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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Faculdade de Comunicação e Artes
A REMEDIAÇÃO DO JOGO MANCALA:
do tabuleiro cavado no chão ao ambiente virtual da
rede mundial de computadores
Maurício de Araújo Lima
Belo Horizonte
2010
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Maurício de Araújo Lima
A REMEDIAÇÃO DO JOGO MANCALA:
do tabuleiro cavado no chão ao ambiente virtual da
rede mundial de computadores
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção
do título de Mestre.
Orientador: José Márcio Pinto de Moura Barros
Coorientadora: Maria Ângela de Mattos
Belo Horizonte
2010
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Maurício de Araújo Lima
"A remediação do jogo Mancala: do tabuleiro cavado no chão ao ambiente virtual da
rede mundial de computadores"
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Comunicação Social da Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre.
___________________________________________________
Prof. Dr.. José Márcio Pinto de Moura Barros (Orientador) - PUC Minas
__________________________________________________
Profª. Drª. Maria Ângela de Mattos (Coorientadora) - PUC Minas
__________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Henrique Rezende Falci - UFMG
___________________________________________________
Prof. Dr. André Guimarães Brasil - UFMG
Belo Horizonte, 10 de fevereiro de 2010
RESUMO
Essa dissertação tem o objetivo de investigar o processo de remediação do
jogo Mancala do ambiente presencial para o virtual. Para tanto priorizou a análise
através dos conceitos de interação, mediação e imersão, aplicando-os na análise da
realidade empírica. O trabalho procura inicialmente entender o jogo como parte
integrante da cultura, suas implicações no estudo da comunicação e o
aprofundamento no conhecimento dos jogos de estratégia. Como o trabalho refere-
se ao processo de remediação, foi necessário também compreender as
características culturais e comunicacionais dos jogos eletrônicos, de forma a permitir
a análise e a comparação dos processos de interação e imersão, na situação
presencial e na situação mediada pelo computador. Da mesma forma, a descrição
do jogo, suas características performáticas e sua relação e existência em diferentes
realidades históricas e culturais mostrou-se necessária para garantir o
tensionamento dos problemas conceituais levantados e a realidade empírica da
Mancala. Por fim, foi realizado um trabalho de campo por meio da observação
baseada no método etnográfico tanto do ambiente presencial quanto do virtual de
forma a apontar as divergências e as similitudes no processo de transposição do
jogo de um ambiente para o outro.
Palavras-chave: Jogo. Estratégia. Mediação. Interação. Imersão. Remediação
ABSTRACT
The present work has the objective of investigating the remediation process of the
Mancala game from the physical on-site to the virtual environment, taking into
consideration the mediation and the immersion levels during its practice. Therefore,
firstly, the work looked for the comprehension of the game as an integral part of the
culture and its implications on the study of communication, and searched for a clear
and deep understanding of a game of strategy. This type of game is characterized by
the search of a course necessary to reach a specific goal. Thus, it demands
opportune tactics, which result from the interaction between the players, and
corrective tactics, aiming at the change of courses. As the work refers to the
remediation process, it was made necessary to understand the cultural
characteristics as well as the communication of the electronic games, so that it could
allow the analysis and the comparison of the interaction and immersion processes,
either in the physical on-site situation or mediated by the computer. In the same way,
it was also made necessary to describe the game, its performance characteristics
and its relation and existence in different cultural and historic realities so as to ensure
the complexity of the conceptual matters raised and the empirical reality of Mancala.
Finally, an observation based on the ethnographic method was carried out not only in
the physical on-site but also in the virtual environment to point out the divergences
and similitude in the process of transposition of the game from one environment to
another.
Key-words: Games. Strategy. Mediation. Interaction. Immersion. Remediation.
AGRADECIMENTOS
A Patrícia Sabino, minha mulher, pela paciência e pelas muitas observações exatas.
A meu orientador José Márcio Barros pela presença constante e pelas ponderações
precisas.
A minha co-orientadora Maria Ângela de Mattos pelas indicações valiosas.
Aos professores do mestrado pelos dois anos de aprendizado.
E aos colegas de mestrado pela convivência em harmonia.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 Urbano e o jogo de Damas......................................................................10
FIGURA 2 Urbano e a imersão .................................................................................11
FIGURA 3 Diagrama 1 ..............................................................................................23
FIGURA 4 Prática da Mancala na África...................................................................49
FIGURA 5 Mulheres asiáticas jogam a Mancala.......................................................51
FIGURA 6 Tipos de peças de Mancala.....................................................................53
FIGURA 7 Tipos de tabuleiro de Mancala.................................................................55
FIGURA 8 Uma forma tradicional de se jogar a Mancala..........................................56
FIGURA 9 Mancala com o pé central e buracos em forma de copos........................57
FIGURA 10 Mancala com reservatórios ou depositários...........................................58
FIGURA 11 Semente mais tradicional usada na Mancala ........................................59
FIGURA 12 Desenho 1 .............................................................................................60
FIGURA 13 Desenho 2 .............................................................................................60
FIGURA 14 Desenho 3 .............................................................................................61
FIGURA 15 Desenho 4 .............................................................................................61
FIGURA 16 Tabuleiro de Mancala ............................................................................69
FIGURA 17 Mancala Snails.......................................................................................70
FIGURA 18 Jogo da Mancala que faz parte da Oficina do Pensar e Agir.................80
FIGURA 19 Foto dupla A e dupla B da turma 3. .......................................................84
FIGURA 20 Foto dupla C turma 3 .............................................................................85
FIGURA 21 Foto dupla A turma 4 .............................................................................86
FIGURA 22 Foto dupla A e dupla B da turma 4 ........................................................87
FIGURA 23 Interface jogo site playok.......................................................................90
FIGURA 24 Interface inicial site Qplay games ..........................................................91
FIGURA 25 Interface árvores site Qplay games .......................................................92
FIGURA 26 Interface quintas africano site Qplay games..........................................92
FIGURA 27 Interface com tabuleiro de Mancala Qplay games.................................93
FIGURA 28 Interface inicial site Clube Pinguim........................................................94
FIGURA 29 Interface Centro do Clube Pinguim........................................................94
FIGURA 30 Interface café Clube Pinguim.................................................................95
FIGURA 31 Interface sala de leitura Clube Pinguim .................................................95
FIGURA 32 Interface do tabuleiro de Mancala Clube Pinguim..................................96
FIGURA 33 Interface hipermediada II Playok............................................................98
FIGURA 34Interface com captura Playok .................................................................98
FIGURA 35 Interface com imediação I Qplay Games...............................................99
FIGURA 36 Interface com imediação II Qplay Games............................................100
FIGURA 37 Interface com imediação Clube Pinguim..............................................101
LISTA DE QUADRO
QUADRO 1 título do quadro......................................................................................21
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................10
2 A INTERAÇÃO E A MEDIAÇÃO NOS JOGOS E A REMEDIAÇÃO DO JOGO
ELETRÔNICO...........................................................................................................15
2.1 O jogo como parte da cultura e suas implicações no estudo da
comunicação ...........................................................................................................15
2.2 Interações: imersão e telepresença.................................................................28
2.3 Mediação e remediação....................................................................................39
3 A MANCALA..........................................................................................................46
3.1 O Jogo de Tabuleiro..........................................................................................46
3.2 A história da Mancala e de sua difusão pelo mundo ....................................47
3.3 A Mancala...........................................................................................................52
3.4 Tabuleiro, peças e regras................................................................................56
3.5 Tipos de Mancala .............................................................................................59
3.6 Outros conceitos envolvidos na Mancala.......................................................66
3.7 A Mancala na world wide web..........................................................................69
4 A PRÁTICA DA MANCALA..................................................................................76
4.1 Introdução.........................................................................................................76
4.2 Breves considerações metodológicas............................................................77
4.3 Observação participante do jogar da Mancala no ambiente presencial.......78
4.4 A netnografia do jogar da Mancala na web.....................................................88
4.5 A remediação da Mancala................................................................................97
5 CONCLUSÕES....................................................................................................102
REFERÊNCIAS.......................................................................................................107
10
1 INTRODUÇÃO
Figura 1: Urbano e o jogo de Damas
Fonte: Silvério, 2009a
Se a situação descrita no quadrinho acima (Figura 1) realmente acontecesse,
o personagem Urbano não estaria sendo ingênuo como pode parecer à primeira
vista. O jogo de Damas lida com uma lógica que, no caso de existir vida inteligente
em outro planeta, não seria de se estranhar que os seres extraterrestres também
soubessem praticá-lo. Trata-se de um jogo muito conhecido no Brasil, assim como o
Xadrez, o Dominó e até mesmo o Gamão.
Existem outros jogos, no entanto, que, apesar de tradicionais entre povos que
participaram da formação da população de nosso país, são praticamente
desconhecidos entre nós. Dentre eles, a Mancala é um dos exemplares mais
interessantes. Jogo característico de diversas nações africanas, ele foi trazido para o
Brasil na memória dos negros de várias etnias que vieram para o nosso país.
Após mais de uma década de convivência com o universo dos jogos de
diferentes sociedades e culturas, deparei-me com o desafio de compreender o que
acontece quando o jogo e prática do jogar migram de um ambiente de encontro
presencial para o ambiente virtual, onde o computador ligado a uma rede mundial
faz as mediações.
Em outra oportunidade havia pesquisado a presença do lúdico nas culturas
indígenas brasileiras, quando coordenei o Projeto Jogos Indígenas do Brasil,
realizado pela Origem Jogos e Objetos, com o patrocínio da Bosch através da lei
federal de incentivo à cultura. Esse projeto aconteceu nos anos de 2003 e 2004 e
11
resultou em um documentário e um livro que foram distribuídos pelo Ministério da
Educação para escolas públicas. nessa época, comprovei que o Jogo da Onça
provavelmente era conhecido entre os povos que habitavam nosso país antes da
chegada dos europeus.
Se o enfoque dessa primeira investigação estava ligado a um resgate do
universo lúdico de nossos indígenas, os jogos apresentam muitas outras
possibilidades investigativas e, dentre elas, as ligadas ao campo comunicacional.
(Figura 2). Desse estudo surgiu o interesse pela remediação de um jogo tradicional.
Figura 2: Urbano e a imersão
Fonte: Silvério, 2009b
E é mais uma vez o personagem Urbano que ilustra a riqueza potencial dos
jogos (nesse caso um jogo de palavras) no estudo da comunicação humana. Existe,
entretanto, um outro campo que a cada dia desperta mais interesse entre os
estudiosos da Comunicação. O dos jogos eletrônicos, ou games, como mais
comumente são conhecidos. E a Mancala se insere nesse universo, na continuidade
de uma história centenária que a levou a ser adaptada para o ambiente virtual da
rede mundial de computadores num formato por demais semelhante ao que era
jogado por nossos ancestrais em tabuleiros cavados na terra.
O que aconteceu com o jogo quando ele foi adaptado para o ambiente virtual
é a questão central dessa pesquisa. Para tanto, pretendeu-se detectar e comparar
os níveis de interação e imersão tanto no jogo praticado no ambiente presencial
quanto no virtual, bem como investigar as mediações sócio-culturais e tecnológicas
12
que envolvem a sua prática.
Como metodologia foi escolhida a observação antropológica de bases
etnográficas. A aplicação do método se deu através da realização de sessões de
observação participante com grupos de pessoas na prática do jogo da mancala da
forma presencial. Foram investigados, dessa forma, os processos de imersão nesse
formato. Da mesma forma, foi aplicado o método para investigação do jogo no
ambiente virtual. Também foi realizada uma revisão bibliográfica visando definir o
que é jogo, traçar um histórico do jogo Mancala, além de apresentar sua forma de
jogar e as estratégias possíveis de se utilizar na sua prática tanto na versão
presencial quanto na virtual. Com essa revisão também se pretendeu refletir sobre
as especificidades do processo de remediação dos jogos.
Assim, o objetivo central deste trabalho pode ser afirmado como o de
investigar o processo de remediação do jogo Mancala do ambiente presencial para o
virtual considerando as interações, os níveis de imersão e a mediação que ocorre
em sua prática.
Para realizá-lo procurou-se definir o que é jogo e traçar um histórico do jogo
Mancala, apresentando sua forma de jogar e as estratégias possíveis tanto no
ambiente presencial quanto no virtual. Além disso, a caracterização e a reflexão
sobre as especificidades de um processo de remediação dos jogos foram buscadas,
com especial ênfase na identificação e análise das interações e os níveis de imersão
que ocorrem na prática do jogo Mancala no ambiente presencial e virtual.
Todas as civilizações criaram jogos próprios, com características que
simbolizam os bitos e costumes de seus povos. Assim como também existem
jogos que o comuns a todas as civilizações, com variações que também são
características do meio-ambiente, dos costumes e das crenças de cada região onde
é encontrado. Os jogos são partes importantes da cultura de todos os povos do
mundo, existindo como um dispositivo estratégico de afirmação e recriação dos
valores e normas culturais.
Os jogos eletrônicos são os herdeiros dessa longa tradição lúdica nos dias
atuais. Segundo Lúcia Santaella (2007), a importância dos jogos eletrônicos está
menos na sua força econômica do que na sua relevância cultural uma vez que eles
se espalham cada vez mais por toda parte em uma velocidade espantosa, como
bem o demonstra a presença cada vez mais diversificada de jogos nos dispositivos
tecnológicos móveis.
13
Luís Felipe Teixeira (2004), coloca a questão lúdica no centro da cultura
contemporânea ao constatar que, na atualidade, o lúdico nos acompanha a toda
parte ao se aliar à tecnologia. Para ele, existe uma urgência da Academia olhar para
esse objeto de estudo como área científica fundamental dos tempos atuais.
Por outro lado, Santaella (2007) mostra que a importância cultural dos jogos
eletrônicos é correspondida na mesma proporção pelo "menosprezo e pela
avaliação apocalíptica tanto de teóricos e críticos da cultura quanto dos leigos"
(SANTAELLA, 2007, p. 407) em relação a eles. Fala-se que os jogos o banais e
responsáveis por comportamentos violentos dos usuários, principalmente crianças,
adolescentes e jovens adultos.
Daí a importância de estudá-los de forma criteriosa, através de uma visão que
busque achar procedimentos de análise mais adequados ou mesmo formas de
crítica para apontar possibilidades de aprimoramento.
Espen Aarseth (1997,1998), chega a colocar os jogos eletrônicos no elevado
patamar de um gênero artístico e um campo estético repleto de novas
possibilidades.
Santaella (2007) salienta que essa mídia tem atraído a atenção de áreas tão
diversas quanto à filosofia, a semiótica, a psicologia, a antropologia, as ciências da
computação, a engenharia elétrica, as telecomunicações, as ciências cognitivas, a
publicidade, o marketing, o design, a computação gráfica, a animação, a crítica
literária e de arte, a narratologia e a educação. A comunicação, como campo
interdisciplinar que abrange todos essas outras áreas, também encontra
particularidades próprias de seu campo de estudo nas interações e mediações
envolvidas no estudo dos jogos.
Os jogos o um campo vasto de pesquisa em seu passado, presente e
futuro. E merecem um olhar atento pelo fato de que, sempre que existiu ou existir o
homem, haverá um tipo de jogo possível de ser jogado por ele.
O estudo do processo de remediação de um jogo de estratégia como o
Mancala, do ambiente presencial para sua versão virtual, configura-se como
empreitada importante, na medida em que possa revelar as continuidades e
descontinuidades nos processos de interação e imersão, oportunizados pelo jogo,
além de permitir a compreensão das rupturas de sentidos operadas nesta
passagem. E se insere no programa de pós-graduação em Comunicação Social em
Interações Midiáticas na linha de midiatização e processos de interação.
14
No segundo capítulo dessa dissertação discorre-se sobre o jogo como parte
da cultura e suas implicações para o estudo da comunicação. E discutem-se os
conceitos de interação, mediação, imersão e remediação. No terceiro capítulo
apresenta-se a descrição do jogo da Mancala e de suas formas de jogar tanto no
ambiente presencial quanto no virtual. E no quarto capítulo apresentam-se os
resultados da observação do jogar da Mancala no ambiente presencial e virtual para
buscar entender o processo de remediação do jogo ao ser adaptado para o meio
eletrônico.
15
2 A INTERAÇÃO E A MEDIAÇÃO NOS JOGOS E A REMEDIAÇÃO DO JOGO
ELETRÔNICO
2.1 O jogo e seus mecanismos de funcionamento como parte da cultura e
suas implicações no estudo da comunicação
São várias as abordagens para o fenômeno dos jogos e, neste trabalho,
optou-se por uma discussão conceitual que auxilie na construção de uma base
teórica para se relacionar jogo e cultura que, por sua vez, nos leve a refletir sobre
jogo e comunicação. Um enfoque dos conceitos mais pertinentes para alcançar o
objetivo de investigar a comunicação no jogo da Mancala
1
tanto em seu formato
presencial quanto no virtual. Para João Ranhel (2009), é preciso adentrar no
entendimento do que é jogar para perceber a amplitude do fenômeno a que
denominamos jogos. Para o autor, quando se trata de jogos eletrônicos isso é ainda
mais verdadeiro.
A história dos jogos remonta a milhares de anos antes de Cristo, mas seu
estudo é muito recente. Schiller (2002), filósofo alemão que viveu nos finais do
século XVIII, foi um dos primeiros pensadores a abordar o tema, em seu estudo
sobre a estética. Para ele, o homem é verdadeiramente humano quando joga e
só joga quando é totalmente humano.
O etnólogo norte-americano Stewart Cullin
2
foi pioneiro na abordagem da
abrangência cultural dos jogos em seus estudos realizados no final do século XIX e
início de século XX. Para ele, a similaridade, tanto na forma de jogar quanto nos
jogos que os diversos povos praticam, seria uma prova de que todas as culturas do
mundo tiveram um ponto de contato nos primórdios da história humana. Dessa
forma, povos tão diferentes quanto os índios americanos, os africanos, os árabes e
os chineses conhecem brinquedos, brincadeiras e jogos que são comuns em todas
as partes do mundo.
Doze anos depois da morte de Cullin, em 1938, Huizinga (2003) publicou o
Homo Ludens em que fez uma abordagem filosófica sobre os aspectos lúdicos da
1
A Mancala em si será estudada no segundo Capítulo dessa dissertação.
2
CULIN, 2009.
16
sociedade humana. O autor foi o primeiro a tentar explicar a atividade lúdica de uma
forma abrangente, relacionando essa atividade ao direito, à religião, à guerra, à arte
e a outras atividades e instituições humanas. Seus argumentos baseiam-se em
evidências empíricas sócio-culturais tal como se apresentam ao longo da História,
em diversas sociedades.
Huizinga (2003) considerou como características formais do jogo o fato de ele
ser uma atividade livre, conscientemente tomada como não séria e exterior à vida
habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e
total. Uma atividade sem qualquer interesse material, com a qual não se pode obter
lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios e seguindo certas
regras que determinam uma dada ordem.
Essas idéias se aplicam tanto ao jogo presencial, onde dois jogadores se
encontram para praticá-lo, quanto ao eletrônico quando se utiliza o computador para
mediar à prática do jogo. Mas é claro que a abordagem de Huizinga (2003), embora
tenha fundamentos muito consistentes, também não abrange toda a complexidade
dos jogos em geral e, em especial, os eletrônicos.
Roger Caillois (1958) fez uma crítica parcial ao pensamento do autor em
seu livro "Os Jogos e os Homens" ao considerar que o jogo é uma ocasião de
grande gasto de tempo, energia e destreza para ser associado a uma atividade sem
interesse material. Caillois foi outro precursor do estudo dos jogos como parte da
cultura dos povos ao qual acrescentou aspectos importantes.
Caillois (1958) disse que, aquilo que chamamos jogo, aparece como uma
gama de restrições voluntárias, que são aceitas de pleno acordo e que estabelecem
uma ordem estável, por vezes uma legislação tácita, num universo sem lei. Segundo
o autor, a palavra jogo evoca também uma idéia de facilidade de movimento quando
falamos, por exemplo, do jogo de uma engrenagem ou do jogo de um navio sobre
sua âncora. Aqui, o termo jogo refere-se aos diversos elementos de um mecanismo
que permitem o seu funcionamento e que necessitam ter equilíbrio para que ele não
se desgoverne. Para funcionar, um mecanismo deve jogar para evitar um excesso
de pontos de atrito que se desgastem e desperdicem a energia que a máquina
consome e o excesso de folga entre as conexões para não correr o risco de vibrar e
não se manter coeso.
17
Para Caillois (1958), jogo é uma ação regular e combinada das diversas
partes de uma máquina. Assim como uma máquina é um puzzle
3
de peças
construídas para se adaptarem umas às outras e funcionarem em conjunto. Esses
diferentes sensos implicam na noção de totalidade, de regra e de liberdade. Um
deles associa a presença de limites e a faculdade de inventar no interior desses
limites. O outro faz a separação entre os recursos herdados da sorte e a arte de
conseguir a vitória a partir de recursos íntimos, inalienáveis, que dependem da
aplicação de zelo e obstinação pessoal. Uma terceira opção opõe o cálculo ao risco.
Jogo significa também a liberdade que deve persistir, mesmo no seio do
próprio rigor, para que este adquira ou conserve sua eficácia”. (CAILLOIS, 1958, p.
15).
Segundo David Parlett (1999), o jogo tem uma estrutura baseada em sua
finalização e em suas significações. Finalização porque o jogo é uma competição
para se alcançar um objetivo final. “Apenas um dos competidores, seja ele um
indivíduo ou uma equipe, pode alcançar esse objetivo e, quando o consegue, o jogo
termina”. (PARLETT, 1999, p. 3). Finalizar o jogo e alcançar esse objetivo é vencê-lo
porque, por definição, um jogo formal tem necessariamente um vencedor e a vitória
é o fim do jogo nos dois sentidos da palavra, como terminação e como objeto.
Em relação às significações, o jogo tem um dado equipamento e regras
segundo as quais esse equipamento é manipulado a fim de produzir uma situação
de vitória. As significações são tão variadas quanto o são os jogos. Um simboliza
uma caminhada, outro apresenta uma situação de desafio ou uma simulação de
combate. Parlett (1999) está em concordância com Huizinga (2003) e Caillois (1958)
quando diz que todo jogo tem suas regras. Para ele, no entanto, mais do que ter
regras o jogo é suas regras, porque são elas que o definem.
Tanto Parlett (1999) quanto Caillois (1958) são autores que partiram do
trabalho de Huizinga (2003) para propor novas visões a respeito de jogo e cultura.
