por isso, interessadas em manter e/ou
conquistar mercados para os seus produtos e prejudicava as nações não-industrializadas, que
aspiravam desenvolver um parque fabril próprio mediante o protecionismo.
Desta maneira, não é difícil aceitar que o estabelecimento dessas novas regras, como
afirmam BAER & LICHTENSZTEJN, deixou claro a hegemonia estadunidense no processo
de reorganização da economia mundial então em curso.
9
Contudo, seria um exagero supor que
esta hegemonia tenha sido construída sem percalços, sem resistências e, especialmente, sem
concessões da parte da potência dominante.
10
Um dos focos dessa resistência esteve na América Latina, onde os principais países
desejavam intensificar a cooperação econômica estabelecida com os EUA durante a Segunda
Guerra com vistas a manter ou aumentar seu nível de desenvolvimento através da
industrialização.
11
Essa pretensão, contudo, tinha pouco lugar na nova ordem mundial
projetada pelos norte-americanos, na medida em que, como salienta ALMEIDA, os acordos
de Bretton Woods não levaram em conta a situação específica dos países subdesenvolvidos,
entendendo que as regras do livre-mercado seriam suficientes para beneficiar a todos.
12
No
caso da América Latina, o papel pensado para região não deveria ultrapassar a sua velha
condição de produtora de bens primários, estando basicamente destinada a: a) ajudar na
reconstrução europeia, fornecendo matérias-primas a baixo custo; b) oferecer reservas de
recursos naturais necessários à defesa Ocidental em caso de uma guerra com a URSS ; e c)
8
MAURO, Frédéric. História Econômica Mundial: 1790-1970. Rio de Janeiro: Zahar, 1973, p. 414
9
BAER & LICHTENSZTEJN, op.cit., p. 24.
10
Conforme autores como SOLOMON e FRIEDEN, as necessidades econômicas surgidas no pós-guerra, como
a reconstrução da economia europeia, superaram as projeções de Bretton Woods, levando à relativização de
muitas de suas prerrogativas, como a criação da União Europeia de Pagamentos que estimulou as nações da
Europa Ocidental a comercializarem entre si, mesmo que em detrimento do fluxo de mercadorias internacional -,
o adiamento da convertibilidade das moedas ao padrão ouro-dólar, que veio a ocorrer em 1958, e a permissão
a muitas nações fazerem desvalorizações cambiais para ajustar seus balanços de pagamento e tornar suas
exportações mais competitivas. Ademais, um dos principais problemas surgidos no período foi o da “escassez de
dólares”, que seria amenizado com a plena recuperação da economia ocidental, em meados da década de
60. Quanto a esta última questão, ver MAURO (op.cit, pp. 420-425) e, em relação aos demais temas, consultar:
FRIEDEN (op.cit., p. 293) e SOLOMON (op.cit., p. 24).
11
AYERBE, Luis Fernando. Estados Unidos e América Latina : a construção da hegemonia. São Paulo : Editora
UNESP. 2002, p. 75.
12
ALMEIDA, Paulo Roberto de. Relações internacionais e política externa do Brasil: dos descobrimentos à
globalização. Porto Alegre : Ed. da Universidade / UFRGS, 1998, p. 127.
85
servir de mercado consumidor para os produtos industrializados estadunidenses.
13
É nesse contexto mundial que o Brasil passará por uma das mudanças econômicas,
sociais e políticas mais significativas de sua história contemporânea.
2.1.2 O Brasil em mudança: transformações estruturais dos anos 40 e 50
Em consonância com o que ocorria em nível internacional, os anos 40 e 50 foram também de
intensas transformações no Brasil. As duas décadas que se seguiram ao fim do conflito
mundial corresponderam não ao retorno do país à democracia política mas a uma
experiência democrática que podemos considerar inédita até então.
14
Mas estas modificações
não se limitaram ao universo político, alcançando aspectos econômicos, sociais e culturais
que acirraram intensamente um processo em um curso desde a década de 1930, mas que,
agora, ganhava novas dimensões.
Entre os anos de 1945 e 1964, a economia brasileira passou por grandes alterações estruturais.
Além de um significativo crescimento geral que, de 1947 a 1961, ficou na faixa de 6% a.a.
houve uma expressiva mudança na contribuição de cada atividade econômica no total da
produção nacional, tendo em vista que o desempenho da indústria foi bem superior ao da
agricultura. Enquanto esta última alcançou a média anual de 4,6%, a primeira apresentou
resultados mais significativos (9,1% a.a.), o que a tornou “o setor dinâmico da economia”
brasileira.
15
Por essas razões, este período é considerado o momento de consolidação do
processo de industrialização do país, quando se completa a passagem do sistema agro-
exportador para o industrial tanto do ponto de vista da formação de capital, quanto da
presença relativa de cada setor no crescimento do PIB.
16
Tal transição, segundo análise do
13
Ver: MOURA, Gerson. Estados Unidos e América Latina. 2. ed. São Paulo: Contexto, 1991, p. 40-41 e
SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos : poder e submissão. Uma história da Política Norte-americana em relação à
América Latina. EDUSC. Bauru:SP. 2000, p. 381.
14
Apesar de alguns limites no que se refere ao pleno exercício da democracia representativa, esta experiência
apresentou características que a distinguem das anteriores, como: eleições para todos os cargos representativos,
relativa liberdade de imprensa, regras eleitorais buscando maior lisura nas votações e um considerável aumento
do contingente de eleitores, que, no pleito presidencial de 1950, chegaria a cerca de 20 % do total da população.
Quanto a estas questões, consultar: CAMPELLO DE SOUZA, Maria do Carmo Campello de. Estado e partidos
políticos no Brasil : 1930-1964. São Paulo : Alfa-Omega, 1976, pp:139-168, LIMA Jr., Olavo B. L. O sistema
partidário brasileiro, 1945-1962. In: FLEISCHER, David V. (org.). Os partidos políticos no Brasil. v. 1. Brasília :
Editora Universidade de Brasília. 1981. p. 24-44, SOARES, Gláucio. A democracia interrompida. Rio de
Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 2001. p. 45-136 e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. Partidos políticos
e frentes parlamentares: projetos desafios e conflitos na democracia. In: DELGADO, Lucilia & FERREIRA,
Jorge (org.). O Tempo da experiência democrática: da democratização em 1945 ao golpe civil-militar de 1964.
Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2003. p. 127-155.
15
Cf. BAER, Werner. A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico do Brasil. Fundação Getúlio Vargas :
Rio de Janeiro, 1966, p. 73, nota 3.
16
Empregamos, aqui, a diferenciação utilizada por BAER entre crescimento industrial e industrialização: no
primeiro caso, ocorrido até os anos 20, “o crescimento da indústria dependia principalmente das exportações
86
IPEA, “revela o alto dinamismo do setor industrial brasileiro, que realizou no pós-guerra uma
das mais rápidas e radicais modificações de estrutura econômica observada em países
subdesenvolvidos”.
17
Como os demais países da América Latina, o processo de industrialização no Brasil
foi essencialmente de substituição de importações e, sendo assim, o avanço da indústria à
condição de carro-chefe da economia nacional também implicou na transição de seu eixo
dinâmico. Ou seja, o mercado externo preponderante no sistema agro-exportador deixou
de ser o polo mais ativo, dando lugar ao mercado interno, como nos ilustra o próprio
percentual das exportações no PIB brasileiro, que caiu de 19,7%, em 1939, para 7,1%, em
1954.
18
Outra alteração importante e diretamente relacionada ao processo industrializante
esteve nas mudanças na população brasileira. Esta apresentava, desde os anos 30, um
crescimento acelerado, mas ele irá se acentuar no pós-guerra
19
e virá acompanhado
por um
alto índice de urbanização: nos anos 1940, o país estava dividido entre 30.826.243 (74,75%)
habitantes considerados como rurais e 10.410.072 (25,24%) como urbanos; porém, em 1960
esses números seriam respectivamente de 38.767.423 (55,32%) e de 31.303.034 (44,77%)
e, em meados dos anos 60, os residentes nas cidades se tornariam maioria.
20
Esse processo de
urbanização provocou profundas transformações nas grandes metrópoles brasileiras, que
deixaram de ser apenas polos administrativos e comerciais para também “construir o locus da
agrícolas” e “não foi acompanhado por mudanças estruturais da economia. A industrialização, por outro lado,
está presente quando a indústria se torna o principal setor de crescimento da economia e gera mudanças
estruturais pronunciadas” (BAER, Werner. A Economia Brasileira. São Paulo : Nobel, 1996., p. 55). Ver também
MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio. São Paulo, Brasiliense, 1982. Sobre a transição do
modelo agro-exportador para o industrial, ver SUZIGAN, Wilson. Indústria Brasileira : Origem e
Desenvolvimento. São Paulo : Brasiliense, 1986, p. 246 e BAER 1966, p. 79.
17
CANDAL, 1977, p. 246. Especialmente se considerarmos que a participação da indústria no PIB era, em 1947,
de 19%, passando para 30%, em 1964 (CANDAL, op.cit., 248)
18
Conforme FURTADO, essa mudança iniciou ainda nos anos 30, como decorrência da crise de 29 e das
medidas tomadas pelo Brasil para enfrentá-la. Ver: FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Brasília :
Editora da Universidade de Brasília, 1963.
19
Isso fica bem ilustrado quando consideramos que o contingente populacional do páis passa de 41.236.315
habitantes, em 1940, para 70.070.457, em 1960, num incremento de aproximadamente 70% em duas décadas.
Cfe. dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censohistorico/1940_1996.shtm, consultado em 31 de maio
de 2009. A principal razão desse índice é atribuída à manutenção de altas taxas de natalidade acompanhadas de
queda da mortalidade, cujo maior declínio ocorre exatamente na década de 1950, “período de maior propulsão
do esforço desenvolvimentista e de expansão do processo de industrialização” (PATARRA, Neide. Dinâmica
Populacional e Urbanização no Brasil : o Período pós-30. In.: Boris Fausto (org.). História Geral da Civilização
Brasileira. Tomo III: O Brasil Republicano, vol.: Economia e Cultura, 1930-1964, Capítulo V, ed., São
Paulo, Difel, 1986, p. 257). Ver também MERRICK, Thomas. A População Brasileira a Partir de 1945. In.:
BACHA, Edmar Lisboa & KLEIN, Herbert S. A Transição Incompleta : Brasil desde 1945. Vol. I: População,
Emprego, Agricultura e Urbanização. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1986, p. 31.
20
IBGE, idem.
87
atividade produtiva”.
21
Contudo, devemos salientar que essas mudanças estiveram longe de ser naturais e/ou
espontâneas, pois implicaram ou mesmo derivaram de uma decisiva interferência do Estado.
Como ressalta BAER, a industrialização antes do pós-guerra foi mais um “expediente
ocasional”, determinada pelas contingências geradas pela Crise de 1929 e pela Segunda
Guerra Mundial, do que por uma decisão deliberada e planejada. Pós 1945, porém, ela
transformou-se paulatinamente “em uma decidida política no sentido de modificar
drasticamente a estrutura da economia brasileira”.
22
Para tanto, foram empregados basicamente três mecanismos, muitos dos quais já
existentes no período anterior, mas que, na nova conjuntura, vão tomar um caráter mais
programático e coordenado: a política cambial, que privilegiou a liberação de divisas à
importação de bens de capital e de insumos industriais, servindo para proteger e de subsidiar o
setor; a política de crédito, que favoreceu os investimentos no parque fabril, em especial a
compra dos bens e dos insumos mencionados acima; e os investimentos públicos,
especialmente nas indústrias de base, como a siderurgia, o setor petrolífero e a eletricidade,
responsáveis por fornecer infraestrutura e alavancar as inversões privadas.
23
Isso, entretanto,
implicou no inevitável aumento do intervencionismo estatal na economia, com a criação de
empresas públicas, de novos tributos ou da repartição da receita dos antigos em favor do
governo federal e a ampliação da burocracia, sem contar as novas agências do Estado ou
paraestatais, responsáveis por planejar as suas principais ações econômicas.
24
De outra parte e diretamente ligado ao que afirmamos acima -, essas mudança
implicavam em alterações na tradicional posição do Brasil na divisão internacional do
trabalho. Embora o país ainda continuasse exportador de produtos primários, optar pela
21
PATARRA, op.cit., p. 260. Ver também KATZMAN, Marin. Urbanização no Brasil a partir de 1945. In.:
BACHA, Edmar Lisboa & KLEIN, Herbert S. op.cit., p. 198.
22
BAER, op.cit., p. 35. Ver também: LEOPOLDI, Maria Antonieta Parahyba Leopoldi. Política e interesses na
industrialização brasileira : As associações industriais, a política econômica e o Estado. São Paulo : Paz e Terra
: 2000, p. 181, DRAIBE, Sônia. Rumos e metamorfoses Estado e industrialização no Brasil: 1930/1960. Rio de
Janeiro : Paz e Terra, 1985 e FONSECA, Pedro César Dutra. Vargas: O capitalismo em construção: 1906-1954.
Ed. Brasiliense : São Paulo, 1987.
23
Quanto a estes aspectos, ver DRAIBE, op.cit., p. 182, LEOPOLDI, op.cit., p. 222-223, TAVARES, Maria da
Conceição. Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro : Ensaios Sobre Economia Brasileira.
Zahar Editores : Rio de Janeiro. 1976, 5ª. edição, p. 62 e BAER, 1966. Em relação ao sistema de controle de
importações pela licença prévia, iremos tratar mais além. Ver, por ora, LEOPOLDI, Maria Antonieta P. O difícil
caminho do meio: Estado, burguesia industrial e industrialização no segundo governo Vargas (1951-1954). In.:
SZMRECSÁNYI, Tamás & SUZIGAN, Wilson (org.) História Econômica do Brasil Contemporâneo. 2ª. edição.
São Paulo HUCITEC/Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica/Editora da Universidade
de São Paulo/Imprensa Oficial, 2002, (p. 17-29), p. 62 e FONSECA, op.cit., p. 374-375.
24
Uma abordagem dessas instituições relativas à ampliação do papel econômico do Estado será feita ao longo do
capítulo.
88
industrialização implicou no controle qualitativo das importações (preferência por bens de
capital e insumos em detrimento das mercadorias de consumo) e atingiu o fluxo de capital, ao
provocar restrições no envio ao exterior de lucros e de dividendos para, com isso, aproveitar
as divisas escassas no desenvolvimento industrial. Desta maneira, tais medidas entravam em
choque com os princípios defendidos em Bretton Woods e com as pretensões norte-
americanas para a América Latina no pós-guerra, dando origem a inúmeros conflitos entre o
governo brasileiro, o Departamento de Estado e os círculos financeiros de Wall Street, cujo
principal exemplo ficou por conta do problema do “reinvestimento”, surgido no Segundo
Governo Vargas.
25
Essas transformações igualmente tiveram fortes efeitos no que se refere à distribuição
do poder e da renda na sociedade brasileira. Quanto ao primeiro caso, as mudanças na
estrutura populacional e a rápida urbanização interferiram nas bases do sistema
representativo, na medida em que o voto urbano teve um ganho relativo frente ao voto rural
e isso em pleno retorno da democracia. Além disso, o crescimento acelerado das cidades
provocou o agrupamento dos eleitores nas mesmas e também “veio alterar profundamente a
composição do eleitorado, já que se tratava de incorporação dos setores médios e inferiores da
sociedade, particularmente de um contingente respeitável de trabalhadores”.
26
Em
consequência, tivemos um enfraquecimento das formas tradicionais de poder, ligadas ao
clientelismo rural, em favor de estratégias mais aptas a incorporar o voto citadino.
27
O
principal reflexo dessa mudança se daria na evolução eleitoral dos partidos, com perda de
representatividade daqueles que mais dependiam do voto rural, como a UDN e o PSD, frente
aos que demonstraram maior aptidão a cooptar o eleitor urbano, como o PTB.
28
Já no que se refere à questão da distribuição da renda, à
s mudanças produtivas estavam associadas
alterações no seio das classes dominantes, pois, muito embora não haja consenso na
bibliografia acerca de quais grupos mais perderam ou mais ganharam com este processo,
25
Esse tema será analisado no Capítulo V.
26
LIMA Jr., Olavo B. L. O sistema partidário brasileiro: 1945-1962. In: FLEISCHER, David V. (org.). Os
partidos políticos no Brasil. v. 1. Brasília : Editora Universidade de Brasília. 1981 (p. 24-44), p. 29. Em 1950, o
percentual de votantes em cidades com menos de 10 mil habitantes era de 47,7%, enquanto em cidades com mais
de 10 mil habitantes era de 52,3%. Em 1958, essas cifras passariam para 36,5% e 63,5%, respectivamente.
Fonte: BASTOS, Suely. A Cisão do MTR com o PTB. In: FLEISCHER, David V. (org.). Os partidos políticos
no Brasil. v. 1. Brasília : Editora Universidade de Brasília. 1981, p. 125. Ver também SKIDMORE, Thomas.
Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 11. reimp., Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1996, 133.
27
Quanto a essa análise, ver especialmente SOARES, op.cit. e CAMPELO DE SOUZA, op.cit.. Uma síntese e,
ao mesmo tempo, uma crítica a esta interpretação é oferecida por LIMA JÚNIOR, op.cit., p. 25.
28
A trajetória da representação dos partidos na Câmara Federal nos indica isso: em 1945, os chamados “partidos
conservadores” (UDN+PSD) obtiveram conjuntamente vitória expressiva, com 84,3 % das cadeiras, ficando o
PTB com apenas 7,7%; contudo, nas eleições parlamentares de 1962, a soma da UDN e do PSD caiu para
53,7%, enquanto os trabalhistas atingiram 29,8%. Dados conforme DELGADO, op.cit., p. 142.
89
parece inegável que a burguesia industrial foi a sua maior beneficiária, o que levou muitos
autores a afirmarem que a industrialização acelerada do Brasil foi conduzida sob a
“hegemonia” desta classe.
29
Não podemos negligenciar que esse processo, não obstante os seus resultados
positivos em termos macroeconômicos, trouxe também muitos problemas de curto e médio
prazos, tais como o estrangulamento do balanço de pagamentos, o aumento do déficit público,
o endividamento do país e o aceleramento da inflação; ao mesmo tempo, acarretou novas
necessidades a serem atendidas pelo poder público, como as dificuldades de moradia, de
abastecimento e de transportes urbanos, que transformaram as cidades em focos de
reivindicações e de conflito.
30
Ou seja, no curto prazo, as mudanças aqui analisadas
trouxeram consigo não apenas vantagens mas, também, vários problemas.
Sendo assim, não é difícil aceitar que tais alterações geraram muitos questionamentos
sobre a sua adequabilidade e validade para o país, especialmente no que dizia respeito ao seu
ritmo, aos seus métodos e aos seus custos. Além disso, é lícito supor que elas provocaram
muita contrariedade entre aqueles que se sentiram prejudicados, tanto em nível interno
como o setor econômico ligado ao comércio de importação e exportação e as elites citadinas e
rurais, deslocadas ou enfraquecidas no centro de poder político com a ascensão do voto
popular e urbano quanto em nível externo, ao contrariar o papel que originariamente os
EUA projetaram para o Brasil na divisão internacional do trabalho e na própria geopolítica do
pós-guerra.
Tais mudanças enfrentaram também a resistência da forte tradição liberal por muito
tempo hegemônica no pensamento acadêmico e no imaginário da elite brasileira. Nunca é
tarde para lembrar que esta linha de pensamento defendia a especialização primária do Brasil
a partir da teoria das vantagens comparativas, sendo contrária à interferência do Estado na
economia, quer seja pelo protecionismo, pelo excesso de investimentos públicos ou pela
29
o iremos abordar no momento a discussão em torno da categoria “burguesia nacional”, mas pode-se
consultar uma resenha sobre a mesma em TRINDADE, Helgio. Burguesia e Estado no Brasil : um balanço
crítico. In: Estudos FEE, Porto Alegre, 7(1): 105-124,1986. em relação à defesa da tese de que o projeto de
industrialização se deu sob a hegemonia da burguesia industrial brasileira, ver os seguintes autores: LEOPOLDI
(2000, 2002), FONSECA, op.cit. e, mais recentemente, BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A dependência em
progresso : fragilidade financeira, vulnerabilidade comercial e crises cambiais no Brasil (1890-1954). Tese de
Doutorado Unicamp Campinas SP 2001 (s.n.), disponível em
http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000232699, consultado em outubro de 2009. No que se refere ao
questionamento desta interpretação, afirmando que tal industrialização se deu por iniciativa da burocracia estatal,
com a burguesia a reboque no processo, ver especialmente MARTINS, Luciano. Industrialização, burguesia
nacional e desenvolvimento : introdução à crise brasileira. Rio de Janeiro : Saga, 1968 e CARDOSO, Fernando
Henrique. Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. 2. ed. São Paulo : DIFEL, 1972.
30
Cf. BAER, 1996, TAVARES op.cit. e MELLO, op.cit..
90
presença direta no sistema produtivo.
Por tudo isso, não é difícil aceitar que a emergência e, acima de tudo, a continuidade
do processo industrializante exigiram um amplo trabalho de legitimação. Em outras palavras,
era necessário difundir e fazer vencer a ideia de que a industrialização acelerada do país, com
presença ativa do Estado, era não possível como necessária para o seu desenvolvimento.
Trabalho simbólico que tinha como uma das suas etapas a busca de alternativas conceituais à
ortodoxia econômica que permitissem aos defensores da industrialização, ao mesmo tempo,
justificar e orientar o processo em curso.
Porém, como toda a luta simbólica ou seja, nos termos de BOURDIEU, como toda a
luta pela imposição de uma visão mais legítima sobre a realidade social capaz de agir não
apenas no pensamento sobre a realidade mas na própria realidade pelas mudanças que
provoca nesse pensamento , a busca pela legitimação do processo industrializante não foi
mero reflexo das mudanças em curso. Ao contrário, como veremos, ela constituiu
um
momento decisivo no qual as principais alternativas para a continuidade ou não das mudanças
em curso foram elaboradas, contestadas e difundidas. De outra parte, em se tratando de uma
luta por legitimidade, tal conflito não pode ter se limitado ao universo acadêmico mas também
envolveu os
mais amplos setores da sociedade, como as entidades de classe, os partidos
políticos, a burocracia estatal e, especialmente, a grande imprensa. Mais do que isso, sendo
um conflito para impor uma visão específica da realidade nacional como a mais legítima a
todo o corpo social, parece ser lícito supor que os grandes jornais brasileiros do período
constituíram um dos palcos privilegiados dessa luta.
Dessa análise acima derivam muitas questões: de um lado, quais foram exatamente os
termos desse debate? Que elementos e que argumentos entraram em confronto nesse
processo? Como as políticas de industrialização ganharam legitimidade para serem aceitas e
aplicadas? De outro lado, qual a importância do Segundo Governo Vargas nesse processo de
aceleramento e de legitimação do projeto industrialista brasileiro? Pergunta pertinente na
medida em que, muito embora Vargas tenha tomado algumas medidas fundamentais para
estabelecer
as bases da passagem a um modelo de industrialização pesada,
31
não existe
consenso a respeito do sentido de seu programa econômico, alguns autores afirmando ter
Getúlio levado adiante um projeto industrializante em parceria com a burguesia industrial,
enquanto outros defendendo que ele apenas seguiu uma política econômica ortodoxa de
31
Ao ponto de ser considerado o momento da “criação de um embrião de estrutura industrial mais integrada, que
praticamente determinou o modelo de desenvolvimento industrial subsequente, uma vez que a opção básica pela
industrialização já estava garantida” (CANDAL, op.cit., p. 266).
91
estabilização.
32
A exposição a seguir procura analisar esses temas com mais detalhes: primeiro, iremos
avaliar em que termos se deu o debate em torno da industrialização e, depois, como o
Segundo Governo Vargas se enquadra nessa discussão. A análise do posicionamento da
imprensa será objeto dos capítulos seguintes (III, V e V).
2.2 Ortodoxia X desenvolvimentismo na luta pela industrialização do Brasil: os
termos do debate
2.2.1 A busca da legitimidade da industrialização as origens do conflito
Embora o progresso da indústria no Brasil seja uma característica mais específica do século
XX, o debate em torno da sua possibilidade, e ou mesmo necessidade, vinha de longa data e
remonta, no mínimo, à segunda metade do século XIX. Apesar de ter passado por inúmeras
fases e enfrentado fortes adversários, com o tempo, a defesa da industrialização ganhou corpo
e espaço na sociedade brasileira envolvendo não os industriais mas um amplo grupo de
apoiadores composto por intelectuais, políticos, empresários e militares, classificado pela
historiografia especializada como movimento industrialista.
33
O principal fórum de difusão das ideias desse movimento esteve nas entidades de
classe, inicialmente aquelas em que os industriais militavam junto aos comerciantes, como as
Associações Comerciais. Conforme o setor foi se fortalecendo e criando identidade e
interesses próprios, porém, surgiram as agremiações específicas da manufatura, como o
Centro Industrial do Brasil (CIB), criado em 1904, no Rio de Janeiro, o Centro das Indústrias
do Estado de São Paulo (Ciesp), inaugurado em 1928, e, mais recentemente, a Federação da
32
Em relação ao primeiro ponto de vista, temos BASTOS (2000), DRAIBE (op.cit.), FONSECA (1985),
LEOPOLDI (2000) e BIELSCHOWSKY, Ricardo. Pensamento econômico brasileiro: o ciclo ideológico do
desenvolvimento. 4. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000. Em relação ao segundo, ver: LESSA&FIORI,
op.cit., e VIANNA, Sérgio B. A Política Econômica no Segundo Governo Vargas (1951-1954). Departamento de
Projetos de Comunicação, Área de Relações Institucionais, Rio de Janeiro : BNDES, 1987.
33
Sobre o uso do conceito de industrialista e a composição social dos mesmos, ver LEOPOLDI, 2000, p. 61 e
LUZ, Nícia Vilela. A luta pela industrialização. Editora Alfa Omega, São Paulo, 1978, p. 15. A pesquisa de
LUZ, por sinal, é a principal referência a respeito da luta pela industrialização no Brasil antes de 1930 e, por
isso, será usado como base sobre este período, junto com o trabalho de LEOPOLDI, idem, SOARES, Walmer
Jacintho. Os Interesses Industriais na Consolidação do Nacional-Desenvolvimentismo. IUPERJ-PUC-
CESAP/SBI. Mimeo. 1990, LEME, Marisa Saenz. A Ideologia dos industriais brasileiros: 1919-1945. Petrópolis
: VOZES, 1978, DINIZ, Eli. Empresário Estado e Capitalismo no Brasil: 1930-1945. Rio de Janeiro : Paz e
Terra, 1978, Segundas e Terceiras Partes, DINIZ, Eli e BOSCHI, Renato Raul. Empresariado Nacional e Estado
no Brasil. Rio de Janeiro : Florence-Universitária, 1978, Capítulo II, CARONE, Edgar. O Pensamento Industrial
no Brasil: 1880-1945. Col. Corpo e Alma do Brasil. Rio de Janeiro São Paulo: DIFEL, 1977 e FONSECA,
Pedro César Dutra. As origens teóricas do pensamento da Cepal. In.: POLLETO, Dorival Walmor (org.). 50 anos
do Manifesto da Cepal. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2000. pp. 23-46.
92
Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), de 1931, e a Confederação Nacional da Indústria
(CNI), fundada em 1938.
Para ganhar maior amplitude social, entretanto, esta campanha também penetrou em
outros espaços importantes, como o Congresso Nacional e até a grande imprensa, embora,
como veremos, esta estivesse inicialmente mais identificada com os adversários dos
industrialistas.
Mas que conceitos defendia este movimento?
Mesmo que seja difícil sustentar uma uniformidade de ideias e objetivos, podemos
fazer uma síntese de suas ideias básicas.
Em princípio, os argumentos em favor da industrialização do Brasil estiveram,
obviamente, associados ao amparo dos capitais investidos no setor e à possibilidade de se
encontrar, na indústria, uma alternativa para diversificar a economia nacional, argumento cujo
poder de persuasão aumentava sempre que o país passava por dificuldades em sua balança
comercial.
34
Contudo, ainda no século XIX, esta defesa ultrapassou os aspectos meramente
econômicos e corporativos, ou melhor, a estes foram agregados elementos mais amplos de
interesse da coletividade, que envolviam desde a possibilidade de a manufatura resolver uma
série de problemas pontuais como a ocupação da força de trabalho ociosa nas grandes
cidades até a tese de que ela seria a única alternativa para tornar o Brasil uma nação rica e
poderosa.
35
Com o tempo, os industrialistas hastearam como principais bandeiras a luta contra o
movimento operário e a proteção da indústria brasileira através das tarifas alfandegárias.
36
Isso levou este movimento a apresentar, desde cedo, diferentes e divergentes virtualidades de
leitura ideológica, podendo ser associado ao conservadorismo e à luta contra os direitos dos
trabalhadores, por um lado, e ao nacionalismo emergente, por outro, na medida em que
defendia “a industrialização do país como condição imprescindível de prosperidade, de
estabilidade econômica e grandeza nacional” (LUZ, op.cit., p. 15)
.
37
De outra parte, o movimento industrialista, desde cedo, começou a encontrar fortes
adversários. A defesa da necessidade das manufaturas tendia a pressupor que a especialização
34
Ver LUZ, op.cit., p. 24 e p. 57.
35
Quanto ao primeiro ponto, ver LUZ, idem, pp. 34, 61 e 69. Quanto ao segundo, esse foi o pensamento que,
para LUZ, orientou os homens públicos responsáveis pelo poder no início da República em suas iniciativas de
favorecer a industrialização do país (ibidem, p. 107).
36
LEOPOLDI, op.cit., pp. 41-42; 61-62.
37
Em relação a associação entre industrialismo e nacionalismo, devemos recordar também que existiram
movimentos nacionalistas de fundo agrário, que também rejeitavam a industrialização como estranha à realidade
nacional, cujo exemplo mais forte é Alberto Torres.
93
agrária e a dependência do mercado internacional eram elementos da inferioridade do Brasil
perante outros países e que a industrialização do país não poderia ocorrer de forma
espontânea, devendo contar com a interferência do Estado na economia. Desta maneira,
reivindicavam, desde o princípio, afora o protecionismo alfandegário, medidas de apoio
estatal, como empréstimos públicos, impostos mais baixos para a compra de matérias-primas
importadas e uma política cambial que encarecesse os bens manufaturados estrangeiros.
Em consequência, não é difícil entender os motivos que fragilizariam este movimento
na conjuntura da virada do século XIX para o XX. Primeiro, como mostram muitas análises,
38
nessa fase inicial, essas demandas não formavam um todo articulado, perdendo-se na defesa
de interesses pontuais e corporativos, o que não permitia a formação de um projeto
industrializante conjugado. Segundo e mais importante, esta defesa da manufatura atraiu,
desde cedo, contra si a resistência de poderosos adversários, muito influentes na sociedade
brasileira e que se sentiam perseguidos por ela: a oligarquia rural ligada à agricultura de
exportação e os grandes negociantes voltados para o comércio internacional, ambos
objetivamente interessados na permanência do Brasil como exportador de produtos primários
e importador de bens manufaturados. Também não interessava a esses grupos políticas fiscais
e cambiais que pudessem prejudicar as relações comerciais do país com as economias
industrializadas compradoras de nossos bens agrícolas.
Vislumbrava-se, assim, uma batalha difícil, até porque os partidários do agrarismo
estavam muito bem escorados em dois robustos alicerces ideológicos: de um lado, a forte
tradição intelectual que associava a especialização primária a uma infindável “potencialidade
natural” do país que Marilena CHAUÍ considera como parte do “mito fundador” da
identidade nacional, sintetizado na noção de “verde-amarelismo” e Eni ORLANDI associa ao
“discurso fundador” da sociedade brasileira, condensado na ideia de que “aqui se plantando
tudo dá”;
39
de outro lado,
os princípios basilares do liberalismo econômico que sustentavam, com
rigor intelectual e ampla legitimidade acadêmica, a especialização do país como produtor
primário, com base na teoria das vantagens comparativas e nas prédicas a favor das benesses
38
LUZ, idem e LEOPOLDI, op.cit., especialmente.
39
Não é propósito, agora, discutir os conceitos de discurso fundador e de mito fundador, mas salientar a força
das imagens por eles analisadas no pensamento brasileiro. CHAUÍ afirma que o “verdeamarelismo foi elaborado
no curso dos anos pela classe dominante brasileira como imagem celebrativa do 'país essencialmente agrário' e
sua construção coincide com o período em que o 'princípio da nacionalidade' era definido pela extensão do
território e pela densidade demográfica. De fato, essa imagem visava legitimar o que restara do sistema colonial
e a hegemonia dos proprietários de terra durante o Império e o início da República” (CHAUÍ, Marilena. Brasil:
mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001, p. 34). Já, para ORLANDI, o
enunciado “aqui se plantando tudo dá” denota “Terra pródiga. Gigante pela própria natureza. Mas mal
administrada, pilhada a séculos e que embora seja explorada continuamente não se esgota.” (ORLANDI, Eni.
Discurso fundador : a formação do país e a construção da identidade nacional. Campinas : Pontes, 1993, 14).
94
do livre-comércio.
Apoiados por ambas correntes intelectuais, os adversários dos industrialistas criaram
fortes e persuasivos movimentos de combate, desde os que se opunham à industrialização em
si mesma, aaqueles que, embora não a condenassem diretamente, criticavam a incipiente
indústria nacional por ela ser resultado do nocivo protecionismo aduaneiro. Eram esses, aliás,
os adversários mais combativos. Homens como Joaquim Murtinho o famoso ministro da
Fazenda de Campos Sales , liberais e defensores da especialização agrícola do Brasil,
criticavam o parque fabril brasileiro por ele ter se desenvolvido por meio dos favores do
Estado, dando origem a uma casta de empresários privilegiados. Também censuravam a
manufatura nacional por ela encarecer os bens de consumo e prejudicar a agricultura, ao
aumentar os custos dos seus equipamentos e insumos e afetar o seu mercado internacional,
pois provocava a retaliação das potências industriais supostamente prejudicadas pelo aumento
das tarifas alfandegárias (LUZ, op.cit., pp. 86-88).
Diante de tais argumentos, os industrialistas ficavam em desvantagens, pois lhes
faltava um instrumental analítico que permitisse se contrapor à ortodoxia em termos de
igualdade. Como afirma DINIZ, sua proposta de industrialização era limitada à própria
estrutura vigente, defendendo o protecionismo com argumentos empíricos, sem dispor de uma
teoria que oferecesse propostas alternativas de políticas públicas diferentes do receituário
ortodoxo (DINIZ, op.cit., 96).
Para fragilizar ainda mais essa posição, a imagem negativa sobre o parque fabril
nacional não ficou restrita aos grupos diretamente ligados ao setor agroexportador, mas teve
ampla difusão no Brasil, durante a República Velha, especialmente nos principais centros
urbanos. Nesses locais, a indústria brasileira passou a ser representada como uma atividade de
“aventureiros e especuladores” que encarecia a vida das cidades e gerava problemas como a
crise no balanço de pagamentos, a inflação e a falta de gêneros (LUZ, op.cit., p. 142). Para
consolidar esse quadro depreciativo no imaginário nacional contribuiu, afora a própria
experiência concreta com as dificuldades citadas, o apoio que os anti-industrialistas recebiam,
notadamente no Rio de Janeiro, dos jornais de grande circulação, alinhados à doutrina do
livre-cambismo.
40
Frente a estes fortes opositores, os defensores da industrialização tiveram que esperar
40
Como argumenta LUZ, “a imprensa do Distrito Federal, particularmente, movia uma violenta campanha
contra a política protecionista e, por meio da troça, procurava desmoralizar a indústria nacional”, ajudando a
referendar a ideia de uma verdadeira “oposição entre os interesses industriais e os da coletividade, argumento de
que habilmente se valia o comércio do Rio de Janeiro”(LUZ, idem, p. 140).
95
o fim República Velha e os anos 30-40 para encontrar condições mais favoráveis às suas
propostas. Como lembra SOARES, a Crise de 29 e a Segunda Guerra Mundial deixaram cada
vez mais clara a vulnerabilidade do setor externo de nossa economia e da condição do Brasil
como país fundamentalmente agrário.
41
Em decorrência desses importantes acontecimentos, a
necessidade do progresso industrial “ia cada vez mais deixando de ser uma manifestação
isolada de alguns políticos, técnicos e industriais, ganhando maior legitimidade nas áreas
militar e civil do governo” (SOARES, 1990, p. 60).
Além disso, como argumenta BIELSCHOWSKY, as próprias condições estruturais do
pós-30 fragilidade da economia agroexportadora, dificuldade de exportar, capacidade ociosa
da indústria dentro do país, etc. proporcionaram um significativo crescimento das
manufaturas, fazendo com que a “solução estrutural para a crise do modelo primário-
exportador” estivesse “em pleno curso, independentemente da consciência que dela tinham as
elites políticas, técnicas e empresariais do país, mas alimentando essa consciência”
(BIELSCHOWSKY, op.cit., p. 253).
Os industriais, todavia, trabalharam para que esta consciência viesse a se reforçar.
Ainda no final da República Velha, reafirmaram a sua batalha em defesa da industrialização,
em especial a partir da criação do Ciesp, em 1928, que permitiu uma representatividade fabril
no debate público separada dos interesses comerciais e agrícolas (LEOPOLDI, op.cit., p. 71).
A nova entidade foi presidida, no início, por Francisco Matarazzo e sua diretoria contava com
líderes empresariais emergentes, como José Ermírio de Moraes, Jorge Street e Roberto
Simonsen. Este último tornar-se-ia o principal expoente industrialista brasileiro nas duas
décadas seguintes, dirigindo associações importantes como a Fiesp e a CNI. Foi substituído,
em 1948, em virtude de seu falecimento, por Euvaldo Lodi, que seguiu uma linha de conduta
semelhante a sua.
42
Em sua batalha pela defesa da industrialização, essas lideranças partiriam para um
duplo front: de um lado, a conscientização interna à classe empresarial a respeito de seus
interesses e papéis específicos na economia e na sociedade brasileiras; de outro lado, a difusão
para os demais setores sociais da importância do progresso industrial para a coletividade
41
Em relação a esta percepção na corporação militar, ver SILVA, Ligia Osório. Desenvolvimentismo e
intervencionismo militar. E-Premissas revistas de Estudos Estratégicos Dossiê Dreifuss no. 01
junho/dezembro de 2006, p. 94, disponível em http://www.unicamp.br/nee/epremissas/pdfs/01.07.pdf,
consultado em 12 de janeiro de 2010.
42
Segundo SOARES, foi apenas com o surgimento do Ciesp e a ascensão de Roberto Simonsen à liderança
industrial, que teríamos um novo esforço de tentar legitimar a industrialização, associando “o nexo positivo entre
a produção industrial, engrandecimento e bem-estar social do país” (SOARES, op.cit.., p. 59).
96
como um todo.
43
Em termos argumentativos, esta campanha retomou alguns elementos que
vinham sendo empregados, como o vínculo entre o desenvolvimento das manufaturas e os
interesses coletivos, mas procurou avançar, apresentando um discurso cada vez mais
elaborado e integrado. O que pode ser notado nesta passagem um pouco extensa, mas
esclarecedora do pronunciamento de Roberto Simonsen na inauguração do Ciesp:
Os problemas da indústria são essencial e visceralmente nacionais: anseia a indústria
pela prosperidade da lavoura, para que se possa formar capitais que venham em
auxílio da criação das grandes organizações de trabalho; anseia a indústria porque
prosperem todas as classes sociais, para que o poder aquisitivo das massas cresça, e,
com este, os mercados internos de consumo; anseia a indústria pelo bem estar do
maior número de brasileiros, para que daí resulte uma nação feliz, capaz de
assegurar a ordem e a estabilidade de que necessita para a expansão de suas
atividades; anseia a indústria pelo enriquecimento do país, para que daí decorram
recursos necessários à formação de elites, pela educação e pela instrução
profissional; anseia a indústria por que se criem os ramos de atividades
abastecedoras de elementos materiais de defesa do país, para que o seu próprio
trabalho e o da grande classe agrícola se possam sentir assegurados contra uma
agressão de nação estrangeira. Os verdadeiros interesses da expansão industrial não
colidem, portanto, com os da lavoura e coincidem com os mais vitais interesses da
nacionalidade.
44
Vemos aqui, ao menos em esboço, um discurso que pretende fazer da industrialização
um processo de harmonia dos interesses nacionais, que antecipa elementos dos debates
teóricos no Brasil na cada de 50, notadamente com a Cepal. Esse é o caso da forma como
os industriais concebiam essa convergência de interesses: através da construção e do reforço
do mercado interno.
45
Para as lideranças do setor manufatureiro, o mercado interno
possibilitaria ao país a sua integração regional e social, a fuga da sua frágil dependência das
trocas internacionais e, assim, o seu robustecimento como nação. Essa linha de raciocínio já
aparece nos escritos de Simonsen (op.cit., p. 65), mas é especialmente nos discursos de Lodi
que ela ganha corpo, indicando o seu amadurecimento no pós-guerra, como podemos notar
por este pronunciamento em um encontro conjunto da Fiesp e do Ciesp (Espírito e Valor da
Industria), em janeiro de 1949:
Ao preconizarmos a industrialização, visamos a diversificação da produção e ao
desenvolvimento do mercado interno nacional, de modo a abrir à nossa pátria o
43
Sobre estas campanhas em favor da industrialização nos anos 30 e 40, consultar, além de SOARES (idem.),
Capítulo III, LEOPOLDI (2000), Capítulo II.
44
SIMONSEN, Roberto Cochrane. Evolução Industrial do Brasil e outros Estudos. São Paulo : Ed. Nacional &
Ed. USP, 1973, p. 92. Sobre esta estratégia, ver DINIZ, op.cit., p. 98.
45
Como salienta BIELSCHOWSKY, essa proposta dos industriais a favor do reforço do mercado interno é uma
de suas antecipações das futuras contribuições da Cepal: “A descoberta do „desenvolvimento para dentro‟
estava sendo divulgada, sob o título de fortalecimento da „economia de mercado interno‟. Tinha-se também o
argumento de que tal fortalecimento permitiria reduzir a vulnerabilidade ao ciclo, expresso através da ideia de
que se reduziria a dependência em relação aos azares da economia mundial” (op.cit.,p. 279).
97
caminho para a sua integração econômica e fazê-la depender cada vez menos dos
sobressaltos e incertezas do mercado internacional. Pensamos em superar a fase
agrária da produção de tipo colonial, preocupados exclusivamente em exportar
produtos em bruto ou 'in natura', convocando a capacidade de trabalho do nosso
homem que deve ser defendido, valorizado, enobrecido como fator primordial de
enriquecimento coletivo.
46
Essa ênfase no mercado interno, na medida em que pressupunha o aumento da renda
nacional destinada ao consumo, também permitiria aos industriais desenvolverem um
argumento capaz de incorporar, ao menos discursivamente, as massas trabalhadoras como
beneficiárias de seu projeto, que assim deixou de apenas combatê-las, como se fazia no início.
Simonsen já deixava isso claro no pronunciamento inaugural do Ciesp, ao afirmar que
a máquina, aumentando sua produtividade, afasta-o [o homem] do trabalho manual e
embrutecedor, aguça-lhe a inteligência, permite a elevação do nível dos salários, a
redução das horas de trabalho, favorece as possibilidades da instrução proletária,
melhora enfim a sorte da humanidade!” (SIMONSEN, op.cit., p. 54).
47
Mas essa incorporação das classes trabalhadoras tinha limites. Os líderes empresariais
deixavam bem claro que o aumento da renda dos operários seria uma consequência do próprio
crescimento industrial, que ampliaria a oferta de emprego e o nível de salário, conforme
crescesse conjuntamente a produtividade. Desta forma, opunham-se a qualquer medida que
lhes parecesse uma distribuição forçada de recursos, como as leis trabalhistas, consideradas
nocivas ao desenvolvimento da indústria porque encareceriam a produção, prejudicariam a
acumulação de capital necessária aos investimentos e desestimulariam envolvimento do
trabalhador na melhoria da produtividade.
48
O que evidenciava, novamente, o aspecto
conservador do projeto industrializante do empresariado fabril brasileiro. Como afirmou
Simonsen:
o aumento do ganho precisa, porém, ser conseguido dentro das leis econômicas, e
não pelos simples arbítrios dos governos ou das classes patronais, sob pena de
encarecermos os produtos e entravarmos a produção. É pelo aumento da produção
em geral que temos de obter o aumento do ganho médio e, portanto, o aumento do
consumo médio por habitante.
49
Outro ponto importante dessa ênfase no mercado interno era o tema delicado do capital
46
LODI, Euvaldo. A Indústria e a Economia Nacional. Rio de Janeiro : Irmãos Pongetti, Editores, 1949, p. 64.
47
Lodi será ainda mais enfático ao afirmar que a industrialização faz “atuar esse extraordinário e legítimo
instrumento de ação social, que melhora o nível geral de vida das classes trabalhadoras e eleva a personalidade
humana” (LODI, op.cit., p. 102), desta forma, os “seus interesses [dos industriais] são os do operariado nacional:
o desenvolvimento da indústria representa crescentes e melhores empregos” (LODI, op.cit, p. 93).
48
Sobre a postura dos industriais frente às leis trabalhistas e suas táticas para combatê-las, ver SOARES, op.cit.,
p. 52 e seguintes.
49
Trecho do discurso de inauguração do Ciesp, (SIMONSEN, op.cit., p. 61).
98
estrangeiro, que parecia ser um dos prejudicados com a proposta de fomento à
industrialização. Quanto a isso, os líderes industriais procuravam deixar bem explícito que
não desejavam fazer do Brasil uma “autarquia” econômica. Ao contrário, para eles, era o
reforço do mercado interno que seria a principal forma de “atração do capital estrangeiro”
(LODI, op.cit., p. 86) e não a política de portas-abertas defendidas pelos livre-cambistas.
Conforme as palavras de Lodi, o capital não procura os países “mais 'bonzinhos' (...). O
capital procura os países mais decididos e firmes em sua política econômica, os mais
deliberados a proteger os novos empreendimentos” (LODI, loc.cit.). Em outras palavras,
desde, no mínimo, os anos 40, as lideranças industriais pleiteavam o protecionismo à industria
nacional contra a concorrência estrangeira através de barreiras alfandegárias eficientes e não
por uma política “xenófoba” ao capital “alienígena”, o qual seria bem vindo se optasse por
investir na produção de bens manufaturados no Brasil ao invés de simplesmente querer
exportá-los para o país.
50
Parece nítido também que o projeto proposto pelas lideranças industriais nas décadas
de 30 e 40 não mantinha como ampliava o papel reservado ao Estado no movimento
industrialista. Além de tarifas alfandegárias protecionistas, os novos líderes fabris
reivindicavam uma participação mais extensa e, podemos dizer, orgânica do poder público no
desenvolvimento da indústria brasileira, através de medidas como: uma política de crédito
fomentadora da industrialização, chegando a se falar de um banco industrial, uma política
cambial que privilegiasse a compra subsidiada de equipamentos e insumos para o setor e, o
mais surpreendente de tudo, investimentos públicos em infraestrutura (energia e transporte) e
em indústrias de base.
51
Essas propostas que vinham sendo formuladas e difundidas
através dos pronunciamentos das entidades patronais e das Conferências envolvendo as
“classes produtoras” ficaram bem explícitas no relatório que Simonsen apresentou à
Comissão de Planejamento Econômico (CPE), no final do Estado Novo (1943). Neste
documento, o líder fabril traçou as linhas gerais do que seria um programa de recuperação da
economia brasileira no pós-guerra, o qual deu origem à famosa polêmica com o economista
liberal Eugênio Gudin, conhecida como a “Controvérsia Sobre o Planejamento Econômico”.
50
Sobre a consciência de que, devido à falta de capitais no país, a indústria deveria contar com o capital
estrangeiro, ver o argumento de Cristiano do Vale Júnior (O Brasil Industrial e o Capital Estrangeiro, Jornal do
Comércio, 21 de abril de 1935), que afirma: “A aplicação do capital estrangeiro no nosso país virá concorrer para
o seu rápido desenvolvimento industrial e nos permitirá atingir dentro em breve o ponto culminante que nos
colocará ao lado das grandes potências, sanando por completo a situação precária que atravessamos” (CARONE,
op.cit., p. 560). Ver também DINIZ, op.cit.
51
Uma descrição destas propostas e uma comparação com as reivindicações anteriores a 1930 podem ser
encontradas em LEOPOLDI, 2000., pp. 110-113. Ver também DINIZ, idem., 98-99.
99
Em tal relatório, o industrial defendeu abertamente a intervenção do Estado na economia,
afirmando que o poder público nacional deveria buscar verbas junto ao governo norte-
americano para serem
usadas na eletrificação do país, na mobilização de suas várias fontes de combustíveis
e na organização de seus equipamentos de transportes. Abrangeria o programa a
criação de moderna agricultura de alimentação e a promoção dos meios apropriados
à intensificação da nossa produção agrícola em geral. Seriam criadas indústrias-
chave, metalúrgicas e químicas, capazes de garantir uma relativa auto-suficiência ao
nosso parque industrial e a sua necessária sobrevivência na competição
internacional.
52
Embora seja lícito afirmar que o esboço desse projeto industrializante tenha sido
gestado entre as lideranças industriais, devemos ressaltar que ele não foi exclusivo nem ficou
restrito às classes empresariais. No pós-30, a elaboração de tal “programa” recebeu um
considerável reforço vindo do próprio aparato estatal o qual tornou possível a sua
transformação em política pública efetiva: o apoio da burocracia, tanto civil quanto militar.
Durante os anos 30 e 40, ligado ao processo de crescimento industrial e resultado da
centralização do poder promovida por Vargas, surgiu um arcabouço de agências reguladoras e
controladoras da atividade econômica no Brasil, como o Departamento Administrativo do
Serviço Público DASP (1938), o Conselho Federal de Comércio Exterior CFCE (1934), a
Comissão de Mobilização Econômica CME (1942), o Conselho Nacional de Política
Industrial e Comercial CNPIC (1944) e a citada CPE. No período democrático, algumas
dessas instituições permaneceram (DASP), enquanto outras foram criadas, notadamente
durante o Segundo Governo Vargas, quando foram criadas a Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos (1951-1953), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e a
Comissão de Desenvolvimento Industrial (CDI), sem contar a influência das atividades da
Cepal no país.
53
Reunindo técnicos civis e militares, esses órgãos deram espaço ao debate tanto sobre a
organização da economia brasileira durante a guerra quanto a respeito da sua re-estruturação
52
SIMONSEN, Roberto Cochrane. A controvérsia do Planejamento na Economia brasileira; coletânea da
polêmica Simonsen X Gudin, desencadeadas com as primeiras propostas formais de planejamento na economia
brasileira ao final do Estado Novo. Introdução de Carlos Von Doellinger. Rio de Janeiro, IPEA/INPES, 1977, p.
34. Nesse texto, SIMONSEN ainda defende a necessidade da “criação de bancos industriais e outros
estabelecimentos de financiamento” (op.cit., p. 35). Para BIELSCHOWSKY, contudo, Simonsen seria, no
universo empresarial, um “radical” no que se refere à aceitação dos investimentos estatais, sendo os demais
membros das “classes produtoras” menos tolerantes com o “intervencionismo” (BIELSCHOWSKY, op.cit., 90-
91).
53
Quanto à criação e funcionamento destas instituições, especificamente sobre o período entre 1930 e 1945,
consultar DINIZ, op.cit., Terceira Parte, e sobre o período entre 30 e 60, consultar: BIELSCHOWSKY, op.cit.,
Parte 3, Capítulos IX e X, DRAIBE, op.cit., Capítulos II e III e LEOPOLDI, 2000, Seção III.
100
no pós-guerra, procurando alternativas para eliminar a vulnerabilidade do país às crises
internacionais. Por essas razões, BIELSCHOWSKY afirma que essas “numerosas agências de
planejamento geral e setorial”
dificilmente poderiam deixar de constituir-se, naquela fase de transição para o
capitalismo industrial, em núcleos de reflexão coletiva sobre a problemática do
desenvolvimento nacional. Nelas reunia-se uma elite emergente de técnicos e
militares, que buscava sua inserção no universo das elites brasileiras. Aproveitavam
esses indivíduos a possibilidade histórica, aberta pela revolução de 30 e
instrumentalizada pela valorização do conhecimento técnico e da segurança militar,
de participação na restrita esfera de poder decisório sobre os destinos nacionais
(op.cit., p. 258).
Conforme LEOPOLDI, as lideranças industriais tiveram ampla participação nestas
agências, o que possibilitou a aquisição de experiência administrativa por esses líderes, ao
mesmo tempo em que “lhes permitia levar para o interior do Estado suas ideias sobre uma
política industrial para o país” (LEOPOLDI, 2000, p. 132). No que se refere à burocracia
civil, diante da carência de cursos de formação em economia no Brasil e da total
predominância do liberalismo na academia, foi no interior dessas instituições que se formou
um corpo técnico qualificado com uma mentalidade industrializante.
54
Quanto aos militares, a sua participação nessas instâncias ajudou a consolidar nas
Forças Armadas um vínculo cada vez mais estreito entre a defesa nacional e a
industrialização. Envolvidos no debate sobre a organização econômica no país, ficava cada
vez mais claro para os homens de farda que a existência de um parque industrial era
fundamental não apenas para viabilizar uma indústria bélica no Brasil mas também para
garantir a sua soberania como nação, necessidade que as duas Grandes Guerras pareciam ter
deixado evidente.
55
Mesmo que houvesse diferença nas fileiras do Exército no que se refere à forma como
54
Como afirma LOUREIRO, todos “estes órgãos (DASP, BNDE, Cepal, CMBEU, etc.) desempenharam papel
fundamental na formação do campo dos economistas no Brasil.” LOUREIRO, Maria Rita. A participação dos
economistas no governo. ANÁLISE. Porto Alegre, v. 17, n. 2, p. 345-359 jul./dez. 2006, pp. 347-348. Em
relação à interpretação que defende a predominância dessa burocracia estatal no projeto industrialista no período,
consultar MARTINS, op.cit.
55
SILVA defende que a “sustentação dada à ditadura Vargas favoreceu ainda mais o aprofundamento do processo
de reforma nas forças armadas que aumentaria sua coesão interna e inauguraria a estreita vinculação entre os
objetivos estritamente militares e o processo de industrialização brasileira. Com efeito, ter um posicionamento a
respeito da economia foi parte das mudanças introduzidas na instituição durante o Estado Novo, sob a
coordenação direta do general Góis Monteiro” (op.cit., p. 95). Ver também BIELSCHOWISKY, op.cit., 338.
Interpretação semelhante é defendida por WIRTH, John D. A Política do desenvolvimento na Era de Vargas.
Trad. de Jefferson Barata. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 1973. Para uma visão divergente, ver:
TRONCA, Ítalo. O exército e a industrialização: entre as armas e Volta Redonda. In: FAUSTO, Bóris (org.)
História Geral da Civilização Brasileira. t.3, v.3. São Paulo : DIFEL, 1986.
101
esse projeto deveria ser levado adiante,
56
é possível encontrar convergência em dois pontos
fundamentais: o forte vínculo entre industrialização acelerada e segurança nacional e a ideia
de que um grau razoável de intervencionismo estatal era necessário para tornar esse processo
possível. Indício disto podemos perceber no próprio pensamento dos militares mais
conservadores, ligados à Escola Superior de Guerra. Embora mais resistentes ao
“intervencionismo” e defensores da livre empresa e do fluxo de capital externo para a
economia brasileira, eles eram partidários da necessidade do fortalecimento industrial do país
e favoráveis à intervenção do Estado nos setores estratégicos da economia.
57
A abordagem sobre o posicionamento do Exército é importante porque nos permite
compreender não apenas a força que se gestava no interior do Estado brasileiro em favor da
industrialização do país, mas também o respaldo que ela poderia receber publicamente pela
adesão dos homens de farda. Não devemos negligenciar que os militares brasileiros, tanto na
ala “nacionalista” quanto na “entreguista” ou “cosmopolita”, foram muito atuantes no debate
público, militando em associações de classe, divulgando as suas ideias em palestras, em
publicações internas e até na grande imprensa, o que os tornava agentes decisivos na
divulgação e legitimação da importância de um parque fabril nacional, em especial as
indústrias de base.
58
Todo esse apoio social e político dado à defesa da industrialização durante os anos 30 e
56
Diferenças que ficariam bem claras no pós-guerra pela oposição entre a chamada “ala nacionalista do
Exército” (contrária à presença do capital estrangeiro nos setores estratégicos da economia nacional) e os
militares ligados à antiga Força Expedicionária Brasileira e à Escola Superior de Guerra, ESG, (mais favoráveis a
esta presença e a um alinhamento com os EUA). Ver: PEIXOTO, Antônio C. O Clube Militar e o confronto no
meio das Forças Armadas (1945-1964). In: ROUQUIE, Alain (coord.). Os partidos militares no Brasil. Rio de
Janeiro : Record,1980.
57
Conforme PEIXOTO, desde o anos 40 “não se pode afirmar a existência de uma corrente contrária ao
desenvolvimento industrial nas Forças Armadas. Sem dúvida alguma, a grande maioria, se não a quase totalidade
da instituição militar, pendia para uma política de expansão da indústria. Segundo a compreensão militar, o
crescimento industrial significava aumento do poder nacional” (PEIXOTO, op.cit., p. 78-79). Sobre a posição da
ESG a favor o planejamento estatal da economia, ver: STEPAN, Alfred. Os militares na política. As mudanças
de padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro : Arte Nova S.A, 1975, p.132. O próprio general Golbery do
COUTO E SILVA, um dos mentores da ESG, irá afirmar, no seu Geopolítica do Brasil, que, para o
desenvolvimento nacional, “nunca bastarão as prédicas mais ou menos insinceras sobre as virtudes inexcedível e
sem jaça da livre empresa (...), as teses cediças sobre as vantagens inigualáveis de um livre-cambismo já defunto
e as maravilhas da divisão internacional do trabalho, as apregoadas vocações agrícolas ou as repetidas
demonstrações de perfeição admirável do mecanismo automático do mercado livre” (COUTO E SILVA, Golbery
do. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro : José Olympio Editora, 1967. (Documentos Brasileiros), p. 255).
58
Em relação à divulgação externa da necessidade da industrialização, do ponto de vista da “ala nacionalista”, o
principal veículo foi a Revista do Clube Militar, ao menos até 1952, enquanto que a “ala cosmopolita” preferia
defender suas teses mais entre a elite, em especial nos cursos da ESG. Sobre esta divisão, consultar: PEIXOTO,
idem. no que se refere às articulações e divulgação doutrinária da ala “cosmopolita” entre as elites e o
aparelho de Estado, ver: OLIVEIRA, Eliézer Rizzo. A Doutrina de Segurança Nacional: pensamento político e
projeto estratégico. In.: OLIVEIRA, Eliézer Rizzo (coord.). Militares: pensamento e ação política. Coleção
Forças Armadas e Sociedade, V. 1. Campinas-SP : Papirus, 1987.
102
40 reforçou o movimento industrialista, mas não o eximiu da tarefa de encontrar suporte
teórico às suas propostas a fim de enfrentar a tradicional e persistente oposição liberal à
interferência do Estado na economia e à mudança de nossa matriz produtiva.
59
Nesse período, os defensores da industrialização fizeram significativos esforços para
encontrar suporte teórico ao seu projeto. Autores como o político e economista romeno Mihail
Manoilescu e o economista alemão Friedrich List foram traduzidos para o português e eram
seguidamente citados pelos industrialistas, em especial as lideranças empresariais. Mas,
embora defendesse o protecionismo, esse arsenal intelectual demonstrou-se pouco adequado
para dar o suporte que o movimento necessitava.
60
Outro ponto de apoio teórico ao
industrialismo nos anos 30 e 40 foi oferecido pelo pensamento autoritário e a sua defesa do
corporativismo, que tinha argumentos muito próximos aos defendidos por Simonsen.
61
Mas,
depois de 1945, buscar apoio para sustentar a industrialização no pensamento autoritário
comportava sérios limites, pois, esta corrente, além de carecer de um programa econômico
claro, apresentava o inconveniente de estar associada à ditadura do Estado Novo e à negação
da democracia.
Conforme BIELSCHOWISKY, o grande trunfo teórico encontrado pelos
industrialistas ficou por conta de um conjunto de conceitos que a bibliografia especializada
tem classificado como desenvolvimentismo. Segundo o autor, o desenvolvimentismo foi a
doutrina econômica que forneceu as principais diretrizes da política industrializante no Brasil
durante as décadas de 40 a 60 e pode ser conceituado como sendo
a ideologia de transformação da sociedade brasileira definida pelo projeto
econômico que se compõe dos seguintes pontos fundamentais: a) a industrialização
integral é a via de superação da pobreza e do subdesenvolvimento brasileiro; b) não
59
Sobre a oposição que os líderes industrialistas faziam ao liberalismo ou laiser-faire, ver, por exemplo,
SIMONSEN, 1973, p.81, e LODI, op.cit., p. 26.
60
Manoilescu duro crítico da “teoria das “vantagens comparativas” e cuja obra Theoria do protecionismo e da
permuta internacional foi traduzida no Brasil, em 1931, a pedido do Ciesp defendia que, como a produtividade
nas manufaturas era muito superior a obtida na agricultura, qualquer “transferência de mão de obra de um setor
agrícola relativamente atrasado para um setor industrial moderno traria benefícios para os países de produção
primária (LOVE, Joseph L. A construção do Terceiro Mundo. Teorias do subdesenvolvimento na Romênia e no
Brasil. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1998, 191), o que justificava a proteção ao setor industrial. Mas Manoilescu
não era um acadêmico e sua ligação com o fascismo o tornava alvo fácil das críticas, normalmente desdenhosas,
dos liberais brasileiros mais refinados. Por outro lado, List, apesar de ser um autor mais prestigiado, não era tão
citado pelos industrialistas porque sua proposta de proteção à “indústria infante”, além de ser bastante limitada
(tanto em relação à intensidade do protecionismo, restrito a cifras baixas, quanto em relação ao tempo do
mesmo, que não poderia exceder a 25 anos), havia sido incorporado pelos pensadores liberais, que aceitavam
algumas de suas teses centrais. Quanto às ideias de List, consultar: RODRIGUES, Carlos Henrique Lopes. A
questão do protecionismo no debate entre Roberto Simonsen e Eugenio Gudin. Dissertação de Mestrado
Universidade Estadual de Campinas Instituto de Economia, 2005, pp.: 52-61.
61
Ver: DINIZ, op.cit., 88-93. De todos esses autores, Azevedo Amaral foi, indiscutivelmente, o maior apologista
da industrialização com intervencionismo estatal. Sobre isso, consultar: AMARAL, Azevedo. O Estado
Autoritário e a Realidade Nacional. EBookLibris, 2002 e, para uma síntese das ideias do autor, ver: PIVA, Luiz
Guilherme. Ladrilhadores e semeadores. São Paulo: Ed. 34, 2004, p. 189.
103
meios de alcançar uma industrialização eficiente e racional no Brasil através das
forças espontâneas do mercado; por isso é necessário que o Estado planeje; c) o
planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os
instrumentos de promoção dessa expansão; e d) o Estado deve ordenar também a
execução da expansão, captando e orientando recursos financeiros, e promovendo
investimentos diretos naqueles setores em que a iniciativa privada seja insuficiente
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 7).
As teorias desenvolvimentistas, porém, não surgiram acabadas e não possuíam um
corpus conceitual e textual unificado, apresentando significativas diferenças internas. O
desenvolvimentismo, no caso brasileiro, foi sendo formulado no próprio processo de debate e
programação das mudanças em curso, apropriando-se de conceitos e princípios de diversas
origens teóricas, o que implicou um trabalho de acomodamento à realidade nacional, nem
sempre tranquilo.
O principal desses conceitos foi, sem dúvida, o de planejamento econômico, uma das
mais importantes heranças teórico-ideológicas deixada por Simonsen ao movimento
industrialista brasileiro, segundo BIELSCHOWSKY (op.cit., 85).
62
Quando analisamos mais de perto essa categoria, porém, notamos as dificuldades que a
industrialização com apoio estatal deveria enfrentar para ganhar o mínimo de legitimidade,
mesmo no pós-guerra. A noção de planejamento econômico tinha origem mais em
experiências concretas do que em elaborações acadêmicas, cujos maiores e mais complicados
62
Duas considerações preliminares. Primeiro, não é relevante para a nossa pesquisa, discutir propriamente as
diferentes tentativas de planejamento engendradas no Brasil entre os anos 40 e 50, mas apenas abordar alguns
princípios básicos dessa noção e seu papel na justificativa da necessidade de industrializar o Brasil com apoio
estatal. Sobre as experiências de planejamento propriamente ditas, pode-se consultar: LAFER, Betty Mindlin. O
conceito de Planejamento. In.: LAFER, Betty Mindlin (org.). Planejamento no Brasil. 3. ed. São
Paulo : Perspectiva, 1975 e ALMEIDA, Paulo Roberto. A experiência brasileira em planejamento econômico:
uma síntese histórica. 2004. In.: http://pralmeida.org/05DocsPRA/1277HistorPlanejBrasil.pdf. Para a visão de
um dos principais atores do processo, ver: CAMPOS, Roberto de Oliveira. A experiência brasileira de
planejamento. In.: SIMONSEN, Mário Henrique & C CAMPOS, Roberto de Oliveira. A Nova Economia
brasileira. Rio de Janeiro : José Olympio, 1974, pp.: 47-78. Segundo, entre os autores que abordam o tema, não
uma distinção clara entre o conceito de planificação e de planejamento, como podemos notar na própria
polêmica entre Simonsen e Gudin sobre o planejamento na economia brasileira, onde planejamento e
planificação são usados de forma indistinta (SIMONSEN, Roberto C.. A controvérsia do planejamento na
economia brasileira. Rio de Janeiro : IPEA, 1977. 248 p). O mesmo ocorre com autores como Guy Caire, que
emprega o termo planificação tanto para as economias capitalistas de mercado quanto para as socialistas
(CAIRE, Guy. La planification: techniques et problèmes. Paris : Cujas, 1967, p. 34), e Betty Lafer, que usa
planejamento para referir-se tanto às experiências no mundo socialista quanto no capitalista (LAFER, 1975, p.
8). Entretanto, para este trabalho, preferimos usar o critério adotado pelo Dicionário de Economia (a partir de
agora, DE), organizado por SANDRONI, que define planejamento como um “esquema econômico em que a
organização dos fatores de produção é controlada ou direcionada por uma autoridade central” e que é “inspirado
no esquema de planificação, dos quais se distingue por não eliminar a concorrência entre as empresas privadas
no mercado e exercer um controle mais normativo que imperativo”. a planificação é definida como “método
de planejamento central usado nos países socialistas, em que a maior parte ou a totalidade das decisões de
natureza econômica são tomadas por um órgão estatal (como a Gosplan, na URSS). (...) A aplicação integral da
planificação implica a socialização dos meios de produção” (SANDRONI, Paulo (org.). Dicionário de
Economia. São Paulo: Best Seller, 1989, p. 235-237).
104
exemplos foram oferecidos pelos Planos Quinquenais soviéticos. Com tal certidão de
nascimento, era evidentemente que, no período democrático, o apelo a este conceito se
tornava um tema, no mínimo, polêmico, como a controvérsia entre Simonsen e Gudin já havia
indicado, durante o Estado Novo.
No pós-guerra, a concordância com o planejamento foi facilitada pela ideia difundida
entre a elite política e empresarial brasileira de que o país precisava fazer um esforço a mais
para sair do subdesenvolvimento e que este esforço passava necessariamente por uma
ingerência mais ativa do Estado na economia e pelo robustecimento de seu parque fabril, ao
menos para diversificar as suas atividades produtivas.
63
Também contribuíram para isso as
próprias experiências de planejamento adotadas nos países centrais do capitalismo, que
ajudaram a firmar a compatibilidade entre este conceito e a economia de mercado.
64
Mas essas experiências nos países desenvolvidos apresentavam limites para a sua
adoção em economias subdesenvolvidas. No geral, elas foram inspiradas teoricamente no
debate sobre as crises do capitalismo, cuja principal referência era a obra do economista
britânico Johan Maynard Keynes. Este teve o mérito de contestar, na mesma lógica da
economia clássica, o princípio da capacidade auto-reguladora do mercado e, assim, da
possível tendência das economias capitalistas de alcançarem automaticamente o equilíbrio em
situações de pleno emprego, que era uma das bases do liberalismo ou laisser-faire, como ele
preferia chamar.
65
Em consequência, depois de Keynes, ficou cada vez mais patente que a saída do
imobilismo ou de uma crise não poderia depender apenas da iniciativa individual. Era, pois,
necessário que o Estado solucionasse a carência de demanda efetiva da economia “mediante o
aumento dos gastos governamentais em programas de obras públicas” e/ou através da redução
63
BIELSCHOWSKY, 2000.
64
Exemplos dessa experiências podem ser encontrados no New Deal e na coordenação econômica, adotados,
durante a Segunda Guerra Mundial pelos EUA e países Europeu, e a política seguida pela Inglaterra, no pós-
guerra
65
Para Keynes, esta tendência ao equilíbrio em pleno emprego poderia não acontecer em virtude da propensão
dos agentes econômicos quer seja para se protegerem das incertezas do futuro, quer seja para especulação de
reter boa parte da poupança obtida (renda não gasta) na forma de ativos de maior liquidez (moeda) ao invés de
investirem na produção. Ou seja, nas economias onde a moeda é o principal ativo líquido e a principal reserva
valor, os possíveis investidores, diante das incertezas econômicas, poderiam preferir “reter moeda e, por
conseguinte, suas decisões de gastos, sejam de consumo, sejam de investimento, são postergadas” (FERRARI
F
o
., Fernando. As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes. In: Texto
para discussão :UFRGS FCE DECON. Porto Alegre n.1 (abr.2005), 1-21 p. 12). Com essa análises, Keynes
entrava em choque com a chamada Lei de Say, segundo a qual a renda gerada pela produção automaticamente se
transformava em demanda porque aquilo que não fosse gasto em consumo seria poupado e reaplicado no
sistema, devido à propensão natural dos agentes econômicos a investirem, mantendo o nível de pleno emprego
(BITTENCOURT, Manuel Fernando. Keynes e síntese neoclássica: uma comparação entre as duas abordagens.
Análise (Porto Alegre), Porto Alegre, v.6, n.1, 1995, p. 23-39, p. 25).
105
de impostos para incentivar as inversões privadas e, assim, aumentar os investimentos.
66
Em
ambos os casos, “verifica-se que um eventual déficit nas finanças públicas, longe de ser
prejudicial à economia, [poderia] ter efeitos altamente benéficos no nível geral de atividades”
(SZMRECSÁNYI, op.cit., p. 19), contrariando o receituário básico da política econômica
ortodoxa fundada no “equilíbrio no orçamento fiscal”.
67
Desta maneira, com rigor
argumentativo e legitimidade acadêmica, Keynes estimulou e deu sustentação teórica à
intervenção estatal na economia e às práticas de assistência social promovidas ou incentivadas
pelo Estado, sendo um grande opositor da ortodoxia liberal clássica.
Contudo, embora o aporte do economista britânico tenha tido enorme respaldo
mundial, a sua aplicação para orientar e legitimar o planejamento econômico em países como
o Brasil foi limitada. Como lembra FONSECA, o keynesianismo era direcionado às
economias desenvolvidas que passavam por problemas cíclicos derivados da carência de
demanda efetiva e, dessa maneira, defendia um intervencionismo estatal pontuado, como
medida anticíclica. as economias latino-americanas necessitavam exatamente do contrário,
ou seja, políticas públicas permanentes que aumentassem a capacidade de poupança e
gerassem investimentos a fim de atingir o desenvolvimento (capital e tecnologia) que ainda
não apresentavam.
68
Em consequência, na passagem dos anos 40 para os 50, a busca de justificativas
teóricas para a industrialização planejada voltada para a realidade brasileira e latino-
americana continuava em aberto. Até porque, não obstantes os esforços de Simonsen e dos
demais industrialistas, autores como DINIZ (op.cit., 98) e BIELSCHOWISKY argumentam
que frente “à ideologia liberal, a defesa do desenvolvimento pela industrialização tinha no
imediato pós-guerra a inconveniência de encontrar-se insuficientemente instrumentalizada de
um ponto de vista analítico. Havia, para os defensores da industrialização, uma espécie de
'vazio teórico'” (BIELSCHOWSKY, 2000b, p. 24). Problema que se tornou ainda mais
complicado, porque, com o fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo, a teoria liberal
iria receber um significativo reforço no Brasil, preparando-se para a batalha que se anunciava.
66
SZMRECSÁNYI, Tamás. Introdução. In.: SZMRECSÁNYI, Tamás (org.). Keynes : Economia. São Paulo:
Ática, 1985, p. 18. Ver também KEYNES, John Maynard. O fim do "laissez-faire". In: SZMRECSÁNYI, op.cit.,
pp. 106-126, p. 122.
67
Que era vista pelo economista britânico como “outro elemento a agravar as recessões”, devendo “ser encarada,
na verdade, como um fator exacerbador das flutuações cíclicas” (CONTADOR, Cláudio Roberto. Apresentação
da Edição Brasileira. In.: KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo
: Atlas, 1982, p. 13).
68
FONSECA, 2000. pp. 23-46.
106
2.2.2 Liberalismo e neoliberalismo contra o caminho da servidão
Embora as principais teses e o receituário programático ortodoxo tenham recebido um
significativo abalo desde a Crise de 29, o liberalismo iria se robustecer no pós-guerra, tanto no
Brasil, quanto no exterior. Em termos internacionais, este revigoramento esteve baseado,
como vimos, na iniciativa estadunidense de moldar a nova ordem global pós-45 com base na
retomada do comércio e do fluxo de capitais no mundo capitalista, dando um novo alento à
teoria das vantagens comparativas. Mas não foi isso. Paralelamente à estratégia norte-
americana, ocorreu uma reação dos intelectuais liberais através de um movimento que ficou
conhecido como neoliberalismo e que teve como líderes pensadores como Ludwig von Mises
e seu discípulo Friedrich von Hayek, ambos pertencentes à Escola Austríaca,
69
além de outros
expoentes, como o economista britânico Lionel Robbins.
A proposta básica dos neoliberais era reafirmar
a eficiência dos mecanismos de livre-
mercado e, dessa maneira, combater as medidas do Estado de Bem-Estar Social e de
intervencionismo econômico, adotadas pelos países capitalistas desde os anos 20.
70
Porém,
estes pensadores não procuraram apenas negar as críticas keynesianas à teoria clássica mas
tentaram incorporar alguns de seus pressupostos para adaptar o liberalismo à nova realidade
de meados do século XX.
Dessa maneira, o pensamento neoliberal aceita a questão dos ciclos econômicos e,
consequentemente, a possibilidade de a economia capitalista apresentar crises endógenas.
Demonstra, por isso, menos confiança na capacidade auto-regulatória do mercado e até
admite a sua “imperfeição”, através do reconhecimento de problemas como a formação de
monopólios. Em virtude disso, também tolera certo grau de ingerência do Estado na
economia, a fim de evitar tanto as instabilidades financeiras, quanto as deturpações no
mecanismo de preços, chegando, inclusive, a prescrever políticas públicas anti-cíclicas com o
objetivo de retomar o pleno emprego em períodos de depressão.
71
Mas, apesar dessas
69
A “Escola Austríaca” foi assim chamada por seus defensores mais proeminente terem nascido na Áustria (Carl
Menger, Eugen Von hm-Bawerk, von Mises e, posteriormente, Hayek). Sua “pedra angular [...] é a teoria da
utilidade marginal do valor subjetivo. Essa teoria liga todos os fenômenos econômicos, simples ou complexos, às
ações dos indivíduos, sendo cada uma dessas ações executada como resultado de valores pessoais subjetivos.”
(GREAVES, Betina Bien. Prefácio à edição de 1985. in.: MISES, Ludwig Von. Liberalismo segundo a tradição
clássica. Rio de Janeiro : José Olympo : Instituto Liberal, 1987, p. xix).
70
Cf. ANDRADE, Rogério de. Friedrich Hayek: a contraposição liberal. In.: Carneiro, Ricardo (org.). Os
Clássicos da Economia. São Paulo : Ática, 2003. 2 v., p. 177.
71
Embora, devamos admitir, tal proposição não fosse consensual. O Dicionário de Economia, organizado por
Paulo Sandroni, define o neoliberalismo como sendo a “doutrina política-econômica que representa uma
tentativa de adaptar os princípios do liberalismo econômico às condições do capitalismo moderno. [...]
Entretanto, defendem o disciplinamento da economia de mercado, não para asfixiá-la, mas para garantir-lhe
107
concessões teóricas, na avaliação de políticas concretas, os neoliberais do pós-guerra foram
contundentes opositores do que chamavam de “intervencionismo”, tendo como maior líder
desta campanha o economista Hayek, que chegou a criar, em 1947, a Sociedade de Mont
Pèlerin, principal fortaleza de resistência liberal ao avanço do Estado de Bem-Estar Social.
72
A prédica neoliberal teve grande receptividade no Brasil, país que, no pós-guerra, saía
de uma ditadura caracterizada por forte ingerência estatal na economia. Em nosso país,
segundo BIELSCHOWISKY, o “prefixo „neo‟” significava que “os liberais brasileiros, em
sua maioria, passavam a admitir, na nova realidade pós-1930, a necessidade de alguma
intervenção estatal saneadora das imperfeições do mercado” (op.cit., 37).
Mas as políticas admitidas ou eram muito limitadas ou apenas aceitas em teoria,
que, na prática, eles se opuseram aos principais programas econômicos com forte presença
estatal. Desta forma, os neoliberais brasileiros acabaram se tornando defensores das propostas
tradicionalmente sustentadas pelo liberalismo no país, como a redução do Estado na
economia, a aplicação de políticas de equilíbrio monetário e financeiro e a rejeição de
“medidas de suporte ao projeto de industrialização” (BIELSCHOWSKY, op.cit., p. 38). A
grande diferença com a tradição ortodoxa, contudo, estava na forma mais sofisticada com que
defendiam estas ideias, na medida em que, para combater a industrialização planejada, não se
limitaram a repetir a velha tese da “vocação agrária” do Brasil, embora esta ainda estivesse
presente no debate nacional (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 270).
Dos intelectuais neoliberais brasileiros, o que deu maior rigor e vigor a esta estratégia
foi, sem dúvida, o economista Eugênio Gudin. É certo, como apontam alguns autores, que
nem todas as suas ideias sobre a economia do país podiam ser generalizadas para os demais
pensadores desta corrente. Mas por ter sido um intelectual de renome e fundador do primeiro
e principal curso de ensino superior de economia no Brasil, Gudin tornou-se a grande
referência da doutrina neoliberal tanto para os adeptos quanto para os adversários do
sobrevivência, pois, ao contrário dos antigos liberais, não acreditavam na autodisciplina espontânea do sistema.
(...).” (SANDRONI, 1989, p. 214). O próprio HAYEK, provavelmente o neoliberal mais hostil ao
“intervencionismo estatal”, admite que em “nenhum sistema racionalmente defensável seria possível o Estado
ficar sem qualquer função. Um sistema eficaz de concorrência necessita, como qualquer outro, de uma estrutura
legal elaborada com inteligência e sempre aperfeiçoada,” definindo esta interferência como “[criar] condições
em que a concorrência seja tão eficaz quando possível , completar-lhe a ação quando ela não o possa ser,
fornecer os serviços” cujos lucros não compensam os investimentos (HAYEK, Friedrich August von. O caminho
da Servidão. Rio de Janeiro : Biblioteca do Exército, 1994.)
72
Quanto a isso, consultar: ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In.: SADER, Emir, GENTILI,
Pablo (org.) Pós-Neoliberalismo: as políticas sociais e o estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995,
p. 9 e GROS, Denise Barbosa. Institutos Liberais e neoliberalismo no Brasil da Nova República/ Porto Alegre:
Fundação de Economia e Estatística Siegfried Emanuel Heuser, 2003.- (Teses FEE; n. 6), disponível em
http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/download/teses/teses_fee_06.pdf, consultado em 14 de maio de 2009, pp., p. 92-
93.
108
liberalismo, tendo ampla participação no debate público e até certo envolvimento direto nos
temas relativos ao desenvolvimento brasileiro no período.
73
Dessa maneira, é fundamental
entender com mais acuidade as suas ideias essenciais.
Como pensador liberal, uma das preocupações básica de Gudin sobre a economia
brasileira era a inflação. Quanto a esse tema, porém, existe uma controvérsia a respeito do seu
posicionamento, na medida em que este autor ficou conhecido e ainda é interpretado como
defensor de uma visão monetarista do fenômeno inflacionário, o que é contestado por
BIELSCHOWSKY (op.cit., p. 44).
74
Para este autor, embora Gudin aceitasse que o aumento
de oferta de moeda acima da oferta de bens de consumo devesse causar inflação, o seu
entendimento do fenômeno era mais complexo e envolvia elementos da própria teoria
keynesiana, como a explicação do inflacionismo por “excesso de demanda” e por “aumento
de custo” (BIELSCHOWSKY, op.cit, p. 44).
75
Como o próprio Gudin argumenta, dentre
os equívocos que, em matéria econômica, se têm propalado, um dos mais graves,
por suas consequências, é o que considera que a causa da inflação é a emissão de
papel-moeda. Ouve-se até dizer que não adianta combater a expansão do crédito,
porque essa expansão é um simples efeito da emissão de papel-moeda! O que
importa é não emitir... (GUDIN, 1959, p. 65).
É importante ter isso em conta não apenas para diferenciar o pensamento do autor
73
Engenheiro por formação e autodidata em economia, Gudin teve ampla atuação pública entre os anos 40 e 50,
procurando difundir suas ideias e mesmo pô-las em prática na esfera governamental. Além de mentor e principal
professor do curso de economia na Universidade do Brasil e coordenar a Revista Brasileira de Economia, na qual
escrevia com regularidade, publicou artigos em diversos jornais de grande circulação (como O Jornal e o
Correio da Manhã). Participou também de várias comissões e consultorias governamentais, até mesmo durante o
Estado Novo, quando foi um dos enviados brasileiros à Conferência de Bretton Woods. No período democrático,
chegou a ser ministro da Fazenda por onze meses (1954-1955), no efêmero governo de Café Filho. Na iniciativa
privada, Gudin igualmente trabalhou para várias multinacionais, entre elas a Light.
74
A teoria monetarista da inflação é uma variação da Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) e baseia-se na ideia
de que o aumento nos preços é sempre uma consequência direta do aumento da quantidade de moeda em relação
a um produto geral estável. Conforme CORAZZA, essa interpretação defendia uma relação causal entre aumento
da liquidez e aumento de preços, sem conceder que um incremento de liquidez pudesse influenciar positivamente
a oferta de bens de consumo (CORAZZA, Gentil. O Monetarismo ou a Negação da Moeda. DECON / UFRGS,
Porto Alegre, Novembro 1996. Disponível em:
http://www.ufrgs.br/decon/publionline/textosdidaticos/textodid11.pdf, consultado em 11/03/2010., p.1).
75
GUDIN esclarece estas questões ao afirmar que existiam basicamente dois tipos de inflação: a inflação de
demanda, que resulta das emissões de moedas e do aumento dos meios de pagamento, fazendo com que a
quantidade excessiva de dinheiro aja como uma bomba aspiradora, elevando os preços, e a inflação de custos
“que resulta não da emissão de moeda e sim da elevação dos preços dos fatores de produção, isto é, do
encarecimento dos salários, matérias-primas, transportes, impostos, etc.” (GUDIN, Eugênio. Inflação,
Importação e Exportação, Café e Crédito, Desenvolvimento e Industrialização. Livraria Agir Editora : Rio de
Janeiro, 1959. 2a. Edição revista e comentada, p. 69). Em relação a esses conceitos e as principais teorias da
inflação, consultar, além de CORAZZA, op.cit., MORAN, Carlos A. Azabache & WITTE, Gilson.
Conceitualização da inflação e uma análise dos planos econômicos brasileiros de 1970-1990. In.: Teor. Evid.
Econ., Passo Fundo, Ano 1, n.1, p.119-141, março 1993, e CARVALHO JR., Luis Carlos de. Verificação da
existência de convergências entre as teorias da inflação. In.: Textos de Economia, Florianópolis, v. 5, n. 1, 1994,
p.131-145. Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/economia/article/viewFile/6636/6116,
consultado em 11 de março de 2010.
109
sobre o processo inflacionário da explicação monetarista tradicional mas porque este aporte
mais complexo do fenômeno lhe permitirá formular uma crítica bem melhor elaborada às
políticas desenvolvimentistas em curso.
Claro que um dos pontos-chaves dessa crítica era a censura ao déficit público,
tradicionalmente associado no liberalismo às emissões monetárias e à inflação.
76
Mas,
diferentemente do pensamento ortodoxo convencional, para Gudin, o déficit público nem
sempre era condenável
77
ou mesmo a principal causa do processo inflacionário. Partidário do
conceito de inflação de demanda, o autor também apontava as políticas governamentais de
expansão de crédito como um dos motivos essenciais do problema da subida dos preços. Da
mesma forma que, apoiando-se no conceito de inflação de custo, localizava nos níveis de
investimentos da economia brasileira (considerados muito altos por ele), assim como na
política de incentivo e proteção à indústria, outros motivos da inflação, tão ou mais
importantes do que o déficit.
78
Para compreendermos melhor o pensamento de Gudin, devemos considerar que ele,
assim como outros neoliberais, partia do princípio de que a economia brasileira se encontrava
em uma situação de pleno emprego, ou seja, que os nossos “escassos” fatores produtivos
terra, capital e mão de obra estavam totalmente ocupados.
79
Desta maneira, não eram
aplicáveis no Brasil as políticas públicas (investimento estatal, ampliação de créditos, etc.)
adotadas pelos países centrais do capitalismo para reaquecer a economia em épocas de
desemprego. Ao contrário, passando o país por uma situação de pleno ou até de hiper-
emprego, tais políticas tendiam a gerar um aumento artificial da demanda agregada e, assim,
provocar a subida dos preços. Essa regra valia mesmo para os investimentos públicos em
infraestrutura, pois, como estes não tinham condições de gerar novos fatores produtivos, iriam
desencadear uma corrida pela aquisição dos fatores empregados, aumentando o seu valor
monetário e, assim, gerando inflação de custos, especialmente no caso da subida dos
76
Por exemplo, GUDIN, op.cit., p. 66.
77
Como leitor e apreciador de Keynes, Gudin aceitava que, quando houvesse fatores de produção disponíveis e
não utilizados, era necessário “movimentá-los, nem que para isso seja preciso recorrer ao déficit orçamentário”
(GUDIN, idem., p. 53).
78
Conforme Gudin, a “inflação de custo, que não proveio da emissão de moeda ou de expansão de crédito, força
entretanto essa emissão ou expansão, pela necessidade de aumentar o meio circulante para movimentar uma
produção encarecida pela alta dos salários ou de outros fatores. A inflação de custo é pior do que a de demanda”
(GUDIN, ibidem, p. 81).
79
Essa constatação era demonstrável, para GUDIN, de forma dedutiva e, acrescente-se, tautológica -, pois,
sendo a inflação uma característica do pleno emprego (BIELCHOWSKY, op.cit., p. 44), se tínhamos inflação,
logo, tínhamos pleno emprego, como o próprio autor argumenta ao responder à pergunta: “E como se reconhece
que essa situação de pleno emprego foi atingida? Quando passa a haver disputa pelos fatores de produção, e seus
preços começar a subir.” (GUDIN, op.cit., p. 52).
110
salários.
80
Gudin deixa essa ideia clara quando, por exemplo, nos anos 50, critica a taxa de
investimento no Brasil como “permanentemente insustentável”, capaz de gerar um
crescimento demasiadamente acelerado no país:
criou-se uma mentalidade de que o 'Brasil não pode parar' no sentido de que este
ritmo de progresso não pode ser interrompido. Sem se dar conta de que ele resultou
de condições e fatores inteiramente excepcionais e não recorríveis, deixando uma
herança de pesadas dívidas em dólares e uma moeda nacional desmoralizada a ponto
de querer o governo pagar os juros de seus novos títulos da dívida interna em moeda
estrangeira!
um remédio: uma redução substancial dos investimentos e de uma
cessação do aumento do consumo. E nesta época de demagogia quem terá coragem
de dizer isso às massas? E quem executará esse programa de austeridade e
sacrifícios?
81
Outro ponto de combate de Gudin era o aumento do crédito, que, para ele, tinha como
maior consequência o aquecimento da procura para além do crescimento da oferta dos bens de
consumo, um caso típico de inflação de demanda. Isso valia mesmo para o crédito destinado
às atividades produtivas, porque até este tinha como efeito imediato expandir a oferta
monetária e, assim, a procura, antes de ampliar os bens de consumo disponíveis. O que levava
Gudin a ser um forte opositor da tese de que uma forma de combater o surto inflacionário era
o “aumento da produção”, a qual tinham o mesmo defeito das práticas emissionistas.
A ideia de que toda atividade produtiva faz jus ao amparo do crédito e que o crédito
assim concedido é 'legítimo', é uma ideia simplória, que foi arquivada mais de
um século. (…) A única função do crédito é promover a utilização dos fatores de
produção disponíveis, (…) quando praticamente todos os fatores de produção estão
empregados, qualquer novo crédito, qualquer nova injeção de dinheiro não aumenta
nem pode aumentar a produção. Só tem um efeito: fazer subir os preços.
Chegamos assim à conclusão, de simples bom senso, aliás, de que o volume máximo
do crédito é aquele necessário e suficiente para promover o pleno emprego dos
fatores de produção.
82
80
GUDIN, Eugenio. Produtividade. In.: Revista Brasileira de Economia. Vol. 8, No 3 (1954)(pp: 9-70)
, p. 31. Gudin esclarece essa questão através
de uma metáfora, seguidamente empregada por ele, na qual compara um país a uma ilha e argumenta que se,
nessa ilha, onde os habitantes estão todos trabalhando e produzindo o suficiente para atender as suas
necessidades de consumo, desviarmos mão de obra para outra atividades como a construção de estradas,
diminuiríamos a produção imediata de bens de consumo, mas manteríamos a mesma demanda porque os
trabalhadores desviados continuariam empregados e consumindo provocando necessariamente a alta dos
preços.
81
GUDIN, 1954, p. 31. Os trechos em negrito são de responsabilidade do autor desta tese.
82
GUDIN, 1959, p. 51-52. Em outro momento, afirma que, os políticos, em vez de “recomendar que se reduza a
quantidade ou pelo menos o ritmo de aumento dos meios de pagamento, eles receitam 'AUMENTE-SE A
PRODUÇÃO. Desgraçadamente, porém, como dizem os argentinos, 'o aumento da produção
automaticamente lugar ao aumento da procura monetária' (...) Os operários, os engenheiros, os auxiliares de uma
nova fábrica, digamos, recebem salários e vencimentos com os quais vão incrementar a procura por produtos de
consumo. À nova produção corresponde um aumento da procura. E se a esse aumento de produção corresponde
um aumento paralelo de crédito, isto é, de 'meios de pagamento', na crença de que tal aumento, destinando-se ao
incremento da produção, não é inflacionário, estaremos na mesma, porque ele também não é desinflacionário.
111
A partir dessa linha de raciocínio, Gudin se municiava com argumentos bem mais
sofisticados para combater as políticas trabalhistas e desenvolvimentistas das quais era um
ferrenho adversário.
No que dizia respeito ao trabalhismo, Gudin condena qualquer forma de redistribuição
de renda e, até mesmo, os direitos trabalhistas concedidos no Brasil, por considerá-los
deturpadores do mercado de mão de obra. Além de gerar inflação por aquecimento da
demanda e aumento dos custos produtivos e de prejudicar o acúmulo de capital em uma
economia carente de poupança interna, o autor criticava tais políticas, seguindo a linha
conservadora de neoliberais como Von Mises e Hayek, afirmando que elas prejudicavam a
disciplina do trabalho, diminuindo o empenho individual para melhoria da produtividade.
83
Nesse ponto, aliás, encontramos muita convergência entre o pensamento neoliberal e o
defendido pelos industriais brasileiros sobre as propostas de redistribuição de renda no país,
quer por aumento dos salários, quer por ampliação dos direitos ao trabalhador. Contudo, a
confluência de opiniões para por aí, tendo em vista que o autor foi um forte opositor das
políticas desenvolvimentistas de industrialização planejada.
Como outros neoliberais, Gudin não se opunha à possível industrialização do país e
nem era um defensor ingênuo da sua “vocação agrária”.
84
Na prática, porém, demonstrou-se
um severo crítico da forma como o desenvolvimento industrial era levado adiante no Brasil,
com políticas públicas de protecionismo aduaneiro e limites cambiais às importações de bens
manufaturados, de crédito facilitado e de investimentos estatais no setor industrial. Para
Gudin, essa conduta era totalmente equivocada porque: a) gerava inflação, por aumentar
Acresce que aumento de produção em uma economia que já está em regime de plena utilização de fatores (sem o
que a situação não seria de inflação) é difícil de conceber (GUDIN, idem, p. 36).
83
Gudin, inclusive, chega a argumentar que uma política econômica saudável deve estipular uma dose razoável
de desemprego para “estimular” a disciplina e o empenho no trabalho. Escrevendo em 1954, afirmou que o
“problema da produtividade está intimamente ligado ao do pleno emprego dos fatores de produção”, tendo em
vista que, em situações de pleno emprego, “baixam a disciplina e a produtividade. (…) Inúmeros são os
exemplos em nosso país da queda de produtividade com o advento da lei social da estabilidade no emprego e da
intensificação do regime de pleno emprego. Daí resulta que a produtividade ótima, que o máximo de produção e
de renda nacional correspondem a uma situação inferior à de pleno emprego” (GUDIN, 1954, p. 18-19).
84
Gudin procura contestar a ideia de que seja contrário à indústria ou à diversificação da economia brasileira. Na
sua polêmica com SIMONSEN, lembrou que não era possível afirmar que a “natureza” tenha sido “generosa”
com o Brasil, pois não tínhamos planícies férteis e planas como a Argentina e a Ucrânia e nosso terreno
acidentado dificultava o transporte interno. “Não podemos portanto deixar de explorar nossas possibilidades
industriais e extrativas, a par de nossa economia agrícola” (GUDIN, Eugênio. Rumos da política econômica. In.:
SIMONSEN, 1977, p. 116). Abordando a questão no governo JK, chega a enumerar as razões para industrializar
o Brasil: relativa inelasticidade da procura dos produtos primários, instabilidades das economias de produção
primárias devidos às oscilações no mercado e possibilidade de transferência integral da técnica de produção
industrial, comparada com a dificuldade no caso da agricultura, terminando por afirmar ser uma “balela” a ideia
de que seria “contra a industrialização do país” (GUDIN, 1959, p. 205). Ver também BIELSCHOWSKY, 2000,
p. 52.
112
investimentos (públicos e privados) e incrementar o crédito em situação de pleno emprego; b)
lesava os consumidores, ao favorecer uma indústria que oferecia produtos mais caros e piores
do que aqueles que podiam ser importados; c) prejudicava toda a economia nacional, porque
os benefícios excessivo ao setor industrial permitiam-lhe lucros abusivos e maior capacidade
de pagar pelos fatores produtivos escassos, promovendo a sua transferência de atividades mais
eficientes e/ou necessárias, como a agricultura, para uma indústria ineficiente e artificial.
85
Seguindo a linha do economista canadense Jacob VINER, Gudin defendia que a
indústria não era sinônimo de riqueza e que a agricultura não era sinônimo de pobreza. Em
decorrência desse aforismo, propunha que, se o país quisesse se desenvolver, a prioridade não
era uma industrialização a “todo o custo” mas, sim, o aumento da produtividade de sua
economia.
86
E isso seria possível se fosse dado ao mercado o máximo de liberdade para
promover a alocação ótima dos recursos disponíveis. O que, nas décadas de 40 e 50,
significava, para Gudin, o abandono das políticas públicas industrializantes, o incentivo aos
investimentos na agricultura que, na época, seria a única atividade na qual o país
apresentava competitividade internacional e a abertura do mercado nacional aos produtos
manufaturados estrangeiros.
87
Agindo dessa maneira, o Brasil passaria a exportar aquilo que produzia mais barato e
melhor e a importar o que produzia mais caro e pior, promovendo um ganho coletivo de
produtividade, porque, essa política iria: a) aumentar a competitividade e assim a eficiência
geral da economia do país; b) melhorar e baratear as exportações, permitindo o reequilíbrio
de nosso balanço de pagamentos; e c) debelar a inflação, pois aumentaria a oferta de bens de
consumo e diminuiria os preços, em benefício dos consumidores.
88
Através dessa política, a
industrialização não seria impedida mas deveria ocorrer apenas naturalmente, na medida em
que o aumento da produtividade na agricultura fosse liberando fatores produtivos para os
85
Ver BIELSCHOWSKY, 2000, p. 53-54, o qual afirma que, apesar de algumas concessões teóricas à
industrialização do Brasil, na “prática, Gudin foi um opositor sistemático de boa parte das medidas
governamentais de apoio à industrialização, em nome da estabilidade monetária e cambial e dos princípios
liberais de eficiência alocativa” (loc.cit.). Em relação às ideias de GUDIN sobre industrialização, consultar:
GUDIN, 1977, p. 116 e GUDIN, 1959, p. 207.
86
GUDIN, 1977, p. 115. Jacob Virner, prestigiado economista de origem canadense e professor de universidades
como a de Chicaco, Stanford e Yale, era o grande renovador da teoria das vantagens comparativas no pós-guerra
e, dessa maneira, contrário às políticas industrializantes nos países subdesenvolvidos inspiradas nas ideias de
Ragnar Nurske e, mais tarde, da Cepal. É considerado uma das fontes de inspiração teórica de Gudin sobre o
comércio internacional e seu pensamento teve penetração no Brasil, país que visitou a convite de Gudin, em
1952, para uma série de conferências, publicadas pela Revista Brasileira de Economia, ligada à Fundação
Getúlio Vargas.
87
“Para um governo que quer dar ao País em cinco anos o impulso que normalmente ele teria em cinquenta, não
haveria melhor programa do que o da Produtividade Agrícola que tem sobre a Produtividade Industrial a
vantagem de exigir muito menos capital, que é o nosso fator de produção escasso” (GUDIN, 1959, p. 230).
88
Ver GUDIN 1954, 1959 e 1977.
113
demais setores da economia.
89
De outra parte, se o objetivo fosse realmente industrializar, o melhor seria oferecer
atratividade ao capital estrangeiro ao setor produtivo como segurança e boa remuneração,
garantia de retorno, etc. capazes de trazer novos fatores produtivos. Porém, mesmo nesse
caso, Gudin alerta para os inconvenientes de um excessivo esforço para se produzir no país o
que se poderia comprar com vantagens no exterior, mesmo com o emprego de recursos
externos. Investimentos estrangeiros na industrialização brasileira seriam válidos somente se
promovessem ganhos de produtividade, que tornassem a nossa indústria internacionalmente
competitiva em condições de livre-mercado. Caso o capital forrâneo fosse atraído por tarifas
alfandegárias ultra-protecionistas ou por outras vantagens “artificiais”, como defendiam os
líderes industriais, a situação não se alteraria.
90
Por todos estes argumentos, não é difícil deduzir que Eugênio Gudin foi um contumaz
adversário de qualquer proposta de planejamento econômico, como ficou claro na polêmica
com Simonsen, ainda no Estado Novo, e nas posturas do autor durante o período democrático,
inclusive no governo Dutra, que teve em Gudin um dos principais inimigos do Plano Salte.
Contra o planejamento o economista fluminense apresenta a tradicional crítica
ortodoxa à ineficiência do Estado em assuntos econômicos, na medida em que a elaboração e
execução de um “plano” implicavam investimentos públicos, burocracia estatal gerindo parte
da economia e, em alguns casos, até intervenção direta do Estado nas atividades produtivas.
91
A ineficiência do Estado, porém, não era o argumento mais enfatizado por ele, que preferia
focar as suas críticas em elementos de maior sofisticação analítica. Um deles dizia respeito à
oposição entre mecanismo de preços e dirigismo estatal, na medida em que as propostas de
planejamento econômico tendiam a pressupor que o “plano” era possível e, até mesmo,
necessário porque oferecia possibilidades de alocação de recursos mais eficientes do que o
livre-mercado, que deveria ser gerenciado ou substituído por um organismo central
.
92
Essa
89
Essa linha de raciocínio é encontrada, especialmente, em GUDIN, 1977 e 1954. “Tudo está na produtividade.
(...) Precisamos é aumentar a nossa produtividade agrícola, em vez de menosprezar a única atividade econômica
em que demonstramos capacidade para produzir vantajosamente, isto é, a capacidade para exportar. E se
continuarmos a expandir indústrias que podem viver sob a proteção da „pesadas‟ tarifas aduaneiras e do
câmbio cadente, continuaremos a ser um país de pobreza” (GUDIN, 1977, p. 116).
90
Compreende-se, assim, porque o autor foi um ferrenho adversário do projeto de industrialização de JK,
baseado na instalação, no país, de indústrias automobilística estrangeiras, para cuja atração serviu, dentre outros
fatores, a Instrução 113 da SUMOC, de sua própria autoria. Conforme as suas palavras: “Em vez de
concentrarmos nossos esforços sobre a produtividade, nossa preocupação parece ser a da 'emancipação
econômica', de tudo aqui fabricar e nada importar, como se disso dependessem os brios nacionais,ou como se
estivéssemos em véspera de guerra e de bloqueio” (GUDIN, 1959, p. 160).
91
Sobre a posição de Gudin frente à intervenção do Estado na economia, ver GUDIN, 1977, p. 85.
