Download PDF
ads:
Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ
Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde
CECÍLIA CHAGAS DE MESQUITA
SAÚDE DA MULHER E REDEMOCRATIZAÇÃO:
IDEIAS E ATORES POLÍTICOS NA HISTÓRIA DO PAISM
Rio de Janeiro
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2
CECÍLIA CHAGAS DE MESQUITA
SAÚDE DA MULHER E REDEMOCRATIZAÇÃO:
IDEIAS E ATORES POLÍTICOS NA HISTÓRIA DO PAISM
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História das
Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz -
FIOCRUZ, como requisito parcial para obtenção
do Grau de Mestre. Área de Concentração:
História das Ciências.
Orientadora: Profª Drª Cristina M. O. Fonseca
Rio de Janeiro
2010
ads:
3
Ficha Catalográfica
M582 Mesquita, Cecília Chagas de
Saúde da mulher e redemocratização: idéias e atores políticos
na história do PAISM / Cecília Chagas de Mesquita. - Rio de
Janeiro : s.n. 2010.
157 f.
Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da
Saúde)-Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2010.
Bibliografia: p. 146-157
1. Saúde da Mulher 2. História. 3. Política de Saúde 4.
Assistência à Saúde 4. Saúde Pública 5. Brasil.
CDD:
612.6
4
CECÍLIA CHAGAS DE MESQUITA
SAÚDE DA MULHER E REDEMOCRATIZAÇÃO:
IDEIAS E ATORES POLÍTICOS NA HISTÓRIA DO PAISM
Dissertação de mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em História das
Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz /
FIOCRUZ, como requisito parcial para obtenção
do Grau de Mestre. Área de Concentração:
História das Ciências.
Aprovada em 10 de agosto de 2010.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Profª Drª Cristina M. O. Fonseca (Orientadora)
Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ
______________________________________________
Prof. Dr. Luiz Otávio Ferreira
Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ
______________________________________________
Profª Drª Suely Gomes Costa
Universidade Federal Fluminense
Suplentes:
_____________________________________________
Prof. Dr. Luiz Antonio Teixeira
Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ
_____________________________________________
Profª. Drª Maria Martha de Luna Freire
Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro
2010
5
Aos meus pais,
seu apoio tornou isso possível
6
Agradecimentos
Agradeço, em primeiro lugar, aos meus pais, Francisco e Amilce, meus
primeiros mestres na vida, que sempre me incentivaram em meus estudos e estiveram ao
meu lado em todos os momentos, de um jeito discreto deles, mas sempre atentos aos
meus passos. Deus me deu os melhores pais do mundo!
Muitíssimo obrigada à Cristina, minha orientadora, pela atenção, paciência e
pelo carinho com que sempre me tratou, desde os preparativos para o processo de
seleção até os últimos acertos da dissertação. Seu apoio e suas observações foram
essenciais. Foi um privilégio tê-la como orientadora!
Aos meus irmãos, Leonardo e Isabela, obrigada por suportarem meus momentos
de silêncio e isolamento e às vezes de mau humor, em que estive atolada de textos e
livros ou na frente do computador – quase o tempo todo!
Frederick, mesmo com toda a distância entre nós, sua presença em minha vida
faz toda a diferença. Obrigada pelo afeto, pela força e compreensão sempre.
Não posso deixar de lembrar do carinho e da confiança com que fui recebida
pela tia Tereza e pela prima Daniely em sua casa. Muito obrigada. Tia Lúcia e tio Leão,
mais uma vez, obrigada por deixar as portas da “minha” casa de Icaraí sempre abertas
para mim. Se todos que estudam longe de casa tivessem tios assim...
Obrigada ao Felipe, pela ajudinha essencial e na hora certa mais uma vez.
A Agnes, muito obrigada pelos momentos de reflexão, relaxamento e pelas
“gotinhas” de esperança e autoconfiança.
Aos professores do PPGHCS, pelos valiosos ensinamentos. Aos funcionários e
colegas, obrigada pela ajuda e pelas conversas nos intervalos das aulas, minutos de
descontração que valeram muito.
Agradeço aos professores da banca, Suely Gomes Costa e Luiz Otávio Ferreira,
por contribuírem de forma tão rica para o meu crescimento intelectual e profissional.
Um agradecimento especial para à professsora Rachel Soihet, por me ceder uma
parte de sua pesquisa, contribuindo, mais uma vez, de forma tão significativa com meus
trabalhos acadêmicos.
Por fim e acima de tudo, agradeço a Deus pela vida e por me conceder a chance
de superar minhas limitações e angústias a cada desafio que me proponho enfrentar.
Talvez o mestrado não seja o maior deles, mas sem dúvida é um dos grandes.
7
Sumário
Resumo .............................................................................................................................8
Abstract .............................................................................................................................9
Introdução........................................................................................................................10
Capítulo 1. Estado, população e fecundidade: breve histórico do debate................22
1.1. Mulher e fecundidade no discurso médico-científico: a maternidade como função
biológica e social .............................................................................................................24
1.2. Do birth control ao planejamento familiar: o debate sobre população na primeira
metade do século XX.......................................................................................................28
1.3. Superpopulação, desenvolvimento e novas tecnologias contraceptivas: o debate no
pós- Segunda Guerra .......................................................................................................33
Capítulo 2. Contexto político e atores históricos na redemocratização....................41
2.1. As esquerdas e a oposição ao regime militar na segunda metade
da década de 1970............................................................................................................44
2.2. Os novos movimentos sociais ..................................................................................47
2.3. Panorama das políticas de saúde ..............................................................................48
2.4. O movimento da reforma sanitária ...........................................................................52
2.5. O movimento de mulheres e a segunda “onda” feminista........................................54
Capítulo 3. Perspectivas em debate: propostas e conflitos sobre planejamento
familiar no Brasil...........................................................................................................61
3.1. A polêmica do controle da fecundidade: personagens e estratégias.........................62
3.2. As reações contra os programas de planejamento familiar ......................................71
3.3. Conhecimento e autonomia: as perspectivas feministas de saúde da mulher...........90
3.4. As feministas às vésperas do PAISM.....................................................................108
Capítulo 4. O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM): um
exercício democrático..................................................................................................112
4.1. Elaboração e lançamento do PAISM......................................................................114
4.2. Reações e críticas ao PAISM .................................................................................124
4.3. O PAISM após 1983...............................................................................................132
Considerações finais......................................................................................................143
Referências bibliográficas e Fontes...............................................................................146
8
Resumo
Este trabalho procura analisar a articulação entre as ideias de diferentes atores
sociais vinculados ao movimento da reforma sanitária, ao movimento feminista e ao
Estado na configuração de uma política pública de saúde da mulher, o Programa de
Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), lançado em outubro de 1983, pelo
Ministério da Saúde. Os conceitos de saúde pública defendidos pelo movimento da
reforma sanitária articulados às concepções e práticas educativas sobre o corpo e a
saúde da mulher do movimento feminista, influenciaram no desenho do PAISM. Entre
meados das décadas de 1970 e 1980, a mobilização política pelo ideal da consolidação
de uma sociedade democrática no Brasil possibilitou um consenso entre diferentes
setores da oposição ao regime militar e ao neomalthusianismo, na elaboração do
PAISM, que procurava incorporar entre as demandas básicas de saúde da população,
aquelas que diziam respeito especificamente às mulheres, entre elas a contracepção,
antecipando diretrizes internacionais nesse campo e tornando-se referência para futuras
políticas de saúde da mulher.
9
Abstract
This paper analyzes the relationship between the ideas of different social actors linked
to the health movement, the feminist movement and the State in shaping a public policy
of women's health, the Program for Integral Assistance to Women's Health (PAISM),
launched in October 1983. Public health concepts espoused by the movement of health
reform articulated to conceptions and educational practices about the women’s body and
health by the feminist movement influenced the design of PAISM. Between the decades
of 1970 and 1980, the political mobilization for the ideal of a democratic society in
Brazil enabled a consensus among different sectors of the opposition to the military
regime and to the neo-Malthusianism in the preparation of PAISM, which sought to
incorporate the demands from primary care population, specifically those related to
women, including contraception, becoming a benchmark for future policies on women's
health.
10
Introdução
Este trabalho
1
tem como objetivo analisar a articulação entre diferentes atores
vinculados ao movimento sanitário, ao movimento feminista e ao Estado na elaboração
do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), lançado em outubro
de 1983, pelo Ministério da Saúde. Procuramos mostrar como as ideias e as
experiências desses atores políticos desempenharam papel relevante no desenho de uma
política pública de saúde da mulher.
A periodização da pesquisa refere-se aos anos de redemocratização do Brasil,
entre fins da década de 1970 e 1980, durante a ditadura militar, momento em que as
lutas em prol dos direitos políticos, civis e sociais ganharam força e se materializaram
na ampliação do debate político e na multiplicação e fortalecimento dos movimentos
sociais, em especial os de oposição ao regime. Contexto que tornou possível a abertura
de espaços institucionais para essas reivindicações, principalmente após as vitórias
eleitorais dos partidos de oposição.
1
Esta dissertação foi motivada por experiências de pesquisa sobre a história das relações de gênero e do
movimento feminista carioca, orientadas pela professora Rachel Soihet, durante a graduação e a pós-
graduação lato-sensu na Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Considerando essa experiência
prévia e o tempo limitado de preparação de uma dissertação de mestrado, privilegiamos a investigação
das fontes localizadas na cidade do Rio de Janeiro. As fontes de membros do movimento feminista
carioca são muito ricas e ainda pouco exploradas. Destacamos os arquivos pessoais sob a guarda do
Arquivo Nacional, fontes só recentemente organizadas e disponibilizadas para consulta: fundo Comba
Marques Porto, fundo Leonor Nunes Paiva e fundo Hildete Pereira de Melo. Embora não sejam
profissionais da área da saúde, essas mulheres tiveram uma longa e importante atuação no movimento
feminista brasileiro, participando dos debates sobre diversos temas relacionados aos problemas femininos
e acumulando acervo riquíssimo sobre esses temas, dentre eles o planejamento familiar e o PAISM.
11
Após anos de polêmicos debates sobre o controle da natalidade no Brasil, e de
tentativas fracassadas do governo federal de implantar programas de planejamento
familiar, o Ministério da Saúde lançou o PAISM, como resposta à Comissão
Parlamentar de Inquérito sobre problemas populacionais, instalada em 1983, a pedido
do Presidente João Baptista Figueiredo. O Programa de Assistência Integral à Saúde da
Mulher destacou-se na época por ter sido o primeiro programa estatal posto em prática
que se propunha a implantar a nível nacional o planejamento familiar no Brasil. Ao
mesmo tempo, tornou-se referência para a área da saúde pública e os feminismos no
Brasil por incorporar princípios defendidos pelo movimento da reforma sanitária e
novas concepções sobre a saúde da mulher, apregoadas pelo movimento feminista.
O PAISM foi um dos desdobramentos de uma política pública que tinha entre
seus objetivos, a expansão dos serviços básicos de saúde através de ações integradas e
da oferta de atenção primária, simplificada e horizontal
2
. Tinha também como segundo
objetivo responder à demanda pela atenção à saúde do grupo materno-infantil e pela
oferta de serviços de planejamento familiar, exigência de acordos e tratados
internacionais assinados pelo governo brasileiro e reivindicação de diferentes setores da
sociedade, como os grupos controlistas
3
, os médicos e os movimentos de mulheres.
Além disso, o governo tentava com essa política neutralizar as tensões envolvidas na
polêmica sobre controle da natalidade em momento delicado da vida econômica e
política do país na primeira metade da década de 1980 (OSIS, 1994).
Entre as décadas de 1970 e 1980 formou-se um debate entre grupos
heterogêneos feministas, sanitaristas, clero católico, demógrafos - em torno de um
projeto de saúde da mulher que contemplasse o planejamento familiar como um direito
de cidadania, em contraposição aos programas de controle de natalidade defendidos por
economistas, políticos, ginecologistas e entidades privadas de planejamento familiar,
financiadas por organismos estrangeiros sob perspectiva neomalthusiana
4
. Tal projeto
2
Assistência integrada se refere à oferta de serviços realizados a partir da integração das esferas federal,
estadual e municipal do poder público através de convênios entre Ministério da Previdência e Assistência
Social, Ministério da Saúde e secretarias estaduais e municipais de saúde. O conceito de atenção primária
e simplificada privilegia as triagens em postos de saúde comunitários antes do atendimento em centros de
saúde e hospitais especializados. Por atenção horizontal entende-se a visão global e integrada dos
problemas de saúde do indivíduo, ao contrário da atenção vertical, centrada numa parte do corpo do
paciente (OSIS, 1994).
3
Termo que usaremos neste trabalho para nos reportarmos aos setores da sociedade favoráveis ao
controle da natalidade como chave para o desenvolvimento sócio-econômico.
4
O neomalthusianismo foi um movimento ideológico surgido na Europa no século XIX, que defendia a
limitação do tamanho das famílias como forma de combater a pobreza e a promiscuidade. Os
neomalthusianos retomaram algumas das ideias de Thomas Malthus a respeito do ônus social gerado pela
12
de saúde, encampado, sobretudo, pelo movimento feminista e pelo movimento da
reforma sanitária, teria influenciado a elaboração do (PAISM), como procuraremos
demonstrar ao longo do trabalho.
O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher e o planejamento
familiar no Brasil são tema de uma vasta literatura, que vai de artigos jornalísticos e
científicos a dissertações e teses. Alguns trabalhos fazem recortes específicos,
enfocando um dos atores envolvidos nos debates sobre esses temas, como é o caso dos
trabalhos de Maria Isabel Baltar da Rocha (1993), referente às discussões sobre
planejamento familiar e aborto no Parlamento e a dissertação de Maria José Duarte Osis
(1994), sobre a origem do conceito de atenção integral à saúde da mulher (AISM) a
partir das ideias e experiências de ginecologistas da Universidade de Campinas.
Destaca-se ainda a tese do demógrafo Délcio da Fonseca Sobrinho (1993), que
escreveu uma história do planejamento familiar no Brasil, analisando a origem da
polarização ideológica entre controlistas e natalistas, cujo impasse teria se resolvido
com a entrada das feministas no cenário político e com a criação do PAISM.
Inúmeros artigos fazem balanços sobre o PAISM, seus fatores positivos ou as
causas de seus fracassos nos anos que se seguiram a sua implantação no sistema de
saúde. Alguns deles, escritos por agentes, protagonistas ou coadjuvantes, do processo de
construção do programa, como exemplo, os artigos da demógrafa Elza Berquó (1987),
da socióloga Sonia Correa (1993) (2003), das feministas Leila Linhares Barsted (1994)
e Jaqueline Pitanguy (1999) e os trabalhos da primeira coordenadora do PAISM, a
sanitarista Ana Maria Costa (1999), incluindo sua tese de doutorado (2004).
Esses trabalhos chamam atenção, entre outras coisas, para o fato de que apesar
dos avanços nas políticas de saúde pública no Brasil nos anos de 1980, o consenso da
época em torno do princípio da integralidade
5
, afinado com o ideal de Estado de Bem-
Estar Social deu lugar à concepção de saúde reprodutiva
6
e para as ações focalizadas
7
,
superpopulação e se engajaram na defesa do controle de natalidade através da contracepção (ROHDEN,
2003).
5
Princípio que visa assegurar aos indivíduos o direito à atenção à saúde, dos níveis mais simples aos mais
complexos, da atenção curativa à preventiva, e a compreensão do indivíduo em sua totalidade e dos
indivíduos e coletivos em suas singularidade (CAPONI, 2006).
6
Conceito adotado pela Organização Mundial de Saúde em 1988, que inclui os homens na dimensão
reprodutiva e inaugura a noção de saúde sexual (CORREA, JANUZZI, ALVES, setembro de 2003). A
ideia de saúde reprodutiva assinala, no espaço das práticas de saúde, a idéia da reprodução como direito e
não como dever. Aponta para o conjunto mínimo de condições que garantam à mulher que o ato de
reproduzir, ou a escolha por não reproduzir, não se constituam em risco de vida ou em dano à sua saúde.
(VILLELA, 2000)
13
refletindo o contexto neoliberal das duas últimas décadas. O modelo biológico tornara-
se hegemônico e fragmentara o cuidado à saúde, o que se refletiu nos programas do
Ministério da Saúde para assistência às mulheres, que até 2004 concentravam-se nos
cuidados a determinadas partes do corpo, agravo ou função, em contradição com o
modelo de atenção do SUS (COSTA, SILVESTRE, 2004) (COSTA, 2004).
Apesar das tentativas de esvaziamento da integralidade como eixo de políticas
públicas de saúde da mulher, a partir dos anos de 1990, esse princípio ainda é forte no
ideário dos atores da saúde. Tanto que em 2004, vinte anos depois da criação do
PAISM, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde
da Mulher, retomando o conceito de integralidade e buscando ampliar o acesso ao
planejamento familiar no Brasil (COSTA, SILVESTRE, 2004).
Considerando que o PAISM envolve questões ainda em debate e de grande
interesse na área da saúde e na sociedade em geral, buscamos colaborar na compreensão
do tema a partir de uma abordagem histórica preocupada em articular os atores
envolvidos nessa história, seus debates, convergências e divergências. Esperamos assim
contribuir para entender o papel desses atores na elaboração e na configuração do
PAISM em meio ao contexto de redemocratização entre fins da década de 1970 e 1980.
O período em questão foi marcado por importantes transformações nas relações
entre Estado e sociedade no Brasil e nas políticas públicas. Sob impacto da
democratização e de uma crise econômica, o país viveu mudanças nas políticas públicas
com base numa agenda de reformas construída democraticamente com participação de
diversos atores e inclusão de novos segmentos sociais como beneficiários. As
prioridades eram a descentralização e a participação da sociedade civil na
implementação das políticas públicas (FARAH, jan-abril, 2004), princípios presentes na
formulação do Sistema Único de Saúde, proposto pelo movimento da reforma sanitária
e realizado no âmbito da nova Constituição, em 1988.
Os movimentos sociais urbanos foram os principais agentes desse processo de
transformações, lutando pela redemocratização do regime e por melhoria nas condições
de vida e no acesso aos serviços públicos. Os movimentos de mulheres se destacaram
nesse cenário, revelando as mulheres como sujeito coletivo e tornando públicos temas
da esfera privada. Ao mesmo tempo em que elas denunciavam as desigualdades de
classe passaram a reivindicar direitos relacionados a temas ditos femininos como
7
Programas, acompanhamentos e avaliações estratégicos de impacto limitado sobre o conjunto da
população (IVO, 2004).
14
creche, saúde da mulher, sexualidade, contracepção e violência contra a mulher
(FARAH, jan-abril 2004). A mobilização das mulheres - sobretudo das feministas
8
-
contribuiu para a inclusão da questão de gênero
9
na agenda pública, como uma das
desigualdades a serem superadas no novo regime democrático.
Exemplo desse novo quadro do país foi a criação das primeiras políticas públicas
voltadas para a promoção da igualdade entre os sexos na década de 1980, sob influência
dos novos papéis sociais desempenhados pelas mulheres e da organização de grupos
feministas brasileiros. Dentre essas políticas destacaram-se: o Conselho Estadual da
Condição Feminina, 1983 (São Paulo); a Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher,
1985 (São Paulo); o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 1985 (Ministério da
Justiça) e o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), 1983
(Ministério da Saúde) (FARAH, jan-abril 2004). Esta última, objeto de nosso trabalho e
reflexo da amplitude das demandas na área da saúde e da participação destacada das
feministas nessa área.
Entre as estratégias de intervenção das organizações feministas na área da saúde
estavam: o questionamento da autonomia das mulheres em relação aos profissionais de
saúde expresso na meta de democratização das informações sobre corpo, sexualidade e
saúde; a proposta de mais alternativas assistenciais; a denúncia da gravidade das
questões da esfera reprodutiva, incluindo o controle da natalidade imposto às mulheres
dos países pobres (COSTA, BAHIA , CONTE, jan-dez 2007).
Ao longo da década de 1980, os grupos feministas se multiplicaram e ampliaram
o debate sobre sexualidade, reprodução, aborto, contracepção, sempre sob o viés da
autonomia das mulheres em relação ao seu próprio corpo, à vivência plena de sua
sexualidade, à livre opção pela maternidade. Bradando o lema “Nosso corpo nos
pertence”, exigiram que a mulher fosse tratada pela sociedade e pelas políticas públicas
como ser autônomo e não como um ser determinado pela sua função reprodutiva e pelo
8
A distinção entre movimento de mulheres e movimento feminista será melhor explicada ao longo deste
trabalho. Em suma, o movimento feminista se difere dos demais movimentos de mulheres deste período
por construir suas reivindicações com base no reconhecimento das relações de desigualdade e opressão
entre os sexos. Cabe lembrar que embora tivessem pontos em comum, as feministas não eram um grupo
homogêneo, apresentando diferentes visões sobre o feminismo e diferentes reivindicações.
9
O conceito de gênero, de um modo geral, enfatiza as relações sociais entre os sexos e permite a
apreensão de desigualdades de poder entre homens e mulheres. Além disso, destaca o caráter histórico das
diferenças entre os sexos e a construção social da percepção da diferença social. Dentro desta perspectiva
de gênero, chama a atenção para a necessidade de rompimento da homogeneização do masculino e do
feminino e para a existência de diversidade no interior de cada um desses campos. Incorporam-se às
análises de gênero outras dimensões das relações sociais tais como raça, classe e geração (FARAH, jan-
abr/2004).
15
papel de mãe. Nesse contexto surgiram críticas, por parte do movimento feminista, aos
programas verticais de saúde materno-infantil, os quais concebiam a mulher somente
enquanto mãe dos futuros filhos da nação, negligenciando os problemas de saúde
relacionados às demais fases da sua vida: problemas da adolescência e da menopausa,
doenças sexualmente transmissíveis, esterilidade, contracepção, entre outros.
Em seu caminho, as feministas se uniram ao movimento da reforma sanitária
pela redefinição, ampliação e democratização dos serviços básicos de saúde e contra as
ações que visavam ao controle da natalidade distribuição de pílulas, esterilização em
massa e pesquisas com contraceptivos de alta eficácia em mulheres das classes
populares - realizadas por entidades privadas de planejamento familiar e universidades
federais, ambas financiadas por capital estrangeiro e apoiadas por setores da sociedade
brasileira.
A partir dessas observações, elaboramos a hipótese de que as concepções
feministas sobre o corpo e a saúde da mulher em conexão com os pressupostos do
movimento da reforma sanitária influenciaram na elaboração do PAISM, uma política
pública de saúde da mulher que representou a transição do conceito de saúde materno-
infantil para o conceito de saúde integral da mulher, trazendo com uma de suas ações
inovadoras a oferta de serviços de contracepção e planejamento familiar.
Para nos auxiliar no processo de análise e comprovação da hipótese, recorremos
a alguns referenciais teóricos como suporte para construção e desenvolvimento de nosso
argumento. Sendo assim, articulamos os debates neo-institucionalistas no campo das
políticas públicas, com conceitos de história cultural e com referenciais teóricos das
análises sobre movimentos sociais.
Refutando generalizações teóricas sobre o Estado, o neoinstitucionalismo busca,
através da descrição de casos concretos, demonstrar que diferentes processos históricos
produzem padrões diferenciados de relação entre Estado e sociedade. Contrapondo-se
assim a pontos de vista que defendem a preponderância dos interesses de apenas um dos
atores sociais ou do Estado ou dos grupos de pressão da sociedade civil, por exemplo
– no processo de elaboração de políticas públicas.
Atento à fragmentação dos interesses na sociedade, o modelo
neoinstitucionalista analisa a influência das instituições políticas sobre os grupos sociais
e vice-versa, contemplando em suas análises identidades variadas e as estratégias dos
diversos atores sociais no processo de produção das políticas públicas. Segundo esse
modelo, os interesses e as estratégias da sociedade civil seriam condicionados pelas
16
instituições governamentais, as regras eleitorais, os partidos políticos e as políticas
públicas anteriores (ROCHA, jan-jun 2005).
Além disso, segundo o neoinstitucionalismo, é o estudo da história da formação
do Estado - e de suas respostas aos desafios internos e externos - que pode nos informar
sobre a capacidade de funcionários estatais e de políticos de implementar políticas
públicas (ROCHA, jan-jun 2005). O que está em debate, portanto, é o poder e a
autonomia das instituições estatais na definição de políticas públicas, o peso da
influência da sociedade sobre o Estado e a ligação entre as políticas públicas e as
complexas relações Estado-sociedade (MARQUES, 1997) (HALL, TAYLOR, 2003).
Fatores sociais como o confronto de interesses, o embate político-eleitoral e as
transformações na esfera do poder são capazes de gerar mudanças profundas no setor de
políticas públicas, fazendo surgir novos paradigmas. Ou seja, além de novos
instrumentos e metas para a implementação de políticas, surgem novas ideias e padrões
que orientam a abordagem da realidade pelos especialistas. Os grupos de interesse vão
fazer a ligação entre Estado e sociedade e as ideias vão ter um papel central na
elaboração das políticas, legitimando alguns interesses em detrimento de outros.
No quadro de ampliação do conflito de interesses e do embate político-eleitoral
durante o processo de redemocratização do país, os grupos que mediavam a relação
entre o Estado e a sociedade civil no Brasil do período em questão eram representados
por novos e antigos partidos políticos sobretudo os de oposição - e pelos movimentos
sociais que se destacaram a partir do período de distenção política ainda no governo
Geisel (1974-1978) e ganharam força a partir da volta do pluripartidarismo e da anistia,
em 1979, no governo Figueiredo, auge do processo de abertura política do Brasil.
O movimento da reforma sanitária foi um dos movimentos sociais que se
destacaram naquele período. Composto por uma militância que atuava principalmente
dentro do aparelho estatal propunha mudanças no modelo de saúde pública brasileiro.
Também o movimento feminista, embora organizado em grupos autônomos e
heterogêneos, encontrava-se em parte dentro de instituições públicas e via-se cada vez
mais próximo do ambiente institucional com o crescimento da participação dos partidos
oposicionistas no governo, em especial após as vitórias eleitorais de 1982.
Em estudo sobre os novos movimentos sociais, Ana Maria Doimo (1995) afirma
que a perda da centralidade do velho movimento operário nos países centrais do
ocidente cedeu espaço para novos movimentos pautados em reivindicações não
17
materiais, em identidades e na renovação das formas de vida política. Esses novos
movimentos sociais não reproduziam o padrão clássico de conflitos de classe, suas
contradições eram outras e os conflitos, metapolíticos mais pautados em valores do
que em demandas negociáveis. Sua incorporação política não se dava através de
reivindicações ao Estado, mas da posição de autonomia em relação a ele (DOIMO,
1995).
No Brasil, esses novos movimentos sociais caracterizavam-se por terem sua
origem fora dos canais tradicionais de mediação política e da esfera produtiva, em
especial nos espaços de carência econômica. Esses movimentos foram parte do processo
de socialização da política que ampliou as possibilidades de surgimento de novos
formatos de participação. Eles tinham como marcas comuns o foco em diagnósticos
sociais baseados em premissas científicas, metas definidas, e normas visando objetivos
táticos e estratégicos (DOIMO, 1995).
Para Doimo (1995), as formas de ação política no Brasil pós-1970 foram
caracterizadas por movimentos que atuavam no interior de um campo ético-político
marcado por uma sociabilidade comum, pelo senso de pertença a um mesmo espaço
compartilhado de relações interpessoais e atributos culturais, como signos de
linguagem, códigos de identificação, etc. Essas formas de ação política podem ser
consideradas movimentos populares – e não apenas ações diretas fragmentadas – porque
compartilhavam uma linguagem comum baseada na crença de que eram um coletivo
que não se deixava cooptar, que estava disposto a lutar por seus interesses, era formado
por sujeitos autônomos e independentes e tinham como fundamento a democracia e as
políticas alternativas por direitos humanos e sociais (DOIMO, 1995).
A literatura sobre os movimentos sociais chama a atenção para um debate
recorrente dentro deles: a dualidade entre a atuação dentro das instituições políticas
existentes e a ação direta autônoma. Ao mesmo tempo em que algumas vozes dentro
desses movimentos deslegitimavam a autoridade política, outras valorizavam a
integração social e o acesso a bens e serviços, sempre com disputas intergrupos e
interpelação direta dos oponentes. Seguindo o enfoque institucional dos movimentos
sociais, podemos afirmar que as ações desses movimentos não eram anti-Estado. No
quadro de alianças e conflitos internos, o Estado era amigo ou inimigo dependendo dos
interesses em jogo (DOIMO, 1995) (AVRITZER, fev 2007).
18
Inseridos entre os novos movimentos sociais, tanto o movimento feminista como
o movimento da reforma sanitária, compartilhavam valores e características e também
foram marcados pelo embate constante entre uma posição autônoma em relação ao
Estado e a busca por direitos e voz dentro do aparelho estatal, como veremos nos
capítulos seguintes.
A partir dos pontos de vista teóricos acima debatidos buscamos compreender
nosso objeto de estudo, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
(PAISM), em articulação com o papel dos atores envolvidos em sua elaboração –
movimento sanitarista, movimento feminista e Estado – e com o quadro histórico,
institucional e político do Brasil naquele momento. Dentro desse contexto, construiu-se
uma proposta de política pública que incorporava novos e velhos paradigmas da saúde
da mulher: a tradicional assistência à maternidade somada às propostas de atenção à
mulher ligadas ao seu novo papel na sociedade, mais ativo e autônomo e às
reivindicações do movimento feminista brasileiro, voltadas para uma sociedade mais
justa, igualitária e sem discriminação de gênero.
É importante reforçar que o feminismo, enquanto movimento social, manifestou-
se sob uma enorme pluralidade de sentidos e formas no Brasil assim como no restante
do mundo, o que revela as mudanças nas identificações feministas conforme o contexto
histórico vivido. O termo feminismo, neste trabalho, será usado de acordo com a
seguinte definição: “[...] o termo feminismo indica historicamente conjuntos variados
de teorias e práticas centradas em volta da constituição e legitimação dos interesses
das mulheres”. Acreditamos que as práticas e os discursos feministas refletiram a
importância de seus interlocutores e contribuíram para a evolução dos discursos
políticos existentes (ERGAS, 1996).
O conceito de gênero, por sua vez, será útil na medida em que nos ajuda a
compreender em que bases ideológicas se deu a entrada de novas atrizes sociais com
pautas específicas de reivindicação no cenário político brasileiro: os movimentos de
mulheres. Uma das identidades dessas novas atrizes sociais, sobretudo no caso do
movimento feminista, foi forjada a partir da chamada “consciência de gênero”, ou seja,
da compreensão de que as relações de poder entre homens e mulheres são desiguais e
que os papéis, valores e comportamentos atribuídos a ambos consistem em construções
elaboradas pelas próprias sociedades. Joan Scott (1991), definindo gênero como a
compreensão produzida pelas culturas e pelas sociedades acerca das relações entre
19
homens e mulheres destaca o seu caráter variável de acordo com a cultura, com os
grupos sociais e com a época.
Acreditamos, portanto, que as concepções feministas sobre a saúde da mulher
em diálogo com as ideias do movimento da reforma sanitária influenciaram a
formulação de uma política pública universalista, na qual as ações destinadas para as
mulheres baseavam-se na substituição do conceito de saúde materno-infantil pelo
conceito mais abrangente de saúde integral da mulher, contido no PAISM. A entrada de
novos atores e ideias na política brasileira do período de redemocratização assinalou
para um consenso entre grupos que embora tivessem suas divergências, encontraram
pontos comuns de diálogo em valores como democracia, universalização de direitos de
cidadania e diminuição das desigualdades sociais.
A fim de ampliarmos o olhar sobre esses grupos e suas múltiplas identidades,
faremos uso do conceito de cultura política, emprestado da nova história política, uma
das vertentes da historia cultural. Recusando a predominância do enfoque sócio-
econômico, a história cultural, fruto da renovação historiográfica da década de 1980,
privilegia abordagens que ressaltam variáveis políticas e culturais na interpretação dos
processos sociais (GOMES, 2005). A história social da cultura, como também é
chamada, discute as formas pelas quais os critérios culturais modelam os processos
sociais, utilizando o conceito de cultura emprestado da antropologia (SOIHET, 2003).
Os trabalhos que se norteiam por esse novo modelo historiográfico chamam a atenção
para outras dimensões da vida social além daquelas de classe, tais como gênero,
gerações, etnias, religiões, as múltiplas identidades, tradições culturais, etc.
Esse novo olhar dos historiadores possibilita mudanças na forma de pensar as
relações de dominação, sofisticando a dinâmica das relações de poder, uma vez que
transforma o sentido de um conjunto de comportamentos individuais e coletivos,
politizando uma série de ações e introduzindo novos atores como participantes da
política, ampliando, assim, o que se entende como ação política (GOMES, 2005). O que
vemos, então, é uma renovação da história política, pensada através de sua articulação
com a história cultural. Categorias como pensamento, imaginário e cultura política
surgem ao lado de ideologia e classe social nos novos estudos dessa disciplina histórica,
os quais enfocam crenças e valores individuais e coletivos, considerando-os como
orientadores dos comportamentos políticos, indo, portanto, além do campo da política
formal (parlamentar ou eleitoral) (GOMES, 2005).
20
A partir daí, fala-se em cultura política, categoria que tem sido testada pelos
historiadores em pesquisas que procuram entender de forma menos abstrata o
comportamento e os valores políticos de atores individuais e coletivos. A cultura
política seria um fenômeno político que se manifesta através de um projeto de sociedade
ou Estado, de uma leitura compartilhada de um passado e de um futuro comum e
mostra-se essencial para a o entendimento da construção de identidades políticas
(GOMES, 2005).
Os conceitos acima mencionados ajudam-nos no entendimento da constituição e
da disseminação das idéias relacionadas às desigualdades de gênero e à atenção integral
no campo da saúde no Brasil desde o momento em que se amplia o debate no cenário
político nacional sobre temas como contracepção e planejamento familiar em fins da
década de 1970, até a absorção dessas questões pelas instituições e políticas públicas de
saúde do Estado nos anos de 1980.
A partir dessas considerações teóricas pretendemos desenvolver a análise de
nosso tema em três capítulos.
No primeiro capítulo da dissertação, “Estado, População e Fecundidade: breve
histórico do debate”, tratamos da evolução do debate sobre controle da natalidade e
planejamento familiar no Brasil e no mundo no século XX, de forma que possamos
compreender suas origens e a complexidade dos interesses que envolvem o tema.
Através de literatura secundária, passamos pelo discurso médico-científico sobre a
maternidade e pelos discursos de feministas, neomalthusianos e eugenistas da primeira
metade do século aos argumentos da “explosão demográfica” e da “bomba
populacional” no pós-Segunda Guerra Mundial.
No capítulo 2, “Contexto político e atores históricos no processo de
redemocratização”, a partir de fontes primárias e secundárias, apresentamos um
panorama do processo histórico de transição democrática no Brasil entre as décadas de
1970 e 1980. Partimos das principais transformações no cenário político, econômico e
social do país, enfocando as políticas de saúde do Estado naquele momento e as novas
relações entre Estado e sociedade, marcadas pelo fortalecimento dos grupos de oposição
ao regime e dos movimentos sociais, donde saíram a maior parte das críticas
sistemáticas às ideias e práticas de controle da natalidade no Brasil, com destaque para o
movimento feminista e o movimento da reforma sanitária, principais articuladores de
uma proposta alternativa de planejamento familiar.
21
No capítulo 3, “Perspectivas em debate: propostas e conflitos sobre
planejamento familiar”, analisamos as estratégias dos atores históricos destacados no
capítulo anterior, seus pontos em comum e suas divergências quanto ao planejamento
familiar no Brasil. Com base em fontes primárias, discutimos as reações da sociedade
brasileira organizada contra o caráter controlista das políticas de saúde materno-infantil
que antecederam o PAISM e que fracassaram na tentativa de incluir o planejamento
familiar em seu corpo de ações. À medida que o processo de redemocratização
avançava, as discussões se aprofundavam e revelavam o fortalecimento das ideias
progressistas no setor saúde e do pensamento feminista sobre a saúde da mulher.
Ainda nesse capítulo, conheceremos algumas das ideias do movimento feminista
quanto à saúde da mulher, à contracepção e ao planejamento familiar. Ideias as quais
tiveram influência direta sobre a configuração do PAISM, em especial na que se refere à
visão da mulher enquanto ser integral (o corpo pensado em conjunto com os aspectos
psicossociais do indivíduo) e não somente enquanto ser reprodutor, o que na prática
significou oferecer assistência à saúde da mulher em todas as fases de sua vida e não
na gestação e no parto. Além da ênfase no componente educativo voltado para a
promoção da consciência e autonomia sobre o corpo, a sexualidade e a saúde.
No quarto e último capítulo, “O Programa de Assistência Integral à Saúde da
Mulher (PAISM): um exercício democrático”, discutiremos a afinidade de ideias e
propósitos dos atores envolvidos na elaboração do PAISM, através dos debates sobre o
programa e da articulação entre Estado, feministas e sanitaristas nesse processo iniciado
em 1983 e que teve como ponto culminante a inserção do programa no INAMPS, em
1986. Apesar da heterogeneidade dos setores da sociedade envolvidos nesse processo,
naquele contexto de redemocratização foi possível conciliar interesses em muitos
aspectos divergentes, de forma a assegurar medidas de avanço na assistência à saúde da
mulher e à contracepção.
Procuramos, portanto, nesta dissertação, enfocar a visão de diferentes atores no
processo histórico estudado, os quais se articularam em torno da elaboração de uma
política pública de saúde da mulher, como parte do ideal de construção de uma
sociedade democrática no Brasil.
22
Capítulo 1
Estado, população e fecundidade: breve histórico de
um debate
A fim de compreendermos o debate em torno da polêmica que envolvia o
controle da natalidade e o planejamento no Brasil nas décadas de 1970 e 1980, faz-se
necessário um panorama histórico da questão, que é tema de trabalhos científicos e de
acirrados debates políticos desde fins do século XVIII. As rápidas transformações
sociais e os avanços no conhecimento científico, em especial na área médica suscitaram
novas interpretações sobre o papel de homens e mulheres e do controle da população na
construção da civilização e do progresso nas novas sociedades industriais. Nesse
contexto, o controle da fecundidade ganha importância estratégica para o crescimento
dos Estados.
A história do planejamento familiar tem sido escrita como a história de
progressos a partir dos séculos XVIII e XIX ou como a história da libertação do corpo
feminino de suas amarras biológicas. Dentro dessa perspectiva existiram duas
revoluções contraceptivas na sociedade moderna ocidental: a do coito interrompido nos
séculos XVIII e XIX e a da pílula e do aborto liberado nos anos de 1960. Afirma-se
também que a contracepção altamente eficaz seria causa e efeito da família nuclear,
característica das sociedades contemporâneas (MCLAREN, 1990).
Embora acredite que o declínio da fecundidade e seu impacto na vida das
mulheres e da sociedade desde o século XVIII nos países ocidentais tenha sido de fato
significativo, McLaren (1990) argumenta que tal perspectiva a entender que antes do
XVIII e do XIX era impensável o controle da fecundidade. Além disso, ela se preocupa
em ressaltar os benefícios das tecnologias reprodutivas sobre a fertilidade, deixando de
23
lado a possibilidade de conflitos, ainda hoje existentes, nesse campo. É importante
lembrarmos que o controle de natalidade pode ser dirigido por objetivos contraditórios.
Ele pode servir, por exemplo, tanto para limitar como para promover a fertilidade, que
historicamente sempre teve seu peso emocional e econômico (MCLAREN, 1990).
Sempre existiram grupos e sociedades que praticaram limitação da fertilidade em
algum período de sua história. Não houve evolução linear do controle da fertilidade e
nem de seus métodos. Cada época deu um sentido próprio ao planejamento familiar
eficaz e inventou métodos próprios para o controle, dependendo de circunstâncias
particulares e de motivações variadas. Nas palavras de Mclaren (1990):
A revolução contraceptiva moderna é, em certo sentido, apenas um
aumento do grau do controle disponível e da percentagem da
população que exerce esse controle, embora também assinale,
evidentemente, uma mudança no modo de regulação, uma passagem
do espaçamento para a interrupção dos nascimentos (MCLAREN,
1990:12).
Os inúmeros indícios das práticas de contracepção na história nos revelam que
abstinência, interrupção do coito, prolongamento do aleitamento foram as formas mais
usadas até o século XX. As tecnologias mais eficazes foram usadas maciçamente a
partir dos anos de 1960. É necessário não isolarmos as práticas contraceptivas de outras
práticas de regulação da fertilidade como o aborto, muitas vezes visto como
contracepção por mulheres de gerações passadas. A diferenciação entre essas práticas
teria sido traçada por defensores do controle da fecundidade no início do século XX por
razões táticas (MCLAREN, 1990).
A questão da relação entre os sexos, quem controla a fertilidade e para que fins,
também não é nova e remonta à origem dos tempos. Envolve por exemplo o tempo de
aleitamento, a abstinência durante a amenorréia pós-parto e a sexualidade. A natureza
da sociedade ocidental, por exemplo, valoriza o coito ininterrupto, desencorajando
outras práticas sexuais. É importante considerar os modos como as sociedades
procuraram converter em seu proveito o poder reprodutor das mulheres, onde se
estabeleceram relações de dominação entre os sexos. Para Mclaren (1990), contudo, as
mulheres sempre detiveram em primeiro lugar o poder sobre seu corpo (MCLAREN,
1990).
