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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA
MESTRADO
Gênero, Erotismo e Poder: Comparando Identidades
Femininas em Atenas (Séculos VI-IV a.C.)
Edson Moreira Guimarães Neto
Orientador:
Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa
Rio de Janeiro
2010
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ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA COMPARADA
MESTRADO
Gênero, Erotismo e Poder: Comparando Identidades Femininas em Atenas
(Séculos VI-IV a.C.)
Edson Moreira Guimarães Neto
Dissertação apresentada à Coordenação do Programa de Pós-
Graduação em História Comparada (PPGHC) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como requisito para a
obtenção do título de Mestre em História Comparada.
Rio de Janeiro
2010
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iii
Gênero, Erotismo e Poder: Comparando Identidades Femininas em Atenas
(Séculos VI-IV a.C.)
Edson Moreira Guimarães Neto
Dissertação aprovada por:
1º professor Dr. Fábio de Souza Lessa________________________
(orientador)
2º professor Dra. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva_________
3º professor Dr. Alexandre Carneiro Cerqueira Lima_____________
iv
A História não nasceu como Athená, surgindo da cabeça de seu
pai completa e totalmente armada para sempre. [...] A
História nunca para de anexar histórias de épocas vividas; ela
tem que empilhar culos e milênios, e precisa de outras visões
históricas de mundos passados. [...] Se as sociedades e mesmo
as culturas são mortais, nossa morte está preparando uma
História da qual não temos qualquer noção.
(BRULÉ, 2003, p.223).
FICHA CATALOGRÁFICA
GUIMARÃES NETO, Edson Moreira
Gênero, Erotismo e Poder: Comparando Identidades Femininas em Atenas
(Séculos VI-IV a.C.) / Edson Moreira Guimarães Neto. Rio de Janeiro: UFRJ/
PPGHC, 2010.
140 p.
Dissertação (Mestrado em História Comparada) Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de História, Programa de Pós-Graduação História Comparada.
Orientador: Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa.
I - 1. História Antiga. 2. Gênero. 3. Identidade. 4. Dissertação (Mestrado UFRJ/
PPGHC). II - Lessa, Fábio de Souza (orient.). III Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Instituto de História. Programa de Pós Graduação em História Comparada. IV
- Título.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço, em primeiro lugar, a Deus, à minha mãe Maria Penha e meus avôs
maternos Djalma e Gisélia, pelo apoio e incentivo constantes.
Agradeço ao Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa, meu orientador, pelas contribuições no
decorrer da pesquisa, a philía, a paciência e a minha formação e amadurecimento como
pesquisador ao longo dos anos.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES),
agradeço pelo apoio de quase dois anos, que serviu como estímulo e reconhecimento pelo
nosso esforço em pesquisar.
Ao Prof. Dr. Alexandre Carneiro Cerqueira Lima, agradeço pela constante
solicitude e pelas diversas contribuições e sugestões que têm feito à minha pesquisa desde a
época da graduação.
À Prof. Dra. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva, agradeço pelos inúmeros
debates acerca das teorias dos estudos de gênero dentro e fora de sala de aula, assim como
pela grande paciência ao ler meu projeto de pesquisa em inúmeras ocasiões, oferecendo,
desta forma, importantes contribuições que possibilitaram o desenvolvimento e
aprofundamento teórico da mesma.
Da mesma forma, agradeço à Prof. Dra. Marta Mega de Andrade, pelos debates e
desacordos na disciplina do PPGHC por ela ministrada (Seminário da Linha de Pesquisa
História Comparada das Diferenças Sociais: História e Diferenças em Perspectiva
Comparada), estimulando a constante reflexão dos aspectos teóricos da pesquisa.
vii
Aos colegas do PPGHC, pois o contato com diferentes visões, perspectivas e
objetos de estudo estimulou a formulação de novos questionamentos e hipóteses em nossa
pesquisa pesquisa, assim como o aprofundamento daqueles já existentes.
Não poderia deixar de agradecer à equipe do Laboratório de História Antiga da
UFRJ, professores e alunos, pelo espaço para o constante diálogo que tem propiciado nosso
amadurecimento profissional.
viii
RESUMO
Esta dissertação representa um esforço no sentido de analisar as práticas femininas
de poder na Atenas dos Períodos Tardo-Arcaico e Clássico (séculos VI ao IV a.C.),
comparando as construções identitárias das atenienses e das hetaírai, assim como a
dinâmica relacional desses grupos com os cidadãos componentes da aristocracia ateniense.
Para tanto, mostraremos de maneira sistematizada e criteriosa a aplicação do método sobre
a documentação e, sobretudo, os resultados deste processo, que, como veremos, em
diversas ocasiões aparecem em formas distintas àquelas tradicionalmente defendidas pelos
estudiosos que abordam as temáticas dos universos femininos.
Nossa pesquisa tem ainda o objetivo de estudar como as construções de diferentes
identidades femininas influenciaram nas relações de poder entre as atenienses, as hetaírai e
os cidadãos atenienses, comparando o grau de participatividade de cada um desses grupos
femininos na vida social e política da lis.
ix
ABSTRACT
This dissertation represents an effort to examine the practices of female power in
late archaic and classical Athens (sixth to fourth centuries BC), comparing the identity
constructions of the Athenian women and hetaírai as well as the relational dynamics of
these groups with citizen members of the Athenian aristocracy. To this end, we will show,
in a systematic and judicious way, the application of the method on the documentation and
especially the results of this process, which, as we shall see, appear constantly in different
forms to those traditionally espoused by scholars that address the issues of women's worlds.
Our research also aims to study how different constructions of female identities
influence the power relations between the Athenian women, the hetaírai, and the Athenian
citizens, comparing the degree of participation of each of these groups of women in the
social and political life of the polis.
SUMÁRIO
Páginas
Índice de Figuras _______________________________________________________ xi
Introdução ____________________________________________________________ 13
Capítulo 1 A Iconografia Ática e os Paradigmas de Análise da Historiografia
Contemporânea _________________________________________________________ 31
1.1. Teorizando Beazley __________________________________________________ 33
1.2. Analisando, Tipificando, Desconstruindo __________________________________ 35
Capítulo 2 Educação, Prazer e Poder ______________________________________ 63
2.1. As Origens da Prostituição no Período Clássico ____________________________64
2.2. Educadas Para Seduzir ________________________________________________67
2.3. A Esfera de Atuação - Os Banquetes Privados dos Homens ___________________74
2.4. Relações de Interação: Corpo, Discurso e Poder ____________________________85
Capítulo 3 Relações de Grupo de Jogos de Poderes __________________________ 94
Conclusão ___________________________________________________________ 117
Referências Bibliográficas ______________________________________________121
Abreviações __________________________________________________________135
Anexos ______________________________________________________________136
xi
ÍNDICE DE FIGURAS
Páginas
Figura 1 _______________________________________________________________ 37
Figura 2 _______________________________________________________________ 39
Figura 3 _______________________________________________________________ 41
Figura 4 _______________________________________________________________ 43
Figura 5 _______________________________________________________________ 44
Figura 6 _______________________________________________________________ 48
Figura 7 _______________________________________________________________ 49
Figura 8 _______________________________________________________________ 50
Figura 9 _______________________________________________________________ 53
Figura 10 ______________________________________________________________ 54
Figura 11 ______________________________________________________________ 55
Figura 12 ______________________________________________________________ 58
Figura 13 ______________________________________________________________ 59
Figura 14 ______________________________________________________________ 70
Figura 15 ______________________________________________________________ 71
Figura 16 ______________________________________________________________ 78
Figura 17 ______________________________________________________________ 79
Figura 18 ______________________________________________________________ 82
Figura 19 ______________________________________________________________ 83
Figura 20 ______________________________________________________________ 84
Figura 21 ______________________________________________________________ 86
Figura 22 ______________________________________________________________ 87
Figura 23 ______________________________________________________________ 88
Figura 24 ______________________________________________________________ 90
Figura 25 ______________________________________________________________ 91
Figura 26 ______________________________________________________________ 95
xii
Figura 27 ______________________________________________________________ 97
Figura 28 _____________________________________________________________ 103
Figura 29 _____________________________________________________________ 107
Figura 30 _____________________________________________________________ 110
13
INTRODUÇÃO
Propomos como objeto de estudo desta dissertação a análise das práticas
femininas de poder na Atenas dos Períodos Tardo-Arcaico e Clássico (séculos VI ao IV
a.C.)
, época de maior concentração na produção intelectual do mundo helênico e que,
portanto, nos proporciona uma maior quantidade de documentos provenientes daquela
cultura. Para tanto, analisaremos os cotidianos dos grupos femininos que consideramos
serem mais destacados pela documentação proveniente da sociedade ateniense tardo-
arcaica e clássica: as atenienses
1
e as hetaírai (cortesãs de luxo). Procuraremos observar
em que nível estes grupos estavam inseridos política e socialmente na dialética cultural-
ideológica políade, nos utilizando dos documentos provenientes da literatura e da
cultura material áticas, além dos conceitos que relacionam corpo e cultura elaborados
por José Carlos Rodrigues, as relações de poder (sobretudo a partir de Michel Foucault)
e os pressupostos da História de Gênero. Nossa pesquisa se desenvolverá, pautada nas
propostas de Jürgen Kocka para o estudo comparativo (2003).
As relações entre os gêneros e as próprias mulheres demoraram a se consolidar
como campos de estudo. Contudo, nos dias de hoje, após quatro décadas, temos uma
historiografia bastante sólida acerca do cotidiano das esposas atenienses, assim como
diversos trabalhos sobre o mundo dos prazeres
2
em Atenas, contudo desconhecemos
obras que trabalhem esses dois contextos num aspecto relacional. Mesmo nos trabalhos
Todas as datas referentes à Antiguidade neste trabalho correspondem ao período antes de Cristo.
1
Adotaremos em nossa pesquisa o critério de nomearmos como mulheres atenienses as esposas legítimas
e as filhas dos cidadãos atenienses.
2
Cabe observar que essa historiografia do mundo dos prazeres não exclusividade ao universo das
prostitutas, mas também oferece bastante espaço às relações homoeróticas.
14
mais recentes acerca do feminino é como se as atenienses e as cortesãs vivessem em um
espaço/tempo distintos.
3
Na tradição dos estudos históricos que adotam o cotidiano feminino como
temática, percebemos, de modo geral, duas correntes interpretativas: de um lado,
autores que tratam as cortesãs como mulheres livres, educadas e cultas, mais amadas
pelos homens do que as esposas legítimas
4
, limitando-se a reproduzir alguns dos casos
de prostitutas que alcançaram grande fama e fortuna, mencionados nos textos antigos; e,
por outro lado, autores que compõem uma corrente mais recente, que ganhou força nas
últimas décadas do século XX, que busca denunciar, sob forte influência do movimento
feminista, a exploração e dominação masculina sobre tais mulheres
5
.
O primeiro grupo, representado por autores como Paul Brandt
6
, F. A. Wright,
Chevalier de Roton
7
e Jacobs, fomentou uma visão idealizada de que as cortesãs gregas
eram mulheres de educação refinada que participavam dos assuntos de interesse
masculino como o universo político e controlavam suas próprias vidas (JACOBS,
1923; HALPERIN, 1990, p.11; KEULS, 1993, p.153-4; LICHT, 1933). As hetaírai
estavam, de certa forma, posicionadas como paradigma da emancipação feminina, em
contraste com a vida inóspita e reclusa das esposas legítimas dos cidadãos atenienses.
A partir da década de setenta do século passado, começam a surgir estudos com
motivações impregnadas pelos ideais do movimento feminista, questionando o papel
3
De fato, em seu recente trabalho The Femiine Matrix of Sex and Gender in Classical Athens (2009),
Kate Gilhuly lança o conceito de matriz feminina, onde o feminino em Atenas não seria construído
unicamente em oposição ao masculino, mas a partir de um tripé relacional (a prostituta, a esposa e a
sacerdotisa), que regularia as fronteiras e os limites dos grupos femininos (p.2-10). Embora a autora
admita que as fronteiras e os limites de atuação de cada grupo são inconstantes, ela acredita que os
espaços de atuação jamais se confundem, uma vez que ao expandirem-se as fronteiras de umas retrairiam-
se as de outras.
4
Que seriam menos interessantes que as hetaírai, por serem menos instruídas e terem como única função
valorizada garantir a continuidade da pólis por meio da maternidade.
5
Tanto as esposas quanto as profissionais do prazer.
6
Sob o pseudônimo de Hans Licht.
7
Sob o pseudônimo de Gabriel Notor.
15
idealizado das hetaírai na sociedade helênica. A visão das cortesãs em um mundo de
luxo e glamour, permeado de banquetes, cultura e de discussões políticas é questionada.
Os autores começam a identifi-las como exploradas e desfavorecidas em uma
sociedade patriarcal que as reservaria a condição de meros objetos. Segundo François
Lissarrague, as cortesãs eram simplesmente acessórios, que contribuiriam para o bom
andamento do sympósion (LISSARAGUE, 1993, p.257).
A ideia de que a maior possibilidade de circulação pelo espaço público (em
oposição ao privado), a educação e o treinamento intelectual pudessem atrair mais
homens do que os dons de uma esposa, nos direciona para um certo anacronismo.
Afinal, esses são valores que parecem distantes da realidade ática. Além disso, muitos
estudiosos acabaram por classificar as mulheres gregas a partir daquilo que achavam
atraente. Por outro lado, relegar o papel das hetaírai a um mero instrumento para o
desenvolvimento dos sympósia, como faz Lissarrague, acaba por anular o papel das
mulheres em tal evento da sociedade ateniense, negando as interações entre masculino,
feminino e os diferentes grupos sociais. Em nossa pesquisa com a iconografia dos vasos
áticos, não acreditamos que a presença de mulheres nos banquetes seja meramente
decorativa, assim como consideramos que as cortesãs não são senhoras absolutas das
representações eróticas do feminino, o que, portanto, revela uma maior permeabilidade
nas práticas sociais do cotidiano em relação a um discurso de lugares marcados e
imutáveis
8
.
8
Os vasos decorados com cenas de mulheres desnudas em sympósia ocupam uma quantidade
significativa dos exemplares da cerâmica grega que chegaram até os nossos dias. Contudo, esses artefatos
da cultura material grega, devido a sua temática, ficaram de fora dos objetos de estudo que cabiam na
sobriedade da pesquisa acadêmica. As cenas de conteúdo erótico são recentes nas análises de estudiosos,
mas constituem um ramo fértil de pesquisas que vêm produzindo uma grande quantidade de obras,
apesar de terem sido bastante evitadas ou publicadas com ilustrações censuradas (SUTTON Jr., 1992,
p.7).
16
Não desejamos reproduzir argumentos como os de Catherine Salles em Nos
Submundos da Antigüidade, denunciando a exploração e dominação masculina,
observando a prostituição como uma função degradante, nem concordamos com a
posição de Lissarrague, mas propomos uma observação das imagens de uma forma mais
relacional, acreditando que nos encontros dos sympósia estabelecia-se uma relação de
interpenetração entre os universos masculino (de uma elite ateniense) e feminino (neste
caso, das hetaírai e das mulheres atenienses) (LISSARRAGUE, 1993, p.257; SALLES,
1982, p.24). Acreditamos ainda que as hetaírai exerciam uma função importante nos
banquetes, não como meras servas
9
destinadas a garantir o prazer dos homens, mas
como elementos constituintes desse evento e da vida social, da mesma forma que as
esposas legítimas exerciam papéis importantes e ativos, que vão muito além do de mães
da pólis.
Entendemos que a sociedade dos atenienses não se caracterizava por uma
demarcação tão gida de espaços e campos de atuação e comunicação como aquela que
o discurso tentava enfatizar (ou talvez aconselhar). Acreditamos que as práticas
cotidianas da pólis estavam impregnadas pelas relações de gênero e poder, e que esses
estavam entre as molas mestras das relações sociais inter e intra-grupais estabelecidas
naquela dinâmica.
Consideramos que a categoria gênero é dotada de historicidade, portanto,
específica e particular a cada sociedade. Desta forma, em nossa pesquisa, utilizaremos
tal elemento creditando-o o valor de construção inerente à cultura ateniense, através da
qual foram definidos os papéis, identidades e orientações daquela sociedade.
Se as atenienses e as cortesãs mantinham contatos constantes e diretos com os
detentores do poder (os cidadãos atenienses), somos levados a dois pressupostos: 1)
9
Empregamos o termo sem estabelecer nenhuma relação com o conceito medieval de servidão.
17
Ambos os grupos tinham algum tipo de participação ou relação com o poder exercido
em Atenas; 2) Pode-se considerar certo que esses grupos tivessem alguma relação
mesmo que indireta, e bastante provável que estabelecessem contatos diretamente
mesmo.
Por tudo isso, admitindo certa permeabilidade e permissividade nos espaços de
atuação e na conduta diária das cortesãs e das atenienses, se faz necessário um estudo
comparado entre tais grupos, acreditando que com isso aparecerão similitudes e
diferenças que nos possibilitarão desvelar como e quando os diferentes universos
femininos
10
se entrelaçavam e em que forma e grau tomavam parte nas dinâmicas de
poderes da Atenas Clássica.
Desta forma, nossa pesquisa tem como proposta analisar os cotidianos de
mulheres atenienses e hetaíriai partindo do pressuposto de que elas conviviam dentro da
mesma dinâmica espaço-temporal, portanto a aplicação do método comparativo não se
torna evidente tão somente por meio da documentação, mas através da análise
comparativa entre os contextos de vida de cada grupo e dos elementos de convergência
e divergência entre eles na vida cotidiana da pólis.
Retomando o que dissemos anteriormente, em relação aos estudos sobre o
universo feminino no mundo helênico, pelo menos duas correntes historiográficas
marcadamente distintas: A primeira, surgida nas últimas décadas do século XIX, e
influenciada pelos paradigmas rankeanos, tais como a valorização de documentos
oficiais e a composição do Estado como um todo, tendeu a classificar as hetaírai como
mulheres livres e cultas numa Atenas opulenta e proeminente, em oposição às esposas
reclusas e pouco instruídas, que teriam como única função serem mães dos futuros
10
Utilizamos aqui, universos femininos no plural de acordo com os preceitos da categoria gênero que
pressupõe pluralidades no masculino e no feminino.
18
cidadãos; posteriormente, a partir da década de setenta do século XX, no bojo do
movimento feminista, começaram a surgir trabalhos realmente voltados para o universo
das mulheres em diversas sociedades, inclusive na Antigüidade.
Por ter uma abordagem muito generalizante da sociedade políade e não se ater à
diversidade dos grupos que a compunham, a corrente do século XIX não tem muito a
acrescentar no debate sobre os aspectos sócio-culturais, e, por conseguinte, do feminino
no mundo antigo. Portanto, construiremos aqui uma breve revisão historiográfica a
partir dos trabalhos que surgiram em meio aos debates acerca do advento da História
das Mulheres na década de 1970
11
até os dias atuais com a posterior criação da
categoria gênero e o aperfeiçoamento dos métodos de análise documental.
Obras pioneiras como Diosas, Rameras, Esposas y Esclavas: Mujeres en la
Antigüedad Clásica de Sarah Pomeroy e La Mujer en la Grecia Clásica de Claude
Mossé foram importantes por inaugurar estudos mais profundos sobre as mulheres na
Antigüidade, mas deixaram essas mulheres isoladas dos homens, e divididas em grupos
que não se relacionavam entre si (MOSSÉ, 1990; POMEROY, 1999)
12
. Cabe ressaltar o
valor dessas autoras como desbravadoras de um terreno pouco explorado: Pomeroy
desenvolve seu trabalho a partir da construção dos diferentes tipos femeninos (a esposa,
a prostituta, a deusa, a escrava); Mossé se centra na figura da esposa legítima, embora
trate de outros grupos de mulheres, para construir o que foi o feminino na Grécia
Antiga. de se ressaltar que, ao trabalhar de acordo com as perspectivas da História
das Mulheres, ambas as obras deixam de lado os aspectos relacionais entre os grupos e
11
A emergência da História das Mulheres deu-se em meio ao ambiente em que ocorreu a Revolução
Cultural de maio de 1968 e a explosão do movimento feminista, mas também teve colaboração decisiva
de importantes transformações que vinham ocorrendo na historiografia naquela década. A crise dos
paradigmas tradicionais e as contribuições da História Social bem como da História das Mentalidades,
articulando-se ao crescimento da Antropologia, foram decisivas nesse processo, possibilitando que se
questionassem as universalidades e permitindo a descoberta do outro, da alteridade, dos excluídos, dentre
os quais as mulheres, alçadas a condição de sujeito e objeto da História (MATOS, 2006, p.10-1;
SOIHET, 2006, p.1).
12
Essas obras foram originalmente publicadas em 1973 (POMEROY) e 1983 (MOSSÉ).
19
se atêm exclusivamente a trabalhar as características e os cotidianos dos diferentes
grupos de mulheres na cultura helênica de maneira isolada.
Um equívoco recorrente nessa historiografia feminista da Antiguidade pode ser
detectado em trabalhos como Nos Submundos da Antiguidade de Catherine Salles, que a
partir do processo jurídico Contra-Neera traça o padrão de vida de uma cortesã, se
utilizando de outras obras da literatura antiga apenas para corroborar suas hipóteses
(SALLES,1982). Também baseado na vida de Neera temos Trying Neaira: The True
Story of a Courtesan's Scandalous Life in Ancient Greece de Debra Hamel, que, como
tantos outros, se utiliza do suporte iconográfico apenas como ilustrações que confirmam
os escritos (HAMEL, 2003). Cabe-nos ainda citar trabalhos como As Prostitutas na
História de Nickie Roberts, que posicionam a prostitutas da Grécia Antiga em meio a
uma cosmologia universal em que aquelas mulheres deveriam ser compreendidas como
as meninas más, que agiam livremente, se rebelando contra a dominação masculina
(ROBERTS, 1998).
Com o tempo, essa concepção feminista foi se modificando e a História das
Mulheres deu lugar a uma história que estuda aspectos relacionais entre os múltiplos
grupos das sociedades, nos permitindo observar melhor as singularidades e pluralidades
das diferentes sociedades. Aliado a isso, a partir de década de 80 do século XX, houve
uma revolução epistemológica que propunha um aprofundamento na utilização de
textos escritos e iconográficos como documentação, contribuindo de forma decisiva
para a análise dos comportamentos sócio-culturais dos gregos antigos
13
.
Correspondendo àquela dinâmica teórica, logo surgiu uma série de trabalhos que
incorporavam tais proposições, como The Reign of Phallus: Sexual Politics in Ancient
13
Segundo Pedro Paulo Funari, as fontes arqueológicas dão voz aos iletrados e permitem que os
historiadores tenham acesso a segmentos sociais pouco visíveis. Assim é possível não só entender melhor
as fontes literárias e arquivísticas, como explorar suas diferenças e contradições (FUNARI, 2005, p.100-
1).
20
Athens de Eva Keuls, que até levantavam hipóteses interessantes, desvelando novas
facetas dos gregos antigos, mas que no afã de comprová-las cometiam falhas ao analisar
o corpus imagético, algumas vezes, retrocedendo à velha prática de utilizar a imagem
como ilustração do texto escrito (KEULS, 1993).
Existem também trabalhos como o de Dyfri Williams, que, embora esteja livre
de motivações feministas, acaba por fazer um mau uso das imagens ao classificá-las de
maneira muito generalizante, o que resulta de análises parciais e pouco criteriosas
(WILLIAMS, 1984). Trabalhos como esses produzem resultados demasiadamente
superficiais e facilmente refutáveis por se basearem em posições teórico-metodológicas
pré-concebidas e mal empregadas como, por exemplo, classificar uma cena a partir de
um único signo quando o mais prudente seria optar por uma postura mais meticulosa em
relação à aplicação do método, onde a documentação poderia servir de maneira mais
decisiva ao seu propósito de trazer à luz novos elementos acerca do objeto de estudo, no
lugar de meramente justificar pré-concepções estáticas. Neste sentido, destacamos, de
forma bastante exemplar à nossa afirmação, o artigo de François Lissarrague (A
Figuração das Mulheres) no volume sobre a Antiguidade da coletânea História das
Mulheres, onde o referido autor simplesmente define a imagem feminina como
espetáculo aos olhos do homem, e, portanto, este como seu único espectador
(LISSARRAGUE, 1993, p.268).
Nesta virada de século, tem-se produzido trabalhos mais criteriosos na
montagem e análise de seus corpora documentais, como O Feminino em Atenas de
Fábio de Souza Lessa e Courtesans and Fishcakes: The Consuming Passions of
Classical Athens de James Davidson, que trabalham diferentes aspectos do universo
21
feminino
14
, ou The Athenian woman: an iconographic handbook de Sian Lewis, nos
permitindo desvelar perspectivas mentais silenciadas, e obliteradas até então, além de
fazerem cair por terra hipóteses anteriores que não tornem a se comprovar
(CERQUIERA, 2000, p.90; DAVIDSON, 1998; LESSA, 2004; LEWIS, 2002).
Embora trabalhos como o de Sian Lewis e de Claude Calame (Eros en la
Antigua Grécia), pelo modo como lidam com a documentação, possam representar um
importante passo para os estudos dos grupos femininos na Grécia Antiga, um outro
problema se apresenta: os trabalhos com a temática da prostituição ocupam uma
porcentagem ínfima nessa produção.
Desde os primeiros anos da década de setenta do século passado, a produção
historiográfica que destaca os grupos femininos no mundo antigo vem crescendo em
número e qualidade ao longo dos anos, contudo esses estudos têm se concentrado,
sobretudo em grupos como as divindades e as esposas legítimas, estando as prostitutas
relegadas em geral, a meros tópicos ou capítulos dessas obras e a uns poucos livros
voltados a tal temática, e, além disso, dificilmente esses trabalhos estabelecem qualquer
tipo de relação entre os diferentes grupos femininos.