Já Umberto Eco (1989) diz que Huizinga não fez uma teoria do jogo, mas uma teoria
do comportamento dico. A teoria dos jogos, os estudos de Wittgeinstein sobre a
matemática como jogo, os paralelos saussurianos com as peças de xadrez e a
publicação das obras de Levi-Strauss e de Lacan são acontecimentos posteriores à
época em que Huizinga viveu e produziu suas obras. Para ele, isso justificaria o fato
3
puzzle é um problema ou enigma que testa a ingenuidade de quem tenta resolvê-lo (PUZZLE,
2010).
18
do autor não ter abordado aspectos dos jogos que se tornaram mais evidentes nos
tempos atuais a partir desses estudos (ECO, 1989, p. 272).
Além disso, Huizinga (2003) escreveu em alemão, uma língua que, como o
português, tem apenas uma palavra para designar dois conceitos diferentes
relacionados ao ato de jogar: competição e performance. Essa diferença fica mais
implícita quando se utiliza o inglês onde to game se relaciona ao aspecto de
competir e to play ao de participar. Para Eco (1989), Huizinga se furtou a falar do
aspecto de game para falar apenas de play.
O aspecto competitivo de um jogo não pode ser menosprezado. No caso
específico dos jogos eletrônicos, Ranhel (2009) afirma que é preciso ir além do
senso comum de reduzi-los à idéia de alguém enfrentando conflitos e obstáculos
gerados pelo programa. Célia Pearce (2004) diz que o mais importante sobre os
jogos é que eles são focados no jogar. “Diferente de literatura e filmes, os quais
estão focados na história, nos jogos tudo gira em torno do jogar e da experiência do
jogador (PEARCE, 2004, p. 114). Para ela, os designers de jogos devem estar
mais interessados em criar uma estrutura convincente para jogar do que em contar
histórias.
Mas a participação em um jogo também se configura como um aspecto
importante do jogar. Participar pode significar pertencer a uma comunidade de
apreciadores e praticantes. Mas também pode evidenciar a necessidade de interagir
e fazer trocas. Ou seja, comunicar-se.
Para fins de classificação, passo a analisar as quatro categorias de jogos
apontadas por Caillois (1958): agon (competição), alea (azar), mimicry (simulacro) e
ilinx (vertigem).
Agon é a categoria do combate, do confronto e da competição onde os
adversários se enfrentam, teoricamente, em condições ideais e com oportunidades
iguais. O objetivo dessa categoria de jogo é ver reconhecida a excelência dos
confrontantes e eles primam pela disciplina e perseverança.
Alea é o oposto da categoria anterior; o jogador quer vencer o destino e não o
adversário. Nessa categoria nega-se a competência, a habilidade, a qualificação e o
trabalho, porque esses jogos não dependem das decisões do jogador e o que conta
é apenas a sorte.
Na visão de Caillois (1958), tanto agon quanto alea implicam atitudes opostas,
embora complementares, e sempre obedecem a uma mesma lei que impõe a
19
criação de condição de igualdade para os jogadores.
Mimicry, ou simulacro, consiste na representação de um personagem ilusório
e na adoção de seu comportamento, como na mímica, e essa categoria é capaz de
criar uma ilusão temporária nos jogadores que acreditam ser os personagens.
a categoria do ilinx, ou vertigem, é aquela dos jogos que atuam na
desestabilização temporária da percepção do jogador. O participante dessa
categoria de jogo, por opção própria, busca o atordoamento orgânico e psíquico.
Caillois (1958) ainda aponta dois pólos na categorização dos jogos: o paidia e
o ludus, que podem ser consideradas como duas formas de se jogar. Na paidia
reina um quase invisível princípio comum de diversão, turbulência, improviso, a
alegria despreocupada é dominante e manifesta um tipo incontrolável de fantasia”.
No ludus, dá-se o contrário, ou seja, o disciplinado, imperativo, tedioso e
convencional. Esse segundo princípio requer um esforço maior; mais paciência,
habilidade ou perspicácia” (CAILLOIS, 1958, p.13).
O tipo de jogo de que trata essa dissertação está na categoria de agon, por
pressupor uma disputa ou competição com o objetivo de alcançar a vitória a partir
de uma estratégia vencedora e também no ludus porque para vencer é preciso
esforço e persistência. Afinal, trata-se de um jogo de estratégia.
Num jogo de estratégia, cada lance efetuado por cada jogador determina
uma forma de defesa, ao mesmo tempo em que oferece uma chance de ataque
para o jogador adversário.
O jogador deve privilegiar mais o despiste do que a comunicação de suas
verdadeiras intenções. A quantidade de variáveis possíveis torna ainda mais
complexa à tomada de decisão quanto à próxima jogada e é preciso prever ainda
mais do que isso para se armar uma estratégia vencedora.
Muniz Sodré (2006) define estratégia como o mapeamento de uma situação
por completo, para conseguir indicações quanto à escolha mais racional a se fazer
em qualquer eventualidade que seja possível. Para ele, estratégia configura-se
como eustochia, a clássica designação grega para um olhar preciso sobre uma
situação problema.
Para ser efetiva, a estratégia precisa calcular aspectos do começo e do fim
da ação e não se ater ao detalhamento concreto da manobra que visa fazer. O
detalhamento da manobra cabe à tática, outra característica muito significativa na
hora de se disputar esse tipo de jogo.
20
Para Sodré (2006), a tática é que torna o agir contingente e está confinada
ao tempo presente. Ou seja, a estratégia determina um rumo a tomar para atingir
um fim e a tática apresenta as correções necessárias para prosseguir uma
estratégia que se mostra promissora ou para modificar outra que o esteja
conseguindo o resultado desejado.
Existem outras estratégias envolvidas na prática do jogo de Mancala, que
dizem menos respeito ao cálculo e mais às estratégias sensíveis. Sodré coloca
que, as estratégias sensíveis se manifestam através de jogos de vinculação dos
atos discursivos às relações de localização e afetação dos sujeitos no interior da
linguagem(SODRÉ, 2006, p. 10). Jogos de afetação de todos os sentidos como o
visual, o tátil e o sonoro que exercitamos durante uma partida do jogo são como
uma linguagem. Sem falar na dimensão propriamente afetiva, que estabelece laços
de companheirismo e sentimento de pertencimento a um grupo.
Sodré (2006), fala ainda que o sentimento de comunidade está no âmago do
processo comunicacional. Porque é a partir do compartilhamento de um gosto ou
de uma mesma opinião que se reconhece uma sensação. Uma dimensão
primordial que tem mais a ver com o sensível do que com a razão, ou seja, o afeto
que, segundo o autor, é a energia psíquica que se deixa ver nas diferentes
modulações da tensão no corpo.
Todos os conceitos abordados até agora são válidos para os jogos
presenciais. Para Ranhel (2009), no entanto, eles são demasiado amplos para
explicarem especificamente os jogos eletrônicos. O autor sugere um estudo
realizado por Jesper Jull (2004) no sentido de conceituar com maior precisão esse
tipo de jogo.
Jull (2004) parte das definições de jogos presenciais de Huizinga, Caillois,
Bernard Suits, David Kelley, Avedon & Sutton-Smith, Chris Crawford e de Salen &
Zimmerman para montar sua abordagem, que pretende ser sintetizadora, conforme
apresentado no Quadro 1:
21
Fonte Definição
Johan Huizinga
(1950, p.13)
“[...] uma atividade livre, conscientemente tomada como ‘não séria’ e
exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o
jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e
qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer
lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios,
segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de
grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredos e a
sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de
disfarces ou outros meios semelhantes”.
Roger Callois
(1961, p. 10-11)
“[o jogo] é uma atividade que é essencialmente: livre (voluntária)
separada (no tempo e no espaço), incerta, improdutiva, governada por
regras, fictícia (faz-de-conta).”
Bernard Suits
(1978, p. 34)
“Jogar um jogo é se engajar em uma atividade dirigida para causar um
estado específico de ocorrências, usando somente meios permitidos por
regras, onde as regras proíbem meios mais eficientes em favor de
meios menos eficientes, e onde tais regras são aceitas apenas porque
elas tornam possível tal atividade.”
Avedon &
Sutton-Smith
(1981, p. 7)
“No seu nível mais elementar, podemos definir jogo como um exercício
de sistemas de controle voluntário, nos quais uma oposição entre
forças, confinado por um procedimento e regras, a fim de produzir um
resultado não estável.”
Chris Crawford
(1981, capitulo 2)
“Eu percebo quatro fatores comuns: representação [um sistema formal
fechado, que subjetivamente representa um recorte da realidade],
interação, conflito e segurança [o resultado do jogo é sempre menos
severo do que as situações que o jogo modela].”
David Kelley
(1988, p. 50)
“Um jogo é uma forma de recreação constituída por um conjunto de
regras que especificam um objeto (objetivo) a ser almejado e os meios
permissíveis de consegui-lo.”
Salen & Zimmerman
(2003, p. 96)
“Um jogo é um sistema no qual jogadores engajam-se em um conflito
artificial, definido por regras, que resultam em um resultado
quantificável.”
Quadro 1: Definições de jogo.
Fonte: Ranhel, 2009
Com base nesta síntese, Jull (2004) aponta para a existência de dez
características comuns nas várias definições sobre o jogo. E a partir dessas
características comuns, o autor propõe um rearranjo de termos e transformam
outros em termos semelhantes para reduzir a definição de jogo a seis pontos:
1- Regras: jogos são baseados em regras.
2- Resultado variável e quantificável: jogos têm resultados quantificáveis e
variáveis.
3- Valorização do resultado: aos diferentes resultados potenciais do jogo são
assinalados valores diferentes, sendo alguns positivos, e outros, negativos.
4- Esforço do jogador: o jogador investe esforço, a fim de influenciar o
resultado.
5- Vínculo do jogador ao resultado: o jogador fica vinculado emocionalmente
22
ao resultado, no sentido de que ficará feliz se for o vencedor e infeliz se perdedor.
6- Conseqüências negociáveis: o mesmo jogo, ou o mesmo conjunto de
regras, pode ter ou não conseqüências para a vida real.
Em suma, o jogo é um sistema formal baseado em regras, com um resultado
variável e quantificável, no qual diferentes resultados são atribuídos por diferentes
valores, o jogador empenha esforço a fim de influenciar o resultado e se sente
vinculado a ele, sendo suas conseqüências opcionais e negociáveis.
23
Figura 3: Diagrama 1
Fonte: Ranhel (2009)
24
Com base nessa definição Jull (2004) traçou o Diagrama 1 (Figura 3) no qual
representa 2 círculos concêntricos. Dentro do círculo central, ele coloca os seis itens
descritos acima. Por sua definição, tudo que tiver os seis atributos deve ser
considerado jogo. Na zona intermediária (fora do círculo central, mas dentro do
círculo externo) estão às atividades que são quase-jogos (game-like). O que estiver
fora dos dois círculos não pode ser considerado jogo.
Uma convenção adotada na representação gráfica que precisa ser bem
entendida se relaciona ao sentido das setas que indicam a remoção de um dado
atributo. Para que o gráfico ficasse mais claro o autor indicou entre parênteses que
atributos de um jogo não constam de cada atividade.
Dessa forma, o RPG (Role-Playing Game) em lápis e papel, por exemplo, é
considerado um quase-jogo porque o atributo 1 foi retirado uma vez que ele não
possui regras fixas. brincadeiras em formato livre, apesar de também não ter
o atributo 1 é considerado por Jull (2004) como não jogo.
a brincadeira de roda, que ele também considera um não jogo, não tem
quatro atributos: o resultado variável, a valorização e os vínculos do jogador com
esse resultado e as conseqüências negociáveis.
Segundo Ranhel (2009), a definição de Jull e o Diagrama 1 acima são
ferramentas conceituais que mostram uma forma mais aprimorada de classificar um
programa lúdico de computador do que as definições anteriores. Para ele, esse
arcabouço é mais adequado para classificação dos jogos eletrônicos porque os
algoritmos não negociam regras. A tendência deles é de serem rígidos e de
quantificarem automaticamente os resultados.
Os jogos eletrônicos também possuem formas de valorizar a vitória dos
participantes porque geralmente apresentam níveis de dificuldades. Quase sempre
são imparciais e o jogador tem que despender algum esforço para que o jogo
aconteça, ou seja, o vínculo é quase sempre um compromisso do jogador consigo
mesmo.
Por sua vez, Lúcia Santaella (2007) afirma que o jogo eletrônico é
característico da atualidade assim como o jogo que caracteriza a atualidade é o que
utiliza recursos eletrônicos. A autora defende que os games, como ela os chama,
são um campo híbrido, poli e metamórfico, que se transforma em velocidade
surpreendente, não se deixando agarrar em categorias e classificações fixas”.
(SANTAELLA, 2007, p. 406).
25
Jogos eletrônicos são os construídos para suportes tecnológicos eletrônicos
ou computacionais. Esses jogos se dividem em três grupos, dependendo do
suporte utilizado: jogos para consoles, construídos para consoles específicos de
videogames, com visualização em monitores de televisão, como PlayStation e
GameCube, e também para consoles portáteis como GameBoy e Nintendo DS;
jogos para computador, desenvolvidos para processarem em microcomputadores
pessoais, conectados em rede ou não; e jogos para arcades, muitas vezes
denominados fliperamas, que são grandes máquinas que integram o console com o
monitor e que ficam dispostas em locais públicos.
Segundo Santaella e Feitosa (2009) o que uma idéia do papel que os
jogos eletrônicos desempenham na cultura humana no início deste terceiro milênio
e vem sendo reiteradamente alardeado é que a movimentação financeira de sua
indústria é superior à do cinema, sendo a terceira no mundo e perdendo apenas
para as indústrias bélica e automobilística.
Pode-se considerar que os jogos eletrônicos são, atualmente, os grandes
estimuladores e, amesmo, os grandes responsáveis pelo avanço tecnológico da
indústria do entretenimento, que aproveita de pesquisas de ponta para
disponibilizá-los em grande escala e com imensa rapidez.
Para Adriana Sato (2009), o jogo eletrônico provém do imaginário coletivo da
sociedade e utiliza elementos da vida cotidiana que estiliza para criar uma fantasia.
Ao jogar, o indivíduo realiza ações que tornam a experiência do jogo cada vez mais
intensa e única. O indivíduo, dentro dos limites do jogo determinado pelas regras,
busca superar desafios, interagindo com os seus elementos” (SATO, 2009, p. 38). A
satisfação obtida a cada aprendizado e a superação de um desafio leva à diversão e
ao prazer, antes de qualquer outro fator, e determina o aspecto lúdico do jogo.
Hans-Georg Gadamer (2004), amplia esse conceito ao afirmar que, para
quem joga, não é a seriedade que marca e define o jogo e o jogar; o jogar possui
uma referência essencial própria para com o que é sério”. O autor nos mostra que a
seriedade no jogo é própria deste, diferente da vida cotidiana. Aquele que joga
sabe, por si mesmo, que o jogo não é nada mais do que um jogo e que se encontra
num mundo determinado pela seriedade dos fins, isto é, o jogo possui finalidade e
propósitos diferentes da vida ordinária”. Fala ainda que "o jogador tem consciência
disso, porque, no jogo, ele realiza ações e assume um caráter distinto de si como
indivíduo na vida cotidiana”. Para o filósofo, o jogo tem uma natureza própria,
26
independente da consciência de quem joga. “Antes, deveríamos dizer que também o
homem joga. Também o seu jogar é um processo natural e o sentido de seu jogar,
justamente por ser natureza, e na medida em que é natureza, é um representar-se a
si mesmo” (GADAMER, 2004, p. 154-155; 158).
Gadamer (2004) se apóia em Walter Benjamim para quem, segundo ele, a
representação em uma brincadeira sempre busca a novidade, diferentemente das
atividades da vida cotidiana. Representar aspectos reais é diferente de imitar a
realidade. Ou seja, o jogo faz uma suspensão do real e envolve o jogador num
sentimento imersivo que justificaria a atividade lúdica por si.
Adriana Sato (2009) complementa esse pensamento ao afirmar que o
representar dentro de um jogo poderia nem ser agradável ao indivíduo se fosse esta
sua atribuição na vida cotidiana como atividade profissional. Por que essa atribuição
vem acompanhada de outros fatores como implicações legais, morais, políticas,
econômicas e sociais; aspectos que no jogo podem ser ressignificados ou alterados
conforme o desejo ou necessidade do indivíduo. Esses fatos dizem respeito às
relações sócio-culturais, elementos existentes no mundo físico e real que são
transpostos e estilizados no jogo. Para ela, o jogo se estabelece a partir de relações
sócio-culturais e faz parte do contexto vigente ao mesmo tempo em que o abrange.
“O jogo é um elemento cultural, acompanhando a sociedade em seus valores,
percepções e anseios, sendo ele mesmo um resultado das projeções e expressões
da sociedade” (SATO, 2009, p. 41).
Para Sato, o jogo eletrônico possui significado porque estabelece uma
comunicação direta com a sociedade, por meio da imaginação de uma determinada
realidade, experimentada e vivenciada por esta mesma sociedade. O jogo é
resultado da interpretação de um sujeito (game designer) que o codifica a partir de
sua compreensão da coletividade(SATO, 2009, p. 42). É esse game designer que
faz uma leitura do imaginário coletivo, dos referenciais e valores culturais de uma
sociedade para propor elementos significativos no jogo. Ele conta com a própria
imaginação, além da leitura e da interpretação de seu contexto cio-cultural, para
criar uma história envolvendo esses elementos com um novo significado a partir do
contexto próprio para o jogo, que possui significado para outro sujeito, ou jogador,
quando passa a ser interpretado por ele. Nesse novo universo ele pode se distanciar
das obrigatoriedades, das regras, das responsabilidades e das atribuições da vida
cotidiana e realizar suas escolhas de acordo com seus próprios desejos. Mas, ainda
27
assim, suas ações, posturas e escolhas serão imaginadas a partir das referências,
dos costumes e do conhecimento de seu contexto sócio-cultural. Ao imaginar e
vivenciar a experiência de jogo, o sujeito está realizando suas atividades lúdicas que
ocasionam sua imersão nesse universo de fantasia” (SATO, 2009, p. 42).
Adriana Sato (2009) considera que tais características são pertinentes a
qualquer jogo, seja presencial ou virtual. Mas em relação específica aos jogos
eletrônicos ela diz que eles apresentam aspectos imersivos próprios. Os
videogames, por essa visão, estão situados no limiar entre a imaginação e o
cotidiano das pessoas. O game designer parte do imaginário coletivo ou individual
de uma sociedade determinada para estabelecer um sistema simbólico em que
elementos ficcionais e suas referências contextualizam o jogo que ele propõe. Mas é
do mundo cotidiano que ele retira os limites que são as regras e os objetivos desse
jogo.
Os videogames transitam por esses dois universos e dependem deles para
existirem. Do mundo da imaginação e da fantasia eles retiram os elementos
fantásticos que os tornam atraentes e cada vez mais imersivos. Porque os
jogadores não estão em busca de uma experiência que repita o seu cotidiano, mas
sim por algo novo e inusitado que lhe traga diversão e esquecimento momentâneo
da realidade. Porém, mesmo numa atividade que busca o escapismo é preciso a
existência de elementos com os quais o jogador tenha familiaridade, sob o risco do
jogo não fazer sentido para ele e se tornar desinteressante.
Para Sato (2009) o realismo no jogo está na apresentação de situações,
ações e objetos que podem ser fantasiosos ou imaginados, mas se mantêm
coerentes com a vida cotidiana do jogador e seu entorno. É preciso que as coisas
que ocorrem no jogo façam sentido para o jogador e possam ser associadas a
experiências anteriores, ao seu repertório ou ao seu conhecimento empírico e
formal. Esse fato também está associado ao processo imersivo do jogo.
Pode-se considerar a imersão como a propriedade a partir da qual o jogador
se integra ao ambiente virtual. Essa interação difere de indivíduo para indivíduo
porque cada um faz sua própria exploração do ambiente e o interpreta segundo
parâmetros diferentes. Mas quanto maior for à interação permitida ao jogador dentro
do jogo maior será a imersão por ele experimentada.
A percepção do jogador se modifica nos ambientes virtuais porque ele presta
atenção a algo diferente de seu cotidiano, somado à possibilidade de realizar ações
28
e escolhas que não estariam ao seu alcance na vida ordinária. O fato de o jogador
permanecer nesse ambiente escolhendo sua trajetória e tendo novas experiências é
que resulta em seu processo imersivo.” (SATO, 2009, p. 46).
2.2 Interações: imersão e telepresença
Interação para Weber (1987) é uma “situação em que duas pessoas estão
empenhadas numa conduta onde cada qual leva em conta o comportamento da
outra de uma maneira significativa”. (WEBER, 1987, p. 45).
Teixeira Primo (2007) amplia o conceito para três tipos de relações: a relação
entre duas pessoas, entre pessoa e máquina e entre duas pessoas, mediada pelo
computador. Nos jogos, a interação entre duas pessoas acontece no ambiente
presencial. A interação entre pessoa e máquina acontece nos jogos eletrônicos cujo
suporte são árcades, os conhecidos fliperamas, ou quando ele joga contra o
computador. A interação entre duas pessoas mediada pelo computador acontece
nos jogos em consoles acoplados à televisão e também em sites que reúnem
jogadores na internet.
Na prática de um jogo a interação se caracteriza por ser uma ação entre os
participantes de um encontro. O foco se volta para a relação estabelecida entre os
jogadores. Para Teixeira Primo (2007), a fim de ser qualificada como interação, uma
atividade deve ser interpretada em termos de alguma forma de significado
contextual, relevância ou conseqüência pelos participantes e/ou observadores.
Nos jogos presenciais, cada movimento realizado por um dos participantes
tem relevância para a reação do oponente, mas nem sempre os dois participantes
têm noção das conseqüências de cada movimento. Nos jogos eletrônicos, quando a
interação acontece entre jogador e máquina o nível de dificuldade é estabelecido
pelo programador do jogo e quase sempre o programa oferece mais de uma
possibilidade. Na interação entre duas pessoas e mediada pelo computador
acontece o mesmo que na interação entre duas pessoas no ambiente presencial
como se pode pensar em um primeiro momento?
Em uma análise que leve em conta o entendimento por parte dos jogadores
de todos os movimentos de uma partida, bem como das conseqüências de cada
29
jogada, teremos seis níveis possíveis:
1- iniciante - iniciante - os dois jogadores mal conhecem a regra, fazem
movimentos totalmente aleatórios e o acaso é preponderante
2- iniciante - conhecedor - o primeiro jogador movimenta-se aleatoriamente, o
segundo utiliza alguma malícia para decidir seus movimentos e o jogo apresenta
um nível baixo de estratégia.