Outro ponto importante diz respeito à noção criticada pelas feministas de que a
luta entre os sexos sobre a reprodução seja menor hoje do que antes. As feministas
24
foram as primeiras a advertir que ainda que melhorem as condições de vida das
mulheres, as novas tecnologias reprodutivas usurpam, em parte, o seu poder sobre a
reprodução (MCLAREN, 1990: 17). Seriam mais uma das tentativas de medicalização e
controle do corpo feminino, como já ocorria desde o início da era contemporânea.
A mudança de atitude em relação ao número de filhos pode ser compreendida
quando situada no contexto das condições econômicas e sociais e da evolução das
questões religiosas, médicas e ideológicas. A tomada de decisão sobre a fertilidade
acontece numa teia de relações sociais, culturais e sexuais (MCLAREN, 1990), como
será demonstrado neste trabalho.
1.1. Mulher e fecundidade no discurso médico-científico: a maternidade como
função biológica e social
Entre os séculos XVIII e XIX, filósofos, naturalistas e médicos, diante de novos
conhecimentos anatômicos e fisiológicos, descobriram nas mulheres diferenças que
precisavam ser explicadas e organizadas (VOSNE, 2004). A partir das características
corpo feminino, redefiniu-se a relação entre os sexos, com ênfase na maternidade como
função feminina primordial (ROHDEN, 2001). A mulher se tornou prisioneira de seu
corpo, fonte do bem e do mal. Coube aos médicos explicar como e porquê as mulheres
são mulheres e ajudá-las a viver de forma a atender aos ditames da Natureza (VOSNE,
2004).
Ao mesmo tempo, abriam-se possibilidades de novas relações entre homens e
mulheres a partir das transformações socioeconômicas do século XIX: industrialização,
urbanização, ciência e tecnologias, entrada da mulher no mercado de trabalho,
movimentos de direitos baseados em ideais de liberdade e igualdade e a influência do
ideário feminista pautado no direito à educação e ao trabalho (ROHDEN, 2001).
Naquele momento, o darwinismo e a eugenia ganhavam importância no
pensamento médico e social. O determinismo biológico baseado na hereditariedade
confirmou as desigualdades sociais como verdades imutáveis. Características e
comportamentos que não se enquadrassem nas classificações científicas baseadas nas
observações da natureza eram identificados como transgressões da ordem natural do
25
mundo. A medicina patologizou essas transgressões, especialmente as femininas
(ROHDEN, 2001).
Segundo os preceitos médicos, a mulher “normal” deveria ser sexualmente
recatada, irracional e emocionalmente suscetível, por conta da instabilidade gerada por
seus órgãos sexuais, feitos para a maternidade. Essa instabilidade poderia gerar
comportamentos potencialmente perigosos perante influências nocivas do meio. Por isso
a necessidade de submeter a sexualidade feminina ao controle de maridos, pais, médicos
e Estado (ROHDEN, 2001).
A partir de então, a medicina e os poderes públicos passaram a considerar o
papel da mulher em virtude de sua importância para os projetos nacionais. A
contracepção, por exemplo, tornou-se questão de esfera pública e relacionou-se com
temas como a eugenia e o crescimento da nação. O processo de transição demográfica
10
vivido na Europa e nos Estados Unidos ajudou a intensificar os debates sobre a
contracepção naquele momento (ROHDEN, 2003).
Na época, responsabilizava-se a saída das mulheres do lar e o maior custo da
criação dos filhos pela queda da natalidade nos países ricos. Outros argumentos também
eram comuns, como a vontade dos casais de limitarem os nascimentos de seus filhos, o
feminismo, a esterilidade causada pela mestiçagem, os “vícios” como o onanismo, a
homossexualidade e as doenças como a sífilis (ROHDEN, 2003).
A contracepção, adotada em especial pela burguesia, possibilitou uma política
sistemática de planejamento familiar na Europa no início do século XX. Os
neomalthusianos investiam na tentativa de limitar o tamanho das famílias como forma
de combate à pobreza e à promiscuidade (ROHDEN, 2003). Apesar da repressão aos
neomalthusianos, à contracepção e ao aborto, as descobertas de Ogino e Knaus
11
sobre o
ciclo menstrual, entre 1929 e 1930 (SOUZA JUNIOR, 2006), fortaleceram as práticas
contraceptivas (ROHDEN, 2003).
Naquele período, o movimento birth control, pelo controle da natalidade nos
Estados Unidos e na Europa, ganhava o apoio de médicos eugenistas, preocupados com
10
O fenômeno da transição demográfica diz respeito à relação direta entre crescimento da renda, queda da
mortalidade e diminuição da demanda por filhos. O crescimento da renda, no início do processo de
modernização, seria responsável pela queda da mortalidade e o consequente incremento populacional.
Com a aceleração do desenvolvimento, o incremento populacional tenderia a declinar, pois para manter o
padrão de consumo a população é obrigada a diminuir a demanda por filhos, que custam caro na
sociedade urbano-industrial moderna (ALVES, CORREA, jul-dez 2003).
11
O médico austríaco Herman Knaus e o médico japonês Kyusaku Ogino, pioneiros nos estudos da
fisiologia da procriação, descobriram que é possível evitar a gravidez através do conhecimento dos
períodos não-fertéis do ciclo menstrual (SOUZA JUNIOR, 2006).
26
o futuro da população frente ao aumento da fertilidade das classes baixas em oposição à
queda dos nascimentos dos filhos das classes média e alta (MCLAREN, 1990).
No Brasil, os debates sobre reprodução e fertilidade estavam na pauta desde
meados do século XIX. As primeiras décadas do século XX viram esses debates se
intensificarem sob a influência de fatores como a ideologia nacionalista, as idéias
eugênicas, a propagação de métodos contraceptivos, os movimentos de emancipação, a
mulher no mercado de trabalho, a redefinição do papel da medicina na sociedade. O
pensamento sobre o povo brasileiro a partir de visões cientificas relegava mulheres,
crianças e outros indivíduos inferiores ao controle mais rígido do Estado. O controle
sobre o corpo e o comportamento da mulher tornou-se, então, importante para o projeto
de nação civilizada, que pressupunha uma família regulada (ROHDEN, 2003).
Sob influência de novas correntes teóricas - evolucionismo, positivismo,
naturalismo, darwinismo social os intelectuais brasileiros acreditavam que a pobreza e
a doença teriam fim com os princípios do higienismo e do saneamento. O pensamento
médico-científico teve importância central para o desenvolvimento do debate em torno
da nação, influindo na questão da reprodução, no controle feminino e no sistema
jurídico (ROHDEN, 2003).
Em debates na Academia Nacional de Medicina e em importantes eventos
médicos no início do XX destacavam-se posições pró e contra o neomalthusianismo e a
preocupação constante com o papel do médico em relação ao aborto e à contracepção.
Os contrários ao neomalthusianismo eram maioria. Mas, vale ressaltar, que mesmo os
neomalthusianos se manifestavam contra a emancipação feminina e o afastamento da
mulher da maternidade (ROHDEN, 2003).
Segundo Rohden (2003), os raros trabalhos de medicina que tratavam a
contracepção relacionavam-na à eugenia, por outro lado, dava-se bastante atenção ao
problema de esterilidade e da proteção à maternidade. Em nome da maternidade
consciente, alguns médicos defendiam o uso da contracepção mal necessário para
evitar o aborto - em casos de indicação médica. O método natural de Ogino e Knaus
seria a solução para conciliar os aspectos moral, individual e científico. Os métodos
artificiais continuaram condenados como nocivos à saúde do casal (ROHDEN, 2003).
Entretanto, a prática e o comércio da contracepção eram comuns. Em resposta,
os médicos criaram um projeto de valorização da maternidade que passava pela
27
propaganda em prol da natalidade frente às mulheres. Era preciso adequá-las aos ideais
nacionalistas e eugênicos, recuperando seu instinto maternal e melhorando sua
capacidade de ser e de acordo com a higiene, a eugenia e a puericultura (FREIRE,
jun 2008). Em nome desses princípios os médicos defendiam a assistência e a proteção
do Estado às mulheres e às crianças (ROHDEN, 2003).
O trabalho feminino fora do lar era mal visto por ameaçar os nascimentos e a
saúde dos filhos da nação. Por outro lado, havia os que afirmavam que a inferioridade
feminina, fruto do processo de evolução, poderia ser revertida através da educação e do
desenvolvimento da mulher, igualando-a ao homem, como forma de garantir o
crescimento da nação que não deveria aceitar a ignorância de seu povo, fosse homem ou
mulher. Embora diferentes, esses pontos de vista tinham como objetivo comum o bem
da nação, e não da mulher individualmente. Se seu estado de atraso em relação ao
homem poderia mudar, seu instinto materno seria imutável (ROHDEN, 2003).
O controle da natalidade no Brasil também foi problema social e político de
grande importância nas primeiras décadas do século XX. O interesse médico pelo
problema da população rendeu um pensamento social nacionalista e maternalista com
propostas de intervenção na saúde pública e que teve como características a valorização
da maternidade e a condenação do controle da natalidade em prol do engrandecimento
da nação e do futuro da espécie (ROHDEN, 2003).
Assim como em outras partes da América Latina, no Brasil, as primeiras
legislações e regulamentações sobre saúde materno-infantil surgiram na década de 1920
(VIEIRA, 2003). A saúde pública nesse momento era atribuição do Ministério da
Justiça e Negócios Interiores, que promovia iniciativas de higiene infantil, assistência
social e hospitalar dirigidas à maternidade e à infância com ações de puericultura e
higiene (CANESQUI, 1987).
Com a montagem do aparelho estatal em saúde pública, na década de 1930,
foram criados o Ministério da Educação e Saúde e a Diretoria de Proteção à
Maternidade e Infância, que substituiu a antiga Inspetoria de Higiene Infantil
(CANESQUI, 1987). Investiu-se então na promoção da maternidade e infância através
dos serviços federais e estaduais de saúde pública e assistência social, juizados de
menores, serviços educacionais e registro civil.
Em 1932, um decreto federal proibiu o médico de impedir a concepção ou
interromper a gestação no Brasil (ALVES, 2004). Em 1937, foi criada a Divisão de
Amparo à Maternidade e Infância, e em 1940, surgia o Departamento Nacional da
28
Criança, incorporado ao Ministério da Saúde logo que este foi criado em 1953
(CANESQUI, 1987). Em 1941, o decreto-lei de Contravenções Penais, n. 3.688, proíbiu
“anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar o aborto ou evitar a
gravidez” (ROCHA, 1987).
A cultura maternalista de nossa sociedade aliada ao catolicismo e à imensidão
territorial do Brasil dificultou a aceitação do neomalthusianismo, do birth control ou das
esterilizações eugênicas praticados nos países anglo-saxões. Até início dos anos de 1970
a postura oficial do governo brasileiro foi contrária às medidas de controle da natalidade
apesar da disseminação do pensamento e das ações controlistas no país. O decreto de
1941, acima mencionado, por exemplo, foi modificado em 1979, quando retirou-se a
frase “evitar a gravidez” depois de inúmeras tentativas anteriores, e quando muito a
lei não tinha validade prática diante da livre distribuição, comercialização e
divulgação de métodos contraceptivos pelas entidades privadas de planejamento
familiar e pela indústria farmacêutica desde a década de 1960 (SOUZA JÚNIOR, 2006).
1.2. Do birth control ao planejamento familiar: o debate sobre população na
primeira metade do século XX
O debate sobre a relação entre população e progresso/desenvolvimento teve
início na Europa de fins do século XVIII. Naquele momento o continente sofria uma
ligeira aceleração do crescimento populacional, o suficiente para gerar preocupação
entre os economistas com a produção e o consumo. Destacou-se, então, a teoria de
Thomas Malthus (1766-1834) que via o aumento populacional como entrave ao
progresso humano. Para ele, o crescimento da população seria uma variável
independente e incontrolável que cresceria muito mais que a produção de alimentos, por
isso a importância da redução da fecundidade das classes trabalhadoras, que deveriam
ser educadas para a disciplina das paixões e a continência sexual, único método
contraceptivo aceito pelo reverendo Malthus, que também era contra o aborto (ALVES,
CORREA, jul-dez 2003).
Por outro lado, libertários como Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen
(1771-1858) falavam no controle da natalidade em termos de liberdade sexual e
igualdade entre os sexos (ALVES, CORREA, jul-dez 2003). Robert Dale Owen (1801-
29
1877), filhos de R. Owen, tratava o controle da natalidade, no início do século XIX,
como direito de autodeterminação das mulheres, e a pobreza como fruto da
desigualdade, não da superpopulação (HARTMANN, 1997a).
Com a produção de métodos contraceptivos mais seguros como o preservativo e
o diafragma, feitos a partir do látex em meados do século XIX, o debate ganhou força
(ALVES, CORREA, jul-dez 2003). Nesse momento, as ideias sobre reforma individual
como chave para a reforma social influenciaram o movimento feminista em sua luta
pelos direitos das mulheres. Embora condenassem métodos contraceptivos artificiais, as
feministas questionavam a legitimidade do casamento como convenção social e a
maternidade como instinto feminino (HARTMANN, 1997a).
no século XX, mais precisamente na década de 1910, a anarquista norte-
americana Emma Goldman (1869-1940) saiu em defesa do controle de natalidade por
razões libertárias e pelo fim da pobreza, enquanto sua compatriota, a enfermeira
Margareth Sanger (1883-1966), então militante de esquerda, criava o termo birth
control para dar ênfase positiva à limitação da família. Sanger chegou a abrir uma
clínica para controle da natalidade, mas após 1916, o movimento enfraqueceu, abafado
pela esquerda mais radical que via a questão das mulheres como menos importante do
que a revolução socialista, verdadeiro motor da história e da transformação da vida de
homens e mulheres. A onda conservadora após a Primeira Guerra abafou ainda mais as
feministas, mesmo após a conquista do sufrágio feminino em 1918 pelas norte-
americanas (HARTMANN, 1997a).
Outro nome que se destacou na defesa dos direitos das mulheres, em especial da
sua sexualidade, foi Marie Stopes, cientista inglesa, que escreveu um livro onde
afirmava que as mulheres casadas tinham tanto direito ao prazer sexual quanto seus
maridos. Em 1918, lançou uma obra sobre o controle da natalidade intitulada Wise
Parenthood. O livro trazia explicações sobre os órgãos reprodutivos e a descrição de
uma variedade de contraceptivos. A fim de chamar a atenção do governo para a
necessidade de tornar os métodos contraceptivos acessíveis às mulheres pobres, Stopes
abriu uma clínica de controle da natalidade em Londres e criou no mesmo ano, 1921, a
Society for Constructive Birth Control and Racial Progress (MCLAREN, 1990).
Simultaneamente, nos Estados Unidos, Margaret Sanger criava o American Birth
Control League (ABCL) e buscava o apoio de médicos e do discurso eugenista para
obter legitimidade social a sua causa (HARTMANN, 1997a). A década de 1920 foi
marcada pela entrada de profissionais de saúde e eugenistas no debate sobre o controle
30
da natalidade. Eles passaram a defender o controle dos nascimentos como forma de
evitar a degeneração da raça causada pela reprodução ilimitada dos inaptos em
contraponto à limitação da fecundidade dos mais aptos da sociedade (MCLAREN,
1990).
Sanger e Stopes tinham em comum a preocupação com as altas taxas de
mortalidade materna e infantil associadas às grandes famílias, assim como preocupações
eugênicas, como o desejo de melhorar a qualidade da raça e de limitar o nascimento da
classe operária, como vinha ocorrendo com os filhos da classe média. Para tanto,
defendiam clínicas subsidiadas pelo governo para atender aos mais pobres. Ambas
procuraram derrubar os argumentos econômicos sobre o tema e desvincular o
movimento pelo controle dos nascimentos do radicalismo político e sexual, tornando a
limitação da família uma questão necessária e moralmente aceitável (MACLAREN,
1990).
Além de chamar a atenção para as consequências perigosas da fertilidade
ilimitada, Stopes e Sanger defendiam a idéia de que a contracepção era essencial para o
prazer e para a livre expressão das paixões femininas. Acreditavam na família eugênica,
heterossexual, sem vícios sexuais, de amor e prazer mútuos e higiênicos. Em nome dela,
condenavam a continência sexual, o desgaste causado pelo aleitamento prolongado, a
interrupção do coito (física e psicologicamente condenável), a ducha vaginal (nociva
para a saúde) e o preservativo. Ambas eram contra o aborto e a esterilização, opções de
casais dominados por uma cultura sexual inadequada, onde os homens exigem seus
direitos de marido, e as mulheres recorrem a vizinhas e amigas para abortar
(MCLAREN, 1990).
Para Stopes, o melhor método contraceptivo era a capa cervical
12
, para Sanger, o
diafragma. Os dois métodos dependiam da responsabilidade e do compromisso da
mulher e de médicos treinados. Defendendo esses métodos, elas contradiziam o seu
ponto de vista sobre a necessidade de maior responsabilidade masculina no casamento,
além de não alcançarem a realidade das mulheres das classes baixas, seu principal alvo,
uma vez que, para tanto, seriam necessárias clínicas especializadas, além do apoio dos
médicos. Suas clínicas tiveram pequeno alcance e a principal razão para limitar as
famílias continuou sendo de caráter econômico. O modelo de família racional que
recorre ao médico para orientar-se sobre o melhor método de controle da natalidade não
12
A capa cervical, inventada em 1818, é um dispositivo de borracha para ser colocado no colo do útero,
sendo menor que o diafragma.
31
se adequava aos pobres naquele momento. Além disso, a grande maioria dos médicos se
esquivava do assunto para não manchar sua reputação (MCLAREN, 1990).
Os médicos justificavam a não necessidade da contracepção em massa com os
avanços na medicalização dos partos. Podiam aconselhar o espaçamento dos
nascimentos, mas não diziam como, embora tivessem, na maioria, famílias pequenas,
como mostram pesquisas da época. Outra parte dos médicos simplesmente ignorava as
práticas contraceptivas. Na Inglaterra, os primeiros treinos sobre o uso de
contraceptivos se deram nos anos de 1930, mas a maioria das escolas de medicina as
ignorou até a década de 1950. Nos Estados Unidos, a resistência foi ainda maior
(MCLAREN, 1990).
A aproximação entre o movimento birth control e as profissões dicas
permitiu o desenvolvimento do saber científico sobre contracepção. Mas somente após
1960 a contracepção passaria a ser objeto de conhecimento médico. Até então, as
tecnologias contraceptivas eram o preservativo, a capa cervical e o diafragma,
aprimorados após a descoberta da manufatura do látex, na segunda metade do século
XIX e fabricados em larga escala a partir de então (VIEIRA, 2003).
Embora a rejeição fosse grande, graças à intensiva campanha dos
neomalthusianos pelo controle da natalidade, este passou a ser mais bem aceito entre os
médicos e a Igreja, tocados pela ideia da busca da saúde, da felicidade e da melhoria da
raça. Centros de saúde materno-infantil na Inglaterra ganharam licença para prestar
informações sobre contracepção, quando houvesse indicação médica, por conta do lobby
das feministas e dos apoiadores do controle da natalidade e após a vitória dos
trabalhistas no governo em 1929 (MCLAREN, 1990).
As igrejas protestantes aceitaram até certo ponto o controle da fertilidade, a
partir dos anos de 1930. Em resposta, a Igreja Católica lançou a encíclica Casti
connubii
13
que afirmava a sua posição contrária ao controle artificial da fecundidade
(MCLAREN, 1990). Ao mesmo tempo, o surgimento do método de controle baseado no
conhecimento do ritmo do ciclo reprodutivo da mulher, elaborado por Ogino e Knaus
estimulava o debate sobre a questão (SOUZA JUNIOR, 2006).
13
A doutrina católica sobre contracepção não se mantém constante ao longo da história. Na realidade, ela
data da Encíclica de 1930, Casti Connubii (Da Castidade dos Cônjuges). Antes disso, a doutrina era
contraditória e de difícil compreensão. Nessa encíclica, contracepção e esterilização foram consideradas
pecados contra a natureza e o aborto, pecado contra a vida. O documento foi uma das alavancas na
elaboração da encíclica Humanae Vitae, de 1968 (SOUZA JUNIOR, 2006).
32
Na década de 1930 a ABCL, de Margareth Sanger, passou a se chamar American
Birth Control Federation (ABCF), cuja política de controle da natalidade ainda
obedecia a parâmetros eugenistas (HARTMANN, 1997a). Procurando dissociar-se da
noção de direitos individuais femininos, e com o fim de explorar o sentimentalismo
familiar, foi rebatizada, em 1942, de Planned Parenthood Federation of America (PPF)
(MCLAREN, 1990). Sob novo nome planejamento familiar - o controle da natalidade
se tornou uma das plataformas de reforma social, embora não fizesse parte dos
programas oficiais de bem-estar social do governo. As mulheres passaram a receber
informações sobre contracepção, contudo, a participação popular foi limitada nesse
movimento, o sexo fora do casamento não foi discutido e as mulheres solteiras não eram
atendidas nas clínicas da PPF (HARTMANN, 1997a).
Em 1950, Margareth Sanger entrou em contato com pesquisas com hormônios
que vinham sendo realizadas desde a década de 1920. Interessada em possíveis
resultados práticos, conseguiu apoio financeiro de Katherine McCormick - rica
feminista defensora do controle da natalidade - para essas pesquisas. Em 1953, a
primeira pílula anticoncepcional era sintetizada e em 1956 começaram os testes com
novos fármacos hormonais para o controle da ovulação em mulheres de Porto Rico e
Haiti (MCLAREN, 1990). O primeiro contraceptivo oral (Enovid-R do laboratório
Serle) foi aprovado para venda nos Estados Unidos em 1960 (PEDRO, 2003).
Para McLaren (1990), foi o aparecimento da pílula que levou os médicos a
apoiarem o controle da natalidade, por ser tratar de um método que ia ao encontro de
seu desejo de higienizar a reprodução. A contracepção através de uma pílula, elaborada
por métodos científicos seria mais conveniente para os médicos. Apesar dos efeitos
colaterais, a pílula agradou às mulheres e aos homens. Aparentemente bastante eficaz,
de utilização menos inconveniente, os homens deixavam de ser responsáveis pela
contracepção. Foi abraçada como uma grande descoberta, mas assim como os métodos
oclusivos, sua eficácia também depende do uso correto e metódico.
Após a tragédia dos efeitos colaterais da talidomida no início dos anos de 1960,
a pílula também ficou sob suspeita e o direito de abortar entrou em cena mais forte. Em
fins dos anos 1960 e início de 1970, as leis contra o aborto foram reformadas nos países
ocidentais. Sua liberação em alguns deles, contudo, não significou maior liberdade para
as mulheres, pois o procedimento ficou nas mãos dos médicos que exerciam seu
controle e vigilância sobre as mulheres que abortavam, as quais eram estigmatizadas
(MCLAREN, 1990).
33
Ainda assim, na década de 1960, jornalistas e estudiosos já responsabilizavam as
novas tecnologias contraceptivas pela nova e acentuada diminuição nas taxas de
natalidade, apesar de sua distribuição em massa só ter ocorrido por volta de fins daquela
década (MCLAREN, 1990).
Os enormes avanços científicos e tecnológicos em conjunto com as profundas
transformações no cenário político, econômico e social após a Segunda Guerra Mundial
mudaram os rumos do debate sobre a questão populacional no mundo. A partir de então,
teorias econômicas e demográficas, inspiradas em Thomas Malthus, se multiplicaram e
disseminaram a ideia do controle populacional como a melhor estratégia de
desenvolvimento econômico para os paises, em especial para aqueles do chamado
Terceiro Mundo, onde ocorria um rápido e acentuado processo de crescimento
populacional.
1.3. Superpopulação, desenvolvimento e novas tecnologias contraceptivas: o debate
no pós-Segunda Guerra
No contexto da Guerra Fria surgia a necessidade de controlar movimentos
nacionalistas e socialistas no Terceiro Mundo para assegurar fontes de matéria-prima
barata. Reagindo à vitória da revolução cubana em 1959, os Estados Unidos inventaram
um novo tipo de intervenção nos países latino-americanos, a ajuda econômica. Ao
mesmo tempo, promoviam o discurso da “superpopulação”, que foi encampado
inicialmente pelas organizações e fundações privadas (PEDRO, 2003).
Em 1952 as fundações Ford e Rockefeller financiavam atividades acadêmicas
e políticas nacionais de controle da natalidade (ALVES, CORREA, jul-dez 2003).
Nesse ano, foi criado o Population Council
14
durante a Conferência sobre População na
Virginia, Estados Unidos. Ainda em 1952, a PPF de Margaret Sanger virava IPPF
Internacional Planned Parenthood Federation. A estratégia dessas instituições no
Terceiro Mundo se baseava na conquista de apoio das elites nacionais (governantes,
médicos, acadêmicos, líderes de entidades privadas) para a causa do controle do boom
14
O Population Council - Conselho de População - é uma instituição não governamental, sem fins
lucrativos, que financiava pesquisas na área de população e incentivava políticas populacionais de países
e regiões do Terceiro Mundo.
34
populacional” nesses países, com a instalação de instituições de pesquisa e programas
de treinamento (HARTMANN, 1997a).
No pós-guerra, instituições internacionais (Organização das Nações Unidas,
Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, Organização Mundial do Comércio)
passaram a ditar os termos do debate global sobre sociedade, economia e política e
criaram teorias sobre modernização e desenvolvimento, as quais se preocupavam em
pensar o conjunto de transformações econômicas, políticas e culturais que ocorrem na
passagem das sociedades agrárias e rurais para as sociedades urbanas. Correlaciona-se,
então, modernização, desenvolvimento e dinâmica demográfica (ALVES, CORREA,
jul-dez 2003).
Os países do Terceiro Mundo, nesse momento, passavam pelo que os
demógrafos chamam de período de transição demográfica. As quedas nas taxas de
mortalidade (1ª fase da transição demográfica) percebidas, de modo geral, a partir dos
anos de 1940, seriam causadas por razões exógenas, no caso, a importação de
tecnologias sanitárias e médicas dos países desenvolvidos. Sem que houvesse, em
contrapartida, o desenvolvimento econômico necessário para diminuir a fecundidade. A
tendência nos países de base agrária seria, portanto, elevadas taxas de crescimento
demográfico (VIEIRA, 2003).
De fato, nas décadas de 1950 e 1960 o mundo apresentou as maiores taxas de
crescimento populacional de toda a história da humanidade. Nesse período, instalou-se
um pessimismo demográfico e com ele ganharam força o neomalthusianismo e a crença
na necessidade do controle coercitivo da natalidade como forma de evitar o ciclo
vicioso do subdesenvolvimento ligado à superpopulação (ALVES, CORREA, jul-dez
2003).
Segundo os neomalthusianos, as sociedades agrárias tradicionais em vias de
modernização estariam em pleno processo de crescimento populacional por conta da
queda da mortalidade, das dificuldades estruturais e das tradições pró-natalistas. O custo
de jovens e crianças prejudicaria o desenvolvimento econômico, pois desviaria recursos
importantes de investimentos na economia. Assim estaria completo o ciclo vicioso onde
pobreza gera crianças que geram mais pobreza (ALVES, CORREA, jul-dez 2003).
A Conferência de População de Roma, de 1954, promovida pela ONU e pela
União Internacional para o Estudo Científico da População (IUSSP), de caráter
inicialmente científico, ganhou contornos políticos durante os debates sobre população e
35
desenvolvimento, refletindo o peso que a essas questões estavam ganhando no cenário
político internacional (ALVES, CORREA, jul-dez 2003).
Em meados da década de 1960, organizações privadas pressionavam o governo
dos Estados Unidos por ações mais diretas em relação ao crescimento populacional
através de propagandas nos jornais mais importantes do país. Em 1965, o governo
norte-americano admitiu oficialmente que a explosão populacional tinha relação com a
crise de alimentos e a U.S. Agency for International Development (USAID)
15
então
passou a entrar com recursos para programas populacionais. Em 1969, foram criados o
Departamento de População no USAID e o Fundo das Nações Unidas para Atividades
em População (FNUAP)
16
(HARTMANN, 1997a).
A partir de então, essas agências passaram a financiar programas no mundo todo
e junto com o Population Council e os centros universitários impulsionaram o processo
de institucionalização do controle da fecundidade no mundo (ALVES, CORREA, jul-
dez 2003), por meio da provisão direta de serviços de planejamento familiar e do
desenvolvimento de novas e melhores tecnologias contraceptivas, a despeito do
contexto social (HARTMANN, 1997a).
Na Conferência de População de Belgrado, 1965, houve menção explícita a
métodos anticoncepcionais como a lula, o dispositivo intra-uterino (DIU), a
esterilização masculina e o aborto legalizado. Os países não-alinhados do Terceiro
Mundo se dividiram em três posições distintas quanto à importância da população para
o desenvolvimento: controlismo, natalismo e neutralidade (CORREA, JANUZZI,
ALVES, setembro 2003). Por ocasião da Conferência Internacional de Direitos
Humanos de Teerã, em 1968, a reprodução humana se tornou novamente objeto de
preocupação. A intenção era ainda pressionar os países em desenvolvimento a adotar o
planejamento familiar (VIEIRA, 2003).
O debate envolvendo desenvolvimento e população não ficou circunscrito a
demógrafos, economistas, governos e agências internacionais. Frente às transformações
15
O USAID - Agência para o Desenvolvimento Internacional - foi criado em 1961 pelo presidente John
F. Kennedy para administrar programas de assistência econômica e social de longo alcance a países em
desenvolvimento (www.usaid.gov, acessado em 20/01/2010). Ela tem no controle populacional uma das
quatro maiores áreas de atuação e executa as ões nessa área através da assistência bilateral a programas
nacionais e do apoio financeiro a agências de cooperação (HARTMANN, 1997b). A partir de meados da
década de 1960, o governo norte-americano assumiu oficialmente o combate contra a explosão
demográfica e passou a liberar recursos para programas populacionais através do USAID (HARTMANN,
1997a).
16
O FNUAP, cuja sigla em inglês é UNFPA (United Nations Fund for Population Activities) foi criado a
partir da interferência do presidente Nixon na ONU, a qual sofria pressão da Igreja Católica e dos países
comunistas para não apoiar o planejamento familiar (HARTMANN, 1997a).
36
culturais e sociais profundas do período pós-Segunda Guerra e ao avanço das discussões
sobre políticas populacionais controlistas no mundo, a Igreja Católica novamente parou
para discutir suas doutrinas e práticas frente a temas como a moral sexual e a regulação
dos nascimentos.
Em 1951, o Papa Pio XII, em alocução sobre o apostolado das parteiras, admitiu
a regulação dos nascimentos através do método da continência periódica. Essa
declaração significou um ponto de ruptura com a perspectiva tradicional e uma mudança
fundamental: a partir desse momento, a Igreja passava a reconhecer o direito dos
esposos de decidir sobre o número de filhos (SOUZA JUNIOR, 2006).
Essa posição foi mantida na encíclica Humanae Vitae
17
, publicada em julho de
1968. O documento apresentava a posição oficial da Igreja Católica sobre a regulação
dos nascimentos e propunha uma ética moral sobre a vida conjugal que conclamava aos
fiéis católicos o “domínio de si” e a ascese na vida conjugal. A encíclica Humanae Vitae
concedeu mais autonomia ao casal em relação à contracepção, definindo dois aspectos
da vida matrimonial: a paternidade responsável e o amor conjugal. Contudo, reafirmava
a posição de Pio XII, que condenava o aborto e os métodos artificiais considerados
portas para a imoralidade -, permitindo somente os métodos naturais (ritmo ou
tabelinha
18
), exclusivamente em casos graves (SOUZA JUNIOR, 2006).
Apesar da abertura para novas práticas e normas, a encíclica Humanae Vitae
referendou a posição do grupo minoritário e conservador da comissão pontifícia que
estudava a matéria da reprodução humana, o que significou um congelamento
doutrinário que produziu uma defasagem crescente entre as orientações da Igreja e as
práticas dos fiéis nos anos seguintes (SOUZA JUNIOR, 2006).
Nos anos 1970 as atividades controlistas se ampliaram enormemente. Mais de
cinquenta agências internacionais atuavam na área do controle populacional no mundo,
a maior parte apoiada pelos Estados Unidos. O USAID fundava novas organizações e
apoiava financeiramente o IPPF e o FNUAP. Ao mesmo, o discurso sobre população e
desenvolvimento foi mudando e transformando as estratégias de ação quanto ao
controle da fecundidade no Terceiro Mundo (HARTMANN, 1997a).
1974 foi o Ano Internacional da População e o ano da Conferência de Bucareste
sobre População, da ONU. A minuta do Plano de Ação para a População Mundial da
17
A carta encíclica Humanae Vitae foi resultado de uma discussão sobre reprodução humana provocada
pelo Concílio Vaticano II no início da década de 1960 (SOUZA JUNIOR, 2006).
18
Método que consiste em só manter relações sexuais fora dos dias férteis.
37
conferência foi criticada por várias vozes, entre elas a Igreja Católica, as feministas e os
demógrafos. A crítica era direcionada à ideia de crescimento populacional como
principal obstáculo para o desenvolvimento social e econômico. A maioria dos países de
Terceiro Mundo mais uma vez se alinhou em defesa das teses natalistas, defendendo a
bandeira do desenvolvimento como o melhor contraceptivo (HARTMANN, 1997a).
O Plano de Ação para a População Mundial foi revisado e o crescimento
populacional foi inserido no contexto de transformação cio-econômica. Tratava-se de
um novo discurso sobre população e desenvolvimento: o crescimento populacional não
atrapalhava o desenvolvimento, antes era este que possibilitava a redução dos
nascimentos (HARTMANN, 1997a).
A nova estratégia do Plano de Ação coincidia com a mudança no paradigma
desenvolvimentista na década de 1970, que deixava de focar estritamente o crescimento
econômico como caminho para o desenvolvimento e passava a dar importância à
satisfação das necessidades básicas dos indivíduos (alimentação, moradia, educação,
saúde, etc) como forma de combate à pobreza. O planejamento familiar passou a ser
parte da estratégia desenvolvimentista, não mais a principal estratégia. A palavra de
ordem então passou a ser “integração”: integrar planejamento familiar com saúde, com
programas para as mulheres e com educação (HARTMANN, 1997a).
Reflexo dessa mudança de paradigma foi o novo conceito de saúde da
Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo o qual a saúde passou a ser definida
como:
a habilidade de identificar e realizar aspirações, satisfazer
necessidades e de mudar ou interagir com o meio ambiente. Logo, a
saúde é um recurso para a vida diária, não o objetivo de viver. Saúde
é um conceito positivo enfatizando os recursos pessoais e sociais,
assim como as capacidades físicas (CORREA, JANUZZI, ALVES,
set. 2003)
.
Assim, reconheciam-se os laços entre indivíduo e meio-ambiente, extrapolando a
responsabilidade do setor saúde sobre a saúde geral do indivíduo. A partir desse
conceito mais amplo foram sendo definidos os conceitos de saúde da criança, saúde da
mulher, saúde materno-infantil (CORREA, JANUZZI, ALVES, set. 2003).
A declaração final da Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde
realizada na cidade Alma-Ata (no atual Cazaquistão), em 1978, promovida pela OMS,
38
veio completar o conceito de saúde com a ideia de atenção primária. A crescente
demanda por maior desenvolvimento e progresso social fez a OMS ampliar seus
objetivos para além dos programas verticais de erradicação de doenças endêmicas. Eram
anos em que os países socialistas desempenhavam papel importante na organização -
não por acaso, Alma-Ata ficava na ex-União Soviética (SCLIAR, 2007).
A conferência enfatizou as enormes desigualdades na situação de saúde entre
países desenvolvidos e subdesenvolvidos, além de destacar a responsabilidade
governamental na provisão da assistência e a importância da participação de pessoas e
comunidades no planejamento e implementação dos cuidados. Os serviços que
prestassem os cuidados primários de saúde representariam a porta de entrada para o
sistema de saúde, do qual eram as bases. O sistema nacional de saúde, por sua vez,
deveria estar inteiramente integrado no processo de desenvolvimento social e
econômico do país, do qual saúde seria causa e consequência (SCLIAR, 2007).
Os cuidados primários de saúde, adaptados às condições econômicas,
socioculturais e políticas de uma região deveriam incluir pelo menos educação em
saúde, nutrição adequada, saneamento básico, cuidados materno-infantis, planejamento
familiar, imunizações, prevenção e controle de doenças endêmicas e de outros
frequentes agravos à saúde, provisão de medicamentos essenciais. Deveria haver uma
integração entre o setor de saúde e os demais, como agricultura e indústria (SCLIAR,
2007).
Assim sendo, na Conferência de Alma-Ata, o planejamento familiar foi
considerado uma atividade dos serviços básicos de saúde (ROCHA, 1993). As
mudanças políticas, sócio-econômicas e culturais conduziram a uma nova mentalidade
relativa à questão da sexualidade e da reprodução, vinculada à saúde e ao bem-estar das
pessoas (SILVA, agosto 2000), o que refletiu em novos tipos de ações e estratégias dos
órgãos internacionais, dos governos e de agências privadas ao fim da década de 1970 e
na década de 1980.
Exemplo disso foi que, em 1979, a Fundação Ford parou de financiar o
planejamento familiar e as tecnologias reprodutivas, voltando-se para o incentivo aos
estudos pela saúde da mulher e pela saúde materno-infantil (ALVES, CORREA, jul-dez
2003). No mesmo ano, acontecia a Convenção para Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, nas Nações Unidas, onde foram discutidas leis e
políticas pela equidade entre homens e mulheres em seus direitos e habilidades para
controlar a reprodução (VIEIRA, 2003).
39
A posição oficial na Conferência de População do México, em 1984, foi a defesa
da estabilização da população mundial dentro do mais rápido período de tempo possível
para melhorar a vida nos países em desenvolvimento, que se mostraram mais abertos ao
planejamento familiar do que dez anos antes (CORREA, JANUZZI, ALVES, set. 2003).
Nessa conferência, os Estados Unidos se posicionaram, curiosamente, pela
neutralidade do fator população em relação ao problema do desenvolvimento. Desde
1973, com a aprovação do aborto naquele país e a entrada do Vaticano na ONU como
observador, houve uma retomada do conservadorismo moral no tocante às questões
populacionais, em especial durante o papado de João Paulo II a partir de 1979 e nos
governos Reagan e Bush pai nos Estados Unidos (anos 1980) (ALVES, CORREA, jul-
dez 2003).
Ao longo da década de 1980, a discussão sobre saúde da mulher e saúde integral
da mulher deu lugar, no Brasil e no mundo, para o conceito de “saúde reprodutiva”,
adotado pela OMS em 1988. Concepção que busca incluir os homens na dimensão
reprodutiva e inaugura a noção de saúde sexual (CORREA, JANUZZI, ALVES, set.
2003). O conceito de direitos reprodutivos
19
também surgiu nesse momento. Ele foi
criado pelo movimento de mulheres e referendado no Tribunal Internacional do
Encontro sobre Direitos Reprodutivos, no IV Encontro Internacional Mulher e Saúde,
em Amsterdã, 1984 (COELHO, 2006).
Os conceitos de saúde e direitos reprodutivos tiram a reprodução da esfera
privada colocando-a na esfera pública, avançando para além do planejamento familiar,
ao abranger contracepção, esterilização, aborto, concepção e assistência à saúde
(COELHO, 2006). O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), de
1983, acompanhando as resoluções internacionais da área da saúde e do movimento
feminista, trazia a proposta de incluir o planejamento familiar num conjunto de ações
educativas e de saúde voltadas para a promoção social e individual da mulher.
No processo de elaboração do programa, as ideias feministas se articularam com
os conceitos de saúde pública defendidos pelo movimento da reforma sanitária.
Feministas e sanitaristas brasileiros faziam parte de um grupo heterogêneo de atores
sociais que incluía ainda os demógrafos e a Igreja Católica, e que denunciavam as teses
19
Direitos das mulheres de regular sua própria sexualidade e capacidade reprodutiva, bem como de
exigir que os homens assumam responsabilidade pelas consequencias do exercício de sua própria
sexualidade (COELHO, 2006).
40
neomalthusianas e as ões de controle da natalidade como política populacional de
desenvolvimento econômico.
Acompanhando o debate internacional sobre o planejamento familiar,
explicitado nas conferências de população e de saúde da década de 1970, o grupo
anticontrolista brasileiro argumentava que o desenvolvimento social era a melhor forma
de controle populacional. Além de reivindicar que o planejamento familiar deveria ser
tratado não como questão populacional, mas como questão de direito individual e de
saúde publica, sendo, portanto, dever do Estado ofertar serviços de contracepção à
sociedade.
Para compreendermos a evolução dos debates e ações sobre planejamento
familiar no Brasil, entre as décadas de 1970 e 1980, além de pensarmos a influência do
cenário internacional, devemos analisar a realidade nacional desse período. A
articulação entre atores heterogêneos na elaboração de uma política pública de
planejamento familiar no Brasil na década de 1980 deve ser compreendida dentro do
contexto de abertura política, que permitiu a entrada de novos personagens na cena
política brasileira e com eles, as demandas populares por políticas públicas. A
redemocratização tornou possível unir diferentes interesses em torno do ideal de uma
sociedade democrática, permitindo, por exemplo, o estabelecimento de um consenso,
naquele momento, em torno de uma política pública de saúde que contemplasse o
planejamento familiar.
41
Capítulo 2
Contexto político e atores históricos na
redemocratização
Neste capítulo, analisaremos o cenário político do período de redemocratização
(entre meados das décadas de 1970 e 1980), cujas principais características são
fundamentais para entendermos a articulação entre os diferentes atores sociais
envolvidos nos debates sobre planejamento familiar e saúde no Brasil. Apresentamos o
papel das esquerdas e dos movimentos sociais, nesse contexto histórico, chamando a
atenção para as ideias do movimento da reforma sanitária e do movimento feminista
brasileiro, as quais se destacaram na crítica ao neomalthusianismo, e na proposição de
novas perspectivas sobre o tema do planejamento familiar.