Consideramos que o mundo dos prazeres se constituía em uma importante parte
da vida cotidiana ateniense, e que componentes de tal contexto as hetaírai não devem
ser desprezadas ou relegadas a um segundo plano. Por tudo isso, definimos as cortesãs e
as atenienses como nossos objetos de estudo, e nos propomos a utilizar, como premissa
de uma análise mais profunda, a categoria gênero que sublinha o aspecto relacional
entre os grupos que compõem uma determinada sociedade. Entendemos que para
14
Cabe ressaltar que, no caso de Davidson, o feminino não é o foco central, mas sim as relações entre
diversos grupos (dentre eles esposas e cortesãs) entre si e com os meios de consumo e prazer disponíveis
em Atenas, para a construção de um imaginário comum.
22
compreendermos as ações desses grupos, necessitamos, em primeira via, saber como se
desenrolava a dinâmica social em que estavam inseridos.
uma considerável gradiente entre discurso e práticas cotidianas. As
dificuldades para penetrar no passado feminino, transpondo o silêncio e a invisibilidade
dessas personagens no discurso da sociedade em que viviam, exigem métodos e
soluções criativas. Segundo Rachel Soihet, tudo isso tem estimulado a renovação teórica
dos estudos históricos, o refinamento de métodos e técnicas, possibilitando maior
intimidade com tais segmentos além da ampliação dos horizontes da história
(SOIHET, 1997, p.296). A adoção de uma postura interdisciplinar tem possibilitado aos
historiadores ampliarem as suas informações acerca do feminino. Ao utilizarmos
diferentes suportes documentais, além de diálogos com a Antropologia e a Arqueologia
pretendemos mostrar como as cortesãs e as atenienses se inseriam e se posicionavam
diante das relações hierárquicas e de poder, no contexto da masculinizada sociedade
ateniense.
Entendemos também que na Atenas Clássica as relações de gênero se concebiam
como relações hierárquicas e de poder, e que essa hierarquia se exteriorizava num
discurso normativo de dominação masculina impregnado na produção artística,
intelectual e jurídica daquela pólis. Por tudo isso, as relações estabelecidas entre corpo,
cultura e os pressupostos da História de Gênero são os meios que utilizaremos para
compreender a diversidade dos grupos sociais na dinâmica sócio-cultural do cotidiano
da pólis clássica.
Considerando o contexto ideológico da Atenas Tardo-Arcaica e Clássica
(séculos VI ao IV a.C.), muitos autores tendem a dizer que a democracia ateniense era
um clube de homens (FANTHAM, 1994, p.74) onde a palavra era, por excelência, o
equipamento político da pólis, e que, portanto, as mulheres afastadas do debate
23
público - não tiveram / tomaram a palavra (e o poder), sublinhando uma disparidade não
somente política mas também social em relação aos homens. Embasada em tais
pressupostos, parte da historiografia concluiu que para os atenienses era necessário que
a inferioridade feminina fosse naturalmente afirmada, e relacionando essa
hierarquização político-social como parte da ideologia que Eva Keuls conceitua como
falocracia, um sistema cultural em que a exposição e representação visual do órgão
reprodutor masculino traria consigo a significação, sobretudo na esfera pública, do
domínio dos homens sobre as mulheres (KEULS,1993, p.1-2).
Certamente os principais detentores do poder em Atenas eram os cidadãos
homens livres filhos de pai e mãe atenienses. Contudo, considerar a predominância
desses indivíduos na sociedade como o estabelecimento de uma falocracia é um
exagero anacrônico, pois como demonstra Marina Cavicchioli:
[...] Como parte de um discurso sobre o poder masculino, assistimos a
difusão de termos e conceitos contemporâneos como falo, falocentrismo,
sociedade falocêntrica e tantos outros [...] entre a Antiguidade e a
Modernidade, o significante falo adquiriu diferentes valores simbólicos.
O falo na Antiguidade era valorizado na medida em que representava a
fertilidade e, portanto, teria seu poder no ato sexual, de forma que
não era o homem que estava sendo valorizado, mas a relação sexual
implícita no falo. De outra forma, ele é lido na Modernidade: passa a ser
símbolo do poder masculino e da virilidade masculina. Tal poder foi
dissociado do ato sexual procriador, em um mundo em que a sexualidade
foi, do ponto de vista cultural, dissociada da fertilidade
(CAVICCHIOLI, 2008, p.237 e 246).
Toda cultura demonstra, de alguma forma, preocupação com as manifestações
da sexualidade, coibindo-as ou estimulando-as. Sendo assim, a definição dos papéis
sexuais dos homens e das mulheres e as formas de relacioná-los são algo que ultrapassa
em muito a questão meramente biológica (RODRIGUES, 1983, p.70).
24
A relação entre cultura e corpo é estreita e fundamental na análise do nosso
objeto de estudo. O sexo de um indivíduo não se refere exclusivamente a sua
conformação anatômica e fisiológica. Significa também que ele possui um determinado
status social em que se convencionam limites, direitos e obrigações a partir das
expectativas da comunidade. Toda sociedade restringe de alguma forma o
comportamento sexual de seus membros, definindo o papel de cada indivíduo
(RODRIGUES, 1983, p.70-2).
O discurso masculino da sociedade políade enfatizava o que se esperava dos
grupos femininos, procurava demarcar o lugar da cena em que se movimentava a
esposa, bem nascida e bem criada, diferente do lugar em que circulava a mulher de vida
livre, fosse ela dançarina, cortesã ou prostituta (BARROS, 1997, p.35). Tal afirmação
parece ir contra a permeabilidade sugerida por uma dinâmica de espaço-tempo
compartilhada, contudo a prática e o discurso são constantemente manipulados para
manterem sua coerência e validade mutuamente. Logo, na gica do continuum
feminino as atenienses podem muito bem circular constantemente nos espaços públicos
da pólis na qualidade de agentes rituais mantendo a coerência do discurso de
separação espacial entre bem-nascidas e cortesãs e ao mesmo tempo nos
proporcionando argumentos para afirmar que circulavam por diversos lugares em
comum.
Pauline Schimitt Pantel considera que as relações entre os sexos são relações
sociais” e que a adoção do gênero como uma categoria de análise pressupõe a rejeição
do determinismo biológico, se afastando de termos como sexo e diferença sexual
(PANTEL, 1993, p.595). Ressaltamos que a adoção da categoria gênero favoreceu a
substituição do sujeito universal por uma pluralidade de protagonistas a partir de
dinâmicas sociais, culturais, espaciais e históricas determinadas, incorporando toda a
25
complexidade dos processos históricos, aceitando as mudanças e descontinuidades. A
análise deve extrapolar o âmbito das experiências masculinas e femininas no passado e
no presente, mas também as possíveis conexões entre ambas, pois as construções de
gênero não permanecem inertes e eternas, pelo contrário, são mutáveis e reconstrutíveis.
Sendo assim, as discussões tendem a deslocar-se das identidades masculinas e
femininas às múltiplas subjetividades, fazendo com que a própria noção de identidade
seja historicizada e problematizada junto à imagem de interioridade e essência que a
constituía (MATOS, 2006, p.14-20).
Nesse sentido, Pierre Boudieu propõe que um elemento indispensável seria o
estudo de uma sociedade distinta da nossa, para romper qualquer tipo de familiaridade
cultural. Dessa forma, seria mais fácil compreender os processos de socialização do
biológico e de biologização do social nas diferentes sociedades, e, portanto, desvelando
como se constroem as realidades e suas representações nos corpos e nas mentes dos
indivíduos (BOURDIEU, 2003, p.9-10).
Segundo Claude Calame, o gênero é um elemento constitutivo das relações
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas” [...], portanto é também uma maneira
de significar relações poder (CALAME, 2002, p.18). Nós somos controlados e
normatizados por múltiplos processos de poder. Essa visão do poder também é vital
para uma história da sexualidade.
Segundo Foucault, é impossível compreender o fenômeno do poder sem
considerar a realidade organizacional. O autor escolhe o tema do poder para,
explicitando suas múltiplas formas de manifestação, demonstrar os limites e as formas
de liberdade. “O poder em seu exercício nunca é o poder total, absoluto [...] A partir do
momento em que uma relação de poder, uma possibilidade de resistência. Jamais
26
somos aprisionados pelo poder, podemos sempre modificar sua dominação em
condições determinadas e segundo uma estratégia precisa (FOUCAULT, 2004, p.241).
O fato de as mulheres aceitarem determinados códigos normativos não significa
apenas que estas se prostrassem em um quadro de submissão alienante, mas que, em
contrapartida, buscavam a construção de recursos que lhes permitissem deslocar ou
subverter as relações de dominação. As fissuras à dominação masculina, geralmente,
não se constituem em rupturas espetaculares, ou sequer expressam um sentimento de
recusa ou rejeição ao discurso. Apesar do predomínio masculino, a atuação feminina se
faz sentir por meio de “contra-poderes: poder maternal, poder social, poder sobre outras
mulheres, e compensações no jogo da sedução e do reinado feminino (SOIHET, 2006,
p.6).
O que expomos até aqui corrobora com as opiniões de Peter Burke, que
considera estarmos vivendo em uma era de linhas indefinidas e fronteiras intelectuais
abertas, e por tudo isso, somente comparando a História com outras disciplinas nos será
possível descobrir em que aspectos se revelam a unicidade de uma determinada
sociedade (BURKE, 2002, p.13-37). Mas, segundo o mesmo Burke, um grande
problema é decidir exatamente o que comparar e com o quê (BURKE, 2002, p. 45).
A partir dos problemas, objetivos e perspectivas teóricas que são apresentados
em nossa pesquisa tornam-se interessantes as propostas de Jürgen Kocka acerca da
História Comparada, expressas em seu artigo Comparison and Beyond (2003). O autor
define a comparação de uma forma bastante simples, mas que amplas possibilidades
ao campo de escolhas do pesquisador. Para ele, a comparação em História é a discussão
sistematizada de dois ou mais fenômenos históricos acerca de suas similaridades e
diferenças de modo a se alcançar determinados objetivos intelectuais (KOCKA, 2003,
p.39). Cabe ressaltar aqui que Kocka não apresenta um método específico para a
27
comparação e nem demonstra preferência por nenhuma metodologia utilizada para
fomentar a mesma.
Para nós, a principal contribuição de Kocka é apresentar uma série de
precauções básicas quando da opção pelo estudo comparado, das quais consideramos
relevantes para o desenvolvimento de nossa pesquisa: 1) Em primeiro lugar, ele
aconselha que se faça o menor número de comparações possível, pois quanto mais casos
um estudo comparativo incluir, mais dependente ele se tornará de literatura secundária,
o que dificultará a aproximação dos documentos e a sua leitura na língua original;
Contudo, o autor considera que o controle dos idiomas não deve ser tomado como
desculpa para a sobre-especialização profissional e, tampouco, se tornar empecilho à
adoção de perspectivas abertas e à formulação de interpretações compreensivas; 2) A
segunda precaução é acerca do perigo de, através da comparação, se perder a
continuidade narrativa e, conseqüentemente o contexto, indispensável ao trabalho do
historiador. Em contrapartida, Kocka afirma que a continuidade é apenas um princípio
guia, entre outros, da reconstrução histórica e que invariavelmente as operações
realizadas por um historiador ao considerar um contexto são sempre optativas, seletivas,
diretamente relacionas a um ponto de vista, e, neste sentido, as abordagens analíticas
nunca reconstroem abordagens na sua totalidade; para o autor, as abordagens
comparativas apenas destacam e fazem se tornar claro aquilo que está implícito em todo
tipo de trabalho histórico: o componente seletivo e construtivo (KOCKA, 2003, p.41-3).
Dessa maneira, consideramos que nossa proposta de trabalho se adéqua
perfeitamente aos pressupostos básicos da comparação histórica propostos por Kocka,
uma vez que escolhemos a unidade mínima de comparação, ou seja, apenas dois grupos
sociais (heatírai e cidadãs atenienses), e que, além disso, os nossos objetos de estudo
encontram-se encerrados no interior de uma mesma sociedade, e, portanto, na mesma
28
dinâmica espaço-temporal, o que consideramos ser um facilitador da reconstrução
histórica.
Refletindo acerca da sociedade ateniense, podemos dizer que os gregos
contavam histórias de vários tipos onde as imagens verbais e pictóricas se constituíam
em espelhos da sociedade, refletindo as opiniões dos autores a respeito do cotidiano em
que viviam. Os helenos nos deixaram documentos de naturezas diferentes: textos de
diversos gêneros literários, esculturas, esquemas de composições arquitetônicas
variadas, imagens em suporte cerâmico e uma variedade de objetos de uso cotidiano que
permitem ao historiador levantar problemas em relação aos valores, às práticas, às
tensões e aos conflitos sociais próprios da estrutura daquelas sociedades (THEML,
1998a, p.309).
Ao restringirmos nosso corte espaço-temporal à Atenas Tardo-Arcaica e
Clássica, nos pautamos no fato de que é dessa pólis que possuímos uma maior
quantidade e variedade significativa de documentos, e que foi nesse período que aquela
sociedade viveu seu auge político, intelectual e econômico.
Para comprovar nossas hipóteses, recorremos à organização de dois corpora
documentais: um constituído por textos literários de gêneros diferenciados
historiografia, filosofia, processos jurídicos, poesia e biografia e outro restrito à
documentação imagética.
O trabalho com documentos de naturezas diversas nos possibilita demonstrar a
heterogeneidade das informações que tratam do feminino, além de acentuarem as
recorrências ou repetições, nos possibilitando perceber o não-dito (BUXTON, 1996,
p.132; LESSA, 2004, p.23).
A documentação textual nos fornece algumas evidências que revelam a ação
feminina fora dos limites impostos pelo modelo ideal de esposa construído pela
29
sociedade dos atenienses. Da mesma forma que os textos escritos, a imagética constitui-
se em discursos e, em tal sentido, são textos que oferecem material à construção
historiográfica e, por isso, necessitam serem lidos pelo historiador.
Aplicamos à documentação o método de análise documental isotópica, adaptado
por Ciro Flamarion para estudos sobre a Antigüidade (CARDOSO, 1997). O método de
leitura isotópica pressupõe, segundo o autor, o cumprimento de três etapas que nos
propomos a seguir, estas são: 1) num primeiro momento, a comparação entre as partes
que compõem um texto (frases, enunciados...) permite que se evidenciem suas
categorias sêmicas (de significação) subjacentes; 2) depois, isolam-se as categorias
sêmicas que se repetem, que são recorrentes no texto: estas são as categorias isotópicas;
Assim, as categorias semânticas isotópicas o aqueles elementos de significação
recorrentes, redundantes, repetitivos e que são subjacentes à coerência textual; 3)
finalmente, tais categorias isotópicas são distribuídas pelos três níveis semânticos:
figurativo, temático e axiológico (CARDOSO, 1997, p.174).
O nível figurativo (ou pictórico, no caso das imagens) se constitui em um
significado possível de ser correlacionado em forma direta a um dos cinco sentidos e
que pareça ligado ao mundo exterior ao texto.
O nível temático é representado pelo tema a que se referem o nível figurativo e
axiológico.
O nível axiológico está vinculado ao sistema de valores: éticos, estéticos,
religiosos ou quaisquer outros que os conteúdos dos textos manifestem. Ao atingirmos
esse nível estaremos observando os elementos euforizados (exaltados positivamente),
disforizados (destacados de forma negativa) e aforizados (representados de forma
neutra).
30
Se valorizarmos os aspectos sócio-culturais e a formação do imaginário da
sociedade que estudamos, notaremos que a iconografia pode, além de completar e
enriquecer as informações aportadas pela tradição literária, fornecer significados, fatos
e dados que não estão presentes nos documentos escritos (CERQUEIRA, 2000, p.86).
A interpretação das imagens provoca o despertar de novos problemas. Os
artistas foram influenciados pelas tradições gráficas, pela limitação das técnicas
disponíveis, pelas convenções sociais, além de outros fatores (KEULS, 1993, p.3). A
imagem não se basta por si mesma, ela faz parte de uma rede de comunicação em que
intervêm o pintor e o espectador, o autor e o receptor (LISSARRAGUE, 1993, p.260-2
e 268). Os vasos com representações imagéticas serviam ao transporte dos mais
variados produtos, como vinho, azeite e outros, mas também, e, sobretudo,
transportavam idéias, valores, conceitos (CERQUIERA, 2000, p.89).
Como documentação histórica, as pinturas em vasos têm a vantagem de vir
diretamente do seu período, sem sofrer as modificações que os textos literários sofrem,
inevitavelmente, ao longo do tempo. A maioria dos estudos sobre relações sexuais e
outros aspectos da História Social, até bem pouco tempo vinham ignorando tais
artefatos, senão usando-os como meras ilustrações derivadas de registros escritos
(KEULS, 1993, p.2-3). As evidências pictóricas podem nos fornecer indícios acerca das
políticas sexuais da Atenas Clássica, e no caso particular da nossa pesquisa, do papel
dos diferentes grupos femininos naquela dinâmica.
Com tudo isso, armados de um verdadeiro arsenal teórico e documental,
pretendemos analisar como a cultura, a literatura e a iconografia ateniense definiram a
participação feminina nos jogos de poderes daquela pólis. Para tanto, dividimos o
presente trabalho em três capítulos: no primeiro realizaremos uma revisão e análise da
produção historiográfica que trabalha com imagens representando cotidianos femininos;
31
no segundo apresentaremos as esferas de convivência e os processos de educação das
cortesãs como ponto de referência, comparando-os aos pontos similares (não aos
divergentes) nas vidas das atenienses, e assim elucidaremos os objetivos e
características específicos almejados no desenvolvimento de cada grupo; e, por fim, no
terceiro se dará mais claramente a aplicação do método comparativo, pois será onde
discutiremos os graus de inserção das esposas legítimas e hetaírai nas dinâmicas de
poder na vida pública da pólis, através das relações de cada grupo com os cidadãos
atenienses (os detentores do poder político).
32
CAPÍTULO 1
A ICONOGRAFIA ÁTICA E OS PARADIGMAS DE ANÁLISE DA
HISTORIOGRAFIA CONTEMPORÂNEA
Aprender a olhar é tão vital como aprender a ler
[...] Poder, prestígio, crenças religiosas, política,
história, orgulho nacional são todos expressados em
símbolos visuais [...] Se não podemos entender as
imagens da sociedade, não podemos entender a
própria sociedade (BEARD, 2000, p.14).
A iconografia não completa e enriquece as informações contidas na tradição
literária, como, além disso, transporta significados, dados e fatos culturais que não se
evidenciam nos documentos escritos (CERQUEIRA, 2000, p.86). A adoção de tal
premissa favoreceu bastante o aprofundamento dos estudos da Antiguidade, sobretudo
na Grécia.
De longe, a cerâmica decorada se constitui no tipo documental que contribuiu
com um maior número de exemplares que sobreviveram até nossos dias. Levemos em
conta que, da iconografia ática, chegaram até nós mais de 50.000 vasos (e
fragmentos) decorados com figuras negras e figuras vermelhas produzidos entre os
séculos VII e IV, e que, provavelmente, esse número não deve passar de uma parcela
tão pequena quanto 1% da produção original em Atenas ao longo daqueles três séculos
(BEARD, 2000, p.15).
Tomando tais constatações como premissa, nas últimas três décadas tem
proliferado a produção historiográfica que trabalha com a cerâmica ática, e dentre esses
33
trabalhos é considerável a parcela que analisa as representações do feminino em tal
suporte documental.
Sendo assim, neste capítulo aplicaremos os métodos de análise documental
propostos às imagens produzidas pela iconografia ática, além de discutirmos as
interpretações e os paradigmas fomentados pela historiografia contemporânea em torno
dessas imagens tradicionalmente remetidas ao contexto da prostituição.
1.1. Teorizando Beazley
Uma quantidade bastante pequena dos ceramistas ou pintores de vasos (pois nem
todos os ceramistas pintavam seus vasos) assinava sua produção
15
, e, além disso,
nenhum deles é citado nominalmente na documentação escrita, permanecendo quase
que inteiramente anônimos (BEARD, 2000, p.16). Sir John Beazley iniciou, nos
primeiros anos do século XX, uma pesquisa que revolucionaria o estudo da iconografia
ática e que, sistematicamente, removeria esse manto do anonimato daqueles artistas.
Inspirado no Método Morelliano, Beazley identificou centenas de pintores de vasos,
concentrando-se e agrupando elementos característicos de cada diferente traço,
utilizando-se inclusive dessas características particulares de cada autor para atribuir-lhes
apelidos quando não assinavam suas obras (ROBERTSON, 1965, p.90; 2000, p.1-2).
Segundo Mary Beard, os artistas de Beazley são personagens sombrias, pois não
temos precisão do local onde nasceram, de seu status social, seu nível de educação ou
15
Os oleiros eram considerados os principais membros das ergastéria (oficinas de artesanato), pois seu
ofício exigia um conhecimento técnico e uma capacidade para o controle exato das diversas etapas da
confecção dos vasos. de se ressaltar ainda que as ergastéria não produziam apenas vasos decorados,
mas também os vasos negros (sem decoração), vasos brutos (para transporte de mercadorias) e até mesmo
lamparinas (THEML, 2004, p.248; WILLIAMS,1999, p.16). Além disso, o oleiro deveria possuir o
espaço e os equipamentos necessários para o exercício do ofício, o que naturalmente nos leva a crer que
esse tivesse necessariamente um poder aquisitivo superior ao dos pintores em geral.
34
como e onde eles foram treinados, e nem quantos vasos eles pintaram ou por quanto
tempo praticaram esse ofício. Beard afirma ainda que não acordo entre os
historiadores em relação ao valor econômico ou o prestígio atribuído a esses vasos, e
que nem mesmo temos certeza se suas atribuições e contextos sociais de uso eram tão
específicos. Em decorrência disso, essa autora conclui que a nomeação dos artistas ou a
datação dos vasos são tarefas muito menos importantes do que entender o sistema visual
que eles compõem para poder captar sua mensagem, portanto, para estudar a cerâmica
ática, devemos tentar reconstruir a idéia de ser um espectador ateniense (BEARD, 2000,
p.17-19).
Contudo, entendemos que, ao desprezar a datação dos vasos, Beard estabelece
uma decisiva contradição com seu objetivo central de olhar com os olhos do ateniense.
Como podemos compreender o imaginário do artista e do espectador desprezando
eventos como as reformas de Sólon, a tirania dos Pisístratos, a invenção da democracia,
as Guerras Greco-pérsicas, a Liga de Délos, a Lei de Cidadania de Péricles, a Guerra do
Peloponeso, o golpe de Estado no final do século V, a desestruturação da organização
políade ao longo do século IV? Ora, todos esses eventos de marcante importância para
Atenas e para toda a Hélade ocorreram em um período de mais ou menos 250 anos e
certamente exerceram grande influência na construção (e alteração) do sistema visual
ático e, conseqüentemente, nas escolhas dos artistas e nas expectativas dos receptores
contemporâneos a eles.
16
16
Com o florescimento da economia ateniense, as ergastéria foram crescendo continuamente até
atingirem seu auge na metade do século V, na Atenas de Péricles. Com a massificação da produção de
cerâmica e o aumento do número de trabalhadores nas oficinas, o ofício de pintor foi perdendo seu valor,
e as temáticas das cenas ficaram mais marcadas, mantendo uma relação bastante estreita com o teatro.
Permaneceram nos vasos apenas as assinaturas dos oleiros (WILLIAMS, 1995, p.159-60; 1999, p.91-2).
No último quarto do século V, com o advento da Guerra do Peloponeso, as atividades comerciais e as
exportações caíram e, conseqüentemente, a produção de cerâmica entrou em declínio. A partir de então,
os ceramistas deixaram de se fixar permanentemente em um único local e passaram a se locomover para
onde a demanda por seus serviços fosse maior (WILLIAMS, 1999, p.98).
35
Consideramos, portanto, que é necessário procurar olhar as imagens com os
olhos do ateniense, todavia levando sempre em conta que esses olhos enxergavam e
sofriam influências de todo o panorama que os rodeava.
17
1.2. Analisando, tipificando, desconstruindo
As imagens, assim como os textos escritos, se constituem em discurso. Nas
temáticas da vida cotidiana, as imagens de mulheres representadas nos vasos atenienses
procuravam, de alguma forma, delimitar e definir os espaços de atuação e
comportamentos dos grupos femininos. Contudo, tais imagens não eram,
necessariamente, representações exatas das práticas sociais.
18
Elas também serviam para
demonstrar o que era esperado ou não das mulheres e como elas eram entendidas e
classificadas. A historiografia que trabalha com as imagens do feminino tem
tradicionalmente, a partir de tais pressupostos, destacado determinados signos que se
repetem, como a nudez feminina ou a presença de sacolas de dinheiro, para legar
determinadas cenas ao âmbito da prostituição.
Dentro dos preceitos dessa historiografia mais tradicional, as imagens
normativas apresentavam as esposas como aquelas que deveriam gerar filhos para os
cidadãos e as hetaírai, em contrapartida, os deleitariam com prazer erótico (BEARD,
2000, p.21-4). Baseando-se em tal premissa, as mulheres mais respeitáveis e as deusas
não deveriam ser mostradas nuas, e, portanto, as representações da nudez feminina ática
17
Robert Sutton Jr. defende que as imagens nos vasos (principalmente as com cenas tratando da vida
cotidiana) moldaram ativamente a opinião popular, mediando a relação entre a psicologia individual e o
senso de identidade grupal (dêmos), tornando possível a democracia radical do século V (SUTTON Jr.,
1992, p.6-7).
18
As imagens são relatos parciais da realidade, portanto ora podem elucidar determinadas situações
obliteradas nos textos escritos, ora podem nos apresentar cenas ambíguas que sozinhas nada de concreto
podem informar, como veremos ao longo do trabalho.