3- iniciante - mestre - o primeiro age aleatoriamente, o segundo tem plena
consciência dos movimentos que necessita realizar para vencer e o nível de
estratégia é alto.
4- conhecedor - conhecedor - os dois jogadores utilizam alguma malícia tanto
no ataque quanto na defesa e o nível de estratégia é médio.
5- conhecedor - mestre - o primeiro movimenta-se aleatoriamente, o segundo
com plena consciência dos movimentos e o jogo apresenta um nível de estratégia
alto.
6 - mestre - mestre - os dois jogadores não conhecem as movimentações
como reconhecem seqüências de jogadas vencedoras a cada momento do jogo
como na abertura, no desenrolar e no fechamento da partida e o jogo apresenta o
nível máximo de estratégia.
O estudo da interação nos jogos eletrônicos também tem seus fundamentos
na teoria da comunicação. Segundo Teixeira Primo (2000), o antigo modelo de
interação emissor-receptor, linear, mecanicista, hierárquico e desigual, reservava a
uma parte do sistema apenas a passividade, permitindo-lhe tão somente o feedback.
Ao buscar uma relação homem máquina que seja plenamente interativa, é preciso
considerar que o feedback reativo não é condição suficiente para o estabelecimento
de uma comunicação plena.
A partir da existência de tecnologias que viabilizam a interação mediada, o
entendimento do que seja interação e dos sistemas e processos onde ela se
estabelece tornou-se fundamental. Para o autor, a investigação da relação homem-
máquina, da comunicação mediada pelo computador e do conceito de interatividade
deve partir de estudos que investigam a interação no contexto interpessoal. Ou seja,
a relação que se pretende plenamente interativa deve ser trabalhada como uma
aproximação àquela das relações interpessoais
4
.
4
José Luiz Braga (2001) considera que é um exagero considerar que apenas a interação interpessoal
seja um parâmetro para se considerar a existência de interação dentro do processo comunicacional
30
Conta Teixeira Primo (2000), que o paradigma do processo da comunicação
compreendido como um fluxo linear, de mão única e superioridade do emissor foi
sucedido por um modelo de ênfase na interação, ao valorizar a dinamicidade do
processo, onde todos os participantes são atuantes na relação. Existe uma relação
de interdependência na interação, onde cada agente depende do outro, isto é, cada
qual influencia o outro(TEIXEIRA PRIMO, 2000, p. 82). O autor fala ainda que a
mente, o eu e a sociedade são processos de interação pessoal e interpessoal. Os
comportamentos são construídos pela pessoa durante o curso da ação. Logo, o
comportamento não é reativo ou mecanicista. A conduta humana depende da
definição da situação pelo ator, e o eu é constituído por definições tanto sociais
quanto pessoais.
Os estudos pragmáticos da comunicação também investigaram a relação
entre os interagentes, mediada pela comunicação. A pragmática da comunicação
5
valoriza a relação interdependente do indivíduo com seu meio e com seus pares,
onde cada comportamento individual é afetado pelo comportamento dos outros.
A interação é uma rie complexa de mensagens trocadas entre as pessoas,
mas vai além das trocas verbais. Para essa escola todo comportamento é
comunicação: não se pode não comunicar(TEIXEIRA PRIMO, 2000, p. 83). Toda
relação envolve um compromisso e, assim, define a relação entre os
comunicadores. o lidamos com mensagens monofônicas, mas com numerosos
modos de comportamento, verbais, tonais, posturais, contextuais, que, em seu
conjunto, condicionam o significado de todos os outros.
Para a pragmática, toda comunicação tem um aspecto de conteúdo e outro de
comunicação. As relações raramente são definidas de um modo deliberado e
com plena consciência. Quanto mais espontânea e saudável é uma relação, mais o
aspecto relacional da comunicação recua para um plano secundário. Inversamente,
as relações doentes são caracterizadas por uma constante luta sobre a natureza das
relações, tornando-se cada vez menos importante o aspecto de conteúdo da
comunicação.
mediado por computador. Mas em se tratando de uma comparação entre a experiência de jogar no
ambiente presencial com outra no ambiente virtual, essa definição é a mais conveniente.
5
Inspirada pelo trabalho de Bateson, na Escola de Palo Alto, cujo conjunto de estudos ficou
conhecido por pragmática da comunicação, também chamada de perspectiva pragmática, enfoque
31
A pragmática assume a teoria dos sistemas: a interação humana é vista como
um sistema aberto. Daí a necessidade de distinguir os sistemas interativos daqueles
meramente reativos. Um sistema interativo deveria dar total autonomia ao interator
enquanto os sistemas reativos trabalhariam com uma gama predeterminada de
escolhas. Para Teixeira Primo (2000), existe uma grande limitação no conceito de
interação reativa por adotar-se o paradigma ação-reação com a visão do processo
de uma forma linear e do ponto de vista da fonte. Além disso, os termos ação e
reação rejeitam o conceito de processo. Implicam em que um começo, o ato, um
segundo acontecimento, a reação, acontecimentos subseqüentes e um fim. Os
videogames solicitam a resposta do jogador. Resposta inteligente em alguns casos,
mecânica na maioria dos outros, mas sempre dentro dos parâmetros que são as
regras do jogo estabelecidas pelas variáveis do programa. A questão da
interatividade deveria abarcar a possibilidade de resposta autônoma, criativa e não
prevista pelos interatores.
Comunicação pressupõe troca, comunhão, uma relação entre os
comunicadores ativos é estabelecida com a possibilidade de verdadeiro diálogo, não
restrito a uma pequena gama de possibilidades reativas planejadas a priori. Por essa
visão, uma relação reativa não é interativa. Ela se caracteriza por uma forte
roteirização e programação fechada que prende a relação em estreitos corredores,
onde as portas sempre levam a caminhos determinados a priori.
Por outro lado, existem estudos pragmáticos que colocam como sinônimos,
interação, relação e comunicação, de forma que se poderia supor a relação reativa
como um tipo de interação. Essa é a interpretação que a indústria de entretenimento
e o público em geral têm dado aos sistemas reativos. Para Teixeira Primo (2000), no
entanto, o que não se pode admitir é que os sistemas reativos se tornem o exemplo
fundamental de interação. Para o autor, é preciso discutir a interação tua para
desenvolver o campo teórico sobre o tema e inspirar sistemas informáticos que
permitam uma interação criativa, aberta, de verdadeiras trocas, em que todos os
agentes possam experimentar uma evolução de si na relação e da relação
propriamente dita.
Além de analisarmos os interagentes é preciso valorizar a relação entre eles.
A relação envolve três elementos: os participantes, a relação e o contexto. A
interacional ou enfoque relacional (TEIXEIRA PRIMO, 2000, p.11)
32
valorização de apenas um ou outro elemento desqualifica o entendimento do
processo e, por conseguinte, prejudica a criação de ambientes interativos que sejam
mediados por computador.
A interaçãotua se caracteriza como um sistema aberto que forma um todo
global e não é composta por partes independentes, pelo contrário, seus elementos
são interdependentes. Onde um é afetado, o sistema global se modifica. O contexto
influencia o sistema por existirem constantes trocas entre eles. Dessa forma os
sistemas interativos mútuos estão destinados à evolução e ao desenvolvimento. E,
por utilizar agentes inteligentes, os resultados de uma interação podem ser
alcançados de inúmeras maneiras.
os sistemas reativos são fechados e, por apresentarem relações lineares e
unilaterais, o reagente tem pouca ou nenhuma condição de alterar o agente. Tal
sistema não percebe o contexto e não reage a ele e, por o efetuar trocas com o
ambiente, não evolui.
Os sistemas de interação diferenciam o jogo contra a máquina, representados
pelos jogos eletrônicos contra o computador, que são sistemas mais reativos que
mútuos, dos jogos presenciais e dos jogos eletrônicos mediados pelo computador,
que são sistemas de interatividade mútua e apresentam uma característica
fundamental de todo e qualquer jogo, a sua natureza participativa. Sem a
participação ativa e concentrada do jogador, não jogo” (SANTAELLA, 2007, p.
410).
os traços fundamentais caracterizadores dos jogos eletrônicos encontram-
se na interatividade
6
e na imersão. Todo e qualquer jogo é, por natureza, interativo
e imersivo” (SANTAELLA; FEITOSA, 2009, p. xii). Segundo as autoras, sem o
agenciamento participativo do jogador e sem o prazer “quase mágico” próprio das
atividades lúdicas, não haveria jogo.
Santaella (2007) considera a interatividade uma propriedade intrínseca da
comunicação digital. Nos games ela varia entre níveis de baixa e alta interatividade.
Nos níveis de baixa, o jogador tem ação meramente reativa porque, embora suas
respostas sejam imprescindíveis ao jogo, elas se dão sempre dentro de parâmetros
6
Usarei interatividade para me referir a como duas ou mais pessoas interagem tendo como
mediadora alguma interface tecnológica e interação para como duas pessoas interagem sem a
mediação de uma interface tecnológica. De qualquer forma, utilizarei interatividade e interação como
termos que se equivalem, embora existam autores que resistam a essa semelhança. De qualquer
forma mais à frente retornarei ao assunto com uma classificação mais detalhada.
33
que são as regras do jogo estabelecidas pelas variáveis do programa. nos níveis
de alta interatividade, o programa é complexo, múltiplo, não-linear, bidirecional,
permutável e imprevisível permitindo ao jogador a liberdade de participar, intervir e
de criar. O ideal dos games é contar com uma interatividade não apenas como
experiência ou agenciamento do jogador, mas como possibilidade de co-criação de
uma obra aberta e dinâmica em que o jogo se reconstrói diferentemente a cada ato
de jogar”. (SANTAELLA, 2007, p. 411). No caso dos jogos eletrônicos, essas
características se acentuam, pois os ambientes do ciberespaço propiciam diversos
níveis de imersão.
No atual estágio de desenvolvimento tecnológico dos jogos eletrônicos, o tipo
mais comum de imersão é a imersão representativa, assim chamada porque o
jogador fica representado no ambiente virtual por meio de avatares que, segundo
Santaella e Feitosa (2009), são representações gráficas personalizáveis que
permitem que o usuário aja dentro dos ambientes do ciberespaço.
O avatar é um personagem que o jogador dirige e que o representa no
desenrolar do jogo. Ao adentrar o ambiente virtual ele escolhe entre os que são
disponibilizados pela programação do jogo, podendo assumir personalidades e
aparências segundo seu critério ou gosto pessoal.
Outro tipo também comum de inserção do jogador no interior dos jogos
eletrônicos permite ao jogador ser ele mesmo e visualizar as cenas através de um
efeito de câmera subjetiva. Nesse caso o jogador adentra o ambiente virtual como
se fosse o operador de uma câmera que ele pode manipular para ter a visão que
desejar. Esses dois tipos de participação provocam uma forte sensação de imersão
no ambiente virtual.
Para Janet Murray (2003), a imersão, um termo metafórico derivado da
experiência de estar submerso na água, é a característica mais forte dos ambientes
eletrônicos. Segundo ela, buscamos de uma experiência psicologicamente imersiva
a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade completamente estranha, tão
diferente quanto é a água e o ar, que se apodera de toda nossa atenção, de todo
nosso sistema sensorial.
E para Santaella (2007), a imersão apresenta graus desde os mais leves até
os mais profundos. No grau mais leve, o ato de estar plugado em uma interface
computacional caracteriza algum nível de imersão. E o grau máximo de imersão
acontece com a existência de um espaço tridimensional em que o usuário é
34
envolvido por esse espaço, como acontece na realidade virtual.
Por sua vez, Murray (2003) considera que, num meio participativo como o dos
jogos eletrônicos, a imersão implica em aprender a nadar uma vez que todo jogo
novo exige do jogador o aprender a manejar o espaço virtual.
Daí advém o segundo diferencial, o agenciamento, uma vez que, quanto mais
bem resolvido o ambiente de imersão, mais ativos os jogadores desejam ser dentro
deles. “Quando as coisas que fazemos trazem resultados tangíveis experimentamos
o segundo prazer característico dos ambientes eletrônicos: o sentido de agência
(MURRAY, 2003, p. 127). Para a autora, agência é a capacidade de realizar ações
significativas e ver os resultados de decisões e escolhas por parte do jogador.
Neste sentido, nos jogos eletrônicos baseados em jogos presenciais de
estratégia, o movimento das peças no tabuleiro não pode ser automático, ao custo
de impedir aos jogadores a consciência do movimento efetuado para prever as
conseqüências do movimento do adversário e para ter noção do movimento
necessário para neutralizá-lo.
Por outro lado, em alguns sites de jogadores mais profissionais, a rapidez das
jogadas precisa obter resposta do programa automaticamente, mas sem perder a
capacidade de distinção de cada movimento.
O terceiro prazer característico do ambiente digital é a transformação que é
também o mais fácil de ser alcançado através dos computadores. Programas
metamórficos transformam faces adolescentes em outra de uma velha rabugenta
num passe de mágica. E, com o uso de um capacete de realidade virtual, o mais
sério profissional se vê transformado em um corvo que voa entre as nuvens.
Para Gadamer (2004), o fator lúdico está nas ações dentro do jogo, que
importam mais do que a finalidade deste. Segundo ele, a representação no jogo
pode ser reconhecida como a própria tarefa do jogo ou o objetivo deste. O prazer e
a diversão estão em representar no jogo e não no que representar(GADAMER,
2004, p. 162). Essa é uma visão que privilegia a narratividade como fator de
ludicidade.
Janet Murray (2003) argumenta que a experiência de ser transportado para
um lugar primorosamente simulado é prazerosa em si mesma. Murray considera que
uma narrativa excitante, em qualquer meio, pode ser experimentada como uma
realidade virtual porque nossos cérebros estão programados para sintonizar nas
histórias com uma intensidade que pode obliterar o mundo a nossa volta.
35
A autora descreve o jogo eletrônico Myst, de 1990, que narra à história de
dois irmãos, Sirrus e Achenar, que se encontram enclausurados em livros mágicos
em formato de calabouço e suplicam para que os retiremos de suas prisões. Ao
jogar conseguimos vê-los através de uma janela de vídeo e eles se comunicam
conosco em conversas curtas e cheias de interferências de ruídos. Cada um deles
nos alerta sobre a maldade de seu irmão, a quem devemos deixar aprisionado para
nossa própria segurança.
Para retirar um dos irmãos do calabouço, o jogador precisa resolver, de forma
heróica, diversos problemas em quatro regiões ou eras mágicas e trazer de volta
uma página de cada uma delas para libertar o irmão que escolher. A cada vez que
entrega uma gina a um dos irmãos, o jogador recebe um segmento de vídeo que
torna a história um pouco mais clara.
Ao final, quando o jogador foi pelo menos duas vezes a cada era para
recolher todas as informações necessárias para tomar uma decisão, ele vive um
momento dramático em que tem que escolher qual dos irmãos irá libertar. Mas essa
é apenas a primeira impressão. Na verdade o objetivo do jogo não é bem esse.
A jogada ganhadora em Myst consiste em descobrir que o pai de Sirrus e
Achenar está vivo e que, se o libertarmos, ganharemos o jogo. se escolhermos
libertar um dos irmãos, ele imediatamente nos trancafiará no seu calabouço e
passaremos a vê-lo do lado de fora do vídeo, em completa oposição ao que
acontecia até então. Ele nos provocará e rirá satisfeito com nossa desgraça.
Como bem analisa Murray (2003), o final vencedor de Myst é muito menos
satisfatório e prazeroso do que os dois outros finais, cheios de emoção e sustos que
nos envolvem e nos imergem numa realidade virtualmente transformada em
fantasia.
Myst exemplifica um tipo de jogo muito popular nos primeiros anos dos anos
2000. Ao aliar uma narrativa rica a ambientes virtuais sofisticados para sua época,
levaram os estudiosos de jogos eletrônicos a acaloradas discussões sobre a
correção de classificá-los na categoria de jogos.
Alguns estudiosos que se auto-denominavam ludologistas consideravam que,
tal final em que o jogador que vence o jogo experimenta uma sensação menos
intensa que aquele que perde, desqualifica essa atividade como um verdadeiro jogo.
Para eles, um jogo necessariamente precisa envolver um sentido de vitória quando o
jogador consegue vencer, e de derrota ao perder.
36
outros estudiosos que por sua vez se auto-denominavam narratologistas
consideravam ser suficiente apenas a sensação de imersão do jogador na atividade
proporcionada pela narrativa. Dessa forma, para eles tanto faz se a finalização das
jogadas leva ou não uma situação de vitória ou derrota, o envolvimento do jogador
numa atividade prazerosa e lúdica é suficiente para que uma atividade seja
classificada como jogo.
Tais questões nos levam à indagação sobre o caráter imersivo do jogo
eletrônico. O jogo eletrônico é imersivo por si mesmo ou pelas condições de
narratividade que apresenta? A interatividade no jogo eletrônico, quando ele é
jogado por dois jogadores através da internet, apresenta alguma diferença em
relação à interação no jogo presencial?
Embora autoras como Murray (2003) e Santaella (2007) defendam a
preponderância da imersão nos jogos eletrônicos, o enfoque delas está mais
centralizado em jogos em que a grande importância da narratividade torna o
processo lúdico naturalmente imersivo. Entretanto, quando jogos presenciais de
estratégia são transpostos para o computador, com a possibilidade de dois
jogadores se enfrentarem pela internet conectados a um mesmo ambiente virtual
permanente, a singularidade poderia estar prioritariamente no fato de acontecer um
encontro promovido com recursos de telepresença. Mas os recursos que
prevalecem atualmente são apenas os disponibilizados pela interface computador-
homem, conforme será abordado mais à frente ainda nesse capítulo.
O conceito de telepresença foi proposto originariamente por Marvin Minsk
(1980) em seu livro "Presence", a respeito da manipulação de objetos à distância e
retomado para se referir aos ambientes virtuais. Para Maria Luisa Vassallo (2007)
trata-se de uma discussão acerca do que significa “estar lá”, que está ganhando
cada vez mais interesse pela variedade de atividades realizadas a distância que
existem na atualidade.
A distinção entre presença física e outros tipos de presença, que implicam
interações ou operações sem deslocamento físico, está ficando tênue. Até na
própria linguagem do dia-a-dia, usamos metáforas espaciais para indicar o uso da
Internet (estar em um site, estar no MSN, estar na Second Life) e metáforas
interacionais para a comunicação à distância; a possibilidade, real, de se
experimentar ambientes virtuais por meio de interfaces elaboradas (como luvas e
capacetes digitais), de se realizar cirurgias à distância e até teleguiar veículos em
37
outros planetas anuncia um futuro ainda mais multifacetado em termos de presença.
Segundo Yara Rondon Guasque Araújo (2005), a telepresença depende de
um suporte tecnológico que realize a comunicação dialógica e a interação em seus
diversos níveis. A autora distingue interação de interatividade inclusive nos jogos
eletrônicos. Para ela, a interatividade se caracteriza pelas opções de comando pré-
fixadas pelo sistema, enquanto a interação exige uma comunicação bidirecional que
veicule também sinais não verbais como os estados mentais que o corpo simula e
involuntariamente os comunica a outro interagente” (ARAUJO, 2005, p. 23).
Um grande número de pesquisas na área da realidade virtual e dos sistemas
de comunicação à distância nos últimos quinze anos criaram uma ampla
terminologia acerca da presença e as próprias formas de medi-la têm se tornado
cada vez mais complexas, com uma certa falta de acordo dos pesquisadores e entre
áreas de pesquisa.
Os três tipos mais conhecidos de mensuração da presença são: os
questionários pós-imersão, que tendem a ser mais subjetivos; a análise das
respostas comportamentais e de postura observados durante a imersão, como
fechar os olhos ou abaixar a cabeça diante de uma simulação de impacto; e o
levantamento do quadro fisiológico dos participantes, que pode ser medido durante e
após a imersão, que tende a ser mais objetivo por levar em conta dados orgânicos
mensuráveis .
É importante traçar uma distinção entre telepresença e presença social. A
telepresença se refere à percepção espacial de um ambiente criado por meio do uso
de recursos tecnológicos e presença social se refere à percepção de estar junto com
uma outra pessoa com a mediação do computador. O primeiro conceito tende a ser
mais usado na pesquisa acerca de ambientes virtuais, enquanto que o segundo
geralmente se refere à análise da comunicação mediada pelo computador cujo
elemento fundamental é considerado social e não espacial.
Nos jogos eletrônicos tanto um conceito quanto o outro poderiam ser
relevantes. Os recursos da realidade virtual vêm sendo aplicados e as redes sociais
de jogadores online são um exemplo de comunicação mediada pelo computador. Os
dois jogadores acessam um mesmo ambiente virtual permanente onde interagem
com a mediação de um programa que simula o jogo. Mas pouco se tem usado de
recursos como o capacete de realidade virtual como o citado por Janet Murray
(2003).
38
Para Araújo (2005), a diferença entre presença física e social está no fato de
que no primeiro caso o sujeito percebe-se fisicamente presente em um lugar
mediado e, no segundo, ele se sente compartilhando socialmente uma experiência
com um outro sujeito remoto. No caso da presença social, a comunicação corporal,
escrita ou oral é imprescindível. a fidelidade visual é que é importante para a
presença física. Mas, segundo a autora, a capacidade de atualização constante de
dados é relevante tanto para a presença física quanto para a social.
O primeiro elemento associado à telepresença é a vividez que indica a
riqueza de representação do ambiente e é definida por dois elementos: o número de
dimensões sensoriais presentes ao mesmo tempo (amplitude de vividez) e a
intensidade destas (profundidade da vividez). Várias pesquisas mostram que uma
maior vividez implica uma maior telepresença e também uma maior percepção dela.
Para Vassallo (2007), porém, a vividez seria mais relevante para a presença social
do que para a telepresença.
O segundo elemento é a interatividade. Este termo indica o potencial dos
usuários de modificar forma e conteúdo do ambiente em tempo real e a relação de
pertinência entre a nova mensagem e a precedente. Uma maior interatividade leva a
uma maior percepção de telepresença e de presença social porque o usuário
percebe com mais clareza e instantaneidade as modificações operadas no ambiente
virtual. (VASSALLO, 2007).
A interatividade é definida por vários elementos. O primeiro elemento é a
variedade de ações voluntárias possíveis, realizadas em um tempo dado, de forma
previsível e condizente com o padrão físico. O segundo é a comunicação, ou seja, a
habilidade de trocar mensagens recíprocas, com o ambiente e com o parceiro. Este
elemento facilita a presença social. O terceiro elemento é a rapidez da resposta da
parte do aplicativo ou do parceiro. Para Vassallo (2007), a sincronicidade é a menos
representativa na percepção de presença social. Isso porque se respeita mais a
necessidade de reflexão de um parceiro humano do que da máquina de quem se
cobra rapidez e eficiência perfeitas.