O ideal da consolidação de uma sociedade democrática, naquele momento,
tornou possível um consenso entre diferentes setores da oposição ao regime militar -
apesar da diversidade de propostas - na elaboração de uma política pública de saúde da
mulher e planejamento familiar, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
(PAISM), em 1983.
Em 1974, o general Ernesto Geisel assumiu a presidência do Brasil sob os
debates na sociedade a respeito da normalidade institucional. Como objetivos iniciais de
seu governo estavam a continuidade da política econômica e a perspectiva de mudanças
institucionais num processo gradual. O contexto político interno nesse momento era de
alto grau de militarização do Estado (e aumento do esforço para despolitizar o Exército),
perda do caráter contestatório do partido de oposição (Movimento Democrático
Brasileiro - MDB), aniquilamento das esquerdas radicais e a ausência dos setores
populares da cena política (CRUZ, MARTINS, 1983).
No entanto, as pressões contra o governo logo aumentariam. Reagindo às
propostas de reestruturação do regime, ainda no fim do governo do general Médici
(1969-1974) a direita militar se rearticulara e entre os anos de 1973 e 1975 os aparelhos
de repressão, com enorme autonomia, promoveram ações paralelas
(desaparecimentos). No mesmo período o governo Geisel teve que reconhecer a derrota
da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido do governo, nas eleições de 1974 e
42
a crise econômica no ano seguinte. Além disso, enfrentou a campanha antiestatização
feita por lideranças empresariais de 1974 a 1976, as tensões com a Igreja Católica e a
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e a forte reação popular contra os assassinatos
do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho (CRUZ, MARTINS,
1983).
A fim de garantir a derrota da oposição nas eleições de 1978 para os governos
estaduais, foi elaborada a Lei Falcão
20
. Em seguida, após desentendimentos entre o
MDB e os projetos do governo, Geisel lançou o Pacote de Abril, que fechou o
Congresso e alterou a ordem constitucional (SILVA, 2003), retardando o processo de
abertura. A sociedade civil reagiu ao pacote e aumentou a pressão contra o governo
através de movimentos organizados por diferentes setores sociais
21
reivindicando a
abertura política, a anistia ampla e irrestrita, a assembléia constituinte e melhores
condições de vida. Como resposta à intensa mobilização política da sociedade, o
governo enviou a missão Portella para negociar a transição presidencial com os
principais grupos de oposição da sociedade civil. Para evitar radicalização do processo,
os setores liberais apoiaram o candidato da situação e as reformas políticas de Geisel
(CRUZ, MARTINS, 1983).
Apesar do fortalecimento da oposição e das tensões dentro da própria corporação
militar pelo controle do processo de abertura, Geisel e Golbery
22
fizeram o sucessor
presidencial. O general João Baptista Figueiredo assumiu a presidência em 1979 tendo
como um dos principais pontos de sua agenda a anistia, fundamental para a retomada do
processo da abertura pelo governo. Porém, neste momento, em meio ao aprofundamento
da crise financeira, surgia outro importante ator de oposição: as lideranças sindicais. Em
resposta, a linha dura militar promoveu novos atentados com repercussão extremamente
negativa para o governo. Na fase final da abertura a oposição popular e os partidos
políticos assumiram a iniciativa do processo de abertura política (SILVA, 2003).
Segundo Silva (2003), os principais atores da luta pela forma, objetivos e ritmo
da transição do regime militar para um Estado de Direito no Brasil foram os
condicionantes da economia mundial em crise; a pressão do governo Carter (Estados
20
Lei de 1976 que limitava a propaganda eleitoral dos candidatos no rádio e na televisão. Apenas o
retrato dos candidatos e um breve resumo de suas atividades poderiam aparecer na TV.
21
Advogados, estudantes, cientistas, mulheres, empresários, operários, mídia, alta e média oficialidade do
Exército (CRUZ, MARTINS, 1983).
22
O general Golbery do Couto e Silva se destacou no cenário político brasileiro a partir dos anos de 1950.
Foi chefe do Serviço Nacional de Segurança (SNI) durante o governo Castelo Branco (1964-1969) e
chefe do Gabinete Civil do governo Geisel (1974-1978) e do início do governo Figueiredo, de 1979 a
1981 (ASSUNÇÃO, março de 2007).
43
Unidos); o projeto de abertura política, traduzido na estratégia Geisel-Golbery; a
corporação militar e seus organismos; e a ação autônoma, porém condicionada da
oposição, representada pelo MDB, o qual se apoiava na sociedade civil. Tais atores
tiveram de ampliar o elenco de negociadores no processo de abertura, a ponto de ter que
incorporar as massas urbanas exigindo democracia durante a campanha das Diretas-Já e
a eleição de Tancredo Neves. As sucessivas vitórias da oposição em 1974 e 1979 e os
atentados da ala radical dos militares, seguidos da demissão de Golbery e da doença de
Figueiredo, transferiram a iniciativa do processo de abertura das mãos do poder militar
para a sociedade civil (SILVA, 2003).
Apesar da intensa participação popular, e também por causa dela, o processo de
abertura política se deu através de uma transição negociada, marcada por um alto grau
de continuidade no plano das instituições e no plano das elites responsáveis por sua
efetivação. A heterogeneidade das elites teria levado à predominância das posições
moderadas para a manutenção do compromisso, isolando os radicais no processo e
privilegiando uma tática de compromisso. Ao pacto das elites juntaram–se, nesse
contexto, as crescentes demandas da sociedade. Os movimentos sociais assim como as
organizações partidárias formaram um elo de ligação entre Estado e sociedade (DINIZ,
BOSCHI, 1989).
O aumento das demandas sociais no processo de transição política se relacionava
diretamente com as mudanças radicais pelas quais a sociedade brasileira passou entre
1960 e 1980. A modernização capitalista no Brasil foi acompanhada de agravamento
dos níveis de desigualdade e pobreza e da convivência de novas e velhas estruturas
sócio-econômicas. O crescimento do processo de urbanização gerou uma sociedade
urbano-industrial complexa e diferenciada, possibilitando o surgimento da nova classe
média formada pelo componente administrativo e técnico-científico das cidades. Esses
novos grupos sociais pressionaram o Estado com novas demandas ligadas a carências
estruturais da vida nas cidades e à política nacional (DINIZ, BOSCHI, 1989).
Ainda no governo Geisel (1974-1978) houve um crescimento contínuo do
número de profissionais liberais sindicalizados e das associações profissionais e
técnicas, que no caso dos médicos, por exemplo, duplicou a partir de 1978. As
associações de funcionários públicos, dada a proibição desta categoria organizar-se em
sindicatos e realizar greves, transformaram-se num canal alternativo de participação. As
greves, por sua vez, em fins dos anos de 1970 passaram a ter um alto grau de politização
com demandas por direitos políticos (DINIZ, BOSCHI, 1989).
44
A partir de 1975, movimentos de base da sociedade civil começaram a se
destacar na luta por melhores condições de vida e pelas liberdades democráticas
(VIEIRA, 2000). Foi um momento de ebulição de movimentos sociais que expressavam
a formação de novas identidades coletivas. Eles demandavam a democracia ao nível das
relações interpessoais além de novos espaços de atuação política. Ao mesmo tempo em
que dependiam do Estado para reconhecer e responder suas demandas, esses
movimentos reivindicavam autonomia em relação ao mesmo e às instituições políticas
tradicionais (DINIZ, BOSCHI, 1989), como detalharemos a seguir.
2.1. As esquerdas e a oposição ao regime militar na segunda metade da década de
1970
Para pensarmos os movimentos sociais entre fins dos anos de 1970 e 1980, é
importante ter em mente a trajetória da esquerda brasileira
23
durante o regime militar.
De acordo com Netto (2000), entre o golpe de 1964 e o AI-5, em 1968, havia uma
diversificação orgânica da esquerda, a qual, às vésperas do AI-5 e na sua sequência
imediata, reivindicava-se, na sua quase totalidade, revolucionária e marxista.
Fragmentada em dezenas de grupos, a esmagadora maioria dessa esquerda estava
convencida de que a única via revolucionária possível era o confronto direto com a
ditadura.
A polarização das esquerdas para o socialismo revolucionário teve relação com o
ambiente cultural daquele momento no contexto internacional: as lutas antiimperialistas
e de libertação nacional no Terceiro Mundo, a Revolução Cubana, o movimento cultural
anticapitalista no Primeiro Mundo pelos direitos civis das minorias e pela liberalização
dos costumes, a revolução cultural chinesa. O universo cultural brasileiro ao longo dos
anos de 1970 indicava uma tendência à hegemonia do pensamento de esquerda,
cobrindo praticamente todas as expressões da estética, da filosofia e das ciências
humanas e sociais. Esse acervo cultural acumulado teve sua instrumentalização imediata
frente ao contexto repressivo do regime militar, contribuindo para levar os jovens
intelectuais a se jogar de cabeça no ativismo revolucionário na segunda metade da
década de 1970 (NETTO, 2000).
23
Esquerda pensada como o variado conjunto de movimentos e idéias que têm como projeto a
transformação social em prol das classes oprimidas e exploradas (NETTO, 2000).
45
Naquele momento, ocorria um processo de desmobilização dos partidos e grupos
de oposição direta à ditadura. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido
Comunista do Brasil (PC do B) foram duramente perseguidos (NETTO, 2000) e as
guerrilhas rurais e urbanas, massacradas. Os movimentos sociais que atuaram com força
no início da década de 1960, como as Ligas Camponesas, o movimento sindical e
estudantil, também foram reprimidos pelo regime militar (MAZZEO, 1999).
O governo, entretanto, apresentava sinais de crise em meados da década de
1970 e agências da sociedade civil
24
começaram a ganhar espaço na luta pela
democracia. É importante ressaltar o destaque da Igreja Católica na oposição ao
autoritarismo. Até 1969, a alta hierarquia católica comprometeu-se profundamente com
o regime, contudo, a partir daí, tornou-se uma forte liderança na defesa dos direitos
humanos no Brasil.
Para sair da crise o governo iniciou um projeto de auto-reforma, chamado de
distensão no governo Geisel e de abertura no governo Figueiredo. Tratava-se de
incorporar as demandas democráticas mais urgentes (fim da tortura e dos
desaparecimentos, abolição da censura e eleições diretas) de modo que suas implicações
fossem neutralizadas para proteger o núcleo do poder das pressões. Porém, como
apontado por Silva (2003), o projeto de auto-reforma do regime sofreu o impacto do
protagonismo crescente do novo movimento sindical de corte classista, filho da
industrialização pesada que se deu a partir do projeto de desenvolvimento do regime
militar (NETTO, 2000).
O movimento operário, em fins da década de 1970, catalisou a oposição política
ao regime, forçando o MDB a endurecer frente à proposta de auto-reforma, articulando
e direcionando politicamente movimentos e associações com papéis limitados e
focalizados até então. A “esquerda-movimento”
25
, então ganhou visibilidade, através da
imprensa liberada e de veículos controlados por ela própria, saindo do nicho
universitário e vinculando-se a organismos políticos-partidários e aos novos
movimentos sociais (NETTO, 2000).
24
Destacaram-se a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a
Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC).
25
Nas palavras de Netto (2000), a esquerda movimento se refere a “um amplíssimo espectro ideopolitico,
que contempla marxistas, neomarxistas, socialdemocratas, cristãos de várias confissões (com forte
presença de católicos, influenciados pela Teologia da Libertação e por pensadores como Paulo Freire) e
intelectuais marcados por diferentes influxos teóricos (especialmente os derivados da obra de Antonio
Gramsci, mas também de Michel Foucault, Claude Lefort e C. Castoriadis)” (NETTO, 2000, p.237).
46
A partir de fins dos anos de 1970, portanto, o debate democrático se instaurou
fortemente no campo da esquerda brasileira devido não ao contexto ciopolítico
nacional, mas também ao peso de questões internacionais como as críticas ao modelo
soviético e aos partidos comunistas tradicionais, a acolhida das demandas da nova
agenda ocidental (minorias e ecologia) e a nova noção de revolução alinhada com as
propostas reformistas da socialdemocracia (NETTO, 2000).
Foi nesse cenário de afluxo do movimento popular-sindical e esforço do capital
para garantir a ordem burguesa que se deu a transição democrática no Brasil. Sem uma
ruptura com o Estado do regime militar, essa transição, combinando elementos de
continuidade e mudança no novo período democrático fundado em 1985, assinalou uma
democratização da sociedade, consagrada na Constituição de 1988 (NETTO, 2000).
2.2. Os novos movimentos sociais
Os novos movimentos sociais surgidos em meados dos anos de 1970, no Brasil,
revelaram novos atores em luta por políticas sociais que garantissem direitos básicos de
sobrevivência diante dos problemas urbanos da sociedade capitalista, como foi dito
anteriormente. Agregaram diversos setores urbanos organizados em grupos autônomos,
fora dos partidos ou sindicatos, num momento em que não existiam organismos formais
de defesa econômica e representação política, e em que predominava a descrença na via
da luta de classes em partidos revolucionários (COSTA, abr/jun 1988).
Os habitantes da cidade redefiniram as relações entre classes populares e o
Estado afirmando direitos ao passarem do reconhecimento da carência para a
reivindicação. Os novos movimentos sociais passaram a se definir como interlocutores
do processo de mudança no padrão de serviços, incluindo os de saúde pública,
expressão, no campo político, dos conflitos originados pelas contradições urbanas
(COSTA, abr/jun 1988).
47
Nesse contexto, o eixo da luta de classes teria se deslocado da esfera da
produção para a esfera da reprodução, ou seja, para as condições de sustento das massas
urbanas, que se tornaram o principal ator, no lugar das classes trabalhadoras. As lutas
populares por serviços urbanos, segundo Costa (abr/jun 1988), geraram uma rede a qual
se converteu em movimentos de bairros, onde se desenvolveram experiências de ajuda
mútua e aprendizado político que estabeleceram as bases para uma nova sociabilidade
política e uma nova cidadania.
Esses movimentos sociais contribuíram para a criação de novos espaços
políticos e para a maior organização da sociedade civil. Entretanto, as demandas
específicas e de curto prazo teriam facilitado a fragmentação e o isolamento dos grupos
e a sua postura autônoma em relação às instituições do Estado dificultou seu processo
de institucionalização no longo prazo (DINIZ, BOSCHI, 1989). Ainda assim, eles são
parte importante do fenômeno de socialização da política que ampliou as possibilidades
de surgimento de novos formatos de participação na vida cívica (DOIMO, 1995).
Na falta de alternativas institucionais durante a ditadura militar, toda uma
geração de intelectuais mobilizou forças no sentido da incorporação das massas
populares na vida pública. Os intelectuais seriam reprodutores do saber de classe e o seu
objetivo seria quebrar o sistema de poder dominante e decodificar o que os grupos
populares tinham a dizer.
A prática educativa era uma importante estratégia no sentido de reforçar a
autonomia dos grupos populares para que eles pudessem expressar suas experiências,
problemas, alegrias e fundar uma identidade que os fortalecesse enquanto grupo. Os
espaços de vivência política eram essencialmente horizontais, respeitando o ritmo e as
iniciativas dos populares, a fim de que estes estabelecessem por si as relações entre
os fatos e a motivação para mudá-los. O objetivo maior era a conscientização das
camadas populares, o que para esses intelectuais não seria possível através da política
institucional (COSTA, abr/jun 1988).
Tanto as feministas quanto os sanitaristas – em sua grande parte ligados a
partidos de esquerda – faziam parte dessa intelectualidade que trabalhava com a ideia de
educação das classes populares para a conscientização de sua condição social de
opressão, objetivando o despertar de novos sujeitos políticos aptos a serem agentes das
transformações sociais. Embora mantivessem uma postura autônoma em relação a
partidos políticos e instituições governamentais, também negociaram com as
48
instituições políticas tradicionais e obtiveram conquistas importantes no setor das
políticas públicas de saúde e de gênero, no contexto de redemocratização do Brasil.
2.3. Panorama das políticas de saúde
A abertura da cena política a novos atores, ao fim da década de 1970, criou
novos mecanismos e formas de ação política, sem romper, contudo, com os mecanismos
corporativistas e clientelistas através dos quais se movimentava o sistema de proteção
social brasileiro. A forte expansão dos programas sociais e seus beneficiários no regime
autoritário foi acompanhada de distorções. Como consequência, tanto os desempregados
como os assalariados necessitavam de auxílio do governo. Além disso, os recursos eram
insuficientes, a expansão da cobertura se deu sem manutenção ou melhoria da qualidade
dos serviços, principalmente em educação e saúde (DRAIBE, 1994).
O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), de 1974, reconheceu as
profundas desigualdades sociais e a necessidade urgente de agir no sentido da
redistribuição da renda. Apesar de fracassar nesse sentido, foi um momento de inflexão
das políticas sociais, com algumas medidas importantes, como a criação do Conselho de
Desenvolvimento Social (CDS)
26
(DRAIBE, 1994).
No início da década de 1980, a agenda de reformas privilegiava a
democratização do sistema de proteção social. Exigiam-se mudanças nas regras de
inclusão, o fim dos privilégios e da centralização e um novo padrão de financiamento. A
partir de 1981 a crise previdenciária forçou a mudança do padrão das políticas sociais
do governo autoritário e no ano seguinte foi criado o Finsocial
27
, seguido do aumento
das alíquotas de contribuição salarial. As pressões e forças presentes no processo de
redemocratização nesse período levaram o modelo ao seu esgotamento ao reivindicarem
a dívida social deixada pelo regime, exigindo mais do que o atendimento de demandas,
mas a reestruturação do modelo excludente de proteção social (DRAIBE, 1994).
26
O CDS tinha a atribuição de assessorar o presidente da República na formulação de políticas sociais e
integrar as atividades dos ministérios da área social (Ministérios do Planejamento, Trabalho, Educação e
Cultura, Previdência e Assistência Social, Interior e Saúde) (BODSTEIN, 1987).
27
Criado através do decreto-lei nª 1.940, de 25 de maio de 1982, o Finsocial é uma contribuição social
administrada pelo BNDES e destinada a custear investimentos de caráter assistencial em alimentação,
habitação popular, saúde, educação, justiça e amparo ao pequeno agricultor
(www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del1940.htm).
49
Quanto às políticas sociais da área da saúde, é importante ressaltar que até
meados da década de 1980, quando foi criado o Suds/SUS
28
, não havia sistema
unificado de saúde no Brasil. Existiam duas estruturas nacionais: a saúde pública e a
medicina previdenciária (BODSTEIN, 1987). A primeira era responsável pelas ações
coletivas de caráter preventivo executadas pelo Ministério da Saúde - órgão de caráter
eminentemente normativo -, e pelos estados e municípios. A segunda, pela prestação de
serviços médicos individualizados aos trabalhadores segurados associados aos IAPs
29
até 1967 e depois ao Instituto Nacional da Previdência Social (INPS)
30
, com base na
rede hospitalar e ambulatorial (DRAIBE, 1994).
A preponderância era da medicina previdenciária que se apoiava nos recursos da
previdência e da área fiscal e na parceria com o setor privado, enormemente
privilegiado nesse processo. O INPS era o verdadeiro gestor da política de saúde no
Brasil e sua estrutura era extremamente centralizada. A lei do Sistema Nacional de
Saúde, em 1974, veio reforçar a centralidade da assistência médica previdenciária
(DRAIBE, 1994).
Ainda assim, em meio a um contexto de crescente esvaziamento do Ministério
da Saúde durante o governo Geisel, tem início uma tentativa de reforma que marcará a
atuação institucional até 1978. Para tanto, o governo aceitou, num primeiro momento, o
trabalho de técnicos importantes, mas opositores ao regime. Eram, na sua maioria,
jovens de dentro das universidades chamados para cargos de assessoria e confiança,
constituindo um grupo progressista, de oposição aos modelos tradicionais, que tentou
modernizar a administração e os programas elaborados (ALMEIDA, OLIVEIRA,
1979). Entre os programas inovadores de cunho social do período estavam: o Programa
Nacional de Alimentação e Nutrição (Pronam), o Plano de Localização de Unidade de
28
O Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), criado em 1987, baseava-se nos princípios
da universalização, equidade, descentralização, regionalização, hierarquização e participação comunitária.
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi o desdobramento do sistema anterior, consolidado na Constituição
de 1988 (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005).
29
Institutos de Aposentadoria e Pensão, surgidos na década de 1930, cuja vinculação se dava por
categoria profissional, penalizando as categorias mais frágeis e excluindo os trabalhadores rurais (maioria
no Brasil) e os trabalhadores urbanos informais. Os benefícios eram reduzidos, porém incluíam a
assistência médica. Eram financiados por empregados, empregadores e governo.
30
O Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), criado em 1966, unificou os IAPs e incluiu os
trabalhadores urbanos como segurados obrigatórios, ampliando assim a cobertura dos serviços médicos.
50
Serviço (PLUS)
31
, o Projeto Montes Claros (MOC)
32
e o Programa de Interiorização das
Ações de Saúde (PIASS)
33
.
Todavia, ao fim do período Geisel, o grupo renovador do Ministério da Saúde
sofreu desgaste, a modernização administrativa foi superficial e os programas
inovadores, aplicados somente em parte. A importância da assistência médica dentro da
estrutura de saúde do Estado ficara explícita com a criação do Instituto de Assistência
Médica da Previdência Social (Inamps), dentro do SINPAS
34
, em 1977 (ALMEIDA,
OLIVEIRA, 1979). A cada seguinte, no entanto, veria uma grande transformação no
modelo institucional de assistência à saúde, graças, em grande parte, à atuação do
movimento sanitarista.
O período inicial da década de 1980 foi de aguda crise econômico-social. No
setor saúde, o Ministério da Saúde procurou desenvolver uma política mais atuante de
expansão da cobertura assistencial, iniciada na década anterior, a fim de responder às
proposições formuladas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) na Conferência de
Alma-Ata, em 1978, que preconizava “Saúde para todos no ano 2000”, em especial por
meio da atenção primária (BODSTEIN, 1987).
Várias foram as propostas de implantação de uma rede de serviços voltada para a
atenção primária à saúde, com hierarquização, descentralização e universalização. A
questão das diretrizes políticas e da competência do Ministério da Saúde foi incorporada
na proposta do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-Saúde) e
discutida na VII Conferência Nacional de Saúde, em 1979, convocada com o fim de
promover o debate amplo de temas relacionados à implantação e ao desenvolvimento
31
O PLUS foi uma experiência pioneira de saúde pública na previdência social, a qual pôs em prática a
programação de serviços, aplicando de forma racional o princípio da universalização da oferta. Em 1979,
o plano foi desmontado (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005).
32
O MOC, por sua vez, incorporou conceitos de regionalização, hierarquização, administração
democrática e eficiente, integralidade da assistência, auxiliares de saúde e participação popular. A idéia
que originou o MOC vem de 1972, quando a Family Health, seguindo modelo da Organização Pan-
Americana de Saúde (OPAS) tentou fazer um projeto que ampliasse a estrutura de atenção à saúde nos
postos rurais, para dar conta também do planejamento familiar (ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER,
2005).
33
O PIASS foi elaborado pelo setor saúde do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) e tinha
como objetivo central a implantação da estrutura básica de saúde pública nas comunidades de até 20 mil
habitantes e a contribuição para a melhoria do nível de saúde da região, através da instalação de
minipostos e de ações de saneamento. Em geral seguia as linhas propostas por organismos internacionais
quanto à participação comunitária nos serviços de atenção primária, com baixos custos, sem oferta de
serviços sofisticados e com mão-de-obra sem formação acadêmica (ALMEIDA, OLIVEIRA, 1979).
34
O Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (Sinpas) organizou o sistema de proteção
social brasileiro a partir do critério da especialização funcional, criando autarquias vinculadas ao
Ministério da Assistência e Previdência Social, entre elas o Instituto de Assistência Médica da
Previdência Social (Inamps) (BODSTEIN, 1987).
51
desse programa, uma proposta de reformulação do setor saúde a nível nacional
(BODSTEIN, 1987).
O Prev-Saúde tinha como pressupostos para a extensão da cobertura conceitos
como hierarquização dos serviços, públicos ou privados, por níveis de complexidade,
regionalização do atendimento por áreas e populações definidas, integração de serviços,
além da participação comunitária, segundo as orientações da Conferência de Alma-Ata.
Todavia, não tocava na rede hospitalar privada, ficando no nível da atenção primária
(ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005). O programa teve várias versões, sendo
inicialmente formulado por um grupo de técnicos dos Ministérios da Saúde e da
Previdência. As modificações responderam a interesses de vários grupos, e opunham
diferentes posições como: privatização/estatização, centralização/regionalização,
participação/manipulação (BODSTEIN, 1987).
Nesse período, a Previdência Social atravessava seu momento de crise mais
grave. Devido a essa situação foi criado, em 1982, o Conselho Consultivo de
Administração da Saúde Previdenciária (Conasp), mecanismo institucional que
pretendia racionalizar a assistência médica e propor formas de financiamento e
utilização dos recursos, superpondo-se ao próprio Inamps. Um dos planos propostos
pelo Conasp tinha como objetivo final as Ações Integradas de Saúde (AIS),
implementadas em 1983. O plano do Conasp propunha a redefinição da política
institucional com relação à saúde, por meio de um convênio tripartido
(MS/MPAS/Secretarias de Estado de Saúde). Ele tinha uma estratégia de implantação
gradual, inclusive com proposta de articulação com os diversos segmentos da sociedade
civil (BODSTEIN, 1987).
Apesar dos inúmeros problemas, as AIS constituíram uma estratégia importante
para o processo de descentralização da saúde. Com elas houve aumento da transferência
de recursos federais para estados e municípios, aumento dos níveis de equidade e
universalização, estímulo da produtividade das secretarias de saúde e demais órgãos
públicos e diminuição de atividades paralelas com melhor programação dos serviços
(DRAIBE, 1994).
Foi nesse cenário que se destacaram homens e mulheres da área de saúde, que
em conjunto com setores da sociedade civil organizada, propuseram reformas na saúde
pública brasileira nas décadas de 1970 e 1980, que se refletiram em novas experiências
e políticas públicas, entre elas o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
(PAISM).
52
2.4. O movimento da reforma sanitária
No contexto de tentativa de mudanças no setor saúde, ainda na década de 1970,
começaram a ganhar peso os discursos oposicionistas que buscavam relacionar saúde e
doença com as condições de vida (moradia, trabalho, lazer, bens de consumo coletivo
como assistência médica e previdenciária). Esses discursos dirigiam severas críticas à
organização dos serviços e ao desenvolvimento da rede privada vinculada ao Inamps.
Dentre os precursores das críticas, destacamos Antonio Sergio Arouca e Carlos Gentile
de Mello. Ambos tiveram papel fundamental na orientação das discussões
questionadoras da dicotomia saúde coletiva/saúde individual (ESCOREL,1998).
Nesse mesmo período estavam se reestruturando as organizações da sociedade
civil que reivindicavam, entre outras coisas, uma concepção ampla de saúde que
incluísse as condições de vida e assistência médica como competência do Estado. Da
união do discurso oposicionista da saúde com os movimentos sociais na luta por direitos
foi ganhando corpo entre fins da década de 1970 e a década de 1980, o movimento da
reforma sanitária brasileira.
Constituído inicialmente por uma parcela da intelectualidade universitária e dos
profissionais da área da saúde, posteriormente, incorporou outros segmentos da
sociedade, como centrais sindicais, movimentos populares de saúde e alguns
parlamentares. As proposições desse movimento, iniciado em pleno regime autoritário
eram dirigidas basicamente à construção de uma nova política de saúde efetivamente
democrática, considerando a descentralização, universalização e unificação como
elementos essenciais para a reforma do setor (ESCOREL, 1998).
Unindo movimento ideológico com prática política, o movimento da reforma
sanitária se organizou no âmbito dos Departamentos de Medicina Preventiva (DMP) das
universidades. Opunha-se ao modelo preventivista liberal norte-americano - que, em
suma, tratava saúde e doença a partir de uma visão biológica e não social - e a sua
versão racionalizadora proposta pela burocracia estatal. O movimento trazia para a área
da saúde a abordagem médico-social de base conceitual marxista e estruturalista,
defendendo a superação das visões biológica e ecológica da saúde (ESCOREL, 1998).
53
Segundo Sarah Escorel (1998), o movimento da reforma sanitária teve três
vertentes. Uma delas foi o movimento estudantil, importante difusor da nova teoria
social da medicina, e que teve papel chave na constituição do Centro de Brasileiro de
Estudos de Saúde (Cebes), “pedra fundamental do movimento sanitário” (ESCOREL,
1998, p.67). As outras duas vertentes foram os médicos residentes, líderes dos debates
entre medicina liberal e assalariada, e a Academia, origem e base teórica do movimento.
Com o Cebes surgiu a revista Saúde em Debate, em novembro de 1976. Além da
revista, o centro promovia encontros, mesas-redondas, debates e reuniões para discutir
vários temas da saúde, destacando-se a previdência social, os medicamentos e o
planejamento familiar. A participação destacada do Cebes nos debates sobre controle da
natalidade e planejamento familiar será objeto de nossa atenção, em especial sua relação
com o movimento feminista e as novas ideias de saúde da mulher e controle da
fecundidade que eles ajudaram a difundir no período de transição política.
Exemplo da relação entre o movimento sanitarista e as feministas é a
participação conjunta em eventos sobre o polêmico tema do controle da natalidade,
entre os quais destacamos uma mesa-redonda organizada pelo Cebes em parceria com o
Centro da Mulher Brasileira (CMB), no Rio de Janeiro, onde foi discutido o Programa
de Prevenção da Gravidez de Alto Risco (PPGAR) (Saúde em Debate, out/nov/dez
1977, p.14).
Contestando o modelo privatista e centralizador de saúde, o Cebes ganhou
enorme destaque e se tornou um pólo aglutinador das oposições ao regime, inclusive
promovendo a oposição sindical e a renovação das entidades de saúde. Isso trouxe uma
crise para a entidade em fins de 1978, que durou até meados de 1979. Por isso, a direção
do Cebes se afastou do movimento corporativo e se aproximou do trabalho com a
sociedade civil.
(...) essa entidade [o Cebes] era composta por um grupo de posições
políticas bastante heterogêneas. Ainda que existisse uma hegemonia
do Partido Comunista Brasileiro dentro do Cebes, ele era heterogêneo
porque pessoas passaram a encontrar no Cebes um local onde discutir
as frustrações no exercício profissional. Então, vão aparecer os grupos
que estavam fazendo a crítica da psiquiatria [...] discussões sobre
saúde da mulher, do trabalhador [...] tudo refletia para o Cebes.
Depois se vão. O tema saúde da mulher, por exemplo, vai para o
movimento feminino. Refletiam-se, ali, as diferentes posições
políticas que estavam aparecendo na sociedade (AROUCA, 1986
apud ESCOREL, 1998:81).
54
A partir de 1979 o movimento da reforma sanitária penetrou nos aparelhos do
Estado, o Cebes se tornou órgão de consultoria técnica e o núcleo de Brasília se
destacou por ações no Parlamento. Entre 1979 e 1982, o movimento sanitarista foi
construindo e ampliando sua organicidade, estabelecendo contatos e alianças com os
demais movimentos pela democratização do país (ESCOREL, NASCIMENTO,
EDLER, 2005).
A partir de 1982, o movimento desenvolveu na Previdência Social propostas de
reformulação do setor saúde que modificaram algumas diretrizes da política de saúde
vigente. Entre outras medidas, privilegiou a desconcentração das ações de atenção à
saúde para os níveis estadual e municipal. Além disso, legitimou a participação de
entidades representativas da sociedade civil na formulação das políticas de saúde
(ESCOREL, NASCIMENTO, EDLER, 2005), dentre elas o movimento feminista.
2.5. O movimento de mulheres e a segunda “onda” feminista
A expansão da educação superior e a entrada de mulheres casadas no mercado
de trabalho após a Segunda Guerra influenciaram o ressurgimento do movimento
feminista no mundo ocidental em fins da década de 1960 (HOBSBAWN, 1995).
Manifestações dos movimentos feministas na Europa e nos Estados Unidos ganharam
destaque internacionalmente, em especial aquelas a favor da liberação sexual feminina,
do uso de pílulas anticoncepcionais e da descriminalização do aborto (ESTEVES,
MESQUITA, 2005).
No Brasil, as transformações sociais decorrentes do processo de modernização
econômica e urbanização dos anos de 1950 e 1960 também refletiram nas décadas
seguintes em mudanças nos papéis sociais femininos, nos costumes e nas relações entre
os sexos (GOLDBERG, 1987).
55
As idéias libertárias vindas do exterior repercutiram no Brasil principalmente
através da imprensa alternativa
35
. Brasileiras que viviam na Europa e nos Estados
Unidos, algumas exiladas ex-prisioneiras políticas e militantes de grupos de esquerda
-, divulgavam as ideias feministas no Brasil através de cartas, artigos e publicações.
Mulheres de trajetórias diferentes começaram a formar grupos. Goldberg (1987) destaca
o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris, que apareceu em 1975, a partir da reação de
exiladas às práticas discriminatórias em relação às mulheres por parte do Partido
Comunista no exílio.
Ainda no início dos anos de 1970, começaram a surgir no Brasil os primeiros
grupos organizados de mulheres que discutiam os problemas femininos sob a influência
do movimento feminista internacional e a partir do contato que algumas mulheres
tiveram com ele em viagens ao exterior, França e Estados Unidos principalmente. Eram
grupos formados, na maior parte, por jovens universitárias ou com nível superior, e
militantes da Ação Católica
36
(SARTI, 1998).
em 1972, era realizado o I Congresso da Mulher promovido pelo Conselho
Nacional da Mulher, criado por Romy Medeiros
37
em 1949 (PEDRO, 2006). Heleieth
Saffioti, Rose Marie Muraro, Carmem da Silva, Branca Moreira Alves, Martha Suplicy,
Maria Odila Leite da Silva Dias, eram algumas das mulheres que participavam de
discussão de livros feministas e de “grupos de reflexão” entre 1971 e 1975 (PEDRO,
2006).
Os grupos de reflexão, ou grupos de autoconsciência, segundo Anette Goldberg
(1987), eram pequenos grupos onde as mulheres compartilhavam experiências e
confrontavam seus problemas vivenciados nas relações entre os sexos, descobrindo que
não se tratavam de problemas únicos nem particulares, mas eram parte da opressão
sofrida por todas as mulheres. Esse processo de tomada de consciência deveria criar um
35
Jornais que se caracterizaram pela oposição ao regime militar, ao modelo econômico, à violação dos
direitos humanos e à censura. Editados, em geral, por jornalistas, intelectuais e militantes de esquerda em
busca de um espaço de expressão (KUCINSKI, 1998).
36
Movimento surgido no Brasil em 1935, que tem como objetivo formar leigos para colaborar com a
missão da Igreja. Nos anos de 1960 foi bastante dinâmica e contava com setores especializados, formados
principalmente por jovens, do mundo rural (JAC), estudantil (JEC), independente (JIC), operário (JOC) e
universitário (JUC). O crescente envolvimento do movimento estudantil nas questões políticas nacionais,
entre 1959 e 1965, acabou por influenciar na criação de uma organização política desvinculada da Igreja,
e formada por antigos membros da JUC, a Ação Popular (AP), que posteriormente aderiu à luta armada
contra a ditadura militar.
37
Romy Medeiros é advogada e destacou-se na luta pelos direitos da mulher e na conquista do Estatuto
da Mulher Casada, de 1962, através de sua atuação no Conselho Nacional da Mulher, que ate hoje preside
(http://www.conselhonacionaldemulheresdobrasil.com).
56
sentimento de solidariedade e irmandade entre as mulheres, inspirando-as a levantar os
fatos da vida privada como bandeiras de luta no campo da vida pública, fazendo do
pessoal político, com grande potencial de transformação social.
Outros grupos, formados por mulheres de classes médias e baixas, surgiram e se
destacaram a partir de meados da década de 1970. Em parte apoiados pela Igreja
Católica, eles se multiplicaram com a crise do milagre econômico na luta de oposição
ao governo e promoveram a participação na vida comunitária (SARTI, 1998).
Diferentemente das feministas, esses grupos não questionavam a opressão de
sexo e os papéis tradicionais das mulheres. Pelo contrário, demonstravam uma postura
maternalista buscando valorizar a sua condição de esposas, donas-de-casa e mães para
intervir no espaço público, reforçando tais papéis. Entre os mais destacados estavam o
Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA), os clubes de mães e o movimento contra a
carestia. Apesar das diferenças, esses grupos sempre estiveram muito próximos do
movimento feminista (SARTI, 1998).
Enquanto parte do movimento de mulheres andava lado a lado com a Igreja
Católica, as feministas sempre mantiveram uma relação delicada com essa instituição.
Certos temas como aborto, sexualidade e contracepção se limitavam aos “grupos de
reflexão” por não encontrarem espaço dentro de certas entidades que estavam
comprometidas na luta contra a ditadura militar e, portanto, zelavam pelo apoio da
Igreja. As questões mais especificamente feministas, que diziam respeito diretamente às
relações de gênero, ganharam espaço somente com a consolidação da abertura política
em fins dos anos de 1970, quando as discussões sobre gênero foram aprofundadas,
evidenciando então os conflitos com a Igreja (SARTI, 1998).
Em 1975, os primeiros grupos de reflexão citados anteriormente se uniram e
organizaram a Semana de Pesquisas sobre o Papel e o Comportamento da Mulher
Brasileira
38
, com o apoio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e sob o patrocínio
da Organização das Nações Unidas (ONU) que havia feito daquele ano o Ano
Internacional da Mulher.
O ressurgimento do movimento feminista no Brasil, naquele momento, se
relaciona com a resistência das mulheres à ditadura militar e à necessidade de espaços
de expressão política. O movimento feminista teve duplo papel no cenário político
38
Para abreviar chamaremos esse evento de “Encontro da ABI”.
57
brasileiro: espaço político para as mulheres e suas demandas específicas e canal de
denúncia do regime e defesa dos direitos civis
39
(MENDEZ, 2004).
A partir da iniciativa de organização do “Encontro da ABI”, surgiram grupos
feministas organizados em vários estados. Eram formados, na sua maioria, por mulheres
da classe média urbana intelectualizada, esquerdistas, exiladas e com nível superior. Em
geral, tinham a perspectiva de transformar a sociedade como um todo, por isso se
articularam com as demandas do cotidiano das mulheres das camadas populares, que
tinham como parâmetro o mundo da reprodução e a família (GROSSI, jul-dez 1997).
Num primeiro momento, destacaram-se entre esses grupos o Centro da Mulher
Brasileira (CMB) no Rio de Janeiro, o Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira
de São Paulo (criado com apoio da Cúria Metropolitana); o jornal Brasil Mulher (1975-
1980), de Londrina; jornal Nós Mulheres (1976-1978), de São Paulo
40
.
Anette Goldberg (1987) chama a atenção para a heterogeneidade do feminismo
que se difundiu no Brasil desde então, sua multiplicidade em termos dos significados e
das motivações que lhe foram associadas por mulheres de diferentes formações e
orientações político-ideológicas. A tendência, muitas vezes, de abarcar todas estas
visões sob uma única designação de “feminismo” faz com que se perca a riqueza de
seus ideais e articulações com o quadro mais amplo da realidade brasileira. Os
feminismos brasileiros teriam sido forjados ao mesmo tempo na luta contra o
patriarcado, o capitalismo e a ditadura militar, por isso foi o movimento feminista da
“dupla militância”, ou, nas palavras da autora, o feminismo “bom para o Brasil”.
A dinâmica do CMB, por exemplo, revela essa diversidade de posições políticas,
escondidas sob o véu do feminismo, em especial nos seus primeiros anos de vida.
Segundo Joana Pedro (2006), no início, o CMB teve um caráter liberal, mas a partir de
1977 ele foi aparelhado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), fato que limitou a luta
específica da mulher a questões como creches, controle de natalidade e trabalho. Temas
mais ligados à autonomia sexual da mulher, como contracepção e aborto eram malvistos
e, assim como os grupos de reflexão, considerados assuntos de burguesas. As feministas
39
A dualidade entre as “questões específicas” das mulheres e as “questões gerais”, os demais problemas
da sociedade brasileira, marcou o movimento feminista no Brasil, com mais intensidade no período em
que a luta contra o regime militar ganhava força na segunda metade da década de 1970.
40
Refletindo as preocupações dos demais grupos feministas, os jornais Nós Mulheres e Brasil Mulher
abordaram ao longo de seus artigos e editoriais tanto questões específicas referentes à situação das
mulheres (violência, condições de trabalho e sexualidade), quanto demandas que simbolizavam a
oposição ao regime militar – como as lutas pela anistia e pelas liberdades democráticas (PEDRO, 2006).
58
com atuação partidária e que pretendiam levar as diretrizes de seu partido para o
movimento entravam em choque com as que brigavam por uma postura mais autônoma,
com formulações e práticas próprias e ênfase nas questões específicas da condição
feminina (MIGUEL, 1987).
Entre 1979 e os primeiros anos da década de 1980, com a abertura dos campos
de participação política no país, ocorreu um processo de redefinição na noção de
feminismo e, portanto, uma maior diferenciação de trajetórias dentro do movimento
feminista. Nesse momento, a sociedade reconhecia a relevância das suas causas.
Além disso, a conquista da anistia e o fim do bipartidarismo colaboraram para uma
divisão mais evidente das mulheres unidas em nome do movimento. A partir de então,
os grupos se dividiram e surgiu a possibilidade do aprofundamento do debate sobre o
conceito de gênero e sobre as questões referentes à sexualidade, além de abrirem-se
espaços para uma militância técnica e profissional no espaço institucional (SARTI,
maio/agosto 2004).