36
remeteriam automaticamente ao universo da prostituição (BONFANTE, 1989, p.559;
NEILS, 2000, p.208; POMEROY, 1999, p.107; WILLIAMS, 1984, p.99).
Ora, a nudez e outros signos não são acidentais, e, portanto, não devem ser
desprezados ao aparecer numa cena.
19
Contudo, sozinhos e descontextualizados, nada
determinam (LEWIS, 2002, p.104).
Os discursos escritos e pictóricos tentavam passar uma ideia de lugares e status
fixos, mas eles mesmos estavam permeados pela fluidez das práticas e relações sociais
estabelecidas entre os diferentes grupos que viviam na pólis dos atenienses.
Demonstraremos essa fluidez ao desconstruir alguns dos paradigmas de análise
fomentados pela historiografia contemporânea, além de observarmos momentos nessa
produção em que alguns historiadores aprofundaram, ou mesmo refutaram seus próprios
trabalhos.
Para exemplificar o que estamos dizendo observemos a figura 1, em que temos o
medalhão interior de uma kýlix
20
ateniense de figuras vermelhas atribuída a Agora
Chairias Group, sendo este medalhão a única parte decorada do vaso. A cena mostra
uma mulher desnuda utilizando apenas um kkos
21
e brincos, segurando uma coroa de
folhas diante de um altar com o fogo ardente.
19
O nu masculino na imagética ática remetia à beleza e à força física do cidadão aristocrata. A
sexualidade atribuída às mulheres era muito mais marcante que aos homens. O corpo feminino deveria ser
velado em público, uma vez que o poder erótico do nu feminino seria demais para o escrutínio público
(GARRISON, 2000, p.182-9). A nudez é o uniforme do atleta, que mostra o ideal de beleza e força
aristocrático do cidadão-hóplita bem-nascido, e a sua identidade em oposição aos outros (BÉRARD,
2000, p.390-5; BONFANTE, 1989, p.554-7; SUTTON Jr., 1992, p.21). A partir de tais afirmações somos
levados ao pressuposto de que representações do nu feminino são sempre carregadas de conotações
eróticas. Contudo, essa finalidade erótica das representações do nu feminino também não deve ser
comparada a um similar helênico de uma playboy (contra-FANTHAM, 1994, p.116-8), visto que a
principal premissa dos vasos decorados era servirem como utensílios domésticos onde, entre outras
coisas, seriam utilizados na mistura e consumo do vinho.
20
Taça ampla com tigela rasa, duas alças horizontais e suporte alto acima do pé. Taça própria para o
consumo do vinho (LESSA, 2001, p.131). Uma kýlix poderia variar de tamanho entre 10 e 38 cm. As
mais recentes também são decoradas com fundo branco, sugerindo uma relação com o contexto funerário
(LEWIS, 2002, p.215). Segundo Eva Keuls, a kýlix era a taça de beber característica dos sympósia
(KEULS, 1993, p.165).
21
Uma espécie de lenço que as mulheres utilizavam para prender os cabelos.
37
Figura 1
Localização: Athens, Agora Museum P 24102. Temática: Nudez Feminina/ Culto. Proveniência: Athens,
Agora. Forma: Kýlix. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Agora Chairias Group. Data: ce. 500. Indicações
Bibliográficas: ARFV 122; ARV 176,1; BAGPP 201609; LEWIS, 2002, p.103, fig.3.9; NEILS, 2000,
p.217, fig.8.6; ROTROFF; LAMBERTON, 2006, p.43, fig.54.
Ao analisarem essa cena, alguns autores argumentam que a nudez feminina
associada aos adereços de embelezamento (brinco e sákkos) remetem ao universo da
prostituição (ROTROFF; LAMBERTON, 2006, p.42). Segundo Jenifer Neils, nós
vemos uma hetaira fazendo uma oferta a Afrodite
22
agradecendo pelo sucesso obtido e
pedindo pelo futuro (NEILS, 2000, p.218).
Acreditamos que, no contexto transmitido pela imagem, o que fica claro é que a
prática religiosa
23
e a nudez aparentemente euforizada pelo pintor
24
- não são
suficientes para determinar o status da mulher como uma prostituta.
25
22
Consideramos que essa relação com Afrodite não fica clara, pois, embora a nudez remeta ao erotismo,
não signos claros de referência a essa deusa. De qualquer forma, o culto a Afrodite o era exclusivo
das prostitutas, umas vez que as esposas legítimas também recorriam à deusa tanto por seus dotes de
sedução como, sobretudo, para pedir fertilidade (GARRISON, 2000, p.120; McCLURE, 2003, p.139).
23
Um sacrifício em honra a alguma deusa, ou uma possível prática de magia (LEWIS, 2003, p.104).
24
Ao aplicarmos o método de leitura isotópica e a semiótica de Claude Bérard ao corpus imagético de
nossa documentação, concluímos que os pintores costumam euforizar a nudez feminina
independentemente da temática a partir da representação de corpos belos e jovens. Isso se torna mais
evidente quando, colocados em contraponto a esse ideal de beleza feminina, aparecem mulheres gordas e
aparentemente mais velhas com corpos flácidos e seios caídos.
38
O mesmo debate rodeia a cena representada na figura 2. Aqui temos uma
hydría
26
de figuras vermelhas bastante famosa, de cerca de 440-430. Observamos, da
esquerda para a direita, uma mulher nua que permanece de com uma roca na mão
usando apenas um amuleto amarrado a sua cocha, enquanto suas roupas repousam em
uma cadeira às suas costas. De frente para ela se encontra uma mulher vestida e sentada
em uma cadeira, que parece orientar suas ações, o que se torna mais evidente a partir
dos jogos de olhares das personagens que se cruzam e interagem unicamente no interior
da cena. A presença do nu feminino tem criado bastante polêmica a partir das
interpretações dessa cena, pois o pintor parece ao mesmo tempo euforizar tanto a nudez
como a fiação, que, como veremos, são signos muitas vezes identificados como
pertencentes a universos diferentes pela historiografia contemporânea.
27
25
Ao fazermos a leitura isotópica das dezenove peças catalogadas do Agora Chairias Group (todas taças
ou fragmentos de taças) identificamos o aparecimento de figuras femininas em doze delas (seis vezes
mulheres nuas, duas cabeças de mulheres, uma imagem com Atena e três vasos com mênades apenas
um deles com um sátiro). Se levarmos em conta que predominam imagens de mulheres desacompanhadas
e em nenhuma delas aparecem referências diretas à esfera simpótica (ambiente de atuação das hetaíriai),
podemos concluir que não indícios suficientes para classificar as mulheres nuas como prostitutas.
Diferente de outros pintores, a concentração da produção de taças desse artista não esvoltada para o
universo masculino, mas para figuras femininas, e, além disso, em todos os dezenove vasos a decoração
se encontra unicamente no medalhão, o que reflete uma relação íntima entre o que está expresso na cena e
o bebedor (excluindo uma circularidade de informações com possíveis convivas que seriam transmitidas
por decorações nos exteriores das taças).
26
Vaso para o transporte de água. Corpo amplo e oval possuindo duas alças horizontais destinadas a
suspendê-la e uma alça vertical com a função de pegá-la para despejar seu conteúdo (LESSA, 2001,
p.130; LEWIS, 2002, p.214).
27
Tais elementos fazem com a cena representada neste vaso seja uma das mais utilizadas (tornando-se
uma imagem canônica) e discutidas pela historiografia especializada no estudo dos grupos femininos na
Grécia Antiga.
39
Figura 2
Localização: Copenhagen, National Museum 153. Temática: Nudez Feminina/ Fiação. Proveniência:
Italy, Nola. Forma: Hydría. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Washing Painter. Data: 440-430.
Indicações Bibliográficas: ARV 1131,161; BAGPP 214971; BEARD, 2000, p.31, fig.9; BRULÉ, 2003,
p.150; CP 209; LEWIS, 2002, p.105, fig.3.10; WILLIAMS, 1984, p.96, fig.7.4.
Segundo Willliams, acompanhando a linha mais tradicional, a mulher sentada
(possivelmente uma proxeneta) seria mais velha e estaria ensinando uma jovem hetaíra
(de pé) a tecer (WILLIAMS, 1984, p.97). Para Edward Cohen e Jenifer Neils, a
tecelagem seria uma atividade regular do dia a dia para qualquer prostituta, o que é
reforçado por esta última quando afirma que a cena apresenta “claramente uma madame
obrigando sua porné a trabalhar durante as horas de folga” (COHEN, 2006, p.104-5;
NEILS, 2000, p.208-9). De acordo com Mary Beard, essa cena pode ser uma
representação excêntrica da vida cotidiana, onde mesmo uma hetaíra teceria como uma
boa garota, ou talvez fosse uma brincadeira com relação a uma certa similaridade entre
o gestual da dança e os posicionamentos adotados para a fiação. Contudo, Beard deixa
claro que mais importante que as interpretações em si seria o questionamento dos
40
estereótipos, pois da mesma forma que a hetaíra consiste numa figura ambivalente,
também o é a esposa bem-nascida (BEARD, 2000, p.30). Sian Lewis argumenta que
a imagem deve ser posicionada em seu contexto arqueológico e artístico, como parte de
uma série de pequenos vasos atribuídos ao Washing Painter, nos quais mulheres
apareceriam se lavando ou se vestindo, freqüentemente na presença de Éros, como parte
do ritual do casamento (LEWIS, 2002, p.105).
A despeito das interpretações que apresentamos acerca da figura 2, ao analisar o
vaso isoladamente, entendemos que os únicos fatos que podem ser determinados com
precisão, a partir da presença de mobília e de objetos de fiação, são que esta é uma cena
de interior onde se desenrola uma das práticas específicas do universo feminino
28
.
A nudez feminina também é representada em diversas cenas em que mulheres
sozinhas ou em grupo tomam banho. Na figura 3, temos uma hydría de figuras
vermelhas de cerca de 440-430, em que duas mulheres desnudas se encontram de
diante de um loutérion
29
, dispostas frente a frente uma à esquerda e outra à direita da
cena, tendo cada uma um banco a seu lado. Enquanto a mulher da direita está se
preparando para tomar banho, a outra parece estar se lavando. A interpretação de
Williams obviamente indica as duas como hetaírai, acompanhando a linha tradicional
de que a apresentação pública da nudez feminina pode ser entendida ou como uma
fantasia ou como uma representação da realidade em que o nu remeteria à prostituição
(LEWIS, 2002, p.146; WILLIAMS, 1984, p.98-9).
28
Segundo Fábio Lessa, a tecelagem e a fiação eram, na Grécia Antiga, atividades femininas que não se
restringiam somente ao grupo das esposas legítimas e bem-nascidas. O autor defende ainda que, para as
esposas bem-nascidas, tais atividades se caracterizavam como um critério de virtude (LESSA, 2001,
p.43).
29
Uma espécie de bacia colocada sobre um pedestal (LEWIS, 2002, p.146).
41
Figura 3
Localização: London, British Museum E202. Temática: Toalete Feminina. Proveniência: Italy, Nola.
Forma: Hydría. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Washing Painter. Data: 440-430. Indicações
Bibliográficas: ARV 1131,155; BAGPP 214965; MILES; NORWICH, 1997, p.88; WILLIAMS, 1984
p.100, fig.7.7.
Fugindo a essas interpretações tradicionais, podemos argumentar que a higiene
das mulheres no loutérion pode remeter ao âmbito público, pois várias
representações desses em cenas em que atletas se lavam na palestra
30
(LEWIS, 2002,
p.146). Na ótica de Claude Bérard, tais cenas em que mulheres se lavam são paralelos
das imagens dos atletas homens, e remetem à atividade esportiva feminina, onde seria
representado o momento após a prática do exercício propriamente (BÉRARD, 1986,
p.195-202). Sian Lewis argumenta que a ausência da representação de uma coluna em
algumas dessas cenas excluiria a possibilidade de associação com o ambiente da
palestra (LEWIS, 2002, p.147).
30
Palaístra. Local específico onde os atletas treinavam pancrácio, pugilato e luta-livre, dentre outras
modalidades esportivas (VRISSIMTZIS, 2002, p.125).
42
Lissarrague e Durand concluíram que o loutérion, como símbolo, pode possuir
múltiplos significados, de acordo com o lugar onde aparece: o espaço de ritual, dos
atletas, do sympósion, ou de uma representação erótica (LISSARRAGUE; DURAND,
1980, p.89-106). Contudo, podemos desprender o loutérion do âmbito de atuação
masculino e observar que ele se constitui em um elemento central também nos espaços
femininos de atuação. O loutérion aparece como tema bastante frequente nas
representações do trabalho doméstico, em cenas de interior onde a mulher aparece
lavando algo ou cozinhando dentro dele, contudo este aparece também como parte da
mobília em cenas de conversação ou de partida (LEWIS, 2002, p.147-9). Portanto,
podemos concluir que a presença do loutérion, associada à nudez feminina em uma
cena, não deve ser automaticamente identificada como um signo relativo à esfera da
prostituição.
Consideramos que embora as representações da nudez feminina na cerâmica
ática possuíssem um caráter erótico este não estaria diretamente ligado à prostituição.
As cenas de banho, por exemplo, podem se inserir num contexto ritual de preparação
para o casamento, onde o corpo nu da mulher aparece como uma forma de celebrar ou
incitar o desejo erótico entre os noivos. Para comprovar tais afirmações podemos tomar
como exemplo a figura 4.
43
Figura 4
Localização: New York, Metropolitan Museum of Art 1972.118.148. Temática: Toalete Feminina/
Preparação Nupcial. Proveniência: Não Informada. Forma: Pyxis. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Não
Informado. Data: c. 425. Indicações Bibliográficas: BAGPP 44750; OAKLEY; SINOS, 1993, p. 62,
fig.20-1;REILLY, 1989, pl.78b; SUTTON Jr., 1992, p.25, fig.1.9; 1997/98, p.36, fig.23.
Nesta imagem temos o corpo de uma pýxis
31
ática de figuras vermelhas,
confeccionada por volta de 430-420, onde podemos observar as diversas etapas da
preparação da noiva para a cerimônia do casamento. A cena representada não se
desenrola de forma simultânea, mas sim dividida em quatro momentos temporais
diferentes exemplificando cada estágio da preparação da noiva
32
, desde o banho nupcial
até o aguardo para a saída da casa dos pais na procissão matrimonial rumo à casa do
noivo.
Ao observarmos a imagem podemos notar a importância de diversos signos,
como a mobília e a coluna identificando a ambientação da cena em um espaço interior.
31
Pequena caixa cilíndrica com tampa. Servia como recipiente para cosméticos, incenso, jóias, ou
ungüentos medicinais; vaso tipicamente feminino (CLARK et alli, 2002, p.134 e 137).
32
Os quatro estágios temporais ficam mais claros se dividirmos a cena em quatro grupos, da esquerda
para a direita: no primeiro nós temos uma mulher nua agachada (a noiva) diante de um pequeno Éros que
derrama água sobre ela; no grupo seguinte vemos a noiva atando sua cinta e segurando a ponta de seu
chíton (vestimenta usada por homens e mulheres desde o Período Arcaico até o Período Helenístico) entre
os dentes reunindo bastante tecido para formar um kolpos (adorno em formato de sacola), e enquanto isso,
vemos Éros, diante dela, segurando uma caixa; no grupo subseqüente vemos duas mulheres vestidas com
peploi (vestidos tubulares longos usados por mulheres) e amarrando fitas a um loutróphoros (vaso
utilizado para o transporte da água para o banho nupcial), enquanto uma terceira mulher (única
personagem com posicionamento frontal) amarra uma faixa em volta da cabeça, contudo ficando incerta
sua identidade; no último grupo, vemos a noiva sentada em uma cadeira vestindo chíton e himation
(vestimenta usada normalmente sobre o chíton, feita com um tecido mais pesado e utilizada como uma
espécie de capa) com Éros sentado em seu colo, sendo observada por Afrodite (também sentada) e uma
mulher de cuja identidade é indeterminada (OAKLEY; SINOS, 1993, p.16-7; REILLY, 1989, p.421-
2).
44
Fica clara também a relação direta e indireta (através de Éros
33
) entre Afrodite e a as
núpcias, reforçando o apelo erótico exercido pela noiva e sua nudez. Outro aspecto
importante revelado em cena é o caráter complementar entre as funções dos vasos
34
,
pois vemos o loutróphoros (onde a água foi transportada) e a hydría (sendo utilizada
para banhar a noiva).
Na figura 5, podemos ver uma cena similar àquela representada pelo primeiro
grupo presente na pýxis da figura 4. Aqui temos uma mulher nua se lavando no
loutérion enquanto Éros voa de encontro a ela carregando suas roupas.
Figura 5
33
Segundo Sofia Souli, Éros era a representação do desejo humano pela imortalidade (SOULI, 1997,
p.18). Na imagética nupcial, Éros é a personificação do desejo que a noiva desperta em seu futuro marido
(LEWIS, 2002, p.144). De acordo com Robert Sutton Jr., o Éros das cenas clássicas de casamento está
especialmente associado à noiva, como uma força que ela emana, operando ativa e passivamente,
expressando a emoção sentida pela noiva e a sensação que ela provoca no noivo (SUTTON Jr., 1992,
p.27).
34
Segundo Oakely e Sinos, alguns tipos de vasos eram dados de presente às noivas e os mesmos eram
feitos em pares, o que reforçaria seu caráter complementar como parte de um conjunto matrimonial
(OAKLEY; SINOS, 1993, p.6-7).
45
Localização: Paris, Louvre G557. Temática: Toalete Feminina. Proveniência: Não Informada. Forma:
Hydría. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Washing Painter. Data: 430. Indicações Bibliográficas: ARV
1131.158; BAGPP 214968; LISSARRAGUE, 1990, p.248, fig.41.
Como vimos, Éros aparece em cenas de preparação nupcial como um
representante de Afrodite, fazendo uma ligação entre o desejo sexual dos noivos e a
fertilidade, uma vez que a finalidade principal do casamento era a reprodução
(constituindo-se também num dever cívico para a continuidade da pólis).
35
Levando em
conta o contexto histórico em que esses vasos foram produzidos (Guerra do
Peloponeso), podemos compreender melhor a valorização das futuras mães dos
cidadãos atenienses (as noivas) e de seus dotes eróticos (através da nudez ou da
presença de Éros e Afrodite).
Dotados de tais observações podemos retornar às questões acerca do status das
mulheres presentes nas cenas das figuras 2 e 3. Ao realizar uma análise isolada de cada
vaso, a ausência de signos mais específicos impossibilita uma leitura que resulte em
uma interpretação satisfatoriamente segura. Contudo se levarmos em conta a produção
total de hydríai atribuídas ao pintor, teremos um contexto mais amplo para analisar o
significado dos elementos presentes nas cenas discutidas.
36
35
Neste sentido, consideramos o lamento de Antígona condenada por Creonte emblemático:
Agora estou nas mãos dele, prendeu-me
[antes de provar
o leito matrimonial, antes do canto nupcial, antes
das carícias do esposo, antes de educar os filhos.
(SÓFOCLES. Antígona, vv.916-919)
36
A proposição aqui é ir além de analisar as cenas com mulheres nuas com ou sem Éros (como sugere
Sian Lewis, 2002, p.105). Incluiremos na análise isotópica as trinta e quatro hidríai do Washing Painter
registradas no Beazley Archive. Desta forma, teremos uma idéia ampla do contexto de produção e das
preferências do pintor, nos aproximando assim de uma interpretação mais acurada dos signos presentes
em cena.
46
Tabela 1
37
Total de
hydríai
Cenas com
mulheres
Mulheres com
Éros
Mulheres nuas
Mulheres nuas
com Éros
34
22
15
9
4
Ao observarmos a tabela 1 fica evidente que o foco da produção de hydríai do
Washing Painter está em personagens femininas e que a presença de Éros é marcante.
Não deve ser desprezado o fato de que a nudez feminina aparece em quase 1/3 da
produção total e metade das imagens com mulheres. Cabe ressaltar que nenhuma dessas
imagens faz referência à esfera simpótica (ambiente de atuação das cortesãs).
Em relação à figura 3, um elemento de suma importância que não aparece
nem na análise de Williams, nem na de Miles e Norwich: o ganso que está sobre o
loutérion (MILES; NORWICH, 1997, p.88; WILLIAMS, 1984, p.98-9). O ganso pode
ser identificado como um signo de culto à fertilidade (ARMSTRONG, 1944, p.54-5).
Consideramos, portanto, que, no referido vaso, o animal faça referência à presença de
Afrodite (assim como as cenas com Éros), conseqüentemente inserindo a cena na
temática de preparação matrimonial.
Quando nos voltamos para a figura 2, a determinação do status social das
personagens se torna mais problemática, uma vez que não temos signos que possam ser
considerados determinantes de maneira isolada. A solução que encontramos está em
posicionar os elementos que se destacam em cena (a nudez feminina, a fiação e a
domesticidade) numa relação de diálogo com as demais hidríai do artista.
Ao observarmos a tabela 1, podemos ver que quase metade das cenas com
mulheres nuas a presença de Éros evidencia a esfera de preparação nupcial (quatro em
um total de nove). Se adicionarmos a essa perspectiva a hydría da figura 3, devido à
37
Resultado da análise isotópica das hydríai atribuídas ao Washing Painter.
47
presença do ganso remetendo à Afrodite, passamos a observar uma predominância de
imagens claramente nupciais (cinco de um total de nove). Apenas este fato seria
suficiente para nos afastarmos da hipótese das mulheres representadas serem prostitutas,
contudo, podemos observar ainda que os demais vasos dessa rie estão ambientados
em cenas domésticas (com ou sem a presença de Éros). Outro aspecto relevante é que
não há homens em nenhuma das cenas com mulheres.
Diante dos dados apresentados, acreditamos que as mulheres da figura 2 são
bem-nascidas, o que é reforçado pela atividade realizada com a
38
, e a partir de tal
conclusão podemos identificar a mulher nua como uma jovem noiva e aquela que está
sentada, provavelmente como sua mãe.
Outra questão polêmica nas análises fomentadas pela historiografia
contemporânea é a identificação de uma sacola de dinheiro em cenas com a presença de
homens e mulheres como sinal de transação comercial e, consequentemente, de
prostituição. Segundo Sian Lewis, o problema de se estabelecer, a partir da simples
presença de uma sacola de dinheiro, uma temática de negociações com hetaírai é que
não uma cena sequer em que claramente uma mulher recebe dinheiro em troca de
sexo (LEWIS, 2002, p.110).
39
De acordo com a autora, a única cena que se aproxima
dessa demonstração explícita de uma troca de dinheiro por sexo se encontra no vaso
representado na figura 6.
38
Robert Sutton Jr. informa que trabalhos de fiação e tecelagem estão em oposição a outros menos
prestigiosos com cozinha, limpeza e jardinagem (SUTTON Jr., 1992, p.28).
39
Contudo consideramos que algumas dessas imagens possuem uma reunião de signos suficientes para
serem relacionadas com a prática da prostituição. Dentre tais signos estaria a própria sacola de dinheiro.
48
Figura 6
Localização: Munich, Arndt. Temática: Prostituição. Proveniência: Não Fornecida. Forma: Kýlix.Estilo:
Figuras Vermelhas. Pintor: Wedding Painter. Data: 475-425. Indicações Bibliográficas: ARV 923,29;
BAGPP 211241; KEULS, 1993, p.181, fig.162; KILMER, 1993, R864.
Aqui temos o medalhão interior de uma kýlix de figuras vermelhas de cerca de
475-425. atribuída ao Wedding Painter. Na cena temos um jovem (ausência de barba)
desnudo abraçando e penetrando por trás uma mulher agachada (de quatro) que usa
apenas um sákkos na cabeça. Podemos observar também uma sacola pendurada na
parede.
A presença da sacola por si só nada indica. Contudo, ao somarmos este elemento
ao ato sexual e observarmos que o homem representado ainda não é um adulto pleno
(evidenciado pela ausência de barba), somos levados a crer que se trata de uma cena que
faz referência ao universo da prostituição, principalmente se levarmos em conta a idade
do rapaz.
40
Mas mesmo assim não há indícios diretos de uma negociação.
41
40
A idade das personagens é sempre mais um dos elementos que não podemos desprezar ao analisarmos
uma cena. Entendemos que na cena representada figura 4, assim como em muitas outras, o que evidencia
a prática da prostituição é a idade do homem. O fato de o homem em cena não ser um adulto exclui a
possibilidade de argumentar que a mulher seja sua esposa. Além disso, sabemos que uma jovem bem-
nascida deveria se manter casta e possuir uma reputação irretocável.
49
Um dos fatores que revelam anacronismos nas interpretações é a utilização de
um olhar parcial desprezando todo o contexto da relação entre as diferentes cenas
representadas num mesmo vaso. Para elucidarmos melhor essa questão analisaremos as
figuras 7, 8, 9 e 10.
Figura 7
Localização: Maplewood, Noble Collection. Temática: Indefinida. Proveniência: Etruria, Vulci. Forma:
Hydría. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Harrow Painter. Data: ce. 480-470. Indicações Bibliográficas:
ARFV 175; ARV 276,70; BAGPP 202666; KEULS, 1993 p.262, fig.239; NEILS, 2000, p.212, fig.8.4;
WILLIAMS, 1984, p.98, fig.7.5.
41
Martin F. Kilmer, ao comentar a cena e admitir que o rapaz é jovem demais para ser um homem
casado, afirma que a bolsa era um símbolo sobretudo de corte (de homens e mulheres) e não
necessariamente de pagamento em troca de sexo (1993, p.84). Cabe observar que, nos vasos
representando cenas de corte, jovens e mulheres recebem diversos tipos de presentes alguns específicos
para eles (caças, lebres mortas, ou galos) ou para elas (flores, frutas, ias, ou elementos de toalete),
contudo a sacola aparece como um presente comum a ambos.