92
Essa tese podia ser encontra tanto nos teóricos da planificação socialista, como O. Lange e Maurice Dobb,
(LAFER, 1975, p. 11), quanto nos defensores da planificação capitalista, como o respeitável o economista
114
tese era vivamente contestada pelo economista, que, além de defender a eficiência do mercado
para garantir maior produtividade, argumentava que este era incompatível com o
gerenciamento da economia por uma agência planejadora central. Para ele, não havia meio-
termo entre economia de mercado e socialismo, pois qualquer ingerência do Estado em um
setor isolado geraria tamanha deturpação nos mecanismos econômicos que obrigaria,
futuramente, o controle total
.
93
Essa crítica estava associada a uma contrariedade abertamente política frente ao
planejamento, revelando mais uma vez os aspectos conservadores do pensamento neoliberal, a
saber, que os “planos econômicos” levariam obrigatoriamente o Estado a estabelecer
mecanismos de controle para toda a economia, os quais tendiam a se transformar em
mecanismos de controle de toda a sociedade. Em outras palavras, o planejamento era o
primeiro passo para o socialismo e, este para o totalitarismo, podendo existir “democracia
política” se houvesse “democracia econômica” leia-se: plena liberdade à propriedade
privada.
94
Resta uma pergunta: a quem interessava essa pregação contrária à industrialização
planejada de Gudin? Alguns autores apontam que o seu pensamento representava a velha
oligarquia agro-exportadora, especialmente da agricultura, estando, assim, com os olhos
voltados para o passado nacional.
95
Outros afirmam que Gudin expressava os interesses do
capital estrangeiro e as suas demandas por investimentos no Brasil, estando voltado para o
alemão Carl LANDAUER, professor da Universidade da Califórnia, que no seu livro clássico Teoria do
Planejamento Econômico e Social, justificou a adoção do planejamento por considerar o mecanismo de preço
inadequado para “para servir de guia às ações econômicas que exercem influência sobre o futuro”
(LANDAUER, Carl. Teoria de la Planificación Económica. México : Fundo de Cultura Económica, 1945, p.
13.).
93
Nesse caso, Gudin seguia a argumentação de Von Mises contra o Estado de Bem-Estar Social, para quem não
havia “outra escolha: ou o governo abandona a interferência restritiva nas forças de mercado, ou assume o
controle total da produção e da distribuição. Ou o capitalismo ou o socialismo, não meio termo” (MISE,
Ludwig von. Uma Crítica ao Intervencionismo. Rio de Janeiro : Editora Nórdica, 1987, p. 25.).
94
Nesse ponto, Gudin se guiava pelas ideias de Hayek que publicou, na Inglaterra, em 1944, o livro O Caminho
da Servidão, principal critica liberal ao planejamento e no qual defendeu que a manutenção dos mecanismos de
controle econômico criados entre as guerras mundiais pelos países capitalistas levaria necessariamente à
instalação de regimes totalitários nos mesmos, numa franca associação de argumentos econômicos e políticos,
como ele próprio admite (HAYEK, Friedrich August von. O caminho da Servidão. Rio de Janeiro : Biblioteca do
Exército, 1994. Prefácio à edição inglesa de 1944, sem página). Afirmando que pode existir democracia
política se houver democracia econômica, o autor assevera: “O controle econômico não é apenas o controle de
um setor da vida humana, distinto dos demais. É o controle dos meios que contribuirão para a realização de todos
os nossos fins. [...] o planejamento econômico importaria o controle da quase totalidade da nossa vida (HAYEK,
op.cit., p. 101). Para ele, só no âmbito do “direito de dispor livremente da propriedade privada”, é que a
“democracia se torna possível. No momento em que for dominada por uma doutrina coletivista, a democracia
destruirá a si mesma, inevitavelmente” (HAYEK, idem, p. 83).
95
Essa é a tese defendida por BORGES, Maria Angélica. Eugênio Gudin : capitalismo e neoliberalismo. São
Paulo : EDUC, 1996.
115
futuro de um desenvolvimento econômico centrado no capitalismo associado.
96
Ambas as interpretações, muito embora tenham razoável plausibilidade, podem
receber contra-argumentações. No caso da primeira, como pensar Gudin como um porta-voz
da oligarquia agrária nacional, se ele foi um forte opositor das políticas de apoio estatal ao
setor, combatendo os Institutos ligados à fomentação da produção primária e, especialmente, a
política brasileira de proteção do preço do café?
97
No caso da segunda, como defini-lo como
mero “representante” do capital estrangeiro se ele também defendia formas de controle sobre
o mesmo, limitando a sua entrada no país nos setores produtivos e desde que não provocasse
inflação?
98
Não cabe, no escopo desse trabalho, resolver esses impasses, mas apenas alertar para o
cuidado de se fazer leituras essencialmente reducionistas de autores com tamanho grau de
sofisticação e complexidade intelectual, como era o caso de Gudin.
De qualquer maneira, se não é possível estabelecer com certeza os “interesses sociais”
representados pelo pensamento de Gudin, é muito mais fácil afirmar quais demandas ele não
expressava: a dos industriais brasileiros e do movimento industrialista liderado por Simonsen
e Lodi. Fica claro que, para contrapor-se ao economista fluminense, era necessário um apoio
teórico muito mais convincente do que este movimento obtivera até o início do pós-guerra.
2.2.3 Cepal e o desenvolvimento alternativo da periferia
Conforme vimos sobre o contexto internacional no pós-guerra, a estratégia norte-
americana de retomada do fluxo de mercadorias e de capitais colidiu e teve que negociar com
as demandas por desenvolvimento feita pelos países da periferia do sistema. Receosos de que
a “miséria” e a “fome” pudessem se tornar “terreno fértil” para o avanço do comunismo, os
próprios EUA procuraram desenvolver propostas alternativas de cooperação econômica cujo
principal exemplo foi o Ponto IV de Truman -, as quais, contudo, apresentavam sérios limites
quanto ao alcance e à profundidade de suas políticas.
Numa perspectiva bem diferente do que era concebido no Departamento de Estado,
uma outra reflexão e que teve enorme impacto nos países subdesenvolvidos originou-se no
interior da Organização das Nações Unidas.
96
Ver LEOPOLDI, 2000.
97
GUDIN, 1959, p. 185 e ss.
98
BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 64.
116
Como lembra MORAES, desde o fim dos anos 40, os debates neste organismo
internacional já abordavam a situação especial dos países ditos subdesenvolvidos e, na década
seguinte, esse tema iria ficar mais patente nos seus conselhos técnicos, cujos relatórios
apresentavam diagnósticos sobre as “patologias” das suas economias e receituários
inovadores para as crises que lhes assolavam.
99
Um dos itens básicos presentes nesses diagnósticos era a ideia de “desemprego
disfarçado”, segundo a qual algumas atividades de baixa produtividade em países não-
desenvolvidos utilizavam excesso de mão de obra, que, se deslocadas para outras áreas, não
afetaria a produtividade das primeiras.
100
Dessa forma, como afirma MORAES, a “tarefa do
desenvolvimento econômico seria criar rapidamente novos empregos, isto é, deslocar para
ocupações socialmente rentáveis pessoas que na verdade simulam produzir” (loc.cit). Esses
relatórios também apontavam que a economia de mercado não funcionava adequadamente na
periferia do capitalismo porque faltavam condições básicas para tanto (MORAES, idem, p.
11). Mais do que isso, afirmavam que, como este ambiente não surgiria espontaneamente, ele
precisava ser criado pela ação do poder público, através de uma pesada agenda estatal.
101
Na mesma linha de análise dos relatórios da ONU tivemos a importante contribuição
de Ragnar Nurske, professor de economia da prestigiada Universidade de Colúmbia (Nova
Iorque) e antigo assessor da Liga das Nações. Conforme MORAES, preocupado com o
problema da formação de capital nos países subdesenvolvidos, Nurkse vinha elaborando,
desde os anos 30, a tese de que estes não estavam apenas em uma etapa cronologicamente
anterior de um processo linear e necessário de desenvolvimento como defendia a ortodoxia.
Na verdade, para ele, estas nações ocupavam uma posição inferior em uma hierarquia
econômica internacional heterogênea, da qual não sairiam pela livre força do mercado.
Denominou esta situação de “círculo vicioso da pobreza”,
102
o qual seria quebrado se as
99
MORAES, Reginaldo C. Corrêa de Moraes. Celso Furtado: o subdesenvolvimento e as ideias da Cepal. RJ :
Ática, 1995,pp., 9-32. Conforme este autor, na 5ª. Sessão da Assembléia Geral (1950) afirmou-se que o
progresso rápido dos países subdesenvolvidos seria decisivo para o crescimento da economia mundial e para a
manutenção da paz e da segurança. Essas ideias que para o autor foram fundamentais na formação das
propostas de planificação na política desenvolvimentista podem ser encontradas em dois documentos do
organismo, o National and International Measures for Full Employment (1949) e o Mesures for the economic
development of underdeveloped countries (1951) (MORAES, op.cit., pp., 10-11).
100
Em outras palavras, nessas atividade, o ganho marginal do fator trabalho havia se tornado nulo e, por isso,
acréscimos e retiradas de mão de obra não afetariam o produto geral, podendo ser tranquilamente transferidas
para outros setores.
101
Entre as funções do Estado estaria: “garantir as condições externas gerais imprescindíveis à existência de uma
economia de mercado competitiva: construir estradas, meios de comunicação, rede de saúde e educação, instituto
dedicados à informação e à pesquisa, implantar indústrias públicas em setores pioneiros ou de lucratividade
duvidosa, engendrar instituições financeiras ágeis para captar e canalizar poupança” (MORAES, ibidem, p. 13).
102
MORAES, ibidem, p. 23. Em seu livro Problemas da Formação de Capital em Países Subdesenvolvidos
117
economias subdesenvolvidas conseguissem acumular capital suficiente para novos e pesados
investimentos, o que apenas aconteceria através da ação organizada do Estado. Em
consequência,
não é difícil identificar o projeto de sociedade que a análise de Nurkse julga
adequado à „maturação‟ dos países subdesenvolvidos. Ele implicaria alto grau de
estatização: os investimentos feitos pelas autoridades públicas são decisivos, assim
como a „poupança coletiva tornada obrigatória pelo Estado‟ (MORAES, 1995, p.
27).
Nurkse também defendia uma mudança na estrutura do comércio internacional, na
medida em que, segunda sua análise, os investimentos estrangeiros em países
subdesenvolvidos buscavam o lucro privado e não ganhos sociais, destinando-se
prioritariamente para atividades exploratórias, que transferiam renda para as nações
desenvolvidas. Ao fazerem isso, as trocas mundiais, ao contrário do que defendia a doutrina
das vantagens comparativas, não levavam à difusão global da prosperidade mas à
concentração da renda nos países adiantados em detrimento dos atrasados. Em síntese, o
aporte de Nurkse era uma forte crítica à crença difundida pela teoria clássica na existência
de mecanismos puros, permanentes e automáticos de transferências internacionais de
riquezas. Para ele, o que existia eram mecanismos impuros, políticos, envolvendo juízos de
valor, vontades e posição de força, dos quais se sairia mediante um esforço de igual
natureza.
As ideias de Nurske tiveram grande influência no mundo e no Brasil, país onde este
economista faz um conjunto de conferências, entre julho e agosto de 1951, posteriormente
publicadas pela Revista Brasileira de Economia. Nurkse fora convidado pelo Instituto
Brasileiro de Economia, durante a presidência de Eugênio Gudin, o qual era adversário de
suas propostas, mas o considerava o prestigiado scolar um digno e influente interlocutor cujas
ideias deveriam ser debatidas e, especialmente, combatidas no universo acadêmico
nacional.
103
Foi nesse ambiente intelectual e político de contestação à ortodoxia e busca de
que reúne as palestras proferidas no Brasil Nurske define este conceito: “Do lado da oferta, pequena
capacidade de poupar, resultante do baixo nível de renda real. A renda real baixa é o reflexo de baixa
produtividade, que, por sua vez, é devida, em grande parte, à falta de capital. A falta de capital é resultado da
pequena capacidade de poupar e, assim, o círculo se completa Do lado da procura, pode o estímulo para investir
ser baixo em virtude do pequeno poder de compra da população, consequência de reduzida renda real, o que
também ocorre por causa da baixa produtividade. Entretanto, o baixo nível de produtividade é consequência do
modesto montante de capital aplicado na produção, que pode ser, por sua vez, , causado, ao menos parcialmente,
pelo pequeno estímulo a investir.” (NURSKE, Ragnar. Problemas da Formação de Capital em Países
Subdesenvolvidos. Rio de Janeiro : Editora Civilização Brasileira S/A. 1957, p. 8).
103
BIELSCHOWSKY, op.cit., p. 48.
118
alternativas programáticas às economias subdesenvolvidas que emergiu a mais acabada e
influente teoria do desenvolvimento para os países latino-americanos: o conjunto de propostas
derivadas dos escritos da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), especialmente
por seu principal mentor, o economista argentino Raúl Prebisch.
A Cepal foi criada em fevereiro de 1948, pelo Conselho Econômico e Social da ONU,
que estava interessado em definir uma “política frente ao subdesenvolvimento” para a
América Latina. Era um momento no qual os principais países da região se queixavam “de
exclusão com relação ao Plano Marshall e de falta de acesso aos 'dólares escassos'” para o
reaparelhamento de seus aparatos produtivos.
104
Tendo como base este contexto político-
ideológico, ela recebeu, desde sua origem, a oposição dos EUA, que
via com maus olhos o surgimento de uma entidade paralela à bem-controlada
Organização dos Estados Americanos (OEA). Além disso, temia uma tendência ao
confronto e o enfraquecimento da influência norte-americana se a Cepal enveredasse
por alianças políticas com o nacionalismo local (MORAES, 1995, p. 20).
Contudo, mesmo sendo projetada para funcionar por apenas três anos, em 1951, a
Cepal foi constituída em organismo permanente da ONU, devido a pressão de países como o
México, o Chile e o Brasil, que vislumbraram na Comissão uma possibilidade real de buscar
saídas alternativas para os seus problemas econômicos. Desta maneira, interessa-nos
compreender melhor as ideias centrais contidas nos textos iniciais de autoria de Raúl
Prebisch, as quais tiveram ampla divulgação e influência no Brasil no período que estudamos.
Preliminarmente, devemos ter em conta que Prebisch, apesar de toda a crítica que iria
promover aos pressupostos da ortodoxia econômica, fora um respeitado professor
universitário que iniciou a sua carreira acadêmica como “ardente partidário das teorias
neoclássicas”.
105
Além disso, como economista, Prebisch esteve na linha de frente da
recuperação Argentina no pós-30, ficando marcado por sua colaboração com os governos
conservadores do período, o que provocou o seu afastamento da vida pública de seu país com
a ascensão do peronismo.
106
Esses dados biográficos de Prebisch são relevantes porque eles
104
BIELSCHOWSKY, Ricardo. Cinquenta anos do pensamento da Cepal Uma resenha. BIELSCHOWSKY,
Ricardo (org.). Cinquenta anos do pensamento da Cepal. Rio de Janeiro : Record, 2000b.
105
SPROUT, Ronaldo V. A., El pensamiento de Prebisch. Revista de la Cepal, n
o.
46, Abril de 1992, (pp.: 187-
203), p. 188)
106
Sobre a atuação de Prebisch na política econômica de seu país, PAZOS recorda que, de “1930 a 1935, Raúl
Prebisch foi subsecretário da Fazenda e principal assessor econômico do governo argentino; e, de 1935, ano que
se criou o Banco Central, a 1943 foi seu gerente geral, seu principal economista, e a pessoa que formulava e
decidia a sua política. De 1930 a 1943, a política econômica da Argentina esteve, em grande medida, sob sua
responsabilidade” (PAZOS, Felipe. Raúl Prebisch, banquero central. In.: Revista de la Cepal no. 34, abril de
1988, pp.: 189-204, p. 192). Além disso, conforme Aldo FERRER, quando Prebisch voltou à colaborar com na
elaboração da política econômica da Argentina, sob a liderança de Frondizi, em 1958, suas ideias foram
119
nos dão uma boa ideia da sua respeitabilidade como técnico e como pensador, tanto no
universo acadêmico quanto político-econômico, fazendo com que as suas propostas fossem
consideradas e respeitadas pelo establishment intelectual, mesmo que apenas pela necessidade
de contestá-las. Vamos a elas, então.
O ponto de partida de Prebisch era o pressuposto compartilhado por Nurske de que
a economia mundial não era homogênea, mas estava estruturalmente divida em dois polos
distintos.
De um lado, o centro, constituído pelos países industrializados e, por isso,
desenvolvidos, dotados de forte concentração de capital e de tecnologia, o que lhes permitia
altos e crescentes índices de produtividade; ao mesmo tempo, sofriam de carência de mão de
obra, o que tornava o custo do fator trabalho relativamente inflexível; por fim, dispunham de
uma economia relativamente homogênea, pois tanto a indústria quanto a agricultura teriam
um alto nível de produtividade.
De outro lado, a periferia, formada pelas nações subdesenvolvidas e especializadas na
produção primária, com menores índices de concentração de capital e de tecnologia e,
consequentemente, com baixa produtividade e pouca capacidade de poupança interna; além
disso, a economia dos países periféricos estaria cindida em três espaços diferenciados: um
setor de subsistência, um exportador e um industrial. (BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 30), nos
quais apenas os setores exportador e o industrializado poderiam dispor de um bom nível de
produtividade; por último, esses países apresentavam um “excesso” de mão de obra, cujas
origens eram o crescimento proporcionalmente maior de sua população frente a dos países
centrais, o aproveitamento pouco produtivo da força de trabalho nas atividades primárias de
subsistência algo semelhante ao “desemprego disfarçado” visto anteriormente e, ainda, o
desenvolvimento tecnológico nas atividades voltadas ao comércio externo, que tendiam a
desempregar trabalhadores; a principal consequência dessa abundância de mão de obra era a
manutenção de salários e custos produtivos mais baixos na periferia do que no centro.
107
Esses dois polos da economia mundial eram, para Prebisch, não apenas diferentes,
mais desiguais, na medida em que o centro apresentava características (tenologia, densidade
de capital, renda, etc.) muito superiores às da periferia. Essa desigualdade teria se originado:
descartadas por serem consideradas muito presas aos princípios da ortodoxia, como a preocupação em deter a
inflação e manter em dia os compromissos internacionais do país (FERRER, Aldo. Las primeras enseñanzas de
Prebisch. In.: Revista de la Cepal, no. 42, Diciembre, de 1990, pp.: 187-203).
107
Sobre esta origem da mão de obra excedente, ver o texto de Prebisch publicado originalmente como relatório
da Cepal (Estudo Econômico da América Latina,), de 1949, e e disponível em Cepal, Estudo Econômico da
América Latina (trechos selecionados). In.: BIELSCHOWSKY, Ricardo (org.). Cinquenta anos do pensamento
da Cepal. Rio de Janeiro : Record, 2000b, pp.:139-178., p. 141.
120
a) na difusão mais rápida do progresso técnico nos países do centro do sistema do que na
periferia, especializada em produção primária e b) na maior capacidade dos primeiros em
reter para si os frutos desse progresso.
108
Ora, com esses argumentos, Prebisch combatia diretamente a teoria clássica, cujos
postulados defendiam que as trocas internacionais deveriam equilibrar as diferenças de
produtividade entre os países. Segundo os clássicos, o avanço do progresso técnico nas nações
industrializadas deveria se refletir na queda do preço dos seus produtos, beneficiando as
nações importadoras de manufaturas e exportadora de bens primários, pois seus preços
cairiam menos devido à dificuldade de progredir tecnologicamente no mesmo ritmo.
109
Contudo, conforme os estudos de Prebisch e da Cepal, isso não ocorria. Analisando
séries histórias do comércio internacional, o economista argentino identificou uma
deterioração dos termos de troca para os países de economia primária, ou seja, com o passar
dos anos, eles tinham que fornecer cada vez maiores quantidades de bens primários para
adquirir o mesmo volume de produtos industrializados.
110
Para explicar tal fenômeno, porém,
era necessário esclarecer porque a diferença no progresso tecnológico não era revertida pelo
intercâmbio externo entre as nações do centro e da periferia.
Um dos argumentos apontados por Prebisch para responder a esta pergunta era a
diferença no avanço da demanda entre produtos manufaturados e bens primários: enquanto os
primeiros apresentavam uma procura constante e que aumentava conforme progredia a renda
mundial, os segundos mostravam um crescimento de demanda bastante lento. Constatação
que era explicável tanto pela famosa Lei de Engel segundo a qual produtos primários
apresentam menor elasticidade diante das variações nos rendimentos frente aos bens
industriais , quanto pelo fato de o avanço tecnológico dos países desenvolvidos ter levado a
um uso cada vez menor de matérias-primas nas indústrias.
108
PREBISCH, Raúl. O Desenvolvimento Econômico da América Latina e alguns de seus problemas principais.
In.: BIELSCHOWSKY, Ricardo (org.). Cinquenta anos do pensamento da Cepal. Rio de Janeiro : Record,
2000b. pp.: 69-136, p. 81.
109
Aliás, Prebisch argumenta seguidamente que os postulados da teoria clássica não possuem os valores de
universalidade que lhes são atribuídos. Na verdade, ele afirma que os mesmos estariam sendo contrariados pela
realidade da América Latina havendo a necessidade de se criar um aporte teórico específico para dar conta da
realidade dessa região Começa afirmando que “na América Latina, a realidade vem destruindo o antigo esquema
da divisão internacional do trabalho que, depois de adquiri grande vigor no século XIX, continuou prevalecendo,
em termos doutrinários, até a data muito recente” (PREBISCH, op.cit.,, p. 71). “A falha dessa premissa consiste
em ela atribuir um caráter geral àquilo que, em si mesmo, é muito circunscrito” (PREBISCH, idem, p. 72).
110
Esta tese foi claramente exposta no texto inaugural da Cepal, O Desenvolvimento Econômico da América
Latina e alguns de seus problemas principais, disponível em PREBISCH, op.cit.. Segundo FILLIPO, Prebisch
desenvolveu essa tese conjuntamente com o economista Hans Singer, embora seus estudos tenham se dado
independentemente e seguido caminhos distintos (FILIPPO, Armando di. Las ideas de Prebisch sobre a
economía mundial. In.: Revista de la Cepal no. 34, abril de 1988, pp.: 165-175, p. 167).
121
Mas o grande argumento de Prebisch estava na forma como entendia o mecanismo
pelo qual os países do centro detinham os frutos de seu progresso técnico. Sua explicação
focava-se na maneira como cada um dos polos reagia às diferentes etapas do ciclo econômico
no capitalismo. Para ele, durante o período de ascensão, o preço dos bens primários tendia a
subir mais do que o dos bens manufaturados, mas na queda os primeiros caíam bem mais que
os segundo, “de tal forma que os preços finais [dos produtos industrializados] vão-se
distanciando progressivamente dos primários através dos ciclos” (PREBISCH, 2000, p. 86).
Isso ocorria porque, para Prebisch, a escassez de mão de obra nos países do centro e a sua
forte organização sindical impediam a queda dos salários e, consequentemente, dos preços
na baixa, permitindo às economias centrais reter o aumento de renda derivado de seus ganhos
constantes de produtividade. Já o excesso de mão de obra nos países periféricos e sua
fraqueza sindical favoreciam que, no descenso do ciclo, os empresários reduzissem os salários
para diminuir os valores de suas mercadorias e, dessa maneira, recuperar as suas vendas;
contudo, ao fazerem isso, eles comprometiam a capacidade das nações produtoras de bens
primários em reter a sua renda.
111
Devido à incapacidade das nações produtoras de bens
primários em reter os ganhos do seu parco progresso técnico através da manutenção de seus
níveis salariais, os produtores de bens manufaturados não apenas detinham os seus ganhos
como ainda se apropriavam dos obtidos pela periferia.
112
Essas diferenças estruturais no comércio internacional traziam diversas consequências,
que exigiam uma ação coordenada de esforços para serem superadas. Uma delas era o
constante desequilíbrio no balanço de pagamentos dos países periféricos, na medida em que a
sua crescente demanda por manufaturados não podia ou podia cada vez menos ser
atendida por suas exportações de bens primários.
Na análise da Cepal, aliás, esse desequilíbrio estaria na base da constante inflação que
assolava os países periféricos, pois a demanda interna por importados e os limites para
importar implicavam em uma corrida dos preços. Essa tese acabará dando origem à teoria da
inflação estrutural que, embora não tenha sido esboçada por Prebisch que era, aliás, um
crítico do fenômeno inflacionário -, irá ganhar força no pensamento cepalino ao longo das
111
Nas palavras de Prebisch: “No centro cíclico, a maior capacidade que têm as massas de conseguir aumentos
salariais na fase ascendente e de defender seu padrão de vida na descendente, bem como a capacidade que têm
esses centros, pelo papel que desempenham no processo produtivo, de deslocar a pressão cíclica para a periferia,
obrigando-a a contrair sua renda mais acentuadamente do que nos centros, explicam por que a renda destes
últimos tende sistematicamente mais do que nos países da periferia” (PREBISCH, op.cit., p. 87-88).
112
Ou conforme Prebisch: “Em outras palavras, enquanto os centros preservaram integralmente o fruto do
progresso técnico de sua indústria, os países periféricos transferiram para eles uma parte do fruto do seu próprio
progresso técnico” (PREBISCH, idem, p. 83).
122
décadas de 50 e 60 e se tornará o principal contraponto teórico à ortodoxia nesse terreno.
As concepções da Cepal sobre a inflação, apesar de também considerá-la um
problema, buscava compreendê-la como um fenômeno mais complexo, cujas origens
estariam, além do desequilíbrio do balanço de pagamentos, na rigidez da oferta de gêneros
alimentícios para o mercado interno, devida à baixa produtividade no campo, à estrutura
fundiária concentração das terras, latifúndio improdutivo, etc. -, às péssimas condições de
transportes e armazenamentos, dentre outras, que mantinham a oferta destes produtos abaixo
da procura. Diante desse diagnóstico, o receituário restritivo indicado pela ortodoxia seria
insuficiente ou mesmo agravaria o problema. haveria saída através da correção dos
problemas estruturais da economia e do aumento da produção que isto deveria promover e,
para tanto, propunha-se, além da elevação dos investimentos em infraestrutura, a
modernização da produção agrícola, inclusive através da reforma agrária. Nas palavras de
BIELSCHOWSKY,
De acordo com a visão estruturalista, a moeda se expande, quase sempre
passivamente, como respostas das autoridades monetárias a elevações dos preços de
origem estrutural, sendo, portanto, incorreto considerá-la causa da inflação. A única
maneira de evitar a inflação seria alterar as condições estruturais que a provocam, e
isto deve ser feito por meio de um esforço de crescimento econômico contínuo e
planejado. Políticas creditícias e fiscais restritas não apenas fracassaram no
tratamento da inflação, mas, ao causarem recessão, reforçaram as tendências
inflacionárias estruturais.
113
Em consequência, notamos como a Cepal irá oferecer alternativas diferentes para o
desenvolvimento e até contrárias às pregadas pela ortodoxia, quer liberal, quer neoliberal.
É correto afirmar que, em termos gerais, a solução proposta por Prebisch não fugia ao
que pregava o pensamento econômico, ou seja, a saída para o desenvolvimento passava
obrigatoriamente pela necessidade de aumentar a produtividade do trabalho e, com isso,
ampliar a renda e gerar poupança, o que permitiria maior nível de investimentos e, assim,
sucessivamente. A grande diferença, contudo, estava na forma como tal processo seria
possível.
Como vimos, para liberais e neoliberais, a solução era apenas uma: investir nos setores
em que o país era mais produtivo no caso, a agricultura e liberar a importação naqueles em
que éramos menos produtivos as manufaturas -, a fim de aproveitar o ganho de
113
BIELSCHOWSKY, 2000, p. 21. Além disso, segundo esse autor: “Ao contrário de considerarem a inflação
como a causa do desequilíbrio no balanço de pagamento, afirmam que este desequilíbrio é que causa a inflação.
“A contínua redução da capacidade de importação per capita causa, segundo a tese estruturalista, persistente
desvalorização da taxa de câmbio, elevando custos e preços internos. Em outras palavras, o desequilíbrio externo
não é apenas independente da inflação, mas pode mesmo causá-la” (BIELSCHOWSKY, idem., p. 22).
123
produtividade dos outros países.
Para Prebisch, porém, o caminho ortodoxo poderia se tornar inviável ou mesmo inútil,
na medida em que não bastava obter maior produtividade no setor primário se os seus ganhos
não pudessem ser retidos nos países da periferia. Ao contrário, o aumento de produtividade
nesse setor tinha fortes limites, pois: a) em um mercado pouco elástico, poderia acentuar a
queda dos preços internacionais desses bens ao aumentar em demasia a sua oferta e b), se
promovesse a introdução de técnicas poupadora de mão de obra, poderia provocar
desemprego e, futuramente, baixas nos salários nas zonas produtoras. Em outras palavras, em
ambas as situações, o investimento excessivo na produção primária tendia a agravar mais do
que solucionar o problema da deterioração dos termos de troca.
114
Para resolver este problema, então, era fundamental que as melhorias na produção
primária fossem acompanhadas de investimentos no setor industrial ou transferidos
diretamente para ele.
115
Ou seja, a solução não estaria em aprofundar a especialização
primária da periferia, mas em quebrar o seu ciclo, diversificando a economia periférica e
apostando, ao menos inicialmente, no reforço do mercado interno. Prebisch justificava isso
defendendo que, nos países subdesenvolvidos, a indústria era o único setor capaz de absorver
a mão de obra excedente ou ociosa na agricultura; além disso, como a indústria apresentava
maiores índices de produtividade do que a agricultura, ela não só absorveria a força de
trabalho desempregada como também poderia atrair “braços” sublocados ou muito mal-pagos
(desemprego disfarçado) em outros setores, promovendo um aumento geral dos salários e,
assim, das rendas na periferia. Essa maior produtividade do setor industrial ainda favorecia a
difusão geral do progresso técnico, tanto por intensificar o desenvolvimento tecnológico
produzindo máquinas para as atividades primárias, por exemplo -, quanto por encarecer a mão
de obra e, assim, forçar os demais produtores a se modernizarem. O desenvolvimento das
manufaturas ainda poderia aumentar o mercado consumidor dos produtores de alimentos e de
matérias-primas, amenizando a sua dependência do mercado externo.
116
114
Ver Cepal, op.cit., p. 155-156. Como afirma FILLIPO, “em vistas das tendências deficitárias e endividadoras
inerente à sua condição periférica, se as economias exportadoras de produtos primários intentassem enxugar seus
déficits lutando por acrescentar as exportações, o resultado poderia ser contraproducente, com a queda dos
preços e o agravamento das condições deficitárias pré-existentes” (FILLIPO, 1988, p. 167).
115
Ideias que FERRER sintetiza muito bem: “Como a especialização na produção e exportações primárias era
incompatível com a retenção interna dos frutos do progresso técnico, era necessário criar outras atividades
produtivas e fontes de emprego. Ou seja, a industrialização era indispensável” (FERRER, 1990, p. 31). Ver
também (CATTANEO, 1991, p. 153-6).
116
Nas palavras de Prebisch: “A industrialização, ao aumentar a produtividade, fa subirem os salários e
encarecerá relativamente o preço dos produtos primários. Desse modo, ao elevar sua renda, a produção primária
irá captando gradativamente a parte do fruto do progresso técnico que lhe teria competido pela baixa dos
preços”. Ademais, “uma vez que os preços não acompanham a produtividade, a industrialização é o único meio
124
A necessidade da industrialização e as suas vantagens para os países não-
desenvolvidos seriam tão intensas, que mesmo no caso de suas manufaturas apresentarem
produtivamente inferior às das nações mais desenvolvidos tornando os seus bens finais mais
caros do que os importados -, ainda assim elas deveriam ser incentivadas. Ao empregar a mão
de obra que se tornara ociosa no setor primário, a indústria aumentava obrigatoriamente o
produto final da economia e favorecia a retenção interna da renda nacional.
117
Essa defesa da industrialização, porém, não implicava, no pensamento de Prebisch, em
um conflito entre manufatura e produção primária. Ao contrário, o propósito da Cepal era o de
demonstrar a complementaridade entre os dois setores, afirmando que não apenas que a
agricultura obteria vantagens com a industrialização mas a primeira também era essencial à
segunda, pois, poderia lhe oferecer alimentos e matérias-primas baratas, além das divisas
necessárias às suas importações.
118
Da mesma maneira, a prédica industrialista não implicava a defesa intransigente de um
parque fabril ineficiente ou de uma industrialização a qualquer custo, que levasse ao sacrifício
da agricultura, tirando-lhe fatores produtivos prematuramente.
119
Também não era uma teoria
apenas laudatória da “industrialização espontânea” pela a qual passava a América Latina,
desde os anos 30. Ao contrário,
embora considerasse esse processo importante, por permitir a
região passar a uma nova fase de desenvolvimento “voltada para dentro”, Prebisch tinha por
objetivo defender um avanço sobre ele. Segundo este autor, tal “industrialização espontânea”
era “problemática”,
120
pois gerava e se deparava com limites estruturais intransponíveis
apenas pela livre força do mercado, dando origem a problemas sérios de estrangulamento da
economia, como vimos no caso da questão da inflação.
de que dispõem os países da América Latina para aproveitar amplamente as vantagens do progresso técnico.”
(PREBISCH, op.cit., p. 89). Como a demanda por produtos primários no mercado internacional é muito lenta,
“seria impossível dizer que outras atividades, excetua a indústria, poderiam ter absorvido o aumento da
população nos países da América Latina que exportam os referidos produtos” (PREBISCH, op.cit, p. 117). Sobre
o tema da industrialização no pensamento cepalino como um todo, ver HAFFNER, Jacqueline A. Hernández.
CEPAL : uma perspectiva de desenvolvimento Latino-Americano. Porto Alegre : EDIPUCRS, 1996, p. 76.
117
BIELSCHOWSKY, 2000b, p. 28. Nas palavras de Prebisch: “O emprego industrial das pessoas
desempregadas ou mal empregadas significou, portanto, uma melhoria na produtividade, que se traduziu num
aumento líquido da renda nacional” (idem, p. 77).
118
PREBISCH, op.cit., p. 73.Ver também o texto de Prebisch publicado em Cepal, op.cit., p. 141.
119
Prebisch não endossa uma política que levasse “a industrialização a extremos que obrigassem a deslocar
fatores de produção primária para a indústria, a fim de aumentar a produção desta em detrimento daquela”
(PREBISCH, op.cit., p. 119). Mas, para Prebisch, “não nenhum sintoma de que a América Latina esteja perto
desse limite. Ela está na fase inicial do processo de industrialização, e ainda é muito grande, na maioria dos
casos, o potencial humano disponível, mediante o aumento da produtividade, para o crescimento industrial”
(idem, p. 120). Sobre a condenação das “indústrias ineficientes” em Prebisch, ver HAFFNER, op.cit., 78. Sobre a
relação de complementariedade entre indústria e agricultura, consultar também CATTANEO, Carlos. Prebisch y
las relaciones agricultura-industria. In.: Revista de la Cepal, no. 43, abril de 1991, p. 62-63, e ORTEGA,
Emiliano. La agricultura em la óptica de la Cepal. In.: Revista de la Cepal, no 35, agosto de 1988, pp.: 13-37.
120
Sobre essa definição ver BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 18-20.
125
Em consequência, segundo o seu pensamento, somente através da intervenção precisa
do Estado tal realidade poderia ser superada. Desenvolver alternativas para esta política
passou a ser o objetivo central da Cepal, como indica o próprio nome do texto inaugural dessa
corrente: “Bases para a discussão de uma política anti-cíclica na América Latina”
As propostas de Prebisch para a superação do subdesenvolvimento nos países
periféricos não apenas iam de encontro ao receituário liberal como também ultrapassam o
próprio receituário keynesiano, não obstante o apreço de Prebisch por Keynes. As medidas
recuperadoras keynesianas, como a necessidade de ampliar os investimentos estatais em obras
públicas quando o emprego privado estivesse na descendente e diminuir os mesmos quando
ele estivesse na ascendente, foram consideradas pouco apropriadas à América Latina.
Conforme Prebisch, como fazer da “fase crescente” uma “época de acumulação previdente de
recursos para os tempos difíceis” em uma região tão carente de infraestrutura em setores
básicos? Diante desse dilema, o economista argentino lembrava que, basta “a menção dessas
exigências para nos darmos conta da dificuldade de cumpri-las. Justamente por estes países
estarem em pleno desenvolvimento, há sempre projetos de investimentos muito superiores aos
que são realizáveis com os meios limitados de que se dispõe.” Ou seja, dificilmente se poderia
convencer os líderes latino-americanos a guardar recursos presentemente disponíveis para
investimento apenas nas incertezas do futuro, até porque, como lembra Prebisch, sempre
“um interesse em que a atividade interna se desenvolva com um alto grau de emprego, a
despeito do movimento cíclico das exportações” (PREBISCH, op.cit, p. 125).
Tendo como base a industrialização planejada, não é de surpreender que um dos
pontos-chaves do programa de desenvolvimento periférico proposto pela Cepal fosse a
necessidade de proteção do Estado à indústria emergente, cuja baixa produtividade em relação
às do centro não lhe permitia concorrer em um sistema de livre-mercado. E, embora Prebisch
não fizesse a defesa das “indústrias ineficientes” e muito menos pregasse uma autarquia
econômica na América Latina, para muitos analistas o protecionismo foi a medida
intervencionista a que ele deu maior atenção.
121
121
Prebisch colocava muitos limites também ao protecionismo, afirmando que ele deveria defende os interesses
coletivos e não os privilégios de particulares. Além disso, se ele aceitava que a “substituição das importações
pela produção interna geralmente [requeria] a elevação das tarifas alfandegárias, em virtude do custo mais
elevado que costuma ter”, aceitava que isso iria implicar em “uma perda efetiva de renda real”. Mas, para
Prebisch, a perda de rendimentos derivada por um provável desemprego que a falência dessas empresas poderia
gerar seria superior aos prejuízos com a proteção. “É muito provável que, na maior parte dos casos, o que se
ganha coletivamente, ao dar estabilidade ao emprego, seja muito maior do que o que se perde com o custo mais
elevado da produção interna” (PREBISCH, op.cit., p. 129). De outra parte, o autor considerava a substituição de
importações apenas uma etapa do processo de industrialização que deveria ser seguido por uma nova fase, na
qual as indústrias da periferia deveriam ser capazes de exportar manufaturados. Longe de pregar uma economia
126
No entanto, seria enganoso achar que o autor limitasse o papel reservado ao Estado
apenas ao protecionismo aduaneiro. Em seus textos iniciais, encontramos uma forte
preocupação com mais dois temas para os quais o protecionismo poderia ser necessário mas
não era suficiente, a saber: a dificuldade de formação de capital derivada da carência de
poupança interna e a falta de divisas (dólares) para importar os bens de capital e os insumos
indispensáveis ao desenvolvimento industrial. Ambas as deficiências deveriam ser superadas a
fim de que as economias latino-americanas atingissem um grau mínimo de produtividade,
mas, na opinião de Prebisch, nenhuma delas seria resolvida espontaneamente, sem uma
precisa ingerência estatal.
No caso da deficiência na formação de capital, o autor retomava os argumentos do
“círculo vicioso da pobreza” desenvolvido por Nurske
122
e, mesmo aceitando a possibilidade
do emprego do capital estrangeiro para resolver o problema, considerava esta alternativa
bastante temerária, na medida em que ela poderia trazer futuros desequilíbrios no balanço de
pagamento, por exigir “serviços financeiros” que precisavam “ser pago por exportações na
mesma moeda” (PREBISCH, op.cit, p. 75).
Como alternativa, propunha o apelo a entidades internacionais de empréstimos
públicos e, na ausência destas, a intervenção do Estado para formar poupança interna através
da taxação dos lucros abusivos e do consumo conspícuo das elites locais. Este último item,
aliás, era fundamental para o economista argentino, pois, segundo ele, as carências de
investimentos na periferia não tinham origem apenas na falta de recursos, mas também se
encontravam no uso indevido que as classes com maior renda faziam dos dividendos
acumulados, ao aplicá-los em inversões especulativas e na aquisição de bens ostentatórios.
123
Devemos salientar, porém, que, apesar da sua crítica aos hábitos de consumo e de
investimentos da elite e da defesa do aumento dos ganhos salariais para a retenção do
progresso técnico na periferia, o autor não defendia medidas redistributivas de renda que
pudessem prejudicar o acúmulo de capital. Na verdade, também para ele, o crescimento das
autóctone ou auto-suficiente, defendia que quanto “mais ativo for o comércio exterior da América Latina, tanto
maiores serão as suas possibilidades de aumentar a produtividade de seu trabalho, mediante uma intensa
formação de capital” (PREBISCH, op.cit., 73). Em relação ao apreço de Prebisch pelo protecionismo, ver
BIELSCHOWSKY, 2000, p. 27, HAFFNER, op.cit., 78 e ORTEGA, op.cit, p. 15.
122
“A produtividade desses países é muito baixa, porque falta capital; e falta capital por ser muito estreita a
margem de poupança, em virtude dessa baixa produtividade” (PREBISCH, 2000, p. 109).
123
O desperdício de recursos mediante o consumo desnecessário ou ostentatório é uma constante na análise do
autor, sendo considerado “uma manifestação do conflito latente entre o propósito de assimilar às pressas certos
estilos de vida que os países de técnica mais avançada foram alcançando progressivamente, graças ao aumento
de sua produtividade, e as exigências de uma capitalização sem a qual não nos será possível conseguir um
aumento semelhante” (PREBISCH, op.cit., p. 77). Ver também PREBISCH, idem., 109 e 111 e Cepal, op.cit.,
176-177.
127
rendas das “massas” deveria ser uma consequência do aumento de produtividade e não se
antecipar a ela.
na questão da carência de divisas, Prebisch vai mais além, defendendo uma política
ativa de controle das importações para direcionar as cambiais escassas à importação dos bens
e insumos necessários à indústria.
124
Em resumo, para que as riquezas disponíveis fossem adequadamente empregadas no
desenvolvimento da periferia:
O Estado tem em seu poder recursos que lhe permitem estimular a inversão de
grande parte dos lucros e da renda inflacionária através do gravame progressivo
daquilo que é gasto e consumido, ao mesmo tempo que se libera ou isenta aquilo que
é investido, e mediante também o desvio, através do controle cambial ou dos
impostos, daquilo que tende a ser empregado em importações incompatíveis com um
ritmo intenso de crescimento econômico (PREBISCH, 2000, p. 112-113).
Considerando essa síntese do pensamento cepalino, podemos compreender as
potencialidades dessa teoria para o processo de legitimação da industrialização planejada no
Brasil. É correto afirmar, como recorda FONSECA, que grande parte das ideias defendidas
por Prebisch sobre a industrialização não era original, estando presente tanto nos discursos
quanto nas ações dos homens públicos da América Latina e do Brasil, antes do surgimento da
Cepal.
125
Mas, como este mesmo autor salienta, um dos méritos dessa Comissão foi ter
“organizado, sistematizado e apresentado dentro dos cânones formais técnicos e científicos”
tais teses (2000, p. 28). O que não foi pouca coisa, pois obrigou economistas neoliberais como
Gudin, hegemônicos no debate acadêmico em economia e desdenhosos de outros defensores
do planejamento e do protecionismo menos “prestigiados” como Manoilescu e o próprio
Mannheinn-, a considerar e procurar rebater as ideias de seu “colega” argentino.
126
Além
disso, mesmo parcialmente adotadas na América Latina, foi “a partir das colocações
teóricas de Prebisch”, como salienta FERRER, que “estas políticas deixavam de ser decisões
124
Diante de recursos externos tendencialmente escassos, há “que adquirir”, afirma Prebisch, “a possibilidade de
que seja preciso reduzir o coeficiente de importações, seja em seu conjunto ou em dólares, reduzindo ou
eliminando os artigos não essenciais, para dar lugar a importações maiores de bens de capital. Seja como for, a
necessidade de modificar a composição das importações parece indispensável para dar prosseguimento à
industrialização” (PREBISCH, idem., p. 119).
125
Segundo FONSECA, “inúmeros argumentos cruciais do pensamento cepalino, como intervencionismo, crítica
à especialização agrícola do país, à divisão internacional do trabalho e ao livre cambismo, planejamento,
desenvolvimento econômico, divisão centro/periferia e da defesa da industrialização, não eram propriamente
novidades no Brasil ao final da década de 1940, quando a Cepal foi criada. Nem mesmo a perda nas relações de
intercâmbio, a mais famosa das teses de Prebisch e certamente a que mais incomodou o mainstream, haja visto a
quantidade de trabalhos acadêmicos que suscitou” (FONSECA, 2000, p. 33).
126
Nos inícios dos anos 50, Prebisch veio várias vezes no Brasil apresentar suas propostas, estabelecendo um
debate muito vivo com a intelectualidade liberal brasileira, notadamente com Gudin e Otávio Bulhões, cujos
textos essenciais foram publicados na Revista Brasileira de Economia.
128
transitórias (…). Desde então, a industrialização e a intervenção do Estado nas trocas
internacionais e outros mercados se converteram em objetivos e instrumentos principais da
política econômica” (FERRER, op.cit., p. 31).
De qualquer maneira, é inegável que o pensamento cepalino obteve grande
receptividade e influência no Brasil, especialmente entre os industriais, carentes de uma
liderança intelectual desde o falecimento de Simonsen, em 1948. Aliás, como relembra
BIELSCHOWSKY, a morte prematura do presidente da CNI coincidiu com a criação da
Cepal, a qual representou um “avanço importante”, porque, além de associar a “credibilidade
da ONU” à proposta de industrialização planejada, ainda “forneceu um poderoso instrumental
analítico antiliberal, que foi parcialmente incorporado pelos desenvolvimentistas da área
privada e integralmente incorporado pela maioria dos desenvolvimentistas nacionalistas do
setor público” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 78). O “encontro com a Cepal, contribuiu,
assim, para a renovação e atualização do ideário industrialista que se havia forjado sobretudo
a partir da década de 1920” (COLISETE, 2002, p. 144).
Por outro lado, também é acertado lembrar, como faz BIELSCHOWSKY, que os
escritos iniciais da Cepal dão pouca ênfase à questão do planejamento, deixando muitas
lacunas. Porém, mesmo que Prebisch tenha sido sucinto nessa área, foi como decorrência do
aporte cepalino que o tema recebeu tratamento teórico e programático adequado à realidade
latino-americana e brasileira.
127
Dessa forma, não surpreende que tenha sido em torno da
Cepal, de seus estudos, relatórios, congressos e comissões, que as principais propostas de
planejamento surgiram em um país como o Brasil, especialmente com o economista Celso
Furtado. Este foi o principal responsável por dar legitimidade final ao conceito, ao associá-lo
ao problema dos desequilíbrios estruturais da economia nacional e ser o autor do principal
estudo empregado como subsídio do planejamento econômico durante sua atuação no Grupo
Misto Cepal-BNDE. Com Furtado, tivemos a primeira proposta de planejamento global da
economia brasileira, através da criação de um órgão de planejamento central que partia
de uma meta macroeconômica de crescimento, pré-definida de acordo com o
levantamento das possibilidades de expansão do sistema como um todo e calculada
com base em estimativas da relação capital-produto, da taxa de poupança e dos
termos de troca (BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 153).
Mas, o modelo de planejamento integral de Furtado esteve longe de se tornar
127
Como salienta BIELSCHOWSKY, a necessidade de planejamento aparece no pensamento cepalino como um
corolário do diagnóstico de desequilíbrios estruturais na industrialização espontânea. A necessidade de um
programa deriva da necessidade de evitar os desequilíbrios e da escassez de poupança, o que exigia cuidadosa
seleção das atividades a serem estimuladas. (2000a, p.26-27).
129
unanimidade, recebendo a oposição tanto daqueles que não aceitavam nenhuma proposta de
planificação econômica, como também de economistas que, admitiam a sua necessidade, mas
se opunham ao planejamento integral, por considerá-lo muito centralizado e, assim,
incompatível com a economia de mercado. Tal foi o caso de Roberto Campos, que
posteriormente será conhecido como um dos principais combatentes do intervencionismo
estatal no Brasil, mas que, no início dos anos 50, era um contundente e influente defensor do
planejamento setorial. Campos trabalhou nas principais agências planejadoras do país
(CMBEU e BNDE), procurando conciliar temas como intervenção do Estado e livre mercado,
investimento público e capital estrangeiro, etc., ao ponto de BIELSCHOWSKY incluí-lo,
nesse período, entre os desenvolvimentistas.
128
É importante considerar essas diferenças porque elas permitem perceber, de um lado, o
grau de legitimidade que as ideias de planejamento e de industrialização planejada haviam
atingido no Brasil no começo dos anos 50; de outro lado, o nível de diferenciação que o
próprio pensamento desenvolvimentista apresenta no início do Segundo Governo Vargas.
BIELSCHOWSKY argumenta que, nesta conjuntura, esse pensamento pode ser dividido
em três correntes distintas, que convergiam quanto à necessidade “de formar um capitalismo
industrial moderno no país” e compartilhavam “a perspectiva comum de que, para isso, era
necessário planejar a economia e proceder a distintas formas de intervenção governamental”
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 78), mas apresentavam significativas variações:
a) o desenvolvimentismo do setor privado, que assumia uma posição antiliberal e
desenvolvimentista, advogando um grau variável de participação do Estado na economia e
aceitando a entrada controlada de capital privado estrangeiro no país; tinha uma dupla
preocupação: defender um projeto de industrialização planejada e apoiar os interesses do
capital industrial privado nacional; preocupavam-se com políticas públicas que pudesse
implicar em aumento de imposto ou na retração do crédito produtivo; era a corrente dos
industriais ligados a CNI, Fiesp e Ciesp, congregando homens como Simonsen, Lodi, Jorge
Street e Morvam Figueredo (BIELSCHOWSKY, 2000a, p. 79).
128
BIELSCHOWSKY,2000a, p. 105. Segundo este autor, Roberto Campos foi um dos pensadores de maior
destaque entre os desenvolvimentistas, sendo ele “o economista da nova ordem do Brasil, que passava de velha
estrutura agrário-exportadora à nova estrutura da economia industrial pela via da internacionalização de capitais
e apoio do Estado. (…) De todos os economistas brasileiros mais ativos, foi aquele cujo projeto
desenvolvimentista esteve mais próximo da política de investimentos efetivamente realizada”, especialmente no
Plano de Metas de JK (loc.cit). Iremos estudar com maiores detalhes as propostas de planejamento setorial
Campos, no início dos anos 50, no Capítulo IV. Sobre elas, pode-se consultar, além de BIELSCHOWSKY, o
próprio autor: CAMPOS, Roberto de O. Planejamento do desenvolvimento econômico de países
subdesenvolvidos Introdução. Digesto Econômico. São Paulo, n. 89, abr. 1952 e CAMPOS, Roberto de O.
Planejamento do desenvolvimento econômico de países subdesenvolvidos Conclusão. Digesto Econômico. São
Paulo, n. 90, maio 1952.
130
b) o desenvolvimentismo do setor público “não-nacionalista”, formada por
economistas favoráveis a um apoio estatal moderado e localizado à industrialização, mas que
apresentavam preferência por soluções privadas nas inversões de capital e defendiam políticas
de estabilização monetária, como a contenção do crédito, desde que não prejudicassem o
desenvolvimento; nessa linha entraria Roberto Campos;
c) o desenvolvimentismo do setor público “nacionalista”, cujos membros sustentavam,
como os demais desenvolvimentistas, “a constituição de um capitalismo industrial moderno
no país”, mas tinham “como principal traço distintivo, uma decidida inclinação por ampliar a
intervenção do Estado na economia, através de políticas de apoio à industrialização,
integradas, na medida do possível, num sistema de planejamento abrangente e incluindo
investimentos estatais em setores básicos” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 127); também se
opunham às políticas de estabilização por medo da recessão; era a corrente de Celso Furtado.
Feita essa análise do processo de legitimação da industrialização planejada no Brasil e
as diferentes correntes de pensamento que as defendiam, iremos, agora, avaliar a política
econômica do Segundo Governo Vargas, procurando entender como ela se enquadrava nesse
debate.
2.2 O Segundo Governo Vargas política econômica e economia política
Assinalamos anteriormente que o Segundo Governo Vargas corresponde a um período
de intenso crescimento e mudanças da economia brasileira, tendo a industrialização como seu
carro-chefe.
129
Além disso, nele foram tomadas, por parte do poder público, uma série de
iniciativas que não contribuíram para este crescimento conjuntural como também
forneceram as bases para as mudanças estruturais dos anos seguintes.
130
Contudo,
encontramos na historiografia especializada sobre o tema um intenso debate acerca da política
129
Para se ter uma ideia das transformações econômicas ocorridas no período, basta recordar que, entre de 1947
até 1955, o percentual da industrialização no PIB passou de 17,4% para 22,7% e a indústria teve um crescimento
anual de 9,4%, bem superior ao PIB cujos índices ficaram em 6,1% (CANDAL, 1977, p. 263). Também
LEOPOLDI afirma que a economia brasileira ganhou impulso durante o Segundo Governo Vargas, sendo que o
“setor industrial foi o que apresentou maior dinamismo, tendo a produção industrial crescido a uma taxa anual de
quase 8 % no período de 1950-4” (LEOPOLDI, 2000, p. 230).
130
Fazendo referência apenas às instituições e organismos mais importantes, podemos citar a criação da
Petrobras, os projetos relativos ao Programa de Eletrificação, que darão origem, futuramente, à Eletrobrás e a
fundação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Também devemos citar as diversas
comissões envolvendo a burocracia civil e militar, junto com entidades de classe, que formularam boa parte dos
programas de crescimento industrial do período, dentre as quais se destaca a Comissão de Desenvolvimento
Industrial (CDI). Merecem menção os novos mecanismos de tributação que serviram de base para a capitação e
canalização de boa parte dos recursos necessários ao investimento estatal, especialmente no setor de energia.
131
econômica empreendida por Vargas nesse período, no qual se discute desde a provável
orientação doutrinária de seu programa econômico (nacionalista, anti-imperialista,
desenvolvimentista ou mesmo ortodoxa) até a própria existência de um programa claro e
coerente, em especial no que se refere à industrialização.
Para dar curso ao nosso estudo, necessitamos, assim, esclarecer minimamente os
termos deste debate.
A primeira interpretação sobre o significado da política econômica de Getúlio em seu
segundo governo surgiu ainda no decorrer do mesmo e, pode-se dizer, em oposição a ele.
Conforme BOITO Jr., ela foi elaborada por militantes do PCB e se baseava em ações
governamentais que contrariavam a linha adotada por este partido. Centrava-se em temas de
política externa, como o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos cuja assinatura forçou o
pedido de demissão do ministro da Guerra, Estilac Leal, líder da ala nacionalista do Exército -
, e em medidas que pudessem implicar na presença do capital estrangeiro no país, como os
acordos envolvendo a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e, até mesmo, a proposta inicial
da Petrobras, que não estabelecia o monopólio estatal do petróleo.
131
Por esses motivos, os
comunistas viam Vargas como “um instrumento servil do imperialismo”
132
e seu governo
como “imperialista, burguês e antipopular”.
133
Com o fim trágico do governo, a interpretação do PCB foi deslocada por uma tese
bastante distinta. Elaborada por intelectuais ligados à Cepal e ao ISEB, que presenciaram ou
foram participantes dos acontecimentos, como Celso Furtado, Hélio Jaguaribe e Nelson
Werneck Sodré, essa nova leitura do Segundo Governo Vargas defendia que ele havia
implementado “uma política econômica cujo objetivo seria propiciar um desenvolvimento
capitalista autônomo no país” sendo, por isso, “antiimperialista”.
134
Conforme FONSECA,
para esses autores, tal programa se expressaria “na industrialização” e estaria “sob a liderança
da burguesia industrial, em aliança com os trabalhadores e os setores da classe média”.
135
Em
contrapartida, teria recebido a contrariedade da burguesia ligada à produção primário-
131
Essa questão será tratada no Capítulo IV.
132
BOITO Jr., Armando. O Golpe de Estado de 1954: A Burguesia Contra o Populismo. São Paulo : Ática,
1982, p.11.
133
D‟ARAUJO, Maria Celina. O Segundo Governo Vargas (1951-1954): Democracia, Partidos e Crise Política.
Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 1982, p. 120.
134
BOITO Jr, op.cit., p. 13-14. Curiosamente, esta interpretação foi incorporada pelo próprio PCB.
135
FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Nacionalismo e Economia: o segundo governo Vargas. In: SZMRECSÁNYI,
Tamás & SUZIGAN, Wilson (org.) História Econômica do Brasil Contemporâneo. 2ª. edição. São Paulo
HUCITEC/Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica/Editora da Universidade de São
Paulo/Imprensa Oficial, 2002, p. 17.
132
exportadora, defensora do papel tradicional do Brasil na divisão internacional do trabalho.
136
Em favor dessa tese, são também apresentadas ações concretas do governo, como o
estabelecimento do monopólio estatal do petróleo, através da criação da Petrobras, e os limites
à remessa de lucros ao exterior pelo capital estrangeiro aplicado no Brasil, mediante o
Decreto-lei 30.363, de janeiro de 1952.
137
Segundo FONSECA, nos anos sessenta, alguns autores, dentre eles Fernando
Henrique Cardoso e Luciano Martins, passaram a contestar os limites do projeto
desenvolvimentista de Vargas, expondo “as razões de sua crise com a internacionalização da
economia a partir dos anos cinquenta, e discutiram a ideologia não-nacionalista da burguesia
industrial e a postura não de todo industrializante dos setores agrários”.
138
Por esta análise, o
projeto de desenvolvimento industrial teve como agente dinamizador a burocracia do Estado,
tanto civil como militar, sendo a “burguesia industrial” brasileira um ator coadjuvante que não
estava totalmente comprometida com os seus termos. De qualquer maneira, esta linha de
abordagem procurou demonstrar as causas do fracasso do desenvolvimentismo varguista, mas
não negava a sua existência.
Linha diferente foi adotada pelo brasilianista Thomas SKIDMORE, o qual discordou
que um programa industrializante tivesse sido levado a efeito pelo governo Vargas. O autor
não contestou a possível tendência nacional-desenvolvimentista do presidente, mas afirmou
que, na prática, a sua política econômica foi antes de tudo ambígua e mista. Uma dos
propósitos de SKIDMORE era descaracterizar o governo de Getúlio como essencialmente
nacionalista, defendendo que o seu desenvolvimentismo era “moderado”. Mas, o autor foi
bem mais além, ao afirmar que as medidas capazes de levar adiante tal programa tiveram sua
contrapartida ou mesmo neutralização pela “orientação ortodoxa” adotadas pelo governo no
tratamento de dificuldades econômicas mais imediatas.
139
Para SKIDMORE, problemas como o déficit público, a inflação e o déficit no balanço
de pagamentos foram resolvidos através da racionalização dos gastos do governo e do
controle do crédito, ou seja, por medidas restritivas baseadas em uma “adaptação pragmática
dos princípios do liberalismo econômico” (Idem, p. 125). Isso teria tornado a “ortodoxia” de
136
Sérgio VIANNA afirma que tal interpretação ganhou muitos adeptos porque serviu como uma arma
ideológica aos intelectuais que se agruparam na ala nacionalista, procurando fazer uma leitura dos
“acontecimentos da primeira metade da década de acordo com as questões que vivenciavam em sua
contemporaneidade” (VIANNA,op.cit., p. 126.)
137
Este decreto será avaliado com detalhes no Capítulo III.
138
FONSENCA, 2002, pp. 17-18.
139
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). 11. reimp., Rio de Janeiro :
Paz e Terra, 1996, p. 124.
133
Getúlio incompatível com uma política desenvolvimentista baseada na industrialização,
devido à necessidade de investimento público e de aumento do crédito que esta implicava
(Ibidem, p. 151 e p. 124).
Para este autor, mesmo os avanços industrializantes obtidos no
período foram mais resultados inconscientes das políticas de curto prazo como as tentativas
de corrigir os déficits do balanço de pagamentos, que serviriam indiretamente de estímulo à
industrialização, ao inibir a entrada de bens de consumo no país do que metas projetadas por
um programa desenvolvimentista coerente (Ibidem, p. 138). No final do governo, quando a
ortodoxia se tornou impopular, Getúlio teria radicalizado politicamente e promovido uma
“guinada nacionalista”, com a reforma ministerial de outubro de 1953. Contudo, não obteve
resultados satisfatórios, até porque, para o brazilianist, o nacionalismo de Getúlio era mais
retórico do que propriamente uma orientação de política governamental.
140
No início dos anos 80, Maria D‟ARAÚJO retomou a interpretação de SKIDMORE ao
afirmar que foi a “ambiguidade e mesmo a ausência de um comprometimento político maior,
tanto com ideias quanto com organizações”, que marcou “um governo que oscilou entre
posições nacionalistas e soluções conciliatórias e tradicionais” (D‟ARAUJO, op.cit., p. 131.).
Contudo, a autora rebateu a tese da “guinada nacionalista”, defendendo que as oscilações
foram uma marca constante do governo e não uma etapa cronológica do mesmo, pois estas
tiveram sua origem nos próprios acordos para a eleição de Vargas, “responsáveis também
pelos impasses, pelas ambiguidades e pelos fracassos do Governo”.
141
Paralelamente e divergindo desta leitura, ainda em meado dos anos 80, Sônia DRAIBE
defendeu que o retorno de Vargas ao poder, em 1951, significou também a volta da “aspiração
à industrialização acelerada como condição para o progresso social e a autonomia nacional”
(DRAIBE, op.cit., 182)
.
Segundo a autora,
sobre base e dinâmica sociais bastante distintas, definiu-se no início dos anos 50 um
projeto político e econômico de desenvolvimento do capitalismo no Brasil mais
profundo e complexo, mas abrangente, ambicioso e integrado do que o delineado na
década de 30
140
Para SKIDMORE, quando voltou ao governo, Vargas teria trazido consigo “um legado de profundas
suspeitas contra os investimentos estrangeiros”, constituindo uma das “poucas paixões genuínas de Getúlio: um
nacionalismo antiimperialista nada incomum no seu Estado natal, o Rio Grande do Su” (op.cit., p. 128). Esse
nacionalismo era baseado em uma profunda desconfiança com os investimentos estrangeiros. “Quando recorria à
linguagem do nacionalismo econômico, Getúlio ampliava grandemente o tom xenófobo que a havia usado de
maneira apenas hesitante durante o Estado Novo” (idem., p.128).
141
Idem., p. 14. Para D‟ARAÚJO, durante o mandato do presidente, a ambiguidade se revelou na diversidade
das instâncias de poder, especialmente em uma oposição entre a Assessoria Econômica da Presidência (AEP) e o
Ministério, pois, “a maioria das ações importantes que dali [Ministério] se originaram não [estavam]
identificadas com uma política mais autônoma de desenvolvimento”, enquanto a AEP aplicaria “uma linha de
ação que se identifica[va] com princípios nacionalizantes e que [imprimia] ao governo um caráter nacional-
desenvolvimentista”(ibidem, p. 132).
134
Mesmo que o governo não apresentasse “um plano de industrialização” formal, como
o Plano de Metas de JK, DRAIBE, analisando as Mensagens Presidenciais, afirma que Vargas
“definiu e ordenou seu movimento segundo um plano de desenvolvimento econômico e social
de grande envergadura, apoiado em um diagnóstico profundo da economia e da sociedade
brasileira” (DRAIBE, loc.cit). Para ela, Getúlio promoveu “uma alternativa global de
desenvolvimento do capitalismo no Brasil, integrando seus aspectos mais substanciais num
grau de harmonia e compatibilidade.”
142
O grande diferencial de pesquisa de DRAIBE foi tentar demonstrar como este
processo se refletiu diretamente no aparelho econômico do Estado brasileiro e como ele
implicou em uma “articulação da economia brasileira com o capitalismo internacional,
indicando condições preferenciais para a entrada do capital externo nas áreas prioritárias de
investimento e limites à remessa de lucros”.
143
Desta maneira, mesmo retomando a
interpretação de que o Segundo Governo Vargas tinha um caráter desenvolvimentista e
industrializante, a autora não chega a colocá-lo como “nacionalista” ou “anti-imperialista”.
Em contraponto a tese, na mesma década de 80, os economistas LESSA & FIORI
retomaram a abordagem iniciada por SKDMORE, mas foram ainda mais longe. Seu principal
objetivo era combater a ideia segundo a qual o último mandato de Vargas teria representado a
derrota de “um projeto alternativo de desenvolvimento, nacionalista e popular, comandado
pelo Estado e sustentado por uma burguesia industrial aliada aos assalariados urbanos”.
144
Para tanto, os autores procuraram desmontar os itens básicos da mesma, ou seja, que Getúlio
tivesse: a) apresentado algum programa capaz de proporcionar maior distribuição de renda às
camadas populares, b) favorecido deliberada e restritivamente a burguesia industrial brasileira
e, por último c) levado adiante um projeto de industrialização pesada sob a hegemonia desta
classe.
145
Vejamos mais detalhadamente essa argumentação.
Para contestar o primeiro ponto, os autores defendem que o segundo mandato de
Vargas não se caracterizou nem por tentar a mobilização de massas contra as forças
conservadoras, nem por forçar uma integração das camadas trabalhadoras no sistema, via
políticas de “bem-estar social”, como chegou a defender DRAIBE. Conforme LESSA &
142
DRAIBE, op.cit., p. 183.
143
Segundo DRAIBE, o plano econômico varguista esteve baseado em quatro elementos fundamentais: “a rede
de mecanismos de centralização efetiva dos comandos, a empresa pública como fator de dinamização do
desenvolvimento, o banco de investimento e o novo desenho da articulação do empresariado com o Estado”.
Seriam estes os elementos centrais da “alternativa „varguista‟ de desenvolvimento do capitalismo
brasileiro”(DRAIBE, loc.cit.).
144
LESSA, Carlos & FIORI, op.cit., p.1.
145
LESSA&FIORI, idem., p. 26.
135
FIORI, o presidente sempre teria deixado claro, em seus discursos e projetos, que a melhoria
das condições de vida dos trabalhadores seria uma consequência dos resultados obtidos com o
desenvolvimento econômico e não de ações redistributivas sendo o aumento de 100% do
salário mínimo, em 1954, uma medida pontual, motivada por razões políticas imediatas.
146
Já no que se refere ao suposto privilégio dado por Vargas à burguesia industrial
brasileira e à hegemonia desta classe no processo de industrialização, o argumento dos autores
é mais sofisticado. Afirmam que, embora este grupo social tenha realmente sido favorecido
pelos efeitos das políticas de controle das exportações e de sobrevalorização do câmbio, “o
projeto varguista não foi, em nenhum momento, anti-mercantil ou anti-agrário. Pelo contrário,
computou em sua visão mais ampla e, sobretudo, em sua política de curto prazo, os interesses
destas facções, preservando com extremo zelo a aliança com a oligarquia e o bloco
mercantil”.
147
De outra parte, SKIDMORE, LESSA & FIORI questionaram o suposto
“nacionalismo” do segundo mandato de Vargas, ao salientar que o presidente, longe de
procurar romper com o capital forâneo e com os EUA, tentou apoio norte-americano para o
seu programa de reaparelhamento econômico e buscou atrair capital estrangeiro produtivo
para o Brasil. Desta maneira, concluem que não é legítimo falar em uma “hegemonia” da
burguesia nacional frente às demais classes e mesmo ao capital internacional na condução da
política econômica de Getúlio. Na verdade, para os autores, o que se verifica “é um desenho
progressivo de uma política de desenvolvimento capitalista 'associado' no longo prazo e uma
política econômica absolutamente conservadora, acorde com os interesses em presença, no
curto prazo”.
148
O último e mais controverso ponto a salientar diz respeito à existência ou não de um
projeto desenvolvimentista no Segundo Governo Vargas. Nessa questão, os autores vão ainda
mais longe do que SKIDMORE e D´ARAÚJO. Segundo estes últimos, Vargas não seguiu um
programa desenvolvimentista por se vir forçado a dar prioridade aos problemas de curto prazo
ou às demandas contraditórias por sustentabilidade política. LESSA & FIORI afirmam que
tal programa nunca existiu. Para eles, Getúlio até poderia desejar a industrialização, mas a sua
política econômica foi bem mais modesta e pragmática, voltada para garantir a estabilidade e
a promoção do reaparelhamento da economia nacional a fim de superar os problemas gerados
146
LESSA & FIORI, op.cit., p. 10-11.
147
LESSA&FIORI, idem. 29.
148
Ibidem, 27.
136
por um crescimento continuado sem investimentos reparadores.
149
O curioso desta interpretação de LESSA & FIORI é que, se ela for aceita, não se torna
mais possível afirmar que foi a condução de uma política econômica contrária a fortes
interesses nacionais (como os da oligarquia agro-exportadora e da burguesia compradora) e
internacionais (capitais estrangeiros investidos no Brasil) que levou estes interesses à
oposição e à desestabilização do governo de Vargas. Todavia, é exatamente isso que os
autores pretendem, pois, para eles, as medidas levadas adiante por Getúlio (estabilização,
investimentos para a infraestrutura e mesmo facilitação para o crescimento industrial) eram
consensuais na década de 1950 (LESSA & FIORI, idem, p. 47). Em consequência, a crise
final do governo teria se dado não por divergência de projetos mas por desajustes nas
estruturas de poder, tanto interna quanto externas, que se refletiram na incapacidade de Vargas
em atender metas de curto prazo, gerando frustração nos aliados e reforçando a posição de
seus opositores políticos.
150
O trabalho de LESSA & FIORI, embora de dimensões relativamente curtas e
apresentado na forma de um ensaio, provocou muita controvérsia e reações diversas entre os
especialistas que analisam o dilema da política econômica do Segundo Governo Vargas.
A principal repercussão favorável foi apresentada por Sérgio VIANNA. Este autor,
contudo, procurou encontrar um meio termo entre o que chamou de dois “procedimentos”
adotados na historiografia para interpretar o Segundo Governo Vargas, a saber, o de “imaginá-
lo possuidor de uma estratégia abrangente e bem definida de desenvolvimento econômico que
tivesse como finalidade um modelo alternativo para o capitalismo brasileiro” e o de “encarar
o Governo Vargas sob o prisma da ambiguidade, a partir do argumento de que ele resultava da
imbricação de estratégias diferentes e conflitantes entre si” (VIANNA, op.cit., 32.)
.
Seguindo LESSA & FIORI, VIANNA condenou o primeiro destes procedimentos por
ele colocar, no início dos anos 50, uma concepção sobre o Estado e o capitalismo brasileiro
mais moderna do que era possível no período (idem, p. 33). Demonstrou, porém, mais
149
Segundo LESSA & FIORI: “Em nosso entendimento, a política de Vargas foi muito menos utópica do que
quer crer a maioria de seus intérpretes. (...) Porém, durante seu segundo governo, Vargas uma indiscutível
prioridade aos programas de infraestrutura, com uma ótica de 'reaparelhamento'. Tratava-se de desbloquear
engarrafamentos, energéticos e de transportes, muito mais do que alavancar e direcionar o processo
industrializante a partir do Estado. Em nenhum lugar se encontra a ideia ou a prática de um Estado que,
adiantando-se ao crescimento da indústria, provesse por sua iniciativa um conjunto coordenado de investimentos
destinados a puxar uma industrialização rápida e concentrada” (op.cit. pp. 26-27).
150
“Deste ponto de vista, o que se passou em 53? Uma espécie de 'vazio de expectativa' para o curto prazo.
Como já vimos, o projeto Vargas fundava sua viabilidade numa integração internacional via ajuda governamental
e, secundariamente, nos investimentos privados forâneos (…). Quando ruiu esta expectativa econômica
complicaram-se, evidentemente, as expectativas políticas, diminuindo as possibilidades de sucesso da gestão
Vargas” (LESSA&FIORI, idem., p. 48).
137
afinidades com o segundo, por considerá-lo “mais apoiado nas evidências históricas” e por
endossar a tese de que a característica principal da política econômica de Vargas foi a
ortodoxia.
151
Contudo, criticou os seus defensores pela ênfase excessiva na ambiguidade e na
incoerência das ações do governo ou mesmo na falta de programa econômico claro.
Segundo VIANNA, apesar de sua ortodoxia, o presidente tentou seguir um programa
de desenvolvimento coerente, não havendo “ambiguidade” ou “guinada nacionalista”, porque
a estabilização econômica deveria anteceder lógica e cronologicamente os investimentos que
este programa exigia, sendo condição de possibilidade e não de incompatibilidade dos
mesmos.
152
A tentativa de procurar fornecer coerência às ações aparentemente contraditórias da
política econômica de Vargas, colocando-as como partes integrantes de etapas diferentes de
um mesmo plano, constituiu a principal inovação da análise de VIANNA em relação à de
LESSA&FIORI. Contudo, seu trabalho tende a convergir com estes autores quando conclui
que, na prática, o governo de Getúlio não agiu com vista à industrialização acelerada do país,
porque fracassaram o seu programa de estabilização e a busca de recursos nos EUA e o seu
objetivo era mais reaparelhar a economia brasileira nos setores de infraestrutura do que
fomentar a indústria pesada.
153
Seguindo uma linha divergente, tivemos algumas pesquisas que procuraram combater
a corrente de interpretação defendida por LESSA & FIORI e VIANNA, equacionando o
problema da relação entre “ortodoxia” e “desenvolvimentismo” de forma a sustentar que
Vargas sustentou um programa de industrialização. Uma dessas contribuições foi apresentada
por Maria LEOPOLDI, que chegou a conclusões contrárias às de LESSA&FIORI-VIANNA e
mais próximas as de DRAIBE, quando abordou o papel da burguesia industrial no processo de
industrialização brasileira. Analisando a atuação do empresariado no último mandato de
Getúlio, esta autora afirma que, neste governo, “havia [...] um projeto de industrialização,
através do qual o desenvolvimento de alguns setores acarretava o surgimento e o crescimento
de novos setores industriais de base, que por sua vez implicavam em aumento da demanda de
151
VIANNA chega a afirma de Vargas que, desde “a época em que geriu o ministro da Fazenda de Washington
Luís até sua morte, as convicções do pensamento ortodoxo foram as suas” (op.cit., p. 107).
152
VIANNA, idem., p. 16-17.
153
Fazendo uma síntese, podemos dizer que VIANNA justifica esta ausência de industrialização por dois
motivos básicos: primeiro, porque os pilares do programa econômico de Vargas ruíram ainda na fundação, ao
fracassarem tanto a estabilização devido à volta do déficit público e da inflação quanto a busca de
financiamento junto aos EUA, inviabilizada com a posse de Eisenhower, em 1953. Segundo, porque o autor
igualmente negou a existência de um projeto industrializante, pois a preocupação dominante dos investimentos
de Vargas, conforme LESSA&FIORI haviam defendido, seria a ampliação da infraestrutura em transporte e
energia, medida que visava vencer os pontos de estrangulamento do aparato produtivo e não deve ser confundida
como um bloco integrado de inversões visando à industrialização pesada (VIANNA, ibidem, p. 122).
138
ferro, aço e de produtos químicos” (LEOPOLDI, 2000, p. 223).
Como justificativa dessa leitura, a autora apresenta a forte influência dos industriais no
governo Vargas e na própria elaboração de sua política econômica. Também inclui em seu
argumento os programas de governo que resultaram em um significativo crescimento
manufatureiro no período.
154
Contudo, LEOPOLDI não retorna à tese clássica do anti-
imperialismo, afirmando que Getúlio procurou conciliar as diferentes pressões nacionais e
internacionais exercidas sobre o seu governo através de um programa unificado e coerente.
Em suas palavras: “[é] preciso compreender a política econômica de Vargas como um
processo de conciliação, na qual foram apaziguadas tendências contraditórias na medida em
que elas encontravam um lugar no interior do aparelho de Estado para se expressarem como
ideologia e como política governamental” (LEOPOLDI, 2000, p. 228). Assim, se Vargas
mostrava, ao mesmo tempo, um lado “nacionalista” representado pela AEP, por sua política
cambial de proteção industrial e pelo plano de energia e uma face “internacionalista”
demonstrada pela CMBEU, pelo apelo a investimentos estrangeiros na indústria de veículos e
de matérias-primas e pelo Acordo Militar entre Brasil e EUA -, ambos faziam parte de um
mesmo programa de desenvolvimento industrial, sem que houvesse “um projeto autárquico,
anti-Estados Unidos” (LEOPOLDI, 2002, 35).
Outra interpretação convergente em muitos pontos com DRAIBE e LEOPOLDI é
apresentada por FONSECA. Mesmo aceitando que Vargas pretendia estabilizar a economia, o
autor rejeitou tanto a tendência a classificar tal pretensão como ortodoxia econômica, quanto a
ideia de que a busca da estabilidade financeira tivesse levado o presidente a abandonar seu
projeto de desenvolvimento. Analisando os discursos de Vargas durante a campanha eleitoral
de 1950 e no transcorrer de seu mandato na Presidência, FONSECA conclui pela clara
“existência de um projeto pró-desenvolvimento capitalista, o qual, nesse momento histórico,
significa, entre outras coisas (mas principalmente) industrialização e modernização da
agricultura, ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas dos dois principais setores da
produção”
(FONSECA, 1987, p. 360). Desta maneira, segundo este autor:
À luz dessas considerações sobre a política econômica, podem-se visualizar as
154
Sobre a participação dos líderes industriais, a autora cita Ricardo Jafet, presidente do Banco do Brasil, e
Horácio Lafer, ministro da Fazenda, e a própria Assessoria Econômica da Presidência, chefiada por Rômulo
Almeida, economista ligado à CNI. Essa presença indicaria a “proximidade que havia entre o Presidente e os
industriais” que “viabilizou uma aliança getulista com eles (LEOPOLDI, 2002, 36). Em relação aos programas
de governo ela refere especialmente a política cambial de controle das importações, que teria protegido
voluntariamente às atividades industriais, e os investimentos em infraestrutura, que alavancou diversos setores
produtivos. Como resultado, a “substituição de importações nos ramos da indústria de bens de capital e mecânica
foi bastante intensa no governo Vargas” (LEOPOLDI, idem, 59).
139
frações burguesas beneficiadas com o projeto de Vargas e as que lhe faziam
oposição. Assim, em linhas gerais, as burguesias industrial e agrária, através de
suas entidades de classe, geralmente colocavam-se na defesa do governo; o
comércio exportador e importador a burguesia compradora na oposição. A
importância desta constatação reside em colocar em vida a vestuta hipótese da
aliança entre os setores agrários, a burguesia compradora e o „imperialismo‟ na luta
contra Vargas e a industrialização. (FONSECA, 1987, p. 396).
Em consequência, FONSECA tende a convergir com LESSA & FIORE, D‟ARAÚJO e
VIANNA quando estes afirmam que Vargas compôs com setores conservadores ao montar seu
ministério, que sua “política econômica de curto prazo não foi homogênea nem linear, e nem
sempre representou benefícios exclusivos ao setor industrial” e que “realmente não se detecta
uma virada no governo a partir de 1953” (FONSECA, 1987, p. 360). Mas discorda deles no
que se refere à leitura de que Getúlio foi um “mero administrador de caixa”, envolto em
problemas de curto prazo. “Ao contrário”, para o autor, o presidente
propôs e executou medidas de grande envergadura na direção do fortalecimento
capitalista. A preocupação com o equilíbrio no balanço de pagamentos, com o déficit
orçamentário e com o estrangulamento externo e fiscal imperativa para quem tem
às mãos a máquina estatal não consegue escondê-las (FONSECA, idem, p. 360.).
Segundo o autor, o governo Vargas teria buscado saídas para levar adiante o seu
programa de desenvolvimento desde o início, desviando-se, assim, “do pensamento
dominante e procurando sempre compatibilizar os desequilíbrios de „curto prazo‟ aos
objetivos maiores de seu projeto desenvolvimentista” (ibidem, p. 401). Vargas apresentou,
nesse período, um discurso antiliberal e defensor do “planejamento econômico (...) que coloca
a produção subordinada aos interesses da comunidade e não aos das minorias” (ibidem, p.
335.) e que sustenta “a concepção de que ao Estado cabiam tarefas específicas e de vulto
quando se tratava de encaminhar a solução dos problemas do país” (ibidem, p. 363).
Contudo, mesmo defendendo o caráter desenvolvimentista do governo, FONSECA
não retoma a interpretação nacionalista “clássica” que viu no programa de Vargas um projeto
de industrialização autônoma e anti-imperialista. Para ele, devemos descartar as teses polares:
nem Vargas promoveu uma “guerra anti-imperialista” nem suas desavenças com a UDN eram
desmotivadas. “Seu nacionalismo deve ser entendido sempre em confronto com as suas
principais forças de oposição (a UDN, a burguesia compradora), ou seja, levando em
consideração a correlação de forças políticas que o explicitam” (FONSECA, 2002, p. 25).
Em
consequência, mesmo que Vargas defendesse a “independência econômica” do Brasil,
155
isso
155
Para Pedro FONSECA, “os apelos emocionais à grandeza da Pátria, de seu povo, de sua força e de seu
destino continuam semelhantes aos da época da ditadura” e o presidente fazia frequente alusão, especialmente
em seus discursos de 7 de setembro, à “luta pela independência econômica e contra o imperialismo”. “Nessas
140
não implicava na exclusão do capital estrangeiro da economia nacional, pois este era
necessário para suprir a carência na poupança interna. Nos momentos em que tratava os
investidores externos de forma mais dura, seu objetivo era aumentar o poder de barganha do
governo brasileiro “visando a obter ganhos em troca de seu alinhamento” e não hostilizar este
capital.
156
Seguindo essas análises, tivemos mais recentemente a tese de BASTOS.
157
Estudando
as crises cambiais brasileiras entre 1930 e 1954, com ênfase nas questões de dependência
financeira e vulnerabilidade comercial, o autor defende que o Segundo Governo Vargas
procurou levar adiante um projeto desenvolvimentista, no que não difere de DRAIBE e
FONSECA. O principal acréscimo de BASTOS, porém, está em apontar os limites deste
projeto na medida em que os seus programas, como os do setor de energia, tinham como
alicerce básico a busca de ajuda financeira dos EUA através de organismos internacionais o
Banco Mundial e o Eximbank , os quais, todavia, adotavam a orientação norte-americana de
não financiar projetos que pudessem concorrer ou barrar os investimentos privados
estadunidenses.
De outra parte, BASTOS critica os autores que defenderam a “ortodoxia” do governo
Vargas por confundir métodos com fins. Para ele, convergindo com FONSECA, Getúlio
sempre se guiou pelo “nacional-desenvolvimentismo, superando a ideologia da 'vocação
natural' do Brasil para a especialização primário-exportadora e os dogmas liberais do mercado
auto-regulado, que prescreviam limites bem definidos para a ação estatal" (2006, p. 271). Mas
era pragmático e buscava atingir esses objetivos de forma experimental e por diferentes
métodos de ação, do que resultou uma política em relação ao capital estrangeiro marcada por
três características permanentes do nacional-desenvolvimentismo: 1) pelo anti-
liberalismo, ou seja, pela crença de que de que o mercado não era capaz de se auto-
regular sem crises econômicas e sociais graves e recorrentes, e muito menos gerar
desenvolvimento industrial avançado em países como o Brasil; (...); 2) pelo
ocasiões, diferia a independência política conquistada em 1822 com o almejado por seu governo, mais profunda
e custosa, visando à emancipação nacional” (1987, p. 404).
156
FONSECA, idem, p. 407. Segundo o autor, apesar de dar preferência ao capital público internacional, Vargas
também desejava atrair capital privado, conquanto fosse possível direcionar a sua aplicação ao desenvolvimento
local e evitar que o retorno de lucros e dividendos comprometesse o balanço de pagamentos do país.
157
Baseamo-nos aqui tanto na tese do autor (BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A dependência em progresso :
fragilidade financeira, vulnerabilidade comercial e crises cambiais no Brasil (1890-1954). Tese de Doutorado
Unicamp Campinas SP 2001 (mimeo). Disponível in:
http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000232699, consultado em 03 de novembro de 2009) e nos
seguintes artigos: BASTOS, P. P. Z. . A construção do nacional-desenvolvimentismo de Getúlio Vargas e a
dinâmica de interação entre Estado e mercado nos setores de base. Economia (Campinas), v. 7, p. 239-275, 2006
e BASTOS, P. P. Z. . Qual era o projeto econômico varguista?. In: XIV Encontro Nacional de Economia Política,
2009, São Paulo. Anais do XIV Congresso Nacional de Economia Política (Sociedade Brasileira de Economia
Política, SEP, São Paulo, 2009).
141
oportunismo nacionalista, ou seja, a identificação de oportunidades de realizar
barganhas externas que atendessem a finalidades nacional-desenvolvimentistas, e
fossem orientadas para maximizar interesses nacionais; 3) a capacidade de
adaptação a circunstâncias históricas cambiantes (BASTOS, idem, p. 271.).
Com essa exposição, parece-nos que a interpretação sustentada por FONSECA e
BASTOS, compreendendo o Segundo Governo Vargas como portador de um projeto
desenvolvimentista, é mais convincente do que a tese afirmando a ortodoxia como orientação
básica do programa econômico de Getúlio, desde que descartadas questões como anti-
imperialismo e “governo popular”.
Quanto a isso, é muito útil levar em conta um alerta de FONSECA, segundo o qual um
dos principais erros da interpretação ortodoxa do Segundo Governo Vargas está no uso
ahistórico que se faz do conceito de ortodoxia para avaliar a política econômica de Getúlio,
retirado da teoria pura e depois aplicado a práticas econômicas concretas. Para o autor, isso é
um equívoco porque “a „ortodoxia‟ deve ser pensada dentro de um contexto histórico
determinado, e sempre tendo em vista o que a define como tal nesse contexto ou seja, em
oposição ao que é definido como heterodoxia”. Além disso, tomada de forma genérica, a
ortodoxia normalmente corresponde a um conjunto de ideias conservadoras e sem concessão à
crítica, enquanto a heterodoxia procura romper com as visões já elaboradas, fornecendo
alternativas de pensamento ao conservadorismo econômico.
158
No caso da conjuntura em
questão, a heterodoxia foi liderada pela corrente desenvolvimentista e cepalina e representava
“uma aversão ao liberalismo tradicional defensor das vantagens comparativas, das finanças
sadias e da ausência do Estado de forma atuante em defesa da industrialização” (FONSECA,
loc.cit.).
Por tudo isso, concordamos com FONSECA quando este conclui que o programa de
Vargas pode ser considerado desenvolvimentista e nacionalista. Desenvolvimentista porque
estava orientado por uma estratégia de desenvolvimento com participação do Estado na
planificação e execução de setores econômicos em que a iniciativa privada não era suficiente,
sem se opor ao capital nacional ou estrangeiro. Nacionalista na medida em que o conceito de
nacionalismo for entendido não como luta antiimperialista”, mas sim como a busca de uma
forma alternativa de “alinhamento com os Estados Unidos”. “No contexto da política
dominante, este era o nacionalismo possível (e, portanto, historicamente nacionalismo)”
(1987, p. 407).
158
Em outras palavras, “o ortodoxo e o heterodoxo não são definidos por atributos prévios, e exige-se concreção
histórica: o que era heterodoxo em um momento pode deixar de sê-lo em outro contexto, ou mesmo vir a ser
absorvido pela ortodoxia” (FONSECA, 2002, p. 17).
142
Com esses argumentos é que podemos entender porque, conforme FONSECA, o
Segundo Governo Vargas se caracterizou pela existência de um projeto desenvolvimentista,
que procurou integrar as oligarquias rurais e mesmo os trabalhadores urbanos, mas que se deu
pela hegemonia da burguesia industrial.
159
Também se torna mais aceitável a afirmação de
BIELSCHOWISK de que este período constituiu um momento de transição no terreno
teórico-ideológico no qual o desenvolvimentismo tornou-se a doutrina dominante no debate
sobre a economia brasileira e finalmente se efetivou como política pública do Estado no
país.
160
Não é de surpreender também que nesse período ocorra o principal momento de
associação entre o pensamento cepalino e o debate e a elaboração de políticas públicas
desenvolvimentistas no Brasil, cujo ponto culminante foi a V Reunião da Cepal, ocorrida em
abril de 1953, no Hotel Quitandinha, em Teresópolis, e que teve, inclusive, o discurso de
abertura proferido pelo próprio presidente Getúlio Vargas.
161
De tudo isso, podemos concluir que o estudo da forma como a grande imprensa do Rio
de Janeiro abordou a política econômica do Segundo Governo Vargas se torna relevante, não
apenas para compreender um pouco melhor o posicionamento desta imprensa frente a este
governo mas também por nos permitir analisar o processo de legitimação da controversa
industrialização planejada brasileira.
Em consequência, nos capítulos seguintes, iremos fazer uma avaliação mais detalhada
dos principais programas econômicos do Segundo Governo Vargas, procurando detectar nos
mesmos a orientação nacional-desenvolvimentista defendida por autores como FONSECA e
159
FONSECA, 1987, p. 374. Não se trata aqui de concordar ou não com essa tese, mas de tentar compreender os
seus fundamentou e, para tanto, é necessário recordar que o conceito de hegemonia significa a predominância de
um projeto de sociedade através da incorporação dos interesses dos grupos subordinados ao mesmo e não apenas
de sua eliminação. (Esse conceito será tratado previamente no Capítulo I).
160
“A partir desse momento e recuperando a trajetória iniciada em sua fase de origem (anos 30-45), o
desenvolvimentismo reinstalou-se no aparelho de Estado brasileiro. Seus principais núcleos serão as entidades
econômicas federais da capital do país (Assessoria Econômica da Presidência, Banco do Brasil, Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), com a diferença, agora, que os
técnicos civis teriam mais destaque que os militares” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 341).
161
Conforme LEOPOLDI, esta reunião “simbolizou a aliança entre o pensamento cepalino, o ideário industrial e
as políticas de expansão industrial do governo Vargas”, sendo o Brasil, em sua opinião, “o único país da América
Latina onde se deu esta convergência de ideias, levando o governo Vargas a criar um organismo de cooperação
com a Cepal, e a liderança industrial do país a patrocinar um encontro da Cepal o de 1953 e a adotar a sua
terminologia” (LEOPOLDI, 2002, 69). Já, segundo BIELSCHOWSKY, a “metodologia básica dos trabalhos de
planejamento foi apresentada na Quinta Seção da Comissão Econômica para a América Latina, no Rio de
Janeiro, em 1953, ocasião em que se definiu também a constituição do Grupo Misto Cepal-BNDE”
(BIELSCHOWSKY, idem, p. 147).
143
BASTOS. Paralelamente, iremos avaliar os jornais selecionados para esta pesquisa no intuito
de perceber qual era a sua posição sobre a política econômica de Getúlio e, ao mesmo tempo,
a forma como concebiam o processo de transformação pelo qual passava a economia
brasileira na conjuntura em estudo.
3 Programa de Estabilização conflito entre sanear ou desenvolver
3.1 Vargas e a campanha contra a inflação
Como vimos na sessão anterior, um dos pontos-chaves na condução da economia do
Segundo Governo Vargas ficou por conta da necessidade de atender aos chamados problemas
de “curto prazo”, os quais podemos resumir em três itens: o déficit público, a crescente
inflação e o déficit no balanço de pagamentos, que nem sempre foram concomitantes, mas
estavam interligados.
Nesse Capítulo, iremos trabalhar os dois primeiros, deixando o terceiro, vinculado à
política cambial do governo, para ser analisado no Capítulo IV, quando trataremos da questão
dos investimentos e do capital estrangeiro.
No que se refere ao problema do déficit público, no dia 05 de março de 1951, o
ministro da Fazenda, Horácio Lafer, apresentou um relatório bastante alarmante sobre as
contas federais. Nele se constatava um rombo no orçamento da União calculado em Cr$ 2,3
bilhões e que poderia atingir a cifra de Cr$ 6,8 bilhões, caso se incluísse os créditos previstos
pelo governo Dutra, mas ainda não liberados (VIANNA, op.cit., p. 72.). Preocupado com o
desequilíbrio no orçamento e os seus possíveis efeitos inflacionários e sem desejar aumentar
os impostos, o governo anunciou medidas de contenção dos gastos e retenção creditícia, a
saber: a) nenhum pedido de crédito seria solicitado pelo Executivo; b) nenhum projeto seria
votado sem apresentar receita correspondente; c) redução dos créditos solicitados e não
abertos; e d) redução de despesas governamentais. Além dessas medidas mais restritivas,
Lafer também elaborou um programa para a melhoria da arrecadação federal (VIANNA,
loc.cit.).
Ao terminar o ano de 1951, os frutos desses esforços foram bastante surpreendentes. A
combinação do controle nas despesas públicas que subiram, neste ano, apenas 4% em
relação a 1950 com o aumento da arrecadação que foi 42% superior ao exercício anterior
tornou o déficit previsto em um superávit de Cr$ 2,8 bilhões. Aliado ao saldo positivo nos
orçamentos dos municípios e Estados, tivemos, nas contas públicas, o “primeiro superávit
145
global [...] desde 1926” (VIANA, op.cit., 73). Com um sucesso um pouco menor, o mesmo foi
obtido em 1952, fazendo com que, nos dois primeiros anos da gestão de Vargas, as contas do
governo fossem superavitárias.
Tais resultados foram anunciados por Lafer, em março de 1952, como uma grande
vitória governamental no saneamento das finanças públicas. Além disso, foram ostentados
como um verdadeiro trunfo no combate à inflação, não pelo ministro da Fazenda, mas
também pelo próprio Vargas, como podemos notar pela forma efusiva com que tratou do
tema, na Mensagem Presidencial ao Congresso, neste mesmo ano,
1
indicando a sua condição
de meta a ser seguida pelo presidente no início de seu mandato.
Estas medidas de austeridade foram bem recebidas por diversos setores da sociedade,
como associações de classes dos industriais, que viam com bons olhos medidas de controle do
déficit orçamentário, como lembra SOARES (op.cit., p. 91). Porém, não provocaram
unanimidade, tendo em vista que cortes de despesas públicas e controle de importações
estavam longe de agradar a todos. Desde o primeiro ano da gestão varguista, a oposição
udenista explorou estas questões, acusando o governo de promover, por exemplo, o
sucateamento da infraestrutura urbana, como a falta de investimentos no setor de transporte.
As Associações Comerciais também se pronunciaram com veemência. Muito influentes no
meio político-empresarial e representantes do setor de importação e exportação eram as
entidades de classe mais incomodadas com os limites impostos ao comércio importador e ao
crédito.
2
O que obrigou Lafer a dar várias explicações públicas sobre as suas medidas, tanto
na imprensa, quanto na Câmara dos Deputados.
3
As críticas ao primeiro ministro da Fazenda tenderam a se acirrar na medida em que os
resultados iniciais no controle do déficit público não se repetiram no terceiro ano de governo
4
1
Além dos diversos pronunciamentos de Lafer durante o ano de 1951 e o seu anúncio do superávit do primeiro
ano de governo, no início de 1952, Vargas salientou essa “vitória” tanto na Mensagem Presidencial de 31 de
janeiro de 1952, referente ao seu primeiro ano de governo, quanto na Mensagem Presidencial ao Congresso, em
15 de março de 1952 (VARGAS, Getúlio. O governo trabalhista do Brasil. v. 2. Rio de Janeiro : José Olympio,
1969).
2
Um dos exemplos desse protesto ocorreu no dia 4 de fevereiro de 1953, quando as Associações Comerciais
emitiram nota conjunta condenando a política restritiva do ministro.
3
Para justificar as medidas tomadas pelo governo, Lafer foi convocado pelo Congresso e compareceu na Câmara
dos Deputados nos dias 29 de outubro de 1951, 6 de maio de 1952 e 7 de abril de 1953. Nesses momentos,
estabeleceu intenso debate, especialmente com o deputado udenista Aliomar Baleeiro, crítico contumaz do
governo. Também deu entrevistas explicativas várias vezes, como no dia 24 de agosto de 1952, quando defendeu
a sua política de contenção de gastos e restrição das importações, para controlar a inflação e os desequilíbrios no
balanço de pagamentos do país. A reprodução integral desses debates pode ser encontrada em: LAFER, Horácio.
Discursos parlamentares (reunidos por Celso Lafer). Brasília: Câmara dos Deputados, 1988.
4
Como lembra VIANNA, em “1953, o déficit da União foi de Cr$ 2,9 bilhões e o dos Estados e Municípios de
Cr$ 5,4 bilhões”. As despesas federais cresceram em torno de 40,3% em relação a 1952, enquanto a receita
aumentou apenas 11% (idem, p.109).
146
e a inflação retornou dando um salto de 12% para 20,8%, entre 1952 e 1953 -, embora não
haja consenso sobre a sua origem. Além disso, durante o transcorrer do mandato de Vargas,
não obstante os bons resultados iniciais no controle do déficit público e dos índices
animadores de crescimento industrial, ocorreu uma série de problemas que afetaram
diretamente a população, em especial nas grandes cidades, os quais se agravaram a partir de
1953. Dessas dificuldades, as mais importantes foram: as carências no transporte urbano
com o desgaste da Central do Brasil, que provocava atrasos nos trens e graves acidentes, ao
ponto de dar origem a diversos tumultos e quebra-quebras, em especial no Distrito Federal; as
insuficiências no abastecimento das principais metrópoles cidades, provocadas tanto pela
queda da produção agrícola de gêneros alimentício,
5
quanto pela precariedade no sistema de
transporte desses gêneros do campo para os centros consumidores, devido a mais de uma
década sem recuperação de estradas, trilhos de trens, portos, etc.; por fim, a falta de água
potável e de energia elétrica, esta última provocada pela ausência de investimentos em
geração e transmissão de eletricidade.
6
Em consequência, embora grande parte desses problemas tenha sido resultado da
própria industrialização acelerada do Brasil, eles provocaram descontentamentos nas camadas
mais baixas da hierarquia social. Inicialmente, tivemos o caso dos tumultos e quebra-quebras
na Estação Férrea Central do Brasil, os quais, mesmo não constituindo movimentos
articulados contra o governo, não deixavam de atingir o seu ministro da Fazenda.
7
o caso
da Manifestação da Panela Vazia, de março de 1953, em São Paulo, que mobilizou milhares
de pessoas contra o aumento do custo dos gêneros alimentícios, pode ser considerado como
um protesto à política econômica de Getúlio, ao menos no que se refere a seus resultados
imediatos. Por fim, não poderíamos esquecer as diversas greves desencadeadas no período,
sendo a principal delas a Greve dos 300 mil, em abril de 1953, também na capital paulista, que
praticamente paralisou a cidade por vários dias, provocando graves e trágicos conflitos.
Mesmo que não tivesse o governo federal como foco, esta paralisação demonstrou o
descontentamento dos trabalhadores com as suas condições de vida e indicou como Vargas
5
O crescimento da produção de alimentos para o mercado interno teve uma variação positiva, de 1950 a 1951,
de apenas 1,7%, sendo que, entre os anos de 1951 e 1952, a variação foi negativa de 1,8, o que poderia gerar
sérios problemas de abastecimento, diante de um crescimento populacional que, como vimos no Capítulo II, era
de aproximadamente 3% ao ano. Dados conforme os Relatórios Anuais do Banco do Brasil, publicados em
VIANNA, op.cit., p. 81.
6
Questões relativas ao problema da energia serão vistas com mais detalhes no Capítulo IV. Uma boa análise do
tema, pode ser encontrado em BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A construção do nacional-desenvolvimentismo de
Getúlio Vargas e a dinâmica de interação entre Estado e mercado nos setores de base. Campinas: IE-
UNICAMP, 2007 (Texto para Discussão), p. 16.
7
Esses acidentes também provocam vários protestos da população, como em 5 de janeiro de 1953, quando,
devido a atrasos e precariedades nos trens, houve um quebra-quebra na Central do Brasil, com diversas vítimas.
147
começava a perder o controle sobre o setor sindical, mobilizado, agora, por militantes
comunistas e até trabalhistas mais radicais.
Como forma de dar uma resposta mais imediata a estes problemas, o governo tentou
agir de maneira pontual. Uma das alternativas encontradas foi a intervenção direta no
abastecimento urbano, com a criação da Cofap, em fevereiro de 1951 que seria responsável
por coordenar e regular o fornecimento de alimentos nas cidades e a ampliação da Comissão
Nacional de Preços, ambas as medidas procurando controlar as vendas a varejo, o que gerava
descontentamento entre comerciantes e entre os apologistas das virtudes do livre-mercado.
Mas a atitude mais contundente, sem dúvida, ficou por conta dos reajustes do salário
mínimo, com os quais Vargas desejou melhorar, ao mesmo tempo, o poder de compra das
massas trabalhadoras urbanas e a sua imagem frente a elas. O primeiro desses aumentos,
concedido em dezembro de 1951 e com uma alíquota 216%, não causou maiores
repercussões, na medida em que apenas recuperava as perdas remunerativas derivadas de oito
anos de inflação constante sem correção do piso salarial do país. O segundo, autorizado em
maio de 1954, porém, causou grande reação. Para começar, foi proposto pelo novo ministro
do Trabalho de Getúlio, o petebista João Goulart, que assumiu o cargo com a reforma
ministerial de 15 de junho de 1953 e cujos vínculos sindicais o tornavam mal visto pela elite
econômica nacional. Depois, porque Jango propôs uma elevação de 100% no “mínimo” frente
a uma inflação acumulada de aproximadamente 40%, o que implicaria em uma elevação real
significativo. Desgastado com a elite e objeto de vasta campanha pública, Goulart acabou
saindo do Ministério, no início de 1954, mas o presidente resolveu sustentar mesmo assim o
aumento projetado pelo ministro demitido.