Surgiram, então, grupos fortes de trabalho, especialmente aqueles contra a
violência da mulher e pela sua saúde. Desenvolveu-se o feminismo acadêmico, com
núcleos de estudos sobre a mulher. No plano institucional, surgiram conselhos e
delegacias para as questões específicas femininas, as mulheres se fizeram presentes nos
cargos eletivos e criaram formas alternativas de participação política (PINTO, 2003).
Com a aproximação das primeiras eleições gerais do país em 1982, a política
dominou as discussões dentro do movimento. A relação dos feminismos com o campo
político, nesse momento, pode ser mais bem compreendida a partir de três perspectivas
que se completam: a conquista de espaços no plano institucional; a candidatura de
mulheres; e novas formas de participação política. A presença das mulheres nesses
espaços causou tensões tanto no campo político tradicional como entre as feministas,
que muitas vezes viam o estreitamento da relação com o campo da política institucional
como ameaça ao movimento (PINTO, 2003).
Segundo Céli Pinto (2003), o início dos anos de 1980 vê as feministas se
dividirem em “autonomistas” e “institucionais”. A questão da autonomia do movimento
feminista, limitada pelo contexto político da segunda metade da década de 1970,
começa a ser posta em debate devido à institucionalização do movimento. Desse modo,
a relação com o Estado se torna mais ambígua. Antes, tinha-se uma postura homogênea
59
contra o governo, agora o próprio governo passa a incorporar algumas bandeiras do
movimento feminista e a abrir espaço para uma maior participação das mulheres.
Se num primeiro momento, o movimento feminista ligava autonomia a uma
defesa contra a manipulação de partidos políticos, num segundo momento, com o
processo de redemocratização e a possibilidade de uma relação institucional, autonomia
passa a ser definida em relação ao Estado, aos órgãos públicos e a outros movimentos
sociais (PINTO, 2003).
Embora houvesse várias concepções de feminismo e autonomia dentro do
movimento feminista, todas elas estavam organizadas em torno das “questões
específicas” femininas, questionando a forma submissa pela qual as mulheres estavam
inseridas na sociedade e discutindo a discriminação que sofriam (MIGUEL, 1987).
A história da institucionalização do movimento feminista junto ao Estado passa
pela vitória do MDB em alguns estados brasileiros em 1982, mais especificamente pela
eleição de Franco Montoro no estado de São Paulo, onde o movimento feminista era
bastante organizado e tinha alguns nomes de projeção nacional nas áreas da cultura, da
política e da academia. Ali foi criado em abril de 1983, o Conselho Estadual da
Condição Feminina, primeiro órgão desse tipo no Brasil, que influenciou a criação do
Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 1985 (PINTO, 2003). Também em São
Paulo no governo de Montoro foi lançado um programa de saúde da mulher, similar ao
PAISM em sua proposta de assistência integral com oferta de serviço de planejamento
familiar.
No espaço institucional, portanto, as feministas obtiveram importantes
conquistas, participando da elaboração de políticas públicas e se destacando no embate
contra o modelo político-econômico do regime militar e contra os defensores de
programas controlistas de planejamento familiar, que tratavam esse assunto como
solução para o desenvolvimento econômico do Brasil: entidades privadas nacionais,
agências financiadoras internacionais, parlamentares, médicos e economistas brasileiros.
O questionamento das feministas a respeito das condições de reprodução
biológica e social, entre as décadas de 1970 e 1980, no Brasil, relacionava-se com a
certeza de que a democracia viria completar a modernização da sociedade brasileira, e
se articulava à reflexão produzida por outros atores políticos: o movimento sanitarista, a
comunidade demográfica e os cientistas sociais (CORREA, 1993).
60
Naquele momento, as análises desses vários setores permitiram romper com a
polarização entre o natalismo tradicional e o neomalthusianismo crescente que havia
caracterizado o debate nacional sobre o controle da natalidade entre as décadas de 1960
e 1970 (CORREA, 1993), forçando o Estado a sair da posição ambígua sobre o tema,
que ao mesmo tempo era contra uma política populacional controlista, mas conivente
com as entidades privadas de planejamento familiar e a indústria farmacêutica. O debate
entre controlistas e anticontrolistas era bastante polêmico e as posições dentro dos
grupos, as mais diversas.
A evolução dos debates e a atuação cada vez mais expressiva das feministas e do
restante do grupo anticontrolista, em conjunto com as mudanças no cenário sócio-
político brasileiro, possibilitaram, na década de 1980, a configuração de uma política
pública alternativa de planejamento familiar no Brasil, a primeira implantada a nível
nacional, o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM).
61
Capítulo 3
Perspectivas em debate: propostas e conflitos sobre
planejamento familiar no Brasil
A polêmica sobre o controle de natalidade no Brasil envolveu diversos
personagens que se manifestaram dentro de um conjunto variado de ideias e propostas,
entre as décadas de 1960 e 1980. O debate, que foi evoluindo e se intensificando ao
longo desse período, inicialmente se polarizou entre duas posturas opostas que refletiam
o conflito ideológico internacional da Guerra Fria e o embate nacional sobre o modelo
político-econômico do país.
De um lado, o grupo que chamamos neste trabalho de “controlistas”, ou seja,
setores conservadores da sociedade, ligados ao capital nacional e internacional,
favoráveis a políticas populacionais de controle da fecundidade como forma de
combater a pobreza e desenvolver o país. Médicos, economistas, militares da Escola
Superior de Guerra, políticos, e entidades nacionais e internacionais apoiadas por
agências estrangeiras de financiamento compunham esse grupo.
No pólo oposto, setores progressistas, ligados aos partidos de esquerda, aos
movimentos sociais e à Igreja Católica, que denunciavam as teses neomalthusianas
defendidas pelos controlistas e suas ações de incentivo ao controle da natalidade das
populações pobres. Demógrafos, médicos ligados ao movimento da reforma sanitária,
membros do clero e feministas faziam parte desse arranjo heterogêneo, que aqui
62
chamamos de “anticontrolistas”, os quais compartilhavam a ideia de que a queda nas
taxas de natalidade eram consequência e não causa do desenvolvimento econômico e
social.
Tratava-se, acima de tudo, de uma questão política bastante polêmica que
envolvia problemas demográficos, sanitários e feministas. Os debates se faziam
presentes na grande imprensa, na imprensa alternativa, nos congressos médicos, nos
espaços políticos organizados pelos movimentos sociais e também na esfera estatal,
dentro das assembléias legislativas, do Congresso Nacional, do Senado e do Poder
Executivo.
Neste capitulo, fazemos um panorama das discussões sobre o tema a partir de
meados da década de 1970 até meados da década de 1980, quando se intensifica a
mobilização contra o regime militar e por melhores condições de vida, até o momento
da redemocratização quando o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher
(PAISM) entra no sistema de saúde brasileiro.
Destacamos as denúncias e propostas do grupo anticontrolista, em especial as
ideias do movimento feminista sobre saúde da mulher e contracepção, que tratavam as
mulheres enquanto seres autônomos, e privilegiavam as ações educativas como forma
de oferecer às mulheres a chance de controlar sua vida e seus corpos e o poder de
exercer com consciência a maternidade e escolher livremente o tamanho de sua família.
Ideias que se associaram a novas noções de saúde pública defendidas pelo movimento
da reforma sanitária, como o conceito de integralidade.
3.1. A polêmica do controle da fecundidade: personagens e estratégias
Até 1960, o foco das ações em saúde e população dos organismos internacionais
no Terceiro Mundo era o combate à mortalidade infantil, um dos primeiros indicadores
do nível de desenvolvimento de um país. Na cada de 1950, por exemplo, recursos
financeiros e tecnológicos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em
convênio com o governo brasileiro (1950-1962), foram enviados para tentar diminuir os
elevadíssimos índices de morbimortalidade infantil do país (CANESQUI, 1987). A
partir da década seguinte, o principal problema a combater nesses países passou a ser o
63
nascimento “excessivo” de crianças, ou, na expressão da época, a “bomba
populacional”.
Naquele momento, novas tecnologias contraceptivas estavam sendo testadas
com sucesso. A cirurgia de esterilização feminina foi aperfeiçoada (VIEIRA, 2003) e a
pílula anticoncepcional foi liberada para comercialização nos Estados Unidos em 1960 e
no Brasil em 1962, servindo a interesses de diferentes atores: mulheres, ginecologistas,
indústria farmacêutica e organismos internacionais (SOUZA JUNIOR, 2006). Foi um
período de expansão do “campo de prova” de novos medicamentos, fruto da
preocupação com o crescimento da população pobre e com o perigo subversivo que ela
representava para as potências capitalistas (PEDRO, 2003).
A pílula entrou no mercado mundial altamente dosada. Em decorrência disso,
foram sendo relatados diversos efeitos colaterais (náuseas, dores de cabeça, aumento de
peso, risco de trombose entre outros), que suscitaram discussões sobre os riscos da
pílula para a saúde das mulheres e se tornaram um obstáculo para sua comercialização.
Não havia unanimidade sobre o perigo ou a eficácia dos novos anticoncepcionais
hormonais. O debate entre os médicos e na imprensa acerca da pílula era contraditório.
Eles se dividiam entre suas vantagens e desvantagens deixando milhares de mulheres
temerosas em todo mundo (SOUZA JUNIOR, 2006).
Por causa disso, iniciou-se todo um trabalho para encontrar uma dosagem que
tornasse essa intolerância clínica mais amena, fazendo com que a pílula fosse cada vez
mais aceita e consolidada como o melhor e mais eficaz método contraceptivo. Além
disso, sendo os principais responsáveis pela escolha do método, os médicos se tornaram
os alvos preferenciais da propaganda da indústria farmacêutica internacional, que em
constante competição, lançava no mercado contraceptivos com promessas de menores
doses hormonais e menos efeitos colaterais (SOUZA JUNIOR, 2006).
Os médicos brasileiros buscaram conhecimento sobre a contracepção em
instituições estrangeiras ainda nos anos de 1950. Na década seguinte, esse assunto
passou a ser ensinado nas faculdades de medicina do Brasil, enquanto pesquisas
isoladas com recursos do IPPF eram realizadas em várias cidades brasileiras com o
objetivo de informar as mulheres de camadas populares sobre contraceptivos. A partir
de 1966, as revistas médicas brasileiras começaram a difundir, para os ginecologistas e
obstetras, as pesquisas realizadas por médicos brasileiros e estrangeiros e junto com elas
as propagandas das pílulas (PEDRO, 2003).
64
Para McLaren (1990) foi o aparecimento da pílula que levou os médicos de todo
o mundo a apoiarem o controle da natalidade, por ser tratar de um método que ia ao
encontro de seu desejo de higienizar a reprodução. A contracepção através de uma
pílula, elaborada a partir de métodos científicos era mais conveniente para os médicos,
cuja principal preocupação passou a ser sua responsabilidade em relação ao controle da
reprodução e não a maior autonomia das mulheres, por isso tiveram de aceitar o advento
dos novos métodos contraceptivos e o aborto legalizado onde este existia
(MCLAREN, 1990).
É importante verificar a relação de médicos ginecologistas e obstetras brasileiros
com as ideias neomalthusianas difundidas por organismos internacionais. Alguns desses
profissionais, vinculados à Faculdade Nacional de Medicina se tornariam os principais
representantes do movimento do planejamento familiar no Brasil, entre eles Otavio
Rodrigues Lima, professor Catedrático de Clínica Obstétrica da faculdade, que realizou,
em 1961, as primeiras articulações no país em prol da organização do movimento e que
foi o primeiro presidente da Bemfam. Dois médicos que também se destacaram na
defesa do planejamento familiar a partir dos anos de 1960 foram Walter Rodrigues
(secretário-executivo da Bemfam) e Elsimar Coutinho (Universidade Federal da Bahia),
entre outros (BHERING, 2009).
A partir das articulações de Otávio Rodrigues e Walter Rodrigues com os
organismos internacionais, foi criada a Sociedade Civil Bem-Estar Familiar (Bemfam),
primeira entidade de planejamento familiar no Brasil e uma das mais destacadas. A
Bemfam foi anunciada durante a XV Jornada Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia,
em 1964, que teve como tema central o planejamento familiar. Nesse encontro, Otávio
Rodrigues apresentou as conclusões de sua pesquisa sobre aborto no Brasil e defendeu o
planejamento familiar como solução para o problema (FONSECA SOBRINHO, 1993).
Mais do que o aborto, o crescimento acelerado da população brasileira era o
principal argumento dos constantes debates sobre o planejamento familiar nas revistas
de ginecologia a partir da segunda metade da década de 1960. Para muitos
ginecologistas e obstetras, planejar a família era essencial para o desenvolvimento
nacional (BHERING, out/2009). Por outro lado, médicos identificados com uma postura
política de esquerda contestavam o ponto de vista controlista. Em 1966, membros da
Associação Médica do Estado da Guanabara (AMEG) reagiram contra o uso de métodos
contraceptivos que consideravam danosos à saúde, como as pílulas, e denunciaram as
65
ações da Bemfam ao Conselho Nacional de Medicina, que não acatou a denúncia
41
(FONSECA SOBRINHO, 1993).
Os debates e denúncias chamaram a atenção da opinião pública para o tema,
bastante polêmico e nem um pouco consensual na sociedade brasileira. Em meio a um
clima de desconfiança quanto às ações de controle da natalidade no Brasil, foi aberta
uma Comissão Parlamentar de Inquérito
42
(CPI) na Câmara dos Deputados, em 1967,
para investigar denúncias de esterilização em massa de mulheres na Amazônia, feita por
repórter do Jornal Última Hora. Segundo a reportagem, missionários evangélicos
colocavam dispositivos intra-uterinos (DIUs) nas mulheres pobres da região
(FONSECA SOBRINHO, 1993).
A CPI contou com o depoimento de deputados federais e estaduais, jornalistas,
médicos ginecologistas e obstetras - em sua maioria ligados à universidades ou/e à
Bemfam -, o secretário de saúde de Minas Gerais, juristas, representantes da Igreja
Católica, economistas e demógrafos. Uma parte contrária ao controle da natalidade,
outra parte defensora de uma política populacional. Contudo, em meio às crises políticas
da época o relatório da CPI não foi concluído (ROCHA, 1993).
Enquanto aconteciam os debates na CPI, ainda em 1967, a Bemfam assinava um
convênio com a International Planned Parenthood Federation (IPPF). O objetivo da
entidade em se vincular com o IPPF seria obter acesso aos recursos das agências
internacionais a que esta última estava vinculada. Vale ressaltar que, em 1972, Otávio
Rodrigues Lima se tornou o presidente do Hemisfério Sul do IPPF, substituindo Luis
Leite. A vinculação entre a Bemfam e a IPPF exemplifica a influência das agências
internacionais no Terceiro Mundo na promoção do planejamento familiar (BHERING,
out/2009).
Até o momento da criação da Bemfam, não havia ainda no Brasil uma postura
definida em relação ao planejamento familiar. Segundo Fonseca Sobrinho (1993), o que
existia era um natalismo difuso em nossa sociedade, fruto de um conjunto de fatores
ideológicos: o catolicismo, o positivismo e o evolucionismo, além da estratégia
geopolítica de ocupação de espaços vazios dos militares conservadores. Em
contrapartida, entravam em cena as ideias internacionais, que associavam
41
No episódio, o CNM teria recusado a denúncia taxando a AMEG de subversiva (BRASIL MULHER,
nº4, 1976, p.6).
42
“Comissão Parlamentar de Inquérito para estudar a conveniência ou não de um plano de limitação da
natalidade em nosso país”, cujo requerimento foi encabeçado pelo líder do MDB, deputado Mário Covas
(ROCHA, 1993: 39).
66
desenvolvimento econômico ao baixo crescimento populacional, e que eram defendidas
por setores da imprensa e por alguns médicos, economistas, políticos e militares da
Escola Superior de Guerra (ESG).
Mas mesmo sem um política estatal controlista, a taxa de fecundidade da
população brasileira sofreu quedas sucessivas nas décadas de 1960, 1970 e 1980, tanto
entre as camadas populares, quanto entre as camadas médias. Essas quedas foram
consequência das profundas mudanças estruturais pelas quais o país passava, com
influência direta sobre o trabalho feminino e sobre a composição dos novos núcleos
familiares urbanos (CANESQUI, 1987).
Cabe lembrarmos que o momento era de crescente participação das mulheres na
vida pública. As mulheres das camadas médias brasileiras aderiram ao consumo da
pílula, representando um mercado em crescimento acelerado (PEDRO, 2003). Apesar
dos riscos que a pílula apresentava à saúde, com suas elevadas taxas hormonais, a livre
comercialização dos contraceptivos desde o início da década de 1960 e o desejo de
diminuir a família ajudaram a impulsionar a queda da natalidade (CANESQUI, 1987).
Essa queda na taxa de fecundidade, segundo Elza Berquó (1987), foi a mudança
demográfica mais importante acontecida no Brasil durante o século XX. De acordo com
seus estudos, de 1940 a 1960 o crescimento populacional foi devido exclusivamente ao
declínio da mortalidade, que até 1960, as taxas de fecundidade permaneceram
estáveis (média de seis filhos por mulher). De 1965 a 1980, no entanto, a fecundidade
caiu 48%, enquanto que a esperança de vida levou 40 anos (1940 a 1980) para crescer
45% (BERQUÓ, 1987). Em quatro décadas o Brasil atingiu o nível de transição
demográfica que levou dois séculos para a Europa atingir, e ao contrário deste
continente, no Brasil, a transição ocorreu independente das melhorias nas condições
materiais da população (VIEIRA, 2003).
Esse fenômeno se deu em todas as regiões e em todos os níveis de instrução das
mulheres, sendo que no período não houve grandes mudanças nos padrões de
conjugalidade ou de amamentação (fatores indutores de mudanças nas taxas de
fecundidade), o que ajuda a concluir que depois de 1965, o novo período de transição
demográfica foi causado pela maior regulação da fecundidade, graças aos novos
métodos contraceptivos de alta eficácia (BERQUÓ, 1987).
67
Algumas teorias
43
tentam explicar o aumento do uso de contraceptivos e as
consequências do declínio da fecundidade no Brasil. A primeira afirma que o Brasil
seria um exemplo de resposta clássica à modernização da sociedade: aumento da renda
per capita, incremento da urbanização, redução da força de trabalho na agricultura e
aumento do trabalho feminino. Fatores responsáveis pela diminuição da demanda por
filhos. Uma segunda teoria sugere que dois fatores (estrutural e cíclico) teriam
modificado a dinâmica populacional no Brasil. O fator estrutural seria a intensificação
do processo de proletarização. O cíclico, a deterioração das condições de vida de
segmentos substanciais da população, que forçou as classes médias e baixas a mudar seu
comportamento reprodutivo (VIEIRA, 2003).
Carmem Barroso (1988) aponta também fatores culturais para a queda da
fecundidade no Brasil, como a persistência de padrões tradicionais de divisão do
trabalho, que jogam as mulheres numa exaustiva jornada dupla de trabalho (em casa e
na rua) em tempos de entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho formal, que
além de necessidade se tornou também uma nova fonte de realização pessoal (VIEIRA,
2003).
Contraditoriamente, já em meio a um cenário de queda nas taxas de fecundidade,
o governo brasileiro começou a sinalizar discretamente para uma mudança de postura
quanto ao controle populacional a partir dos anos de 1970. Do discurso natalista,
fortemente influenciado pela Igreja Católica, o governo passou para um discurso
ambíguo, ao mesmo tempo contrário às políticas populacionais controlistas, mas
favorável à ideia do planejamento familiar como direito do casal e dever do Estado
(VIEIRA, 2003).
As políticas de saúde desse período refletiam a nova postura do governo
brasileiro. Em 1971, foram divulgadas as diretrizes gerais da Política Nacional de Saúde
Materno-Infantil, onde o planejamento familiar aparecia como orientação no período
intergestacional, por razões de saúde. Não se mencionava os métodos usados e nem o
tipo de orientação. Em 1973 foi apresentado o Programa de Saúde Materno-Infantil,
pelo Ministério da Saúde, que contemplava a possibilidade de oferecer meios
anticoncepcionais, como parte do processo de educação para a paternidade responsável
(CANESQUI, 1987).
43
Cito a fonte da autora: United Nations. Department of International Economic and Social Affairs.
Brazil: case studies in population policy. Nova Iorque, 1988 (Population Policy Paper, 17).
68
Desde então, até a primeira metade da década de 1980, o governo esboçou
tentativas de incluir o planejamento familiar em programas de saúde materna. Esses
programas se caracterizavam por manter a unicidade do grupo materno-infantil,
contemplando a saúde da criança e da mulher em idade reprodutiva (CANESQUI,
1987). A partir do final da década de 1970, algumas dessas tentativas sofreram fortes
críticas por parte dos setores anticontrolistas da sociedade, como o movimento de
mulheres, demógrafos, o movimento sanitarista e a Igreja Católica.
A respeito da posição do clero católico brasileiro no debate sobre população e
natalidade, Souza Junior (2006) afirma que a maior parte dos pronunciamentos do
episcopado sobre o tema tiveram lugar no final dos anos de 1960. Após a publicação da
encíclica Humanae Vitae
44
em 1968, o episcopado brasileiro pronunciou-se a favor do
documento papal, apesar das discordâncias entre o clero do mundo todo, inclusive do
Brasil. Mas se por um lado, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
reafirmava as teses centrais do Vaticano, por outro, procurava enfatizar a compreensão
pastoral das situações concretas da sociedade brasileira (SOUZA JUNIOR, 2006).
Naquela ocasião, o presidente Costa e Silva manifestou seu apoio à doutrina da
Igreja, revelando a postura natalista ainda predominante no Estado:
Em nome do povo e do Governo do Brasil, manifesto a Vossa
Santidade o sentimento de júbilo e gratidão causado pela Encíclica na
qual a voz suprema da Igreja diz a palavra exata de condenação aos
métodos anticristãos de controle da natalidade. Governante de um
país que procura ocupar mais da metade de seu território, ainda
exposto aos riscos de uma densidade demográfica não compatível
com as necessidades globais de seu desenvolvimento e segurança, não
me sirvo para aplaudir esse documento notável apenas de nossa
inabalável nos mandamentos cristãos (...)(COSTA E SILVA...,
fevereiro de 1969)
.
Posição confirmada oficialmente na Conferência sobre o Meio Ambiente, em
Estocolmo, 1972 e reiterada em 1973 nas reuniões preparatórias para a Conferência
Mundial de População da ONU, em Bucareste. O I Plano Nacional de Desenvolvimento
(PND) do governo militar, de 1972, expôs as mesmas preocupações natalistas de Costa
e Silva. Porém, admitiu o controle de natalidade como responsabilidade familiar,
através de meios educativos, eximindo-se de qualquer intervenção estatal.
44
Como afirmamos anteriormente, a encíclica Humanae Vitae concedeu mais autonomia ao casal em
relação à contracepção, afirmando a importância da paternidade responsável e do amor conjugal.
Condenava o aborto e os métodos artificiais, mas permitia os métodos naturais (ritmo ou tabelinha) em
casos de extrema necessidade.
69
Posicionamento ambíguo que abria brechas para a tolerância das entidades privadas de
planejamento familiar (CANESQUI, 1987).
A Conferência de Bucareste, em 1974, tornou-se um marco na mudança de
postura do governo brasileiro quanto ao controle populacional. O encontro foi palco,
mais uma vez, da oposição do Terceiro Mundo ao plano de ação controlista dos Estados
Unidos. Alinhado a essa corrente anticontrolista, o governo brasileiro, no entanto, se
contradisse ao admitir o dever do Estado em fornecer informações e métodos
contraceptivos à população (VIEIRA, 2003).
Havia, na verdade, mais ou menos uma década, uma política implícita de
controle da fecundidade no Brasil com oferta de pílulas de baixo custo no mercado, fácil
acesso à esterilização, ampliação do acesso à educação e ao trabalho feminino, incentivo
ao consumo através da televisão e liberdade de ação de entidades privadas de
planejamento familiar (VIEIRA, 2003).
Ainda em 1971, o governo brasileiro dera o título de utilidade pública à
Bemfam. No mesmo ano, a Family Health Foundation, norte-americana, trazia para o
interior de Minas Gerais uma proposta de planejamento familiar atrelada à saúde
materno-infantil, com o apoio da população e de autoridades locais. Mesmo durando
apenas dois anos, as ações da Family Health exerceram influência em programas
municipais posteriores (FONSECA SOBRINHO, 1993).
Em 1975, um acordo internacional de assistência técnica entre a Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade da Flórida levou à criação do Centro
de Pesquisa e Assistência Integral à Saúde da Mulher e da Criança (CPAIMC),
organização privada sem fins lucrativos (FONSECA SOBRINHO, 1993). O CPAIMC
viria a ser uma das entidades de planejamento familiar de maior peso na distribuição de
contraceptivos e na realização de esterilizações no Brasil.
O financiamento para as atividades do CPAIMC no Brasil provinha
fundamentalmente das instituições vinculadas ao sistema AID (Agency for International
Development) através do Family Planning International Assistance (FPIA), do
Pathfinder Foundation e outras. Sua estratégia foi agressiva e eficaz na criação e
consolidação de uma ideologia contraceptiva intervencionista no meio médico.
Financiou treinamentos de profissionais vinculados ao ensino da medicina, da
enfermagem e de outras áreas afins, além de sustentar uma verdadeira rede de médicos
que atuavam na realização de esterilização cirúrgica por laparoscopia, doando o
equipamento e subsidiando as suas atividades. O CPAIMC foi ainda distribuidor de
70
material contraceptivo para diversas outras instituições congêneres, usando de sua
prerrogativa de isenção de impostos para importação, por ser organismo de utilidade
pública (COSTA, 2000).
Como podemos perceber, portanto, a partir de meados da década de 1970, vários
fatores foram mudando o equilíbrio de forças entre controlistas e anticontrolistas no
Brasil. A Igreja avançava na divulgação dos todos naturais de anticoncepção e as
teorias da “explosão demográfica” e da “ameaça interna” ganhavam espaço entre
médicos, economistas e também entre militares da Escola Superior de Guerra (ESG).
Refletindo as novas diretrizes e conceitos na área da saúde no Brasil e no mundo, as
práticas verticais da Bemfam foram superadas pelo discurso do Centro de Pesquisas e
Atenção Integral às Mulheres e às Crianças (CPAIMC), que propunha um modelo de
planejamento familiar integrado à assistência à saúde da mulher (FONSECA
SOBRINHO, 1993).
O Estado brasileiro, por sua vez, demonstrava uma abertura ao planejamento
familiar enquanto política social. Logo após a Conferência de População de 1974, foi
lançado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), incorporando o discurso da
delegação do Brasil em Bucareste: respeito ao livre-arbítrio do casal na escolha do
número de filhos, com oferta de informação sobre o assunto (FONSECA SOBRINHO,
1993). Tanto que em 1975, o Ministério da Saúde lançava o Programa de Saúde
Materno-Infantil (PSMI), o qual fazia referência ao planejamento familiar como parte
do atendimento às gestantes (ALVES, 2006).
Em 1977 anunciou o Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco
(PPGAR), parte do PSMI, que contou com a colaboração direta de importantes
especialistas brasileiros no assunto. Contudo, o PPGAR foi cancelado por conta,
principalmente, da oposição dos movimentos sociais, dos médicos reformistas e da
Igreja Católica, causando constrangimento entre o Estado e a corporação médica, que se
comprometeu com a elaboração de normas para o diagnóstico da gravidez de alto risco.
Tais normas foram os principais alvos das críticas por considerarem que as condições
sociais, como a desnutrição, eram fator de risco gestacional. Na leitura dos seus
opositores, o governo transferia a responsabilidade pela pobreza dos brasileiros para os
corpos das mulheres pobres – em especial das negras.
Apesar da polêmica, o governo não tardou numa nova tentativa de estabelecer
uma política de planejamento familiar, desta vez usando uma terminologia diferente. O
Programa Nacional de Paternidade Responsável foi criado no âmbito do Prev-Saúde
71
(FONSECA SOBRINHO, 1993), política que incluía um abrangente programa materno-
infantil, com ações referentes ao intervalo entre os nascimentos, à educação para a
paternidade responsável, à informação dos métodos anticoncepcionais, à revisão da
legislação sobre fecundidade. Subordinava a regulação da fecundidade aos serviços de
saúde, e incluía o tratamento da infertilidade.
Naquele momento, o contexto nacional e internacional havia mudado. Recessão
mundial, pressões político-econômicas externas, desgaste do modelo do milagre
econômico davam o tom dos novos tempos e forçavam o governo a buscar soluções
para a crise que se avolumava. Ao mesmo tempo, a oposição ao regime e os
movimentos sociais urbanos se fortaleciam e davam suporte e legitimidade ao discurso
dos setores anticontrolistas da sociedade, que argumentavam que os programas de
planejamento familiar do governo não seriam a solução gica para a pobreza e a
desigualdade, como defendiam os representantes do neomalthusianismo no Brasil.
3.2. As reações contra os programas de planejamento familiar
É fundamental que nos façamos ouvir! (... ) Não à ambígua
proposta de intervenção na “regulação da fecundidade” das
mulheres. Sim ao direito de ter as condições necessárias para
optar livremente pela maternidade.
(COMISSÃO DE PLANEJAMENTO..., 1980)
O trecho acima citado faz parte de um documento de 1980, elaborado por um
grupo de feministas
45
de São Paulo, que denunciam o caráter contraditório das propostas
de controle da natalidade do governo federal e do estado de São Paulo. Segundo o
manifesto, essas propostas defendiam, de maneira equivocada, a limitação dos
nascimentos como forma de conter a crise pela qual o país passava. Além disso,
tentavam impor à população pobre medidas que incidiam diretamente sobre a saúde e o
corpo feminino sem ouvir as mulheres (COMISSÃO DE PLANEJAMENTO..., 1980:
3).
Assim como os programas das entidades controlistas privadas, como a Bemfam,
os projetos de programa de planejamento familiar do Poder Executivo e do Poder
45
Comissão de Estudos sobre Planejamento Familiar das Entidades Feministas de São Paulo (Associação
das Mulheres, Brasil Mulher, Centro da Mulher Brasileira).
72
Legislativo também foram denunciados pelos setores anticontrolistas da sociedade
brasileira no período 1975-1980, que travou intensos debates na imprensa e em
encontros sobre o tema. Destacamos a mobilização contra o Programa de Prevenção da
Gravidez de Alto Risco (PPGAR), anunciado em 1977 e o Programa de Paternidade
Responsável, de 1980, ambos cancelados antes de serem lançados, devido, em grande
parte, às reações negativas de setores da sociedade.
As ações de entidades privadas há muito já vinham sendo denunciadas no
Brasil, o que levou, inclusive, à abertura de uma CPI, em 1967, como mencionamos
neste capítulo. Mas com a distenção política e o aumento da mobilização da sociedade
civil contra o regime militar, a partir de meados da década de 1970, as manifestações
contrárias à Bemfam e às suas congêneres se intensificaram, principalmente por parte
dos demógrafos, do movimento sanitarista e do movimento de mulheres.
Em 1975, membros da Igreja e de entidades médicas de esquerda fizeram
denúncias contra a Bemfam e contra o apoio do Ministério da Saúde às suas clínicas.
Em artigo publicado pelo periódico feminista Brasil Mulher
46
, o arcebispo de Natal, D.
Nivaldo Monte, acusava a entidade privada de distribuir pílulas no Rio Grande do Norte
sem atenção à saúde e sugeria que o Estado assumisse a responsabilidade pelo emprego
de medicamentos anticoncepcionais (BRASIL MULHER, dezembro 1975, p.6).
O mesmo artigo reproduz ainda um texto do médico Mário Victor de Assis
Pacheco
47
, explicando o funcionamento da pílula no organismo, seus efeitos colaterais
mais comuns e as possíveis consequências nocivas ao organismo. Para ele, a sociedade
teria incumbido as mulheres de controlar a capacidade de alimentação e distribuição de
renda no mundo. Com pouco conhecimento sobre a pílula elas se entregaram aos
laboratórios farmacêuticos sem saber as consequências. Alinhando-se ao discurso
antiimperialista e natalista da maior parte da esquerda brasileira naquele momento, o
periódico, ao final do artigo, convida as leitoras a jogarem fora suas pílulas sem discutir
alternativas contraceptivas para as mulheres (BRASIL MULHER, dezembro 1975).
Em 1976, as feministas do Brasil Mulher retornaram ao debate sobre o controle
da natalidade no momento em que o Ministério da Saúde estaria iniciando um estudo
sobre planejamento familiar. Para o jornal, embora o discurso oficial do governo fosse
46
Um dos primeiros jornais representantes da segunda vaga feminista no Brasil, o Brasil Mulher, de
Londrina, já foi apresentado no capítulo 2 dessa dissertação.
47
Mario Victor de Assis Pacheco (1909-1986) foi livre-docente de clínica ginecológica da Universidade
Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e secretário-geral da Associação Médica do Estado da Guanabara -
AMEG. Médico do Exército Brasileiro de 1936 a 1964, quando foi reformado pelo AI-1. Serviu na Força
Expedicionária Brasileira, na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.
73
de não interferência na vida íntima do casal, estava claro que havia vozes dissonantes
sobre o assunto no seio do próprio governo. Para corroborar seu ponto de vista, o jornal
expôs a fala de interlocutores anticontrolistas sobre a questão, como a Igreja, estudantes
de medicina, médicos e demógrafos.
O periódico cita, mais uma vez, a manifestação da Igreja contra as ações das
entidades privadas de planejamento familiar no interior do país e a favor da melhoria
das condições de vida da população brasileira como o caminho para o desenvolvimento
do país. Lembra, ainda, a denúncia contra a Bemfam feita ao Ministério Público pela
Associação de Médicos do Estado da Guanabara (AMEG), e noticia que o relatório final
do VIII Encontro Científico de Estudantes de Medicina, em Maceió, confirmou
oposição ao controle da natalidade. Por fim, afirma que o Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap) elaborou estudo sobre planejamento familiar em São Paulo,
onde defendia que a orientação aos casais não poderia ter aspectos coercitivos (BRASIL
MULHER, nº 4, 1976).
O lançamento do PPGAR, em agosto de 1977, foi destaque no Brasil Mulher,
que criticou a farta distribuição de pílulas prevista pelo programa entre 1978 e 1981, o
que lhe dava contornos de um plano controlista e destoava seriamente da postura
demográfica do Estado brasileiro firmada na Conferência de População de Bucareste,
em 1974, que se caracterizava pelo respeito ao direito do casal de escolher o tamanho de
sua família. As reportagens e artigos do Brasil Mulher reforçavam o exército das vozes
contrárias à pílula e ao controle da natalidade no Brasil, como exemplifica a fala do
demógrafo Candido Procópio, citada pelo jornal:
O Ministério da saúde vai utilizar a rede oficial de serviços médico-
sanitários para distribuir milhões de caixas de anticoncepcionais, que
servirão a cerca de 80 mil mulheres nos quatro anos de vigência
1978-1981 do Programa de Prevenção de Gravidez de Alto Risco,
que é parte do Programa de Assistência Materno-Infantil (PAMI),
aprovado recentemente pelo Conselho de Desenvolvimento Social,
presidido pelo presidente Geisel. (...). “Será possível que com os
conhecidos índices de desnutrição e de incidência de doenças infecto-
contagiosas, o planejamento familiar é prioritário do ponto de vista da
saúde da população? (Candido Procópio Ferreira de Camargo
presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) (BRASIL
MULHER, agosto 1977).
74
Além de se encontrarem nas ginas dos jornais da imprensa feminista, setores
anticontrolistas da sociedade brasileira se reuniam com o intuito de compartilhar ideias
e opiniões a respeito do planejamento familiar e fortalecer a oposição às ações de
caráter controlista no país, inclusive dentro do governo.
Em duas ocasiões, nos meses de abril e outubro de 1977, no Rio de Janeiro, o
Centro da Mulher Brasileira (CMB), realizou junto com o Centro Brasileiro de Estudos
de Saúde (CEBES) mesas-redondas sobre o controle de natalidade, onde foi discutido o
PPGAR.
O primeiro encontro
48
, em abril, contou com a participação dos médicos Gérson
Rodrigues do Lago e Mário Victor de Assis Pacheco, respectivamente, presidente e
secretário-geral da Associação Médica do Estado do Rio de Janeiro (AMERJ) antiga
AMEG. Além do demógrafo Ricardo Tavares, da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e da socióloga Moema Toscano, do Centro da Mulher Brasileira. Na
platéia do Teatro da Lagoa, cerca de oitenta pessoas estavam presentes (Saúde Em
Debate, nº4, jul-ago-set. 1977, p. 84).
Os médicos da AMERJ alertaram, na ocasião, para os malefícios da pílula
anticoncepcional e do DIU à saúde das mulheres. A distribuição e a venda em massa
dos contraceptivos modernos estaria a serviço dos interesses capitalistas e dos
defensores das teses neomalthusianas da superpopulação, que segundo Assis Pacheco,
não se aplicavam ao Brasil. Em suas palavras “a superpopulação não causa a fome, mas
esta que causa o excesso de nascimentos” (Saúde Em Debate, nº4, jul-ago-set. 1977, p.
84).
O demógrafo Ricardo Tavares também fez críticas às teses de Malthus sobre
população e afirmou que não cabia ao Estado decidir sobre o tamanho da prole e sim ao
casal. Por fim chamou a atenção para o objetivo da Bemfam de induzir o governo
federal a assumir a responsabilidade do controle da natalidade no país, uma vez que
suas ações não tiveram impacto relevante no sentido da diminuição das taxas de
fecundidade (Saúde Em Debate, nº4, jul-ago-set. 1977, p. 84).
A socióloga Moema Toscano, representando o CMB, destacou ser inadmissível
que o corpo da mulher fosse tratado como objeto, a mercê de experiências de médicos,
economistas e outros. Para ela, mais importante do que o controle da natalidade seria
48
A primeira mesa-redonda foi realizada em 12/4/1977 no Teatro da Lagoa no Rio de Janeiro (Saúde Em
Debate, nº4, jul-ago-set. 1977).
75
oferecer mais atenção ao atendimento de gestantes, recém-nascidos, crianças e mães
solteiras (Saúde Em Debate, nº4, jul-ago-set. 1977, p. 84).
Assim como os médicos e demógrafos anticontrolistas, as feministas do CMB
denunciavam que o PPGAR era um disfarce para o controle da natalidade das camadas
menos favorecidas sob o pretexto de prevenção da gravidez de alto risco (Dossiê CMB,
março de 1979). Para elas, esse programa teria sido concebido pela ideologia que coloca
sobre a população pobre a responsabilidade e os custos pelo subdesenvolvimento.
Contudo, além desse ponto consensual, elas chamavam a atenção para os fatores de
opressão feminina por trás do programa, como a manipulação do corpo feminino e a
responsabilização das mulheres pela reprodução (Boletim CMB, outubro de 1977, ano
2, n.4).
A luta contra o Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco foi um
importante momento na articulação de diferentes setores anticontrolistas da sociedade
como o movimento de mulheres, o movimento sanitarista, os demógrafos e a Igreja
Católica. Naquele período, seus maiores inimigos eram os mesmos: o capitalismo, o
governo autoritário e os projetos de controle da natalidade disfarçados de atenção
materno-infantil e patrocinados pelo capital estrangeiro.
Ao mesmo tempo, cada qual contribuía para o debate com ideias particulares.
Enquanto o movimento feminista trazia reivindicações específicas relacionadas aos
direitos das mulheres, os demógrafos defendiam o controle da fecundidade como direito
individual e não como política de Estado e o movimento sanitarista contribuía com
novas propostas para a saúde pública - incluindo no campo da saúde da mulher.
Um dos mais importantes espaços institucionais de atuação do movimento da
reforma sanitária, o Cebes teve papel fundamental na crítica aos programas de controle
da natalidade no Brasil e nas ações junto ao Estado para pressioná-lo contra tais
programas.
Na mesa-redonda de outubro de 1977 a entidade apresentou um resumo da
Política de Saúde Materno-Infantil (PSMI) - ao qual estava ligado o PPGAR -, e
explanou suas considerações sobre o modo como o planejamento familiar aparecia no
documento do governo, chamando a atenção para os seguintes pontos do PSMI: a
contradição entre o pequeno número de gestantes consideradas de alto risco no Brasil
(comparando com o restante da população coberta pelo programa) e a grande
quantidade de recursos destinada para a prevenção da gravidez de alto risco através da
contracepção (11% do total); a previsão antecipada de que 80% da clientela usaria
76
pílula; o requerimento de um alto número de profissionais capacitados para a área de
contracepção (CEBES-RJ, 04/10/1977).
O Cebes recomendava discutir a questão da gravidez de alto risco a partir de três
elementos principais: a distinção que o programa insistia em fazer entre planejamento
familiar e controle demográfico; o uso de conceitos biológicos e econômico-sociais na
definição de gravidez de alto risco, deixando evidente o caráter de controle demográfico
das populações pobres; o baixo poder de barganha do Brasil nos organismos de crédito
internacionais, o que obrigava o governo a seguir a cartilha do controle demográfico que
eles impunham (CEBES-RJ, 04/10/1977).
A revista Saúde em Debate, editada pelo Cebes desde 1976 e principal veículo
de divulgação de suas ideias, discutiu o tema inúmeras vezes, sempre criticando as teses
e ações controlistas e defendendo a melhoria das condições de vida e saúde da
população como forma de combater a pobreza no Brasil.