50
As figuras 7 e 8 representam, respectivamente, o corpo e o ombro de uma hydría
de figuras vermelhas de cerca de 480-470. bastante conhecida. Na figura 7, vemos, da
esquerda para a direita, uma mulher vestida sentada segurando um espelho e um garoto
sob uma construção, enquanto no lado exterior vemos um homem adulto (identificado
pela barba) segurando uma sacola e um cajado e às suas costas um jovem (ausência de
barba). Podemos observar também a presença de um alabastros
42
(na parede) próximo à
mulher, e de esponja, aríbalos e estrigil
43
(na parede) entre o homem e o rapaz. Já na
figura 8, vemos três guerreiros com lanças, armaduras e escudos lutando.
Figura 8
Idem à figura 7.
Williams, em sua interpretação, ignora a existência da cena do ombro e se atém
apenas ao corpo da hydría. Segundo ele, a cena representa uma prostituta sentada no
pórtico de um bordel, enquanto um homem adulto traz seu filho para incursão no mundo
dos prazeres. A criança próxima à mulher seria um dos filhos do bordel (WIILIAMS,
1984, p.97). Neils corrobora tal interpretação e ainda complementa com a afirmação de
42
Um pequeno pote cilíndrico, usualmente sem pés, desenhado para ficar suspenso por uma corda ou fita
(LEWIS, 2002, p.214). Vaso para perfume ou óleo, usado pelas mulheres na toalete e nos cultos (LESSA,
2001, p.129).
43
A esponja o aríbalos e o estrigilo são intrumentos próprios para a higiene que remetem ao universo
masculino.
51
não possibilidade de ser uma cena familiar doméstica, pois a sacola de dinheiro
sempre (grifo nosso) implica uma transação financeira (NEILS, 2000, p.212). Eva Keuls
analisa a cena de maneira diferente, entendendo que a mulher é uma matrona
insatisfeita, identificando a construção como a colunata da entrada de uma residência
privada, remetendo a cena a um momento do cotidiano familiar, onde os dois filhos (o
garoto e o jovem) presenciariam seu pai (homem mais velho) trazendo uma sacola de
dinheiro para acalmar a esposa (KEULS, 1993, p.260). A autora vai mais além e
argumenta que a sacola de dinheiro pode ser interpretada como uma representação
pictórica do falo econômico (o mantenedor do oîkos), o que estaria evidente não só pelo
seu formato, mas também pela maneira que o homem tem de estendê-la diante de si
mesmo (KEULS, 1993, p.262).
Como dissemos, entendemos que uma imagem não pode ser analisada em
separado da outra, pois a relação entre as duas estabelece um contexto. Acreditamos que
a análise de Eva Keuls seja mais consistente que a de Dyfri Williams, contudo não
podemos deixar de observar seu desprezo pelo ombro do vaso. Destacamos ainda, de
forma negativa, o aprofundamento que Keuls executa em sua interpretação a partir de
elementos que não estão claros, como o desagrado da mulher e o falo econômico.
Para nós, o que fica claro é que a cena do corpo evidencia uma separação entre
os supostos espaços de atuação masculinos e femininos, bem marcada pela presença da
mulher e da criança no interior da construção e a dos homens na parte exterior e
reforçada pela presença do alabastros e da criança próximos à mulher, e dos objetos de
higiene masculina (remetendo à pratica esportiva) próximos ao homem e ao rapaz, e
reforçada pela cena do ombro, visto que a atividade militar é uma prática exclusiva do
universo masculino (dos cidadãos).
52
Outro senso comum utilizado para relacionar cenas de negociação com o
universo da prostituição é a justificativa de que as esposas legítimas não deveriam
aparecer ou atuar no espaço público. Ora, a historiografia nos mostra que tanto as
mulheres pobres quanto as bem-nascidas não permaneciam restritas ao interior do
oîkos
44
. Segundo Claude Mossé, a documentação literária, sobretudo a comédia,
certifica a presença das mulheres no mercado de Atenas vendendo desde produtos
agrícolas a fitas, perfumes, etc (1990, p.63). Fábio Lessa reforça ainda mais essa
questão ao afirmar que as práticas sociais divergiam do modelo de comportamento ideal
feminino, pois mesmo as bem-nascidas deixavam o gineceu
45
em situações cotidianas,
evidenciando uma permeabilidade mútua entre público e privado, uma relação de
complementaridade e não de oposição (LESSA, 2001, p.111-2).
46
Neste sentido, ao
observarmos as figuras 9 e 10, fica difícil classificar tais cenas como relacionadas à
prática da prostituição.
44
A casa em seu sentido mais amplo, domicílio, unidade familiar, propriedade (VRISSIMTZIS, 2002,
p.124). Para Claude Mossé, o significado do termo varia desde um primeiro sentido que remeteria à
unidade de produção agropecuária e ao artesanato doméstico, e como uma estrutura maior ou menor, de
acordo com a época, da qual se ocupam as mulheres. Além disso pode ser considerado a própria estrutura
básica na qual se fundamenta a sociedade (1990, p.15). O oîkos era tudo aquilo que o cidadão possuía:
família, escravos e todos os seus bens materiais (THEML, 1998b, p.71).
45
Gynaikoníte. Aposento especial da casa reservado às mulheres (VRISSIMTZIS, 2002, p.23).
46
Rotroff e Lamberton citam uma ágora das mulheres (gynaikeia ágora), que seria especializada na
venda de bens para a manutenção do lar e outros itens de interesse particular feminino (2006, p.11).
53
Figura 9
Localização: St Peterburg, The State Hermitage Museum 4224. Temática: Negociação. Proveniência: Não
Fornecida. Forma: Skyphos. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Wedding Painter. Data: ce. 460.
Indicações Bibliográficas: ARV 889,166; BAGPP 211729; LEWIS, 2002, p.110, fig.3.15, p.189, fig.5.11;
SUTTON Jr., 1992, p.17, fig.1.5a, p.18, fig.1.5b.
Nas figuras 9 e 10, temos, respectivamente, a face A e a face B do exterior de
um skyphos
47
de figuras vermelhas de cerca de 460, atribuído ao Penthesilea Painter.
Na face A, vemos à direita um homem de pé com uma sacola na mão direita e uma
moeda na esquerda, enquanto uma mulher está de de frente para ele. Podemos
observar um alábastros pendurado na parede, entre os dois. Na face B, vemos uma
mulher vestida e com um sákkos na cabeça, oferecendo um alábastros para um jovem
apoiado em um cajado, que a observa de perfil.
No âmbito das interpretações criativas, Sutton Jr. afirma que o artista posiciona
as cenas das duas faces em uma perspectiva comparativa, uma vez que o homem
maduro (acenando com a moeda) deve pagar, enquanto que o jovem (opositivamente) é
abordado pela mulher, bastando-lhe a aparência para obter sucesso (1992, p.19).
47
Taça para vinho. Taça profunda com duas alças horizontais na borda, sendo, às vezes, umas das alças
horizontal e a outra vertical (LESSA, 2001, p.133).
54
Para nós, o significado das cenas não fica perfeitamente claro, entretanto nos
parece que o contexto todo se desenrola mais em torno do alábastros do que em relação
à negociação pelo sexo. Segundo Sian Lewis, o alábastros seria uma tradicional forma
de homens e mulheres se presentearem (LEWIS, 2002, p.189).
As interpretações acerca deste tópico não têm sido tão precisas quanto deveriam.
Se a presença de uma bolsa em uma cena de interação entre homem(s) e mulher(s)
representa uma imagem de uma prostituta e seu cliente, por que tantas outras cenas,
também identificadas como de prostituição, desprezam tal símbolo? É difícil imaginar
que um elemento seja tão determinante e desnecessário ao mesmo tempo.
Figura 10
Idem à figura 9.
Saindo da temática da negociação e retornando às representações eróticas, não
podemos deixar de questionar as interpretações de vasos que trazem imagens de
55
mulheres se masturbando com ólisboi
48
, como prostitutas. Tomemos como exemplo a
figura 11, onde vemos o medalhão interior de uma kýlix de figuras vermelhas de cerca
de 525-510, em que aparece uma mulher completamente despida segurando um ólisbos
em cada mão e colocando um na boca e outro na genitália. Nikos Vrissimtzis atribui à
mulher da cena o status de hetaíra com a justificativa de que o ólisbos era utilizado
pelas cortesãs nos banquetes para incitar estímulo sexual nos convivas (VRISSIMTZIS,
2002, p.74-5).
Figura 11
Localização: London, British Museum E815. Temática: Masturbação Feminina. Proveniência: Etruria,
Vulci. Forma: lix. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Nikosthenes. Data: 525-510. Indicações
Bibliográficas: ARFV 96; ARV 125,15; BAGPP 201043; KEULS, 1993, p.83, fig.79; KILMER, 1993,
R212; VRISSIMTZIS, 2002, p.74, fig.30.
No caso específico do referido vaso, chegamos à conclusão de que a mulher em
cena é realmente uma hetaira por dois motivos: nas quarenta e sete taças atribuídas a
Nikosthenes as mulheres aparecem apenas em cinco ocasiões (nuas em três delas),
predominando de uma maneira geral temáticas masculinas, míticas e simpótico-
48
Também chamado de baubón. Um pênis de couro macio, o precursor do vibrador (VRISSIMTZIS,
2002, p.125).
56
dionisíacas; a tendência é reforçada pelas faces exteriores do vaso, que apresentam na
face A uma cena com Hermes e na B uma cena com sátiros e mênades.
Entretanto, como dissemos, e embora Williams e Eva Keuls rejeitem
veementemente tal hipótese, consideramos que a erotização do corpo feminino na
cerâmica ática não pode ser identificada simplesmente como signo especifico de
prostituição (KEULS, 1993, p.180; WILLIAMS, 1984, p.99). Dessa forma, assim como
a nudez ou as sacolas de dinheiro, a referência a masturbação feminina ou aparelhos
propícios a tal prática não denotam necessariamente uma cena de prostituição,
sobretudo em vasos onde essas são as únicas imagens. Para corroborar com a nossa
afirmação recorreremos à comédia Lisistrata de autoria de Aristófanes, onde a
protagonista homônima, uma esposa ateniense legítima, se lamenta pela falta de sexo e
se refere inclusive ao ólisbos:
E nem a centelha de um amante nos resta.
Desde que os milésios nos traíram,
não vi mais nenhum consolo de oito dedos,
que nos trazia um conforto de couro [...]
(ARISTÓFANES. Lisístrata, vv.108-110)
Mais adiante, indagada por Calonice, o que as mulheres farão se abandonadas
por seus maridos, Lisístrata, novamente fazendo alusão à masturbação responde:
Como Ferécrates, teremos “que esfolar uma cadela
[esfolada”.
(ARISTÓFANES. Lisístrata, vv.158-159)
Podemos citar ainda uma passagem de A Assembléia das Mulheres onde as é
revelado o desejo que uma mulher tem de se esfregar “no estilo jônico” (v.918 f).
Segundo Garrison, tal expressão pode ser entendida como usar um dildo (2000, p.120).
57
Além dos elementos mais evidentes dos quais falamos neste capítulo, cabe
mencionar que diversas análises têm levado em conta um signo muito mais sutil para
atribuir às mulheres em cena o status de hetaírai: o corte de cabelo. Contudo um estudo
mais profundo desse aspecto revela que mudanças nos estilos de cortes de cabelos
como reflexo das modas entre mulheres ou pintores, e fazendo com que as perspectivas
em relação a cabelos curtos ou longos produzam conclusões pouco sólidas a respeito do
status feminino (LEWIS, 2002, p.104-5).
ainda um polêmico debate em torno da classificação de nomes que aparecem
na documentação escrita e na cerâmica ática. Ateneus, em sua obra, dá alguns exemplos
de nomes e apelidos de prostitutas, que tinham sua etimologia relacionada com a origem
ou os talentos particulares das mesmas (ATENEUS. XIII, vv.583-596). Por outro lado,
Schneider fez uma compilação de nomes de prostitutas extraídos da literatura e de
inscrições funerárias do V e IV séculos. O problema é que vários dos nomes que
compõem essa lista são nomes femininos comuns e, portanto, sua simples presença em
uma cena da cerâmica ática se constitui em argumento muito insipiente para,
desacompanhado de outros signos, determinar que uma mulher seja uma prostituta
(LEWIS, 2002, p.107-9).
O trabalho com imagens não gera divergências apenas entre diferentes
historiadores. Um mesmo pesquisador pode aprofundar ou mesmo modificar a análise
acerca de uma determinada cena. É o que veremos a partir das análises feitas por Eva
Keuls acerca das cenas de uma hydría de figuras vermelhas da segunda metade do sexto
século a.C. atribuída a Phintias, e aqui representada nas figuras 12 e 13.
Na figura 12 (corpo da hydría), temos no centro da cena um jovem (Euthymides)
e um homem adulto (evidenciado pela barba) cada um sentado em uma cadeira e
tocando lira, entre os dois encontra-se um outro jovem (ausência de barba) de pé, e no
58
canto esquerdo da cena também de e apoiado em um cajado vemos um outro homem
adulto. Na figura 13 (ombro da hydría), podemos obervar duas mulheres parcialmente
despidas, recostadas em klínai
49
e segurando um Skýphos cada uma. O vaso ainda tem
uma inscrição em forma de dedicatória: Para Euthymides.
Figura 12
Localização: Munich 2421. Temática: Educação/ Kóttabos. Proveniência: Etruria, Vulci. Forma: Hydría.
Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Phintias. Data: 525-500. Indicações Bibliográficas: ARFV 38.1 e 38.2;
ARV 23,7; BAGPP 200126; KEULS, 1993, p.161, fig.133 e 134; 1997, p.40, fig.49 e 50;
LISSARRAGUE, 1987, p.81, fig.70.
Em um primeiro momento, Keuls trabalhou com esse vaso em sua famosa obra
The Reign of Phallus: Sexual Politics in Ancient Athens. Nesse livro, a autora
interpretou que os dois jovens estariam tomando lições de música com um instrutor
(adulto sentado), enquanto seu pai (adulto de pé) estaria observando o progresso dos
49
Almofadas para recosto onde os convivas e as cortesãs se acomodavam durante os banquetes (KEULS,
1993, p.162).
59
rapazes. As duas mulheres do ombro seriam duas hetaíriai dedicando um lance de
kóttabos
50
ao jovem Euthymides (KEULS, 1993, p.160).
Figura 13
Idem à figura 12.
Posteriormente, em Painter and Poet in Ancient Greece: Iconography and the
Literary Art a autora mostra mais conhecimento sobre a temática ao aprofundar alguns
aspectos de sua análise anterior e até mesmo interpretando de outra forma a cena que se
desenrola no corpo da hydría. Nessa obra, antes de iniciar a análise do vaso, Keuls
menciona a existência de um aparente sentido de classe entre os pintores do Pioneer
Group
51
e que Euthymides era, além de pintor de vasos, reconhecidamente um cidadão
abastado.
52
Segundo a nova interpretação, Euthymides é o jovem sentado para quem o
pintor (Phintias) dedica a hydría
53
- tomando lições de música ao lado de um amigo, na
50
O mais famoso jogo simpótico, descrito mais detalhadamente no próximo capítulo.
51
Grupo da primeira geração de pintores e oleiros dos vasos de figuras vermelhas, que foi o responsável
por desenvolver as grandes inovações artísticas e estéticas permitidas pela nova técnica. Os pioneiros são
possivelmente o mais interessante de todos os grupos de artesãos que viveram no kerameikos, pelos seus
méritos artísticos e o seu caráter e coerência como grupo. De acordo com John Boardman, eles podem ser
entendidos como o primeiro movimento consciente de camaradagem entre artistas na História do
Ocidente (BOARDMAN, 1997, p.29).
52
É muito fácil identificarmos seu status, pois este jovem artesão como nenhum outro de sua geração
assinou vários de seus vasos com um registro patronímico. O pai de Euthymides era simplesmente
Pollias, um dos mais importantes escultores atenienses do período (BOARDMAN, 1997a, p.34; KEULS,
1997, p. 287).
53
As pinturas dos pioneiros são dialógicas entre si, eles parecem se comunicar uns com os outros através
das cenas de seus vasos. Certamente essa relação de intercomunicação numa sociedade agonística como a
60
presença de um observador (o adulto de pé) que seria seu erastés
54
oficial. A autora
descreve a cena do ombro como tendo duas belas hetaírai jogando kóttabos em honra
ao seu jovem mestre
55
. Ainda segundo Keuls, esta cena representaria parte marcante do
cotidiano das classes mais abastadas (KEULS, 1997, p.288-9).
Em geral, as brincadeiras feitas entre os artistas do Grupo dos Pioneiros
apresentavam esses indivíduos em ambientes simpóticos, com a presença de belas
cortesãs e de musicistas. Essa temática recorrente nos parece uma tentativa desses
indivíduos se mostrarem, uns para os outros e também uns com os outros, inseridos nas
mesmas práticas que as elites atenienses.
56
Neste capítulo tentamos demonstrar que, embora se constitua em um suporte
documental valioso, a cerâmica ática também exige um trabalho detalhado e criterioso.
O historiador não pode se influenciar pela presença de signos que em princípio parecem
elucidar novas propostas ou justificar outras construídas, mas que num olhar mais
aprofundado acabam se revelando ambíguos e pouco conclusivos.
57
Tentar compreender a construção da imagética ática com o olhar de um
ateniense é uma premissa irrefutável. Contudo, para tanto é necessário que nos
dispamos dos nossos p-conceitos contemporâneos em relação às práticas cotidianas e
ateniense, onde o prestígio e o reconhecimento pelos iguais era uma conquista extremamente importante,
gerou rivalidades dentro do Grupo dos Pioneiros.
54
Nas relações homoeróticas o amante (homem adulto) que instrui e corteja o erómenos (jovem amado)
(VRISSIMTZIS, 2002, p.123).
55
Acerca da participação de mulheres em banquetes, ler BURTON, 1998.
56
Embora desfrutassem e valorizassem os objetos por eles produzidos, as elites encaravam o universo dos
artesãos de forma tão negativa, que encontraram diversas justificativas, desde o mito até comparações
pejorativas da vida cotidiana, para não aceitarem tais indivíduos em seus círculos. O próprio ofício do
artesão era visto com conotações míticas negativas, pois ele subvertia o ideal do cidadão de viver em
harmonia com a natureza. Através de sua habilidade e de seus instrumentos (téchne) o artesão produzia
ilusão, denotando artifício, uma astúcia (métis), exercendo assim uma modificação sobre o que era
natural (THEML, 2004, p.247-52). No caso dos ceramistas, esse temor de uma relação sobrenatural com
o ofício era ainda maior pelo fato de exercerem uma atividade realizada através do fogo (SPIVEY, 1997,
p.13).
57
Consideramos que as indicações e referências à prostituição, contidas na documentação escrita, são
sempre diretas e bastante claras, portanto, não se faz necessária a construção de uma tipologia de signos
característicos tão rígida como a que procuramos construir em relação às imagens.
61
aos contatos sociais que ocorriam entre os diferentes grupos e os variados indivíduos da
dinâmica cotidiana de Atenas.
A imagética ática foi construída através de atitudes e reações, um diálogo entre
consumidores e produtores, e, portanto, a mudança de temáticas, corresponderia a
mudança do público consumidor, ou, ao menos de seus anseios (SUTTON Jr., 1992,
p.3-4). Nesse contexto, as mulheres surgem como elementos importantes na construção
do discurso visual da pólis, pois, a despeito do que diz Eva Keuls
58
, constituíram parcela
importante do mercado consumidor de Atenas, impondo suas preferências através de
contatos diretos estabelecidos com vendedores e artesãos (GARRISON, 2000, p.222;
RIDGWAY, 1987, p.405-6; SUTTON Jr., 1992, p.5).
Este capítulo teve também o intuito de esclarecer a refutabilidade dos tópicos
que geram divergência na historiografia que trabalha com a imagética tradicionalmente
remetida ao universo da prostituição. Contudo, nosso trabalho com a documentação
serviu principalmente, e para além da mera crítica à produção historiográfica, para
criarmos uma tipologia de identificação de imagens que remetem aos universos da
prostituição e da domesticidade (das atenienses) a partir de conjuntos de signos que se
repetem.
59
Ao aplicarmos o método isotópico e as semióticas de Bérard e Calame sobre a
documentação, concluímos que o número de signos (ou da reunião de signos) que
possibilitam que uma cena seja classificada como relativa à prostituição é bem menor
do que tradicionalmente a historiografia tem identificado. Para nós, apenas duas
características fornecem uma boa margem de segurança para afirmar que uma cena
58
Dentro da perspectiva da autora, a imagética ática funciona como a vertente visual da falocracia
ateniense, portanto sua construção obedeceria unicamente expectativas e representações feitas por e
voltadas a um olhar masculino (KEULS, 1993, p.1-3).
59
Cabe ressaltar, que mesmo nesse contexto, pode haver exceções de imagens que apresentem signos que
não se encaixem na tipologia, mas que pela presença de outros signos nos proporcionem a conclusão de
que remetem ao universo da prostituição.
62
remete à prostituição: vasos que trazem cenas representando a temática dos sympósia
(assim como Sian Lewis
60
), e mais além, a presença de homens jovens
61
praticando ou
se preparando para a prática do sexo com mulheres. Já as atenienses estão mais
identificadas com as práticas domésticas (sobretudo fiação e tecelagem), cenas de
toalete e preparação nupcial.
Este capítulo se constitui em uma etapa necessária para que não haja dúvidas ou
questionamentos acerca das razões que nos levaram a inserir ou não imagens na seleção
que comporá o restante do nosso trabalho, em que analisaremos diversos aspectos da
vida cotidiana das hetaírai e das atenienses.
60
Segundo Sian Lewis, o sympósion é o único cenário em que uma hetaíra pode ser identificada com
segurança (LEWIS, 2002, p.112).
61
Sempre identificados pela ausência de barba.
63
CAPÍTULO 2
EDUCAÇÃO, PRAZER E PODER
Diferente do que existe em relação às esposas legítimas, às cortesãs atenienses
não foi imposto nenhum código específico de conduta em relação a seu comportamento.
A documentação não faz nenhuma referência específica a um modo adequado de agir,
falar, vestir-se, ou comportamento das hetaírai, o que nos leva a crer que determinados
comportamentos característicos dessas mulheres eram resultado das necessidades da
função que exerciam. Cabe observar também que quem construiu modelos específicos
de modo de vida e conduta das cortesãs foi a própria historiografia contemporânea, ora
classificando-as como cultas e as mulheres verdadeiramente livres da pólis, ora como
vítimas de submissão imposta por uma sociedade masculinizada.
A historiografia tradicional construiu seus modelos clássicos de hetaíra a
oprimida ou a mulher culta e verdadeiramente livre basicamente através da biografia
de duas personagens: Aspásia
62
e Neera
63
. Certamente, os relatos acerca das vidas de
62
Nascida por volta de 470, em uma proeminente família milésia, Aspásia era a irmais nova da
segunda esposa do velho Alcebíades, e foi provavelmente esta ligação que a levou a Atenas, devido ao
término do ostracismo de seu cunhado. Não se tem certeza de como conheceu Péricles, mas não tendo
permissão de casar-se com um cidadão ateniense (ironicamente, por causa da legislação que o próprio
Péricles havia decretado pouco antes da chegada de Aspásia a Atenas), passou a viver como sua
concubina (pallakê) após seu divórcio. Em 430, no começo do segundo ano da Guerra do Peloponeso (da
qual foi acusada pelos inimigos de Péricles de ser a causadora, assim como de ser uma cortesã), uma
terrível praga assolou Atenas e matou os dois filhos do primeiro casamento de Péricles. Aspásia havia lhe
dado um filho que, naturalmente, não poderia gozar de direitos políticos, contudo Péricles conseguiu
obter uma exceção especial à lei para que seu filho ilegítimo obtivesse a cidadania ateniense. No ano
seguinte, com a morte de Péricles, Aspásia foi deixada sozinha. Logo encontrara em Lysicles outro
protetor, contudo este morreu um ano depois e nada mais é sabido a respeito dessa mulher, que ficou
muito conhecida por sua grande beleza, inteligência e habilidade políticas (ARISTÓFANES. Os
Acarnenses, v.524; ATENEUS. XIII, v.569; PLUTARCO. Péricles, vv.24-25; BLUNDELL, 1998, p.98-
9; GARRISON, 2000, p.150; MOSSÉ, 1990, p.68-70: VRISSIMTZIS, 2002, p.98-9).
63
O discurso jurídico Contra-Neera conta a história da ex-escrava Neera começa em Corinto onde desde
de menina esteve nas mãos da proxeneta Nicareta, depois passando para as mãos de dois jovens cidadãos,
64
tais personagens não devem ser desprezados, e pode-se considerá-los até indispensáveis
para a montagem de um corpus documental acerca do feminino e da prostituição em
Atenas, contudo não devem ser tratados como modelos do todo.
Nesta etapa do presente trabalho, tentaremos desconstruir tais mitos criados pela
historiografia tradicional. Para tanto, através do trabalho com a documentação proposta,
tomaremos as esferas de convivência e os processos de educação das cortesãs como
referenciais, comparando-os aos pontos similares nas vidas das atenienses, e assim
elucidaremos os objetivos e características específicos almejados no desenvolvimento
de cada grupo. Por fim, desvelaremos o que significava a figura da hetaíra no
imaginário ático através dos discursos que legitimavam não apenas o seu status mas
também daqueles homens a quem faziam companhia.