Os conceitos de interação, imersão e telepresença nos remetem, dessa
forma, aos padrões de contato entre duas partes no processo comunicacional. Mas
o que faz com que essa comunicação aconteça? Segundo Muniz Sodré (2002) é a
mediação que realiza essa ponte entre os processos da comunicação e que ela
implica em diferentes tipos de interação.
39
2.3 Mediação e remediação
Segundo Sodré (2002), mediações simbólicas são linguagens, leis, artes,
etc. Quando diz que toda e qualquer cultura implica mediações simbólicas que se
traduzem em lei, podemos considerar que toda mediação estabelece uma regra e,
portanto a regra do jogo estabelece uma mediação no processo de se jogar. Dessa
forma, todo jogo se caracteriza por ter uma regra própria que, no entanto, é fluida
na sua capacidade de se adaptar no tempo e no espaço.
Jogos muito antigos como o Senet, que remonta ao Egito dos faraós, retratam
crenças e conhecimentos antigos. No caso, o jogo simula o ritual de passagem para
a vida eterna e como tal é citado no Livro dos Mortos. Segundo se acreditava na
época, ao falecer o faraó faria uma viagem pela barca do sol em companhia do
próprio deus Osíris jogando o Senet. As regras do jogo se perderam no
esquecimento, mas alguns símbolos presentes no tabuleiro sugerem haver uma
região na qual o jogador simula um ritual de purificação que é preciso superar para
se alcançar o final da caminhada das peças. O que pressupunha uma mediação
religiosa.
na época romana, os jogos mais característicos eram os que utilizavam
dados. Atividade predominantemente de guerreiros que se distraiam entre batalhas
jogando e apostando na sorte: alea jacta est. Nesse caso a mediação era do acaso.
Na Idade Média, o jogo da Tabula, um precursor do moderno Gamão, foi
perseguido pela igreja que desconfiava de tudo que pudesse disputar a atenção dos
homens com a religião. Para ela, o jogo era mediado pelo diabo que controlava os
dados e pela ganância que movia os homens.
A mediação realizada pelas regras do Xadrez leva a uma infinidade de
possibilidades de ataque e defesa. O movimento característico das peças
proporciona a simulação de uma ocupação de territórios, própria de uma guerra da
Idade Média. A infantaria, representada pelos peões, se deslocando á frente. A
cavalaria representada pelos cavalos, podendo superar os peões aos saltos. A
influência da religião representada pelo bispo, com o alcance penetrante do
movimento diagonal. A barreira instransponível das muralhas, representada pela
torre, se dispondo a defender o rei ao último momento. E a realeza com sua força
e fraqueza expostas, mas fazendo a jogada final que anuncia o xeque-mate de um
40
dos lados. Que garante a derrota ao exército inimigo e a glória ao vencedor.
Mas mediação é também o que Sodré (2002) chama de operação de
negociação entre duas ou mais partes no processo de comunicação. Essa
negociação está presente nas regras do jogo em seu formato presencial porque,
quando os jogadores sentam ao redor de um tabuleiro, pressupõe-se que todos
concordam com a utilização de uma mesma regra, mas, muitas vezes, dúvidas
podem surgir e ser resolvidas durante o desenrolar da partida. Podem acontecer
também nos processos em que as pessoas interagem com os computadores, como
no caso dos videogames, na medida em que sua programação esteja aberta a mais
de uma opção para o prosseguimento da interação.
Pode-se dizer que os jogos foram jogados primeiro no chão e depois
surgiram os tabuleiros. A regra era transmitida pela oralidade. Com a escrita essas
regras foram registradas. Depois surgiram os jogos de massa, com o advento, por
exemplo, do jogo Banco Imobiliário de que foram vendidos mais de 100 milhões de
cópias em todo o mundo. Posteriormente, surgiram os jogos eletrônicos em
consoles para serem jogados na televisão. E logo depois os jogos eletrônicos da
atualidade, jogados diretamente no computador, com o uso de dispositivos
multimídia ou em conexão pela internet. Esses possibilitam que dois jogadores se
enfrentem com a mediação do computador. Eles repetem as mesmas interações
que nos jogos presenciais?
Para o ludologista Eskelinen (2001) os jogos eletrônicos deveriam ser,
necessariamente, produtos da remediação dos jogos presenciais. Remediação na
definição de Bolter e Grusin (2000) como o processo de se apropriar das técnicas,
formas e significação social de um meio de comunicação para refazê-lo ou adaptá-
lo a um outro meio de comunicação.
Dessa forma, se considerarmos que a teoria aplicável aos jogos presenciais
também é aplicável aos videogames, por serem esses os sucessores dos primeiros
no formato eletrônico, temos também que considerar a natureza eletrônica dos
mesmos e o que ela traz de novas possibilidades de mediação.
Ao considerarmos os jogos presenciais como capazes de realizar uma
mediação entre os jogadores, sua transposição para o meio eletrônico
necessariamente envolve a utilização de técnicas, formas e significações inerentes
a essa comunicação, que devem se adaptar ao novo meio.
41
A lógica da remediação pode funcionar implícita e explicitamente e pode ser
observada em três ângulos: a remediação como a mediação da mediação; como a
inseparabilidade da mediação e da realidade; e como reforma.
Na remediação como a mediação da mediação, cada ato de mediação
depende de outros atos de mediação. Os meios estão continuamente comentando,
reproduzindo ou tomando o lugar de um outro meio e esse processo é integral para
eles. A mídia precisa de outras mídias para funcionar como tal.
No caso em que a remediação se manifesta como a inseparabilidade da
mediação e da realidade todas as mediações são, elas mesmas, reais. Reais como
artefatos em nossa cultura mediada. Em que pese o fato de que todas as mídias
dependem de outras mídias em ciclos de remediação, nossa cultura ainda precisa
considerar que todas as mídias remediam o real.
Na remediação como reforma, o objetivo é remodelar ou reabilitar outras
mídias. Além do mais, porque toda mediação é tanto real quanto mediação do real,
remediação pode ser entendida como um processo de reforma da realidade
(BOLTER; GRUSIN, 2000, p. 56).
Segundo Bolter e Grusin (2000), a palavra remediação deriva do latim
remedere que significa curar e restaurar a saúde. A palavra foi adotada para
expressar a maneira pela qual um meio é visto pela nossa cultura reformando ou
melhorando um outro. Os autores não concordam com essa visão. Pelo contrário,
criticam o que dizem ser parte da cultura da atualidade de supervalorizar a
tecnologia. Consideram que, segundo essa visão, a televisão digital é superior à
analógica, o correio eletrônico é mais conveniente que o correio postal, que o
hipertexto traz mais interatividade para o romance e a realidade virtual é um
ambiente mais natural para a computação que a tela de vídeo convencional. "A
ascensão do reformismo é o forte que de um novo meio se espera, na atualidade,
que justifique a si mesmo melhorando um anteriorAlém disso, consideram que
essa ascensão do reformismo não está limitada ao meio digital. A fotografia tem
sido vista como a reforma da pintura ilusionista e o cinema com a reforma do teatro.
Todo novo meio é justificado porque preenche um espaço vazio ou repara uma
falha de um meio anterior (BOLTER; GRUSIN, 2000, p. 59-60). O que poderia
sugerir que também os jogos eletrônicos sejam encarados como um
aperfeiçoamento dos jogos até então existentes.
42
Em todos os casos, a inadequação é representada como uma falta de
transparência, e isso, segundo esses autores, parece ser uma verdade generalizada
na história da remediação. A fotografia supostamente possui mais transparência do
que a pintura, o filme mais do que a fotografia, a televisão do que filme e, agora, a
realidade virtual, tão presente nos videogames, cumpre a promessa de
transparência e, supostamente, termina a progressão.
Para Bolter e Grusin (2000), a retórica da remediação favorece a
transparência embora quando o meio amadurece, ele ofereça novas oportunidades
de opacidade. A transparência, ou imediação, e a opacidade, ou hipermediação,
são as estratégias usadas pela remediação para tentar se fazer presente.
A imediação é um estilo de representação visual cujo objetivo é fazer
esquecer a presença do meio e acreditar que se está na presença dos objetos da
representação. A hipermediação, por sua vez, é também um estilo de
representação visual, mas cujo objetivo é o oposto, ou seja, fazer lembrar-se do
meio. A imediação esteve presente na pintura renascentista, com a utilização da
perspectiva linear, na fotografia e no cinema no século XX, com recursos analógicos
de edição e nos jogos eletrônicos mais do que nunca com a facilidade de
manipulação de dados digitalizados. Todas essas manifestações culturais utilizam-
se da técnica da transparência para que o meio desapareça aos olhos de quem
interage. (BOLTER; GRUSIN, 2000).
Dessa forma, a realidade virtual representada pelos videogames seria a
última expressão do desejo de imediação da nossa cultura e suas estratégias para
adquirir transparência. Os gráficos digitais criam imagens em perspectiva e, ainda
por cima, aplicam a ela o rigor da álgebra linear e da geometria projetiva
contemporâneas. As imagens geradas são perfeitas em termos matemáticos, no
limite do erro computacional e da resolução da tela em pixels.
Eles também expressam cor, iluminação e sombras em termos matemáticos.
Os entusiastas da realidade virtual prometem uma percepção transparente da
imediação, experiência sem mediação, por que eles esperam que a realidade virtual
diminua e até mesmo negue a presença do computador e de suas interfaces
mediando a comunicação.
a lógica da hipermediação multiplica os signos de mediação e, nesse
caminho, tenta reproduzir a riqueza sensorial da experiência humana. Se o software
do paint box é intuitivo, ele o é porque é um objeto culturalmente familiar. A
43
interface gráfica se refere não a objetos culturalmente familiares, mas
especificamente a mídias anteriores como a pintura, a máquina de escrever e a
escrita.
Para Bolter e Grusin (2000), a lógica da imediação transparente é dominante.
E citam o fato de que a câmera convencional sobreviveu e prosperou enquanto não
sobreviveram outros artefatos que tentavam criar uma animação com grande
presença do meio, como os phenakstcope e o stereoscope; esses últimos são
exemplos de hipermediação.
A dicotomia entre transparência e opacidade, ou seja, entre imediação e
hipermediação distingue a atitude do engenheiro e do artista nas novas tecnologias,
porque enquanto os engenheiros se esforçam para manter a ilusão de transparência
no desenho e no refinamento das mídias tecnológicas, os artistas exploram o
significado da própria interface, usando as várias transformações das mídias como
sua palheta.
Em todas as suas várias formas, a lógica da hipermediação expressa à
tensão entre considerar um espaço visual como mediado e como um espaço real
que permanece além da mediação. Na lógica da hipermediação, o programador se
esforça para que o interator reconheça o meio como um meio e se delicie com esse
conhecimento” (BOLTER; GRUSIN, 2000, p. 41).
Mais uma vez os artistas estão apontando uma tendência que começa a ser
adotada sem a estranheza inicial nos videogames. A tecnologia está gradualmente
se transformando numa segunda natureza e já quase não é preciso o uso da
imediação ou transparência porque as pessoas não sentem mais que a consciência
do meio represente uma contradição com a autenticidade da experiência.
O que continua forte em nossa cultura é a convicção de que a tecnologia
reforma a si mesma. Dessa forma, novas tecnologias de representação continuam
reformando ou remediando as anteriores enquanto as antigas tecnologias lutam
para manter sua legitimidade remediando as novas.
Para Bolter e Grusin (2000), a remediação é reforma no sentido de que as
mídias reformam a própria realidade. E vão mais longe ao afirmar que um meio é
aquilo que remedia. Ou seja, aquilo que se apropria das técnicas, formas e
significâncias sociais de outros meios e tentam remodelá-las em nome do real.
Segundo os autores, atualmente não existe nenhuma forma de
representação que faça pouca ou nenhuma referência a outros meios e esse
44
isolamento não é mais possível para nós hoje, porque não podemos reconhecer
nem mesmo o poder representacional de um meio a não ser tendo a referência em
outro meio.
Assim, ao inventar um novo aparelho de representação visual, o inventor, os
usuários e os financiadores do projeto tentarão posicionar tal aparelho em
contraposição à televisão, aos filmes e às varias formas gráficas digitais. Isso
acontecerá através da reivindicação de que o novo aparelho aprimora os demais em
relação à realidade e à autenticidade. após esse convencimento o novo
aparelho será considerado um novo meio” (BOLTER; GRUSIN, 2000, p. 65).
Nos últimos 50 anos a computação digital tem sofrido esse processo de se
tornar um meio reconhecido como tal. Os computadores digitais programáveis foram
inventados em 1940 como uma máquina de calcular. Nos anos 50, eles passaram a
fazer a contabilidade em grandes corporações e repartições burocráticas. Enquanto
os computadores continuaram caros e usados apenas por um número limitado de
especialistas em grandes instituições, suas funções de remediação se limitaram a
substituir à escrita.
Nos anos 70 surgiu o primeiro processador de palavras e nos 80, com o
computador de mesa, ele se tornou um meio por poder entrar na vida social e
econômica e remediar a máquina de escrever que praticamente deixou de existir.
Com o advento da rede mundial de computadores no final do século XX e sua
difusão por redes móveis no início do novo milênio, esse processo continua e os
jogos eletrônicos procuram se estabelecer nessa constante evolução da tecnologia.
Dessa forma, as histórias da tradição oral foram adaptadas quando do
surgimento da escrita, que fez o mesmo com o advento da imprensa, daí para os
meios de comunicação de massa como o rádio e a televisão que, por sua vez, se
adaptam, na atualidade, à rede estabelecida pelo advento da internet. O jogo
também teve sua fase de oralidade, passando pela difusão de seus formatos e
regras pela escrita e pela imprensa, teve sua versão de massa e agora se difunde
pela rede e pelos aparelhos portáteis de comunicação.
Mas a que ponto os jogos eletrônicos podem ser considerados uma
continuação dos jogos presenciais? A emergência de novos formatos, muito mais
relacionados ao cinema ou a televisão do que propriamente aos jogos presenciais,
não complexifica sua classificação como jogos, apesar da noção comum de que os
videogames são os jogos da era contemporânea?
45
Devemos considerar também a visão de Manovich (2001) segundo a qual as
interfaces culturais limitam a utilização dos computadores por seus designers a um
pequeno arsenal de metáforas em lugar de um outro muito maior de possibilidades.
Para o autor, a interface cultural representa a interface humano-computador-cultura
ou a forma como os computadores apresentam e nos capacitam para interagir com
os dados culturais. Ele inclui nessa definição as interfaces usadas pelos designers
de videogames.
Manovich (2001) questiona a aparência que as interfaces culturais m e
porque os designers organizam os dados do computador de uma certa forma e o
de outra. Porque eles empregam algumas metáforas de interfaces e não outras?”
Para ele, as linguagens das interfaces culturais são adaptações de elementos de
outras interfaces culturais já familiares. E longe de ser uma janela transparente para
os dados que o computador acumula, a interface traz fortes mensagens de si
mesma. (MANOVICH, 2001, p. 81).
A interface utiliza recursos como criar, escrever, apagar, cortar, colar. Dessa
forma, ela impõe sua própria lógica e formata como o usuário do computador pensa
de qualquer objeto de mídia acessado por computador. Para Manovich (2001), o
computador, com a consagração dessa interface, deixou de ser uma tecnologia
particular para se tornar o filtro de toda a cultura. Uma forma pela qual todos os
tipos de produções culturais estão sendo mediadas.
Os jogos presenciais adaptados para serem praticados na Internet podem ser
uma fonte de informações sobre as novas formas jogar? A atração que eles
exercem sobre seus aficcionados pode se comparar com aquela que caracterizou
sua história de centenas de anos? De um lado, um jogo que pode ser jogado
cavando furos na terra e utilizando pedras ou sementes que estejam à mão, e do
outro sua versão digitalizada e inserida no contexto da rede mundial de
computadores. Os dois formatos serão apresentados e analisados em termos de
suas interações e mediações no segundo capítulo dessa dissertação para buscar
entender o processo de remediação na hora de adaptá-lo para o ambiente virtual no
terceiro capítulo.
46
3 A MANCALA
3.1 O Jogo de Tabuleiro
Para David Parlett (1999), o conceito clássico de jogo de tabuleiro diz respeito
ao tipo de jogo que pode ser praticado numa superfície plana como uma mesa ou o
chão. Mas se, na prática, o termo exclui jogos de cartas e de dados, não existe tanta
unanimidade quanto ao que ele inclui. O autor cita várias maneiras de se classificar
os jogos de tabuleiro. A primeira delas distingue jogos tradicionais, que são de
domínio público, de jogos de propriedade de seus autores. No primeiro grupo
encontra-se, por exemplo, o Xadrez, e no segundo, o Banco Imobiliário. Outra forma
de classificá-los seria em jogos abstratos e representacionais. Banco Imobiliário é
considerado pelo autor um jogo representacional porque ele representa, no formato
de um jogo, um tipo de atividade da vida real que se supõe envolver o mundo da
especulação e do comércio de imóveis”. (PARLETT, 1999, p. 6).
O Xadrez teve sua qualidade representacional, na Idade Média, ao ser
adaptado ao formato que conhecemos até os dias de hoje. Mas perdeu essa
qualidade e se tornou abstrato uma vez que ninguém o joga na atualidade com o
sentimento de vivenciar uma experiência em uma corte européia. (PARLETT, 1999).
Embora essa classificação que distingue jogos representacionais de jogos
abstratos seja consagrada, pode-se contrapor a essa interpretação o aspecto de que
por mais que os praticantes de um jogo estejam distantes de seu contexto
representacional original, outros aspectos representacionais do jogo podem ser
arbitrados por esses novos jogadores, dependendo da forma subjetiva com que eles
o compreendam. Outra tipologia utilizada pelo autor refere-se aos jogos posicionais
e jogos temáticos. O Xadrez, as Damas, o Gamão e a Mancala estão incluídos no
primeiro grupo pelo fato deles serem jogados sobre um padrão de manchas
significativas, como um agrupamento de quadrados axadrezados ou uma rede de
linhas e pontos, cujo propósito é definir os movimentos e posições das peças em
relação às outras. (PARLETT, 1999, p. 6).
No segundo grupo estão Banco Imobiliário, Cluedo e Diplomacia por
envolverem elementos de representação e performance. Esses jogos desenvolvem
47
temas narrativos que motivam nos jogadores a sensação de participarem de uma
atividade que envolve o mundo das finanças, investigações criminais ou lances
diplomáticos, por exemplo.
Murray (1952) classifica os jogos de tabuleiro tradicionais em 5 tipos:
- Jogos de alinhamento ou configuração, cujo objetivo é colocar todas as
peças numa linha ou noutra configuração qualquer, como o Jogo da Velha;
- Jogos de guerra, que tem como objetivo capturar ou imobilizar as peças do
inimigo, como o Xadrez;
- Jogos de caça, como o Jogo da Onça, no qual um jogador tem um maior
número de peças e tem que imobilizar as peças em menor número do oponente,
enquanto esse deve capturar um outro tanto de suas peças;
- Jogos de corrida, cujo objetivo é ser o primeiro a alcançar um determinado
ponto do tabuleiro, geralmente usando dados, como no Ludo.
Nessa tipologia clássica, o quinto e último tipo de jogo se refere a todos os
jogos de Mancala, cujo objetivo é capturar a maioria das peças que, segundo Parlett
(1999), são, necessariamente, iguais e neutras como feijões, sementes, conchas e
pedras.
Por fim, outra classificação possível divide os jogos em quebra-cabeças, que
representam mistérios a serem desvendados; jogos de habilidade manual em que o
equilíbrio motor é decisivo para se vencer, jogos de azar, nos quais a sorte decide e
jogos de estratégia.
Essa última característica engloba todos os jogos que demandam o
desenvolvimento do raciocínio e da lógica para se armar um sistema que se
demonstre vitorioso sobre o do seu oponente. A Mancala está classificada nessa
última categoria junto com o Xadrez, o Gamão, as Damas, o Go e outros jogos
menos conhecidos.
3.2 A história da Mancala e de sua difusão pelo mundo
Segundo Alexander de Voogt (1997), a história da origem e subseqüente
desenvolvimento da Mancala permanece obscura. Na verdade, apenas
recentemente o jogo começou a receber a atenção de pesquisadores como possível
48
objeto de investigação. Embora a primeira pessoa que usou o termo Mancala de
forma genérica tenha sido Culin, em 1893, apenas em 1977 um livro completo foi
dedicado ao assunto: Wari et Solo, Le Jeu de Calcul Africain. Escrito por Delediq e
Popova, aborda a versão mais difundida no mundo da Mancala, o wari.
Voogt (1997) comemora, no entanto, o fato de que, nas últimas décadas do
século XX, os jogos da família motivaram três teses de doutorado. Townshend, em
1986, defendeu sua tese de Ph.D, na Universidade de Cambridge, na Inglaterra,
sobre os jogos na cultura, em uma análise contextual de um jogo de tabuleiro
Swahili e sua relevância na variação da Mancala africana. O mesmo fez Walker, em
1990, na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, tendo como tema a
escultura dos tabuleiros de Mancala na África sub-saariana. O próprio Alex de Voogt
também defendeu seu Ph.D, em 1995, na Universidade de Leiden, na Holanda,
sobre campeonatos de Bao, um tipo de Mancala.
Outros estudos extensivos sobre o assunto foram realizados por Russ, em
1984, sobre os jogos de Mancala em geral; por Retschitzki, em 1990, abordando as
estratégias do jogadores de Awelê, um outro tipo de Mancala e por Santos Silva, em
1995, sobre os jogos de Quadrícula, uma Mancala praticada em Angola. (VOOGT,
1997).
Houve também uma mudança dentro dos próprios estudos sobre o assunto.
Segundo de Voogt (1997), os estudos gerais realizados anteriormente (BÉART,
1955; MURRAY, 1952; BELL, 1960; DELEDIQ; POPOVA 1977) foram usados como
introdução para estudos recentes mais especializados sob a perspectiva da arte-
histórica, da psicologia, da pedagogia e da antropologia.
Uma observação importante evidenciada por esses novos estudos diz
respeito a pouca informação em relação a jogos praticados na Ásia, uma área
geográfica que seria fundamental para o conhecimento da história e da distribuição
do jogo no mundo.