Segundo um de seus artigos, publicado no calor dos debates sobre o PPGAR, até
1976, as declarações do governo federal e do governo do estado de São Paulo sobre
controle de natalidade/planejamento familiar estavam em consonância com a postura
oficial do Brasil na Conferência de População de Bucareste
49
. A partir de 1977, no
entanto, começara-se a falar no uso de pílulas para a prevenção de gestações arriscadas
(SUCUPIRA, SANTOS, BEDIN, out/nov/dez 1977).
Os autores do artigo percebiam a mudança de postura das autoridades, que
passaram a usar a saúde como justificativa para o planejamento familiar. Discordavam
do programa do governo e questionavam sua validade no atual momento considerando
os problemas estruturais enfrentados pelo setor saúde do Estado. Defendiam outras
formas de prevenir riscos na gravidez, como o pré-natal, o qual ofereceria menos
perigos do que as pílulas, que poderiam causar efeitos colaterais em mulheres que já não
possuíam saúde perfeita. O artigo também chamava a atenção para o fato de que os
critérios para considerar uma gravidez de alto risco estariam presentes majoritariamente
nas camadas mais pobres da população, o que aumentava as suspeitas de que se tratava
de uma política de controle das populações pobres (SUCUPIRA, SANTOS, BEDIN,
out/nov/dez 1977).
49
Citada anteriormente na página 37 desta dissertação, a Conferência de Bucareste, realizada em 1974,
preconizou a integração dos serviços de planejamento familiar com serviços básicos para a população
dentro de uma visão que privilegiava o controle da fecundidade como direitos do casal. O Brasil e demais
países do Terceiro Mundo assumiram uma postura natalista, defendendo, na ocasião, que o
desenvolvimento seria a melhor forma de controle populacional. Ao mesmo tempo, a delegação brasileira
afirmou ser dever do Estado oferecer serviços de planejamento familiar como direito do cidadão.
77
Na mesma edição da revista, outro artigo apresenta diferentes visões sobre as
teorias neomalthusianas e dados estatísticos sobre desenvolvimento e população. Nele, o
médico Pômpeo do Amaral reforça as críticas ao uso da doutrina de Malthus nos países
subdesenvolvidos, reafirmando que não seria a pobreza a geradora do aumento
populacional, este ocorreria quando houvesse alimentos para permitir a reprodução e
o crescimento saudável das gerações (PÔMPEO DO AMARAL, out/nov/dez 1977).
Assim como os demais médicos anticontrolistas citados, Pômpeo do Amaral
denuncia a submissão do governo aos ditames do FMI, que pressionava para a
implantação do controle de natalidade no Brasil. Critica também a pressão das agências
norte-americanas como o USAID para esterilizar mulheres; os riscos das pílulas e do
DIU para a saúde das mulheres; e a distribuição de contraceptivos por clínicas como a
Bemfam (PÔMPEO DO AMARAL, out/nov/dez 1977).
Mesmo sem ter saído do papel, o PPGAR ainda suscitava manifestações de
repúdio dois anos depois de seu anúncio e das acaloradas reações de oposição que
levaram ao seu cancelamento. De fato, havia motivos para manter o programa do
governo na pauta de luta. O governo federal não desistira de implantar um programa de
saúde que incluísse o planejamento familiar, porém, devido ao fracasso da tentativa de
1977, foi preciso reelaborar suas diretrizes nesse sentido. O programa de Paternidade
Responsável foi lançado em 1980, sob novos parâmetros, dentro de uma nova política
de saúde, o Prev-Saúde.
Assim sendo, as feministas do CMB destacavam, ainda em 1979, a luta contra o
PPGAR como parte da agenda da entidade naquele ano, juntamente com outras
bandeiras de luta priorizadas pela instituição naquele momento, em geral, relacionadas
ao seu compromisso com as mulheres das camadas populares e com a oposição ao
regime:
No mês de março realizamos o Encontro Nacional de Mulheres e
esse, através das 400 mulheres participantes, nos mostrou (...) o
trabalho que temos pela frente. O Encontro nos mostrou também a
quantidade de questões que temos em comum. Quando por
unanimidade aprovamos a resolução do Congresso da Mulher
Paulista, nada mais fizemos que aprovar três entre as várias bandeiras
de luta (...) Propomo-nos, em 79, a fazer dessas bandeiras os três
pontos prioritários para a atuação do movimento feminista: 1. luta por
creches; 2. luta por salário igual para o trabalho igual e pela justa
regulamentação do trabalho da mulher; luta contra o programa de
prevenção da gravidez de alto risco
(Boletim CMB, jun-jul
1979)
.
78
Outra instituição pioneira do movimento de mulheres no Brasil, também
comprometida com a oposição ao regime autoritário (PEDRO, 2006), o Centro de
Desenvolvimento da Mulher Brasileira – CDMB/SP, publicou sua opinião sobre o
programa materno-infantil do governo, pondo em dúvida a validade de sua proposta já
que o sistema previdenciário brasileiro não atendia a toda a população, além de que a
saúde das mulheres pobres era debilitada desde a infância e não somente na gravidez
(MARIA BRASILEIRA, março 1979):
Que seja dado às mulheres o conhecimento das vantagens e
desvantagens do uso de anticoncepcionais com acompanhamento
médico, e que as mulheres tenham acesso à saúde e garantias ao
processo de reprodução, pois somente com medidas que iniciam na
infância é que evitamos os riscos de todo o processo (MARIA
BRASILEIRA, março 1979, p.10).
Segundo o artigo, os riscos para a gestante e para a criança seriam diminuídos
com oferta de melhores condições de vida e assistência à saúde durante toda a vida da
pessoa e não através da oferta de contraceptivos antes e entre as gestações, que poderia
por em risco a vida de mulheres que tivessem problemas com o uso da pílula, como
hipertensão, por exemplo (MARIA BRASILEIRA, março 1979) .
Percebe-se por parte das feministas do CDMB que a crítica ao caráter controlista
do PPGAR vinha acompanhada de reivindicações por autonomia, autoconhecimento e
atenção à saúde da mulher em todas as fases de sua vida. Demandas que estariam
presentes na elaboração do PAISM, alguns anos depois. Na mesma edição é citada uma
pesquisa sobre saúde materna, feita em São Paulo pela comissão de saúde do Centro,
que dava subsídios ao seu posicionamento em relação ao PPGAR e que estava sendo
divulgada em palestras, congressos, conferências e vinha assessorando outras entidades
da área da saúde (MARIA BRASILEIRA, março 1979).
Os conflitos entre controlistas e anticontrolistas em torno do tema controle da
natalidade/planejamento familiar no Brasil a partir de fins da década de 1970 refletiam a
efervescência política e social que o país vivia. O momento de transição política
oferecia oportunidade de mudanças muito tempo esperadas. Os dois grupos
disputavam forças num importante momento de abertura dos espaços institucionais a
novos atores e demandas sociais, e à medida que se aproximavam mais do Estado, a
79
partir de 1979, cobravam dele uma definição mais clara de sua postura em relação ao
tema em discussão, até então bastante ambígua.
Os debates sobre o tema dentro do Estado ocorriam algum tempo. Desde
1970, a Câmara dos Deputados vinha organizando um conjunto de reuniões publicas
sobre o assunto no espaço das Comissões Permanentes, especificamente na Comissão de
Saúde. Algumas associadas à tramitação de projetos de lei sobre a matéria, outras
relacionadas às iniciativas do Poder Executivo. Na década de 1980, essas reuniões
foram preparadas como respostas às iniciativas do Ministério da Saúde, no sentido de
propor programas sanitários que incluíam o planejamento familiar, como o Prev-Saúde,
em 1980 e o PAISM, em 1983. Nessas ocasiões eram ouvidos representantes do Poder
Executivo e especialistas sobre o assunto (ROCHA, 1993).
No Senado também foram realizadas atividades sobre os temas controle da
natalidade e planejamento familiar. Em menor número do que as do Congresso, elas
ocorreram somente a partir de fins dos anos de 1970, quando o debate se encontrava
bastante desenvolvido, o que não minimiza a importância do Senado nessa discussão
uma vez que foi dessa Casa que saiu o único projeto de lei aprovado sobre o tema, em
dezembro de 1979
50
(ROCHA, 1993).
O Simpósio sobre Problemas Demográficos Brasileiros da Comissão de Saúde
do Senado Federal foi um desses eventos, que abriu uma oportunidade de ampliar a
discussão sobre planejamento familiar, a partir do estabelecimento de um canal de
diálogo entre os atores envolvidos no debate e o poder público. O momento era de
expectativa em torno do anúncio do PREV-SAÚDE, que previa um programa amplo de
saúde materno-infantil com ações relacionadas à Paternidade Responsável.
No evento, ocorrido em Brasília, entre 3 e 5 de outubro de 1979, o Cebes e a
Associação de Médicos do Estado do Rio de Janeiro (AMERJ) voltaram a se pronunciar
contra as tentativas de implementação de programas de controle de natalidade e
planejamento familiar pelo governo. O simpósio reuniu dirigentes e integrantes de
organismos de planejamento familiar, bem como representantes de entidades da
categoria médica e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. Convidado
para o simpósio, o ministro da Saúde
51
, recusou-se a participar (BERQUÓ, jul/dez
2005).
50
O projeto de lei, nº 2275/79 será discutido ainda nesse capítulo.
51
O ministro da saúde era Mario Augusto J. Castro Lima, que logo em seguida entregaria a pasta para
Waldyr Mendes Arcoverde a 29 de outubro de 1979.
80
Entre os participantes estavam Carlos Gentile de Melo, um dos líderes do
movimento sanitarista. Em sua fala, ele chamou a atenção para o enorme abismo entre
ricos e pobres no Brasil, devido à grande concentração de renda, e apontou o controle de
natalidade como uma das maneiras pelas quais se tentava reduzir a pobreza. No entanto,
para o médico, o controle da natalidade apenas teria surtido efeito entre as camadas
mais altas da sociedade (MELO, outubro 1979).
Para o sanitarista, a questão demográfica teria sido equacionada no Brasil ainda
no governo de Castelo Branco, mas diante de protestos foi abafada e logo surgiu o
planejamento familiar em substituição, apresentado como algo diferente do controle da
natalidade. Prova do interesse do governo na questão, foi que em 1966 surgiu a
Bemfam, que em 1971 passou a ser considerada de utilidade pública pelo presidente
Médici e seu ministro da saúde Francisco de Paula da Rocha Lagoa
52
. Gentile de Melo
destacou que apesar dos fortes protestos, em especial da AMERJ, a Bemfam atuava
através de convênios estaduais e municipais, na maioria, “e não por acaso”, no nordeste
(MELO, outubro 1979).
Para provar o interesse do governo no controle da natalidade no Brasil, o
sanitarista lembrou as últimas ações do ministério da saúde: 1. o PPGAR (1977), sob a
direção do ministro da saúde Paulo de Almeida Machado
53
que declarou que se tratava
de um programa de prevenção da gravidez de alto risco, com fins unicamente médicos;
2. o programa de Paternidade Responsável, anunciado em abril de 1979, tão logo
assumiu o ministro da saúde rio Augusto de Castro Lima, em 15/03/1979
54
, que,
embora afirmasse ser um programa diferente dos anteriores, foi desmentido por seu
próprio chefe de gabinete, Aristides Pereira Filho, o qual declarou que uma palestra de
Walter Rodrigues, presidente da Bemfam, na Escola Superior de Guerra serviria de base
para criação do programa (MELO, outubro 1979).
Na opinião de Gentile de Melo, quaisquer medidas de diminuição da
fecundidade seriam dispensáveis quando houvesse justa distribuição de renda. Como
sanitarista, ele se dizia favorável a qualquer programa de redução de nascimentos que
visasse melhorar as condições de saúde da população contanto que fosse adotado aquele
52
Rocha Lagoa foi titular da pasta entre 30/10/1969 e 18/06/1972.
(http://bvsms.saude.gov.br/bvs/galeria/1985_1964.html, acessado em 21 de fevereiro de 2010).
53
Almeida Machado foi titular da pasta de 15/03/1974 a 14/03/1979.
(http://bvsms.saude.gov.br/bvs/galeria/1985_1964.html
, acessado em 21 de fevereiro de 2010).
54
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/galeria/1985_1964.html, acessado em 25 de fevereiro de 2010.
81
de maior eficácia: o desenvolvimento econômico com distribuição social e geográfica
de renda (MELO, outubro 1979).
Seguindo o posicionamento natalista de esquerda, o médico Mário Victor de
Assis Pacheco, expôs em seu relatório para o simpósio os mesmos argumentos de
Gentile de Melo contra o controle da natalidade, nomeando os controlistas do país,
apontando seus interesses e denunciando “o caráter imperialista, machista, racista e
patriarcal” dos países adiantados contra as populações subdesenvolvidas, em especial
contra as mulheres e as nordestinas particularmente. Apresentou dados demográficos
demonstrando que não havia explosão populacional no Brasil e que o desenvolvimento
geraria diminuição da fecundidade e não o contrário (PACHECO, outubro 1979).
Segundo o médico, “planejamento familiar”, “prevenção da gravidez de alto
risco”, “paternidade responsável” seriam termos usados pelo controlistas para tentar
encobrir ações de controle da natalidade. Entre outros pontos, o médico lembrou que a
AMERJ enviara ao presidente Figueiredo, em 10 de maio de 1979 um documento
denunciando os malefícios da pílula anticoncepcional e os riscos de sua distribuição sem
devida atenção médica (PACHECO, outubro 1979).
Em suas conclusões, sugeriu que fossem suspensos os convênios do governo
estaduais com a Bemfam e denunciou as experiências com novos contraceptivos
dirigidas pelo médico Elsimar Coutinho, na Maternidade Climério de Oliveira, na
Universidade Federal da Bahia - UFBA. Assis Pacheco questionou se o Brasil não seria
o próximo alvo das pesquisas do IPPF com o Depo-Provera, contraceptivo hormonal
injetável, distribuído em setenta e um países do Terceiro Mundo. Considerou
condenável a postura da Organização Mundial da Saúde (OMS), em apoiar tais
experimentos, que não eram jamais feitos na Europa ou nos Estados Unidos - locais de
origem dos anticoncepcionais – mas em países como Porto Rico, Haiti, Tailândia,
Nigéria, México, Chile, Quênia, Índia e Brasil (PACHECO, outubro 1979).
Na mesma ocasião, a Igreja Católica também foi ouvida através do assessor da
CNBB para a pastoral da família, padre David Reagan. O documento da CNBB expôs a
opinião majoritária da Igreja sobre a questão do controle demográfico com base nas
encíclicas Mater et Magistra e Humanae Vitae. No geral, reconhecia o problema do
excesso de população no mundo como um risco para os recursos do planeta, mas, na
mesma linha natalista dos médicos acima citados, acreditava que a solução estivesse na
melhor distribuição desses recursos, considerando o consumismo dos países
82
desenvolvidos em contraposição à penúria vivida pela maioria da população dos países
subdesenvolvidos (CNBB, outubro de 1979).
A Igreja no Brasil posicionou-se contra os contraceptivos artificiais e a
esterilização e a favor dos métodos naturais, criticando métodos radicais usados pelos
defensores do controlismo e chamando a atenção para a dúvida existente em torno dos
dados e das perspectivas sobre o crescimento populacional (CNBB, outubro de 1979).
Clero e representantes de entidades médicas de esquerda colocavam-se do
mesmo lado no debate controlismo versus anticontrolismo em fins dos anos de 1970.
Sustentavam, diante do poder público, a postura de resistência às iniciativas privadas ou
governamentais de distribuição de contraceptivos e apontavam desenvolvimento e
distribuição de renda como principais reguladores da fecundidade.
O debate na Comissão de Saúde do Senado reflete o destaque e a polêmica dos
temas controle da natalidade e planejamento familiar, que se fazia presente dentro do
parlamento brasileiro também em propostas de projetos de lei. Segundo Maria Isabel
Baltar da Rocha (1993), desde 1967 até 1991 foram quarenta e um projetos no
Congresso e seis, no Senado, com maior concentração na segunda metade da década de
1970. Na legislatura de 1975-1979 foram oito projetos de lei, e na legislatura seguinte,
de 1979-1983, cinco (ROCHA, 1993).
Mas mesmo após o lançamento do PAISM em 1983, as propostas não
continuaram surgindo, como aumentaram significativamente na legislatura de 1983-
1987, quando foram apresentados quatorze projetos de lei. Reflexo do acirramento dos
debates no país, às vésperas da formação da Assembléia Constituinte, em 1987 e da
ambiguidade do Estado, que embora tivesse adotado o planejamento familiar como
política de saúde e de direitos individuais, através do PAISM, ainda era permeável às
pressões por uma política populacional controlista (ROCHA, 1993).
Os temas dos projetos variavam e ao longo das décadas também se repetiam,
sem que nenhum conseguisse ser aprovado até 1979. Em suma, a maioria estava
relacionada com o desejo de uma política populacional controlista, entretanto, havia
projetos que tentavam coibir as ações de controle da natalidade.
Os projetos de lei se concentravam, basicamente, nos seguintes pontos: atenção à
contracepção; ensino do planejamento familiar das escolas; modificação da lei do
salário-família; ampliação das funções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) para garantir a promoção de políticas demográficas; proibição de entrada de
83
recursos externos para o controle da natalidade; derrubada ou modificação do artigo 129
do Código Penal para permitir as esterilizações (ROCHA, 1993).
Em 1979, mais uma vez, tentou-se modificar o artigo 20 decreto-lei 3.688 de
Contravenções Penais, que proibia propaganda de métodos contraceptivos e abortivos
no Brasil (ROCHA, 1993). E mais uma vez, também, houve reações de setores da
sociedade que desconfiavam que qualquer iniciativa governamental em contracepção ou
planejamento familiar era tentativa de implementar o controle de natalidade no país.
Em nota, o Centro da Mulher Brasileira divulgou seu repúdio ao anteprojeto de
lei do senador Aluisio Chaves (ARENA-PA), que alterava o citado artigo, suprimindo
de sua redação o trecho que proibía a propaganda de contraceptivos (CMB, [1979]).
Citamos trechos da nota, comentada no jornal O Globo:
No momento em que se comemora o Dia Internacional da Criança e
em pleno Ano Internacional da Criança, tentam resolver os problemas
sócio-econômicos, diminuindo o número de crianças, através de
métodos que são uma grave ofensa à liberdade e à saúde da mulher.
(...) não é o volume populacional que determina o padrão de vida de
um povo e sim uma melhor distribuição da renda nacional. (...)
Argumenta-se que as mulheres a serem atendidas pelos planos de
controle, terão liberdade de opção. Diante da realidade brasileira,
pergunta-se qual a possibilidade de opção que se coloca a uma
mulher, quando seu futuro filho não terá condições mínimas de
sobrevivência (O GLOBO, [1979]).
A proposta de lei, apresentada em novembro de 1979, fundamentava-se na
necessidade de viabilizar a política demográfica do governo brasileiro diante do
crescimento da população e da importância de seu controle. Em dezembro de 1979, o
projeto tornou-se lei, sendo o único, entre quarenta e um, que foi aprovado, desde que
surgiram as primeiras propostas em 1967 até o ano de 1991 (ROCHA, 1993).
Desde o final da década de 1960 até 1980, a discussão nas duas Casas do
Parlamento brasileiro ficaram polarizadas entre aqueles que defendiam políticas ou
programas de redução da fecundidade, basicamente as entidades privadas de
planejamento familiar, e aqueles que a criticavam, sobretudo, a Igreja Católica,
segmentos do setor saúde comprometidos com a saúde pública e depois dos primeiros
anos da década de 1980, o movimento de mulheres. Junto com a \crítica ao controlismo,
que demonstramos nesse capitulo, este último grupo incorporou ao debate a
preocupação com a saúde integral da mulher, incluindo a concepção e a contracepção
como direitos, não como compromisso com o Estado (ROCHA, 1993).
84
Com a participação das mulheres, o eixo dos debates parlamentares se deslocou
da questão populacional para o âmbito dos direitos das mulheres, e posteriormente, para
os direitos reprodutivos. O discurso da saúde integral das mulheres seria utilizado
inclusive pelas entidades privadas de planejamento familiar, no entanto, os velhos
argumentos controlistas continuaram presentes no Parlamento (ROCHA, 1993).
No ano seguinte, 1980, o Poder Executivo voltou a lançar uma proposta de
atenção materno-infantil com assistência à contracepção, após o fracassado PPGAR,
como mencionamos anteriormente. O programa de “Paternidade Responsável” era
parte do projeto do Prev-Saúde, política pública visando à criação de um Sistema
Nacional de Ações de Saúde, associando os Ministérios da Saúde e o da Previdência
Social. Novamente, reações hostis ao controle da natalidade se manifestaram no país
(GOLDBERG-SALINAS, dez-jul 1996/1997).
O projeto do Prev-Saúde incluía abrangente programa materno-infantil com
ações referentes ao intervalo entre os nascimentos, à educação para a paternidade
responsável, à informação sobre os métodos anticoncepcionais, à revisão da legislação
sobre fecundidade (CANESQUI, 1987).
Esse programa deveria ser aplicado com a introdução da educação sexual em
todas as unidades de saúde municipais, regionais e federais. Depois de negociar com os
representantes do clero, os autores do texto deram prioridade aos métodos naturais de
contracepção, deixando a possibilidade de se utilizar a pílula e a esterilização em casos
especiais, sem menção ao aborto (GOLDBERG-SALINAS, dez-jul 1996/1997).
As feministas opuseram-se ao programa, para o qual as mulheres não haviam
sido consultadas no momento de sua elaboração e que negligenciava completamente a
saúde e a sexualidade, tratando unicamente do que estava ligado às funções
reprodutivas. A tomada de posição contra o planejamento familiar era presença
constante nas resoluções dos congressos nos quais participavam as feministas que
formavam comissões específicas e publicavam textos sobre o tema (GOLDBERG-
SALINAS, dez-jul 1996/1997).
Um desses textos foi lido por ocasião de um debate sobre o novo programa do
governo, promovido pelo Sindicato dos Médicos, na Associação Brasileira de Imprensa
(ABI), com presença de representantes da Igreja, dos advogados e dos médicos. A
Coordenação Feminista pela Contracepção-Aborto, elaborou o documento, lido por uma
de suas representantes no debate.
85
No documento, as feministas reclamavam que as mulheres não tinham controle
sobre seus corpos, subjugados pelo poder patriarcal dos políticos, do clero e da ciência,
fonte de alienação e desconhecimento sobre a sexualidade e os métodos
anticoncepcionais. Denunciavam o atraso das pesquisas médicas em contracepção
segura e inofensiva e defendiam a maternidade voluntária, condições para a divisão da
responsabilidade dos filhos com os homens e a sociedade a fim de que as mulheres
exercessem suas profissões durante e após a gestação (COORDENAÇÃO
FEMINISTA..., 18/03/1980).
Mais uma vez, diferentes setores anticontrolistas da sociedade se reuniram para
debater o caráter de mais um programa de saúde materno-infantil com oferta de
planejamento familiar do governo, assim como aconteceu em 1977, após o anúncio do
PPGAR. Em 1980, no entanto, o cenário político brasileiro era outro, além da visão
crítica do campo da saúde à distribuição vertical de contraceptivos, havia agora as
demandas específicas do movimento de mulheres sobre reprodução. As discussões
sobre o tema controle de natalidade/planejamento familiar estavam avançando e
começavam a surgir propostas alternativas de ações nesse sentido.
O Sindicato dos Médicos de São Paulo, por exemplo, ao mesmo tempo, que
denunciou as tentativas de implementação de políticas de controle de natalidade da
Benfam e do governo federal, apresentou suas propostas sobre o tema: direito para a
mulher fazer uma escolha consciente e livre sobre o número de filhos e de ter garantias
físicas, psíquicas para exercer esse direito. Em consonância com o discurso
anticontrolista, lembrou que para que tais direitos se concretizassem, seria necessário
existir justa distribuição de renda, considerada “o melhor anticoncepcional”.
Percebemos, além disso, a menção indireta ao conceito de integralidade, presente na
proposta de saúde da mulher do PAISM, concretizada três anos mais tarde:
Que o planejamento familiar seja parte integrante do plano de atenção
à mulher durante todas as fases da vida e integrante de uma política de
saúde realmente voltada para o povo brasileiro, com a participação
dele, buscando um novo homem, uma nova mulher, uma nova
família, uma nova sociedade (SINDICATO DOS DICOS DE
SÃO PAULO, [1980]).
Como observamos na fala acima, nem todos os opositores do controle da
natalidade eram totalmente contrários a alguma forma de planejamento familiar. Uma
86
parcela dos médicos, como vimos acima, concordava com o direito dos casais de
escolherem o tamanho de sua família, desde que a prática do controle da fecundidade
fosse oferecida pelo governo em conjunto com ações de saúde, preferencialmente,
dentro de um modelo renovado e mais justo de saúde pública.
Em carta aos ministros da saúde e da previdência social, nomes de destaque dos
estudos demográficos e do movimento de mulheres no Brasil
55
comentaram o item
“saúde materno-infantil” do anteprojeto do Prev-Saúde. Elogiavam alguns pontos do
programa como a não interferência nas decisões do casal, o caráter individualizado dos
serviços de controle da fecundidade, com indicação médica e a preocupação com a
infertilidade.
Por outro lado, criticavam a falta de canais de articulação com setores da
sociedade civil, a ambiguidade do tema regulação da fecundidade, a preocupação com o
risco de se enfatizar o controle populacional, a valorização dos chamados métodos
naturais com limitação das informações sobre métodos artificiais de regulação da
fecundidade, a preocupação com o grupo materno-infantil em detrimento à saúde da
mulher fora de seu papel reprodutivo, a falta de menção ao problema do aborto e à
questão do controle das esterilizações e a falta de clareza no item que propõe revisão da
legislação vigente sobre controle da fecundidade.
Por fim, foi recomendada a ampla participação dos setores envolvidos nas etapas
de planejamento e implementação do anteprojeto, além da criação de uma comissão
constituída por representantes dos profissionais da área e dos grupos de mulheres que
teria a tarefa de definir mecanismos institucionais de participação popular (CARTA
AOS MINISTROS..., [1980]).
Os debates sobre controle da natalidade iam além do campo político e
acadêmico, fazendo-se presente também com bastante destaque nos meios de
comunicação, como os jornais de grande circulação.
Em entrevista no ano de 1980, ao caderno Folhetim, da Folha de São Paulo, a
demógrafa Elza Berquó, confirmou seu ponto de vista contrário ao plano de Paternidade
Responsável do governo. Respondendo como coordenadora geral da Pesquisa Nacional
de Reprodução Humana e membro do Comitê de Assessoria para Estudos Populacionais
55
Os grupos de mulheres estavam representados na carta, assinada por Carmem Barroso, da Frente de
Mulheres Feministas e por Maria José de Araújo, pediatra da Comissão de Planejamento Familiar dos
Grupos Feministas de São Paulo. Ao lado dos destacados demógrafos Candido Procópio (Centro
Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP) e Elza Berquó (Associação Brasileira de Estudos
Populacionais - ABEP), esta também ligada ao movimento feminista (CARTA aos ministros..., s.d.).
87
da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (ABEP) - Fundação Ford, a
pesquisadora comentou sobre a surpresa com os índices de nascimentos, que vinham
diminuindo. Segundo ela, a miséria seria um importante fator da queda ao levar ao
aumento muito grande no uso de contraceptivos, do aborto e da esterilização no período
1960-1975. Na entrevista, Berquó defendeu o direito de cada mulher ter recursos e
informações para decidir sobre a própria concepção (BERQUÓ, 23 de maio 1980).
Ainda no jornal Folha de São Paulo, no mesmo ano, a pesquisadora Maria
Conceição Quinteiros
56
deu uma entrevista onde questionava a ação da Bemfam no país
e o papel do governo na expansão da entidade, que, segundo a entrevistada, acumulara
poder por ser uma das únicas especializadas em planejamento familiar até então.
A socióloga, que pesquisara a ação da Bemfam no Brasil, relatava que a entidade
possuía clínicas de apoio no início de seu funcionamento, mas com os altos custos
mudou seu modo de atuação, passando a trabalhar com programas comunitários, de
menor custo, pessoal voluntário e com apoio institucional, convênios e contato com
lideranças locais. Segundo Quinteiros, outra estratégia da Bemfam seria a propaganda.
Sua abordagem, atendimento e gratuidade atraíam e agradavam as mulheres, mas a
entidade passava sempre a ideologia de que o planejamento familiar seria a solução para
os problemas sociais e econômicos.
Assim como Berquó, Conceição Quinteiros acreditava que as mulheres
procuravam a Bemfam por uma questão de sobrevivência, não de planejamento e que o
fato dos casais evitarem ter mais filhos não levaria ao desenvolvimento. Ao contrário,
seria o desenvolvimento que diminuiria a fecundidade das mulheres. Afirmava ainda
que a queda nas taxas de fertilidade não teriam nada a ver com a ação da Bemfam, ou
quase nada, pois ela também acontecia onde não havia ações da entidade. Os motivos de
tal queda pareciam ser as péssimas condições de vida (QUINTEIROS, 23 de maio
1980).
A pesquisadora acreditava que mesmo que o governo assumisse o controle da
natalidade, o planejamento familiar acabaria sendo o mesmo realizado pela Bemfam:
distribuição de lulas. Sendo assim, ela concordava com a posição dos movimentos de
mulheres sobre o tema: controle da reprodução como direito, junto com atendimento das
necessidades básicas, tornando possível o controle da fecundidade como opção, não
56
Socióloga, formada pela USP, faz pesquisas na área de problemas populacionais.
88
como necessidade. Defendendo a intervenção da sociedade civil organizada nas
políticas públicas, a socióloga afirma que:
A política demográfica no Brasil poderá ser inteiramente
satisfatória quando os movimentos de mulheres puderem interferir
realmente, quando a Sociedade Civil tiver plena participação nos
programas governamentais
(QUINTEIROS, 23 de maio 1980: 13).
Percebemos na fala de Quinteiros, o mesmo tom crítico ao planejamento familiar
encontrado nos artigos do Cebes e de outros representantes da esquerda, como Gentile
de Melo e Assis Pacheco, o qual exortara as mulheres a jogarem fora suas pílulas sob
pena de terem complicações de saúde ou filhos mal-formados, denunciando também os
interesses da indústria farmacêutica na distribuição de pílulas (PACHECO, out/nov/dez
1977).
O discurso de Quinteiros, no entanto, difere dos demais grupos anticontrolistas,
ao incluir as mulheres como atores importantes na definição de uma política de
planejamento familiar como direito social, aproximando-se assim do ponto de vista de
uma parcela do movimento feminista, que aos poucos vinha crescendo em tamanho e
notoriedade e tomando um posicionamento mais autônomo em relação a partidos
políticos e a outros movimentos sociais.
Nesse aspecto vale destacar um documento da Comissão de Estudos sobre
Planejamento Familiar das Entidades Feministas de São Paulo
57
e Centro de
Desenvolvimento da Mulher Brasileira). Nele as feministas declaram sua indignação
quanto aos programas de controle da natalidade do governo federal e do estado de São
Paulo, ao mesmo tempo em que conclamam as mulheres a se fazerem ouvir, sem porta-
vozes ou intermediários, reivindicando o direito de dispor do próprio corpo e
sexualidade:
Não queremos mais porta-vozes! Embora no combate ideológico ao
caráter da proposta oficial possamos contar, do nosso lado, com
vários setores democráticos, tais como sanitaristas, educadores,
partidos políticos e mesmo uma parte da Igreja Católica, verificamos
que, infelizmente, são bem poucos, ainda, os que mencionam ou
apóiam esse direito que para nós é legítimo, democrático, e pelo qual
nos propomos a lutar de forma concreta e decisiva: o direito de dispor
de todas as condições necessárias para poder optar livremente pela
maternidade (COMISSÃO DE PLANEJAMENTO..., 1980).
57
Comissão mencionada nas páginas 71 e 86.
89
Nesse momento, dentro do movimento de mulheres, os debates internos sobre o
assunto esquentavam. Encontramos a posição de mulheres que se opunham a tudo o que
evocasse formas de controle da natalidade, considerado estratégia imperialista de
dominação. Mas também vemos outras posturas, preocupadas com os direitos e a
autonomia da mulher nas questões reprodutivas.
Mesmo reticente quanto a um debate mais aberto e direto sobre temas como
sexualidade e contracepção, por conta de sua aproximação com setores da Igreja, da
esquerda e do movimento democrático brasileiro, o Centro da Mulher Brasileira, do Rio
de Janeiro, foi uma das vozes que se levantaram no ano de 1980 pelo posicionamento
mais explícito das mulheres quanto ao planejamento familiar, para que fossem ouvidas
suas reais necessidades e desejos:
Depois desta trajetória das políticas de controle da natalidade no país,
que mudam de nome, mas não parecem mudar de objetivos, chega a
hora de nós mulheres nos posicionarmos. E nós consideramos que o
controle de nossa reprodução é um direito básico pelo qual devemos
lutar. Mas para controlarmos nossos corpos precisamos conhecê-lo
(...) (BOLETIM CMB, dez 1980).
Como podemos perceber no trecho acima citado, além de participar dos debates,
algumas organizações feministas promoviam o conhecimento do corpo feminino através
de ações concretas de informação e de cuidados em saúde, sexualidade, contracepção e
reprodução. Tais práticas constituíam-se em alternativas à concepção corrente de
planejamento familiar, que tratava apenas das funções reprodutoras das mulheres e era
imposta e controlada pelos poderes estabelecidos (GOLDBERG-SALINAS, dez/jul
1996/1997). Também através dessas práticas, as feministas estavam reivindicando para
as mulheres o direito ao controle democrático da reprodução, como veremos a diante.
90
3.3. Conhecimento e autonomia: as perspectivas feministas de saúde da mulher
Os grupos de saúde do movimento feminista empenham-
se em conhecer o funcionamento do corpo da mulher, para que ela
possa assumir, na medida do possível, o controle de sua saúde, de
sua reprodução, de sua vida, enfim, tão ligada ao biológico.
Formaram-se clínicas de atendimento ginecológico, em que se
busca romper com a relação autoritária médico-paciente. A
consulta implica numa troca de conhecimentos, num trabalho
permanente de conscientização, exercido sempre que possível em
grupo, para que o saber e as experiências sejam partilhados
(ALVES, [1981]).
Com a saída em massa das mulheres para o mercado de trabalho, a partir da
década de 1960, além da liberalização do aborto, em alguns países e a oferta de
contraceptivos orais no mundo todo, as mulheres puderam, então, investir na sua
educação e na carreira profissional. Muitas delas apoiaram o feminismo, que lançou um
olhar crítico sobre a medicina (MCLAREN, 1990).
Paradoxalmente, a nova vaga feminista da década de 1970 questionou, entre
outras coisas, se as mulheres, ao usarem os contraceptivos aperfeiçoados, não estariam
na realidade, perdendo o controle sobre seu corpo. Segundo elas, os métodos mais
eficazes de controle da natalidade vieram às custas da maior responsabilidade das
mulheres sobre a reprodução. Os homens foram livrados das desventuras do coito
interrompido, que exigia seu maior envolvimento. Entretanto, o medo da gravidez não
deixou de existir e se tornou ainda mais assustador para aquelas que apostavam na
segurança dos métodos novos (MCLAREN, 1990).
Além desses questionamentos a respeito dos efeitos das novas tecnologias
contraceptivas sobre o corpo e a autonomia das mulheres, o movimento feminista
brasileiro, inserido num contexto histórico e social particular, preocupava-se também
com as consequências do pensamento neomalthusiano sobre as mulheres pobres no
Brasil.
O controle da fecundidade, portanto, desde o surgimento da nova vaga feminista
no país, nos anos de 1970, foi assunto polêmico e particularmente sensível dentro do
movimento feminista, pois sempre fora entendido como política discriminatória contra
as populações pobres. A forte presença da Bemfam e sua política de distribuição
gratuita de anticoncepcionais, durante o regime militar, criaram enorme dificuldade para
91
a aceitação de qualquer política de planejamento familiar pelos setores esquerdistas no
Brasil (PINTO, 2003).
Contudo, as feministas tiveram de se enfrentar com as mulheres das camadas
populares, com problemas muito concretos e, nesse caso, um problema em comum: a
vontade de limitar drasticamente o número de filhos. Se isso parecia um direito para as
mulheres de classe média, tomava ares de política pública conservadora quando o alvo
eram as camadas populares. Isso fez como que as feministas passassem a ter um grande
papel na elaboração de projetos de planejamento familiar que buscassem atender as
mulheres de camadas populares sem cair em políticas discriminatórias (PINTO, 2003).
As feministas brasileiras, em geral, sustentaram o princípio de que as decisões
da esfera reprodutiva deveriam se orientar pelo livre-arbítrio dos indivíduos, em
especial das mulheres, uma vez que a reprodução biológica se viabiliza através do corpo
feminino. Inscreviam esta premissa no contexto mais amplo de luta pela ampliação da
cidadania das mulheres e da responsabilidade do Estado pela sua saúde. A assistência à
anticoncepção, portanto, deveria fazer parte de uma política integral de saúde
reprodutiva, no interior de um projeto de Estado de Bem-Estar Social no país. A
perspectiva crítica feminista apontava tanto para os abusos dos programas de
planejamento familiar implementados no país pelas entidades privadas quanto para o
natalismo e o maternalismo da cultura brasileira (CORREA, 1993).
É importante lembrar que o movimento feminista não era homogêneo, existia
uma grande diversidade de posturas, em especial a respeito de temas mais polêmicos,
ligados à sexualidade, como contracepção, aborto e planejamento familiar.
De meados dos anos de 1970 até pouco antes da intensificação do processo
democrático, havia consenso entre as feministas sobre a centralidade das questões
relativas à sexualidade e aos direitos reprodutivos para o movimento feminista, mas não
quanto à sua prioridade nos debates daquele momento, especialmente devido à
importância do apoio da Igreja Católica. Essas tensões diminuíram à medida que o
processo de democratização avançou. A Igreja, então, perdeu voz dentro do movimento,
propostas dos feminismos foram incorporadas a plataformas de partidos e
estabeleceram-se parcerias com alguns setores do Poder Executivo (PITANGUY,
1999).
Nesse momento - fins da década de 1970 e início dos anos de 1980 -
redefiniram-se as noções de autonomia e de feminismo no movimento, novos grupos
92
surgiram e temas antes pouco discutidos foram aprofundados, o que colaborou para o
enriquecimento do debate sobre o planejamento familiar no Brasil.
Em meados da década de 1970, quando o movimento feminista ainda dava os
primeiros passos no Brasil, algumas brasileiras pensavam em como tratar os temas
referentes ao controle das mulheres sobre seus corpos. A partir de discussões, o grupo
Agora É Que São Elas, do Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris
58
elaborou uma
brochura que se propunha a pensar essas questões polêmicas e transformadoras,
refletindo a preocupação de inserir os questionamentos do movimento feminista
internacional na realidade social das mulheres brasileiras:
Seria possível uma plataforma alternativa global, que seja também
um instrumento de luta para o movimento feminista, sobre a
contracepção, a maternidade e o aborto, que corresponda às
necessidades/aspirações/desejos de mulheres das mais variadas
classes sociais do país? A desinformação sobre contracepção é geral?
A quem ela interessa? Porque? Como enfrentar estes problemas?
(GRUPO AGORA É QUE SÃO ELAS, [1975]).
Para tentar responder às questões do grupo, o trabalho divulga relatos de
histórias reais, sobre as dificuldades que envolvem a maternidade e o aborto, discutindo
se seria a desinformação a responsável pelo grande número de filhos e de abortos entre
as mulheres brasileiras. Além disso, trata das polêmicas e problemas envolvendo os
métodos anticoncepcionais - pílula, DIU, diafragma e outros (GRUPO AGORA É QUE
SÃO ELAS, [1975]).
58
O movimento feminista brasileiro e alguns dos grupos feministas que se destacaram já foram
apresentados no capitulo 2 dessa dissertação. Sobre o Círculo de Mulheres Brasileiras em Paris, ver p. 55.
93
Figura 1
Brochura educativa do grupo Agora É Que São Elas. Círculo de Mulheres
Brasileiras em Paris, [1975] (Fundo Leonor Nunes Paiva – Arquivo Nacional, RJ)
Com o surgimento da segunda onda feminista no Brasil, em meados da década
de 1970, apareceram também os primeiros grupos organizados em território nacional e
com eles ações educativas com mulheres das camadas populares visando a
conscientização sobre a opressão feminina, condições de vida e questões da esfera
privada como violência doméstica, sexualidade, aborto e contracepção.
O Centro da Mulher Brasileira (CMB), por exemplo, promovia ações educativas
sobre controle da fecundidade, entre outros temas, com as mulheres pobres do Rio de
Janeiro. Destacamos uma delas, realizada na Associação de Moradores do Chapéu
Mangueira. Na ocasião, foi apresentado o funcionamento do corpo feminino durante o
94
ciclo menstrual com informes sobre os métodos contraceptivos, aplicações e riscos,
além de relatos de experiências pessoais (BOLETIM CMB, outubro 1977).
Encontramos registro da continuidade desse trabalho em anos posteriores,
inclusive com apoio de verba do Ministério da Educação e da Cultura MEC, usada
para realizar uma pesquisa com moradoras de morros cariocas, a respeito da visão das
mulheres sobre o planejamento familiar (BOLETIM CMB, jun-jul 1979).
Nesse momento, o jornal Brasil Mulher deixa um pouco de lado a postura mais
voltada para a denúncia do controle de natalidade, nos moldes dos grupos
anticontrolistas de esquerda, que em 1975 levou o jornal a convidar suas leitoras a jogar
fora suas pílulas, sem discutir alternativas contraceptivas.