2.1. As Origens da Prostituição no Período Clássico
Ó Sólon, tu és nosso benfeitor, pois nossa cidade repleta de jovens de
temperamento ardente que poderiam se extraviar pela prática de atos
condenáveis. Porém, tu compraste mulheres e instalaste-as em locais
determinados, onde ficam à disposição de quem as quiser. Ei-las, tal
como as fez a natureza. Nenhuma surpresa. Vede tudo. Queres ser feliz?
A porta abrir-se-á, se quiseres; basta um óbolo[...] Com algumas
moedas podes comprar um momento de prazer sem correr o mínimo
que quando estavam prestes a se casar proporcionaram-lhe a oportunidade de comprar sua liberdade,
oferecendo inclusive um desconto em relação a seu preço de compra. Neera recorreu à ajuda de antigos
amantes para conseguir o montante necessário para obter sua liberdade, e em seguida foi para Atenas com
Frínion, aquele que havia contribuído mais. Logo, Neera se encontrava em Atenas compartilhando com
Frínion uma vida licenciosa e estando no papel de sua principal amante. Ela o seguia livremente pela
polis, mas mantendo os costumes de hetaíra, se utilizando de seu corpo para proporcionar prazer aos
convivas dos banquetes. Neera abandonou a Frínion e posteriormente passou a viver com um ateniense
chamado Estéfanos. Por volta de 340, foi levada à corte com a acusação de viver com Estéfanos como sua
esposa, pois naquele momento era ilegal o casamento entre cidadãos e não-atenienses. Havia também a
acusação de que Estêfanos teria incluído Fano, a filha de Neera, em sua fratría e dado sua mão em
casamento duas vezes a cidadãos atenienses. A condenação de Neera seria uma questão ética, sua
absolvição significaria a colocação de uma prostituta no mesmo patamar de uma esposa legítima
([DEMÓSTENES], Contra-Neera; BLUNDELL, 1998, p.97-8; MOSSÉ, 1990, p.71-8; SALLES,1982,
p.44-134). Contudo, somos obrigados a mencionar estudos mais recentes que demonstram que toda essa
história é mais produto da retórica utilizada por Apolodoro para atingir seu inimigo político e pessoal
Estéfanos do que um relato verídico acurado da vida de Neera (HAMEL, 2003; MINER, 2003).
65
risco[...] Podes escolhê-las de acordo com a tua preferência magras,
gordas, baixas, jovens, de meia-idade, velhas podes tê-las sem ter de
recorrer a uma escada ou de entrar furtivamente[...] Todos podem
desfrutá-las facilmente, sem receios e de todas as maneiras, dia e noite.
(ATENEUS, XIII, 529d)
A partir das reformas realizadas por Sólon no início do século VI, a prostituição
em Atenas se tornara legal, contanto que não fosse praticada por atenienses. As
prostitutas eram, em relação à sua origem, escravas ou ex-escravas que haviam sido
libertas, métoikoi
64
, ou meninas que haviam sido expostas por seus pais
65
(MOSSÉ,
1990, p.67-8). Cidadãos atenienses, esposas e filhos legítimos não podiam ser
prostituídos, “[...] ninguém pode vender suas filhas ou irmãs, a não ser se ficar patente
que elas perderam a virgindade antes de casar
66
(PLUTARCO. Vida de Sólon, XXIII,
v.1).
O período de prostituição inconseqüente e descontrolada chegava ao fim. Aos
poucos a quantidade de prostíbulos foi se multiplicando. Em nenhuma das póleis havia
tantas prostitutas quanto em Atenas, exceto Corinto, onde era exercida a Hierá
Porneía
67
(VRISSIMTZIS, 2002, p.84-8).
A palavra prostituta, em grego, é porné, que deriva do verbo pérnemi (vender,
ou ser vendido), portanto, aquela que está à venda ou aquela que vende sexo.
(DAVIDSON, 1998, p.117; VRISSIMTZIS, 2002, p.85-6). A palavra traz consigo a
idéia de comércio: dar a alguém os direitos sobre um corpo em troca de dinheiro, como
64
Métoikos (meteco): homens ou mulheres livres, de origem estrangeira, que, por tal motivo, não
possuíam direitos civis e políticos (VRISSIMTZIS, 2002, p.124).
65
Neste caso, mesmo tendo nascido filhas de cidadãos, quando recolhidas por alguém, normalmente,
acabavam sendo transformadas em escravas (VRISSIMTZIS, 2002, p.86).
66
Induzir uma mulher ateniense a se prostituir era completamente proibido e poderia ser rigorosamente
punido com multas em dinheiro e outras penas (SALLES, 1982, p.57-8; VRISSIMTZIS, 2002, p.86).
67
Prostituição Sagrada, instituição antiga na qual as escravas sagradas (hieródouloi) tinham relações
sexuais, com quem as solicitasse, mediante pagamento. De tal modo, o ato sexual seria praticado em
honra à deusa (Afrodite Pandêmica, cultuada, sobretudo, em Corinto, Abido e Éfeso), de acordo com os
simbolismos e as associações de caráter mágico-simpatético, e proporcionaria fertilidade a todas as
mulheres, fertilidade da terra e, por conseguinte, a prosperidade da pólis (VRISSIMTZIS, 2002, p.85 e
123).
66
uma mercadoria viva. O cliente que paga obtém uma autoridade momentânea para
usufruir daquele corpo da maneira que desejar (BRULÉ, 2003, p.190 e 207).
Podemos dizer que nesse mundo dos prazeres, as hetaírai ou companheiras
ocupavam o mais alto posto. Ao contrário das pórnai que atuavam nas zonas
portuárias a baixos preços -, as hetaírai com todos os seus dotes artísticos e físicos
serviam apenas a estrangeiros ricos e aos cidadãos mais abastados kaloí kagathoí
cobrando quantias bastante elevadas. Outro aspecto bastante importante é que enquanto
as pórnai eram escravas que serviam a preços tabelados por lei, as hetaírai eram
mulheres livres, portanto com poder de escolha acerca de quem atenderiam e em troca
do que (DAVIDSON, 1998, p.124-6). Teoricamente o contato com a hetaíra não seria
uma transação comercial, mas uma troca de favores (ou presentes) entre as partes
envolvidas onde o sexo era um elemento implícito, mas não uma compensação imediata
ou obrigatória. Como veremos mais à frente, esse sistema de boa fé, baseado em
reciprocidade e confiança, gerava relações mais longas entre as cortesãs e seus
companheiros, e, por isso uma rede de clientes limitada, mas que devido à proximidade
entre os envolvidos favorecia a maximização dos ganhos daquelas mulheres e da
satisfação concedida aos seus amigos (BRULÉ, 2003, p.208; DAVIDSON, 1998, p.120-
7, KURKE, 1997)
As hetaírai eram companheiras dos homens em banquetes e outros eventos da
vida social da pólis dos quais as esposas, filhas e irmãs não participavam,
principalmente, devido à austeridade no comportamento exaltado pelo modelo
mélissa.
68
Independentemente de seu flutuante status econômico e social que poderia
68
Segundo Fábio Lessa, baseando-se neste modelo, podemos afirmar que as esposas “bem-nascidas”
devem administrar o oîkos, se casam muito jovens, se dedicam à fiação e à tecelagem, têm como função
primordial a concepção de filhos (preferencialmente do sexo masculino), atuam no espaço interno
(enquanto o homem, no externo), tomam parte das Tesmofórias (festa em honra à deusa Deméter) e das
Panatenéias (cerimônia religiosa em honra à deusa Athena), permanecem em silêncio, são débeis e
67
sofrer grandes variações de acordo com as circunstâncias, as hetaírai se caracterizaram
por sua participação no banquete dos homens (CALAME, 2002, p.116-7).
2.2. Educadas para seduzir
As proxenetas helênicas responsáveis pela educação das hetaírai eram, na
maioria das oportunidades, mulheres capazes de formar cortesãs destinadas a ter uma
vida fácil ao lado de homens ricos.
69
Tradicionalmente, parte da historiografia
contemporânea tendeu a fomentar uma construção de que as cortesãs recebiam uma
formação intelectual superior até mesmo à das bem-nascidas, participando inclusive dos
debates filosóficos (SALLES, 1982, p.46; POMEROY, 1999, p.110-1; VRISSIMTZIS,
2002, p.95). Contudo tais considerações perpassam normalmente por exemplos como o
de Aspásia, que sequer pode ser comprovadamente considerada como uma hetaíra.
Além de belas, as cortesãs deveriam ser agradáveis. Acreditamos que a educação
das hetaírai era estritamente voltada ao mundo dos prazeres, visto que sua principal
prerrogativa era divertir, entreter e dar prazer a seus clientes, e, como veremos mais à
frente, eram essas as armas que elas tinham para se inserir no diálogo de poder com os
homens.
Em primeiro lugar, era preciso que essas jovens possuíssem o corpo ideal, ou
pelo menos, parecessem possuí-lo. Para tanto, eram ensinadas a usar o próprio corpo, a
remodelá-lo, e, citando Aléxis, Ateneus nos conta como:
frágeis, apresentam a cor da pele clara, são inferiores em relação aos homens e possuem uma atividade
sexual contida (LESSA, 2001, p.15).
69
Falamos aqui das mulheres que tinham relações íntimas e de co-dependência com as hetaírai, deixando
de lado a figura do ponobóskos, o dono de bordel ou chefe de companhias de entretenimento simpótico
como aquela que aparece em O Banquete de Xenefonte. Essas mães e/ ou avós que prostituíam suas filhas
e netas não possuíam outra maneira de viver, tendo como única riqueza a beleza de sua descendente,
havendo ela mesma sido, provavelmente, uma cortesã no passado. Temos o exemplo de Timandra,
amante de Alcibíades e mãe da célebre Laís (VRISSIMTZIS, 2002, p.93).
68
Remodelam-nas completamente, de modo que essas jovens não
conservem nem suas maneiras nem seu físico original. Uma delas é
muito pequena? Uma palmilha é costurada em seu calçado. Outra é
demasiado alta? Deve usar sandália e andar com cabeça enterrada entre
os ombros, o que a faz parecer menor. E esta, não tem ancas? Costura-
se um enchimento em suas vestes, na parte posterior, e os que a
encontrarem ficarão admirados à vista do seu belo traseiro. E esta
outra, tem a barriga grande?Pode usar seios postiços, como os atores;
dispõe sua veste por cima do enchimento e a faz cair de tal maneira que
sua barriga fique escondida. A que tem sobrancelhas ruivas as tinge com
fuligem. A que as tem muito escuras passa alvaiade na pele. E a que é
muito pálida passa ruge nas faces. A que tem uma parte de seu corpo
particularmente bela arranja um modo de desnudá-la. A que tem belos
dentes deve naturalmente rir, a fim de que todo o grupo possa ver como
tem uma bela boca. E, se não souber rir, deve como as cabeças de
cobras nos açougues manter entre os lábios um ramo de mitra, o que
faz com que, que queira ou não, conserve a boca entreaberta.
(ATENEUS. XIII, v.557)
Cabe ressaltar que o aprendizado das artes e subterfúgios da sedução não é um
aspecto de domínio exclusivo das profissionais dos prazeres, pois, como dissemos
anteriormente, o principal objetivo do casamento é a reprodução de herdeiros e a
continuidade da pólis, tudo isso através do sexo. Portanto dominar as ferramentas que
manipulam a beleza e a sedução faz parte também das habilidades aprendidas pelas
atenienses. Lisístrata nos um dos inúmeros exemplos que permeiam a documentação
textual:
Se ficássemos dentro de casa, maquiladas,
e, sob as tunicazinhas de Amorgos,
nuas desfilássemos, o púbis depilado
70
,
os maridos cheios de tesão, desejariam fazer sexo,
mas se não nos aproximássemos, se nos recusássemos,
70
Martin Kilmer demonstra, através de seus estudos, que assim como a documentação textual as imagens
nos vasos destacam o apelo erótico e a necessidade estética da depilação feminina, sobretudo através das
imagens onde ao menos uma das em cena mulheres é apresentada com a genitália numa disposição frontal
convidando o olhar direto do espectador, como nas figuras 11 e 18 do presente trabalho (KILMER, 1982,
p.104-12; 1993, p.133-59). Pierre Brulé argumenta que a preferência da genitália depilada estaria ligada
ao ideal estético ligado a corpos jovens (BRULÉ, 2003, p.134-5).
69
negociariam a trégua rapidinho, sei bem disso. (Aristófanes. Lisístrata,
vv.149-154)
Nidam-Hosoi afirma que o discurso imagético ateniense nos apresenta um
contexto onde a beleza masculina é obtida através da virtude enquanto a beleza
feminina é construída por meio de subterfúgios (inclusive com as vestimentas) desde a
origem mítica de Pandora (NIDAM-HOSOI, 2007, p.8-10). Podemos observar essa
lógica operando nas imagens de toalete feminina e preparação nupcial analisadas no
capítulo anterior.
Lydie Bodiou nos mostra que o domínio da toalete feminina se estende da
manipulação da aparência para a manipulação dos sentidos, pois, ao aplicar o óleo
perfumado em seu corpo, a mulher (esposa ou cortesã) torna-se mais atraente não
apenas pelo odor e pela hidratação proporcionados por tal substância mas também
porque ela torna a pele brilhante e atrativa (BODIOU, 2008, p.153-4 e 157). A
utilização de tais téchnai tem influência no imaginário.
As meninas recebiam também uma educação artística, aprendendo a dançar,
cantar e a tocar instrumentos como o krotalon
71
, a lira e, principalmente o aulós
72
(CERQUEIRA, 2005, p.39; SALLES, 1982, p.61; VRISSIMTZIS, 2002, p.95).
Segundo Fábio Cerqueira, o predomínio do aulós é absoluto, aparecendo em 60% das
cenas de sympósion, nas quais em 59% das vezes são tocados por mulheres. O aulós era
o instrumento mais tradicional para o acompanhamento dos skólia
73
(CERQUEIRA,
2005, p.39-40).
Tomando como pressuposto que, por servirem as camadas mais abastadas da
pólis dos atenienses, as hetaírai realmente passavam por um treinamento bastante
71
Castanhola (CERQUEIRA, 2005, p. 46).
72
A flauta dupla dos gregos. Poderia ser tocado tanto por homens quanto por mulheres, e utilizado tanto
na vida secular quanto no âmbito sagrado (LEWIS, 2002, p.214).
73
As canções dos sympósia. Cantados alternadamente em solo e em grupo (CERQUEIRA, 2005, p.38).
70
pragmático e específico na busca de proporcionar o entretenimento da melhor maneira
possível, observemos a figura 14.
Figura 14
Localização: Naples, Museo Archeologico Nazionale H3232. Temática: Educação/Prostituição.
Proveniência: Italy, Nola. Forma: Hydría. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Polygnotos. Data: 440-430.
Indicações Bibliográficas: ARV 1032,61; BAGPP 213444; CP 138; KEULS, 1993, p.93, fig.84; LEWIS,
2002, p.34, fig.1.18.
Nas figuras 14 e 15 podemos ver a decoração exterior de uma hydría de figuras
vermelhas de cerca de 440-430, atribuída a Polygnotos. Na figura 14, da esquerda para a
direita, vemos o exterior A, onde um jovem rapaz (ausência de barba) vestido e apoiado
a um cajado que assiste a cena que se desenrola: uma mulher vestida e de pé segura uma
flauta com a mão esquerda e uma lira com a mão direita, enquanto observa uma moça
aparentemente mais jovem, com roupas mais simples e mais curtas, dançando; às suas
costas outra garota, com roupas similares, dança ao som da flauta tocada pela mulher
que está sentada e vestida, à sua frente. No exterior B, a cena continua com um jovem
(ausência de barba) vestido de guerreiro, com capacete, lança e escudo, enquanto outra
mulher diante dele tem um krotalon em cada mão. Em seguida, podemos observar uma
garota nua em cima de uma mesa fazendo acrobacias em torno de uma kýlix que repousa
sobre a mesma; a cena termina com uma mulher vestida e de pé, que toca flauta para
71
uma garota nua, q usa apenas uma fita amarrada à coxa esquerda e parece se preparar
para fazer alguma acrobacia sobre três espadas apontadas para cima diante dela. A
presença de mobília torna evidente que é uma cena de interior.
Figura 15
Idem à figura 14.
Entendemos que, a despeito do que diz Eva Keuls
74
, sem sombra de dúvidas, se
trata de uma cena representando o treinamento de cortesãs, pois as filhas legítimas dos
atenienses aprendiam a cantar e a tocar principalmente com fins religiosos normalmente
longe da presença dos homens, e as meninas da cena evidentemente treinam práticas de
entretenimento.
Um aspecto interessante na cena das figuras 14 e 15 é que apenas a personagem
que se prepara para trabalhar com as espadas tem uma fita na coxa. Esse tipo de fita
aparece normalmente na imagética da cerâmica ática como uma espécie de amuleto para
74
Segundo Eva Keuls, a flautista sentada na face B seria Elpinike, filha do general Miltiadese meio-irmã
de Címon, e que gozava de reputação, portanto se justificando a esfera em que se desenrola a cena
(KEULS, 1993, p.92-3). Contudo, acreditamos que a conclusão de Eva Keuls é precipitada, visto que não
existem outros vasos com a temática Elpinike, e assim sendo, esse único exemplar não é suficiente para
se agarrar à validade de tal hipótese. Por outro lado, existem outras cenas que mostram o treinamento de
jovens mulheres com a presença de signos que remetem muito mais ao treinamento para a celebração de
cultos ou festivais, do que à esfera da prostituição (LEWIS, 2002, p.31-3).
72
proteção (LEWIS, 2002, p.104-7). Imaginamos que ela use o amuleto devido ao maior
risco de sua aparente atribuição.
Com tais indícios, acumulamos argumentos suficientes para comprovar que uma
bem-nascida, com o dever de gerar os novos cidadãos da pólis, não poderia estar
inserida em tal situação.
A cena que se desenrola nas figuras 14 e 15 aliadas a alguns relatos encontrados
na documentação textual
75
e nas produções historiográficas contemporâneas
76
nos
fazem concluir que embora pudessem desempenhar variadas funções, de acordo com os
desejos dos clientes, cada uma das cortesãs assumia um papel mais específico na
engrenagem de entretenimento em que se constituía um banquete
77
, oferecendo seus
encantos, sobretudo àquele a que fazia companhia, algo que podemos notar na
disposição espacial dos convivas na figura 18 assim como na seguinte passagem:
“Quatro, os bebedores, e vem a amada de cada um” (Antologia Palatina, V, 183).
Além de belas e talentosas, as hetaírai deveriam ser companhias agradáveis para
seus clientes, e, portanto, também deveriam saber se comportar nos momentos em que
seus atributos físicos não fossem o centro da ação. Nesses momentos deveriam se portar
de forma recatada e comedida, lembrando o comportamento esperado das bem-nascidas
(ATENEUS, XIII, v.571; SALLES, 1982, p.61). Crobila ensina a sua filha Corina:
75
Em O Banquete de Xenofonte duas passagens em que o autor faz referência a atuação de uma
musicista, uma dançarina e uma acrobata, cada uma desempenhando seu papel (XENOFONTE. O
Banquete, II, vv.8-11 e VII, v.1). Nos Deipnosophistas, um conviva euforiza os talentos de belas
dançarinas prostitutas e de jovens flautistas que mal chegaram a puberdade (ATENEUS. XIII, v.571b).
Em outra passagem, o autor menciona tocadoras de flauta, cantoras, dançarinas, malabaristas e mulheres
nuas que faziam toda sorte de equilibrismos com espadas e lançavam fogo pela boca (ATENEUS, IV,
vv.129-130).
76
Segundo Fábio Cerqueira, as flautistas tinham como principal função deleitar os convivas com a
música, para eventualmente servi-los com sexo, o que se evidencia pelo fato de elas regularmente
aparecerem vestidas nas cenas de banquete (CERQUEIRA, 2005, p.40-1).
77
Como veremos mais profundamente no próximo capítulo, a atuação das atenienses, desde os primeiros
anos de sua educação e ao longo de toda a vida, era elaborada e executada de maneira conjunta e
colaborativa com seus pares, favorecendo o fortalecimento de laços solidários e de um sentido de
comunidade.
73
Escuta-me, vou te dizer o que deves fazer e como te comportar com os
homens [...] Primeiramente, ela é elegante e atraente ao se vestir, tem
um olhar bem disposto para todos os homens, não está tão disposta a rir
tão abertamente [...], mas tem um sorriso doce e cativante [...] não trai
ninguém com quem esteja, seja cliente ou acompanhante; e não se atira
nos braços de um homem [...] não se embriaga, pois é ridículo, e os
homens detestam as mulheres bêbadas. Não come demais, pois isso é
prova de educação. Toma os alimentos com a ponta dos dedos; come
sem fazer barulho e sem encher as duas bochechas; e bebe com
comedimento, com pequenos goles, não de um só trago [...] E ela não
fala demais ou debocha de qualquer um dos convivas, tem olhos apenas
para seu cliente. É por isso que os homens gostam dela. (LUCIANO.
Diálogo das Cortesãs, 6)
Sua educação se concluía com a aprendizagem de métodos contraceptivos, para
que pudessem estar em atividade na maior parte de sua juventude, enquanto ainda
fossem belas e desejáveis. A documentação e a historiografia falam de diversas
substâncias a serem aplicadas na genitália antes do ato sexual, de raízes e plantas com
atributos mágicos, sobretudo drogas e poções que objetivavam garantir por um período
mais ou menos longo a esterilidade provisória, embora não se tenha muita certeza da
eficácia de tais produtos (ATENEUS, XIII, 559; SALLES, 1982, p.63-5). Consideramos
relevante destacar que a responsabilidade contraceptiva era sempre da mulher não
importando a técnica ou método utilizado para a obtenção de tal fim e, portanto,
obedecendo esta lógica, a prática do coito interrompido ocorria de maneira inversa a que
conhecemos atualmente, com a mulher tendo que observar a tensão crescente do
membro masculino para prever o clímax e saber o momento exato de recuar para que
seu parceiro ejaculasse fora de sua genitália (BRULÉ, 2003, p.163-4).
74
2.3. A Esfera de Atuação - Os Banquetes Privados dos Homens
Na dinâmica relacionada ao mundo dos prazeres podemos situar o sympósion
como o evento máximo. Este era um dos acontecimentos mais característicos da vida
social e sexual em Atenas. Literalmente significando festa de beber, era um encontro
único, dedicado a vários tipos de comidas, bebida, jogos, discussões filosóficas e sexo
com prostitutas e outros homens, mas nunca com esposas (KEULS, 1993, p.160).
Alexandre Carneiro ressalta que o sympósion não é só uma festa de pessoas abastadas, e
que em um único festim é possível encontrar membros de diferentes camadas sociais de
Atenas, mesmo estrangeiros (LIMA, 2000, p.22). Contudo, defendemos aqui que, assim
como as hetaírai, esses festins privados, a partir das reformas de Sólon e com o
surgimento da democracia, funcionaram como marcadores de diferenciação social entre
os membros da aristocracia e os cidadãos atenienses menos abastados. Acreditamos que,
ao mesmo tempo que marca e solidifica os laços entre os iguais, o sympósion também é
um espaço demarcador de alteridade, uma vez que de seu ambiente estão excluídos os
que não são membros do grupo ali reunido.
Defendemos que como elemento discursivo de uma identidade grupal o
imaginário dos banquetes privados deveria ser propagado por toda a pólis para que o
maior prestígio dos convivas fosse captado e reconhecido pelos demais membros da
comunidade política (cidadãos). Logo, tanto a esfera prática como as representações
escritas e imagéticas de tais eventos deveriam dispor de elementos específicos que
constatassem o estilo de vida mais elevado da aristocracia ateniense.
Dentro dessa perspectiva de propagação dos ideais aristocráticos, entendemos
que a mídia com maior facilidade para circular nos espaços públicos da pólis são os
vasos decorados. Observando esses textos imagéticos e aplicando o método de leitura
75
isotópica, identificamos dois elementos constantemente euforizados: o vigor físico dos
corpos dos kaloí kagathoí, e o convívio com as hetaírai as rainhas do mundo dos
prazeres a quem os cidadãos pobres jamais teriam acesso.
O sympósion é uma parte tão característica da vida ateniense, que muitas facetas
daquela cultura seriam incompreensíveis se estes não fossem levados em conta. A busca
da manutenção do entretenimento e da alegria estava nas mãos de pessoas que
dependiam dessas festas como sustento pessoal. As hetaírai, musicistas e acrobatas
eram responsáveis pelo deleite e pelo prazer dos olhos e dos corpos dos convivas.
Os sympósia normalmente aconteciam no quarto dos homens (andrôn) de
residências privadas. O andrôn era, essencialmente, uma sala de jantar, contendo
pequenos pódios de pedra ou massa, nos quais se colocavam almofadas para recosto
(klínai), onde os convivas e as hetaírai reclinavam-se para comer e para beber. Os
mesmos klínai serviam para dormir e para a prática do sexo (KEULS, 1993, p.162). O
andrôn era enfeitado com motivos florais, sobretudo rosas, heras, e violetas,
simbolizando uma relação religiosa, fornecendo ao banquete um caráter intermediário
entre o sagrado e o profano (THEML, 1998b, p. 104). Na entrada do andrôn havia um
vestíbulo que dava acesso direto à rua. Essa ligação direta com a rua era uma forma de
evitar que as mulheres da casa (esposas e filhas) estabelecessem algum tipo de contato
com os convivas que eram homens estranhos ao seu convívio. Segundo Claude
Calame, esse acesso direto à rua situa o andrôn, de certa maneira, no limite entre o
interior e o exterior, fornecendo a ele um caráter semi-público (CALAME, 2002, p.118).