Os primórdios da Mancala ainda motivam controvérsias em relação ao local
de sua origem, embora seja geralmente aceito que ele é originário tanto da África
quanto da Ásia. No Oeste da África ela está associada à nobreza e à classe
dominante. No culo dezenove, o reino de Allada teria colocado dois candidatos ao
trono rivais para disputar em uma partida do jogo quem seria o seu novo rei. Dizem
que o rei Ashanti em um reino próximo jogava em um tabuleiro de ouro. Algumas
miniaturas feitas em ouro e bronze ainda podem ser encontradas em coleções de
49
museus. Contam também que, antes de uma batalha com um Ashanti, um rei
Denkyira jogou Mancala com sua esposa e perdeu a batalha (PARLETT, 1999).
Figura 4: Prática da Mancala na África
Fonte: Voogt, 2002
Vários tabuleiros esculpidos em marfim e bronze, que foram utilizados como
presentes nobres, são evidências de que os jogos de Mancala, particularmente no
Oeste da África, estavam estritamente relacionados com a realeza. (Figura 4).
Para Voogt (1997), pode-se fazer uma analogia entre a difusão da Mancala
nos continentes africano e asiático e as viagens dos peregrinos muçulmanos, dos
mercadores árabes e dos viajantes colonialistas. Embora existam muitas evidências
que motivem diversas teorias, os especialistas não chegaram ainda a um acordo
sobre qual seja a mais acertada. Dessa forma, maiores evidências arqueológicas e
pesquisas antropológicas seriam importantes para responder a questões que
cercam a origem e a história da Mancala.
Conforme Parlett (1999), fileiras de buracos que datam de tempos muito
antigos sugerem a prática do jogo da Mancala naqueles tempos. Muitas dessas
fileiras foram encontradas escavadas nas rochas que formam as estruturas de
monumentos egípcios, inclusive no Templo de Kurna e na pirâmide de Quéops.
50
Algumas fileiras encontradas no Sri Lanka datam do segundo ao quarto século antes
de Cristo, embora existam dúvidas sobre as suas reais funções. Outros possíveis
tabuleiros encontrados no Quênia foram considerados da era neolítica. E existem
vestígios de superfícies do tipo usado para jogar Mancala no deserto do Saara que
datam de 3.000 a.C.
Contudo, nada existe que comprove que esses vestígios não eram usados
para outros fins como, por exemplo, algum tipo de ábaco ou recipiente utilizado em
rituais religiosos ou divinatórios.
Segundo Voogt (1997), os exemplares mais antigos de tabuleiros de Mancala
escavados em madeira, que se encontram em museus, datam de 1823. As maiores
coleções de tabuleiros do jogo são encontradas em museus de países que foram
grandes potências coloniais como o Museu Britânico, em Londres, o Museu do
Homem, em Paris e o Museu Real da África Central, em Tervuren, na Bélgica. Na
África, a única coleção significativa se encontra no Museu Nacional da Nigéria, em
Lagos. A Mancala é jogada em toda a África e em todos os países árabes. É jogada
ainda na Turquia, Casaquistão, Quirguistão, Irã, Índia, Paquistão, Malásia, Sri
Lanka, Indonésia, Filipinas, Tailândia, Vietnam e no sul da China. E também por
descendentes de africanos da América, notadamente no Caribe.
Voogt (1997) acredita que o jogo também foi introduzido no Brasil pelos
escravos africanos, mas lamenta que inexistam pesquisas que comprovem a sua
prática em nosso país na atualidade. O pesquisador de Mancala português, Santos
Silva, não menciona qualquer presença brasileira em seu livro sobre a Mancala
angolana de 1995. Mas o folclorista brasileiro Câmara Cascudo, em seu Dicionário
do Folclore (1954), menciona o registro feito pelo historiador baiano de
descendência africana, Manoel Quirino, de um jogo denominado A-í-u, que seria
jogado pelos escravos carregadores do porto de Salvador, até princípios do século
XX. Trata-se, sem dúvida, da Mancala em sua versão nigeriana denominada Ayo.
Para ouvidos brasileiros, a pronúncia do nome do jogo africano soou o equivalente
ao som das vogais a, i e u.
Em uma pesquisa recente realizada por Alexander de Voogt e Patrícia
7
Sabino, na Bahia, o jogo somente foi encontrado em um museu de cultura do oeste
africano em Salvador e os praticantes pareciam ser imigrantes africanos recentes.
7
Informação oral.
51
Herskovits, que publicou o primeiro estudo sistemático sobre a Mancala para as
Américas em 1929 e 1932, menciona os jogos de Mancala para a maioria dos
países caribenhos, inclusive a ex-Guiana Holandesa e Britânica, e sugere sua
presença no Brasil. Em comparação aos brasileiros, os jogos caribenhos são muito
mais conhecidos e sua história de jogadores e regras é igualmente bem
determinada.
Recentes estudos antropológicos revelaram que, na Ásia, a Mancala é
praticada em sua maioria por mulheres (Figura 5) e crianças, enquanto na África ela
é jogada predominantemente por homens (VOOGT, 1997, p. 17). Na América,
segundo Herkovits (1932), o jogo é basicamente praticado por homens, mas
existiam também boas jogadoras. Para Voogt, as regras asiáticas são, em geral,
menos complicadas e diversas do que as africanas, o que, para ele, sugeriria que o
jogo seja originário da África.
Figura 5: Mulheres asiáticas jogam a Mancala
Fonte: Voogt, 2002
52
3.3 A Mancala
A palavra Mancala, que também pode ser escrita mankala ou manqala, deriva
do árabe naqala, cuja raiz qala significa transferir, mover coisas. Para Townshend
(1986), Mancala é o nome que se convencionou usar, a partir do século XX, para
nomear todo um gênero de jogos de tabuleiro que prevalece na África e em partes
da Ásia, no qual grãos são semeados ao longo de uma seqüência linear de furos na
tentativa de imobilizar ou aniquilar o outro jogador pela captura de suas sementes.
Na definição de Walker (1990), Mancala é um jogo de tabuleiro de contar e
capturar, jogado por duas pessoas ou, em ocasiões raras, por dois times, num
tabuleiro contendo dois, três ou quatro fileiras paralelas de depressões no formato
de copo ou, simplesmente, buracos. É jogado com um pré-determinado número de
contas ou peças idênticas.
Já Parlett (1999) esquematiza as peculiaridades do jogo da seguinte forma:
1- As peças são totalmente indiferenciáveis, não apenas por sua função
quanto porque são usadas de forma comum entre os dois jogadores. Elas o,
usualmente, sementes, seixos, conchas ou feijões. O objetivo do jogo é capturá-las
e (normalmente) recolhê-las da área de jogo. (Figura 6)
53
Figura 6: Tipos de peças de Mancala
Fonte: Voogt, 2002
2- O tabuleiro (Figura 7) é formado por uma fileira dupla de buracos, copos ou
outro tipo de container capaz de caber, em cada um, doze ou mais sementes por
vez. Essas fileiras são essencialmente lineares e, na maioria das variedades do
jogo, cada lado pertence a um jogador. Existem tabuleiros com duas, três, quatro ou
mais fileiras.
54
55
Figura 7: Tipos de tabuleiro de Mancala
Fonte: Voogt, 2002
3- O jogo é de pura habilidade mental baseada em contagem e cálculo e não
envolve nenhum elemento externo de sorte ou azar. O jogo é, tipicamente, praticado
em alta velocidade. Apesar de exigir habilidade e sua prática quase sempre envolver
apostas, lhe é atribuído também funções ritualísticas, com o sucesso sendo
relacionado a questões de fé e crença. Em algumas comunidades, a necessidade de
vencer muitas vezes está subordinada ao desejo de manter a duração do jogo o
maior tempo que seja possível. (Figura 8)
56
Figura 8: Uma forma tradicional de se jogar a Mancala
Fonte: Voogt, 2002
4- A Mancala, provavelmente originária da África negra, é considerada o jogo
nacional de vários países africanos. Segundo Parlett (1999), não existe, contudo,
uma versão do jogo aceita como universal ou standard. Pelo contrário, é um típico
jogo folclórico de várias regiões do continente, o equivalente lúdico a uma série de
dialetos, cada versão sendo standard apenas na sua própria localidade.
3.4 Tabuleiro, peças e regras
É preciso definir algumas terminologias a respeito da Mancala. Fisicamente,
os tabuleiros do jogo mais efêmeros eram feitos cavando buracos no chão que logo
seriam preenchidos de terra pela ação do vento e do tempo. Os mais duradouros
foram escavados em superfícies duras como rochas. Parlett (1999) se refere aos
tabuleiros escavados em raízes de árvores frondosas, na Nigéria, e em rochas ao
longo de estradas, na Etiópia e em Angola.
Tabuleiros portáteis (Figura 9) o, tipicamente, esculpidos sempre em uma
peça única de madeira. Muitos tomam a forma de pequenas mesas apoiadas em
central. Sua superfície superior sendo ora plano e noutras côncavo. As extremidades
quase sempre são arredondadas. Os mais elaborados são cavados de uma forma
que parecem copos que foram colados juntos.
57
Figura 9: Mancala com o pé central e buracos em forma de copos
Fonte: Voogt, 2002
Esses tabuleiros precisam ser grandes o bastante para fazerem parte dos
móveis de uma casa, ou pequenos o bastante para serem portáteis e facilmente
transportáveis. Os portáteis precisam ainda ter alguma gaveta aonde as peças
possam ser guardadas. Segundo Parlett (1999), os negros africanos, no entanto,
são conhecidos por desprezar os tabuleiros com acabamento muito primoroso. Eles
preferem utilizar tabuleiros rústicos, a princípio, para então os moldarem com suas
próprias mãos no uso constante ao passar do tempo. No Caribe há, ou havia, uma
superstição a respeito da manufatura de tabuleiros da Mancala, porque essa seria
uma atividade espiritualmente perigosa e sua prática estaria reservada apenas aos
marceneiros mais antigos.
Na maioria dos jogos de Mancala, cada metade do tabuleiro é considerada
como pertencente ao jogador que se senta do seu lado. Esse deve iniciar a partida
colhendo sementes do seu próprio setor e captura sementes no setor do
oponente. Em algumas versões o jogador perde o jogo quando o seu lado do
tabuleiro está vazio ou tem apenas uma semente em cada buraco.
Os tabuleiros com uma dupla fileira (Figura 10) de seis buracos são os mais
comuns no universo dos jogos de Mancala, mas existem outras variações que vão
da mais simples com três fileiras de seis buracos e, segundo Parlett (1999), à
enormidade de 50 fileiras para cada jogador. Geralmente, os tabuleiros com duas
fileiras de seis buracos contêm dois buracos maiores, um em cada extremidade, que
são reservatórios para as peças capturadas. Mas em alguns jogos da Malásia,
58
Indonésia e Filipinas esses buracos maiores também fazem parte da área de jogo.
Figura 10: Mancala com reservatórios ou depositários
Fonte: Voogt, 2002
Segundo Parlett (1999), as peças dos jogos de Mancala (Figura 11) podem
consistir de diversos objetos de um determinado tamanho e formato e razoável
uniformidade - nozes, feijões, conchas, seixos ou qualquer objeto pequeno que se
tenha à mão. A peça mais tradicional de jogos da África ocidental é a semente de
uma árvore chamada Caesalpinia bondue. Essa semente é conhecida entre eles
pelo nome de feijão Mulacca ou noz Nicker.
59
Figura 11: Semente mais tradicional usada na Mancala
Fonte: Voogt, 2002
Jogos comerciais modernos usam peças feitas em resina ou mesmo bolas de
gude. Parlett (1999), no entanto, considera que esses produtos não levam em
consideração o prazer de se jogar com sementes pelo sentido tátil de lidar com algo
quente e orgânico.
3.5 Tipos de Mancala
8
Existem inúmeras versões da Mancala. A mais comum delas é chamada Wari
no Senegal, Gâmbia, Guiné, Gana, Gabão, Guiana, Granada, Barbados, Sta. Lúcia,
Martinica, Antíqua e no Suriname. Já em Costa do Marfim é conhecida pelo nome de
Awelê, como Kbo, na Libéria, Ayo, na Nigéria, Kale, em Camarões e Aghi, no
Suriname.
Parlett (1999) descreve o Wari como um tabuleiro de duas partes, como no
Desenho 1 (Figura 12), que consiste de 12 furos em duas fileiras de seis. Cada furo
8
Ao descrever um jogo de mancala, o termo jogada se refere à distribuição de sementes realizada
por cada jogador na sua vez de jogar. O termo partida se refere a uma rodada de jogadas até um dos
jogadores vencer. E queda quando forem partidas múltiplas para decidir o campeão final. Mas os
verbos semear e distribuir são usados, indiscriminadamente, para falar das possíveis jogadas na
mancala. Ao me referir ao buraco esvaziado ao iniciar cada jogada de mancala direi buraco vazio
porque, pela regra do jogo, ele tem obrigatoriamente que estar completamente sem sementes ao final
de cada jogada. Por isso, quando um jogador escolhe um buraco com 12 ou mais sementes, ele tem
que saltar o buraco que esvaziou e semear no buraco que fica na sequência do movimento.
60
tem cerca de 5 cm de diâmetro e 2,5 cm de profundidade. Os dois furos maiores A e
B, são usados para depositar as sementes capturadas e não fazem parte da área de
jogo.
Figura 12: Desenho 1
Fonte: Desenho de Maurício de Araújo Lima
Para o início de cada partida, todos os buracos das duas fileiras de seis
devem conter um total de quatro sementes, como no Desenho 2 (Figura 13). O
objetivo do jogo é capturar o maior número possível de sementes.
Figura 13: Desenho 2
Fonte: Desenho de Maurício de Araújo Lima
O jogador no lado inferior do tabuleiro inicia a partida, recolhendo todas as
sementes de qualquer um dos buracos do seu lado e distribuindo-as uma a uma em
cada buraco que sucede ao buraco esvaziado no sentido anti-horário. Iniciando em
C, por exemplo, ele vai semear na casa D, E e F do seu lado e passar para a casa a
A
C B D E F
a b c
d
e
f
61
do lado do oponente e formar a posição mostrada no Desenho 3 (Figura 14).
Desenho 3
Figura 14: Desenho 3
Fonte: Desenho de Maurício de Araújo Lima
O jogador que está no lado superior do tabuleiro faz a próxima jogada
procedendo da mesma forma que o primeiro. Esvazia um dos buracos do tabuleiro
em sua parte superior e distribui-as, uma a uma, nos buracos que o seguem, no
sentido anti-horário. Por exemplo, se escolher retirar todas as cinco sementes do
buraco a do Desenho 2 ele produzirá a posição indicada no Desenho 4 (Figura 15).
,
Figura 15: Desenho 4
Fonte: Desenho de Maurício de Araújo Lima
Cada jogador, por sua vez, continua retirando todas as sementes de um
buraco do seu lado do tabuleiro e semeando-as, uma a uma, sucessivamente nos
buracos do tabuleiro como descrito acima. O jogador nunca pode escolher uma
jogada que deixe o jogador oponente sem nenhuma semente em seu lado do
A
C B D E F
a b c
d
e
f
62
tabuleiro. Isso o imobilizaria, o que não é permitido pela regra do jogo. Se isso for
impossível de se realizar, o jogo termina e o primeiro jogador ganha todas as
sementes que restam no tabuleiro. Segundo Parlett (1999), na África essa jogada é
chamada “corte de cabeças”, mas em algumas comunidades as sementes não
capturadas são creditadas ao oponente e, em outras, são divididas igualmente.
Os dois jogadores podem, quando de sua vez de jogar, remover todas as
sementes de um buraco do seu lado, nunca do oponente, com o objetivo de contá-
las. Mas isso não o obriga a usar essas sementes na jogada que realizar.
Se a última semente for semeada num buraco do oponente que contenha
uma ou duas sementes, totalizando assim duas ou três sementes em cada um, o
jogador que fez essa jogada captura as sementes desse último buraco e as adiciona
às sementes que capturou. Se esse buraco em que ele fez a captura é
imediatamente precedido por um ou mais buracos do lado do oponente que, sem
exceção, contenham duas ou três sementes, o jogador também captura essas
sementes. Se algum buraco quebrar essa seqüência a jogada termina nele e se o
jogador alcançar o final do lado do tabuleiro de seu oponente também. Em nenhuma
circunstância o jogador pode capturar sementes em seu próprio lado do tabuleiro.
As jogadas terminam quando um dos jogadores tenha capturado a maioria
das sementes, ou seja, 25 ou mais, ou quando ambos os jogadores tenham 24 cada.
Termina também no caso de não haver mais nenhuma captura possível de ser
realizada. Nesse último caso, se nenhum jogador tem
25 sementes, ou o jogo é considerado empatado ou cada jogador fica com as
sementes do seu lado do tabuleiro, o que pode desempatá-lo.
Murray (1952) cita umas poucas centenas de variações da Mancala que
abrangem todo o mundo árabe, o subcontinente indiano, a antiga Indochina e o sul
da China, além de toda a África. Mas este trabalho se deterá em alguns exemplos
citados por Parlett (1999).
O Endodoi é jogado entre os Masai do Quênia e da Tanzânia. O tabuleiro tem
duas fileiras de seis buracos, como no Wari, bem como o jogo é iniciado com quatro
sementes em cada buraco. Mas existem variações de tabuleiros maiores com duas
fileiras de 10 buracos. Como no exemplo acima, o objetivo é capturar o maior
número de sementes.
Cada jogador, na sua vez de jogar, também esvazia totalmente um buraco do
seu lado do tabuleiro e distribui as sementes, uma a uma, no sentido anti-horário.
63
Mas a continuação da jogada é totalmente diferente do jogo anterior. Toda vez que o
jogador terminar de distribuir as sementes retiradas do primeiro buraco, se o último
buraco a ser semeado estiver ocupado, ele retira novamente todas as sementes
desse último buraco e continua distribuindo-as da mesma forma anterior, Ou seja,
cada jogada termina quando a distribuição de sementes termina em um buraco
vazio. A isso eu vou chamar de um jogo de partidas com ltiplas voltas.
(PARLETT, 1999).
Se esse buraco vazio está no lado do tabuleiro do oponente ou num buraco
do lado do jogador que está diretamente em oposição a um buraco vazio do
oponente, a jogada termina sem captura de sementes. Mas se o buraco do lado
oponente contiver sementes, o jogador as captura bem como captura a semente que
colocou por último em seu lado do tabuleiro.
Se um jogador não puder mover, por não ter sementes em seu lado do
tabuleiro, o jogo termina e o seu oponente colhe todas as sementes que restaram do
seu lado.
O Ayoayo é uma variante do Endodoi praticado pelos Yorubá, da Nigéria.
Sendo também um jogo de múltiplas voltas, a diferença principal reside no fato de
que a semente que foi semeada no buraco vazio não é capturada. Mas, como no
Wari, quando escolhe um buraco com mais de 12 sementes para iniciar a jogada,
esse buraco deverá ser saltado e permanecer obrigatoriamente vazio ao seu final. E
um jogador nunca pode fazer uma jogada que deixe o lado do oponente vazio, se
ele tiver uma outra opção de jogada. (PARLETT, 1999).
Nam-nam, Oware ou Adi são alguns dos nomes da Mancala que era
considerada o jogo nacional do antigo reino de Ashanti, atual Gana, que também é
jogado em Serra Leoa e na Nigéria. Esse tipo de Mancala é famoso pela longa
duração de suas partidas. O vencedor é o jogador que capturar mais sementes
numa partida ou numa série delas.
O Nam-nam segue o mesmo princípio dos dois tipos de Mancala citados
acima, com cada turno se encerrando apenas quando o jogador encontra uma casa
vazia. Do contrário, o jogador prosseguirá sua jogada utilizando as sementes do
último buraco semeado o que caracteriza um jogo de múltiplas voltas. Mas, nessa
versão, sempre que uma distribuição de sementes completar a quantidade de quatro
em um dado buraco, o jogador a quem esse buraco pertencer captura essas
sementes. (PARLETT, 1999).
64
As jogadas se encerram quando apenas quatro sementes continuam no
tabuleiro e elas são adicionadas às sementes capturadas pelo jogador que fez a
jogada final. Se ambos os jogadores tiverem o mesmo número de sementes, ou
seja, 24 cada, o tabuleiro é novamente arrumado para se iniciar uma nova partida,
mas quem a inicia é sempre o perdedor da partida anterior. (PARLETT, 1999).
Se não houver empate, o jogador que tiver maior número de sementes
distribui as sementes que capturou, colocando quatro em cada buraco, começando
do buraco de seu lado do tabuleiro na extrema esquerda. Todos os buracos que ele
conseguir semear passarão a ser considerados como seus. Em seguida o perdedor
da primeira partida faz o mesmo para saber quais serão os seus buracos na
segunda partida. Dessa forma, o primeiro vencedor terá mais buracos na segunda
partida do que o perdedor. O jogo continua dessa forma aque um dos jogadores
conquiste todos os buracos do tabuleiro ou que o seu oponente desista de continuar.
(PARLETT, 1999).
Três, quatro ou seis jogadores também podem jogar ao mesmo tempo. Para
isso, o tabuleiro é dividido proporcionalmente. Cada seção de buracos pertence a
um jogador e eles podem começar seus movimentos de sementes desses
buracos. O jogo é sempre no sentido anti-horário.
Outro jogo de Mancala é o Pallanguli, Pallam Khuzi ou Pallamkurie que é
praticado pelas mulheres Tamil do sul da Índia ou do Sri Lanka. Que também é
jogado por homens, mas somente numa versão com apostas. O tabuleiro é de 2
fileiras de sete buracos, com seis ou quatro sementes em cada um, e as jogadas
são de múltiplas voltas e as quedas são de múltiplas partidas. (PARLETT, 1999).
As capturas são feitas ao completar quatro sementes, como no Nam-nam,
mas o método de distribuir é caracteristicamente asiático, segundo Parlett (1999),
em que o buraco que deve estar vazio para interromper uma jogada não é o último
buraco semeado na jogada, mas o que segue a ele. O autor especifica: se o buraco
que segue ao último semeado na jogada não estiver vazio, a distribuição continua a
partir dele. Se ele estiver vazio o jogador captura todas as sementes do buraco duas
vezes seguinte ao último buraco semeado na jogada e continua a jogar a partir do
primeiro buraco com sementes na seqüência dele, não importando em que região do
tabuleiro ele esteja. Se o buraco seguinte, e também o duas vezes seguinte, estiver
vazio, a jogada termina sem captura.
65
Ao final da primeira partida, cada jogador coloca as sementes capturadas no
seu decorrer, nos buracos do lado de seu tabuleiro, num total de seis em cada
buraco. As sementes que o vencedor mantiver na mão, ao final de preencher o seu
lado do tabuleiro, vão de imediato para seu estoque de sementes capturadas.