É difícil afirmar qual foi a real repercussão dessas medidas entre os trabalhadores
urbanos, mas, indubitavelmente, ambas desagradaram os grupos dominantes, inclusive a
burguesia industrial. Mesmo estando entre os beneficiados com a política econômica do
governo, os líderes industriais condenaram tanto as tentativas de interferência no mercado de
varejo, quanto as correções reais de salários. Como argumenta SOARES, o empresariado
industrial sempre procurou “desqualificar e boicotar” medidas de repressão ao mercado,
sustentando que elas eram coercitivas e iriam desestimular novos investimentos, estagnando o
desenvolvimento (op.cit., 96). em relação à proposta de aumento de 100 % do salário
mínimo, as lideranças empresariais fizeram intensa oposição, não se colocando contra o
aumento em si, mas alegando os seus efeitos negativos na economia nacional,
uma vez que iria intensificar o êxodo rural, acentuado os problemas já detectados
148
nas grandes cidades, tais como falta de moradias, gerando proliferação de favelas,
insuficiência dos serviços de saúde, transportes, saneamento, energia elétrica,
abastecimento de gêneros alimentícios, etc.
8
Esses insucessos e medidas pouco afeitas com as prédicas liberais poderiam ser
considerados como um abandono da preocupação do governo com a estabilidade financeira e
mais ainda indícios de que Vargas não seguia uma cartilha ortodoxa? VIANNA responde
negativamente. Argumenta que o aumento dos gastos públicos, verificado a partir de 1953,
não teve origem em uma política deliberada do governo federal, mas em problemas
circunstanciais que este precisou atender.
9
Além disso, para o autor, o retorno da inflação está
menos associado à majoração de gastos públicos do que a uma série de fatores correlatos,
como as desvalorizações cambiais, ocorridas entre 1952 e 1953 as quais aumentaram o
preço de determinados produtos e a queda na produção agropecuária, acirrando o custo de
vida.
10
Por fim, mesmo considerando que os aumentos salariais tivessem contribuído para a
depreciação da moeda, defende que eles foram motivados por mais razões políticas ao invés
de econômicas (VIANNA, op.cit., 82).
Em relação à reforma ministerial, este economista ainda recorda que, se Vargas optou
por Goulart como seu novo ministro do Trabalho, escolheu para o lugar de Lafer no
Ministério da Fazenda o deputado udenista Oswaldo Aranha. Este, longe de mudar a linha
seguida por seu antecessor, apresentou um Plano de Governo o Plano Aranha que tinha
como uma de suas metas básicas controlar a inflação através do corte de gastos públicos e da
restrição de crédito.
11
os autores que contestam a visão da ortodoxia no governo Vargas apresentam outro
entendimento destas questões. Segundo FONSECA, por exemplo, as metas de contenção
previstas no Plano Aranha não foram totalmente implementadas e o discurso considerado
“ortodoxo” do novo ministro da Fazenda era mais seu do que propriamente de Getúlio.
12
8
SOARES, op.cit., p. 106. Ver também LEOPOLDI (2000, p. 212).
9
Como o
socorro às duas secas seguidas no Nordeste (1952-53), os custos das eleições municipais e o déficit dos Estados e municípios, na medida em que, apenas para
auxiliar o
Tesouro paulista, ameaçado de bancarrota, o Banco do Brasil disponibilizou Cr$ 5 bilhões (VIANNA,
op.cit. 108-109)
10
Em 52, os resultados medíocres da agropecuária (secas) levaram a um aumento do custo de vida (20%),
enquanto os produtos industriais cresceram menos (apenas 4%) (VIANNA, idem, pp. 110-112). Assim, se essa
maior necessidade de crédito do setor público levou à emissão de moeda com aumento de 19,1% nos meios de
pagamento -, prejudicando o plano de estabilização do governo, isso foi devido às pressões que desequilibraram
as contas públicas mais dos estados e municípios do que da União (ibidem, pp. 111-112).
11
Conforme VIANNA, alguns itens essenciais do Plano eram: comprimir energicamente o volume global dos
gastos governamentais; baixar o ritmo anual em que se expandem as obras públicas; aplicar às importações
rigorosos controles; defender a estabilidade do poder aquisitivo interno do cruzeiro, pela cessação das emissões,
etc. Além disso, o ministro prometeu conter prudentemente a velocidade do processo de industrialização, para
aliviar a sobrecarga do balanço de pagamentos (ibidem, p. 107-109).
12
FONSECA, 1987, p. 394. O próprio VIANNA também admite que Aranha não pôde manter uma política tão
149
Além disso e aqui encontramos a argumentação que mais nos interessa -, para o autor, o
presidente “desviava-se também da ortodoxia da época ao entender que era pelo aumento da
produção, e não pelo corte da demanda agregada, que se deveria combater a inflação”
(FONSECA, 2002, p. 22).
Pensamento semelhante era compartilhado, embora com algumas diferenças, pelo
principal condutor da política econômica de Vargas, o ministro da Fazenda Horácio Lafer, tido
por boa parte da bibliografia como um representante da ortodoxia no governo.
13
Analisando
os discursos e a produção intelectual de Lafer, Paulo BASTOS mostrou que o industrial
paulista não se limitava a defender uma política monetarista no que concerne ao combate à
inflação, pois também sustentava soluções heterodoxas ao problema, como a necessidade de
ampliar a produção.
14
O que podemos comprovar pelas próprias declarações do ministro,
durante o Segundo Governo Vargas, ao defender, por exemplo, a política econômica do
Executivo na Câmara dos Deputados:
Para resolvê-lo [o problema da inflação no Brasil] é preciso controle da expansão
dos meios de pagamento, de um lado, e, de outro lado, o estímulo para que a
produção aumente a fim de que se estabeleça essa equivalência, que é a solução das
dificuldades inflacionárias.
15
Salientamos esta questão porque ela é fundamental para distinguir uma política econômica
ortodoxa da desenvolvimentista. Defender a necessidade de estimular a produção em um
período inflacionário como forma de combater a inflação e não de agravá-la fugia, como
vimos, dos preceitos pregados por liberais como Eugênio Gudin, na medida em que implicava
na manutenção ou no aumento dos investimentos na economia e em uma política, senão de
expansão, ao menos não-restritiva de crédito.
Vargas não ficou apenas no discurso, pois, como salienta FONSECA, desde o início de seu
mandato, promoveu inversões em empreendimento nitidamente produtivos. O que se refletiu
austera, pois, durante sua estadia na Fazenda, tivemos um aumento da emissão de crédito por parte do BB em
cerca de 33% embora argumente que isso foi resultado não de uma política governamental, mas de
necessidades da administração pública, de crédito para financiamento de produtos exportáveis e empréstimos
“inevitáveis” para o setor industrial (VIANNA, ibidem. p. 112).
13
Quanto a isso ver, além de VIANNA, ibidem. p. 37-38 e, mais recentemente, ARAUJO, V. L. F. C. . A
Criação do BNDE e a controvérsia Lafer-Jafet. In: VII Congresso Brasileiro de História Econômica e 8º
Conferência Internacional de História de Empresas, 2007, Aracaju. Anais do VII Congresso Brasileiro de
História Econômica, 2007, p. 01. Disponível in http://www.sep.org.br/artigo/_625_ebb6148750ca395b37
c96703305e6c2d.pdf, consultado em 16 de dezembro de 2009.
14
Ver quanto ao tema: BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. Desenvolvimentismo Incoerente? Comentários sobre o
Projeto do Segundo Governo Vargas e as Idéias Econômicas de Horácio Lafer (1948-1952). in.: EconomiA,
Selecta, Brasília(DF), v.6, n.3, p.191222, dez 2005.
15
Essa passagem corresponde ao segundo depoimento de Lafer na Câmara dos Deputado, em maio de 1952, em
mais um memorável debate com o deputado udenista baiano, Aliomar Baleeiro, publicado em:
LAFER, Horácio.
Segundo depoimento na Câmara dos Deputados, 6 de maio de 1952. In: LAFER, op.cit..
150
em uma relação de formação bruta de capital frente ao PIB nos mesmos patamares da década
de 40 e no crescimento das despesas governamentais paralelamente à elevação de receita
(1987, p. 401).
Quanto às medidas concretas de aumento da produção, poderíamos citar vários exemplos,
desde os investimentos nos setores infraestruturais da economia, até as ações mais imediatas,
destinadas a fomentar as atividades agrícolas e industriais, como aquelas veiculadas à
campanha que o próprio presidente intitulou de “batalha da produção”. Por ora, contudo,
vamos nos deter apenas em um dos elementos desse processo, mas de fundamental
importância para a nossa discussão: a posição do governo em relação ao crédito.
Nos dois primeiros anos de governo, as diretrizes gerais em relação ao crédito eram dadas por
Horácio Lafer, mas sua execução ficava por conta do
presidente do Banco do Brasil (BB), o
também industrial paulista Ricardo Jafet.
Para entendermos melhor a controvérsia que se gerou em torno da questão, devemos
recordar que, antes da criação efetiva de um Banco Central, o BB assumia um papel bastante
hipertrofiado na economia nacional, tendo em vista que ficava responsável pelo controle
monetário e era o principal fornecedor de crédito, tanto público quanto privado. Desta
maneira, a política adotada pelo banco era altamente impactante na economia brasileira.
16
O problema foi que, como lembra o próprio VIANNA, a linha adotada pelo BB não
seguiu exatamente as diretrizes financeiras do ministro da Fazenda. Enquanto Lafer seria
defensor de um maior controle do crédito para debelar a inflação, Jafet era mais favorável à
sua expansão para fomentar a economia. Como a política saneadora do primeiro exigia
unidade de ação do governo, os atritos se tornaram constantes. Lafer procurou submeter o
presidente do BB ao Conselho Diretor da Sumoc, sem obter sucesso,
17
o que permitiu a Jafet
promover uma extensão do “crédito em atividades econômicas”, o qual subiu de 37,6%, em
16
Segundo VIANNA (op.cit., pp. 75-78), a inexistência de um mercado de capitais de longo prazo e a
precariedade dos bancos particulares faziam do BB a principal fonte de crédito ao setor privado e o único banco
de fomento do país, até a criação do BNDE. Além disso, o BB servia como banco rural (Carteira de Crédito
Agrícola), como banco comercial (Carteira de Crédito Geral) e era o financiador do governo fornecendo
recursos ao Tesouro, no caso de despensas não cobertas pela arrecadação normal. Como não havia um Banco
Central, o BB funcionava como maior autoridade monetária, pois, se ao Conselho da Sumoc ficava as tarefas de
fiscalização e controle, a execução da política monetária era responsabilidade do BB (Carteira de Redesconto
Cared e Carteira de Mobilização Bancária). Devemos considerar que o Cared detinha a prerrogativa de
fornecer crédito mediante a apresentação de letras do Tesouro, o que o transformava em um órgão capaz de
forçar a emissão de papel-moeda, especialmente para financiar os déficits do governo. Assim, o “Banco do Brasil
era, portanto, simultaneamente Banco Central, banco do governo e o maior banco comercial do país” (idem, p.
78). Ver também ARAÚJO, op.cit.
17
Como lembra também BASTOS, Lafer procurou estabelece um controle seletivo de crédito, inicialmente
tentado subordinar o BB ao Conselho da Sumoc e, depois, através da criação do BNDE. Ademais, fez campanha
contra a expansão creditícia de Jafet tanto na imprensa quanto no parlamento (2005, pp.213-215).
151
1950, para 59,2%, em 1951, e 62,4%, em 1952, beneficiando especialmente o setor industrial
e, segundo a interpretação de VIANNA, anulando os resultados positivos atingidos por Lafer
no controle do orçamento Federal.
18
Como podemos compreender este conflito?
Para VIANNA, a atitude de Jafet teria sido a nota destoante do conjunto da política
econômica de Vargas, favorável a um crédito restrito conforme era proposto por Lafer.
Contudo, BASTOS contesta esta interpretação ao lembrar que não existem indícios de que
Getúlio estivesse insatisfeito ou discordasse da gestão de Jafet no BB, até porque o manteve
no cargo por dois anos e não aceitou as pressões do ministro da Fazenda para subordinar o
banco à Sumoc.
19
Conforme este autor, o próprio presidente abordou diversas vezes a questão
do crédito e, nessas oportunidades, defendeu a necessidade da expansão creditícia como arma
para a sua “batalha pela produção” contra a carestia e a inflação.
20
De outra parte, na medida em que também pregava o aumento da produção como
forma de combater o processo inflacionário, o próprio Lafer dificilmente poderia ser um
ortodoxo nessa matéria. É o que argumenta BASTOS, para quem Lafer tinha uma visão
heterodoxa em relação aos meios de pagamento, afirmando que a “faculdade de emissão”
deveria ser uma variável subordinada a objetivos maiores da “condução política da moeda e
do crédito, ou seja, o alcance do pleno emprego e do desenvolvimento econômico nacional”
(BASTOS, 2005, p. 207).
Sendo assim, o que diferenciava Lafer e Jafet ou mesmo Vargas e Lafer nesta questão?
Segundo BASTOS, as preocupações de Lafer com a inflação tornavam-no um opositor
de uma política creditícia muito ampla. Preconizava não a contenção pura e simples mas a
“seletividade” do crédito, ou seja, desejava evitar que este fosse dado a atividades
especulativas como o setor imobiliário para, com isso, canalizar os recursos financeiros
em direção a aplicações produtivas, que aumentassem a disponibilidade de bens de consumo.
As atividades não essenciais deveriam ser transferidas para o mercado acionário ainda
inexistente no Brasil e as de retorno mais prolongado em infraestrutura, por exemplo -,
18
VIANNA, ibidem, p. 77. Para esse autor, na medida em que foram liberadas as exportações com taxa de
câmbio sobrevalorizado, “o incentivo ao investimento através da importação de bens de capital foi enorme, ainda
mais numa conjuntura em que se tinha como certo o caráter provisório dessa medida” e, assim, “com a demanda
pela importação de equipamentos pressionando o crédito e a expansão deste possibilitando a sua realização nos
elevadíssimos níveis em que se deu” (ibidem, p. 78).
19
BASTOS, 2005, p. 201. Ver também BASTOS, 2001, p. 362.
20
Nas palavras de BASTOS: “Pode-se concordar que garantir a redução do custo de vida era objetivo de Vargas,
mas não se poderia admitir que, para ele, isto devesse envolver uma política creditícia contracionista. A principal
crítica a ser feita à interpretação proposta por Vianna é que, para Vargas, combater a inflação e aumentar a
produção não eram objetivos tão inconciliáveis a ponto de deverem necessariamente ser tratados em diferentes
'momentos' (seqüenciados e não simultâneos) de seu governo” (2005, p. 201).
152
teriam linhas distintas de financiamento, como tentou fazer com a criação do BNDE.
21
Desta forma, o que diferenciava Lafer de Vargas na questão do crédito era mais de
tática do que de estratégia. Conforme BASTOS, mesmo defendendo, como Getúlio,
que a expansão do financiamento produtivo seria uma condição para combater a
inflação (…), o Ministro da Fazenda sempre postulou uma política de crédito mais
seletiva e gradual que aquela que Vargas estaria disposto a apoiar, tanto por motivos
econômicos quanto políticos. Mas, por outro lado, Lafer também defendia uma
política menos restritiva que aquela que Eugênio Gudin e seus discípulos do „grupo
sumoqueano‟ estariam dispostos a aconselhar e, se possível, permitir, afastando-se
concretamente da ortodoxia local (BASTOS, 2005, p. 213).
De qualquer maneira, com base nessa análise, não nos parece mais cabível sustentar a
tese de que Vargas, mesmo no que se refere à questão do combate à inflação, tenha seguido
uma orientação ortodoxa e, assim, dado prioridade à estabilização financeira em detrimento
do desenvolvimento e da industrialização. Em outras palavras e convergindo com
FONSECA -, embora o próprio Getúlio admitisse a impossibilidade de aumentar o crédito
como gostaria, parece “bastante aceitável a hipótese de Vargas ter-se afastado da ortodoxia
nas questões de crédito, inflação e oferta monetária” (1987, p.389).
Feito essa análise da política varguista no referente à questão do controle da inflação,
resta-nos saber: como os grandes jornais da imprensa dita liberal se posicionaram frente a ela?
E isso que iremos verificar agora.
3.2 Imprensa: economia política e política na economia
3.2.1 O Novo governo e a “crise” brasileira
Como vimos no Capítulo I, dos quatros jornais aqui pesquisados, três deram apoio à
candidatura de Eduardo Gomes (UDN) à Presidência da República em 1950, a saber: o
Correio da Manhã, O Globo e o Jornal do Brasil, enquanto O Jornal, da rede Diários
Associados, teve um posicionamento mais favorável a Getúlio Vargas (PTB).
De qualquer maneira, tanto os jornais apoiadores, quanto os opositores de Vargas
21
Podemos ter uma comprovação dessa interpretação de BASTOS na forma como o próprio Lafer explicitou a
sua linha de ação nos esclarecimentos à Câmara dos Deputados: “A orientação que transmitia aos setores de
crédito foi no sentido de não permitirem que o crédito, instrumento para amparar a produção, fosse transformado
num instrumento inflacionário. Desde o início, sustentei a tese de que devíamos fornecer o crédito para a
transações legítimas, para o financiamento da produção mas que ele não deveria ir além do limite a partir do qual
passa a se tornar inflacionário, atendendo às atividades especulativas e sobretudo amparar estabelecimentos ou
firmas que utilizam o crédito para fins que não aqueles necessários ao País” (LAFER, op.cit., 583).
153
ofereceram grande cobertura à sua posse, em 31 de janeiro de 1951. Em princípio, isso não
deve surpreender, na medida em que se tratava da diplomação de um presidente da República,
mas, de certa maneira, contraria um pouco a ideia difundida por Samuel Wainer de que a
grande imprensa teria tratado Getúlio com uma “conspiração do silêncio”, desde o início de
seu mandato.
22
Já em relação à receptividade dada ao novo governo, as reações foram variadas.
No editorial que avaliou o discurso de posse do novo mandatário da nação, o JB
enfatizou a promessa de Vargas de “esquecer os ressentimentos da campanha (…) a fim de
poder concentrar suas energias na solução dos problemas básicos, notadamente dos
assuntos ligados ao sistema econômico, dos quais depende o bem-estar da comunhão
nacional”.
23
Postura que o periódico endossou ao lembrar que “as crises” pelas quais
passava o país recaiam “justamente no campo da economia”.
24
Os dois outros jornais que não apoiaram a campanha varguista foram um pouco menos
receptivos com o novo governo. O Globo repercutiu o momento da posse de Vargas com um
misto de reserva e ceticismo. No editorial em que comentou a diplomação de Getúlio,
salientou que este assumia a Presidência da República em
meio a sentimento contraditório. Se é certo que os contingentes que sagraram a
vitória do novo presidente da República confiam na sua ação, como capaz de
resolver os difíceis problemas que pesam sobre o povo brasileiro, não é menos
evidente que outros setores da opinião pública não conseguem esconder o temor que
os empolga a ideia de que possa o antigo ditador conduzir, ainda uma vez, através de
rumos (sic) anti-democráticos, os destinos da Nação brasileira, e de repetir erros de
inspiração demagógica.
25
Contudo, o próprio jornal ponderou que a “situação que o país [enfrentava],
singularmente grave, [exigia] da parte de todos os brasileiros, no Governo ou fora dele,
esforço dos mais decisivos para a solução das questões pendentes”.
26
Desta maneira, mesmo
que as desconfianças e ressentimentos fossem “justificados”, “diante do quadro sombrio da
situação brasileira”, eles deveriam
22
WAINER, loc.cit.
23
“O novo Governo e os problemas básicos”, Jornal do Brasil, 3 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5
(grifos nossos; na análise que segue dos jornais, todos os destaques em negrito nas citações das fontes serão
obra do autor desta tese, desta forma, não iremos salientar novamente o uso deste recurso; por outro lado,
empregou-se a convenção, no tratamento das fontes, de indicar, entre parênteses, as palavras ilegíveis nos
originais).
24
“O novo Governo e os problemas básicos”, Jornal do Brasil, 3 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5 .
25
“O Novo Governo, a opinião pública e os problemas nacionais”, O Globo, 31 de janeiro de 1951, Caderno 1,
página 1.
26
Idem.
154
ceder ao espírito de cooperação de quantos estejam verdadeiramente empenhados no
progresso do nosso país.
Sejam quais forem os erros do antigo governante, esperamos do seu patriotismo e da
sua experiência um período benéfico para o país, e que não decepcione não os
milhões de brasileiros que lhe sufragaram o nome nas urnas, como todos aqueles que
sobrepõem o patriotismo às paixões políticas.
27
O Correio da Manhã foi ainda mais cético. Em 30 de janeiro de 1951, um dia antes
da posse, já anunciava o retorno de Getúlio ao Catete com um editorial cujo título era
eloquente: Às vésperas da decepção”.
28
A cópia desse editorial, porém, está ilegível na
Biblioteca Nacional (BN), o que nos impede de verificar exatamente o que seria essa
“decepção anunciada”. Felizmente, no dia seguinte, o periódico se posiciona novamente em
um texto opinativo que, mesmo com algumas lacunas, permite-nos compreender um pouco
melhor o quadro decepcionante que preocupa o CM:
Em regra, os novos governos são recebidos com boa expectativa. Pode o novo
governo do sr. Getúlio Vargas merecê-la?
As dúvidas, neste sentido, são muitas, pois trata-se de um homem que se repete no
governo um homem em relação ao qual o (ilegível) todas as esperanças.
O passado é tenebroso. (Ilegível). (ilegível) de golpes contra a (ilegível) que todos
os governos (ilegível) instituições. (Ilegível) ele (ilegível) no desempenho de um
cargo a cujo exercício não se adaptou na forma das leis. É esta a suspeição
fundamental que desperta a sua presença no governo. (...)
Essa ausência de (ilegível) com a opinião (ilegível) jogo de malícia, mas deixa
avinhar coisa pior, a incerteza em que ele se descoberta, com relação à escolha de
um único ministro, o da Guerra (ilegível) o seu respeito ou desprezo pelo regime
(...).
Em vez de confiar no homem, cumpre apresentá-lo com a sobrecarga de seus velhos
erros, conforme fizemos durante sua campanha eleitoral, como temos (ilegível) sem
exceção desde (ilegível) eleito, como faremos, como continuaremos a fazer, na
ideia sempre de encontrar nele o pior. É o maior serviço a prestar-lhe. (...)
Esperamos … porém de pé atrás e mão na espada.
Nesse longo trecho, apesar das lacunas, é possível identificar dois pontos básicos de
preocupação do jornal: o “passado tenebroso” de Vargas associado a “golpes” e a dificuldades
de ocupar a Presidência da República, “a cujo exercício não se adaptou na forma das leis”, ou
seja, faz-se nítida alusão ao Vargas ditador do Estado Novo; e a escolha do ministro da
Guerra, o general Estilac Leal, cujo nome não é citado diretamente no editorial, mas que
representaria o próprio desprezo de Vargas pelo regime (entenda-se: democracia
representativa). Quanto a este ponto devemos ressaltar, que o Correio vai defender, durante a
permanência de Estilac no governo, que a sua presença no Ministério de Getúlio nada mais
era do que uma estratégia do presidente para dividir o Exército e, assim, abrir o caminho para
27
Ibidem.
28
Correio da Manhã, 30 de janeiro de 1951, primeiro caderno, página 4.
155
um novo golpe de Estado.
29
Diante desse quadro sombrio, o CM é claro: ao invés de confiar “no homem”, o
melhor a fazer é “apresentá-lo com a sobrecarga de seus velhos erros”. Em outras palavras,
apenas a desconfiança (“de atrás e mão na espada”) parece ser prudente frente a um
presidente com passado golpista e que agora ascende ao poder escudado por um ministro da
Guerra conhecido por sua “solidariedade com os comunistas e [política] inamistosa com os
Estados Unidos.
Em relação ao O Jornal, periódico mais próximo à candidatura de Vargas, a cobertura
da posse tomou um sentido completamente oposto à do Correio da Manhã. Com efeito, OJ
procurou salientar o significado da vitória eleitoral de Getúlio para a consolidação do regime
democrático brasileiro, tentando associá-la à continuidade e não à ameaça da democracia. Ao
nosso entender, porém, o periódico parece querer não apenas contestar a ideia de que a volta
de Vargas ao Catete era a reedição da ditadura, mas também lembrar o próprio presidente do
seu “compromisso histórico” com o regime democrático, apostando as suas fichas que ele
seguirá por este caminho.
30
Por outro lado, OJ também defendeu a necessidade da construção de um Governo de
colaboração nacional”, em torno de Vargas,
31
objetivando convencer não apenas os derrotados
nas eleições presidenciais a buscarem uma aproximação com o governo, mas também o
próprio Getúlio a tomar a iniciativa desse casamento político, tendo em vista a natural
desconfiança que os demais partidos poderiam nutrir contra ele, dado o seu histórico de
ditador.
32
A preocupação do jornal, porém, não está centrada no risco do retorno da ditadura,
29
O que importa no Governo do sr. Getúlio Vargas é a escolha que ele fez do ministro da Guerra, porque
esta, como escrevemos ontem, seria realmente definidora de seu respeito ou do ser desprezo pelo regime,
pelas instituições democráticas em relação às quais sempre houve, da parte do sr, Getúlio Vargas,
precedentes de hostilidade e traição. (...) Dividir o Exército com o general Estilac Leal ou outro é um
plano sem dúvida conveniente para quem se manteve outrora no poder mediante habilidades análogas;
mas pode resultar mal, inclusive no pior, que é a subversão do país. Não se engane o sr. Getúlio Vargas: todos
o conhecemos bastante para não tolerar suas velhas mágicas” (“O ministério”, Correio da Manhã, 1 de
janeiro de 1951, Caderno 01, página 04).
30
Segundo O Jornal, se Getúlio era um dos criadores das instituições democráticas modernas do Brasil com a
instituição da Justiça Eleitoral e do voto secreto, depois da Revolução de 30 , ele também fora o antigo chefe da
ditadura estadonovista, que fechou o Congresso Nacional e governou sem legislativo. Desta forma, a sua
presença na Presidência portava essas duas virtualidades. Ver: “Governo de colaboração nacional”, O Jornal, 12
de janeiro de 1951, Caderno 1, página 4, “Conquista definitiva, concreta e irrevogável”, O Jornal, 28 de janeiro
de 1951, Caderno 1, página 4 e “O preâmbulo da Mensagem Presidencial”, O Jornal, 16 de março de 1951,
Caderno 1, página 4.
31
“Governo de colaboração nacional”, O Jornal, 12 de janeiro de 1951, Caderno 1, página 4.
32
Sendo o antigo chefe do Estado Novo que volta ao poder, “[C]umpre-lhe fazer o gesto de conciliação e boa
vontade, propondo aos partidos políticos da democracia a formação de um governo em que cada um deles aceite
uma parcela de responsabilidade. Assim o exigem os interesses da política, assim o reclamam as conveniências
da situação internacional” (“O preâmbulo da Mensagem Presidencial”, O Jornal, 16 de março de 1951,
Caderno 1, página 4).
156
mas na possibilidade de Getúlio direcionar ou ter seu governo direcionado para a aplicação
exclusiva do programa do PTB.
33
Em suma, percebe-se nessa abordagem da posse de Vargas pelo O Jornal, uma
estratégia, no sentido de Bourdieu, bastante intrincada: primeiro, este periódico procura
retratar o governo de Getúlio como portador ou como tendo à sua disposição alternativas
possíveis, embora contraditórias (ditadura x democracia; exclusividade petebista x governo de
conciliação); depois, tenta identificar este governo com uma dessas alternativas a qual
parece pretender também se associar (democracia e governo de conciliação) quer seja para
rebater as suspeitas dos adversários de Vargas (retorno da ditadura), quer seja para intimar o
próprio presidente para agir nesse sentido (compromisso com a democracia e governo de
conciliação).
Apesar de a receptividade frente ao governo de Vargas ter sido variada, houve, porém,
convergência entre os jornais sobre quais seriam os principais desafios a serem enfrentados
pelo novo presidente: os problemas econômicos imediatos que assolavam o país.
O JB, logo na posse, mencionava a necessidade de Vargas enfrentar de imediato “as
crises” pelas quais o Brasil passava. Se recuarmos um pouco, teremos um quadro mais
completo dessas “crises”, quando o periódico analisou a herança deixada por Dutra a Getúlio:
A depreciação da moeda, em razão de seu poder de compra ser cada vez mais
reduzido, foi e continua sendo o grande mal desta fase difícil que se atravessa.
Verdadeira via-crucis que de subsistir por tempo imprevisível, tem sua
origem definida e quiçá agravada no decurso do Governo prestes a terminar,
devido ao aumento crescente das despesas orçamentárias sem equilíbrio
possível com a receita. Subiram de muito as responsabilidades do Tesouro
Nacional. (…)
É fenômeno da hora que passa. Tudo se desarticulou diante da investida ao recurso
das emissões de papel-moeda como único meio de atender às necessidades do
País, seja no setor dos financiamentos úteis à sua própria economia, seja na
cobertura dos gastos demasiado excessivos. Não se pensa senão em fazer crescer o
volume dos déficits.
34
Em outras palavras, o principal problema apontado por esse diário era o “surto
33
Esta questão que é diretamente abordada pelo editorial que avaliou a Mensagem de Vargas ao Congresso, de
1951: primeiro, o jornal lembrou que seria normal o novo presidente interpretar a sua “vitória nas urnas (…)
como um mandato do povo para que continue as reformas sociais iniciadas nos seus quase quinze anos
anteriores de governo” (ou seja, a legislação trabalhista), tendo em vista que a “maioria do eleitorado”, ao elegê-
lo, “(fechou) ao mesmo tempo no programa do Partido Trabalhista Brasileiro igual apoio”; depois, porém, ele
alertou a Getúlio que o PTB era um partido minoritário e, desta maneira, não poderia “pretender que o povo lhe
tenha dado mandato e autorização para realizar as reformas específicas do seu programa político e social”,
havendo a necessidade de buscar a conciliação com os demais grupos políticos, sem a qual nenhum programa de
governo seria viável (“O preâmbulo da Mensagem Presidencial”, O Jornal, 16 de março de 1951, Caderno 1,
página 4.).
34
“Fenômeno da hora que passa”, Jornal do Brasil, 17 de janeiro de 1951, Caderno 1, página 5.
157
inflacionário dominante”, que aqui aparece associado à questão da “depreciação da moeda”,
“o grande mal desta fase difícil que se atravessa”, cuja origem estava no “aumento crescente
das despesas orçamentárias sem equilíbrio possível com a receita” e a sua “inevitável
consequência”: a “investida ao recurso das emissões de papel-moeda como único meio de
atender às necessidades do País” (idem). Ou seja, a preocupação essencial é com o processo
inflacionário derivado do déficit público e da consequente emissão fiduciária utilizada para
saldá-lo, questões que irão nortear a análise do jornal durante todo o governo Vargas, que fez
do tema do orçamento equilibrado uma verdadeira campanha, uma bandeira em torno do qual
procurou marcar a sua presença no debate público.
35
O jornal parece estabelecer uma relação
causal direta entre as emissões monetárias, a inflação e o aumento do custo de vida,
aproximando-se, ao menos nesses momentos, de uma percepção monetarista do fenômeno
inflacionário.
36
O Correio da Manhã seguiu uma linha semelhante ao JB. Desde o início do governo
Vargas, endossou o discurso de que um dos elementos centrais da crise econômica brasileira
era o problema da inflação e que esta tinha na expansão dos meios de pagamento, tanto da
moeda quanto do crédito imoderado, uma de suas causas essenciais.
37
Chegou, inclusive, a
combater a “teoria” que defendia ser a inflação uma forma de alavancar o nosso
35
Para o JB, as contas federais eram mera ficção, porque, além de o Executivo fazer uma projeção irrealista de
gastos, o Congresso ainda incluía despesas extras depois da aprovação do documento final, sem estipular as
receitas necessárias para cobri-las, tornando-o inútil. A consequência inevitável era a emissão de moeda,
verdadeiro mal do qual padecia a nação. Quanto a isso, ver: “O Governo e a Execução orçamentária”, Jornal do
Brasil, 16 de março de 1952, Caderno 1, página 5, “Para que orçamento?”, Jornal do Brasil, 17 de janeiro de
1951, caderno 1, página 5). O mesmo tema aparecerá em: “O déficit orçamentário e o déficit real”, Jornal do
Brasil, 17 de fevereiro de 1951, caderno 1, página 5, “Os compromissos do Tesouro em 1951”, Jornal do Brasil,
21 de março de 1951, caderno 1, página 5, “A ilusão do saldo orçamentário”, Jornal do Brasil, 1 de dezembro de
1951, caderno 1, página 5, “Como são feitos os orçamentos...”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1952, caderno 1,
página 5 e “O Orçamento para 1954”, Jornal do Brasil, 18 de junho de 1953, caderno 1, página 5.
36
Por exemplo: “Entre esses fatores preponderantes na fixação dos preços se inclui, em primeiro lugar, a
desvalorização da moeda, como consequência das constantes emissões de papel fiduciário. Essa verdade, que nos
legou a economia clássica, continua a dominar o sistema dos mercados, imperando, impondo rumos” (“O
combate à crise econômica”, Jornal do Brasil, 13 de maio de 1951, Caderno 1, página 5). Ver também “A
situação financeira do País”, Jornal do Brasil, 20 de outubro de 1951.
37
Como podemos perceber por este trecho no qual comentou relatório do ministro da Fazenda de Lafer sobre a
questão: “Já tem mais de uma dezena de anos a crise econômica e financeira, gerada no processo
inflacionário, que desencadeou as emissões a jato de papel-moeda, o crédito desordenado e tumultuado, o
desprezo à moeda e o delírio das especulações, tudo o que provoca uma ilusão momentânea de
prosperidade e riqueza, mas representa o caminho aberto para o caos. (...) Cresceu, de exercício em
exercício, o déficit orçamentário, e para cobri-lo o governo não encontrava senão nas emissões envenenadoras
um alívio precário e momentâneo” (“Agora as providências”, Correio da Manhã, 8 de março de 1951, Caderno
1, página 4). Ver também: “As razões da crise”, Correio da Manhã, 4 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4,
“Política Financeira”, Correio da Manhã, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 4, “Catarse”, Correio da
Manhã, 9 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4, “Emissões”, Correio da Manhã, 6 de junho de 1952, Caderno
1, página 4 e “A moeda e os preços”, Correio da Manhã, 20 de maio de 1952, Caderno 1, página 4.
158
desenvolvimento, diante da falta de alternativas para financiá-lo.
38
Porém, devemos salientar
que este tema não chegou a receber o destaque com que foi tratado no Jornal do Brasil,
sendo abordado de forma mais esporádica pelo CM.
no que se refere a O Jornal, encontramos alguns traços de semelhança com os
diários anteriores no que diz respeito à compreensão da “crise brasileira”, associada ao tema
da inflação, dos déficits orçamentários e das práticas emissionistas.
39
Entretanto, referências
a uma crise generalizada são pouco comuns nesta publicação, que normalmente mencionou a
palavra crise mais para se referir a questões localizadas (“crise da pecuária”, “crise dos
transportes”, etc.) do que qualificar a situação geral do país. Em um determinado momento,
este diário até afirma que era exagerado falar em “crise”, endossando um discurso do ministro
da Fazenda Horácio Lafer:
O ministro da Fazenda mostrou que não pode haver crise econômica em um país
onde as atividades industriais, comerciais e agrícolas são altamente remuneradoras,
como se pode verificar com os grandes lucros obtidos, segundo se no imposto
sobre a renda e não existe o problema do desemprego.
Por acaso não é um ótimo sinal de saúde econômica, receberem os capitais
empregados juros remuneradores e haver emprego abundante para quem deseje
trabalhar?
40
Por fim, quando analisamos O Globo, percebemos maior proximidade com O Jornal
do que com os demais periódicos, na medida em que as suas referências à crise são mais
esparsas e, muito embora venham associadas a problemas como as dificuldades do
abastecimento urbano
41
e a “produção escassa e produção cara”,
42
não é mencionado
diretamente o termo inflação. Além disso, ao se referir à inflação, as emissões monetárias
raramente são lembradas e, quando o são, aparecem mais como consequência ou sintoma do
problema do que propriamente como a sua causa.
43
38
“A falta de coordenação”, Correio da Manhã, 18 de março de 1952, Caderno 1, página 4.
39
“O que acontece é que o dinheiro emitido contribui para desvalorizar a moeda, produz inevitavelmente a alta
dos preços e acarreta o mal estar social que é sempre a causa primeira das perturbações política. Não se conhece
exemplo de uma emissão que não tenha tido esses efeitos catastróficos” (“A exposição do ministro da Fazenda”
O Jornal, 31 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 4). Outro exemplo pode ser encontrado em: “A fatalidade
da inflação”, O Jornal, 17 de outubro de 1951, Caderno 1, página 4.
40
“O governo não é tudo”, O Jornal, 3 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4.
41
Ver, por exemplo: “Importar não basta”, O Globo, 17 de janeiro de 1951, Caderno 01, página 1, “Nem carne
nem peixe”, O Globo, 21 de janeiro de 1951, Caderno 01, página 1, “A máquina de triturar verbas
orçamentárias”, O Globo, 9 de abril de 1951, Caderno 01, página 1 e “Omissão inaceitável”, O Globo, 30 de
maio de 1951, Caderno 01, página 1.
42
“Lição esquecida”, O Globo, 14 de maio de 1953, Caderno 01, página 1.
43
Tal foi o caso do editorial “Urge uma medida de Salvação Nacional”: É preciso, desde logo, estabilizar os
preços e os salários, para que o dinheiro não perca, do dia para a noite, o seu poder de compra. A inflação, que
dentre nós não pode ser negada, pois as continuadas emissões estão para atesta-la, é uma calamidade
coletiva” (O Globo, 29 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 1).
159
3.2.2 Os ministros da Fazenda e a política de estabilização
Com base nesse levantamento sobre as expectativas dos jornais diante do novo governo e das
principais dificuldades que ele deveria enfrentar, vamos avaliar a forma como os mesmos se
posicionaram frente às principais medidas do Executivo para combater a inflação.
Se centrarmos a análise no primeiro ministro da Fazenda de Vargas, Horácio Lafer, e nas
medidas que ele adotou para debelar o problema do déficit público e da inflação,
verificaremos que houve uma ampla aceitação, tanto da figura do ministro quanto da política
econômica implantada por ele.
Dentre os periódicos pesquisados, o Jornal do Brasil foi quem, além de demonstrar
uma preocupação mais saliente com a inflação e os déficits orçamentários, apresentou o maior
entusiasmo na escolha de Lafer para o cargo, especialmente em virtude do compromisso que
este havia demonstrado com as velhas fórmulas financeiras que sempre fizeram a riqueza e
a prosperidade das nações: compressão dos déficits, aumento da produção, equilíbrio
orçamentário.”
44
Este jornal também tomou uma posição amplamente favorável às primeiras
propostas de Lafer, afirmando ser “de louvar o procedimento do ministro da Fazenda,
aprovado pelo Presidente da República, reduzindo as despesas orçamentárias de modo a fazer
desaparecer o déficit assinalado na lei de meios” e que, tal procedimento, “[j]á é alguma coisa
e representa uma tendência que deve ser considerada como um magnífico sinal”.
45
O Correio da Manhã seguiu uma linha de argumentação semelhante, não se furtando
em endossar as primeiras medidas de Lafer, como podemos perceber na forma com que
abordou o seu relatório sobre as finanças do país, defendendo que ele “[era] um documento
que não [poderia] ficar sem consequências, tal a objetividade com que [exprimiu] a péssima
situação financeira do país”.
46
O CM também deu destaque e endossou as principais ações
tomadas pelo novo ministro no combate à inflação, desde o anúncio alarmante do déficit
orçamentário previsto para 1951, até a apresentação dos resultados positivos obtidos pelo
44
Além disso, o JB ainda afirmou “que ninguém, neste instante, [está] mais preparado para ser útil (ilegível)
plano de soerguimento econômico e financeiro do País, que o sr. Horácio Lafer” (“A missão do ministro da
Fazenda”, Jornal do Brasil, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 5). Antes da posse, quando o seu nome é
anunciado, o jornal argumenta que “[d]as pastas do novo governo nenhuma sobreleva em importância à do
Ministério da Fazenda, que foi entregue a um elemento de real experiência” (“A importância da pasta da
Fazenda”, Jornal do Brasil, 8 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5). Ver também: “Em torno do relatório
da Fazenda”, Jornal do Brasil, 10 de março de 1951, Caderno 1, página 5.
45
“O déficit orçamentário e o déficit real”, Jornal do Brasil, 17 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5.
46
“Política Financeira”, Correio da Manhã, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 4.
160
governo.
47
O Globo igualmente se demonstrou favorável à política econômica inicial de Lafer.
Em março de 1951, em um editorial intitulado exatamente “O déficit”, tratou de forma
positiva as suas propostas para debelar a inflação, o que também pode ser percebido nas
reportagens do jornal sobre as principais ações do ministro na aplicação deste programa.
48
O
mesmo podemos encontrar em O Jornal, que considerou da seguinte maneira as primeiras
medidas apresentadas por Lafer:
O ato do governo, em virtude do qual o ministro da Fazenda, sr. Horácio Lafer,
enfeixará nas mãos a execução da política financeira do presidente da República,
está destinado a produzir os melhores resultados para a economia do país e o
necessário saneamento de suas finanças. (...) Não é preciso lembrar a competência
do ministro, a sua experiência dos negócios públicos no trato precisamente dos
assuntos da especialidade de sua pasta.
49
No decorrer da gestão do ministro, é possível identificar constantes demonstrações de
apoio por parte dos jornais pesquisados. De todas essas manifestações, merece destaque o
posicionamento nos depoimentos de Lafer à Câmara dos Deputados.
O Jornal do Brasil argumentou, sobre o primeiro desses depoimentos, ocorrido no dia
29 de outubro de 1951, que a “presença do ministro da Fazenda, na Câmara Federal, não foi
apenas uma grande vitória para o Governo, mas um magnífico espetáculo de democracia”;
Afirmou, ainda, que Lafer enfrentou o questionamento dos deputados, defendendo com
“serenidade” e “brilho” os atos do Executivo, “inspirados todos na mais alta e patriótica
47
Por exemplo: “Quase sete bilhões de déficit orçamentário”, Correio da Manhã, 7 de março de 1951, Caderno
1, página 8, “Agora as providências”, Correio da Manhã, 8 de março de 1951, Caderno 1, página 4. Ver também:
“Maior superávit verificado na história do país: o presidente da República louva o trabalho do ministro da
Fazenda”, Correio da Manhã, 15 de março de 1951, Caderno 1, página 8 e “Um quadro da situação do país: Sr.
Horácio Lafer indica os rumos da política financeira do governo”, Correio da Manhã, 24 de agosto de 1952,
Caderno 1, página 8. Como exemplo de um editorial elogioso da atuação do ministro, podemos citar: “Catarse”,
Correio da Manhã, 9 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4.
48
O Globo, 9 de março de 1951, Caderno 1, página 3. Em outro momento, afirmou: “Para quem quer que,
justamente alarmado, considere o abuso com que, ultimamente, se tem disposto dos dinheiros públicos, as
declarações do Sr. Horácio Lafer, ontem publicadas, não deixam de ser tranquilizadoras. (…) Se efetivamente o
ministro da Fazenda seguir a orientação, mais uma vez indicada nas suas declarações de ontem, não deixará de
prestar os melhores e mais urgentes serviços ao Brasil” (“O que o Brasil exige”, O Globo, 15 de fevereiro de
1951, Caderno 1, página 1). Ver também: “Os sinais de perigo estão presentes”, O Globo, 17 de abril de 1951,
Caderno 1, página 3, e “Moralização e defesa dos cofres públicos”, O Globo, 5 de maio de 1953, Caderno 1,
página 1. Nas reportagens, OG ofereceu um bom destaque às declarações de Lafer denunciando o déficit público
projetado para 1951 e às medidas que o ministro apresentou para saneá-las, as quais ocuparam a manchete do dia
16 de fevereiro de 1951 (“Urgente redução do espantoso déficit”, O Globo, 16 de fevereiro de 1951, Caderno 1,
página 1 e 2).
49
“Firmeza na orientação financeira”, O Jornal, 8 de março de 1951, Caderno 1, página 4. Foi dado também
grande destaque às ações do ministro no espaço informativo, que ocuparam seguidamente as manchetes deste
diário: “Demonstração fiel da situação econômico-financeira do país”, O Jornal, 7 de março de 1951, Caderno 1,
página 4, “Novas providências para enfrentar o déficit”, O Jornal, 16 de março de 1951, Caderno, páginas 1 e 6,
“Todo o apoio ao ministro Solidariedade de S. Paulo à política de Lafer”, O Jornal, 9 de março de 1951,
Caderno 1, página 1.
161
preocupação de realizar a recuperação econômica e financeira do país”, atos estes que
revelavam “a firme decisão de que está animado o presidente da República de restaurar a
fazenda nacional.”
50
O Jornal seguiu caminho semelhante, referendando a participação de Lafer nos
esclarecimentos prestados à Câmara dos Deputados, chegando a considerar o primeiro deles,
na reportagem referente ao tema, como uma “vitória verdadeiramente consagradora”, que
deveria se refletir em um futuro “apoio (…) em todas as medidas tendentes à obra de
restauração econômica e financeira do país”.
51
No jornal O Globo, não encontramos
editoriais específicos sobre esses depoimentos, embora possa-se afirmar que a repercussão no
espaço informativo foi bastante favorável ao ministro. A reportagem que abordou a primeira
sessão, “Política Financeira posta às claras”, constituiu a manchete do dia 30 de outubro de
1951 e o subtítulo foi francamente pró Lafer:
“O ministro da Fazenda dominou a Câmara com sua sinceridade” “O sr. Aliomar
Baleeiro elogiou a franqueza do sr. Horácio Lafer „Ontem foi um dia de vitória
para o regime‟, afirmou o sr, Ruy Ramos O sr. Armando Falcão reconhece que sua
Ex. „Se saiu muito bem em sua exposição‟ „Um homem de talento que sabe o que
quer‟, afirma o sr. Heitor Beltrão”.
52
Por fim, o Correio da Manhã demonstrou ênfase ainda mais positiva aos
depoimentos do ministro que os demais jornais. Em 1952, na segunda convocação, elogiou os
resultados e o domínio que Lafer apresentava da situação financeira do país
53
e, na terceira,
em 1953, não se limitou a defender a política econômica do ministro de Vargas, como ainda
criticou pesadamente os udenistas que insistiam em tentar desestabilizá-lo:
50
“Espetáculo de democracia”, Jornal do Brasil, 31 de outubro de 1951, Caderno 1, página 5. Esse primeiro
depoimento obteve repercussão favorável mesmo no setor informativo do jornal, como podemos ver pela matéria
“Na Câmara o Ministro da Fazenda” (Jornal do Brasil, 30 de outubro de 1951, Caderno 1, página 6), onde
afirma-se que “o titular da Fazenda satisfez todas as curiosidades, tendo ocasião de dizer quais as medidas da
política antiinflacionista do Governo e demonstrando que este marcha para a normalização orçamentária e
financeira baseada no aumento da produção”. O mesmo posicionamento pode ser encontrado quando do terceiro
depoimento:” O ministro da Fazenda perante a Câmara dos Deputados”, Jornal do Brasil, 10 de abril de 1951,
Caderno 1, página 5.
51
“Regularização das finanças até o fim do ano”, O Jornal, 30 de outubro de 1951, Caderno 1, página 1 e 6.
Nessa reportagem, ainda se afirma: “Manteve-se o sr. Horácio Lafer com absoluta segurança diante dos apartes e
das insinuações mais impertinentes do sr. Aliomar Baleeiro, que é o adversário mais tenaz do governo atual”.
Esse depoimento igualmente foi elogiado no editorial que tratou do tema (“A exposição do ministro da Fazenda”,
O Jornal, 31 de outubro de 1951, Caderno 1, página 1. OJ-31/10/51-E-1/4). O mesmo ocorrendo na sua segunda
participação na Câmara, no editorial “As finanças do país e a prática do regime” (O Jornal, 9 de maio de 1951,
Caderno 1, página 4).
52
“Política Financeira postas às claras” (O Globo, 30 de outubro de 1951, Caderno 1, página 1). Na terceira
participação de Lafer no Parlamento, a o título da reportagem correspondente foi: “Saiu-se bem o ministro da
Fazenda” (O Globo, 8 de agosto de 1953, Caderno 1, página 1 e 8).
53
“A exposição do ministro da Fazenda”, Correio da Manhã, 7 de maior de 1952, Caderno 1, página 4.
162
O ministro comparece, ocupa a tribuna durante longas horas, expõe com brilho
e competência as diretrizes de sua gestão e, diante de uma Câmara empolgada
por seu discurso, revida, esmagadoramente, a algumas interpelações primárias
e toscas que lhe formula o sr. Baleeiro.
As convocações do sr. Horácio Lafer têm sido uma das melhores formas de
prestigiar o governo o que é difícil e raro e de valorizar o ministro da
Fazenda. Mas a UDN e, em particular, o sr. Aliomar Baleeiro ainda não viram isto.
E muito menos se aperceberam do ridículo de que se cobrem ao exercer tal papel.
54
Com base na análise do posicionamento dos jornais frente à gestão de Lafer na
Fazenda, surge uma questão importante para a nossa análise: ela seria estrita ao próprio
ministro ou poderia ser estendida para todo o governo Vargas e, em especial, para o próprio
presidente?
Se estendermos a nossa avaliação em direção ao segundo titular da Fazenda de
Getúlio, Oswaldo Aranha, podemos notar que o apoio à política de estabilização se manteve.
Embora periódicos como O Jornal e O Globo tenham lamentado a exoneração de Lafer, em
linhas gerais, houve aprovação tanto acerca do nome de Aranha quanto das diretrizes adotadas
por ele no combate à inflação, consideradas uma continuação do programa de seu antecessor e
até mesmo um revigoramento do combate à inflação.
55
O Globo, por exemplo, comentou assim a escolha de Aranha para o cargo:
Tem o Brasil, desde ontem à frente da pasta das finanças uma das figuras mais
marcantes de nossa vida pública, político de inegável personalidade, cujo
prestígio, tanto interno quanto externo, constitui, sabidamente, uma reserva para a
qual costuma apelar o sr. Getúlio Vargas. (...)
Já no seu discurso de posse o sr. Oswaldo Aranha deu provas de realismo na
interpretação da conjuntura econômico financeira.
56
Este jornal ainda deu destaque positivo às principais medidas de Aranha no combate à
inflação, que foram consideradas coerentes com o programa de Lafer.
57
Manteve, também, o
apoio ao ministro, mesmo no tumultuado ano de 1954, quando o governo imergiu na fase de
maior desgaste político e econômico.
58
54
“O espetáculo e o negócio”, Correio da Manhã, 8 de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
55
Houve, porém, divergências em relação à questão cambial, mas essa será trabalhada no Capítulo posterior.
56
“O novo ministro da Fazenda”, O Globo, 19 de junho de 1953, Caderno 1, página 1.
57
As ações e discursos do novo ministro ocuparam diversas vezes a manchete do jornal, por exemplo: “Emissão,
só em último caso: O ministro da Fazenda torna público, pela coluna de O Globo, a sua patriótica feita durante a
reunião ministerial”, O Globo, 11 de agosto de 1953, Caderno 1, página 1, “‟Estou otimista‟, diz o Sr. Oswaldo
Aranha sobre a situação financeira do país”, O Globo, 1 de setembro de 1953, Caderno 1, página 1, “Novas
perspectivas econômicas para o Brasil Bem recebido pelos Senadores as exposições do ministro Oswaldo
Aranha”, O Globo, 2 de setembro de 1953, Caderno 1, página 1. Além disso, um dos depoimentos de Aranha na
Câmara dos Deputados, foi assim repercutido pelo jornal: “O Sr. Getúlio Vargas encontrou o Sr. Oswaldo Aranha
para salvá-lo: Muito bem recebido pela Câmara a exposição do ministro da Fazenda Sobre a situação
econômica do país”, O Globo, 2 de outubro de 1953, Caderno 1, página 6.
58
Veremos esse tema com mais detalhes além, mas aqui importa ressaltar a defesa de Aranha, mesmo quando se
163
No caso do Correio da Manhã, nossa análise fica prejudicada, pela indisponibilidade de
acesso às fontes, quando fizemos a nossa pesquisa empírica. Entretanto, no ano de 1954, em
meio ao turbilhão de acusações contra Vargas, o jornal definiu e defendeu as bases do Plano
Aranha da seguinte maneira:
Uma tentativa de ordenação nos negócios públicos, de estabilidade econômica, de
mais exata correspondência entre preços e salários, um combate, em suma, à
ilusão de mais papel-moeda como instrumento cada vez menor de compra.
Sobretudo, o sr. Oswaldo Aranha pretendia a valorização da moeda como
expressão de segurança econômica e como consequência máxima de sua
política.
59
O Jornal do Brasil e O Jornal foram os periódicos que mais se posicionaram a favor
de Aranha ao ministério da Fazenda. Logo no anúncio do seu nome, o JB saiu em defesa do
novo ministro frente à acusação de que ele não estaria a par dos assuntos econômicos
brasileiros.
60
Depois, continuou repercutindo positivamente os discursos e as medidas
adotadas por Aranha e manteve o seu apoio no complicado ano de 1954.
61
Um aspecto
interessante, porém, é que o JB foi o único periódico que associou a ascensão de Aranha a
censuras ao seu antecessor, que tanto elogiara no início do governo Vargas. Porém, a crítica
deste jornal não visava defender uma mudança radical na política econômica do governo, mas
para ressaltar que a posse de Aranha poderia significar um revigoramento da luta anti-
inflacionária que tinha arrefecido no último ano da gestão de Lafer.
62
O Jornal também deu apoio ao novo ministro e às suas principais medidas,
63
mas
diferiu do JB porque foi o periódico que mais procurou associar a gestão Aranha com a
preservação do trabalho positivo de Lafer no Ministério da Fazenda, enfatizando a necessária
continuidade entre os dois. Como ficou claro no editorial que comenta o anúncio do novo
anunciava que ele podia ser exonerado ou pedir demissão: “Mobilização das forças construtivas”, O Globo, 8 de
maio de 1954, Caderno 1, página 1.
59
“Sempre entre dois”, Correio da Manhã, 5 de maio de 1954.
60
Transmissão de pastas”, Jornal do Brasil, 17 de junho de 1953, Caderno 1, página 5.
61
Sobre um depoimento que Aranha deu na Câmara dos Deputados, comentou: “Previmos, dias, o seu
triunfo, vitória da sinceridade, da lealdade, da franqueza corajosa com que precisa suas responsabilidades e
aponta as dos outros: triunfo, sobretudo, da consciência patriótica, que não o induz a procurar escapatórias e
desvios didáticos para transformar uma altíssima questão de interesses nacionais, matérias e morais em
mesquinhos pretextos, quer de desabafos partidários, quer de euforia governamental” (“Triunfo atômico”, Jornal
do Brasil, 3 de outubro de 1953, Caderno 1, página 5.). Em relação a 1954, ver: “Exemplo de zelo ministerial”,
Jornal do Brasil, 31 de janeiro de 1954, Caderno 1, página 5.
62
Idem.
63
“Paz para o trabalho”, O Jornal, 20 de outubro de 1953, Caderno 1, página 4. O endosso ao “esquema
Aranha”, como o periódico passou a chamar o Plano Aranha, continuou no ano de 1954: “O governo e a situação
financeira”, O Jornal, 12 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 4, “O êxito do esquema Oswaldo Aranha”, O
Jornal, 13 de março de 1954, Caderno 1, página 4 e “Um ano de esforços profícuos”, O Jornal, 20 de junho de
1954, Caderno 1, página 4, que comentou, elogiosamente, a gestão do ministro Aranha, ao completar um ano na
pasta da Fazenda.
164
ministro.
[As] suas responsabilidades [Aranha] crescem ainda, se considerarmos que vai
substituir o Sr. Horácio Lafer, cuja administração foi marcada pela facilidade a
uma orientação que estava dando os melhores frutos e representa, no consenso
dos entendidos, a que deve seguir para chegar a reequilíbrio da sua economia e
à instabilidade de suas finanças.
64
Fazendo um balanço do posicionamento dos jornais até agora, percebemos que houve
uma grande convergência na aprovação tanto da indicação de Lafer para o Ministério da
Fazenda quanto das medidas que este tomou para eliminar o déficit público e combater a
inflação; além disso, essa mesma aprovação se estendeu para o segundo ministro que assumiu
esta pasta, não sendo encontradas diferenças significativas em relação ao endosso a ambos.
Por outro lado, com base nos dados que dispomos, não é possível estabelecer relações diretas
entre a aprovação dos ocupantes da Fazenda e das suas medidas de combate à inflação e o
posicionamento geral dos periódicos frente ao governo de Vargas: ou seja, mesmo aqueles que
são considerados oposição ao governo apoiaram a política de estabilização, sendo que dois
destes periódicos, o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã, foram os que apresentaram as
considerações mais elogiosas ao ministro Lafer na nossa amostragem.
Feitas estas constatações, permanece, então, uma questão essencial: os elogios à
política de combate à inflação e aos ministros da Fazenda do governo Vargas também seriam
estendíveis ao presidente e a sua gestão como um todo?
3.2.3 Vargas, Ministério da Experiência e a estabilidade econômica
No que se refere à transferência dos méritos da política de estabilização dos ministros
da Fazenda para o presidente Vargas, o primeiro ponto a considerar é que não pudemos
identificar um único padrão entre os jornais.
Os periódicos Jornal do Brasil e O Jornal novamente convergiram: foram os que
mais dedicaram espaços a estender os elogios a Lafer e a Aranha ao presidente Vargas. Afora
aprovar a própria postura de Getúlio em escolher Lafer e em endossar o programa apresentado
pelo ministro para sanear as contas públicas,
65
o JB colocou como um dos pontos favoráveis
do governo, na avaliação de seu primeiro ano de mandato, exatamente o saldo positivo nas
64
“Augúrio Favorável”, O Jornal, 19 de junho de 1953, Caderno 1, página 4. Sobre a ênfase na continuidade,
ver: “Reafirmada as diretrizes da política financeira”, O Jornal, 2 de outubro de 1953, Caderno 1, página 4.
65
“Firmeza para o plano financeiro”, Jornal do Brasil, 18 de março de 1951, Caderno 1, página 5. Ver
igualmente: “As preocupações financeiras do Governo”, Jornal do Brasil, 20 de março de 1951, Caderno 1,
página 5.
165
contas primárias do país.
66
Mais do que isso, o Jornal do Brasil ainda procurou saudar esta
postura do presidente como uma espécie de redenção do passado, lembrando que o “governo
atual, fazendo um retrospecto do que ocorreu nestes vinte anos de administração”, convenceu-
se que “o mal feito precisava ser corrigido e, para isto, teria de impor outras normas à
administração, restringindo a faculdade de emitir moeda”.
67
O Jornal, por sua vez, não é nem um pouco comedido em salientar que a política de
combate à inflação é do presidente da República, merecendo ele os louros decorrentes do seu
possível sucesso. Com uma ênfase maior do que a encontrada nos outros periódicos, para O
Jornal, a política de estabilização e seus resultados positivos são retratados como a principal
marca do governo de Getúlio.
68
No que se refere à gestão Aranha, não pudemos encontrar, com base em nosso
levantamento, iniciativas mais explícitas destes jornais em estabelecer relações de mérito
entre a política econômica do novo ministro da Fazenda e o presidente Vargas, afora a
associação indireta que se pode fazer entre um governante e os principais assessores.
Veremos, depois, que essa lacuna não é necessariamente resultado do acaso.
Os jornais Correio da Manhã e O Globo apresentaram uma postura diferente, sendo
bem mais parcimoniosos em transferir ao presidente Vargas os elogios que faziam aos
ministros da Fazenda.
No caso do CM, os louvores que encontramos à política de estabilização associado ao
nome do presidente sempre vieram acompanhados de alguma crítica ou cobrança.
69
O jornal
66
“Neste primeiro ano, devemos levar a crédito do governo a política orçamentária, realizada com firmeza e
que poderá exercer forte influência na economia interna, estancando as emissões de papel-moeda para atender às
necessidades normais do Tesouro” (“Nesse primeiro ano de administração”, Jornal do Brasil, 31 de janeiro de
1952, Caderno 1, página 5). O mesmo acontece em 1952 (“O Governo e a Execução orçamentária”, Jornal do
Brasil, 16 de março de 1952, Caderno 1, página 5).
67
“Oposição à ordem financeira”, Jornal do Brasil, 4 de setembro de 1951, Caderno 1, página 5.
68
“Já observamos, a propósito da atitude assumida pelos censores do governo, a injustiça que se contém na
afirmativa de que o sr. Getúlio Vargas não tem rumos, não traçou uma política, está governando às tontas e
às cegas. Poucas vezes, desde Campos Salles, terá uma administração adotado um programa financeiro
mais rigoroso. A situação do país, quando iniciou o atual quinquênio, exigia, antes de tudo, coragem, no
combate à inflação. Não se pode dizer que o presidente da República e o seu ministro da Fazenda não a
tenham enfrentado, não apenas de maneira corajosa, mais ainda com êxito”(“O governo não é tudo”, O
Jornal, 3 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4). Ver também: “Saldo a favor do governo”, O Jornal, 1 de
fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4 e “As finanças do país e a ação do governo”, O Jornal, 7 de dezembro
de 1951, Caderno 1, página 4, “Considerações acerca da Mensagem”, O Jornal, 17 de março de 1953, Caderno
1, página 4, “Combate à inflação”, O Jornal, 17 de maio de 1951, Caderno 1, página 4, “A vitoriosa política
financeira do governo”, O Jornal, 23 de fevereiro de 1952, Caderno 1, página 4, “Orçamento equilibrado”, O
Jornal, 17 de julho de 1952, Caderno 1, página 4 e “Conciliação fraterna”, O Jornal, 1 de janeiro de 1953,
Caderno 1, página 4.
69
“O aspecto mais positivo do primeiro ano de governo do sr. Getúlio Vargas foi o êxito de sua política
financeira. (...) Apesar disso, é obrigado a reconhecer que não foi debelada a inflação. Como explicar-se este
fenômeno?” (“A falta de coordenação”, Correio da Manhã, 18 de março de 1952, Caderno 1, página 4). Ver
também: “Escassez”, Correio da Manhã, 15 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4.
166
também não se omitiu de lembrar que Vargas fora um dos principais responsáveis por iniciar o
surto inflacionário que assolava o país, ainda durante os anos 30.
70
O Globo foi o periódico
mais econômico em associar diretamente os méritos da política de estabilização a Getúlio em
seus espaços opinativos, embora essa identificação aparecesse em algumas reportagens, o que
pode ser explicado pela falta de periodicidade com que publicava editoriais.
71
Nestes, tal
vínculo surgiu de forma mais direta apenas no texto que analisava a Mensagem de Vargas ao
Congresso no seu segundo ano de governo, cuja avaliação do conjunto da administração
getulista não foi das mais positivas.
A política econômico-financeira do Governo, tal como vem definida na Mensagem
presidencial, se orienta no sentido de sanear as finanças públicas, equilibrar o
orçamento e favorecer a solução de problemas de base do país. Nesta matéria,
especialmente no que diz respeito ao saneamento financeiro, são evidentes e
louváveis os resultados colhidos. Deles se podem orgulhar tanto o presidente da
República quanto o seu ministro da Fazenda.
72
Em síntese, percebemos aqui que a diferença de posicionamento político pode não ter
interferido no apoio dos jornais aos programas de estabilização e aos ministros da Fazenda do
governo Vargas, mas, no que se refere à transferência dos elogios dos mesmos para o
presidente da República, é ela que explica as variações encontradas. Em outras palavras, a
maior proximidade com o governo ajuda a entender porque é O Jornal o periódico que menos
poupa louvores a Vargas quando avalia o “sucesso” do combate à inflação; da mesma
maneira, a postura de oposição a Getúlio explica o comedimento, quando não a omissão, dos
jornais O Globo e o Correio da Manhã em estabelecer este vínculo e, especialmente no caso
deste último, em tentar diminuir os méritos presidenciais; por fim, a atitude do Jornal do
Brasil de tomar a iniciativa de atribuir o merecimento devido a Getúlio pelo programa de
estabilização pode ser compreendida ou mesmo indicar uma posição mais moderada do jornal
no oposicionismo ao governo.
No caso especifico do JB, porém, devemos levar em conta o fato de este periódico ter
se demonstrado o mais comprometido com a política de controle da inflação. Dessa forma, o
programa de estabilização apresentado pelo governo recebia apoio do jornal não tanto por
70
“A mensagem presidencial”, Correio da Manhã, 16 de março de 1951, Caderno 1, página 4.
71
Por exemplo, na reportagem “Urgente redução do espantoso déficit” (O Globo, do dia 16 de fevereiro de 1951,
Caderno 1, página 1), o jornal repercute a proposta de saneamento de Lafer, lembrando que ela “tem o firme
apoio do sr. Getúlio Vargas e a cooperação dos demais ministros”. na matéria “Ingentes tarefas as do atual
governo”, que é a manchete do dia, o jornal antecipou o conteúdo da Mensagem de Vargas ao Congresso
salientando que “sr. Getúlio faz novo balanço das dificuldades do país e expõe ao Congresso o que pretende
realizar” (O Globo, 15 de março de 1951, Caderno 1, página 1).
72
“A verdade é melhor”, O Globo, 18 de março agosto de 1953, Caderno 1, página 1. Ver igualmente: “Os sinais
de perigo estão presentes”, O Globo, 7 de abril de 1952, Caderno 1, página 3.
167
empatia com o presidente mas por corresponder àquilo que o próprio periódico procurava
colocar como sendo a sua política sobre a questão. Como fica claro nesse editorial no qual
retrata o saneamento financeiro do país como uma verdadeira “cruzada patriótica” em
benefício da “Mãe-Pátria” brasileira,
73
da qual ele seria o pioneiro e Vargas um aliado
eventual.
Oxalá possa o novo ministro dar plena execução ao traçado para a batalha do qual
o JORNAL DO BRASIL participa, com orgulho de se ter colocado, desde os
primeiros dias, na vanguarda dos que, esclarecendo e argumentando com fatos
e algarismos, se batiam contra o regime inflacionista que haveria de abalar, como
abalou, todos os setores da vida nacional, deixando a população entregue aos azares
de uma existência cheia de dissabores, como fruto da elevação dos preços de tudo
aquilo de que carece para sobreviver
.
74
Ou seja, percebemos que o combate à inflação e a prédica pelo fim do déficit
orçamentário e do emissionismo é uma verdadeira bandeira em torno da qual o JB procurar
construir a sua própria identidade entre os demais agentes de seu campo de produção
simbólica. Compromisso que o levou a avaliar positivamente um governo com o qual não era
partidário, o que parece não ocorrer no caso dos demais jornais oposicionistas.
Entretanto, para entendermos de forma mais aprofundada as estratégias adotadas pelos
os diários aqui estudados na relação entre os méritos do programa de estabilização e o
presidente Vargas, é necessário fazer uma digressão sobre a forma como a composição do
Executivo era entendida pelos jornais.
Conforme afirma a historiografia especializada, o presidente, procurando ampliar a sua
base parlamentar, compôs o seu governo com colaboradores oriundos de partidos e grupos
doutrinários diferentes. Segundo D´ARAÚJO, essa composição dividiu o Executivo em uma
ala “conservadora”, liderada por Lafer, na Fazenda, e João Neves da Fontoura, nas Relações
Exteriores mais favorável à atração de capital estrangeiro e a uma aproximação com os EUA
e outra ala tida como “nacionalista”, representada por Estilac Leal, no Ministério da Guerra,
e pela Assessoria Econômica para a Presidência da República a qual propunha uma maior
participação do Estado na economia e a menor interferência dos investimentos externos nos
73
Conforme o JB, “o Governo tem demonstrado boas intenções e louváveis esforços, que devem ser apoiados
por todos os que amam o Brasil e subordinam seu interesse privado aos superiores interesses da coletividade.
(…) Façamos, pois, um apelo aos verdadeiros patriotas para que ajudem o Brasil a se livrar das aperturas em que
está. (…) Sem um saneamento financeiro norteado por normas inflexíveis, impossível será livrarmo-nos do caos.
Não é lícito ignorarmos os perigos do momento e a instabilidade em que vivemos. Renunciar, em benefício da
Mãe-Pátria, é dever que se impõe, neste momento, a todos e a cada um dos brasileiros” (“Apelo ao patriotismo”,
Jornal do Brasil, 21 de março de 1951, Caderno 1, página 5).
74
“Em torno do relatório da Fazenda”, Jornal do Brasil, 10 de março de 1951, Caderno 1, página 5.
168
setores estratégicos.
75
Com a reforma ministerial de junho de 1953, a ala “conservadora” perderia Lafer e
João Neves da Fontoura e passaria a ser representada por Aranha; a “ala nacionalista”,
diminuída com a saída de Estilac Leal, no início de 1952, seria reforçada temporariamente
com a entrada de João Goulart, na reforma de 1953. Além disso, no início do mandato, Vargas
adjetivou o seu próprio gabinete de “Ministério da Experiência”, procurando abrir
antecipadamente a possibilidade de mudanças de rumo. Essa declaração, porém, trouxe para
os seus ministros a marca da instabilidade, dando margem para constantes especulações a
respeito de uma reforma ministerial, que acabaria efetivamente ocorrendo em 1953.
76
Fizemos esta explanação porque a questão de um governo dividido em dois “polos” é
fundamental para entendermos a estratégia adotada pelos jornais para se posicionar frente aos
programas de Vargas.
Durante a gestão de Lafer na Fazenda, o tema da divisão do ministério e do próprio
governo surgiu em questões pontuais e de forma desigual entre os periódicos pesquisados. No
Jornal do Brasil, ao menos nos limites da nossa amostragem, ele o teve relevância. O
máximo que encontramos foi um editorial defendendo Lafer, no qual o JB faz menção a
supostos opositores do titular da Fazenda, que estariam “cobiçando o seu lugar no
Ministério”, embora não nomeie os mesmos e tampouco os situe no interior do governo.
77
No que se refere a O Jornal, este também se omitiu de abordar abertamente a questão
das divergências internas ao Executivo durante a gestão de Lafer, embora o tema tenha
surgido de forma indireta quando o periódico procurou reforçar a posição do ministro na
condução da política econômica. Por exemplo, é muito peculiar o modo como OJ concluiu a
sua avaliação positiva sobre o primeiro depoimento de Lafer no parlamento:
A Câmara ouviu-o com a atenção e ficou, sem dúvida, devidamente instruída sobre
os planos do governo. Resta saber se as palavras do sr. Lafer conseguirão
persuadir tanto o Executivo de que ele é parte, como o Legislativo, a adotarem
os rumos austeros e graves que poderão salvar-nos.
78
75
D'ARAUJO, op.cit., p. 25, p. 33. Esta autora foi uma das pioneiras a formular a tese do “caráter ambíguo” da
composição do governo de Vargas, como um dos motivos da instabilidade do mesmo. Seu ministério era
composto por um representante do PTB (Trabalho), três do PSD (Fazenda, Relações Exteriores e Justiça), um do
PPS (Obras e Viação), um da UDN (Agricultura) e o “nacionalista” Estilac Leal no Ministério da Guerra. Além
disso, os principais programas econômicas das áreas estratégias (petróleo, carvão, eletricidade) ficaram a cargo
da Assessoria Econômica da Presidência (AEP), composta basicamente por técnicos nacionalistas, como Rômulo
Almeida e Jesus Pereira Soares. Sobre a AEP e papel no governo, trabalharemos no Capítulo seguinte.
76
D'ARAÚJO, idem.
77
“Para impedir a balbúrdia financeira”, Jornal do Brasil, 16 de março de 1953, Caderno, 1, página 5.
78
“A exposição do ministro da Fazenda”, O Jornal, 31 de outubro de 1951, Caderno 1, página 4.
169
O que levava o jornal a fazer esse tipo de colocação, ou seja, afirmar a necessidade de o
representante do governo convencer o próprio Executivo a adotar o programa que deveria ser
seu?
Provavelmente, porque suspeitava que esta política de austeridade não era
unanimidade no interior do governo, tendo em vista a oposição que ela gerava devido aos
cortes de gastos e de pessoal. Como O Jornal evitava salientar as divergências internas ao
Executivo, em virtude de seu apoio ao presidente, a sua estratégia para reforçar a posição de
Lafer foi salientar a íntima aproximação entre o ministro da Fazenda e Vargas, afirmando,
com insistência, que ele era apenas o executor da política econômica do governo de Getúlio,
não cabendo, assim, contestação à mesma por parte de membros do Executivo ou de aliados
do presidente.
79
Os jornais O Globo e Correio da Manhã foram bem menos condescendentes ao
abordar este tema na gestão de Lafer. OG chegou até a representar o ministro como uma
espécie de lutador solitário ou mesmo isolado em um Executivo que parece não ter unidade
em torno do mesmo programa. Este foi o caso do editorial “Em meio ao marasmo
ministerial”, no qual o periódico afirmou que Vargas iria “entrar no seu décimo mês de
governo, sem que o seu Ministério lhe tenha proporcionado realizações apreciáveis”;
entretanto, cuidou de lembrar que este Ministério estava dividido em “oficinas”: algumas
delas viviam no “marasmo” e nada produziam de positivo, enquanto outras tinham resultados
a mostrar:
Uma das oficinas rumorosas é a do Sr. Horácio Lafer. O ministro da Fazenda
vem travando uma luta obstinada e meritória para conter as despesas públicas,
e obter, no fim do exercício, a redução, ou talvez a abolição do 'déficit'
79
Esta interpretação parece-nos a mais adequada para se compreender um editorial como o que segue, no qual
que O Jornal avaliou o endosso de Vargas ao Balanço Geral da União de 1951, apresentado a ele por Lafer:
“Pode-se assim melhor apreciar a significação do despacho do sr. Getúlio Vargas. Em primeiro lugar, encampa
a política financeira executada pelo ministro da Fazenda que, aliás, é parte integrante do programa do
próprio governo. Nem seria compreensível outra coisa no regime presidencial, em que os secretários de
Estado, como auxiliares de confiança do chefe do Executivo, realizam sempre o seu pensamento nas
respectivas pastas, respondendo apenas perante ele pelo bom ou „mau‟ desempenho das suas funções. Depois, as
sólidas palavras do presidente da Getúlio Vargas equivalem a um desmentido dos boatos, que circulam de
vez em quando, sobre a reforma ministerial, envolvendo o sr. Horácio Lafer entre os ministros a serem
substituídos. E, da mesma forma, desautorizam os discursos proferidos no Senado por um prócer petebista
contra o titular da Fazenda, sob o pretexto de estar comprometendo os interesses econômicos e financeiros do
país, uma vez que a sua orientação continua a merecer públicos louvores e consequente apoio do primeiro
magistrado da nação” (“Consagração da política financeira do governo”, O Jornal, 15 de março de 1952,
Caderno 1, página 4). Outros exemplos dessa associação podem ser encontrados em: “Firmeza na orientação
financeira”, O Jornal, 8 de março de 1951, Caderno 1, página 4, “Combate à inflação”, O Jornal, 17 de maio de
1951, Caderno 1, página 4, “O reerguimento financeiro do país”, O Jornal, 24 de janeiro de 1952, Caderno 1,
página 4, “A vitoriosa política financeira do governo”, O Jornal, 23 de fevereiro de 1952, Caderno 1, página 4,
“Acusações injustas”, O Jornal, 7 de março de 1952, Caderno 1, página 4 e “As finanças do país e a prática do
regime”, O Jornal, 9 de maio de 1952, Caderno 1, página 4.
170
orçamentário. Essa política tem sido atacada por alguns congressistas, que
prefeririam ver o país 'sacar sobre o futuro', para não recusar recursos (a tudo que o
pode desenvolver).
80
Nesse caso, a divisão do Ministério não chegou a ser entre aqueles que apoiavam
Lafer e os que se lhe opunham, mas entre os que produziam coisas positivas e aqueles que
nada faziam. Os inimigos se entrincheiravam fora do governo, embora, como veremos no
exemplo seguinte, não estavam necessariamente afastados de Getúlio:
O ministro da Fazenda está sendo objeto, neste momento, de uma forte campanha de
ataques à sua orientação financeira. Por estranho que pareça, os principais autores
das críticas colocam-se numa posição curiosa. Solidários com o sr. Getúlio Vargas,
combatem o sr. Horácio Lafer, como se fosse possível dissociar, no regime
presidencial, a política do Presidente da dos seus ministros. Além dessa
incoerência fundamental, nas campanhas em causa uma falta de oportunidade
flagrante. No momento em que o Governo, vale dizer, a administração Getúlio
Vargas, encaminha junto ao Governo dos Estados Unidos entendimento da maior
importância, destinados a permitir a solução de problemas capitais da economia
brasileira, redobram os ataques ao ministro da Fazenda, visando, sobretudo, a
enfraquecer a sua posição nas negociações em curso. Se os autores da campanha
imaginam atingir apenas o Sr. Horácio Lafer erram perigosamente nos seus
cálculos. As críticas à (ilegível) ministro da Fazenda e a sua política financeira
são, afinal de contas, críticas ao próprio presidente da República e à sua
orientação administrativa
81
Temos nesse editorial um dos raros momentos em que O Globo procurou associar
Vargas aos méritos da campanha de combate à inflação. Mas, nesse caso, tomou esta iniciativa
não exatamente para elogiar Vargas mas com o objetivo de reforçar a posição do ministro da
Fazenda e de sua política econômica no interior do próprio governo diante de inimigos que
eram, em princípio, partidários do presidente. De outra parte, esses inimigos são perigosos
porque ameaçavam não somente o programa de austeridade mas também a cooperação
econômica entre o Brasil e os EUA, uma das bandeiras defendidas pelo jornal, como veremos
melhor no Capítulo IV. Em suma, podemos perceber que OG, mesmo tomando um
posicionamento crítico em relação ao governo, não adota uma postura intransigente, optando
por tentar reforçar no interior do Executivo as figuras e os programas com os quais mais se
identifica (nesse momento: estabilidade econômica e aproximação com os EUA) e combater
aqueles dos quais discorda.
O Correio da Manhã, por sua vez, foi o jornal que mais salientou os possíveis
prejuízos que um governo dividido poderia trazer à condução da política econômica de
80
O Globo, 25 de outubro de 1951, Caderno 1, página 1.
81
“Desorientação”, O Globo, 17 de novembro de 1951, Caderno 1, página 1.
171
estabilização, durante a gestão Lafer.
82
Desde o início, defendeu que a boa condução desta
política dependia da unidade de ação do Executivo e que esta unidade deveria ficar sob o
comando do titular da pasta da Fazenda.
83
Porém, logo em seguida, já identificou criticamente
a “falta de coordenação” e a “falta de unidade” do governo em torno de seu programa de
saneamento financeiro.
Quanto a isso, o assunto que mais concentrou a sua atenção foi as diferentes linhas de
ação adotadas pelo ministro da Fazenda defensor do controle sobre o déficit público e sobre
a expansão monetária e pelo presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jafet acusado de
levar adiante uma política de crédito excessivamente expansionista. Em nosso levantamento,
o Correio da Manhã foi o único jornal pesquisado que enfatizou este tema, o que não deixa
de surpreender, tendo em vista a enorme repercussão pública que o mesmo teve na época e o
fato de, na análise do DHBB, constar que outros jornais, como O Globo, teriam tomando
posição semelhante. Chama a atenção também o fato de, no JB, defensor contumaz da
estabilidade monetária, não encontrarmos referências sobre a questão.
A postura do Correio, por sua vez, pareceu muito clara: este jornal foi um crítico
severo da política creditícia que Ricardo Jafet manteve à frente do BB, acusando-a de ser a
principal responsável pela anulação dos efeitos positivos dos esforços de Lafer em obter
saldos orçamentários e reduzir as emissões sobre o controle da inflação:
Acertada, pois, é a afirmação do sr. Horácio Lafer de que o problema dos juros altos
é função do saneamento do crédito público, desde que estáveis se mantenham os
preços.
O efeito do saldo orçamentário de 1951 não se fez sentir principalmente pela falta de
um Banco Central que se pusesse a serviço do Tesouro. (...)
Em vez de passivo, tem sido ativo o papel do banqueiro do Tesouro. Contrariando
todas as regras de uma sadia política econômica e financeira, no nosso país, o Banco
do Brasil, que faz as vezes de Banco Central, é que é o patrão, sendo et pour cause
o servo do Tesouro.
84
82
Ver, por exemplo: “A falta de coordenação”, Correio da Manhã, 18 de março de 1952, Caderno 1, página 4,
“Crise de governo”, Correio da Manhã, 25 de março de 1952, Caderno 1, página 4, “Sinergia de esforço”,
Correio da Manhã, 27 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4 e “Sintomas alarmantes”, Correio da Manhã, 3
de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
“O Governo e a Política Financeira”, Correio da Manhã, 19 de junho de 1952, Caderno 1, página 4 e “Inversões
de papéis”, Correio da Manhã, 8 de maio de 1952, Caderno 1, página 4.
83
“Em suma, o governo precisa ter, apresentar e desenvolver uma política financeira uniforme nos seus
processos e coerente nos seus objetivos. Essa foi, aliás, a ideia que o sr. Horácio Lafer ofereceu ao
presidente da República e aos seus colegas de governo na última reunião ministerial realizada em Petrópolis.
(...) Ali se deliberou que o sr. Horácio Lafer concentrará todo o poder necessário para a direção única da
política econômica e financeira do governo. É, assim, o princípio da unidade administrativa que se estabelece
no seio do governo, restando que o presidente da República tenha bastante firmeza, e os ministros e chefes de
serviços bastante disciplina para que o princípio se transforme em realidade” (“Política Financeira”, Correio da
Manhã, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 4).
84
“Inversões de papéis”, Correio da Manhã, 8 de maio de 1952, Caderno 1, página 4.
172
Notamos, por esta passagem, a tentativa do Correio da Manhã de reforçar a posição
de Lafer frente à de Jafet. Diferentemente dos demais jornais, porém, o Correio não faz esse
reforço ressaltando as relações entre o ministro da Fazenda e o presidente da República. Ao
contrário, o periódico empregou o episódio de conflito interno ao governo para centrar sua
artilharia em Vargas, acusando-o exatamente de ser o principal causador da falta de unidade
do Executivo, como podemos perceber neste comentário feito a uma mensagem do presidente
na qual ele próprio admitiria que o insucesso do combate à inflação esteve na política
creditícia do Banco do Brasil:
A explicação é exata. O que se não compreende é que o governo se refira ao
Banco do Brasil como se se tratasse de uma entidade estranha, independente de
sua ação, que teria causado o malefício de continuar a inflação. Seria inútil
insistir que o Banco do Brasil é dirigido por um presidente da imediata confiança do
chefe do governo e que a ação do Banco do Brasil é a ação do próprio governo, no
setor bancário. (...) [O]bserva-se, no próprio texto oficial, o que sempre vimos
dizendo: a falta de comando central, de unidade de ação, que opõe entre si os
diversos setores do governo, neutralizando a eficácia de sua gestão. O governo é
um só, dentro de seus múltiplos órgãos e atribuições. Se a divisão do trabalho exige
que sejam várias as agências governamentais e diversos os responsáveis pelas
mesmas, é indispensável que o presidente da República exerça ou mande
exercer uma ação coordenadora, capaz de assegurar a unidade do governo.
85
Esse mesmo diagnóstico, o jornal irá estender para outras situações, nas quais,
segundo a sua opinião, a falta de coordenação e de unidade do governo, quer por mera inação,
quer por estratégia política de protelar decisões, eram as principais responsáveis pela sua
desintegração.
86
Podemos perceber, então, que a estratégia adotada pelo Correio na abordagem desse
conflito foi dar apoio à política econômica levada adiante pelo ministro Lafer, mas sem buscar
a ligação com Vargas para defender a posição do ministro da Fazenda. Ao contrário, quando
cita o presidente da República é exatamente para repreendê-lo e condená-lo por não dar
suporte ao seu ministro ao não garantir a unidade do Executivo em torno do seu programa.
Desta maneira, ao menos neste caso, encontramos apoio ao plano econômico adotado pelo
85
“A falta de coordenação”, Correio da Manhã, 18 de março de 1952, Caderno 1, página 4.
86
“A desintegração do governo atingiu seu auge, se exterioriza, pública e desavergonhadamente, através de
publicações oficiais e da imprensa. É a própria mensagem presidencial que atribui a inflação ao excesso de
créditos fornecidos pelo Banco do Brasil. São os parlamentares do governo a combaterem os ministros que
compõem o governo” (“Crise de governo”, Correio da Manhã, 25 de março de 1952, Caderno 1, página 4). Ver
também: “Quem não esclarece, mas confunde a opinião pública começa por não ser político. Quem, porém, além
de confusão, não tem como seu forte a nitidez de propósitos acrescenta ao mau político o péssimo estadista.
O sr. Getúlio Vargas, até mesmo em atos de mera rotina administrativa como esse da mudança de um ministério,
prefere ser reticente, senão mudo. Será que ele está sentido, por analogia com os regimes parlamentares, que
algumas vezes não é o ministério que é ruim, mas o chefe que o dirige? Será também que ele não percebe que é
solapando a base que se esboroa o capitel de uma coluna?” (“Sinergia de esforço”, Correio da Manhã, 27 de
fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4).
173
governo na figura do ministro da Fazenda, mas condenação política de Vargas por não saber
conduzi-lo ou fornecer-lhe as bases de que necessita para vigar. Como lembra o jornal:
O plano anti-inflacionista do governo consiste, ainda, num simples esquema, que
precisa ser desenvolvido e especificado, cobrindo-se, ademais, certas lacunas. O que
mais necessita de aperfeiçoamento, no entanto, é o próprio governo, como
agente executivo desse e de outros planos. Continua o governo a ser um
conglomerado caótico de homens e ideias, destituído de diretrizes centrais a que se
subordinassem todos os seus atos, carente de comando unificado e de
coordenação. Que crédito pode merecer o governo, apesar de ter elaborado
alguns planos de maior oportunidade, se lhe falecem a unidade de ação e a
continuidade necessárias à realização desses projetos?
87
no que se refere à presença de Aranha na pasta da Fazenda, encontramos algumas
posições semelhantes e outras diferentes nos jornais.
Aranha ficou menos tempo do que Lafer no Ministério, mas foi durante a sua gestão
que o governo foi alvo da sua maior crise, sendo um dos focos da mesma a presença do
trabalhista João Goulart, na pasta do Trabalho,.
Como vimos anteriormente, a posse de Goulart como ministro tinha como principal
objetivo reaproximar o governo Vargas das classes trabalhadoras, tendo em vista que as
sucessivas greves ocorridas nos anos de 1952 e 1953 davam a entender que o presidente havia
perdido a sua “ascensão” sobre as “massas”. Goulart assumiu o seu novo posto em junho de
1953, mas a sua medida mais importante foi o projeto de aumento de 100% do salário
mínimo, que ele apresentou no início de 1954. As pressões que se seguiram ao anúncio do
programa acabaram custando a demissão de Goulart, muito embora o presidente tenha
decidido conceder o reajuste salarial proposto por seu antigo ministro, em de maio deste
mesmo ano.
Para compreendermos a reação dos jornais frente a estes episódios é importante ter em
conta a relação que eles estabeleciam entre o salário mínimo e os reajustes salariais, de um
lado, e a inflação, de outro, antes mesmo da gestão de Jango. Em linhas gerais, os diários
pesquisados foram severos críticos de qualquer tentativa de aumento salarial, quer no setor
público, quer no setor privado, e apresentaram uma visão muito negativa dos direitos
trabalhistas no Brasil. Basicamente, argumentavam que uma das razões da inflação no país era
o fato de a produção ser “muito cara”, estando o custo da mão de obra incluído entre os
fatores que encareciam os bens finais.
O Jornal do Brasil, por exemplo, afirmava que os preços [subiam] ajudados pelo
87
“A inflação e o governo”, Correio da Manhã, 17 de abril de 1952, Caderno 1, página 4.
174
aumento de salários. Com inflação de moeda e de salários, não é possível realizar senão o
encarecimento da vida.”
88
O Correio da Manhã, por sua vez, chegou a defender que a
“origem da desorganização econômica e monetária” não estava apenas nos déficits
orçamentários que ele até considerou razoáveis no país, devido aos altos índices de
investimentos , mas “na espiral sem fim das altas consecutivas de salários.”
89
O que o jornal
explicava por duas razões: de um lado, porque a elevação da massa salarial tornava os salários
“mais altos que os que se pagam em outros países” e, assim, os “nossos custos de produção
(...) mais elevados que os estrangeiros”; de outro lado, porque aumentava-se “a
disponibilidade do poder aquisitivo do público, majorando salários e vencimentos, sem que na
mesma proporção [tivesse] crescido a produção”, o que podia colocar “mais azeite na
fogueira dos preços altos”, em outros termos:
Se há mais dinheiro para comprar e permanece a mesma a quantidade de coisas para
serem compradas, é evidente que os preços tendem a subir até que seja absorvido o
excesso de dinheiro. E subirão, ainda que se não façam emissões para cobertura de
déficits orçamentários. (...) É inevitável isso. A alta de salários provoca
simultaneamente a alta dos preços e dos custos de produção. E os preços e custos
altos provocam por sua vez a expansão do crédito e da moeda em circulação.
90
Vemos, por essa arguição, que a análise do efeito da suposta majoração dos salários na
inflação incorpora as noções de “inflação de custos” e de “inflação de demanda”, presentes na
abordagem de Eugênio Gudin, o qual defendia que o processo inflacionário era também
resultado tanto da mão de obra cara, quanto de um aumento do poder de compra dos
consumidores superior ao ritmo de crescimento da oferta de bens e serviços.
Os demais periódicos pesquisados compartilham destas mesmas interpretações. Em O
Globo, o assunto recebeu um razoável destaque, mas foi abordado mais pelo ponto de vista da
inflação de demanda do que pela inflação de custos. Em um editorial bastante ilustrativo, o
jornal lembrou que o desenvolvimento brasileiro dos últimos anos havia promovido uma
majoração dos “rendimentos de uma larga parte da população, permitindo a alguns setores da
classe média uma excessiva melhora do nível de vida”, mas alertava para o fato de que “[e]sse
extraordinário aumento do poder de consumo se verificará nas mãos da população sem que
88
“Política de elevação dos preços”, Jornal do Brasil, 15 de janeiro de 1952. Consultar, igualmente: “Ameaças
de novas emissões”, Jornal do Brasil, 1 de março de 1952, Caderno 1, página 5.
89
“Alta de salários”, Correio da Manhã, 17 de julho de 1951, Caderno 1, página 4.
90
Outro exemplo pode ser encontrado nesse editorial: “Também não são os tributos, velhos ou novos, os
principais responsáveis pela alta dos custos de produção. Antes deles, e com muito maior amplitude, estão os
sucessivos reajustamentos de salários e a baixa produtividade técnica, criada por uma legislação social cujos
efeitos ilusórios, porque expressos em moeda cadente, são anulados pela alta do custo de vida” (As razões da
crise”, Correio da Manhã, 4 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4).
175
tenha aumentado a quantidade de mercadorias a serem consumidas”. Como resultado,
teríamos “a alta vertiginosa do custo de vida e, consequentemente, a insuficiência prática do
aumento de salários decretado, gerando imediatamente a reclamação por novos aumentos”.
91
O que, para O Globo, era uma derivação quase inevitável do próprio crescimento da
economia brasileira.
92
em O Jornal, o tema também ganhou bastante relevância, porém com uma ênfase
um pouco diferente. OJ igualmente demonstrou preocupação com os efeitos da elevação dos
salários para a inflação,
93
mas o seu enfoque maior foi sobre os prejuízos à economia
derivados dos direitos trabalhistas. Muito embora esse assunto tenha sido tratado pelos demais
jornais,
94
no diário da Rede Associados ele ganhou ares de uma verdadeira campanha.
95
Todavia, os direitos ao trabalhador não eram criticados em si mesmos, mas através de uma
estratégia que Albert Hisrchman identificou como uma das características essenciais do
“discurso conservador”
96
de se salientar os seus “efeitos perversos” sobre à estrutura
econômica nacional, especialmente a promoção de um excessivo avanço do custo da mão de
obra e do desestímulo do empenho no trabalho. Segundo este jornal, o conjunto de direitos
dado ao trabalhador brasileiro era o mais avançado do mundo, o que, além de gerar custos
inadequados ao empregador, ainda promovia uma espécie de ética da “vagabundagem”, por
não estar acompanhado dos deveres correspondentes.
97
Embora existissem diferenças na forma como os jornais pesquisados relacionam
aumento de salários e de direitos trabalhistas à inflação, todos convergiram em afirmar que
91
“Os sinais de perigo estão presentes”, O Globo, 17 de abril de 1952, Caderno 1, página 1
.
92
“Urge uma medida de Salvação Nacional”, O Globo, 29 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 1.
93
“Combate à inflação”, O Jornal, 17 de maior de 1952, Caderno 1, página 4, “A única realidade”, O Jornal, 30
de outubro de 1951, Caderno 1, página 4 e “Política de colaboração”, O Jornal, 16 de abril de 1952, Caderno 1,
página 4.
94
Esse tema também foi objeto de atenção de outros periódicos estudados: em nossa amostragem, ele esteve
ausente em O Globo, chegou a ser abordado pelo Correio da Manhã embora de forma parcial, porque as
críticas à legislação trabalhistas não vieram necessariamente associadas ao processo inflacionista e apareceu
com certa frequência no JB, sendo considerado uma das causas da inflação de custo. Ver: “O custo da nossa
produção”, Jornal do Brasil, 10 de setembro de 1952, Caderno 1, página 5, “Um discurso infeliz”, Jornal do
Brasil, 10 de abril de 1951, Caderno 1, página 5, “As conclusões do Congresso Trabalhista”, Jornal do Brasil, 10
de maio de 1951, Caderno 1, página 5, “Nossas falhas nas palavras dos observadores”, Jornal do Brasil, 4 de
setembro de 1952, Caderno 1, página 5 e “A greve dos portuários”, Jornal do Brasil, 20 de março de 1953,
Caderno 1, página 5.
95
Ver, por exemplo: “Aumento do trabalho”, O Jornal, 4 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 4, “A
condição do trabalho”, O Jornal, 24 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4 , “O Dia do Trabalho”, O Jornal,
1 de maio de 1951, Caderno 1, página 4, “Teoria e realidade do trabalhismo”, O Jornal, 16 de julho de 1952,
Caderno 1, página 4, “A feitura das leis”, O Jornal, 11 de abril de 1953, Caderno 1, página 4 e “A condição do
trabalho”, O Jornal, 24 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4.
96
HIRSCHMAN, Albert O. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. Trad. de Tomás Rosa
Bueno. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
97
“A feitura das leis”, O Jornal, 11 de abril de 1953, Caderno 1, página 4).
176
majoração salarial e concessão de direitos ao trabalhador eram inflacionárias, sendo
necessariamente incompatíveis com um programa de estabilização monetária. Também fica
claro que a argumentação dos diários estudados aqui se aproxima muito da desenvolvida pelo
pensamento neoliberal, naquilo que ele tinha de mais conservador, ou seja, o seu combate às
medidas de segurança social e ao Estado de Bem-Estar Social, presente tanto nos mestres da
Escola Austríaca, como em Eugênio Gudin. Porém, é uma argumentação que igualmente se
assemelha ao que pregavam os próprios industriais brasileiros, muito resistentes à ampliação
dos direitos dos trabalhadores urbanos, não por vínculos com o liberalismo, mas por não
desejarem arcar com o aumento dos custos da mão de obra que eles poderiam acarretar. Por
fim, uma questão que chama a atenção é que não percebemos diferença na posição
condenatória dos jornais sobre os efeitos danosos das leis trabalhistas e a suposta identificação
do JB com as “camadas populares”, porque este diário fez coro contra a extensão de direitos
ao trabalhador com os demais periódicos tido como “mais elitistas”.
Com base nessa exposição, não chega a surpreender a reação extremamente negativa
que todos os jornais estudados apresentaram à lei de aumento de 100% do salário mínimo, em
1954.
A questão do reajuste do mínimo foi de enorme destaque nos jornais, do início do ano
até depois da sua implantação, englobando tanto o espaço informativo, quanto o opinativo dos
periódicos. No que se refere ao noticiário, chama a atenção a diferença de ênfase com que o
assunto apareceu nos diários em nossa amostragem: em jornais como O Globo e O Jornal,
ele surgiu de forma bastante frequente nas reportagens, enquanto no Jornal do Brasil e no
Correio da Manhã, tem uma presença bem mais discreta.
98
Essa diferença poderia ser
explicada pelo próprio formato editorial dos diários em questão, na medida em que os dois
primeiros destinam, no ano de 1954, mais espaços ao noticiário nacional, que ocupa a
primeira página de ambos, enquanto os dois últimos ainda seguem o modelo tradicional de
dar mais destaque às notícias internacionais, relegando os temas brasileiros para a contracapa
e o interior do Caderno 1. Porém, pretendemos indicar, no decorrer desta tese, outra
explicação para a discrepância aqui encontrada.
Independentemente dessa diferença, todos os jornais pesquisados se envolveram no
98
No levantamento parcial que fizemos, que seguiu uma metodologia qualitativa e não quantitativa na escolhas
dos dias pesquisados, no ano de 1954, encontramos 13 referências ao assunto tanto no OJ quanto no OG, sendo
que a maior parte delas foi a manchete da edição de cada um desses jornais; já, no JB, o tema apareceu 4 vezes e
no CM apenas 3.
177
que poderíamos chamar de uma verdadeira campanha contra a majoração do mínimo,
destacando os efeitos negativos que a mesma teria sobre a economia brasileira, desde os
prejuízos diretos aos produtores com o aumento artificial de seus custos -, até as
dificuldades que traria aos próprios trabalhadores, ao provocar desemprego.
99
Por fim, merece
também ser ressaltada a linha de ação de O Globo em sua crítica ao aumento de salários: foi a
publicação que ofereceu o maior espaço às queixas dos industriais, que formariam a parcela
das “classes conservadoras” mais prejudicadas com a medida, enquanto O Jornal e Jornal do
Brasil deram menor ênfase à queixa patronal e equilibraram-se entre os protestos dos
industriais e os do comércio; quanto ao Correio da Manhã, apenas encontramos uma
referência aos industriais do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que parece ter sido o único
periódico que deu espaço às reivindicações dos trabalhadores.
100
Já em relação ao espaço opinativo, os jornais apresentaram uma forte concordância em
condenar a majoração do mínimo, repetindo basicamente a argumentação da inflação de
99
Por exemplo: “Devido ao salário mínimo, uma fundição de Pará de Minas fecha as portas”, O Globo, 21
de maio de 1954, Caderno 1, página 1 manchete, “Desemprego, inflação, elevado custo de vida e êxodo com
os novos salários O ministro do Trabalho não poderia tomar a nova iniciativa”, O Jornal, 14 de janeiro de
1954, Caderno 1, página 1 manchete, Sangraria 18 bilhões do orçamento primeira consequência do
projetado salário mínimo”, O Jornal, 27 de abril de 1954, Caderno 1, página 1 manchete, Desemprego em
massa com o novo salário mínimo Reação da Câmara contra os níveis fixados Paralisadas as indústrias de
Minas Gerais”, O Jornal, 4 de maio de 1954, Caderno 1, página 1 manchete, Perturba o país a questão do
salário mínimo Greve na Paraíba e inquietação no Ceará Manifestam-se entidades do comércio em todas as
regiões Unidades dos Pontos de Vista e apoio da Confederação Nacional do Comércio”, Jornal do Brasil, 23
de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 6 e Considerada ditatorial a lei que instituiu os novos níveis do
salário mínimo „É uma medida nitidamente eleitoral que chega a triplicar os salários, coisa inédita na história
do mundo‟, diz Vicente Galiez no Plenário da Federação das Indústrias”, Jornal do Brasil, 4 de maio de 1954,
Caderno 1, página 6.
100
“Viva reação contra o novo salário mínimo Manifesta-se em nome das classes o industrial Álvaro
Ferreira da Costa”, O Globo, 2 de janeiro de 1954, Caderno 1, página 1, Manifestam-se vozes as mais
autorizadas da indústria e do comércio sobre os riscos do exagerado aumento dos níveis mínimos de salários”,
O Globo, 9 de janeiro de 1954, Caderno 1, página 1 e 2, Não é contrária a indústria a revisão do salário
mínimo”, O Globo, 24 de março de 1954, Caderno 1, página 2, Redução do salário mínimo, pedem os
industriais”, O Globo, 13 de maio de 1954, Caderno 1, página 1 manchete, O mandato de segurança da
indústria contra o salário mínimo”, O Globo, 30 de junho de 1954, Caderno 1, página 9, Protestos em todas
as Associações Comerciais do país contra o decreto do salário mínimo” O Jornal, 6 de maio de 1954, Caderno
1, página 1 manchete, “Intranquilidade e opressão às atividades industriais em face do novo salário
mínimo”, O Jornal, 13 de maio de 1954, Caderno 1, página 1 manchete, Clama o comércio contra a
confusão criada pelo ministro do Trabalho Falta de planejamento do governo”, Jornal do Brasil, 15 de
janeiro de 1954, Caderno 1, página 6, “Perturba o país a questão do salário mínimo Greve na Paraíba e
inquietação no Ceará Manifestam-se entidades do comércio em todas as regiões Unidades dos Pontos de
Vista e apoio da Confederação Nacional do Comércio”, Jornal do Brasil, 23 de fevereiro de 1954, Caderno 1,
página 6, “Considerada ditatorial a lei que instituiu os novos níveis do salário mínimo – „É uma medida
nitidamente eleitoral que chega a triplicar os salários, coisa inédita na história do mundo‟, diz Vicente Galiez no
Plenário da Federação das Indústrias”, Jornal do Brasil, 4 de maio de 1954, Caderno 1, página 6 e “Aumento
do salário mínimo Protesto da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro Proposta dos industriais
paulistas Reivindicação dos trabalhadores da Paraíba”, Correio da Manhã, 3 de janeiro de 1954, Caderno 1,
página 2.
178
custos e de demanda que vimos anteriormente.