Seguindo a linha do trabalho educativo, preocupado não só com as condições de
vida, mas também com a sexualidade e a saúde das mulheres das camadas populares, o
periódico publicou, entre 1978 e 1979, uma série de artigos informativos sobre
reprodução, métodos anticoncepcionais e sexualidade, defendendo o conhecimento
sobre o corpo como fator importante para a libertação da mulher:
Nesta página, Brasil Mulher inicia uma série de artigos sobre
reprodução, métodos contraceptivos e sexualidade. Em geral, nós
mulheres, desconhecemos o nosso corpo. O pouco que nos ensinaram
foi a sentir dores de menstruação, dores da primeira relação sexual,
dores de parto. Ninguém nos ensinou nada sobre o prazer que nosso
corpo pode nos dar. É importante que nós, mulheres, aprendamos
como funciona o nosso corpo, como dele nascem os filhos e como
podemos impedir que dele nasçam quando nós não os queremos
(BRASIL MULHER, junho 1978).
Sob o título “Nosso Corpo”, os artigos abordavam temas como aparelho
reprodutivo feminino, ciclo menstrual, os prós e contras do diafragma, da tabelinha e de
outros métodos contraceptivos.
Conhecendo nosso organismo e sabendo como ele funciona, a gente
compreende melhor os médicos e pode explicar melhor o que sente.
Muita coisa a gente pode resolver sozinha, quando conhecemos bem o
nosso corpo, sem precisar ir ao médico (BRASIL MULHER,
novembro de 1978).
Uma outra forma de divulgar as ideias feministas entre as mulheres, em especial
entre as camadas populares, era através das cartilhas com informações escritas de forma
95
didática, geralmente com ilustrações. Nesse sentido, encontramos tanto brochuras
simples, confeccionadas artesanalmente, como publicações mais cuidadosas, algumas
vezes editadas na forma de livro ou histórias em quadrinhos.
A cartilha do Centro de Cultura Operária de São Paulo, por exemplo, contém
uma linguagem voltada para a luta pela transformação da sociedade capitalista, com
discurso característico do movimento de mulheres ligado a partidos de esquerda e
comprometidos com a oposição ao regime militar, em especial antes da abertura política
em fins dos anos de 1970.
Nela, as mulheres são chamadas a lutar pela libertação feminina, vista como
parte da luta pela libertação da sociedade de todo tipo de opressão. As mulheres
deveriam lutar ao lado de seus companheiros nas fábricas, nos sindicatos, nos bairros.
São apresentadas informações sobre funcionamento dos órgãos reprodutivos masculino
e feminino e sobre o ato sexual, mas não se discute aborto nem contracepção (CENTRO
DE CULTURA OPERÁRIA..., s.d).
Figura 2
“A Mulher e O Sexo”. Capa da cartilha do Centro de Cultura Operária de São
Paulo. S.d. (Fundo Comba Marques Porto – Arquivo Nacional, RJ)
96
Figura 3
“A Mulher e O Sexo”. Contracapa da cartilha do Centro de Cultura Operária
de São Paulo. S.d. (Fundo Comba Marques Porto – Arquivo Nacional, RJ)
Assim como o Centro de Cultura Operária, a União de Mulheres de São Paulo
também se comprometia com a ideia da dupla militância feminista - contra a opressão
do regime militar alinhado ao capital estrangeiro e contra a opressão masculina.
Na brochura “Controle de Natalidade: intervenção imperialista”, o grupo
paulista denunciava a falta de autonomia de escolha das mulheres e diferenciava
planejamento familiar de controle da natalidade. Em seguida, definiu planejamento
familiar como “opção livre e consciente da mulher ou do casal em relação ao número de
filhos e do tipo de método contraceptivo” e o controle de natalidade como política
controlista imposta pelo Estado, mostrando dados sobre número de mulheres que
evitavam filhos e número de mulheres esterilizadas.
97
Ao informar sobre o que significa contracepção, as razões que levam as pessoas
a evitar filhos, os métodos contraceptivos disponíveis e as entidades privadas
financiadas por recursos internacionais, seu intuito era conscientizar sobre a opressão do
sistema patriarcal-capitalista através da imposição do controle de natalidade (UNIÃO
DAS MULHERES..., agosto de 1983).
Figura 4
Brochura da União de Mulheres de São Paulo. “Controle de Natalidade: intervenção
imperialista”. São Paulo, agosto de 1983
(Fundo Leonor Nunes Paiva – Arquivo Nacional, RJ)
A tendência de relacionar as reivindicações feministas ligadas à opressão
específica de gênero sofrida pelas mulheres, com as lutas da sociedade brasileira por um
país democrático e com justiça social não era uma característica exclusiva das entidades
feministas de São Paulo ligadas às classes operárias. Em maior ou menor grau era uma
postura que acompanhou a maioria dos grupos, principalmente até o final da década de
98
1970, refletindo os embates ideológico travados, naquele momento, em decorrência do
contexto político repressivo vivido pelos brasileiros.
O CMB, por exemplo, era uma entidade feminista carioca, que, de acordo com
estudo de Anette Goldberg (1987), desde seu início, representou um feminismo “bom
para o Brasil”, que condicionava suas pautas de luta aos problemas femininos
considerados mais relevantes dentro do contexto político, econômico e social do Brasil
naquele momento. O que limitava o alcance do debate sobre alguns temas como o
aborto e sexualidade, priorizados por outros grupos, considerados mais radicais dentro
do movimento feminista. No entanto, isso não impedia o CMB de também buscar
informar as mulheres brasileiras sobre o sexo e o controle da fecundidade,
principalmente depois de 1979, quando o processo de abertura política se fortaleceu e
permitiu uma redefinição ideológica dentro da entidade.
Destacamos, como exemplo, uma cartilha do Grupo Mulher e Saúde
59
do CMB,
editada por volta de 1982. A publicação traz informações sobre os órgãos reprodutivos
femininos, ciclo menstrual, gravidez, contracepção, aborto, menopausa e sexualidade.
Ao final da publicação, o registro de seus objetivos:
Esperamos que esta cartilha contribua para ampliar o conhecimento
de nós, mulheres, em relação ao nosso corpo e a nossa vida. Que
possamos escolher os rumos que queremos dar a nossa vida sexual.
Enquanto a política de controle de natalidade do Governo nos diz que
se tivermos menos filhos teremos melhores condições de alimentá-los
e criá-los, pensamos que, quando compreendermos a importância da
nossa sexualidade e da nossa liberdade, encontraremos formas de
alimentar tantos filhos quanto desejarmos ou enfrentar todos os
preconceitos que pesam também sobre a mulher que não deseja ter
filhos. A forma de fazer um planejamento familiar realmente livre
depende da nossa capacidade de organização com outras mulheres e
com os homens, na luta contra as condições de vida que nos
aprisionam (GRUPO MULHER E SAÚDE, [1982]).
Mesmo com a maior abertura dentro do CMB para os assuntos especificamente
feministas, como aqueles tratados pela cartilha, percebemos a relação estabelecida pelo
grupo entre o autoconhecimento da mulher sobre seu corpo e sua sexualidade, e a
59
Equipe do grupo Mulher e Saúde que participou da confecção da cartilha: Berenice Ribeiro, Bertine
Carlos Bezerra, Lilia Almeida de Menezes, Maria Paula Leal, Silvia Cruz A. Santos, Suely Rozenfeld,
Suzanne Bial.
99
libertação individual e também social das mulheres. Além disso, segundo a cartilha, o
direito da livre escolha para planejar a família dependeria diretamente da mobilização
das mulheres em conjunto com os homens por melhores condições de vida. Ponto de
vista semelhante aos demais grupos anticontrolistas envolvidos com o compromisso da
redemocratização do país.
Nesse sentido a política de saúde da mulher proposta por setores progressistas da
sociedade, como as feministas e o movimento sanitarista, não podia ser pensada de
forma desvinculada do contexto político-institucional no qual o país se encontrava
naquele momento.
Figura 5
Cartilha “Mãe, Filha, Mulher”, [1982]. Grupo Mulher e Saúde, Centro da Mulher Brasileira – RJ.
(Fundo Comba Marques Porto – Arquivo Nacional, RJ)
100
Figura 6
Cartilha “Mãe, Filha, Mulher”, [1982]. Grupo Mulher e Saúde, Centro da Mulher Brasileira – RJ.
(Fundo Comba Marques Porto – Arquivo Nacional, RJ)
Aproximando-se da linha mais radical do feminismo, preocupada, acima de
tudo, com as transformações da intimidade, a Comissão Contracepção e Aborto do
Coletivo de Mulheres do Rio de Janeiro elaborou uma cartilha que trata do
conhecimento sobre o próprio corpo como forma de liberação das mulheres e de poder
para tomar decisões importantes sobre sua vida e lidar com os médicos, diminuindo o
controle que estes exercem sobre o corpo feminino (COMISSÃO CONTRACEPÇÃO...,
[1979-1982]).
De forma similar à publicação do CMB, a brochura apresenta os órgãos genitais
femininos, o ciclo menstrual, métodos para evitar a gravidez, modo de usá-los
corretamente e contra-indicações. Apresenta a tabelinha, o coito interrompido e a ducha
vaginal como métodos que não funcionam e chama atenção para a importância do
exame ginecológico para a mulher. Contudo, tratam também do aborto e dos métodos
abortivos, os melhores e os perigosos, e registram depoimentos de mulheres sobre
experiência de abortos.
101
O Coletivo de Mulheres do Rio de Janeiro surgiu, em 1979, depois de um racha
de membros do Centro da Mulher Brasileira por ocasião do Encontro Nacional de
Mulheres. As dissidentes discordavam da postura limitada e do cerceamento do CMB
em relação ao debate de temas feministas mais voltados para a esfera privada como a
sexualidade, a contracepção e o aborto, considerados por algumas militantes do Centro
como menos importantes diante dos problemas sócio-econômicos e políticos do Brasil.
Para a entidade, o objetivo do trabalho com a intimidade das mulheres seria
reaproximá-las de si mesmas a partir da descoberta do corpo, do fim do isolamento e da
desmedicalização de suas vidas. Esse ponto de vista refletiu em propostas de práticas
médicas que valorizassem a autonomia feminina e o auto-conhecimento. Maria José de
Lima, enfermeira e membro do Coletivo de Mulheres do Rio de Janeiro, em texto de
1981, chama a atenção para uma dessas práticas, o auto-exame ginecológico:
Em termos práticos pretendemos desenvolver a auto-ajuda ou auto-
exame para que as mulheres possam se reapropriar do controle de seu
próprio corpo, no que há de específico no campo da saúde (...) O auto-
exame não é um desejo de substituir o corpo médico, e sim, uma
tomada de consciência das mulheres quanto à responsabilidade por
seus corpos, colocando-se no quadro das lutas engajadas pelo direito à
saúde, questionando o poder médico (LIMA, 1981).
102
Figura 7
“Quando Seremos Nós A Decidir?”. Capa da cartilha da Comissão Contracepção e
Aborto do Coletivo de Mulheres do Rio de Janeiro, [1979-1982]
(Fundo Hildete Pereira de Melo - Arquivo Nacional, RJ).
103
Figura 8
“Quando Seremos Nós A Decidir?”. Cartilha da Comissão Contracepção e Aborto do
Coletivo de Mulheres do Rio de Janeiro [1979-1982]
(Fundo Comba Marques Porto - Arquivo Nacional, RJ).
Além do CMB e do Coletivo de Mulheres, ambos do Rio de Janeiro, destacamos
também o trabalho do Projeto Mulher do Instituto de Ação Cultural IDAC. A partir da
experiência Educação para a Saúde que o IDAC realizava em Paraty
60
, coordenado por
Mariska Ribeiro e Rosiska Darcy de Oliveira, entre outras mulheres, foi elaborado um
material educativo que se destinava a apoiar os grupos de animação comunitária,
agentes de saúde e grupos feministas que trabalhavam com o corpo. O trabalho contém
60
“Experiência-piloto de educação das mulheres de um bairro periférico de Paraty visando a transmitir
conhecimentos que permitam às mulheres melhorar as condições de saúde individual, familiar e
comunitária” (OLIVEIRA, [1981]).
104
explicações sobre as dificuldades relacionadas ao acesso das mulheres pobres aos
métodos contraceptivos e à atenção ideal à contracepção (IDAC..., dezembro de 1983).
Ainda no resguardo, a vizinha vem ver o neném
e diz que Rosinha tem que ter cuidado para não
se meter em outra com outro namorado.
e dos dias do s em que a gente fica sem ter
relação
Rosinha já ouviu falar da pílula
Ma nada disso é muito claro. O que sabe é que
não quer ter mais filhos antes de arrumar a sua
vida.
dos comprimidos para colocar
Figura 9
IDAC – Projeto Mulher. “As mulheres e a saúde. Aprender para viver melhor”. Projeto Paraty, dezembro
de 1983 (Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ)
No mesmo período, o IDAC publicou um livro sobre as ideias e ações do
movimento feminista no Brasil em várias áreas de atuação como trabalho, violência,
educação, sexualidade e saúde. A autora do texto sobre saúde, Branca Moreira Alves,
considerava essa área, em especial, um dos espaços de expressão do movimento de
105
mulheres, de descoberta de si e coletivização da experiência individual (ALVES,
[1981]).
Os grupos de saúde do movimento feminista empenham-se em
conhecer o funcionamento do corpo da mulher, para que ela possa
assumir, na medida do possível, o controle de sua saúde, de sua
reprodução, de sua vida, enfim, tão ligada ao biológico. Formaram-se
clínicas de atendimento ginecológico, em que se busca romper com a
relação autoritária médico-paciente. A consulta implica numa troca de
conhecimentos, num trabalho permanente de conscientização,
exercido sempre que possível em grupo, para que o saber e as
experiências sejam partilhados (ALVES, [1981]).
Segundo o texto, o autoconhecimento da mulher levaria ao conhecimento de seu
corpo, de sua reprodução, de sua sexualidade, e à descoberta de seu próprio equilíbrio,
individual e específico. Levaria também ao rompimento com a mistificação dos modelos
de beleza e do monopólio do saber médico, impostos pelo mundo masculino. Através do
aprendizado de técnicas elementares a mulher seria capaz de resolver alguns dos
problemas mais comuns de seu organismo: o uso de ervas medicinais, a aplicação da
extração menstrual
61
, o aborto por aspiração (ALVES, [1981]).
Criam-se grupos de reflexão sobre sexualidade, gravidez e parto,
maternidade, menopausa. Formam-se grupos de alto ajuda (self-help),
em que com simples auxílio de um speculum, um espelho e uma
lanterna, as mulheres aprendam a se examinar a si mesmas, e a
conhecer as alterações de seu corpo, tornando-se aptas a detectar as
perturbações e a entender o ritmo de seu organismo, de seus órgãos
genitais, seus seios, sua saúde geral
(ALVES, [1981])
.
A década de 1980 foi fundamental na luta das feministas brasileiras em relação à
questão reprodutiva, tanto na implantação do Programa de Atenção Integral à Saúde da
Mulher (PAISM), pelo Ministério da Saúde, em 1983, quanto na criação de grupos que
buscavam formas alternativas de atendimento à saúde mulher (PINTO, 2003).
Uma iniciativa pioneira, que merece ser lembrada aqui, foi tomada pelo grupo
SOS Corpo de Recife, Pernambuco, que desenvolveu uma prática educativa entre as
mulheres da periferia do Recife, inovando com sucesso nesse campo. Inspirados nessa
61
Método de controle de natalidade: aos 3 ou 4 dias de atraso da menstruação, esta é extraída mediante
uma cânula plástica esterilizada conectada a um aspirador. Não é necessário dilatar-se o colo do útero e a
operação é tão simples que as mulheres a fazem entre si, em casa, após aprendizado da técnica (ALVES,
[1981]).
106
experiência apareceram em São Paulo e no Rio de Janeiro grupos e projetos mais ou
menos próximos e bem sucedidos, que iam da instalação de um espaço central de
informação sobre contracepção e cuidados médicos gratuitos até o estabelecimento de
práticas de intervenção e de tomada de consciência nos bairros da periferia
(GOLDBERG-SALINAS, dez-jul 1996/1997).
Esses grupos tinham uma natureza dupla. Por um lado, eram grupos de discussão
que elaboravam documentos e demandavam políticas públicas. Por outro, faziam uma
espécie de assistência social qualificada às mulheres de classes populares A experiência
das feministas ligadas à área de saúde no atendimento das mulheres teria sido
fundamental para que elas interviessem na elaboração e implantação do PAISM, em
1983 (PINTO, 2003).
Figura 10
Livro SOS Corpo. “Como evitar filhos?” s.d.
(Fundo Hildete Pereira de Melo)
107
Figura 11
Grupo SOS Corpo. “Direitos Reprodutivos e a
Condição Feminina” (textos). Recife, 1981 (Fundo
Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional, RJ)
Figura 12
Grupo SOS Corpo. “Corpo de Mulher”. Livreto
educativo do grupo. Recife, 1981, p.1. (Fundo
Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional, RJ)
POR QUE SEREIRAS?
A sereia é a imagem universal
da mulher d’água que seduz e fascina o
macho marinheiro incauto. Ela pode
arrastá-lo para o fundo, mas também
salvá-lo do naufrágio, isto varia
segundo as diferentes mitologias e
circunstâncias.
Independentemente do fim de
cada história, a sereia é sempre um
símbolo da sedução sexual da mulher.
Uma sedução de cabelos, rosto, gestos
e seios voluptuosos, pois da cintura
para baixo a sereia é um peixe,
habitante de águas profundas e
misteriosas, animal escorregadio, quase
assexuado.
Foi tudo isto que passou pela
cabeça da gente quando vimos a
xilogravura usada nesta capa: as
mulheres bonitas da sexualidade sem
sexo, escondida sob o corpo de um
animal que nos é tão estranho, que
parece vir das profundezas do nosso
próprio passado.
E foi por isso... este livrinho é
uma tentativa de desvendar o mistério
que o peixe encobre no corpo da
gente... mulheres, sereia (SOS CORPO,
1981, contracapa).
3.4. As feministas às vésperas do PAISM
Com o objetivo de discutir as linhas de ação sobre a posição do movimento
feminista e a política de reprodução no Brasil, foi organizado pela Casa da Mulher do
Rio de Janeiro, o “Encontro de Mulheres sobre Saúde, Contracepção, Sexualidade e
Aborto”, em março de 1983, como parte das comemorações do Dia Internacional da
Mulher. A organização do evento contou com a colaboração de representantes dos
grupos: Coletivo de Mulheres do Rio de Janeiro, Mulherando, Ceres e Projeto Mulher
do IDAC (CASA DA MULHER, março 1983).
Em entrevista recente, a feminista Hildete Pereira Melo menciona esse encontro
como uma oportunidade criada pelas feministas, a partir de um financiamento que
conseguiram através de Branca Moreira Alves, para discutirem o aborto. Segundo ela,
foi o primeiro congresso que discutiu o tema no Brasil. A verba também foi usada para
fazer um documentário sobre aborto, dirigido por Eunice Gutman e apresentado na
ocasião. Havia cerca de 300 mulheres presentes, vindas de vários estados do Brasil,
entre elas prefeitas, deputadas, além de alguns homens como Nilo Batista, que fez um
projeto de lei sobre o aborto e o entregou na ocasião à deputada federal Cristina
Tavares, do PMDB, para apresentá-lo na Câmara Federal (MELO, 2005).
Entre os convidados para os painéis estavam feministas atuantes na área da
sexualidade e da saúde como Marta Zanetti (CEAMI
62
), Maria José de Lima
(enfermeira), Marta Suplicy (sexóloga), médicos ginecologistas ligados a órgãos
internacionais de planejamento familiar como Elsimar Coutinho e Helio Aguinaga, e a
senadora Eunice Michiles, defensora do controle da natalidade. Entre as coordenadoras
dos painés e plenárias estavam Leonor Nunes Paiva (advogada), Hildete Pereira Melo
(economista), Comba Marques Porto (advogada), Leila Linhares (advogada), Mariska
Ribeiro (psicóloga), Branca Moreira Alves (socióloga), Danda Prado (escritora),
Jacqueline Pitanguy (socióloga), Romy Medeiros (advogada) (CASA DA MULHER,
março 1983).
62
Centro de Estudos e Atendimento à Mulher e à Criança. Em carta de esclarecimento publicada no
Jornal do Brasil em 1982, o CEAMI se declarava “uma empresa privada de capital limitado, cuja
ocupação principal é a prestação de serviços de assistência psicológica”. Trabalhando com grupos de
vivência e reflexão (“grupos nos quais as vivências de seus membros são refletidas do ponto de vista
corporal, emocional, sócio-econômico e cultural”) sobre maternidade, sexualidade, relações conjugais,
etc. Apresentando-se como centro profissional que dava apoio técnico a grupos feministas que o
procuravam, o CEAMI buscava desfazer a imagem de que se tratava de um grupo feminista (JORNAL
DO BRASIL, 17/06/1982).
109
Desse encontro, surgiu em junho de 1983, o periódico feminista O Sexo
Finalmente Explícito. Um dos objetivos do periódico era a divulgação da conclusão do
encontro através da publicação do manifesto “Posição das Mulheres Feministas”, do
qual citamos um trecho abaixo:
(...) tanto a política antinatalista quanto a natalista m,
historicamente, usado o corpo da mulher considerando-o como um
patrimônio social acima de seus direitos e de sua individualidade.
Todas elas manipulam nossa sexualidade, nosso órgão genital, nossa
função reprodutora, alienando-nos de modo profundo de nosso
próprio corpo No Brasil, antinatalistas e natalistas sempre se
confundiram pelo fato de que jamais consideraram em sua política de
reprodução a questão feminina. (...) Torna-se necessário ao lado da
crítica, apresentar nossa proposta para uma questão que diz respeito a
todas as mulheres e sobre a qual até agora ninguém procurou ouvi-las
(MANIFESTO..., junho 1983, p.1)
.
O texto apresenta ideias para uma política de reprodução a partir da crítica às
políticas de reprodução existentes, e da criação das condições políticas, econômicas,
sociais, culturais e jurídicas que permitissem à mulher o direito de escolha e controle do
próprio corpo (MANIFESTO..., junho 1983).
(...) o planejamento familiar deve fazer parte de um plano global de
atendimento à mulher durante todas as fases de sua vida. Plano esse
inserido numa política de saúde realmente voltada para todo o povo
brasileiro e com sua participação. Não podemos conceber tal política
sem sua íntima ligação com as conquistas das liberdades públicas e a
democracia em nosso país. Estas são necessárias para permitir uma
livre informação e um amplo debate sobre o assunto, bem como a
garantia do direito de escolha por todo cidadão. Sem isso o exercício
desse direito estará gravemente comprometido. Somente uma política
assim considerará a mulher como sujeito e não objeto. E, por isso
mesmo, será por ela apoiada e defendida, pois mais do que nunca
estamos conscientes: NOSSO CORPO NOS PERTENCE!
(MANIFESTO..., junho 1983, p.2).
Foi a primeira vez que se realizou um encontro discutindo, a nível nacional,
temas tabus como contracepção, sexualidade e aborto. O encontro contou com a
participação de 57 grupos feministas do Brasil, que decidiram levar nacionalmente a
campanha pela legalização do aborto, e celebrar o dia 22 de setembro de 1983, como dia
nacional pelo direito ao aborto (SILVA, abril 1983).
110
Ainda em setembro de 1983, diante da mobilização política em torno do tema
controle da natalidade/planejamento familiar no seio do governo, as feministas se
organizaram a fim de divulgar seu ponto de vista sobre as propostas governamentais.
Em documento assinado pelo Fórum Feminista de Debates e pelo grupo Brasília Mulher
e apoiado pelo grupo Mulherando, do Rio de Janeiro, elas se posicionaram contra o
controle da fecundidade imposto por políticas de governo, tanto natalistas como
controlistas:
Não somos máquinas de fazer filhos, funcionando a todo vapor
quando o governo decide povoar o país. Também não somos
máquinas que são inutilizadas através de programas de controle da
natalidade quando o governo decide reduzir o crescimento
populacional. Agora, quando não é possível nos fazer calar, querem
nos impor o silêncio utilizando nossas palavras. Líderes do governo,
generais do Estado Maior das Forças Armadas, figurões da área
médica falam em “direitos da mulher”, “planejamento familiar para as
classes menos favorecidas”, “saúde integral das mulheres” (...) Esse
palavreado tenta camuflar um agressivo controle de natalidade
praticado à revelia de nossa voz e contra o nosso corpo através de
distribuição massiva de anticoncepcional e de laqueadura de nossas
trompas (FÓRUM FEMINISTA DE DEBATES, 22/09/2010).
O documento acima citado foi uma das reações às propostas controlistas
debatidas no I Congresso Brasileiro de Proteção Materno-Infantil e Planejamento
Familiar, em setembro de 1983, no qual as feministas afirmaram ter suas intervenções
cerceadas (CORREIO BRAZILIENSE, 28/09/1983). Nesse manifesto elas também
declaravam seu “sim” ao direito ao acesso democrático aos métodos contraceptivos,
preferencialmente os inofensivos à saúde, à assistência das necessidades globais de
saúde da mulher em todas as fases de sua vida, entre outras reivindicações relacionadas
à saúde sexual, psicológica e reprodutiva da mulher (FÓRUM FEMINISTA DE
DEBATES, 22/09/2010).
No primeiro ano de mandato legislativo após as eleições de 1982, vencidas pelo
partido da oposição, foram muitas as ações feministas relacionadas à saúde da mulher e
ao planejamento familiar, assuntos que ganharam destaque particular naquele período,
em que era elaborado o PAISM (FLÔR DE BRIGA, [1983]).
No primeiro semestre, entre outros eventos, foram destacados: protesto pelo
aborto em estouro de clínica clandestina em Copacabana (janeiro); Encontro de Saúde,
Sexualidade, Contracepção e Aborto promovido pela Casa da Mulher/RJ (março);
111
apresentação do projeto de lei da deputada federal Cristina Tavares (PMDB/RJ) que
ampliava as indicações ao abortamento (abril); convocação de feministas cariocas para
debater informalmente com a coordenadora do Programa da Mulher da Secretaria de
Saúde/RJ, Nina Pereira Nunes, a Proposta do Programa de Assistência Integral à Saúde
da Mulher, o qual não foi continuado (junho) (FLÔR DE BRIGA, [1983]).
No segundo semestre destacaram-se: encontro de grupos feministas em Brasília
promovido pelo grupo Brasília Mulher - discutindo-se entre outros temas a situação do
planejamento familiar no país, buscando o início de uma articulação nacional (julho);
mobilização contra estudo da Escola Superior de Guerra propondo estratégia oficial
para o planejamento familiar (setembro); crítica ao I Congresso Brasileiro de Proteção
Materno-Infantil e Planejamento Familiar organizado pela Senadora Eunice Michillis
(PDS) - pró-controle de natalidade (setembro); feministas de São Paulo, Rio de Janeiro
e Brasília se reuniram em Campinas, para se posicionar diante do seminário realizado
pelo Ministério da Saúde na Unicamp para apresentação do Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher (outubro) (FLÔR DE BRIGA, [1983]).
O recrudescimento do processo de abertura do regime autoritário permitiu a
diversificação das demandas das mulheres e a entrada de suas propostas nas esferas
governamentais. A luta contra os programas de controle da natalidade e pelo
reconhecimento das necessidades de saúde específicas das mulheres atravessou a década
de 1980, encontrando eco dentro do ministério da saúde, ainda sob o governo militar.
O PAISM, nova proposta de programa de saúde com oferta de planejamento
familiar, de 1983, continha ideias feministas, mas despertou reações tão diversas quanto
o próprio movimento. Algumas militantes apoiaram, outras duvidaram da possibilidade
de um programa governamental de planejamento familiar sem caráter controlista. O
debate sobre o assunto foi amplo e envolveu diferentes setores da sociedade, em disputa
por espaço político na nova sociedade democrática que nascia na década de 1980.
112
Capítulo 4
O Programa de Assistência Integral à Saúde da
Mulher (PAISM): um exercício democrático
O contexto político nacional de redemocratização favoreceu o crescimento da
influência dos movimentos sociais no campo institucional a partir de fins da década de
1970. O processo de abertura política ganhou novo impulso com a anistia e o retorno ao
pluripartidarismo. A partir de então, abriram-se as portas para a entrada de novos atores
no cenário político do país através da fundação de novos partidos de oposição ao
regime. As eleições de 1982, e a vitória do principal partido da oposição, o MDB,
marcaram a entrada de alguns desses novos atores políticos, como as feministas, nas
instituições do governo.
Para o feminismo institucional, interlocutor do governo, o planejamento familiar
constituiu um alvo tão delicado quanto o aborto. A partir da recusa do controle da
natalidade, disfarçado de planejamento familiar, as feministas começaram, a partir de
1983, a pressionar o Estado para criação de uma política de planejamento familiar
baseada nos direitos de reprodução, opondo-se às ações da Bemfam e de outros
organismos similares (GOLDBERG-SALINAS, dez-jul 1996/1997).
Simultaneamente, no âmbito internacional, houve muitas experiências orientadas
a influenciar as políticas públicas de gênero. Sob a influência da Conferência Mundial
do Ano Internacional da Mulher realizada no México, em 1975, aprovou-se, dois anos
113
depois, na América Latina, um plano que refletiu a influência do movimento de
mulheres sobre os conceitos que ordenariam as políticas públicas. Além de analisar os
vínculos das políticas de desenvolvimento com a igualdade de gênero e a importância
da participação política feminina, o Plano de Ação Regional
63
, aprovado pelos Estados
membros da CEPAL
64
, chamou as mulheres a participar ativamente na realização de
todas as ações de institucionalização propostas, em todos os níveis, utilizando e criando
os meios e mecanismos apropriados (MONTAÑO, PITANGUY, LOBO, junho 2003).
Como vemos, apesar da crise econômica que pairava sob os países latino-
americanos no início da década de 1980, o contexto político era promissor para o
atendimento das demandas dos novos movimentos sociais, que no Brasil, passavam,
naquele momento, a participar também da política institucional brasileira.
Por outro lado, face aos problemas econômicos, o Fundo Monetário
Internacional pressionava o governo brasileiro a implementar medidas emergenciais que
desfavoreciam o financiamento das novas políticas sociais que surgiam nesse contexto.
Além de insistir no discurso da “superpopulação” no Brasil, exigindo uma resposta mais
concreta do Estado brasileiro, como a elaboração de uma política pública de
planejamento familiar.
Dentro desse contexto, o Presidente João Baptista Figueiredo abriu os trabalhos
do ano de 1983 no Parlamento, propondo a discussão mais aprofundada dos problemas
relacionados ao crescimento populacional no Brasil. Ao mesmo tempo, no Ministério da
Saúde, começava a ser elaborada uma nova política de saúde que contemplava o
planejamento familiar. O PAISM, que foi anunciado ao final daquele ano, apontou para
mudanças importantes no campo da saúde pública e das políticas de gênero,
incorporando as reivindicações do movimento sanitarista e do movimento feminista, na
defesa de uma política de planejamento familiar inserida nos cuidados à saúde integral
da mulher.
63
Plano de Ação Regional sobre Integração da Mulher no Desenvolvimento Econômico e Social na
América Latina. O plano descreve o mandato da Unidade Mulher e Desenvolvimento da CEPAL, criada
em 1977 visando a integração da mulher no processo de desenvolvimento econômico e social (arquivo
http://200.130.7.5/spmu/eventos_internacionais/relatorios/5/Texto%20CEPAL.doc
– acessado em 22 de
fevereiro de 2010).
64
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.
114
4.1. Elaboração e lançamento do PAISM
A encomenda direta foi do presidente ao ministro (...) Chegou
colocada num plano político antes que num plano técnico. (...) O
grupo técnico que elaborou o documento do Ministério fez questão
de dar a essa encomenda uma resposta (...) Nossa posição ficou
clara: não se justifica um programa de planejamento familiar,
controle de natalidade ou que seja, mas sim a responsabilidade do
setor saúde em elaborar um programa de assistência à saúde da
mulher (...) tentou se responder com uma colocação técnica e com
um posicionamento político implícito, já que não nos é dada a
participação política de uma maneira mais franca e objetiva.
(GARRIDO, 1983)
Montada a partir de um pronunciamento do presidente Figueiredo sobre as
consequências da superpopulação para o Brasil, no início de 1983, a CPI sobre os
problemas populacionais teve como relator o senador Almir Pinto (PDS/CE), com o
apoio de outros senadores ligados ao Grupo de Parlamentares para Estudos de
População e Desenvolvimento (GPEPD)
65
os quais eram assessorados pela Bemfam.
Foram ouvidos dezoito depoentes, pró e contra políticas de controle da natalidade. Nas
conclusões da CPI, defendeu-se uma política de planejamento familiar de caráter
controlista, alinhada à saúde materno-infantil (ROCHA, fevereiro 1993).
Em entrevista ao Jornal do Brasil, em 23 de outubro de 1983, o senador Almir
Pinto, revela que em seu relatório, a ser entregue no mês seguinte, recomendava a
adoção do planejamento familiar dentro do sistema oficial de saúde, incidindo sobre
todas as necessidades femininas. Justifica sua proposta com base nos direitos da mulher
e nas implicações do rápido crescimento populacional (Jornal do Brasil, 23/10/1983, p.
19).
A posição expressa pelo senador corroborava o discurso do Ministério da Saúde,
que naquele momento se preparava para lançar o PAISM. Durante depoimento na CPI,
a 21 de junho de 1983, o ministro da saúde Waldyr Arcoverde apresentou o programa
de saúde da mulher que estava sendo elaborado pelo governo e que contemplaria a
oferta de serviços de planejamento familiar (ARCOVERDE, fevereiro de 1984).
65
Criado em 1981 a partir de seminário sobre planejamento familiar organizado pela Bemfam na Paraíba.
Sua fundação ocorreu durante o Seminário Brasileiro para Estudos de População e Desenvolvimento em
Gramado. Contava com 37 parlamentares nacionais e estaduais, na maioria ligados ao PDS
(CANESQUI, 1987).
115
Na ocasião, ele afirmou que o Ministério da Saúde vinha tratando o tema do
planejamento da prole sob o viés da saúde do indivíduo, da família e da população, onde
o projeto de regulação da fecundidade era apenas um componente de uma ação mais
ampla do setor saúde ligada aos princípios de equidade e proteção à saúde. Para o
ministro, a redução da fecundidade no Brasil seria resultante de uma estratégia de
sobrevivência realizada através de soluções drásticas do ponto de vista ético e sanitário
(ARCOVERDE, fevereiro de 1984).
Seguindo seu depoimento, Arcoverde faz uma articulação entre o campo da
saúde que define como o conjunto de fatores sociais e naturais que determinam o
estado de saúde de uma população - e o setor saúde definido como o conjunto de
recursos e ações voltadas especificamente para recuperar a saúde e evitar a doença -,
considerando que a saúde estaria vinculada à capacidade de satisfação das necessidades
individuais e do grupo social do indivíduo (ARCOVERDE, fevereiro de 1984).
Depois de apresentar indicadores do setor saúde sobre a população feminina e a
regulação da fecundidade, declarou que o planejamento familiar deveria complementar
as atividades de saúde materno-infantil, garantir a liberdade de opção das famílias, e não
poderia ter caráter coercitivo. Afirmou ainda que as medidas elaboradas estariam em
consonância com os princípios declarados pelo governo brasileiro na Conferência de
População em Bucareste, em 1974. Por fim, apresentou os subsídios a uma ação
programática voltada à assistência integral à saúde da mulher, segundo ele, sem
qualquer pretensão inovadora e de aplicação ampla no sistema básico de saúde
(ARCOVERDE, fevereiro de 1984).
Em artigo de fins da década de 1990, a primeira coordenadora do PAISM, Ana
Maria Costa, afirma que o programa foi pensado para ser:
(...) um conjunto de diretrizes e princípios destinados a orientar toda a
assistência oferecida às mulheres das distintas faixas etárias, etnias ou
classes sociais, nas suas necessidades epidemiologicamente
detectáveis incluindo as demandas específicas do processo
reprodutivo. Compreende, ainda, todo o conjunto de patologias e
situações que envolvam o controle do risco à saúde e ao bem-estar da
população feminina (...) O destaque conferido às ações educativas
objetiva intervir nas relações de poder das mulheres tanto com os
serviços de saúde como nas demais situações relacionais assimétricas
para as mulheres. Esta estratégia tem por intenção estimular nas
mulheres mudanças em relação ao autocuidado e à apropriação de
seus corpos e controle de sua saúde (COSTA, 1999).
116
Segundo entrevista recente de Ana Costa, o PAISM e o movimento da reforma
sanitária teriam contribuído para a complexificação do conceito de integralidade. Em
suas palavras, quando esse conceito foi pensado para as mulheres partia-se da ideia de
integralidade como garantia aos diversos níveis de acesso à saúde: atenção básica, de
média e alta complexidade, o “esquema duro da integralidade”. No entanto, o PAISM
trazia consigo a percepção, disseminada pelas feministas, de que as políticas de saúde
olhavam a mulher exclusivamente dentro da função reprodutiva, ou seja, os serviços
estavam direcionados a oferecer somente parto e puerpério e não para a mulher como
ser integral, possuidor de necessidades físicas, psíquicas e sociais amplas (COSTA,
05/08/2007).
O PAISM teria vindo, então, em socorro dos outros problemas de saúde ao
entender que a mulher tinha outras demandas, como o câncer, por exemplo. De acordo
com Ana Costa, a formulação de políticas e a gestão pública não viam o sexo da
população: Quando ‘a gente’ começou a deslocar o problema das mulheres dos outros
problemas de saúde da população, começou a dar visibilidade às doenças que
acometiam as mulheres. Não tínhamos teoria de gênero ainda, isso era 1979, 80
(COSTA, 05/08/2007).
O conceito de assistência integral à saúde da mulher (AISM) teria se originado,
segundo Maria José Osis (1994), em 1966, a partir da crítica da área biomédica da
Unicamp aos programas verticais de saúde, como os de câncer cérvico-uterino, câncer
de mama, prevenção do alto risco obstétrico, planejamento familiar, estímulo à lactação
e atenção puerperal, programas estes voltados para comunidades-alvo, em especial
aquelas com baixo nível sócio-econômico e cultural.
Osis (1994) afirma que, apesar de conquistarem êxitos significativos, esses
programas verticais falharam no controle mais efetivo da saúde das mulheres por não
serem integrados, ou seja, a mulher era pensada e examinada de forma partida, por
especialistas diversos que pensavam as partes do corpo e da saúde da mulher de acordo
com cada campanha.
O conceito de AISM se insere também na crítica à atenção primária da
população que chegava ao hospital universitário de Campinas sem nenhuma triagem
prévia. Dessa forma foi pensado um projeto de atenção primária (triagem), simplificada
(sem altos custos) e horizontal (visão global e integrada dos problemas de saúde) à
saúde da mulher que chegava aos serviços de ginecologia da universidade. Surgiu desse
117
pensamento o Ambulatório Experimental de Tocoginecologia Preventiva da Unicamp
na década de 1970 (OSIS, 1994).
Todas as mulheres que procuravam o serviço médico na universidade iam para
esse laboratório depois de passarem pela triagem inicial e ali elas passavam por um
check-up ginecológico e mamário com profissionais paramédicos (enfermeiros e
estudantes de medicina) para somente depois serem encaminhadas à especialidade que
vieram procurar e indicadas para verificar suspeitas de problemas tocoginecológicos
(OSIS,1994).
Antes, elas ouviam uma palestra sobre o porquê de serem encaminhadas para o
ambulatório. O objetivo era a detecção e prevenção de doenças que não eram aparentes
e a comprovação de que as mulheres precisavam antes de tudo de um bom atendimento
primário que hierarquizasse seus problemas de saúde, ou seja, tratasse de modo
diferente problemas de gravidade diferente, sem a necessidade de sobrecarregar o
hospital universitário voltado para tratamentos mais complexos com especialistas
(OSIS, 1994).
Essa proposta de assistência primária, simplificada e horizontal logo foi
estendida à saúde da população como um todo. Seria uma forma de manter um contato
mais estreito do paciente com o sistema de saúde, aproveitando cada visita aos
ambulatórios para a prática de ações de prevenção e cuidado (OSIS, 1994).
No início da década de 1980 a evolução desse pensamento levou à definição da
atenção integral como a melhor opção para o cuidado médico voltado para as mulheres.
Atenção integral no sentido da ênfase no olhar do médico para o corpo da mulher como
um todo e não como partes e órgãos isolados tratados por diferentes especialidades,
redirecionando, assim, o olhar do profissional de saúde à paciente, a fim de que ele a
orientasse para outro tratamento ou para hábitos mais saudáveis. Com a atenção integral
à saúde da mulher (AISM) reconhecia-se a mulher como ser integral, biológico e
psicossocial (OSIS, 1994).
O AISM passou a ser divulgado nos trabalhos e intervenções públicas do pessoal
da Unicamp ligado a ele e começou a ser discutido pelo movimento de mulheres que
ganhava cada vez mais espaço e força. A idéia de cuidar do corpo feminino de forma
integral foi ao encontro dos anseios do movimento de mulheres que lutava pelos direitos
da reprodução e da sexualidade. No encontro entre os profissionais do AISM, mulheres
de outras áreas e o movimento de mulheres esse conceito foi ampliado (OSIS,1994).
118
Esses novos grupos defendiam que o conceito de integralidade se referisse não à
integração das partes do corpo da mulher, mas de seu corpo a aspectos não-físicos da
sua vida, com o social, o psicológico e o emocional. Além de questionar a relação
hierárquica médico-paciente e ressaltar a importância da educação sexual e em saúde
para evitar a coerção no controle da fecundidade (OSIS, 1994).