Mas os buracos que o perdedor não conseguir preencher serão considerados
banidos do jogo com a colocação de uma bandeirinha em seu interior para demarca-
los bem. Nos próximos jogos da queda eles ficarão de fora das jogadas. Sucessivas
partidas acontecem e o jogo termina quando um jogador completa o sexto buraco
banido.
Gabata é um jogo de Mancala praticado na Etiópia que utiliza um tabuleiro de
três fileiras de seis buracos cada um com três sementes no início das jogadas. Esse
jogo tem as seguintes regras: se a última semente de cada jogada cair num buraco
vazio, a jogada termina sem captura; se ela cair num buraco do oponente com três
sementes, completando a quarta, o jogador adquire direito sobre esse buraco,
marca-o de alguma forma, e termina sua jogada sem captura. Esse buraco daí em
diante é denominado um wegue. (PARLETT, 1999).
O primeiro jogador da partida não pode fazer um wegue em sua primeira
jogada e nas jogadas subseqüentes, um jogador não pode começar a distribuição de
sementes a partir de um wegue que pertença ao outro jogador; se a última semente
cair em um wegue que pertence ao jogador que as distribuiu e estiver posicionada
no lado do oponente, a jogada termina sem captura; se ela cair num wegue
pertencente ao oponente e que estiver posicionada no seu próprio lado, ele captura
essa semente e uma outra, se houver sementes disponíveis nesse buraco, e
continua a jogada a partir de qualquer outra casa do seu lado que não seja um
wegue; um jogador que não puder fazer uma jogada que seja permitida perde a vez.
As jogadas continuam até que ambos os jogadores tenham que passar de vez, um
em seguida ao outro. Então, cada um ganha as sementes que estejam contidas em
seus próprios wegues. (PARLETT, 1999).
Hus é outro tipo de Mancala praticado no Zaire em um tabuleiro de quatro
fileiras de oito buracos e com a posição inicial tendo 2 sementes em cada um deles.
O objetivo desse jogo também é diferente dos demais: imobilizar o oponente. Uma
queda é jogada em melhor de sete partidas, ou seja, o primeiro jogador que vencer
quatro partidas, sem necessidade de serem em seqüência, é o vitorioso. A decisão
sobre o primeiro jogador a distribuir sementes é sempre na sorte. Cada jogador joga
66
somente dentro de seu próprio lado do tabuleiro, nas duas fileiras mais próximas, e
todos dois distribuem as sementes no sentido horário. (PARLETT, 1999).
O último tipo de Mancala é o Dongjintian, um dos muitos praticados na
província de Yunnan, na China. A característica mais interessante do jogo é que,
jogando em um tabuleiro de formato de 4 fileiras de 5 buracos, com 5 sementes em
cada um, o jogador pode colher suas sementes de qualquer buraco do tabuleiro.
Além disso, numa primeira distribuição, a primeira semente pode ser colocada em
qualquer buraco vizinho na horizontal ou vertical do tabuleiro. E nas jogadas
subseqüentes elas podem ser colocadas para trás, para a esquerda, para a direita,
embora não possa voltar duplamente. Isso torna o jogo extraordinariamente fluido.
(PARLETT, 1999).
Se o buraco escolhido for um do córner do tabuleiro ele tem duas opões de
direção, se ele for de uma dos 10 buracos na beira do tabuleiro, tem três direções
possíveis, e se ele for um dos seis buracos no interior do tabuleiro, existem quatro
direções possíveis. Se uma última semente for semeada em um buraco do córner,
de uma beira ou do interior, e existirem sementes nesses buracos para continuarem
a ser semeadas, existirão respectivamente, uma, duas ou três possíveis escolhas de
buracos para se semear a próxima semente.
Isto resultará num número enorme de movimentos possíveis. Para se ter uma
idéia, se quatro sementes foram retiradas de um dos buracos diagonalmente vizinho
a um córner, existirão 52 maneiras diferentes de semeá-las. Isso simplesmente
converte esse jogo de um formato linear uni-dimensional para um formato reticular e
bi-dimensional. O que nos lembraria até mesmo o funcionamento de rede mundial
de computadores e das suas redes sociotécnicas contemporâneas. (PARLETT,
1999).
3.6 Outros conceitos envolvidos na Mancala
Para Parlett (1999), a Mancala é um jogo de informação e qualidade perfeitas,
além de propiciar muita liberdade de escolhas significativas e, por essa razão, exige
grande habilidade para traçar as estratégias possíveis.
67
Jáe Voogt (1997), considera que a arte desse jogo reside no cálculo de
múltiplas mudanças, um pré-requisito para se tornar um mestre, que suas
estratégias só podem ser executadas quando se tenha adquirido essa habilidade.
A capacidade de memória para se tornar um mestre em certos jogos mais
complexos de Mancala é bem considerável e muito diferente do necessário para ser
um grande mestre em Xadrez, no qual poucas mudanças ocorrem num único
movimento. Na Mancala, pelo contrário, a situação muda constantemente.
Pode-se pensar que o primeiro jogador a distribuir sementes, tem a garantia
da vitória ou pelo menos de um empate. E que o jogo vai ser lento e arrastado, com
cada jogador na sua vez considerando todas as distribuições possíveis e todas as
ramificações estratégicas que o cérebro humano pode gerenciar.
Para Parlett (1999), pessoas
9
que desconhecem as potencialidades do jogo
consideram que a Mancala se ressente, de um lado, pela falta de elementos
randômicos
10
que existem, por exemplo, no Bridge e no Gamão, que os tornam
capazes de serem jogados de forma intuitiva, e de outra, da dimensão bidimensional
do Xadrez, que propõe um desafio maior à análise intelectual. Para o autor, a
complexidade do Xadrez está em sua profundidade e a do Mancala na sua
extensão. Mas não é preciso muito para se perceber que as variedades de possíveis
estratégias tornam o Mancala um jogo complexo e fascinante.
Conforme Parlett (1999), essas mesmas pessoas tendem a ignorar o valor do
jogo como uma forma de relacionamento social e recreação mental para os povos
africanos. Nesse continente, os praticantes nativos de Mancala jogam com
velocidade surpreendente e os experts com precisão mortal. Mesmo sem contar as
sementes dos buracos mais superlotados, muitos têm uma sensibilidade incrível
para selecionar a melhor jogada possível no que parece ter o benefício da intuição
derivada da experiência.
Voogt (1997) aponta outras facetas da Mancala que também merecem
registro. Segundo ele, a denominação Warri, que designa o jogo de Mancala mais
difundido no mundo, tanto pode derivar do nome de uma localidade da Nigéria
quanto da palavra local em Gana para "longo”, em referência às longas jogadas que
acontecem no jogo.
9
O autor as denomina pessoas do Ocidente, mas eu considero que esse termo generaliza demais,
por isso optei por uma expressão mais específica.
10
Elementos randômicos são aqueles que surgem aleatoriamente, sem uma ordem pré-estabelecida.
68
Os nomes das peças também proporcionam comparações similares. Dessa
forma o jogo foi comparado a guerras, comércio e numerosas outras situações nas
quais mercadorias ou pessoas mudam de mãos, resultando em peças que são
chamadas soldados, vacas, moedas, prisioneiros ou esposas.
As fileiras de buracos, os buracos individualmente e os buracos especiais ou
maiores também recebem denominações particulares. Na Indonésia, por exemplo,
cada buraco do tabuleiro leva o nome de uma parte do corpo humano. O som das
jogadas também é relevante. Na Libéria um jogo de Mancala foi denominado Kpo
por causa do som característico das peças sendo depositadas nos buracos do
tabuleiro, segundo Voogt (1997).
Jogos de Mancala são utilizados em contexto ritualísticos que incluem
casamentos, funerais, adivinhação e cerimônias como a de seleção e instalação de
um novo governante. Em Uganda, o rei da tribo Ganda devia jogar Mancala na
cerimônia de ascensão ao trono. Central nesse ritual estava o ato de recolher as
sementes usadas como peças no jogo. A habilidade de um jogador de Mancala
experiente em vencer o seu oponente com um simples movimento reverso usando
apenas algumas sementes servia como metáfora para a habilidade do novo
governante de controlar o seu povo com sucesso através do tato, da diplomacia e da
maturidade intelectual segundo Voogt (1997).
Existem aspectos interessantes quando o jogo é olhado pela perspectiva da
história da arte. A quase totalidade dos tabuleiros de Mancala são simétricos.
Moderação implica em que eles não podem ser nem muito grandes nem muito
pequenos e que todos seus detalhes devem ser proporcionais. Conceitos de
claridade e completude também estão presentes. Delicadeza, no entanto, é mais
complicado de se determinar, uma vez que muitos tabuleiros são tão ricos em
detalhes que tornam o julgamento estético muito dependente do gosto de cada
pessoa. (Figura 16)
69
Figura 16: Tabuleiro de Mancala
Fonte: Voogt, 2002
3.7 A Mancala na world wide web
A presença do Mancala no ambiente da Internet se não atinge o mesmo
patamar do tradicional jogo do xadrez, revela uma realidade significativa tanto do
ponto de vista quantitativo quanto qualitativo
11
. Pode-se afirmar de forma
exploratória que existem 50.000 versões eletrônicas do jogo, configuradas em
modelos diversos que poderiam ser assim descritos:
a) Jogos contra o computador para o público infantil - com apenas um grau de
dificuldade;
b) Jogos contra o computador para o público adulto - com graus diferenciados
de dificuldade como iniciante, normal e avançado;
c) Jogos para o público infantil contra outro jogador em conexão pela Internet;
d) Jogos para o público adulto contra outro jogador em conexão pela Internet.
Tais jogos estão disponíveis em sites de formatos que variam de simples
11
Ao colocar a palavra Mancala no buscador do Google (www.google.com.br) no dia 6 de novembro
de 2009 encontrei pouco mais de 2 milhões resultados. Um número menor que o encontrado para um
jogo mais popular como o Xadrez, com quase 4 milhões de resultados. E muito pequeno se
comparado ao do jogo eletrônico The Sims, para o qual encontrei mais de 30 milhões de resultados.
Encontrei também 528.000 resultados para a combinação de mancala e on line; 71.800 para mancala
e jogo; 71.100 para mancala e regras; 53.200 para mancala e dowload; 5.250 para mancala e como
jogar; 11.300 para mancala e jogar e 237.000 para mancala e jogos.
70
interfaces com o desenho do tabuleiro e das peças a plataformas de jogos variados,
com recursos de animação e sonorização. Um universo vasto no qual elegerei
formatos disponíveis para analisar em comparação ao jogo presencial. Como
primeira abordagem passo a descrever alguns jogos de Mancala disponíveis no
ambiente da world wide web.
O Mancala Snails (Figura 17) foi desenvolvido pela empresa Rocket Snails do
Canadá, e pode ser acessado pelo endereço (ROCKETSNAIL , 2007)
Figura 17: Mancala Snails
Fonte: Rocketsnail, 2007
O jogo apresenta dois formatos, para um e dois jogadores. No primeiro joga-
se contra o computador e é possível escolher entre três níveis de dificuldade: para
iniciante, regular e mestre.
No formato para dois jogadores, o Mancala Snails oferece a possibilidade
da interação mediada por um mesmo computador, ou seja, dois jogadores se
revezam no mouse, não havendo como eles jogarem em computadores diferentes
conectados pela Internet. A tela do computador simula o tabuleiro e o mouse a mão
dos jogadores, não caracterizando uma diferenciação em relação ao jogo presencial,
a não ser pelo fato de ser o programa quem realiza toda a
movimentação de peças,
bem como as capturas. Dessa forma, a diferença está apenas na mediação que é
71
realizada pelo programa desenvolvido pelo designer do jogo.
As regras, descritas no site Mancala Snails dão como objetivo do jogo coletar
o maior número possível de peças antes que um dos jogadores tenha seu lado
completamente esvaziado das mesmas. O tabuleiro e as cavidades são descritas da
seguinte forma: cada jogador tem um lado do tabuleiro, em cima e embaixo. Os seis
furos mais próximos de cada jogador pertencem a ele próprio e o seu depositário é o
que fica à sua direita.
Os jogadores se alternam nas jogadas. Na sua vez, eles escolhem um grupo
de peças de uma cavidade do seu lado do tabuleiro. Cada peça se move, uma a
uma, nas cavidades ao redor do tabuleiro incluindo seu próprio depositário, mas não
o depositário do adversário. Exemplo: se existem quatro peças na sua cavidade,
uma peça vai para cada uma das próximas quatro cavidades. Nesse trecho
transparece a falta de preocupação em ensinar a orientação na distribuição das
peças no tabuleiro, uma vez que elas serão realizadas automaticamente pelo
computador. (ROCKETSNAIL Games, 2007).
Se a última peça terminar numa cavidade do lado do próprio jogador que
esteja vazia, esse jogador captura todas as peças que estejam na cavidade
diretamente oposta no lado do adversário. O jogo acaba quando um dos jogadores
não tiver mais peças com que jogar no seu lado do tabuleiro. O vencedor é o jogador
com o maior total de peças em seu depositário além das peças que permanecerem
em seu próprio lado do tabuleiro.
Essa versão do jogo é claramente dirigida a um público infantil. Uma outra
versão, que é dirigida ao público adulto e, portanto, apresenta opções mais
avançadas em termos de desenvolvimento do software do jogo, pode ser encontrada
no site "Lookoutnow Mancala". (2009) em que se acessa o jogo Lookoutnow
Mancala em sua versão 3.7 em linguagem adobe flash player.
As regras básicas do jogo determinam que o lado inferior do tabuleiro, com
seis furos e um depositário à direita do vídeo pertencem ao jogador. O lado superior,
também com seis furos e o depositário à esquerda, a princípio será manipulado pelo
computador. O movimento das pedras é no sentido anti-horário. Ao clicar em um
determinado furo de seu lado, as pedras que estão contidas nele se distribuem uma
a uma nos furos subseqüentes. Quando uma pedra é colocada no depositário do
jogador, ela é capturada e passa a pertencer a quem a capturou.
72
Se a última pedra a ser distribuída for colocada no depositário do jogador, ele
tem direito a uma nova jogada. Quando a última pedra do jogador é depositada num
furo vazio de seu próprio lado do tabuleiro, o jogador também a captura. E captura
todas as pedras que estiverem no furo exatamente oposto situado no lado do
tabuleiro do computador. As mesmas regras de captura válidas para o jogador
também valem para o computador. Quando um lado do tabuleiro for completamente
esvaziado, o importando de que forma isso aconteça, o jogador a quem pertencer
esse lado vazio, captura todas as pedras que restam no lado do adversário.
(LOOKOUTNOW Mancala 2009).
Mas essa regra pode sofrer alterações tendo em vista 6 opções de variáveis
que são escolhidas antes da partida ter início. A primeira prevê a escolha entre o
jogador e o computador para iniciar a partida.
A segunda, que o jogador que tiver seu lado esvaziado primeiro ganhe todas
as pedras restantes no tabuleiro, ou a captura dessas pedras seja feita por quem
continuar com pedras no tabuleiro.
A terceira determina a escolha de se jogar contra o computador ou duas
pessoas disputarem a partida sempre num mesmo computador. Não existe a
possibilidade de se interagir à distância com a mediação da internet.
A quarta escolha diz respeito à emissão ou não de um bipe quando as pedras
são capturadas e a quinta à velocidade das pedras ao serem distribuídas. Note-se,
no entanto, que a diferença entre as duas velocidades oferecidas é praticamente
imperceptível.
A sexta opção oferece a escolha de a partida se iniciar com quatro pedras em
cada furo ou a quantidade de pedras ser escolhida pelo computador de forma
randômica.
Todas essas opções tornam o jogo mais complexo, com variáveis que devem
ser dominadas a cada novo formato, com exceção das opções puramente
configurativas como a da existência do beep ou não.
Mas sem dúvida, a variável mais complexa envolve a escolha de forma
randômica pelo computador do número de pedras em cada buraco do tabuleiro no
início da partida.
Uma terceira opção do jogo da Mancala na Internet é tão infantil quanto o
Mancala Snails, mas muito mais sofisticada em relação ao ambiente virtual que
oferece quando comparada aos dois formatos apresentados anteriormente. O Clube
73
Pínguim, desenvolvido pela Disney do Canadá, tem como proposta atingir o público
infantil e seu objetivo é comercial.
Isso fica evidente na abordagem que é feita ao jogador no que tange à
inscrição do pretenso participante e sua inclusão no convívio com o ambiente virtual.
Porque ao acessar essa página o jogador tem que indicar o endereço eletrônico de
um de seus pais. Com a devida autorização do uso do cartão de crédito do
responsável, ele está credenciado a adentrar o ambiente virtual que simula uma ilha
situada num dos pólos terrestres e freqüentada só por pingüins.
Para participar, o jogador deve criar um nome e uma senha que o identifique
com um avatar representado pela figura de um pingüim que passeará pela ilha. Lá,
esse personagem pode realizar diversas atividades, dentre elas dançar na
danceteria, comprar roupas em uma loja virtual, jogar futebol no estádio ou
freqüentar um café onde se consome guloseimas ou joga-se Mancala.
Um das principais habilidades exigidas para se conseguir trafegar e explorar o
ambiente virtual em todo o seu potencial é a capacidade de se conseguir dialogar
com os diversos avatares que representam os demais jogadores presentes. Por se
tratar de um jogo com ltiplos jogadores atuando num mesmo ambiente virtual
permanente, necessidade de lidar com simpatia ou sutileza para conseguir
parceiros.
O grande diferencial do jogo de Mancala praticado no clube pingüim é o fato
de que ele sempre é praticado entre dois jogadores, mediados pelo computador e
conectados pela internet. Ao contrário dos dois formatos até agora apresentados
que só possibilitam a prática do jogo contra o computador.
Toda a atividade a partir do clique dos jogadores é mediada pelo computador
que executa os movimentos das peças e regula as capturas e a vitória de um ou
outro jogador. Mas a interação entre os jogadores é mútua como no jogo presencial
por depender da estratégia traçada por cada jogador individualmente. Da mesma
forma, nesse formato os dois jogadores estão em locais diferentes usando um
suporte tecnológico para realizar a comunicação e a interação que caracteriza a
telepresença.
O objetivo do jogo é cada jogador tentar pegar quantas pedrinhas puder antes
que um dos jogadores pegue todas as pedras de seu lado do tabuleiro. Ainda
segundo a regra cada lado do tabuleiro pertence a um jogador (em cima e embaixo).
Os seis buracos mais próximos de cada jogador pertencem a ele e um buraco maior,
74
que é chamado Mancala, fica à sua direita.
Os jogadores se alternam. Na sua vez, cada jogador escolhe um grupo de
pedrinhas de um buraco de seu lado do tabuleiro. Cada pedra é colocada uma por
uma ao redor do tabuleiro, incluindo a Mancala do jogador, mas não a do adversário.
que se observar que, como é o computador que distribui as peças no tabuleiro,
não existe nenhuma preocupação em se especificar na regra que o sentido do
movimento de distribuição das pedras é anti-horário.
As regras consideram como chances extras quando a última pedrinha cai na
própria Mancala do jogador porque ele pode jogar de novo. E as capturas
acontecem se a última pedrinha cai em um buraco vazio no lado do próprio jogador,
ele captura todas as pedras dos buracos de seu adversário que estejam em posição
oposta, incluindo sua pedra.
O jogo termina quando um jogador não tem mais pedrinhas do seu lado do
tabuleiro. O vencedor é aquele com o maior número de pedras em sua Mancala ou
que esteja sobrando em seu lado do tabuleiro.
Nesse jogo que é destinado a crianças pequenas, ao colocarmos a seta sobre
um dos buracos do tabuleiro, seja de qual lado for, o computador mostra quantas
pedras aquele buraco contém. Isso é um facilitador para o jogador saber se é ou não
conveniente retirar as pedras desse buraco.
Nota-se também que não existe muita preocupação com as informações
fornecidas na regra, uma vez que o jogador não terá como alterar a dinâmica do
jogo que é determinada pelo computador.
Numa comparação entre os jogos presenciais e os eletrônicos, apresentados
nesse capítulo, verificam-se tanto semelhanças quanto singularidades que podem
ser sumarizadas da seguinte forma:
1- Formato do tabuleiro - Os três jogos eletrônicos têm o mesmo formato de
tabuleiro de 2 fileiras por seis buracos como no Wari e no Endodoi.
2- Forma de captura - A forma de captura dos jogos eletrônicos se
assemelham apenas à do Endodoi. Elas também têm algumas variações.
3- Movimento das peças - nesse aspecto os jogos eletrônicos têm apenas a
volta simples como no Wari. Os demais jogos presenciais descrito adotam a volta
múltipla.
4- Objetivo do jogo - Os jogos eletrônicos têm o mesmo objetivo da maioria
dos jogos presenciais. Apenas um jogo, o Hus, foge a essa regra.
75
5- Uso dos depositários - Somente os jogos eletrônicos utilizam os
depositários como campo de jogo. Estranhamente, essa utilização se repete em
jogos presenciais da Indonésia, Malásia e Filipinas.
6- Quantidade de sementes em cada buraco no início da partida - todos os
três jogos eletrônicos usam o mesmo número de peças que o Wari e o Endodoi.
7- Sentido do movimento - os jogos eletrônicos utilizam o sentido anti-horários
assim como os jogos presenciais, com exceção do Hus que é no sentido horário.
8- Colheita de sementes - em todos os jogos, eletrônicos e presenciais, os
jogadores recolhem totalmente as peças de um buraco de seu lado do tabuleiro para
iniciar uma partida.
Se é possível afirmar que tais aspectos delimitam a aparência formal tanto do
jogo em ambiente presencial quanto virtual, por outro lado é preciso reconhecer que
não são suficientes para determinarem e explicarem as variáveis do processo
comunicacional ou seja, o que acontece no processo de interação nesses dois
formatos.
Pode-se perguntar, primeiramente, que aspectos comunicativos prevalecem
nos dois ambientes? Que outros se diferenciam? Quais são os níveis de imersão
nos dois formatos?
Uma vez que a mediação do jogo é realizada pelo computador isso modifica a
percepção do jogador no ambiente virtual?
Tanto em seu formato presencial quanto virtual a Mancala se caracteriza por
ser um jogo de estratégia. Mas quando da remediação do jogo para o computador,
algumas adaptações podem comprometer esse aspecto?
E como se manifestam o sentimento de comunidade nos dois formatos?
Essas são perguntas que o terceiro capítulo buscará responder com o
objetivo de tentar entender um pouco mais os processos da comunicação dentro do
jogo da Mancala e buscar constatar as similitudes e divergências que acontecem
quando o jogo é transportado de seu formato presencial secular para seu formato
virtual contemporâneo.