101
Mas o Jornal do Brasil fez uma
significativa inversão do tema em relação aos outros jornais, ao defender que o aumento do
salário mínimo era mais uma consequência do que uma causa do processo inflacionário, por
resultar das práticas de gastos excessivos e de emissionismo as quais o Executivo acabara
sucumbindo na reta final do seu mandato.
102
no que se refere à questão da disputa entre as supostas duas “alas” do governo,
houve uma importante mudança: todos os jornais convergiram em apontar claramente o
problema. Mais do que isso, nas páginas dos jornais pesquisados, os dois representantes
desses polos, Aranha e Goulart, foram representados como protagonistas de uma verdadeira
quebra de braço no interior do Ministério, sendo o ministro da Fazenda o heroico defensor do
programa de estabilização e o ministro do Trabalho o vilão promotor da instabilidade
monetária.
Podemos perceber isso no Correio da Manhã e em O Globo, que tinham dado
destaque ao mesmo na gestão de Lafer,
103
mas também no Jornal do Brasil
104
e,
principalmente, em O Jornal que havia praticamente omitido a questão no Ministério
anterior:
O sr. Getúlio Vargas não poderá decidir na questão do salário mínimo, sem ouvir os
órgãos técnicos da economia, e em primeiro lugar o ministro da Fazenda, o sr.
Oswaldo Aranha. (...).
Se, ao invés disso, o governo abandonar os conselhos daqueles organismos técnicos,
para decidir levando em conta apenas os interesses da demagogia que predomina no
Ministério do Trabalho, dias ainda mais obscuros aguardarão o povo brasileiro. Tal,
porém, esperamos que não aconteça.
105
Essa maior convergência fica melhor entendida quando levamos em conta que, nessa
oportunidade, o “polo condenável” do governo não apenas estava saindo vencedor com a
ratificação do novo mínimo pelo presidente, como a ação do ministro que o representava e o
próprio ministro significavam muito mais do que o risco da instabilidade monetária: para os
jornais, Goulart era, acima de tudo, o risco da instabilidade institucional e da subversão social.
101
O Globo: “De que vale realmente ao trabalhador ver elevado violentamente no guindaste do aumento dos
salários, se, dentro em pouco, a sua queda produzida pela alta dos preços será mais violenta ainda? Que lhe
adianta essas falsa afluência de dinheiro que se traduzirá, até em virtude de compromissos assumidos
irrefletidamente nos primeiros entusiasmos de um orçamento aparentemente dilatado, em aperturas maiores e
mais trágicas?” (“Artífices da inflação e da ruína”, O Globo, 8 de janeiro de 1954, Caderno 1, página 1). Quanto
a O Jornal, ver: “Consequências inevitáveis”, O Jornal, 5 de maio de 1954, Caderno 1, página 4).
102
“Evitemos o estrangulamento econômico”, Jornal do Brasil, 13 de janeiro de 1954, Caderno 1, página 5.
103
“Sempre entre dois”, Correio da Manhã, 5 de maio de 1954, Caderno 1, página 4 e “Governo contra
governo‟, O Globo, 15 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 1.
104
Ver: “Situação absurda”, Jornal do Brasil, 16 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 5.
105
“Duas tonalidades”, O Jornal, 14 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 4.
179
Durante os primeiros anos do mandato de Vargas, podemos encontrar nos jornais
pesquisados seguidas referências a Jango e ao “trabalhismo”. Em relação a este último, os
diários selecionados não parecem apresentar uma visão uniforme, sendo O Jornal o único a
desenvolver uma posição abertamente crítica ao conceito, retratando-o como causador de
dificuldades, não só no Brasil, mas nos demais países em que era aplicado.
106
No geral, o foco de atenção não foi exatamente o “trabalhismo” em si mesmo e sim o
que se fazia com ele, ou seja, o seu emprego com objetivos “demagógicos” e de
insubordinação à ordem social.
107
Tais críticas se acirraram com a ascensão de Goulart à pasta
do Trabalho, em especial durante as greves dos marítimos do Rio de Janeiro, sendo o ministro
acusado de contemporizar com os “paredistas”, desrespeitar decisões da Justiça do Trabalho e,
especialmente, querer negociar e/ou legitimar o “comando-geral” do movimento, visto como
ilegal, subversivo e de orientação comunista.
108
Dessa forma, não surpreende a leitura que os jornais vão apresentar sobre o projeto de
majoração salarial de Goulart. Todas as imagens que preenchiam as páginas dos jornais
associadas a Jango e a sua atuação sindical vieram à tona para pintar um quadro de temor e
mesmo de desesperança, no qual se destacavam a “demagogia” que teria inspirado o
ministro a propor um aumento irreal do mínimo para beneficiar o seu partido com proveitos
eleitorais
e, especialmente, a motivação que a inspirava: insuflar as “massas” contra as
instituições democráticas e/ou causar desordem e caos como o único objetivo de instalar no
Brasil uma República Sindicalista. Como afirmou O Jornal, ao comentar a demissão do
ministro do Trabalho:
A exoneração do ministro do Trabalho tornara-se urgente e inevitável. O sr. João
106
“Teoria e realidade do trabalhismo”, O Jornal, 16 de julho de 1952, Caderno 1, página 4. Ver também o artigo
de Assis Chateaubriand “Tapera”, O Jornal, 21 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4. O Globo:
“Trabalhismo, demagogia e bom senso”, O Globo, Caderno 1, página 2. O JB: “A greve dos portuários”, Jornal
do Brasil, 20 de março de 1953, Caderno 1, página 5.
107
“Aparência e realidade”, Correio da Manhã, 11 de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
108
O Globo abordou esse tema, embora tenha se preocupado em afirmar que não era exatamente um partidário
da tese conspirativa: “Mais cedo do que se imaginava, colhe o Sr. João Goulart, às avessas, o fruto das suas
atividades à frente do Ministério do Trabalho. Não somos dos que atribuíram ao jovem titular a intenção
de agitar o pais, através de uma série de greves, que culminariam com a necessidade de implantação de um
governo „forte‟ para contê-las” (“Sucedem-se as greves e as ameaças à harmonia entre as classes”, O Globo, 27
de agosto de 53, Caderno 1, página 1). Ver também: “Reivindicações que se desvirtuam”, O Globo, 14 de
setembro de 1953, Caderno 1, página 1. Sobre o Jornal do Brasil, consultar: “Demagogia e política trabalhista”,
Jornal do Brasil, 19 de setembro de 1953, Caderno 1, página 5). O Jornal segui a mesma linha de
argumentação: “Uma experiência pesada”, O Jornal, 17 de outubro de 1953, Caderno 1, página 4. o Correio
da Manhã continuou a associar diretamente Jango ao plano de subversão: [Goulart é a] peça mestra da
inquietude política, inimigo da democracia, impenitente adversário da ordem constituída, agente acintoso da
destruição da paz social. (...) Demos notícia, ontem, da carta-manifesto que o sr. Goulart enviou aos sindicatos
operários, concitando-os a atitudes de coragem contra as empresas, à desordem e à delação em síntese, à
desmoralização da própria Justiça do Trabalho”( “Economia e demagogia”, Correio da Manhã, 3 de outubro de
1953, Caderno 1, página 4).
180
Goulart transformou a pasta que lhe foi confiada no instrumento de uma
política dirigida insidiosamente contra as instituições (...) para criar com os
sindicatos uma força política em condições de destituir os partidos e sobre a sua
ruína assentar a república sindicalista dos seus sonhos.
[Seu objetivo era] aluir as instituições e realizar a grande reforma social a que se
julgava predestinado, depois de rápidas conversas em Buenos Aires com o
general Péron.
109
Podemos encontrar no Jornal do Brasil a mesma forma de argumentação:
Todas as suas ações [Goulart], por isso, têm sido coordenadas, tendentes ao único
objetivo de fomentar uma situação tumultuária no campo econômico do País,
para apresentar-se ele como pai punitivo das classes operárias, instigando-as
contra as forças conservadoras e dando-lhes a sensação de que um golpe eleitoral
na apodrecida estrutura legislativa do atual regime faria surgir a almejada
República ditatorial sindicalista.
110
Diante dessa exposição surge uma pergunta: qual seria a relação de Vargas com a
questão Goulart e tudo o que este estava associado para os jornais?
Diferentemente da convergência em relação à censura a Goulart, o posicionamento dos
jornais diante da associação dessas críticas a Vargas foi variado.
Antes mesmo da adoção do novo mínimo, encontramos em alguns periódicos a
responsabilização do presidente da República pela iniciativa do ministro do Trabalho. Ainda
no início do ano, quando se discutia a proposta de aumento, o Correio da Manhã, O Globo e
o Jornal do Brasil culparam Getúlio principalmente por não ter tomado uma atitude
“enérgica” para coibir as ações demagógicas de Goulart, ao mesmo tempo em que pediam a
exoneração de Jango.
111
O Jornal não chegou a apresentar essa crítica diretamente, embora
tenha reprovado o fato de uma questão tão importante ter sido decidida apenas no Ministério
do Trabalho, com fins “demagógicos”.
112
Quando do pedido de demissão de Goulart, porém, os periódicos estudados não
deixaram de se manifestar de forma positiva, tanto pela aceitação da saída por Vargas quanto
109
“Tarde, mas ainda a tempo”, O Jornal, 23 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 4.
110
“Por dívida de justiça”, Jornal do Brasil, 23 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 5). em O Globo,
lemos: “E não fiquemos nas meias verdades. Digamos claramente que o projeto de elevação do salário
mínimo, nas bases em que foi proposto, é um ato francamente subversivo e de alta traição à pátria, tão grave
quanto o seria a conspiração com governos estrangeiros ou a entrega do poder à minoria reacionária e fanática
dos vermelhos. Será a desorganização da estrutura econômica do país com consequências tão desastrosas e
alongadas no tempo quanto as teriam uma invasão estrangeira ou uma mudança violenta de regime
político ( “Artífices da inflação e da ruína”, O Globo, 8 de janeiro de 1954, Caderno 1, página 1). No Correio
encontramos argumentação semelhante, embora com menor ênfase: “Sempre entre dois”, Correio da Manhã, 5
de maio de 1954, Caderno 1, página 4.
111
“O presidente em férias”, Correio da Manhã, 20 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 4, “Governo contra
governo”, O Globo, 15 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 1 e “Situação absurda”, Jornal do Brasil, 16 de
fevereiro de 1954, Caderno 1, página 5.
112
“Um absurdo”, O Jornal, 1 de janeiro de 1954, Caderno 1, página 4.
181
pelo discurso do presidente em Volta Redonda, no dia 22 de fevereiro, quando ele teria
reafirmado o seu compromisso com o combate à subversão. Na opinião dos jornais, tais
atitudes, embora retardatárias e ainda tratadas com desconfiança, poderiam significar uma
mudança de rumo para o governo de Getúlio, caso este desejasse trilhar ou retornar ao
caminho do respeito às instituições. Essa posição apareceu em todos os diários pesquisados,
mas foi novamente em O Jornal que encontramos uma leitura mais favorável a Vargas:
Lamenta-se apenas, diante do discurso do presidente da República, condenando a
demagogia e a agitação do seu ministro do Trabalho, que ele não o tivesse feito a
tempo, quando a imprensa quase unanimemente denunciava a marcha da
conspiração gorada.
Se tivesse pronunciado as sensatas palavras de Volta Redonda um pouco antes, não
teria sido necessária a Declaração dos Coronéis com as suas sabidas consequências.
O sr. Getúlio Vargas chegou tarde, mas felizmente ainda a tempo. (....) Essas
palavras do sr. Getúlio Vargas vieram a acalmar o ambiente de agitação dos
últimos dias.
113
Entretanto, as esperanças depositadas pelos jornais na possibilidade destes episódios
imprimirem “novos rumos para o governo”, como disse O Globo,
114
seriam logo frustradas,
tendo em vista que Vargas aceitou a saída de Jango, mas acabou endossando o projeto de
majoração salarial. Isso levou aos impressos a fazer uma carga pesada contra o presidente.
A reação dos diários, porém, foi bastante distinta. O Jornal dedicou o seu principal
editorial do dia
.
de maio, quando o aumento seria declarado, para falar curiosamente do
efeito positivo que a Legislação Trabalhista implementada por Getúlio trazia à constituição da
“paz social” no Brasil, abandonando a sua campanha contra a mesma.
115
Sobre o novo salário
mínimo, dedicou um editorial nessa mesma edição e dois no dia 5 de maio para retomar o
tema dos efeitos negativos da medida para a economia (desemprego, encarecimento da vida,
elevação dos gastos público).
116
Ou seja, em todo o episódio, a estratégia do jornal foi atribuir
demagogia e os planos subversivos exclusivamente a Jango, sendo a responsabilidade do
presidente apenas a de retardar a exoneração do seu ministro do Trabalho. O que pode ficar
melhor entendido quando lembramos que, além da maior proximidade de O Jornal com o
113
“Tarde, mas ainda a tempo”, O Jornal, 23 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 4. No JB, ver: “Retorno à
ordem e à tranquilidade”, Jornal do Brasil, 25 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 7. Em O Globo: “Novos
rumos para o governo”, O Globo, 22 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 1. E no Correio: “Fala ao do
momento”, Correio da Manhã, 21 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 4 e “A crise e a solução”, Correio da
Manhã, 23 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 4.
114
Ver nota anterior.
115
“Dia do Trabalho”, O Jornal, 1 de maio de 1954, Caderno 1, página 4.
116
“Descontrole econômico”, O Jornal, 1 de maio de 1954, Caderno 1, página 4, “Consequências inevitáveis”, O
Jornal, 5 de maio de 1954, Caderno 1, página 4 e “Congelamento impossível”, O Jornal, 5 de maio de 1954,
Caderno 1, página 4.
182
governo,
117
este periódico não foi um crítico daquilo que poderíamos chamar de ascensão de
Vargas sobre as massas trabalhadoras, como o JB e especialmente o CM. Ao contrário,
procurou representar essa ascensão não por seus aspectos negativos (demagogia, populismo)
mas como um trunfo no combate à inflação e no próprio controle das reivindicações por
aumento de salários.
118
O Jornal do Brasil também não salientou os aspectos políticos da questão, preferindo
atribuir ao indesejável incremento salarial causas essencialmente econômicas: era uma
consequência inevitável da perda do compromisso inicial do governo com a estabilização
monetária, pois foi derivado da recaída do presidente nas desastradas práticas de crescimento
dos gastos públicos e de emissão de moeda. Em outras palavras, centrou a sua explicação e a
sua condenação do problema na tradicional batalha contra o orçamento desequilibrado e o
descontrole emissionário, da qual Vargas havia sido um aliado, no início de se mandato, mas,
agora, tornara-se um inimigo ou um derrotado.
119
O Globo, porém, não fugiu do aspecto político. Durante o debate em torno da
majoração salarial, este periódico havia associado Vargas diretamente às ações de Goulart,
pois este era
apenas uma sombra do sr. Getúlio Vargas, um instrumento dócil do presidente
da República, um elemento da mais completa (ilegível) pessoal do chefe do
Governo que entendeu aproveitá-lo em benefício próprio nestes últimos meses.
Justamente esta constatação é que define a responsabilidade maior do sr. Getúlio
Vargas na evolução dos acontecimentos.
120
No dia do anúncio do novo mínimo, o jornal não deixou por menos:
Contra todas as previsões e expectativas, num temerário desafio a todos os receios,
apesar da opinião unânime e alarmada das classes produtoras, não obstante a
resistência persistente do ministro da Fazenda e contraditando o juízo objetivo da
parte da opinião pública mais esclarecida e menos manobrável pela demagogia, vai o
sr. Getúlio Vargas fixar os novos níveis do salário mínimo em alturas absurdas (..)
[Este será responsável] pelo erro magno de um governo empenhado, em ano de
eleições, em reconquistar a uma popularidade que voluntariamente perdeu.
121
117
A qual, no nosso entender, ainda se mantinha, embora parcialmente, mesmo depois dos pontos de atrito entre
Chateaubriand e Vargas devido aos episódios da questão Última Hora e da aceitação do monopólio estatal na
Petrobras, que veremos no Capítulo V.
118
Diante da dúvida se Vargas teria ou não condições de enfrentar a ingrata tarefa de cortar gastos e salários do
funcionalismo para combater a inflação, o jornal afirmou: “O presidente Getúlio Vargas dispõe como nenhum
dos seus predecessores de um amplo apoio popular. (...) Se, portanto, fizer cortes no funcionalismo, o povo
compreenderá que foi obrigado a isso pelas conveniências do interesse da comunidade” (“Política de Economia”,
O Jornal, 6 de março de 1951, Caderno 1, página 4.) Sobre as reivindicações trabalhistas, afirmou que: “O novo
governo deve usar de sua influência sobre as massas operárias para inundar nelas mais (amor) do trabalho e mais
zelo profissional” (“Aumento do trabalho”, O Jornal, 4 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 4).
119
“Salário e desvalorização monetária”, Jornal do Brasil, 4 de maio de 1954, Caderno 1, página 7.
120
“Novos rumos para o governo”, O Globo, 22 de fevereiro de 1954, Caderno 1, página 1.
121
“Demagogia contra o bom-senso”, O Globo, 1 de maio de 1954, Caderno 1, página 1.
183
Notamos, assim, que a abordagem do jornal foi a de culpar politicamente o presidente
pela majoração salarial e as suas nefastas consequências, mas atribuiu a sua responsabilidade
mais à busca de ganhos eleitorais do que a qualquer plano subversivo. Essa ênfase fica melhor
entendida quando consideramos que, ao longo de todo o mandato, o jornal insistentemente
procurou caracterizar Getúlio como sendo um governante excessivamente preocupado em
buscar simpatia popular através da “demagogia” e do “populismo”.
122
Em suma, desde o
início, O Globo representava Getúlio e as suas “intenções políticas” como contrárias a seu
próprio programa de combate à inflação, vindo o caso do salário mínimo apenas a confirmar
esta antiga constatação e não exatamente as supostas intensões golpistas do presidente.
Por fim, o Correio da Manhã, durante todo o episódio da elevação salarial, procurou
salientar que, por trás das manobras subversivas de Jango, estava uma manobra política
varguista, que não se restringia, porém, à mera demagogia.
123
Quando Vargas assinou o
decreto de aumento do mínimo, o jornal argumentou:
Uma das espertezas do sr. Getúlio Vargas consiste em manter sempre dentro do
governo duas correntes, duas concepções, dos caminhos opostos, representados em
homens diferentes, de modo que possa socorrer-se de cada um em conformidade
com as circunstâncias do seu oportunismo. Entre os dois não é o seu coração que
balança; é o interesse da sua politicagem que de fato o inclina e decide.
124
E que interesse seria esse? O jornal responde:
Quer jogar e ganhar de todos os lados, utilizando e gastando os homens mais
opostos, valendo-se de processos de governo mais diferentes, como o objetivo de
criar a confusão, a perplexidade, a desordem geral, toda a instabilidade social e
política, que tem sido o seu ambiente propício de oportunista sem convicções e de
aproveitador voraz das circunstâncias.
125
Ou seja, embora o CM não fale abertamente, está fazendo referência a um provável
objetivo golpista que Vargas teria trazido consigo ao assumir novamente a Presidência da
República, em 1951, e que o periódico se empenhou em “denunciar” desde o início do
governo, com a presença de Estilac Leal, na pasta da Guerra. Mas no caso de Leal, a sua
posição foi sendo paulatinamente enfraquecida no governo especialmente com a opção de
122
“Realidades e ilusões de um ano de governo”, O Globo, 26 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 1.
123
Ao comentar a omissão de Getúlio em tomar uma atitude contra o seu ministro do Trabalho, deixando que a
crise se instalasse e se alastrasse pelo governo, o CM afirmou: “Mas, as crises, é o próprio sr. Getúlio Vargas
quem as vem criando. Ele é o presidente da República do quanto pior melhor. Em consequência, agita, confunde,
semeia boatos e temores, divide, subdivide, atira uns contra os outros, na esperança fria e calculada de que, todos
se enfraqueçam para que ele, sozinho, se fortaleça” (“O presidente em férias”, Correio da Manhã, 20 de
fevereiro de 1954, Caderno 1, página 4).
124
“Sempre entre dois”, Correio da Manhã, 5 de maio de 1954, Caderno 1, página 4.
125
Idem.
184
Vargas por uma aproximação com os Estados Unidos (Acordo Miliar e CMBEU) , até chegar
à sua demissão. Isso levou o jornal a fazer abertos elogios a Vargas por este ter enfrentado o
general “simpatizante do comunismo”, indicando o seu compromisso com o respeito às
instituições e o combate à subversão.
126
Já, no episódio de Goulart, o presidente teria optado
pelo caminho da “agitação”, comprometendo não a estabilização financeira como a própria
ordem social.
Parecia, alguns meses, que a orientação econômica do governo se baseava no
chamado Plano Aranha. De autoria dos srs. (sic) Osvaldo Aranha e Marcos de Souza
Dantas, o plano era, no entanto, da responsabilidade do sr. Getúlio Vargas, pois
estamos em um regime presidencialista e o presidente da República o aprovara e
mandara executar. De repente, porém, o sr. Getúlio Vargas entrou a apoiar e instigar
o plano oposto, o plano de agitação social, do seu favorito João Goulart para jogar
por terra o Plano Aranha. A demissão do agitador (...) representou apenas uma
derrota aparente: um mergulho para ressurgir no decreto e no discurso de 1º. de maio
(...). Tendo e mantendo no seio do governo as duas orientações opostos, o sr. Getúlio
Vargas parecia prestigiar uma delas apenas para melhor preparar a vitória da
outra.
127
Em suma, mais uma vez, as opções políticas de Vargas não comprometeram o seu
programa econômico, como parecem ter estado sempre a esperar o momento de superá-lo.
Em síntese, podemos concluir que:
os jornais deram apoio aos programas de combate à inflação do Executivo e aos seus
ministros da Fazenda, independentemente de sua maior ou menor aproximação com o
governo; no que se refere às transferências dos méritos dessa política a Vargas, a sua
estratégia argumentativa dependeu diretamente da postura diante do presidente: os
periódicos mais próximos à situação ou mesmo de oposição moderada salientaram esses
méritos; já os diários mais oposicionistas foram comedidos ou omissos em fazer tal
transferência;
126
Por exemplo, no editorial intitulado Continue” ocupando a capa do jornal, algo raro para o Correio da
Manhã, este jornal elogiou a fala de Vargas diante das Forças Armadas, quanto teria confrontado o seu ministro
da Guerra, ao reiterar o compromisso do governo com a aliança pró-EUA e, especialmente, com o combate ao
comunismo entre os militares, “campanha” que o jornal se auto-atribuiu: “O dia de ontem foi importante para o
Brasil. O sr. Getúlio Vargas falou claro, falou sério, falou certo. (...) As palavras do presidente reavivaram uma
corrente de confiança perdida (...) Num discurso de chefe de Estado franco e afirmativo, proclamando sem
ambiguidades ou temor à política da grande nação que pode ser o Brasil se não o estragarem „seus inimigos
internos‟ (...). Ontem, o sr. Getúlio Vargas, pelo alcance de suas palavras, pelo seu tom, de uma sinceridade que
não pode deixar dúvidas, demonstrou ter a consciência da verdade e do perigo que denunciamos. (...) Esse
aplauso vibrante ao sr. Getúlio Vargas (dos militares presentes) vem reconfortar-nos a nós, Correio da Manhã,
porque revigora nossa convicção de que estamos certos, e devemos prosseguir em nosso campanha. E
prosseguiremos” (“Continue”, Correio da Manhã, 6 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 1). Já, quando da
demissão de Estilac, o jornal saudou o episódio como uma nova oportunidade para o governo (“Novos rumos”,
Correio da Manhã, 27 de março de 1952, Caderno 1, página 4).
127
Idem.
185
a ênfase e a preocupação com as possíveis divergências internas ao governo, no caso da
gestão de Lafer, variaram conforme os jornais pesquisados se deslocavam de uma posição
mais situacionista (onde o tema da divergência é omitido ou mesmo não aparece, como em
O Jornal) para uma situação mais oposicionista (onde ele ganha destaque e provoca mais
preocupação, como em O Globo e, em especial, no Correio da Manhã);
na gestão de Aranha, embora haja divergências de intensidade e mesmo de qualidade
no tratamento da questão de um Ministério dividido, ela foi abordada e condenada por
todos os jornais, o que podemos explicar, dentre outras razões conjunturais, porque, nesse
momento, o “polo condenável” do governo na opinião dos periódicos, além de representar
um perigo à estabilidade financeira e à estabilidade política, ainda parecia estar saindo
vitorioso com o apoio ou a conivência de Vargas;
Por fim, todo esse episódio nos permite compreender melhor a intricada relação entre
campo jornalístico e campo político no período considerado.
De um lado porque, devemos considerar que a relativa convergência dos jornais em
aprovar a orientação do governo em relação ao combate à inflação, independentemente de sua
posição mais próxima ou distanciada do Executivo, não pode ser desvinculada da forma em
que os próprios termos do problema foi colocado e representado: uma política de grande
“interesse coletivo”, retratada pelo governo e por muitos jornais (como o JB, OG e OJ) como
uma verdadeira causa de “salvação nacional”, na qual os periódicos, diante da necessidade de
reforçar o seu capital de prestígio junto ao público leitor tanto do ponto de vista individual
como do próprio campo de produção -, dificilmente poderiam deixar de se associar, mesmo
que não se alinhassem com Vargas.
Por estas razões, não encontramos aqui, mesmo entre os impressos mais combativos
ao governo, uma postura que possa ser chamada de intransigente; na verdade, a estratégia
geral adotada foi mais de tentar “conduzir” as ações do Executivo do que solapá-lo, ou seja,
tentar reforçar as políticas e os homens públicos com os quais os periódicos melhor se
identificavam no interior do governo (estabilidade financeira, estabilidade institucional e
social, aproximação com os EUA) e combater àquelas com as quais menos se identificavam
(emissionismo, nacionalismo, trabalhismo, etc.); os elogios e críticas dadas a Vargas
dependeram não da aproximação do jornal com o presidente mas também conforme o
governo se inclinasse para uma dessas alas ou polos opostos no seu próprio interior;
186
3.2.4 Pensamento econômico nos jornais e as contradições entre sanear e desenvolver
Vamos agora avaliar um pouco mais o pensamento econômico defendido pelos jornais
em relação ao tema da estabilização financeira. Vimos que os periódicos estudados
apresentaram diferenças quanto à intensidade atribuída à inflação como um problema para a
economia brasileira e, especialmente, quanto à relevância das emissões monetárias e do
déficit orçamentário como causas do fenômeno inflacionário. Porém, percebemos também
que, para todos, a inflação era uma das razões essênciais da nossa “crise” e que uma política
de estabilização monetária era necessária para combatê-la. Além disso, os diários convergiram
em apoiar os programas de saneamento financeiro proposto por ambos os ministros da
Fazenda de Vargas.
Dessa forma, em termos de filiação doutrinária, o que apresentamos até agora
aproxima, com algumas variações, a tomada de posição dos jornais das ideias defendidas pelo
economista neoliberal brasileiro Eugênio Gudin, tanto pela defesa de estabilidade financeira,
quando pelos conceitos de inflação de demanda e inflação de custo, que o levavam a
prognosticar para o Brasil a necessidade de o país adotar medidas bastante restritivas de
estabilização monetária e, fundamentalmente, de redução dos investimentos, a fim de reduzir
o crescimento de uma economia considerada excessivamente aquecida (superemprego).
Em consequência, podemos perguntar: teriam sido os periódicos pesquisados, ao
menos no que se refere à inflação, defensores de uma política ortodoxa e foi essa razão que
levou-os a apoiarem as linhas gerais dos programas apresentados pelos ministros da Fazenda
de Vargas, por estes representarem a ortodoxia no governo?
Para respondermos adequadamente a esta questão, teremos que ampliar a nossa
abordagem sobre o posicionamento dos jornais, abarcando outras questões relativas ao tema,
como a necessidade ou não de restringir o crédito e os investimentos.
Nesse sentido, é interessante salientar que os diários pesquisados, quando trataram da
questão da inflação e das decisões tomadas para resolver o problema, convergiram em afirmar
que o combate ao déficit público, embora necessário, era insuficiente.
Ao comentar as primeiras medidas de estabilização monetária do governo, em um
editorial intitulado significativamente “A campanha contra a inflação”, O Globo alerta o
ministro Lafer que “o combate à inflação tem que buscar outros caminhos” e
esse caminho o apontará S. Ex. ao próprio governo, não podendo ser outro senão o
do próprio estímulo oficial à produção, aos meios (ilegível) de transportes e
comunicação, com a ampliação simultânea da oferta (…). Trata-se, portanto, de
uma verdadeira batalha de salvação nacional, em que se terão que empenhar todos
187
os setores da administração.
128
Em consequência, para este jornal, se a economia brasileira apresentava desequilíbrios
entre uma demanda superior à oferta de bens, o problema estava não em um consumo
aquecido, mas sim no retardo da produção.
O Jornal seguiu a mesma linha, defendendo que apenas o corte de gastos públicos era
insuficiente para combater a inflação, sendo necessário também um programa de incentivo às
atividades produtivas. Incorporando em seus textos as próprias expressões do discurso oficial,
este periódico encampou o que o governo chamou de “batalha pela produção”, defendendo e
endossando as medidas que o Executivo tomou nesse sentido. Comentando um discurso do
ministro da Fazenda, O Jornal asseverou:
E aqui está o drama, porque é com o aumento da produção que forjaremos a arma de
têmpera mais forte para combater a inflação, cujos perniciosos efeitos serão
atenuados ou anulados completamente quando o volume dos bens de produção
corresponder à expansão dos meios de pagamento.
129
Encontramos a mesma percepção do problema no Correio da Manhã, que defendeu
as propostas de Lafer da seguinte maneira:
O relatório do ministro da Fazenda poderá ter no país uma repercussão muito
favorável, se o governo praticar a política nele recomendada, uma política de
poupança e austeridade, de corte das despesas e estímulo à produção, esta política
passará a influir, generalizadamente, sobre toda a economia nacional.
130
E mesmo o Jornal do Brasil, que havia se demonstrado o mais preocupado com o
emissionismo e o déficit público, mostrou-se um forte defensor da necessidade do aumento da
produção, afirmando, desde o início da gestão de Vargas, que o controle das emissões era
apenas uma parte do remédio para a alta dos preços:
Precisamos não acreditar senão num milagre: o milagre da produção. A baixa
dos preços das utilidades indispensáveis à subsistência da população, que vive de
salários, está condicionada a essa operação econômica, que age sempre em qualquer
latitude da mesma maneira, baixando os preços correntes nos mercados internos,
128
O Globo, 6 de junho de 1952, Caderno 1, página 1. Consultar, igualmente: “Em meio ao marasmo
ministerial”, O Globo, 25 de outubro de 1951, Caderno 1, página 1, “Produção e Transporte”, O Globo, 5 de
junho de 1951, Caderno 1, página 1) e O Globo, 18 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 3.
129
“O drama da produção”, O Jornal, 21 de outubro de 1951, Caderno 1, página 4. Ver também: “O problema é
menos de consumo que de produção”, O Jornal, 28 de outubro de 1951, Caderno 1, página 4, “A tarefa que cabe
ao governo”, O Jornal, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 4, “Reabilitação econômica”, O Jornal, 28 de
setembro de 1951, Caderno 1, página 4, Combater a pobreza pelo trabalho”, O Jornal, 22 de agosto de 1951,
Caderno 1, página 4 e “Aumento da produção agrária”, O Jornal, 9 de abril de 1952, Caderno 1, página 4.
130
“Política Financeira”, Correio da Manhã, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 4. Ver também: “O Banco
do Brasil e a produção”, Correio da Manhã, 26 de abril de 1952, Caderno 1, página 4.
188
desde que outros fatores monetários não intervenham para anular seus efeitos
benéficos sobre a vida de cada cidadão.
131
A importância de fazer essa ressalva está em que esse tipo de proposta era, como
vimos, combatida por liberais como Eugênio Gudin. Para estes, uma política de fomento à
produção era incompatível com as medidas necessárias ao combate à inflação porque
implicaria em aumentar ou manter o crédito e o nível de investimento. Ora, na opinião dos
liberais e neoliberais, uma economia inflacionada era obrigatoriamente uma economia
aquecida e, assim, exigia retração do crédito e dos investimentos para comprimir a demanda e
não o contrário. Em relação a este ponto, os jornais pareceram bastante claros, embora
apresentassem visões distintas.
Vamos começar pela questão do crédito. Sobre isso, podemos notar uma nova
aproximação entre o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã. Ambos os periódicos se
colocaram totalmente contra qualquer proposta de aumento da produção que envolvesse
emissões monetárias e apresentaram limites a políticas de expansão creditícia.
Mas foi o Correio da Manhã que demonstrou ênfase maior nesses temas. Em relação
às emissões monetárias, este diário não somente condenou as possíveis medidas do governo
mas também se posicionou contra os pedidos das “classes produtoras” para que expansões da
oferta de moeda ajudassem no fomento às atividades produtivas e comerciais.
132
Da mesma maneira, não deve surpreender o fato de ter sido o CM o jornal onde
podemos encontrar o maior empenho no combate a uma política de crédito expansionista,
sendo ele, como vimos anteriormente, o único jornal sobre o qual podemos afirmar que
houve uma posição claramente combativa à gestão de Ricardo Jafet, na presidência do Banco
131
“O Governo e o custo de vida”, Jornal do Brasil, 20 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5. Em outro
editorial, afirmou que, para “reduzir o custo da vida, que atingiu a um limite jamais observado em toda a história
do País, é necessário um esforço conjugado, atingindo, por um lado, a defesa da moeda e, por outro,
incentivando os meios de produção(“O combate à crise econômica”, Jornal do Brasil, 13 de maio de 1951,
Caderno 1, página 5). Este tema será bastante recorrente, no jornal, tendo sido abordado também nos seguintes
editoriais: “Verdadeiro cipoal de interesse”, Jornal do Brasil, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 5,
“Providências contraditórias”, Jornal do Brasil, 21 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5, “A missão do
ministro da Fazenda”, Jornal do Brasil, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 5 e “O Governo e a Execução
orçamentária”, Jornal do Brasil, 16 de março de 1951, Caderno 1, página 5.
132
Em relação a notícias não confirmadas de que o governo adotaria uma prática emissionistas para aumentar a
produção, podemos ler: “Está circulando um boato: o governo emitiria a importância vultosa fala-se em 8
bilhões para financiar certos ramos da agricultura, esmagados pela falta de créditos. (...) Esperamos que o
governo desminta o boato da nova emissão ou, quando tal seja a sua efetiva intenção, mude a tempo de
idéia. Todas as medidas antiinflacionárias até agora adotadas pelo governo, sob aplauso geral, seriam
neutralizadas por tal emissão” (“Emissões”, Correio da Manhã, 6 de junho de 1952, Caderno 1, página 4).
no que dizia respeito às propostas das classes produtoras, temos: “Catarse”, Correio da Manhã, 9 de agosto de
1951, Caderno 1, página 4, “As razões da crise”, Correio da Manhã, 4 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página
4). O Jornal do Brasil foi menos insistente no tema, que pode ser encontrado em “As preocupações financeiras
do Governo” (Jornal do Brasil, 20 de maio de 1951, Caderno 1, página 5) e “Para impedir a alta dos preços”
(Jornal do Brasil, 22 de junho de 1951, Caderno 1, página 5).
189
do Brasil.
Mas, quanto a isso, é necessário um esclarecimento. Embora reticentes à ampliação do
crédito em período inflacionário, estes jornais se preocupavam em frisar que condenavam a
prática de concessão de crédito indiscriminado, que favorecia especialmente os investimentos
especulativos. Em outras palavras: o que ambos pregaram foi menos uma restrição do crédito
e mais a necessidade de uma seleção criteriosa do mesmo em favor das atividades
produtivas.
133
Nesse ponto, o JB foi ainda mais flexível que o CM, pois chegou mesmo a aceitar, ao
menos em teoria, que expansões monetárias destinadas a fomentar as atividades produtivas
através do crédito não seriam sempre inflacionárias, pois tenderiam a aumentar a oferta futura
de bens de consumo.
134
Ambos os jornais, porém, convergiram em condenar concessões
creditícias para atividades especulativas e defenderam a necessidade de se oferecer prioridade
ao setor agrícola, na medida em que este apresentava um ritmo de crescimento inferior ao da
indústria.
135
Porém, o CM pareceu mais claro no que se refere à importância de uma política
de crédito seletiva mas bastante ativa para não retardar o desenvolvimento brasileiro.
Comentando a política econômica de Lafer, afirmou:
Num país em fase de crescimento, em que as disponibilidades econômicas
desaconselham as restrições financeiras, o fator moral dos saldos orçamentários
tanto mais completará os seus benefícios quanto se possa harmonizar com uma
política de crédito que revitalize, paralelamente, os instrumentos de criação de
riquezas.
[Já o antigo projeto do Banco Central de Horário Lafer, quando deputado,]
permitiria, ao cabo, a 'dosagem e habilidade' do crédito, formando uma política de
crédito que cerceie a especulação (...). As resoluções da recente reunião de
banqueiros podem, neste sentido, operar uma revisão oportuna daquela política;
desde exatamente que se não aprisione aos elementos puramente técnicos e
atenda às suplementações de financiamentos com flexibilidade que, não
destoando da norma, compreenda os fenômenos da produção.
136
Em relação ao O Globo, não pudemos identificar um posicionamento explícito frente
ao crédito, embora seja aceitável afirmar que este jornal tenha sido mais favorável do que
133
“As finanças através de um relatório”, Jornal do Brasil, 25 de fevereiro de 1952, Caderno 1, página 5,
“Inversões de papéis”, Correio da Manhã, 8 de maior de 1952, Caderno 1, página 4 e “A exposição do ministro
da Fazenda”, Correio da Manhã, 7 de maio de 1952, Caderno 1, página 4.
134
Jornal do Brasil, 20 de outubro de 1951, Caderno 1, página 5.Ver também: Verdadeiro cipoal de interesse”,
Jornal do Brasil, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 5.
135
“A missão do ministro da Fazenda”, Jornal do Brasil, 7 de março de 1951, Caderno 1, página 5, “Proposições
moralizadoras”, Jornal do Brasil, 17 de março de 1951, Caderno 1, página 5, “O combate à crise econômica”,
Jornal do Brasil, 13 de maio de 1951, Caderno 1, página 5, “A inflação e o governo”, Correio da Manhã, 17 de
abril de 1952, Caderno 1, página 4, “A exposição do ministro da Fazenda”, Correio da Manhã, 7 de maio de
1952, Caderno 1, página 4, “Inversões de papéis”, Correio da Manhã, 8 de maio de 1952, Caderno 1, página 4 e
“Ideias e atos”, Correio da Manhã, 26 de abril de 1952, Caderno 1, página 4.
136
“A exposição do ministro da Fazenda”
190
contrário a uma política creditícia de fomento à produção. Se é possível encontramos
associações genéricas e isoladas entre crédito imoderado e inflação,
137
também se verifica
exemplos de apoio ao financiamento rural
138
e, especialmente, um amplo destaque, no espaço
informativo, aos programas do governo de promoção da extensão do crédito, que poderíamos
considerar como um indício de apoio.
139
O que fica mais nítido quando notamos que tais
reportagens estão acompanhadas de editoriais elogiando Horácio Lafer e Ricardo Jafet por
ambos terem tomado medidas para desburocratizar o Banco do Brasil e, assim, facilitarem a
ampliação dos financiamentos,
140
sem que tenhamos identificado qualquer crítica à gestão do
presidente do BB. Por fim, em um pequeno balanço das realizações do governo em 1952, O
Globo colocou, entre os aspectos positivos, o fato de o “crédito e as operações bancárias
[terem sido] desenvolvidos. Em harmonia com a política governamental de difusão do crédito,
o Banco do Brasil ampliou consideravelmente sua rede de agências, tendo criado 50 delas em
vários pontos do país”.
141
Entretanto, não devemos esquecer que OG tinha sido um dos
diários mais beneficiados pela política de expansão de crédito na gestão de Jafet no BB, o que
talvez possa explicar a ausência de críticas a mesma. Veremos, depois, que não é a única
explicação possível.
De todos os jornais pesquisados, foi em O Jornal, porém, que encontramos uma
postura mais favorável à ampliação do crédito. Defendendo a tese que a expansão da
produção exigia o aumento e não restrição creditícia, OJ elogiou as medidas do governo neste
sentido e mesmo solicitou que o Executivo agisse mais ativamente.
142
Chegou, inclusive, a
reclamar que a proposta de seletividade de Lafer, embora justa, estava sendo seguida com
muito rigor pelo sistema bancário, na medida em que “fazendeiros, industriais e
137
“O destino do Banco de Desenvolvimento”, O Globo, 25 de junho de 1952, Caderno 1, página 1.
138
Por exemplo: “A maior oferta de alimentos é a segunda medida complementar. Que se abra o crédito
bancário, tanto oficial, quanto particular para a rápida construção de silos, armazéns, frigoríficos e para o
financiamento das lavouras ânuas” (O Globo, idem).
139
E não só pelo efeito de visibilidade, mas também pelos títulos e subtítulos das reportagens, que dão uma ideia
da receptividade às medidas: “Poderes especiais para o Ministro da Fazenda”, com o subtítulo: “Declarou o sr.
Láfer ao „O Globo‟ que está habilitado a encaminhar o crédito no sentido de aumentar a produção nacional”, O
Globo, 6 de março de 1951, Caderno 1, página 1, “Expansão, e não retração do crédito”, O Globo, 2 de junho de
1952, Caderno 1, página 1 e 2, “Política certa para ajustar finanças do Brasil”, O Globo, 6 de agosto de 1952,
Caderno 1, página 1 e 4.
140
Em relação a Lafer: “Burocracia bancária”, O Globo, 13 de junho de 1952, Caderno 1, página 1. quanto a
Jafet: “Uma reforma oportuna”, O Globo, 10 de outubro de 1952, Caderno 1, página 1.
141
“Um ano de governo”, O Globo, 31 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 2.
142
Quanto a isso, os exemplos são vários. Ver: “Clima de confiança e estímulo à produção”, O Jornal, 8 de maio
de 1951, Caderno 1, página 4, “Novas planos de crédito rural”, O Jornal, 23 de agosto de 1952, Caderno 1,
página 4, “Nova função atribuída ao crédito”, O Jornal, 18 de março de 1951, Caderno 1, página 4, “Novos
métodos de trabalho na expansão do crédito”, O Jornal, 26 de maio de 1951, Caderno 1, página 4, “Expansão e
difusão do crédito”, O Jornal, 8 de julho de 1951, Caderno 1, página 4, “Reforma do crédito agrícola e
industrial”, O Jornal, 21 de setembro de 1951, Caderno 1, página 4 e “Expansão do crédito e aumento da
produção”, O Jornal, 16 de abril de 1952, Caderno 1, página 4.
191
comerciantes” se queixavam de não conseguir “levantar qualquer importância nos bancos ou
agências locais, porque se conservam surdos aos apelos das classes operosas, recusando-se a
cooperar com as suas atividades
.”
143
Desta maneira, não surpreende que O Jornal apresente uma opinião completamente
positiva da gestão de Ricardo Jafet no Banco do Brasil. Ao contrário de ser visto como um
empecilho à política de combate à inflação do governo, este é representado como um dos
instrumentos da viabilidade desta política,
144
não existindo contradições mas
complementaridade entre a ação de Jafet liberando o crédito e a de Lafer controlando os
gastos e as emissões. Em relação ao conflito público que envolveu a ambos, ao menos no
material levantado por nossa pesquisa, ele não é mencionado pelo jornal. É sempre bom
lembrar, porém, que as empresas jornalísticas de Assis Chateaubriand também foram
beneficiadas com a política expansionista de Jafet, mas até que ponto isso explica a postura
adotada pelo jornal, é impossível afirmar.
Em síntese, neste caso, embora haja diferença na posição dos diários sendo o JB e o
CM mais resistentes à expansão creditícia, enquanto OG e, especialmente, OJ são bem mais
favoráveis à mesma é possível afirmar que nenhum deles seguiu uma linha de argumentação
ortodoxa ou neoliberal, como a desenvolvida por Gudin. Aproximaram-se mais daquilo que
defendiam Vargas e Lafer sobre a necessidade de um crédito seletivo para fomentar a
produção como forma de combater a inflação.
Feita essa análise sobre o tema do crédito, importa agora avaliar a questão da retração
dos investimentos, especialmente os públicos.
Para entendermos o posicionamento dos jornais estudados, devemos levar em conta
que, no geral, estes diários convergiram em apontar que um dos problemas da economia
brasileira era a carência de energia e, especialmente, de transportes, que prejudicava a
produção e a circulação das mercadorias, agravando o processo inflacionário. Essa
constatação, em si mesma, pouco acrescenta à nossa análise, mas interessa verificar qual foi a
política que os jornais defenderam para a solução deste problema. Iremos trabalhar com mais
detalhes dessa questão no Capítulo V, ao tratarmos da CMBEU e da criação do BNDE, que
143
“Da seleção à negação do crédito”, O Jornal, 28 de maio de 1952, Caderno 1, página 4.
144
“Novos métodos de trabalho na expansão do crédito”, O Jornal, 26 de maio de 1951, Caderno 1, página 4.
Outros elogios à atuação do BB podem ser encontrados em: “Expansão e difusão do crédito”, O Jornal, 8 de
julho de 1951, Caderno 1, página 4, “Reforma do crédito agrícola e industrial”, O Jornal, 21 de setembro de
1951, Caderno 1, página 4, “Expansão do crédito bancário”, O Jornal, 13 de janeiro de 1952, Caderno 1, página
4, etc. Elogios à figura de Ricardo Jafer também estão presentes: “O papel do Banco do Brasil no revigoramento
da economia nacional” (O Jornal, 22 de julho 1951, Caderno 1, página 4) e em artigos de Chateaubriand: “Um
Bravo”, O Jornal, 15 de janeiro de 1953, Caderno 1, página 4.
192
envolveram os investimentos em infraestrutura. Por agora, importa destacar que, ao
abordarem a inflação, o posicionamento dos jornais inclinou-se mais para a defesa da
continuidade, quando não da expansão, dos investimentos públicos em infraestrutura do que
da sua retração.
Mesmo jornais como o CM e o JB, que demonstraram maior cuidado com a
estabilidade monetária, não deixaram de clamar pela necessidade de o Estado aumentar os
seus investimentos como forma de combater a inflação. Por exemplo, a única crítica que
fizeram ao programa inicial de saneamento de Lafer foi o corte, considerado excessivo, no
setor de transportes. O JB foi eloquente ao censurar a proposta de saneamento do ministro por
ela retirar verbas de setores como a “construção de estradas, o que [viria] contrariar a política
de transportes, tão necessária à ampliação das estradas de ferro e rodovias, dadas as condições
precárias desse setor, face aos interesses em jogo e que dizem de perto com a economia do
País”. Política que este diário considerou contraditória com a proposta de “aumento da
produção” defendida pelo Chefe de Governo.
145
O Jornal e O Globo também abordam o problema, entretanto, avançaram um pouco a
sua análise, ao associar a questão da carência dos transportes não apenas a uma dificuldade
pontual da economia mas a conceitos mais amplos como o de “gargalos” ou “pontos de
estrangulamento”, presentes na própria visão que o governo apresentava da questão. O Globo
foi bem claro quanto a isso ao endossar os principais itens de um discurso do ministro Lafer:
O primeiro é a crise peculiar da economia brasileira de hoje, crise que o Sr.
Horácio Lafer definiu, certa vez, com muita felicidade, como crise de
„estrangulamento‟. Essa crise é uma consequência da expansão econômica em que
nos achamos. Surgem, em torno de nós, diariamente, novas iniciativas. (...). Mas
dois ou três pontos vitais da estrutura econômica não oferecem, não podem oferecer
elasticidade para acompanhar essa expansão generalizada: tais pontos são,
sobretudo, a energia elétrica e o transporte. (…)
Eis porque é justo falar em „pontos de estrangulamento‟. O que cresce é
estrangulado na fase de transporte ou de utilização da energia.
146
Em outras palavras, estamos diante daquilo que alguns economistas
desenvolvimentistas iriam chamar de “crise de crescimento” e que estava se tornando uma
145
“Todavia, os resultados desse incremento poderão ficar à mercê da deficiência comprovada dos meios de
transportes, sobretudo por se saber que até agora tem sido esse o ponto nevrálgico da questão. Não basta,
portanto, produzir, e produzir bastante, quando a perspectiva será a de resultar inútil, talvez, como de outras
vezes, todo o trabalho em favor dessa providência que levará o homem do campo e o das fábricas à intensidade
de aproveitamento das suas energias, no afã de obter, afinal, a melhoria de vida, por ser essa a conclusão com
que lhe acena o Governo em suas promessas.” (“Providências contraditórias”, Jornal do Brasil, 21 de fevereiro
de 1951, Caderno 1, página 5.)
146
“O destino do Banco de Desenvolvimento”, O Globo, 25 de junho de 1952, Caderno 1, página 1.
193
espécie de consenso entre os intelectuais ligados a esta corrente.
147
Como afirma O Jornal:
Crescemos mais rapidamente do que nos seria possível prever as exigências que esse
crescimento impõe. Precisamos de mais estradas, de aparelhar convenientemente as
antigas, de reequipar os portos, modernizar todo o sistema de transporte do país. (…)
É claro que essa obra não poderá ser feita em alguns meses, nem mesmo em alguns
anos. O essencial é que tenha sido concebida e esteja em execução, como realmente
se encontra, para que os males de que hoje nos queixamos venham a desaparecer em
futuro breve.
148
O JB também convergiu nessa análise:
Essa é a verdadeira crise de crescimento a que aludiu, dias, o relator da
Comissão de Finanças da Câmara e contra a qual não se poderão aplicar medidas
que não sejam as de amenizar consequências inevitáveis, considerando-se estarem
em causa os superiores interesses do País.
149
Em se tratando de uma “crise de crescimento”, na visão desenvolvimentista, o melhor
a fazer era ampliar e não reduzir os investimentos públicos para superar os gargalos da
economia. Conclusão com a qual diários como O Jornal, o Correio da Manhã, O Globo e
até o JB, ao menos nos limites do tema aqui analisado, demonstram concordar, quando
abordam o efeito sobre a inflação dos investimentos públicos em infraestrutura e na produção:
Aumentar a produção implica no emprego, pelo Estado, de grandes somas, pois sem
gastar não irá o governo promover a expansão e o fortalecimento da economia
interna. Em primeiro lugar, como diz o presidente Vargas em sua mensagem, temos
que criar as indústrias de base e de certo que não seria possível estabelecê-las no
país senão com o emprego de amplos recursos financeiros. Do mesmo modo que
expandir a indústria manufatureira de bens de consumo significa investir nesse
empreendimento grandes capitais.
Portanto, comprimisse de um lado e dispende-se de outro mas dispendem-se em
iniciativas que rendem, que dão proveito e que aumentam a riqueza.
150
147
Segundo Bielschowsky entre os desenvolvimentistas, nos anos 50, estava se firmando um consenso em torno
de uma “crise de crescimento”, expressão utilizada por Campos que os neoliberais não gostavam, pois estes
pregavam uma política de contração dos investimentos e do consumo por considerarem que havia pleno emprego
e excessiva pressão da demanda. Achavam, portanto, excessivos a taxa de investimento e o ritmo de crescimento.
O que os preocupava naquela expressão era o fato de que podia ser admitida como legitimação da crise e do
ritmo corrente de crescimento (...) e desviar a atenção daquilo que consideravam a verdadeira causa da crise, a
saber, a gestão da política econômica do governo Vargas, inflacionária e intervencionista”
(BIELSCHOWSKY, 2000, p. 372).
148
“O governo não é tudo”, O Jornal, 3 de fevereiro de 1952, Caderno 1, página 4. A mesma visão pode ser
encontra em outros editoriais, como “Considerações acerca da Mensagem” (O Jornal, 17 de março de 1953,
Caderno 1, página 4), onde se diz: “Os nossos problemas são muitos grandes e cresceu (sic) com o próprio
desenvolvimento da nação”.
149
“Nova política econômico-financeira”, Jornal do Brasil, 15, dezembro de 1951, Caderno 1, página 5.
150
“Nova função atribuída ao crédito”, O Jornal, 18 de março de 1951, Caderno 1, página 4. Ver também: “O
problema principal”, O Jornal, 4 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 4, “Tudo pronto para recomeçar”, O
Jornal, 4 de março de 1952, Caderno 1, página 4 e “O governo não é tudo”, O Jornal, 3 de fevereiro de 1953,
Caderno 1, página 4.
194
***
Ainda se desconhece o montante de investimentos que será anualmente
solicitado pelo conjunto dos planos econômicos do governo. É certo, porém, que
serão superiores a 20% da poupança nacional. A consequência disso será a escassez
de recursos para os empreendimentos que, normalmente, seriam acionados por esse
capital. Se o governo não tomar certas providências, o resultado dessa escassez
será a diminuição dos bens de consumo, como a decorrente elevação dos preços.
Como evitar esse efeito negativo? Reduzindo o montante dos investimentos? A
nosso ver, essa solução só poderia ser adotada em último recurso.
151
Em síntese, notamos que os jornais pesquisados apresentaram preocupação com o
problema inflacionário e defenderam medidas de saneamento financeiro para debelá-lo;
entretanto, convergiram em afirmar que o combate à inflação não poderia se limitar a políticas
restritivas de controle de gastos públicos, sendo necessário fomentar o aumento da produção
e, para isso, prognosticaram políticas de crédito seletivo ou mesmo de expansão creditícia e,
especialmente, propostas de ampliação do investimento público em infraestrutura para superar
os gargalos da economia. Desta maneira, apesar de alguns pontos de aproximação com a
ortodoxia, a visão dos jornais do problema da inflação parece ser mais afinada com a
concepção desenvolvimentista que ganhava espaço no debate público da época do que do
liberalismo ou do neoliberalismo defendido por Gudin. Haveria contradição ou falta de
coerência nos jornais?
Pode ser, mas, como pretendemos demonstrar, essa postura parece ser mais uma
característica da estratégia argumentativa da imprensa no período do que propriamente
resultado da falta de consistência em suas tomadas de posição. Como agentes do campo
jornalístico cujo poder deriva da capacidade de mediação entre os dos demais campos de
produção e o campo social, era muito difícil para um jornal levar às últimas consequências o
prognóstico que o pensamento liberal ou neoliberal mais puro apresentava para a inflação.
Considerada como uma consequência necessária do pleno emprego ou superemprego, o
deveria ser combatida mediante o recuo dos investimentos e, até mesmo, do aumento do
desemprego, para desafogar a demanda. Para um teórico, que chegava a esta conclusão
elaborando um belo teorema em seu gabinete de estudos, ela poderia ser plenamente
sustentável no debate público. Agora, para um jornal assim como para um político ,
relativamente dependentes do público leitor e do universo de anunciantes, afetados pelas
consequências econômicas imediatas desse receituário, era muito mais difícil e altamente
depreciativo de seu capital de confiabilidade.
Por fim, percebemos diferenças entre os periódicos estudados: o JB e o CM se
151
“Banco de investimentos”, Correio da Manhã, 14 de novembro de 1951, Caderno 1, página 4.
195
demonstraram próximos à defesa de algumas medidas restritivas, enquanto que OG e,
especialmente, OJ pareceram se alinhar com uma visão heterodoxa ou cepalina da questão;
entretanto, conclusões sobre isso ainda seriam precipitadas.
3.2.5 Tomada de posição e identidade de classe
O último tema que iremos trabalhar nesse Capítulo diz respeito a que grupos sociais,
na questão da inflação, estes jornais parecem querer direcionar o seu discurso ou, ao menos,
em quais parcelas da população ele teria mais chances de ser melhor aceito?
Uma das formas de tentar responder a estas perguntas é analisar a maneira como os
periódicos abordaram os grupos que poderiam estar se sentindo prejudicados com a política
de estabilização do governo.
Nesse sentido, é interessante observar que um tema muito tratado por alguns jornais
foi o relativo aos grupos que, por terem se beneficiado com a inflação, não desejavam a sua
eliminação da cena econômica brasileira.
Quanto a isso, não encontramos um consenso entre os jornais nem sobre a
caracterização exata desses grupos, nem sobre a importância do perigo que eles
representariam para a estabilidade financeira. Periódicos como O Jornal e O Globo deram
pouca relevância ao tema ou o trataram de forma muito genérica, não nomeando os inimigos
da estabilização.
152
o Correio da Manhã deu mais destaque ao assunto, denunciando,
seguidamente, o que chamou de “manobra dos especuladores”, que faziam pressão para que o
governo ampliasse o crédito às suas atividades especulativas, o que seria, segundo o jornal,
um risco ao programa de estabilidade. Além disso, nomeou os grupos interessados na
continuidade da inflação, criticando a ação especulativa dos banqueiros e, especialmente, a
pressão dos comerciantes para ampliação da massa monetária.
153
152
O Jornal, apesar de mencionar que o combate à inflação poderia ser ameaçado por “poderosos interesses”
contrários à sua aplicação, não deixou claro quais seriam esses interesses, fazendo alusões vagas a conveniências
políticas e econômicas daqueles que se acostumaram a viver das benesses Estado. Ppor exemplo: “Política de
Economia”, O Jornal, 6 de março de 1951, Caderno 1, página 4, “Compressão de despesas inúteis”, O Jornal, 3
de abril de 1951, Caderno 1, página 4 e “Política de Economia”, O Jornal, 6 de março de 1951, Caderno 1,
página 4.). O Globo foi ainda mais discreto e menciona esta questão apenas para cobrar a promessa ainda não
cumprida do governo de acabar com a “especulação” a fim de combater o aumento do custo de vida, parecendo
mais uma crítica à ineficiência do Executivo do que uma condenação dos “especuladores” (“A verdade é
melhor”, O Globo, 18 de março de 1952, Cadernos 1, página 1).
153
“Como se vê, não se encontram fundamentos para a alegada escassez dos meios de pagamento. É possível que
determinadas localidades ou empresas tenham sido mal servidas de crédito. Mas a principal causa das
reivindicações creditícias está no fato de certos produtores e comerciantes não se resignarem com o saneamento
financeiro que os obriga a vender mais barato, reduzindo lucro especulativos a que já se tinham habituados. Atrás
dos protestos contra a falta de crédito esconde-se manobra inflacionária” (“Manobra inflacionária”, Correio da
Manhã, 7 de junho de 1952, Caderno 1, página 4). Ver também: “Escassez”, Correio da Manhã, 15 de agosto de
196
A questão, porém, vai atingir a condição de uma verdadeira campanha apenas no
Jornal do Brasil, como podemos ver nesse editorial ainda de agosto de 1951, cuja longa
citação é justificada pelo seu caráter ilustrativo:
Os poderes públicos têm resistido às investidas dos que só podem viver bem
contando com uma larga margem de lucros rápidos, e, como essas vantagens
podem ser obtidas dentro de um meio circulante inflacionário, não podem suportar
nem admitir que a administração não atenda aos seus reclamos de mais
emissões, porque o reino dos bons e fáceis negócios, das especulações de toda a
ordem com as utilidades indispensáveis à subsistência e outras ligadas à
comodidade coletiva.
Até agora, a sorte da luta pende para o ministro, que está resistindo à avalanche dos
que pretendem ver o meio circulante receber mensalmente um jato de novas
emissões. (...)
Essa corrente inflacionista não desanima, porém, na sua ânsia de conseguir o
retorno ao paraíso dos bons negócios e fartos lucros a custas do sacrifício da
maioria.
154
Neste editorial, o diário não foi muito claro em nomear quais grupos sociais seriam os
mais beneficiados com o emissionismo. Mas, na maior parte dos momentos em que aborda o
tema da “vida cara” ou das dificuldades de abastecimento urbano, este impresso faz alusão
condenatória aos “especuladores”, “exploradores”, “intermediários”, etc., ou seja, emprega
um conjunto de categorias que, apesar de ainda imprecisas, são denotações pejorativas
daqueles que exercem atividades comerciais.
155
Embora não possamos afirmar que o JB faça
uma “cruzada” contra o comércio, o periódico localizava entre os comerciantes aqueles que
mais lucrariam com a exploração das dificuldades de abastecimento.
156
É possível, também,
encontrar batalhas em setores específicos do varejo, como a campanha que o Jornal do Brasil
promoveu, no início do governo Vargas, contra o alto preço da carne, considerado abusivo.
157
Mais do que isso, o jornal abriu uma verdadeira guerra contra os “açougueiros” ou
“carniceiros”, chegando ao ponto de defender a expulsão do país daqueles que estivessem se
1951, Caderno 1, página 4. Sobre os banqueiros, ver: “Banqueiro”, Correio da Manhã, 8 de junho de 1952,
Caderno 1, página 4.
154
“Milagres da austeridade administrativa”, Jornal do Brasil, 12 de outubro de 1951, Caderno 1, página 5. Ver
também: “Oposição à ordem financeira”, Jornal do Brasil, 4 de setembro de 1951, Caderno 1, página 5.
155
Por exemplo: “Para impedir a alta dos preços”, Jornal do Brasil, 22 de junho de 1951, Caderno 1, página 5).
Contra o intermediário, consultar: “Proposições moralizadoras”, Jornal do Brasil, 17 de março de 1951, Caderno
1, página 5. Ver também: “O consumidor não tem defesa” Jornal do Brasil, 23 de maio de 1952, Caderno 1,
página 5, “Vida cara”, Jornal do Brasil, 21 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5, “A crise de autoridade e a
ofensiva dos preços”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5.
156
“A crise de autoridade e a ofensiva dos preços”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5.
157
São vários os exemplos dessa luta contra o preço alto da carne. Ver: “A crise de autoridade e a ofensiva dos
preços”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5, “Batalha cruenta e demorada”, Jornal do
Brasil, 7 de abril de 1951, Caderno 1, página 5, “O preço da carne”, Jornal do Brasil, 21 de fevereiro de 1951,
Caderno 1, página 5, “O congelamento dos preços”, Jornal do Brasil, 28 de fevereiro de 1951, Caderno 1,
página 5, “A culpa é nossa”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5 e “Ameaças condicionais
e “O problema da carne”, Jornal do Brasil, 11 de abril de 1951, Caderno 1, página 5.
197
tornado “prejudiciais aos interesses do povo, zombando da fome, da ânsia de carne da
população carioca” e fossem estrangeiros.
158
O periódico ainda exigiu que o poder público
fiscalizasse o tabelamento do preço do produto, localizando na falta de uma ação mais
repressora do Estado contra os “açambarcadores” uma das causa do encarecimento do
produto.
159
Como entender essa preocupação do Jornal do Brasil, singular entre os diários
estudados, no combate aos “especuladores”, que o leva, inclusive, a defender o tabelamento
de preço e a repressão aos comerciantes?
Embora a própria ênfase que este jornal atribuía ao combate à inflação possa ajudar na
compreensão desse tema, para o entendermos corretamente devemos lembrar que na outra
ponta dessa batalha contra os “exploradores” estava, nas palavras do próprio jornal, o
“consumidor”, especialmente o “povo pobre”, cujas baixas rendas o transformavam na vítima
principal do encarecimento da vida. É na defesa do interesse desse consumidor que o jornal
constrói seu discurso de combate aos preços altos.
160
Em princípio, esta defesa do consumidor poderia ser associada ao tradicional discurso
liberal brasileiro, que, como vimos, utilizava este tipo de argumento para combater as
políticas de intervenção estatal na economia, em especial as destinadas a incentivar a
industrialização brasileira, consideradas a causa do encarecimento dos bens manufaturados.
Entretanto, ao menos no tema aqui tratado, não cremos ser esta a intenção do jornal. Até
porque seria um discurso liberal, no mínimo, “diferente”, que utilizaria termos como
“exploradores”, “especuladores”, “açambarcadores” para se referir à atividade comercial e
pregaria, ao invés da maior liberdade possível do mercado, o tabelamento de preços e a
158
“A crise de autoridade e a ofensiva dos preços”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5
159
“Denuncia-se, agora, o ingente lucro obtido pelos carniceiros do Rio de Janeiro. Pois bem, esse lucro
continua. E as autoridades, apesar de ter elementos para impedi-lo, assistem indiferentes à perpetuação dos
abusos dos carniceiros. (…) Por que os açougueiros persistem num privilégio criminoso, com o tácito apoio das
autoridades que os deveriam multar e denunciar à Justiça?” (“O congelamento dos preços”, Jornal do Brasil, 28
de fevereiro de 1951, Caderno 1).
160
“Novo Governo, novas esperanças, que se justificam ante as soluções de problemas cuja finalidade é trazer ao
povo o conforto e bem-estar que merece. (...) Difícil, porém, deve ser o chegar-se a um resultado que contente a
todos, ao produtor, ao intermediário e ao consumidor, este o mais sacrificado e o que mais direito tem de
reclamar contra a situação, porque, realmente, por mais que ganhe, está sempre em dificuldades ante o
custo exorbitante das subsistências (“Vida cara”, Jornal do Brasil, 21 de fevereiro de 1951, Caderno 1,
página 5). Ver também “Batalha cruenta e demorada”, Jornal do Brasil, 7 de abril de 1951, Caderno 1, página 5,
“A crise de autoridade e a ofensiva dos preços” Jornal do Brasil, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 5,
“Política de elevação dos preços”, Jornal do Brasil, 15 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 5, “Projetos
irrefletidos”, Jornal do Brasil, 3 de janeiro de 1951, Caderno 1, página 5, “O consumidor não tem defesa”,
Jornal do Brasil, 23 de maio de 1952, Caderno 1, página 5 e “Proposições moralizadoras”, Jornal do Brasil, 17
de março de 1951, Caderno 1, página 5.
198
repressão ao comércio como alternativa de combate à carestia.
161
Ao contrário, este caso parece ser melhor explicado como uma tentativa de o JB
associar a sua batalha pelo fim da inflação e do emissionismo com a defesa da “economia
popular”, ou seja, com a garantia do bem-estar econômico das camadas baixas e médias das
populações citadinas. Ou seja, diferentemente da questão do aumento dos direitos trabalhistas
e do salário mínimo onde a possível identificação do JB com as camadas populares não o
levou a endossar as mesmas, predominando no diário o discurso conservador agora, nesse
verdadeiro combate aos “exploradores do povo”, a tentativa de reforçar o vínculo com essa
parcela do público leitor parece se impor.
Podemos perceber nesta questão da abordagem dos “especuladores” que periódicos
como O Jornal e O Globo demonstram pouca iniciativa em nomear e mesmo questionar os
possíveis “beneficiários da inflação”, não sendo possível encontrar maiores críticas em suas
páginas a comerciantes e banqueiros interessados na continuidade do processo. Enquanto que
o Correio e, notadamente, o JB são bem mais pontuados em localizar e condenar estes
grupos.
Os dados apresentados acima são ainda preliminares no que se refere à identificação
entre o discurso de cada jornal e os grupos sociais externos à sua esfera de produção, mas já é
possível perceber:
O Jornal do Brasil foi o periódico que adotou uma linha de ação mais distanciada dos
interesses do comércio varejista; além disso, foi o que mais apresentou uma posição capaz
de aproximá-lo das camadas de menor renda, no que se refere ao seu combate aos
“exploradores” da economia popular; entretanto, no que disse respeito aos aumentos
salariais e de direitos trabalhistas, posicionou-se contrariamente às reivindicações das
massas operárias e se afilou com os interesses patronais, mesmo os da indústria;
O Correio da Manhã adotou uma linha de ação próxima à do Jornal do Brasil, embora
não demonstre propriamente identificação com um discurso de defesa da economia
popular; de outra parte, na questão em exame neste Capítulo, não temos elementos
suficientes para relacionar a sua tomada de posição a um grupo social específico, nem
mesmo com o setor agrícola; mas é possível perceber que, assim como o JB, o CM
apresenta uma posição que não pode ser necessariamente afinada ou subordinada às
161
“Produção, salários e preços”, Jornal do Brasil, o4 de julho de 1951, Caderno 1, página 5, “Efeito da moeda
desvalorizada”, Jornal do Brasil, 15 de março de 1951, Caderno 1, página 5. sobre o posicionamento crítico
do jornal quanto à eficácia dessas medidas, ver “O combate à crise econômica”, Jornal do Brasil, 13 de maio de
1951, Caderno 1, página 5.
199
“classes produtoras” em geral, especialmente com o setor bancário e o comércio varejista;
e foi o que menos pareceu preocupado em defender os interesses patronais no caso do
salário mínimo, combatendo a proposta mais por razões políticas (antivarguismo,
antipopulismo) do que econômicas; em outras palavras, é o que menos se demonstrou
influenciado ou subordinado ao atendimento dos interesses imediatos dos agentes do
campo econômico sobre o campo jornalístico;
em relação ao O Jornal e ao O Globo, percebe-se que estes periódicos são os que
indicam uma linha de ação, se não vinculada às “classes produtoras ou conservadoras”, ao
menos a que menos contraria os seus interesses corporativos, evitando criticar os
“especuladores” e “exploradores” das camadas populares e dando voz às demandas dos
setores produtivos por aumento de crédito e auxílio do governo à produção. Em outras
palavras, como diria Bourdieu, são os agentes do campo jornalísticos que se
demonstraram, ao menos até o momento, mais próximos às demandas imediatas dos
agentes do campo econômico.
Entretanto, apesar de considerarmos pertinente traçar esse tipo de relação entre o
discurso do jornal e os grupos sociais, como informamos no Capítulo I, o nosso objetivo não é
estabelecer uma interpretação linear entre as tomada de posição dos periódicos estudados a
partir da revelação dos interesses que estariam “por trás” do texto. Ao contrário, procura-se
perceber, a partir do próprio discurso jornalístico, que grupos são nomeados e quais poderiam
melhor se identificar com as tomadas de posição assumidas por cada periódico, o que nos
permite compreender os possíveis suportes sociais externos a este discurso, sem que se afirme
haver uma subordinação determinista do texto ao social ou econômico.
Até porque partimos do pressuposto que esta análise é bem mais complexa e envolve
outros elementos, como o próprio posicionamento político dos jornais frente ao governo.
A própria compreensão da maneira com que os jornais convergiram em condenar
temas como leis trabalhistas, direitos sociais e aumentos de salários estaria incompleta se não
levasse em conta outros fatores que, no nosso entender, estão presentes. Mesmo que este
combate feroz pudesse envolver o comprometimento consciente de algum jornal com a defesa
de interesses patronais, o seu entendimento deve ultrapassar a noção de mera manipulação e
considerar também a “visão social do mundo” que estes jornais demonstram compartilhar. A
tomada de posição dos periódicos nesta questão também está ligada a uma visão de sociedade
que estaria sendo ameaçada com aquilo que alguns jornais chamaram, sem meias palavras, de
avanço do “igualitarismo”. Ou seja, na concepção desenvolvida pelos jornais, a generalização
200
indiscriminada de direitos sem a necessária compartida de deveres e, especialmente, de
merecimento, não só desestimulava o trabalho, como também subverteria a ética e a ordem de
uma sociedade supostamente construída a partir da valorização do mérito pessoal.
O Jornal do Brasil foi bem elucidativo quanto a isso, em um editorial cujo título é
muito indicativo: “No reinado da mediocridade”. Comentando as reivindicações de aumento
de salários do funcionalismo federal, condenou o fato de as tabelas de remuneração terem sido
até agora organizadas (...) com o propósito igualitário, tentando, mais uma vez,
quebrar a hierarquia econômica que sempre foi observada nas democracias
ocidentais. Essa escala de valores mentais, correndo paralela com os padrões
econômicos, sempre foi uma regra administrativa, que visa premiar os mais
capazes. (...)
O Brasil sempre pugnou pela formação de elites orientadoras, e agora é que
se observa esse prurido igualitário, procurando intervir na solução de todos os
problemas de interesse coletivo. A demagogia se infiltra e se vai tornando um
hábito de orientação, subvertendo a escala de valores. A demagogia fez uma
justiça sumária e se vangloria de estar atingindo com sabedoria, anulando, cada
dia, a hierarquia econômica, que se apoiou sempre nos padrões de inteligência e
capacidade funcional. (...) Essa tendência demagógica vai, pouco a pouco,
abalando os alicerces sociais.
162
Segundo essa forma de pensar, tal atitude tinha duas consequências igualmente
nocivas à sociedade: de um lado, promoveria a diluição ou o solapamento das “elites” cuja
presença, formação, preservação e atividade eram consideradas necessárias para a boa
governança do país;
163
de outro lado, promoveria a ascensão de “massas” despreparadas, ou
seja, ainda incapazes de se autogovernarem.
Nessa situação, a prevalência da demagogia e do demagogo se tornou possível
porque havia uma “massa de ignaros” que ascendeu prematuramente ao direito político e que
lhes servia de terreno fértil; ao mesmo tempo, eram uma demonstração do fracasso ou
ausência de uma elite capaz de assumir um papel de liderança do país.
Dentre os diários pesquisados, foi no Correio da Manhã que esta percepção apareceu
de forma mais acabada, o que talvez se explique pela caracterização desse jornal como o mais
voltado para a elite, no Rio de Janeiro. Entretanto, embora o levantamento que fizemos não
162
“No reinado da mediocridade”, Jornal do Brasil, 3 de abril de 1952, Caderno 1, página 5.
163
Em nossa amostragem, o tema do solapamento da elite ou da necessidade de se fortalecer a elite para
conseguirmos um bom governo, esteve muito presente no JB: “O movimento se orienta no sentido de resistir à
tendência que se observa, por toda a parte, de combater as elites do País, onde o Estado vai recrutar os homens
capazes de arcar com as responsabilidades de efetuar serviços públicos que se tornaram impressionantes” (“O
Estado e as elites culturais”, Jornal do Brasil, 13 de março de 19522, Caderno 1, página 5). Ver também:
“‟Socialismo‟”, Correio da Manhã, 17 de junho de 1952, Caderno 1, página 4, “O combate ao comunismo”,
Correio da Manhã, 12 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4, “A demarragem”, O Jornal, 30 de janeiro de
1953, Caderno 1, página 4, “Viver Resolutamente”, O Jornal, 3 de abril de 1953, Caderno 1, página 4 (ambos
artigos de Assis Chateaubriand). Não foram encontrados referências a este tema em O Globo nos limites do
nosso levantamento.
201
nos permita generalizações definitivas, consideramos que ela fosse, em grande parte,
compartilhada pelos demais jornais, inclusive pelo JB, considerado mais “popular”.
No caso do CM, é elucidativa a forma como ele avaliou a situação da educação no
Brasil e a falta de iniciativas para se fazer um novo projeto educacional:
Os efeitos desta apatia e desorientação já se fazem sentir. São as massas, a quem se
deu o sufrágio universal e secreto sem a correspondente educação, que
precipitam o país no vórtice da demagogia. São os doutores padrão „O‟ a
assumir, sem a menor qualificação, o comando de empreendimentos que valem
bilhões de cruzeiros, arriscando o patrimônio nacional em experiências inábeis.
Que se faz para remediar este descalabro? Na verdade, o governo ainda não
percebeu o problema. E tão tranquilo anda o ministro da Educação que, pela recente
portaria 301, resolveu abaixar as notas mínimas necessárias à aprovação e adotou
outras medidas para facilitar a vadiagem dos estudantes.
164
Em suma, vemos aqui como, nesse tipo de argumentação, encontramos subjacente uma forma
de perceber a realidade que ameaçada pelo avanço das práticas trabalhistas e populistas de
Getúlio Vargas e, especialmente, de seu ministro do Trabalho.
Como podemos interpretar essa visão?
Indiscutivelmente ela apresenta elementos elitistas e conservadores, muito
provavelmente compartilhados pelos grupos sociais (classes médias, em especial) que
produziam e liam estes jornais. Mas é também possível encontrar nela elementos próprios à
longa tradição de pensadores autoritários brasileiro, que tem em Oliveira Vianna o autor mais
proeminente.
165
Isso parece claro na identificação das camadas populares, ou seja, das
“massas ignaras”, como um corpo social incapaz de exercer corretamente a cidadania política
em um regime democrático.
166
No pensamento conservador e autoritário isto estava associado
164
“Economia e ensino”, Correio da Manhã, 24 de junho, de 1952, Caderno 1, página 4. Ver também: “Há
homens, há ideias e há comportamentos que exprimem, neste momento, o caminho do primarismo. Esses
homens são os aventureiros que incendiaram Roma para acender um cigarro ocasional. São os ignorantes e
imbecis que o voto ou a complascência (sic) de outros ignorantes e imbecis guinaram a posições essenciais. (...)
Esses homens são a horda demagógica” (“A Revolução do Primarismo”, Correio da Manhã, 7 de setembro, de
1952, Caderno 1, página 4). Outro exemplo: “A mesma falta de imaginação criadora leva as elites de nossos dias
a sucumbir diante da outra dimensão de nossa crise: a rebelião das massas. Em face dessas massas miseráveis e
ignaras, carentes de pão e de espíritos, não temos sabido apresentar outro caminho senão o da demagoga fácil,
que saca sobre a parca riqueza acumulada, queimando, numa euforia dos momentos, todas as reservas do futuro”
(“Imaginação criadora”, Correio da Manhã, 28 de agosto, de 1951, Caderno 1, página 4). Por fim: “Estamos,
como prenunciou Spengler, vivendo os anos decisivos. As massas se rebelaram. Sua rebelião, até o momento,
ainda se encontra relativamente sem direção. Mas estão o casal Perón, o sr. Ademar de Barros, o sr. Luis
Carlos Prestes e muitos outros homens tão primários como as massas, mas capazes de encadeá-las a suas
ambições e, por intermédio delas, instaurar a era do caudilismo popularesco. Estaremos condenados pela inépcia
de nossas elites, a assistir a invasão dos bárbaros?” ( “Invasão dos bárbaros?” Correio da Manhã, 24 de agosto,
de 1951, Caderno 1, página 4).
165
As considerações aqui a respeito do pensamento autoritário brasileiro e, em especial, sobre Oliveira Vianna,
baseiam-se essencialmente em: BRESCIANI, 2005., FAUSTO, 2001, PIVA, 2004 e VIANNA, Francisco José de
Oliveira. O idealismo da constituição. 2. ed.aug. Rio de Janeiro : Terra de Sol.
166
No dizer de Vianna, teríamos a ausência de uma “opinião organizada” (BRESCIANI, op.cit., 326).
202
ao regressivismo das massas, ou seja, ao comportamento quase irracional dos homens quando
reunidos em multidões, o qual se agravaria quando estas massas eram compostas por pessoas
pouco instruídas e manipuláveis.
167
Nesse caso, a conclusão era uma só: diante de camadas
populares incapazes de se autogovernarem e mesmo de terem uma opinião clara sobre os seus
próprios interesses, a liderança do país só poderia ser uma tarefa da elite nacional.
168
167
Sobre esta teoria do regressivismo das massas e a influência dela sobre o pensamento de VIANNA, consultar:
BRESCIANI, op.cit., p. 335.
168
Quanto a VIANNA, consultar BRESCIANI, op.cit. p. 341. em relação ao CM, ver, por exemplo, o
editorial Demissão das Elites: “E, quando as elites não se afirmam, não se impõem, não se fazem valer pela
inteligência pela cultura, pela coragem que lhes dão as próprias virtudes, a democracia está em perigo” (Correio
da Manhã, 15 de setembro de 1953, Caderno 1, página 4.)
4 Política cambial, capital estrangeiro e programa de industrialização
4.1 - A Política Cambial
Depois de um período de liberalidade das importações, no início do pós-guerra, com
câmbio fixo e sobrevalorizado
1
o que favorecia as importações e desestimulava as
exportações, por desvalorizar os ganhos dos exportadores quando estes eram trocados por
cruzeiros o Brasil apresentou problemas em seu balanço de pagamentos e readotou, em
fevereiro de 1948, a política do contingenciamento das compras externas pelo sistema de
licenças prévias, que havia vigorado durante a guerra.
2
Por este modelo, o governo exerceria
um controle qualitativo e quantitativo sobre as importações, pois somente poderiam ser
comprados, no exterior, bens para os quais o importador recebesse autorização da União,
através da Cexim. Além disso, dava-se prioridade aos produtos essenciais (como as compras
do governo, combustíveis, trigo, remédios, etc.) e àqueles que não tivessem similares no país.
3
O começo do governo Vargas, contudo, vai corresponder a uma melhoria no balanço
de pagamento, especialmente devido à recuperação do preço do café no ano de 1950.
4
Aliou-
se a isso o início da Guerra da Coreia, que gerou entre as autoridades brasileiras o receio de
um grande conflito militar envolvendo EUA e URSS e, com isso, a possibilidade de um
futuro encarecimento ou mesmo escassez de insumos e bens no mercado mundial.
A consequência foi a decisão de se utilizar os saldos comerciais acumulados na
compra de equipamentos e insumos que corressem o risco de escassear ou ter seus preços
1
Seguindo os acordos de Bretton Woods de estabelecer uma paridade cambial fixa, o governo brasileiro optou
por manter os mesmo parâmetros anteriores à guerra (1937), declarando ao FMI o câmbio de CR$ 18,45 por
dólar, pelo Decreto-Lei no. 9.025. Como a economia brasileira tinha sofrido uma inflação considerável durante
esses quase nove anos, a manutenção desse valor representou uma significativa sobrevalorização da moeda
brasileira em relação ao dólar. Quanto a isso, consultar: HUDDLE, Donald. Balanço de pagamentos e controle
de câmbio no Brasil, diretrizes políticas e História, 1946/1954. In.: Revista Brasileira de Economia, FGV, vol.
18, n
o
. 1, pp. 5-40, março/1964 e SARETTA, Fausto. O governo Dutra na transição capitalista no Brasil. In:
SZMRECSÁNYI, Tamás & SUZIGAN, Wilson (org.) História Econômica do Brasil Contemporâneo. 2ª. edição.
São Paulo HUCITEC/Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica/Editora da Universidade
de São Paulo/Imprensa Oficial, 2002.
2
Pela Lei n
o.
62, de 23 de fevereiro de 1948. A liberalização do câmbio se refletiu no balanço de pagamentos, já
no ano de 1947. “Enquanto as importações subiam de valor em quase 90%, as exportações subiam apenas 15%
em confronto com 1946” (HUDDLE, op.cit., p. 9). Os serviços também subiram 35%. “O resultado líquido foi
um déficit na Conta de Mercadorias e Serviços da ordem de US$ 150 milhões e um déficit total, inclusive
Capital e Erros e Omissões, de US$ 163, 1 milhões” (HUDDLE, loc.cit).
3
Para HUDDLE, este modelo, na medida em que tornou impossível “contratar câmbio sem a licença oficial”,
estancou as aberturas “do antigo sistema, pela qual os exportadores estrangeiros limitavam-se a esperar o
pagamento enquanto os brasileiros importavam em larga escala sem cobertura cambial” (HUDDLE, op.cit., p.
18).
4
A elevação internacional do preço do café permitiu, em 1950, um saldo de US$ 425 milhões na balança
comercial. Essa situação levou a um abrandamento das licenças para importar, especialmente devido às
necessidades da indústria. No fim de 1950, as reservas eram de US$ 250 milhões (VIANNA, op.cit., p. 47).
204
excessivamente elevados, no caso de um novo confronto de dimensões globais. Essas medidas
favoreceram enormemente o setor industrial brasileiro: a maior liberdade para a importação
de máquinas, equipamentos e insumos industriais, aliada aos limites à compra no exterior de
bens de consumo, permitiu ao setor de manufaturas investir na ampliação da sua capacidade
produtiva e contar com um mercado interno aquecido e em expansão.
Porém, a partir de 1951, o país passou a sofrer significativa queda nas exportações (em
torno de 20%) e, consequentemente, teve o retorno dos atrasos comerciais que atingiram a
casa dos US$ 610 milhões, em 1952 e dos saldos negativos no balanço de pagamentos
(VIANNA, op.cit, p. 63).
Para contornar a dificuldade, em agosto de 1951, as autoridades monetárias
recomendaram que a Cexim tornar-se as concessões de licenças mais restritivas (HUDDLE,
1964, p. 32). Mas a ação mais contundente veio por parte do presidente Vargas, que fez duras
críticas ao excesso de retorno de capitais, pelo emprego do “reinvestimento”, em sua
Mensagem de Ano Novo, em dezembro de 1951. Não satisfeito apenas em condenar o capital
estrangeiro investido no Brasil como responsável por evasão de divisas, o governo apresentou
o Decreto n
o.
30.363, que regularizou uma antiga disposição legal do governo Dutra.
5
Esse
decreto, além de reafirmar as regras originais do ex-presidente, ainda determinava que o
Banco do Brasil fizesse uma “reestimativa do valor contábil do estoque do capital estrangeiro
na economia brasileira, de forma a abater do capital registrado todas as parcelas já transferidas
como lucros, juros ou dividendos excedentes dos 8% anteriores permitidos” (VIANNA, 1987,
p. 64.).
As medidas de Vargas tiveram ampla repercussão, tanto dentro como fora do Brasil.
No interior do país, houve reclamações, especialmente dos responsáveis pelas decisões da
Sumoc e da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil no governo Dutra, que se consideraram
injustiçados pelas acusações do presidente. Mas as principais reações vieram do exterior.
5
Para entendermos essa questão, devemos recordar que, no dia 27 de fevereiro de 1946, o então presidente Dutra
assinou o Decreto-lei n
o.
9.025, estabelecendo limites para o retorno dos investimentos estrangeiros aplicados no
Brasil. Tal decreto determina, no seu artigo 6º, para efeito de amortização, que passava a ser “assegurado o
direito de retôrno (sic) ao capital estrangeiro previamente registrado na Carteira de Câmbio do Banco do Brasil
S.A., desde que a parcela anual de transferência não exceda de 20% do capital registrado”. Já no que se refere ao
enviou de lucros, juros e dividendos a alíquota permitida seria de até 8% ao ano, “considerando-se transferência
de capital o que exceder essa percentagem e vigorando para esse (sic) fim os prazos previstos neste Decreto-lei”.
(Decreto-Lei n
o.
9.025. Fonte: Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos,
disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1937-1946/Del9025.htm, consultado em
24/09/2008.). O problema é que tais regras nunca foram aplicadas, pois o Decreto dava poderes à SUMOC e à
Carteira de Câmbio do Banco do Brasil para regulamentarem e executarem o mesmo. Assim, estas instituições
permitiram as empresas “alienígenas” registrarem como capital estrangeiro os rendimento gerados no próprio
país que não puderam ser remetidos para o exterior, aumentando seu volume legal de remessa com divisas
obtidas no próprio Brasil.
205
Além dos protestos dos círculos financeiros norte-americanos, o jornal New York Times fez
veemente pronunciamento contra as medidas de Vargas, consideradas hostis ao capital
estrangeiro, e o secretário adjunto do Departamento de Estado para Assuntos Internacionais,
Edward Miller, em uma Conferência na Câmara de Comércio de São Francisco, “insinuou que
os empréstimos bancários ao Brasil seriam suspensos se fosse mantido o ato promulgado”.
6
O decreto e o discurso de Getúlio motivaram alguns autores a considerá-los como
indícios de que o presidente fazia um governo nacionalista e anti-imperialista, hostil ao capital
estrangeiro, o que teria gerado ou acirrado a oposição dos EUA e dos setores mais
conservadores da sociedade brasileira, inclusive a imprensa, ao seu governo.
Pesquisas mais recentes, porém, têm procurado combater esta interpretação. Sérgio
VIANNA, por exemplo, argumenta que, quando este decreto foi promulgado, estávamos em
meio a negociações com os norte-americanos para obter um empréstimo de 300 milhões de
dólares a fim de saldar os atrasos comerciais, o qual acabou sendo concedido. Além disso,
este economista ainda ressalta que o próprio presidente Vargas já havia enviado ao Congresso
a Lei do Mercado Livre do Câmbio (Lei 1.807), que pretendia dotar o sistema cambial
brasileiro de regras mais abertas, inclusive para a remessa de capital ao exterior. Enviada
ainda em 1951, esta lei foi aprovada em janeiro de 1953, sendo regulamentada pelo
Decreto n
o.
32.285, de fevereiro do mesmo ano. Por ela, a Sumoc manteria o controle sobre o
fornecimento de dólares pelo câmbio oficial, mas haveria liberdade para a importação e
movimento de capitais pelo mercado livre de câmbio, no qual o preço do dólar era bem mais
caro. Assim, pretendia-se atrair capital estrangeiro para o Brasil, porque ele teria como
remeter lucros e juros pelo mercado livre, e desestimular as importações, que deveriam pagar
um dólar majorado.
7
HUDDLE acrescenta que esta nova legislação também desejava
favorecer os exportadores, ao permitir que os produtores dos “gravosos”, ou seja, de produtos
com dificuldade de colocação no mercado internacional, vendessem até 50% de suas cambiais
no mercado livre, desde que isso não ultrapassasse 4% da média das exportações do período
trienal anterior (HUDDLE, op.cit., p. 32).
6
VIANNA, op.cit, p. 85. Os empréstimos a que o autor se refere correspondem aos créditos prometidos ao Brasil
com base nos acordos da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e que seriam fornecidos pelo Banco Mundial.
Sobre esse assunto, iremos tratar no Capítulo V.
7
Para favorecer a entrada de capital estrangeiro, o governo ainda determinou que “os capitais de empréstimos
que fossem considerados de „indubitável interesse para a economia nacional‟ entrariam e teriam suas
amortizações e transferências de juros até 8% ao ano realizada pelo câmbio oficial (...)”. Além disso, aos
investimentos direto de capitais em áreas de interesse seria permitido a remessa de capitais em até 10% pelo
câmbio oficial e remessas ilimitadas pelo câmbio livre. A possibilidade de entrada pelo mercado livre e saída
pelo mercado oficial configurava uma subvenção importante ao capital favorecido, criticado na época.
(VIANNA, idem, 86)
206
Esse projeto pretendia tornar a legislação cambial brasileira mais flexível, favorecendo
o fluxo de capitais, dinamizando as exportações e ainda mantendo controle sobre as
importações. E, por essas razões, autores como VIANNA, em virtude da liberalidade que ela
oferecia ao capital externo, desqualificam a ação de Vargas no início de 1952 como “hostil ao
capital estrangeiro” e “anti-imperialista”, tendo sido motivada por razões econômicas, embora
Vargas tivesse aproveitado a oportunidade para dar-lhe, discursivamente, um tom mais
“nacionalista”.
no que se refere à Lei do Câmbio Livre, mesmo passando por algumas
modificações e aprimoramentos, ela não conseguiu atingir os seus objetivos, pois a situação
das exportações piorou, reduzindo o seu valor em 11%, no ano de 1952.
8
O desgastado
sistema de licença prévia foi mantido e, assim, a Cexim
9
continuou a restringir as
importações, o que permitiu a queda no volume das mesmas, mas não tornou o mecanismo
mais aceitável e muito menos impediu o déficit na balança comercial provocado pelo fracasso
das vendas externas (HUDDLE, idem, p. 35).
Em busca de uma solução para essas dificuldades, o governo apresentou a Instrução 70
da Sumoc, em 9 de outubro de 1953, quando Aranha havia assumido a pasta da Fazenda.
Um dos objetivos dessa medida era, segundo GOMES & RIO, “resolver o problema do
escoamento dos chamados „produtos gravosos‟ e atender às aspirações dos cafeicultores,
eliminando o „confisco cambial”‟.
10
Para isso, foi oferecido um ágio às exportações de Cr$
5,00 por dólar ao café e de Cr$ 10,00 aos demais produtos.
11
no que se refere às
importações, o sistema “tinha por objetivo, entre outros, resolver o problema da Cexim;
8
A principal razão desse resultado das exportações é que a venda dos “gravosos” no mercado externo não
aumentou, apesar dos benefícios, e a do café caiu, pois os exportadores passaram a reter estoques, na expectativa
de uma nova mudança legal que lhes permitisse vender o máximo de divisas pelo câmbio livre (HUDDLE,
op.cit.).
9
Segundo HUDDLE, o sistema de licença prévia estava se demonstrando incapaz de corrigir os desequilíbrios
na balança comercial brasileira. Além disso, o alto valor de uma licença de câmbio em relação ao seu preço de
origem deu margem a uma série de abusos, porque, conforme HUDDLE, “tornava os funcionários que
controlavam as licenças de câmbios extremamente suscetíveis ao suborno por parte dos importadores” e, depois,
“o sub e o superfaturamento tornavam-se extremamente lucrativos”, fazendo com que o mercado negro
funcionasse abertamente. Afora o fato de “a taxa altamente supervalorizada” exercer “um efeito deletério sobre
as exportações, especialmente quanto aos produtos marginais,” incentivando a saída e não a entrada de capital
estrangeiro. (HUDDLE, op.cit., p. 32).
10
GOMES, Henrique C. & RIO, Antônio S. Sistema cambial: bonificações e ágios. In.: BARROS, José Roberto
Mendonça & VERSIANI, Flávio Rabelo. (Org.). Formação Econômica do Brasil: A Experiência da
Industrialização. Série ANPEC de Leituras de Economia. São Paulo. Saraiva. 1977, p. 339.
11
Em síntese, o sistema funcionava da seguinte forma: estabeleceu-se que, no ato da liquidação dos contratos de
câmbio, seriam pagos aos exportadores, além da taxa oficial (cerca de Cr$ 18,36 por dólar), mais Cr$ 5,00, no
caso do café, ou Cr$ 10,00, para os demais produtos, por dólar ou seu equivalente em outras moedas. O
resultado foi um câmbio real de dólar-café Cr$ 26,36 e o dólar-demais produtos Cr$ 28,36, com bônus de 28% e
de 54%, respectivamente. Tais bonificações "foram consagradas pela Lei no. 2.145, de 29-12-1953, e vigoraram
até 15-8-1954." (GOMES & RIO, op.cit.,, p. 339).
207
assegurar o pagamento pontual das importações, evitando novos atrasos comerciais e
importações supérfluas e propiciando o equilíbrio da Balança Comercial e de Pagamentos”
(GOMES & RIO, op.cit., p. 345). Com esse intuito, “ficou estabelecido que à Carteira de
Câmbio do Banco do Brasil cabe[ria] mandar vender, em pregão, nas Bolsas de Valores e
Fundos Públicos do País, as disponibilidades de câmbio que pude[sse] destinar ao pagamento
de importações”, as quais dividiam-se em cinco categorias, conforme graus de prioridade
estabelecidos pelo governo (GOMES & RIO, loc.cit.). Importações essenciais, como o
petróleo, ficavam na faixa A e obtinham o dólar ao câmbio oficial, mais uma taxa de serviços
(Cr$ 5,00), enquanto que as demais solicitações eram classificadas entre B e D, pagando mais
caro pelo dólar conforme fossem consideradas menos prioritárias. Os ágios obtidos nos leilões
seriam recolhidos ao Banco do Brasil em nome da União e destinados preferencialmente “ao
pagamento das bonificações aos exportadores; à regularização das operações cambiais; ao
financiamento a longo prazo e juros baixos da modernização dos métodos de produção
agrícola e recuperação da lavoura nacional, e, ainda, à compra dos produtos agropecuários”
(GOMES & RIO, idem).
Com essas medidas, o BB retomava o monopólio sobre as operações cambiais que
os bancos particulares ficavam impedidos de vender câmbio e o controle quantitativo e
qualitativo das importações era abolido, em favor do sistema de leilões, o qual, como lembra
MALAN, “permitia um papel às 'forças de mercado'”.
12
Isso tornava esse modelo realmente
diferente dos anteriores e eliminava o poder discriminatório da Cexim, cuja extinção seria
definitivamente estabelecida com a Lei n
o.
2.145 que criou a Cacex (Carteira de Comércio
Exterior), órgão ligado ao BB e agora responsável pelas operações cambiais.
Em linhas gerais, o sistema criado com a Instrução 70 é considerado bem-sucedido,
permitindo um novo impulso às exportações sem, contudo, aumentar as importações. Estas
foram “liberadas” nos leilões de câmbio, mas a um dólar crescentemente valorizado, inibindo
seu consumo. Disso resultou, porém, uma desvalorização real do cruzeiro, o que, segundo
algumas análises, favoreceu o retorno da inflação.
13
no que se refere ao orçamento federal,
a Instrução 70 permitiu ao Estado apropriar-se do ágio que era pago no câmbio negro e,
assim, contribuiu para melhorar as contas públicas, na medida em que os recursos foram
12
MALAN, Pedro Sampaio. Relações econômicas internacionais do Brasil (1945-1964). In.: FAUSTO, Boris
(org.). História Geral da Civilização Brasileira. Tomo III O Brasil Republicano, 4
o.
Vol., Economia e Cultura
(1930-1964), 1984, (pp.: 53-106), p. 74.
13
Conforme GOMES & RIO, entre outubro e dezembro de 1953, a taxa efetiva do dólar ficou em Cr$ 40,91,
com aumento de 119%; em 1954, ela foi de Cr$ 49,87, com aumento de 168%; chegando, por fim, a Cr$ 78,88,
com aumento de 319% (op.cit., 355). Sobre o efeito inflacionário da desvalorização, ver VIANNA (op.cit., 118)
e BASTOS (2001, pp.439-40).
208
desviados de suas destinações originais. Também resolveu o problema da acumulação de
atrasos comerciais ou seja, importações recebidas mas ainda não pagas por falta de cambiais
porque, como lembra MALAN, “agora, o que estava sendo vendido não eram licenças de
importação desvinculadas da real disponibilidade de divisas” (MALAN, op.cit, p. 74).
Com base nesta explanação, que sentido podemos atribuir à política cambial do
governo? Teria uma orientação nacional-desenvolvimentista, favorável à industrialização, ou
seria apenas instrumento da busca pela estabilização da economia em detrimento do
desenvolvimento?
Os principais especialistas contemporâneos sobre o tema tendem a convergir ao menos
em um ponto: negam que tal política fosse “nacionalista” ou anti-imperialista no sentido de
que tivesse hostilizado o capital estrangeiro. De fato, a principal medida que contrariou os
interesses dos investidores internacionais no país foi o Decreto-Lei n
o.
30.363, mas este, como
vimos, objetivava principalmente corrigir o problema da evasão de divisas e estabelecer
melhores condições de barganha entre o Brasil e os EUA, como acabou acontecendo.
14
Tanto
a Lei do Mercado Livre quanto a Instrução 70 tinham como uma de suas metas oferecer
atrativos para a entrada de capitais “alienígenas”, dentro dos marcos delimitados pelo
governo. Se estes não entraram na quantidade que se previa isso se deveu a uma série de
fatores, dentre os quais a própria escassez de dólares no pós-guerra que abordamos
anteriormente.
As divergências começam quando autores como VIANNA e LESSA & FIORI, além
de combater o “nacionalismo” na política cambial de Vargas, negam que ela tivesse qualquer
caráter desenvolvimentista. Para o primeiro autor, a preocupação com o equilíbrio do balanço
de pagamentos e a estabilidade financeira foi o que guiou o governo desde a atitude inicial de
liberalizar as importações. Segundo ele, tal medida tinha como objetivo principal combater a
inflação, pois estava baseada no conceito das autoridades econômicas da época de que
excessivos saldos comerciais eram inflacionários. Com base neste pensamento, o governo
brasileiro teria procurado aumentar a entrada de bens de consumo no país.
15
Essa entrada
também ajudaria a controlar a inflação, elevando a oferta de bens de consumo.
Explicação
que um neoliberal como Gudin endossaria sem maiores problemas.
Além disso, a própria Lei do Mercado Livre e a Instrução 70 foram, para VIANNA,
14
Essa interpretação é encontrada em VIANNA, 1985, p.... mas é condizente com a visão geral de FONSECA,
LEOPOLDI e BASTOS em relação à política cambial de Vargas neste período.
15
Os saldos em dólares, quando fossem trocados por cruzeiros, implicariam em emissão de moeda e teriam
efeitos inflacionários ao chocarem-se com “a oferta relativamente inelástica no mercado interno” (VIANNA,
op.cit., 47-48).
209
voltadas para corrigir o déficit comercial brasileiro e o déficit público, gerando a resistência
dos industriais, ao diminuir os subsídios às manufaturas brasileiras e acabando com os limites
à compra externa de bens de consumo (VIANNA, op.cit., pp. 106-107).
A interpretação de VIANNA é contestada por outros autores, como BASTOS, para
quem a maior liberdade inicial para as importações não teve por objetivo essencial o combate
inflacionário, porque, muito embora Lafer procurasse utilizar este expediente com tal
finalidade, “a imensa maioria das importações de bens de consumo foi feita (…) através de
operações vinculadas ou através de convênios comerciais de compensação bilateral”, que não
tinham efeito anti-inflacionário porque não consumiam divisas disponíveis.
16
Por outro lado, como já salientamos, a maior parte das compras externas liberadas com
as divisas conversíveis foram empregadas para a compra de bens de capital, bens
intermediários e insumos industriais, os quais se tornaram “suficientes para acompanhar um
surto de investimentos caracterizado precisamente por uma elevação do coeficiente de bens de
importação na formação bruta de capital fixo”.
17
Isso fazia parte, conforme BASTOS, da
estratégia de desenvolvimento do presidente desde o Estado Novo: combinar oferta de crédito
fácil com cambiais subsidiadas (ou seja, com dólares baratos) a fim de estimular o
investimento industrial brasileiro por parte da iniciativa privada nacional.
Desta maneira, Vargas não teria facilitado as importações subsidiadas para a
indústria no momento em que havia saldo positivo de cambiais, como manteve o privilégio ao
setor quando os dólares começaram a escassear, preservando o mecanismo da seletividade dos
importados em favor da manufatura nacional que pagava ágios menores , e em prejuízo
dos bens de consumo, tornados mais caros ao serem colocados nas faixas de maior ágio. A
mesma linha de interpretação é seguida por FONSECA, para quem a política cambial de
Vargas sempre privilegiou o desenvolvimento via industrialização em detrimento da
estabilidade, até porque uma estratégia ortodoxa para enfrentar a escassez de divisas
implicaria na total liberalização do câmbio e na desvalorização da moeda. O que Getúlio não
fez.