A idéia de integralidade estava inserida entre as reivindicações por melhorias
no atendimento à saúde no Brasil, como parte da crítica às campanhas contra doenças
específicas ou pela saúde de grupos como crianças e es. Junto com esse conceito
estava o conceito da universalidade no atendimento, segundo o qual qualquer pessoa
poderia ser atendida no sistema público de saúde, sem restrições (OSIS, 1994).
Entre 1982 e 1983 iniciaram-se as Ações Integradas de Saúde (AIS), que
estabeleciam convênios entre o Ministério da Previdência e Assistência Social, o
Ministério da Saúde e as Secretarias Estaduais de Saúde. As AISs tinham como
prioridade a assistência médico-hospitalar e farmacêutica, o desenvolvimento do
controle das doenças transmissíveis, a promoção da saúde da mulher e da criança e as
doenças redutíveis por saneamento (OSIS, 1994).
Foi dentro desse contexto da saúde pública que o conceito de AISM foi
incorporado, na primeira metade da cada de 1980, a uma política pública de saúde da
mulher do Ministério da Saúde (OSIS, 1994).
Quando em 1983, o presidente Figueiredo anunciou que queria a criação de uma
política de controle demográfico no país e foi instalada uma CPI, Ana Costa foi
procurada pelo ministro Waldyr Arcoverde para escrever uma proposta de política para
o Ministério da Saúde, segundo seu próprio relato. Depois de concordar com a linha que
deveria ser seguida, a médica fez sua proposta e teve o apoio do ministro Arcoverde. O
PAISM, então, foi apresentado como resposta do Executivo a CPI (COSTA,
05/08/2007).
Segundo Ana Costa, o processo de construção do PAISM foi bem articulado e
negociado. Havia o apoio de um conjunto de acadêmicos do campo da ginecologia-
obstetrícia, eventualmente a turma da Unicamp, que naquela época apoiou
tecnicamente e politicamente de uma forma muito importante. Aníbal Faúndes, José
Aristodemo Pinotti, Oswaldo Grassioto, Ângela Bacha, João Carlos Silva foram pessoas
que estiveram muito próximas em todo o processo de formulação do PAISM, dando
apoio técnico em saúde da mulher (COSTA, 05/08/2007, p.8).
119
A equipe de elaboração do PAISM foi convocada em abril de 1983: Ana Maria
Costa, médica sanitarista do Ministério da Saúde; Maria da Graça Ohana, socióloga da
Divisão Nacional de Saúde Materno-Infantil (DINSAMI), Aníbal Faúndes
66
e Osvaldo
Grassioto, ginecologistas e professores do Departamento de Tocoginecologia da
Faculdades de Ciências Médicas da Unicamp (indicados por José Aristodemo Pinotti,
chefe do mesmo departamento). A coordenação da equipe ficou a cargo de Mozart de
Abreu Lima, secretário geral do Ministério da Saúde, cujas atividades no projeto eram
definir normas programáticas, bases doutrinárias, normas técnicas e procedimentos
médicos do programa (OSIS, 1994).
O trabalho foi acelerado para ser lançado no mês de junho de 1983, pois o
Ministério da Saúde queria sua rápida e eficaz implantação. Após o depoimento do
ministro da saúde na CPI sobre o aumento populacional, o governo realizou um
seminário, em outubro do mesmo ano em Campinas, para tornar pública e discutir a
proposta preparada pelo grupo de trabalho. Seu objetivo era divulgar o programa para os
líderes de diversos setores da sociedade estratégicos para o bom andamento do PAISM,
além da discussão das normas técnicas do programa. Foram organizados grupos de
trabalho, um para cada área abordada no programa (OSIS, 1994).
Segundo o relatório final do encontro, o PAISM não tinha objetivo de controle
populacional e o que estava em discussão no final das contas era a criação de bases para
um programa global de assistência primária à saúde da população. Procurou-se deixar
claro que o PAISM se inseria num projeto de reestruturação da atenção médica no país,
com ênfase no aumento da capacidade do sistema de saúde de responder à crescente
demanda de serviços básicos de saúde, por isso, falou-se na necessidade do conceito de
AISM se inserir num programa mais abrangente de saúde do adulto (OSIS, 1994).
Uma das questões mais discutidas sobre a implantação do programa dizia
respeito à sensibilização dos profissionais de saúde para a nova concepção de saúde da
mulher. Seria necessário um treinamento que incentivasse uma mudança de mentalidade
daqueles profissionais. Sobre a operacionalização do programa, levantou-se a
preocupação com a entrada de uma proposta avançada de assistência à saúde na caótica
rede de serviços públicos do país (OSIS, 1994).
A respeito do planejamento familiar salientou-se a garantia das mulheres à
informação sobre o maior número possível de métodos anticoncepcionais, sem
66
O Dr. Faúndes fora co-autor e coordenador de programa semelhante de saúde da mulher no governo
Allende no Chile (OSIS, 1994).
120
interferência na sua escolha e assegurando sua saúde independente da opção feita. Além
disso, o acesso à contracepção deveria ser acompanhado da oferta de atenção integral à
sua saúde. Ressaltou-se a importância das discussões do referido seminário, contudo,
não houve modificação no documento do programa após sua realização (OSIS, 1994).
Entre as estratégias políticas para implantação do programa estava a definição
dos seus inimigos e aliados. Entre esses últimos encontramos a Igreja Católica e parte
do movimento de mulheres. Estabeleceu-se então um relacionamento direto do
Ministério da Saúde com o movimento de mulheres, com a designação de uma equipe
de doze mulheres ligadas de alguma forma ao movimento feminista para conduzir a
implantação do programa. Uma delas foi Ana Maria Costa, que participou da elaboração
do programa e foi a primeira coordenadora nacional do PAISM. Mulheres importantes
nas áreas de saúde e população também foram consultadas (OSIS, 1994).
Segundo Osvaldo Grassioto, da equipe técnica do programa, em geral, a
recepção do PAISM pelos grupos de mulheres foi positiva. Eles se propuseram,
inclusive, a intervir na formulação e implantação do programa, manifestando apoio à
proposta de atenção integral e de separação entre contracepção e políticas populacionais
(OSIS, 1994). Contudo, como veremos mais adiante, houve muitas reações contrárias ao
programa por parte das feministas, que desconfiavam das boas intenções do governo e
da capacidade de efetivação do programa dentro do fragilizado sistema de saúde
brasileiro.
Com relação à aproximação do Ministério da Saúde com a Igreja, ela se deu
através do secretário-geral da CNBB, D. Luciano Mendes de Almeida. A Igreja
condenava o aborto e o DIU e aceitava o uso de métodos naturais de contracepção.
Buscando sustentar seu espaço de negociação dentro do governo, a Igreja convidou
profissionais do ministério para visitar o trabalho realizado pela Confederação dos
Centros de Planejamento Natural da Família (CENPLAFAM). Em 1986, foi assinado
convênio entre a CENPLAFAM e o Ministério da Saúde para treinamento de
profissionais da rede pública em métodos contraceptivos naturais (OSIS, 1994).
Nas palavras de Ana Costa, D. Luciano Mendes passou noites conversando com
a equipe de elaboração do PAISM. Ele queria que o programa elegesse o método
Bilings, comportamental, como o principal método de planejamento familiar e que a
esterilização, a pílula e o DIU fossem proibidos. Fez-se então um acordo para abrir
espaço no serviço de saúde para o método Bilings. E, de fato, houve o treinamento de
pessoal para disseminar esse método (COSTA, 05/08/2007).
121
A 25 de outubro de 1983, o Jornal do Brasil publicava entrevista com o Ministro
Arcoverde sobre o PAISM, após o anúncio da implantação do programa no
encerramento dos trabalhos de normatização na Universidade de Campinas. No mesmo
artigo, o secretário-geral da CNBB, D. Luciano Mendes de Almeida, ressalta aspectos
positivos e negativos do programa, que segundo ele, respeitava a decisão do casal, mas
não valorizava suficientemente os métodos naturais de contracepção. O discurso da
Igreja Católica ressalta sua preocupação com a garantia dos direitos básicos de saúde e
do respeito tanto aos princípios do programa quanto à consciência religiosa do casal
(JORNAL DO BRASIL, 25/10/1983).
Para neutralizar os “inimigos” (BENFAM, CPAIMC, FEBRASGO
67
, GPEPD,
controlistas das Forças Armadas), o Ministério da Saúde passou a usar de meios legais
para conter as ações das entidades privadas de planejamento familiar, recusando pedidos
de importação de meios contraceptivos, por exemplo, e divulgava o máximo possível as
bases programáticas do PAISM como forma de valorizar o novo programa dentro das
demais instâncias governamentais (OSIS, 1994).
Marcando sua posição política o ministro da saúde, Waldyr Arcoverde, chefiou a
comissão do Brasil na Conferência de População de 1984, deixando clara sua posição de
defesa do planejamento familiar como estratégia de atenção integral à saúde da mulher,
sem fins controlistas. Defendeu também o direito universal à saúde e à cidadania
somente possível mediante uma política efetiva de desenvolvimento social (OSIS,
1994). Abaixo, trechos do discurso de Arcoverde, no México:
No Brasil, não existe, portanto, interferência governamental para o
controle da natalidade que é uma decisão do núcleo familiar (...) O
Senhor Presidente da República vem agora de aprovar diretriz, no
sentido de que, no Brasil, o planejamento familiar deverá ser encarado
como parte integrante do atendimento público à saúde. (...) Na prática,
a atuação do Governo no campo da regulação da fertilidade está sendo
programada no Brasil dentro de uma estratégia de Assistência Integral
à Saúde da Mulher, valorizando seu papel como ser integral e não
definido em sua capacidade reprodutora. A universalização do direito
fundamental do planejamento da prole se vincula estreitamente à
própria universalização do direito à saúde e à cidadania (...)
(ARCOVERDE, agosto de 1984).
Os primeiros documentos oficiais do Programa de Assistência Integral à Saúde
da Mulher traziam consigo as ideias defendidas pelo ministério da saúde durante a
67
Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia.
122
Conferência de População do México, em 1984, as quais também faziam parte do
discurso de parte dos sanitaristas, demógrafos e do movimento de mulheres.
O documento preliminar intitulado “Assistência Integral à Saúde da Mulher
Bases Para Uma Prática Educativa” define como objetivo geral do PAISM a melhoria
dos problemas relacionados à saúde da mulher: falta de acesso às informações e
serviços de saúde, falta de envolvimento da mulher na discussão dos seus problemas, os
quais aumentariam as situações de risco para a saúde da população feminina
(PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA..., outubro de 1983).
Como solução para tais problemas, propõe-se a definição de ações educativas,
como sendo aquelas derivadas do processo de educação em saúde, desenvolvidas por
profissionais deste setor, junto com pessoas da comunidade que visam contribuir para a
melhoria da saúde individual e coletiva (PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA..., outubro
de 1983).
Era necessário, do mesmo modo, a explicitação de conteúdo doutrinário e
filosófico (relação entre o profissional de saúde e a mulher) de tais ações, que no geral
se referiam ao papel da comunidade na promoção da saúde da mulher, à necessidade de
conhecimento das causas dos problemas bio-psico-sociais individuais e coletivos e de
como preveni-los. Referiam-se também à responsabilidade dos profissionais de saúde,
instituições e grupos da comunidade nas atividades do programa (PROGRAMA DE
ASSISTÊNCIA..., outubro de 1983).
Após analisar a situação da mulher perante o seu corpo, o corpo dos familiares
sob seus cuidados e o corpo do médico (autoridade detentora do conhecimento sobre a
intimidade feminina que as próprias mulheres desconhecem), o documento aponta para
a necessidade de se trabalhar com um método diferenciado que permitisse a
reelaboração da relação da mulher com seu corpo e sua intimidade (PROGRAMA DE
ASSISTÊNCIA..., outubro de 1983).
Por outro lado, conclui que a organização dos serviços de saúde pública, apesar
de ainda ser bastante limitada em vários aspectos, confirmava a prioridade no
atendimento à maternidade, cada vez mais medicalizado, porém bem pouco sensível aos
problemas da sexualidade feminina e do seu autoconhecimento e autonomia:
A ênfase na maternidade, por exemplo, significa que a infertilidade
se trata frequentemente com muito mais interesse do que uma
gravidez não desejada ou interrompida pelo aborto. Também este se
trata com mais atenção se for espontâneo do que se for provocado. A
123
equação mulher-mãe significa, na prática dos serviços de saúde, que
é bom para mulheres ficarem grávidas e ter filhos, cuidando deles
depois de nascidos, constituindo-se um desvio, uma anormalidade,
não desejar isto (PAISM, outubro de 1983, p. 8).
Quanto aos métodos anticoncepcionais modernos, o texto chama a atenção para
a contradição que eles passaram a representar na vida das mulheres: ao mesmo tempo
lhes deu maior controle sobre o seu corpo e permitiu que outros, como os médicos e o
Estado, por exemplo, controlassem melhor suas vidas. Faltaria então para as mulheres
maior conhecimento sobre os métodos e, sobretudo, sobre seu próprio corpo para que
houvesse autonomia na escolha pela contracepção. Os médicos não estariam preparados
para seu papel no planejamento familiar não conseguindo orientar os casais da maneira
adequada (PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA..., outubro de 1983).
Avaliando os problemas da relação médico-paciente, o documento busca
diagnosticar os erros mais comuns na assistência à mulher nos serviços de saúde
procurando indicar novas abordagens de atenção à saúde diretamente ligadas com uma
maneira mais humana e menos técnica de tratar a medicina, mais próxima da
subjetividade de médicos e pacientes e atenta às reais necessidades do paciente como
ser humano não somente como entidade biológica portadora de doenças específicas:
A negação da dimensão subjetiva do dico e do doente quando
diante um do outro, a transformação do corpo do doente numa
entidade autônoma chamada doença, as rotinas burocráticas, a
produtividade exigida, talvez permitam visualizar outras formas de
trabalho que redefinem o que se pode fazer. A análise e a discussão
do fracasso dos serviços de saúde poderá indicar um caminho para
recomeçar com as mulheres uma nova abordagem de atenção à saúde
(PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA..., outubro de 1983, p.13).
Ainda segundo o documento em questão, as novas práticas de assistência à saúde
propostas pelo PAISM se inseriam no conjunto de propostas inovadoras de educação
informal e participativa existentes em outras instituições sociais, onde se privilegiava a
mudança na relação paciente-instituição, onde o sujeito da ação era coletivo e o espaço
de expressão sobre o próprio corpo deveria ser garantido (PROGRAMA DE
ASSISTÊNCIA..., outubro de 1983).
Desse modo, procura-se satisfação tanto do paciente como do profissional de
saúde. Para tanto se fazem necessárias atividades programáticas específicas para se
alcançar os objetivos no tratamento das questões da saúde da mulher em especial no
124
tocante à qualificação dos profissionais de saúde para discutir sexualidade nos trabalhos
em grupos dentro das comunidades e com os colegas da área de saúde. O documento
prevê a avaliação do trabalho educativo desde o processo de coleta de informações
sobre a saúde da mulher na comunidade até o andamento dos eventos e consultas
médicas (PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA..., outubro de 1983).
Além de dados estatísticos sobre a saúde da mulher, livros sobre mulher,
medicina e sexualidade escritos por mulheres também constam da bibliografia do
documento do PAISM (PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA..., outubro de 1983). Mas
apesar de conter muito das ideias defendidas pelo movimento de mulheres, e de buscar
abarcar os princípios de saúde pública pelos quais o movimento da reforma sanitária
lutava, o programa não foi recebido passivamente por esses grupos que rapidamente se
manifestaram a respeito de seu conteúdo.
1.2. Reações e críticas ao PAISM
Toda a gênese do PAISM,(...) a forma em que abruptamente decide
“introduzir” o planejamento familiar nas ações de saúde, levaram à
desconfiança. A lamentável assistência à saúde da população em geral é uma
questão que extravasa o PAISM e poucos acreditam que agora é pra valer, e
muito menos para as mulheres, que nunca foram, aliás, objeto de qualquer
preocupação governamental seja no plano do trabalho, da saúde, do direito
civil, etc. (...). Enfim, paira no ar a impressão de que pílulas serão
distribuídas e esterilizações efetuadas, acobertadas por um “pseudo” Plano
de Assistência Integral à Saúde da Mulher (LABRA, novembro de 1983).
.
As reações ao lançamento do PAISM foram muitas e imediatas, principalmente
por parte dos grupos já atuantes nas denúncias contra o controle de natalidade. O Centro
Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES), foi um deles, e ainda em outubro de 1983, a
entidade elaborou um documento para discussão interna sobre o PAISM.
Nesse documento, Maria Eliana Labra levanta os pontos considerados por ela
mais relevantes nos documentos oficiais do Ministério da Saúde sobre PAISM
apresentados no seminário de Campinas em setembro de 1983, ocasião em que o
programa foi debatido pela primeira vez. A autora chama atenção para o caráter
democratizante da nova proposta, que deveria ser analisada para que o programa não se
125
transformasse numa simples distribuição de pílulas e esterilização como faziam a
BENFAM e o CEPAIMC.
O PAISM, tal como visto a este primeiro nível que está sendo
analisado, representa um grande desafio para aqueles elementos
progressistas da sociedade que desejam realmente que as coisas
mudem. Se apoiado e levado adiante, este programa é também uma
grande chance para que a população organizada, especialmente as
mulheres, ocupem aos poucos um espaço até agora a elas interditado e
possam participar da elaboração e implantação de uma série de ões
que lhes trará benefícios, mesmo que inicialmente se restrinja ao pré-
natal, parto, puerpério e acesso a informações e meios para decidirem
sobre a maternidade (LABRA, novembro de 1983).
Percebemos na fala de Labra que apesar de ser recebido com esperança por
alguns setores progressistas da sociedade organizada, o PAISM ainda era visto com
desconfiança, tanto no que dizia respeito a sua concretização plena e satisfatória, quanto
à possibilidade sempre presente de se tratar de uma fachada para a implantação do
controle populacional no Brasil pelo poder público. Continuando sua fala:
Nas páginas iniciais deste texto colocávamos a reação da população à
primeira proposta do Ministério da Saúde (junho/83) e o medo que
despertou nos setores mais conscientes no sentido que o PAISM nada
mais fosse do que um “gancho” para introduzir o controle
compulsório da natalidade no Brasil. Apesar de o Ministério da Saúde
ter superado de longe sua proposta original, verifica-se que o temor a
tal “controle” existe e não poucos protestos têm sido levantados em
diversos locais do país. Acreditamos que deve-se inverter o prisma da
discussão, de forma a chamar a atenção da população, e das mulheres
em especial, para o espaço que por iniciativa governamental a elas se
abre para se conscientizarem de que têm o direito de exigir condições
dignas de assistência a sua saúde, aí incluindo pelo menos atenção
ginecológica e cuidados eficientes e humanos à gravidez, parto e
puerpério. E, por que não, o direito que m de receber informações e
ter acesso a todos os métodos e meios, tanto para as mulheres como
para os homens, quando precisarem evitar ter filhos ou desejarem
exercer livremente sua sexualidade (LABRA, novembro de 1983).
A edição de fevereiro de 1984 da revista Saúde em Debate, do Cebes, foi
inteiramente dedicada ao debate sobre o planejamento familiar e o novo programa do
governo. Além da reprodução na íntegra do depoimento do ministro da saúde Waldyr
Arcoverde na CPI sobre crescimento populacional do Senado, a revista trazia textos
que, no geral, discutiam o tema num tom de desconfiança de que o PAISM se tratava de
um programa de controle da natalidade sob a fachada da assistência à mulher (SAÚDE
EM DEBATE, fevereiro de 1984).
126
Os artigos criticavam, entre outras coisas, o fato do programa não contemplar a
contracepção masculina. Questionavam a real possibilidade de implementação do
projeto diante dos graves problemas do sistema de saúde previdenciário e, sobretudo,
contestavam as teses de explosão demográfica e a necessidade do controle populacional,
argumentando, mais uma vez, que este não seria o melhor caminho para os problemas
sociais do país, e sim o desenvolvimento econômico (SAÚDE EM DEBATE, fevereiro
de 1984).
A reação também foi de desconfiança por parte de muitos grupos feministas.
Vários periódicos feministas publicaram artigos debatendo o conteúdo e o sentido do
PAISM.
Em maio de 1984, o periódico Maria Maria, do Grupo Brasil Mulher de
Salvador, publicou artigo de repúdio ao PAISM, o qual acusava de acobertar o controle
da natalidade por traz da ideia de assistência integral (Maria Maria, maio/junho1984).
Grupos de São Paulo (União de Mulheres de São Paulo) e Goiânia (Eva de Novo)
também elaboraram documentos apontando falhas e contradições do programa.
Entre as críticas do Grupo Feminista Eva de Novo ao PAISM, estavam a
abstração dos conceitos e a superficialidade na abordagem dos temas, que não foram
discutidos abertamente nem suficientemente. O programa foi considerado pelo grupo
uma impostura, uma vez que dizia visar ao atendimento do interesse das mulheres, mas,
no entanto tinha como objetivo velado o controle da natalidade (GRUPO FEMINISTA
EVA DE NOVO, maio de 1984, p.06).
Segundo o documento, ainda que se propusesse inovador do ponto de vista da
abordagem à sexualidade de homens e mulheres o programa trazia consigo a mesma
visão tradicional a respeito dos papéis sexuais masculino e feminino, considerando
homens e mulheres somente enquanto seres sexuados e reprodutores e não em sua
complexidade. O grupo registra que aceita sim o planejamento familiar, mas somente
enquanto instrumento de autonomia feminina e como parte de um plano global de
atendimento à mulher durante todas as fases de sua vida (GRUPO FEMINISTA EVA
DE NOVO, maio de 1984, p.06).
Por outro lado, havia feministas contrárias às reações de repúdio ao PAISM e
que defendiam uma postura crítica, porém aberta ao avanço que o programa
representava para a assistência à saúde da mulher e ao planejamento familiar.
Maria José de Araújo, por exemplo, médica e feminista da Casa da Mulher, de
São Paulo, criticou as feministas que insistiam em recusar os programas de saúde do
127
governo. Em suas palavras, esses programas, ainda que limitados, respondiam a
demandas e praticavam reflexões que as entidades controlistas não faziam. Ela
acreditava ser melhor para o movimento popular tentar participar do processo de
implementação do programa de planejamento familiar do governo do que negá-lo pura e
simplesmente (MULHERIO, jul/ago 1984, p.6-7).
Uma das feministas que atuavam dentro das instituições do governo, Maria José
de Araújo participou da implantação do PAISM em Goiânia organizando grupos de
reflexão compostos por médicos, estudantes de medicina, atendentes de postos de saúde
e mulheres. No artigo ela propunha a criação de comissões de fiscalização dos
programas de planejamento familiar (MULHERIO, jul/ago 1984, p.6-7).
A questão que se destaca nesse debate não era nova entre as feministas. Estava
em jogo uma problemática conhecida do movimento de mulheres desde seu surgimento:
a relação com os partidos de esquerda aliados na luta pelos direitos políticos e sociais,
porém refratários às demandas especificamente feministas e com as instituições
governamentais.
A possibilidade de aproximação do governo vinha sempre acompanhada do
temor quanto à perda da autonomia do movimento. Os partidos de esquerda, por sua
vez, subestimavam as reivindicações feministas, relegando-as ao segundo plano em
favor dos problemas mais “relevantes” da sociedade, como a democratização.
Quanto à relação das feministas com as esquerdas Ruth Cardoso e Tereza
Caldeira (MULHERIO, jul/ago 1982, p.180), em entrevista ao jornal feminista
Mulherio, em 1982, afirmam que as esquerdas não teriam mudado muito desde os anos
de 1960, permanecendo apaixonadas e em sua grande maioria contrárias à intervenção
do Estado quanto ao planejamento familiar e outras questões consideradas de foro
exclusivamente privado (MULHERIO, jul/ago 1982, p.18).
Para as autoras do artigo, as esquerdas não levavam em conta que a sociedade se
transformara e as mulheres se modernizaram, com acesso a meios contraceptivos em
todas as classes e demandas por maior autonomia sobre seu próprio corpo. Além disso,
a sociedade concordava com a importância da paternidade responsável (MULHERIO,
jul/ago 1982, p.18).
Desse modo, segundo Cardoso e Caldeira, as esquerdas acabavam adotando a
postura natalista como uma atitude antiimperialista, sendo que nesse ponto agiam como
os liberais, ao separar público e privado e negar a intervenção do Estado na regulação da
fecundidade, acabando por aceitar a desigualdade entre as mulheres ricas e pobres,
128
embora concordassem com a necessidade de reforço do Estado e de políticas sociais. As
autoras perguntam porque não intervir nas relações desiguais entre homens e mulheres
que oprimem mais as mulheres pobres e porque ainda persistir na mentalidade
conservadora quanto às mulheres e ao padrão tradicional de família (MULHERIO,
jul/ago 1982, p.18).
A fim de corroborar seu ponto de vista, as autoras citam entrevista no Brasil
Mulher, de agosto de 1977, onde o cardeal Aluisio Lorscheider, Dom Eugenio Sales, a
AMERJ, o então secretário de Promoção Social de São Paulo Dr. Mário Altenfelder e o
bispo da Paraíba, D. José Maria Pires concordam que o planejamento familiar é assunto
de foro íntimo do casal. Também citam fala do Dr. Mario Victor de Assis Pacheco no
jornal Movimento de 31/05/1976, em concordância com a opinião de Dom Eugenio
Sales, que afirmara que “o honesto planejamento familiar é da alçada exclusiva dos
cônjuges” (MULHERIO, jul/ago 1982, p.18).
Para a demógrafa Elza Berquó, entrevistada na mesma edição do jornal
Mulherio, teria havido uma mudança na postura dos movimentos de mulheres em
relação ao planejamento familiar, indo da recusa à aceitação da sua necessidade em
novos moldes. Para ela, graças às feministas, os partidos de oposição começaram a dar
importância ao tema. Sobre a possibilidade de uma política de planejamento familiar no
Brasil, a demógrafa diz que cabe a quem trabalha na área dar suporte técnico ao
Ministério da Saúde em parceria com os grupos organizados de mulheres. Para ela, o
planejamento familiar deveria estar dentro de um projeto maior de saúde (MULHERIO,
jul/ago 1982, p.14-16).
Aproximadamente um ano antes do lançamento do PAISM, o posicionamento de
Ruth Cardoso, Tereza Caldeira e Elza Berquó, nomes destacados e atuantes no
movimento feminista acadêmico no Brasil, sobre uma política pública de planejamento
no Brasil nos revela um clima de aceitação e de expectativa, por parte das esquerdas e
do movimento de mulheres, quanto à elaboração de um programa de planejamento
familiar segundo novos parâmetros. Pontuando para a necessidade de participação das
mulheres nesse processo em conjunto com os profissionais de saúde.
Ana Maria Costa (COSTA, 05/08/2007) relata que houve um amplo debate
público sobre o PAISM, logo que ele foi lançado, sofrendo inúmeras críticas. Cita o
grupo feminista Nós Mulheres, que teria aberto um debate, criticando profundamente o
programa. Segundo Ana Costa:
129
(...) tanto é que quando eu fui para Goiânia, eu fui
acusada de Ana Maria Jú, eu fui co-relacionada...Sabe quem
é Ana Maria ? Era a mulher que vinha fazer negociação
pelo FMI, chamava Ana Maria . E um dia a minha casa
apareceu pixada (COSTA, 05/08/2007, p.21).
Em outra situação relatada por Ana Costa, o sanitarista e líder do movimento da
reforma sanitária Sérgio Arouca teria sido convidado para participar de um debate onde
o PAISM seria criticado. Recém-chegado da Nicarágua e sem conhecer o programa,
Arouca teria dito posteriormente para Ana Maria Costa que achou o PAISM uma das
coisas mais corretas dos últimos tempos, tanto que chamou a médica para colocar o
debate dentro da reforma sanitária, dando início a uma discussão sobre o tema na revista
do Cebes. Para Ana Costa, aquele momento era de desconfiança natural da sociedade
quanto ao governo, mas depois, a relação entre o movimento popular e o PAISM foi se
modificando:
(...) o movimento [feminista] se apropriou e contribuiu
muito, especialmente para as metodologias de trabalho com os
profissionais de saúde, no processo de concepção dos conteúdos do
programa e da ação de implantação e tal. veio a fase das famosas
oficinas. As oficinas que nós passamos a construir com os
profissionais, que eram oficinas que lidavam com valores, ideologias
(COSTA, 05/08/2007, p.22).
Por outro lado, Ana Costa destaca que no Rio de Janeiro foi feito um debate com
algumas mulheres dentro do “Partidão” (Partido Comunista Brasileiro - PCB) e dentro
do Inamps, com feministas como a médica Santinha
68
e a enfermeira Zezé
69
, as quais
começaram também a se mobilizar nesse debate. Santinha, que participava ativamente
do movimento feminista, confirma sua participação ainda no processo de elaboração do
PAISM:
(...) como eu sou da área de saúde, me juntei com outras
colegas de outros estados, de Brasília mesmo...Com a Ana, com a
Mazé, etc e tal, fomos até Brasília para conhecer o programa de saúde
da mulher existente no Ministério da Saúde a nível de Brasil. E qual
não foi a nossa surpresa ao chegar e encontrar programa materno-
infantil. Ele existia, não podemos dizer que não existia. Só que ele
nos via como uma mulher que tem uma barriga materno-infantil. (...)
Quando a gente o programa, ele na sua essência era um programa
68
Maria do Espírito Santo Tavares dos Santos, conhecida como Santinha, médica e militante do
movimento feminista, participou de grupo como o Centro da Mulher Brasileira, no Rio de Janeiro.
69
Maria José de Lima, enfermeira, militante do movimento feminista, participou do Centro da Mulher
Brasileira e do Coletivo de Mulheres no Rio de Janeiro.
130
de controle de natalidade, entende? (...) a gente meteu a o
naquilo ali. Meteu a mão e disse, não é isso que nós queremos para
nós, mulheres, certo? Nós queremos um leque de outras questões que
possam ver a mulher como ser integral e começamos a elaborar o
PAISM, que existe até hoje, Programa de Atenção[sic]Integral a Saúde
da Mulher. Que é uma luta nossa na área de saúde, colocar o
programa em prática na sua essência. (...) E a gente elaborou um
programa que depois se transformou numa política (SANTOS,
20/05/2005, p.3).
Santinha se refere, ao fim de sua fala, à Política de Atenção Integral à Saúde da
Mulher, de 2004, uma tentativa do governo brasileiro de resgatar o conceito de
integralidade na saúde da mulher que perdera a força após o processo de
redemocratização, dando lugar a novas concepções de atendimento à mulher (COSTA,
SILVESTRE, 2005).
Comentando sobre sua trajetória no movimento feminista, Santinha enfatiza sua
participação junto com outras mulheres da área da saúde na luta por um programa de
saúde da mulher que não a tratasse somente enquanto genitora, mas como um ser
integral, igual ao homem em direitos, porém com necessidades específicas que
precisavam ser respeitadas em nome do seu processo de libertação física, psicológica e
social.
(...) Eu quero ser um ser igual ao homem na
sociedade e eu quero buscar uma forma de ser isso
podendo ter essa atenção até no serviço de saúde, entende?
Eu quero ser um ser integral. esse nome ficou, um
programa de atenção. Eu não queria assistência. Tem uma
diferença entre assistência e atenção. Eu vou assistir quem
está doente e eu vou dar atenção àquela que me busca, aquela
que me procura. Eu quero dar atenção a esta mulher que
chega aqui em estado de desespero. Querendo a voz de um
médico, de um enfermeiro, de alguém da área de saúde. Aí eu
posso estar procurando não porque eu estou com uma
pneumonia, não porque eu estou grávida, eu posso estar
procurando porque eu não aguento ficar em casa com aquele
homem (...) que me agride mentalmente (...) fisicamente (...)
no meu cotidiano. (...) Eu quero ser um ser igual ao homem na
sociedade e eu quero buscar uma forma de ser isso
podendo ter essa atenção até no serviço de saúde, entende?
Eu quero ser um ser integral. Aí esse nome ficou, Programa
de Atenção Integral a Saúde da Mulher, que hoje é uma
política de atenção integral à saúde da mulher (SANTOS,
20/05/2005, p.3).
131
Como afirmou Ana Maria Costa em trecho anteriormente citado, percebemos na
fala de Santinha o envolvimento de grupos feministas no processo de elaboração dos
conteúdos do programa:
E botamos no papel tudo isso e mandamos para a
mulherada do Brasil inteiro. E a mulherada toda dizia: Não
isso aqui não está legal, melhora para isso aqui, bota isso
aqui, inclui isso aqui e saiu o programa. Que vez por outra
sofre uma modificação para melhor, agora a essência do
programa está ali colocada, entende? (...) Então em função
disso nós começamos, isso foi elaborado, finalizado em
final de 1983 e colocado na praça, assinado oficialmente pelo
governo em início de 84. o programa está de 84 a 2005
na praça (SANTOS, 20/05/2005, p.4).
Ana Reis, médica, membro da equipe de elaboração e posteriormente
coordenadora nacional do PAISM, afirma em entrevista que o governo lançava o
programa em todos os estados e fazia discussões com o pessoal da rede de saúde. Ela
própria fazia contato com os grupos feministas, que, segundo seu relato, não eram
muitos na época. Para Ana Reis, no entanto, o movimento feminista, formalmente, não
fez o PAISM. Segundo ela, algumas das mulheres da equipe de elaboração do programa
tinham uma reflexão feminista individual, mas não participavam de grupos feministas
(REIS, 09/12/2005).
A articulação com os grupos aconteceu posteriormente no processo de
capacitação dos médicos e do pessoal dos serviços nos cursos onde se faziam as
“vivências”, como eram chamadas as práticas educativas para a autonomia das mulheres
sobre seu próprio corpo e o questionamento do poder médico. Nos cursos, discutia-se
sexualidade e contracepção com o objetivo de tirar o enfoque da saúde materno-infantil
e oferecer a abordagem integral sobre as mulheres, separando planejamento familiar de
controle de natalidade. Segundo ela, o que importava, nessa abordagem, era a vontade
das mulheres de regular a fertilidade (REIS, 09/12/2005).
Ana Reis confirma a fala de Ana Costa quando afirma que houve embates com
militantes mais radicais de esquerda que eram contra o programa, acreditando que se
tratava de imposição do FMI. Na sua opinião, o PAISM atendia a demanda das
mulheres por regulação da fecundidade sem ser controlista e estruturando os serviços
para oferecer assistência integral (REIS, 09/12/2005).
132
4.3. O PAISM após 1983
Para o ano seguinte ao lançamento do PAISM, as principais atividades eram
divulgar o programa, selecionar áreas para a implantação, elaborar normas para a
operacionalização, criar os primeiros centros de referência, na Unicamp e no Instituto
Materno-Infantil de Pernambuco – IMIP, no Recife, para treinar pessoal (OSIS, 1994).
A Unicamp negociou o financiamento do PAISM com o FNUAP
70
, através da
OPAS. Também havia recurso do FINSOCIAL e de acordos de cooperação
internacional. As primeiras tentativas de implantação do programa se deram nos estados
que contavam com ações das AIS: Distrito Federal, Piauí, Ceará, Rio Grande do
Norte, Sergipe, Goiás, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas
Gerais (OSIS, 1994).
Experiências-piloto do PAISM foram implantadas em São Paulo e em Goiânia,
em 1984, e as feministas tiveram um papel de sustentação crítica, propondo
modificações no programa, como a incorporação de características pedagógicas criadas
por grupos de mulheres: revistas sobre a sexualidade e a saúde elaboradas pelas
pesquisadoras para suas aulas na periferia; manual e mensagens sobre contracepção,
gravidez, parto e puerpério etc (GOLDBERG-SALINAS, dez-jul 1996/1997).
70
Fundo das Nações Unidas para Assuntos Populacionais (em inglês a sigla é UNFPA)
133
Figura 13
PAISM. Cartilha “A gravidez não acontece só na barriga da gente. Gravidez, parto e pós-
parto”. Ministério da Saúde SNPES/DINSAMI
(Fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ)
134
Figura 14
Cartilha PAISM. Cartilha “A gravidez não acontece só na barriga da gente. Gravidez, parto e
pós-parto”. Ministério da Saúde SNPES/DINSAMI
(Fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ)
135
Figura 15
Cartilha PAISM. Cartilha “A gravidez não acontece só na barriga da gente. Gravidez, parto e
pós-parto”. Ministério da Saúde SNPES/DINSAMI
(Fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ)
136
Figura 16
PAISM. Cartilha “Educação em doenças sexualmente transmissíveis”. Ministério
da Saúde. SNPES – DINSAMI – DNDS. MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E
ASSISTÊNCIA SOCIAL – INAMPS, 1985
(Fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ)
137
Figura 17
PAISM. Cartilha “Vida de Mulher”. Ministério da Saúde/SNPES/DINSAMI/PAISM, 1985
(Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ)
Figura 18
PAISM. Cartilha “Vida de Mulher”. Ministério da Saúde/SNPES/DINSAMI/PAISM, 1985
(Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ).
138
Figura 19
PAISM. Cartilha “Vida de Mulher”. Ministério da Saúde/SNPES/DINSAMI/PAISM, 1985
(Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ)
Figura 20
PAISM. Cartilha “Vida de Mulher”. Ministério da Saúde/SNPES/DINSAMI/PAISM, 1985
(Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ)
139
Em 1985, o novo governo federal instituiu uma Comissão de Estudos sobre os
Direitos de Reprodução Humana, de caráter consultivo, composto por dezessete
membros, assistidos por técnicos do Ministério da Saúde. Entre os membros da
comissão encontravam-se feministas institucionalizadas, como a presidente do Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher, e feministas refratárias à institucionalização do
movimento, pertencentes a grupos que agiam no campo da saúde, da sexualidade, do
corpo feminino e da reprodução (GOLDBERG-SALINAS, dez-jul 1996/1997).
No ano seguinte, o PAISM já estava implantado em Campinas, Sorocaba e
algumas cidades de Minas Gerais e Goiás, contando com atividades de apoio técnico e
financeiro às unidades federadas, elaboração de mais normas técnicas, treinamento de
pesquisa, apoio a tecnologias contraceptivas nacionais, distribuição de contraceptivos
(OSIS, 1994).
O grande evento celebrado pelas feministas foi o fato de a coordenação da
implantação nacional do PAISM, no âmbito do INAMPS, ter sido confiada a uma
médica, Dra. Santinha, uma das militantes feministas históricas do Rio de Janeiro
(GOLDBERG-SALINAS, dez-jul 1996/1997).
Vários jornais do país noticiaram a resolução 123 do INAMPS, de 27 de maio de
1986, que regulamentou o PAISM e incluiu os anticoncepcionais na lista da Central de
Medicamentos (CEME). Ficou firmado, na ocasião, o convênio entre o Inamps, o
Ministério da Saúde e a Cenplafam, centro de planejamento familiar da Igreja Católica.
A partir de então, o programa passava a atender os usuários do sistema previdenciário
de saúde, privilegiando os métodos naturais de contracepção, mas garantindo a
distribuição gratuita de anticoncepcionais, como pílulas, diafragmas e geléias
espermicidas (O GLOBO, 28/05/86).
Nas palavras do ministro da previdência social, Raphael de Almeida Magalhães,
o projeto cumpria acordo com a ONU e com a legislação interna do país e atendia às
reivindicações dos movimentos feministas (O GLOBO, 30/05/86).
A assinatura da resolução foi um grande evento político com a participação de
feministas de vários Estados, do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e
representantes de quase todos os partidos políticos, além de candidatos ao governo do
Estado. Em convênio com a Igreja Católica, o Governo optou pelos métodos naturais de
controle da fertilidade, mas com a possibilidade de opção por métodos artificiais,
140
inclusive o DIU, condenado pela Igreja, mas aprovado pelo Brasil desde 1984 (FOLHA
DE SÃO PAULO, 02/06/86).
A política de Ações Integradas de Saúde da Mulher do INAMPS, como foi
chamada, incluía planejamento familiar, prevenção ao câncer e das doenças
transmissíveis, assistência ambulatorial e atividades educativas. Foi assegurada a
participação de representantes de entidades de mulheres no processo de planejamento,
implantação, acompanhamento e fiscalização desta política. Em artigo em periódico
feminista, Hildete Pereira de Melo chama as mulheres a cumprir esse papel em cada
posto de saúde, sendo “as fiscais da saúde dos nossos corpos” (O SEXO
FINALMENTE..., fev/ago 1986, p.1) (O GLOBO, 30/05/86).
Em outubro de 1986, o CNDM realizou a Conferência Nacional sobre a Saúde e
os Direitos das Mulheres, cujas resoluções apresentavam propostas avançadas tratando
da legislação do aborto. Apesar da vontade de mudança, os anos seguintes mostraram
todo tipo de dificuldades para a execução de projetos (GOLDBERG-SALINAS, dez-jul
1996/1997).
Com vários órgãos privados natalistas atuando livremente no país que
mostravam um rosto renovado e “feminizado” e que dispunham de dinheiro e de meios -
não era fácil para os defensores do PAISM afrontar as alterações de prioridade e de
orçamento segundo as mudanças frequentes dos titulares dos ministérios envolvidos em
sua aplicação. Os resultados concretos mostraram-se fracos (GOLDBERG-SALINAS,
dez-jul 1996/1997).
Os dois primeiros anos de execução do programa foram avaliados por
consultores nacionais e internacionais em cinco estados e quase metade das metas do
programa teve nível baixo ou muito baixo de cumprimento (INFORME MULHER
CNDM, maio 1989).