Segundo Alexandre Carneiro, o banquete consiste numa prática festiva, que
possui uma série de regras estabelecidas e ritualizadas, objetivando receber um amigo
ou um estrangeiro (LIMA, 2000, p.31). Após a regulamentação das diferentes fases do
banquete harmonicamente, os convivas escolhem por meio de sorteio um simposíarchos
76
ou “rei do sympósion”, ao qual se comprometem a obedecer (LIMA, 2000, p.31-2;
PELLIZER, 1990, p.178; SALLES, 1982, p.106).
O simposíarchos tem a função de determinar o número de taças a serem bebidas,
de cuidar do ordenamento do entretenimento, assim como indicar as penalidades
destinadas a punir os maus bebedores. Ele é o principal responsável pelo bom
andamento da bebedeira (LIMA, 2000, p.33; SALLES, 1982, p.106):
É preciso que a mistura do homem e do vinho se faça segundo a natureza
de cada um; e o symposíarchos deve conhecer as regras dessa mistura e
observá-las a fim de que, tal como um hábil músico com as cordas de sua
lira, ele puxe um conviva dando-lhe de beber, solte um outro
racionando-lhe o vinho, e conduza assim essas naturezas em desarmonia
a um uníssono harmonioso. (PLUTARCO. Conversas à Mesa, I, 4, 2f)
A sociedade ateniense valorizava a justa medida, e a ars bibendi do sympósion
deve se fixar num ideal de consumo moderado, evitando os extremos de completa
abstinência (nephein) e embriaguês prejudicial (methyesthai, paroinein, kraipalan). O
bom bebedor deveria transitar num estágio entre o comportamento tedioso do homem
sóbrio e a irracionalidade e violência do bêbado (PELLIZER, 1990, p.178).
Os convivas que se excedem no vinho querem sair da ordem. O andrôn e a
libação dão condições para que eles ingressem em uma realidade utópica e
carnavalesca, onde será deixado de lado o respeito às normas e às regras sociais. A
limitação imposta pelo espaço interno (do andrôn) determinará o deslocamento para o
espaço público (LIMA, 2000, p.36).
Tão importante para o sympósion como o próprio evento em si era o kômos, a
procissão festiva que marcava a transição para o momento da bebedeira, da festa de
beber, ou o transporte dos convivas de uma casa para outra (KEULS, 1993, p.174). Esta
77
era, provavelmente, a ocasião que gerava a violência com a qual os sympósia eram
relacionados.
78
Podemos observar a figura 16, que é uma das faces do exterior de uma kýlix de
figuras vermelhas de autoria de Brygos Painter. Nesta imagem, vemos, no centro, um
jovem segurando uma taça na mão esquerda e um cajado na mão direita, tendo à sua
direita dois homens adultos o que se evidencia pela barba e uma mulher que toca o
aulós (a dupla flauta), e à sua esquerda um jovem e um homem adulto que agarra uma
mulher que tem uma taça em sua mão esquerda. Somos levados a crer, pela relação
entre a bebida, a música e o ritmo sugeridos pela posição das personagens que tal
imagem corresponde a uma procissão de kômos.
Três elementos devem ser destacados na análise dessa imagem: 1) os dois
homens no centro seguram bengalas, o que nos informa que se tratam de cidadãos; 2)
três dos homens estão praticamente nus; 3) as duas mulheres estão completamente
vestidas. Ao colocarmos tais elementos em conjunção, podemos imaginar que a
euforização da nudez masculina é um fato consolidado pelo velamento dos corpos
femininos. Guardemos tais informações e sigamos adiante.
78
Influenciados pelo vinho, os convivas eram transportados para um mundo diferente daquele regido
pelas leis, normas e padrões da pólis. Essa carnavalização abria brechas nos valores e costumes
euforizados pela sociedade, tornando-se uma questão muito séria e perigosa para o sistema social (LIMA,
2000, p.38).
78
Figura 16
Localização: Würsburg, Martin Von Wagner Museum 479. Temática: Sympósion/ Kômos. Proveniência:
Etruria, Vulci. Forma: Kýlix. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Brygos Painter. Data: ce. 490. Indicações
Bibliográficas: ARFV 254; ARV 372,32; BAGPP 203930; GARRISON, 2000, p.148, fig.5.21; HAMEL,
2003, p.8-9, fig.3, p.40, fig.9; KEULS, 1993, p.175, fig.152, p.221, fig.171; LEWIS, 2002, p.97, fig.3.6;
LIMA, 2000, capa.
Por toda parte, a desordem é um vício; mas, entre os homens,
principalmente quando bebem, ela revela então sua perversidade pelo
excesso e por outros males indescritíveis, que devem ser previstos e
evitados por um homem capaz de ordem e de harmonia. (PLUTARCO.
Conversas à Mesa, I, 2, 5)
O consumo desenfreado do vinho poderia, em algumas ocasiões, levar os
convivas à embriaguez. É que, segundo Alexandre Carneiro, ocorre o fenômeno do
carnaval, onde se verifica a suspensão da ordem e liberação das repressões sociais
(LIMA, 2000, p.32). A figura 17 corresponde ao medalhão interior de mesma kýlix
representada na figura 16, nela podemos ver uma hetaíra ajudando um jovem rapaz, que
segura um cajado (identificando seu status de cidadão), a vomitar. Tal imagem
correspondente a um dos tantos excessos de que se tem relato na documentação textual
e que causavam diversos conflitos em Atenas. Uma das mais famosas alusões a tais
comportamentos se encontra na comédia As Vespas de Aristófanes, onde o autor
79
claramente disforiza o comportamento do velho Filocléon, que aparece bêbado e
descomposto, em companhia de uma flautista nua e de outras pessoas, agride uma
padeira e abusa da flautista (ARISTÓFANES. As Vespas, vv.1335-1414).
Figura 17
Idem à figura 16.
Segundo Catherine Salles, os convivas dos banquetes gostavam de organizar
competições de todo tipo, sobre qualidades físicas ou intelectuais dos participantes. Esta
autora afirma ainda que não era raro, ao fim do banquete, as mulheres concorrerem
entre si para saber quem fazia o melhor amor, sendo que em algumas ocasiões
chegavam a estabelecer provas específicas, como nos jogos olímpicos, segundo as
capacidades próprias a cada uma das moças (SALLES, 1982, p.111-2). Paulo nos relata
um concurso de beijos:
Os beijos de Galatea são longos e sonoros, os de Demo, delicados,
Dóride morde. Quem excita mais? Os ouvidos não devem julgar os
beijos; depois de provar os lábios selvagens emitirei o meu voto. Estás
equivocado, coração meu. Os delicados beijos de Demo conheces e o
doce mel de sua boca de orvalho. Fique aí; ela merece a coroa. Mesmo
80
que alguém goze com outra, não me separará de Demo. (Antologia
Palatina, V, 244)
Rufino escreveu dois epigramas registrando espécies de competições mais
picantes entre cortesãs. No primeiro temos um concurso de nádegas:
Fui árbitro de um concurso de nádegas entre três mulheres; elas mesmas
me elegeram e me mostraram o brilho desnudo de seus membros. De
uma, a branca doçura ao tato florescia de seus glúteos e ficava
estampada por dobras redondas como sorrisos. Da segunda, que abria
as pernas, a pele de neve enrijeceu mais vermelha que uma rosa
purpúrea. A terceira estava calma e como o mar quebrava com
silenciosas ondas, agitada sua delicada pele por calafrios. Se o árbitro
das deusas houvesse visto essas nádegas, não teria querido nem sequer
olhar as de então. (Antologia Palatina, V, 35)
No segundo, três mulheres disputam aquela que possui a mais bela genitália:
Disputavam entre si dope, Mélite e Rodoclea, qual das três tinha o
„entremúsculo‟ mais belo,e me elegeram árbitro. Como as deusas,
isentas e de pé, posaram desnudas, lambuzadas por néctar. O de Ródope
brilhava em meio aos músculos, precioso, dividido como um ramo de
rosas por um forte zéfiro. O de Rodoclea era igual ao cristal, como uma
polida imagem esculpida em um templo. Sabendo claramente o que
sofreu Páris por causa do concurso, justiça às três porquanto as coroei
como imortais. (Antologia Palatina, V, 36)
O jogo que no Período Clássico tinha maior sucesso era o kóttabos, de
implicações ao mesmo tempo eróticas e dionisíacas.
A partir do momento em que o rumor sonoro do vinho, próximo do ruído
do teléfilon, estala contra o jarro profético, fico sabendo que tu me amas.
Tu vais imediatamente me mostrar que isso é verdade, vindo dormir a
noite inteira comigo. Com efeito, é assim que me mostrarás tua
sinceridade. E eu deixarei esses bêbados jogarem o kóttabos, lançando
ruidosamente o seu vinho sobre o jarro. (Antologia Palatina, V, 296)
81
Através do jogo de kóttabos os convivas distribuíam entre si as hetaírai que
iriam lhes divertir. O bebedor deveria esvaziar o conteúdo de uma taça e jogar as
últimas gotas de vinho que restassem naquela taça na direção de um prato ou jarro
situado a certa distância, então o bebedor pronunciaria o nome da pessoa que desejasse,
se o jato de vinho atingisse o local provocando um som harmonioso o jogador teria
certeza que possuiria a pessoa cujo nome invocara (KEULS, 1993, p.160; SALLES,
1982, p.113; VRISSIMTZIS, 2002, p.94). Há um fragmento da Velha Comédia que fala
a respeito de jogar kóttabos em troca de sapatos e taças de beber, e também em troca de
beijos (KEULS, 1993, p.160).
O kóttabos está presente em várias cenas de banquetes da iconografia ática,
como figura 18, onde vemos uma das faces de uma kýlix de figuras vermelhas atribuída
a Tarquinia Painter e datada de cerca de 470-460. Vemos uma cena de interior
(evidenciada pelas almofadas e pelo cesto e a fita pendurados à parede), no ambiente do
sympósion, onde dois casais - cada um composto por um homem adulto (barba) e uma
mulher jogam kóttabos. A prática nos parece mais evidente no primeiro casal da
esquerda para a direita, pois o gestual de ambos nos faz imaginar que o homem segura a
sua taça enquanto a mulher faz o movimento de tentar acertá-la com o vinho restante em
sua kýlix, demonstrando uma similaridade incrível com a descrição que obtivemos de tal
jogo.
82
Figura 18
Localização: Basel, Antikenmuseum und Sammlung Ludwig: KA415. Temática: Sympósion/ Prostituição/
Kóttabos. Proveniência: Não Fornecida. Forma: Kýlix. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Tarquinia
Painter. Data: ce. 470-460. Indicações Bibliográficas: ARV 868,45; BAGPP 211438; BEARD, 2000,
p.25, fig.6; BOARDMAN, 1997b, fig.72a; BRULÉ, 2003, p.211.
Às vezes, quando as hetaírai gozavam de uma certa fama, elas mesmas
praticavam o jogo do kóttabos e escolhiam assim seus companheiros de noitada.
Segundo Catherine Salles, nesse jogo havia três elementos indispensáveis no
sympósion: a ingestão de vinho, a prova de habilidade e o erotismo (SALLES, 1982,
p.113-4).
83
Figura 19
Localização:Madrid, Museo Arqueológico Nacional 11.267. Temática: Kóttabos/ Prostituição/
Sympósion. Proveniência: Etrutia, Vulci. Forma: Kýlix. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Oltos. Data:
520-510. Indicações Bibliográficas: ARV 58(53); BAGPP 200443; LISSARRAGUE, 1990, p.260, fig.53.
Assim como a figura 18, as 13 e 19 trazem cenas que, segundo nossa
interpretação, representam a prática do kóttabos. O ponto em comum entre essas duas
últimas é que em ambas temos apenas mulheres. Na figura 11, da qual tratamos no
capítulo anterior, temos a representação de uma cena em que duas jovens hetaírai
reclinadas em almofadas e com taças de beber nas mãos jogam kóttabos em homenagem
ao jovem Euthymides. na figura 18, temos o exterior de uma kýlix de figuras
vermelhas, de autoria de Oltos, onde vemos duas hetaírai reclinadas em almofadas o
que evidencia ser uma cena de interior -, uma tocando o aulós enquanto a outra segura
um skyphos com a mão esquerda e uma taça com a direita, dando a impressão de estar
jogando kóttabos.
Tendo ou não ocorrido a prática do kóttabos e do kômos, o destino natural dos
sympósia era a indução a atividade que mais dava fama as hetaírai: a prática do sexo.
Dispamos, grata amiga, nossas roupas e que os membros desnudos
aproximem-se dos desnudos membros enlaçando-se. Que não haja nada
no meio, pois teu delicado véu parece-me a muralha de Semíramis.
Nossos peitos unamos e nossos lábios. (Antologia Palatina, V, 252)
84
Figura 20
Localização: New Heaven, Yale University Art Gallery 1913.163. Temática: Sympósion/Prostituição.
Proveniência: Etruria, Vulci. Forma: Kýlix. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Gales Painter. Data: 510-
500. Indicações Bibliográficas: ARV 36.a; BAGPP 200208; CP 138; LEWIS, 2002, p.123, fig.3.24.
Esse tipo de ocasião pode ser lembrado a partir da cena representada na figura
20, onde vemos o medalhão interior (única parte decorada) de uma kýlix de figuras
vermelhas de cerca de 510-500, atribuída a Gales Painter. A cena mostra, da esquerda
para a direita, uma hetaíra (com um aulós na mão direita)
79
e um jovem rapaz (ausência
de barba), ambos despidos e deitados sobre uma kliné, trocam carícias e aparentemente
fazem sexo. Cenas como esta e algumas de sexo em grupo se multiplicam na imagética
dos sympósia.
79
O aulós reforça a presença do amor cortesão envolvendo prazer e poder entre um homem livre e
uma personagem hierarquicamente inferior na sociedade, a hetaíra. Além disso, evidencia que esta
deveria ser uma cortesã do mais alto vel, posto que as auletrídes (tocadoras de aulós) eram as mais
caras e mais disputadas profissionais do prazer em Atenas (CERQUEIRA, 2005, p.40-1).
85
2.4. Relações de Interação: Corpo, Discurso e Poder
As hetaírai das figuras 13 e 19 podem muito bem representar o ideal estético da
jovem beleza feminina predominante na cerâmica ática ao longo do século V: magras,
graciosas, com seios pequenos e firmes.
80
As medidas são curiosamente masculinas,
como se o artista utilizasse como modelo o corpo de um efebo adicionando os seios,
nem sempre sendo convincentes (FANTHAM, 1994, p.116-18).
As produções da imagética nos mostram casos recorrentes de que para essas
mulheres a beleza se constituía em sua maior e talvez única arma e instrumento de
barganha nas relações de poder travadas com os cidadãos atenienses.
81
Diversos
pintores representam hetaírai gordas e aparentemente mais velhas tendo que se valer de
subterfúgios para permanecer atuando no mundo dos prazeres
82
, como podemos conferir
nas figuras 21, 22 e 23.
80
Segundo Claude Bérard, corpos jovens e esbeltos definem o ideal estético de beleza masculina e
feminina nas representações iconográficas da Atenas do Período Clássico (BÉRARD, 2000, p.392).
81
Neste sentido, cabe ressaltar que esta não era arma exclusiva das hetaírai, uma vez que, como temos
demonstrado ao longo deste trabalho a beleza das esposas legítimas também tinha forte apelo erótico a
seus maridos, como nos mostra a Helena de Eurípides, que abraça seu marido para assim poder desfrutá-
lo, para que aproveitem tal oportunidade de ficarem juntos e Menelau responde que deseja o mesmo
(Eurípides. Helena, vv.639-645). Destacamos a passagem na Odisséia onde Odisseus e Penélope
(paradigma de beleza e conduta da esposa legítima) retornam ao leito nupcial:
As palavras da esposa querida, aninhada em seus
braços, despertam-lhe a vontade de chorar[...]
”Vamos para a cama, querida. Desfrutemos
abraçados as doces delícias do sono.”
Respondeu-lhe o peito acolhedor de Penélope:
“A cama é tua agora e todos os dia. Sempre que
tiveres vontade, vem” [...]
Os dois, radiantes, voltaram
ao antigo e respeitável leito[...]
Refeitos
do abraço que os uniu profundamente, os dois
ainda tinham muito para conversar.
(HOMERO. Odisséia, XXIII, vv.231-301).
82
Da mesma forma, a documentação também oferece exemplos de esposas que ao atingirem certa idade
procuram subterfúgios para não terem seu lugar ocupado por outra mulher mais jovem e mais bela.
Podemos exemplificar tal situação com Deianeira que, em sua juventude, era desejada por muitos, mas
que depois de vinte anos de casamento com Héracles teme que, embora este continue sendo seu marido,
torne-ser o homem da jovem e bela Íole (KAIMIO, 2002, p.105-6). E Rufino confirma os temores das
86
Figura 21
Localização: Malibu, J. Paul Getty Museum 80A.E.31. Temática: Sympósion/ Prostituição. Proveniência:
Não Fornecida. Forma: Kýlix. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Phintias. Data: ce. 500. Indicações
Bibliográficas: KEULS, 1997, p.408, fig.65 e 66.
Nas figuras 21 e 22 temos, respectivamente, as faces exteriores A e B de uma
kýlix de figuras vermelhas confeccionada em torno de 525-475, atribuída a Phintias. Na
cena da figura 21, vemos uma velha e barriguda hetaíra nua agachada masturbando um
jovem rapaz. Na figura 22, vemos uma cena similar, com os mesmos personagens, onde
a hetaíra derrama o vinho de uma kráter
83
sobre seu corpo, com a ajuda do um jovem
que se masturba (KEULS, 1997, p.291).
esposas: “Se a mulher tivesse tanta graça depois do tálamo de Afrodite, o homem não se cansaria de ter
relação com sua esposa, contudo depois de Cipris, todas as mulheres carecem de encanto”. (Antologia
Palatina, V, 77).
83
Uma tigela larga e aberta, onde o vinho era misturado com água (LESSA, 2001a, p.131).
87
Figura 22
Idem à figura 21.
Na figura 23 temos um askós
84
de figuras vermelhas de cerca de 450, com duas
cenas representando o que parece ser o mesmo jovem (ausência de barba) identificado
pelo nariz avantajado mantendo relações sexuais com uma hetaíra diferente em cada
uma delas. Aquela que se encontra na cena da parte inferior é jovem e de boa aparência:
o homem faz sexo com ela, na posição denominada por Eva Keuls missionary position,
o nosso papai-mamãe. A hetaíra na parte superior da cena é mais velha, sua barriga não
tem firmeza, e também parece desdentada. O cliente está penetrando-a por traz,
analmente (KEULS, 1993, p.176-9).
84
Garrafa de vinho (KEULS, 1993, p.176). Um pequeno pote raso com um bico e uma alça erguida
(LEWIS, 2002, p.214).
88
Figura 23
Localização: Athens, Kerameikos Museum 1063. Temática: Prostituição. Proveniência: Athens,
Ceramicus. Forma: Askós. Estilo: Figuras Vermelhas em Terracota. Pintor: Não Fornecido. Data: ce. 450.
Indicações Bibliográficas: KEULS, 1993, p.178, fig.160; VRISSIMTZIS, 2002, p.68, fig.27.
A cópula frontal era o método sexual mais refinado, reservado para as mulheres
desejáveis, enquanto que o sexo por traz era menos valorizado, sendo considerado
provavelmente degradante. Segundo Davidson, a penetração por traz (kubda) tinha uma
ligação com sexo barato, prazer obtido rapidamente, fora do âmbito privado, o que seria
evidenciado na cerâmica pela presença de sapatos, capas e cajados, remetendo a
urgência do homem em terminar logo o assunto em algum bordel ou beco
(DAVIDSON, 1998, p.170). Eva Keuls argumenta que os contatos estabelecidos com
velhas hetaírai poderiam servir para livrar a mente dos homens de qualquer vestígio de
autoridade feminina proveniente de suas infâncias, que pudessem manter
inconscientemente, desde os seus primeiros anos vividos no interior do gineceu
(KEULS, 1993, p.179).
Em contraponto, Sian Lewis afirma que a obesidade não tem a ver com a
atratividade das mulheres. Particularmente entre homens era causa de ridicularização na
89
cultura atlética e militar: nas Rãs, Dionisos zomba de um atleta gordo
(ARISTÓFANES. As Rãs, vv.1089-1098; LEWIS, 2002, p.125-6). E também na
cerâmica encontramos exemplos de atletas gordos entre jovens esbeltos (ARFV 80;
ARV 166,11).
Por outro lado, podemos argumentar que a forma física resulta da bris ou
de alguma outra capacidade de manter o corpo esbelto que é virtude masculina e
feminina. Um corpo obeso remete a falta de comedimento, sendo, portanto, uma
fraqueza, estabelecendo assim uma relação com a velhice que também é fraqueza e
o cidadão fraco e sem controle (como o velho Filocléon de As Vespas) é inútil para a
comunidade e até a esposa legítima se manifesta quanto a isso: “Eu cumpro minha
parte: contribuo com homens. Mas vocês, pobres velhos, não!” (ARISTÓFANES.
Lisístrata, vv.651-652).
Logo, se a juventude é um atributo necessário para que o homem execute todas
as tarefas de cidadão/soldado também o é para a mulher, pois ela (esposa legítima ou
cortesã) precisa seduzir. Sendo assim, podemos interpretar que, ao mostrar mulheres
gordas e com seios caídos, os pintores dos vasos áticos apresentam um signo que revela
a antítese do padrão de beleza e juventude, portanto tornando evidente a idade avançada
de tais personagens.
A imagética ática tem uma série de cenas em que é registrada uma relação entre
adereços e gestual comumente interpretada como negociação ou uma espécie de corte
similar àquela feita aos jovens rapazes nas relações homoeróticas - entre homens e
mulheres remetidas ao universo da prostituição. Nesse conjunto de cenas podemos
sempre observar a presença de figuras femininas jovens, e, portanto, desejáveis. Nos
momentos que ali estão representados, os papéis parecem se inverter e os homens têm
90
que se fazer desejáveis para as mulheres que podem inclusive recusá-los. As figuras 24
e 25 nos mostram algo nesse sentido.
Figura 24
Localização: Toledo, Ohio, 72.55. Temática: Negociação. Proveniência: Não Fornecida. Forma: Kýlix.
Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Makron. Data: 500-450. Indicações Bibliográficas: KEULS, 1993,
p.167, fig.141 e 142; p.227, fig.204; 1997, p.392, fig.33 e 34, p.393, fig.35.
Nas figuras 24 e 25 podemos ver as duas faces exteriores de uma kýlix de figuras
vermelhas de cerca de 500-450, atribuída a Makron. Na figura 24 vemos a face A, onde
duas mulheres hetaíriai (uma delas sentada) são abordadas por um jovem rapaz (sem
barba) e um homem adulto (barba) que trazem uma sacola (que pode portar dinheiro)
na mão esquerda e uma flor
85
na mão direita cada um. Na figura 25 vemos a face B,
onde outros dois homens adultos (barba) apoiados em um cajado cada um e sem as
85
A flor é um signo que remete ao perfume e, portanto, à sedução, mas também tem uma ligação
simbólica com a bela jovem e o desabrochar da maturidade sexual, um momento efêmero para todas as
mulheres (BODIOU, 2008, p151; KEI, 2008, p.198).Tudo isso se resume na seguinte passagem: “Isiade a
de doce alento, mesmo que dez vezes cheires a perfume, desperta-te e recebe com tuas mãos queridas
esta coroa, agora exuberante, mas que a aurora verás murcha, símbolo de tua juventude (Antologia
Palatina, V, 118).
91
sacolas de dinheiro, tendo que se valer de outros meios para persuadir as mulheres. O da
direita parece bem sucedido ao estender sua mão direita segurando uma flor e a mulher
diante dele sorri e segura um ramo, o outro não parece ter tanta sorte.
Figura 25
Idem à figura 23.
Segundo Sian Lewis, a imagética que traz representações das cortesãs com
sacolas de dinheiro, longe de ser algo degradante, pode ser considerado algo positivo
para essas mulheres (LEWIS, 2002, p.197). As cenas que encontramos nesses vasos não
remetem a simples transações de troca de dinheiro por sexo, mas imagens de
negociação, simulando uma espécie de corte. A temática gira em torno da concordância
ou não da mulher. A partir de tal perspectiva, o vaso pode ser entendido como uma
representação do poder exercido pelas cortesãs, captando o momento em que ele se
manifesta de forma mais clara.
92
Por outro lado, se observarmos a ótica de exaltação do athenian way of life da
aristocracia que predominava na cerâmica ática, podemos chegar a novas conclusões.
Na kýlix representada nas figuras 24 e 25 e também na da figura 20 está presente o
aulós, o que atribui um status superior às mulheres em cena, e, consequentemente,
maior valor ao êxito em conquistá-las.
A troca de favores implícita na figura 20 e explícita nas figuras 24 e 25 (seja
pelas flores ou pela sacola portando dinheiro ou algum outro presente
86
) , na busca
pelo gozo, pode ser compreendida como um exercício do poder dos homens em cena.
Essa prática pode ser considerada como um dos traços pertinentes à virilidade, que, na
agonística sociedade ateniense, poderia ser concebida num aspecto relacional a partir
do reconhecimento pelos outros cidadãos (BOURDIEU, 2003, p.26-67). Desta forma,
aqueles que pudessem conquistar essas mulheres e obter a sua constante companhia
lograriam a possibilidade de serem reconhecidos como melhores e mais aptos a exercer
o poder perante seus iguais.
Se inserirmos a figura 16 nessa discussão, se torna mais fácil ainda vislumbrar
todo esse mecanismo discursivo presente na imagética simpótica, pois os corpos dos
homens nus remetem à beleza física que os membros da aristocracia poderiam ter,
devido ao tempo de que dispunham para se exercitarem e, além disso, praticarem a
scholé e, portanto exercerem sua cidadania de maneira completa - diferenciandose
daqueles que necessitavam trabalhar e que não conseguiriam fazer as mesmas coisas.