18
16
BASTOS (2001, p. 401). Além disso, este autor afirma que tal medida correspondia mais ao pensamento de
Lafer do que de Vargas, como indica o fato de o presidente ter solicitado a seu auxiliar direto, Maciel Filho, uma
investigação sobre a mesma e ter determinado o seu fim, após receber o relatório de seu “homem de confiança”.
17
BASTOS, 2001, p. 425. Análise semelhante podemos encontrar em SOARES, para quem “Vargas, logo no
início de seu governo, afrouxou o controle das importações e manteve a taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada”
dentre outras razões porque foi “sensível à pressão empresarial”, interessados nas importações de “equipamentos
e bens de capital, que aumentaram cerca de 70%”, no período (SOARES, op.cit.., 92).
18
Conforme FONSECA, Vargas procurou “harmonizar o crescimento com escassez de divisas e o
intervencionismo no mercado de câmbio foi antes regra que exceção. Assim, o governo não abriu mão de
controlar importações, exportações e a compra e venda de divisas, evitando qualquer ajustamento „automático‟
210
Mas qual teria sido a posição dos industriais frente a essa política cambial?
Os autores que abordam diretamente o tema
19
apontam que as lideranças empresariais
da manufatura deram apoio à política inicial de Vargas de liberar importações, com privilégios
aos bens de capital e insumos, mas foram mais resistentes à Lei do Câmbio Livre porque ela
não resolveu o problema da falta de divisas para importar e poderia estimular a inflação pela
baixa relativa do cruzeiro
20
e também à Instrução 70. No caso desta última, convergem com
VIANNA, lembrando que ela recebeu severas críticas das entidades de classe industriais
exatamente porque acabou com o sistema de controle prévio das importações de bens de
consumo o que os industriais viam como um risco ao protecionismo , ao mesmo tempo em
que diminuiu os subsídios ao setor manufatureiro por encarecer todas as importações.
21
Segundo LEOPOLDI, o problema básico para os industriais foi que, apesar de
beneficiados pelo sistema de seletividade das importações, eles
não conseguiram torná-la uma
política permanente de protecionismo à indústria, como pretendiam. Isso ocorria, conforme a
autora, porque vários interesses estavam envolvidos no problema: a) os industriais queriam o
câmbio favorável para importar matéria-prima e equipamentos, bem como proteção ante a
concorrência estrangeira; mas b) o comércio exportador desejava obter produtos a câmbio
favorável para atender a demanda disponível dos setores com renda e deslocar os
contrabandistas; c) os consumidores com média e alta renda tinham grande interesse por
importar automóveis, eletrodomésticos, acelerado pelo cruzeiro desvalorizado com inflação
interna; e d) o próprio governo que reservava para si parte importante da cota de importação
(LEOPOLDI, 2000, p. 190).
O poder dos industriais em interferir sozinho em sua solução do problema se diluiu
muito e o resultado acabou sendo uma combinação possível desses interesses diversos,
embora com atendimento às necessidades da indústria sempre que fosse possível. Para
LEOPOLDI, as resistências e as discordâncias com pontos da cambial de Vargas não foram
suficientes para que as lideranças da manufatura passassem a se opor à mesma e nem ao
próprio governo, pois, ao fim, a Instrução 70 acabou servindo como política protecionista e de
subsídio à indústria, porque coibiu as importações de manufaturados devido ao ágio alto e
favoreceu a importação de equipamentos e matérias-primas industriais com ágio mais baixo
por parte do mercado” (1987, pp. 390-391).
19
Emprego, aqui, essencialmente, LEOPOLDI, 2001, SOARES op.cit. e BOITO Jr, op.cit.
20
Ver LEOPOLDI, 2000, p. 196 e SOARES, op.cit., 97.
21
SOARES, idem, 101 e LEOPOLDI, 2001, p. 209.
211
(LEOPOLDI, 2000, p. 211).
FONSECA argumenta nessa mesma linha, ao afirmar que, mesmo se a Instrução 70
atendesse interesses dos exportadores de bens primários e importadores de bens de
consumo,
22
ela não deixou de corresponder às demandas dos industriais. Estes, não obstante
preferissem “manter o regime de licenciamento com taxa de câmbio única e sobrevaloriza,
pois significava, praticamente, garantia de importações baratas”, foram beneficiados com o
sistema de “taxas de câmbios diferenciadas de acordo com a essencialidade”, na medida em
que tal sistema garantiu “a continuidade do fluxo de importações indispensáveis, embora
tornando-as em média mais caras que no sistema anterior” (FONSECA, 1989, p. 395).
Como lembra SOARES, os próprios empresários não foram meros beneficiários
passivos de toda esta legislação, mas atuaram firmemente no seu preparo e na sua execução:
na ausência de um regime de tarifas alfandegárias que protegesse a indústria nacional, esta
defendeu o sistema cambial (especialmente a licença prévia) como forma de proteção para o
setor manufatureiro, função que ele realmente cumpriu (SOARES, op.cit., 91). E, durante o
governo de Getúlio, os representantes empresariais do setor, tanto nas entidades de classe
notadamente CNI e Fiesp , quanto no próprio governo, atuaram para manter uma política
cambial o mais próxima de seus interesses, com razoável sucesso.
23
Sendo necessário
ressaltar, para completar essa análise, que o apoio dos industriais à política cambial do
governo não foi unânime, na medida em que estava mais concentrado nas duas entidades de
classe citadas acima, ou seja, nos setores do empresariado brasileiro interessados na
industrialização com reforço do mercado interno e privilégio do capital privado nacional,
enquanto outros grupos empresariais, como aqueles representados pela Firjan (Federação das
Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), já sob o controle de um empresariado mais ligado aos
investimentos estrangeiros no país, passou a defender o liberalismo cambial, a partir de
1953.
24
22
Segundo ele, para os importadores, a Instrução 70, apresentou certa folga, porque o que interessava não era
baratear os importados, mas continuar com as suas atividades, por isso a desvalorização cambial pode ser
considerado um “mal menor”. Contudo, ele mesmo recorda que, em suas associações, o “comércio importador
continuou criticando o governo, e a política cambial tida como aconselhável era a liberal, seguindo os ditames do
mercado e sem qualquer interferência” (1987, 396).
23
LEOPOLDI recorda que, além da presença de industriais no ministério da Fazenda (Lafer) e no Banco do
Brasil (Jafet), este grupo econômico ainda mantinha estreita relação com os diretores da Cexim e da Carteira de
Câmbio do BB. Por outro lado, Euvaldo Lodi, enquanto esteve na frente da CNI, “tinha entrevistas semanais
com o presidente da República e com o ministro da Fazenda e mantinha contatos frequentes com as autoridades
cambias do Banco do Brasil, da Sumoc e da Cexim” (LEOPOLDI, 2000, pp. 193-4).
24
Cf. SOARES (op.cit., p. 101) e LEOPOLDI (idem, p. 193).
212
Divisão internacional do trabalho e industrialização
A análise sobre o emprego da política cambial do governo como forma de incentivo ou
não à industrialização fica incompleta se nos detivermos apenas na legislação correspondente
e nos seus possíveis efeitos sobre a economia brasileira, sem levar em conta a forma como o
próprio Vargas e os seus principais assessores viam o problema. Ou seja, em última instância,
qual era a estratégia do presidente em relação ao comércio exterior brasileiro refletida nessa
legislação.
Quanto a isso, autores como BASTOS, FONSECA e CORSI defendem que a intenção
final de Vargas com as suas políticas sobre comércio exterior, câmbio e mesmo o fluxo de
capitais era buscar a industrialização como forma de o país diversificar a economia brasileira
e, assim, fugir à condição de uma frágil economia agroexportadora.
Conforme BASTOS e CORSI, desde os anos 30, Vargas desenvolvia a estratégia de
superar os limites à construção de uma nação forte, e relativamente independente, derivados
da condição do país como mero exportador de bens primários e importador de bens de
consumo manufaturados.
Como lembra este último autor,
analisando os discursos de Getúlio
em seu primeiro governo, fica claro que o programa de crescimento do período era mais do
que uma política econômica, na medida em que também pretendia realizar “um verdadeiro
projeto de consolidação da nação a partir da hegemonia do capitalismo industrial” (CORSI,
2002, p. 6). A consequência desse programa seria a mudança da posição do país frente à
economia mundial, na medida em que a sua industrialização iria alterar o seu papel na divisão
internacional do trabalho.
BASTOS, por sua vez, defende que a base do ideário nacional-desenvolvimentista
sustentado por Vargas neste período já era
a vinculação do interesse nacional com o desenvolvimento, ativado pela vontade
política concentrada no Estado, de novas atividades econômicas, particularmente
industriais, associadas à diversificação do mercado interno, superando: 1) a
especialização primário-exportadora, e 2) a valorização ufanista das riquezas
naturais, associada à ideologia da vocação natural (passiva) do Brasil para
exploração primária de suas riquezas. Contraposto à ideologia ufanista tradicional, o
nacionalismo econômico varguista defendia intervenção para o desenvolvimento, ou
seja, não era apenas nacionalismo, mas nacional-desenvolvimentismo.
25
25
BASTOS, 2006, p. 241.
213
Em seu Segundo Governo, esta estratégia não se alteraria. Como afirma FONSECA,
ainda durante a campanha eleitoral, Getúlio era claro em defender que a superação da pobreza
e da fragilidade econômica do Brasil passava necessariamente pela industrialização, tanto
através da transformação de suas próprias matérias-primas internamente quanto por
intermédio do estabelecimento de novas indústrias.
26
Durante o seu governo, teria deixado
claro que a melhor forma de resolver os problemas na balança comercial e no balanço de
pagamentos seria o progresso da indústria nacional, que permitiria exportar mais e importar
menos.
27
Ou seja, temos aqui uma forma de conceber o desenvolvimento econômico do Brasil
bastante compatível com aquilo que pregavam os próprios industriais, ao menos na linha de
Simonsen e Lodi, e com as ideias que estavam sendo sistematizadas pela Cepal.
Uma das ações mais importantes para consolidar esse programa, no segundo mandato
de Vargas, afora os programas de inversão pública no reaparelhamento econômico e nas
empresas estatais, foi a criação da Comissão de Desenvolvimento Industrial, através da
Assessoria Econômica da Presidência.
Fundada em 1951, pelo Decreto n
o.
29.806, de 25 de
julho deste ano, dela fizeram parte industriais (como Lodi, Luis Dumont Villares e Ricardo
Jafet), técnicos-militares (como Edmundo Macedo Soares e Lúcio Meira) e técnicos-
empresários ligados a companhias ou empresas estrangeiras ou associadas ao capital
estrangeiro ( como Augusto Frederico Schmidt). A CDI deu origem à Comissão Executiva da
Indústria de Material Automobilístico (Ceima), à Comissão Executiva de Material Elétrico
(Ceime) e, em 1952, apresentou um Plano Geral de Industrialização do país.
Segundo LEOPOLI, este Plano “estabelecia uma classificação das atividades
industriais e designava os setores prioritários que o governo deveria assistir em sua política
industrial”, como o energético, a metalurgia, a química, a transformação mineral, o têxtil, o de
alimentos, etc. Desta maneira, para esta autora, a “criação da CDI correspondeu a um novo
estágio da articulação entre a indústria e o Estado. Formava-se no interior deste uma agência
incumbida exclusivamente da política industrial, reunindo representantes da indústria ao lado
26
Sobre isso, FONSECA recupera trecho de entrevista de Vargas ao Correio do Povo (8 de março de 1949) onde
este declara: “Acho que o Brasil é realmente um país pobre e, por isso mesmo, precisa ser industrializado,
porque, fomentando essa industrialização, estaremos fazendo com que o Brasil deixe de ser economicamente
uma colônia exportadora de matérias-primas par ser um país industrial. O Brasil precisa transformar as suas
próprias matérias-primas e criar a sua indústria”(VARGAS apud FONSECA, 1989, p. 345).
27
Ao menos, é o que o autor identifica na primeira Mensagem de Vargas ao Legislativo, onde se afirma que os
problemas de curto prazo (como os déficits na balança comercial) não poderiam barrar o programa
industrializante na medida em que este “colaboraria para dar àquele uma solução efetiva. Ou seja: à medida que
crescesse a produção e aumentasse a produtividade, com a modernização do parque industrial e do setor
primário, o país poderia, ao mesmo tempo, diminuir suas importações e aumentar suas exportações.”
(FONSECA, idem, p. 361).
214
de técnicos do governo” (LEOPOLDI, 2000, p. 222). Tal articulação entre Estado e
empresários era algo novo, fazendo com que o projeto industrial do Segundo Governo Vargas
começasse a selar uma aliança entre a grande indústria e o governo. Diferentemente do Estado
Novo, esta aliança não estabelecia uma relação direta entre as instâncias do Estado e os
representantes da classe, mas abria arenas burocráticas especializadas, com lideranças de
setores específicos em comissões setorizadas. A presença dos líderes fabris no programa
industrializante de Vargas não se limitava à CDI, pois eles também ocupavam postos-chaves
na Comissão Nacional do Petróleo e na própria AEP, na medida em que Rômulo Almeida era
um economista cedido pela CNI.
Em consequência, não deve surpreender a constatação de LEOPOLDI para quem é
possível encontrar muita afinidade “entre a política industrial adotada por Vargas e o que foi
decidido na Reunião Plenária da Indústria, de 1953” (LEOPOLDI, 2000, p. 231). Até
porque, cimentando ideológica e programaticamente esses novos espaços, estava o aporte
cepalino e suas ideias sobre a deterioração dos termos de troca e a necessidade de
industrialização dos países periféricos como única alternativa para o desenvolvimento. O que
“permite pensar numa aliança política entre a liderança industrial, os técnicos nacionalistas,
os representantes da Cepal no Rio de Janeiro (Grupo Misto Cepal-BNDE) e o presidente
Vargas em torno de um projeto nacionalista de desenvolvimento econômico. Por outro lado,
tal projeto nunca se definiu claramente, em virtude da propensão de Vargas em buscar um
caminho intermediário” (LEOPOLDI, 2000, p. 230),
Para terminar, vale ressaltar mais duas questões relevantes, apontadas por FONSECA.
Primeiro, que o programa nacional-desenvolvimentista de Vargas, no que concerne à
industrialização, não implicava rompimento com o capital externo. Como afirma este
economista, se existiu ideologia desenvolvimentista, esta
não excluía o capital estrangeiro, antes contava com ele para levar adiante o projeto
acelerado de desenvolvimento econômico, (...) a luta pela industrialização brasileira,
por certo encontraria obstáculos externos, mas de forma alguma poderia prescindir
de capitais internacionais, inclusive para suplementar o programa industrializante
concentrado no tempo (...). Assim, o discurso ideológico apelava à autonomia e à
independência econômica do país, mas nenhuma delas supunha a busca de autarquia
ou de fechamento para o mundo exterior. Autonomia e independência significavam
industrialização, ou seja, desenvolvimento das forças produtivas capitalistas inserido
em nova divisão internacional do trabalho, que não condenassem o país a
perpetuamente exportar matérias-primas e importar produtos industrializados.
28
Segundo, embora implicasse em fortes incentivos ao desenvolvimento industrial, não é
28
FONSECA, 1989, p. 424.
215
adequado afirmar que o programa de Vargas implicasse em abandono da agricultura, como
afirmavam os críticos conservadores do governo.
29
Para esse autor, nos discursos de Vargas
fica evidente “a existência de um projeto pró-desenvolvimento capitalista, ao qual, nesse
momento histórico, significa, entre outras coisas (mas principalmente) industrialização e
modernização da agricultura, ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas dos dois
principais setores da produção.”
30
Conforme FONSECA, muito embora Getúlio evitasse em falar da “vocação agrícola”
do país, quando dava ênfase à agricultura colocava-a como voltada para o mercado interno
(baratear o custo de vida) e destinada às exportações (fornecer divisas necessárias às
importações de máquinas, equipamentos e insumos básicos à implementação do programa
desenvolvimentista). Tornava-se “claro por que a prioridade industrial não se opunha à
proteção à agricultura: esta deveria complementar-se à primeira, ou melhor, suas funções
econômicas deveriam torná-la capaz de harmonizar-se com o crescimento industrial.”
31
O que
o governo procurou efetuar com promessas de promover a mecanização do campo, trazendo a
indústria para a agricultura, de oferecer preços mínimos aos produtos do setor e a criação de
um Banco Rural. Quando se referia à reforma agrária, preferia falar prudentemente na
distribuição gratuita de terras pertencendo ao Estado a trabalhadores dispostos a cultivá-las,
evitando o tema da desapropriação privada.
Por essas razões, FONSECA conclui que a “burguesia agrária, de fato, parece ter
ficado mais próxima do governo do que geralmente se considera”, tendo em vista que o setor
agrário produtor de bens para o mercado interno seria beneficiado com o programa
industrializante e “mesmo os setores agrários produtores de bens exportáveis, em geral,
aliavam-se à burguesia industrial na sustentação da política econômica do governo” (1989, p.
397).
4.2 O desequilíbrio externo no debate público: os jornais discutem leis cambiais,
questão do capital estrangeiro e a posição do Brasil na economia mundial
O desequilíbrio no balanço de pagamentos do Brasil foi um tema que preocupou
bastante os jornais no período estudado, o que não era de se estranhar, tendo em vista as
enormes dificuldades que o país enfrentou para acertar as suas contas externas. Esta questão
29
FONSECA, 1989, p. 367)
30
Idem, p. 360
31
ibidem, p. 349.
216
envolvia basicamente dois pontos: de um lado, o comércio exterior e os sucessivos problemas
na balança comercial brasileira, com os consequentes “atrasos comerciais”; de outro lado, o
problema do fluxo de capitais e a forma como ele poderia interferir positiva ou negativamente
nesse processo.
Esse tema envolveu diretamente a política cambial do governo Vargas e a sua posição
em relação ao capital estrangeiro, na medida em que esta, como vimos, estava umbilicalmente
ligada às dificuldades no balanço de pagamentos. Porém, todo este debate tinha uma questão
de fundo mais importante, a saber: a própria visão que os jornais apresentavam sobre a
posição do país na divisão internacional do trabalho.
Tendo em vista a complexidade deste tema, vamos segmentar a nossa análise dos
jornais da seguinte maneira: em um primeiro momento, iremos apresentar uma visão geral dos
diários estudados sobre o comércio exterior brasileiro e o fluxo de capital estrangeiro; depois
analisaremos a forma como cada um se posicionou sobre os programas de Vargas; por fim,
avaliaremos como eles concebiam a posição brasileira na DIT, no contexto dos anos 50.
4.2.1 Fluxo de mercadorias e fluxo de capital: entre o livre-cambismo e o
protecionismo
A situação do comércio exterior do Brasil foi objeto de preocupação constante dos
jornais, embora não houvesse uniformidade no posicionamento dos mesmos.
Entre o Jornal do Brasil e o Correio da Manhã encontramos novamente algumas
convergências. Ambos são críticos ao sistema de licenças prévias e o papel da Cexim na
gerência do mesmo. no ano de 1951, o JB condenava a seletividade das importações, mas
não apresenta uma censura direta ao controle dos importados, pois achava que ele era
necessário devido à escassez de divisas. O problema para este jornal era a falta de critério para
a escolha das mercadorias a serem compradas no exterior. Conforme a sua opinião, a ausência
de estatísticas oficiais confiáveis fazia com que a Cexim seguisse muito de perto às demandas
dos próprios industriais e comerciantes envolvidos nesse comércio, os quais buscavam
atender mais aos seus interesses particulares do que os do país.
32
Depois, entre os anos de 1951 e 1953, as censuras são focadas na acusação de que a
Carteira de Exportação e Importação não estaria cumprindo adequadamente o seu papel, pois
permitia a entrada no país de bens supérfluos em detrimento da comprar de insumos e
32
“Sem rumo”, Jornal do Brasil, 22 de maio de 1951, Caderno 1, página 5.
217
maquinário para as atividades produtivas.
33
O Correio da Manhã também fez severas críticas à atuação da Cexim e ao sistema de
licenças prévias, mas por outros motivos. Inicialmente, este jornal condenou a política de
liberalidade nas importações adotada pelo governo em 1951, considerando-as excessivas e
causadoras dos problemas no balanço de pagamentos do país, que surgiriam no ano seguinte,
em 1952.
34
Mas, depois, passou a condenar diretamente as restrições que esta Carteira do BB
exercia sobre as compras externas. O CM não defende o abandono de toda a forma de
controle do comércio exterior, na medida em que, segundo ele, estávamos numa época de
penúria angustiosa, em que mais se torna imperativa a ação com espírito de moderação e
restrição”.
35
Mas desaprovava o modelo adotado por duas razões: primeiro, por permitir
muito espaço à arbitrariedade;
36
depois e vem a desaprovação mais de fundo por
considerar o sistema adotado um exemplo do “dirigismo do sr. Getúlio Vargas”.
37
Em princípio, a posição do CM parece contraditória, pois critica a “liberalidade” nas
importações, no ano de 1951, e depois passa a condenar o controle das mesmas, a partir de
1952. Mas, se analisarmos mais detidamente, poderemos entender melhor essa aparente
oscilação. Na fala do Correio, podemos notar duas questões básicas: de um lado, uma crítica
forte ao presidente, primeiro por liberalidade e, depois, por “dirigismo” e concessão de
“privilégios”; de outro lado, o desacordo com o sistema de seletividade por ele servir como
uma forma de “protecionismo” ao privilegiar alguns grupos com importações de matérias-
primas e equipamentos, ao mesmo tempo em que lhes garantia mercado cativo por não
permitir a compra no exterior dos mesmos bens que eles produziam:
Como a alta dos produtos estrangeiros provoca igual alta nos similares nacionais, os
lucros privilegiados que a Cexim cria com sua política protecionista se
estendem aos demais setores da economia, principalmente daqueles que
dependem de suprimentos do exterior. São os que aparecem quando se concedem
licenças para a importação, pelo câmbio oficial, de matérias-primas destinadas
à fabricação de produtos que são vendidos ao povo a preços de câmbio negro.
38
33
“Queima de divisas” (Jornal do Brasil, 14 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 5).
34
“A crise cambial”, Correio da Manhã, 17 de outubro de 1952, Caderno 1, página 4.
35
“A importação e as divisas”, Correio da Manhã, 20 de maio de 1952, Caderno 1, página 4.
36
O que dava margem a desmandos e a condenáveis privilégios, como os que se tornaram públicos em 1953,
período em que o periódico fez uma cerrada campanha contra a Cexim, sugerindo a troca do licenciamento por
um modelo de contingenciamento automático das importações. Ver: “O sr. Getúlio Vargas e a Cexim”, Correio
da Manhã, 5 de abril de 1953, Caderno 1, página 4, “A crise cambial”, Correio da Manhã, 17 de outubro de
1952, Caderno 1, página 4 e a reportagem bastante crítica: “Cexim é isso: O critério da amizade gera o
privilégio”, onde termina afirmando: “A Cexim é isto que está escrito. E também é isso o governo do sr.
Getúlio Vargas” (Correio da Manhã, 29 de março de 1953, Caderno 1, página 1).
37
“Dirigismo do Sr. Getúlio Vargas”, Correio da Manhã, 18 de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
38
“O sr. Getúlio Vargas e a Cexim”, Correio da Manhã, 5 de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
218
Percebemos que, além da crítica a Vargas, o jornal foca a sua atenção na possibilidade
de o modelo aplicado pela Cexim conceder não privilégios mas também indevida
“proteção” a determinados setores. Neste caso, às indústrias que transformavam no país
matérias-primas importadas, tradicionalmente condenadas como “artificiais” pelos liberais.
Se traçarmos um paralelo com o JB, veremos que Correio diverge deste periódico
exatamente por discordar do privilégio dado à importação de produtos essenciais para
determinados setores produtivos que o primeiro jornal havia defendido; além disso, o CM não
parece se preocupar com o uso indevido das divisas na compra de bens supérfluos, tema que
não surge em nosso levantamento deste diário.
Neste ponto é importante lembrar que, como vimos no Capítulo I, o Correio não
apenas era visto como um jornal mais voltado para as elites do que o JB, como ainda tinha
entre os artigos anunciados em suas páginas os “bens de luxo”, produtos que não estavam
presentes nas edições do Jornal do Brasil. Mesmo que não se trate de estabelecer uma
relação direta entre os interesses dos anunciantes e as tomadas de posição do CM, não
podemos desconsiderar esta situação como uma explicação possível.
no que se refere ao “protecionismo”, devemos considerar que o Jornal do Brasil
também foi sensível ao tema, demonstrando igual preocupação com a possibilidade de o
sistema servir como proteção disfarçada. Apesar de defender o direcionamento das divisas às
classes produtoras, este jornal condenou a excessiva interferência dos industriais e dos
comerciantes na seletividade dos bens a serem importados por isso poder levar a uma forma
de proteção indevida.
39
Entretanto, nos dados que temos à disposição, não é possível afirmar que o JB e o CM
façam uma campanha contra o protecionismo, pois, se ambos os jornais apresentam algumas
condenações genéricas à possível proteção à indústria nacional,
40
ao mesmo tempo aceitam a
necessidade de defesa de setores específicos dessa indústria e mesmo chegam a endossar
39
“As últimas reuniões das Confederações das Indústrias e do Comércio revelaram que os maiores problemas
da nossa economia são apresentados e discutidos com uma monótona insistência sobre pontos de vista que
teriam sido apreciados 50 anos, quando as indústrias e o comércio necessitavam de proteção, na sua
grande fase de desenvolvimento, mas que, hoje, após tantas experiências, tantos favores recebidos e tanta solidez
alcançada, dão demonstração de uma total incapacidade, especialmente por parte dos industriais, de saber-se
guiar por si e alimentar-se sem o Governo ser obrigado a todo instante a proporcionar-lhes assistência e a
alimentá-los” (“Sem rumo”, Jornal do Brasil, 22 de maio de 1951, Caderno 1, página 5).
40
O Jornal do Brasil criticou, por exemplo, os efeitos negativos do protecionismo no país, afirmando que ele
havia se tornado antieconômico, ao não favorecer mais o desenvolvimento das indústrias e tornar, no geral, a
vida mais cara
(
“Desenvolvimento industrial”, Jornal do Brasil, 25 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 5).
Quanto ao Correio, consultar: “Sabedoria antiga”, Correio da Manhã, 18 de março de 1953, Caderno 1, página
4.
219
propostas de aumento das tarifas alfandegárias brasileiras, ao afirmarem que algumas
atividades fabris poderiam vingar se fossem protegidas da concorrência estrangeira.
41
Ou
seja, temos aqui um argumento semelhante ao da “indústria infante”, embora os próprios
periódicos admitam que o parque fabril brasileiro havia ultrapassado a fase inicial que
justificava esta prática para os liberais.
Nesses dois jornais notamos que não defenderam um sistema de total liberdade
comercial e cambial, tendo em vista a própria dificuldade de o Brasil em obter divisas, não
indicando um posicionamento puramente liberal. Mas foram fortes críticos ao modelo de
seletividade aplicado no Brasil por ele tanto abrir espaço ao favoritismo e à corrupção, quanto
servir como uma forma de protecionismo à indústria, embora não seja possível identificar
propriamente uma campanha antiprotecionista. Seriam estes jornais contrários à
industrialização do Brasil, em especial à industrialização planejada? Ainda é muito cedo para
podermos responder a esta questão.
Nos periódicos O Jornal e O Globo, podemos encontrar um posicionamento bem
diferente. Ao contrário do CM, esses dois jornais endossaram a política inicial do governo em
liberalizar as importações e favorecer o atendimento das necessidades da indústria e da
agricultura nacionais, que poderiam ser prejudicadas por uma retração na oferta de insumos e
equipamentos no mercado internacional, em virtude de uma possível Terceira Guerra
Mundial.
42
O Globo, aliás, chegou a citar diretamente a liderança que a CNI exercia a favor
dessas medidas:
Adota o Governo uma orientação segura no que se relaciona com as operações
do Banco do Brasil, comprometendo-se a despender as nossas reservas-ouro
exclusivamente na importação de matérias-primas para as indústrias nacionais,
de máquinas agrícolas e outros bens de produção. (...)
A nova orientação dada ao Banco do Brasil impede que as nossas divisas
monetárias sejam desbaratadas na aquisição de objetos de luxo e artigos
supérfluos.
Aliás, desde que começou a Guerra da Coreia, as classes conservadoras do país
Confederação Nacional da Indústria à frente advertiam o governo da ameaça
que pesava sobre a economia brasileira.
43
41
Como podemos ler no JB: “É sabido que o protecionismo aduaneiro, em relação às iniciativas, no campo das
atividades industriais, constitui elemento sem o qual esse campo estaria, talvez, destinado à expressão de
capacidade inapreciável” (“Direitos sobre a importação”, Jornal do Brasil, 11 de agosto de 1951, Caderno 1,
página 5). Quanto ao Correio, ver: “Tarifas”, Correio da Manhã, 23 de maio de 1951, Caderno 1, página 4 e
“Problema fundamental”, Correio da Manhã, 23 de maio de 1953, Caderno 1, página 4.
42
“Facilitou-se, por outro lado, a atividade da Cexim, pondo-a em condições de melhor servir à importação
com financiamento adequado à estocagem dos bens de produção, matérias-primas e bens de consumo,
considerados essenciais. Era o que se devia ter feito anos atrás, pois a conjuntura internacional muito que
nos alertava sobre esse problema, notadamente depois da eclosão da guerra da Coreia” (“O papel do Banco do
Brasil no revigoramento da economia nacional”, O Jornal, 22 de julho de 1951, Caderno 1, página 4).
43
“Produção e transportes”, O Globo, 5 de junho de 1951, Caderno 1, página 3.
220
Em relação à Cexim, porém, o posicionamento destes dois jornais foi diferente. O
Globo, de forma análoga ao CM e ao JB, adotou uma posição de crítica a esta Carteira do BB
pela falta de critérios na seletividade, permitindo o privilégio e o favorecimento,
especialmente a partir de 1953, onde as censuras a ela preencheram seguidamente as páginas
do jornal.
44
Entretanto, este vespertino deixou bem claro que a sua crítica era com o mau uso
do instrumento da seletividade e não com o sistema em sim mesmo. Em editorial, cujo título
informa a posição do jornal (“Para salvar a Cexim”), depois de afirmar que o caso da
Carteira de Importação e Exportação teria atingido “os limites de clamor público”, OG
assevera:
Se queremos impedir que os nossos magros dólares sejam açambarcados pelos
importadores de artigos de luxo e de supérfluos, se queremos ter a certeza de
atender com eles às necessidades da indústria, do equipamento nacional e do
verdadeiro progresso, precisamos praticar, não com (sic) descritério, mas com
prudência, não com favoritismo, mas com imparcialidade, o sistema de controle
das exportações e importações. [Mas os desmandos da Cexim deram origem a] um
coro em favor da liberdade de exportar e importar. As vozes desse coro não partem
de espíritos esclarecidos. Quem conhece os nossos problemas sabe que esta
liberdade só viria dar asas a ganância, ao comércio de luxo, às importações
desnecessárias.
O Jornal foi o diário que mais defendeu a Cexim e à seletividade das importações.
Sobre o sistema de licença prévia e o seu uso em favor das atividades produtivas, OJ foi bem
claro.
45
Em um editorial intitulado exatamente “Licença-prévia como reforço à defesa
nacional”, afirmou:
Todos sabemos que a partir de 1947 abriu-se para o nosso país uma situação
dificílima, com a nossa balança de pagamentos em pleno desequilíbrio. Verificou-se
que a política que vinha sendo seguida de estímulo às importações não dera
resultado, porque a liberação apenas favoreceu a importação de coisas
supérfluas. Em vez de importarmos equipamentos para as indústrias e a
lavoura mecanizada, caímos na orgia dos objetos de matéria plástica, de
alimentos enlatados e de tantas outras inutilidades, consumindo vertiginosamente
as divisas que nos restavam no exterior.
O regime de licença-prévia deteve, em 1948, essa onda de insensatez mais ainda,
disciplinou o intercâmbio comercial do país.
46
44
No ano de 1953, O Globo publica uma série de matérias denunciando casos de desvios e corrupção na Cexim,
normalmente ocupando a capa do jornal ou mesmo sendo a manchete do dia, como no exemplo a seguir: “Nova
burla ao regime de licença prévia Toneladas de mercadorias estão entrando no país por força de mandados de
segurança que contrariam a orientação do STF Prejudicado os legítimos interesses do comércio organizado”, O
Globo, 5 de maio de 1953, Caderno 1, página 1 e 6. Ver também: “Desvio de Milhões de cruzeiros na alfândega
Fala a „O Globo‟ o ex-inspetor, senhor Armindo Correia da Costa, esclarecendo os fatos As irregularidades
no desembaraço de mercadorias não envolve nem anterior nem a atual administração Um ajudante de
despachante falsificava as assinaturas”, O Globo, 14 de setembro de 1953, Caderno 1, página 1 e 8.
45
“No rumo da recuperação”, O Jornal, 9 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4.
46
“Licença-prévia como reforço à defesa nacional”, O Jornal, 3 de abril de 1951, Caderno 1, página 4.
221
Mas, diferentemente de O Globo, O Jornal também procurou defender a Cexim das
acusações que foram feitas à Carteira a partir de 1953, tentando negá-las ou diminuir os seus
efeitos, especialmente no que se refere ao favorecimento para a compra de bens de luxo.
47
De qualquer maneira, o posicionamento desses dois jornais é o que mais se aproxima
das demandas das “classes produtoras” diretamente interessadas na seletividade e no
protecionismo permitido pelo sistema, a saber: a indústria de bens de consumo e a agricultura
voltada para o mercado interno, em detrimento dos grupos que defendiam a maior liberdade
das trocas internacionais (comércio de exportação e importação). Notamos que, nas páginas
desses dois jornais, não apenas inexistem críticas ao suposto protecionismo da Cexim, como
também não encontramos condenações ao protecionismo. Muito pelo contrário, o que aparece
como crítica é a falta de proteção às nossas atividades produtivas.
O Globo, como vimos, propôs o aumento das tarifas alfandegárias como forma de
contribuir no combate à inflação, aumentando a arrecadação pública. O seu apoio a uma nova
lei tarifária não se reduz, porém, a motivos fiscais, mas incorpora a defesa do parque fabril, na
medida em que, na opinião do jornal, “não possuímos proteção aduaneira para nossa indústria;
o que a defende é a falta de divisas e o regime de licença prévia”.
48
Como ele mesmo
recordou, ao falar da CDI:
Ninguém ignora que a indústria nacional, conforme frisou tempos o
deputado Euvaldo Lodi, (carece) de proteção (estatal). Na verdade, não
possuímos um sistema tarifário protecionista como os mais importantes países o
possuem. Nossa indústria precisa de defesa, de estímulo e de compreensão (...).
Precisamos incentivar a produção do que não produzimos ou produzimos
insuficientemente, não permitindo que se venham a instalar aqui indústrias em
concorrência com as já existentes. O estudo da subcomissão orienta o nosso
governo nesse sentido.
49
Notamos aqui uma posição bastante contundente do jornal, que não apenas se
distancia do pensamento liberal, como incorpora argumentos do próprio discurso industrialista
da burguesia brasileira, no que se refere à necessidade tanto de proteção ao setor fabril quanto
de impedimento à instalação de empresas concorrentes às nacionais, teses abominadas por um
pensador como Eugênio Gudin. Desta maneira, parece não ser por acaso que a CNI e o seu
presidente, Euvaldo Lodi, principal liderança industrial no país, apareçam com tanta
47
“O sistema de licença previa e as importações clandestinas”, O Jornal, 23 de junho de 1953, Caderno 1,
página 4 e “A Ação da Cexim”, O Jornal, 1 de maio de 1953, Caderno 1, página 1.
48
“O déficit”, O Globo, 9 de março de 1951, Caderno 1, página 3.
49
“Rumos para a nossa expansão industrial”, O Globo, 28 de julho de 1952, Caderno 1, página 2. Ver também:
“As Tarifas”, O Globo, 16 de março de 1951, Caderno 1, página 3
222
frequência nos páginas do jornal.
50
O que deve gerar estranheza é que esta postura em nada
corresponde a interpretação que é difundia pela historiografia à respeito de O Globo:
neoliberal e defensor do comércio exportador. Ao contrário, o que encontramos até agora é
um discurso contra esse comércio (que deseja liberação comercial para os bens de consumo)
e oposto à condenação neoliberal do protecionismo à indústria. Estaríamos diante de uma
exceção do jornal à sua linha de ação ou ela não corresponderia ao defendido
tradicionalmente pela historiografia? Devemos esperar a continuidade da análise do diário
para tentarmos responder a esta pergunta.
O Jornal também se colocou francamente favorável ao estabelecimento de uma nova
lei tarifária que servisse de real proteção à economia brasileira, em lugar do sistema precário
das licenças prévias.
51
Sobre a proposta do ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, da “criação
de uma taxa adicional ad-valorem das tarifas alfandegárias até que se proceda à revisão geral
das mesmas,” o periódico afirmou:
Trata-se de uma providência necessária para amparar a produção nacional da
concorrência estrangeira, em face do provável aumento da importação, provocado
pela nova política cambial. (...)
O seu objetivo principal se enquadra no do próprio protecionismo aduaneiro, isto
é, permitir que a produção nacional sobreviva, prospere e progrida, sem o risco
de sofrer a competição de artigos similares de outros países.
52
Mas diferentemente de O Globo, que parece centrar a sua defesa do protecionismo nas
atividades industriais, O Jornal argumentou que este protecionismo ajudava também a
agricultura.
53
De qualquer maneira, foi este diário quem expressou de forma mais clara a
necessidade de proteção e amparo do Estado ao parque fabril nacional:
Sempre que se fala ou se escreve sobre protecionismo aduaneiro, não falta quem
lhe atribua o intuito exclusivo de fomentar a indústria, à sombra das chamadas
tarifas proibitivas. Ainda que assim fosse, não haveria mais por que combatê-lo
hoje, depois que se desenvolveu o parque industrial nacional do país, a ponto de
ocupar o primeiro lugar na América Latina (...).
Um ramo de atividade que atingiu tais proporções tem o direito ao amparo do
Estado porque concorre poderosamente para a emancipação econômica da
Nação.
54
50
O que não é apenas uma característica do espaço opinativo, mas também do espaço informativo desse
vespertino. Ver, por exemplo: “Expansão industrial do Brasil é a palavra de ordem Instalada ontem a Comissão
de Desenvolvimento Industrial Os discursos do ministro Horácio Láfer e do deputado Evaldo Lodi Os
problemas fiscais e as tarifas”, O Globo, 28 de agosto de 1951, Caderno 1, páginas 2 e 7.
51
“O novo regime cambial e as novas tarifas”, O Jornal, 1º de novembro de 1953, Caderno 1, página 4.
52
“As tarifas aduaneiras e a produção nacional”, O Jornal, 14 de novembro de 1953, Caderno 1, página 4.
53
“Agricultura nacional e protecionismo aduaneiro”, O Jornal, 22 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 4 e “As
tarifas aduaneiras e a produção nacional”, O Jornal, 14 de novembro de 1953, Caderno 1, página 4.
54
“As tarifas aduaneiras e a produção nacional”, O Jornal, 14 de novembro de 1953, Caderno 1, página 4.
223
Encontramos aqui uma contundente defesa do protecionismo, mas com base em
argumentos inversos àquele da “indústria infante” que aceitava a proteção para dar início à
industrialização: no caso de O Jornal e provavelmente também para O Globo eram as
grandes dimensões de uma indústria brasileira desenvolvida que justificavam o
protecionismo, tendo em vista a riqueza, os bens e os empregos que gerava.
Como último ponto da análise desses dois jornais, chama a atenção a forma como OJ
abordou o tema da compra dos artigos supérfluos, tentando defender a Cexim. Ao invés de
criticar este órgão por liberá-los, acusou os próprios consumidores de estarem sempre
procurando utilizar as escassas divisas nacionais em benefício individual, prejudicando os
interesses da coletividade. Argumentos que não podemos apenas colocar na conta da
proximidade deste diário com o governo que era o foco da acusação
Em um editorial sugestivo, “Importações para os grã-finos”, O Jornal censurou os
milhões de dólares gastos pelos brasileiros em whysky, perfumes (...) brinquedos, calçados,
gravatas, roupas feitas, confeitos, balas e cachimbos”, objetos supérfluos “pagos com as
divisas provenientes das nossas exportações (...) obtid[a]s pelas vendas de café, algodão,
cacau, arroz, couros e peles, fumo, madeiras e outros produtos arrancados das lavouras, da
pecuária e das florestas pelas mãos calejadas dos brasileiros que trabalham a terra”.
Terminando por perguntar:
E para que? Pra que a grã-finagem perfumada, bem vestida e bem nutrida se
divertisse e gozasse a vida, bebendo whysky como água nos bares, nas festas
elegantes e nas residências luxuosas. Isso não é observação revolucionária de
origem comunista, mas advertência conservadora de objetivo econômico-social.
Realmente, é preciso que as classes ricas se deem conta da situação nacional,
evitando agravá-la com desperdícios das nossas divisas, que devem ser
reservadas para a compra de utilidades indispensáveis, como máquinas, aparelhos
combustíveis e gêneros alimentícios que ainda não produzimos, de modo a
colaborarem melhor no progresso, enriquecimento, conforto e segurança do
país.
55
Essa crítica pesada aos “aos grã-finos”, afirmando que os hábitos de consumo
ostentatório da elite eram prejudiciais aos interesses do país, foi muito frequente em O
Jornal, aparecendo, inclusive, nos artigos de Assis Chateaubriand,
56
o indica claramente
55
“Importações para os grã-finos”, O Jornal, 25 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 4.
56
Por exemplo: “A luta entre a Carteira de Importação e Exportação do Banco do Brasil com os importadores de
automóveis continua. Não tem mais qualificação o abuso com a importação de automóveis. (...) Mas não
podemos continuar a consentir no êxito desses recursos ilícitos, tanto mais que constitui verdadeiro acinte, ante
as terríveis dificuldades que defrontamos, essa crescente ostentação de carros de luxo que enchem as ruas do Rio
e São Paulo. Cabe à magistratura anular, de uma vez por todas, as manobras dos que os fazem passar pelas
224
como era uma questão de grande importância para este diário. O Globo também seguiu por
essa linha, centrando as suas baterias no consumo de luxo como contrário à economia
nacional e, assim, aos interesses coletivos.
Entre os fatores determinantes do presente desajustamento brasileiro, cabe
apontar, hoje, o maior desmedido ao bem-estar, ao luxo, à ostentação, que se
apoderou de certos círculos da nossa população. O enriquecimento fácil, as
fortunas feitas vertiginosamente às custas da inflação, a liberdade criminosa no
investimento dos dinheiros coletivos, tudo leva à formação de uma mentalidade
condenável, radicalmente divorciada das reais condições econômico-financeira
do país. (...)
Todos sentimos que algo de errado na vida contemporânea do Brasil. Algo que
tem que mudar, prontamente, se não quisermos expor o país a uma convulsão
social de proporções imprevisíveis. Eis por que proclamamos a necessidade de
frear o luxo, limitar os gastos pessoais, reduzir a ânsia de prazer..
57
Como podemos compreender esse tipo de argumentação dos jornais, ou seja, uma
crítica à elite de dois periódicos pertencentes à elite da imprensa brasileira (aos “barões da
imprensa”, no dizer de Samuel Wainer) e voltados, em grande parte, para um público
consumidor elitizado?
Para responder a esta questão, vamos destacar três aspectos que, ao nosso entender,
perpassam a mesma e a explicam.
Primeiro, parece estar na base dessa argumentação uma preocupação macroeconômica
sobre o melhor aproveitamento dos escassos recursos nacionais, tanto em divisas quanto em
capital. Tema que, como vimos, era um dos pontos essenciais do aporte cepalino, segundo o
qual os hábitos de consumo da elite dos países subdesenvolvidos estavam na base das
dificuldades da formação de capital na periferia e da escassez de divisas, provocando os
desequilíbrios no balanço de pagamentos. Dificuldades estas que apenas o Estado,
controlando importações e taxando os bens de luxo ou as aplicações não produtivas, poderia
resolver. Alternativa que os dois periódicos em questão não deixariam de endossar.
58
malhas da lei” (Automóveis”, O Jornal, 16 de junho de 1953, Caderno 1, página 1). Outro exemplo: “Escassez
de divisas e de juízo”, O Jornal, 9 de julho de 1952, Caderno 1, página 4. Sobre Chateaubriand, temos: “Milagre
e Pobreza”, O Jornal, 9 de maio de 1951, Caderno 1, página 4 e “Mais austeridade”, O Jornal, 16 de fevereiro
de 1952, Caderno 1, página 4
57
“A necessidade da volta à austeridade”, O Globo, 12 de junho de 1953, Caderno 1, páginas 1. Ver ainda: “São
medidas de salvação pública, e não paliativos ou engôdos, que o povo espera do governo”, O Globo, [dia
ilegível] de abril de 1952, Caderno 1, página 1.
58
Contra o projeto de lei sobre os “lucros extraordinários” que defendia um aumento de impostos sobe empresas
lucrativas, O Jornal afirmou: “Muito mais lógico seria que o Estado se voltasse contra o luxo, que tirasse dos
que dispendem com o supérfluo um pouco mais para atender aos reclamos cada vez maiores do progresso
material do país. Desse modo não atingiria o fruto do trabalho que se aplica no desenvolvimento da indústria, do
comércio e da agricultura; lucros que revertem para a economia da comunidade através de iniciativas que, direta
ou indiretamente, não seriam objeto de uma verdadeira espoliação por parte do fisco” (“Desestímulo à
produção”, O Jornal, 20 de novembro de 1953, Caderno 1, página 4).
225
Segundo, os jornais parecem indicar nesse caso que não pretendem exercer apenas um
papel de porta-voz passivo dos interesses das classes conservadoras, mas também se colocam
em uma posição de educação de, ao menos, parte dessas classes, cujo estilo de vida seria
contrário ao interesse nacional, exortando-a a mudar de hábitos e de mentalidade. Ou seja, a
partir do campo jornalístico, procuram exercer, nos termos de Bourdieu, uma função
pedagógica, difusora e, por isso, criadora dessa nova mentalidade. Como deixou bem claro O
Jornal ao falar das divisas:
Infelizmente, não conseguimos ainda formar a mentalidade de serviço público.
Entre nós os elementos abastados, com raras exceções, se conservam alheios à
situação do Brasil, como se vivessem apenas para gozar dos prazeres do mundo.
Poucos se coíbem o desejo de gastar a torto e a direito, empregando mal as suas
sobras de dinheiro, sem pensar que estes desperdícios sacrificam a coletividade,
privando-a de bens mais preciosos.
Não somente a crise de divisas que pesa sobre a economia nacional. É também a
escassez de juízo nos meios sociais que não sabem aplicar os seus recursos
disponíveis. Os excessos de luxos concorrem com a riqueza coletiva de países de
sólida organização econômico-financeira. Nos países pobres, como o Brasil,
representam um fator de desequilíbrio orgânico, que (ilegível) tanto seus
compromissos externos como sua vida interna.
59
Muito embora, deva-se ressaltar, que, nesse caso, os ganhos simbólicos que os jornais
poderiam obter ao fazer valer a sua campanha pelo melhor aproveitamento da poupança
interna implicavam em prejuízo no atendimento das prováveis demandas externas derivadas
do campo econômico, tendo em vista que os bens de luxo, como vimos no capítulo I, faziam
parte dos artigos anunciados nesses dois jornais.
Fazendo uma síntese sobre o posicionamento dos jornais, notamos uma grande
diferença entre os diários JB e Correio que são críticos do sistema de seletividade da
59
“Escassez de divisas e de juízo”, O Jornal, 9 de julho de 1952, Caderno 1, página 4. Já, em O Globo, podemos
ler: “Não nos iluda a selva dos arranha-céus das grandes cidades ou a fauna dispendiosa dos automóveis de luxo
que rolam quase vazios pelo asfalto das avenidas. A verdade é que, apesar de tudo isso, ainda não resolvemos
nem nas nossas grandes cidades os problemas mais elementares da vida urbana, a começar pelo abastecimento d
água e a terminar pela habitação. O Brasil rural do século XIX, dotado das sólidas qualidades conservadoras e
morais da gente do campo, perdeu quase tudo e ganhou muito pouco na revolução econômica e social que, com o
advento da guerra de 1914, o tornou urbano e industrial. O materialismo mais rude passou a dominar as
populações criadas na tradição de rígidos princípios morais e cristãos, traduzindo-se em nossos dias por uma
sede de lucro, para cuja satisfação todos os meios são bons, principalmente os mais escusos. O espírito de
sacrifício ou renúncia passou a ser um espírito passadista, cujos raros exemplos espantam como relíquias
arqueológicas. (...) É tempo de reagir, pois, o dever é de todos e ninguém se pode negar a atender ao apelo da
pátria em perigo. O patriotismo brasileiro, que agora parece dormir no fundo dos corações mas que tantas
façanhas realizou nos nossos quatro séculos de história renascerá sem dúvida para esta campanha de salvação
pública, para o restabelecimento da moral pública e privada e a restauração dos ideais nacionais” (“Homens
irresponsáveis, da administração e do Congresso, querem levar o país à desagregação e ao pauperismo,
estimulando, a título de reestruturação e favores, o saque ao erário público”, O Globo, 23 de janeiro de 1953,
Caderno 1, página 1.
226
Cexim e dos abusos e do protecionismo que ela poderia permitir e O Globo e O Jornal, que
defendem o sistema de seletividade, aceitando a sua troca por uma verdadeira política
protecionista. Além disso, os dois primeiros periódicos parecem pouco envolvidos na defesa
das demandas das classes produtoras por um sistema de proteção, embora o JB advogue a
priorização das atividades reprodutivas no emprego das divisas, enquanto que o Correio não
segue o mesmo caminho. O Globo e O Jornal, não apenas sustentam essas demandas,
como parecem incorporar os principais argumentos protecionistas do projeto industrialista da
burguesia brasileira. O que é muito surpreendente no caso de O Globo, definido pela
historiografia como um jornal associado ao comércio exterior, interesses que contradita no seu
posicionamento sobre a questão cambial.
De qualquer maneira, notamos também que nenhum jornal segue uma linha liberal
básica em relação à política comercial e ao protecionismo, sendo que O Globo e O Jornal,
além de pregar uma política altamente protecionista, defende a ampliação do amparo do
Estado às atividades produtoras nacionais, notadamente à indústria.
no que se refere à visão dos jornais sobre o fluxo de capitais estrangeiros, este foi
um dos pontos que gerou maior convergência entre os diários pesquisados. Todos eles, em
diferentes momentos e sobre diversos assuntos, defenderam a importância de o Brasil atrair
capital externo à sua economia, afirmando que este seria fundamental para o país promover o
seu processo de desenvolvimento, devida a sua falta de poupança interna.
60
Mas encontramos
diferenças quanto a isso.
Uma dessas diferenças dizia respeito à forma de aplicação deste capital: o Jornal do
Brasil, o Correio da Manhã e O Jornal defenderam que os investimentos estrangeiros
poderiam e mesmo deveriam se direcionar para o setor de infraestrutura, tanto em transportes,
quanto em energia, inclusive no petróleo.
61
O Globo foi na direção contrária e viu com
60
Por exemplo: “À procura de uma definição”, Correio da Manhã, 24 de julho de 1951, Caderno 1, página 4, “O
capital estrangeiro”, Correio da Manhã, 3 de junho de 1952, Caderno 1, página 4, “Câmbio e ingresso de
capitais estrangeiros”, Jornal do Brasil, 8 de agosto de 1951, Caderno 1, página 5, “Investimentos norte-
americanos no Brasil”, Jornal do Brasil, 8 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 5, “O surto de nossa
industrialização”, O Globo, 6 de abril de 1951, Caderno 1, página 3. Podemos ter uma síntese dessa posição, na
seguinte opinião do Correio: “Para o Brasil, oferecer boas condições ao capital privado estrangeiro não é, apenas,
um instrumento destinado a facilitar a obtenção de financiamento público em lares. Sem dúvida, os
investimentos patrocinados por entidades públicas são mais vantajosos que os privados, tanto porque se
apliquem em atividades básicas como porque sujeitos a condições menos onerosas. Mas os investimentos
privados são igualmente indispensáveis, num país que acima de tudo precisa de capitais” “(Entendimentos
essenciais”, Correio da Manhã, 17 de maio de 1952, Caderno 1, página 4)
61
“À procura de uma definição”, Correio da Manhã, 24 de setembro de 1951, Caderno 1, página 4, “Solução
nacionalista”, O Jornal, 8 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 4, “Contrasenso (sic) econômico”, O Jornal,
227
muita resistência a entrada do capital “alienígena” na exploração petrolífera nacional. Iremos
avaliar especificamente esta questão no Capítulo seguinte, quando tratarmos da criação da
Petrobras, mas agora é interessante verificar como esse jornal justifica a sua opinião, mesmo
antes do lançamento do projeto de Vargas. Lembrando que, desde 1938, Getúlio pregava
que a sua proposta para o petróleo brasileiro seria a política e iniciativa governamental
completada pela iniciativa particular exclusivamente brasileira”, o vespertino afirma:
Essa pode ser denominada de „política nacionalista não monopolística‟. E devemos
reconhecer, com sinceridade, não que é a mais indicada para as condições
econômicas e técnicas no país, mas também que ela tem sido um anteparo valioso
na proteção de nossos interesses contra a ambição dos grandes „trusts‟
internacionais, senhores do petróleo..
62
Por outro lado, O Globo e O Jornal convergiram em defender a necessidade da
entrada do capital estrangeiro para o setor industrial, não apenas no de base, mas também no
de produção de bens de consumo.
63
Porém, os jornais fizeram questão de descartar ou dirimir
possíveis prejuízos à indústria nacional derivados dos investimentos externos. OJ, por
exemplo, chegou a usar as próprias palavras de Euvaldo Lodi, incentivando esse tipo de
inversão, para indicar como ela era aceita no meio fabril local;
64
OG foi mais além, e
procurou ressalvar que o capital alienígena seria bem vindo ao setor manufatureiro desde que
não concorresse com as empresas já instaladas no país.
65
O Jornal do Brasil e o Correio também se preocuparam em estabelecer
diferenciações sobre o tipo de capital a ser atraído. O JB defendeu a necessidade de se fazer
uma distinção entre “capital estável” e “capital ondulante”. O primeiro seria aquele aplicado
nas atividades produtivas (como a indústria) e que se fixa no país, reinvestindo os seus lucros
na sua própria atividade fim. Já, no segundo caso, estariam os recursos “viajeiros e que
aparecem apenas em certas ocasiões e que, uma vez obtidos os efeitos momentâneos
desejados, largam voo para outras regiões, em busca de explorar alhures de certas situações de
1 de janeiro de 1953, Caderno 1, página 4, “Os planos gigantescos para 1952”, Jornal do Brasil, 9 de fevereiro
de 1952, Caderno 1, página 5.
62
“Política de petróleo”, O Globo, 21 de novembro de 1951, Caderno 1, página 3.
63
“Sabe-se que algumas organizações industriais europeias nutrem esse desejo de se transportarem para o nosso
país: se ainda não o fizeram talvez seja por falta de garantias ou de compromissos, que as ponham a salvo de
riscos ou surpresas” (“Estímulo à industrialização”, O Jornal, 7 de setembro de 1951, Caderno 1, página 4).
64
“Palavras francas e leais”, O Jornal, 19 de março de 1953, Caderno 1, página 4.
65
Ao comentar a criação da CDI, afirmou: “Estamos certos de que o novo órgão procurará pautar suas atividades
dentro dessas diretrizes traçadas pelo chefe da Nação e anunciadas pelo ministro da Fazenda. Existem, contudo,
aspectos especiais, que devem ser cuidadosamente atendidos. No que diz respeito a inversões de capitais
estrangeiros, por exemplo, torna-se necessário atentar-se a que os investimentos não ameacem a soberania
nacional ou a que não ponham em risco empreendimentos similares aos brasileiros. Do contrário, estaria o
novo órgão prejudicando os interesses nacionais” (“Um novo órgão”, O Globo, 7 de setembro de 1951, Caderno
1, página 3).
228
emergência”. Esses capitais deveriam ser evitados, porque não traziam vantagens econômicas
à nação.
66
O Correio, por sua vez, foi um pouco mais drástico, estabelecendo separação no
próprio capital produtivo, ao afirmar que a sua atração deveria obedecer a um critério de
utilidade:
antes da pátria de origem, o que interessa verificar no capital é o seu teste de
utilidade. Se vem, por exemplo, investir-se em nosso país para fazer coca-cola, é
evidente a inutilidade. Se vem, porém, fazer siderurgia, descobrir petróleo, fabricar
adubo, montar usinas de força e luz, promover transportes, aumentar a produção
nacional em suma, e ao mesmo tempo poupar o nosso esforço, direto ou indireto, na
luta pela subsistência, é claro que deveremos recebê-lo de maneira que se sinta em
nossa terra rodeado das mesmas garantias e vantagens que naquela donde proveio.
67
Como entender esses receios dos dois jornais?
Provavelmente, está em jogo a preocupação com os prejuízos que um investimento
indiscriminado de capital estrangeiro poderia trazer para o balanço de pagamentos do país, na
medida em que implicasse em um retorno de capital superior à sua própria entrada. No
levantamento feito por nossa pesquisa, apenas O Globo não abordou esta questão, mas ela
esteve presente nos demais periódicos, com relativa frequência.
68
Também não encontramos nos jornais preferências significativas sobre as vantagens da
atração de capital público ou capital privado estrangeiro: ou seja, se aplicado corretamente em
atividades produtivas e, especialmente, nos setores de base, qualquer um dos dois seria útil à
nação.
Fazendo uma síntese sobre este tema, notamos que os periódicos convergem sobre a
necessidade da atração de capital estrangeiro para suprir a carência de poupança interna do
país. Entretanto, não advogam excessivos sacrifícios: de um lado, porque defendem que o
66
“Capital estável e capital ondulante”, Jornal do Brasil, 10 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 5.
67
“À procura de uma definição”, Correio da Manhã, 24 de julho de 1951, Caderno 1, página 4.
68
Por exemplo, foi esta a principal razão que o JB apresentou para evitar a atração do “capital ondulante”, na
medida em que ele tinha por efeito mais agravar do que impedir as crises no balanço de pagamentos: “Essa crise
tremenda foi obra de capitais estrangeiros chegados aqui com o único propósito de especular e de incrementar as
crises econômicas” (“Capital estável e capital ondulante”, idem). O Correio da Manhã também insistiu nessa
tecla: “O que o Brasil deve levar em conta, de um lado, é a sua necessidade de suprir, com o capital estrangeiro,
o déficit de capitais de investimento da renda (ilegível); e, de outro lado, o imperativo de não sacrificar com a
remessa de lucros e o repatriamento de capitais, a parca disponibilidade de divisas proveniente da exportação”
(“O capital estrangeiro”, Correio da Manhã, 3 de junho de 1952, Caderno 1, página 4). O Jornal também
defendeu que era legítimo ao país se resguardar desse problema com alguma forma de precaução legal.
“Compreende-se que os capitais estrangeiros aplicados no Brasil, como em qualquer outra nação, pleiteiam a
faculdade de inverter os seus lucros no próprio país, sem obrigação legal. Mas não é menos compreensível que o
governo brasileiro se empenhe em resguardar a economia nacional, limitando até certo ponto semelhante
faculdade, para evitar remessas excessivas desses lucros, porque poderiam reduzir as disponibilidades de nossas
divisas no exterior, com prejuízo de outros compromissos de ordem externa” (“A aplicação de capitais
estrangeiros no Brasil”, O Jornal, 9 de março de 1952, Caderno 1, página 4).
229
Brasil é um país bastante interessante ao capital alienígena;
69
de outro lado, porque
estabelecem limites à aplicação desse capital (somente se aplicado em atividades produtivas
ou “úteis” à economia brasileira e não comprometendo o nosso balanço de pagamentos). Esse
tipo de constatação é importante para o nosso trabalho na medida em que nos permite indicar
algumas dúvidas sobre as interpretações mais lineares, ou seja, àquelas que colocam os
grandes jornais brasileiros, notadamente os incluídos nesta pesquisa, como meros
instrumentos servis do capital estrangeiro.
Algumas observações quanto às diferenças entre os periódicos são importantes. O
Jornal pareceu ser aquele que se mostrou mais receptivo à entrada dos recursos estrangeiros,
não apresentando nenhuma distinção entre as formas de capital e nem limites à sua aplicação,
embora tenha salientado a prerrogativa brasileira de proteger-se contra a evasão de divisas. O
JB e o Correio seguiram uma posição mais intermediária: desejavam os investimentos
externos mas estabeleciam distinções quanto ao tipo de capital que o Brasil deveria atrair
(capital “útil” em atividades de base, para o CM, e capital fixo ou produtivo, para o JB). E,
surpreendentemente, O Globo foi o periódico que mais estabeleceu limites à aplicação dos
recursos estrangeiros: advogou a sua importância, mas vetou à sua inversão tanto em
atividades concorrentes com a indústria nacional, quanto em um setor energético estratégico:
o petróleo, área de grande interesse do capital internacional.
Em relação ao O Jornal, os resultados obtidos parecem confirmar a interpretação
constante na historiografia de que este periódico era um forte partidário da atração de
investimentos estrangeiros. O JB e o Correio tomam uma posição mais moderada, da qual
não é possível ainda tirar maiores conclusões. Agora, no que se refere ao O Globo, os
resultados são surpreendentes, porque vão em sentido contrário à versão de que este jornal
seria neoliberal.
69
O Correio, por exemplo, afirmou: “É preciso assentar definitivamente, portanto, contra a impertinência de
certos círculos de Washington, que o capital estrangeiro goza de excelentes condições no Brasil” (“O capital
estrangeiro”, Correio da Manhã, 3 de junho de 1952, Caderno 1, página 4). O Globo defendeu o seguinte:
contamos com um elemento valiosíssimo: a confiança dos estrangeiros na nossa vitalidade econômica e
nas leis do país. Por isso, nota-se um fluxo crescente de investimentos sob a forma de bens de produção.
Numerosas indústrias estão sendo transferidas para o Brasil” (“O surto de nossa industrialização”, O Globo, 6 de
abril de 1951, Caderno 1, página 3). O Jornal, por sua vez, disse: O que ressalta dessas cifras é a vultosa
contribuição do capitalismo norte-americano para o fortalecimento crescente da economia brasileira. O
aumento de suas inversões no nosso país, com a aplicação dos respectivos lucros, é uma afirmação de
confiança a que não podemos deixar de ser sensíveis” (“Investimentos norte-americanos no Brasil”, O Jornal,
8 de dezembro de 1952, Caderno 1, página 4).
230
4.2.2 Os jornais diante da legislação cambial varguista e do decreto sobre os capitais
estrangeiros: o difícil equilíbrio entre liberdade e contingenciamento
Como vimos, a legislação cambial de Vargas e o seu decreto sobre o reinvestimento de
capital, do início de 1952, estiveram entre os temas que mais geraram discussões e
controvérsias durante o seu segundo mandato de presidente. Desta maneira, foram objetos de
detida atenção pela grande imprensa da época.
Devido à complexidade do assunto, iremos fazer a análise dos três programas de forma
separada: primeiro trataremos da proposta de Lei do Mercado Livre de Câmbio ou Lei do
Câmbio Livre, aprovada apenas no início de 1953; segundo, avaliaremos a famosa Instrução
70 da Sumoc, que estabeleceu o sistema de taxas cambiais múltiplas; depois iremos tratar do
decreto sobre o reinvestimento de capitais.
A lei do Câmbio Livre:
O projeto de criação de um mercado de câmbio livre pelo governo federal foi
anunciado com relativa antecedência, sendo pauta dos jornais antes mesmo de ser mandado
ao Congresso, em agosto de 1951. Somando-se a isso o fato de esta lei vir a ser aprovada
em janeiro de 1953, podemos entender porque ela deu margem a um significativo debate
sobre temas cambiais.
O lançamento do programa original de Vargas, porém, não recebeu um grande
destaque dos jornais. Dentre os periódicos pesquisados, O Jornal foi aquele que deu maior
relevância ao tema, que ocupou a sua capa no dia 7 de agosto, situação rara, pois este espaço
era tradicionalmente destinado às notícias internacionais. Na reportagem correspondente, a
ênfase apresentada ficou por conta da possibilidade da nova legislação promover a
“normalização do comércio de moedas”, ou seja, o combate ao câmbio negro, que desviava as
escassas divisas do país, normalmente para gastos supérfluos.
70
No espaço de opinião, percebe-se que o destaque também foi dado à questão do
câmbio-negro, pois o editorial que tratou do novo projeto iniciou afirmando que o mesmo
teria como propósito imediato de extinguir as transações que se vinham fazendo à margem
70
“Mensagem ao Congresso sobre o mercado livre de câmbio”, O Jornal, 7 de agosto de 1951, Caderno 1,
página 1.
231
do câmbio oficial e em detrimento deste e do interesse da economia do país”. Segundo OJ, o
tema era relevante porque “a existência de um mercado clandestino de câmbio era responsável
pela evasão cada vez maior destas divisas.” Isso leva o periódico a elogiar o programa,
afirmando o acerto da iniciativa em corrigir o problema e mesmo incentivar a vinda de
capitais externos, ao regularizar e liberar as remessas de lucros pela taxa livre.
71
Houve
destaque e aprovação da proposta do governo e a preocupação em encontrar um meio termo
entre a necessidade de oferecer atratividade aos recursos produtivos e a de estabelecer limites
aos especulativos.
O Globo deu menor espaço ao tema que O Jornal, mas apresentou uma leitura
semelhante. A preocupação com o câmbio-negro e seus efeitos deletérios sobre o melhor
aproveitamento das escassas divisas nacionais vinha aparecendo no noticiário do
vespertino, mesmo antes do projeto do governo propondo o câmbio-livre.
72
O programa do
governo, porém, será trabalhado no dia 13 de agosto, em uma pequena reportagem que
enfatiza a possibilidade de a nova lei franquear a entrada de capitais e de reduzir o mercado
ilícito de divisas.
73
Não encontramos editoriais desse vespertino sobre o novo programa.
No Jornal do Brasil o assunto ainda recebeu menos atenção, sendo este periódico o
que deu menor espaço ao lançamento do programa do governo, encontrando-se apenas uma
pequena matéria. Mas, o que é salientado converge com os demais jornais, embora não
possamos contar com um posicionamento oficial, porque o JB não emitiu um editorial
específico sobre o assunto nas semanas que se seguiram ao anúncio.
74
No Correio encontramos um destaque semelhante ao dado em O Jornal. Afora a
reportagem correspondente no dia 7 de agosto, o periódico se posicionou em editorial sobre o
projeto de Vargas no dia 8 do mesmo mês. Porém, diferentemente dos demais diários, o
Correio foi crítico em relação ao Executivo na questão. Não que tenha censurado o programa
do câmbio livre em si mesmo, sobre o qual não chega propriamente a se posicionar. A censura
71
“Normalização do mercado de câmbio”, O Jornal, 8 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4.
72
“Golpe Mortal no Câmbio-Negro de dólares A despeito de todos os protestos nos próprios Estados Unidos,
manterá o Brasil a fiscalização dos preços reais das mercadorias importadas” (O Globo, [data ilegível] de agosto
de 1951, Caderno 1, página 1).
73
Como podemos ver pelo título da matéria: “Intensificará a entrada de capitais e reduzirá o câmbio negro”. OG
também foi favorável ao programa governamental ao dizer que, com base em uma enquete da reportagem entre
banqueiros e financistas, “a opinião dominante [foi] a de que a iniciativa governamental [vinha] ao encontro de
uma necessidade que se fazia sentir, para melhorar a nossa situação financeira” (O Globo, 13 de agosto de 1951,
Caderno 1, página 5).
74
Esta matéria está no interior do caderno 1, do dia 8 de agosto, com o título “Câmbio e ingresso de capitais
estrangeiros” na qual o subtítulo apresentava uma pequena leitura do programa do governo: “Medidas adequadas
à extinção virtual do mercado clandestino de câmbio e facilidades para a entrada no País de capital destinado à
inversão de caráter permanente” (Jornal do Brasil, 8 de agosto de 1951, Caderno 1, página 7).
232
do jornal se deteve na constatação de que faltava planejamento da política cambial do governo
e que medidas desse tipo não seriam suficientes para resolver o problema das divisas, pois
estas passam por
problema econômico mais geral, que [era] o enriquecimento do país. Este lado da
questão não vem sendo devidamente considerado nem pelo governo nem pelo
Congresso.
Em sentido amplo, o enriquecimento do Brasil depende do aumento de nossa
produtividade, ou seja, de nossa capacidade de produzir mais, melhor e mais
barato.
75
Em consequência, notamos que, no anúncio do programa de Vargas, o Correio foi
novamente o jornal a ter o posicionamento mais crítico; mas ele também introduz um
elemento importante na análise do problema do nosso balanço de pagamentos, que trataremos
mais além: esta dificuldade não passava apenas pelo controle cambial ou do comércio
exterior, mas envolvia também as exportações e, assim, a esfera da produção.
Entre a apresentação do projeto de Vargas e a sua aprovação pelo Congresso, a
discussão sobre ele se tornou mais acesa, especialmente em virtude das graves dificuldades
que o país começava a enfrentar com o seu balanço de pagamentos.
Curiosamente, no levantamento que fizemos para esta pesquisa, foi em O Jornal que
o assunto recebeu menor destaque. Não encontramos maiores referências ao mesmo no
período em que ele foi debatido, afora um editorial em que este diário comentou uma
entrevista do ministro da Fazenda Horácio Lafer negando que o Brasil fosse fazer uma
desvalorização do cruzeiro, como estariam pretendendo os exportadores, e lembrando que o
projeto do Executivo não pretendia abranger a importação e exportação de mercadorias o
que implicaria em desvalorização mas apenas favorecer a entrada de capitais estrangeiro, ao
oferecer o câmbio paralelo como alternativa à remessa de divisas.
76
Quando o programa foi definitivamente aprovado, porém, ele voltou a ser destaque,
recebendo a manchete do dia 8 de janeiro de 1953, mas cujo título e subtítulo não permitem
depreender um posicionamento claro do periódico.
77
Também não encontramos editoriais que
apresentem a opinião do jornal frente ao programa final, apenas uma reportagem publicada
alguns dias depois, na qual procura dar voz àqueles que se sentiam prejudicados com o
75
“Câmbio e enriquecimento”, Correio da Manhã, 8 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4.
76
“Prestação de contas”, O Jornal, 26 de agosto de 1952, Caderno 1, página 4.
77
“Mercado Livre de Câmbio O critério adotado nas concessões de licenças Normas para a importação e
exportação Os investimentos de interesse da economia” (O Jornal, 8 de janeiro de 1953, Caderno 1, páginas 1,
2 e 3.
233
mesmo, como podemos ler nos títulos e subtítulo da matéria: “Apreensão da Indústria Lei
do Câmbio Livre pode ser boa e pode ser péssima Tudo depende da regulamentação, declara
Euvaldo Lodi.
78
Em outras palavras, embora não tenhamos elementos suficientes para uma conclusão
definitiva, parece que a relativa omissão de O Jornal em lidar com o debate e a aprovação do
programa do câmbio-livre está ligada à necessidade de este periódico tratar com demandas
distintas: de um lado, defender uma lei cambial de Vargas que poderia propiciar maior
liberdade às compras externas de bens de consumo e um encarecimento dos bens de produção
e insumos importados; de outro lado, atender aos interesses da indústria nacional, cujos
líderes temiam os dois pontos em questão; por último, a possível pressão do comércio
interessado em uma maior abertura comercial. Na dificuldade de conseguir lidar com essas
pressões contraditórias, consideramos razoável aceitar que a estratégia do jornal foi omitir o
tema e/ou se isentar de opinar sobre ele.
No que se refere ao JB, tivemos uma linha de ação bem mais eloquente. Durante o
debate sobre o projeto do câmbio-livre, este jornal fez críticas ao programa do governo.
Argumentou que o estabelecimento de uma duplicidade cambial que pudesse favorecer o
escoamento das importações “gravosas” através de um mbio desvalorizado ou seja, com
os exportadores recebendo mais cruzeiros pelos dólares pagos aos seus produtos era
prejudicial aos interesses do país, por ser “um estímulo ao encarecimento” dos preços internos
dos bens agrícolas. De outra parte, à respeito do capital estrangeiro, condenou o projeto por
promover a protelação dos investimentos com um anúncio muito antecipado do câmbio
paralelo e oferecer excessivas vantagens aos investimentos externos, que viriam apenas
especular no país.
79
Quando a lei do câmbio-livre foi aprovada, porém, o JB foi bem mais favorável ao
programa de Vargas. Na matéria que cobriu a sua aprovação destacou, no subtítulo, que o
78
O Jornal, 15 de janeiro de 1953, Caderno 1, páginas 1.
79
Para o JB, ao prometer com muita antecedência a criação de uma taxa paralela livre e desvalorizada de câmbio
(que iria oferece mais cruzeiros pelos mesmos dólares investidos no Brasil), inibiu o entrada de recursos, pois
estes ficaram esperando o momento da desvalorização da nossa moeda para migrar com vantagens ao país. Além
disso, ao manter duas taxas de câmbio e atrair capital estrangeiro por um câmbio livre desvalorizado (mais
cruzeiros por dólar), proporcionaria a este capital “um lucro imediato de cerca de 50%”, ao mesmo tempo em
que obrigaria o governo a “recorrer a novas emissões para atender à conversão”. Em suma, concluiu: “Estamos
ameaçados de novos apelos às emissões, para atender à pressão dos capitais estrangeiros, que estão à espera dos
dois câmbios, para fazer a sua entrada triunfal no mercado. Desta forma, é uma visita indesejável.” “Câmbio
duplo fonte de encarecimento”, Jornal do Brasil, 19 de agosto de 1952, Caderno 1, página 5. Também
demonstrou preocupação com uma possível desvalorização do cruzeiro que pudesse onerara as nossas
importações, agravando os déficits na balança comercial. Ver: “O problema dos atrasados”, Jornal do Brasil, 31
de janeiro de 1953, Caderno 1, página 5.
234
“governo prosseguirá na política de proteção à lavoura”, fazendo alusão ao uso de ágios
obtidos na venda de cambiais para financiar a produção primária. no primeiro editorial
sobre o tema, o jornal elogiou a nova lei como mais uma iniciativa “tão auspiciosamente
trazida para o campo das providências tomadas pelo Governo, no sentido de dar paradeiro à
crise que assola o País”.
80
No mês de março, porém, o jornal irá novamente se posicionar sobre a lei do câmbio-
livre e, desta vez, de forma bem mais crítica com relação aos seus efeitos à economia
nacional. O que surpreende são os argumentos apresentados. Preocupado com o déficit na
balança comercial, defendeu que, como não poderíamos aumentar em curto prazo as
exportações, a saída era única:
O controle das importações é o setor para onde se convergem nossas
esperanças. Qualquer vacilação, qualquer liberalidade na apreciação de certos
casos, qualquer complacência às chamadas injunções político-partidárias, qualquer
desvio na rota traçada será de resultados desastrosos para o País nesta emergência
em que se encontra.
Agora, com a criação do câmbio livre, abre-se uma nova esperança, mas não
convém abandonar a política de restrição das importações, que, não obstante os
negócios em perspectiva no campo do câmbio livre, continua a ser providência
fundamental.
em relação à entrada de capital estrangeiro, foi ainda mais cético, repetindo o
argumento que vimos anteriormente, de que a duplicidade cambial, ao invés de atrair
investimentos produtivos, poderia ser um chamativo para o capital especulativo ou oferecer
uma válvula de escape para a fuga dos já aplicados no país.
81
Podemos notar que o JB adota uma posição crítica ao programa de câmbio-livre de
Vargas, embora não tenha sido necessariamente intransigente na análise do mesmo; o que
mais chama a atenção, porém, são os elementos empregados para a censura à nova lei: o
possível afrouxamento do controle das importações e um eventual favorecimento ao capital
estrangeiro; em outras palavras, condena o programa do governo por aquilo que ele poderia
ter de mais liberal e de favorável ao capital estrangeiro. Também apresenta uma linha de ação
que não condiz necessariamente com os principais interesses imediatos dos grupos
econômicos diretamente envolvidos na questão: o comércio e a agricultura de exportação. Em
80
“Esforço e dedicação à causa nacional”, Jornal do Brasil, 14 de janeiro de 1953, Caderno 1, página 5.
81
Diz o jornal: “Esta [válvula para a fuga de capitais] talvez tenha surgido com o mercado livre do câmbio e por
ela, em vez de entrar, sairá um capital que foi aqui realizado por força de investimentos proveitosos para o País
algumas vezes e para os seus titulares quase sempre. Não perdemos, ainda, o receio, manifestado inicialmente,
de que o câmbio livre não atrairá capitais maciços estrangeiros. Será uma sorte se através dele não escapar o
numerário acumulado!” (“Capitais estrangeiros e capitais aqui realizados”, Jornal do Brasil, 4 de março de 1953,
Caderno 1, página 5).
235
outras palavras, parece lícito aceitar que, neste caso, o compromisso assumido pelo jornal
com a estabilidade da moeda superou o atendimento a possíveis pressões diretas ou indiretas
dos grupos acima citados.
O jornal O Globo foi um dos que mais salientou toda a trajetória ligada à aprovação
da lei do câmbio-livre em nossa amostragem, tanto em seu espaço informativo quanto no
opinativo. Em linhas gerais, o posicionamento do periódico foi de boa receptividade ao
programa do governo.
82
Em um destacado editorial, ainda de julho de 1952, ocupando a capa
do jornal, OG demonstrou-se favorável ao programa por ele poder: a) acabar com o câmbio
negro, b) permitir uma economia de divisas ao Executivo, ao facultar a transferência ao
câmbio-livre de muitos dos pagamentos que se fazia pelo câmbio oficial e, c) atrair capital
estrangeiro ao oferecer mais cruzeiros pelos dólares trocados no país e ao franquear o retorno
de capitais para além dos limites oficiais, sem comprometer as contas externas.
83
Mas o jornal também demonstrou receio com a interpretação de que o projeto
governista implicaria na utilização do câmbio-livre para o comércio de mercadorias, o que
poderia levar à desvalorização do cruzeiro, contra a qual se bate, corajosa e teimosamente, o
ministro da Fazenda”. O Globo se opôs tenazmente a esta hipótese, pois, para ele, a
“desvalorização da nossa moeda, embora possibilitando reduzido aumento em algumas
exportações, somente teria como resultado o encarecimento da vida de todo o povo brasileiro.
Se ela fosse de 30% os preços subiriam logo 50% ou 60%.” Entretanto, na sequência da
argumentação, o próprio vespertino assevera que dessa “orientação [defesa de nossa moeda],
segundo declarações do Sr. Getúlio Vargas e seu ministro da Fazenda, o Brasil não se
afastará”.
84
Quando a lei foi definitivamente aprovada, ela recebeu significativo destaque no
espaço informativo, onde é apresentada a sua repercussão positiva nos EUA. Não
encontramos, porém, um novo posicionamento oficial do vespertino em editoriais, apenas
uma reportagem onde se afirma que, para o ano de 1953, as perspectivas cambiais, segundo
82
Como podemos perceber mesmo no espaço informativo, por estas duas reportagens salientando a elaboração e
a possível aprovação do programa do governo, que foram as manchetes do jornal nesses dias: “O Governo vai
definir a sua política cambial Favorável ao desmembramento do mercado em dólar oficial e livre O projeto
do executivo abre maior possibilidade à atração de capitais estrangeiros e ao escoamento dos excedentes
gravosos da produção nacional” (O Globo, 13 de junho de 1952, Caderno 1, páginas 1 e 2) e “Certa a criação do
mercado livre de câmbio Amanhã, provavelmente, a votação do projeto na Comissão de Economia da Câmara
Restrição de poderes ao Executivo com referencia aos „gravosos‟ O próprio ministro da Fazenda assim o
deseja” (O Globo, 24 de julho de 1952, Caderno 1, página 1).
83
“O câmbio livre paralelo é uma necessidade, porém, desvalorizar o cruzeiro é um atentado à economia
nacional”, O Globo, 22 de julho de 1952, Caderno 1, página 1.
84
Idem.
236
acreditam as autoridades”, seriam “melhores” para o país, mas onde também se alerta que o
sucesso da nova lei cambial dependeria da sua regulamentação.
85
Se traçarmos um paralelo com as opiniões emitidas pelo JB, veremos que O Globo foi
mais receptivo ao programa do Executivo que o primeiro diário, embora este também não
tenha tomado postura intransigente contra o governo; por outro lado, ambos os jornais
convergiram em se preocupar com a possível transferência das trocas comerciais externas
para o câmbio-livre, o que poderia ajudar os exportadores de “gravosos”, mas também
desvalorizar o cruzeiro e, assim, fomentar a inflação. Porém, distanciaram-se no que se refere
à entrada do capital estrangeiro, sendo O Globo, nesse assunto, bem mais favorável ao uso do
novo mecanismo para atrair recursos externos do que o JB; ambos desaprovaram a liberdade
comercial via mercado livre. Em síntese, notamos que, no caso em estudo, O Globo, além de
ter apoiado o programa governamental, não tomou atitudes abertamente livre-cambistas e,
mais do que isso, novamente não defendeu a política que mais agradaria ao comércio
importador: a transferência das trocas internacionais para a banda livre do câmbio.
Durante o processo de debate da nova lei cambial, o Correio da Manhã esteve junto
com O Globo entre os jornais que mais forneceram destaque à questão. Mas foi,
indubitavelmente, aquele que deu maior apoio ao programa de Vargas, não obstante às críticas
que apresentou ao Executivo quando da sua apresentação.
Ainda em junho de 1952, em dois editoriais sobre o assunto, o CM saudou o
Executivo por retomar o seu projeto de câmbio livre e incluir nele três tipos de operações que
pretendia retirar da taxa oficial: “pagamento de serviços, remessas de lucros e,
excepcionalmente, exportações gravosas”.
86
Dessa maneira, percebemos que a análise do
jornal se aproxima da de O Globo, ao pregar as vantagens do uso do novo sistema para a
atração do capital alienígena, mas se afasta tanto deste jornal quanto do JB, ao defender o seu
emprego para favorecer as exportações com dificuldade de colocação no mercado
internacional.
87
O próprio Correio da Manhã apregoa o uso moderado desse dispositivo, na medida
em que também se coloca contra os seus possíveis efeitos na desvalorização do cruzeiro.
88
O
interessante foi a forma como justificou esta preocupação, ou seja, enquanto os demais jornais
tinham como argumento básico o risco inflacionário derivado da desvalorização, o CM foi
85
“Desafogo para a nossa situação cambial”, O Globo, 27 de janeiro de 1953, Caderno 1, página 1 e 6.
86
“Câmbio livre”, Correio da Manhã, 8 de junho de 1952, Caderno 1, página 4.
87
“A nova fórmula cambial”, Correio da Manhã, 30 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4.
88
Idem.
237
por um caminho bem diferente
Caracterizando-se nosso comércio internacional pela elasticidade das
importações e pela inelasticidade das exportações, verifica-se, desde logo, a
inconveniência da desvalorização do cruzeiro. Redundaria tal desvalorização em
reduzir o preço do dólar de nossos principais produtos de exportação. E se, no
primeiro momento, experimentaríamos ampliação e diversificação na lista de
produtos exportáveis, a majoração dos custos, decorrentes da elevação dos
preços dos artigos de importação, cedo anularia essa vantagem, de tudo
resultando uma deterioração de nossas relações de pagamento.
89
Notamos que, além de ter colocado a base do problema cambial do país na
dificuldade de exportar, transferindo a discussão do problema da esfera meramente comercial
para a produtiva, vemos agora que o principal receio do jornal com o uso da desvalorização da
moeda para favorecer exportações não era com os seus possíveis efeitos inflacionários, como
fora de defendido pelo OG e pelo JB e era pregado pelos liberais. Ao contrário, o argumento
do Correio estava centrado na estrutura do comércio exterior (elasticidade das importações
versus inelasticidade das exportações) e na deterioração das relações de pagamento. Ou seja,
percebemos aqui o emprego de termos que, mesmo não totalmente estranhos a um neoliberal
como Eugênio Gudin, eram mais próximos do pensamento desenvolvimentista e da Cepal do
que do liberalismo.
Em relação ao projeto final, o jornal não chegou se posicionar diretamente em torno
da data de aprovação da nova legislação cambial do governo. O que podemos notar foi, ao
longo da pesquisa do ano de 1953, uma visão crítica com a fórmula final adotada pelo
governo, em dois pontos essenciais: a permanência da Cexim e do sistema de licenças prévias
para controlar as importações que, como vimos, o jornal identificava ao “intervencionismo”
e à “arbitrariedade”;
90
e o estabelecimento de uma discriminação ao capital estrangeiro entre
investimentos que o governo considerasse como “de especial interesse para a economia
nacional” e outras formas de aplicação. Para as primeiras seria reservado a remessa de lucros
pelo câmbio oficial e, às segundas, o câmbio-livre, o que o jornal considerou desnecessário e
arbitrário, devendo o reenvio de capital ser todo relegado ao câmbio paralelo, para evitar
privilégios e critérios subjetivos na classificação da Sumoc, o que, obviamente, era mais
contrário do que benéfico aos interesses do capital externo.
91
Em síntese, o CM parece dar apoio ao programa do governo até o ponto em que achou
89
Ibidem.
90
“As razões da crise”, Correio da Manhã, 4 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4.
91
Porque, no câmbio livre, ele iria pagar mais caro pelo dólar, fazendo com que os recursos obtidos no Brasil em
cruzeiros valessem menos dólares na hora de retornar ao país sede do investidor internacional.
238
que ele poderia atender a algumas necessidades (auxílio no escoamento da produção
“gravosa” e atração de capital externo), abandonando-o quando percebeu que isto não
ocorreria. Também pode ter simplesmente se eximido de dar apoio final ao projeto para evitar
conceder méritos ao presidente, mesmo que ainda endossasse a sua lei cambial. De qualquer
maneira, novamente percebemos uma falta de preocupação com a demanda das classes
produtoras, notadamente os industriais, e a presença de uma nomenclatura muito própria ao
aporte cepalino para tratar do tema.
A Instrução 70 da Sumoc
A análise do posicionamento dos jornais sobre a Instrução 70 da Sumoc apresenta um
prejuízo inicial, na medida em que não podemos contar com o material do Correio da
Manhã relativo ao tema, pois o mesmo estava indisponível na Biblioteca Nacional, durante a
realização de nossa pesquisa empírica. Desta forma, teremos que nos limitar à avaliação da
linha seguida pelos demais jornais pesquisados.
O Jornal do Brasil deu amplo destaque às medidas adotadas pelo ministro Oswaldo
Aranha para conter a crise cambial, no início de outubro de 1953. Esta atenção também
implicou um significativo apoio às medidas, como podemos ver pelo próprio título da
reportagem correspondente ao seu anúncio: “Medidas para assegurar o equilíbrio da balança
comercial Impedidas as importações supérfluas”.
92
No editorial em que aborda as ações do
titular da pasta da Fazenda, não poupa elogios a ele e ao então presidente do Banco do Brasil,
Souza Dantas, pela iniciativa.
93
no que se refere ao programa do governo, o periódico toma uma posição dividida,
afirmando que ele apresenta “bons e maus efeitos imediatos”. Entre os bons, o JB coloca “a
supressão do que o sr. Oswaldo Aranha chamou de subjetivismo cambial, que equivale à
expressão corrente favoritismo de que era a Cexim acusada”, pois as “disponibilidades em
moeda estrangeira, que ficarão todas em poder do Banco do Brasil, não serão canalizadas de
acordo com as pessoas, mas leiloadas conforme categorias de essencialidade. Sobre os maus
92
Jornal do Brasil, 10 de outubro de 1953, Caderno 1, página 9.
93
“Um homem inteligente como o sr. Oswaldo Aranha, à testa da pasta da Fazenda, e um técnico como o sr.
Souza Dantas, à frente do Banco do Brasil, não poderiam ficar de braços cruzados em face da situação
financeira do País, marcada pela rotina da Cexim. Realizaram, em plena vigência de duas leis do Congresso
sobre assuntos cambiais, uma reforma que importa em verdadeira reviravolta, pondo os mercados interno e
externo em indisfarçável perplexidade” (“Golpes na rotina cambial”, Jornal do Brasil, 13 de outubro de 1953,
Caderno 1, página 5).
239
efeitos, o diário salienta o “encarecimento da vida, que aumentaria “muito, atingindo todos
os produtos de importação, entre os quais existem alguns que são imprescindíveis à economia
interna”. Ou seja, vemos aqui dois pontos abordados pelo jornal: elogiou o programa por
ele eliminar com a falta de critério e a subjetividade da Cexim na concessão de licenças
prévias; mas censura à nova Instrução da Sumoc por ela apresentar o risco de futuros efeitos
inflacionários derivados da liberação cambial.
O mais interessante, porém, foi a alternativa que o JB sustentou para que o sistema
pudesse prevenir a inflação, ou seja, o uso dos ágios recolhidos pelo Banco do Brasil nos
leilões de divisas:
Vamos esperar pela aplicação da grande massa de numerário que ficará nas
caixas do Banco do Brasil, como consequência do controle absoluto que lhe foi
atribuído sobre todas as cambiais de exportação.
Haverá sobras, e que destino dará às mesmas? Aqui é chegado o momento da
produção de bens de consumo. A produção agrícola está necessitando de ajuda
imediata. Os que gostam de fazer excursões à Europa precisam ter barrada as suas
pretensões a taxas especiais.
94
Desta forma, se o JB continua a ter como preocupação essencial, ao analisar o tema do
câmbio, o seu receio com a inflação, ele mantém a mesma abordagem sobre o problema: a
necessidade de se investir na produção como forma de combater ou evitar o surto
inflacionário. Curiosamente, também nesse caso, vai de encontro ao receituário liberal, que
defendia a esterilização dos ágios como forma de enxugar o excesso de liquidez na economia.
Note-se que o setor da economia cujos interesses diretos o discurso melhor se adequa é
novamente a agricultura.
Dos diários pesquisados, O Jornal foi o que deu mais destaque e endosso ao programa
do governo, que ganhou grande espaço em suas reportagens, bastante laudatórias.
95
Esse
endosso se confirma no editorial com o qual avaliou a adoção do conjunto de medidas, cujo
título, “Libertação da economia nacional”, já é, por si, eloquente.
96
Interessante também é a maneira com OJ elogia o funcionamento do “esquema
Aranha, ao salientar o enorme sucesso dos primeiros leilões de câmbio, indicando a
94
“Golpes na rotina cambial”, Jornal do Brasil, 13 de outubro de 1953, Caderno 1, página 5
95
“Destituída a Cexim de seus poderes quanto à distribuição direta das divisas Cambiais Única atribuição:
controle dos preços para transações „Remédio heroico‟ do ministro Oswaldo Aranha – „Se não obtiver sucesso,
serei eu o responsável‟ Leilão com cambiais segunda-feira”, O Jornal, 10 de outubro de 1953, Caderno 1,
páginas 1 e 6, “Garantido o soerguimento das finanças do país através da nova orientação do governo –
Facilidades às exportações e boas condições ao câmbio Repercussão das diretrizes do min. da Fazenda”, O
Jornal, 11 de outubro de 1953, Caderno 1, páginas 1 e “Satisfação em São Paulo Aumentada as possibilidades
de exportação”, O Jornal, 11 de outubro de 1953, Caderno 1, páginas 1 e 8.
96
O Jornal, 11 de outubro de 1953, Caderno 1, página 4.
240
satisfação das “classes mais diretamente interessadas” e o seu efeito no combate ao custo de
vida:
Demais, com a aplicação dos ágios recolhidos ao Tesouro no desenvolvimento
das atividades agropecuárias, aumentará a produção dos artigos dessa origem,
não para o consumo interno como para a exportação em escala crescente. E
então o custo de vida terá de baixar forçosamente porque as especulações altistas,
incontidas até agora pelos órgãos controladores de preços, deverão desaparecer ante
a abundância de mercadorias, a restauração da lei da oferta e da procura e o
levantamento do nível econômico do país.
Notamos, assim, uma forte convergência com o JB, ao saudar o possível efeito anti-
inflacionário do emprego dos ágios para fomentar a produção, contrariando também o que era
prescrito pelos liberais em tempos de inflação. Não encontramos no jornal destaque para as
preocupações da indústria com os seus possíveis prejuízos derivados de um aumento da
concorrência estrangeira e de um encarecimento dos insumos e equipamentos industriais
importados que a liberação das importações poderia acarretar. Porém, este tema aparece
quando o jornal endossa a iniciativa de Aranha em promover, como complemento de seu
Plano, uma reforma nas tarifas alfandegárias, majorando as alíquotas sobre bens de consumo
importados, a fim de proteger a indústria.
97
O Globo também deu amplo destaque à proposta de renovação cambial de Aranha,
em várias reportagens que ocuparam a manchete do jornal por diversos dias.
98
No momento
do lançamento do programa, contudo, não encontramos editoriais opinativos sobre o mesmo,
embora seja possível aceitar que ele teve uma boa receptividade pelo espaço recebido e pela
ênfase nas manchetes e reportagens do jornal, tanto no lançamento do programa quanto no
acompanhamento de seus principais resultados.
99
97
Sobre essa proposta, afirmou: Trata-se de uma providência necessária para amparar a produção
nacional da concorrência estrangeira, em face do provável aumento da importação, provocado pela nova
política cambial(“As tarifas aduaneiras e a produção nacional”, O Jornal, 14 de novembro de 1953, Caderno
1, página 4).
98
“Novas importações ao câmbio livre – Será instituído em bolsa um leilão de divisas, como modo de eliminar o
excesso de procura Importante reunião do conselho da SUMOC” (O Globo, 9 de outubro de 1953, Caderno 1,
página 1, “Revolução no comércio exterior do Brasil Novas normas para as exportações e importações, sem o
controle da Cexim Revogada a instrução da Superintendência da Moeda e do Crédito Venda (ilegível) de
cambiais ao Banco do Brasil Vantagens admitidas com o Plano Aranha Pagamento de todas as dívidas
comerciais (...) O ministro da Fazenda anunciou as profundas modificações adotadas pelo governo (...) As
primeiras repercussões no comércio e na indústria Fala a O Globo os representantes das classes
conservadoras”, (O Globo, 10 de outubro de 1953, Caderno 1, páginas 1 e 8) e “Tirar dos lucros fantásticos do
importador para fomento da produção O ministro da Fazenda explica as razões que levaram o governo às
novas normas para o controle do comércio exterior” (O Globo, 12 de outubro de 1953, Caderno 1, páginas 1 e 6).
99
Além das manchetes e subtítulos do lançamento do programa, presentes na nota anterior, ainda encontramos
uma sequencia positivas de reportagens, todas elas manchetes do jornal, o que indica o amplo destaque que ele
deu ao assunto: “Extinção da Cexim Em sua substituição, surgirá a Carteira de Comércio Exterior Ao novo
órgão técnico caberá fiscalizar preços, pesos e medidas, dentro do sistema cambial em vigor”, (O Globo, 28 de
outubro de 1953, Caderno 1, páginas 1 e 6), “Reestruturação econômica e financeira do país A instrução 70 é o
ponto de partida, dirá, hoje, na Câmara, o ministro da Fazenda”, O Globo, 30 de outubro de 1953, Caderno 1,
241
O interessante, porém, foi a única reportagem que apresenta questões negativas em
relação ao “Plano Aranha”, a qual é objeto de um grande destaque, sendo a manchete do dia
17 de outubro e ocupando várias colunas do jornal, em diferentes páginas. Esta visibilidade
pejorativa ao programa não se detém tanto sobre os possíveis efeitos inflacionários derivados
da maior liberdade de importar para as bandas cambiais de maior ágio, mas se preocupa em
dar voz a um grupo que se considerava prejudicado com o mesmo, como podemos ler no
título: “A indústria contra o Plano Aranha”.
100
Trata-se de uma longa entrevista dada pelo
presidente em exercício da CNI, o deputado Augusto Viana dos Santos, indicando que esta
reportagem foi, ao menos em parte, resultado da iniciativa do periódico, pois não era
decorrência de uma coletiva de imprensa” ou de um evento paralelo que O Globo tivesse
que cobrir jornalísticamente.
101
Na fala do líder industrial são destacados os seguintes pontos.
Primeiro, que o programa de Aranha relega “a contribuição notável da classe industrial
para o enriquecimento do país a segundo plano ao da agricultura”, porque, com ele, a
indústria “pagará mais caro matérias-primas e equipamentos importantes, cujo aumento de
preço, obviamente, se reflete no seu custo de produção”. Além disso, “deste custo acrescido
provirá o fundo destinado ao subsídio de exportação de produtos em sua maioria
agropecuários e ao financiamento exclusivo do setor agrícola”; ou seja, por este esquema, “a
indústria suporta o ônus do pagamento do subsídio, sem compensação adequada que lhe
venha atenuar o sacrifício”.
Segundo, o industrial defende a importância ímpar das manufaturas no
desenvolvimento da economia do país, citando diretamente as “Nações Unidas, em recente
estudo, por intermediário da Cepal”, que insistem na impossibilidade da substituição da
indústria pela agricultura, como setor dinâmico fundamental do desenvolvimento econômico”.
Segundo o entrevistado, “é notório que, a medida em que um país se desenvolve
economicamente, torna-se maior a participação relativa da indústria e o da prestação de
página 1, “Record de exportações As de outubro último foram as maiores dentre dois anos Consequência do
Plano Aranha”, (O Globo, 7 de novembro de 1953, Caderno 1, páginas 1 e 2). Por fim, temos a reportagem
“Conjunto de novas leis financeiras”, também manchete do dia, onde podemos ler: “Desde que assumiu a pasta
da Fazenda, o ministro Oswaldo Aranha vem desenvolvendo intensa atividade. O seu gabinete mais parece o
ponto de comando de uma „revolução‟. Na verdade, o sr. Oswaldo Aranha dirige a „revolução econômica‟
iniciada com o novo sistema cambial. Antes, sua excelência presidiu a reunião da CDI, quando fez importantes
declarações” (O Globo, 11 de novembro de 1953, Caderno 1, página 1).
100
No subtítulo pode-se ler: “Julga-se relegada a segundo plano em benefício da agricultura Terá que pagar
mais por matéria prima e equipamentos importados A falta de tarifa protecionista Fala o presidente em
exercício da Confederação Nacional da Indústria, deputado Augusto Viana Ribeiro dos Santos”(O Globo, 17 de
outubro de 1953, Caderno 1, página 1).
101
A reportagem abre exatamente desta maneira: “O presidente em exercício da Confederação Nacional da
Indústria, deputado Augusto Viana Ribeiro dos Santos, concedeu uma entrevista a O Globo sobre a reforma
cambial, expressando o pensamento dos industriais brasileiros” (idem).
242
serviços na formação do produto nacional”. Embora se preocupe, ao final, ressaltar a
complementaridade e não a rivalidade entre ambos os setores.
102
Terceiro, aborda o tema clássico da reivindicação da indústria, a saber, a precariedade
do sistema de proteção às manufaturas do país, cuja fragilidade ficava evidente com a
mudança nas regras cambiais.
103
Percebemos, nesta entrevista, os elementos básicos das reivindicações dos industriais
voltados para os seus interesses coorporativos no que se refere às políticas cambiais e
comerciais: um sistema que favoreça as suas importações, priorizando as mesmas ou
minorando os seus custos; a defesa da maior importância do setor manufatureiro para o
desenvolvimento nacional, empregando para isso a legitimidade acadêmica e institucional da
ONU e da própria Cepal, embora defenda a complementaridade e não rivalidade entre
indústria e agricultura; por fim, a necessidade de um sistema tarifário realmente protecionista.
Não é possível afirmar que esta entrevista expresse a opinião do próprio jornal sobre
estes temas, até porque ela aparece em meio a outras reportagens favoráveis ao Plano Aranha.
De qualquer maneira, não deixa de ser significativo este eloquente espaço destinado às
queixas dos industriais sobre o programa do governo, mesmo que as opiniões ali contidas não
sejam endossas pelo jornal em seus editoriais, nesse momento. Restará saber qual será a
posição de O Globo em outras situações em que esses interesses estiverem em jogo.
Fazendo uma síntese comparativa do posicionamento dos três diários acima na
abordagem da Instrução 70, podemos notar:
No caso do JB, ele confirma a linha de ação que até agora identificamos, tendo como grande
bandeira o controle da inflação, mas, ao mesmo tempo, transferindo boa parte do combate
à mesma para o fomento do setor produtivo, notadamente a agricultura; fugia, assim, do
que era pregado pela ortodoxia; em relação ao governo, notamos uma atitude de endosso
ao programa e às figuras que o projetaram (Aranha e Souza Dantas);
102
“É de se considerar, ainda, que a posição da indústria não pode ser contrária ao desenvolvimento
agropecuário, pois o desenvolvimento da agricultura importa em uma ampliação do mercado interno para os
produtos industriais. A recíproca, também, é verdadeira: a procura externa para os produtos agrícolas brasileiros,
sendo inelástica a possibilidade de colocação interna de uma parcela importante dessa produção não pode ser
olvidada” (idem).
103
“Por outro lado, sendo o Brasil um país desprotegido aduaneiramente, o amparo às atividades internas fica
dependente da escassez de divisas, isto é, de uma posição deficitária na balança de pagamentos. É de se registrar
o paradoxo de que qualquer melhoria da situação cambial, mantido o esquema Aranha, significará uma redução
da proteção às atividades internas da indústria nacional. Talvez seja por isso que a imprensa publica recentes
declarações do Sr. Ministro da Fazenda, no sentido de apressar a promulgação de um novo regime tarifário”
(Correio da Manhã, op.cit.).