76
4 A PRÁTICA DA MANCALA
4.1 Introdução
Tendo em vista o objetivo de investigar as adaptações que acontecem no
processo de remediação do jogo da Mancala do ambiente presencial para o virtual,
como definido nos dois primeiros capítulos, e também as características das
interações e da imersão nas duas versões do jogo, foi preciso realizar uma
aproximação qualitativa não apenas da estrutura do jogo, como apresentado
anteriormente, mas nas formas e na experiência de jogá-lo.
Para tanto, optou-se pelo desenvolvimento de um processo de observação
qualitativa das práticas do jogar nos dois ambientes estudados, de forma a desvelar
as semelhanças e diferenças, as continuidades e rupturas no processo de
remediação do jogo.
A investigação da prática da Mancala por um grupo de jogadores no ambiente
presencial foi importante para perceber que o domínio da dinâmica do jogo é
essencial para que os jogadores atinjam um dado nível de interação mútua e, em
conseqüência, de imersão no jogo. Por dinâmica do jogo entende-se aqui mais do
que o atendimento à regra, mas também os movimentos característicos da Mancala
que consistem em distribuir as peças no sentido anti-horário, colocando uma peça
de cada vez nas casas subseqüentes, que é a mesma em todos os jogos
presenciais e virtuais observados, e também à dinâmica de captura das peças, que
são mais variadas. Sem esse domínio, o jogar não acontece no ambiente presencial
e os jogadores ficam indefinidamente distribuindo peças sem qualquer finalização,
seja uma derrota ou uma vitória.
no ambiente virtual, a performance dos jogadores, definida pelo seu
domínio da dinâmica do jogo (regra + o jogar) sofre outra organização, dada pelo
papel que a própria mídia realiza na mediação, como veremos mais à frente.
Tais singularidades no processo de remediação do Mancala, acabou por
definir a necessidade de realização de um processo de observação do jogo e dos
jogadores nos dois modelos aqui estudados, com base na perspectiva antropológica
da etnografia.
77
4.2 Breves considerações metodológicas
Como a bibliografia sobre o tema revela, a etnografia se mostrou indicada na
medida em que se configura como um método de pesquisa essencialmente
qualitativa, capaz, como observa o pensador francês, vi-Strauss (1970), de
permitir a reconstituição, tão fiel quanto possível, da vida dos sujeitos observados.
No campo da Comunicação, o todo etnográfico tem sido usado desde a
consolidação, nas últimas décadas do século XX, do diálogo desse campo com a
antropologia, a partir dos trabalhos de Jesús Martín-Barbeiro, Carlos García
Canclini, Ángel Rama e Beatriz Sarlo, entre outros teóricos latino-americanos da
Comunicação e dos Estudos Culturais Ingleses. E desde então vem sendo cada vez
mais utilizado.
Historicamente a etnografia foi concebida e aplicada a grupos humanos em
interações face a face, o que torna a sua escolha natural na investigação da prática
presencial do objeto empírico da pesquisa, o jogo de estratégia da Mancala.
A utilização da observação e da descrição densa dos sujeitos e das
interações que estabelecem entre si, mediados pelo jogo da Mancala, foi um
elemento central da pesquisa em sua fase empírica, demandando, entretanto, sua
ampliação para o ambiente da internet.
Além da observação direta para coleta de informações e os registros em
diário de campo, a seleção de informantes para aplicação de entrevistas abertas e
participação nas atividades do grupo pesquisado visa à construção de um relato
sobre uma situação comunicacional “microscópica”, onde o que interessa são as
circunstâncias e o ocorrido.
As generalidades nesse caso são possibilitadas pela sutileza das distinções
e não pela dimensão das abstrações, tirando conclusões a partir de fatos pequenos
(BRAGA, 2001, p. 4). É através da inspeção dos acontecimentos e de seus sistemas
de símbolos que devemos buscar a compreensão de sua lógica informal que articula
as formas culturais.
na pesquisa em meios mediados por computador através do uso da
Internet é sempre necessário ajustar alguns pressupostos da etnografia
12
a esse
12
Nesse ambiente, o método etnográfico vem sendo chamado netnografia, um neologismo surgido da
união de net = rede com etnografia, cunhado por um grupo de pesquisadores(as) norte-
78
novo objeto. O exame das práticas comunicacionais que acontecem no ambiente
proporcionado pela Internet é um grande desafio metodológico.
É necessário conviver com os ambientes virtuais investigados para perceber
nuances da mesma forma que na observação do ambiente presencial, mas essa
percepção se dá muitas vezes mais pelo que as pessoas escondem do que pelo que
demonstram devido ao fato de serem todos interatores que utilizam uma máscara
disponibilizada pelos programas.
Um ponto importante é o fato de serem muito recentes os processos de
interação social que ocorrem nos ambientes que a rede mundial de computadores
disponibiliza. Dessa forma, a comunicação nesse novo ambiente parte de
estratégias individuais e grupais que não foram herdadas, mas adquiridas por
apropriação e adaptação de regras estabelecidas e próprias de outros contextos
relacionais.
É assim que existem jogadores que trazem a experiência de jogar a Mancala
presencial para o ambiente virtual, da mesma forma que também existem aqueles
que só conhecem jogos eletrônicos e, portanto, demonstram a princípio muito menos
conhecimento do universo do jogo. Os primeiros trazem seu conhecimento prático e
lógico e os segundos o seu desconhecimento intuitivo e informal.
Para investigar tudo isso, aplicou-se o método etnográfico nos dois ambientes
comunicacionais com os resultados relatados a seguir.
4.3 Observação participante do jogar da Mancala no ambiente presencial
O processo de definição do campo de pesquisa do objeto empírico presencial
da Mancala foi árduo a princípio para se revelar frutífero no final. A primeira idéia era
a identificação de comunidades tradicionais, ou seja, grupos que se organizam
exclusivamente em torno do Mancala. No entanto, tais comunidades parecem não
existir, nos dias atuais, no Brasil. Em complementação à pesquisa realizada no ano
de 2006 na Bahia, citada no segundo Capítulo, foi realizada uma busca entre as
americanos(as) que incluem Bishop, Star, Neumann, Ignácio, Sandusky e Schatz, no ano de 1995,
para descrever o desafio metodológico de preservar os detalhes ricos da observação em campo da
etnografia com o uso do meio proporcionado pela web com o intuito de observar seus usuários e o
seu uso.
79
comunidades ligadas às tradições africanas no nosso país, sem qualquer sinal de
conhecimento do jogo, quanto mais de sua prática por parte dessas comunidades.
Nas redes sociais Orkut e Facebook existem comunidades de apreciadores
do jogo presencial da Mancala, mas todas são muito dispersas, com seus
participantes vivendo em cidades distantes. Nenhuma delas organiza atividades de
prática do jogo com freqüência, se limitando a divulgar a existência do jogo, suas
regras e depoimentos do tanto que apreciam jogá-lo eventualmente, com familiares
ou amigos. Mas nada organizado o bastante para a realização de uma observação
de sua prática.
A identificação de uma comunidade de jogadores na ilha de Antigua e
Barbuda, na América Central, mostrou-se interessante, mas inviável, em função do
prazo para a realização desta pesquisa.
A descoberta da existência de atividades extracurriculares, em escolas da
rede municipal de educação de Belo Horizonte, com a utilização de jogos, acabou se
revelando um campo de investigação rico para a pesquisa porque nele se pode
observar jogadores que ainda não haviam adquirido grande vivência do jogo, o que
se revelou uma característica importante no entendimento do processo
comunicacional tanto no ambiente presencial quanto no virtual.
Embora lidando com estudantes, o interesse dessa fase da pesquisa empírica
não era o de investigar a utilização pedagógica do jogo da Mancala, mas sim sua
prática interativa e lúdica. Tais escolas utilizam o jogo em atividades extra-
curriculares onde os estudantes jogam pelo prazer de jogar, a despeito da atividade
ocorrer em casos de excepcionalidade (chuva, falta de professor etc.). Os jogos
utilizados foram desenvolvidos pela Origem, Jogos e Objetos
13
, em um projeto
denominado Oficina do Pensar e Agir. Trata-se de uma mala com 11 jogos
especialmente escolhidos para desenvolverem o gosto do jogar, em adolescentes da
faixa etária de 11 a 15 anos. Dentre jogos diversos figura a Mancala como na Figura
18 abaixo.
13
A Origem Jogos e Objetos é uma empresa que pesquisa, desenvolve, produz e comercializa jogos,
quebra-cabeças e outros objetos lúdicos e o autor dessa dissertação é um de seus proprietários.
80
Figura 18: Jogo da Mancala que faz parte da Oficina do Pensar e Agir
Fonte: Desenho de Maurício de Araújo Lima
A Escola Municipal Hélio Pelegrino, no Bairro Guarani, em Belo Horizonte,
com cerca de 1.300 alunos que se distribuem em 41 turmas do ensino básico em
três turnos diários foi escolhida para ser o campo da observação da Mancala
presencial. Segundo sua coordenadora Adriana de Jesus (2009), a escola utiliza os
jogos da Oficina do Pensar e Agir como uma atividade para alunos de 4ª aséries,
nos dias de chuva, em substituição aos esportes, e em dias comuns, quando
acontece a falta de algum professor. Essa atividade acontece nas próprias salas de
aula e são supervisionadas pela coordenadora.
Segundo a responsável, a decisão de trabalhar com jogos nas escolas se deu
pelo que eles proporcionam em termos de desenvolvimento do potencial de
raciocínio dos alunos, uma vez que a maior dificuldade em termos de aprendizado
deles vem do fato de que o estão treinados para raciocinar. Segundo ela, os
alunos não têm problemas relacionados à transmissão de informações, uma vez que
têm um bom acesso aos meios de comunicação, mas o mesmo não acontece
quando a necessidade é desenvolver o raciocínio lógico.
Para a coordenadora, os jogos são como que motivadores do raciocínio lógico
por parte dos alunos, que aprendem a pensar ao mesmo tempo em que se divertem.
Dessa forma, Adriana passou a usar jogos em todas as escolas que atua como
coordenadora porque, segundo ela, o retorno é facilmente detectável.
A observação da prática da Mancala presencial foi realizada em 4 turmas com
4 duplas jogando a Mancala simultaneamente sob a supervisão de uma professora.
A posição do pesquisador em todas as ocasiões foi de observador participante, uma
vez que os alunos tinham consciência da minha presença e sabiam do meu
conhecimento do jogo, mas estavam instruídos sobre a necessidade de que
81
jogassem por si próprios, podendo recorrer a mim a respeito de dúvidas sobre a
dinâmica do jogo. Desde o início ficou bem claro que eu não ensinaria qualquer
estratégia relacionada à Mancala.
Essa observação aconteceu durante o mês de novembro de 2009 em turmas
consecutivas. Os jogos eram distribuídos para alunos que se interessavam
particularmente em praticá-los, a professora dava instruções gerais sobre as regras
do jogo e os alunos também podiam recorrer a um folheto que explicava como jogar.
Desde o início pode-se observar que a Mancala é considerada um jogo de
difícil aprendizado. O sentido da distribuição de peças no tabuleiro, a quantidade
delas que se coloca em cada casa, o mecanismo de captura, nada era de fácil
assimilação por parte das duplas. E, tendo em vista que, no jogo presencial, as
mediações são realizadas pelo tabuleiro, peças e regras, é de grande importância
que os jogadores tenham consciência concreta de como lidar com esses três
componentes.
Observou-se que, enquanto os jogadores não entendem como realizar a
distribuição de peças no tabuleiro eles não têm condições de compreender que
situações podem levar a uma captura de peças do adversário. Ou quais as suas
casas no tabuleiro que estão ao alcance do adversário para assumirem uma atitude
de defesa.
Foi observado também que apenas quando os dois jogadores da dupla
compreendem totalmente a dinâmica de distribuição das peças e se habituam a
realizar os movimentos com precisão é que eles atingem o que pode ser
considerado uma interação mútua, ou seja, que leva em consideração o último
movimento do adversário.
Observou-se também que é a partir da existência dessa interação entre os
jogadores que acontece a imersão no jogo. Essa imersão transparece numa
profunda atenção a todos os movimentos e numa longa reflexão antes de cada
jogada. E que essa imersão, por sua vez, é o que faz com que os jogadores se
interessem pelo jogo.
Foram observadas quatro turmas que chamarei Turma 1, Turma 2, Turma 3 e
Turma 4. Em cada turma o jogo foi praticado por 4 duplas, que serão denominadas
dupla A, dupla B, dupla C e dupla D.
Nenhuma das duplas da Turma 1 tinha conhecimento prévio da dinâmica do
jogo da Mancala. Por isso, foi decidido que seria mais prático concentrá-las todas
82
numa parte da sala. Pensava-se que, dessa forma, seria fácil para a professora
ensinar o jogo para todos de uma vez e que, assim, as dúvidas poderiam ser
sanadas com mais agilidade. Essa distribuição, no entanto, mostrou-se equivocada
porque, ao tentar ensinar a todas as duplas ao mesmo tempo, a professora não se
detinha no jogo de cada uma o suficiente para corrigir os erros de forma a que eles
aprendessem a dinâmica direito.
Todas as quatro duplas passaram então a “fingir” que estavam jogando,
demonstrando total desinteresse pelo jogo, porque não compreendiam sua dinâmica
e não percebiam a estratégia possível de ser empregada. Isso tornava o jogo
desinteressante para elas.
Em seguida, algumas duplas perceberam que a professora estava confusa
com a situação e resolveram aproveitar para tentar enganá-la ainda mais. Resolveu-
se então desfazer uma das duplas e passar o jogo para uma outra dupla que estava
mais afastada que será denominada dupla A. A partir de então, a professora passou
a dedicar sua atenção totalmente a dupla A na intenção de fazer com que ela
aprendesse a dinâmica do jogo.
Uma das duplas anteriores, que será denominada dupla B, se sentiu
desafiada a aprender o jogo sem ajuda da professora e conseguiu. As duplas A e B,
da Turma 1, desenvolveram a partir de então certa estratégia de ataque e
demonstraram um certo nível de imersão.
As duplas C e D da Turma 1 não chegaram a desenvolver o conhecimento da
dinâmica do jogo e por isso não prosseguiram na sua prática, que se tornou
desinteressante para elas. As duas duplas escolheram outros jogos para continuar a
atividade.
Na Turma 2 a situação foi diferente porque algumas duplas tinham
conhecimento da dinâmica do jogo. Logo pode ser observada uma imersão mais
intensa dos jogadores da dupla A, porque eles começaram a contar o número de
sementes que suas casas continham. Isso era feito com o objetivo de verificar que
casa o jogador consegue alcançar no campo do adversário para gerar uma situação
de captura.
Ficou evidente também que o movimento das peças era mais rápido porque a
dupla A tinha exercitado a dinâmica do jogo mais vezes e tinha uma noção maior
de situações que se repetem em diversas partidas. É quando os jogadores passam
a perceber certos padrões de movimentos possíveis que são interessantes quando o
83
objetivo é capturar peças do adversário
A dupla B da Turma 2 demonstrou o mesmo conhecimento da dinâmica do
jogo. A jogadora da dupla que teve a melhor performance demonstrou todo seu
envolvimento quando esmurrou a mesa fazendo com que sementes capturadas
fossem parar no chão. Ela também demonstrou a imersão em que se encontrava
pelos olhares em que deixava perceber que tinha consciência de uma jogada em
que faria captura caso sua adversária não se defendesse.
As duplas C e D da Turma 2 demonstraram ter menos conhecimento da
dinâmica do jogo. Elas chegaram a aprender os movimentos, mas não avançaram
no entendimento da estratégia. Essas duas duplas desistiram de jogar a Mancala e
procuraram um outro jogo para praticar. se tornara claro como o nível de
interação mútua influencia no interesse que os jogadores demonstram pelo jogo.
Constatou-se também que seria interessante utilizar uma câmera fotográfica
para registrar os níveis de imersão das duplas observadas, o que foi feito com as
turmas seguintes. Outra decisão tomada foi a de observar duas turmas distintas,
uma em que os alunos não tivessem prática do jogo e outra em que eles tinham
praticado a Mancala pelo menos uma vez anteriormente.
Na Turma 3, as duplas foram formadas por jogadores que não tinham
conhecimento da dinâmica do jogo. O objetivo era demonstrar que a falta de prática
dessa dinâmica se reflete com intensidade na sua interação e, portanto, na imersão
dos jogadores.
As regras da Mancala o foram de fácil assimilação para as duplas. Os
sessenta minutos de duração da dinâmica não foram suficientes para que elas
adquirissem a habilidade de manejar o jogo para passar à fase de planejar uma
estratégia.
Todas as duplas da Turma 3 (Figura 19) apresentaram apenas alguns
momentos de compreensão da dinâmica do jogo. E o chegaram a desenvolver
qualquer estratégia de ataque ou defesa.
84
Figura 19: Foto dupla A e dupla B da turma 3.
Fonte: Fotografia de Maurício de Araújo Lima
Como se pode perceber na imagem anterior, a dupla da frente demonstra um
pouco de concentração porque chegou a entender a dinâmica de distribuição de
peças, mas pouca imersão que é caracterizada pelo olhar atento no tabuleiro,
porque não entendeu a estratégia para captura de peças. a dupla de trás
demonstra total desatenção e nenhuma imersão pela postura displicente diante do
jogo. Essa segunda dupla muitas vezes fazia a distribuição de peças de forma
equivocada o que leva o jogo a transcorrer indefinidamente porque os jogadores não
realizam capturas de peças. Ou seja, o jogo não acontece.
85
Figura 20: Foto dupla C turma 3
Fonte: Fotografia de Maurício de Araújo Lima
A dupla C da Turma 3 até aprendeu a dinâmica mas o domínio da estratégia
não foi suficiente para as jogadoras demonstrarem imersão no jogo. (Figura 20).
Na Turma 4 foram observadas apenas duas duplas de jogadores que já
tinham praticado o jogo anteriormente e, portanto, tinham um bom conhecimento da
dinâmica da Mancala. O objetivo era mostrar o bom nível de imersão que se pode
observar quando os jogadores traçam estratégias de ataque e defesa.
Os jogadores da dupla A demonstraram boa interação no jogo, contando as
peças para calcular que casa podia ser atingida no campo do adversário. A
performance dessa dupla foi positiva em termos de montagem de estratégias para a
captura de peças dos adversários, apesar de nenhuma tática em relação à defesa
ter sido observada entre os jogadores. Isso caracteriza uma interação mútua parcial
uma vez que os jogadores reagem a situações deixadas pelo adversário que
favorece uma captura, mas não reagem a situações que ameacem o seu próprio
campo onde o adversário possa capturar.
Como pode ser observado na Figura 21 seguinte, os jogadores demonstraram
imersão nas partidas mantendo uma atenção concentrada nos movimentos do
86
adversário e se mantendo alheios ao barulho do ambiente.
Figura 21: Foto dupla A turma 4
Fonte: Fotografia de Maurício de Araújo Lima
A dupla A teve bom grau de imersão demonstrado pelo olhar fixo no tabuleiro.
A dupla B também demonstrou a existência de interação mútua, com os dois
jogadores contando as peças de suas casas para realizar captura de peças do
adversário. Na Figura 22 seguinte é possível observar o contraste do
comportamento das duplas A e B, que jogavam a Mancala, com o dos colegas que
estão ao fundo e que praticavam um outro jogo. Pode-se perceber o alto grau de
barulho no ambiente que poderia ser motivo de distração dos jogadores, mas isso
não os perturbou em absoluto.
87
Figura 22: Foto dupla A e dupla B da turma 4
Fonte: Fotografia de Maurício de Araújo Lima
A dupla B da Turma 4 também teve bom nível de imersão, demonstrado pelo
olhar fixo numa de suas casas para saber quantas peças ela continha.
A observação da prática da Mancala no ambiente presencial comprovou a
importância do domínio da dinâmica de distribuição de peças e das situações de
captura para que o jogo aconteça. Porque nesse formato, a inexistência dessa
conscientização dos jogadores faz com que eles simplesmente brinquem de trocar
peças de lugar. Dessa forma, muitas vezes foi observado que os jogadores ficam
indefinidamente movendo suas peças no tabuleiro, de forma aleatória, como se o
jogo não tivesse uma finalização, propriedade fundamental em sua definição
segundo Parlett (1999). O mesmo não acontece no jogo quando ele é transposto
para a internet e como foi observado na observação realizada das plataformas que
oferecem a Mancala na web.
O que se pôde observar é que, o grau e a qualidade da interação e imersão,
mediada pelo jogo Mancala, está diretamente relacionada ao domínio de estratégias
que compõem a dinâmica do jogo e definem a performance dos jogadores. Como
ficará mais claro à frente, é este domínio que mantém ou não o jogo no campo das
88
estratégias e caracteriza o tipo de interação e imersão próprios.
4.4 A netnografia do jogar da Mancala na web
A escolha do campo de investigação da Mancala no ambiente virtual
aconteceu a partir do mapeamento e da identificação das interfaces em que o jogo é
oferecido nesse ambiente com o objetivo de escolher as versões que melhor
permitissem uma comparação com a observação realizada no ambiente presencial.
A investigação de jogos de Mancala na web que são praticados contra o
computador foi descartada tendo em vista que eles se caracterizarem por uma
interação reativa. Os sites "Qplay Games" (2007), "Playok" (2010) e "Clube Pinguin"
(2010) foram os escolhidos por permitirem a observação da interação entre duas
pessoas mediada pelo computador e, portanto, possibilitarem a existência de uma
interação mútua já caracterizada no ambiente presencial.
Nos meses de outubro e novembro de 2009 foram observadas partidas tanto
entre dois outros jogadores quanto entre o observador e um outro jogador. Os dois
casos caracterizam uma observação participante, uma vez que os jogadores têm
consciência da presença do observador mesmo quando este não participa do ato de
jogar.
A partir do término da investigação realizada no ambiente presencial a
observação se concentrou nas questões relacionadas a dois pontos observados no
ambiente presencial: a necessidade de domínio da dinâmica de distribuição e da
captura das peças e a possibilidade do jogo deixar de se caracterizar pela estratégia
dos jogadores, ou consciência dos movimentos, para se transformar em um jogo de
azar, que só depende da sorte.
No primeiro caso, o que se observou foi que a necessidade de entender a
dinâmica se transfere para outro aspecto do processo interacional. O jogo, no
ambiente virtual, é praticado numa interface com a representação do mesmo
tabuleiro usado no ambiente presencial bem como de peças semelhantes, que
variam de um para o outro, mas sempre remetendo às suas similares no ambiente
presencial. No entanto, a distribuição e a captura das peças são realizadas pelo
computador. A um clique do jogador, o computador realiza os movimentos
89
necessários.