Aliado a isso, podemos notar que as mulheres estão vestidas porque a sua nudez é para
poucos, apenas para aqueles que elas aceitam como seus companheiros, portanto jamais
desvelada nos espaços públicos da pólis.
86
Esses presentes se incluem no sistema de troca de favores a que nos referimos nas primeiras páginas
deste capítulo, portanto estabelecendo uma relação não entre objetos (dinheiro em troca de sexo), mas
entre pessoas (DAVIDSON, 1998, p.110).
93
Sendo assim, o mecanismo de troca de presentes/favores funciona bem para
hetaírai e clientes, pois teoricamente a obrigação entre ambos era um compromisso
ético sem intervenção econômica, de tal maneira que elas se distanciavam de serem
vistas como prostitutas comuns e eles demonstravam sua virtude e capacidade ao
obterem a constante companhia de mulheres tão especiais.
Ao longo deste capítulo, vimos que, normalmente, as hetaírai não gozavam de
uma situação privilegiada, mas com isso não queremos dizer que eram vítimas da
exploração masculina, pois entendemos que toda a sua preparação desde que seus
caminhos no mundo dos prazeres começavam a serem traçados, elas aprendiam a tirar o
maior proveito possível das situações em que se encontravam, se utilizando das armas
de que dispunham para se inserirem na dinâmica de poder da pólis.
Os resultados de sua atuação não ficam muito claros através da leitura da
documentação, contudo esta nos mostra que longe de serem elementos passivos nas
práticas do seu dia-a-dia e nos contatos sociais que estabeleciam com os cidadãos
sempre agiram na intenção de garantirem para si um melhor presente e futuro.
94
CAPÍTULO 3
RELAÇÕES DE GRUPO E JOGOS DE PODERES
No presente capítulo analisaremos, através de alguns exemplos contidos na
documentação textual e na cerâmica ática, como processos de construção de identidades
coletivas diferenciados poderiam influenciar nos níveis de participação exercidos por
cortesãs e mulheres atenienses nos jogos de poderes da Atenas Tardo-Arcaica e
Clássica.
Defendemos que enquanto as cortesãs conviviam em uma dinâmica estritamente
agonística, onde deveriam sobrepujar umas as outras, as esposas legítimas atenienses
estabeleciam aquilo que Fábio Lessa chama de redes informais de amizade, que as
proporcionariam, através de ações conjuntas uma obtenção de poder de barganha
bastante considerável (LESSA, 2004, p.12 e 155).
Lissarrague classifica as cortesãs como simples acessórios contribuindo para o
bom desenvolvimento do banquete (LISSARRAGUE, 1993, p.257). Contudo, está claro
que a partir do contato sexual estabelecido entre as hetaírai e os jovens atenienses
inevitavelmente surgiam diversos tipos de relações. Segundo Claude Calame, poderia
haver fortes laços de philía entre uma hetaíra e alguns de seus clientes (CALAME,
2002, p.119-20).
Podemos considerar como um bom exemplo desse tipo de proximidade entre
cortesã e cidadão, uma inscrição funerária em que antigos companheiros se reúnem para
homenagear a areté (virtude) e a philía de uma hetaira: “Esta é a tumba de Ántemis;
95
seus companheiros a rodeiam com seu círculo, em lembrança a sua virtude e sua fiel
amizade”
87
(Carmina Epigraphica Graeca, I, 92).
Não os textos escritos como também diversas cenas da imagética relativa aos
banquetes trazem representações de contatos afetuosos entre convivas e hetaírai, como
na figura 26, onde vemos o medalhão interior de uma kýlix de figuras vermelhas
fabricada por volta de 525-475 e atribuída a Kiss Painter - famoso por pintar cenas de
beijos (LEWIS, 2002, 124). Sabemos que se trata de uma cena de prostituição pelos
fatos de o homem em cena ser ainda um garoto (ausência de barba) e as duas faces
exteriores estarem decoradas com cenas de kômos. A cena mostra uma pequena hetaíra
vestida abraçando um jovem rapaz que demonstra reciprocidade ao seu gesto passando
as mãos em torno do pescoço da menina. Na figura 20, assim como na 26, o
posicionamento e o gestual das personagens em cena, aliados aos jogos de olhares
transmitem uma atmosfera de intimidade e afeição (LEWIS, 2002, p.122-4).
Figura 26
87
Citação retirada de CALAME, 2002, p.120.
96
Localização: Berlin, Antikensammlung F2269. Temática: Prostituiçã/ Philía. Proveniência: Italy, Chiusi.
Forma: Kýlix. Estilo: Figuras Vermelhas. Pintor: Kiss Painter. Data: 525-475. Indicações Bibliográficas:
BAGPP 201624; GARRISON, 2000, p.124, fig.5.2; KEULS, 1993, p.192, fig.174; KILMER, 1993, R303
LEWIS, 2002, p.124, fig.3.25.
A documentação textual nos mostra que se cenas desse tipo eram comuns no
universo dos sympósia elas eram incitadas pelas próprias cortesãs, como podemos ver
na seguinte passagem:
Uma hetaíra não é mais amável do que uma mulher casada?
Evidentemente é muito mais, e isso é natural. Com efeito, mesmo que não
revele o menor interesse, a esposa não pode legalmente ser expulsa de
casa pelo marido. A prostituta, em troca, sabe que deve conquistar um
homem por seus modos amáveis. Se não proceder assim, ele procurará
outra. (ATENEUS, XIII, 559)
Ocasiões desse tipo mostram que embora as cortesãs atenienses não gozassem de
um status social privilegiado, estando inclusive abaixo das esposas e mais ainda em
relação aos homens, a idéia de que elas eram objetos passivos não se confirma, pois fica
claro que elas agiam no sentido de buscar uma melhor posição umas em relação às
outras e em relação à sociedade.
Nesse sentido, podemos destacar ainda mais um momento bastante ambíguo em
que essa presença ativa das cortesãs aparece em nossa documentação. Em uma situação
muito peculiar, a beleza e o vigor de um corpo jovem aparecem como uma espécie
mecanismo de contra-poder na cena representada na figura 27.
97
Figura 27
Localização: Berlin 2414; Temática: Prostituição; Proveniência: Italy, Locri; Forma: Oinochoe; Estilo:
Figuras Vermelhas. Pintor: Suvalov Painter. Data: ce. 430. Indicações Bibliográficas: ARV 1208,41;
BAGPP 216500; CP 224; GARRISON, 2000, p.226, fig.8.1; KEULS, 1993, p.190, fig.173;
VRISSIMTZIS, 2002, capa.
Na figura 27, podemos observar um famoso oinochoe
88
de figuras vermelhas,
atribuído a Shuvalov Painter e datado de cerca de 430. No vaso vemos representada
uma cena de sexo entre uma jovem hetaíra e um jovem rapaz, que julgamos ser ainda
um adolescente pela ausência de barba, portanto, provavelmente no início de sua vida
sexual. O rapaz está sentado em uma cadeira com o pênis ereto, enquanto a garota,
apóia afetuosamente as mãos sobre seus ombros preparando-se parta sentar sobre ele e
cavalgá-lo. Vrissimtzis argumenta que o contato das cabeças e o jogo de olhares na
cena denotam algo além do mero desejo sexual, e que a ausência de decoração e o fundo
negro intensificam a sensação de interesse de um pelo outro (VRISSIMTZIS, 2002,
p.79-80).
Algo que nos chama atenção na imagem é o fato de uma cortesã, que estaria em
um nível mais baixo que o das esposas que já eram consideradas inferiores aos
88
Vaso de tamanho médio, modelado em muitas variedades, mas geralmente fornecido com uma alça
vertical. Usado para servir vinho nas taças dos convivas (LESSA, 2001a, p.132; VRISSIMTZIS, 2002, p.
125).
98
homens estar sobre o cliente fazendo o papel de ativo na relação sexual, tendo o
domínio da ação desenrolada na cena.
É difícil formular uma hipótese definitiva acerca de tal imagem, visto que ela se
constitui em um raro exemplar dentre as peças que sobreviveram até nossos dias. O
posicionamento das personagens em cena pode ser interpretado de formas distintas: a
mulher como ativa pode representar uma posição humilhante para o rapaz, se
considerarmos a diferença entre seus status na hierarquia da sociedade; ou talvez não
passe de uma referência à iniciação sexual do rapaz que estaria sendo orientado por
alguém mais experiente (a hetaíra)
89
. Neste último caso, a cortesã estaria agindo a partir
das lógicas de dominação vigentes na dinâmica cotidiana de Atenas, construindo seu
mecanismo de poder a partir da visão do dominante, pois a própria sociedade limitava
seu espaço de atuação. Apolodoro diz que:
90
Com efeito, as hetaíriai as temos para o prazer, as concubinas (pallakai)
para o cuidado cotidiano do corpo, e as esposas para procriar
legitimamente e ter uma fiel guardiã dos bens e do oîkos.
([DEMÓSTENES]. Contra-Neera, LIX, v.122)
Certamente essa fala tem toda uma relação com a retórica construída por
Apolodoro ao longo do discurso, mas está claro que a manipulação de certos elementos
faria sentido e se tornaria convincente ao júri estando baseados em conceitos e
premissas compreendidos por todos, portanto podemos supor com certa segurança que
as expectativas que a sociedade ateniense manifestava em relação aos grupos de
mulheres acima citados era distinta e particular a cada um deles.
89
Neste caso, se evidenciando a resistência ou contra-poder, uma vez que a hetaíra estaria utilizando sua
beleza e sua experiência no mundo dos prazeres para estabelecer um vínculo de respeito e philía com o
jovem, assim como aquele que o grupo de ex-companheiros demonstrou ter por Ántemis.
90
uma tendência entre os especialistas de acreditar que a verdadeira autoria do discurso Contra-Neera
seria de Apolodoro e não de Demóstenes.
99
As hetaírai tinham como principais funções entreter seus clientes por meio do
canto, da dança, da música e do ato sexual (LIMA, 2000, p.23). Além disso, o máximo
que qualquer cortesã poderia almejar seria o concubinato, levando uma vida semelhante
à de uma esposa, mas estando desamparada pelas leis da pólis, podendo ser abandonada
por seu bem-feitor no momento em que este assim desejasse. Esses fatores assinalam o
caráter efêmero dos contra-poderes e das relações de philía que essas mulheres
pudessem estabelecer em seus contatos com os cidadãos, como podemos ver na seguinte
passagem:
[...] um dia ficamos todos velhos [...] Cedo chega o que destrói o amor.
Olha agora para elas, para tuas rugas, teus cabelos grisalhos, teu corpo
decrépito e tua boca que perdeu toda a graça da juventude. Tu eras
muito orgulhosa! Quem pensa agora em se aproximar de ti para obter
algo? Agora passamos diante de ti como se passa diante de um sepulcro.
(Antologia Palatina,V, 21)
Com base nisso tudo, somos levados a crer que as hetaírai estavam inseridas no
universo social da pólis apenas durante a juventude e enquanto seus corpos
constituíssem objetos de desejo, atraindo cidadãos em busca de prazer. Passada a
juventude, a grande maioria dessas mulheres estaria fadada ao esquecimento e,
conseqüentemente, à miséria. Contudo, embora fosse este o destino mais comum para
tais mulheres não era certo. Temos exemplos como o de Herpílis, que viveu com
Aristóteles, de quem teve Nicômaco, além de ser incluída em seu testamento; e não
esquecendo que “a Grécia orgulhosa e invencível era escrava da beleza divina de Laís”,
mesmo depois de sua morte (SALLES, p.127-37).
Ao se depararem com as possibilidades de futuros tão distintos (o conforto ou a
miséria), essas mulheres, embora estivessem inseridas numa dinâmica que pressupunha
normalmente que fizessem parte de um conjunto, agiam visando seus interesses
100
individuais. Cada uma delas buscava, de alguma forma, ocupar um plano superior ao
das demais colegas de trabalho, para assim assumir maior destaque ante os olhos dos
clientes, se tornarem mais disputadas entre eles, e adquirir maior poder de barganha nas
relações de poder com os mesmos. Essa competição em busca de espaço poderia acirrar
sensivelmente a rivalidade entre algumas hetaírai, como nos mostra Luciano:
Taís começou a dançar levantando bastante as vestes, como se fosse a
única a ter belos tornozelos! [...] Dífilo começou a parabenizá-la além
da conta por seu senso de ritmo e da dança [...] Então, essa Taís tu
sabes como ela é pôs-se imediatamente a me lançar indiretas: „Há uma
aqui, dizia, que se não tivesse vergonha de suas pernas magricelas
também se levantaria para dançar‟. [...] Levantei-me e pus-me a dançar.
[...] Não podia ficar parada em meu lugar [...] permitindo assim que ela
se tornasse a rainha da festa. (LUCIANO. Diálogo das Cortesãs, v.3)
Defendemos que essa postura mais individualista assumida pelas hetaírai influiu
para que o processo de construção e auto-reconhecimento de suas identidades, tanto
grupal como individual, se constituísse de maneira divergente aos dos cidadãos e das
esposas legítimas atenienses, por exemplo.
Como já foi visto em recentes trabalhos da historiografia, os cidadãos e as
esposas legítimas atenienses se reconhecem como indivíduos, e, mais que isso, como
integrantes de um grupo.
91
Tais grupos exercem um tipo de coesão social que se
mantém através de práticas interativas de inclusões e exclusões, cooperação e
conflitos.
92
91
Para a questão dos cidadãos, ver: THEML, 1998b. Para a questão das esposas, ver: LESSA, 2001 e
2004.
92
Segundo Tomaz Tadeu da Silva, a identidade pode ser construída em um aspecto relacional com os
outros, ou seja, quando o indivíduo reconhece o que ele é, automaticamente também conclui o que não é e
de que grupo não faz parte. Contudo esse processo de construção da identidade se completa quando o
indivíduo se reconhece pertencente a um determinado grupo, ou seja, quando reconhece seus iguais (DA
SILVA, 2000, p.74-6).
101
No caso das esposas legítimas atenienses, os documentos nos trazem uma série
de exemplos dessas ações coletivas e, além disso, temos aquilo que Fábio Lessa chama
de redes sociais de amizade. Esse autor parte do pressuposto de que todas as sociedades
são formadas por diversos grupos sociais que se relacionam uns com os outros, e que
esses grupos constroem uma coesão social, “mantida por processos de integração,
interações sociais, exclusões e conflitos”. No caso das póleis, o processo de integração
era plural, se constituindo pela aceitação do outro, remetendo à construção de
identidades e alteridades, sendo que tal relação atuaria “no sentido de propiciar a coesão
social entre as esposas atenienses”. Na sociedade políade, as mulheres encontravam sua
definição, sobretudo, através do seu lugar e dos seus deveres (LESSA, 2004, p.14).
As mulheres atenienses, se utilizando de táticas, puderam criar “lugares sociais
de participação e de fala”, além de “espaços específicos de validação social”
93
, o que
permitiu a construção de redes sociais informais que tinham como elemento de coesão a
amizade philía - e que permitiram que atuassem “na integração e reprodução da
estrutura políadepor meio de ritos, festas cívicas públicas e políticas (LESSA, 2004,
p.12).
Mesmo sendo necessário considerar as diversas dimensões do político, é
interessante darmos certa prioridade à utilização do conceito de participação cívica e
não de participação política, pois as conquistas das esposas legítimas aconteciam no
espaço cívico. Este “excede os meios formais de participação”, os espaços físicos
tradicionais e os segmentos sociais masculinos, englobando as maneiras informais de
participação e a diversidade dos grupos sociais componentes da pólis, de tal forma,
93
Em relação a essa questão de apropriação dos espaços tomando proveito dos momentos propícios para
criar lugares de “fala feminina”, ver: BLOK, 2001.
102
“favorecendo a desconstrução da noção fixa de passividade feminina” (LESSA, 2004,
p.12-3).
O processo de integração nas póleis baseado numa divisão hierárquica jurídica,
de prestígio e de honra e vergonha entre os diversos grupos - pressupõe uma dinâmica
plural e a aceitação do outro. Conhecendo essa diversidade inerente à construção da
sociedade políade, defendemos que as atenienses, participantes da koinonía, sabiam em
quais lugares lhes era permitido atuar e se valeram deles para criarem suas táticas de
participação social.
As esposas legítimas atenienses tinham uma série de atividades específicas
relativas ao seu status e às suas funções como gestoras do oîkos. Dentre essas tarefas
estão a administração do patrimônio da família, a tecelagem, a fiação, a confecção de
vestimentas, a transformação dos cereais e a preparação dos alimentos. Contudo, não
devemos acreditar que as atividades femininas estavam reduzidas unicamente a vestir e
alimentar a família (MACTOUX, 1994/95, p.308). As esposas, em seus grupos de
atividades, desenvolviam um tipo de saber (sophía) decodificado pelos outros grupos
femininos. Através da aprendizagem, do convívio em grupo, da rotina das atividades
executadas e das tradições transmitidas de es para filhas, essas mulheres obtinham
um conhecimento especializado. As funções exercidas pelas esposas legítimas
pressupunham a existência de uma téchne, um saber feminino específico. Esse
conhecimento ia além da educação na casa dos pais e do treinamento dado pelo marido,
através da elaboração de “um tipo de saber próprio, aperfeiçoado pelo exercício diário
das atividades e pela divisão das tarefas em um convívio em grupo” (LESSA, 2004,
p.35).
Acreditamos que dentre as atividades características do universo feminino em
Atenas, as que mais propiciavam a integração grupal eram a fiação e a tecelagem, pois a
103
atuação em conjunto, através da formação de uma equipe, favorecia a eficiência e a
produtividade de tais atividades em comparação a uma prática em separado (BARBER,
1992, p.108). Pode ser argumentado que a fiação e a tecelagem não eram atividades
exclusivas das esposas legítimas dos cidadãos atenienses
94
, contudo, para essas
mulheres, tais práticas podem ser entendidas como critério de virtude, visto que devido
a sua condição econômica não tinham a necessidade de exercê-las pessoalmente.
Durante o trabalho em conjunto, as mulheres trocavam entre si informações
sobre os mais diversos assuntos, mantendo-se coesas como grupo. Ao longo do período
de convivência, deveriam ocorrer os processos de interação social entre as esposas e as
demais mulheres presentes no oîkos. Acreditamos que tais afirmações podem ser
confirmadas pela cena representada na figura 28.
Figura 28
Localização: Paris, Louvre CA 587; Temática: Gineceu; Proveniência: Ática; Forma: Pýxis; Estilo:
Figuras Vermelhas; Pintor: Painter of the Louvre Centauromachy; Data: ce. 450. Indicação Bibliográfica:
94
Diversos autores demonstram, inclusive com dados provenientes da arqueologia, que os bordéis
poderiam funcionar como manufaturas de fiação e tecelagem durante o período diurno, utilizando a
diversificação das atividades realizadas pelas escravas/pornai como uma maneira de maximizar os lucros
(COHEN, 2006, p.101-8; DAVIDSON, 1998, p. 72 e 86-91; NEILS, 2000, 208-9).
104
ARV 1094,104; BAGPP 216046; BRULÉ, 2003, p.168; LESSA, 2001, capa; 2004, p.42, fig.4; LEWIS,
2002, p63, fig.2.1.
Aqui temos uma pýxis de figuras vermelhas, onde sete mulheres estão agrupadas
em duplas ou em trios. À direita da porta, a primeira mulher está sentada; sua face é
vista frontalmente, voltando-se para o espectador da imagem; ela segura um objeto oval
que pode ser uma roca ou um espelho. Diante dela, outra mulher segura um pequeno
tear. O grupo seguinte está organizado em volta de um pequeno cofre de madeira que
está no chão; a mulher da esquerda estende um alabástros àquela que está à sua frente.
O último grupo, contendo três mulheres, se organiza em relação a uma mulher sentada
que tem a mão esquerda levantada. Uma mulher dobra um grande tecido, enquanto que
a sua direita há um cofre que pode servir para armazená-lo. Podemos observar ainda, na
cena, um pequeno pássaro familiar, um vaso a despejar e um objeto em forma de cruz
cujo contexto de uso não foi recuperado (LISSARRAGUE, 1998, p.161).
É difícil definir os vínculos sociais que existiam entre as personagens em cena,
contudo podemos supor que esses vínculos pudessem ser de parentesco, ou mesmo de
amizade. Além disso, não devemos deixar de observar que as vestimentas (chíton
plissado de cor clara) e os instrumentos de trabalho como a roca nos levam a acreditar
que as personagens pertencem ao grupo das bem-nascidas. Ainda deve ser notado que a
presença de uma coluna, do leito nupcial (thálamos), da mobília, do animal doméstico e
dos objetos pendurados na parede evidenciam que a cena se desenrola no interior do
gineceu, e o fato de todas as personagens estarem dispostas em um mesmo plano pode
denotar o pertencimento delas ao mesmo grupo social. É salutar observar que
personagens e objetos aparentam atuar em um mesmo quadro espaço-temporal,
explicitando um entrosamento necessário à realização de uma atividade conjunta. O
105
gestual das personagens parece reforçar a sincronia necessária para o êxito das
atividades em grupo (LISSARRAGUE, 1998, p.161).
Os instrumentos utilizados nas atividades femininas eram leves, portáteis e
raramente fixos, evidenciando que as esposas necessitavam permanecer restritas a um
certo espaço para a realização das atividades domésticas. Tais características
permitiriam uma circularidade e a recorrência por parte das esposas aos grupos de
amizades, garantindo que obtivessem ajuda para realizarem suas tarefas, concedendo às
relações entre amigas um caráter voluntário, igualitário e recíproco (MACTOUX,
1994/95, p.310).
Para desempenharem as atividades de fiação e tecelagem, as esposas recorriam,
além de suas escravas, aos membros de sua família, às suas vizinhas e às suas amigas.
Ao dividirem o mesmo espaço e executarem as mesmas funções ao longo de um tempo
considerável, as esposas obtinham “a possibilidade de trocarem impressões umas com
as outras, de se informarem, de consolidarem grupos de cooperação mútua e de philía”.
A realização de atividades em grupo dava às esposas bem-nascidas a oportunidade de
estabelecerem códigos de fidelidade pessoais, por meio das relações de philía, utilizadas
como tática para a criação de um lugar social feminino na sociedade políade (LESSA,
2004, p.49 e 55).
Ao estabelecermos uma comparação entre as hetaireíai
95
formadas por cidadãos
e as redes informais de amizade formadas pelas esposas legítimas dos cidadãos
atenienses, somos levados a crer que tais conformações grupais se construíam de
maneiras similares obviamente respeitando certas características particulares aos
universos masculinos e femininos.
95
Agrupamentos que reuniam companheiros (hetaíroi), freqüentemente pertencentes a uma mesma faixa
etária, reunidos em torna de um líder político (MOSSÉ, 2004, p.166). Alguns elementos importantes para
a formação desses grupos são os laços de parentesco entre alguns de seus membros, um status/ origem
social comum, ou mesmo a riqueza (LIMA, 2000, p.29).
106
As práticas comensais eram um elemento de suma importância para a
consolidação das relações entre os membros constituintes das hetaireíai, pois naquelas
ocasiões se reforçavam os laços de amizade (philía) e as relações de reciprocidade entre
os integrantes daquele círculo, e, consequentemente, havendo a concretização de
confiança e solidariedade entre os membros de um mesmo grupo político (LIMA, 2000,
p.29-30).
Tais similaridades com as dinâmicas de convivência identificadas nas redes
informais de amizade nos levam a concluir que os contatos entre aquelas mulheres se
estendiam para além de práticas cooperativas características do universo feminino.
Sendo assim, entendemos, que acompanhando as mesma lógicas de organização e
consolidação grupal, as esposas legítimas atenienses também se reuniam em refeições
comunais, onde consumiam o vinho, trocavam informações, e estreitavam mais ainda os
laços de philía. A partir disso, a unidade grupal mais coesa obtinha maior poder de
ação, e, conseqüentemente, de barganha diante dos detentores de poder na pólis os
cidadãos atenienses.
Podemos observar a reprodução de tais valores na figura 29, onde temos, em um
lékythos de figuras vermelhas atribuído a Pan Painter, uma representação de duas
mulheres comensais
96
. A cena possui diversos elementos que fazem referência ao
ambiente simpótico - como o psykter, a phiale, o skyphos e a taça na parede além de
signos que indicam a observação de certos cerimoniais característicos de uma prática
comensal análoga à dos sympósia masculinos o gestual das personagens evidencia a
reciprocidade entre as convivas, bem como a hospitalidade da anfitriã (a mulher
sentada) que estende a taça em sua mão para oferecer mais bebida a sua convidada.
96
Na cena, vemos uma mulher em esquerda) segurando uma phiale em sua mão direita e fazendo
uso de uma concha pare se servir do conteúdo do skyphos que a mulher diante dela (sentada em uma
cadeira) segura. No chão vemos um psykter e na parede uma taça pendurada.
107
Figura 29
Localização: Haverford (PA), College: XXXX0.6359; Temática: Banquete; Proveniência: Ática; Forma:
Lékythos; Estilo: Figuras Vermelhas; Pintor: Pan Painter; Data: 450-400; Indicação Bibliográfica: ARV
557.116; BAGPP 206359; LEWIS, 2002, p.69, fig.2.9.
Para que nossas hipóteses não pareçam unicamente especulativas, buscaremos
apoio também na documentação escrita. Podemos observar uma passagem da comédia
aristofânica que evidencia a saída de esposas a casas de amigas: “Se passamos as
esposas a noite em casa de uma amiga, cansadas de uma festa, não há quem não venha
rondar os leitos, à procura dessa peste as esposas” (ARISTÓFANES. Tesmofórias,
v.795-97). Mesmo que se argumente o exagero objetivando o riso e o fator ficcional da
obra, entendemos que Aristófanes busque elementos reais da vida cotidiana da pólis dos
atenienses. Assim como as hetaireíai, as redes de amizade são marcadores identitários,
uma vez que elas permitem uma validação social (LESSA, 2004, p.69; LIMA, 2000,
p.15 e 29).