243
O Jornal apresenta posição semelhante à do JB, especialmente por defender o emprego dos
ágios dos leilões no fomento à agricultura nacional como forma de combater a inflação;
assim como o JB também não aborda diretamente a queixa da indústria com o fim do
protecionismo das licenças prévias, o que fará apenas quando Aranha apresentar uma
saída ao problema, através da renovação das tarifas; novamente, interpretamos essa linha
de conduta como a estratégia básica do jornal de combinar o apoio ao governo e a seu
ministro da Fazenda, com o atendimento dos interesses das classes produtoras (nesse caso,
a indústria); essa posição também pode ser entendida como uma estratégia para conciliar
e não contrapor os diversos e contraditórios interesses corporativos envolvidos em tema
tão complexo (comércio de importação-exportação, agricultura e indústria);
O Globo surpreende por não tomar posição clara em editoriais sobre este programa, embora
pareça endossar tanto a Instrução 70 e os seus planejadores pelo destaque positivo em seu
noticiário; mas nesse espaço, porém, também voz à queixa da indústria contrária ao
Plano Aranha; interpretamos esta linha de ação de forma semelhante à adotada pelo O
Jornal, dada necessidade de atender a duas demandas contraditórias: de um lado, apoio ao
Plano e, especialmente, ao próprio ministro da Fazenda, tendo em vista ser ele o principal
representante da política de estabilização defendida pelo jornal e da chamada “ala
conservadora” do governo, após a reforma do Ministério de Vargas;
104
de outro lado, a
defesa dos interesses do setor industrial, com o qual, com base no exposto até aqui, este
vespertino está mais identificado. Conclusões mais definitivas sobre estas questões
serão possíveis no transcorrer da análise.
Os jornais e a polêmica sobre o reinvestimento
Das três medidas de Vargas em relação a questões cambiais e de balanço de
pagamentos, o tema do retorno de capitais ou a lei sobre o “reinvestimento” foi indiscutível a
mais polêmica. Junto com a criação da Petrobras, ela também é interpretada pela
historiografia como signo do nacionalismo e, até mesmo, do anti-imperialismo de Getúlio.
Mas como os jornais pesquisados se posicionaram frente a este assunto?
Dos periódicos estudados, o Jornal do Brasil foi o que ofereceu menos destaque a ele,
104
Não devemos esquecer, como vimos no capítulo III, que nesse momento a “ala nacionalista ou populista” esta
fortemente representada pelo ministro do Trabalho, João Goulart, ao qual O Globo combateu com bastante
veemência.
244
o qual nem é mencionado quando avalia o discurso de Ano Novo de Vargas, em um editorial
do dia 3 de janeiro de 1952.
105
O assunto passou a ganhar as páginas deste diário apenas a
partir do dia 4 deste mesmo mês, quando ele começou a repercutir o Decreto-Lei 30.363, tema
também abordado nos dias 5, 6 e 11, sempre, contudo, em pequenas reportagens e sem ocupar
as manchetes.
106
Nessa cobertura, o JB procurou apresentar uma descrição das medidas legais
de Vargas e das suas implicações, dando grande ênfase, porém, às reações contrárias às
mesmas.
107
Como aconteceu no dia 4 de janeiro, na primeira matéria abordando o caso,
dedicada a repercutir a posição dos responsáveis pela aplicação do Decreto-lei n
o.
9025,
durante o governo Dutra. Já no dia 11 deste mês, o Jornal do Brasil tratou das novas
regulamentações cambiais “impostas pelo governo” segundo as suas palavras salientando
a repercussão negativa junto às companhias estrangeiras que, conforme o próprio subtítulo da
reportagem afirma, temiam que elas fossem “reduzir, severamente, a remessa de lucros ou
dividendos” para o exterior.
108
A impressão de que este jornal apresenta contrariedade com a nova política adotada
por Vargas se confirma quando avaliamos a sua opinião no primeiro editorial sobre o assunto,
ao abordar positivamente a reação dos responsáveis pela área cambial no governo Dutra,
acusados de terem promovido o problema da evasão de divisas. O JB não chega a tomar uma
posição direta à respeito do conteúdo das acusações de Vargas, mas qualifica negativamente a
forma como elas foram feitas pelo presidente (“com cores de escândalo”) e positivamente os
argumentos de defesa do antigo chefe da Carteira de Câmbio do Banco do Brasil ao descrevê-
los como “esclarecedores”.
109
Depois da repercussão do Decreto-lei, o tema virá novamente às páginas do JB apenas
quando este fala das reações negativas do New York Times e do secretário-adjunto norte-
americano do Departamento de Estado para Assuntos Internacionais, Edward Miller. Sem
105
“Os planos gigantescos para 1952”, Jornal do Brasil, 3 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 5.
106
O que também poderia se justificar porque as manchetes do JB eram, no período, prioritariamente destinadas
ao noticiário internacional, no qual, porém, o tema em questão não deixava de se enquadrar.
107
As reportagens que abordam especificamente o Decreto e sua funcionalidade são: “O retorno de capitais”,
com o subtitulo “Regulamentado o Decreto-Lei n
o.
9025, de 27 de fevereiro de 1946, que se refere à matéria”, do
dia 5 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 6, e “Retorno do capital estrangeiro”, cujo subtítulo indica a ênfase
nas explicações do governo (“Oportunos esclarecimentos do titular da Fazenda”), do dia 9 do mesmo mês,
Caderno 1, página 6. as que abordam às reações negativas foram: “O decreto-Lei 9025, de 1946, e sua
aplicação”, com o subtítulo “Como o Consultor-Geral da república se manifesta sobre a seletividade dos
investimentos de capitais estrangeiros”, Jornal do Brasil, 4 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 6 e “As novas
regulamentações cambiais impostas pelo governo brasileiro”, com subtítulo “As companhias norte-americanas
temem que venham reduzir, severamente, a remessa de lucros ou dividendos Protesto, em caráter não-formal,
feito pelo Departamento de Estado”, Jornal do Brasil, 11 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 7.
108
Idem.
109
“Debates sobre o capital estrangeiro”, Jornal do Brasil, 4 de janeiro de 1952,Caderno 1, página 5.
245
citar diretamente o Times ou mesmo o nome do secretário do Departamento de Estado, o
Jornal do Brasil condena a atitude de ambos, afirmando ser inadequada a iniciativa de “um
técnico em negócios da América do Sul” em se permitir “criticar a orientação adotada pelo
governo brasileiro no que diz respeito às restrições impostas pela fiscalização bancária às
remessas de fundos para o exterior”. Para o diário, tal tema deve ser discutido, mas apenas
dentro das fronteiras do país e não fora dele, desagradando a opinião pública brasileira que a
imprensa e os homens públicos estrangeiros se intrometam na questão. Além disso e agora
vem o mais surpreendente o JB combateu a leitura crítica que os técnicos e os jornais
estadunidenses estavam fazendo das medidas legais tomadas pelo Brasil. Conforme as suas
palavras:
Essa providência do governo foi erroneamente interpretada, no exterior, pelos
que têm investimento no país, como uma prevenção contra o capital
estrangeiro, o que é um despropósito, tratando de um país como o Brasil que não
pode prescindir do estímulo financeiro vindo de fora.
110
Assim, inicialmente, o JB não chega a tomar uma posição aberta em favor ou contra
as medidas de Vargas, procurando abordar os seus efeitos negativos ou as opiniões contrárias
a elas; mas, depois da reação e ameaça de retaliação norte-americana, posiciona-se ao lado do
governo, condenando a atitude estadunidense como inadequada e interventora em assuntos de
interesse nacional.
Outro jornal tradicionalmente identificado com a defesa do capital estrangeiro, o
Correio da Manhã, vai tomar um posicionamento um pouco diferente. Para começar, o
Correio grande destaque ao tema, que foi objeto de reportagens e editoriais em
praticamente todas as edições do mês de janeiro, procurando oferecer espaço tanto para as
ações do governo quanto para as contestações das mesmas nos EUA e no Brasil.
111
Quando
toma posição sobre as medidas de Vargas, o CM também assume uma posição de cautela, mas
endossa o conteúdo do pronunciamento do presidente, classificando o problema como o
“escândalo do capital estrangeiro”. Convergindo com o Jornal do Brasil, porém, condena a
maneira como Vargas apresentou a questão:
110
“Comentários intempestivos e inconvenientes”, Jornal do Brasil, 20 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 5.
111
“O governo atual também admite o integral retorno de capitais estrangeiros”, Correio da Manhã, 5 de janeiro
de 1952, Caderno 1, página 8 e “‟Uma série de erros‟, declarou o presidente do Banco do Brasil, referindo-se aos
regulamentos anteriores sobre o retorno de capital”, Correio da Manhã, idem. Sobre a reação externa: “Novo
decreto sobre o retorno de capitais: repercussões em Washington, do discurso do presidente da República”,
(ibidem). Exemplo de reação interna, podemos encontrar em: “A incorporação do lucro ao capital estrangeiro
O presidente da República foi mal-informado, disse-nos o professor Eugêncio Gudin”, Correio da Manhã, 4 de
janeiro de 1952, Caderno 1, página 8.
246
Lamentamos, contudo, a forma pela qual se manifestou sobre a matéria o chefe do
governo. Não lhe competia imprimir ao assunto um sensacionalismo de pasquim
(...). que distinguir a justa preocupação do governo com essa oneração (sic)
de nossa balança de pagamentos do tom alarmista em que a mesma se
exprimiu, uma nova concessão demagogia e xenófoba.
112
Mais uma vez, o surpreendente esteve na forma como o periódico abordou as
declarações do secretário Edward Miller. Além de emitir opinião considerando o Decreto
presidencial bastante razoável,
113
o jornal critica pesadamente a atitude do funcionário
estadunidense e dos próprios EUA, afirmando que elas expressam “as tendências
imperialistas de certos grupos econômicos norte-americanos” e refletem “o lado obscuro e
reacionário da grande república do norte”. Para o jornal, este tipo de postura afeta a própria
“liderança internacional dos Estados Unidos, compromete este país com o resto do mundo,
suscita reações tipo (sic) Iran ou provoca fenômenos como o peronismo, sacrificando, assim,
não apenas a segurança dos Estados Unidos como a de todo o bloco Ocidental.”
114
Em consequência disso, o Correio não procura amenizar as dimensões do conflito em
torno da questão: exige ação enérgica do Brasil, ao mesmo tempo em que instiga o governo
brasileiro a estabelecer uma legislação mais segura e atrativa ao capital estrangeiro, devido à
sua importância para o nosso desenvolvimento.
O governo brasileiro, ante a tendência de certas forças imperialistas de se
imiscuírem em negócios internos do nosso país, deve repelir, energicamente,
qualquer intervenção ou ameaça. Mas não deve, por causa disso, deixar de
completar a regulamentação dos investimentos estrangeiros. Por que, com ou sem
ameaça, o Brasil necessita de capitais estrangeiros.
115
no jornal O Globo, o tema também recebeu destaque, embora tenha aparecido com
menos frequência do que no Correio da Manhã, sendo manchete apenas uma vez, quando da
repercussão das declarações de Edward Miller.
116
Assim como o CM, O Globo procurou dar
mais espaço à defesa dos responsáveis pela política cambial no governo Dutra e aos
112
Correio da Manhã, 1º de janeiro de 1952, 1º caderno, página 8.
113
Segundo o jornal, o Brasil “não está em condições de assegurar-lhe (ao capital estrangeiro) um retorno livre
ou uma remessa de juros e dividendos em uma percentagem ilimitada”, sendo que a “limitação das remessas de
lucros à conta de 8% fornece margens muito superiores às existentes na maior parte dos países” (Correio da
Manhã, 18 de janeiro de 1952, 1º Caderno 1, página 4).
114
O jornal não deixou, contudo, de procurar responsabilizar o próprio Vargas pela reação do imperialismo
norte-americano: “Na verdade (...),o sr. Getúlio Vargas estava fazendo, à moda nacional, o que os presidentes
americanos também não deixam de fazer: o cortejo da popularidade” (Correio da Manhã, idem).
115
Correio da Manhã, ibidem.
116
“Abaladas as relações financeiras entre o Brasil e os Estados Unidos” (O Globo, 17 de janeiro de 1952,
Caderno 1, páginas 1 e 6).
247
opositores “teóricos” das medidas de Vargas.
117
Contudo, quando toma posição, o jornal é
favorável a estas medidas. No editorial que comenta a Mensagem presidencial bastante
crítico, aliás, ao governo em relação a outras questões
118
O Globo afirma que o presidente
ofereceu
uma nota de patriotismo e de vigilância dos bens públicos quando denuncia os
abusos verificados na política cambial do país. As afirmações do presidente da
República a respeito foram de tal forma positivas, e os números por ele arrolados
de tal forma impressionantes que uma situação de angústia se apoderou de quantos
dela tomaram conhecimento.
Nota-se que este periódico também endossa as denúncias feitas por Vargas, mas sem
se opor à forma como foram feitas, como fazem o Correio da Manhã e o JB. Aliás, classifica
a atitude de Vargas como “patriotismo” e “vigilância dos bens públicos”. Semelhante a estes
jornais, contudo, não se preocupa em amenizar o problema, exigindo ões enérgicas contra
os responsáveis, tanto dentro como fora do país. Como podemos perceber pela maneira com
que repercutiu as declarações de Edward Miller:
É preciso (que) fique claro, de uma vez por todas, que o Brasil, ao disciplinar a
remessas de lucros e das amortizações dos capitais estrangeiros, além de
praticar ato de indeclinável soberania, não teve em mira prejudicar os
interesses de quem quer que fosse. (...) O ministro do Exterior, cuja adesão às
ideias de colaboração continental é bem conhecida, precisa fazer sentir ao
Departamento de Estado, o mal-estar causado pelas palavras do sr. Edward Miller.
(...) E no caso é a própria amizade entre o Brasil e os Estados Unidos que está a
exigir um reparo às palavras menos felizes do porta-voz do governo de Washington.
119
Posicionamento diferente dos diários acima podemos encontrar em O Jornal. Este
periódico amplo destaque ao discurso de Vargas e ao Decreto-lei n
o.
30.362, abordando o
assunto durante quase todo o mês de janeiro. Porém, embora tenha oferecido espaço aos
responsáveis pela política cambial no governo Dutra,
120
a tônica das reportagens foi favorável
às medidas de Vargas, como podemos perceber pela manchete do dia de janeiro de 1951,
117
“A portaria que anulou o decreto Falam a O Globo os principais responsáveis pelo ato que mereceu as
críticas do Sr. Getúlio Vargas”, (O Globo, 2 de janeiro de 1952, Caderno 1, páginas 2), “Afirma o ex-diretor da
carteira de câmbio que o Brasil não contraiu dívida Seria preciso admitir-se o absurdo da extinção de todas as
empresas estrangeiras no Brasil”, (O Globo, 3 de janeiro de 1952, Caderno 1, páginas 1) e “O decreto sobre o
retorno do capital estrangeiro: continua a discordar o Sr. Eugênio Gudin, por achá-lo prejudicial ao país” (O
Globo, 2 de janeiro de 1952, Caderno 1, páginas 6).
118
“Patriotismo e Demagogia”, O Globo, 2 de janeiro de 1952, Caderno 1, páginas 1.
119
O Globo, 18 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 1.
120
Como na reportagem “Certa e legal a interpretação dada ao decreto-lei n
o
9.602”, 5 de janeiro de 1952,
Caderno 1, páginas 6.
248
“Espoliados ao país 950 milhões de cruzeiros”.
121
Quando acompanhamos os espaços de opinião, esta tendência ao endosso se torna
mais clara. Por exemplo, no editorial em que condena as críticas do New York Times ao
Decreto de Getúlio, defendeu o mesmo da seguinte maneira:
O Brasil, forçado por uma situação de emergência, adotou medidas de defesa para
evitar que as suas pequenas reservas em divisas do exterior sejam consumidas quase
inteiramente na transferência de lucros de empresas estrangeiras, lucros que, em
certos casos, excedem à totalidade do capital entrado em nosso país.
122
A principal diferença esteve na maneira como OJ aborda as declarações do secretário-
adjunto Edward Miller. Apesar de pregar a necessidade de o governo agir frente ao capital
estrangeiro, cumprindo “o dever patriótico de preservar os direitos inalienáveis do povo
brasileiros nessa matéria”,
123
O Jornal defende uma conduta de conciliação, sendo ameno nas
críticas ao representante dos EUA e dirimindo qualquer animosidade nas palavras e no decreto
de Vargas contra os investimentos externos. Como podemos notar por esta passagem na qual
se comenta a iniciativa de Miller em vir a público para dizer que tinha sido mal interpretado
na questão:
Os fatos esclarecerão as coisas e os investidores de capitais saberão, em breve, que
não há, da parte do Brasil, o menor interesse de criar dificuldades à entrada de
dinheiro para aplicação no desenvolvimento das nossas riquezas. (...) A união
entre o Brasil e os Estados Unidos está acima do perecível. È uma condição da
segurança, da paz e da prosperidade de todo o hemisfério. Esse tem sido o ponto de
vista inalterável dos dirigentes do Brasil no passado, como hoje e certamente
amanhã.
124
Fazendo uma síntese do exposto, podemos notar que, em relação ao posicionamento
dos jornais frente ao Executivo, esta seguiu o padrão que estamos identificando: primeiro,
houve uma tendência geral a apoiar as medidas econômicas tomadas pelo presidente, embora
com algumas censuras ou receios, mais de ordem política do que econômica; segundo,
percebe-se que O Jornal foi o periódico que mais endossou a linha assumida por Vargas,
enquanto O Correio se colocou como o mais crítico, porém, não às ações em si mesmas, mas
à forma como Vargas tratou o tema, condenando o seu “sensacionalismo”, a sua “demagogia”
e a sua “xenofobia”. O Globo e o JB ficaram em uma posição intermediária: o primeiro,
121
Manchete que vem acompanhada do seguinte subtítulo: ”Grave denúncia de Vargas contra o governo passado
Crime administrativo na Carteira de Câmbio do Banco do Brasil”. (O Jornal, 1 de janeiro de 1952, 1º caderno,
páginas 1 e 6).
122
O Jornal, 20 de janeiro de 1952, 1º caderno, página 4.
123
O Jornal, 19 de janeiro de 1952, 1º caderno, página 4.
124
O Jornal, 22 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 4.
249
endossando as medidas do Getúlio (“patriotismo”), embora condenando a sua linguagem; e o
segundo não chegando a tecer críticas ao Executivo, mas apoiando apenas tardiamente a sua
posição, diante da “intromissão” dos EUA em um assunto que dizia respeito à economia
doméstica.
Por outro lado, no que se refere ao conteúdo das medidas, chama a atenção o fato de
todos os jornais terem, embora com variações, tomado uma posição contrária às demandas do
capital externo investido no Brasil e, especialmente, bastante duras em relação aos próprios
Estados Unidos, com a exceção de O Jornal, que procurou amenizar os possíveis atritos
derivados das denúncias e do decreto do presidente.
Essa linha de ação contraria sensivelmente a visão mais difundida sobre o
posicionamento dos periódicos estudados frente aos interesses do capital externo e mesmo à
aproximação entre Brasil e Estados Unidos. Também vai de encontro ao que afirma parte da
historiografia que, como vimos no Capítulo I, afirma que estes diários teriam se oposto
tenazmente ao decreto e ao discurso de Vargas.
Porém, com base nos dados apresentados, ela fica menos discrepante quando
lembramos que, ao longo do governo Vargas, é possível perceber a preocupação constante dos
jornais com os efeitos negativos da evasão de divisas sobre o balanço de pagamento do país.
Além disso, podemos constatar que estes periódicos, com exceção parcial de O Jornal,
sempre sustentaram limites para a atração de investimentos externos, defendendo uma
seletividade nesse capital e mesmo o direcionamento de sua aplicação.
Todavia o episódio ainda nos apresenta outros pontos importantes. Pela própria
linguagem empregada, notamos a forte presença na argumentação dos jornais de temas como
“patriotismo” e “interesses nacionais” e até uma forte desconfiança com o “imperialismo
yankee”, criticado pelo Correio da Manhã com grande veemência. Dessa maneira, o
entendimento desse episódio nos obriga a ultrapassar os aspectos estritamente econômicos ou
doutrinários e até os relativos às demandas do campo político (jornais pró-Vargas X jornais
antivarguistas), para levar em conta a própria necessidade de os jornais se identificarem ou, ao
menos, não se afastarem de temas e expressões como o “patriotismo” e a defesa dos
“interesses nacionais”. Estas tinham grande poder de mobilização da opinião pública no Brasil
do pós-guerra, dando origem a uma verdadeira luta simbólica, conforme a define
BOURDIEU, ou seja, a um forte conflito simbólico entre os agentes do campo jornalístico e
do campo político para definir quem era mais capaz de associá-las aos seus discursos e
programas econômicos. Em consequência, a compreensão do surpreendente apoio que Vargas
250
recebe em uníssono dos jornais, especialmente depois da reação norte-americana, deve passar
pela própria capacidade do presidente em associar “patriotismo” e “soberania nacional” à sua
atitude no episódio, mesmo que alguns jornais, como o Correio e o JB, não fossem adeptos
ao governo e não endossassem completamente a linguagem excessivamente “xenófoba” e
“demagógica”, na opinião do CM, que ele usou no episódio.
Mas esta questão, pelas próprias preocupações que ela deixa transparecer no discurso
dos jornais sobre a fragilidade do Brasil perante os EUA e no sistema de trocas internacionais,
nos remete a outro problema, a saber: como estes diários viam a posição do Brasil na divisão
internacional do trabalho e, por consequência, no comércio internacional? E disso que
trataremos no tópico a seguir.
4.2.3 O Brasil na divisão internacional do trabalho: a opção entre país essencialmente
agrícola versus industrialização acelerada
Salientamos na análise da visão dos jornais sobre o comércio exterior brasileiro e a legislação
cambial do governo que o problema do déficit no balanço de pagamento não poderia ser
resolvido apenas limitando as importações, mas deveria também procurar aumentar as
exportações. Contudo, como no caso do processo inflacionário, os periódicos estudados
convergiram em apontar que a melhoria dessas exportações passava necessariamente por
investimentos na produção, sem os quais os bens exportáveis continuariam “caros” e
marcados pela “gravosidade”.
Para resolver esse problema, uma das soluções básicas estava no investimento em
infraestrutura, porque a carência em transportes e energia era considerada um ponto-chave do
atraso econômico. Porém, conforme constatamos na análise dos debates teóricos do período, a
discussão sobre a melhor maneira de resolver os desequilíbrios no balanço de pagamentos
também passava pela questão de discutir o caminho mais adequado para o desenvolvimento
do país. Em outras palavras, se o Brasil deveria insistir na sua especialização agrícola
exportando os artigos primários que produzia bem e barato e importando os artigos
industrializados que produzia caro e com baixa qualidade , como defendiam os liberais e
neoliberais, ou se era necessário alterar a sua matriz produtiva através da industrialização
acelerada, a fim de diminuir a dependência das importações de manufaturados e mudar a sua
pauta de exportação, como advogavam desenvolvimentistas e cepalinos. Em resumo, qual
deveria ser a posição do país na divisão internacional do trabalho.
251
O Jornal do Brasil não deixou muitas dúvidas sobre o seu ponto de vista nesse
debate. Além de defender os investimentos em infraestrutura, pregou a necessidade de forte
auxílio à agricultura de exportação, tanto por subsídios aos produtos gravosos quanto por
apoio direto às atividades produtivas primárias exportáveis.
125
Mas qual a posição do JB em
relação à indústria, ou melhor, em sua opinião, haveria a necessidade de o país se
industrializar rapidamente para sair dessa situação de desequilíbrio econômico?
constatamos que o Jornal do Brasil não era um defensor do protecionismo ao
parque fabril brasileiro mediante a seletividade das importações, embora não tenha se
demonstrado um crítico severo do protecionismo em si mesmo, considerando-o necessário
para a evolução industrial do país.
Por outro lado, se acompanharmos a posição do jornal sobre a criação da Comissão de
Desenvolvimento Industrial (CDI) pelo governo Vargas, podemos perceber o seu apoio à
mesma, opinando da seguinte maneira:
Está instalada a Comissão de Desenvolvimento Industrial do Brasil, que deverá ser
importante rgão] do atual Governo, nos seus propósitos pelo
engrandecimento da economia do País.
São vultosas as responsabilidades dessa Comissão e vastos os setores onde lhe
cumpre atuar para que se consigam ampliar e criar novos produtos de
exportação, do mesmo passo que restringir, tanto quanto possível, esse estado de
dependência do consumidor brasileiro, fonte que é da evasão de grande parte
dos recursos, mais das vezes acumulados a troco de sacrifícios financeiros.
126
Ou seja, o jornal não apenas apoia a criação da CDI como também espera que esta
Comissão possa “ampliar e criar novos produtos de exportação” e, ao mesmo tempo, restringir
“a dependência do consumidor brasileiro”, que provoca a evasão de divisas. Para isso, o JB
apresenta qual seria para ele a tarefa essencial da CDI: viabilizar “energia e transporte”. Faz
ainda uma consideração geral sobre a indústria nacional:
O parque industrial brasileiro é motivo de orgulho como obra que avança sem
esmorecimento. Ampliá-lo ainda mais, fortalecê-lo e ampará-lo é dever
precípuo dos que se envaidecem de ter nascido nesse torrão e lutam por torná-
lo farto, rico e poderoso.
Em síntese, vemos como um tema econômico volta a ser associado no discurso do jornal a
questões ligadas ao patriotismo e ao orgulho nacional. O que fica mais claro quando lemos
125
Ver, por exemplo, “A crise e a forma de combatê-la”, Jornal do Brasil, 21 de setembro, de 1952, Caderno 1,
página 5.
126
“Produção barata e escoamento fácil”, Jornal do Brasil, 31 de agosto de 1951, Caderno 1, página 5.
252
outro editorial, publicado perto do final do ano, onde o JB faz uma avaliação positiva dos
programas econômicos do governo:
Dentro do largo período de tempo, as atividades nacionais estarão aplicadas, em sua
maior parte, na execução do programa estabelecido e que abrange,
principalmente, obras relacionadas ao incremento da produção e de energia elétrica,
assim como das vias de transportes e das indústrias básicas, vale dizer das
verdadeiras fontes de onde depende, realmente, o progresso do País.
Dando a esses problemas a solução adequada, não restará dúvida alguma quanto ao
ingresso dos brasileiros numa fase de largo aproveitamento das suas riquezas
naturais, além de maior revelação da capacidade dos seus labores no campo das
indústrias representativas da própria soberania nacional.
Possuindo, já, a grande siderurgia, de que é expressivo exemplo a instalação de Volta
Redonda, e ampliando suas possibilidades frente aos vastos recursos da matéria-
prima que possui, terá o Brasil excelente oportunidade de se colocar em
condições de confronto com aqueles outros países cuja prosperidade
econômico-financeira constitui motivos de orgulho para as suas populações.
127
Aqui está nítida a forma como o JB concebe a possibilidade de industrialização do
Brasil. Ele defende a ação do Estado no provimento da infraestrutura e vincula a
industrialização ao melhor aproveitamento dos recursos naturais do país à sua força como
nação frente às demais.
Mas o otimismo quanto às possibilidades e potencialidades da industrialização
brasileira iria paulatinamente se arrefecendo no jornal, na medida em que a crise cambial e
especialmente a inflação tornavam-se problemas mais proeminentes.
Desde o ano de 1951, o JB demonstra muita preocupação com a queda de
rendimento da produção agrícola brasileira, vinculando-a à carência do fator mão de obra
provocada pelo excessivo êxodo rural, que tirava os braços da lavoura e superlotava as
cidades. Essa preocupação era tanta que este diário chegou a defender com entusiasmo a
proposta de Vargas de ampliar os direitos trabalhistas da cidade para o campo.
128
Mas a partir
de 1952, porém, ele vai começar a associar os problemas da agricultura a uma espécie de
hipertrofia do setor fabril. Por exemplo, no início deste ano, já alerta as “autoridades” sobre os
possíveis efeitos negativos de uma política de incentivo estatal ao “surto industrial”:
É preciso não esquecer, entretanto, que o movimento intensivo no sentido de ampliar
nosso parque industrial não deverá prejudicar o impulso inato do país para a
agricultura, na qual se assenta a sua verdadeira riqueza econômica.
Os estadistas do império tiveram a antevisão de nossas forças evolutivas quando
proclamaram a agricultura como a principal fonte de nossa riqueza.
Convém não esquecer a lição que nos veio dos homens que assentaram os
alicerces da nacionalidade nesta hora em que a corrente industrializante
procura preponderar na orientação geral, fazendo desviar as disponibilidades
127
“Nova política econômico-financeira”, Jornal do Brasil, 15 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 5.
128
“Benefícios que mais se esperam”, Jornal do Brasil, 28 fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5.
253
financeiras do país para o campo das atividades industriais, relegando o trabalho
do tamanho da terra e do fomento agrícola a plano secundário.
129
Aqui vemos claramente os limites da aceitação, por parte do Jornal do Brasil, do
desenvolvimento industrial brasileiro: não provocar o desvio dos recursos produtivos (mão de
obra e investimentos) para a indústria em detrimento da agricultura. Destaca-se, ainda, dois
aspectos componentes dessa fala: primeiro, que é na agricultura que se “assenta a nossa fonte
de riqueza”, assertiva com a qual um economista como Gudin poderia concordar, embora
talvez já não endossasse a tradicional visão da vocação agrária do Brasil, aqui expressada pelo
conceito de “impulso inato do país à agricultura”; segundo, a preocupação com a possível
preponderância de uma “corrente industrializante” na “orientação geral”, ou seja, o JB
demonstra apreensão com uma espécie de vitória doutrinária do industrialismo sobre o
agrarismo, a qual elege como uma das causas principais das atuais distorções. Como podemos
ver por este outro editorial:
Tornou-se moda falar em industrialização, deixando a agricultura de lado,
como se a atividade nos campos não conferisse nenhum grau de importância aos
países que a ela se entregam. Afirma-se que os povos que estão na vanguarda da
civilização foram levados a este posto privilegiado através do seu progresso
industrial. Os que se entregaram a agricultura não saíram, ainda, do estado colonial.
Essas afirmações vão criando raízes, estabelecendo um estado de espírito que
precisa ser combatido.
130
No restante do período correspondente à nossa pesquisa, o jornal irá entrar
abertamente nessa luta ideológica, colocando como sua tarefa o combate a esse “exagerado
movimento de propaganda em favor da industrialização”, que provoca os males das atividades
agrícolas. Ao mesmo tempo, passará a sustentar que a agricultura era, quando não uma
garantia da riqueza de uma nação, ao menos a condição inicial da sua prosperidade. Essas
duas batalhas estão bem sintetizadas na seguinte passagem de um editorial:
É preciso alertar o País contra essa tendência manifesta que se observa entre
nós de considerar a agricultura como uma reminiscência da economia colonial.
Essas ideias são lançadas assim, a esmo, e encontram certos espíritos que as
recolhem e propagam, contribuindo para um desvio de rota que poderá trazer
consequências imprevisíveis.
A agricultura é o alicerce das riquezas dos povos. Sem ela, não se poderá
construir uma indústria sólida e estável. Os Estados Unidos, que oferecem aos
olhos do observador o maior parque industrial do mundo, jamais se esqueceram de
que essa riqueza fabril estaria comprometida caso o alicerce agrícola, que a sustenta,
apresentasse qualquer sinal de fragilidade.
131
129
“Binômio Energia e Transporte”, Jornal do Brasil, 22 janeiro de 1952, Caderno 1, página 5.
130
“Predomínio da atividade agrícola”, Jornal do Brasil, 30 novembro de 1952, Caderno 1, página 5.
131
“Atividade agrícola e expansão industrial”, Jornal do Brasil, 18 janeiro de 1953, Caderno 1, página 5. Para
essa campanha, o jornal irá usar muito o exemplo dos EUA: “Os entusiastas da industrialização devem pensar
254
Devemos deixar claro que, nessa campanha em prol da agricultura, o jornal não chega
a fazer uma pregação anti-industrializante, mas procura defender que a indústria poderia se
desenvolver depois de estar consolidada a agricultura e que o tipo de industrialização que ele
mais combate é o que chama de “indústria fictícia”, muito embora não deixe muito claro este
conceito.
132
, não prega exatamente um retrocesso das manufaturas e sim um desenvolvimento
equilibrado entre os dois setores, onde deveria haver prioridade para a consolidação da
agricultura e para os investimentos em infraestrutura; somente depois, seria aceitável o
esforço industrializante.
133
Na análise do Correio da Manhã, O Jornal e O Globo encontramos algumas
constatações semelhantes as do JB, entretanto, esses jornais divergiram do primeiro em
pontos essenciais, permitindo colocá-los em uma mesma linha argumentativa, embora
apresentem divergências.
Em linhas gerais, estes diários também sustentaram que a solução dos problemas do
nosso balanço de pagamentos passava pelo desenvolvimento da produção exportável e pela
queda dos preços da mesma. Eles ainda convergiram que era importante fomentar as
atividades agrícolas voltadas para a exportação, tendo em vista serem elas as principais
responsáveis pela aquisição das divisas, chamando a atenção, inclusive, o fato de todos os três
apresentarem muitos momentos de elogio às iniciativas de Vargas e de seu ministro da
Agricultura para fomentar as atividades do campo.
134
É igualmente perceptível que, com o decorrer do mandato de Vargas, esses diários
um pouco mais na verdadeira realidade nacional. Não pode haver uma indústria próspera no país, se não
tiver apoiada em uma agricultura sólida. Foram compreendendo essa verdade incontestável que os pioneiros
do progresso americano começaram lançando as bases de uma agricultura vigorosa. Foi a estrutura agrícola
que sustentou a construção gigantesca da indústria nos Estados Unidos (“A agricultura na economia
nacional”, Jornal do Brasil, 29 maior de 1952, Caderno 1, página). Outro exemplo: “Essa compreensão do
irrelevante e insubstituível papel representado pela agricultura na economia geral, arraigada no espírito dos
homens americanos, ainda não se verificou no Brasil, onde a propaganda industrializante força o caminho,
prejudicando a marcha do trabalho do campo num país que, sem ser essencialmente agrícola, ainda tem
na lavoura a principal fonte de sua riqueza” (“A agricultura na economia nacional”, Jornal do Brasil, 29 maio
de 1952, Caderno 1, página 5).
132
“Atividade agrícola e expansão industrial”, Jornal do Brasil, 8 janeiro de 1953, Caderno 1, página 5.
133
“Predomínio da atividade agrícola”, Jornal do Brasil, 30 novembro de 1952, Caderno 1, página 5.
134
“Política agrária”, Correio da Manhã, 9 de abril de 1952, Caderno 1, página 4, “O governo e a agricultura”, O
Jornal, 20 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4), “Política Agrária”, O Jornal, 16 de janeiro de 1952,
Caderno 1, página 4, “Reforma do crédito agrícola e industrial”, O Jornal, 21 de setembro de 1951, Caderno 1,
página 4, “O problema é menos de consumo que de produção”, O Jornal, 28 de outubro de 1951, Caderno 1,
página 4. O Globo foi o menos eloquente em abordar o tema, mas, podemos consultar as reportagens “Criada a
Comissão de política Agrária”, O Globo, 21 de julho de 1951, Caderno 1, página 1 e “Todo o apoio à batalha da
produção”, O Globo, 9 de abril de 1952, Caderno 1, página 1 e o editorial “Agricultura em crise”, O Globo, 6 de
março de 1952, Caderno 1, página 1.
255
demonstrem uma preocupação crescente com os possíveis desequilíbrios entre o
desenvolvimento da indústria e da agricultura. Mas aqui encontramos uma nítida diferença,
pois o CM e o JB chegam a admitir, em determinados momentos, que o ritmo superior do
crescimento das manufaturas poderia trazer prejuízos às atividades rurais, implicando em
sérios problemas para o Brasil, como a falta dos gêneros alimentícios nas cidades e o
inchamento do perímetro urbano, embora tenham insistido menos na questão que o JB.
135
Em
O Globo, esta questão não foi abordada, pois, ao menos na amostragem levantada por nossa
pesquisa, quando este jornal trata das dificuldades da lavoura nunca a relaciona diretamente
com a industrialização.
O Correio foi o periódico que mais avançou nesse ponto. No ano de 1953, em uma
conjuntura particularmente difícil no que concerne ao controle da inflação e aos desequilíbrios
na balança comercial, este jornal publicou um editorial com observações bastante
contundentes sobre a evolução da economia brasileira:
Queria-se que o Brasil deixasse de ser um país de plantações, para ser
industrial. Acabou não sendo nem uma coisa nem outra: não tem alimentos, nem
matérias-primas para suas indústrias. (...)
Produzir o que sabemos produzir bom e barato e os outros povos não sabem;
comprar deles o que não sabemos produzir bom e barato, e eles sabem.
Esse princípio econômico não é de hoje. É do tempo do velho Adam Smith. Não é
de hoje, mas sua legitimidade tem resistido a todos os desgastes do tempo. Vale
por igual, nacional e internacionalmente. Vale na indústria, na agricultura, no
comércio, vale no interior de uma nação e, finalmente, nos negócios de cada nação
com todas as demais.
136
Ora, temos elementos básicos do pensamento liberal: defesa da universalidade da
teoria econômica, do princípio das vantagens comparativas e, por consequência, da
especialização agrária do Brasil. Surgem, então, algumas questões: seria o Correio da
Manhã um defensor da especificação ou vocação agrícola nacional e, dessa forma, contrário à
industrialização acelerada do país? Seguiriam os demais jornais (OJ e OG) esse mesmo
caminho?
A nosso ver, apesar do posicionamento contido nesse editorial, é possível responder
negativamente a tais questões. Quando consideramos a linha de ação do CM levantada por
nossa pesquisa, percebemos que o texto acima está longe de corresponder à média de opinião
do periódico sobre o desequilíbrio entre agricultura e indústria na economia brasileira e,
principalmente, sobre a forma como ele concebe a inserção do Brasil no cenário internacional.
135
“Indústria e a Agricultura”, Correio da Manhã, 22 de novembro de 1951, Caderno 1, página 4 e “A
agricultura e a recuperação econômica do país”, O Jornal, 27 de julho de 1952, Caderno 1, página 4
136
“Sabedoria antiga”, Correio da Manhã, 18 de março de 1953, Caderno 1, página 4.
256
Já, referente ao O Jornal e O Globo, estes diários nunca chegaram a se posicionar em termos
semelhantes aos encontrados no Correio.
Para entendermos, então, a posição desses jornais sobre tal assunto, especialmente no
caso do CM, vamos abordar separadamente dois pontos fundamentais ligados à questão.
O primeiro dele diz respeito ao fato de que estes três periódicos, ao tratarem dos
problemas da agricultura brasileira, não os atribuem exclusivamente ao descompasso entre o
setor agrícola e o desenvolvimento industrial, ou melhor, em boa parte das vezes, nem fazem
esta relação. Para o Correio, O Jornal e O Globo, as dificuldades do setor primário tinham
as suas próprias causas.
Em OG, como vimos, nem encontramos relações dessa ordem, chegando mesmo a
surpreender a falta de interesse do jornal pelos “problemas da lavoura”. Curiosamente, no
único editorial de que dispomos tratando das “favelas”, o vespertino não discute temas como
êxodo rural e “roubo de braços” para a indústria, preferindo propor uma política de reforma
das zonas faveladas como um “programa oferecido pelo O GLOBO ao exame dos
responsáveis e que agora, ao que tudo indica, vão entrar em execução.”
137
OJ, por sua vez, foi também muito claro: a falta de crescimento da agricultura estava
enraizada no seu próprio atraso tecnológico, cuja solução não passava pelo freio às atividades
industriais, mas deveria ser encontrada em políticas específicas de apoio ao produtor rural.
Mais do que isso, este diário afirmou que esta solução envolvia o próprio acirramento da
industrialização, tendo em vista que a manufatura nacional poderia fornecer os insumos e o
maquinário de que a atividade rural tanto necessitava e tinha dificuldades em importar.
Comentando um relatório do ministro da Agricultura João Cleophas, O Jornal aborda os
problemas do setor agrícola, questionando:
(Seria) excessiva e condenável a industrialização do país? (ilegível) precipitada
por fatores artificiais como as tarifas (ilegível) a saltar da fase pastoril para a
industrial, com sacrifício da agricultura, segundo as regras que (ilegível) a evolução
econômica dos povos? Essas conclusões (implicariam) em levar longe demais um
fenômeno que decorre (de problemas) inerentes à própria agricultura brasileira.
De fato, desde o início da nossa colonização praticamos a (ilegível) lavoura de
(ciganos) para explora apenas as terras mais férteis. Derrubando e queimando matas,
secando cursos d´água, provocando as erosões, esgotamos as melhores áreas, ao
longo de alguns anos de cultura extensiva. E passamos a outras de igual (ilegível)
submetendo-as aos mesmos processos de (ilegível) e exaustão, para prosseguir nesta
marcha devastadora até os dias atuais.
Realmente, é assim que ainda hoje se faz agricultura no (país).
138
137
“Nova etapa das questões das favelas”, O Globo, 11 de março de 1952, Caderno 1, página 1.
138
“Indústria e lavoura”, O Jornal, 8 de março de 1952, Caderno 1, página 4. Outro exemplo pode ser
257
Tendo em vista esta percepção do problema, O Jornal insistirá em algumas posições
muito claras durante o transcorrer do Segundo Governo Vargas. A primeira delas é o apoio às
principais medidas do Executivo para fomentar as atividades agrárias, investindo um
particular esforço na proposta de mecanização agrícola. Sobre isso, OJ desenvolve pesadas
críticas à precariedade técnica da produção rural brasileira e afirma que a proposta de fazer
retornar os “braços” à lavoura é difícil e inútil, pois a necessidade do país é mecanizar a sua
produção primária e não reter o trabalhador no campo. Esse tema virou uma verdadeira
campanha em O Jornal, até porque lhe permitia combinar a defesa de intricadas demandas:
os interesses da lavoura, a defesa da política econômica do governo e o destaque da
importância da indústria nacional, como podemos ver por este editorial onde OJ comenta um
discurso de Getúlio anunciando um programa de crédito para a compra de tratores:
Tem razão o chefe da Nação para hipotecar o seu apoio decisivo à mecanização
da agricultura nacional. No ambiente econômico do Brasil não cabe mais o
brado de outrora: Braços para a lavoura! O slogan que se impõe agora é outro:
Máquinas para a lavoura! Tanto mais quanto os trabalhadores rurais fogem para
as cidades, atraídos pelos melhores salários e demais vantagens da vida urbana, e os
campos precisam produzir cada vez mais, a fim de acudir às exigências crescentes
dos mercados consumidores.
139
A aliança com Vargas, porém, tinha limites e estes se localizavam onde as políticas
pretendidas ou aventadas pelo presidente ultrapassavam o apoio ao produtor rural e se
encaminhavam para a possibilidade de extensão dos direitos trabalhista ao campo e,
especialmente, de reforma agrária. O Jornal combateu com veemência essas alternativas,
afirmando que elas iriam, ao invés de promover o aumento da oferta de gêneros, levar à
desarticulação na produção rural:
Não se trata apenas, como tantos acreditam, de dar ao trabalhador rural casa
higiênica, escola para os filhos, garantias de trabalho, amparo na velhice, férias
remuneradas e outras vantagens, largamente concedidas na legislação
trabalhista brasileira ao operário industrial. Tais favores podem ser até
contraproducentes, como é preciso que se diga tem sido na indústria. O principal
ponto a (ferir) seria o da assistência econômica e técnica ao fazendeiro, para que
encontrado em “Advertência e apelo”, O Jornal, 5 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4 e “A agricultura e a
recuperação econômica do país”, O Jornal, 27 de julho de 1952, Caderno 1, página 4.
139
“Financiamento da Mecanização Agrícola”, O Jornal, 17 de agosto de 1952, Caderno 1, página 4. O tema é
bastante recorrente no jornal, especialmente no ano de 1952, sendo abordado também em: “Financiamento da
Mecanização Agrícola”, O Jornal, 17 de agosto de 1952, Caderno 1, página 4, “Aproveite-se a oportunidade”, O
Jornal, 13 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4 e “Equipamento nacional e mecanização agrícola”, O
Jornal, 25 de junho de 1952, Caderno 1, página 4. Não devemos esquecer que uma das alternativas para a
mecanização agrícola era o desenvolvimento no país da indústria de insumos e equipamentos rurais: “Nova
função atribuída ao crédito”, O Jornal, 18 de março de 1951, Caderno 1, página 4.
258
esse dispondo de crédito necessário e podendo contar com o auxílio da ciência, logre
tirar dos seus campos o máximo de rendimento. Se o dono da terra prosperar nas
suas atividades agrícolas, terá ele próprio recurso para melhorar a vida dos seus
trabalhadores.
140
Nesse caso, vemos um discurso muito próximo aos interesses dos produtores rurais e
que implicava em limites à aliança política com Vargas toda vez que os programas agrícolas
do presidente avançassem em direção à questão social da terra. Entretanto, devemos ressaltar
que, ao menos no levantamento que fizemos, O Jornal evitou entrar em conflito direto com o
Executivo, preferindo a estratégia conciliatória de salientar a prudência com que o governo
trataria do problema. Por outro lado, OJ ainda procurou não se restringir a um papel passivo,
de mero reprodutor do discurso da lavoura, mas buscou ocupar uma posição ativa, ao tomar
iniciativas para a conscientização do setor sobre os seus próprios interesses.
141
Este foi o caso
da mesa redonda que promoveu para discutir os problemas do Nordeste, da qual se colocou
como protagonista,
142
e da campanha que defendeu para conscientizar o agricultor brasileiro a
abandonar os métodos arcaicos de produção e aderir à política de mecanização agrícola:
É preciso, além das patrulhas mecanizadas, organizar outras que percorram,
notadamente, as regiões onde o trabalho nos campos ainda se fazem pelos métodos
rotineiros, numa escala muito maior do que provavelmente se registra. Seriam
verdadeiras missões rurais com esse objetivo, instruindo e esclarecendo, através
de conferências e de debates públicos, os lavradores ainda temerosos,
estimulando-os, por fim, a substituir os arados puxados por parelhas de dois
pelas máquinas movidas a óleo ou gasolina.
143
O Correio da Manhã também tomou uma linha de ação bem clara nesse sentido,
discordando que os problemas da agricultura fossem apenas consequência do
desenvolvimento industrial. Elogiando a criação da Comissão de Política Agrária pelo
governo federal, ele afirmou categoricamente:
140
“Política Agrária”, O Jornal, 16 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 4. Essa mesma linha de raciocínio é
empregada para condenar iniciativas de reforma agrária, que são vistas como podendo encarecer mais a vida do
que baratear a produção de gêneros alimentícios. Ver, por exemplo, “O governo e a agricultura” (O Jornal, 20 de
julho de 1952, Caderno 1, página 4), “A reforma agrária e as necessidades da lavoura” (O Jornal, 21 de setembro
de 1952, Caderno 1, página 4) e “Aumento da produção agrária”, O Jornal, 9 de abril de 1952, Caderno 1,
página 4.
141
Por exemplo, clamou que os próprios agricultores tomasse a iniciativa de resolver os seus problemas, a partir
das suas entidades de classe: “Não seria possível (ilegível) aqui os múltiplos problemas da agricultura. Pois que
eles subsistem à ação dos governos para resolvê-los, que os próprios agricultores se reúnam para debatê-los, sob
a égide da Confederação Rural Brasileira, planejando as soluções mais indicadas, no sentido de conjugar as
classes agrárias com a recuperação econômica do país” (“A agricultura e a recuperação econômica do país”, O
Jornal, 27 de julho de 1952, Caderno 1, página 4).
142
“A mesa redonda de Campina Grande”, O Jornal, 6 de março de 1952, Caderno 1, página 4.
143
“Aproveite-se a oportunidade”, O Jornal, 13 de julho de 1952, Caderno 1, página 4. Ver também:
“Racionalização agrária do país”, O Jornal, 24 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4.
259
Entre nós, não há muita relação, como se pensa, entre êxodo rural e surto
industrial. (...) [Pois devido à falta de trabalho na cidade] houve, portanto, um
êxodo rural para nada, houve quase meio milhão de pessoas que abandonaram
a gleba pensando em encontrar vida melhor na indústria e que simplesmente
não puderam ser absorvidos.
Como fixá-las à gleba? Como fazer com que, espontaneamente e alegremente,
cultivem a terra do Brasil, em lugar de fugirem dela como quem foge de uma
madrasta? Esta é, em resumo, a grande questão que a Comissão recém-nomeada terá
de responder.
144
A pergunta do jornal, porém, era meramente retórica, na medida em que o CM
apresentou diversas vezes a sua própria resposta. Para este jornal, a principal razão do êxodo
rural não era a ilusão da propaganda industrialista e sim as péssimas condições de trabalho no
campo.
145
Assim, o problema do desequilíbrio entre a indústria e a agricultura estava
localizado não necessariamente no excessivo desenvolvimento fabril do país mas na falta de
evolução da atividade agrária, cujas forças produtivas ainda se encontravam amarradas a
traços arcaicos da sociedade brasileira. Traços esses que tinham um nome bem claro: o
latifúndio.
Corresponde ao latifúndio um determinado tipo de administração pública que
conhecemos bem no Brasil: a que considera o país inteiro como uma grande
fazenda; a que diz paternal ou patriarcal, mas também pergunta se a gente sabe com
quem está falando. Esse tipo de administração pública não é capaz de assumir as
responsabilidades que a economia moderna impõe ao Estado. São, aliás, a
indústria e o comércio que mais sofrem com essa ineficiência.
Por outro lado, o regime latifundiário, conservador por natureza, não é o mais
indicado para explorar regiões novas, ainda de pouca densidade demográfica:
porque o latifúndio favorece fatalmente o êxodo rural e não atrai imigrantes.
Pois as esperanças legítimas dos imigrantes são incompatíveis com a condição que
aquele regime outorga aos agregados, colonos e trabalhadores rurais. (...)
Hoje quem está interessado em novas condições de trabalho é a indústria. Pois
industrialização e latifúndio, economia dinâmica e economia estática, não
podem coexistir. (...)
Quem está, por todos esses motivos, diretamente interessado numa reforma agrária
razoável, mas autêntica, é a indústria.
146
Nesse trecho, podemos perceber como CM estabelece uma relação completamente
invertida à que encontramos no JB e no pensamento liberal: o desequilíbrio entre agricultura e
indústria ocorre não porque esta última seja necessariamente nociva à primeira mas porque a
estrutura agrária do país é arcaica, prejudicando o setor moderno e dinâmico da economia, ou
144
“Política rural”, Correio da Manhã, 6 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 4.
145
Ver: “Conquistas”, Correio da Manhã, 20 de junho de 1952, Caderno 1, página 4 e “A fixação do homem ao
solo”, Correio da Manhã, 11 de abril de 1952, Caderno 1, página 4.
146
“Latifúndio e indústria”, Correio da Manhã, 6 de agosto de 1952, Caderno 1, página 4. Ver também: “Política
rural”, Correio da Manhã, 6 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 4, e, na coluna não assinada
Tópicos&Notícias, “Contradições econômicas”, Correio da Manhã, 18 de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
260
seja, a manufatura. Nesse caso, estamos diante de um argumento muito próximo ao defendido
por Prebisch e a Cepal, estabelecendo, inclusive, uma divisão da economia brasileira em dois
polos distintos: a economia dinâmica (industrialização) e a economia estática (latifúndio).
147
Esse tipo de tomada de posição, porém, está longe de ser algo isolado no Correio. Na
verdade, é muito recorrente em seus espaços de opinião, dando a entender que se tratava de
uma verdadeira causa na qual o jornal procurava se engajar, uma bandeira à qual queria se
vincular dentro do campo jornalístico e do campo de produção ideológica do período. Até
porque, para este matutino, esta causa ultrapassava questões puramente econômicas e
envolvia temas políticos, como a consolidação da democracia. O que pode ser bem observado
nesse editorial, em que o CM defende a visão que o ministro da Agricultura, João Cleophas,
apresenta sobre a necessidade de reforma agrária no Brasil:
socialmente, nossa agricultura se debate com o problema do latifúndio. (...)
Realmente, sempre nos temos batido a favor da ampliação do crédito rural e em
defesa da pequena propriedade agrícola. Consideramos, mesmo, que é no
estabelecimento de uma agricultura de pequenos proprietários que se encontra, ao
mesmo tempo, o caminho para a redenção do homem do interior e as bases mais
seguras para nossa democracia.
148
Com base em nossa pesquisa, não fica claro qual era o projeto de reforma agrária
defendido pelo jornal, pregando, em determinados momentos, o uso dos impostos para
desestimular o latifúndio e, em outros, sustentando a desapropriação de terras, embora tenha
demonstrado preocupação com o risco de agitação social que a medida poderia trazer ao
campo.
149
Sobre o governo, o posicionamento do jornal também foi oscilante: elogiou, como
vimos, os programas de modernização da lavoura e de reforma agrária do ministro da
Agricultura, mas foi ácido com a política social rural de Vargas, considerando-a apenas
promessas demagógicas.
150
Além disso, condenou o presidente por ser um político arcaico,
comprometido com o coronelismo.
151
147
Tese que será central em muitos intelectuais que comporão futuramente o ISEB, como o próprio Nelson
Werneck Sodré. Quanto a isso, ver: PÉCAULT, Daniel. Os Intelectuais e a Política no Brasil. Entre o Povo e a
Nação. 1990. Ed. Ática. SP, p. 129.
148
“A reforma agrária”, Correio da Manhã, 9 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4ª. Ver também: “Solução
para os flagelados”, Correio da Manhã, 22 de fevereiro de 1953, Caderno 1, página 4, “O início”, Correio da
Manhã, 28 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4 e “O Cacau”, Correio da Manhã, 5 de abril de 1952, Caderno
1, página 4.
149
Sobre o uso da taxação, ver “O início”, Correio da Manhã, op cit. e a respeito dos riscos consultar: “A
reforma agrária”, Correio da Manhã, 9 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4.
150
“Conquistas”, op.cit.
151
“O Sr. Getúlio Vargas, por mais que intelectualmente se esforce para manter-se à altura dos tempos,
permaneceu, psicologicamente, vinculado a suas experiências anteriores. Conservou, até hoje, a sobrevalorização
dos cambalachos de coronéis e das manobras com os empregos e favores públicos” (“Inépcia política”, Correio
261
Feita essa análise sobre a maneira como estes três periódicos se posicionaram frente
aos problemas específicos da agricultura, importa agora compreender como eles viam o
próprio papel da indústria. Nesse caso, os jornais foram novamente muito claros,
apresentando bem mais convergências do que divergências. No geral, defenderam que a
industrialização não era apenas uma alternativa econômica para o desenvolvimento do país,
mas uma necessidade, uma espécie de caminho sem volta, na medida em que dela dependia a
própria independência e a grandeza nacionais. Como deixou claro OJ:
Chegou, portanto, o momento de executar um programa de desenvolvimento
industrial, que nos habilite a produzir as nossas próprias máquinas e a explorar
tecnicamente os recursos naturais do país. Não há outro caminho a seguir, se
desejarmos (fugir) à classificação de nação incluída na área de povos sub-
desenvolvidos, e conquistar a verdadeira independência econômica.
152
Nesse mesmo sentido, argumentou o Correio: como estamos em lua de mel com a
indústria, dizermos a importância que tem para nós é fazer obra ociosa. Não brasileiro que
não queira ver o país ultrapassar a fase puramente agrícola e extrativa da economia nacional.
Os países fortes e grandes têm indústrias poderosas. Não nenhuma exceção a essa
regra”.
153
O Globo ainda foi mais claro, afirmando que, além de uma necessidade, a
industrialização brasileira já era uma feliz realidade. Em um editorial de grande destaque, com
letras garrafais, o vespertino ressalta:
Enquanto vários setores da economia nacional lutam com dificuldades, cada vez
maiores inclusive a produção agrícola para a exportação e os nossos
administradores mostram-se impotentes para resolver problemas econômico-
financeiros que ameaçam levar o país a uma grave crise, o desenvolvimento
industrial, sob responsabilidade da iniciativa privada continua crescendo
rapidamente e aperfeiçoando a qualidade da produção. A indústria nacional
não proporciona uma economia de divisas fundamentais para o nosso
balanço de pagamentos, como contribui, em grande escala, para as
exportações.
154
Entretanto, nem tudo era “lua de mel” com a industrialização, como chegou a afirmar
o Correio. Na verdade, o CM e, com menor intensidade, OJ também teceram críticas à forma
da Manhã, 21 de junho de 1953, Caderno 1, página 4).
152
“Expansão industrial como base da segurança”, O Jornal, 29 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4.
153
“Política rural”, Correio da Manhã, 6 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 4. O Correio ainda foi mais
incisivo, ao afirmar corrosivamente: “A famosa definição do Brasil como país essencialmente agrícola já caiu no
domínio dos humoristas, talvez devido aos sucessivos fracassos dos diversos ciclos de exploração agricultural:
do açúcar, da borracha. Hoje, já nos encontramos em um ciclo diferente: o da industrialização. Mas até que ponto
terá esta chegado?” (“Indústria e a Agricultura”, Correio da Manhã, 22 de novembro de 1951, Caderno 1, página
4).
154
“O grande desenvolvimento industrial brasileiro”, O Globo, 31 de março de 1953, Caderno 1, página 2.
262
como o desenvolvimento industrial estava ocorrendo no país: se o aceitavam como uma
necessidade imperiosa, não concordavam que ele ocorresse no caos econômico, gerando
desequilíbrios estruturais ou privilégios a setores empresariais específicos. Essa forma de
conceber a questão fica clara no apoio entusiasmado que esses dois matutinos deram à criação
da CDI e ao presidente Vargas que teve a iniciativa de criá-la.
155
No que se refere ao O Globo, diário em que o tema dos supostos desequilíbrios
produzidos pela indústria ficou ausente, a criação da CDI recebe respaldo, mas a preocupação
principal fica por conta de ressaltar a necessidade de a nova Comissão superar os obstáculos à
industrialização brasileira (carência em infraestrutura e inadequação das políticas públicas) e,
especialmente, fazer com que investimentos de capital externo
não ameacem a soberania nacional ou a que não ponham em risco
empreendimentos similares aos brasileiros. Do contrário, estaria o novo órgão
prejudicando os interesses nacionais. Quanto à criação de condições favoráveis ao
desenvolvimento do nosso parque fabril, deve ele empenhar-se no afastamento das
dificuldades e obstáculos enfrentados pela indústria brasileira: política aduaneira e
cambial, falta de um programa de transportes, falta de energia, falta de um programa
de pesquisas técnicas, falta de uma política bancária adequada, complicações
administrativas e tributárias, etc.
156
Mais uma vez percebemos no posicionamento deste jornal duas características bem
marcantes: de um lado, a defesa mais direta dos interesses corporativos do setor fabril, muito
próxima ao próprio discurso da CNI e de Euvaldo Lodi, não havendo referências aos
problemas ou distorções que o desenvolvimento industrial acelerado poderia gerar; de outro
lado, uma boa dose de resistência ao capital estrangeiro no que se refere a um possível
investimento fabril em concorrência com a manufatura brasileira, classificado aqui como uma
provável “ameaça à soberania nacional”.
Curiosamente, porém, é no Correio, jornal mais crítico às “distorções” derivadas de
155
Segundo o CM: “A Comissão de Desenvolvimento Industrial, recentemente instituída, vai agora entrar em
atividade com a nomeação de seus membros. A ideia de se constituir essa Comissão foi por nós elogiada, uma
vez que ela representa, ao mesmo tempo, um passo à frente no caminho do planejamento e uma iniciativa
indispensável para nossa recuperação econômica (“Indústria e planejamento”, Correio da Manhã, 15 de
agosto de 1951, Caderno 1, página 4). Ver também: “Imaginação criadora”, Correio da Manhã, 28 de agosto de
1951, Caderno 1, página 4. Já, conforme O Jornal: Ao criar a Comissão de Desenvolvimento Industrial, já
inaugurada, o presidente Getúlio Vargas definiu-lhe as atribuições, na justificativa de seu ato. Foi especialmente
instituída para coordenar esforços, disciplinar as iniciativas privadas, prescrever a instalação de novas
indústrias e ampliação das existentes, e providenciar a transferência de fábricas estrangeiras para o nosso país,
desde que haja, por parte delas, esse propósito, mas tudo dentro de um critério de prioridade, por meio do qual se
possa dar expansão à indústria sem provocar concorrências desastrosas ou estimula-la pelo artifício dos favores
aduaneiros‟ (“Expansão industrial como base da segurança”, O Jornal, 29 de agosto de 1951, Caderno 1, página
4).
156
“Um novo órgão”, O Globo, 7 de julho de 1951, Caderno 1, página 3.
263
um crescimento industrial desordenado, que encontramos uma tentativa explícita de se ocupar
um papel como interlocutor do setor manufatura no debate sobre o desenvolvimento
brasileiro. Comentando a organização da Primeira Conferência da Indústria, realizada no dia
27 de maio, o CM a considerou uma “feliz iniciativa” da Fiesp, mas aproveitou a
oportunidade para convidar o setor manufatureiro a uma reflexão:
É preciso, no entanto, considerar a questão também de um ponto de vista mais
amplo. A indústria brasileira, de criação recente, ainda não exerce,
institucionalmente, o papel que lhe cabe. Daí decorre uma anomalia, cujas
consequências podem levar a extremos de que não suspeitam os próprios
industriais. Esta anomalia reside no fato de a burguesia brasileira continuar sendo
liderada pelo setor comercial, notadamente pelos grupos mais especulativos, que são
os importadores e os atacadistas de gêneros alimentícios (...). Para aqueles
[industriais], o capitalismo significa a promoção do desenvolvimento. Para estes
[comerciantes], confunde-se apenas com a defesa dos lucros, que muita vezes
favorece a escassez.
A indústria brasileira não pode mais perder tempo, não somente porque o país
necessita ultimar e aperfeiçoar sua industrialização, como também porque, se os
industriais não forem capazes de organizar, por conta própria, a defesa de seus
interesses, nem souberem elaborar um programa consentâneo com os mesmos, serão
sacrificados duplamente, pela escassez e pelas providências estatais destinadas a
combater esta.
A primeira tarefa da indústria, neste momento, é organizar sua representação,
vitalizando sindicatos e demais agremiações, e renovando seus quadros de
liderança.
157
Vemos, assim, a tentativa de O Correio se colocar, não como um mero porta-voz dos
interesses da manufatura na esfera de debates, mas ocupando uma função orientadora de todo
o segmento industrial, tentando conscientizá-lo para aquilo que o seu interesse como classe
teria de identidade com o interesse de toda a nação, em contraposição a outros grupos, os
especuladores do comércio, cujos negócios são exatamente contrários ao benefício coletivo.
O Correio ainda iria deixar mais explícita essa relação, quando abordou o resultado da
reunião acima citada, afirmando merecer “destaque a circunstância de a indústria ter revelado
uma compreensão dos interesses nacionais e de sua posição, em relação aos mesmos”. Para o
jornal, isso era um avanço, porque a falta de uma mobilização maior do setor fabril em defesa
dos seus próprios objetivos estava menos “na incipiência de nossas atividades industriais, que
se processam em escala apreciável, por mais de dois decênios, do que na incipiência de
nossa consciência industrial, a qual o CM se empenhava em firmar.
Por outro lado, podemos perceber que, ao tomar partido nesse possível embate entre o
comércio e a indústria, o jornal deixa clara a sua própria concepção de qual seria o caminho
que melhor corresponderia ao “interesse do país”:
157
“Mobilização da indústria”, Correio da Manhã, 21 de maio de 1953, Caderno 1, página 4.
264
Até o presente, a chamada burguesia brasileira vinha sendo liderada pelo seu setor
comercial. E a indústria não compreendia que, por baixo dos interesses comuns,
profundas diferenças a opunham ao comércio. Entre estas vale acentuar o fato de o
comércio brasileiro depender, principalmente, da venda, a preços altos, de produtos
acabados, importados do exterior, e da compra, a preços baixos, de produtos
primários, destinados à exportação. Tende o comércio, por isto, a manter o país na
condição de exportador de artigos primários e importador de produtos acabados, o
que contraria, frontalmente, o interesse da indústria, e o próprio interesse nacional,
que é o de produzir, no país, produtos acabados, para melhorar nossos termos de
troca.
A Reunião da Indústria veio mostrar que esses equívocos estão se desfazendo e
que a indústria, consciente de seus interesses e da medida em que eles correspondem
ao interesse nacional, dispõe-se a falar por conta própria.
158
Vemos, assim, que, por trás da exortação à mobilização dos industriais em prol de seus
interesses, está a própria visão que o jornal apresenta da fragilidade da manutenção do país na
condição de uma economia produtora de bens primários e importadora de bens
manufaturados; além disso, apoia abertamente a alternativa de se procurar “uma política de
coordenação entre a ação do Estado e a iniciativa particular, mediante um planejamento geral
da economia brasileira” para superar essa situação de precariedade, condenando o laisser faire
como sendo um regime que pode interessar àqueles que se beneficiam com a especulação.
Em outras palavras, é uma forte condenação da posição tradicional do país na divisão
internacional do trabalho como causa da sua debilidade econômica.
Em O Jornal e em O Globo, encontramos uma percepção semelhante. OJ foi bastante
eloquente em um editorial intitulado Manufaturas contra matéria-prima”. Começa afirmando
o seguinte:
A epigrafe supra sintetiza a composição de nosso comércio exterior e as bases
frágeis de sua estrutura. De fato, o que exportamos e importamos, de um modo
geral, (ilegível) maiores volumes e volumes, são, respectivamente, matérias-primas
e manufaturas. E essa é uma das causas dos constantes desequilíbrios da nossa
balança comercial, pois pagamos mais pelas manufaturas do que (obtemos)
pelas matérias-primas.
Depois, afirma:
O mal de que padece o nosso comércio exterior está, assim, menos na
importação de manufaturas necessárias [referindo-se às máquinas e equipamentos
para a produção] que na exportação de matérias-primas, principalmente das
destinadas à transformação industrial em outros países, quando muitas delas
poderiam ser aproveitadas dentro do próprio Brasil e exportadas como
produtos acabados. (...)
Em resumo, o que nos cumpre fazer é diversificar e intensificar a produção de
bens de consumo, quer para o país, quer para o exterior, a fim de abastecer
melhor a população brasileira e obter maiores somas de divisas.
159
158
“Consciência industrial”, Correio da Manhã, 6 de junho de 1953, Caderno 1, página 4.
159
O Jornal, 5 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4.
265
O Globo também argumentou nesse mesmo sentido:
O surto de industrialização do Brasil tem causado espanto aos técnicos
estrangeiros que nos visitam. Realmente, nos últimos anos o nosso país resolveu
elevar os níveis de sua economia semicolonial. Queremos agora criar riquezas
pela exploração intensiva e transformação racional dos nossos bens primários.
Exportar apenas gêneros e matérias-primas significaria a eternização do
pauperismo nacional.
160
E foi este jornal que, novamente, mais explicitou os possíveis conflitos de interesses
entre o Brasil, os EUA e o capital estrangeiro, que poderiam derivar desse projeto
industrialista nacional, ao identificar os seus principais adversários:
dificilmente os Estados Unidos concordarão no desenvolvimento industrial do Brasil
em tudo que lhes possa fazer concorrência. Não compreendem os norte-americanos
que devam ser instaladas fábricas em outros países, quando estes podem ter produtos
manufaturados em quantidades suficientes, desde que enviem matérias-primas aos
Estados Unidos.
Eis, em síntese, o renascimento da tese Abink, de tão triste memória. Como se sabe,
a missão Abink, que aqui esteve em 1949, concluiu seus estudos preconizando o
desenvolvimento da agricultura brasileira e a estagnação da nossa produção
industrial. Deveríamos no limitar-nos a mandar repolhos, couve, areias monazíticas
enfim, matéria-prima aos Estados Unidos, que depois receberíamos tudo
industrializado. Nada de transformar os bens primários aqui mesmo.
161
Muitos questionamentos surgem com base na argumentação desses três jornais, mas,
por agora, interessa-nos ressaltar a compreensão que eles apresentam da posição do Brasil no
comércio internacional e, especialmente, a sua opção entre especialização primária ou
necessidade de industrialização: enquanto o Jornal do Brasil defende a primeira tese, os
demais jornais advogam a segunda e, desta maneira, não apenas se afastam do JB, como
também se distanciam completamente do receituário liberal e neoliberal para a economia
brasileira, aproximando-se muito das teses defendidas por desenvolvimentistas e,
especialmente, por cepalinos.
Sendo assim, seria interessante encerrar este Capítulo, analisando a maneira como os
diários aqui pesquisados se colocaram diante das ideias sustentadas pela Cepal em relação às
economias latino-americanas. Para tanto, iremos avaliar a forma como esses jornais
repercutiram o 5
o.
Período de Sessões da entidade, realizado no Brasil, entre os dias 9 e 24 de
abril de 1953, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis (RJ). Esse encontro foi em parte
financiado pela Fiesp e teve Euvaldo Lodi como seu presidente; além disso, o discurso de
160
“O surto de nossa industrialização”, O Globo, 6 de abril de 1951, Caderno 1, página 3.
161
“Contra a industrialização do Brasil”, O Globo, 4 de abril de 1951, Caderno 1, página 2.
266
abertura foi feito pelo próprio Getúlio Vargas, sendo considerado um encontro-chave para a
apresentação da primeira proposta de planejamento integral por esse órgão da ONU.
De todos os periódicos pesquisados, o menor destaque ao conclave aparece no Jornal
do Brasil, pois ele foi o único que não repercutiu os encontros em todos os dias, diminuindo,
por sinal, o seu interesse, na medida em que os debates foram se sucedendo. Além disso, no
seu editorial sobre a reunião da Cepal, curiosamente, é ressaltado que o principal problema
discutido foi a dificuldade da agricultura continental.
162
O JB termina apresentando um
“levantamento de opiniões” do encontro, destacando:
um dos delegados da Cepal frisou que, sendo impossível aplicar os recursos
disponível de vários países às duas atividades, o melhor seria dar preferência ao
labor agrícola. Essa é a orientação predominante entre as diversas delegações.
(...)
Entre nós, infelizmente, ainda observadores mal-avisados que consideram a
agricultura como preocupação de povos coloniais.
Essa estreiteza de visão tem prejudicado a expansão agrária do país, em
benefício de atividades industriais, sem base natural.
no que se refere ao O Jornal, este dá cobertura diária ao encontro da Cepal e trata
do mesmo em dois editoriais distintos. No primeiro, intitulado “Contribuição inestimável”,
163
aborda o discurso inaugural do presidente Getúlio Vargas, associando os elogios ao órgão da
ONU em se dedicar “mais ao exame dos problemas inerentes à América Latina” com a defesa
do Executivo, pois, “[n]o que toca ao Brasil, disse o presidente Vargas que os assuntos que
têm sido objeto de exame por parte da Cepal constituem preocupações predominantes do seu
governo”.
No segundo editorial, o diário discorre mais claramente as ideias discutidas no
encontro, mas salienta uma questão que, embora importante, não era o centro das
argumentações cepalinas: a necessidade do capital estrangeiro na América Latina.
164
Segundo
o jornal, as diversas delegações estrangeiras na V Reunião da Cepal teriam se manifestado
“francamente favoráveis às inversões de capitais estrangeiros nos respectivos territórios, com
o propósito de colaborarem na exploração de suas riquezas e em outros empreendimentos de
interesse nacional.” Procurando combater a ideia defendida por muitos de que os
investimentos externos significavam outra “colonização”, O Jornal sustenta que o grande
perigo que corria o país não era o risco de um novo colonialismo e sim de “viver nas
condições precárias em que nos debatemos, sem consentir que a iniciativa, a técnica e os
162
Em um editorial anterior o jornal havia abordo a Cepal com a mesma ênfase: “Desenvolvimento da
agricultura continental”, Jornal do Brasil, 10 de junho de 1951.
163
O Jornal, 11 de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
164
“Os capitais estrangeiros e a América Latina”, O Jornal, 15 de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
267
capitais estrangeiros nos tragam os benefícios de seu concurso (...).” Ao contrário, “em vez de
criar embaraços à entrada de capitais estrangeiros, devemos atraí-los para investimentos
vantajosos nos mais variados setores econômicos”.
O Correio da Manhã também grande cobertura ao encontro. No editorial em que
comenta a sua abertura, utiliza o discurso inaugural de Vargas para elogiar a Cepal,
165
elencando algumas funções que o presidente teria atribuído à entidade, das quais interessa
agora a “de elaborar uma teoria do subdesenvolvimento e de analisar o processo econômico
da América Latina”. Mais além, completa:
Vale observar a esse respeito, que a ciência econômica é obra de europeus e norte-
americanos, assim refletindo os problemas particulares a um capitalismo de
apogeu de países plenamente desenvolvidos. Daí a necessidade de uma reflexão
teórica sobe os problemas da economia subdesenvolvida, que estenda a doutrina
econômica à análise de seus fenômenos.
Notamos aqui que o Correio dá respaldo a um dos elementos básicos da argumentação
cepalina, ou seja, a negação da universalidade da teoria econômica defendida pelos liberais e
a necessidade da elaboração de um arcabouço conceitual específico para a América Latina. , o
trabalho teórico e prático elaborado pela Cepal ainda tinha o mérito de
conjugar seus interesses [da América Latina], despertar-lhe o sentido de iniciativa e
dar uma coerência de comunidade aos economistas deste continente. Este é, aliás, o
motivo secreto da hostilidade que os norte-americanos manifestam pela Cepal.
Não lhes agrada a substituição do conceito literário de pan-americanismo propício
a acobertar a hegemonia dos Estados Unidos pelo conceito realístico de América
Latina, cuja formulação é um estímulo para a conquista da independência
econômica e para a solidariedade política e cultural entre as nações afins.
166
O Globo é o jornal que mais ênfase à reunião da Cepal, pois, além de cobrir
diariamente os seus encontros, estes ainda recebem uma manchete do jornal e estão
seguidamente presentes em chamadas na sua capa. No editorial destinado a avaliar o encontro,
o vespertino aborda o tema central do debate cepalino, ou seja, a relação entre industrialização
e produção primária, mas o faz pelo viés de discutir os possíveis confrontos entre atividades
agrícolas e manufatureiras. Depois de comentar que um pronunciamento do Sr. Francisco
Campos, em Ouro Preto, teria reacendido a “velha polêmica travada em torno do maior
desenvolvimento da agricultura ou da indústria do país”, o jornal argumentou:
Quase que simultaneamente ouviu-se uma palavra autorizada sobre o assunto: do Sr.
165
“Elogio da Cepal”, Correio da Manhã, 10 de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
166
“Eisenhower e a Cepal”, Correio da Manhã, 15 de abril de 1953, Caderno 1, página 4.
268
Euvaldo Lodi, que, em sua qualidade de presidente da Confederação Nacional da
Indústria, vem, desde muito, se ocupando da matéria. Como se sabe, o líder
industrial brasileiro opôs-se de certa feita, à tese defendida pelo Sr. John Abbink,
segundo a qual o Brasil deveria cuidar apenas da agricultura, deixando para daqui a
cinquenta anos a industrialização. Dessa tese, que, se fosse concretizada, conduziria
o nosso país a uma situação de completa dependência econômica, penitenciou-se
recentemente o Sr. John Abbink, ao reconhecer publicamente, em New York, o seu
erro, durante um banquete oferecido ao Sr. Euvaldo Lodi.
Termina afirmando que as indicações dos trabalhos da Cepal, aceitas pela
Conferência, apontam para a industrialização „como chave do crescimento do nível
latino-americano'”, citando palavras de Lodi. Em consequência, notamos que a leitura que O
Globo apresenta da reunião da Cepal não se limita a elogiar a sua importância mas também
incorpora a sua tese básica sobre a necessidade da industrialização. Mais do que isso,
novamente encontramos uma postura de endosso à posição da indústria brasileira representada
por Euvaldo Lodi.
167
O que podemos concluir dessa análise?
Primeiro, a boa aceitação que a Cepal recebe na imprensa brasileira como organismo
legítimo de discussão dos problemas da América Latina, o que se evidencia não pelo
destaque que lhe é destinado nos periódicos mais afeitos às suas ideias como pela recepção
que obtém no próprio diário mais distanciado delas, o Jornal do Brasil. Segundo, podemos
perceber uma leitura bastante seletiva dos jornais sobre os debates da Cepal, na medida em
que cada um escolheu, em seus editoriais e reportagens, aspectos que correspondiam às linhas
de ação previamente defendidas por eles, mas que são apresentados como síntese das
discussões do conclave, mesmo sem corresponder obrigatoriamente ao núcleo do pensamento
cepalino ou até se contrapondo a ele. Não pretendemos aqui indicar o grau de manipulação
dos jornais sobre a realidade, mas sim salientar, nos termos de BOURDIEU, a estratégia
argumentativa própria ao campo jornalístico: desprovido de autoridade própria sobre os temas
que enunciam, os agentes do campo jornalístico procuram obter, dando respaldo a uma
instituição reconhecida, autoridade para as bandeiras que cada um defende em seu próprio
campo de produção, selecionando aquilo que lhe é mais favorável e negligenciando aquilo
167
Na verdade, devemos salientar que este não foi o único momento em que encontramos elogio a este órgão da
ONU e às suas ideias em O Globo. Ao contrário, essas referências aparecem com razoável frequência no jornal,
como podemos perceber nesse editorial intitulado “Necessidade de Industrialização” (O Globo, 3 de setembro de
1951, Caderno 1, página 3.), no qual o vespertino comenta uma palestra de Prebisch no Brasil no ano de 1951:
“É de se destacar a exposição sobre a necessidade vital e inadiável de industrialização nos países latino-
americanos, os quais, explica Prebisch, com reduzida produção industrial, se abastecem de produtos
manufaturados no estrangeiro, em sua maior parte, que são pagos com exportações de produtos primários, muito
mais baratos que aqueles. (...) Vemos, assim, que o economista Prebisch salienta a necessidade premente de
industrialização de países como o Brasil, filiando-se à corrente daqueles que, tendo à frente o sr. Euvaldo Lodi,
tão tenazmente combatem a tese Abink, favorável, como se sabe, à expansão dos nosso produtos primários”.
269
que não é. Ou seja, temos uma via de mão-dupla: ao mesmo tempo em que o endosso dos
jornais à Cepal pode contribuir para difundir e legitimar esta instituição e suas teses no debate
público, a própria Cepal é empregada para legitimar as bandeiras previamente defendidas
pelos jornais. Nesse caso, o conflito entre os agentes do campo jornalístico para a
determinação do programa mais apropriado ao desenvolvimento da economia brasileira se
tornou inclusive uma disputa para estabelecer qual era a leitura mais apropriada da própria
Cepal e de seu conclave.
Na análise desse episódio e de toda a exposição do capítulo, é possível perceber
também que, se um periódico como o JB ainda se mantém partidário da especialização
agrícola do Brasil como alternativa para o desenvolvimento, nos demais jornais, constatamos
uma intensa penetração de conceitos próprios ao pensamento cepalino, como a deterioração
dos termos de troca das economias primárias, a necessidade de uma teoria econômica
específica para promover o desenvolvimento latino-americano e brasileiro e a importância da
industrialização na obtenção desse objetivo. O que indica como o posicionamento de boa
parte da imprensa sobre a economia brasileira no nosso caso, os diários O Globo, O Jornal
e o Correio da Manhã escapa dos cânones do liberalismo e do neoliberalismo para se
aproximar do desenvolvimentismo. É nesse desenvolvimentismo que esta parcela do campo
jornalístico pode encontrar respaldo autorizado para as suas bandeiras, ao mesmo tempo em
que fornece difusão aos conceitos centrais dessa teoria.
Claro que se pode argumentar, como vimos no Capítulo II, que boa parte dessas ideias
não eram originais da Cepal, já estando presentes no país antes mesmo da sua criação,
notadamente entre os industriais. Todavia, parece inegável que agora elas penetram com mais
força na imprensa, lastreadas pela sistematização e pela legitimidade que este organismo da
ONU irá lhes franquear.
Por fim, duas questões ainda se impõem.
Primeiro, como podemos relacionar o posicionamento dos jornais estudados e o
conjunto de interesses externos ao seu campo de produção?
No caso do JB, suas tomadas de posição claramente se afastam dos interesses da
indústria não por combater a necessidade de industrialização acelerada mas por se
contrapor a uma das principais reivindicações do setor manufatureiro: a proteção contra a
concorrência estrangeira através do sistema de seletividade das importações. Também não
podemos identificar a linha de ação deste jornal com os interesses do comércio de importação
270
e exportação, pois ele não defendeu a liberdade comercial pretendida por este setor,
especialmente no que se refere aos bens de consumo considerados de “luxo”. Devido à sua
sustentação da tese da especialização agrária do país e da necessidade de auxílio e
investimentos na agricultura, inegavelmente o discurso do jornal parece mais próximo aos
grupos agrários, entretanto, devemos fazer a ressalva que se afastou destes quando não
endossou a política de apoio à exportação de “gravosos” pelo mercado livre de câmbio, com
receio que tal política levasse ao agravamento da inflação. Desta maneira, o JB, apesar de sua
trajetória descendente no campo jornalístico do período, indica ser um dos diários menos
vinculados ou obrigados a defender as pressões diretas do campo econômico, muito
provavelmente por sua menor dependência da publicidade comercial.
Com o Correio da Manhã, a situação é um pouco mais complexa. Este jornal
defendeu medidas de abertura comercial que poderiam identificá-lo com o comércio
exportador, mas colocou-se diretamente em confronto com esse grupo ao condenar a sua
tendência de manter o Brasil numa condição de exportador de bens primários e importador de
bens industrializados, a qual, segundo o diário, era contrária ao interesse do país. Em relação à
agricultura, endossou em parte o discurso segundo o qual este setor era prejudicado pelo
desenvolvimento desordenado da manufatura e advogou o apoio aos exportadores de produtos
agrícolas, através dos subsídios aos “gravosos”, mas também entrou em choque frontal com o
mesmo ao sustentar, como uma das suas bandeiras básicas, o combate ao latifúndio e à
imperiosidade da reforma agrária. Com a indústria, a sua linha de ação se afastou dos
interesses da manufatura nacional ao condenar o protecionismo via seletividade de
importações. Ao mesmo tempo, porém, procurou se colocar como um dos grandes defensores
da industrialização planejada, assumindo, inclusive, um papel de interlocutor do setor fabril
na esfera pública. Entretanto, nesse caso, não adotou uma postura de mero porta-voz dos
interesses imediatos dos industriais, mas procurou atribuir-se a função de defensor e
inculcador de uma nova “consciência industrial” associando os interesses dos industriais
como classe ao interesse nacional. Ao nosso entender, essa linha de ação bastante distanciada
do atendimento direto das demandas do campo econômico se explica pela própria posição
dominante que o Correio ocupa no interior do campo jornalístico, a qual lhe permite
autoridade para pretender se colocar como o defensor de um projeto de industrialização sem
ser necessariamente um defensor dos interesses imediatos de setores industriais.
O Jornal, por sua vez, adotou uma postura semelhante a que vimos no Capítulo
271
anterior, procurando fazer a defesa das “classes produtoras” no geral. Como podemos
constatar pelas formas como procurou sustentar e conciliar as demandas associadas ao setor
industrial e agrícola, mesmo que, para tanto, tivesse que se eximir de opinar sobre programas
de governo que pudessem satisfazer as reivindicações de um lado e desagradar de outro.
Contudo, o setor com que menos demonstrou identidade foi o comércio exterior, devido à sua
defesa quase intransigente da seletividade das importações, condenando tenazmente a
importação dos “bens de luxo” e elegendo o combate ao “consumo” desses bens como uma
verdadeira bandeira em defesa do “interesse nacional”. Ao mesmo tempo, foi o jornal que se
mostrou mais identificado com os interesses do capital externo. Dessa maneira, novamente, O
Jornal apresenta uma intricada estratégia discursiva que pode ser entendida, como diria
BOURDIEU, como resultante das diferentes demandas externas que procurou atender,
demonstrando o seu vínculo mais próximo com as pressões e interesses do campo político e
do campo econômico.
De todos os jornais pesquisados foi, sem dúvida, em O Globo que encontramos uma
tomada de posição mais próxima às demandas de um setor específico: a indústria nacional.
Esse jornal se afastou do comércio exterior, defendendo a seletividade das importações e o
controle do consumo de luxo, como também não mostrou identidade com as reivindicações da
agricultura, cujas “dificuldades” foram praticamente esquecidas no período. No que se refere
à manufatura, defendeu as principais reivindicações das suas lideranças (protecionismo,
reserva de mercado contra investimentos estrangeiro e apoio à industrialização do país) e,
diferentemente do Correio, assumiu um discurso laudatório do grande progresso que este
setor alcançara no período, associando-o ao “interesse nacional”. Nesse sentido, é o diário
cuja atuação mais parece se aproxima de “porta-voz” das demandas corporativas de um grupo
específico do campo econômico, embora seja um papel contrário ao afirmado pela
historiografia: defensor do comércio exportador e das necessidades do capital estrangeiro no
Brasil.
Mas poderíamos considerar a postura do jornal apenas como “porta-voz” dessas
demandas externas? É uma interpretação possível, até pela dependência que ele parece ter das
verbas publicitárias. Porém, devemos levar em conta também que O Globo é o diário que
apresenta a trajetória mais ascendente no campo jornalístico, entre os jornais pesquisados,
com base na sua vendagem, tendo como principal trunfo a extensão e a diversidade do seu
público leitor, que pode oferecer como moeda de troca aos agentes do campo político e do
campo econômico. Ascensão esta que é diretamente ligada às mudanças gerais provocadas
272
pela industrialização, que lhe permite suporte para crescer e se modernizar. Em outras
palavras, ao defender a industrialização e a indústria, O Globo também está pleiteando as
condições objetivas que permitem o seu fortalecimento como empresa jornalística e, assim, a
sua ascensão frente aos agentes de seu próprio campo e frente aos agentes dos demais
campos. Desta maneira, no que se refere ao endosso aos industriais e às suas demandas
diretas, parece mais aceitável falar em uma aliança estratégica entre um agente do campo
jornalístico e agentes do campo econômico do que mera submissão ou servilismo. Questão
que o próprio jornal nos indica, ao comentar e elogiar o crescimento da manufatura brasileira
e o aumento da publicidade que ela proporcionava ao diário, uma consequência, para ele, da
sua própria posição privilegiada como meio de divulgação e persuasão do público leitor:
O crescente movimento publicitário pelas páginas d‟O Globo é bem o reflexo da
extraordinária animação reinante no comércio local neste fim de ano. uma
procura sem precedentes de mercadorias de todos os tipos, o que explica o desejo do
comércio de anunciar seus artigos a fim de atrair a atenção dos compradores e
facilitar-lhes a escolha dos produtos desejados. A preferência pelas páginas d‟O
Globo é, igualmente, lógica. A larga penetração do nosso jornal nos mais variados
setores da opinião, dos mais bem dotados economicamente aos de poder aquisitivo
menor, leva os anunciantes a preferir O GLOBO, com tamanha intensidade que, por
vezes, bem a contragosto, somos obrigados a protelar determinadas inserções, à falta
de espaço. Essa movimentação sem precedentes do comércio constitui, por outro
lado, uma demonstração da grande vitalidade do nosso país. Em primeiro lugar, cabe
apontar a pujança da indústria nacional que lhe permite cobrir, praticamente, a
procura dos mais variados artigos num momento de drásticas reduções nas
importações. É simplesmente de entusiasmar o panorama variado e de elevados
níveis de perfeição a que chegou a indústria brasileira.
168
Para encerrar, nos temas aqui em análise, longe de se demonstrar como um espaço
homogêneo, uniformizado em defesa de interesses individuais ou coletivos oriundos do
campo político e do campo econômico, os jornais estudados constituíram um verdadeiro
campo de batalha em torno da definição do projeto mais apropriado para o desenvolvimento
do país. Local privilegiado da luta simbólica, da luta pela (des)legitimação de planos, ideias e
programas, o campo jornalístico foi o palco de um confronto entre os que defendiam a
especialização agrária do Brasil e aqueles que advogavam pela industrialização acelerada.
Visivelmente, a tese da necessidade da industrialização ganhou vasto terreno em tão
intrincada disputa. Embora não haja consenso entre os próprios defensores dessa tese sobre a
natureza do processo em curso e o melhor caminho para se consolidar a industrialização do
país, é indiscutível a aceitação da sua necessidade pela maior parte dos jornais estudados. O
que pode nos servir de indicativo do grau de legitimidade que a industrialização alcança no
168
“Prova de vitalidade”, O Globo, 8 de dezembro de 1953, Caderno 1, página 1.
273
campo de produção ideológica e na própria sociedade brasileira de então.
Porém, nesse confronto pela legitimação da industrialização, os jornais estiveram
longe de exercer um papel de mero suporte passivo de discursos e interesses externos. Não é
possível reduzir as suas tomadas de posição à simples defesa de interesses econômicos ou
políticos. Além disso, os diários estudados, cada um a sua maneira, buscaram ocupar uma
posição ativa, procurando empenhar o seu capital de persuasão para construir novas
“consciências” e “mentalidades” ou para desconstruir aquelas que definiam como
inadequadas ou atrasadas. Como podemos perceber nas ferrenhas campanhas nas quais, por
exemplo, o JB se envolveu para combater a “mentalidade industrialista” dominante ,
difundindo os malefícios de uma “indústria fictícia” e a importância da agricultura para o país.
O Correio da Man, por sua vez, trabalhou para criar uma “consciência dos interesses dos
industriais como classe” contra a própria consciência imediata que eles tinham de seus
interesses. Enquanto O Globo e O Jornal, mesmo mais próximos das demandas econômicas
e sociais externas, tentaram conscientizar a própria elite dominante da necessidade que ela
tinha de mudar o seu comportamento de consumo.
Como afirma, Marialva BARBOSA, sobre a imprensa dos anos 50:
Como comunidade interpelativa [...], os jornalistas se instituem como transmissores
de conhecimento, mas sobretudo como orientadores acerca de padrões de
comportamento e padrões político. A imagem de porta-vozes legítimos da população
é fundamental para que tenham direito, na sua argumentação, a apresentar
intepretações legítimas do mundo.
169
Essa batalha simbólica por impor visões autorizadas da realidade (social, econômica,
política) envolveu diretamente a tentativa dos jornais de se associarem a noções que, mesmo
difusas e de difícil conceituação, eram dotadas de alto valor de mobilização e de persuasão
social. No caso em estudo, termos como “poder da nação”, “interesse nacional”, “identidade
nacional” e mesmo “patriotismo” estiveram em disputa entre os jornais devido ao forte poder
de legitimação que poderiam atribuir, tanto àquele que melhor dele se apropriasse quanto ao
seu discurso sobre a realidade social. Em outras palavras, os discursos em disputa no campo
jornalístico sobre a economia, tendo em vista à própria condição desse campo como instância
de intermediação, viram-se obrigados a tentar incorporar noções como as exposta acima, sob
pena de perder a sua capacidade de interpelar e de convencer os seus leitores. Era a própria
condição do campo jornalístico como “porta-voz” autorizado dos interesses coletivos que
estava em jogo. Necessidade que um discurso propriamente acadêmico, voltado mais para os
169
BARBOSA, 2007, p. 185.
274
seus pares intelectuais, nem sempre precisa satisfazer. Além disso, podemos novamente ver a
força simbólica que a própria necessidade da industrialização adquiria no período em questão,
porque, até o diário que mais advogou o agrarismo, não deixou de defender a importância da
indústria naquilo que ela seria essencial para a “soberania nacional”. O que mais
compreensível quando recordamos todo o trabalho educativo que os próprios militares, quer
“nacionalistas” quer “esguianos”, faziam para divulgar e firmar a importância da indústria
para firmar o Brasil como uma força diante de outras nações. Relações que o JB endossa
abertamente.
5 - Programas de desenvolvimento: industrialização planejada ou reaparelhamento
econômico
Os investimentos em infraestrutura feitos durante o Segundo Governo Vargas,
notadamente no que se refere ao Programa de Reaparelhamento de Lafer e aos projetos de
criação da Petrobras e da Eletrobrás, não escapam da controvérsia estabelecida na
historiografia acerca do sentido da política econômica do governo.
Autores como LESSA&FIORI e VIANNA afirmam que tais programas não tinham
como objetivo básico promover o desenvolvimento fabril do país, mas apenas reaparelhar a
sua economia, depois de décadas sem reposição adequada da estrutura produtiva da nação.
1
DRAIBE, FONSECA e Paulo BASTOS, por sua vez, defendem que eles
configuravam um projeto orgânico e integrado que visava acelerar e aprofundar a
industrialização brasileira em direção aos setores básicos da produção, cujos frutos viriam
aparecer nas décadas seguintes.
2
Já, entre os que aceitam esse programa industrializante, há outro ponto de controvérsia
que diz respeito ao papel relativo do Estado e do capital privado, nacional e estrangeiro, nesse
processo. Aqueles que defendem a tese de que o projeto de Vargas era nacionalista e anti-
imperialista tendem a salientar que os investimentos estatais do presidente nos setores de
infraestrutura e indústrias de base tinham como fundamento uma concepção de Estado
bastante intervencionista e, especialmente, oposta à presença do capital estrangeiro em áreas
estratégicas, como o setor de energia.
3
os que criticam esta visão, mas advogam o desenvolvimentismo do governo Vargas,
como FONSECA, BASTOS e DRAIBE, afirmam que o papel do Estado brasileiro era o de
promover investimentos nos setores básicos da economia nos quais a iniciativa privada
demonstrasse incapacidade ou desinteresse em suprir bens e serviços essenciais.
4
Com isso,
objetivava-se dinamizar toda a cadeia produtiva, especialmente pelo incentivo ao
investimento particular na produção de bens de consumo e insumos produtivos. Não
existindo, porém, um projeto para “estatizar” a economia e excluir o capital estrangeiro do
desenvolvimento nacional, como acusava a crítica liberal e conservadora ao programa de
1
LESSA&FIORI, op.cit. e VIANNA, op.cit.
2
DRAIBE, op.cit., BASTOS, 2001 e FONSECA, 1989 e 2002.
3
Ver, quanto a isso, FONSECA, 2002, p. 17.
4
FONSECA, 1989, p. 403, BASTOS, 2006, p. 242, DRAIBE, op.cit., 182.
276
Getúlio.
5
Esse capital seria bem-vindo desde que direcionado para áreas acima citadas e até
poderia ser aceito nas mais estratégias (como eletricidade e petróleo), desde que sobre o
controle estatal, havendo ainda preferência para recursos externos de origem pública, em
detrimento dos privados.
Por tudo isso, vemos que este tema é de fundamental importância para a nossa análise,
tanto no que se refere ao estudo dos posicionamentos dos jornais frente à política econômica
do governo quanto às suas posições frente às alternativas de desenvolvimento para o Brasil,
especialmente frente ao papel relativo do Estado e da iniciativa privada, nacional ou
estrangeira, nesse processo.
Para empreender essa análise, iremos, primeiro, avaliar as ações do Executivo nos
investimentos em infraestrutura, a fim de apresentarmos as nossas próprias conclusões sobre o
mesmo. Em um segundo momento, partiremos para o estudo dos jornais.
5.1 O Segundo Governo Vargas e os programas em infraestrutura e indústrias de base
O processo de elaboração e execução dos diversos programas apresentados pelo
governo foi longo e conturbado, com debates e polêmicas tanto dentro quanto fora do
aparelho estatal. Tendo em vista a carência, no interior da burocracia do Estado, de técnicos
habilitados e disponíveis para a tarefa de planejamento, Vargas teve que contar com a
participação decisiva de duas agências criadas em seu segundo mandato: a Comissão Mista
Brasil-Estados Unidos (CMBEU) e a Assessoria Econômica da Presidência da República
(AEP).
6
Diferentes na sua origem, composição e mecânica de funcionamento, a historiografia
tem salientado as discrepâncias entre ambas, considerando a CMBEU mais conservadora e
voltada para os temas de transportes, enquanto a AEP apresentaria uma vertente nacional-
desenvolvimentista que se focou nas questões de energia. Em outras palavras, estaríamos
frente a uma nova divisão interna no governo, dando margem à sua condição de
ambiguidade.
7
Veremos, contudo, que essas diferenças não eram tão marcantes.
5
FONSECA, 1989, p. 368.
6
BIELSCHOWISK explica a necessidade de criar essas agências comentando que o “o plano Lafer (gerado
junto à CMBEU) e os projetos para os quais Vargas criou sua Assessoria Econômica são a resposta objetiva a
esse despreparo [do aparato estatal]” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 345). A tática era “abrir brechas na antiquada
e desordenada estrutura institucional brasileira, criando-se órgãos como poder simultâneo de planejar e viabilizar
as propostas elaboradas” (BIELSCHOWSKY, idem, p. 342).
7
BIELSCHOWSKY, idem, pp. 341-343, D´ARAÚJO (1984) e SKDIMORE, op.cit., 125.
277
Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
A CMBEU foi consequência do Ponto IV de Truman, de 1949, o qual representou uma
inflexão temporária na posição oficial de Washington quanto à cooperação norte-americana
para a ajuda econômica de países subdesenvolvidos. Conforme MALAN et alli, a Comissão
teve por base o acordo celebrado em 19 de dezembro de 1950 entre os governos do Brasil e
dos EUA e iniciou as suas atividades em 19 de julho de 1951, enquanto o relatório final foi
apresentado apenas em meados de 1953.
8
Os trabalhos técnicos consistiram em um
diagnóstico da economia brasileira e no detalhamento de 41 projetos para financiamento,
envolvendo um dispêndio previsto de Cr$ 21,9 bilhões, Cr$ 7,9 dos quais (US$ 387 milhões)
em moeda estrangeira. em relação aos programas aprovados, VIANNA salienta “a ênfase a
transportes ferroviários e energia elétrica (dois terços das propostas em número e quase três
quartos do valor total).”
9
Dessa maneira, a CMBEU, conforme este autor, diferiu das missões
anteriores como a Abbink por propor planos concretos de imediata apreciação pelas
instituições financeiras internacionais, como o Bird e o Eximbank, que deveriam viabilizar os
seus recursos em moeda estrangeira.
10
A iniciativa e insistência de Vargas em negociar a instalação da CMBEU vêm sendo
apontadas pela historiografia como indícios da sua intenção de atrair capital público
estrangeiro e, assim, da falta de um nacionalismo xenófobo em seu segundo mandato.
11
Além
disso, sendo ainda uma tentativa de negociação com os EUA, envolvendo instituições como o
Bird, era inevitável, como salienta BASTOS, que os acordos daí decorrentes não
ultrapassassem os limites financeiros e doutrinários com os quais os homens do Departamento
de Estado e do Banco Mundial pretendiam fornecer ajuda a países ainda não desenvolvidos.
Acrescente-se a isso a participação ativa de Horácio Lafer (Fazenda) e de João Neves da
Fontoura (Relações Exteriores) nessas negociações e entenderemos porque a CMBEU foi
apontada como a face mais conservadora e mesmo “ortodoxa” do programa de investimentos
do último governo de Getúlio, em oposição ao “nacionalismo” da AEP.
12
Contudo, não se pode exagerar nessa interpretação, pois, apesar desses vínculos, a
Comissão esteve longe de representar um freio ou contrapeso “ortodoxo” aos investimentos
8
MALLAN et alii, 1980, p. 61.
9
idem.
10
VIANNA, op.cit., pp. 26-27.
11
Cfe. VIANNA, op.cit., pp. 26-27 e FONSECA, 1989, p. 408. Segundo VIANNA (loc.cit.), no caso da
CMBEU, a contrapartida brasileira que interessava ao EUA era o fornecimento de fornecer matérias-primas
estratégicas, como o manganês e areia monazítica, cuja importância crescia proporcionalmente à ameaça de um
novo conflito internacional.
12
Ver: D´ARAÚJO (1984) e SKDIMORE, op.cit., 125.
278
programados por Getúlio.
Primeiro porque a CMBEU foi uma forte experiência de planejamento econômico,
mesmo que limitada a questões setoriais. A ideia de planejamento não era nova no Brasil, mas
sempre fora polêmica e associada aos grupos mais “nacionalistas” e/ou “estatistas”; agora,
porém, ela ganhava uma nova roupagem com esta Comissão, pois vinha respaldada pelo aval
do Departamento de Estado e “pelas recomendações do Bird”.
13
Segundo, o relatório emitido pela Comissão, considerado “o mais abrangente
diagnóstico contemporâneo sobre a economia brasileira em seu conjunto”, é classificado
como “não-dogmático” e mesmo heterodoxo pelos estudiosos da questão.
14
Como ressalta
BIELSCHOWSKY, o Relatório Financeiro da CMBEU teve em sua elaboração a participação
de Roberto Campos e Octávio Dias Carneiro e refletiu
a visão heterodoxa e relativamente desapaixonada com que estes dois
economistas buscavam-se posicionar-se dentro da problemática
inflacionária e cambial no ano de 1953. O resultado dessa postura foi
a combinação de uma marcada inclinação pelo desenvolvimento
industrial e da mais sistemática análise até então produzida sobre os
desequilíbrios gerados pelo processo em curso.
15
Terceiro, a forma como o Brasil procurou atender a sua contrapartida financeira na
CMBEU foi através do Plano de Reaparelhamento Econômico apresentado ao Congresso
em 8 de agosto de 1951, contendo os projetos elaborados pelo governo e do Fundo de
Reaparelhamento Econômico que chegou ao debate parlamentar em 29 de outubro do
mesmo ano e definia as alternativas para financiar o Plano. Este Fundo basicamente propôs: a)
a criação de um empréstimo compulsório, originado de um adicional de 15% sobre o imposto
de renda das pessoas físicas e jurídicas de maiores ganhos, para o levantamento dos recursos
internos necessários ao Plano Lafer
16
e b) a fundação do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico (BNDE) para a gerência do capital estrangeiro e nacional a ser
13
BIELSCHOWSKY, 2000, p. 326. Conforme este autor, a CMBEU defendeu uma “ideia de planejamento
setorial, ou „seccional‟”, baseada em investimento setorial em transporte e energia, com grande aporte de capital
externo (idem, p. 385).