Ao deixar de realizar as movimentações das peças os jogadores passam a
necessitar de uma visualização de como essa movimentação de peças aconteceu,
depois que o computador a realiza. Do contrário, eles não têm condições de traçar
uma estratégia de captura e defesa de suas peças o que o transforma num jogo em
que a sorte é que determina vitória ou derrota. E isso nem sempre é muito fácil
dependendo da sofisticação do programa oferecido.
E, no segundo caso, o que se observou é que a grande diferença em relação
ao jogo no ambiente presencial observada está no fato de que, no ambiente virtual,
os jogadores não necessitam ter consciência dessa dinâmica para que as partidas
aconteçam.
Uma vez que basta clicar aleatoriamente para o computador realizar a
movimentação exata das peças, além de realizar a captura das sementes e ao final
determinar derrota e vitória, é perfeitamente possível que o jogador participe de uma
partida sem ter conhecimento das regras envolvidas.
Quando isso acontece entre dois jogadores iniciantes, a sorte é que
determina a vitória. E, quando um dos jogadores tem prática do jogo e enfrenta um
adversário com pouca ou nenhuma consciência da dinâmica e da estratégia e joga
aleatoriamente e na sorte, o jogador conhecedor do jogo geralmente não tem
interesse em prosseguir contra esse tipo de adversário.
Isso ficou bastante evidenciado na observação de partidas (Figura 23) no site
"Playok" (2010) que são jogadas na seguinte interface:
90
Figura 23: Interface jogo site playok
Fonte: Playok, 2010
Dentre os sites investigados, esse é o menos resolvido em termos visuais,
não dispõe de nenhum recurso sonoro e não contém nenhuma referência ao
contexto cultural do jogo, bem como não faz qualquer referência à forma tradicional
de jogá-lo. Mas é freqüentado por jogadores aficcionados de jogos tradicionais e
que demonstram um bom conhecimento da dinâmica do jogo da Mancala.
O que se observa nesse site é que os jogadores escolhem com quem
querem jogar e não têm paciência com iniciantes. Existe grande hierarquização com
salas de jogo de acesso restrito e os jogadores são classificados segundo um
ranking que leva em conta as vitórias e derrotas alcançadas. Os jogadores mais
veteranos têm a possibilidade de exigir um mínimo de pontos para aceitarem o
adversário e contam também com a possibilidade de escolherem salas de acesso
restrito em que não se pode sequer observar o jogo sem ser convidado.
O que se observa em jogos entre jogadores bem classificados no ranking,
quando eles permitem essa observação, é uma grande dificuldade de acompanhar
as jogadas pela rapidez com que clicam. Quando dois jogadores de níveis
diferentes se enfrentam observa-se que o iniciante realiza jogadas sem nenhuma
conscientização de estratégia. Até mesmo para jogadores com bom conhecimento
da dinâmica do jogo fica difícil visualizar as movimentações de peças que são
automáticas.
91
Esse site acaba se caracterizando por abrigar uma comunidade de
conhecedores que dominam a dinâmica do jogo com grande facilidade e que,
portanto, não necessitam de maiores recursos tecnológicos para praticarem a
Mancala virtual.
O site "Qplaygames" (2010) tem uma interface que utiliza recursos visuais e
sonoros que simulam uma maior aproximação com os elementos culturais ligados ao
jogo. (Figura 24). A primeira interface apresenta informações sobre a Mancala,
conforme a ilustração abaixo, onde no box está escrito que se trata de um jogo de
estratégia africano que leva um instante para ser aprendido e uma eternidade para
ser dominado:
Figura 24: Interface inicial site Qplay games
Fonte: Qplaygames, 2010
Ao clicar na opção Mancala, o jogador é enviado a um ambiente virtual que
simula um quintal africano conforme as Figuras 25 e 26 abaixo:
92
Figura 25: Interface árvores site Qplay games
Fonte: Qplaygames, 2010
Figura 26: Interface quintas africano site Qplay games
Fonte: Qplaygames, 2010
93
A interface onde se pratica o jogo é mostrada na Figura 27 abaixo:
Figura 27: Interface com tabuleiro de Mancala Qplay games
Fonte: Qplaygames, 2010
Esse é um site que disponibiliza diversos jogos especialmente desenvolvidos
para computador e apenas alguns jogos tradicionais. Os jogadores são menos
conhecedores da dinâmica da Mancala e a interface possibilita que se jogue
contra um outro jogador, não oferecendo a possibilidade de se observar outros
jogadores praticando o jogo.
A interface é mais bem resolvida em termos visuais e conta com recursos
sonoros que também facilitam a percepção das jogadas. Os jogadores se alternam
entre conhecedores e iniciantes. Nessa plataforma é possível jogar utilizando
apenas a sorte desde que o adversário seja um iniciante.
Mas não é preciso dominar de forma automática a dinâmica do jogo, uma vez
que os movimentos das peças é mais lento e conta com recursos visuais e sonoros
que facilitam essa percepção.
O terceiro site, "Clube Pinguim" (2010) é apresentado na interface abaixo
(Figura 28) e utiliza recursos sonoros e visuais avançados, mas sem qualquer
preocupação com o contexto cultural do jogo:
94
Figura 28: Interface inicial site Clube Pinguim
Fonte: Clube Pinguim, 2010
Para chegar ao local da prática da Mancala é preciso percorrer um longo
caminho que se inicia no Centro (Figura 29):
Figura 29: Interface Centro do Clube Pinguim
Fonte: Clube Pinguim, 2010
95
Passa pelo Café (Figura 30):
Figura 30: Interface café Clube Pinguim
Fonte: Clube Pinguim, 2010
De onde se sobe uma escada para adentrar a Sala de Leitura onde estão à
disposição dos avatares cinco Mancalas (Figura 31).
Figura 31: Interface sala de leitura Clube Pinguim
Fonte: Clube Pinguim, 2010
96
Não é sentar porque antes é preciso encontrar um parceiro para jogar. Ao
conseguir, surge a interface abaixo onde se pratica o jogo (Figura 32).
Figura 32: Interface do tabuleiro de Mancala Clube Pinguim
Fonte: Clube Pinguim, 2010
Nesse site, que é freqüentado basicamente por crianças, a facilidade de se
jogar aleatoriamente é ainda maior. Foi observado que é possível até mesmo
vencer as partidas clicando aleatoriamente em qualquer casa. Os jogadores
encerram as partidas no meio e muitas vezes ficam longos períodos sem fazer uma
movimentação qualquer.
Embora seja uma interface bem resolvida em termos visuais e sonoros, em
que os movimentos das peças sejam facilmente detectados, o que mais se observa
são partidas em que a sorte é o maior fator de decisão entre vitória e derrota.
Sendo assim, o jogo se torna uma atividade que não tem 3 características
fundamentais segundo a definição de Jull (2003), os vínculos do jogador com o
resultado, o seu esforço para conseguir a vitória e a valorização que ele a esse
resultado. E, dessa forma, não pode ser considerado como um jogo eletrônico, mas
uma outra atividade lúdica qualquer.
Dessa forma, ao estender a observação para o ambiente virtual percebeu-se
que o jogo, nesse novo ambiente, comporta-se de forma diferente. O jogar da
97
Mancala eletrônica acontece independente do jogador entender ou não a dinâmica,
porque esta é realizada pelo computador. Quando acontece do jogador
simplesmente clicar aleatoriamente nas casas possíveis e com isso conseguir até
mesmo a captura de peças por pura sorte, caracteriza-se uma interação meramente
reativa que não é condição suficiente para o estabelecimento de uma comunicação
plena, segundo o conceito de Teixeira Primo (2000).
Dessa forma, o jogo facilmente deixa de ser um jogo de estratégia, portanto
agon na classificação de Callois (1961), para se transformar em um jogo de azar, ou
alea, para o mesmo autor. Ao considerarmos que, na classificação de Jull (2004)
para os jogos eletrônicos, esse tipo de atividade deixa de ser um jogo, para se
transformar em algo fronteiriço a que ele chama quase-jogo, como no diagrama da
do Capítulo 2, evitar que isso aconteça é um desafio para os programadores na
hora de adaptar o jogo para o ambiente virtual.
4.5 A remediação da Mancala
O que se observa nos sites escolhidos para a investigação é que os
programadores têm consciência da necessidade de sanar algumas dificuldades
inerentes ao fato de os algoritmos serem rígidos e de quantificarem
automaticamente os resultados. Dessa forma, é notável a utilização de recursos
visuais e sonoros com a intenção de facilitar a visualização dos jogadores da
movimentação e da captura das peças. E invariavelmente esses recursos são
descritos na teoria da remediação de Bolter e Grusin.
A utilização de técnicas de explicitação e ocultação do meio eletrônico e, em
particular, da interface computador-homem pode ser facilmente detectada nos três
ambientes virtuais enfocados.
No site "Playok" (2010), o programador utiliza técnicas de hipermediação.
Dessa forma, o programa do jogo acrescenta uma esfera vermelha a cada peça que
é movida. A casa de onde partiu o movimento também é destacada com uma faixa
luminosa fazendo o contorno de seu desenho. Esses dois aspectos podem ser
observados nas duas Figuras 33 e 34 abaixo:
98
Figura 33: Interface hipermediada II Playok
Fonte: Playok, 2010
As peças que são capturadas também são coloridas. Além disso, o programa
coloca o sinal positivo (+) para mostrar quais casas foram atingidas e dois sinais
positivos (++) para aquelas aonde foram realizadas capturas.
Figura 34: Interface com captura Playok
Fonte: Playok, 2010
99
no site "Qplaygames" (2010) o recurso utilizado pelo programador
caracteriza uma imediação com o objetivo de apagar os vestígios do meio e
transportar o jogo para um ambiente virtual em que ele se sinta imergir.
Eis que, ao clicar em uma casa de seu lado do tabuleiro, o jogador suas
peças alçarem vôo, com a leveza de um movimento em câmera lenta, a que o uso
de sombras luminosas e o som das peças sendo depositadas no tabuleiro
acrescentam uma ilusão de movimentos reais.
Como pode ser vislumbrado nas Figuras 35 e 36 abaixo:
Figura 35: Interface com imediação I Qplay Games
Fonte: Qplay Games, 2010
100
Figura 36: Interface com imediação II Qplay Games
Fonte: Qplay Games, 2010
No site "Clube Pinguin" (2010) a estratégia utilizada pelo programador na
remediação da Mancala se apresenta como uma imediação ainda mais bem
executada. Pode-se observar na Figura 37 abaixo que as peças do jogo também
flutuam e pousam lentamente no tabuleiro, mas as sombras o ainda mais
perfeitas, o som de peças pousando na madeira é mais discreto e a ilusão é ainda
mais convincente.
101
Figura 37: Interface com imediação Clube Pinguim
Fonte: Clube Pinguim, 2010
Mas o que se observa de uma forma é geral é que esses recursos ainda são
muito limitados quando o que se busca é conseguir que os jogadores realmente
passem pela experiência de uma imersão que motive a sua participação ativa e
concentrada.
O jogo da Mancala transposto para a internet se caracteriza, nos três casos
observados, pela pouca utilização de recursos desenvolvidos pela indústria dos
games no sentido de adaptar o gosto pelos jogos ao novo meio. Dessa forma, não
existem investimentos no desenvolvimento de narrativas e animações mais
ambiciosas, bem como a utilização de recursos de telepresença como visores em
três dimensões.
Embora se encontre preservada a possibilidade de experimentar o desafio de
desenvolver uma estratégia vencedora também no ambiente virtual, em que dois
jogadores se conectam para disputar uma partida desse jogo milenar, muitas vezes
a falta de recursos mais sofisticados leva a que os jogadores possam
experimentar uma interação puramente reativa que não caracteriza um sistema
aberto com maiores possibilidades de evolução dentro do universo lúdico dos jogos
modernos.
102
5 CONCLUSÕES
A pergunta geral que essa dissertação procurou responder refere-se ao
processo de remediação do jogo da Mancala tradicional para o ambiente virtual.
Para tanto, o trabalho procurou inicialmente entender o jogo como parte integrante
da cultura e suas implicações no estudo da comunicação.
Utilizando-se da base classificatória de Caillois (1958), buscou-se um
aprofundamento na descrição do tipo de jogo de que trata a dissertação, ou seja, um
jogo de estratégia. Nesse sentido, a Mancala foi classificada simultaneamente na
categoria de agon, por pressupor uma disputa ou competição com o objetivo de
alcançar a vitória a partir de uma estratégia vencedora, e também na categoria de
ludus, porque para vencer é preciso esforço e persistência.
Como afirmado nos dois primeiros capítulos, um jogo de estratégia
caracteriza-se pela busca de um rumo a se tomar de forma a atingir um fim
específico e, para tanto, demanda táticas oportunas, fruto da interação entre os
sujeitos que jogam, e táticas corretivas, que visam à alteração de percursos.
Ao buscar um entendimento do processo de remediação, foi necessário
também compreender as características culturais e comunicacionais dos jogos
eletrônicos, de forma a permitir a análise e a comparação dos processos de
interação e imersão na situação presencial e na situação mediada pelo computador.
Neste particular, dada à característica do jogo em análise em sua condição de jogo
de estratégia, o conceito de telepresença mostrou que poderia ser particularmente
importante, de forma a considerar a ausência da narratividade como fio condutor da
imersão.
No desenvolvimento da abordagem, a explicitação dos conceitos de mediação
e remediação foi realizada, visando garantir uma aderência á pergunta inicial do
trabalho. A descrição do jogo, suas características performáticas e sua relação e
existência em diferentes realidades históricas e culturais, tratada no Capítulo 2,
mostrou-se necessária para garantir o tensionamento dos problemas conceituais
levantados e a realidade empírica do jogo Mancala.
As questões centrais, perseguidas por este trabalho, partiram de duas
realidades empíricas distintas. De um lado, um jogo que pode ser jogado cavando
furos na terra e utilizando pedras ou sementes que estejam à mão, e do outro sua
103
versão digitalizada e inserida no contexto da rede mundial de computadores.
Os jogos presenciais adaptados para serem praticados na internet podem ser
uma fonte de informações sobre as novas formas de jogar? A atração que eles
exercem sobre seus aficcionados pode se comparar com aquela que caracterizou
sua história de centenas de anos?
Para responder a estas questões, o caráter imersivo do jogo eletrônico
adquiriu centralidade no sentido de se entender se o jogo eletrônico é imersivo por si
mesmo ou pelas condições de narratividade que apresenta. O que acontece com a
interatividade no jogo, quando ele é jogado por dois jogadores através da internet?
Quais as diferenças em relação à interação no jogo presencial?
Os jogos eletrônicos podem ser considerados uma continuação dos jogos
presenciais? Pode-se perguntar, primeiramente, que aspectos culturais e, por
conseguinte, comunicativos prevalecem nos dois ambientes? Que outros se
diferenciam? Quais são os níveis de interação e imersão nos dois formatos?
Uma vez que a mediação do jogo é realizada pelo computador isso modifica o
comportamento do jogador no ambiente virtual? A remediação do Mancala para a
rede, compromete sua natureza estratégica? E como se manifesta o sentimento de
comunidade nas duas versões?
Buscou-se responder a essas perguntas de modo a permitir a compreensão
dos processos da comunicação dentro do jogo da Mancala, evidenciando as
similitudes e divergências que acontecem quando o jogo é transportado de seu
formato presencial secular para seu formato virtual contemporâneo.
Com base na pesquisa, o que se observou foi que, ao ser adaptado para o
ambiente virtual, com a possibilidade de dois jogadores conectados pela internet
disputarem uma partida, o jogo da Mancala tem a capacidade de remediar a
interação mútua observada no jogo em ambiente presencial e essencial para a
comunicação plena, segundo Teixeira Primo (2000). Ou seja, a cada movimento de
peças de um jogador, o outro deve atuar ou intervir com consciência para neutralizar
um possível ataque e ao mesmo tempo fazer um movimento que o habilite a
capturar peças do oponente.
Mas essa adaptação tem que sanar dificuldades em relação à percepção do
jogador da dinâmica do jogo, sob pena de transformar a interação em meramente
reativa, como nos jogos eletrônicos em que se joga contra o computador e que,
nesse caso, apresentam uma roteirização que, como também aponta Teixeira Primo
104
(2000), só leva a caminhos determinados a priori.
Esse desafio é enfrentado pelos programadores com recursos que remontam
à teoria de remediação de Bolter e Grusin (2000) e que, segundo uma visão mais
ampla de Manovich (2001), é limitada pelas poucas metáforas com que lida a
interface homem-computador que vigora na atualidade.
As outras perguntas mais específicas levantadas durante a elaboração da
dissertação em sua maioria foram respondidas pela observação empírica.
Foi comprovado que a observação de um jogo milenar, com raízes tribais e
que nos primórdios era jogado em tabuleiros cavados no chão, pode ser uma fonte
de informações a respeito das novas formas de jogar quando se compara a sua
prática no ambiente presencial com a prática de sua adaptação para o meio virtual
Não foi por acaso que a Mancala sobreviveu por milhares de anos a ponto de
ainda ter adeptos no mundo da internet. O jogo tem características que, quando
existe uma igualdade de condições entre os oponentes em termos de domínio da
técnica, o tornam uma fonte inesgotável de desafios a serem superados a cada nova
partida.
Sendo assim, a Mancala é um bom exemplo da eficiência dos jogos
tradicionais mais consagrados em manter o interesse dos jogadores durante a sua
prática. Sua versão virtual, no entanto, é apenas uma transposição do formato
presencial para o meio eletrônico, sem maiores pretensões na utilização de recursos
que, inclusive, vêm consagrando alguns games pelo interesse que despertam numa
multidão cada vez maior de fãs em todo o mundo.
O fato de ser um jogo que foi adaptado para o ambiente virtual sem maiores
investimentos, de uma forma quase caseira em certos casos, foi interessante para
mostrar as limitações impostas aos designers pela interface homem-computador.
A remediação do jogo para o ambiente virtual traz algumas dificuldades
inerentes ao meio virtual. Uma vez que a arte do jogo da Mancala reside no cálculo
de múltiplas mudanças, como assinalado no Capítulo 2, a capacidade de percebê-
las é mais difícil do que, por exemplo, no Xadrez, no qual poucas mudanças ocorrem
num único movimento. Na Mancala, pelo contrário, a situação muda
constantemente.
O fato de o computador realizar os movimentos das peças, e também as
capturas, a partir de um simples clique no teclado, possibilita que o jogo aconteça
independente do conhecimento, por parte dos jogadores, das cnicas e estratégias
105
necessárias para disputá-lo. As interações, dessa forma, podem deixar de ser
mútuas para se tornarem reativas.
Isso compromete o aspecto mais singular do jogo, o fato de exigir o uso de
estratégia em que o sujeito faz o seu caminho para a vitória a cada novo movimento
que realiza, e o transforma em um jogo de pura sorte que, segundo a classificação
de Jull (2003), deve ser considerado um quase jogo e não um jogo no pleno sentido
da palavra.
Isso também comprova que o fato da mediação ser feita pelo computador
modifica a percepção dos jogadores na medida em que eles precisam desenvolver
um outro olhar, muito mais focado no fim do movimento das peças no tabuleiro do
que propriamente no início da jogada.
Todos esses o aspectos comunicativos que ora se diferenciam e ora
prevalecem nos dois formatos. Mas se pensarmos que a Mancala, conforme descrito
no Capítulo 2, tem variações muito mais complexas em termos de distribuição de
peças e capturas, as dificuldades para sua adaptação para o ambiente virtual
provavelmente devem ser ainda maiores. Para comprovar-se isso, no entanto,
seriam necessárias novas investigações.
Da mesma forma, em relação aos níveis de imersão, o formato presencial
propiciou maior investigação do que o virtual. Foi possível perceber a importância de
uma interação plena para que os jogadores consigam atingir um nível alto de
imersão.
No meio virtual, para se detectar os níveis de imersão também seriam
necessárias investigações complementares. Mas quando se sabe da existência de
recursos, por exemplo, de telepresença, como o visor em três dimensões e uma
sonorização sofisticada, que causariam uma verdadeira revolução na concepção de
jogos a serem praticados online pela internet, pode-se supor que o desenvolvimento
desses jogos, em termos imersivos, ainda está muito aquém das possibilidades de
seu potencial.
Além disso, a partir de constatações feitas durante as discussões
desenvolvidas nos primeiros anos do século entre narratologistas e ludologistas,
como visto no Capítulo 1, pode-se também prever que o uso de recursos narrativos
mais sofisticados, com a utilização de mecanismos desenvolvidos a partir do cinema
e da televisão, que vêm sendo usados em videogames de última geração, poderia
ser de grande ajuda na superação das dificuldades cnicas apontadas para se
106
alcançar uma boa imersão no jogo da Mancala virtual.
Embora existam indícios de que a imersão seja um fator inerente ao jogo
independente do ambiente em que é praticado, os recursos narrativos parecem
aprofundar os níveis da sensação imersiva. Mas para responder se o jogo eletrônico
é imersivo por si mesmo ou pelas condições de narratividade que apresenta,
também seria necessário um aprofundamento nas investigações.
Outra pergunta que para ser respondida necessitaria de um aprofundamento
das investigações diz respeito a que ponto os jogos eletrônicos podem ser
considerados uma continuação dos presenciais.
Os jogos de tabuleiro têm uma história de milhares de anos. Na atualidade,
muitas vezes eles são considerados obsoletos, apesar de ainda apresentarem uma
vitalidade capaz de sustentar toda uma indústria em países da Europa, em torno de
novidades que continuam vendendo milhões de pias e conquistando verdadeiras
legiões de fãs. Esse é o caso, por exemplo, de Settlers of Catlan, um jogo lançado
em 1995 na Alemanha, que vendeu desde então mais de 15 milhões de unidades
em todo o mundo.
Embora muitos teóricos defendam a necessidade de que os designers de
jogos eletrônicos se interessem mais em criar uma estrutura convincente para jogar
do que em contar histórias, não podemos negar que o jogador contemporâneo não
opõe qualquer resistência em considerar como legítimos outros tipos de jogos em
que a narrativa herdada do cinema e da televisão se impõe como fator de ludicidade
primordial.
De qualquer forma, observou-se que a atração exercida pelo jogo da Mancala
na internet sobre seus aficcionados é semelhante a toda uma tradição de jogadores
e mestres do jogo principalmente na África e no Caribe. Mas a investigação de sua
abrangência pareceu demasiado vasta diante da necessidade de focar no objetivo
mais geral de investigar o processo de remediação do jogo da Mancala do ambiente
presencial para o virtual considerando a interação, a mediação e os níveis de
imersão dos jogadores durante a sua prática.
107
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