108
A participação das esposas não estava limitada às atividades desenvolvidas no
interior do oîkos
97
e aos contatos com seus pares femininos. Maridos e mulheres
estabeleciam diálogos objetivando um consenso, inclusive em assuntos do âmbito
público, tidos como exclusivos do universo masculino. “As esposas se mantinham
atentas a tudo aquilo que ocorria no âmbito público e que repercutia diretamente sobre
elas (LESSA, 2000, p.171). Nesse sentido, as redes de amizade também serviam como
redes de informações
98
, evidenciando sua importância para o desenrolar de certos
acontecimentos na vida pública e mesmo política da pólis.
Na dinâmica comensal mista
99
, nós observamos, na produção historiográfica,
constantes afirmações de que as mulheres presentes em banquetes públicos ocupavam
lugar secundário na prática cerimonial desses eventos, uma vez que os homens sempre
seriam os principais (ou únicos) oficiantes dos ritos/ sacrifícios destinados à totalidade
da comunidade cívica (PANTEL, 2001, p.161-2). Sendo assim, o único momento de
protagonismo das esposas legítimas atenienses na vida pública da pólis seria a
celebração do festival, exclusivamente feminino, das Tesmofórias
100
.
Levando-se em conta o grande valor cívico-religioso que a manutenção desse
ritual tinha sobre a dinâmica da pólis dos atenienses, apenas com essa prática a
participação das esposas legítimas deveria ser considerada bastante relevante.
Todavia sabemos que a participação religiosa feminina na esfera pública não estava
limitada a tal festa, o que se reflete pelo fato de haver em Atenas o dobro de festivais
97
O próprio cumprimento de certas tarefas levava as esposas ao exterior, à khóra ou, mesmo, à agorá.
Dessa forma, o próprio espaço público era marcado por tais atividades (MACTOUX, 1994/95: 309).
98
Uma vez que as esposas levariam ao conhecimento de seus maridos fatos dos quais tomavam
consciência através dos contatos estabelecidos fora do espaço do oîkos, e que seria improvável chegarem
a eles de maneira direta.
99
Deixando de lado festividades menores de caráter privado como a Adônia.
100
Um festival religioso celebrado, exclusivamente por mulheres, anualmente em Atenas em honra a
Deméter. O festival acontecia durante três dias do mês de Pyanopsion (outubro), nos quais as esposas
legítimas dos cidadãos ocupavam os espaços públicos da polis, acampando na Acrópolis. Elas realizavam
ritos envolvendo sacrifícios e o abuso ritual para assegurar a fertilidade do Estado no ano seguinte
(LEWIS, 2002, p.216; MOSSÉ, 2004, p.271-2).
109
celebrados exclusivamente por mulheres em relação àqueles celebrados exclusivamente
por homens (BLOK, 2001, p.114). Logo, se observarmos a prática religiosa como um
elemento portador de prestígio e necessário para a continuidade e manutenção da
comunidade, a saída das mulheres respeitáveis inclusive das bem-nascidas - do
interior do oîkos é constantemente legitimada pelos preparativos e a própria execução
das práticas rituais.
Devemos imaginar que a organização de um festejo era anterior aos dias
próprios a sua celebração em si. Portanto, somos levados a crer, minimamente, que
houvesse reuniões prévias entre as oficiantes (ao menos algumas delas) para serem
decididos os preparativos necessários à realização do próximo festival. Contudo,
mulheres respeitáveis deveriam se proteger, sobretudo de boatos, numa sociedade onde
o reconhecimento e a reputação possuíam decisivo significado, portanto a saída do oíkos
em grupos de pelo menos duas preferencialmente mais era uma necessidade para a
manutenção da idéia de virtude e uma ferramenta para se protegerem das investidas de
homens estranhos (BLOK, 2001, p.109-10; PETERSEN, 1997, p.41-2).
A partir de tais informações, podemos concluir que a sociabilidade fora do
âmbito privado possibilitava o surgimento de um sentido de comunidade, uma vez que
ela operava não em uma relação entre indivíduos, mas em uma dinâmica inter-grupal.
Tais relações consolidavam um sentido de comunidade feminina, propagando assim, de
maneira mais ampla aquelas relações recíprocas e solidárias construídas no interior do
oîkos. Isso tudo vai se tornando evidente ao analisarmos as cenas da iconografia ática
em que as mulheres aparecem nos ambientes públicos da pólis, desde cenas triviais de
colheita ou ida à fonte para pegar água, até àquelas situações de destaque para toda a
comunidade cívica, os festivais religiosos.
110
Figura 30
Localização: Boston, Museum of Fine Arts 65.908; Temática: Rito/ Coro; Proveniência: Ática; Forma:
Phiale; Estilo: Figuras Vermelhas/ Fundo Branco; Pintor: Painter of London D 14; Data: ce. 440;
Indicação Bibliográfica: BAGPP 4826; CONNELLY, 2007, pl.1; LEWIS, 2002, p.50, fig.1.31;
LISSARRAGUE, 1993, p.234, fig.28.
Temos como exemplo a figura 30, onde vemos uma phiale de fundo branco
101
,
de cerca de 440, atribuída a Painter of London D 14. Na cena, podemos observar oito
personagens, todas são mulheres bem vestidas; enquanto uma delas toca o aulós diante
do altar onde o fogo crepita, as demais dançam de mãos dadas ao som da música tocada
pela companheira; notamos ainda a presença do kálathos (cesto para lã) à direita do
altar, remetendo à fiação e à tecelagem. Segundo Lissarrague, cenas desse tipo se
referem aos coros femininos, e mais, a forma do vaso e a disposição das personagens
favorecem a ideia de circularidade em torno do altar; mais ainda, os objetos presentes
101
Variação da técnica de figuras vermelhas.
111
no ambiente e o gestual das personagens conduzem o espectador a uma ideia de que o
trabalho feminino, a música, o canto e a dança o oferendas de um grupo homogêneo
de mulheres (de mesmos status e idade) uma coletividade em oposição a uma série de
indivíduos -, para a divindade, seja ela qual for (LISSARRAGUE, 1993, p.233-5).
Essa noção de pertença à comunidade ia sendo construída desde os primeiros
anos da educação da ateniense, e toda a sua experiência como filha, esposa e mãe de
cidadão ia naturalmente realizando um diálogo entre as atividades domésticas e aquelas
pertencentes às práticas rituais. As jovens garotas (kórai) que eram escolhidas para lavar
e tecer o manto de Atena; as moças (parthenoi) que atuam como kanephoroi (portadoras
de cestos) nos grandes festivais são vistas por todos, apresentadas à pólis como aptas a
se casarem e gerarem filhos; enquanto as mulheres que celebram as Tesmofórias
presidem tal rito na qualidade de esposas legítimas e mães, garantindo a fertilidade dos
campos e a fecundidade das uniões legítimas (BLUNDELL, 1998, p.11-1; BRULÉ,
2003, p.178-80; ZAIDMAN, 1993, p.414-22). O coro de mulheres em Lisístrata resume
tudo:
Nós, ó cidadãos, um discurso
útil à cidade estamos iniciando.
E é natural! Ela me educou esplendidamente e me fez requintada:
logo aos sete anos fui arréfora;
além disso, com dez anos, fui moleira para a fundadora;
despindo o manto cor de açafrão, fui ursa nas Braurônias;
e uma vez fui canéfora, uma linda menina segurando
uma fieira de figos secos [...]
Se eu sou mulher, não me queiram mal por isso,
quando proponho medidas melhores que as atuais.
Eu cumpro a minha parte: contribuo com homens (ARISTÓFANES.
Lisístrata, vv.638-651).
Entendemos que a documentação nos decisivas evidências de que na esfera
cívico-religiosa as esposas legítimas estavam em de igualdade em relação aos
112
cidadãos, exercendo, nas palavras de Zaidman, uma cidadania cultural (ZAIDMAN,
1993, p.411). Podemos tomar como exemplo desse status a cena representada na figura
31.
Figura 31
Localização: Berlin, Antikensammlung: F1686; Temática: Religião/ Ritual; Proveniência: Ática; Forma:
Âmphora; Estilo: Figuras Negras; Pintor: Painter of Berlin 1686; Data: ce. 540; Indicação Bibliográfica:
ABV 296.4; BAGPP 320383; CONNELLY, 2007, PL.12; LEWIS, 2002, p.47, fig.1.27.
Nesta imagem
102
, temos uma representação clara de uma mulher exercendo a
função de sacerdotisa e cumprindo um papel de liderança diante de homens, naquilo que
parece preceder a um sacrifício animal (e um posterior banquete) em honra
102
Aqui temos o corpo de uma âmphora ateniense de figuras negras, onde vemos, da esquerda para a
direita: três personagens masculinos (evidenciado pela pele escura), sendo que os dois primeiros são
jovens (ausência de barba) e o terceiro e, completamente vestido, é um adulto (barba); à frente deles
vemos uma mulher (pele clara), que segura três ramos em cada uma das mãos e parece realizar uma
oferenda diante de um altar; de frente para a mulher, encontramos Atena (identificada pela lança, pelo
elmo e pelo escudo), que observa a prática diante do altar; podemos ainda destacar a presença do animal
(touro) acompanhando os humanos, fazendo referência ao sacrifício de sangue a ser realizado em honra à
deusa.
113
simplesmente a Athená, a deusa protetora de Atenas, o que, por si só, evidencia a
importância do ritual representado no vaso.
O papel de sacerdotisa dava um alto status a quem o possuía, e, na hierarquia
religiosa, as mulheres e os homens estavam equiparados
103
qualquer erro na execução
do ritual poderia desencadear um flagelo para toda a comunidade, portanto sem a
sacerdotisa este não funcionaria corretamente. Essas sacerdotisas representavam tanto
divindades femininas como masculinas e eram bastante conhecidas em sua pólis natal,
sendo que os nomes de algumas delas sobrevivem nos registros até hoje (LEWIS, 2002,
p.47; ZAIDMAN, 1993, p.423).
A cerâmica ática de figuras vermelhas traz diversas representações de mulheres
nos festivais coletivos da pólis. Dentre elas destaca-se uma rie de stamnoi que trazem
cenas de mulheres cultuando a máscara de Dioniso durante a celebração das Lenéias
104
(LEWIS, 2002, p.51-2). Alexandre Carneiro afirma que a dinâmica do kômos dessas
bacantes em cena recupera a evolução dos festins masculinos, mas que essas mulheres
nada têm com o universo da prostituição, pois jamais aparecem vestidas ou praticando
sexo, e, ainda mais, algumas delas portam um diadema em suas cabeças, remetendo às
bem-nascidas (LIMA, 2000, p.99-105). Além disso, de acordo com Eva Keuls, algumas
imagens de mênades e sátiros devem ser entendidas como maridos e mulheres
interpretando papéis dionisíacos (KEULS, 1993, p.375), argumento que pode ser
reforçado pela observação de que as mênades representadas na cerâmica ática se
103
Em Atenas, o posto de sacerdotisa de Atheera considerado o mais alto de todos na hierarquia
religiosa daquela pólis. Além do mais, de uma maneira geral, as sacerdotisas possuíam os mesmos
direitos e deveres que os sacerdotes no plano religioso, cabendo a elas (assim como a eles) os melhores
pedaços de carne do sacrifício sangrento e um status de semi-magistrados (ZAIDMAN, 1993, 456-8).
104
As Lenéias eram um festival anual celebrado em Atenas e em outros lugares da Hélade, no mês de
gamélion (final de janeiro/ início de fevereiro), em honra a Dioniso como o deus da vinicultura. O nome
do festival é oriundo do local onde se realizavam os ritos, o Lenaion, recinto onde ocorriam
representações antes da construção do teatro. Outras explicações em relação a origem do nome derivam
do termo Lenai, relacionado a bacantes. Em Atenas era celebrado com disputas teatrais e as mulheres
tomavam partes em ritos estáticos, como dança e ofertas de vinho a uma imagem de Dioniso (LEWIS,
2002, p.215; MATA, 2009, p.6).
114
apresentam de maneira muito mais comedida do que aquelas descritas nos textos,
lembrando assim, em certa medida, o comportamento mais recatado recomendado às
esposas legítimas dos cidadãos atenienses (OSBORNE, 1996, p.65-80). Podemos ainda
destacar, dentro do culto dionisíaco, o papel da basilinna esposa do arconte basileus,
que se tornava esposa de Dioniso em uma cerimônia de casamento sagrado durante a
Antestéria
105
, significando uma promessa de fecundidade e prosperidade para toda a
pólis (LEWIS, 2002, p.52; ZAIDMAN, 1993, p.438). Esses ritos em homenagem ao
deus do vinho tinham inestimável valor na continuidade cívico-religiosa ateniense, e
segundo Tirésias:
Esse novo deus [...] nem
sei dizer-te quanta para a Hélade será a sua grandeza.
Jovem, duas coisas há, primaciais, entre os humanos: uma,
a deusa Deméter, que é a terra, - por qualquer dos nomes
podes chamá-la -, a que do elemento seco nutre os homens;
e outra, o seu oposto, o filho de Sémele, que achou o doce
suco da vinha, o que ele nos trouxe pra pôr fim às penas
dos míseros mortais, pois quando se repletam do sumo da
vide, dormindo se esquecem de seus males cotidianos
que outro remédio não há para nossas dores. Sendo ele
próprio um deus, para os outros deuses é vertido como
oferenda, de modo que a ele devem os homens todos os
bens que lhes cabem. (EURÍPIDES. As Bacantes, vv.272-285).
Louise Bruit Zaidman afirma que a experiência feminina da maternidade e a
relação com o processo de fecundidade, colocam as mulheres como intermediárias
indispensáveis da polis e dos homens junto a Deméter. O vinho, assim como o sangue
(vertido no sacrifício e na guerra), está junto aos homens, e, ainda assim as mulheres são
mediadoras necessárias, pois elas possuem uma selvageria natural, e, como elas, o
105
Um dos grandes festivais religiosos de Atenas, celebrado anualmente no mês de Anthestérion, durante
três dias. Em seu terceiro dia, o festival contava inclusive com a participação de crianças (LEWIS, 2002,
p.214). A Antestéria, que era realizada em homenagem a Dioniso e Hermes, marcava o final do inverno e
o início da primavera, estando a etimologia de seu nome ligada ao surgimento das rimeiras flores depois
de um longo período (CHEVITARESE; PENNA, 2001, p.10).
115
vinho é selvagem e pode tornar-se benéfico por meio de uma prática ritual que
reconheça o poder do deus. Os ritos secretos desempenhados pela basilinna e suas
quatorze companheiras (as gerairai) exercem um contraste em relação ao caráter
público e plural da festa de abertura das ânforas e do concurso de bebedores presidido
pelo arconte-basileus. “É talvez por causa desta secreta afinidade de naturezas que cabe
às mulheres dóceis irem „em doce servidão‟ buscar Dioniso às „bacanais da montanha‟ e
dos Montes da Frígia, „para o trazerem de volta aos lugares da Grécia onde dançam os
coros‟” (ZAIDMAN, 1993, p.438-41).
Ao observamos a proliferação dos relatos, nas mais diversas mídias
documentais, da atuação das esposas atenienses nas atividades comensais, tanto em
âmbito privado como público, e a importância dessas práticas na dinâmica cívico-
religiosa particular e comunitária, somos levados a crer que a figura da esposa legítima
bem-nascida gozava de um grande reconhecimento por parte da comunidade dos
cidadãos. Defendemos que tal prestígio, aliado aos laços grupais consolidados nas redes
sociais de amizade, dava à comunidade das esposas um considerável poder de barganha,
que tinha uma grande possibilidade se potencializar quando da realização de
festividades exclusivamente femininas, quando essas mulheres formavam um grupo
muito maior do que aqueles do dia-a-dia.
106
Assim, podemos afirmar que as esposas
legítimas bem-nascidas dos kaloí kagathoí tinham participação preponderante (mesmo
que de forma indireta) nas discussões/ decisões políticas na Atenas Tardo-Arcaica e
Clássica.
Por outro lado, a documentação evidencia tamanha gama de condutas e destinos,
que nos parece muito mais palpável acreditar que as cortesãs atenienses se
106
Temos o exemplo paradigmático da força de tal tipo de agrupamento na comédia Lisístrata de
Aristófanes.
116
identificavam através dos outros como indivíduos, mas não conseguiam dispor de
ferramentas suficientes para se reconhecerem como grupo. Assim, consideramos que o
processo de construção de identidade das hetaírai se dava apenas de forma parcial ou
incompleta, pois, em certa medida, pode-se dizer que: elas sabiam o que não eram, pois
reconheciam os outros; sabiam o que gostariam de ser; mas, ironicamente, não sabiam o
que eram, ou, melhor dizendo, a que grupo pertenciam.
Indo um pouco além, nos parece que essa dificuldade demonstrada pelas hetaírai
em se entenderem e, portanto, agirem como grupo resultava de forma negativa sobre seu
desempenho nas relações de poder em que estavam inseridas. Consideramos que, como
indivíduos isolados e que competiam entre si, sua força, influência e poder de barganha
se tornavam muito mais insipientes do que poderiam ser caso atuassem como um grupo
coeso.
117
CONCLUSÃO
Este trabalho tentou mostrar a dificuldade de se pesquisar os cotidianos
femininos na Antiguidade e de se atribuir conceitos de análise contemporâneos a esses
estudos sem se deixar levar pela subjetividade ao estudar tais casos.
É certo que o pesquisador jamais se completamente imparcial, visto que
inevitavelmente ele é fruto do ambiente que o cerca, contudo a pesquisa histórica fica
prejudicada quando sofre influência de opções político-ideológicas e pré-concepções
culturais, que acabam por se revelar anacrônicas. Segundo Bourdieu, o melhor dos
movimentos políticos está fadado a fazer uma ciência” e, além disso, política,
caso não consiga transformar suas disposições subversivas em inspiração crítica e,
sobretudo, autocrítica (BOURDIEU, 2003, p.135-6).
O historiador deve se despir do indivíduo contemporâneo e se cobrir da pele e
principalmente dos olhos do indivíduo do passado - no caso deste trabalho, o ateniense.
Nossa pesquisa tentou chegar a respostas através do olhar deles, pois os olhos do
homem contemporâneo, neste caso, só servem para construir questionamentos.
A partir de tais indícios, ficou evidente que a historiografia que trabalha a
prostituição helênica, dentre outros aspectos do feminino na Antiguidade, ainda tem um
vasto caminho a percorrer com um horizonte ainda maior a ser descoberto e explorado.
Por isso, entendemos que a análise documental deve procurar ser o mais criteriosa e
detalhista possível, num esforço de extrair dos documentos o máximo de informação
que eles puderem fornecer, e nada além disso.
Nada além disso. Essa frase é verdadeiramente significativa no sentido de que
ela representa várias coisas. É este o próximo passo, ou seja, retroceder um pouco e
118
refletir se o caminho (a utilização dos documentos e a aplicação dos métodos) tem sido
percorrido com calma e prudência por nós historiadores.
No decorrer deste trabalho, mostramos que as escolhas de alguns autores
contemporâneos ao analisarem os espaços e as práticas femininas parecem, de certa
maneira, descompromissados com uma utilização mais criteriosa da documentação e do
método. Esse tipo de postura tem, regularmente, resultado em trabalhos com algumas
hipóteses bastante superficiais e, portanto, facilmente refutáveis e de pouca valia para
algo além do mero debate historiográfico.
Em boa parte, esses resultados insatisfatórios ou incompletos, também são
consequência do fato de a maioria dos trabalhos publicados em torno do universo
feminino na Grécia Clássica analisarem a prostituição como mais um tópico dentre
tantos outros
107
e também como o contraponto básico ao ideal da esposa legítima.
Trabalhos que tomam as hetaírai ou as esposas legítimas como tema central e que
tiveram ampla divulgação tendem a colocar tais grupos em dinâmicas espaciais e
temporais totalmente distintas, todavia a pesquisa nos mostrou que, embora com
objetivos e orientações diferentes, tais elementos circulavam em diversos espaços
comuns da pólis e, se não tinham relações diretas entre si, ao menos mantinham
contatos constantes com os mesmos grupos de homens.
Através de tais observações, e tomando como premissa a ideia de que o
reconhecimento de uma identidade coletiva fortalece um grupo, chegamos à conclusão
de que enquanto as relações pessoais entre cortesãs e cidadãos objetivavam
predominantemente um ganho individual, as atenienses (filhas, esposas ou mães)
constantemente utilizavam suas relações pessoais com os cidadãos em ações coletivas.
107
Nesse sentido, as concubinas ocupam um lugar ainda mais marginal que as hetaírai nas análises da
historiografia. Todavia tal desprezo pode ser justificado por uma ausência de indícios específicos da
presença dessas personagens, tanto nos documentos escritos como nas imagens.
119
Não afirmamos aqui que todas as ações de uma ateniense em relação aos cidadãos eram
friamente calculadas objetivando o ganho do grupo de que se reconheciam como
constituintes, pois provavelmente a convivência entre filha e pai, esposa e marido, ou
mãe e filho era constituída de nuances mais profundas. Contudo, observamos que a
dinâmica de construção identitária das hetaírai, baseada num prestígio pessoal, tinha um
caráter bastante efêmero e em longo prazo não obtinha qualquer tipo de resultado
significativo para elevar ou legitimar os papéis e status daquelas mulheres perante a
sociedade ateniense seja como indivíduos ou grupo; por outro lado, as constantes
práticas religiosas ou domésticas , que favoreciam a consolidação de uma identidade
coletiva entre as atenienses, permitiram que esse grupo exercesse papéis e atividades
que serviam à continuidade e bem- estar da pólis, mas também legitimavam o seu
status, atribuindo-lhes poderes e prestígio como grupo e como indivíduos pertencentes
ao mesmo - ante toda a comunidade.
Ao questionar a documentação e as produções historiográficas contemporâneas
pudemos concluir que as hetaírai não eram nem as mulheres mais independentes de
Atenas nem vítimas passivas de um sistema de dominação falocêntrico, mas que
detinham um papel importante e participativo na lis, assim como as atenienses não
eram mulheres definidas unicamente pela reclusão e submissão. Entendemos que o
aprofundamento do conhecimento acerca de suas práticas cotidianas pode levar a um
melhor conhecimento de facetas da sociedade ateniense, até então encobertas ou
obscuras. Em suma, o que tentamos mostrar aqui foi que o feminino, como uma série de
coletividades que se articulam umas com as outras e com as demais dinâmicas e grupos
da pólis, é uma temática ainda pouco explorada, bastante frutífera e que necessita de
mais estudos, e que estes sejam menos festivos ou alegóricos e mais científicos. Nossa
120
pesquisa é uma tentativa de seguir nessa direção, que consideramos ser mais do que
necessária, indispensável.
121
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136
ANEXO:
APLICAÇÃO DO MÉTODO DE ANÁLISE
DOCUMENTAL
137
Ficha de análise da documentação imagética
Forma: Kýlix taça ampla com tigela rasa, duas alças horizontais e suporte alto acima
do pé.
Contexto Social de Uso: taça para vinho.
GRADE DE LEITURA (Método de Leitura Isotópica)
Elementos Pictóricos:
1- Vestimentas:
- ausentes
2- Adereços:
- colar (no pescoço da mulher).
3- Cabelos:
- Tanto o homem quanto a mulher têm cabelos curtos sem nenhum tipo de adorno.
4- Pele:
- sem informação.
5- Mobília:
138
- almofada
- cesto
- kliné
- lençol
6- Instrumentos de Trabalho:
- aulós
- corpo feminino (evidenciado pela nudez e pelo posicionamento em cena)
7-Apropriação do Espaço:
- Duas personagens (um homem e uma mulher) despidas e deitadas sobre uma kliné.
- Personagens num mesmo plano.
- movimentos das cabeças e olhares voltados para a ação que se desenrola no interior da
cena.
Elementos Temáticos:
- Afetividade
- Prostituição.
- Sexo.
- Sympósion.
Elementos Axiológicos:
1- Euforzizados:
- habilidade especial da cortesã (musicista).
- nudez feminina.
- philía entre cidadãos e cortesãs.
- relações heterossexuais.
139
- sympósion
Modelo de Leitura de Imagem de Claude Calame:
1- Disposição Espacial:
- personagens, aparentemente, estabelecem uma interação mutua num mesmo quadro
espaço-temporal.
- a reciprocidade dos jogos de olhares das personagens confirma esta impressão.
2- Adereços, Mobília, Vestuário vide método de leitura isotópica.
3- Gestos:
- denotam sincronia e reciprocidade em relação a ação que se desenrola na cena.
4- Jogos de Olhares:
- representação em perfil Os olhares estão voltados para o âmbito da própria cena,
demonstrando, além de afetividade e reciprocidade entre as personagens,
compenetração na realização da ação.
Ficha de análise da documentação textual
Por toda parte, a desordem é um vício; mas, entre os homens,
principalmente quando bebem, ela revela então sua perversidade pelo
excesso e por outros males indescritíveis, que devem ser previstos e
evitados por um homem capaz de ordem e de harmonia. (PLUTARCO.
Conversas à Mesa, I, 2, 5)
GRADE DE LEITURA (Método de Leitura Isotópica)
Elementos figurativos que explicitam elementos temáticos:
140
- Ordem boa-medida, temperança.
- Desordem vício, ingestão desmedida do vinho, excessos nos comportamentos dos
convivas.
Elementos Axiológicos:
1- Euforizados:
- a boa-medida.
- o papel do simposíarchos.
2- Disforizados:
- ingestão excessiva do vinho.
- desordem.
- excessos dos convivas.
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