14
MALLAN et alii, 1980, p. 62.
15
BIELSCHOWSKY, 2000, p. 381.
16
Mais fontes de financiamento seriam os “dividendos de participação da União no capital das sociedades em
economia mista, recursos do Acordo do Trigo, entre outras, que comporiam o chamado Fundo de
Reaparelhamento Econômico.” ARAUJO, V.. A Criação do BNDE e a controvérsia Lafer-Jafet. In: VII
Congresso Brasileiro de História Econômica e Conferência Internacional de História de Empresas, 2007,
Aracaju. Anais do VII Congresso Brasileiro de História Econômica, 2007. Disponível in
http://www.sep.org.br/artigo/_625_ebb6148750ca395b37c96703305e6c2d.pdf, consultado em 16 de dezembro
de 2009.
279
obtido.
17
Ambas as medidas teriam ampla repercussão na economia brasileira nos anos
seguintes e, embora seja correto afirmar que esta fórmula procurava obter financiamento sem
implicar em uma expansão monetária,
18
tais mecanismos acarretaram uma majoração de
tributos e a criação de um novo banco estatal. Em consequência, os trabalhos da Comissão
reforçaram as medidas de planejamento e de intervencionismo estatais no período, não
podendo ser considerados simplesmente como “ortodoxos”.
19
Além disso, é importante
guardar que o BNDE será alvo de fortes ataques de economistas neoliberais como Eugênio
Gudin, para quem a presença desse Banco era a prova da incompetência do Estado em
promover uma legislação estimuladora do setor de energia, como tarifas atrativas e respeito
aos contratos.
20
A CMBEU, porém, iria terminar os seus trabalhos prematuramente. Em 1953, a
ascensão do republicano Eisenhower à Presidência dos EUA levou para a Casa Branca uma
política de corte de gastos do governo e uma nova visão sobre a possibilidade de ajuda ao
crescimento econômico de países latino-americanos com o dinheiro público estadunidense,
que deslocava este último para dar preferência aos investimentos privados em países
subdesenvolvidos. Aliando-se a isso estavam as controvérsias provocadas pela política de
Vargas em relação à questão do reinvestimento, o resultado foi o cancelamento da Comissão e
de boa parte dos recursos em dólares, cujo montante projetado de US$ 387 milhões ficou
reduzido a apenas US$ 187 milhões, os quais beneficiaram as empresas estrangeiras do setor
elétrico, como a Light. Entretanto, nesse momento, o BNDE havia sido criado e estava se
capitalizando com os recursos do empréstimo compulsório, o que iria favorecer a fixação de
um forte pilar institucional e econômico para a nova fase de desenvolvimento brasileiro dos
anos posteriores.
17
O governo enviou ao Congresso o projeto de Lei 1.664, que criava o BNDE, em 6 de fevereiro de 1952. Esta
lei seria sancionada em 20 de junho de 1952, sua data oficial de fundação. ARAÚJO & MELO, op.cit., p. 7.
18
ARAÚJO, idem, p.4.
19
Como lembra FONSECA, a criação de órgãos como o BNDE
representava nacional-desenvolvimentismo, no qual não nenhum
apego ao mercado como agente para fins de alocação e direcionamento da economia, e que demonstra mais os
compromissos e a intenções do Governo do que, por exemplo, as hesitações da política monetária ou mesmo as
composições políticas conservadoras” (FONSECA, 2002, p. 24).
20
JOURDAN, Marcelo Mollica. A Light, investimento estrangeiro no Brasil: uma luz sobre o ciclo privado-
público em 80 anos pela análise de taxa de retorno. Fundação Getúlio Vargas Escola de Pós Graduação em
Economia Rj (Dissertação de Mestrado), 2006, p. 16. Disponível em:
http://virtualbib.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/331/2164.pdf?sequence=1, consultada em 23 de
novembro de 2010.
280
Assessoria Econômica da Presidência da República
A AEP era composta por cerca de oito técnicos permanentes,
21
inicialmente liderados
por Rômulo Almeida e, posteriormente, por Jesus Pereira Soares. Ela estava subordinada ao
Gabinete Civil e foi criada para dar assistência direta ao presidente da República, tanto no
despacho com os ministros quanto na elaboração de projetos. Esta última tarefa, porém, é a
que mais notabilizou a AEP, pois ficaram sob a sua responsabilidade os programas mais
significativos do governo na área de energia, como o do carvão, o do petróleo e da
eletricidade.
Em termos doutrinários, este grupo de economistas e de técnicos foi classificado e
mesmo se autodefinia como nacionalista. Entretanto, não se pode falar em uma
homogeneidade total de ideias, tendo em vista que, além de Almeida e Soares, faziam parte da
Assessoria Inácio Rangel e Cleanto Leite, entre os membros permanentes, e Glycon Paiva e
Guerreiro Ramos, entre os eventuais.
22
Ademais, deve-se matizar o “nacionalismo” da equipe,
pois, como afirma LEOPOLDI, a maior parte dos membros da AEP era formada por
nacionalistas de orientação não-ortodoxa, que aceitavam a participação controlada do capital
estrangeiro em setores como energia (LEOPOLDI, 2002, 36).
De outro lado, para entendermos melhor o trabalho da AEP e fugirmos um pouco das
interpretações estereotipadas, devemos considerar também os fortes vínculos externos
mantidos pelos seus principais integrantes. Um deles era com a CNI, tendo em vista que o
primeiro chefe e recrutador da equipe da Assessoria, Rômulo Almeida, havia trabalhado
com Roberto Simonsen, durante o Estado Novo, e, no início do último governo Vargas, dirigia
o Departamento Econômico da Confederação dos industriais, liderada por Euvaldo Lodi,
apoiador de Vargas.
23
Ademais, a própria Assessoria se reunia em uma sala cedida pela CNI,
no Rio de Janeiro. Outro vínculo era com a Cepal: como lembra LEOPOLDI, nesse
momento, este órgão das Nações Unidas havia aberto um escritório no Rio de Janeiro,
21
Devido ao caráter discreto e até sigiloso das ações da Assessoria, não sabemos precisamente o número de seus
membros. SANTOS dividiu esses membros em dois grupos: um, formado por oitos integrantes mais
permanentes e que ela considera a Assessoria Básica, e, outro, formado por dez membros eventuais, que ela
classifica como Assessoria Ampla. Ver SANTOS, Renata Belzunces dos. A Assessoria econômica da presidência
da República: contribuição para a interpretação do Segundo Governo Getúlio Vargas (1951-1954). Campinas:
Instituto de Economia, 2006. (Dissertação de mestrado), disponível em:
http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000402434&fd=y, consultado em 22 de novembro de 2010, p. 13.
22
Ver SANTOS, op.cit., p. 10. Sobre a auto definição de ALMEIDA e SOARES como nacionalistas, consultar
PEREIRA, Jesus S. Petróleo. Energia Elétrica, Siderurgia: A luta pela emancipação. Rio de Janeiro. Paz e Terra.
1975, especialmente a introdução, escrita pelo próprio Rómulo Almeida.
23
Durante o Estado Novo, Almeida trabalhou no CNPIC (Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial),
na elaboração da Junta Nacional de Planificação (cfe. SANTOS, op.cit., p. 8). Sobre essas relações consultar
também LEOPOLDI, 2002, 69.
281
atraindo técnicos nacionalistas ligados ao Clube dos Economistas, dentre eles Rômulo
Almeida.
O primeiro programa apresentado pela AEP foi o Plano Nacional do Carvão, enviado
ao Congresso no dia 8 de agosto de 1951, junto com o Plano de Reaparelhamento Econômico.
Foi, sem dúvida, o menos polêmico de todas as propostas de Vargas, embora não deixasse de
apresentar particularidades, como a defesa de uma forte presença estatal no setor.
Muito mais complicada e polêmica foi a questão do petróleo. Este setor era uma das
prioridades que o presidente apresentou à sua Assessoria Econômica e, por essa razão, a sua
elaboração envolveu, durante cerca de oito meses de trabalho intenso, os principais
integrantes da APE, dentre eles Almeida e Jesus Pereira este último considerado o mentor
dos projetos que daí resultaram. Essa prioridade se justificava por motivos políticos, porque o
tema era central nas discussões públicas desde o governo Dutra e fez parte dos compromissos
da campanha eleitoral de Vargas. Mas também se fundamentava em razões econômicas: o
consumo desta forma de combustível fóssil, apesar de ainda ser modesto no Brasil, crescia em
média 20% ao ano desde o final da Segunda Guerra Mundial e, em 1951, comprometia
13% das importações brasileiras, indicando forte risco de racionamento antes mesmo do
término do mandato de Getúlio.
24
O resultado do trabalho da Assessoria foi apresentado por Vargas ao Congresso, no dia
6 de dezembro de 1951, através da Mensagem Presidencial no. 469/51. O “programa do
petróleo” estava divido em dois projetos: um criando a Petróleo Brasileiro S.A. ou
simplesmente Petrobras e outro estipulando os recursos financeiros necessários ao seu
funcionamento. A nova empresa seria uma sociedade de economia mista responsável pela
exploração e produção de óleo cru e pela administração das refinarias e da frota de navios
petroleiros do governo federal. Foi projetado para a sua viabilização um capital de US$ 500
milhões, cuja obtenção deveria ser efetuada através de uma fórmula bastante engenhosa que
incluía as propriedades da União sobre o setor petrolífero (jazidas, refinarias, equipamentos,
navios), a transferência de alíquotas tributárias para a companhia e a criação de novos
impostos, além da participação do investidor privado, embora de forma minoritária e
compulsória.
25
24
Segundo os dados da Mensagem presidencial que apresentou o programa ao Congresso, nosso consumo per
capita de petróleo era de 0,6 barris por ano, enquanto a Argentina consumia 2,9 e o Uruguai 1,5. VARGAS,
Getúlio. O Governo trabalhista no Brasil, v.1-4. Rio de Janeiro : José Olympio, 1954.
25
Em termos gerais, a participação nesse investimento era a seguinte: o governo federal entraria com um capital
de 4 bilhões de cruzeiros, ficando responsável, em caso de necessidade, de subscrever todo o capital da empresa.
Esse valor seria reforçado pela arrecadação de uma série de tributos: 25% do imposto único sobre combustíveis
282
Com este modelo, seria possível evitar o investimento direto do Estado no projeto por
meio de verba orçamentária e do empréstimo, o que era importante por não contrariar a
“política de estabilização do valor da moeda”, levada adiante pelo governo, como deixou
claro a Mensagem de Vargas que acompanhou o programa.
26
Ele facultava também à
Petrobras amplo domínio sobre a atividade petrolífera nacional, ao mesmo tempo em que
garantia o controle acionário da empresa pela União, tendo em vista que esta deveria deter, no
mínimo, 51% das suas ações com direito a voto. Por esta razão, muitos autores afirmam que a
Petrobras representava um monopólio estatal de fato sobre o setor petrolífero,
27
embora o
governo tenha evitado estabelecer o monopólio estatal de direito e permitido a participação de
capital privado e estrangeiro, mesmo que limitado ao máximo de 15% do total, além de
franquear à companhia a possibilidade de funcionar como uma holding, contratando
subsidiárias.
A historiografia especializada aponta três razões básicas que orientaram Vargas e sua
Assessoria em direção a esta complexa fórmula: a) questões políticas, pois Getúlio teria
evitado abordar diretamente o monopólio estatal do petróleo para não provocar a rejeição do
seu programa pela ala liberal do Congresso, contrária à intervenção do Estado nas atividades
produtivas (COHN, op.cit., p. 131); b) o pragmatismo do presidente, que o levou a optar por
uma empresa de economia mista por considerá-la mais flexível do que uma autarquia e,
assim, capaz de fugir à sua rigidez,
28
e c) o próprio projeto de desenvolvimento de Vargas,
(cuja alíquota deveria ser reajustada), um imposto sobre artigos de luxo e outro sobre carros importados e mais a
transferência de alíquota de impostos sobre combustíveis dos estados e municípios para a empresa, o que os
tornaria acionistas compulsórios da mesma. Os proprietários de carros também virariam acionistas compulsórios,
através do imposto sobre combustíveis.
26
Cfe. Mensagem Presidencial in: VARGAS, Getúlio. O Governo trabalhista no Brasil, v.1-4. Rio de
Janeiro:José Olympio, 1954. p.87.
27
Além disso, o presidente da República ainda nomearia o presidente da empresa e, dos nove diretores, apenas
dois seriam escolhidos pela iniciativa privada. Devemos considerar, também, como relata Jesus Soares Pereira,
que os elaboradores do programa de petróleo de Vargas igualmente confiavam que a forte legislação nacionalista
sobre recursos minerais estabelecidas depois da Revolução de 30, as quais a Petrobras deveria seguir, serviria
como garantia do controle nacional sobre a empresa. Na opinião de PEREIRA, todas essas amarras legais
deveriam impedir qualquer controle estrangeiro sobre a Petrobras (PEREIRA, op.cit., 98). Sobre a Petrobras
como monopólio de fato, ver CUPERTINO, Fausto. Os Contratos de Risco e a Petrobras (O petróleo é nosso e o
riscos deles). v. 3. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1976. (Coleção: Realidade Brasileira), p. 92. Sobre a
legislação nacionalista a respeito da exploração mineral no Brasil pós-30 e a criação do CNP, consultar:
MARTINS, Luciano. Pouvoir et developpement economique: formation et evolution des structures politiques au
Brésil. Paris: Anthropos, 1976, COHN, Gabriel. Petróleo e Nacionalismo. São Paulo : Difusão Européia do
Livro, 1968 (Coleção Corpo e Alma do Brasil) e DIAS, José Luciano de Mattos & QUAGLINO, Maria Ana. A
questão do petróleo no Brasil: uma história da Petrobrás. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1993.
28
Essa posição é defendida por WIRTH, John D. A Política do desenvolvimento na Era de Vargas. Trad. de
Jefferson Barata. Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas,1973, p. 171) e PEREIRA, op.cit., p. 99.
283
que não era incompatível com investimentos privados e estrangeiros nos setores básicos da
economia nacional, sempre que pudesse submetê-los às diretrizes do Estado.
29
Vamos nos deter mais acuradamente sobre este último ponto. Conforme WIRTH
(op.cit., p. 163), a intenção inicial de Vargas era estabelecer o controle estatal do setor do
petróleo através de um órgão regulador, porém, sem executar a sua industrialização. Por essa
razão, não deve surpreender o fato de a AEP ter sido orientada a sondar empresas
internacionais para realizarem o projeto (COHN, op.cit., p., 161). Somente depois da negativa
do capital internacional público e privado em participar de uma indústria petrolífera nacional
controlada pelo Estado é que Vargas teria optado pela empresa estatal, mesmo assim com o
máximo de flexibilidade possível e sem comprometer as finanças públicas (WHIRT, loc.cit.).
Desta maneira, concordamos com BASTOS quando este afirma que
o projeto original da Petrobras pode ser encarado, precisamente, como um símbolo
do projeto de desenvolvimento esboçado pelo governo Vargas: recorrer a recursos
externos sem comprometer o controle (ou perdendo o menor controle possível)
sobre a destinação dos recursos, buscando orientá-la segundo finalidades internas de
desenvolvimento (BASTOS, 2001, p. 343).
O problema, contudo, foi que as precauções políticas e econômicas acabaram gerando
efeitos não previstos: o programa do petróleo de Getúlio foi antes acusado de “entreguista” do
que de “nacionalista” e, assim, recebeu a oposição dos grupos que tempos lutavam pelo
monopólio estatal do petróleo, reforçados agora pela UDN.
30
Este partido, apesar de seu
antigo compromisso com a liberalização do setor, resolveu pegar carona na popularidade da
tese do monopólio estatal e propôs uma companhia alternativa à Petrobras, a Empresa
Nacional do Petróleo (Enape), que não incorporava oficialmente este monopólio como
ainda determinava a encampação de todas as refinarias privadas em funcionamento ou
concedidas no Brasil (CARVALHO, op.cit., p. 59).
Fora do Congresso a oposição não foi menos ativa. O Clube Militar, instituição
presidida pelo primeiro ministro da Guerra de Getúlio, Estilac Leal, não titubeou em
bombardear o projeto como “profundamente nocivo à soberania nacional e à segurança militar
de nossa Pátria” (apud COHN, op.cit., p. 138), aumentando a distância entre Vargas e a ala
29
Sobre a estratégia de Getúlio em procurar apoio externo e mesmo privado para seu programa energético,
consultar: BASTOS, Pedro Paulo Zahluth. A construção do nacional-desenvolvimentismo de Getúlio Vargas e a
dinâmica de interação entre Estado e mercado nos setores de base. Economia (Campinas), v. 7, 2006, p. 239-
275.
30
Assustado com a margem que o projeto de Vargas deixava “à penetração do capital estrangeiro”, o deputado
Eusébio Rocha (PTB-SP), ainda no final de janeiro de 1952, propôs um substitutivo que “eliminaria por
completo a participação de capitais privados, nacionais ou estrangeiros, em todas as fases da indústria
petrolífera, exceto a distribuição” (CARVALHO, Getúlio. Petrobrás: dos Monopólios aos contratos de risco. Rio
de Janeiro : Forense Universitária, 1977 (Brasil, Análise & Crítica), p. 53).
284
nacionalista do Exército, iniciada com a assinatura do Acordo Militar Brasil-EUA. Já a
Campanha do “Petróleo É Nosso”, através do Centro de Defesa do Petróleo e da Economia
Nacional que a liderava (Cedpen),
31
foi ainda mais rápida e, logo após o lançamento do
programa, condenou-o por “tratar-se simplesmente de um projeto entreguista”.
32
P
ara evitar que o seu plano fosse rejeitado ou mesmo transfigurado na Câmara, Vargas
aceitou negociar e o líder da maioria, o deputado Gustavo Capanema (PSD), fez um acordo
com as lideranças partidárias pelo qual seria incluído oficialmente o monopólio estatal na
companhia, eliminado do corpo de acionistas pessoas jurídicas de direito privado que
tivessem sócios estrangeiros e estabelecido claramente que a União jamais abriria mão de
51% das ações da empresa. Mas o governo manteve a participação do capital privado, as
concessões às refinarias particulares e a exclusão do comércio atacadista do monopólio, a fim
de evitar que o seu programa fosse engessado (WHIRT, op.cit., p., 182).
Este ponto deve ser ressaltado para combater a interpretação segundo a qual o projeto
inicial de Vargas era meramente uma manobra maquiavélica, friamente calculada, para
permitir a triunfante aprovação do monopólio estatal do petróleo.
33
Os próprios assessores de
Vargas reiteram que optaram pela fórmula original porque desejavam fazer um programa
“que funcionasse”.
34
Da mesma maneira, o presidente deixou clara a sua posição quando, em
Candeias, na Bahia, em 23 de junho de 1952, fez o seu único pronunciamento sobre o
programa durante a discussão do mesmo
:
Eis por que se orientou o Governo para o projeto de constituição de
uma sociedade de economia mista, na qual pudesse ele reunir a
31
O Cedpen teve origem no Centro de Estudo e Defesa do Petróleo (CEDP), criado em 1948, no Rio de Janeiro,
em reação ao projeto do governo Dutra do Estatuto do Petróleo, que pretendia explorar a indústria petrolífera
nacional mediante a concessão a empresas privadas, inclusive estrangeiras. Com o tempo, estendeu as suas
atividades por todo o país, sempre em defesa do monopólio integral do petróleo, em uma verdadeira “Cruzada”
nacionalista e popular poucas vezes vista em nossa história (SKIDMORE, op.cit., 129), conhecida como
Campanha do Petróleo. Muito ativo no Segundo Governo Vargas, o Centro era formado por “[p]rofissionais
liberais, jornalistas”, assim como militares e políticos de diferentes matizes ideológicos, embora com o
predomínio do PTB e do PCB (MOURA, Gerson. A Campanha do Petróleo. Coleção “Tudo É História”. Rio de
Janeiro : Brasiliense. 1986, p. 67). O lema básico da Campanha do Petróleo tornou-se a frase “O petróleo é
nosso”, slogan criado por estudantes ligados a UNE, entidade que se transformou na base de sustentação do
movimento.
32
“Apresentado, pela propaganda oficial, como solução „nacionalista‟, o referido Anteprojeto constitui, na
verdade, a oportunidade esperada pelos trustes estrangeiros especialmente a Standard Oil para penetrar no
domínio da exploração e da industrialização do petróleo nacional” (apud MIRANDA, 1983:269-270).
33
Essa interpretação foi defendida, na época, pelo deputado Brochado da Rocha, do PTB e se tornou, podemos
dizer, parte da “tradição oral” relativa ao tema. Ver PEREIRA, op.cit., especialmente a introdução de Rômulo
Almeida.
34
VARGAS, op.cit., p. 156 (grifos nossos). Rômulo Almeida, o líder da Assessoria Econômica da Presidência,
foi até a Câmara defender o projeto e, diante do argumento de que apenas o monopólio estatal seria uma solução
nacionalista para o problema do petróleo, questionou: “Que significa, afinal, solução nacionalista do problema
do petróleo? A solução nacionalista do problema do petróleo é produzir petróleo e não slogans, fórmulas e
discursos?” (apud COHN, op.cit., p., 155).
285
maioria absoluta das ações e participar diretamente de uma empresa
dotada de bastante flexibilidade, dinamismo, autonomia de ação e
máxima capacidade de expansão industrial.
35
Como resultado do acordo parlamentar, o novo projeto foi aprovado em primeira
instância na Câmara no dia 23 de setembro de 1952, com 21 artigos a mais do que os 31
originais. Mas teve o seu caminho barrado no Senado, onde o menor compromisso com o
nacionalismo (COHN, op.cit., p., 165) fez com que os congressistas procurassem modificar a
companhia com emendas liberalizantes. O projeto voltou ao Palácio Tiradentes em junho
de 1953, para, depois de retiradas as emendas liberalizantes dos senadores, ser
definitivamente aceito em setembro do mesmo ano. Assim, no dia 3 de outubro, o presidente
sancionou a Lei n
o.
2.004 que criava a Petrobras (Petróleo Brasileiro S.A.) como uma empresa
mista da qual a União tinha o domínio das ações e que deveria explorar, em caráter
monopolista, todas as etapas da indústria do petróleo brasileiro, com exceção da distribuição e
das refinarias concedidas. Em suma, estabelecia-se o monopólio parcial do petróleo, que
ficou no meio-termo entre a proposta original de Vargas e a tese do monopólio estatal integral
defendido pelo Cedpen, com escolta da UDN.
Mais complexo ainda do que o programa da Petrobras foi o da eletricidade. Um dos
elementos complicadores esteve no fato de que, diferentemente do petróleo, cuja exploração
era incipiente no Brasil, o setor elétrico já apresentava muitos interesses arraigados e conflitos
históricos bastantes significativos. Há mais de meio século, companhias privadas estrangeiras,
como a canadense Light e a norte-americana Amforp (American Foreign Power), atuavam no
país e eram responsáveis pelo fornecimento de energia aos principais centros urbanos
brasileiros através do regime de concessão.
36
Essas poderosas empresas recebiam apoio
internacional, especialmente dos EUA onde tinham fortes vínculos com o Departamento de
35
na Mensagem Programática Vargas teria deixado clara a sua intenção de, para solucionar o “problema do
petróleo”, conjugar “esforços da iniciativa oficial e da iniciativa privada, confiando a empresas de um e de outro
tipo as tarefas de industrialização e as de exploração desse combustível, sem prejuízo do princípio de que as
jazidas do petróleo constituem patrimônio nacional e devem ser monopólio estatal” (VARGAS, G. Mensagem...
151, pp.162-3).
36
A Brazilian Traction, Light and Power Co., mais conhecida por Light, foi criada em 1912 e integrava um
conglomerado de outras cias., previamente absorvidas, atendendo grandes centros urbanos brasileiros, como o
Rio de Janeiro. a American & Foreign Power Co. (Amforp), grupo norte-americano ligado a General Eletric,
operava no Brasil através da holding Empresas Elétricas, com subsidiárias no interior de São Paulo e do Rio de
Janeiro, além das capitais do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e outros cinco estados. Cfe. BASTOS,
Pedro Paulo Zalu. Sobre o nacionalismo do segundo governo Vargas: o caso de empresas estatais e filiais
estrangeiras no ramo de energia elétrica. In: XI Encontro Nacional de Economia Política, 2006. . Anais do XI
Congresso Nacional de Economia Política (Sociedade Brasileira de Economia Política, SEP, 2006b, disponível
em http://www.sep.org.br/artigo/_554_875127f2848ddb3f73aabe928cdefd83.pdf?PHPSESSID=a26ff76d053
e6e95eb6fc4487b644777, consultado em 12 de dezembro de 2009)
286
Estado e com o Banco Mundial , e, no próprio do Brasil, tendo em vista a sua ampla
penetração no universo empresarial, burocrático e intelectual, contando com defensores do
peso de um Eugênio Gudin, antigo funcionário da Light.
37
Em contraposição ao forte papel do capital estrangeiro, a partir dos anos 30, o primeiro
governo Vargas procurou regular o setor elétrico, estabelecendo diretrizes nacionais em
relação tanto à propriedade dos recursos hídricos quanto aos critérios da oferta de energia no
país. Um dos pontos básicos dessa política foi modificar o sistema de cobrança, abandonando
o reajuste das tarifas com base na variação do ouro. Segundo as companhias, esta mudança
reduziu drasticamente os seus dividendos, razão pela qual se sentiam desestimuladas em
investir nessa ampliação. Ademais, os governos estaduais também começaram a investir por
conta própria no setor, criando empresas próprias, de forma complementar ou mesmo
conflituosa com o capital externo e o próprio governo federal.
38
Porém, apesar das suas intenções regulatórias, o governo federal não chegou a
estabelecer mecanismos que efetivamente fiscalizassem os lucros das empresas ou que
fomentassem os investimentos necessários para ampliar a oferta de energia. Desta maneira,
quando iniciamos a década de 50, o problema da produção e distribuição de eletricidade
apresentava grande urgência, pois as deficiências no sistema ameaçavam o abastecimento das
grandes cidades e, principalmente, o suprimento ao parque fabril, tendo em vista que "duas
décadas de crescimento industrial e urbano progressivamente intensivo em eletricidade, sem
expansão adequada da oferta, implicavam períodos crescentes de racionamento" (BASTOS,
2006, p. 260).
Diante de tal realidade, três ordens de prioridades orientaram as ações do Segundo
Governo Vargas no tratamento do tema: a) a necessidade de dar resposta imediata à
probabilidade de falta de energia elétrica urbana e industrial; b) a possibilidade de aumentar a
produção com vistas a oferecer eletricidade barata acima da demanda a fim de estimular o
consumo e, desta maneira, a industrialização;
39
e c) a estratégia de incentivar a indústria de
material elétrico (fios, condutores, motores) no país, com o intuito de desenvolver este setor e
37
BORGES, op.cit. e LEOPOLDI, 2002.
38
Quanto a isso, consultar: BASTOS, 2006b, CORRÊA, Maria Letícia. O setor de energia elétrica e a
constituição do Estado no Brasil: o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (1939-1954). Tese de
doutroramento. ICHF PPG-História IFF Niterói RJ 2003 e SILVA, Marcelo Squinca. A estatização do
setor de energia elétrica: embates entre entreguistas e tupiniquins no centro diretivo do Segundo Governo Vargas
(1951-54). Mediações Revista de Ciências Sociais, Londrina, v. 10, n.1, p. 157-164, jan.-jun.
39
Cfe, Jesus Soares Pereira Pretendia-se uma oferta superior às necessidades do mercado, ou seja, colocar o
suprimento de energia como um grande incentivo à atividade econômica e ao bem-estar geral” (PEREIRA, 1973,
p. 117).
287
desafogar o balanço de pagamentos, ao não precisar mais importar equipamentos.
40
Contudo, a realização dessas prioridades esteve longe de ser tranquila, pois
implicavam em lidar com questões bastante complicadas, a saber: a) a forma de obter os
investimentos necessários para tarefa de tamanho porte; e b) o papel relativo que seria
destinado à iniciativa privada, especialmente a estrangeira, e ao Estado no empreendimento.
No que se refere ao último ponto, logo no começo de seu governo, Vargas deixou bem
claro qual caminho pretendia seguir. Na sua Mensagem Programática, do início de 1951,
afirmava estar o Brasil em plenas condições para a aplicação do princípio da nacionalização
progressiva firmado pelo Código de Águas”. Como seria “característica da época atual o
desinteresse do capital privado para serviços de utilidade pública”, concluiu, defendendo que
era “indispensável, por isto, que o Poder Público [assumisse] a responsabilidade de construir
sistemas elétricos, onde sua falta representa maiores deficiências”.
41
Em outras palavras, o
governo indicava que iria apostar na ampliação do papel do Estado no setor de eletricidade,
embora não ficasse clara a parcela do bolo que restaria à iniciativa privada.
Sobre as fontes de investimentos, a Mensagem também esboçou uma resposta.
Conforme salienta BASTOS, por este documento, notamos que a intenção original de Vargas
era ter no capital público estrangeiro a origem dos recursos necessários ao setor evitando,
com isso, novos aumentos de impostos ou medidas inflacionárias e, para tanto, apostaria as
suas primeiras cartadas nas negociações entre Brasil e Estados Unidos junto à CMBEU.
42
Isso faria com que a Comissão tivesse um papel muito mais proeminente na busca de uma
solução para o problema da eletricidade do que no caso do petróleo, dividindo algumas tarefas
e entrando em atritos maiores com a AEP.
43
A dificuldade era que, ainda segundo BASTOS, a estratégia de Vargas apresentava um
dilema insolúvel naquela conjuntura: o governo brasileiro pretendia levar adiante um
“programa nacionalizante” para o setor elétrico que “dependia de recursos a serem obtidos por
40
Quanto a estas prioridades, consultar: PEREIRA, op.cit, BASTOS (2006a e 2006b) e CORREA, op.cit.
41
VARGAS, 1951, pp. 156-9, apud BASTOS, 2006, p. 262.
42
Conforme a Mensagem Programática: A carência de capitais nacionais, impossível de suprir-se sem
sacrifícios dos níveis de vida, reclama um crescente influxo adicional de capitais estrangeiros… Em face da
experiência do após-guerra na finança mundial, devemos esperar mais da cooperação técnica e financeira de
caráter público. Nossas fontes de capitais públicos são hoje o governo norteamericano, através do Eximbank, e
os organismos internacionais, criados em Bretton Woods, o Banco Internacional de Reconstrução e
Desenvolvimento e o Fundo Monetário Internacional” (idem, pp. 187-8).
43
Como lembra SANTOS, o aumento da potência instalada de energia elétrica também foi objeto de estudo da
CMBEU porém sob uma perspectiva diferente da Assessoria Econômica. A perspectiva da CMBEU era
primordialmente beneficiar as empresas de capital estrangeiro em operação no país, estratégia frontalmente
contrária à expressa pelo presidente da República através da Assessoria Econômica. Em comum, sobre o tema
energia elétrica, havia a compreensão da necessidade de criação de um Banco com finalidade específica de
administrar recursos para este fim” (SANTOS, op.cit. 93).
288
meio da „cooperação internacional‟, ou melhor, não por meio do estímulo às empresas
estrangeiras e sim pela barganha de recursos transferidos junto ao Banco Mundial” (2006, p.
263). Ora, tal alternativa ia de encontro às diretrizes do governo norte-americano e,
consequentemente, dos próprios organismos financeiros internacionais que ele controlava
cuja política de financiamento privilegiava o fornecimento de recursos apenas aos
empreendimentos que ajudassem ou, ao menos, não rivalizassem com os investimentos
privados estadunidenses no exterior (BASTOS, idem, p. 266). Desta maneira, não deve causar
surpresas que as pretensões varguistas foram frustradas nos trabalhos da CMBEU, na medida
em que esta priorizou a liberalização de recursos às empresas estrangeiras instaladas no
Brasil, como a Light e a Amforp, em detrimento dos pedidos de recurso feitos pelos governos
federal e estaduais brasileiros (BASTOS, 2006b, p. 21).
Em virtude desses insucessos, o Executivo direcionou o plano de eletrificação que
estava sendo elaborado pela AEP, sob a orientação de Soares Pereira, para a busca de capital
público interno, seguindo o modelo que norteou os projetos do petróleo. Tal programa levou
cerca de um ano para ser elaborado, sendo apresentado apenas em 1953 através de quatro
projetos separados, a fim de facilitar a sua discussão e aprovação pelo Congresso.
O primeiro propunha a criação do Imposto Único sob Energia Elétrica (IUEE) e
chegou ao Congresso Nacional apenas em 25 de maio de 1953. Consistia basicamente em
uma proposta de regulamentação do dispositivo da Carta de 1937, ratificado pela Constituição
de 1946, que previa o estabelecimento de um tributo sobre o consumo de energia elétrica.
44
Este foi o projeto que teve menor resistência no Congresso e levou cerca de um ano para ser
aprovado, sendo sancionado por Café Filho, logo após o suicídio de Getúlio.
O segundo projeto propunha a criação do Fundo Federal de Eletrificação (FFE), que
deveria gerir o IUEE e estabelecer os critérios de divisão deste tributo entre União, Estados e
Municípios.
45
Por envolver interesses contraditórios das diversas instâncias administrativas do
país e por implicar grande concentração de recurso no poder público, este plano gerou muita
controvérsia, especialmente entre os Estados que já possuíam as suas companhias regionais de
eletricidade. foi aprovado no governo JK, com significativas modificações em favor das
unidades federativas mais desenvolvidas.
44
Conforme Jesus Soares Pereira, tal regime fiscal tinha algo de semelhante ao regime de exploração pela
empresa privada, que na tarifa tem uma parcela destinada ao custeio e outra parcela destinada ao investimento”
(PEREIRA, op.cit., p.118).
45
Segundo CORREA, o “FEE seria formado pela parcela do IUEE referente ao governo federal, por 20% da
receita da cobrança da taxa de despacho aduaneiro e por dotações orçamentárias federais. Os recursos seriam
administrados pelo BNDE e a parcela destinada aos estados e municípios seria aplicada, em cada estado, por
uma empresa pública criada especialmente para esse fim” (CORREA, op.cit., p. 260).
289
A terceira medida foi o Plano Nacional de Eletrificação (PNE), projeto de Lei n
o.
4.277, apresentado ao Congresso em 10 de abril de 1954. Este Plano defendia a adoção de
uma nova política oficial para o setor e, conforme o próprio título informava, tinha como
objetivo principal estabelecer normas capazes de facultar à União a gerência de um programa
nacional de todo o setor de eletricidade, desde a produção de energia até o fornecimento das
bases para uma indústria pesada de material elétrico. Com previsão de gastos de
aproximadamente 27,5 bilhões de cruzeiros que, ao câmbio oficial, representavam uma
quantia de quase 1,5 bilhões de dólares o programa pretendia, em 10 anos, praticamente
quadruplicar a potência instalada no Brasil: de 2,5 milhões de kw, em 1954, para 8,5 milhões,
em 1964.
46
Junto com o PNE, foi enviado ao Congresso o quarto projeto da AEP (n
o.
4.280), que
previa a criação da Eletrobrás. Semelhante ao da Petrobras, ele propunha a constituição de
uma empresa de economia mista, com controle acionário da União e com flexibilidade para
funcionar como uma holding junto a subsidiárias de capital público (companhias elétricas
estaduais e municipais) e privado (companhias estrangeiras já instaladas no país). A ela
caberia exatamente executar o PNE e, por essa razão, ser-lhe-ia destinada a principal parte dos
recursos arrecadados pelo IUEE. Era, sem dúvida, uma proposta bastante centralizadora e
intervencionista, que implicava uma forte inflexão na política estatal brasileira. Com ela
haveria não regulação federal, mas também grande centralização das decisões e grande
ingerência estatal na produção de energia e no ramo da indústria de materiais e equipamentos
elétricos.
47
Entretanto, tais planos seguiam a orientação do nacionalismo moderado que guiara
as ações relativas ao petróleo, pois procurou-se atender as demandas nacionais por
eletricidade criando uma empresa com estrutura administrativa flexível, que permitisse
controle estatal sem implicar em estatização ou em conflito direto com a iniciativa privada
nacional e mesmo estrangeira.
48
46
Interessante é que na Memória Justificativa do Plano, os seus redatores falavam abertamente na necessidade de
um “planejamento” do setor de eletricidade (cfe. CORREA, idem, p. 262, nota 14), empregando uma palavra
que, por suas implicações doutrinárias, era evitada pelo governo.
47
Conforme CORREA, comparada às iniciativas anteriores de planejamento relacionadas ao equacionamento
do desenvolvimento do setor de energia elétrica (…) a proposta de criação da Eletrobrás representou a
proposição de uma diretriz diversa no que respeita à política do governo federal, diretamente intervencionista,
uma vez que os projetos anteriores haviam enfatizado sobretudo a ação de coordenação ou a ação supletiva e o
papel de agente de financiamento do poder público na área de geração. O projeto de criação da Eletrobrás
representou também a tentativa de centralizar os diversos planejamentos e medidas colocadas em prática, desde a
década de 1940” ( op.cit., p. 263).
48
Como afirma o próprio Rômulo Almeida: “a orientação da política foi evitar encampar essas empresas
[privadas]. Porque era uma mágica besta, quer dizer, você ia comprar ativos e não fazer investimento novo (...) a
idéia (...) era fazer com que o Estado brasileiro, o país, aumentasse o capital da Light com ações suas”
(ALMEIDA, 1988, p. 41 ).
290
Na verdade, o que se pretendia eram ações complementares entre a União, Estados e a
iniciativa privada, nas quais os investimentos públicos se voltariam para as atividades de
fundo (como a geração de energia elétrica e a produção de maquinário pesado), sendo
suplementadas pelo capital particular na distribuição e produção de material elétrico mais
leve. Como concluiu BASTOS: “em outras palavras, as políticas de Vargas para o setor de
energia elétrica mostram um nacionalismo não dogmático ou xenófobo, ou seja, um
nacionalismo não apriorístico e sim flexível e pragmático”.
49
Não obstante essas articulações, os dois projetos foram os que mais receberam
resistências. Primeiro, devemos considerar que o programa de eletricidade foi apresentado e
discutido em um ambiente fortemente ideologizado pelas discussões que se deram em torno
da Petrobras, sendo considerado estatista, pelos liberais e conservadores, e muito tímido na
defesa do interesse nacional frente ao imperialismo norte-americano, na opinião dos
“nacionalistas”.
50
Além disso, da parte das empresas estrangeiras, houve protestos porque se
temia uma excessiva intervenção estatal que limitasse ainda mais a liberdade e o espaço de
atuação do capital privado; da parte das unidades federativas, surgiram fortes críticas quanto à
abusiva centralização das decisões e dos recursos na União, receando-se o sufocamento das
iniciativas regionais, especialmente das empresas estaduais já existentes, como a de São Paulo
e a Cemig, em Minas Gerais (CORREA, op.cit., p. 264). Em consequência, os dois últimos
projetos foram barrados no Congresso: a Eletrobrás foi aprovada, com significativas
modificações, apenas no governo Goulart, e o PNE nunca foi aceito.
Que conclusão podemos tirar dessa análise do planos e dos investimentos do Segundo
Governo Vargas no setor de infraestrutura e de indústrias de base?
Primeiro, que os programas de Getúlio tinham como um dos seus objetivos promover
a industrialização do país oferecendo recursos energéticos baratos para além da demanda
corrente a fim de estimular o consumo das empresas privadas e, ao mesmo tempo,
procurando dinamizar a cadeira produtiva brasileira associada às empresas públicas a serem
criadas, através do fornecimento interno de insumos, de equipamentos e, no caso do petróleo,
pela produção e distribuição de derivados.
51
Em outras palavras, o governo apostava no efeito
49
BASTOS, 2006,b p. 3.
50
Ver CORREA, idem, p. 269 e SILVA, op.cit.
51
Segundo BASTOS, para Vargas, “[d]esenvolver economicamente a nação se confundia, cada vez mais, com a
redução de sua dependência de insumos industriais e energéticos importados, avançando na industrialização
pesada, inclusive para poder mudar posteriormente a pauta de exportações. (...) Simultaneamente, as formas da
intervenção do Estado necessária para implementar os objetivos do ideário nacional-desenvolvimentista também
291
positivo que investimentos concentrados em determinados setores-chave poderiam trazer para
dinamizar toda a cadeia produtiva nacional. Efeito que os desenvolvimentistas compreendiam
e defendiam através do conceito de “economias externas” e que não pode ser considerado
involuntário ou não previsto pelos planejadores de Vargas, familiarizados com a discussão
teórica sobre o assunto.
Segundo, que a opção pela empresa pública foi mais uma estratégia pragmática do que
resultado de convicções nacionalistas hostis ao capital externo: não porque Vargas tentou
negociar com este capital (especialmente o público) a realização de parte dos
empreendimentos coordenados pelo Estado, como também procurou reservar um espaço de
atuação para o mesmo, que deveria ser atraído para o segmento de produção de bens de
consumo. De outra parte, quando o setor de atividade não era considerando tão estratégico ou
já estava sob relativo controle estatal, como era o caso da siderurgia, o capital privado
internacional foi bem recebido sem restrições, o que é perceptível pela instalação da
companhia siderúrgica alemã Mannesmann, em Minas Gerais, no ano de 1954.
Terceiro, devemos considerar que a adoção do modelo de empresa de economia mista
permitia tanto uma colaboração regulada com o capital privado, quanto a flexibilidade de
gestão que empreendimentos industriais de tal porte exigiam, o que não seria possível com as
tradicionais autarquias federais. Porém, e nesse ponto seguimos BASTOS, essa adoção
também revela o modelo de Estado que estava sendo implementado no Segundo Governo
Vargas, cujo papel seria não o de “estatizar a economia” mas mobilizar e investir recursos em
setores estratégicos (indústrias de base e infraestrutura) para alavancar investimentos privados
(nacionais e estrangeiros) na produção interna de alguns bens de produção (equipamentos e
maquinário às empresas públicas) e para facilitar a fabricação de bens de consumo.
Entretanto, conforme salienta DRAIBE, realizar esse papel iria implicar em uma significativa
ampliação das funções e tarefas estatais: pela grande mobilização de recursos sob o controle
do Estado (aumento de tributos e empréstimos internos e externos), pela criação de novas
agências planificadoras (CMBEU, AEP, CDI, etc.) e pela instalação de novas empresas e
bancos públicos (Petrobras, Eletrobrás, BNDE).
52
se ampliariam, desde a regulação, à distância, do mercado até a criação de empresas estatais” (2006, p. 242).
52
Como lembra essa autora: entre 1951-1954, “reforçou-se a armação material definidora da natureza e graus da
interpenetração do Estado no processo de acumulação capitalista e delineou-se o formato que adquirira a
reestruturação estatal no cumprimento das tarefas básicas da industrialização.” Além disso, para ela, esse
processo de inflexão tinha quatro elementos fundamentais: “a rede de mecanismos de centralização efetiva dos
comandos, a empresa pública como fator de dinamização do desenvolvimento, o banco de investimento e o novo
desenho da articulação do empresariado com o Estado”. Segundo DRAIBE, eram esses os elementos centrais da
“alternativa „varguista‟ de desenvolvimento do capitalismo brasileiro” (op.cit., 182).
292
Era uma transformação considerável e, diante dela, como será que reagiram os jornais
aqui pesquisados?
5.2 Os jornais e os programas em infraestrutura: o governo Vargas e o papel do Estado
no desenvolvimento da economia brasileira
5.2.1 A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e o Plano de Reaparelhamento
De todas as agências de planejamento instaladas no Segundo Governo Vargas, a que
mais recebeu visibilidade foi a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, o que não deve causar
estranheza por se tratar de um organismo que envolvia um acordo entre o país e a maior
potência mundial da época, no qual se negociavam empréstimos em quantias consideráveis.
Além disso, os eventos associados a esta Comissão, como a sua inauguração e o anúncio das
suas ações, implicavam em cerimônias públicas pomposas, nas quais estavam presentes
diplomatas, ministros de Estado e até mesmo o presidente da República.
Os jornais aqui pesquisados deram amplo e positivo destaque à criação da CMBEU e
aos seus principais atos, bem como aos anúncios do Plano de Reaparelhamento de Lafer e do
BNDE que dela derivaram, eventos que ocuparam manchetes, reportagens, artigos e editoriais
desses diários.
53
Não faltaram, também, elogios a Lafer e a João Neves da Fontoura, mentores
e organizadores da Comissão e de suas consequências. Estes elogios foram estendidos
53
Por exemplo, nos espaços de informação a respeito da criação da CMBEU: “Trabalho eficiente e não relatórios
O Globo ouve o embaixador Bohan, substituto de Troulow, na Comissão Mista Brasil Estados Unidos”, O
Globo, 18 de julho de 1951, Caderno 1, página 1, “Condiciona o Brasil sua cooperação militar ao
desenvolvimento econômico Serão conhecidos, hoje, detalhes do memorando do Presidente eleito‟, um
documento de maior importância nas nossas relações com os Estados Unidos A palavra do chanceler João
Neves da Fontoura, hoje, na instalação da Comissão Mista”, O Globo 19 de julho de 1951, Caderno 1, página 1,
“Cooperação e ajuda entre dois grandes povos Instalada solenemente a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos
Os atos no Itamarati e no Palácio do Catete”, O Globo, 20 de julho de 1951, Caderno 1, página 4, “Instalada no
Itamarati a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos O memorando do „presidente eleito‟, tal como o descreveu
o chanceler João Never Os discursos do chefe da seção americana, embaixador Bohan, e do engenheiro Ary
Torres, chefe da seção brasileira Visita da Comissão Mista ao presidente da República”, Correio da Manhã, 20
de julho de 1951, Caderno 1, página 8, “Instalada no Itamarati a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos O
memorando do „presidente eleito‟, tal como o descreveu o chanceler João Neves Os discursos do chefe da
seção americana, embaixador Bohan, e do engenheiro Ary Torres, chefe da seção brasileira Visita da Comissão
Mista ao presidente da República ”, Correio da Manhã, 20 de julho de 1951, Caderno 1, página 8, “No Rio, o
novo presidente da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos”, O Jornal 18 julho de 1951, Caderno 1, página 6,
“Aplicação no Brasil do Ponto IV”, O Jornal, 20 julho de 1951, Caderno 1, página 1, “Mobilização de todos os
recursos visando ao soerguimento do país Exame dos projetos agrícolas e industriais Plano de trabalho”, O
Jornal, 20 julho de 1951, Caderno 1, páginas 1 e 4.
293
também a Vargas, enaltecido pelos diários pesquisados por ter tomado a iniciativa do acordo e
ter apoiado a sua consecução.
Tais comentários positivos aparecem mesmo no Correio da Manhã, jornal mais
resistente ao governo, embora com uma boa dose de ironia e sempre moderando os méritos do
presidente.
54
O Globo foi um pouco mais expansivo ao apresentar a importância de Getúlio
nesses acontecimentos, lembrando que a iniciativa da CMBEU espelhava a linha adotada pelo
presidente, desde a sua posse, “de manter e incrementar a tradicional política de estreita
cooperação com a América do Norte.”
55
Salientou também que o Plano de Reaparelhamento
indicava o “louvável propósito [de Vargas] de enfrentar os grandes problemas econômicos e
sociais do país”.
56
Mas, indiscutivelmente, ficou por conta de O Jornal fazer os comentários mais
laudatórios ao presidente e aos seus auxiliares, Lafer e Fontoura. Quando do lançamento da
Comissão, este periódico considerou o evento o “início de uma nova era”, saudando assim a
iniciativa de Vargas em viabilizá-lo:
Fato transcendente na sua evolução foi o famoso „memorando do presidente eleito‟,
que, dois meses depois, ao fixar a respeito do assunto o seu pensamento, o sr.
Getúlio Vargas enviou ao governo dos Estados Unidos. (...)
A corajosa e leal linguagem do presidente Getúlio Vargas encontrou a maior
ressonância no seio do governo dos Estados Unidos.
57
Já no que se refere ao Jornal do Brasil, no material levantado por nossa pesquisa, não
encontramos elogios diretos ao presidente na cobertura da CMBEU e de seus
54
Como vemos por esta passagem, onde critica as falhas no sistema ferroviário da Central do Brasil: “Tal série
de erros e vícios [problemas em infraestrutura], atualmente, está sendo remediada pelos esforços de alguns
órgãos [CMBEU] e pela nova orientação adotada pelo sr. Getúlio Vargas. Teve o sr. Getúlio Vargas o raro
privilégio de voltar ao poder, numa hora em que parecia terminada a sua vida pública, e assim poder remediar
aos seus erros do passado. “Demagogia com sangue”, Correio da Manhã, -07/março de 1952, Caderno 1, página
4. Ver também: “Instalada no Itamarati a Comissão Mista Brasil-Estados UnidosCorreio da Manhã, 20 de julho
de 1951, Caderno 1, página 8.
55
“Cooperação e ajuda entre dois grandes povos”, O Globo 20 de julho de 1951, Caderno 1, página 1.
56
“Abra-se o debate sobre o projeto Lafer”, O Globo, 22 de novembro de 1951, Caderno 1, página 1. E
comentou dessa maneira a proposta de criação do BNDE: “É assim o Banco de Desenvolvimento um elo
fundamental no plano econômico e financeiro do Governo, executado pelo ministro da Fazenda. O Sr. Getúlio
Vargas, dando vida ao novo estabelecimento, pratica um ato de Governo, cujo alcance histórico com o passar
dos anos se revelará integralmente” (“O destino do Banco de Desenvolvimento” O Globo, 25 de novembro de
1952, Caderno 1, página 1).
57
“Início de uma nova era”, O Jornal 20 julho de 1951, Caderno 1, página 4. Depois, quando comentou a
confirmação dos primeiros programas da CMBEU, referiu-se da seguinte maneira ao acontecimento: “A
assinatura desses contratos e a entrega da primeira série de projetos referentes a ferrovias fazem parte do mesmo
programa, que começa assim a ser realizados graças à firmeza com que o presidente Getúlio Vargas e o ministro
Horácio Lafer se devotaram a essa obra de que o nosso país não podia prescindir, sob pena de ver detida a
marcha do seu progresso” (“O início do programa fundamental”, O Jornal, 16 fevereiro de 1952, Caderno 1,
página 4).
294
desdobramentos, sendo esse diário aquele em que o tema aparece com menor destaque.
Entretanto, embora não tenhamos uma explicação para essa ausência, ela não parece derivar
de uma postura oposicionista a Getúlio, tendo em vista que, em outras questões, como no
combate à inflação, este diário não deixou de estender, de forma bastante eloquente, os
méritos dos programas a Vargas. Até porque, no caso desta Comissão, era custoso a um agente
do campo jornalístico, em especial da grande imprensa, mesmo não sendo alinhado ao
governo, fazer oposição a essa ação do Executivo, que envolvia uma aliança de cooperação
intercontinental e considerável apoio financeiro, pois corria o sério risco de ver a sua posição
deslegitimada junto ao público leitor como oposicionismo intransigente.
Feita essa abordagem inicial sobre o destaque dado à CMEBU e ao governo Vargas,
interessa-nos compreender melhor como os jornais representaram a importância dessa
Comissão. Vamos dividir essa avaliação em dois pontos essenciais.
O primeiro deles está naquilo que a Comissão poderia representar para as relações
entre Brasil e Estados Unidos. De certa maneira, esse tema apareceu em todos os jornais, mas
de forma bastante desigual, tanto em ênfase, quanto em conteúdo.
O Correio da Manhã foi o que menos destacou a importância da CMBEU para
estreitamento dos vínculos do país com EUA.
58
O Globo também tratou esta questão com
certa parcimônia. Aliás, no único editorial que toca claramente no assunto, embora não
desdenhem desse estreitamento de relações entre Brasil e Estados Unidos, preocupou-se mais
em salientar os riscos que um fracasso da CMBEU traria às mesmas do que saudar os
benefícios:
Se ela [CMBEU] falhar aos seus objetivos, ou se o seu ritmo de trabalho não
corresponder ao caráter „intensivo‟ do programa a seu cargo, com ela terão falhado,
em primeiro lugar, a política de reaproximação entre o Brasil e os Estados Unidos
intentada corajosamente pelo Sr. João Neves com o fim de captar forças para o
nossos desenvolvimento econômico. (...) E terá falhado algo que tem significação,
por assim dizer, supernacional: o Ponto IV, isto é, a política de cooperação
econômica anti-imperialista, que o presidente Truman formulou e está procurando
aplicar em relação aos países subdesenvolvidos.
59
Assim, notamos como o jornal, apesar de reconhecer e apoiar a importância da
CMBEU, não se detém apenas em um discurso laudatório. Ao contrário, ele joga sobre a
mesma a responsabilidade de confirmar a nova política externa do presidente Truman e o
58
Na verdade, o tema apenas aparece na reportagem que trata da criação da Comissão: “É esta a primeira vez
que no mundo se inaugura uma obra de cooperação econômica e financeira segundo o Ponto IV, da célebre
mensagem do Presidente Truman. Por isso, o fato despertou tanto interesse e tão justas esperanças em todos
quanto tiveram a satisfação de assistir à solenidade” (“Instalada no Itamarati a Comissão Mista Brasil-Estados
Unidos”, Correio da Manhã, 20 de julho de 1951, Caderno 1, página 8).
59
“Um órgão de imensa responsabilidade” O Globo, 22 de outubro de 1951, Caderno 1, página 1.
295
próprio estreitamento da relação Brasil-EUA.
Posicionamento diferente apresentam o Jornal do Brasil e O Jornal. No JB, por
exemplo, um dos principais argumentos a favor da CMBEU é a constatação que “o Brasil
espera ver algo de positivo dessa colaboração entre as duas grandes democracias
continentais, considerando-a “tão necessária a estabelecer uma melhor compreensão dos
deveres dos povos livres nesta encruzilhada da História, neste após-guerra, tão cheio de
sobressaltos e apreensões para a vida das relações internacionais”.
60
Dessa forma, para este
diário, o apoio à Comissão Mista passa necessariamente por uma valorização daquilo que ela
poderia trazer de positivo ao combate no comunismo.
61
O Jornal foi o diário que mais destacou o estreitamento de laços entre Brasil e EUA
como uma das consequências positivas da CMBEU.
62
Seguiu, também, a mesma linha de
argumentação do JB, ao colocar como um dos benefícios da Comissão o combate ao
comunismo.
63
Porém, este jornal que demonstra ter a posição mais receptiva ao capital
estrangeiro e a menos combativa aos EUA procura justificar a sua linha de ação pró-
estadunidense como sendo “nacionalista”. Para tanto, apresenta uma leitura bastante particular
do “nacionalismo”:
Somos nacionalistas, mas o nacionalismo tem graduações e matizes. (...) [Nosso]
nacionalismo não rejeita a colaboração com o estrangeiro, antes reconhece e
proclama a sua necessidade e faz, mesmo dessa cooperação inteligente e segura,
uma das bases do desenvolvimento da nossa economia e um dos meios de alcançar
mais rapidamente a grandeza que os nossos recursos materiais nos prometem.
O nacionalismo inteligente da maioria dos brasileiros nada tem a ver com o
chauvinismo de muitos e muito menos com os slogans do comunismo, lançados
para perturbar os espíritos e realizar em favor da Rússia uma política de ódio aos
Estados Unidos.
64
Esse editorial pode ser lido como uma autodefesa do jornal diante da possibilidade de
que sua postura pró-EUA possa ser acusada de “entreguista”. Além disso, deve ser
interpretado como um ataque não apenas à apropriação que os comunistas poderiam fazer da
bandeira do “nacionalismo” na conjuntura em questão, mas também aos próprios grupos que
se autodenominavam “nacionalistas”, como boa parte dos militantes de Cedpen e dos
militares liderados pelo então ex-ministro da Guerra de Vargas, Estilac Leal, que condenavam
60
“As comissões econômicas e seus relatórios”, Jornal do Brasil, 29 de julho de 1951, Caderno 1, página 5.
61
“Uma viagem proveitosa”, Jornal do Brasil, 28 de setembro de 1951, Caderno 1, página 5.
62
Por exemplo, ao comentar a instalação da CMBEU, o diário afirmou: “A instalação no Itamarati da Comissão
Mista Brasil-Estados Unidos, em cerimônia que se revestiu de particular significação, completou o largo ciclo de
longas negociações entre os dois países e assinalou, em suas relações políticas e econômicas, o início de uma
nova era” (“Início de uma nova era” O Jornal, 20 julho de 1951, Caderno 1, página 4).
63
“Senso das realidades”, O Jornal, 22 julho de 1951, Caderno 1, página 4.
64
“Cooperação indispensável”, O Jornal, 2 julho de 1952, Caderno 1, página 4.
296
os acordos com os EUA como submissão ao “imperialismo yankee”. Em outras palavras,
temos aqui um forte exemplo da luta simbólica que se travava entre agentes de diferentes
campos de produção simbólica pela apropriação mais legítima da noção de “nacionalismo”,
que era, obrigatoriamente, uma luta por impor uma definição mais adequada desse
“nacionalismo” aos programas defendidos por cada um e deslegitimadora dos programas dos
adversários. No caso de O Jornal, foi uma disputa para impor uma definição de
“nacionalismo” capaz de comportar uma aproximação com os EUA e com os investimentos
estrangeiros, tarefa relativamente difícil e que o obrigou a procurar estender ao máximo as
possibilidades semânticas dessa palavra.
O segundo ponto de endosso dos jornais à CMBEU foi menos ideológico e mais
econômico ou até pragmático: a possibilidade de a Comissão oferecer programas e recursos
para a solução dos problemas de infraestrutura, notadamente energia e transporte, que
estavam na base das dificuldades produtivas do Brasil e da própria inflação. Nesse aspecto
encontramos grandes convergências entre os jornais, até porque, como vimos no capítulo III,
tais investimentos eram considerados prioritários por todos os diários pesquisados. O que
podemos comprovar pela posição do Correio da Manhã, em um raro momento de elogio ao
presidente Vargas:
É indiscutível, porém, que no setor dos transportes e comunicações, o sr. Getúlio
Vargas está redimindo suas antigas faltas, tendo elaborado, com o Plano
Nacional de Reaparelhamento, o mais sério programa até hoje feito no Brasil
para o desenvolvimento e reequipamento dos meios de transportes e atividades de
base. Este importante trabalho o presidente da República o deve à colaboração
da Comissão Mista e a gestão que o sr. Horácio Lafer imprimiu à pasta da
Fazenda.
65
Em síntese, se é possível encontrar diferenças entre os jornais no que se refere aos
efeitos positivos da CMBEU no estreitamento das relações com os EUA e na sua função de
combate ao comunismo no país, no que diz ao seu benefício econômico, depara-se com um
grande consenso. O que pode ser explicável tendo em vista que, para os jornais que vêm
demonstrando menor afinidade com uma política de alinhamento incondicional com os norte-
65
“Demagogia com sangue”, Correio da Manhã, 7 de março de 1952, Caderno 1, página 4. Ver também:
“Instalada no Itamarati a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos” Correio da Manhã, 20 de julho de 1951,
Caderno 1, página 8. Em relação aos demais jornais: “Colaboração técnica e financeira”, Jornal do Brasil, 1 de
dezembro de 1951, Caderno 1, página 5, “Solução para o problema dos transportes”, Jornal do Brasil, 5 de
dezembro de 1951, Caderno 1, página 5, “Quando o governo vai apelar para um empréstimo interno”, O Globo,
24 de outubro de 1951, Caderno 1, página 1 “O Ponto IV e sua aplicação no Brasil”, O Jornal, 19 julho de 1951,
Caderno 1, página 4 e “O início do programa fundamental”, O Jornal, 16 fevereiro de 1952, Caderno 1, página
4.
297
americanos, como Correio e ao O Globo, os ganhos econômicos com a CMBEU recebem
bem mais importância do que os benefícios com a aproximação política. Ao menos é assim
que interpretamos as críticas que estes dois diários irão fazer aos EUA, na medida em que os
investimentos estrangeiros para a CMBEU começaram a ser protelados ou mesmo negados
pelas autoridades em Washington. Como foi o caso do adiamento da liberação dos primeiros
dólares ao Brasil por pressão interna aos EUA dos grupos insatisfeitos com o Ponto IV
que foram concedidos em julho de 1952, ameaçando a continuidade do programa.
66
No JB
e no OJ não encontramos preocupação com este tema. Já no Correio e em O Globo o assunto
toma ares de uma verdadeira cruzada patriótica, como podemos perceber por este editorial
contundente do vespertino carioca:
No Brasil, sempre houve ceticismo quanto à eficácia e a magnitude da
cooperação financeira norte-americana. Os brasileiros não esqueceram que,
terminada a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos voltaram-se para a
Europa, consagrando-lhes bilhões de dólares em empréstimos e donativos, enquanto
abandonavam totalmente os povos do hemisfério, cujas prestação de vidas e de
matérias primas não lhes havia parecido tão desprezível na hora das dificuldades.
Era, porém, necessário experimentar uma vez mais. (...)
Se, porém, a experiência fracassar (...) será necessário que o Governo do Sr. Getúlio
Vargas se coloque à altura das circunstâncias, e um golpe de barra no leme de
sua política exterior.
Países menores do que os nossos têm enfrentado situações mais graves, saindo
vencedores. O GLOBO sente-se autorizado a exprimir esses receios e a
manifestar essa atitude, porque tem apoiado, como nenhum outro órgão de
opinião, o esforço para um entendimento econômico com os Estados Unidos.
67
Esse texto, à primeira vista surpreendente, é, entretanto, bastante elucidativo sobre a
atitude de apoio mais cética que O Globo apresentou ao programa de cooperação
representado pela CMBEU desde o início e condiz com o que estamos verificando sobre a sua
postura em relação ao capital estrangeiro e mesmo ao alinhamento com os EUA. Ademais,
esta posição fica menos nebulosa quando lembramos que um líder industrial como Roberto
Simonsen argumentou algo muito parecido ao condenar o descaso dos norte-americanos com
o Brasil no pós-guerra, pleiteando um “Plano Marshall” para a América Latina.
68
Aliás, outro
líder fabril, Euvaldo Lodi, é elogiado pelo jornal exatamente por ter sustentado como
representante brasileiro em um conclave diplomático entre países latino-americanos e os EUA
66
Segundo uma emenda à lei que criou o empréstimo compulsório para fornecer a contrapartida brasileira ao
Plano de Reaparelhamento, tal empréstimo seria extinto caso o Banco Mundial não disponibilizasse nenhum
recurso ao Brasil até primeiro de julho de 1952, tornando inútil a própria fundação do BNDE.
67
“Junho – 1952”, O Globo, 3 de junho de 1952, Caderno 1, página 1. Quanto ao Correio, ver: “Urgência para o
banco” Correio da Manhã, 6 de junho de 1952, Caderno 1, página 4.
68
SIMONSEN, Roberto. Devem Pleitear as Nações Latino-Americanas sejam atendidas, no Plano Marshall, as
suas aspirações. In: SIMONSEN, 1973, p. 339.
298
para discutir a defesa continental que o papel norte-americano não poderia se limitar ao
auxílio bélico e à ajuda econômica emergencial à América Latina mas deveria se tornar uma
política permanente de cooperação para o desenvolvimento da região.
69
De qualquer maneira,
mais uma vez estamos diante de uma tomada de posição que contraria as visões estereotipadas
que colocam jornais como O Globo na condição de meros porta-vozes dos interesses do
capital estrangeiro e dos EUA no Brasil. Embora o caracterize como o jornal mais próximo a
demandas específicas do campo econômico, notadamente as da indústria brasileira.
O BNDE e a necessidade de investimentos
De forma geral, a criação do Banco de Desenvolvimento foi aprovada por todos os
jornais estudados, o que não surpreende tendo em vista o endosso que deram à CMBEU e ao
Plano de Reaparelhamento, além do fato de o modelo criado por Lafer para este banco não ser
inflacionário.
O Jornal deu bastante destaque aos trâmites parlamentares para a aprovação do
projeto de aumento da alíquota do imposto de renda e ao processo de criação do BNDE.
70
Entretanto, chama a atenção não encontramos, nesse período, em especial nos meses em que a
proposta do Banco foi debatida, posicionamentos claros sobre ela. Além disso, como podemos
perceber pelos títulos das matérias correspondentes às mesmas, os maiores destaques são às
reações negativas ou os óbices colocados ao programa.
71
De qualquer maneira, quando o
Banco foi finalmente criado, OJ não deixou de considerar a sua importância frente ao
programa de reaparelhamento em curso
69
“Defesa do continente”, O Globo, 18 de abril de 1951, Caderno 1, página 2.
70
“Veemente crítica ao projetado empréstimo interno do governo Restrições do senador Alencastro à política
de Lafer Pagamento das dívidas em primeiro lugar”, O Jornal, 30 outubro de 1951, Caderno 1, página 1,
“Empréstimo interno sem sacrifício da renda pública ordinária ou das grandes fortunas Obrigatória a
contribuição dos auferem maior renda, O Jornal, 28 outubro de 1951, Caderno 1, página 6, “Cisão entre
trabalhistas e adhemaristas na discussão da Reforma do Imposto de Renda”, O Jornal, 23 novembro de 1951,
Caderno 1, página-6, “Violentos ataques às emendas do Senado ao empréstimo para a execução do „Plano
Lafer‟”, O Jornal, 24 novembro de 1951, Caderno 1, página 6, “Contribuição obrigatória para o
reaparelhamento dos portos À sansão o projeto de reforma da lei de imposto de renda”, O Jornal, 25
novembro de 1951, Caderno 1, página 6, “Repulsa às críticas da Câmara – Senadores protestam contra a
exaltação de deputados”, O Jornal, 27 novembro de 1951, Caderno 1, página 4, “Sancionada ontem a nova lei
sobre imposto de renda Isentos os que ganharem até 30 mil cruzeiros anuais Desconto de 30% nos prêmios”,
O Jornal, 27 novembro de 1951, Caderno 1, página 6. Não encontramos propriamente uma explicação para essa
ausência de posicionamento em um diário que, ao menos nessa conjuntura, não poupa esforços para defender a
política econômica de Vargas e as suas principais iniciativas. Uma interpretação possível talvez esteja em
provável descontentamento com o possível efeito negativo que o aumento da carga tributária poderia trazer para
as “classes conservadoras” ou em alguma resistência do próprio diário à majoração tributária em geral. Porém,
nesse caso, essas interpretações não podem ultrapassar a condição de meras conjecturas.
71
Ver a nota anterior.
299
A posse da diretoria do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, o órgão
central que vai recolher e aplicar os recursos, em moeda nacional, no programa de
reaparelhamento de serviços públicos essenciais ao país, é o primeiro passo para por
em prática o que foi planejado nesse capítulo das realizações de vulto do atual
governo.
72
O Jornal do Brasil também apresenta discrição em falar da criação do BNDE. Apesar
de ter noticiado o processo de aprovação do Banco, ele se exime de se posicionar diretamente
sobre o mesmo.
73
Entretanto, quando o Plano de Reaparelhamento é anunciado com a
proposta de empréstimo compulsório sobre o imposto de renda, o diário não hesita em tomar
posição: em linhas gerais, o JB aprova esta cobrança adicional alegando que, assim, vai “o
imposto de renda aumentar a eficiência da sua colaboração no sentido de que seja vencida a
crise econômico-financeira em que se debate o País,” apostando as suas fichas na
possibilidade de o programa do governo vir a resolver o problema inflacionário.
74
Chega
mesmo a afirmar que “[n]ão deve haver, portanto, restrições de aplausos à nova conduta do
Governo quando decide remodelar a política financeira até aqui praticada, dando-lhe
diretrizes mais adequadas ao caminho do combate ao mal que assola a população em sua
maioria”.
Em outro momento ele é ainda entusiástico em fazer a defesa do empréstimo
compulsório, afirmando que
Sem dúvida que tudo isso vai exigir da população sacrifícios mais pesados, porque
ao Governo compete arrecadar recursos necessários à execução dos diversos
empreendimentos ligados ao surto de progresso em previsão. (...)
Decorre desses acontecimentos a expectativa de que o próximo ano, de 1952, deverá
ser o de maiores sacrifícios. Maiores porque a realidade é que a população vem
sendo sacrificada anos sem encontrar solução de continuidade para seus
dissabores e aperturas.
75
Assim, notamos que o JB demonstra-se favorável ao processo de majoração de
tributos e concentração de recursos no Estado desde que estas sejam capazes de impulsionar o
desenvolvimento da economia brasileira.
O Globo manteve uma posição mais claramente dividida em relação ao BNDE.
72
“Na fase de execução”, O Jornal, 29 julho de 1952, Caderno 1, página 4.
73
Encontramos, no período de aprovação do BNDE, apenas reportagens sobre o tema: “Iniciada a discussão do
projeto que cria o Banco de Desenvolvimento Econômico Enquanto o Sr. Alberto Pasqualini aceita a matéria
com restrições, o Sr. Alencastro Guimarães, manifestou-se pela sua rejeição”, Jornal do Brasil, 7 de junho de
1952, Caderno 1, páginas 6 e 9) e “Iniciada a votação do projeto que cria o Banco de Desenvolvimento
Econômico”, Jornal do Brasil, 16 de junho de 1952, Caderno 1, páginas 6 e 10.
74
“Com relação ao imposto de renda”, Jornal do Brasil, 7 de novembro de 1951, Caderno 1, página 5.
75
“Nova política econômico-financeira” Jornal do Brasil, 15 de dezembro, de 1951, Caderno 1, página 5.
300
Quando o projeto de criação do banco começou a ser discutido, ele defendeu a sua
importância, mas apresentou duas críticas em relação ao mesmo. A primeira foi sobre a
fórmula de um empréstimo compulsório e não de uma simples majoração da alíquota do
imposto de renda para arrecadar os recursos nacionais destinados ao Plano de
Reaparelhamento. A preocupação do jornal era que tal empréstimo deveria ser devolvido ao
cabo de cinco anos, podendo, assim, ter efeitos inflacionários futuros. O vespertino alegou
ainda que, se a contribuição pedida “fosse elevada, seria de bom alvitre dar-lhe a forma de
empréstimo. Mas, sendo apenas de 15% do imposto de renda devido, parece certo que o
público a suportaria, sem prejuízo, como simples tributação.
76
A segunda crítica do jornal ficou por conta do questionamento da necessidade de se
criar um novo banco para a administração dos recursos a serem arrecadados. Na base dessa
crítica, havia duas preocupações: uma delas era de que se justificava a criação do Banco por
ele permitir a participação de técnicos estrangeiros no acompanhamento dos projetos, o que O
Globo considerou injustificado e perigoso: injustificado porque os recursos do BNDE seriam
de origem nacional e perigoso, porque estaríamos abrindo a porta aos estrangeiros para
condividirem as responsabilidades da administração dos negócios públicos brasileiros,
pelo simples fato de nos fazerem empréstimos cercados de garantias técnicas e financeiras”.
77
Ou seja, volta, aqui, a resistência deste vespertino com a possível interferência estrangeira em
“assuntos domésticos” do país. A outra preocupação era com a própria criação de uma nova
instituição burocrática, afirmando o jornal que “não parece demonstrado (...) que esse
organismo tenha as funções e, portanto, o desenvolvimento de um „banco‟, justificando a
criação de um novo e oneroso estabelecimento de crédito oficial”.
78
Preocupação esta que o
jornal havia externado algum tempo antes, logo em que se cogitou da necessidade de o
Brasil dispor de um mecanismo para gerir os recursos do Plano de Reaparelhamento:
Se vier a ser proposta a criação de um novo organismo, o Governo será chamado a
definir sua orientação a respeito de um problema, que é talvez um dos de maior
porte em que se defronta a administração atual. Pois não lhe será possível
operar a pesada burocracia do país com uma nova entidade instituto, banco
ou consórcio sem resolver através dessa entidade, as graves dificuldades que
hoje assaltam a administração federal no tocante às suas múltiplas empresas e
serviços industriais.
79
76
“Abra-se o debate sobre o projeto Lafer”, O Globo, 22 de novembro de 1951, Caderno 1, página 11.
77
Idem.
78
Ibidem.
79
“Quando o governo vai apelar para um empréstimo interno”, O Globo, 24 de outubro de 1951, Caderno 1,
página 1.
301
Podemos ler esta crítica através de dois pontos de vista, não necessariamente
excludentes: um deles diz respeito a uma possível preocupação do jornal com o crescimento
da burocracia decorrente do processo de expansão das atividades econômicas do Estado,
provocadas pelo programa do governo, embora não fique claro se tal receio era com o
aumento das instituições públicas ou com a importância de se reformar a burocracia brasileira.
Outra possibilidade de leitura está em que a necessidade de criação ou não de um novo banco
para a administração dos investimentos da CMBEU era objeto de disputa entre o ministro
Lafer e o presidente do BB, Ricardo Jafet. Lafer desejava criar o BNDE para tirar de Jafet o
controle sobre esses recursos, enquanto Jafet se empenhava em tê-los a sua disposição.
80
Não
devemos esquecer que O Globo foi um dos jornais mais beneficiados com os fartos
empréstimos que o presidente do Banco do Brasil distribuiu entre os principais jornais
brasileiros na conjuntura em questão.
De qualquer maneira, O Globo acabou aprovando, até com certo entusiasmo, a criação
do BNDE,
81
o que nos permite concluir que, independentemente da sua postura frente a esta
instituição, ele não se opôs à majoração de tributos que o programa de investimentos públicos
iria acarretar ao contrário disso, considerou a tributação amena.
O Correio da Manhã é o jornal no qual mais podem ser encontrados elogios diretos à
criação do Banco de Desenvolvimento. Durante o processo de discussão, em inúmeras
oportunidades, o periódico se colocou abertamente pela importância econômica do futuro
BNDE e, especialmente, pela urgência de sua aprovação.
82
Dessa campanha, desejamos
ressaltar dois pontos.
Em primeiro lugar, em relação ao empréstimo interno, o periódico não aprova esta
alternativa do governo, defendendo a necessidade do mesmo para resolver a “crise de
capitalização” pela qual passava a nossa economia, como ainda sugere que Lafer amplie a sua
proposta de arrecadação, incluindo nela também “um empréstimo voluntário, a ser subscrito
80
ARAÚJO, op.cit.
81
“O presidente da República, sancionou sexta-feira um dos atos legislativos que maior repercussão poderão ter
no futuro do país: a lei que cria o Banco de Desenvolvimento Econômico. Esse Banco será o órgão oficial
financiador dos projetos de reequipamento dos portos, das ferrovias, da navegação que a Comissão Mista Brasil-
Estados Unidos está elaborando em ritmo acelerado, e enviando ao Banco Internacional ou ao Banco de
Exportação e Importação, para que estes concedam os créditos em dólares necessários à sua consecução” (“O
destino do Banco de Desenvolvimento”, O Globo, 25 de junho de 1952, Caderno 1, página 1).
82
“O outro lado do empréstimo”, Correio da Manhã, 30 de outubro de 1951, Caderno 1, página 4, “Banco de
investimentos”, Correio da Manhã, 14 de novembro de 1951, Caderno 1, página 4, “O Banco de
Desenvolvimento”, “Urgência para o plano”, Correio da Manhã, 5 de abril de 1952, Caderno 1, página 4,
Correio da Manhã, 26 de abril de 1952, Caderno 1, página 4, “Urgência para o banco”, Correio da Manhã, 6 de
junho de 1952, Caderno 1, página 4 e “A oposição ao Banco”, Correio da Manhã, 13 de junho de 1952, Caderno
1, página 4.
302
por todos os que quiserem, espontaneamente, se apresentar (...). O governo faria assim um
apelo à Nação, estabeleceria com ela comunicação direta na base da confiança e da
reciprocidade nos interesses”.
83
Para o jornal, esse “empréstimo voluntário”, afora aumentar o
montante angariado pelo governo, ainda dotaria o programa de um “caráter emocional”, pois,
se der certo, “não teremos, então, apenas uma fria operação financeira, mas também um
movimento de entusiasmo nacional para estimular o progresso do país através de suas
condições econômicas e sociais”.
O Correio, porém, demonstrou preocupação com a possibilidade dessa grande
canalização de recursos na mão do Estado que ele calculava na faixa de 20% da poupança
nacional provocar uma escassez de capital para a iniciativa privada, especialmente na
produção de consumo. Entretanto, optou pela continuidade do programa, ainda que houvesse
esse tipo de risco: “O Brasil precisa acelerar o seu progresso, mesmo à custa de um certo
sacrifício. Assim, em vez de reduzir o montante dos investimentos de base, o governo pode
compensar a escassez de investimentos privados, mediante sua seleção e aceleração”.
84
Segundo ponto que gostaríamos de considerar diz respeito à própria forma como o
CM defendeu a fundação do BNDE. Diferentemente de O Globo, o CM considerou de
fundamental importância a criação da nova instituição exatamente porque as suas funções
poderiam ultrapassar a mera administração dos recursos do Plano de Reaparelhamento e
atingir a condição de um Banco de Investimentos, ou seja, numa agência de fomento do
desenvolvimento, especialmente o industrial. Em um editorial, afirma categoricamente que os
“planos de desenvolvimento econômico que o governo pretende executar, exigem, tanto para
a movimentação dos recursos que lhe são destinados, como por causa de seus efeitos sobre a
poupança nacional, a intervenção de bancos de investimento”. E isso por duas razões:
De um lado, o governo anuncia outros planos Petróleo, Siderurgia, Carvão, etc. De
outro lado, tem de se levar em conta o efeito dos investimentos sobre a poupança
nacional. O conjunto de planos econômicos postula três exigências especiais: a
supervisão governamental, a movimentação dos investimentos e a execução dos
programas. Dessas três exigências, a movimentação dos investimentos pode ser
atendida mediante a coordenação desses investimentos por um banco especial.
Assim sendo, o banco previsto no plano de Reaparelhamento não se deve limitar
às operações ligadas ao mesmo, mas deve ser constituído como um Banco
Nacional de Investimentos através do qual se processarão todos os
investimentos governamentais. Somente tal centralização permitirá o cálculo
exato dos recursos disponíveis e o máximo rendimento na sua aplicação.
85
83
“O outro lado do empréstimo” – Correio da Manhã, -30/10/Caderno 1, página 4.
84
“Banco de investimentos”, Correio da Manhã, 14 de novembro de 1951, Caderno 1, página 4.
85
Idem. Ver também: “O Banco de Desenvolvimento”, Correio da Manhã, 26 de abril de 1952, Caderno 1,
página 4.
303
Assim, o que percebemos no posicionamento do Correio sobre o Plano de
Reaparelhamento e sobre o BNDE: primeiro, apesar de se preocupar com os seus possíveis
efeitos na poupança privada, o periódico não condena o aumento da arrecadação de recurso
pelo Estado e ainda sugere o empréstimo compulsório como alternativa para alargar a base
dos recursos; segundo, o CM, ao invés de criticar a centralização das verbas no poder público,
defende o Banco de Investimento exatamente para que ele administre e concentre o emprego
das verbas; por fim, não receio imediato com a possível ampliação do papel do Estado na
economia derivada desse processo; na verdade, o jornal justifica a necessidade do BNDE para
dar conta desse novo papel que o Estado brasileiro estava se dispondo a exercer.
Críticas ao BNDE, porém, irão aparecer no Correio no ano de 1953. Entretanto, estas
não foram relativas à sua importância na economia nacional ou aos seus fundamentos
teóricos, mas a escolha equivocada de seu presidente por parte de Vargas, baseada, segundo o
jornal, em critérios políticos e não técnicos:
assim é que o mais sério esforço jamais empreendido para romper o
subdesenvolvimento nacional se encontra em franca liquidação, por causa do Sr.
Getúlio Vargas, que não sabe escolher seus auxiliares e por causa do dirigente do
Banco que não tem a menor idoneidade para as funções que exerce
86
.
Notamos que, de forma, geral, houve aprovação ou não encontramos críticas às
propostas de aumento da arrecadação pública e de concentração de recursos no Estado para
promover os novos projetos de desenvolvimento; tivemos, porém, mais divergências no que
se refere à aceitação do novo organismo estatal para gerir essas verbas, embora não seja
possível identificar nessa resistência uma censura à excessiva extensão do aparato público
sobre a economia brasileira ou uma defesa da sua reforma. O Correio se demonstrou o maior
apologista desse novo modelo de atuação do Estado, mesmo que ele implicasse na criação de
organismos capazes de dar conta dessas inéditas funções.
5.2.2 As indústrias de base e o setor de energia: AEP, Petrobras e Planos de
Eletrificação
Das agências planejadoras criadas por Vargas no seu Segundo Governo a que teve
86
“O ano e os planos”, Correio da Manhã, 1 de janeiro de 1953, Caderno 1, página 1. O jornal não cita o nome,
mas o primeiro presidente do BNDE foi o engenheiro gaúcho Ari Frederico Torres.
304
menor visibilidade foi, sem dúvida, a Assessoria Econômica da Presidência da República, o
que se explica por seu caráter extraoficial e pela própria estratégia de Getúlio em manter a
AEP longe das pressões políticas.
87
Desta maneira, é compreensível que praticamente não haja menção à Assessoria nos
jornais, embora em determinados momentos os nomes de alguns de seus membros recebam
comentários e mesmo sejam feitas alusões genéricas ao “gabinete da Presidência”.
Mas se a AEP, como agência planejadora, praticamente não apareceu na discussão
pública, os seus trabalhos tiveram bastante relevância. Indiscutivelmente, foi o programa do
petróleo que obteve maior repercussão nos jornais estudados, enquanto os planos relativos à
eletricidade, lançados na reta final do governo e cuja discussão e aprovação se estenderam
para além dele, receberam pouco ou nenhum destaque, inclusive se comparados ao espaço
obtido nos diários pelo Programa do Carvão. O que podemos explicar, dentre outras razões,
pelos próprios elementos envolvidos no tema do petróleo, que lidava com questões
econômicas, políticas e ideológicas e que, por isso, era objeto de acalorados debates desde o
tempo da República Velha.
Por tudo isso, iremos centrar a nossa análise na criação da Petrobras, abordando os
elementos que dispomos concernentes aos planos da eletricidade para fazermos algumas
comparações.
A criação da Petrobras: o difícil caminho entre “entreguismo” e “nacionalismo
xenófobo”
Os jornais pesquisados deram uma enorme atenção aos dois projetos de Vargas relativos ao
petróleo, um, criando a Petrobras e, outro, o Fundo que comporia os recursos que iriam
financiá-la. Da mesma maneira, o tema foi objeto de ampla cobertura jornalística durante a
sua longa discussão nas duas Câmaras parlamentares.
Dos diários pesquisados, é no Jornal do Brasil que encontramos a menor
receptividade ao programa de Vargas, com destaque apenas razoável no espaço informativo.
88
Nos editoriais, o periódico demonstrou relativo ceticismo. No dia 10 de dezembro, criticou o
87
Sobre isso, ver COHN, op.cit. e SANTOS, op.cit.
88
A reportagem correspondente ao lançamento do programa ocupa espaço apenas no interior do caderno 1 e
praticamente se reduz a reproduzir a Mensagem do presidente que apresentou os programas (“Um grande
empreendimento econômico lançado no Brasil Visando solucionar o problema do petróleo, o Chefe do
Governo envia mensagem ao Congresso Nacional propondo a organização de uma empresa mista de capital
público e privado para a industrialização dessa fonte de riqueza do País A integra da mensagem presidencial.”,
Jornal do Brasil, 7 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 9).
305
esquema apresentado pelo presidente por ele implicar em aumento de impostos sobre
combustíveis e automóveis, afirmando que “no momento presente, quando tudo é pretexto
para majorar preços e tornar a vida mais ainda mais difícil, impõe-se grande cautela na
criação ou aumento de novos tributos. (...) Reconhecemos ser grave o momento em que
vivemos e quase esgotada a capacidade tributária do povo.”
89
no dia 11 do mesmo mês,
voltou a censurar a proposta de Getúlio, pois, mesmo elogiando a sua iniciativa para “dar um
impulso no problema”, condenou a fórmula adotada por ela “não oferecer garantia de que os
investimentos previstos sejam capazes de produzir os resultados assinalados no papel. A parte
técnica do plano é deficiente e pouco desenvolvida, e reside o seu ponto frágil. O Governo
deixa uma larga margem ao acaso”.
90
No balanço que fez da Mensagem de Ano Novo de Vargas, o JB volta a questão e
novamente de forma bastante crítica:
Os encargos que o País vai assumir na pesquisa de petróleo são enormes, superiores
às suas forças econômicas e financeiras, e as despesas extraordinárias (...).
Em toda essa jornada, áspera e custosa, só nos assalta o temor de que não acertem os
técnicos com os lençóis petrolíferos e um dia tarde nos venham revelar, em longo
relatório, os detalhes das operações, as cifras despendidas e o material gasto na
empreitada gigantesca. O Presidente da República insiste muito no seu plano,
manifestando sua confiança na finalidade do projeto de cunho nacionalista.
Não haverá, no plano, o emprego de capital estrangeiro. O dinheiro a ser gasto é
extraído de nossas parcas possibilidades.
Em síntese, podemos dividir os argumentos do JB contra os projetos do governo, neste
momento inicial, em três pontos essenciais.
O primeiro deles é a própria carência de recursos internos para levar adiante
empreendimento tão custoso, tendo em vista a impossibilidade de se aumentar a carga
tributária; desta forma, não é possível abrir mão do capital e da técnica estrangeiras, o que
Vargas acabou fazendo ao optar por um “projeto de cunho nacionalista”. O segundo fica por
conta da própria natureza da exploração de petróleo, por ela não oferecer nenhuma garantia de
sucesso, não existindo segurança sobre o retorno dos investimentos empregados; em
consequência, ela é diferente de atividades como a hidroeletricidade e a siderurgia, onde o
resultado é mais certo, o que faz o periódico descartar, para o caso em questão, o modelo
empregado na Companhia Siderúrgica de Volta Redonda, ou seja, uma empresa estatal de
capital misto.
91
A pressa com que tem que se descobrir petróleo provavelmente será
incompatível com os métodos de trabalho próprios a um organismo estatal, moroso e
89
“O petróleo é nosso...”, Jornal do Brasil, 10 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 5.
90
“Em equação o problema do petróleo”, Jornal do Brasil, 11 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 5.
91
“A luta pela conquista do combustível”, Jornal do Brasil, 5 de fevereiro de 1952, Caderno 1, página 5.
306
burocrático.
92
O Jornal demonstra uma posição bem particular em relação ao programa do governo.
Em seus espaços informativos, enorme destaque aos projetos do presidente Vargas, os
quais tiveram vasta visibilidade na capa do periódico, no dia 7 de dezembro, sendo inclusive a
manchete do dia. Apresenta, também, uma leitura, a princípio, positiva das propostas, como
podemos notar pelo título da reportagem principal (“Emancipação econômica com o
petróleo”) e do subtítulo que a acompanha: VARGAS PROPÕE A EXPLORAÇÃO
INDUSTRIAL: Participação do capital privado, mas livre da influência dos monopólios
Quatro bilhões inicialmente e dez bilhões dentro de cinco anos No máximo vinte mil ações
para as pessoas físicas e duzentas mil para as pessoas jurídicas”.
93
Nos seus espaços de opinião, porém, a receptividade é bem menor. No editorial que
trata do lançamento do programa, O Jornal procura, novamente, ressaltar que o modelo
encontrado por Vargas é uma “solução nacionalista”, como podemos ver no próprio título
deste texto.
94
Contudo, não se posiciona abertamente sobre o conteúdo do programa,
declarando que “não importa, nesse comentário, examinar a organização técnica da futura
sociedade anônima (...). Convém salientar, antes de tudo, o propósito do presidente Getúlio
Vargas de achar uma solução para as grandes aspirações nacionais no assunto.
95
O Jornal, todavia, não deixa de observar que o modelo apresentado pelo governo irá
implicar em prejuízo à população, na medida em que esta terá que arcar com novos tributos,
os quais possivelmente acarretarão aumento do custo de vida. De qualquer maneira, depois de
constatar que o “pensamento dominante é de possibilitar aos próprios brasileiros resolverem o
problema do petróleoe lembrar que o “presidente Vargas, conseguiu em Volta Redonda, com
92
Como o JB irá deixar mais claro, no início de fevereiro de 1952: “Perfurar hoje aqui, amanhã mais adiante,
batendo sonda de canto em canto, consome capital que pode ir muito além de nossas forças econômicas. O
trabalho preliminar de descoberta do petróleo é tudo para nós e este pode ser coroado de êxito dentro de um mês,
como dentro de anos a fio. E nós sabemos que, num país dominado pela burocracia, o Estado começa a fazer
despesas desde o momento em que pensou avocar a si o controle da exploração de qualquer coisa. Começa
gastando e não sabe até onde vai parar” (“A luta pela conquista do combustível”, Jornal do Brasil, 5 de fevereiro
de 1952, Caderno 1, página 5).
93
A mesma impressão fica quando acompanhamos a matéria secundária que trata dos recursos para a nova
companhia (“Fonte de recursos: maior taxação dos bens de luxo”), onde é apresentado um box com as
características básicas do programa: - Economia de divisas, que poderão ser empregadas na compra de outras
utilidades estrangeiras. Não podemos desprezar os reflexos da crise anglo-iraniana sobre o suprimento de
combustíveis no país. A produção de petróleo influirá decisivamente na posição internacional do Brasil.
Preparo do pessoal técnico de nível superior, mediante estágios nos países de indústria desenvolvida. A
conquista do petróleo pelo nosso povo torna indispensável vigoroso esforço financeiro do país. Dada a
expectativa do êxito financeiro da empresa, os títulos constituirão fonte de renda para os seus tomadores. É
fora de dúvida que me matéria de petróleo o controle nacional é imprescindível” (“Fonte de recursos: maior
taxação dos bens de luxo”, O Jornal, 7 dezembro de 1951, Caderno 1, páginas 1 e 6).
94
“Solução nacionalista”, O Jornal, 8 dezembro de 1951, Caderno 1, página 4.
95
Idem.
307
o sistema de organização mista, resolver brilhantemente o problema da metalurgia brasileira”,
termina afirmando:
O presidente da República, dentro do seu programa de nacionalismo econômico,
concebeu um plano que se ajusta à teoria dos empreendimentos dessa natureza. Os
brasileiros são chamados a fazer não pequenos sacrifícios, em vista de resultados
incertos, mas terão a satisfação, se isso lhes pode servir de consolo, de ter enfrentado
o problema com os seus próprios recursos e com o espírito de independência
econômica que tantos preconizam como indispensável no mundo moderno.
96
Podemos compreender essa posição um pouco dúbia deste diário quando
consideramos que o jornal de Assis Chateaubriand deve dar conta aqui de duas demandas
distintas e contraditórias oriunda de diferentes campos sociais: de um lado, as demandas do
campo político derivadas de seu apoio a Vargas, que o levou a destacar a proposta do
presidente para o petróleo e ressaltar o seu caráter nacionalista leitura muito próxima à
maneira como o próprio Getúlio pretendia que o seu programa fosse representado; de outro
lado, as demandas do campo jornalístico e provavelmente do próprio campo econômico,
expressadas conjuntamente na necessidade de o periódico manter a sua tradicional posição de
defesa da preferência pelo sistema de concessão à iniciativa privada como melhor alternativa
para a exploração de petróleo no Brasil, conforme o modelo aplicado pelo Canadá e, depois,
pelo Peru.
97
Mais uma vez, como podemos ver, a resultante desse conjunto de pressões
contraditórias vai ser uma estratégia discursiva, por parte de O Jornal, plena de desvios e de
nuances.
De qualquer maneira, independentemente das diferentes estratégias em abordar os
projetos de Vargas, o JB e OJ parecem se aproximar no que se refere à sua discordância
quanto ao modelo adotado pelo presidente tanto pela questão do aumento dos tributos quanto
pela exclusão ou pouca participação do capital estrangeiro na exploração da indústria
petrolífera brasileira.
O Correio e O Globo tomaram uma posição diferente, sendo mais receptivos à
proposta do governo. O CM amplo destaque ao lançamento do programa em seu espaço
informativo e opinativo. Em seus editoriais, este matutino apresenta reparos aos projetos do
Executivo, por eles omitirem como iriam solucionar a questão da colaboração da técnica
estrangeira necessária para a pesquisa do petróleo diante dos possíveis boicotes dos trusts ao
96
“Solução nacionalista”, O Jornal, op.cit.
97
Em relação a O Jornal, ver: “A nova legislação petrolífera do Peru” O Jornal, 27 março de 1952, Caderno 1,
página 4 e, em relação a Assis Chateaubriand, consultar: “O petróleo e a iniciativa privada”, O Jornal, 12 janeiro
de 1951, Caderno 1, página 4, “A participação estrangeira no aproveitamento do petróleo brasileiro”, O Jornal,
28 janeiro de 1951, Caderno 1, página 4, “Petróleo, café e dólares”, O Jornal, 15 de abril de 1951, Caderno 1,
página 4 e “O jogo Russo do petróleo”, O Jornal, 29 agosto de 1951, Caderno 1, página 4.
308
novo empreendimento sob o controle do Estado. Também questiona a base empregada para
determinar se as verbas presentes nas projeções da Petrobras seriam suficientes para enfrentar
o “problema do petróleo”.
98
Todavia, elogia a proposta do Executivo, tanto pela iniciativa em
solucionar o problema quanto pela fórmula adotada, que, embora apresente ainda um
“nacionalismo acentuado”, é defendida por encontrar uma combinação aceitável entre a
eficácia e a defesa dos interesses nacionais, através “um estatismo moderado” que permite
“aos acionistas particulares a participação na administração”. Por fim, considera:
Acresce que se deu à empresa a forma de sociedade anônima, a fim de lhe
emprestar a máxima flexibilidade comercial.
Como se vê, a solução do governo, de um modo geral, merece atenção. (...) E a
orientação adotada parece combinar o realismo econômico com a defesa dos
interesses nacionais.
99
A posição de O Globo será ainda mais positiva ao programa do governo. A
reportagem que repercute o anúncio das medidas é manchete no dia 7 de dezembro (“Afinal, o
Brasil vai explorar o seu ouro negro!”),
100
enquanto o editorial que aborda o tema no mesmo
dia ocupa a capa do jornal e é um apelo direto ao Congresso para que vote e aprove logo os
projetos. Nele se afirma
O presidente da República acaba de dirigir ao Congresso duas Mensagens de
histórica significação, pois destinam-se a encaminhar a votação de leis propiciatórias
de uma solução brasileira para o problema do petróleo. A orientação governamental
pode ser sintetizada no desejo de acelerar a exploração e a refinação do petróleo
brasileiro e no propósito de associar a essa atividade o maior número possível de
pessoas residentes no país. (...)
Não como negar apoio à iniciativa do Sr. Getúlio Vargas que, deste modo,
propõe completar e ampliar a ação dos Governos anteriores. (...)
Chegou o instante de resolver, em proveito do Brasil, o problema do petróleo. E é
isso, precisamente, o que o Brasil espera do Congresso.
101
Em seu segundo editorial avaliando o programa, O Globo ainda é mais objetivo em
seu apoio à fórmula adotada por Vargas, defendendo a posição do Executivo em abrir mão dos
investimentos alienígenas, por eles provocarem conflitos de interesse quando se referem à
exploração petrolífera:
Os interesses vinculados ao petróleo são de tal vulto e importância que podem
conduzir a crises lamentáveis, como as vividas pelo México, pela Venezuela e agora
98
“Petróleo”, Correio da Manhã, 8 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 4 e “Técnica e investimento”,
Correio da Manhã, 9 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 4.
99
“Petróleo”, Correio da Manhã, 8 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 4.
100
O Globo, 7 de dezembro de 1951, Caderno 1, páginas 1 e 2.
101
“O que o Brasil espera agora do Congresso”, O Globo, 7 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 1.
309
pelo Irã. (...)
Por isso, julgamos que a solução adotada pelo Presidente Vargas é das mais
acertadas. Assegurando, de um lado, a exploração do nosso petróleo afasta, do outro,
choques e desentendimentos de consequências imprevisíveis. Solução tanto mais
louvável quando não exclui a participação do capital estrangeiro em outros setores
de forte atração para tais investimentos. A firme posição do governo só pode,
portanto, ser benéfica para o espírito de cooperação interamericana que todos
desejamos preservar.
102
Como podemos perceber essa aceitação do programa de Vargas nesses dois jornais
considerados pela historiografia como oposicionistas ao governo e partidários do capital
estrangeiro?
No caso de O Globo, indicamos anteriormente a resistência que este apresenta à
aplicação dos investimentos internacionais na indústria petrolífera brasileira, tese que o jornal
defendia bem antes do lançamento dos projetos do Executivo e que se reflete agora no seu
endosso ao mesmo. O que talvez possa ser explicado por esta também ser uma bandeira do
líder industrialista Euvaldo Lodi, que defendeu o plano de Getúlio, embora não houvesse
unanimidade na indústria brasileira quanto a esta questão.
Mas devemos considerar também que, no caso de ambos os jornais, esta postura de
apoio talvez nos indique alguma aceitação do próprio modelo adotado por Vargas, ou seja, a
empresa de economia mista, percebida pelo Correio como de “estatismo moderado” e de
“máxima flexibilidade comercial”. Até porque esses dois diários não demonstram discordar
do aumento de tributos que a Petrobras viria a acarretar, como identificamos no JB e no CM.
Podemos encontrar respostas mais concretas a estas questões quando acompanhamos o
transcorrer do debate sobre a criação dessa empresa. Para isso, devemos recordar, que, depois
de seu lançamento, o plano do Executivo passou a ser atacado como “entreguista”, recebendo
a oposição da Campanha “O Petróleo É Nosso”, da ala “nacionalista” do Exército e de parte
da bancada do próprio PTB. Nessa conjuntura, os jornais tiveram que se posicionar sobre a
empresa de Vargas diante de uma nova realidade, na qual a Petrobras passou a ser alvo de um
pesado ataque dos defensores do monopólio estatal, os quais receberam a adesão
surpreendente da própria UDN.
Inicialmente, o Jornal do Brasil procura tomar uma linha conciliatória. Às teses que
se defrontavam, apresenta como alternativa o modelo de concessão ao capital estrangeiro
102
“Prevendo futuros conflitos”, O Globo, 10 de dezembro de 1951, Caderno 1, página 1.
310
adotado pelo México, que o jornal classificou como “nacionalista”.
103
Porém, quando a UDN
endossa a tese monopolista e começa a virar o jogo a favor da mesma, o JB opta uma posição
de forte crítica ao “partido do Brigadeiro” e passa a defender, mesmo que parcialmente, a
proposta de Vargas:
O projeto do Governo, conferindo ao Estado a iniciativa dos trabalhos, não
oferece a mesma rigidez do projeto apresentado pela U.D.N. (...).
Enquanto o projeto do Governo, a que se deu o nome de Petrobras permite a
conjugação de capitais do Estado e de particulares, o projeto da U.D.N. fecha a
porta a qualquer outra iniciativa que não seja a do Estado, pelo monopólio
estabelecido.
Enquanto a forma oficial admite, mesmo em determinadas circunstâncias (aqui
reside a vontade despertada no grupo da oposição), a participação do capital
estrangeiro, podendo este atingir grandes somas através dos aumentos de capitais
por meio de ações preferenciais, o plano da U.D.N. não admite essa
participação.
104
Nesse conflito, observamos que o diário, embora não tome abertamente uma posição
favorável à Petrobras, inclina-se mais a favor da empresa de economia mista de Vargas do que
à fórmula monopolista da UDN, aceitando a primeira como uma saída possível para a
questão.
105
De qualquer maneira, centra toda a sua artilharia na proposta de monopólio estatal,
tendo em vista a impropriedade da excessiva inserção do Estado nas atividades produtivas que
esta fórmula implicaria.
O Estado é mau industrial, é péssimo negociante, todos os serviços que ficam
debaixo de seu controle tornam-se mal organizados, mal orientados, excessivamente
caros e de rendimento inferior. Essa é a experiência de longos anos e que até hoje
não foi contestada pelos fatos.
Os serviços que o Estado superintende na esfera industrial e comercial revelam
indisciplina e manifestam a inveterada tendência de alargar o seu raio de ação
burocrática, exigindo maiores verbas às solicitações do pessoal.
A produção petrolífera está condicionada a fatores econômicos que o monopólio do
Estado não poderá atender, notadamente no meio nacional, corroído pelo germe da
103
Segundo o JB, este modelo é “nacionalista” e “permite amplamente a celebração de contratos com
companhias americanas ou outras, nas seguintes bases: prazo de contrato de exploração de vinte e cinco anos,
com atividades de pesquisa por dez anos” (“O problema de pesquisa do petróleo”, Jornal do Brasil, 9 de maio de
1952, Caderno 1, página 4).
104
“O petróleo entre teses opostas”, Jornal do Brasil, 25 de maio de 1952, Caderno 1, página 5.
105
Abordando as decisões tomadas na III Mesa Redonda das Classes Produtoras, ocorrida no Rio de Janeiro, o
JB apoia o grupo de empresários que combateu o monopólio estatal do petróleo: “Ampliando o seu ponto de
vista liberal, admite essa corrente a organização de uma sociedade de economia mista, ideia, aliás, contida no
projeto de origem oficial, que se chamou Petrobras podendo, entretanto, essa empresa mista, funcionar
simultaneamente com as empresas privadas, que concorrerão para o mesmo objetivo de aumentar, com maior
rapidez possível, a produção petrolífera, de acordo com os altos interesses do Brasil, que canaliza, todo ano,
somas vultuosíssimas na importação de petróleo. No campo siderúrgico, ponderam os defensores da tese liberal,
temos tido oportunidade de verificar os magníficos resultados da combinação desses dois tipos de empresas,
combinação esta que não tem impedido o desenvolvimento das sociedades particulares formadas com o objetivo
de explorar a siderurgia em larga escala” (“O petróleo e as classes produtoras”, Jornal do Brasil, 15 maio de
1952, Caderno 1, página 5).
311
burocracia.
106
Vemos aqui um exemplo da prédica liberal contra a ineficiência do Estado na
execução de serviços industriais que faria inveja ao próprio Eugênio Gudin. Mas, devemos
salientar que essa argumentação aparece em um momento de intensa disputa em torno do
programa do petróleo de Vargas, porém, não para combatê-lo e sim para criticar a principal
proposta da oposição ao mesmo: o monopólio estatal do petróleo.
O diário de Assis Chateaubriand toma uma das posturas mais duras contra a UDN e a
sua proposta monopolista, considerando-a pura “demagogia jacobina”.
107
Ao mesmo tempo,
irá se posicionar favoravelmente ao programa do Executivo, mas, ao contrário do JB, que
ressalta nele a flexibilidade ao capital externo, O Jornal procura sustentá-lo exatamente por
ele ser “nacionalista” e não “entreguista”, como acusava a campanha do “Petróleo é Nosso” e
a oposição udenista.
108
Entretanto, essa apologia do “nacionalismo” é semelhante à empregada para justificar
a posição do O Jornal em favor da maior aproximação com os EUA: o nacionalismo
varguista é o “nacionalismo sadio”, ou seja, aquele que defende a independência econômica
brasileira mas não nega a participação estrangeira no progresso do país. Nas palavras do
diário:
A política econômica do atual governo não pode surpreender ninguém. E menos
ainda suscitar dúvidas quanto ao seu sentido nitidamente nacionalista, o que não
exclui a colaboração honesta dos estrangeiros que conosco trabalham ou queiram
trabalhar, de acordo com as condições que estabelecemos.
109
Todavia, novamente, este periódico não deixa clara a sua opinião sobre o modelo
adotado por Vargas, não sendo possível determinar se o seu apoio à Petrobras decorre apenas
da adesão política ao presidente ou de uma mudança de percepção quanto à utilidade da
106
“Petróleo e pesquisa estatal”, Jornal do Brasil, 3 de maior de 1952, Caderno 1, página 5. Ver também:
“Petróleo à sombra do tesouro nacional”, Jornal do Brasil, 17 de fevereiro de 1952, Caderno 1, página 5.
107
Um bom exemplo dessa crítica pesada pode ser encontrado no seguinte trecho: “A UDN deixou-se levar, na
sua resolução inesperada, por considerações de fundo faccioso. A sua intenção foi aproveitar a onda de
nacionalismo demagógico (...). Os leaders udenistas que cederam a esta tentação espúria, comprometeram a
seriedade e inteireza do seu partido. (...). Para fazer demagogia do baixo e estéril nacionalismo, juntando-se aos
protestos que se inspiram nos slogans do Cominform, a UDN teve de esquecer as suas grandes responsabilidades
para com a nação” (“A UDN faz demagogia jacobina”, O Jornal 5 de maio de 1952, Caderno 1, página 4).
Contra a UDN ainda podemos consultar: “Incongruência de argumentos”, O Jornal, 8 de junho de 1952,
Caderno 1, página 4 e “Esforço inútil”, O Jornal, 5 de setembro de 1952, Caderno 1, página 4.
108
“Petrobras, empreendimento nacionalista”, O Jornal, 25 de junho de 1952, Caderno 1, página 4.
109
“Bandeira nacionalista”, O Jornal, 27 de junho de 1952, Caderno 1, página 4. Consultar, também: “A
declaração presidencial”, O Jornal, 27 de junho de 1952, Caderno 1, página 4.
312
empresa de economia mista na exploração do petróleo brasileiro, embora opine
favoravelmente à mesma quando aceita a comparação com o “exemplo de Volta Redonda”:
O presidente da República em seu discurso fez a defesa da organização da Petrobras,
tornando evidente que a sociedade de capitais mistos, com as seguranças de que está
cercado o funcionamento da empresa, é o ideal com garantia de que se alcancem os
objetivos econômicos da iniciativa. O exemplo de Volta Redonda está como uma
afirmação incontestável de que todos os interesses do Estado são rigorosamente
defendidos, evitando-se ao mesmo tempo os percalços da sua intervenção direta dos
negócios industriais.
110
Em relação ao Correio da Manhã, notamos que este jornal é o que mais vai se
preocupar em atacar a mobilização dos defensores da tese do monopólio estatal do petróleo,
reforçados com apoio udenista, contra o programa de Vargas. Considerando que tal avanço era
resultado de uma propaganda comunista associada a uma opinião pública despreparada para
debater o assunto, o CM vai se atribuir a missão de esclarecimento dessa opinião sobre tema
tão complexo, através da publicação, entre os meses de maio e julho de 1952, de uma série de
editoriais na capa do jornal com o título irônico de “O Nosso Petróleo”. Como o matutino
afirma:
Diante dessa política de oportunismo e compromisso, que deixa as maquinações
comunistas e as tendências irracionais sacrificarem o destino econômico do petróleo
nacional, este jornal se propõe a fazer um esforço de esclarecimento da opinião
pública. Mostraremos que a participação estrangeira, devidamente controlada, é a
mais vantajosa forma para a exploração do petróleo. (...) Conhecemos a onda que vai
desencadear nossa atitude. Sabemos que o PCB e suas linhas auxiliares mobilizarão
contra nós todo o seu poder difamatório. Não será por isso, no entanto, que
deixaremos de cumprir nosso dever de bem informar o público e de defender os
interesses do país.
111
Nesses artigos, irá se posicionar abertamente contra a tese monopolista, acusando os
militantes do Cedpen de fazerem o “jogo de Moscou”, ao impedir que o Brasil encontrasse o
seu próprio petróleo,
112
e vai acusar pesadamente a UDN de demagogia e politicagem por
adotar uma tese que nunca defendera, apenas para se opor à Vargas.
113
em relação ao
110
“Advertência e apelo”, O Jornal, 5 setembro de 1952, Caderno 1, página 4.
111
“O Nosso Petróleo”, Correio da Manhã, 11 de maio de 1952, Caderno 1, página 1.
112
“O Nosso Petróleo”, Correio da Manhã, 17 de maio de 1952, Caderno 1, página 1) e “O Nosso Petróleo”,
Correio da Manhã, 11 de maio de 1952, Caderno 1, página 1.
113
Em relação à UDN, o jornal demonstrou a sua insatisfação com o partido ao comentar uma resolução da III
Convenção do Petróleo, patrocinada pelo Cedpen: “Um dos trechos mais melancólicos das resoluções que temos
sobre a mesa é o que diz: „A III Convenção apela à Comissão de Segurança Nacional no sentido de que (sic), em
segunda discussão, adote o substitutivo patrocinado pela União Democrática Nacional‟ (“O Nosso Petróleo”,
Correio da Manhã, 9 de julho de 1952, Caderno 1, página 1). Mais um exemplo, podemos encontrar: “Outras
forças políticas, como a UDN, tinham igualmente o dever de elucidar esse equívoco (...). Mas a UDN entrando
na linha de concorrência com a demagogia, optou por uma solução ainda pior que a do governo. E assim é que
vemos todos os grupos responsáveis fugirem, por oportunismo e covardia, à análise da matéria, deixando que a
313
programa a ser adotado, uma das bandeiras principais sustentada pelo CM é a importância de
o país contar com os investimentos internacionais na indústria petrolífera.
114
Porém, ele vai
estabelecer várias restrições e continuar demonstrando grande desconfiança com a entrada dos
trustes estrangeiros no país, pregando, assim, a necessidade de se controlar estritamente as
futuras empresas “alienígenas” para que o Brasil não perdesse a destinação social dos lucros
do petróleo: “Sustenta-se, a nosso ver, com razão, que um país pobre como o Brasil deve
reservar-se, na medida do possível, os lucros da exploração do petróleo, evitando que o
controle privado possa dar aplicação antissocial à indústria petrolífera ou ensejar perigosas
interferências de companhias estrangeiras.
115
Desta maneira, não surpreende que, em sua campanha contra a ascensão da tese do
monopólio estatal, o CM assuma a defesa não apenas do programa de Vargas mas do modelo
que ele propôs:
O projeto da Petrobras, ora no Congresso, tem libertar o país de sua
dependência, em petróleo e derivados, do abastecimento estrangeiro, ao mesmo
tempo que visa a canalizar para uma empresa nacional, os lucros da indústria
petrolífera. (...)
A linha intermediária adotada para a Petrobras tem o mérito de garantir as
principais vantagens das demais posições [monopolista e privatista]. O controle,
pela União, de 51% do capital, acrescido aos controles que o governo exercerá sobre
a Diretoria e a participação de outras entidades públicas, afasta o perigo da
intromissão dos trutes ou da orientação antissocial. A adoção da forma das
sociedades anônimas e a participação, dentro de limites prefixados, do capital e da
gestão particulares conferem à empresa a plasticidade necessária. Esse equilíbrio na
harmonia dos diversos aspectos empresta à Petrobras uma estrutura recomendável.
116
Vemos aqui uma ampla sustentação do programa de Vargas, utilizando argumentos
empregados pelos próprios mentores do projeto. A grande diferença entre a proposta de
Getúlio e a do CM era a defesa que este jornal fazia de uma presença mais ativa do capital
externo na indústria petrolífera nacional. Mas essa participação não deveria substituir ou
suplantar a Petrobras. Ao contrário, para o diário, esta empresa se tornava ainda mais
necessária porque exerceria o papel de órgão controlador e fiscalizador dos trustes
intriga comunista produza seus efeitos” (“O Nosso Petróleo”, Correio da Manhã, 11 de maio de 1952, Caderno
1, página 1).
114
O jornal sintetizou muito bem esta concepção nesta sentença: “O problema do petróleo significa: urgência
absoluta para a solução, necessidade de financiamento em lar e necessidade de acumular investimentos. A
única forma de se atender a todos esses requisitos é admitir a participação estrangeira na pesquisa e lavra dos
nossos hidrocarbonetos” (“O Nosso Petróleo”, Correio da Manhã, 20 de maio de 1952, Caderno 1, página 1).
115
Correio da Manhã, 23 de abril de 1952, Caderno 1, página 4
116
“A Petrobras”, Correio da Manhã, 20 de abril de 1952, Caderno 1, página 4. Em outro momento, irá afirmar:
“O mérito da solução Petrobras está, justamente, em ter adotado uma orientação nacionalista que, de um lado,
reduz ao mínimo os sacrifícios da União e, de outro lado, assegura, sob forma de sociedade mista, a flexibilidade
comercial que não podem ter os serviços públicos” (Correio da Manhã, 23 de abril 1952, Caderno 1, página 1).
314
internacionais: a Petrobras não representa, apenas, um esforço para explorar nosso petróleo
com recursos nacionais, canalizando para o país todos os lucros do negócio. Dentro da
política do petróleo que estamos defendendo, a Petrobras tem a exercer um papel decisivo na
fiscalização das companhias estrangeiras”.
117
Em relação à criação de uma estatal de capital
misto, o Correio não apresenta nenhum receio sobre o risco que esta possa implicar em uma
ampliação excessiva do papel do Estado na economia e, no que se refere à tributação, sustenta
o projeto de captação de recurso, não o considerando demasiado ou prejudicial à economia
nacional.
118
Em O Globo, encontramos uma postura semelhante à do Correio. Este jornal continua
a defender a empresa de Vargas, afirmando que ela é perfeitamente adequada à realidade
brasileira:
Desde que o Governo apresentou ao Congresso o seu projeto para a solução do caso
do petróleo, o GLOBO tomou posição favorável ao mesmo, por isso que a
criação da Petrobras estava resguardada a soberania brasileira na exploração
do precioso combustível, sem o perigo da intervenção estrangeira que, em outros
países, tem provocado crises e conflitos. A sociedade mista, em que o Governo
possui a maioria, é uma solução feliz que não poderia agradar àqueles cujo
escopo é que nosso petróleo não venha a constituir uma riqueza que tire o país
do pauperismo, tão propício ao caos sobre o qual os comunistas fazem a sua
propaganda.
119
O jornal também não poupa críticas à UDN pela sua posição no episódio. O curioso é
que, depois de censurar o partido por oportunismo político, O Globo faz um levantamento da
história da agremiação, ressaltando exatamente a sua atuação como “força vigilante contra a
hipertrofia do Estado, contra os exageros da autoridade e da intervenção econômica”, além do
seu tradicional papel na defesa “do doutrinário sobre o pragmático, do liberalismo sobre o
dirigismo econômico”. Mas, completa, afirmando que nem “sempre essa linha de ação
política coincide com a boa causa. Às vezes o interesse nacional está mais defendido pelos
que se mostram menos atentos às fórmulas e mais sensíveis às realidades.
Nossa importação de refinados nos asfixia, e não podemos limitá-la ou reduzi-la sem
prejuízo imediato do nosso desenvolvimento industrial. (...)
Que significa ser este monopólio [do petróleo]? Significa confiar exclusivamente
117
“O Nosso Petróleo”, Correio da Manhã, 20 de maio de 1952, Caderno 1, página 1.
118
Pelo contrário, o jornal condenou os parlamentares que alegavam serem excessivos os recursos previstos para
a empresa: “'Nacionalista' e 'entreguistas'”, Correio da Manhã, 17 de abril de 1952, Caderno 1, página 4.
119
“O petróleo e as falsas injunções da popularidade”, O Globo, 8 de maio de 1952, Caderno 1, página 1. Outro
exemplo, podemos encontra em: “Inesperada ameaça paira sobre o projeto da Petrobras”, O Globo, 28 de julho
de 1952, Caderno 1, página 1.
315
aos cofres públicos o ônus da pesquisa, da exploração e refinação, daí afastando,
pelo receio de lhe proporcionar lucros, os capitais privados.
Logo, o monopólio estatal é uma tese puramente doutrinária, de combate à iniciativa
privada. Os que a apoiam, como „nacionalistas‟ da direita ou comunistas, são
coerentes com suas premissas sociais, e por certo, tão logo o possam, pregarão o
monopólio do aço, do carvão, da indústria química de base. Mas, e a UDN? Por que
se une aos inimigos da iniciativa privada em favor do monopólio? Por que abre
contradição tão flagrante no seu pensamento, em simples obséquio a mesquinhas
manobras parlamentares?
O que podemos perceber dessa arguição de O Globo para os objetivos da nossa
pesquisa?
Novamente estão presentes argumentos que pregam limites ao capital externo no setor
petrolífero, associados a questões como a soberania nacional; também aparece a preocupação
em resolver logo o problema dos hidrocarbonetos para não prejudicar “o nosso
desenvolvimento industrial”. O mais importante, porém, é que podemos encontrar a defesa do
modelo de empresa proposto pelo governo, sem que esta represente ou esteja associada ao
“estatismo” ou ao “dirigismo econômico”, conceitos que surgem vinculados ao monopólio do
petróleo pregado pela oposição ao programa de Vargas. Fica claro que o objetivo do jornal
não é condenar o avanço do Estado nos planos originais de Getúlio mas preservar o espaço
reservado à iniciativa privada nacional pelos mesmos.
Para terminar essa análise, é importante avaliar a reação dos periódicos estudados a
partir do momento em que o governo aceitou adotar o monopólio estatal parcial do petróleo
em seu programa, para permitir a aprovação final da Petrobras, ocorrida apenas em 1953.
No Jornal do Brasil, ao menos em nossa amostragem, não encontramos destaques às
negociações e à aceitação da tese do monopólio pelo governo. Quando a estatal foi criada, ele
se limita a relatar o acontecimento em seu noticiário e a condenar o modelo de empresa
adotado, repetindo basicamente a argumentação que usou durante todo o episódio.
120
O Jornal toma um caminho semelhante. Ele opta por um significativo silêncio em
relatar a criação da Petrobras, que não aparece em seu noticiário, em outubro de 1953. Antes,
porém, ainda durante os debates, havia se posicionado com firmeza contra o Executivo na
questão: “Houve um recuo total do governo, uma capitulação não em relação aos aspectos
120
A criação da empresa por Vargas é repercutida na matéria que relata o tradicional discurso do presidente do
dia 3 de outubro: “Falando à Nação o sr. Getúlio Vargas recordou o pleito que, três anos, nesse dia, o
convocou a presidir de novo os destinos da Pátria, e traçou, a seguir, o esboço das principais realizações do seu
governo O plano governamental para a exploração do nosso petróleo consubstanciado na lei aprovada pelo
Poder Legislativo e ontem sancionada”, Jornal do Brasil, 4 de outubro de 1953, Caderno 1, páginas 6 e 9.
Quanta à avaliação sobre a empresa, ela aparece em um editorial comentando o panorama administrativo do
governo “Análise do panorama administrativo”, Jornal do Brasil, 6 de outubro de 1953, Caderno 1, página 5.
316
práticos do projeto como ainda dos pontos de vista doutrinários em que se baseava”. Ademais,
criticou a fórmula monopolística final por ela acarretar “aumento inevitável do custo de vida,
produzido pelos novos impostos, taxas e contribuições que as necessidades da Petrobras
imporão a cada um” e “a ação retardativa da burocracia, a incompetência visceral do Estado
para explorar indústrias de qualquer natureza”, considerando que “teremos dentro de pouco
tempo, nas decepções que sofreremos, as consequências da capitulação do governo à
politiquice da UDN”.
121
O Globo adota atitude parecida aos demais jornais, também dando pouco espaço à
aprovação final da Petrobras. Mas, durante o processo em que o governo negocia com a UDN
o acordo do monopólio, ele não poupa críticas a ambos e continua defendendo o projeto
original do Executivo, dando atenção especial à necessidade de a iniciativa privada nacional
participar do empreendimento:
Recuando de seu sensato ponto de vista inicial, que era nacionalista, mas não
monopolista, para ceder à UDN, que à última hora resolveu desfraldar a bandeira
estatal, o Sr. Getúlio Vargas abre um precedente perigoso num país que tudo espera
da iniciativa privada.
Além de dificultar a solução de um dos mais graves problemas que nos atormenta,
que é o dos combustíveis líquidos, o Governo envereda por um caminho através do
qual pouco podemos esperar.
122
o Correio da Manhã toma posição ainda mais aguda. O jornal acompanha todo o
processo de discussão do programa e tece severas críticas a Vargas e ao líder do governo na
Câmara, Gustavo Capanema, por eles terem abandonado a fórmula original do Executivo.
123
Quando o projeto passou para o Senado, começa uma campanha exortando a Câmara Alta a
“cumprir o seu devere retirar o monopólio da lei da Petrobras, assumindo uma postura que
121
Termina ainda por dizer: “Nada resta da Petrobras, qual saiu do Palácio do Catete, em nome do governo,
como a solução mais lógica e conveniente do nosso problema do petróleo. O que sair agora da Câmara não será
obra do presidente Getúlio Vargas, mas dos seus mais duros adversários” (“Obra dos adversários do governo”, O
Jornal, 27 de julho de 1952, Caderno 1, página 4).
122
“O fim melancólico da batalha do petróleo”, O Globo, 3 de setembro 1952, Caderno 1, página 1. Em outro
editorial, afirma: “E o Brasil vai oferecer ao mundo esse espetáculo desalentador de incoerência: pedir dinheiro
ao estrangeiro para resolver o problema vital dos portos e dos transportes e recusar o dinheiro dos próprios
brasileiros para solucionar outro problema igualmente vital, que é o das refinarias de petróleo” (“Funesto
paradoxo”, O Globo, 16 de agosto de 1952, Caderno 1, página 1).
123
Durante os debates no Senado, o jornal voltou a ressaltar as vantagens do programa original do governo: “A
posição originariamente sustentada pelo governo definia-se a si própria como representando um nacionalismo
moderado. Advogava-se o nacionalismo como meio de defesa contra a pressão dos trustes. Mas todos o
desejavam moderado, a fim de não privar a iniciativa do capital estrangeiro minoritário. Em outras palavras, o
governo: 1) não sustentou, em abstrato, a tese de que o capital estrangeiro fosse nocivo ao país, antes teve o
cuidado de ressaltar o apreço em que tinha os investimentos alienígenas; 2) não chegou, mesmo, a condenar os
investimentos estrangeiros em petróleo; 3) mas sustentou, como evidente por si mesmo, o princípio de que uma
sociedade brasileira de economia mista devia ser organizada de tal sorte que, em sua direção interna,
prevalecesse o capital nacional” (Correio da Manhã, 21 de novembro de 1952, Caderno 1, página 4).
317
cobra ação dos políticos ao mesmo tempo em que deslegitima o “jogo político”:
E em assunto tão relevante, como o petróleo, é irrisório erigir supostas
conveniências partidárias em critério superior ao da convicção pessoal de cada
congressista. Não se trata mais, portanto, para o Senado, de adotar a fórmula
idealmente ótima. Trata-se de evitar ou não a ruína nacional. É um desses
momentos em que o Senado é convocado para agir não como ponto de
confluência de partidos, mas como suprema instância legislativa do país.
124
Quando o monopólio é finalmente aprovado, o CM demonstra toda a sua decepção,
considerando o resultado como uma prova do fracasso não da sua campanha de
conscientização pública mas das elites brasileiras que não lhe deram o devido apoio:
Vemos nisso um triste sinal da demissão das elites. Demissão da própria condição
essencial delas, para que se constituam ou se legitimem como elites. E, quando as
elites não se afirmam, não se impõem, não se fazem valer pela inteligência pela
cultura, pela coragem que lhes dão as próprias virtudes, a democracia está em
perigo.
125
O processo de criação da Petrobras é longo e polêmico, mas a sua análise permite um
bom campo de observação para entendermos melhor a complexa dinâmica das relações entre
imprensa e política no período estudado e seu papel relativo na delimitação da problemática
legítima em termos de programas econômicos?
Em primeiro lugar, em termos doutrinários, vemos que os jornais tomaram posições
distintas, sendo dois (JB e OJ) mais resistentes à proposta de uma empresa estatal de
economia mista e mais adeptos à participação do capital estrangeiro, enquanto os demais (OG
e CM) aceitaram e até defenderam a criação da “empresa mista” como um modelo adequado
ou ideal para resolver o problema do petróleo, havendo diferenças sobre os investimentos
externos: o Correio mais favorável à presença desses investimentos no setor e O Globo
totalmente contrário. Isso nos permite perceber como a participação do Estado na economia já
recebe um razoável grau de aceitação entre os jornais, mesmo que esta aceitação não seja
uniforme e que deva obedecer a determinados limites, como ficou claro na rejeição que todos
demonstraram da tese do monopólio estatal. Mas também permite compreender como
novamente o campo jornalístico não foi um espaço uníssono na defesa de um ponto de vista,
mas um local de disputa pela determinação do programa a ser escolhido.
Em segundo lugar, a relação entre agentes do campo jornalístico e do campo político
124
Correio da Manhã, 28 de maio de 1953, Caderno 1, página 4.
125
Correio da Manhã, 15 de setembro de 1953, Caderno 1, página 4.
318
nesse processo se demonstrou bastante complexa. Em suas tomadas de posição, os jornais
adotam sinuosas e distintas estratégicas discursivas na medida em que os agentes do campo
político se moviam taticamente em torno do tema.
Logo no início, o JB demonstra muita resistência com a fórmula original de Vargas,
mas passa a apoiá-la e ao próprio governo na questão, na medida em que os defensores do
monopólio estatal do petróleo começam a ganhar terreno, especialmente com a adesão da
UDN. O que podemos compreender melhor quando lembramos que, para o JB, assim como
para os demais jornais pesquisados, a proposta do monopólio estatal era acusada não apenas
de “estatismo” mas também de ser um plano “comunista” para impedir o desenvolvimento de
um setor essencial da economia nacional e, assim, gerar o caos e a subversão. Dessa maneira,
quando Vargas cede à tese monopolista e a aceita, mesmo que parcialmente, em seu projeto, o
JB volta-se totalmente contra o presidente da República.
Com O Jornal ocorre uma situação parecida, embora a estratégia desse diário seja
uma resultante de demandas ainda mais complexas: no lançamento do programa, não defende
diretamente o modelo indicado pelo governo, tendo em vista o seu próprio compromisso
tradicional com a bandeira da necessidade do capital externo na indústria petrolífera
brasileira; entretanto, a sua aproximação com Vargas, naquela conjuntura, o leva a endossar a
proposta da Petrobras por ser uma alternativa “nacionalista”, ou seja, associando à empresa a
imagem que o próprio presidente pretendia representá-la publicamente; quando a tese do
monopólio começa a ganhar força, o periódico então combina o apoio ao governo com o
apoio ao modelo de economia mista, tendo em vista que os defensores do monopólio estatal
avançam tenazmente sobre ela, ameaçando deturpá-la ou substituí-la por um sistema de total
controle do Estado sobre o setor do petróleo. Nesse momento, entra em uma verdadeira luta
pela definição do sentido mais legítimo do conceito de “nacionalismo” com os monopolistas,
que é também uma forma de se associar e de associar Getúlio a esta noção, agora redefinida
como “nacionalismo sadio” (leia-se: partidário do capital externo). A aceitação, por parte de
Vargas, do monopólio parcial na empresa leva a um dos raros momentos de distanciamento
entre O Jornal e o presidente da República em termos econômicos, embora, deva-se dizer, que
este distanciamento ainda seja pontuado.
O Correio da Manhã e O Globo demonstraram, em termos programáticos ou
doutrinários, uma linha de ação mais linear, na medida em que sempre defenderam, com
diferenças de intensidade, o modelo originalmente apresentado por Vargas para o setor do
petróleo. Afastaram-se e distanciaram-se de Getúlio conforme este afastava-se ou distanciava-
319
se de seu próprio programa, acabando ambos por condenar o presidente por não ter sido
coerente com a sua própria proposta, em favor de “conveniências políticas”.
Em relação a esta última questão é interessante ressaltar que nenhum dos jornais
pesquisados seguiu os passos da UDN, partido com o qual ao menos três periódicos eram
mais identificados (OG, CM e JB). Além de não endossarem a postura do “partido do
Brigadeiro” atendendo a possíveis demandas do campo político ainda o condenaram
pesadamente por escolher uma tese estranha ao seu programa partidário no intuito de ganhar
dividendos políticos, trilhando o caminho da “demagogia” e fazendo com que o próprio
Vargas se desvirtuasse do rumo “correto” que havia adotado no tratamento da questão. Essa
constatação é fundamental, não só para matizar as interpretações que colocam a grande
imprensa como sendo udenista (no sentido de que os principais jornais estivesse a serviço ou
fossem instrumentos da UDN), mas também para indicar como as relações entre campo
jornalístico e campo político, no período em estudo, não podem ser entendidas apenas com
submissão do primeiro ao segundo. Longe disso, no caso em questão, os agentes desses dois
campos entraram em acirrada disputa para conduzir o resultado do processo, que levou os
jornais a fazerem, nos termos de Bourdieu, um verdadeiro trabalho de deslegitimação da
política e dos políticos, revelando o seu “jogo”, denunciando que a busca dos “interesses
partidários” era incompatível com o “interesse nacional”, com os quais eles, jornais, eram
mais comprometidos. Em outras palavras, uma verdadeira batalha no interior do campo de
produção ideológica em torno da condição de interlocutor mais legítimo do “interesse
coletivo”.
A análise desse episódio não seria completa se não levássemos em conta que, na sua
abordagem pelos jornais, estiveram envolvidas não apenas questões políticas e econômicas.
Nos anos 50, havia sobre o tema do petróleo no Brasil uma longa tradição envolvendo
desde escritores do peso de um Monteiro Lobato, até militares como o general Horta Barbosa,
além de entidades de classe como a UNE que associava muito eficazmente a exploração do
“nosso ouro negro” a uma verdadeira questão de “soberania nacional” e que representava a
ação das empresas estrangeiras nesse setor como uma “nova colonização” do país.
126
Além
126
Ideias que, por exemplo, Monteiro Lobato defendia desde os anos 30 em diversos artigos e que acabaram
sendo reunidas em um livro, de enorme repercussão nas décadas de 40 e 50, intitulado O Escândalo do Petróleo
e do Ferro. Nos anos 50, essas questões foram apropriadas pela campanha O Petróleo é Nosso para defender a
tese do monopólio estatal para o setor, a qual Lobato não endossava. Ao assumir a presidência do Centro, em
1949, o senador udenista Matias Olímpio declarou: “O inimigo bateu à nossa porta e se infiltra perigosamente
(...). A situação atual exige o sacrifício supremo o de defender, a todo o custo, a independência econômica
nacional” (apud MIRANDA, Maria Tibiriçá. O Petróleo É Nosso: a luta contra o “entreguismo” pelo monopólio
estatal (1947-1953)(1953-1981). Petrópolis: Vozes, 1983, p. 195). Para a Campanha do Petróleo, qualquer
320
disso, a própria campanha O Petróleo É Nosso”, não obstante tivesse militantes comunistas
na sua organização, tirava grande parte do seu poder de mobilização e de convencimento da
forma como se apropriava de muitos símbolos da “nacionalidade” e da independência
brasileira, como Tiradentes, cujo dia comemorativo, o 21 de abril, foi escolhido para ser a data
de fundação do CNEDP.
127
Dessa maneira, assim como vimos no caso do reinvestimento, a
tomada de posição sobre o tema do petróleo obrigava os agentes jornalísticos a levar em
consideração toda essa carga simbólica, quer seja para incluir em sua proposta preocupações
relativas à defesa do “interesse” ou da “soberania” nacionais como procuraram o Correio e
O Globo , quer seja para fazer, como tentaram O Jornal e o JB, iniciar uma batalha para
impor uma nova definição do “nacionalismo”, capaz de comportar a participação dos
investimentos estrangeiros na exploração do petróleo brasileiro. Mais uma vez,
diferentemente do que seria permitido a um economista acadêmico, o discurso jornalístico
sobre um tema de economia exigia a incorporação desses elementos, exteriores às teorias
econômicas, mas fundamentais na persuasão e na construção da legitimidade dos jornais
perante o público leitor.
Eletrobrás
Os projetos relativos ao programa de energia elétrica, apesar de polêmicos e
complexos, não tiveram o mesmo destaque nos jornais pesquisados, em comparação com o
Plano de Reaparelhamento e o Programa do Petróleo. Na verdade, chama a atenção o quase
silêncio dos diários sobre esses planos, o que dificulta em muito o entendimento de seu
posicionamento acerca da política de Vargas para a eletricidade, tema que parece ter
interessado mais a historiografia do que a imprensa da época.
Tal silêncio, porém, não pode ser atribuído apenas a uma atitude oposicionista dos
vacilação ou transigência com os trustes “representaria uma verdadeira traição aos supremos interesses do Povo
brasileiro”, como foi explicitado nas Resoluções finais da I Convenção Nacional de Defesa do Petróleo (apud
MIRANDA, idem, 1983:157).
127
Com efeito, o poder de agregação da Campanha do Petróleo em grande parte derivava de sua capacidade de se
apropriar de símbolos correntes da nacionalidade brasileira, lançando mão de um verdadeiro arsenal de
patriotismo: em seus eventos, era forte a participação de militares, cantava-se o hino nacional e, normalmente,
faziam-se manifestações nas datas relacionadas à Pátria. Além disso, ela criou sua própria iconografia, como as
torres de petróleo simbólicas que eram erigidas em praça pública para seus eventos. Em relação à data de
fundação do CNEDP, Maria Tibiriçá MIRANDA, militante do movimento e autora de um dos principais relatos
sobre ele, comenta: “O 21 de abril foi escolhido, pelo Centro, para a sua instalação pública e solene. 156 anos
depois da morte de Tiradentes, símbolo dos movimentos para a libertação pública do Brasil, inagurou-se,
oficialmente, como homenagem ao herói nacional, o Centro Nacional de Estudos e Defesa do Petróleo”
(MIRANDA, ibidem, p. 43).
321
periódicos estudados frente ao governo, porque até o jornal mais próximo ao Executivo
também não se coloca abertamente sobre a questão. Sendo assim, muito provavelmente, a
falta de repercussão da política de eletricidade seja decorrência da pouca visibilidade do
assunto em relação aos outros projetos governistas, tratados com mais pompa e gerando mais
desdobramentos.
De qualquer maneira, com os dados fragmentados que temos, podemos tirar ainda
algumas constatações, que permitem comparações pertinentes com o caso da Petrobras.
No que se refere ao Jornal do Brasil, este periódico demonstrou intensa preocupação
com o problema da eletricidade no país e foi um relativo defensor dos investimentos estatais
na geração de energia, utilizando como principais exemplos de empreendimento público bem-
sucedido, a fundação da Companhia Hidroelétrica de Paulo Afonso.
128
Na opinião do jornal,
devido ao enorme potencial hidráulico e a carência de “combustíveis clássicos” no país, este
deveria focar as suas forças no investimento em hidroeletricidade.
129
Curiosamente, ele
associa este investimento à continuidade do crescimento industrial, elogiando iniciativas dos
governos estaduais que fizeram essa opção.
130
Sobre os programas do governo, o JB não se pronuncia oficialmente em relação ao
Fundo de Eletrificação, lançado no final de maio de 1953. frente aos projetos do Plano de
Eletrificação e da criação da Eletrobrás, ele toma uma posição intermediária: de um lado,
critica mais um programa intervencionista do governo que procura “realizar uma forte
concorrência à iniciativa privada”, afirmando que “a intervenção do Estado deve fazer-se
parcimoniosamente, apenas naqueles setores onde a iniciativa privada tenha demonstrado o
seu desinteresse, o que não é o caso na produção de energia”;
131
de outro lado, argumenta que,
diferentemente do petróleo, a produção de energia elétrica no Brasil era muito mais
128
Jornal do Brasil, 28 de agosto de 1951, Caderno 1, página 5.
129
“País sem os combustíveis clássicos, o Brasil deverá intensificar a sua atividade no desenvolvimento da
energia hidráulica. A Comissão Mista Brasil-Estados Unidos já se convenceu dessa verdade, depois de percorrer
alguns Estados, cujo desenvolvimento ficou retardado por falta de energia industrial, enquanto outros
conseguiram dar largos passos no caminho da evolução material graças a terem acordado mais cedo na captação
da energia hidráulica” (“Na conquista da energia hidráulica”, Jornal do Brasil, 21 de agosto de 1951, Caderno 1,
página /5).
130
Comentando investimentos estatais em energia elétrica no Pará, o JB argumenta: “É necessário que o
empreendimento seja de larga envergadura, de maneira a atender ao desenvolvimento futuro do grande Estado.
Os sacrifícios e os esforços empregados nessa grande obra serão largamente compensados pelas vantagens que
advirão para o Estado. Indústrias que se desenvolverão, indústrias novas que surgirão, transformarão por
completo o ambiente atual do Pará. Não perda o sr. Zacarias Assunção a oportunidade de prestar ao Pará o
valioso serviço que ele está a reclamar do seu governador” (“Usina Hidrelétrica para Belém”, Jornal do Brasil, 4
de julho de 1951, Caderno 1, página 5). Ver também: “O Brasil e a energia elétrica”, Jornal do Brasil, 22 de
maio de 1951, Caderno 1, página 5).
131
“O Plano de Energia Elétrica”, Jornal do Brasil, 14 de abril de 1954, Caderno 1, página 5.
322
promissora, não lançando o Estado em “um salto no desconhecido, porque tudo de ser
tecnicamente previsto. Pode-se esperar resultados positivos, tudo dependendo da ordem,
disciplina posta na execução das obras”.
Em nosso levantamento de O Jornal não encontramos posição direta sobre os
programas de Vargas. O tema da eletricidade, porém, aparece em dois momentos da nossa
pesquisa. No primeiro deles, este diário aborda a questão do racionamento de energia no Rio
de Janeiro, e culpa o Congresso brasileiro por ter atrasado em um ano e meio a aprovação de
um pedido de empréstimo feito pelo governo Dutra ao Banco Internacional com o objetivo de
fornecer recursos para a Light investir em produção de energia.
132
O outro momento é, curiosamente, no ano de 1954, logo após o lançamento do Plano
de Eletrificação de Vargas. É apenas uma nota na coluna não assinada Retrato do Brasil”, na
mesma página destinada aos editoriais do jornal. Nela, de forma interessante, são elogiadas as
iniciativas estatais para resolver o problema de energia elétrica, mas que referente ao
Estado de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santos e não ao governo federal:
De modo geral, os governos estaduais têm sido mais audaciosos do que a
administração federal em seus projetos de eletrificação, e em certos aspectos os
planos de eletrificação se entrosam num esquema amplo para todo o Estado e não
apenas para determinada região. Em Minas Gerais, por exemplo, organizou-se um
conjunto de empresas de economia mista, controladas e assistidas por uma „holding‟
(...) com a participação majoritária do governo estadual.
133
Em síntese, mesmo que não tenhamos uma posição direta sobre os programas de
Vargas é significativo que os únicos exemplos que encontramos em O Jornal impliquem na
defesa dos interesses da Light e na apologia das companhias públicas estaduais setores que
se sentiram diretamente prejudicados com o programa centralizador do governo para a
eletricidade.
O Globo, por sua vez, de todos os diários pesquisados, foi o mais crítico à atuação das
companhias privadas de energia. É possível ler, em suas páginas, seguidas condenações aos
serviços da Light, no Rio de Janeiro, que é responsabilizada por provocar os “apagões”
134
e
por prestar péssimos serviços no setor de transportes e no de telefonia, sendo acusada,
inclusive, de ter um plano para se livrar dessas atividades menos lucrativas para ficar apenas
132
“Os responsáveis”, O Jornal, 28 novembro de 1951, Caderno 1, página 4.
133
“Retrato do Brasil: Eletrificação I”, O Jornal, 22 de abril de 1954, Caderno 1, página 4.
134
Como nas seguintes reportagens: “Nada, ainda, sobre racionamento da energia elétrica”, O Globo, 9 de junho
de 1952, Caderno 1, página 1 e “NOVO RACIONAMENTO DE ELETRICIDADE”, O Globo, 14 de julho de
1952, Caderno 1, página 1.
323
com o monopólio de energia elétrica, altamente rendoso, na opinião do jornal.
135
Não temos uma interpretação definitiva sobre essa tomada de posição do jornal, mas,
no nosso entender, ela pode ser tanto explicada por uma possível tentativa deste vespertino se
identificar com o público de leitores, através do tema da defesa do consumidor carioca diante
da oferta de serviços bastante deficientes. Mas também pode ainda ser resultado da própria
postura de relativa resistência ao investimento do capital estrangeiro no Brasil, que
encontramos neste jornal desde o início de nossa pesquisa.
O Correio da Manhã também apresenta críticas pesadas à Light e aos serviços
deficientes prestados ao consumidor carioca,
136
mas é o único periódico no qual podemos
identificar um posicionamento direto sobre os dois atos do governo relativos ao tema em
questão. No primeiro deles, o Fundo de Eletrificação, o jornal afirma que, no Brasil, o capital
privado não tem conseguido fazer os investimentos necessários para aumentar a produção de
eletricidade, lembrando que em “nenhum outro campo (...) é mais essencial a intervenção
regularizadora do Estado, na sua missão de suprir as lacunas da iniciativa privada, visto que o
suprimento de energia elétrica constitui um verdadeiro serviço público do qual dependem
todas as demais atividades econômicas.
137
Depois de estimar qual seria o montante do
investimento necessário, o jornal argumenta:
Não pode a iniciativa particular, no montante e para o objetivo desejado,
preencher o déficit de investimento acima indicado. O erro do Conselho Regional
de Economia, como acaba de reconhecer o presidente da República, consistia em
crer, contra a evidência, fosse possível mobilizar capitais privados para um
investimento de tal vulto, num empreendimento cuja rentabilidade máxima está
fixada em 8%. (...) Andou certo o governo, portanto, ao elaborar o projeto de
um Fundo Nacional, que reunisse os recursos necessários para a eletrificação
do país.
135
No que se refere ao sistema telefônico, O Globo afirma o seguinte: “A opinião pública acompanha com
evidente simpatia a atitude do prefeito João Carlos Vital no caso dos serviços telefônicos. Não é comum
enfrentarem os nossos administradores as manobras da Light com a tenacidade ora revelada pelo Prefeito do
Distrito Federal. (...) Esta medida [encampação dos serviços] é desaconselhável por dois motivos. Em primeiro
lugar, serviria para desobrigar a Light dos ônus de um serviço que não mais interessa. Ora, se a empresa
faz questão de manter o monopólio do fornecimento de energia, que tão notórios lucros lhe dá, por que
fazer o seu jogo e libertá-la de uma exploração que não mais lhe sorri tanto? (“A questão dos telefones”, O
Globo, 6 de setembro de 1951, Caderno 1, páginas 1 e 3).
136
Na coluna não-assinada, Tópicos & Notícias, podemos ler, no texto intitulado “Desaforo”, o seguinte:
“Ultrapassa os limites da irresponsabilidade o fato de uma companhia de utilidade pública como a Light resolver
privar de luz e força, por zonas, sem o menor aviso prévio, uma cidade como o Rio de Janeiro. (...) Mas então a
senhora dos telefones não tem meios para se comunicar com o público? Então na era do rádio a Light não pode
prevenir a população em geral e as indústrias de que de tantas a tantas horas vão ficar sem luz e sem força, para
se preparem, para que iniciem suas atividades mais cedo? Nosso espaço, como o de toda a imprensa, está à
disposição de quaisquer avisos que afetem diretamente o interesse público. (...) O governo que se encarregue de
ver que o fato não se repita. Se é ele quem endossa os pedidos de empréstimos da Light às agências
internacionais de crédito, bem pode exigir que a companhia cumpra seu dever para com o público” (Correio da
Manhã, 3 de maior de 1952, Caderno 1, página 4).
137
“Política de Eletrificação”, Correio da Manhã, 10 de maio de 1953, Caderno 1, página 4.
324
Não pode o governo, todavia, limitar-se a providências gerais de caráter legislativo,
criando apenas um Fundo de Eletrificação, para eventual financiamento de usinas
elétricas. Além do aspecto financeiro, é imprescindível levar em conta os aspectos
econômico e técnico do problema. Do ponto de vista técnico, impõe-se a imediata
preparação de projetos concretos, criando-se um órgão apropriado para
executá-lo segundo uma escala de prioridades. Quanto ao aspecto econômico, vem
o plano de eletrificação tornar ainda mais urgente a necessidade, que tantas
vezes temos salientado, de elaborar o governo um esquema geral de
investimentos.
Já, em relação ao segundo ato, o Plano de Eletrificação, o Correio toma uma posição
contrária ao mesmo. Este programa recebe um destaque bem menor, não sendo objeto de
comentários em editoriais, mas apenas na coluna não assinada Economia & Finanças.
Nesse espaço, a fórmula do governo é criticada por estabelecer “mais um monopólio estatal”,
que teria como consequência nefasta acarretar “maior ônus fiscal sobre o contribuinte” e
“maior fracionamento da receita orçamentária e de orientação econômica geral”, em prejuízo
da proposta de centralizar a administração das verbas públicas.
138
A coluna também censura o
argumento de que o empreendimento estatal era justificado pela carência de investimento
privado no setor de eletricidade, afirmando que isso ocorre devido à legislação que inibe o
lucro das companhias particulares. Termina por comentar o seguinte: “não se pode
desconhecer que nessa marcha vamos (ilegível) o Estado quer fazer tudo, ou melhor, faz
tudo. Investe em todos os setores e de modo apreciável: transporte, energia, combustíveis
sólidos e líquidos, siderurgia e outras atividades estão hoje sob o controle do Estado.”
Embora fragmentários e parciais, os trechos acima permitem algumas conclusões. No
que se refere às críticas à Light e o posicionamento frente ao Fundo de Eletrificação, notamos
que o jornal segue o mesmo padrão de opinião que encontramos na questão do petróleo, ou
seja, desconfiança com as grandes companhias monopolísticas internacionais e apoio à
captação de recursos e investimentos estatais em setores de base da economia
insuficientemente supridos pela iniciativa privada, sem haver preocupação com o custo em
impostos desse processo.
no que se refere ao Plano de Eletrificação, temos a alternativa de desconsiderar o
texto analisado como opinião do CM por não ser um editorial. Mas, mesmo se o aceitássemos
como tal, ele não chega a surpreender. Primeiro, devido à própria conjuntura em que foi
escrito, na qual havia ocorrido a “vitória” do monopólio estatal do petróleo, contra a qual o
jornal tanto lutou, sem contar todo o desgaste político em torno do governo, envolvido em
uma série de pesadas denúncias. Segundo e mais importante, apesar da sua linguagem
138
“ECONOMIA & FINANÇAS: Eletricidade governamental”, Correio da Manhã, 14 de abril de 1954, Caderno
1, página 4.
325
bastante pesada, esse texto parece não fugir muito da posição mais geral que o Correio vinha
adotando em relação ao papel do Estado nos setores de base, pois o que é condenado não é a
interferência estatal em si mesma, mas a criação de um novo monopólio estatal.
5.3 Imprensa, Estado e desenvolvimento econômico: algumas considerações finais
Vimos até agora que os jornais pesquisados demonstram, em determinados momentos,
algumas preocupações bem características do pensamento ortodoxo ou liberal, como a
necessidade de controle da inflação, do déficit público e da emissão de moedas; igualmente
podemos encontrar críticas pontuadas ao protecionismo e à excessiva expansão do Estado na
economia, que poderia implicar em um indevido aumento da carga tributária e uma
inadequada extensão das atividades produtivas do poder público. Não faltaram, também,
críticas à burocracia, ao “dirigismo do Sr. Getúlio” e pregações contra a morosidade e a
ineficiência do Estado.
Ao mesmo tempo, porém, podemos constatar um endosso às novas agências
inauguradas pelo governo (CDI, CMBEU, BNDE), apoio ao aumento dos tributos para
viabilizar diversos programas do Executivo e, no mínimo, tolerância com a criação de um
banco público de investimentos (BNDE) e mesmo de empresas estatais (Petrobras). Não
faltaram também jornais que pediram mais protecionismo à indústria nacional e defenderam a
necessidade de maior controle do fluxo de mercadorias e de capitais, para evitar
desequilíbrios no balanço de pagamentos.
Diante de tanta diversidade de posições, cabe uma pergunta: qual seria a concepção de
Estado defendida pelos jornais aqui pesquisados?
A resposta a esta pergunta enfrenta uma série de dificuldades, dentre as quais,
gostaríamos de ressaltar duas.
De um lado, o simples fato de que ao contrário dos teóricos e acadêmicos de
economia os jornais dificilmente se colocam diante da necessidade de resolver esta questão
abertamente ou mesmo de lhe dar uma explicação precisa; o que mais encontramos na
imprensa são tomadas de posições diante de situações concretas e, muitas vezes, imediatas do
que discursos conceitualmente elaborados; é analisando essas linhas de ação que podemos nos
aproximar de uma resposta a esta questão.
De outro lado, com base em tudo o que vimos, não podemos estabelecer como meta
encontrar uma solução uniforme entre os jornais pesquisados e nem sempre é possível
326
identificar um posicionamento totalmente coerente em um mesmo jornal. O que nos obriga a
abandonar categorias muito amplas que procurem entender a imprensa como uma grande
unidade. Igualmente devemos considerar a própria natureza do jornalismo como campo
cultural, no qual os diferentes agentes se veem, constantemente, diante da necessidade de
atender a demandas distintas e contraditórias que se exercem sobre a sua produção textual.
Decorre daí que as resultantes desse conjunto de pressões podem ser, como afirma Bourdieu,
estratégias discursivas muitas vezes conciliatórias, outras vezes contraditórias e, até mesmo o
silêncio sobre temas excessivamente complicados.
Tendo como base estas duas ressalvas, vamos procurar fazer uma síntese do
posicionamento dos jornais aqui estudados para vermos até que ponto é possível identificar as
concepções de Estado presentes na forma como estes periódicos apreenderam a realidade
econômica brasileira do período, em especial no que se refere aos programas de investimento
do governo Vargas.
Quanto a isso, uma questão que chama a atenção em todo o levantamento que fizemos
é a raridade ou mesmo a ausência de referências positivas ao liberalismo econômico.
139
O que
encontramos com mais frequência é a defesa localizada e isolada de alguns princípios
basilares do sistema liberal, como o livre-mercado, a livre-concorrência e a iniciativa privada
ou a livre-iniciativa, mas cuja presença nos parece menos intensa do que poderíamos esperar
de jornais normalmente definidos como liberais.
140
Encontramos também na abordagem do papel do Estado na economia algumas críticas
dos jornais que poderiam ser identificadas com o pensamento liberal ou ortodoxo. De um
lado, censuras nas quais a imprensa ataca aquilo que considera como “defeitos inerentes” ao
aparato estatal, ou seja, características negativas que percebiam como da própria “natureza”
139
Uma das raras exceções foi a crítica, encontrada na coluna Tópico e Notícias, do jornal Correio da Manhã, às
palavras de um representante brasileiro à Quinta Reunião da Cepal, em Quitandinha-RJ, em abril de 1953, que
havia condenado o liberalismo ou laisez faire, como causa do atraso da agricultura do país: “No signo do laissez
faire realizou-se, sim, a evolução da indústria brasileira. E nesse setor não houve, por enquanto, necessidade de
intervenção estatal. A incompatibilidade não existe entre a industrialização e o liberalismo e sim em outra parte:
entre a industrialização, que é um processo evolutivo, e, por outro lado, a imobilidade de nossa agricultura, que
vive, em pleno século XX, no mesmo regime da época colonial” (“Contradições econômicas”, Correio da
Manhã, 18 de abril de 1953, Caderno 1, página 1). Todavia, essa referência ao liberalismo está sendo usada para
defender uma política que não era aceita pelos liberais da época: a industrialização do país.
140
Exemplos de defesa da livre empresa podemos encontrar em: “O trabalhador, a burocracia e a livre-empresa”,
O Globo, 5 de janeiro de 1953, Caderno 1, página 1. Sobre a livre concorrência ver: “Totalitarismo siderúrgico”,
O Jornal, 1 de maio de 1951, Caderno 1, página 4. Em relação à livre iniciativa ou iniciativa privada:
“Problemas rurais”, Correio da Manhã, 14 de abril de 1951, Caderno 1, página 4, “O ambiente das cidades e dos
campos”, Jornal do Brasil, 2 de março de 1952, Caderno 1, página 5, “O petróleo e as classes produtoras”,
Jornal do Brasil, 15 de maio de 1952, Caderno 1, página 5, “Má interpretação da iniciativa privada”, Jornal do
Brasil, 17 de janeiro de 1953, Caderno 1, página 5 e “Indústria e planejamento”, Correio da Manhã, 15 de
agosto de 1951, Caderno 1, página 4.
327
do Estado. Tal foi o caso das suposições de que este seria invariavelmente um mal executor de
tarefas específicas da iniciativa privada, como a indústria e o comércio,
141
ou apresentaria
tendências inevitáveis à burocratização e à acomodação do funcionalismo.
142
Essas críticas,
porém, eram pouco frequentes, sendo superadas pelas do segundo tipo, nas quais os jornais
não condenam o Estado em si mesmo, mas a forma como ele estava organizado no Brasil,
incapaz de executar tarefas básicas para a coletividade, ineficiente em matéria de fiscalização
e dissipador de dinheiro público e causador de inflação.
143
Um dos pontos que chama a atenção na forma como o Estado brasileiro era retratado
esteve no que os jornais consideravam como sendo a excessiva burocratização dos serviços
públicos nacionais, que estaria levando a uma espécie de cristalização e ineficiência da
máquina administrativa. Um bom exemplo disso pode ser encontrado nesse editorial de O
Globo, intitulado exatamente “A máquina de triturar verbas orçamentárias”:
A burocracia chegou a extremos tais, entre nós, que se transformou em uma máquina
de triturar verbas orçamentárias, sem vantagens maiores para o país. Se o
desajustamento hoje existente nos serviços públicos brasileiros não for
superado sem demora é certo que a situação não melhorará, pois as medidas, tão
esperançosamente divulgadas pelo presidente da República, no seu discurso de
ontem, carecerão de forças para corrigir o atual estado de coisas.
144
Essa preocupação com a “burocratização” não deixa de ter semelhança com uma das
principais críticas formuladas, segundo Pedro FONSECA, no “próprio seio da classe
dominante”, contra o programa de governo de Vargas, a saber: “a tendência de o Estado tomar
o lugar da iniciativa privada, às vezes denominada de „estatismo‟ ou „socialismo‟”. Tal crítica,
para o autor, não era condizente com a realidade mas tinha um forte caráter ideológico, na
medida em que o “liberalismo impregnado em parte das elites políticas (…) caía como uma
luva para os opositores do Executivo, e permitia denunciá-lo como estatizante” (op.cit., pp.
367-368).
Qual seria, então, a relação entre a crítica à “burocratização do país” e a presença de
Vargas na Presidência e os seus planos de desenvolvimento?
Quanto a isso, não é possível encontrar uma conclusão geral para todos os jornais
141
Consultar, por exemplo: “Petróleo e pesquisa estatal”, Jornal do Brasil, 3 de maio de 1952, Caderno 1, página
5), “Câmbio duplo fonte de encarecimento”, Jornal do Brasil, 19 de agosto de 1952, Caderno 1, página 5 e
“Obra dos adversários do governo”, O Jornal, 27 de julho de 1952, Caderno 1, página 4.
142
“Os projetos de exploração do petróleo”, Jornal do Brasil, 27 de julho de 1952, Caderno 1, página 5 e “O
trabalhador, a burocracia e a livre-empresa”, O Globo, 5 de janeiro de 1953, Caderno 1, página 1.
143
Ver: “A exposição do ministro da Fazenda”, Correio da Manhã, 7 de maio de 1952, Caderno 1, página 4 e “O
Governo e a Execução orçamentária”, Jornal do Brasil, 16 de março de 1952, Caderno 1, página 5.
144
O Globo, 9 de abril de 1952, Caderno 1, página 1. A mesma percepção pode ser encontrada em “Crise de
governo”, Correio da Manhã, 25 de março de 1952, Caderno 1, página 4.
328
pesquisados. Em alguns momentos, como no exemplo acima retirado de O Globo, esta
burocratização aparece como um empecilho à ação do governo, contra o qual ele deveria lutar.
Em O Jornal não encontramos relações diretas entre a “burocratização”, Vargas ou os seus
programas econômicos. No caso do JB, deparamo-nos com uma situação dúbia, pois a crítica
ao aumento da burocracia aparece na avaliação do projeto da Petrobras, mas, ao mesmo
tempo, o Executivo é elogiado por atacar o problema com a sua política de saneamento
financeiro.
145
É no Correio da Manhã, porém, periódico mais crítico ao presidente, que é possível
identificar uma associação clara entre a “burocratização” e ascensão de Getúlio à Presidência,
como se fosse um modus operandi de Vargas no poder, desde os anos 30.
146
Quando avaliamos com mais detalhes esta censura ao presidente, notamos, entretanto,
que ela não está vinculada à sua posição frente aos novos programas econômicos do
Executivo. Para este jornal, a condenação ao burocratismo varguista é acima de tudo uma
condenação do passado político do presidente ditador, controlador, centralizador de poder ,
passado que o jornal temia que pudesse ser atualizado no presente, como um fantasma a
rondar e a ameaçar a democracia estabelecida em 1945. De outro lado, o Correio não vai se
limitar apenas a condenar genericamente a burocracia e o burocratismo. A sua principal crítica
era que o Estado brasileiro estava assumindo, com o governo Vargas, novas responsabilidades
para as quais ainda não havia se aparelhado porque elas ultrapassavam as suas antigas
atribuições. Disso não concluía, porém, que este Estado devesse recuar no caminho
iniciado, mas defendia a necessidade de uma verdadeira reforma do aparato público. Em
outras palavras, o mal que padecia o Brasil não era excesso de burocracia, mas a
falta de uma verdadeira burocracia, organizada e dinâmica, dotada de programas
e critérios de ação. Experimentamos a burocracia como um tropeço exatamente
na medida em que deixamos de planejar a atuação do Estado, cuja presença é
cada vez mais exigida pela vida contemporânea mas que se transforma num
entrave, quando não sabemos tripulá-lo.
147
145
No JB, podemos encontrar: “Essa política de por termo ao excesso burocrático que tolhe a ação
administrativa foi executada com precisão e energia pelo governo, tendo enviado ao Congresso várias mensagens
no sentido de sistematizar o serviço público (...). O equilíbrio orçamentário é, sem dúvida, uma das realizações
que merecem ser realçadas neste primeiro ano de exercício” (“Nesse primeiro ano de administração”, Jornal do
Brasil, 31 de janeiro de 1952, Caderno 1, página 5).
146
“Problemas rurais”, Correio da Manhã, 14, de abril de 1951, Caderno 1, página 4.
147
“Política industrial”, Correio da Manhã, 2 de julho de 1953, Caderno 1, página 4. O Correio também
defendeu a necessidade de uma reforma no ensino que permitisse a formação de novos técnicos e
administradores (“Economia e ensino”, Correio da Manhã, 24 de junho de 1952, Caderno 1, página 4) e
defendeu o programa de reforma administrativa do governo Vargas, embora tenha o considerado
“demasiadamente modesto” (“O navio espera novo vento...”, Correio da Manhã, 5 de outubro de 1952, Caderno
1, página 4).
329
Mesmo argumento pode ser encontrado em O Globo, quando este vespertino
questionou qual era o plano do governo para adequar a burocracia às novas exigências do seu
programa de desenvolvimento:
Não haverá política econômica digna desse nome, entre s, que não inscreva na
primeira linha de seu programa meios eficazes de reabilitar a iniciativa pública,
técnica e financeira.
A iniciativa pública pede dois remédios supremos: controle e planejamento. O
ministro da Fazenda que, na instituição da Comissão de Desenvolvimento Industrial,
se mostrou preocupado em suplementar a iniciativa privada, não pode deixar sem
tratamento revulsivo a iniciativa pública, de que o nosso progresso parece depender
ainda mais.
148
Quanto à acusação do governo Vargas como “estatista” e, consequentemente, como
uma “ameaça à iniciativa privada”, notamos igualmente a sua presença nas páginas dos
jornais pesquisados.
149
Elas podem ser localizadas, por exemplo, nas censuras ao “dirigismo
getulista” quando o Correio condenou o sistema de seletividade da Cexim e no momento em
que este jornal combateu, com a ajuda do JB, os excessos de estatização do projeto da
Eletrobrás. Entretanto, elas eram menos frequentes ou mesmo estavam ausentes na análise do
conjunto das propostas de desenvolvimento do Executivo.
Como mostramos, os diários estudados aprovaram o principal projeto de ampliação do
poder de arrecadação e investimento do Estado (Plano de Reaparelhamento e o BNDE). Já,
em relação ao programa do petróleo, tivemos, no mínimo, uma divisão, com o JB e OJ sendo
mais resistentes e OG e o CM aprovando criação de uma empresa pública de economia mista
148
“Em meio ao marasmo ministerial”, O Globo, 25 de outubro, de 1951, Caderno 1, página 1. No mesmo
sentido, o jornal defendeu a proposta do ministro da Fazenda, Horácio Lafer, em reforma o seu Ministério: “Foi
iniciado o estudo de uma reforma do Ministério da Fazenda destinada a dar maior atualidade aos serviços
fazendários. Trata-se de iniciativa das mais acertadas, que precisa (sic) de ser levada a efeito no menor prazo
possível. Nesse e em outros setores administração brasileira foi ultrapassada pelos fatos. Como um jovem
que cresceu depressa demais e cujas roupas não mais comportam o coro desenvolvido, o Brasil está sendo
manietado pelo seu arcabouço administrativo. No Ministério da Fazenda, por exemplo, os processos se
arrastam sem solução, os executivos fiscais caducam à falta de andamento no prazo legal e a fiscalização carece
de (ilegível) para preservar os interesses do Estado” (“Gigante manietado pela burocracia”, O Globo 7 de agosto
de 51, Caderno 1, página 1).
149
Os dois maiores exemplos dessa preocupação com essa excessiva ampliação dos “tentáculos do Estado” sobre
a sociedade podem ser encontrados na crítica política de O Globo ao financiamento que Vargas teria feito a
empresas jornalistas, provavelmente referindo-se ao seu subsídio à Última Hora (“Moralização e defesa dos
cofres públicos”, O Globo, 5 de maio de 1953, Caderno 1, página 1), e a na condenação feita pelo Correio da
Manhã contra uma proposta da Câmara dos Deputados de intervenção nos negócios envolvendo jogadores de
futebol, que gerou o seguinte comentário do jornal: “Uma das características da época atual é a ampliação
progressiva das funções do Estado. estamos longe do tempo em que governo e autoridades apenas
desempenhavam as funções de um guarda-civil, mantendo a ordem nas ruas e prendendo os criminosos. Hoje,
não ordem nas ruas, e a polícia desistiu da pretensão de prender os assassinos. Em compensação, o Estado
intervém, com êxito variável, no tabelamento de preços da carne, na fixação do salário de professores
particulares, na realização de desastres ferroviários e na encenação de revistas musicadas. Intervém em tudo. Por
que não interveria nos esportes?” (“Esportes”, Correio da Manhã, 26 de abril de 1952, Caderno 1, página 4).
330
para o setor. Claro que, depois de aceito o monopólio pelo Executivo, os jornais convergiram
em censurar a nova companhia, mas, durante a discussão da Petrobras, a única crítica que
encontramos ao “estatismo” ocorreu no Correio da Manhã para defender o projeto do
governo, classificado como “estatismo moderado”, contra a tese do monopólio estatal,
condenada como “estatismo total”.
150
No que diz respeito à “ameaça à iniciativa privada”, essa preocupação aparece com
força nos momentos em que os jornais convergem em condenar as medidas intervencionistas
do Executivo para combater problemas de abastecimento de gêneros alimentícios nos centros
urbanos, através da Cofap.
151
Mesmo nesse caso, não houve a defesa de uma simples ausência
da presença do Estado na resolução dos problemas de abastecimento, mas sustentou-se uma
ação estatal mais eficiente, que não entrasse em choque ou se sobrepusesse à iniciativa
privada. O Correio da Manhã foi o jornal que deixou mais clara essa ideia num editorial
intitulado exatamente “Intervenção econômica”, no qual avalia um decreto do governo
aumentando o seu poder de fiscalização e repressão ao comércio varejista.
O que tem em vista o governo, na intervenção econômica, são as soluções a prazo
curto. Nada mais acertado do que o planejamento de soluções definitivas. Outra
não tem sido a nossa opinião. Isso não obsta, a que o governo deva se preparar para
as soluções de emergência. Mais do que poderes de intervenção econômica, o que o
governo precisaria são navios, vagões e caminhões.
O outro ponto que vale considerar é a fatal incapacidade dos órgãos públicos de
empreender com bom êxito operações comerciais. Os órgãos econômicos estatais
têm uma tradição de malogro. É necessária por isso cautela com o projeto da
intervenção econômica na parte em que o mesmo confia ao Estado operações de que
este se incumbirá mal. A intervenção econômica do Estado deve fazer-se em
termos gerais. Sempre que possível, caiba a execução das transações a
particulares, mediante concorrência e fiscalização.
Ao nosso entender, nesse trecho se destacam dois pontos fundamentais para o objeto
aqui em estudo: de um lado, a defesa da necessidade do planejamento econômico e, de outro
lado, o questionamento sobre até que ponto esse planejamento poderia ser estendido sobre as
atividades econômicas sem sufocar a iniciativa privada.
Quanto a esses dois pontos, somente o Correio da Manhã apresentou uma resposta
que podemos considerar explícita e integrada. Embora a percepção desse jornal não possa ser
necessariamente transferível para os demais, a partir de seu estudo, podemos, além de
entender melhor o pensamento defendido pelo CM, traçar parâmetros para interpretar a
posição dos outros periódicos.
150
“A Petrobras”, Correio da Manhã, 20 de abril de 1952, Caderno 1, página 4.
151
Ver, por exemplo, “Ameaçando a livre empresa”, O Jornal, 17 de maio de 1951, Caderno 1, página 4 e
“Esportes”, Correio da Manhã, 26 de abril de 1952, Caderno 1, página 4.
331
O tema do planejamento econômico vai se tornar uma verdadeira campanha ou
bandeira em torno da qual o CM vai construir a sua participação no debate público sobre o
desenvolvimento econômico do período. A defesa do planejamento aparece nos principais
momentos em que este jornal apoia as iniciativas do governo, como a criação da CDI, da
CMBEU e do próprio BNDE, também estará presente quando o Correio vai criticar o
Executivo, não por falta de planejamento, mas por planejar mal ou não seguir o que planejara.
Porém, o Correio não se limitou apenas a essa ação de comentar os programas do governo,
pois procurou fazer toda uma apologia do planejamento e da sua importância para a economia
nacional.
Em suas páginas podemos encontrar elogios à ação dos técnicos em planejamento,
dentre eles Rômulo Almeida, como representantes de uma “mentalidade criadora” que estava
remodelando o país.
152
Também notamos o seu empenho em uma verdadeira cruzada pela
sustentação teórica desse conceito, para que tal mentalidade se difundisse ainda mais. Nesse
caso, um dos pontos essenciais foi o combate explícito às associações que os liberais faziam
entre planificação, socialismo e totalitarismo. Ao apoiar a criação da CDI e a necessidade de
industrialização do país, este matutino afirmou que
De certo modo, tudo está por fazer em matéria de industrialização. Alcançamos nos
últimos anos, considerável progresso nesse setor. Mas, o aparecimento de novas
indústrias e o desenvolvimento de outras supriria diversas lacunas de nossa
economia manufatureira, a verdade é que a industrialização do país se tem
processado sem o menor planejamento.
153
Na sequência deste texto, o Correio salienta que, no mundo contemporâneo, não é
mais possível conseguir uma industrialização espontânea em países subdesenvolvidos diante
do estágio avançado das economias industrializadas do centro do capitalismo. Segundo ele,
para alcançar esse objetivo, nações como o Japão e a Rússia, “de regime político e de cultura
tão diferentes, adotaram, igualmente, o sistema do planejamento quando resolveram
industrializar-se.” Conclui afirmando:
o planejamento econômico, surgido com as doutrinas socialistas e depois endossada
pelo fascismo, não é mais considerado como dependente do totalitarismo, sendo
unânimes os autores quanto à possibilidade de ser ele empreendido em plena
vigência das liberdades democráticas. Independentemente das controvérsias
ideológicas, certos princípios sócio-econômicos que se podem considerar
cientificamente estabelecidos. Assim, deve-se reconhecer como regra pacífica a
possibilidade e, mais que esta, a necessidade do entrosamento entre a intervenção
planejadora do Estado e a livre iniciativa das empresas. Somente pela adoção de um
152
“Modelando o Brasil”, Correio da Manhã, 12 de novembro de 1951, Caderno 1, página 4.
153
“Indústria e planejamento”, Correio da Manhã, 15 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4.
332
plano se pode proceder em prazo curto e em bases econômicas à recuperação de uma
economia subdesenvolvida. (...)
A primeira tarefa da Comissão de Desenvolvimento Industrial será, portanto,
elaborar um plano para a industrialização. Cabe ao governo completar a iniciativa,
estendendo o planejamento aos outros ramos da economia, mediante um
planejamento geral.
154
Percebemos, nesse editorial, uma defesa doutrinária do planejamento econômico
compatível tanto com o pensamento desenvolvimentista quanto com a corrente industrialista
que estudamos no Capítulo II. É, também, uma concepção totalmente oposta àquela pregada
pelos liberais e neoliberais de todos os matizes, na medida em que sustenta como principal
saída para o subdesenvolvimento não as prédicas do livre mercado mas o controle
centralizado do Estado sobre o direcionamento dos recursos produtivos. Em nenhum dos
jornais pesquisados temos uma defesa tão nítida do planejamento econômico, embora
possamos encontrar a aceitação da necessidade de planos e programações para ações mais
localizadas.
155
Este mesmo texto também estabelece os limites dessa prática, ou seja, a necessária
articulação entre iniciativa privada e interferência estatal, que deve ser promovida e não
suplantada pela ação do Estado. Para o Correio, um dos pontos básicos dessa articulação
estava nas próprias agências planejadoras, que deveriam congregar os técnicos do governo e
os representantes empresariais. Isso fica claro no apoio à criação da CDI, mas pode também
ser identificado na própria defesa do BNDE.
156
Em relação aos demais jornais, encontramos a
mesma pregação quando eles sustentam a criação da CDI pelos mesmos motivos apresentados
154
Idem. Outros exemplos de defesa do planejamento geral da economia brasileira podem ser encontrados em:
“Imaginação criadora”, Correio da Manhã, 28 de agosto de 1951, Caderno 1, página 4, “Mobilização da
indústria”, Correio da Manhã, 21 de maio de 1953, Caderno 1, página 4, “Consciência industrial”, Correio da
Manhã, 6 de junho de 1953, Caderno 1, página 4 e “Modelando o Brasil”, Correio da Manhã, 12 de novembro
de 1951, Caderno 1, página 4.
155
O Jornal usou seguidamente na palavra “plano” e elogiou os trabalhos da CMBEU como “o início do plano
geral, que abrange outros setores da atividade nacional” (“O problema principal”, O Jornal, 4 de janeiro de 1952,
Caderno 1, página 4). OG, por sua vez, em um editorial em que comentou os recursos destinados ao BNDE,
afirmou o seguinte: “O centro desse programa de investimentos básicos sem dúvida, o maior e até aqui o
mais bem planejado das administrações republicanas é a Comissão Mista Brasil Estados Unidos cuja
criação e implantação (sic) assinalou o advento da nova política de cooperação com os Estados Unidos”
(“Quando o governo vai apelar para um empréstimo interno”, O Globo, 24 de outubro de 1951, Caderno 1,
página 1). o JB salientou o trabalho de planejamento da Comissão, ressaltando a sua diferença com outros
programas econômicos brasileiros, especialmente na organização financeira: “Noutros tempos, a improvisação
era a regra. (...) A perspectiva de agora é bem diversa, esperando o povo que um pouco mais de
austeridade administrativa venha proporcionar o clima interno necessário ao prosseguimento do
programa traçado pelo ministro da Fazenda, que sempre se preocupou com os problemas fundamentais,
pondo de lado as fantasias e abstrações, tão do gosto de certos doutrinadores e homens públicos” (“O relatório
do ministro da Fazenda”, Jornal do Brasil, 1 de novembro de 1951, Caderno 1, página 5).
156
“Banco de investimentos”, Correio da Manhã, 14 de novembro de 1951, Caderno 1, página 4, Ver, também,
“Consciência industrial”, Correio da Manhã, 6 de junho de 1953, Caderno 1, página 4 e
333
no Correio.
157
A segunda forma de entrosamento entre a iniciativa privada e a ação estatal se
quando ocorre uma interferência direta do Estado nas atividades produtivas. Vimos que, em
geral, os jornais estudados apoiaram propostas estatais de captação de recursos internos e
externos para financiar investimentos em infraestrutura que pudessem fomentar as atividades
produtivas. Mas em relação às empresas estatais, localizamos bastante diferença entre os
jornais quando analisamos o caso da Petrobras, pois apenas o Correio e O Globo foram
partidários da criação de uma empresa de economia mista para desenvolver o setor com a
parceria da iniciativa particular.
Entretanto, em outras situações, podemos encontrar maior convergência dos jornais,
como foi o caso da opinião que emitiram sobre a Companhia Siderúrgica de Volta Redonda. O
Correio, por exemplo, ao discutir como a CMBEU e o Banco Mundial deveriam avaliar a
“rentabilidade” de cada empreendimento submetido à sua análise, empregou o seguinte
raciocínio:
Rentabilidade, porém, de cada projeto em si ou rentabilidade geral, tendo em
vista o seu efeito em toda a economia? No primeiro caso, estão os projetos de
obras e (ilegível), cujo financiamento deve ser amortizado pelo próprio lucro; no
segundo, além de satisfeita a primeira condição, a considerar-se a
rentabilidade suscitada em outros setores da economia. Exemplo: Volta
Redonda.
Além da própria rentabilidade, Volta Redonda provocou ou tornou possível a
rentabilidade de outras iniciativas. Em São Paulo, principalmente, prosperam hoje
inúmeras indústrias de transformação dos subprodutos de aço que lhes fornece Volta
Redonda. (...)
Pelo lado da rentabilidade do projeto em si e sua macrorentabilidade ao
conjunto da economia, é difícil, senão impossível, encontrar-se outro que o
supere [Volta Redonda]. (...)
158
Este trecho é interessante não apenas pela defesa de mais um empreendimento estatal
de economia mista como modelo para guiar as ações da CMBEU. Chama a atenção, também,
o argumento empregado para esta defesa: o conceito de macrorentabilidade, muito semelhante
à noção de “economias externas”, que defendia a ideia de que pesados investimentos em
determinados setores da economia eram aceitáveis por permitir um efeito dinamizador em
toda a cadeia produtiva. Esse argumento era usado pelos desenvolvimentistas para justificar
investimentos estatais em indústrias de base e em atividades que não seriam cobertas pela
157
“Um novo órgão”, O Globo, 7 de julho de 1951, Caderno 1, página 3, “Justificado otimismo”, O Jornal, 9
junho de 1951, Caderno 1, página 4 e “Produção barata e escoamento fácil”, Jornal do Brasil, 31 de agosto de
1951, Caderno 1, página 5.
158
“Comissão Mista, Volta Redonda e Central do Brasil”, Correio da Manhã, 22 de julho de 1951, Caderno 1,
página 4.
334
iniciativa privada e agora aparece nos jornais com um emprego semelhante.
159
Com menor clareza conceitual, o JB e O Jornal também foram bastante eloquentes
em defender a importância de Volta Redonda para a economia nacional, especialmente por
seus efeitos incentivadores das atividades privadas a ela vinculadas.
160
Esses dois jornais
igualmente apoiaram a necessidade de intervenção estatal no caso do carvão, indicando que
não eram necessariamente contrários a um grau razoável de ação do Estado nos setores de
base. Segundo o JB, por exemplo, a situação da nossa produção nos obrigava a
nacionalização dessa indústria, como recurso único, para resolver os embaraços do
problema em curso, conquanto contrariando a velha tese da aplicação de capitais
privados, desde que amparados por medidas de garantias e normas de trabalho
adequado, de vez que se trata de atividade intimamente ligada à economia do País.
E são várias as razões que militam em favor da interferência do Estado.
161
Em conclusão, podemos perceber que um grau razoável de tolerância quando não
uma boa aceitação da ação industrial do Estado nos setores de base onde a iniciativa particular
é considerada insuficiente, desde que essa presença venha possibilitar e/ou expandir as
inversões privadas e não sufocar ou suplantar as mesmas.
159
Segundo BIELSCHOWSKY, apesar de não haver consenso ou clareza entre os liberais sobre o conceito de
economias externas, Eugênio Gudin “excluía planejamento, era cauteloso quanto à elevação de tributação e
parecia não acreditar na ideia de economias externas globais promovidas por um processo de industrialização”,
na medida em que isso pudesse indicar que o mercado não fosse um bom indicador para a alocação dos recursos
(2000, p. 47). De outra parte, conforme este mesmo autor, deve-se à CMBEU, além da difusão da filosofia do
planejamento setorial, a divulgação do controle de criação de “economias externas”, que ajudou muito a
justificar o planejamento (idem, p. 385).
160
Como podemos perceber pela forma como OJ comentou o ato do presidente Vargas sancionando uma Lei
que autorizou o governo a elevação do capital da companhia: “A sansão dessa lei representa, sem dúvida, um
grande passo no sentido de atender ao progresso industrial do país, que hoje reclama mais aço; mas, ao mesmo
tempo, consagra o êxito técnico do notável empreendimento, que ficamos devendo ao governo do sr. Getúlio
Vargas no período anterior. (...) Vamos produzir mais aço, e isso significa que o país se prepara para enfrentar as
dificuldades que a situação internacional, sob a constante ameaça de uma nova guerra, poderá criar. Não se
prepara para essa eventualidade, como principalmente para dar uma base sólida ao surto atual de sua
industrialização, deixando de ser, pelo menos nesse particular, um país dependente” (“Vamos produzir mais aço”,
O Jornal, 9 junho de 1951, Caderno 1, página 4). Ver também: “Siderurgia e carvão vegetal”, O Jornal, 21
janeiro de 1951, Caderno 1, página 4 e “Não perdeu tempo”, O Jornal, 17 maio de 1951, Caderno 1, página 4.
Quanto ao JB, consultar: “A siderurgia no caminho certo”, Jornal do Brasil, 3 de junho de 1952, Caderno 1,
página 5 e “Nova política econômico-financeira”, Jornal do Brasil, 15 de dezembro de 1951, Caderno 1, página
5.
161
“Em torno do problema do carvão”, Jornal do Brasil, 17 de fevereiro de 1951, Caderno 1, página 5. Ver
também: “Em defesa do carvão nacional”, Jornal do Brasil, 10 de outubro de 1951, Caderno 1, página 5 e
“Ainda o carvão nacional”, Jornal do Brasil, 27 de outubro de 1951, Caderno 1, página 5. Já, em relação a O
Jornal, temos: “A situação da indústria carbonífera brasileira estava a exigir, em verdade, a intervenção do
Estado, com o objetivo de estimular as atividades extrativistas, de modo que, com esse estímulo, pudessem eles
atender às exigências de um consumo que vem aumento continuamente por força da ampliação de nosso parque
industrial.(...) É fato sabido que a proteção do carvão nacional, nas condições em que se encontra, deixa muito a
desejar. (...) Ora, a estabilização da indústria carbonífera deve ser garantida, porque essa indústria é
indispensável à vida econômica do país, especialmente quando os sucessos internacionais fazem cessar as nossas
fontes de suprimentos” (“Intervenção do Estado nos domínios do carvão”, O Jornal, 10 agosto de 1951,
Caderno 1, página 4).
335
Fazendo uma síntese do que foi exposto, notamos que os jornais pesquisados não
demonstram total clareza sobre o tipo de Estado que sustentam na conjuntura estudada e que
também o é possível identificar um modelo nas diversas posições que tomam sobre o
programa econômico do Segundo Governo Vargas. Mas, é perceptível um bom grau de
aceitação quanto à ampliação da intervenção desse Estado na economia brasileira como forma
de fomentar o desenvolvimento do país na arrecadação e centralização de recursos, na
atividade de planejamento econômico ou mesmo em determinados setores de produção
(indústrias de base).
Claro que os jornais demonstram também diferentes níveis de preocupação com os
possíveis excessos dessa participação estatal, estando sempre a postos para denunciar quando
ela parece ameaçar a “livre iniciativa”. Entretanto, as tomadas de posição dos impressos em
relação às propostas de intervenção estatal na economia vão bem mais além daquilo que era
permitido ou tolerado por um pensamento estritamente liberal ou neoliberal, aproximando-se
mais, com graus razoáveis de variação, do que era proposto pelos desenvolvimentistas.
O liberalismo, porém, ainda continua uma “teoria autorizada” pelo seu prestígio
acadêmico e por seu histórico de lutas contra os avanços indevidos do Estado, especialmente
quando se recorda a ditadura estadonovista. Dessa maneira, não deve surpreender que, quando
procuram criticar atos do governo ou mesmo desautorizar programas e ideias, princípios
basilares liberais sempre podem ser evocados para legitimar a posição de um impresso.
Entretanto, o apelo a noções como “planejamento”, “pontos de estrangulamento”, “crise de
crescimento” e “macrorentabilidade econômica”, dentre outras, feitos pelos jornais,
demonstra como o liberalismo não é capaz de fornecer os elementos conceituais para que
estes possam apreender e se posicionar frente à realidade brasileira do período.
162
Como agentes do campo jornalísticos, objetivamente interessados em lutar pela
condição de porta-vozes mais legítimos da coletividade na esfera de debates, os impressos se
veem também obrigados a buscar novos modelos intelectuais que lhes permitam interpelar
eficazmente o seu público leitor. Na conjuntura dos anos 50, esses modelos deveriam também
ser capazes de associar ao seu discurso um tom de “modernidade”, de apoio ao “progresso da
nação”, de “superação do subdesenvolvimento” e até de enfrentamento do “imperialismo
norte-americano”, ideias que estavam se tornando dominantes.
Não deve surpreender, porém, a forma como os jornais muitas vezes oscilam e
162
Quanto a isso ver PÉCAULT, op.cit.
336
transitam entre princípios teóricos diferentes, apelando para o liberalismo em alguns casos e
para conceitos desenvolvimentistas em outros. Devido às características de seu campo de
produção, os agentes jornalísticos fazem um uso estratégico das doutrinas na tentativa de
melhor interpelação do público leitor. Priorizando, dessa forma, no seu emprego que fazem
delas, muito mais os ganhos simbólicos que podem obter para a mobilização dos leitores
(valor de legitimação de suas falas) do que o apego à coerência e à pureza teórica, próprias do
campo acadêmico.
Por outro lado, não deve ser apenas coincidência que a maior identificação com o
discurso industrializante e os conceitos de progresso e modernidade a ele associados é
encontrada nos dois impressos que ocupam posições de maior destaque no campo jornalístico
entre os diários estudados: o Correio da Manhã e O Globo. Da mesma forma, não é por
acaso que a publicação mais identificada com a visão agrarista é aquela que apresenta a
principal trajetória descendente nesse espaço (Jornal do Brasil).
Independentemente dessas diferenças, as visões sobre o Estado mais perceptíveis nas
linhas de ação dos jornais se aproximam daquilo que era proposto pelo próprio governo
Vargas. É assim que podemos entender o endosso que, no geral, tais periódicos deram às
principais iniciativas desse governo na ampliação do papel do Estado (agências planejadoras,
plano de reaparelhamento, banco de desenvolvimento e, parcialmente, o projeto original da
Petrobras). Porém, também havia diferenças entre os jornais e o Executivo, em especial no
grau de participação destinado à iniciativa privada, nacional e estrangeira, nesses
empreendimentos. Os diários pesquisados, no geral, eram mais tolerantes que o governo nesse
quesito. Igualmente encontramos críticas dos impressos a muitas propostas governamentais,
no entanto, tais contestações aconteciam quando os programas de Vargas ameaçavam
ultrapassar os limites aceitos pelos jornais entre a ação intervencionista do Estado e a
liberdade privada (excesso de tabelamento, monopólios estatais) ou eram mal executados por
ele.
Em consequência, achamos correto aplicar, aos diários aqui analisados, conclusões
semelhantes a que chega a pesquisa de SARETTA sobre o posicionamento do Estado de S.
Paulo frente ao governo de Getúlio: “as críticas do jornal (o Estadão) ao governo federal são
muito mais de natureza política e administrativa do que relativas à economia e à política
econômica”.
163
Interpretação que ao menos o Correio da Manhã não deixaria de endossar:
163
SARETA, op.cit., 08.
337
Contrariamente ao que se poderia supor, o maior defeito do governo do sr. Getúlio
Vargas é sua inépcia política.(…) O Sr. Getúlio Vargas, por mais que
intelectualmente se esforce para manter-se à altura dos tempos, permaneceu,
psicologicamente, vinculado a suas experiências anteriores. (...) E é por este motivo
que mantém as sufocantes tradições burocráticas que centralizam, no presidente da
República, os mais insignificantes papéis. Homem do Estado Novo, conservou as
ilusões sobre a eficácia da demagogia trabalhista e das promessas mirabolantes.(…)
[O] Sr. Getúlio Vargas não compreendeu a medida em que, apesar de muitas
deficiências, a política econômico-financeira de seu governo poderia servir de
base para um profundo movimento de popularidade. (…) Não compreendeu
que uma política de desenvolvimento, baseada na formação de sociedades
mistas, proporciona, ao mesmo tempo, oportunidades para a classe média e
abundância de bens e serviços.
É por não compreender a situação do país e o alcance de seus próprios atos que
o Sr. Getúlio Vargas proporciona aos adversários a ocasião de criticar-lhe os
erros e de se beneficiarem de seus acertos.
164
164
“Inépcia política”, Correio da Manhã, 21 de junho de 1952, Caderno 1, página 4. Ver, também, “Pena de
morte”, Correio da Manhã, 10 de abril de 1951, Caderno 1, página 4.
Conclusão
Acompanhamos, ao longo dessa tese, a forma como alguns dos mais importantes
jornais cariocas dos anos 50 se posicionaram frente às principais ações do Segundo Governo
Vargas na programação, debate e execução de seu programa econômico. O nosso objetivo era
discutir as tradicionais interpretações que colocam na forte divergência entre projetos de
desenvolvimento para o Brasil, a base da oposição da grande imprensa do Rio de Janeiro ao
presidente. Também queríamos verificar como essas publicações, tradicionalmente
classificadas como liberais, tomaram posição diante do debate que se fazia no período sobre a
forma mais adequada de promover o desenvolvimento econômico do país.
Para tanto, fizemos inicialmente uma abordagem das principais interpretações sobre o
papel dessa imprensa nessa conjuntura, a fim de questionar a tese corrente de que o
jornalismo brasileiro dos anos 50 era totalmente subordinado ao universo político ou aos
poderes econômicos que o controlavam. Em outras palavras, que ele exercia apenas um papel
de porta-voz dos interesses imediatos daqueles que o controlavam.
Procuramos rebater essa visão através de análises como a de Lavínia RIBEIRO e de
ABREU&LATTMAN-WELTMAN e, especialmente, do aporte teórico de BOURDIEU.
Defendemos que era possível e necessário pensar que a imprensa do período, mesmo ainda
adotando uma postura polemista, não era uma instância totalmente subordinada à política e
aos grupos econômicos. Para entendermos as suas tomadas de posição deveríamos incluir
outros elementos na análise, como a forma pela qual os grandes jornais pretendiam construir a
sua inserção no debate público. O que faziam através das bandeiras e campanhas que
defendiam, instrumento fundamental para construir a sua relação e a sua autoridade com os
leitores. Por fim, afirmamos que o universo dos jornais não poderia ser pensado apenas como
um bloco monolítico, agindo em prol de um único interesse, mas era um espaço de confronto,
envolvendo a busca por legitimação entre agentes sociais e seus programas, projetos e ideias.
Depois, analisando o processo de desenvolvimento no Brasil do pós-guerra, pudemos
constatar a significativa e decisiva participação do Estado na consecução de um projeto de
industrialização acelerada para o país. Mas percebemos, também, que tal processo não foi
tranquilo. Em torno dele se estabeleceu um intenso debate sobre a forma mais adequada para
promover o desenvolvimento brasileiro, envolvendo a necessidade ou não de uma
industrialização acelerada, que, na prática, já vinha ocorrendo.
Nos anos 40 e 50, a principal reação a este processo ficou por conta do pensamento
339
liberal, renovado pelo neoliberalismo do pós-guerra, e que tinha no economista Eugênio
Gudin o seu principal representante.
Gudin foi um forte adversário do processo e dos projetos de industrialização baseados
na ampla participação do Estado. Defensor do livre-mercado, era totalmente contrário a
qualquer interferência estatal que viesse a deturpar o mecanismo de preços. Dessa maneira e
com argumentos, lógica e teoricamente, bem construídos , atacava qualquer inciativa do
poder público que viesse a ampliar a presença estatal na economia, como protecionismo,
concentração de recursos nas mãos dos governantes e, com especial ênfase, a criação de
empresas públicas de qualquer tipo. Para ele, o desenvolvimento econômico do país deveria
seguir o caminho tradicional da especialização primária, pois qualquer alteração nesse modelo
por interferência do poder público iria provocar distorções na economia e, assim, ineficiência
produtiva.
A defesa da industrialização era uma bandeira antiga no Brasil, cuja origem pode
ser localizada no movimento industrialista surgido na passagem do século XIX para o XX.
Nos anos 30 e 40, a consciência da necessidade da consolidação do parque fabril irá se
ampliar, abrangendo intelectuais, militares, técnicos e políticos, para os quais o Brasil só seria
uma nação forte e próspera se pudesse se industrializar. Entretanto, todas essas correntes
tinham dificuldades de enfrentar o liberalismo dentro do terreno da teoria econômica,
baseando as suas expectativas mais em experiências práticas do que em sólidos argumentos
analíticos.
Os anos do pós-guerra iriam modificar esta situação, na medida em que uma nova
teoria econômica ganharia corpo e se tornaria a principal alternativa conceitual ao liberalismo
ainda dominante na academia: o desenvolvimento.
Dividido em diversas correntes, o pensamento desenvolvimentista tinha como base a
necessidade da industrialização planejada para o progresso econômico dos países
subdesenvolvidos. Na verdade, para eles, não havia saída para o subdesenvolvimento fora da
industrialização com apoio efetivo do Estado. O surgimento e a difusão do pensamento
econômico da Cepal ainda atraia mais solidez teórica a esta doutrina, contribuindo
decididamente para a sua consolidação como programa econômico. Dessa maneira, novas
categorias vieram se unir às tradicionais para formar um arcabouço conceitual capaz de
compreender a realidade econômica e social do país e oferecer alternativas para o seu
progresso. Deterioração dos termos de troca, planejamento econômico, crise de crescimento e
pontos de estrangulamento passaram a circular nas discussões entre técnicos, políticos,
340
militares, entre outros, oferecendo poderosos instrumentos intelectuais para pensar um novo e
remodelado Brasil.
Vimos como o Segundo Governo Vargas foi um momento privilegiado desse processo,
onde o desenvolvimentismo tornou-se uma verdadeira política de Estado e um projeto de
industrialização planejada foi colocado em prática, embora enfrentando limites de toda a
ordem.
Em nossa pesquisa, constatamos que a grande imprensa carioca estudada esteve
diretamente envolvida nesse debate.
Mas longe de representar o lugar da unicidade de discursos e intensões, as páginas dos
jornais deram espaço a um intenso debate. Teses distintas e opostas se digladiaram em
busca da definição sobre qual seria o rumo mais adequado para o país. A questão da
necessidade ou não da industrialização acelerada foi um dos elementos essenciais dessa
disputa e sobre ela os jornais assumiram diferentes e conflitantes pontos de vista.
O Jornal do Brasil fez uma intensa defesa da imperiosidade de o país resgatar o seu
passado histórico, a sua “identidade nacional” e, assim, fomentar novamente a produção
agrícola. Para tanto, empreendeu uma verdadeira cruzada contra a mentalidade industrialista
dominante, acusando-a de ser a grande responsável por desviar os fatores produtivos das
atividades primárias para uma “indústria artificial”, que não representava a verdadeira
natureza do país.
Os demais jornais, porém, saíram em defesa da ideia de que a industrialização do
Brasil, mais do que benéfica, era uma necessidade para o país, a única forma de atingir o seu
progresso econômico e fugir do pauperismo. Mas os diários defensores dessa industrialização
também apresentavam diferenças entre si.
O Jornal ficou em uma posição intermediária, procurando adotar uma linha de
conduta que conciliasse todos os principais interesses em jogo, como a defesa dos programas
do governo, as necessidades da agricultura e as demandas da indústria. A resultante desse
conjunto de pressões acabou sendo uma estratégia discursiva bastante sinuosa, que muitas
vezes preferiu o silêncio a um posicionamento claro.
O Globo foi o jornal cujo papel mais se aproximou da condição de porta-voz de um
grupo corporativo, no caso, os industriais representados pela Confederação Nacional da
Indústria (CNI) e seu presidente, Euvaldo Lodi. Curiosamente, é um grupo bem diferente
àquele que a historiografia tem apontado como sendo o que lhe dava suporte. Mas não
devemos imaginar que o papel de O Globo foi o de mera instância subordinada. Sendo um
341
dos jornais que mais crescia no período em termos de tiragem e de rendimentos, a defesa que
este vespertino faz da industrialização e da indústria é também a defesa das próprias
condições objetivas que lhe garantiam uma trajetória ascendente dentro do campo jornalístico
carioca dos anos 50.
o Correio da Manhã tomou uma postura diferente. Combateu a estrutura fundiária
do país como sendo uma das causas do atraso econômico, defendendo a necessidade da
reforma agrária. Entrou em choque contra os interesses do comércio exportador ao acusá-lo
de querer manter o Brasil eternamente na condição inferior de produtor primário. Foi um forte
crítico do atendimento das demandas imediatas dos industriais (por proteção aduaneira ou
mesmo privilégios cambiais). Entretanto se colocou como “o verdadeiro ideólogo” da
industrialização planejada, defendendo a sua necessidade para o progresso do país. Nessa luta,
tentou empreender uma campanha educativa para conscientizar os próprios industriais do
interesse que eles deveriam ter como classe em promover uma industrialização ordenada, o
qual era equivalente ao interesse do próprio país. Estratégia discursiva que fica melhor
compreendida quando consideramos a posição dominante que este jornal ocupa no próprio
interior do campo jornalístico. Esta posição o leva a privilegiar, em suas linhas de ação, a
manutenção ou o aumento do capital de prestígio do qual ela mesmo deriva.
Nesse confronto de propostas e nessas estratégias distintas em relação ao tema em
discussão, percebemos que a tese da necessidade da industrialização ganha vasto terreno entre
os jornais, mesmo naqueles que são considerados “liberais”. Mas essa tomada de posição,
além de não ser unívoca, também não pode ser reduzida a uma tarefa de subordinação. Nem
toda a defesa da industrialização ou da especialização agrária pode ser reduzida à mera defesa
da indústria e da agricultura, ou seja, dos interesses imediatos dos grupos envolvidos. Além
disso, os próprios jornais assumem uma postura ativa nesse processo, querendo se colocar na
dianteira do debate, desejando conscientizar os próprios grupos envolvidos de quais são os
seus verdadeiros interesses.
Mas o avanço da tese industrialista entre os jornais não pode ser completamente
entendida se a pensarmos apenas sobre os seus aspectos econômicos ou políticos. Como
vimos, na conjuntura dos anos 50, a industrialização não significava apenas desenvolvimento
material, mas era associada a questões como força, soberania e independência nacional. Em
outras palavras, eram sentidos que envolviam a própria concepção de Nação e nacionalismo
estavam em jogo no momento, os quais, os jornais, não poderiam negligenciar sob pena de
perder o seu poder interpelativo sobre os seus leitores. Tema que ficou claro, não apenas na
342
aceitação parcial da industrialização pelo jornal defensor do agrarismo, mas no próprio caso
do decreto sobre o reinvestimento, que levou à convergência da imprensa com Getúlio, na
medida em que o debate em torno da mesma passou a envolver o “patriotismo”, a “soberania
nacional” e, mesmo, a rejeição do “imperialismo norte-americano”.
Nessa exposição também pudemos contatar que os jornais apresentaram um uso
bastante variado das teorias em disputa.
Em linhas gerais, todos os jornais se demonstraram a favor de medidas defendendo a
estabilidade na economia e fizeram uma verdadeira prédica pelo controle das emissões e por
um orçamento público equilibrado; também defenderam a necessidade de o país atrair capital
estrangeiro para alavancar o seu desenvolvimento econômico. Não faltaram críticas à
aprovação do monopólio estatal do petróleo e à medidas de intervencionismo no varejo.
Porém, esses mesmos jornais foram unânimes em advogar pela necessidade do
fomento à produção como forma de combate à inflação, pregando o aumento dos
investimentos públicos e privados em pleno processo inflacionário. Também defenderam, com
bastante entusiasmo, o papel das agências planejadoras e o aumento da capacidade de
arrecadação e de investimento público do Estado, mesmo que isso implicasse em majoração
de impostos e em aumento do aparato estatal.
Podemos concluir apenas por falta de coerência doutrinária?
Pode ser, mas preferimos optar por entender esse uso das teorias e conceitos como
estratégias argumentativas na busca da legitimação de suas tomadas de posição e na
desautorização das ações e programas dos quais se distanciavam. Notamos nos anos 50, que o
liberalismo, embora ainda uma teoria de prestígio na academia, não oferecia elementos
conceituais suficientes para o posicionamento dos jornais no campo de produção ideológica
tendo em vista as próprias condições estruturais do fazer jornalístico, obrigado sempre lidar
com demandas externas do campo econômico, político e, em especial, do público leitor.
Assim, como ser coerente com os nones liberais quanto estes defendiam que a saída
para a inflação era o recuo dos investimentos e um razoável nível de desemprego para
desaquecer a demanda? Essa conclusão poder satisfazer um acadêmico como Gudin na
disputa contra seus pares acadêmicos pela perfeição dos modelos teóricos, mas dificilmente
poderia ser assumido por agentes jornalísticos que devem procurar dar algum tipo de resposta
às expectativas de seus leitores, quando não de seus anunciantes, por progressos econômicos e
aumento dos ganhos materiais?
343
Da mesma maneira, o liberalismo parecia oferecer cada vez menores condições de
atender às necessidades de um campo jornalístico interessado em associar o seu discurso a
valores como “progresso da nação”, modernidade, modernização, desenvolvimento ou fuga
do subdesenvolvimento. Na conjuntura intelectual e social dos anos 50, estas noções
apresentavam um grande poder de legitimação e um enorme valor de mobilização coletiva aos
discursos que dele pudessem se apropriar eficazmente. A luta pela condição de porta-voz
autorizado do público leitor na esfera de debate obrigava os agentes do campo jornalísticos a
lidar diretamente com essas noções.
O episódio da cobertura dos jornais sobre o encontro da Cepal, em 1953, foi muito
elucidativo quanto a isso. A forma como esse organismo da ONU recebeu destaque e respaldo
nas páginas dos impressos estudados nos indica bem o grau de aceitação e de autoridade que
esta instituição havia alcançado no debate público brasileiro. Mas a maneira seletiva com
que os diários fizeram a leitura do encontro cepalino, ou seja, selecionado os elementos quem
melhor se adequavam as teses previamente defendidas por eles, indica bem o uso estratégico
das teorias e das instituições que lhe davam suporte. Ou seja, se a Cepal conseguiu mais
respeitabilidade no debate público pela visibilidade que os jornais lhe deram, estes diários, por
sua vez, tentaram empregar a autoridade prévia desse órgão das Nações Unidas para legitimar
os seus próprios pontos de vista.
Todavia, apesar desse uso estratégico das doutrinas, podemos demonstrar nesse
trabalho que as tomadas de posição dos jornais, especialmente no que se refere a concepção
de Estado que podemos encontrar nas mesmas, aproxima muito mais esse universo do
pensamento desenvolvimentista do que do liberalismo. O próprio JB, que se caracterizou
como o jornal mais afinado com os cânones da ortodoxia econômica, não deixou de
incorporar elementos do desenvolvimentismo. Já os demais periódicos, em especial O Globo
e o Correio da Manhã, demonstraram grande afinidade com a corrente desenvolvimentista,
tanto pelo uso de alguns conceitos (ponto de estrangulamento, planejamento) quanto pela
aceitação das principais políticas públicas pregadas por esta corrente, como a industrialização
planejada, o protecionismo (no caso do OG) e a ação incentivadora e mesmo intervencionista
do Estado em alguns setores produtivos, notadamente das empresas de economia mista nas
indústrias de base e energia. Não cabe aqui querer enquadrar esses jornais em classificações
doutrinárias rígidas, o que fugiria a tudo que estamos indicando. Mas podemos aceitar que,
em linhas gerais, as políticas pregadas por esses jornais se assemelham ao que
344
BIELSCHOWYSKY define como “desenvolvimentismo do setor privado” no caso de O
Jornal e, com mais intensidade, de O Globo e desenvolvimentismo do setor público não-
nacionalista no caso do Correio da Manhã, embora este jornal se afaste dessa corrente por
defender um modelo de planejamento geral da economia e não setorial como era pregado
pelos seus defensores.
Mas acima de tudo, essas concepções se aproximam bastante daquilo que era
defendido pelo próprio programa econômico do governo de Getúlio. Em linhas gerais,
constatamos, nesta tese, que os jornais deram muito mais apoio do que condenaram os
principais itens desse programa. Foram favoráveis às linhas gerais do plano de estabilização
dos dois ministros da Fazenda e deram endosso entusiasmados à criação da CDI, da CMBEU
e do BNDE. Saíram também em defesa do Plano de Reaparelhamento de Lafer e, no caso do
Correio e de O Globo, sustentaram também a proposta original da Petrobras, a qual recebeu a
adesão parcial dos demais jornais quando a tese do monopólio estatal começou a ganhar
terreno.
Entretanto, tivemos críticas ao governo Vargas no que se refere às ações no terreno da
economia. Essas contestações, porém, localizavam-se nas propostas ou medidas do Executivo
que ultrapassavam os limites em que os jornais aceitavam a presença do Estado na economia
(monopólios estatais, intervenção no mercado de varejo). Nesses momentos os termos
“estatismo” ou “burocratismo” eram lembrados. Ou seja, houve mais censuras à algumas
diferenças de intensidade sobre a presença adequada do Estado do que divergências em
relação a concepção do programa econômico geral de Vargas.
Não faltaram, no entanto, críticas políticas ao governo quando ele deixava de executar
ou executava mal os seus programas, ou quando enveredava pelo caminho da “demagogia
populista ou trabalhista”, que podia colocar em risco toda a arquitetura econômica que o
próprio Executivo estava estruturando. Nesses casos, contudo, a estratégia geral dos jornais
foi mais de tentar conduzir as ações desse governo do que propriamente derrubá-lo. Por
caminhos nem sempre lineares, os impressos procuraram valorizar ou legitimar aqueles
aspectos (programas ou agentes) no interior do Executivo que consideravam positivos (Lafer,
Aranha, estabilização financeira, Petrobras original, etc.) e atacar e desautorizar aqueles que
consideravam negativos (Goulart, aumentos salariais, “nacionalismo xenófobo”,
“trabalhismo”, “populismo”). No momento em que o governo parecesse se inclinar para o
primeiro lado, era objeto de sansões positivas (embora com graus diferentes de intensidade),
mas quando se inclinava para o segundo, era alvo de duras censuras, mesmo por parte do
345
jornal que mais se aproximava do Executivo.
Em fim, notamos que a relação entre imprensa e política era muito mais complexa do
que os conceitos de subordinação e servilismo podem nos permitir compreender, o que ficou
bastante claro no caso da criação da Petrobras. Nesse processo, os agentes do campo
jornalístico adotaram diferentes estratégias, conforme a própria dinâmica do campo político
mudava as posições de homens públicos e partidos em torno da questão do petróleo.
Entretanto, nenhum jornal seguiu estritamente a linha de ação de um agente político
específico. Ao contrário, os diários deram e retiraram apoio aos agentes políticos com base no
seu próprio interesse como agentes do campo jornalístico envolvidos nessa disputa para impor
a definição de um programa mais apropriado à exploração do “ouro negro” brasileiro.
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