Sonia Correa (1993) destaca alguns dos principais obstáculos para o sucesso do
PAISM: a falta de comunicação entre as diferentes organizações do Estado e destas com
a sociedade; o tema orçamento nunca foi priorizado; falta de objetivos de longo prazo;
agenda ampla demais de transformação da cultura em detrimento de uma pauta mais
pragmática de negociação. Posteriormente, s problemas se acentuaram, em especial no
que se refere às distorções em assistência à anticoncepção (CORREA, 1993).
Em fins da década de 1980, a discussão sobre saúde integral da mulher evoluiu,
no Brasil e no mundo, para o conceito de “saúde reprodutiva”, adotado pela OMS em
1988 e reafirmado na Conferência de População do Cairo, em 1994 (CORREA,
141
JANUZZI, ALVES, 2003). Enquanto isso, os EUA ainda pressionavam os governos
europeus para aumentarem sua atuação no campo do planejamento familiar no mundo e
o discurso dos controlistas se renovava, incluindo na lista dos prejuízos causados pela
superpopulação, a destruição ambiental (HARTMANN, 1997).
Durante os primeiros anos da década de 1990, a reivindicação por uma política
pública de saúde reprodutiva foi substituída pela Campanha Contra a Esterilização em
Massa de Mulheres (CORREA, 1993).
Entre 1991 e 1992, o problema da regulação da fecundidade foi mais uma vez
objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no legislativo federal. Parlamentares
em parceria com movimentos organizados de mulheres, com destaque para o
movimento de mulheres negras, instauraram a CPI da Esterilização, para avaliar as
questões envolvidas em torno da prática da esterilização tubária, condenada tanto pelo
Código de Ética Médica quanto pela legislação brasileira, que ainda a considerava crime
de lesão corporal.
Os debates em torno do problema culminaram com a aprovação de projeto de lei
(Lei n.9263-12/01/96) de 1996, que regulamentou o artigo 226 da Constituição,
reconhecendo, portanto, o livre exercício do direito reprodutivo dentro de uma visão
de atendimento integral à saúde, proibindo a utilização de ações políticas para qualquer
tipo de controle demográfico. A esterilização seria legalizada, entretanto, em 1997,
após derrubada do veto do presidente a partir de mobilizações e articulações do
movimento de mulheres e do apoio de parlamentares. Enfim, em 2002 o artigo da
Constituição que trata do planejamento familiar foi inserido no Código Civil (Lei
10.460/2002, art. 1.565, parágrafo 2º).
Apesar dos inúmeros problemas que impediram a efetivação do PAISM, sua
imagem continuou bastante forte no ideário dos atores da saúde e do movimento
feminista, que se referem a ele como um marco na área da saúde no Brasil e na
participação dos movimentos sociais na construção de políticas públicas. Tanto que nas
conferências de saúde do início dos anos 2000, delegados reafirmaram a demanda pelo
PAISM como política e em 2004, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de
Atenção Integral à Saúde da Mulher, retomando o conceito de integralidade e buscando
ampliar o acesso ao planejamento familiar no Brasil (COSTA, SILVESTRE, 2004).
Como podemos perceber, neste capitulo, durante o processo de elaboração e
implementação do PAISM houve intensa troca entre o Estado e os setores
anticontrolistas da sociedade, que mesmo tendo diferenças - ou até defendendo
142
interesses aparentemente incompatíveis, como acontece entre Igreja e feministas -,
articularam-se em torno de mais uma proposta de programa de planejamento familiar do
governo federal, que buscou a colaboração desses setores da sociedade civil na
construção de uma política pública de saúde da mulher, como serviços de planejamento
familiar, que incorporava suas principais demandas.
A construção do PAISM, no ano de 1983, pode ser compreendida a partir do
contexto histórico brasileiro daquele momento, caracterizado pela abertura dos canais
políticos tradicionais e por uma ampla mobilização política da sociedade pela
democratização do país após vinte anos de ditadura militar. Naquele cenário, os novos
atores sociais que vinham se destacando no cenário político desde a década de 1970
exerceram influência no Estado, que incorporou suas demandas por políticas sociais.
Entre esses atores, estavam o movimento feminista e o movimento da reforma
sanitária, os quais juntamente com outros setores sociais também comprometidos com
uma sociedade democrática, se articularam, desde a década de 1970, contra as tentativas
de implantação do controle da natalidade como política populacional no Brasil e por
uma proposta de planejamento familiar dentro de serviços básicos de saúde. Na sua
trajetória, eram guiados por novos conceitos, ligados à ideia de uma democracia social,
que incorporasse a todos, sem distinção, porém, com um olhar atento às necessidades
específicas das mulheres.
143
Considerações Finais
Neste trabalho procuramos demonstrar como a articulação entre as ideias e as
experiências de diferentes atores sociais vinculados ao movimento sanitário, ao
movimento feminista e ao Estado desempenharam papel relevante no desenho de uma
política pública de saúde da mulher, o Programa de Assistência Integral à Saúde da
Mulher (PAISM), lançado em outubro de 1983, pelo Ministério da Saúde.
A partir da análise de fontes primárias, vimos que as concepções e práticas
educativas sobre o corpo e a saúde da mulher do movimento feminista, em articulação
com os conceitos de saúde pública defendidos pelo movimento da reforma sanitária,
influenciaram na elaboração do PAISM, que marcou a transição do conceito de saúde
materno-infantil para o conceito de saúde integral da mulher, trazendo com uma de suas
ações inovadoras a oferta de serviços de planejamento familiar, não como uma política
populacional, mas social.
A polêmica envolvendo os temas do controle de natalidade e do planejamento
familiar no Brasil mobilizou diversos personagens que se manifestaram dentro de um
variado conjunto de ideias e propostas, entre as décadas de 1960 e 1980. O debate, que
foi ganhando diferentes contornos ao longo desse período, inicialmente se polarizou
entre duas posturas. A primeira, que chamamos de “controlista” ou neomalthusiana,
alardeava os perigos da “explosão demográfica” no Brasil, que precisava ser contida
com medidas de controle de natalidade como forma de combate à pobreza. A outra
144
vertente, crítica à anterior, defendia que não havia “superpopulação” no país e que
somente o desenvolvimento econômico social seria capaz de controlar as taxas de
fecundidade e acabar com a pobreza.
Essa polarização ideológica aponta para os reflexos no Brasil do conflito
ideológico internacional da Guerra Fria e para o embate nacional sobre o modelo
político-econômico do país naquele momento. De um lado, o grupo controlista era
representado por setores conservadores da sociedade, ligados ao capital nacional e
internacional. Médicos, economistas, militares da Escola Superior de Guerra, políticos,
e entidades privadas nacionais apoiadas por instituições e agências estrangeiras de
financiamento compunham esse grupo.
No lado oposto, setores progressistas, de oposição ao regime militar, e ligados
aos partidos de esquerda, aos movimentos sociais e à Igreja Católica, denunciavam o
caráter elitista das teses neomalthusianas e das ações de controle da natalidade, voltadas,
sobretudo, para as populações pobres. Demógrafos, médicos ligados ao movimento da
reforma sanitária, membros do clero e feministas faziam parte desse arranjo
heterogêneo, que aqui chamamos de “anticontrolistas”.
Mais do que uma discussão sobre problemas demográficos e econômicos,
tratava-se de um embate político amplo e acirrado que envolvia também questões de
saúde e temas relacionados ao papel da mulher na sociedade. Os debates aconteciam na
imprensa, nos congressos médicos, em universidades, nos espaços políticos organizados
pelos movimentos sociais e também no Estado, tanto no Poder Executivo quanto no
Legislativo.
Quanto ao Estado brasileiro, desde a década de 1960, este assumia oficialmente
uma posição natalista, ao mesmo tempo em que se mostrava conivente com as entidades
privadas de planejamento familiar no Brasil e com a livre propaganda e venda de
contraceptivos. Na primeira metade da década de 1970, no entanto, sinalizava para a
possibilidade de atendimento à demanda por contracepção dentro dos programas
materno-infantis do governo. Na Conferência Mundial de População de Bucareste, em
1974, por exemplo, enquanto continuava se alinhando às teses natalistas defendidas
pelos países do Terceiro Mundo, afirmava o dever do Estado em oferecer serviços de
planejamento familiar como direito do casal.
Mesmo sem uma política populacional, a taxa de fecundidade da população
brasileira - que entre 1940 e 1965 cresceu significativamente -, sofreu quedas sucessivas
nas décadas de 1960, 1970 e 1980, entre todas as camadas da sociedade. Resultado das
145
profundas mudanças estruturais pelas quais o país passava, relacionadas ao aumento da
urbanização, à redução da força de trabalho na agricultura, ao crescimento do trabalho
feminino, entre outros fatores.
A partir de meados da década de 1970, o contexto de crise do milagre
econômico, conjugado com o processo de distenção política e o fortalecimento da
oposição ao regime e dos movimentos sociais urbanos, mudaram os rumos do debate no
Brasil. Enquanto as entidades privadas se ampliavam e o Estado elaborava medidas
concretas de assistência à contracepção, os setores anticontrolistas da sociedade se
articulavam e se mobilizavam em torno de uma proposta alternativa de saúde pública,
que atendesse às necessidades básicas da população e às demandas específicas das
mulheres, incluindo o planejamento familiar.
Buscamos demonstrar que apesar de inúmeras divergências dentro dos grupos e
das desconfianças quanto aos interesses presentes nas instituições políticas, a atuação
cada vez mais expressiva das feministas e do movimento sanitarista, inclusive dentro
dos partidos políticos e do governo, durante o processo de redemocratização,
possibilitou a configuração de uma política pública alternativa de planejamento familiar
no Brasil, a primeira implantada a vel nacional, o Programa de Atenção Integral à
Saúde da Mulher (PAISM), em 1983.
O ideal da consolidação de uma sociedade democrática, naquele momento,
tornou possível um consenso entre diferentes setores da oposição ao regime militar e ao
neomalthusianismo, apesar da sua diversidade ideológica, na elaboração do PAISM, que
no seu desenho original procurava incorporar entre as demandas básicas de saúde da
população, aquelas que diziam respeito especificamente às mulheres, entre elas a
contracepção.
A partir desse momento institucionaliza-se um novo formato de política pública
de saúde da mulher, que apesar das dificuldades que enfrentou nos anos seguintes em
seu processo de implementação, tornou-se referência para futuras políticas adotadas
neste campo, como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, de 2004,
do governo federal.
146
Referências bibliográficas e Fontes
ALMEIDA, Celia M. de.; OLIVEIRA, Carlos R. O despertar da Phoenix? Algumas
notas sobre a instituição Ministério da Saúde no período 1974-1978. Rio de Janeiro,
1979 (mimeo).
ALVAREZ, Sonia E. Politizando as relações de gênero e engendrando a democracia. In
STEPAN, Alfred (Org.) Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
ALVES, Branca M.; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo? Ed. Brasiliense,
1984, 4ª edição (1ª edição 1981).
ALVES, José Eustáquio Diniz. As Políticas Populacionais e os Direitos Reprodutivos:
“O Choque de Civilizações versus Progressos Civilizatórios”. In: CAETANO, Andre J.,
ALVES, Jose. E. D., CORRÊA, Sonia. (Org.). Dez anos do Cairo: tendências da
fecundidade e direitos reprodutivos no Brasil. 1 ed. Campinas: ABEP/UNFPA, 2004, v.
1, p. 21-47.
ALVES, José Eustáquio Diniz; CORREA, Sonia. Democracia e ideologia: trajetos
históricos e os desafios do Cairo + 10. Revista Brasileira de Estudos de População.
Campinas, v.20, n.2, p.129-156, jul./dez. 2003.
ASSUNÇÃO, Vânia Noeli Ferreira de. O Satânico Dr. Go: Golbery e um projeto de
Desenvolvimento e Dependência para o Brasil. Revista Espaço Acadêmico, nº 70,
março de 2007, ano IV.
AVILA, Maria Betânia e CORRÊA, Sonia. O movimento de saúde e direitos
reprodutivos no Brasil: revisitando percursos, 2002.
(www.geocitieis.com/catolicas/articulos/dersex/omovim.htm).
147
AVRITZER, Leonardo. Um novo paradigma para os movimentos sociais no Brasil.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.12, n.35, São Paulo, fev. 1997.
BARROSO, Carmen. Esterilização no Brasil. Brasília, Comissão de Estudos de Direitos
da Reprodução, MS, 1988 (mimeo) apud VIEIRA, Elisabeth Meloni. Políticas Públicas
e contracepção no Brasil. In Elza Berquó (org). Sexo & Vida. Panorama da Saúde
Reprodutiva no Brasil. Editora Unicamp: São Paulo, 2003.
BARSTED, Leila Linhares. Em Busca do Tempo Perdido. Mulher e políticas públicas
no Brasil 1983-1993. Estudos Feministas, ano 2, 2º semestre de 1994, pp.38-54.
BERQUÓ, Elza, ROCHA, Maria Isabel Baltar da. A Abep no contexto político e no
desenvolvimento da demografia nas décadas de 1960 e 1970. Rev. bras. estud. popul.
vol.22, no.2, São Paulo, Jul/Dez. 2005.
BERQUÓ, Elza. A evolução demográfica da população brasileira durante o século XX.
(www.ifch.unicamp.br/posselecao2008Texto_berquo.pdf)
BERQUÓ, Elza. Sobre a política de planejamento familiar no Brasil. Revista Brasileira
de Estudos de População, Abep, Campinas, v.4, n.1, 1987.
BHERING, Marcos Jungmann. Superpopulação, planejamento familiar e agências
internacionais no Brasil a partir da década de 1960. Rio de Janeiro, outubro de 2009
(mimeo).
BODSTEIN, Regina Cele de Andrade (coord). História e saúde pública: a política de
controle do câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, 1987.
209 p.
CANESQUI, Ana Maria. Assistência Médica e à Saúde e Reprodução Humana.
Campinas, NEPO-UNICAMP, 1987 (textos NEPO 13).
CAPONI, Sandra. Apresentação. Saúde da Mulher: um desafio em construção. In
COELHO, Elza Berger Salema, CALVO, Maria Cristina Marino, COELHO, Clair
Castilhos (orgs). Saúde da Mulher: um desafio em construção, Florianópolis, Editora da
UFSC, 2006.
COELHO, Clair Castilhos. Breve história da mulher e seu corpo. In COELHO, Elza
Berger Salema, CALVO, Maria Cristina Marino, COELHO, Clair Castilhos (orgs).
Saúde da Mulher: um desafio em construção, Florianópolis, Editora da UFSC, 2006.
CORREA, Sonia; JANUZZI, Paulo de Martino; ALVES, José Eustáquio Diniz. Direitos
e Saúde Sexual e Reprodutiva: marco teórico-conceitual e sistema de indicadores. Rio
de Janeiro, setembro de 2003.
CORREA, Sonia. PAISM: uma história sem fim. Revista Brasileira de Estudos
Populacionais. Campinas, 10 (1/2), 1993.
148
COSTA, Ana Maria. Atenção Integral à Saúde das Mulheres: QUO VADIS? Uma
avaliação da integralidade na atenção à saúde das mulheres no Brasil. Brasília, UnB,
2004. Tese de doutorado.
COSTA, Ana Maria e SILVESTRE, Rosa Maria. Uma reflexão sobre poder, mulher e
saúde: dilemas para a saúde reprodutiva. In VENTURI, RECAMÀN et ali (orgs). A
mulher brasileira nos espaços público e privado. São Paulo: Ed. Fundação Perseu
Abramo, 2004.
COSTA, Ana Maria; BAHIA, Ligia; CONTE, Danielle. A saúde da mulher e o SUS:
laços e diversidades no processo de formulação, implantação e avaliação das políticas
de saúde para mulheres no Brasil. Saúde em Debate, 2004.
COSTA, Ana Maria. Planejamento Familiar no Brasil. Bioética, Brasília, v. 4, n. 2, p.
209-217, 2000. (http://www.portalmedico.org.br/revista/bio2v4/planeja.html)
COSTA, Ana Maria. Desenvolvimento e implantação do PAISM no Brasil. In GIFFIN,
Karen e COSTA, Sarah H. (orgs). Questões da Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro, Ed.
Fiocruz, 1999.
COSTA, Nilson do Rosário da. Transição e Movimentos Sociais. Contribuição ao
debate da Reforma Sanitária. Cadernos de Saúde Pública. RJ, 2 (4), 207-225, abril/jun
1988.
CRUZ, Sebastião C. Velasco e.; MARTINS, Carlos Estevam. De Castello a Figueiredo:
uma incursão na pré-história da “abertura”. In SORJ, B., ALMEIDA, M. H. T. de.
Sociedade e Política no Brasil Pós-64. Brasiliense, 1983.
DINIZ, Eli; BOSCHI, Renato. A consolidação democrática no Brasil: atores políticos,
processos sociais e intermediação de interesses. In. DINIZ, E., BOSCHI, R., LESSA, R.
Modernização e consolidação democrática no Brasil: dilemas da Nova República (parte
I). Série Grande Brasil: veredas, v. 11, São Paulo: Vértice, 1989.
DOIMO, Ana Maria, A vez e a voz do popular: movimentos sociais e participação
política no Brasil pós-70. Anpocs/Relume Dumará, Rio de Janeiro, 1995.
DRAIBE, Sonia Maria. “As políticas sociais do regime militar brasileiro: 1964-84”. In
SOARES, G. A. D., D’ARAÚJO, M. C. (org). 21 Anos de Regime Militar. Balanços e
Perspectivas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1994.
ERGAS, Yasmine. “O sujeito mulher. O feminismo dos anos 1960-1980”. In DUBY,
Georges e PERROT, Michelle. História das Mulheres no Ocidente, São Paulo, Ebradil,
1996.
ESCOREL, Sarah; NASCIMENTO, Dilene Raimundo; EDLER, Flavio Coelho. As
origens da Reforma Sanitária. In. LIMA, N.T.; GERSCHMAN, S.; SUÁREZ, J.M.
Saúde e Democracia: história e perspectivas do SUS. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2005.
149
ESCOREL, Sarah. Reviravolta na Saúde. Origem e articulação do movimento sanitário.
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1998.
ESTEVES, Flavia C.; MESQUITA, Cecília C. “Duas trajetórias: a memória do
movimento feminista no Rio de Janeiro (anos 1970 e 1980)”, Revista Cantareira (UFF,
online), n. 7, fev. 2005.
FONSECA SOBRINHO, Delcio da. Estado e população: uma história do planejamento
familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos: FNUAP, 1993.
FARAH, Marta F. S. Gênero e políticas públicas. Estudos Feministas, Florianópolis, 12
(1): 360, janeiro-abril/2004.
FREIRE, Maria Martha de Luna. ‘Ser mãe é uma ciência’: mulheres, médicos e a
construção da maternidade científica na década de 1920. História, Ciências, Saúde
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, supl., p. 153-171, jun. 2008.
GOLDBERG, Anette. Feminismo e Autoritarismo: a metamorfose de uma utopia de
liberação em ideologia liberalizante. Tese de Mestrado UFRJ, Rio de Janeiro, 1987
(mimeo).
GOLDBERG-SALINAS, Anette. Feminismo contemporâneo no Brasil: estratégias das
mulheres nos movimentos e interesse dos homens no poder. Revista Sociedade e
Estado, volume 12, nº2, dez.-jul., 1996/1997.
GOMES, Ângela de Castro. História, historiografia e cultura política no Brasil: algumas
reflexões. In R. Soihet, M. F. B. Bicalho e M. F. S Gouvêa (orgs.). Culturas políticas:
ensaios de história cultural, história política e ensino de história. Rio de Janeiro:
Mauad, 2005.
GROSSI, Mirian Pillar. Feministas históricas e novas feministas no Brasil. Revista
Sociedade e Estado. V.XII, nº 2, jul-dez 1997, p. 285-307.
HALL, Peter e TAYLOR, Rosemary C. R. As três versões do neo-institucionalismo.
Lua Nova, nº 58, 2003.
HARTMANN, Betsy. “Population control: birth of an ideology”. International Journal
of Health Services, 1997a, 27 (3), p.523-540.
HARTMANN, Betsy. “Population control II: the population establishment today”.
International Journal of Health Services, 1997b, 27 (3), p.541-557.
HOBSBAWN, Eric J. Era dos Extremos. O breve século XX (1914-1991). São Paulo,
Companhia das Letras, 1995.
IVO, Anete Brito Leal. A Reconversão do Social: dilemas da redistribuição no
tratamento focalizado. São Paulo em Perspectiva, 18(2): 57-67, 2004.
150
KUCINSKI, Bernardo. A síndrome da antena parabólica. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 1998. Apud. STRELOW, Aline do Amaral Garcia. Jornalismo Alternativo no
Rio Grande do Sul (mimeo).
MCLAREN, Angus. História da contracepção. Da antiguidade à atualidade. Edição
original: Basil Blackwell, 1990. 1ª edição portuguesa: Terramar, 1990.
MARQUES, Eduardo C. Notas Críticas à Literatura sobre Estado, Políticas Estatais e
Atores Políticos. In BIB, Rio de Janeiro, n. 43, 1º semestre de 1997.
MARTINS, Ana Paula Vosne. Visões do Feminino: a medicina da mulher nos séculos
XIX e XX. Editora FIOCRUZ, 2004.
MAZZEO, Antonio Carlos. Sinfonia Inacabada: a política dos comunistas no Brasil.
São Paulo: Boitempo, 1999.
MENDEZ, Natalia Pietra. Discursos e práticas do movimento feminista em Porto
Alegre (1975-1982). Dissertação de Mestrado em História, UFRS, Porto Alegre,
fevereiro de 2004.
MIGUEL, Sonia Malheiros. Feminismo: um olhar para dentro - o movimento feminista
no Rio de Janeiro: becos e saídas. In. Mulheres, da domesticidade à cidadania. Estudos
sobre movimentos sociais e democratização. Brasília: CNDM/ANPOCS, 1987.
MONTANÕ, Sonia, PITANGUY, Jacqueline, LOBO, Thereza. As políticas públicas de
gênero: um modelo para armar. O caso do Brasil. Nações Unidas, CEPAL/ECLAC.
Santiago do Chile, junho de 2003.
NETTO, José Paulo. Em busca da contemporaneidade perdida: a esquerda brasileira
pós-64. MOTA, C. G. (Org). Viagem Incompleta. A experiência brasileira (1500-2000):
a grande transação. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2000.
OSIS, Maria José Martins Duarte. Atenção Integral à Saúde da Mulher, o conceito e o
programa: história de uma intervenção. Unicamp, 1994. Dissertação de Mestrado.
PEDRO, Joana Maria. “Narrativas fundadoras do feminismo”. Revista Brasileira de
História. São Paulo, 2006, v.26, n. 52, p.249-272.
PEDRO, Joana Maria. A experiência com contraceptivos no Brasil: uma questão de
geração. Revista Brasileira de História. São Paulo, 2003, v. 23, nº 45.
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2003.
PITANGUY, Jaqueline. O Movimento Nacional e Internacional de Saúde e Direitos
Reprodutivos. In (Org) GIFFIN, Karen. Questões da Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro:
Ed. Fiocruz, 1999.
151
ROCHA, Carlos Vasconcelos. Neointitucionalismo como modelo de análise para as
Políticas Públicas. Algumas observações. Civitas, Porto Alegre, v.5, n.1, jan.-jun. 2005,
p. 11-28.
ROCHA, Maria Isabel Baltar. O Parlamento e a Questão Demográfica: um estudo do
debate sobre controle da natalidade e planejamento familiar no Congresso Nacional.
Campinas: Unicamp, Núcleo de Estudos de População, 1993 (Textos Nepo, 25).
ROCHA, Maria Isabel Baltar. O Parlamento e a Questão Demográfica: um estudo do
debate sobre controle da natalidade e planejamento familiar no Congresso Nacional. In
Ana Maria Canesqui. Assistência Médica e à Saúde e Reprodução Humana. Campinas,
NEPO-UNICAMP, 1987, pp. 165-268 (textos NEPO 13).
ROHDEN, Fabíola. A Arte de Enganar a Natureza: contracepção, aborto e infanticídio
no início do século XX. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2003.
ROHDEN, Fabíola. Uma Ciência da Diferença: sexo e gênero na medicina da mulher.
Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001.
SARTI, Cynthia. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória.
Estudos Feministas, Florianópolis, 12 (2): 264, maio/agosto 2004.
SARTI, Cynthia. O início do feminismo sob a ditadura no Brasil: o que ficou escondido.
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 1998.
SCLIAR, Moacyr. História do Conceito de Saúde. PHYSIS: Rev. Saúde Coletiva, Rio de
Janeiro, 17 (1): 29-41, 2007.
SCOTT, Joan. “Gênero: uma categoria útil para análise histórica”. Recife, SOS Corpo,
1991.
SILVA, Francisco Carlos T. Crise da ditadura militar e processo de abertura política no
Brasil (1974-1985). In FERREIRA, J. & DELGADO, L. A N. O tempo da ditadura:
regime militar e movimentos sociais no século XX. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2003.
SILVA, Maria Veleda da. Inovações nas Políticas Populacionais: o planejamento
familiar no Brasil. Agosto 2000.
SOIHET, Rachel. Preconceitos nas charges de O Pasquim: mulheres e a luta pelo
controle do corpo. Revista Espaço Acadêmico, nº 84, maio de 2008.
SOIHET, Rachel. Introdução. M. Abreu e R. Soihet (orgs.). Ensino de História:
conceitos, temáticas e metodologia. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
SOUZA JUNIOR, Aujôr de. A política demográfica da Igreja Católica e a
medicalização da contracepção (1960-1980). UFSC, Florianópolis, 2006. Dissertação de
mestrado.
152
VIEIRA, Elisabeth Meloni. Políticas Públicas e contracepção no Brasil. In Elza Berquó
(org). Sexo & Vida. Panorama da Saúde Reprodutiva no Brasil. Editora Unicamp: São
Paulo, 2003.
VIEIRA, Evaldo. Brasil: do golpe de 1964 à redemocratização. MOTA, C. G. (Org).
Viagem Incompleta. A experiência brasileira (1500-2000): a grande transação. São
Paulo: Editora Senac São Paulo, 2000.
VILLELA, Wilza. Saúde Integral, Reprodutiva e Sexual da Mulher. Redefinindo o
objeto de trabalho a partir do conceito de gênero e da Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento. In: ARAÚJO, M. J.O.; SOUZA, M. J.; VERARDO, M.
T.; FRANCISQUETTI, P. P; MORAIS, R. R.; BONCIANI, R. D. F.; DINIZ, S. G.;
VILLELA, W. Saúde das mulheres: experiência e prática do coletivo feminista
sexualidade e saúde. São Paulo, Coletivo Feminista Sexualidade Saúde, 2000. p.23-32.
VOSNE, Ana Paula. Visões do Feminino. A medicina da mulher nos séculos XIX e
XX. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2004.
FONTES
ALVES, Branca Moreira. Recuperando o nosso saber. In. Mulheres em Movimento.
Projeto Mulher - Instituto de Ação Cultural. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero, [1981]
(série Publicações, fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
ARCOVERDE, Waldyr Mendes. Depoimento do Ministro de Estado da Saude na CPI
que investiga problemas vinculados ao aumento populacional brasileiro. Saúde em
Debate, 15/16, fevereiro de 1984 (Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz).
ARCOVERDE, Waldyr M. Discurso do ministro da saúde na Conferência de População
do México. Saúde, 7 de agosto [1984]. (fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo
Nacional – RJ).
ASSISTÊNCIA INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER. BASES PARA UMA
PRÁTICA EDUCATIVA. DOCUMENTO PRELIMINAR. INAM/MS. Brasília,
outubro de 1983 (Fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional - RJ).
BERQUÓ, Elza. “O direito de nascer”, entrevista a Bruno Fuser. Folhetim, São Paulo,
23 de maio de 1980, nº 166, p.3 (fundo Leonor Nunes Paiva, Arquivo Nacional – RJ).
BOLETIM CMB, outubro de 1977, ano 2, n.4 (Série Periódicos, fundo Comba Marques
Porto, Arquivo Nacional - RJ).
BOLETIM CMB, jun-jul 1979 (série Periódicos, fundo Comba Marques Porto, Arquivo
Nacional - RJ).
BOLETIM CMB, dezembro 1980 (fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional
RJ).
153
BOLETIM CMB, outubro de 1981 (série Periódicos, fundo Comba Marques Porto,
Arquivo Nacional - RJ).
BRASIL MULHER. “Pílulas, ora pílulas”. Ano 1, n.1, dezembro de 1975. p. 6-7 (série
Periódicos, fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
BRASIL MULHER. “Continuamos nascendo”. Ano 1, n. 4, 1976. p. 6 (série Periódicos,
fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
BRASIL MULHER. “Pílulas: o risco que correm 80 mil mulheres”. Ano 3, n.8, agosto
1977 (Banco de Dados da profª Rachel Soihet, gentilmente cedido).
BRASIL MULHER. “Nosso Corpo – parte 1”. Ano 4, n. 13, junho de 1978, p.14
(Caderno Periódicos Alternativos, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro).
BRASIL MULHER. “Nosso Corpo parte 2”. Ano 4, n. 14, junho de 1978 (Caderno
Periódicos Alternativos, Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro).
BRASIL MULHER. “Nosso Corpo parte 4. Diafragma”. Ano 4, 16, set 1979, p.11
(fundo Leonor Nunes Paiva, Arquivo Nacional – RJ).
CARTA AOS MINISTROS da saúde e da previdência, [1980] (série Correspondência,
fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
CASA DA MULHER. “Nosso Corpo Nos Pertence”. Encontro de Mulheres sobre
Saúde, Contracepção, Sexualidade e Aborto (folder), Rio de Janeiro, 4-6 de março de
1983. (fundo Leonor Nunes Paiva, Arquivo Nacional – RJ).
CEBES RJ. “Política de Saúde Materno-Infantil (PSMI) resumo. Mesa-redonda
sobre o Programa de Prevenção da Gravidez de Alto Risco”, 4/10/77 (série Eventos,
fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
CENTRO DE CULTURA OPERÁRIA de São Paulo. Cartilha “A Mulher e o Sexo”,
s.d.
CÍRCULO DE MULHERES BRASILEIRAS EM PARIS. Brochura educativa do grupo
Agora É Que São Elas., [1975] (Fundo Leonor Nunes Paiva – Arquivo Nacional, RJ)
CNBB. “A posição da Igreja na Política Demográfica Brasileira”. Conferência proferida
pelo Pe. David Regan, assessor da CNBB para a Pastoral da Família por ocasião do
Simpósio da Comissão de Saúde do Senado Federal entre 3 e 5 de outubro de 1979
(Série Planejamento Familiar, Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
COLETIVO DE MULHERES. “Quando Seremos Nós A Decidir?”. Cartilha da
Comissão Contracepção e Aborto, RJ (Fundo Comba Marques Porto - Arquivo
Nacional, RJ).
COMISSÃO DE PLANEJAMENTO FAMILIAR E CONTROLE DA NATALIDADE
das entidades feministas de São Paulo. “Controle da Natalidade e Planejamento Familiar
154
– Não à proposta oficial, ambígua e indefinida”. São Paulo, 1980 (mimeo) (fundo
Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ).
COORDENAÇÃO FEMINISTA pela Contracepção-Aborto. “Quando Seremos Nós a
Decidir?” Rio de Janeiro, 18/03/80 (fundo Leonor Nunes Paiva, Arquivo Nacional -
RJ).
CORREIO BRAZILIENSE, “Fluminenses repudiam controle da família”, Brasília,
22/09/1983 (fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ).
COSTA, Ana Maria. Entrevista concedida a Concedida a Marcos Chor Maio e Simone
Monteiro para o projeto “A Construção do Campo da Saúde da População Negra: idéias,
atores e instituições”, 05/08/2007.
COSTA E SILVA mensagem do presidente do Brasil - 1067/Revista SEDOC 8
Fevereiro 1969/1068, apud SOUZA JUNIOR, Aujôr de. A política demográfica da
Igreja Católica e a medicalização da contracepção (1960-1980). UFSC, Florianópolis,
2006. Dissertação de mestrado.
DOSSIÊ CMB, março de 1979 (Série Entidades Feministas, fundo Comba Marques
Porto, Arquivo Nacional - RJ).
FLÔR DE BRIGA. Órgão Informativo do Gabinete da Deputada Lucia Arruda, ALERJ,
Rio de Janeiro, [1983] (série Periódicos, fundo Comba Marques Porto, Arquivo
Nacional – RJ).
FÓRUM FEMINISTA DE DEBATES, “Nosso SIM, nosso NÃO. Um posicionamento
feminista sobre saúde, sexualidade e aborto”, São Paulo, 22/09/2010 (fundo Hildete
Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ).
GARRIDO, Neide. Depoimento. In Políticas Públicas e a Condição Feminina.
Fundação Carlos Chagas: São Paulo, 13 de julho de 1983. p.17, 18 (fundo Hildete
Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ).
GRUPO AGORA É QUE SÃO ELAS. Brochura sobre contracepção, parto, aborto.
Coletivos de Mulheres Brasileiras em Paris, [1975] (fundo Leonor Nunes Paiva,
Arquivo Nacional – RJ).
GRUPO FEMINISTA EVA DE NOVO. Programa de Assistência Integral à Saúde da
Mulher (PAISM). O que pensamos dele. Goiânia, maio de 1984 (fundo Hildete Pereira
de Melo, Arquivo Nacional – RJ).
GRUPO MULHER E SAÚDE. “Mãe, Filha, Mulher: estudo sobre a saúde e a
sexualidade feminina”. Centro da Mulher Brasileira, Rio de Janeiro, [1982]. (série
Cartilhas, fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ).
IDAC PROJETO MULHER. As mulheres e a saúde. Aprender para viver melhor.
Projeto Paraty. Rio de Janeiro, dezembro de 1983 (série Publicações, fundo Comba
Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ).
155
INFORME MULHER - CNDM, Brasília, maio de 1989 (série Periódicos, fundo Comba
Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ).
JORNAL DO BRASIL, “CEAMI e Feminismo”, Rio de Janeiro, 17/06/1982 (fundo
Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ).
JORNAL DO BRASIL. “Senador quer acesso das mulheres pobres a todos os métodos
contra a gravidez”. 23/10/1983, p.19 (Biblioteca Nacional, RJ)
JORNAL DO BRASIL. “Arcoverde anuncia que em 84 mulher terá programa de
assistência à saúde”, 25/10/1983, p.4 (Biblioteca Nacional, RJ).
LABRA, Maria Eliana. O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher do
Ministério da Saúde. Comentários para discussão interna. CEBES-RJ, Rio de Janeiro,
novembro de 1983.
LIMA, Maria José de. “O Corpo visão feminista”. Coletivo de Mulheres do Rio de
Janeiro, 1981 (mimeo) (fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ).
MANIFESTO SOBRE PLANEJAMENTO FAMILIAR E ABORTO NO BRASIL. O
Sexo Finalmente Explícito, Rio de Janeiro, 00, junho de 1983 (Série Periódicos,
fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
MARIA BRASILEIRA. Órgão oficial do Centro de Desenvolvimento da Mulher
Brasileira CDMB setor São Paulo. Ano I, nº1, março/1979 (Série Periódicos, fundo
Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
MARIA MARIA Grupo Brasil Mulher de Salvador.“Legalização do DIU: sonho ou
pesadelo”. Salvador, maio/junho1984.
MARIA MARIA Grupo Brasil Mulher de Salvador. “Planejamento familiar: a quem
cabe a decisão?” Salvador, maio/junho de 1984.
MELO, Carlos Gentile de. “Planejamento Familiar”. Simpósio sobre Problemas
Demográficos Brasileiros da Comissão de Saúde do Senado Federal. Brasília, outubro
de 1979 (Série Planejamento Familiar, Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional
- RJ).
MELO, Hildete Pereira de. O feminismo e o planejamento familiar, s/d (mimeo) (fundo
Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional – RJ).
MELO, Hildete Pereira de. Entrevista concedida à Rachel Soihet e Flavia Cópio Esteves
para o projeto “Zombaria como arma antifeminista: Rio de Janeiro (fins da década de
1960 aos anos 1980)”. Niterói, 03/01/2005. (Gentilmente cedida pela profª Rachel
Soihet).
MULHERIO. “Contracepção: o drama nosso de cada dia”. São Paulo, ano 4, 17, jul-
ago 1984. p. 6-7.
156
MULHERIO. “Esquerda repete velhos chavões”. São Paulo, ano 2, nº 7, jul-ago 1982, p.
18.
MULHERIO. Entrevista com Elza Berquó. “Repensando nossas propostas”. São Paulo,
ano 2, nº 7, jul-ago 1982, p.14-16.
O GLOBO, “Centro da Mulher critica anteprojeto de Aluisio Chaves”, [1979] (série
Recortes de jornais, fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ).
O GLOBO. “Planejamento familiar do Inamps dará ênfase à proteção da mulher”. Rio
de Janeiro, 28/5/86 (Série Periódicos, fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional -
RJ).
O GLOBO. “Raphael enfatiza proteção á saúde da mulher no planejamento familiar”.
Rio de Janeiro, 30/5/86 (Série Periódicos, fundo Comba Marques Porto, Arquivo
Nacional - RJ).
O SEXO FINALMENTE EXPLÍCITO. Editorial. Rio de Janeiro, 00, junho de 1983
(Série Periódicos, fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
O SEXO FINALMENTE EXPLÍCITO. Hildete Pereira de Melo. “Afinal o Governo
ensaia uma política reprodutiva”. Rio de Janeiro, ano IV, 09, fevereiro a agosto de
1986 (Série Periódicos, fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
OLIVEIRA, Rosiska Darcy de. Grupo Maria Sem Vergonha. In. Mulheres em
Movimento. Projeto Mulher - Instituto de Ação Cultural. Rio de Janeiro: Ed. Marco
Zero, [1981] (série Publicações, fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
PACHECO, Mario Victor de Assis. “Controle de Natalidade”. Simpósio sobre
Problemas Demográficos Brasileiros, Brasília, 4 de outubro de 1979 (Série
Planejamento Familiar, Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
PACHECO, Mario Victor de Assis. “Planejando a família com João e Maria”. Saúde em
Debate, Rio de Janeiro, 5, out/nov/dez 1977 (Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz,
FIOCRUZ, RJ).
PAISM. Cartilha “Vida de Mulher”. Ministério da Saúde/SNPES/DINSAMI/PAISM,
1985 (Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional – RJ).
PAISM. Cartilha “Educação em doenças sexualmente transmissíveis”. Ministério da
Saúde. SNPES DINSAMI DNDS. MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA E
ASSISTÊNCIA SOCIAL INAMPS, 1985 (Fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo
Nacional – RJ)
PAISM. Cartilha “A gravidez não acontece na barriga da gente. Gravidez, parto e
pós-parto”. Ministério da Saúde SNPES/DINSAMI (Fundo Hildete Pereira de Melo,
Arquivo Nacional – RJ)
PÔMPEO DO AMARAL, F. “Explosão demográfica. A impostura e suas implicações”.
Comunicação enviada à Academia Nacional de Medicina em 1969. Rio de Janeiro,
157
Saúde em Debate, 5, out/nov/dez 1977 (Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz,
FIOCRUZ, RJ).
PROJETO DE LEI de Heloneida Studart na ALERJ, de 17 de março de 1981 (Série
Legislação, Fundo Comba Marques Porto, Arquivo Nacional - RJ).
QUINTEIROS, Maria da Conceição. “A Arte de Dourar a Pílula”, entrevista a Sandra
Nasrllah. Folhetim, São Paulo, 23 de maio de 1980, 166, p.13 (fundo Leonor Nunes
Paiva, Arquivo Nacional – RJ).
REIS, Ana Regina. Entrevista concedida a Joana Maria Pedro, Salvador, 09/12/2005
(www.portalfeminista.ufsc.br).
SANTOS, Maria do Espírito Santo Tavares dos. Entrevista concedida à Rachel Soihet,
Érika Ferreira, Flávia Esteves e Nataraj Trinta para o projeto Zombaria como arma
antifeminista: Rio de Janeiro (fins da década de 1960 aos anos 1980)”. Niterói,
20/05/2005. (Gentilmente cedida pela profª Rachel Soihet).
SAÚDE EM DEBATE, nº4, jul/ago/set. 1977 (Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz,
FIOCRUZ, RJ).
SAÚDE EM DEBATE, nº 5, out/nov/dez 1977 (Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz,
FIOCRUZ, RJ).
SILVA, Telma Camargo da. “Nosso Corpo nos Pertence. Manifesto sobre planejamento
familiar e aborto no Brasil”. O Popular. Goiânia, 15 de abril de 1983 (fundo Leonor
Nunes Paiva, Arquivo Nacional – RJ).
SINDICATO DOS MÉDICOS DE SÃO PAULO. “Planejamento Familiar ou Controle
da Natalidade?”. São Paulo, [1980] (fundo Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional,
RJ).
SOS CORPO. Corpo de Mulher. Livreto educativo. Recife, 1981. Contracapa (fundo
Hildete Pereira de Melo, Arquivo Nacional, RJ).
SOS CORPO. “Como evitar filhos?” s.d. (Fundo Hildete Pereira de Melo)
SUCUPIRA, Ana Cecilia L., SANTOS, Maria Mercês dos, BEDIN, Nelson. (Comissão
científica CEBES-SP). Natalidade: planejamento. Prevenção? Controle! A política de
controle da natalidade análise crítica do Programa de Prevenção da Gravidez de Alto
Risco”. Saúde em Debate, nº 5, out/nov/dez 1977 (Biblioteca da Casa de Oswaldo Cruz,
FIOCRUZ, RJ).
UNIÃO DAS MULHERES DE SÃO PAULO. Controle da Natalidade: “Intervenção
Imperialista” (brochura). Agosto de 1983. (fundo Leonor Nunes Paiva, Arquivo
Nacional – RJ).
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo